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Introdução
Metodologia
Resultados
Discussão
Sra. E: Não aceito, mas eu tento não me entregar, luto por mim, não me entrego. Não chego no
patamar que o psiquiatra M falou, eu vou provar a ele que nem todos borderline são do mesmo jeito;
tem aqueles que não se rendem e lutam contra, é só ter força de vontade, perseverança e fé em
Deus em primeiro lugar. É assim que eu vivo. Não deixo que nada de ruim me aconteça. Acordo
cedo, tomo meu banho, arrumo minha casa e vou trabalhar; Se eu vejo que não estou bem, vou lá
forro um tapetinho pra meninas brincarem, se estou bem fico brincando com elas...
Sabe... às vezes peço para as pessoas me darem coisas: roupas, ursinho etc. É ridículo, não sei
porquê eu peço isso. Você acaba ficando uma pessoa nojenta, sabe tudo isso faz parte dessa
porcaria de doença, porque eu sou o contrário. O que eu puder eu te dou, eu gosto de ajudar. A outra
“Sra. E” fica pegando as coisas e tomando os remédios descontrolados, ai depois passa essa fase.
Se você parar pra pensar, é uma vida difícil com essa doença, mais você querendo vence, basta
ter força de vontade, não falo que é fácil, mas vou lutar e vencer.
Analista: Como sua patologia afeta sua relação com a sociedade em geral: seus amigos do bairro, na
cidade e onde faz o tratamento?
Sra. E: Tem dia que “to“ afim de falar, ora não quero ver ninguém; Chego até nem atender ninguém.
Quando estou bem vou atender, vou vender coisas; depois passa o dia de receber e eu não vou.
Sempre que não estou bem quero me isolar de todo mundo. Minha vida é assim, tem dia que “tô“
bem, ai quero sair trabalhar... Tem dia que não quero nada, nem cuidar da casa pra você ter uma
ideia. Quando “tô“ bem saio pra vender, conversar. Daí o dia de receber eu não quero receber, não
quero falar, isso acaba atrapalhando minha vida... Daí no dia não consigo buscar o dinheiro. Eu
arrumei um serviço, “tô“ tomando conta das meninas. Ontem eu falei assim: “eu vou arrumar a
marmita; não, não vou.” Daí eu falei assim: “nossa ele [MARIDO] não pode ficar sem marmita”. Ai
levantei e arrumei, mas trabalhar não vou não, fiquei enrolando lá; não, tenho que ir porque eu luto.
Graças a Deus eu luto e eu consigo, se você entregar sua vida, vira um zero a esquerda.
Sra. E: Ridícula... me sinto ridícula. Não vejo no que vale a pena viver. Não vejo graça em nada, tudo
pra mim é vazio, sem valor, nada que faço pra “mim“ melhorar vale a pena, eu me odeio. Verdade.
Rezende (2009) afirma que nenhuma pessoa está imune ao desânimo, à redução da
autoestima e do pensamento negativo acarretados pela rejeição ou derrota, principalmente aqueles
com tendências depressivas.
As pessoas deprimidas tendem a explicar os eventos ruins em termos que são estáveis (“Vai
durar para sempre”), globais (“Está afetando tudo que eu faço”) e internos (“É tudo culpa minha”).
Teoriza-se que o resultado dessas atribuições pessimistas, generalizadas e de culpa pessoal é um
sentimento depressivo de desesperança (REZENDE, 2009).
A Sra. E demonstra vários sinais de desamparo e depressão em sua fala. A questão da variação
do humor, com conseqüente perda de vontade (diminuição de libido) de estar desempenhando suas
atividades familiares e sociais cotidianas comprovam esses sinais. O estado depressivo e a revolta
conflitante contra sua condição patológica é uma questão recorrente em sua vida como se evidencia
por meio de seu discurso.
Os indivíduos com Transtorno de Personalidade Borderline podem apresentar instabilidade
afetiva, devido a uma acentuada reatividade do humor, como por exemplo, euforia ou depressão
(disforia) episódica, irritabilidade ou ansiedade, em geral durando apenas algumas horas. O humor
disfórico (euforia ou depressão) dos indivíduos com Transtorno de Personalidade Borderline muitas
vezes é acompanhado por períodos de raiva, pânico ou desespero (BALLONE; MOURA, 2008).
Segundo os autores, essas pessoas ficam facilmente entediadas, não aceitam bem a constância ou
mesmo a serenidade e podem estar sempre procurando algo para fazer.
