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Alguns apontamentos da História de Israel

II
 O juiz é uma figura, animada pelo Espírito do Senhor, enviada para libertar o seu povo, seguindo um esquema
teológico, mais do que histórico, e Saúl surge como continuação dos chefes carismáticos do tempo dos juízes
e, nesse sentido, quase o podemos entender como juiz.
Contudo, Saúl surge num contexto histórico de transição de regime político. Este período refere-se à
introdução da monarquia em Israel, como forma de governo, que, naturalmente, não esteve isenta de
reticências e ambiguidades, uma vez que podia supor um afastamento de Javé, o único e verdadeiro Senhor.
Além disso, os modelos monárquicos existentes em redor de Israel implicavam uma certa divinização do rei, e
adotá-los supunha um risco acrescentado por causa das estruturas da religião javista. O equívoco desfaz-se
porque o próprio Senhor dá a sua aprovação. No entanto, permanece claro que a monarquia israelita não é
democrática nem autocrática, mas teocrática.
Saúl é, pois, um “eleito” de Deus e, por isso, tem “obrigação” de se manter submisso à sua vontade, pois Deus
é o verdadeiro rei do povo. Ele é ungido pelo profeta Samuel como primeiro rei de Israel, com uma autoridade
reforçada pelas vitórias sobre os filisteus e sobre os amonitas: “Samuel disse a Saul: o Senhor enviou-me para
que te ungisse rei do seu povo de Israel” (1Sam.15).
É de salientar, todavia, o facto de o reinado de Saúl ter sido, muito curto e condicionado por não ter uma
capital, um governo, um exército, nem mesmo uma organização estatal. Mais ainda, o seu reinado parece
talhado nos textos bíblicos para se limitar a reforçar o papel do reinado de David. Na história de Saul
aparecem alguns textos antimonárquicos e toda a história dele é orientada em função da ascensão de David,
pelo que ele é visto como um rei iníquo, que atenta contra a vida do seu fiel escudeiro: David.
Posteriormente, e após ter desobedecido ao seu Senhor, acaba por ser retirado a Saul o título de realeza:
“Visto, pois, que rejeitaste a palavra do Senhor, também ele te rejeita e te tira a realeza.”
Parece-me que a figura deste rei é injustiçada na Bíblia, pois a oposição entre Saúl e David foi deveras
teologizada, apresentando-o como o anti-herói, o antagonista de David, este sim, verdadeiro eleito de Deus.

 Assim como Saul, David é considerado um “ungido” de Deus. Começou por ser um escudeiro bem sucedido
de Saul e, talvez por esse motivo, Saul o tenha querido eliminar. Considerada uma das figuras centrais do AT,
o rei David veio dar um carácter de unidade ao reino que estava fragmentado em diversas tribos. Ao ser
ungido rei de Israel, David converteu-se em rei de Judá e de Israel, num regime político chamado de “união
pessoal”: uma única pessoa que reúne em si as coroas de dois territórios distintos. Foi, portanto, unificador
dos dois reinos.
Para isso contribuiu a conquista de Jerusalém, uma vez que David fez da cidade um elemento unificador. Com
a intenção de organizar o reino em torno da sua pessoa, David elegeu Jerusalém como a capital do seu novo
reino, que com a chegada da Arca da Aliança – marca da presença de Deus – se tornou no símbolo visível de
uma fé comum a todas as tribos de Israel e sinal evidente da sua consagração como capital do reino. Além
disso, Jerusalém era uma cidade central, a meio caminho entre o norte e o sul, o que lhe conferia uma certa
neutralidade e uma clara posição estratégica.
Com a expansão do reino nasceu também uma estrutura administrativa centralizada. O estabelecimento e a
consolidação do poder de David geraram a inquietude dos seus vizinhos que, um a um, foram caindo sob o
seu poder: filisteus, amonitas, moabitas, edomitas, arameus. O surgir do império davídico, que superou
amplamente as fronteiras clássicas dos territórios israelitas, foi resultado da debilidade das grandes potências
da região, naquela altura e fruto da força das circunstâncias, mas não deixou de originar vassalagens e um
certo domínio na política internacional da região, com grandes vantagens para o seu reino.
David foi, ainda, o iniciador da obra de centralização do culto. A ele se atribuem muitos salmos, convertendo-
se assim num modelo de fé e fundador da dinastia, à qual a Bíblia vê ligada a promessa divina de fidelidade
(2Sam.7,16) e também a figura messiânica. A sua figura vai muito além do alcance histórico.
Porém nem tudo foi glória e esplendor. O seu reino foi também caracterizado pela existência de tensões e
conflitos internos e rebeliões locais. E, mesmo não atentando na possível implicação de David nos
assassinatos de Abner e Isbaal, a história mais triste do seu reinado prendeu-se com a sucessão. O
primogénito, Ammón teve a pouca inteligência de violar a sua meia irmã Tamar, irmão de Absalão, que o
matou e acabou por se revoltar contra o pai, acabando também Absalão por morrer na revolta. Com os dois
filhos restantes, a corte dividiu-se em dois blocos: o favorável a Adonias e o favorável a Salomão, sendo que
Adonias se autoaclamou rei sem consultar o seu pai, facto que levou David a proclamar Salomão como rei.

