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Alguns apontamentos de Teologia Fundamental

II
 Princípio dogmático
Princípio da verdade salvadora, formulado na Dei Verbum e segundo a qual as Escrituras, porque
inspiradas pelo Espírito Santo, ensinam, sem erro, as verdades, que Deus nos quis revelar, relativas à
nossa salvação. A intenção dos autores, nomeadamente dos evangelistas, centra-se na revelação do
mistério do amor de Deus e não na satisfação da curiosidade respeitante aos detalhes da vida do
homem Jesus de Nazaré.
Crítica interna
Estratégia que serve a metodologia historiográfica no estudo das fontes sobre Jesus Cristo. A crítica
interna procura estabelecer o valor histórico dos dados (sobre Jesus Cristo), a partir das
características intrínsecas dos materiais e documentos recolhidos, estabelecendo a sua fiabilidade e
autenticidade.
Critério de semelhança
Critério que corrobora a autenticidade de um dado através da análise de determinados factos em
comparação com outros factos contemporâneos. É uma norma que permite adotar uma atitude de
confiança em relação aos dados da história evangélica, complementando os critérios de originalidade
e de coerência.
No caso concreto de Jesus, o critério de semelhança permite encaixar facilmente a sua pessoa nos
contextos histórico, social, cultural, religioso e político da sua época, que coincidem com dados
arqueológicos e lhe conferem um estatuto fiável.
Third Quest
Third quest (terceira busca) corresponde à terceira fase de busca nas investigações sobre Jesus
histórico, cujos intervenientes revalorizam os evangelhos enquanto fontes históricas, sobretudo
graças ao melhor conhecimento do judaísmo do primeiro século; a um renascimento do trabalho
académico católico sobre a bíblia; a uma ampla aceitação dos métodos históricos, de perspetivas
sociológicas e de análise literária.
Os exegetas cristãos da third quest – na sua maioria biblistas norte-americanos – retomam algumas
das investigações de eruditos judeus, do início do século XX, e acrescentam-lhe alguns critérios: o
interesse pela história social, a preocupação em enraizar e integrar Jesus no contexto judaico,
servindo-se dos recursos das ciências sociais e a atenção prestada às fontes não canónicos, como os
evangelhos apócrifos – textos não integrados no cânon neotestamentário – que, nalguns casos,
apresentam dados históricos.

 Dentre todos os textos das escrituras, os evangelhos têm importância capital, pois neles estão os
fundamentos da fé cristã: são o testemunho da vida e da doutrina de Jesus Cristo.
A igreja afirma a historicidade e a origem apostólica dos textos evangélicos, que são a consignação
escrita, sob influência do Espírito Santo, das palavras e ações de Jesus Cristo, que os apóstolos
pregaram por ordem sua.
Os evangelistas tiveram sempre a preocupação de comunicar coisas autênticas e verdadeiras acerca
de Jesus; quanto ao que operou e ensinou, os evangelhos relatam factos genuínos e fidedignos porque
assentam em testemunhas oculares e ministros da palavra.
Partindo de posições divergentes (a distinção entre o Jesus histórico e o Cristo da fé, adotando ora
posturas racionalistas, ora fideístas), que desde o século XVIII procuram responder à possibilidade
de apresentar uma imagem fiável de Jesus de Nazaré, a partir dos evangelhos, a unidade 4 conclui
que os evangelhos nos permitem conhecer os traços fundamentais da figura de Jesus, as suas atitudes
e as constantes que presidem ao seu ministério, reconhecendo no Jesus histórico e no Cristo da fé
uma mesma e única pessoa.
Foi com a investigação historiográfica mais recente sobre a vida de Jesus e sob a orientação de três
princípios fundamentais – o dogmático (a Escritura ensina, sem erro, as verdades relativas à nossa
salvação), o literário (os evangelhos constituem matéria kerigmática) e o histórico (é possível
reconstruir a história por etapas: Jesus/comunidade/evangelhos) – que se esclareceu, no Concílio
Vaticano II, mais concretamente, no conteúdo da Dei Verbum, a visão da Igreja acerca da
historicidade de Jesus.
Assim, as três ideias, expressas na alínea anterior, são, no essencial, o corolário do estudo efetuado
na unidade 4 acerca das fontes e sobre o acesso histórico a Jesus.
Saliente-se que esta questão da historicidade do acontecimento de Jesus está na origem da cristologia
e é o centro da reflexão teológica que encontra o seu fundamento na revelação.