Como citado por Ballone e Moura (2008), geralmente esses estados depressivos ou eufóricos
(humor disfórico) duram apenas algumas horas, o que pode justificar a mudança de comportamento e
pensamento que a paciente apresentou ao longo de toda sessão. Ela começa com um ânimo mais
elevado e ao decorrer da sessão vai se tornando deprimido.; Evidenciando assim uma possível
mudança de humor no momento do atendimento feito pelo analista.
Segundo Bergeret (2006), o estado limítrofe localiza-se como uma “doença do narcisismo”. O
ego não consegue aceder a uma relação de objeto genital, no nível dos conflitos entre Id e Superego.
A relação de objeto fica centrada em uma dependência anaclítica do outro. E o limítrofe fica se
defendendo contra o perigo imediato da depressão, sofre de uma angústia de perda de objeto e
centra seus investimentos na relação de dependência em relação ao outro. A relação de objeto é uma
relação a dois, onde trata-se de ser amado pelo o outro, o forte, o grande estando ao mesmo tempo
separado dele como objeto distinto, mas ao mesmo tempo “apoiando-se contra ele” (anaclítismo).
Conclusão
É bem clara a insatisfação da paciente em relação a aceitação de seu estado patológico. Ela
se mantém em um estado de conflito constante lutando contra com sua “contraparte” que ela
denomina como seu outro eu; Essa questão é importante ressaltar, pois enriquece a exploração do
sentimento de ambivalência presente nos pacientes Borderlines. Aparenta haver uma cisão na
personalidade, fazendo com que a paciente crie “duas Sra. E”; a primeira, compulsiva, acumuladora,
colérica, impaciente, impulsiva;e a segunda, ponderada, compreensiva, calma e com bom senso. A
questão mais interessante nisto é a forma que a Sra E coloca está situação com plena consciência e
naturalidade. Ela parece não se importar em estar dividida entre duas personalidades, uma avessa a
outra. Possivelmente a paciente encontrou na necessidade de se apoiar em alguém mentalmente
“estabilizado” e em resposta a isso, sua psique desenvolveu uma personalidade conforme o que era
preciso e; devido a consequência da impossibilidade de encontrar esse alguém no Outro que sempre
esteve “ausente” em sua vida.
Consequentemente, a relação da paciente com a sociedade em geral, tornou-se muito
prejudicada mediante sua condição de saúde; é característico de pacientes com instabilidade de
humor, tais como os depressivos e aqueles com transtornos esquizoides, apresentar isolamento
social ao longo de toda sua vida. A sociedade passa a ser uma espécie de fardo que eles não podem
suportar; As cobranças, a pressão estressante do dia-a-dia e o próprio “movimento social”,
incomodam e perturbam muito estes pacientes, pois não conseguem se adaptar as condições de um
padrão pré-estabelecido de comportamento exigido pela moral social. Como Freud (1930[2010])
apresenta em seu “Mal-estar na civilização”, as exigências pulsionais precisam ser devidamente
reprimidas para que exista uma vida socialmente aceitável; porém os pacientes limítrofes tem severa
dificuldade para reprimir tais impulsos e, consequentemente, sem a descarga que se faz necessária,
existe um emprego incorreto da libido que acaba por ocasionar maiores complicações no estado
psicopatológico do paciente Borderline.
Freud (1895[1987]) defende a tese de que esses casos de angústia que afetam o humor dos
pacientes mentalmente afligidos remetem a o que ele denomina como “coitos com satisfação
faltante”; Ou seja, retorna-se a questão apresentada no “Mal-estar na civilização”: as exigências
pulsionais. Essas exigências da psique precisam ser devidamente satisfeitas, realizando a descarga
adequada; Caso contrário, a libido tende a complicar o estado psicopatológico do paciente. As
exigências pulsionais são um grande desafio para o paciente Borderline, pois sua inadequação na
leitura correta de seus sentimentos unida a sua impulsividade acarretam breves surtos que acabam
por prejudicar a busca por um prognóstico positivo.
Referências
BALLONE GJ; MOURA EC. Personalidade Borderline – In: PsiqWeb, Internet. Disponível em
http://virtualpsy.locaweb.com.br/www.psiqweb.med.br/, revisto em 2016.
FREUD S. A propósito de las críticas a La ‘neurosis de angustia’ (1895). In: Obras Completas. V.
3. Buenos Aires: Amorrortu, 1987.