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Psicologia e
brasilidades
FAZERES ÉTICOS-POLÍTICOS, TRANSDISCIPLINARIDADE
E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL EM MEIO A PANDEMIA DO
COVID-19
Organizadores:
Carla Fernanda de Lima
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Sara Moreno Costa
Dinara das Graças Carvalho Costa
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
II CONGRESSO DE PSICOLOGIA BRASILEIRA
Psicologia e
brasilidades
FAZERES ÉTICOS-POLÍTICOS, TRANSDISCIPLINARIDADE
E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL EM MEIO A PANDEMIA DO
COVID-19
Organizadores:
Carla Fernanda de Lima
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Sara Moreno Costa
Dinara das Graças Carvalho Costa
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Organizadores:
Carla Fernanda de Lima
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Sara Moreno Costa
Dinara das Graças Carvalho Costa
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Psicologia e
brasilidades
FAZERES ÉTICOS-POLÍTICOS, TRANSDISCIPLINARIDADE
E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL EM MEIO A PANDEMIA DO
COVID-19
2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
Reitor
Gildásio Guedes Fernandes
Vice-Reitor
Viriato Campelo
Diretor da EDUFPI
Cleber de Deus Pereira da Silva
Revisão
Marcilene Araújo Dias
FICHA CATALOGRÁFICA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
E-Book
ISBN: 978-65-5904-216-6
1. Psicologia – Congresso.
2. Fazeres Éticos – Políticos. 3.
Transdisciplinaridade – Transformação
Social. 4. Pandemia – COVID-19. I. Lima,
Carla Fernanda (org.). II. Lima, Brunno
E. M. (org.). lll. Costa, Sara M. (org.). lV.
Costa, Dinara das Graças C. (org.). V. Silva, Algeless Milka Pereira Meireles da.
(org.). VI. Título.
CDD: 150.22
2ª edição: 2022
Comissão Científica:
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva- UFDPAR
Carla Fernanda de Lima- UFDPAR
Dinara das Gracas Carvalho Costa- UFPB
Domenico Uhng Hur- UFG
Eduardo Henrique Passos Pereira- UFF
Flávia Cristina Silveira Lemos- UFPA
Guilherme Augusto Souza Prado- UFDPAR
Mario Sérgio Vasconcelos - UNESP
Monalisa Pontes Xavier- UFDPAR
Revisão
Marcilene Araújo Dias
Editoração
Rafaela Oliveira dos Santos
Diagramação
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Marcilene Araújo Dias
Rafaela Oliveira dos Santos
Reinaldo Leandro Gomes de Aquino
Thayz Costa Mesquita
Capa
Rafaela Oliveira dos Santos
A presente obra é produto de estudos (de campo e bibliográficos)
que compuseram o II Congresso de Psicologia Brasileira (CPBR) –
realizado entre os dias 04 e 07 de novembro de 2021 de forma
online. O mesmo reuniu pesquisadoras(es), docentes,
profissionais, estudantes e a comunidade em geral, sendo essas
pessoas interessadas em debates sobre a temática central do
congresso: “Psicologia e Brasilidades: fazeres ético-políticos,
transdisciplinaridade e transformação social em meio a pandemia
do covid-19”.
Destaca-se, através dessa obra, os aspectos ético-políticos,
transdisciplinaridades e de transformação social em meio a
pandemia do covid-19 e, através dessa oportunidade se procurou
conhecer e valorizar o trabalho e investigação de profissionais e
pesquisadoras(es), das mais diferentes áreas, acerca dos desafios
encontrados no exercício de pensar uma prática psicológica
implicada com a diversidade brasileira e com as peculiaridades
sociais, econômicas, políticas, culturais e subjetivas que uma
pandemia provoca.
Assim, é com muita satisfação que disponibilizamos à comunidade
os conhecimentos aqui reunidos e espera-se que os mesmos
possam servir de subsídio para todas as pessoas, tanto na vida
acadêmica e profissional, quanto nas vivências cotidianas.
A comissão organizadora
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 31
31
A presente obra é produto de estudos (de campo e bibliográficos) que compuseram o II
Congresso de Psicologia Brasileira (CPBR) – realizado entre os dias 04 e 07 de novembro de
2021de forma online. O mesmo reuniu pesquisadoras(es), docentes, profissionais, estudantes e
a comunidade em geral, sendo essas pessoas interessadas em debates sobre a temática central
do congresso: “Psicologia e Brasilidades: fazeres ético-políticos, transdisciplinaridade e
transformação social em meio a pandemia do covid-19”.
Nesse II Congresso tivemos, como principal objetivo promover uma reflexão acerca das
práticas em Psicologia a partir da nova realidade imposta pela SARS-COV-2 (Covid 19) – que
reorganizou os limites e as possibilidades do fazer ciência e, principalmente, do viver. Através
desse congresso promovemos o encontro entre pesquisadoras(es), professoras(es),
profissionais, estudantes e comunidade em geral, e pudemos auxiliar na promoção de uma
formação que busca o conhecimento na margem, nas encruzilhadas, nas esquinas, nos guetos,
becos, vilas, nos terreiros, nos quilombos, na natureza. Entendemos que é de fundamental
importância a superação das colonialidades, o suleamento dos conhecimentos, a descolonização
epistemológica e acadêmica, as práticas de resistência, rupturas de gêneros, acesso aos saberes
e práticas de promoção de saúde nas florestas, terreiros, aquilombamentos, construção de
políticas de existência, resistência e re- existência. E entendemos também que a Psicologia
precisa estar cada vez mais implicada nesse processo, a fim de que possa promover liberdade,
dignidade, igualdade e integridade levando em consideração todas as singularidades em suas
multiplicidades.
Destaca-se, através dessa obra, os aspectos ético-políticos, transdisciplinaridades e de
transformação social em meio a pandemia do covid-19 e, através dessa oportunidade se
procurou conhecer e valorizar o trabalho e investigação de profissionais e pesquisadoras(es),
das mais diferentes áreas, acerca dos desafios encontrados no exercício de pensar uma prática
psicológica implicada com a diversidade brasileira e com as peculiaridades sociais, econômicas,
políticas, culturais e subjetivas que uma pandemia provoca.
É assim que se constrói o livro “Psicologia e Brasilidades: fazeres ético-políticos,
transdisciplinaridade e transformação social em meio a pandemia do covid-19”, que em sua
essência aborda temáticas sobre as Psicologias, as mazelas sociais (racismo, pobreza,
encarceramento, LGBTfobia, misoginia, e demais violências), as políticas públicas, as
minorias, a estrutura social, as práticas emancipatórias, as temáticas transversais e a realidade
da Covid 19 – assim como outras questões que foram atravessadas pelo cenário da pandemia.
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Assim, a presente obra está organizada 22 eixos temáticos que estruturam as atividades que
constituíram o evento realizado.
Acreditamos que a organização desse material possibilite uma discussão ampla e rica,
pois garante o conhecimento de vários aspectos que abarcam o fazer psicológico e a realidade
social diante de um contexto de pandemia, incentivando, promovendo e apoiando a pesquisa
em Psicologia e áreas afins. Além disso, apresenta a relevância do II Congresso de Psicologia
Brasileira frente a construção de uma psicologia genuinamente brasileira. Assim, é com muita
satisfação que disponibilizamos à comunidade os conhecimentos aqui reunidos e espera-se que
os mesmos possam servir de subsídio para todas as pessoas, tanto na vida acadêmica e
profissional, quanto nas vivências cotidianas.
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Pobreza, Desigualdades Sociais, Políticas Públicas e Minorias
1 Introdução
Este estudo compõe parte da pesquisa “Não à ‘Vida Maria’: Contextos de superação e
a inserção de jovens pobres na Universidade Pública”, vinculada à Pró-Reitoria de Pesquisa e
Pós-Graduação (PRPPG), ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)
e ao Laboratório de Estudos das Desigualdades & Diversidades (LAEDDES) da Universidade
Federal do Ceará (UFC), realizada durante o período de 2018 a 2019.
O estudo mais amplo teve como objetivo estudar o contexto que configura histórias de
vida de jovens oriundos de classes populares que entraram no ensino superior e que são filhos
ou filhas de mulheres provedoras. O curta-metragem de animação “Vida Maria” (2006),
dirigido por Márcio Ramos e mencionado no título desse trabalho, mostra a reprodução de
modos de vida, destacando os obstáculos e a falta de perspectiva de Maria José, que é apenas
mais uma Maria que abandonou os estudos a partir de uma demanda de sua mãe e se dedicou à
casa, ao marido e aos filhos. Nesse sentido, a partir da pesquisa realizada, buscamos entender
quais as condições que favoreceram a inserção desses estudantes na universidade pública, ou
seja, perceber em que contexto se dá a reação de mulheres pobres atravessadas por um sistema
de valores que as conduziram à repetição do que suas mães fizeram, mas que num ato de
transformação escolheram ser diferentes para com as trajetórias de seus filhos ou filhas.
Para este trabalho, nos propomos a estudar os significados da universidade como
estando vinculados a construção de projetos de vida para jovens universitários oriundos de
classes populares. Nesse sentido, entendemos o conceito de Projeto de Vida não como um
fenômeno inteiramente subjetivo, mas como uma construção embasada em experiências
socioculturais, fruto daquilo que é vivenciado dentro do campo de possibilidades objetivas de
cada sujeito, tendo em vista uma busca pela transformação de seu contexto (Catão, 2001;
Damasceno, 2001; Hurtado, 2012; Teixeira, 2005).
Considerar o contexto em que esses jovens estão inseridos é refletir também sobre a
realidade social, econômica e política da Região Nordeste, bem como a do Brasil em geral, que
parece apontar que somente através da escola, e posteriormente, da inserção no ensino superior,
é que os jovens pertencentes às camadas populares poderão construir sonhos de um futuro
melhor, diferente daquilo que foi conquistado por seus pais no presente (Fernandes, 2003).
Somado a isso, sabemos que “no Brasil, o ensino superior esteve, desde a sua origem,
reservado para uma pequena parcela da população” (Zago, Paixão, & Pereira, 2016, p. 148), a
elite da sociedade, ou “os herdeiros”, segundo Bourdieu (2015). Desse modo, apesar da
ampliação do acesso ao nível superior no Brasil, um número significativo de jovens ainda
permanecem fora da universidade, e nesses casos, as diferenças socioeconômicas, étnicas e
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regionais é que irão dizer sobre quem teria lugar nessa pequena porcentagem de incluídos no
ensino superior (Santos, 2009).
Diante desse contexto, nos questionamos, portanto, que sentidos são produzidos por
esses estudantes a partir de sua entrada na universidade, bem como que condições são
necessárias para que esses jovens consigam vislumbrar um deslocamento daquilo que é
instituído para sua classe, através dos obstáculos que cercam a entrada no ensino superior, e
criar estratégias que possam possibilitar a transformação de seus contextos através da
concretização dos seus projetos de vida, tendo como meio a entrada e permanência na
universidade pública.
2 Método
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os estudantes entrevistados como meio para estabelecer contato e checar a disponibilidade de
suas mães para a participação na pesquisa. O número reduzido de mães ocorreu em virtude da
recusa à realização da entrevista ou da dificuldade de locomoção das pesquisadoras até as
residências das matriarcas (municípios distantes da UFC/Sobral).
Desse modo, participaram desta pesquisa 27 estudantes da UFC – Campus Sobral (com
idades entre 17 e 27 anos) e 7 mães provedoras e/ou influenciadoras para a entrada de seus
filhos na universidade (com idades entre 39 e 57 anos). Para a participação e registro do áudio
das entrevistas por meio de gravação sonora, foi fornecido aos informantes o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que após a leitura foi assinado em duas vias, sendo
uma entregue ao participante e outra permanecendo em posse das pesquisadoras. No caso da
participação de estudantes menores de 18 anos, o Termo de Assentimento foi devidamente
assinado pelo adolescente, ratificando sua cooperação na pesquisa, bem como houve a
assinatura do TCLE por pais ou responsáveis desse jovem. Ademais, considerando os objetivos
deste estudo, utilizaremos somente as entrevistas dos estudantes.
Para a análise dos dados, elegemos a metodologia de Análise do Discurso, que conforme
Orlandi (2009, p. 26), “visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como
ele está investido de significância para e por sujeitos”. Utilizamos, portanto, a Análise do
Discurso numa perspectiva que busca uma compreensão do processo de produção dos sentidos
e sua relação com a ideologia, considerando que as falas dos sujeitos são efeitos de sentido
atravessados por condições determinadas que estão presentes no modo como seus discursos são
produzidos (Orlandi, 2009).
Ademais, o projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Estadual Vale do Acaraú e aprovado sob o parecer número 3.685.722.
3 Resultados e Discussão
Parece comum a representação de que os jovens são o futuro da nação (Furlani &
Bomfim, 2010), e nesse sentido, é esperado que esses sujeitos construam trajetórias e projetos
de vida excepcionais, o que muitas vezes também quer dizer a necessidade de ingressarem no
ensino superior. Entretanto, como apontado por Bourdieu (2015) e Fanfani (2000), quando
objetivamente "não se tem futuro", porque mesmo o presente carrega incerteza e a necessidade
de sobreviver e garantir o sustento da família, a ideia de se sacrificar e se esforçar para dar
continuidade aos estudos através da entrada no ensino superior, para que no futuro se possa
obter melhores recompensas, aparece como algo absurdo, impossível e impensável para grande
parcela da juventude pobre.
Assim, mesmo aqueles que conseguiram ingressar na universidade, tais como os
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participantes da pesquisa, trazem em seus discursos o desafio de alcançar o nível superior:
Eu acho que é um sonho realizado, porque tem gente que diz que o fácil é entrar difícil
é sair, mas num contexto de escola pública eu acho que o difícil é entrar, e sair também,
né? Porque a gente sabe que é difícil e estar aqui hoje a gente tem que fazer valer à pena
porque muitas pessoas querem entrar, inclusive tenho vários amigos que nunca
conseguiram entrar na universidade. (I. F., 21 anos).
A UFC sempre tem aquela coisa que a gente tem um respaldo maior, por ser federal e
tal, mas eu acho que foi mesmo a UFC porque era a única que eu ia lançar no ENEM,
que era a mais próxima da cidade de Sobral, acho que não tinha outra. (S. E., 20 anos).
A UFC Sobral foi uma escolha por ser a Universidade Federal do Ceará e por eu saber
que ir pra Fortaleza seria uma questão ainda maior. Então Sobral, pela proximidade com
a minha cidade, foi a cidade escolhida. (A. L., 20 anos).
Entretanto, mesmo com a presença da UFC em locais mais próximos do interior onde
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esses jovens residem, a informação de que ela existe também é algo que, apesar de parecer
básico e trivial, parece não chegar para todos os indivíduos. Nos questionamos, portanto, como
um estudante poderia considerar ingressar em uma universidade pública se para muitos deles
ela nem mesmo “existe”:
Quando eu tava no ensino médio eu não sabia... eu sabia que queria fazer Psicologia,
mas eu não sabia nem que tinha o curso de Psicologia aqui em Sobral, nem que era em
uma universidade federal e era gratuito, eu nem tinha essa noção, foi um professor meu
que disse, que perguntou o que eu tinha vontade de fazer, aí eu disse que Psicologia, e
ele falou que tinha em Sobral. Pra mim, quando ele revelou isso, naquela época era tão
distante, eu nem imaginava. (C. L., 27 anos).
O relato dessa estudante nos faz considerar que chegar ao nível superior, para
determinados sujeitos, nada tem de “natural”, mesmo porque parte significativa dos estudantes,
ainda no ensino médio, possuem um baixo grau de informação sobre as formas de entrada, os
cursos e as universidades disponíveis, algo que Silva (2003) chamou de ausência de um capital
informacional sobre o ensino superior.
Além disso, a fala dessa jovem também corrobora com o que é trazido por diferentes
autores (Hurtado, 2012; Oliveira, 2000; Santos, 2009; Teixeira, 2005) ao apontarem que não
basta apenas que haja esforço e dedicação para que a entrada na universidade seja possível, pois
é fundamental que hajam “redes sociais” capazes de influenciar e apoiar a continuidade das
trajetórias escolares desses estudantes. Desse modo, esse suporte pode vir da família, da escola,
de professores, ou até mesmo de outros colegas, algo que muito se repetiu nas narrativas dos
entrevistados:
Eles (pais) sempre influenciaram muito, tanto eu e o meu irmão, a estudar pra... ter um
futuro melhor, né? (D. C., 18 anos).
Minha mãe sempre me apoiou nessa questão do estudo, ela podia não estar estudando
comigo, não podia tá ali do meu lado, mas ela sempre fez de tudo pra eu poder conseguir
estar estudando, poder ir para uma escola. Em momentos em que eu não queria mais
saber de estudar ela queria que eu estudasse porque ela sabia que aquilo de certa forma
ia ser importante na minha vida. (L. F., 20 anos).
Quando você tem bons professores, eles te dão uma visão de mundo diferente e tipo
questão de aula e de trabalhar e mais, os professores te incentivam à procurar uma coisa
melhor... (F. V., 18 anos).
Teve muito apoio de namorado, de professores, são esses reforços mesmo, tinham uns
professores que acreditavam muito em mim mesmo, que incentivavam, até mesmo no
SISU, no ENEM, foi uma professora minha que chegou pra mim, eu não sei se eu teria
conseguido me escrever, se eu teria, sabe... se eu ia saber me inscrever e passar e tal, e
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foi essa professora. (P. E., 18 anos).
A busca por ser gente... talvez ... talvez seja o destaque, assim, de ser o diferente ... ser...
diferente das pessoas do meu convívio, porque ser gente é só se você usar terno e
gravata. Pra mim isso não, né? Pra mim isso foi dito e eu aprendi. (M. T., 19 anos).
Eles (pais) só falavam que a gente tinha que ser alguém na vida. E ainda mais, eu acho
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que era no sentido de ter um emprego. Porque na visão da minha mãe, pelo que percebo,
uma pessoa que não tem nada e não quer nada na vida é uma pessoa desempregada, uma
pessoa vagabunda como ela chama. (W. F., 20 anos).
Primeiro eu ouvi muito o meu pai dizer que se ele tivesse estudado ele taria sendo
alguém na vida. Porque... primeiro... a de que eu tinha... que eu tinha que ter um futuro,
né? Tudo na vida está baseado no futuro da pessoa. (D. C., 18 anos).
Nesse sentido, sabemos que falas como essas não são “a toa”, são construções que têm
como base um discurso pautado na ideologia do desempenho. Assim, concordamos com
Damasceno (2001, p. 15) no sentido de que “a crença no poder da educação como instrumento
de mobilidade social, se por um lado, encerra uma possibilidade real de melhoria das condições
de vida, por outro, contém um forte componente ideológico”. Desse modo, Souza (2003)
também contribui para essa discussão ao apontar que nossa racionalidade ocidental está
embasada na “tríade meritocrática”: qualificação, posição e salário. Ainda segundo Souza
(2003), a ideologia do desempenho não apenas estimula e premia aqueles que alcançam o
“sucesso”, mas também cumpre seu papel ideológico ao legitimar as desigualdades e o acesso
diferencial aos bens. Além disso, por estar incrustada no cotidiano e refletir a eficácia de
instituições opacas, essa ideologia também enquadra as pessoas de modo que a condição de
cidadania e dignidade estejam vinculadas a função que desempenham e ao seu valor social
(Souza, 2003), o que corrobora com o discurso que é trazido por esses estudantes.
Além disso, a ideologia meritocrática se nutre de casos como os aqui relatados, casos
individuais de jovens que apesar de estarem inseridos nas camadas populares conseguiram
atingir certo sucesso e reconhecimento, o que promove a crença de que se houver esforço haverá
recompensa. É nesse sentido que sabemos que não só para esses jovens, mas para toda uma
sociedade que partilha dessa ideologia, ter um trabalho quer dizer bem mais que receber um
salário, representa uma identidade e um lugar social, estando relacionado com a autoestima e o
reconhecimento (Santos, 2009; Teixeira, 2005). Entretanto, é importante ressaltar também que
não serviria qualquer emprego, mas aquele que garantiria dignidade e que, possivelmente
através da carreira acadêmica, sirva de antídoto para uma possível proximidade desses jovens
com o ingresso na criminalidade (Souza, 2009; Teixeira, 2005):
Foi quando eu cheguei aqui que eu percebi que se eu quero realmente mudar de vida, e
não é mudar de vida de uma forma fácil, eu preciso estudar. (S. V., 21 anos).
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que a gente nunca vê pessoas em universidades, a maioria é em faculdades particulares
que tem nem condições de pagar, aí eu acho que é a pessoa ver uma coisa e ter vontade
de melhorar a sua vida, dá um passo a mais na sua vida, modificar tudo, diferenciar. (F.
V., 18 anos).
Pra mim é como se fosse a realização de um sonho e o começo de uma história, porque
entrar foi um marco muito importante na minha vida, que mudou minha vida em
diversos aspectos e tá aqui é como se tivesse ampliado, sabe? Ampliado todo o meu
campo de vivências, ter ampliado a minha visão de mundo, que agora é completamente
diferente do que eu tinha antes, e eu acho que é isso. Além da realização de um sonho,
essa expansão. (S. V., 21 anos).
Agora que eu tô começando a viver de fato. Viver, traçar minha própria história, no
sentido de que eu tô construindo algo agora pra colher futuramente. (W. F., 20 anos).
Não é uma obrigação eu fazer faculdade, é eu lutar por mim, sabe?! Fazer essas coisas
podem me trazer um futuro melhor. (E. V., 17 anos).
Diante dos discursos desses estudantes, entendemos então que a conquista de um “bom
futuro” através da construção de um projeto de vida que passe pela entrada no ensino superior,
passa pelo conhecimento adquirido na universidade, pelo reconhecimento por ter alcançado o
ensino superior, e posteriormente ter a possibilidade de exercer um trabalho socialmente
valorizado, pela possibilidade de adquirir bens materiais, posto que almejam a saída de uma
condição econômica desfavorável, e por fim, por uma mudança que é bem mais que financeira
ou individual, mas que tem relação com uma verdadeira transformação social.
4 Considerações Finais
Os resultados aqui apresentados revelam, com efeito, que esforço, determinação e
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dedicação estiveram presentes nas trajetórias dos estudantes entrevistados, mas isso não
significa, entretanto, compartilharmos a crença ideológica de que “quem se esforça sempre
alcança”. Como relatado pelos próprios jovens participantes, a grande maioria de seus colegas
não estão inseridos no ensino superior, o que não quer dizer que muitos deles também não
tenham se esforçado, mas nem por isso tiveram acesso a uma universidade pública. Assim,
entendemos as trajetórias aqui apresentadas como, ao mesmo tempo, realizações individuais e
sociais, sendo fruto de uma construção coletiva baseada em diferentes aspectos, tais como a
oportunidade oferecida através da interiorização das universidades e a importância de uma rede
de apoio capaz de dar suporte para que a entrada no ensino superior fosse considerada como
possiblidade.
Nesse sentido, o sonho que a universidade representa está vinculado a uma busca pela
superação da situação de pobreza e de exclusão social, seguindo uma trajetória que começa pela
entrada e conclusão do ensino superior para que em seguida se possa conseguir um bom
emprego, ser independente, ajudar a família e se sentir realizado. Assim, vimos que para os
estudantes entrevistados, a universidade como projeto representa a possibilidade de assumir um
protagonismo diante de suas vidas, traçando uma trajetória diferente daquela que era
socialmente destinada para eles e possibilitando a modificação da sua vida e a de seus
familiares.
Diante do exposto, acreditamos que fazer com que estudantes histórica e socialmente
excluídos do ensino superior possam ter a universidade pública como Projeto de Vida, é um
desafio para programas de ações afirmativas, mas que se constitui como uma exigência
fundamental para qualquer sociedade com pretensão de luta pela justiça social. Entretanto, não
queremos dizer que a universidade é o único ou o melhor caminho para todos os jovens
estudantes, acreditamos, porém, no potencial da educação como meio para a transformação
social e a superação das desigualdades.
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INSTITUCIONALIZAÇÃO NA VELHICE: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO
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CIENTÍFICA
Ádilo Lages Vieira Passos
Letycya Neves Lopes dos Santos
Geordania Meireles de Araújo
Paulo Gregório Nascimento da Silva
1 Introdução
45
perspectiva que este estudo tem como objetivo geral realizar uma revisão da literatura dos
estudos científicos sobre a institucionalização na velhice.
2 Método
2.1 Materiais
46
tratam do mesmo objeto de estudo, o que favorece mais aproximações que distanciamentos.
3 Resultados
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2 Gonçalves et al. 2013 Questionário Quantitativo
Miranda, Mendes,
8 2016 Entrevista Quantitativo
Silva
No que tange ao ano das publicações, nota-se que metade dos estudos recuperados por
esta revisão, situaram-se no ano de 2016. A respeito dos instrumentos de coletada de dados, a
entrevista ganhou centralidade em pouco mais da metade dos artigos. Por sua vez, a abordagem
privilegiada foi a qualitativa, provavelmente, em decorrência da tentativa de compreender os
aspectos mais subjetivos da institucionalização na velhice.
Com relação às categorias abordadas pelos estudos, constata-se que as categorias “a
velhice: avanços e desafios” (n = 2, 3, 8) e “Instituição de Longa Permanência: público e causas
da institucionalização” (n = 4, 5, 6) aglomeraram o mesmo número de investigações. Por último,
tem-se a categoria: “O abandono do idoso: uma forma de violência” (n = 1, 7).
4. Discussão
48
população, o Brasil vive o início de um processo de inversão da pirâmide demográfica, em
função do aumento da população mais velha e redução da mais jovem, inclusive pela redução
das taxas de fecundidade (Veras, 2011). A partir do processo de mudança dos arranjos
familiares, um número cada vez maior de velhos necessita das denominadas Instituições de
Longa Permanência para Idosos (ILPI). Estas são estabelecimentos com, ou sem fins lucrativos,
que atendem, de forma integral, seus utentes com diferentes graus de dependência, que já não
têm como permanecer sob os cuidados da família ou morando sozinhos (Pinheiro, Holanda,
Melo, Medeiros, & Lima, 2016).
A dependência e falta de autonomia podem ser experienciadas de diferentes formas ao
longo do ciclo vital. Para uma criança, são encaradas como características próprias desta fase
da vida. No curso de uma doença, são percebidas como necessárias no período de transição para
uma saúde melhor. Na velhice, por sua vez, a falta de autonomia e a dependência são
comumente eventos negativos e estressantes, que conduzem à baixa qualidade de vida, tanto
para quem vivencia essa condição como para aqueles que estão no seu entorno. A dependência
de cuidados de outrem está relacionada à impossibilidade dos indivíduos se autocuidarem
(Gonçalves et al., 2013).
De acordo com Sehn e Carrer (2014), a velhice vem geralmente associada a sentimentos
destrutivos de inutilidade e perda, que agravam ainda mais a condição existencial do idoso, pois
acirra conflitos internos. Esses conflitos estão relacionados às mudanças psicológicas mais
visíveis com o avanço da idade, como: dificuldade de adaptação a novos papéis; desmotivação
e dificuldade de planejar o futuro; necessidade de trabalhar perdas e adaptar-se a mudanças;
afetividade mal resolvida durante o curso de vida, que se agravam no limiar da idade mais
avançada. Portanto, o idoso precisa ser acolhido e esclarecido quanto a estes desafios, tendo em
vista um envelhecimento mais saudável.
O desenvolvimento positivo da afetividade e a integração social são fundamentais para
que o idoso tenha autonomia e o máximo de independência (Papaléo Neto, 2007). Neste
sentido, é essencial a participação da família na troca de informações e afetos e o convívio
social do idoso para que ele não se sinta isolado ou até mesmo esquecido por outras pessoas do
seu convívio.
Em vez de ser tratado como um problema, o aumento da longevidade humana deve ser
um motivo a se celebrar. Os dados demonstram que a transição demográfica brasileira
representa uma conquista e uma responsabilidade para os gestores públicos e para a sociedade.
Neste sentido, é fundamental direcionar o planejamento das políticas e serviços, priorizando
investimentos que fortaleçam a autonomia e atendam adequadamente as necessidades dos
idosos (Miranda, Mendes, & Silva 2016).
A partir disso, verifica-se que a velhice é uma etapa inerente ao ciclo vital e que,
portanto, precisa ser considerada de forma sistêmica (Sehn & Carrer, 2014). Logo, ganham
relevância os aspectos físicos, sociais e cognitivos, sentimentos a respeito de si, bem como a
conjuntura socioeconômica. Para que o sujeito na velhice conserve o equilíbrio emocional e um
estilo de vida realista e otimista é imprescindível que vivencie em seu grupo social e familiar a
valorização do seu potencial e das experiências pessoais e profissionais, e se sinta respeitado.
49
Portella, & Scortegagna, 2015). Cabe lembrar que a ILPI é definida como estabelecimento para
atendimento integral institucional, cujo público-alvo são pessoas de 60 anos ou mais,
dependentes ou independentes nas atividades de vida diária, que não dispõem de condições para
permanecer com a família ou em seu domicílio (Fagundes, Esteves, Ribeiro, Siepierski, Silva,
& Mendes, 2017).
A institucionalização do idoso nesses locais tem sido associada aos serviços oferecidos,
além de dificuldades econômicas e psicossociais das famílias para o cuidado, sobretudo, pela
vulnerabilidade e redução da capacidade funcional das pessoas nesse momento da vida.
Congruente a isso, um dos maiores desafios para os profissionais das ILPIs, é identificar as
especificidades no perfil dos idosos residentes, a fim de qualificar o atendimento e de preservar
a qualidade de vida dessas pessoas (Pinheiro, Holanda, Melo, Medeiros, & Lima, 2016).
A qualidade de vida dos velhos institucionalizados depende de fatores como o
acolhimento na instituição e o convívio com pessoas próximas. Assim sendo, faz-se importante
agir para evitar estados de solidão e isolamento, muito comuns pelo afastamento da rede de
apoio social até então conhecida (família, amigos, vizinhos, trabalho, grupos comunitários,
entre outros). Uma das consequências da institucionalização que pode ser bastante problemática
é a necessidade de adaptação. Isto porque esse processo demanda a reconstrução de vínculos e
ressignificação da vida (Schneider & Irigaray, 2008).
Quanto aos motivos que levam à institucionalização, encontram-se resultados distintos.
Os fatores mais citados por familiares quando decidem institucionalizar o idoso são: o número
reduzido de integrantes da família; ausência de condições físicas, financeiras e psicológicas
para prestar o cuidado em domicílio; desejo do próprio idoso em não perturbar seus familiares;
problemas de relacionamento com os familiares, viuvez, múltiplas doenças e síndrome
demencial (Lini, Portella, & Doring, 2016). Conhecer os fatores que levam à institucionalização
torna-se fundamental para que os familiares e os profissionais de saúde atentem às
possibilidades de prevenção e consigam identificar quando a institucionalização é, de fato,
indicada.
De acordo com uma pesquisa realizada por Pinheiro, Holanda, Melo, Medeiros e Lima
(2016), com finalidade de apresentar a desigualdade no perfil dos idosos institucionalizados,
constatou que os idosos analfabetos, solteiros, negros e pardos, não aposentados, sem plano de
saúde, sem filhos, que não recebem visitas e que compram algo fora da instituição com o próprio
dinheiro, estavam associados às ILPIs sem fins lucrativos. Ao analisar os motivos que levaram
o idoso a ser institucionalizado, os conflitos familiares, o abandono e o fato de não possuirem
lugar para morar estiveram associados às ILPIs sem fins lucrativos. Apenas a condição “estar
doente” prevaleceu como motivo principal de institucionalização em ILPIs com fins lucrativos.
As condições mais desfavoráveis foram dos idosos residentes em ILPIs sem fins lucrativos, o
que demonstram o reflexo da desigualdade social durante a vida desses idosos (Pinheiro,
Holanda, Melo, Medeiros, & Lima, 2016).
Em síntese, o desafio da institucionalização se mostra na reorganização e na mudança
de vida dos idosos que necessitam deste recurso. Assim, torna-se imperativa a criação e a
revitalização de políticas que disponham de atenção ao idoso, possibilitando a convivência em
espaços que proporcionem uma participação efetiva em atividades autônomas e coletivas.
Possíveis alternativas para o enfrentamento da problemática são os grupos de
convivência proporcionados pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), onde
as pessoas idosas e ativas fisicamente podem desfrutar da convivência em comunidade,
desenvolvendo assim potencialidades, visando novos projetos de vida (Castro, Passos, Araújo
& Santos, 2020). Cabe ressaltar que o compartilhamento de informações sobre a história de
50
vida e o resgate de sentimentos prazerosos e de valorização de laços familiares e sociais, por
meio de atividades físicas e intelectuais, relacionam-se com conceitos como qualidade de vida
na velhice e aumento da longevidade. Estimulam-se a satisfação com a vida e o senso de
pertencimento à sociedade fortalecendo, desse modo, sua importância no âmbito social, com
vistas a manutenção da capacidade funcional e independência, bem como o incentivo à
permanência dos idosos no seio familiar.
51
a descarregar nos idosos sentimentos de ambivalência, inadequação, inferioridade e cansaço.
Nos últimos anos, a sociedade brasileira tem conseguido avanços consistentes no que se
refere a políticas públicas voltadas para o enfrentamento da violência contra os idosos, em
grande parte, apoiadas pelo Estatuto do Idoso (Lei n°10.741, 2003). Na maioria das famílias
com problemas de violência, os membros não possuem repertório interpessoal pró-social para
lidar com dificuldades, o que acarreta as situações de negligência, abandono ou agressão física
e psicológica. Essas situações possivelmente remetem esses familiares a sua história de
contingências e ao modelo de conduta familiar desse idoso em suas interações, incluindo
diferenças de expectativas e envolvimentos de cada geração, culminando em novos episódios
de violência, que passam a ocorrer em ciclos (Silva & Dias, 2016).
A legislação disciplina direitos e deveres para a família e a sociedade no que tange à
proteção da pessoa idosa. A Constituição Federal estabelece que ninguém deverá ser
abandonado quando atingir a velhice seja pela gravidade da doença da pessoa ou até mesmo
pelo temperamento difícil, pois os idosos possuem direito de viver em ciclo familiar e de
usufruir da melhor qualidade de vida (Constituição da República Federativa do Brasil,
1988/2001).
A complexidade da problemática reflete nos números das queixas e denúncias
formuladas junto aos órgãos competentes e o encaminhamento pelas autoridades. Os registros
da Delegacia Especial de Atendimento aos Idosos demonstram que o número de denúncias
anônimas vem aumentando a cada ano, tanto as pessoas denunciam fatos delituosos como não
delituosos, o que revela a atenção e a preocupação da sociedade para com os idosos (Ribeiro,
2016).
Todavia, ainda é notório que o Estado não cumpre satisfatoriamente sua função de
garantir proteção integral à pessoa idosa, uma vez que falha em não assegurar as famílias de
situações vulneráveis um sustento que possa garantir a sobrevivência e um cuidado adequado
ao idoso. Portanto, mesmo com o aumento da expectativa de vida, o Estado ainda não se
preparou para lidar com essa nova demanda.
Neste cenário de desafios, a violência e negligência para com a população idosa se
constituem num empecilho à realização de uma vida digna e saudável, sendo imprescindível a
participação da sociedade e do poder estatal para elaboração de políticas públicas e planos de
prevenção dessa forma específica de violência.
5 Considerações Finais
52
atividades de trabalho e do lar ou pela impossibilidade de encontrar, entre os familiares ou na
comunidade, quem se disponibilize e se responsabilize pelo cuidado do idoso.
Os idosos são inseridos nas ILPI por diferentes motivos, assim, responsabilizar
unicamente a família pela institucionalização do idoso parece não ser razoável. Por outro lado,
tentar compreender as circunstâncias que levam a essa prática pode ajudar a entender as
necessidades desse público e, assim, prevenir possíveis afastamentos do meio social e familiar.
Quando a institucionalização se torna a única opção, é preciso ter em mente que o idoso
institucionalizado divide o novo ambiente com desconhecidos e vive distante da família. Toda
essa mudança propicia o rompimento e/ou fragilização dos laços familiares e relações sociais
estabelecidas ao longo de toda sua vida, sentimentos de abandono, insegurança e incerteza
quanto ao futuro podem deixar marcas profundas na memória destes idosos.
A pesquisa realizada reflete e aponta a importância de uma mudança de atitude da
sociedade e do poder público frente à pessoa idosa. A valorização social da velhice significa
encarar essa fase como qualquer outra etapa do desenvolvimento e, não somente, como
associada à inutilidade e improdutividade. Esta mudança de atitude poderá repercutir, por
exemplo, em maior suporte do poder público a programas destinados aos idosos, priorizando a
formação e capacitação de profissionais para atuarem com este segmento.
Apesar da relevância de seus achados, este estudo apresenta algumas limitações, dentre
as quais, o acesso restrito apenas a publicações disponibilizadas gratuitamente e o recorte em
relação às bases de dados nos quais as buscas foram realizadas que pode não ter contemplado
todo o universo de trabalhos sobre o tema investigado. Assim, sugere-se que estudos futuros
ampliem o escopo das fontes de pesquisa.
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A PRÁTICA PSI NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE MÉDIA COMPLEXIDADE:
55
IMPLICAÇÕES E DESAFIOS DO PSICÓLOGO NO CREAS
1 Introdução
Nesta perspectiva, o SUAS trabalha a partir de dois níveis de proteção social, a Proteção
Social Básica (PSB) e a Proteção Social Especial (PSE). A PSB tem como objetivo atuar na
prevenção de situações de vulnerabilidade ou risco social por meio de ações que busquem o
desenvolvimento de potencialidades e fortalecimento de vínculos, tendo como referência o
Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). Por outro lado, a PSE atua em casos de
violação de direitos ou de rompimento de vínculos, se subdividindo em média complexidade e
alta complexidade.
Para efeitos deste estudo, destacamos a Proteção Social Especial de média
complexidade, um conjunto de serviços que oferecem atendimento para famílias e indivíduos
em situação de violação de direito, mas cujos vínculos familiares e comunitários estão
preservados, tendo como principal equipamento o Centro de Referência Especializado de
Assistência Social (CREAS) (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
[MDS], 2004).
O CREAS é uma instituição que reúne diferentes ações com a finalidade de ofertar um
serviço continuado e especializado para famílias e indivíduos que tiveram seus direitos violados
(Lima & Schneider, 2018). Para a efetivação desse trabalho, o CREAS conta com uma equipe
composta por diferentes profissionais, sendo o psicólogo um dos membros da equipe de
referência desse serviço. É nesse campo que se insere o presente estudo, particularmente porque
sendo uma política de recente implementação, a Assistência Social também é um espaço que
tem absorvido um grande contingente de psicólogos (Macedo et al., 2011; Oliveira, Dantas,
Solon, & Amorim, 2011), o que tem demandado desses profissionais um posicionamento crítico
e a constituição de intervenções pautadas em uma prática interdisciplinar, através de ações que
busquem a promoção de emancipação e autonomia para sujeitos em situação de diferentes
vulnerabilidades (Lima & Schneider, 2018; Oliveira, Dantas, Solon, & Amorim, 2011).
Com base na complexidade que envolve o trabalho da Proteção Social Especial, o
presente estudo tem como objetivo investigar a atuação do CREAS no trabalho com sujeitos
vítimas de violação de direitos, bem como a inserção do psicólogo na atual política da
Assistência Social, enfatizando os desafios e as práticas desenvolvidas por esses profissionais
56
em sua atuação no CREAS a partir da experiência nas disciplinas de Estágio Básico I e II.
Consideramos que o contato do estudante de Psicologia com esse espaço é de suma importância,
sendo o contexto de Estágio Básico em instituições de Assistência Social um importante meio
para aprendizagens teóricas, metodológicas e práticas.
2 Método
O presente estudo foi desenvolvido a partir das nossas percepções acerca das
experiências relatadas por três psicólogas que atuavam no CREAS do município de Sobral -
CE. Através das disciplinas de Estágio Básico I e II do curso de Psicologia nos semestres 2018.2
e 2019.1, realizamos duas visitas à esse equipamento, conhecendo o espaço e a dinâmica da
instituição, bem como as práticas desenvolvidas pelas duas psicólogas atuantes nesse serviço.
O nosso contato com a terceira profissional se deu através de uma palestra realizada na
Universidade Federal do Ceará – Campus Sobral como atividade da disciplina de Estágio
Básico II.
No tocante aos recursos metodológicos, nos utilizamos do diário de campo como
ferramenta para registrar nossas percepções, questionamentos e informações que atravessaram
os momentos do Estágio Básico nessa instituição, posto que segundo Minayo (2001), esse
instrumento permite registrar qualquer momento da rotina de trabalho que realizamos e que não
podem ser documentados a partir de outras técnicas, sendo um importante aparato para a
descrição e análise do objeto estudado.
Ademais, para garantir o anonimato das psicólogas que contribuíram com este estudo,
optamos por não identifica-las ao longo do texto, tento como foco o conjunto do que nos foi
narrado pelas profissionais.
3 Resultados e Discussão
57
de risco pessoal e social, o afastamento do convívio familiar, a fragilização ou rompimento de
vínculos e a violência intrafamiliar ou doméstica acontecem em todas as classes sociais” (CFP,
2013, p. 32).
Entretanto, embora a informação de que o CREAS atende a toda a população seja de
domínio público, segundo o relato das psicólogas, o perfil socioeconômico que chega até lá é
formado em sua grande maioria por famílias de baixa renda em ambientes de risco (Nunes,
Ferriani, Malta, Oliveira, & Silva, 2016), valendo ressaltar que para o serviço não há uma
imagem padrão sobre o que é família, principalmente visualizando a diversidade da cultura
brasileira. “É difícil traçar um perfil único da família brasileira, tanto no que se refere a sua
configuração quanto a sua estrutura” (Wagner, 2009, p. 19), já que como relatado, são os avós
que costumam estar à frente dessas famílias. Considerando esse contexto relatado pelas
psicólogas, nos recordamos da discussão sobre ciclos de vida familiares trazidas por Carter e
Mcgoldrick (1995), em que podemos visualizar um estágio em que os avós já não estariam mais
na participação ativa da educação da geração mais jovem. Porém, numa realidade marcada por
diferentes questões socioeconômicas, é sabido que são os avós (principalmente as mulheres,
como fica muito claro na fala da psicóloga do CREAS), que são responsáveis por toda a família,
muitas vezes todos residindo em uma mesma casa
Nesse sentido, entende-se que as diferenças socioeconômicas sejam uma variável
importante numa questão interseccional a ser considerada no motivo da maioria das famílias
que buscam acolhimento no CREAS sejam aquelas que são compostas por mulheres, pobres,
que dentro da lógica do CREAS, estão sofrendo violação de direitos que pode surgir de
diferentes formas (violência no trabalho, discriminação, violência doméstica, entre outros), com
elas ou com qualquer um de seus familiares. Se caracterizam como famílias “marginalizadas”,
tanto em seus direitos de acesso às políticas públicas vigentes, quanto fisicamente, visto que
moram nas margens dos bairros periféricos e muitas vezes, devido a isso, a própria denúncia se
torna uma questão difícil a ser executada, visto que, por conta dos conflitos territoriais, muitas
famílias não conseguem transitar de um espaço para o outro, dificultando até mesmo as
intervenções oferecidas pelo serviço para essas famílias.
Nesse sentido, uma importante atividade organizada pelo serviço são os grupos com as
famílias acompanhadas pela instituição, tendo como função prestar apoio e suporte para esses
sujeitos. São duas equipes, a equipe das medidas socioeducativas, que acompanha os
adolescentes autores de atos infracionais, e o PAEFI (Proteção e Atendimento Especializado a
Famílias e Indivíduos), que é o serviço de apoio e acompanhamento para famílias que possuem
membros que se encontram com seus direitos violados ou ameaçados, promovendo ações que
visam o fortalecimento de vínculos sociais, familiares e comunitários (MDS, 2011).
Quanto ao PAEFI, cada grupo acontece uma vez por mês, com algum tema específico
que traga questões que atravessem diretamente as família atendidas, sobre a violência que elas
estão vivendo, um diálogo em grupo. Os grupos do PAEFI são realizados dentro dos territórios
que essas famílias estão, o que faz com que se tenha uma maior facilidade de acesso e adesão.
Atualmente há grupos em quatro bairros da cidade. As famílias acompanhadas pelo serviço são
convidadas para participar, sendo informado o dia, o horário e o tema do grupo, então eles
podem se sentir à vontade para irem ou não. Os grupos das medidas socioeducativas também
acontecem uma vez por mês, sendo realizados tanto com as famílias quanto com os
adolescentes. Os grupos com adolescentes são realizados no Fórum e com os responsáveis
acontecem no próprio equipamento.
O grupo de medidas socioeducativas surgiu da necessidade de fornecer suporte para o
58
distanciamento da prática de atos de cunho infracional a partir do engajamento social, também
por meio de atividades supervisionadas para garantia de promoção social, acreditando em uma
possibilidade de mudança por meio da educação, da promoção e criação de novos projetos de
vida e cursos profissionais (Schmitt, Nascimento, & Schweitzer, 2016). Para isso, é frisada a
importância de uma rede de apoio que possa envolver o adolescente em questão. A rede
familiar, nesses casos, se torna de grande ajuda, pois o serviço “favorece o empoderamento das
famílias, para que auxiliem no processo de reinserção social, oferecendo suporte comunitário e
emocional, o que previne novas práticas de crime e delinquência, bem como promove a saúde
e o desenvolvimento de adolescentes e grupos” (Nunes et. al., 2016, p. 299).
Um elemento que não passou despercebido nos discursos das psicólogas é o fato delas
falarem desses participantes dos grupos sempre no feminino, ou mesmo usando o termo “mães”.
Quando questionadas sobre isso, elas trouxerem que o discurso delas diz muito, a maioria são
mães, são as que mais estão presentes nos grupos realizados pelo serviço, o que diz muito
também do perfil de família que chega no CREAS, da configuração familiar, como já dito
anteriormente, famílias que têm apenas a mãe presente, o que exige que os profissionais que
intervém no contexto dessas famílias estejam livres de preconceitos relacionados as diferentes
constituições familiares existentes (Carter & McgoldrickC, 1995). Além disso, essa maior
presença da mãe evidencia que apesar da mulher já estar mais ligada ao sustento econômico da
família, e muitas vezes ser a única provedora do lar, o acompanhar e estar mais próxima aos
cuidados e à vida dos filhos ainda é exercido por ela na maioria das vezes. Evidenciando o papel
da mulher como historicamente ligado ao cuidado e atenção aos filhos, se configurando como
uma figura central no funcionamento das famílias (Wagner, 2009; Carter & Mcgoldrick, 1995).
Outro fator importante é que a maioria das famílias desses adolescentes também têm
outros agravos nessa dinâmica familiar que precisam ser trabalhados, o que faz com que sejam
acompanhadas através de visitas periódicas, atendimentos individualizados, e nesses grupos,
que acabam se tornando o momento deles darem vasão, elaborarem suas questões e de
encontrarem força. Por isso, são importantes na medida em que podem se configurar como
espaços de convivência e de compartilhamento de experiências, proporcionando o resgate da
corporeidade, a ressignificação das experiências e a reconstrução de relações e vínculos afetivos
com a família, a comunidade e o grupo de pares (CFP, 2013; Silva & Cezar, 2013).
As visitas institucionais às residências é uma outra importante forma de intervenção
realizada pelo CREAS, pois é a partir dessas ações que se consegue alcançar um número maior
de famílias. Isso se deve ao fato de que o CREAS não está localizado no território de boa parte
das famílias que são acompanhadas, além do fato do município passar por uma série de conflitos
territoriais entre facções, o que dificulta o acesso a esse serviço. Assim, as visitas domiciliares
viabilizam que o serviço atinja seu objetivo institucional de prestar acompanhamento a famílias
e indivíduos em situação de vulnerabilidade social e violação de direitos, garantindo o acesso
delas a rede de proteção social. São elas também que permitem que os profissionais se
aproximem da realidade da família, conhecendo suas demandas e potencialidades (Drulla,
Alexandre, Rubel, & Mazza, 2009).
É relevante destacar também que essas visitas são realizadas na residência da família
até mesmo quando a violação não parte de um de seus membros, pois busca-se conhecer o
contexto no qual esse sujeito que teve seus direitos violados está inserido. Já quando a violência
parte do contexto familiar, tenta-se trabalhar a partir das potencialidades daquela família,
percebendo como ela vivencia essa violência, buscando o fortalecimento dos vínculos e a
construção de novos padrões de relacionamento familiar, de modo a pôr fim à violência ou às
violências.
59
3.2 Percepções e sentidos dos psicólogos sobre a prática da psicologia no CREAS
60
Alberto (2015, p. 920),
Desse modo, é esperado do Psicólogo atuante nos serviço de assistência pública que sua
prática não esteja voltada para o sujeito de forma individualista e desarticulado de seu ciclo
social e cultural (Macêdo et al., 2015), mas que compreenda, a partir de diversos pontos de vista
– dentre eles o sociológico, antropológico, normativo, político e clínico –, a totalidade
envolvida na situação de violação (Florentino, 2014), evitando, assim, a culpabilização dos
indivíduos e/ou da célula familiar (Lima & Schneider, 2018).
Ademais, para além das intervenções já citadas, as psicólogas também relataram que
muitas vezes realizam encaminhamentos para serviços públicos que realizem psicoterapia,
tendo em vista a complexidade das situações que atravessam os usuários do equipamento. Desse
modo, mesmo que a Política que embasa a atuação do CREAS preconize que esse espaço não
realiza atendimentos psicoterapêuticos individualizados, considerar a relevância desses
encaminhamentos é também percebermos a importância de um trabalho em rede, como nesse
caso, na relação entre a Assistência, a Saúde e as clínicas-escola das universidades. Nesse
sentido, um dos papéis da Psicologia e dos demais saberes atuantes nessa instituição é também
trazer informações para a população atendida, comunicando-a, por exemplo, sobre os serviços
públicos disponíveis para seu atendimento, informação que muitas vezes não chega para esses
indivíduos.
Entendemos, portanto, que é através da informação e dessas diferentes intervenções
realizadas pelos profissionais do serviço que os usuários poderão ter acesso aos seus diretos,
instrumentos importantes também para o desenvolvimento da autonomia e do protagonismo
para esses sujeitos, algo que a PNAS preconiza e que se relaciona também com o que as
psicólogas trouxeram, pois, como elas colocaram, “trabalhar para se tornar desnecessária” quer
dizer intervir para o fortalecimento das potencialidades familiares e comunitárias, bem como
para o desenvolvimento de protagonismo e para o resgate de direitos (CFP, 2013).
61
trabalhado por um período no CREAS, a fala foi a de que o serviço atendia um número muito
maior de pessoas do que o previsto. Assim como em outros serviços públicos, o CREAS é um
dos que atende não apenas a região de Sobral, como regiões vizinhas, abarcando uma demanda
que sobrecarrega o serviço e os profissionais que nele trabalham (Pauli, Traesel, & Siqueira,
2019). Como explicado por uma das psicólogas que estava ativa na época da realização do
Estágio Básico, é previsto pela lei um total de até vinte prontuários acompanhados por cada
profissional do serviço, mas esse número chega a ser muito maior quando em realidade,
podendo alcançar até cinquenta prontuários para cada profissional. Além disso, também
justifica-se essa questão pela não existência de outro CREAS na região, em contraste com o
serviço de atendimento básico, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), que
possui seis equipamentos no município.
Dessa forma, aliado à existência das “notificações”, que são as denúncias recebidas de
violações e que aparecem como trabalho para além dos prontuários já abertos, além da
organização de grupos com as famílias e as visitas domiciliares, que, a depender da demanda,
podem ocorrer com uma alta periodicidade, podemos perceber que o desgaste físico e
emocional são fatores que corroboram com o sofrimento no trabalho e a efetivação de um
trabalho precarizado que não auxilia os profissionais no atendimento aos usuários (Pauli et al.,
2019).
Nesse sentido, em vista dos desdobramentos existentes pelos profissionais atuantes no
serviço em uma alta demanda, acaba por ocorrer uma não atenção específica dos casos
aparentes, o que gera uma segunda queixa pelas psicólogas participantes deste trabalho, que é
a necessidade do cumprimento de tabelas, ou uma alta demanda de produtividade, que gera a
intensificação do trabalho realizado (Pauli et al., 2019). Como exposto por uma das psicólogas
ouvidas, na lógica dos “bons resultados”, ser um “bom profissional” seria equivalente a ter um
número elevado de casos atendidos, no entanto, entende-se que a “numerificação” dos sujeitos
não estaria relacionada ao cuidado oferecido aos usuários, pelo contrário, limitaria a intervenção
a planos pré-estabelecidos e generalistas, o que não condiz com a prática do psicólogo nesse
serviço, pois, ao invés de potencializar o sujeito, estaria exercendo uma nova violação de
direitos (Lima & Schneider, 2018).
A saber, o cumprimento de tabelas nos foi explicado como o preenchimento de dados,
que é um fato que ocorre em vista da generalização dos casos atendidos (Macêdo et al., 2015).
Em decorrência do grande número de prontuários por profissional e de outros fatores
desestimulantes já citados acima, muitas vezes os casos atendidos tornam-se apenas números,
ou cumprimento de exigências impostas ao serviço de retorno de resultados. O profissional
psicólogo no serviço encontra então algo que é totalmente diferente do que lhe é repassado em
período de formação, com uma graduação voltada para a área clínica, se depara com uma
demanda social que busca em sua prática o olhar crítico e de entendimento quanto às diversas
variáveis que influenciam nos casos atendidos. Nesse sentido, é de suma importância a
existência de um psicólogo nos serviços públicos de assistência, evitando o caráter higienista,
individualista e a desconsideração do contexto vigente, mas buscando uma prática “dotada de
um aspecto crítico, reflexivo, investigativo e, acima de tudo, político” (Macêdo, 2015, p. 919).
Outrossim, essa coletividade, ou o contexto ao qual os usuários estão inseridos, suas
famílias e suas histórias pessoais, são questões consideradas no atendimento às famílias
realizados pelo CREAS, o que foi muito explicitado pelas falas das psicólogas. Essas questões
são, inclusive, norteadoras em casos de denúncias de violações de direitos, das percepções
aparentes nas visitas e também na tentativa da não retirada de um sujeito de seu ambiente
quando os vínculos familiares estão rompidos. As psicólogas explicitaram que há, muitas vezes,
a existência de uma cadeia de violações dentro de um contexto familiar que só pode ser
62
visualizado quando em contato com a realidade do usuário, desse modo, as visitas domiciliares
tomam sua importância para que haja o contato do profissional com o contexto violador do
sujeito, de modo que, tendo conhecimento da realidade do usuário, poderia ser pensada uma
prática intervencionista (Florentino, 2014).
Como já explicitado, essa questão do conhecimento dos vínculos familiares e afetivos
dos sujeitos usuários do serviço, além da noção do contexto ao qual pertence, nota-se a
necessidade da criação de vínculo entre sujeito e profissional atuante. Dessa forma, apresenta-
se como uma das queixas, a alta rotatividade de profissionais no serviço. De acordo com
Stancato e Zilli (2010), a rotatividade é representada pela “flutuação” de profissionais entre
uma organização e o seu ambiente, esse fator pode ser gerador de problemas para a instituição
em vista da quebra desse vínculo entre os usuários e o serviço. Essa quebra, em alguns casos,
pode vir a causar desconfiança pelos sujeitos na efetividade da ação pública (Paz, 2015).
Nesse sentido, como narrado pelas psicólogas, para que haja o funcionamento e
desenvolvimento esperado das diferentes intervenções realizadas pelos profissionais do serviço,
bem como o conhecimento do contexto e da dinâmica familiar dos usuários, é de extrema
importância que se possa haver a criação desse vínculo com tais famílias e indivíduos, para que
o trabalho da equipe atuante seja potencializado e promotor de garantia de direitos para seus
usuários.
4 Considerações Finais
63
integral às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade.
Por fim, salientamos também que através do que é preconizado pela PNAS, somos
convidados a construção de novas práticas em virtude da complexidade do trabalho assistencial.
Entretanto, para construirmos novas intervenções, é necessário que possamos conhecer mais
sobre esse novo campo de atuação, seja através de estágios, extensões, pesquisas, ou mesmo
por meio da produção, publicação e divulgação de trabalhos construídos a partir da atuação
nesses espaços, ofertando, desse modo, importantes subsídios para que os psicólogos possam
atuar com as políticas públicas da Assistência.
Referências
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Psicólogo, 25(91), 14.
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Uma revisão da literatura. Revista Administração e Saúde, 12(47), 87-99.
65
TEÓRICA
Ádilo Lages Vieira Passos
Maria Hilmara Sousa Viana Portela da Ponte
Thalyta de Araújo Sousa
1 Introdução
66
intergeracionais para prevenção dos rompimentos dos vínculos. À vista disso, esta pesquisa tem
por objetivo geral realizar uma revisão da literatura acerca das contribuições da participação de
idosos em grupos de convivência para um envelhecimento com qualidade.
2 Método
2.1 Materiais
3 Resultados
Foram encontrados 122 (cento e vinte e dois) trabalhos dentre os quais somente 08 (oito)
foram direcionados para análise: 01 (uma) dissertação e 01 (uma) tese na BDTD; 04 (quatro)
artigos na CAPES e 02 (duas) monografias no Repositório Institucional da FAP.
Dentre o número total de pesquisas encontradas foram descartadas 114 (cento e
67
quatorze) produções, pois não apresentaram proximidade com o tema em questão. A Tabela 1
apresenta, um ordenamento acerca das bases de dados utilizadas para a revisão bibliográfica
desta pesquisa.
Em meio à seleção das pesquisas, foram selecionados 08 (oito) trabalhos nas bases de
dados, que estão apresentados no Quadro 1. Tais trabalhos estavam em acordo com as palavras-
chave selecionadas, bem como possuíam maior similaridade com a temática sobre a discussão
da qualidade de vida no envelhecimento, viabilizada pela participação nos grupos de
convivência.
Quadro 1 - Apresentação dos trabalhos selecionados nas plataformas de pesquisas
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
AN
TÍTULO AUTORES
O
Qualidade de vida e suporte social em idosos:
2015 comparação entre participantes e não Ana Raquel Silva Santos
participantes de grupos de convivência.
Um olhar sobre o processo do envelhecimento:
Susete Maria Ramos Cortez
2015 a percepção do idoso sobre a velhice em centros
Oliveira
de convivência selecionados.
Periódicos da CAPES
Participação Social e familiar de idosas Ana Claudia N.S.
vinculadas a um grupo de convivência de uma Wanderbroocre; Anneliese M.
2015
comunidade de baixa renda em Curitiba-PR. V. Wiedemann e Cleide
Bussolin
Equilíbrio, mobilidade funcional e qualidade de Maiara Lonh de Farias; Lisiane
68
vida em idosos participantes e não participantes Piazza Luza; Bianca Andrade
2017
de um centro de convivência. de Sousa e Ediane Roberge
Zampirolo
2018 A influência de grupos de promoção de saúde Tiago dos Santos Leles;
no envelhecimento de idosos. Michelle de Menezes Carlos e
Grasielle Silveira Tavares
Paulin
2018 A importância dos grupos de convivência para Lilia Lopes Schoffen e
os idosos como instrumento para a manutenção Walquiria Lene dos Santos
da saúde.
Repositório Institucional da FAP
2019 A centralidade do Serviço de Convivência e José Ayrton Silva Almeida e
Fortalecimento de Vínculos no Nágila da Conceição Ferreira
desenvolvimento dos programas
socioassistencias: uma experiência no CRAS
“Campo Velho”.
2019 Velhice e trajetórias: particularidades da Geordania Meireles de Araújo e
institucionalização na última fase do ciclo vital. Letycia Neves Lopes dos
Santos
4 Discussão
69
comemoram anualmente os seus 60 anos ou mais.
Os determinantes que levam a compreender esse aumento significativo da população
idosa são diversos, dentre eles, está à diminuição da mortalidade infantil, o avanço da medicina
e o desenvolvimento tecnológico, além da diminuição na taxa de fecundidade, devido aos
fatores econômicos e sociais. Vale ressaltar que o envelhecimento é definido como um processo
universal, iniciando-se na concepção da vida dos indivíduos e findando apenas com a morte
(Duarte, 2008).
Dentro desse processo é necessária não somente a compreensão dos aspectos
demográficos e estatísticos, mas também o entendimento do envelhecimento numa perspectiva
histórica e evolutiva da humanidade. Dentro desse parâmetro Schoffen e Santos (2018)
enfatizam que o envelhecimento possui significados diferentes, sendo comum observar que em
séculos anteriores o envelhecimento estivesse atrelado a uma questão de entusiasmo e
progresso, na qual a idade avançada era um fator a ser enaltecido, haja vista o envelhecimento
ser considerado como uma fase de saberes acumulados, de experiências de vida e
amadurecimento.
Atualmente, ser velho já não é questão de entusiasmo ou progresso, isso porque as
gerações são marcadas por um padrão em que a estética e a boa forma privilegiam a aparência
mais jovem. Tal contexto reflete o modo de vida em uma sociedade capitalista de produção e
consumo, que manipula através dos parâmetros, formas de manter uma identidade
rejuvenescedora e lucrar com os padrões estéticos pré-estabelecidos.
Como destaca Faleiros e Afonso (2008), embora o envelhecimento seja uma categoria
coletiva é preciso que se leve em consideração os fatores subjetivos da compreensão dos
indivíduos sobre esse processo. Dessa forma é valido destacar o que Araújo e Santos (2019)
denominam como “heterogeneidade na velhice”, algo que enfatiza a existência de diversas
formas de envelhecer, havendo, pois, idosos que encaram a velhice como algo positivo e idosos
que consideram esse período como uma fase da inutilidade.
Desse modo, pensar sobre o que é ser idoso envolve a consideração de múltiplos
aspectos, situados em um contexto de constante transformação. Sem dúvidas, o cotidiano dos
idosos e os impactos subjetivos e sociais que eles vivenciam ao longo do ciclo de vida, os
singularizam e, portanto, configuram os sentimentos do que é ser idoso (Oliveira, 2015).
Wanderbroocre, Wiedemann e Bussolin (2015), ao investigarem o dia a dia de idosas
em uma comunidade de baixa renda, constataram que a maioria delas se identificava como
provedoras de suas famílias; que as mesmas aproveitavam esse estágio da vida para a prática
de esportes e encaravam o grupo de convivência como espaço para práticas de lazer, o que
aumentava o otimismo para com a vida. Logo, os idosos que veem a velhice como momento de
usufruto de oportunidades, reconhecem a importância do seu papel de representatividade no
meio social, que são fundamentais na comunidade e, assim, ressignificam a intolerância em
relação a condição de “ser velho” e se tornam menos vulneráveis aos impactos psicossociais
negativos frente à categoria (Miranda & Banhato, 2008).
Na discussão sobre velhice e envelhecimento é pertinente destacar que a velhice é
considerada como sendo a última fase do ciclo vital, diferentemente do envelhecimento que é
um processo (Neri, 2013). A última fase da vida, conforme Oliveira (2015), é marcada pela
subjeção do fator cronológico, que data os 60 (sessenta) anos ou mais dos indivíduos. O idoso
nesse período passa a compreender a sua adaptação ao estado de ser idoso, de acordo com os
valores temporais e culturais que a sociedade estabelece.
Nesse ínterim, reitera-se que o idoso pode encarar a velhice, tanto de maneira positiva,
70
quanto negativa, sendo que isso depende fortemente de como a sociedade trata a velhice
(Schneider & Irigaray, 2008).
Assim, embora o processo do envelhecimento esteja ligado aos aspectos biológicos dos
indivíduos, Bassit (2013, p. 2178) destaca que “[...] a compreensão do envelhecimento pela
ótica da biologia e da medicina, não são suficientes por si só para tratar das relações que
estabelecemos em nosso percurso.” Isso devido à sociedade contemporânea ser marcada por
fatores subjetivos, sociais e temporais que também podem determinar como a velhice pode se
estruturar.
Dentro dessa perspectiva surge a necessidade de discutir o fenômeno do envelhecimento
ativo e com qualidade no processo do envelhecer humano, uma vez que de acordo com a
Organização Mundial da Saúde (OMS), esse parâmetro requer um processo de oportunidades
de saúde, de participação ou de segurança, em que as pessoas idosas buscam, em seu
intermédio, uma melhor qualidade de vida (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005).
Diante disso, envelhecer ativamente envolve romper com paradigmas que encaram a velhice
somente como uma fase de perdas para, em seu lugar, adotar uma concepção do envelhecimento
pautada no bem-estar social, físico e psíquico.
4.2 Grupos de convivências: espaços que promovem qualidade de vida à pessoa idosa
71
sensação de pertencimento social e, assim, ampliam a qualidade de vida dos seus participantes.
Salienta-se que a qualidade de vida na velhice se constitui na tentativa contínua de
independência da pessoa idosa no seu último ciclo vital, pois o referido estágio da vida tem sido
encarado como cheio de limitações, principalmente físicas e psicológicas. Esta maneira de
conceber o envelhecimento conduz à diminuição da qualidade de vida do idoso, na medida em
que ocasiona inseguranças frente à capacidade funcional na velhice. Na contramão disso, os
grupos de convivência funcionam como estratégias para preservar as capacidades físicas e
cognitivas dos idosos, por intermédio das atividades oferecidas, dessa forma superando os
receios dos idosos quanto à velhice (Farias, Luza, Sousa, & Zampirolo, 2017).
Assim, os grupos de convivência se constituem com um importante espaço na promoção
do envelhecimento digno, pois possibilitam o alcance dos direitos fundamentais da pessoa
idosa. Contudo, é pertinente destacar os desafios e limitações que esses locais enfrentam no
contexto neoliberal, especialmente os grupos atrelados ao Estado padecem com a falta de
recursos materiais, humanos e a alta rotatividade de (Almeida & Ferreira, 2019). Diante disso,
debater o papel e a importância dos grupos de convivência não apenas sob a ótica psicossocial,
mas também dos direitos fundamentais, mostra-se essencial, principalmente em tempos
desafiantes, que refletem o sucateamento de políticas voltadas aos idosos.
Ampliando a discussão, Leles, Carlos e Paulin (2018) relatam que nos grupos de
convivência é possível observar que, por meio de um processo dinâmico e interativo, a
participação de idosos nas atividades realizadas desenvolve o senso de valorização e de
pertencimento social. Assim, a construção e ampliação desses espaços promotores da qualidade
de vida na velhice se mostra primordial.
5 Considerações finais
Esta pesquisa teve como objetivo investigar, por meio dos debates teóricos existentes,
quais as contribuições da participação de idosos nos grupos de convivência para a qualidade do
envelhecer. Os resultados apontaram que, perante o envelhecimento populacional, os grupos de
convivência tornaram-se locais essenciais para que os idosos desenvolvam seu potencial,
assegurando o bem-estar mental, físico e social, possibilitando a construção de vínculos
afetivos, desconstruindo assim, estereótipos sociais relacionados à inutilidade na última fase do
ciclo vital.
Os trabalhos analisados refletem as especificidades da velhice sob uma perspectiva
cultural, social, histórica e dinâmica. O elevado crescimento da população idosa no Brasil leva
estudiosos a tentarem compreender não somente as singularidades que permeiam a velhice e o
envelhecimento humanos, como também as oportunidades de um envelhecimento com
qualidade de vida, o que muito envolve os debates sobre os grupos de convivência para idosos.
Sabe-se que existem grandes desafios na efetivação dos serviços dos grupos de
convivência, principalmente no que tange a variedade das atividades oferecidas aos idosos. Por
outro lado, muitas pesquisas que enfocaram os grupos de convivência apontam que os idosos
consideram esses espaços como promotores do exercício da cidadania, de trocas de experiências
e de um envelhecimento ativo e saudável.
Assim, esta revisão da literatura, congruente às pesquisas analisadas, reafirma a
72
importância do debate acerca dos grupos de convivência para a garantia da qualidade de vida
dos idosos, principalmente, daqueles que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade
social e que dependem diretamente desses espaços para a construção de um envelhecimento
ativo.
No que tange os entraves da pesquisa é possível mencionar o recorte em relação às bases
de dados que pode não ter contemplado todo o universo de trabalhos sobre o tema investigado,
bem como o caráter teórico. Assim, sugere-se a realização de estudos empíricos que enfatizem
as concepções dos idosos frente à velhice, o envelhecimento e os grupos de convivência, bem
como que fomentem o reconhecimento dos serviços prestados por tais grupos como direito,
distanciando-se da percepção de assistencialismo.
Referências
73
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AUTONOMIA E EXPRESSÃO DO ADOLESCENTE ATRAVÉS DA ARTE NAS
74
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM CRATEÚS-CE
1 Introdução
75
na subjetividade de cada indivíduo.
A exemplo expressivo destas realidades, está a execução das Medidas Socioeducativas
por adolescentes que cometeram atos infracionais, indivíduos este que não por acaso também
estão sob a égide das precarizações econômicas. Compreendemos através das literaturas
estudadas no decorrer da observação que, os indivíduos da classe menos favorecida é afeta em
diversas situações, não tem acesso ao básico para a sobrevivência, sendo considerados
marginalizados. Por tanto, é fundamental conhecer as formas de violência que estes
adolescentes estão vivenciando. Sabido que, cada adolescente traz consigo uma narrativa
histórica e de valores, em que, a relação com atos infracionais está ligada quase que diretamente
a fatores sociais, familiares, econômicos, entre outros. Com isso, o que distingue estes dos
demais adolescentes está correlacionado as “poucas oportunidades”, ressaltando que, os fatores
citados não são determinantes para tais atos criminais. (Moreira, Guerra & Drawin, 2017).
No vasto âmbito das políticas públicas se encontram as Medidas Socioeducativas, que
podem ser aplicadas como primeira medida antes que o jovem vá para uma instância de
internação ou como forma de progressão do regime voltada para adolescentes privados de
liberdade, conforme artigo 120 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Essas medidas são
aplicadas por um juiz com fins pedagógicos para que indivíduos infanto-juvenis possam
responder por suas infrações. O ambiente de semiliberdade tem como foco principal fazer com
que estes socioeducandos possam estar inseridos em seu meio social e de volta para sua esfera
familiar e comunitária (Barros, 2014), impossibilitando, parcialmente, a liberdade do
adolescente, ficando sob custódia do Estado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990,
fundamentado na Constituição Federal de 1988 nos Art. 227 e Art. 228 adveio com a proposta
de regulamentar os direitos sociais de crianças e adolescentes. No que se refere aos
adolescentes, o ECA indica corresponsabilidade da sociedade civil junto ao Estado para
promover condições adequadas para seu desenvolvimento, levando em conta um conjunto de
contextos, através do paradigma de proteção, preocupando-se com o desenvolvimento integral
de todos, mas com um olhar mais profundo sobre aqueles que se encontram em situação de
risco social ou pessoal (Araújo & Oliveira, 2010).
Infelizmente, algumas instituições do sistema público de atendimento a adolescentes em
risco social, como sistemas de saúde, assistência social e atendimento para menores, como
exemplo dos que cometeram infrações, vivendo fora da família e da escola, nas ruas e em outras
condições de vulnerabilidade podem sustentar práticas e visões preconceituosas e reducionistas.
Os adolescentes são catalogados como “coitados”, vítimas de uma infância e uma adolescência
“divergente”, estigmatizados e sem muita perspectiva para/com seu futuro (Oliveira, 2006). Em
outras palavras, conserva-se dentro dessas intuições a crença e valores que estão presente no
Código do Menor, de 1929. E demais legislações retrógradas, anteriores ao ECA.
Diante do anteposto, este relato de experiência objetiva a partir da aproximação da rotina
de um Centro Socioeducativo de Semiliberdade, compreender as relações entre adolescência,
arte e cumprimento de medidas socioeducativa na execução do sistema socioeducativo no
município de Crateús, Ceará.
2 Metodologia
Para a elaboração deste relato de experiência, foi utilizada uma revisão narrativa de
76
literatura, buscando trazer um relato de literatura em uma visão geral; e para coletas de dados,
a técnica por Observação Participante. O método da observação Participante é realizado em
contato direto, frequentemente é prolongado do investigador com atores sociais, nos seus
contextos culturais, pela a qual o observado participa ativamente das atividades de
reconhecimento dos dados. A observação participante é uma ferramenta que nos possibilita
compreender novas e determinadas situações e interações de um grupo de participantes em que
se encontra o pesquisador. (Marques, 2016). Isso ocorre para que, os profissionais que estejam
inseridos neste contexto de equipamento possam acompanhar, elaborar e aprimorar seus
conhecimentos, tal como mapa de atividades e outros detalhes institucionais, utilizando da
metodologia de Intersetorialidade, pois, as Medidas Socioeducativas são aplicadas com fins
pedagógicos.
Para tanto, o presente trabalho se configurou a partir da participação dos pesquisadores
em encontros na instituição de Semiliberdade no município de Crateús-Ce, na disciplina de
Práticas Integrativas II do curso de Bacharelado em Psicologia da Faculdade Princesa do Oeste,
que compôs de 20 (vinte) horas de trabalho de campo, divididas em 5 (cinco) visitas com 4
(quatro) horas de duração cada. De forma ativa participamos juntos aos adolescentes em
diversos momentos em que à arte foi utilizada como método de construir as expressividades de
cada socioeducandos. Em nossas observações, buscamos atentar para as possíveis contribuições
da arte na ressocialização de adolescentes em conflito com a lei.
A primeira ocasião transcorreu na confecção de decorações para enfeitar o ambiente da
instituição, reforçando a interação entre todos pois a conviver é importante para fortalecer os
vínculos diante das diversas dificuldades enfrentadas nas medidas socioeducativas. A segunda
ocasião transcorreu em uma aula de Muay-Thai educativa, com o objetivo de apresentar para
os adolescentes a importância do respeito, disciplina e compromisso para com os demais
colegas. Neste dia todos os colaboradores da instituição participarão, o encontro foi alegre,
divertido e prazeroso. A terceira ocasião transcorreu no ensaio dos socioeducandos para
apresentação musical no grupo “Abraço em Família”, pudemos através das músicas escolhidas
observar outras habilidades que os mesmos não as identificavam. A quarta ocasião transcorreu
na exposição de algumas pinturas realizadas pelos adolescentes em medidas socioeducativas no
II Simpósio Regional de Saúde Mental dos Sertões de Crateús, na Faculdade Princesa do Oeste.
As telas expressavam desejos de liberdade, e que estar em um evento como protagonistas da
noite fortalece a importância de acolhermos esses adolescentes e produzir assim novos
reforçadores positivos.
Para embasar nossas percepções através das observações, buscamos pesquisas através
da legislação vigentes que regem o âmbito das políticas públicas pela a qual se encontram os
serviços socioassistenciais, em específico o serviço de Medidas Socioeducativas, assim como,
a arte como importante medida de reprodução do ser social, desempenho da criatividade,
autoestima, autonomia, entres outros.
3 Resultados e Discussões
77
região.
Atualmente, o prédio tem capacidade para atender 25 adolescentes, 20 espaços para o
sexo masculino, e 5 para o sexo feminino. A divisão dentro da casa ocorre por, “Casa de José”,
espaço destinados aos adolescentes masculino, e, “Casa de Maria”, espaço destinado às
adolescentes femininas; sala de música, com violões, teclado dentre outros instrumentos; sala
de informática; refeitório; campo de futebol improvisado pelo os próprios adolescentes; sala de
direção e equipe técnica.
Superando noções marcadas por um modelo de correção repressiva e assistencialista,
seguimos novos passos diante de um momento histórico que se caracteriza pelos princípios
norteadores e universais do respeito aos direitos humanos. De início, para compreender o
trabalho das medidas socioeducativas, é preciso ter uma breve compreensão do conjunto
narrativo do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE - através do Art.3 da
Lei N° 12.549, que regulamenta as medidas em semiabertos. O SINASE é ordenado por
princípios, regras e critérios, com características jurídicas, políticas, pedagógicas, financeiras e
administrativas, que abrangem desde a apuração, formulação e execução da política nacional
de atendimento em medidas socioeducativas. Inclui neste processo os sistemas estaduais,
distritais e municipais, assim como, todas as políticas, planos, e programas especificamente de
atenção para e com esse público (Silva, 2019). Baseia-se nos princípios de legalidade,
prioridades as medidas restaurativas, individualização, não discriminação ao adolescente,
fortalecimento de vínculos familiares e comunitário, oferecendo ao educando atividades
esportivas, pinturas, aulas de músicas, grupos de apoio psicopedagógicos, dentre outros.
(Araújo & Oliveira, 2010).
Todos os profissionais que acolhem os adolescentes, devem ter postura de respeito, para
que possa se iniciar a criação de vínculos positivos, podendo então observar as condições
externas do adolescente, como família e comunidade, garantindo, assim, os direitos dos
adolescentes, que de alguma forma já tem os mesmos violados socialmente.
Neste contexto, a arte consegue construir nos indivíduos uma maneira única de despertar
outras visões para o seu próprio sentir, podendo encontrar nas formas artísticas simbologias
para os seus sentimentos, gerando assim uma ampliação do conhecimento pessoal diante dos
modos de sentir. No âmbito das medidas socioeducativas, a arte contribuir na humanização do
adolescente que cumpre medida, por meio das diversas linguagens e mecanismo que ela
proporciona, expondo o que há de mais profundo dentro de si (Maia & Bertazzo, 2014).
Neste âmbito, a arte se apresenta como uma possibilidade de atuação na composição do
cumprimento das medidas socioeducativas junto aos adolescentes. Prates (2007 como citado
em Silva, 2019, p.30), relata que, a arte expressa concepções históricas e valores, sentimentos
e significados atribuídos aos fenômenos pelas pessoas que os interpretam e os vivenciam e
modos de vidas. As expressões sobre a cultura podem possibilitar aos adolescentes que vivem
uma realidade vulnerável, um olhar abrangente do concreto provendo ferramentas para que
possa aflorar sua criatividade, autoestima, idealização de mundo e criatividade (Silva, 2019).
Como desafio enfrentado no contexto de Semiliberdade, está o preconceito social,
comunitário e familiar. Tendo oportunidades negadas, são poucos os que conseguem um
emprego considerável e outros infelizmente continuam em situação de miséria, em que, quando
surge uma oportunidade são obrigados a aceitar a diversificadas formas de exploração (Silva.
2019). A discriminação faz com os adolescentes se distanciam da autoestima, esperança e
valorização da vida de acordo com o vínculo social. Adorno (1991 como citado em Silva, 2019,
p. 18) cita que, as causas da criminalidade se colocam nas distorções da estrutura
socioeconômica da sociedade. Segundo Becker (2017 como citado em Silva, 2019 p. 18), a
78
sociedade é um conjunto que funciona em harmonia, somente com grupos mais bem adaptados.
A ideologia indica como ver, viver e o que vale a pena ser vivido, onde o adolescente tem que
assimilar e construir sua identidade, ser reconhecido e conquistar seu espaço no meio social.
A frente de reproduções taxativas de criminosas, as oficinas com atividades envolvendo
a arte traz para nós algo altamente relevante para o ambiente social desses sujeitos. Através de
estudos feitos por vários autores sobre a adolescentes infratores de acordo como as medidas e
atividades cabíveis de acordo com cada delito cometido, pode-se destacar um guia das medidas
socioeducativas, que de acordo com Mothé (2002 como citado em Silva, 2019, p. 32), se faz
necessário um plano individual ao atender a esses socioeducandos, sem deixar de lado a política
de ação e renda e dos benefícios para que esse sujeito e para toda a comunidade.
A Arte em meio educativo, tem como caráter representar situações de sofrimento do
indivíduo, pelo o qual, visa desenvolver no adolescente em cumprimento da medida a
sensibilidade, imaginação, equilíbrio, autodisciplina e suas limitações, reconstruindo a si
mesma, buscando a reflexão tanto para quem está realizando quanto para quem está
contemplando (Cunha, Ruaro & Assini, 2018). A arte, neste aspecto, possibilita formas de
integração social, reconstruindo projetos de vida, auxiliando no desenvolvimento do
adolescente. Deste modo, visa fortalecer o desenvolvimento da autoestima e criatividade, visto
que à arte pode ser um dos mecanismos de socialização (Maia & Bertazzo, 2014).
No contexto observado, foi possível conhecer diversas formas de arte e estímulo à
expressão artística, por exemplo, a pintura, aulas de violão, desenhos, dentre outras atividades.
Atividades estas que objetivaram espaços de protagonismo, cultura e autonomia aos
adolescentes da unidade, ampliando à autoestima. Quando um adolescente estar em
cumprimento de uma medida socioeducativa e tem a oportunidade de se expressar através do
universo artístico, ele desenvolve a capacidade de deixar fluir a criatividade, tornando-se
proprietário de uma ferramenta que dá a oportunidade de pensar e se ver como pessoa. (Maia
& Bertazzo, 2014).
Conseguimos participar de alguns momentos em que os socioeducandos produziram
artes em várias expressões. Em um dos encontros, participamos junto aos adolescentes na
pintura e confecção dos materiais para ornamentação da instituição. Neste momento,
percebemos motivação, alegria, diversão entre todos, bem como envolvimento na atividade.
Em outro momento, participamos da aula de música e violão, em que, os adolescentes
conseguem desenvolver habilidades musicais. Em outro, participamos da atividade de Muay-
Thai, houve muita diversão, risadas, e, uma breve fala sobre a disciplina e respeito que devem
existir nas lutas. Diante disso, notamos a importância de desenvolver com os socioeducandos
atividades que sejam produtivas, e que, os adolescentes as realizem de forma espontânea.
Também, tivemos o privilégio de participar de uma exposição das produções em tela dos
socioeducandos e a testemunhamos a presença de dois socioeducandos recebendo os méritos e
reconhecimento de suas obras pelo público que conferiu a exposição como parte do II Simpósio
Regional de Saúde Mental dos Sertões de Crateús, realizado na Faculdade Princesa do Oeste
(FPO) em junho de 2019.
Por meio do contato com essas produções, o adolescente em medidas socioeducativas
exercita suas capacidades sensitivas, cognitivas, imaginárias e afetivas, que se organizam em
torno da aprendizagem estética e artística. Em um mesmo intervalo de tempo, seu corpo se
movimenta, olhos e mãos adquirem habilidades, enquanto desenvolvem atividades em que
relações interpessoais atravessam a convivência social o todo momento. (Maia & Bertazzo,
2014).
Estas estratégias que buscam promover a autonomia, liberdade, criatividade, bem como
79
a força de expressão de cada adolescente, o que está pautado no Art.124 do ECA, o qual
estabelece o direito dos adolescentes a ter acesso a cultura, lazer, e, até mesmo ao ensino
profissionalizante (Cunha, Ruaro & Assini, 2018). A arte, que não tem caráter julgador e
discriminatório, possibilitando aos adolescentes expressar seus sonhos, objetivos, liberdade de
expressão, proporcionando a sua construção humana e também social.
Esses adolescentes em medidas socioeducativas, ao terem contato mais direto com a
arte, podem trabalhar suas percepções, desenvolver sua capacidade crítica, se permitir analisar
a realidade percebida e, assim, ampliar a criatividade que até então não tinha a oportunidade de
aflorar. A arte possibilita para eles alternativas que estejam dispostas a apoiar e dar suporte em
seus recomeços. Por isso, as práticas dentro da medida socioeducativa devem estar intimamente
centradas em ferramentas de reintegração social, com o intuito de recuperar o indivíduo que
está sob custódia do Estado, procurando preparar o adolescente para retorno afetivo de sua em
vida em sociedade (Maia & Bertazzo, 2014).
As observações realizadas para este relato de experiência nos fizeram refletir que
trabalhar no campo das políticas públicas exige das/dos profissionais um conjunto de
habilidades e conhecimentos que ultrapassam o projeto da formação que os cursos de
graduação, em geral, têm oferecido (CREPOP, 2007). Abordando especificamente as políticas
trabalhadas no Semiliberdade, a equipe técnica atua na preparação do adolescente para além
das medidas dentro da instituição. E nesta atuação, a arte é uma forma de estímulo a expressão,
contribuindo para o crescimento desses adolescentes em circunstâncias em que a sua liberdade
é privada e ampliando as formas profícuas de intervenção, com o propósito de haver
possibilidades de mudanças para se reintegrar na sociedade (Maia & Bertazzo, 2014).
4 Conclusão
80
na pintura, desenhos a autonomia e liberdade de expressar, de possibilidades profissionais.
Encontra na arte uma forma de se “refazer” diante aos julgamentos da sociedade.
Para promover a recuperação do sujeito é necessário ofertá-lo uma nova perspectiva
para que o mesmo possa sentir-se acolhido com o intuito de reestruturá-lo integralmente e
socialmente, principalmente o adolescente que se encontra em atrito com a família, sociedade
e até mesmo suas emoções. Um método relevante para alcançar essas possíveis transformações
acontece através da arte, que pode ser expressa de diferentes maneiras como, música, escultura,
artesanato, pintura, danças e entre outras. É preciso que haja maior engajamento para
desenvolver projetos sociais com o intuito de influenciar crianças e adolescentes, os mostrando
o encanto das artes como uma maneira de prevenir a delinquência, evitando que, esses sujeitos
possam se aprofundar na criminalidade, pois ao utilizar da arte podemos levar pessoas além de
suas imaginações e emergir suas criações, expressões e emoções.
A finalidade da utilização da arte é, diante das reproduções discriminatórias e
segregativas, desenvolver a sensibilidade, imaginação, minimizando assim, as barreiras sociais
e os colocando novamente como membro da sociedade. Na maioria das vezes, ao cessar o tempo
de cumprimento da medida, os adolescentes são excluídos, não sendo oferecido nenhuma
oportunidade de trabalho ou crescimento pessoal e profissional. Faz com o sujeito perceba uma
forma de vida diferente. Os avanços são lentos e é necessário ter um olhar crítico e uma escuta
afetiva para que os adolescentes em conflito com a lei possam se reencontrar consigo mesmo,
para conviverem com os demais. (Burlamaque & Ormezzano, 2009)
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EXPERIÊNCIAS COM ADOLESCENTES EM MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS:
82
PISTAS PARA A FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA
1 Introdução
1
A utilização da denominação “adolescentes e jovens a quem se atribui a autoria de ato infracional” sustenta-se
na compreensão de que estar em cumprimento de medida socioeducativa não quer dizer que necessariamente o
jovem/adolescente cometeu algum ato infracional. Além disso, não cabe a este trabalho investigar se os
participantes cometeram ou não algum ato infracional, nem condená-los ou naturalizar a condição de “jovens
infratores” atribuída a eles (Cavalcante, 2020).
assim, práticas restauradoras que controlam as vidas das crianças e adolescentes. Em suma, o
83
problema social é localizado no sujeito, eximindo a responsabilidade estatal e social, além de
reiterar práticas culturais entremeadas pela lógica neocolonialista, ou seja, racista, generificada
e classista (Cavalcante, 2020). Mais uma vez, reitera, assim, a produção ficcional do
“adolescente infrator”, corporificado na categoria abjeta “envolvido” e aniquilado pela
necropolítica (Barros et al., 2019; Barros, 2019).
Nesse contexto, em que se urge a importância de refletir acerca dos direitos humanos e
das estratégias de enfrentamento à violência brasileira para delinear uma proposta de
socioeducação, assim como também de uma psicologia que atue de forma não hegemônica
nessa área, o projeto de extensão “Histórias Desmedidas” surge em 2016 com o intuito de
desnaturalizar processos pautados em um ideário que tolera e reforça a aniquilação de sujeitos
naturalizados como periculosos, o que, por sua vez, tem resultado em violações históricas de
direitos sociais, vivências de violências e assujeitamentos juvenis. Vinculado ao VIESES:
Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação, ligado ao
Departamento de Psicologia e ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Ceará (UFC), o projeto atua, em uma das suas frentes, na construção de espaços de
problematização com adolescentes/jovens em Fortaleza-CE que estão em cumprimento de
medida socioeducativa acerca de suas trajetórias e perspectivas de vida.
Nesse sentido, o presente trabalho se norteia em dois questionamentos, a saber: a. Que
pistas as experiências do Histórias Desmedidas nos fornece para pensar os desafios e as
possibilidades da atuação da psicologia no campo dos Direitos Humanos, especificamente junto
a jovens em cumprimento de medida socioeducativa?; b. Que requisitos para a formação em
psicologia podem ser pensados a partir dos fazeres que a própria psicologia já tem delineado
nesse campo? Para tanto, temos como objetivo desse artigo problematizar pistas para a atuação
e formação em psicologia em sua atuação com jovens e no campo de direitos humanos. Essa
reflexão terá como ponto de partida cenas das atividades grupais com jovens durante a atuação
do Histórias Desmedidas nos anos de 2018 e 2019, destacando suas contribuições para a
formação e atuação da Psicologia no âmbito das políticas públicas, sobretudo as práticas com
jovens e adolescentes em medidas socioeducativas, evidenciando suas apostas ético-estético-
político nesse campo. Do ponto de vista teórico, norteamos-nos a partir de autores e autoras da
Psicologia Social em seus diálogos transdisciplinares com o teóricos pós-estruturalistas, críticos
à colonialidade e aportes feministas.
2 Método
84
Social (CREAS) da Regional V.
Em 2019, entre setembro e dezembro, foram realizados 14 encontros com frequência
semanal no mesmo CREAS do ano anterior. Neste outro grupo, participaram jovens e
adolescentes que estavam em cumprimento de LA, familiares desses jovens, profissionais da
rede de assistência social e egressos do sistema socioeducativo cearense. Dos 14 encontros, 12
foram destinados a realização de oficinas temáticas, 1 para abertura e a 1 para o encerramento
do grupo. No total, participaram 9 adolescentes entre 15 e 17 anos (8 do gênero masculino e 1
do gênero feminino2), 5 familiares (3 mães, 1 irmão e 1 irmã) e 6 profissionais do CREAS.
Apesar das atividades grupais terem sido pensadas inicialmente somente para os
adolescentes, ao observarmos a presença de acompanhantes desses jovens, ampliamos as
atividades a esse público. Durante a construção dos grupos, nos dois anos, atuamos em parceria
com o projeto de extensão “Traficando Saberes”, ligado ao Laboratório de Estudos da Violência
(LEV) e ao Departamento de Ciências Sociais da UFC. Dessa forma, pactuamos a realização
conjunta das oficinas, visando possibilitar uma atuação interdisciplinar. Estabelecemos a
parceria também com a Organização Não Governamental (ONG) Visão Mundial em 2018 e
2019 e com o Centro Cultural Bom Jardim em 2019, os quais colaboraram a partir de um apoio
logístico que possibilitou o transporte para as oficinas externas e a compra de lanches. Além
disso, em 2019, contamos com a parceira de coletivos juvenis periféricos, o Natora e o DeRocha
Audiovisual. A parceria com a equipe de profissionais do CREAS também foi essencial, pois,
além de participarem de algumas oficinas, os profissionais ajudaram na mobilização dos
adolescentes e cederam um espaço físico na instituição para o grupo.
A definição dos temas das oficinas ocorreu processualmente no decorrer dos grupos, a
partir do diálogo entre equipe extensionista, parceiros e os interesses dos adolescentes, jovens
e familiares participantes do grupo. Formulamos nossas discussões a partir de filmes, músicas
e poesias, e, também, pela produção de fanzines, colagens, raps, vídeos e graffitis. No caso das
oficinas de vídeo, graffiti e rap, foram convidados artistas das periferias para facilitarem junto
a equipe de extensionista tais encontros. As oficinas se dividiram entre oficinas internas e
externas ao ambiente do CREAS, sendo as externas constituídas por momentos de visitas a
espaços culturais potentes quanto à produção de arte e vida, como a visita à exposição “Nomes”3
e a participação no videoclipe da música “Vaticínio”, da dupla de rap Subconsciente em Pauta,
em 2019.
As ferramentas metodológicas utilizadas nas oficinas buscaram priorizar diálogos e
troca de saberes entre todos participantes do grupo, e lançavam mão, para tanto, de dispositivos
artísticos. Nesse sentido, privilegiamos uma atuação que possibilitava a todos os sujeitos a sua
inserção no jogo discursivo como também construtores de saberes sobre si e sobre o mundo,
visando à quebra da lógica de caráter hierárquico e verticalizado "que aponta para o exercício
2
Ao longo do texto continuaremos nos referindo ao masculino por se tratar da maioria que compunham o grupo,
mas ressaltamos que não temos o intuito de apagar a participação ou silenciar as vozes femininas.
3
Organizada pelo Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará e pelo grupo Mães do Curió, a exposição
“Nomes” reuniu memórias, fotos e vídeos que tentaram contar um pouco das trajetórias dos jovens e adolescentes
assassinados na Chacina do Curió em 2015. Nessa Chacina, 11 pessoas foram mortas, constituindo-se, até 2018,
como a maior chacina do Ceará. As investigações indicaram que os policiais militares acusados de envolvimento
na chacina agiram por vingança pela morte do policial Valtemberg Serpa, que foi assassinado durante uma tentativa
de assalto no Bairro Lagoa Redonda.
de um poder de intervenção/submissão do outro ao saber psi." (Silva & Carvalhaes, 2016, p.
85
252).
Os momentos das oficinas foram registrados por meio de diários de bordo (Barros &
Passos, 2015). Nossos grupos se orientaram por um viés próximo ao que Barros (1997),
utilizando-se de uma leitura deleuziana de Foucault, coloca de que grupos podem se constituir
como dispositivo4. O dispositivo-grupo, entendido por Barros (1997) como uma ferramenta de
intervenção que pode atuar no coletivo de forças presente na produção de subjetividades, tem
o potencial de, além de gerar tensionamentos, possibilitar, por meio de rupturas e de produção
de novos agenciamentos, outros modos de se relacionar com tal realidade. Dessa maneira, o
dispositivo-grupo (Barros, Silva, & Gomes, 2020) atua na promoção de agenciar nos
participantes do grupo a produção micropolítica de processos de singularização, os quais, por
meio de movimentos de criação e de recusa às serializações que constituem a subjetividade
capitalística, ensejariam a invenção de novos “territórios existenciais” (Guattari, & Rolnik,
2005).
3 Resultados e Discussão
A partir das experiências das atividades grupais, de modo geral, foi possível refletir
sobre alguns requisitos e/ou pistas para a formação em psicologia no atual contexto cearense,
sobretudo a partir de alguns relatos trazidos pelos jovens nas oficinas temáticas, tais como:
vivências de restrição de circulação pela cidade, conflitos territoriais, violações de direitos,
racismo e violência institucional durante abordagens policiais e a sensação de iminência de
morte.
