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O FALSO SELF NA ORGANIZAÇÃO PSICODINÂMICA BORDERLINE.

Autor: José Carlos de Almeida Mochiuti


Orientador: Professor Mestre Vinícius Xavier Cintra Marangoni

RESUMO

Segundo a literatura psicanalítica, o Transtorno de Personalidade Borderline e o mecanismo do


falso self, são característicos e advindos de um processo de não-integração do eu do bebê. O
artigo tem como objetivo, assim, o estudo destas temáticas, e da literatura presente sobre o tema,
a partir da coleta de informações e levantamento bibliográfico da escola winnicottiana da
Psicanálise, em um estudo qualitativo. Tendo em mente a descrição psiquiátrica fornecida pelo
DSM-5 (2014) acerca do Transtorno de Personalidade Borderline, entende-se que a partir da
escola winnicottiana de psicanálise, que um trauma primitivo na constituição do lactente pode
ocasionar uma sucessiva série de associações inconscientes que acarretam, em concomitância
com um ambiente continuamente disfuncional em responder as alucinações onipotentes do
lactente, na organização psicodinâmica borderline e na quebra da continuidade integrativa para
a qual nascemos com a tendência para, segundo Winnicott, que criam um falso self patológico,
diferente do falso self social ou do verdadeiro self. O bebê-lactente, nasce fusionado a mãe a
partir da simbiose mãe-bebê resultante do estado de não-integração do lactente naquele
momento, de dependência, física e psíquica. O lactente, nasce com a tendência para a
integração, que é supostamente garantida através de uma preocupação materna primária da mãe
e de suprimento ambiental satisfatório, de sustentação e confiança. A gênese do conceito de
individuo saudável é interrompida por um ambiente que falha repetidamente em satisfazer o
gesto espontâneo do lactente, que não contribui com os gestos espontâneos do lactente e engaja
em um processo de fragmentação do self. Enquanto o verdadeiro self, é a essência, o núcleo
verdadeiro, o falso self é o que nos mantém sociáveis e protege o verdadeiro self de intromissões
indevidas, que violariam as capacidades de assimilação saudável do verdadeiro self. Portanto
o artigo delimita o falso self social, o equivalente normal do falso self, e a existência de um
falso self patológico, dado a partir do mecanismo de defesa do Ego, a clivagem. O artigo, pôde
avaliar a literatura cientifica psicanalítica disponível para compreender os conceitos propostos
por Winnicott, e concluir que o trabalho clínico é essencial para a continua produção clínica, e
acadêmica, que enriquece a psicanálise e o fazer clínico.

Palavras-chave: Winnicott. Psicanálise. Falso Self. Borderline. Ego.


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ABSTRACT

According to the psychoanalytic literature, borderline personality disorder and the false self-
mechanism are characteristic and arise from a process of non-integration of the baby's self.
Thus, the article aims to study these themes, and the literature on the subject, from the collection
of information and bibliographic survey of the Winnicottian school of Psychoanalysis, in a
qualitative study. Bearing in mind the psychiatric description provided by the DSM-5 (2014)
about Borderline Personality Disorder, it is understood that a primitive trauma in the infant's
constitution can cause a successive series of unconscious associations that lead, in
concomitance with a continuously dysfunctional environment in responding to the omnipotent
hallucinations of the infant, in the borderline psychodynamic organization and in the breaking
of the integrative continuity for which we are born with the tendency to, according to Winnicott,
that create a pathological false self, different from the false social self or the true self. The
infant-lactating is born fused to the mother from the mother-infant symbiosis resulting from the
non-integration state of the infant at that point, of physical and psychological dependence. The
infant is born with a tendency towards integration, which is supposedly guaranteed through the
mother's primary maternal concern and satisfactory environmental supply, support and trust.
The genesis of the concept of the healthy individual is interrupted by an environment that
repeatedly fails to satisfy the infant's spontaneous gesture, that does not contribute to the infant's
spontaneous gestures, and engages in a process of self-fragmentation. While the true self is the
essence, the true core, the false self is what keeps us sociable and protects the true self from
undue intrusion, which would violate the true self's healthy assimilation capabilities. Therefore,
the article delimits the false social self, the normal equivalent of the false self, and the existence
of a pathological false self, given from the Ego's defense mechanism, the splitting. The article
was able to evaluate the psychoanalytic scientific literature available to understand the concepts
proposed by Winnicott and conclude that clinical work is essential for the continuous clinical
and academic production, which enriches psychoanalysis and clinical practice too.

