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CONTEÚDO DO CURSO
06/06 - Apresentação Objetivo do Curso
Introdução: O Que é Antropologia e as Visões Inadequadas da Pessoa Humana
12/06 - A Antropologia Hebráica e a Grega
20/06 - O Ser Humano à Luz da Fé no Deus Criador Segundo as Sagradas Escrituras
27/06 - Jesus Cristo o Homem Novo e Plural
04/07 - O Conceito de Pessoa.
11/07 - A Questão do Mal e da Liberdade.
Trabalho em Grupo de Aproveitamento
AGOSTO
01/08 - O Que é Revelação
a) Conceito de Revelação
b) Estágio da Revelação
c) Característica da Revelação
08/08 - A Escritura
Tradição
Magistério
Dogmas
Conclusão e Avaliação
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
1. DEFINIÇÃO DE ANTROPOLOGIA
1. Conceito de antropologia
Assim, em seu sentido original, a antropologia é a doutrina sobre o ser humano. O termo
surgiu com o filósofo grego Heródoto, no século V a.C. Por ser o primeiro, pelo que se
sabe, a tratar sistematicamente do tema, Heródoto é considerado o pai da antropologia.
A antropologia divide-se em:
« Etnologia (do grego "ethnos" = povo): é o estudo histórico dos povos e de seus
costumes.
« Etnografia: é o estudo descritivo de um ou de vários aspectos sociais e culturais de um
povo ou grupo social.
5- O ser humano é visto numa perspectiva fortemente elitista. Valioso é somente quem
tem capacidade para consumir nesse maravilhoso mercado mundial. São as novas bem
aventuranças: bem aventurado aquele pode consumir, e mais bem aventurado ainda
aquele pode consumir mais.
6- Quem não pode consumir é deixado de lado, faz parte da massa descartável.
Todavia, o pior, do ponto de vista antropológico, é que as estruturas coloniais e
neocoloniais de dominação afetaram a consciência mesma do ser humano. Desenvolveu-
se, assim, a consciência oprimida caracterizada pelo mutismo, pela passividade, pelo
fatalismo e pela submissão. Afetado pela realidade que o cerca o ser humano vai
construindo uma cosmovisão deteriorada de si mesmo e do mundo.
A cosmovisão (ou mundividência) significa a concepção que temos da realidade que nos
cerca.
As visões parciais do ser humano são maneiras inadequadas de se perceber a realidade
da pessoa humana, capazes de influenciar e orientar suas opções, atitudes e atos.
Umas estão presentes no senso comum, enquanto outras são forjadas pela ideologia de
grupos culturais e sociais.
Outras ainda provêm de meios eruditos e acadêmicos, mas há aquelas que são
produzidas e mantidas no universo religioso do povo.
1º) A visão determinista ou fatalista concebe o homem como aquele que aceita tudo
passivamente, pois tudo já está fatalmente determinado.
a) O ser humano não é dono de si, mas vítima de forças ocultas.
b) Sua atitude é colaborar com essas forças ou aniquilar-se diante delas.
c) Tal concepção ignora a autonomia da natureza e da história, como também a
liberdade do ser humano.
a) Só reconhece como verdade o que pode ser demonstrado pela ciência, o que leva a
própria pessoa humana a ficar reduzida à uma definição científica.
b) Em nome da ciência justifica-se tudo, afrontando até a dignidade humana.
c) Neste parâmetro, submetem-se os povos e nações à tecnocracia.
d) A nova engenharia social, científica e tecnológica controla e manipula os espaços e
decisões dos indivíduos e das instituições.
e) O que importa são os meros elementos de cálculos, as pesquisas dos cientistas e
as descobertas novas.
f) Negam-se os critérios éticos, humanos e religiosos, como também exagera o papel
da ciência e da tecnologia no universo humano.
Convém repetir: a antropologia cristã tem algo específico a dizer sobre o homem, não
tanto abstratamente considerado, mas sobre seres humanos concretos.
A teologia tem seu método próprio de captar a realidade e possui igualmente um discurso
próprio. Na antropologia cristã, o ser humano é estudado á luz da palavra da revelação
bíblico-cristã interpretada na comunidade eclesial com seu dinamismo histórico. O ser
humano é estudado não com menos rigor cientifico, porém a ótica é diferente. A verdade
teológica com o método que lhe é próprio, é chamada a comunicar, não é uma doutrina
abstrata, mas verdade viva e transformadora da realidade.
A palavra cristã sobre o ser humano deve ser anunciada, comunicada em conexão com a
vida das comunidades. A teologia tem obrigação de realizar essa comunicação com um
rigor intelectual que não possuem outras formas cristãs de comunicação da Palavra.
Todo discurso teológico cristão sobre o homem supõe a cristologia, Jesus Cristo, para a fé
a cristã, é o protótipo do humano, o modelo do que significa ser humano. É alguém
plenamente aberto a Deus e aos seres humanos, alguém que vive intensamente e com
toda radicalidade o amor-serviço. Para ser realmente humano, segundo a fé cristã, o
homem deverá seguir o caminho percorrido por Jesus Cristo, vivendo a existência da
"nova criatura". Jesus é o homem verdadeiro, e o Deus verdadeiro revelado na sua vida
morte e ressurreição.
2
O Mecanicismo foi um movimento que aconteceu no Século XVII, do qual participou a
maioria dos cientistas e filósofos daquele tempo. Representou praticamente o surgimento
de um novo "paradigma", sendo que René Descartes foi seu maior expoente. Voltar
3
Empirismo é uma doutrina filosófica que defende a idéia de que somente as experiências
são capazes de gerar idéias e conhecimentos. De acordo com o empirismo, as teorias das
ciências devem ser formuladas e explicadas a partir da observação do mundo e da prática
de experiências científicas. Portanto, este sistema filosófico descarta outras formas não
científicas (fé, intuição, lendas, senso comum) como forma de geração de conhecimentos.
