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Introdução

Pela sua coragem de questionar a situação presente e vislumbrar um futuro diferente para o seu
povo, os profetas sempre exerceram atração fascinante. Muitos chegam até a confundir profeta
com adivinhador do futuro. Outros chegam a pensar que eles ensinavam coisas absolutamente
novas. O verdadeiro profeta, no entanto, é aquele que preserva a tradição autêntica do seu povo,
perdida ou deformada em meio a tantas «tradições» criadas para defender interesses, legitimar
poderes e sustentar sistemas. O núcleo centr

ISAÍAS
 
A SANTIDADE DE DEUS
Introdução
O livro que traz o nome de Isaías pode ser dividido em três grandes partes:
Os capítulos 1-39 contêm a mensagem do profeta chamado Isaías, cuja preocupação central é a
santidade de Deus, ou seja, só Deus é absoluto. Esse é o dado principal para que a prática não
se torne uma idolatria. Em meio a grandes mudanças políticas internacionais, Isaías condena a
aliança com as grandes potências, mostrando que a nação só será salva se permanecer fiel a
Deus e ao seu projeto, no qual a justiça é o valor supremo. Assim, uma espiritualidade baseada
na santidade de Deus conduz o profeta a uma fé política, que combate os ídolos presentes na
sociedade. Ele fala também do Emanuel (7,14), no qual o Novo Testamento viu Jesus Cristo, que
veio ao mundo para salvar o seu povo.
Os capítulos 40-55 foram escritos por profeta anônimo, na época do exílio na Babilônia,
apresentando uma mensagem de esperança e consolação. Esse profeta é comumente chamado
Segundo Isaías. O fim do exílio é visto como um novo êxodo e, como no primeiro, Javé será o
condutor e a garantia dessa nova libertação. O povo de Deus convertido, mas oprimido, é
denominado «Servo de Javé». O Novo Testamento atribui esse título a Jesus, o justo que sofreu e
morreu para nos libertar. A comunidade, depois de convertida e libertada, se tornará
missionária, luz para que as nações se voltem para o verdadeiro Deus.
Os capítulos 56-66 são atribuídos a Terceiro Isaías. Apresentam uma coleção de oráculos
anônimos que procuram estimular a comunidade que veio do exílio e se reuniu em Jerusalém
com os que estavam dispersos. Condena os abusos que começam de novo a aparecer e mostra
qual é o verdadeiro jejum (58,1-12) necessário para que haja novos céus e nova terra.
 
Introdução AO PRIMEIRO ISAÍAS (Is 1-39)
Não é fácil ler Is 1-39 na ordem atual do livro, principalmente se quisermos situar os oráculos do
profeta dentro do contexto histórico em que foram proclamados. Os vários redatores não
obedeceram à ordem cronológica da atividade do profeta, mas agruparam seus oráculos com
base em outros critérios, nem sempre fáceis de perceber. Além disso, vamos encontrar trechos
elaborados no exílio ou pós-exílio e que os redatores foram inserindo, com a preocupação de
atualizar a mensagem de Isaías. Para facilitar a leitura contextualizada do profeta, apresentamos
uma cronologia da atividade de Isaías, tentando estabelecer quais oráculos pertencem a cada
período de sua atividade.
Primeiro período: durante o reinado de Joatão (740-734 a.C.)
O fato internacional mais relevante na história do Oriente Médio, no séc. VIII, é o
reaparecimento de uma grande potência: a Assíria. Subindo ao trono Teglat-Falasar III, esse
império começa a perturbar a tranqüilidade dos outros países da região. Entretanto, o reino de
Judá vive uma época de grande prosperidade econômica e independência política, não sendo
ainda atingido pelo expansionismo da Assíria. Tudo parece estar muito bem. A «prosperidade e
paz» é acompanhada por uma atividade religiosa intensa, com grandes festas e culto pomposo
nos santuários. Tal situação, porém, mascara outra bem diferente na ordem social: injustiças,
arbitrariedade dos juízes, corrupção das autoridades, cobiça dos grandes proprietários,
opressão dos governantes. No fim do reinado de Joatão, a situação interna injusta é agravada
por outra externa: a Assíria começa a pressionar Israel e Judá para serem seus vassalos.
É dentro desse contexto que podemos ler Is 1-5, menos alguns oráculos que foram acrescentados
por redatores de época posterior.
Oráculos do primeiro período 1,10-20; 1,21-26; 2,6-21; 3,1-15; 3,16-4,1; 5,1-7; 5,8-25; 5,26-30.
Pertence também ao fim do reinado de Joatão: 10,1-4.
Segundo período: durante o reinado de Acaz (734-727)
Para entender a atividade de Isaías nessa época, é importante conhecer algo sobre a chamada
«guerra siro-efraimita». Trata-se de uma coalizão entre o reino de Aram (também chamado Síria,
cuja capital é Damasco) e o reino de Israel (também denominado Efraim, com a capital em
Samaria). O rei Rason de Aram e o rei de Israel, Facéia (= filho de Romelias), se unem para
enfrentar o avanço da Assíria, recusando o seu domínio. Joatão, rei de Judá, convidado para
participar da coalizão, mantém atitude neutra, considerada perigosa pelos outros dois. Quando
morre Joatão, o seu filho Acaz sobe ao trono; mantém a mesma reserva, mas é pressionado a
decidir-se, inclusive ameaçado de perder o trono e ser substituído por um aliado dos siro-
efraimitas. Temeroso, Acaz está a ponto de ceder às pressões de Rason e Facéia ou pedir
proteção à Assíria contra os dois. É nessa conjuntura internacional que o profeta Isaías começa
de novo a sua atividade.
Oráculos do segundo período 7,1-17; 7,18-25; 8,1-4; 8,5-8; 8,9-10; 8,11-15; 8,16-20; 9,7-20;
17,1-11.
Terceiro período: durante a minoridade de Ezequias (727-715)
Quando Acaz morre, o seu filho, herdeiro do trono, tem apenas cinco anos. Um regente se
encarrega do governo até que o pequeno rei atinja a maioridade. Morre também Teglat-Falasar
III, rei da Assíria, e seu sucessor é Salmanasar V. A coalizão entre os reinos de Israel e Aram é
destruída pelos assírios, que colocam sua força militar para conquistar a região da Palestina.
Oráculos do terceiro período 14,28-32; 18,1-7; 20,1-6; 28,1-4; 28,7-13; 28,14-22; 30,8-17.
Quarto período: durante a maioridade do rei Ezequias (714-698)
Durante vinte anos, o reino de Judá vive pagando tributo à Assíria. Em 714 a.C., aos dezoito
anos, Ezequias começa a reinar efetivamente. Movido pela pressão popular, ele se arrisca a
promover uma reforma religiosa e política, mesmo tendo que desagradar à Assíria. Outras
potências (Egito e Babilônia) estão interessadas nessa reforma e oferecem auxílio. No entanto, a
Assíria não está disposta a perder as posições conquistadas e ameaça invadir o território
judaico. Ezequias continua pagando tributo até 705 a.C. Uma nova tentativa de Judá para
escapar do domínio assírio leva o imperador Senaquerib a ser mais rigoroso: com o seu exército,
invade o reino de Judá e conquista cidades e mais cidades, até cercar Jerusalém. A ajuda do
Egito não serviu para nada e a capital só não caiu em mãos do inimigo por causa de um
acontecimento que fez o exército assírio se retirar.
Oráculos do quarto período 1,4-9; 10,5-16; 10,27b-34; 14,24-27; 28,23-29; cap. 29; 30,1-7;
30,27-33; 31,1-9; 32,1-8; 32,9-14; cap. 33.
JEREMIAS
 
UMA NOVA ALIANÇA
Introdução
Jeremias é da tribo de Benjamim e originário de Anatot, pequena cidade do interior. Embora de
família sacerdotal, está ligado às tradições proféticas do Norte, principalmente a Oséias, e não
às tradições do sacerdócio e da corte de Jerusalém. Como Miquéias, ele pertence ao mundo
camponês. De maneira crítica, ele traz consigo a visão dos camponeses sobre a situação do país.
A atividade profética de Jeremias se desenvolveu entre os anos 627 e 586 a.C., e pode ser
dividida em quatro períodos:
Primeiro período: durante o reinado de Josias(627-609 a.C.)
Com apenas oito anos de idade, Josias foi nomeado rei pelo «povo da terra». Aqui essa
expressão indica a camada rural da sociedade. No início deste período, Jeremias acusa a
idolatria e luta para que seja erradicada totalmente do país. Do contrário, a situação vai piorar
cada vez mais. A conversão se torna necessária e urgente.
No âmbito internacional, a situação política está mudando rapidamente: a Assíria, grande
potência da época, se enfraquece cada vez mais, e já não consegue manter controle sobre as
regiões dominadas. Josias, agora maior de idade, aproveitando o enfraquecimento da presença
assíria, encontra ótima oportunidade para realizar ampla reforma. Na política, ele procura
anexar o território do Norte, pertencente à Assíria desde a queda de Samaria em 722 a.C. Na
economia, deixa de pagar os impostos cobrados pelos dominadores. Ao mesmo tempo, Josias
promove a reforma religiosa. Baseado no «Livro da Lei» (provavelmente o núcleo mais antigo do
Deuteronômio), encontrado no Templo, ele tenta eliminar todos os ídolos do país e estabelecer
novo relacionamento social centrado na Lei. É um período de prosperidade e otimismo. Por isso
até Jeremias emite bom conceito sobre Josias (Jr 22,15-16).
Segundo período: durante o reinado de Joaquim (609-598 a.C.)
Com a decadência da Assíria, as relações internacionais começam a ganhar novas feições.
Outros povos, ávidos de conquista e supremacia, despontam no horizonte: citas, medos,
babilônios e também os egípcios que tentam ressurgir de um período decadente. Com isso, a
faixa da Palestina passa, de novo, a ser palco de disputas políticas e militares. Nessa época
morre Josias (609 a.C.), quando tenta impedir a incursão do Faraó Necao, que procura deter o
avanço da Babilônia. No retorno, mesmo derrotado, Necao vai a Jerusalém, depõe Joacaz,
substituto de Josias, e coloca no trono de Judá o despótico Joaquim. Essa atitude do Faraó
pretendia dar na região uma demonstração de força. Pode ser também que Necao confiasse mais
em Joaquim do que em Joacaz. O povo detestava Joaquim, e Jeremias critica violentamente esse
rei (Jr 22,13-19). É dessa época o famoso discurso sobre o Templo (Jr 7,1-15; cf. cap. 26), que
quase custou a vida do profeta.
A Babilônia surge como grande potência, sob o reinado de Nabucodonosor. Jeremias adverte os
israelitas que os babilônios, em breve, invadirão o país. Por causa disso, ele é aprisionado como
traidor. Assim mesmo, Jeremias continua denunciando o povo que se esqueceu de Deus, por
falsear o culto, pela falsa segurança, pelas idolatrias e pelas injustiças sociais. E aponta os
principais responsáveis: são as pessoas importantes que detêm o poder em Jerusalém (rei,
ministros, falsos profetas, sacerdotes). O profeta estava com a razão, e sua visão realista se
confirmou: em 598 a.C., o exército babilônio estava às portas de Jerusalém. Nessa época, o rei
Joaquim morreu, provavelmente assassinado. Seu filho e substituto Jeconias, não teve tempo
para nada: após três meses Jerusalém era invadida. Então ele, juntamente com altos oficiais e
outros importantes, foram levados para a Babilônia (597 a.C., primeira deportação). Sedecias,
tio de Jeconias, foi instalado por Nabucodonosor, para reinar em Jerusalém.
Terceiro período: durante o reinado de Sedecias (597-586 a.C.)
Nesse momento decisivo da história de Israel, Sedecias se submete aos babilônios e se mostra
indeciso. Em tal situação política, surge uma questão religiosa: Afinal, quem é o povo de Deus?
Os desterrados na Babilônia, ou aqueles que ficaram em Judá? Jeremias se nega a participar de
uma visão simplista (cap. 24) e coloca o assunto dentro da política realista: Sedecias e a corte de
Jerusalém são incapazes de salvar o povo do desastre. Por isso os deportados ainda são os que
podem trazer esperança, pois estão aprendendo uma dura lição. Essa idéia leva Jeremias
novamente para a prisão. Pressionado por seus oficiais, Sedecias tenta armar uma revolta contra
a Babilônia. Avizinha-se o desastre previsto por Jeremias: Jerusalém é sitiada pelos babilônios.
Entretanto, Jeremias também vê nos camponeses uma luz salvadora (32,15). Em 587 a.C. se dá a
segunda deportação.
Quarto período: depois da queda de Jerusalém (586 a.C.)
Em 586 a.C., Nabucodonosor resolve destruir Jerusalém completamente: incendeia o Templo, o
palácio, as casas e derruba as muralhas. Mas concede que Jeremias fique no país. Então, o
profeta vai viver com Godolias, novo governador da Judéia.
Nesse mesmo ano, Godolias é assassinado por um grupo antibabilônico, que se vê forçado a
fugir para o Egito, obrigando Jeremias a ir com eles. Ficam morando na cidade de Táfnis, de
onde mais uma vez o profeta lança suas denúncias (cf. 40,7-44,30).
É difícil situar os oráculos dentro de cada período correspondente. Por isso, nas notas indica-se
o contexto dos oráculos mais importantes, para facilitar a compreensão.
Podemos dizer que a missão de Jeremias fracassou em querer que seu povo retornasse à genuína
aliança com Deus. Ele se tornou uma espécie de «anti-Moisés», sendo levado para o Egito e
vendo seu povo perder as instituições e a própria terra. No entanto, sua confiança no Deus que é
sempre fiel lhe deu a capacidade de mostrar, ao povo e a nós, que esse mesmo Deus manterá seu
relacionamento conosco, sem precisar de instituições mediadoras (31,31-34).
 

LAMENTAÇÕES
 
UM POVO HUMILHADO
Introdução
As Lamentações provavelmente foram escritas na Palestina depois da queda de Jerusalém em
586 a.C. Uma tradição as atribui ao profeta Jeremias, mas tudo indica que essa atribuição é
artificial.
São cantos fúnebres que descrevem, de modo doloroso e poético, a destruição de Jerusalém pelos
babilônios e os acontecimentos que se sucederam a essa catástrofe nacional: fome, sede,
matanças, incêndios, saques e exílio forçado (cf. 2Rs 24-25).
Esses poemas retratam a angústia de um povo humilhado, que faz exame de consciência, grita de
arrependimento e suplica perdão. Mostram o povo em situação desesperada, que perdeu tudo,
menos a fé. Uma lembrança continua presente: Deus é o Senhor de tudo e de todos. E, o que é
melhor: ele não abandona o seu povo para sempre, e está pronto para agir com misericórdia.
Então o desespero cede lugar à oração, a uma confiança invencível, mesmo quando já não existe
motivo para nenhuma esperança.
As Lamentações são usadas na liturgia por ocasião da Semana Santa, para celebrar a paixão de
Cristo, fonte de esperança para o mundo. A tradição popular conservou, durante a procissão de
Sexta-feira santa, no canto da Verônica, um trecho das Lamentações, posto na boca de Jesus:
«Vocês todos que passam pelo caminho, olhem e prestem atenção: haverá dor semelhante à
minha dor?» (1,12).

