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3 traços da estrutura obsessiva

Quando Freud caracteriza a Neurose Obsessiva em sua obra ele está falando de um tipo de
patologia psíquica, um tipo de doença. Freud costuma dar mais ênfase aos sintomas da N.O
que hoje dentro da psiquiatria, dentro do campo da psicopatologia não psicanalítica são
sintomas que encontramos num quadro conhecido popularmente sobre o transtorno
obsessivo compulsivo (TOC) que é uma abordagem mais descritiva porque os dois sintomas
mais característico dessa patologia são justamente os pensamentos obsessivos, ou seja, ideias
que invadem a consciência do sujeito e que ele não consegue controlar voluntariamente e as
compulsões que são comportamentos que o sujeito executa justamente para se livrar dos
sentimentos negativos provocados pelos pensamentos obsessivos. As compulsões acabam
sendo atos que visam neutralizar o efeito dos pensamentos obsessivos sob o sujeito. Essa é a
caracterização da patologia N.O ou transtorno obsessivo compulsivo, mas temos também em
psicanalise a estrutura de personalidade obsessiva, pessoas que estão na estrutura obsessiva
que são neuróticos obsessivos podem manifestar esses sintomas ou não.

Pode ter uma pessoa que está na estrutura obsessiva mas que não necessariamente
apresentar esses sintomas de forma acentuada. Nessa aula trago três traços de personalidade
que costumam estar presentes na configuração, do modo de ser de um sujeito que está na
estrutura obsessiva.

1.O primeiro elemento é o excesso de culpa. O sujeito que está na estrutura obsessiva em
geral vive em um estado constante e crônico de culpa. A culpa evidentemente é um
sentimento que os acomete quando fazem algo que se sabe que a priori ou a posteriori não
deveria ser feito, a culpa tem sempre relação com o dever, com o ideal de conduta.

É como se ele achasse que cometeu ou vive cometendo um ato abominável, como se ele
inconscientemente fosse um monstro, isso explicaria esse sentimento crônico de culpa,
porque se eu me irrito com uma pessoa e xingo a pessoa e logo depois sinto culpa, a minha
culpa é derivada pela consciência de que eu fiz um ato equivocado, que xinguei a pessoa e não
deveria ter feito isso. Se fico permanentemente culpado isso é um sinal de que ou eu cometi
algo muito abominável no passado ou estou cotidianamente cometendo alguma coisa
inadequada.

Encontramos na N.O essa fantasia de que o sujeito tem um monstro interior, tem uma
dimensão que transgressora, rebelde, pecaminosa. E quando vamos rastrear isso na história do
obsessivo o que encontramos? Encontramos o complexo de édipo que é quando o sujeito se
depara com a lei, com a barreira que a civilização impõe aos seus desejos, e como o sujeito se
posiciona diante dessa lei? Ele acata a lei e a obedece mas conserva dentro de si um estado de
rebeldia em relação a ela.

O N.O é aquele sujeito que aceita, acata, se submete mas ele não se submete integralmente,
ele guarda dentro de si o desejo de subverter aquela lei, um desejo de quebrar aquela lei, o
desejo de transgredi-la e é justamente por estar em contato permanente mas inconsciente
com essa outra dimensão que é a dimensão da revolta, da rebeldia, transgressora que o N.O
está sempre se sentindo culpado, porque ele sabe que no final das contas ele não faz, não
executa tudo aquilo que ele deseja, ele obedece e é um bom cumpridor de seus deveres mas
ele conserva dentro de si o desejo de descumprir, o desejo de transgredir, essa é a
problemática central na N.O. É uma aceitação da lei do incesto e ao mesmo tempo uma revolta
contra a lei, o desejo de transgredi-la que gera esse estado crônico de culpa.
Esse estado crônico e latente de culpa é muito incomodo, é difícil de suportar então o que o
N.O faz? Ele vincula esse estado de culpa a pequenas coisas do dia-dia, porque é melhor sentir
culpa por algo que sei do que uma culpa que eu não sei de onde vem, porque esse estado de
revolta ela é inconsciente, ela foi recalcada, então o sujeito só sente a culpa mas não sabe do
que, então para suportar essa culpa ele a vincula, faz uma falsa ligação a elementos de seu dia-
dia. O sujeito se vê imensamente culpado por uma bobagem, ex: email com falha que mandou,
uma palavra que ele julga ter sido equivocada na relação com o outro. É muito comum que o
N.O esteja sempre pedindo desculpas. Ele está sempre vinculando essa culpa a pequenos
elementos.