Esta doutrina filosófica foi definida no século XVII pelo filósofo inglês John Locke. De
acordo com este filósofo, todos os seres humanos nascem com a mente em branco, ou
seja, limpa. Com as experiências e conhecimentos adquiridos em vida é que a
personalidade se forma. Logo, a sociedade interfere diretamente na formação dos
indivíduos. Voltar
A origem da visão dicotômica do ser humano remonta aos albores da humanidade. Numa
perspectiva teológica, encontra-se já presente na Índia e na Pérsia antigas, anteriores ao
desabrochar da filosofia grega. No âmbito helênico 1 ela é desenvolvida especialmente
entre os pitagóricos 2. Mas é com Platão que esta visão recebe uma vigorosa formulação
teórica, no campo propriamente metafísico. O pensamento platônico teve um influxo
decisivo na formação e no desenvolvimento da filosofia, da cultura, da civilização e do ser
mesmo do Ocidente europeu. No Brasil no inicio do século XXI, continuamos precisando
nos referir a Platão quando tentamos falar significativamente sobre o homem, mesmo que
se trate do homem visto à luz da fé bíblico-cristã. A visão platônica influenciou e influencia
muito ainda nos dias atuais. A antropologia elaborada por Platão faz distinção entre idéia e
coisas. As coisas pertencem ao mundo sensível, caracterizado como mutável, temporal,
caduco, descambando facilmente para o ilusório. Já as idéias pertencem a um outro
mundo, o da realidade divina, eterna e imutável. A verdadeira realidade encontra-se
unicamente além das aparências sensíveis, no mundo das idéias. As coisas do mundo
material não passam de cópias muito imperfeitas deste mundo real. Certamente existe
uma relação entre as coisas e as idéias: estas são os arquétipos imitados por aquelas.
Os dois mundos estão presentes no homem: na alma (mundo das idéias) e no corpo
(mundo das coisas). O corpo, como coisas que é, participa imperfeitamente de uma ideia,
enquanto que a alma pertence ao mundo eterno e divino das idéias. É mediante a alma
que o homem participa, de maneira superior e mais profunda, do mundo das ideias.
Mediante a alma humana, o homem teria contemplado as idéias, numa existência anterior.
A alma incorruptível e imortal, preexistente ao corpo, perde uma vez encarnada, o contato
direto com o mundo das idéias, mas no encontro perceptivo com as coisas, imitações e
participações das idéias, ela vai lembrando (reminiscência: "anamnese") o conhecimento
anterior das coisas.
Alma e corpo devem ser tratados separadamente, pois pertencem a dois mundos diversos,
mas no homem concreto é necessário relacioná-los. Como? No "Fedon", obra do período
médio de Platão a relação é apresentada de maneira fortemente negativa: a alma se
encontra prisioneira do corpo e dos sentidos: o corpo é limitador da alma; o sábio (o
filósofo verdadeiro) deseja a morte para se libertar do corpo. Na obra "Timeu" e,
sobretudo na obra "Leis", obra esta inacabada, a relação alma-corpo é vista de maneira
bastante positiva: a alma é comparada ao marinheiro e o corpo ao navio. A alma é
apresentada como mediação entre o mundo sensível e mundo das idéias.
A doutrina dos dois mundos, com sua concretização antropológica na alma e no corpo,
comporta obviamente dois tipos bem diversos de conhecimento: a opinião (doxa) e a
ciência (episteme). Os cidadãos comuns são escravos das opiniões, os verdadeiros
filósofos são conduzidos pela ciência, razão pela qual afirmava Platão: o bem real dos
cidadãos da polis só poderá ser atingido na medida em que os homens abertos ao mundo
das idéias (os filósofos) detenham de fato o poder para decidir sobre os destinos da
pátria. Só o verdadeiro filósofo, conhecedor do mundo das idéias, da verdadeira realidade,
tem condições para enfrentar com radicalidade os problemas políticos, desmascarando e
superando as falácias próprias da opinião e do mundo sensível em geral. Deixar-se
conduzir pelas opiniões é condenar-se à escravidão. A humanização do homem se torna
possível quando a reta razão e o bem governam a sua existência, ordenando (embora de
maneira limitada) o mundo caótico e confuso próprio das percepções sensíveis. Vejamos o
esquema para entender a contraposição platônica:
IDEIAS MUNDO INVISÍVEL IMUTÁVEL ETERNO DISTINTO E
TRANSPARENTE
Convém notar que no esquema proposto a acentuação do valor da alma leva a diminuir ou
negar a importância do corpo. É uma estrutura que tem penetrado fundo na consciência
cristã, no decurso dos séculos e que funciona frequentemente, revelando-se um obstáculo
para a concretização das opções da Igreja atual pela salvação-libertação integral do
homem.
Dualismo cartesiano
A Igreja cristã, porém, continua firme em sua fé e em sua missão, afirmando que o
mistério do ser humano só encontra sua verdadeira explicação e compreensão no mistério
do Verbo encarnado, isto é, no Filho de Deus que assumiu a condição humana na história
com o nome de Jesus de Nazaré (cf. GS 22). Para a Igreja o referencial "Adama" (homem
e mulher), portanto, é o ser humano 4 criado à imagem e semelhança do próprio Deus
(mistério da criação). Este ser humano, no uso de sua liberdade, assim o ensina a Igreja,
rompeu com o seu Criador (pecado original), Deus, porém, não somente não o
abandonou, mas deixou plasmado na natureza própria do ser humano a necessidade de
Deus e o impulso natural para buscá-lo. E ele concedeu à liberdade humana a graça do
chamado incessante para restabelecer a união homem-Deus, Deus-homem. Depois de
manifestar-se de muitos modos ao longo da história, quando chegou à plenitude do
tempo, na linguagem bíblica, Deus deu-lhe a maior prova de amor, o seu próprio Filho
divino em forma humana (cf. Hb 1, 1; 1Jo 4, 9-10), que viveu entre nós com plenitude
humana, como o ser humano perfeito, por ser ao mesmo tempo "verdadeiramente Deus e
verdadeiramente homem".
