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FILOSOFIA DA

RELIGIÃO
Deus e religião
nos sistemas
de pensamento
contemporâneos:
filosofias religiosas
nos séculos XIX e XX
Gabriel Bonesi Ferreira

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Esclarecer como a fenomenologia cristã recuperou, no século XX, a religião


como questão ético-antropológica fundamental.
>> Analisar a recuperação da metafísica e da ontologia aristotélico-tomista
pela corrente filosófica do neotomismo.
>> Explicar como a filosofia analítica retoma os argumentos centrais constitu-
ídos ao longo da história da filosofia da religião.

Introdução
Durante os séculos XIX e XX, surgiram diversas filosofias religiosas de correntes
distintas. O pensamento desse período foi bastante amplo, tanto em leque de
correntes filosóficas quanto em número de pensadores que voltaram a debater
2 Deus e religião nos sistemas de pensamento contemporâneos: filosofias religiosas...

o tema. A distinção de concepções é ampla e por diversas vertentes e ângulos


aproximam noções filosóficas do debate relacionado à deidade e à racionalidade,
que envolve a aproximação e relação entre filosofia e teologia.
Neste capítulo, você conhecerá as primeiras formulações da filosofia da reli-
gião desse período histórico. As formulações filosófico-teológicos das diferentes
correntes de pensamento foram praticamente simultâneas ou separadas por um
breve período de tempo, mas é possível verificar uma grande diferença entre elas.
Esses temas serão trabalhados em três seções, nas quais serão apresentadas
algumas das contribuições dos principais filósofos desse período, relacionadas
à fenomenologia, à neoescolástica e à filosofia analítica.

A religião como questão ético-antropológica


Fenomenologia e existencialismo são duas correntes filosóficas comumente
confundidas, visto que a segunda se valeu de diversos conceitos e funda-
mentos da primeira. Não é possível falar em uma única fenomenologia ou em
um único existencialismo, pois mesmo autores dessas correntes divergem
entre si, mas trata-se de corrente filosóficas distintas.
Sobre a fenomenologia, Lucas Hernández (1999, p. 44, tradução nossa)
escreve: “[...] sem apressar a apresentação do conceito de fenomenologia,
basta dizer que ela nasceu mais como método que como saber especial.
Seu ponto de partida é a observação do fato que se mostra ao sujeito.”
Desse modo, tal corrente surge como um método filosófico que busca
observar e compreender o que se mostra, explicar o que é experimentado
e como é essa experiência. Por sua vez, o existencialismo designa diversas
doutrinas distintas, as quais Beaufret (1976, p. 12) define, em suas pala-
vras “muito genericamente”, como “toda filosofia que trata diretamente
da existência humana, visando elucidar, ao vivo, o enigma que o homem
é para si próprio”. Assim, o que pode ser interpretado como central no
existencialismo é expor o humano a si mesmo de modo que se parta dele
próprio, negando métodos indiretos ou de explicação geral para ao final
formular suas teses.
No tema da filosofia da religião, é possível apontar as figuras de Karl
Jaspers e Gabriel Marcel como dois grandes expoentes do existencialismo
cristão. Para compreender o existencialismo do psiquiatra e filósofo ale-
mão Jaspers (1883–1969) (Figura 1), é importante reconhecer que ele define
como papel próprio da filosofia o estudo da existência, na medida em que
as ciências em geral, dentre as quais se inclui a biologia, a psicologia, a
sociologia, etc., são capazes de explicar os seres humanos como objetos
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do mundo, deixando de lado a sua existência (REALE; ANTISERI, 2006). A


existência é vista como singular, sempre como minha própria existência.
A escolha que cabe ao humano é o reconhecimento e a aceitação de sua
existência, de sua identificação com sua história e realidade. O caminho
oposto seria a traição de si próprio.

Figura 1. Busto de Karl Jaspers em sua cidade


natal, Oldenburg, Alemanha.
Fonte: Karl Jaspers ([202-?, documento on-line).

A aceitação de si pressupõe o reconhecimento de situações-limite, que


são situações imutáveis, definitivas, irredutíveis e inescapáveis, como a
morte, além do reconhecimento do “naufrágio” da existência, isto é, da
percepção de que todas as coisas tem um fim (REALE; ANTISERI, 2006).
Esses fatos experimentados durante a vida são capazes de nos revelar a
possibilidade de uma transcendência a partir do esclarecimento dessas
situações.
A transcendência é intangível ao conhecimento científico e possui
dois significados no pensamento jasperiano: “[...] por um lado, ao que
está além da realidade objetiva, pois ‘excede’ os limites da experiência
empírica. E, por outro, é usada para indicar o movimento de ‘ultrapassar’,
‘saltar’, para além dos limites que determinam à existência humana”
(MELO, 2012, p. 56).
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A possibilidade de transcendência pode ser vista por meio desses


sinais das situações-limite e do naufrágio da existência. A esse res-
peito, Benetti (2011) comenta que a transcendência não é um dado que possa ser
conceituado. Jaspers chegou a identificar a transcendência como Deus, e frente
ao abismo escancarado pelas situações-limite e pelo naufrágio da existência
seria possível experimentar Deus. Desse modo, Deus pode ser identificado com
esse transcendente. A transcendência não pode ser definitivamente conhecida,
mas pode ser vislumbrada por seus sinais (REALE; ANTISERI, 2006), o que abre a
possibilidade da conquista da existência autêntica por meio do que se revela
a partir dos sinais transcendentes.

