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SOCIEDADE PSICANALÍTICA DO PARANÁ

POLO DE XX

CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE

José Francisco de Souza

RESUMO DO "CASO I - SRTA. ANNA O. (BREUER)

Bennatriz Merizio Noel

Cornélio Procópio

Maio - 2020
RESUMO DO "CASO I - SRTA. ANNA O. (BREUER)

Introdução

O Caso Anna O. tem sido estudado e interpretado e reinterpretado a partir de várias


perspectivas. Nosso desafio nas linhas a seguir é descrevê-lo e avalia-lo até que
ponto ele sugere uma questão ética para ser tratada.

Este é um caso precoce tratado por Breuer e Freud, quando a psicanálise estava
ainda em um estado embrionário. Um dos insights que ele oferece a Freud é o
fenômeno da transferência. Ao perceber que Anna O. havia se envolvido
emocionalmente com seu analista, o Dr. Breuer, Freud começa a elaborar um
conceito que viria a ser um dos elementos básicos para o processo de análise da
mente humana, a transferência.

Diante da realidade do fenômeno – o envolvimento afetivo do paciente com o seu


analista, que representa uma figura anterior, requer uma contratransferência, não a
isenção ou a negação, mas o envolvimento do analista com as emoções de seu
paciente – há um desafio para o analista que exige dele um elevado senso ético,
para dominar bem o fenômeno e extrair dele o elementos necessários para a cura
do paciente.

Resumo do caso

Este é um caso apresentado no livro de Freud Estudos sobre Histeria. É um capítulo


dedicado ao tratamento desenvolvido por seu companheiro de estudos Breuer, em
que uma jovem aristocrata de Viena que sofria uma condição de extremo controle
por seus pais. Ela gostava de dançar desejava ir aos bailes, escrever, mas seus pais
a impediam. A princípio entende-se que a repressão implicava no desenvolvimento
de uma série de sintomas. Contudo o relacionamento difícil que a jovem tinha com
sua mãe também apresentava alguma suspeita de causa para sua histeria.

A narrativa do caso começa com uma descrição da paciente e do quadro familiar


pelo seu analista. Ele a descreve como sendo bem dotada intelectualmente e
criativa, mas com propensão a doenças psíquicas, embora seus pais não

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apresentassem qualquer histórico de doenças psicológicas. Sua sexualidade não
era desenvolvida, a família puritana, dando a atenção rígida à cultura religiosa,
reprimiu a sexualidade da paciente. Esse dado será importante para Freud no
desenvolvimento da questão da sexualidade na psicanálise.

Ela fugia da família e de toda a repressão que sofria através de sua criatividade,
produzindo cenas de contos de fada para mergulhar num mundo imaginário onde as
situações estavam dentro de seu controle e distantes das restrições familiares.

Num primeiro momento, quando da entrada de Breuer no caso, Anna O. sofria de


neuralgia facial atípica. Em 1880 ele a atendeu por causa de uma tosse histérica
intensa. Nessa ocasião ela cuidava de seu pai que estava gravemente doente e teve
seu quadro agravado em julho daquele mesmo ano. Sua rotina era o cuidar do pai à
noite e às tardes descansava em seu próprio quarto, no final da tarde ela entrava em
um estado de transe e começou a enfraquecer por anorexia. Em função se sua
saúde também debilita, sua tarefa de cuidadora do pai foi interrompida, por sua mãe
e seu irmão que não mais a deixaram cuidar do pai. Tal imposição contribuiu para
que seu quadro de sintomas se agravasse. Ela passou a ter estrabismo, várias
paralisias e perdeu a capacidade de falar normalmente. Enquanto isso, dois estados
de consciência diferentes foram percebidos pelo Dr. Breuer. Ela apresentava um
quadro de melancolia e ansiedade, mas dentro de uma certa normalidade que
variava para um estado em que tinha alucinações vendo cobras negras e humor
oscilante de euforia à irritação e ansiedade além de agir maliciosamente.