Portanto, assim crê a Igreja, é pelo Cristo que o ser humano é "justificado" (recupera a
justiça perdida pelo pecado). E é a partir dele, nele, com ele e por ele, que o ser humano
vive da graça do Pai, do Filho e do Espírito Santo: filiação (ao Pai), fraternidade-amizade
(do, no e pelo Filho), inabitação (no Espírito Santo). É em direção a Cristo, o referencial
humano-divino que, na liberdade, o ser humano procura alcançar progressivamente e com
o impulso da graça que ele nos alcançou, "o estado adulto, a estatura de Cristo em sua
plenitude" (Ef. 4,13). É este o cerne da Antropologia teológica cristã.
a) Corpo (bâsar, sarx, caro = corpo de carne) é a nossa realidade fisica, biológica);
b) Alma (nephesh, psychè, anima = dimensão psíquica, afetiva, intelectiva, volitiva,
relacional) é a dimensão vital similar a de todos os demais seres vivos, mas que possui em
si, a diferença da dimensão da auto-consciência, do afeto-relacionamento, da liberdade,
da vontade, do senso ético, da busca do bem, do belo, da verdade e da felicidade;
c) Espírito (ruach, pneuma, spiritus = dimensão transcentente espiritual), é a dimensão
exclusiva do ser humano, fruto da criação direta de Deus (sopro- ruach, ser vivente em
Deus e para Deus 5), que assegura a possibilidade de comunicação e comunhão dom
Deus.
Esta reflexão é importante porque houve, na história do cristianismo, confusão entre os
intérpretes e estudiosos, alguns afirmando que Paulo tinha uma visão tricotômica do ser
humano, isto é, um composto de três partes separáveis, enquanto outros defendiam a
concepção dualista de corpo e alma. Na concepção hebraica as três realidades se
apresentam como dimensões autônomas, porém, formando uma unidade, um todo. O
refinamento da reflexão concluiu que a alma e o espírito são imortais, ao passo que o
corpo é corruptível, mas destinado à ressurreição, mesmo que de forma espiritualizada,
segundo a convicção cristã.
E como surgiu a visão do dualismo corpo e alma? Na reflexão tradicional e oficial da Igreja
cristã, o predomínio da cultura greco latina na teologia fez acontecer uma fusão entre
"alma e espírito", por mais que muitas vezes apareçam distintas. Com isso, quando,
portanto, em teologia se fala em "alma", entende-se por (ruach, pneuma, spiritus-
espírito). É, porém, preciso deixar sempre esclarecido, que no dualismo cristão do ser
humano como corpo e alma, obviamente está subentendida a visão trinitária, pois se faz
uma clara distinção entre nephesh-psychè-anima (alma) e ruach-pneuma-spíritus, isto é, o
sopro de Deus (espírito), que, porém, só é aceitável em nivel de fé revelada. É
exatamente aqui que se destaca ainda mais a unidade na dualidade entre corpo, alma
(incluindo o espírito), ao contrário da concepção maniqueísta que ensina a docotomia
estranguladora do ser humano, ao colocar, como na filosofia de Platão, o corpo como uma
prisão da alma, e que, portanto, o espírito (ruach-pneuma-spiritus) está, também ele,
encarcerado no corpo humano e dele precisa se libertar e, mais ainda, diz o maniqueísmo,
porque o corpo é obra do deus demônio, e por isso, deve ser desprezado e massacrado,
sobretudo, em sua realidade sexual.
1
Helenico esta relacionado à cultura grega. O helenismo é a difusão da cultura grega.
Este foi o grande sonho de Alexandre III, o Grande. Hellenizein do grego quer dizer falar
grego. Voltar
2
Pitágoras (580 a 500 AC). Oriundo da ilha de Samos fundou em Crotona, na Grécia,
uma escola que teve grande influência não só por suas doutrinas filosóficas como também
pela sua ética pura e austera e por suas tendências políticas. A ideologia pitagórica
constitui um progresso indubitável em relação à ideologia jônica. Os pitagóricos não
investigam de que são formadas as coisas, mas sim o que são as coisas, e sua resposta
é que as coisas são números. Aristóteles nos dá a razão dessa estranha afirmação: “Os
chamados pitagóricos se dedicaram às matemáticas e fizeram progressos nesta ciência,
mas embebidos em seu estudo, acreditaram que os elementos das matemáticas (os
números) eram também os princípios de todos os seres”. Apoiados em seu princípio os
pitagóricos desenvolvem uma espécie de análise do número, cujos resultados aplicam na
realidade. Os elementos do número são o par e o ímpar. O número par, como divisível
mais e mais, representa o infinito. O ímpar, por não ser divisível, representa o finito. A
unidade participa de ambos os elementos por ser, a sua vez, par e impar. Voltar
3
O Neoplatonismo foi uma corrente de pensamento iniciada no século III que se
baseava nos ensinamentos de Platão e dos platônicos, mas interpretando-os de formas
bastante diversificadas. Apesar de muitos neoplatônicos não admitirem, o neoplatonismo
era muito diferente da doutrina platônica. O prefixo neo, inclusive, só foi adicionado pelos
estudiosos modernos para distinguir entre os dois, mas na época eles se
autodenominavam platônicos. O neoplatonismo foi frequentemente usado como um
fundamento filosófico do paganismo clássico, e como um meio de defender o paganismo
do cristianismo. Mas muitos cristãos também foram influenciados pelo neoplatonismo,
entre eles Santo Agostinho. Voltar
4
“Adam” (originado do húmus, do barro) denominação usada em Gênesis é um termo
ambíguo já que pode ser traduzido para se referir a um indivíduo como para o gênero
humano, o ser humano. O mais comum, tanto no uso hebraico como cristão, foi aplicá-lo
a um indivíduo que passou a ser denominado de “Adão”. Isso ocasionou, portanto, a
limitação de a “imagem e semelhança de Deus” ao homem, fundamentando, em grande
parte, o machismo judeu e cristão. Aconteceu que não se prestou suficientemente atenção
ao fato de que na tradução dos 70 para o grego a distinção é realizada corretamente. A
tradução de Adam é Anthropos, portanto, gênero humano e não um indivíduo. Ora, a
partir dessa compreensão, fica claro que a mulher, integrante do gênero humano, é
antropos, portanto, imagem e semelhança de Deus igual ao homem. Voltar
5
Adama-adão (originário do húmus ou barro), em hebraico, é um termo ambíguo, pois
serve para denominar o ser humano como espécie, isto é, o gênero humano, como para
designar um determinado indivíduo. É preciso muito conhecimento para poder distinguir
no texto bíblico uma coisa de outra. Voltar
Para a fé bíblico-cristã, a visão unitária do ser humano chamado a viver em relação com
Deus, com os outros seres humanos e com a natureza, encontra seu último fundamento
na autorevelação de Deus como criador e como salvador. Na revelação bíblica, toda
autocomunicação de Deus leva consigo concomitantemente a manifestação de quem seja
o homem. Focalizaremos nesta aula junto com a perspectiva unitária, a grande riqueza de
indicações a respeito do ser humano contidas na revelação de Deus como criador em
conexão com a sua revelação como salvador.