 Saduceus
Grupo religioso judaico que existiu entre o ano 200 a.C. e a queda de Jerusalém, em 70 d.C.
Socialmente, constituído por representantes da classe alta sacerdotal e da aristocracia laica de
Jerusalém; ocupavam cargos de poder religioso, entre os quais o de sumo-sacerdote (desde a
ocupação romana) e a maioria dos lugares do sinédrio, sendo os representantes judeus perante o
poder imperial; eram também uma força económica, já que detinham o monopólio das terras e das
riquezas; culturalmente estavam ligados à civilização grega, mas colaboravam com os romanos em
termos políticos como forma de manter o poder e a riqueza. Daí que não gozassem da popularidade
nem do afeto que desfrutavam os fariseus; contudo, possuíam o poder religioso e político, pelo que
eram muito influentes.
Mostrando-se muito tradicionalistas em matéria religiosa, eram teologicamente conservadores,
recusando a tradição oral e só aceitando os textos da Torá, da qual faziam uma interpretação muito
sóbria, sem cair nas numerosas questões casuísticas dos fariseus. Porém, hostilizavam certos ritos
populares como o batismo de água ou as imersões, preconizadas pelos fariseus e ao contrário destes,
não acreditavam na vida depois da morte, nem compartilhavam as suas esperanças escatológicas,
chegando mesmo ao ponto de negar o envolvimento de Deus na vida quotidiana. Centravam o seu
poder no culto e no Templo, pelo que, com a sua destruição no ano 70 d.C., os saduceus cessaram de
existir.
Escatologia realizada
Em oposição à escatologia consequente de Albert Schweitzer – que sustentava a tese de que o núcleo
do anúncio evangélico seria o advento do reino escatológico e defendia a ideia de que Jesus não
consumou as suas profecias escatológicas e que o cristianismo teria, então, tido origem a partir do
facto de que a parusia, que Jesus proclamara iminente, não aconteceu, colocando o acento no “ainda
não” do Reino de Deus – Charles H. Dodd desenvolveu a escatologia realizada onde afirmava que os
eventos escatológicos já haviam ocorrido e já tinham sido cumpridos nos tempos bíblicos. Dodd
acentuou o “já” do Reino de Deus, declarando a vinda de Jesus como o início da reta final da história
e a inauguração real e total do Reino de Deus: com o ministério, a morte e a ressurreição de Jesus
Cristo, a escatologia fora cumprida e realizada. Deste modo, a Igreja seria “já” sacramento do Reino
e a eucaristia, atualização do mistério pascal. Segundo a sua interpretação, os últimos tempos já
teriam acontecido quando o escritor bíblico os descreveu e a parusia de Cristo não seria evento literal
do futuro, mas uma apresentação simbólica daquilo que acontece sempre que Cristo vem com amor e
poder, demonstrando os sinais da sua presença e as marcas da sua cruz. Com esta perspetiva, Dodd
omitia todas as referências ao futuro escatológico.
Valor psicológico dos milagres
Na antiguidade clássica, o milagre referia-se a um facto excecional ou inexplicável, uma coisa