 Na época, exposta em 1Sam.8, vive-se um momento muito importante da história de Israel. O santuário de
Silo foi destruído e o perigo filisteu aumenta. No fundo, está ameaçada a unidade do povo que se sente
inseguro, vê a corrupção e pede um novo regime. O grande risco será o de abandonar o projeto de Javé, para
“ter um rei como os outros povos”, copiando o regime dos cananeus, que as tribos até agora tinham
combatido.
Relatando a instituição da monarquia em Israel, este capítulo (e os seguintes) faz-nos reconhecer a existência
de duas correntes opostas: trata-se do contraste entre a realeza atribuída a Deus (Javé), que se desenvolve
depois da catástrofe do desterro, quando já não existia a monarquia e se começa a pensar em Javé como o
verdadeiro rei de Israel, como o único salvador, e uma ideologia monárquica, que não diferia muito da
ideologia dos povos vizinhos – cume de uma complexa organização estatal e com um carácter sagrado pela
sua eleição divina – e que esperava por um rei messias, uma vez que para alguns a monarquia havia sido a
principal causa da ruína do reino de Israel e por isso esperavam por um rei messias no sentido escatológico e
messiânico.
São duas visões sobre a monarquia – uma favorável, representada pelos anciãos; outra desfavorável,
representada por Samuel – que a mostram, respetivamente, ora como dom de Deus para libertar o povo, ora
como algo ambíguo e perigoso.
No fundo, este texto sugere que toda a autoridade pode ser instrumento de Deus ao serviço da libertação do
povo, mas quando absolutizada, tentando ocupar o lugar de Deus, passa a explorar e a oprimir o povo,
tornando-se má e ilegítima.

