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Psicopatologia

Estudos dos Fenômenos


Psicopatológicos
Prof. Eve
Objetivos

• Definir o campo da psicopatologia e o problema da classificação

• Definir os conceitos básicos da semiologia psiquiátrica

• Analisar modelos uni e multidimensionais em psicopatologia

• Localizar as contribuições das neurociências, psicologia,


desenvolvimento, cultural e social para a psicopatologia.
O que é psicopatologia?
• Campbell (1986): ramo da ciência que trata da natureza
essencial da doença mental
– Causas, mudanças estruturais e funcionais associadas a ela,
formas de manifestação

• “Entretanto, nem todo estudo psicopatológico segue a rigor


os ditames de uma ciência sensu strictu” (Dalgalarrondo)

• Dalgalarrondo: psicopatologia “lato sensu”: “”o conjunto de


conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser
humano”

DALGALARRONDO,P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, 2ª ed. Porto Alegre Artmed, 2008
O campo da psicopatologia

• Inclui um grande número de fenômenos humanos especiais, associados ao que se


denominou historicamente de doença mental

• Esses fenômenos são marcados, por um lado, pela especificidade psicológica (“as
vivências dos doentes mentais possuem dimensão própria, genuína, não sendo apenas
‘exageros’ do normal”) e, por outro, por suas conexões complexas com a psicologia
normal (“o mundo da doença mental não é um mundo totalmente estranho ao mundo
das experiências psicológicas ‘normais’)

• Raiz no modelo biomédico privilegia a classificação derivada da observação prolongada


e cuidadosa de populações de doentes mentais

• Outra raiz nas humanidades (principalmente filosofia, literatura, artes, e psicanálise),


que via o transtorno como possibilidade “de reconhecimento de dimensões humanas se,
sem o fenômeno ‘doença mental’, permaneceriam desconhecidas”

DALGALARRONDO,P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, 2ª ed. Porto Alegre Artmed, 2008
Jaspers – Psicopatologia
vs. prática clínica
• Para Jaspers, a psicopatologia é uma ciência
básica que serve de auxílio à técnica clínica
(psiquiatria, psicologia clínica),
– Técnica = conhecimento aplicado a uma prática
profissional e social concretas

• Limites da psicopatologia: Ainda que o objeto de


estudo seja o enfermo em sua totalidade, nunca
se pode reduzir por completo o ser humano a
conceitos psicopatológicos

• Se na psicopatologia o pensamento deve ser


sistemático e rigorosamente conceitual, na
prática profissional participa opiniões e intuições.
Tipos de psicopatologia
• Como a psicopatologia é essencialmente multidimensional, o
campo apresenta uma multiplicidade de abordagens e referenciais
teóricos

• Diversidade de campos é indicativa da relativa imaturidade


da psicopatologia, mas também da complexidade e
multidimensionalidade dos fenômenos patológicos.
– “querer uma única ‘explicação’, uma única concepção teórica, que
resolva todos os problemas e dúvidas de uma área tão complexa e
multifacetada como a psicopatologia é impor uma solução simplista e
artificial, que deformaria o fenômeno psicopatológico” (Dalgalarrondo,
p. 35)

DALGALARRONDO,P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, 2ª ed. Porto Alegre Artmed, 2008
Psicopatologia descritiva
vs psicopatologia
dinâmica
• A psicopatologia descritiva centra-se basicamente na forma das alterações psíquicas e na
estrutura dos sintomas – portanto, na experiência geral e “típica”
– Jaspers: “Principalmente as formas têm mais interesse para o psicopatologista. Os conteúdos parecem
comumente mais acidentais e inteiramente individuais”