BARUC
 
ARREPENDIMENTO E CONVERSÃO
Introdução
Como se apresenta hoje em nossas Bíblias, o livro de Baruc é composto de textos com gêneros
literários diferentes. Depois de uma introdução histórica (1,1-14), a primeira parte, em prosa,
contém uma confissão de pecados e uma súplica (1,15-3,8). A segunda parte, em poesia, contém
uma exortação no estilo dos livros sapienciais (3,9-4,4) e um oráculo sobre a restauração de
Jerusalém e do povo (4,5-5,9). Por fim, uma carta, atribuída ao profeta Jeremias (Br 6). O certo
é que esses textos não são de Baruc, o secretário de Jeremias, mas foram escritos provavelmente
no século II a.C.
O livro tem o mérito de conservar o sentimento religioso dos israelitas dispersos pelo mundo
todo após a ruína de Jerusalém e a perda de quase todas as suas instituições. Mostra como eles
conservaram viva a consciência de ser um povo adorador do verdadeiro Deus. Ao mesmo tempo,
mostra a consciência que tinham do desastre nacional: não atribuem tudo isso à infidelidade de
Javé; ao contrário, reconhecem que os males se originaram por culpa deles próprios: estão
assim porque desprezaram a palavra dos profetas, rejeitaram a justiça e a verdadeira sabedoria.
Mas, ao lado dessa consciência de seus pecados, conservam uma viva esperança, pois acreditam
que Deus não abandona o seu povo e continua fiel às promessas. Se houver arrependimento e
conversão, poderão confiar no perdão divino: serão reunidos de novo em Jerusalém, que é para
sempre a cidade de Deus.
A carta do capítulo sexto é uma carta que nos leva aos templos pagãos, cujos ídolos estão
empoeirados e carcomidos de cupim. Esses ídolos, apresentados de forma atraente e grandiosa,
não têm vida, nem são capazes de produzir vida: «Não podem salvar ninguém da morte e nem
podem livrar o fraco da mão do poderoso. Não são capazes de devolver a vista ao cego nem de
livrar um homem do perigo; não têm compaixão pela viúva nem prestam qualquer ajuda ao
órfão. Esses deuses de madeira prateada ou dourada parecem pedras tiradas do morro: quem se
ocupa deles só vai passar vergonha. Como, então, pensar ou dizer que são deuses?» (Br 6,35-
39).
O livro de Baruc é deuterocanônico (cf. Introdução ao AT).

EZEQUIEL
 
UM CORAÇÃO NOVO
Introdução
O profeta Ezequiel exerce sua atividade entre os anos 593 a 571 a.C. Sacerdote exilado em
Babilônia com uma parte do seu povo, ele anuncia aí as sentenças de Deus. A comunidade, em
meio à qual ele vive, acredita que em breve tudo voltará a ser como antes. Assim para ela o
projeto de Deus era mero sistema que lhe dava segurança. Ezequiel, no entanto, sabe que o
sistema passado está agonizando de maneira irrecuperável: Jerusalém será destruída! Segundo
ele, a sociedade que ainda resiste sofre de doença crônica e sem cura: abandonando o projeto de
Javé, submeteu-se diante daqueles que lhe ofereciam vida luxuosa e fascinante. Por isso,
Ezequiel vê o próprio Deus deixando o Templo (11,22-24) e largando os rebeldes ao bel-prazer
dos «amantes».
Isso é causa de sofrimento para o profeta, mas não de desânimo e desespero. Para ele, o futuro é
de ressurreição (Ez 36-37) e novidade radical. Com sua linguagem simbólica, Ezequiel indica os
passos para a construção do mundo novo:
- Assumir a responsabilidade pelo fracasso histórico de um sistema que se corrompeu
completamente, provocando a ruína de toda a nação.
- Compreender que a simples reforma de um sistema corrompido não gera nenhuma sociedade
nova; apenas reanima o velho sistema que, cedo ou tarde, acabará sempre nos mesmos vícios.
- Converter-se a Javé, assumindo o seu projeto; e, a partir daí, construir uma sociedade justa e
fraterna, voltada para a liberdade e a vida.
Com esse «programa profético», vislumbramos um futuro novo: Deus volta para o meio de seu
povo (Ez 43,1-7), provocando o surgimento de uma sociedade radicalmente nova. Aí todos
poderão participar igualmente dos bens e decisões que constroem a relação social a partir da
justiça. Desse modo, todos poderão reconhecer que «a partir desse dia, o nome da cidade será:
Javé está aí» (48,35).

DANIEL
 
O TRIUNFO DO REINO DE DEUS
Introdução
O livro de Daniel é um escrito apocalíptico. Surge no século II a.C., quando a comunidade está
sendo perseguida e em crise. É a época em que o rei Antíoco IV quer acabar com a cultura,
costumes e religião dos judeus, e por isso persegue quem não se sujeita aos padrões e costumes
da cultura grega, que ele procura introduzir. A finalidade do livro é sustentar a esperança do
povo fiel e, ao mesmo tempo, provocar a resistência contra os opressores. Para uma correta
compreensão deste livro, é importante lê-lo junto com os livros dos Macabeus.
Na primeira parte (Dn 1-6), contam-se histórias passadas sob o domínio dos persas, mostrando
como Daniel e seus companheiros resistiram aos poderosos do império e permaneceram fiéis à
sua religião; assim foram salvos por Deus.
Na segunda parte (Dn 7-12), em linguagem figurada, própria da apocalíptica, o autor divide a
história em etapas, mostrando o conflito entre as grandes potências. Ressalta que se aproxima a
última etapa da história: o Reino de Deus está para ser implantado; por isso, é preciso ter ânimo
e coragem para resistir ao opressor, permanecendo fiel. Nessa luta sem esmorecimentos, há uma
profunda convicção de fé: o único poder é o de Deus, e só ele é o dono da história. Todos os
outros poderes, por maiores que sejam, podem ser derrubados pela ação daqueles que acreditam
ser Deus o único absoluto (Dn 2,31-47).
Este livro, dentro da apocalíptica, preocupa-se com o futuro, mas sua intenção é que no presente
haja perseverança, fidelidade e resistência na preservação da própria identidade, sem alienação,
apesar de todas as dificuldades. E mesmo para aqueles que morrem nessa luta, sabendo escolher
o caminho da justiça, descortina-se a esperança maior: a ressurreição (Dn 12,1-3).
Os capítulos 13-14 assim como 3,24-90, são apêndices em grego acrescentados ao livro original.
Aí, Daniel é apresentado como sábio precoce, com o dom do discernimento.

OSÉIAS
 
DEUS É AMOR FIEL
Introdução
O profeta Oséias exerceu sua atividade no reino do Norte, desde o final do reinado de Jeroboão
II até a queda de Samaria (750-722 a.C.). Toda a pregação de Oséias está impregnada por uma
experiência pessoal tão profunda, que se tornou para ele um símbolo (Os 1 e 3). Ele amava de
todo coração a sua esposa, mas ela o deixou para se entregar a outros amantes. Esse amor não
correspondido ultrapassou o nível de frustração pessoal para ser uma enorme força de anúncio:
o profeta apresenta a relação entre o Deus, sempre fiel e cheio de amor, e seu povo, que o
abandonou e preferiu correr ao encontro dos ídolos. Oséias torna-se, então, denunciador de todo
tipo de idolatria, que ele chama de prostituição. Essa comparação será daí para frente uma
constante nos escritos bíblicos. Tais «prostituições», segundo Oséias, não consistem somente em
adorar imagens de ídolos, mas inclusive em fazer alianças políticas com potências estrangeiras
que provocam dependência, exploração econômica e opressão (7,8-12; 8,9-10). «Prostituições»
são também os golpes de Estado que preservam interesses de uma pequena minoria (7,3-7), a
confiança no poder militar e nas riquezas (8,14; 12,9) e todo tipo de injustiças (4,1-2; 6,8-9;
10,12-13). Oséias, porém, não é só um acusador, mas também anuncia o amor fiel e
misericordioso de Deus para com seu povo, se este se converte e volta a conhecê-lo. Para o
profeta, o conhecimento de Deus não é uma atitude intelectual, mas uma adesão amorosa,
através de uma prática que corresponda ao projeto de Deus, elaborado no deserto por ocasião
do êxodo. Então sim: Javé receberá novamente seu povo como esposa, dispensando-lhe todo o
carinho (2,4-25); ou tratando-o como filho (Os 11).
 

JOEL
 
O DIA DO JULGAMENTO
Introdução
Nada sabemos do tempo em que viveu o profeta Joel. Por isso, torna-se difícil a interpretação do
que ele escreveu.
Podemos dividir o livro em duas partes: Na primeira os dois primeiros capítulos narram uma
terrível invasão de gafanhotos que devasta a plantação do país. Diante disso, Joel pede a
participação de todos (profetas, sacerdotes e povo), numa grande manifestação de penitência e
jejum, para suplicar a Deus que afaste a catástrofe. Deus mostra a sua misericórdia e anuncia a
libertação da praga e as bênçãos para uma nova plantação. Como o profeta compara esses
gafanhotos a um exército, talvez se possa pensar que ele esteja falando de uma invasão inimiga.
Na segunda parte, os capítulos terceiro e quarto descrevem o julgamento de Deus sobre as
nações e a vitória final.
Parece que a primeira parte não tem nada a ver com a segunda. Mas, uma expressão une o livro
todo: o Dia de Javé, isto é, o Juízo final. Então, o que na primeira parte eram gafanhotos ou
exército inimigo, na segunda se transforma em exército de Deus; a praga se torna apenas uma
comparação para exemplificar o Grande Dia em que a humanidade prestará contas a Deus.
Assim como afastou ele os gafanhotos, também a misericórdia de Deus, alcançada pela
penitência e jejum, transforma o julgamento em dia de libertação e salvação: arrasada a
plantação, ela surge nova e viçosa. Desse modo, uma praga de gafanhotos observada
atentamente serviu para que Joel anunciasse o Juízo final.
Deste profeta, o trecho mais conhecido é 3,1-5. Esses versículos são citados no discurso que
Pedro fez no dia de Pentecostes (cf. At 2,17-21). Por isso, Joel é também chamado o profeta de
Pentecostes.
 

AMÓS
 
CONTRA A INJUSTIÇA SOCIAL
Introdução
Em meados do século oitavo antes de Cristo, pelo ano 760, um sitiante (7,14) chamado Amós
«caiu na arapuca» de Deus (3,5), deixou sua vida tranqüila no Sul e foi anunciar e denunciar no
Norte, onde reinava Jeroboão II (1,1). Um «leão começava a rugir» (3,8): era Javé colocando
em polvorosa todo um regime de injustiças. Amós acabou sendo expulso, mas antes rogou uma
praga em cima do sacerdote Amasias, que presidia o culto em Betel, de acordo com a vontade do
rei (7,10-17).
Por que a palavra de Amós incomodava tanto? Exatamente porque ele anunciava que o
julgamento de Deus iria atingir não só as nações pagãs, mas também, e principalmente, o povo
escolhido; este já se considerava salvo, mas na prática era pior do que os pagãos (1,3-2,16). E
Amós não se contentava em denunciar genericamente a injustiça social. Ele «dava nome aos
bois»: os ricos que acumulavam cada vez mais, para viverem em mansões e palácios (3,13-15;
6,1-7), criando um regime de opressão (3,10); as mulheres ricas que, para viverem no luxo,
estimulavam seus maridos a explorar os fracos (4,2-3); os que roubavam e exploravam e depois
iam ao santuário rezar, pagar dízimo, dar esmolas para aplacar a própria consciência (4,4-12;
5,21-27); os juízes que julgavam de acordo com o dinheiro que recebiam dos subornos (5,10-13);
os comerciantes ladrões e os «atravessadores» sem escrúpulo que deixavam os pobres sem
possibilidades de comprar e vender as mercadorias por preço justo (8,4-8).
Em cinco visões, Amós anuncia o fim do reino do Norte, porque aí a situação era insustentável
diante de Deus (7,1-3; 7,4-6; 7,7-9; 8,1-3; 9,1-4).
No estado atual, o livro de Amós termina com um toque de esperança (9,11-15). Tal esperança foi
vislumbrada pelos judeus que, dois séculos depois, se encontravam na Babilônia e acrescentaram
este trecho, conscientes de se terem purificado do seu pecado, no amargor do exílio.

ABDIAS
 
CONTRA A FALTA DE SOLIDARIEDADE
Introdução
Nos vinte e um versículos que compõem o seu «livro», Abdias aborda uma questão muito séria e
importante: a necessária solidariedade entre os mais fracos diante de um opressor. O país estava
sendo pilhado e destruído pelos babilônios. Então Abdias reparou que Edom, país-irmão (cf. Gn
25,19-28; 36,1), ao invés de ajudar o mais fraco, bandeou para o lado do mais forte. E Edom
estava gostando do que acontecia: aproveitava para conquistar terras, participar da pilhagem,
matava, perseguia e «dedurava» os que estavam escondidos e pediam proteção (vv. 11-14). E
fazia tudo isso por vingança: não perdoava as brigas passadas (cf. 2Rs 8,20-22). Como diz
Ezequiel: Edom guardou um «ódio eterno» (Ez 35,5).
Além disso, os edomitas eram arrogantes, se consideravam invencíveis (v. 3), se orgulhavam de
sua sabedoria e da valentia de seus guerreiros. O profeta mostra que a sabedoria se torna
insensatez e a valentia se transforma em covardia, quando aliadas ao opressor contra um país-
irmão desprotegido e atacado (vv. 5-9). Abdias reconhece que Judá também não é inocente e, por
isso, está sofrendo uma das situações mais trágicas de sua história. No entanto Edom é mais
culpado, porque não foi fraterno nesse momento crucial da história.
Podemos estranhar a conclusão do profeta (v. 18). De fato, concordamos que Edom não deve
guardar rancor de seu irmão nem tomar parte, com alegria selvagem, da destruição de
Jerusalém; mas não concordamos que Israel tire desforra. Outros escritos bíblicos ensinam que
devemos esperar o perdão de nossos irmãos, mas também nós devemos perdoá-los.
JONAS
 
DEUS NÃO CONHECE FRONTEIRAS
Introdução
O livro de Jonas é considerado profético unicamente porque em 2Rs 14,25 se menciona um
profeta com o mesmo nome. Mas a data do livro é bem posterior, e seu estilo e tema diferem
muito dos livros proféticos, que em geral são escritos em verso. Enquanto os profetas ameaçam
as nações pagãs, o livro de Jonas relata a conversão dos ninivitas e anuncia a misericórdia a
esse que foi um dos povos mais odiados por Israel. Os profetas estão solidamente enraizados na
situação político-social; Jonas parece estar solto no ar.
Na verdade, trata-se de um livro sapiencial. Não pertence ao gênero histórico, mas ao gênero
parabólico desenvolvido, uma espécie de «novela» para ilustrar o tema da misericórdia de Javé,
que não é um Deus nacional, mas um Deus de toda a humanidade; ele quer que todos se
convertam, para que tenham a vida (4,2).
A obra nasceu no pós-exílio, quando o povo judeu estava se fechando num exagerado
nacionalismo exclusivista (cf. Esd 4,1-3; Ne 13,3), bem refletido na mesquinhez do «justo» Jonas.
Todavia os caminhos de Deus são diferentes dos caminhos dos homens: Deus quer salvar também
os inimigos, os pagãos de Nínive, capital da Assíria, modelo de crueldade e opressão contra o
povo de Israel. Deus não quer que suas criaturas se percam (cf. Sb 1,12ss) e para ele ninguém
está irremediavelmente perdido (cf. Ez 18,23.32; Lc 15).
A história do peixe tornou famoso o livro. De fato, os evangelhos celebrizam a figura e aventura
de Jonas como sinal da morte e ressurreição de Jesus: assim como Jonas ficou três dias no ventre
do peixe, Jesus vai ficar três dias no ventre da terra; depois ressuscitará, como Jonas voltou à luz
do dia (cf. Mt 12,39-41 e paralelos).

MIQUÉIAS
 
O DIREITO DOS POBRES
Introdução
O profeta Miquéias nasceu em Morasti, uma vila no interior do reino de Judá. Sua origem
camponesa se manifesta na linguagem concreta e franca, nas comparações breves e nos jogos de
palavras. Ele exerceu sua atividade em fins do século VIII a.C., quando sua região estava sendo
devastada pelos assírios.
Miquéias, entrentanto, denuncia uma situação mais perversa do que a própria guerra em
andamento: a cobiça e injustiças sociais, onde ele vê a causa principal da ira de Deus (2,8).
Após descrever os estragos da guerra (1,8-16), o profeta nos conduz à capital, onde ele se
defronta com os ricos e com os dirigentes políticos e religiosos. Vindo da roça, Miquéias acusa-
os de roubar casas e campos para se tornarem latifundiários (2,1-2) e os condena por mandar
matar até mulheres e crianças para se apoderarem das terras (2,9). Com o poder nas mãos, eles
dançam ao ritmo do dinheiro, falseando o peso das mercadorias (6,10-12). Miquéias mostra que
a riqueza deles se baseia na miséria de muitos e tem como alicerce a carne e o sangue do povo
(7,1-4). Eles, porém, insistem, com a Bíblia na mão, em provar que são justos (2,6-7) e que Deus
está com eles (3,11); procuram combinar religião com opressão aos fracos. Miquéias denuncia
tal perversão como atitude idolátrica (1,5); por isso, é taxativo: eles, juntamente com a luxuosa
capital e o próprio Templo, serão destruídos (3,9-12).
No livro atual de Miquéias existem também promessas e esperanças. Entre elas se destaca o
anúncio do surgimento do Messias na pequena cidade de Belém (5,1-3). O Novo Testamento
retomará esse oráculo e o atribuirá ao nascimento de Jesus Cristo (cf. Mt 2,6).

