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LENDO FREUD #04 - Como saber se interpretações e construções estão corretas?

Construções em análise (1937)

Volume XXIII – Moisés e o Monoteísmo, esboço de psicanálise e outros trabalhos (1937-1939)

Freud falece em 1939, é um artigo que aparece na fase final da obra de tarde, na fase final do
percurso analítico dele.

Esse texto é importante porque nele Freud analisa esse conceito de “construção” que não é
muito utilizado na literatura psicanalítica, se usa muito mais o termo interpretação. Freud faz
questão de diferenciar construção de interpretação, são duas formas de intervenção do
psicanalista no tratamento, duas formas de falas do analista para seu paciete. Sabemos que o
analista produz diversos tipos de pontuações, intervenção durante uma sessão de análise, ele
pode utilizar uma clarificação (ele não coloca nada de novo, não traz nenhum elemento que
estaria obscura no discurso do paciente, ele está simplesmente o discurso do paciente e
apresentando uma versão mais clara desse discurso que ajuda o paciente a entender o que ele
acabou de dizer), temos a confrontação (um tipo de intervenção em que apresenta ao próprio
paciente coisas que ele disse ou que relatou o que fez que estão em contradição com o que ele
acabou de dizer) e a construção e a interpretação.

Freud nesse artigo analisa/trabalha/discute as construções, mas ele durante o artigo faz uma
diferenciação entre construção e interpretação dizendo mais ou menos o seguinte: Uma
interpretação é um tipo de intervenção que o psicanalista faz em cima de alguma coisa pontual
da sessão, em cima por exemplo de um ato falho que o paciente cometeu, em cima de um
relato especifico que o paciente fez sobre algo que se passou na vida dele, em cima de uma
fala especifica, então a interpretação tem esse caráter pontual, você toma um fragmento
daquilo que está se passando durante a sessão e apresenta ao paciente uma possível
explicação que faz referência ao inconsciente dele. É claro que nesse processo de
interpretação você precisa estar muito seguro enquanto psicanalista para apresentar isso pro
paciente e Freud recomendava uma interpretação e por consequência também uma
construção só devem ser feitas quando o paciente fornece todos os elementos que ele mesmo
poderia chegar àquela conclusão se avançasse um pouco mais o seu processo. A interpretação
é apenas um empurrãozinho, o paciente jpa está quase chegando a encontrar aquele sentido
inconsciente do seu ato falho, de uma determinada fala, de um determinado comportamento,
ele está quase chegando a esse sentido inconsciente e o psicanalista dá uma “ajudinha” e
apresenta para o paciente sua hipótese sobre o que se passa no inconsciente dele que
justificaria/estaria por trás daquilo que ele falou ou fez.

A construção é diferente, é uma fala do psicanalista, uma manifestação/intervenção que tenta


como o próprio termo já indica reconstruir o que teria se passado em uma determinada época
da vida do sujeito. A construção é uma formulação que mais parece uma teoria ao invés de
uma hipótese. Enquanto as hipóteses cientificas são mais pontuais, as teorias tendem a ser
mais genéricas e amplas, da mesma maneira uma construção tende a ser uma formulação do
psicanalista mais ampla que vai indicar “provavelmente” “possivelmente” quando você estava
ali com 5/6 anos de idade provavelmente deve ter acontecido isso, isso e aquilo” ou “consigo
imaginar você com 4 anos de idade depois da partida do seu pai para uma viagem se sentindo
abandonada e etc. Isso é um exemplo de uma construção analítica, ou seja, você a partir dos
elementos que o paciente te fornece consegue vislumbrar o que pode ter acontecido com ele
em determinada época da vida e então você apresenta essa construção que geralmente é uma
fala mais longa do psicanalista, diferente da interpretação que tende a ser mais curta, a
construção tende a ser uma fala mais longo em que você apresenta ao paciente uma espécie
de teoria sobre o que provavelmente aconteceu com ele em uma determinada fase da vida.

Quero trazer para comentar o treco em que Freud trata da confirmação das construções
porque uma questão que sempre se coloca quando falamos de interpretação e de construção
em análise, uma questão sempre se coloca que é o seguinte: “como é que o psicanalista pode
saber que a interpretação ou a construção que ele fez está correta? Faz referência exatamente
a aquilo que se passou ou está se passando no inconsciente do sujeito? Como o psicanalista
pode ter certeza, segurança, convicção que o que ele está dizendo é de fato o que se passa no
inconsciente do paciente?” Essa é uma pergunta muito pertinente porque não podemos
considera aquilo que se passa em analise como qualquer coisa, como falas vazias que não
deveriam ter correspondência com a realidade, a analise não é um procedimento sofistico (os
sufistas eram aqueles pensadores, discursadores na Grécia na época de Sócrates e que
defendiam a tese de que a verdade é inalcançável, de que nunca poderemos chegar a formular
um discurso verdadeiro em absoluto porque a realidade/verdade não seria alcançável pelo ser
humano, então tudo o que nós teríamos seriam percepções, seriam interpretações, pontos de
vista, a frase mais famosa que resume o pensamento sufista é “o homem é a medida de todas
as coisas”) e algumas pessoas poderia pensar que quando estamos fazendo psicanalise se
trataria disso também, o mais importante não é se aquilo que o psicanalista fala corresponde a
verdade mas o efeito daquilo sobre o paciente. Pode até existirem alguns psicanalistas que
estejam de acordo com essa formulação e que é isso, mas do meu ponto de vista não, para
mim a psicanalise se orienta para o real, para a verdade então as falas do psicanalista tem que
fazer referência a algo que efetivamente esteja se passando no sujeito e Freud também
pensava dessa maneira, por isso que essa questão da veracidade das interpretações e
construções se coloca pra Freud.

