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PSICANÁLISE
O SINTOMA NA PSICANÁLISE
MONALISA M. CIANI
São Paulo - SP
2013
AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO………………………………………………………………….................05
1 – O SINTOMA EM FREUD.....................................................................................07
1.1 - OS
2 – O SINTOMA EM LACAN.....................................................................................16
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................32
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................35
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INTRODUÇÃO
1. O SINTOMA EM FREUD
É importante frisar que é neste período que Freud começa a desenvolver uma
outra forma de entender o sintoma, diferente do que era proposto pela medicina da
época. Ele supõe que há um enigma a ser decifrado na histeria, havendo, portanto,
um saber na perturbação. A partir deste ponto, posteriormente, desenvolverá o
conceito de inconsciente e a associação livre como regra fundamental da
psicanálise. Conforme comenta Sidon: “[...] Freud faz falar o sintoma. Este
dispositivo de suposição de um saber do Outro é inaugural do “corte” de Freud em
relação à Charcot”. (1998, p. 246).
Cabe ressaltar que, neste contexto, Freud acredita que o sintoma neurótico
aparece como uma mensagem cifrada e que, assim como as outras formações do
inconsciente, possui um sentido e pode ser interpretado. O trabalho de análise
consiste então em tornar consciente o inconsciente, trazendo o sentido do sintoma à
tona.
regressão. Por ter sido rechaçada, ela retira-se do ego e busca vincular-se a
representações do sistema inconsciente de acordo com o princípio do prazer.
Se num primeiro momento, na época dos estudos sobre histeria com Breuer,
Freud concebe o trauma como base real do sintoma, posteriormente, considera que
o trauma é suposto ou deduzido. Neste momento de suas elaborações, ele adota a
teoria da fantasia, onde o trauma é considerado como o fundamento da fantasia na
realidade psíquica do sujeito.
Sobre este ponto das elaborações freudianas, Miller faz um paralelo com o
conceito lacaniano de gozo:
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Freud nos fala de uma satisfação que não se confunde com o prazer.
O sintoma histérico apresenta-se na dimensão do desprazer, ainda
que satisfaça – o que justifica a introdução de uma palavra distinta
para indicar a conjunção da satisfação e do desprazer. É o que
Lacan chama de gozo. (MILLER, 2011, p.27).
ser interpretada, ele também passa a ser caracterizado por uma outra faceta, a
saber, o sintoma como satisfação pulsional (gozo).
2. O SINTOMA EM LACAN
Sobre o sintoma, Lacan afirma: “[...] o sintoma se resolve por inteiro numa
análise linguajeira, por ser ele mesmo estruturado como uma linguagem, por ser a
linguagem cuja fala deve ser libertada.” (1953/1998, p. 270).
É possível notar, através desta passagem, que neste momento Lacan está
em consonância com o Freud de “A interpretação dos sonhos” (1900). Tal qual o
mestre, Lacan acredita que o sintoma, assim como as outras formações do
inconsciente, pode ser perfeitamente decifrável na experiência analítica. Como já foi
dito anteriormente, neste momento, o que Lacan traz de novo em relação à Freud é
a utilização das ferramentas da linguística estrutural.
Dito isso, é importante destacar aqui o texto “Os seis paradigmas do gozo”
(2012), onde Miller faz um estudo localizando os desdobramentos que o conceito de
gozo tem ao longo do ensino de Lacan, bem como a relação estabelecida entre
sentido e gozo. Se como primeiro paradigma temos a “imaginarização do gozo”,
posteriormente, como segundo paradigma, localizado a partir do Seminário 5, temos
a “significantização do gozo”. Trata-se de um gozo mortificado, que “está
essencialmente repartido entre o desejo e a fantasia” (MILLER, 2012, p.11).
supõe haver uma relação primitiva entre significante e gozo. O sintoma, neste
momento, trata-se de repetição:
A clínica dos nós é uma clínica sem conflito. [...] É uma clínica do
enodamento e não da oposição, dos arranjos que permitem uma
satisfação e conduzem ao gozo. Há dificuldades, mas não há
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Retomando o texto “Os seis paradigmas do gozo”, Miller (2012) localiza neste
momento do ensino de Lacan o último dos paradigmas, que é nomeado como o
paradigma da “não relação” e pode ser localizado a partir do Seminário 20 – “Mais,
ainda”.
