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Análise Psicológica (2000), 3 (XVIII): 325-334

Sobre o choro: Análise de perspectivas


teóricas

ANA SOFIA CORREIA DOS SANTOS (*)

Darwin, citado em Pedro Luzes (1983), foi o 1. É O CHORO DO RECÉM-NASCIDO


primeiro a demonstrar a importância das emo- TEORICAMENTE IMPORTANTE PARA O
ções no estabelecimento das relações interpesso- MODO COMO FREUD CONCEBE A ORIGEM E
ais, com base na sua função de comunicação. As FORMAÇÃO DO APARELHO PSÍQUICO?
emoções, linguagem de base biológica, estão em
estreita relação com os movimentos expressivos. Embora, em toda a sua obra, Freud (1988) não
Constituem um estado total que permite uma in- se tenha debruçado muito sobre o período que
antecede a fase edipiana, atribui ao choro do be-
tercomunicação, nomeadamente, entre crianças e
bé um papel importante na sua teoria.
adultos.
O recém-nascido apenas pode descarregar a
Darwin, citado em Pedro Luzes (1983), fala, sua tensão que surge da sua necessidade interna
não só, dos movimentos expressivos, mas tam- de manifestação difusa, casual das emoções,
bém do reconhecimento desses movimentos, a através de gritos, segundo o esquema reflexo que
propósito do que refere que não há dúvida que os constitui a primeira estrutura do aparelho psíqui-
animais reconhecem os apelos das suas crias que co de Freud (1988).
emitem sinais solicitadores do seu auxílio. Sendo uma expressão de emoção, o choro é
Admite que o mesmo se passa com a espécie hu- primeiro que tudo uma modificação autoplástica.
mana em que os movimentos revelam intenções. Por outro lado, ele é entendido pelo meio como
Na sequência do trabalho de Darwin, citado em um sinal ao qual o meio responde (modificação
Pedro Luzes (1983), várias abordagens foram aloplástica), permitindo uma experiência de sa-
desenvolvidas para tentar delinear o papel das tisfação e aliviando a tensão. Deste modo, a des-
emoções nas relações interpessoais, nomeada- carga adquire uma segunda função, a de comu-
mente a psicanalítica. A presente análise de algu- nicação. Forma-se uma nova estrutura do apare-
mas abordagens vai cingir-se à relação precoce lho psíquico, onde o significado existe ao nível
mãe-filho. elementar do sinal. Daí que Freud, citado por
Anzieu (1979), veja, na utilização do grito do
bebé como «sinal de sofrimento, a origem da
compreensão mútua entre os seres humanos»
(op. cit., p. 18). De algum modo, o choro medeia
(*) Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educa- a experiência de necessidade e a experiência de
ção da Universidade de Lisboa, Alameda da Universi- satisfação alucinatória da necessidade; surge,
dade, 1649-013 Lisboa, Portugal. aqui, o processo psíquico primário.

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A imagem mnésica (de experiência de satis- estudou, experimentalmente, o nascimento dos
fação), que permaneceu associada ao traço mné- afectos no bebé.
sico da excitação da necessidade, é investida pe- Para este autor (1988), no início, existem esta-
la energia psíquica quando ocorre novamente a dos de tensão fisiológica que, progressivamente,
experiência de necessidade. O aparecimento da perdem o seu carácter difuso aparecendo então
percepção é a realização do desejo. Esta imagem manifestações de desprazer mais específicas e
mnésica já não está relacionada com o registo do estruturadas. O choro é a expressão afectiva
som mas é principalmente visual ou motora. A maior. Nesta altura, a criança reage de forma ar-
satisfação é uma auto-satisfação e não depende caica, através de um reflexo, às sensações vindas
do meio, como anteriormente. Aqui, já não esta- do interior ou do exterior. No terceiro mês de vi-
mos ao nível do sinal mas está presente uma for- da ocorre uma mudança, surge a capacidade de
ma de simbolização que corresponde à associa- assinalar as suas necessidades para o meio que a
ção entre imagem mnésica e a actividade instin- rodeia, o que constitui uma manifestação activa,
tiva. Nova complexificação surge com a articu- dirigida e intencional. Através do choro, que cor-
lação de traços verbais (representantes de pala- responderia a um apelo, a criança sinaliza as
vras) à representação das coisas, o que institui o suas necessidades.
processo secundário. Mas, como comenta An- Anzieu (1979) salienta o facto das observa-
zieu (1976), o que é fundamental reter é que ções de Spitz, sobre o banho de falas em que a
Freud descreve, como origem desta articulação, criança vive e sobre a constituição primitiva de
a articulação entre sons e percepções. uma cavidade olfactiva, táctil e sonora, que en-
globa a mãe e o filho numa troca de sensações,
Apartir da experiência de choro do bebé, Freud,
terem levado a considerar que a reprodução in-
citado por Anzieu (1976), não só delinea, desde a
tencional em espelho, pelo adulto, de um som
origem, a evolução do funcionamento do aparelho
que a criança sabe articular, é fundamental para
intrapsíquico como chega às instâncias que o
esta aceder a uma comunicação simbólica.
constituem, segundo a sua conceptualização.