NAUM
 
A RUÍNA DO OPRESSOR
Introdução
A atividade profética de Naum se desenvolveu entre 663 e 612 a.C.
Na história antiga, como na moderna, as grandes potências se sucedem e lutam
encarniçadamente na ânsia de dominar o mundo e os homens. Este livro profético é a visão da
queda de um desses impérios: a Assíria, o leão que enchia a toca de caça (2,13), o opressor de
Israel (1,12-13). É um canto em que o oprimido sente próxima a libertação, porque o Império
que domina as nações está prestes a vir abaixo.
Um salmo inicial mostra Javé como juiz que age na história (1,2-8). Ele é apresentado como o
Deus ciumento e vingador, cheio de furor (1,2) e ao mesmo tempo como o Deus bom, o abrigo
para os que são perseguidos (1,7). Já nesse salmo, Javé aparece como o Senhor de tudo e de
todos, oprimidos e opressores, mas de maneira diferente.
Nas sentenças seguintes (1,9-2,1), dirigidas alternadamente ao oprimido (Judá) e ao opressor
(Assíria), Javé também se apresenta alternadamente, como vingador e bom.
A ruína de Nínive, capital da Assíria (2,2-3,19), é descrita de maneira grandiosa e sem meios-
termos, não deixando dúvidas sobre quem destrói a capital sangüinária e idólatra: é o próprio
Deus (2,14; 3,5: «eu estou contra você»).
Naum deixa bem claro: os grandes poderes do mundo não são eternos. Por mais que dominem e
amontoem, por mais que oprimam e humilhem os pequenos, um dia eles ruirão como Nínive.
Aliás, desaparecerão da história justamente porque agem dessa maneira. Sobre todos os
opressores obstinados pesa o julgamento implacável de Deus, que toma o partido dos oprimidos.
HABACUC
 
JUSTO VIVERÁ POR SUA FIDELIDADE
Introdução
O profeta Habacuc inicia o livro interrogando a Deus e pedindo socorro, pois está cansado de
ver o seu país sofrer opressão violenta, onde a Lei enfraquece e o direito está distorcido (1,2-4).
A resposta de Deus é a intervenção de um grande império, que deveria corrigir os desmandos
(1,5-10). Isso, porém, não satisfaz o profeta, pois o invasor não vem para fazer justiça, mas para
substituir uma opressão por outra pior (1,12-17).
Habacuc continua esperando uma resposta satisfatória de Deus. A resposta definitiva é dada,
agora, com uma proposta diferente, mais difícil, que exige paciência, mas que não falha: «O
justo viverá por sua fidelidade» (2,4). Com isso, os que sofrem as conseqüências da violência são
chamados a ser agentes na história, opondo-se firmemente aos que não são corretos. Tal
acontecerá somente se esse grupo for fiel ao projeto de Deus; se estiver permanentemente
vigilante na realização da justiça.
No momento em que os injustiçados se descobrem não só como vítimas, mas principalmente
como agentes de uma transformação na história, surgem a possibilidade e a coragem de
desmascarar os opressores. Esse desmascaramento se realiza através da desmistificação de sua
potência, até chegar ao cerne de sua fraqueza: são adoradores de ídolos mudos e inertes, que
não podem vir socorrê-los no momento crucial.
Descobrindo a fraqueza do opressor, é possível celebrar a sua queda e o surgimento de uma nova
era, de um mundo novo. É a celebração do justo, «em tom de lamentação», cheia de
estremecimentos e temores, porém com uma certeza: a justiça um dia se tornará realidade,
porque o Deus dos justos é o Deus vivo que age na história (3,1-19).
 

OFONIAS
 
OS POBRES DA TERRA
Introdução
O profeta Sofonias viveu e exerceu a sua atividade num momento em que Judá, seu país, era
disputado pelas grandes potências da época. Dentro do país se formaram dois partidos: um
querendo ficar sob a influência do Egito, outro da Assíria. Durante longo período, nos reinados
de Manassés e Amon, a Assíria é que dava as cartas. Uma tentativa de mudar a situação a favor
do Egito, através de uma revolta de oficiais da corte, não obteve sucesso, porque cidadãos de
grande influência econômica reagiram e colocaram no trono Josias, que ainda era menor de
idade. Esse rei, mais tarde, promoverá uma grande reforma, mas a situação voltaria a ser a
mesma: o que era bom para a Assíria, era bom para Judá, inclusive a maneira de vestir (1,8).
Aqui entra Sofonias, entre os anos 640-630 a.C. Ele mostra como pesa, sobre toda essa situação,
o Julgamento de Deus (1,2-18). O Dia de Javé não é essencialmente o fim do mundo e da
história, mas a transformação do povo de Deus e o fim de uma era de idolatria. Para o profeta,
são ídolos não somente as divindades estrangeiras, mas também a absolutização das grandes
potências, do dinheiro e do poder. Esses ídolos estão presentes, tanto nas outras nações quanto
na cidade de Jerusalém, seja no palácio real, seja no Templo e nos bairros da cidade (2,4-3,8). A
única possibilidade de salvação que Sofonias vislumbra para escapar à ira divina são os pobres
da terra (2,3), isto é, os destituídos de poder e riqueza, que depositam sua confiança no
verdadeiro Absoluto e clamam por justiça. São eles os únicos que poderão formar um «resto»
para conduzir na história o projeto de Deus, e assim fazer com que o Dia de Javé se torne dia de
alegria e restauração, e não de destruição (3,9-20).

AGEU
 
REESTRUTURAR O POVO DE DEUS
Introdução
No ano 538 a.C., quando os judeus voltaram do exílio da Babilônia, a situação de Judá e
Jerusalém era deplorável: cada um procurando se defender sozinho, sem nenhum interesse em
formar a unidade que lhes desse a característica de povo. Mesmo aqueles que voltaram do exílio
estavam preocupados em construir a própria casa, plantar a sua roça, vender as suas
mercadorias, mais do que restabelecer a dignidade nacional. Um leigo (Zorobabel) e um
sacerdote (Josué) procuram reunir esse pessoal e reconstruir Jerusalém e o Templo, a fim de
reestruturar o povo de Deus.
No ano 520 a.C. o profeta Ageu entra em cena para encorajar os compatriotas. Suas exortações
têm como eixo o seguinte tema: se o Templo for reconstruído, tudo vai melhorar, pois Deus
habitará de novo no meio deles e espalhará as suas bênçãos. Trata-se de um apelo veemente
para tornar viva e fraterna a comunidade, que está ameaçada de total desintegração.
Entretanto, Ageu não se contenta em estimular o tempo presente, mas procura fazer com que
todos vejam no futuro uma esperança maior para o povo de Deus, que retornará à sua grandeza
anterior, tendo como chefe um descendente de Davi.
O Templo ganhará dimensões magníficas no tempo de Herodes, mas será deturpado e se tornará
fonte de exploração. Jesus vai criticar essa degradação a que chegou o lugar de encontro com
Deus e o símbolo da unidade do povo, e anunciará a substituição desse Templo por outro: o seu
próprio corpo (Jo 2,21). Desse modo, torna-se presente um futuro maior do que o sonhado por
Ageu: o verdadeiro Templo que dá vida e une o povo é o próprio Filho de Deus, que se fez
homem, e que não é apenas descendente de Davi, mas também seu Senhor.
 

ZACARIAS
 
DEUS CONTINUA PRESENTE
Introdução
A primeira parte do livro, composta dos capítulos 1 a 8, contém os oráculos do profeta Zacarias,
contemporâneo de Ageu (520 a.C.). É uma época em que a comunidade judaica procura
reconstruir as suas bases de fé e vida social. Sofrendo ainda a amarga provação de um domínio
estrangeiro, o povo sente-se desencorajado e pergunta: «Deus ainda está presente em nosso
meio?» Zacarias, em oráculos e visões, mostra que Deus continua aí para realizar o seu projeto
através da comunidade. O profeta reanima a esperança de um povo que passa por grandes
dificuldades materiais e dúvidas de fé e que, por isso, é levado à resignação passiva. Zacarias
estimula os compatriotas a arregaçarem as mangas para construir o Templo, símbolo da fé e
unidade nacional. Ao mesmo tempo, de maneira realista, incentiva a formação de um novo
quadro político, centrado no leigo Zorobabel e no sacerdote Josué.
A segunda parte, formada dos capítulos 9 a 14, foi escrita no período em que os gregos
dominavam a Palestina, depois da grande campanha de Alexandre Magno (333 a.C.). O autor
olha para o futuro do povo de Deus. Anuncia também o aparecimento do Messias com três
características: rei (9,9-10), bom pastor (11,4-17 e 13,7-9) e «transpassado» (12,9-14). Ao ler
esta segunda parte, é impossível não lembrar Jesus entrando em Jerusalém montado num
jumentinho (rei-messias), ou quando afirma: «Eu sou o bom pastor»; ou ainda sofrendo a paixão
e morte na cruz.

MALAQUIAS
 
UMA RELIGIÃO SINCERA
Introdução
Estimulada pelos profetas Ageu e Zacarias, a comunidade judaica, voltando do exílio da
Babilônia, reconstruíra o Templo de Jerusalém e retornara a uma vida normal. Entretanto,
cinqüenta anos depois, o desleixo e apatia tomam conta da comunidade, e a fé não é mais força
de vida, mas simples culto formalista. Nessa época, surge o último dos profetas clássicos. Ele
mostra que a submissão a um frio código de leis não tem sentido; Deus, que ama como pai, exige
uma resposta urgente e espera um comportamento de respeito e amor (1,6). Tal resposta não deve
ser dada com palavras, mas na prática: uma liturgia celebrada com vida e coração (1,6-2,9; 3,6-
12), uma vida matrimonial responsável (2,10-16) e um relacionamento social baseado na justiça
(3,4-5).
Em estilo de perguntas e respostas, Malaquias obriga os ouvintes a rever a própria fé e lutar
contra a hipocrisia de uma religião desligada da vida cotidiana e da prática da justiça.
Malaquias anuncia também um misterioso mensageiro (3,1), no qual os evangelistas reconhecem
João Batista, o precursor de Jesus (cf. Mt 11,10; Lc 7,27; Mc 1,2).
Por fim, o profeta relembra que Deus não se esquece dos justos, isto é, daqueles que procuram
levar adiante o projeto de Deus, fazendo-lhe a vontade. A vitória final caberá a eles, e não aos
ímpios (3,13-21).

Fonte Biblia ed pastoral


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Livros Proféticos

Os Livros Proféticos recebem o seu nome do facto de cada um deles aparecer encabeçado pelo
nome de um profeta, o qual, podendo não ser sempre o autor de todo o texto, é, pelo menos, a figura
histórica que lhe dá a sua personalidade. O profetismo é um fenómeno cujas raízes se estendem pelo
Médio Oriente Antigo. Tem a ver, por um lado, com experiências religiosas e místicas fora do
comum (veja-se, nomeadamente, 1 Sm 19,20-24); e, por outro, com um olhar penetrante e capaz de
intuir ou receber a comunicação de verdades profundas (Nm 24,3-4), ou com a autoridade na
transmissão dessas verdades em nome de Deus (Jr 1,17-19).

PROFETISMO E PROFETA
Dentro da própria Bíblia nota-se que o fenómeno do profetismo se formou de muitos elementos e
experiências que foram evoluindo e criando um conceito enriquecido de vários matizes, capazes de
conter até alguns contrastes (Zc 13,2-6). A variedade de nomes utilizados para o exprimir é um sinal
claro disso; e o nome que ficou a ser mais utilizado (nabi) não é, afinal, o mais claro de todos os que
existiam para designar tal conceito.
Talvez as duas conotações mais marcantes de profeta sejam a de “vidente” e a de “porta-voz” que
transmite certa mensagem em nome de outro. O termo “profeta”, usado em português, deriva do
grego e sublinha esta segunda ideia, isto é, alguém que fala como porta-voz de outro.
Na Bíblia, o conceito de profeta aparece também aplicado a muitas outras figuras, cujos nomes não
constam da lista definitiva dos livros sagrados.
A Bíblia hebraica chama “profetas anteriores” ou antigos a uma grande parte dos livros que nós
classificamos, na peugada dos Setenta, como livros históricos; e “profetas posteriores”, ao conjunto
de livros cuja autoria, de algum modo, se atribui a um profeta. Aqueles que designamos aqui por
Livros Proféticos são as obras dos chamados “profetas escritores”, se bem que a questão da autoria,
como dissemos, não seja linear e tenha de ser estudada caso a caso e em pormenor.

LIVROS
No Antigo Testamento, estes profetas costumam ser divididos em dois grupos: “Profetas Maiores” e
“Profetas Menores”, segundo a sua extensão e a importância que foi atribuída a cada um deles.
“Profetas Maiores”. São Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel. O Livro das Lamentações aparece
como uma espécie de prolongamento do livro de Jeremias, embora já não se costume traduzir o
parágrafo inicial da tradução grega que o atribuía expressamente a Jeremias. Como um segundo
anexo a Jeremias temos o livro profético de Baruc; faz parte dos livros “deuterocanónicos” e é
atribuído a um secretário de Jeremias, de nome Baruc.
Isaías, Jeremias e Ezequiel são identificáveis como três figuras históricas de profetas dos séculos
VIII, VII e VI, respectivamente, com notórias e decisivas intervenções na cena histórica,
especialmente os dois primeiros.
Daniel aparece na tradição da Bíblia grega entre os “Profetas Maiores”; mas na Bíblia Hebraica é
classificado entre os “Escritos”, dando a entender que é visto como um género de literatura
diferente da dos profetas. E é realmente diferente, apesar de ter muitos pontos de convergência.
“Profetas Menores”. Alguns apresentam-se como figuras historicamente mais definidas; é o caso
de Oseias, Amós, Miqueias, Ageu e Zacarias. De outros, como Joel, Abdias, Naum, Habacuc,
Sofonias e Malaquias, pouco se sabe ao certo, podendo mesmo acontecer que alguns sejam apenas
nomes simbólicos da própria obra literária ou da respectiva mensagem.
Jonas também aparece na Bíblia grega entre os “Profetas Menores”; mas, na Bíblia hebraica, faz
parte dos “Escritos”. De facto, além da narração contida no livro, historicamente nada mais se sabe
acerca da personagem de quem recebe o nome.

Livros Proféticos

• Isaías
• Jeremias
• Lamentações
• Baruc
• Ezequiel
• Daniel
• Oseias
• Joel
• Amós  
• Abdias
• Jonas
• Miqueias
• Naum
• Habacuc
• Sofonias
• Ageu
• Zacarias
• Malaquias
O livro de Isaías apresenta como título «Visão de Isaías, filho de Amós» (1,1) e aparece como o
primeiro dos “Profetas posteriores”, em relação aos “Profetas anteriores” (Josué, Juízes, 1 e 2
Samuel, 1 e 2 Reis). É uma obra de 66 capítulos, com três partes muito distintas na época, na
temática, na inspiração literária e nos autores: Primeiro Isaías: 1-39; Segundo Isaías: 40-55; Ter-
ceiro Isaías: 56-66. Apresentaremos uma breve introdução antes de cada um desses blocos, partindo
do pressuposto de que se trata de três profetas diferentes, cujos escritos foram recolhidos sob o
nome comum do profeta Isaías, do séc. VIII a.C..

