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O REI COMO JUIZ DE POBRES, ÓRFÃOS

E VIÚVAS, EM PROVÉRBIOS DO ANTIGO

ORIENTE MÉDIO E DA BÍBLIA*

Valmor da Silva**

Resumo: apresenta criticamente o rei, no Antigo Oriente Médio e na Bíblia Hebraica, prin-
cipalmente na literatura sapiencial proverbial, na sua função primordial como juiz
que deve defender a causa de pobres, órfãos e viúvas. Apresenta a ideologia real que
moldou as monarquias do Antigo Oriente Médio, principalmente na Mesopotâmia
e no Egito, centradas na necessidade da prática da justiça e do direito, ideologia
esta que moldou muitos textos bíblicos. Analisa em seguida alguns textos do Antigo
Oriente Médio, relativos à função do rei, na prática da justiça, concretamente com
relação a pobres, órfãos e viúvas. Concentra-se, mais demoradamente, na apresen-
tação crítica de provérbios do livro bíblico de Provérbios, relativos à temática em
questão, para concluir que a função dos reis, em Israel devia ser, primordialmente,
de estabelecer a justiça, em favor de pobres, órfãos e viúvas.

Palavras-chave: Rei. Monarquia. Justiça. Pobre. Órfão. Viúva.

O
regime de monarquia foi uma experiência traumática para o antigo Israel. Que o
digam os registros bíblicos de ataques dirigidos aos reis, sobretudo por parte de
profetas. A experiência original de Israel foi o tribalismo, um regime alternativo,

–––––––––––––––––
* Recebido em: 06.06.2015. Aprovado em: 05.07.2015.
* Doutor em Ciências da Religião pela UMESP. Mestre em Exegese Bíblica pelo PIB e em
Teologia Bíblica pela PUG. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ci-
ências da Religião da PUC Goiás. Pesquisador Bolsista de Pós-Doutorado da Capes/Fapeg

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com outros pressupostos sociais, políticos, econômicos e religiosos. A monarquia,
de fato, esteve em constante conflito com o sistema familiar tribal, e nunca con-
seguiu suplantar a resistência de um modo de governo popular, fraterno, de par-
tilha de vida e de poder. Dentre as inúmeras críticas à monarquia, talvez a mais
contundente seja a que acusa os reis de não praticarem a justiça para com as clas-
ses menos favorecidas, nomeadamente pobres, órfãos e viúvas. O presente estu-
do mostra a crítica a essa injustiça, do ponto de vista sapiencial particularmente
no livro bíblico de Provérbios e nos textos paralelos da literatura proverbial do
Antigo Oriente Médio.
Mas, como surgiu a monarquia em Israel? A teoria mais tradicional segue o pressupos-
to da Teologia Deuteronomista, segundo a qual, a monarquia não é construção
original de Israel, mas imitação dos grandes reinos vizinhos, para ser “como as
outras nações” (1 Sm 8,20). Milton Schwantes aprofunda a discussão e apresenta
exemplos de antigas monarquias em Israel, em formas de cidades-estados, para
propor que, “o estado territorial, seja de Saul ou seja de Davi/Salomão, emergiu
desde dentro das condições do próprio tribalismo igualitário, em sua fase tardia,
na passagem do 11º ao 10º século” (SCHWANTES, 2006, p. 83).

A MONARQUIA E A PRÁTICA DA JUSTIÇA NO ANTIGO ORIENTE


MÉDIO

Seja pelo caminho da imitação, seja por iniciativa original, Israel aderiu à ideologia
real e se apropriou da teologia real. “Esta teologia real tão complexa parece
que pode ser resumida, no entanto, em duas palavras que se encontram em
numerosos textos e que parecem recolher todas as virtudes e capacidades que
se esperavam do soberano; são, em babilônico, as palavras kittu e mesharu”
(COLLIN, 1994, p. 14).
Na palavra mesharu se identifica a raiz do hebraico yashar (estar direito), nor-
malmente traduzida por “direito”, porém, aplicada ao rei, “significa pôr todas
as coisas em ordem para que cada um dos súditos possa prosperar no país”
(COLLIN, 1994, p. 14).
Kittu, originalmente é firmeza, solidez e duração, e costuma ser traduzida por “fidelida-
de”, porém, aplicada ao rei, significa que ele deve oferecer solidez e segurança
aos súditos (COLLIN, 1994, p. 14).
“Estas duas palavras passaram aos semitas do oeste – quer dizer, à região siro-palestina
–, já desde o reinado do babilônio Hammurabi. Porém nestas regiões o binô-
mio se transformou: mesharu se converteu em m(y)shr, e kittu foi substituído
por sedeq/sedaqah (o nome hebraico da “justiça”)” (COLLIN, 1994, p. 14).
As duas palavras, mishpat e sedaqah fundamentam a ideologia real no Antigo Oriente
Médio e, consequentemente, a teologia real de Israel. Quer dizer que os dois