 A monarquia israelita tinha um carácter sagrado, sendo o rei de Israel eleito por Deus. Semelhante às
monarquias do Médio Oriente, o rei surge, por um lado, como vértice de uma complexa organização estatal e,
por outro, como uma figura divina, ao jeito de um pai eleito por Deus para o povo, sendo que a sua figura
nunca aparece deificada, como noutras monarquias próximas (caso do Egito). Contudo, a figura do rei israelita
é similar às imagens reais bem conhecidas no antigo Médio Oriente.
Esta eleição divina expressa-se, principalmente, nos reinados de Saul e de David, ungidos pelo profeta
Samuel, assim como no de Salomão, que só toma o poder depois da legitimação divina. Este carácter sagrado
dos reis foi mais evidente no reino de Judá, do que no reino do Norte, devido à instabilidade política que
caracterizava o Norte em comparação com o princípio dinástico que regulava a sucessão ao trono de Judá.
Em 2Sam.7ss, texto basilar da ideologia monárquica, o rei é tido como “filho adotivo” de Deus (cf. Sl.2,7;
Sl.89,27-28), embora sem aquela imagem divinizada dos faraós egípcios. Assim, o rei é o “servo” do Senhor
(Sl.18,1; Sl.36,1); o consagrado ou o ungido de Deus.
Nos textos de entronização, como em Sal.110 ou 2Re.11,12, o rei é também entendido como via de salvação
entre Deus e o povo, tendo uma relação particular com Deus e, mesmo quando os profetas criticam a
monarquia, reprovam não a instituição em si, mas o afastamento do rei deste modelo religioso.
O rei é, ainda, o garante do direito e da justiça, da relação de amizade entre Deus e Israel, que permite a vida
em paz e tranquilidade nas relações entre os homens e destes com Deus, sendo também, neste sentido, o
defensor e salvador do povo.
Por último, o rei é, também, o chefe militar do exército, característica iniciada com Saul mas mais vincada
com David e Salomão, com a criação de um verdadeiro exército e com introdução dos mercenários e dos
carros de combate.

 Neste capítulo, descreve-se um momento crucial na história de Israel: as tribos dividem-se e a rutura nunca
mais será curada. Roboão fora aclamado, em Jerusalém, como rei de Judá. Depois, dirigiu-se a Siquém para
ser aclamado rei das tribos do Norte. Ainda que no Sul permanecesse a dinastia davídica e a ortodoxia
religiosa em torno da Arca da Aliança e do Templo de Jerusalém, era no Norte que se encontravam as terras
mais férteis e a maior potencialidade económica. Neste contexto, o povo do Norte, explorado e oprimido por
Salomão, pede ao novo rei, Roboão, que alivie o seu fardo. Os anciãos, depositários da sabedoria e da
experiência popular, relembram ao jovem rei que é função da autoridade servir o povo e ouvir o seu clamor.
Os jovens da corte, porém, aconselham o contrário: aumentar a exploração e a opressão para não perder a
autoridade sobre o povo. Roboão segue o último conselho e perde o seu povo, ao violar o requisito básico para
ser autoridade justa: saber escutar (cf. 1Rs.3,4-15). E o povo respondeu: “Não temos herança com o filho de
Jessé” – e escolheram Jeroboão para rei. O versículo 24 deixa bem claro que Javé aprova a revolta do povo
contra uma autoridade injusta.
As grandes diferenças que se podem apontar entre os dois reinos são de caráter geográfico e económico e
ainda de cariz cultural (étnicas e religiosas). Enquanto o reino do Norte se caracteriza por uma região mais
vasta e muito mais fértil e rica, economicamente privilegiada pelo acesso ao mar e ao canal de comunicação
comercial mais importante, o reino do Sul ocupa um território mais reduzido, montanhoso e desértico,
economicamente pobre e separado das grandes rotas internacionais de comércio. Noutro âmbito, a população
do sul é mais homogénea do ponto de vista étnico e religioso, enquanto no Norte há núcleos de habitantes de
origem e religião cananeia e a influência de populações circundantes como os fenícios, os arameus e os
assírios. Daí que Jeroboão procure dar uma nova identidade político-religiosa às tribos do Norte. Para isso,
muda o calendário, os lugares de culto, a data das festas e institui o sacerdócio não levítico, tudo para impedir
o povo de frequentar Jerusalém e voltar para Roboão. Os santuários de Betel e Dan, respetivamente, mais a sul
e mais a norte, criam a delimitação religiosa para as tribos do Norte. Os bezerros de ouro, que representavam a
presença e o poder de Javé (mas também Baal, o deus cananeu), equivalem à arca com os querubins que
estavam no Templo de Jerusalém.
Historicamente, Judá foi sempre governada por um membro da dinastia davídica e subsistiu por mais de
trezentos anos, ainda que a sua independência nacional tivesse sofrido importantes oscilações desde que, no
final do séc. VIII a.C., a Assíria a submeteu a uma dura vassalagem. Então, em Judá, onde reinava Josias,
renasceram as esperanças de recuperar a perdida independência mas, depois da batalha de Megido (609 a.C.),
com a derrota de Judá e a morte de Josias, o reino entrou numa rápida decadência, que terminou com a
destruição de Jerusalém em 586 a.C. O Templo e toda a capital foram arrasados, um número grande dos seus
habitantes foi levado ao exílio, e a dinastia davídica chegou ao seu fim (2Rs.25,1-21). A perda da
independência de Judá supôs a sua incorporação na província babilónica da Samaria.
O reino do Norte, Israel, nunca chegou a gozar uma situação politicamente estável. A sua capital mudou de
lugar em diversas ocasiões, antes de ficar finalmente instalada na cidade de Samaria (1Rs.16,24), e várias
tentativas para constituir dinastias duradouras terminaram em fracasso, frequentemente de modo violento. A
aniquilação do reino do Norte sob a dominação assíria ocorreu gradualmente: primeiro foi a imposição de um
grande tributo (2Rs.15,19-20), em seguida, a conquista de algumas povoações e a consequente redução das
fronteiras do reino e, por último, a destruição de Samaria, o exílio de uma parte da população e a instalação de
um governo estrangeiro no país conquistado.