“Quando sua mente estava clara, Bertha falava de uma


‘escuridão profunda’ em sua cabeça, de não ser capaz de pensar, de
ficar cega e surda, de ter dois selves, um real e um maligno que a
obrigava a se comportar mal”. (Britton, p 42, s/d)

O diagnóstico de Breuer era uma histeria de retenção. Na vida social os eventos


provocam afetos e emoções que geram reações intensas que, por sua vez, devem
ser comedidas de acordo com as exigências e limitações impostas pela cultura, pela
educação e pela própria sociedade. Esse comedimento imposto que limita a reação
dos afetos e emoções provocaria o que eles chamaram de retenção, já que
deveriam ser reprimidos na sua intensidade e jamais expostos.

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Esses afetos e emoções retidos, desviados de suas representações, haveriam de se
deslocar para alguma parte do corpo provocando um processo de conversão que
implicaria nos vários sintomas apresentados pela paciente.

Esses sintomas foram remetidos a cenas de origem traumáticas, por intermédio de


ação hipnótica praticada por Breuer, supervisionado por Freud. Alguns sintomas
foram esclarecidos, por exemplo, a sua surdez, ou desatenção, foi remetida a uma
ocasião em que seu pai entrou na sala e ela desatenta não lhe deu importância e foi
duramente chamada à atenção por ele. Tendo sido repreendida ela nutriu
sentimentos hostis ao pai querendo se vingar, mas nunca o fez, ela reteve, desviou
a atenção a ponto de se negar a dar atenção quando alguém lhe chamava como se
estivesse surda. Tal associação produziu uma melhora grande nos sintomas
pseudoneurológicos e uma mudança no uso da linguagem, de uma linguagem
confusa que misturava três línguas, ela agora fala só em inglês, embora sua primeira
língua fosse o alemão. O estrabismo desapareceu e já podia sustentar sua cabeça e
depois de um mês sem sair da cama ela se levantou pela primeira vez. Dias depois,
em 5 de abril de 1881, o seu pai faleceu e ela já não o via por longo tempo e seu
estado de saúde precário havia sido escondido dela.

Num primeiro momento, Anna reagiu com violência e fúria contra sua mãe, depois
entrou num estado de letargia por dois dias, ela não conhecia pessoas próximas e
nem as enxergava, mas seus sintomas desapareciam em grande porcentagem na
presença de seu médico o Dr. Breuer com quem conversava horas no final da tarde
calma e feliz.

Essa rápida melhora foi definida como cura transferencial. Ela durou até que Breuer
decidiu tirar alguns dias de férias e deixou Anna O. sob os cuidados de um outro
médico que se quer foi reconhecido por ela. Seus sintomas retornaram e
acentuaram-se, segundo diagnóstico de Breuer quando voltou para o seu trabalho.
Anna estava completamente anoréxica e tendo intensas alucinações. O quadro
melhorou significativamente quando Breuer voltou.

Num outro momento de seu tratamento, Anna O foi internada num sanatório, onde
Breuer, por precisar ter menos tempo com a paciente, a visitava de 3 em 3 dias.
Durante esse período ele teve que se retirar novamente por cinco semanas e

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quando voltou ela estava muito mal. Retomado o tratamento com o Dr. Breuer Anna
O. tem novamente seus sintomas aliviados.

Essa é a dinâmica do caso Anna O. que durou até perto do final de 1882, quando
ela atingiu uma estabilidade razoável, com mínimas recaídas.

A evidência de Freud neste caso foi perceber o apego de Anna O. a Breuer. Ele
associa os estados emocionais dela à uma relação inconsciente desenvolvida
durante o tempo em que estiveram juntos para o tratamento. Esse apego foi tão
intenso que ela teve uma alucinação onde simulava dores de parto de um filho que
supostamente seria do dr. Breuer.

A percepção de Freud leva a construção do conceito de transferência, referindo-se


ao movimento psíquico do paciente de transferir para a figura do analista afetos
inconscientes e originalmente vinculados à figura de outra pessoa importante de seu
passado. Freud denominou essa transferência de “falso passado” (Zambelli; Tafuri;
Viana; Lazzarini. 2013, p 181).

