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AS CINCO LIÇÕES DE PSICANÁLISE, por Sigmund Freud

 Introdução
Sigmund Freud (1856 – 1939), formado em medicina, trabalhou em
um laboratório de fisiologia com Ernst Brücke, efetuando pesquisas de histologia
nervosa; mais tarde, junto com Theodor Meynert, se dedicou a estudos de
neuroanatomia; finalmente, quando, anos depois, tornou-se discípulo de Charcot,
acompanhou experiências sobre o hipnotismo.
Durante toda a sua vida, Freud buscou incessantemente a verdade,
debruçando-se sobre a alma dos neuróticos, por amor à certeza científica. Lutou
para sustentar suas teses nos planos acadêmicos e intelectuais. O pai da
psicanálise foi peça fundamental para as transformações ocorridas no século XX,
marcando o pensamento humano de modo que o homem deixasse de ser o centro
do universo para ser o centro de seu próprio universo.
Mergulhando nos campos emocionais e irracionais, destacou o psiquismo e
a inconsciência, além de também ter se estendido ao caminho da razão; do
sentido e do significado das motivações e dos resíduos de irracionalidade. Desse
modo, Freud apoiou-se na singularidade dos indivíduos, formando uma nova
categoria: a psicanálise.

 Primeira Lição
Freud dedica parte de seu mérito ao Dr. Joseph Breuer, com quem publicou
Estudos Sobre a Histeria. Segundo Freud, nele estão as origens da psicanálise,
quando, pela primeira vez, Breuer utilizou-se do método para tratar uma paciente
histérica.
Esta paciente, de apenas 21 anos e altos dotes intelectuais, apresentou
diversas manifestações físicas e psíquicas mais ou menos graves, nas quais
incluíam-se desde paralisia espástica de ambas as extremidades do lado direito e
problemas oculares até impossibilidade de comer ou beber água e dificuldade de
expressão verbal. Além disso, a paciente chegava ao ponto de alcançar estados
de ausência, em que delirava ou alterava totalmente sua personalidade. Seus
sintomas apareceram quando estava cuidando do pai (de uma doença fatal) e
quando necessitou abandonar a sua cabeceira devido aos próprios padecimentos.
Embora fossem sintomas bastante intrigáveis, os médicos da época – após
aperceberem-se de que o exame objetivo dos órgãos internos nada de anormal
revelava – passavam a tomar casos assim como não mais tão grave, já que
consideravam sua apresentação em uma jovem do sexo feminino, a qual sofrera
abalos emocionais. Afirmavam que não se tratava de uma afecção cerebral
orgânica, mas sim de uma histeria – assim denominada desde a medicina grega –
um exagero, uma simulação que não ameaçaria a vida e poderia ser
completamente restabelecida à normalidade.
Breuer, no entanto, deu especial atenção ao caso, diferentemente dos
outros médicos. Embora sua intenção inicial não fosse de curar a jovem, seu
interesse foi suficiente para que, com os avanços de sua observação, conseguisse
prestar auxílios à doente.
Notou que nos estados de ausência a paciente murmurava palavras que
pareciam se relacionar com seu pensamento no momento e, julgando-as
importantes, o médico passou a anotá-las. Quando a moça saía do estado de
confusão, Breuer praticava com ela a hipnose e repetia aquelas palavras anotadas
para incitá-la a associar idéias.
A partir daí, foi possível chegar à conclusão de que todas aquelas fantasias
psíquicas profundamente tristes retomavam habitualmente ao ponto de partida da
situação da moça diante à cabeceira do pai. Conforme relatava suas fantasias, a
paciente voltava a si mais aliviada, até que um novo estado de reaparecesse e
cessasse novamente pelo modo da revelação. A própria paciente deu a esse novo
gênero de tratamento o nome de “limpeza de chaminé”.
O método da “limpeza de chaminé” fazia mais do que espantar as
perturbações psíquicas e aliviar pensamentos: fazia, também, desaparecer
sintomas quando a paciente recordava e exteriorizava afetivamente a ocasião e o
motivo do primeiro aparecimento de tal sintoma. Foi o que ocorreu quando
recordou que, certa vez, viu o cachorro de sua dama de companhia bebendo água
de um copo; ao lembrar de tal fato, imediatamente pediu água para beber e o fez
sem embaraços; saindo da hipnose, estava com o copo nos lábios e a perturbação
nunca mais reapareceu.