Key words: Winnicott. Psychanalyses. False Self. Borderline. Ego.

INTRODUÇÃO
Este presente artigo foi escrito com o intuito de contribuir para a ciência psicológica,
através do estudo do Transtorno de Personalidade Borderline. Visto as adversidades advindas
do transtorno, este estudo visa informar, e reconhecer a importância e urgência do tema no
quesito científico, para melhor proporcionar oportunidades de vivência de qualidade para estas
pessoas, diagnosticadas ou não.
O método utilizado para a coleta de informações foi qualitativo e a pesquisa é de cunho
exploratório e bibliográfico, além da análise de um estudo de caso utilizado como referência
para a compreensão do tema. Os pressupostos teóricos utilizados, ou seja, a técnica, foi retirada
da bibliografia psicanalítica winnicottiana, e esta abordagem foi utilizada nos julgamentos
teóricos inferidos e confundidos durante o artigo, com o objetivo de analisar o Transtorno de
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Personalidade Borderline no quesito Falso Self, e entender que tipos de falsos selves foram
reconhecidos, historicamente e bibliograficamente, no funcionamento da organização
psicodinâmica borderline.
A fins introdutórios e de contextualização, é importante o entendimento do diagnóstico
Borderline na ciência psiquiátrica, tão bem como a abordagem teórica psicanalítica utilizada
como pressuposto para o entendimento do funcionamento e gênese borderline.
O Transtorno de Personalidade Borderline é caracterizado por uma psicodinâmica
bastante complexa, mas a classificação apresentada pelo DSM-5 (2014) parece esclarecer,
mesmo que de forma incompleta (o transtorno e o indivíduo em sua totalidade, simplesmente
não são encaixáveis em um rótulo e nove critérios, assim, o diagnóstico é utilizado para a
facilitar a execução de um melhor tratamento terapêutico). Este padrão é caracterizado por ≥ 5
dos seguintes: Esforços desesperados para evitar o abandono (real ou imaginário);
relacionamentos intensos e instáveis que se alternam entre idealização e desvalorização da
outra pessoa; autoimagem ou senso do eu instável; impulsividade em ≥ 2 áreas que pode
prejudicá-los (p. ex., sexo inseguro, compulsão alimentar, dirigir de forma imprudente);
comportamentos, gestos ou ameaças repetidos de suicídio ou automutilação; mudanças
rápidas no humor, normalmente durando apenas algumas horas e raramente mais do que
alguns dias; sentimentos persistentes de vazio; raiva inadequadamente intensa ou problemas
para controlar a raiva; e pensamentos paranoicos temporários ou sintomas dissociativos
graves desencadeados por estresse.
Também segundo o DSM-5(2014), estresses durante a primeira infância, como abuso
físico, sexual, negligência e/ou separação dos cuidadores, podem contribuir para o
desenvolvimento do transtorno de personalidade borderline.
Dessa forma, os critérios diagnósticos para TPB, dentro dessa sistemática, se agrupam
nos seguinte tipos: (A) moderado ou grave comprometimento do funcionamento da
personalidade caracterizado pela dificuldade em duas ou mais das quatro áreas a seguir: (A.1)
identidade – autoimagem marcadamente pobre, pouco desenvolvida ou instável, por vezes
associada à autocrítica exagerada, sentimentos crônicos de vazio e sintomas dissociativos
decorrentes de estresse; (A.2) auto orientação – instabilidade em objetivos, aspirações, valores
ou planos de carreira; (A.3) empatia – déficits na habilidade de reconhecer as emoções e
necessidades dos outros, associada à hipersensibilidade interpessoal, e percepção seletiva dos
outros em termos de atributos negativos ou vulnerabilidades; (A.4) intimidade – relações
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próximas intensas, instáveis e conflituosas, marcadas por desconfiança, carência e


preocupações ansiosas com abandonos reais ou imaginários. (B) quatro ou mais dos sete traços
de personalidade patológicos, sendo que pelo menos um deles deve ser: (B.1) impulsividade,
(B.2) assumir riscos ou (B.3) hostilidade; (B.4) labilidade emocional; (B.5) ansiosidade; (B.6)
insegurança de separação; (B.7) depressividade (estes quatro traços são pertencentes ao
domínio de Afetividade Negativa); (B.8) impulsividade; (B.9) assumir riscos (estes outros dois
traços são pertencentes ao domínio de Desinibição); (B.10) hostilidade (pertencente ao domínio
do Antagonismo). (ESBEC; ECHEBÚRUA, 2011).