Os números de homicídios dos segmentos juvenis moradores da periferia de Fortaleza
têm crescido nos últimos anos (Ceará, 2019), sendo os jovens negros as principais vítimas. Um
dos jovens do grupo de 2018 expressou uma vez para se referir ao que era ser jovem no bairro
dele: “Quase ninguém passa dos 18. Você não vê mais ninguém ficando velho, idoso”.
Considerando esta fala e outras as narrativas compartilhadas nas oficinas, apontamos como uma
primeira pista à psicologia que pretende atuar nesse contexto: problematizar o racismo
estrutural que atravessa as trajetórias de vida de adolescentes que residem em bairros pobres
enquadrados como possíveis suspeitos por sua cor de pele, fato este que afeta também a saúde
mental desses jovens por passarem por situações constrangedoras, desumanas ou por terem a
possibilidade da morte como algo iminente por serem o perfil que mais morre.
Outra situação compartilhada pelos participantes do grupo foram as vivências com
violência institucional devido aos estereótipos de envolvido (Barros, 2019). Um dos jovens do
grupo de 2018 compartilhou: “Não deixaram eu me matricular numa escola porque eu tenho
tatuagem e porque já fui preso. Eles falaram que eu era má influência”. Além disso, vivências
envolvendo mais especificamente violência policial também surgiram nos grupos tanto de 2018
como de 2019: “A gente tenta conversar de boas com eles (policiais), mas eles já vão levantando
a voz pra cima da gente”; “Se o pessoal desses condomínio (da área nobre da cidade) passasse
um tempinho na favela, iam pedir penico, não iam aguentar”. Essa lógica criminalizante e de
4
Segundo Deleuze (1990), dispositivo é uma espécie de novelo composto por linhas de natureza diferentes e que
não se limitam ou se homogeneizam. Eles têm por componentes as linhas de enunciação, de visibilidade, de força,
de subjetivação, de fissura e de fractura que se entrecruzam e se misturam. Podem estar divididas em dois grupos,
sendo elas: linhas de sedimentação e linhas de estratificação.
culpabilização desses jovens atualizam dispositivos da periculosidade que produzem a figura
86
do sujeito infrator (Coimbra, 2001), regionalmente falando, o "envolvido" (Barros, 2019).
Tais vivências nos apontam mais duas pistas: 1. pensar a produção de subjetividades de
modo que não recaia num prisma individualizante, considerando as práticas institucionais em
seus efeitos de saber-poder-Subjetivação; 2. escutar essas histórias naquilo que as conectam e
as singularizam a outras histórias e ao plano coletivo de forças em seus contextos socioculturais
se constitui.
Além disso, segundo os jovens e familiares, as abordagens policiais, por exemplo,
tornavam-se ainda mais ostensivas quando se descobria que era atribuído ao jovem o
cometimento de algum ato infracional. Segue mais um relato: “Vocês precisam tomar cuidado,
eles só querem alguém para culpar por estarem queimando os ônibus.”, enfatizou o irmão mais
velho de um jovem que cumpria medida durante uma das oficinas de 2019. Ele se referia aos
ataques à equipamentos públicos que ocorria naquele período5. Nesse caso em específico, os
policiais quiseram invadir a casa da família sem mandado judicial e levar o jovem para a
Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) alegando que receberam uma denúncia anônima
de que ele participou de um ataque à ônibus, mas, a descrição que os policiais tinham não batia
com a aparência do adolescente. O que prevaleceu nessa abordagem, além da ostensividade, foi
o fato de o jovem já ter passado por medidas socioeducativas em seu passado e por isso
encarnava a figura do sujeito periculoso como apontado por Coimbra (2001) acerca da noção
de “mito da classes perigosas” e pelos autores Barbosa e Bicalho (2016) sobre a incriminação
e a “subjetividade do criminoso”.
Em suma, o cumprimento de medida socioeducativa, combinado com as questões de
raça, gênero masculino e território, tem funcionado como um agenciamento de marcadores em
jovens que encarnam a figura do “envolvido”, e, por isso, suas vidas estão em maior suspensão.
Esse aviso dado pelo irmão do jovem aos demais enfatizava o fato de que, após cumprirem uma
medida socioeducativa, esses adolescentes estariam marcados, e que, em casos como aquele em
que a população clama pela punição dos culpados, a polícia poderia se utilizar de artifícios para
prender alguém, não importando se de fato essa pessoa é ou não culpado, mas se encarna a
figura deste, como seria o caso de adolescentes com o rótulo de “em conflito com a lei”,
“menor”, “delinquente” e “infrator” (Scisleski et al., 2017). Diante disso, temos mais uma pista:
não se render aos processos mecânicos envoltos do enquadramento de apto ou não apto para o
convívio social ou que reforce estereótipos raciais e de classe, os quais, muitas vezes, são ações
cobradas no fazer da psicologia. Ao contrário, deve ser uma psicologia preocupada com as
violações e violências a que esses jovens estão sujeitos. Um cuidado para além de demandas
jurídicas, mas implicada com a vida dos jovens e com seus processos subjetivos.
Em uma das oficinas de 2019, um dos adolescentes, diante de uma imagem de
abordagem policial truculenta, disse: “Isso aqui todos sofremos. É humilhante. Não importa a
roupa que a gente tá, eles param a gente na parada. Eu com a roupa do trabalho, eles mandam
colocar a mão na cabeça. Eles humilham, batem”. Essa cena explana a intersecção de
marcadores sociais (raça, classe, gênero, território e geração) na produção das subjetividades
juvenis e na figura do “envolvido” (Barros, 2019). Esta é mais uma pista que trazemos a partir
das experiências grupais: é necessária uma leitura crítica da realidade sócio-histórica e cultural
5
A partir do pronunciamento do novo secretário do governo do estado responsável pelo o sistema penitenciário
que não reconhecia a existência de facções, em diferentes lugares do Ceará ocorreram incêndios e ataques aos
prédios públicos, privados e aos ônibus em resposta às mudanças que estavam acontecendo nos presídios e devido
à punitividade das novas regras impostas pelo secretário, inclusive houveram muitos relatos de torturas (Nunes,
2020).
e que influencia os modos de subjetividades punitivo-penais6, entendendo essa experiência de
87
sofrimento psicossocial decorrente das desigualdades, estigmatização e violências que lhe são
correlatas.
Em muitos encontros, a dificuldade de circulação e uma certa “prisão à céu aberto”
foram colocadas pelos participantes como algo que assola suas trajetórias de vida, dessa forma,
às regras impostas por facções ampliaram o confinamento socioespacial que esses jovens já
vivenciavam nas periferias de Fortaleza (Paiva, 2019). Um dos jovens no grupo de 2018 disse:
“Não dá pra ir pra festas fora do seu lugar, do seu espaço. Se você for, eles matam. A gente não
pode nem mais se divertir”. Além disso, durante as oficinas externas de 2019, era preciso que
a equipe de extensionistas pensasse muito bem nas rotas que todo o grupo iria seguir, de modo
a não expor os jovens e a equipe a situações perigosas. Os meninos estavam sempre atentos às
paredes da cidade, onde costumeiramente se tem as marcações dos territórios dominados pelas
organizações criminosas, e, quando preciso, os adolescentes nos pediam que mudássemos a
rota. Diante disso, o medo presente no cotidiano de jovens inseridos em periferias marcadas
pelo acirramento de disputas territoriais e violências letais (Barros, Benício, & Bicalho, 2019)
aponta-nos mais uma pista: compreender o medo como um operador político e psicossocial na
constituição de subjetividades juvenis.
Considerando ainda a cena anterior ligada às oficinas externas realizadas em 2019,
temos uma outra pista: propor dispositivos de intervenção a partir da inserção e familiarização
com o território (existencial) em que ele se dará. É sobretudo, conhecer o território existencial
desses jovens e suas formas de resistir às maquinarias necropolíticas estatais e faccionais. Além
de não partir de uma compreensão naturalizada, contextualizada, normalizada e elitizada do que
é ser jovem, sob pena de que nossa intervenção sucumba a linhas homogeneizantes, típicas da
subjetividade colonial capitalística, que por sua vez obstruem processos de singularização.
Os jovens que integram as oficinas estão em meio a um fogo cruzado e a tentativas de
sobrevivências às maquinarias de aniquilação de suas trajetórias. Esses sujeitos têm suas
histórias distorcidas pelas mídias que contribuem para a volúpia punitiva e pelo militarismo da
polícia e da política (Barros, 2019). Contudo, não são sujeitos passivos, esses jovens produzem
insurgências-resistências, como, por exemplo, os coletivos juvenis que se juntam em prol da
luta antirracista e contra o extermínio da juventude pobre e negra (Cavalcante, 2020). Ou até
mesmo pela insistência em existir mesmo fazendo parte do perfil que mais morre no Brasil.
Jovens participantes desses coletivos nos ajudaram na construção das oficinas, e, ao dialogarem
com os adolescentes, traçavam, por meio do compartilhamento de suas trajetórias, “formas de
fugir da violência”, como definido por um deles em uma das oficinas de 2019.
Isso nos leva a outra pista: cartografar micropolíticas de resistências juvenis nesses
contextos e potencializá-las. Segundo Vicentim (2011), esses sujeitos estão no limiar do
paradigma vida-morte e por isso forjam um modo peculiar de existência denominada de hiper-
realista. Em suas palavras, o que denominamos de re-existência “trata-se de uma situação-limite
ou extrema, quando a necessidade de estabelecer um novo sistema de valores, de atitudes e de
forma de vida é vital, e dessa capacidade resultará o êxito em salvaguardar a própria vida e a
de outros” (Vicentim, 2011, p. 102).
Diante dessa complexidade que os jovens nos apresentaram, essa realidade provoca à
Psicologia a reinventar-se não somente como profissão, mas como saber e prisma científico
6
Esse conceito refere-se aos discursos que produzem subjetividades que anseiam mais punição em nome de uma
suposta segurança social e que determinados sujeitos são constituídos como perigosos e devem ser combatidos
(Coimbra & Scheinvar, 2012).
ampliado, crítico e ético-político. A partir da compreensão de que a Psicologia se constitui como
88
um campo em movimento, entendemos que, por meio de suas ambivalências e paradoxos, há
potência de emersão de novos fazeres e saberes nas atuações das(os) psicólogas(os) (Silva, &
Carvalhaes, 2016). Assim, a inserção em campos como no CREAS e com jovens a quem se
atribui o cometimento de ato infracional, apontam para a potencialidade de reinvenção da
psicologia, sobretudo em políticas públicas por meio de algumas pistas que não se limitam às
que apresentamos.
Tais experiências convocam a psicologia a discutir, e a repensar, sobre temas como:
racismo e seus aspectos subjetivos e estruturais; o cotidiano nas periferias e a realidade
socioeconômica em que ela se encontra; concepções de juventude e a desnaturalização da noção
desenvolvimentista em sua essência, em que correntes da psicologia ainda trabalham; os efeitos
da noção de “sujeito infrator” pelo próprio saber “psi”; aspectos psicossociais da violência,
modos de subjetivação juvenis em contextos bélicos, tanto em suas especificidades como sua
relação com outros modos de subjetivação juvenil; a própria implicação e efeitos de
subjetivação das políticas públicas que chegam a esses jovens, dentre outros; problematizar os
atravessamentos da violência urbana nas trajetórias de vida dos jovens e seus modos de
subjetivação perpassados pela segregação socioespacial, pela sujeição criminal e pelo
enquadramento em vidas inteligíveis e não passíveis de luto (Butler, 2016). Portanto, a
psicologia não deve se isentar diante da realidade que produz sujeitos matáveis a partir do que
se entende por humano eurocentrizado (Lugones, 2014), mas combater essa racionalidade.
Tomando por base os apontamentos de Martín-Baró (2009), ao refletir sobre os desafios
postos a Psicologia latino-americana, o que é preciso, o desafio posto a nós, não é sobre tornar
a Psicologia socialmente relevante, mas de orientar a sua influência social de modo a construir
um atendimento às camadas populares. Para além de uma Psicologia que esteja junto a essas
populações, é preciso que a nossa atuação seja pautada em uma Psicologia política (Martín-
Baró, 2009), a qual considere todo o jogo de forças e poder envoltos nas relações e nos modos
de subjetivação presentes nesses territórios, contribuindo para a construção de um fazer que
privilegie, e potencialize, os modos de ser, pensar e existir das populações periféricas (Silva, &
Carvalhaes, 2016).
4 Considerações Finais
89
marcadores sociais e identitários que precarizam ainda mais determinadas populações (Sousa,
Nunes, & Barros, 2020). Construído de forma coletiva, as atividades grupais potencializam
práticas de re-existências e possibilitam a construção de novos territórios existenciais para quem
participa do grupo, sejam os jovens, seus familiares, profissionais, alunos e alunas.
Portanto, a extensão universitária ainda na formação acadêmica, é entendida por nós
como um dispositivo potencializador para uma psicologia implicada e mais criativa diante das
transformações sociais. Dessa forma, as experiências apontam para uma formação em
psicologia implicada com os direitos humanos, por políticas públicas não militarizadas, e por
uma descolonização do saber e de práticas psicológicas, bem como a pauta dos modos de habitar
cidade, práticas de resistências e de que maneira a psicologia pode potencializar essas re-
existências. Além de problematizar os efeitos psicossociais das violências nos próprios modos
de subjetivação das juventudes e problematizar a relação entre territorialidades e subjetividades.
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O IMPACTO DO SISTEMA CAPITALISTA SOB O OLHAR DA HISTORICIDADE
92
DA ATRAÇÃO CULTURAL BOI NOVO FAZENDINHA
1 Introdução
Dessa forma, a manifestação cultural bumba meu boi denominado Boi Novo Fazendinha
foi elegida para ter o devido aprofundamento em sua historicidade, por fazer parte da identidade
coletiva da comunidade Fazendinha, do bairro de Ilha Grande de Santa Isabel, localizado na
cidade de Parnaíba, Piauí.
Ressalta-se a seleção deste recorte de território com base na história bastante conhecida
e propagada do Boi Novo Fazendinha, cujos títulos acumulados somam-se um total de seis no
festival de festa junina São João da Parnaíba. Segundo relatos de alguns dos componentes, como
de Acrísio, um dos presidentes, essa manifestação mobilizou praticamente toda comunidade
Fazendinha no sentido de apoio, tanto na participação ativa da população nos ensaios,
confecção de indumentárias, quanto no acompanhamento das apresentações.
O Boi Novo Fazendinha surgiu em 2004, como forma de resgate ao inativo Boi da
Fazendinha, este último também fazia parte da referida comunidade. De acordo com o senhor
João Rodrigues (um dos idealizadores e fundador do Boi Novo Fazendinha), seu começo foi
difícil, mas todos se envolveram e empenharam-se, ensaiando no terreiro e até mesmo no meio
da rua, além de todos os envolvidos ajudarem na compra e elaboração das vestimentas.
Conforme o Boi ganhava força e crescia, os investimentos empregados na construção
aumentavam e a comunidade passou a não conseguir mais arcar com as despesas, passando a
depender dos incentivos da prefeitura da cidade de Parnaíba para conseguir levar a apresentação
93
para as competições, que tinham uma premiação que também ajudavam nos custos.
Contudo, em decorrência do tempo e das mudanças de gestão da cidade, os incentivos
ficavam cada vez menores, as premiações começaram a ser pagas em parcelas e a junção desses
fatores fez com que o Boi Novo Fazendinha fosse desativado no ano de 2017.
Na dualidade território e repertório cultural, faz-se necessário atentar para a preservação
da identidade coletiva, a visão de mundo e o sentimento de pertencimento, a fim de criar e
fortalecer os laços afetivos e coletivos entre seus membros para ampliar e intensificar as formas
de expressão e resistência (CRP 6ª Região, 2010). Nesse sentido, o campo da Psicologia exerce
contribuição relevante junto às populações tradicionais, pois possibilita uma compreensão de
sua constituição e subjetividade, já que se propõe a uma inserção, convívio e
interdisciplinaridade, promovendo ações que visem ainda mais a integração do povo e das
políticas públicas, fortalecendo vínculo, criando e/ou devolvendo a autonomia, proporcionando
o bem-estar psíquico e qualidade de vida (Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região – CRP
6ª Região, 2010). Contudo, é perceptível a ausência de um maior direcionamento da Psicologia
para atenção às populações tradicionais refletida por uma escassez de literatura relacionada a
estudos e intervenções (Carvalho & Macedo, 2010).
Portanto, surge a necessidade de investigar essa tradicional atividade cultural, bem como
sua inativação e o impacto gerado, uma vez que é bem cultural coletivo que muito contribuía
para o bem-estar dos moradores da região e da cidade e, principalmente, consistia num
instrumento de coesão da comunidade. Contudo, é notório a influência da falta de capital em
sua desativação, e que cada vez mais os desejos cultivados dentro dos limites de pequenos
grupos ou de pequenas comunidades estão se perdendo por falta de interesses e investimentos
públicos e empresariais. Essa fala pode ser confirmada por Waldenyr Caldas (2018), professor
de Cultura Brasileira na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo
(USP, que o que vivemos atualmente, não é um ataque do governo aos meios culturais, mas que
existe sim uma estimulação ao não incentivo financeiro aos meios culturais.
2 Método
94
visitas de campo, foram realizadas entrevistas semiestruturadas e abertas.
A entrevista é definida por Haguette (1997) como uma forma de interação social, uma
vez que há as pessoas envolvidas - pesquisador e entrevistados - na busca por informações. A
entrevista aberta é utilizada quando o pesquisador deseja obter o maior número possível de
informações sobre determinado tema, segundo a visão do entrevistado, e também para obter um
maior detalhamento do assunto em questão. Ela é utilizada geralmente na descrição de casos
individuais, na compreensão de especificidades culturais para determinados grupos e para
comparabilidade de diversos casos (Minayo, 1993).
Dessa forma, foram entrevistadas seis pessoas, fundadores e principais brincantes. Os
relatos foram gravados em vídeo para que pudesse ser produzido um documentário audiovisual
que tinha como principal objetivo também o resgate histórico da brincadeira do Boi Novo
Fazendinha. Para tanto, foi utilizado, ainda, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
para obter autorização dos envolvidos na produção do documentário.
Após a produção audiovisual, no espaço onde aconteciam os ensaios do boi, foi
realizado um outro momento junto com a comunidade. Esse momento consistiu em quatro
etapas: breve relato de como surgiu a dança do Bumba meu boi, tendo principal foco o boi do
Piauí; roda de conversa com a comunidade, para que expressassem seus sentimentos frente a
desativação do boi e também para eles relatarem como a dinâmica da comunidade mudou após
o boi ser desativado; apresentação do documentário, que teve duração de 19 minutos; e
apresentação do Boi Novo Fazendinha, com alguns de seus componentes.
3 Resultados e Discussões
95
e o executor um ser social.
A comunidade, assim como a identidade participa do processo de formação do indivíduo
desde o início da vida. É no seio familiar onde às primeiras necessidades são replicadas, como,
por exemplo, as necessidades físicas e emocionais. Com o passar do tempo, o indivíduo se
insere em outros grupos, em outras comunidades, conforme vai formando seus interesses. A
participação em grupos comunitários faz com que os indivíduos assimilem valores
compartilhados que, sozinhos, possivelmente não conseguissem assimilar e se apropriar.
Alguns valores são desenvolvidos somente com a convivência comunitária, como o orgulho,
altruísmo ou ambição (Coelho, 2006).
O grupo Bumba Meu Boi Novo Fazendinha possui um território delimitado, no qual foi
criado e sustentado, além de carregar em sua própria denominação a ideia de pertencimento
social, isto é, à comunidade em que está inserido: Fazendinha, perceptível através do fato de
reproduzir o nome original da comunidade ao qual pertence. Dessa forma, ocupa uma dimensão
social relevante para seus brincantes, uma vez que se trata de uma produção cultural em que
todos participam e constitui-se veículo de relações sociais, sendo que para alguns é uma
atividade de distração e lazer, em que os laços são preestabelecidos e significantemente
construídos.
Somado a isso, o grupo responsável pelo boi pertence à mesma família, e os demais
brincantes são todos integrantes da comunidade, aumentando, assim, o grau de pertencimento
e de vínculo social, mais especificamente, comunitário. Ciampa (1988) atribui um caráter
estável e ao mesmo tempo processual, visto que umas das primeiras instituições a que
pertencemos é a família, onde recebe-se um nome, que constituirá parte de sua identidade, bem
como o fato de ser filho de alguém e morar em determinado lugar. Essas relações grupais
servem como base para uma identidade: a forma que nos relacionamos, personalidade, fala. Ao
mesmo tempo que nos caracteriza, faz o indivíduo sentir-se pertencente de um lugar, no qual
começa um processo de ressignificação do espaço.
A manifestação cultural Boi Novo Fazendinha reflete, dentre outros, a união e o
encontro comum entre os integrantes da comunidade, no qual há não somente o
compartilhamento de significados, mas, também, sua construção. O sr. João Rodrigues, um dos
fundadores e brincantes do Boi, relata que “o amor por esta brincadeira já faz parte de seu
sangue e que contagiou todos de sua família”. Aline, uma das responsáveis, menciona que “está
em suas veias’. De fato, é perceptível como a brincadeira permeia tão fortemente a vida dessas
pessoas seja pelo juízo de valor, seja pela dedicação, seja pela dor em não está mais ativa,
refletindo possivelmente não uma herança genética, mas, certamente, cultural.
Félix Guattari e Suely Rolnik, em sua obra (2010), divide a cultura em três diferentes
sentidos, as quais são: Cultura - Valor, Cultura - Alma Coletiva e Cultura - Mercadoria. O termo
Cultura - Valor diz respeito ao julgamento de valores, de quem possui ou não cultura. A segunda
cultura fala sobre todos terem uma cultura, uma identidade própria para ser reclamada. Já a
terceira é dita como todos bens, sejam equipamentos, pessoas que utilizam esses equipamentos,
todas as teorias e referências que sirvam para produzir filmes, livros que façam parte da
circulação monetária no mercado. Dentre esses três tipos de cultura, a última, Cultura -
Mercadoria, fica a cargo de reproduzir a cultura como apenas mercadorias geradoras de lucros,
não ligando para o processo de Cultura - Alma Coletiva que seria a que cada um possui, o que
vai contribuir para a desconstrução da estrutura de algumas culturas existentes.
Por isso faz-se necessário conhecer como funciona o desenvolvimento das burocracias
do capitalismo para que se tome consciência do que a burguesia é capaz de fazer e que se possa
ser feito a fuga desses meios. Pois, segundo Guattari e Rolnik (2010), só seguindo essa fuga da
96
cultura capitalística que poderá ser concretizada uma produção de subjetividade que seja
interessante para as sociedades ou grupos de diferentes categorias sociais sejam por minorias
raciais, sexuais, culturais ou de qualquer outra ordem possam ter um movimento de
singularidade subjetiva e que não fiquem reféns do poder desse sistema.
Nesse sentido, a ausência ou insuficiência de apoio econômico gera, ainda, uma relação
de dependência, uma reprodução de questões sociopolíticas, em que os interesses e
necessidades do povo são realocados em segundo plano em detrimento de interesses de gestão
que parecem estar pautados na dissolução da cultura e a favor do lucro. A gestão pública (e
empresarial), como detentora do poder capital, quando não investe na manutenção da cultura,
acaba contribuindo para que se perca e, por conseguinte, o povo também se dissolve, pois, a
cultura é constituinte de sua identidade.
A identidade vem sendo discutida no olhar da psicologia como um papel de construção
do homem em seu lugar de existência, do seu ponto de vista e de sua percepção social, além
das dinâmicas ao seu redor. Jacques (1998) explica que os sistemas identificatórios são
subdivididos e a identidade passa a ser qualificada como identidade pessoal (atributos
específicos do indivíduo) e/ou identidade social (atributos que assinalam a pertença a grupos
ou categorias). Esta última ainda recebe predicativos mais específicos como identidade étnica,
religiosa, profissional, etc. Tajfel (1981) conceitua a identidade social como constituinte do
autoconceito e de seu conhecimento e julgamento valorativo e emocional sobre o fato de
pertencer ao grupo social. É o caso de povos que possuem uma relação significativa com sua
terra, em que percebe-se a troca entre indivíduo e lugar. Essa ligação constitui parte da
identidade e, por isso, a importância dos espaços de convivência para seus moradores.
No entanto, a identidade social, mais especificamente, a herança cultural encontra-se
comprometida frente a situação atual de desativação do Boi, como bem lembra o O sr. João
Rodrigues. O sistema capitalista tem responsabilidade substancial sobre essa condição por
induzir bens culturais sob sua perspectiva de mercantilização de bens. O paradoxo de dançar
boi para uma disputa (também um ideal capitalista e da Modernidade) e o corte de verbas tem
produzido efeitos políticos e socioculturais negativos, desencadeando em sua máxima, a
desativação. A contemporaneidade aliada ao Capitalismo, propagam fortemente a padronização
estética, de cunho até higiênico, sobre seus bens de consumo. Nessa perspectiva, o Bumba-
meu-boi, como bem cultural, busca adequar-se para conquistar seu espaço na atualidade,
buscando por inovações que, frequentemente, custam caro para uma cultura tradicional de
comunidade periférica. Por outro lado, o alto padrão exigido impede uma apresentação mais
tradicional.
Além disso, a possível estratégia de que as manifestações poderiam também constituir
um potencial turístico, isto é, ser gerador de renda, a exemplo do bumba meu boi do Maranhão,
principalmente, no período junino, não parece vantajosa ou não encontra-se no planejamento
das últimas gestões administrativas do município.
Dessa forma, o capitalismo vai influenciar diretamente sobre o sofrimento do indivíduo,
pois possui métodos coesivos que obriga espontaneamente a sociedade a viver sob suas regras
(COSTA, 1997, p. 59), ou seja, sem a existência da ação do poder aquisitivo, o capitalismo irá
afetar toda e qualquer forma de manifestação, inclui-se aí a cultura de um povo. De acordo com
Saunders (1991), dor simbólica da morte, dor psíquica e dor espiritual são componentes do
conceito de dor total. O conceito de dor psíquica como o medo do sofrimento e o humor
depressivo representado por tristezas, angústias e culpas frente às perdas, e o conceito de dor
espiritual como medo da morte e do pós–morte, ideias e concepções em relação à
espiritualidade, sentido da vida e da morte e culpas perante Deus, é possível, então, construir
97
uma ideia do que seria esse lugar da morte e o sofrimento na sociedade contemporânea, como
o capitalismo influencia diretamente a cultura e como essa cultura reage (Elias, 1999).
4 Considerações Finais
98
todos.
Ao convidar os vizinhos para presenciar à apresentação do documentário, por exemplo,
foi inevitável não ouvir as declarações de como sentiam muito à ausência do Boi Novo
Fazendinha, em como incentiva as crianças e os jovens que moravam na comunidade, tanto em
cultivar o apreço pela cultura, como também pela educação, pois, em um desses momentos foi
descoberto que uma moradora realizou sua monografia, contando a história da atração cultural
da qual fazia parte de sua história. No quintal do seu sr. João Rodrigues, a história é mais
sentida, pois, é ali onde fica um pequeno quarto, onde se encontra o Boi e alguns poucos restos
de materiais. E também, é onde fica um pequeno espaço onde os brincantes faziam seus ensaios.
A trajetória da historicidade do Boi Novo Fazendinha é muito emocionante e incrivelmente
enriquecedora, sem dúvidas um agente de transformação.
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ALUNOS COTISTAS E A QUESTÃO DA PERMANÊNCIA NA UNIVERSIDADE:
101
UMA REVISÃO DE LITERATURA
1 Introdução
As cotas sociais e raciais surgem como política pública de abrangência nacional a partir
de 2012, por meio da Lei 12.711, conhecida popularmente como Lei das Cotas, com a finalidade
de democratizar o ensino superior público para grupos que ao longo da história foram excluídos
socialmente. Assim sendo, provoca uma mudança no perfil do estudante universitário. Mas
além de discutir a criação desta política de afirmação que permitiu o ingresso no ensino superior
a estudantes oriundos de algumas minorias sociais, é de extrema importância tentar
compreender o que ocorre após esse momento, ou seja, o processo de permanência do cotista
na academia.
Ao longo da história, o Brasil vem sendo exemplo de uma sociedade preconceituosa e
excludente, e isto se mostra com força no campo da educação. Por exemplo, as universidades
públicas durante muitos anos foram lugares acessados apenas por uma minoria privilegiada,
que detinha em suas mãos os poderes e prestígios. Segundo Nierotka e Trevisol (2016) “Os
mais ricos têm usufruído dessa instituição milenar para legitimar a posição social que ocupam
na estrutura social e ampliar o poder que, em geral, já exercem no conjunto das sociedades”.
Esta fala se assemelha muito a de Bourdieu (2014), quando diz que muitas vezes a escola acaba
por se tornar um lugar de continuação das desigualdades já existentes, ou seja, um lugar de
estratificação social.
O quadro acima apenas começa a apresentar sinais de mudança nos últimos 30 anos, por
meio do processo que culminou na promulgação da lei supracitada. Podemos assim citar o caso
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade de Brasília (UnB),
vanguardistas nas cotas sociais e raciais, respectivamente. De acordo com Ladeira e Silva
(2018) em 2003, por intermédio de uma lei estadual, que destinava um determinado número de
vagas para alunos carentes, a UERJ foi precursora na tentativa de democratizar a educação
superior, por intermédio das cotas. Em 2004, foi a vez da Universidade de Brasília (UnB), que
aprovou um sistema de cotas raciais, independente da classe ou escola de origem do estudante.
Mas é apenas em agosto de 2012 que é sancionada a Lei das Cotas pela então Presidente Dilma
Rousseff.
Em 2012 foi aprovada a lei n° 12.711 que regulamenta a política de cotas. A mesma
prevê que sejam destinadas 50% das vagas em universidades públicas federais e institutos
federais de nível técnico para alunos oriundos de escolas públicas, e também reserva vagas para
autodeclarados indígenas, negros, pardos e para deficientes - em proporção ao contingente
populacional desses grupos na unidade federativa onde é instalada a determinada instituição de
102
ensino, segundo o último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Um aspecto importante sobre o tema gira em torno da questão da permanência na
universidade por alunos cotistas. Uma vez que não basta somente possibilitar a entrada no
ensino superior, pois a questão do prosseguimento de alunos cotistas nos cursos tem
importância fundamental para a efetiva atuação das cotas na sociedade brasileira. Em outras
palavras, quando formos discutir a questão das ações afirmativas devemos centrar nossa atenção
em dois polos: acesso e permanência.
Muitos são os argumentos utilizados para tentar deslegitimar ou pôr em discussão e
avaliação as cotas. Dentre eles, podemos citar os mais comuns: com a entrada de cotistas, a
universidade pode perder sua qualidade, devido suas médias serem menores que a dos
estudantes da ampla concorrência para o ingresso nos cursos pretendidos; as cotas raciais seriam
um tipo de descriminação contra as pessoas negras; as cotas ferem o princípio da meritocracia;
a auto declaração, critério para a utilização das cotas raciais, é muito subjetivo; a questão
brasileira é uma educação básica de baixa qualidade, dessa forma as cotas não resolvem
efetivamente o problema.
Já no contexto internacional, a Índia foi a pioneira na criação de ações afirmativas. De
acordo com Jr. e Dalfon (2015), na década 1950, após conquistar sua independência da
Inglaterra, criou a “política de reserva”, com o objetivo de tentar promover uma igualdade de
oportunidades para grupos que, durante toda a história do país, foram historicamente excluídos
das oportunidades. Esta política tinha como objetivo reservar diversos tipos de cotas, dentre
elas para as instituições de ensino superior público do país.
Já em 1960, foi a vez dos Estados Unidos. Em reportagem da UOL de 2010, é relatado
que no período de luta pelos direitos civis, este país passou a aderir às ações afirmativas, com
o intuito de tentar viabilizar uma igualdade entre brancos e negros. Mas, na atualidade, esta
medida não é mais adotada nas escolas. Segundo decisão da Suprema Corte estadunidense, a
raça de uma criança não poderia ser um aspecto que prevalecesse na decisão de onde ela deveria
estudar.
Esta pesquisa partirá de questionamento acerca de quais fatores colaboram na
permanecia de alunos cotistas na universidade, tendo como ponto de partida o fato no qual as
cotas foram instituídas com o objetivo de democratização, ampliação e alcance do ensino
superior para grupos marginalizados socialmente.
2 Desenvolvimento
Trata-se de uma revisão de literatura, onde as buscas foram realizadas em duas bases de
dados, sendo elas Google Acadêmico e SciELO Foram selecionados os textos que mais se
adequassem a temática proposta, utilizando as palavras-chave “cotas”, “permanência na
universidade” e “universidade pública” na busca dessas literaturas. A primeira seleção dos
artigos foi feita pelos títulos, sendo posteriormente selecionados pelos seus respectivos
resumos, excluindo-se aqueles que não tratassem especificamente dos temas supracitados, ou
que não estivessem escritos em língua portuguesa. Foram encontrados setenta e seis textos
mediante as buscas realizadas, sendo que desses, vinte e dois artigos foram utilizados na
realização das análises. A literatura foi discutida com base nos conceitos utilizados como
descritores na busca de literaturas.
103
3 Discussão
A expressão tem origem nos Estados Unidos, local que ainda hoje se constitui como
importante referência no assunto. Nos anos 60, os norte-americanos viviam um
momento de reivindicações democráticas internas, expressas principalmente no
movimento pelos direitos civis, cuja bandeira central era a extensão da igualdade de
oportunidades a todos. (...). É nesse contexto que se desenvolve a ideia de uma ação
afirmativa, exigindo que o Estado, para além de garantir leis antissegregacionistas,
viesse também a assumir uma postura ativa para a melhoria das condições da
população negra.
104
grupos que possuem suas histórias atravessadas por preconceito e precariedade, com a intenção
de possibilitar, mesmo que ainda aconteça de maneira deficiente, a competição mais equitativa,
como na área de empregos e acesso à universidade, para citar exemplos mais comuns, ocorrendo
assim a implantação no presente de medidas significativas e que demonstrem resultados
positivos, até que no futuro não se necessite mais a sua utilização devido a implantação de
outras medidas.
Nas ocasiões em que são comentadas a temática de ações afirmativas no contexto
brasileiro, é inevitável não lembrar das cotas nas universidades brasileiras, como supracitado.
Tal reconhecimento é devido a aprovação da “Lei das Cotas”. Mas, como é sabido, essa é apenas
mais uma das outras tantas aplicações das políticas afirmativas.
Como demonstração, temos algumas medidas implementadas pela Constituição da
República Federativa do Brasil (1988), mais conhecida por “Constituição Cidadã”. Segundo a
mesma em seu Artigo 67, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias é colocada sobre
responsabilidade da União a conclusão das demarcações de terras para indígenas no prazo
máximo de 5 anos, contando a partir da promulgação desta (BRASIL, 1988). Trazemos este
exemplo com o objetivo de expor a sua amplitude, no que tange à diversidade de questões
abrangidas.
As ações afirmativas têm como principal objetivo a inclusão social, combatendo a
estratificação social, em virtude das rotulações negativas e preconceituosas que sofrem
determinados grupos. Mas, para que isso tenha efetivação, Piovesan (2005,) afirma “Faz-se
necessário combinar a proibição da discriminação com políticas compensatórias que acelerem
a igualdade enquanto processo”. Em outras palavras, podemos compreender que, para uma
inserção efetiva, é necessária a atuação por meio de duas frentes: a da criminalização judicial
das diversas formas de preconceito e a instalação de políticas públicas direcionadas às minorias,
fornecendo assim, intervenções mais palpáveis.
Umas das críticas mais frequentes quando o tema é política afirmativa, refere-se à tese
que a mesma fere o princípio da meritocracia. Mas, na verdade, como fala Moehlecke (2002),
“não basta ser membro de um grupo discriminado; é necessário que, além disso, o indivíduo
possua determinadas qualificações”, ou seja, nesta não apenas é levado em consideração o
pertencimento a certo grupo. É necessário que os indivíduos estejam atendendo a determinadas
exigências para o recebimento de benefícios.
Para exemplificar, podemos discutir o caso das cotas utilizado como forma de entrada
nas universidades e institutos federais. Pois, para que uma pessoa possa conseguir tal acesso,
ela precisa realizar a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), e, posteriormente,
realizar sua inscrição no SISU (Sistema Unificado de Seleção), passando a concorrer com
outros estudantes, sendo selecionados os que obtiverem as melhores notas. Assim, entendemos
que o que ocorre não é um afrouxamento no processo de seleção, mas sim um método de
concorrência mais justo, onde as vagas são disputadas por pessoas que tiveram oportunidades
desiguais e, dessa maneira, concorrerão com seus pares, no que toca às condições de vida
semelhantes.
Como já citado, o Brasil, a alguns anos, tenta utilizar-se dos recursos vindos por meio
das ações afirmativas, mesmo que ainda de forma deficitária. “Mas, curiosamente, quando
foram implementados os primeiros programas de ações afirmativas em benefício da população
negra – como foi o caso do programa de cotas raciais (...), houve resistência por parte de vários
segmentos” (Domingues, 2005). Salientando mais uma vez a herança sombria que nos foi
deixada por anos de escravidão que favoreceram a estigmatizarão e inviabilização deste grupo.
Sobre a questão das cotas raciais, não podemos negar a especificidade da história pela
105
consolidação da reserva de vagas para pessoas negras nas IES’s do país. No ano de 2001 ocorreu
a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Descriminação Racial e Intolerância
Correlata, da qual o Brasil participou levando em seu relatório a inclusão da proposta de cotas
raciais para as universidades. Alberti e Pereira (2006) apontam que em decorrência das
consequências advindas deste fato, podemos considerá-lo um marco para o movimento negro,
pois além de uma tentativa para a democratização do ensino superior, houve a criação de
espaços em âmbito nacional para o debate de assuntos, no que refere à temática raça,
potencializando assim a luta pela igualdade dentre os sujeitos, independentemente da cor de sua
pele.
As IES’s por serem públicas, ou seja, pagas por meio dos impostos vindos dos cidadãos,
deveriam apresentar em seu corpo de discentes uma gama vinda dos mais diversos setores da
sociedade brasileira. Infelizmente, não é o que ocorre, permanecendo ainda com o status de um
lugar reservados para os filhos dos mais ricos. Então, como tentativa de atenuar tal situação,
são criadas as cotas. Devido a sua recente utilização, estas ainda são geradoras de diversas
dúvidas e críticas.
Geralmente o assunto das cotas divide opiniões, que podem ser aglutinadas em dois
grupos opostos. Um que considera que a mesma pode prejudicar a qualidade das universidades
públicas, pensamento sintonizado com perspectivas da sociedade dos méritos (Frias, 2013). Já
em outro, se encontram seus defensores que argumentam a favor, por entenderem que estas são
medidas corretivas com o objetivo de inclusão social e transformação da realidade.
Após a aprovação da “Lei das Cotas”, o Brasil passou a fazer parte de um grupo de
países, que possui como uma das medidas para a diminuição das desigualdades dentro do campo
acadêmico, as ações afirmativas, como já falado na introdução. No caso brasileiro, temos
basicamente dois modelos de cotas, que são: cotas sociais e cotas raciais. Sendo que primeira é
destinada a estudantes provenientes de escolas públicas ou bolsistas em escolas privadas. Por
sua vez, as cotas raciais reservam vagas para estudantes negros ou pardos. Ademais, há ainda
para indígenas e pessoas com deficiência física.
Com seu advento, além de realizar seu principal objetivo, que é oportunizar o acesso ao
ensino superior às classes menos favorecidas, as cotas trouxeram outros resultados importantes.
Dentre eles, é de suma relevância falamos sobre a análise crítica e fundamentada que decorre
sobre as suas diferentes singularidades. Conforme Bezerra (2012) “colocar na pauta o debate
sobre a democratização do acesso à universidade brasileira fazendo uma reflexão acerca do
baixo número de jovens menos favorecidos que ascendem ao ensino superior brasileiro”.
A quantidade de críticas direcionadas a essa ação afirmativa é enorme, em grande parte
vinda da mídia de massa. Outra vez temos de voltar a questão da meritocracia, por ser uma das
argumentações mais usuais para justificar o combate ao emprego das cotas nas instituições do
nosso país, principalmente quando estamos falando das raciais, e que pode ser definida “como
um conjunto de valores que postula que as posições dos indivíduos na sociedade devem ser
consequência do mérito de cada um. Ou seja, do reconhecimento público da qualidade das
realizações individuais” (Barbosa, 2003). Como relata Lewgoy (2005)
Tal como o feitiço usado contra o feiticeiro, pode existir o bom racismo, de nobres
finalidades, politicamente correto, reparador de injustiças históricas e provisório em
sua aplicação? De modo algum: usar a racialização oficial para combater o racismo é
mais ou menos como combater um incêndio usando gasolina. É preciso desracializar
com urgência o combate ao racismo e à exclusão social, através de políticas
igualitárias de inclusão, inspiradas no ideário universalista. Esta é, a meu juízo, a
106
perspectiva mais condizente com a boa tradição da antropologia.
Discriminar os negros no mercado de trabalho pelo fato de eles terem estudado graças
às cotas é simplesmente deslocar o eixo do preconceito e da discriminação presentes
na sociedade e que existem sem cotas ou com cotas e isso pode também ser
comprovado por meio de crítica.
Munanga (2003), em seu trabalho, aponta para a diversidade das posições contrarias no
que se refere o caso das cotas raciais. Dentre elas, são destacadas 5 categorias, mas aqui
traremos apenas 3 exemplos. A primeira relata que o Brasil possui em sua história, desde o
período colonial até os dias atuais, vários ciclos de imigração. Assim, resultando em uma
população extremamente miscigenada. Desta forma, a probabilidade de fraudes seria bem
maior, por ser a auto declaração o único critério para o uso desta categoria de cotas. Já a segunda
diz respeito ao questionamento sobre se a entrada de negros e pardos por causa de ações
específicas devido à raça não poderia prejudicar a qualidade do ensino das instituições. E um
último exemplo que apresentamos diz respeito a experiência que ocorreu nos EUA, onde essa
política pública não consegue minimizar efetivamente o preconceito racial. Consideramos que
colocar em pauta estas e outras críticas seja de fundamental importância para realizar melhorias,
repercutindo em seu melhor aproveitamento e não para invalidá-las.
Como uma das principais contribuições ocorridas por meio da adoção de política de
cotas, destaca-se o processo de ascensão social de estudantes negros, deficientes físicos,
proveniente de escolas públicas ou bolsistas integrais e indígenas. Logo, devido à saída de um
quadro de estratificação social, estes sujeitos têm a possibilidades de almejar um futuro melhor
que o vivenciado por seu grupo familiar, pois agora são dadas as mínimas condições de
sonharem com tal objetivo.
Mas além de falar das críticas em relação às cotas, também é importante trazermos para
analise a questão da permanência dos alunos que adentraram ao ensino superior público por
meio de ações afirmativas, no caso cotas, uma vez que o caminho destes, além das dificuldades
comumente enfrentadas por qualquer estudante de graduação, tem em adição outras, como
exemplo questões relativas a raça, a finanças, repercutindo no processo de ingresso e
continuidade na academia (Mayorga e Souza, 2012), de tal forma que se faz necessário
atentarmos para as peculiaridades do processo de permanência no ambiente universitário destes
grupos de alunos.
Como relata Rosa (2014) “Assim, por mais que o ato de evasão seja uma decisão
individual do aluno, é preciso ater-se para as situações efetivas que fazem com que o aluno
permaneça ou abandone a educação formal”. Assim, quando ocorre a situação da evasão
107
acadêmica, não devemos encará-la como algo do âmbito exclusivo daquele sujeito, muitas
podem ser as desencadeadoras do abandono. Logo, identificar tais circunstâncias parece ser
uma ótima alternativa para a proposição de mecanismos para enfrentamento da evasão.
Acreditamos que, para a criação de programas de estímulo à permanência na
universidade é necessário entendermos que cada estudante tem em si uma história singular,
carregada de diversos tipos de experiências. Assim, quando trazemos isso para o âmbito dos
cotistas, esta sensibilidade precisa ser ainda mais evidenciada, visto que as cotas congregam
um número grande de sujeitos vindo em sua maioria de minorias sociais que tiveram sua
vivência perpassada por diversas privações. Como relata Bittar, Cordeiro e Almeida (2007)
No processo de interação social a que todo ser humano é submetido, o estigma a ele
atribuído (caso dos negros e indígenas) serve de parâmetro para a inferência de outras
características indesejáveis e passa a reger a relação social, dificultando ou até
impedindo a mobilidade social do indivíduo.
Além disso, não deve se restringir a uma ação assistencialista – deve possibilitar o
debate público e a politização dessa experiência, para que a política de permanência
não se transforme em um paliativo das desigualdades, mas em algo que de fato
envolva toda a comunidade acadêmica, possibilitando que ela se implique nessa
transformação.
4 Conclusão
Em suma, após essa explanação, fica evidente que o tema das ações afirmativas,
especificamente das cotas, ainda necessita de um amplo espaço para debate, em decorrências
das suas consequências para a sociedade civil. Ademais devemos analisá-las criticamente e
108
incluindo as opiniões opostas, com a possibilidade perceptível de enriquecimento da discussão.
Por fim, faz-se necessário reiterar que os estudos e pesquisas realizadas no âmbito da
permanência de alunos cotistas nas universidades não se limitam às literaturas apresentadas
nessa revisão e nem se esgotam nas mesmas. É imprescindível que outras investigações sejam
realizadas com o intuito de aprofundar cada vez mais as discussões sobre tal assunto.
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ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS DE CLASSES POPULARES: UMA REVISÃO DE
110
LITERATURA
1 Introdução
111
inserido, é fundamental pensar a respeito de crises comportamentais em virtude de um contexto
que pode ser aversivo ao sujeito em questão. Na própria base das teorias analítico-
comportamentais, esse ambiente é tido como um dos determinantes do comportamento do
indivíduo, junto a sua filogênese e sua ontogênese.
Entendendo que já foram realizados estudos de muita relevância a respeito da
alfabetização de adultos, como o trabalho de Macedo sobre letramento tardio e conhecimento
semântico (2003); e mesmo as imensas contribuições da pedagogia freireana na educação de
jovens e adultos, esse trabalho parte de uma perspectiva mais psicológica, enfatizando os
aspectos psíquicos por parte daqueles que se encaixam na amostra, focalizando na existência
(ou não) de algum sofrimento psicológico por parte dessas pessoas, através da realização de
uma revisão de literatura.
É importante ressaltar que, na história da educação brasileira, o processo de
alfabetização foi um dos principais pilares condutores de projetos e pactos nacionais. Em 1970,
foi criado pelo governo federal o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que
tinha por objetivo erradicar o analfabetismo no país em um período de dez anos, conduzindo as
pessoas a exercer a leitura, a escrita e o cálculo, com o intuito de que a mesma adquirisse
melhores condições de vida. O movimento ficou em ativa até 1985, quando foi substituído pelo
projeto Educar (EducaBrasil, 2001).
Mais recentemente, foi criado em 2012, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa (Pnaic), que tem como principal objetivo a garantia de que todas as crianças brasileiras
sejam plenamente alfabetizadas até os oito anos de idade. Para tal, o Pacto integra ações da
União com estados, municípios e instituições de todo o país, sendo considerado pela
coordenadora geral do Pnaic da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) como uma
política de continuidade do governo brasileiro em relação à formação de educadores
(Plataforma do Letramento, 2015). A partir disso, pode-se pensar a respeito dos termos certo e
errado dentro da lógica da alfabetização. Tal processo encontra-se dentro de uma lógica de
mercado, onde o período “correto” em que se deve ser alfabetizado é ditado por um sistema
econômico e ideológico, o que acaba levando o indivíduo a achar que está no “tempo atrasado”,
quando, na verdade, esse tempo é ditado por um conjunto exclusivo de pessoas, sejam elas
pedagogas, políticas ou educadoras.
Assim, refletir a respeito de um possível sofrimento psíquico decorrente de um processo
de alfabetização na vida adulta não envolve aspectos que dizem respeito a uma maior ou menor
capacidade intelectual de determinada pessoa. As dicotomias sociais tão presentes em nossa
história passada e atual – rico x pobre; branco x preto; ensino público x ensino privado – são
peças primordiais para se entender essa problemática que mantém um diálogo íntimo aos
debates de classe e raça, e parecem estar a quilômetros de discursos meritocráticos que prezam
por um esforço individual e excessivo que não é atingido por toda uma conjuntura econômica,
social e política.
2 Desenvolvimento
Trata-se de uma revisão de literatura, onde as buscas foram realizadas em duas bases de
dados, sendo elas Google Acadêmico e SciELO Foram selecionados os textos que mais se
adequassem a temática proposta, utilizando as palavras-chave “analfabetismo”, “pobreza” e
“sofrimento psíquico” na busca dessas literaturas. A primeira seleção dos artigos foi feita pelos
títulos, sendo posteriormente selecionados pelos seus respectivos resumos, excluindo-se
112
aqueles que não tratassem especificamente dos temas supracitados, ou que não estivessem
escritos em língua portuguesa. Foram encontrados oitenta e quatro textos mediante as buscas
realizadas, sendo que desses, trinta artigos foram utilizados na realização das análises. A
literatura foi discutida com base nos conceitos utilizados como descritores na busca de
literaturas, dando especial ênfase às teorias freireanas, e realizando articulações com ideias que
versem a respeito de pobreza e educação, como é o caso das obras de Jessé Souza.
3 Discussão
O documento da UNESCO de 1958 (p. 4) afirma que "é alfabetizada a pessoa que pode
tanto ler com compreensão quanto escrever uma pequena frase simples sobre sua vida cotidiana.
É analfabeta a pessoa que não puder tanto ler, quanto escrever uma pequena frase simples sobre
sua vida cotidiana." (UNESCO como citado em Scliar-Cabral, 2003). Com base nessas
definições, é possível se pensar a respeito da categoria dos analfabetos. Os mesmos são
colocados na mira da sociedade quando se toca no assunto educação, e são, muitas vezes,
tomados por estereótipos que os colocam sobre a figura do preguiçoso ou do desinteressado
pelos estudos, quando, na realidade, não se vislumbra o ambiente social de onde parte essa
categoria, ou mesmo os componentes de sofrimento psíquico que podem estar envolvidos no
cotidiano de um indivíduo analfabeto.
O prefixo “a”, contido na palavra analfabeto, expressa ausência. Sendo acompanhado
por alfa e beta, letras do alfabeto grego, significa o desconhecimento das letras (Soares, 2001).
Desse modo, a própria definição da Unesco, mesmo que esteja um tanto ultrapassada e antiga,
pode ser problematizada. Primeiramente porque seria extremamente difícil definir o que o
instituto chama de “pequena frase simples”. Segundo porque alguns questionamentos parecem
estar em abertos ao ler a descrição desse conceito. Então a capacidade de escrever uma palavra
isolada, mas sem encaixa-la numa frase estruturada e “simples” seria ainda considerado
analfabetismo? A etimologia da palavra aponta para uma negativa a essa questão, tendo em
vista que existe aí um conhecimento a respeito da formação de um vocábulo.
Desse modo, para iniciar as articulações que serão feitas nesse tópico entre teorias e
ideias, concordamos com Ferreiro (1985), quando a mesma afirma que é inviável conceber o
conceito de alfabetização como uma simples aquisição de um código e considerar os educandos
como sujeitos sem qualquer conhecimento já pré-adquirido sobre a cultura escrita. Afinal de
contas, eles estão em uma sociedade onde a escrita faz parte de seu cotidiano, faz parte da sua
cultura. Goody (1977) como citado em Macedo (2003) versa sobre o impacto que a existência
de uma língua escrita exerce sobre um sistema cultural, isto é, como a representação das
palavras pode ser modificada e transformada em decorrência do desenvolvimento de um
sistema de escrita.
E, partindo-se de uma perspectiva analítico-comportamental, compreendo a cultura
como fator determinante do comportamento (Andery, 2011). Nas palavras da própria Andery,
tendo como base as ideias de Skinner, “O comportamento humano, por sua vez, passa a ser
tomado como fenômeno que só poderá ser descrito em toda sua complexa interação com o
ambiente quando puder ser descrito como determinado (e determinante, é claro) pelo ambiente
social ou cultura” (Andery, 2011). Assim, tomando esse pensamento como base, seria
impossível conceber um indivíduo que não tem seu comportamento determinado também pela
cultura escrita, mesmo que este tenha que recorrer a meios não convencionais de se ter acesso
113
à esta.
É importante ainda que um outro ponto seja frisado. Trata-se da diferenciação entre
letramento e alfabetização. A primeira é definida como a habilidade de ler e escrever. Já a
segunda seria um caso particular de letramento, isso é, a aquisição de uma habilidade específica,
que, no caso, seria aprender o alfabeto e a correspondência grafema-fonema e fonema-grafema;
o processo pelo qual a leitura e a escrita são apreendidas nos sistemas alfabéticos (Macedo,
2003). Nesse trabalho, daremos ênfase ao segundo conceito.
Diante disso, a verdade é que as questões que envolvem o sujeito analfabeto sempre
foram cercadas de dúvidas e inconstâncias, onde os dados estatísticos sempre se sobrepuseram
à necessidade de ouvir esse sujeito, saber suas demandas e seus anseios. Tais dúvidas permeiam
mesmo a definição da palavra “analfabeto”, pois, até a década de 40, o IBGE considerava
analfabeto aquele que era incapaz de escrever seu próprio nome (Soares, 2001). Incapaz. Aqui
está uma palavra que consideramos danosa para se definir as habilidades de alguém.
Incapazes eram os loucos em meados do Século XVII, onde as mudanças ocorridas em
decorrência do desenvolvimento industrial, do crescimento das cidades e do poder das relações
políticas constituíram uma forma de exclusão diante da figura do louco (Millani & Valente,
2008). Restava para esses uma abordagem um tanto quanto convencional para aquela época e
que, tragicamente, vem ganhando apoiadores no atual parâmetro: a correção. Mas quem seriam
os corretores desses tais incapazes? Os hospitais e as igrejas estavam prontos para elucidar esse
questionamento. Se eles não servem para nós, nos resta darmos um jeito neles. Uma lógica que,
infelizmente, parece estar retornando ao nosso convívio. Hoje, os analfabetos podem ser
considerados dentro da categoria dos “incapazes”. Estes últimos, cuja definição passou por
muito tempo por esse termo ao qual nos debruçamos nessas últimas linhas, são relegados ao
abandono social e ao preconceito. Desde a constituição de 1891, ainda na Primeira República,
onde os analfabetos não tinham direito ao voto, até os dias de hoje, essa categoria vem sendo
cada vez mais negligenciada e esquecida pelo poder público. E se são considerados incapazes
de ler ou escrever, que sejam corrigidos. É aí que podemos citar um dispositivo que não tem
necessariamente uma marca de correção, mas que, na realidade, pode ser a concretização do
sonho de alguns: ser letrado, conseguir ler ou escrever uma frase, o próprio nome, etc. Estamos
falando aqui da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A educação escolar de Jovens e Adultos no território brasileiro engloba ações de
alfabetização, cursos e exames supletivos para os períodos do ensino fundamental e médio,
além de oferecer ainda programas de educação a distância, que podem ser realizados via meios
de comunicação, como a televisão e o rádio, ou por meio de materiais impressos (Di Pierro &
Graciano, 2003). A EJA representou uma importante escalada no processo de inserção social
desses indivíduos, possibilitando aos mesmos compartilhar de algo que é cultural e normativo
à nossa civilização: o idioma escrito.
Quando se fala em alfabetismo na idade adulta, estamos falando da chamada
alfabetização tardia. Assim, é importante ainda frisar o segundo elemento que compõe esse
termo, isto é, a palavra “tardia”. Tal léxico é aqui significado dentro de uma lógica de mercado,
que dita os períodos exatos de se cumprir determinadas tarefas, ou mesmo de se aprender
determinados conhecimentos. O tempo, tão precioso nesse contexto, é tido como determinante
na capacidade cognitiva de um indivíduo, que precisa adequar-se a um padrão já pré-
determinado pela sociedade, e que acaba tornando-se uma conveniência. Porém, o que não se
discute amplamente são os motivos que levaram um sujeito a não se alfabetizar na chamada
idade certa, seguindo os modelos do já citado Pnaic. Menos ainda falado é a justificativa para
que essa alfabetização ocorra logo nos primeiros anos de vida. Um “por que” que vai além dos
114
fatores culturais, adentrando-se muito mais nos quesitos relacionados ao mercado econômico,
uma ideologia de mercado de fato, onde o poder é alcançado por intermédio de uma formação,
de um saber.
Tais ideias vão ao encontro dos escritos de Jessé Souza na obra “Construção Social da
Subcidadania”, onde o mesmo aborda a lógica da ideologia do desempenho. Tal ideologia se
baseia
[...] na “tríade meritocrática” que envolve qualificação, posição e salário. Destes, a
qualificação, refletindo a extraordinária importância do conhecimento com o
desenvolvimento do capitalismo, é o primeiro e mais importante ponto que condiciona
os outros dois. A ideologia do desempenho é uma “ideologia” na medida em que ela
não apenas estimula e premia a capacidade de desempenho objetiva, mas legitima o
acesso diferencial e permanente a chances de vida e apropriação de bens escassos.
(Souza, 2003, p. 35)
Nesse sentido, no contexto escolar, é considerado inteligente o aluno que se sobressai
aos demais no campo cognitivo, ou seja, que aprende mais rápido, que tira as melhores notas,
ou que aprende a ler e escrever antes dos colegas, em detrimento do aluno que tem dificuldades
em determinadas áreas, ou mesmo na leitura e escrita. O que acontece é que esse pensamento
extrapola os muros da escola, sendo parte constituinte do pensamento social e adentrando em
nosso cotidiano. Assim, o analfabeto é julgado tendo como crivo o discurso meritocrático tão
bem citado por Souza. Desse modo, esse último tem seus esforços ignorados e diminuídos
diante de uma ideologia que sobrepõe o desempenho individual sobre o contexto
socioeconômico, familiar e cultural de um aluno, de um indivíduo.
O conceito de Homo Sacer, cunhado pelo filósofo italiano Giorgio Agamben, é um outro
ponto a ser destacado dentro desse contexto. Agamben acredita que o meio jurídico, ao exercer
seu poder dito soberano, acaba por tornar certas vidas matáveis. Daí vem a nomenclatura Homo
Sacer, baseada no antigo direito romano, fazendo referência a uma figura que pode ser morta
sem que se cometa suicídio (Arán & Peixoto Júnior, 2007). Nas palavras do próprio autor, esse
ser matável
[...] foi excluído da comunidade religiosa e de toda vida política: não pode participar
dos ritos de sua gens, nem (se foi declarado infamis et intestabilis) cumprir qualquer ato
jurídico válido. Além disto, visto que qualquer um pode matá-lo sem cometer
homicídio, a sua inteira existência é reduzida a uma vida nua despojada de todo direito,
que ele pode somente salvar em uma perpétua fuga ou evadindo-se em um país
estrangeiro. (Agamben, 2002, p. 189)
A partir do conceito formulado por Agamben, podemos pensar sobre os matáveis da
contemporaneidade, aqueles que se encontram excluídos ou a margem da sociedade. E quando
não se compartilha de um valor considerado cultural e quase necessário para se viver
socialmente – o idioma escrito – uma carga de isolamento acaba recaindo sobre as vivências do
sujeito analfabeto. Talvez os matáveis de hoje não sejam tão violentamente subjugados pela lei,
pelo menos no sentido geográfico que a citação traz, mas a vida nua a qual Agamben se refere
ainda é constantemente vivenciada pelos mesmos, relegados ao esquecimento e desamparo.
Um outro conceito também é necessário que seja abordado para que se dê
prosseguimento a esse projeto. Falamos aqui da pobreza. Isso porque ser pobre é um processo
de empobrecimento que está presente ao nascer de muitas pessoas. O cunho econômico e
financeiro de alguém já é algo mais ou menos pré-definido antes mesmo do nascimento. Talvez
por essa imensa complexidade, o conceito supracitado, assim como o de analfabeto, passou por
115
inúmeras modificações ao longo do tempo.
Na década de 70, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) entendia a pobreza
como a incapacidade de um indivíduo satisfazer suas necessidades básicas. Mais uma vez a
palavra “incapaz” surge em meio as definições dos conceitos utilizados nesse projeto.
Posteriormente, nas décadas de 80 e 90, o conceito sofreu mais algumas alterações, englobando
aspectos não monetários, como a vulnerabilidade, a impotência, a insegurança, dentre outros
(Vieira, 2006). Desse modo, pode-se considerar que a pobreza não é um conceito meramente
relacionado ao quesito financeiro. Além disso, a de se considerar que não se pode reduzir tal
conceito ao singular. Hoje em dia, fala-se em pobrezas, isto é, a economia não como um fator
determinante para se categorizar alguém como pobre. A exemplo disso, trago o conceito de
pobreza política, como citado por Pedro Demo.
A pobreza política é uma tragédia histórica, na mesma dimensão da pobreza
socioeconômica, e se retrata, entre outras coisas, na dificuldade de formação de um povo
capaz de gerir seu próprio destino e na dificuldade de institucionalização da democracia.
(Demo, 1988, p. 32)
Para que se aborde o tema pobreza, é impreterível que se cite as ideias do filósofo Karl
Marx. Segundo Quintaneiro (2002) o mesmo interpretava a miséria como uma espécie de
instrumento que seria utilizado pelas classes dominantes ao seu favor, em uma clara dialética,
onde os ricos só existiriam porque os pobres também existem. Essa espécie de ciclo pode ser
vista até mesmo no período contemporâneo, onde a exploração da classe trabalhadora, isto é,
do proletariado, é um fenômeno presente no cotidiano de empresas, indústrias e no mercado de
trabalho como um todo, este último cada vez mais exigente por resultados, qualificações e
especializações profissionais. Um mercado que parece ainda não estar completamente pronto
para receber o indivíduo analfabeto. Mais especificamente, mercado que ainda não está pronto
para dar oportunidades ao sujeito pobre e analfabeto.
A pobreza mantem ainda uma relação com a escrita, à medida em que essa última
adquire um atributo de valor das classes abastadas, como apresenta Armellini et al. (1993) como
citado em Barbosa (2008), ao afirmar que, como ler e escrever não é para a sua classe social,
estar na escola é usurpar um lugar que não lhe pertence. Um lugar que, historicamente, foi
reservada às classes mais ricas e com maior poder aquisitivo. Aqui, mais uma vez, a luta de
classes mostra-se presente e determinante na história de vida desses indivíduos
Trata-se não de um problema pontual. Pelo contrário, as desigualdades socioeconômicas
constituem-se como um fator presente em praticamente todas as culturas, e nosso país não
escapa disso. Como já afirmou Jessé de Souza (2017), “o ódio ao pobre é o problema central
do Brasil. ” O mais revoltante é que esse ódio tem cor, endereço, e já tem um alvo. Quando isso
soma-se ao analfabetismo, temos um sujeito negligenciado no campo econômico, educacional
e, para além disso, temos aí também uma negligência psicológica, porque não se trata de
analisar tal situação somente por uma via financeira e sociológica. Mais do que isso, temos aqui
repercussões sobre a saúde mental de um sujeito.
Como já citado anteriormente, e aqui essa ideia é retomada, a própria concepção de
alfabetização na idade certa, lógica central do Pnaic de 2012, é englobada dentro de uma lógica
capitalista. É necessário que os sujeitos se alfabetizem, sejam letrados e adquiram conhecimento
para que esses mesmos sujeitos possam se tornar profissionais potenciais a fazer o capital
circular, o famoso capital de giro. Tal lógica pode ser entendida através de uma das máximas
de Marx de que “As ideias dominantes de uma época foram sempre tão somente as ideias da
classe dominante. ” (Marx & Engels, 1998). A partir desse pensamento, pode-se refletir a
respeito de quem são os dominantes e os dominados de nossa época. Partindo desta ideia
116
marxiana, e adentrando o contexto desse projeto, os dominados são claramente os sujeitos
analfabetos, que são submetidos a uma realidade constantemente perpassada pelo sofrimento
subjetivo advindo do olhar julgador da sociedade, tornando-se refém de um sistema opressor
dominado pelos detentores dos meios de produção, os quais, hoje em dia, podem também ser
encontrados no Congresso Nacional, com seus colarinhos brancos e sua dobrez disfarçada de
patriotismo.
São dominados até mesmo no próprio procedimento de alfabetização, uma vez que até
mesmo as palavras escolhidas para que se inicie o processo de ler e escrever são escolhidas
pelos alfabetizadores. Bebendo da fonte das ideias de Garcia (2009), um direito simples, como
o de escolher qual palavra quer ser aprendida, é muitas vezes negada a esse aluno, o que pode
afastá-lo ou desmotiva-lo a continuar nessa caminhada. É quase um aprisionamento, que não
permite que o alfabetizando expresse seu mundo por meio das palavras escritas. Como essa
mesma autora cita, o alfabetizando também tem o direito de poder pronunciar seu mundo
através de sua escrita. (Garcia, 2009).
Um outro autor fundamental para basear este trabalho quando se toca no tema
alfabetização de jovens e adultos é Paulo Freire. O mesmo é responsável por criar um método,
que inclusive leva seu nome, em prol de uma pedagogia mais libertadora e autônoma,
concebendo a educação como uma prática de liberdade. Seus ideais influenciam os rumos
tomados pela EJA, e são verdadeiros guias no processo de alfabetização. Como afirma Haddad
(2002):
No que concerne às concepções de EJA, o pensamento freireano continua a ser a
referência a partir da qual os pesquisadores aderem, tecem críticas ou incorporam novos
aportes (seja Celestin Freinet, Emília Ferreiro, Lev Vygotsky ou Luria). A matriz da
alfabetização conscientizadora/educação transformadora de Freire é o ponto de partida
de uma série de experiências curriculares, metodológicas ou organizacionais (Haddad,
2002, p. 46)
Com base nessas considerações, pode-se conceber que a prática libertadora citada por
Paulo Freire requer não apenas sujeitos como meros espectadores do espetáculo chamado
conhecimento, mas também como participantes ativos desse processo, desenvolvendo seu senso
crítico a respeito do mundo ao seu redor, e incentivando sua participação social. Essa liberdade,
como cita Garcia (2009) não está somente na consciência, no desejo, ou seja, na interioridade
do ser humano, mas encontra-se também no âmbito sociopolítico. Daí vem a importância de se
constituir sujeitos ativos e conscientes de si e das inúmeras adversidades que o cercam.
Outro ponto a ser destacado diante da problemática que permeia esse trabalho diz
respeito ao sofrimento psíquico desse público. Di Pierro como citado em Garcia (2009) acredita
que a melhor categoria para se definir essa amostra seria a exclusão. Exclusão essa que
contempla os âmbitos socioeconômicos e culturais, levando em consideração ainda questões
como gênero, geração, etnia, além de divergências sociais entre zonas rurais e urbanas. Fatores
de suma importância para que se compreenda a presença de danos psíquicos ao sujeito pobre e
analfabeto que, mesmo excluído, recorre a meios não convencionais para lidar com a escrita.
Um modo de sobrevivência em meio a sociedade letrada. (Barbosa, 2015)
Para Ceccarelli (2005), o portador de sofrimento psíquico é aquele que “padece de algo,
cuja origem ele desconhece e que o leva a reagir, na maioria das vezes, de forma imprevista. ”
O sofrimento psíquico tem na psicopatologia uma de suas maiores estudiosas. Porém, ainda
muito influenciada pelos modelos biomédicos, essa última sempre esteve mais preocupada em
categorizar e mapear diversas patologias, com o intuito também de estabelecer métodos que
visem a cura das mesmas. O que é algo que não deixa de ser importante, tanto para a
117
manutenção da qualidade de vida dos indivíduos, quanto para a permanência e longanimidade
dos seres humanos. Contudo, mais do que enfocar os esforços em descobrir a origem de
determinada doença ou como trata-la de um modo menos invasivo, é necessário que se olhe
para o sujeito, alguém pleno de sua subjetividade, que tem demandas, potencialidades e
necessidades que precisam ser supridas. Dentre essas necessidades, o acolhimento e a escuta
acabam ficando em segundo plano, onde o papel de protagonista é reservado a aspectos que
deem conta do fim da patologia.
Desse modo, o sujeito pobre, que apresenta dificuldades de leitura ou escrita, ou mesmo
a ausência de tais habilidades, dentro de uma visão biologizante, pode ser considerado alguém
com déficit cognitivo, termo ainda utilizado por alguns psicólogos na contemporaneidade, e
que carrega consigo um peso e um estigma marcante. Ser taxado com uma deficiência cognitiva
atiça o julgamento social. Termos como “burro”, “ignorante”, “estúpido” ou “idiota” estão
prontos para serem pronunciados ao se referirem a esses sujeitos. Tais palavras ganham
significado pejorativo a partir do momento que são referidas a tais pessoas, isto é, a palavra
ganha sentido a partir do que ela representa. Nesses casos, elas representam os negligenciados.
A imagem que esses indivíduos têm de si também pode ser um motor gerador de
sofrimento psíquico. Questões relacionadas à autoestima dessa população foram trabalhadas
por Barbosa (2015), onde a mesma traz à tona a primazia dada aos saberes escolarizados e
dependentes da escrita, em detrimento dos saberes repassados por práticas orais. Desse modo,
não se trata de imagens de si pré-concebidas ou já dadas, mas de imagens socialmente
construídas em cima de um discurso que supervaloriza e valida o saber escrito, rebaixando
saberes compartilhados vocalmente. Não à toa, “a escrita traz consequências sociais, culturais,
políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida,
quer para o indivíduo que aprende a usá-la. ” (Soares, 2004 como citado em Barbosa, 2015).
Não se trata aqui de criticar o conhecimento repassado por meio da leitura e escrita. A crítica é
direcionada à sobreposição de formas de repassar o saber, uma hierarquização que acaba
atingindo os analfabetos.
4 Conclusão
Referências
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DESIGUALDADE E SEUS DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE: UM RELATO
120
DE EXPERIÊNCIA
1 Introdução
121
contribuem para as desigualdades, sejam de gênero, de raça, econômicas ou territoriais
(Abramo, 2006).
Em vista disso, a relação entre exclusão e pobreza está interligada com a privação de
emprego, direitos, meios para participar do mercado de consumo, liberdade, etc., concebendo
uma nova dimensão moral que nem sequer oferece a possibilidade remota de uma ascensão
social (Sawaia, 2017). Corroborando com essa discussão, (Martins, 1993 como citado em
Sawaia, 2017, p. 27) aponta sobre a construção de uma cultura marcada pela dominação e
exclusão de índios, assim como dos camponeses no campo e, na cidade, migrantes, favelados,
sem teto, etc. Percebendo-se então, que desde o período colonial os processos sociais de
exclusão estão presentes no Brasil.
O sistema que constitui as sociedades contemporâneas é pautado em um Estado que se
retira de vários setores da vida social, permitindo um espaço para o individualismo. Nesse
sentido, o sistema produtivo, através do progresso tecnológico, passa a oferecer um trabalho
estável para uma menor parcela da população, enquanto promove uma dinâmica de
desigualdade que mantém a precarização no trabalho, a insegurança frente ao futuro e a
fragilização das relações sociais (Fernandes, 2017). Partindo do pressuposto que o sistema
produtivo e capitalista interfere nas desigualdades, pode-se analisar as desigualdades sociais
segundo várias extensões, incluindo aspectos de classe, gênero e raça. Sucedendo sob essa
perspectiva, é possível afirmar que estas interferências associadas ao ambiente e à esfera social
nos quais os indivíduos estão inseridos, influenciam nos resultados de saúde dos mesmos.
Outro ponto importante a ser discutido são as diferenças existentes entre a realidade
social das mulheres brancas e a realidade das mulheres negras. Segundo Olinto e Olinto (2000),
em um estudo feito na região sul do Brasil, mulheres brancas tendem a ter um nível maior de
escolarização e de renda do que mulheres negras, ao passo que mulheres negras tendem a
representar a maior porcentagem de mulheres viúvas, divorciadas ou em uniões não formais e
que usam menos métodos contraceptivos. Ainda segundo as autoras, dessa forma, negras
tendem a sentir maior dificuldade ao tentar se inserir no mercado de trabalho ou pelo menos
viver de forma justa em uma sociedade desigual, marcada pelo racismo e pelo machismo.
No Brasil, a população negra representa a classe financeira menos abastada. Freitas et
al. (2019) assinala que os impactos ameaçam a sobrevivência e os meios de vida, trazendo
inúmeros problemas como falta de água potável, alimento, moradia e a proliferação de doenças.
Diante dessa afirmação é impossível negar que as pessoas são atingidas de formas diferentes
por esses desastres, sendo que os fatores sociais atuam diretamente nessa diferença.
Parizzi (2014) acrescenta que o acentuado processo de urbanização aliado à falta de
recursos e políticas públicas voltadas para a ocupação de áreas não edificáveis tem perpetuado
uma situação social que faz com que os que possuem menor renda continuem ocupando áreas
geologicamente desfavoráveis, como as comunidades localizadas nos morros das grandes
cidades. Assim a população mais vulnerável vai se tornando cada vez mais desprotegida em um
sistema que se retroalimenta promovendo a manutenção das desigualdades.
Dito isto, os lugares mais afetados pelos desastres naturais são geralmente aqueles
habitados pela população mais vulnerável, dentre eles a favela, que se caracteriza como um
espaço de vulnerabilidade socioambiental (De Oliveira Esteves, 2011). Este processo é
denominado de socioambiental pois combina dois aspectos, de um lado os processos sociais
que levam a precariedade e falta de proteção social, tornando alguns grupos vulneráveis aos
desastres; por outro, as mudanças ambientais causadas pela degradação ambiental que agem
sobre determinadas áreas convertendo-as em ambientes mais suscetíveis para a ocorrência de
122
desastres (Freitas et al., 2014).
Diante de tais exemplos, é difícil pensá-los afetando populações que vivem em outra
realidade: Será que seriam construídas barragens próximas a áreas nobres da cidade? Ou seriam
construídos bairros nobres em cima de morros, áreas geologicamente desfavoráveis, propensas
a enchentes, alagamento e deslizamento? Provavelmente não, pois o perigo e a falta de
segurança estão reservados para aqueles que diante das desigualdades sociais e econômicas,
não encontram uma forma de inserção digna e plena na sociedade. Deste modo, estes territórios
críticos servem de moradia e concentram a população mais vulnerável, e ao mesmo tempo
produzem condições ambientais e sociais que favorecem o agravamento desta vulnerabilidade
(Freitas et al., 2014).
Os mais pobres são as principais vítimas de um sistema que se retroalimenta para manter
a desigualdade social, já que é essa disparidade social quem o sustenta. Essa realidade só irá
se modificar quando houver práticas voltadas para a eliminação de problemas como a exclusão
social e a miséria que assola as cidades, como é destacado por Moura e De Andrade (2008).
Essa afirmação demonstra que combater os desastres naturais e suas consequências vai muito
além do uso de técnicas e ferramentas de monitoramento dos fenômenos naturais, não podendo
ignorar o fator social como um dos principais componentes desses acontecimentos.
Segundo Herculano e Pacheco (2006) existe negligência no combate aos prejuízos
causados por tais fenômenos, uma vez que a parcela atingida por esses desastres é composta
por pessoas em situação de vulnerabilidade, tornando-se invisíveis socialmente. Essa realidade
é facilmente encontrada no Brasil, um dos países mais desiguais do mundo onde essa mesma
desigualdade determina quem vai sofrer e quem não vai sofrer com as consequências de
enchentes, deslizamentos de terra ou com a seca.
Dentro da realidade brasileira podemos destacar mais especificamente o que acontece
na cidade de Parnaíba, município localizado no litoral do estado do Piauí. Desde muito cedo
essa cidade sofre com as enchentes provocadas pelas fortes chuvas que ocorrem principalmente
no primeiro semestre. Em 2019, uma matéria do site G1 Piauí apresenta dados da Secretaria de
Desenvolvimento Social e Cidadania de Parnaíba (SEDESC), onde quase 200 famílias ficaram
desabrigadas em decorrência das fortes chuvas, sendo alojadas em abrigos improvisados pela
prefeitura.
Entender as questões sociais por trás das catástrofes possibilita caracterizar o perfil das
pessoas que sofrem todos os anos no Brasil com as chamadas tragédias anunciadas,
possibilitando a criação de políticas públicas voltadas para sanar essas calamidades. De Jesus
Barreto (2010) ressalta a dificuldade em ser pobre e negro em uma sociedade extremamente
desigual, onde resta aos mesmos uma vida cercada por precariedades e descaso, estando
suscetíveis a desastres naturais que revelam a débil relação do Estado com esta população.
O objetivo deste trabalho foi propor uma discussão entre questões raciais, trabalho e
desastres naturais no âmbito universitário e comunidade externa além de promover diálogo e
acolhimento com as vítimas das enchentes de Parnaíba, Piauí. Trabalhamos a premissa da
população negra e pobre ser a mais atingida por fatalidades causadas por eventos da natureza,
devido a localização de suas moradias. Para atender tal objetivo foram realizadas visitas
periódicas no abrigo, intervenções que levassem à discussão dos temas e foi produzido o
documentário "Classe do abandono", que traz a realidade das pessoas que ficaram desabrigadas
em Parnaíba-PI em 2019. A importância dos temas se dá pela carência de estudos sobre
desigualdades sociais e racismo, o que é descredibilizado por um discurso meritocrático; pela
falta de debates sobre tais temas no meio acadêmico e outros espaços; pela falta de informação
sobre as consequências sociais dos desastres ambientais que prejudica a população negra e
123
pobre, que já sofre de negação de direitos e oportunidades.
2 Metodologia
Para a realização do projeto contamos com três momentos que serão abordados
sequentemente, com o intuito de dialogar com a comunidade acadêmica e geral, facilitando um
espaço de vivências e construção de saberes.
2.4.1.1 Objetivo
O objetivo dessa oficina consistiu em discutir a condição do povo negro na atualidade,
124
fazendo um resgate histórico de todo o processo de escravização e violência cometida contra
esse grupo. Esses temas foram abordados através da confecção da boneca Abayomi que se
caracteriza como um símbolo de resistência e tradição de um povo que muito lutou para não
perder suas raízes.
2.4.1.2 Participantes
2.4.1.3 Instrumentos
2.4.1.4 Procedimento
2.4.2.1 Objetivo
125
A oficina foi aberta aos estudantes da Universidade Federal do Delta do Parnaíba
(UFDPar) e às demais pessoas da cidade de Parnaíba.
2.4.2.3 Instrumentos
2.4.2.4 Procedimentos
2.4.3.1 Objetivo
2.4.3.2 Participantes
2.4.3.3 Instrumentos
Exposição do documentário produzido pela equipe, sobre as pessoas desabrigadas, com
126
a utilização de datashow. Para a produção do mesmo foi utilizada uma entrevista
semiestruturada.
2.4.3.4 Procedimentos
O documentário foi gravado com pessoas que ainda estão ou já estiveram desabrigadas
em Parnaíba neste ano de 2019. As questões levantadas para a gravação do mesmo ocorreram
por meio de uma entrevista semiestruturada.
A exibição do documentário foi realizada nesta última atividade, a culminância, que
aconteceu na Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar). Esta atividade consistiu
em uma mesa redonda aberta ao público, e foi dividida em 3 momentos:
● 1° Discussão sobre as temáticas propostas, entendendo a interseção entre raça,
desigualdades e desastres ambientais.
● 2° Relatar a experiência das oficinas anteriores e de todo processo de construção do
documentário.
● 3° Exposição do documentário e posterior discussão acerca do mesmo, com a
presença de pessoas que estão desabrigadas. Discussão aberta para todos presentes.
3 Resultados e Discussões
127
boneca está disponível no site Conexão Lusófona (2019).
Ocultar a origem da boneca é não dar o devido valor à mulher negra que a criou, é mais
uma vez tornar invisível a luta de um povo que ainda hoje sofre as consequências de um
processo de escravização que durou séculos. Mas a partir desta ocultação é possível pensar em
outro fato que leve a tal: a constante associação do negro à condição de escravo. Como se a
história da boneca se tornasse mais interessante caso estivesse ligada a um período de dor e
sofrimento ao povo negro, do que dar os créditos de sua criação a uma mulher negra.
Durante a oficina também foi debatido que a confecção das bonecas se apresenta como
um fator gerador de renda, uma vez que as mulheres, principalmente as mulheres negras,
trabalham na produção e venda das bonecas. Muitas cooperativas se formaram em torno da
fabricação da Abayomi, o que se configurou para muitas mulheres um meio de adentrar o
mercado de trabalho.
Assim a boneca Abayomi não deixa de ser considerada um símbolo de resistência do
povo negro, já que é uma boneca criada por uma mulher negra e que se mostra representativa
em uma sociedade onde apenas o que vem do branco é valorizado.
Tendo em vista a escassa discussão acerca dos desastres naturais, bem como suas
consequências e a população majoritariamente afetada por eles, realizou-se uma roda de
conversa a fim de apresentar e discutir o tema com alunos da UFDPar. Após a discussão, as
pessoas presentes na roda de conversa puderam construir um cartaz com suas afetações.
Em contraste com a primeira oficina, apenas três pessoas compareceram nesta, ainda
que fosse aberta para todo o campus. O público reduzido suscitou no grupo organizador o
entendimento de que isto pode ser resultado do pouco interesse acerca do tema. Uma vez que
tal assunto raramente é abordado em sala de aula, e é superficialmente apresentado pela mídia,
como se as consequências dos desastres naturais atingissem a todos igualmente, os alunos
podem ter encontrado dificuldade em ligar as temáticas e reconhecer a interseccionalidade entre
raça, desigualdades sociais e desastres naturais.
Àqueles que compareceram se mostraram atentos e implicados com a discussão,
trazendo relatos em suas falas. À medida em que os relatos iam sendo expostos despertavam
nos participantes lembranças de vivências que os atravessaram em relação às temáticas em
discussão, onde é possível refletir acerca desses atravessamentos e sobre a pouca visibilidade
das temáticas e até mesmo, por vezes, o seu esquecimento.
Nesta oficina discutimos sobre casos atuais e próximos, como o desastre de Brumadinho
e os alagamentos na cidade de Parnaíba, que deixaram dezenas de famílias desabrigadas.
Incluindo a situação daquelas famílias que acompanhamos no abrigo e aquelas que já saíram de
lá, mas ainda sofrem com as consequências dos alagamentos. Trouxemos discussões acerca de
como desastres como esses afetam majoritariamente pessoas pobres, consequentemente negros,
visto que estes ainda são maiorias em situações de vulnerabilidade social e econômica e que
assim habitam zonas mais marginalizadas e vulneráveis, e como esses atravessamentos afetam
diretamente sua subsistência, qualidade de vida e direitos básicos.
Por último, os participantes foram convidados a confeccionar cartazes em relação às
128
discussões postas acerca das temáticas trazidas. Todos os presentes aceitaram participar.
A última atividade das ações foi realizada dentro de sala, com a explanação acerca das
temáticas de raça e trabalho junto a desastres naturais. Tendo a partir destas interseccionalidades
o olhar acerca de famílias desabrigadas pelas chuvas no começo do ano de 2019 em Parnaíba,
Piauí. Deste modo, durante todo o período os discentes realizaram um trabalho de mapeamento
e conhecimento das famílias residentes no abrigo do CRAS do bairro Mendonça Clark e na casa
de duas famílias que passaram pelo abrigo no período intenso de chuvas, mas que retornaram
para suas casas no bairro da Ilha Grande. Logo foi desenvolvido um documentário sobre a
situação destas pessoas.
Aspectos como falta de amparo, invisibilidade social, falta de assistência entre outros
foram fatores recorrentes nas visitas e falas das entrevistadas. Oportunizando promover um
espaço de diálogo e protagonismo algumas das pessoas que estão abrigadas na quadra foram
assistir o documentário e comentar suas vivências acerca de uma classe invisível aos olhos do
poder público.
Todas as mulheres que participaram do documentário foram convidadas a estar presente
na culminância deste trabalho, no entanto apenas duas delas puderam comparecer. Àquelas que
puderam participar foram questionadas sobre como se sentiriam mais à vontade, a resposta de
uma delas foi que quanto mais pessoas, melhor seria, pois assim mais pessoas poderiam ouvir
o que ela teria pra dizer, e mais pessoas tomariam consciência de que ainda tinham pessoas
desabrigadas.
Os cartazes confeccionados na segunda oficina foram expostos na última atividade.
Assim como na segunda oficina, a apresentação da terceira atividade contou com um número
reduzido de participantes e pouca participação dos presentes.
Durante a atividade foram discutidas questões que versavam sobre a temática da
culminância (Raça, trabalho e desastres naturais: desigualdades e seus desafios na
contemporaneidade). Os organizadores da culminância ficaram responsáveis por expor os
aspectos da temática, com o objetivo gerar reflexões a despeito do tema em discussão, sempre
lincando com os aspectos da atualidade e com a realidade da cidade de Parnaíba-Pi.
Em seguida houve apresentação do documentário supracitado, feito com mulheres que
se encontram abrigadas no CRAS do bairro Mendonça Clark, na cidade de Parnaíba-Pi, devido
às fortes chuvas que ocorreram no primeiro semestre de 2019 na cidade. O documentário
também foi feito com mulheres que já saíram do abrigo e voltaram para suas moradias, mas que
ainda se encontram em situação de vulnerabilidade. Esse momento foi de extrema importância,
pois, escancarou para a comunidade acadêmica uma realidade bem próxima, mas que
frequentemente é negligenciada, não discutida e invisibilizada dentro e fora da universidade,
evidenciando a falta de discussões e preparação profissional para tais demandas.
Por fim, a atividade foi encerrada com a fala de duas moradoras do CRAS Mendonça
Clark, que aceitaram participar da apresentação da atividade.
4 Considerações finais
129
A discussão do presente relato como um todo despertou emoções fortes no grupo, desde
o sentimento de impotência até questionamentos acerca da atuação do psicólogo. Durante todo
o percurso buscamos, dentro das nossas possibilidades, dar assistência e arrecadar alimentos e
materiais de higiene, no entanto, obtivemos pouquíssima ajuda.
Tanto nas oficinas quanto na culminância, apesar da divulgação prévia, o público foi
bastante restrito, limitando a possibilidade de divulgar para a comunidade acadêmica que ainda
existiam famílias desabrigadas na cidade de Parnaíba. Ainda assim, as mulheres expressaram
gostar da experiência, pela oportunidade de poder ter voz e falar aos outros o que as afligiam,
pois até então estavam totalmente invisibilizadas e silenciadas dentro do abrigo.
Essa reação da comunidade acadêmica só reforça a invisibilidade dos temas abordados
no presente trabalho, onde até mesmo aqueles que deveriam discutir tais temáticas se isentam
de sua responsabilidade social e acabam ignorando as perversidades de um sistema que mata as
minorias a todo momento. Diante disso é muito importante a realização de mais momentos que
proporcionem discussões acerca de assuntos que estarão presentes na vida profissional dos
psicólogos, proporcionando uma formação que esteja aliada às questões sociais e que busque
eliminar as lacunas encontradas na formação acadêmica.
Referências
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Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 19, 3645-3656.
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[Post blog]. Retirado dehttps://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2019/04/04/sobe-o-
numero-de-desabrigados-apos-fortes-chuvas-no-litoral-do-piaui.ghtml
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130
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Jesus Barreto, A. C. (2010). O lugar dos negros pobres na cidade: estudo na área de risco do
Bairro Dom Bosco. Libertas, 10(2).
Nascimento, E. P. (2006). Hipóteses sobre a nova exclusão social: dos excluídos necessários
aos excluídos desnecessários. Caderno crh, 7(21).
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as mulheres: um exemplo no sul do Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro,
16(4):1137-1142, out-dez, 2000.
131
INTERSECÇÃO ESSENCIAL PARA A SAÚDE DESTA POPULAÇÃO
1 Introdução
132
como por exemplo a Lei Orgânica da Saúde que em seus princípios, destaca a preservação da
autonomia, da integridade física e moral da pessoa, da integralidade da assistência, e da fixação
de prioridades com base na epidemiologia.
Em termos mais específicos à clientela, tem-se o Estatuto do Idoso, que foi aprovado
em 2003 e, junto à PNI, tornaram-se importantes instrumentos na ampliação dos conhecimentos
na área do envelhecimento e da saúde da pessoa idosa, sendo fundamentais para a afirmação de
ações dinâmicas e consistentes (Brasil, 2013).
Outra essencial e relevante política é a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa —
PNSPI, instituída pela portaria 2528/GM de 19 de outubro de 2006, que busca garantir a
atenção adequada e digna para a população idosa brasileira, visando sua integração, com o
objetivo de permitir um envelhecimento saudável, preservando a sua capacidade funcional,
autonomia e nível satisfatório da qualidade de vida, em consonância com os princípios e
diretrizes do SUS que direcionam medidas individuais e coletivas em todos os níveis de atenção
à saúde (Brasil, 2006). E é esta última que vamos abordar no decorrer do trabalho.
Dessa forma, objetivou-se neste estudo identificar e descrever uma política pública
(PNSPI) voltada para a população idosa. Bem como conhecer e retratar as principais formas, e
possibilidades, de atuação do psicólogo no âmbito dessa política e consequentemente junto a
essa clientela específica.
2 Métodos
133
complementavam, em termos explicativos. Os dados foram avaliados segundo a análise de
conteúdo pertinente à pesquisa documental.
A primeira leitura dos documentos teve a finalidade de verificar se os documentos
preenchiam os critérios de inclusão, das 16 referências encontradas nos websites
governamentais, somente 9 tiveram pertinência com o objetivo da pesquisa. A escolha dos
documentos foi aleatória de acordo com os sites pesquisados, aqueles repetidos eram
eliminados na ordem em que apareciam. Foram usados também 5 artigos dos quais foram
encontrados na Base de dados Bireme e Google Acadêmico. Vale assinalar que a padronização
dos formatos dos documentos estudados facilitou o processo de análise por implicar uma
relação mais estável entre os termos utilizados na linguagem escrita de cada um e seus
significados, ordenados em razão do objeto e do setting de cada documento estudado.
Para a discussão dos dados, foram utilizados referenciais de políticas públicas,
especificamente a Política Pública da Pessoa Idosa (PNPSI) cujas proposições e pensamentos
contemporâneos possibilitaram dialogar e refletir sobre as relações do instituído com suas
repercussões reais na sociedade e, especificamente, para a pessoa idosa
A abordagem da temática foi construída com base em um diálogo teórico-metodológico
de análise, na medida em que se observaram aspectos textuais dos documentos e dos artigos
direcionados à política pública da saúde da pessoa idosa, mas que ampliasse para seu bem-estar.
3 Resultados e Discussões
134
saúde, divulgar a política Nacional de Saúde da Pessoa idosa, definir recursos para
implementação da PNSPI e manter articulação com estados e municípios.
As atribuições da Gestão Estadual estão relacionadas com implementar as diretrizes da
educação permanente, manter articulação intersetoriais e por fim inclusão da PNSPI no
Conselho Estadual de Saúde.
A Gestão Municipal tem como funções desenvolver um mecanismo para qualificação
dos profissionais, discutir e pactuar na CIB as metas a serem alcançadas, estabelecer
instrumentos para avaliação do impacto das PNSPI e elaborar normas técnicas referentes à
saúde.
A PNSPI é articulada de maneira intersetorial, disposta em vários setores como
Educação – incluindo disciplinas que abordem o processo de envelhecimento e incentivo à
criação de Centros de Geriatria e Gerontologia em instituições de ensino superior; Previdência
Social – realizando estudos e pesquisas relativos às doenças e agravos mais prevalentes nessa
faixa etária e elaborando programas de trabalho conjunto; SUAS – implantação de Centros de
convivência e centro-dia, conforme previsto no decreto n° 1948/96; desenvolvimento de ações
de enfrentamento à pobreza; Trabalho e Emprego – elaborando programas de preparação para
a aposentadoria e implementando ações de eliminação das discriminações no mercado de
trabalho; Desenvolvimento Urbano – implantação de ações para o cumprimento das leis de
acessibilidade; Transportes – implantação de ações que permitam e/ou facilitem o deslocamento
do cidadão idoso; Justiça e Direitos – promoção e defesa do direito da Pessoa idosa; Esporte e
Lazer – estabelecimento de parceria para implementação de programas de atividade física e
recreativas destinados às pessoas idosas e por fim a área da Ciência e Tecnologia – estímulo à
pesquisa na área do envelhecimento, da geriatria e da gerontologia.
O acompanhamento e avaliação desta política ocorre graças ao fato de que o
desenvolvimento dela permite verificar o alcance do seu propósito e impacto sobre a saúde e a
qualidade de vida dos indivíduos e consequentemente buscando saber em que medida a PNSPI
tem contribuído para a concretização dos princípios e diretrizes do SUS.
Segundo o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Politicas Publicas, a maioria
dos psicólogos nesta política atuam geralmente na assistência social, na atenção de média
complexidade e na atenção básica, visando principalmente a promoção, prevenção de saúde,
não apenas nos casos de doença, mas nas ações que visam a melhoria da qualidade de vida da
população idosa (Jimenez, 2011).
A Psicologia atua dentro do Centro Integrado de Atenção e Prevenção a Violência contra
a pessoa Idosa (CIAPREV) em toda sua proposta metodológica que acontece desde o
acolhimento quando é realizado a escuta qualificada, análise com toda equipe multiprofissional
composta pela assistência social e o direito. É realizado também o encaminhamento que é feito
através da visita domiciliar, entrevistas, mediações familiares.
Ele faz parte da política de assistência social é um serviço de proteção especial –
CREAS, ele está instituído dessa forma desde 2007 com um convênio com a Secretaria Especial
de Direitos Humanos.
O Psicólogo também pode estar inserido nessa política através do Programa Melhor em
Casa, um programa voltado para pessoas com necessidade de reabilitação motora, pessoas
idosas, pacientes crônicos sem agravamento ou em situação pós-cirúrgica, tem como oferta a
assistência multiprofissional e humanizada nos domicílios, com cuidados mais próximos da
família (Oliveira, 2017).
Ainda de acordo com o autor citado anteriormente, o atendimento é realizado por
135
equipes multidisciplinares, formadas prioritariamente por médicos, enfermeiros, técnicos em
enfermagem e fisioterapeuta. Outros profissionais como fonoaudiólogos, nutricionistas,
odontólogos, psicólogos e farmacêuticos também poderão compor as equipes de apoio. Sua
execução ocorre em parceria com estados e municípios, encontra-se articulado com as Redes
de Atenção à Saúde, ampliando o cuidado na Atenção Básica, na urgência e emergência e,
parcialmente na Alta Complexidade. Assim, as equipes atuam de maneira integrada com os
serviços de todos os níveis de atenção à saúde.