Há já alguns anos que toda uma linha de in-
A referência ao papel da mãe, neste processo,
vestigação tende a demonstrar que as emoções
é ténue na medida em que a mãe é importante
são a principal modalidade para estabelecer uma
enquanto possibilita a satisfação real da necessi- comunicação entre a criança e o adulto.
dade de alimento. Freud, citado por Spitz (1988) Um dos meios preferenciais de transmissão da
conceptualiza a relação mãe-filho como uma emoção, nas fases iniciais da vida, é o meio vo-
relação de dependência original que a criança cal, que parte quer da mãe quer do bebé.
tem da pessoa que a alimenta, protege, cuida. Na Várias investigações, nomeadamente as de
medida em que Freud, citado por Spitz (1988), Wolff, citado por Pedro Luzes (1983), demons-
considera que «as vivências do recém-nascido tram empiricamente que os meios audio-fónicos
são experimentadas em conexão com funções vi- são um dos primeiros modos de contacto emo-
tais que servem ao propósito da auto preserva- cional recíproco mãe-criança. Wolff, citado por
ção» (op. cit., p. 22), a situação de alimentação é Pedro Luzes (1983), discrimina quatro gritos dis-
a base do desenvolvimento psicológico do tintos apartir da terceira semana de vida: o grito
recém-nascido. Com isto, Freud, citado por Spitz de fome, cólera, dor, e frustração. Também, des-
(1988), marca a sua diferença de autores mais de a terceira semana aparece o grito de desampa-
recentes da relação mãe-filho, que referirei ro que, constituindo a primeira expressão emo-
posteriormente. cional do tipo intencional, pretende chamar a
atenção. Desde a quinta semana o bebé consegue
distinguir a voz da mãe de outras vozes mas ain-
2. CONTRIBUTOS EMPÍRICOS PARA O da não consegue distinguir a sua face de outras
ESTUDO DO CHORO COMO UM DOS faces. A voz da mãe revela-se também o melhor
PRIMEIROS MODOS DE CONTACTO meio de apaziguar os gritos. Rapidamente o bebé
EMOCIONAL RECÍPROCO começa a discriminar o valor expressivo da in-
tervenção acústica do adulto. Parece, então, que
Spitz (1988) foi talvez o primeiro autor que os bebés são, muito precocemente, sensíveis ao

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feedback do ambiente. Esse feedback é de natu- «banho sonoro» ou «espelho sonoro do self»,
reza audio-fónica e diz respeito primeiramente prefiguram o eu-pele e a sua dupla face (para fo-
ao choro e depois às vocalizações. Deste modo, a ra e para dentro) pois que o invólucro sonoro é
aquisição da significação pré-linguística (do composto de sons emitidos, alternadamente, pelo
choro e depois do balbucio) precede a da signi- bebé e pelo meio. A combinação desses sons
ficação infra-linguística (das mímicas e gestos) produz: um espaço-volume comum permitindo
(Anzieu, 1985). uma troca bilateral, uma primeira imagem do
As experiências de Wolff, citado por Pedro corpo espacio-auditiva e uma ligação fusional
Luzes (1983), contradizem, de algum modo, a real com a mãe sem a qual a ulterior fusão ima-
cronologia apresentada por Spitz (1988), que ginária seria impossível.
assinala a primeira manifestação intencional ao Anzieu (1985) mostra a importância do «espe-
terceiro mês. Wolff, citado por Pedro Luzes lho sonoro» na aquisição da capacidade de simbo-
(1983), ao mostrar que o grito de desamparo (in- lizar. O bebé é introduzido no mundo de ilusão
tencional) ocorre na terceira semana de vida, através daquele que, ao escutá-lo, reveste o self
afirma a precocidade do papel activo do bebé e de uma «harmonia». Em contrapartida, a criança
afirma a reciprocidade deste sistema de comuni- repete os sons e assim estimula-se a si próprio.
cação audio-fónico mãe-bebé.
