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A partir das etapas históricas do

povo de Israel

Celso Loraschi
Visão geral da Bíblia
a partir das etapas históricas do povo de Israel
A Palavra de Deus contida na Bíblia é resultado do testemunho de
muita gente de fé que se organiza e se movimenta com o objetivo de formar
um povo de irmãos e irmãs. Esta história é a própria história do amor de
Deus que intervém para salvar os seus filhos e filhas. Faz Aliança com eles
e lhes é fiel até o fim, a ponto de se encarnar em Jesus de Nazaré e dar sua
vida em resgate da vida em abundância para todos.
A Bíblia é Palavra de Deus enquanto está a serviço da vida digna
sem exclusão. Portanto, o texto bíblico deve ser lido e interpretado em
íntima ligação com a realidade e deve motivar ao compromisso comunitário
(cf. Lc 24,13-35). → Palavra de Deus = realidade - texto bíblico -
comunidade...

Deus se revela na história humana


No intuito de colaborar para uma hermenêutica bíblica na
perspectiva social, vamos fazer uma viagem pelas principais etapas
históricas do Povo de Israel. Vamos recordar (= colocar no coração de
novo) a ação de Deus nesta história. Ela é História de Salvação e só pode ser
percebida a partir dos pequenos e pobres. São as mulheres e os homens não
auto-suficientes, dependentes de ajuda e, por isso, abertas à graça divina. Na
Bíblia da Primeira Aliança (Antigo Testamento) essa gente é chamada, na
língua hebraica, de “ani” e de “anaw”. A raiz verbal dessas palavras
significa “vergar” ou “ser vergado”. Portanto, referem-se às pessoas
“vergadas” ou “rebaixadas” pelo peso da opressão política ou da exploração
econômica. Elas ocupam o lugar inferior da pirâmide social, não têm
capacidade de defesa própria e estão entregues nas mãos de quem tem
poder.
Outra palavra para falar da gente necessitada é “ebyon”. São
aquelas pessoas que são pobres por causa das circunstâncias da vida:
doença, enchentes, secas, viuvez... Tem ainda outro termo muito usado que
é “dal”. Sua raiz verbal significa “ser magro, ser fraco, andar
cambaleando” por causa de sua constituição física muito fraca...
Essa gente toda, por não ter recursos e nem prestígio social, torna-se
presa fácil dos poderosos. E ninguém assume a sua causa em favor da
justiça. Ninguém? Não é verdade: Deus mesmo vai ser o seu defensor
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(go’el) e vai tomar partido em favor do resgate de sua vida. É o que
constatamos na nossa tradição judaico-cristã.

1ª etapa:
Época dos Pais e Mães na fé (anterior a 1250 a.C.)
Comecemos lembrando os nossos Pais e Mães na fé. Aí estão as
famílias de Sara, Agar e Abraão; de Rebeca e Isaac; de Lia, Raquel e Jacó...
É só ler o livro de Gênesis a partir do capítulo 12. Com seus pequenos
rebanhos, tinham de se deslocar continuamente para regiões que
garantissem pastagens. Como semi-nômades andavam pelas terras da
Caldéia, Mesopotâmia, Canaã... (Cf. Gn 12,1-12).
O Egito dominava toda a região. Pouco a pouco, as famílias dos
pequenos agricultores e dos pastores foram sendo absorvidas no sistema das
Cidades-Estado, cada uma delas governada por um rei que, por sua vez,
estava sob o domínio do faraó. Os trabalhadores deviam disponibilizar sua
mão-de-obra e os produtos da terra aos interesses dos reis e suas Cidades-
Estado. Em troca, o rei garantia a presença do exército para a “proteção” e a
“segurança” dos trabalhadores... Sempre mais, estes foram se
empobrecendo e dependendo da política dos palácios... (Cf. Gn 47,13-26).
E aconteceu que o faraó, Ramsés II, no afã de aprofundar e ampliar
seu domínio, decidiu mandar construir grandes obras no delta do rio Nilo.
Para isso obrigou esta gente pobre a trabalhos forçados (ou corvéia). Foram
vergados debaixo da carga de violenta opressão... (Cf. Êx 1,8-14).

