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DISCIPLINA: TEORIA PSICANALÍTICA.

PROFESSOR: FLÁVIO R. PROVAZI

2ª Aula:

Tema de discussão:

O nascimento da Psicanálise

• Questionamentos freudianos – o fracasso do modelo médico para a explicação


da histeria – a influência de J.M. Charcot; a influência de J. Breuer
• O caso Anna O.
• Os primórdios da psicanálise – o trauma, a hipnose, catarse, ab-reação.

REFERÊNCIA:

FREUD, S. Cinco Lições de Psicanálise: Primeira lição (1912). In: Obras


Completas de S. Freud (volume XI), Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda.
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PRIMEIRA LIÇÃO.

Nesta primeira sessão do seminário, Freud apresenta uma história a clínica e


terapêutica contida nos “Estudos da Histeria”, realizado por ele e Dr. Breuer.

A paciente em questão “Ana O” tinha sido uma jovem de educação e dons


incomuns, que adoecerá enquanto cuidava do pai, pelo qual era devotamente
afeiçoada. Quando Breuer se encarregou do caso, este apresentou um quadro
variado de paralisias com contraturas, inibições e estados de confusão mental.
No decurso de sua doença que durou 2 anos, a paciente manifestou diversas
perturbações físicas e psíquicas, tinha paralisia espástica das extremidades do
lado direito, com anestesia, sintomas que por vezes manifestava-se do lado
oposto, alterações na visão, dificuldade de manter cabeça erguida, tosse
nervosa, repugnância pelos alimentos, impossibilidade de beber por semanas,
redução da faculdade verbal, não reconhecimento da língua materna e por final
ausência.

Os sintomas apresentados pela paciente surgiram no exato período em que seu


pai havia falecido. Durante os períodos sem manifestações dos sintomas, ou
seja, quando estava em seu estado natural, ela não conseguia apontar a origem
desses estranhos sintomas e ainda encontrava grande dificuldade em se manter
sã e lúcida. Ainda assim, conseguia relatar a origem de cada um deles quando
em estado de hipnose, sempre relacionando-os à morte de seu pai.

Na época os médicos diziam que a histeria não passava de simulação, os


médicos atuavam de modo inamistoso, tinham dificuldade em estabelecerem
tratamento correto, por não conhecer a origem da histeria. Pois, diferente das
afecções orgânicas como apoplexia, tumor, há uma ideia exata que permite
compreender o quadro mórbido. “A histeria deixa o médico, com seus
conhecimentos em anatomia, fisiologia e patologia, desemparados”.

Nesse sentido, Freud apresenta Dr. Breuer como diferente da maioria dos
médicos, sua postura acolhedora tornava possível prestar a doente os primeiros
auxílios.

Breuer notou que as palavras da paciente em estado de confusão mental


pareciam se relacionar com aquilo que a ocupava o pensamento. Uma
observação fortuita revelou ao médico da paciente que ela poderia ser aliviada
desses estados nebulosos de consciência se fosse induzida a expressar em
palavras a fantasia emotiva pela qual se achava no momento dominada. Desse
modo, concluiu, que os sintomas eram produto de suas memórias perturbadas
que permaneciam adormecidas em sua mente inconsciente e que ao
proporcionar o resgate e trazê-las de volta à realidade, dando voz aos
pensamentos que lá habitavam, possibilitou o desaparecimento dos sintomas.

A partir desta descoberta Breuer chegou a um novo método de tratamento. Ele


levava a paciente a uma hipnose profunda e fazia-a dizer-lhe, o que lhe oprimia
a mente, em estado de vigília (acordada) a moça não conseguia descrever como
seus sintomas surgiam e na hipnose ela de pronto descobria as ligações que
faltavam.

Assim Breuer percebeu que os resultados do tratamento tinham maior alcance


se ele permitisse à sua paciente falar sobre suas fantasias e sentimentos em um
estado de hipnose denominado por ele de estados hipnoide. Depois de relatar
certo número de vezes suas fantasias, sentia-se como que aliviada e
reconduzida a vida normal. Esse método de tratamento foi nomeado pela
paciente de “cura pela palavra” (talking cure), ou limpeza de chaminé. Verificou-
se logo, que “limpando a mente” por esse modo era possível conseguir alguma
coisa a mais do que o afastamento passageiro das perturbações.

Dessa maneira, criou-se a teoria da catarse (purgação, purificação), o método


catártico1. Por outro lado, seria inútil apenas recordar perante o médico, se por
alguma razão se dava de modo sem externalização afetiva, ab-reação2. O

1 Método de psicoterapia em que o efeito terapêutico visado é uma “purgação” (catharsis), uma descarga
adequada dos afetos patogênicos. O tratamento permite ao sujeito evocar e a reviver os acontecimentos
traumáticos a que esses afetos estão ligados, e ah-reagi-los. Historicamente, o “método catártico”
pertence ao período (1880- 1895) em que a terapia psicanalítica se definia progressivamente a partir de
tratamentos efetuados sob hipnose.