Todas estas experiências revelam capacidades 3.2. A proposta de Winnicott
muito precoces de audição e fonação nos recém-
nascidos às quais as teorias psicanalíticas não Winnicott (1988) coloca o grito ao mesmo ní-
podem ficar indiferentes. Torna-se, portanto, vel dos outros fenómenos transicionais. No en-
imprescindível que as teorizações avancem pa- tanto, é o banho sonoro que a mãe proporciona
ralelamente ao conhecimento empírico sobre o ao bebé que permite criar este mundo de ilusão,
comportamento do bebé. É o que se observa em que o bebé começa a usar para fortalecer o seu
alguns autores que preconizam a relação mãe- self e iniciar o seu ego. Trata-se de uma zona in-
filho numa perspectiva psicodinâmica, sobre os termédia entre o erotismo oral e a verdadeira re-
quais me vou pronunciar. lação objectal que permite à criança proteger-se
de angústias de separação da mãe, através do ob-
jecto transicional que representa o objecto da
3. A IMPORTÂNCIA DE ACOMODAR primeira relação.
TEORICAMENTE OS RESULTADOS Winnicott (1989) dá particular ênfase aos cui-
EMPÍRICOS SOBRE O CHORO DO dados maternais que define como as qualidades e
RECÉM-NASCIDO PARA CRIAR NOVAS modificações da mãe que se adapta às necessida-
TEORIAS DA INTERACÇÃO MÃE-FILHO des específicas do bebé sobre o qual está centra-
da. Esta sua posição mudou, de algum modo, a
abordagem psicanalítica que até então preconiza-
3.1. A proposta de Anzieu va a importância da relação de satisfação oral.
Winnicott (1989) releva os cuidados mater-
Anzieu (1985) refere a importância de uma nais na medida que permitem que o bebé desen-
comunicação emocional de base sonora para a volva o seu potencial inato, atinja uma estrutura-
constituição, numa fase muito precoce, do self, ção psíquica e uma individualidade. Na sua opi-
cuja forma primária seria a de um «invólucro nião, é fundamental que a mãe desenvolva uma
sonoro». Este self, constituído por introjecção do atitude adequada aos comportamentos do bebé.
universo sonoro, seria uma cavidade psíquica Assim, se numa primeira fase, de dependência
pré-individual dotada de um esboço de unidade e absoluta, a compreensão maternal das necessida-
de identidade. Esta introjecção implica que a des do bebé se baseia na empatia e na capacida-
mãe faculte à criança experiências audio-fónicas de de identificação com o bebé, à medida que o
primitivas de carácter emocional, mas com a par- bebé começa a diferenciar-se da mãe, essa com-
ticipação da criança no sentido de receber os preensão passa a estar baseada em qualquer coi-
sons que esta produz, como o choro e o grito. Es- sa que indica a necessidade no bebé, como o
tas experiências, que Anzieu (1985) chama de choro. O choro adquire, assim, um papel funda-

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mental a partir desta fase, de começo de diferen- relação mãe-filho difere profundamente da
ciação do bebé da mãe. O choro, correspondendo perspectiva de Freud (1988). Senão vejamos:
a uma expressão de necessidades específicas,
- O bebé percebe o mundo desde os primeiros
exige uma conduta activa na descoberta das
dias de vida. Ele é já um ser activo e, por
suas razões.
isso, não necessita unicamente de ser esti-
Winnicott (1957) distingue quatro tipos de
mulado mas sim respondido. É necessário
choro: de satisfação, dor, raiva e tristeza que, de
então que a mãe compreenda os sinais do
algum modo, transmitem a evolução do bebé
bebé pois o seu desenvolvimento psicoló-
porque o seu aparecimento implica estruturas
gico precoce, nomeadamente das competên-
psíquicas progressivamente mais complexas.
cias sociais, parece depender de quão apro-
Assim, se o choro de dor ou de fome pode
priada é a resposta da mãe, desde os primei-
acontecer em qualquer ocasião desde o nasci-
ros momentos de vida. Esta posição difere
mento, a raiva aparece quando o bebé está apto a
daquela que considera que o desenvolvi-
concatenar certos acontecimentos e é uma reac-
mento nos primeiros tempos de vida de-
ção directa à frustração. O medo, indicando a ex-
pende de quão satisfeitas estão as necessida-
pectativa de dor, significa que o bebé elaborou
des orais da criança.
«ideias próprias». A tristeza indicará algo muito
- Na perspectiva destes autores o eu não é
mais complexo; significa que a criança já con-
uma transformação do id em contacto com a
quistou o seu lugar no mundo e começou assu-
realidade mas uma entidade que resulta de
mir a sua responsabilidade em relação ao meio.
uma relação. Nesta relação, a mãe assume
um papel fundamental porque proporciona
3.3. A proposta de Bettelheim uma alimentação emocional e porque
desperta, recebe e elabora emoções do bebé
Bettelheim (1987) vê no choro e na resposta
que têm a sua expressão no choro. A mãe é,
apropriada e positiva da mãe a raiz do relaciona-
nesta perspectiva, um objecto de relação
mento e da comunicação no bebé humano.
primária.