• A psicopatologia dinâmica concentra-se no conteúdo da vivência patológica


e normal, nos movimentos internos dos afetos, desejos, temores do
indivíduo – portanto, em sua experiência individual
– Bleuler: “Quando um médico se defronta com a grande tarefa de ajudar uma
pessoa psiquicamente enferma, vê à sua frente dois caminhos: ele pode
registrar o que é mórbido. Irá, então, a partir dos sintomas da doença, concluir
pela existência de um dos quadros mórbidos impessoais que foram descritos.
[...] Ou pode trilhar outro caminho: pode escutar o doente como se fosse um
amigo de confiança. Nesse caso,dirigirá a sua atenção menos para constatar o
que é mórbido, para anotar sintomas psicopatológicos e, a partir disso, chegar a
um diagnóstico impessoal, e mais para tentar compreender uma pessoa
humana na sua singularidade e covivenciar suas aflições, seus temores, seus
desejos e suas expectativas pessoais.”
Psicopatologia médica vs.
psicopatologia existencial
• Perspectiva “médico-naturalista” (Dalgalarrondo):
noção de homem centrada no ser biológico;
adoecimento visto como desregulação do cérebro.

• Perspectiva “existencial”: doente visto como


“existência singular”, “como ser lançado a um mundo
que é apenas natural e biológico na sua dimensão
elementar, mas que é fundamentalmente histórico e
humano” (Dalgalarrondo, p. 36)

DALGALARRONDO,P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, 2ª ed. Porto Alegre Artmed, 2008
Psicopatologia categorial vs.
psicopatologia dimensional
• Doenças são categorias, “entidades nosológicas
completamente individualizadas, com contornos e
fronteiras bem-demarcados” (Dalgalarrondo, p. 37) -
tipos naturais

OU

• Doenças são compostas por dimensões (espectros) que


incluem diferentes graus de comprometimento e de
alteração de funções psicológicas

DALGALARRONDO,P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, 2ª ed. Porto Alegre Artmed, 2008
Modelo prototípico
• Uma terceira estratégia para organizar e classificar os transtornos é o
modelo prototípico (DSM-IV-TR, DSM-5)

• “Identifica certas características essenciais de uma entidade de forma


que você (e outras pessoas) possam classificá-la, mas que também
permite certas variações não-essenciais que não necessariamente
mudam a classificação” (Barlow & Durand).

• Diversas características ou propriedades do transtorno são listadas, e


um transtorno deve apresentar um número suficiente deles para ser
considerado parte da categoria.

BARLOW, D. H; DURAND, V. M.. Psicopatologia: Uma abordagem integrada. Tradução Noveritis do Brasil. 7a. ed.
São Paulo: Cengage Learning Nacional, 2016.
Exemplo: Transtorno depressivo
maior, DSM-5
• Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas 1.Humor deprimido na maior parte do dia
estiveram presentes durante o mesmo 2.Acentuada diminuição do interesse ou
período de duas semanas e prazer em todas ou quase todas as
representam uma mudança em relação atividades na maior parte do dia
ao funcionamento anterior; pelo menos 3. Perda ou ganho significativo de peso ou
um dos sintomas é (1) humor deprimido redução ou aumento do apetite
ou (2) perda de interesse ou prazer: 4.Insônia ou hipersonia
5.Agitação ou retardo psicomotor
6.Fadiga ou perda de energia
7. Sentimentos de inutilidade ou culpa
excessiva ou inapropriada (que podem ser
delirantes)
8. Capacidade diminuída para pensar ou se
concentrar, ou indecisão
9. Pensamentos recorrentes de morte (não
somente medo de morrer), ideação suicida
recorrente sem um plano específico, uma
tentativa de suicídio ou plano específico
para cometer suicídio

DSM-5 - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artes Médicas, 2014.
Exemplo: Transtorno depressivo
maior, DSM-5
• Os critérios diagnósticos incluem diversos sintomas não-essenciais

• Se o paciente apresenta humor deprimido ou anedonia e pelo menos


quatro dos oito sintomas não-essenciais, aproxima-se o suficiente
do “protótipo” para atingir os critérios para episódio depressivo
maior.

