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Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1

ANÁLISE DE INTERAÇÕES DISCURSIVAS EM UMA AULA DE PATOLOGIA


COMPARADA
Reane Fonseca Martins (Professora UNIVERSO-BH)
Luciana Moro (Professora, ICB/UFMG; Pós-Doutoranda em Educação, FAE-UFMG)
Eduardo Fleury Mortimer (Professor Titular, FAE – UFMG)
Penha Souza Silva (Professora Adjunta, FAE-UFMG)
RESUMO

Neste artigo apresentamos análises sobre interações discursivas ocorridas entre uma
professora de Patologia Comparada do curso de Ciências Biológicas e seus estudantes,
durante a construção de significados para o termo Neoplasia. Os dados desse trabalho foram
gerados a partir da gravação em vídeo da aula. Para o estudo, utilizamos a ferramenta
sociocultural de análise discursiva proposta por Mortimer e Scott (2002). Percebemos que a
professora cria condições para o desenvolvimento de uma aula mais interativa. Entretanto,
constatamos certa dificuldade em considerar e discutir outros pontos de vista que não seja, o
científico. Acreditamos que isso no ensino superior, decorre do tipo de formação dada aos
docentes, a importância da fala do professor, a quantidade de conteúdo e o curto tempo.
Palavras chaves: Ensino Superior, Interações Discursivas, Patologia

INTRODUÇÃO

Pesquisas em educação no ensino superior apontam que a maioria dos docentes das
Universidades Federais no Brasil é formada em programas de pós-graduação que têm o foco
na formação de pesquisadores em seus campos específicos e sem exigência quanto à formação
pedagógica (PIMENTA & ANASTASIOU, 2010; ISAIA, 2006; VEIGA, 2006, FERREIRA
2009). Segundo Pimenta & Anastasiou (2010), esses professores universitários, ao mesmo
tempo em que atuam como pesquisadores, enfrentam o desafio da docência. Para exercer esta
atividade provavelmente mobilizam saberes da prática dos professores que tiveram durante
seus percursos como estudantes. E assim, esse processo de imitação perpetua a tradição de
aulas nas quais o professor se preocupa principalmente com o conteúdo da disciplina ficando
o estudante em posição secundária, geralmente de forma passiva. Aulas com esse perfil
contemplam apenas a visão científica do conhecimento não havendo espaço para a
manifestação dos estudantes para suas dúvidas e hipóteses. Além disso, ensinar na

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universidade, diante de tantos compromissos com os quais o professor se vê envolvido, parece


ter assumido um papel secundário na ordem das atividades que o envolvem. São tantos
projetos, pareceres, publicações, prestação de contas, relatórios, comissões que, em casos
mais extremos, ministrar aulas parece ser apenas mais uma atividade quando deveria ser a
principal.
As aulas no ensino superior, como exposto por Silva et al (2013) são expositivas em sua
maioria, não apresentam estratégias inovadoras e predominam a pedagogia clássica. Como
Fischer, (2009) apud Ribeiro (2012) afirma, o ato pedagógico nas universidades ainda é
ultrapassado, o que é paradoxo pois, são instituições que deveriam ser abertas à inovação.
Ensinar supõe provocar situações que levem o estudante a estabelecer relações com o objeto
do conhecimento; é provocar o crescimento intelectual por meio do diálogo, do desacordo e
do consenso. Aprender, neste sentido, não significa acumular informações memorizadas sem
sentido; significa, sim, que o estudante seja capaz de buscar alternativas argumentando
teoricamente em favor de suas escolhas. Ensinar e aprender constitui-se em uma via de mão
dupla, na qual professor e estudante se comunicam dialeticamente, indo e vindo,
relacionando-se, transformando-se e construindo o saber para além da sala de aula, para além
dos muros da universidade (RIBEIRO, 2012). Este processo dinâmico e dialógico dentro da
sala de aula universitária exige um novo paradigma, tanto no processo de formação do
professor quanto em sua atuação em sala de aula.
Esse trabalho investiga a aula de uma professora de Patologia Comparada, ministrada para o
curso de Ciências Biológicas, que busca desenvolver uma perspectiva que valoriza a
participação do estudante.