Breuer observou que quase todos os sintomas da moça se haviam formado
como resíduos de experiências emocionais, posteriormente chamadas de traumas
psíquicos, os quais possuíam seu caráter particular a cada sintoma pela relação
com a(s) cena(s) traumática(s). O fim do tratamento da jovem se deu quando foi
removida, através da hipnose, a paralisia espástica do braço direito, a qual existia
desde o começo da moléstia.
A partir daí, Freud passou a empregar o mesmo método semiótico e
terapêutico de Breuer, alguns anos mais tarde. Freud tratou, por exemplo, de uma
mulher, de aproximadamente 40 anos, que apresentava um estalar de língua
ocorrido toda vez que a paciente se sentisse excitada ou mesmo sem causa
perceptível. Descobriu, então, que esse ‘tique’ fora originado em duas ocasiões
em que o silêncio fora rompido contra sua vontade justamente por esse estalido,
quando ela se empenhara, ao máximo, a não fazer barulho algum.
Assim, Freud pôde sintetizar os histéricos como pessoas que sofrem
reminiscências, sendo seus sintomas resíduos e símbolos mnêmicos (da
memória) de experiências traumáticas. Assim como os neuróticos, os histéricos
não só recordam dos acontecimentos dolorosos de um passado distante, mas se
fixam anormalmente a eles; se prendem a eles emocionalmente e alheiam-se, por
isso, da realidade e do presente.
É necessário explicar que Breuer, em praticamente todas as situações, teve
de subjugar uma poderosa emoção ao invés de permitir sua descarga por sinais
apropriados de emoção, palavras ou ações. Seria inútil a recordação de tais cenas
traumáticas sem que houvesse uma exteriorização afetiva; afinal precisava-se
admitir que a doença se instalava justamente porque as emoções desenvolvidas
nas patogenias histéricas não podiam ser exteriorizadas normalmente, já que a
essência da moléstia consistia na atual utilização anormal das emoções presas.
As emoções presas passavam por processos de, por um lado, se fixarem
como carga contínua da vida psíquica e fonte permanente de excitação e, por
outro lado, se desviarem para insólitas inervações e inibições somáticas,
apresentadas como sintomas físicos do caso. Esse último desvio foi chamado de
“conversão histérica” e representa justamente essa expressão mais intensa da
emoção, mas conduzida por uma nova via.
Também é importante ressaltar o fato da “dupla consciência”, já que num
mesmo indivíduo seria possível ter vários agrupamentos mentais mais ou menos
independentes entre si, sem que um ‘nada’ saiba do outro. Essa conclusão foi
tirada a partir do fato de que as pacientes histéricas, como a jovem de 21 anos,
em estado normal ignoravam as cenas patogênicas enquanto em estado de
hipnose conseguiam trazer à memória tais situações.
Para Freud, portanto, na divisão de personalidades, “a consciência fica
constantemente ligada a um desses dois estados, chama-se esse o estado mental
‘conscience’ e o que dela permanece separado o ‘inconsciente’”, podendo o
estado inconsciente exercer influências sobre o consciente, tal qual ocorrido na
manifestação histérica.
Breuer, por sua vez, admitiu que os sintomas apareceriam em estados
mentais chamados ‘hipnóides’ e as excitações tornam-se facilmente patogênicas
por não haver neles condições para descarga normal das emoções. Assim,
portanto, origina-se um produto anormal da excitação – o sintoma – que escapa
ao estado normal.
Assim, pode-se concluir, dessa primeira lição, que por trás de todo sintoma
existe uma lacuna de memória suprimida por condições que conduzem à origem
da manifestação patológica.

 Segunda Lição
Quase simultaneamente à ‘cura pela conversação’ de Breuer, Charcot
começava suas investigações acerca da histeria. Quando foi publicada a
Comunicação Preliminar, de Freud e Breuer, já estavam lá as influências do
observador francês: traumas psíquicos seriam equivalentes aos traumas físicos e
os estados hipnóides seriam reflexos da reprodução artificial de paralisias
traumáticas, que Charcot obtivera durante hipnoses.
Breuer e Freud, além de influenciados por Charcot sob tais pontos de vista,
também se basearam em um de seus discípulos, Pierre Janet. Daí tomaram a
divisão da mente e a dissociação da personalidade como fator central da teoria.
Segundo Janet, a histeria seria uma alteração degenerativa do sistema nervoso,
manifestada pela fraqueza congênita do poder de síntese psíquica.