2.O segundo traço é o traço da ordem e dos rituais. Impactado, mortificado por essa culpa
constante e também pressentindo, intuindo que há uma dimensão de si que é rebelde que ele
vê como monstruosa, que ele vê como parte transgressora, o N.O precisa se proteger e para se
proteger dessa parte monstruosa o que ele faz? Ele se apega a hábitos, rituais, manias, rotinas.
Ele se apega a esses elementos de ordem externa justamente porque se submetendo a esses
elementos de ordem, ele se julga protegido de fazer algo que seria transgressor, rebelde,
impulsivo. O N.O obsessivo é um sujeito que tem medo de si mesmo, tem medo do monstro
que acha que ele é, é como se ele tivesse um animal selvagem enjaulado dentro de si, e esse
animal pode quebrar essas cadeias a qualquer tempo, por isso ele precisa tomar cuidado para
que esse animal saia. Como ele não pode controlar do lado de dentro, ele controla do lado de
fora, então ele faz tudo certinho do lado de fora, cumpre rituais, cumpre rotinas rígidas porque
qualquer abertura, lacuna já se torna uma ocasião para que esse animal enjaulado saia, então
ele precisa estar o tempo todo ocupado, organizado, precisa se apegar aqueles sistemas,
aqueles hábitos, aquelas manias porque isso confere a ele proteção contra o animal que está
dentro de si.

Não tem nenhum monstro mas o sujeito enxerga essa dimensão de si como monstruosa
justamente porque lá atrás, na hora de fazer o processo de recalcamento primário, na hora de
entrar em confronto com a lei, essa incorporação da lei foi feita de forma rígida.

O N.O é aquele que introjeta a lei necessária para a entrada na civilização mas introjeta essa lei
de forma muito severa e uma lei que é muito severa faz com que você olhe para aquilo que ela
interdita como monstruoso quando na verdade se trata de algo que é natural, que é
espontâneo.

Enquanto a histérica ela joga essa parte monstruosa pro lado do outro e ela vai se considerar
como abusada, vítima. Já o obsessivo não, ele se considera o monstro e se o monstro é ele, ele
precisa tomar as precauções para que esse monstro não apareça, daí que vem o apego rígido
dos obsessivos à rotinas, rituais, manias, organizações.

3.O terceiro traço é o processo que o obsessivo faz de transformação do desejo do outro em
demanda. Em uma demanda absoluta que não pode deixar de ser satisfeita. Porque o
obsessivo introjeta a lei de forma tão dura, rígida, severa e passa a olhar pra si mesmo como
um monstro em potencial? Isso não acontece por acaso, é que na dinâmica infantil do
obsessivo encontramos em geral: Lá na relação com seus pais, essas crianças são colocadas no
papel de complemento de consolo para o desejo materno. A mãe do obsessivo é uma mãe
insatisfeita com o pai, é uma mãe que comunica para o obsessivo o seguinte: O seu pai não dá
conta de mim, ele não me satisfaz, me deixa frustrada e então ela dirige pro obsessivo essas
expectativas frustradas que tem em relação ao pai. O obsessivo então se vê preso ao desejo
materno, se vê preso a uma relação incestuosa com a mãe, ele se vê como complemento do
desejo materno. A mãe insatisfeita vai encontrar consolo nele, então essa mãe não pode ficar
satisfeita pois ele se torna o responsável em satisfazer a mãe. Por isso que na hora que a lei
vem, e a lei vem para separar essa relação da criança com a mãe, o obsessivo olha pra si
mesmo e pensa “eu sou um monstro” porque o que eu estava fazendo até agora? Eu estava
consolando minha mãe em relação as frustrações que ela tem com meu pai, eu estava
gozando incestuosamente com a minha mãe, ele olha pra si mesmo após a intervenção da lei
com o olhar de que verá a si mesmo como um monstro, como alguém que merece punição por
esse período de gozo incestuoso com a mãe e essa espera/expectativa de punição que está por
trás da culpa. Então veja, a matriz identitária do obsessivo é o lugar de falo da mãe, lugar de
objeto que vai satisfazer o desejo insatisfeito que a mãe tem em relação ao pai, e agora ele é o
destinatário dessa expectativa, por isso que na sua relação com suas parceiras o obsessivo se
verá nesse lugar de “eu preciso satisfazer o outro, o outro não pode desejar, porque se o outro
deseja é porque ele está insatisfeito, se o outro deseja é porque não estou fazendo meu
trabalho corretamente, não estou satisfazendo, o outro não pode desejar” por isso que
quando a parceira do obsessivo reclama e ele sente essa queixa como uma catástrofe, “como
assim ela está se queixando? Eu faço tudo pra ela, eu sou o objeto que ela mais precisava, se
sou tudo o que ela precisa? Ela não pode se queixar”. Então ele transforma aquela queixa em
ordem, ele não pode deixar essa mulher insatisfeita, ele trata esse desejo como uma demanda,
como uma ordem.

Por isso costuma dizer que a mulher ideal do obsessivo é uma mulher morta porque só os
mortos não desejam. A mulher perfeita para o obsessivo é a mulher que não fala, que não
veicula nada, é uma mulher que está morta porque a mulher viva se queixa/deseja, mas o
obsessivo como o desejo do outro acaba sendo visto como uma catástrofe porque lá no início
ele esteve nesse papel de consolo pro desejo da mãe, então agora esse obsessivo vai se sentir
angustiado e vai tratar o desejo do outro como ordem.

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