2ª etapa:
Época do Êxodo e da organização das Tribos
(1250 a 1040 a.C.)
Eis que Deus intervém nesta história e vem defender a vida das
pessoas indefesas... Face à pobreza e à opressão, fruto da política do faraó,
Deus revela seu Projeto de libertação. Sua força se faz sentir pela
movimentação popular, desde as parteiras Sefra e Fua, até a organização
mais ampla dos explorados, sob a liderança de Moisés, Aarão, Miriam,,
Josué... “Eu vi o jeito como foi vergado o meu povo que está no Egito e ouvi
o seu clamor contra aqueles que o oprimem, conheço as suas dores. Por
isso, desci para libertá-lo...” (Ex 3,7-8). “Eu sou Javé. Eu tirarei de cima

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de vocês as cargas do Egito, eu os libertarei da escravidão e os resgatarei
com mão estendida, fazendo justiça solene. Eu os adotarei como meu Povo
e serei o Deus de vocês, aquele que tira de cima de vocês as cargas do
Egito...” (Ex 6,6-7).
Sensível à miséria do seu Povo, Deus se torna o Padrinho dos
indefesos, o Resgatador da sua dignidade, da sua autonomia e da sua
liberdade. Apresenta-se como Javé, o Deus libertador dos pobres. Não é,
porém, uma libertação mágica. É feita de indignação e lutas frente à
situação injusta. É feita de caminhos abertos pela determinação dos grupos
inconformados com o destino imposto pelos que detêm o poder... (Cf. Ex
1,15-22; 3, 1-20).

O povo aprende a caminhar com Deus


Esta experiência do Êxodo se torna o acontecimento fundante da
história do Povo de Israel (Israel significa “Deus luta”: cf. gn 32,23-33).
No meio de erros e acertos, de revoltas e desânimos, de dúvidas e
incertezas, de conquistas e derrotas, Israel vai aprendendo a construir um
Projeto diferente daquele apresentado no Egito. Vai aprendendo a acolher o
jeito de Deus atuar na história.
A maturidade é filha da dor. Depois de ter sido “vergado” pela
opressão no Egito, o Povo precisa aprender a se deixar “vergar” pela
vontade amorosa de Deus. A caminhada pelo deserto, durante 40 anos, é a
oportunidade desta aprendizagem feita de conflitos, conversas, avaliações,
memória, sonhos, compromissos... Novos grupos de marginalizados se
juntam ao movimento de libertação liderado pelo grupo de Moisés:
camponeses, pastores, endividados, perseguidos...
O Projeto de Deus vai clareando e se definindo pouco a pouco: uma
sociedade onde a economia seja baseada na partilha segundo a necessidade
de cada pessoa (cf. Ex 16,1-36); onde a política esteja a serviço de uma
organização de base (cf. Ex 18,13-27); onde a religião seja garantidora de
relações igualitárias e fraternas (cf. Êx 20,1-21)...

Um povo de irmãos
Estamos pelo ano 1.200 antes de Cristo. Ao conquistar a Terra
prometida, o Povo de Israel, organizado em tribos, durante
aproximadamente duzentos anos, se esforça para colocar em prática o que
aprendera no deserto. Esforça-se para ser um “povo de irmãos” como

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definiu mais tarde o livro do Deuteronômio. E irmão nenhum pode ficar
excluído dos bens necessários à vida digna... (Cf. Dt 15,1-11).
As leis e os costumes que as tribos foram adotando visavam proteger
os bens necessários para a subsistência das famílias e clãs. A terra, cujo
único dono é Deus, devia assegurar a igualdade entre todos e garantir a
liberdade e o sossego de cada pessoa. O ideal era viver em paz, à sombra de
sua vinha e de sua figueira. Os estudos arqueológicos em cidades israelitas
confirmam esta igualdade de condições sociais. Por exemplo, na cidade de
Tirça, as casas do século X a.C. têm todas as mesmas dimensões.
Leis especiais são criadas para garantir os direitos de certas
categorias de pessoas sujeitas à ganância alheia. Assim recebiam especial
atenção os estrangeiros, viúvas, órfãos, escravos e pobres. O Código da
Aliança é um bom exemplo destas leis (Ex 20-24). Certamente são
conquistas provenientes da reivindicação destas pessoas marginalizadas
pelo projeto oficial.
3ª etapa:
Época da Monarquia unida (1040-931 a.C.)
As tribos de Israel viviam continuamente ameaçadas pela invasão de
povos vizinhos. Internamente, a disputa de poder vai corroendo a unidade
nacional. Israel decide constituir um estado forte. Escolhe um rei, imitando
outras instituições de realezas existentes no Oriente Próximo. Vai se
impondo o sistema da Monarquia, a partir do ano 1040 a.C., com Saul, Davi
e depois Salomão. Salomão manda construir o palácio real em Jerusalém e
também o Templo que vai ser a sustentação ideológica da Monarquia.
Nasce agora toda uma classe de funcionários, administradores, o
harém do rei, conselheiros políticos e militares, a guarda real, os sacerdotes
do templo... Foi organizado o exército profissional reforçado com carros de
guerra... São construídas fortificações e cidades militares... Tudo isso
realizado através de trabalhos forçados, imposição de altas taxas e
exploração, a tal ponto, que levou o Povo a uma nova escravização... (Cf.
1Sm 8,1-22; 1Rs 10,14-29).
4ª etapa:
Época da Monarquia dividida:
Reino do Norte ou de Israel (931 a 722 a.C.) e Reino do Sul ou de
Judá (931 a 586 a.C)