Justamente por esta multiplicidade sintomática, que por vezes o transtorno confunde
com sua pré-imagem social. Da mesma forma, o analista encarregado da terapêutica
psicodinâmica de indivíduos de organização borderline têm a tarefa de se afastar da super
simplificação idiossincrática do protótipo psicopatológico médico borderline, apresentado em
forma de assimilação direta Automutilação borderline (ZANDERSEN; PARNAS; 2019). O
critério mais prevalente neste transtorno é o chamado Distúrbio de Identidade, que aparece de
forma marcante, persistente e induz a uma autoimagem instável. (ZANDERSEN; PARNAS;
2019).

Ao entender o diagnóstico borderline, é assim conduzido o leitor, a reflexão acerca da


psicogênese borderline descrita por Winnicott, como um processo no qual o bebê nasce
fusionado a mãe em um processo simbiótico de indiferenciação do interno-externo, e deve ser
conduzido a integração e ao desenvolvimento de um self verdadeiro e de um falso self social.
(WINNICOTT, 1990).

Assim, o artigo pretende direcionar as análises descritivas winnicottianas acerca do falso


self no funcionamento borderline, a partir da revisão de literatura e do estado da arte de ambas
as temáticas, que não deixam de se confundir historicamente.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Teoria da Maturação de Winnicott

Segundo Mahler (1982) o lactente - como é chamado o bebê, desde a gestação e logo
após o nascimento, permanece fusionado a mãe – fusionado, pois ele ainda tem presente um
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processo de necessidade biológica de cuidados da mãe, que continuam durante toda a


amamentação, enquanto é presente um processo psíquico de dependência. Winnicott utiliza-se
deste termo pois o ambiente faz parte de sua extensão psíquica do lactente, naquele momento.
Esse processo é chamado de simbiose mãe-bebê, em que praticamente não há uma diferenciação
psíquica entre ambos, tanto quanto não havia uma diferenciação corporal, durante a gestação.
Inicialmente, isto é, no primeiro ano de vida do bebê, aproximadamente, a simbiose é um
elemento importante para o desenvolvimento do lactente. No entanto, o prolongamento
demasiado do processo da simbiose pode comprometer o normativo e gradativo processo de
individuação psíquica do lactente.

Segundo Mahler (1982) a partir dos desdobramentos da simbiose, particularmente seu


rompimento adequado, no período e da maneira correta, constituem desenvolvimento psíquico
normal do bebê.

“Nos estudos de Margaret Mahler (1975/1977), o termo simbiose encontra-se inserido como uma
fase no processo de desenvolvimento psicológico normal da criança. A fase simbiótica é
entendida como uma condição intrapsíquica, uma característica da vida cognitivo-afetiva
primitiva, em que a diferenciação entre o eu e a mãe ainda não aconteceu, ou uma regressão ao
estado de indiferenciação eu-objeto se faz presente. Tal condição pode basear-se em imagens
primitivas de unidade, mesmo na ausência física da mãe. Nesses termos, para essa autora, a
relação simbiótica consiste numa fase muito precoce do processo de nascimento psicológico do
indivíduo. A fase simbiótica é entendida como uma condição intrapsíquica, uma característica
da vida cognitivo-afetiva primitiva, em que a diferenciação entre o eu e a mãe ainda não
aconteceu, ou uma regressão ao estado de indiferenciação eu-objeto se faz presente.”
(CHATELARD; CERQUEIRA, 2015).

Isto se dá pois o lactente nasce ainda impossibilitado de reconhecer e diferenciar o


interno do externo. Em um estágio primário das primeiras relações objetais do lactente, este
ainda é um Ser não-integrado. No estado de não-integração e dependência em que o bebê se
encontra, existe a tendência para a integração do eu, e se o meio ambiente maternal for bom o
bastante e facilitador o suficiente, a realidade externa pode ser apresentada ao lactente aos
poucos, e ocorrerá a integração do self (WINNICOTT, 1990).

