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Introdução 27
1. Sob a égide do narcisismo 49
2. O "não" tempo da pulsão de morte 95
3. As dores são começo, meio e fim? 139
4. Angústia do real de um corpo que envelhece 187
5. A mulher, a feminilidade e o gênero feminino 231
A parábola das estátuas pensantes 271
Referências 295
Introdução
"Vaidade
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
3 Ver, por exemplo, Ettinger (2009). E ste livro se sustenta, em grande parte, em
uma ficção publicada em 1931, cujo título é The Jameson Satellite.
MARIA SILVIA DE MESQUITA BOLGUESE 37
4 A entrevista foi con cedida por Freud a George V ierek, periodista do Journal of
Pschology, em 1926 e publicada em 1957 em Nova York. Foi traduzida do inglês
para o espanhol por Miguél Ángel Arce e também publicada pelo jornal Folha
de São Paulo, em 3 de janeiro de 1998. E m 2004, a editora Boitempo publicou
esta entrevista em sua í ntegra no livro A arte da entrevista.
44 INTRODUÇÃO
Narcisismo do sujeito
a. O horror de Helena 5
b. As ancoragens do conflito
9 Sugiro a con sulta de sua bibliografia comp leta, mas cito aqui Narcisismo de
vida, narcisismo de morte (1988) e O trabalho do negativo (2010).
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e. Corpo e cultura
Sociedade narcisista
a. O que é sociedade?
10 A esse respeito, vale sublinhar a vasta obra de Marx e suas ideias, sobretudo as de
senvolvidas no primeiro volume de O Capital, para um maior aprofundamento.
80 SOB A ÉGIDE DO NARCISISMO
12 Oxfam: Oxford Committee for Famine Relief é uma confederação de treze orga
nizações e mais três parceiros que atua em mais de cem países na busca de
soluções para o problema da pobreza e da injustiça social.
13 A esse respeito, ver ainda meu livro Depressão & doença nervosa moderna (2004).
90 SOB A ÉGIDE DO NARCISISMO
a. O sonho de Hércules1 4
14 Hércules era o nome, em latim, dado pelos antigos romanos ao herói da mito
logia grega Héracles, filho de Zeus. O herói era famoso por sua força e tam
bém pela beleza de sua pele. Segundo a lenda, seu autossacrifício, na luta para
destruir diversos monstros perigosos, teria deixado o mundo seguro para a
humanidade.
MARIA SILVIA DE MESQUITA BOLGUESE 97
16 Ver Green (1988). No livro, o autor pretendeu elucidar o que con s idera a d i
mensão negativa e mortífera do narcisismo que, segundo ele, embora esteja pre
sente nas teorizações feitas por Freud em 1920, permaneceu subsumida (embora
fundamental) no con ceito de pulsão de morte. Coisas do negativo, diria Green.
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18 Alerto novamente para o fato de que Freud ainda necessitaria de mais tempo
para propor e reformular sua teoria da angústia, que viria a apresentar somente
em 1926 em Inibições, sintomas e ansiedade, como se verá no Capítulo 4.
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e. O resgate de Eros
de uma análise que poderá não ter fim, submetida ao registro repe
titivo do espaço. Com menor importância ou influência, o tempo
deixa de ser um vetor importante, e a cena analítica, na qual a trans
ferência acontece, se reduz ao espaço no qual as repetições com
pulsivas se manifestam.
Freud estava às voltas com o gozo masoquístico, o vício, em seu
funcionamento não mediado, distante das representações e das
possibilidades de simbolização. No caso dos pacientes fronteiriços,
esses impasses se apresentam imediatamente na análise, pois os su
jeitos não encontram saídas neuróticas para se defender e vivem, em
seu corpo, principalmente por meio da dor, um empobrecimento
progressivo dos recursos de elaboração de que o Eu poderia dispor
em sua defesa. As ligações e os investimentos psíquicos que cons
truiriam um mundo simbólico rico, no caso das primeiras, e uma
vida mais estável, no caso dos segundos, vão se reduzindo a circuitos
mais imediatistas, quase automáticos, restando um sujeito alienado
e sem desejo. A isso, Freud denominou de manifestação da pulsão de
morte, que se vale de Eros na exata medida da necessidade de manu
tenção de uma vida mínima, sustentada pelo gozo que flerta com a
morte e com a destruição, como se pode constatar nos fragmentos
clínicos apresentados.