Para Bettelheim (1987) é fundamental que o
bebé se sinta activo. Daí que refira que, horários Como referi anteriormente, muitos autores
alimentares artificiais podem desumanizar o be- de interacção precoce fizeram do choro o objecto
bé e impedir a experiência sociabilizadora, na isolado das suas investigações, em grande parte
medida em que o impedem de sentir que as sua porque, privados do meio privilegiado da Psico-
acções (choro) têm um efeito significativo em logia – a linguagem – foi necessário, para com-
experiências importantes da sua vida como a de preender o bebé, atender a outros canais de co-
alimentação. De facto, o choro do bebé por ali- municação de que as manifestação vocais, como
mento necessita de uma resposta imediata de sa- o choro, são exemplo.
ciedade por parte dos outros, pois só assim este Estes estudos recorreram fundamentalmente à
terá a experiência de agir sobre o meio, o que metodologia de observação da Etologia que se
marcará tentativas posteriores de acção auto-mo- mostrou um meio eficaz de estudar o choro no
tivada e o desenvolvimento de uma actuação re- bebé.
cíproca com os outros.
O choro, como actividade espontânea e mes- 3.4. A proposta de Brazelton
mo casual do bebé, reveste-se de grande impor-
tância na medida em que, quando respondido O autor da interacção precoce que pretendo
consistentemente, permite ao bebé definir, mencionar é Brazelton (1962). As investigações
gradualmente, a expressão das suas necessidades e as conceptualizações deste autor sobre o choro
(através das quais actua) e posteriormente a dos prendem-se com a noção de estádio. Um dos es-
seus sentimentos (através dos quais interage). A tádios possíveis em que o bebé se pode encontrar
importância de todo este processo para o desen- é o estádio de choro.
volvimento não pode ser subestimada. Na perspectiva de Brazelton, citado por Go-
mes Pedro (1985), quando o bebé «utiliza» o
A perspectiva destes autores sobre a teoria da choro está a controlar as suas reacções ás tensões

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endógenas e exógenas. Este é um mecanismo pectiva de desenvolvimento da personalidade,
importante para o bebé e representa a sua capa- Brazelton (1962) investiga o choro na interacção
cidade de se organizar. Segundo esta ideia, o es- numa perspectiva de intervir precocemente na
tádio de choro é um mecanismo de regulação relação mãe-filho e na adaptação da mãe ás
que o bebé «utiliza» para descarregar toda a sua competências e características individuais do
actividade e energia acumulada e que lhe dá a bebé.
oportunidade de passar a um estádio mais calmo
(Lebovici, 1987). 3.5. O choro é um sinal de vínculo
Do ponto de vista da interacção, o estádio re-
presenta uma forma arcaica de comunicação en- Continuando a pensar no choro do ponto de
tre o bebé e a mãe. Assim, o estádio de choro po- vista relacional, e de um modo global, temos en-
de comunicar à mãe a disposição do recém-nas- tão que considerar dois elementos de análise: por
cido para a interacção e a necessidade de protec- um lado, o choro é algo de que a criança dispõe
ção. Neste sentido, ele conduz rapidamente aos precocemente como seu recurso e com o qual en-
cuidados maternos, cuja regularidade e consis- tra na relação, por outro lado, o poder metafórico
tência permitem ao bebé criar elos entre o choro deste modo de expressão suscita «um banho de
e o tipo de cuidados dispensados. A partir daí, a afectos interrelacional» (Lebovici, 1987) e ante-
utilização do choro conta com a capacidade de cipações maternas desde o primeiro dia. A partir
antecipação, pelo bebé, da resposta da mãe. desse momento, o choro ganha significado e to-
O choro pode ainda indicar a necessidade de ma aspectos diferentes com o objectivo de co-
cortar o contacto com o ambiente. municar no contexto da interacção.