Revisão da Literatura
A aula é uma atividade humana que se realiza por um conjunto de ações mediadas, uma vez
que é impossível separar o sujeito dos sistemas simbólicos e artefatos materiais empregados
na ação (WERTSCH, 1998). Segundo Mortimer e Scott (2002), como atividade, a aula
implica a presença de dois sujeitos distintos: professor e estudante, cada qual com seus
objetivos e papeis diferenciados. O sucesso da atividade depende do estabelecimento de
interações produtivas entre esses sujeitos. O aprendizado do estudante é o objetivo da ação de
ensinar e, embora o estudante deva ser o sujeito desta ação assumindo a responsabilidade de
aprender, a atuação do professor é muito importante. Desta forma, as interações entre
professor e estudantes ou entre os próprios estudantes e destes com os conteúdos disciplinares

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contribuem para o seu progresso intelectual. É importante salientar que a implementação


destas interações engloba o discurso empregado em um processo de mediação (MORTIMER
e MACHADO, 2003)
Este trabalho tem como foco teórico a perspectiva sociocultural de Vygotsky, na qual o
processo de conceitualização é equacionado com a construção de significados, ou seja, o foco
é no processo de significação. Essa teoria apoia-se no entendimento individual dos estudantes
sobre fenômenos específicos para a pesquisa, sobre a forma como os significados e
entendimentos são desenvolvidos no contexto social da sala de aula (MORTIMER E SCOTT,
2002).
As interações discursivas são consideradas como constituintes do processo de construção de
significados. Segundo Mortimer e Scott (2002), o discurso em sala, para a elaboração de
novos significados pelos estudantes, assume um papel muito importante. Entretanto, no
ensino superior, relativamente pouca atenção tem sido dada a esse aspecto, tanto entre
professores, formadores de professores e investigadores da área.
Para estudar as interações e a produção de significados em salas de ciências, Mortimer e Scott
(2002) criaram uma ferramenta analítica com cinco aspectos, agrupada em: focos do ensino;
abordagem e ações.
Os cinco aspectos focalizam o papel do professor e são os seguintes:
ASPECTO DA ANALISE
Foco do ensino a) Intenções do Professor
b) Conteúdo
Abordagem c) Abordagem comunicativa
Ações d) Padrões de Interação
e) Intenções do professor
Quadro 1: Aspectos da análise segundo Mortimer e Scott (2002).

a) As intenções do Professor:
O professor produz uma performance pública na qual ele a dirige, planeja seu roteiro e
apresenta as várias atividades que constituem suas aulas de ciências (MORTIMER E SCOTT,
2002). Esta performance é centralizada na história científica no plano social da sala de aula.
Há, no entanto, outras intenções que precisam ser contempladas durante uma sequência de
ensino. Entre as intenções identificadas pelos autores destacamos: a criação de um problema
que engaje os estudantes na história cientifica; a exploração da visão dos estudantes; a
introdução e o desenvolvimento da história científica; a orientação dos estudantes no trabalho

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com as ideias científicas; a orientação dos estudantes na expansão do uso das ideias
científicas; manutenção da narrativa para sustentar o desenvolvimento da história científica.

b) O conteúdo do discurso da sala de aula


Os conteúdos de ensino de ciências podem ser estruturados em termos das seguintes
categorias: descrição, explicação e generalização.
A descrição envolve enunciados referentes a coisas. A explicação refere-se à utilização de
uma estrutura teórica para explicar um evento, enquanto a generalização é a extrapolação de
um conceito, ideia para outros contextos.

c) A abordagem comunicativa
A abordagem comunicativa fornece a noção de “como” o professor trabalha as intenções e o
conteúdo por meio das diversas formas de intervenções pedagógicas resultando em diferentes
padrões de interação. Identificam-se quatro classes de abordagem que definem o discurso em
duas dimensões: o dialógico ou de autoridade e o discurso interativo ou não interativo. Essas
duas dimensões geram as seguintes classes de abordagem que se relacionam com o papel do
professor ao conduzir o discurso na sala de aula: (1) Interativo/dialógico; (2) Não
interativo/dialógico; (3) Interativo/de autoridade; (4) Não interativo/de autoridade.