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A revolta do povo por causa da opressão do governo de Salomão era
muito grande. Quando Salomão morreu, as tribos do Norte, lideradas por
Jeroboão, romperam com o governo do filho de Salomão, chamado Roboão
e organizaram um Reino independente... (Cf. 1Rs 12,1-33). Passou a
chamar-se de Reino de Israel e durou até o ano de 722 a.C., quando os
Assírios invadiram o Norte e tomaram a capital da Samaria... (Cf. 2Rs 17,5-
23). A Assíria trouxe para esta terra outros povos que deram origem aos
samaritanos... (Cf. 2Rs 17,24).
O Reino do Sul ou de Judá, de modo diferente do que aconteceu no
Norte, foi governado por descendentes de Davi: foi uma Monarquia
dinástica. Durou até o ano de 587 a.C. quando os babilônios invadiram e
destruíram a capital de Jerusalém... (Cf. 2Rs 24,10-25,30).

Os Movimentos Proféticos

Tanto a Monarquia Unida como a Monarquia Dividida permitiram o


aparecimento de uma classe rica e influente, fazendo carreira na
administração real. Os grandes proprietários e comerciantes relacionados
com o estrangeiro vão impondo seu domínio sobre o destino da população
sempre mais empobrecida e enfraquecida, empurrada para a margem da
sociedade.
No meio desta gente de baixo surgem agora os Movimentos
Proféticos. Numa postura clara, os profetas e profetisas são defensores da
vida das pessoas excluídas... (Cf. 2Sm 12,1-15; 1Rs 21,1-29). Eles, em
nome de Deus, vêm mostrar que é possível um outro mundo, a partir da
organização dos pequenos... (Cf. 1Rs 17,7-16; 2Rs 4,42-44).
Os profetas e profetisas denunciam que a Aliança de Deus com seu
povo, vivida no Êxodo-Tribalismo foi quebrada com a Monarquia. É só
olhar para os “cacos” sociais que são as pessoas empobrecidas. Os
trabalhadores eram enganados e privados dos seus bens mais elementares,
devorados pela ganância dos grandes (Cf. Is 5,8-14). As atitudes dos ricos
folgazões esmagam os fracos e oprimem os pobres indefesos... (Cf. Am 8,4-
8).
Nesta injustiça institucionalizada vemos até juízes e sacerdotes
deixando-se subornar e se vender por propinas... (Cf. Mq 3,9-11). São
muitos os textos proféticos que revelam o tipo de política que vai
privilegiando um grupo de poderosos que se impõem arrancando a pele dos
pobres... (Cf. Jr 5,26-28).
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Dissemos acima que as escavações na cidade de Tirça revelam que
no século X a.C. as casas tinham as mesmas dimensões e acabamentos, o
que denota a igualdade social das famílias. Pois neste mesmo local, no
século VIII a.C. as pesquisas apontam bairros de casas ricas maiores e bem
construídas, separadas dos bairros onde se amontoam as casas das famílias
pobres.
Os Movimentos Proféticos, porém, durante todo o tempo da
Monarquia, revelam que estes pobres não cruzam os braços. Inconformados
e indignados com o sistema que os explora, se levantam e buscam saídas,
iluminados pela proposta da Aliança vivida na época do Tribalismo.