No ano seguinte, 1901, Freud escreve o caso clínico para uma posterior
publicação. É importante ressaltar que, neste mesmo ano, ele estava se dedicando à
escrita de “Sobre a psicopatologia da vida cotidiana” (1901) e havia publicado,
recentemente, a obra inaugural da psicanálise – “A interpretação dos sonhos”
(1900). Tais obras, evidentemente, tiveram grande influência na investigação e
análise do caso clínico, bem como a publicação de “Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade” (1905) no mesmo ano em que foi publicado o caso.
Dora é uma jovem de dezoito anos de idade, que chegou até Freud pela
insistência do pai, o qual havia se tratado com ele há alguns anos. Quanto à
constituição familiar, além de Dora e os pais, havia também um irmão, um ano e
meio mais velho. A relação entre o casal parental era distante, sendo a mãe uma
dona-de-casa simples e o pai um industrial com ótima situação financeira, mas
também constantemente acometido de males de saúde, sendo este último, um dos
motivos pelos quais Dora sempre foi muito amorosamente apegada a ele.
Quando Dora tinha seis anos de idade, por conta da saúde do pai, a família
teve de se mudar para outra cidade, onde conheceram o Sr. e a Sra. K, que se
tornaram amigos da família. Nos momentos em que a saúde do pai piorava, era a
Sra. K quem lhe administrava os cuidados necessários e, por serem muito próximos,
Dora acreditava que tinham um relacionamento amoroso. Por outro lado, o Sr. K
também era muito atencioso e gentil com Dora.
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Quando Dora inicia seu tratamento com Freud, havia uma forte pressão por
parte dela para que o pai cortasse relações com o Sr. e a Sra. K. Este
comportamento teve início após a cena do lago, onde o Sr. K se declara para Dora.
Como o pai prosseguia a amizade com o casal K, ela dizia que se sentia como
objeto de troca, pois ele permitia as investidas do Sr. K para com ela com o intuito
de ter o caminho livre para se relacionar com a Sra. K.
Durante a análise, Dora relata que, quando tinha quatorze anos, houve uma
outra cena com o Sr. K. Trata-se do episódio em que ele estreita a moça contra si e
lhe dá um beijo, causando grande repugnância. Para Freud (1905/2006), além deste
sentimento de repugnância - que evidencia a inversão do afeto por conta do
recalcamento da zona erógena oral -, este episódio também teria causado a
formação de outros dois sintomas: uma sensação de pressão no tórax, que pode ser
lida como um deslocamento da sensação original recalcada de sentir o pênis do Sr.
K contra seu ventre; e, a evitação de encontrar homens em situações afetivas,
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Desse modo, podemos entender o que acontece com Dora neste momento.
Quando é beijada pelo Sr. K, ao invés de sentir uma excitação sexual pela
estimulação da zona erógena oral, Dora sente repulsa e nojo, pois se acentua a
função orgânica do aparelho digestivo. Ocorre uma dessexualização do real, por
meio da invasão da função orgânica do corpo sobre a função sexual, ou seja, o que
é da ordem do desejo é degradado ao nível da necessidade. Este acontecimento
também pode ser entendido como uma defesa que evita que Dora entre em contato
com a feminilidade.
Sobre o que ocorre com o corpo na conversão histérica Miller (2003) nos diz:
Segundo Freud (1905/2006) o sintoma de tosse teria como uma das causas o
desejo inconsciente de Dora pelo pai. Ela acreditava que, por conta das limitações
do pai, a relação entre ele e a Sra. K acontecia através de sexo oral. Por estar
identificada a Sra. K e desejar estar em seu lugar, Dora desenvolve o sintoma
através da hipererotização da região da boca e da garganta. Assim, a coceira na
garganta e a tosse espasmódica denotam a simulação de uma felação.
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O pai da histérica é estruturalmente impotente porque não pode lhe dar uma
referência para a construção da identidade feminina, visto que a insígnia paterna
indica apenas o falo e não há no Outro um significante que represente a mulher.
Assim sendo, a histérica dedica todas as suas forças no intuito de reparar a falta
fundamental no Outro ou fazer parecer que ela não existe, na esperança de que um
dia possa obter um signo da identidade feminina.
Todo este movimento pode ser observado em Dora, cujo pai se apresenta
como um homem de saúde frágil e impotente. “O amor que ela tem por esse pai é
então estritamente correlativo e coextensivo à diminuição deste.” (LACAN, 1956-
57/1995, p. 142). Dora sustenta o desejo enfraquecido do pai à medida que contribui
para a manutenção do relacionamento amoroso dele com a Sra. K, se dedicando a
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cuidar dos filhos do casal K e sendo alvo das investidas do Sr. K. Assim, se Dora
colabora para que esta situação se mantenha até o momento da cena do lago é
porque tem um interesse especial neste esquema.