d) Padrões de interação
O padrão mais comum, segundo os autores, é aquele que segue o modelo I-R-A (iniciação do
professor – resposta do estudante – avaliação feita pelo professor).
Além das tríades I-R-A (Iniciação do professor, Resposta do estudante, Avaliação do
professor) outros padrões são observados. É o caso de interações em que o professor apenas
sustenta um enunciado feito pelo estudante, por meio de intervenções curtas que muitas vezes
repetem parte do que o estudante acabou de falar, ou fornece um feedback para permitir que
ele prossiga e elabore um pouco melhor sua fala. Essas interações originam cadeias de turnos
de fala triádicas e/ou não triádicas do tipo I-R-F-R-F.

e) As intervenções do professor
As análises das intervenções do professor estão baseadas em Scott (1998) que especifica seis
formas de intervenção: foco das intenções e as ações do professor durante a interação ao
explorar as ideias dos estudantes, selecionar, marcar e compartilhar os dados significativos

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explicitados no contexto tornando-os disponíveis, além de checar e rever o entendimento e os


progressos obtidos na interação.
Entretanto, numa outra perspectiva diferente da apontada por Mortimer e Scott (2002), O que
se observa no ensino superior é a predominância de aulas expositivas do tipo seminário, como
descrita por Castanho (2002):
“Podemos dizer que as técnicas utilizadas na área da Saúde baseiam-se, de modo
geral, em dois grandes modelos: o das aulas teóricas, em sala de aula, com grande
número de alunos presentes, e o das aulas práticas, nos laboratórios, nos
ambulatórios, nos mais variados ambientes onde se desenvolvem os estágios e
atividades práticas em geral. Esta parte prática exige uma grande carga horária e,
segundo uma entrevistada, corresponde à parcela maior de seu curso.
Nas aulas teóricas são usadas aulas expositivas, em vários casos com o apoio de
retroprojeção, projeção de slides, apresentação de esquemas e afins. Também a lousa
(para fazer desenhos ilustrativos do que está sendo ensinado) é utilizada.
Dificilmente são empregadas técnicas de trabalhos em grupo nas classes com
número grande de alunos. ” (CASTANHO, 2002, p.56)
No ensino de Patologia não é diferente, como descrito por Kumar et al. (2001), a principal
forma de ensino de patologia é por meio de aula expositiva associada a aulas práticas, sendo
que essas aulas expositivas são no padrão de seminário, onde somente o professor fala.
Na busca de ser exceção à regra, a professora analisada neste trabalho, ministra suas aulas
dando enfoque à aprendizagem dos estudantes. Por isso, testa e realiza uma série de estratégia
didáticas nas aulas de Patologia, dentre elas tenta aplicar a dialogia interativa.
Diante do exposto, este artigo tem como objetivo apresentar um relato de caso, sobre
potenciais dialogias em uma aula de Patologia Comparada do curso de Ciências Biológicas de
uma Universidade Publica Federal. Para isso, nos propomos a investigar as interações
discursivas entre a professora dessa disciplina e seus alunos durante a construção de
significados para o termo Neoplasia.

METODOLOGIA

Os dados deste trabalho foram gerados por meio de gravação em vídeo de uma aula de
Patologia Comparada. Inicialmente assistimos ao vídeo e elaboramos mapas de episódios da
aula. De acordo com MORTIMER et. al (2007), os episódios trazem uma sequência de
enunciados que comportam um tema e/ou uma intenção didática do professor e têm uma
função específica no fluxo do discurso. Para nossa análise selecionamos dois episódios que
consideramos como interativos, nos quais a professora sinaliza uma busca de diferentes
pontos de vista sobre o conceito de Neoplasia. Para a transcrição dos episódios utilizamos a
barra (/) para indicar as pausas curtas, de no máximo 0,4s. Pausas mais longas são indicadas
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com barra dupla entre parênteses (//). Quando a fala é inaudível utilizou (...) e “estudante”
para o estudante que não foi identificado na filmagem. As categorias que utilizamos para
análise dos dados foram as quatro classes de abordagem comunicativa propostas por
Mortimer e Scott (2002), quais sejam: interativa/dialógica, não interativa/dialógica,
interativa/de autoridade e não interativa/de autoridade.