 O rei Omrí (885-874) parece ter sido um rei enérgico e eficaz, embora tenha sido derrotado por Damasco.
Após a morte de Jeroboão, ascende ao trono no reino do Norte e acaba por ser reconhecido por todos como rei
de Israel depois de derrotar o seu rival Tíbni. Aparece, pois, como chefe militar e funda uma nova capital,
Samaria, para a qual transfere a administração do reino. A nova cidade pertencia à coroa, já que o novo rei
havia comprado o terreno com o seu dinheiro, facto que estabelece analogias com a cidade de David,
Jerusalém. Trata-se da instalação da capital do reino numa cidade neutral. Tendo em consideração as
rivalidades tribais com o norte, esta opção mostra uma grande habilidade política de Omri.
A dinastia de Omri pode ainda ser caracterizada por uma certa estabilidade política, que em conjunto com as
vitórias militares e a sua sagacidade na política externa traz uma melhoria das condições económicas e sociais.
Militarmente, o testemunho da Estela de Mesa (texto do rei de Moab) confirma uma das facetas de Omri: que
não se limitou a recuperar os terrenos tradicionalmente israelitas da Transjordânia, mas que avançou mais para
sul até submeter Moab a vassalagem, impondo um tributo que seria considerável e que constituiu uma fonte
importante de recursos para o seu reino.
Diplomaticamente, Omri estabeleceu relações políticas e comerciais de suma importância para Israel, ao
complementar a economia de Israel com a das cidades fenícias da costa: a agricultura da Samaria, tanto em
quantidade como em variedade de produtos, com a experiência comercial fenícia. Esta aliança foi selada com
o casamento entre Acab e Jezabel, filha do usurpador do trono de Sídon. Esta aliança teve ainda a vantagem
de estabelecer uma frente política e militar mais sólida e temível.
Contudo, em Israel nasciam os primeiros confrontos, que iam aumentando com o passar do tempo, devido à
disparidade social, aos abusos da classe dirigente e, sobretudo, à influência de Jezabel, adoradora de Baal, que
teve influência na revitalização da religião cananeia e que levou Acab a elevar um altar dedicado a Baal,
ofendendo assim a Javé, Deus de Israel. Esta situação fez florescer os grupos de oposição e a resistência à
dinastia, daí que, a nível religioso, o texto bíblico dê uma visão negativa sobre o reino do Norte.
Os profetas Elias e Eliseu, que exerceram o seu ministério nesta época, testemunham este choque violento
entre o culto de Baal e o de Javé, que alcança o seu momento mais dramático, no desafio do Monte Carmelo
entre Elias e os sacerdotes de Baal. Tanto Elias como Eliseu denunciaram tanto o sincretismo religioso, como
a situação dos pobres. Por sua vez, durante o período da dinastia de Omri, o reino do sul ficou eclipsado pelo
poder do norte.