CONTEXTO HISTÓRICO
Para compreendermos o contexto destes três profetas, será útil não esquecer os seguintes factos
históricos da sua época: 740: morte de Ozias; Jotam, rei de Judá; vocação de Isaías. 736: Acaz, rei
de Judá (736-716). 734: guerra Siro-efraimita. 732: a Síria é anexada pela Assíria. 721: queda da
Samaria e fim do Reino do Norte. 716: Ezequias, rei de Judá (716-687). 703: embaixada de
Merodac-Baladan. 701: invasão de Senaquerib. 587: queda de Jerusalém. 539: queda da Babilónia.
538: édito de Ciro. 520-515: reconstrução do Templo. 445-423: Neemias em Jerusalém. 397: Esdras
em Jerusalém.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ


Isaías prega a política da fé («se não acreditardes, não subsistireis»: 7,9) e da confiança em Deus,
razão por que a sua profecia está eivada de temas messiânicos ligados à dinastia, segundo as
promessas feitas por Deus a David (2 Sm 7,13-16).
O messianismo de Isaías arranca deste chão dinástico, que vai influenciar decisivamente as
correntes messiânicas posteriores e o messianismo de Jesus Cristo, tão bem expresso nos evange-
lhos da infância de Mateus e Lucas. Ligado ao tema da fé, está o tema central da santidade de Deus
(1,4 nota; 6,3-4) e o tema do “resto” (1,9 nota; 4,3 nota; 6,13; 10,20-22).

PRIMEIRO ISAÍAS (1,1-39,7)

É um profeta ligado à corte, mas não dos profetas áulicos dependentes dos reis, pois manifesta-se
sempre livre e independente, pronto para criticar os pecados dos reis, dos nobres e do povo em
geral. A sua personalidade foi de tal modo forte, que a tradição funde na sua pessoa as três partes do
livro que leva o nome de Isaías.

DIVISÃO E CONTEÚDO
O Primeiro Isaías é uma das grandes obras da literatura universal. O autor é um grande poeta que
usa a lei das assonâncias e sabe tirar partido dos sinais dos tempos. É um grande teólogo da
História, que fala através de símbolos e metáforas com uma carga emotiva e apelativa muito
profunda. O estilo é clássico e nobre.
O livro é formado por colecções de oráculos (mensagens), cânticos, apocalipses, agrupadas mais
segundo os temas do que segundo a ordem cronológica. Deste modo, temos:
I. Oráculos sobre Judá e Jerusalém (1,1-6,13).
II. Livro da Consolação (7,1-12,6), que corresponde ao tempo da guerra siro-efraimita.
Também é chamado “Livro do Emanuel”.
III. Oráculos contra as nações estrangeiras (13,1-23,18).
IV. Apocalipses (24,1-27,13 e 34,1-35,10), que anunciam a renovação futura (escatologia) e
são de um autor pós-exílico.
V. Oráculos de salvação de Israel e Judá (28,1-33,24).
VI. Apêndice Histórico, relacionado com o reinado de Ezequias (36,1-39,8).

SEGUNDO ISAÍAS (40,1-55,13)

Os capítulos 40-55 constituem a segunda parte do livro de Isaías, por isso, chamado Segundo Isaías
ou Dêutero-Isaías. A história destes poemas narrativos tem a ver com o regresso dos judeus depois
do cativeiro da Babilónia. A primeira deportação dos judeus para a Babilónia deu-se em 597; em
586 é a conquista de Jerusalém e a segunda deportação.

AUTOR
O profeta a quem chamamos Segundo Isaías exerce o seu mi-nistério profético durante a última
parte do exílio babilónico, exortando os judeus a não desanimarem. Para isso, apresenta o Deus-
Javé, criador do céu e da terra, Senhor da vida e da História, como o único Deus; diante dele, todos
os deuses babilónicos, a começar por Marduc, nada são e nada valem.

DIVISÃO E CONTEÚDO
Este livro divide-se em duas partes: Deus Libertador (40,1-48,22) e Restauração de Sião (49,1-
55,13).

TEOLOGIA
Em 539, o rei Ciro da Pérsia derrota o rei babilónico Nabónides, cruza o Tigre e conquista a
Babilónia. No mesmo ano, Ciro publica um édito sobre a libertação dos judeus. O Segundo Isaías
continua a sua doutrinação, cujos conteúdos perfazem os nossos capítulos 40-55: descreve o
segundo êxodo como superior e mais glorioso que o primeiro, o de Moisés; da História concreta
passa à Teologia do Deus criador e salvador, de modo que a Teologia comanda a História, pois tudo
depende do mistério da vontade divina inscrito no centro da mesma História.
É o primeiro evangelista da História da Salvação, que anuncia a Boa-Nova da salvação-libertação
com imagens e símbolos que ultrapassam qualquer história. Destacam-se nele os famosos Cânticos
do Servo (cap. 42; 49; 50,4-9; 52,13-53,12), que se integram nas duas partes deste livro: 40-48 e 49-
55.
O autor é mais poeta e teólogo que historiador. De facto, o estilo do Segundo Isaías é muito
diferente do Primeiro, pois quem impera e tudo comanda no Segundo é a retórica ao serviço da
Teologia e da Fé.

TERCEIRO ISAÍAS (56,1-66,24)

Tal como nada sabemos do chamado Dêutero-Isaías, também nada sabemos do chamado Trito-
Isaías, para além deste texto bíblico. Também se refere a si próprio (61,1-3; 62,1.6), um pouco à
maneira do profeta anterior. O estilo assemelha-se ao do Dêutero-Isaías, na riqueza das imagens.
CONTEXTO
O contexto histórico destes capítulos situa-se em Judá, depois do regresso dos exilados da
Babilónia.

TEOLOGIA
Predomina a visão escatológica, através dos opostos:julgamento dos inimigos e salvação dos
israelitas, oposição entre povo fiel e infiel. O profeta pretende inspirar confiança e fé ao povo, no
meio das dificuldades, do desânimo e da pobreza.

Jeremias

Jeremias é o nome dado ao livro do profeta cuja vida melhor conhecemos, pois a sua obra nos
oferece inúmeros dados, tanto pessoais como sociais e históricos, relativos ao seu tempo. Nasceu
por volta de 650 a.C., em Anatot, aldeia da tribo de Benjamim, situada a uns 5 km a nordeste de
Jerusalém, de uma família de ascendência sacerdotal. Este facto marcará de forma decisiva a sua
mensagem, especialmente a vinculação às tradições provenientes das tribos do Norte e a insistência
com que sublinha a importância da aliança de Moisés. No que diz respeito à sua personalidade,
temos diversos capítulos de carácter autobiográfico: 1; 20,1-6; 26; 28-29; 34,8-22; 36-38; 45. Mais
significativos ainda são os textos chamados “confissões”, em que ele testemunha, a par das suas
angústias, o seu enamoramento por Deus: 11,18-12,6; 15,10-21; 17,14-18; 18,18-23; 20,7-18.

CONTEXTO HISTÓRICO
Jeremias viveu num dos períodos mais conturbados da história do povo de Israel: o fim do reino de
Judá e a destruição de Jerusalém (587/86) pelo império da Babilónia; e foi chamado à vocação
profética ainda na sua juventude (1,6-7), no ano treze do reinado de Josias (1,2), em 626. Numa
primeira época manifesta a esperança na restauração da unidade do povo, tarefa na qual se
empenhara o rei Josias, através da sua reforma religiosa, com um momento forte em 622 (2 Rs 22,1-
23,30), e estava centrada no movimento deuteronomista.
Com as mudanças políticas que se deram no Médio Oriente, a partir de 625, altura em que a
Babilónia começou a impor-se politicamente, essa esperança foi-se esfumando pouco a pouco; e,
com a morte do rei Josias às mãos do faraó Necao (em 609), fica traçado o destino do reino,
devendo o profeta suportar as trágicas consequências daí resultantes.
Os dois reis que sucederam a Josias, Joaquim (609-597) e Sedecias (597-586), apenas adiaram por
algum tempo o destino já traçado sobre Jerusalém após a morte de Josias. Podemos dizer que
Jeremias se viu confrontado entre o imperativo da sua missão profética e a perseguição sistemática
por parte dos seus contemporâneos, que o acusavam de estar na origem do descalabro da pátria. São
deste período os oráculos mais dramáticos do livro, que reflectem a experiência do profeta e a
tragédia iminente que pairava sobre Jerusalém e o reino de Judá.
A OBRA DE JEREMIAS
O livro de Jeremias teve uma composição lenta no tempo e muito complexa. De acordo com os
dados do cap. 36, o profeta não escrevia; para isso tinha um “secretário” (Baruc), que registou os
seus oráculos e os leu no templo. O rei Joaquim mandou queimar aquela que terá sido, na
linguagem moderna, a primeira versão do livro do profeta; este refez os seus oráculos,
acrescentando outros. É a melhor fonte que possuímos acerca da situação política e social do seu
tempo, razão pela qual tem sido objecto de inúmeros estudos, que nos possibilitam um melhor
conhecimento de uma época tão conturbada.

CONTEÚDO
Para além do relato da vocação do profeta (1,4-19), o texto de Jeremias pode dividir-se nas
seguintes secções temáticas:
I. Oráculos dirigidos ao povo de Deus: 1,1-25,14.
II. Oráculos contra as nações estrangeiras: 25,15-38.
III. Relatos biográficos de Jeremias: 26,1-45,5.
IV. Oráculos contra as nações estrangeiras: 46,1-51,64.
V. Apêndice: 52,1-34.

Devido à forma como a obra está organizada e à falta de ordem cronológica, nem sempre é fácil
seguir a mensagem do profeta no seu desenvolvimento. Por vezes, sucede também que as versões
actuais são apresentadas a partir do texto grego, conhecido por tradução dos Setenta, que não
corresponde integralmente ao original hebraico, pois, além de ser mais breve (cerca de um oitavo),
os textos encontram-se numa ordem diferente.

TEOLOGIA
A mensagem que Jeremias nos oferece é profundamente espiritual e teológica. Dela, apraz-nos
destacar a doutrina da nova aliança (31,31-34), bem como a sua permanente confiança no Senhor
que o ajuda a superar todas as adversidades com que se vê confrontado. Jeremias, dotado de grande
sensibilidade, é um testemunho vivo de homem plenamente apaixonado pela causa de Deus e pela
identidade espiritual e religiosa do seu povo. É neste sentido que devem ser lidos os seus oráculos
sobre a infidelidade do povo e o castigo de Deus. Aliás, ele viveu esta paixão até ao fim e por causa
dela terá dado a vida.
Além da veemência com que proclamava os seus oráculos, o profeta recorria também,
frequentemente, a gestos simbólicos com um forte acento nacional, capazes de impressionar os seus
ouvintes e de os interpelar à conversão.
Apesar das constantes proclamações de que a pátria seria destruída, Jeremias não foi um profeta ao
serviço da Babilónia. Soube pôr o projecto de Deus acima dos interesses políticos e exortar os
homens do seu tempo à fidelidade, embora se constate que os seus apelos foram em vão. Por isso
Jerusalém viria a ser destruída em 587 e o povo de Israel partiria para o exílio na Babilónia, a fim
de expiar o seu pecado.
Lamentações

Trata-se de um pequeno conjunto de cinco poemas, em estilo elegíaco, provavelmente escritos após
a queda e destruição de Jerusalém por Nabucodonosor (587-586 a.C.). A tradição tem-no atribuído
ao profeta Jeremias. No entanto, essa autoria tem pouca consistência, uma vez que tal atribuição se
fundamenta em 2 Cr 35,25 e esse texto diz respeito à morte do último grande rei de Judá, Josias,
nada tendo propriamente a ver com o conteúdo deste escrito. Além disso, em 2,9 diz-se que «aos
profetas são recusadas as visões», o que seria estranho na boca de Jeremias. A Bíblia Hebraica
coloca ainda este livro entre os Escritos, depois do Cântico dos Cânticos, e não entre os Profetas.
Deve tratar-se, pois, de um discípulo de Jeremias que guarda algumas afinidades de estilo com o seu
mestre.
O título desta obra é a tradução do hebraico “qinôt”, que já se encontra no “Talmud” (Hag 5b fala
do Livro das Lamentações: “Sefer Qinôt”) e em outros escritos rabínicos (por exemplo, o grande
“Midrash Rabbá”, em “Lamentações Rabbá” IV,20); e também do grego “thrénoi”, que expressa o
mesmo sentido.
Para além de outras particularidades, os quatro primeiros poemas são alfabéticos, iniciando-se cada
estrofe com a respectiva letra da sequência do alfabeto hebraico. É um processo literário complexo;
além da arte e mestria do autor, pretende também realçar o simbolismo do texto e, provavelmente, o
ritmo do seu próprio canto.

MENSAGEM
O autor lamenta-se da situação miserável em que o povo de Israel e as suas instituições se
encontram; e fala da humilhação extrema a que chegaram Israel e Jerusalém. Tudo isto, como con-
sequência do mau proceder do povo e da sua infidelidade à Aliança.
A situação é interpretada à luz da fé como um castigo e como um tempo de purificação, dado haver
uma esperança última de que Deus voltará o seu olhar clemente para o povo (fim da 5.ª Lamen-
tação).
Por tudo isso, tanto judeus como cristãos fazem uso destes poemas na liturgia, em momentos signi-
ficativos da sua História: os judeus, nas festas de jejum, em que recordam a destruição de
Jerusalém, no ano 70, pelos romanos; os cristãos, na liturgia da Semana Santa, ao recordarem os
sofrimentos da Paixão de Cristo.

Capítulos

Baruc
Este escrito recebe o nome de Livro de Baruc a partir de 1,1-3, onde o seu autor se apresenta e nos
descreve um pouco da história dos desterrados da Babilónia, após a tomada de Jerusalém por Nabu-
codonosor.

AUTOR
Quem é Baruc? No livro de Jeremias, Baruc é apresentado como “escriba” ou “secretário” do
profeta (Jr 36,4-32) e estreitamente ligado a algumas etapas da sua vida (Jr 32,12-16), chegando,
mesmo, a refugiar-se com ele no Egipto (Jr 43,1-7).
Pelo texto, vemos também que desempenhou uma tarefa importante junto dos exilados, fazendo-se
aí porta-voz do profeta de Anatot.
Mas o nome dado ao autor deste escrito é certamente um pseudónimo, técnica muito comum no
campo literário em todos os tempos, e também no mundo bíblico. Isto é tanto mais provável quanto
este livro não remonta ao período do exílio da Babilónia, embora algumas das suas fontes e os
episódios narrados se situem nesse contexto.

LIVRO
Recolhendo estes elementos, um autor anónimo, que se esconde por trás do nome de Baruc, compôs
esta obra a partir de diversas fontes e com géneros literários diferentes.
O autor denota influências dos profetas da época do Exílio, especialmente de Jeremias, Ezequiel e
Segundo Isaías, quer nos temas abordados, quer na forma literária. Também é de salientar a
linguagem de tipo sapiencial e mesmo apocalíptico, a que recorre com frequência.
Trata-se de um livro que não figura na Bíblia hebraica, fazendo parte da lista dos chamados livros
Deuterocanónicos. O texto que chegou até nós é apenas conhecido na versão grega, sendo clara a
intenção de o apresentar como um livro profético.

DIVISÃO E CONTEÚDO
Consta das partes seguintes:
Introdução histórica (1,1-14). Além de apresentar o livro e o seu autor, relata o efeito que a
sua leitura produziu sobre o rei, os nobres e todo o povo.
I. Confissão dos pecados, em prosa (1,15-3,8): não é mais do que uma espécie de “celebra-
ção penitencial” dos exilados da Babilónia.
II. Exortação sobre a sabedoria, em poesia (3,9-4,4): é composta por uma exortação de tipo
sapiencial e um oráculo sobre a restauração de Jerusalém e o regresso do povo (4,5-5,9).
Carta de Jeremias (cap. 6,1-72): sob a forma de mensagem dirigida aos exilados da
Babilónia, o profeta critica a idolatria, exortando-os a não seguirem os ídolos da cidade para
onde tinham sido deportados. Em certas edições da Bíblia, a Carta de Jeremias aparece como
livro autónomo. Aqui colocamo-lo no fim de Baruc, sempre no “Corpus” de Jeremias.