• P. ex., uma pessoa pode apresentar humor deprimido, perda significativa


de peso, insônia, agitação psicomotora, e perda de energia; outra pode
apresentar anedonia, fadiga, sentimentos de inutilidade, dificuldade de
pensar ou se concentrar, e ideação suicida.
– Ambos apresentam os cinco sintomas que os aproximam do protótipo, mas
compartilham só um sintoma.
Psicopatologia biológica
vs. psicopatologia
sociocultural
• Psicopatologia biológica enfatiza aspectos
cerebrais, neuroquímicos, ou
neurofisiológicos das doenças e sintomas

• Psicopatologia sociocultural enfatiza os


fatores socioculturais que geram a doença,
bem como das normas, valores e
símbolos culturalmente construídos que
dão significado ao sintoma
Psicopatologia operacional-pragmática
vs. psicopatologia fundamental

• Na visão operacional-pragmática, o recorte dos sintomas e


das síndromes psicopatológicas é formulado em função
da utilidade pragmática, clínica, ou orientada à pesquisa

• Psicopatologia fundamental: a pesquisa psicopatológica


deve centrar-se sobre os fundamentos de cada conceito
psicopatológico, e em seu arcabouço de sofrimento,
paixão, e passividade.
Semiologia psicopatológica
• A psicopatologia parte de um sintoma, seja para definir
a esfera existencial, seja para classificar

• A semiologia médica é o estudo dos sintomas e sinais


das doenças, permitindo “identificar alterações físicas
e mentais, ordenar os fenômenos observados,
formular diagnósticos, e empreender terapêuticas”
(Dalgalarrondo, p. 23)

• “Semiologia psicopatológica é o estudo dos sinais e


sintomas dos transtornos mentais” (idem)

DALGALARRONDO,P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, 2ª ed. Porto Alegre Artmed, 2008
Signo e
semiologia
• A semiologia é um campo mais amplo, que estuda “a vida
dos signos no seio da vida social” (Saussure, 1916)

• O signo é o “elemento nuclear” da semiologia; é uma


espécie de sinal, entendo como “qualquer estímulo
emitido pelos objetos do mundo” (Dalgalarrondo, p. 24)
– Um signo é “um sinal sempre provido de significação”
(Dalgalarrondo, p. 24)

• “A semiologia médica e a psicopatológica tratam


particularmente dos signos que indicam a existência
de sofrimento mental, transtornos e patologias.”
(Idem)
DALGALARRONDO,P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, 2ª ed. Porto Alegre Artmed, 2008
Sinais e sintomas na
semiologia
psicopatológica
• “Os sinais são observações e descobertas objetivas, como os afetos constritos ou
retardos psicomotores do paciente. Os sintomas são as experiências descritas por
este, expressadas muitas vezes como suas principais queixas, como humor
depressivo ou falta de energia” (Kaplan & Sadock, p. 306)

• A semiologia psicopatológica agrupa sinais e sintomas em síndromes, formando


condições reconhecíveis que podem ser “mais ambíguas do que uma doença ou
um transtorno específico” (idem)
– “Na prática clínica, os sinais e os sintomas não ocorrem de forma aleatória; surgem em
certas associações, certos clusters mais ou menos frequentes” (Dalgalarrondo, p. 26)

KAPLAN, B. J.; SADOCK, V. A.. Compêndio de psiquiatria – Ciência do comportamento e psiquiatria clínica, 9ª
ed. Porto Alegre: Artmed, 2007
Síndromes e entidades
nosológicas em psicopatologia
• Ao se delimitar uma síndrome, “não se trata ainda da definição e
da identificação de causas específicas e de uma natureza
essencial do processo patológico” (Dalgalarrondo, p. 26)