 Com o capítulo 17 do primeiro livro dos Reis começa a história de Elias (874-852 a.C.), o profeta que vem no
tempo do ímpio e idólatra, Acab, (e, mais tarde, Ocozias) para purificar o javismo. Ele tem um papel muito
ativo na história de Israel e praticamente encabeça a história do profetismo clássico. O texto bíblico fornece
episódios, que transmitem narrativas populares sobre a pessoa e a atividade do profeta. O tema central é o
confronto de Elias com os desvios e fraquezas da corte de Acab, que trazia sérias consequências para a vida
do povo. Desse modo, Elias denuncia o sincretismo religioso, bem como a situação dos pobres, cunhando,
assim, o profetismo com a marca da ação política e social, que estará presente em todos os outros profetas.
No capítulo 17, Elias mostra como Deus se manifesta no meio dos pobres e não deixa que falte nada àqueles
que estão dispostos a repartir. Seguidamente, apresenta uma característica distintiva dos verdadeiros profetas:
através deles, a vida e o poder divinos são manifestados de modo sobrenatural. O verdadeiro profeta não é
portador da morte e o sinal de que Elias anuncia a palavra de Deus é o facto de ele ser portador de vida.
No capítulo 18, o profeta desmascara os ídolos. Casando-se com a princesa fenícia Jezabel, o rei Acab deixara
introduzir os costumes e a religião dos fenícios, onde o deus Baal era considerado senhor da fertilidade e da
vida. Em vez da vida, porém, viera a seca e, consequentemente, a morte para o povo. Elias mostra que a
situação é castigo de Javé (cf.1Rs.17,1-6). Por isso é perseguido pelo rei. O centro do texto é o confronto de
Elias com a autoridade e os profetas de Baal que estão ao serviço do poder. Cabe ao profeta do Deus vivo
desmascarar os deuses falsos e aqueles que o servem, dando ao povo a possibilidade de descobrir a verdade e
fazer a escolha entre o Deus que dá a vida e os ídolos que provocam a morte. Feito isto, termina o castigo
(seca) e retorna a vida (chuva).
Elias é, então, perseguido quando desmascara as aparências que encobrem uma política opressora e, ameaçado
de morte, foge. A sua fuga, no entanto, transforma-se na busca da fonte original, que é a fé javista. O capítulo
19 apresenta-nos o profeta no monte Horeb, lugar da aliança com Deus, e ponto de partida para se formar uma
sociedade justa e fraterna. Nessa experiência do Deus libertador, Elias descobre os próximos passos a dar:
reunir as pessoas fiéis ao projeto de Javé, criar um novo quadro político e prover um substituto para a sua
missão.
Em suma, a profecia de Elias antecipa e vem depois justificar a queda do reino de Israel.