Ezequiel
Ezequiel (hebr. “Yehezq’el” = “Deus é forte”, ou “Deus dá força”) era filho do sacerdote Buzi. Ele
próprio foi sacerdote em Jerusalém, o que se comprova pela linguagem de que se serve e pela
atitude que tomou quanto ao culto. Deve ter nascido em 620 a.C., em Jerusalém, na época do rei
Josias. A sua mulher faleceu subitamente antes da destruição da cidade de Jerusalém (Janeiro de
586). Em 597, por altura da primeira deportação, foi para a Babilónia com a família, tendo-se
instalado em Tel- -Aviv. Ali se situa a sua visão do carro do trono de Deus com a sua glória, no
quinto ano da deportação do rei Joaquim, ou seja, em 592. É então que sente a vocação para profeta,
quando contava cerca de 30 anos de idade (1,1-28; 2,1-7). A sua actividade profética na Babilónia
dura cerca de vinte anos (1,2; 29,17), sendo a última profecia do ano 570.

CONTEXTO E AUTOR
As condições em que viviam os exilados deviam ser muito difíceis. Muitos foram condenados a
trabalhos forçados. A principal colónia foi a de Tel-Aviv, junto ao rio Eufrates, mais precisamente
nas margens do Cabar (1,1.3; 3,15). À sua frente estavam os anciãos (8,1; 14,1; 20,1). Mas o
sofrimento interior dos exilados era muito grande por se encontrarem longe da pátria, de Jerusalém
e do Templo. O Salmo 137 é uma autêntica balada dos exilados, traduzindo a amargura e a saudade
do povo, a quem os carcereiros pediam “cânticos de alegria” (Sl 137,3).
A tentação da dúvida e do desespero ameaçava profundamente a sua alma. Muitos terão pensado: o
nosso Deus abandonou o seu povo; os deuses pagãos levaram a melhor sobre o Deus de Israel! De
facto, os Babilónios cantavam vitória: o deus Marduk triunfara. Ali, em terras da Mesopotâmia, o
culto das divindades pagãs devia exercer sobre os Judeus uma forte impressão. Além disso, a
feitiçaria e a adivinhação eram uma tentação constante para eles (13,17-23; Jr 29,8).
Outra ideia que o profeta refuta é esta: a sorte dos que ficaram em Jerusalém não é melhor do que a
dos exilados em 597. Os primeiros julgavam-se «a carne na marmita» (11,3) e julgavam ter direito
aos haveres dos seus compatriotas desterrados (11,15; 33,24). O profeta promete que estes hão-de
regressar à pátria, onde recomeçarão uma vida nova (11,17-20).
Ezequiel mostra um interesse muito particular por tudo o que diz respeito ao sacerdócio, pois ele
mesmo era sacerdote (1,3). O templo constitui o objecto das suas preocupações constantes; o
primeiro fora profanado pelos ritos impuros (cap. 38) e, por isso, a glória de Deus o deixou; o
segundo é descrito com muitos pormenores nos últimos capítulos. Deus voltará a habitar nele e a
sua glória o cobrirá. Refere-se ao papel dos sacerdotes, às festas, ao calendário religioso (cap. 44-
46).
A sua mentalidade sacerdotal revela-se ainda na insistência com que fala da Lei, das infracções que
Israel cometeu, ao longo da História (20) e das impurezas legais (4,14; 44,7); na preocupação em
distinguir entre o sagrado e o profano (45,1-6; 48,9-10); no cuidado em regular os casos de direito e
de moral; no tom casuístico dos seus ensinamentos (18); na semelhança inegável que há entre as
expressões mais típicas da sua mensagem e a linguagem do Código de Santidade (Lv 17-26). A sua
obra enquadra-se na corrente sacerdotal, como a de Jeremias se enquadra na “deuteronomista.”
Porque foi constituído «guarda da casa de Israel» (3,17; 33,7), o profeta sente-se responsável pela
salvação de cada um dos seus compatriotas (3,16-21; 33,1-2; 20). A ele se dirigem os anciãos,
desejosos de obter uma resposta para os seus problemas (8,1; 14,1; 20,1). Insurge-se com
veemência contra os falsos profetas e profetisas (13,10.18-19), e contra aqueles que fazem correr
ditos enganadores e provocam a confusão entre o povo (8,12; 9,9; 11,15; 12; 22; 18,2.25.29;
33,17.20.24).
Uma das questões que mais tem preocupado os intérpretes do livro de Ezequiel é o lugar onde o
profeta desenvolveu a sua actividade: teria sido só na Babilónia ou só em Jerusalém, ou na
Babilónia e em Jerusalém? A hipótese tradicional diz que foi só na Babilónia; e ainda hoje parece a
mais viável. Longe da pátria, nas margens do rio Cabar, após a deportação de 597, recebe a vocação
profética, anuncia a ruína de Jerusalém e do seu templo e profetiza a futura restauração de Israel. É
daí que se dirige aos habitantes de Jerusalém, insistindo com frequência na catástrofe iminente da
cidade santa. O seu pensamento está constantemente em Jerusalém; numa das visões, é mesmo
conduzido em espírito até lá, onde contempla o culto idolátrico praticado no santuário e assiste ao
incêndio da cidade (ver 8-11). Certas passagens, como 11,24-25 mostram bem que ele se encontra
no Exílio.

LIVRO
O livro de Ezequiel não foi escrito de uma só vez. Certas passagens, como os duplicados, quebram
a sua unidade: o carro de Deus é referido duas vezes, no cap. 1 e 10; a missão do profeta como
«guarda do povo» é apresentada em 3,17-21 e em 33,1-9; alguns pormenores sobre o pecado e o
castigo encontram-se em 18,21-32 e em 33,10-20; a restauração do povo aparece em 11,16-21 e em
36,16-28. É, pois, de admitir a existência de um redactor posterior, que reviu a obra e lhe deu o
último retoque. Mas não é fácil distinguir, sempre, o que pertence ao autor profeta e o que pertence
a este redactor.
Também se notam alguns aditamentos: por ex., 2,1-3,9 foi introduzido no meio da visão do rio
Cabar; 11,1-21 interrompe o nexo entre 10,22 e 11,12.
Ezequiel manifesta mais do que uma vez que o autor foi um homem de acção: a dirigir-se
frequentemente aos seus ouvintes (8,1; 14,1.2; 20,1.2), a dialogar com as pessoas (12,9; 24,19-20;
33,10.17-20), a realizar acções simbólicas diante delas (4,1-5,4; 12,1-14; etc.).

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS
No livro encontramos várias visões, acções simbólicas, parábolas e alegorias. É certo que os outros
profetas também as empregam; mas, em Ezequiel, estes processos literários têm aspectos
característicos muito especiais.
Assim, as visões são mais extensas e escritas com mais pormenores do que as dos seus colegas. Por
exemplo, Isaías e Jeremias também tiveram visões, que lhes indicaram a vocação para o profetismo;
mas, essas experiências, simples e discretas, não têm a grandiosidade das de Ezequiel. Numa visão
um tanto complexa e misteriosa, que teve do carro de Deus (1-3), o profeta contemplou a glória do
Senhor. Contudo, evita falar dos elementos divinos de maneira humana; diz sempre «eram algo
como», «assemelhavam-se a», etc.
Outras visões grandiosas foram a dos ossos ressequidos (37), que traduz bem o seu talento poético,
e a das faltas de Jerusalém (8-11). Nos capítulos finais (40-48) apresenta a visão do novo Reino de
Deus; descreve o templo futuro, fala da nova lei e do culto, como verdadeiro legislador, e divide a
Palestina entre as tribos de Israel, à maneira de autêntico senhor.
É costume dizer-se que Isaías é o profeta da razão e do raciocínio, que Jeremias e Oseias são os
profetas da sensibilidade, e Ezequiel é o profeta das visões, da imaginação e do simbolismo. Na
alegoria da leoa e dos leõezinhos (19,1-9), na da videira estéril (15) e nos quadros simbólicos, que
descrevem a história de Israel (16 e 23), nota-se bem a sua prodigiosa imaginação.
As acções simbólicas são também frequentes em Ezequiel. Por meio delas desperta a atenção dos
ouvintes e ele mesmo dá a interpretação, sempre que lhe pedem (12,9; 21,12; 24,19; 37,18). O cerco
de Jerusalém (4), o aniquilamento do povo até se tornar um pequeno resto (5,1-4), a ida para o
cativeiro (12,1-7), as dificuldades do cerco (12,17-20), o terror causado pelo anúncio da ruína da
cidade (21-22), a hesitação do rei da Babilónia quanto à escolha do caminho a tomar (21,23-28), a
impossibilidade de se lamentarem pela queda de Jerusalém (24,15-24) e a reunificação dos reinos
(37,15-22), são os acontecimentos anunciados nessas acções simbólicas.
As parábolas e alegorias são também frequentes neste livro. Algumas delas possuem uma rara
beleza poética e sobressaem pela sua extensão e riqueza de pormenores. Assim, a parábola de
Jerusalém comparada a uma mulher adúltera (16); a das duas irmãs infiéis e prostitutas, acerca da
Samaria e de Judá (23); a da videira estéril, sobre Judá (15); a da águia, acerca de Nabucodonosor
(17,3-7); a da leoa e dos leõezinhos, sobre Judá (19,1-9); a da videira plantada por Deus, sobre Judá
(17,1-10; 19,10-14); a da floresta incendiada, sobre Jerusalém (21,1-5); a do navio que naufraga,
acerca de Tiro (27); a do crocodilo, sobre o Egipto e o faraó (29,1-6; 32,1-8); a do cedro que é
arrancado, sobre o faraó (31). A extraordinária veia poética de Ezequiel e a sua prodigiosa
imaginação estão bem patentes em todas estas parábolas.

ESTRUTURA E CONTEÚDO
A estrutura do livro é a seguinte:
I. Vocação para o profetismo: 1,1-3,27;
II. Oráculos de ameaça contra Judá e Jerusalém: 4,1-24,27;
III. Oráculos contra as nações: 25,1-32,32;
IV. Oráculos de salvação para Israel: 33,1-39,29;
V. Novo reino, novo templo e novo culto: 40,1-48,35.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ


Nos primeiros capítulos da obra encontramos os mesmos temas que se nos deparam em Jeremias: o
povo de Judá gravemente culpado pelas faltas que cometeu; a justiça de Deus que vai castigar
Israel; o cerco de Jerusalém; a tomada da cidade com a destruição do templo; a deportação para o
cativeiro; etc. Mas em tudo isto podemos apontar alguns pormenores, próprios de Ezequiel.
Vejamos alguns:
A história de Israel é considerada como uma apostasia contínua do povo, pois Israel deixa-se
corromper desde o início. Já na sua infância se entregou à idolatria no Egipto e, depois, no deserto e
em Canaã (16). Jeremias e Oseias ainda se tinham referido a alguns momentos de fidelidade de
Israel (Jr 2,2; Os 2,16-17; 11,1), mas Ezequiel não apresenta um único. Quer assim exprimir, da
maneira mais evidente, que o povo é corrupção total, desde o começo da sua existência.
A observância estrita da lei levítica de pureza é um tema predilecto no livro de Ezequiel. Como
sacerdote que era, refere-se frequentes vezes à distinção entre o puro e o impuro (22,26; 44,23).
Deve ter tido uma educação muito rigorosa, nesse domínio: treme perante a exigência de comer
algo que seja impuro (4,14). Alude muitas vezes ao povo que se mancha com os seus pecados
(14,11; 20,30; 37,23), em particular com os pecados de idolatria (20,7.8.31; 22,3.4; 23,7.30; 37,23)
e com os sacrifícios de crianças (20,26.31); o templo é profanado com os cultos idolátricos (5,11;
7,22.24; 24,21) e o país, com as faltas do povo (36,17) e com os cadáveres dos mortos
(39,12.14.16). A profanação do sábado merece-lhe, também, alguns reparos especiais
(20,13.16.21.24; 22,8; 23,38). A ideia dominante é a de que o povo e a terra devem ser santos, como
Deus é santo.
Além desses pecados, insurge-se também contra certos males de ordem moral e social, como os
outros profetas: o desprezo e abandono dos pais (22,7); a opressão das viúvas e dos órfãos
(22,7.25); o desprezo dos pobres (18,7.16); a opressão dos estrangeiros (22,7); a usura, a extorsão e
a corrupção (18,7-8; 22,12); a luxúria e o adultério (18,6; 22,10-11); o assassínio e o homicídio
(18,10; 22,2-4.6-9.12.27; 33,25; 36,18).
Um tema considerado inovador na teologia de Ezequiel é o da responsabilidade individual de cada
um, que contrasta com a ideia tradicional da responsabilidade colectiva. É dele que, depois, vai
derivar, no Judaísmo posterior, a crença na retribuição após a morte. Nos cap. 8-11 e 18 elabora os
princípios morais da responsabilidade religiosa individual: cada pessoa é responsável pelas acções
que pratica.
A presença de Deus no meio do seu povo, mesmo entre os exilados, é outro ponto em que insiste
amiúde. Deus não abandona o seu povo. A visão do carro de Deus (1-3) mostra que Ele não está
ligado à Palestina, mas acompanha o seu povo por toda a parte. Assim, combate uma ideia errada,
que estava muito difundida.
A esperança na restauração futura de Israel é inculcada com a visão da ressurreição dos ossos
ressequidos (37): Deus faz reviver os ossos, como também há-de fazer voltar Israel para a sua pátria
(ver pág. 1420). Os capítulos 34-39 contêm vários oráculos sobre a salvação futura de Israel.
O messianismo não é em Ezequiel uma ideia frequente, como em Isaías. Contudo, aparecem
elementos relativos à esperança messiânica, aqui e além: o pequeno «resto» donde sairá a salvação
(5,3; 6,8-10; 9,8-9), a salvação no futuro (16,59-63; 17,22-24; etc.). Não se trata de um
messianismo real e glorioso, como em Isaías. O futuro David será o pastor do seu povo (34,23-31) e
o bom pastor (34). No NT encontramos estas ideias na boca do próprio Cristo (Jo 10,7-18).
O Judaísmo posterior e o NT foram muito influenciados pela Apocalíptica de Ezequiel. Neste
capítulo, Ezequiel é um precursor. A profecia sobre Gog (38-39) fala-nos dos últimos tempos e da
vitória final de Deus sobre todos os inimigos; Daniel, o próprio Jesus Cristo e São João, no seu
Apocalipse, irão desenvolver este pensamento. Neste aspecto, Ezequiel aproxima-se de Isaías. Uma
última ideia teológica merece referência: é a que se relaciona com o futuro templo e distribuição do
país pelo santuário, pelo rei e pelas doze tribos. Expressa um ideal político e religioso que seria
bastante desenvolvido, e que, apesar de não ter sido propriamente posto em prática, ainda explica
certas peculiaridades do Judaísmo restaurado.

Daniel

O nome de Daniel, que em hebraico quer dizer “o meu juiz é Deus”, aparece no livro de Esdras 8,2
e em Neemias 10,7 como sendo um dos exilados que regressaram da Babilónia para a Palestina. E
isso pode significar que era utilizado como nome de pessoa entre os hebreus, na época pós-exílica.
No entanto, como nome de pessoa, Daniel é muito antigo no Médio Oriente e parece ter conhecido
grande atractivo fora da sociedade hebraica. Por isso, o profeta Ezequiel fala de um certo Daniel,
muito afamado pela sua piedade e sabedoria (14,14.20).
Sobre o outro Daniel, um sábio da antiguidade, que Ezequiel refere e que também é mencionado na
epopeia de Aqhat (escrita antes do séc. XIII a.C. e descoberta em Ugarit), conhecemos apenas a
figura de um rei que se apresenta como um rei ideal, muito devoto e imerecidamente sofredor.

AUTOR E CONTEXTO
Nem o Daniel regressado do Exílio nem o Daniel rei, da literatura de Canaã, podem ser o autor
deste livro. O nome de Daniel foi-lhe atribuído como símbolo; na verdade, parece ajustar-se bem a
uma obra cujo conteúdo tinha muito a ver com a dura experiência judaica vivida no Exílio e se
ligava profundamente à sabedoria representada pela antiga tradição de Israel e de toda a região de
Canaã.
A situação histórica em que este livro apareceu coloca o seu autor no reinado de Antíoco IV,
Epifânio, rei helenista da dinastia dos Selêucidas, que governava a Palestina a partir da sua capital
dinástica em Antioquia. Foi este rei que tentou a morte da religião judaica e a helenização da
Palestina.