• As entidades nosológicas (doenças, entidades de doença,


transtornos), por outro lado, são fenômenos mórbidos nos quais
podemos identificar (ou hipotetizar de forma consistente):
– Fatores causais (etiologia)
– Curso temporal
– Estados terminais (desfechos) típicos
– Mecanismos psicológicos e psicopatológicos
– Antecedentes genéticos e de desenvolvimento
– Respostas a tratamento mais ou menos previsíveis

DALGALARRONDO,P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais, 2ª ed. Porto Alegre Artmed, 2008
Ordenação dos
fenômenos
psicopatológicos
• Dalgalarrondo: classificação dos fenômenos humanos
em
– Fenômenos semelhantes em todas as pessoas (p. ex., medo
de animais perigosos, ansiedade frente a uma situação social
nova)
– Fenômenos parcialmente semelhantes, que apenas em parte
são semelhantes ao que o paciente vivencia (a tristeza é
apenas parcialmente semelhante ao humor deprimido)
O problema da classificação
• A observação sistemática e cuidadosa das manifestações
psicopatológicas implica em “classificar, interpretar e
ordenar o observado em determinada perspectiva,
seguindo certa lógica” (Dalgalarrondo, p. 29)

• Lógica aristotélica: o problema da classificação é a


questão da unidade (definições de semelhança) e da
variedade (definições de diferença) dos fatos
O problema da classificação
• O interesse pela classificação é o interesse por algumas
questões interrelacionadas:
1. Se um determinado transtorno mental é real (ou válido);
2.Se o transtorno tem potencial indutivo, “se os sintomas
agrupam-se de maneira uniforme por todas as ocorrências do
transtorno, e se a categoria apoia inferências sobre o tratamento”
(Sabbarton-Leary et al);
3. Qual é a história causal do transtorno;
4. O quão informativa é a categoria classificatória

• A resposta a essas questões é essencial para responder às


críticas da antipsiquiatria de que as entidades nosológicas da
psicopatologia são “mitos convenientes”
SABBARTON-LEARY, N.; BORTOLOTTI, L; BROOME, M. R.. “Natural kinds and para-natural kinds in psychiatry”, in: P. ZACHAR, D. ST. STOYANOV, M
ARAGONA, A. JABLENSKY, eds., Alternative perspectives on psychiatric validation: DSM, ICD, RDoC, and Beyond, pp. 77-93. Oxford: Oxford University Press,
2015.
Classificação, confiabilidade e
validade
• “Dentro da psicopatologia, as definições de “normal” e “anormal” são
questionadas, assim como o pressuposto de que algumas alterações
comportamentais ou cognitivas são parte de um transtorno e não de outro”
(Barlow & Durrand, p. 84)

• Qualquer sistema de classificação deve descrever subgrupos específicos


de sintomas que sejam evidentes e facilmente identificáveis por clínicos
experientes – confiabilidade
– Sistemas de classificação pouco confiáveis estão sujeitos a vieses por parte dos
clínicos

• Um sistema de classificação também deve apresentar validade

BARLOW, D. H; DURAND, V. M.. Psicopatologia: Uma abordagem integrada. Tradução Noveritis do Brasil. 7a. ed.
São Paulo: Cengage Learning Nacional, 2016.
O conceito de validade
• Robbins e Guze (1970) – uma entidade nosológica deve ter cinco conjuntos de validadores
– Descrição clínica
– Estudos laboratoriais
– Diferenciação de outros transtornos
– Estudos de desfecho
– Estudos familiares

• Dalgalarrondo: validadores importantes:


– Fatores causais (etiologia)
– Curso temporal
– Estados terminais (desfechos) típicos
– Mecanismos psicológicos e psicopatológicos
– Antecedentes genéticos e de desenvolvimento
– Respostas a tratamento mais ou menos previsíveis

