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Módulo 

8: Processos psicoterapêuticos daseinsanalíticos
Aspectos da psicoterapia fenomenológico-existencial
A existência infantil e a psicoterapia fenomenológico-existencial a ela
correspondente  
Bibliografia básica:  FEIJOÓ, A. M. (2011) “3.3.2. A clínica psicológica na
tonalidade do temor.” A Existência para além do Sujeito. Pp. 155 - 195.
Bibliografia complementar: POMPEIA, J. & SAPIENZA, B. (2013) “Uma
caracterização da psicoterapia”. Na Presença do Sentido, pg.153-170.
Aspectos da psicoterapia fenomenológico-existencial
A psicóloga Ana Maria Feijoo (2011) delimita pontos fundamentais para uma
psicologia fenomenológico-existencial. A condição existenciária descrita por
Heidegger em Ser e tempo e a concepção da “realidade” como desvelamento
(aletheia) são o núcleo desta psicoterapia.
O existenciário ser-para-a-morte indica a radical finitude da existência, ou seja,
que está singular e insubstituivelmente entregue à tarefa de ser (ou seja,
“realizar sua existência”) e que seu desdobrar-se é temporal. Por mais que
cotidianamente submeta a tutela da existência ao “a gente”, tal submissão
nunca é total; é, outrossim, ilusória, pois a tutela da existência cabe unicamente
a cada um.
Sendo fenomenológica, a psicologia clínica na perspectiva fenomenológico-
existencial compromete-se com o exercício hermenêutico nos atendimentos
psicológicos, buscando o desvelamento dos sentidos das vivências ônticas do
paciente/cliente. Ou seja, não há um modelo psicológico, nem ideal de saúde
ou doença ‘psicológica’, pois cada existência é sua própria medida.
Este compromisso da clínica fenomenológico-existencial considera que as
experiências de sofrimentos são articuladas com a restrição do poder-ser do
homem, portanto a realização da existência é aproximar-se do seu ser-próprio.
Assim, a prática clínica nesta abordagem está comprometida com a
desconstrução das identificações restritivas. Essa desconstrução não é apenas
teórico-cognitiva, pois, para que possa se dar, exige uma tonalidade afetiva que
rompa as determinações (‘identidades’) cotidianas: angústia (dissolução dos
nexos significativos) ou tédio (falta de sentido).
A compreensão é entendida enquanto ação na clínica fenomenológica, pois
compreender possibilita esclarecer o modo de ser-no-mundo dos pacientes. O
esclarecimento contribui para que o paciente possa se tornar responsável por
suas escolhas, ou seja, assumindo sua condição de poder-ser.
A psicoterapia fenomenológico-existencial não está comprometida em tratar,
adequar ou fazer com que o paciente se adapte ao mundo, mas, sim, oferecer
espaço para que o cuidado pela própria existência possa ser assumido pelo
paciente. Por esse motivo, Pompeia & Sapienza (2013) a definem como
“procura, via poiesis, pela verdade que liberta para a dedicação ao sentido.”
(p.169)
            Poiesis é o termo grego, origem da palavra poesia. Significa pro-dução,
isto é, realização de algo que antes não existia, condução de algo possível ao
aberto do mundo. Poiesis está associado a techné, que é a ação que propicia o
surgimento de algo. Poiesis é uma modalidade de discurso: a fala poiética.
Nesse modo de discurso, algo se apresenta e pode ser abarcado,
compreendido, compartilhado. O discurso poiético está no polo oposto do
discurso lógico, persuasivo.
            Para compreendermos ‘liberdade’, precisamos desdobrá-la em
‘liberdade de...’ e ‘liberdade para...’ O senso comum entende liberdade como
ausência de solicitações (liberdade de...). Em geral, quando alguém procura
terapia está querendo se livrar de algo que oprime e restringe. Mas a terapia
age na direção da liberdade para ouvir, compreender e poder (obedecer,
de ob-audire) lidar com as solicitações do existir.