Em sua obra, por sua vez, o filósofo e dramaturgo francês Gabriel Marcel
(1889–1973) defende que o crer e o verificar são assimétricos e não antinômi-
cos (REALE; ANTISERI, 2006). A ciência e a verificação são capazes de definir
verdades empíricas, mas excluem outros objetos não verificáveis, mas pas-
síveis de aproximação por meio de um procedimento racional denominado
segunda reflexão. Deus, objeto da fé, não pode ser explicado pela ciência
ou por demonstrações verificáveis, visto que Deus está além da razão e das
relações causais.
Por consequência, o sujeito da fé, “[...] o indivíduo irrepetível em sua
situação substituível, está fora do discurso científico verificável” (REALE;
ANTISERI, 2006, p. 235). O sujeito é insubstituível pois sua fé lhe é própria, assim
como sua escolha. Por outro lado, em uma teoria científica pouco importa o
olhar do sujeito, e as suas “verdades” são verificáveis por qualquer sujeito.
Assim, também o mundo da fé seria distinto do mundo da ciência: enquanto
o primeiro é radicalmente metafísico, o segundo pode ser lido por métodos
empiricamente verificáveis.
Marcel defende a impossibilidade de criar saberes sobre Deus, uma vez
que Ele é intangível e não verificável. Deus faz parte de um mistério que não
pode ser explicado, mas que pode ser analisado a partir da participação no
mistério, como ocorre nas experiências cristãs de fidelidade, esperança e
amor (REALE; ANTISERI, 2006). Deus pode ser invocado, mas não demonstrado.
Outra corrente do século XX foi o personalismo, idealizado pelo teólogo
e filósofo francês Emmanuel Mounier (1905–1950). “A ideia central do pen-
samento personalista é a ideia de pessoa, na sua não objetivação, inviola-
bilidade, liberdade, criatividade e responsabilidade; de pessoa encarada
em um corpo, situada na história e constitutivamente comunitária” (REALE;
ANTISERI, 2006, p. 399).
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Mounier propõe superar o que considera a crise do ser humano do século


XX por meio da inserção da pessoa no centro da discussão teórica e da ação
prática. Assim, entende que a pessoa é não objetificável e composta de três
dimensões: vocação, encarnação e comunhão. Sob esse ponto de vista, os
três exercícios para a formação da pessoa seriam (REALE; ANTISERI, 2006):

„„ medição, por meio da qual se busca a vocação entendida como o próprio


lugar e sobre os próprios deveres na comunhão universal;
„„ engajamento: com o qual se reconhece a encarnação de seu corpo
situado em condições históricas específicas;
„„ renúncia a si mesmo, o que significa doar-se à comunidade e ao dom
da vida junto aos outros.

Essas dimensões revelam que a pessoa é encarnada em um corpo e faz


parte de uma história, além de ser naturalmente comunitária. Nesse âmbito,
a atitude personalista em relação à história é de otimismo trágico: otimismo
pela crença de que a verdade está destinada a triunfar e trágico porque
pressupõe a aceitação realista diante da realidade social sobre a qual é ne-
cessária a atuação. Para Mounier, o grande medo do século XX é o de que toda
humanidade possa desaparecer, temor que pode e deve ser levado em conta
pela fé cristã, permitido o surgimento de iniciativas com o força liberadora,
visando a construção de uma sociedade melhor (REALE; ANTISERI, 2006). Para
tanto, o cristianismo deve se desligar de todas as desordens estabelecidas,
como partidos, classes dirigentes, estruturas sociais, etc., bem como evitar
que o mundo perca os valores cristãos.
A freira alemã Edith Stein (1891–1942) é outra importante pensadora da
tradição personalista, que emprega o termo pessoa:

[...] primeiramente para designar as características da pessoa divina e posterior-


mente para distinguir o ser humano de todos os outros seres da natureza. Assim,
nos escritos steinianos, o termo pessoa designa a individualidade de cada ser
humano, marcada pela racionalidade (CRUZ, 2018, p. 25).