• Barlow & Durand: Validade diagnóstica depende de


– Valor de construto (os sinais e sintomas escolhidos como critério para a categoria estão consistentemente associados,
e o que identificam difere de outras categorias)
– Valor preditivo/de critério: capacidade de prever o curso e o desfecho em um paciente prototípico
– Valor de conteúdo: os critérios diagnósticos devem refletir a maneira como a maioria dos especialistas do campo veem
a categoria
O conceito de validade
• Multiplicidade de conceitos:
1)“Um diagnóstico é válido se pode ser confirmado por um teste que é independente dos critérios diagnósticos (p. ex.,
uma biópsia valida um diagnóstico de câncer).
2) Um critério diagnóstico é válido se é um indicador sensível de um transtorno.
3)Um diagnóstico é válido se é um indicador específico de um transtorno, distinguindo casos verdadeiros do transtorno
de outros transtornos.
4)Um construto diagnóstico é válido se amostra de forma representativa as características psicológicas e
comportamentais do transtorno.
5)Um construto diagnóstico é válido se refere-se a uma síndrome integrada (um padrão de sintomas inter-
correlacionados e um curso temporal previsível) que apóia uma distinção entre casos e não-casos (i.e., um
agrupamento clínico natural).
6)Um construto diagnóstico é válido se permite que um profissional faça inferências não-triviais acerca de pacientes que
contribuem para a descrição, manejo, ou tratamento do problema. “Não-trivial” significa que as inferências não são
dedutíveis a partir da definição do construto.
7) Um construto diagnóstico é válido se for psicometricamente unidimensional.
8)Um construto diagnóstico é válido se corresponde a uma etiologia única (determinante de identidade, e de preferência
biológica).
9) Um construto diagnóstico é válido se refere-se a um transtorno objetivo que é danoso ao portador.
10)U m construto diagnóstico é válido se sua estrutura interna corresponde a como os sintomas são estruturados na
população.” (Zachar & Jablensky, 2015)

ZACHAR, P.; JABLENSKY, A. “Introduction: The concept of validation in psychiatry and psychology”. In: P. ZACHAR, D. ST. STOYANOV, M
ARAGONA, A. JABLENSKY, eds., Alternative perspectives on psychiatric validation: DSM, ICD, RDoC, and Beyond, pp. 3-24. Oxford:
Oxford University Press, 2015.
Modelos uni- e multi-
dimensionais
• Afirmar que uma doença mental é causada por uma alteração no funcionamento do cérebro,
ou por condicionamento, ou por mecanismos de defesa inconscientes, é aceitar um modelo
linear um uni-dimensional, “que tenta traçar as origens do comportamento a uma única causa”
(Barlow & Durand, p. 29)

• Mesmo os modelos que afirmam se opor ao modelo biomédico tem essa característica

• Modelos mais contemporâneos buscam interpretar as alterações do comportamento como


resultantes de múltiplas influências – perspectiva sistêmica
– “implica que qualquer influência particular contribuindo para a psicopatologia não pode ser considerada
fora do contexto [que], nesse caso, refere-se à biologia e ao comportamento do indivíduo, bem como ao
ambiente cognitivo, emocional, social, e cultural” (idem)

BARLOW, D. H; DURAND, V. M.. Psicopatologia: Uma abordagem integrada. Tradução Noveritis do Brasil. 7a. ed.
São Paulo: Cengage Learning Nacional, 2016.
Contribuições das
neurociências para a
psicopatologia
• Um entendimento do funcionamento do cérebro é necessário para entendermos o
comportamento, emoções, e processos cognitivos, e como se alteram nos transtornos.