5ª etapa:
Época do Exílio da Babilônia (587-539 a.C)
O Exílio da Babilônia, que começou em 587 a.C., veio acabar
bruscamente as manobras políticas e econômicas da classe dirigente de
Israel. Jerusalém e o Templo foram destruídos por Nabucodonosor e seu
exército. Grande parte do pessoal do palácio e do templo foi levada para a
Babilônia. Os pequenos agricultores ficaram na terra da Palestina. O Exílio
durou 50 anos. Tempo de revisão e aprofundamento da fé.
O Movimento Profético do Segundo Isaías (Is 40-55) chama os
exilados de “pobres” não tanto por causa de sua situação econômica, mas
porque estão “vergados” sob o domínio estrangeiro. Devem reaprender
agora a ser “servos de Javé” e construir uma Nova Aliança na humildade e
na justiça... É lá no Exílio da Babilônia que a utopia do “paraíso terrestre” é
reconstituída: são redigidos os primeiros capítulos de Gênesis. A Monarquia
é condenada como um grande pecado que trouxe a maldição social, pois
abandonou o Projeto de Javé e quebrou a santa Aliança que Ele fez com o
seu Povo (Cf. Gn 2,4b-25 comprando com Gn 3,1-24).
Segundo Ezequiel 34, foram os maus pastores que conduziram as
ovelhas de Israel ao exílio. Agora, Deus mesmo torna-se o pastor destas
ovelhas dispersas. Voltando-se a Javé e conduzidas pelo ruído do Espírito,
devem aprender a se articular como Povo de Deus e sair da situação de
“ossos secos” e separados... (Cf. Ez 37,1-28). É tempo de renovar a
esperança!

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6ª etapa:
Época do Domínio Persa (539-332)
O Exílio da Babilônia passou. Ciro, o rei persa, vencendo o império
babilônico promove a volta dos hebreus à sua terra. Estamos no ano 538
a.C. Muitos preferiram ficar por lá pois estavam muito bem estabelecidos.
Quem volta tem o objetivo de reconstruir o templo em Jerusalém. Os
repatriados trazem capitais da Babilônia... (Cf. Esd 1,1-11).
Os que estão na terra levam uma vida modesta e tranqüila em suas
pequenas propriedades até que os exilados voltam. Agora são taxados de
impuros porque são de raça mista. Surge forte conflito com relação à
reconstrução do templo... (Cf. Esd 4,1-5). O sistema sacerdotal do puro e do
impuro vai se impondo ao redor do templo que, finalmente consegue ser
reconstruído.
Reaparecem agora as classes sociais. Ressurge, de novo, a opressão
dos trabalhadores obrigados a venderem a sua força de trabalho... (Cf. Ne
5,1-5). Aprofunda-se a injustiça e a violência, mesmo diante da aparência
de humildade manifestada nos cultos, jejuns e sacrifícios. Os pobres vão
perdendo a esperança de um futuro melhor. Têm o “coração despedaçado”.
Estão abatidos e prisioneiros de sua miséria... (Cf. Is 58,1-12).

7ª etapa:
Época do Domínio Grego (332-142)
O Império Grego venceu os persas em 332 a.C. com Alexandre, o
Grande. A escravização afeta profundamente a vida do Povo. O processo
de implantação da cultura grega (helenização) valoriza o corpo, a vida na
cidade, os jogos olímpicos, os heróis, a vida intelectual e as filosofias...
As tradições autênticas da história de Israel são ameaçadas de extinção...
Após a morte de Alexandre, o Império fica dividido entre os
generais. O Egito ficou com Ptolomeu ou Lagi, enquanto a Síria e a
Babilônia ficaram sob o governo do general Selêuco. A Judéia ficou sob
o domínio dos Ptolomeus do Egito de 323 a 198 a.C. Os Selêucidas da
Síria dominaram de 198 a 142 a.C. e exerceram forte opressão sobre os
judeus. É nesta época que surge a guerrilha dos Macabeus, especialmente
porque foi abolido o culto judaico e o templo foi dedicado ao deus grego,