Caracterizando a aula
A disciplina Patologia Comparada é ministrada para estudantes do 5º período do curso de
Ciência Biológicas de uma Universidade Publica Federal. Nós acompanhamos uma aula de
“Neoplasia” que teve por objetivos a conceituação, caracterização e classificação desta lesão.
Luma (nome fictício), a professora, é formada em Medicina Veterinária, mestre e doutora em
Patologia e pós doutora em educação. Ela tem vinte anos de experiência no ensino superior e
participa de um grupo de estudos na Faculdade de Educação dessa instituição . A escolha
dessa professora como sujeito de nossa pesquisa, se justifica pelo interesse demonstrado por
ela, em entender melhor as interações discursivas presentes em sua aula. .
Na aula analisada, Luma solicitou que seus estudantes, fizessem a leitura de dois artigos sobre
o tema e a realização de um questionário, previamente. Além disso, iniciou a aula, passando
um vídeo didático.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Episódio1
Neste episódio a professora Luma tem a intenção de conceituar, caracterizar e diferenciar as
neoplasias benignas e malignas e durante a explanação, surge a dúvida da estudante Carol. A
partir deste momento, observamos uma intensa interação entre os estudantes e entre os
estudantes e Luma.
O episódio tem a duração de 6 minutos e 20 segundos e a professora aproveita a dúvida da
Carol para checar o entendimento dos outros estudantes. Na transcrição podemos identificar
que a professora realiza várias perguntas para que os estudantes expliquem melhor as suas
ideias. Luma, aproveita o momento e faz uma revisão do conteúdo, sintetizando e
recapitulando os resultados da atividade, já que previamente os estudantes leram artigos e
fizeram um questionário. Configuramos esta interação como sendo um padrão típico das salas

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de aula denominado por Scott & Mortimer (2002) como do tipo I-R-F. O professor inicia a
interação, o estudante responde e a seguir o professor dá o feedback com uma avaliação