• As alterações dessas funções após lesões cerebrais são o campo de estudo da


neurologia e da neuropsicologia, e a psicopatologia tende a se focar no papel da função
cerebral no desenvolvimento da personalidade, “considerando como diferentes tipos
de personalidade guiadas biologicamente impulsionadas podem ser mais vulneráveis
ao desenvolvimento de certos tipos de transtornos psicológicos” (Barlow & Durrand, p.
48)
– P. ex., algumas pessoas impulsivas podem apresentar baixa atividade serotonérgica e alta
atividade dopaminérgica

BARLOW, D. H; DURAND, V. M.. Psicopatologia: Uma abordagem integrada. Tradução Noveritis do Brasil. 7a. ed.
São Paulo: Cengage Learning Nacional, 2016.
Influências psicossociais sobre
estrutura e função do
• Aencéfalo
interação entre encéfalo e ambiente é de mão dupla, e o
efeito do ambiente sobre o cérebro é relevante para os
tratamentos psicológicos

• “As intervenções psicoterapêuticas atuam no tecido neural,


produzindo alterações no padrão de comunicação
sináptica de forma semelhante aos efeitos produzidos por
drogas psicotrópicas. Dessa forma, o sistema nervoso
central constitui o local comum às intervenções
psicológicas e farmacológicas” (Callegaro e Landeira-
Fernandez, 2007)

CALLEGARO, M. M.; LANDEIRA-FERNANDEZ, J. “Pesquisas em neurociência e suas implicações na prática


psicoterápica”, In: CORDIOLI, A. V. (Org.), Psicoterapias abordagens atuais, p. 851-872, 3ª ed. Porto Alegre: ArtMed,
Efeito da psicoterapia sobre o
funcionamento do SNC
• TOC: Redução da atividade do núcleo caudado do
hemisfério direito (PET, rCBF)

• Fobia específica a aranhas: Redução da atividade do


giro parahipocampal e do dlPFC direito; aumento da
atividade do vlPFC direito; redução da atividade da
ínsula e do córtex cingulado anterior direito

• Fobia social: Redução da atividade da amígdala,


córtex parahipocampal, e outras estruturas límbicas;
redução da atividade da PAG

CALLEGARO, M. M.; LANDEIRA-FERNANDEZ, J. “Pesquisas em neurociência e suas implicações na prática


psicoterápica”, In: CORDIOLI, A. V. (Org.), Psicoterapias abordagens atuais, p. 851-872, 3ª ed. Porto Alegre: ArtMed,
Efeito da psicoterapia sobre o
funcionamento do SNC
• Transtorno bipolar: Aumento da atividade
do PFC

• Transtorno depressivo maior: Redução da


atividade do PFC; aumento da atividade do
lobo temporal

• Esquizofrenia: Aumento da atividade do


PFC esquerdo
CALLEGARO, M. M.; LANDEIRA-FERNANDEZ, J. “Pesquisas em neurociência e suas implicações na prática
psicoterápica”, In: CORDIOLI, A. V. (Org.), Psicoterapias abordagens atuais, p. 851-872, 3ª ed. Porto Alegre: ArtMed,
Influências da psicologia
na psicopatologia
• Alguns modelos sugerem um importante papel para o condicionamento operante e
respondente como fenômeno importante para transtornos mentais
– Déficits de extinção de medo no TEPT
– Desamparo aprendido (Maier & Seligman, 1976)
– Aprendizagem preparada nas fobias (Mineka, 1985)

• Bandura (1973, 1986): comportamento, fatores cognitivos, e influências


ambientais convergem na produção da complexidade do comportamento; muito
desse ambiente é social

• Uma análise cuidadosa dos processos cognitivos pode produzir previsões mais
precisas do comportamento
Influências da psicologia afetiva
na psicopatologia
• Diversos transtornos tem um componente emocional, central ou não

• É difícil definir o que é uma “emoção”, mas alguns autores afirmam ser uma tendência para a
ação (tendência a se comportar de determinada forma, eliciada por um evento externo e um
estado de sentimento, e acompanhada de uma resposta fisiológica característica)

• Um objetivo do sentimento é nos motivar a iniciar comportamentos

• As emoções são eventos de duração curta, e quase sempre atrelados a um evento externo; o
humor é um período mais persistente de afeto ou emocionalidade

• O afeto é o tônus emocional momentâneo que acompanha o que falamos ou fazemos


Aspectos culturais: Wittkower
1) em que extensão, diferenças na escala de valores em 7) porque certas técnicas de tratamento do doente
culturas contrastantes, no que tange à estrutura familiar, ao mental são mais aceitas numa cultura que em outra?;
papel e ao "status" da mulher, afetam a normalidade mental?