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Zeus.... (Cf. 1Mc 1 e 2). A fé na ressurreição manifesta-se como fruto da
insurreição das pessoas oprimidas... (Cf. 2Mc 7,1-42). A resistência revela-
se também através do Movimento Apocalíptico... (Cf. Dn 12,1-13).
Os Movimentos Sapienciais
Neste contexto de dominação pós-exílica surge o Movimento
Profético do Terceiro Isaías (Is 55-66). Ele anuncia o caminho para um
“novo céu e uma nova terra”... (Cf. Is 65 17-25). Isaías faz a convocação
dos pobres para ouvirem uma “boa notícia” que deve reanimá-los e
“consolar os aflitos”. É a boa notícia de um ano jubilar. O próprio Jesus vai
usar mais tarde este texto para fundamentar a sua prática junto às pessoas
excluídas...(Cf. Is 61,1-2 e Lc 4,18-19).
A lei do Ano Jubilar, escrita no livro de Levítico 25, obriga a libertar
os escravos e a devolver a cada um os seus bens. É um movimento que vem
de baixo, do mundo dos empobrecidos, que resgata a utopia da igualdade
social vivida no tempo do Êxodo-Tribalismo. Esta libertação não é o
resultado do desejo de quem tem poder. Ela se opõe aos orgulhosos e
gananciosos. Ela é resultado da organização das pessoas “curvadas e de
espírito humilde” que acolhem e levam a sério a Palavra de Deus.
É nesta linha que surgem também os Movimentos Sapienciais.
Dentro da dominação estrangeira e do legalismo do sistema religioso de
pureza, as mulheres e homens excluídos se levantam continuamente e de
diversos modos. São grupos rebeldes e criativos. Contrapõem o sistema
concentrador pela proposta da Aliança que restabelece o direito e a justiça.
Os pobres e humildes possuirão a terra e nela viverão cheios de amor,
alegria e paz. É a proposta levantada pelos livros sapienciais. O livro de
Eclesiastes, por exemplo, reflete o sonho das famílias trabalhadoras da roça
e da cidade: comer, beber e viver na liberdade e na felicidade, aproveitando
dos frutos do seu próprio trabalho... (Cf. Ecl 2,24; 3,12; 5,17; 8,15; 9,7-10).
A linha oficial do Templo e a sua teologia da pureza e da retribuição
são questionadas profundamente pelo livro de Jó. É a voz dos oprimidos que
sofrem sob o peso da exclusão devido aos dogmas instituídos pelos
sacerdotes. Deus não pode apoiar quem oprime. “Porque ele humilha os
arrogantes e salva os que se humilham. Ele liberta a pessoa inocente, e a
pessoa será salva pela pureza de suas próprias mãos” (Jó 22,29-30).

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8ª etapa:
Uma época de autonomia (142 a 63 a.C.)
A Judéia chegou a conquistar um período de independência durante
o governo da dinastia dos Hasmoneus, da família dos Macabeus, até o ano
de 63 a.C. Neste tempo foram restauradas as leis e instituições da tradição
judaica.
No entanto, a corrupção e politicagem continuam muito vivas. O
governo dos Hasmoneus pediu a intervenção dos romanos. O exército
romano, liderado pelo general Pompeu, invadiu a Judéia e dominou a capital
de Jerusalém no ano 63 a.C.

9ª etapa:
Época do Domínio Romano (63 a.C a 135 d.C.)
É nesta época de dominação romana que toda a região dos judeus
passa a ser chamada de Palestina. A opressão exercida pelos romanos é
muito grande, com forte controle do exército e cobrança de pesados
impostos. O sistema de pureza e o controle dos grupos político-religiosos
ligados ao Templo exercem grande pressão sobre o Povo. Surgem muitos
movimentos rebeldes, especialmente na região da Galiléia.
Herodes, o Grande, governa toda a Palestina de 37 a 4 a.C. Foi neste
época, pelo ano 6 a.C., que Jesus nasceu.