No próximo capítulo, será de grande valia acompanhar a re
construção do conceito de masoquismo empreendido por Freud
em sua virada teórica, a partir de uma revisão que inicia com sua
autocrítica à distinção anterior que fazia entre princípio de prazer/
desprazer e princípio de Nirvana. Trata-se de gozo e não de prazer.
128 O " NÃO" TEMPO DA PULSÃO DE MORTE
A cultura da autodestruição
20 Remeto, aqui, uma vez mais, à minha publicação anterior Depressão & doença
nervosa moderna (2004).
132 O " NÃO" TEMPO DA PULSÃO DE MORTE
e. O mal-estar do corpo
Masoquismo e gozo
a. As dores de Maria21
e. Masoquismo em Freud
Angústia primária
27
a. Alice e a imagem de uma velha desconhecida
Odeio políticos, são vazios, são uns fantoches:' Essa última era
uma palavra recorrente em sua narrativa, pois se via como um
"fantoche na mão do filho, da vida e também da morte''. Em uma
de suas últimas sessões, falou longamente das diferenças entre o
"medo da morte" e o "pânico de achar que vai morrer". O primeiro
apertava seu peito e trazia tristeza, "pela saudade da vida vivida
e da não vividà'; o segundo seria o puro terror porque "ficava fora
do comando", vivendo sensações físicas arrebatadoras e suposta
mente fatais.
Em todas as sessões, que tinham frequência semanal, chegava
com mais de uma hora de antecedência, carregando, invariavel
mente, dois pequenos sacos de papel contendo docinhos de uma
padaria que havia na esquina do consultório. "Esse é para você e
esse é o meu:' Com essa frase, se despedia. Na maioria das vezes, eu
ficava segurando o saquinho de papel em minhas mãos e experi
mentava uma angústia difusa, que se referia, de certo modo, aos
caminhos que esse trabalho poderia tomar, pois Alice não estava lá
para escutar qualquer coisa que eu pudesse lhe ter dito. Ela sim
plesmente escutava a si mesma ou fazia muitos silêncios, e parecia
nada demandar.
Os dois eixos:
1. O primeiro refere-se às condições de analisabilidade de Alice e
à identificação de quais seriam os reais benefícios do traba
lho psicanalítico. De certo modo, apresentava uma narrativa
que revelava sintomas de evidente natureza histérica, presen-
tes, contudo, como traços de caráter inacessíveis, uma vez que
não possibilitavam acessar a angústia subjacente a essas for
mações. A cada sessão, via-me vagando junto com ela em um
emaranhado de palavras sem, contudo, encontrar nas histó
rias que contava sobre si mesma o fio de uma narrativa que a
pusesse em contato com suas angústias. Os medos, as angús
tias secundárias, aparentemente realistas, apresentavam -se
concentrados em torno do fato de que não teria mais lugar
no mundo: "Hoje os velhos viraram uma epidemia, mas nin
guém sabe o que fazer com a gente, a velhice não existe''.
Além disso, o filho, alçado à condição de inimigo número
um, teria apenas a intenção explícita ou implícita de levá-la
196 ANGÚSTIA DO REAL DE UM C ORPO QUE ENVELHECE
ação direta das pessoas, mas pela própria vivência de falta de per
tencimento à vida produtiva, a única vida que possui valor nas so
ciedades capitalistas.