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termos, traduzidos normalmente por direito e justiça, designam virtudes dos
reis, nessas antigas culturas médio-orientais.
Os conceitos direito e justiça, entretanto, diferem bastante do conceito aristotélico e,
em parte, do atual, que se resume em dar a cada qual o que lhe é devido. Jus-
tiça, no Antigo Oriente Médio, como, ademais, na Bíblia, significa aplainar
os fossos de desigualdades entre pessoas e categorias sociais. Para além da
proteção de pobres, órfãos, viúvas e estrangeiros, há vários casos em que o
rei se propõe a “estabelecer justiça”, o que implica em “estabelecer perdão/re-
missão/anistia”, como forma de perdão das dívidas, cunhado com a expressão
literal “quebrar a tabuinha” (CROATTO, 1990, p. 35-9).
Na Mesopotâmia, grandes impérios e culturas se sucederam, entretanto, a documen-
tação relativa à realeza conserva fontes mais fartas nas três áreas conhecidas
como Suméria, Babilônia e Assíria. Apesar das diferenças históricas e cultu-
rais, “em um único aspecto essas três culturas eram unânimes. Os soberanos
governavam pela autoridade expressa dos deuses e deviam criar uma terra
próspera e bem administrada” (LAMBERT, 2005, p. 58).
A monarquia era considerada, portanto, como presente dos céus, o rei era visto como
encarnação da própria divindade, gerado pelos deuses, portador de essência di-
vina, “espelho de Deus” e, nessa condição, investido de poderes reais. “A ins-
tituição real provinha assim do céu. Ela era um dom da divindade” (SILVA,
1998, p. 15). Na relação com o povo, o rei era considerado “pastor da justiça”,
responsável por implantar o direito e a justiça na terra (SILVA, 1998, p. 27-30).
O Egito, igualmente, concebia o rei como o centro do Estado e do cosmo, e não podia
imaginar uma sociedade sem a centralidade monárquica. Mesmo num sistema
politeísta, em que muitos deuses governavam no universo celeste, na terra o
rei imperava como único e centralizador. O contrário era concebido como caos.
No Egito, como na Mesopotâmia, o rei era considerado filho de Deus. “O rei
existia em relação aos deuses de um sistema politeísta de crença, no qual o
monarca era dependente deles” (BAINES, 2005, p. 20).
Israel, no entanto, quando pede um rei, para ser “como as outras nações” (1 Sm 8,20),
está solicitando, de fato, alguém que exerça o direito e a justiça, como acon-
tecia nos grandes impérios vizinhos. Mas não podia conceber um rei efetiva-
mente como descendente de deus ou encarnação da divindade. Israel propunha
o rei como ser humano, escolhido para aplicar o direito e a justiça, especial-
mente com relação às pessoas mais carentes.

A MONARQUIA E A PRÁTICA DA JUSTIÇA NO ANTIGO ISRAEL

A instituição da monarquia marca um momento crítico na história do antigo Israel,


conforme se lê em 1 Sm 8. Acontece por causa da corrupção dos juízes (v.

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3), propõe o exercício da justiça como nas demais nações (v. 5), expressa a
rejeição ao reinado exclusivo de Deus (v. 7), visa a imitação dos reinos vi-
zinhos (v. 20), pretende ativar as guerras de conquista (v. 20) e é articulada
pelos homens da cidade (v. 22). O próprio livro bíblico de Samuel conserva
a dupla visão sobre a monarquia. A primeira, favorável (1 Sm 9,1-10.16;
11,1-11; 13-14), justifica a instituição da monarquia como iniciativa do
próprio Deus. A segunda, claramente contrária à monarquia (1 Sm 8,1-22;
10,18-25; 12; 15), atribui o pedido de um rei à iniciativa dos chefes do povo
(DE VAUX, 2003, p. 120).
O surgimento da monarquia, em Israel, não acontece sem resistências, e as críticas
aumentam à medida que o rei se esquece das suas cláusulas contratuais com
relação ao povo, principalmente a de julgar e conduzir à guerra (1 Sm 8,20).
Com o passar do tempo, a centralização do poder e o abuso dos privilégios dis-
tanciam a pessoa do rei da realidade do seu próprio povo, sobretudo das classes
camponesas menos favorecidas (DREHER, 1999, p. 58-84).
A monarquia, portanto, surge tardiamente em Israel. O povo vivia, anteriormente, no
sistema tribal, que lhe permitia melhor equilíbrio social e menos concentração
de terras e de rendas. A condução do povo cabia a líderes carismáticos, cha-
mados juízes, reconhecidos pelas tribos e investidos do espírito divino. Nesse
sistema tribal, a aplicação da justiça cabia a quem, de direito, exercia o poder,
anciãos, chefes e sacerdotes. Em particular, cabia aos juízes exercer a justiça.
A passagem do tribalismo para a monarquia teve como principal justificati-
va a constituição de um rei como instância máxima de aplicação da justiça.
“A partir da instalação da monarquia em Israel, o rei se converteu no responsá-
vel principal pela justiça, já que seu elevado cargo fazia dele o garante e pro-
tetor de todas as relações comunitárias de seu povo” (GARCÍA TRAPIELLO,
1981, p. 179).
Contudo, a transição de Saul para Davi e deste para Salomão marca um rápido distan-
ciamento do ideal tribal de distribuição da justiça, para o esquecimento da
aliança expressa na Torah (FLOR, 2000).
Na sequência histórica, desfilam modelos de reis que fracassaram na aplicação
da justiça, principalmente para com os mais fracos, como bem ilustrado no
episódio do rei Acab, que suborna um julgamento para assassinar o camponês
Nabot, e tomar posse de sua vinha, opondo assim “Monarquia e profetismo:
duas instituições em conflito” (VITÓRIO, 2005, p. 84).
Com a evolução da monarquia, e as decepções com os reis, desenvolve-se parale-
lamente a ideologia real que, originalmente, justifica a concentração do
poder do rei, à imitação das cortes vizinhas, sobretudo dos faraós do Egito.
Essa ideologia real evolui e, com o tempo, se impõe nos reinos de Israel e
de Judá, percorre algumas páginas da Bíblia, e se reflete nos Salmos sobre