2 Descarga emocional pela qual um sujeito se liberta do afeto * ligado à recordação de um acontecimento
traumático, permitindo assim que ele não se torne ou não continue sendo patogênico. A ab-reação, que
pode ser provocada no decorrer da psicoterapia, principalmente sob hipnose, e produzir então um efeito
desaparecimento de sintomas, surgia no momento que, em hipnose, “a doente”
recordava com exteriorização afetiva à ocasião e motivo do aparecimento
desses sintomas pela primeira vez.

Por exemplo, a paciente sofria de hidrofobia e vivia a base de frutas. Em estado


de confusão, ausência, externaliza situação de verão em que sofria de sede.
Nesse momento, a paciente tomava na mão o copo e ao aproximar os lábios
repelia como hidrofóbica. Sob hipnose foi possível rememorar dama de
companhia que convivia e não gostava. Demonstrando sua repugnância, contou
sobre ocasião em que foi ao quarto desta senhora e viu, “bebendo água num
copo, o seu cãozinho, um animal nojento e nada disse por polidez”. Depois de
externalizar energicamente a cólera repetida, pediu para beber, bebeu sem
embaraço e despertou da hipnose com o copo nos lábios, e assim, a perturbação
desapareceu definitivamente.

Certa vez ela estava angústia junto ao pai febricitante e aguardava com muita
ansiedade o cirurgião que vinha de Viena para operá-lo. Sua mãe se ausentará
e Anna, sensata a cabeceira entrou em estado de semissono, nesse momento,
viu uma cobra vindo da parede em direção do pai enfermo para mordê-lo. Ela
quis afastar a cobra, mas seu braço encontrava-se adormecido, quando as
contemplou, seus dedos se transformaram em cobrinhas cuja pontas eram
cabeça de caveira. Quando retornou desse estado, aterrorizada tentou rezar e
não encontrou palavras em idioma algum, lembrando-se apenas de uma poesia
infantil em inglês. Com a reconstituição dessa cena durante a hipnose foi
removida a paralisia espástica do braço direito que existia desde o início da
moléstia.

Freud observou que quase todas as impressões patogênicas, os sintomas se


voltavam a fatos comovedores que experimentará enquanto cuidava do pai, isto
é, seus sintomas tinham um significado e era resíduos ou reminiscências3
daquelas situações emocionais. Verificou-se que na maioria dos casos que tinha
havido algum pensamento ou impulso que ela tivera que suprimir enquanto se
encontrava a cabeceira do enfermo, e que, em lugar dele, como substituto, surgia
um sintoma e quando a paciente de forma alucinatória, sob a hipnose, com
expressão livre de emoção ao ato originalmente suprimido, o sintoma era
eliminado. Por esse processo Breuer conseguiu, após longos e penosos
esforços, aliviar a paciente de seus sintomas. (Freud 1925)

Segundo Breuer e Freud a doença se instalava porque as emoções


desenvolvidas nas situações patogênicas não podiam ter externalização normal,
e que a essência da doença consistia na atual utilização anormal das emoções

de catarse, também pode surgir de modo espontâneo, separada do traumatismo inicial por um intervalo
mais ou menos longo.
3 Palavra de origem latina, reminiscentia que significa lembrança vaga ou quase acabada, ou retorno de

uma ideia à mente.


entaladas. Nesse contexto, o uso da hipnose permitia com que a paciente se
recorde dos afetos patogênicos, esquecidos, que eram incompatíveis com
princípios e ideais conscientes. Sendo assim, o sintoma é a energia do afeto
patogênico, impedido de externalização, conduzido para insólitas vias da
inervação, causando a conversão histérica4.

Para Freud, o fundamental das descobertas de Breuer “era o fato de que os


sintomas de pacientes histéricos se baseiam em cenas do passado que lhes
causaram grande impressão (traumas), mas foram esquecidas; a terapêutica,
nisto apoiada, consistia em fazê-los lembrar e reproduzir essas experiências
num estado de hipnose (catarse) (Freud Pag.19).

Freud, destaca chegada a uma teoria puramente psicológica da histeria, dando


o primeiro lugar para os processos afetivos. Ele encerra o seminário dizendo que
os conhecimentos que foram apresentados não progrediram muito. As teorias de
Breuer sobre os estados hipnoides, tornou-se embaraçosa e supérflua, sendo
abandonada pela Psicanálise atual.

4Conversão: consiste numa transposição de um conflito psíquico e numa tentativa de resolvê-lo em


termos de sintomas somáticos, motores ou sensitivo.

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