O Movimento de Jesus
Jesus de Nazaré, o filho de Deus, vem revelar o verdadeiro rosto de
Deus Pai: justo, fiel e misericordioso. Assumindo a condição humana,
indicou por suas palavras e ações o caminho da vida em abundância sem
exclusão. Deu o exemplo de como ser fiel ao Projeto de Deus, vencendo as
tentações do poder e assumindo o lugar social das pessoas necessitadas e
oprimidas pelo Império Romano e pela ideologia do Templo. São elas as
destinatárias e agentes do Reino de Deus que Jesus vem inaugurar. (Cf. Lc
4,1-13 + 4,16-19 + 6,20-26 ...).
Jesus, na verdade, insere-se dentro da linha dos Movimentos
Populares da Primeira Aliança. Fiel à Tradição da Aliança, Ele se posiciona
claramente contra o Sistema de Pureza idealizado e controlado pela elite de
diversos grupos político-religiosos: sacerdotes, escribas, saduceus,
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fariseus... A multidão de pessoas “impuras”, excluídas por este sistema do
Templo, tem voz e vez no Movimento de Jesus. Sua missão consiste,
fundamentalmente, curar os doentes e expulsar os demônios. Isto significa
que a proposta de Jesus e de seus seguidores e seguidoras é de garantir vida
digna para todos: saúde e liberdade; bem-estar físico e alegria interior;
aceitação profunda de si mesmo e amor gratuito aos irmãos e irmãs
preferencialmente às pessoas em situação de necessidades.
Neste sentido, as primeiras comunidades cristãs continuam o
Movimento de Jesus organizando-se, a partir da base, nos princípios da
partilha, da igualdade e da fraternidade... (Cf. At 2,42-47 + 4,32-35 + 5,12-
16...). Surgem vocações e ministérios diversos, equipes missionárias como a
de Paulo e seus companheiros, muitas viagens, cartas e outros escritos, para
anunciar Jesus Cristo e a salvação que ele trouxe para todos os povos. A fé
e a justiça provocaram muitos conflitos, perseguições e mortes. No entanto,
o Movimento de Jesus permaneceu vivo e atuante na história.

Deus está em nosso meio e nos liberta!


Jesus é o Emanuel: Deus conosco! Onde há amor aí mora Deus.
Nenhum lugar tem o monopólio de Deus. Ele se revela através da história
das mulheres e homens marginalizados: nas casas, nas ruas, nas roças, nos
campos, nas grutas, na praia, no mar, no deserto... Identifica-se com o
assaltado e semimorto, jogado à beira do caminho; com as pessoas famintas,
nuas, doentes, presas, pecadoras...
Deus, portanto, está mais presente e atuante do que a gente imagina.
Está mais perto e íntimo do que podem explicar as teologias. Ele age
libertando junto às pessoas humildes e necessitadas sem pedir licença para
os doutores da doutrina oficial.
Os grandes e sabidos não conseguem compreender a lógica de Deus.
Ele a revela aos simples e pequeninos. São Paulo constatou esta verdade na
comunidade cristã de Corinto: “...Deus escolheu o que é loucura no mundo,
para confundir os sábios; e Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para
confundir o que é forte. E aquilo que o mundo despreza, acha vil e diz que
não tem valor, isso Deus escolheu para destruir o que o mundo pensa que é
importante. Desse modo, nenhuma criatura pode se orgulhar na presença
de Deus” (1 Cor 1,26-29).

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Consideração final
Para uma hermenêutica bíblica na perspectiva social é importante
considerar os textos bíblicos como resultados de uma grande caminhada
histórica em contínuos Movimentos Populares. Eles nascem do lugar social
dos pobres suscitados pela fé em Deus que desce sempre de novo para
libertá-los; eles emergem da fonte da água viva de dois grandes
acontecimentos que revelam o agir libertador de Deus na história humana: o
Êxodo-Tribalismo e Jesus Cristo morto e ressuscitado. São Movimentos
que não seguem a oficialidade. Eles vêm de baixo, emergem da periferia.
São muitos estes Movimentos, tanto na Bíblia como em nossos dias.
São muitas as pessoas de fé e coragem que se entregam pela causa do Reino
de Deus, nas famílias, nas comunidades e na sociedade... Jesus com seu
Evangelho nos atinge, nos questiona, nos desacomoda e nos impulsiona na
busca de caminhos sempre novos. Caminhos do direito e da justiça, do amor
e da paz.

Bibliografia básica:
1. GASS, Ildo Bohn (org.). Col. Uma introdução à Bíblia, 08 volumes. São
Leopoldo: CEBI; São Paulo: Paulus, 2002-2005.
2. GALLAZZI, Sandro. Israel na História: seu povo, sua fé, seu livro. São
Leopoldo: CEBI, 2011.
3. BALANCIN, Euclides Martins. História do povo de Deus. São Paulo:
Paulinas, 1989.

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