Cabe ressaltar o que Elias nos instiga a pensar sobre a aversão
dos adultos, na contemporaneidade, a tudo aquilo que lembre a
ideia da morte, decorrente da característica de homogeneidade do
padrão dominante do atual estágio da civilização. Os cuidados e a
proteção dos velhos e dos moribundos, antes atribuição da família
e do círculo de amigos e vizinhos, foram transferidos para a esfera
estatal e, cada vez mais, são administrados pela medicina em sua
missão precípua de garantir vida ou sobrevida. Como em todos os
setores de proteção e cuidado social, os dispositivos e os equipa
mentos de cuidados dos velhos terminam por isolá-los, mesmo em
casos como o de Alice, que, por ter possibilidades financeiras, se
autointernara em uma espécie de clínica aparentemente aberta, na
qual, no final das contas, permanecia praticamente prisioneira.
Para além dos movimentos e dos limites subjetivos anteriormente
mencionados, o que se pretende evidenciar, aqui, é que as estrutu
ras sociais se sofisticaram, passando a oferecer falsas opções de
vida aos sujeitos que vivem cada vez mais, pois o que podem dispor
como lugar social restringe-se aos equipamentos para tratamento
médico e aos espaços de isolamento para a espera da morte. Im
possível pensar que tais condições não sejam deletérias ao sujeito
psíquico, à relação que o sujeito terá com o mundo externo e com
as ameaças e os ataques que sofre desde dentro, submetido, ainda,
à fragilização de seu corpo, agravada pela incapacitação progressiva
do Eu de exercer mediação e defesa.
A rede de atendimento institucional aos idosos, paradoxal
mente, sustenta-se na perseguição do retardamento da morte bio
lógica, promovendo, para isso, o afastamento cada vez mais signifi
cativo do idoso do convívio social. Para Elias, esse processo leva ao
que ele chama de morte social do velho. Em um mundo estruturado
MARIA SILVIA DE MESQUITA BOLGUESE 223
a. O desespero de Hadassah32
Essa foi uma sessão de muita angústia, assim como muitas ses
sões que se seguiram, e muitas demandas diretas a mim, sua ana
lista mulher. Feminino, mãe e morte apareciam quase como sinô
nimos. Tempo, herança, envelhecimento e novamente a morte
eram outros pontos traçados por Hadassah, uma mulher de 51 anos
que estava vivendo os impasses e as mazelas provocados pela en-
trada na menopausa, sem, contudo, tratar diretamente do assunto.
Apenas dizia frases elucidativas: ''A minha temperatura corporal
subiu muito. Tenho sentido uns calores, mas eu ainda menstruo de
vez em quando, sabia? Vejo que você também precisou colocar um
ar condicionado, finalmente''.
Hadassah chega à análise após ter passado por uma separação
traumática e devastadora. Seu casamento, no entanto, havia sido
construído em bases muito frágeis, pois nunca confiara em seu
marido como companheiro ou como pai para seus filhos. Vivera
constantemente desqualificando e humilhando aquele homem e
tinha consciência do que fazia.
Sua mãe sempre morou em sua casa e era a pessoa com quem
contava para ajudá-la a lidar com as grandes questões e tarefas de
sua vida. "Ela era uma espécie de marido para mim e acho que eu
também o era para ela. Não me separei antes porque minha mãe
não concordaria, dizia que casamento é tudo igual:' Logo após a
morte da mãe, no meio de mais uma dessas discussões em que
apenas Hadassah falava, seu marido teve uma violenta reação e,
dizendo que ela não tinha mais a mãe para protegê-la, espancou-a
e arrebentou toda a mobília do quarto onde estavam. Em seguida,
pegou alguns pertences pessoais e saiu de casa para nunca mais
voltar. Hadassah abriu vários processos judiciais contra o marido,
embora repetisse que era grata à sua explosão. "Pelo menos uma
vez, ele tomou uma atitude de homem. Já é alguma coisa, tenho
filhos e eu sei que eles precisam ter um pai e não uma geleia."