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o rei. Diante dos fracassos da monarquia histórica, projeta-se um rei ideal,
com traços messiânicos, a fim de estabelecer a justiça e o direito num rei-
no de paz (CROATTO, 2003, p. 62). Esse rei messias é chamado filho de
Deus, para corrigir os juízes da terra (Sl 2,7.10). O rei divinizado governa
com um cetro de retidão e ama a justiça (Sl 45,7.8). A serviço da justiça, o
rei prometido “liberta o indigente que clama e o pobre que não tem prote-
tor; tem compaixão do fraco e do indigente e salva a vida dos indigentes”
(Sl 72,12-13). Ele é convidado a sentar-se à direita de Deus para julgar as
nações (Sl 110,1.6).1
“O mesmo rei é juiz supremo, que encarna a majestade judicial de Deus. Ele é o nor-
te que orienta a esperança de um Estado ideal do povo. E precisamente em
seu enfrentamento com a ideia de Estado representada pelo rei chegaram os
profetas para compreender a justiça social em seu sentido mais amplo” (EI-
CHRODT, 1975, p. 414). Dentre inúmeros textos proféticos que denunciam as
injustiças, por parte dos governantes, pode-se destacar a descrição do messias,
descendente ideal de Davi, que “julgará os fracos com justiça, com equidade
pronunciará sentença em favor dos pobres da terra” (Is 11,4).
Quer-se destacar, portanto, a função do rei como agente da justiça. Significa que a prá-
tica do direito e da justiça é o que dá legitimidade à atuação do rei. Mais espe-
cificamente, é a defesa dos fracos que confere unção divina ao rei, conforme
as palavras dirigidas ao rei de Judá: “Assim disse Yahweh2: Praticai o direito e
a justiça; arrancai o explorado da mão do opressor; não oprimais estrangeiro,
órfão ou viúva, não os violenteis e não derrameis sangue inocente neste lugar”
(Jr 22,3). No ideal messiânico, o rei é projetado como o representante do pró-
prio Deus, o mediador divino para estabelecer a justiça na terra (BRUEGGE-
MANN, 1977, p. 600-21).
A ideologia real, como até aqui apresentada, contrasta com outra certeza bíblica, se-
gundo a qual Deus é o único rei e pastor de Israel. “Yahweh é nossa justiça”
(Jr 23,6), Ele escolhe “o homem segundo o seu coração” (1 Sm 13,14), para
ocupar “o trono da realeza de Yahweh sobre Israel” (1 Cr 28,5). Esse aspecto
é próprio de Israel, onde o rei governa como representante de Deus, mas não
é de fato, filho de Deus nem possui características divinas, como no antigo
Egito e na Mesopotâmia. Esse conceito de Yhwh como único rei de Israel é
antigo e, certamente, anterior à própria monarquia, persistindo como uma ver-
dade inquebrantável ao longo da história bíblica.
Cabe, portanto, destacar que o rei, em Israel, não possui poder absoluto, como nas
nações vizinhas. O rei de Israel não possui poder legislativo, porque a lei
estava dada por Deus. Ao contrário, cabia ao rei submeter-se à lei divina e
aplicá-la ao povo. Enquanto Yhwh é o único reique governa Israel, o rei ter-
restre é apenas um ser humano que o representa. A história destaca a origem

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humana dos reis de Israel, indica os limites da autoridade e tece críticas às
práticas de corrupção.
O critério último, portanto, para avaliar um bom governante, é a sua prática do direito e da
justiça. É nessa prática que o poder deve se firmar, para traduzir-se como serviço
efetivo ao povo, especialmente às classes mais pobres e necessitadas.