A partir destas implicações acerca da ontogênese da psiquê do bebê (lactente), se


configura o conceito de individuo saudável: aquele que passa positivamente pela simbiose, por
um processo bidirecional, em que o lactente deve experimentar e se acalentar pelo sentimento
de onipotência, que deve ser sustentado em termos emocionais também pela mãe, que tem papel
de garantir a experiência desta onipotência pelo lactente. Para que seja possível essa vinculação
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profunda que é a simbiose, é preciso que exista suprimento ambiental satisfatório, de


sustentação e confiança. A mãe, experienciando seu próprio processo subjetivo, fornece um
ambiente facilitador, que a partir do que se chama Preocupação Materna Primária, a mãe é
capaz de criar um manejo de confiança e suportar os estados mais regredidos do lactente para
retornar a linha de desenvolvimento racional (WINNICOTT, 1964).

A mãe suficientemente boa, como chama Winnicott alimenta durante o tempo


necessário, a onipotência do lactente e vê sentido nisso, fato que encaminha adequadamente o
rompimento da simbiose, para um self verdadeiro começar a se estruturar no lactente, iniciando
muito prematuramente a formação do eu do bebê. Este conceito de mãe, do qual trata Winnicott
é fundamentado na explicação de que a mãe suficientemente boa responde a alucinação motor-
sensorial do lactente e a realização simbólica de sua onipotência. Assim, alguns
comportamentos maternos são necessários em concomitância com o crescimento psíquico
natural do lactente (WINNICOTT, 1990).

O chamado Holding e Handling servem para realizar o desenvolvimento pessoal do


lactente de acordo com suas tendências herdadas geneticamente, resultando no senso de existir
e na configuração de autonomia de self, um self verdadeiro, que de modo saudável foi
apresentado o mundo externo (WINNICOTT, 1964).

“Considerando o vínculo entre mãe-bebê, Winnicott, o autor que fundamentará as análises deste
estudo aponta que é essencial que a mãe realize as três funções maternas: o holding, handling e
apresentação de objeto. Sendo o holding, a sustentação física e emocional, a mãe como o esteio
em uma rotina simples e estável (Winnicott, 2000); o handling, refere-se ao manejo físico como
trocar as fraldas, dar banho, proporcionando ao bebê o bem-estar físico e gradualmente
integrando a vida psíquica, (Winnicott, 2000); e a apresentação de objeto, que envolve a entrega
ao bebê do objeto desejado, fazendo com que ele acredite que o mundo pode conter o que precisa
e deseja.” (CRISTIANO, 2017).

Casos em que, em oposição, a mãe falha repetidamente em satisfazer o gesto espontâneo


do lactente - como por exemplo responder de maneira cuidadosamente espontânea a um choro
- e substitui por sua onipotência, assim imaginariamente invadindo o lactente, que é invalidado
e colocado em posição de submissão. A mãe que não contribui com os gestos espontâneos do
lactente engaja em um processo de fragmentação do self do lactente, que desde muito cedo, o
protesta psiquicamente contra ser forçado a uma falsa existência, pode ser discernido desde os
tempos mais primitivos da existência do lactente. Irritabilidade generalizada, distúrbios de
alimentação e outras funções defensivas são utilizas com este intuito, pelo inconsciente em
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formação do lactente. A submissão imposta pela mãe, o impedimento da vivência narcísica e


onipotente que deve passar o lactente, e o falso self submisso que passa a existir, reage as
exigências do meio, e não o oposto, que se configuraria em um processo saudável e não-
intrusivo (WINNICOTT, 1990).

Desta forma, podemos dizer que um trauma, é uma quebra de continuidade inerte na
existência de um indivíduo, que tem como consequência a não-integração, ou a desintegração
completa do self, que não suporta as pressões ambientais, que o incapacitam de se relacionar
com objetos externos. Neste caso, ocorre a perda do sentido de realidade, a perda de
relacionamento objetal, isolamento completo e a existência de uma rede de mecanismos que
camuflam a dor da existência, o chamado falso self. Em outro caso, a integração é realizada em
ritmo próprio (WINNICOTT, 1964).

O chamado Self, é uma inter-relação de forças e objetos que constituem a realidade


inteira do lactente naquele momento e que se distorce também, na estrutura do Ego, em self
verdadeiro, e falso self. Segundo Winnicott, esta divisão, assim chamada, é uma aquisição
saudável, iniciada nos primeiros momentos da vida do lactente. Isto pois, o falso self é uma
estrutura defensiva e um mecanismo de defesa para as intrusões do mundo exterior, formado
nos primeiros anos de vida, e fazendo-se presente durante toda a vida (WINNICOTT, 1964).