O Antigo Testamento, no seu conjunto, não está preocupado com o homem considerado
em si mesmo. O que realmente interessa é a relação de Deus com o homem concreto,
situado históricamente. No Antigo testamento, como também no Novo Testamento deve-
se reconhecer uma intenção e uma preocupação decididamente teocêntricas. Deus esta
no centro da realidade toda. Isto não significa desprezo pelo ser humano e pelo seu
mundo, na Sagrada Escritura, Deus não é focalizado em si mesmo, mas sempre na sua
relação com os seres humanos, de maneira eminentemente dialógica. Pois, a intenção da
bíblia é prioritariamente teocêntrica, justamente por isso é também antropocêntrica.
Os especialistas em teologia do Antigo Testamento afirmam que para compreendermos a
autoconsciência de Israel como povo precisamos partir da experiência do êxodo. Deus
intervém na história em sentido amplo: Iahweh age na vida dos indivíduos, no desenrolar
dos acontecimentos, no destino de Israel e das nações. A ação libertadora de Iahweh esta
na origem da autocompreensão de Israel como povo, uma experiência de salvação: Deus
revela-se como salvador. A experiência do êxodo desdobra-se nos acontecimentos da
libertação da escravidão do Egito, da peregrinação pelo deserto sob a condução de
Iahweh e do compromisso assumido entre este e o povo de Israel. Esses acontecimentos
formam parte da tradição mais antiga e mais fundante de Israel. A tradição mais antiga, à
base das posteriores interpretações teológicas, formou-se em torno da experiência das
intervenções salvíficas de Deus em favor do grupo de Moisés e, posteriormente, de todo
Israel, já instalado e constituído como povo de Iahweh, na terra de Canaã. Esta tradição
mais antiga chegou até nós em várias versões escritas: Javista (J), Eloísta (E),
Deutoronomista (D) e Sacerdotal (P). Todas essas versões embora em perspectivas
teológicas diversas narram a ação salvífica de Iahweh em prol do seu povo.
A história da salvação conduzida por Deus continua sendo o tema central do Eloísta.
Certamente a ótica em que o eloísta vê a história da salvação é bem menos otimista.
Sublinha acentuadamente a pecaminosidade do homem, a rebeldia e a infidelidade de
Israel. Na realidade a história de salvação, no Eloísta, parece dar lugar à história da
perdição.
As difíceis circunstâncias políticas e religiosas em que viveu o Eloísta explicam facilmente o
fato de que sua atenção esteja voltada exclusivamente para a história da salvação-
perdição de Israel. Diante da ameaça do poder assírio (séc VIII a. C), Israel continua
fechado na sua resposta negativa à gratuita eleição de Deus. todavia o Eloísta continua
firme no seu objetivo em mostrar ao povo o único caminho de salvação, que é a fidelidade
e o compromisso com Deus.
A forte penetração dos cultos cananeus na região de Israel e posteriormente o influxo dos
cultos assírios quase sufocaram a fé javista. Os profetas reagirão duramente contra essa
contaminação. Na leitura da história de Israel, o deutoronomista acentua grandemente a
importância da eleição e da aliança. A vinculação do Deus salvador com Israel é
compreendida como eleição e como aliança. Israel é o povo eleito, povo da aliança. O
escrito deutoronômico, na sua visão da história de salvação, não é tão pessimista quanto
o Eloísta. O povo não deve confiar magicamente na eleição-aliança; a salvação só pode
ser vivenciada mediante a conversão e a volta para Iahweh. Para o deutoronomista Israel
tem chance de evitar a catástrofe anunciada pelos profetas, isto é na obediência à lei
deutoronômica.
O escrito Sacerdotal afirma precisamente que este futuro novo esta aberto. Composto
provavelmente no século V a. C., retoma outra vez a antiga tradição de Israel refletindo
acerca do seu passado remoto: as intervenções salvíficas de Iahweh, nos acontecimentos
do povo, na história dos patriarcas e nos primórdios da humanidade. O objetivo principal
desta reflexão teológica é bastante claro: infundir coragem, confiança e esperança nos
exilados.
A visão da história da salvação é novamente otimista. O exílio é resultado da infidelidade
ao Deus dos pais. Porém a fidelidade de Deus às suas promessas é mais forte do que a
infidelidade humana. É possível o regresso à terra de Israel e um novo começo cujas
linhas organizativas o documento sacerdotal demarca.
b) Pertencer ao povo escolhido pode tornar-se uma outra fonte de falsa segurança para
o israelita. A eleição de Israel foi compreendida frequentemente de maneira muito
estreita e nacionalista.
c) Colocar a confiança e a segurança, nas normas e estratégias próprias da sabedoria
humana tampouco leva a salvação. Má compreensão na doutrina sapiencial.