Turno de Transcrição
Fala
Carol: E o benigno pode alterar sozinho?
Professora O que você acha/ pelo o que você leu lá no TVT
Carol (...)
Professora O que você acha/Alguém pode ajudar? / O que você acha Daniel?
Daniel (...)
Professora Mas a pergunta dela é diferente/ Ela não está falando de recuperação/ ela tá
falando de involução do tumor né?
Carol Involução espontânea.
Professora O que você ia falar?
Maria Geralmente (...)
Professora Tá, mas peraí/é porque//
Carol (...)
Daniel (...)
Professora É um hematoma não é?/É uma alteração do // do crescimento/Quando você
tem células maduras normais/ mas a arquitetura do tecido esta alterada.
Daniel Não pode ser considerado como um tumor benigno?
Professora Não/ não é um tumor não/Tá?/Então/ basicamente/ olha só/ se você/
dependendo do tumor que você tem/ ele pode involuir/ quando ele é benigno/
mas não necessariamente// Muitas vezes você tem que retirar/ fazer exsere do
tumor// Alguns recuperam/ outros não/ Tá?// O TVT por exemplo é um
deles/Né?/Você pode ter uma involução nele.// Então aqui a gente já falou
né? Dependendo se ele epitelial/ mesenquimal ou embrionário a gente vai
denominá-lo// Aí nós vamos dar nomes// Então aqui tá a primeira pergunta
que eu fiz pra vocês// Na verdade/ tá meio fora de ordem aqui/ mas é uma
delas/ né?// Eu perguntei pra vocês se o tumor TVTC é um tumor benigno ou
maligno// Aí vocês já responderam/ né? Ele normalmente é // [benigno]
Estudantes [Benigno].
Professora Mas algumas vezes// fala!
Marcos Por que, que quando é benigno, mas se para ele parar de proliferar a gente
tem que retirar?
Estudantes É!
Professora Tá.
Clara Por exemplo/assim/ ele tem a doença/ tipo um tumor maligno (...) que ele
pode dar metástase. Só que ele aí é considerado benigno quando tem uma
involução. /
Professora Hã? /
Clara Só que é considerado benigno quando tem uma involução espontânea.
Marcos É pra mim só é benigno se tiver involução né? (...)
Clara Ele pode ser ou não ser/tanto que são raras as vezes que dá metástase mas dá/
Porque é isso que acontece pra você falar se é benigno/ que é um caso mais
raro.
Professora Tá// Sei// Muito bem/ Mas como é que a gente classifica o tumor como
benigno?
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Marcos No caso se você tiver que retirar com ação de algum medicamento não tem
como ser benigno.
Professora Não?
Maria Mas isso é quando ele é frequentemente benigno (...) durante a involução,
mas pode se tornar maligno (...)
Professora Sei... Tá. Mas eu tô entendendo o que ele tá querendo dizer.
Marcos Pelo que você falou, se você retirar cirurgicamente considerado benigno.
0,05
Professora Considerado benigno/ Por que? /Porque as//você tem características pra você
tratá-lo como benigno ou como maligno/ Quais seriam essas características?/
Primeiro//
Marcos A capacidade dele crescer após a cirurgia (...).
Professora É uma das características de um tumor maligno/ Tá//Mas o que que eu
trataria// o que que eu chamaria de benigno/ o que que eu chamaria de
maligno? / Normalmente/ o que que acontece com o paciente que tem um
tumor maligno? /
Marcos Ele morre.
Professora Ele pode vir a óbito/ Tá?/ O que você tinha falado?
Julia Que as (...)
Professora Vai deperder de como que tá o tumor/ qual é a fase/ né?// Porque se tá muito
no início você vai ter que tirar/ Aí você pode fazer o tratamento/
radioterápico/quimioterápico/ vai depender do tipo de tumor/ Tá?// E aí é por
isso que a gente tem que saber a origem dele/ não é não?
Júlia Huhum.
Professora Os tumores// será que todos eles vão se desenvolver e vão/ vão/vao ter a
mesma característica/mesmo que sejam malignos? Vão ter o mesmo tipo de
agressividade? Não// né? O tumor de próstata é mais fácil da gente lidar do
que um tumor de mama por exemplo/ Né/ não? Então/ tem diferenças em
termos de agressividade/ Fala/ Carla.
Carla É// Eu li que no benigno/ as células se assemelham às células de origem. / Só
tem uma proliferação desequilibrada mas as células fisiologicamente, se
assemelham às de origem.
Professora O que é que vocês acham?
Estudantes (...)
Professora É/as células são semelhantes àquelas células originais/ né?/ Muito bem/
Então basicamente/o tumor benigno/ além do tecido/ ele funciona como se
fosse uma hiperplasia// ele tem um comportamento como se fosse uma
hiperplasia/ ele não causaria/ não deveria causar mal àquele indivíduo / Tá?
Normalmente. / E o tumor maligno?
Julia (...)
Professora Ele causa//se você não tratar ele, ele leva o indivíduo inclusive à morte/ E
algumas vezes/ dependendo da fase que o tumor foi diagnosticado/ ele acaba
levando o indivíduo à morte/ Ou seja/ ele é igual um parasito/ né?// Então ele
vai escoriando o indivíduo até levar esse indivíduo à morte/ Então é isso que
a gente caracteriza em termos de comportamento// O benigno não deveria
levar à morte/ ele tem um comportamento mais como se fosse uma
hiperplasia/ e o maligno pode conduzir à morte. Aparece que tem um
potencialmente maligno/ né? O que que seria esse cara aqui?
Marcos Mas e se o benigno tiver uma proliferação muito grande? E se ficar, ele pode
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causar/ e se ele ficar gigante?