maravilhosa ou extraordinária que suscitava admiração, considerado como sinal e manifestação de
uma vontade divina.
A partir do testemunho bíblico, os milagres são vistos como prodígios sagrados ou factos insólitos
que provocam a admiração e a surpresa nos homens, contudo, percebe-se uma evolução na perceção
teológica do milagre. Os momentos principais desse entendimento foram a doutrina de S. Agostinho,
de S. Tomás e a resposta apologética à crítica iluminista. O Magistério da Igreja ocupou-se do
milagre, principalmente a partir do Concílio Vaticano I.
As referências da linguagem bíblica ao milagre são diversas. O termo traduziu a riqueza expressiva
dos termos hebraicos ot, nifla’ot, nora’ot, môfét, e os termos gregos sêmeia, dýnamis, thaúmata,
térata, parádoxa, etc.
Para abordar o aspeto psicológico do milagre, no AT, encontramos o termo môfét, que significa
prodígio, um facto insólito, que provoca assombro, admiração, surpresa. Com efeito, a palavra
milagre já traduz isso na sua etimologia: é um acontecimento que maravilha, que causa admiração.
No NT, encontramos thaumázo e téras, com o mesmo tipo de significado. No entanto, esse prodígio,
aos olhos da Sagrada Escritura, não é um prodígio profano, mas sagrado.
Segundo R. Latourelle, o milagre é um prodígio religioso, que atesta, na ordem cósmica (o homem e
o universo), uma intervenção especial e gratuita do poder e do amor de Deus, que dirige aos homens
um sinal da presença, ininterrupta, de uma palavra de salvação no mundo. Assim, em primeiro lugar,
é um fenómeno insólito que altera o curso habitual das coisas e que causa surpresa e admiração.
Depois, é um acontecimento religioso ou sagrado, ou seja, realizado num contexto religioso – não
fabuloso ou mítico – e que, no contexto profano, não teria nenhum sentido e nenhuma razão de ser.
É, ainda, uma intervenção especial de Deus, portanto, um sinal divino, ou seja, é algo com
significado.
Os milagres são, pois, sinais divinos que não podem dar-se separados ou isolados da revelação
divina, à qual pertencem e que expressam. Deste modo, os milagres remetem o homem para a
abertura à salvação e surgem também com a função de dar crédito às palavras anunciadas.
O Concílio Vaticano I indica as características do milagre: são factos divinos, isto é, têm Deus como
autor, (pelo menos como causa principal) e são factos distintos dos da Providência ordinária,
supondo uma intervenção especial de Deus; são sinais dirigidos por Deus aos homens para os ajudar
a reconhecer que Deus falou à humanidade.
No Concílio Vaticano II, a este respeito, menciona-se que “os milagres de Jesus permitem comprovar
que o Reino de Jesus já chegou à terra”; Cristo “apoiou e confirmou a sua pregação com milagres
para excitar e robustecer a fé dos ouvintes, mas não para exercer coação sobre eles”.
O Reino de Deus está em … O Reino de Deus não está em …