 Houve diversos fatores que prenunciaram a queda de Israel. Desde logo, a contínua e crónica instabilidade
política (oito golpes de estado; dois reis assassinados no espaço de um ano, etc.); depois, as constantes
discórdias com o reino do Sul, excetuando alguns períodos de paz e, finalmente, a sua posição estratégica,
muito mais central que a do pequeno reino de Judá (internacionalmente pouco importante), que aguçava o
apetite das grandes potências vizinhas.
Associado a estas causas, a expansão assíria, expressa na política de conquista de Tiglat Pileser III que
ascendera ao trono em 745 a.C. (o rei Jeroboão II morrera em 743ª.C.) e que alarga os seus territórios da
Mesopotâmia até ao Mediterrâneo e da Ásia Menor até às portas do Egito, apoiado num exército cruel e feroz
e no uso sistemático de deportações da população dirigente (a fim de evitar qualquer tentativa de sublevação),
será o principal motivo da queda do reino do Norte.
Alguns reinos menores submeteram-se voluntariamente, evitando a destruição e convertendo-se em vassalos,
mas o reino do Norte tenta ainda um último estratagema para travar e fazer frente ao poder assírio: alia-se ao
rei de Damasco numa coligação, convidando também Acaz (736-716 a.C.), rei de Judá. No entanto, este
recusa intervir, despoletando-se a guerra siroefraimita, último confronto entre o reino do Norte e o do Sul.
Ajaz encontra-se, assim, entre duas ameaças e acaba por se dirigir a Tiglat Pileser oferecendo-lhe tributo e
admitindo mesmo costumes religiosos assírios dentro do templo de Jerusalém.
O rei da Assíria, por sua vez, aproveita a fraqueza de Israel, sem o apoio de Judá e empreende uma campanha
militar dirigida primeiro contra a cidade de Damasco – que é conquistada – e depois contra Israel – que é
reduzido a estado vassalo, dirigido por Oseas. Todavia, incompreensivelmente, passados nove anos, este
procura uma aliança com o Egito e revolta-se contra o novo rei assírio (Salmanasar V). A Assíria responde
com dureza, já sob o reinado de Sargão II e toma Samaria em 722 a.C., deportando grande parte da população
(há um registo que refere 27.290 pessoas) para a Assíria e convertendo o reino do Norte, verdadeiramente,
numa província assíria, com habitantes não israelitas, com outros costumes, com outras crenças. Ainda que o
culto a Javé não desapareça, é nesta época que surgem as bases do que muito tempo depois significará a
separação entre judeus e samaritanos.

 Os livros dos reis relatam acontecimentos que vão de 971 a 561 a.C., mas mais do que uma relação
pormenorizada de factos, estes livros fornecem uma reflexão crítica sobre a história do povo e dos reis que o
governaram. O texto bíblico aparece muito mais interessado no sentido daquilo que ocorre do que nos factos
em si mesmos: a fidelidade a Deus leva à bênção e à prosperidade, enquanto a infidelidade leva à maldição, à
ruína e ao exílio.
No início, encontramos uma teologia da autoridade política: o rei deve ser fiel a Deus (1Rs.2,3) e governar
com sabedoria e justiça, servindo o povo (1Rs.12,7), que pertence unicamente a Deus (1Rs.3,8-9). Mas os reis
são sempre infiéis, pois fazem “o que Javé reprova”: praticam a idolatria; “vendem” a nação aos estrangeiros;
perseguem os profetas; dividem, exploram e oprimem o povo. Como consequência, Israel e Judá são levados à
ruína.
É neste contexto que devemos analisar os livros dos Reis. Eles são uma larga reflexão que procura justificar
teologicamente a decadência dos reinos do Norte e do Sul, apelando ao sincretismo religioso existente desde o
tempo de Jeroboão I: “Isto aconteceu porque os israelitas pecaram contra o Senhor, seu Deus” (cf. 2Rs.17,6-
23).
Nesta perspetiva, Ezequias e Josias são uma exceção. Ambos insistiram no papel central do Templo de
Jerusalém e efetuaram reformas no sentido de restaurar o culto de Javé, eliminando os cultos e os lugares
sagrados dos cananeus e fenícios, dedicados a Baal, para assim reafirmarem a identidade nacional.
Não admira, pois, que o livro do Eclesiástico valorize positivamente estes dois reis, afirmando serem os
únicos (juntamente com David) que não cometeram pecado, já que eles foram protagonistas da unidade e da
reforma religiosa cujo objetivo era reafirmar a fé javista. Em suma, ambos se mantiveram fiéis ao Senhor.