O REI COMO JUIZ DE POBRES, ÓRFÃOS E VIÚVAS,


EM PROVÉRBIOS DO ANTIGO ORIENTE MÉDIO

Fensham (1962, p. 129-39) apresenta um apanhado sobre a discussão, até aquela épo-
ca, a respeito da proteção de viúvas, órfãos e pobres, na literatura legal e na
sapiencial do Antigo Oriente Médio. Pela riqueza das informações, o artigo
permanece como referência para os estudos sobre o assunto.
Na sequência, o presente item retoma as ideias centrais dessa discussão. Dada a am-
plitude das áreas de abrangência, o foco se volta, aqui, para a literatura pro-
verbial, com alguns exemplos selecionados. A ideia de justiça como proteção
das categorias mais desprotegidas, comum a Israel e aos povos vizinhos, tinha
motivações religiosas, associadas ao dom dos deuses e à virtude dos governan-
tes. “Esta política era vista como a vontade de Deus, a virtude de reis e o dever
do povo comum” (FENSHAM, 1962, p. 137).
Na Mesopotâmia, para além das leis, como o código de Hammurabi, a literatu-
ra sapiencial ilustra a função do rei como responsável pela defesa dos oprimi-
dos, sob a proteção de Shamash, o deus sol, juiz do céu e da terra (FENSHAM,
1962, p. 130-2).
No prólogo do código de Hammurabi, seguindo o estilo do autoelogio, o rei se apre-
senta como quem vem para “fazer justiça na terra” e para “fazer justiça aos
povos”. No epílogo, ao concluir “as sentenças de justiça”, acrescenta “fraco,
órfão e viúva”. Textualmente:

Hammurabi, o príncipe piedoso, temente a deus, para fazer surgir justiça na ter-
ra, para eliminar o mau e o perverso, para que o forte não oprima o fraco, para,
como o sol, levantar-se sobre os cabeças-pretas (povo sumério) e iluminar o país.
Para que o forte não oprima o fraco, para fazer justiça ao órfão e à viúva.
(BOUZON, 1999, p. 40, 222).

No Egito, igualmente, apesar da escassez das leis, são abundantes as referências na


literatura sapiencial aos reis e monarcas como protetores das pessoas menos
favorecidas. À semelhança da Mesopotâmia, o Egito reporta a justiça às di-
vindades, tais como o rei sol Re ou Amon, protetor, vizir e juiz dos fracos
(FENSHAM, 1962, p. 132-4).

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Na “Instrução do rei Amenemhet I ao seu filho Sesostris I”, após sofrer amea-
ça de traição, o rei argumenta com a seguinte justificativa:

Eu atendi ao pedinte, eu apoiei o órfão,


Eu fiz prosperar o pobre assim como o rico (LICHTHEIM, 1975, p. 136).

No “Conto do Camponês Eloquente”, ao se defender diante do grande intendente Ren-


si, o camponês pronuncia as seguintes palavras:

Pois tu és um pai para o órfão,


Um marido para a viúva,
Um irmão para a mulher rejeitada,
Avental (manto de proteção) para aquele que não tem mãe (LICHTHEIM, 1975,
p. 172).

Vale mencionar um exemplo da conhecida sabedoria de Amenemope, que possui para-


lelos estritos com os Provérbios bíblicos.

Não desloques um marco até o limite dos campos cultivados e não mudes o com-
primento da trena. Não cobices um côvado de terreno nem violes as cercas de
uma viúva. Quem prejudica nas lavouras... é caçado pelo poder da Lua (o deus
Tot) (cap. VI-A; VII,12-19; VIII,6-20) (TEB, nota v, a Pr 22,28).

Em Ugarit, embora não haja código legal nem livro de sabedoria, encontramos um
texto que menciona explicitamente o rei Daniel julgando a causa das viúvas e
órfãos (GINGSBERB, in ANET, p. 151, apud FENSHAM, 1962, p. 134):

Imediatamente Daniel o homem Rafa,


Sem demora Ghazir o homem Harnam[iyy],
Está postado, sentado diante da porta,
Debaixo de uma grande árvore na eira,
Julgando a causa da viúva,
Decidindo o caso do sem pai.

Pela pequena amostra, pode-se concluir quão importante era esse aspecto na reali-
dade do Antigo Oriente Médio, para além da proximidade com a literatura
bíblica. A responsabilidade que pesava sobe o rei, para fazer justiça às pes-
soas mais desprotegidas, era considerada como oriunda da própria vontade
divina, e não deixava de ser reivindicada pelas próprias vítimas em caso de
injustiça.