Tais argumentos são utilizados por Stein para atestar que a pessoa como
ente racional, pessoal e espiritual é capaz de se voltar à própria interioridade
e formar a si mesma, por ser dotada de liberdade e responsabilidade. Karol
Wojtyla, ou Papa João Paulo II, também se apropriou e adotou diversos fun-
damentos personalistas em seus escritos (CRUZ, 2018).
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Por sua vez, o filósofo e romancista francês Michel Henry (1922–2002)


apresenta “[...] a crítica à filosofia tradicional e a proposta de um método
fenomenológico de investigação da vida no advir de si mesma como pathos”
(PRASERES, 201, p. 244). Assim, a vida se dá, para Henry, como pathos: “[...]
nesse misto de paixão e passibilidade — ‘Vida que nada mais é que esse
estreitar patético’ — sou abraçado pela vida, sou afetado, sou tocado e não
posso fugir desse modo de a vida fenomenalizar-se em mim” (WONDRACEK,
2010, documento on-line).
Desse modo, como a vida é a primeira fenomenalização, é necessário voltar-
-se à vida antes do que ao ser. Entretanto, Henry considera a vida fenomeno-
lógica “[...] como autorrevelação que a si mesma se experimenta no seu viver,
é a grande ausente” (WONDRACEK, 2010, documento on-line), bem como que
tal vida é inapreensível nos fenômenos do mundo, uma vez que o mundo é
incapaz explicitar a vida absoluta, em seu caráter fundador e de anterioridade.
Nesse contexto, Henry afirma que o cristianismo deve ser visto como a
fonte original para a compreensão do ser humano, pois ali estaria sua primeira
teoria transcendental. Ademais, identifica que a refundação da vida ocorre
no movimento apontado pela proposta cristã que sugere o retorno dos seres
humanos às suas condições próprias e o reconhecimento disso, que se “[...]
configura por redescobrir no homem uma condição que é sua: a de um eu, um
eu que só é possível sendo o homem Filho da Vida” (PROVINCIATTO, 2016, p. 176).
Esse movimento de restauração da vida torna-se viável apenas como um
segundo nascimento, no qual o ser humano se descobre efetivamente um
filho dessa “[...] vida fenomenológica absoluta, termo designado por Henry
para mencionar Deus neste percurso fenomenológico” (PROVINCIATTO, 2016,
p. 176). O novo renascimento permite, por sua vez, um novo modo de agir que
visa promover a vida identificada como a práxis cristã. Nesse contexto, a
possibilidade de restauração da vida decorre da imanência da vida absoluta
na vida singular, permitindo, com isso, a salvação do ego singular por meio
do esquecimento de si próprio e do mundo em uma práxis que leva à vida
absoluta, o que na teoria cristã é chamado de salvação (WONDRACEK, 2010).
As concepções apresentadas relacionadas ao existencialismo cristão, ao
personalismo e à fenomenologia da vida são capazes de realocar a religião,
neste caso o cristianismo, no centro do debate ético-antropológico, tendo
em vista que passam novamente a fazer parte constitutiva do que se pode
pensar sobre a existência humana. O cristianismo serviria, assim, tanto como
fundamento quanto ferramenta operativa nos movimentos da existência que
são apresentados nessa filosofia e realocados centralmente como base da
ética e da própria constituição antropológica dos seres humanos.
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A recuperação da metafísica e da ontologia


aristotélico-tomista
A neoescolástica, ou neotomismo, designa um movimento filosófico e teológico
que se iniciou no final do século XIX a partir da publicação da encíclica Aeterni
patris (1879) pelo Papa Leão XIII, que promoveu a filosofia tomista, e teve sua
maior expressão do início a meados do século XX. São diversas as divisões
dos teóricos da filosofia acerca da escolástica original, mas é certo que teve
sua expressão máxima no século XIII com a filosofia de Tomás de Aquino e
os grandes sistemas que aliavam a teologia à filosofia e a fé à razão. Após o
século XIII, o pensamento escolástico perdeu forma, o que não significa que
tenha sido esquecido ou extinto, mas somente a partir do final do século
XIX o pensamento escolástico foi retomado com a neoescolástica. Reale e
Antiseri (2006) ressaltam que filosofia neoescolástica e filosofia cristã não
são a mesma coisa: a filosofia neoescolástica é aquela que pretende tomar
o pensamento cristão construído na Idade Média como base para pensar o
mundo contemporâneo, com sistematizações e paradigmas próprios daquela
forma de pensamento; já a filosofia cristã designa de um modo bem mais
amplo todas as filosofias que derivam do cristianismo ou que encontram
nele as suas bases. Assim, é possível dizer que a filosofia neoclássica é uma
das filosofias cristãs e não o contrário.
As encíclicas Aeterni patris, do Papa Leão XIII (1879), e a Pascendi, do Papa
Pio X (1907), fizeram parte do desenvolvimento da neoescolástica. A primeira
pretendia reinstaurar o cristianismo católico em reação a diversas teorizações
e criações laicas relacionadas às ciências, ao Iluminismo, etc. (REALE; ANTISERI,
2006). Já a segunda encíclica tinha um caráter claramente antimodernista. Por
isso, Muller (2017) afirma que o movimento neoescolástico surgiu como um
movimento eclesiástico conservador que acabou se estendendo à filosofia e à
teologia. Porém, mesmo dentro do movimento neoscolástico é possível iden-
tificar filósofos e teólogos progressistas, defensores de uma maior abertura
da Igreja, dentre os quais é possível destacar a figura de Jacques Maritain.
O filósofo francês Jacques Maritain (1882–1973) (Figura 2) é provavelmente o
pensador mais conhecido da neoescolástica. Como explicam Reale e Antiseri
(2006, p. 391) “[...] o lema que sintetiza o seu pensamento é ‘distinguir para
unir’”, pois, para Maritain, os seres que estão presentes na realidade são
análogos uns aos outros, o que permite que a unidade do todo conviva com
o fato da distinção das partes. Ou seja, a analogia entre os seres permite que
sejam pensados como uma unidade não indistinta, mas ao mesmo tempo
uma unidade. Desse modo, a analogia permite a análise da realidade e dos
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seres em sua distinção e unidade sem ferir a lógica. Segundo essa concepção,
conhecemos a coisa ela mesma e não a sua representação, mas não se trata
de uma adequação absoluta entre coisa e conhecimento, visto que a coisa é
captada sempre sob algum aspecto.