“Winnicott utiliza o conceito de falso self em dois sentidos diversos. Primeiramente, no sentido
saudável, comum a todos os indivíduos, tratando-se da faceta social do self, cabendo ao falso
self a tarefa de contato com o mundo, funcionando como uma ponte entre o self verdadeiro e a
realidade externa. Winnicott descreveu, ainda, a possibilidade de algumas lacunas (zonas de
dissociação) entre o funcionamento desses dois selves, admitindo, até a possibilidade de um
núcleo central do self verdadeiro, isolado e incomunicável” (RIBEIRO et al.; 2016).

O Falso self defende o verdadeiro, ao passo que somos seres sociais, este contato do
interno com o externo, da psiquê com a realidade, do sonho com o objetivo, tem de ser mediado
pelo falso self, que é o que nos mantém sociáveis e protege o verdadeiro self de intromissões
indevidas, que violariam as capacidades de assimilação saudável do verdadeiro self. Portanto
se delimita assim o falso self social, que se configura como o equivalente normal do falso self,
que de maneira mais rústica pode ser explicado como sendo a habilidades de boas maneiras
(excluindo-se a conotação liberal-política de etiqueta francesa que carrega o termo) que visa
ocultar e proteger o self real (WINNICOTT, 1964).
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As defesas organizadas contra a desintegração, entretanto, dependem do cuidado


materno primário, e o lactente necessita de suprimento materno adequado para que possa tanto
desenvolver de maneira autônoma seu verdadeiro self, como também para que possa estruturar
um falso self saudável, integrado. Caso não haja o movimento de integração, que segundo
Winnicott é o que o lactente nasce com tendência para este pode ser tanto desintegrado como
permanecer não-integrado e impedir uma precondição para uma vida criativa, o Narcisismo
Primário (WINNICOTT, 1964).

“Através do falso self se constrói relacionamentos falsos, e por meio de introjeções pode chegar
até uma aparência de ser real, de modo que a criança pode crescer se tornando exatamente o
que a família deseja, ocultando o self verdadeiro, pela submissão as exigências do ambiente.”
(WINNICOTT, 1990)

Winnicott salienta, visto toda esta estruturação teórica, os perigos da ausência de


adaptação ativa suficientemente boa por parte da mãe, que introjeta seus mecanismos de
onipotência e faz submisso o lactente de uma maneira torturantemente irregular, e que faz da
espontaneidade do verdadeiro self incapaz de acalentar-se através do Narcisismo Primário
(referencia); assim, a excitação do ID pode ser traumática quando o Ego (self) não é capaz de
incorporá-la e sua raiz espontânea se torna incomunicável pela “casca grossa” que é o falso self
que se forma a partir de então, a partir da realidade externa e para se comunicar com ela, com
base na complacência. O que fora constituído assim como um falso self, é um falso self que
funciona, mas de maneira “fútil”, e não alcança essência verdadeira justamente pela cisão que
o protege das agonias impensáveis (RIBEIRO et al.; 2016).

Assim, configurando-se a existência de um falso self patológico, dado a partir do


mecanismo de defesa do Ego, a clivagem - característica essencial do falso self patológico. A
clivagem é um mecanismo de proteção face a um ambiente inicial que não é suficientemente
bom para o desenvolvimento saudável do lactente, que além de não corresponder as
necessidades e alucinações psicomotoras do lactente, também é visto como ameaçador, digno
de que o falso self patológico, torne o verdadeiro self “aprisionado”, quase inacessível e impede
o desenvolvimento do verdadeiro self, que permanece “congelado” (RIBEIRO et al.; 2016).

A organização psicodinâmica borderline

Segundo Netto, que explica o pensamento winnicottiano, o paciente borderline


experiencia a psicose, em conjunto com uma organização neurótica que se sintomatiza em
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forma de desorganizações neuróticas, que visam proteger o self, das agonias psicóticas, para as
quais não está preparado, ao passo que o indivíduo é ainda um ser não integrado (NETO, 2010).

Segundo Winnicott este “caos” psicodinâmico da organização borderline pode ser


compreendido pela visita à sua ontogênese. Durante o contínuo reforçamento em uma dinâmica
contextual disfuncional, segundo Winnicott, surge um falso self, que oculta o verdadeiro,
mimetiza o ambiente e vive uma dinâmica de “como se”, experimentando assim entre outros
sintomas, a clivagem, mecanismo de defesa do Ego (RIBEIRO et al.; 2016).