Professora Tá. Será que ele pode causar morte em algumas situações?
Marcos Sei lá (...) que a intensidade matava.
Professora Em qualquer local do organismo?
Marcos Não/ depende do lugar.
Professora Aaah// Então/ dependendo do lugar/ Por exemplo?
Marcos Sei lá/No cérebro.
Professora O que que vocês acham? Se ele desenvolver lá no cérebro?
Carol Aí pode causar algum problema. (...)
Professora Pode causar problema?
Carol Acho que sim.
Professora Pode// Ele pode ser benigno/ mas aí a gente já disse que ele é maligno com//
mas de// ele é benigno mas com malignidade local/ Tá? Ele é benigno/ Tem
toda a característica de benignidade/ Mas ele tem uma malignidade local por
que?
Carol Por causa do local que ele tá.
Professora O local que ele tá/Ele vai comprimindo coisas e aí/ dentro do cérebro aqui
né// do crânio/ essa caixa que a gente tem se alguma coisa fizer pressão se
alguma coisa ocupar lugar aí a gente vai ter problema Mas tá certo Em outras
situações// qual outra situação que a gente pode ter um tumor benigno?
Clara (...) Às vezes pra um indivíduo saudável
Professora Não causaria problema.
Clara É. (...)
Professora Naquele caso do cão isso é típico/ né? Se um animal/ ele tem uma resposta
imunológica boa/ ele consegue se curar do tumor// Quando ele tem um
processo de imunossupressão/ o tumor ele ganha força. Né?
Daniel Ele pode comprimir vaso sanguíneo na posição?
Professora Ele pode comprimir vaso sanguíneo/ E aí?
Daniel (...)
Professora Aí ele pode causar problema/Exatamente/ Ele pode se enrolar ao redor de
estruturas// estrangular// é// o intestino//
Clara Professora/é sexo também (...) porque eu tô pensando no HPV.
Professora Hã?
Clara Que no homem só causa verruga e na mulher pode causar câncer de colo de
útero
Professora Mas no caso do homem/ ele também pode tá envolvido no desenvolvimento
de um tipo de câncer também. [Câncer de pênis].
Clara Câncer de pênis!?
Professora Tá? É mais comum/ o câncer de colo do útero? É/ Mas no homem também
pode ter problema/ Tá?
Nas transcrições identificamos que os estudantes lidam muito bem com o discurso de
autoridade relativo ao estudo de neoplasias, um conceito científico. Como eles são do 5°
período do nível superior, não se observa ideias do senso comum. Como a professora queria
caracterizar os tipos de neoplasias, ela lidou com o discurso de autoridade para os estudantes
compreenderem esse conceito. A partir da dúvida da Carol a professora interagiu com os

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estudantes em uma sequência de perguntas e respostas com a intenção de chegar a um único


ponto de vista, o científico. Identificamos esse episódio como interativo/de autoridade de
acordo com Mortimer e Scott (2002).