5,19-20 Quem cumprir e ensinar os mandamentos Quem não tem em conta os mínimos preceitos da
da Lei de Deus será grande no Reino dos lei e persuade os outros a fazer o mesmo, não será
Céus. excluído do Reino dos Céus, mas terá mérito menor
e estará em último lugar.

19,23ss Quem observar os mandamentos e deixar Quem prefere os valores terrenos aos valores
os bens deste mundo para seguir a Cristo. eternos. É muito difícil para um rico conservar o
coração desapegado dos bens materiais e conquistar
o Reino dos Céus.

21,31ss Quem é pecador, mas se arrepende Quem crê por palavras, mas não no seu coração e
verdadeiramente e cumpre a vontade do nas suas obras.
Pai.

9,47 Quem se priva até das coisas mais Quem se deixa apoderar pelo escândalo, ou o
prezadas, nem que isso signifique o provoca nos outros.
abandono de parte de si, evitando o
escândalo, quando põem em perigo a
salvação da alma.

10,14 Quem recebe a Deus com a simplicidade Quem quer ser mais do que os outros, rejeitando os
de uma criança. simples, puros e humildes.

12,32-34 Quem amar a Deus com todo o coração, Quem vive das aparências ritualistas dos
com todo o pensamento, com toda a alma, holocaustos e sacrifícios, em detrimento de
com todas as forças e amar o próximo verdadeiros atos de amor.
como a si mesmo.

6,20/Mt.5,3 Quem vive a nova lei da caridade – em Quem observa a lei mosaica apenas exterior e
contraste com a antiga lei, incompleta – e, materialmente.
humilde, tem o coração desapegado dos
bens terrenos.

9,59-62 Quem renuncia às comodidades da vida e Quem se deixar prender pelos apegos que impedem
às riquezas; quem deixar todo o cuidado e de seguir Jesus e de cumprir a missão por ele
solicitude temporal; quem tiver o coração confiada.
desapegado de todo o afeto terreno (até
mesmo dos mais queridos), a fim de aderir
e de se dedicar a Cristo e ao seu
ministério sagrado.

19,11-26 Quem trabalhar ativamente na construção Quem tem medo e não arrisca por Deus e quem
do Reino, reconhecendo os dons que Deus receia Deus e não arrisca na vida.
lhe dá e pondo-os a render em prol dos
outros.

17,20 Quem reconhece na pregação do Quem não estiver atento, consciente, vigilante e
Evangelho e na conversão dos corações o pronto.
estabelecimento do Reino de Deus na
terra, inaugurado com a primeira vinda de
Cristo e que atuante na Igreja.
Motivos Meios Efeitos

6,3-13 Somos participantes da Tornamo-nos Tornamo-nos Igreja de


morte e ressurreição de participantes do Mistério Cristo, mortos para o
Cristo; estamos integrados Pascal pelo batismo. pecado mas vivos para
nele por uma morte idêntica Deus; o pecado não terá
à sua, mas também o mais domínio sobre nós,
estaremos pela sua uma vez que não estamos
ROMANOS

ressurreição; somos sob a Lei, mas sob a graça.


chamados a viver uma nova
vida.

8,17ss Somos herdeiros de Deus Pelo sofrimento com Elevação e glorificação à


com Jesus Cristo, nosso Cristo que nos eleva e semelhança de Cristo.
irmão. Sofremos porque glorifica e com o auxílio Entrar na liberdade da
pertencemos à criação e do Espírito Santo. glória dos filhos de Deus.
aguardamos a adoção filial.

10,16-22 Somos um só corpo; na Comunhão do Corpo e Entrar em comunhão


eucaristia devemos partilhar Sangue de Cristo, verdadeira com Jesus, a
os mesmos sofrimentos de libertando-nos do pecado. quem recebemos na
Cristo. Devemos afastar-nos Eucaristia e por conseguinte
CORÍNTIOS

da idolatria e prestar culto com todo o seu Corpo (a


ao único Deus. Igreja).
1

11,17-34 Participando da Eucaristia, Através da partilha do Anuncia a morte do Senhor


estamos em comunhão com pão (corpo) e do vinho até que ele venha.
Jesus. (sangue).

4,7-12 O cristão deseja ver Vivência do sofrimento Manifestação de Deus


2 CORÍNTIOS

manifestada em si a vida de da morte e ressurreição dentro do coração: ser


Deus, completando em si a de Jesus Cristo. A fé em testemunha de fidelidade ao
Paixão de Jesus Cristo. Jesus e a debilidade Evangelho.
humana.