“Com frequência, essas pessoas erigem muralhas defensivas contra sua angústia de
desamparo e de desmoronamento psíquico (contra medos da perda de identidade, de ameaças
de indiferenciação com os demais) e conseguem constituir família e ter uma vida profissional
de êxito. No entanto, acabam usando mecanismos psicóticos ou perversos como um recurso
para fugir “para” o outro e “dentro” do outro, ou expressando sua angústia nas somatizações
e em transtornos narcisistas, com que congelam o afeto. Através dos mecanismos de
onipotência, de onisciência, de prepotência e de arrogância, elas mantêm-se afastadas dos
primitivos vazios de mãe. Diferentemente do que ocorre na neurose – regida pela repressão
–, os responsáveis por proteger o ego de experiências contraditórias de si mesmo e dos demais
objetos são os mecanismos de defesa mais primitivos, como a negação, a idealização, a
identificação projetiva e o controle onipotente, relacionados com o processo de cisão
(splitting).” (WINNICOTT, 1990).

Winnicott, foi além de psicanalista, pediatra, lidando tanto com bebês como com mães,
e nesse contexto que constitui sua teoria do falso self, e especializa-se em seus estudos, nos
atendimentos de pacientes borderline e nas suas conceptualizações teóricas. Assim pode
também fazer observação direta do bebê no contato com a mãe e conceptualizar as experiencias
normais e anormais no processo de dependência mãe-lactente.

Winnicott, ao longo de sua trajetória de escrita e pesquisa acadêmica, por vezes trata de
uma psicodinâmica específica e a chama de borderline e por vezes, descrevendo o mesmo
funcionamento, lhe dá o nome de esquizoide. Desta forma, advém duas distintas organizações
psicodinâmicas do tipo borderline, que tem por base um funcionamento adaptativo ao ambiente,
que se utiliza até mesmo do mimetismo como mecanismo de defesa do Ego e que possui um
falso self patológico em sua gênese e psicodinâmica (RIBEIRO et al.; 2016).

E para delinear melhor o que seria a não-integração ou a desintegração do self, explica-


se as bases do que geralmente denominamos surto psicótico:

“O self verdadeiro tem de se defrontar diretamente, sem quaisquer mediações, como o mundo
externo e com o ímpeto dos impulsos instintivos (ainda não apropriados). Nessas condições, a
fragilidade do self – característica do estado de não integração em que se encontra –, leva-o a
sucumbir e ser penetrado pelas forças do mundo e dos instintos, advindo estados de pânico, de
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tipo paranoide, que o obrigam a cindir-se em vários pedaços, a fim de se proteger das agonias
impensáveis.” (NETO, 2010).

Para melhor diferenciarmos as formas de funcionamento do falso self patológico na


psicodinâmica borderline, adotaremos as definições distintas, de duas diferentes formas deste.
A primeira descrita por Winnicott é a definição clássica para o caso borderline, deste autor; é a
personalidade esquizoide. O esquizoide faz um movimento de incorporar o exterior, o ambiente,
ao seu mundo subjetivo, possibilitando-o psiquicamente e inconscientemente ser capaz de
exercer controle onipotente do ambiente, dentro de si, de seu imaginário (NETO, 2010).

A segunda, descrita pela psicanalista Helen Deutsch em 1942, é um tipo de paciente


denominado por ela como as if, ou “como se”. Este tipo de paciente, segundo a autora, apresente
um falso self patológico organizado o suficiente para deter certo tipo de adequação para lidar
com as demandas ambientais sociais cotidianas; tendo em contrapartida quase nenhum preparo
psíquico para atender demandas ambientais que demandam maior afetividade, e intimidade.
(JACQUES, 2015).

Borderline e falso self

Aquela maternagem que não é suficientemente boa troca o gesto espontâneo de vontade
do bebê pela onipotência da mãe e gera a organização de um falso self de profundidade maior
ou menor. E, portanto, as distorções do ego em verdadeiro e falso self advém de uma intrusão
sofrida pelo bebê, como um mecanismo de defesa e sobrevivência; quanto mais primário o
trauma, a negligência e intrusão, mais o falso self “esconde” e protege o self verdadeiro
(WINNICOTT, 1964).

