Pois, se o princípio do prazer domina os processos psíquicos de forma tal que o
primeiro objetivo destes é evitar o desprazer e conseguir prazer, o masoquismo
torna-se algo incompreensível. Se a dor e o desprazer podem já não ser advertências, mas objetivos em si mesmos, o princípio do prazer é paralisado, o guardião de nossa vida psíquica é como que narcotizado. Assim, o masoquismo nos aparece como um grande perigo, o que absolutamente não é o caso de sua contrapartida, o sadismo os instintos de morte e os instintos de vida eróticos (libidinais) tendência à estabilidade o princípio do Nirvana exprime a tendência do instinto de morte, o princípio do prazer representa a reivindicação da libido, e a modificação dele, o princípio da realidade, a influência do mundo externo. Voltemos ao masoquismo. Ele se oferece à nossa observação em três formas: como uma condição para a excitação sexual, como expressão da natureza feminina e como uma norma de conduta na vida (behaviour). Pode-se distinguir, correspondentemente, um masoquismo erógeno, um feminino e um moral. O primeiro, o masoquismo erógeno, o prazer na dor, também está na base das duas outras formas; ele deve ter fundamento biológico e constitucional, e permanece incompreensível se não nos resolvemos a formular suposições acerca de pontos bastante obscuros. A terceira forma do masoquismo, em certo sentido a mais importante, só recentemente foi apreciada pela psicanálise, como sentimento de culpa em geral inconsciente, mas já admite uma completa explicação e inserção no resto de nosso conhecimento. Quanto ao masoquismo feminino A interpretação imediata, comodamente alcançada, é que o masoquista deseja ser tratado como uma criança pequena, desamparada e dependente, mas especialmente como uma criança malcomportada. O masoquismo feminino que descrevemos baseia-se naquele primário, erógeno, o prazer na dor, um mecanismo fisiológico infantil, que mais tarde desaparece. Ela teria, em diferentes constituições sexuais, graus diversos de desenvolvimento; em todo caso, proporcionaria a base fisiológica sobre a qual depois se constrói na psique o masoquismo erógeno Admitindo-se alguma imprecisão, pode-se dizer que o instinto de morte atuante no organismo — o sadismo primordial — é idêntico ao masoquismo. Depois que sua parte principal foi transposta para fora, para os objetos, permanece no interior, como seu resíduo, o masoquismo propriamente erógeno, que, por um lado, tornou-se componente da libido, e, por outro lado, ainda tem seu próprio ser como objeto. Esse masoquismo, então, seria testemunha e sobrevivência daquela fase de formação em que sucedeu o amálgama, tão importante para a vida, de Eros e instinto de morte. Não ficaremos surpresos de ouvir que, em determinadas circunstâncias, o sadismo ou instinto de destruição voltado para fora, projetado, pode ser novamente introjetado, voltado para dentro, desse modo regredindo à sua situação anterior. Então ele resulta no masoquismo secundário, que se junta àquele original. O que importa é o sofrimento mesmo; se ele é infligido por uma pessoa amada ou outra qualquer não faz diferença; pode ser causado também por poderes ou circunstâncias impessoais, o verdadeiro masoquista sempre oferece a face quando vê perspectiva de receber uma bofetada o sofrimento que acompanha a neurose é justamente o fator que a torna valiosa para a tendência masoquista , uma neurose que desafiou todos os esforços terapêuticos pode desaparecer quando a pessoa se envolve na miséria de um casamento infeliz, perde seu patrimônio ou adquire uma temível doença orgânica “sentimento de culpa inconsciente” — psicologicamente incorreta, de todo modo — e utilizarmos “necessidade de punição”, Atribuímos ao Super-eu a função da consciência [moral] e vimos na consciência de culpa a expressão de uma tensão entre Eu e Super-eu. O Eu reage com sentimentos de angústia (angústia da consciência) à percepção de que não ficou à altura das exigências colocadas por seu ideal, o Super-eu. O que desejamos saber é como o Super-eu chegou a ter esse exigente papel, e por que o Eu tem de sentir medo quando há uma divergência com o seu ideal. Pois este Super-eu representa tanto o Id como o mundo exterior. Ele se originou da introjeção, no Eu, dos primeiros objetos dos impulsos libidinais do Id, o casal de genitores, na qual a relação com os dois foi dessexualizada, foi desviada dos objetivos sexuais diretos. Apenas desse modo foi possível a superação do complexo de Édipo. O Super- eu conservou características essenciais das pessoas introjetadas, seu poder, sua severidade, sua inclinação a vigiar e punir. Como foi exposto em outro lugar,3 é fácil conceber que, graças à desagregação de instintos que ocorre juntamente com essa introdução no Eu, a severidade aumentou. O Super-eu, a consciência nele atuante, pode então ser duro, cruel, inexorável com o Eu que é por ele guardado. O imperativo categórico de Kant é, assim, herdeiro direto do complexo de Édipo. Dessa maneira, o complexo de Édipo demonstra ser, como já se conjecturou no plano histórico,4 a fonte de nossa moralidade individual.* . Na primeira a ênfase recai sobre o intensificado sadismo do Super-eu, ao qual o Eu se submete; no segundo, sobre o próprio masoquismo do Eu, que anseia por castigo, quer do Super-eu, quer dos poderes parentais externos. Nossa confusão inicial pode ser desculpada, pois em ambos os casos trata-se de uma relação entre o Eu e o Supereu, ou poderes a estes equivalentes; nas duas vezes lidamos com uma necessidade que é satisfeita mediante o castigo e o sofrimento. Não será um detalhe irrelevante que o sadismo do Supereu se torne gritantemente cruel, em geral, enquanto a tendência masoquista do Eu permaneça quase sempre oculta ao indivíduo e tenha de ser inferida do seu comportamento. Poderíamos esperar, de uma pessoa que sabe que costuma não fazer agressões culturalmente indesejáveis, que tenha uma boa consciência e vigie o próprio Eu com menor desconfiança. Em geral 178/326 a situação é vista como se a exigência moral fosse o elemento primário e a renúncia instintual, a sua consequência. Mas assim continua sem explicação a origem da moralidade. Na realidade parece ocorrer o inverso; a primeira renúncia instintual é forçada por poderes externos, e apenas então ela cria a moralidade, que se expressa na consciência e exige nova renúncia instintual. Desse modo, o masoquismo moral vem a ser testemunha clássica da existência da mistura de instintos. Seu caráter perigoso se deve ao fato de proceder do instinto de morte, correspondendo à parte deste que escapou de ser voltada para fora como instinto de destruição. Por outro lado, tendo ele a significação de um componente erótico, também a autodestruição do indivíduo não pode ocorrer sem satisfação libidinal.