1,24-29 Completar na nossa carne o Ação do Espírito Santo Participar da missão


que falta às tribulações de (poderosa força de Jesus evangelizadora e anúncio
Cristo. em nós). da Palavra de Jesus
COLOSSENSES

 Acontecimento histórico
Acontecimento que se dá num determinado tempo e espaço, podendo ser comprovado
empiricamente, mediante os meios da investigação científica.
Linguagem de exaltação
Um dos tipos de linguagem em que aparece formulado o acontecimento da ressurreição. Fazendo uso
de palavras-chave como exaltação, ascensão ou glorificação, esta linguagem afasta-se dum
delineamento temporal e enquadra o acontecimento da ressurreição num esquema espacial: apresenta
Jesus como aquele que foi “exaltado sobre todas as coisas” (Fl.2,9), “subiu ao céu” (Mc.16,19), foi
“elevado ao alto” (Heb.1,9). Ressuscitado, Jesus passa de uma condição de humilhação e de
rebaixamento, à condição de exaltação e glorificação. O objetivo desta linguagem é fazer sobressair a
novidade da vida em que Jesus entrou através da ressurreição.
Acontecimento real
É um acontecimento cheio de significado, mas que ultrapassa a dimensão do visível e do mensurável.
Por exemplo, o amor entre duas pessoas é algo real, contudo não é possível captá-lo através de
métodos empíricos. Convém salientar que estes acontecimentos se revelam mediante sinais históricos
e devem ser interpretados em relação à realidade invisível que os originou. Assim, no exemplo
apresentado, o amor expressa-se com demonstrações de carinho, a vida em comum, etc. que o
tornam visível e expressam a sua realidade oculta. A ressurreição de Jesus é um acontecimento real,
mas meta-histórico, uma vez que está para além da comprovação histórica.
Linguagem de ressurreição
Um dos tipos de linguagem em que aparece formulado o acontecimento da ressurreição. Esta
linguagem enquadra o acontecimento da ressurreição num esquema temporal: um antes e um depois
da páscoa, ou seja, primeiro Jesus morreu e depois voltou à vida. Assim, neste tipo de linguagem,
fica patente a conformidade entre a identidade de Jesus antes e depois da Páscoa: o ressuscitado é o
mesmo que fora crucificado e com o qual os discípulos conviveram. No entanto, esta linguagem
apresenta limitações ao não expor com nitidez a novidade da condição de Cristo ressuscitado.