Segundo Neto (2010) - que trata do conceito winnicottiano de falso self, em


concomitância com as divisões psicodinâmicas do caso borderline em duas distintas, como aqui
– explica, como se dá o funcionamento do falso self em ambas as distinções borderline.

O falso self, portanto, dos esquizoides é de frágil constituição e de poucos recursos no


que tange o social do self. Ao passo que o mundo subjetivo em questão reside muito mais no
interior do que no externo, este falso self mais fragilizado é vítima de novas desintegrações
ativas quando demandas ambientais são intensas ou tangem perdas objetais traumáticas e de
difícil reelaboração até mesmo no contexto clínico. O mundo subjetivo do esquizoide dispõe de
um “escudo protetor” invasivamente mais fragilizado, a ponto de a desintegração e os processos
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de cisão acontecerem durante o decorrer da vida adulta também, com o objetivo de poupar o
verdadeiro self das agonias impensáveis. E justamente é a cisão, o fenômeno psicodinâmico
essencial para a caracterização do esquizoide, que significa separar, dividir, fender (NETO,
2010). Este quadro é o quadro da divisão, de sintomas de despersonalização, de irrealidade, de
falta de contato com a realidade.

Já o tipo de personalidade borderline do tipo “como se” detém uma estrutura mais
multifacetada, justamente por este tipo de personalidade alocar a essência do indivíduo no falso
self, no objeto externo, diferentemente do esquizoide, que não tem a subsistência alocada no
falso self. Este falso self multifacetado, com o recurso do mimetismo, é até mesmo composto
por várias personas (digamos, sociais) dissociadas uma da outra – diferente da cisão do
esquizoide – dando uma impressão de que o indivíduo possui uma personalidade devidamente
plástica em dependência do ambiente externo e suas demandas. As desintegrações no tipo de
personalidade borderline “como se” são mais raras do que no esquizoide pois o falso self do
primeiro é devidamente estruturado, mesmo que patologicamente, para este próprio
investimento psíquico, o de preservar o verdadeiro self, devido ao medo de colapso. (NETO,
2010).

“(...) diferentemente dos esquizoides, os indivíduos de personalidade "como se" são obrigados a
viver na casca, não podendo se utilizar do retraimento defensivo – pelo menos,
como habitat principal –, sob o risco de perderem a possibilidade de relação objetal (a menos
que venham a constituir, via análise, um objeto subjetivo capaz de iniciar a criação de um mundo
subjetivo e, posteriormente, de um mundo interno, capaz de introjetar objetos).” (NETO, 2010).

O que torna este falso self patológico, é justamente o quão profundamente ele esconde
o verdadeiro self. Apesar de proteger o verdadeiro self da desintegração, alguns sintomas muito
comuns nestes casos, são constantes sensações de irrealidade, futilidade, existencialismo e
desesperança.

Fragmento Clínico

Na bibliografia winnicottiana consultada, pôde-se encontrar algumas anedotas que


tratam de temas que envolvem tanto o indivíduo borderline e o falso self mapeado pelo autor,
em formato de fragmento clínico. Alfredo Naffah Neto de análise winnicottiana, expõe no texto
“Apontamentos sobre a análise de uma paciente esquizoide, de uma perspectiva winnicottiana”
(2018) seus estudos e observação de certos pacientes.
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Na primeira citação observa-se presente um falso self tão precário que defesas autísticas
são levadas ao ápice, sob causa de intensas desintegrações:

“Nessa época, eu tinha, então, um paciente esquizoide que passava horas, às vezes dias, sugando
o dedo diante da televisão ligada, totalmente recolhido e indiferente ao ambiente externo. Aí
também, o recolhimento parecia proteger um objeto subjetivo, precariamente constituído,
representado pelo dedo sugado7 . Nas suas relações com o meio exterior, esse paciente usava um
falso self bastante precário, que sofria desintegrações em face da intensificação de qualquer
demanda ambiental, o que o levava a estados fusionais com os objetos e gerava grande
sofrimento.” (NETO, 2018).
Já no segundo caso de NETO (2010), em “Apontamentos sobre a análise de uma
paciente esquizoide, de uma perspectiva winnicottiana” há o fenômeno borderline esquizoide
permanecendo-se recolhido graças a um falso self e um self não integrado:

“Tinha, além disso, outro paciente, no caso uma mulher, que inicialmente era
uma borderline tipicamente "extrovertida", sem contato com qualquer espécie de mundo
subjetivo, mas que, tão logo constituiu, via análise, um arcabouço de mundo subjetivo, entrou
numa dinâmica de recolhimento esquizoide, nele permanecendo por um longo tempo.”
Também em “Apontamentos sobre a análise de uma paciente esquizoide, de uma
perspectiva winnicottiana” NETO explicita esta relação aqui induzida:

“A partir desses casos, formulei a hipótese de que o que produz o recolhimento esquizoide é a
necessidade de proteger uma relação de objeto subjetiva constituída – volto a repetir: ainda
que precariamente – de um ambiente imprevisível e, por isso mesmo, ameaçador. As possíveis
intrusões ambientais tornam-se ainda mais temidas quanto mais os processos de integração
do self do bebê, em curso, possam gerar angústias de tipo paranoide, conforme Winnicott
descreveu. Recolher-se, aí, significa, pois, proteger-se de qualquer possível ataque vindo do
exterior.” (NETO, 2018).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Brevemente, podemos inferir – em movimento de retomada e confirmação dos objetivos
iniciais do artigo, em adequação com o atual estado da arte do tema e do estudo científico
encontrado, que uma maternagem onde não acontece o rompimento adequado da simbiose,
onde existe contínuo reforçamento em uma dinâmica contextual disfuncional e não existe
movimento de validação espontâneo da alucinação motor-sensorial do lactente e a realização
simbólica de sua onipotência, pode acarretar, dependendo de variáveis não analisadas, como a
variável genética, no impedimento do movimento de integração para o qual o lactente nasce
propenso para, e por vezes leva ao funcionamento borderline, que tem como traço marcante, o
falso self patológico, seja na forma esquizoide descrita por Winnicott, seja na forma as if como
descrita por Helen Deutsch.
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É interessante notar que ao descrever a gênese borderline e do falso self, ambos parecem
indissociáveis, e o trabalho clínico deve ser adequado as demandas desta classe. Para Winnicott,
o analista deve manejar o ambiente e a transferência de forma a sustentar um vínculo de
confiança e acolhimento, possibilitando formas de reformulação objetal subjetiva, onde o
paciente-bebê possa retornar à revivência de sua linha de desenvolvimento racional, a partir do
acolhimento ambiental, em análise (NETO, 2010).

É importante conhecer e investigar as diferentes abordagens psicoterapêuticas


especificas para o assunto e os aspectos psicodinâmicos na literatura psicanalítica, assim como
suas visões acerca do movimento de manejo clínico, o setting terapêutico e temperamento do
analista frente a indivíduos de organização borderline através da exploração da bibliografia
cientifica disponível.

Após pesquisa e escrita para bem descrever os processos de maturação do lactente, e a


formação do self, voltamos ao método de coleta de dados utilizado que foi inteiramente
deleitado sobre a bibliografia disponível e a compreensão e confiança que a bibliografia
utilizada tem grande mérito. Para um estudo mais minucioso ainda sobre o assunto, em especial
a formação do falso self patológico na organização/patologia borderline seria necessária uma
escrita acadêmica em formato mais abrangente em coleta de informações, e posicionamentos
plurais dentro da psicanálise acerca do processo descrito por Winnicott.

Ao passo que a partir da bibliografia referenciada e consultada foi possível explorar com
profundidade o Transtorno de Personalidade Borderline e sua organização psicodinâmica em
concomitância com o funcionamento do falso self patológico a partir das conceitualizações
teóricas de Winnicott e sua escola psicanalítica; conclui-se, assim, que a teoria da maturação de
Winnicott contribui muito para o entendimento da gênese do trauma desintegrador que muitas
vezes é presente no funcionamento borderline em algum nível, e que se aperfeiçoa
defensivamente na forma de um falso self patológico (NETO, 2010).
Afinal a psicanálise, a psicologia, o trabalho, a observação, orientação, estudo, e práticas
psicanalíticas são respostas indispensáveis frente as demandas da sociedade.

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
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mãe-bebê no período de puerpério: uma análise winnicottiana. Vínculo, São Paulo , v. 14, n.
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NAFFAH NETO, Alfredo. Apontamentos sobre a análise de uma paciente esquizoide, de uma
perspectiva winnicottiana. J. psicanálise., São Paulo, v. 51, n. 95, p. 59-72, dez. 2018.
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personalidade, a partir de um caso clínico. REVISTA BRASILEIRA DE PSICOTERAPIA, v.
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