Brazelton (1981) enfatiza particularmente a Daqui pode-se dizer que, o bebé que desen-
ideia de que o bebé, através dos seus estádios, volveu esta forma primária de expressão de car-
modula o ambiente. No fundo, quase que pode- gas emocionais e que a utiliza para comunicar é
ríamos dizer que «a função faz o orgão» na me- o bebé que estabeleceu, numa fase anterior, uma
dida em que, a partir do momento em que o bebé relação, um vínculo. O choro é, pois, um sinal de
se adapta activamente ao seu potencial neurofi- vinculação. Esta ideia é suportada por várias
siológico (dispõe e controla os seus estádios), ele observações:
é capaz de o alterar e controlar consoante o seu
objectivo de interacção com a mãe. 1. Lucien Malson (1978), a propósito das cri-
Combinando as diferentes propostas teóricas anças selvagens, observa que a sensibilida-
descritas, parece razoável afirmar que as opini- de e a afectividade só muito lentamente se
ões destes autores sobre o choro reflectem pers- vão enriquecendo e que o choro não acon-
pectivas, ligeiramente, diferenciadas da interac- tece senão passado muito tempo, a partir do
ção mãe-filho. momento em que são postas em contacto
Hoje aceita-se que a mãe e o bebé se influen- com pessoas;
ciam mutuamente na relação. É aqui, contudo, 2. Por outro lado, um dos sintomas do autis-
que as diferenças entre os autores, se estabele- mo é a ausência de choro;
cem: 3. Ainda, Bowlby e Spitz, citado por Pedro
Anzieu (1976), Winnicott (1957) e Bettelheim Luzes (1983), quando falam da separação
(1987), autores da relação objectal, enfatizam da criança da mãe, observam que numa ter-
mais o papel activo que a mãe toma ao perceber ceira fase de desinteresse, desvinculação, a
as necessidades que o bebé expressa e ao dar res- criança já não chora ou grita.
postas adequadas ao bebé.
Também, Murray (1979) descreveu dois mo-
Por outro lado, Brazelton (1989) privilegia o
delos que conceptualizam o choro como elicita-
papel do bebé na interacção e as suas competên-
dor de cuidados maternais:
cias para interagir. Para ele o bebé impõe um
ritmo na relação, condicionando as acções da 1. Num dos modelos, o choro é visto como
mãe. Outra diferença entre estes autores é que, um activador de emoções de natureza al-
enquanto os primeiros procedem à análise do truísta ou egoísta. O choro é uma acção re-
choro e do seu papel na interacção numa pers- flexa involuntária ao sofrimento do bebé e

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que cria sentimentos de desconforto no pectiva de Murphy, citado por Bowlby
adulto. As emoções egoístas suscitadas pe- (1984), confere ao bebé a oportunidade de
lo choro levam a respostas de evitamento aprender com a mãe várias actividades ne-
ou afastamento pela mãe no sentido de di- cessárias à sobrevivência. Bell e Ainsworth
minuir o seu próprio desconforto (Frodi, (1972), acentuam o facto da resposta da fi-
Lamb, Leavitt e colaboradores, 1978). As gura de apego, que elas definiram como
emoções altruístas, que pretendem reduzir sensibilidade maternal ao choro, permitir a
o desconforto do bebé, conduzem a com- sua socialização e a introdução de varia-
portamento de remoção, pela mãe, da causa ções na sua utilização.
desse desconforto. Este modelo tem como
quadro de referência o modelo empático de Muitas investigações recentes sobre o choro
Hoffman, citado por Frodi, Lamb, Leavitt e utilizam como quadro de referência a teoria de
colaboradores, 1978. Tomkins, citado por apego de Bowlby (1984). Entre as quais estão os
Pedro Luzes (1983), quando na sua teoria trabalhos desenvolvidos por Eurico Figueiredo
se refere à socialização do choro, aponta (1985). Este autor pressupõe que o choro é uma
duas atitudes polarizadas que conduzem a forma de comunicação especificamente dirigida
duas acções opostas, face ao choro. Essas à figura de apego, e que a disponibilidade da
atitudes são: as punitivas, entre as quais es- mãe e qualidade da relação precoce determinam
tão os castigos, os gritos, o «deixar cho- a evolução do grito para outras formas de comu-
rar», e as consoladoras que conduzem a nicação mais intencionais. Utiliza então uma si-
uma socialização positiva do choro. De tuação de separação mãe-filho, com bebés de 6,
facto, o choro do recém-nascido humano 9, 12, 15, e 18 meses, que lhe permite concluir
geralmente aumenta a proximidade e inves- que a resposta do bebé à separação se desenvol-
timento do adulto (Ainsworth, 1969), mas é ve desde o grito automático até à aquisição da
aparentemente também desencadeador de capacidade de chorar, num processo de compen-
riscos sérios de abuso de crianças e mesmo sação interna. Enquanto que bebés mais novos
infanticídio (Frodi, 1981). Isto tem sido reagem à separação com gritos e respostas mo-
chamado o «paradoxo do choro» (Barr, toras intensas, mais tarde a reacção é de choro
1990), do qual se falará, em mais porme- com inibição motora. Para Eurico Figueiredo
nor, adiante. (1985), esta capacidade de chorar corresponde,
2. Num outro modelo, segundo um quadro de do ponto de vista do desenvolvimentos cogniti-
referência etológico, o choro é um sinal de vo, à capacidade de conceptualizar os objectos
desconforto desencadeador de cuidados internamente, e do ponto de vista do desenvolvi-
adaptativos pela mãe. O choro protege o mento psico-afectivo, ao estabelecimento do
indivíduo e ajuda a assegurar a sobrevivên- attachment.