 O problema de Deus, da religião, da fé, do sentido da vida, preocupou sempre os homens de todos os
tempos e continua a preocupar os homens de hoje. A questão de Deus é uma questão humana
fundamental. De uma forma ou de outra, todas as pessoas, questionando-se sobre si mesmas, sobre o
sentido das suas vidas, acabam por levantar a questão de Deus. A procura do transcendente e do
sagrado é uma realidade humana e universal. Sujeitas às mais variadas situações existenciais, como a
experiência do sofrimento, da finitude, da ausência de sentido, ou, pelo contrário, a experiência do
encontro, da verdade, da felicidade, as pessoas acabam por se interrogar sobre a existência de Deus.
Desde sempre todos os povos procuram respostas às questões profundas da existência humana: Qual
a origem de todas as coisas? Qual o destino último de toda a realidade? Fará sentido a vida humana
perante a morte? Poderemos esperar o triunfo do bem sobre o mal? Perante interrogações como estas,
Deus surge como a origem primeira e o fim último, no qual se encontra a bondade sem limites e a
esperança de uma felicidade sem ocaso.
No caso concreto do cristianismo, se olharmos, mesmo sem grande profundidade, para o panorama
atual, verificamos que na imensa maioria dos cristãos há um desconhecimento do essencial da fé
cristã; há um conhecimento inorgânico, não sistematizado nem atualizado, sem eixo nem centro,
incapaz de dar aos cristãos uma base séria que os possa ajudar a “dar razão da sua esperança” e da
sua fé no mundo de hoje. Consequentemente, existe uma errada hierarquização na ordenação – e
vivência – do conteúdo cristão, levando as pessoas, por vezes, a optarem pelo secundário,
esquecendo o fundamental.
Neste âmbito, a teologia fundamental, enquanto teologia dos fundamentos, procura falar de Deus,
num mundo que afirma ter alcançado a sua autonomia e autossuficiência nas questões fundamentais
a que se refere a existência. Se, por um lado, negar Deus é hoje apresentado como uma exigência
racional do progresso científico, por outro, o desenvolvimento das ciências obriga o homem a um
sentido crítico que o leva a sentir a necessidade do transcendente e o conduz à exigência de uma fé
pessoal e operante.
É nesta conjuntura que a teologia fundamental cumpre o seu dever, permitindo ao homem a
descoberta do inefável, do inaudito e do impensável, no acontecimento da revelação. É Deus que
decide entrar diretamente na história do homem, desvelando o seu mistério ao propor-lhe o seu
projeto salvífico de vida, manifestando-se-lhe através da Palavra, de ações, da história dum povo
(Israel) e, sobretudo, de seu Filho.
Jesus estabelece a unidade entre a Palavra e o acontecimento ao encarnar a revelação plena do amor
divino. Jesus não é um ser imaginário, mas alguém que existiu de facto na história da humanidade. É,
portanto, preciso procurar nos Evangelhos a verdade sobre a vida de Jesus e da sua mensagem, uma
vez que transmitem fielmente o que Jesus fez e ensinou. Há, ainda, fontes históricas fidedignas, de
origem romana e judaica, que fazem referência tanto à vida como à morte de Jesus. Evento central da
fé é a ressurreição, contudo é também dos mais incompreendidos. É através da vida, morte e
ressurreição de Jesus que o cristão tem acesso ao plano salvífico de Deus e, assim, acede à
possibilidade de se tornar participante do Reino.
À revelação amorosa por parte de Deus, o homem, por sua vez, responde positivamente ao convite,
pela fé, aderindo e comprometendo-se com Deus revelado, sobretudo, com Cristo e vivendo em
Igreja. A fé é, pois, um dom gratuito oferecido por Deus ao Homem, sem qualquer imposição de
aceitação. Trata-se de uma resposta voluntária, resultante da liberdade humana e o ponto central da
fé cristã é, sem qualquer dúvida, uma pessoa concreta – Jesus de Nazaré. É ele o motivo da nossa
esperança e, pela sua morte e ressurreição, o núcleo fulcral da fé. A fé cristã comporta, assim, este
paradoxo: é por um lado, o Deus escondido que se revela e, por outro, o Deus revelado que
permanece escondido. O seu ser e o seu amor estão sempre para além das nossas medidas.
Na bíblia, Deus intervém na história humana para se revelar, expondo-se à compreensão e adesão ou
à recusa das pessoas. Ele não é um Deus distante, que nada tem que ver com o destino de Israel, mas
um Deus presente e atuante. A sua atuação expressa-se desde logo na ação criadora, mas também na
constante solicitude com que vai acompanhando a história humana.
Mesmo quando Deus diz o seu nome (cf. Ex.3,14) – expressão do seu ser – e permite ao homem
conhecê-lo em verdade, para entrar em relação com ele, este nome permanece aberto ao mistério.
Esta abertura ao mistério de Deus, sempre maior e progressiva, manifesta-se no mais alto grau na
cruz de Cristo, onde se revela a glória de Deus, isto é, a sua transcendência, que é dom. Na pessoa de