Ele tenta nesse texto, em determinados momentos resolver essa questão, apresentar uma
solução pra ela.

“Parece portanto, que as elocuções diretas do paciente (as falas do paciente) depois que lhe
foi oferecido uma construção fornecem muitas poucas provas sobre a questão de saber se
estivemos certos ou errados” Freud coloca isso nesse paragrafo porque logo antes ele diz
“olha, o fato do paciente dizer pra gente isso que você está apresentando a mim não
corresponde à verdade, o fato do paciente dizer isso não é suficiente para que a gente acredite
que nossa construção está equivocada, isso porque a fala do paciente é sempre suspeita
porque devemos sempre nos lembrar que ao mesmo tempo que o paciente quer se curar ele
não quer se curar, porque uma parte dele que é o inconsciente quer vir a luz e essa parte que
quer ir a luz representa justamente o esforço de cura na medida em que a cura de uma
neurose vem justamente em função da revelação/integração do inconsciente, mas tem outra
parte do paciente que quer permanecer doente que é justamente o ego que se defende do
inconsciente para manter sua imagem intacta o ego se defende do inconsciente, o ego precisa
da doença, então na hora que você apresenta uma construção do paciente pode ser que a
construção esteja absolutamente correta e reflita o que está no inconsciente do paciente mas
o paciente pode dizer “Não isso, isso que você está falando não faz sentido, não tem nada a
ver”, ele pode falar isso sob a influencia do seu ego que não quer saber da verdade, então
pode ser que você diga uma construção verdadeira e o paciente por conta do ego recuse essa
construção. A simples negativa do paciente não é um indicio seguro da correção das nossas
construções e interpretações.
“É do maior interesse que existam formas indiretas de confirmação, que são sob todos os
aspectos fidedignas, ou seja, dignas de fé, dignas de confiança”. Freud vai dizer agora “a fala
do paciente direta não é um indicio confiável” Se você faz uma construção/interpretação e o
paciente diz “ah está certo” “concordo” se o paciente diz isso ou “não, não tem nada a ver”
isso que o paciente falou não é confiável, você pode ter feito um construção errada e o
paciente dizer que está correto, o fato dele concordar com você não é uma prova confiável e o
fato dele discordar também não.

Mas existem formas indiretas de confirmação. “Uma delas é uma forma de expressão utilizada
como que por consenso com muita pequena variação pelas mais diferentes pessoas” que
forma de expressão é essa? “nunca pensei” “nunca teria pensado nisso”. Essa é, de acordo
com Freud, uma confirmação indireta da correção das nossas interpretações e construções
porque o paciente não está negando e nem concordando com você, se ele nunca havia
pensado nisso e evidentemente ele não estar fazendo referência ao seu inconsciente, ele está
fazendo referencia a consciência como se estivesse dizendo “conscientemente isso nunca
passou pela minha cabeça”. Isso ser traduzido, sem qualquer hesitação, por: “Sim, o senhor
está certo dessa vez – sobre o meu inconsciente”. Porque se eu nunca havia pensado nisso, se
nunca passou pela minha cabeça então conscientemente eu não pensei, mas o senhor está
certo sobre meu inconsciente, isso que você está falando reflete meu inconsciente”.

Esse indicio está sempre 100% certo? Não, porque você pode falar uma maluquice, algo
delirante e o paciente falar isso. Mas é muito provável que se você faça uma
interpretação/construção muito afastada da realidade o paciente tenderá falar sobre outras
coisas.

Freud apresenta a segunda forma de confirmação indireta. Ele diz “Confirmação igualmente
valiosa está implícita (dessa vez expressa positivamente) quando o paciente responde com
uma associação que contém algo semelhante ou análogo ao conteúdo da construção.” Essa é
uma das confirmações mais fidedignas, mais dignas de confiança da nossa parte. Quando o
paciente além de dizer que “nunca pensei nisso, mas agora você falando” e ele começa a
associar, ele começa a trazer coisas que podem ser pensamentos, raciocínios, lembranças. A
expressão é a evidencia de que sua interpretação/construções abriram as portas do
inconsciente. Lacan costumava dizer em sua segunda fase de sua obra que o inconsciente se
abre e se fecha, ele tem um movimento meio pulsional, ele se parece com uma zona erógena.
A boa interpretação/construção abre o inconsciente de tal maneira que a mente do paciente
passa a receber mais produtos do inconsciente, e aí o paciente dá sequência á conversa. Aquilo
que você falou abre uma porta e ele encadeia aquilo que você falou determinados
pensamentos, lembranças e aí o processo avança.

Quando o paciente nega ou aceita totalmente a construção/interpretação deve ser vista como
suspeita, você não pode se esquecer de que o ego do paciente está ali tentando sabotar a
análise, tentando evitar que a verdade emerja.

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