Figura 2. Jacques Maritain acompanhado do Papa Paulo VI.


Fonte: Tribe (2018, documento on-line).

Reale e Antiseri (2006) explicam que Maritain se inspirou na antiga ontologia


aristotélico-tomista e dividiu o conhecimento ou a cultura em três temas: a
pedagogia, a arte e a política. Sua concepção de educação ressalta a sabedoria
prática na formação da pessoa. A educação visa tornar a natureza humana
mais livre, promovendo valores relacionados à plenitude pessoal e social.
Maritain afirma que a educação é uma arte ministerial que objetiva servir a
natureza, representando, portanto, um modo de desenvolver o que natural-
mente já está presente. Além disso, nega o uso da violência e da imposição e
ressalta os valores humanistas, científicos e da ação moral do educador em
um processo de cooperação com o educando. Segundo essa visão, o objetivo
da educação deve ser: “[...] o homem ‘que existe de bom grado’, por se sentir
respeitado em sua personalidade, reconhecer-se inserido na comunidade
humana sem ser esmagado, e pode expressar seu próprio desejo de verdade
e sua própria tendência para o bem” (REALE; ANTISERI, 2006, p. 432).
Sobre a arte, Maritain considerada que ela esteja radicada no intelecto.
Ainda que existam dois tipos de razão, a razão lógica e discursiva e a razão
intuitiva e criativa, a produção artística sempre será racional, de modo
que na sua produção a razão lógico-discursiva é instrumento da razão
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intuitiva-criativa, concepção, portanto, que se opõe à estética romântica


(REALE; ANTISERI, 2006).
Quanto à sua concepção política, Maritain defende a construção de um
humanismo integral, no qual as instituições laicas tenham independência da
Igreja, mas que a cristianismo seja a inspiração e motivação para formação
desse humanismo. Não se trata da confusão entre Estado e Igreja, mas que
ambas as instituições cooperem entre si de tal modo que o Estado seja
considerado o instrumento de realização de fins sociais decorrentes da
soberania que é investida por Deus ao povo. À Igreja caberia apreciar esses
fins e colaborar a seu modo.
Nesse âmbito, Maritain defende a existência de um: “[...] Estado secular,
democrático, leigo, pluralista e tolerante, constituído por católicos enga-
jados politicamente e outros agentes sociais, avessos aos regimes liberais
tradicionais, às democracias burguesas e aos regimes totalitários” (SOUZA,
2019, documento on-line).
Desse modo, o ambiente social deve permitir o desenvolvimento pessoal
e social, pautado na dignidade dos seres humanos, dignidade à qual o Estado
deve estar submetido por meio da participação democrática dos integrantes
sociais. Para isso, os valores morais são imprescindíveis e devem sustentar
o Estado, de modo que nem o Estado nem o povo são soberanos em si e por
si mesmos, tendo em vista que a autoridade provém de Deus, que reveste
os seres humanos e as instituições (REALE; ANTISERI, 2006). Maritain defende
ainda a existência de uma lei natural cujo conteúdo é o direito a existência,
liberdade e obtenção da perfeição moral, bem como que os valores morais
sejam universais e suficientes por si para julgar todos os seres humanos
individualmente e como classe.
Outro filósofo considerado neotomista é o escritor inglês G. K. Chesterton
(1874–1936), segundo o qual o universo, os seres humanos e Deus são inteli-
gíveis e o real pode ser compreendido e entendido, o que o enquadra como
um pensador realista. Chesterton foi um crítico da filosofia moderna, já que
para ele era necessário dar destaque ao ser e à realidade no processo de
conhecimento (MUNIZ; SANTOS, 2018).
É possível afirmar que Chesterton defende a filosofia do senso comum,
que consiste na primazia do senso comum no processo de conhecimento,
em perceber e acreditar que os entes que se apresentam e são apreendidos
pelos seres humanos são plenamente conhecidos dessa forma. Trata-se de
aceitar a realidade tal qual ela é, inclusive quando se revela incompreen-
sível. Mais do que mera aceitação, essa é uma postura de humildade em
relação à realidade e de crença de que o mundo não nos engana (MUNIZ;
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SANTOS, 2018). Assim, a verdade ocorre pela aceitação e apreensão da