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O REI COMO JUIZ DE POBRES, ÓRFÃOS E VIÚVAS NO LIVRO
BÍBLICO DE PROVÉRBIOS

É histórica a discussão sobre a origem da Sabedoria no Antigo Oriente Médio e, es-


pecificamente, em Israel. Na mesma corrente especulativa, discute-se sobre a
origem dos provérbios, na tradição sapiencial. Mais recentemente, a pesquisa
tem se debruçado sobre a origem social dos provérbios que se referem ao
rei. Dell (2005, p. 171-94) oferece significativa contribuição, ao avaliar as
diversas teorias do ambiente anglo-saxão, e ao optar por uma origem popular
e diversificada para os provérbios referentes à autoridade máxima de Israel.
De acordo com a primeira teoria, mais tradicional, os provérbios concernentes ao rei
tiveram como origem o ambiente do próprio palácio real, à imitação das cortes
vizinhas a Israel, principalmente do Egito. Contrariamente, a segunda teoria
defende que a origem popular dos provérbios se impõe, como uma metodolo-
gia comum às diversas culturas, antigas e modernas. Após detalhada discussão
sobre ambas as teorias, ilustrada com diversos exemplos de provérbios bíbli-
cos, Catharine Dell conclui: “Em meus comentários, procurei estabelecer a re-
lação dessas máximas com a busca da sabedoria em geral, e vejo-me inclinada
à teoria de que, em termos contextuais, não é preciso pressupor um ambiente
palaciano” (DELL, 2005, p. 193).
Na América Latina, em geral, a tese da origem da sabedoria, a partir dos provérbios
populares, tem sido amplamente aceita e explicitada. Sobre a origem popular
dos Provérbios, têm argumentado, entre outras, as pesquisas de Carlos Mes-
ters (1989, p. 111-26) e Milton Schwantes (2009, p. 13-6). O livro bíblico de
Provérbios é o resultado de ampla e extensa tradição oral, com longa história
redacional. Obedece a uma metodologia que se caracteriza pela criação espon-
tânea, anônima e popular.
Como o presente artigo concentra a atenção sobre os provérbios relativos à função do
rei como responsável pela justiça, sustenta a tese de que tais provérbios são
de origem popular, e constituem, em geral, críticas aos reis, exatamente por
não cumprirem sua principal função, de fazer justiça a pobres, viúvas e órfãos.
Certamente, como afirma Dell (2005, p. 171), o livro de Provérbios, assim como a
literatura sapiencial em geral, não constitui a primeira fonte de informação
sobre os reis, visto que menciona apenas Salomão e Ezequias, além do estran-
geiro Lamuel. O livro de Provérbios transmite, na maioria, máximas sobre o
comportamento do rei, com relação aos súditos e com relação a Deus. Nessas
máximas, precisamente, pode estar a chave para a leitura de Provérbios em
perspectiva de crítica popular à monarquia.
Em Israel, a função principal do rei consistia em ser juiz da causa das categorias menos
favorecidas, nomeadamente, de pobres, viúvas e órfãos. Essa função coincidia

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com as demais monarquias do Antigo Oriente Médio, porém, com uma dife-
rença marcante. Enquanto naquelas o poder era, em geral, absoluto, em Israel
o rei não possuía poder legislativo, visto que a lei já estava dada por Deus. Em
termos atuais, competia a Deus, portanto, com exclusividade, a prerrogativa
do poder legislativo. Aos reis era reservado o poder judiciário, além do execu-
tivo, com aplicação da lei, de acordo com a vontade de Deus.
A história do antigo Israel é rica em ilustrações sobre a prerrogativa dos reis como
guardiães da justiça, especificamente na proteção de pobres, órfãos e viúvas.
Pode-se recordar, a título de exemplo, a garantia de proteção prometida pelo
rei à viúva de Técoa, que perdera um dos filhos numa luta fratricida e sentia
ameaças contra a herança do filho órfão sobrevivente (2 Sm 14,4-20).
A legislação bíblica é clara com relação à proteção de viúvas e órfãos, bem como a
estrangeiros e indigentes, incluindo punições para os casos de opressão (Ex
22,21-24). O citado Código da Aliança proíbe desviar o direito do pobre em
seu processo (Ex 23,6). As mesmas recomendações para fazer justiça ao órfão,
viúva e estrangeiro retornam no Código Deuteronomista (Dt 10,18; 14,28-29;
16,11.14; 24,17-22; 27,19) (FENSHAM, 1962, p. 135).
O Código Deuteronomista, com relação aos reis, possui recomendações específicas:
que seja escolhido pelo Senhor, seja um irmão não estrangeiro, não multipli-
que os cavalos e não permita ao povo voltar ao Egito, não multiplique o núme-
ro de mulheres, nem a prata, nem o ouro e, sobretudo, que seja fiel a esta lei,
isto é, ao que o Deuteronômio prescreve (Dt 17,14-20).
A profecia representa o alerta mais incisivo aos reis quanto à prática da justiça, e a
denúncia mais veemente contra os desmandos relativos às classes desfavore-
cidas. Isaías chama a atenção dos chefes para que façam justiça ao órfão e de-
fendam a causa da viúva (Is 1,17). Jeremias faz eco aos mesmos apelos à casa de
Judá, para não oprimir o estrangeiro, o órfão ou a viúva (Jr 22,3). A lista poderia
prosseguir com Amós (2,6-8), Miquéias (3,9-10) e outros mais.
Na literatura sapiencial, o destaque pode ser dado primeiramente aos Salmos. Dentre
eles, no Salmo 82, Yhwh desafia os outros deuses a fazerem justiça ao fraco, ao
órfão, ao pobre e ao necessitado (Sl 82,3-4). O Salmo 94 clama a Deus contra
os soberbos que matam a viúva e o estrangeiro e assassinam os órfãos (Sl 94,6).
Poderia ser diferente com o livro de Provérbios?
Não, pois o livro de Provérbios confirma as constatações até aqui apresentadas.
Afirma-se inequivocamente a convicção segundo a qual Yhwh é o único rei de Israel,
os reis devem representá-lo para cumprir com sua lei, e que a essência dessa
lei é a prática da justiça, efetivada na defesa de pobres, órfãos e viúvas.
Deus, na qualidade de único rei de Israel, concede a função de governo aos reis ter-
renos. Aos reis compete deixar-se guiar pela lei e aplicá-la de acordo com a
vontade divina.