GÉNERO LITERÁRIO
Nos capítulos 1 a 6, o autor serviu-se de histórias antigas que pertenciam a um género tradicional de
literatura didáctica e educativa, chamado “hagadá”, então muito em voga. Daniel já era uma figura
exemplar nessas histórias, que tinham o objectivo de inculcar esperança e fé nos judeus perseguidos
por Antíoco IV e assediados por outros perigos. Assim como Deus protegera Daniel e os seus
companheiros de todos os perigos e ameaças, assim faria também com os outros judeus fiéis à lei.
O autor não tem em vista descrever factos históricos, mas apresentar histórias moralizadoras e
edificantes, que poderiam ter um fundo ou núcleo real histórico, mas de segunda importância. Os
dados internos do livro, sob o ponto de vista linguístico, histórico e teológico, obrigam-nos a datar a
sua versão final por altura da morte do rei Antíoco IV, em 165 ou 164 a.C..
Por seu lado, os capítulos 7 a 12 pertencem ao género apocalíptico, também frequente naquele
tempo, que apreciava a comunicação de revelações. “Apocalipse” quer dizer, precisamente,
“revelação”. Esta literatura, por condições sociais e razões de mentalidade, apreciava a
pseudepigrafia. Foi um género de literatura dos mais comuns no ambiente judaico da Palestina entre
o séc. II a.C. e o séc. III d.C., tempo das origens do cristianismo e do judaísmo rabínico.
A literatura apocalíptica era diferente da literatura bíblica tradicional, mas também continuou alguns
dos seus géneros e temas mais importantes. Teve início sobretudo no interior da literatura profética
do tempo do Exílio e prolongou, em grande parte, o horizonte representado pelos profetas. Por outro
lado, reatou profundos laços com a antiga literatura sapiencial e revalorizou a utilização teológica
das antigas mitologias de Canaã, que sempre constituíram, ao longo da Bíblia, um manancial para a
criação teológica.O vigor fantástico do imaginário apocalíptico deve-se também ao facto de esta
literatura procurar a interpretação profunda das antigas mitologias.

TEXTO
A complexidade e a riqueza históricas de Daniel notam-se também no facto de o texto de que
actualmente dispomos nos ter sido transmitido em três línguas diferentes: os capítulos 1,1 a 2,41 e 8
a 12 encontram-se em hebraico; a longa secção didáctica de 2,4b a 7,28 está em aramaico; e em
grego, o hino de 3,24-90 e as histórias educativas dos capítulos 13 e 14.
Os dois últimos capítulos encontravam-se, em grego, separados do livro de Daniel; foi a tradução
latina da Vulgata que os juntou. Estas partes não foram reconhecidas como texto bíblico pelo
judaísmo rabínico e palestinense do final do séc. I d.C.; mas o judaísmo alexandrino e o
cristianismo já as consideravam como igualmente bíblicas e, por conseguinte, canónicas.
As edições da Bíblia ligadas à Reforma costumam seguir a lista oficial do judaísmo da Palestina; as
edições católicas e ortodoxas seguem a Bíblia do cristianismo primitivo, que foi sobretudo a Bíblia
em grego usada pelo judaísmo helenista. Por isso, estas secções de Daniel em grego chamam-se
deuterocanónicas. Nesta edição, as partes em grego estão em itálico, para melhor serem
identificadas pelos leitores.

DIVISÃO E CONTEÚDO
Daniel tem quatro partes bem distintas:
I. “História de Daniel: 1,1-6,29;
II. Apocalipse de Daniel: 7,1-12,13;
III. História de Susana: 13,1-64;
IV. Daniel e os sacerdotes de Bel: 14,1-43.
Na I parte – História de Daniel (1,1-6,29) – oferece-se à espiritualidade judaica uma série de
modelos de perseverança, em confronto com normas de vida moral e religiosa do ambiente, por
vezes, agressivo.
Na II parte (7,1-12,13) exprime-se uma espiritualidade de esperança face às mais difíceis ameaças.
As perspectivas de escatologia individual dão um passo significativo neste livro com a ideia da
ressurreição dos mortos (12), aspecto em que a antropologia do AT era menos explícita. A III e IV
partes são também independentes uma da outra.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ


O pensamento religioso de Daniel representa um dos mais vincados elos de ligação entre o Antigo e
o Novo Testamento e mostra que entre ambos existe uma profunda continuidade de ideias. Com o
seu texto bem inserido no contexto do pensamento apocalíptico, este livro exprime uma profunda
consciência de que Deus preside e governa a História dos homens e dos povos, como garantia
contra as injustiças e o mal. Deus aparece sobretudo como o supremo legislador, de quem depen-
dem os passos, as etapas, os percursos e a segurança da experiência humana.
Mas é no campo das concepções messiânicas (7) que o livro de Daniel atinge um dos pontos mais
representativos, com a figura de sabor transcendente e humilde que se apresenta como «um filho de
homem». No NT, esse título passará a ser uma importante componente da Cristologia e vai estar
presente, tanto pela letra como pelo espírito, nas modalidades de messianismo que dentro dele se
verificam. Quando o judaísmo do tempo de Jesus esperava sobretudo um Messias-rei, triunfador
dos romanos, Jesus apresentou-se como um Messias-Servo sofredor, na mais profunda humanidade,
e como Messias “Filho do Homem” vindo do Céu (7,13; Mt 26,64; Mc 14,61-64).
O Apocalipse de João torna-se quase o espelho neotestamentário do livro de Daniel, na sua visão da
História e da Teologia. É através da comparação entre ambos que se pode apreciar a continuidade de
ideias que existe entre o Antigo e o Novo Testamento.

Oseias

Não se sabe quando e onde nasceu Oseias. O livro diz-nos o nome do seu pai (Beeri) e da sua
esposa (Gomer). Sobre este matrimónio (narrado nos cap. 1-3) não possuímos dados seguros.
Alguns pensam que se trata de pura ficção literária; outros admitem um matrimónio real, mas
discutem se a mulher já era prostituta antes do casamento ou se se prostituiu depois. O certo é que o
profeta se serve desta experiência, real ou simbólica, para descrever as relações de Deus (marido)
com o seu povo infiel (esposa).
Oseias era, com certeza, do reino do Norte, onde exerceu a sua actividade, provavelmente na
Samaria, Betel e Guilgal. Conhece bem a política do Reino de Israel e está informado acerca das
tradições históricas e religiosas ligadas ao Norte; todas as cidades que menciona são do Norte e
nunca se refere a Jerusalém. Devia ser um homem culto, a avaliar pela variedade e riqueza de
imagens que utiliza.

ÉPOCA
Oseias deve ter começado a sua actividade logo a seguir a Amós, nos últimos anos do reinado de
Jeroboão II (752-753 a.C.). Ora, a seguir a este rei, o Reino do Norte entrou num período de
decadência e instabilidade política: nos trinta anos seguintes haverá seis reis, quatro dos quais
ocuparam o trono pela força.
O perigo mais grave, porém, vinha da Assíria, um poderoso império que estendia as suas fronteiras,
aniquilando os outros reinos e deportando as suas populações. Face a este poderio só havia duas
soluções: submeter-se, pagando pesados tributos para não sofrer as consequências da derrota; ou
procurar manter a independência, organizando a defesa em coligação com outros reinos,
normalmente com o Egipto, que ainda mantinha certo prestígio mas que, na prática, se revelava
ineficaz.
Parece ter sido neste contexto de alianças contra a Assíria que Pecá, rei de Israel, em união com
Damasco, declarou guerra a Judá. O rei de Judá pediu o auxílio da Assíria, que derrotou Damasco e
destronou o rei de Israel. Esta guerra, chamada siro-efraimita (734-732 a.C.), foi uma catástrofe
para Israel. O reino ainda se manteve, numa situação extremamente debilitada, sob o reinado de
Oseias (último rei de Israel e homónimo do profeta); mas desapareceu em 722 a.C., quando
Salmanasar V, rei da Assíria, conquistou a Samaria, depois de o rei Oseias se ter negado a pagar
tributo.
A par da difícil situação política interna e externa, é necessário ter em conta a situação religiosa para
compreender as intervenções deste profeta. As alianças com outros povos tinham sempre
implicações religiosas: a religião desses povos entrava em Israel. Além disso, neste período, a
religião de Israel parece ter sofrido muitas influências cananeias, pela atracção que os cultos de Baal
(divindade cananeia) exerciam nos sacerdotes e no povo. Era a Baal que se atribuía a fertilidade do
solo, as chuvas e as colheitas. Quando a terra produzia, agradecia-se a Baal praticando o seu culto;
quando havia carestia, realizavam-se ritos para implorar de Baal a fecundidade do solo.
Oseias é implacável na crítica a esta manipulação religiosa por parte dos sacerdotes: o Deus de
Israel não admite concorrência de qualquer género, e não é Deus apenas para algumas ocasiões; Ele
é o Deus da História, que acompanhou o seu povo, com quem fez uma aliança; é preciso voltar a
essas experiências fundadoras do povo e eliminar de vez todos os ídolos. Oseias exprime tudo isto
com a riqueza das suas imagens.
Não sabemos até quando o profeta exerceu a sua actividade. Há quem date os seus últimos oráculos
por volta de 725 a.C. e pense que foi para Judá alguns anos antes ou a seguir à queda da Samaria. Se
não há certezas acerca disto, o certo é que a sua pregação foi conhecida no Sul e ali se terá realizado
a redacção final do livro.

DIVISÃO E CONTEÚDO
O livro de Oseias apresenta algumas dificuldades de compreensão, ou porque o texto hebraico está
mal conservado, ou porque se contrapõem oráculos de condenação e de salvação sem uma evidente
relação entre si. No seu conjunto, o livro pode dividir-se em duas partes distintas:
I. Simbolismo do matrimónio e da família (1,2-3,5); contém um relato biográfico (1,2-9),
um outro autobiográfico (3,1-5), alguns oráculos de salvação (2,1-3.18-25) e o poema da
relação entre o esposo e a esposa (2,4-17).
II. Crimes e castigos de Israel (4,1-14,9); costuma ainda subdividir-se em duas secções: cap.
4-11, uma série de oráculos centrados especialmente na denúncia do culto e da política; e cap.
12-14, algumas reflexões históricas sobre o pecado de Israel, que terminam com um oráculo
de salvação (14,2-9).
Epílogo sapiencial (14,10).

TEOLOGIA
A mensagem de Oseias coincide, em grande parte, com a de Amós: denúncia das injustiças e da
corrupção religiosa. Oseias insiste, particularmente, na corrupção do culto e da política: no culto,
condena toda a idolatria, a adoração de Baal, os cultos de fertilidade e a falsidade do culto ao Deus
de Israel, que serve apenas para encobrir as injustiças de todo o tipo; na política, condena as
alianças com a Assíria ou com o Egipto, porque levam a esquecer o poder salvador de Deus.
Oseias desmistifica a História, adoptando uma posição crítica quanto ao passado de Israel. É a partir
desta visão da História que desenvolve a teologia do amor nupcial de Deus pelo seu povo: Deus
ama com um amor fiel; ao contrário, o povo responde com infidelidades.
Só o castigo, a ruína e a invasão poderiam fazer ver ao povo o seu pecado. Mas, ainda assim, depois
da dureza de todas as críticas e do anúncio da desgraça, o castigo não é a última palavra deste
profeta. Mesmo que o povo não esteja totalmente arrependido, Deus acolhe-o e ensina-o como
esposo e como pai, e o seu amor gratuito acaba por triunfar.

Joel

De Joel, filho de Petuel, nada se sabe para além do que pode deduzir-se da sua obra. O profeta
exerceu o seu ministério em Jerusalém e foi um homem profundamente conhecedor do mundo rural,
embora se suponha que não fosse de origem camponesa. De facto, a sua qualidade poética, o
conhecimento profundo dos profetas anteriores e a maneira como trata a própria língua, situam-no
num ambiente cultural muito mais elaborado.

DATA E CONTEÚDO
São vários os problemas que este livro nos coloca, desde a interpretação até à sua unidade, data e
estrutura.
Modernamente os especialistas entendem que, a partir das referências do livro à situação interna de
Jerusalém e à situação internacional, e tendo em conta o estilo literário do profeta e a própria língua,
é possível estabelecer uma data. As investigações modernas apontam para uma data imediatamente
a seguir ao exílio da Babilónia (séc. V-IV a.C.), altura em que não havia rei e a Judeia era uma
província do Império Persa.
Coerente, no seu conjunto, apesar de algumas pequenas interpolações (como, por exemplo, 4,4-8), o
livro parece dividir-se em duas grandes partes:
I. 1,2-2,27: um desastre agrícola, constituído por uma praga de gafanhotos (1,2-12) e uma
grande seca (1,13-20), fazem o profeta pensar em calamidades maiores. Em 2,1-11, a sua
imaginação transforma os gafanhotos num exército que vem destruir a cidade. Esta catástrofe
nacional é um convite à conversão (2,12-17), que proporciona a resposta de Deus (2,18-27).
II. 3,1-4,21: os acontecimentos anteriormente descritos são elevados à categoria religiosa de
«Dia do Senhor». Joel, para além da efusão do espírito, joga com três temas: os sinais no céu
e na terra (3,3-4; 4,15-16); a salvação de Judá (3,5; 4,16b), manifestada no plano político
(4,17) e económico (4,18), e a condenação das nações estrangeiras (4,1-14).
TEOLOGIA
Joel apresenta-se como um profeta da esperança. Passaram os tempos difíceis do exílio na
Babilónia. As grandes catástrofes que atingiram o povo já pertencem ao passado. O profeta espera a
mudança definitiva anunciada por Jeremias e Ezequiel. Mas, passaram tantos anos e ainda não
aconteceu a efusão do espírito de Deus anunciada por eles. O tempo da liberdade ainda não chegou.
Os inimigos do povo não foram ainda castigados! Que dizer das promessas e da palavra do Senhor?
Precisamente a partir de uma calamidade histórica e prevendo desastre ainda maior, Joel reabre os
seus ouvintes à esperança. As promessas não caíram no vazio; ele crê no seu cumprimento, e
anuncia-o. Para isso, convida o povo a preparar-se pela penitência e pela oração. O Senhor
derramará o seu espírito sobre toda a humanidade. As esperanças alimentadas durante os séculos
anteriores, desde Moisés até aos profetas que se lhe seguiram, vão cumprir-se, muito para além do
que se poderia imaginar, no dia do Pentecostes (Act 2).

Amós

Amós era natural de Técua, uma localidade do reino de Judá, a 8 km a sudeste de Belém. Em 1,1
diz-se que era pastor, e em 7,14 reafirma-se a sua profissão, acrescentando que também cultivava
sicómoros. Aparentemente, o seu trabalho de pastor faz dele uma pessoa pobre e sem cultura. Mas,
lendo o seu livro, damo-nos conta de que conhece bem a geografia e certos acontecimentos dos
países vizinhos, a História sagrada do seu povo e toda a problemática social, política e religiosa de
Israel.
Do ponto de vista económico, não deveria ser um simples assalariado; é muito provável que
guardasse os rebanhos e cultivasse os terrenos que eram propriedade sua.
Não tinha qualquer relação com a profecia e com os grupos proféticos. O livro não narra
directamente a sua vocação, mas faz-lhe referência em 7,14-15. Ali se pode ver que o Senhor o
enviou a profetizar ao povo de Israel, isto é, ao Reino do Norte. Não sabemos quando isso
aconteceu, mas foi em tempos do rei Jeroboão, provavelmente entre os anos 760-750 a.C..
Deve ter pregado em várias localidades do reino do Norte, até chocar com a oposição dos seus
dirigentes em Betel (7,10-13). Isto, muito provavelmene, dificultou-lhe o exercício da acção
profética.