realidade. Essa é uma doutrina radicalmente oposta a diversos filósofos
modernos, como Descartes, que por meio do método da dúvida metódica
parte do cogito para a certeza da verdade do mundo.
A partir da concepção de senso comum como um meio de acesso à ver-
dade, Chesterton reconhece que o cristianismo defende essa tese. Assim,
considera que o cristianismo é a religião da alegria, de tal modo que ensina
que os seres humanos devem olhar para si e contemplar com admiração e
entusiasmo a realidade, como uma forma de maravilhamento frente a ela
(MUNIZ; SANTOS, 2018).
Para Chesterton, retomar a visão cristã é uma forma de afirmar e defender
os princípios básicos da realidade e da existência que estão presentes na
filosofia cristã e no próprio cristianismo. Assim, essa também representa uma
posição crítica frente à filosofia moderna em geral. Porém, Chesterton não nega
a possibilidade de se possuir uma visão correta, a que chama de ortodoxa, e
uma visão católica das coisas. Mais do que isso, afirma que existe o risco de
se perder naquilo que chama de filosofias insanas e heréticas (MULLER, 2017).
Conforme Chesterton, há apenas um ângulo ou uma visão a partir dos
quais os seres humanos podem se firmar para escapar das filosofias insanas
e heréticas, que é o catolicismo. Assim, enxerga a necessidade de uma auto-
ridade ou instituição sobrenatural, identificada como a Igreja Católica, para
gerar e garantir a perpetuação de certos dogmas. Nesse caso, tais dogmas
devem ser primários e inquestionáveis, para que se proteja o que foi perdido
com a filosofia moderna e se “[...] proteja a aventura mundana dos homens”
(MULLER, 2017, p. 428).

De modo geral, o neotomismo foi um importante movimento de


renovação da teologia católica, na medida em que colocou em debate
diversos temas que eram enfrentados pelos vieses teológicos e filosóficos
durante o Idade Média, buscando transplantar aqueles ideais para a contem-
poraneidade. Foi uma corrente que se iniciou como um movimento de viés
conservador, buscando reestabelecer o status da fé católica a um patamar
similar ao da Idade Média, o que de fato se mostra impossível. Porém, colocar
em debate temas relevantes já promove em si uma mudança comensurável.

O Concílio Vaticano II (1962–1965) promoveu atualizações profundas no


catolicismo, mas, como defendem Reale e Antiseri (2006), não confrontou
diretamente o tema de uma filosofia inspirada no catolicismo, o que não
significa que não se tenha aberto novos caminhos a pensadores cristão para
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a pesquisa levando em conta o mundo contemporâneo. Na interpretação de


Muller (2017), o pensamento conservador, que se apoiou na teologia neoes-
colástica, se estendeu do século XIX até o Concílio do Vaticano II, cabendo
a ressaltava de que mesmo entre os considerados neoescolásticos, havia
pensadores de viés progressista.
Contemporâneos à neoescolástica e de posição contrária ela, é possível
destacar os pensadores da corrente chamada nouvelle theologie, movimento
da teologia católica progressista que defendia maior abertura da Igreja,
dentre os quais se destacam o já citado Jacques Maritain e Karl Rahner. Os
pesadores desse movimento concordavam com a necessidade de reforma
da teologia católica dominada pela neoescolástica, opunham-se à crítica ao
modernismo e adotavam uma postura de defesa e aceitação das religiões
não católicas.
Desse modo, o pensamento neoscolástico contribuiu como motivação
a muitos pensadores que de algum modo influenciaram os movimentos
pró-Concílio, tanto de modo negativo, como uma ideia de necessidade
de superação da neoescolática, quanto de modo positivo, como fonte
teórica para ideias em favor da atualização das doutrinas católicas.
Em resumo, a filosofia/teologia neoescolática colaborou sobremaneira
com a renovação católica no século XX, pois reaflorou internamente
diálogos e debates relevantes e capazes de promover a reflexão e o
surgimento de movimentos que favoreceram a renovação da teologia
e filosofia cristãs.