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Como ribeiro de água, assim o coração do rei na mão de Iahweh,
este, segundo o seu querer, o inclina (Pr 21,1).

A metáfora dos canais de água, tão preciosos no Antigo Oriente, indica a docilidade do
coração do rei na mão de Deus. O coração, centro das decisões, está na mão,
membro do corpo humano que indica o caminho a seguir. O paralelo entre o
coração do rei e a mão divina estabelece uma relação de estreita dependência.
Ao provérbio, é acrescentada uma sentença explicativa, para reforçar a von-
tade divina sobre o rei. Paralelos semelhantes a este, encontramos na aproxi-
mação entre o temor a Yhwh e ao rei (Pr 24,21), assim como entre a glória de
Deus e a glória dos reis (Pr 25,2). O nosso provérbio, portanto, aproxima o rei
de Deus e coloca em paralelo as funções de ambos (DELL, 2005, p. 184-5).
Como único rei de Israel, Yhwh estabelece a justiça, ao assumir a causa dos
pobres, das viúvas e dos órfãos. Deus mesmo é chamado “Pai dos órfãos e
justiceiro das viúvas” (Sl 68,6). Tamanha é a importância desse direito, que
o próprio Deus toma para si a responsabilidade pela proteção do terreno da
viúva. É política divina proteger o limite da propriedade da viúva.

Casa de soberbos arranca Yahweh,


e estabelecerá o limite da viúva (Pr 15,25).

Apresentamos a tradução própria e literal do provérbio, para visualizar o paralelismo


quiástico, no qual a ação divina de “arrancar” contrasta com “estabelecer”, e a
“casa dos soberbos” está em oposição com o “limite da viúva”. O “limite” é o
marco estabelecido no rumo do terreno, que estabelece a herança permanente
da família, deixada pelos antigos e, nesse caso, representa a necessidade bási-
ca para a viúva viver. A ação protetora de Deus estabelece uma espécie de lei
do talião para quem despoja a pobre viúva de seu recurso mínimo.
Temos aqui a única menção à viúva em Provérbios. Mas sua presença é significativa
em outros textos bíblicos, associada a órfão, estrangeiro, pobre, necessitado.
A viúva representa a pessoa despojada de posses e de direitos, porque sem
marido. Ora, na cultura da época, uma mulher sem a proteção de um homem,
fosse marido, irmão ou filho, era como pessoa sem cidadania. Daí a importân-
cia de alguém proteger os limites de seu terreno, possível herança do marido
morto (WALTKE, 2004, p. 637-8).
A recomendação para não deslocar os marcos antigos consta em Pr 22,28, e
para não deslocar os marcos e não entrar no campo dos órfãos em Pr 23,10.
A associação entre opressão ao fraco e ultraje ao próprio criador, bem como
honra ao criador e piedade do indigente se encontra em Pr 14,31. O mesmo
paralelo entre zombaria do pobre e ultraje ao Criador é acompanhado de ame-

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aça de castigo em Pr 17,5. Existe a promessa de recompensa, pois “Quem faz
caridade ao pobre empresta a Yahweh” (Pr 19,17; cf. 22,9), assim como ame-
aça de maldições, para quem esconde seus olhos à necessidade dos pobres (Pr
28,27; cf. 14,20-21).
Tais ideias não são exclusividade de Israel, mas pensamento comum no Antigo Oriente
Médio. Pode-se recordar, a propósito, a Sabedoria de Amenemope, com ditos
paralelos a Pr 22,22 e a Pr 22,28; 23,10:

Cuidado! Não despojes os miseráveis, nem violentes o fraco... quando ele cla-
ma, sua voz sobe ao céu, e a Lua (o deus Tot) perseguirá seu crime (o do explo-
rador) (Amenemope, cap. II; IV, 4-5.18-19) (TEB, nota r, a Pr 22,22).