 Josias inaugura uma reforma religiosa em profundidade. Elimina toda e qualquer manifestação idolátrica,
ordena que se queimem todas as estátuas e altares, destrói santuários e, ao mesmo tempo, remodela e repara o
Templo de Jerusalém, centralizando nele o culto.
Prossegue, assim, com novo vigor e de forma mais radical, a reforma religiosa deuteronomista iniciada por
Ezequias e, entretanto, interrompida nos reinados do seu filho e neto, respetivamente, Manasés e Amon.
Durante as obras do templo de Jerusalém, fala-se na descoberta do “Livro da Lei” (2Rs.22,3-10), com o qual
se renova “a aliança na presença do Senhor”.
A reforma de Josias tem sido muitas vezes interpretada como o afastamento das divindades e dos ídolos
assírios. As suas reformas estenderam-se ao velho reino setentrional de Israel. Em relação aos anteriores reis
de Judá, Josias teve a força, determinação e fé, que o levaram a fazer uma reforma religiosa profunda e fiel a
Deus. O reinado de Josias foi muito valorizado pela sua reforma religiosa e pela sua tentativa de unificação do
seu povo ao Deus único.
Reinado de Manassés – “Ele fez o que desagrada ao Senhor, imitando as abomináveis
nações” (2Rs.21,2)
Reinado de Amon – “Ele fez o que o que desagrada ao Senhor, como tinha feito seu pai
Manassés” (2Rs.21,20)

Reinado de Josias – “Ele fez o que agrada ao Senhor e seguiu integralmente o caminho de
David, seu antepassado, sem se desviar nem para a direita nem para a esquerda”
(2Rs.22,2)

Descoberta de um exemplar do livro da lei

Reforma religiosa de Josias: “… Que sua sorte será a


Agradar a Deus desolação e a maldição…”
(2Rs.22,19)
- Renovação solene da aliança do povo com Deus;
- Retirada do templo de todos os utensílios de culto aos falsos “Todavia o Senhor não depôs
deuses; o ardor da grande cólera com
- Suprimiu os hierofantes adidos dos cultos ilegítimos; que estava aceso contra
- Retirou do templo a Asera e mandou demolir os lugares de Judá, por causa de todos os
prostituição contíguos ao templo; ultrajes com que o tinha
- Destruiu todos os restantes vestígios de idolatria, inclusive os irritado Manassés. O Senhor
altares mandados erguer pelos seus antecessores, mesmo fora dos disse: “Também a Judá
seus domínios; expulsarei da minha
- Mandou celebrar a Páscoa, conforme está escrito no livro da lei; presença, como afastarei
- Exterminou os nigromantes, adivinhos, etc. Israel.”
(2Rs.22,26-27)