Filosofia analítica da religião


A filosofia analítica foi um movimento filosófico iniciado no século XX, a partir
do que ficou conhecido como virada linguística, na qual alguns filósofos, a
exemplo de Gottlob Frege e Bertrand Russel, propuseram a aplicação do
método lógico para análise do pensamento e da filosofia. Para isso, a filosofia
e o pensamento racional devem ser submetidos a princípios lógicos que
permitem a análise da validade ou não de um discurso.
Conforme explica Portugal (2010), o início do que se chama filosofia ana-
lítica da religião ocorreu a partir das críticas do filósofo inglês A. J. Ayer
(1910–1989) aos assuntos de teologia, inspirado em outros autores analíticos.
Ayer foi profundamente influenciado pela obra Tractatus Logico-Philosophicus,
do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889–1951), tendo defendido que
existem proposições a priori que desenvolvem uma ideia que existe no su-
jeito, são próprias da lógica e da matemática e não exigem verificabilidade
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imediata, pois não fazem afirmações sobre o mundo, representando algo


como proposições estruturais. As demais proposições que falam sobre o
mundo são meramente hipotéticas e devem ser verificadas empiricamente,
como um critério de verdade ou falsidade. Nesse âmbito, o que não tem um
dado sensorial é uma proposição metafísica e, portanto, sem sentido, pois
é inverificável (PORTUGAL, 2010).

Proposições do tipo “Esse cachorro é preto/esse cachorro é branco”


falam sobre o mundo e são hipóteses de mundo. São verificáveis, pois
basta ver a cor do cachorro sobre o qual se enunciam essas proposições para
verificar se são verdadeiras ou falsas. Assim, a verificabilidade da proposição
decorre de um objeto existente que aparece diretamente a nossos sentidos.
Por sua vez, nessa linha de raciocínio as proposições “Deus existe/Deus não
existe” são ambas sem sentido, pois não possuem qualquer conteúdo empírico.
Apesar de ambas proposições fazerem sentido em termos gramaticais, são
proposições sem significado, pois carece a elas a possibilidade de verificação.
Assim, o teísta e o ateu nada podem enunciar sobre Deus, pois qualquer pro-
posição sobre ele será sem sentido, extrapolando os limites da linguagem com
significado (PORTUGAL, 2010).

Esse critério de verificação de Ayer sofreu diversas críticas, pois acaba


também por relegar todo tipo de proposição sem um “dado” na realidade
como ausente de sentido, incluindo proposições éticas e estéticas ou até
mesmo propriedades gerais expressas em leis naturais. De um modo mais
refinado, Antony Flew propõe que, para que as afirmações tenham sentido,
elas devem ser passíveis de serem falseadas empiricamente. Desse modo,
não se exige a verificação empírica, mas a possibilidade de ser falseada
(PORTUGAL, 2010). Ou, como explica Micheletti (2007, p. 38, grifos do autor)
“uma asserção, para sê-lo, deve afirmar que as coisas estão assim, e não
de outro modo, e uma explicação, para sê-lo, deve explicar por que um fato
acontece, e não um outro”.
Micheletti (2007) é um dos autores que destacam a contribuição do filósofo
Wittgenstein para a filosofia da religião. Comentar a obra de Wittgenstein
(Figura 3) significa necessariamente falar em duas fases de sua obra: o primeiro
Wittgenstein, da obra Tractatus Logico-Philosophicus (1922), e o segundo
Wittgenstein, da obra póstuma Investigações filosóficas (1953).
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Figura 3. Ludwig Wittgenstein.


Fonte: Ludwig Wittgenstein ([202-?], docu-
mento on-line).

No Tractatus, Wittgenstein propõe uma interpretação da linguagem que


influenciou as teses de Ayer sobre a religião. Em síntese, a ideia é que toda
a linguagem com sentido deve poder ser reduzida a dados atômicos, isto é,
na qual todas as partes de uma proposição possam ser reduzidas a fatos ou
coisas que estão presentes na realidade. Com isso, as proposições sobre
Deus e a religião são proposições de elementos místicos, que não podem
reduzidas a fatos e, portanto, não têm sentido. Wittgenstein não nega a
existência desse tipo de proposições, mas afirma que elas não possuem
um conteúdo verificável, com conteúdo efetivamente capaz de garantir a
possibilidade de se falar com sentido. Em seu último aforismo do Tratactus,
ele afirma: “[...] sobre o que não podemos falar, devemos permanecer em
silêncio” (WITTGENSTEIN, 2002, p. 89, tradução nossa). O que não se pode
falar é a linguagem sem sentido, sobre a qual as proposições não são válidas.
Nessas duas obras, Wittgenstein não trata especificamente de uma filo-
sofia da religião, mas sua filosofia serve de base para construções de uma
filosofia da religião a partir delas. Como escreve Lucas Hernández (1999),
há autores que defendem que mesmo no Tratactus já existe um esboço da
filosofia da religião, ainda que “negativa”.
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Em Investigações filosóficas, as concepções são bastante diversas. Inclu-