4 Considerações Finais
Referências
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o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências [Internet]. Brasília;
Brasil. Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras
providências [Internet] Brasília.
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Brasil. Ministério de Saúde. Portaria n. 2528/GM, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política
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136
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dispositivo de segurança. Texto e Contexto Enfermagem, v. 26, n. 1, p. 1-96.
EIXO 03
137
Gênero, sexualidade e violências
Introdução
A construção do conceito de um ser chamado mulher é marcada por práticas patriarcais
e sexistas, as quais menosprezam desde a força do ser, à sua inteligência. Neste sentido,
percebemos que a mulher vem sendo tratada, historicamente, na sociedade Ocidental, como ser
inferior e, de certa forma, incapaz. Gestos sutis, conhecidos como cavalheirescos, aumentam a
intenção de superioridade do homem a níveis mais perceptíveis, como a negação do direito ao
voto e à propriedade às mulheres, os quais foram conquistados recentemente, a partir de muita
luta. Há que se pensar também nas mulheres escravizadas durante o período colonial, as quais
carregavam os pesos dos estereótipos relacionados ao seu sexo, das correntes físicas e culturais
e, ainda, dos castigos que eram os mesmos dados aos homens, mas, muitas vezes, acrescidos a
humilhação do estupro.
Desta forma, a partir do que foi exposto, esse artigo tem como questão de investigação:
quais limitações encontram as mulheres em sua produção de subjetividades na
contemporaneidade em uma sociedade patriarcal? Como objetivo geral temos: refletir a
influência do patriarcado na limitação da produção de subjetividades das mulheres na
contemporaneidade. Os objetivos específicos buscam investigar a construção e recente processo
de desconstrução da mulher como Outro e, também, analisar como as mulheres têm resistido
frente às opressões sexistas no desenvolvimento de suas subjetividades.
138
Capaz ou incapaz de se construir
A definição do papel da mulher na sociedade é uma construção bastante antiga, que
instiga diversas reflexões, desnaturalizações e percepções outras. O papel social da mulher nos
leva a investigar, também, os estigmas culturais e históricos que caracterizam o homem, que
colonializa, que oprime, que manda e domina. Inclusive, as lendas e contos retratam o homem
como aquele que tem a capacidade de encontrar novos mundos, de lutar contra monstros, de
salvar princesas. Enquanto a princesa é bonita, passiva, cuida da aparência, da família e aguarda
um príncipe encantado para poder ser salva e feliz.
Durante a maior parte da história, a mulher foi considerada como um ser que possuía
uma capacidade intelectual inferior à do homem. Porém, tal justificativa exime a
responsabilidade cultural da família e de todos que compõem a sociedade, em fornecer
instrumentos iguais para ambos, independente do sexo. McCann (2019) ressalta que a
determinação de que a mulher possui um intelecto inferior, alimentada durante milênios, não é
resultado de aspectos biológicos, mas sim da castração do saber feita pelos homens e do acesso
limitado à uma educação sólida, igualitária e de qualidade.
Por outro lado, no mesmo período em que as mulheres lutavam pelo sufrágio, entre o
século XIX e o XX, as mulheres escravizadas enfrentavam problemas que transpassavam suas
existências e engajavam-se em uma constante luta pela sobrevivência. Davis (2016) cita
algumas das atrocidades que as mulheres escravizadas sofreram; levando-se em consideração
que seus serviços eram determinados em paridade com os dos homens, os proprietários dos
escravos ainda acrescentavam um teor sexual aos castigos das mulheres. Além de serem
obrigadas a procriar, para que houvesse mais escravos gratuitamente, de trabalharem com os
filhos nas costas, de serem castigadas enquanto estavam gestantes, ainda eram estupradas.
139
desconstruído. A partir do momento que os europeus passaram a colonizar outras sociedades,
era necessário que houvesse um argumento que justificasse as atrocidades que seriam feitas,
como é o caso da escravidão. Foi assim que o europeu, junto de sua cultura, fé cristã e fenótipo
branco, tornou-se o ser superior, que oprime e que, inclusive, é encarregado de melhorar as
sociedades primitivas, evoluindo-as. A miscigenação surge como política de
embranquecimento e possui, portanto, um caráter que objetivava circunscrever e perpetuar o
domínio e a supremacia branca.
Por fim, é necessário que seja proposta uma reflexão em torno das conquistas da mulher,
as quais aconteceram após muita luta, tanto as conquistas referentes aos seus direitos, como
também, a como ela se impõe frente aos abusos, que até há algumas décadas eram banalizados.
Lembrando que o aprisionamento, tanto do corpo quanto da mente, causa marcas históricas, são
destruições capazes até de fazer um anjo fugir, espantado.
A mulher como o Um
A união entre a cultura patriarcal e o capitalismo aconteceu de tal forma que ambos se
tornaram um e, embora pensemos que a mulher possui liberdade em ser, vestir, trabalhar, ou
compor sua persona da forma que quiser, sua história continua sendo prescrita a partir de sua
genitália. Nessa perspectiva, Beauvoir (2016) faz a distinção de gênero e sexo, ao evidenciar
que ninguém nasce mulher, que o “tornar-se mulher” se dá por meio de um processo
sociocultural, até então ignorado pela sociedade ocidental.
Sobre a construção da subjetividade, Bock, Furtado e Teixeira (2019) afirmam que ela
é uma síntese das experiências e dos estímulos que o ambiente social, histórico e cultural
apresenta, além da forma que indivíduo experiencia tais eventos e influencia diretamente no
desenvolvimento de sua identidade. A partir do que foi exposto, faz-se necessário uma reflexão
sobre os pilares que têm sustentado a subjetividade da mulher, pois eles englobam tanto suas
experiências e os significados, que são por ela atribuídos às suas vivências, como também fatos
socioculturais, que estão enraizados na civilização. Foucault (2019) elucida o conceito de
domínio, voltado para eficácia relativa ao poder e produtividade, a partir de alguns conjuntos
estratégicos. Um deles é a dinâmica da histerização do corpo da mulher, o qual consiste na
sexualização de seu corpo, em sua totalidade, de forma integral e indivisível ao da sociedade.
Foucault (2019) afirma que a mulher não tem um corpo totalmente seu, pois ele é uma
140
parte indispensável da sociedade enquanto organismo que busca o lucro e a evolução. Para isso,
a fecundidade é regulada e explorada, fato observável tanto no período colonial, como
mencionado, e principalmente no início da primeira revolução industrial, período em que os
homens exploravam a fecundidade das mulheres para possuir mais capital; o serviço doméstico
é enraizado na psique da mulher, formando o conceito de dever fazer, funcional e substancial
e, também, a função de mãe, que consiste na produção a partir da gestação, do cuidado e da
educação. Todos esses trabalhos fazem parte da missão existencial da mulher, desde seu
nascimento, justificados a partir do seu sexo. Eles convencionam uma forma de domínio
opressor patriarcal e capitalista, que reafirma a mulher como um objeto.
Conclusão
A construção das subjetividades da mulher perpassa diversas encruzilhadas. Ao
levarmos em consideração os processos históricos e culturais, podemos perceber uma melhora
significativa no que tange sua participação social ativa, além dos diretos civis e políticos.
Contudo, a omissão da grande maioria dos poderes representativos da sociedade impede uma
evolução mais profunda. A omissão acadêmica também nos revela uma parcialidade
masculinista, a qual nega representatividade cultural às estudantes.
Outro ponto que merece destaque é a evolução do conceito sobre o feminismo, o qual
possui ondas de extrema relevância, mas que nunca tiraram o teor burguês e excludente. A partir
dos recentes estudos de gênero, que transpõem o indivíduo binário a um pilar caracterizado pela
heterossexualidade compulsória, verificamos, como Butler (2019) menciona, que a existência
do feminismo é mais uma afirmação da mulher como "O outro", pois ela busca emancipação
das mesmas estruturas de poder que a produzem e que a oprimem. Dessa forma, a afirmação da
superioridade do homem só deixaria de existir a partir do momento que as pessoas não fossem
mais diferenciadas e categorizadas a partir de suas genitálias, ou seja, a partir do momento que
não houvesse mais distinção por sexo.
Por fim, percebemos que apesar de termos assegurado pela constituição o direito à
igualdade, esta não está presente sequer no Congresso ou no Senado Federal. Logo, resistir à
imposição do padrão masculinista/patriarcal/capitalista consiste em um dos maiores desafios da
subjetividade da mulher. É a partir da resistência que a classe desafia os padrões impostos e
passa a reafirmar-se como autora, individuo, ser humano, cada qual como Um, num composto
de unidades que invalida qualquer idealização de dependência ou incompletude.
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GÊNERO E SEXUALIDADE NA ASSISTÊNCIA AO HIV/AIDS: PROCESSOS DE
142
SUBJETIVAÇÃO NA SAÚDE
Introdução
Os anos 1980 marcam o aparecimento da epidemia do HIV e junto a isso surgem uma
série de concepções que relacionam o corpo e a sexualidade como marcas da vulnerabilidade
provocada pela doença do sexo. A partir disso, temos a ideia do excesso sexual como
provocador da síndrome pouco conhecida, mas causadora de medo e estigma. Neste contexto,
a Aids aparece como retaliação da natureza contra quem transgride a norma sexo/reprodução e
toma o ato sexual enquanto objeto de desejo e excitação do prazer (Weeks, 2000). Ela é
caracterizada inicialmente como doença atrelada ao mundo gay, afirmando o caráter imoral das
práticas sexuais homoafetivas, às quais se atrelam os sentidos de impureza e contaminação.
Através disso, a heterossexualidade, posta como norma, exala a ideia do sexo saudável,
tradicional e puro e afirma a naturalização da ideia de sexualidade ligada necessariamente à
reprodução.
143
ser espaço para se pensar a produção transversal da diferença e análise da constituição mútua
das opressões. É a partir deste prisma que nos dispomos a fazer uma leitura e análise de certa
concepção de gênero presente nos documentos.
Metodologia
Para nosso caminho metodológico nos pautamos na escrita acadêmica enquanto
processo que permite ao pesquisador a superação da neutralidade proposta pelo saber dominante
e que entenda a realidade como resultado de modos de ver e dizer construídos em determinado
instante histórico (Escóssia & Tedesco, 2009). Desta forma, a perspectiva da genealogia
cartográfica torna-se útil para análise de nossa problemática na medida em que as abordagens
cartográfica e genealógica se aproximam no interesse em construir um diagrama de forças,
investigando como estas se agenciam na constituição de formas, saberes, verdades
(Zambenedetti & Silva, 2011).
Sendo assim, nossa pesquisa propõe pontos de inflexão acerca das normas de gênero
postas ao discurso da Saúde Pública, entendendo-a enquanto parte de um dispositivo de
normalização de práticas, modos de agir e de ser. Dessa forma, nos colocamos criticamente na
leitura de diretrizes dedicadas ao atendimento em HIV/Aids, analisando concepções de gênero
presentes nos documentos. Partimos de um olhar crítico, e não neutro para capturar problemas
conforme contato com o campo, o que influencia nossa abordagem e os desdobramentos da
pesquisa. Destarte, busca-se uma historicização e uma localização acerca das concepções de
gênero, sexualidade e do HIV/Aids, analisando a variação destas categorias conforme análise
documental.
Resultados e discussão
Economia política e regulação dos discursos sobre o sexo
A partir dos séculos XIX e XX torna-se cada vez mais comum a regulação da
sexualidade pelo Estado. A captura do discurso acerca das manifestações sexuais pela Saúde
Pública através do binômio saúde/doença determina a elaboração de políticas públicas baseadas
em discursos médico e científico dominantes. Sendo assim, corre-se o perigo de naturalização
dos papéis e interações sexuais que são refletidos nas intervenções propostas para as populações
alvos de intervenção (Parker, 2000).
144
seria subjetividade, revelando a identidade e o saber enquanto coisas diretamente ligadas ao
poder (Spargo, 2017).
Sob leitura de Foucault e Butler, Preciado (2014) propõe uma análise crítica da diferença
entre gênero e sexo enquanto produtos de um contrato social heterocentrado, no qual
performances normativas são inscritas nos corpos enquanto verdades orgânicas. O conceito
de contrassexualidade sugere a substituição do contrato social que denomina-se natureza para
um contrato contrassexual, o qual evoca o fim da naturalização dos corpos como ordenamento
legitimador da sujeição de uns a outros. Agora, os corpos não mais se reconhecem como
homens ou mulheres, mas como corpos que falam e reconhecem outros corpos como falantes.
O masculino, o feminino ou o desviante são agora produtos da determinação do poder. Desejo,
excitação sexual e orgasmo compõem elementos de uma tecnologia sexual que identifica e
unifica a função reprodução à função sexual e anula as possibilidades outras de sexualização
dos corpos (Preciado, 2014).
145
Atenção à população LGBT: como são construídas as existências transgressoras?
Esta falta histórica para com gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais representa
a institucionalização do estigma praticado por meio da marginalização, da invisibilidade e do
afastamento destes das políticas de assistência e saúde. Este movimento é caracterizado por
Butler (2000) como domínio do abjeto, no qual transgredir a norma sexo/reprodução pautada
na heterossexualidade como norma significa ser atravessado por forças de exclusão, onde seu
interior constitui-se pela abjeção, infâmia, rebaixamento.
Assim, a nomeação do pênis, da vagina e dos seios como áreas de prazer corresponde à
naturalização de um corpo construído como sendo marcado por determinados traços que
obedecem a ideia de heterossexulidade enquanto manifestação de ordem natural (Butler, 2019).
As palavras da autora trazem uma possível explicação para a característica de abjeção dada à
população LGBTQ+, que subverte a norma de correspondência sexo/gênero exigida pelo
sistema e afirma suas práticas como legítimas mesmo sofrendo violências quanto à seus modos
de ser. Nos documentos mais recentes percebe-se uma tentativa de captura dessas
subjetividades na exposição de sua existência enquanto população foco de intervenções em
saúde, agora não mais atrelada ao conceito de grupo de risco. Ainda assim, a presença se
resume, em grande parte, à simples citação e conceituação da identidade de gênero, pouco
expondo e permitindo a aparição das interações sexuais claramente.
Segundo essa linha, Preciado (2014) entende ser o sexo uma engenharia de domínio
146
heterossocial marcada pela redução do corpo a zonas erógenas em vista de uma distribuição de
poder entre os gêneros naturalizados. Este movimento faz com que coincidam determinados
afetos com certas partes do corpo, determinadas sensações com reações ao toque. Realiza-se
assim uma divisão e fragmentação do corpo, na qual órgãos são recortados e zonas sensitivas
são geradas para que depois sejam identificadas como centros anatômicos da diferença sexual.
Gays, lésbicas, travestis, transexuais passam a fazer parte das populações descritas nos
documentos. Esta presença não significa necessariamente um passo contribuinte ao fim da
discriminação institucional, já que a mera citação não basta para que as interações sexuais sejam
devidamente trabalhadas tal como ocorre em relação à sexualidade heterossexual. Dessa forma,
um discurso vago não contribui para um atendimento humanizado à esta população, não
instruindo profissionais a contemplarem em seus planos terapêuticos as diversas manifestações
e interações da sexualidade.
147
outro?
Presente nos documentos mais recentes, o discurso acerca dos direitos sexuais e
reprodutivos valoriza o preservativo feminino sob o controle da mulher como forma de maior
autonomia de seu corpo, inclusive quando há dificuldade de negociar o uso do insumo
masculino com suas parcerias (Brasil, 2017a). Dessa forma, naturaliza-se a posição de
submissão da mulher enquanto cuidadora e do homem como imprudente e mais apto ao prazer
imediato em um relacionamento heteronormativo, como se concretamente fosse o homem a não
querer utilizá-lo, ignorando fatores culturais e sociais que estabelecem posições sexuais dentro
de um sistema de heteronormatividade compulsória.
Dentro das demandas em saúde existem forças que vinculam papéis masculinos e
femininos à atenção de determinadas políticas dos serviços, as quais Barbosa e Lago (1997)
sugerem uma naturalização do papel da mulher no planejamento familiar, de mãe que pode
infectar verticalmente, de esposa que pode ser infectada pelo marido promíscuo, enquanto a
atenção às ISTs é voltada prioritariamente aos homens. As políticas de saúde voltadas ao
HIV/Aids passaram por uma masculinização da epidemia, na qual aquelas que se afastaram das
características dos grupos prioritários eram tidos como imunes ao vírus, estabelecendo-se ao
nível das instituições uma desatenção para determinados grupos.
Por outro lado, mulheres passam a ser vistas como focos de prevenção a partir do
momento em que se encontram grávidas. A prevenção à transmissão vertical aparece desde a
primeira diretriz como etapa fundamental do acompanhamento de mulheres grávidas e é
institucionalizada através da Portaria MS/GM n° 1.459, de 24 de junho de 2011, que institui,
no âmbito do SUS, a Rede Cegonha, conforme cita o documento Diretrizes para Organização
do CTA no Âmbito da Prevenção Combinada e nas Redes de Atenção à Saúde (Brasil, 2017a).
Além disso, se verifica o predomínio de gestantes junto às populações mais vulneráveis entre a
clientela referenciada ao serviço (Brasil, 2010).
148
(Preciado, 2014).
149
o ideal de mulher que obedece à norma sexo/reprodução, pautada por uma matriz heterossexual.
Butler (2019) problematiza a ideia de sujeito do feminismo construído através de uma política
representacional. Dessa forma, a autora coloca que a representação por um lado busca levar às
mulheres visibilidade e legitimidade enquanto sujeitos políticos; e por outro serve como função
normalizadora de linguagem capaz de revelar ou distorcer o que é posto como verdade sobre a
categoria mulher. Tendo isso em vista, a sexualidade de mulheres lésbicas e mulheres trans é
contemplada na ideia de representação feminina? De que forma isto reflete as políticas públicas
direcionadas a este público?
Considerações finais
O caminho percorrido através da pesquisa atravessou a sexualidade enquanto narrativa
150
necessária para a compreensão da problemática HIV/Aids, levando em conta as contribuições
de teorias do chamado feminismo pós-moderno. Sendo assim, a análise dos documentos seguiu
eixos de problematização conforme o seguimento das leituras e discussões. As diretrizes
demonstram obedecer à pressupostos heterossexuais e masculinos de dominação, na qual as
interações que transgridem a norma imposta aparecem pouco trabalhadas nos documentos. Esta
lógica, presente nas primeiras normativas, começa a ser problematizada, atestando a
multiplicidade das interações sexuais, dando visibilidade à segmentos antes marginalizadas.
Este movimento é marca de conquistas de movimentos de luta através dos direitos das pessoas
que vivem com HIV/Aids, além das lutas LGBTQ+ e Feministas, que contribuem para a
modificação das estruturas dominantes ao tratar do direito à cidadania, e conforme análise desta
pesquisa, o direito à saúde.
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ADOÇÃO HOMOPARENTAL: UM PERCURSO CONCEITUAL A PARTIR DA
152
PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA
Introdução
Nas últimas duas décadas, houve uma maior flexibilização da estrutura familiar, que
passou a ser vista como um conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência
doméstica ou normas de convivência, residente na mesma unidade domiciliar, ou pessoa que
mora sozinha em uma unidade domiciliar. Nesse contexto, existem diversas configurações
familiares, entre elas, a heteroparental, monogâmica, hierárquica, nuclear e homoparental
(IBGE, 2010). De acordo com Ceccarelli (2007), a família homoparental é formada por um
casal homoafetivo com ou sem filhos e os filhos podem ser advindos por meio de recasamento,
tecnologias reprodutivas ou adoção - eixo central deste trabalho.
O presente artigo visa fazer uma análise teórica sobre o tema adoção na
homoparentalidade, partindo de um diálogo entre algumas produções nacionais que tratam do
tema e produções que são referências no estudo dos conceitos como Família, Adoção,
Homossexualidade, Parentalidade e Homoparentalidade, caracterizando primeiramente as
questões jurídicas e sociais de reconhecimento das uniões homoafetivas, fazendo uso de uma
breve discussão histórica sobre as transformações na estrutura familiar ocidental, além de
contextualizar a adoção em diferentes épocas até chegar na possibilidade de adoção por casais
homoafetivos. Por fim, discutir a constituição familiar do casal homoafetivo adotante,
motivações, considerações psicossociais do adotante e os papéis exercidos dentro desta
configuração familiar.
Para compor este artigo foram selecionadas 28produções acerca da temática adoção na
homoparentalidade, a partir de uma pesquisa nas bases de dados SciELO e BVS (Biblioteca
Virtual em Saúde), usando a combinação de descritores: Homoparentalidade e Adoção;
Família Homoparental e Adoção. Como critério para seleção dessas pesquisas foram excluídas:
a) produções repetidas; b) que não fossem sobre o contexto brasileiro; c) que não possuíssem o
153
texto na íntegra. Quanto ao critério temporal, produções com datas de publicação mais recentes
foram prioridades para inclusão na pesquisa. As demais referências foram obtidas por meio de
indicação de profissionais de referência no assunto, ou através de referências encontradas nas
produções selecionadas.
Como aponta Samara (1991), essa família nuclear burguesa se constitui de uma classe
social reduzida e de uma reduzida região brasileira- baseada em uma relação hétero-
monogâmica e de cuidado intenso da prole - e apenas esse tipo de relação era permitida e
reconhecida jurídico e socialmente, causando uma invisibilidade de outros tipos de relações
possíveis, como as homoafetivas. Nesse sentido, a heterossexualidade não era vista somente
como natural, mas também como culturalmente necessária, por ser a única referência visível de
154
ser família (Arán, 2004).
Novos modelos de se ver família começaram a ser pensados nas décadas de 60 e 70,
incitados pelo movimento feminista, movimentos de reconhecimento da homoafetividade,
legalização do divórcio e o crescente uso da pílula anticoncepcional, devido à um
reposicionamento social das mulheres e maior participação e visualização política das questões
de orientação sexual (Ceccarelli, 2007). Fenômenos como esses vêm contribuindo para a
desconstrução do tradicional modo de perceber família e os seus papéis, principalmente no que
tange modelos de conjugalidade e parentalidade.
Mesmo após grandes mudanças, tanto jurídicas, quanto sociais, ainda se faz presente,
em grande parte da sociedade brasileira, o ideário tradicional de organização familiar, como
aqui já citado (Futino & Martins, 2006).Essa resistência a flexibilização das teias relacionais
que compõem a família, quando trata-se de famílias compostas por casais homoafetivos, é fruto
dos limites que são criados e mantidos no discurso cultural hegemônico que, por sua vez, é
produzido pelas práticas reguladoras da sociedade, como igreja, escola, família e sistema
jurídico, relativo a sociedades brasileira, que até o século XIX sofria de uma forte influência da
Igreja Católica (Prestes & Vianna, 2012; Cerveny & Marodin, 2014). Esse discurso hegemônico
é baseado em estruturas binárias, ou seja, parte do pressuposto de diferenciação dos sexos
biológicos como opostos, a qual o corpo sexuado determina o papel e o status social que aquele
indivíduo irá ocupar; e do pressuposto da heterossexualidade como única forma de desejo
possível e aceitável no campo social, conceito cunhado por Rich (2010) como
“heterossexualidade compulsória”, produzindo uma determinada maneira de se relacionar e de
fazer família. Todos os modos de ser família que se encontravam fora dessa ordem
heteronormativa, acabavam por cair o campo da loucura, do pecado e do crime (Navarro-Swain,
2012).
No Brasil, somente em maio de 2011 que o Supremo Tribunal Federal (STF) altera os
arts. 1.723 e 1.726 do Código Civil, estendendo a União Estável a casais homoafetivos, o que
permite o reconhecimento desses casais como uma unidade familiar (Brasil, STF, 2011). Dois
anos depois, em maio de 2013, foi aprovado no Conselho Nacional de Justiça a Resolução nº
155
175, que “dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união
estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo” (Brasil, Senado, 2013).A partir desse
reconhecimento jurídico do casal homoafetivo como uma célula familiar é que se abre a
possibilidade da adoção legal por parte desses casais, tendo em vista que, segundo o Estatuto
da Criança e do Adolescente, para que haja a adoção é estabelecido apenas que o casal esteja
em união estável a mais de dois anos. Nesse contexto, levanta-se discussões sobre a capacidade
desses casais de exercerem a parentalidade.
A prática de adoção acabou entrando em desuso durante a Idade Média, pois não se
tinha mais o interesse de passar os bens econômicos para alguém que não fosse da mesma linha
consanguínea, além da desaprovação da Igreja, já que não favorecia a instituição do casamento,
só voltando a ter destaque com Napoleão Bonaparte que permitiu a adoção a pessoas com idade
superior a 50 anos e que não possuíssem filhos de forma legítima (biológica) ou legitimada -
reconhecida pelas instituições de poder: Estado e Igreja (Silva, 2017).
A partir do século XV, com o Renascimento Italiano, segundo Passetti (apud Henick e
Faria, 2015) a criança passa a ser vista como um ser inacabado, que precisa de outros para
satisfazer suas necessidades elementares. Por volta do século XVI e XVII, um novo sentimento
se instala quanto a essa infância, pois as crianças passam a ser vistas como seres afetuosos e
passam a ser enaltecidas em comportamentos, servindo de distração para os adultos. Somente
por volta do fim século XIX a concepção atual de infância começa a surgir de fato na sociedade
ocidental, com o desenvolvimento do “sentimento de infância”, em que há a concepção da
criança como um indivíduo em função de si mesmo, um ser em desenvolvimento que precisa
de cuidados e afetos. A partir disso, família tornou-se um lugar de afetividade nas relações
conjugais e parentais.
156
chamada Roda dos Expostos, criada por meio da Lei do Desamparo, que tinha como função
abrigar crianças abandonadas a fim torná-las disponíveis conforme a necessidade do Estado em
obter mão-de-obra trabalhadora. Essas Rodas de origem medieval permitiam as mães
abandonarem seus filhos de forma anônima, comumente crianças pobres, escravas ou crianças
nascidas de relacionamentos entre um membro da classe abastada com criadas ou escravas, e
“com o passar dos anos a Roda se tornou um instrumento que servia, na maioria das vezes, para
acobertar os crimes morais das mulheres brancas” (Andrade, 2016). Por volta do século XIX,
essas instituições começaram a ser fechadas pois passaram a ser consideradas contrária aos
interesses do Estado, e receberam críticas dos médicos-higienistas pelas altas taxas de
mortalidade infantil.
No Código Civil de 1916, se institui legalmente a Adoção em ordem jurídica pela Lei
Ordinária n° 3.071, objetivando a ampliação das possibilidades de adoção. Com essa nova lei,
apenas um casal formado por um homem e uma mulher casados legalmente – sem possibilitar
a adoção por qualquer outro tipo de configuração familiar – com idade superior a 50 anos
podiam adotar se tivesse um contato com os pais legítimos, entretanto o adotando deveria ter
18 anos a mais que o adotado. Essa lei da adoção priorizava o desejo dos adotantes – já que era
tida como uma forma de suprir a falta de filhos do casal – não considerando os interesses e
necessidades do adotado. A adoção tinha caráter revogável apenas nas condições de
“ingratidão” por parte do adotado, que se configurava como atentado a vida dos adotantes,
injúria grave, ofensa física e calúnia; e quando convinha às duas partes (Lebourg, 2012).
Em 1957, visto as necessidades de mudança, foi promulgada a Lei 3.133 que alterava e
complementava as disposições da constituição de 1916 que tratava sobre a adoção. Essa lei tem
como principal contribuição para a concepção atual de adoção a consideração da adoção com
finalidade assistencial, ou seja, como meio de oferecer uma melhor condição de vida ao
adotado, não considerando somente os interesses dos adotantes. A lei também altera a idade
mínima do adotante de 50 para 30 anos; reduz a diferença de idade do adotante para o adotado
de 18 para 16 anos; passa a incluir o consentimento do adotado e do seu representante legal; e
abre a possibilidade de adoção para casais que já possuíam filhos, caracterizando-se como um
importante avanço no instituto da adoção brasileira. (Brauner e Aldrovandi, 2010; Andrade,
2016)
Com a Lei 4665/65 a adoção passa a ser irrevogável e, quando o casal tivesse filhos
biológicos, esses teriam os mesmos direitos e deveres que os filhos adotivos legitimados, exceto
nas situações de herança hereditária. A Lei 6.697/79, conhecida como Código de Menores, que
precede ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990),estabelece a “Adoção Simples”
ao menor em situação irregular, ou seja, não apresentava ordenação jurídica, que substitui a
“Adoção Tradicional” regulamentado no Código Civil de 1916, e substituiu o termo
“Legitimação Adotiva”, que passou a ser tratada como “Adoção Plena”, termo que passa a
englobar o adotado, visto que legitimação só retratava os interesses dos adotantes.
157
direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer
vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.
Nota-se que os Art. 41°, a criança e o adolescente passam a ser vistos como sujeitos de
direitos em desenvolvimento e que precisam que seus direitos sejam resguardados não só pelo
Estado, mas pela sociedade e pela família, sendo colocado como protagonista no processo de
adoção e equiparando judicialmente o filho adotado ao filho consanguíneo (Brauner;
Aldrovandi, 2010).
De acordo com o art. 39, § 1º e 2ª parte, do ECA, a adoção passa ser irrevogável e
excepcional, só devendo ser considerada essa medida quando tiverem sido esgotados todos os
recursos na manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa. O Art. 42°
permite a adoção independente do estado civil de quem adota, mas para adoção conjunta é
indispensável a condição de casamento civil ou união estável, não delimitando gênero dos
adotantes. Em 2011, é reconhecida a união estável de casais do mesmo gênero no Brasil,
abrindo a possibilidade de adoção homoparental, dependendo da interpretação do juiz
responsável pelo caso (Cerveny e Marodin, 2014).
158
homoafetivos adotantes, essa flexibilização demonstra um compartilhamento equitativo das
tarefas, responsabilidades e gerenciamento do lar em tarefas tidas como responsabilidades tanto
femininas quanto masculinas e menor centralização de poder em apenas uma figura, permitindo
a fluidez da autoridade entre o casal (Meletti & Scorsolini-Comin, 2015; Vieira, 2011; Lira et
al., 2015; Rodriguez & Paiva, 2009).
Desse modo,pode-se concluir que o exercício de uma boa parentalidade irá depender da
qualidade do vínculo e das relações estabelecidas no ambiente familiar, que independe da
orientação sexual dos pais.
Considerações finais
A questão da adoção por parte de casais homoafetivos ainda é uma possibilidade muito
recente no Brasil, já que até maio de 2011, o reconhecimento das uniões homoafetivas ficavam
a encargo da interpretação do juiz que recebesse, ou seja, até pouco menos de uma década, esses
casais não eram reconhecidos judicialmente como uma unidade familiar. Esse fato, implica que
também não havia um reconhecimento social desses casais, evidência visualizada nas
referências consultadas, favorecendo receios e entraves na questão de adotar, em decorrência
do medo ao preconceito a ser enfrentado tanto pelo casal, como pela criança.
A partir dos estudos nota-se que o que se deve levar em consideração para que se garanta
um ambiente familiar saudável é a motivação em cuidar, fato que independe da orientação
sexual. Logo a homoparentalidade é válida como uma forma de parentalidade, já que, como
comprovam as pesquisas, não existe nenhum dado que comprove deficiências ou desvantagens
nesse modelo. O que deve ser levado em conta, pelos profissionais envolvidos no processo e
pela sociedade que irá receber essa família é o que está escrito constitucionalmente no ECA:
que deve ser assegurado o direito ao convívio familiar para as crianças e adolescentes prezando
pelo interesse do menor, implicando assim, sua introdução em um lar em que estes tenham seus
direitos resguardados, receba cuidado, proteção e afetos.
Esse artigo, leva-nos a concluir que sãonecessárias mais pesquisas acerca do tema, a fim
159
de mitigar os preconceitos e ressaltar como são as vivências dessa família, como se constituíram
e os vínculos estabelecidos. Espera-se que esse artigo, apoiado em pesquisas científicas
brasileiras e obras de referência os conceitos aqui analisados, contribua para a reflexão sobre o
tema proposto, forneça aporte para futuros estudos na área e contribua para que profissionais
reflitam sobre sua atuação enquanto agente de mudanças.
Referências
160
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Pesquisa, 32(4). Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
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CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE FERENCZIANA SOBRE ABUSO SEXUAL:
162
PERSPECTIVAS E MANEJO TÉCNICO
O presente trabalho consiste em um estudo teórico sobre o abuso sexual a partir de uma
perspectiva psicanalítica. Dessa forma, mediante apropriação teórica de autores relevantes
como Ferenczi (1993), além de autores brasileiros, tais como Junior e Ramos (2010) e Mendes
e França (2012), será analisado conceitualmente o que seria o abuso sexual e os seus
desdobramentos na vida psíquica das vítimas. Todavia, será dado um destaque maior a Ferenczi,
haja vista sua imensa contribuição para o entendimento do trauma. Além disso, o artigo também
tem como objetivo explanar formas de como o analista pode agir diante desses casos no
ambiente terapêutico, buscando uma maior compreensão do tema para lidar com a
complexidade desses casos, bem como para a construção de uma sociedade mais ética.
Por certo, essa temática vem ganhando visibilidade no país nas últimas décadas, uma
vez que foi fomentada pela mobilização das instituições governamentais, não governamentais
e da sociedade civil, visando a luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e
adolescentes (Paixão & Deslandes, 2010). Todavia, o Brasil ainda sofre com esse impasse, uma
vez que as políticas públicas de combate a esse tipo de violência ainda sofrem alguns desajustes
que minimizam a sua efetividade no que diz respeito ao atendimento especializado. Segundo
Paixão e Deslandes (2010), um desses desajustes se encontra na deficiência de indicadores que
permitam um bom monitoramento e avaliação das políticas públicas contra a violência sexual
empreendidas no território brasileiro.
Somado a isso, sabe-se que a etiologia e os fatores que causam o abuso sexual são
diversos. Conforme Azevedo (2001), questões culturais como o incesto, a título de exemplo,
bem como de relacionamento - pode-se exemplificar a dependência social e afetiva entre os
membros da família - dificultam a notificação do ato de agressão e perpetuam o silêncio.
Ademais, a autora ainda afirma que questões da sexualidade da criança, do adolescente ou
mesmo dos pais dentro da complexa dinâmica familiar também estão presentes na etiologia do
abuso sexual. Destarte, essas implicações, entre muitas outras, corroboram para a manutenção
desse fenômeno, evidenciando a importância de compreender a temática que ainda se mostra
um problema a ser combatido hodiernamente.
Outrossim, Amazarray e Koller (1998) afirmam que o abuso sexual pode ser definido
163
como o envolvimento de crianças e adolescentes em atividades sexuais que não compreendem
em sua totalidade e com as quais não estão aptos a concordar. Nessa perspectiva, Azevedo
(2001) ainda complementa que é uma situação em que a criança ou o adolescente é usado para
a gratificação sexual de um adulto ou até mesmo de um adolescente mais velho, baseado em
relação de poder que pode incluir: 1) carícias; 2) manipulação da genitália, mama ou ânus; 3)
exploração sexual; 4) voyeurismo, 5) pornografia; 6) exibicionismo; 7) ato sexual com ou sem
penetração, com ou sem violência.
Dessa forma, tendo em vista a gravidade dessa problemática e o fato de que muitas das
vezes essas vítimas, crianças e adolescentes, são descredibilizadas, a Psicanálise com seu
método e manejo clínico próprios, pode proporcionar aparatos para considerar aquilo que o
sujeito diz, além de ter como princípio que o sujeito está exatamente lá, naquilo que diz, sem
saber o que está dizendo (Junior & Ramos, 2010). Nesse interim, fica evidente a importância
da análise para esse público. Portanto, tendo entendido do que se trata o abuso sexual, bem
como algumas implicações que o fazem ser um impasse atual, o artigo se propõe a explicar os
efeitos psíquicos da violência sexual, mediante a perspectiva ferencziana, além de verificar as
possíveis contribuições da psicanálise no que diz respeito ao manejo técnico sobre o tema em
consideração.
Metodologia
O presente artigo é resultado de uma revisão bibliográfica que buscou abranger a noção
de abuso sexual para psicanálise ferencziana, seus efeitos psíquicos na vida dos sujeitos e as
técnicas usadas nesses casos no âmbito clínico pelos profissionais de psicologia. Portanto, foi
utilizado o método conceitual-analítico, visto que foram utilizados conceitos e ideias de outros
autores, de forma a responder ao objetivo do trabalho. Para a construção de uma análise
científica sobre a temática, foram selecionados artigos acadêmicos, que em sua maioria
possuem cunho psicanalítico. Artigos de revisão não foram incluídos.
A busca eletrônica foi conduzida nas seguintes bases de dados: cientific eletronic library
online (Scielo) e Google Acadêmico. Foram utilizados como critério de inclusão dos materiais
analisados os seguintes descritores em idioma português: “abuso sexual”, “psicanálise”,
“contribuições da psicanálise”, “trauma”, “violência sexual”. Uma análise inicial foi realizada
com base nos títulos dos manuscritos e nos resumos de todos os artigos que preenchiam os
critérios de inclusão ou que não permitiam se ter certeza de que deveriam ser excluídos. Após
análise dos resumos, foram selecionados oito artigos que foram obtidos na íntegra e analisados
de acordo com os critérios de inclusão estabelecidos.
Dessa forma, a análise dos artigos foram substanciais para o entendimento da temática
bem como para a formulação de um olhar crítico sobre o abuso sexual, que é algo tão pertinente
hodiernamente, além de uma reflexão e produção mais concentrada sobre manejos técnicos, a
qual poderá ajudar os profissionais que trabalham com esse público.
Resultados e Discussão
A partir das observações feitas, pode-se perceber uma grande contribuição, da qual é
164
possível tirar um efetivo proveito, das elaborações de Ferenczi sobre o trauma, que vai de
encontro com o nosso objetivo de entender os efeitos psíquicos sofridos pelo sujeito vítima de
violência sexual. Em verdade, o abuso sexual se torna traumático não apenas como resultado
de uma hipersensibilidade constitucional da criança, mas como uma consequência do choque
entre a ternura infantil e as respostas passionais ou perversas do adulto (Mendes & França,
2012).
Por certo, há uma excitação excessiva e súbita para o corpo e o psiquismo da criança,
as quais estão despreparadas para tais sensações. Segundo Mendes e França (2012), o que
acontece é o encontro da ternura infantil (a sexualidade pré-genital e lúdica) com a paixão do
adulto (a sexualidade genital), que pode ir da estimulação erótica precoce e excessiva do corpo
infantil até uma relação genital completa. Nessa perspectiva, podemos perceber uma confusão
de linguagem entre criança e adulto, somado a isso, essas ideias reforçam a grande importância
histórica do último artigo de Ferenczi. Escrito em 1932 para o XII Congresso Internacional de
Wiesbaden, “As paixões dos adultos e sua influência sobre o desenvolvimento do caráter e da
sexualidade da criança” e publicado em 1933, ano de sua morte, com um novo título, “Confusão
de língua entre os adultos e a criança (A linguagem da ternura e da paixão)”.
Isto posto, vamos nos atentar para os impactos causados pelo trauma sexual. Segundo
Ferenczi (1993), a criança de quem se abusou converte-se em um ser que obedece
mecanicamente ou que se fixa numa atitude obstinada, todavia, não pode mais explicar as razões
dessa atitude. Em outras palavras, os sujeitos abusados na infância possuem a fixação em
atitudes de passividade extrema. Além disto, os autores Mendes e França (2012) ainda pontuam
que a partir dessa constatação, Ferenczi desenvolveu a hipótese metapsicológica de que uma
clivagem de extensão variável seria responsável por preparar o terreno para a instalação de
configurações psíquicas permeadas pela passividade, as quais serão abordadas adiante.
Além de ser descrita como uma forma privilegiada de lidar com traumas graves, a
clivagem ferencziana também é o mecanismo responsável por instaurar um estado de
passividade psíquica, observado nos processos analíticos como um tipo de transferência
marcado pelo amor e submissão excessivos, o qual é aparentemente favorável ao
tratamento, mas resulta, paradoxalmente, na intensificação da angústia. (Mendes &
França, 2012, p.125).
165
fragilizado, e o agressor, atuando de forma semelhante ao superego sádico (Mendes & França,
2012).
Todavia, se o indivíduo não conseguir suportar a parte que representa o agressor, esse
fragmento será reproduzido no mundo externo, desencadeando um comportamento idêntico ao
do abusador, geralmente com alguém que considera semelhante a si mesmo quando era
submetido a agressão, como crianças mais novas, haja vista sua fragilidade e obediência que os
tornam alvos fáceis. Desse modo, o sujeito passa a agredir no outro justamente a projeção do
ego infantil outrora maltratado. Assim, novamente diante do agressor, só restará ao indivíduo a
submissão e a obediência: a reedição da cena traumática na qual, originalmente, foi obrigado a
se calar para garantir sua sobrevivência (Mendes & França, 2012).
Somado a identificação com agressor, outro efeito psíquico que surge como resultado
da violência sexual pode ser o fenômeno da progressão traumática. De acordo com Ferenczi
(1993), a criança que sofreu uma agressão sexual pode, de súbito, sob a pressão da urgência
traumática, manifestar todas as emoções de um adulto maduro, bem como as faculdades
potenciais para o casamento, a paternidade, a maternidade, capacidades essas que só deveriam
se manifestar na idade adulta. Isto significa que, a criança que sofre uma violência sexual pode
ativar muito cedo, e de forma estereotipada, as emoções e aptidões que só um adulto possuem,
palavras que podem ser justapostas as de Ferenczi (1993) quando afirma que frutos ficam
maduros e saborosos depressa demais, quando o bico de um pássaro os fere.
Destarte, visto que tomamos conhecimento sobre alguns dos efeitos psíquicos que
sofrem um indivíduo vítima de abuso sexual a partir de Ferenczi, vamos nos ater a como o
analista pode agir no âmbito terapêutico diante desse público, a fim de obter resultados positivos
no tratamento. Em verdade, esses indivíduos tem inúmeros motivos para não confiar em adultos
e resistir a uma aliança terapêutica, desse modo veremos algumas técnicas de manejo clínico
para que o analista possa ultrapassar impasses analíticos.
Isto posto, umas das primeiras ferramentas psicanalíticas que podemos citar é a que
Ferenczi usou no manejo clínico com pacientes vítimas de abuso sexual. Por certo, quando
Ferenczi percebeu, em sua vasta experiência clínica, que estava lidando com psiquismos que
funcionavam em sua maioria por meio de clivagem, ele apostou no estabelecimento de uma
confiança no setting como componente fundamental. Nessa perspectiva, isso se torna
substancial ao passo que a insensibilidade do analista, disfarçada sob a capa da neutralidade,
pode acabar empurrando o analisando em direção a reprodução do trauma na transferência.
Pois, ao se deparar com a frieza do analista, a única saída seria a revivescência do momento
traumático – no qual a criança, por não ter a quem recorrer, necessite clivar seu psiquismo para
suportar o medo –, que se manifesta então como uma forte crise de angústia ou dissociação
(Mendes & França, 2012). Desse modo, Ferenczi (1993) com o intuito de levar seus pacientes
a confiar novamente em um adulto, passou a empenhar-se em uma atitude empática, que
pudesse diminuir as chances de uma retraumatização durante a análise.
166
a redescoberta de si mesmo enquanto ser humano digno de amor e respeito (Azevedo, 2001).
Somado a isso, Abras (2014) afirma que frente a esses pacientes traumatizados é função
do analista não repetir as figuras paternas traumatizantes, dessa forma, esse profissional deve
ser uma presença reparadora, que sustente a repetição, além de sempre evitar o risco da
dominação e de práticas pedagógicas, para não tomar o lugar do mestre a ser seguido. Ademais,
em casos mais específicos, como nos casos onde durante a análise o analista descobre que o
analisando está sendo abusado e que esse caso se configura como incestuoso - o qual é mais
difícil de ser identificado, uma vez que a denúncia por parte da criança/adolescente dificilmente
é feita – sugere-se que o analista informe o responsável não abusivo da criança. Entretanto, caso
esse responsável prefira se posicionar a favor do cônjuge abusador – como frequentemente
acontece – o profissional pode informar a outra pessoa de confiança do sujeito, uma vez que
com a existência do abuso, é imprescindível o afastamento entre vítima e agressor. No mais, o
analista deve se ater ao Código de Ética de Psicologia.
Conclusão
Por certo, segundo Azevedo (2001), a psicanálise vem obtendo resultados bastante
positivos no que tange ao atendimento desse público, fruto de um trabalho árduo e diferenciado.
Dessa forma o manejo técnico apresentado nesse trabalho se mostra não como uma regra a ser
seguida, mas relevante ao passo que por meio dessas técnicas o analista poderá fazer com que
o sujeito compreenda que foi vítima de uma violência e que não precisa paralisar sua vida,
tampouco seus investimentos libidinais e que pode reconstruir, pouco a pouco, a imagem de um
corpo outrora dilacerado. No entanto, o trabalho ora feito reconhece a necessidade de que sejam
desenvolvidas mais investigações neste sentido, tendo em vista a singularidade de cada caso e
a gravidade da temática.
Referências
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167
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criança e o adolescente: reflexões interdisciplinares. Temas em psicologia, 18(1), 99-111.
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da violência sexual infantojuvenil. Saúde e Sociedade, 19, 114-126.
A DECOLONIALIDADE COMO INSPIRAÇÃO PARA A PROBLEMATIZAÇÃO DA
168
IDEOLOGIA DE GÊNERO
Introdução
A população dos Estados Unidos da América (EUA) não tem propriamente um nome
único. Americanos não são somente aqueles que nasceram no solo dos Estados Unidos da
América, mas todas as pessoas que nasceram no continente América. Estadunidenses também
não encaixa bem para designar esse nameless people: o México, vizinho de muro, também é
Estados Unidos do México. Se os chamarmos de Ianques, “habitantes da Nova Inglaterra”,
consideramos historicamente só os que moram ao norte dos Estados Unidos. O continente
Americano é tão o Outro da “verdadeira América” que, se nos colocarmos da perspectiva do
imperialista, sequer conseguimos um bom nome para nomeá-los sem nos ofender (Anzaldúa,
1987; Hooks, 2008).
Ainda assim, a política brasileira imita a estadunidense, bem como imitou o modelo
romano de direito. Assume para si operadores conceituais como “ideologia de gênero”, ou seu
antecessor, “agenda de gênero”. Esses operadores conceituais não são originais do Brasil, no
sentido que é atribuído pelas bancadas religiosas do Congresso ou o site do Movimento Escola
Sem Partido. Têm fundação e função na necessidade da Igreja Católica de sustentar apenas um
tipo de ontologia humana como válida: a cisheterossexual em que a mulher serve o homem
(Gênesis 2:18;23; 1 Coríntios 11:3). Parte da tarefa decolonial é identificar essa ontoteologia
catequizada no Brasil durante séculos de colonização e se opor a ela, desmantelando seu status
de verdade.
7
Ontoteologia designa o suplemento teológico que o judaico-cristianismo adicionou à proposta ontológica
aristotélica.
8
Cisheterossexual é toda pessoa que se identifica na identidade de gênero diagnosticada ao nascimento, e se
relaciona apenas com pessoas do outro sexo do par binário. Não cisheterossexual é toda pessoa que não a norma
(o outro da norma): não bináries, bissexuais, travestis, intersexuais, entre outres.
Quando somamos métodos, quando fazemos uma análise do discurso
169
arqueogenealógica de perspectiva queer9 e decolonial, levamos em consideração um amplo
quadro de interseccionalidades. Partimos, na arqueogenealogia foucaultiana e na epistemologia
queer, da tentativa de romper com estruturalismos caracterizados pela lógica formal aristotélica
e tradicionalismo judaico-cristão. Na perspectiva decolonial, nos aliamos a produções
mexicanas, latinas, africanas e brasileiras, para compreender e propor como verdade outros
modos de existência ética-estética que não a do homem cisgênero e heterossexual, branco,
europeu ou estadunidense, e que possui herança e a mulher para lhe “ajudar”.
Esses métodos são acionados para começar a levar em conta nosso objeto de pesquisa,
sempre localizado e contingente (Butler, 2013), que é a chamada “ideologia de gênero”. Quando
falamos em estudos do gênero, podemos traçar vários fundamentos (por definição contingentes)
que a colonização ontoteológica cristã ensinou e ensina como verdade humana. Mas não só: é
do delírio imperialista “americano” que também surgiram propostas de sociedade, afirmadas
como verdade, que visavam “acabar com a cultura” (Firestone, 2003) como a conhecemos. Para
além da história, já amplamente documentada no Brasil (Miskolci & Campana, 2017;
Junqueira, 2017; Junqueira, 2018), de que ideologia de gênero é um operador conceitual
produzido e difundido pela Igreja Católica nas décadas de 1990 e 2000, nos interessa analisar
o livro da feminista estadunidense Shulamith Firestone10, A dialética do sexo, de 1970. Esse
livro fundamentou a crítica católica à “Agenda de gênero” e ao feminismo, como descrito por
Dale O’Leary, católica residente nos Estados Unidos, em 1997. A “Agenda de gênero” difere
da proposta ontológica judaico-cristã, como a maioria das propostas feministas. Porém, se
especifica ao ponto de representar apenas uma pequena fração do feminismo radical. E,
certamente, não o todo do feminismo, como infere O’Leary ao dizer que o feminismo da
igualdade havia sido substituído pelo feminismo de gênero (O’Leary, 1997).
9
A teoria queer, ou no abrasileiramento cuír, é como também é chamada a terceira onda do feminismo:
problematização do binarismo de gênero como uma metafísica extraída da própria natureza.
10
Firestone foi diagnosticada na época como esquizofrênica.
2014, s/p.). Essa ação, de fato deturparia os conceitos de homem e mulher a partir da ótica
170
judaico-cristã (Carvalho, 2015). Negaria a própria ontologia bíblica do binarismo cissexual e
heterossexual, em que a mulher é submissa, ontologia que para o judaico-cristianismo é a
expressão da mais pura natureza humana descrita pelos “santos”11. Porém, como o Brasil é um
país laico pluralista, a ação se justificaria na diminuição da violência cisheterossexista12 ante o
ensino do respeito a diversidade sexual e de gênero, visto que a religião é uma crença que não
é compartilhada por todes13.
Desenvolvimento
11
Poder-se-ia argumentar que há grupos católicos, como as Catholics for Choice (CFC), que não apoiam essa
ontologia. Porém, a alta hierarquia católica considera a CFC uma organização danosa, oposta à Igreja política e
moralmente. Se levarmos em consideração o texto bíblico, também não podemos assumir uma igualdade entre
homens e mulheres, ou a existência ontológica fora do binarismo.
12
A palavra cissexismo foi cunhada pela militância trans e não binárie a partir da palavra heterossexismo.
Designa a violência direcionada a pessoas não cissexuais. Cissexual é toda pessoa que se identifica com a
identidade de gênero diagnosticada ao nascimento.
13
A substituição das terminações –a e –o pela terminação –e denota o que comumente se adota no Brasil como
linguagem não binária, essa linguagem será usada quando necessário de acordo com a ética inclusiva que permeia
o texto. Não será usado “@” pela dificuldade de leitura por softwares, portanto capacitista.
14
Que o gênero, “[...] não classe ou raça, era a forma de contradição primária, e todas as outras formas de
dominação social seriam originárias da supremacia masculina” [todas as citações desse documento tem tradução
livre]
15
“o sexismo apresenta problemas bem piores do que o recente reconhecimento do racismo por mulheres
negras.”
um corpo. Os marcadores de vulnerabilidade não se excluem, e toda vez que se tenta analisar a
171
partir de um marcador como originário de toda a opressão, ignora-se a complexidade de um
processo produzido em formações discursivas múltiplas.
Audre Lorde, feminista negra, descreve a pessoa menos passível de sofrer violência nos
EUA de sua época como “White, thin, male, young, heterossexual, christian, and financially
secure. It is with this mythical norm that the trappings of power reside within this society.”16
(1984, p. 116). Uma pequena fatia da população está nessa descrição e, quem não está, por
vezes reconhece em cada marcador identitário a diferença no trato que está em ser o Outro da
ontologia (Lorde, 1984). Fazer uma política localizada e de localização (Haraway, 2009),
interseccional, implica problematizar os vetores de vulnerabilização no próprio corpo, levar em
consideração outros por meio do estudo e reconhecer privilégios de passabilidade17. Firestone
não faz isso, e esse é, do ponto de vista aqui apresentado, seu primeiro equívoco.
A sociedade utópica de Firestone, que será descrita nessa seção, parte do pressuposto
que todo o trabalho será abolido por meio da cibernética – o que converteria a sociedade a um
cybercomunismo. Essa é uma característica explícita de um regime de historicidade futurista
moderno (Hartog, 2014): pensa em uma sociedade utópica futura desconsiderando as
dificuldades para se chegar até ela, bem como tudo aquilo que é necessário operacionalizar para
isto. O que falta a Firestone é, do nosso ponto de vista, o mesmo que falta ao socialismo
marxista-engelsista (que também é caracterizado por um regime de historicidade futurista
moderno): uma “razão governamental” (Foucault, 2008, p. 123). Nisto consiste o segundo
déficit para o qual chamamos atenção.
Um outro ponto que este trabalho põe em xeque em relação à obra de Firestone consiste
em um dos aspectos mais ressaltados pelo Escola Sem Partido (ESP)18: o incentivo à pedofilia.
Para Firestone, toda infelicidade e neurose humana deriva de um só vetor: a lógica familiar
patriarcal e a proibição do incesto (Firestone, 2003). As pessoas deveriam viver em households,
a tradução para essa palavra é inexata. Seriam casas em que pessoas (10-15 pessoas) viveriam
conjuntamente por um período pré-estabelecido em contrato. Essas pessoas poderiam adotar
crianças, e as crianças poderiam transitar entre households. A sexualidade nos households seria
pansexual, e sua definição para essa palavra é diferente do que comumente se entende por ela:
incluiria a pedofilia. Nada deveria obstruir a sexualidade, assim se uma criança “[...] choose to
relate sexual to adults, even if he should happen to pick his own genetic mother, there would
be no a priori reasons for her reject his sexual advances, because the incest taboo would have
lost its funcion.”19 (Firestone, 2003, p. 215).
Vale salientar que a proteção à infância é um bem inalienável da nossa sociedade atual
e a pedofilia é considerada crime. Não é rara a busca por terapia para crianças (por meio de
16
“Branco, magro, homem, jovem, heterossexual, cristão, e com estabilidade financeira. É com essa norma mística
que as armadilhas do poder residem nessa sociedade”.
17
O operador conceitual passabilidade designa a possibilidade de locomoção e acesso de uma pessoa à cidade.
18
O ESP foi o principal difusor do operador conceitual ideologia de gênero na década de 2010 no Brasil. Em união
com deputados evangélicos neopentecostais, católicos e apoiadores laicos produziu projetos de lei e interferiu
diretamente no PNE (Miskolci, R; Pereira, P. P. G., 2009).
19
“[...] escolhesse se relacionar sexualmente com adultos, mesmo que aconteça dele escolher sua mãe genética,
não haveria nenhuma razão a priori para ela rejeitar seu avanço sexual, porque o tabu do incesto já teria perdido
sua função”.
cuidadores ou da escola) com neurose grave ou psicose em que abusos psicológicos, físicos
172
ou/e sexuais é a principal queixa. Estima-se que no Brasil a cada 24 horas, 320 crianças são
abusadas (Ordem dos Advogados do Brasil [OAB], 2018). “70% dos estupros são cometidos
por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima, o que indica que o principal inimigo
está dentro de casa, e que a violência nasce dentro dos lares” (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada [IPEA], 2017, s/p.). O desserviço de Firestone é imenso, mas o do ESP não é menor,
no site do ESP lemos:
Como ninguém faz uma daquelas campanhas diárias de repúdio à educação sexual nas
escolas? Claro que hoje é mais normal num jantar inteligente você contar sua vida sexual
com seu pastor alemão do que confessar em lágrimas que acredita em Deus, mas, mesmo
assim, como não ver que a educação sexual nas escolas é ridícula? Ensina-se o quê?
Posições? Gemidos? Aparelhos engraçadinhos? Que tal se meninos e meninas
aprendessem a colocar camisinha com a boca? (Pondé, 2011, s/p.)
O quarto equívoco de Firestone, desde o ponto de vista que ora apresentamos, é a ideia
de que haveria, no fim da revolução sexual, um “disappearence of culture” (2003, p. 173), um
desaparecimento da cultura como a conhecemos. Isso porque provavelmente o relacionamento
monogâmico estaria obsoleto, todo mundo seria pansexual e o conceito de infância
20
Os livros da coleção “Educação sexual, perguntas e respostas” da psicóloga Cida Lopes foram analisados por
nós, e realmente os consideramos um péssimo material de ensino.
21
Nesse site é possível acessar com facilidade notícias publicadas no decorrer da história e ver o histórico das
modificações da página. Acesso em: 03/03/2020.
22
Pastora evangélica brasileira, atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Jair
Bolsonaro.
desapareceria, juntamente como as designações homem e mulher (Firestone, 2003). Isso é uma
173
aniquilação de uma ontoteologia histórica, hipótese altamente improvável de ocorrer. O que a
teoria não binárie e a teoria queer propõem como estratégia nos dias de hoje é a problematização
histórica do gênero e a multiplicação de ontologias na lei, para que pessoas que não são
cisheterossexuais possam ter sua existência reconhecida legalmente com a menor burocracia
possível. Não a aniquilação, mas a multiplicação, certamente mantendo os direitos de proteção
à infância e adolescência.
Firestone, portanto, não é o todo do feminismo, e não é o todo dos estudos de gênero.
Suas propostas são caracterizadas por um regime historiográfico futurista e limitado pela
certeza de que existe um vetor primordial de opressão. A generalização de sua teoria é uma
reação exacerbada a ontoteologia que ora criticamos (mas por outras vias) neste trabalho.
Reação a um tipo de feminismo radical das décadas de 1960 e 1970 dos EUA e utilização deste
como exemplo do horror, mas também reação aos feminismos e aos estudos de gênero que vêm
cada vez problematizando a ontoteologia judaico-cristã. O pânico moral produzido pela Igreja
Católica vai no sentido da produção de formações discursivas que reiteram a fé cristã, os valores
morais da família bíblica e a ontoteologia milenar sustentada pelo judaico-cristianismo como a
única possível.
Conclusão
Dizer que o país é laico e pluralista não é dizer que só existem no território daquele país
homens e mulheres, atribuídos por lei na cissexualidade (Brasil, 1973). O respeito à crença
judaico-cristã não deve ser suficiente para continuar perpetuando uma ontologia reducionista,
que vem cada vez mais sendo marcada como insuficiente (Butler, 2006; Machado, 2005;
Bonassi, 2017) no direito civil23. A violência cisheterossexual não é um problema dentro da
perspectiva judaico-cristã fundamentalista, porque a não cisheterossexualidade é um desvio
moral, um pecado. Isso porque a ontologia cisheterossexual, para religiosos fundamentalistas,
não é apenas mais uma na história humana, mas a única correta, moral, possível. A violência é
um método. Essa perspectiva, que carrega a arrogância colonialista, é inconstitucional, pois
atravanca o acesso à dignidade da pessoa humana, como estabelecido pela Federal (1988).
Lidamos com um paradoxo legal dividido por duas apostas éticas: tornar inteligível a
existência legal no Brasil de pessoas não binariamente e cissexualmente divididas ao
nascimento, promovendo a multiplicação legal de ontologias, ou respeitar a moral judaico-
cristã, a anunciará uma única ontologia possível: a que admite tão somente a existência de dois
sexos, bem como de papéis sexuais naturalmente atribuídos a cada um eles.
23
Um bom artigo para continuar essa discussão é o de Paula Sandrine Machado, onde ela discute como médicos
usam critérios cosméticos e estéticos para produzir bebês binariamente divididos.
privadas. E isto permitindo, legalmente, a proteção à infância, a liberdade de crença no interior
174
da família e a possibilidade de registro não binário, bem como a formação de família para além
do modelo cisheterossexual. Deste modo, traçamos passos para uma sociedade mais inclusiva,
menos arrogante e menos violenta.
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(RE)EXISTÊNCIA POC: NOVOS MODOS DE SUBJETIVAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO
177
Cleber Sales Pereira
Guilherme Augusto Souza Prado
Willian dos Santos Souza
Introdução
O problema de pesquisa surge com a emergência do termo POC nas redes sociais,
juntamente com o aparecimento de outros significados e conotações para o termo na
contemporaneidade, que não apenas o pejorativo relacionado à bixa afeminada. Dessa forma,
surge a necessidade de estudos acerca da temática, em um esforço para investigar e
problematizar essa categoria que rompe com a coerência heterossexual em sociabilidades
atravessadas pela rejeição dentro do próprio gueto gay (Foucault, 2004), bem como fora dele.
A partir disso, tem-se a necessidade de refletir sobre a ressurgência desse termo, bem
como sua ressignificação a partir da cibercultura. Assim, pode-se pensar na relação entre a
mídia e modos de existência, destacando-se, aqui, o modo POC. Tal termo diz de uma forma
de existir enquanto gay que é atravessado pela feminilidade e que tem sido vastamente utilizado
dentro dos grupos LGBT’s, principalmente nas redes digitais de comunicação. Logo, pode-se
entender de maneira sucinta a POC enquanto uma forma de existência fluidificada a partir de
traços femininos que opera um rompimento com a dinâmica heteronormatizadora.
Método
Esse trabalho se caracteriza enquanto pesquisa descritiva, uma vez que busca descrever
e explicar um fenômeno social e político, destacando-se ainda seu caráter exploratório, uma vez
que existem poucos estudos que trazem o tema especificamente em suas análises e nenhum que
o trabalhe enquanto centro, trata-se, portanto, da exploração de algo novo (Leite, 2008).
Será feita uma análise das narrativas trazidas pelo podcast POC de cultura, como forma
de aproximação dos processos aos quais nos ateremos nesse trabalho. O referido programa é
feito a partir de relatos de quatro POCs que vivem em São Paulo e falam um pouco mais sobre
suas vidas, dores e amores24. Podcast pode ser compreendido a partir de sua etimologia como
178
“uma junção das palavras iPod com broadcast (transmissão via rádio), sendo uma forma de
publicação de mídia, geralmente em áudio” (Maford, Ramos & Fernandes-Santo, 2019, p.02 )
Esse será nosso principal meio de coleta de informações sobre o universo estudado: o universo
POC.
Resultados
Em uma exploração nas redes sociais, constatou-se que o termo voltou a ser utilizado
quando nos fóruns do Pandlr25 usuários começaram a divulgar memes26 com legendas do tipo:
murro na POC. Assim, percebe-se que em seu retorno na atualidade, o termo ainda carregava
o tom pejorativo. Posteriormente, esses memes se espalharam por outras redes sociais e
começaram a ganhar outras versões menos agressivas como: carinho na POC. Com isso, é
24
Descrição elaborada pelo autor a partir da biografia utilizada na página do podcast POC de Cultura no
PlayerFM.
25
Rede social de fóruns hospedada atualmente em Orlando – Flórida (Estados Unidos), onde um usuário poderá
participar de fóruns, a qual, suas respostas em fóruns públicos ficarão disponíveis publicamente pelo endereço
pandlr.com/user/nomedeusuario (“nomedeusuario” não é o nome real do indivíduo, e sim um “apelido”
escolhido no momento do cadastro).
26
Imagens cômicas seguidas de legendas que viralizam nas redes sociais.
possível notar a ressignificação do termo e a expansão para novos lugares nas diferentes
179
discussões e narrativas LGBT’s.
Diante das leituras acerca de gênero e sexualidade e de afetações movidas pelo podcast
POC de cultura foram elaborados os diários de narrativas que serviram como espaço para
registro e reflexão desse percurso. A partir desses registros poderíamos pensar em alguns eixos
temáticos, sendo eles: os modos de relações das POCs, os modos de ativismo e a
segmentariedade e singularidades performativas dento da comunidade G.
Comecemos, pois, a discorrer como se dão as relações sociais na vida das POCs. Para
iniciar essa conversa evoquemos o episódio número 78 do referido podcast intitulado:
#GAYSDOHUMOR - Todo Gay é Engraçado? Esse episódio traz diversas provocações acerca
do viado engraçado, aquele que está sempre de bom humor e fazendo piadas dentro dos grupos
de amigos. Mas a provocação é realmente de onde vem todo esse espírito cômico, é algo
inerente ao ser POC?
Emerge disso uma grande relação entre o humor e o medo. As relações POCs são muitas
vezes pautadas em temores, o temor de apanhar, de ser violentada de qualquer maneira, de ser
humilhada, de ser descoberta, dentre outros. Ou seja, o receio de ser alvo da piada é o que faz
com que a POC seja engraçada, mas nem sempre é esse o objetivo, e ser cômica pode inclusive
dificultar alguns desejos, como o de ser desejada, de ter uma relação, de ser respeitada, etc.
Mesmo dentro das famílias essa relação de medo existe. A ideia de família construída com base
em uma divisão binária de papeis restringe as famílias aos marcos heterossexuais (Bento, 2017)
e é nesse lugar que as normativas são questionadas e postas em lugar de transgressão pelas
POCs. Esses são exemplos descritos no episódio 61: Sexo, Masturbação, Pornografia e Culpa:
o medo de ser visto, de ser descoberto, de estar fazendo algo de errado, de ser sujo são exemplos
dados no.
A falta de uma interação positiva com a norma e o desejo de ser aceito teve diversas
repercussões na consolidação do que hoje se vê na pessoa POC. Falta de suporte e apoio na
família, na escola, além da falta de uma referência de POC nos meios de comunicação até a
década de 90 criou um ambiente para que o humor POC se revertesse numa válvula de inserção
no contexto mainstream27. A bixa que até então era abjeta, cria uma persona que é cômica e
que diverte aos demais, essa diversão chega à TV e temos uma distribuição da POC que é aceita
porque é engraçada. Nesse sentido, em gravações do podcast há uma referência à cantora Linn
da Quebrada com a música Lenda que diz “Eu tô bonita? (tá engraçada) [...] Me arrumei tanto
pra ser aplaudida, mas até agora só deram risada”.
Essa inserção social pode ser entendida como perversa uma vez que se tem clareza do
papel que ocupa a POC nesse jogo de interesses. Assim, poderíamos pensar ao encontro do que
diz Sawaia (2001) quando todos estamos incluídos de alguma maneira, mas que nem sempre
de forma digna e decente, “a sociedade inclui para excluir e essa transmutação é condição da
ordem social desigual” (p.8). Por que para os gays padrões não existe esse peso de ser
engraçado? É a pergunta que nos faz as POCs no podcast.
27
Traduzido literalmente do inglês como: convencional, corrente principal. Aqui se refere a produção da mídia
dominante, ou seja, conteúdo que é acessado pela massa.
personagem e tensiona, dentre outros debates, o casamento gay de forma positiva. É curioso
180
pensar que esse filme foi o de maior bilheteria do cinema nacional (https://g1.globo.com/pop-
arte/cinema/noticia/2020/01/22/minha-mae-e-uma-peca-3-se-torna-maior-bilheteria-do-
cinema-nacional.ghtml, recuperado em 15 de março, 2020).
Essa posição se contrasta com o relatório do Grupo Gay da Bahia (Michels, 2018) de
que a cada 20 horas um LGBT é assassinado ou se suicida vítima da LGBTfobia, confirmando
o Brasil como campeão mundial na morte dessa população. Se opõe, ainda, aos assassinatos
contra a população trans no país, onde temos um cenário de violência com 6 vezes mais morte
do que em relação aos Estados Unidos que tem uma população maior que a nossa (Benevides
& Nogueira, 2020).
Nos aplicativos o que impera é o desejo por um homem cis masculino branco e magro,
ou ainda, hétero. Caco é um dos personagens do podcast que se descreve enquanto negro e
gordo, no seu discurso é deflagrado a militância de pessoas no ativismo por esses estratos, mas
que apesar disso, esse ativismo é ainda muito simbólico, ou seja, ainda não se vê essas pessoas
realmente desejando negros e gordos. Nesse sentido, percebe-se que continua sendo muito
comum o desejo do abjeto pela norma. A mensagem que é deixada durante muitos dos episódios
do podcast é a de que as POCs que possuam acesso a outros tipos de belezas, de informação,
de existência e resistência (como por exemplo: as ouvintes) necessitam passar isso adiante e
cessar com a reprodução dos padrões de beleza que instauram o homem desejável enquanto
aquele que está heteronormatizado.
No episódio com Rita Von Hunty 29sobre a arte drag, ela comenta acerca da temática
do desejo de gays por outros gays apenas quando esses se localizam na heteronorma. Esse é um
dos sentidos quando falamos de ativismo POC, incentivar mais do que a aceitação e respeito
entre e para com as bixas afeminadas, o amor dentro do gueto gay é o que se almeja, diminuindo
violências e abjeções. Por que queremos as POCs como amigas e os padrões30 como
namorados?
28
Em referência a sigla LGBTQI+, o G representa gay.
29
Dona do canal Tempero Drag no youtube.
30
Gays que seguem a heteronormatividade.
Um outro aspecto de reflexão durante os episódios é o aprendizado de que o sexo entre
181
dois homens, e consequentemente entre POCs, é antinatural, muitas das vezes acompanhados
de uma culpabilização cristã. Tendo em vista a forte cultura religiosa do Brasil, muitas das
POCs que conhecemos hoje advêm de famílias cristãs. Esse contexto favorece uma auto
culpabilização que impera desde muito cedo, ainda quando crianças quando muito
prematuramente sentem que seus modos de existência não condizem com a moralidade cristã.
Discussão
Assim, semelhantemente, a POC assume esse lugar quando rompe com a coerência
hétero-compulsória, se aproximando do feminino e assumindo esse lugar anteriormente
marginal e que agora cria o seu próprio centro. Ou seja, vemos o esforço para que a bixa
afeminada saia do gueto, não o negando, mas se apropriando dele e o ressignificando.
Como propõe Bento (2017), nossas subjetividades são organizadas a partir de que ela
chama de heteroterrorismo reiterado, sendo muito comum durante a infância as crianças
chamarem o outro de “bixa”, “sapatão”, dentre outros, sem, necessariamente, entender os
significados dos termos. Esse aspecto reforça o caráter antinatural que se dá em oposição aos
essencialismos de ser, existir ou viver descoladas das condições de produção e exercício das
modalidades de ser e estar nos verbos da vida (Neves, 2004).
Compreendendo que em nenhum lugar estamos fora ou livres das relações de poder, a
POC sinaliza uma negação a essas relações ao dizer não ao senhor, podendo ser entendido como
contestação às relações de poder. Assim, caracteriza-se como uma forma mínima de resistência,
admitindo-se que não há resistência sem que essas relações existam, caso contrário se trataria
182
apenas de relações de obediência (Foucault, 2004).
Além disso, a partir das performances POC, pode-se perceber vários rompimentos com
as bioidentidades tanto coletivas, quanto individuais. Essas performances dizem de uma
heterogeneidade, segmentaridades e singularidades presente na comunidade G, o que falha com
a ideia de uma identidade homossexual. Além disso, predispõe uma fluidez nas performances
individuais que circulam desde as bixas afeminadas com baixa passabilidade até as bixas que
se montam e se experenciam enquanto drag queens, dentre outras.
Todavia, é importante destacar que nem toda POC decidiu desfazer gênero e sexo e ou
tem aproximação/acesso as discussões em torno da sexualidade nos moldes acadêmicos de
produção. Assim, o próprio uso da palavra decisão se torna questionável, uma vez que
invisibiliza outros atravessamentos que podem produzir uma POC, como: onde mora? Como
mora? Com quem mora? O que come? Teve/tem acesso à educação formal? Tem/teve acesso a
trabalho? Qual seu ciclo social?
E como se produz outra identidade diferente da imposta pelo sexo? Butler (2017) nos
ajuda a pensar a partir da introdução de Foucualt aos diários da hermafrodita Herculine Barbin,
a qual se caracterizava por uma “impossibilidade sexual de uma identidade” (p.54). Barbin
bagunça as convenções linguísticas que produzem os sujeitos inteligíveis porque ela produz
convergência e desorganização das ordens de sexo, gênero e desejo.
Destarte, podemos perceber que existem atributos que não se conformam aos modelos
causais e sequenciais de inteligibilidade dos sexos. Por sua vez, essa desorganização desvela o
caráter fictício e superficial contingencialmente criado pela regulação de atributos para a
produção fictícia de um eu com traços de gênero ou de uma substância permanente, uma vez
que resistem e denunciam a apreensão de uma estrutura pronta de “substantivos primários e
183
adjetivos subordinados” (Butler, 2017, p.55).
Ademais, tendo o lugar de ruptura com coerência binária e sexual, novamente se destaca
a baixa passabilidade POC. Esse lugar diz da relação da POC com a norma, que por sua vez
repercute também em seu lugar dentro da comunidade gay, sendo percebida de forma
negativada em decorrência de alguns de seus atributos como a aproximação com o feminino.
Isso, por vezes, contribui para o lugar marginal ocupado pela POC mesmo dentro da
comunidade G, por exemplo, sendo atribuídas enquanto sujeitos não-amáveis ou desejáveis.
Além disso, destaca-se ainda as relações de abjeção em relações com a família, escola, na
infância, dentre outros espaços.
Essas realidades que dizem do modo de subjetivação POC podem ser observadas a partir
das novas formas de socialização atravessadas pelas narrativas nas redes digitais de
comunicação, uma vez que é aí que o termo ressurge e se ressignifica. Podemos entender essas
narrativas digitais, por sua vez, como “aquelas cuja existência é materializada pelos meios
digitais, em sua potencialidade de interconectar códigos” (Tavernari, 2015, p.22). É nesse
sentido que esse trabalho propõe como forma de investigação a análise do já referido podcast
POC de cultura
Dessa forma, apesar da ressignificação e apropriação do termo POC (que antes era usado
para agredir, xingar e indicar a abjeção) pela comunidade gay nas redes digitais de
comunicação, o termo continua, atualmente, a ressoar discriminações. Assim, tal estudo se torna
necessário na busca e contribuição de uma positivação da POC no contexto social. Com isso,
objetiva maior clareza acerca do termo e sua relação com as teorias e ativismo Transviado
(Bento, 2017), bem como do impacto da autoafirmação, entendendo as condições de conversão
da POC de marginalizada (murro na POC, aquela que não é normal, que não se encaixa, que
ameaça a ordem) à condição positivada, como a categoria de militância. Bento (2001) afirma
que produzir seres abjetos e poluentes e desumanizar o humano são fundamentais para garantir
a reprodução da heteronormatividade, assim, a desativação da POC como esse ser é a forma
pela qual se rompe a reprodução da norma hétero.
184
são atravessadas pela instância midiática.
Considerações Finais
Assim, em referência a exemplos já trazidos durante esse trabalho, quando a POC transa
com outra POC ela está criando possibilidades relacionais que não almejam e nem têm a
heteronorma como referência. Além disso, poderíamos citar ainda características como o vestir-
se que transita entre o que consensualmente é masculino ou feminino, o falar e portar-se de
maneiras fluidas que tensionam as marcas do gênero inteligível, dentre outras.
A partir das narrativas trazidas no podcast POC de Cultura é possível perceber diversas
singularidades no universo POC, mesmo que algumas caraterísticas sejam comuns, como as já
citadas fluidez na forma de vestir, falar e se relacionar, dentre outras. Assim, nos deparamos
com a existência da POC negra, da POC gorda, da POC pobre, da POC periférica, da POC sem
estudos, da POC doutora etc. O fato de tais singularidades estarem nas mídias digitais falando
sobre seus processos para outras pessoas inaugura um espaço de diálogo com um leque de
possibilidades de (re)existência POC cada vez maior. Assim, notamos como, de diversas
maneiras, a subjetivação e a socialização POC são perpassadas pelas redes digitais de
comunicação e informação.
31
Personagem da telenovela Fina Estampa transmitida pela Rede Globo.
32
Personagem concierge da pensão da Jô, na série Vai Que Cola transmitida pela Multishow.
Referências
185
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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: UM OLHAR ATENTO AS
187
MEDIDAS PROTETIVAS
Tatiana de Andrade Costa
Dania Mendes Ribeiro
Karine Santos Galeno
Marcio Gabriel Caldas Silva
Natália Brenda dos Santos de Oliveira
Rafael Santos Cardoso
1 Introdução
A violência contra mulher sempre foi um problema na sociedade, no qual se considera
de nível grave no Brasil e no mundo. Tendo em vista a forma exacerbada que essa violência
costuma ocorrer ao gênero feminino, seja ela por machismo, drogas ou outros fatores como a
possessividade. É pautado as consequências dessas violências, que podem causar ao ser humano
diretamente à mulher, tais consequências que por sua vez podem ser irreversíveis, como lesões
físicas e os sofrimentos psicológicos.
A definição de violência doméstica conforme o Código Penal da Lei n.11.340/2006,
artigo 5º e incisos, é descrita como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (Brasil,
2006). Cerqueira, et al. (2015), destaca que com a institucionalização da garantia de direitos
referentes aos casos de violência doméstica contra a mulher, só houve avanço após a
promulgação da lei N º 11.340/2006.
A violência acometida contra a figura feminina, principalmente no âmbito doméstico
ou familiar tornou-se alvo tanto das políticas públicas, como de investigações e análises de
diferentes campos do meio cientifico que perpassa da literatura até o cinema (Santeiro,
Schumacher & Souza, 2017). De acordo com o cenário da Organização Mundial da Saúde
destaca a América Latina com maior índice de homicídio de mulheres no mundo, o Brasil se
destaca em quinto lugar, segundo os dados publicados no Mapa da Violência (Waisellfisz,
2015).
Dessa forma, com o objetivo de diminuir a violência, assim como a instituição do
sentimento de proteção as vítimas que necessitam, promulgou-se a Lei Maria da Penha, o seu
surgimento veio a partir da data de 07 de agosto de 2006, sendo ela a Lei 11340, esta apresenta
em sua epígrafe:
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe
sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;
altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal (Brasil,
2006).
A lei Maria da Penha tem como objetivo o combate a várias formas de violência
188
doméstica e familiar contra a mulher ao propor medidas preventivas e repressivas que visam
evitar e promover a integração dos órgãos responsáveis (Hermam, 2008).
O principal objetivo da Lei Maria da Penha ao se estabelecer medidas protetivas de
urgência foi punir os agressores, visto que até então as penas existentes para casos de violência
doméstica não causavam intimidação e nem reprimia as condutas violentas, até mesmo as
vítimas não faziam a denúncia por conta da falta de punição para tal ato.
Assim, a Lei Maria da Penha introduziu as medidas protetivas, as quais na condição de
medidas cautelares buscam assegurar a proteção à integridade física, psíquica e moral da mulher
(Martins, 2019). Porém, nota-se a falta de fiscalização no que tange as medidas protetivas,
quando se trata de conferir a efetivação de determinações judiciais, tendo em vista que muitas
vezes se torna impossível aplicar tais dispositivos em sua integralidade, vários são os fatores
que contribuem para a não concretização dessas medidas (Silva, 2018).
Em relação aos delitos de complexa gravidade, as alterações trazidas pela lei são
consideradas menores, por se limitarem a inclusão de uma agravante genérica, prevista no artigo
43, além dessas, a lei prevê a possibilidade das medidas protetivas serem determinadas pelo
juiz criminal (artigos 22 a 24) e trouxe a possibilidade de prisão em flagrante do agressor,
mesmo em ocorrência de lesões leves e ameaças, bem como a decretação de sua prisão
preventiva em tais hipóteses (Piovesan & Pimentel, 2007).
Além das medidas protetivas, a vítima precisa também de medidas de proteção que
consista no afastamento do agressor do lar, na fixação de alimentos, bem como na proibição de
contato com a vítima, pois a referida lei pretende-se não somente coibir ou combater a violência
contra a mulher, mas garantir diretos fundamentais no que se refere à igualdade e dignidade da
vítima (Piovesan & Pimentel, 2007).
Desse modo o estudo objetivou analisar as produções cientificas publicadas no período
entre 2013 e 2018 referente ao cenário brasileiro, a respeito da violência doméstica,
especificamente sobre as medidas protetivas no quesito qualitativo e quantitativo.
2 Método
Esse estudo trata-se de um artigo de revisão sistemática da literatura acadêmica, por
meio de publicações científicas no campo da psicologia e com ênfase ao tema violência contra
a mulher e a interface com as medidas protetivas. O levantamento da pesquisa deu-se por meio
dos seguintes descritores mulher, violência e medidas. A palavra-chave medidas protetivas não
adentrou no estudo pela falta de resultados exatos na coleta de dados com tal descritor.
Nesse sentido os critérios de inclusão para embasamento desse trabalho foram artigos
recentes que se enquadram nos períodos dos anos de 2013 a 2018, publicações em português e
apenas artigos científicos. No que se refere aos critérios de exclusão foram publicações em
livros, teses, cartilhas, revistas, artigos em línguas estrangeiras e publicações duplicadas.
3 Resultados e Discussão
189
Foram utilizadas buscas nas seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e
do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), SCIELO e Periódicos Eletrônicos em Psicologia
(PEPISIC), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Na qual
na base LILACS, obtivemos o total de 44 artigos mediante a pesquisa na base, e alguns
direcionados para a base SCIELO, foram somente utilizados 2 artigos conforme os critérios de
inclusão e exclusão. Na base CAPES encontrou-se 1resultados, mas não encaixava nos critérios
de inclusão. A base de dado BDTD obteve 443 resultados, mas não encaixou nos critérios de
inclusão, já a base BVSPSI, foram encontrados 16 resultados, mas os anos de publicação não
estavam de acordo com os critérios de inclusão. Na base PEPSIC tivemos um resultado de
pesquisa de 3 artigo e dos mesmos todos foram utilizados para a construção desse artigo.
Resultando, ao final, uma amostra de 5 estudos selecionados que compôs o corpus do trabalho,
conforme ilustra a figura 1.
LILACS
Dados Identificados
N: 44
N: 507
PEPSIC
N:3
Quantidade removida
CAPES por não atenderem os
N:1 critérios de inclusão.
BDTD
N: 443 LILACS: 42
CAPES: 1
BSVPSI
N:3 N:2
Figura 1
Fluxograma da seleção dos estudos nas bases de dados.
190
materna. De acordo com as autoras do artigo, percebem-se alguns questionamentos sobre a lei
supracitada, pois a mesma refere-se à proteção a mulher no que gera a petição das medidas
protetivas a favor dessas vítimas, com essa medida, faz-se que o genitor acabe sendo afastado
dos filhos e quebrando esse vínculo paternal.
O artigo retrata que algumas crianças quando são afastadas dos pais sofrem alguns
prejuízos tanto a nível relacional quanto psicológico, produzindo medo, de forma que o genitor
por medo de ser punido pela justiça prefere evitar o contato com os filhos em virtude da medida
protetiva da ex-companheira. As autoras ainda enfatizam nas considerações finais que “as
ponderações feitas neste artigo tiveram como foco apresentar e refletir sobre os impasses
causados pela Lei Maria da Penha no que tange ao direito de convivência familiar dos filhos
com o pai autor de agressão contra a mulher” (Cardoso & Brito, 2015, p. 541), desse modo
entende-se que o objetivo do artigo não é criticar a Lei Maria da Penha, mais deixar uma alerta
sobre os desdobramentos que a lei gera sobre a convivência do genitor com seus filhos.
O artigo pontua que o objetivo das medidas protetivas é proporcionar uma defesa de
salvaguarda a integridade da mulher, ressaltando que as medidas em si não conseguem garantir
essa defesa, pois necessitam de mais aparatos para que venha oferecer esse sistema de base,
dentre esses aparatos, o artigo destaca que a EAM, pode proporcionar parâmetros a partir das
necessidades que essa mulher.
Observou-se desse modo que, a relação entre os dois artigos possíveis impasses da Lei
Maria da Penha a convivência parental, das autoras Fernanda Simplício Cardoso e Leila Maria
Torraca de Brito (2015) e Lei Maria da Penha, equipe multidisciplinar e medidas protetivas dos
autores José César Coimbra, Úrsula Ricciardi e Lidia Lev (2018) descrevem algo em comum
quando trata do acusado, quando este precisa manter distância da vítima, do lar e familiares
incluindo os filhos. Ressalta-se que o afastamento dos filhos em relação ao pai, ocasiona
prejuízos na relação dos mesmos, pois enfatizam que a Lei Maria da Penha precisa rever esse
critério, para que não ocorram prejuízos na relação paternal, o acusado precisa cumprir todos
os critérios que estão baseados na lei, até mesmo o afastamento dos filhos.
Os autores supracitados confirmam que para que possa acabar com a violência
doméstica, é necessário o reforço de medidas já adotadas, além do desenvolvimento de projetos
de prevenção e proteção dos direitos humanos, além disso, a violência doméstica não afeta
191
apenas sua integridade física e psicológica, mas também afronta sua condição de direitos
humanos, incluindo igualdade e dignidade da pessoa humana. Segundo a OMS (Organização
Mundial da Saúde) a violência doméstica é considerada uma “epidemia global”, pois abrange
1/3 da sociedade e segundo os autores a mulher sempre ocupou um papel secundário, em grande
parte da antiguidade era vítima do homem, do estado e da religião, pois era considerada
portadora do pecado.
É enfatizado também, as autoras Sarlet (2002 como citado em Maders & Angelin 2014)
abordam o artigo 1º da Declaração Universal da Organização das Nações Unidas afirma que
“[...] todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão
e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade” (Maders &
Angelin 2014, p. 46). Sendo assim, as mulheres não são e nem podem ser excluídas dessa
possibilidade. Os autores ainda destacam que mesmo com a positivação de direitos
fundamentais individuais e coletivos da Constituição Federal de 1988 não foi suficiente para
assegurar de modo completo a proteção dos direitos humanos das mulheres.
Desse modo o artigo "Violência doméstica contra a mulher: caracterização dos casos
notificados em um município do interior paulista", dos autores Ana Clara Borborema Bozzo,
Giovanna Canesin Matos, Lívia Parizi Beraldi e Mônica Dilene de Souza (2017), tratou de
identificar o perfil das mulheres vítimas de violência doméstica no município de Ribeirão Preto,
indagando que a violência doméstica é uma das principais causas de mobilidade no mundo, a
partir disso vêm sendo considerada como problema de saúde pública, também sendo enfatizada
como a mais cruel, pois o lar é definido como um lugar acolhedor, cheio de conforto e quando
ocorre à violência passa a ser um ambiente perigoso, desse modo, a um grande risco e diversos
agravos a saúde física e mental das vítimas.
192
implantados exclusivamente para esse intuito, mesmo diante alguns entraves.
4 Considerações Finais
O presente estudo buscou artigos direcionados as medidas protetivas através de um
levantamento bibliográfico, realizados em algumas plataformas de dados, no qual se apurou
alguns resultados satisfatórios, porém ocorreu também um eventual impasse, pois em
determinadas plataformas não corroboravam com a ideia principal desse estudo.
Desse modo observou-se que há vários métodos para a defesa dessa mulher, como a
propagação da Lei Maria da Penha, a implantação das DEAMS (Delegacia Especializada a
Mulher), e o progresso que houve relacionados às medidas protetivas, que em certos casos
fazem com que o agressor mantenha distância dos filhos.
Em suma, o estudo realizado propõe uma colaboração para que se possa explanar a
temática e despertar o interesse de produzir mais publicações sobre o tema, principalmente com
perspectivas de aperfeiçoar constantemente as políticas públicas de proteção às mulheres.
Assim, espera-se refletir o conhecimento a essas mulheres, vítimas, enfatizando sobre os
direitos que a mesma possui em relação à proteção e prevenção, pois, como visto os artigos
relacionados a esse tema são escassos. Portanto há uma redução sobre a consideração voltada a
perspectiva das mulheres que sofre com violência.
193
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VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: SOCORRO, EU EXISTO!
194
Gilson de Assis Pinheiro
Antonia Neuriane Cibelli Fernandes Silva
Sheila Alves de Lima Barros
Introdução
Nos últimos anos muito tem sido estudado sobre violência contra a mulher (física,
psicológica, sexual, econômica, patrimonial, moral) e constata-se que tal ato violento é uma
realidade vivenciada por milhares de mulheres por todo mundo (Engel, 2019).
Entretanto conceituar violência não é uma tarefa simples, pois no universo encontramos
um imenso amálgama de ações que sedimentam um grande espectro da violência de gênero,
como piadas, humilhação, desrespeito, uso de força física ou do poder, ameaça, dentre outros.
Santos e Sousa (2015) ao revisar sobre violência obstétrica explicitam, que em virtude
de uma assimetria de relações de poder da equipe de saúde sobre as mulheres, a violência é
muitas vezes “consentida” em virtude de desconhecimento da fisiologia do parto ficando difícil
lutar por melhores condições da assistência ao parto e muitas vezes sofrem negligência,
violência verbal, violência física e violência sexual
Ninguém fica imune ao sofrer atos de violência. As marcas psicológicas deixadas pela
violência obstétrica são muito profundas. Vale destacar a ocorrência de transtornos
psicopatológicos (podendo ocorrer transtornos de adaptação, depressão, ansiedade, transtorno
de stress pós-traumático, transtorno do sono, transtornos alimentares, dificuldades na interação
mãe-filho (Barbosa e Mota, 2016; Rocha e Grisi, 2017; Maia, Santa’anna, Menegossi,
195
Zanninni, 2018).
Considerando a magnitude desta questão, este trabalho tem por objetivo discutir
aspectos interventivos, através de relato de caso, da atuação do Psicólogo ao lidar com tal
demanda sob a ótima da Psicoterapia Cognitivo Comportamental (TCC) analisando os registros
verbais.
Metodologia
O presente trabalho trata-se de um estudo de caso, onde é apresentada a intervenção
psicoterápica em uma senhora que foi atendida em uma clínica-escola tendo sido vítima de
violência obstétrica (V.O.) em um hospital público.
A paciente Josefa (nome fictício), do lar, 34 anos, negra, casada há 13 anos, é mãe de
duas meninas, sendo uma de 03 (três) e outra de 04 (quatro) meses de idade. Esta procurou
espontaneamente atendimento da clínica-escola com queixa inicialmente de dificuldades
conjugais e sentia-se atemorizada só em pensar em levar sua filha para a casa da avó paterna,
entretanto com o descortinar da psicoterapia observou-se ter sofrido violência obstétrica ao
nascimento da filha mais velha e, desde então, após este trauma, surgiram os sintomas de
ansiedade, baixa auto estima, irritabilidade, impulsividade, insegurança e dificuldades em
verbalizar suas insatisfações de forma assertiva com o esposo e sua família (principalmente
sogra e a cunhada).
Considerações éticas
Na consulta inicial foi assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),
o qual foi analisado com a paciente, detalhando a resolução CNS nº 466/2012, documento este
que garante ao paciente o respeito aos seus direitos e o contrato do atendimento psicoterápico.
Foi informada que seria atendida por uma aluna-estagiária e que as informações seriam
discutidas com o supervisor sendo analisadas à luz da abordagem psicoterápica cognitivo
comportamental. Após autorização, iniciou-se a psicoterapia
Foram realizadas 24 sessões individuais de 50 minutos cada, uma vez por semana,
fundamentadas no modelo cognitivo-comportamental. O procedimento incluiu avaliação
inicial, intervenção, avaliação final e follow up. A estruturação das sessões durante o processo
terapêutico está apresentada no Quadro 1.
Sessão Objetivos
1ª a 3ª Sessões Anamnese. Estabelecimento de vínculo terapêutico. Conceitualização
Cognitiva. Psicoeducação sobre o modelo cognitivo
4ª a 19ª Sessões Intervenção: Identificação de crenças e de pensamentos disfuncionais;
reestruturação cognitiva; relaxamento; treinamento assertivo; ensaio
comportamental; resolução de problemas, lista de insatisfações, higiene
do sono, questionamento socrático, RPD, questionamento socrático
20ª a 21ª Sessões Avaliação Final: Feedback da evolução do tratamento.
22ª a 24ª Sessões Follow Up Verificação da aquisição e manutenção de novo repertório
196
cognitivo-comportamental. encerramento
Quadro 1. Conteúdo geral das sessões durante o processo terapêutico.
Discussão
Josefa apresentou importantes queixas acerca de violência obstétrica sofrida por ocasião
de seu primeiro parto. As consequências desta ação violenta desde então trouxeram
consequências emocionais que indicam seu sofrimento emocional após o parto e perpetuaram
silenciosamente por 13 anos até o momento da intervenção psicoterápica.
Sabe-se que o emprego deste procedimento tem sido questionado pelo Ministério da
Saúde e pela OMS. A técnica consiste em pressionar a parte superior do útero para acelerar
e/ou facilitar a saída do bebê e em virtude do risco pode causar lesões graves como fratura de
costelas e traumas diversos (Lansky, Sousa, Peixoto, Oliveira, Diniz, Vieira, Cunha & Friche,
2019; Serra, 2018). De acordo com Josefa, o médico empurrava com as mãos, cotovelos e
joelhos, procedimento este que, consequentemente fez com ela ficasseu com receio de causar
danos ao bebê e até mesmo sentiu a proximidade da morte dela e da própria filha.
197
de perder a filha ou até mesmo de morrer durante o ato conflita o conteúdo real x idealizado.
Percebeu-se, portanto, fragilizada física e emocionalmente em seu papel de mãe e esposa. Josefa
apresentou crença de desvalia, sentindo-se inferiorizada, vulnerável, abandonada, insegura e
perda da sua dignidade da mulher.
A ida da filha para a casa da avó materna representava para ela, uma perda adicional,
uma experenciação de luto, já que temeu perder a filha no parto. Só em pensar em permitir a
ausência da filha para a casa da avó sentia-se ansiosa, com inquietude e irritabilidade.
c) Superproteção da filha
d) Vestida de silêncio
Há um sentir (dor, culpa, exclusão, vazio existencial) atrás do silêncio e que permaneceu
emudecida por 13 anos com impacto emocional que todo este processo produziu na vida, na
construção de identidade e os seus diferentes papeis. Silenciou do esposo todo o seu sofrimento
com receio que não ser ouvida novamente e era muito difícil relembrar cenas traumatizantes.