Criticavam o apego ao culto e à lei, separados do compromisso ético.
d) Fora da comunhão com Deus o homem se ilude com pseudo-salvações e se
encaminha para o desastre. O "sim" da fé e da obediência do homem, a sua decisão,
é indispensável para a concretização da salvação.
Sabemos hoje através da investigação exegética que Gn 1,1ss como também Gn 2, 4b-3,1
utiliza elementos míticos, interpretados à luz da fé em Iahweh. O que é mito? A grosso
modo entendemos que mito é um modo próprio de falar sobre as coisas, é um gênero
literário. O mito tem a sua verdade e constitui uma maneira do homem se aproximar da
realidade. O mito pode levar o homem a entrar em conexão com as experiências mais
originárias da humanidade, numa dimensão de profundidade que a razão meramente
positivista não consegue penetrar. A intencionalidade do mito não esta dirigida à
historicidade do relato, mas ao seu significado. O mito como o logos grego e a
racionalidade moderna, é também um meio de explicação da realidade, com sua
hermenêutica própria.
O autor revela que a criação é realizada pela palavra de Deus. As criaturas possuem uma
transparência simbólica que as torna sinais do amor criador de Deus.
d) O mundo criado precede ao ser humano e possui densidade própria. O ser humano
deveria antes de mais nada receber como dom este mundo que o precede, um mundo já
"falado" pela palavra criadora divina. Este fato está a nos dizer que o homem é chamado
prioritariamente a desenvolver a experiência da receptividade.
e) O mundo criado, nomeado pela palavra de Iahweh, está aberto à ação dele. O
mundo aparece como "lugar do senhorio pessoal de Deus".
f) O tempo não é uma repetição monótona, porém é dado ao ser humano para ser um
momento de decidir em relação a interpelação de Deus, e dos outros seres humanos e do
cosmos, tempo aberto a esperança, a plenitude escatológica.
h) Insinua-se a liberdade de Deus na criação; o mundo existe porque Deus o criou
mediante sua palavra, sem lutas ou pressões de qualquer tipo.
Mensagem de Gn 2, 4b-25
Analisando o conteúdo de Gn 2, 4b-25 destacamos os seguintes pontos: O texto, como foi
assinalado acima, não trata diretamente da criação do mundo. O interesse esta centrado
no homem. Ou melhor, na atitude benevolente de Iahweh para com o homem. Embora
nos relatos seja perceptível a presença de mitos mesopotâmicos, estes mitos são
reinterpretados à luz da fé monoteísta.
a) O autor relata depois da criação do "paraíso", a criação do homem. Deus é
apresentado sob a imagem do oleiro. Como o animal o homem é argila que respira, mas à
diferença dos animais, o homem é capaz de conhecer a natureza destes, é senhor do seu
destino, vive uma existência dialogal. O que supõe que o homem não é apenas um ser
que vive, mas também um ser livre e responsável, com uma responsabilidade em relação
ao mundo que os animais não podem ter. O homem é terrestre (‘adam’), da "argila do
solo"(adamah), não é divino nem emanação do divino. Mas recebe como dom de Iahweh,
o "hálito da vida" (rûah). Vida proveniente da ação amorosa de Iahweh para com o ser
humano.
b) De Iahweh o homem recebe não só o dom da vida, como também o dom que
significa o jardim a ser trabalhado e guardado. Comer da árvore do bem e do mal, seria,
em última análise, colocar-se no lugar de Deus, não aceitando o dom da criação e
rejeitando a própria criaturidade. Ora, tentar suplantar Deus, autodivinizando-se, significa
erigir a mentira como princípio do próprio existir. Não aceitar Deus como Deus, isto é o
pecado na sua última radicalidade.
c) "Não é bom que o homem esteja só", é clara a posição bíblica, o ser humano foi
feito para o diálogo, não para o isolamento negador com outros seres humanos. É
necessário o encontro com o "outro" para que a experiência humana seja humana mesmo.
O ser humano tem necessidade do outro para sua humanização. Os animais são também
criaturas como o ser humano, porém o ser humano não encontra neles relação de
reciprocidade buscada. Não encontra o "outro".
d) Criação da mulher. Formando a mulher a bíblia quer mostrar que ela não é um
animal, pois foi tirada do homem ( mulher, ‘ishsha). A mulher é tão humana quanto o
pode ser o homem. Sublinha-se a igualdade fundamental, na qualidade de seres humanos.
A mulher é para o homem uma "auxiliar" vital. Esta íntima união não resume somente a
procriação, mas esta realidade deve ser experimentada como uma realidade penetrada de
alegre e admirado contentamento, apontando para aquilo que hoje conhecemos como
dimensão relacional própria da sexualidade humana. Ambos pertencem a mesma espécie.
e) O Javista apresenta o ser humano numa perspectiva fortemente relacional. Quatro
tipos de relações básicas, necessárias para autoconsciência do ser humano como
humano:
1- A relação para com Deus: o homem pertence à terra, é criatura de Deus, não é
divino, mas recebe de Iahweh o rûah da vida que o torna um "ser vivente" (nefesh).
2- A relação com os animais: como o homem, eles também são da terra; são auxiliares
do homem.
3- A relação inter-humana: especificamente a relação homem-mulher.
4- A relação com a terra do campo: o homem deve trabalhá-la e volta para ela na
morte.
O homem não é celeste nem divino, mas terrestre e frágil. Deve aceitar a sua limitação,
assumindo a realidade de que não é Deus. No reconhecimento prático desta verdade está
o caminho da bênção. Ceder à tentação do ilimitado leva à destruição e a morte.
O homem é um ser de decisões. É chamado a se decidir. Não é obrigado a dizer "sim" ao
seu criador. Esquece com facilidade que deve simplesmente responder (tal é sua grandeza
e sua pequenez) e se autoengana, julgando-se no lugar de Deus. é chamado, por uma
parte, a viver a diferença, pois ele não é o outro, e os outros não são ele. Por outra parte,
no entanto, o homem está inclinado a se fechar na própria identidade (falsa neste caso)
negadora da diferença.