sive, Wittgenstein chega a referir-se a si mesmo na terceira pessoa como “[...]
o autor do Tractatus Logico-Philosophicus” (WITTGENSTEIN, 1991, p. 19). Nessa
obra, sinteticamente, Wittgenstein introduz o conceito de jogos de linguagem
como um modo de explicar a linguagem e abarcar toda a multiplicidade e
modos de emprego da linguagem. Nessa tarefa, o sentido e significado da
linguagem é analisado sob o aspecto de seu uso comum e o modo pela qual a
linguagem adquire seu sentido em seu uso comum. Assim, a linguagem deixa
de ser analisada sob o aspecto lógico em prol do modo pelo qual a significação
se dá pelo uso dentro de um contexto, o qual é chamado por Wittgenstein de
forma de vida. A partir disso, Wittgenstein propõe uma análise da estrutura
e de como se dão os diversos jogos de linguagem em seu sentido amplo.
A linguagem lógica deixa de ser privilegiada frente a outros jogos de
linguagem, cada qual desempenhando seu papel, inserido no contexto de
uma forma de vida. Assim, Wittgenstein (1991) não nega a validade da lin-
guagem lógica de sua obra anterior ou mesmo da obra de outros filósofos
analíticos, mas considera que a linguagem lógica é um dos tipos de jogo de
linguagem possível. Assim, o sentido e o significado de uma proposição devem
ser analisados dentro de um jogo de linguagem se as regras daquele jogo
são seguidas para que haja um significado na proposição. Desse modo, por
consequência, caracteres empíricos e métodos científicos dentro do jogo de
linguagem da religião não podem e não devem ser aplicados, pois não fazem
parte das regras específicas daquele tipo de jogo de linguagem.
Portugal (2010) analisa as posições que chama de não realistas no pensa-
mento de D. Z. Phillips e Norman Malcom sobre a filosofia da religião, autores
que se inspiraram na obra do segundo Wittgenstein. Segundo Portugal (2010),
na concepção desses autores a filosofia tradicional equivoca-se ao ler a lin-
guagem religiosa a partir de seus olhos, pois as razões da linguagem religiosa
pressupõem a fé como substrato e não a razão da filosófica. Desse modo,
“[...] a filosofia só pode saber o que é significativo na religião se se dispuser
a examinar conceitos religiosos nos contextos dos quais eles derivam seu
significado” (PORTUGAL, 2010, p. 88).
Em razão disso, é forçoso reconhecer a existência vários modelos de
racionalidade e realidade frente a diferentes contextos, como o religioso, o
científico, o filosófico, etc. A crença prévia em Deus é elemento essencial e
necessário e não pode ser colocada em questão na discussão da linguagem
religiosa, de tal modo que “[...] o papel da filosofia não é ser contra ou a favor
de crenças religiosas, mas apenas esclarecer a gramática dessas crenças”
(PORTUGAL, 2010, p. 88). Essas concepções sofreram diversas críticas:
Deus e religião nos sistemas de pensamento contemporâneos: filosofias religiosas... 15

„„ há uma clara parcialidade na valorização da crença religiosa em detri-


mento do valor de verdade proposicional do credo doutrinal;
„„ a negativa de que as crenças possam ser alvo de críticas pode parecer
uma forma de evitar a crítica;
„„ falta uma responsa satisfatória à interrelação entre os jogos de lin-
guagem científico e filosófico em relação à religião, que de fato existe.

Em resposta a isso, existe uma proposta que Portugal (2010) chama de


realista ao desafio do positivismo na filosofia analítica da religião, que busca
não apenas defender o sentido da linguagem religiosa, mas a possibilidade
de falar em Deus no sentido metafísico tradicional do teísmo e de defender
uma racionalidade na crença em Deus. Dentre essas principais concepções, é
possível destacar a do filósofo norte-americano Alvin Plantinga, proponente
da chamada epistemologia reformada.
Plantinga busca se opor a uma posição filosófica denominada evidencia-
lismo, segundo a qual a crença só poder ser justificável se houver argumentos
a seu favor (PORTUGAL, 2007). Segundo Plantinga, se o evidencialismo for
levado às últimas consequências, outros dados ou crenças que parecem
óbvios, como a existência de outras mentes além de nós e da própria re-
alidade sensível, podem ser questionados, o que já teria sido evidenciado
por Descartes e Hume na modernidade. A tese evidencialista é apoiada pela
tese fundacionista, segundo a qual: “[...] as crenças básicas são aceitáveis
em si mesmas, enquanto as não básicas são assumidas com fundamento
naquelas outras, tidas como evidentes ou certas, por meio de argumentos
dedutivamente válidos” (PORTUGAL, 2007, p. 65).
A proposição “Deus existe” não seria, segundo essa tese, autoevidente,
porque é possível entendê-la sem aceitar que seja verdadeira. Sobre a crença
de Deus recairia ainda um argumento deontológico, segundo o qual é um
dever moral aceitar apenas as proposições que possam ser sustentadas por
argumentos organizados. Desse modo, o pacote clássico, como chama Plan-
tinga, se fundamenta em três elementos: o evidencialismo, o fundacionismo
e o deontologimo (PORTUGAL, 2007).
Plantinga rejeita essas teses por três argumentos. O evidencialismo tem
como consequência um “atoleiro cético”, pois levado às últimas consequências
não nos daria condições de aceitar os dados mais básicos como existentes, a
exemplo da existência de um tempo antes do agora e de outras mentes além
da minha (PORTUGAL, 2007). Por sua vez, o fundacionaismo clássico se revela
inconsistente consigo mesmo, pois a redução a crenças tidas como básicas
acaba por excluir as próprias proposições tidas como autoevidentes e as
16 Deus e religião nos sistemas de pensamento contemporâneos: filosofias religiosas...