2) no que desordens mentais diferem quantitativa e 8) qual é a eficácia dos métodos do "curandeiro"
qualitativamente entre nativos de populações estabilizadas tradicional, no tratamento do doente mental, nos
através de muitas gerações e os migrantes recentes?; países em desenvolvimento?;

3) em que medida mudanças políticas e culturais - rotura das 9) a evolução para a cura espontânea é diferente em
tradições familiares ou de outras instituições sociais, a
países diferentes?;
industrialização e a urbanização - afetam negativamente a
saúde mental?;
10) quais os métodos psicoterápicos ocidentais
4) em que extensão diferenças de crença influem no conteúdo aplicáveis às populações nativas nos países em
de manifestações psico-patológicas?; desenvolvimento?;

5) haverá síndromes relativas de natureza cultural?;


11) haverá diferenças culturais na resposta aos
psicotrópicos?;
6) em que medida e de que forma fatores culturais influem sobre
o conteúdo de manifestações psicológicas?;
12) diferenças nas atitudes da comunidade diante do
doente mental terão influência no quadro clínico, bem
como na evolução das desordens mentais, em
diferentes culturas?

WITTKOWER, E. D. — Perspectives of transcultural Psychiatry. Rev. brasil. Psiquiat. 2:61-78, 1968


A cultura contribui com a
psicopatologia de diferentes formas
• Tseng (2007): De um ponto de vista conceitual, existem seis modos diferentes com os quais a cultura pode
contribuir para os transtornos mentais

• Efeitos patogênicos: referem-se a situações nas quais a cultura é um fator causal direto na formação da doença
(p. ex., ideias e crenças culturais contribuem para o estresse, que por sua vez produz patologia)
– A síndrome que ocorre tende a ser relacionada à cultura

• Efeitos seletivos: referem-se à tendência de algumas pessoas, face a acontecimentos vitais, de selecionar certos
padrões de reação culturalmente determinados que resultam na manifestação de certos transtornos

• Efeitos plásticos: referem-se à forma como a cultura contribui para a modelagem das manifestações da patologia
(p. ex., conteúdo de sintomas)

• Efeitos elaboradores: ainda que certas reações comportamentais sejam universais, podem tornar-se exageradas
em algumas culturas através do reforçamento cultural (p. ex., suicídio no Japão)

• Efeitos facilitadores: referem-se à incidência diferencial de determinados transtornos em culturas diferentes (p.
ex., transtornos alimentares nas sociedades ocidentais pós-industriais)

• Efeitos reativos: referem-se à maneira como os membros de uma cultura entendem e reagem a um transtorno

TSENG, W.-S.. “Culture and psychopathology: A general view”, In: BHUGRA, D.; BHUI, K. (Eds.), Textbook of Cultural
Psychiatry, p. 95-112. Cambridge: Cambridge University Press, 2007
Formas diferentes afetam
síndromes diferentes
Determinantes Síndromes
sócio-
ligadas à cultura
culturais

Transtornos
“epidêmicos”

Determinantes Transtornos “menores”

psicológicos

Abuso de substâncias

Transtornos “maiores”

Determinantes
biológicos Transtornos orgânicos
CASO JUDY
Exemplo: O caso de Judy (Barlow &
Durrand)
• Judy, uma garota de 16 anos, foi levada à nossa clínica para tratamento de transtornos
de ansiedade após crescentes episódios de desmaio. Cerca de dois anos antes, em
sua primeira aula de biologia, o professor mostrou um filme sobre a dissecação de uma
rã para exemplificar diversos aspectos da anatomia.