cia da espécie. Nesta perspectiva, encon-
tram-se integrados os trabalhos de Bowlby 3.6. Valor evolutivo do choro e suas repercus-
(1984) e de Bell e Ainsworth (1972). Para sões na compreensão do choro do recém-
Bowlby (1984), o choro é um sistema com- -nascido humano
portamental primitivo do recém-nascido
pronto para ser activado por estímulos. O As vocalizações solicitadoras de cuidados
choro fornece as bases para o desenvolvi- não são limitadas aos bebés humanos. São co-
mento ulterior do comportamento de apego. muns em aves e em outras espécies mamíferas, e
É um comportamento de assinalamento cu- ocorrem ao longo da ordem primata (Newman,
jo efeito é o restabelecimento da proximi- 1985). Alguns autores têm-se preocupado em es-
dade da mãe em relação à criança. Segundo tudar o choro humano no contexto da teoria da
Sanders e Julia, citados por Lebovici evolução, tendo em conta o valor deste sinal,
(1987), «os gritos formam o equivalente a evolutivamente (Godfray, 1991). Na opinião de
um cordão umbilical acústico» (op. cit., p. alguns autores, a resolução para o «paradoxo do
141). Este comportamento assegura a pro- choro» pode estar ligada ao estudo deste sinal
tecção contra os predadores e, na pers- numa perspectiva evolutiva. O «paradoxo do

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choro» tem suporte no facto do choro ser aparen- ces. Se assim é, duas predições testáveis tornam-
temente necessário para o recém-nascido solici- se evidentes: os parâmetros acústicos do choro
tar cuidados mas poder resultar em reacções estarão correlacionados com a condição fenotípi-
por parte dos adultos que têm impacto sobre a ca da criança, e os parâmetros relevantes do cho-
sua oportunidade de sobrevivência. Uma resolu- ro estarão correlacionados com os comportamen-
ção para este paradoxo tem que explicar, quer os tos de investimento parental (ou com emoções
aspectos benéficos das reacções dos adultos, como hostilidade ou preocupação, que provavel-
quer os aspectos dessas reacções que reduzem as mente inspiram comportamentos como abuso
hipóteses de sobrevivência da cria. Zahavi ou negligência, ou investimento imediato).
(1975) e Grafen (1990) argumentam que o choro
pode constituir um sinal que comunica de forma 1. condição do bebé e acústica do choro: O
eficaz a qualidade fenotípica de quem enviou o choro de crianças normais tem uma fre-
sinal e, neste sentido, pode ter tido um papel po- quência média aproximada de 300-600Hz
tencialmente importante na evolução do choro (Furlow, 1997). Desde crianças com lesões
do recém-nascido humano. Nas aves, os progeni- cerebrais, a crianças prematuras, asfixiadas
tores que avaliam, discriminativamente, a quali- e desnutridas, baixas condições de sobrevi-
dade fenotípica das suas crias antes de responder vência estão significativamente correlacio-
às suas solicitações podem evitar os custos, para nadas com um aumento significativo da
a sobrevivência, de investir em crias inviáveis. frequência do choro (Frodi, 1985; Morley,
Godfray (1991), apresenta um modelo que pres- Thornton, Cole, Fowler & Hewson, 1991).
supõe que existe algum tipo de critério que per- A frequência do choro é mais exclusiva-
mite que os progenitores avaliem o valor repro- mente indicativa de doença séria do que
dutivo das suas crias. Algumas espécies parecem sintomas tipicamente detectados pelos pe-
ter esses componentes de avaliação nos seus dis- diatras, incluindo uma mudança de respira-
positivos neonatais de solicitude (Lyon, Eadle & ção ou da pulsação, ou temperatura, ou de-
Hamilton, 1994; Bustamante, Cuervo & Moreno, sidratação (Morley e colaboradores, 1991).