decorrentes de estados mentais do próprio sujeito, por não haver nada que as
garanta como propriamente básicas. Por fim, o deontologismo não se mostra
válido primeiro porque a tese de só crer naquilo em que haja fundamentos
suficientes é de fato inalcançável, ao se levar o evidencialismo às últimas
consequências, pois não há nada que tenha de fato razões suficientes para
se acreditar. Em segundo lugar, não se mostra válido pela impossibilidade
de termos uma verdadeira autonomia sobre uma crença, na medida em que
ela parece mais acontecer do que ser uma escolha (PORTUGAL, 2007). Desse
modo, em ambos casos, não há de fato uma escolha; por isso, não é possível
classificar o que “acontece” como moral ou imoral.
Na defesa de uma racionalidade na crença em Deus, Plantinga defende
primeiro que não há motivos para negar o caráter básico dessa crença, isto
é, ela se insere como uma crença básica na estrutura daqueles que tem fé
(PORTUGAL, 2007). Isso se daria em razão dos seguintes fatos:

„„ o crente não é capaz de optar por acreditar ou não em Deus;


„„ sua crença persevera mesmo que esteja aberto a colocá-la em questão,
acabando por não se convencer das críticas;
„„ é simplesmente óbvio e evidente ao crente que Deus existe.

Essa proposta sofreu grandes críticas pelo seu relativismo, na medida


em que essa proposição poderia ser aplicada a qualquer crença, por me-
nos plausível que pareça, desde que seja infalsificável. Para evitar esses
problemas, Plantinga formulou uma teoria epistemológica alternativa em
substituição à noção de racionalidade, na qual estipula os conceitos de
garantia (warrant) e de função apropriada (proper funcion) (PORTUGAL, 2007).
A crença adquire o status de garantia quando deixa ser mera opinião, o que
se aplica tanto à pesquisa filosófica quanto à científica. Plantinga parte
de uma visão externalista de conhecimento como uma forma de conseguir
observar a garantia de uma crença. Esse movimento parte das condições das
faculdades ou processos produtores das crenças e não do que é acessível ao
sujeito (internalismo) (PORTUGAL, 2007).
Desse modo, a crença será garantida se for produzida por uma faculdade
ou aparato cognitivo que funcione adequadamente e cumpra o propósito
para o qual se destina. Ou seja, o aparato cognitivo deve cumprir sua função
apropriada. Além disso, deve seguir um projeto ou propósito (design plan) que
objetiva atingir a verdade, sendo necessário que o propósito seja confiável.
Assim, eis os quatro elementos de uma crença garantida (PORTUGAL, 2007):
Deus e religião nos sistemas de pensamento contemporâneos: filosofias religiosas... 17

„„ um aparato cognitivo que esteja funcionando adequadamente;


„„ o uso das faculdades em um ambiente que permita a produção de
função apropriada;
„„ um processo voltado para a criação de crenças verdadeiras;
„„ um processo seja capaz de gerar crenças verdadeiras.

Assim, aliado a Tomás de Aquino e João Calvino, Plantinga defende, a partir


de seu método epistemológico, que:

A crença em Deus seria garantida, pois seria o resultado de uma faculdade en-
carregada de produzir crenças sobre Deus (sua existência, sua natureza), num
mundo também criador por Deus (portanto, muito provavelmente, num ambiente
apropriado), tendo sido criada com o propósito de gerar crenças verdadeiras sobre
Deus, e que teria grande probabilidade de ser bem-sucedida, uma vez que Deus
seria onipotente e sumamente sábio (PORTUGAL, 2007, p. 74).

Como ressalta Portugal (2007), a existência de Deus é um pressuposto de


validade desse sistema, além de que a crença teísta somente terá garantia se
somente ela for verdadeira. Nesse â bito, é necessário acrescentar que não
somente a existência de Deus é um pressuposto, mas também de um Deus
dotado das características do Deus judaico-cristão (onipotência, onisciência
e onibenevolência).

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Leitura recomendada
PRAZERES, J. S. A fenomenologia da vida: apontamentos sobre afetividade e não-
-intencionalidade para a fundamentação de uma ética no pensamento de Michel Henry.
Griot: Revista de Filosofia, v. 10, n. 2, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.31977/grirfi.
v10i2.607. Acesso em: 6 out. 2020.
Deus e religião nos sistemas de pensamento contemporâneos: filosofias religiosas... 19

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