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RELIGIÃO
Alisson de Souza
A experiência
religiosa à luz
da filosofia
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
As religiões são fortes influências na sociedade humana atual, atuando às vezes
de modo moral, ético e político. Cada vez mais pessoas declaradamente religiosas
ocupam esses espaços comuns. Durante a história, houve movimentos de aproxi-
mação e de afastamento da fé entre as mais diversas áreas. Sendo assim, como é
possível pensar a respeito dessas tendências? A razão pode compreender esses
fatos sobre a fé? A resposta é sim para todas essas questões. Entender a fé por
meio de fenômenos visíveis é a missão de várias ciências.
Neste capítulo, você estudará que forma a filosofia pode compreender de
maneira racional a experiência religiosa. Para entender como isso acontece,
primeiramente abordaremos a religião a partir das concepções e dimensões
metafísicas e ontológicas, além da compreensão sobre o sagrado e o profano. Em
seguida, veremos como se dá a investigação dos fenômenos religiosos por meio
das dimensões noumênicas e apriorísticas. Por fim, serão analisadas as relações
que envolvem os conceitos de imanência e transcendência.
2 A experiência religiosa à luz da filosofia
[...] cunhado por um espírito religioso, que pressupunha só ser possível aos Deuses
uma sofia (‘sabedoria’), ou seja, uma posse certa e total do verdadeiro, uma contínua
aproximação ao verdadeiro, um amor ao saber nunca saciado totalmente, de onde, jus-
tamente, o nome ‘filo-sofia’, ou seja ‘amor pela sabedoria’ (REALE; ANTISERI, 1990, p. 21).
Outro aspecto importante é a criação do mundo. Chauí (2015) afirma que era
necessário provar que o mundo existe e que ele não é eterno, tendo sido criado
do nada por Deus e que, quando houver a chegada do Juízo Final, ele voltará
para o nada. Sendo assim, o mundo seria proveniente de uma vontade sublime e
governado pela providência divina. Por isso, Deus se utilizaria de meios naturais
e sobrenaturais, leis da natureza e milagres, respectivamente. Esse argumento
se faz necessário na metafísica cristã, pois a razão propõe que Deus é perfeito,
completo, pleno e eterno, não precisando de nada para sua existência. Portanto,
o mundo foi criado por sua vontade, não por uma necessidade.
A metafísica cristã sustenta que Deus, mesmo sendo imaterial e infinito,
atua de modo pleno e sua ação tem efeitos sobre aquilo que é material e finito,
assim como o mundo e o ser humano. Nesse quesito metafísico, muitas concep-
ções do cristianismo não seriam aceitas por gregos antigos, como a tentativa
de “[...] provar que Deus é causa eficiente de todas as coisas e que uma causa
imaterial e infinita pode produzir um efeito material e finito, mesmo que isso
seja um mistério de fé que a razão é obrigada a aceitar” (CHAUÍ, 2015, p. 244).
Pode-se afirmar que para a metafísica grega a criação do mundo por
Deus é algo irracional e contraditório, pois aborda um ser que é infinito e
imaterial. Contudo, para a metafísica cristã o mistério da fé afirma e prova
que “[...] a alma humana existe e que é imortal, estando destinada à salvação
ou à condenação eternas, segundo a Providência Divina” (CHAUÍ, 2015, p. 244).
A metafisica cristã provaria também que não existe contradição entre a
onisciência-onipotência de Deus e a liberdade humana. Essa contradição
existe para a razão, mas não se sustenta na fé.
Conclui-se que a metafísica cristã é uma releitura da metafísica grega,
mas adiciona uma realidade não presente no pensamento grego, propondo
que o ser humano conheça o Deus que se manifesta e se faz real e presente
por meio da fé. Na próxima seção, você veremos de que forma os fenômenos
religiosos são interpretados pelas perspectivas noumênicas e apriorísticas.
A teologia, por sua vez, é uma ciência que parte dos dados da fé. Dessa
forma, pretende-se falar a partir de Deus e de sua relação estabelecida com
o ser humano. É comum abordar a teologia a partir da tradição judaico-cristã,
tendo como fonte a Bíblia, mas esse conceito pode ser estendido a toda e
qualquer religião, uma vez que se trata de um trabalho especulativo gerado
pela experiência de fé. Ou seja, é um trabalho realizado a partir da própria
fé. A teologia é uma ciência que utiliza a revelação, o dado de fé, mas se
fundamentando de maneira racional.
se reduz ao mundo empírico. Por noúmeno, entende-se aquilo que não exige
comprovação via sentidos para se conhecer. Portanto, até aquele que não
crê em Deus compreende a frase “Deus existe”. A fé permite que o indivíduo
raciocine de maneira plausível, admitindo a realidade metafísica da existência
de um ser superior (ZILLES, 1991).
A partir daí, conclui-se que:
A imanência e a transcendência
A comparação entre transcendência e imanência nasceu na Grécia antiga.
Platão foi quem propôs e formulou ambos os conceitos. Ele observou que há
diferenças entre o mundo material, sensível, e a realidade imaterial, supras-
sensível. Sua filosofia conflitava com o pensamento o aristotélico e discutia
a importância e a legitimidade das concepções e percepções imanentes e
transcendentes. Posteriormente, esse mesmo conflito é encontrado em Santo
Agostinho e São Tomás de Aquino, dois grandes filósofos da filosofia medieval.
Diversos embates intelectuais existiram entre Platão e Aristóteles, mestre
e discípulo, respectivamente. Como apresentado anteriormente, a metafísica
é a observação daquilo que está além da física, ou seja, a contraposição entre
o invisível e o visível. A metafisica é o saber que habita o mundo das ideias.
Entende-se, assim, que a metafísica “[...] indaga as causas e os princípios
primeiros ou supremos [...] indaga o ser enquanto ser [...] indaga a substância;
[...] indaga Deus e a substância suprassensível” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 178).
Era dessa forma que Platão e tantos outros filósofos definiam a metafísica,
aquilo que estava além dos sentidos humanos, sendo ela a filosofia primeira,
ou a chamada teologia. Por consequência, aquele que buscava os princípios e
as causas primeiras da humanidade e da existência buscava o encontro com
o Deus, sendo este o primeiro motor, causa e princípio do mundo.
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A metafísica, portanto:
[...] é a ciência mais elevada precisamente porque não está ligada às necessidades
materiais. A metafísica não é a ciência voltada para objetivos práticos ou empíricos.
As ciências que têm tais objetivos submetem-se a eles: não valem em si e por si mes-
mas, mas somente à medida que efetivam os objetivos. Já a metafísica é ciência que
vale em si e por si mesma, já que tem em si mesma o seu corpo — e, nesse sentido,
é ciência “livre” por excelência. Dizer isso nada mais significa do que afirmar que
a metafísica não responde a necessidades materiais, mas sim espirituais, ou seja,
àquela necessidade que nasce quando as necessidades físicas estão satisfeitas: a
pura necessidade de saber e conhecer o verdadeiro, a necessidade radical de respon-
der aos “porquês”, especialmente o “por quê” último (REALE; ANTISERI, 1990, p. 180).
Referências
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REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média. 11. ed. São
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SWEETMAN, B. Religião: conceitos-chave em filosofia. Porto Alegre: Penso, 2013.
WILKINSON, M. B.; CAMPBELL, H. N. Filosofia da religião: uma introdução. São Paulo:
Paulinas, 2014.
ZILLES, U. Filosofia da religião. São Paulo: Paulinas, 1991.