Dentro da proposta temática do presente estudo, merece destaque à parte o provérbio


que recomenda respeito à herança do órfão. Ele segue a mesma lógica de
proteção ao limite do terreno da viúva (15,25), visto acima, além de repetir a
recomendação “Não desloques o marco antigo” (22,28) que tem paralelos na
literatura egípcia, como já citado.

Não desloques o marco antigo,


e no campo dos órfão não entres,
pois o seu vingador é forte:
disputará a causa deles contra ti (Pr 23,10-11).

Encontra-se aqui a única menção ao órfão no livro de Provérbios. Mas, à semelhança


da viúva, o órfão está presente em outras passagens da Bíblia (Jó 29,12; Sl
10,14), como a criança que perdeu seu pai e é fraca para reclamar os seus
direitos. Recolocamos as palavras do provérbio em sua ordem original, para
perceber, novamente, o paralelismo quiástico, com os dois extremos “não co-
loques” e “não entres” e a proteção do “marco antigo” e “campo do órfão” no
interior (WALTKE, 2005, p. 244).
O provérbio é seguido de uma sentença explicativa que envolve a ameaça justiceira do
próprio Deus (23,11). O “vingador” é, na verdade, o redentor, isto é, o goel,
aquele parente ou familiar mais próximo, que deve resgatar a propriedade em
favor do órfão ou da viúva. Em caso de falha, porém, do parente próximo,
essa função passava, como visto, à pessoa do rei e, finalmente, na falha deste,
o próprio Deus declara assumir a causa da viúva e do órfão.
Diversos provérbios enfatizam a função do rei na prática da justiça em defesa do pobre,
da viúva e do órfão. “E se deve acrescentar que a sensibilidade ou a preocupa-
ção pela justiça social constituía algo como a pedra de toque para apreciar e
qualificar a ação de governo de um rei, já que esse era o campo onde o gover-

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nante devia demonstrar sua estatura de verdadeiro líder do povo” (GARCÍA
TRAPIELLO, 1981, p. 162).

Abominação para os reis é praticar o mal,


porque sobre a justiça o trono se firma (Pr 16,12).

O provérbio faz parte de uma espécie de coleção sobre a função do rei relativa à prática
da justiça (Pr 16,10-15). Nessa pequena coletânea, em forma de encadeamen-
to, em seis dísticos, cinco deles repetem o termo rei, relacionado com justiça
e retidão. O único versículo que não menciona rei, trata exatamente da justiça
(Pr 16,11) e pode ser interpretado como a chave de leitura do conjunto. Além
disso, o critério que determina a ação positiva ou negativa da ação real é a prá-
tica da justiça. Para praticar a justiça, o rei necessita o sábio, que tem o poder
de aplacar a sua ira (Pr 16,14).
Na discussão sobre a referência do provérbio, como crítica aos outros ou ao próprio
rei, Catherine Dell se inclina, positivamente, para a interpretação do provérbio
como máxima geral, não necessariamente de origem palaciana, e conclui: “Se-
gundo os princípios da sabedoria, cabe a todos evitar o mal. No entanto, para
os reis isso é muito mais difícil, porque assumem o papel divino de protetores
da justiça” (DELL, 2005, p. 182).
Outros provérbios relacionam a pessoa do rei com a prática da justiça. Possivelmente
são de origem popular, e alertam para a coerência do rei quanto ao justo julga-
mento na maneira de governar.

Rei que se assenta no tribunal


dissipa todo mal com seu olhar (Pr 20,8).

Na mesma linha de interpretação, pode-se ler o provérbio seguinte, que Alonso Schökel
e Vílchez Líndez (1984, p. 392-3) juntam num mesmo comentário. Para os re-
feridos comentaristas, a roda se refere à imagem agrícola do instrumento que
separa a maldade.

Um rei sábio joeira os ímpios


e faz passar sobre eles a roda (Pr 20,26).

Nesse agrupamento de provérbios sobre o rei e a prática da justiça (Pr


20,2.8.26.29; 21,1) destaca-se, criticamente, o que assegura a preservação do
trono no amor e na fidelidade. As palavras amor e fidelidade, comumente re-
petidas na Bíblia, constituem o par hesed e ’emet, e explicitam, aqui, outro
aspecto da justiça.

265 , Goiânia, v. 13, n. 2, jul./dez. 2015.


Amor e fidelidade preservam o rei;
ele sustenta no amor o seu trono (Pr 20,28).

Outra pequena coletânea de provérbios sobre o rei se encontra em Pr 25,1-6, que en-
cabeça a chamada segunda coleção salomônica, com provérbios transcritos
pelos homens de Ezequias, rei de Judá. A firmeza do trono está na prática da
justiça, visto que “A glória dos governantes consiste em investigar a corrup-
ção” (SCHWANTES, 2009, p. 62).

Tira o ímpio da presença do rei,


e seu trono se firma na justiça (Pr 25,5).