 Os últimos anos do reino de Judá são caracterizados como um período de crise. Com a morte de Josias às
mãos dos egípcios, sucedeu-lhe Joacaz que, submetendo-se ao Faraó, acabou por ser deposto e deportado para
o Egipto. O Faraó nomeou para o lugar um outro filho de Josias, Joaquim, que terá sido um rei tirano e fraco,
ligado ao Faraó que o tinha colocado no poder. Isto deveria ser de tal forma visível que o profeta Jeremias
critica fortemente esta política pró egípcia.
As motivações de Jeremias eram de ordem religiosa, mas também política, pois torna-se porta-voz de um
partido pró babilónico que via a submissão à Babilónia como um mal menor para o seu país.
Em 605 a.C. os egípcios foram derrotados por Nabucodonosor passando toda a região siro-palestina para o
domínio dos babilónios. No entanto, Joaquim mantém-se no poder entregando agora o tributo a
Nabucodonosor, mas perante uma ligeira retoma de poder dos egípcios volta a jurar-lhes fidelidade, traição
que Nabucodonosor não vai perdoar, marchando sobre Jerusalém em 598. Daí advém a morte de Joaquim e a
rendição do seu filho Jeconias, que lhe sucedeu e é agora exilado juntamente com milhares de pessoas da
classe dirigente, nobres e sacerdotes, entre os quais o profeta Ezequiel, na que foi denominada como primeira
deportação. Nabucodonosor nomeou a seu gosto um outro filho de Josias, Sedecias, que viria a ser o último
rei de Judá.
Sedecias revolta-se por duas vezes e em 587 a.C. Nabucodonosor volta à Judeia para reprimir a sublevação
matando a família de Sedecias e levando-o desterrado depois de lhe arrancar os olhos. A cidade foi saqueada e
o Templo de Salomão destruído.
 Na época dos patriarcas, e até ao advento da monarquia, não havia, em Israel, uma instituição sacerdotal bem
delineada. Era o pai de família que assumia a função de sacrificar, nomeadamente o sacrifício pascal da
primavera: era ele o sacerdote.
À medida que os israelitas se vão sedentarizando, ao instalar-se em Canaã, vão surgindo diversos ofícios. O
principal era o de pronunciar oráculos e é neste âmbito que surgem os primeiros sacerdotes com a função de
“consultar o Senhor”.
Já no período dos Juízes, o culto israelita, com influência das práticas cananeias, passa a eleger determinadas
pessoas, para o serviço dos santuários, as quais, pouco a pouco, se vão tornando especialistas do culto e
“guardiões do santuário”.
A instituição da monarquia representa um momento decisivo na evolução do sacerdócio pois a função
oracular, vai paulatinamente dando lugar à do ensino. A instrução do culto, da vida em geral e do sacrifício, a
função de manipular o sangue das oblações – tarefa primária do sacerdote – dá-lhe um caráter de mediador
entre Deus e os homens. São estas as principais funções do sacerdote na época da monarquia. No final deste
período, o ensino passa a ser ministrado pelos levitas, por se achar que os sacerdotes deformavam a lei e,
assim, vai-se tornando visível a distinção entre sacerdotes e levitas, que depois do desterro formarão um
genuíno segundo grau sacerdotal. É importante salientar que, neste período, a submissão ao poder real é uma
das principais características do sacerdote, que aparece como funcionário do rei.
Ao lado do sacerdócio aparece outra instituição: a profética. Os profetas são uma outra classe que, com a
polémica de Isaías e Jeremias contra a classe sacerdotal, parecem estar em oposição aos sacerdotes.
Podemos enquadrar os profetas em dois grupos distintos: os da corte, ligados à monarquia, a quem o rei
consultava (a função oracular dos sacerdotes antes da monarquia) e que eram acusados pelos restantes de
interesseiros, falsos profetas; e os vocacionais (profetas escritores), que tinham consciência da sua vocação e
que percebiam estar a anunciar a palavra de Deus, por vezes até contra a sua própria vontade, e que se
caraterizavam pela fidelidade inquebrantável a Javé, transformando a sua mensagem em anúncio do juízo
divino para o homem. Quando o rei se afastava da aliança divina, o profeta intervinha, pela palavra recebida
de Deus.
Neste sentido, os profetas foram a consciência crítica de Israel. Os seus oráculos contra a sociedade
abordavam todos os aspetos que precisavam de ser denunciados, delatando a resposta defeituosa do povo, dos
governantes, do rei ou das instituições. Por isso o profeta é o homem que, mais e melhor, encarna a esperança
de Israel. O enraizamento na história do seu tempo torna-o mensageiro e porta-voz de Deus, para transmitir ao
povo a palavra que o leve à conversão.
Os profetas atuam com total independência e por isso recordam, vigorosa e constantemente, que o rei não é a
fonte da legitimidade e da vida social e religiosa; que a razão de ser e existir de Israel se encontra na ação de
Deus em favor do seu povo na história e que, por isso, o rei está submetido a uma realidade anterior que o
supera.

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