ÉPOCA
Depois da divisão dos dois reinos, a seguir à morte de Salomão, o reino do Norte viveu períodos de
grande instabilidade. Estava sujeito aos constantes ataques dos reinos arameus do Norte, a lutas
internas e consequente perda de territórios e influência.
A situação alterou-se no início do séc. VIII: a Assíria começou a expandir-se, atacou Damasco, o
que permitiu a Israel recuperar alguns territórios e reorganizar-se internamente.
Governa então em Israel Joás e, logo a seguir, Jeroboão II. Durante este reinado houve um certo
progresso social e económico: a população aumentou, os palácios eram luxuosos, cresceram os
recursos agrícolas e desenvolveu- -se a indústria. O livro de Amós dá-nos conta deste progresso.
A melhoria da situação económica vai ter, no entanto, o seu reverso da medalha: o pequeno
proprietário vê-se sufocado pelos interesses dos mais poderosos, acentua-se a divisão entre ricos e
pobres, a ambição dos ricos não conhece fronteiras, geram-se injustiças sociais gritantes e os pobres
acabam por ficar à mercê dos que detêm o poder. Empréstimos com juros, hipotecas, serviço como
escravo, falsificação dos pesos e das medidas no comércio, corrupção nos tribunais, luxo desmedido
dos ricos... Todas estas situações são denunciadas por Amós.
Com a decomposição social, vem também a corrupção religiosa: santuários pagãos, falsidade do
culto (tanto se adorava o Senhor como outras divindades; praticava-se o culto para encobrir as
injustiças sociais), falsa segurança e complexo de superioridade por pertencer ao povo escolhido.
É nesta situação de prosperidade económica e política, de injustiças e desigualdades sociais, de
paganismo e corrupção religiosa que actua o profeta Amós.

DIVISÃO E CONTEÚDO
Depois do título (1,1) e de um breve prólogo (1,2), o livro de Amós divide-se em quatro partes:
I. Oráculos contra sete nações vizinhas de Israel e contra Judá e Israel (1,3-2,16).
II. Oráculos contra Israel (3,1-6,14). Nesta parte encontram-se as principais críticas de
Amós contra a corrupção social e religiosa e o anúncio do castigo (3,13-15; 5,1-3.16-20; 6,8-
14).
III. Castigos divinos (7,1-9,10). São cinco visões, das quais as primeiras quatro começam
com a mesma fórmula e a quinta é diferente. No meio das visões encontra-se a narração da
expulsão de Amós do santuário de Betel (7,10-17) e outros oráculos (8,1-14; 9,7-10).
IV. Esperança messiânica como oráculo de salvação (9,11-15).

O livro é quase todo em poesia, exceptuando o primeiro versículo do cap. 1, todo o cap. 7 e os três
primeiros versículos do cap. 8. É preciso lê-lo como um poema e ter alma de poeta para o
interpretar. Esta receita aplica-se, aliás, a quase todos os textos proféticos e a muitos outros textos
bíblicos.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ


O tema dominante do livro de Amós é o castigo. Nas duas primeiras visões pode ver-se que o
profeta ainda intercede e pede perdão pelo povo; nas outras três verifica-se que já não há remédio e
que a catástrofe é iminente.
Segundo Amós, o luxo e a ostentação da riqueza, a exploração dos pobres e dos oprimidos, a fraude
e todo o tipo de injustiças sociais, o culto sem o necessário compromisso ético, o sincretismo
religioso e as falsas seguranças apoiadas na eleição de Israel são contrárias ao plano de Deus na
História. E, como Deus não tolera todos os abusos, a única forma de fazer o povo sentir estes males
é o castigo por meio da invasão militar.
Dizer isto em tempos de Jeroboão II, numa época de prosperidade económica, pareceria obra de um
louco. O certo é que, algumas décadas mais tarde (em 722), as tropas assírias conquistam a Samaria
e o Reino de Israel desaparece do mapa.
Amós não se limita a anunciar o castigo; explica porque é que ele vai acontecer, e aponta a única
saída possível: «Buscai o Senhor e vivereis.» (5,6); «Buscai o bem e não o mal.» (5,14) Lutar por
uma sociedade mais justa é, para este profeta, o meio de escapar do castigo.
É notável a sua descrição do «Dia do Senhor», apresentado como um dia de trevas e de calamidade,
mesmo para o povo eleito (8,8-14). Os evangelistas e, com eles, a Igreja Apostólica interpretam o
martírio de Cristo, o Eleito de Deus, à luz destes textos de Amós (Mt 27,45-46; Mc 15,33-41; Lc
23,44-49; Jo 19,36-37).

Abdias

Do autor do livro nada se sabe, a não ser o seu nome: Abdias, que significa “Servo do Senhor”. É
um dos chamados “Profetas Menores”. O menor de todos, se atendermos à extensão do seu livro, se
é que se lhe pode chamar livro, pois tem apenas 21 versículos. Mas a extensão nada conta, quando
há algo a dizer em nome de Deus.

DATA E CONTEÚDO
Não é fácil determinar a data da sua composição. Parece, no entanto, que deve ter sido escrito a
seguir a 586 a.C., data da destruição de Jerusalém. Esta referência histórica bastará para uma justa
leitura do livro, admitindo embora alguns acrescentos posteriores.
No que respeita ao seu conteúdo, temos:
v.1: o título.
v.2-14: exortação à luta contra Edom, contra quem é pronunciada uma profecia (v.2-9), por se
ter regozijado com a destruição de Jerusalém e ter contribuído para agravar os seus
sofrimentos (v.10-14).
v.15-21: fala-se do «Dia do Senhor», que trará consigo a ruína de todos os povos e o começo
de melhores dias para Israel.

Jonas

Sabemos, por 2 Rs 14,25, da existência de um profeta chamado Jonas, «filho de Amitai», que terá
exercido a sua missão no tempo de Jeroboão II (séc. VIII a.C.). O nome e a filiação coincidem, de
facto, com o protagonista deste livro. Mas não foi esse profeta quem escreveu, como poderemos
verificar pela data em que ele deve ter sido escrito. Entretanto, a sua leitura mostra-nos que o autor,
além de ser hábil artista, possuía uma larga formação bíblica. São claras, na sua obra, influências de
alguns Salmos, de Jeremias, Ezequiel, Joel e outros.

LIVRO E DATA
Jonas é um caso único na literatura profética: nunca utiliza o substantivo “nabi” (profeta), nem o
verbo “profetizar”, nem a fórmula do mensageiro; e toda a pregação do profeta se resume em 3,4:
«Dentro de quarenta dias Nínive será destruída.»
Este livro faz parte do género literário chamado midráshico, que permitia tomar um dado bíblico
como tema de desenvolvimento redaccional com uma intenção didáctica, sem pretender narrar
acontecimentos históricos. A base histórica é muito reduzida: apenas o nome do profeta do tempo de
Jeroboão II, como já dissemos, e que, na altura, apoiou as ideias nacionalistas do rei, atitude à qual
se opõe o livro. O segundo elemento de aparência histórica é a cidade de Nínive. Mas não há
qualquer testemunho que fale ou suponha uma tal missão profética e a correspondente conversão
sensacional.
A data da composição não pode ser deduzida senão a partir das suas características literárias e da
sua teologia. O estilo, o vocabulário e certos aramaísmos (1,5.6.7; 3,7; 4,11) apontam para um
período posterior ao regresso do Exílio (séc. V), como pensa a maioria dos críticos.

DIVISÃO E CONTEÚDO
Este livro divide-se em duas partes:
I. Jonas opõe-se à vontade de Deus e foge para Társis. É engolido pelo peixe e vomitado na
praia (1,1-2,11).
II. Jonas prega em Nínive, que se converte (3,1-4,11).

TEOLOGIA
O autor reage contra o particularismo sócio-religioso muito aceite na época de Neemias e Esdras,
mostrando os desígnios de salvação que Deus tem para com os pagãos, mesmo que sejam inimigos
de Israel, ao enviar-lhes um pregador. Rompendo assim com esse particularismo, no livro toda a
gente é simpática: os marinheiros pagãos no momento do naufrágio, o rei, os habitantes e até os
animais de Nínive; todos, excepto o único israelita que aparece em cena – o profeta.
Deus, por seu lado, compadece-se do seu profeta e de todos, porque a sua misericórdia é universal.
Para conseguir tais intentos, o narrador serve-se de um profeta de que se conhecia pouco mais que o
nome, fazendo uma composição cheia de hipérboles e de humor, fácil de fixar. De facto, a aventura
de Jonas no ventre do «grande peixe» (2,1) ficou na imaginação popular e tocou a fantasia dos
artistas de diversas épocas. Não esqueçamos, porém, que a mensagem fundamental deste livro é a
do amor universal de Deus.

Miqueias

Miqueias era natural de Moréchet (1,1), provavelmente Moréchet-Gat, uma aldeia de Judá, 35 km a
sudoeste de Jerusalém, numa região próxima da Filisteia. Era uma terra de camponeses, mas não
isolada, uma vez que à sua volta se encontravam fortalezas importantes de Judá (Azeca, Marecha e
Láquis). As incursões assírias e todos os problemas relacionados com militares e funcionários reais
que acudiam àquela zona geravam instabilidade e abusos, de que as principais vítimas eram os
pequenos proprietários de terras.
Nada sabemos do estatuto social de Miqueias. Era certamente alguém ligado à terra, e as suas
críticas contra os nobres da época fazem supor que se tratava de um camponês pobre, de um
trabalhador da terra ou de um pequeno proprietário. O seu nome significa: “Quem é como o
Senhor?”

ÉPOCA
O título do livro situa a actividade do profeta nos reinados de Jotam, de Acaz e de Ezequias; quer
dizer, entre 740 e 698 a.C., aproximadamente. As suas intervenções contra a injustiça social e a
exploração a que são votados os camponeses enquadram-se perfeitamente nesta época. No entanto,
é difícil precisar a sua acção nos tempos de Jotam e de Acaz. Certo é que 1,2-7 supõe a existência
da Samaria e, portanto, o profeta actuou antes da sua queda em 722 a.C.. A tradição contida em Jr
26,18 afirma que Miqueias desenvolveu o seu ministério em tempos de Ezequias; por conseguinte,
podemos situá-lo algum tempo antes da queda da Samaria (722-701 a.C.).
Miqueias actuou no reino do Sul na mesma altura de Isaías. Experimentou pessoalmente as várias
incursões assírias deste período e os problemas de ordem militar, política e social. Dá-nos uma
visão pessimista da sociedade: as maquinações dos latifundiários (2,1-5), a situação das viúvas e
dos órfãos desamparados e sem património (2,8-10), a ambição desmedida dos dirigentes e
consequente exploração do pobre (3,1-4), os juízes corruptos (3,9-11) e os profetas subornados
(3,5.11), a desconfiança geral, mesmo no interior da própria família (7,5-6).

DIVISÃO E CONTEÚDO
O livro apresenta-se dividido em quatro partes, onde alternam ameaças e promessas. Esta
organização do texto pode ser atribuída a redactores posteriores e a autenticidade de algumas
secções é discutível. Muitos pensam que houve releituras dos oráculos de Miqueias no tempo do
Exílio. Mas, tal como o texto se apresenta, desenvolve-se do seguinte modo:
I. Ameaças (1,2-3,12). Começa com um discurso motivado pelos pecados de Jacob e de Judá
(1,2-7), que provocam a ruína da Samaria e de Judá; denunciam-se os ricos, os grandes
proprietários e os opressores dos pobres, os falsos profetas, os chefes e os sacerdotes (cap. 2-
3).
II. Promessas (4,1-5,14). Estes capítulos centram-se no tema da salvação.
III. Ameaças (6,1-7,7). O cap. 6 abre com um processo entre Deus e o seu povo, a que se
seguem duros ataques contra a injustiça e a falsidade.
IV. Promessas (7,8-20). O livro termina com o reconhecimento das culpas por parte do povo
(7,8-10), um oráculo de salvação (v.11-13), uma súplica (v.14-17) e a certeza do perdão (v.18-
20).

TEOLOGIA
Miqueias usa uma linguagem viva e dinâmica, tornando-se um dos grandes defensores da justiça.
Preocupa-o a situação daqueles que, espoliados dos seus bens, se convertem em presa fácil na mão
dos poderosos. Estes são os grandes proprietários de terras, as autoridades civis e militares, os
sacerdotes e os falsos profetas; são os que se baseiam no automatismo das promessas divinas, os
que pensam estar seguros, invocando as grandes tradições de Israel. Do outro lado temos o povo,
vítima dos desmandos dos poderosos: os que não têm terras nem casas, os órfãos e todos os
oprimidos.
Deus não pode ficar impassível. Por isso, Miqueias anuncia o castigo a Jerusalém e à Samaria,
principais focos das injustiças e arbitrariedades e da duplicidade de interpretações das tradições
antigas.
Mas o profeta reconhece também a validade das promessas; por isso proclama a esperança num
futuro de justiça para o resto de Jacob, pelo caminho da humildade e da conversão. Não se limita,
pois, a denunciar e a anunciar o castigo, mas também promete a conversão e a salvação.

Naum

De Naum sabemos apenas que nasceu em Elcós (1,1), um lugar que não aparece citado em qualquer
outro texto do AT. Alguns situam a localidade na Galileia; outros, em Judá. Partindo de 2,1, parece
que a sua pregação se exerceu em Judá e, mais provavelmente, em Jerusalém. Logo, Elcós deveria
situar-se em território de Judá.

ÉPOCA
O livro de Naum centra-se num facto histórico bem preciso: a queda de Nínive, capital do império
assírio, em 612 a.C.. A questão é saber se Naum escreveu antes deste acontecimento ou se celebrou
o acontecimento, em forma de liturgia, depois de ele ter ocorrido.
Tudo parece indicar que o livro de Naum tenha sido escrito antes da destruição de Nínive. No texto
faz-se referência ao que aconteceu a Tebas (Nó-Amon), no Egipto, apontando-o como exemplo do
que sucederá a Nínive (3,8). Ora Tebas foi destruída em 668 ou 663 a.C. (provavelmente, até terá
sido destruída duas vezes) e reconstruída por volta de 654 a.C.. No contexto da mensagem de Naum
não faria muito sentido falar da destruição de Tebas depois de ela já estar reconstruída.
Além disso, o texto também faz referência ao jugo assírio que pesa sobre Judá; e a opressão assíria
fez-se sentir em meados do séc. VII a.C., durante o reinado de Manassés (698-643). Sendo assim, o
livro terá sido escrito no período entre a destruição de Tebas e a sua reconstrução (668 e 654 a.C.).

DIVISÃO E CONTEÚDO
O título do livro orienta o leitor para Nínive (1,1). Segue-se um salmo (1,2-8) que canta o poder de
Deus na Natureza e na História, protegendo os que confiam nele e castigando os inimigos.
I. Em 1,9-2,3 há pequenos oráculos dirigidos alternadamente a Judá (1,9-10.12-13; 2,1.3) e
a Nínive (1,11.14; 2,2): para Judá fala-se de consolação e alegria; a Nínive e ao seu rei
anuncia-se o castigo.
II. 2,4-3,19 é dedicado à destruição de Nínive. Em 3,8-11 o profeta inclui o exemplo de
Tebas, como dissemos, para mostrar que todas as defesas da cidade de Nínive são inúteis. O
livro termina num cântico fúnebre, apresentando o desastre como consumado (3,18-19).

TEOLOGIA
Como profeta, Naum resulta estranho: não tem em conta os pecados do seu povo, é nacionalista e
deleita-se, com uma alegria quase cruel, a anunciar a destruição da cidade de Nínive. Neste ponto, a
sua mensagem é o contrário da de Jonas.
Mas seria injusto considerar Naum um vingativo. O problema que ele aborda é o da justiça de Deus
na História, uma questão que preocupava os judeus e os homens de todos os tempos: que acontece
quando o opressor não se converte? Poderá Deus tolerar o poder de um império que mata sem
compaixão, que semeia violências e sangue por todo o lado? Naum dá a resposta: Não! A fidelidade
de Deus e a sua justiça não o podem permitir. Por isso, Nínive deve ser destruída, tem que se travar
a difusão dos seus erros e pôr fim à arrogância que se repete na História.

Habacuc

Nada sabemos da pessoa deste profeta: nem o seu lugar de nascimento, nem a sua família, nem
sequer o período em que viveu. Esta falta de dados não impede ver no livro de Habacuc alguém
profundamente enraizado na História do seu tempo e em toda a problemática da acção de Deus na
História.