1992). Nos seus estudos, alguns autores preocu- A magnitude da anormalidade da frequên-
pam-se em avaliar predições feitas a partir da hi- cia do choro está correlacionada com a
pótese de que o choro do recém-nascido humano magnitude dos impactes na oportunidade
contém, ele próprio, critérios que permitem a de sobrevivência da criança. Por exemplo,
avaliação parental do valor reprodutivo das suas a severidade da anormalidade da frequência
crias. Ou seja, é possível que a estrutura acústica em crianças com meningite é mais pronun-
das vocalizações de choro indique, de forma pre- ciada em bebés mais tarde diagnosticados
cisa, a condição de um recém-nascido a chorar, e, com sequelas neurológicas. A frequência
assim, se correlacione com o seu valor reprodu- do choro está também associada com o
tivo intrínseco. Os padrões de investimento e li- desenvolvimento cognitivo subsequente
gação parental dependem de uma avaliação pre- (Donzelli, Rapisardi, Moroni, Scarano, Is-
coce do valor reprodutivo da cria (Daly & Wil- maelli & Bruscaglioni, 1995). Aos 18 me-
son, 1995), e estes autores propõem que o choro ses e aos 5 anos, as pontuações de crianças
constitui uma importante fonte de informação, em testes cognitivos foram previstas pela
para os pais, das capacidades das crias, durante análise da frequência do choro durante a
este período de avaliação. Existem muitos indí- primeira infância – bebés com frequências
cios comportamentais e físicos da saúde das de choro mais elevadas e variáveis tinham
crias que estão disponíveis para os pais (respira- pontuações significativamente mais baixas
ção irregular, erupção, etc.), mas porque o choro em testes cognitivos dos que outras crian-
envolve aspectos neurológicos, cardio-respirató- ças (Lester, 1987).
rios e vocais, que não são facilmente avaliados 2. Choro e reacções parentais: O choro é re-
através de uma erupção de pele, o choro pode re- conhecido em muitas culturas como um si-
velar informação sobre a estrutura interna e a in- nal de saúde na criança. Na tribo africana
tegridade física da cria. A selecção deverá ter fa- Igbo, bebés que não chorem vigorosamente
vorecido respostas discriminativas a estes índi- são abandonados na floresta (Basden,

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1966). Estudos laboratoriais sobre as reac- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ções dos adultos a choros gravados eviden-
ciam uma reacção emocional negativa a Ainsworth, M. (1969). Object relations, dependency,
and attachment: A theoretical review of the mo-
choros de frequência elevada, nas culturas
ther-infant relationship. Child Development, 40,
ocidentais (Crowe & Zeskind, 1992). As 969-1025.
reacções dos adultos ao choro são seme- Anzieu, D. (1976). L’enveloppe sonore du soi. Paris: La
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Parece pois que o choro fornece informação
Nature, 1 (4), 355-389.
sobre a saúde da criança e pode servir como um Basden, G. T. (1966). Among the Ibos of Nigeria. Lon-
índice importante de valor reprodutivo da cria don: Frank Cass & Co.
para os pais. Os pais, por sua vez, reagem nega- Bell, S. M., & Ainsworth, M. S. (1972). Infant crying
tivamente a, pelo menos, um aspecto acústico and maternal responsiveness. Child Development,
correlacionado com baixo valor reprodutivo das 43, 1171-1190.
crianças – a frequência do choro. Se a medida de Bettelheim, B. (1987). A fortaleza vazia. São Paulo: Ed.
Martins Fontes.
aversão, em laboratório, é indicadora das emo- Bowlby, J. (1984). Apego. São Paulo: Ed. Martins
ções parentais face ao choro em ambientes natu- Fontes.
rais, parecerá que crianças pouco saudáveis po- Brazelton, T. B. (1962). Crying in infancy. Pediatrics,
derão sofrer de um investimento reduzido ou 29, 579-588.
mesmo de hostilidade parental. Contudo, uma li- Brazelton, T. B. (1981). Comportement et compétence
mitação óbvia destes estudos é ter por base da- do noveau-né. Psychiatrie de L’Enfant, 2, 375-397.
Brazelton, T. B., & Cramer, B. G. (1989). The earliest
dos correlacionais, e com a excepção das reac-
relationship. USA: Publishing Company.