Paralelo a este, o outro provérbio condiciona a firmeza do trono ao julgamento em


favor dos fracos.

O rei que julga os fracos com verdade


firmará o seu trono para sempre (Pr 29,14).

Seguindo a linha crítica com relação à prática efetiva da justiça no âmbito da monar-
quia, chega-se aos provérbios que usam metáforas de animais domésticos rela-
cionadas com atividades dos reis, nomeadamente gafanhotos, lagartixas, galo
e bode. Datharine Dell (2005, p. 188-9) usa esses exemplos para argumentar
em favor da visão popular e da origem desses provérbios junto a pessoas co-
muns, que pouco sabiam sobre o ambiente da corte. Os ditos fazem parte de
provérbios numéricos, com elencos de enigmas, dentre os quais são listados.

Os gafanhotos que não têm rei


e marcham todos em ordem;
as lagartixas, que se deixam apanhar pela mão,
mas entram nos palácios do rei.
O galo bem empenado, ou o bode,
e o rei na frente do seu povo (Pr 30,27-28.31).

Muito significativamente, o livro de Provérbios se encerra com dois poemas de mulhe-


res sábias que ensinam. No último texto, que fecha o livro, a mulher, literal-
mente, “Sua boca abre com sabedoria, e a lei (torah) da bondade [está] sobre
sua língua” (Pr 31,26). No penúltimo poema, encontram-se as “Palavras de
Lamuel, rei de Massa, as quais lhe ensinou sua mãe” (Pr 31,1). A instrução
ao jovem e inexperiente rei, vinda provavelmente de fora de Israel, “é da
rainha-mãe, que ensina ao filho o comportamento que se espera de reis e os

266 , Goiânia, v. 13, n. 2, jul./dez. 2015.


deveres desempenhados por eles” (DELL, 2005, p. 189). O poema tem como
gênero literário “instrução real”, típico de textos sapienciais antigos, tanto
da Mesopotâmia quanto do Egito (CRENSHAW, 1988, p. 11). A mãe alerta
o filho com relação às mulheres (v. 3), a abster-se do vinho (v. 4.5), a prover
vinho aos miseráveis (v. 6.7) e, sobretudo, a ser advogado da causa da justiça
em favor do pobre e do indigente (v. 8.9). Atento à leitura do texto bíblico,
Crenshaw (1988, p. 17) argumenta que a admoestação para não beber vinho
(v. 4.5) não se refere à moral do deserto, mas sim à responsabilidade do rei
em promover a justiça. A embriaguez poderia fazê-lo esquecer do seu dever
primário, como advogado dos sem voz e dos mais pobres.

Abre tua boca em favor do mudo,


para defender (dîn) todos os abandonados (lit. filhos do desaparecimento);
abre tua boca, julga (shaphat) com justiça,
e defende (dîn) o pobre e o indigente (Pr 31,8-9).

A tradução é própria e literal, para demonstrar algumas características do texto


original. Ambos os versículos começam com “abre tua boca”, no sentido de
falar, defender, ser porta voz. Por duas vezes é repetida a raiz “julgar”, (dîn),
que aqui traduzimos por “defender”, seja para estabelecer o julgamento, seja
para editar leis justas, seja para advogar em favor do desvalido. Em paralelo,
ocorre também o verbo julgar, no sentido de ser juiz, defensor ou advogado.
O texto coroa a tese apresentada neste estudo, segundo a qual a função dos reis, em
Israel devia ser de estabelecer a justiça, em favor de pobres, órfãos e viúvas.

THE KING AS JUDGE OF POOR, ORPHANS AND WIDOWS,


IN PROVERBS OF THE ANCIENT MIDDLE EAST AND BIBLE

Abstract: critically presents the king in the Ancient Near East and in the Hebrew
Bible, especially in the proverbial wisdom literature, in its primary function
as a judge who must defend the cause of the poor, orphans and widows. It
presents the real ideology that shaped the monarchies of the Ancient Near
East, especially in Mesopotamia and Egypt, focusing on the need of the prac-
tice of justice and right, this ideology that has shaped many biblical texts. It
then analyzes some Ancient Near East texts relating to the role of the king
in the practice of justice, particularly with respect to the poor, orphans and
widows. It focuses, at greater length, critical presentation of proverbs of the
Bible book of Proverbs, on the theme in question, to complete the function of
kings in Israel should be, primarily, to establish justice in favor of the poor,
orphans and widows.

267 , Goiânia, v. 13, n. 2, jul./dez. 2015.


Keywords: King. Monarchy. Justice. Poor. Orphan. Widow.

Notas

1 Os textos bíblicos são citados, normalmente, da Bíblia de Jerusalém, salvo indicação, quando
se trata de tradução própria.
2 O nome divino mantém a forma Yahweh, quando citado da Bíblia de Jerusalém, e transcreve
o tetragrama original Yhwh quando mencionado em citação livre

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