198
desamor, fragilidade, impotência (Silva, Silva, Araújo, 2017) começou a emergir quando
verbalizou nas sessões iniciais a solidão, tristeza, raiva, medo, vergonha e culpa durante o parto
e quando a expõe que a família de meu marido tomou meu espaço de mãe. Ir para a casa da
sogra é perder o amor e a atenção da filha, ou seja, acha-se invisível na casa da família dele.
Esta distorção gerou percepções de insegurança, desvalia, incompetência e de não ser amada.
199
eles irão retirá-la de mim, eu não
poderei protege-la e serei
abandonada”
Quadro 2- Lista de erros cognitivos observados nas sessões iniciais
Observa-se abaixo, na figura 1 que, após a violência obstétrica (V.O.) sofrida por Josefa
através da manobra de Kristeller, (manobra de intensa agressividade física e emocional), os
sintomas apareceram (“não quero deixar minha filha ir para casa da avó paterna”, irritabilidade
e dificuldades na relação conjugal), com as seguintes crenças centrais de desamparo, desamor
e desvalia. Ela sentia-se vulnerável, frágil, impotente e consequentemente surgiram
pensamentos disfuncionais de “não mereço ser amada”, “eu me sinto abandonada”, “só
aconteceu por que sou pobre e negra, não consigo me defender”. Após o parto, sentiu-se “infeliz
pois a violência anulou o momento de felicidade maior para uma mãe”.
Objetivou-se fazer com que Josefa se tornasse mais assertiva em relação a seus desejos,
seus direitos aprendendo a expor através de conversa assertiva
Relatou agir sempre com muita impulsividade e sentir culpada por sempre ter as
situações de conflito agravadas e nunca melhoradas. Manifestou apresentar sentimento de
solidão, rejeição e insatisfação por não ter suas opiniões levadas em consideração por parte do
marido e de seus familiares. Conversou com o esposo sobre a questão
Certo é, que na relação eu-eu, eu-outro, eu-mundo, discutiu-se a relação de Josefa com
o mundo dos seus direitos, seus desejos e sonhos. Josefa passou não só a identifica-los como
tempo passou a ter autonomia e lutar por eles, A relação conjugal foi modificada, pois passou
a ser assertiva e gradativamente foi esvanecendo os momentos de tensão. Através da
ressignificação cognitiva, Josefa percebeu seu papel no mundo, e sentiu-se pertinente e amada
pela família. Como ela relata: “Queria ser mãe e ter uma família”, “agora eu me achei”, “Sinto
orgulho de dizer que sou mãe”. “Não faço mais as coisas por obrigação”, “sinto prazer em ir
para a casa da sogra”,” sei me defender” .
Certo é, que é desafiador lidar com esta situação em uma paciente que sofreu violência
obstétrica e coube ao profissional lançar ações de
c- Treinamento assertivo e assim a parturiente possa saber e lutar por seus direitos e
enfrentar as desigualdades de gênero
d- Possibilitar que a parturiente se veja como uma mulher sujeita de direitos e saibam lidar
assertivamente com as situações cotidianas de violência em seu universo
f- Possibilitar espaço de escuta ativa e terapêutica para lidar com este silêncio, oferecendo
novos operantes de autocuidado e construção de processos emancipatórios diante de
situações de violência bem como poder expressar congruentemente seus pensamentos,
sentimentos e emoções.s
Conclusão
201
Todos centram a sua atenção para este momento, e, quando ocorre violência neste percurso há
sofrimento psíquico.
A parturiente tem direitos que muitas vezes ela mesma desconhece, como por exemplo
o direito de ter acompanhante ao lado. A ausência do companheiro, isolamento afetivo-fisico-
emocional, a ocorrência da manobra de kristeller, a frieza do médico e as relações impessoais
são elementos centrais de um sofrimento que emudeceu Josefa (jovem, negra e pobre) por 13
anos. Foram 13 anos de dor, ansiedade, tristeza e desespero de um conjunto de emoções que
deixaram sequelas.
Ao lidar clinicamente com o quadro, este trabalho grita para que sejam discutidas e
respeitadas as escolhas, os direitos e ocorram concretamente a humanização no parto e no
nascimento sendo papel do psicólogo intervir diante do sofrimento e proporcionar aumento do
repertório comportamental que visasse maior autonomia, dignidade, qualidade de vida para a
paciente e sua família.
.
Referências
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GRUPOS REFLEXIVOS PARA HOMENS AUTORES DE VIOLÊNCIA
203
DOMÉSTICA: UMA ESTRATÉGIA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A
MULHER
1. Introdução
A violência contra a mulher é uma expressão da questão social decorrente da construção
sócio-histórica que perpetua o patriarcado, sustentáculo do modelo capitalista de organização
social, fonte das desigualdades de gênero e reprodutor dos fenômenos de violência que atingem
mulheres de todas as idades, classes sociais, raças, religiões, estados civis e escolaridades no
Brasil.
Mulheres vítimas de violência de gênero contam com uma rede de proteção para
enfrentamento dessa questão que incluem o amparo do sistema de justiça, cujas ações punem e
coíbem tais atos, conforme previsto na Lei 11.340/06, a conhecida Lei Maria da Penha.
Nessa perspectiva, essa pesquisa realizou uma revisão de literatura nacional através de
estudos científicos produzidos nos últimos anos que apontam como os Grupos Reflexivos têm
sido implementados no Brasil, seus efeitos no tocante ao enfrentamento da violência de gênero
em âmbito doméstico e seus principais desafios contemporâneos.
Para isso, contou-se com pesquisas realizadas por autores como Prates e Andrade
(2013), Beiras e Nascimento (2017) e Lima, Buchele e Clímaco (2011), onde seus estudos
foram sistematizados, integrados e avaliados acerca do tema.
2. Estratégias Metodológicas
204
O estudo foi enquadrado na pesquisa básica pura, de abordagem qualitativa e dispondo
de objetivos a pesquisa exploratória. Isso porque, conforme Severino (2013), levantaram-se
informações sobre o objeto de estudo, a fim analisar os fenômenos estudados e interpretá-los
em suas particularidades.
Quanto à natureza das fontes, fez-se uso da pesquisa bibliográfica, baseada em artigos,
dissertações e teses, com levantamento realizado na biblioteca virtual, em revistas eletrônicas
científicas, periódicos e na base de dados scielo e google acadêmico, utilizando-se os
descritores: grupo reflexivo para homens autores de violência contra a mulher, tendo-se Araújo
(2009), Prates e Andrade (2013), e Lima, Buchele e Clímaco (2011) entre os/as autores que
contribuíram para o estudo.
Homens são educados a cada geração a refrear emoções, estimulados a agir com
agressividade, incluindo a violência física. Tais comportamentos são aceitos e concedidos
socialmente como marcas que provam e reafirmam a masculinidade. No Brasil, onde a
sociedade tem como base os padrões patriarcais e machistas, os homens têm a necessidade de
imprimir uma postura socialmente aceita de defender a honra, a autoridade e poder, movidos
pelo foco de não torná-los questionáveis (Prates, 2013).
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a cada ano, cerca de 1,3
milhão de mulheres são agredidas no Brasil. O Instituto Patrícia Galvão divulga que uma
mulher registra agressão sob Lei Maria da Penha a cada dois minutos. A pesquisa Data Senado,
realizada em 2015 sobre violência doméstica e familiar, revela que uma em cada cinco mulheres
já foi espancada pelo marido, companheiro, namorado ou ex.
205
relações sociais e é historicamente construída de divisões de papeis a homens e mulheres. Às
mulheres atribui-se o zelo à procriação, os cuidados domésticos, estereótipos em torno do ideal
de feminilidade e submissão em relação aos homens. Aos homens é ensinado a ser forte,
guerreiro, valente, mantendo a hierarquia na apropriação do poder e da dominação nas relações
onde faz uso da força e da violência sobre a mulher (Araújo, 2009).
No Brasil, até meados da década de 1970, a violência doméstica contra a mulher era
vista como um problema de ordem privada, aceita pela sociedade como necessidade, pois os
homens precisavam agredir suas companheiras “desobedientes” em “defesa da honra”
masculina. Uma mudança começou a surgir a partir de iniciativas dos movimentos feministas,
quando estes empreenderam lutas em busca de questionar a ordem estabelecida, promovendo
debates em torno das desigualdades de gênero, e dos direitos humanos das mulheres para
alcançarem espaços que outrora lhe eram negadas pela condição do sexo. Estes reivindicaram
intervenção do Estado na punição dos casos de violência contra a mulher e um aparato
assistencial necessário para que a mulher vítima de violência doméstica possa ressignificar sua
trajetória de vida longe do agressor.
A Lei 11.340 de 2006 visa coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a
mulher, tanto no aspecto punitivo como de assegurar políticas públicas de combate a essa
violência. Segundo a mesma, a violência doméstica ou familiar contra a mulher configura
qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,
sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
Nas duas últimas décadas, os grupos reflexivos para homens autores de violência
doméstica tornaram-se uma tendência de adesão dentro do sistema de justiça brasileiro na
perspectiva da justiça restaurativa, que visa medidas socioeducativas de enfrentamento à
violência e ao crime. São medidas socioeducativas pautadas na Lei 11.340/06, a qual prevê a
determinação judicial em direcionar os autores de violência doméstica a programas de
recuperação e reeducação para que estes possam ser sensibilizados sobre suas práticas violentas
e possam ressignificar o modo como se relacionam com as outras pessoas e como vivem em
sociedade.
Prates e Andrade (2013) definem os grupos reflexivos como uma intervenção que visa
206
um trabalho com homens autores de violência doméstica onde possam ser estimulados a
apreenderem sobre padrões sociais socialmente construídos e perpetuados, que promovem a
desigualdade de gênero e comportamentos violentos em relação às mulheres. Conforme Prates
e Andrade (2013), embora a Lei Maria da Penha aponte a criação de centros de reabilitação e
responsabilização para homens autores de violência doméstica, não direciona para uma
padronização. Por isso existe uma pluralidade metodológica, de monitoramento e avaliação na
realização de tais grupos.
Nos seus estudos, Prates e Andrade (2013) aprofundaram a análise sobre a realização
de grupos reflexivos pela ONG Pró-Mulher, Família e Cidadania em parceria com o Poder
Judiciário, na cidade de São Caetano, São Paulo. O estudo ocorreu entre os anos de 2006 e
2008, época em que os grupos reflexivos tinham 56 participantes homens autores de violência,
selecionados e encaminhados pelos magistrados a partir de critérios de crimes cometidos,
reincidência e gravidade. Os encontros ocorriam no total de 6 meses, realizados semanalmente.
O estudo identificou que os grupos reflexivos tinham finalidade educativa, reflexiva e
preventiva de questionar os valores da ideologia patriarcal, estereótipos e valores tradicionais
de gênero que reforçam e legitimam a violência.
Em 2013, Prates apresentou resultados de uma pesquisa que teve como objeto de estudo
grupos reflexivos realizados por uma ONG em parceria com o 1° Juizado de Violência
Doméstica e Familiar do Estado de São Paulo. Os homens selecionados tiveram seus processos
judiciais não julgados, tendo como contrapartida a presença nos grupos reflexivos. Dessa forma,
o Poder Judiciário fez opção pela medida de suspensão condicional do processo. Os grupos
ocorreram no período de oito meses e após esse período foram sistematicamente acompanhados
pelo Sistema de Justiça devendo fazer-se presentes no Fórum a cada mês por um período de 24
meses. Ressaltou-se na pesquisa, a metodologias de abordagem nos grupos pelos facilitadores,
que incluía dinâmicas de grupo, reportagens, vídeos, rodas de conversa e conteúdos
relacionados a Lei Maria da Penha, gênero, família, dentre outros.
Entre os resultados obtidos nos estudos realizados por Araújo (2009), Prates e Andrade
(2013) e Prates (2013) acerca da experiência com grupos reflexivos coincidem o destaque da
metamorfose de apreensões dos participantes acerca das temáticas tratadas nos grupos, onde,
inicialmente, mostraram posicionamento resistente e mantinham discursos agressivos, de
culpabilização da mulher pela violência praticada, vitimistas, de negação e de senso comum.
Mas se flexionaram ao longo dos encontros reconhecendo a necessidade de mudanças
comportamentais, de valores acerca da visão de masculinidade, abrindo-se espaços para
depoimentos pessoais e trocas entre os participantes.
207
direcionadas a homens autores de violência contra mulheres, mapeando suas implementações
nas cinco regiões do país entre os anos de 2015 e 2016. Aplicaram 26 questionários em
instituições públicas e não governamentais que promovem grupos reflexivos no Brasil. Nos
dados obtidos pode-se averiguar, entre outros aspectos, o objetivo em comum da
responsabilização dos homens autores de violência e da redução da reincidência de violência
contra a mulher. Além disso, na maioria dos grupos reflexivos, tanto em instituições privadas
como nas instituições públicas, há vinculação ou apoio dos Tribunais de Justiça, como prevê a
Lei n° 11.340/06.
Beiras e Bronz (2016) retratam os resultados obtidos nos grupos reflexivos realizados
ao longo dos anos no Instituto NOOS, dentre os quais ressaltaram a relevância dos (as)
facilitadores (as) de grupos reflexivos desenvolverem um vínculo de confiança com os
participantes dos grupos, com posicionamento pessoal e horizontal enquanto estratégias
imbricadas na desconstrução da ideia de poder nos diferentes gêneros, além de possibilitar o
espaço como meio de reconhecimento do lugar de fala dos participantes através do diálogo.
Recomendam que os grupos sejam constituídos por mais de um facilitador para favorecer as
reflexões e diálogos manifestados nos encontros dos grupos.
Moraes e Ribeiro (2012) realizaram um estudo de caso acerca da experiência dos grupos
reflexivos promovido pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar na cidade do Rio de
Janeiro. As autoras constataram que os grupos reflexivos funcionam com cerca de 9 a 14
homens participantes, com idades entre 30 e 49 anos de idade, de diferentes classes sociais e
níveis de escolaridade. Todos os participantes eram pais e a maioria era ex-
companheiros/maridos das mulheres que os acusaram. Os grupos eram facilitados por dois
profissionais, sendo um Psicólogo e um Assistente social. Os encontros aconteciam
quinzenalmente, num total de oito encontros, com duração de 2 horas cada um. Os grupos
tinham como objetivo responsabilizar os autores de violência doméstica quanto ao crime,
estimular mudanças de atitudes e socializar informações a respeitos dos direitos dos acusados
como recurso judicial com potencialidade para tratar dos conflitos em detrimento da violência
doméstica.
208
5. Considerações Finais
Segundo Prates e Andrade (2017), Prates (2013) os grupos reflexivos para homens
autores de violência doméstica são uma estratégia de incluí-los nas propostas institucionais de
intervenção no combate à violência contra a mulher, uma vez que ações voltadas somente às
mulheres não proporciona efetividade no enfrentamento à problemática, lidando apenas com
uma parte do processo.
Prates e Andrade (2017) destacam que a Lei Maria da Penha, apesar de remeter a
medidas de combate a violência doméstica como os grupos reflexivos, não aponta diretrizes
que os normatize. Possivelmente, por isso existe a ausência de uniformização entre as
metodologias dos grupos nos diversos espaços onde são implementados no Brasil. Apesar disso,
as pesquisas realizadas apontam que estes são concebidos no propósito comum de educar,
reeducar, reabilitar e reconstruir homens e suas concepções a respeito de masculinidade e
igualdade de gênero.
Os grupos reflexivos contribuem para o esclarecimento aos homens sobre “as mulheres,
seus direitos, suas conquistas, e seu lugar na sociedade,” promovedor das mudanças sociais
contemporâneas de enfretamento a desigualdade gênero. (PRATES, 2013, p. 193). Os grupos
reflexivos possibilitam o entendimento aos homens da importância de estabelecer novas formas
de se relacionar com as mulheres tanto no âmbito privado quanto público. Analise-se como
positiva a proposta e o alcance dos grupos reflexivos em estimular os participantes a se
apropriarem de novas formas de agir e pensar, sobretudo, acerca dos conflitos interpessoais e
familiares.
Existe ainda o consenso entre estudiosos da temática de que os grupos reflexivos atuam
enquanto medida socioeducativa de combate à violência doméstica e a necessidade de que tal
estratégia precisa ser incorporada como política pública adensada ao seio de atuação da rede de
prevenção a violência de gênero no âmbito do Estado. (Prates e Andrade, 2013). Os resultados
esperados e alcançados nos empreendimentos de grupos reflexivos para homens autores de
violência doméstica são que os (as) facilitadores consigam estabelecer entre os participantes a
solidificação de novas concepções socioculturais em torno dos papeis de homens e mulheres,
onde as relações de poder se estabelecem, para que a violência possa ser extirpada dando lugar
à convivência com base no afeto e no respeito mútuo.
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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: UMA REVISÃO NARRATIVA
210
DA LITERATURA
Introdução
Em 2002, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou um relatório com o título
“Relatório Mundial sobre Violência e Saúde”, em que o termo violência foi definido como a
utilização “da força física ou do poder, real ou ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa,
ou contra um grupo ou uma comunidade que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar
em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação” (OMS, 2002
como citado em Zuma, 2005, p.2).
Com base nesse relatório, a violência é dividida em três categorias: violência auto
infligida, violência interpessoal e violência coletiva. Cada umas dessas, contêm subcategorias.
A violência doméstica contra a mulher, que é o nosso objeto de estudo, encontra-se na categoria
violência interpessoal, sendo do subtipo violência por parceiro íntimo (VPI). (Zuma, 2005).
Nesse sentido, o termo VPI refere-se a qualquer tipo de comportamento violento dentro
de uma relação íntima e afetiva, tanto no âmbito doméstico como fora dele (Moreira &
Ceccarelli1, 2016). De acordo com a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS, 2018) a
prática de violência por parceiro íntimo é uma violação aos direitos humanos e um problema
generalizado de saúde pública.
De acordo com o Data Senado (2015), 70% dos feminicídios são cometidos por seus
ex-companheiros ou atuais. Além disso, a mesma pesquisa expõe que 61% das mulheres vítimas
de agressão sofrem o crime na própria casa. No Brasil, em média, 17% das mulheres de 15 a
49 anos serão vítimas de algum tipo de violência em algum momento de suas vidas. (OPAS,
2018). A violência contra a mulher envolve diversos fatores complexos. Alguns estudiosos
concordam que esse tipo de violência sempre existiu por vários motivos, principalmente por
questões de gênero (Gomes, Diniz, Araújo & Coelho, 2007).
A lei federal n. 11.340 (2006), a lei Maria da Penha, é responsável pela coibição e
punição de atos de violência doméstica contra a mulher no Brasil. De acordo com essa lei
existem os seguintes possíveis tipos de violência contra a mulher: física, psicológica, sexual,
patrimonial e moral.
A violência física é o tipo de abuso que deixa marcas corporais na vítima, sendo
geralmente considerada uma das mais graves, por deixar danos visíveis. Deste modo, é estimado
como agressão física: bater, espancar, empurrar, atirar objetos, sacudir, morder, puxar os
cabelos, mutilar, torturar, usar arma branca, como faca ou ferramentas de trabalho, ou de fogo
(Lei n.11.340, 2006). Por outro lado, a violência psicológica é invisível e gera danos que são
imperceptíveis ao ambiente externo, causando grande sofrimento na vítima. São consideradas
211
agressão psicológica atitudes como: falar mal, humilhar, ameaçar, intimidar, amedrontar;
criticar continuamente, desvalorizar os atos, desconsiderar a opinião ou decisão da mulher,
debochar publicamente, diminuir a autoestima (Fonseca, Ribeira & Leal, 2012).
A violência sexual é a forma de agressão que está relacionada com abuso sexual.
Podemos definir como violência sexual: forçar relações sexuais quando a mulher não quer ou
quando estiver dormindo ou sem condições de consentir, coagir a parceira a olhar imagens
pornográficas contra sua vontade, obrigar a mulher a fazer sexo com outras pessoas, impedir a
companheira de prevenir a gravidez, forçá-la a engravidar ou ainda forçar o aborto quando ela
não quiser (Fonseca et al., 2012). Uma forma menos conhecida de violência é a patrimonial que
apesar de bastante frequente é pouco comentada. Neste contexto, ela se resume em controlar,
reter ou tirar dinheiro de sua parceira, causar danos de propósito a objetos que pertencem a ela,
destruir ou reter objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais e outros bens e direitos
(Fonseca et al., 2012).
A violência moral está relacionada com qualquer manifestação de difamação ou calúnia.
São considerados comportamentos de violência moral: comentários ofensivos na frente de
estranhos ou conhecidos, humilhar a mulher publicamente, expor a vida íntima do casal para
outras pessoas inclusive nas redes sociais, acusar publicamente a mulher de cometer crimes,
inventar histórias ou falar mal da mulher para os outros com o intuito de diminuí-la perante
amigos e parentes (Fonseca et al., 2012).
A violência doméstica contra a mulher é crime, além de ser uma séria violação dos
direitos humanos. Essa forma de violência gera sequelas graves em várias esferas da vida de
quem passa por isso. De acordo com a OPAS (2018), as principais consequências da violência
para a mulher estão no âmbito da saúde, sendo: “feminicídio, doenças associadas à infecção
pelo HIV, suicídio e mortalidade materna, bem como lesões, infecções sexualmente
transmissíveis (IST), gravidez indesejada, problemas na saúde sexual e reprodutiva e
transtornos mentais.” (OPAS, 2018)
Nesse sentido, a violência contra a mulher é um grave problema de Saúde e Segurança
Pública no Brasil. Portanto, há uma necessidade de intervenção do Estado, já que saúde e
segurança são direitos fundamentais de todo cidadão. Diante disso, a lei Maria da Penha remete
não apenas à coibição da violência doméstica, mas também à criação de formas de prevenção,
como é citado em seu Art. 8º várias medidas integradas de prevenção.
Políticas Públicas são ações da união, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios
e que buscam consolidar direitos fundamentais dos cidadãos. Assim, no contexto de violência
doméstica contra a mulher, as políticas públicas (?) são imprescindíveis tanto para acolhimento
das vítimas, como para prevenção (Porto & Costa, 2012). Nessa perspectiva, segundo o Plano
Nacional de Políticas para Mulheres (2008), a Rede de Atendimento à Mulher em situação de
Violência é composta por vários intervenções, sendo alguns deles: Delegacias Especializadas
de Atendimento à Mulher (DEAMs), Centro de Referência da Mulher (CRM), Casas-Abrigo,
Juizados de Violência Doméstica e Familiar e Central de Atendimento à Mulher.
Apresentamos aqui uma problemática que sempre existiu na história da humanidade, é
fato que várias conquistas já foram alcançadas frente a luta contra a violência da mulher e a
igualdade de gênero. No Brasil, temos a Lei Maria da Penha que é essencial para o combate
desse tipo de violência e para implementação das políticas existentes. Apesar disso, observamos
números alarmantes de violência doméstica, feminicídios e vidas dilaceradas por essa atitude
que tem se perpetuado ao longo da história.
Diante desse cenário, temos como objetivo investigar questões relacionadas a violência
212
contra a mulher no ambiente doméstico, buscando compreender os fatores que influenciam o
comportamento de violência doméstica contra a mulher.
Método
Trata-se de um estudo de cunho qualitativo, em que utilizamos como método de coleta
de dados uma revisão narrativa da literatura. Esse tipo de técnica busca compreender o “estado
da arte” de um determinado assunto sob uma perspectiva teórica, permitindo uma visão mais
ampla do objeto de pesquisa (Vosgerau & Romanowsk, 2014). O estudo através da revisão
narrativa é fundamental para uma educação continuada de temas específicos, pois permite que
o pesquisador se atualize e adquira novos conhecimentos em um curto período de tempo
(Rother, 2007).
Seguimos as seguintes etapas para a construção do presente trabalho: primeiro a coleta
de dados de forma exploratória para apresentar a problemática, depois selecionamos artigos em
base de dados eletrônica, utilizando critérios de inclusão para escolher os artigos que
abordassem a temática estudada, após isso fizemos resumos dos artigos escolhidos para uma
análise minuciosa das informações.
Nesse sentido, utilizamos aqui informações de órgãos, organizações da área da saúde,
além de legislações e informações da área jurídica de forma exploratória. Foi necessário fazer
essa coleta de dados em ambos os campos, já que nosso objeto de estudo oscila nessas áreas.
Essas referências foram levantadas para embasar e contextualizar a problemática de nosso
estudo.
A coleta de dados incluiu artigos da base de dados eletrônica Scientific Electronic
Library Online (SciELO). Utilizamos os seguintes descritores de busca "Violência Doméstica
contra a mulher" e "Parceiro por Violência Íntima". Os descritores foram combinados por meio
do operador booleano “OR”, que significa que os resultados selecionam artigos com ambos os
descritores juntos ou separados.
Os critérios de inclusão utilizados para seleção de artigos foram: a) artigos escritos por
autores brasileiros, b) artigos publicados entre os anos de 2013 a 2019, c) artigos que tratem
sobre o tema de violência contra a mulher pelo parceiro íntimo ou violência doméstica contra a
mulher.
Resultados
Foram encontrados na base eletrônica de dados SciELO 261 artigos referentes à busca
dos temas “Violência Doméstica Contra a Mulher” e “Parceiro por Violência Íntima”. Essa
revisão foi feita durante o segundo semestre do ano de 2019. Após a utilização dos critérios de
inclusão um total de 239 artigos foram excluídos por diversos motivos.
Nessa perspectiva, 89 artigos não foram selecionados por não serem estudos brasileiros,
74 foram excluídos por não se encaixarem no critério de inclusão referente aos anos de
publicação que estava entre o período de 2013 e 2019, escolhemos esse período, por buscar
uma literatura recente sobre o assunto. Além desses, 55 artigos não foram considerados por não
retratarem o tema ou não serem relevante para o estudo, sendo 38 eliminados pelo título do
artigo e 17 pelo conteúdo após a leitura do resumo. Depois de uma última análise foram
encontrados 4 artigos que estavam replicados e também foram incluídos.
Além disso foram selecionados 5 artigos a partir das referências da literatura
213
selecionada de análise, alguns destes de anos diferentes do critério de inclusão, estes foram
levados em consideração apesar do ano, pois apresentaram assuntos pertinentes que não foram
encontrados na literatura mais atual.
Portanto, após uma análise dos 21 artigos referente a essa revisão, notamos que existem
diversos fatores que estão associados a permanência da violência doméstica contra a mulher,
como características individuais do agressor que aumentam a probabilidade desse
comportamento ocorrer. Além disso, a maior parte da literatura apresenta que em um contexto
macro a principal causa desse tipo de violência está relacionada a questões de gênero.
Discussão
Na contemporaneidade a mulher tem o direito de votar, de participar da vida política,
de exercer uma profissão. As lutas feministas ampliaram o lugar da mulher na sociedade.
Apesar disso, em alguns lugares ainda existe uma predestinação da mulher à vida doméstica e
privada, além disso os números de violência contra a mulher, como já foram demonstrados,
ainda são alarmantes.
Por esse viés, as questões de gênero estão relacionadas com “as expressões do masculino
e do feminino, atribuídas historicamente, por meio de imposições sociais e culturais. Essas
imposições de caráter biológico, em nossa cultura, estão estritamente ligadas aos papéis que
cada um/a tem que assumir socialmente” (Vigano & Laffin, 2019, p.3).
É fundamental a discussão da construção do gênero na nossa sociedade, sobre o que é
ser homem e ser mulher. Já que funções e estereótipos relacionados a isso são construídos
socialmente ao longo da história e tidos como verdades absoluta, naturalizado em nosso
cotidiano, como se fosse algo inato da espécie humana. (Acosta, Gomes, Fonseca & Gomes,
2015)
Nesse âmbito de papéis sociais, a mulher encontra-se como submissa, como a “do lar”,
o homem como o chefe de família, como o dominador. (Acosta et al., 2015). Logo, a busca da
mulher na quebra dessas construções dentro do ambiente doméstico pode ser algo perigoso
frente a indivíduos que tem enraizado as ideias do patriarcado. Pois atos de empoderamento da
mulher como: querer sair do lar, se negar a fazer atividades domésticas ou querer trabalhar fora
de casa, vestir o que quer, enfim qualquer atitude de autonomia que possa ferir a ideia
estabelecida de ser mulher pode ferir a “soberania” do homem. (Vigano & Laffin, 2019, p.3).
Logo, essas atitudes podem gerar uma reação violenta de todos os tipos ou até mesmo a
morte. Pois por vezes para o homem o machismo encontra-se tão enraizado que se torna
insuportável ver sua cônjuge em uma condição que não seja a já estabelecida, sendo isso para
ele uma falta moral ou de respeito com sua própria condição que ele considera natural.
(Magalhães, Araújo & Schemes, 2013). Nessa perspectiva, “percebe-se que a cultura, veiculada
pela família, legitimou as relações de poder, de gênero e de sexualidade, tornando o âmbito
doméstico um terreno fértil para a prática da violência” (Acosta et al., 2015, p.2).
Além das questões de gênero, que são apontados como uma das causas centrais da
214
violência doméstica contra a mulher, existem elementos individuais referentes ao agressor que
podem ser consideradas precipitadores da violência (Leite, Luis, Amorim, Maciel & Gigante,
2019). Alguns exemplos são: uso de substâncias químicas, parceiro em situação de desemprego
e indivíduos que testemunharam ou passaram por violência durante a infância (Silva, Coelho &
Pires, 2014).
Em um estudo realizado em 27 cidades brasileiras em uma amostra de 2.372 domicílios,
52,7% das mulheres relataram ter sofrido violência com o parceiro alcoolizado, enquanto 9,7%
também tinham feito uso de drogas (Noto, Fonseca, Silva & Galdoróz, 2004). Assim, “em um
mundo envolto por brigas, humilhações, agressões, sofrimento, submissão e opressão, parece
que o uso abusivo de álcool e outras drogas pelo companheiro potencializou a violência vivida
pelas mulheres” (Vieira et al., 2014, p. 371).
Apesar da violência contra a mulher estar presente em todas as classes sociais, quando
tratamos do problema violência doméstica no Brasil, é importante levar em consideração as
características de um país subdesenvolvido, em que prevalece a desigualdade social,
analfabetismo e o desemprego. Esses fatores podem ser determinantes em gerar violências no
âmbito doméstico tanto contra a mulher como a outros membros da família (Borges, 2006).
Segundo um estudo psicanalítico, a maioria dos agressores passaram por algum tipo de
violência física, psicológica ou sexual durante a infância, sendo esse um precursor para um
possível ato de violência durante a vida adulta, sofrendo com maiores danos a mulher e os filhos
(Nardi & Benetti, 2012).
Conforme o discurso das mulheres, o homem pensa ser o detentor do saber, do poder e
da razão, se acha dono da mulher, e que esta lhe deve subserviência e obediência, sem
poder expressar seus desejos, vontades e pontos de vista, sem poder jamais discordar do
que o seu companheiro pensa. (Paixão et al. 2014, p.5)
De acordo com Paixão et al. (2014), que fez uma pesquisa com mulheres que passaram
por violência doméstica, mesmo que esses fatores individuais intensifiquem a probabilidade de
uma possível agressão por parte do parceiro conjugal, na maioria dos casos esses elementos
precipitadores estão perpassados pela construção cultural da hierarquia de gênero que cria uma
relação de poder do homem frente a mulher, gerando assim a violência.
Considerações Finais
Portanto, o presente estudo teve como objetivo busca compreender a violência
doméstica contra a mulher a partir de uma revisão narrativa da literatura. Assim, notamos que
não existe uma causa específica para que agressões ocorram, o que acontece é a junção de
fatores que podem ser determinantes frente a esse fenômeno, e que esses fatores na maioria dos
casos estão relacionados as definições de gênero que colocam o homem em uma posição
privilegiada de superioridade frente a mulher.
Nesse sentido, é fundamental pontuar o papel das políticas públicas frente a prevenção
desse problema que ainda é tão corriqueiro em nossa sociedade. Trazer um enfoque de educação
sobre gênero deve ser uma das prioridades das políticas voltadas especificamente para a mulher.
Além disso, é importante que essa temática esteja circulando nos âmbitos da saúde, educação,
assistência, já que é uma questão que envolve um público diversificado. O fato é que esse tipo
de educação deveria começar na família, porém apesar das mudanças, a família no modelo
215
patriarcal ainda é predominante no cenário brasileiro.
Logo, devemos continuar lutando por igualdade de gênero e por uma sociedade mais
justa, mais democrática, mais igualitária, em que as mulheres não precisem ter medo ao sair na
rua à noite, em que as mulheres não precisem ter medo de não conseguirem um emprego, em
que as mulheres não precisem ter medo de morrer nas mãos de seu marido, na frente de seus
filhos. Não podemos deixar as mulheres continuarem morrendo.
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O CONTEXTO POLÍTICO ATUAL NO SOFRIMENTO PSICOSSOCIAL DA
218
COMUNIDADE LGBTQ+ SOB A PERCEPÇÃO DO PSICÓLOGO
1 Introdução
A realidade do Brasil corrobora com a ideia de Lowi, pois os últimos anos da política
brasileira têm sido marcados por crises na economia e na política que consequentemente
refletem sobre a sociedade, proporcionando o aumento da miséria, desemprego e da violência
(Silva, 2016). Deste modo, em acordo com que afirma Castro e Cavalcante (2018), o discurso
predominante entre os partidos de extrema-direita é motivado pela situação agravante que
passam esses países e são aceitos pela população por produzirem uma expectativa de resolução
das crises.
Entretanto, como cogita Pereira (2017) o avanço dessa extrema direita é uma ameaça às
comunidades historicamente discriminadas, como a LGBTQ+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais, Travestis), tanto porque ela vem interrompendo a conquista dos direitos da
população minoritária, como também por que candidatos aliados a ela têm manifestado um
discurso de ódio contra as minorias sexuais, altamente inflamados pela população
reconhecidamente intolerante. Contudo, segundo a análise de Borrillo (2010), esses discursos
preconceituosos podem ser um agravante para a violência homofóbica, cuja perdura causa
intensas sequelas nas vítimas.
219
acerca dos direitos da comunidade LGBTQ+ no plano político brasileiro, bem como os
impactos de episódios discriminatórios provocados pela sociedade conservadora envolvendo
esse grupo. Ademais, é de grande relevância para a ciência o estudo de fenômenos sociais que
podem afetar a saúde mental de grupos específicos e sociedade de maneira geral.
2 Metodologia
Participantes
Instrumentos
O método utilizado foi à pesquisa qualitativa, por se focar no caráter subjetivo das
entrevistadas, através da percepção de ambas e da vivência na psicologia clínica. O presente
trabalho se trata de uma pesquisa de campo que foi realizada em uma sala adequada para a
realização.
Análise de dados
3 Referencial Teórico
3.1.Cenário Político
O cenário político do Brasil nos últimos anos é marcado pela crise política, instabilidade
da democracia, aumento da violência e do crime (Silva, 2016). Assim marca um período de
ascensão de partidos conservadores em resposta a essas crises e insatisfação com os governos
anteriores (Castro & Cavalcante, 2018).
Lowi (2016) cogita que a população desacreditada e insatisfeita com o governo busca
220
meios de modificar o cenário que se encontra, acreditando que as ideologias de cunho
revolucionário com medidas autoritárias contra a insegurança mostram-se mais favoráveis e
resolutivas, como o aumento da repressão policial, penas de prisão e reintrodução da pena de
morte.
Por sua vez, Silva (2016) afirma que os governos autoritários fazem parte da formação
sócio histórica do Brasil, pois o país sofreu 29 anos de ditaduras. Esse período foi marcado pela
restrição de liberdades, aumento do conservadorismo e radicalização, por parte do governo, no
combate aos movimentos sociais, que haviam se intensificado nos últimos anos (Pereira, 2017).
Visto isto nas eleições de 2018 para presidente, quando o deputado federal Jair Messias
Bolsonaro ganha o apoio de uma grande quantidade de eleitores mesmo proferindo declarações
que exaltam regimes ditatoriais e fazem apologia ao racismo, homofobia e misoginia (Castro &
Cavalcante, 2018). De acordo com o mesmo autor, o cenário político-eleitoral de 2018 foi
marcado pelo uso das redes comunicativas como principal ambiente para debates e divulgação
de propostas dos candidatos, retratado pelo autor Santos (2016) como “shows midiáticos”.
Segundo os mesmo autores, esses fatos, ao mesmo tempo em que incorporam práticas
de intolerância na realidade virtual, são potenciais agentes sobre a realidade concreta para
estimular novas situações de violência, seja de ordem física ou simbólica. Contente (2017) diz
ainda que os atos homofóbicos nas redes não deixam de ser reflexo direto da realidade do grupo
LGBTQ+ no país.
O cenário político e social do país ainda se mostra voltado para a prática do hate speech
em forma de liberdade de expressão. Mesmo que, segundo o site da BBC News Brasil (2020),
o Supremo Tribunal Federal do Brasil tenha criminalizado no ano de 2019 a discriminação por
orientação sexual e identidade de gênero.
Atualmente, o Brasil é um dos países que mais mata LGBTQI+ no mundo, segundo
ainda BBC, que declara uma expectativa de mudança, já que com esses dados espera-se que a
LGBTfobiano Brasil seja equiparada de forma legal ao crime de racismo e consiga erradicar
essa epidemia que, neste início de 2019, levou à morte de um LGBTQ+ a cada 23 horas.
221
homossexuais, tal como o ódio refletido em atitudes negativas no nível social, moral, jurídico
e antropológico recebe o nome de homofobia (Toledo & Pinafi, 2012).
Segundo Santos (2016) alguns dos estigmas que atualmente recaem sobre a
homossexualidade foram produzidos séculos atrás no seio da cultura judaico-cristã, acusados
de cometerem o pecado infame da sodomia, muitos indivíduos foram perseguidos pela Igreja
Católica e punidos com a pena de morte. Mais tarde, no fim do século XVIII, institui-se um
discurso médico e psiquiátrico de designação patológica para a homossexualidade, chamando-
a de homossexualismo, no mesmo período a prática sexual com pessoas do mesmo sexo foi
considerada como algo ilícito, portanto criminoso, descriminalizado somente em 1930 (Toledo
&Pinafi, 2012).
Deste modo, conclui-se que embora as eleições de 2018 apontem para uma
transformação e modernização dos setores sociais, a extrema-direita ainda representa uma
ameaça real à democracia (Lowi, 2016).Visto que há indiferença com as necessidades desta
comunidade por parte das instâncias governamentais e da sociedade civil, assim nota-se um
desamparo para essas vítimas (Mello, Avellar & Brito, 2014), desamparo esse que gera
impactos psíquicos para essa comunidade.
222
levar muitos homossexuais a viverem em certo isolamento afetivo, sexual e social (Toledo &
Pinafi, 2012). Bem como produzir sofrimentos mais intensos como transtornos mentais de
diversos tipos, dependência química, automutilação ou mesmo o suicídio (Duarte, 2014).
Já Paulo et al (2000) recomendam um olhar singular para cada situação, para assim
traçar estratégias de equipe de maneira interdisciplinar para dar conta de toda complexidade
que cada pessoa traz consigo. Pensando nas especificidades dos homossexuais, Toledo e Pinafi
(2012) propõem que os profissionais de saúde devem estar continuamente atualizados sobre as
tendências sociais e culturais que dizem respeito à homossexualidade e a legislação sobre o
assunto, para assim intervir de forma ética e prudente. Dessa forma, o objetivo da clínica voltada
ao público LGBTQ+ não é fazer o homossexual viver feliz apesar de sua homossexualidade,
mas, de fato, graças à homossexualidade (Castañeda, 2007). Ou seja, não é fazer com que se
sintam “normais” e sim que assumam e apreciem sua diferença.
4 Resultados e Discussão
Deste modo, a seguinte pesquisa procurou compreender este fenômeno político no olhar
do profissional de psicologia, buscando compreender a influência do cenário político atual
sobre o sofrimento psíquico da comunidade LGBTQ+ e as perspectivas futuras da profissão
clínica no fazer profissional do psicólogo frente a isso tudo.
A partir da análise dos resultados emergiram cinco eixos temáticos, a saber: a percepção
223
do psicólogo; os impactos na comunidade LGBTQ+; as intervenções clínicas para o sofrimento
psicossocial da comunidade.
● Positivos
- Construção de redes de apoio de grupos de fora da comunidade;
- União e proteção.
● Negativos
- Sentimento de perigo e ameaça;
- Segregação de pessoas;
224
- Pensamentos negativos de si mesmo;
- Desconfiança na relação interpessoal;
- Provoca transtornos.
Segundo Silva e Souza (2019), os movimentos a favor dos Direitos Humanos e das
minorias sexuais têm servido como força contra hegemônica da cultura patriarcal vigente, a fim
de atender as demandas de parte da população que não conta com as mesmas oportunidades
reais de vivenciar a cidadania. Essa força que os autores cogitam tornou-se uma alternativa de
proteção para o contexto excludente e discriminatório que o grupo LGBTQ+ pertence.
Este foi, portanto, um impacto positivo, pontuado pelas entrevistadas, para este grupo
perante o contexto atual que vivenciam. Elas afirmam que indivíduos que não pertencem à
comunidade LGBTQ+ passaram a se unirna luta dos seus direitos, formaram mobilizações em
movimentos sociais e no ciberespaço para apoiá-los e protegê-los, aumentando assim ações de
solidariedade e valorização de gênero por parte da população. No entanto, a fala de uma das
psicólogas,
Sendo assim, o profissional de saúde mental deve intervir nas consequências do cenário
vigente, de modo a adaptá-las ao crescimento dessas demandas clínicas citadas pela mesma.
● Análise do contexto
- Realidade social do grupo.
A adaptação para essas demandas ocorre após uma compreensão do âmbito político-
social e da cultura dessa minoria sexual, fazendo uma “leitura da realidade” como elas
nomearam. E atuará como regulamenta o Código de Ética da profissão: “com responsabilidade
social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural”
225
(Conselho Federal de Psicologia, 2005).
5 Considerações Finais
226
e seus eleitores.
Em síntese, esse estudo se faz relevante justamente por informar a respeito dos impactos
emocionais na comunidade causados a partir do discurso de ódio entre os cidadãos e até mesmo
no contexto familiar. Assim, é de grande significado para a luta dessa parte minorias que as
pessoas sejam informadas sobre a realidade vivida por eles no cotidiano atual.
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ACEITAÇÃO DA VIOLÊNCIA NO NAMORO E VITIMIZAÇÃO SECUNDÁRIA:
228
REVISÃO SISTEMÁTICA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM MULHERES
Introdução
A violência praticada pelo parceiro íntimo é um problema sério que afeta grande parte
da população em todo o mundo, sendo as mulheres as maiores vítimas. Estudos realizados pela
OMS (2017) junto a London School of Hygiene and Tropical Medicine and the South African
Medical Research Council, em 80 países, indicaram que quase um terço de todas as mulheres
que estiveram em um relacionamento tiveram experiências de violência física ou sexual por
parte dos seus parceiros.
Os danos causados pela violência são sentidos tanto imediatamente quanto a longo prazo
e causam profundos danos no bem-estar físico, emocional e social do indivíduo. Uma série de
fatores podem contribuir para o aumento da ocorrência da violência, tais como a desigualdade
de gênero, as normas sociais em torno da masculinidade, desigualdade econômica, problemas
comportamentais e a vivência a outros tipos de violência (OMS, 2012).
Por muito tempo, os estudos sobre a violência entre parceiros limitavam-se apenas aos
contextos de violência conjugal e doméstica. Somente na década de 80 que os estudos se
ampliaram para o contexto do namoro, devido ao impacto psicossocial nas vítimas. Entretanto,
no Brasil, esses estudos são recentes e uma das principais dificuldades são a falta de produções
acadêmicas e a própria conceituação do que vem a ser a violência no namoro. (Nascimento,
229
Cordeiro, 2011).
Para Almeida (2008), ainda que as agressões sejam mútuas, a vítima encara os episódios
dentro de um espectro de normalidade de demonstração de ciúmes e subestimar os episódios de
violência. Entretanto, a explicação para tal fato, segundo alguns autores é de que aceitação da
violência no namoro está relacionada à exposição à violência parental. Uma vez que o contexto
familiar violento promove o desenvolvimento de crenças e atitudes que legitimam a violência
dentro do conflito interparietal e com isso passam a estar mais sujeitos a se envolver em
relacionamentos amorosos violentos (Doroteia, 2013). Somado a isso, dentro de um
relacionamento, os jovens passam a rever suas atitudes diante das relações de intimidade, uma
vez que se criam expectativas em relação aos papéis de gênero desempenhados e as formas de
controle dentro da relação. Diante disso, passam a reafirmar crenças errôneas e que influenciam
seus comportamentos, como as crenças de que há relação entre amor e violência ou se que as
mulheres devem ser submissas (Pimentel, Moura, Cavalcanti, 2017).
230
também se torna objeto do senso comum (Silva, Camargo e Padilha, 2011). Para Jodelet (2001),
as representações sociais seriam formas de conhecimento prático orientadas para a
comunicação e compreensão subjetiva do contexto social ao qual esses grupos fazem parte.
Método
Estratégia de busca
Foram incluídas pesquisas com mulheres jovens maiores de 18 anos e que sofreram
qualquer tipo de violência contra a mulher. Foram excluídos os estudos realizados em outros
contextos de violência e com mulheres menores de 18 anos. Os estudos foram incluídos se o
idioma de publicação fosse inglês, português ou espanhol. Os artigos que não apresentaram no
título, no resumo ou no texto, o assunto abordado nesta revisão, também foram excluídos.
231
texto completo após a revisão dos títulos, dos resumos e de estudos incluídos e excluídos na
fase final são apresentados na Figura 2.
Todas as pesquisas e triagens foram feitas duas vezes por dois pesquisadores (SM e N)
de forma independente, todas as discrepâncias foram discutidas e resolvidas. Para apoiar o
processo dos dados na pesquisa, optou-se por realizar uma classificação hierárquica
descendente para verificar a estrutura dos resumos dos artigos selecionados na triagem final,
bem como análises adicionais, tais como rede de palavras-chave, rede de citações e cocitações.
Resultados
Foram selecionados 7 estudos para esta revisão sistemática de acordo com os critérios
de elegibilidade. Os estudos foram realizados no Rio Grande do Sul (n=3), em João Pessoa, Rio
de Janeiro, França e Lima. Quatro estudos focaram na representação social da violência
doméstica em profissionais de saúde, um estudo focou na violência por parceiro íntimo e
ideologias legitimadoras e dois estudos se concentraram na questão da representação social da
violência sexual e a aceitação da violência sexual. Dois estudos abordaram a questão da
aceitação e tentativa de legitimação da violência. As sínteses dos nossos achados estão na tabela
1, considerando o autor, o ano, a amostra utilizada, objetivos e resultados Tabela 1.
232
Fonseca et João Pessoa 12 mulheres com Verificar as Foi constatado que a maior
al. (2012) idade iguais ou representações prevalência é a violência
maiores a 18 anos sociais de mulheres psicológica, causando danos
que sofrem ou emocionais a longo prazo,
sofreram algum tipo trazendo sérios prejuízos nas
de violência por esferas do desenvolvimento e
parte de seus da saúde psicológica da
parceiros, buscando mulher. o ciclo de violência é
considerar a alimentado pela tolerância e
subjetividade desse autoculpa e pela má
fenômeno, além de compreensão da mesma.
identificar os
principais danos nas
esferas social,
psicológica e
ocupacional da
estas mulheres.
Silva et al. Município 40 TE e 178 ACS. Analisar as Trata de uma representação
(2015) do Rio representações estruturada, cujo núcleo
Grande, RS sociais dos central contém elementos
Técnicos de conceituais, imagéticos e
Enfermagem e atitudinais, sendo eles abuso,
Agentes agressão, agressão física,
Comunitários de covardia e falta de respeito.
Saúde acerca da Tais termos fizeram-se
violência doméstica presentes no contexto das
contra a mulher. entrevistas. Os profissionais
reconheceram que a violência
não se limita a aspectos físicos
e expressaram julgamento
frente aos atos do agressor.
Gomes et Município Enfermeiros, Analisar as O núcleo central desta
al. (2015) de Rio médicos, técnicos representações representação, formado pelos
Grande, no de enfermagem e sobre violência termos “agressão”, “agressão-
Estado do agentes doméstica contra a física”, “covardia” e “falta de
Rio Grande comunitários de mulher, entre respeito”, tem conotação
do Sul, saúde. profissionais de negativa e foram citados pelos
Brasil. Responderam às saúde das Unidades entrevistados. Na zona de
evocações 201 de Saúde da contraste, formada pelos
profissionais e, Família. termos “abuso”, “abuso-
destes, 64 foram poder”, “dor”, “humilhação”,
entrevistados. “impunidade”, “sofrimento”,
“tristeza” e “violência”,
identificaram-se dois
subgrupos. A primeira
periferia contém os termos
“medo”, evocado com maior
frequência, seguido por
“revolta”, “baixa autoestima”
e “submissão”, e na segunda
periferia “aceitação” e “apoio
233
profissional”.
Acosta et al Rio 100 enfermeiras Analisar a estrutura Observa-se uma representação
(2018) Grande/RS e o conteúdo das negativa com elementos
representações nucleares aludindo às formas
sociais dos de violência e ao seu
enfermeiros sobre a julgamento, expresso em
violência doméstica “agressão física” e
contra a mulher. “desrespeito”. Na periferia,
“medo” revela tanto o
sentimento das profissionais
quanto das vítimas frente ao
agressor, e “submissão” é
pontuada como causa da
violência. Infere-se a
possibilidade de um subgrupo
com representação
diferenciada, frente ao termo
“agressão verbal” na zona de
contraste.
Lelaurain França No Estudo 1: 24 Analisar o impacto Os resultados mostram
et al. participante. do gênero e das ambivalência expressa pelos
(2018) ideologias participantes entre a
No Estudo 2: 123 legitimadoras na condenação da VPI e o uso de
participantes. avaliação da lógicas condicionais, a fim de
violência por minimizar ou justificar. A
parceiro íntimo expressão desse raciocínio foi
(VPI) determinada por regulamentos
sociais, como as situações em
que a violência ocorreu e a
adesão a ideologias
legitimadoras.
Cavalcanti Rio de Profissionais de Analisar as Os resultados mostram que as
et al. Janeiro, saúde representações representações sociais da
(2006) Brasil. sociais da violência violência sexual contra as
sexual contra a mulheres foram associadas a
mulher, construídas ideias de sofrimento,
e reproduzidas no distúrbios comportamentais e
pré-natal em três relações sexuais forçadas. As
maternidades explicações oferecidas por que
municipais do Rio esse tipo de violência ocorre
de Janeiro, Brasil. incluem relações de gênero,
violência urbana e atribuição
de culpa à vítima.
Janos et al. Cidade de Habitantes de Explora a relação Os resultados mostram a
(2015) Lima ambos os sexos entre a persistência de representações
representação dos sociais relacionadas aos
papéis de gênero e a papéis tradicionais de gênero,
aceitação de mitos e que terão efeito na aceitação
crenças sobre de mitos e crenças
violência sexual em
habitantes de ambos
os sexos da cidade relacionadas à violência
234
de Lima. sexual.
O corpus foi constituído por 7 textos, separados em 31 segmentos de texto (ST), com
aproveitamento de 25 STs (80,65%). Emergiram 1144 ocorrências (palavras, formas ou
vocábulos), sendo 463 palavras distintas e 309 com uma única ocorrência. O conteúdo analisado
foi categorizado em cinco classes: Classe 1, com 5 ST (20%); Classe 2, com 4 ST (16%); Classe
3, com 7 ST (28%); Classe 4, com 5 ST (20%) e classe 5, com 4 ST (16%). Para uma melhor
visualização das classes, foi elaborado um organograma com a lista de palavra de cada classe
gerada a partir do teste qui-quadrado. É possível verificar que emergem as evocações que
apresentam vocabulário semelhante e diferente entre si Figura 3.
235
mulher, bem como o uso de lógicas condicionais a fim de minimizar o sofrimento da vítima de
violência ou mesmo justificar a violência por ela sofrida.
“... a persistência de representações sociais relacionada aos papéis tradicionais de gênero que
terão efeitos na aceitação de mitos e crenças relacionadas à aceitação da violência sexual assim
o transgressor dos papéis de gênero atribui responsabilidade por parte da vítima e até mesmo
na justificação de certos atos de violência” (Resumo 7)
“Na zona de contraste composta pelos termos abuso, poder de abuso, humilhação, dor,
sofrimento, impunidade, tristeza. Dois subgrupos foram identificados.” (Resumo 4)
Discussão e Conclusão
Este artigo teve como objetivo analisar a utilização da Teoria das Representações
Sociais diante da aceitação da violência no namoro em mulheres jovens e o aumento com a
vitimização secundária, dentro da produção científica. Deste modo, buscou estimar como o
meio acadêmico têm utilizado a TRS para compreender o fenômeno social da aceitação
violência contra as mulheres.
236
legitimadoras da violência contra às mulheres.
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TRANSFEMINICÍDIO NO ESTADO DO CEARÁ- DA MARIA DA PENHA
238
À KERON RAVACHE
1. Introdução
O feminicídio deve ser analisado para muito além dos órgãos sexuais das suas vítimas.
O feminicídio é um crime praticado contra a mulher, não por seu sexo feminino, mas por razões
de gênero e isso deve abranger todas as formas de SER e IDENTIFICAR-SE como mulher. “O
feminicídio diz respeito ao desprezo e ódio que produz uma política de morte de mulheres
brancas, negras, indígenas, cisgêneras, heterossexuais, lésbicas, bissexuais, pobres, travestis e
transexuais e outras dimensões que atravessam as diversas fabricações das mulheridades e
feminilidades” (Nascimento, 2021, p. 168).
Delimitar o feminicídio num território exclusivo das mulheres cisgêneras é um erro que
não pode mais ser tolerado ante o debate instaurado pela comunidade LGBTQ+. O conceito de
“mulher” não deve limitar-se à anatomia sexual uma vez que muitas são as experiências de
mulheridades.
33
https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/01/29/brasil-e-o-pais-que-mais-mata-pessoas-trans-
175-foram-assassinadas-em-2020.htm
34
https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/01/08/jovem-trans-de-13-anos-foi-morto-a-pauladas-no-ceara-por-
cobrar-divida-de-r-50-do-suspeito.ghtml
Geral da Polícia Civil) simboliza uma importante conquista para o movimento transfeminista,
239
ainda que a divulgação e a sua necessária aplicabilidade estejam longe do esperado.
O advento da lei Maria da Penha, instituída sob o número 11.340/2006, trouxe luz e
novas perspectivas na luta das mulheres brasileiras contra a violência, e, não obstante falar
apenas em mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, é consagrado o entendimento
que o diploma legal protege o gênero feminino, dadas suas especificidades e vulnerabilidades
no nosso contexto social.
O conceito de violência doméstica contra a mulher trazido na lei é como qualquer ação
ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial, lembrando que a violência de gênero se define como
qualquer tipo de agressão física, psicológica, sexual ou simbólica contra alguém em situação
de vulnerabilidade devido a sua identidade de gênero ou orientação sexual.
O sujeito ativo da violência pode ser qualquer pessoa vinculada à vítima (pessoa de
qualquer orientação sexual, conforme o art. 5º, parágrafo único): do sexo masculino, feminino
ou que tenha qualquer outra orientação sexual. Ou seja, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo
da violência, basta estar coligada a uma mulher por vínculo afetivo, familiar ou doméstico,
todos se sujeitam à nova lei. Mulher que agride outra mulher com quem tenha relação íntima
de afeto, também se inclui na abrangência da lei. Importante mencionar que há a necessidade
de conjugação com as demais circunstâncias, ou seja, que o fato ocorra no âmbito da unidade
doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem
vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas ou no âmbito da família,
compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram
aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.
A referida lei descreve as formas de violência: física, verbal, patrimonial, sexual e moral
e o combate a todas estas formas de violência são imprescindíveis à proteção da mulher.
Anteriormente à Lei Maria da Penha não existia em nossa legislação
240
pátria leis específicas para julgar os casos de violência doméstica, tão
pouco havia previsão de medidas protetivas de afastamento do agressor.
Desta forma era bastante comum que a violência contra a mulher fosse
julgada perante os Juizados Especiais e tratadas como crime de menor
potencial ofensivo (Vieira, 2018, p. 97).
Traz, de forma acertada, que o real espírito da Lei Maria da Penha é prevenir, punir e
erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, não só em razão do sexo, mas,
também e sobretudo, em virtude do gênero. Lembrando que as mulheres trans – aquelas que
têm identidade de gênero de mulher e identidade diferente do sexo designado em seu
nascimento – não devem ser excluídas do amparo legal.
Não podemos perder de vista que a Lei 11.340/2006 não se propõe a proteger apenas o
sexo biológico da mulher, sendo elemento diferenciador da abrangência deste diploma legal
justamente o amparo ao gênero feminino, e estes nem sempre coincidem, por isso a proteção se
estende a todas aquelas que se identificam como mulheres, independente do sexo biológico.
Keron Ravache, Duda, Daniele Rodrigues, Ludmila Silva, Soraya Oliveira, Dandara dos
Santos e Letícia Costa são algumas das vítimas de transfeminicídio no Estado do Ceará. A lista
é extensa e aumenta a cada dia. O debate é necessário, assim como as políticas públicas que
desta discussão devem nascer.
242
e violência” (Nascimento, 2021, p. 174).
É hora de levantarmos muito mais que uma bandeira LGBTQ+. É hora de estudo,
debate, reivindicação e ação em prol do transfeminismo e do direito das mulheres em todas as
suas raças, cores, classes, identidades, mulheridades e feminilidades.
4. Considerações finais
A cada 48 horas uma pessoa trans é assassinada no Brasil e a idade média das vítimas é
de 27,7 anos. A maior concentração de casos é na região Nordeste, com 39% dos casos.35A
população trans já vive marginalizada pela sociedade, pois, na ausência de empregos, muitos
utilizam a prostituição como fonte de renda e meio de sobrevivência, devido a diversos fatores,
como difícil acesso à educação e forte exclusão social e familiar.
As questões do transfeminismo devem ser postas em pauta para diálogo, em busca não
somente do urgente reconhecimento de uma série de direitos negados, mas também do combate
à violência que muitas vezes tem início ainda em tenra idade e acompanha a mulher trans por
toda a sua vida.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a lei Maria da Penha é
considerada uma das três melhores leis do mundo que trata do assunto, mas precisava de
aperfeiçoamento, o que vem ocorrendo. Uma delas é a criminalização do descumprimento da
medida protetiva, que define a pena de detenção de três meses a dois anos para quem descumprir
decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência. Algumas mudanças legislativas
como a lei do Feminicídio contribuiu para aplicação de penas mais severas quando se trata de
crime cometido contra mulher em razão do sexo feminino (o certo seria ‘gênero’, aqui há uma
atecnia legislativa) quando o crime envolve: violência doméstica e familiar ou menosprezo ou
discriminação à condição de mulher.
A efetividade da Lei Maria da Penha e a necessidade desta lei adequar-se aos direitos
das mulheres trans e travestis é a concretização dos Direitos Humanos das mulheres e que por
“mulheres” possamos entender e aceitar todas estas identidades oprimidas e marginalizadas
pela sociedade que as repudia e maltrata.
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GÊNERO E O CUIDADO FAMILIAR: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SISTEMÁTICA
244
Antônio Helton Cavalcante Lima Junior
Maria Suely Alves Costa
Claudio Soares Brito Neto
Introdução
Mediante a isso, o gênero é definido como elemento constitutivo das relações sociais
baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e é o primeiro campo no qual o poder se
articula (Scott, 1995). Desse modo, relaciona-se à maneira como as sociedades lidam com a
percepção dos corpos humanos e com as consequências disso; constituindo-se em arranjos que
245
são mutáveis frente às novas situações criadas pelas práticas humanas (Gomes, 2008).
Para Connell (2016, p. 34), o gênero é “ao mesmo tempo criativo e violento, no qual
corpos e culturas estão igualmente em jogo e são constantemente transformados, às vezes até
sua destruição”. É comum ainda considerar gênero a partir de uma abordagem estática e
categórica (feminino X masculino).
Historicamente, as mulheres vêm assumindo essa função de cuidar dos seus membros
familiares mais necessitados, inicialmente, por tal função ser vista como mais feminina, depois,
pelo fato de ainda não estarem inseridas no mercado de trabalho nos tempos passados (Guedes,
2009).
Cuidar decorre das expectativas sociais sobre o conceito cultural de família e continua
a ser parte das obrigações femininas. Não se observam, no mesmo compasso das
transformações que ocorrem no mundo e nas discussões de gênero, mudanças culturais
profundas do ethos masculino e nem de reformas significativas por parte dos Estados Nacionais
que aliviem o peso dessas ditas obrigações (Cangiano, Shutes, Spencer & Leeson, 2009).
Costuma acontecer que, nas famílias, uma mulher é escolhida como cuidadora pela
pessoa de quem cuida, ou é auto escolhida, ou ainda, exerce sua função por falta de outra opção.
No Brasil, o espectro de idade delas vai de 26 a 86 anos (Kuchemann, 2012).
São mulheres que abrem mão da vida pessoal, profissional social e afetiva. E mesmo
quando seu trabalho é banhado de amor e reconhecimento, ela se empobrece do ponto de vista
econômico e social e passa a ter, desde então, uma existência restrita e confinada, unicamente
dedicada ao familiar em situação de dependência. As que são apoiadas por algum tipo de renda
consideram esse aporte insuficiente. E as que vivem com pouca renda, reduzem as opções de
suporte frente à carga das necessidades. A maioria afirma que não recebe ajuda de ninguém e
nenhuma recompensa econômica por sua dedicação (Karsch, 2003; Eales, Kim & Fast, 2015).
Diante disto, torna-se essencial discutir gênero a partir de uma dimensão transversal
entre raça e classe e a complexidade das desigualdades sociais, em que gênero por si só não
determina a condição de vulnerabilidade da mulher (Giffin, 2002).
Justifica-se esse trabalho pela relevante temática a ele atribuído, além de servir como
fonte de pesquisa e desenvolvimento de projetos futuros relacionados a temática trabalhada.
Além do estudo partir da hipótese central de que há disparidade no fator identitário do gênero
feminino, principalmente no que se refere ao labor do cuidado.
Tema esse pouco debatido dentro das políticas públicas de saúde, uma vez que se volta
as atenções para o público idoso ou que estejam passando por alguma patologia. As políticas
públicas que envolvem os cuidadores pouco se é debatido na literatura e nas organizações,
movimento esse ainda por vezes invisibilizados.
Desta forma objetiva-se com esse estudo relatar o perfil de gênero e cuidado na
bibliografia brasileira.
Método
Este trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica entre a relação de gênero e cuidado.
246
“Uma revisão sistemática é uma pesquisa bibliográfica desenvolvida a partir de uma pergunta
formulada de forma clara, que utiliza métodos sistemáticos e explícitos para identificar,
selecionar e avaliar criticamente pesquisas relevantes, e coletar e analisar dados desses estudos
que são incluídos na revisão” (Galvão, Pansani & Harrad, p. 335, 2015).
As buscas foram realizadas no mês de agosto de 2021 nas bases de dados presentes no
portal da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Foi realizada no intervalo de 5 anos, em língua
portuguesa, utilizando-se os descritores “gênero” AND “cuidador” AND “Brasil” encontrados
no Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Incluindo-se apenas artigos que tratassem das
relações gênero e cuidado. Foram excluídos, capítulos de livros, teses ou dissertações além
daqueles que faz-se necessário o pagamento para acesso integral do artigo.
Com a leitura dos resumos e a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, restaram
18 artigos. Após uma leitura minuciosa dos artigos, foram descartados mais dois artigos que
estavam repetidos e três fora do tema a amostra final deste estudo é composta por 13 artigos
que foram tabulados de acordo com suas características bibliométricas (título, periódico de
publicação, autores, ano e país de origem).
Resultados e Discussão
Tabela 1 -Informações dos estudos coletados
Título Periódico de publicação Autores e ano País de
origem
Constituição do cuidador Revista Uruguaia Santos Júnior et al. (2020) Brasil
familiar a partir de de Enfermagem
fotografias: experiências
para o cuidado de si
247
associados ao abuso de Saúde Coletiva
cuidadores contra idosos Athie & Souza (2019)
dependentes: a face oculta
da violência familiar
Sobrecarga de cuidadores Revista Ciência e Eloia et al. (2018) Brasil
familiares de pessoas com Saúde Coletiva
transtornos mentais:
análise dos serviços de
saúde
Qualidade de Vida de Saúde Debate Souza, Castelli, Paz, Moraes & Brasil
cuidadores de praticantes Silva (2018)
de equoterapia no Distrito
Federal
O perfil dos cuidadores de Revista Ciência e Alves & Bueno (2018) Brasil
pacientes pediátricos com Saúde Coletiva
fibrose cística
Fatores associados à Ciência e Anjos et al. (2018) Brasil
qualidade de vida de enfermagem
Cuidadores familiares de
idosos
Escala de Relacionamento Psico (Porto Queluz, Barham, Santis, Brasil
da Díade: evidências de Alegre) Ximenes & Santos (2018)
validade para cuidadores
de idosos brasileiros
Perfil dos familiares de
usuários de Centros de Revista Online de Demarco, Jardim & Kantorski Brasil
Atenção Psicossocial: Pesquisa Cuidado é (2017)
distribuição por tipo de Fundamental
serviço
Variáveis associadas à Revista Brasileira Caldeira, Neri, Batistoni Brasil
satisfação com a vida em Geriatria e
cuidadores idosos de & Cachioni (2017)
Gerontologia
parentes também idosos
cronicamente doentes e
dependentes
A família não é de ferro: Revista Online de Oliveira, Eloia, Lima Brasil
ela cuida de pessoas com pesquisa Cuidado é
transtorno mental & Linhares (2017)
Fundamental
Teoria do apego, Texto contexto Gabatz, Schwartz Milbrath, Brasil
interacionismo simbólico e enfermagem Zillmer & Neves (2017)
teoria Fundamentada nos
dados: articulando
referenciais para a
248
Pesquisa
Diante do exposto, pode-se discutir que o papel de cuidador sempre esteve atrelado à
mulher, cabendo à mãe, em primeira instância, a tarefa de ocupar-se com as pessoas da família,
estejam elas com ou sem agravos (Santos Júnior et al., 2020). No entanto observou-se que os
entrevistados são afetados por vulnerabilidades individuais, sociais e programáticas,
envolvendo aspectos que sugerem a precarização das condições de vida e saúde (Ceccon et al.,
2021).
Ao analisar os participantes dos estudos temos uma participação feminina acima de 70%
ao se trabalhar cuidadores, quando analisamos o perfil dessas cuidadoras temos um perfil de
alguém que tem uma baixa escolaridade, semianalfabeto ou de ensino fundamental incompleto,
em sua maioria com uma renda inferior a um salário mínimo.
249
Espanha, França, Alemanha e Reino Unido como Anjos et al. (2018) nos mostra. Ao enfatizar
essa prevalência encontrada, surge uma demanda em relação à saúde dessa população, uma vez
que a questão de gênero prevalece o feminino, precisamos direcionar olhares a essa população
no tangente a evitar danos e agravos a saúde dos mesmos, conforme a incidência de cuidadoras
aumenta, há a possibilidade de aumento também de sobrecarga de trabalho, comprometimento
da saúde e qualidade de vida dessas mulheres.
Considerações Finais
O estudo teve como limitações a falta de material de ampla divulgação que envolvesse
a temática pré-estabelecida, uma vez que a literatura muito se fala de cuidador, de qualidade de
vida, suporte de vida diária, mas pouco se trabalha essa questão do gênero em si, o porquê da
mulher está sempre nesse lugar.
Esse constructo buscou evidenciar esse tema e trazer cada vez mais para a discussão,
afinal lugar de mulher não é definido pela sociedade e sim por ela. Além de servir como
embasamento para futuras pesquisas no âmbito acadêmico e teórico e para construção de
políticas públicas de saúde com qualidade para os cuidadores familiares.
Referências
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EIXO 04
252
Saúde Mental e Luta Antimanicomial: Políticas Públicas,
Desigualdade e Vulnerabilidades
Introdução
No Brasil, as primeiras políticas preocupadas com a doença mental datam apenas da
segunda metade do século XIX. Elas foram marcadas por processos de marginalização e
exclusão social. Com um entendimento escasso acerca do fenômeno da loucura e da doença
mental, a incipiente psiquiatria da época consistia em uma atividade mais política do que
terapêutica. Os manicômios caracterizavam-se como espaços de segregação e exclusão, pouco
voltados ao cuidado (Guanaes, 2000). Com este tipo de prática, a família não tinha lugar de
destaque no debate em saúde mental, e era considerada como mais uma parte da sociedade a
ser protegida da influência negativa do convívio com a loucura (Silva & Monteiro, 2011). De
forma geral, portanto, observou-se nesse modo de atenção a atribuição do cuidado do
sofrimento mental às instituições psiquiátricas, afastando os doentes de suas famílias.
a alienação mental, por ser fraca no seu poder controlador e disciplinar. Nesse modelo, o
familiar era alijado do tratamento, o que reforçava a culpa e associava este familiar à
causalidade da doença mental (Navarini & Hirdes, 2008).
O modelo psicossocial de atenção em saúde mental atual deve ser entendido em seu
significado complexo, pois define o conjunto de ações nos campos teórico, ético, técnico,
político e social, estando apto a constituir um novo paradigma para as práticas em saúde mental,
visando a substituir o modelo biomédico e asilar do cuidado às pessoas que sofrem mentalmente
253
(Amarante, 2007).
Muitas das pessoas que experienciam transtorno mental são apoiadas pela família. Os
familiares fornecem uma quantidade substancial de cuidados, e o envolvimento da família na
assistência à pessoa com transtorno mental é clinicamente importante, pois melhora a qualidade
dos cuidados de saúde. Conhecer os vínculos e as redes de apoio social, nomeadamente a
família, são estratégias facilitadoras e ampliadoras das ações de saúde mental, dessa forma, a
família deve ser entendida como uma parceira no enfrentamento e vivência do transtorno mental
(Laval, 2009).
o convívio social. Os serviços, então, ao propiciar um espaço para o grupo de familiares, por
exemplo, fazem com que os sujeitos que acessam as políticas públicas dêem passos para a sua
sociabilidade.
Porém, nossa sociedade, bem como as famílias, estão pouco preparadas e amparadas para
acolher o portador de sofrimento psíquico, havendo ainda uma lacuna entre o cuidado que se tem e
o cuidado que se almeja ter em saúde mental. Por outro lado, muitos são os esforços empreendidos
pelos serviços e pelos profissionais da saúde na busca por reverter a lógica de atenção à saúde
254
mental arraigada na nossa cultura, em que prevaleceu por muitos anos, a exclusão e o preconceito.
Ao mesmo tempo em que o mundo muda sua forma de ver e de se relacionar com a loucura, também
o papel da família na sociedade também passa por inúmeras transformações. Muda a forma de se
pensar a implicação da família no aparecimento da doença mental, uma vez que a literatura atual
sobre o tema coloca a família tanto como a grande causadora do adoecimento psíquico quanto como
potente meio de cuidado e melhora (Klafke, 2011).
Entendendo que o cuidado deva ser compartilhado com a família e vendo a importância
disso, o presente estudo tem como objetivo explanar a vivência que as famílias assumem na
dinâmica do cuidado de cliente com saúde mental e suas implicações para a produção do
cuidado.
Método
Esse trabalho foi elaborado a partir de uma revisão da literatura do tipo revisão
integrativa, nas bases de dados Bireme, Lilacs e na Biblioteca Virtual em saúde (BVS). As
palavras-chave utilizadas foram “família”, “saúde mental” e “acompanhamento”. Foram
critérios de exclusão: artigos publicados em outros idiomas que não sejam o português e artigos
que não se encaixem na temática deste estudo.
A revisão integrativa inclui a análise de pesquisas relevantes que dão suporte para a
tomada de decisão e a melhoria da prática clínica, possibilitando a síntese do estado do
conhecimento de um determinado assunto, além de apontar lacunas do conhecimento que
precisam ser preenchidas com a realização de novos estudos. Este método de pesquisa permite
a síntese de múltiplos estudos publicados e possibilita conclusões gerais a respeito de uma
particular área de estudo. É um método valioso para a enfermagem, pois muitas vezes os
profissionais não têm tempo para realizar a leitura de todo o conhecimento científico disponível
devido ao volume alto, além da dificuldade para realizar a análise crítica dos estudos (Benefield,
2011).
Para elaborar uma revisão integrativa relevante que pode subsidiar a implementação de
intervenções eficazes no cuidado aos pacientes, é necessário que as etapas a serem seguidas
estejam claramente descritas. O processo de elaboração da revisão integrativa encontra-se bem
definido na literatura; entretanto, diferentes autores adotam formas distintas de subdivisão de
tal processo, com pequenas modificações (Whittemore, 2005)
No geral, para a construção da revisão integrativa é preciso percorrer seis etapas
255
distintas, similares aos estágios de desenvolvimento de pesquisa convencional: Primeira etapa:
identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa para a elaboração da revisão
integrativa, Segunda etapa: estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos/
amostragem ou busca na literatura, Terceira etapa: definição das informações a serem extraídas
dos estudos selecionados/ categorização dos estudos, Quarta etapa: avaliação dos estudos
incluídos na revisão integrativa, Quinta etapa: interpretação dos resultados e Sexta etapa:
apresentação da revisão/síntese do conhecimento (Mendes; Silveira; Galvão, 2008).
A partir da pesquisa, foram encontrado 48 artigos, e selecionados 07, ode foram lidos
na íntegra, e levados para a discussão.
Resultados e discussão
Quadro 1 - Classificação dos artigos selecionados de acordo com o título, autor, revista/ano e
base de dados.
Título Autor Revista/ano Base de dados
A família no cuidado em Ferreira, T. P. S, et Saúde debate, SCIELO
saúde mental: al, 2019
desafios para a produção
de vidas
Importância das famílias Fernandes, C. S. N. Escola Anna SCIELO
nos cuidados à pessoa N. et al, Nery 22(4) 2018
com transtorno
mental: atitudes de
enfermeiros
Profissionais de saúde ConstantinidiS, T. C. Psicologia USP, SCIELO
mental e familiares de 2017
pessoas
com sofrimento psíquico:
encontro ou desencontro?
A importância da Shimoguiri,A. F. D. Nova Perspectiva SCIELO
abordagem da miliar N.; Sistêmica, 2017
Na atenção psicossocial: SERRALVO, F. S.
um relato de experiência
O impacto causado pela Almeida, A. C. M. Revista SCIELO
doença mental na família C. H.; Lujácia Portuguesa de
Felipes, L; Pozzo, V. Enfermagem de
C. D. Saúde Mental,
2011
A família e o cuidado em Santin, G. Barbarói, 2011 SCIELO
256
saúde mental
Klafke, T. E.
A importância da família Santos, C. P Artigo Original, SCIELO
no acompanhamento em 2010
saúde mental
Para falar sobre o cuidado em saúde mental no âmbito familiar é imprescindível que se
faça uma apresentação da família moderna. Segundo Beltrame e Bottoli (2010), a família
moderna constitui-se através do progresso da vida privada, ou seja, a família assume um espaço
maior em detrimento da sociedade. Assim, é importante considerar que, “a relação da família
com o portador de transtorno mental é historicamente construída” (Rosa 2003, p. 28), sendo
que nem sempre foi vista como uma instituição capaz de acolher e cuidar de um familiar que
adoece mentalmente.
A abordagem familiar tem sido uma aposta das equipes de saúde da família, reafirmando
a necessidade de sua inclusão na produção do cuidado (Brasil, 2006).
257
seus próprios membros é vista como ‘quem atrapalha o cuidado’, ou ‘quem não coopera para a
melhora do sujeito’. Em alguns momentos, como, por exemplo, na elaboração de um plano de
cuidado para o seu membro, a família pode não integrar o seu planejamento, ou porque a equipe
de saúde não reconhece o seu saber e suas contribuições no cuidado ou porque essa família não
se visualiza como participante desse processo (Ferreira et al.,2019).
Além de todos os direitos que são necessários serem garantidos para que se tenha saúde
de qualidade bem como alimentação, educação, lazer, e etc., deve ser considerada também a
questão do território e o momento histórico de cada cidadão e/ou família. O território e as
condições de vida de um sujeito e/ou família pode ser destruidor ou fortalecedor das
potencialidades e possibilidades (Carvalho, 2003). A comunidade é condicionante na vida dos
sujeitos ali em questão, é muito mais que um simples endereço, envolve também aspectos
ambientais, relacionais, culturais, políticos, econômicos e religiosos (Santos, 2010).
Considerações finais
O acontecimento convoca a uma visualização da família como aquela que cuida, que
disputa planos de cuidado e que também precisa ser cuidada. Além do que, em alguns
momentos, como na elaboração do plano de cuidado, ela pode ser invisível para a equipe de
saúde, sendo apenas solicitada para se responsabilizar pelo sujeito em sofrimento psíquico.
Talvez o mais importante não seja delimitar qual é o lugar que a família deve assumir na
produção do cuidado, mas dar visibilidade para as diferentes posições que ela pode assumir no
decorrer dos processos cuidadores.
O pressuposto de que as demandas de ajuda que interpelam os serviços de saúde mental necessitam
258
ser compreendidas para além dos aspectos individuais do sujeito identificado como
“doente”, mas dentro de um contexto amplo onde toda a família está incluída, é o ponto de partida para o
desenvolvimento de formas de atenção aos usuários da saúde mental coletiva que
É essencial considerar que: A família que exclui é também a família que poderá acolher.
A família “problemática” é também a família que carrega a “solução”. Assim, numa visão
baseada no paradigma da complexidade, pode-se pensar a família como um espaço de risco, e
também, como contexto de proteção, sem que haja exclusão ou separação das partes (Dios,
1999, p. 83).
Referencias
259
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SAÚDE MENTAL NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA: UMA REVISÃO
260
INTEGRATIVA SOBRE O PERFIL DOS USUÁRIOS DE CAPSi
Desse modo, este estudo tem como objetivo identificar o perfil sociodemográfico e clínico
de crianças e adolescentes atendidos nos CAPSis brasileiros, por meio de uma revisão
integrativa da literatura, abrangendo o período entre 2008 e 2019. Justifica-se pelo fato de que
o (re)conhecimento da realidade dos usuários atendidos nesses centros – incluindo-se as
diferentes dimensões dos seus contextos psicossociais – pode contribuir para identificar
limitações que comprometam a atenção integral aos sujeitos no âmbito do SUS, bem como as
261
potencialidades dos serviços que o integram.
Método
Este estudo caracteriza-se como uma revisão integrativa da literatura, baseado em pesquisas
que investigaram o perfil de crianças e adolescentes atendidos em CAPSis. Para isso, foram
seguidas as seis etapas recomendadas pela literatura para revisões integrativas: (1)
estabelecimento da questão de pesquisa, objetivos e palavras-chave; (2) busca na literatura e
seleção dos estudos, seguindo os critérios de inclusão e exclusão; (3) coleta de dados – extração,
organização e categorização das informações; (4) análise crítica dos estudos incluídos; (5)
interpretação e discussão dos resultados; (6) síntese e apresentação da revisão (Souza, Silva, &
Carvalho, 2010).
Resultados e Discussão
262
última experiência de avaliação e reavaliação evidenciou o aperfeiçoamento do serviço (Cunha
et al., 2017), portanto, acredita-se que ela pode contribuir com informações valiosas para a
constituição dos serviços e das redes dos demais municípios e regiões.
Com relação ao delineamento dos estudos analisados, percebeu-se que a maioria caracteriza-
se como estudo transversal descritivo, retrospectivo, baseado em dados secundários
(documental). A maioria baseou-se na análise de prontuários, entretanto, algumas pesquisas
também utilizaram dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde –
DATASUS (Baron, 2017; Ceballos et al., 2018; Hoffmann et al., 2008; Nascimento et al., 2014)
e cinco estudos entrevistaram os pais/responsáveis ou utilizaram os prontuários, além das
entrevistas (Carvalho, 2012; Lima, Dias, Baratto, & Zuchetto, 2015; Maciel, 2013; Matos,
2014; Reis, Fonseca, Neto, & Delfini, 2012). O tamanho das amostras variou entre 51 e 909
prontuários (Reis et al., 2012; Ronchi & Avellar, 2010) ou, considerando os relatórios de
atendimentos, 837.068 prontuários (Ceballos et al., 2018).
Conforme os estudos analisados, a maioria dos usuários acompanhados pelas equipes dos
CAPSis são do sexo masculino, variando entre 59% e 79% (Carvalho, 2012; Ceballos et al.,
2018; Lara, 2014; Maciel, 2013; Nascimento et al., 2014; Santos, 2018; Ferreira, 2019). A
exceção dá-se com o estudo de Bergmann, Zavaschi, Bassols e Alegra (2009) que, segundo os
autores, está relacionada à existência de um programa voltado para problemas com maior
prevalência no sexo feminino. O sexo masculino é apontado como um fator de risco para o
desenvolvimento de transtornos mentais na infância e na adolescência (Thiengoet al., 2014).
Segundo a literatura, essa relação pode ser explicada pelo fato de que os problemas de
externalização (marcados por comportamentos desafiadores, impulsivos, hiperativos,
desatentos e agressivos), são mais frequentes em meninos; questões relacionadas à ansiedade,
depressão, retraimento e baixa autoestima – denominados problemas de internalização – são
mais comuns entre as meninas (Maciel, 2013; Rangel et al., 2015; Santos, 2018). Dessa forma,
além de ser mais fácil identificar os problemas externalizantes, são essas as demandas
causadoras de maiores transtornos nas famílias, escolas e comunidade.
Embora alguns estudos tenham incluído faixas etárias específicas (Delvan, Portes, Cunha,
Menezes, & Legal, 2010; Ferreira, 2019) ou, alguns casos, com mais de 21 anos de idade
(Hoffmann et al., 2008), as médias de idade, quando relatadas pelos autores, apresentaram-se
entre 8,1 (Maciel, 2013) e 14,6 anos (Carvalho, 2012). Uma tendência de menor idade entre os
usuários do sexo masculino e maior idade entre o sexo feminino foi identificada por alguns
autores (Baron, 2017; Ceballoset al., 2018; Matos, 2014; Quintal, 2018; Reis et al., 2012). De
um modo geral, percebe-se que a faixa etária dos usuários é bastante heterogênea, conforme as
particularidades de cada CAPSi. Foram identificadas baixas prevalências de usuários com
idades inferiores a sete anos.
Sobre a variável raça/cor da pele, apenas quatro estudos apresentaram informações. Dois
deles referem-se a um mesmo CAPSi de um município do sul do Rio Grande do Sul e indicaram
maioria de usuários brancos (Baron, 2017; Lima et al., 2015). Os outros dois, realizados no
Maranhão e Mato Grosso, apresentaram maior prevalência de usuários negros (Matos, 2014;
Quintal, 2018). Essa variável foi bastante negligenciada, tanto nos prontuários quanto nas
pesquisas identificadas. Por ser um marcador social, essa variável torna-se importante para
identificar as iniquidades em saúde (Silva, Barros, Azevedo, Batista, & Policarpo, 2017). É
263
relevante mencionar a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (Portaria
GM/MS nº992/2009) e, ainda, a recente Portaria nº 344/2017 (sobre o registro de raça/cor nos
sistemas de informação do SUS). Nesse sentido, os CAPS devem atuar, especialmente, na
garantia de acesso universal e igualitário aos serviços, no combate ao racismo institucional e na
produção de indicadores que possam nortear as políticas conforme as necessidades locais,
buscando ativamente reduzir o impacto dos determinantes sociais da saúde aos quais a
população está submetida (Ministério da Saúde, 2017).
Dentre os autores que informaram sobre a escolaridade dos usuários, verificou-se que a
grande maioria estava matriculada em alguma instituição de ensino, sendo que quase sua
totalidade em escolas públicas e regulares (Delvanet al., 2010; Matos, 2014; Meyer, 2015; Reis
et al., 2012), com a grande maioria no ensino fundamental (Baron, 2017; Bergmann et al., 2009;
Cunha, Borges, & Bezerra, 2017; Lima et al., 2015; Matos, 2014; Meyer, 2015; Nascimento et
al., 2014; Quintal, 2018; Ronchi& Avellar, 2010). Mais de um quarto dos estudos analisados
não apresentaram informações sobre a escolaridade dos usuários.
Estudos apontaram diferenças entre os diagnósticos relativos ao sexo dos atendidos, sendo
que entre as meninas, são mais frequentes os diagnósticos de Transtornos de Humor (F30-39)
e Retardo Mental (F70-79), enquanto entre os meninos, são mais prevalentes os diagnósticos
de Transtornos do Comportamento e Transtornos Emocionais (F90-98), bem como os
Transtornos do Desenvolvimento Psicológico (F80-89) (Delfini et al., 2009; Hoffmann et al.,
2008; Reis et al., 2012). Os autores também indicam diferenças com relação à idade dos
usuários, sendo que os Transtornos do Desenvolvimento Psicológico (F80-89) e os Transtornos
do Comportamento e Transtornos Emocionais (F90-98) são mais frequentes entre os usuários
mais novos. Entre os mais velhos, predominam os diagnósticos de Transtornos do Humor (F30-
39), Retardo Mental (F70-79) e Esquizofrenia, Transtornos Esquizotípicos e Delirantes (F20-
29) (Hoffmann et al., 2008; Reis et al., 2012).
264
al., 2015; Rangel et al., 2015; Reis et al., 2012), sendo que uma delas indicou que quase a
totalidade dos casos (86%) não apresentava essa informação (Baron, 2017). Contudo, em
relação ao uso SPA uma investigação (Meyer, 2015) encontrou as maiores prevalências entre
os estudos analisados: 26% consumiam bebidas alcoólicas, 24% tabaco e 22% substâncias
ilícitas – sendo a maconha a mais frequente.
A grande maioria dos usuários residia com a família; poucos foram os casos identificados
que estavam sob a tutela do Estado – em abrigos (Carvalho, 2012; Meyer, 2015). Na maioria
das publicações analisadas, houve maior prevalência da família nuclear, ou seja, formada pelo
casal/pais e os filhos (Baron, 2017; Cunha et al., 2017; Delvan et al., 2010; Matos, 2014;
Nascimento et al., 2014; Reis et al., 2012). Em segundo lugar, evidenciou-se predomínio das
famílias monoparentais, isto é, aquelas formadas por somente um dos pais (Baron, 2017; Delvan
265
et al., 2010; Matos, 2014; Nascimento et al., 2014; Reis et al., 2012). No estudo de Arrué et al.
(2013), entretanto, foram mais frequentes as famílias reconstituídas (mãe e outro membro) e,
em segundo lugar, as nucleares. Sobre a coabitação, a literatura aponta para uma média entre
quatro e cinco moradores na mesma residência (Carvalho, 2012; Lara, 2014; Maciel, 2013;
Matos, 2014; Reis et al., 2012). Entre 30% e 54% dos pais/responsáveis eram casados
(Carvalho, 2012; Maciel, 2013; Meyer, 2015). Entretanto, Quintal (2018) verificou que 57%
eram separados. Alguns autores referem alta prevalência de conflitos familiares (Arrué et al.,
2013; Quintal, 2018).
A grande maioria dos responsáveis pelas crianças e adolescentes era a figura materna (Baron,
2017; Carvalho, 2012; Maciel, 2013; Matos, 2014; Meyer, 2015; Quintal, 2018; Reis et al.,
2012) e tinha o ensino fundamental completo ou incompleto (Carvalho, 2012; Maciel, 2013;
Meyer, 2015). Quase a metade não trabalhava ou estava desempregada (Carvalho, 2012;
Nascimento et al., 2014) e mais de um quarto trabalhava informalmente. A exceção foi no
estudo de Maciel (2013), em que mais da metade dos responsáveis exercia alguma atividade
remunerada.
Aproximadamente metade dos usuários tinha renda familiar de até dois salários mínimos
(Arrué et al., 2013; Carvalho, 2012; Lara, 2014; Maciel, 2013: Matos, 2014; Meyer, 2015).
Alguns estudos apontaram que metade dos usuários recebia algum tipo de benefício social,
como Bolsa Família, Pensões, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Auxílio Transporte
(Carvalho, 2012; Maciel, 2013; Matos, 2014; Meyer, 2015), enquanto outros indicaram que em
torno de um quarto dos usuários tinham acesso a esses benefícios (Lara, 2014; Quintal, 2018;
Reis et al., 2012). A maioria das famílias estava classificada nas classes socioeconômicas ‘D’
e ‘E’ e residia em casa própria (Carvalho, 2012; Maciel, 2013). Reis et al. (2012) referem menor
prevalência de usuários com casa própria, apenas 30% dos casos. O amplo acesso aos benefícios
sociais indica uma atuação marcante dos profissionais do serviço social, considerando que, em
muitos casos, os responsáveis dedicam-se exclusivamente ao cuidado do filho com transtorno
mental (Carvalho, 2012).
Altas taxas de transtorno mental na família foram evidenciadas entre os usuários dos CAPSi
(Meyer, 2015; Quintal, 2018), chegando a 78% dos casos (Nascimento et al., 2014). A exceção
deu-se no trabalho de Rangel et al. (2015), que indicaram uma estimativa menor: 17% dos
casos. Entre as principais psicopatologias na família, destacaram-se a dependência química e
os transtornos do humor (Meyer, 2015; Nascimento et al., 2014). É importante reforçar que o
tratamento de crianças e adolescentes com transtornos mentais não ocorre isolado da família
(Carvalho, 2012), sendo que esta caracteriza-se como uma “peça-chave” na terapêutica
psicossocial.
Aproximadamente metade das crianças e adolescentes avaliados nos CAPSis não foi incluída
para atendimento após a avaliação da equipe multiprofissional por não apresentar transtorno
mental grave, sendo preferível o encaminhamento para os serviços mais adequados, como a
assistência social, dentre outros (Lara, 2014; Meyer, 2015). Estimativas mais amenas foram
identificadas no estudo realizado por Quintal (2018), com 32% dos usuários sendo
encaminhados após a avaliação no CAPSi. Esses encaminhamentos estão relacionados a
demandas que não são foco de atendimento do CAPSi e que acabam truncando o fluxo de
atendimento, considerando que poderiam ser resolvidos mais brevemente nos locais adequados
266
para cada demanda.
Sobre o desfecho dos atendimentos, Matos (2014) menciona que aproximadamente 70% dos
casos abandonaram o tratamento no CAPSi por diferentes motivos, como mudança de endereço.
Em um CAPSi da região Sul do país, mais de 70% dos casos permaneceram até quatro anos em
acompanhamento (Lima et al., 2015). Conforme preconiza a RPB, os CAPS figuram como
recursos comunitários, e não uma nova forma de tratamento contínuo. Ou seja, é ideal que os
processos de alta estejam integrados ao funcionamento dos CAPS, considerando a autonomia
dos usuários, os processos de reinserção social e a corresponsabilização. O maior tempo de
acompanhamento dos usuários no CAPSi pode indicar uma boa adesão ao tratamento e
vinculação com a equipe e, por outro lado, pode sugerir ineficácia do cuidado ofertado (Lima
et al., 2015). A ausência de registro dos desfechos dos casos, indicada por Cunha et al. (2017)
em 80% dos prontuários investigados, é uma realidade preocupante, considerando o
entendimento de “encaminhamento implicado” e “correponsabilização”, propostos na política
de saúde mental (Ministério da Saúde, 2014).
Considerações Finais
267
das realidades com que atuam.
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UM ESTUDO ARQUEGENEALÓGICO SOBRE OS PROCESSOS DE INTERNAÇÃO
271
Willian dos Santos Souza
Guilherme Augusto Souza Prado
Victor Bruno Barbosa Silva
Cleber Sales Pereira
Elivelton Sousa Montelo
Introdução
A partir disso as pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas (AD) são
inseridas nas políticas brasileiras de saúde mental. E são essas pessoas que ganham notoriedade
nos anos mais recentes, pois são o alvo principal dos processos contemporâneos de internação
asilar, através das autodenominadas Comunidades Terapêuticas (CTs).
A internação hoje no Brasil obedece ao que foi colocado na lei da Reforma Psiquiátrica,
a qual compreende três formas de internação: voluntária, onde a própria pessoa decide por sua
internação; involuntária, onde a decisão é um desejo de terceiros; e a compulsória, onde através
de uma decisão judicial uma pessoa pode vir a ser internada (CFP, MNPCT & PFDC-MPF,
272
2018). Daremos destaque à internação compulsória, a qual tem se fortalecido devido ao
fenômeno do crack, apontado institucionalmente como uma epidemia.
Foi nesse cenário que se criou uma cultura criminológica em torno de diversas
substâncias com efeitos alucinógenos, algumas no decorrer do tempo saíram de um local de
consumo para fins religiosos e tornaram-se ameaças ao bem-estar social (Torcato, 2016). E a
partir disso na segunda metade do século XX se iniciou o que ficou conhecido como guerra às
drogas (Azevedo & Souza, 2017). Ramminger e Silva (2014) apontam que o processo
geopolítico dessa guerra se deu de forma intensa, o que incluiu as políticas produzidas no Brasil
em torno da questão: com caráter proibicionista incialmente optou-se pela criminalização do
comerciante e do usuário de drogas ilícitas. Esse processo ganhou apoio midiático e se criou de
forma bem latente um estigma sobre essas pessoas, entendendo-as como ameaças potenciais a
sociedade. A legislação mudou e hoje as leis brasileiras já não concebem o usuário como um
criminoso, o que não diminuiu o pânico social criado através dos discursos midiáticos
(Ramminger & Silva, 2014).
A partir das pontuações aqui realizadas buscaremos traçar uma genealogia cartográfica
(Lemos, Silva, Galindo & Mendes, 2015) dos processos de internamento. Para tanto
consideraremos a bibliografia de Michel Foucault e Erving Goffman como norteadores da
discussão. Assim, realizaremos um debate através das colocações das figuras de poder que tem
apresentado maior interesse e das instituições que tem ganhado destaque na questão. O
fenômeno aqui explorado será principalmente a midiaticamente chamada epidemia de Crack e
seus atravessamentos, visto que este tem composto o debate em torno da IC de forma central,
pautada na ideia de um tratamento religioso e de abstinência que busca recuperar a pessoa e lhe
devolver a cidadania, partindo de um pressuposto cidadão ideal.
Método
273
como replicação ou descrição formal dos procedimentos já aplicados em outras ocasiões. Nos
serve, portanto, como indicativo de operacionalização do conjunto de fontes e referências
consultadas e do modo com o qual a temática se relaciona ética e politicamente com o campo
pesquisado – o modo com o qual os processos de internação se relacionam com a psicologia e
os fundamentos inerentes à assistência e ao cuidado em saúde mental.