ções emocionais às variações acústicas do choro, Bustamante, J., Cuervo, J., & Moreno, J. (1992). The
a causalidade ser assumida em vez de estabele- function of feeding chases in the chin strap pen-
cida empiricamente. guin, Pygoscelis antartica. Animal Behavior, 44,
Enquadrar o choro numa série de modelos 753-759.
teóricos diferentes e, a partir dessas abordagens, Crowe, H., & Zeskind, P. (1992). Psychophysiological
and perceptual responses to infant cries varying in
discutir a sua importância e função no domínio
pitch: Comparison of adults with low and high sco-
da interacção mãe-bebé foi o objectivo deste res on the Child Abuse Potential Inventory. Child
artigo. A capacidade de chorar parece correspon- Abuse Neglect, 16, 19-29.
der, do ponto de vista do desenvolvimento cogni- Daly, M., & Wilson, M. (1995). Discriminative parental
tivo, à capacidade de conceptualizar os objectos solicitude and the relevance of evolutionary models
internamente, do ponto de vista do desenvolvi- to the analysis of motivacional systems. In M. S.
mento psico-afectivo, à capacidade de estabele- Gazzaniga (Ed.), The cognitive neuroscience (pp.
1269-1286). Cambridge, MA: MIT Press.
cer a vinculação, e o choro parece ser um sinal Donzelli, G., Rapisardi, G., Moroni, M., Scarano, E.,
comportamental carregado de valor evolutivo. Ismaelli, A., & Bruscaglioni, P. (1995). Neurode-
Que essas conceptualizações teóricas possam velopmental prognostic significance of early cry
evoluir acomodando os resultados das investiga- analysis in preterm infants. Pediatric Research, 38,
ções experimentais, cada vez mais especifica- 432.
mente desenhadas para testar hipóteses relacio- Figueiredo, E., & Paúl, C. (1985). Screaming and
weeping in children within the age groups of 6, 9,
nadas com o choro do recém-nascido, é o que se
12, 15, and 18 months. Acta Psiquiátrica Portu-
pretende de uma área de estudo tão promissora e guesa, 31, 17-25.
com um impacto tão grande na compreensão do Freud, S. (1988). A interpretação dos sonhos (Vol III).
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332
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quality as an organizer of emotional and behaviour com a interacção mãe-bebé sugerem, ainda que indi-
responses in a longitudinal perspective In C. M. rectamente, a importância desta manifestação – choro
Parkes, J. Stevenson-Hinde, & P. Harris (Eds.), – no contexto da relação entre o bebé e uma figura pri-
Attachement across the life cycle (pp. 93-98). Lon- vilegiada. Lebovici sublinha, aliás, a importância do
don e New York: Ed. Tavistock e Routledge. choro neste contexto quando diz: «basta imaginar o
Lebovici, S. (1987). O bebé, a mãe e o psicanalista. que seria a tarefa dos pais na ausência dos gritos: eles
Porto Alegre: Artes Médicas. deveriam então adivinhar quando o bebé tem fome,
Lester, B. (1987). Developmental outcome prediction
quando ele está sujo, e quais são as suas diversas ne-
from acoustic cry analysis in term and preterm in-
cessidades e desconfortos. Em definitivo, uma situação
fants. Pediatrics, 80, 529-534.
no primeiro contacto mais calma e menos ansiogénea,
Luzes, P. (1983). Da emoção ao pensamento. Disserta-
seria uma realidade mais preocupante, pois então ela
constrangeria os pais a se interrogarem quase de ma-
ção de doutoramento não publicada, Lisboa: Uni-
neira permanente sobre o estado do bebé.» (Lebovici,
versidade de Lisboa.
1987).
Lyon, B., Eadle, J., & Hamilton, L. (1994). Parental
Esta reflexão eminentemente teórica, que desenvol-
choice selects for ornamental plumage in American
vo, procura enquadrar o choro numa série de modelos
coot chicks. Nature (London), 371, 240-243.
teóricos diferentes e, a partir dessas abordagens, discu-
Malson, L. (1978). As crianças selvagens. Porto: Livra-
tir a sua importância e função, no domínio da interac-
ria Civilização.
ção mãe-bebé.
Morley, C., Thornton, A., Cole, T., Fowler, M., & Hew-
Palavras-chave: choro, interacção mãe-bebé.
son, P. (1991). Symptoms and signs in infants
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lutionary perspective. In B. Lester & C. Boukydis Infant crying has been vastly studied as a diagnostic
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num. tes from mother-infant interaction theory suggest,

333
even though indirectly, the value of this manifestation a more preoccupying reality, because it would cons-
– crying – in the context of the mother-infant relation- train parents to be permanently interrogating themsel-
ship. Lebovici underlines the importance of crying in ves about the baby condition.» (Lebovici, 1987).
this context when he says: «it is enough to imagine
The present theorical reflection attempts to frame
what would be the parents task without infant crying:
infant crying in different theorical models and, from
they would have to be constantly guessing when the
baby is hungry, when he is dirty, and what are his va- those approaches, to discuss its value and function, in
rious needs and discomforts. Undoubtedly, a more mother-infant interaction domain.
calm and less anxious situation, at first view, would be Key words: infant crying, mother-child interaction.

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