No entanto, mais que essa suposta fraqueza mental observada, também
podemos considerar fenômenos compensadores, de exaltação parcial da
eficiência. Exemplo disso está no fato de a tal paciente de Breuer, que durante
certo tempo esquecera a língua materna e outros idiomas exceto o inglês, possuir
uma facilidade incrível de se comunicar com a língua inglesa, com perfeição.
Mais tarde, quando continuava sozinho o estudo iniciado por Breuer, Freud
atentou para outro ponto de vista acerca da dissociação histérica, já que, diferente
de Janet, ele partia do trabalho terapêutico prático e não experimental em
laboratório.
Freud tomou o hipnotismo como algo enfadonho e incerto, até porque não
era possível hipnotizar todos os doentes. Como não seria possível modificar à
vontade o estado normal dos pacientes, Freud buscou o fazer mantendo-os em
estado normal. Assim o paciente deveria contar aquilo que ninguém – e nem ele
mesmo – saberia.
Para realizar tal tarefa, Freud espelhou-se em Bernheim, que fez uma
experiência em Nancy e mostrou que as lembranças dos atos cometidos pelas
pessoas em sonambulismo hipnótico apenas eram perdidos aparentemente, visto
que, quando interrogadas sobre elas, afirmavam nada saber – mas com
insistência e assegurando-lhes ser possível lembrar, a recordação vinha de novo à
consciência.
Foi dessa maneira que Freud agiu com seus pacientes, então, conseguindo
que revelassem tudo o quanto fosse necessário para estabelecer as relações
existentes entre as cenas traumáticas esquecidas e seus resíduos sintomáticos.
Embora pudesse tirar desse método conclusões essenciais, era um processo
ainda inadequado a uma técnica definitiva.
Concluiu, portanto, que as recordações esquecidas não se haviam perdido.
Estavam prontas para ressurgir em associação com fatos ainda lembrados, mas
se mantinham inconscientes sobre o poder de alguma força (resistência) que não
as permitia vir à consciência por vias normais.
Diante do conceito de resistência, o pai da psicanálise compreendeu que as
mesmas forças de resistência que não permitem o esquecido voltar à consciência
são as que, anteriormente ao sintoma, tinham agido (repressão) expulsando da
consciência as circunstancias patogênicas correspondentes.
Essa repressão se tratava de uma incompatibilidade entre a idéia do ego do
doente (o motivo da repressão) e as aspirações individuais, éticas e morais (as
forças repressivas). Tal fato produzia, então, um rápido conflito e o desfecho
dessa luta seria sucumbir à repressão, eliminando da consciência o desejo
inconciliável. Torna-se necessário admitir, também, que é fundamental a
existência de outras condições para que haja supressão desses desejos com tal
divisão psíquica.
Exemplo citado por Freud é o de sua paciente que tinha uma simpatia
particular ao cunhado. Quando sua irmã adoecera e morrera, por um instante
passou por sua cabeça que seu cunhado estaria, agora, livre para casar-se com
ela. Nesse instante, a consciência de seu intenso amor pelo cunhado foi reprimida
pelos próprios sentimentos contrários e a jovem adoeceu com graves sintomas
histéricos e sem se lembrar da cena ao leito da irmã. Durante o tratamento com
Sigmund Freud, a paciente lembrou-se da ocasião com forte emoção e curou-se.
Em comparação ao novo método de Freud, a hipnose antes em uso
recobria a resistência, deixando livre o acesso a determinados setores psíquicos.
Mas, em contrapartida, nas fronteiras desses setores continuariam se acumulando
resistências, tanto que para os outros setores ainda havia uma barreira
intransponível.
Enfim, conclui-se dessa segunda lição, que os desejos insuportáveis ao
paciente histérico expelem-se da consciência e da lembrança por ação das forças
repressoras contrárias e, aparentemente, os indivíduos se livram de dissabores.
Mas, no entanto, o impulso do desejo se mantém inconsciente e consegue se
revelar através de uma nova via que substitui o reprimido. Reaparece à
consciência disfarçado e irreconhecível sobre a forma de sinais patológicos pelos
quais é possível reconhecer, através do tratamento psicanalítico, traços de
semelhança com a idéia primitivamente reprimida.
Finalmente, uma vez trazido à memória consciente aquilo o que fora
reprimido, ultrapassando as barreiras resistentes, o conflito psíquico primitivo
alcança soluções mais felizes com a orientação do médico: ou o doente se
convence de que repelira, sem motivos, o desejo e o aceita total ou parcialmente;
ou esse desejo é levado a um alvo irrepreensível e elevado, num ato de
sublimação; ou o paciente reconhece a recusa como justa.

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