Com isso, visamos elucidar e problematizar o que está em questão com as internações
psiquiátricas. Traçamos um desenho arqueogenealógico de como são determinadas e como se
organizam as verdades, as justificativas e as práticas de internamento no decorrer da nossa
cultura, e como chegamos no ponto em que estamos hoje, com as internações nas chamadas
Comunidades Terapêuticas.
Para tanto realizamos uma Pesquisa Bibliográfica (Leite, 2015) a partir da obra de
Michel Foucault e Erving Goffman, a fim de discutir como esses autores perceberam e
conceituaram os processos de internação e as questões que os atravessam. Para nos debruçarmos
sobre a composição contemporânea do fenômeno estudado realizamos uma Pesquisa
Documental (Leite, 2015) em websites, redes sociais e em relatórios institucionais.
274
Michel Foucault e a Loucura
É a partir daí que na obra do Francês nos deparamos com uma série de instituições que
funcionavam em uma lógica asilar. Como as Casas de Caridade, espaços de expressão religiosa
que deram início ao enclausuramento daqueles que deveriam viver afastados do convívio social
devido apenas a sua condição de miserável; as inglesas Casas de trabalho, administradas por
juízes de paz, pregavam o trabalho como auxiliar na cura dos males mentais; e o Hospital Geral,
que recebia doentes e os considerados loucos, e assim como as outras duas instituições já
citadas, pessoas em situação de miséria que eram vistas como criminosas (Foucault, 1972).
Importante ressaltar que essas instituições não surgem como locais para cuidados em
saúde, mas sim como lares de caridade, nos quais os seus internos estavam apenas aguardando
pela morte. E aqueles que as administravam eram leigos que realizavam o trabalho na intenção
de alcançar o seu lugar espaço divino.
Foucault (2005) aponta que é somente no século XVIII que o médico adentra o hospital,
para progressivamente assumir sua administração e lhe atribuir caráter terapêutico. Philippe
Pinel é até hoje conhecido como pai da psiquiatria por ter retirado as correntes e as celas do
tratamento dedicado àquelas pessoas aprisionadas nos hospitais pelos quais ele passou. Não
coincidentemente é nessa mesma época que a trama disciplinar envolve o asilo e o transforma
em um local de produção de um certo discurso de verdade. Foi através da inserção da disciplina
nos hospitais que se pôde medicaliza-los e reorganiza-los através da ótica psiquiátrica
(Foucault, 2005).
E é assim que a psiquiatria demarca seu local de poder, trabalhando na manutenção dos
discursos em torno do cuidado e atribuindo o caráter de potencial cura as enfermidades da alma
e da moral. Foucault (2005) nos apresenta como a máquina do poder funciona, declarando que
é através da produção de efeitos positivos a nível de desejo e de saber que ele se solidifica. A
medicina psiquiátrica agora não mais se utiliza de correntes, mas de sentimentos humanos para
mostrar seu potencial e para disciplinar os corpos, tornando o asilo um local de produção de
verdade, uma máquina de exercer, de induzir, de distribuir e de aplicar o poder (Foucault, 2005).
O hospital torna-se assim uma máquina de cura, pois dentro dele o que cura é ele mesmo:
sua arquitetura, sua organização e seu funcionamento são o suficiente para produzir mudança
nos sujeitos que fazem uso de seus serviços, ou pelo menos assim lhe é acreditado (Foucault,
2005). O médico é a autoridade máxima, onipresente ele vê e escuta a tudo e a todos. O hospital
é em si uma máquina panóptica, segundo a ideia de Bentham de um olho panóptico, onde se
está sendo vigado o tempo todo.
275
enlouqueceu, em que não lhe ocorresse preocupações cotidianas com a manutenção de sua vida,
em que não pudesse pensar sua loucura através do olhar do não louco. (Foucault, 2005).
Ele colocou as ITs em 5 grupos, assim definidos: instituições para pessoas consideradas
inofensivas, instituições para pessoas incapazes de cuidar de si mesmas e que representam de
alguma forma uma ameaça à sociedade, instituições cuja finalidade é proteger a comunidade
contra perigos considerados intencionais, instituições cuja finalidade é a realização de trabalhos
de forma mais adequada, e instituições que servem como refúgio do mundo (Goffman, 1961).
Assim, com todos esses abusos e falta de cuidados adequados os internados acabavam
se ajustando ao asilo de duas maneiras: ajustamento primário, no qual conseguiam se comportar
exatamente como a instituição desejava e ajustamento secundário, quando não seguiam o que
era imposto pela disciplina da IT.
Fica claro que da mesma forma que Foucault, Goffman encontrou também instituições
morais que aplicavam tratamento essencialmente religioso sobre seus internados, a força de
trabalho também era explorada como uma forma de dar dignidade e de ofertar cura para os
loucos, e a disciplina era algo aplicado e cobrado com rigor, visando a produção de seres
humanos ideais ou descarte dos que não se ajustavam à norma social.
276
serviços hospitalares apenas como recursos últimos no cuidado com a pessoa em sofrimento
psíquico, sendo a inserção no território a tecnologia prioritária. A partir disso, a fim de atender
as demandas que surgiram com essa nova política, uma série de dispositivos de saúde foram
criados no âmbito de diferentes estratégias e programas, tais como a Estratégia de redução de
danos, uma ação pragmática e realista que prega que os profissionais de saúde devem intervir
na questão AD de forma a minimizar os danos e não a erradicação das drogas (Fiore, 2012); o
Programa de volta pra casa, que consistia em “auxílio-reabilitação psicossocial para egressos
de longas internações” (Ramminger & Silva, 2014, p. 43), entre outros.
Posto isto, discutiremos a relação das CTs com os processos de internamento asilar
através dos resultados apresentados no Relatório de Inspeção Nacional em Comunidades
Terapêuticas – 2017, que teve por finalidade verificar o funcionamento de Comunidades
Terapêuticas no território brasileiro (CFP, MNPCT & PFDC-MPF, 2018). A escolha desse
documento está atrelada ao lugar que as CTs têm alcançado nos últimos anos no Brasil: em
crescente expansão, essas comunidades são espaços, em sua maioria, destinados ao tratamento
em caráter asilar de pessoas que fazem uso de drogas ilícitas e álcool. Elas operam sob uma
diretriz religiosa impositiva e pregam a abstinência como tratamento (CFP, MNPCT & PFDC-
MPF, 2018).
Corroborando com essa postura institucional é importante colocar que foi a partir de um
ex-deputado e ex-Ministro da Cidadania que foi lançada a proposta, em 2019, de alteração da
resolução que corresponde a questão AD, excluindo a política de redução de danos, bem-
sucedida na experiência brasileira (Fiore, 2012), oficializando a abordagem de abstinência total
ao consumo de substâncias como tratamento médico. Era comum o então ministro afirmar de
forma reiterada uma suposta epidemia de Crack no país, embora tal suposição tenha sido
refutada pelo 3º Levantamento Nacional Domiciliar sobre o Uso de Drogas, realizado pela
Fundação Oswaldo Cruz, e cuja divulgação de seus resultados foi vetada pelo governo federal
(Garçoni, 2019).
277
de intervenção médica.
É através desse processo de estigmatização que observamos mais uma semelhança entre
o que foi posto por Goffman (1961) e os atuais aspectos da internação: encontrou-se em meio
a população de pessoas internadas nas comunidades terapêuticas aqueles cujos vínculos sociais
familiares antes do internamento haviam sido cortados, produzindo nos sujeitos uma sensação
de alívio ao serem internados (CFP, MNPCT & PFDC-MPF, 2018).
278
removeu as correntes e celas no cuidado com os alienados e as substituiu por um modelo moral
de aprisionamento, pautado numa perspectiva religiosa cristã.
Ao passar dos séculos essa postura do Estado cria um paradoxo, pois esse existe para
garantir o direito à liberdade dos sujeitos, porém segue proibindo (Fiore, 2012).
No Brasil o fenômeno do Crack tem sido abordado de forma emergencial e pontual, sem
grandes estratégias a longo prazo para combater os efeitos nocivos que o uso dessa substância
pode ocasionar (Ramminger & Silva, 2014). O Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e
outras Drogas foi lançado em 2010, e dentro dele havia o programa Crack, é possível vencer,
como uma ação imediatista e emergencial de recuperação das pessoas consideradas dependes e
de combate repressivo ao seu comércio. Todo o projeto, financiado pelo Ministério da Justiça,
falhou, visto que o comércio e o consumo de crack têm crescido (Ramminger & Martinho,
2014; Fiore, 2012).
Os miseráveis por certo período histórico eram presos nos hospitais, nas Casas de
Caridade, Casas de Punição, etc., para serem punidos pelo pecado da ociosidade, sendo assim
salvos da vagabundagem e dos perigos que as ruas os ofereciam. Nesses ambientes eles tinham
por objetivo o trabalho, a punição e a salvação. A laborterapia sobreviveu claudicante e
subterraneamente na história e aparece reatualizada nas CTs, aplicada como mecanismo de
tratamento e salvação dos loucos e desarrazoados, isto é, de pessoas consideradas doentes e
daqueles marginais, fora da grande ordem do mundo. A arqueogenealogia da reativação do
grande internamento (Foucault, 1972).
A figura que se destaca em todo esse processo é a figura do médico, que detém o
conhecimento sobre a loucura e por tanto é o responsável por assinar o futuro de todo e qualquer
sujeito que assim seja compreendido. Nas CTs essa figura é substituída – quando não raro
fundida – pela figura do sacerdote religioso, visto que parte dessas comunidades não tem sequer
equipe de saúde (CFP, MNPCT & PFDC-MPF, 2018). Mas mesmo com essa troca de currículo
o poder exercido por ambos almeja o mesmo: a recuperação da pessoa doente. A recuperação
que significa limpar, cuidar, ajustar e reeducar o sujeito ao meio social produtivo, o que indica
um processo de normalização, o qual não significa produzir cuidado e promover saúde, nem
mesmo reabilitar ou devolver liberdade à pessoa, como é prometido, mas sim inculcar no sujeito
279
a ideia de um indivíduo limpo – entendendo-se de maneira rasteira as situações de drogadição
como estados de perdição, a serem revertidos – e eternamente grato, quando não continuamente
dependente dessas instituições.
Conclusão
Percebemos como o modelo asilar tem recobrado espaços e forças perdidos nas últimas
décadas após ações como a aprovação da lei da reforma psiquiátrica (lei 10.216/2001). Essa
restituição de forças tem ocorrido por vias legislativas, pois encontrou-se na internação
compulsória uma forma de ocupar os espaços dominados pelo saber médico. Sendo assim, as
ITs têm se fortalecido e ganhado roupagens e arquiteturas modernas, mas ainda mantém
semelhanças diversas com as instituições estudas por Goffman no século passado. O autor,
assim como o Relatório de Inspeção Nacional em comunidades terapêuticas, encontrou
tratamentos que fogem do caráter de promoção de saúde, práticas que ferem a dignidade
humana, desrespeito a crenças e credos, etc.
Foucault ao descrever as instituições da idade média e da era clássica apontou uma série
de características que perduram até hoje. A ideia moralista, religiosa, pautada no trabalho e na
força disciplinar são facilmente observáveis dentro das instituições que trabalham com os novos
desarrazoados: as pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas.
A política de Guerra as Drogas criou um fantasma sobre a vida dessas pessoas, pois
como a implicação dessa guerra é o fim da venda e do consumo, principalmente em meios
urbanos, fez-se necessário a produção de um regime de verdade sobre as drogas ilícitas que
favorecesse um regime de visibilidade, expressando sobre essas substâncias uma imagem social
de combate a elas, e consequentemente de exclusão das pessoas que com elas se envolvem.
Os ataques às políticas que fogem a esse modelo higienista e excludente são constantes,
e tem crescido junto a onda de conservadorismo que assumiu os cargos de maior poder dentro
do governo brasileiro. É necessário assim pensar em mecanismos de resistência e de defesa às
280
políticas públicas humanitárias, pautadas na liberdade e no respeito aos direitos humanos, afim
de evitar que retornemos a era obscurantista onde aqueles que não se adequassem a norma eram
facilmente descartáveis e deveriam desaparecer do convívio social.
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A POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS E O POSICIONAMENTO DO CONSELHO
282
FEDERAL DE PSICOLOGIA: UMA REVISÃO DA LITERATURA
1. Introdução
Pensar na história da saúde mental faz refletir no tamanho do percurso que esse campo
percorreu para chegar ao resultado de seu funcionamento nos dias atuais. Aconteceram muitas
transformações ao longo da história, desde o conceito de transtorno mental aos serviços
voltados para o tratamento de pessoas diagnosticadas com tais transtornos.
Antes chamada de “alienismo”, ciência que teve sua origem a partir das observações
de Philippe Pinel e que só mais tarde viria a ser a psiquiatria dos dias atuais, seria encarregada
de estudar a alienação mental, distúrbio que produzia desarmonia na mente, desordem da razão,
de estar fora da realidade e de si, como diz o próprio conceito de alienação, e, atrelado a ela,
viria a ideia de periculosidade que se arrasta até hoje, de medo e discriminação social das
pessoas com transtorno mental.
283
dependente ou ainda mesmo no habitual pode se relacionar com a violência, acidentes e
problemas de saúde orgânicos e psíquicos, destacando-se a posição de situação de risco por
comportamentos expositivos a doenças sexualmente transmissíveis, com o uso de drogas
injetáveis, e a ingestão de substâncias prejudiciais à saúde, em todos os seus aspectos.
Como forma de tratamento e prevenção para os danos causados pelo uso de substâncias
de forma prejudicial à saúde, foram promovidas ao longo dos anos, várias ações, desde
internação e prisão à alternativa de Redução de Danos. Com base nisso, esse artigo foi
elaborado com o objetivo geral de pesquisar o que existe na literatura e em documentos sobre
a Política de Redução de Danos, e tem como objetivos específicos ampliar os conhecimentos
acerca do tema sobre a Redução de Danos, seus aspectos históricos e estruturais, e a posição do
Conselho Federal de Psicologia sobre essa temática.
Por fim, acredita-se que essa pesquisa pode contribuir com a discussão sobre a
implantação dessa nova política de tratamento aos usuários de álcool e outras drogas, que ainda
não foi regulamentada no Brasil.
2. Desenvolvimento
Ela tem seus primórdios em 1926, quando surgem na Inglaterra os primeiros indícios
das práticas características da RD, no Relatório de Rolleston feito por um grupo de médicos,
que no mesmo definiram que a realização de uma administração monitorada de uso de drogas,
como heroína e morfina para dependentes, era a forma mais adequada de tratamento, pois essa
seria uma maneira de aliviar a abstinência e seus sintomas.
Foi a partir dos anos 1980, que a Redução de Danos se manifesta em programas de
saúde, de forma organizada, com o objetivo inicial de diminuir a contaminação da hepatite B
existente entre os usuários de drogas injetáveis (UDI), e, posteriormente, também a
contaminação do vírus HIV, existindo em Amsterdã, na Holanda, um programa em
experimentação para a troca de seringas.
No final da década de 80, ocorreu no Brasil, no município de Santos-SP, a primeira
284
tentativa de inserção do programa da RD para o fornecimento de seringas aos UDI, porém, a
iniciativa foi barrada por uma ordem judicial, assim, os profissionais utilizaram outros meios
como indicar aos usuários para que desinfectassem as agulhas e seringas com hipoclorito de
sódio, para a reutilização.
Após a aprovação em 1998 da primeira lei estadual, em São Paulo, que legaliza a troca
de seringas, a RD passa a ser vislumbrada, alguns anos depois, como uma estratégia na Política
de Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas que foi lançada pelo Ministério da
Saúde.
285
drogas (CAPS-ad) ocorreram na primeira década do século XXI, que marca a inserção do
tratamento para usuários de drogas no campo da saúde mental, replicando para essa área uma
forma institucional de cuidado para transtornos mentais, como uma alternativa para o
modelo hospitalocêntrico.
A Redução de Danos tem como objetivo geral evitar o envolvimento das pessoas com
o uso de substâncias psicoativas, caso possível, e quando não o for, para os que já são
dependentes, oferecer meios mais convenientes para que eles possam rever sua relação de
dependência, orientando-os para o uso menos prejudicial, ou mesmo para a abstinência, de
acordo com o que se estabelece em cada momento, para cada usuário.
Percebe-se que a RD se apresenta como um método ou caminho que não exclui outros,
mas está direcionada ao tratamento que, nesse caso, busca tratar no sentido de aumentar a
liberdade e responsabilidade mútua com o indivíduo, estabelecendo assim um vínculo com os
profissionais que participam da responsabilidade no progresso da vida dessa pessoa que está
em tratamento, pelas relações dela com outros, e pelas vidas que nela se expressam. Pois,
quando se fala em busca pela promoção de saúde, é fundamental se pensar em uma intervenção
mais abrangente na qual os usuários possam cuidar de si mesmos, através da aquisição de
conhecimento, e do acesso a serviços de saúde qualificados.
De acordo com Petuco (2014), a Redução de Danos propõe a ideia radical de uma
clínica aberta que amplia a noção de acolhimento para além de apenas uma “porta aberta”,
propondo a alternativa de um “ouvido aberto” para além dessa escuta das vozes que
anteriormente eram interditadas. A RD propõe uma ampliação das práticas e da população
acompanhada, pois, quando se limita somente ao objetivo de abstinência, são excluídas as
possibilidades para a abertura na promoção de saúde para aqueles que não desejam ou não
conseguem trilhar esse caminho, e, além disso, amplia-se o foco possibilitando o atendimento
de demandas que possa não se relacionar de forma direta ao uso de substâncias em si.
Para a RD, deve-se ensinar a consumir com responsabilidade e consciência, como
286
também ensinar a não consumir, dependendo da maneira como cada sujeito se coloca em
relação à sua demanda de saúde, como por exemplo, informação para aqueles que não usam
drogas, apoio para que mantenha sua posição, e para ajudar colegas que usam. Para as pessoas
que usam drogas, um auxílio para manter um consumo não problemático e, ainda, para aqueles
que precisam de ajuda, ampliar o acesso a espaços de informação, atenção e orientação.
Segundo Silva (2014), o modelo de “guerra às drogas” foi fundado entre as décadas
de 1970 a 1980 nos Estados Unidos, apoiando-se nas formas da polícia reprimir o tráfico, e o
consumo de entorpecentes, impondo decisões a partir de análises que desconsideravam a
subjetividade da pessoa, quanto à particularidade da droga consumida.
Sob essa ótica, o problema não tem sido abordado em toda a sua complexidade,
pois, não são levadas em consideração as implicações econômicas, sociais, políticas, ou
psicológicas do indivíduo,
O uso abusivo de drogas existe de forma heterogênea, pois, ocorre com pessoas
diferentes, em contextos diferentes, razões e circunstâncias diversas. A busca pela abstinência
muitas vezes não é o objetivo dos usuários, dessa forma muitos abandonam o tratamento,
existindo aqueles que nem procuram o serviço, por não se sentirem acolhidos.
287
ações baseadas na imposição moral, do medo à repressão, e na intolerância ao consumo
de drogas que determina a abstinência como pré-requisito para o ingresso do usuário em um
programa de tratamento, objetivando resultados de uma sociedade livre das drogas, mas sem
obter os efeitos esperados, pois, nem todos os usuários desejam ou conseguem a
abstinência, mas, segundo Machado e Boarini (2013), qualquer política na perspectiva de
controlar danos por meio da redução, era negligenciada.
2.4 A criação dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS como estratégia de reabilitação
e enfrentamento
Com a lei federal nº 10.216 de 06 de abril de 2001, a qual finalmente regulamenta a
atenção para a saúde mental no Brasil, visando realizar o fechamento de leitos nos hospitais
psiquiátricos, e futuramente o fechamento dessas unidades, além da criação e ampliação da rede
288
de atendimento a esses pacientes, os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS configuram-se
em uma importante estratégia alcançada, onde o paciente tem a possibilidade de receber um
atendimento multidisciplinar e integral com o quadro composto por psicólogo, psiquiatra,
enfermeiro, assistente social, e com a oportunidade de participar de oficinas, grupos, terapias
ocupacionais, dentre outros.
Existem ao todo seis tipos de CAPS, e são divididos de acordo com os serviços
oferecidos, a população e o porte, e a capacidade de atendimento: CAPS I, CAPS II, CAPS III,
CAPSi (infância), CAPS ad (álcool e drogas) e CAPS III ad, todos contando com uma equipe
multidisciplinar de saúde.
Nos diversos tipos de CAPS, o projeto terapêutico é singular para cada
pessoa, contemplando suas necessidades e desejos, podendo sua frequência
ao serviço ocorrer de forma intensiva, semi-intensiva e não intensiva. Nesses
espaços, oficinas, trabalhos de geração de renda e tratamento com medicação
(entre outras atividades) são desenvolvidos. É importante esclarecer que esse
serviço deve estar sempre pronto para acolher o usuário, não exigindo a sua
abstinência. É indicado para a fase de reabilitação, visando à reinserção social
do cidadão. (Cartilha de Redução de Danos para Agentes Comunitários de
Saúde, 2010, p. 57).
Porém, mesmo que a criação dos CAPS seja um ganho para a saúde mental brasileira
ao longo desses últimos anos, é possível de se notar, de acordo com textos que falam a respeito
da estratégia e por meio de quem conhece a realidade dos CAPS, que há uma distribuição
desigual referente à quantidade de CAPS existentes, sendo insuficientes para algumas regiões
e, portanto, fazendo-se necessário visitas a campo e estudos dos mesmos para que se conheça a
realidade de cada região do país, e, dessa forma, fazer uma distribuição correta e que atenda
todas as pessoas que precisam desse serviço. Pois, além de realizar um tratamento humanizado,
preocupando-se com a singularidade de cada pessoa, nos CAPS ad, por exemplo, trabalha-se
com a Política de Redução de Danos, que como foi citada acima, leva em consideração o modo
como cada usuário vive a experiência com a droga e com os motivos que o fazem buscá-la, e
não somente com a abstinência.
289
(álcool) ou criminoso (drogas ilícitas). (Ministério da Saúde, 2003, p. 9).
Diante da realidade brasileira, se faz necessário olhar sob uma ótica mais abrangente
a dependência de álcool e outras drogas, abordada historicamente pela psiquiatria e medicina,
sendo o tratamento ainda realizado, em muitos lugares, nos moldes da exclusão do convívio
social, desconsiderando todas as demais consequências dos outros âmbitos que fazem parte da
vida: sociais, psicológicos, políticos e econômicos, e mostrando-se ineficazes as abordagens
terapêuticas utilizadas por clínicas psiquiátricas, comunidades terapêuticas, e etc.
A abstinência não pode ser, então, o único objetivo a ser alcançado. Aliás,
quando se trata de cuidar de vidas humanas, temos que, necessariamente, lidar
com as singularidades, com as diferentes possibilidades e escolhas que são
feitas. As práticas de saúde, em qualquer nível de ocorrência, devem levar em
conta esta diversidade. Devem acolher, sem julgamento, o que em cada
situação, com cada usuário, é possível, o que é necessário, o que está sendo
demandado, o que pode ser ofertado, o que deve ser feito, sempre estimulando
a sua participação e o seu engajamento. (Ministério da Saúde, 2003, p. 10).
3. Discussão
290
possibilitando uma compreensão à cerca da descriminalização, e sem a criação de estereótipos,
enxergando a droga e o vício como de fato é: um problema de saúde pública, e, desse modo,
devendo assegurar ao usuário um tratamento que respeite os Direitos Humanos.
Tais usuários acabam sendo rotulados, então, como pessoas inferiores, e sem crédito,
relacionando-os à criminalidade, e reforçando abordagens excludentes e violentas, dificultando
a busca e efetividade do tratamento.
4. Conclusão
A Redução de Danos, por outro lado, não se limita a trocar seringas, sua prática vai
além, pois age por meio de princípios relacionados à escuta e orientação de pessoas com
problemas ligados ao uso de drogas. Desse modo, a RD pode atuar em outros campos, como
por exemplo, em relação ao consumo de álcool, direcionando sua ação aos meios de
comunicação que poderiam ser utilizados de forma a propagar campanhas de redução de danos
à saúde dos consumidores de álcool.
291
Danos ainda não foi oficializada como estratégia de saúde pública por todo o país, deixando o
espaço para o cuidado desses usuários às instituições que não estão preocupadas com a
autonomia e bem-estar desses usuários, utilizando-se de práticas retrógadas e ineficazes.
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25912016000100008&lng=pt&tlng=pt.
A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NO TRATAMENTO DE USUÁRIOS DO CAPS AD
292
DE UMA CIDADE DO INTERIOR ESTADO DO CEARÁ
Introdução
É nesse sentido que vistas a essa nova figura de Psicólogo que surge em decorrência da
existência de Políticas Públicas que este artigo foi realizado através da experiência de uma visita
técnica feita ao Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Droga (CAPS AD) em uma cidade de
médio porte no estado do Ceará.
É desta forma que nesses centros em questão toda a atenção psicossocial está voltada a
uma totalidade de cuidados através de intervenções que visão trazer novas possibilidades que
favoreçam os indivíduos e que provoquem impactos na autonomia dos mesmos tendo
consciência de que para tanto se faz necessário a atuação da família como forma de extensão
desse processo de cuidado para melhoria e qualidade de vida dos sujeitos.
De acordo com Schrank (2008, p.128) “a família se destaca pelo seu papel de cuidadora
e por ser, muitas vezes, o elo mais próximo que o usuário tem com o mundo”. E é frente essa
perspectiva em questão que se faz necessária uma pergunta norteadora e indispensável para este
estudo, pergunta esta pautada no questionamento de que será que realmente esses indivíduos
usuários tem recebido o apoio necessário de modo a sentirem acolhidos e cuidados não só pelos
centros em questão, mas também pelo seu próprio núcleo familiar?
293
consciência crítica de que nesse processo de cuidado a mesma tem de se está consciente de que
se é uma extensão diante desse processo delicado de cuidado em que exige humanização.
Segundo Schrank (2008) a família, entendida como uma unidade de cuidado necessita
do apoio profissional para orientá-la e fornecê-la quando esta se encontrar com um indivíduo
em um estado de fragilidade. Nesse sentido que a atuação do Psicólogo em centros de atenção
como Caps Ad são realizados para além dos muros da instituição e se voltam as comunidades
em prol de apropriar-se do conhecimento de como se dão das relações comunitárias e familiares
dos indivíduos em questão.
É desta forma que aqui é colocado em pauta a apropriação no âmbito comunitário, visto
que muitas das vezes o ambiente em que os indivíduos usuários estão inseridos contribuem para
a perpetuação de vícios, e visto que a entrada dos psicólogos nesses locais os geram
conhecimento da não contribuição da família diante desse processo terapêutico.
É deste modo que os psicólogos passam a compreender que as famílias por vezes por
não terem consciência crítica do processo de tratamento ofertado por políticas públicas como
CAPS AD, acabam distanciando os sujeitos do espaço de contato no próprio núcleo familiar e
em inúmeros casos chegando até a expulsão do convívio de dentro de casa e em outros casos,
quando não se há o processo de expulsão, existem maus tratos psicológicos através da utilização
de cordas, correntes, ou outros tipos de amarras que prendem os mesmos dentro de casa com
intuito de que estes estejam “livres” do uso de psicoativos.
Método
Além disso, para realização deste estudo em questão realizamos uma revisão
bibliográfica, em que selecionamos artigos pertinentes a temática que proporcionaram um
embasamento teórico para esse trabalho.
Resultados e Discussão
294
equipe multiprofissional, sendo também um trabalho interdisciplinar voltado à abordagens
psicológicas especificas a cada psicólogo, e que portanto, a terapêutica em si se faz através de
grupos de mediação, e oficinas tanto terapêuticas quanto recreativas que proporcionam a
recriação de significados desses indivíduos através da arte, da música, da poesia e da pintura.
Diante dessa visão em questão surgem questionamentos dos motivos que levam os
usuários em tratamento recaírem ao uso de psicoativos mesmo estando sob todo suporte
psicológico a qual não são coibidos no centro de atenção, recaídas estas que por muitas vezes
fazem com que estes retornem ao centro de atenção em situações mais críticas do que quando
chegaram pela primeira vez, é deste modo que por esse questionamento surge a importância de
se enfatizar a participação da família diante desse tratamento, e para além disto questionar-se
se na verdade essa participação existe.
“Este sujeito é vagabundo”, “não presta”, “não vale nada”, dentre outras nomenclaturas,
ou seja na exclusão direta que faz jus a própria expulsão do indivíduo usuário de casa ou optação
pelo o próprio enclausaramento, que desperta nos psicólogos questionamentos quanto a
perpetuação de processos que não se divergem de modelos tradicionais e assistências de se
tratar o indivíduo tido como “louco”.
É diante dessa compreensão que através de inúmeros movimentos críticos a tais modelos
surge uma reforma psiquiátrica que, no entanto, se pode ressaltar que:
A reforma ocorre devido à transição política brasileira desde o primeiro ditatorial militar
dos anos setenta, onde ocorreu à consolidação de democracia representativa com a
retomada das eleições diretas em 1989. O sistema assistencial é confrontado e um
modelo alternativo em saúde mental começa a ser desenvolvido, problematizando as
relações entre esferas públicas e privada, ampliando o acesso, na forma de direito social
(SUS) Sistema Único de Saúde, que posteriormente busca ações substitutivas para o
295
modelo asilar centrado no hospital psiquiátrico (Goularte, 2006, p.10).
Segundo Brasiliano (1997) o objetivo de se criar um espaço reflexivo faz jus a colocar
o paciente, nesse caso, usuário, na busca de sentido de sua própria vivência, na busca de se
encontrar uma resposta que não seja na droga, o que no estudo em questão faz jus a toda e
qualquer substancia psicoativa que impacta na realidade psíquica dos indivíduos usuários
marcados pela angustia, fragilidade e aniquilamento.
É sob esta compreensão que o profissional em psicologia afirma que a família nesse
processo de tratamento delicado deve agir como se fossem uma espécie de extensão do fazer
psicológico no sentido de darem apoio emocional a qual estes indivíduos usuários necessitam,
o que se percebe através deste estudo não existir.
Considerações Finais
296
pelo próprio senso comum como ineficaz nesses centros, no sentido dos usuários retornarem a
fazer usos de psicoativos e muitas vezes de forma mais brusca na qual entrou no atendimento
público.
Diante disto, nesse estudo é levado em consideração que a própria terapêutica faz parte
de um processo, já que este é aniquilado quando o sujeito se depara com uma realidade
excludente em seu cotidiano que provoca ao mesmo a recaída.
Considera-se através desse estudo que não se é fácil o processo de tratamento em centros
de atenção como CAPS AD por parte do psicólogo, e para além disto os tratamentos se tornam
mais difíceis ainda de serem realizados sem o apoio do núcleo familiar, cabendo aqui destacar
a não ineficácia do tratamento psicológico através do questionamento da não contribuição da
família diante do mesmo.
Referências
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profissão, 20(4), 46-53.
O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS POR ADOLESCENTES E SUA
298
RELAÇÃO COM O ÂMBITO FAMILIAR
Introdução
Nesse sentido que por ser permeado de regras que predizem como devem ser ou como
devem se comportar que o adolescente por muitas das vezes tende a enveredar por outros
caminhos dos quais não sejam os ideologizados pelos pais ou outros familiares, assim buscando
como forma de se contrapor aos pais a inserção em grupos que por muitas das vezes colaboram
para a sua entrada em campos de vícios por meio de álcool e outras drogas.
Desta forma que na adolescência o uso de drogas tem sido considerado como um
problema complexo e relacionado a diversos aspectos, como os individuais, familiares, sociais,
sendo capazes de influenciar na elaboração deste e de outros comportamentos ameaçadores para
o bem-estar do adolescente.
299
aumento (Malta, et al., 2011).
Método
Foi realizada uma revisão integrativa na base de dados eletrônicas SciELO, utilizando
como orientador de busca, o descritor chave “Adolescentes usuário de drogas e sua relação
familiar”. Foram aplicados os seguintes critérios de inclusão: artigos desenvolvidos no Brasil,
artigos que fossem relevantes para essa temática.
Resultados e Discussões
É diante dessa compreensão que o indivíduo se sente pressionado, tanto pelos pais
quanto pela sociedade, que lhe exigem uma definição e o estabelecimento de um rumo para sua
vida, devendo este se tornar menos dependente de proteção e de cuidados. (Carranza & Pedrão,
2005; Silva & Mattos, 2004)
É sob este manto de proteção e cuidado que muitas das vezes o indivíduo adolescente
sente-se preso a um conjunto de regras e ideologias que contemplam seus berços familiares de
geração em geração. Diante disto surge em formas de narrativas nesse entremeio da
adolescência questões sobre a própria construção da família e do porque estas o ditam e regram
como se portar frente a sociedade.
Nessa perspectiva, que muitas das vezes estando diante de famílias conservadoras de
sua própria identidade enquanto família que os adolescentes em busca de fugir de uma realidade
de demandas que os determinam como devem se portar, acabam por se encaixar em entremeios
que os permite está em contato com o uso de substâncias psicoativas, o que para família gera
300
uma conotação de angústia pelos mesmos estarem se desviando de seus ideais.
Alves & Kossobudzky (2002) ressalta que a entrada do adolescente no âmbito do uso
de substâncias psicoativas é uma forma de transgressão das normas impostas. Assim ficam
sobrecarregados de parâmetros ditadores que os adolescentes embarcam no uso de substâncias
psicoativas provocando conflitos no âmbito familiar.
É desta forma que aqui cabe um questionamento indispensável sobre a visão da família
quanto ao uso de psicoativos por adolescentes, questionamento este que ganha a seguinte forma:
Os conflitos, confusões e brigas que geram consequências negativas no âmbito familiar do
usuário faz jus ao cuidado pela família que protege? Ou também faz parte da vergonha que
gerará no próprio núcleo familiar ou na sociedade em si visto que a família é permeada por
ideais subjugados por si mesmas e pela própria sociedade?
Nesse viés, a família, mais precisamente “os pais”, no Brasil, por serem permeados de
ideologias que predeterminam o que se é ter um “bom filho”, ou “ser um bom pai”, sofrem
impactos negativos quando se deparam com uma realidade contraditória daquilo que
planejavam aos filhos, ou do que que esperavam destes diante de uma sociedade, daí onde nasce
os conflitos nos núcleos familiares, conflitos estes que são narrados em formas de interrogações
tais quais: “O que pensarão dos meus filhos?” “Como tal irá se inserir no mundo do trabalho?”
“Como tal será visto perante nossos familiares?”
É nesse sentido que a preocupação com os filhos, com a forma de educá-los, de orientá-
los e as maneiras de conduzi-los com segurança nunca estiveram tão presentes nas discussões,
científicas, como nos dias atuais (Cano 1997).
É nesse contexto, que o núcleo familiar acaba falhando no sentido de não levar em conta
a própria subjetividade do sujeito o sobrecarregando de regras, tais quais: “Como se vestir,
como agir, o que ser, para onde devem ir, com quem, em que devem se ocupar”, para que além
de uma boa formação, tenham vagas garantidas no mercado de trabalho.
Desta forma que aqui é levado em consideração que a família acaba se perdendo em seu
próprio “não dialogo estrutural”, estes não dialogam, mais ditam regras que por muitas das
vezes deixam o adolescente sobrecarregado de atribuições sem os questionar como estes
conjuntos de ideias e concepções de futuro chegam até a estes, contribuindo assim para futuros
problemas psicológicos que os fazem enveredar ao caminho do uso de substâncias psicoativas
como uma maneira de fuga da realidade.
301
processo de vergonha e angustia pelos filhos não estarem correspondendo seus ideais, e ao
contrário, se distanciando de tudo o que eles propunham gerando nestas um sentimento de
fracasso que as leva a excluir os jovens do convívio familiar, seja os afastando de reuniões
familiares, festas, viagens, sejam permanecendo apenas como livre expressão de opressão
através de um “dialogo” que oprime, fere e machuca os sentimentos dos filhos.
Nesse cenário, que os conflitos podem ser conotados através de brigas, que muitas das
vezes perpassam de agressões verbais a físicas, xingamentos, agressões físicas e psicológicas
que ao invés de distanciar o adolescente do espaço de contato com as substância o aproximam,
o que para família é mais um motivo de conflito entre si que se reverbera em forma de
questionamentos tais quais: “Onde eu errei? ” “Só tento ensinar o caminho certo”, “Só o quero
o seu melhor”.
De acordo com Broecker & Jou (2007) a família pode ser considerada fator de risco ou
de proteção para o envolvimento com substâncias psicoativas por serem figuras importantes na
vida dos filhos e que através de suas atitudes, influenciam ou não os filhos ao consumo, o que
varia a partir do modo como as relações familiares se estabelecem e se mantêm.
Portanto, podemos aqui questionar com relação aos conflitos não só pelo viés da família,
mais também do adolescente que presencia um contexto onde muitas vezes não se sentem
acolhidos ,e que apesar de muitas tentativas acabam se lançando ao mundo de psicoativos que
os detém da realidade familiar que os confronta, sendo necessário afirmar que as respostas dos
familiares do porquê os jovens se encontram nessa situação muitas das vezes estão neles
mesmos e nas maneiras como estes tentam conduzir a criação dos filhos.
Considerações Finais
É desta forma que para a discussão destes conflitos gerados na família não se pode
excluir a sua própria contribuição nesse espaço de contato do jovem com psicoativos, pois
muitas das vezes os mesmos são colocados diante de um contexto de regras e afazeres que além
de não se encaixarem, não dão conta de tais demandas, o que os levam ao uso.
Portanto, faz-se necessário se questionar não apenas os impactos negativos da família
302
diante destas situações geradores de conflitos, e por outro lado, deve-se analisar todo um
contexto que contribuiu para que estes conflitos se manifestassem, pois é através dessa
consideração que se poderá discutir a desmistificação do conceito de jovens como extensão das
vontades familiares que são alheias aos mesmos.
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ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM HUMANIZADA NA SAÚDE MENTAL
303
Isadora Lima De Souza
André Luiz De Oliveira Pedroso
Beatriz Marques Barbosa
Manoel Rodrigues De Souza Neto
Priscila Américo
Introdução
304
et al, 2015)
Nos dias atuais há muitas discussões sobre a humanização em Saúde Mental e teve como
início a batalha antimanicomial, quando foram extintos os castigos físicos e mentais e os abusos
medicamentosos como fins terapêuticos, iniciando os direitos dos pacientes em falar e serem
ouvidos e principalmente, pela modificação das relações dos profissionais de saúde entre si e
suas relações com os pacientes (Rodrigues et al, 2015).
Método
305
buscas sistemáticas.
Resultados
Foram encontrados 47 artigos. Foram excluídos 20 por não ter nada relacionado ao
assunto, restando 17 para a leitura completa. Após a leitura completa, foram selecionados 5
artigos para resultado e discussão, descritos no quadro abaixo.
Quadro 1 - Descrição dos artigos selecionados, especificados por título, autor, revista/ano, objetivo e
principais resultados.
Título Autor Revista/ano Objetivo Resultados
Cuidado Silva, P. O. Rev enferm Identificar os Identificaram-se 16
clínico de et al. UFPE / elementos que estudos de acordo com os
enfermagem 2018 caracterizam o critérios estabelecidos.
cuidado clínico Apresentaram-se as
em saúde de enfermagem características dos artigos
306
mental em saúde mental selecionados segundo os
no contexto da autores, o ano de
reforma publicação, o título do
psiquiátrica e da periódico, o Qualis, o
humanização da fator de impacto e o nível
assistência. de evidência, o local de
publicação, o
delineamento
metodológico adotado, os
objetivos e os principais
resultados.
A Azevedo, Investigação Identificar como Os resultados apontaram
enfermagem e M. L. et al Qualitativa os enfermeiros que no passado os
o cuidado em Saúde incorporam cuidados oferecidos eram
humanizado volume 2 / características do pautados na lógica
ao indivíduo 2018 cuidado assistencial da
em sofrimento humanizado institucionalização e
mental junto ao medicalização excessiva,
indivíduo em sendo o enfermeiro pivô
sofrimento para a implementação
mental. dos serviços
substitutivos, transpondo
novos desafios e
estabelecendo dignidade
e individualidade ao
usuário em sofrimento
mental.
Trajetória Costa, M. F, Journal of Compreender o O estudo mostrou que o
histórica da et al Health processo de processo que a
enfermagem Connections evolução da enfermagem sofreu por
em saúde / 2017 assistência de toda Reforma
mental no enfermagem Psiquiátrica demostrou
brasil: uma antes e após a melhorias e capacidade
revisão reforma no cuidado ao doente
integrativa psiquiátrica; mental, a vinda da
Reforma Psiquiátrica
contribuiu para tornar a
enfermagem
independente,
considerando ao mesmo
tempo a presença da
mesma importante nas
novas modalidades de
assistência psicossocial,
Assistência de CARRARA, Revista Identificar A revisão bibliográfica
307
enfermagem G. L. et al, Fafibe On- através da revisão mostrou a mudança do
humanizada Line, 2015 da literatura modelo assistencial antes
em saúde nacional, o e depois da reforma
mental: uma conceito de psiquiátrica.
revisão da vários autores
literatura sobre a
assistência de
enfermagem
humanizada ao
portador de
doença mental.
Representação Macedo, J. Online braz Compreender as Essa representação
Social do Q, et al j nurs, 2010 representações propicia a mudança na
Cuidado de sociais do percepção dos
Enfermagem Cuidado de concluintes a partir das
em Saúde Enfermagem em experiências teórico-
Mental: Saúde Mental práticas e permitem que
estudo elaboradas pelos visualizem uma distinção
qualitativo concluintes dos entre a prática
cursos de profissional do
graduação em enfermeiro no contexto
Enfermagem de atual e o papel atribuído a
Campina Grande, este de acordo com os
PB. preceitos da Reforma
Psiquiátrica.
Discussão
A partir da leitura na íntegra dos artigos citados no quadro acima, foi possível trazer
diversos assuntos a serem discutidos, como expecificicado abaixo.
308
Descortina-se, a partir daí, uma real necessidade de melhor preparação dos profissionais
(Azevedo et al, 2018).
A humanização tem que acontecer a todo o momento, o enfermeiro deve ter para si a
esperança, levando o paciente a acreditar que as coisas podem ser diferentes e dar certo,
estimulá-lo a lutar por uma melhor qualidade de vida, diminuindo o preconceito social e
fazendo acreditar que podem ser inseridos na sociedade promovendo assim a cidadania
(Canabrava et al., 2011).
Para Carrara et al (2015), o relacionamento terapêutico pode ser estabelecido com o uso
de técnicas de comunicação terapêutica como ouvir reflexivamente, observação atenta a
interpretação das mensagens verbal e não verbal, entre outros. Para que uma comunicação
terapêutica ocorra o profissional deve ser direto, honesto, calmo, não ameaçador e transmitir
aos pacientes a ideia de que está no controle da situação, agir de forma decisiva para protegê-
los de dano a si mesmo ou a terceiros, utilizando-se da empatia para planejamento e avaliação
da intervenção.
Pelo exposto, ações simples mas que fazem com que o cuidado seja de forma
humanizada, tentando sempre unir uma ao outro. Que o cuidado e humanização possam ser
homogêneo, a fim de não se distinguir o que é a humanização em determinados cuidados.
Da humanização também faz parte no tratamento do doente mental a família que através
de suas experiências domiciliares podem tornar o cuidado efetivo e enriquecedor.
309
esse cuidado diferenciado, para que possa contribuir com a assistência prestada e que esta possa
ser sempre melhorada.
O papel que o enfermeiro deve ter na saúde mental é permeado pela função educativa e
terapêutica, reflexo da representação do cuidado de enfermagem em saúde mental como
humanização da atenção. Como o processo de reabilitação remete à reconstrução da cidadania
e da contratualidade, o desenvolvimento dessas técnicas deve ter por base a discussão da
cidadania e não a realização da atividade por si. O trabalho com grupos é uma estratégia
terapêutica praticada com diferentes abordagens, principalmente entre profissionais da saúde
mental. Com esse recurso o enfermeiro adquire autonomia, por conhecer os benefícios e limites
teórico-práticos de sua ação (Macedo et al, 2010).
310
saúde mental, essas estratégias como ferramentas do cuidado.
Considerações Finais
Foi possível constatar, a partir da analise dos dados bibliográficos coletados sobre a
temática da assistência de enfermagem humanizada em saúde mental, que a reforma
psiquiátrica teve influencia na assistência prestada pelos profissionais de enfermagem e que
transformou o cuidado hospitalocêntrico segregador a um cuidado desisntitucionalizado
humanizado e integral.
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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE UNIVERSITÁRIOS DE PSICOLOGIA E
312
FISIOTERAPIA ACERCA DA SAÚDE MENTAL
Introdução
O ingresso na vida acadêmica é um dos momentos mais esperados pela maioria dos
estudantes que almejam um curso em uma universidade. No entanto, esse é um momento de
modificações significativas na vida com novos desejos, conflitos, ansiedades e angústias
(Castro, 2017). Nesse sentido, o universitário encontra uma rotina diferenciada com novas
cobranças e pressões que podem torná-lo vulnerável ao sofrimento psíquico.
De acordo com um levantamento realizado pela Associação Nacional dos Dirigentes das
Instituições Federais do Ensino Superior - ANDIFES (2016), cerca de 60% dos universitários
brasileiros sofrem de ansiedade e apresentam dificuldades emocionais no desempenho de
tarefas acadêmicas incluindo tristeza persistente, medo ou pânico, insônia, ideia de morte e
pensamentos suicidas, principalmente em cursos das áreas de saúde ou que possuem foco na
subjetividade humana. Nesse ínterim, faz necessidade cuidar do futuro cuidador que, para além
de futuro profissional, também é um ser humano dotado de subjetividade.
Isto posto, a saúde mental deve ser desenvolvida em todos os contextos, principalmente
na universidade, não somente como um, dentre os vários conteúdos acadêmicos de cursos da
saúde, mas também promovendo práticas que melhorem hábitos de vida e, futuramente, práticas
profissionais.
313
representações sociais: a ancoragem e a objetivação. A primeira é um processo de
enraizamento, o qual funciona como porto seguro para a representação daquele objeto
incomum, de forma que por meios dos processos de classificação e nomeação, o objeto que
antes proferia estranheza passa a ser ancorado (Pereira, Freitas & Ferreira, 2014). Já o processo
transformação de uma imagem, figura ou conhecimento abstrato e não-familiar em um objeto
concreto, é conhecido por objetivação (Paula & Kodato, 2016).
A partir disso surgiram três abordagens para estudar tal fenômeno: a abordagem
processual de Jodelet, a abordagem estrutural de Abric e a abordagem societal de Doise.
De uma forma geral, o aspecto teórico e metodológico da TRS, bem como seu caráter
interdisciplinar tem alicerçado diversas pesquisas e estudos no Brasil, não só na área de
Psicologia Social, mas também no campo da Enfermagem, Serviço Social, Educação e outros
(Félix et al., 2016).
314
posicionam diante desse fenômeno. Ademais, este estudo é de suma importância, uma vez que
vai se somar a outros trabalhos que enfocam a TRS e/ou a saúde mental de estudantes
universitários.
Método
Participantes
Instrumento
Para a coleta de dados foi usada como instrumento o Teste de Associação Livre de
Palavras - TALP, muito presente na área da Psicologia Social. Nesse estudo, foram utilizadas
as palavras estímulos “saúde mental”, “universidade” e “formação profissional” previamente
escolhidas, tendo como pressuposto o objeto investigado, como também o público que faz parte
da investigação (estudantes universitários). Cada palavra recebeu cinco linhas de associação e
uma ordem de importância de um a cinco, sendo um o mais importante e cinco o menos
importante.
Procedimentos
Por fim, responderam a uma pequena entrevista que versava sobre seu entendimento
acerca de saúde mental e vivência acadêmica. Nenhum participante recusou participar da
pesquisa, e o tempo de aplicação foi de aproximadamente 15 minutos. Após o recebimento, os
315
instrumentos foram checados e agradeceu-se pela colaboração.
A análise dos dados foi inicialmente realizada pelo software SPSS for Windows na
versão 22, no qual foram analisados os dados sociodemográficos coletados sobre o público-
alvo o quais foram submetidos a estatísticas descritivas, como média, percentil e desvio padrão.
O Peso Semântico (PS) diz respeito à frequência de vezes em que a palavra ocorreu mais
segundo a hierarquização assinalada pelos participantes; o Núcleo da Rede (NR), é elaborado
a partir das palavras de maior peso semântico; e a Distância Semântica Quantitativa (DSQ)
surge a partir do Núcleo da Rede, atribuindo um valor de 100% para as palavras com maior
Peso Semântico das quais se obtém as de menor peso a partir de uma regra de três simples
(Mendes & Araújo, 2017).
Resultados
Tabela 1
Rede Semântica das representações sociais dos estudantes universitários de Psicologia e
Fisioterapia sobre o estímulo indutor saúde mental
Psicologia Fisioterapia
316
Tranquilidade 16 15,2% Paz 18 20%
Tabela 2
Rede semântica das representações sociais dos estudantes universitários de Psicologia e
Fisioterapia sobre o estímulo indutor universidade
Psicologia Fisioterapia
NR PS DSQ NR PS DSQ
(%) (%)
Tabela 3
Rede semântica das representações sociais dos estudantes universitários de Psicologia e
317
Fisioterapia sobre o estímulo indutor formação profissional
Psicologia Fisioterapia
NR PS DSQ NR PS DSQ
(%) (%)
Discussão
Nesse ínterim bem-estar é a forma positiva como o sujeito avalia sua vida em todos os
aspectos, seria o quanto a pessoa se sente bem com a vida; desta maneira, quando relacionado
a saúde remete a sensação de equilíbrio, alegria e conforto, com demonstração de tranquilidade
ou satisfação, podendo ser definido também como um estado agradável tanto físico como
espiritual (Cunha et al., 2017).
Ainda segundo Cunha et al. (2017) o bem-estar é desenvolvido pelo sujeito de acordo
com suas capacidades cognitivas, desenvolvimento pessoal, vínculos cordiais e capacidade
emocional. Ao adentrar no ensino superior esse indivíduo tem que lidar com vários desafios,
principalmente os que envolvem crescimento pessoal e de identidade, podendo afetar
negativamente o bem-estar físico, psíquico e emocional.
Outros aspectos relacionados à saúde mental foram bem semelhantes entre ambos os
cursos, são eles: saúde, tranquilidade e paz (Tabela 1). Apesar das porcentagens não serem as
mesmas, pode-se inferir que os conceitos são positivos. No curso de Psicologia aparece a
palavra psicologia (25,6%) como uma associação distinta ao curso de Fisioterapia, em oposição,
aparece faculdade (66,6%). Essas apesar de diferentes remetem ao curso em andamento. No
entanto, ao considerar o segundo estímulo-indutor “universidade”, ele é associado a um
318
conceito negativo.
O termo pressão pode ser correlacionado com a expressão cobrança, citada pelos
estudantes de Psicologia, devido às exigências sociais, pessoais e profissionais contemporâneas
(Vieira & Schermann, 2015). Percebe-se também que as palavras estresse e cansaço aparecem
tanto no grupo dos estudantes de Psicologia como no grupo dos estudantes de Fisioterapia,
embora com pesos semânticos diferentes (Tabela 2), reforçando a significância desses grupos
que demonstram experiências de ambos fenômenos no espaço acadêmico.
Ainda fazem parte do núcleo semântico que forma o conceito de universidade do grupo
dos estudantes de fisioterapia as palavras: aprendizado e amizade (Tabela 2). Segundo Borsa
(2013) a amizade é a interação social íntima e recíproca entre duas ou mais pessoas,
proporcionando suporte social e afeto. No início da vida universitária alguns laços familiares
se estreitam e começa a busca pelo novo, inclusive amigos. As relações de amizade possibilitam
ao sujeito o aprendizado cooperativo e compartilhado, além do aprendizado de habilidades
sociais, estimulação e experiências essenciais para boas relações interpessoais ao longo da vida
(Peron, Guimarães e Souza, 2010).
Entende-se também que a universidade é percebida assim pelos estudantes de ambos os
319
cursos em virtude da pesquisa ter sido realizada quase no final do semestre letivo, período
marcado por agitações, sobrecarga, falta de tempo e maiores exigências nas atividades
acadêmicas. Ademais, é importante destacar que ambos os cursos são integrais, com duração
total de 5 anos e apresentam uma carga horária obrigatória extensa, sendo o de Psicologia um
total de 3120 horas e o de Fisioterapia com um total de 3780 horas, o que também deve ter
contribuído para a construção das representações sociais sobre universidade de cunho mais
negativo do que positivo.
Considerações finais
Sendo assim, utilizou-se das redes semânticas e da comparação entre os cursos para se
alcançar as representações sociais dos universitários de uma universidade pública acerca da
saúde mental, universidade e formação profissional com o intuito de verificar quais as
concepções dos estudantes acerca desses temas.
Quando se fala de saúde mental, ambos os cursos possuem percepções aproximadas que
quase se igualam à noção de saúde mental da OMS. Saúde mental é busca pelo bem-estar físico,
mental e social, portanto diante das representações elaboradas, existe uma ideia positiva e um
conhecimento realista que se alinha aos órgãos estatais de saúde acerca do que é a saúde mental.
Porém, dentro do contexto universitário trabalhado, ao utilizar o estímulo-indutor
320
“universidade”, é possível notar uma visão, em geral, bastante negativa do ambiente acadêmico,
com concepções acerca do cansaço, dificuldades acadêmicas e pressões; no entanto, os
universitários também se ancoraram em entendimentos um pouco mais positivos como a
universidade como um espaço facilitador de amizades e também de aprendizado.
Desse modo faz-se necessário destacar a importância do presente estudo acerca das
representações sociais da saúde mental na universidade, sendo um tema importante a ser
trabalhado em ambas as áreas. As afetações pessoais que atingem a saúde mental durante os
anos de academia podem também infligir o futuro profissional dos estudantes, sendo assim, a
universidade deve começar a se munir de práticas promovedoras de bem-estar no âmbito
acadêmico.
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EIXO 05
323
Racismos: Estrutural, Institucional, Científico
INTRODUÇÃO
Dentre diversos ramos da psicologia, existem os que se dedicam ao estudo dos processos
psicológicos norteadores da construção de subjetividades. Essa esfera é composta por uma série
de elementos multifatoriais e reciprocamente interligados. Os elementos constituidores da
subjetividade podem ser classificados como internos - cognição, memória, aprendizagem,
motivação, atenção, etc. e externos - classe, gênero, religião, orientação sexual, raça/etnias etc.
No presente artigo voltaremos nossa atenção para um desses elementos externos – a raça/etnia
– a fim refletirmos sobre a importância de uma prática psicológica atrelada a uma atitude
antirracista.
Neste sentido, realizaremos uma revisão sistemática de literatura a respeito da
publicação de artigos científicos que tematizem a relação entre psicologia e antirracismo.
Entendemos que a pesquisa é importante diante da relevância que o fator raça/etnia possui na
construção de significados para a subjetividade dos sujeitos. É sabido que – por conta de
aspectos históricos, culturais e estruturais – determinadas raças e etnias são alvos frequentes de
discriminação e preconceito racial que repercutem negativamente sobre a saúde mental dos
sujeitos.
Analisaremos três revistas de psicologia avaliadas com Qualis A1 segundo o Portal
Capes. É importante elucidar que o foco da pesquisa concentra-se nas produções brasileiras a
respeito do tema. O artigo está estruturado nas seguintes sessões: métodos, inspirações
analíticas, resultados e discussões e, por fim, as conclusões, na qual traremos uma reflexão
sobre o que se tem estudado sobre esta perspectiva, para a produção de conhecimento na área
da psicologia.
INSPIRAÇÕES ANALÍTICAS
324
legal (Antunes apud Santos et al, 2012).
Neste período o psiquiatra Nina Rodrigues estreia os estudos de raça/etnia no Brasil.
Tendo como objeto de estudo a raça/etnia negra, ele elabora trabalhos pautados no darwinismo
social através da ideia de pureza das raças. O contexto histórico era de colonização, regime
escravocrata e seus resquícios. Nina Rodrigues destinava seus estudos em associar doenças e
deficiências ao biótipo da raça/etnia negra (Santos et al, 2012). O estudo étnico/racial no Brasil,
na perspectiva psicológica iniciou-se, portanto, sob o olhar branco do colonizador,
evidentemente racista e separatista que distorcia a imagem e identidade do povo negro, bem
como a consideração de que raça/etnia seriam fatores biológicos.
Da década 1930 a 1950, estudiosos Como Virgínia Bicudo, Aniela Ginsberg e Dante
Moreira Leite se dedicaram em desconstruir a ideia de raça/etnia como um fator biológico
(Santos et al, 2012), pois não havia nenhuma característica genética específica que delineasse
e localizasse as raças dentro de um seguimento biológico que as dividissem. Para eles, se
houvesse o que de fato diferenciasse os povos, isto se deveria exclusivamente a outras variáveis
que não a raça, como questões de cunho econômico, social e cultural.
Shucman (2010) fala de raça como uma categoria social atravessada pelas características
fenotípicas dos sujeitos. O não-branco é marcado por essa categoria, pois nele os traços são
“visíveis” a olho nu. Já o sujeito branco, ao qual o sujeito não-branco está sempre em relação,
a dimensão racial não é vista a princípio, devido a não marcação da cor branca. Este fator
relacional entre “presença” e “ausência” de cor resulta em relações assimétricas de acesso a
direitos sociais e simbólicos. O racismo se configura nesta relação na medida em que inferioriza
social/cultural/esteticamente o não-branco em prol da elevação e manutenção de privilégios
social/cultural/estético do branco.
O negro é alguém negligenciado em questões de direitos, segregado em questões sociais
e negado em sua identidade e manifestações estéticas. Neusa Santos (1983) nomeia essa
condição de Mito Negro, onde tudo que não diz respeito ao modelo branco de existir, é então
considerado feio, exótico, irracional, ruim, sujo. E é sob este olhar que o racismo vai
constituindo suas violências, dilacerando lentamente a subjetividade e a construção da
autoimagem das pessoas não-brancas.
Estar fora do eixo da branquitude e sofrer com o racismo, tal como Fanon (2008)
descreve, é lidar – através da rejeição racial – com a confusão, a autonegação da própria
identidade, com as estereotipias negativas do que é ser negro e constantemente ser alvo de
discriminação, segregação e desigualdade nas oportunidades de acesso. É possuir, portanto, um
maior nível de vulnerabilidade biopsicossocial.
No Brasil, acerca da temática, alguns índices em que o negro aparece em maior
ocorrência precisam ser ressalvados. Conforme dados publicados e divulgados por órgãos
ligados ao Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS), bem como outros de organizações não
governamentais e acadêmicos, vejamos a tabela abaixo. Ela fala das taxas de mortalidades de
pessoas negras (o que inclui pretos e pardos, de acordo com o IBGE).
325
Suicídio MS - UNB 2016 5,88 óbitos por cem mil
Fontes: Painel de indicadores do SUS Nº10, ano de 2016; MS-UNB ano de 2018.
Como tratar dos efeitos do racismo na subjetividade negra numa relação terapêutica
em que a marca do terapeuta, ser branco, é o que legitima as violências ao ser preto
do paciente? Como acessar o auto-ódio para dele poder sair e não acessá-lo e dele
continuar padecendo? Os psicólogos brancos suportariam a redistribuição da violência
racial no setting? Quando a transferência negativa é, na verdade violência criadora, o
psicólogo branco sabe manejar? (Veiga, 2019, p.246)
Tratar os efeitos que o racismo provoca sobre as subjetividades negras exige uma
atenção sensível e qualificada, mas estas não podem ocorrer se não houver por parte do
profissional também, uma atitude antirracista. Explorar uma prática psicológica antirracista é
entender de que maneira ela se desenvolve. É a partir de reflexões que levem o psicólogo a
compreender o adoecimento psíquico do sujeito através de múltiplos aspectos, considerando
também as dinâmicas socioculturais e históricas. É, ainda, experimentar novas modalidades de
escuta, análise e ação.
A fim de fomentar e mapear tal debate, elaboramos uma análise sistemática dentre três
revistas mais bem avaliadas pelo Portal Capes, com o intuito de identificar artigos que indiquem
uma psicologia de prática antirracista.
MÉTODOS
326
bastante ampla acerca das produções encontradas.
Como critério de exclusão não foram consultadas nenhum artigo que se dedicasse a
discorrer sobre o racismo, pois que o tema delimitou-se a analisar artigos que localizasse
especificamente a prática psicológica dentro de uma atitude antirracista. Os termos utilizados
foram: psicologia and negro; psicologia and racial; psicologia and preconceito; psicologia and
antirracismo; racial; raça; negro; étnico racial; colonização; discriminação; racismo;
antirracismo.
Os critérios de inclusão envolveram também a natureza da pesquisa (empírica, teórica,
qualitativa, quantitativa, etc.), o tema que se objetiva, o método, resultados e conclusão.
RESULTADO E DISCUSSÃO
De acordo com o processo de pesquisa, iremos elaborar uma análise dos termos
pesquisados em cada revista, assim como os resultados que foram ou não obtidos na análise.
Na revista Latinoamericana de Psicologia, dos termos e palavras-chave que foram
utilizados, os quais citamos na seção anterior, surpreendentemente nenhum artigo foi
identificado, nem mesmo trabalhos que abordassem alguma temática sobre raças, discriminação
ou preconceito.
Na revista; Psicologia: Teoria e Pesquisa, entre os termos que obtiveram resultados
estão; Psicologia and Preconceito, foram encontrados dois (2) artigos; com o termo Racial
também foram dois (2); com o termo Racismo também dois (2) trabalhos; com o termo Negro
identificou-se apenas um (1). Dentre estes, um (1) se repetiu. Contabilizou-se, portanto, o total
de seis (6) artigos que envolvessem a temática raça e preconceito na área da psicologia, no
entanto nenhum destes foram avaliados dentro dos critérios de inclusão da revisão.
Na revista; Psicologia: Reflexão e Crítica, dentre as categorias que obtiveram resposta,
tivemos: Psicologia and Negro, com uma (1) publicação; Psicologia and Preconceito, com
quatro (4) publicações; Racial, com duas (2) publicações; Raça, com duas (2) publicações e;
Negro, com duas (2) publicações. Três destas publicações se repetiram. Contabilizou-se no total
oito (8) publicações, dentre elas nenhuma se estabeleceu dentro do critério de inclusão da
pesquisa
CONCLUSÃO
327
2006, p. 87)
Reconhecer estes dados - longe de levar a psicologia ao descrédito – sinaliza a
importância dessa área enquanto ciência e profissão. Fala da necessidade de psicólogos e
psicólogas ampliarem suas perspectivas, buscando construir uma psicologia mais eficaz no
combate aos efeitos do racismo estrutural.
Neste processo, aceitar e compreender o próprio histórico de constituição da disciplina
é o primeiro passo em busca da construção de uma prática psicológica antirracista. Entender,
por exemplo, que a psicologia carece ainda de uma maior visibilidade e incentivo aos teóricos
e pensadores não-brancos nas produções bibliográficas é outra importante medida. O que,
apesar de necessário, não é sequer a ponta do iceberg no enfrentamento do racismo estrutural.
Sobre isso, Veiga (2019) discorre:
Finalizamos o artigo com a visão de que a psicologia ainda possui uma longa caminhada
na elaboração de reflexões, teorias e práticas no que diz respeito a construir uma psicologia de
atitude antirracista.
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A COR DA BELEZA: ROMPENDO COM OS PADRÕES ESTÉTICOS REAIS A
329
PARTIR DO MUNDO VIRTUAL
Introdução
330
autoras brancas e negras, esse artigo busca unir experiências e pôr em prática o exercício da
empatia e conhecimento da interseccionalidade. Empoderar se torna muito mais fácil quando
podemos nos ver no outro, e é com essa rede de empatia que mulheres começaram a ser capazes
de escrever sua própria história.
331
qualificação, trabalhos que dispensam inclusive a educação e a instrução, sobre elas
pesa, além das diferenças de gênero, também as de raça. O que observamos é com papéis
sociais “naturalmente” definidos como adequados, os nexos explicativos da condição
da mulher negra remetem, primeiramente a sua condição de escrava.
Os estereótipos impostos ao corpo da mulher negra não podem ser analisados de uma
forma isolada, mas atrelados a todas as formas de opressão trazidas pelo racismo e sofridas pela
mulher negra ao longo da história. Por mais que a luta pela quebra dos estereótipos tenha
avançado, havendo mulheres negras exercendo diferentes papéis na sociedade, se apropriando
de suas identidades e reconhecendo que não precisam se encaixar em padrões brancos de beleza,
as mesmas ainda enfrentam diariamente os rótulos que são impostos e que limitam suas
possibilidades de existência.
Como supracitado, segundo Costa (2018), a mulher negra nunca foi colocada nessa
realidade de representação da beleza, por conta de todo um aparato estrutural, onde os fenótipos
negróides são considerados feios, desagradáveis ou exóticos - configurando o desagradável
como um eufemismo. O capitalismo apropria-se disso lançando no mercado procedimentos que
possibilitem o branqueamento para uma possível aceitação social. Com isso, a identidade das
mulheres negras se perde na tentativa de seguir o padrão europeu.
Contudo, recentemente está havendo uma ruptura com os padrões estéticos pré-
estabelecidos. O feminismo negro é um dos aliados nessa luta antirracista, e mediou muitas
conquistas para a população feminina negra, sendo o quesito beleza também um deles. A
transição capilar foi um processo muito comentado nas mídias sociais, onde meninas/mulheres
dividiram umas com as outras essas experiências de transformação do cabelo alisado para o
cabelo natural. Com a inserção dos veículos de comunicação, presentes no cotidiano
brasileiro, mulheres negras puderam se espelhar e se inspirar em outras pessoas que também
passavam por esse processo, e começaram a se empoderar, mostrando o quanto isso foi e é
importante para a formação de uma identidade negra. A partir do momento em que mulheres,
de diferentes perspectivas e modos de vida, começam a se questionar sobre esse padrão de
beleza, percebe-se a apropriação de uma identidade e subjetividade negra que antes em toda a
história fora negada.
O sistema capitalista, percebendo a mais nova inserção do negro no mercado financeiro
e entendendo algumas necessidades que haviam para essa população, toma para si a posição de
produtor dentro dessa nova roupagem para esse novo público. Quando se trata de cabelos, por
exemplo, torna-se visível a imersão em produtos de beleza e as diferentes marcas que surgem
para esse público que possuem cabelos cacheados e crespos. Porém, é necessário legitimar que
a mercantilização da beleza negra causa impactos ainda mais perversos quando vinculado à
mulheres negras que não possuem recursos financeiros para o acesso a esses produtos. Ressalta-
se ainda a marginalização com que grande parte da população negra está inserida e que as
categorias de pobreza e desigualdade social se fazem presentes nisso.
Além disso, também é perceptível que, mesmo com a entrada dos negros no mercado, o
padrão nunca se volta para as mulheres negras. Isso pode ser exemplificado com as próprias
propagandas das grandes marcas de cabelo que se utilizam de mulheres negras, mas que sejam
da pele mais clara possível e traços mais finos, o que mostra uma não aceitação do negro e de
332
toda a sua cultura e ancestralidade. Dessa forma, mostra-se que ainda há uma dominação racial
e um ajuste em toda uma identidade negra, de forma muito mascarada nos dias atuais. É válido
ressaltar ainda que, com questionamentos a respeito dos ideais de beleza existentes, não há um
propósito de criação de um novo padrão de beleza, e sim de aceitação da diversidade de belezas,
incluindo-as, de forma a valorizar os elementos e traços que simbolizam a negritude.
Para além dos rótulos exacerbados ao longo do tempo sobre o ser negra, a construção
de identidades acontece, desenvolve-se e se fortalece em múltiplos âmbitos, um deles é o
estético, por isso é relevante pensar a beleza negra (Oliveira, 2011). O imaginário popular acaba
legitimando a não humanidade negra de diversas formas, seja pela falta de negras retintas em
propagandas de cabelos das grandes marcas e salões, seja também pela falta de maquiagens
com tons para as mulheres negras. O fato é que isso repercute na identidade coletiva sobre a
significância de ser negra na contemporaneidade e também na subjetividade de cada uma dessas
mulheres, como menciona Gomes (2019) a respeito da importância da aprendizagem e
valorização dos corpos negros e suas raízes, principalmente através da representatividade.
Assim, considero que para o negro e a negra, a forma como o seu corpo e cabelo são
vistos por ele/ela mesmo/a e pelo outro configura um aprendizado constante sobre as
relações raciais. Dependendo do lugar onde se desenvolve essa pedagogia da cor e do
corpo, imagens podem ser distorcidas ou ressignificadas, estereótipos podem ser
mantidos ou destruídos, hierarquias raciais podem ser reforçadas ou rompidas e relações
sociais podem se estabelecer de maneira desigual ou democrática (Gomes, 2019, p. 05).
Por anos, negros não puderam ver sua imagem refletida na mídia, produtos ou
profissões: não haviam bonecos de sua cor ou desenhos animados que retratavam sua história;
nunca eram protagonistas, mas sempre coadjuvantes, servindo, na maioria das vezes, como
alívio cômico em filmes e novelas, sempre representando empregados ou escravos, nunca em
posição de poder, nunca em cargos de liderança.
A sociedade de maneira geral não legitima o negro, não oferecem modelos, não dá o
suporte necessário para que esses consigam formar sua identidade. Alguns negros acabam,
então, buscando a brancura como modelo de identificação. A alienação e a tentativa de
embranquecimento é um recurso para alguns diante da falta de referências.
Quando se retrata sobre beleza, não ocorre de forma diferente: nos concursos de beleza,
são raras as modelos negras e, quando há, são negras com características brancas: cabelo, nariz,
etc. Desenhos animados, princesas infantis e brinquedos para crianças não são feitos retratando
negras como belas. A própria Barbie, símbolo escancarado do padrão de beleza, demorou cerca
de oito anos para inclusão de bonecas negras, sendo a primeira boneca não exatamente a
personagem Barbie e sim uma “amiga”, sendo assim um papel de coadjuvante, fortalecendo
uma superioridade branca.
Por conta da invisibilidade e silenciamento, a autoestima de algumas mulheres é por
333
vezes afetada. Mas, nos últimos anos, percebemos um avanço no que diz respeito a
representatividade negra, onde cada vez mais tem ganhado espaço na sociedade - mesmo que
com muita dificuldade e nem sempre obtendo a aceitação de grande parte da sociedade
eurocêntrica - mas ainda assim, temos uma Miss Universo negra, temos uma cantora
considerada como rainha, negra, Beyoncé, temos digital influencers negras e, etc. Dessa forma,
percebe-se um notável começo para aceitação da beleza negra e suas multiplicidades dentro do
significado de ser negra. O empoderamento de seus traços, cor e cultura, além de uma
autonomia, na busca pela compreensão de sua ancestralidade, e a compartilhamento entre as
futuras gerações sobre a significância da beleza negra e sua cultura, são consequências reais e
diretas da representatividade.
Com isso, quando pensamos na representatividade, podemos dizer que se embasa em se
ter qualitativas referências - sejam essas de grupos, instituições, movimentos ou indivíduos - o
qual se quer representar. Sendo assim, a representatividade entra como fator importante na
construção da subjetividade e na formação de uma identidade negra.
Sem dúvidas, ser uma mulher negra na nossa sociedade não é algo fácil. A educação
recebida nas escolas é claramente eurocêntrica, a formação da identidade negra é evidentemente
mais difícil, não são apresentados modelos, a história é vista pelo ponto de vista do colonizador.
As negras e os negros, não tem a chance de contar sua própria história, suas experiências, não
há quase nada, se é que há algo nesses espaços que os representem.
Percebemos então que modelos negros não são apresentados nas escolas, referências
negras dificilmente são divulgadas, para termos acesso temos que saber exatamente o que
estamos procurando, dificilmente nos são sugeridos livros que falem sobre o processo de
branqueamento ou descolonização. Pouco sabemos dos nossos antepassados africanos, muito
da sua história foi apagada ou demonizada, como então é possível formar identidade negra em
uma sociedade ainda tão hostil?
Felizmente, redes sociais têm servido de instrumento de ajuda e mudança, permitindo a
aproximação de diferentes grupos de pessoas, proporcionando interações e trocas de
informações e experiências. Essas redes de contato virtual aproximam pessoas que, antes
isoladas, podem entrar em contato com indivíduos com interesses e características semelhantes
a si.
334
As práticas comunicacionais da cibercultura são inúmeras e muitas delas inéditas,
impactando a sociedade de forma singular. A cooperação é um ponto chave na
cibercultura, já que o compartilhamento de informações de todo tipo constrói processos
coletivos e dá forma a diversos espaços midiáticos, os quais entusiasmam os indivíduos
com a possibilidade de produzir informação e receber informação multidirecional.
Percebemos, então, que a cibercultura intensifica o saber compartilhado e a
distribuição e a apropriação dos bens simbólicos. A difusão da cultura local e
tradicional modifica as relações sociais e reforça as influências mútuas (Malta &
Oliveira, 2016, p.61).
Nessas redes sociais, é possível encontrar espaço onde as mulheres negras podem se
colocar, falar sobre si a respeito do que é ser uma mulher negra, partilhar experiências e
até dicas de beleza. Enfim, as redes sociais dão inúmeras possibilidades. A partir disso,
podemos ter as mulheres negras como protagonistas e autoras de suas próprias histórias, criando
referências e possibilitando formas de identificação e inspiração para meninas negras que se
encontram em um momento de autoconhecimento e desenvolvimento emocional. Esses
espaços virtuais possibilitam a criação de lugares de resistência para mulheres negras e para o
movimento negro, proporcionando maior visibilidade e, por consequência, empoderamento.
Entretanto, sabemos que quando falamos em redes sociais, falamos de exposição a
várias situações. Infelizmente, o racismo não está presente apenas na vida real, na virtual
estamos ainda mais desprotegidos, pois algumas pessoas aproveitam a possibilidade de
anonimato, se sentindo seguras para falar aquilo que possivelmente na vida real elas pensam.
Algumas vezes, esses comentários vêm disfarçados de críticas ou conselhos: "só acho que", "na
minha opinião", ou vem em forma de discurso de ódio mesmo. Enfim, não importa o local, o
racismo comparece às vezes explícito, às vezes disfarçado.
Todavia, essas redes formadas por mulheres negras servem não só como forma de
autoafirmação e controle de seus próprios corpos, mas como rede de apoio, onde esses discursos
de ódio são rechaçados. Para além disso, essas mulheres levam o que aprendem para a vida,
esses conhecimentos que dificilmente lhes foram apresentados nas escolas de uma maneira
formal ou mesmo informal, esclarecimentos sobre sua própria raça que por vezes é ignorado
pelo sistema, são oferecidos nesses espaços alternativos de educação.
Considerações finais
Embora a escravidão tenha acabado, não podemos negar que muitas foram as feridas
335
deixadas por ela, que perduram até hoje e repercutem na vida de mulheres negras. Como já
mencionado, as mulheres negras além de serem transpassadas por exigências estéticas da ordem
do inalcançável, estabelecidas pela sociedade ao longo do tempo, também sofrem com o
racismo, que contribui significativamente para que continuem a serem vistas como o não-belo.
Isto demonstra, a dificuldade na existência e resistência dessas mulheres perpassadas por
questões de gênero e também de raça, e o quanto isso reflete nos ideais de beleza. Em vista
disso, é possível perceber a importância dessa questão ser tratada de forma interseccional, ou
seja, é necessário considerar a diversidade entre as mulheres, e que ser uma mulher e negra
envolve uma soma ainda maior de violações e restrições.
Uma maneira de quebrar a visão da mulher negra enquanto sinônimo do não belo, é
escancarar o problema que na maioria das vezes fica camuflado pelo discurso da democracia
racial presente no Brasil. Como já foi exposto, o padrão estético imposto pela sociedade também
é baseado no racismo, por sua vez, na ideia da supremacia branca. Para desconstruir essa noção
de beleza, é importante que as questões étnico-raciais sejam amplamente discutidas em todos
os âmbitos, na mídia, no mundo do trabalho e principalmente nas escolas. É na escola que as
crianças têm suas primeiras interações sociais e essas interações contribuem para formação de
valores e de sua própria identidade. É nesse espaço também, que muitas vezes meninas e
meninos negros têm suas primeiras experiências com o racismo. Assim, nas escolas, não só é
necessário haver discussões sobre as relações étnico-raciais, mas também no conteúdo escolar
deveriam estar presentes a história e cultura africana e afro-brasileira, o que daria aos alunos
negros a oportunidade de ter conhecimento e reconhecimento sobre a sua ancestralidade, algo
que poderia repercutir de forma positiva na construção de suas identidades.
A representatividade é importante para o fortalecimento da identidade negra, bem como
para a desconstrução do ideal de beleza branco. Através da representatividade é dada uma
visibilidade que sempre foi negada às mulheres negras. Poder se enxergar em uma boneca, em
alguém que está na mídia ou em alguma rede social é fundamental para a autoaceitação e para
construção de uma autoestima positiva. Sendo assim, há um maior encorajamento para que as
mulheres negras assumam seus traços, suas características naturais e valorizarem uma beleza
que é única e pertencente somente a elas. A representatividade desperta ainda um processo de
autodescoberta para aqueles que ainda não encontraram sua verdadeira identidade enquanto
pessoas negras. Dessa forma, a ocupação de mulheres negras em diversos espaços contribui
para o processo de identificação e valorização da identidade negra e abre caminhos para uma
nova geração de mulheres negras empoderadas que buscam, entre outras
coisas, reconhecimento, visibilidade, respeito e aceitação.
Referências
336
(3 ed. - Coleção Cultura Negra e Identidades). Belo Horizonte: Autêntica Editora.
Malta, R. B., Oliveira, L. T. B. de. (2016) Enegrecendo as redes: O ativismo de mulheres negras
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Oliveira da Silva, F. C. de. (2011). A construção de identidades negras em meio a padrões
brancos de beleza. Discursos Contemporâneos Em Estudo, 1(1), 125-141.
https://doi.org/10.26512/discursos.v1i1.0/8273.Proença, G. (2010). História da arte. In
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experiências e formação de araraquarenses. Fórum Identidades, 6, n. 3, 69-79, jun. sem.
QUESTÕES RACIAIS E VIOLÊNCIA URBANA: UMA REVISÃO DAS PESQUISAS
337
DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA LIGADAS AO VIESES-UFC
1 Introdução
36
Deleuze e Guattari (1995) utilizam o conceito de rizoma, advindo da área da Biologia mais especificamente da
Botânica que seria uma espécie de raiz, como um modelo de campo aberto, resistência ético-estético-político,
tratando-se de linhas e não de formas.
emergidas dos encontros com o grupo. Esse modo de pesquisar assume o compromisso “colocar
338
em análise suas implicações com as práticas produzidas, entendendo as situações cotidianas
como acontecimentos sociais complexos” (Rocha & Aguiar, 2003, p. 64). Sendo assim, a nossa
pesquisa-intervenção tem como caráter analisar as relações sociais e políticas que são
produzidas nos territórios periféricos de Fortaleza com altos índices de homicídios.
A pauta racial é algo intrínseco e indispensável nessas discussões, em decorrência
principalmente do racismo estrutural que está vigente na sociedade brasileira, que, segundo
Almeida (2018), é agenciado por esferas políticas, econômicas e culturais e, assim, subalterniza
corpos negros. O racismo institucional, por sua vez, é compreendido como um desdobramento
do racismo estrutural e seria referente aos efeitos dos modos de funcionamentos das instituições
que concedem privilégios a determinados grupos, dessa forma produzindo desigualdades
legitimados pela raça. Com base nisso, Almeida (2018) afirma que “as instituições são a
materialização das determinações formais na vida social” (p. 30) e que elas derivam das
relações de poder.
Uma expressão desse racismo estrutural é evidenciada pela produção social e midiática
que maquina e corrobora com a criminalização e estigmatização das juventudes, negras, pobres
e periféricas que são tidas como algozes da violência, e, por isso, são os principais alvos das
medidas punitivo-penais do Estado (Coimbra, & Nascimento, 2003). Dessa forma, é forjada a
figura do “inimigo” que deve ser eliminado em nome da preservação dos “bons costumes” e da
proteção dos ditos “cidadãos de bem”. A aniquilação dessas vidas é legitimada e naturalizada
pois são tidos como “não-cidadãos”, inimigos, vidas não passíveis de luto (Butler, 2015). Dessa
maneira, as populações negras têm sido alvos, cotidianos, de diversas violências que partem da
exclusão social até a legitimação de seu extermínio. A noção de Necropolítica apresentada pelo
pensador camaronês Achille Mbembe (2016) nos ajuda a compreender esse cenário, esta seria
uma tecnologia de produção e gestão da morte na atualidade. Mbembe (2016), em sua obra, nos
ajuda a compreender que essas zonas de morte se constituem como um segmento da
colonialidade no mundo neoliberal, e, nessa lógica, as vidas negras, periféricas e pauperizadas
são tidas como supérfluas e matáveis.
Por fim, para além de discutir políticas de produção e gestão da morte às quais os corpos
negros, pobres e periféricos estão sujeitados é imprescindível abordar também práticas de
resistência produzidas por essas populações. Aqui entendemos resistência em diálogo com
Deleuze e Guattari (1996), isto é, como ações ou práticas contra-hegemômicas da ordem da
criação e da inventividade e não como algo reativo a um poder opressor, que produzem zonas
de vida e de potências micropolíticas. Mbembe (2019) discute que as resistências se organizam
a partir da ocupação de vidas negras pelos espaços e na luta por visibilidade onde o poder quer
distanciá-los e silenciá-los, buscando, assim descolonizar instituições.
2 Método
Para desenvolver este texto, foram realizadas uma análise de relatórios e revisão
bibliográfica de artigos produzidos pelo VIESES, tendo como critério de inclusão aqueles
artigos produzidos a partir de investigações desenvolvidas por alunos e alunas do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). Desta forma, esta pesquisa se organizou
a partir da revisão bibliográfica, pois as literaturas escolhidas para efetuarmos uma breve análise
apresentam estudos de modo coerente, organizado, contendo conhecimentos pertinentes (Echer,
2001) para dialogarem com conceitos teóricos sobre relações raciais e violência urbana.
Emergindo por meio de uma construção, um diálogo entre os artigos e também das percepções
339
e análises dos pesquisadores (Echer, 2001). O objetivo desse método de pesquisa é identificar
relações se apropriando de um pensamento crítico, podendo trazer sugestões para a realização
de futuras pesquisas (Hohendorff, 2014).
Sendo a nossa investigação-rizoma: “Juventude e violência urbana: cartografia de
processos de subjetivação na cidade de Fortaleza-CE” germinadora de ramificações, deu-se
como desdobramento as seguintes pesquisas de iniciação científica: a primeira (2015-2016),
“Violência infantojuvenil e territórios urbanos: Cartografia de processos de subjetivação na
cidade de Fortaleza-CE”, buscou pôr em análise modos de subjetivação agenciados por
discursos e práticas institucionais no tocante ao problema da violência urbana envolvendo
jovens que se materializam em territórios da cidade de Fortaleza reconhecidos por expressivos
índices de homicídios; a segunda (2016-2017), “Juventude e Violência Urbana: Cartografia de
processos de subjetivação na cidade de Fortaleza-CE”, pretendeu cartografar práticas sociais
relativas à problemática da violência urbana envolvendo segmentos juvenis, em territórios da
cidade de Fortaleza-CE; a terceira (2017-2018), com o mesmo título da anterior, objetivou
cartografar modos de subjetivação constituídos na articulação de práticas sociais em torno da
problemática da violência urbana envolvendo segmentos juvenis, em territórios da cidade de
Fortaleza com elevadas taxas de homicídios; a quarta (2018-2019), “Violência armada em
Fortaleza e práticas institucionais de segurança pública: Efeitos psicossociais no cotidiano de
juventudes periféricas”, procurou cartografar implicações psicossociais da violência armada e
das práticas institucionais das forças de segurança pública no cotidiano de juventudes
periféricas de Fortaleza; por fim, a atual pesquisa (2019-2020), “Juventudes e devires-
periféricos em Fortaleza: cartografia de práticas de resistência frente às políticas de morte e
precarização da vida”, propõe-se a analisar como jovens em contextos periferizados de
Fortaleza, com altas taxas de violência letal, produzem práticas de resistências às dinâmicas
que os enquadram como sujeitos matáveis.
Os artigos utilizados na revisão bibliográfica são produtos das pesquisas supracitadas,
a saber: “Pacificação” nas Periferias: Homicídios Juvenis e os Desafios à Democracia
Brasileira: Implicações Ético-políticas da Psicologia (Barros et al., 2017a), Pacificação nas
periferias: discursos sobre as violências e o cotidiano de juventudes em Fortaleza (Barros et al.,
2018), Necropolítica e Pesquisa-Intervenção sobre Homicídios de Adolescentes e Jovens em
Fortaleza, CE (Benício et al., 2018) e Dispositivo de Segurança e Racionalidade
Necrobiopolítica: Narrativas de Jovens Negros de Fortaleza (Costa et al, no prelo). As
materialidades referentes a atual pesquisa PIBIC (2019-2020) ainda não foram finalizadas.
A análise dos relatórios e artigos se organizou a partir da observação de como as
questões raciais e a problemática dos homicídios juvenis se articularam em tais produções, de
modo a buscar entender tanto como essa articulação foi abordada nas diferentes pesquisas,
como, também, o modo de entendê-las foi sofrendo alterações ao longo desses cinco anos. Para
tal análise, utilizou-se, como aparato teórico, pensadores do campo da Psicologia Social, pós-
estruturalistas e estudos pautados em perspectivas anticoloniais e decoloniais.
3 Resultados e Discussão
340
da discussão sobre violência infanto-juvenil, pondo em análise a produção cultural e discursiva
sobre a violência envolvendo esse público, e a volúpia punitiva junto a crianças, adolescentes
e jovens (Lemos, 2013), problematizando, a partir de interlocuções entre Foucault, Deleuze,
Guattari e autores que seguem caminho semelhante, a produção de modos de subjetivação
criminalizantes das juventudes periféricas, pobres e negras. Além de terem sido realizadas
atividades de campo, como grupos de discussão, oficinas e entrevistas com jovens e
profissionais da área dos direitos humanos em um bairro periférico da cidade com altas taxas
de homicídios37, analisou-se a repercussão social e midiática da chacina do Curió para refletir
sobre a operação de dispositivos de criminalização juvenis e de produção de “sujeitos matáveis”
no contexto dos grandes centros urbanos (Barros et al, 2017a). As chacinas ocorridas no Ceará,
bem como as próprias transformações psicossociais da violência no estado, dentre outros
aspectos locais que lhes são sustentação analítica, seriam também uma expressão de um "devir-
negro do mundo" (Mbembe, 2014), isto é, uma ampliação do espectro de opressões e violências
sofridas por negros para um conjunto mais heterogêneo de populações subalternizados e
tornadas supérfluas pela atualização da colonialidade ligada ao neoliberalismo.
A partir desta pesquisa, refletiu-se como a problemática dos homicídios juvenis está
relacionada a intensificação de modos fascistas de viver (Guattari, 1987; Deleuze & Guattari,
1991; Foucault, 1994), caracterizados pela repulsa a certas existências, e a naturalização da
violência daí resultante dentro das ditas formações “democráticas” no Brasil (Barros et al,
2017a). Aliada a uma tradição escravocrata e elitista, a criação de juventudes tidas como
“matáveis” em solo brasileiro, aponta a pesquisa, está diretamente relacionada à produção de
discursos e práticas institucionais em territórios da cidade estigmatizados como violentos que
incidem na criminalização de segmentos infantojuvenis pobres e negros, justamente aqueles
que são apontados pelos levantamentos quantitativos como as maiores vítimas da violência
urbana no país (Barros et al, 2017a). A questão racial é abordada, durante a investigação, como
um importante mecanismo, sustentado por lógicas coloniais, que estabelece a divisão entre
aqueles que devem viver e aqueles que devem morrer (Barros et al, 2017a).
A segunda investigação PIBIC se conecta a anterior e funciona como uma continuação
das reflexões já iniciadas, mas, dessa vez, contemplando outro território periférico da cidade.
O público participante da pesquisa foi composto por 22 jovens entre 15 e 29 anos e 14
profissionais de políticas sociais que atuavam com jovens. Por meio de grupos de discussão,
entrevistas semi-estruturadas e observações do cotidiano, o artigo resultante da pesquisa se
propôs a analisar, a partir dos discursos dos jovens e dos profissionais participantes, o fenômeno
conhecido localmente como “pacificação”, o qual envolveu um pacto de “paz” entre grupos
criminosos em Fortaleza entre o final de 2015 e meados de 2016, e suas implicações na
dinâmica da violência urbana e no cotidiano das juventudes inseridas em territórios
“pacificados” (Barros et al., 2018).
Durante o período da pacificação, com a proibição de ciclos de vinganças, assaltos "nas
áreas" e práticas de homicídio entre grupos locais, a população dos territórios pacificados
usufruiu de uma maior liberdade de circulação e menor sensação de medo e iminência da morte
segundo os participantes da pesquisa (Barros et al., 2018). Em contrapartida, outras expressões
de violência continuaram presentes no cotidiano dos adolescentes e jovens desses territórios,
como os conflitos com a polícia e um maior exercício de um poder de soberania por parte das
37
Optamos por não expor o nome dos bairros onde as pesquisas foram realizadas para evitar a identificação dos
participantes da pesquisa.
facções38, que utilizavam da força para decidir sobre a vida e a morte nesses bairros (Barros et
341
al., 2018). Os jovens continuavam a se configurar como vidas descartáveis, tanto por parte das
facções, que os cooptam e os inscrevem em seus empreendimentos de forma precarizada e
subalterna, como por parte da segurança pública orientada por uma lógica militarizada, a qual
concebe tais segmentos como inimigos (Barros et al., 2018). Os territórios periféricos foram
tematizados como espécie de "colônias contemporâneas" (Mbembe, 2017), marcados pela
lógica da exceção, onde guerra e paz se confundem e nos quais políticas do medo, militarização
e marginalização se apresentam cotidianamente (Kilomba, 2019).
Ao investigar-se os efeitos práticos e simbólicos do fenômeno da pacificação,
problematizou-se também a influência e força que tais organizações criminosas adquiriram a
partir das lacunas deixadas pela ineficiência do Estado em garantir um bem estar social e
promover a paz nestes territórios, ao tomarem as vidas de juventudes negras e periféricas como
indignas de serem vividas (Barros et al., 2018). Utilizando-se da noção de necropolítica e as
reflexões sobre formas de dominação em contextos africanos pós-coloniais de Mbembe (2016),
os autores (Barros et al., 2018) trazem novamente a questão racial e a perpetuação da
colonialidade na contemporaneidade como chaves importantes para problematizar as violências
sofridas pelas populações das periferias de Fortaleza e as atualizações das políticas de morte
nestes territórios. Segundo Barros et al. (2018), o desamparo institucional a estas populações e
o descaso do Estado diante das mortes nesses bairros, a maior parte de pessoas negras, são
traços, com base em diálogos entre a noção de racismo de estado (Foucault, 1999) e a noção de
necropoder (Mbembe, 2016), de um paradigma bio-necropolítico.
A terceira investigação PIBIC se configurou como uma continuação das anteriores, mas,
agora, explorando outros territórios periféricos da cidade com altas taxas de homicídios, a fim
de identificar convergências e singularidades em relação aos resultados obtidos entre 2015 e
2017. Nesta investigação, o conceito de necropolítica (Mbembe, 2016) é ainda mais
aprofundado, por se caracterizar como um importante analisador frente a problemática da
violência envolvendo os segmentos infantojuvenis, principalmente adolescentes e jovens
negros/as e moradores das periferias urbanas (Benício et al, 2018). Articulado ao pensamento
de Mbembe, a pesquisa traça interlocuções com autores e autoras da Psicologia Social, pós-
estruturalistas, como Foucault, Deleuze, Guattari e Butler, e anticoloniais, Sayak Valencia e
Fanon. A utilização da noção de necropolítica como principal operador conceitual da pesquisa
ocorre também por entendermos que as problematizações e produções dos autores e autoras das
periferias do capitalismo são muito potentes para compreendermos melhor fenômenos de
violência próprios desses contextos, “onde o desfazimento de um débil Estado de Bem-Estar
Social se realiza por meio da barbárie” (Hilário, 2016, p. 205).
O artigo resultante da pesquisa reuniu os achados das investigações PIBIC de agosto de
2015 a julho de 2018 e teve por objetivo analisar psicossocialmente a problemática da
intensificação dos homicídios juvenis em Fortaleza (Benício et al., 2018). Como resultados do
estudo, os discursos dos participantes da pesquisa apontaram para três principais aspectos
relacionados a elevação dos índices dos homicídios de jovens no Ceará: 1) transformações na
dinâmica da violência urbana com o fim da “pacificação” e com o fortalecimento das facções,
produzindo, com a “guerra entre facções”, um estado de exceção permanente, que, juntamente
com o racismo e a colonialidade, dão base ao direito de matar (Mbembe, 2017) e ao poder de
morte (Fanon, 2010) nesses territórios; 2) recrudescimento de um modelo de segurança pública
militarizado por parte dos governos estadual e municipal, bem como a criação ficcional de
inimigos, rotulados regionalmente como “envolvidos” (encarnado por adolescentes e jovens
38
Organizações criminosas de comércio de drogas ilícitas.
negros e negras moradores das periferias urbanas), a partir da instrumentalização racista do
342
medo (Mbembe, 2017), que permite a hierarquização entre vidas que são ou não reconhecidas
como dignas, naturalização e até desejando a morte dos corpos racializados (Fanon, 2010),
aqueles não passíveis de luto (Butler, 2015); 3) desamparos socioinstitucionais aos segmentos
infantojuvenis em territorialidades periferizadas, maximizando a condição precária de suas
vidas e explicitando o que a discussão mbembeana sobre crítica da razão negra chama de devir-
negro do mundo (Benício et al., 2018)
A quarta pesquisa PIBIC (2018-2019), investigou as implicações psicossociais da
violência armada e das práticas institucionais da segurança pública no cotidiano de jovens
inseridos em bairros periféricos de Fortaleza. Dar esse enfoque à pesquisa tornou-se importante
uma vez que, em 2017, 75,5% das vítimas de homicídios no Brasil foram pessoas negras e,
especificamente no Ceará, foi constatada uma taxa de 75,6 mortos para cada 100 mil habitantes
negros, a segunda maior taxa do país (Cerqueira, et al., 2019). Além disso, segundo o 11º
Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 99,3% das pessoas assassinadas em 2016
eram do sexo masculino, 81,8% tinham entre 12 e 29 anos e 76,2% eram negras (Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, 2017)39. A partir destes dados, entende-se, tomando a noção
de racismo estrutural (Almeida, 2018) e seus efeitos psicossociais, que os principais alvos da
violência letal nesse país são os jovens negros, resultante, em parte, ao aumento de um modelo
militarizado de segurança pública e ao paradigma da “guerra às drogas”, que se configura como
atualização do genocídio de negras e negros (Nascimento, 2016; Borges, 2018) a partir da
produção de um “inimigo interno”, figura cada vez mais associada a jovens negros, pobres e do
sexo masculino nomeados como “envolvidos” (Benício et al, 2018).
