Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Segundo Elizabeth Roudinesco (1998), este conceito foi introduzido por Freud e S.
Ferenczi entre 1900 e 1909 para designar um processo constitutivo do tratamento
psicanalítico mediante o qual os desejos inconscientes do analisando concernentes a
objetos externos passam a se repetir, no âmbito da relação analítica, na pessoa do
analista, colocado na posição desse diversos objetos. Todas as correntes em
psicanálise consideram a transferência essencial para o processo psicanalítico.
Entretanto, conforme as Escolas as divergências são múltiplas: quanto ao seu lugar no
tratamento, seu manejo pelo analista e o momento e os meios de sua dissolução.
Desde Estudos sobre a Histeria, com o relato de Breuer no famoso caso Anna O. , já
podemos observar a função deste conceito quando observamos a relação entre
médico e paciente. Porém nos textos: Estudos sobre a Histeria e A Interpretação dos
Sonhos, apreende-se o conceito de transferência sob o prisma de um deslocamento de
investimento no nível das representações psíquicas, mais do que como um
componente da relação terapêutica. Historicamente, a noção de transferência assumiu
toda sua significação com o abandono da hipnose, da sugestão e da catarse pela
Psicanálise.
É apenas em 1905, com o relato do caso Dora, que podemos considerar a descoberta
deste conceito central em Psicanálise. Esta seria a primeira experiência, negativa, de
Freud com a materialidade da transferência. Ele atestou, a contragosto, que o analista
de fato desempenha um papel na transferência do analisando. Ao se recusar a ser
objeto de arroubo amoroso de sua paciente, Freud opôs uma resistência que em
contrapartida, desencadeou uma transferência negativa por parte dela. Alguns anos
depois ele qualificaria este fenômeno de contratransferência.
No final do semestre, dias antes de nossas férias João falta em duas sessões sem
avisar. Achei melhor aguardar seu contato. Ele liga durante as férias pedindo um
horário, explico por telefone que retornaria das férias na próxima semana e que o
aguardava no seu horário.
Ele aparece de um modo diferente. Parece que este é o nosso primeiro encontro, pois
entra e me cumprimenta com aperto de mão. Conta que durante as férias os filhos
descobriram mensagens estranhas no celular de sua esposa. Os filhos tentam
conversar com a mãe e ela acaba revelando que estava tendo um caso. Os meninos
tentam manter segredo, pois não querem magoar o pai. Mas João percebe que está
acontecendo algo diferente na relação entre sua esposa e seus filhos, quando então
descobre que sua esposa estava tendo um caso com um rapaz tão jovem quanto seu
filho mais velho. Durante seu relato e considerando seu modo de se relacionar, fiquei
com medo de qual teria sido sua reação quando descobriu a traição da esposa. Pensei
que ele teria sido agressivo ou expulsado ela de casa. Porém, João reagiu de maneira
calma e manteve controle. Dizia que não podia tomar nenhuma atitude precipitada.
Certo dia João avisa que não viria na sessão do dia seguinte, pois teria uma viagem de
negócios. Como combinado, sabia que a sessão seria cobrada e que mesmo ele não
vindo eu estaria lá no seu horário. No dia seguinte, acabei me atrasando para chegar
até meu consultório, mas lembrei que João estaria viajando. Cheguei cerca de 10
minutos atrasada. Quando desci do elevador senti um cheiro forte de cigarro antes de
abrir a porta da minha sala. Fiquei com a sensação que alguém tinha estado ali
minutos antes de minha chegada. Assim que entrei, toca o meu celular. Quando vou
atender vejo que é o número de João. Eu digo alô e escuto a voz dele, furioso,
perguntando onde eu estava. Respondo sem pensar: “Eu? Eu estou aqui”. Ele afirma
que esteve em minha sala e encontrou minha porta trancada, que eu não estava lá.
Digo novamente: “Eu estou aqui”, e ele responde autoritário “então não saia daí
porque eu estou chegando”. Após alguns minutos escuto João chegar, abro a porta e
ele entra furioso. Esta foi uma sessão muito difícil, pois João coloca toda sua
agressividade, desconfiança e raiva para fora. Sente e fala comigo como se eu o tivesse
traído. Só então percebo que ele falava comigo como se estivesse falando com sua
esposa.
Esta foi uma sessão delicada, mas fundamental em nossa relação. A partir deste
encontro-desencontro toda sua dor, mágoa, desamparo puderam aparecer. E assim
através da transferência estes sentimentos puderam ganhar sentido e forma em
palavras para enfim serem instrumentos de nosso trabalho em análise.