            Na concepção latina, verdade vem do étimo veritas, que significa a
correspondência entre a ideia (conceito) e o objeto. Ao longo da história
filosófica ocidental, a correspondência é garantida pelo método, que deve
seguir as regras lógicas de demonstração. Assim, a verdade (veritas) é
demonstrável. Mas, veritas é a tradução latina para o termo grego aletheia, que
significa des-velamento, des-ocultação. Heidegger (1927/1998) resgata o
sentido original de verdade como o mostrar-se algo. Esta verdade (aletheia) é
reconhecida, compreendida, pois se refere ao como algo se mostra para mim.
            Sentido é aquilo que na “hora em que falta, todos nós sabemos de que
se trata.” (Pompeia, 2010, p.164) Sendo fundamentalmente possibilidade, o
ser-no-mundo só existe enquanto encontra a significância das coisas, dos
outros e de si mesmo, à luz dos projetos nos quais está lançado. É a dedicação
ao projeto de sentido (que Pompeia chama de ‘sonhos’) que está
comprometida quando a existência está restrita. Por isso, a psicoterapia
daseinsanalítica visa resgatar a possibilidade de escutar o que o existir solicita
(sentido) para poder ser.
Psicoterapia infantil fenomenológica existencial
Bibliografia básica: FEIJOÓ, A. M. “3.1. Considerações acerca da criança e a 
clínica psicológica infantil.” A Existência para além do Sujeito, pp. 90 – 107
            Para compreender o atendimento psicoterapêutico fenomenológico-
existencial com crianças é necessário que deixemos de lado as “teorias
tradicionais acerca do desenvolvimento, da personalidade, da aprendizagem da
criança,” (Feijoo, pp. 91) que postulam a chegada de um bebê ao mundo como
um ser autocentrado e/ou encapsulado. Ou seja, é necessário realizar
uma epoché de pressupostos já presentes no nosso entendimento científico
e/ou do senso comum.
Para a fenomenologia-existencial o ser-aí da criança já se constitui como um
Dasein. O nascimento biológico do ser humano delimita a inauguração da
existência e, portanto, da condição de estar lançado no mundo. Assim, o ser-aí
da criança é entendido enquanto um ente com caráter indeterminado, lançado
no mundo tendo de ser.
Para aprofundar a compreensão do ser-aí da criança é necessário retomar a
noção de intencionalidade proposta por Husserl. Nela a consciência é
considerada em sua imanência, ou seja, se realiza enquanto uma ação de
dirigir-se a... e constitui a cooriginalidade de homem e mundo. Todo ato é tido
como intencional, incluindo os atos de sugar, chorar e dormir do bebê que
podem ser, equivocadamente, entendidos enquanto reflexos. Com isso,
afastamo-nos das determinações biológicas ou sociais e aproximamo-nos da
ideia que o mundo oferece possibilidades para a criança ser do seu modo. O
ser-aí do bebê é marcado pela quietude, calor, alimentação e estado de sono.
Porém, o ato de assustar-se com algum barulho já evidencia a articulação do
bebê com o espaço, pois é um modo de responder ao que lhe solicita na
abertura de mundo que ela é. O sentido desse gesto acontece no ser-no-
mundo-com-outros, tal como descrito por Critelli em Historiobiografia (2012)
Por fim, temos que considerar que a responsabilidade e liberdade são
dimensões constitutivas do ser-aí para a psicologia fenomenológico-existencial,
porém, na vida das crianças, tais dimensões estão sob tutela temporária dos
adultos responsáveis por elas. Esta peculiaridade do modo de ser da criança
estabelece objetivos claros para o atendimento psicológico infantil, pois a
psicoterapia, neste contexto, deve oferecer espaço para que a criança possa
preencher com seus significados e experimentar na sessão sua
responsabilidade para ser, sendo acompanhada no desenrolar do processo.
Desse modo, a criança pode experimentar as dimensões ontológicas e cuidar
de si.
Neste sentido, o atendimento psicológico infantil não deve ser confundido com
psicodiagnóstico ou trabalho pedagógico como reforço escolar. O psicólogo
não deve ocupar o lugar dos pais ou da escola que assumem a tutela
temporária das responsabilidades da criança, pois esta ainda não pode assumi-
las por completo.

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