O artigo resultante desta quarta investigação PIBIC focou sua investigação na
problematização das racionalidades ligadas à implantação das Células de Proteção Comunitária
(CPC), um dos principais dispositivos de segurança em funcionamento nas periferias de
Fortaleza, a partir de discursos de jovens negros (Costa et al, no prelo). A partir da escuta ativa
dos jovens negros e negras inseridos nestes territórios, através de entrevistas e oficinas
temáticas, apreende-se que as produções discursivas dos jovens participantes do estudo
apontam para o agravamento da violência institucional, do racismo e da sujeição criminal de
juventudes periféricas. As ações policiais que, a partir desses dispositivos, acontecem de forma
mais frequente e truculenta são “justificadas” em virtude da produção de jovens negros e pobres
enquanto sujeitos inimigos e matáveis e sob o pretexto de que são necessárias ao combate da
violência (Costa et al., no prelo). Outro artigo advindo dessa investigação está em andamento e
enfocará efeitos psicossociais da violência armada no cotidiano de populações periferizadas,
ressaltando a importância da questão racial nesse âmbito também.
Há, a partir de 2019, um deslocamento temático nas produções de iniciação científica
do VIESES. Se, em um primeiro momento, investigamos as juventudes periféricas enquanto
vítimas da precarização da vida e dinâmica de produção de morte, a partir de 2019, os processos
de resistências acionados por juventudes negras, por meio da arte, da participação em coletivos
ou pelo uso das redes sociais frente às expressões de uma necropolítica ganham maior ênfase.
Dessa forma, a questão racial passa a ser abordada não apenas sob o ponto de vista da violência
genocida sofrida por negras e negros, mas também a partir das suas resistências, utilizando-se
não somente de referenciais pós estruturalistas, mas também referenciais decoloniais.
Dialogando com Diógenes (2018), compreendemos que a criação dos coletivos surge enquanto
alternativa a espaços institucionais que não suprem às demandas da juventude, uma vez que as
39
Embora os levantamentos citados não sejam os mais recentes publicados, escolhemo-los de forma a buscar
retratar a realidade de dados que estavam disponíveis na época de pesquisa.
políticas públicas voltadas para a juventude estão, quase sempre, conectadas à aspectos
343
profissionalizantes e educativos. Diante deste panorama, os coletivos organizam-se para
atender às demandas político-culturais da juventude.
Dessa forma, na quinta investigação PIBIC, a qual ainda está em andamento, buscamos
entender como, a partir desses coletivos, segmentos juvenis criam modos de vida e formas de
atuação política que insurgem contra a naturalização de uma dimensão do periférico que
estigmatiza certos corpos juvenis como inúteis, indesejáveis, criminosos e matáveis, pela
intersseccionalização de marcadores raciais, de classe, de gênero, de geração e território.
Pretende-se mapear, a partir do acompanhamento de coletivos juvenis periféricos, que modos
de habitar a cidade que contrapõem às práticas higienistas e segregacionistas estão sendo
inventados pelo aliançamento de corpos negros e quais outras cartografias existenciais esses
jovens estão forjando nestes territórios (Deleuze & Guattari, 1996; Butler, 2018; Hooks, 2017;
Rolnik, 2018; Mbembe, 2019).
Tendo em vista que tal investigação ainda não foi finalizada, a análise desta última
investigação centra-se em seu projeto de pesquisa. Mbembe é uma das principais referências
utilizados no projeto por suas discussões acerca do mundo contemporâneo, a partir de
deslocamentos de um eurocentrismo epistemológico. Além dele, pensadores e pensadoras como
Fanon (2010), Butler (2018), Rolnik (2018), Diógenes (2018), hooks (2017) e Achinte (2017)
se apresentam como pontos centrais e importantes para a análise dos dispositivos político-
culturais que estão sendo acionados pelos coletivos juvenis periféricos tanto para visibilizar e
interpelar prácticas de racialização, exclusão e marginalização quanto para propor novos
sentidos e novas direções às existências juvenis em condições de dignidade, inventando formas
de re-existência.
4 Considerações Finais
344
a si mesma (Barros, et al., 2017b). Segundo Kastrup (2008), a pesquisa-intervenção envolve
quatro níveis de transformações: no campo, nos participantes, no pesquisador e na própria
pesquisa. Dessa forma, pesquisar não se restringe a investigar e intervir no objeto e campo
investigados, mas também na reinvenção do próprio pesquisador e da pesquisa (Barros et al.,
2017b).
A inserção de autores/as anticoloniais como desdobramento dos nossos caminhos de
pesquisa dá-se também por uma aposta na tarefa de descolonização da ordem eurocêntrica do
conhecimento, entendendo tanto os limites das produções de autores/as europeus para captar as
relações e lógicas atuantes nas periferias do capitalismo, como também pela necessidade de
desprender-se das principais macro-narrativas ocidentais (Ballestrin, 2013; Hilário, 2016;
Mignolo, 2017). Esse processo não deve ser confundido com a rejeição absoluta a todas as
práticas, experiências, pensamentos, conceitos e teorias cunhados por pensadores/as da Europa
(Ballestrin, 2013), mas, a partir da compreensão de que os conceitos de ciência, erudição e
conhecimento estão intrinsecamente ligados à autoridade racial e ao poder, estruturando uma
acadêmica colonizada que vêm historicamente produzindo apagamentos e silenciamentos de
pessoas negras (Kilomba, 2019), descolonizar, destruindo as estátuas do colonialismo, lutando
pela transformação das formas de produção e conteúdo do saber e buscando a reabilitação das
vozes que o poder tenta relegar ao silenciamento por não querê-las ouvir, apresenta-se como
resistência às formas como o poder têm produzido ausência e silêncio (Mbembe, 2019).
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NO MEIO DO CAMINHO TINHA O BRASIL: A DIFICULDADE NEGRA DE
347
EXISTIR DIANTE DO RACISMO
Introdução
A negritude é marcada por diversos discursos que circunscrevem o corpo negro de uma
forma a produzir uma perda em relação ao seu próprio corpo. Essa perda tem início a partir do
século das luzes, na qual foi possível a distinção entre o civilizado e o selvagem. Segundo
Almeida (2018), “Do ponto de vista intelectual, o iluminismo constituiu as ferramentas que
tornariam possível a comparação e, posteriormente, a classificação, dos mais diferentes grupos
humanos a partir de características físicas e culturais.” (p.20) A raça aparece aqui como
resultado desse pensamento alienante que tem seu fundamento nas diferenças, não há nada que
a justifica biologicamente, ela é de acordo com Almeida (2018) “um elemento essencialmente
político, sem qualquer sentido fora do âmbito socioantropológico.” (p.24). A raça nada mais é
do que a produção do diferente, do outro, para justificar as mais variadas barbaridades e
despender todo o ódio de um povo ao outro, é a partir dela surge o racismo, que por sua vez,
O racismo, filho legítimo da produção racial, tem como principal alvo o corpo negro
sendo perpetuado diariamente por diferentes discursos que colocam o negro em um lugar de
exterioridade em relação ao próprio corpo, Munanga (2019) aponta “a alienação do negro tem
se realizado pela inferiorização do seu próprio corpo antes de atingir a mente, o espírito, a
história e a cultura.” (p.16). As produções dessas inferiorizações permitiram o avanço e a
justificativa do processo de colonização criando um gigantesco massacre das vidas, das
identidades, das histórias e das heranças. O processo de colonização teve seu início pelo desejo
do bem, da ordem e ganância
348
todo solo colonizado, foi o início do processo que concomitantemente produziu a raça, racismo
e teve como seu ponto mais cruel a escravização. O período escravocrata marcado pela retirada
do povo negro de sua terra tem consequências devastadoras no cotidiano Brasileiro, sendo o
Brasil, segundo Schwarcz e Gomes (2018) “o último a abolir essa forma perversa de mão de
obra nas Américas, como aquele que mais recebeu africanos saídos de seu continente de
maneira compulsória, além de ter contado com escravos em todo o território nacional” (p. 21).
“Passado” o processo de escravização o Brasil, o colonialismo aliado à política racial e ao medo
de retaliações criou mecanismos que visavam aniquilar os negros libertos, Nascimento (2016)
“nutrido no ventre do racismo, o “problema” [da liberdade dos escravizados] só podia ser, como
de fato era, cruamente racial: como salvar a raça branca da ameaça do sangue negro,
considerado de forma explícita ou implícita como “inferior”” (p. 81). Essa tentativa de
“salvação” da raça branca foi o que deu origem no Brasil do projeto mais violento na qual seu
alicerce é a negação de todos os aspectos possíveis da negritude, sendo construído apenas um
caminho para a emancipação e esse caminho era branco, o branqueamento ganha força e espaço
e define estruturalmente todas as relações possíveis entre negros/as e brancos/as. Segundo
Nobles (2009) “O “embranquecimento” é um ataque psicológico ao senso fundamental dos
afro-brasileiros do que significa ser uma pessoa humana” (p.287). Esse ataque psicológico foi
bem sucedido, porém os estudos afrocentrados tomam espaço e buscam mapear os seus efeitos
na população com o objetivo de curar toda a raça. Com isso a pergunta que fica em aberto e que
pretendemos responder em alguns pontos é; Quais efeitos sofre o/a negro/a no Brasil? Para
responder essa problemática africana faz-se necessário a aproximação de conceitos, permitindo
uma leitura e possibilitando meios de revolucionar a experiência, o presente trabalho pretende
a partir do que Frantz Fanon chamou de dimensão-para-o-outro em Peles Negras e Máscaras
Brancas e do que Neusa de Souza Santos chamou de O Mito negro em Torna-se Negro, mostrar
aproximações e distanciamentos entre essas formas de teorizar a relação do negro em uma
sociedade racista.
Metodologia
40
“Extraído do Medu Netcher [A escrita de Deus], sakhu significa a compreensão, o iluminador, o olho e a alma
do ser, aquilo que inspira. E sheti quer dizer entrar profundamente num assunto; estudar a fundo; pesquisar nos
livros mágicos; penetrar profundamente.” (Nobles, 2009, p. 279).
O/A negro/a prova à necessidade diária de fortalecer os laços culturais para não
349
sucumbir em uma morte em vida na tentativa de alcançar um ideal impossível; o branco.
Utilizaremos como metodologia o legado de Maulana Karenga (2009) nos estudos africana
destacando quatro categorias metodológicas para o avanço do conhecimento, são elas; “1) giri-
so, conhecimento descritivo; 2) benne so, conhecimento analítico; 3) bolo-se, conhecimento
comparativo; 4) so dayi, conhecimento ativo.” (p. 340).
Discussão
Em Torna-se Negro41, Neusa Santos Souza inicia seu belíssimo texto tratando de uma
questão ainda muito discutida; a ascensão social42 do povo preto. E logo atesta:
O negro que se empenha na conquista da ascensão social paga o preço do massacre mais
ou menos dramático de sua identidade. Afastado de seus valores originais,
representados fundamentalmente por sua herança religiosa, o negro tomou o branco
como modelo de identificação, como única possibilidade de “torna-se gente”. (Souza,
1983, p. 18).
Isso significa em outras palavras que para ser gente é preciso ser branco/a e isso é
impossível para o/a negro/a, ficando, assim, à mercê no vazio fundamental da busca de um ideal
que massacra o próprio corpo. O mito negro surge como uma fala, uma discursividade que
apenas por existir cria uma verdade fundada em seu próprio dizer. Souza (1983) destaca “Mas
o mito não é uma fala qualquer. É uma fala que objetiva escamotear o real, produzir o ilusório,
negar a história, transforma-la em “natureza” (p 25). Apesar de escamotear o real, produz-se
uma realidade na qual Souza (1983) organiza tridimensionalmente a partir da singularidade do
problema negro. São elas; 1) os elementos que entram na composição do mito, são geralmente
imagens fantasmáticas; 2) o poder de estruturar um espaço específico para o/a negra/o, criando
lugares, posições e expectativas específicas 3) pelo desafio imposto ao negro. Os elementos da
composição do mito são muitos e possuem consequências diversas, mas todos tem em comum
uma relação depreciativa, segundo Souza (1983) “O irracional, o feio, o ruim, o sujo, o
sensitivo, o superpotente e o exótico são as principais figuras representativas do mito negro”
(p. 27). Essas figuras congelam o/a negro/a em determinadas situações, não permitindo apenas
deslizar nas cadeias linguísticas do ser falante. Ao ser associado a algumas dessas imagens se
41
Torna-se negro é uma obra de Neusa Santos Souza, psicanalista e pioneira na inserção do debate racial no
Brasil.
42
“Movimento pelo qual uma agente ou um grupo social, realizando uma possibilidade de ascensão social, muda
de uma classe social (ou de uma camada de classe) para outra considerada superior. Aqui, classe social é entendida
como sendo a estratificação em termos de posição nos processos sociais de produção, dominação e ideologização,
isto é: se tomará conta não só a posição na instância econômica (compra ou venda da força de trabalho), mas
também a relação dos agentes com o poder (lugar no aparelho jurídico-político do Estado) e com os emblemas de
classes (valores éticos, estéticos etc.)” (Sousa, 1983, p. 19).
instaura um saber por parte de quem o colocou nessa posição e se legitimado está dado o
350
diagnóstico da submissão. Não há nada no corpo negro que permita o capturar em imagens
fixas, o problema do racismo é justamente esse, não permitir uma maleabilidade existencial
do/a negro/a na sociedade. Se um homem negro ao andar na rua tem a sua frente alguém que o
olha com medo e muda de calçada, temos aí um alienado, se o negro se sente mal com isso,
temos dois.
Essa perda instaurada a partir do racismo remete a um ideal imagético que promove
sucessivos danos, cindindo e fragilizando o corpo negro diariamente, que passa a ser habitado
por uma espécie de duplo (Mbembe, 2014, p. 21). Segundo Souza (1893) “O negro acreditou
no conto, no mito, e passou a ver-se com os olhos e falar a linguagem do dominador.” (p. 30).
Ao ver-se de fora por lentes brancas o/a negro/a busca por incessantes tentativas alcançar os
ideais de brancura; nas políticas de alisamentos, nos pregadores nas narinas, o incessante
esfregar dos corpos “sujos” são alguns exemplos da luta constante do negro/a com o próprio
corpo tendo consequências horripilantes em sua subjetividade. O/A negro/a formado e soldado
como o diferente entram em uma dialética com a norma, e tentando fazer parte dela acaba
empobrecendo a sua própria identidade, segundo Neusa (1983) “O mito negro se constitui
rompendo uma das figuras características do mito – a identificação – e imponto a marca do
insólito, do diferente.” (p. 26). A produção da diferença sempre esbarra com a ordem da
impossibilidade de ser branco/a e diante disso existem duas opções; continuar tentando
alcançar, ou seja, negando a si mesmo ou esquecer a história desse ideal e buscar algo nas
origens, no próprio fruto do corpo. Nesse sentido, cada negro/a, um a um, se dadas às condições
possíveis, poderá formular uma resposta.
Frantz Fanon inicia o livro Pele Negra e Máscaras Brancas43 discutindo a dimensão-
para-o-outro, dimensão linguística visto que para Fanon (2008) “Falar é estar em condições de
empregar uma certa sintaxe, possuir a morfologia de tal ou qual língua, mas é sobretudo assumir
uma cultura, suportar o peso de uma civilização.” (p.50). Afirma categoricamente que o/a
negro/a estabelece um comportamento diferente em relação ao negro e ao branco e que isso
decorre da aventura colonial. A problemática linguística toma força na discursão racial nas
Antilhas e para Fanon (2008) “O negro antilhano será tanto mais branco, isto é, se aproximará
mais do homem verdadeiro na medida em que adotar a língua francesa.” (p. 34). O branco é
então representado a partir desse ideal linguístico, o martinicano aprende então a relegar o
crioulismo, o patoá e o petit-nègre. E para ele ser só lhes restar falar o francês resumido a partir
de um ditado destacado por Fanon (2009) “Na França se diz: falar como um livro. Na Martinica:
falar com um branco.” (p. 36). Essa exigência que se faz em uma constante tentativa de alcançar
o ideal linguístico branco é acreditar que ao se aproximar desse ideal será liberto, parte de um
todo. Para o negro como já dissemos, esse caminho é impossível, segundo Fanon (2008)
impossível justamente porque o/a negro/a é sobredeterminado “sou sobredeterminado pelo
43
Pele negra e máscaras brancas é obra de Frantz Fanon publicada em 1952, mas chega ao Brasil traduzido apenas
em 1963. É uma obra que inicia a discussão da negação social nas Antilhas e tece a relação patológica entre os
antilhanos e os franceses.
exterior. Não sou escravo da “ideia” que os outros fazem de mim, mas da minha aparição.”
351
(p.108). Não importa o quanto de dinheiro tenha na conta, ou as roupas caras que ele use ou até
mesmo se sabe pronunciar perfeitamente o francês, pode ser que um dia ao simples ato de pedir
um Uber, o seja negado esse serviço, unicamente por está condenado pela visão. Segundo
Mbembe (2014) “Para o racista, ver um negro é não ver que ele não está lá; que ele não existe;
que ele mais não é do que o ponto de fixação patológico de uma ausência de relação.” (p.66).
Essa ausência de relação é própria criação do outro como negro e do branco como eu e nessa
relação entre eu e outro, o negro está sempre colocado a existir como outro e nunca como eu,
se dizer nesse contexto faz-se necessário para que o/a negro/a possa ter um discurso sobre si
sem passar por um crivo branco, essa é a dificuldade.
Bolo se
352
mas que essa realidade é própria de uma condição na qual sempre estará instaurada uma perda,
um sentimento corporal inferior, um sentimento de não ser suficiente. Djonga (2018) destaca
em sua música “Pra eles nota seis é muito/ Pra nóis nota dez ainda é pouco.” Esse sentimento
de perda é instaurado pela própria constituição do ideal. Ao povo preto o local foi muito bem
circunscrito sendo marcado no próprio corpo como uma espécie de lembrete macabro que
coloca o/a negro/a em uma situação limítrofe com o corpo.
Esse segunda ontologia é onde reside à problemática do negro na qual ele não pôde
simplesmente ser. Isso se mostra nas duas obras de formas emblemáticas, sendo o Mito negro
tudo aquilo que é ruim, feio, sujo, quem gostaria de ser isso? Na dimensão-para-o-outro o
francês toma a frente de todas as outras línguas maternas,
O negro que entra na França muda porque, para ele, a metrópole representa o
Tabernáculo; muda não apenas porque de lá vieram Montesquieu, Rousseau e Voltaire,
mas porque é de lá que vêm os médicos, os chefes administrativos, os inúmeros
pequenos potentados — desde o sargento-chefe “quinze anos de serviço”, até o soldado-
raso oriundo da vila de Panissières. (FANON, 2008, p. 38).
Esse santuário no qual se refere Fanon (2008) é o próprio caminho da perdição, nele se
encontra a busca de um reconhecimento que permita o/a negro/a sair da condição alienante,
mas para quem é feito esse pedido? Senão, justamente para aquele que a promove desde o
início? A entrada nesse jogo dialético de Eu e Outro só causa para o negro a entrada em um
ciclo de apagamento.
Não deveríamos nos preocupar com o sujeito branco no colonialismo, mas sim com o
fato de o sujeito negro ser sempre forçado a desenvolver uma relação consigo mesma/o
através da presença alienante do “outro” branco. (Hall, 1996). Sempre colocado como
“Outra/o”, nunca como “Eu” (Hall apud Kilomba, 2019, p. 39).
So dayi
A identidade como processo principal na busca do negro por sua emancipação ocupa
353
lugar central na luta apesar das grandes dificuldades provenientes da condição específica do
Brasil por conta do embranquecimento, do morenismo, da democracia racial. Assumir a negrura
é um ponto nodal na luta e sobrevivência do/a negro/a de uma forma mais digna de existir,
possibilitando a saída da prisão entre Eu e Outro, Branco/a e Negro/a e buscando referências
próprias à negritude, encontrando ao seu redor, descolonizando o olhar e questionando tudo
aquilo que foi imposto e aceito. Com isso, o primeiro passo, segundo Munanga (2019), é a
“aceitação dos atributos físicos de sua negritude antes de atingir os atributos culturais, mentais,
intelectuais, morais e psicológicos, pois o corpo constitui a sede material de todos os aspectos
da identidade.” (p. 18). A partir dessa aceitação primordial dos traços, que não é dado de
maneira única e definitiva, mas sim os assimilando, percebendo que existem outros/outras com
os mesmos traços, identificando-se com os iguais, construindo uma identidade a partir das
referências possíveis. Só assim o povo preto poderá recuperar sua história. Quem por muito
tempo foi calado tem uma sede de gritar aos prantos toda voz engolida, assim, uma via de se
fazer voz é valorizando a própria fala. Falar é existir em uma posição, não falamos somente
com a boca quando delas saem palavras, mas também nos escritos, em nossos atos, no gesto
mais sutil de um olhar. A necessidade vital de fala do povo preto é devido ao processo de
escravização caracterizado pela máscara do silenciamento.
Oficialmente, a máscara era usada pelos senhores brancos para evitar que africanas/os
escravizadas/os comessem cana-de-açúcar ou cacau enquanto trabalhavam nas
plantações, mas sua principal função era implementar um senso de mudez e de medo,
visto que a boca era um lugar de silenciamento e de tortura. Nesse sentido, a máscara
representa o colonialismo como um todo. Ela simboliza políticas sádicas de conquista
e dominação e seus regimes brutais de silenciamento das/os chamadas/os “Outras/os”:
Quem pode falar? O que acontece quando falamos? E sobre o que podemos falar?
(Kilomba, 2019, p. 33).
Falar é poder contar uma história, construí-la com autoria e resgatar o que ficou perdido,
o elo, a ligação. Restaurar o fio contínuo é cuida-lo, perceber que durante sua vida foi dirigido
um ódio ao corpo, seu simples ato de existir foi negado. Munir-se com o saber sobre a história
de suas heranças é uma resposta ao que pretende calar, invisibilizar ou tornar branco. É a revolta
contra a máscara que expropria o/a negro/a do próprio corpo, contra a mentira colonizadora,
contra a brancura como padrão de um destino único. Cada um à sua maneira poderá construir
essa história, mas para que essa construção torne-se palpável é necessária à escansão das
discursões sobre negritude procurando dar mínimas condições para outros/as com o contato
com esse debate e a partir disso questionar a própria vivência, só assim poderemos fortalecer
nossos corpos, reconhecer a violência empreendida e lutar contra, criando mecanismos mais
fortes e efetivos para insurgir contra a violência cotidiana que nunca deixou de existir no Brasil.
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355
ENTRE EPISTEMICÍDIO E NECROPOLÍTICA
1 Introdução
“Um dia o coronelzinho, que já sabia ler, ficou curioso para ver se
negro aprendia sinais, as letras de branco, . . . Quando sinhô-moço
certificou-se de que negro aprendia, parou a brincadeira. Negro
aprendia sim! Mas o que o negro ia fazer com o saber do branco? O
pai de Ponciá Vicêncio, em matéria de livros e letras, nunca foi além
daquele saber.” (Evaristo, 2017, p. 17-18).
Através da história oficial, a que nos é contada não só pelos livros didáticos, mas
também por todo o imaginário ocidental e colonial, apenas um sujeito se constituiu como
possível de conhecer e de produzir conhecimento, o sujeito branco. Ao indivíduo negro, assim
como para o pai de Ponciá Vicêncio, personagem da escritora brasileira Conceição Evaristo, é
destinado o lugar de silêncio, do não conhecimento e da não possibilidade de produzir um saber
válido e reconhecível. Esse processo se dá tanto pela restrição do acesso de pessoas negras às
instituições de produção de conhecimento, quanto pelo sistemático, estrutural e perverso
apagamento de narrativas e epistemes que se distanciam, geográfica e epistemologicamente, do
eixo ocidental-branco-masculino.
No presente ensaio teórico, pretendemos articular as noções de epistemicídio, termo
buscado por Sueli Carneiro (2005) na obra de Boaventura Sousa Santos (1995), com o conceito
de necropolítica, desenvolvido pelo pensador camaronês Achille Mbembe em seu, já clássico,
artigo homônimo (Mbembe, 2017). Buscamos explicitar, através do argumento de Ramón
Grosfoguel (2016), como historicamente, principalmente durante o século XVI, a aventura
colonial esteve intimamente atrelada a essas duas dimensões da dominação: o extermínio do
corpo e o extermínio do saber e da cultura.
Por fim, seguindo pelo caminho aberto e trilhado por diversas/os autoras/es como Grada
Kilomba, bell hooks e Sueli Carneiro, vislumbraremos outras linguagens, imagens, táticas e
afetos possíveis ante a necessidade de construir novas vozes e escritas de enfrentamento e vida.
2 Desenvolvimento
44
Frase proferida por Rodrigo Lopes (@bichaantirracista) no encontro inaugural do Grupo de Estudos
Decoloniais, promovido pelo Programa de Educação Tutorial da Comunicação da Universidade Federal do Ceará,
no semestre 2020.1.
“. . . quem pode construir verdades e como estas verdades são
356
produzidas[?].” (Lino, 2014, p. 149).
Porém, segundo o autor, ainda existe uma ligação necessária entre o Ego cogito e o Ego
conquiro, o Ego extermino.
O que conecta o “conquisto, logo existo” (Ego conquiro) com o idolátrico “penso, logo
existo” (Ego cogito) é o racismo/sexismo epistêmico produzido pelo “extermino, logo
existo” (Ego extermino). É a lógica conjunta do genocídio/epistemicídio que serve de
mediação entre o “conquisto” e o racismo/sexismo epistêmico do “penso” como novo
fundamento do conhecimento do mundo moderno e colonial. O Ego extermino é a
357
condição sócio-histórica estrutural que faz possível a conexão entre o Ego conquiro e o
Ego cogito. (Grosfoguel, 2016, pp. 30-31).
Tal posição de objetificação que comumente ocupamos, esse lugar de “Outridade” não
indica, como se acredita, uma falta de resistência ou interesse, mas sim a falta de acesso
à representação, sofrida pela comunidade negra. Não é que nós não tenhamos falado, o
fato é que nossas vozes, graças a um sistema racista, têm sido sistematicamente
358
desqualificadas, consideradas conhecimento inválido; ou então representadas por
pessoas bancas que, ironicamente, tornam-se “especialistas” em nossa cultura, e mesmo
em nós. (Kilomba, 2019, p. 51).
45
Entendemos como conhecimento, filosofia e/ou cosmovisão afrocentrada, não só as produções de corpos
residentes no continente africano, mas também de corpos afrodiaspóricos.
novas possibilidades de vivenciar o corpo. Por extensão, o mesmo movimento pode ser pensado
359
a relação anteriormente citada. Matar a mente, a memória, o conhecimento e os saberes de um
povo é também uma forma de matar, literalmente, esse mesmo povo. Ao se matar o
conhecimento, enclausurar mentes e corações, nas palavras de Sueli Carneiro (2005), se mata
o corpo pois não existe essa separação moderna e cartesiana. Se são criados zonas de morte
epistêmicas, também são criadas zonas de morte corporais.
O conhecimento euro-branco-centrado é insuficiente diante das demandas específicas
das populações negra e/ou tradicionais, insuficiente e muitas vezes seletivamente perverso. Tal
perversidade, que atualiza as práticas coloniais cotidianamente, podem ser exemplificadas pela
negação do Estado em oferecer políticas públicas adequadas e reparadoras à populações
específicas, pela estratégia de guerra conhecida como segurança pública e pela sistemática
negação do acesso à educação juntamente com a invalidação acadêmica dos poucos que
conseguem adentrar nos espaços hegemônicos de produção.
Mas a tarefa ultrapassa esse âmbito. Kilomba (2019, p. 235-238), nos convoca à uma
descolonização do ser, rumo à construção de um sujeito possível que se distancie do ideal
ocidental, branco e hétero. Para isso, nos apresenta cinco mecanismos de defesa do ego que são
atravessados nesse processo. O primeiro, a negação, ocorre quando um evento é admitido
conscientemente pelo negativo, por exemplo, quando a própria vítima rejeita a possibilidade de
ter sofrido racismo. O segundo é a frustação que ocorre quando o sujeito negro se depara com
a impossibilidade de reconhecimento dentro de um universo “brancocêntrico”. O terceiro
mecanismo, a ambivalência, onde o sujeito negro experimenta sentimentos ambivalentes frente
ao sujeito branco. Já no quarto momento ocorre a identificação, onde já existe uma
360
possibilidade de uma identificação positiva por parte do negro para com outros negros, por meio
da cultura e da ancestralidade, por exemplo. No quinto e último mecanismo, temos a
descolonização propriamente dita onde eu não é mais o Outro radical. Aqui é experimentada a
condição de sujeito.
Mas não se trata de escolher qual forma trilharei meu “caminho para a descolonização”.
Trata de reunir o maior número de estratégias possível para o giro, de montar uma máquina de
guerra, para usar os termos de Deleuze e Guatarri (2004). Como unir academia e experiência?
Como aproximar ciência e ancestralidade? De que forma podemos produzir novas éticas dentro
de um sistema fadado ao fracasso? Como antecipar o fim do mundo moderno e brancocentrado?
Convocando mais uma vez o potente pensamento de bell hooks, podemos considerar
um tornar-se sujeito por meio da escrita, da apropriação da língua e da ocupação de lugares de
produção de conhecimento. A autora se coloca como aquela que escreve da margem, o que
significa participar de um todo, mas ser relegado à uma posição fora do centro (Hermes & Silva,
2018). Transgredir a margem seria o dever ético de quem a ocupa, produzindo outras estéticas
literárias, outras formas de pensar, outras epistemologias que sejam necessariamente contra
hegemônicas. Junto a esse movimento, ocorre a negação da posição de objeto pelo negro. A
partir disto seria possível quebrar o ciclo de silenciamento e falar por si, enquanto sujeito,
escritor, pesquisador, etc. Para hooks, assim como para Anzáldua, pensadora chicana, e Spivak
“A escrita é . . . a luta pelo direito à fala pública.” (Lino, 2014, p. 146). A partir desta
perspectiva, entende-se a escrita, seja ela literária ou científica, como produtora de discursos
dissonantes, de estratégias sorrateiras, porém eficazes, de resistência e enfrentamento.
3 Conclusão
Neste breve escrito, tentamos traçar as ligações possíveis entre dois conceitos muito
populares nos estudos anticoloniais atualmente, necropolítica e epistemicídio. Para isso me
utilizo, principalmente, do argumento desenvolvido por Ramón Grosfoguel para evidenciar a
estrutura da produção conhecimento ocidental que, segundo o autor, só é possível graças ao
extermínio de povos e epistemes que aconteceram concomitantemente ao crescimento da
filosofia moderna, representada principalmente por Descartes. Posteriormente, apoiados em
pensadoras(es) como Grada Kilomba, bell hooks, Gloria Anzaldúa, Sueli Carneiro, Mbembe,
dentre outras, atualizamos as compreensões do zoneamento do conhecimento científico e os
dispositivos coloniais e hegemônicos que contribuem para a subjugação de conhecimentos
produzidos por sujeitos negros como um saber menor, indigno de status científico. Por fim,
361
trazemos a escrita e sua urgência como possibilidade de apropriação dos espaços do centro para
uma produção científica e literária voltada aos sujeitos, uma escrita contra hegemônica e
emancipatória produzida por corpos negros e dissidentes.
Escrevemos como Akotirene (2019), alinhado à esquerda e sem recuo na ancestralidade.
Este texto fala muito de uma empreitada que é pessoal, mas muito mais coletiva, que vem sendo
realizada à muitas mãos, por isso o plural empregado. Como estudante negro, homossexual e
pobre, num curso majoritariamente e prioritariamente branco, se faz necessário,
cotidianamente, criar espaços epistêmicos onde minhas vivências e muitas outras caibam nos
nossos conhecimentos. É também por meio da escrita que resistimos e criamos estes espaços.
Por meio dela, conseguimos nos reconhecer como sujeitos e preparamos terreno para os que
estão ao nosso lado. Produzimos, junto aos nossos, novos espaços de conhecimento e minamos
outros. Trilhamos os caminhos urgentes para o fim do mundo branco. Engolimos os castelos
teóricos construídos sobre a areia e nesta mesma, desenhamos novos saberes dissidentes e
ancestrais.
Referências
362
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A IMPORTÂNCIA DA AUTONOMIA PARA O JOVEM PÓS
363
INSTITUCIONALIZADO
1. Introdução
364
taxa de consumo de drogas.
A partir desses dados, também fica evidente uma relação entre a escolaridade e o
trabalho com a criminalidade desses jovens que saem de instituições socioeducativas ou de
reclusão. Pode-se observar que se não há um desenvolvimento de autonomia desses jovens
dentro dessas instituições, logo a chance deles voltarem para as mesmas ou não encontrarem
“espaço social” é grande. As instituições que tentam “reinserir” o jovem na sociedade em países
como o Brasil parecem fazer isso da mesma forma que no sistema prisional, apenas punindo e
fazendo ele esperar anos ali dentro sem lhe dar perspectivas de ingressar e desenvolver-se de
forma autônoma quando sair dali.
O trabalho procura demonstrar quais são os aspectos que relacionam a autonomia do
jovem institucionalizado com a sua volta à criminalidade, além de traçar um paralelo sobre o
desenvolvimento dessa autonomia e os seus direitos dentro das instituições brasileiras. A
compreensão da exclusão e aceitação social como importantes no processo de pós-
institucionalização também é trabalhado no decorrer da discussão, como também o que se refere
à autoestima dos jovens institucionalizados.
2. Desenvolvimento
365
constituem um grupo socialmente vulnerável e desfavorecido, mais precisamente no que se
refere à desenvolvimento social, educação e saúde. A autonomia de vida não é em si a primeira
opção definida da institucionalização em termos de projeto para quem vive lá. Ainda
salientando o pensamento de Pires, torna-se significativo desenvolver condições para
implementar autonomia em jovens institucionalizados, pois verifica-se que a população
institucionalizada é composta por adolescentes que apresentam poucas hipóteses de voltarem à
família de origem.
Embora as instituições ainda sejam tidas como o principal meio para cuidados de
crianças e jovens, nem todos os autores as consideram como ambientes adequados para o
acolhimento, pois dificilmente as instituições conseguem proporcionar um ambiente estável e
seguro. O ambiente vivido nas instituições não é adequado para o desenvolvimento, no entanto,
sabe-se que é possível mudar as características das instituições, uma vez que mantêm seu papel
de importância como saída para aqueles que vivem em situação vulnerável e desesperadora,
sendo em muitas vezes a única opção (Silva, 2011).
Estudos referem que existe ligação entre o desenvolvimento da autonomia, o nível de
autoestima e o bem-estar psíquico, no sentido em que, “quando proporcionado o
desenvolvimento da autonomia, mais elevada é a autoestima e menos são os comportamentos
depressivos” (Sousa, 2015). A partir do pensamento de autoestima ligado a autonomia, é
importante citar também que não é porque um jovem está numa instituição que ele não sofre
violências físicas e morais, em países da américa latina, como salienta levantamento da ONU
(2015), já se fala em direitos violados dentro das instituições.
Casas de Acolhimento quando acolhem uma criança ou jovem têm como dever a
promoção da sua socialização diante da sociedade. Porém, ao decorrer dos últimos anos, elas
têm se deparado com vários problemas relacionados à sua autonomização (Rodrigues, 2016).
O propósito do acolhimento é resguardar os direitos da criança, proporcionando
possibilidades de progresso e de bem-estar que não são garantidos quando elas estão inseridas
no âmbito familiar, contudo, o processo pode desencadear várias implicações na vida destas
crianças, por elas já se encontrarem em um momento de vulnerabilidade emocional (Alberto,
2002). A inserção em um ambiente desconhecido, manifesto por sentimentos maléficos (raiva,
frustração, tristeza e, muitas vezes, um sentimento intenso de culpa e necessidade de retomar o
ambiente perdido) (Amado et al., 2003).
A escassez de funcionários especializados é também, um dos fatores que contribuem
para esse agravo, pois muitos não possuem atributos necessários para lidar com as necessidades
destas crianças e jovens (Delgado, 2006). De acordo com Mota e Matos (2010), o grupo de
pares dentro do instituto pode ser considerado com um fator importante de apoio e
compreensão, agindo como exemplos significativos na estruturação emocional dos mesmos,
otimizando o exercício de habilidades como resolução de conflitos, de autocontrole e de
manutenção da proximidade relacional. O valor das relações interpessoais que se vão
instituindo entre os sujeitos institucionalizados, seus pares e alguns funcionários, o laço de
amizade, união, partilha, identificação com o grupo, o ambiente familiar decorrente da interação
destes, constituí para a grande maioria destes indivíduos um aspecto hegemônico para uma
melhor adaptação à instituição (Rodrigues, 2016).
O momento em que as jovens atingem sua maioridade e cessam a vivência nas
instituições, é um período de grandes mudanças, pois é neste período que eles iniciam a sua
autonomização. Porém, é também um momento de novas mudanças e adaptações, que é
absorvido de diferentes maneiras pelos sujeitos, pois vai depender muito das experiências
vividas durante o processo, tanto no contexto institucional, como no contexto pós- institucional.
366
A autonomização desses jovens é de total responsabilidade das instituições de acolhimento
(Rodrigues, 2016).
Segundo Leandro et al., (2006) autonomia quer dizer, envolver-se, governar-se a si
próprio, sustentar as suas próprias decisões, apresentar-se como sujeito atuante, projetar o seu
próprio caminho, é ser um cidadão independente e arquiteto da sua vida. A autonomia
desempenha um papel fundamental na independência do jovem, pois é com base nela que o
jovem vai se constituir na sociedade (Sousa, 2015). Portanto, se durante o acolhimento destes
jovens a autonomia não for ocasionada, no período que antecede o fim do acolhimento, os
sentimentos de insegurança e incapacidade de seguirem seus planos e objetivos para o futuro
começam a surgir. (Leandro et al., 2006). Portanto, o acolhimento institucional deve ajudar as
crianças e jovens a superar a sua batalha interior e proporcionar-lhes uma adaptação positiva e
resiliente, centrando-se na reconstrução das suas identidades, aumento da autoestima e do
autoconceito.
Por quê educar dentro das instituições? Pode parecer clichê, porém mais do que funções
ligadas ao trabalho profissionalizante, como vem acontecendo no Brasil (de forma ainda
mínima) recentemente nas instituições, é necessário que o jovem tente conseguir sua autonomia
também através do conhecimento, até porque esse dá um conjunto mais vasto de opções para o
mesmo. A Educação pode ser considerada como o alicerce da justiça social, ou seja, igualdade
de oportunidades para todos e o status definido pelos valores reais que cada um sabe
desenvolver para o bem comum. Todas as pessoas são responsáveis, cada uma no âmbito de
suas possibilidades, pela realização de estruturas sociais, que permitem a todos os membros de
uma comunidade atingir níveis de vida compatíveis com sua dignidade (Teixeira, 2002). Se a
própria constituição brasileira considera como obrigatório a educação para todos (art. 205,
constituição de 1988: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”) então
porque sempre foi e continua sendo negligenciada nas instituições socioeducativas e de
reclusão?
É da responsabilidade do Estado, a criação de condições que permitam garantir a
universalização da educação básica de qualidade e a promoção do sucesso educativo de todos
os alunos, particularmente, das crianças e dos jovens que se encontram em situação de risco de
exclusão escolar ou dentro de instituições de reclusão. É neste panorama, que Almeida levanta
a seguinte questão: “poderemos continuar a acreditar na igualdade de oportunidades para todas
as crianças e para todos os jovens? Ou pelo contrário, devemos render-nos à evidência de que
a escola continua a visar apenas a seleção e a formação de classes sociais ou a reprodução de
um modelo social?” (Almeida, 2009).
Segundo Sidman (1995), a punição apenas ensina o que não fazer, assim, não se sabe
quais seriam as decorrências da utilização da mesma. A punição tem por objetivo diminuir a
emissão de uma resposta indesejável. Encarcera-se um criminoso a fim de que ele pare com a
emissão de respostas que causam danos à sociedade, ou seja, respostas criminosas, pune-se para
que ele não mais viole as leis e a sociedade. Ocorre que normalmente os jovens que cometem
crimes são apenas "arrancados" da sociedade, não lhe ensinam o modo correto de agir, esperam
que a punição e tempo sirva como principal meio para “melhorá-lo”, e logo depois ele é liberado
para o âmbito social.
O estudo de Arpini (2003), com adolescentes institucionalizados, demonstra como a
juventude acolhida é também percebida como problemática, marginal, carente, abandonada e
pouco qualificada. Outras percepções vinculadas à pobreza, à solidão, à tristeza, à aparência
367
mal cuidada e ao comportamento hostil também estão presentes. Os jovens acolhidos que
recebem estes rótulos referem dificuldades de integração e sentimentos de exclusão em
contextos externos às instituições, como a escola, por exemplo (Calheiros, 2014).
Opções como realizar métodos avaliativos para saber níveis de escolaridade dos jovens
reclusos, e assim preparar um “caminho educativo” para aquele jovem durante todo o seu tempo
na instituição, é importante colocar que muitos jovens são reclusos e muitas vezes nem sabem
qual a série escolar que pararam de estudar. Os métodos de ensino, quando incluídos em uma
instituição, podem trabalhar em conjunto sem atrapalhar em outras atividades socioeducativas,
é o que já acontece em países como Suécia, Holanda e até latino americanos, no caso do Chile
e Uruguai (Almeida, 2009).
É imprescindível preparar os jovens institucionalizados para viver autonomamente.
Nesse sentido a profissionalização se caracteriza como meio de preparação destes jovens para
o mercado de trabalho e consequente aprendizado para que após sair da instituição possam
manter sua própria vida (Hoffmann, 2008). Os programas do governo (Pro Jovem, Jovem
Aprendiz) destinados à juventude são exemplos desses processos profissionalizantes que
formam caminhos para que os jovens possam trilhar com autonomia, desenvolvendo
habilidades e adquirindo novos conhecimentos. As parcerias com instituições privadas e as
bolsas de estudos também podem ser outro meio de garantir a inserção do jovem no mercado
de trabalho e seu crescimento profissional e pessoal.
Outras formas de autonomia ocorrem dentro da própria instituição, quando os jovens
são responsáveis pela sua saúde, situação financeira e gestão doméstica, todos esses processos
supervisionados pela equipe técnica da instituição. Para Veloso (2014, p.30) essas intervenções
na instituição, podem ser facilitadoras no desenvolvimento da autonomia onde “os adolescentes
possam tomar as suas próprias decisões e assumir as responsabilidades que lhes foram
atribuídas; na organização da rotina da instituição, transmitindo assim ao jovem um sentido de
ordem e previsibilidade”.
Existem programas que são desenvolvidos na comunidade, por exemplo, os
Apartamentos de Autonomização. Nesses espaços vivem grupos de jovens, que são
acompanhados pela supervisão técnica, os apartamentos estão inseridos dentro da comunidade
e tem objetivo de fazer com que os jovens adquiram competências de vida e conhecimentos
para integrar na sociedade. São os jovens que assumem a responsabilidade e organização do
espaço como afirma Veloso (2014).
É indispensável que ocorra na instituição o maior número de possibilidades para que os
jovens visualizem o contato com a comunidade de forma positiva, com recursos disponíveis e
amplas relações sociais (Maragel & Minetto, 2007). Certos de que tenham direitos e deveres na
sociedade e sendo preparados gradativamente para o desligamento institucional e com
autonomia.
3. Conclusão
368
que passam por instituições de acolhimento, verifica-se que há representações particulares que
foram sendo histórica e socialmente construídas e, hoje, fazem parte do imaginário social. Há
também a forte questão de que as instituições de acolhimento e reclusão, principalmente em
países subdesenvolvidos, ainda estão longe de atingir níveis bons de fornecimento de educação
adequada e respectivamente autonomia para esses jovens.
Autonomia que deve ocorrer dentro das instituições em um processo de aprendizagem,
para que os jovens possam compreender seu significado e conseguir aplicar no cotidiano. Esse
processo deve ser mediado e supervisionado pela equipe técnica das instituições, como garantia
da sua efetiva realização e entendimento, seja por tarefas dentro das instituições ou programas
externos.
A tomada de autonomia torna o jovem capaz de pensar criticamente sobre suas ações e
escolhas futuras. Apresentar possiblidades de tarefas que trabalhem a autonomia dos jovens,
faz com que eles tenham contato com a realidade e compreendam seu lugar e papel na
sociedade.
Referências
369
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FAMÍLIAS INTER-RACIAIS E O PROCESSO DE ADOÇÃO: VÍNCULOS
371
AFETIVOS MEDIADOS PELA COR
Introdução
372
Trata-se de uma pesquisa de revisão bibliográfica do tipo narrativa, onde buscou-se na
literatura científica brasileira, produções que abordassem a temática do racismo estrutural
relacionada aos processos de adoção e vinculados principalmente a famílias inter-raciais. Ainda
como material para auxiliar na pesquisa, fez-se uma busca dos dados fornecidos por instituições
públicas, que ajudassem a compreender as dinâmicas e o processo de adoção no contexto
brasileiro.
Desenvolvimento
373
Paralelamente, salienta-se primeiramente o conceito de famílias inter-raciais,
considerado por Schucman (2018) como um casal em que um dos cônjuges é considerado
socialmente branco e o outro negro e apresentam com filhos gerados. Dentro dessa instituição
social básica, notou-se a tendência de uma configuração familiar formada por homens não
brancos casados com mulheres brancas, ou por mulheres não-brancas que tiveram filhos com
homens brancos, não estando necessariamente (na maioria dos casos) casadas, estruturação que
pode ser explicada por um conjunto de ideologias, sendo elas a do embranquecimento, a do
machismo e a do patriarcado. Para Fanon (2008), nas relações inter-raciais, o negro tem como
objetivo, e destino, ser branco, embranquecer sua prole se dedicando a se apossar da condição
de ser humano.
A priori, resgata-se a definição de socialização apresentado por Berger e Luckman
(2004), na qual a inserção do sujeito na esfera social é mediada por instituições, sendo
geralmente a família como primeira e, portanto, agente que modela a identificação do indivíduo,
a partir da forma como ela entende o mundo. Nesse ínterim, evidencia-se o papel relevante
desempenhado pela família como primeira fonte de referência na construção da identidade da
criança. Sendo assim, esse ambiente é considerado o primeiro espaço responsável por transmitir
as crenças e os limites a respeito dos grupos sociais.
Desse modo, o racismo gerado e sofrido na família, reproduzido nos vínculos afetivos e
às vezes camuflado como brincadeiras ou mesmo externado de forma explícita, condicionam e
introjetam no sujeito negro uma percepção depreciativa de si mesmo. Há um fato dicotômico e
paradoxal no casal inter-racial e até mesmo na família mais ampliada: a capacidade de brancos
casarem-se ou terem filhos com não brancos e ao mesmo tempo legitimar o racismo dentro de
casa para com seus filhos. Como contraponto à ideologia da supremacia racial, pela qual a raça
define tudo, a posição da cegueira racial aposta na premissa de que a raça não diferencia, não
diz nada moralmente, intelectualmente e socialmente importante sobre uma pessoa” (Glass,
2012). Dessa forma, conclui-se que o membro não branco da família ora desconsidera as
hierarquias raciais, ora valida-as.
Em suma, Schucman (2018) traz duas particularidades fundamentais no processo de
racismo intrafamiliar: I) a negação por parte dos genitores da negritude do filho, utilizando-se
de outras nomenclaturas para classificá-los e para embranquecê-los, como moreno, mulato,
pardo ou cor de jambo, pois se identificar como negro carregaria um status de inferioridade.
Nessa situação, verifica-se a capacidade de negar a especificidade do outro, tentando apagar
traços negros característicos, como afirma Schucman (2018): “é este corpo negro, que, para
atingir o ideal branco, sofre querendo tomar banho de cândida, desfazendo as tranças e afinando
o nariz” (pág. 44). Dessa forma, constata-se como essas micro agressões afetam a aceitação e a
identificação desse corpo não branco, gerando um afastamento na possibilidade de
desconstrução dos estereótipos vinculados aos negros.
Há um arranjo familiar em que os membros brancos da família são explicitamente
racistas, fato perceptível desde em canções de ninar até na associação com animal, como
macaco, ou em brincadeiras racializadas. Nesse cenário, Schucman (2018) aponta que “se
constitui como negro odiando a si mesmo, bem como odiando aquele outro de quem ela herdou
o fenótipo negro”. A violência direcionada a esse corpo não branco impede de, no próprio seio
familiar, encontrar um espaço de acolhimento, de proteção e de amor com seus parentes. Nesse
sentido, esse filho vivencia o que Veiga (2018) chama de “afeto-diáspora”, sensação de não-
pertencimento, de não-lugar, de estar fora de casa, fora da possibilidade se ser integrado e
374
acolhido, vivendo a sensação de um sequestrado com o cativeiro.
Sob o mesmo ponto de vista, refletiu-se que, principalmente no ambiente familiar, a
educação e as relações devem ser intermediadas a favor de uma ressignificação da negritude,
pois é um local no qual devem originar-se as primeiras orientações e discussões acerca do
enfrentamento das questões raciais e de um letramento étnico-racial, que proporcionará um
reconhecimento positivo desse corpo negro.
375
institucionalizado, velado e dos mais diversos tipos, há sim a efetivação de adoção de crianças
negras. Entretanto, mesmo ao atingir o objetivo final do processo de adoção, não se assegura
que as relações e o desenvolvimento dessa criança na sua nova ou muitas vezes primeira família,
não será atravessado pelo racismo, mesmo que este venha daquelas pessoas que deveriam lhe
prover afeto e cuidado (Almeida, 2018; Moreira, 2019).
Schucman (2018) afirma que em famílias inter-raciais, principalmente aquelas com
filhos adotados, o racismo se faz presente através de uma mediação pelo afeto. Esse tipo de
relação é denominada na literatura como “Racismo de Intimidade”. Em conjunto, outros
pesquisadores colocam que a família é uma das principais referências de apoio para a criança
que sofre com racismo, e se a família se encontrar nessa estrutura de racismo de intimidade,
isso terá consequências futuras negativas para a criança (Barboza, 2017).
Em síntese, já se tem por parte de alguns pesquisadores e juristas, a divulgação e
conhecimento de que os interessados em adotar devem se desapegar da questão racial como
critério para preferência na hora de adotar (Brito, 2018; Belloni, 2017; Abud et al., 2017). ”
Magnoli (2009) aponta que não se pode idealizar e querer que todas as crianças disponíveis
para adoção sejam as brancas abaixo de 3 anos, o povo brasileiro precisa trabalhar seu racismo
intrínseco e ter bom senso. Até porque, em um país em que em torno de 75% da população
extremamente pobre é negra (Caleiro, 2016), a maioria das crianças vulnerabilizadas por
condições socioeconômicas e, portanto, disponíveis para adoção serão também negras.
Dessa forma, frequentemente há quem diga que o fato de o menor não ser adotado por
conta de sua raça abre caminho para ir contra ao que consta na legislação já e é assegurado
constitucionalmente: a igualdade de todos perante a lei (artigo 5, Carta Magna). Além do mais,
a possibilidade da adoção baseada no critério de raça e cor traduz e mantém os mais diversos
tipos de racismo na nossa sociedade, dificultando a possibilidade de construir-se uma família
multirracial que produza afeto e cuidado entre si como qualquer outra (Terto, 2017; Mori,
2019).
376
apresentam uma taxa de prevalência de 9,1 % para TEPT versus 6,8% em brancos, indicando
uma notável disparidade de saúde mental entre esses grupos. Diante desse cenário, reflete-se
sobre a necessidade de considerar a complexidade da violência racial, visto que essa é
experimentada diariamente, em todas as esferas sociais, na forma de micro agressões ou de
discriminações explícitas. Ademais, há a necessidade de formar profissionais da saúde mental
mais capacitados para analisar as situações dos pacientes relacionadas ao racismo,
possibilitando, assim, diagnósticos e intervenções mais resolutivas e assertivas.
Diante do que foi proposto, ficam explícitas as evidências de como o racismo pode afetar
a saúde psicossocial do indivíduo. Em virtude disso, apesar do debate sobre racismo ainda ser
pouco discutido em alguns contextos no Brasil, o Estatuto da Igualdade Racial e a Política
Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), de 2010, preveem a redução das
desigualdades étnicas em instituições e serviços como o SUS, além do reconhecimento do
racismo institucional como um determinante social das condições de saúde das pessoas (Brasil,
2010).
Conclusão
377
da zona de silenciamento, esse sofrimento psicossocial deve ser coletivizado, tornando-se
fundamental fazer intervenções frente aos pais, promover protagonismo e representatividade
para esses sujeitos negros, que auxiliará em um processo de identificação positiva frente às suas
singularidades. Dessa forma, desconstrói-se as barreiras científicas e sociais que estigmatizam
esse grupo racial e as ressignifica.
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RACISMO COTIDIANO: IMPLICAÇÕES DE UMA PESQUISA SOBRE A
380
PERCEPÇÃO DO RACISMO
1 Introdução
Abordar sobre o racismo pode parecer redundante para alguns, mas é preciso pontuar
que toda e qualquer (in)formação é essencial em uma sociedade na qual os avanços gradativos
da luta do povo negro em busca de seus direitos ainda são considerados tímidos e/ou
inexpressivos frente as práticas racistas veladas (ou não) da população – a própria perspectiva
do Mito da Democracia Racial, explicitada por Nascimento (1978)46, é exemplo do
sabotamento da população negra.
Schwarcz (2001) aponta que a negação do racismo no cotidiano brasileiro é pautada em
ações que, em sua maioria, são racistas de formas concretas e inegáveis e é necessário expor
seus mecanismos e como estes afetam as pessoas no seu cotidiano – o embranquecimento dos
negros através do alisamento capilar, por exemplo (Kilomba, 2019). Para Almeida (2018) essas
situações não são isoladas, mas sim pautadas em práticas culturais que consolidaram o que se
chama na atualidade de Racismo Estrutural.
Vale destacar que o racismo ocorre independente da (auto)identificação do sujeito
(Ribeiro, 2018), pois o modo como se instalou tal fenômeno não é justificado somente pela
existência do período escravocrata, mas sim por uma série de práticas perpetuadas por pessoas
com poder sobre a população negra. Assim, dentre outros mecanismos do colonialismo, o
racismo é o mais eficaz no que se refere ao modo de contenção de sujeitos em suas respectivas
classes, pois como aponta Nkrumah (1977) esse mecanismo é, acima de tudo, uma consolidação
da condição de subserviência do negro.
Fanon (2008) descata que os hábitos dos brancos já foram apontados como algo natural
e almejado por todos os negros colonizados, pois significava para eles possuir ascensão
financeira e respaldo social (logo, quanto mais eles se distanciassem da cultura nativa, mais se
tornavam aceitáveis socialmente) e nesses termos, segundo Mignolo (2008), observa-se que o
processo de colonização não ocorreu somente mediante violências físicas cometidas no período
colonial, mas também (e principalmente) através do esfacelamento do psíquico dos povos
escravizados, sob a perspectiva da Colonialidade de Poder, pois as práticas intituladas pelos
46
Com o propósito de manter os afrodescentes em condições passivas, disseminou-se no Brasil a ideia de que
existia um país igual para todos, objetivando, assim, convencer a população negra de que a suposta igualdade com
a população branca, por si só, já era uma conquista. Essa disseminação negligenciou as questões raciais e ainda
prejudica o acesso do povo negro a direitos humanos, pois o isolamento das ações de racismo proporciona(va) o
protelar da luta por melhorias e benefícios para o povo negro (Silva & Silveiro, 2003);
europeus como civilizadas consolidaram-se como legítimas e as nativas foram execradas frente
381
ao novo modo de vida.
Para Quijano (2005) é necessário um resgate sócioidentitário dos valores outrora
execrados pela cultura europeia e que se perderam por não consolidações e registros (o que se
denomina espitemicídio47) e essa perspectiva o autor denomina de decolonialidade, que na sua
essência aponta que a exclusão da cultura dos povos escravizados não é sinônimo de não
existência. Essa necessidade de resgaste é sustentada por Nascimento (1978) e é a base para o
que o autor chama de lugar de fala, pois somente o povo negro pode falar sobre si e é ingênuo
acreditar que outras pessoas vivenciem esses interesses (Fanon, 2008).
Somente assim questões que envolvem ações afirmativas para a população negra
(reivindicação) poderão ser evidenciadas (debates, pautas específicas e identificação de
necessidades) e o povo negro ficará mais próximo de seus direitos (Nascimento, 1978). Quijano
(2005) aponta que mesmo o modo como se apresenta a cultura (e em especial a cultura
acadêmica) é pautada no cerne europeu (autores e obras são, normalmente, vinculados à
Europa), reforçando, assim, o eurocentrismo.
Infelizmente autores do protagonismo negro são ainda pouco conhecidos (Sueli
Carneiro, Angela Davis e Bell Hooks, por exemplo) e o protagonismo feminino da mulher negra
ainda mais, pois o modo como a figura feminina é vista na sociedade ainda é moldada em
padrões arcaicos e com o apadrinhamento de um sistema patriarcal e misógino. Assim, ainda é
muito comum que a mulher negra vivencie uma negação plural envolvendo ações sociais de
direito, até mesmo pela perspectiva do movimento feminista, que tende a desconsiderar a pauta
negra dentro do movimento (Ribeiro, 2018).
Todavia, outrora as questões da mulher negra, nos primórdios do movimento feminista,
eram impedidas pela perspectiva da mulher branca e a justificativa era pautada na criação do
movimento: o empoderamento das mulheres frente ao esfacelamento dos comportamentos
machista. Quando finalmente as mulheres brancas conseguiram visibilidade, ocorreu uma
perpetuação do sistema patriarcal no que concerne a mulher negra, mas agora a mulher branca
era parte integrante dessa sociedade (Hooks, 2015).
Assim, quando se fala em conhecer os mecanismos da Colonialiade do Poder (Mignolo,
2008) é necessário não só conhecer os anseios, mas sim elencar o modo como os benefícios
fortalecerão as ações frente às questões raciais (principalmente na atualidade), pois o modo
como o racismo age precisa ser esmiuçado e conhecer relatos e pensamentos acerca de tal
temática (com pensadores como: Kanbelle Munanga, Grada Kilomba, Djamila Ribeiro, etc...)
aponta como são necessários fortalecimentos frente à situação o povo negro.
A partir do exposto, o objetivo desse trabalho foi evidenciar como o racismo cotidiano
é vivenciado na sociedade, pois pensar o racismo no Brasil (como ele ocorre) é chafurdar nos
segredos de um país construído com a contribuição do negro, mas sem que este apareça nos
livros de história (Pinheiro, 2020) e sem a efetivação de leis, pois mesmo a Lei 10.639, torna
obrigatório o ensino da história e culturas afro na educação (Brasil, 2020), não é, de fato,
aplicada no cotidiano escolar (Porto, 2019).
Assim, é necessário levar em consideração que é justamente esta não efetivação que
expõe a necessidade de se abordar a temática do racismo e nesta perspectiva Ribeiro (2018) e
Kilomba (2019) apontam como o racismo se faz presente na vida do sujeito negro e como este
47
O apagar, ignorar, destruir, não registrar da história do povo negro e que foi/é responsável pelo desconhecimento
das histórias da população negra, em específico no Brasil (Silva, 2013).
se mostra eficaz e sutil, ou não, mas que isso não é natural e sim adoecedor, pois, como
382
problematiza Carneiro (2018) é preciso questionar porque a literatura negra não é (re)conhecida
acadêmico-culturalmente no país.
3 Metodologia
3.3 Instrumentos
O questionário foi aplicado somente via online e ficou disponível entre os dias 11 e 29
de Novembro de 2019, sendo disponibilizado através da perspectiva Snowball (ou Bola de
Neve) (Baldin & Munhoz, 2011) nas redes sociais inicialmente por conveniência. Para análise,
utilizou-se a Análise de Conteúdo proposta por Laville e Dionne (1999) na qual se elencou
eixos para interpretar as respostas de forma hermenêutica, com o objetivo de esmiuçar os
elementos estruturais das falas e verificar o significado das mesmas, evidenciando uma
compreensão inferencial do material.
4 Resultados e Discussões
383
A análise do material sugeriu a formação de cinco (5) eixos temáticos, a saber:
relevância da discussão sobre questões raciais; conhecimentos sobre temáticas negras;
frequência de vivências racistas; formas de racismo; e termos e nomenclaturas – para uma
melhor compreensão do leitor, ao longo do manuscrito figuras vão facilitar a leituras, como
segue.
No primeiro eixo (relevância da discussão sobre questões raciais) observou-se que 94%
dos participantes apontam a importância (extremamente e/ou muito) das discussões sobre a
perspectiva racial no cotidiano, mas ainda existem aqueles que supõem que a temática é pouco
ou moderadamente importante para a sociedade (6%).
Relevância da discussão
sobre questões raciais
Leis e Direitos da
Autores Negros
População Negra
Em relação as leis e diretos da população negra, a história confirma que durante muito
tempo o povo negro foi privado de leis de proteção (em relação a sua cultura, religião, esporte,
vestuário...) (Riso, 2017) e tiveram sua (auto)percepção rechaçada, proibida e mesmo
ilegalizada (Souza, 1983). Segundo Correio e Moura (2018), leis que versam sobre a proteção
da população negra no Brasil se consolidaram através de reivindicações da negritude por
democracia e justiça social, visando o combate a toda e qualquer forma de discriminação e
intolerância contra a população negra.
Já sobre a realidade de autores e autoras negros e negras, Riso (2017) aponta que a
literatura negro-brasileira, bem como a geração de negros escritores, surgiu no final da década
1970, mas que a inserção de autores negros na literatura brasileira, assim como na literatura
pedagógica/escolar, são inexistentes. Assim, as escolhas literárias são feitas de forma a
privilegiar um grupo homogêneo que tem sua representatividade a partir da tríade capitalismo-
patriarcado-branquitude, pois o pluralismo literário democrático ainda não é uma realidade na
sociedade brasileira (Hooks, 2015).
Nesse âmbito, adquirir educação, escolar básica e/ou universitária, foi/é um fator
limitante para a população negra no que se refere a: a) conhecer sua história; b) conhecer
escritores/escritoras que compõe a negritude; e c) ter acesso a uma educação que lhes possibilite
acesso às universidades, pois a atualidade da escola pública (um direito que por muitas décadas
foi negado à população negra) é pautada no sucateamento da mesma e na sobrecarga de seus
professores (Soares, et. al., 2020).
Em relação ao Eixo III (frequência de vivências racistas) observou-se que para 76% dos
participantes cenas de racismo são frequentes, existindo ainda aqueles que apontam que sempre
acontece (7%), mas 17% indicaram que nunca e/ou raramente vivenciaram essa perspectiva.
Frequência de vivências racistas
Formas de
Racismo
48
A parcela majoritária da população pobre no Brasil, não por coincidência, é negra e essa massa de pessoas não
se encaixam nos padrões do sistema capitalista, burguês e branco. Logo, as políticas não são feitas para elas e não
subsidiam sua (sobre)vivência social (Mbembe, 2016).
uma inferiorização social que se reflete na construção da subjetividade do sujeito negro (Souza,
386
1983).
Já na segunda categoria (agressividade social para com traços étnicos) observou-se
como o cabelo negro incomoda a sociedade através da utilização de frases como: “cabelo duro,
melhor alisar esse cabelo”. Indagou-se aos participantes o quanto isso seria/é incômodo e para
87% dos participantes essas ações são extremas e/ou muito agressivas, mas para 12% isso pouco
incomoda.
A identidade negra foi sendo construída historicamente em uma sociedade que padece
com “ferida exposta49”, aberta e mantida pelo racismo e traços como o cabelo e o tom da pele
são significativos na construção indenitária, pois a inferiorização do cabelo do negro (visto
como ruim) e a valorização do cabelo liso (visto como bom), por vezes, pode ser identificado
como gerador de conflito no sujeito negro, que recorre a procedimentos para mudar o mesmo,
como alisamento, na tentativa de sair do lugar de inferioridade (Gomes, 2002; Kilomba, 2019).
Além disso, de acordo com Silva (2017), as diferentes tonalidades de pele corroboram
para diferentes formas de exclusão social, sendo segregadas de modo mais violento aquelas
pessoas com tonalidades de pele mais escura, corroborando, assim, com muitas formas de negar
o corpo negro – tal afirmativa aponta para o colorismo ou pigmentocracia, que constitui na
discriminação com base nos diferentes tons de pele.
Na terceira categoria, verificou-se o mito da imposição de sexualidade étnica ao se
indagar aos participantes seu grau de incômodo ao ouvir frases como: Você é uma negra(o)
bonita(o) de traços finos e/ou Mulheres negras são boas de cama. No primeiro caso observou-
se que 53% dos participantes apontaram incômodo extremo e/ou moderado, mas que os outros
47% apontam pouco ou nenhum incômodo. Já no segundo caso, 71% apontaram para incômodo
extremo e/ou moderado, enquanto 17% apontou pouco ou nenhum incômodo – e 12%
apontaram para o incômodo moderado.
Ao longo da história, as mulheres negras foram vítimas de diversos tipos de violências
e para Ruas (2020) esse gênero sofre mais intensamente os efeitos do preconceito social
machista (e não obstante, sexista), pois as práticas violentas e preconceituosas da
hipersexualização e objetificação da mulher negra são vistas de forma naturalizada no Brasil.
Nesse contexto, discutir sobre as implicações da vivência do racismo e do sexismo que a mulher
negra vivencia são base para a manutenção de sua saúde mental (Carneiro, 2003), pois segundo
Santos (2020), objetificar a mulher negra é lhe diminuir a atributos sexuais, o que reforça a
herança do período escravocrata, no qual as mulheres negras eram desumanizadas e sofriam
abusos dos mais variados tipos, apontando que o racismo e o sexismo são brutais para a mulher
negra.
Por fim, a quarta categoria constatou o fator de desumanização étnica adicionado a uma
falsa força genuína ao povo negro (pessoas negras são mais fortes). Para 43% dos participantes,
tal ação é muito e/ou extremamente incômoda, mas 37% afirmam que há pouco ou nenhum
incômodo – havendo, também, quem diga que essa situação é moderadamente incomoda, 20%.
Para Dumas (2019), ao longo da história, e a partir das perspectivas religiosas e
científicas da época, o corpo negro foi sendo instituto como inferior ao branco e se foi criando
subjugação do povo negro, tendo como referência o corpo branco europeu a partir de
49
Ismália – Emicida; Álbum Amarelo, 2019).
comparações que justificassem a inferiorização do negro (como, por exemplo, medir o crânio
387
para inferir a inteligência ou mesmo uma definição da alma em detrimento do corpo, sendo esse
último coisificado para que houvesse uma elevação da alma). Assim, tal mecanismo foi
essencial para justificar as práticas escravocratas dirigidas ao povo negro, sendo esse colocado
como o ideal para o labor cruel e exaustivo.
O Eixo V (termos e nomenclaturas), por sua vez, aponta para expressões de cunho
racista, mas chama atenção para o fato de que, para os participantes, utilizar perspectivas como
coisa de preto e/ou não sou tuas nêgas é diferente de usar denegrir e/ou a coisa tá preta. No
primeiro caso, observou-se que 62% dos participantes apontavam que essa é uma realidade
extremamente e/ou muito incômoda, mas 20% disseram que seria pouca e/ou nada incômoda
(e 19% apontaram ser moderadamente incômoda), mas na segunda situação, apenas 33%
apontaram o muito e/ou extremo incômodo – seguidos por 43% que disseram ser pouco e/ou
não incômodo e por 24% que disseram ser moderadamente incômodo.
"Denegrir"
388
Diante das contribuições teóricoepistemólogicas dos(as) autores(as) e dos dados
produzidos em pesquisa, observou-se que a temática do racismo é pouco discutida e debatida
no cenário contemporâneo atual por diversos motivos, dentre eles as desigualdades construídas
nas relações raciais perpetradas por marcadores sócio-históricos-culturais-econômicos dos
colonizadores, impondo-se sobre os povos originários.
Nesse contexto, faz-se necessário compreender que a estratégia de dominação dos povos
brancos é um lastro social que desencadeiam as desigualdades e formas de viver da história dos
povos de África. Assim, ainda que exista uma dívida histórica, os brancos ainda reproduzem a
lógica do Brasil-Colônia na tratativa com os povos negros nos dias atuais e praticam, com mais
veemência, as diversas formas de violências, mais para se tentar parar essas práticas ideológicas
do racismo é preciso que se tome conta da origem, da cultura e dos conceitos a partir de um
ethos que possa incidir um despertar na ampla população.
Assim, torna-se necessário um trabalho estrutural na Educação e nas Políticas Públicas
para promover uma desmitificação ou desmantelamento desse imaginário racista que milita
com a urbanidade. exige-se, assim, uma postura que possa promover a cidadania entre as
relações e todas as formas de vida e de luta, possibilitando construir um lugar social no qual
seja possível o povo negro ter voz/ceder voz através de uma conjuntura de referências da luta
no passado e no presente.
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EIXO 06
391
Eco Brasilidade e Povos tradicionais: cultura, arte, e práticas de
emancipação de povos indígenas, quilombolas, populações rurais e
ciganos
Introdução
392
comunidades perderem acesso livre a seu território, através de invasões, danos a áreas
protegidas, desmatamentos e queimadas. Estes danos atingem modos de habitar o território,
processos de trabalho das comunidades e ameaçam a vegetação, importante para a vida dos
animais e subsistência dos moradores.
Defende-se aqui o olhar para a comunidade através do saber daqueles que a habitam,
possibilitando a construção de um conhecimento a partir do vivido e do sentimento de pertença
e apego do território geográfico e afetivo pelo qual defendem. Sendo assim, conforme Passos e
Barros (2015), a pesquisa e a experimentação proporcionadas pelo contato entre saber científico
e popular fazem do conhecer e do fazer esferas inseparáveis, isto impede qualquer busca por
uma neutralidade ou suposição de sujeito e objeto cognoscentes prévios à relação que os
compõe.
Método
Resultado e discussão
Com base no exposto, entende-se a participação comunitária nas decisões acerca de seu
território como um direito resguardado, porém pouco respeitado. Com isso, as lutas populares
surgem como forma de assegurar por meio da ação direta esses direitos, no entanto, para que
393
isso ocorra é necessário haver implicação por parte da comunidade, que deve analisar
criticamente a realidade vivenciada. Assim, neste tópico, intenciona-se abordar o papel da
psicologia junto à luta desses povos e no combate aos efeitos aqui trazidos pela inserção da
lógica capitalista na vida dos sujeitos, os impactos e conflitos socioambientais, exclusão social
e os efeitos da globalização.
Historicamente, desde o início das sociedades industrializadas, o conceito de
comunidade passou a ser definido por diferentes teorias clássicas da sociologia, como oposição
direta ao conceito de sociedade, de acordo com Oberg (2018), enquanto a primeira resguardaria
valores de pertença e comuna, alicerçados em relações afetuosas e com um caráter de oposição
ferrenha ao progresso, a sociedade seria um campo de individualidade, onde as relações sociais
seriam de pouco contato e unicamente com objetivos econômicos comuns e de progresso.
Entretanto o não questionamento de teorias clássicas, ocasiona a perpetuação da
produção de conhecimento colonizado, onde o eurocentrismo ou o norte-centrismo dita, a partir
do lugar de fala de homens brancos, como deve ocorrer a produção de conhecimento e de modos
de ser, pautados em concepções ditas objetivas e neutras, ao passo que essas concepções são
contrapostas, ultrapassa-se também a naturalização da desigualdade e da exclusão social, que
sofrem as classes populares (Menezes, Lins, & Sampaio, 2019). Ademais, até meados da década
de 1960, haviam tentativas de inserção da psicologia junto às classes populares, em busca da
deselitização da profissão, todavia, devido a perseguição política, a formação dos profissionais,
pautou-se em uma atuação individualizada, sobre sujeitos descontextualizados e abstratos. Data
então da década de 1970, a atuação da psicologia comunitária, visando ultrapassar visões
dicotômicas da sociologia clássica, objetivando estabelecer um compromisso contra práticas
acríticas e normalizadoras, que desconsideram contextos históricos (Oberg, 2018).
Nesse sentido, a psicologia nas últimas décadas tem buscado superar as inserções
tradicionais, no campo clínico, escolar, entre outros, e tem se preocupado em ocupar espaços
antes negligenciados pelo saber psicológico, isso tem ocorrido pelos questionamentos que
ultimamente têm sido feitos acerca do compromisso social da Psicologia (Luckner, Pereira,
Salem, de Matos Santos & Barbosa, 2017). Tal compromisso é suscitado pelo Código de Ética
Profissional do Psicólogo, onde aponta que é papel da psicologia atuar na promoção de saúde
e qualidade de vida de indivíduos e coletividades e contribuir para a extinção de formas de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CFP, 2005).
Tendo isso em vista e tomando os problemas gerados pela imposição forçada da lógica
neoliberal em territórios originalmente ocupados por comunidades tradicionais, indígenas, entre
outras, que não se apoiam no dito modelo, surgem questões como: qual o papel da psicologia
em meio a estes conflitos? E de que forma o supracitado compromisso social da psicologia deve
ser articulado?
O fazer teórico-prático da psicologia foi alvo de indagações de Martín-Baró (1996), para
este a questão não se centrava na forma como os psicólogos pretendem fazer psicologia, mas
antes de tudo, que efeito objetivo o saber-fazer psi produz na sociedade, trata-se da práxis
psicológica. Seria o caso a atuação de uma psicologia voltada para interesses de uma ordem
dominante? Ou poderia a ciência psicológica promover de fato mudança efetiva na sociedade
junto às minorias oprimidas? O autor aponta a conscientização como ponto chave nesse fazer,
por meio dela a psicologia teria como objetivo a desalienação de pessoas e grupos, promovendo
reflexões críticas sobre si próprios e sobre o entorno. Sendo assim, conforme o autor, é dever
da psicologia dar respostas frente aos problemas sociais como injustiças, guerras e alienação
(Martín-Baró, 1996), e, nesse sentido, pode-se considerar também a responsabilidade desta
junto aos povos no fortalecimento da luta frente aos conflitos socioambientais que os
394
atravessam.
Corroborando com esta perspectiva, Andery (1984), aponta como crucial que haja
aproximação entre o(a) psicólogo(a) das classes populares para que a Psicologia possa colaborar
na libertação dessas classes da situação de submissão através da conscientização de sua
identidade psicossocial de classes dominadas. Assim, tomar consciência indica a superação de
compreensões parciais e de ideologias que, por vezes, servem de falsa consciência e ofuscam
os limites discriminativos entre as classes sociais, o que corrobora para a naturalização dessas
classes e para a perpetuação sutil dos anseios da burguesia, bem como, da manutenção desse
sistema de dominação (Mendonça, Souza, & Guzzo, 2016).
Guzzo e Lacerda Jr. (2007), apontam que o psicólogo atuante pelo processo de
libertação deve posicionar-se enquanto mediador deste. O foco primeiramente deve estar na
conscientização das necessidades, tanto pessoais quanto coletivas, e a partir destas encontrar às
forças que sustentam a opressão e aquelas que possuem o potencial de promover mudança na
realidade dos sujeitos. O psicólogo deve colaborar ainda para o desenvolvimento de parcerias
dentro dos grupos e entre grupos para que haja identificação entre os sujeitos de estarem
vivenciando os mesmos processos e, a partir disso, haja promoção de solidariedade e espaço
para reflexões críticas acerca de tais vivências (Guzzo & Lacerda Jr., 2007).
Guiando-se nessa direção, é esperado da Psicologia, apoiada nas visões apresentadas,
que por meio da luta e participação política afirme diante de grupos oprimidos seu compromisso
social, assim a psicologia deve rejeitar a imposição de modelos que priorizem o lucro em
detrimento de outros modos de existência que não compactuam com tal modelo, através da luta
por direitos e contra situações de exploração e opressão dos povos para o alcance de uma
sociedade mais democrática (Luckner et al, 2017).
A comunidade nos foi apresentada pelo olhar de três moradores da Pedra do Sal, os
quais através de visitas à campo nos guiaram pelo território, apresentando-o e relatando sua
história conforme as experiências vividas ali. Os relatos diziam respeito à momentos de
diferentes fases da vida, desde crianças quando poucos habitavam aquelas terras, a mudança
das paisagens conforme novos moradores e novos empreendimentos ali chegavam, as lutas
travadas pela comunidade pela preservação do local e o cansaço ao ver a continuação de
projetos que acreditam não beneficiar a população, mas que sequestram seus direitos, e
liberdades. Este fator reflete a insatisfação dos povos tradicionais em vista da modificação da
paisagem local e dos impactos causados pela inserção de grandes empreendimentos na
comunidade.
Através disso, os relatos nos indicam o apego compartilhado entre os moradores ao seu
território de origem. Para Elali e Medeiros (2017) o apego ao lugar é processo desenvolvido
através de uma relação afetiva estabelecida com determinado local, sob a influência de aspectos
emocionais e culturais. Esse é um conceito que surgiu na psicologia ambiental, e que se
relaciona com sentimento de apreço e de pertencimento ao lugar em que vive. O apego ao lugar
exerce influência sobre a construção da identidade do indivíduo e na forma como ele se
relaciona com o ambiente, de modo que vai de encontro com práticas de sustentabilidade por
despertar uma disposição em cuidar desses ambientes (Bruno, Profice, Aguiar, & Ferraz, 2018).
A entrada de grandes empreendimentos no território resultou na privatização dos
395
espaços antes ocupados pelos nativos e dos quais, esses carregam memórias afetivas e apego,
fazendo com que moradores perdessem o direito de ir e vir pela comunidade. A instalação de
usinas eólicas resultou na utilização predatória dos recursos naturais ali presentes, a construção
de estradas não respeitou a existência de matas nativas ou dos pequenos lagos, fontes de peixes
e reservatório de água para animais, cercas foram instaladas para estabelecer limites a serem
obedecidos pela população, que passou a ser vigiada para tanto.
Nesse cenário, a realidade da comunidade, com a chegada de empreendimentos
estrangeiros, se assemelha, não coincidentemente, com as práticas de desenvolvimento do
neoliberalismo. Enquanto a população nativa vinculada afetivamente ao ambiente, usufrui de
seus bens de maneira sustentável, o desenvolvimento neoliberal promove uma destruição
criativa, muitas vezes, com a conivência do estado, destrói o meio ambiente e procura expulsar
as populações originárias de espaços antes ocupados livremente, restringindo as liberdades e
expressões de existência tradicionais, tidas como velhas, para forjar a aceitação de novos
modelos de vida (Farias & Diniz, 2018).
Nesse ínterim, a produção capitalista e suas estratégias de dominação de territórios é
ameaça direta às comunidades tradicionais que lutam e vivem através da preservação e uso
respeitoso dos recursos naturais. Ademais, cresce no Brasil e no mundo o número de conflitos
contra a apropriação da vida e dos modos de trabalho pautados na maneira artesanal de se
organizar a vida em comunidade (Ramos, Cabral, Azevedo, & Caetano, 2018).
Guareschi (2015) define a dominação como relação entre grupos e pessoas por meio da
qual uma parte utiliza-se de seu poderio para expropriar, roubar, apoderar-se da capacidade de
outros que possuem menor possibilidades de reação, através de movimentos assimétricos,
desiguais e injustos. Os relatos de moradores da comunidade demonstram como se deu o
processo de apoderamento do território, seja por possível grilagem de terras ou por utilização
de influência política por parte daqueles que dispunham de poder econômico. Sendo assim,
percebe-se a utilização de dominação econômica e política na afirmação e concretização destes
projetos, impedindo ou dificultando o poder de decisão da comunidade, o que os priva de poder
usufruir de seus direitos políticos, fundando relações injustas e não democráticas.
Além disso, a atividade de pesca artesanal, modo sustentável e praticado entre gerações
na comunidade, tem de lidar com a exploração irrestrita da pesca predatória, em que espécies
são categorizadas como comercializáveis ou não, e toneladas de alimento são descartadas.
Ademais, esportistas têm usufruído do espaço marítimo para realização de atividades como
kitesurf sem que se faça um diálogo com a comunidade sobre as consequências da atividade
que é apontada pelos moradores como causa do afastamento de espécies de peixes que servem
de fonte de renda para os pescadores.
Tal realidade foi retratada por um dos moradores que, assim como a maioria dos demais
nativos da comunidade, tem a pesca como profissão desde quando resolveu escolher entre a
escola e a profissão realizada pelo pai. Percebe-se, assim, o impacto na produção desses
trabalhadores que têm de lidar com diferentes ameaças a sua existência, como o uso
inapropriado e exploratório do meio marítimo, ou ainda, a inserção de empreendimentos que os
privam de liberdade, extingue seus meios de trabalho, apagam seu legado e sua cultura.
Todavia, é através de uma relação respeitosa e de pertença aos recursos naturais dali que a
comunidade tem se organizado através de manifestações e assembleias para impedir a
apropriação de seu território.
Memória histórica e educação ambiental como instrumentos de luta
396
A articulação do povo ao travar as lutas por resistência vai em sentido oposto ao
conhecimento predominante e significa muitas vezes resistir a tentativas de apagar a história
vivida e a própria ancestralidade. Nesse sentido, no contexto de colonialidade, os saberes
compartilhados através de instituições trazem uma verdade única pautada por interesses de
grupos dominantes, e que significam para os episódios de luta e resistência a construção de uma
verdade alienadora (Gaborit, 2011).
Nesse ínterim, cabe se destacar o papel da memória na manutenção ou libertação de um
esquema de saber e poder colonial, considerando que a memória não é apenas o armazenamento
de experiências de forma íntegra, mas que é afetada pelas vivências do presente; a memória
socialmente construída se torna um fator intergeracional, que influencia diretamente as atitudes
dos sujeitos em relação a compreensão e enfrentamento da realidade (Alves, 2019).
Destarte, faz-se necessária a inserção dos sujeitos nos aspectos políticos cotidianos, de
modo que é a compreensão crítica da realidade que os capacita à uma maior conscientização
social e os leva a buscar e promover transformações na sociedade (Almeida & Hayashi, 2019).
Sendo assim, compreendendo a escola enquanto ambiente potente para a construção de
conhecimento, entendemos a função desta quando colocada a serviço das classes dominantes,
sendo local estratégico para o estabelecimento de um saber colonizado.
Assim, pode-se pensar na educação ambiental como estratégia de combater esse saber
imposto, pois ela é ferramenta de pensamento que impulsiona e promove formas de resistência
ao instituído, através da problematização e reflexão crítica do modelo hegemônico de ensino
(Henning, 2019). Desta forma, mostra-se como dispositivo potencializador do saber libertador
e instrumento de combate ao conhecimento colonizado. Para isso, deve-se evitar uma visão
fragmentada de ambiente tomado apenas por seus aspectos naturais, e acrescentar a
consideração de que o ambiente é também permeado por questões de ordem sociais, econômicas
e políticas, que podem compor as raízes dos problemas socioambientais (Toledo & Pelicioni,
2014).
Durante a atividade desenvolvida na escola, observou-se em desenhos feitos pelas
crianças o apego que sentiam pelo lugar a qual pertenciam e a representação do lugar onde
moram. Atrelado a isso, às memórias trazidas acerca dos locais de lazer e das atividades de
subsistência dos moradores mostram-se como elementos fortalecedores da convivência em
comunidade. Por outro lado, não percebemos elementos marcantes no contexto histórico e
político de seu território, como o processo de apropriação das terras da Pedra do Sal relatado
pelos moradores. Além disso, a atual luta da comunidade contra a destruição de seu território
pelos parques eólicos não foi representada nos desenhos, tampouco nos discursos dessas
crianças. Isto que evidencia o distanciamento da realidade vivida pela comunidade bem como
das causas e lutas defendidas pelo seu povo em busca de sobrevivência.
Grupos dominantes costumam tentar velar acontecimentos e conflitos sociais, impondo
versões que legitimam a exploração de grupos sobre outros, algo comum nos processos de
apropriação territorial. Por isso é tão importante trazer à tona as memórias coletivas de grupos
oprimidos para que se possa questionar as verdades oficiais e expor as relações de poder que
operam na realidade (Flávio, 2013). A escola torna-se assim, ambiente potente quando se pensa
em resgate de memórias, histórias e gerações, sendo então facilitadora do encontro e diálogo de
estudantes com aqueles que carregam a memória daquele lugar, algo fundamental para manter
viva a história local, além de proporcionar o estreitamento das relações de afeto entre a
397
comunidade.
Conclusão
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Maria Cecília Focesi Pelicioni. Barueri: Manole.
EIXO 07
400
Sistema prisional, Desencarceramento e Luta abolicionista e
Antiproibicionista
Introdução
401
brasileiro desenvolvido pelo Ministério da Justiça, indicam que o Brasil possui população
prisional de 748.009, excluindo os detidos em delegacias. Incluindo as pessoas privadas de
liberdade em todos os regimes, a população prisional chega a 773.151. (INFOPEM, 2019). O
aumento da quantidade de presos, e até mesmo de prisões, não é vantajoso para uma sociedade,
mas o contrário como afirma Foucault “as prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode
aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos
permanece estável, ou, ainda pior, aumenta” (Foucault, 1999, p. 221).
Diante de tais fatos, o interesse pelo tema proposto neste trabalho realizado parte da
consideração de toda a problemática em torno da população privada de liberdade, que cresce
assustadoramente no Brasil e no mundo.
Assim, é válido explorar aspectos relevantes sobre o tema, tais como os objetivos
punitivistas e ressocializadores das prisões.
O presente trabalho se faz de suma importância também a partir do momento que aborda
sobre a historicidade das prisões bem como o funcionamento da atuação do profissional da
Psicologia na área. Segundo o Conselho Federal de Psicologia “a prisão e a Psicologia são
produtos de um mesmo tempo, ambas são categorias a serviço do mesmo projeto social de
produção e transformação de subjetividades” (2012, p. 30). Entretanto, foi só com a criação da
Lei de Execução Penal – LEP (Lei n.º 7.210 de 1984) que a presença do profissional nas prisões
foi de fato classificada como obrigatória (BRASIL, 1984).
Com isso, o estudo contribui para a temática das políticas públicas atuantes no sistema
carcerário, compreendendo quais as necessidades básicas devem ser supridas para a população
privada de liberdade, bem como que direitos estão sendo negligenciados para com os mesmos
e como deve ser feita a promoção de condições adequadas no ambiente prisional. Dentro desse
contexto, o trabalho se justifica também tendo em vista a possibilidade de estudar as
subjetividades relacionadas a classe, gênero e raça existentes no confinamento prisional.
A escolha do tema também se prende ao fato deste apresentar ligação direta com a
manutenção dos direitos humanos, que é, para a Psicologia, um parâmetro central de regimento
para a profissão. Dessa forma, ao compreender a relação das prisões e da garantia de direitos
aos sujeitos, visamos contribuir para formular expectativas para o futuro das penitenciárias.
O aumento da população carcerária é um fenômeno que tem sido observado em diversos
países, inclusive o Brasil. Nos anos de 2018 e 2019, a taxa de crescimento populacional reduziu
de 2,97% para 1,49%. Entretanto, o encarceramento feminino voltou a subir, pois em 2016
havia queda na quantidade de mulheres presas, chegando a 41 mil mulheres. Já em 2018,
reduziu para 36,4 mil e retornou a aumentar em dezembro de 2019, chegando a 37,2 mil
mulheres. (INFOPEM, 2019).
De fato, as estatísticas confirmam que o sistema carcerário se encontra em situação
precária, pois de acordo com os estudos divulgados pelo Sistema Prisional em Números,
divulgado pelo Ministério Público, a taxa de superlotação carcerária no Brasil é de 161%,
402
ultrapassando a capacidade em mais de 300 mil pessoas. (CNMP, 2019). Segundo o
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), ocorreu ampliação das unidades
prisionais através da verba disponibilizada pelo Fundo Penintenciário Nacional, gerando 19.784
vagas em 2019 e dentre elas, 1.978 no estado do Maranhão. (INFOPEM, 2019).
Embora para o senso comum isso pareça um avanço, ao analisar profundamente os
impactos das prisões no indivíduo privado de liberdade, os escritos de Foucault problematizam
que a detenção provoca a reincidência, e que os condenados que deixam o sistema prisional têm
grandes chances de retornar a esse ambiente (Foucault, 1999, p.221).
Os estudos sobre o perfil dos detentos revelam que a maioria encarcerada são negros
(64%), homens e jovens de 18 a 24 anos. Somente 12% encontra-se em atividade educacional
(curso técnico, alfabetização, ensino fundamental, ensino médio e superior, capacitação
profissional) e apenas 15% trabalha, dentre esses, 87% em atividade laboral interna, e 13% em
atividade externa (INFOPEM, 2017). Em outras palavras, o índice de pessoas privadas de
liberdade que encontram-se em atividade de remissão, as denominadas “ressocializadoras”,
ainda é muito baixo. Além disso, destaca-se que os levantamentos mais recentes não possuem
informações acerca dos grupos raciais. E com isso, existe a dificuldade em localizar dados
recentes que considerem a questão racial no perfil demográfico da população carcerária.
E ainda, além da superlotação, percebe-se também que há um grande problema de
reincidência. Nos anos 70, Foucault (1999) já afirmava que depois de um indivíduo sair da
prisão, haveria grandes chances de retornar. A condição das prisões brasileiras é um subproduto
da forma que a sociedade trata a criminalidade, privando a liberdade das pessoas. Estatísticas
mostram que a realidade do sistema prisional está longe de ser ressocializador, e acaba
assumindo um caráter mais punitivista e isso coloca os psicólogos em uma situação ideológica
de ajustamento de conduta do sujeito privado de liberdade. A Psicologia, como área do
conhecimento, está inserida nesse contexto para garantir que o sujeito privado de liberdade
tenha seus direitos por garantia. (Conselho Federal de Psicologia, 2012, p. 29-30).
A psicologia sempre se fez presente no campo das políticas públicas, até porque trata-
se de um claro espaço de afirmação de direitos. (Gonçalves, 2010). Ou seja, tratando-se da
compreensão do indivíduo, a análise deste deve vir a partir de um contexto histórico e social e
das relações humanas. Esses aspectos, para a atuação da psicologia social nas políticas públicas,
passam a ser de importante referência para se traçar diretrizes de atuação.
A presença dos psicólogos se faz importante dentro desse contexto a tal ponto que o
Estado confirma tal necessidade ao tornar obrigatória a partir de 1984 com Lei de Execução
Penal (BRASIL, 1984). LEP conta com uma equipe denominada Comissão Técnica de
Classificação (CTC), composta também por Psiquiatra, Assistente Social e chefes de serviço da
unidade prisional e tem como objetivo “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal
e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”
(BRASIL, 1984).
Com isso, é importante frisar que a atuação do psicólogo no sistema prisional não deve
caminhar na linha dos estigmas punitivistas, sendo, portanto, dever do profissional da
psicologia, articular o trabalho afim de que a ressocialização seja uma realidade. Não somente
o psicólogo, mas toda a rede de garantias de direitos formada por assistentes sociais, médicos,
juízes, promotores, advogados, educadores, programas sociais e institucionais, ONGs,
familiares, etc. É essa Intersetorialidade articulada que garantir as condições para a efetivação
do processo de socialização (Conselho Federal de Psicologia, 2012, p. 79-80.).
Davis (2018a) compreende que as prisões são encarnação do racismo. A autora situa
403
que “a história negra, seja aqui na América do Norte, seja na África, seja na Europa, sempre
esteve impregnada de um espírito de resistência, um espírito ativista de protesto e
transformação” (Davis, 2018a, p. 104). Espírito de resistência esse que se perpetua mesmo na
realidade brasileira, em que 64% dos sujeitos privados de liberdade são da população negra
(INFOPEM, 2017).
Segundo Davis (2003) ao visitar prisões femininas em um país europeu, da mesma
forma que ocorre nas prisões masculinas, são encontradas, uma população de minorias sociais:
um número bastante desproporcional de mulheres imigrantes, cidadãs ilegais, africanas,
asiáticas e latinas.
“[...] Sempre me senti como se estivesse no mesmo lugar. Não importa o quão longe eu
viajasse através do tempo e do espaço – de 1970 a 2000, e da Casa de Detenção feminina
em Nova Iorque (onde eu mesma estive presa) até a prisão feminina em Brasília, não
importa a distância, existe uma estranha similaridade nas prisões em geral, e
especialmente nas prisões femininas (Davis & Dent, 2003, p. 527).
Com isso, além das implicações de Foucault (1999), que indicam que o sistema prisional
não serve para ressocialização daquele que pratica um delito, Davis (2018b) compactua com
essa afirmação, e reforça também que os problemas do sistema prisional vão além disso: na
prática, as prisões servem como uma continuação da sociedade em uma nova fase de
segregação, racismo, sexismo e outros preconceitos. Ou seja, todo um sistema de segurança
montado sobre as bases preconceituosas de nossa sociedade.
Método
404
sociais, como na promoção de uma ressocialização mais assertiva e efetiva para a diminuição
das taxas de reincidência, bem como a sua reinserção social. Assim, após realizadas as primeiras
visitas, foi escolhido para a intervenção das acadêmicas, o tema ansiedade e insônia.
A primeira visita teve como objetivo conhecer a Instituição, o ambiente e apresentar a
proposta da pesquisa. Na ocasião, levantaram-se aspectos e características do ambiente, a rotina
dos internos e o trabalho desenvolvido pelo profissional psicólogo. Foi possível ainda,
entrevistar outros profissionais, como os agentes penitenciários e diretores para verificar
diferentes percepções acerca da rotina que alinha o processo de trabalho entre os profissionais
e os internos.
No segundo dia, a visita foi direcionada para a entrevista com a psicóloga do serviço a
fim coletar dados referentes às formas de atuação, compromisso ético-social, atividades e
projetos desenvolvidos, registros de atendimentos e programações com a população carcerária
executados pelo profissional psicólogo.