1
Na linguagem filosófica, etiologia é a ciência que estuda a origem e as causas das coisas,
dos fenômenos etc. Voltar
Segundo o relato joanino da paixão de Cristo, imediatamente após Jesus ter sido
flagelado, coroado de espinhos e vestido com um manto de púrpura, Pilatos o trouxe para
fora do pretório e disse aos que ali estavam: "Eis o homem"(Cf. Jo 19, 1-5).
Provavelmente, mal sabia Pilatos que ali fazia uma afirmação antropológica e teológica
fundamental para o cristianismo, bem como um reconhecimento do destino de toda a
humanidade em Jesus 1.
Jesus Cristo é o ser humano por excelência, plenamente relacional, igual a nós - seres
humanos - em tudo, menos no pecado. Ele é a máxima possibilidade para o ser humano,
a dizer, aquele que é como o ser humano mais é chamado a ser. Jesus Cristo é quem
convida para uma vida digna e feliz, a dizer, correspondente à originalidade da criação e
plena de realização e sentido 5. Ele traduz, em sua vida, o perfeito equilíbrio na
integração-inclusão das dimensões da relacionalidade humana, mas não sem conflitos,
como as tentações, os sentimentos de abandono e a própria cruz o demonstram. Jesus
Cristo é a plena realização e o pleno caminho do ser humano, não conhecendo o egoísmo,
nem o imediatismo. Nele, o pecado fez um "curto-circuito", foi interrompido, não penetrou
em sua vida (Cf. II Cor 5, 21).
Eis como se expressou João Paulo II, referindo-se ao texto de Gaudium et Spes 22,
entendendo a redenção como renovação da criação, e ressaltando a presença salvífica de
Cristo no coração do homem: O II Concílio do Vaticano, na sua penetrante análise do
‘mundo contemporâneo’, chegava aquele ponto que é o mais importante do mundo visível,
o homem, descendo — como Cristo — até ao profundo das consciências humanas,
tocando mesmo o mistério interior do homem, que na linguagem bíblica (e também não
bíblica) se exprime com a palavra ‘coração’. Cristo, Redentor do mundo, é Aquele que
penetrou, de uma maneira singular e que não se pode repetir, no mistério do homem e
entrou no seu ‘coração’. Justamente, portanto, o mesmo II Concílio do Vaticano ensina:
‘Na realidade, só no mistério do Verbo Encarnado se esclarece verdadeiramente o mistério
do homem. Adão, de fato, o primeiro homem, era figura do futuro (Rm 5, 14), isto é, de
Cristo Senhor. Cristo, que é o novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu
Amor, revela também plenamente o homem ao mesmo homem e descobre-lhe a sua
vocação sublime’. E depois, ainda: ‘Imagem de Deus invisível (Cl 1, 15), Ele é o homem
perfeito, que restitui aos filhos de Adão a semelhança divina, deformada desde o primeiro
pecado. Já que n'Ele a natureza humana foi assumida, sem ter sido destruída, por isso
mesmo também em nosso benefício ela foi elevada a uma dignidade sublime. Porque, pela
sua Encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou
com mãos de homem, pensou com uma mente de homem, agiu com uma vontade de
homem e amou com um coração de homem. Nascendo da Virgem Maria, Ele tornou-se
verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no pecado’. Ele, o
Redentor do homem 6.
Todo homem de boa vontade, em tese, deseja viver o humanismo. Mas, antes, é preciso
saber quem é o homem. Jesus Cristo, o novo e verdadeiro homem, dá-nos essa ciência. É
o Verbo de Deus encarnado o modelo para a humanidade, a dizer, o protótipo à imagem
de quem foi modelado o ser humano original. Cristo é imagem do ser humano e, ao
mesmo tempo, imagem de Deus, tornando a humanidade uma "imagem da Imagem de
Deus". "Ele é a imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda criatura, porque nele
foram criadas todas as coisas, (...) tudo foi criado por ele e para ele" (Cf. Cl 1, 15-16).
"Ele é o primeiro na ordem da intenção de Deus, apesar de não o ser na ordem de
execução pessoal".
Daí a relação entre Adão e Cristo, o homem velho e o homem novo. Adão, nome coletivo
para toda a humanidade, que vem da terra (adam, adamah), tido como nome próprio do
primeiro ser humano, foi criado à imagem e semelhança de Deus, mas, em sua liberdade,
foi-lhe desobediente, pelo que toda a humanidade restou marcada pelo mesmo pecado.
Cristo, por sua vez, modelo dessa criação, por sua encarnação, assumiu a natureza
humana, redimindo-a por sua vida plenamente obediente, e restituindo-lhe a dignidade,
então manchada pelo pecado fundamental, novamente para o estado de justiça ou de
graça. Donde vem a catequese paulina de que "onde avultou o pecado, a graça
superabundou" (Cf. Rm 5, 20).
García Rubio destaca, inclusive, que é na cruz que aparece mais claramente o paralelo
antitético entre Jesus e Adão: basta comparar a atitude de Jesus na paixão, tal como é
narrada por Marcos, e a atitude de Adão focalizada pelo Javista em Gn 2 e 3. Jesus é
interpelado para que se salve descendo da cruz (cf. Mc 15, 29-32). Mas Jesus permanece
na cruz. Adão, pelo contrário, quer ‘salvar-se’ a todo custo tentando ser como Deus. E
deslancha, assim, um processo de perdição e de destruição. Jesus, fiel à vocação que vem
do Pai, se salva e nos salva a todos. Adão se perde (convém lembrar que Adão é cada um
de nós pecadores) porque não aceita os seus limites e quer ser Deus 8.