Episódio 2
O segundo episódio tem a duração de 3 minutos e 53 segundos e nele, Luma exibe uma
fotomicroscopia de uma neoplasia e deseja eu os estudantes digam qual é a área normal e qual
a área lesada.
Neste episódio observamos que existe uma interanimação de ideias entre os estudantes. Eles
expõem seus diferentes pontos de vista e a professora permite que eles os defendam. Esse
momento de interação entre os estudantes foi identificado como dialógico, uma vez que mais
de um ponto de vista foi trabalhado. Após a discussão, a professora Luma fecha caminhando
para o discurso de autoridade quando ela afirma concordar com os estudantes sobre a
infiltração do tumor e conclui dizendo que o tumor é a parte branca e explica o porquê disso.
Professora E isso daí, o que é? Onde tá o tumor /onde ta o tecido normal?/Isso é um
linfonodo! // é linfonodo de bovino// O que é o tumor, o que é o tecido
normal?/ Isso é um linfossarcoma
Estudante (...)
Professora Hã/ É um tumor originado de? / Linfócitos, sarcoma quer dizer maligno/
Onde está o tumor e onde está o tecido normal?
Estudante (...)
Professora Hã?
Estudante (...) Tá infiltrado.
Professora Tá infiltrado/ e aí?/ Onde que é ele/ É o vermelho ou o branco?
Pedro É o vermelho.
Professora Hã?
Pedro É o vermelho.
Professora Por que que é o branco/ porque que é o vermelho?/ Vamos lá!// Porque é o
branco?// Porque?
Pedro Me veio na cabeça que ele é branco porque não tinha iniciado a
vascularização para ficar vermelho. Se bem que tumor é muito
vascularizado...
Maria É altamente vascularizado também.
Professora É/ o tumor é altamente vascularizado, muito bem.
Pedro (...)
Professora Você não conseguiu me convencer/ Mais alguém acredita que é branco?
Daniel Vai ver que é branco porque vermelho deve ser hemácia.
Professora Deve ser o quê?
Daniel Hemácia.
Professora E porque que você falou que é vermelho?
Maria Por causa daquilo também que ele falou, que tá vascularizado/ E por causa
que ele tá// parece que tá irrigando a área externa e por ele ser maligno(...) E
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assim ele vai dispersando.


Professora Concordo com vocês em uma coisa// ele tá infiltrando/ não tem limite/ Só que
ele é originado de linfócito. // São células brancas//E aí a gente vai ver o quê?
Se aumentou células brancas/ tá mais branco. Tá? /Branco acinzentado/

O que podemos observar é que a professora buscou e conseguiu interação com os estudantes,
mas não conseguiu aproveitar os momentos de abertura para efetivar a dialogia. Em alguns
momentos, o uso de metaperguntas poderia ter sido feito. Isto parece ser um indício de que a
professora Luma faz um esforço para dar “voz” a seus estudantes, propiciando interanimação
de ideias, mas, ainda, encontra dificuldade para considerar os pontos de vistas apresentados e,
por meio de um discurso dialógico e caminhar em direção ao discurso de autoridade.
A aula que nós analisamos foi ministrada para a turma de Ciências Biológicas modalidade
Bacharelado. Os alunos desse curso estão acostumados a um padrão de aulas expositivas, com
pouca interação, na qual o aluno passivamente escuta o professor. Essa pode ser uma
explicação para o pouco número de alunos que participam mais ativamente tentando
responder as questões feitas pela professora. Como forma de aumentar a participação dos
estudantes, no processo interativo, a professora usa dois textos que se relacionam ao conteúdo
da aula e elabora um questionário sobre eles para ser respondido pelos alunos individualmente
e valendo ponto. Isso os estimula a responder o questionário e, para tanto, ler os textos. Tendo
realizado a atividade proposta, os alunos participam interagindo, embora ainda o façam de
forma um pouco tímida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho apresentamos a análise de alguns episódios de uma aula de Patologia


Comparada da professora Luma. Como a professora participa de um grupo de estudos na
Faculdade de Educação e, portanto, tem consciência da necessidade de favorecer a
participação dos estudantes, sempre busca promover a interação em suas aulas. Ainda que ela
tenha consciência e trabalhe nesta perspectiva, a análise dos episódios indica a dificuldade em
considerar e discutir outros pontos de vista que não seja o científico. Acreditamos que isto, no
ensino superior, possa relacionar com o tipo de formação que é dada ao docente. Além disso,
muitos reconhecem a importância de ouvir, mas no ensino superior o tempo é curto e
considerar a fala dos estudantes, demanda tempo, podendo assim, prejudicar o conteúdo.
É também importante ressaltar que nessa turma, a professora tinha em torno de 45 estudantes
e que isso não impediu a interatividade. Além disso, a professora informou que ao final do
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semestre os estudantes entregaram uma avaliação da disciplina e que somente um deles foi
totalmente contra as estratégias utilizadas durante as aulas.

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SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia

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