No terceiro dia, ao concluir a entrevista com a psicóloga, solicitamos uma entrevista
com alguns dos detentos para estabelecer relação direta que permita maiores conhecimentos
sobre a situação de cárcere e identificar através da análise de emoções dificuldades que
poderiam ser trabalhadas em uma proposta de intervenção. Foi possível então realizar entrevista
com uma das internas. Logo após, junto com a psicóloga discutimos sobre temas emergentes a
serem trabalhados, horários e planejamento das ações.
No quarto encontro, a intervenção iniciaria com a apresentação das acadêmicas aos
internos (rapport), e em seguida, a exposição da temática a ser trabalhada: “ansiedade e
insônia”. Finalizamos com a aplicação da dinâmica de números. Na dinâmica foi distribuído
diferentes números, escrito num papel dobrado para cada pessoa, e enfatizar que eles
procurassem um número igual ao seu, não encontrando, aproveitar o momento de interação para
explicar o objetivo da dinâmica que está envolvida a subjetividade humana.
Após atividade realizada, ocorreu um momento para lanche. Destaca-se que a presença
de alimentos simples para pessoas que não tem sua liberdade privada, foi motivo de alegria para
aqueles que, por conta da privação, não possuem fácil acesso a determinados alimentos que não
passam na vistoria.
Resultados e Discussão
405
os profissionais, justamente para manter padrões profissionais que mantenham o aspecto
prisional estabelecido, visto que, as diferentes áreas de conhecimento levantam visões de como
manter a ordem e o respeito importantes para as devidas contribuições de cada colaborador,
tanto entre si, como entre os residentes.
Esses dias de visita nos possibilitaram uma visão ampla a respeito do funcionamento do
estabelecimento e o trabalho realizado das equipes interdisciplinares que compõem ações
diretamente vinculadas a vida das pessoas que se encontram reclusas. Até o momento da
pesquisa, encontravam-se 120 homens para 10 celas e 40 mulheres para 3 celas e
aproximadamente 40 funcionários atuando em diferentes turnos e escalas para administrar as
atividades. Nota-se que há comunicação de harmonia entre os profissionais, colaboração,
educação e estima essencial para uma boa convivência ou aberturas para programações.
A secretaria encaminha à psicóloga um fluxograma sobre o que deve ser trabalhado,
todavia, as demandas são organizadas segundo os compromissos rotineiros dos detidos diante
das outras áreas de conhecimento, ou seja, ocorre adaptações no planejamento de intervenções
para seguir os parâmetros recomendados. Existem ainda oficinas com cursos profissionalizantes
para auxiliar nas capacitações e aperfeiçoamento de habilidades que possa remeter um oficio
que frise ocupações para além do sistema prisional os preparando para o retorno ao convívio
social. Dessa parceria com o SENAI, eles dispõem de salas para os cursos de costura, salão de
beleza e instalações elétricas.
Em suma, a psicóloga desempenha atendimentos através da triagem e também durante
a vivencia diária dos mesmos que encaminham bilhetes solicitando conversas aos conflitos que
precisam de atenção, elabora grupos e rodas de conversas dos quais verifica-se evolução
satisfatória, filmes para reflexão geralmente com temáticas de superação e grupos de apoio para
usuários de substâncias psicoativas, como o “Nova Vida”.
Durante um diálogo sobre uma possível intervenção, a psicóloga foi indagada sobre as
demandas mais urgentes apresentadas pelos internos. Segundo ela, predominava a ansiedade e
insônia como queixa principal. Tanto homens, quanto mulheres. A partir disso, foi elaborada a
intervenção voltada para o atendimento da demanda.
Assim, foi elaborada uma palestra com a temática insônia e ansiedade, usando como
recursos slides e Datashow, possibilitando também reproduzir vídeos sobre o assunto, para
facilitar o entendimento e a participação dos presentes. Foram selecionados pela psicóloga, os
internos que já participavam do projeto nova vida (8 ao total), dos quais demonstraram
identificação com o tema e dificuldade em relação aos sintomas da ansiedade e insônia.
Através da observação, de entrevistas realizadas e da intervenção ocorrida na unidade
prisional de Davinópolis, foi possível reunir informações sobre a realidade do sistema prisional.
Compreende-se, que assim como consta nas pesquisas bibliográficas, o presídio trata-se de um
ambiente hostil, em que há dificuldades relacionadas a superlotação e a presença de facções.
Apesar disso, o interessante para o trabalho foi abordar o aspecto ressocializador das
unidades prisionais. Foucault (1999) ressalta que “os condenados são, em proporção
considerável, antigos detentos” Tal afirmação só ressalta a falha do sistema prisional, que não
ressocializa pessoas que cometeram crimes, apenas as reúne. A partir da visita, entende-se que
o ser humano tem capacidade de mudança, mas faz-se necessário que sejam articulados
mecanismos necessários para esse processo ocorrer de forma que o indivíduo não reincida ao
crime.
A questão racial no ambiente prisional é um ponto a ser observado, já que os agentes
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penitenciários concordaram em afirmar que os negros são maioria na unidade prisional. Diante
disso, ressurge o fato de que a criminologia, enquanto ciência, popularizou teorias sobre
inferioridade racial. Marcados pelo paradigma etiológico, os criminólogos acreditavam que os
negros eram indivíduos inferiores e, por essa característica, estavam mais propensos ao
cometimento de crimes (Zaghlout, 2018).
Foi observado que a postura de alguns dos próprios funcionários da unidade é bem
negativa. Os mesmos acreditam, sim, que a ressocialização é possível, mas relatam que são
poucos os que conseguem. Davis (2018b) questiona sobre o real efeito das prisões, já que o
ambiente reproduz a mesma violência que essas pessoas cometeram a ponto de irem parar nesse
local, onde a criminalização permite a persistência do problema. Por conta disso, é
imprescindível que os detentos tenham capacitações relacionadas às habilidades técnicas e
também de aprendizagem escolar, pois são tais habilidades que os mostrarão caminhos
diferentes a serem seguidos.
Inclusive, algo constatado por alguns dos colaboradores, é o fato de muitos presidiários
entrarem lá analfabetos e saírem de lá no mínimo sabendo ler. Tal relato possui certo impacto,
visto que a falta de alfabetização demonstra a falta de oportunidades que levou muitos a fazerem
escolhas que envolvessem atos condenáveis judicialmente.
Entendendo as necessidades dos indivíduos, o acompanhamento profissional deve ser
livre de preconceitos e tabus, ao mesmo tempo que, seguindo recomendações da Secretaria de
Administração Penitenciária, a profissional enfatiza que o fortalecimento de vínculos não deve
ser tão exacerbado por conta da ambientação, já que os presos muitas vezes são transferidos
para outras unidades ou entram em liberdade. Apesar disso, acredita-se que existe necessidade
de compreensão dos processos subjetivos do ser humano, e as características de superação das
dificuldades, resiliência e esperança por dias melhores longe da criminalidade.
Assim como aponta Gonçalves (2010):
407
Conselho Federal de Psicologia. (2012). Referências Técnicas para Atuação das (os)
psicólogas (os) no Sistema Prisional. Disponível em: <http://crepop.pol.org.br/wp-
content/uploads/2012/11/AF_Sistema_Prisional-1.pdf>. Acesso em: 15 de novembro
de 2019.
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Gonçalves. M. das G. (2010). Psicologia, subjetividade e políticas públicas. São Paulo: Cortez.
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Infopem. (2019). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Disponível em:
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2019.
Marti-Baró, I. O papel do psicólogo. Estudos de psicologia, v. 2, n. 1, p. 7-27, 1996.
Zaghlout, S. A. G. (2018). Seletividade racial na política criminal de drogas: perspectiva
criminológica do racismo.
______. Lei de Execução Penal n.º 7.210, de 11de julho de 1984. Brasília, 1984 (LEP).
ABOLICIONISMO PENAL E NECROPOLÍTICA: ENFRENTAMENTO
408
ANTIRRACISTA NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Introdução
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Sistema carcerário a partir de uma ontologia abolicionista
La legitimación del poder punitivo — por qué se castiga y por qué este derecho pertence
al Principe — encontrará su fundamento en el pacto social, en un postulado político
que quiere súbditos y soberanos ligados por un contrato en el que reciprocamente es
cambiado el mínimo posible de las liberdades de los súbditos por el orden social
administrado por el príncipe; el príncipe, pues como único titular dei poder opressivo50
(Pavarini, 2003, p. 30).
50
Tradução nossa: “A legitimação do poder punitivo – por que é punido e por que esse direito pertence ao príncipe
– encontrará sua base no pacto social, em um postulado político que quer súditos e soberanos ligados por um
contrato em que reciprocamente é trocado o mínimo possível de liberdades dos súditos por uma ordem social
administrada pelo príncipe; o príncipe, pois, como único titular do poder opressivo”.
na esfera formal (jurídico e institucional – Lei, Policia, Ministério Público e o Judiciário), aqui
410
se encaixando como consequência desse aparelho formal, o sistema carcerário.
O Abolicionismo Penal, ganha força no século XX, sob uma vertente libertária que
investe na crítica à punição e que encontrou soluções livres de utopias, presentificando a
atuação. Obteve ressonâncias a partir da II Guerra Mundial para acuar o direito penal e
questionar os princípios de uma sociabilidade autoritária pautada na centralidade de poder.
Pretende discutir a discursividade penalizadora ancorada numa profusão de reformas que
atestam e divulgam a inoperância da melhor punição e de seus efeitos disciplinares e de
controle.
Em oposição, encontramos o Movimento de Lei e Ordem, que pode ser caracterizado
como uma tentativa de (re)afirmação e (re)legitimação do sistema de justiça penal vigente, de
maneira que é absolutamente conflitante com o direito penal mínimo e o Abolicionismo Penal.
Para seus defensores,
a política criminal deve ser orientada no sentido de justificar a pena através das idéias
de retribuição e castigo. A pena, assim fundamentada, seria aquela que é conhecida pelo
povo, que a respeita, teme e a considera justa, pois sua execução é igual para todos,
sendo proporcional à gravidade objetiva do crime cometido (Araújo, 1991, p. 71).
411
a protegida, permite a morte de um outro grupo de pessoas que não pertence àquela sociedade.
Nesse sentido, opera uma espécie de divisão entre vida e morte nos termos biológicos.
Exemplo mais forte para Foucault (apud Mbembe, 2018) foi o nazismo, já que permitiu o
extermínio de judeus e outros grupos humanos em prol da superioridade da população alemã.
Mbembe (2018) concorda com a análise foucaultiana ao compreender que os
mecanismos de biopoder estão inscritos em todos os Estados modernos, porém vai além: para
ele, a possibilidade de matar o outro é vista como elemento constitutivo do poder do Estado na
modernidade. Sob o argumento de estado de exceção, isto é, um estado de emergência para
solucionar um problema, instala-se um estado de sítio e se suspendem direitos e garantias dos
cidadãos, permitindo que mortes sejam executadas sem que adquiram o efeito de crime
condenável, o que resulta em um terror coletivo.
Abdias do Nascimento (1978) argumenta que a miscigenação funciona como uma forma
de dizimar a raça negra no Brasil. Diferentemente dos autores que construíram o conceito de
democracia racial, o autor afirma que a mistura de raças no Brasil é resultado de estupro e
abusos sexuais sofridos pelas mulheres negras, africanas, afro-brasileiras e indígenas, desde a
colonização. Outra estratégia utilizada pelo Estado brasileiro no intuito de promover a
miscigenação foi a imigração em massa de povos europeus, enquanto vetava a entrada de
africanos e asiáticos no país:
Outra forma de “apagar” o(a) negro(a) do mapa foi a sua invisibilização durante os
recenseamentos; percebe-se nas estatísticas que gradualmente a população negra vai declinando
em paralelo ao aumento da população branca, como também, segundo Nascimento (1978), a
estratégia de genocídio foi o embranquecimento cultural. Nesse processo o(a) negro(a) é
persuadido(a) a recusar a cultura e o conhecimento dos seus ancestrais africanos e assimilar
cada vez mais a cultura europeia, principalmente o idioma e a religião.
412
e não a um controle de instituições que regulamentam a disciplina da sociedade, tendo em vista
esse raciocínio é que surge o conceito de micropolítica (Mbembe, 2018).
O suplício, ferramenta de controle escravagista que utilizava, muitas vezes de graves
punições corporais, como forma de subjugar indivíduos a se submeterem as ordens emendadas
por seus senhores, ainda hoje é aplicado no sistema prisional. Sua prática é análoga às formas
de castigo que eram empregadas aos negros no sistema escravista, porém, sem as punições
corporais, pelo menos não de forma legal, já que o nosso ordenamento jurídico não permite,
como descrito no Artigo 5º, inciso XLVII, da Constituição Federal de 1988 (p. 04, grifo nosso):
“não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada (...); b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”. Indagamos, contudo, o que é que quer
dizer “cruéis” na nossa constituição?
O Regime Disciplinar Diferenciado – RDD –, descrito no Art. 52, da Lei de Execuções
Penais (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988) define as punições aos presos
em caso de faltas graves, e na mesma também são estabelecidas as punições para essas faltas
graves.
Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;
IV – provocar acidente de trabalho;
V – descumprir, no regime aberto, as condições impostas;
Art. 51. Comete falta grave o condenado à pena restritiva de direitos que:
I – descumprir, injustificadamente, a restrição imposta;
II – retardar, injustificadamente, o cumprimento da obrigação imposta;
III – inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei
Art. 39. Constituem deveres do condenado:
I – comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença;
II – obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se;
III – urbanidade e respeito no trato com os demais condenados;
IV – conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão
à ordem ou à disciplina;
IX – higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento;
X – conservação dos objetos de uso pessoal (Constituição da República Federativa do
Brasil, 1988, p. 8).
413
liberdades são negras, logo, corpos matáveis na denúncia da necropolítica, então, é fácil
perceber o quão permissível são os abusos, as crueldades e o suplício por quais passam no
sistema prisional brasileiro.
As penas e as infrações supramencionadas estão descritas no art. 52, da Lei de Execução
Penal, dentre elas estão, “I - duração máxima de até 2 (dois) anos, [...]; II - recolhimento em
cela individual; [...] e IV - direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho
de sol, [...]” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, p. 8), as quais foram
apontadas como transgressões aos direitos humanos, no parecer do Relator Especial do
Conselho de Direitos Humanos, Juan E. Méndez, em relação à tortura e outros tratamentos ou
penas cruéis, desumanos ou degradantes, descrito na resolução 65/205 da Assembleia Geral da
ONU (2010), já que o isolamento social viola o disposto no artigo 10, § 3º, do pacto
internacional sobre direitos civis e políticos, o qual dispõe que: “o regime penitenciário
consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a reabilitação social dos
presos.” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, p. 04).
Juan E. Méndez (apud Organização das Nações Unidas, 2010) relatou que períodos
longos de isolamento não contribuem para a reabilitação ou ressocialização dos presos e que os
efeitos psicológicos e fisiológicos negativos, sejam eles agudos ou latentes, decorrentes do
isolamento prolongado representam uma grave dor ou sofrimento mental.
Então como é possível perceber, pelo que se encontra exposto nesse artigo, o sistema
carcerário é uma das formas de implementação da necropolítica, uma das ferramentas de
implementação da política de mortes promovida pelo Estado para uma certa camada da
sociedade escolhida para isso, com a utilização do estado de exceção, suspendendo direitos e
garantias dos cidadãos, permitindo que mortes sejam executadas dentro da legalidade da
legislação.
A população escolhida para morrer, em sua maioria, é formado por pessoas negras ou
pardas, com baixa escolaridade e de baixa renda, fugindo da lógica matemática, pois como visto
antes, a população brasileira é formada em 45,48% de pessoas brancas, então existe uma
seletividade no sistema carcerário (Departamento Penitenciário Nacional, 2019). Desses dados
surgem uma outra pergunta: se uma pessoa for branca, ela não será condenada e/ou presa?
Pelo que foi visto nas abordagens de necropolítica, o Estado impõe a um certo grupo
étnico estratégias administrativas que visam o controle da vida e da morte: saúde pública na
qual, desde o nascimento, passando pela vacinação, internação e obituário, tudo é inspecionado
e regulado pelas normas do Estado, educação pública, sistema habitacional, acesso ao mercado
de trabalho, o acesso à justiça gratuita e, por fim, o sistema de segurança pública.
O sistema de segurança pública é o ápice da necropolítica, pois o ser humano subjugado
desde o seu nascimento, afastado da saúde, da educação, da moradia básica e do mercado do
trabalho, rotineiramente é levado para a prática criminosa de maneira imposta pelas políticas
públicas do próprio Estado.
Diversos movimentos surgiram com a finalidade de lidar com os problemas da
criminalidade da nossa sociedade, tais como, Movimento Lei e Ordem, Direito Penal Mínimo
e o Abolicionismo Penal. Esses movimentos surgem em razão de que o atual sistema não está
funcionado. Todos os dias é possível perceber que a violência cerca a nossa sociedade, todos
os dias são noticiados diversos casos de violência.
Mesmo com a prisão de mais pessoas, com a ampliação e construção de mais presídios,
com equipamentos de segurança mais sofisticados, com o melhor armamento das forças
policiais, porém, mesmo assim, a criminalidade não cessa. Mais pessoas são mortas; são mortas
414
por policiais e também mais policiais são mortos em serviço ou fora dele, então, fica explícito,
que o sistema carcerário não vem dando certo.
O Abolicionismo Penal é o movimento mais radical de ruptura do sistema criminal atual,
pois ele deseja romper o sistema de investigação, defesa, julgamento e as penalidade do sistema
vigente. Quando o Abolicionismo Penal diz que a ênfase está na vítima e no agressor, os quais
atualmente estão reduzidos à condição de testemunha e de réu, respectivamente, ele propõe que
a vítima dever ser amparada pelo Estado como mártir das políticas pregadas por ele mesmo, ou
seja, ao invés da vítima apenas narrar pelo que passou (a violência que sofreu; o que lhe foi
subtraído; quem o injuriou ou ofendeu, etc..) no sistema inquisitório de investigação (Inquérito
Policial) e depois na persecução penal no Sistema Judiciário, ele deve ser amparado com a
reparação pelo dano sofrido, com apoio psicossocial e até mesmo, se possível for, com a
conciliação com o seu algoz.
No que se refere ao agressor, ele não seria confinado em um presídio ou algo
semelhante, já que isso no Abolicionismo Penal não existe mais; ele seria julgado por sua
comunidade, ou através de uma mediação entre as partes, também passaria por um tratamento
psicossocial, tal como a vítima, participaria de uma mediação com a sua contraparte e, por fim,
se necessário, pagaria uma pena, mas que não limitasse a sua liberdade de forma alguma.
Mesmo o Abolicionismo Penal apontando essas possiblidades, elas ainda são muito
dispersas, e ainda sem um plano prático de como colocar todas essas ideias em prática, por isso
é vista por muitos como um pensamento utópico, como falado por Ferrajoli (2006). Mudar um
sistema penal que já vem estabelecido a séculos não é fácil, pois exige uma mudança não só de
práticas carcerárias, mas de comportamento social de regras já estabelecidas, incutidas e aceitas
em uma sociedade racista.
Esse artigo aponta como uma visão dominante impõe punições exacerbadamente
severas e injustas a um grupo específico de seres humanos, os quais foram apontados como
diferentes – negros(a) – por indivíduos com o intuito de fomentar o ganho de capital,
Pessoas brancas passaram a tratar pessoas negras como suas propriedades, como
ferramentas de trabalho, como bens negociáveis. Hoje não mudou muita coisa, apesar de
pessoas não serem mais levadas à venda em feiras de escravizados, mesmo assim, elas ainda
servem de mão-de-obra barata com a finalidade de promover a locupletação de uma minoria
dominante e opressora. Ainda hoje pessoas são subjugadas, através de suplícios, para se
moldarem ao sistema de produção e se nele não se encaixarem, devem ser descartadas sem
nenhuma dificuldade.
Conclusão
Retomamos aqui a pergunta de investigação que é: como explicar por meio de uma
perspectiva decolonial por que a população carcerária é formada majoritariamente por pretos e
pardos? Observando a definição, as características e a estrutura da necropolítica, qual seja: o
poder do Estado de escolher quem deve viver e quem deve morrer, é possível apontar,
principalmente pelo percentual desproporcionalmente elevado de indivíduos pretos e pardos
encarcerados no sistema prisional brasileiro de que essa ferramenta jurídica penal é utilizada de
forma sistemática, aberta e sem melindres para segregar uma parte expressiva da população.
Todavia, como a sociedade brasileira é fundamentada em estruturas racistas, é difícil perceber
415
o racismo que enreda nossas relações sociais e nossas instituições.
O Estado dispões de várias ferramentas de necropolítica, como já vimos no presente
artigo – deteriorizando e vulnerabilizando a educação pública, o sistema habitacional, o acesso
ao mercado de trabalho, o acesso à justiça gratuita, etc. –, porém a ferramenta de controle mais
hostil, de segregação e amplamente utilizada, é o sistema carcerário, sendo ele um reflexo do
sistema de segurança pública que como visto também, hoje não é satisfatório para ninguém, a
não ser uma grupo hegemônico detentor de privilégios.
O Abolicionismo Penal é uma possibilidade ontológica de leitura de mundo que aponta
para essa mudança, mas, hoje, ainda esbarra no desenvolvimento de conceitos práticos para
implementação dessa teoria, já que a segurança pública é um dos temas que mais afligem as
populações.
Então para aceitação de qualquer mudança, é fundamental que ela se mostre viável,
segura e aplicável, por isso que estudos nessa área, como este artigo, são fundamentais para
isso.
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EIXO 08
417
Pessoas em situação de rua: violência, marginalização, cotidiano,
território e cuidado
1 Introdução
418
marginalização.
2 Método
3 Resultados e Discussão
419
equipamento. A escolha por tal arrumação se deve ao fato de acreditarmos que a atuação do
psicólogo nesse serviço não está desvinculada de uma discussão sobre a complexidade do
público atendido, bem como de que modo a instituição tem buscado trabalhar para a garantia e
cumprimento de seus objetivos e eixos norteadores.
O termo população em situação de rua (PSR) é usado para denominar o grupo de pessoas
que utilizam as ruas como locais em que desenvolvem suas atividades e constroem seus modos
de vida (Brasil, 2011). Porém, esses modos de vida, e portanto, esses sujeitos, são comumente
considerados como indícios de desordem urbana, e, principalmente, de insegurança e perigo
(Carneiro, 2019). Observa-se, assim, a existência de representações pejorativas em relação à
população em situação de rua, que se materializam nas relações sociais. “Vagabundo”, “sujo”,
“perigoso”, “coitado”. São designações comuns dirigidas à essas pessoas, o que repercute
também na construção das suas identidades (Alcantara, Abreu, & Farias, 2015; Escorel, 2009;
Mattos & Ferreira, 2004; Moura, Ximenes, & Sarriera, 2013).
Renegados à condição de miseráveis e invisíveis e tendo suas identidades estigmatizadas
e diminuídas, essas pessoas acabam por internalizar essas representações, manifestadas através
de um sentimento de culpa e vergonha (Alcantara, Abreu, & Farias, 2015). Esse aspecto foi
algo marcante durante as visitas ao Centro Pop, principalmente na forma de discursos como
“Trabalhar, não roubar” (José), “Roubo, cadeia, filhos, família” (José), “Ainda existe morador
consciente, né?” (Antônio), falas que eles trouxeram e que pareciam ter um profundo
significado para eles, pois ficavam repetindo essas palavras.
Além do estigma da criminalidade, fortemente vinculado a ligação que se faz entre
pobreza e delinquência, há também o estereótipo dessas pessoas como improdutivas,
preguiçosas e vagabundas, pois, na maioria das vezes, esses sujeitos se inserem em atividades
informais, algo desvalorizado no mundo do trabalho (Mattos & Ferreira, 2004). De encontro a
isso, na segunda visita, grande parte dos usuários manifestavam através da sua fala que
gostariam de terminar a atividade para que pudessem seguir para suas ocupações (atividades
temporárias, trabalhos nas feiras do Mercado Central de Sobral, dentre outros), assim como na
terceira visita, em que um dos sujeitos participava do grupo enquanto produzia seu artesanato,
possivelmente sua fonte de renda.
Podemos acrescentar ainda que trabalho é mais que somente uma ocupação ou um
emprego, ele ocupa um lugar central em nossas vidas, nos conferindo um lugar social e uma
identidade, e com isso, o não trabalho significa mais que o desemprego, representa a inutilidade
social e a desqualificação desses sujeitos no âmbito cívico e político (Escorel, 1999). São
indivíduos que estão inseridos em trabalhos instáveis e mal remunerados, testemunhas vivas de
que a exploração e a desigualdade estão no cerne do sistema de produção capitalista (Mattos &
Ferreira, 2004).
A partir disso, muitas vezes as pessoas em situação de rua não são vistas como iguais,
como integrantes do meio social, ou apenas não são vistas, como se fossem apenas coisas,
objetos. É nesse âmbito que podemos pensar sobre a importância de um serviço que se volte
para essa população, algo que o Centro Pop busca garantir.
420
3.2 Da situação de rua à construção do sentimento de acolhimento no Centro Pop
Através da nossa inserção no Centro Pop nos deparamos com as diferentes atividades
que os psicólogos desenvolvem, tais como visitas domiciliares, mediação de grupos e atividade
de acolhimento, bem como o acompanhamento de atividades mediadas por outros profissionais
e participação no Serviço Especializado em Abordagem Social, que realiza uma busca ativa nos
territórios para a identificação da incidência de pessoas em situação de rua e para informá-las
da existência do serviço, sendo muitas vezes o primeiro contato que esses sujeitos têm com a
instituição, sendo um importante momento para uma vinculação inicial (Brasil, 2011).
O trabalho da Psicologia no Centro Pop também busca proporcionar a escuta dos
421
usuários, algo que parece ser bastante significativo para eles, pois durante as visitas foi notável
o quanto eles apresentavam a demanda da fala, compartilhando suas vivências e identificando-
se uns com os outros. Com isso, acreditamos que os grupos realizados pelo serviço a partir da
mediação dos psicólogos se constituem como momentos em que essas pessoas podem dizer-se
enquanto sujeitos, ressignificando suas histórias e fortalecendo suas relações socioafetivas junto
às demais pessoas ali presentes (Alcantara, Abreu, & Farias, 2015).
Além disso, trabalhar a questão da culpabilização que parece marcar a identidade da
população atendida também é algo fundamental para os psicólogos inseridos no Centro Pop,
pois os usuários trazem constantemente em seus discursos que eles foram os únicos culpados e
responsáveis por destruírem suas famílias e por todas as demais situações vivenciadas por eles.
Na nossa terceira visita, quando um dos participantes do grupo falou algo nesse sentido, a
psicóloga trouxe que deve-se considerar toda uma estrutura (contexto social, familiar,
financeiro) que está relacionada com os contextos em que esses indivíduos estão inseridos, e
portanto, tentando trabalhar essa questão com essas pessoas, sendo isso algo que é
possivelmente diferente do que elas costumam encontrar nos olhares e discursos que recebem
nas ruas.
No tocante aos desafios da atuação, o trabalho do psicólogo no Centro Pop, assim como
nos demais equipamentos da Assistência Social, exige do profissional uma postura de “estar
em equipe”, sendo esta constituída por diferentes profissionais e até mesmo diferentes
instituições, demandando que o profissional psi opere com uma posição de abertura para
viabilizar a construção de uma intervenção coletiva (Conselho Regional de Psicologia Minas
Gerais [CRP-MG], 2015). Nesse âmbito, podemos considerar que os psicólogos acompanhados
por nós têm suas práticas pautadas em um fazer interdisciplinar e interinstitucional, realizando
parcerias com os demais equipamentos e profissionais da rede, o que potencializa o serviço
realizado.
Uma outra questão importante trazida pelos profissionais do equipamento seria a falta
de literatura acerca das experiências dos psicólogos no Centro Pop. Assim, além dos
profissionais inseridos nos dispositivos da Assistência trazerem constantemente que suas
formações não ofereceram subsídios suficientes para a atuação nas políticas públicas, algo que
foi evidenciado na fala de diferentes profissionais que tivemos contato no decorrer do Estágio
Básico I e II, os psicólogos do Centro Pop também trouxeram que os profissionais psi não têm
produzido sobre suas práticas. Diferentes fatores podem estar relacionados a essa questão, tais
como a dificuldade de produzir estando inserido em um trabalho que muitas vezes exige muito
desses profissionais, ou até mesmo o fato dessa inserção nesses espaços ainda ser recente, mas
para além disso, enfatizamos a importância de debates e publicações acerca do trabalho da
Psicologia em seus diferentes espaços de atuação, bem como sobre as vulnerabilidades e
questões sociais que atravessam os diferentes públicos atendidos pelos equipamentos da rede
assistencial.
O contraditório desse cenário é que os profissionais têm o objetivo de desenvolver ações
de proteção social para aqueles que na maioria das vezes se encontram em situação de vínculos
laborais fragilizados, sendo que eles próprios vivem sob essa condição, convivendo com a
insegurança quanto aos seus empregos, com baixos salários e falta de perspectiva de ascensão
na carreira (Macedo et al., 2011). Esse aspecto foi evidenciado em nossas visitas quando um
dos psicólogos teve que deixar o serviço devido ao fim do seu contrato, o que interfere na
continuidade das ações e fragiliza o trabalho em equipe. Nesse sentido, a rotatividade excessiva
de profissionais foi apontada pelos psicólogos como um dos maiores empecilhos para a
efetividade das ações desenvolvidas pela instituição, visto que despotencializa uma das
principais ferramentas da política, que são os vínculos formados entre os profissionais e os
422
usuários.
Ademais, outro aspecto evidenciado em nossas observações seria a noção de que é
extremamente importante que o psicólogo não se restrinja a uma visão dos usuários atendidos
como indivíduos “necessitados” ou como “aqueles que têm fome” (pois esta nem sempre é
resolvida com um prato de comida), mas que considere as condições sociais, econômicas e
afetivas que estão envolvidas na produção dos contextos de vulnerabilidade. Portanto, a atuação
do psicólogo nessa instituição requer a construção não apenas de novas metodologias, mas
também de um pensamento crítico que esteja voltado para a própria atuação profissional dentro
de um contexto marcado por inúmeras desigualdades (Senra & Guzzo, 2012).
Ressaltamos também que apesar da atuação do psicólogo nessa instituição se aproximar
do que é exercido pelos demais profissionais, sua formação acadêmica constitui sua identidade
profissional e fornece a base para o seu olhar e o seu modo de atuar nesse espaço. Para esses
profissionais, a intervenção com a PSR escapa às características do fazer psicológico
tradicional, pautado na clínica tradicional e individualizada, e se constitui em uma atuação
interdisciplinar e que se desvincula de posições endurecidas, com base em uma “escuta ativa e
de um fazer que contribui para que o próprio sujeito encontre alternativas para sua vida, entre
outros, de forma a ampliar seu acesso a direitos e sua participação política” (CRP-MG, 2015,
p. 50).
4 Considerações Finais
423
realmente vivenciá-la e vermos na prática a riqueza desses momentos. Reconhecemos, portanto,
a potência que essas disciplinas têm enquanto meio para aproximar o fazer do psicólogo
daqueles que no futuro podem estar inseridos nesses espaços.
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TECENDO ENCONTROS: TRABALHANDO VIOLÊNCIA SEXUAL COM
425
MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA NA CIDADE DE FORTALEZA-CE
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo trazer à reflexão situações de violência sexual na vida
de mulheres em situação de rua na cidade de Fortaleza- CE. Trata-se de um relato de experiência
acerca de um grupo terapêutico de costura de retalhos para confecção de cobertores. O grupo
intitulado “tecendo encontros”, tinha o intuito de reunir as mulheres acompanhadas e atendidas
pelo projeto Corre pra Vida, um projeto do Governo do Estado do Ceará voltado ao atendimento
e acompanhamento de pessoas em situação de rua. O Corre pra Vida, foi inspirado na iniciativa
da Secretaria de Justiça e Cidadania da Bahia em parceria com o Centro de Estudos e Terapias
de Abuso de Drogas (CETAD) que desenvolveu o projeto “Ponto de Cidadania”. Em Fortaleza-
CE, a implantação do projeto ocorreu em 2015.
O projeto surge para integrar a rede de políticas públicas direcionadas à população de
rua e ao cuidado relativo ao uso problemático de substâncias psicoativas. Dessa forma, atuando
de modo integrado com os dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), Unidade
Básica de Saúde (UBS), e equipamentos da Rede Socioassistencial direcionados para a
população de rua, como Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua
(Centro POP), serviço de abordagem de rua, casa de passagem e acolhimento, entre outros.
Contávamos com uma equipe multiprofissional formada por um psicólogo, uma
enfermeira, uma assistente social, um cientista social e seis redutores de danos. Assim,
começamos a desenvolver cuidado interdisciplinar, voltado às pessoas em situação de rua, com
o objetivo de criar e fortalecer uma rede de suporte e vínculo que garantisse o cuidado territorial
e comunitário frente a suas dificuldades.
O grupo terapêutico de costura de retalhos era facilitado por uma redutora de danos e
um terapeuta ocupacional. No ato da costura, íamos construindo reflexões sobre as situações de
violência sexual e a rede de serviços de proteção social, bem como nos aproximarmos e
compreendermos suas demandas. Enquanto profissionais que compõem os serviços que
assistem esta população, devíamos estar atentos aos impactos que os modos de vida na rua têm
sobre a complexidade da situação de rua para as mulheres, que demanda a ampliação do próprio
conceito de cuidado e a inclusão dessas diferenças nas políticas de atenção à população em
situação de rua.
No cotidiano, pudemos observar que viver na rua, para as mulheres acompanhadas e
atendidas pelo projeto, perpassa pela necessidade de construírem relações que oportunizem sua
vida cotidiana, uma vez que, são mais vulneráveis a violência sexual e as opressões de gênero
presentes na dinâmica da rua, como ter que necessariamente fazer sexo contra sua vontade, pelo
simples fato de estar sozinha, sem um parceiro. Entretanto ao tentarmos discorrer sobre o
assunto, por presenciarmos cenas de agressões que aconteciam no equipamento do projeto, o
tema era nos desautorizado. As usuárias assistidas pelo projeto, não verbalizavam sobre as
agressões. Foi por meio dessa linguagem não dita, presente no diaadia que compreendemos
que para boa parte dessas mulheres, aceitar tal violência do parceiro era por vezes a única
condição de proteção em meio as demais violações do cotidiano.
2. TECER OS ENCONTROS
*
Psicóloga e Redutora de Danos, pósgraduanda em Saúde da Família. drielivenancio@outlook.
426
A ideia de um grupo terapêutico para costura de retalhos, surge a partir dos atendimentos
individuais e da linguagem não dita, tínhamos a comunicação observável, que nem sempre nos
permitia intervenções mais diretas. Presenciávamos as relações de algumas mulheres com seus
companheiros e as demonstrações de agressividade no próprio equipamento do projeto, por
vezes interrompidas por nós, profissionais. Quando indagadas de quanto tempo aquela relação
existia e/ou se o parceiro reagia daquela forma em outros momentos, o atendimento era
interrompido. Adentrar na temática da violência sexual nos exigiu habilidade e imersão
gradativamente. Nas conversas aparentemente distraídas, enquanto pensávamos em como
abordar sobre violência sexual com as usuárias a costura surgiu como interesse em comum entre
elas. Surge a partir de a ideia do grupo terapêutico de costura de retalhos para conhecermos e
nos aproximarmos da linguagem não dita.
A ideia apresentada para as usuárias, era de que costuraríamos retalhos, afim de
produzirmos cobertores paras as participantes do grupo.
O grupo terapêutico ocorria, uma vez por semana, em frente ao equipamento do projeto
(na rua), com a costura dos retalhos como figura de destaque para os encontros.
O número de mulheres atendidas e acompanhadas pelo Corre pra Vida eram
consideravelmente menores que os número de homens atendidos e acompanhados, contudo
inicialmente chegamos a ter 12 usuárias para o grupo terapêutico, ao longo dos encontros
chegávamos a reunir entre 5 e 7 participantes. Tínhamos alguns critérios para participação no
grupo: ser mulher e estar em situação de rua.
Os encontros eram registrados no caderno de campo dos profissionais e instrumentais
de comprovação de atendimentos grupais do serviço.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na rua se você é mulher, você não tem sossego, só pra começar, sozinha
você não consegue ficar. Se você vem pra rua e pensa que vai ter paz,
tá enganada, os homens acham que você tem obrigação de fazer sexo
com eles, se você diz não, que não quer, você vira brinquedo nas mãos
de todos, até dos “noiados”, daí você precisa ter um companheiro, aí os
caras não mexe com você, melhor com um, do que com todos.
427
levantar essa discussão com as interlocutoras de sua pesquisa, mulheres em situação de rua,
usuárias, percebeu das mesmas que as violações sexuais as levavam a um descuido de seus
corpos, que era uma questão advinda de recorrentes casos de estrupo.
Todas as mulheres que participaram do grupo terapêutico de costura de retalhos,
sofreram violência sexual na rua, e este momento é apontado como o início da vida nas ruas,
quase como um rito de passagem, uma condição. Algumas relataram a violência sexual como
causa de ida para as ruas, outras apontaram a violência sofrida como episódio que colaborou
para um uso abusivo de substâncias ilícitas. Desse modo reiteramos o relato acima, em que diz
que a proteção da mulher na rua, perpassa a presença masculina e o estabelece relações de
hierarquia entre homens e mulheres.
Contudo, a violência está presente no cotidiano das mulheres, seja pelos homens e/ou
por elas mesmas:
Lúcia: Tem mulher que chega na praça sozinha, a gente “dá o toque”,
ela se faz de doida, quando chega a noite quer se arranjar com o
primeiro homem que aparece. Fica dando em cima do macho que já tem
mulher, a gente bate mesmo. E tem as doidas de pedra, que faz qualquer
“chupada” por uma pedra, essas não têm respeito, quando tá na “nóia”
e se faz de doida, apanha também.
As narrativas nos fizeram compreender uma constante que se repete na vida dessas
mulheres, a violência de gênero e o uso abusivo de substâncias psicoativas. Estar na condição
de companheira de um homem na rua, possibilita uma proteção mínima em relação aos abusos
sexuais por parte de outros homens na mesma condição, entretanto o companheiro de rua
também contribui para esse ciclo de violência, uma vez que sob efeito do crack se torna violento
e agressivo com a companheira, ou questiona o seu uso abusivo, muitas vezes com brutalidade.
Uma relação onde por vezes os corpos das mulheres evidenciam “utilidade e obediência”
(Tiene, 2004).
Para algumas mulheres a proteção se dava por elas mesmas, essas expõem uma certa
raiva/incômodo com a ideia de necessariamente terem um parceiro para garantir sua proteção,
portanto viviam em grupo e reversavam durante a noite em quem ficava em alerta e quem
dormia. Observamos mulheres que mantinham seus corpos extremamente sujos, apesar das
investidas em comparecerem ao equipamento do projeto para tomarem banho, não obtínhamos
sucesso, essas geralmente eram vistas sozinhas, sem parceiro e/ou grupos de mulheres.
Havia as mulheres com trejeitos masculinizados, lésbicas ou não necessariamente,
compreendíamos essa performance como possibilidade encontrada para proteção. Algumas
estavam sempre no “corre”, vendendo crack e dificilmente passava muito tempo no
equipamento, se não fosse necessário.
Para as mulheres em situação de rua as limitações e regras impostas nas ruas produz um
ciclo que se retroalimenta. Para algumas a fuga do ambiente doméstico, se dá por não
suportarem mais as violências e deterioração dos vínculos familiares e na rua se deparam com
a continuidade dessa violência. Por ser em um espaço historicamente construído como “espaço
masculino” (Alves, 2008).
Comecei a beber quando tinha 13 anos, minha mãe vivia na rua o dia
inteiro. Em casa era eu e mais 6 irmãos, a gente se virava como pode,
pedia comida aos vizinhos, pedia comida no sinal, dava pra ir vivendo.
Aí minha mãe arranjou um macho e botou ele dentro de casa, pouco
tempo ele tava comendo eu e minhas irmãs, quando contei pra ela, ela
me deu uma surra, apanhei tanto que resolvi sair dali. Fiquei alguns dias
428
na casa de umas tias, mas era tudo difícil e vim parar na rua. Na rua já
engravidei, dei meus filhos, é isso, a gente se vira como pode né?
A narrativa acima é de Sofia, uma das usuárias atendidas e acompanhadas pelo projeto,
uma interlocutora com quem tínhamos dificuldades para vincularmos. Sofia, como iremos
chamála, é um nome fictício, estava sempre acompanhada de seu companheiro. Sempre sob
efeito de álcool, passava boa parte do dia inteiramente embriagada. Chegávamos a presenciar
discussões de ambos no equipamento do projeto, ela se mostrava sempre brava e ciumenta, ele
(em nossa presença) parecia querer contornar a situação com diálogos. Entretanto eram muitas
as situações em que Sofia chegava machucada no equipamento, olhos, braços, pernas, e nádegas
roxas. Quando isso acontecia, ela nos procurava com choros e soluços, não conseguia
pronunciar nenhuma palavra. Acolhíamos, distribuíamos insumos (sabonete, escova, pasta,
protetor solar e brilho labial), aguardávamos até ela se acalmar, mas infelizmente ela não
discorria sobre os machucados. Quando a convidamos para participar do grupo terapêutico de
costura, mesmo sob efeito do álcool disse que compareceria. Apareceu no terceiro encontro do
grupo, chegou ao equipamento no momento em que o mesmo acontecia a convidamos a sentar
conosco e ficou apenas observando. Entre uma fala e outra das demais usuárias, chorava muito,
o estado de embriaguez a fazia pendular, se esforçando para permanecer sentada na cadeira.
Durante alguns encontros Sofia permanecia sem conseguir contribuir com as discussões que
surgiam durante a costura. Até que depois de um processo de insistência de uma outra usuária,
Sofia conseguiu chegar para o grupo menos embriagada e nesse dia, somente ela falou durante
todo o grupo.
Ter Sofia conosco no grupo, mesmo sem conseguir acompanhar as discussões em boa
parte dos encontros, nos fez constatar o quanto Sofia era desrespeitada pelas demais por ser
usuária abusiva de álcool e crack, embora as demais participantes fossem também usuárias.
Acontece que essa fase inicial de ida as ruas e o uso de drogas são marcados por um maior
descontrole da droga, “o rito de passagem” mencionado anteriormente, assim como os casos de
violência sexual que desencadeia o uso frenético. Sofia entre idas e vindas, estava há mais de
10 anos em condição de rua. O tempo de permanência na rua revela uma posição e/ou
constituição das características das pessoas que habitam as ruas. Alguns autores referemse a
uma classificação que segundo Vieira et al. (1992 citado por Serrano 2013, p. 7) as pessoas de
rua compõem os grupos: dos que “ficam na rua” (chamados de circunstanciais), os que “estão
na rua” (chamados de recentes) e os que “são de rua” (os permanentes). Paras as demais usuárias
Sofia era alguém “de rua” uma condição permanente, e que por isso já deveria ter aprendido a
controlar o uso de substâncias de acordo com a dinâmica da rua. Pois como mencionado
anteriormente, o uso abusivo revela um desconhecimento da rua, um início nessa condição. A
população dita como “de rua” têm integralmente a rua como espaço de referência. Sofia sofre
com as diversas transformações do seu estado de saúde mental, consequente de condições
precárias de alimentação, do consumo abusivo de crack, estupros e precária higiene. Algumas
usuárias relataram um uso mais sequente nos primeiros meses/anos em situação de rua, que no
decorrer o uso foi se “controlando”. Ponderação que precisa ser aprendida para a segurança das
usuárias. Nesta perspectiva, apreender a cultura em relação ao uso de substância psicoativas das
mulheres em situação de rua é também perceber como as violências patriarcais tomam forma
neste contexto de pesquisa e sobretudo como o crack é utilizado para aliviar sofrimentos
gerados de violências de gênero (Malheiro, 2018).
Outro ponto que nos chamou atenção na narrativa de Sofia, foi o fato de ter tido filhos
na rua e ter “dado” seus filhos. Havia tido dois filhos, o primeiro nasceu em uma maternidade
próxima ao equipamento o projeto Corre pra Vida. Após o nascimento da criança, a equipe ao
descobrir que Sofia estava em situação de rua, sem documentação e sem família nuclear que
pudesse assumir os cuidados a criança, lhe negou o direito a maternidade. Saiu do hospital sem
429
seu filho. O segundo resolveu ter na rua, com a ajuda dos “irmãos de rua”, foi a estratégia que
julgou ser a mais coerente para não perder seu segundo filho. Alguns dias depois o entregou a
uma conhecida que residia em Sobral, município do estado do Ceará, há 230 km, de Fortaleza.
Ela estava “vez ou outra por aqui”, me trazia lanche, me dava dinheiro,
dizia que meu filho ia nascer loiro que nem eu, que ela podia ajudar nós
dois. Quase todo mês ela vinha, eu já ficava contando com o dinheiro
que ela me dava. Quando meu filho nasceu, ela disse que tinha feito um
quarto pra ele que na casa dela era só ela e o marido e os dois era
professor, que ia colocar ele em escola particular. Ela pediu para ajudar
e ficar com ele e eu dei.
As falas de Sofia durante o grupo, mantiveram as demais usuárias atentas a parte de sua
história da qual elas não conheciam. No momento em que Sofia discorre sobre a saída do
hospital sem o filho, algumas usuárias falaram em um tom quase inaudível, que após esse
episódio, ela tinha se “acabado na pedra”, termo usado para caracterizar uso abusivo de crack.
Relataram que Sofia fazia programa para sustentar o seu uso e de seu companheiro, que a
agredia constantemente.
Dentre todas as narrativas acima, o Estado na figura de política pública, surgiu como
um violador do direito de Sofia em vivenciar a maternidade e sua saída do hospital sem o seu
filho. No mais, os serviços de atenção a população em situação de rua, não é mencionado.
Dentre as estratégias que essas mulheres apontaram como proteção entre elas, não incluiu
nenhum serviço ou órgão público. Apontaram: Conseguir um companheiro para garantir a
proteção, não fazer uso de substâncias em rodas onde só estejam homens, andar em grupo e
para algumas, manter o corpo sujo, com trejeitos masculinizados.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
430
possuir documentos é uma constante na vida de quem habita as ruas, seja pela ausência de um
lugar seguro para a guardar dos pertences pessoais, seja pelos inúmeros assaltos que sofrem.
Algumas mulheres relataram episódios que contribuíram para um percurso de vida nas
ruas, como casos de violência sexual ainda na infância e a fuga das violências físicas vividas
no ambiente doméstico, bem como o início do uso de crack e outras substâncias ilícitas
desencadeados como consequências dessas violências de gênero sofridas, no ambiente
doméstico e a repetição desta no espaço da rua.
Avançamos enquanto legislação, garantindo um fluxo de atendimento e proteção para
as mulheres que sofrem violência doméstica. No entanto, esquecemos a violência sofrida por
aquelas que não possuem domicílio. Logo, se faz necessário pensarmos em um atendimento em
rede, que inclua atenção e cuidado informais como a rede comunitária, inclusive para
pensarmos em família afetiva, quando a família nuclear e extensa não é uma possibilidade. Uma
rede articulada que garanta minimamente o exercício a maternidade, o abrigamento de mãe e
filho e proteção em casos de ameaças e violência, já que os serviços de proteção a mulher não
conseguem alcançar a que está em situação de rua. É preciso ainda quebrarmos com o ciclo de
punição a essas mulheres, visto que quando o Estado não permite que as mesmas exerçam a
maternidade ao retirar seus filhos tornase uma sentença punitiva resultante de uma
discriminação da figura da mulher usuária de substâncias ilícitas e em situação de rua, como
alguém incapaz de exercer os cuidados necessários a uma criança.
Se faz necessário que os movimentos sociais organizados, denunciem esses casos e
façam valer os direitos das mulheres, seja de permanecer com seus filhos ou decidirem entregá
los para adoção. Essas narrativas precisam de espaços na política pública e na academia.
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PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA, INVISIBILIDADE E O USO ABUSIVO DE
432
ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: UM ESTUDO DE CASO
1 Introdução
433
psíquicas, físicas e sociais.
Dentre tais efeitos, citam-se: alteração da consciência com a finalidade de rememorar
experiências anteriores (Varanda, 2009); integração a grupos como elementos socializadores
(Paiva, 2019; Raupp, & Adorno, 2010; Varanda, 2009); alívio do frio, da fome, do sofrimento
psíquico e da solidão (Jabur, Campos, Souza, & de Paula, 2014; Varanda, 2009) e é um aspecto
que revela a exclusão social pela vivência na rua, de acordo com Jabur et al. (2014).
O presente artigo é oriundo de um trabalho de conclusão de curso da autora e orientado
pela coautora, caracterizando-se como um estudo de caso único de abordagem qualitativa. Os
estudos sobre PSR são sempre temas de relevância, mas há a necessidade de ser investigado
com maior profundidade, visto que os critérios estabelecidos pelos censos demográficos
estudam, na sua grande maioria, pessoas domiciliadas, prejudicando a criação de políticas
públicas para a PSR e reforçando a invisibilidade de tal segmento populacional.
2 Objetivo
Analisar a invisibilidade na vivência de uma pessoa em situação de rua que faz uso
abusivo de drogas na cidade de Sobral, Ceará.
3 Método
A investigação se caracteriza por ter um cunho qualitativo. Este tipo de pesquisa lida
com um vasto campo de significados e acessa particularidades subjetivas, como crenças, valores
e atitudes, conforme afirma Minayo (2002). O delineamento da pesquisa se deu por meio de
um estudo de caso único, utilizando apenas um participante para realizar uma análise ampla e
profunda. O estudo de caso se define por ser um trabalho empírico que determina a investigação
de um “fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real” (Yin, 2001, p. 32).
O cenário de pesquisa ocorreu na cidade de Sobral, Ceará, localizada a 230 quilômetros
de Fortaleza. O único participante foi denominado de Calopsita com a finalidade de preservar
sua identidade. Escolheu-se o nome da ave pela relação de ele sentir-se um “pássaro preso na
gaiola” (sic), fazendo uma metáfora com estar preso às ruas, não conseguindo sair dela. Ele
tinha 30 anos no momento que foi realizada a entrevista, estava há 20 anos na rua e fazia uso
de álcool e outras drogas há 10 anos. Os critérios de inclusão para participar da pesquisa foram:
ser do sexo masculino, fazer uso de álcool e outras drogas e estar em situação de rua por pelo
menos 06 (seis) meses.
A autora primou por realizar a busca ativa pelo participante. Conforme andava pela
cidade, ela buscava identificar qual era o lugar de estadia de Calopsita, mesmo reconhecendo a
brevidade de ocupação dos espaços urbanos dele devido a característica migratória que a PSR
contém. Percebeu-se que o seu local de permanência era o mesmo de seu lugar de trabalho
como guardador de carros, profissão popularmente conhecida como flanelinha. Também foram
identificados os grupos de interação social do participante supracitado. Após a identificação de
tais aspectos geográficos e sociais, tentou-se estabelecer o vínculo com Calopsita antes da
aplicação dos instrumentos de coleta de dados.
A coleta de dados foi realizada por meio de diário de campo, observação participante e
434
entrevista semiestruturada captada pelo gravador. Esses três tipos coleta são previstos nas
noções técnicas em Pesquisa Social de Minayo (2002). Deste modo, o diário de campo é um
instrumento utilizado para relatar impressões, angústias, insights e percepções durante o
processo de pesquisa. A observação participante possibilita a inserção de modo direto do(a)
pesquisador(a) no campo de pesquisa, observando a dinamicidade do contexto. Finalmente, a
entrevista semiestruturada permite que o(a) pesquisador(a) tenha um roteiro previamente
estruturado, mas possibilita que o participante aprofunde sobre determinada temática. Ela teve
a duração de 43 minutos e 28 segundos. Após a gravação, realizou-se a transcrição da entrevista
e a analisou pela análise de conteúdo fundamentada em Bardin (1977).
A análise de conteúdo de Bardin (1977) considera a manifestação de dados, estados e
fenômenos, levando em consideração a objetividade e a subjetividade das informações. Os
aspectos éticos da pesquisa foram atendidos em decorrência da pesquisa lidar com o ser
humano. O projeto de pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de
Ética da Universidade Vale do Acaraú (UEVA) através do parecer consubstanciado de número
2.989.373, respaldando-o na Resolução Nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
5 Resultados
A entrevista com Calopsita foi realizada em um dia de domingo. Porém, nos encontros
anteriores, houve o acordo para realizá-la no dia antecedente, ou seja, no sábado. Era um dia
ensolarado, às 14h30min. Mas não foi possível de fazê-la devido ao sentimento de vergonha
verbalizado pelo participante por conta da condição em que ele se encontrava: sem tomar banho,
com odor, suado e sem ter feito sua primeira refeição. Ao relatar tal situação, ele não olhava
nos olhos da pesquisadora. Essa vivência revela um dos traços do seu cotidiano: não ter onde
suprir suas necessidades básicas em razão do fim de semana, visto que nos demais dias há o
acesso às políticas de assistência social, por exemplo, o Centro de Referência Especializado
para População em Situação de Rua (Centro Pop).
Ainda no sábado foi acordado uma data e um horário para marcar a entrevista. Ele
confirmou que seria no dia posterior, às 18 horas. E assim aconteceu. Veio para o encontro já
alimentado, com banho tomado e estabelecendo contato visual com a pesquisadora. Relatou
que não se sentia confortável de estar nas condições citadas anteriormente, pois estava “todo
errado, todo sem jeito, não estava me sentido bem de tá perto de você e você perto de mim
nessa situação” (sic), bem como precisava de uma pessoa que o escutasse para “dar um pouco
de atenção” (sic).
A primeira droga que ele teve contato foi com o cigarro, depois passou para a bebida
alcóolica e, por fim, o crack. Relata que usou esta última pela primeira vez por curiosidade em
uma roda de amigos, em que um deles ofereceu. O participante experimentou, gostou da
sensação e até hoje faz o uso abusivo. Ele afirma que o crack influencia a pessoa em situação
de rua a permanecer em tal condição, pois “se não fosse ela, se não fosse essa maldita droga,
desculpe o palavrão, eu não estava nessa situação em que eu estou” (sic). Afirmava que
gostaria de conseguir superar a dependência, mas sentia que não consegue fazê-la sozinho.
No decorrer da entrevista, o participante disse que passou a madrugada trabalhando e
conseguiu juntar R$50,00, porém, gastou com um lanche e o restante em droga. Ele possuía um
nível de dependência exacerbado com o crack a ponto de deixar seus documentos
435
“empenhados” 51 com traficantes devido ao não pagamento no ato da compra.
Calopsita afirma que é vexatória a condição de estar em situação de rua e ser usuário de
drogas, pois “o cara é morador de rua, o cara é viciado, o cara nem olha, ‘cê’ tá me
entendendo? [...] se eu arrumasse um emprego, um canto pra ‘mim’ viver, uma outra vida, eu
saía na hora! Saía não, eu saio!” (sic).
O participante afirma que quando começa a usar crack, “os meninos” (sic), ou seja, o
grupo social que está inserido, já sabem que ele está sob efeito da substância psicoativa (SPA)
por conta dos sinais no momento do uso: olhos vermelhos e esbugalhados e insônia. Afirma
que quanto mais usa, mais sente desejo em continuar usando. Porém, relata que só ganhou
desprezo da sociedade e da família por ser usuário de drogas.
Como citado anteriormente, Calopsita pretende parar de usar crack, mas reconhece que
precisa do auxílio de terceiros para conseguir. Quando pensa sobre isso, considera também que
gostaria de ter
a minha vida de antes. Ter tudo o que eu tinha de volta. Possuir as coisas que eu já possui
de volta. E de novo né... e voltar a ser gente. Eu sou gente, mas não sou gente como eu
era antes. Era pra eu ser gente... quero voltar a ser gente que eu era antes. Ter as coisas,
possuir as coisas que eu tinha. Oportunidade boa que hoje em dia eu não tenho mais.
Pois é... Difícil. Difícil lutar contra ela. Muito difícil.
Em suma, Calopsita considera que viver na rua “é uma desgraça” (sic). Mesmo que haja
o apoio de instituições como o Centro Pop, o Posto de Saúde da Família (PSF), os restaurantes
próximos, as pessoas que fazem doações de roupas e alimentos, e os conhecidos que partilham
da mesma vivência de rua, o participante almejava em demasia sua saída de tal condição.
Considera a droga como um refúgio, mas reconhece que ela ainda é uma das prisões que
retroalimenta sua permanência no contexto urbano.
6 Discussão
Quando Calopsita relata seu sentimento de vergonha por não ter suprido suas
necessidades básicas – tomar banho e fazer a primeira refeição - em um dia anterior à entrevista,
percebe-se que ele é atravessado pela identidade social de morador de rua (Moura Júnior,
Ximenes, & Sarriera, 2013). O que sustenta essa identidade é o papel social de “drogado, de
violento, [...], de sujo e de doente” (Moura Júnior et al, 2013, p. 20). Para além do estado de
pobreza que ele se encontra, a opressão é um fenômeno que permeia sua experiência devido à
discriminação e estigmatização intensa sobre a PSR.
O fato de o participante verbalizar que estava precisando conversar com uma pessoa
para ter “um pouco de atenção” (sic) e afirmar que, além do estigma que carrega por ser
“morador de rua e viciado” (sic), desejava arrumar um emprego formal, demonstra de modo
explícito a invisibilidade social vivenciada por ele. A invisibilidade social, segundo Delfin et al
51
No contexto da PSR, empenhar significa deixar os documentos com pessoas ligadas ao tráfico de drogas como
uma garantia do pagamento futuro pelo produto comprado.
(2017) é uma construção estruturada por elementos referentes às produções sociais, como “a
436
humilhação social, [...], o silenciamento do sofrimento social, a produção midiática do discurso,
a privatização dos espaços nas cidades, e a repulsa do diferente à diferença” (p.2).
Os mesmos autores afirmam que a invisibilidade também é demonstrada quando o corpo
da pessoa em situação de rua figura um elemento do contexto urbano como uma parte da
arquitetura da cidade. Deste modo, os sujeitos-que-não-estão-em-situação-de-rua não se
permitem ao encontro com o segmento populacional em questão, pois existe um imaginário
social que permeia a PSR no que se refere às representações sociais de medo e violência. Assim,
não se permitem ao contato, ao novo e ao encontro com este segmento populacional (Delfin et
al, 2017).
Portanto, esse processo da invisibilidade social não é perceptível apenas na insuficiência
de dados demográficos sobre a PSR. Ele é declarado no cotidiano, na deficiência de relações
sociais e no estigma que a atravessa, como afirmam Alípio, Cassiano, Silva, & Pimentel (2019).
Desejar ter atenção do outro é querer ter espaço de fala e sentir abertura nesse outro que escuta;
é desejar reciprocidade. É ter encontro.
Percebe-se também o sentimento de vergonha que perpassa Calopsita por ser usuário de
drogas e estar em situação de rua. Segundo Moura Júnior & Ximenes (2016), a vergonha
provoca o “isolamento social do indivíduo envergonhado” (p. 270) devido à exposição que está
diante da sociedade, estando sob olhar de transeuntes que constituem sua realidade. Deste
modo, a vergonha determina que seu papel social se limite a ser somente o “drogado” e o
“morador de rua”52.
É importante situar a representação das drogas na vivência de rua de Calopsita. Ele
afirma que elas possibilitam uma sensação de refúgio de sua vida, mesmo entendendo que ela
retroalimenta sua permanência no contexto urbano. Ora, em uma situação de vulnerabilidade
social, de experimentar discriminações, estigmas e invisibilidade de modo rotineiro, a droga
vem cumprir a função de alterar o estado de consciência. Deste modo, Varanda (2009) reitera
que o sujeito em situação de rua rememora vivências anteriores, atribuindo novos significados
à sua realidade.
De acordo com Moura Júnior e Ximenes (2016), através da droga, o indivíduo consegue
mediar seu sofrimento e seu desconforto perante a realidade e assim almeja estados de prazer e
de alívio. No contexto das ruas, o uso de drogas é feito tanto individual como em grupos. Deste
modo, outro fator que vale ser analisado é o fato da droga ser um elemento de integração social.
Quando Calopsita fala que seus colegas sabem quando está usando crack ou não está, isso
evidencia a forma como ele faz uso das drogas: em grupos. Tais substâncias psicoativas
possibilitam a integração grupal, pois são elementos socializadores e diminuem a sensação de
solidão (Raupp & Adorno, 2010; Varanda, 2009).
No que tange ao sentimento de desprezo da sociedade e da família por ser usuário de
drogas e afirmar que ao se libertar da droga, também se libertará da situação de rua, Calopsita
certifica pra si mesmo que o uso abusivo de substâncias psicoativas aprisiona o sujeito “em
formas de reconhecimento perverso” (Lima, 2008 apud Moura Júnior & Ximenes, 2016, p.
261). A identidade do indivíduo é reduzida somente a um “drogado”, demonstrando uma
52
Essa expressão não é mais utilizada nas políticas públicas e na literatura em decorrência do caráter estável e fixo
que ela representa. Ela foi usada neste trabalho para evidenciar o sentimento de ser “morador de rua” por parte do
participante.
natureza pejorativa e deprecativa das pessoas que são usuárias de álcool e outras drogas em contexto de
437
pobreza (Moura Júnior & Ximenes, 2016).
Tal sensação repercute na maneira em como o participante se considera como “gente”
(sic). Ele considera que é uma pessoa, um ser humano, mas não como em tempos atrás, quando
não fazia uso SPA’s e quando não estava em situação de rua, de acordo com o seu relato citado
anteriormente. Deste modo, sob a ótica do fenômeno da vergonha, Calopsita faz uma avaliação
pessoal negativa devido a sua baixa estima, sentindo-se inferior e sem poder, como
demonstrando também no estudo de Moura Júnior et al (2013).
Assim, o fato de carregar o papel social de ser usuário de drogas e estar em situação de
rua, o desprezo da sociedade e da família, e a vergonha são elementos que se cruzam e
demonstram o processo de invisibilidade social na vivência de Calopsita. Nota-se em seu relato
que a “vulnerabilidade, a experiência da [...] discriminação afetam o corpo, a identidade e a
percepção de mundo das pessoas em situação de rua” (Pimenta, 2019, p. 102). Ele se sente
insignificante e menor diante de pessoas-que-não-estão-em-situação-de-rua, tornando explícito
o peso que atravessa sua experiência.
Ao afirmar que a sua condição está atrelada ao uso abusivo do crack, Calopsita
culpabiliza a droga pelos seus males sociais, mas é ela quem lhe possibilita um bem-estar que
não é encontrado de outras maneiras, da mesma forma como Varanda (2009) constatou na sua
tese. Ainda é o crack que lhe faz suportar o cotidiano.
Ao estar no contexto de rua, a PSR constrói estratégias de sobrevivência para lidar com
a realidade, criando novos modos de vida para suprir suas necessidades e enfrentar
adversidades, como a invisibilidade e o uso abusivo de álcool e outras drogas narrados nesse
estudo de caso. Porém, o sentimento de impotência que Calopsita carrega por não conseguir
diminuir o consumo de álcool e outras drogas, por não se considerar como um sujeito e por
estar em situação de rua constitui a identidade de um indivíduo aprisionado a esses papéis,
estando sem perspectivas para o seu futuro.
7 Conclusão
438
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439
EIXO 09
440
Medidas e Avaliação Psicológica no Desenvolvimento Humano
Introdução
441
considerada um problema que afeta muitos estudantes, pois reduz a eficiência no aprendizado.
Por isso, AE é também um dos fatores que pode vir a comprometer a permanência do estudante
no curso, pois aumenta o risco de reprovação (Jadue, 2001). Considerando a
multidimensionalidade do construto ansiedade, em algumas pesquisas (Hodapp & Benson,
1997; Karino & Laros, 2014; Keith, Hoddap, Shermelleh- Engel & Mossburgger, 2003) têm
sido apontados 4 fatores: preocupação, emoção, distração e falta de confiança.
Especificamente, nos últimos anos, a dimensão preocupação também tem sido entendida
como ansiedade cognitiva frente a exames/avaliações (Cassady & Johnson, 2002; Cassady,
2010), esse fator é importante devido à influência que esse componente tem no desempenho
acadêmico. Essa dimensão pode ser entendida como estado de tensão que uma pessoa
experimenta sob pensamentos relacionados a algo que irá acontecer, e que envolve
características, como comparação do próprio desempenho com o dos pares, as consequências
do fracasso, baixos níveis de confiança no próprio desempenho, preocupação excessiva,
possibilidade de causar tristeza e perda de autoestima (Cassady & Johnson, 2002).
Assim, no estudo de Bozkurt, Ekitli, Thomas e Cassady (2017), os autores avaliaram
também que essa dimensão compreende pensamentos de menos valia, onde o indivíduo acaba
se comparando aos demais em suas capacidades e subestimando-as. No aspecto da emoção,
esse fator se revela por meio de respostas fisiológicas e biológicas, principalmente por medo de
perder o controle da situação ocasionando o fracasso e consequentemente julgamento de outras
pessoas. Esses comportamentos também são explicados pelos traços de Personalidade que uma
pessoa possui e como ela reage em situações ansiogênicas.
Ao levar em consideração a personalidade, entende-se que esta é uma variável
importante para explicar as características individuais, funcionando como importante preditor
de diferentes fenômenos psicossociais, bem como situações específicas a exemplo da AE
(Kumaran & Kadhiravan, 2015). Assim, para o entendimento desta variável, encontra-se o
modelo dos cinco grandes fatores, também conhecido como Big Five, que é um dos mais
utilizados para o entendimento da estrutura da personalidade (Monteiro, 2014). Esse modelo
em questão organiza os traços de personalidade de maneira hierárquica (Bartholomeu, 2008).
Cada uma das cinco dimensões é caracterizada por de um traço geral que englobam as
características e semântica compartilhada pelos traços que determina cada fator (Lima, 1997)
Segundo Gosling et al. (2003), os cinco fatores podem ser entendidos da seguinte forma:
a) Extroversão, refere-se ao grau que o respondente se considera extrovertido e entusiasta, além
de contrariamente, o quanto sente-se quieto e reservado, o que corresponde inversamente ao
fator; b) Agradabilidade, refere-se a características como simpatia e ser acolhedor e,
inversamente, de ser briguento e crítico; c) Conscienciosidade abrange atributos como ser
disciplinado e confiável e autodisciplinado, opondo-se as características de ser desorganizado
e descuidado, para medir inversamente o fator; d) Abertura a Experiências, corresponde a
característica de ser aberto a novas experiências e complexo, sendo pouco convencional e sem
criatividade, e por fim; e) Estabilidade Emocional, com as características de ser calmo e
emocionalmente estável, e menos ansioso ou que se chateia. Considerando esta última
dimensão, na presente pesquisa será adotado o termo neuroticismo, visando uma maior
compreensão do leitor e por ser amplamente utilizado em diferentes pesquisas, incluindo
aquelas que versam sobre ansiedade (Akram, Gardani, Akram, & Allen, 2019). Ademais,
ressalta-se que tal conceituação se refere ao polo negativo de estabilidade emocional,
representando tensão, instabilidade emocional e nervosismo (DeYoung & Gray, 2009; Nunes,
2005)
Lopes e Martins (2010), em revisão de literatura sobre ansiedade publicada encontraram
442
poucas pesquisas que consideram a importância da personalidade como atravessamento direto
no desencadeamento de ansiedade inferindo que que isto pode agravar a dificuldade de
tratamento deste transtorno, desse modo, ressalta-se a necessidade de considerar a
personalidade como varável importante nos estudos sobre ansiedade.
Assim, tendo em conta o que foi exposto, a presente pesquisa foi norteada a partir da
seguinte pergunta: De que maneira as dimensões da personalidade relacionam-se com a
ansiedade cognitiva frente a avaliações? Tal temática se justifica, pois, estes construtos têm sido
estudados para explicar diversos comportamentos.
Objetivo
Método
Participantes
Instrumentos
443
perguntas, a exemplo de sexo, idade, período que está cursando e renda familiar, etc.; que foram
utilizadas com o objetivo de caracterizar a amostra.
Procedimento
Análise de dados
Foram realizadas análises através do pacote estatístico SPSS em sua versão 26. Foram
utilizadas estatísticas descritivas com finalidade de caracterizar a amostra, e correlações para
verificar o padrão de relações entre os traços de personalidade, a ansiedade cognitiva frente a
avaliações, idade dos participantes e o período de graduação cursado. Além disso, procedeu-se
o Teste T de Student para amostras independentes, com a finalidade de comparar médias entre
os homens e mulheres.
Resultados
Discussão
A presente pesquisa teve por objetivo verificar a relação entre traços de personalidade e
ansiedade cognitiva frente a exames, além de averiguar possíveis diferenças entre sexo.
Especificamente, o traço de neuroticismo se correlacionou significativamente com ansiedade
frente a avaliações, corroborando com estudos prévios, a exemplo da pesquisa de Paulus,
Vanwoerden, Norton e Sharp (2016) que explicam tal relação através de três fatores
diagnósticos do neuroticismo (vergonha, inflexibilidade psicológica e desregulação
emocional).
Nesse sentido, os resultados do presente trabalho revelam que o grau de instabilidade
emocional advindos do neuroticismo possui relação diretamente proporcional com o grau de
preocupação, ou seja, a ansiedade cognitiva frente a exames. Todavia, o estudo de Dal (2018)
aponta que dentre os traços de personalidade presentes no Big Five, apenas a amabilidade e a
abertura à experiência estavam positivamente relacionadas à ansiedade. Uma possível
explicação para esse contraste de resultados se dá em virtude da natureza do contexto do exame
445
acadêmico, visto que a investigações de Dal (2018) e a do atual estudo foram realizadas com
amostras distintas.
No que se refere a extroversão e abertura a experiências, verificou-se que estes
apresentaram correlações negativas e significativas com a AE. Neste sentido, pessoas que
possuem esses traços são mais sociáveis, falantes, otimistas, expansivos, comunicativos e aptos
a novas experiências (Akram, Gardani, Akram, & Allen, 2019). É possível que, ao terem bons
indicadores de sociabilidade e apoio, sentem-se mais confiantes e seguros quanto a exames,
gerando assim níveis reduzidos de ansiedade. Logo, estima-se que indivíduos mais tímidos,
quietos e voltados para si possam enfrentar a falta de apoio social por partes dos colegas,
podendo funcionar como um preditor de maior ansiedade. À vista disso, indivíduos com
ansiedade às situações de avaliação podem experimentar também sentimentos de desadequação
social (Anton & Lillibrigde, 1995)
Quanto a variável de idade e período cursado, que teve como resultado que quanto
menos idade e menos períodos cursados mais ansiedade, algumas pesquisas evidenciam que
são nos períodos iniciais do curso, onde processo de adaptação ainda está em andamento, que
os universitários têm mais incertezas (Pinho et al., 2015; Cardozo et al., 2016) e o jovem
ingressante deve adquirir novas habilidades para lidar com as demandas e seus estudos, tendo
em vista que o ensino superior é diferente do ensino médio.
Quanto ao sexo dos participantes, os resultados mostraram diferenças estatisticamente
significativas da ansiedade cognitiva frente a avaliações, ou seja, pessoas do sexo feminino
apresentaram níveis mais elevados de sintomatologia ansiosa em relação às do sexo masculino.
Este resultado encontra-se em consonância com outras pesquisas publicadas na literatura
(Guhur, Alberto & Caniatto, 2010; Simões, 2019), visto que a ansiedade ou sua manifestação
por sintomas ansiogênicos pode afetar diferentemente homens e mulheres pelo papel social que
cada um assume e consequentemente suas relações sociais estabelecidas, e neste caso, as
mulheres se apresentaram mais preocupadas com a não aprovação em exames, e
consequentemente a valorização ao sentimento de decepção de terceiros, reforçando assim o
medo de reprovação (D’Avila & Soares, 2003; Soares & Martins, 2010).
Em suma, tendo em conta os principais achados da pesquisa, acredita-se que os
principais objetivos foram alcançados, entretanto, como em qualquer empreendimento
científico, este não está isento de limitações. A amostra acidental foi a principal limitação
encontrada, no qual mais da metade dos participantes são de um único curso. Com isso, utilizou-
se uma amostra não probabilística, que limita a generalização dos achados. Contudo, tal
limitação não invalida os resultados, visto que o propósito do estudo não era generalizar, mas
investigar de que maneiras as dimensões da personalidade se correlaciona com a ansiedade
frente a exames.
Considera-se a necessidade de mais estudos para efeitos de comparação em ansiedade
frente a exames entre calouros e veteranos, tendo em vista a importância de avaliar a variável
de idade. Na pesquisa de Gerwing et al. (2015), por exemplo, essa variável foi importante ao
indicar que alunos mais velhos apresentavam mais consciência dos efeitos da AE sobre suas
atividades acadêmicas.
Conclusão
No contexto de universidades pode-se notar frequentes índices de ansiedade frente à
446
exames entre os estudantes, isso porque esse ainda é o principal método utilizado para avaliar
a aprendizagem. Outrossim, fatores como longos turnos de aula e outras atividades curriculares
também devem ser levadas em conta como agentes que podem influenciar nesse quadro. Em
síntese, os dados aqui encontrados podem colaborar para a literatura da temática.
Acredita-se que o presente trabalho possa instigar futuras práticas interventivas no
contexto nacional, ademais ampliar a produção de estudos que investigam a relação entre os
traços de personalidade e ansiedade cognitiva, que, no atual estudo, destacou-se o neuroticismo
(correlação positiva), extroversão e abertura a experiências (correlação negativa), além da
influência de variáveis sociodemográficas. Diante disso, percebe-se a necessidade de voltar
atenções de pesquisadores e profissionais para esse assunto, sobretudo, objetivando estratégias
preventivas e de enfrentamento para que os universitários possam lidar de forma positiva com
as exigências no âmbito acadêmico.
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ANSIEDADE FRENTE A EXAMES E USO DE SMARTPHONES POR
449
ESTUDANTES
Introdução
Relatório divulgado pelo Pew Research Center (2019), apontou que no Brasil, 60% das
pessoas possuem um aparelho smartphone, colocando o país na primeira colocação se
comparado com os outros países em desenvolvimento e em sexto a nível mundial. O uso desse
tipo de aparelho não está mais apenas relacionado com comunicação e com a facilidade para
realizar tarefas do dia-a-dia. As redes sociais enquanto forma de exposição frequente, se
tornaram prioritariamente o foco para quem usa este tipo aparelho (CNT/MDA, 2019).
O desenvolvimento tecnológico dos aparelhos eletrônicos portáteis na última década
forneceu inúmeros benefícios para nossa sociedade, como diminuir a distância entre pessoas,
ampliar o mercado de trabalho, facilitar estudos, dentre outras coisas. Porém, o uso inadequado
deste começou a causar também muitos prejuízos significativos no que se refere aos hábitos,
comportamentos, relações individuais, sociais e emocionais do indivíduo, gerando o surgimento
de novas demandas (Teixeira, Silva, Sousa, & Silva, 2019).
Por nascerem inclusos no meio tecnológico, os jovens estão mais adeptos e têm uma
maior facilidade de interação com este tipo de aparelho, ao mesmo tempo, são os mais
propensos a desenvolverem dependência em relação a este (Chatfield, 2012). Tanto o uso
excessivo, como os sentimentos e sintomas provocados por estar longe de um aparelho celular
já são caracterizados como fenômenos clínicos e exigem cada vez mais a atenção de diferentes
profissionais da saúde (Costa, 2017).
Dentre os problemas apontados com mais frequência pelo uso inadequado do celular,
estão a ansiedade e a dependência. O DSM-V (2014), caracteriza a ansiedade como uma
preocupação persistente e excessiva, acompanhada de sintomas físicos relacionados à
hiperatividade e tensão muscular, se observando também insônia, fadiga, dificuldade para
relaxar e constantes dores musculares.
A dependência do celular considerada como patológica, seguida de sintomas que
desencadeiam outras condições, a exemplo da ansiedade, é hoje denominada Nomofobia.
Quando o sujeito chega a desenvolver sensações de sofrimento e angústia relacionadas a
convivência inadequada e excessiva com o aparelho celular, esses são caracterizados como
indivíduos nomofóbicos ou dependentes tecnológicos (King, Nardi & Cardoso, 2014; Vidal &
Dantas, 2016).
Por ser um campo de estudo relativamente recente, as consequências futuras
450
ocasionadas pela dependência do smartphone ou de outros aparelhos eletrônicos ainda são
incertas, mas vem ganhando cada vez mais investigações, que vão desde os estudos
sociológicos até às áreas da saúde. No que se refere a sintomas imediatos provocados pela
dependência deste tipo de aparelho, já se apontam principalmente entre os jovens, alterações no
seu padrão de comportamento e a relação com alguns transtornos psiquiátricos, tais como:
depressão, síndrome do pânico, fobia social, alteração do sono, ansiedade generalizada, dentre
outros (Khoury, 2016).
No geral, a dependência causada pelo smartphone acontece por ele oferecer várias
experiências agradáveis, principalmente pelo uso das redes sociais, que se tornaram
legitimadoras de parâmetros a serem seguidos a partir de diferentes status sociais. Sendo assim,
o aparelho celular acabou se tornando uma “extensão” de diversos âmbitos e grupos que
compartilham informações e estilos de vida (Lopes et al., 2016; Kenski, 2015).
Aliado a isto, sabe-se que o uso inadequado do smartphone pode afetar diretamente o
desempenho e qualidade de vida em diferentes aspectos, como atividades do cotidiano (e.g.,
caminha, interações sociais, etc.), além do desempenho no âmbito laboral e educacional
(Demirci, Akgönül, & Akpinar, 2015), ocasionando consequências para a saúde, baixo
desempenho acadêmico, distúrbios do sono, dentre outros (Kalyani, Reddi, Ampalam, Kishore,
& Elluru, 2019).
Neste concerne, considerando especificamente o contexto acadêmico, os universitários
são os mais vulneráveis, a enfrentarem problemas em decorrência da ansiedade (Demirci et al.,
2015), isso ocorre em decorrência das diversas mudanças que ocorrem nesse período (e.g.
sociais, psicológicas e ambientais) (Silva, Panosso, & Donadon, 2018). No que tange ao nível
superior, tem se enfatizado a ansiedade ocasionada por situações avaliativas, (também descrita
como “exames”) (Medeiros et al., submetido). Esta é um tipo de ansiedade situacional,
reconhecida pela literatura internacional como “test anxiety” (Silva et al., 2018). Em termos
conceituais, a ansiedade em exames (avaliações), refere-se a um conjunto de respostas
cognitivas, fisiológicas e comportamentais relacionadas a preocupações sobre possíveis falhas
ou mau desempenho em um teste ou situação similar a avaliação” (Bodas, Ollendick, & Sovani,
2008).
Devido à importância atribuída a temática, Hodapp (1991), em sua revisão observou que
a ansiedade frente a exames poderia ser concebida por quatro dimensões referentes ao processo
emocional e cognitivo, incluiu mais duas facetas, que são representadas da seguinte forma a
seguir: 1) preocupação, referente a preocupações perturbadoras com o desempenho individual
e as consequências do fracasso; 2) emoção, refere-se a tensão emocional e física que ocorre,
antes, durante e após a avaliação; 3) interferência referente a possíveis distrações e pensamentos
irrelevantes que ocorrem durante a execução da tarefa; 4) falta de confiança, refere-se a baixa
confiança para enfrentar e administrar desafios. Estas quatro dimensões permitem uma
avaliação diferenciada, contemplando diferentes manifestações da ansiedade, tais como a
antecipação, relacionada ao momento de advertência da prova; a confrontação, que corresponde
ao período de realização do exame, fase da espera, correspondendo ao período após o processo
avaliativo, resultados, quando a pessoa conhece o resultado da avaliação (Heredia, Piemontesi,
Furlan, & Hodapp, 2008).
Assim, devido ao exposto e considerando a importância de pesquisas que busquem
entender os mecanismos que podem ocasionar a ansiedade em situações de exame, faz-se
necessário compreender a relação com a dependência no smartphone, podendo assim, ajudar
no desenvolvimento de intervenções que visem a diminuí-las, bem como, a controlar os efeitos
451
negativos das variáveis supracitadas.
Desse modo, considera-se o estudo pertinente, visto que a dependência no smartphone
e ansiedade frente a exames trazem influência negativa na saúde física e mental dos estudantes,
além de interferir no desempenho acadêmico.
Objetivo
Analisar a relação entre dependência do smartphone e os fatores de ansiedade de
estudantes universitários diante de exames avaliativos.
Método
Participantes
Participaram 217 universitários (Midade = 21,77; DP= 3,89; amplitude 18 a 49 anos) de
instituições públicas (92,6%) e privadas (6,4%), de diferentes estados brasileiros; sendo a
maioria do Piauí, (88%) cursando Fisioterapia (18%) e mulheres (59,9%). Estes foram
recrutados de maneira acidental, não probabilística.
Instrumento
Short version of the Smartphone Addiction Scale (SAS) elaborado por Kwon, Kin, Cho
e Yang (2013) e adaptado para o contexto brasileiro por Mescollotto, Castro, Pelai, Pertille e
Bigaton (2018). Trata-se de uma medida composta por dez itens, que avaliam de forma global
a dependência no smartphone, que são respondidos numa escala do tipo likert variando de 1
(discordo totalmente) a 6 (concordo totalmente).
German Test Anxiety Inventory – (TAI-G). Elaborada por Hodapp (1991), e adaptada
para o contexto brasileiro por Silva, Albuquerque, Fonseca, Bezerra e Fonsêca (2019). Trata-
se de uma medida composta por 28 itens, distribuídos por quatro fatores: 1) Falta de confiança,
2) Preocupação, 3) Emoção; e 4) Distração; que são respondidos numa escala de cinco pontos
do tipo Likert, variando de 1 (Quase nunca) a 5 (Quase sempre). Ressalta-se que os itens que
compõem o fator falta de confiança apresentam pontuação inversa.
Questionário sociodemográfico. Os participantes responderam a um conjunto de
perguntas, a exemplo de sexo, idade, período que está cursando e renda familiar, etc.; que foram
utilizadas com o objetivo de caracterizar a amostra.
Procedimento
Inicialmente, com a autorização dos responsáveis de cada curso da instituição de ensino
selecionada para a pesquisa, um aplicador treinado apresentava o Termos de Consentimento
Livre e Esclarecido para que os participantes (estudantes devidamente matriculados na
instituição participante) pudessem autorizar sua participação na pesquisa e responder aos
instrumentos. Foi assegurado a todos o caráter voluntário, anonimato das respostas e
participação na pesquisa que não traria nenhum prejuízo aos participantes podendo desistir a
452
qualquer momento. Os participantes foram informados sobre os propósitos gerais da pesquisa
e que os mesmos deveriam responder individualmente aos questionários, destacando também
que não existiam respostas certas ou erradas. Foram necessários em torno de 10 minutos para
aplicação dos instrumentos.
Análise de dados
Foram realizadas análises através do pacote estatístico SPSS em sua versão 26. Foram
utilizadas estatísticas descritivas com finalidade de caracterizar a amostra, e correlações para
verificar o padrão de relações entre a dependência no smartphone e os fatores da ansiedade
frente a avaliações. Além disso, procedeu-se o Teste T de Student para amostras independentes,
com a finalidade de comparar médias entre os homens e mulheres das variáveis em questão.
Resultados
Tabela 1.
Estatísticas descritivas e correlações entre a dependência no smartphone e ansiedade frente a
avaliações
Fatores M DP 1 2 3 4 5
5 2,42 0,84 1
Nota: ** p < 0,001 (teste bicaudal); 1 = dependência no smartphone; 2 = Falta de confiança; 3 = Preocupação; 4
= Emoção; 5 = Distração.
Posteriormente, foi verificado se existiam diferenças na dependência no smartphone e
453
a ansiedade frente a avaliações em função do sexo dos universitários. Para tanto, foi considerada
a pontuação total das medidas de dependência no smartphone e ansiedade nas avaliações,
utilizando-se do Test t de Student para amostras independentes. Os resultados podem ser
observados na tabela 2.
Tabela 2.
Diferença das médias entre homens e mulheres (Test t - Student).
Homens Mulheres Constante
Fatores
M DP M DP T p
Dependência no smartphone 2,74 1,20 3,00 1,06 -1,653 0,10
Falta de confiança 3,26 0,67 3,71 0,65 -4,961 0,001**
Preocupação 2,77 0,69 3,18 0,60 -4,43 0,001**
Emoção 2,19 0,83 2,69 0,79 -4,28 0,001**
Distração 2,32 0,81 2,49 0,86 -1,44 0,15
Nota: N= homens (83) e mulheres (128); * Diferenças significativas (p < 0,05).
Discussão
O presente estudo objetivou analisar a relação entre dependência do smartphone e os
fatores de ansiedade de estudantes universitários diante de provas. Entende-se que o objetivo
principal do estudo foi alcançado, visto que foram encontradas correlações positivas entre o uso
de smartphone e os quatro fatores de ansiedade em frente a avaliações. Os resultados mostram
que, quanto mais alto o nível de dependência, maior o nível de ansiedade frente a testes
avaliativos.
O smartphone atualmente é considerado como uma ferramenta indispensável no mundo
moderno, usado tanto atividades sociais como também para o lazer e o uso profissional. No
entanto é visto que o uso exagerado dos dispositivos eletrônicos resulta em estados de ansiedade
na qual podem se agravar ao ponto de nomofobia, uma dependência patológica ao uso do celular
(Texeira et al., 2019; Maziero & Oliveira, 2017), também podendo interferir na performance
acadêmica (Samaha & Hawi, 2016).
Na literatura é possível encontrar estudos que relacionam o uso do smartphone a
ansiedade (Kim, Jang, Lee, & King, 2018; Demirci, Akgönül, & Akpinar, 2015; Matar
Boumosleh, & Jaalouk, 2017). Esses estudos têm como resultados significativos que o uso do
454
smartphone em jovens e adolescentes pode ocasionar problemas psicológicos tais como
ansiedade ou depressão.
O estudo de Darcin et. al. (2016) mostrou que indivíduos com altos sintomas de
ansiedade social possuíam a maior tendência a riscos de dependência de smartphone visto que
a ansiedade social causa o distanciamento de relacionamentos reais. Já o estudo de Hawi e
Samaha (2017) mostrou nos seus resultados que estudantes com vício em smartphone possuíam
maiores níveis de ansiedade comparado a outros estudantes. Apesar de não haver indícios de
que o uso de smartphone é o ponto inicial da ansiedade, o vício em smartphone se mostrou
como um fator que colabora para a piora do estado de ansiedade em universitários.
Ao se analisar a diferença entre sexos quanto à dependência de smartphone, os dados da
presente pesquisa não apontam diferenças significativas, nesse sentido Ferreira (2015), afirma
que a tecnologia dos smartphones afeta simbolicamente seus usuários de diferentes formas,
independente do sexo de cada um.
Já a ansiedade frente a avaliações, a literatura refere-se como uma preocupação sobre
possíveis consequências negativas ou fracasso escolar que pode levar a interferência nas
habilidades do estudante de fazer uma boa performance, reduzindo a memória de trabalho e
criando distrações (Keith, Hodapp, Schermelleh-Engel, & Moosbrugger, 2003; Brady, Hard, &
Gross, 2018). O german test anxiety inventory se mostrou como um instrumento consistente e
com possível aplicabilidade em culturas distintas em pesquisas sobre ansiedade em frente a
avaliações (Ringeisen, Buchwald & Hodapp, 2010).
Todavia, em relação ao sexo dos participantes e os fatores da ansiedade frente a exames
(emoção, falta de confiança, preocupação e distração), na presente pesquisa, houve resultado
significativo por parte da amostra do sexo feminino na relação com os últimos três fatores
citados A falta de confiança, Preocupação, Emoção e Distração, causando sofrimento e
dificuldades de desempenho frente às avaliações (Deusen, Bolle, Hegner, & Kommer, 2005;
Janeiro, 2013).
Há diversas evidências que relatam rebaixamento no quadro de ansiedade e estresse
entre homens e mulheres quando estes se encontram sob dependência de algo ou de uma
situação. Outros estudos demonstram que mulheres tendem a ter preocupação mais excessiva
do que homens ao sentirem falta de algo no qual estavam acostumadas a usar de maneira
rotineira (Pigott, 2003; Steiner et al., 2005).
Ademais, os resultados dessa pesquisa estão sujeitos a algumas limitações, como a
impossibilidade de generalização, visto que a obtenção da amostra foi feita por conveniência e
o tamanho da amostra não foi muito significativo. No entanto, é importante ressaltar que, com
os resultados significativos deste estudo, deixa-se um caminho aberto para a possibilidade de
mais estudos em diferentes contextos. Com o uso do smartphone cada vez mais presente no
meio escolar e acadêmico, é importante o estudo de correlações entre o smartphone e a
ansiedade em frente a testes.
Conclusão
455
espaço de tempo. Porém é preocupante o excesso de uso desta ferramenta, como por exemplo
os smartphones, podendo trazerem sérios prejuízos tanto nas atividades cotidianas do sujeito,
como na sua saúde mental. Um dos transtornos que estão mais presentes no uso abusivo dos
smartphones, é o da ansiedade que consequentemente pode interferir em outros fatores, como
nos aponta os resultados da presente pesquisa.
Com os resultados apresentados nesta pesquisa, pode-se constatar que a dependência no
smartphone apresentou correlação positiva e significativa com os quatro fatores da ansiedade
frente a avaliações, sendo eles: A falta de confiança, Preocupação, Emoção e Distração. Os
resultados apontam ainda que as mulheres diferentes dos homens apresentam um grau maior
em três dos quatro fatores, Falta de confiança, Preocupação e Distração, o que possivelmente
pode interferir na execução de exames acadêmicos.
Como foi apresentado o resultado do presente estudo, respaldado por outras literaturas
tais como o “O german test anxiety” traz a reflexão que, dentre as muitas implicações sobre o
uso excessivo do smartphone, a ansiedade é a que mais se destaca, porém sua influência direta
na realização de exames ainda precisa ser mais investigada, com isso sugere um
aprofundamento maior em futuras investigações, levando em consideração que o baixo índice
de desempenho acadêmico destes estudantes devido a esta dependência, pode emergir certos
transtornos, afetando sua saúde mental.
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GRATITUDE QUESTIONNAIRE (GQ-6): EVIDÊNCIAS PSICOMÉTRICAS NO
458
INTERIOR DO PIAUÍ
Introdução
459
confundida com educação, deve-se salientar que a gratidão vai além de dizer “obrigado”, é uma
virtude que possui uma complexidade muito maior, visto que, parte do âmago do indivíduo.
Diante da relevância e complexidade do construto apresentado, faz-se notória a
importância de compreender melhor os aspectos que envolvem a gratidão. Freitas, Silveira e
Pieta (2009) pontuaram a ampla variedade de contextos que envolvem a gratidão, assim como,
o fato dela não está tão somente presente entre os indivíduos, como também entre nações gratas.
Para além disso, Rava e Freitas (2013) ressaltam que diversos autores das áreas do
conhecimento elencaram a gratidão como um importante recurso na manutenção dos vínculos
sociais, em virtude do seu carácter cíclico que envolve três aspectos: o dom ou dádiva, a reação
diante do recebimento do benefício e a retribuição.
Neste sentido, por meio de uma busca é observar na literatura algumas medidas que
avaliam a gratidão, por diferentes perspectivas da gratidão, exemplo da Gratitude o Gratitude,
Resentment and Appreciation Test (Watkins et al., 2003), o Cuestionario de Gratitud (Alarcón,
2014), The Trnspesonal Gratitude Scale (Hlava, Elfers, & Offringa, 2014), além do
Cuestionario de Gratitud - 20 (G-20; Valero, Alandete, & Pérez, 2014), essa última inclusive,
foi adaptada para no contexto brasileiro por Medeiros et al., (submetido), que visa avaliar a
gratidão por uma perspectiva mais abrangem e humanista, que reconhece que a gratidão pode
ser manifestada por quatro diferentes manifestações, que são interpessoal frente ao sofrimento,
reconhecimento das dádivas e expressão de gratidão. Para além desta, verifica-se que apenas o
Gratitude Questionnaire (GQ-6; McCullough et al., 2002) possui versão brasileira (Gouveia et
al., 20219), com seus parâmetros psicométricos averiguados em uma amostra de 986
universitários de seis capitais brasileiras, sendo reunidas evidências de validade convergente
com proposito de vida e intenção de cometer suicídio.
A QG6 compreende a gratidão como um traço de personalidade no qual as pessoas
apresentam a disposição para ser gratos, havendo uma predisposição para se sentirem
agradecidos, independente dos eventos e situações especificas (McCullough, Tsang &
Emmons, 2004). A medida supracitada se configura como instrumento mais utilizados em
diferentes pesquisas transculturais, o que possibilitou conhecer diferentes antecedentes e
consequentes da gratidão em diferentes faixas etárias, por exemplo, Taiwan (Chen, Chen, Kee,
& Tsai, 2009), Chile (Carmona-Hally, Marín-Gutierrez, & Belmar-Saavedra, 2015), (Balgiu,
2020), Equador (Cabrera-Vélez, Lima-Castro, Peña-Contreras, & Aguilar-Sizer, 2020).
Assim, podem-se citar estudos que consideram QGU o realizado por Carmona-Hally et
al., (2015), verificou-se que a gratidão estava associada a satisfação com a vida, afetos positivos
e otimismo. Já o estudo experimental levado a cabo por Toussaint et al., (2017), em contexto
estadunidense sugeriu que a gratidão é um traço psicológico positivo na manutenção da
qualidade de vida das pessoas com fibromialgia. Além disso, a medida tem sido utilizada em
amostras clínicas, prevendo por exemplo que a gratidão pode ajudar a reduzir a depressão em
pessoas com sequelas físicas e psicossociais (Sherman et al., 2019).
Especificamente no Brasil, as evidências psicométricas da medida foram reunidas
apenas em amostras com universitários oriundos de capitais, impossibilita a generalização dos
seus resultados; carecendo que o QG6 replicado e avaliado em diferentes contextos (Gouveia
et al., 2019). Tal fato motivou a realização desse estudo, que tem como principal objetivo
averiguar as propriedades psicométricas do Gratitude Questionnaire (GQ-6) para o interior do
Piauí, especificamente na cidade de Parnaíba.