Essa antítese entre Adão e Cristo se denota, como dito, no contraste entre o pecador e o
salvador, o pecado e a justificação ou a graça, a morte e a vida, a desobediência e a
obediência, a condenação e a salvação. Trata-se de um comparativo apoiado na
solidariedade tanto no pecado com Adão, quanto na graça com Cristo. E é preciso
conhecer a Cristo como fonte da graça para conhecer Adão como fonte do pecado, assim
como é preciso aceitar o pleno reconhecimento de Deus - o que fez Jesus Cristo - para
perceber a recusa de reconhecer a Deus - o que fez Adão. Tudo isso sem esquecer a
primazia da graça, como destacado, apesar de toda a maldade que há no mundo e que é
fruto do pecado. A certeza de fé dessa primazia permite, em que pesem as destruições
causadas por todo tipo de pecado, vislumbrarem-se sempre ao ser humano a alegria e a
esperança, e não a tristeza e a angústia.
A atitude de Adão não raramente diz respeito a uma confusão entre o livre arbítrio e a
verdadeira liberdade humana, esta que vai além daquele, compreendendo-o, inclusive.
Quatro são os elementos constitutivos da verdadeira liberdade humana, a saber: pobreza
nativa (carência de todo ser humano); capacidade de escolha (liberdade de opção);
obediência fiel (disposição à opção fundamental); e transformação escatológica (inclinação
à plena realização). Vitor Feller destaca que a caracterização do livre arbítrio se limita à
pobreza nativa e à capacidade de escolha 9. De fato, todo ser humano, a priori, é imbuído
dessa vontade livre. Mas importa, à frente, dar o salto de qualidade na direção dessa
verdadeira liberdade, que coincide com a plena relacionalidade, passando pela obediência
fiel e pela transformação escatológica, salto este que é dado pelos santos. Esse salto
implica sacrifícios e renúncias, como a cruz, em vista de bens mais perenes e de uma
realização definitiva do ser humano, mas precisa ser assumido, embora os tempos atuais
não lhe sejam convidativos.
Jesus é exatamente "o ser humano em renovação escatológica", o homem novo. Mesmo
sendo de condição divina, fez-se obediente e assumiu a sua cruz (Cf. Fl 2, 6-11), em
conseqüência de sua fidelidade incondicional, elevando a natureza humana à sua máxima
dignidade. Conforme o mesmo autor, Jesus se solidariza com toda a humanidade em suas
alegrias e tristezas 10, esperanças e angústias. "Jesus acolheu a não-imagem para restituir-
lhe a dignidade perdida". "Ele é simultaneamente norma do ‘humano’ e redentor da
‘desumanidade’". Mais que isso, "nele temos o humano em definição divina", a dizer, o
Filho de Deus. Na atitude de Jesus, portanto, estão por Ele colocadas as "balizas para o
que deve ser considerado verdadeiramente humano".
Andrés Torres Queiruga é um que afirma que a revelação de Deus acontece na história e
na realização humana, sendo que ela é máxima na pessoa de Jesus, razão pela qual a
revelação cristã é a plenitude escatológica do humano. Eis o que diz o teólogo galego
sobre o sentido concreto e histórico dessa culminação em Cristo:
O longo processo no qual o homem como ser emergente chega ultimamente a si mesmo a
partir do encontro com Deus, que se lhe comunica livremente, alcança em Cristo sua
plenitude insuperável; plenitude da qual, mediante ele, participa na história a comunidade
dos crentes. (...) Se em Cristo falamos de plenitude, significa que a possibilidade humana
é exercida nele até o extremo. Cristo como plenitude da revelação quer dizer então que
nele acontece de modo insuperável e total o encontro revelador de Deus e o homem. Em
outras palavras: a livre decisão divina de comunicar-se totalmente e sem reservas à
humanidade encontra em Cristo uma abertura total e sem reservas. Cristo é o homem
capaz de experimentar em toda sua radicalidade a presença ativa de Deus que se nos
quer dar, e capaz também de acolhê-la com a entrega absoluta de sua liberdade.
Constitui, pois, o caso culminante e insuperável desse processo pelo que o homem como
ser emergente alcança sua realização última no encontro com Deus, que em Cristo
aparece como o que livremente e desde sempre quis dar-se ao homem com um amor
irrevogável e definitivamente salvador. Tomado com toda seriedade, isto significa algo
enorme em sua simplicidade: tudo antes de Cristo foi caminho rumo a ele, tudo depois de
Cristo é viver a partir dele 11.
Faz-se necessária, no dizer de Rahner, uma cristologia existencial, a dizer, uma "relação
pessoal com Jesus Cristo" própria do verdadeiro cristianismo, em sentido de seguimento
de Cristo. E, assim como, de fato, o cristianismo não é mera teoria abstrata, a realização
concreta dessa relação não é exclusiva dos cristãos, estendendo-se, obviamente, a todos
aqueles que são obedientes a essa orientação na graça, ainda que de modo não refletido
expressamente.
O ser humano, como existencial sobrenatural, é "evento da absoluta autocomunicação de
Deus" e precisa acolhê-la livre e responsavelmente, em vista de sua verdadeira liberdade,
antes frisada, e de sua máxima realização. Cabe bem ouvir o que diz o Cristo - "eu vos
digo isso para que a minha alegria esteja em vós e vossa alegria seja plena" - e, bem
ouvindo, observar concretamente a Palavra, em seu amor. O Verbo provoca o ser humano
à ação. E, nesse amor, o ser humano pode fazer o que quiser.
Como ser transcendente, o ser humano vive sua abertura a Deus, a qual é sua dimensão
mais fundamental, inclusive, por sua fontalidade. Vive também sua abertura aos outros,
como ser social que é, o que se dá tanto interpessoalmente, como sócio-politicamente. E
vive sua abertura ao mundo, no meio ambiente onde tem seu habitat, vivendo em uma
determinada cultura, e apreendendo a natureza através da ciência, bem como a
transformando através do trabalho.
3
RUBIO, A. G., Elementos de Antropologia Teológica. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
109. Voltar
4
HUMMES, C. Contribuições da Gaudium et Spes para a compreensão pastoral do homem
de hoje. Revista Teocomunicação, Porto Alegre, v. 35, n. 150, p. 625-637, dez. 2005, p.