Para Freud, num primeiro momento, a transferência implicaria numa


contratransferência, ou seja, um envolvimento do analista com o paciente,
proveniente da empatia provocada pela transferência. A contratransferência seria
um problema constante a ser enfrentado na clínica psicanalítica.

A conceituação do fenômeno passou por revisões a partir de Ferenczi,


contemporâneo de Freud, para quem a benevolência é um dos aspectos da
compreensão que o analista oferece ao paciente e, portanto, a forma mais adequada
para usar a contratransferência a qual deve apenas servir para adequar-se ao
paciente com a finalidade de evitar a repetição de um trauma infantil com uma
postura muito rígida ou distante. (Ibid, p 188).

Uma outra tese, bastante consideras e provavelmente a que prevaleceu foi a de


Paula Heimann. Ela afirma que a contratransferência se constitui como a totalidade
das respostas emocionais do analista em relação ao seu paciente. Assim, o analista
é um recipiente de projeções, as quais devem ser contidas e dominadas com a
finalidade de não levar o analista à atuação contratransferencial. “Se o ego do
analista é suficientemente capaz de tolerar tais sentimentos sem evita-los ou julgá-

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los, ele poderá compreender e acompanhar os movimentos internos e fantasias
inconscientes do paciente”.(ibid, p 190)

Conclusão.

O caso Anna O. abre as portas para uma jornada de compreensão do fenômeno


transferência - contratransferência que se estende no tempo. Hoje há maior
consenso de que, por se tratar de um relacionamento entre seres humanos que se
dispõem à confiança, além de inevitável, o fato, transferência – contratransferência,
é imprescindível no processo da análise. O vínculo afetivo emerge do contato
emocional dos pacientes com a situação analítica, ambos, analista e paciente estão
irremediavelmente vivos. (Palhares, 2008, p 100).

O caso Anna O., em se tratando de ética psicanalítica, em nossos dias, convida ao


aprofundamento da reflexão sobre a postura e aplicação que o analista precisa
cultivar a partir da realidade do fenômeno. O envolvimento deve e vai acontecer,
porém, é inegável que a tarefa de domar as manifestações de transferência implica
em grande dificuldade para o analista, mas são elas que oferecem toda a
atualização e demonstração das diversas emoções esquecidas.

Discernir com clareza as linhas mestras da transferência que aflora de seu paciente
e interagir a contrapartida com a objetividade da análise para que o resultado
aconteça é o desafio ético do analista.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. FREUD, Sigmund. Estudos sobre a Histeria (1893-1895). Rio de Janeiro:


Imago. 1996.

2. ZAMBELLI, Cassio K.; TAFURI, Maria I.; VIANA, Terezinha de C.;


LAZZARINI, Eliana R.. Sobre o conceito de Contransferência em Freud,
Ferenczi e Heimann. Psicologia Clínica, vol. 25. Rio de Janeiro: PUC-Rio,
2013.

3. ANDRADE, Suad Haddad. Transferência e contratransferência. Aula


inaugural.

4. ANDRÉA, Maria Amélia. Transferência: o sentir como instrumento de trabalho


no processo grupal. Revista da SPAGESP, vol. 7. São Paulo: Sociedade de
Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Pauo, 2006.

5. PALHARES, Maria do Carmo Andrade. Transferência e contratransferência: a


clínica viva. Revista brasileira de Psicanálise, vol 42. São Paulo: Federação
Brasileira de Psicanálise, 2008.

6. GASPAR, Taís Ribeiro. O sentimento de culpa e a ética em psicanálise.


Psychê, vol. XI. São Paulo: Universidade São Marcos, 2007.

7. HISGAIL, Fani. A Ética da Psicanálise. Revista Brasileira de Direito


Constitucional, n 8. São Paulo: Escola Superior de direito Constitucional,
2006.

8. BRITTON, Ronald. Anna O: primeiro caso, revisitado e revisado, In:


PERELBERG, Rosine Jozef e Cols. Freud uma leitura atual. Porto Alegre:
Artmed, 2012.

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