Durante os três meses em que Dora esteve sob os cuidados de Freud, ele
acreditava que a jovem estava apaixonada pelo Sr. K. Entretanto, num momento
posterior, ao acrescentar uma nota ao caso, Freud admite ter cometido um erro no
manejo da transferência que custou a saída de Dora do tratamento. Ele se dá conta
de que o verdadeiro objeto do desejo de Dora era a Sra. K. Segundo Lacan (1955-
56/2008), a falha de Freud acontece porque “Ele se pergunta o que Dora deseja,
antes de se perguntar quem deseja em Dora” (p. 205).
Deste modo, estas duas situações funcionam como uma espécie de arranjo
entre os quatro elementos – Dora, o pai, o Sr. K e a Sra. K. Esta última representa o
que o pai de Dora ama “para além” dela. E Dora, por sua vez, representa o que o Sr.
K ama “para além” da Sra. K. Esta arrumação permite que Dora, na posição de
identificação viril com o Sr. K, sustente o desejo enfraquecido do Outro e possa
encontrar seu lugar no circuito.
No Seminário 10, Lacan (1962-63/2005) vai dizer que esta atitude de Dora
trata-se de uma passagem ao ato, que simboliza sua tentativa de fuga da cena à
medida que é tomada pela angústia de ser puro objeto de desejo do Sr. K.
Fonte: LACAN, J. “Le Séminaire Livre XX: Encore”. Paris, Éditions du Seuil, 1975. p. 73.
No que diz respeito à posição feminina, situada do lado direito da tábua, para
a histérica, ocupar o lugar de objeto do desejo para o homem em sua fantasia é algo
problemático, pois envolve um assujeitamento e uma dessubjetivação que traz
angústia. Desse modo, a histérica se posicionará justamente do outro lado da tábua,
“se fazendo de homem”. Nesta posição, como podemos observar acima na análise
do caso Dora, a histérica “[...] interroga o Outro sexo a partir de sua identificação
viril. Isto não significa que ame as outras mulheres, mas que se interessa por elas na
medida em que se tornam um objeto de desejo para o homem”. (TENDLARZ, 2002,
p. 160, tradução nossa). É neste ponto que reside o interesse de Dora pela Sra. K.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Lacan, por sua vez, nos primeiros anos de seu ensino, segue os passos de
Freud ao considerar o sintoma como algo que contém um sentido recalcado e que
pode ser interpretado na experiência analítica. Neste período, onde há a primazia do
registro do simbólico, o sintoma é metáfora, pois se trata de um significante que
ocupa o lugar de um outro significante, que se encontra recalcado. Entretanto, assim
como Freud, Lacan chega a um ponto onde a decifração simbólica já não é
suficiente e a partir de meados da década de 60 seu ensino será orientado em
direção ao real, como o que resiste à significação. O que passa a ser priorizado no
sintoma é sua vertente de satisfação pulsional, ou seja, o gozo do sintoma. Ao final
de seu ensino, com a clínica borromeana da década de 70, Lacan chega à
perspectiva do sintoma como letra de gozo que não cessa de se escrever e, ao
sinthoma como um modo singular de gozo e amarração dos três registros (real,
simbólico e imaginário) na constituição do nó.
Desse modo, como apontamos por diversas vezes no decorrer deste trabalho,
segundo Miller (2011), tanto Freud quanto Lacan vão do sentido ao gozo do sintoma
ao longo de suas elaborações teóricas. Principiam seus estudos sobre o sintoma
pela vertente do simbólico, onde o sintoma é uma formação do inconsciente, que
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Na atualidade, nos deparamos com sintomas onde parece não haver limites
para o gozo, pois o Nome-do-pai já não opera como outrora. Novos sintomas como
as neo-conversões, transtornos alimentares e drogadição demonstram que em
tempos de mais-gozar o sintoma já não se dirige ao Outro como já sinalizava Lacan
em seu último ensino. O trabalho de decifração do sentido do sintoma durante uma
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análise parece estar em declínio diante dos novos sintomas, o que lança novos
desafios à psicanálise na atualidade. Como opera a psicanálise diante desse novo
panorama sintomático é o que proponho como tema de um estudo posterior.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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