Jesus, seu Filho, Deus dá-se totalmente, e mostra “uma vez por todas” quem e como ele é para nós,
desde sempre e para sempre: amor infinito e insondável.
Contudo, a descoberta progressiva e gradual da revelação divina, nem sempre teve a resposta
adequada.
A modernidade impôs a autonomia da razão em contraponto com a mundividência medieval,
centrada na fé, mas não contra a razão; antes pelo contrário, exigia a inteligência e desenvolvia-a,
mas na dependência da fé. O célebre axioma – fides quaerens intellectum (a fé precisa da razão) –
era posto em prática em todas as questões filosóficas e teológicas da Idade Média. Mas, a razão,
pouco a pouco, apareceu com toda a sua independência, autonomia, grandeza e sentido de absoluto.
Esta divisão entre fé e razão conduziu às posições estremadas do racionalismo e do fideísmo. Só
mesmo com o Vaticano II e com a encíclica de João Paulo II “Fides et Ratio” se viria postular não
apenas a compatibilidade entre os dois conhecimentos – fé e razão – mas a necessidade essencial de
coexistirem na busca da verdade.
Assim, a teologia fundamental movimenta-se numa estratégia de diálogo com a razão humana, com o
mundo descrente e com as outras religiões, servindo-se de estudos históricos e filosóficos para
estabelecer a credibilidade dos preambula fidei. Neste diálogo, é indispensável dar razões e motivos
nos quais se fundamenta a fé. Nunca, como agora, neste mundo pós-moderno, personalista e
pluralista (depois dos fracassos dos idealismos da modernidade, como o da ciência enquanto modelo
de totalidade e os das ideologias que se autoproclamavam de verdade absoluta), se sentiu tanta
necessidade de ir ao essencial da fé cristã e de redescobrir a sua originalidade.
Com efeito, a fé acontece quando alguém faz a experiência de encontro com a presença de Deus.
Crentes e não crentes fazem as mesmas experiências de finitude, do dever moral, da liberdade, do
sentido e da ausência dele, bem como da morte. O que distingue o crente do não crente é a
interpretação que cada um faz dessas experiências. O crente é, por definição, otimista. Transporta
Deus para a compreensão da pessoa e da história atribuindo-lhe um sentido definitivo. O não crente,
negando Deus, nega a possibilidade de a vida, a história e o universo terem um sentido definitivo.
Até admitindo a impossibilidade de demonstrar de forma evidente a revelação de Deus, não deve
implicar que não haja razões que sustentem a fé na sua existência. Deus não é nenhuma hipótese
absurda ou irracional. Bem pelo contrário. Mas sendo alguém que existe para lá do universo, não se
confundindo com nenhum objeto do mundo, não se podem utilizar os métodos das ciências para
verificar a sua existência. Se pudéssemos compreender Deus totalmente, ele deixaria de ser Deus —
o infinito, o eterno, o absoluto — e passaria a ser um objeto limitado. É por ser infinito que Deus está
sempre para lá de todas as nossas capacidades de compreensão, de todas as nossas teorias. Ele é o
mistério absoluto que nós podemos apenas entrever, mas não decifrar inteiramente. O que não
significa que não possamos encontrar razões para acreditar nele, aspetos que nos convidam a aceitar
que toda a realidade tem um sentido último, dado por Deus. A fé não é, portanto, uma atitude
irracional; traduz-se na confiança em Deus e num consequente compromisso de vida. Acreditar em
Deus é acolher e confiar no sentido último da vida.
É também esta a função da teologia fundamental: “permitir ao homem a descoberta do
acontecimento da revelação, para que a partir da fé, como resposta à oferta do Deus que se revela, e
dando razões da sua fé e esperança, possa acalmar as ânsias de infinito e encontrar o fim da sua
busca”.
No que respeita às minhas convicções pessoais, naturalmente, o estudo desta disciplina facultou uma
nova reflexão acerca da minha situação existencial, enquanto cristão. O esclarecimento de algumas
questões, como as perspetivas acerca da ressurreição de Jesus, ou a interpretação teológica de alguns
acontecimentos relatados nos evangelhos, ou ainda, a relação entre a fé e a razão, permitiu um
aprofundamento e um discernimento mais ativo da minha fé.
Frequentemente, acreditar exige um coração aberto e uma mente livre para acolher o que Deus tem
para oferecer e, muitas vezes, se permite que a razão cegue o coração, ocultando Deus que,
preferencialmente, se dá a conhecer nesta dimensão.
Com o estudo desta matéria, pude amadurecer e fundamentar melhor a minha fé, encontrando
respostas para dar um melhor sentido às minhas certezas – mas também bases para esclarecer as
minhas dúvidas na contínua busca de Deus – e para ser testemunha, credível, nas várias vertentes da
minha vida nas quais Deus se manifesta.

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