• Foi um filme com imagens vívidas de sangue, tecidos e músculos Mais ou menos na
metade da exibição, Judy se sentiu um pouco zonza e deixou a sala. Mas as imagens
não saíam da sua mente. Ela continuou a ser atormentada por elas e, ocasionalmente,
sentia-se nauseada. Começou a evitar situações nas quais poderia ver sangue ou
ferimentos. Parou de ver revistas que poderiam trazer fotos de violência e sangue.
Começou a achar difícil olhar carne vermelha crua, ou até mesmo curativos, porque eles
traziam lembranças das imagens de sangue que a amedrontavam. Por fim, qualquer
coisa que seus amigos ou parentes lhe diziam que trazia imagem de sangue ou
ferimento fazia com que Judy tivesse a sensação de desmaio. A situação ficou tão séria
que, se um de seus amigos gritasse “corta essa!”, ela se sentia fraca.

BARLOW, D. H; DURAND, V. M.. Psicopatologia: Uma abordagem integrada. Tradução Noveritis do Brasil. 7a. ed.
São Paulo: Cengage Learning Nacional, 2016.
Exemplo: O caso de Judy (Barlow &
Durrand)
• Seis meses antes de visitar a clínica, Judy desmaiou de fato quando
inevitavelmente viu alguém ensanguentado. Nem o médico da família nem
outros médicos conseguiam achar nada de errado com ela. Quando foi
encaminhada à nossa clínica, ela desmaiava de cinco a dez vezes por
semana, frequentemente durante suas aulas. É óbvio que isso era
problemático para ela e que a atrapalhava na escola; cada vez que Judy
desmaiava, os outros estudantes se aglomeravam ao redor, tentando ajudá-
la, e a aula era interrompida. Pelo fato de ninguém ter encontrado nada de
errado, o diretor concluiu que ela estava sendo manipuladora e a
suspendeu, mesmo sendo uma aluna excelente.

• O diagnóstico é de fobia específica a sangue-injeção-ferimentos (DSM-5,


código 300.29), equivalente a fobia simples (CID-10, código 40.230, medo
de sangue)

BARLOW, D. H; DURAND, V. M.. Psicopatologia: Uma abordagem integrada. Tradução Noveritis do Brasil. 7a. ed.
São Paulo: Cengage Learning Nacional, 2016.
Fobia específica – DSM-
5
A)Medo ou ansiedade acentuados acerca de um objeto ou situação (p. ex., voar, alturas, animais, tomar uma injeção,
ver sangue). Nota: Em crianças, o medo ou ansiedade pode ser expresso por choro, ataques de raiva, imobilidade ou
comportamento de agarrar-se.
B) O objeto ou situação fóbica quase invariavelmente provoca uma resposta imediata de medo ou ansiedade.
C) O objeto ou situação fóbica é ativamente evitado ou suportado com intensa ansiedade ou sofrimento.
D)O medo ou ansiedade é desproporcional em relação ao perigo real imposto pelo objeto ou situação específica e ao
contexto sociocultural.
E) O medo, ansiedade ou esquiva é persistente, geralmente com duração mínima de seis meses.
F)O medo, ansiedade ou esquiva causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social,
profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
G)A perturbação não é mais bem explicada pelos sintomas de outro transtorno mental, incluindo medo, ansiedade e
esquiva de situações associadas a sintomas do tipo pânico ou outros sintomas incapacitantes (como na agorafobia);
objetos ou situações relacionados a obsessões (como no transtorno obsessivo-compulsivo); evocação de eventos
traumáticos (como no transtorno de estresse pós-traumático); separação de casa ou de figuras de apego (como no
transtorno de ansiedade de separação); ou situações sociais (como no transtorno de ansiedade social).

DSM-5 - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artes Médicas, 2014.
O que causou a fobia de
Judy?
• Influências comportamentais?
• Influências biológicas?
• Fatores emocionais?
• Influências sociais?
• Influências de desenvolvimento?

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