Curiosamente, o que a trazia para a análise era menos a se
paração - "eram favas contadas" - que as dificuldades que vinha
sentindo em "estar solteira depois de velha". A perda de sua mãe
trazia uma dor insuportável e a solidão a incomodava mais que
tudo. Tinha a sensação de que sua família implodira e que, agora,
gostaria muito de poder ter sua juventude de volta. Em algumas
sessões, Hadassah se voltava contra sua mãe por não a ter prepa
rado para a vida, tomava consciência de que havia feito com ela
uma espécie de pacto, no qual seu casamento e seus filhos cum
priam, sobretudo, a função de agradar a mãe, que se dedicou feroz
mente a criar os netos.
d. No início
condição de homem que viveu nos séculos XIX e XX, a trama cul
tural, a organização das sociedades ocidentais e o lugar ocupado
pelas mulheres em sua contemporaneidade. Penso que Freud,
datado e determinado que era pelo seu tempo, explicita, em suas
tentativas de explicar o funcionamento psíquico da mulher de modo
universal, o entrecruzamento de questões, que passam pela avalia
ção e pela produção de estigmas em relação à mulher e a seu corpo,
construídas por uma cultura sabidamente falocêntrica.
Como nos propõe Birman (2001), a leitura crítica dessas ambi
guidades e desses paradoxos na obra de Freud é fundamental, pois
a sexualidade feminina - a feminilidade - fundada na figura do falo
e forjada como sua negatividade nos possibilitaria, justamente,
desvelar as contradições e os paradoxos presentes na condição da
mulher. Os marcadores temporais, a meu ver, são importantes vias
de acesso ao exame profundo acerca da relação da mulher com o
corpo/objeto de amor/desejo.
Quando da chegada da primeira menstruação na mulher, se
intensifica na menina uma profunda angústia de caráter sobretudo
narcísico, uma vez que a dança dos hormônios em seu corpo pro
voca desorganização e desequilíbrio suficientes para levar à frag
mentação do Eu, como nos alertaram Laplanche e Pontalis (1985).
Chegou o tempo de a menina virar moça. Mas a transição que será
vivida na literalidade de seu corpo remete, mais propriamente, a
uma quebra de seus ideais narcísicos e da consequente perda do
amor parental como havia sido vivido até então.
A infância da mulher repentinamente termina quando ela flagra
um movimento corporal que, nas mais diversas culturas, a obriga
a abandonar as brincadeiras infantis e se aproximar de responsabi
lidades frente a seu próprio corpo e às estruturas sociais. São os
temores e as angústias da moça. Sua entrada na vida reprodutiva é
marcada por inúmeros alertas ambíguos advindos de seu próprio
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g. Gestação da vida
i. A validade do percurso
36 A e s se respeito, ver Ginzburg (1989). Historiador nas cido em Turim, Itá lia,
em 1939, Ginzburg parte do método de crítica de arte usado por Giova n n i
Morelli, contemporâneo de Freud, e con sidera a teoria p sican a lítica para
con struir o paradigma de um saber indiciário, método de conhecimento
cuja força está mais na obser vação do pormenor revelador que na dedução.
Morelli é conhecido por ter criado um método que busca identificar cara cte
rísticas de um estilo artístico por meio de uma análise minucio sa, conferindo
atenção aos detalhes.
MARIA SILVIA DE MESQUITA BOLGUESE 269
37 Freud se correspondeu com Pfister de 1909 a 1939. Eram amigos, mas viviam
às turra s. De um lado, um curador de almas ateu e judeu e, de outro, um pastor
protestante, que se referia a Freud como "o amado adversário''. Ver Cartas entre
Freud e Pfister (1909-1939): um diálogo entre a p s icanálise e a fé cristã. Viçosa:
U ltimato, 2009.
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GAY, P. Freud: uma vida para o nosso tempo. 2. ed. São Paulo: Com
panhia das Letras, 1988/2012.