630. Voltar
5
Cf. CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. V Conferência Geral do Episcopado
Latino-Amerciano e do Caribe. Síntese das contribuições recebidas. São Paulo:
Paulinas/Paulus, 2007, p. 54-63. Voltar
8
RUBIO, A. G. Unidade na Pluralidade: o ser humano à luz da fé e da reflexão cristãs. São
Paulo: Paulus, 2001, p. 186. Voltar
9
Cf. FELLER, V. G. Deus-Pai e o sofrimento do mundo. Revista Encontros Teológicos,
Florianópolis, n. 26, p. 15-34, 1999. Voltar
13
Cf. Gaudium et Spes, n. 14. Voltar
14
RUBIO, op. cit., p. 308. Voltar
15
RAHNER, op. cit, p. 49 Voltar
Origem da palavra
A pessoa humana é o sujeito pleno, livre, consciente e único, capaz de pensar, sentir,
relacionar e agir no mundo.
Constitui o ser humano racional e livre, definido pela sua dimensão de sujeito moral e
espiritual, plenamente consciente do bem e do mal, autônomo e responsável.
A pessoa traz traços bem peculiares do indivíduo da espécie humana, mas distinto dos
indivíduos das espécies animais, que se encontram essencialmente subordinadas ao bem
geral do grupo.
Tem todas as faculdades necessárias para viver: inteligência, vontade, liberdade,
sentimentos, imaginação, memória, percepção e ação.
Sua contribuição influenciou toda a antropologia filosófica e teológica dos últimos dois mil
anos.
Quando se fala de substância individual, quer dizer que toda a pessoa humana é única e
distinta, com características singulares, irredutíveis, intransferíveis e concretas.
É diferente de outros seres, com algo próprio e incomunicável.
Ao destacar a natureza racional, significa que a pessoa humana é dotada de razão, capaz
de compreender as coisas, de se comunicar e de se relacionar com os outros.
A razão humana é a faculdade que tem a função de perceber, analisar, refletir, resumir,
comparar, julgar, formular, estudar e apreender.
Visão moderna
Todo ser humano se desenvolve como pessoa em todas suas dimensões, isto é, em seu
relacionamento com Deus, com os outros, consigo mesmo e com o mundo.
A pessoa não só é um ser em diálogo intelectual e racional, mas de compenetração no
amor. A base da pessoa humana é o amor, que dá sentido à sua existência e a abre para
a convivência com os outros.
a) Imagem de Deus
Na visão da antropologia teológica, a pessoa humana é concebida como imagem e
semelhança de Deus.
A pessoa é criatura de Deus, criado à sua imagem e semelhança, dotado de corpo, mente
e alma, tendo vida dependente do Criador. A pessoa humana é um projeto divino,
idealizado perfeito pelo Pai.
Danificado pela falha livre do pecado, Deus o renovou em Jesus Cristo, Filho de Deus feito
homem. Como filho de Deus em Cristo, o ser humano é chamado à comunhão com a
Trindade Santíssima, participando de sua felicidade.
Desde o princípio, Deus criou o homem e o deixou livre, ao sabor de suas próprias
decisões (Eclo 15,14).
1
O Maniqueísmo é uma filosofia religiosa sincrética e dualística que divide o mundo
entre Bem, ou Deus, e Mal, ou o Diabo. A matéria é intrinsecamente má, e o espírito,
intrinsecamente bom. Com a popularização do termo, maniqueísta passou a ser um
adjetivo para toda doutrina fundada nos dois princípios opostos do Bem e do Mal. Voltar
CONCLUSÃO
A humanidade continua sua busca do sentido da vida e da história, do sentido da
existência do cosmos e de tudo o que nele existe, especialmente do próprio ser humano
na complexidade da história do cosmos. Multiplicam-se sem cessar artigos, livros, filmes,
canções, obras de arte, que alimentam o debate levando-se em conta a existência de
Deus nesta trama misteriosa do mundo e da vida humana ou negando-a, ridicularizando-a
e considerando toda e qualquer religião como uma invenção prejudicial ao ser humano.
Não obstante, a Igreja cristã, continua firme em sua fé e em sua missão, afirmando que o
mistério do ser humano só encontra sua verdadeira explicação e compreensão no mistério
do Verbo encarnado, isto é, no Filho de Deus que assumiu a condição humana na história
com o nome de Jesus de Nazaré (GS 22).
É a partir do olhar antropológico-teológico que detectamos o que a Revelação diz sobre o
ser humano no contexto da obra da criação: uma criatura feita no tempo e que não teve
existência espiritual antes da corpórea para usufruir da felicidade neste mundo e da glória
de Deus na vida eterna feliz. Os textos bíblicos não pretendem apresentar dados
científicos, mas mostrar o propósito de Deus, no relacionamento dele com os homens e,
mais ainda, a sua experiência no mundo como ser humano em Jesus Cristo e,
consequentemente, a identidade profunda e única do especificamente humano assim
enriquecido com a comunhão com Deus e que abre o ser humano definitivamente e de
modo privilegiado para a comunhão consigo mesmo, com os outros, com a natureza.
Sendo o ser humano, mais que, a soma das partes que é dada pelas ciências, sem dúvida
é um ser complexo, porém é um ser transcendente. Nenhum sistema finito poderá realizar
um ser criado para o infinito. O ser humano é criado finito, mas não fechado; esta
verticalidade, como abertura ao Criador, que o faz apontar para o céu, mesmo sendo da
terra, é distintiva do ser humano. A própria dignidade do ser humano está implicada na
sua condição de imagem e semelhança de Deus, mas de uma imagem de conformidade ao
Filho de Deus, naquilo que diz respeito ao seu modo de ser e agir. Santo Agostinho
expressou de uma forma simples maravilhosa o que é o desejo antropológico de cada
pessoa afirmando: "fizeste-nos para ti, [Senhor,] e inquieto está o nosso coração,
enquanto não repousa em ti".