ÉPOCA
A menção dos caldeus, «aquele povo feroz e impetuoso / que se espalha pela superfície da terra /
para se apoderar de habitações que não são suas» (1,6), leva a colocar a profecia de Habacuc na
época em que os Babilónios começaram a dominar todas as regiões do Próximo Oriente Antigo
(final do séc. VII a.C.) e impuseram o seu jugo sobre Judá. Assim, Habacuc situar-se-ia nos tempos
do rei Joaquim (609-597 a.C.) ou no período a seguir a 597, data da primeira deportação para a
Babilónia.
Muitos elementos cultuais presentes no livro (o mais claro de todos é o cap. 3) fazem com que
alguns comentadores o relacionem com as liturgias penitenciais de tempos posteriores. Mas é
preciso discernir sempre se os oráculos proféticos foram retocados para uso litúrgico, ou se os
elementos da liturgia é que foram reelaborados em forma profética. Como essa distinção não é fácil,
mantemos no início do domínio babilónico a composição provável do livro.

DIVISÃO E CONTEÚDO
O livro apresenta-se estruturado em três partes:
I. Diálogo entre o profeta e Deus (1,2-2,4), formado por duas queixas do profeta (1,2-4 e
1,12-17) e duas respostas de Deus (1,5-11 e 2,1-4). A primeira queixa coloca o problema da
justiça: porque triunfam os ímpios? A primeira resposta divina não satisfaz o profeta, pois os
babilónios acabam por se exceder e são mais cruéis do que os outros. Por isso, o profeta
queixa-se de novo (1,12-17), não compreendendo como Deus olha em silêncio para os
traidores. A segunda resposta aponta para o cumprimento da palavra divina: o profeta recebe a
palavra e aguarda o seu cumprimento.
II. Maldições contra o opressor (2,5-20): inclui cinco imprecações, condenando todos os
crimes cometidos pela tirania dos poderosos.
III. Um salmo (3,1-19) que celebra o triunfo definitivo de Deus na Natureza e na História.

TEOLOGIA
O grande tema do livro de Habacuc é o da justiça divina. Deus é o Senhor da História, e esta
soberania de Deus só se compreende na fé (2,4). A sucessão de crimes e violências que caracterizam
os impérios leva o profeta a interrogar-se diante de Deus, esperando o castigo dos opressores.
Mas o castigo violento gera violência e o problema fica sem solução. O profeta supera esta questão,
convencido de que Deus é a única fonte de fortaleza e todo o império opressor acabará por ser
castigado, mesmo que não se compreendam as circunstâncias históricas.

Sofonias

A genealogia de 1,1 é extraordinariamente completa, comparada com a dos outros profetas: por ela
remonta-se até Ezequias, que poderia ser o rei de Judá que governou de 727 a 698 a.C.. Se assim
fosse, Sofonias seria de ascendência real. Mas esta identificação não é segura. As referências a
Jerusalém e o conhecimento que revela das diversas partes da cidade (1,10-11) parecem confirmar
que o profeta era de Judá e actuou em Jerusalém durante o reinado de Josias (640-609 a.C.).

ÉPOCA E AUTOR
No reinado de Josias, Judá estava sujeito à Assíria havia quase um século, quando Acaz pediu ajuda
a Tiglat-Piléser III contra Damasco e a Samaria, em 734 a.C.. Durante o longo reinado de Manassés
(698-643), o jugo assírio pesou sobre Judá e as influências estrangeiras penetraram em todo o lado,
tanto nos costumes como nas práticas religiosas. Em 2 Rs 21,3-9 é narrada a introdução de cultos
estrangeiros: reconstrução dos lugares altos, altares a Baal, prática de adivinhação e magia e outros
cultos idolátricos.
Quando o rei Josias subiu ao trono, Judá necessitava de uma série de reformas, tanto no plano social
e político como no plano religioso. Sofonias deve ter dado um impulso a estas reformas, pois
denuncia a introdução de costumes estrangeiros (1,8), o sincretismo religioso (1,4-5), a violência
dos poderosos (1,8.11; 3,3), os príncipes, os juízes, os profetas e os sacerdotes (3,3-4).
A reforma que Josias empreendeu, ao descobrir o Livro da Lei (622 a.C.), teve principalmente em
vista o plano religioso e, nessa altura, consultou um profeta a propósito do conteúdo do Livro (2 Rs
22). Esse profeta não foi Sofonias, que provavelmente já teria morrido. Tudo isto faz supor que a
sua actividade se tenha desenvolvido entre 640 e 630, alertando para a necessidade das reformas.

DIVISÃO E CONTEÚDO
O livro de Sofonias pode dividir-se em três secções:
I. O «Dia do Senhor» em Judá (1,2-2,3), um dia de juízo universal, tenebroso e terrível, que
afecta principalmente Judá.
II. Oráculos contra as nações (2,4-3,8), vizinhas de Judá, e um último (3,1-8) dirigido contra
Jerusalém.
III. Promessa de restauração (3,9-20). É uma mensagem de alegria pela presença do Senhor
em Jerusalém e pelo «resto de um povo pobre e humilde» (3,12), salvo por Ele.

TEOLOGIA
Como os grandes profetas do séc. VIII, Sofonias denuncia as injustiças, a idolatria e todo o
sincretismo religioso, os abusos das autoridades. Face a esta situação, anuncia o juízo de Deus para
castigar os culpados. Mas a sua palavra não se detém no castigo: o juízo de Deus, uma vez aplicado,
abre o caminho da salvação para todos os povos, principalmente para Judá e Jerusalém. É aqui que
subsistirá um «resto» _tema iniciado por Amós e identificado em Sofonias com os que procuram o
Senhor na humildade e na pobreza (os pobres de Javé: anawim).

Ageu

Pouco se sabe do autor ou do profeta que dá nome a este livro. Dele se fala em Esd 5,1; 6,14. O
nome de Haggai, que significa “minha festa”, será possivelmente um apelido para caracterizar a sua
dedicação ao culto e ao templo. O seu ministério foi de curta duração (de Junho a Dezembro de 520
a.C.). Pertence, portanto, ao último período do profetismo, o do pós-exílio, durante o reinado de
Dario (tal como Zacarias).

DIVISÃO E CONTEÚDO
O livro do profeta Ageu não tem título e consta apenas de dois capítulos. Fala do profeta na terceira
pessoa, o que supõe um grande trabalho redaccional. O texto actual deve ser obra de um discípulo
do profeta, que resume a pregação do seu mestre.
Tematicamente, poderá ser dividido em quatro oráculos, datados pelo próprio autor (“No ano...”,
“No dia...”):
1.° oráculo: 1,1-15;
2.° oráculo: 2,1-9;
3.° oráculo: 2,10-19;
4.° oráculo: 2,20-23.

Todos se referem ao templo e a Zorobabel, o chefe da comunidade, que tinha vindo da Babilónia
com os desterrados.

TEOLOGIA
As más condições económicas, a divisão entre os residentes e os repatriados e a situação geral de
pobreza tinham conduzido o povo a uma situação de desânimo. O profeta atribui esta situação à
falta de piedade que se manifesta no pouco interesse pela reconstrução do templo de Jerusalém.
Os trabalhos de construção, pelo contrário, significariam o renascer da verdadeira piedade e
despertariam a benevolência do Senhor com a consequente melhoria de situação.
Ao lado desta finalidade imediata e material, aparece uma outra, não menos material mas de
horizontes mais amplos: reconstruir o templo significa renovar a esperança nas grandes promessas
escatológicas, no futuro maravilhoso que o Senhor tem preparado para o seu povo.
Este futuro também tem a ver com as outras nações: convencidas ou derrotadas, hão-de afluir a
Jerusalém com as suas riquezas (2,7.22); Israel conseguirá vencer, conduzido pelo seu Messias
davídico (2,20-23), recebendo como dom a paz (2,9); o grande dia virá acompanhado de grandes
convulsões cósmicas. Zorobabel e a sua obra são a antecipação desta promessa.

Zacarias

As diferenças de estilo e conteúdo entre os conjuntos 1-8 e 9-14 deste livro são tais que, hoje, é
consensual que se trata de dois livros de época e autor diversos. Também é verdade que a sua junção
não foi obra do acaso, uma vez que os contactos entre os dois conjuntos são suficientemente fortes
para o justificarem. Analisamos cada um deles separadamente.

PRIMEIRA PARTE (1,1-8,23)

AUTOR E LIVRO
No AT há mais de trinta pessoas com o nome de Zacarias. Do profeta diz-se que era «filho de
Baraquias, filho de Ido» (1,1.7; 7,1.8) ou «filho de Ido» (Esd 5,1; 6,14). Sem entrarmos na
discussão que o caso suscita, vamos considerá-lo como da descendência de Ido, um dos sacerdotes
regressados do Exílio referidos por Ne 12,4 (ver Is 8,2).
Situando-se na linha dos profetas clássicos, aparecendo mesmo na continuidade literária de alguns
deles (2.° Is e Ez), o texto de Zacarias pode colocar-se perfeitamente entre o género profético e o
apocalíptico.

DATA E CONTEÚDO
A actividade do profeta Zacarias (cap 1-8), a partir da cronologia que o livro nos apresenta, estende-
se do oitavo mês do segundo ano de Dario (520 a.C. – dois meses depois da primeira profecia de
Ageu) até ao nono mês do quarto ano (518), isto é, por dois anos. Se não temos nenhuma
confirmação desta cronologia, também é verdade que não há nada que a desminta. Antes, ela
concorda perfeitamente com o que se sabe de Zacarias: um dos grandes impulsionadores da
reconstrução do templo, juntamente com Ageu.
Podemos dividir esta primeira parte em duas grandes secções, antecedidas de uma breve introdução:
Introdução (1,1-6): um apelo à conversão.
Primeira secção (1,7-6,15): é a secção principal do livro. Apresenta-nos oito visões com
breves oráculos disseminados pelo meio daquelas.
Segunda secção (7,1-8,23): é um conjunto de oráculos, que surgem numa aparente desordem.

TEOLOGIA
Esta primeira parte do livro é certamente autêntica e está centrada em perspectivas messiânicas. A
reconstrução do templo – como em Ageu – é uma das grandes preocupações do profeta, com a
restauração nacional e as suas exigências de pureza e moralidade. O governo da comunidade é
confiado ao Sumo Sacerdote Josué, ou Jesua, e ao governador Zorobabel (6,11-12; Esd 3,1-7).
O Messias – designado pela palavra «Gérmen» (3,8) – exerce o poder régio; entretanto, isso mesmo
é dito acerca de Zorobabel em 6,12. É este, pois, que traz em si as esperanças dos repatriados. Os
dois ungidos, Josué e Zorobabel (4,14), governarão em perfeito acordo (6,13). Temos, assim, a ideia
antiga do messianismo real associada às preocupações sacerdotais de Ezequiel.
A influência deste profeta manifesta-se no papel relevante que têm as visões na tendência
apocalíptica, na insistência na pureza e na conversão futura dos pagãos. Mas Jerusalém continuará a
ser a parte escolhida por Deus, porque Ele voltará ao templo que vai ser reconstruído (2,15-17).
Deus purificará a Terra Santa de todo o pecado. Na Babilónia, considerada como o centro do
paganismo, será construído o templo do pecado (5,5-11).

SEGUNDA PARTE (9,1-14,21)

AUTOR E DATA
Para uma grande parte dos especialistas, estamos diante de uma antologia de textos de origem
diversa que foram recolhidos e “colados” a Zacarias.
Assim sendo, não parece ser possível falar de uma unidade de autor, nem de uma data precisa.
Alguns situam esta segunda parte no tempo de Alexandre Magno (332-300 a.C.).

DIVISÃO E CONTEÚDO
Esta segunda parte carece de unidade, tanto literária como do ponto de vista do conteúdo. Podemos,
no entanto, subdividi-la também em duas secções:
A primeira secção (9,1-11,17), em que se fala da salvação do povo escolhido, pode dividir-se
em três blocos: 9,1-10,2; 10,3-11,3; 11,4-17 (+13,7-9).
A segunda secção (12,1-14,21), caracterizada pela repetição da fórmula «Naquele dia...» (17
vezes), é de tom claramente escatológico. Trata-se da renovação de Jerusalém (12-13) e do
combate escatológico (14).

TEOLOGIA
O texto do Segundo Zacarias está repleto da esperança messiânica, que se vinha apagando na
comunidade. É, por isso, um dos textos mais usados no NT para descrever a figura do Messias. As
imagens que usa revelam dependência de outros escritos proféticos anteriores (especialmente Isaías
e Ezequiel); mas a novidade da perspectiva em que as usa concede-lhes uma clara singularidade
teológica.
A imagem do salvador guerreiro, que consegue a vitória numa luta encarniçada, não é nova; que a
salvação seja conseguida por um “traspassado” (12,4), por um rei humilde (9,9) ou pelo pastor
rejeitado (11,4-17) não serve somente para dar alento aos desesperados de um tempo, mas aos de
toda a História, e foi vista como profecia do Messias Sofredor.

Malaquias

O livro de Malaquias é o último na lista tradicional dos doze profetas menores; “o selo dos
profetas”, como lhe chama a tradição judaica. É possível que, de início, este livro não referisse o
nome do seu profeta-autor. A referência a um “mensageiro da Aliança”, em 3,1, com a expressão
hebraica “male’aki = meu enviado”, pode ter dado origem a um nome de pessoa correspondente a
essa expressão, conservando o mesmo sentido. Malaquias – que em 1,1 aparece como nome próprio
do profeta enviado por Deus – encontra-se ainda na forma de «meu mensageiro» em 3,1. A Setenta
traduziu também em 1,1 por «meu enviado» e não pelo nome de Malaquias.

LIVRO
Este livro deve ter sido escrito por volta de 450 a.C., ou seja, pouco antes do ano 445, em que
Neemias proibiu os casamentos mistos aos judeus. As suas atitudes enquadram-se no ambiente
posterior ao regresso do Exílio, passados que foram os primeiros entusiasmos de restauração. O par-
ticularismo nota-se na aversão a Esaú por parte de Deus (1,3) e na recusa dos casamentos mistos
(2,11).

DIVISÃO E CONTEÚDO
Depois de uma introdução (1,2-5), em que se fala da eleição de Israel, seguem-se alusões às faltas
cometidas contra a aliança de Levi pelos sacerdotes e pelos fiéis (1,6-2,9), aludindo-se a um culto
universal. Vem, depois, uma série de queixas contra os casamentos mistos e os divórcios (2,10-
16). Em seguida, o profeta anuncia “o Dia do Senhor” (2,17-3,5) com a purificação do sacerdócio.
As dificuldades que os israelitas experimentam acabarão quando estes voltarem a cumprir os seus
deveres cultuais (3,6-15). No “Dia do Senhor” os bons serão recompensados e os maus castigados
(3,16-21). Um apêndice (3,22-24) exorta à observância da Lei de Moisés e refere uma futura vinda
do profeta Elias.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ


Imbuído de espírito deuteronomista, o autor coloca o acento no culto. Insurge-se com violência
contra os sacerdotes, que, pelas suas infidelidades, impedem a chegada da era messiânica. O sacer-
dote é o mensageiro do Deus do universo (2,7).
O universalismo é outra ideia própria de Malaquias. O culto será transformado, na era messiânica
(1,11), na linha da adoração em espírito e verdade (Jo 4,23). A condenação dos divórcios (2,14-16)
prepara igualmente a que será proferida por Cristo (Mt 5,31-32).
A vinda do dia do Senhor é preparada por um mensageiro (3,1; ver Is 40,3), que, na parte final do
livro, é comparado a Elias, precisando-se aí também a importância da sua missão (3,22-24). Mais
tarde, o Evangelho comentará esta passagem (Mt 17,10-13; Lc 1,17) e reconhecerá na figura de
Elias a silhueta de João Baptista, o Precursor do Messias (Mt 11,10; Mc 1,2; Lc 7,27).
Algumas características do seu pensamento justificam a tradição bíblica de situar o livro de
Malaquias na passagem do Antigo para o Novo Testamento.

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