Método
460
Amostra
Contou-se com uma amostra não-probabilística (por conveniência) de 216 pessoas da
população geral da cidade de Parnaíba, (Midade = 22,84; DP = 6,65; amplitude 18 a 54 anos),
sendo a maioria mulheres (69%), solteiros (90,7%) e com ensino superior incompleto (69,4%).
Instrumentos
Gratitude Questionnaire (GQ-6; McCullough et al., 2002). Adaptado para o Brasil por
Gouveia et al., (2019). Esse instrumento é composto por seis itens, com escala de resposta de
sete pontos, que variam de 1 (Discordo Totalmente) a 7 (Concordo Totalmente), que avaliam
de forma global a disposição para ser grato. Os itens 03 e 06 são redigidos de maneira inversa.
Além disso, os participantes responderam perguntas de caráter sociodemográfico visando
caracterizar a amostra: sexo, idade, estado civil, grau de escolaridade.
Procedimentos
As pessoas foram convidadas a participar da pesquisa de maneira individual. Estes eram
abordados em locais públicos (praças e universidades) da cidade de Parnaíba. Todos que
concordaram participar do estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE), sendo explicado o caráter voluntário e que a pesquisa não lhe traria danos ou ônus aos
participantes, também foi esclarecido a todos que não existiam respostas certas ou erradas e que
ao assinalar a primeira afirmação eles estariam concordando com a participação na pesquisa, e
que somente os pesquisadores responsáveis teriam acesso às informações. Ressalta-se, que
todos os procedimentos éticos para pesquisas com seres humanos foram tomados, baseados nas
Resoluções nº 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, sendo necessários em média,
5 minutos para o seu preenchimento e conclusão na participação da pesquisa.
Resultados
Os resultados estão apresentados em subtópicos, sendo considerada a sequência que
cada análise estatística foi empregada. Portanto, inicialmente foi analisado o poder
discriminativo dos itens, e, em seguida, procedeu-se a Análise Fatorial Exploratória, para
verificar a estrutura fatorial e consistência interna (precisão) do QG6.
461
Poder discriminativo dos itens
Inicialmente, procurou-se verificar o poder discriminativo dos itens, que se refere a
qualidade métrica dos itens, ou seja, se os itens do Gratitude Questionnaire (GQ-6) conseguem
diferenciar participantes com magnitudes (pontuações) próximas. Para tanto, foi empregada
uma MANOVA, sendo considerado somatório dos itens que compõe a medida, estabelecendo
dois grupos-critérios internos (inferior e superior), tendo como embasada na mediana empírica.
Os resultados podem ser observados na Tabela 1.
Tabela 1.
Poder discriminativos dos itens do Gratitude Questionnaire (GQ-6).
GQ6 Inferior (119) Superior (124) Contraste
Itens M DP M DP F p ɳ²p
1 1,34 0,55 2,87 1,35 121,429 0,001 0,37
2 1,35 0,64 3,06 1,25 162,638 0,001 0,44
3 1,61 0,71 3,37 1,17 177,978 0,001 0,47
4 2,12 1,11 3,46 1,11 74,352 0,001 0,27
5 2,25 1,06 3,74 1,04 104,245 0,001 0,34
6 2,71 1,12 4,40 0,66 173,266 0,001 0,46
462
observado na Tabela 1.
Tabela 2.
Estrutura fatorial do Gratitude Questionnaire.
Conteúdo dos itens Gratidão h²
02. Se tivesse que listar tudo pelo que sou grato(a), esta seria uma lista muito 0,83 0,68
longa.
01. Sou grato(a) por muitas coisas na vida 0,55 0,30
05. À medida que fico mais velho, sinto-me mais capaz de agradecer as 0,48 0,23
pessoas, os eventos e as situações que têm feito parte da minha história
de vida.
04. Sou grato(a) a muitas pessoas. 0,47 0,22
03. Quando olho para o mundo, não vejo muita coisa para ser grato(a). 0,44 0,19
06. Pode passar um longo tempo antes que me sinta grato(a) a alguma coisa 0,34 0,11
463
ou a alguém
Número de itens 6
Dessa forma, como pode ser observado na Tabela 2, a medida ficou composta por um
fator geral da gratidão, que permitiu explicar 39,31% da variância total. Os itens apresentaram
cargas fatoriais que variaram entre 0,34, (item 06, “Pode passar um longo tempo antes que me
sinta grato(a) a alguma coisa ou a alguém”) e 0,83, (item 02, “Se tivesse que listar tudo pelo
que sou grato(a), esta seria uma lista muito longa”). O índice de consistência interna foi
medido através do coeficiente alfa de Cronbach (α), que apresentou um valor de 0,70, que é
considerável aceitável. Além disso, visando assegurar mais evidências de consistência interna,
verificou-se o índice de homogeneidade (correlação média inter-itens/ ri.i), que apresentou uma
média de 0,27, variando de 0,17 (Itens 1 e 4) a 0,51 (Itens 1 e 2).
Discussão
Assim, no que tange a validade fatorial, a QG6 apresentou uma estrutura unifatorial, corroborando com
estudos prévios em outras culturas (Carmona-Hally et al., 2015), Chile (Balgiu, 2020; Cabrera-Vélez et al., 2020;
Carmona-Hally et al., 2015; Chen et al., 2009; McCullough et al., 2002) e em contexto brasileiro (Gouveia et al.,
2020). Referente ao índice de consistência interna (precisão), foi considerado adequado, pois figurou-se no ponto
de corte que é comumente admitido (≥ 0,70; Marôco, 2014). Além disso, também foram reunidas evidências
empíricas complementares de validade, por meio da homogeneidade ficou acima do admitido pela literatura (0,20;
Clark & Watson, 1995)
Apesar dos resultados satisfatórios, este, como todo empreendimento científico não se
isenta de limitações, fazendo-se importante elencar algumas, além de serem indicadas possíveis
direções futuras. Assim, cita-se inicialmente a amostra como uma que foi constituída apenas
por pessoas da cidade de Parnaíba. Além disso, esses foram angariados de forma não-
probabilística (por conveniência), impossibilitando a generalização dos resultados para além da
amostra considerada. Entretanto, deve-se considerar que essa pesquisa não pretendeu
generalizações, mas apresentar uma medida com boas qualidades métricas no interior piauiense.
Outra limitação, refere-se ao fato do QG6 ser uma medida de autorrelato, o que permite que o
464
participante falseie a resposta, em função da desejabilidade social (Gouveia et al., 2019).
Apresentadas as possíveis limitações, visando diminui-las, recomenda-se que a QG6
seja aplicada em outros contextos, diversificando as amostras, tornando-as mais representativas.
Isto posto, seria interessante contar com diferentes grupos, tais como o gênero, diferentes faixas
etárias. Nessa direção, também é importante a realização de análises mais robustas, a exemplo
da Análise Fatorial Confirmatória (AFC), averiguando inclusive a invariância em diferentes
grupos ou testando modelos alternativos (uni e bifatorial; da medida com cinco ou seis itens;
Balgiu, 2020; Cabrera-Vélez et al., 2020; Chen et al., 2009; McCullough et al., 2002). Além
disso, seria igualmente interessante reunir evidências complementares de validade convergente
(Gouveia et al., 2019), por exemplo, com outras medidas que avaliam a gratidão, ou com
construtos relacionados a exemplo da personalidade, satisfação com a vida, otimismo, proposito
de vida e afetos (Carmona-Hally et al., 2015); isto possibilitaria um maior entendimento dos
antecedentes e consequentes da gratidão no cenário nacional.
Em suma, os resultados encontrados são promissores, mostrando que modelo teórico da
disposição de ser grato, como previsto, apresentou evidências psicométricas adequadas, sendo
considerado unifatorial, o que justifica utilização da medida em estudos que elejam a gratidão
como variável de interesse, auxiliando na compreensão de fenômenos psicossociais que
promovam um maior bem estar para o ser humano.
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DESGASTE FÍSICO E PSICOLÓGICO DE MÃES DE CRIANÇAS COM
467
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)
Introdução
Método
O presente artigo trata-se de uma pesquisa qualitativa, com procedência de origem clara,
esta por sua vez, não se utiliza de métodos e técnicas estatísticas, o ambiente é inerente de
origem clara, tendo como principal instrumento o pesquisador. (Prodanov & Freitas, 2013).
Para a construção do artigo, foram utilizadas publicação nos últimos 10 anos (2009 a
468
2019), sendo realizadas através de artigos divulgados nas plataformas científicas, como o
periódico da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Scientific
Eletronic Libraly Online (SIELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da
Saúde (LILACS) e Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PEPSIC), empregando os descritores
correlacionados: autismo, criança, família, fatores estressores e mães.
A pesquisa também foi baseada a partir de revistas das áreas humanas e saúde com
intuito de esclarecer a temática. Após a seleção dos materiais mais abrangentes, foi definido o
critério de inclusão e exclusão voltado à temática. Para a inclusão foram selecionados artigos
que estivessem dentro do lapso temporal delimitado e ainda abordassem temas com palavras
chaves relacionadas: criança com transtorno com espectro autista, maternidade, redes de apoio
e sofrimento psíquico. Para os critérios de exclusão foram desconsiderados materiais que não
abordassem o tema, não tivessem fundamento cientifico e com ano de publicação fora do prazo
delimitado.
Dessa forma, inicialmente foram selecionados 28 artigos, sendo que 18 destes foram
desconsiderados, pois não atendiam aos critérios de inclusão e apenas 10 foram utilizados nesse
estudo.
Resultados e Discussão
O quadro a seguir traz de maneira simplificada, mas sem prejudicar a importância dos
estudos, os principais aspectos das discussões dos trabalhos selecionados para a elaboração
deste artigo.
Quadro 1
Classificação do conjunto selecionado de acordo com o autor, título, revista, ano de publicação e
resultados
Autores/ título Fonte/editora e data de Principais desfechos
plublicação
Elizangela Argenta Zanatta, Revista Baiana. O estudo mostra que conviver com o
Ediane Menegazzo, Andrea autismo, é para a família uma tarefa
Ano: 2014.
Noeremberg Guimaraes, árdua, difícil, cansativo e, no entanto,
Maria da Graça Corso da dolorosa. Apresentou também o longo
Motta e Lucineia Ferraz. caminho percorrido os obstáculos até a
chegada do diagnóstico, por vez
trouxeram à tona o isolamento social
Cotidiano de famílias que que ocorre na família, bem como a
convivem com o autismo sobrecarga materna física, psíquica e
infantil. emocional. Dessa forma o artigo
apresentou, de forma necessária a
revigoração das redes sociais de apoio
as crianças e as famílias, com objetivo
de ofertar, base de sustentação
emocional e técnico para superar os
dias das adversidades impostas pelo
469
autismo.
Rayssa Naftaly Muniz Revista gaúcha O artigo da ênfase ao choque
Pinto, Isolda Maria Barros enfermagem. emocional após a descoberta e o
Torquato, Neusa Collet,
Ano: 2016. processo de aceitação do diagnóstico
Altamira pereira da Silva
para a família, devido à falta de
Reichert, Vinicius Lino de
informação necessária sobre o
Souza Neto e Alynne
transtorno, além disso a mudança nas
Mendonça Saraiva.
relações familiares.
Contudo os autores também pontuaram
Autismo infantil: impacto a sobrecarga materna, onde há um
no diagnóstico e repercussão rompimento da vida profissional e
nas relações familiares social para se dedicar a casa, filhos e o
marido.
Mediante a esses fatores, mostra a
importância de um profissional da área
de saúde, com habilidade em
comunicar o transtorno e saber
preparar a família para encarar os
obstáculos exigido pelo transtorno e
para obtenção da independência do
cuidado ao autista
Michele Christmann, Cadernos de Pós-Graduação O artigo teve como objetivo avaliar o
Mariana Amaro de Andrade em Distúrbios do nível de estresse da mãe de criança
Marques, Marina Monzani Desenvolvimento. com transtorno do espectro autista, e
da Rocha, Luiz Renato como verificar a percepção que as
Ano: 2017.
Rodrigues Carreiro. mães possuem sobre o estresse
experienciado e a necessidade de
cuidados da criança. Através da
Estresse materno e pesquisa foi identificado a relação
necessidade de cuidado com direta aos cuidados necessários em
os filhos com TEA na torno do filho. Ressaltou-se sobre a
perspectiva das mães. importância de uma rede social de
apoio para uma condição favorável de
vida das mães.
470
busca pela identidade feminina da mãe.
Mônica Sperb Machado, Unisinos: Contextos O artigo mostra que após o
Angélica Dotto Londero, clínicos. diagnóstico, há mudanças bruscas na
Caroline Rossato Pereira. rotina diária e na dinâmica e nas
Ano: 2018
relações com a família, relata sobre o
isolamento do convívio social, mostra
Tornar-se família de uma a ausência de apoio e dificuldade no
criança com transtorno do acesso aos tratamentos, além desses
espectro autista. fatores a preocupação e concepções
diferentes em relação a outras famílias,
reconhecendo como família com uma
aproximação maior, estas dispõem de
apreensão e bem como de expectativa
não parecidas com outras famílias, se
certificando como famílias vinculadas
numa dicotomia entre alegria e tristeza.
Francidalma Soares S. Revista cientifica Sena Este artigo refere-se de uma pesquisa
Carvalho-filha. Hilma Aires. qualitativa exploratória, de estudo de
Mirella Costa e Silva, caso. Teve como objetivo verificar
Ano: 2018
Raimunda de Paula de como ocorria o cotidiano de pais,
Castro, Le Marciano de cuidadores de crianças e pessoas com
Moraes Filho, Franc-Lane transtorno do espectro autista.
Sousa C. do Nascimento. Demonstrou então que a vida diária se
adequa aos cuidados destas.
Notou-se ainda que uma das maiores
Coping e estresse familiar e
dificuldades encontradas pelos pais e
enfrentamento na
cuidadores foi a alimentação e a
perspectiva do transtorno do
comunicação. Dentre isso a uma
espectro autista
necessidade de valorização de uma
rede de suporte, com objetivo de
incentivar o progresso dessas pessoas a
buscar se integrar em outros âmbitos,
para que se tenha uma vivencia
próximo possível não atípica.
Marilise Ferreira e Luciane Psicologia em revista. Este artigo tem objetivo conhecer mães
Najar Smeha. de criança com transtorno do espectro
Ano: 2018.
autista no contexto da
A experiência de ser mãe de
monoparentalidade. Resultados
um filho com autismo no
revelaram que os sentimentos e
contexto da
desafios são semelhantes aos de mães
monoparentalidade.
que não vivem no contexto
monoparental. Além desse fator o
artigo reflete sobre a importância de
A experiência de ser mãe de uma rede de apoio emocional, em
um filho com autismo no especial, na questão da sobrecarga
contexto da
monoparentalidade. advinda pelo cuidado excessivo do
filho, já que este se encontra com a
responsabilidade só para mãe. A
471
pesquisa também evidenciou uma
valorização do trabalho de um
psicólogo voltado para estas, promover
a ampliação e o fortalecimento da rede
que elas percebem com fundamental, o
apoio emocional, dos quais estas
pudessem compartilhar suas
conversas, angustias, desabafos e
momentos de preocupação.
472
ressignificação da relação o luto diante da nova perspectiva, a
mãe-filho necessidade de ressignificação da
relação com o filho. Desse modo,
percebe-se a necessidade de um
acompanhamento e suporte
profissional, durante a suspeita e o
fechamento do diagnóstico,
imprescindível tanto para as crianças
autistas quanto para a família, em
especial, para a mãe.
Fonte: Lilacs, Scielo e Pepsic.
Com análise dos dados do Quadro 1, foi possível observar que as mães são as principais
cuidadoras da criança com transtorno autista (Zanatta et al., 2014; Christmann et al., 2017), por
essa razão, são mais sobrecarregadas em sua saúde física e psicológica (Kiquio et al., 2018;
Pinto et. al., 2016). Muitas perspectivas surgem mediante o nascimento da criança, os pais, por
sua vez, idealizam o filho como algo que fracassaram, porém quando percebem a criança com
comportamento atípico, não esperado pela sociedade, impõem-se ao luto e a adequação do novo
(Ferreira & Smeha, 2018).
Para a família, defrontar com os limites da criança, é encarar o desconhecido, o que gera
sentimentos embaralhados, frustações, medo e desorganização das emoções, dessa forma o
momento do diagnóstico para ela é atravessado por aglomerado de sentimentos e sensações de
responsabilidade, insegurança e negação (Pinto et al., 2016). Entretanto, após o diagnóstico as
genitoras vivenciam um período conturbado de sofrimento, porém para outras mães, a
comprovação do diagnóstico é positiva, pois há uma facilidade no processo de como agir com
seu filho, assim realizar estratégia mais eficaz para ele (Lopes et al., 2019), geralmente a família
busca na negação artifícios para não entrar em contato com a realidade. Apesar da confirmação
do diagnóstico, surge a partir deste, sentimento de culpa ao prevalecer a perspectiva da perda
permanente.
Christmann et al. (2017), menciona que mães de criança com autismo têm uma rotina
diária acometida de várias tarefas, tais como: a dedicação integral voltada ao filho,
responsabilidade com a família e com o empenho em casa, elas relatas que há uma necessidade
de modificar a dinâmica do seu cotidiano, abrir mão de seu trabalho e dedicar por tempo
integral, sem tempo para si mesma.
Pinto et al. (2016), ratifica que a concentração e a dedicação integral do cuidado
assumido pela genitora, está interligada não somente ao filho com o transtorno do espectro
autista (TEA), mas também aos afazeres diários, de se submeter a abdicar da carreira
profissional e dividir seu tempo, acarretando prejuízos físicos e mentais. Faro et al. (2019),
através de pesquisa quantitativa, com amostra de trinta mães, nas quais evidenciaram sem o
apoio familiar, tiveram mais que o dobro de percepção de sobrecarga comparada com outras
mães, as quais tiveram suporte familiar. Além disso, foi observado durante uma pesquisa com
vinte e três mães, onde foi constatado através do inventário de sintomas de estresse para adultos
(ISSL), que há uma elevada prevalência de quase 74% de estresse, tornando-se a maior parte
no comprometimento psicológico com 64,7% (Christmann, 2017).
Sobre isso, nota-se que também em comparação de mães com estresse e sem estresse,
473
há uma diferença relacionada com a sobrecarga materna. Essa pesquisa é de natureza
quantitativa e descritiva com trinta genitoras de crianças com transtorno do espectro autista. Foi
certificado que o maior gatilho para o estresse é na comunicação, um fator que causa maior
estresse nas cuidadoras, quando se referem às genitoras sem estresse é de quase 78%, sendo nas
mães com estresse 85,7% (Faro et al., 2019). Autores como Ferreira e Smeha (2018), revelam
que essa sobrecarga se gera devido ao cuidado monoparental, não havendo cumplicidade ou
ajuda aos demais membros familiares. Sendo assim, a primordialidade da dedicação com o
filho, geralmente mantém-se ao longo da vida, o que pode interferir nas suas necessidades
pessoais.
Na sociedade, a mulher apresenta a função de cuidadora principal, a própria cultura
social estabelecida pela construção da história reserva a mãe o papel de cuidadora primária,
devido a esse respectivo olhar da sociedade, acaba intensificando ao processo de uma
sobrecarga materna (Christmann et al., 2017), além da falta de apoio familiar as mães se veem
angustiadas e desgastadas com os cuidados diários com o filho, tensões ocasionadas por
comportamentos de birras e agressividade, dificuldade de comunicação na alimentação,
dependência básica, muitas vezes, gerando impotência mediante as mães (Carvalho-filha et al.,
2018; Ferreira & Smeha, 2018).
Nesse sentido, o cotidiano dessas genitoras é modificado para possibilitar um suporte
indispensável para seu filho, já que elas se mantêm em posição de exigência e frequente
dependência da criança com TEA (Constantinidis et al., 2018; Lopes et al., 2019). Zanatta et
al. (2014) e Machado et al. (2018), pontuaram sobre o isolamento que ocorre na família de
criança com espectro autista, sendo que ela evita ir para lugares onde percebem que seu filho
não tem o comportamento esperado pela sociedade. Ademais, corroborando com os outros
autores supracitados, compreende-se que o isolamento social se dá através da reação do filho
com autismo que é imprevisível seu comportamento em um outro ambiente, pois algumas
mudanças na rotina ou lugares pode gerar uma crise, o que leva a uma quebra de padrão na
sociedade.
Lopes et al. (2019), Ferreira e Smeha (2018) e Pinto et al. (2016) trazem um aspecto
fundamental para as mães de crianças com TEA, para redução de sobrecarga da genitora é
necessário o apoio familiar, como o suporte profissional afim de proporcioná-la bem estar, visto
que a vida cotidiana dela é exaustiva, dedicando aos afazeres de casa, marido e filhos, tendo
uma rotina atribulada de tarefas.
Considerações finais
O transtorno do espectro autista tem sido determinado com uma desordem em três
alterações presente: na comunicação, no comportamento atípico do indivíduo e nas dificuldades
de interação social. Diante disso, a mãe é solicitada a se mobilizar em prol das necessidades de
seu filho, muitas mães abdicam seus desejos para viver em função da maternidade, no que diz
respeito à sociedade, vivem em ruptura quase que de imediato, ausência de um apoio familiar,
o que de fato dá uma existência de exaustão emocional e física pelos cuidados excessivos pela
criança.
Por meio da análise do conjunto de dados incluídos nesta pesquisa, acredita-se que este
trabalho tenha contribuído para ampliação da literatura e elucidação de dúvidas que circundam
atenção à mãe da criança com transtorno do espectro autista. Observou-se que as mães
geralmente apresentam uma sobrecarga gerada pelos afazeres diários, além da omissão do
suporte profissional por insuficiência das informações, atrelado a esse sentimento, percebe-se
474
ainda em muitos casos a negação dos familiares, caracterizando logo após o diagnóstico, o que
de fato amplifica o momento de dificuldade e torna um gatilho a sobrecarga emocional.
Diante disso, fica clara a necessidade do suporte familiar e da rede de apoio antes, após
o diagnóstico, que além de informar, devam auxiliar afim de que as mães possam de forma
satisfatória trabalhar com seu filho e ampliarem as etapas de desenvolvimento dele.
Além das informações necessárias, deve-se ter também o auxílio, não só as mães, mas
toda a família da criança com transtorno do espectro autista, visto que, diante da identificação
de uma doença e sua aceitação, a forma que é encarada, as dificuldades dela, pode ser dada com
o aumento do conhecimento sobre ela, o que vem ao encontro com a busca de formas de
tratamento e com perspectivas no prognóstico.
Ademais, implica-se que esse estudo contribua para um dimensionamento dos saberes
das mães de crianças com TEA, porém, não só sobre as peculiaridades do transtorno do autismo
em si, mas sobre seu reflexo no seio familiar, que ainda, proporcione uma reflexão sobre o
importante papel incumbido às equipes multiprofissionais.
Espera-se que tenha sido possível perceber o quão é impactante o diagnóstico do TEA
para a família, que muitas dificuldades existem até se chegar a um diagnóstico, todos os
envolvidos possam entender o transtorno da melhor maneira, e o quanto isso sobrecarrega a
mãe, pois é notório que muito ainda se tem a conhecer sobre esse tema. A chave para o
diagnóstico precoce e um prognóstico adequado é a informação, o que traz à tona a necessidade
de novas discussões sobre o tema.
Referências
475
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2019.
VERSATILIDADE E SALTO ALTO: UM ESTUDO SOBRE A RESILIÊNCIA
476
FEMININA
Introdução
O palco mercadológico nos últimos séculos vem sofrendo significativas mudanças nas
atividades laborais, dentre elas a transformação no que cerne a abertura de portas ao público
feminino, reverberando assim na versatilidade e polivalência feminina, passando a ser
configurada como um tema, cada vez mais, debatido no meio social. Medeiros et al (2017)
afirmam que a mulher com sua participação social no mercado de trabalho, ganha espaço e
empoderamento em suas tomadas de decisões, e que isso vem a repercutir em todos os âmbitos
que permeia.
Segundo Oliveira (2007) no século XX com a inserção das mulheres no mercado de
trabalho, houve uma grande contribuição com notáveis mudanças em seu comportamento social
e familiar, onde a mulher que exercia atividades laborais nas quais o desempenho maior era a
subserviência familiar, passa a exercer e conquistar o espaço de mulher autônoma e com
independência financeira. A autora sintetiza que, com essa conquista houveram também
mudanças significativas relacionadas a sobrecarga de trabalho, passando a ser mãe, esposa e
cuidadora profissional, tendo que abarcar muitos desafios pela multiplicidade de papéis que
desempenha. Diante disso, a pergunta norteadora dessa pesquisa é: Como se processa a
resiliência da mulher polivalente na atualidade?
Objetivos
Método
Esta Pesquisa trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva e exploratória, executada
477
no Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF) da cidade Varjota – Ceará. O NASF é uma
estratégia inovadora que tem por objetivo apoiar, ampliar, aperfeiçoar a atenção e a gestão da
saúde na Atenção Básica/Saúde da Família.
Participaram da pesquisa 10 mulheres casadas, com filhos e que trabalham fora de seus
lares. A seleção da amostra aconteceu através do método de conveniência. O critério de inclusão
foi: sexo feminino, casadas por no mínimo cinco anos (independente do tipo de união) e que se
encontram inseridas no mercado de trabalho externo. Os instrumentos para a coleta de dados
foram: questionário sociodemográfico, entrevista semiestruturada, e a Escala de Pilares da
Resiliência – EPR (Martins & Cardoso, 2013) que avalia as características que favorecem uma
conduta resiliente e quais delas uma pessoa tem em maior ou menor grau de desenvolvimento,
verificando os atributos pessoais que favorecem uma conduta resiliente diante das adversidades.
A escala conta com 90 itens subdivididos em 11 subescalas: Aceitação Positiva de Mudança
(APM), Autoconfiança (AC), Autoeficácia (AE), Bom Humor (BH), Controle Emocional (CE),
Empatia (E), Independência (I), Orientação Positiva para o Futuro (OPF), Reflexão (R),
Sociabilidade (S) e Valores Positivos (VP).
Para análise dos dados foi utilizada a Análise Temática de Conteúdo de Bardin (1977),
que consiste, operacionalmente, nas seguintes etapas: leitura flutuante (pré-análise), análise
temática e tratamento dos resultados. A leitura exaustiva das entrevistas permitiu a elaboração
de núcleos comuns de respostas. As entrevistas foram gravadas com a devida permissão das
participantes, posteriormente foram transcritas e analisadas. Com relação a EPR, foi utilizado
o manual de correção e análise da referida escala.
A pesquisa atendeu às recomendações bioéticas para pesquisas com seres humanos no
que diz respeito à Resolução 466/2012 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). As
participantes foram informadas sobre os princípios bioéticos, também sobre os objetivos e
procedimentos do estudo, foram convidadas para participar voluntariamente da pesquisa, e
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – (TCLE).
Resultados e Discussões
478
Completo
5 41 Evangélica Ens. Superior Casada Professora
Completo
6 37 Católico Ens. Médio Casada Atendente
Completo
Mediante ao quadro acima com os dados das participantes obtidos através da entrevista
semiestruturada, as participantes tem idade entre 27 e 46 anos, são casadas, com ensino a partir
do ensino médio, e trabalham fora de casa.
Resiliência Feminina
Essa categoria foi construída a partir da Escala dos Pilares de Resiliência (EPR) com o
objetivo de conhecer sobre a resiliência das participantes. A tabela abaixo apresenta os
resultados obtidos no teste como: Percentil e classificação.
479
P7 80 80 99 30 40 80 99 70 70 90 80 A/MA
P8 10 1 10 10 30 20 70 1 70 10 40 B/MB
P9 40 20 10 20 10 20 30 20 20 10 20 B/MB
P10 99 90 99 90 99 99 99 99 80 90 90 M/MA
Fonte: Autoria própria
Conforme nos mostra a tabela 2, das dez (10) participantes entrevistadas, seis (6)
obtiveram a classificação do nível de resiliência Baixa (B) ou Muito Baixa (MB), sendo que (4)
quatro têm a classificação de nível de estado de resiliência Alta (A) ou Muito Alta (MA).
Podemos então considerar através dos resultados no teste EPR e discursos das
participantes na entrevista estruturada, que a resiliência feminina se dá de modo subjetivo, ou
seja, de acordo com a vivência pessoal e modo de vida de cada uma das participantes.
Corroborando Benzono et al (2011), a resiliência se dá de uma forma subjetiva à
percepção da adversidade, como fonte de ameaça ou fonte de proteção. Isso vai depender da
forma em que estamos nos relacionando ou da forma em que as situações de adversidade se
apresentam para nós, podendo esse obstáculo então, vir ou não vir a se transformar em uma
fonte traumática. Isso irá depender do atributo que cada pessoa internaliza e da simbologia que
ela vem a considerar sobre os acontecimentos que possam lhe advir.
Podemos observar que o resultado do teste dialoga com o relato das participantes,
quando a análise das entrevistas demonstram unanimidade ao fato de ter sido uma grande
conquista para as mulheres a sua independência financeira oriunda do trabalho fora de casa, e
isso pode ser considerado um atributo que eleva a sua autoestima. Com relação ao aumento de
sua sobrecarga de trabalho, somando-se os afazeres domésticos, a desenvoltura familiar em ter
que muitas vezes sozinha, cuidar da casa e dos filhos e ainda trabalhar fora, pode levá-las ao
adoecimento e/ ou diminuição da sua capacidade em lidar com as situações adversas que
possivelmente possam surgir em suas vidas.
Cotidiano e família
Para esta categoria, selecionamos os escores de duas participantes com classificação
média e baixa através de três subesclas do teste EPR: Independência (I), Sociabilidade (S) e
Valores positivos (VP), após isso, relacionarmos com algumas de suas falas referente ao seu
cotidiano e vivência familiar.
480
Participante 8
(I) (S) (VP)
70 10 40
A MB ME
“... em relação ao ter família a questão financeira é que pesa para nós mulheres casadas,
muitas vezes é que me pergunto: “Como certas pessoas conseguem manter um padrão de vida
elevado”. (participante 5)
“Vejo como ponto negativo a grande exigência que o mercado de trabalho tem sobre nós e não
nos sobra tempo, tive que abandonar um dos empregos que tinha porque não tinha tempo para
a minha família e vi que o meu casamento era mais importante”. (Participante 8)”
As entrevistadas relataram sentirem-se muitas vezes felizes por poder trabalhar, mas
percebem ter pouco tempo para suas famílias e para si. A multitarefas é algo que a mulher atual
já conquistou, mas que isso também demanda tempo, e que o mesmo acaba ficando escasso.
Relatam também cansaço extremo, muitas vezes com uma sensação de impossibilidade de dar
conta da demanda apresentada a elas.
Para Filho (2014), a resiliência pode ser trabalhada no âmbito pessoal e também no
contexto familiar, e é importante ser compreendida, pois ela traz a possibilidade de
fortalecimento de potencialidades e recursos às famílias para a superação das crises e desafios
futuros podendo auxiliar no desenvolvimento. A terapia familiar é uma fonte de auxílio e
fortalecimento tanto do indivíduo quanto da família como um todo. Trabalhando a resiliência
pessoal e familiar, poderá então, haver sucesso no enfrentamento das adversidades, com isso
pode-se observar que há situações de dificuldades, mas também de potencialidades que podem
ser alavancadas como fonte de crescimento.
A maioria das entrevistadas apontam sobre as suas vivências familiares, que a mulher
ainda nos dias atuais trabalha mais que os homens, tal fato mediado pela cultura de cuidar na
maioria das vezes sozinha dos afazeres domésticos, dente outras responsabilidades que não são
compartilhadas com seus companheiros.
481
autoestima e saúde mental das participantes, avaliando através das subescalas: Bom humor
(BH), Autoconfiança (AC), Controle emocional (CE), Autoeficácia (AE) e da entrevista.
Obtivemos os seguintes resultados.
Tabela 5: Escores das participantes 5 e 8 nas subescalas do teste EPR: Bom humor (BH),
Autoconfiança (AC), Controle emocional (CE) e Autoeficácia (AE)
P5
BH AC CE AE
1 99 60 1
MB MA ME MB
P8
BH AC CE AE
10 10 30 10
MB MB ME MB
“Com tantas coisas para fazer me sinto muito preocupada as vezes com uma pressão
psicológica”. P5 (Participante 5)
“Tenho um esgotamento físico e mental. Eu sou uma pessoa agitada se eu pudesse me dar um
presente dormiria um dia inteiro”. P5 (Participante 5)
“O tempo que reservo para mim é pouquíssimo tenho muito pouco tempo para mim e me sinto
muito triste com isso, quando vou fazer o cabelo eu digo “faça depressa” porque eu tenho que
voltar logo”. P8 (Participante 8)
Diante do que foi trazido pelas participantes podemos observar que há uma afetação
emocional e psicológica que pode reverberar na autoconfiança, no humor entre outros aspectos
psicológicos de suas vidas, chegando a ocasionar desconforto emocional e também psicológico.
Podemos assim fazer um comparativo com o percentual obtido, onde fica visível tanto nas falas
das mesmas, quanto no percentual do teste EPR que há impacto na saúde mental das candidatas.
Parra (2014) destaca que estresse laboral atinge duramente a vida da mulher atual. Para ela o
482
seu ambiente de trabalho e a dupla jornada pode influenciar significativamente suas vidas,
trazendo sérias consequências psicossociais. Diante disso é possível se chegar a compreensão
de que a polivalência feminina pode trazer consequências tanto positivas no quesito satisfação
pessoal, quanto negativas quando essa satisfação não é alcançada.
Conclusão
Expomos neste estudo a vivência de mulheres que obtêm em silêncio um enfrentamento
diário de grandes desafios e mesmo assim lutam para se manterem resilientes, nesse sentido
através da obtenção dos dados, das experiências das vidas das participantes e com a aplicação
da escola dos Pilares de Resiliência pudemos alcançar os objetivos propostos.
Podemos destacar que cada uma tem uma realidade de vida diferente e que a dificuldade
financeira também pode cooperar para que isso ocorra, visto que as mulheres que tem o poder
aquisitivo maior, tem uma propensão ao maior estado de resiliência, pelo fato de poderem ter
um maior descanso e tempo para si, para seus familiares e para sua vida social. Em
contrapartida, mesmo permeado por uma minoria, também obtivemos dados durante esta
pesquisa, de pessoas que obtém o poder aquisitivo mais baixo e obtiveram escores altos no teste
de resiliência. Podemos observar que essas mulheres mesmo com dificuldades, no quesito
polivalência, conseguem se manter resilientes, mas que demandam grande esforço para que isso
ocorra.
Deste modo, as entrevistadas tanto as de percentual mais elevado no teste EPR quanto
as de percentual mais baixo, reconhecem que a polivalência feminina as dá maior possibilidade
de autonomia, mas que ao mesmo tempo, a grande demanda que enfrentam as limita no quesito
qualidade de vida, e expõem que há uma grande necessidade de serem trabalhadas no quesito
autocuidado.
Para a realização desse trabalho, foram encontradas dificuldades no que cerne a escassez
de material, mesmo sendo temática atual, poucos trabalhos recentes foram publicados no que
se refere a resiliência feminina no âmbito de polivalência, contribuindo para que a sociedade
conheça um pouco mais sobre a temática e para a comunidade científica, por ser mais uma fonte
de pesquisa.
Ao finalizar este trabalho, foi possível obter a compreensão do sofrimento velado pelas
mulheres em suas múltiplas tarefas, onde a mulher pôde fazer de sua existência uma autonomia
eficaz, mas que muitas vezes também velada de sofrimento, em função da relação de sujeição,
de dominação podendo até chegar à desestruturação da própria vida e de suas famílias,
culminando na necessidade de manter-se resiliente.
Podemos elencar que através dos diálogos existentes de nossa pesquisa houveram
despertamento nas mulheres participantes trazendo a elas o desejo de romper com o ciclo da
subordinação dando a elas o despertamento ao autocuidado. Dessa forma recomenda-se mais
pesquisas sobre o tema, dando voz a essas mulheres.
Referências
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483
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jan/jun
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AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NO CONTEXTO HOSPITALAR
484
Antonia Fonseca Gomes da Cruz
Amanda Cunha de Sá
Joycilane Oliveira Aguiar
Ana Karine Sousa Cavalcante
Carla Nágila Ripardo Sales
Natanaele Alcântara Moreira
1. Introdução
485
como um dos mecanismos para obtenção dos seus resultados. Partindo do conhecimento obtido
sobre a avaliação psicológica é possível perceber sua importância dentro de diversos contextos.
Analisando precisamente esses aspectos é necessário compreender sua relevância dentro desse
contexto hospitalar e é imprescindível ainda entender o que se trata de uma avaliação
psicológica e qual a sua importância e os problemas que se desenvolveram quando remetem a
essa.
A avaliação psicológica é um procedimento que inclui técnicas que permitem conhecer
o seu paciente e compreender o seu funcionamento. É procurar informações desse sujeito
partindo da demanda que ali chegou. A mesma consiste em técnicas, processos e uma utilização
de instrumentos. Pode ser aplicada em qualquer contexto, porém é restrita aos psicólogos e
adequada aos princípios éticos. Portanto, o psicólogo deve agir de maneira crítica e ética na
utilização da avaliação psicológica (Pellini & Leme, 2011).
Devido aos problemas que acontecem dentro das situações em que é utilizada a
avaliação psicológica muitos deixam de compreender sua relevância e acabam confundindo o
que é uma avaliação psicológica e o que seria um teste psicológico. A primeira engloba a
utilização de instrumentos em que estão inseridos os testes psicológicos, ou seja, falamos que
os testes psicológicos fazem parte e é um instrumento da avaliação psicológica. Uma avaliação
psicológica envolve diferentes técnicas como: entrevistas observações, testagens e dentre
outras. Sendo que necessita de um tempo maior para uma análise em que o seu maior objetivo
é a particularidade da pessoa em que tomar uma decisão sobre um determinado problema é a
sua forma mais precisa (Urbina, 2007).
De acordo com as ideais supracitadas é relevante compreender qual o papel da
psicologia hospitalar e um pouco sobre a diferença entre a testagem e a avaliação psicológica.
Além disso, é importante ainda entender a relação da avaliação psicológica dentro do contexto
hospitalar visto que essa é um instrumento de uso do profissional de psicologia e qualificado
para ser aplicado dentro desse contexto.
Apesar da importância da utilização desses instrumentos dentro do contexto hospitalar
o Brasil apresenta poucas pesquisas que estejam voltadas para esse assunto. O ambiente
hospitalar se destaca como um dos mais propícios para a prática da avaliação psicológica, pois
nesse contexto as informações que são obtidas através da avaliação psicológica auxiliarão que
os outros profissionais do hospital façam uma intervenção mais precisa. Portanto, o profissional
deve estar seguro de suas responsabilidades vendo as circunstâncias do paciente como um todo,
assim vendo também o que aconteceu para que este chegasse até o seu estado de adoecimento
(Santos & Okino, 2007).
Dessa forma, compreendemos que o psicólogo utilizando seus instrumentos como a
avaliação psicológica será um mediador entre o paciente e o contexto hospitalar verificando a
situação do paciente com mais precisão, indo além da doença, compreendendo esse homem
como um todo, sendo que avaliação psicológica o ajudará a obter todas as informações que lhes
serão necessárias.
A avaliação psicológica facilita nessa obtenção de dados sobre o paciente que ajudará
tanto ao psicólogo quanto a equipe médica. De acordo com Fongaro e Sebastiani (2013), os
objetivos da avaliação psicológica são: O roteiro de exame e avaliação psicológica do paciente
internado propõe as seguintes funções: diagnóstico, orientação de foco, fornecimento de dados
sobre a estrutura psicodinâmica da personalidade da pessoa, avaliação continuada do processo
evolutivo da relação do paciente com sua doença e tratamento, conhecimento da história da
pessoa, diagnóstico diferencial e estabelecimento das condições de relação da pessoa com seu
486
prognóstico.
O processo de avaliação psicológica ajudará no diagnóstico do paciente compreendendo
ainda suas funções psicológicas, visto que quando uma pessoa se encontra em estado de
adoecimento essa pessoa tem uma família, tem um contexto e tem uma história, ela
consequentemente será a mãe, pai, irmã, irmão, amigo de outra pessoa, então entender o
diagnóstico através da avaliação psicológica é importante, pois contribuirá para entender o
paciente além da doença, ou seja, não apenas sua condição física.
Dias e Radomile (2006) descreveram uma sugestão para os psicólogos utilizarem no
hospital geral. A proposta se desenvolveria em alguns procedimentos e entre destes
procedimentos envolveria a avaliação psicológica. Os procedimentos se estruturariam da
seguinte forma: Triagem Psicológica Hospitalar em que visitariam os leitos dos pacientes,
avaliação psicológica e acompanhamento psicológico hospitalar.
Com a avaliação psicológica, o psicólogo terá o primeiro contato com o paciente no
hospital possibilitando que toda a equipe profissional conheça o estado do paciente. Porém, em
muitos casos a realidade é outra e desconhecem o fazer do psicólogo e a cooperação que seus
instrumentos têm dentro da demanda. Portanto, a avaliação psicológica ajudará no
conhecimento do paciente.
Além de ajudar a entender a situação do paciente e todas as suas condições esses
procedimentos auxiliarão em algumas situações específicas, como é o caso de pacientes que
irão se submeter a uma cirurgia bariátrica. A importância dessa análise por meio da avaliação
psicológica será importante para compreender como o paciente se encontra naquela situação
antes de passar por cirurgia e como ele estará após essa cirurgia, pois o seu corpo ganhará uma
nova forma e saber como lidar com a situação de mudança é essencial. Além de que o paciente
deverá estar consciente da situação em que o mesmo irá se submeter e da situação de risco. “A
elevada prevalência da obesidade no Brasil impulsionou o crescimento no número de
procedimentos bariátricos, o que representa ampliação da atuação do psicólogo, no campo da
avaliação pré-operatória” (Flores, 2014, p. 60).
Para analisar se um paciente está apto para passar por essa cirurgia o psicólogo irá
analisar o histórico de vida do paciente e qual o estado que o mesmo se encontra. Ele vai avaliar
ainda as emoções e o cognitivo que podem alterar o resultado da cirurgia. Para tal intuito, a
avaliação psicológica é a mais importante, fazendo o uso de suas técnicas como a entrevista e
a testagem psicológica para obtenção de informações sobre esse paciente (Flores, 2014).
A utilização da avaliação psicológica dentro do contexto hospitalar se insere tanto para
o conhecimento do paciente como foi descrito anteriormente, quanto no auxílio de cirurgias,
além de intervir em pacientes que estão em um quadro oncológico, e daqueles pacientes em
hemodiálise.
O presente trabalho tem o objetivo de descrever, analisar, apresentando a importância
da avaliação psicológica no contexto hospitalar descrevendo seu valor. Especificamente,
através dos conhecimentos obtidos na disciplina de psicometria junto com as pesquisas feitas
com outros autores, sendo possível analisar em quais áreas hospitalares mais se utiliza a
avaliação psicológica e as técnicas utilizadas por essa.
2. Metodologia
487
O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica com o intuito de mostrar a
presença da avaliação psicológica dentro do contexto hospitalar designadamente nos contextos
que se inserem as cirurgias bariátricas, pacientes que estão no tratamento de hemodiálise e
oncologia.
Para a obtenção dos objetivos alcançados, foi realizada uma pesquisa aprofundada sobre
o tema proposto nas seguintes plataformas: SCIELO, PEPSIC e Google Acadêmico no período
de Novembro de 2019. Usamos para essa finalidade os descritores: psicometria, oncologia,
cirurgia bariátrica, psicologia hospitalar, hemodiálise e avaliação psicológica.
Especificamente, na plataforma SCIELO encontramos 47 artigos, portanto foram
escolhidos aqueles que se aprofundavam na temática estabelecida do nosso tema e aqueles que
estavam em português, após uma leitura aprofundada dos artigos, filtramos dessa plataforma 3
artigos e um livro. Os mesmos têm os seguintes temas: Avaliação psicológica de depressão em
pacientes internados em enfermaria de hospital geral, Avaliação psicológica no pré-operatório
para cirurgia bariátrica: uma revisão sistemática e Avaliação psicológica para cirurgia
bariátrica: práticas atuais. Além desses artigos no SCIELO foi encontrado um link para um livro
com o seguinte tema: E a psicologia entrou no hospital.
Em seguida no Google Acadêmico encontramos 5 artigos e um livro que foram
escolhidos através do tema que os mesmos tratavam. Os artigos escolhidos foram: Técnicas
projetivas no contexto hospitalar: Relato de uma experiência com o House-Tree-Person (HTP),
Sistematização da prática psicológica em ambientes médicos, A implantação do serviço de
psicologia no hospital geral: uma proposta de desenvolvimento de instrumentos e
procedimentos de atuação, A depressão em pacientes com câncer: uma revisão, Qualidades de
vida de pacientes renais crônicos em hemodiálise. Nessa plataforma usamos como referência o
livro: Manual de psicologia hospitalar.
Além desses, usamos como fonte bibliográfica o PePSIC que através da relação com o
tema do artigo filtramos artigos com os seguintes temas: O papel do psicólogo na equipe de
cuidados paliativos junto ao paciente com câncer e A importância da assistência psicológica
junto ao paciente em hemodiálise.
Por fim, foram usadas duas fontes para o embasamento desse artigo em que as mesmas
já teriam sido trabalhadas na disciplina de psicometria. Sendo os dois livros: Fundamentos da
testagem psicológica e Avaliação psicológica: guia de consulta para estudantes e profissionais
de psicologia.
Os artigos descritos, além dos livros mencionados, foram importantes para escrever
sobre o tema em destaque e alcançar os objetivos desse artigo.
3. Resultados e Discussões
488
Considerando os diferentes fenômenos relacionados à obesidade, algumas pessoas
buscam por diversos tipos de tratamento, que venham reduzir o excesso de peso, e
presumivelmente devolver a elas sua autoestima, uma vida mais ativa e saudável. De modo
geral, denota-se que o paciente que busca pelo procedimento bariátrico, na maior parte das
vezes, sente-se excluído em situações sociais, ocorrendo um desejo da perda de peso rápida e
sem sofrimento (Flores, 2014).
Dentre essas soluções buscadas destacam-se em última análise: a Cirurgia Bariátrica. A
presença do psicólogo na equipe de cirurgia bariátrica é fundamental. O psicólogo, durante o
processo de avaliação investiga todo o contexto do paciente, provenientes de diversas fontes,
cumprindo com os princípios éticos na avaliação psicológica, buscando avaliar seus aspectos
emocionais, psiquiátricos e cognitivos que podem influenciar na cirurgia. Tendo em vista, que
a cirurgia irá afetar a percepção do paciente de si mesmo, logo, sua imagem corporal poderá
acarretar mudanças comportamentais e sentimentais (Silva et al., 2019). Assim, verifica-se a
necessidade da avaliação psicológica nessa perspectiva do sujeito com relação ao
procedimento, bem como lidar com seu novo repertório, buscando diminuir os possíveis riscos
do pós-cirúrgico. Além de ajudar o paciente a reorganizar seus hábitos alimentares. Por tanto,
a avaliação psicológica no pré-operatório e pós-operatório são imprescindíveis.
Sobre a obtenção de informações se o paciente estará apto ou não para submeter-se ao
procedimento cirúrgico podemos afirmar que:
489
personalidade e aptos para fazer uma análise holística do sujeito (Silva et al., 2019).
3.2 Hemodiálise
490
suas funções emocionais, física e sexuais também afeta as atividades de sua família, ficando
preocupados com o estado de vida e a qualidade de vida do seu ente querido que sofre com essa
sobrecarga da Doença Renal.
3.3 Oncologia
Sabemos que o Câncer é um dos grandes problemas da Saúde Pública. E esses pacientes
oncológicos, por mais que a Medicina tenha avançado em termos de tecnologias e inovações e
vários meios de viabilizar esse sofrimento, muitos remetem o diagnóstico à ideia de morte. O
câncer é uma doença que além da dor, causa outros desconfortos físicos, impactando tanto na
área psíquica, social, econômica como nas condições favoráveis para a vida do indivíduo
diminuindo sua perspectiva de sobrevivência e levando os familiares do paciente ao estado de
tristeza, sendo o responsável por 13% das mortes em todo o mundo e com tendência a aumentar
essa estimativa, por existir pessoas cada vez mais expostas a esses fatores de risco (Ferreira,
Lopes & Melo, 2011).
Muitos após o diagnóstico têm dificuldades em aceitar o tratamento, trazendo como
inúmeras respostas: mágoas, tristeza, depressão, sem perspectiva de vida, sem ânimo, a
autoestima baixa, não dar continuidade ao tratamento por achar que não faz sentido, pois
querendo ou não seu destino é a morte. Segundo Garcia et al (2012), pacientes que se submetem
ao tratamento de psicoterapia e quimioterapia tem efeito maior sobre a vida, com efeito mais
longo, do que aqueles que recusaram qualquer tipo de tratamento. Podemos perceber que
pacientes que aceitam esse tratamento como medida de intervenção tem sua autoestima elevada
e índices de sobrevivência mais eficaz.
É de suma importância à avaliação psicológica no âmbito de pacientes oncológicos,
tendo em vista, que se trata de uma doença delicada e que muitos infelizmente são
diagnosticados em casos terminais, levando assim o paciente a cuidados paliativos. Cuidados
paliativos é a prática multiprofissional que procura proporcionar ao paciente uma possibilidade
de cura, visando atingir o sujeito a partir de uma visão holística proporcionando uma melhor
forma de enfrentar o sofrimento, vivenciando e aceitando lidar com a doença, visando atingir
uma melhor qualidade de vida para o doente e sua família (Ferreira, Lopes & Melo, 2011).
Neste contexto o profissional de psicologia irá trabalhar em relação a qualidade de vida
do doente e família, promovendo a escuta e apoio, de forma que possibilite o doente e a família
enfrentar e lidar com essa enfermidade. Trabalhando de forma que valorize todo seu contexto
histórico de vida, caracterizando o indivíduo como biopsicossocial.
4. Conclusão
491
possibilita uma ação mais eficaz tanto por parte do psicólogo quanto de outros profissionais.
A avaliação psicológica no contexto hospitalar é uma forma de dar um reforço maior
aos indivíduos que estão inseridos naquele espaço, além de ajudar na obtenção de decisões que
se fazem necessárias no momento. A demanda de pacientes no hospital é enorme, mas devido
à grande alternância de indivíduos nesse contexto não é possível fazer uma psicoterapia devida
e é nesse momento que a avaliação psicológica é de suma importância. A sua eficácia é visível
e necessária, pois com ela o fazer do psicólogo hospitalar é garantir que o paciente seja visto
como um todo, em todos os seus aspectos e não apenas em sua condição física.
Nesse sentido, vale ressaltar mais uma vez a importância da avaliação psicológica no
contexto hospitalar para os pacientes e familiares que normalmente se encontram em estado de
sofrimento, pois se encontram em um momento vulnerável e precisam superar esses obstáculos
para poderem se recuperar do dano emocional causado.
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CORRELATOS VALORATIVOS DA PERPRETAÇÃO DO BULLYING: UM
493
ESTUDO COM ADOLESCENTES DO INTERIOR PERNAMBUCANO
Introdução
Apesar de toda a relevância positiva que a escola tem para com as crianças e
adolescentes, nas últimas décadas um novo tipo de violência escolar ganha maiores proporções
nos veículos de informação, causando aflição aos pais, professores e população em geral. Essa
forma de violência denominada de bullying, se manifesta nos grupos sociais há muito tempo,
especialmente nas escolas, apesar das pesquisas sistematizadas datarem do final da década de
70, o bullying ainda se configura como um fenômeno recentemente estudado (Freire & Aires,
2012). Dan Olweus foi um dos primeiros a pesquisar sobre bullying. A princípio o pesquisador
empreendia suas pesquisas no comportamento de jovens suicidas na Noruega. A partir de seus
achados, descobriu-se que os adolescentes que apresentavam a tendência suicida vivenciaram
algum tipo de violência na escola, que logo mais viera a ser denominada de bullying (Araújo &
Gomes, 2014).
As pesquisas elucidaram a compreensão sobre bullying, tratando como um fenômeno
complexo, presente e recorrente em diversos países do mundo (Malta et al., 2014; Antoniadou
& Kokkinos, 2015). Diante disso, é importante elucidar as características do fenômeno para
melhor entendimento. A literatura explica o bullying, de maneira geral, como uma agressão
física ou psicológica entre uma ou mais pessoas, que de um lado há dominação e de outra
submissão. As ações ocorrem de diferentes maneiras, como apelidar, xingar, discriminar pela
cor da pele, ou orientação sexual, bater, excluir socialmente, propagar comentários ofensivos
em redes sociais dentre outros. De maneira específica, o bullying se caracteriza por ser um
comportamento de agressão intencional, direcionado a outrem, repetidamente e havendo-se
disparidade de forças entre quem agride e quem é agredido (Olweus, 2003, 2011; Volk, Dane,
& Marini, 2014).
Quanto a sua manifestação, o bullying, de acordo com Olweus (1993, 2003), é
compreendido de duas maneiras; a saber, a forma indireta, que pelo fato das ações não serem
explicitamente observáveis, tal manifestação pode ser de ordem relacional e pode ser
exemplificada através das atitudes de exclusão de grupo, propagação de mentiras, insultos; e a
forma direta, que se subdivide em duas: agressão física (ex.: puxões de cabelo, bater, roubar
objetos) e agressão verbal (ex.: apelidos difamatórios, xingamentos e piadas de mal gosto). As
formas do bullying direto são mais fáceis de serem identificadas pelos professores, pais e afins
e por isso mesmo são mais conhecidas do que as manifestações do bullying indireto.
Com o advento das tecnologias da informação, vem se destacando uma nova forma de
494
expressão, o Cyberbullying. A partir do conceito tradicional de bullying, pode-se definir o
cyberbullying como um comportamento ou ato que utiliza meios eletrônicos (smartphones,
computadores, através de redes sociais) para ferir um indivíduo ou grupo repetidamente e ao
longo do tempo (Smith et al., 2008). Desta forma, o cyberbullying se configura como uma
violência sistemática de poder propiciada pelas novas tecnologias de informação e comunicação
(Slonje, Smith & Frisén, 2013).
Em relação aos atores sociais envolvidos na situação de bullying, Olweus (2003) destaca
que são quatro os tipos de grupos envolvidos nessa prática: vítimas, agressores,
agressores/vítimas e testemunhas. As vítimas de bullying, eventualmente, não conseguem
reagir ou cessar o ato de violência, seus recursos são escassos e dificilmente consegue se sair
da situação. Estes sujeitos geralmente são retraídos, pouco sociáveis, passivos e ansiosos
(Alckmin-Carvalho, Izbicki, & Melo, 2014). Há evidências de que sofrer bullying na infância
e na adolescência pode configurar-se em fator de risco para o desenvolvimento de problemas
comportamentais futuros, quer seja interno ao próprio sujeito - isolamento, depressão, e
ansiedade – ou externo – agressividade, decréscimo em habilidades sociais (Vaillancourt,
Brittain, McDougall, & Duku, 2013). Na maioria das vezes as vítimas passam a ter perdas no
desempenho escolar, recusam ir à escola ou abandonam os estudos, tudo isso por medo de sofrer
retaliações (Lopes Neto & Saavedra, 2003).
Por outro lado, os agressores tentam assumir a liderança em grupos através de agressões,
exercendo superioridade física e psicologicamente sobre os mais frágeis (Ferraz, 2011). Estes
podem apresentar, à medida que aumentam de idade, distúrbios psiquiátricos, como déficit de
atenção, depressão e conduta de desordem (Kokkinos & Panayiotou, 2004) ou ainda
desenvolver problemas escolares, consumo de drogas e comportamentos violentos (Méndez &
Cerezo, 2010; Bender & Lösel, 2011). Os agressores, comumente, são indivíduos que sentem
dificuldade de se adaptar a escola e de obedecer às regras. Muito embora, os agressores sejam
rejeitados pelos colegas, dificilmente são sujeitos isolados socialmente, muitas vezes eles são
populares e bem quistos. Em relação aos ataques, geralmente há um autor principal, que
manipula e determina as ações do grupo para com aqueles que sofrem a violência (Ristum,
2010).
De acordo com Neto (2005) cerca de 20% das crianças que sofrem o bullying, também
praticam a violência, estes são denominados vítimas/agressores. Esses sujeitos sofrem bullying
praticado pelos mais poderosos, e eles próprios realizam a violência procurando pessoas mais
frágeis e vulneráveis. Tais indivíduos atacam suas vítimas afim de prevenir que sejam
vitimadas, bem como para fortalecer sua própria imagem no meio social que convive.
Comumente estas crianças têm atitudes agressivas e possuem baixa autoestima, elas ainda
podem ser depressivas, inseguras, inconvenientes, buscando menosprezar o colega para
esconder suas limitações (Lyznicki, McCaffree, & Robinowitz, 2004). Diferenciam-se em
relação com os demais alvos, pois são impopulares e têm altos índices de rejeição entre seus
colegas (Kumpulainen, Räsänen, & Puura, 2001).
Por fim, as testemunhas, não têm ligação direta com a prática de bullying, no entanto
são fundamentais no processo, quer seja na manutenção ou na redução das ações (Fosse, 2006).
Existe as testemunhas passivas, que presenciam as cenas de bullying e omitem pelo fato de não
ser alvo ou temer possíveis retaliações, ou por pensar que aquilo não diz respeito a ela – que é
um problema do outro. E há as testemunhas ativas que surgem como incentivadores e
apoiadores do bullying, manifestado pelo desejo de pertencer ao grupo mais forte (Salmivalli,
2010; Volk, Dane, & Marini, 2014), ou como interventores, ajudando e apoiando o colega. A
caracterização desses papéis evidencia que todos são importantes para a composição do cenário
do bullying, consequentemente, para o pensar em como elaborar estratégias de enfrentamento
495
(Ristum, 2010).
Em resumo, pode-se afirmar que as vítimas, os agressores, os expectadores
(testemunhas) encaram consequências fisiológicas e afetivas tanto a curto, como a longo prazo.
Essa forma de agressão ocasiona consequências negativas e desta forma sua mensuração é
complexa e dificultosa. Contudo, o presente estudo busca correlacionar esse fenômeno aos
valores humanos, visto que esses são guias para atitudes e comportamentos sociais (Cachoeira,
Zwierewicz, Silva, Soares, & Santos, 2015) e estão associados a diversos construtos (Bardi &
Schwartz, 2003) como o comportamento de bullying (Knafo & Galansky, 2008).
Nesse sentido, os valores humanos referem-se a construtos produtivos de mecanismo
analítico que explicam as semelhanças e distinções entre indivíduos, grupos, costumes e
hábitos, visto que ao adotar algum valor, ele torna-se, de maneira consciente ou não, um modelo
que direciona o comportamento do sujeito. De maneira geral, é visto um grande auxílio teórico
sobre valores, dividindo-se em dois aspectos, um sociológico e outro psicológico. Entretanto,
neste estudo adotou-se a perspectiva psicológica ressaltada pela Teoria Funcionalista dos
Valores Humanos (TFVH; Fonsêca et al., 2016).
A propósito, a TFVH compreende os valores como categorias de orientação, pautadas
nas necessidades humanas e nas pré-condições para satisfazê-las, funcionando como princípios
que guiam os comportamentos das pessoas e explicam como as pessoas agem, sentem e pensam
cotidianamente (Gouveia, 2016). Além disso, uma característica inovadora dessa teoria refere-
se as funções atribuídas aos valores, de maneira específica, duas parecem consensuais: 1) Tipo
orientação, referente aos padrões que guiam os comportamentos e ações humanas e divididos
em valores pessoais, centrais e sociais; 2) Tipo de motivador, referente a expressão cognitiva
das necessidades humanas, que é delineada pelos valores materialistas e idealistas. As duas
principais funções são combinadas para formar o espaço axiológico (Gouveia, 2013).
Estas funcionalidades criam dois eixos, estruturados com três categorias de orientação:
pessoal, social, central e duas categorias de motivadores: humanitário e materialista.
Formando seis categorias: social-humanitário, pessoal-materialista, central-materialista,
central-humanitário, pessoal-humanitário, social-materialista (Gouveia, 2013). Assim, forma-
se um modelo 3 x 2 que gera e organiza espacialmente as seis subfunções valorativas (valores
básicos), que são subdivididas entre três critérios de orientação: social (interativa e normativa),
central (suprapessoal e experimentação) e pessoal (experimentação e realização); e dois tipos
de motivadores: idealistas (interativa, suprapessoal e experimentação) e materialista
(normativo, existência e realização) (Gouveia, Fonsêca, Milfont, & Fischer, 2011).
A estruturação do sistema valorativo se desenvolve por valores pessoal, central e social.
Nos valores pessoais, as pessoas que possuem esses valores buscam privilégios, vantagens, e
escolhem o que é favorável para si. Estes valores podem ser divididos pela subfunção
experimentação, que se refere a apreciação de novos estímulos e a busca de satisfazer os desejos
sexuais, além da subfunção realização, atribuída a indivíduos que cobiçam o sucesso, o poder,
prestígio e autodireção (Formiga, 2009).
Os valores centrais dividem-se em dois tipos, como o de valor de existência: no qual o
maior interesse é a existência em si, cujo destaque não é a particularidade de cada um, mas sim
no existir do sujeito, principalmente na saúde; e o valor suprapessoal que se refere aos que
procuram alcançar os objetivos livremente da circunstância social, tratando-se de pessoas
maduras, desapegadas do materialismo (Formiga, 2009).
Formiga (2009) também afirma que valores sociais são reconhecidos em pessoas
496
direcionadas a companhia de outros, buscando a aceitação e mantimento da harmonia em
qualquer contexto e podem ser divididos em valores normativos (em que focam no bom
convívio social, na cultura e principalmente na ordem, tradição e obediência) e em valores de
interação (que enfatizam a benevolência; são pessoas que apreciam uma boa convivência
coletiva, apoio, amizade e afetividade).
Especificamente, estudos que considerem a TFVH e a população de adolescentes ainda
são escassos. Entretanto, pode-se citar o estudo de Monteiro e Godoy (2015) com 453
estudantes do ensino fundamental e médio da baixada paulista, foi observado o predomínio de
valores de experimentação, principalmente em meninos de escolas privadas. Já a investigação
realizada por Fonsêca et al. (2016), com 338 estudantes do ensino fundamental da cidade João
Pessoa, demonstrou que adolescentes que dão ênfase aos valores centrais (suprapessoal e
existência) tendem a ter mais engajamento escolar. Além disso, no estudo levado a cabo por
Monteiro et al. (2017), com 300 escolares entre 8 e 17 anos, da cidade de Parnaíba, no Piauí,
indicaram que as subfunções interativa e realização predisseram comportamentos de bullying.
Dessa forma, a partir do exposto e visando aumentar o escopo de estudos que
possibilitem um maior conhecimento sobre bullying e valores humanos em adolescentes, pois
sabendo que os valores funcionam como guias de comportamentos, pretende-se, neste estudo,
conhecer quais valores se relacionam com comportamentos de bullying em uma amostra de
estudantes de ensino médio no interior pernambucano.
Método
Participantes
Contou-se com 180 alunos de uma escola pública de nível médio da cidade de São
José do Egito, no interior de Pernambuco, A amostra foi não probabilística (por conveniência)
acidental (Midade = 16,06; DP= 0,71; amplitude 15 a 18 anos), em maioria do sexo feminino
(53,9%). Adotou-se como critério de inclusão adolescentes que estudassem no primeiro e
segundo ano do ensino médio e como critérios de exclusão alunos que não cursassem as séries
de primeiro e segundo ano do ensino médio e que fossem maiores de 18 anos.
Instrumentos
Escala de Comportamento de Bullying (ECB; Medeiros et al., 2015). Instrumento
composto por16 itens, distribuídos em quatro fatores (bullying verbal, físico, relacional e
cyberbullying), respondida em uma escala Likert de cinco pontos referentes a frequência de
comportamentos de bullying na última semana (0 = nunca, 1 = uma vez por semana, 2 = duas
vezes por semana, 3 = três vezes por semana, 4 = quatro vezes por semana).
Questionário de Valores Básicos – Infantil validada por Gouveia, Milfont, Soares,
Andrade e Lauer-Leite (2011) com base na de adultos proposto por Gouveia (2003), esta
medida é composta por 18 itens. Para responder, cada participante deve indicar o grau de
importância de cada item, distribuído em uma escala variando de 1 = totalmente não importante
a 7 = extremamente importante.
Questionário Sociodemográfico com fins de caracterizar a amostra, neste questionário
497
conteve perguntas do tipo sexo, idade, ano escolar e renda econômica.
Procedimento
Inicialmente, foi apresentada a carta de anuência a instituição de ensino médio
solicitando participação na pesquisa. Após essa apresentação, o projeto foi submetido ao
Comitê de Ética da Faculdade Integrada de Patos. Ao obter o parecer do comitê de Ética (nº
2957174), posteriormente, seguiu-se com as visitas na instituição de ensino para pleitear a
coleta de dados. Inicialmente, os pesquisadores comunicaram o que tratava a pesquisa para os
participantes; após a explicação, foi entregue os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido
para que eles levassem para os pais assinarem. Depois da assinatura dos pais e respectiva
devolutiva para os pesquisadores, os adolescentes tiveram de assinar o termo de assentimento,
para somente então, efetuarem a participação respondendo as duas escalas e o questionário
sociodemográfico, em média foram necessários 15 a 20 minutos para os participantes
endossarem as questões.
Análise de dados
Os dados obtidos foram analisados por meio do software SPSS (Statistical Package for
the Social Sciences). Procedeu-se com análises de estatística descritiva (medidas de tendência
central e dispersão) e inferencial, (r de Pearson, objetivando verificar a correlação entre os
construtos valores humanos e bullying e o Teste t de Student para verificar a diferença entre
sexo).
Resultados
Visando alcançar o principal objetivo do estudo, isto é, analisar em que medida os
comportamentos de bullying relacionam-se com valores humanos, conduziu-se uma análise de
correlação de Pearson. Dessa forma, como pode ser observado na Tabela 1, apenas dois tipos
de comportamentos de bullying (verbal e cyber) obtiveram correlação com duas subfunções dos
valores humanos (suprapessoal e normativa). Sendo que o relacionamento entre bullying verbal
e a subfunção suprapessoal foi negativo e fraco (r = -0,18; p < 0,01), ou seja, quando aumenta
o comportamento de bullying, diminui-se a ocorrência dos valores suprapessoal. Assim sucede
com a subfunção normativa (r = -0,24; p < 0,05) que apresentou correlação negativa e significa
só que em maior magnitude comparada com os demais valores. A dimensão cyberbullying
correlacionou-se também de maneira negativa significativa com a subfunção normativa (r = -
0,14; p < 0,05) e suprapessoal (r = -0,13; p < 0,05). Quer dizer, quando a prática de bullying
via meio informacionais aumenta, os valores normativos e suprapessoal diminuem.
Tabela 1.
Correlatos dos valores humanos e comportamentos de bullying.
Fatores Físico Verbal Relacional Cyber
Experimentação 0,10 0,03 -0,06 -0,07
Realização 0,11 0,03 -0,01 0,01
Suprapessoal 0,01 -0,18** -0,12 -0,14*
498
Existência 0,03 -0,09 -0,04 -0,11
Interativa -0,09 -0,06** 0,11** -0,07**
Normativa -0,24 -0,16* -0,10 -0,13*
Nota: N= 180; ** p < 0,001; * p < 0,05 (teste unicaudal);
Discussão
Objetivou-se verificar a relação entre bullying e valores humanos a partir de uma
amostra de estudantes do ensino médio do interior pernambucano. Nesse sentido, para se chegar
aos resultados, procedeu-se análises de correlação de Pearson, bem como análise de diferença
499
de dois grupos (mulheres e homens; teste t). Considera-se que os objetivos tenham sido
alcançados, uma vez que houveram correlações significativas entre valores que guiam o
comportamento humano e práticas de bullying, além dos achados demonstrarem diferenças
entre homens e mulheres referentes aos comportamentos de bullying.
Sabe-se que os valores humanos guiam as ações humanas e expressam suas
necessidades (Gouveia, 2003) e o bullying é considerado uma subcategoria do comportamento
violento (Smith, Sleep, Morita, Catalano, Junger-Tas, & Olweus, 1999). Tendo isto em conta,
observou-se em estudos prévios que pessoas que violentam suas vítimas tendem a pontuar
menos em subfunções que prezam o conhecimento, respeito, obediência, afetividade, ou
buscam por uma boa convivência com seus pares (Soares, 2013; Monteiro et al., 2017), o que
foi corroborado no presente estudo.
Considerando o eixo central, especificamente os valores suprapessoais, foi observado
uma relação negativa com a violência verbal e cyberbullying. Corroborando parcialmente com
os achados de Monteiro et al. (2017), que verificaram uma relação negativa dos supracitados
valores com o cyberbullying. Possivelmente, tais divergências podem ser oriundas das
diferenças entre as idades amostrais. Já no eixo social, a subfunção interativa se correlacionou
negativamente com os tipos de bullying verbal, relacional e cyberbullying, ao passo que a
subfunção normativa apresentou correlação negativa com cyberbullying, corroborando com o
que tem sido evidenciado em cenário nacional (Monteiro et al., 2017). Tais resultados sugerem
que pessoas que são guiadas por valores normativos apresentam maior obediência a autoridades
e preservação de normas de uma cultura, enquanto que pessoas que manifestam valores
interativos buscam manutenção das relações interpessoais, e assim tendem a praticar menos
comportamentos de bullying.
Para além disso, pode-se citar os achados de Dilmaç e Aydoğan (2010), que mesmo não
se utilizando da TFVH, somam a presente pesquisa, uma vez que foi possível verificar que os
valores de responsabilidade, tolerância, respeito, honestidade e pacifismo explicam
negativamente o comportamento de bullying, visto que estes apresentam-se ausentes nos jovens
que praticam o cyberbullying, de maneira similar ao achado no presente estudo, sendo
constatado uma relação negativa e significativa entre valores suprapessoal e comportamento de
bullying em meios tecnológicos.
Além das relações entre valores humanos e bullying, observou-se que adolescentes
homens praticam mais bullying do que meninas. Uma possível explicação está no fato de que
meninas demonstram atitudes mais empáticas e positivas do que meninos (Bandeira & Hutz,
2010). Os achados presentes reforçam que independente do sexo, o bullying verbal é
predominante quanto aos outros, o qual sobressaem-se os comportamentos de utilizar de
apelidos pejorativos para vitimar o próximo (Moura, Cruz & Quevedo, 2011; Castela, 2013).
Apesar da relevância da presente pesquisa, esta não está isenta de limitações. A primeira
delas diz respeito ao tipo de amostra utilizada por conveniência (não probabilística), sendo
constituído, essencialmente, por estudantes de uma única instituição e somente pública, o que
excluí alunos da rede privada e implica em uma não representatividade amostral, extinguindo
quaisquer tentativas de generalizações de resultados que estejam ligados aos dados aqui
analisados.
Uma segunda limitação, diz respeito ao instrumento utilizado. Por ser uma medida de
auto relato, possibilita o participante falsear a resposta em função da desejabilidade social, uma
vez que o construto bullying não é socialmente aceito na comunidade, o que pode afetar a
maneira como os respondentes endossaram os itens (Costa & Hauck, 2017). Ademais, o tipo de
delineamento utilizado na pesquisa pode ser considerado como uma limitação também. Por se
500
tratar de uma investigação descritiva e exploratória, não se pode inferir causalidade entre as
variáveis, também como nos estudos de cunho experimental (Dancey & Reidy, 2013).
No entanto, conclui-se que os objetivos foram atingidos, uma vez que se chegou a
resultados que demonstraram relação significativa entre valores humanos e bullying, espera-se
que o presente estudo estimule o desenvolvimento de novas pesquisas acerca da temática e que
outros empreendimentos científicos sejam tomados relacionando valores humanos e bullying,
já que os estudos demostram haver relação e que valores humanos se constitui como preditivo
para comportamentos de bullying (Dilmaç & Aydoğan, 2010). Além disso, tais resultados
possibilitam favorecer e subsidiar intervenções que ajudem a reduzir a prática desse
comportamento agressivo no contexto escolar, pois os valores podem funcionar como um fator
de proteção, ou seja, para inibir, a perpetração do bullying (Monteiro et al., 2017). Deste modo,
parece relevante incentivar a transmissão destes valores por parte de pais e professores, além
de trazer um melhor entendimento desse fenômeno e sua relação com os valores dos
adolescentes.
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DIFFICULTIES IN EMOTION REGULATION SCALE (DERS): NOVAS EVIDÊNCIAS
504
PSICOMÉTRICAS DE VALIDADE E PRECISÃO
Introdução
As emoções são fontes de estudo antes do século XX. Historicamente eram associadas
a falhas, fraqueza moral e desequilíbrio, sendo uma dimensão considerada inferior à cognição.
Diferentes teorias e autores conceituam o construto emoção e estes podem ser divididos em três
grandes grupos: teorias dos sentimentos (James, 1884; Whiting, 2011), Teoria cognitiva das
emoções (Scarantino, 2014) e Teoria cognitiva (Greenspan, 1988; Nussbaum, 2001; Roberts,
2013). No entanto as emoções serão definidas aqui como processo de registro do significado de
um acontecimento físico ou mental, sendo um mecanismo de adaptação que possibilita
identificar o que é favorável ou desfavorável ao bem-estar e funcionamento do organismo. Suas
características envolvem mudanças fisiológicas, cognitivas, experienciais e comportamentais,
que preparam o indivíduo para a ação (Ricarte, 2016).
Autorregulação emocional ou regulação emocional (RE) se refere a um processo
dinâmico ligado a esforços conscientes no controle dos comportamentos, dos sentimentos e das
emoções para que algum objetivo seja alcançado, afetando o psicológico, bem-estar cognitivo
e interação social. É desenvolvida na infância e adolescência, porém a aquisição completa das
competências associadas à regulação emocional acontece apenas no final da adolescência
(Batista & Noronha, 2018; Antunes, Matos, & Costa, 2018; Westerlund & Santtila, 2018).
Ademais, a regulação emocional diz respeito a modulação emocional e a processos intrínsecos
e extrínsecos que são utilizados para realizar metas pessoais. Contudo, nesse modelo a emoção
é visualizada como funcional, sendo usada como motivação para a adaptação no ambiente e nas
situações diárias. Quando há déficit na consciência, compreensão e modulação das emoções, o
indivíduo terá prejuízos em se adaptar e se situar em ambientes e consigo mesmo. Dessa
maneira, a regulação emocional está relacionada com várias psicopatologias e comportamentos
desadaptativos (Bjureberg et al., 2015).
Além disso, o controle das próprias emoções é um aspecto protetivo, pois auxilia no
controle da impulsividade. Inclusive, a impulsividade e o controle emocional são inversamente
proporcionais, o que significa que quanto maior o controle emocional, menor a impulsividade
e vice-versa. Assim, o controle emocional é uma proposta no tratamento de transtornos de
personalidade, como Boderline e usuários de substancias psicoativas. Ser capaz de controlas as
próprias emoções é também foco para idosos que sofrem de alterações neuropsicológicas e no
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) (Batista & Noronha, 2018). A
habilidade de reconhecer o estado emocional, perceber sua influência e conseguir maneja-lo de
forma que suas emoções se tornem aliadas no seu cotidiano é algo que colabora para uma
505
constante evolução pessoal, que, quando dominada, é uma vantagem levada a todos os campos
da vida, seja pessoal, profissional ou social.
O autoconhecimento e uma boa compreensão emocional são habilidades que devem ser
trabalhadas desde os primeiros anos de vida, uma vez que estas permitem regular e controlar as
emoções, além de permitir o reconhecimento do sofrimento do outro (Papalia & Feldman, 2013,
p. 347). Porém, nem sempre é adquirida facilmente, e pode vir apenas depois de um processo
terapêutico, diagnóstico, ou por algum sofrimento psicológico, por exemplo. No caso das
dificuldades quanto a regulação emocional, estão associados vários comportamentos inaptos
para uma regulação emocional eficiente, como automutilação, uso de drogas e comportamento
sexual arriscado. Tais dificuldades também se mostraram associadas também com fatores
biológicos (ativação do córtex cingulado anterior), psicofisiológico (frequência cardíaca),
neurológico e comportamental. Tal modelo de regulação emocional foi utilizado em terapias
em grupo e na terapia dialética comportamental e terapia em grupo, atingindo bons resultados
(Bjureberg et al., 2015).
Sobre psicopatologia e sua relação com a regulação emocional, alguns transtornos se
mostraram correlacionados com desregulação emocional, como a depressão, transtornos de
ansiedade, transtornos alimentares, Transtorno Opositivo-Desafiador, Transtorno de conduta e
de personalidade. Em dada pesquisa, indivíduos com ansiedade generalizada já mostraram uma
menor compreensão e aceitação emocional, maiores níveis de reação emocional negativa e
menor capacidade em regular experiências emocionais negativas. Na fobia social há baixa
expressividade de emoções que são positivas, dificuldade em entender emoções e em descreve-
las. Quanto ao Transtorno de Pânico, também havia dificuldade em nomear emoções e alta
tendência de controlar ansiedade e demais emoções negativas. Estresse pós-traumático e
depressão também são transtornos associados com déficits na regulação emocional (Coutinho,
Ribeiro, Ferreirinha, & Dias, 2009; Shahabi, Hasani, & Bjureberg, 2018).
Há vários estudos que estudam as dificuldades na regulação emocional e seus fatores
constituintes. O modelo pelo qual a escala de Difficulties in Emotion Regulation Scale (DERS)
é baseado na funcionalidade das emoções. As formas adaptativas de lidar com as emoções
incluem: conscientização, compreensão e aceitação das emoções; capacidade de controlar o
comportamento ao experienciar emoções negativas; flexibilidade de estratégias na modulação
da intensidade e duração das respostas emocionais em vez de eliminar a emoção por completo;
aceitação ao experimentar emoções negativas e positivas como sendo parte natural da vida
(Bjureberg et al., 2015).
Com o intuito de verificar a regulação emocional em contexto clínico de uma forma
rápida e eficaz, foi desenvolvida a escala Difficulties in Emotion Regulation Scale: The DERS-
16, Bjureberg et al. (2015). A DERS-16 tem a vantagem de contar com apenas dezesseis itens,
sendo mais parcimoniosa do que a escala original DERS-36, de Gratz e Romer (2004), além
disso facilita aplicação e a análise dos resultados comparada com sua versão preliminar,
principalmente em contexto clínico. A escala DERS-16 já foi validada em países como
Finlândia (Westerlund & Santtila, 2018), Suécia (Bjureberg et al., 2015), Irã (Shahbi, et al.,
2018) e Brasil (Miguel, Giromini, Colombarolli, Zuanazzi, & Zennaro, 2017). Não obstante, o
vigente estudo busca reunir novas evidências psicométricas da DRES-16 no contexto brasileiro,
em específico no litoral piauiense.
Método
506
Participantes
Instrumentos
Procedimento
507
o caráter voluntário da participação na pesquisa e ressaltando que esta não trará quaisquer ônus
ou bônus aos participantes, além esclarecer possibilidade de desistência a qualquer momento
sem prejuízos, ademais todos os procedimentos que assegura a pesquisa com seres humanos
foram devidamente cuidados, como consta nas resoluções do Conselho Nacional de Saúde (Nº
466/2012 e 510/2016).
Análise de dados
Os dados obtidos foram analisados por meio do software SPSS (Statistical Package for
the Social Sciences; versão 25). Procedeu-se com análises de estatística descritiva (medidas de
tendência central e dispersão) com fins de caracterizar a amostra e inferencial, rodando uma
Análise Fatorial Exploratória (AFE), tendo como pressupostos de análises a serem realizados
os Teste de Kaiser-Meyer-Olkin e esfericidade de Bartlett, para verificar se a matriz de dados
é favorável e Kaiser-Guttman (eigenvalue), Cattel e Análise Paralela para verificar a estrutura
fatorial da medida, além executar a análise de consistência interna (precisão) com Alfa de
Cronbach (α).
Resultados
Como pode ser observado na figura acima, destaca-se dois fatores a partir desta análise,
portanto nota-se uma divergência entre o critério de Kaiser (eingevalue) e Gráfico de Cattel
quanto ao número de fatores. Dessa forma, para eliminar quaisquer dúvidas, decidiu-se realizar
um novo teste, denominada de Análise Paralela (AP), isso devido sua robustez ser maior que
as demais utilizadas (Hayton, Allen, & Scarpello, 2004). Esta análise gera banco de dados
aleatórios a partir do banco de dados real, em sua interpretação, é observado a média dos valores
dos bancos aleatórios e os autovalores do banco real, se este último for maior do que as médias
dos bancos randomizados, apoia-se a existência do fator.
Desse modo, o resultado da AP apoia a extração de dois fatores, uma vez que os
primeiros autovalores da AFE (8,18; 1,62) foram superiores aos equivalentes produzidos pela
Análise Paralela (1,51; 1,40), de forma contrário acontece com o terceiro autor valor (0,96 <
1,31). De acordo com estes resultados e com a literatura, procedeu-se uma nova PAF, só que
agora fixando em dois o número de fatores. Com isso, as dimensões explicaram conjuntamente
61,31 da variância total. Adotou-se como carga fatorial (λ) mínima (0,65) para conservar o item
no fator. (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009). Os resultados podem ser observados
na Tabela 1, apresentado a seguir.
Tabela 1.
Estrutura Fatorial Difficulties in Emotion Regulation Scale (DERS)
Fatores
Itens
F1 F2 h²
14. Quando estou mal começo a me sentir muito mal em 0,89* -0,06 0,19
relação a mim mesmo(a).
13. Quando estou mal fico irritado(a) comigo mesmo(a) 0,87* -0,19 0,38
por me sentir assim.
09. Quando estou mal sinto vergonha de mim mesmo(a) 0,81* -0,16 0,39
509
por me sentir assim.
10. Quando estou mal me sinto como se fosse fraco(a) 0,79* -0,00 0,68
06. Quando estou mal acredito que terminarei me 0,73* 0,10 0,64
sentindo muito deprimido.
05. Quando estou mal acredito que permanecerei assim 0,67* 0,18 0,66
por um longo tempo.
12. Quando estou mal sinto que não tem nada que eu 0,65* 0,16 0,69
possa fazer para me sentir melhor.
16. Quando estou mal minhas emoções parecem 0,60 0,27 0,51
esmagadoras.
02. Eu sou confuso(a) sobre como me sinto. 0,51 0,14 0,61
15. Quando estou mal tenho dificuldades em pensar em 0,49 0,30 0,64
qualquer outra coisa.
01. Eu tenho dificuldade em tirar um sentido dos meus 0,42 0,01 0,59
sentimentos.
04. Quando estou mal fico fora de controle. -0,20 0,95* 0,58
08. Quando eu estou mal eu me sinto fora de controle. -0,08 0,88* 0,72
11. Quando estou mal tenho dificuldades em controlar 0,05 0,76* 0,52
meus comportamentos.
07. Quando estou mal tenho dificuldades em focar em -0,26 -0,50 0,66
outras coisas.
03. Quando estou mal tenho dificuldades em concluir 0,19 0,48 0,50
trabalhos.
Número de itens 7 3
Variância explicada 56,5% 15,1%
Alfa de Cronbach 0,91 0,87
Nota. *item retido no fator; F1 = Estratégias e Não aceitação; F2 = Impulso.
510
em controlar meus comportamentos.). Ademais todos itens que compõem os fatores estão
dispostos na tabela acima em ordem decrescente conforme os valores das cargas fatoriais (λ).
Nessa direção, o primeiro fator ficou composto por sete itens com autovalor igual a 5,65,
sendo explicado por 56,5% da variância total, apresentando uma adequada consistência interna
[Alfa de Cronbach (α=0,91)]. Já o Fator 2 aglutinou três itens com autovalor igual a 1,51,
explicando 15,1% da variância total e sua consistência interna também medida pelo Alfa de
Cronbach foi considerada adequada (α= 0,87).
Discussão
511
emocional em pessoas com sintomas de ansiedade e depressão.
Como já discutido é inegável a necessidade de se ter medidas que avaliem a regulação
emocional, uma vez que as emoções fazem parte primordialmente da vida das pessoas, tendo
como função adaptativa e orientadora das relações interpessoais (Pereira, 2014). Assim, o
referido estudo contribui como novos achados psicométricos para a Difficulties in Emotion
Regulation Scale (DERS-16).
No entanto, como todo empreendimento científico é passível de limitações, este não
seria diferente. A primeira das limitações, trata-se da amostra utilizada que foi por conveniência
(não probabilística), sendo composta em maioria por estudantes universitários de uma única
instituição pública, o que excluí universitários da rede privada e implica em uma não
representatividade amostral. Porém, não foi objetivo desse estudo atingir generalizações de
resultados. Com isso, encoraja-se a novos estudos com amostras maiores e mais representativas.
Uma segunda limitação que pode ser considerada diz respeito ao instrumento utilizado. As
medidas de auto relato abrem margem para o participante falsear a resposta devido a
desejabilidade social afetando a maneira como os respondentes endossam as questões (Costa &
Hauck, 2017). Sugere-se nesse sentido que seja manejado medidas de desejabilidade social para
minimizar o efeito que esse fenômeno causa (Oliveira, 2013)
Em suma, considera-se que os objetivos foram atingidos, uma vez que os resultados de
validade e precisão da DERS-16 se mostraram adequados psicometricamente. Além disso, tais
resultados favorecem o uso dessa medida como ferramenta de rastreio de regulação emocional,
proporcionando identificar os comportamentos associados ao construto para elaboração de
estratégias de intervenção que visem a manutenção e homeostase das respostas emocionais,
frente por exemplo, a quadros clínicos de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático.
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USO DE REDES SOCIAIS E A PERCEPÇÃO DA AUTOESTIMA: UM
514
ESTUDO CORRELACIONAL
Introdução
O ser humano na atualidade, se encontra em uma fase moderna da evolução, seja pelo
aumento exponencial da tecnologia, ou pela forma de se comunicar, nesse aspecto, as mídias
sociais se tornam uma grande ferramenta para comunicação e criação de conceitos e padrões na
sociedade. A facilidade se expressa na possibilidade de possuir dispositivos móveis, permitindo
assim a exposição de ideias, conceitos, críticas e entretenimentos por qualquer pessoa,
independendo do nível social, idade, sexo e profissão (Da Silva, Pinto, Da Silva, & Teixeira,
2019).
As autoras ainda reforçam a existência de milhares de pessoas que influenciam as
massas através de redes sociais, seja por necessidade de autopromoção e/ou de comunicação,
estas mostram em suas postagens um possível exemplo a ser seguido, ou desejado por aqueles
que as acompanham, trazendo muitas das vezes a distorção da realidade de suas vidas na busca
de se encaixar em determinados padrões estabelecidos pela sociedade atual. Dessa forma,
devido a inclusão em uma sociedade consumista e a crescente expansão das mídias sociais, são
criados ou reforçados padrões de comportamentos, cujo os indivíduos projetam no outro desejos
e sonhos que almejam para suas vidas, mesmo quando isso não condiz com a sua determinada
realidade.
Para demostrar o quanto o uso da internet tem crescido nos últimos anos, um relatório
publicado pela Marktest (2016) informou que o número de usuários aumentou mais de 10 vezes
nos últimos 18 anos, ultrapassando de uma penetração de 6,3% em 1997 para 65,4% em 2016.
Já a nível mundial, mais de 7.500 milhões de pessoas têm acesso à internet, o que representa
49,6% da população mundial, sendo que a Europa fica em segundo lugar na taxa de penetração
de internet, com uma percentagem de 77,4% (Internet World Stats, 2017;
http://www.internetworldstats.com/).
Pensando nesse fato, Turkle (2012), elabora críticas em relação ao longo tempo
disponibilizado para a internet, algo que se tornou comum hoje em dia. De acordo com ela,
atentando-se para as relações constituídas pela rede, o prolongado tempo dentro deste mundo
virtual, traz consigo a “ilusão” de estar sempre sendo observado e ouvido, de ter vários
“amigos”. A tecnologia ofereceria uma sensação de escuta frequente e de refúgio contra a
solidão e o desamparo, com três falsas certezas: a de que podemos direcionar nosso olhar para
o que quisermos; a de que seremos sempre ouvidos; e a de que sempre estaremos em companhia.
Isso leva os usuários, principalmente os adolescentes, a relatarem que para conversar, preferem
515
escrever a falar.
Embora que o uso controlado e sadio da internet por si só não evidencia riscos graves e
seja, de maneira geral, proveitoso para a maioria dos usuários, uma minoria das pessoas
apresenta problemas referentes ao seu uso exagerado, imoderado e irregular (Pontes, Caplan,
& Griffiths, 2016). De maneira geral, a literatura científica informa associações consistentes
entre o uso prejudicial da internet a uma pluralidade de problemas psicossociais, tais como bem-
estar emocional mais pobre (Griffiths, 2015; Piguet, Berchtold, Akre, & Suris, 2015; Pontes,
Caplan, & Griffiths, 2016) ou níveis mais altos de psicopatologias, como a depressão (Cabral,
Pereira, & Teixeira, 2018; Mendes & Silva, 2017; Pontes, Caplan, & Griffiths, 2014; Tokunaga
& Rains, 2016; Mendes & Silva, 2017).
Um possível problema que pode surgir nessa busca de um apoio virtual está ligada aos
padrões estabelecidos da vida perfeita, que pode levar os indivíduos a criarem uma distorção
da própria vida e de si próprios, o que acarreta nas percepções de autoestima de cada um. Muitos
aplicativos de interações sociais se tornam nocivos à saúde mental, pois criam um mundo
utópico onde tudo é possível e maravilhoso, impactando de forma negativa a autoimagem e
criando dúvidas acerca dos próprios modos de vida (Da Silva, Pinto, Da Silva, & Teixeira,
2019). As autoras ainda informam que no sexo feminino esse impacto se torna mais agressivo,
visto que a busca pelo corpo ideal possui determinados padrões e pressões estéticas sobre o
corpo feminino onde imperfeições não são aceitas, o que gera uma insatisfação constante na
busca de uma perfeição inexistente.
Alguns danos psicológicos, fisiológicos e sociais que podem ser causados pelo uso
demasiado de mídias sociais se mostra através de taquicardia, alterações na respiração,
mudanças na postura, tendinite, relações familiares prejudicadas, vulnerabilidade afetiva,
distúrbios alimentares, sedentarismo, obesidade, síndrome do toque fantasma ( sensação que o
celular está tocando sem está), narcisismo, distúrbios de personalidade, distúrbios de
concentração, transtornos de ansiedade, fobias, isolamento social, dependência, vícios,
distúrbios do sono, mudanças na autoestima, depressão e suicídio (Souza & Da Cunha, 2019).
Para complementar esses dados, Palfrey e Gasser (2011, p. 210) veem dizer que a
dependência da internet, a síndrome da exaustão de informações e a sobrecarga de dados fazem
parte dos termos que estão sendo apresentados para informar as novas doenças da era digital.
A substituição do “fluir temporal”, ao que as pessoas estão habituadas, dá reforço a um dos
atributos da atualidade: o desprezo do tempo passado e o não contato com o futuro (Drawin,
2003), que descreve o que Bauman (2001, 2004) nomeia de “modernidade líquida”,
reconhecida, entre outras coisas, pela delicadeza das relações afetivas (“amor líquido”).
Como já visto, um mau uso das redes sociais pode desencadear vários problemas a nível
físico, social e psicológico. Dessa forma, o tema saúde mental mostra grande importância na
sociedade e vem sendo discutido amplamente na atualidade por diversos campos de pesquisa.
Seu valor se expressa pela busca da qualidade de vida dos indivíduos. Uma das variáveis
importante para se estabelecer uma saúde mental é a autoestima, visto que proporciona um bem-
estar psicológico e que independe de idade, sexo, instrução, trabalho e formação cultural
(Nunes, Montibeller, Oliveira, Arrabaca, & Theiss, 2017).
Dolan (2006) descreve que a autoestima é um dos conceitos psicológicos mais usados
atualmente, possivelmente pelo seu sentido funcional na compreensão da busca de felicidade
por parte das pessoas. A inclusão do termo é proposta por William James no ano de 1885,
quando ele desta maneira descreve “o que sentimos por nós mesmos é determinado pela
proporção entre nossas realizações e nossas supostas potencialidades; uma fração cujo
denominador são nossas pretensões e o numerador, os nossos sucessos” (James, Dewey, &
516
Veblen, 1974).
O conceito de autoestima se caracterizava a princípio como um traço estável ligado a
personalidade; em segunda instância, observou-se que ela poderia ser variável, e que poderia
ser manipulada e/ou afetada pelo estado que o sujeito se encontra. Assim, se torna uma estrutura
mental multável que segue as tendências das etapas da vida de cada indivíduo e acompanham
os eventos singulares e marcantes de cada fase da vida (De Castro Sena & Maia, 2017).
No contexto psicanalítico, Freud (1914) escreve que “a autoestima demonstra o tamanho
do ego, tudo o que a pessoa tem ou faz, ajuda-o a melhorar sua autoestima” (p.115). Ele defende
que ela está precisamente associada com o prazer narcisista, o que se deve a relação de que o
amor que cerca o desejo e o suprimi, diminuindo a autoestima e, o inverso, ser amado e ser
retribuído no amor a aumenta. Já conforme Skinner (2006), a percepção sobre si mesmo tem
sua origem social: a pessoa passa a se entender a partir do outro, ou melhor, é a comunidade
verbal que instrui o homem a explicar seus comportamentos e sintomas corporais. Ao mesmo
tempo, aproveita-se de palavras para ensinar as pessoas a nomear suas condições e
manifestações corporais, que advêm do contato entre a pessoa e seu espaço físico ou social. Tal
descrição remete-se aos sentimentos e emoções.
Guilhardi (2002) caracteriza autoestima como sentimento, consequência de
causalidades de reforçamento positivo de princípio social. Dessa forma, sempre que as pessoas
mostram comportamentos que são aprovados pelo ambiente social, isto os reforça
positivamente, ou seja, é ofertado reforço social generalizado positivo. Essa circunstância
possibilita o aumento do sentimento autoestima. Ao contrário disso, os comportamentos do
indivíduo que não são admitidos socialmente geram efeitos negativos ou são punidos e estão
associados à baixa autoestima. Por fim, autoestima se baseia na avaliação do EU, por este
motivo é um estado multável que se constrói e se altera ao logo da vida diante de situações
significantes que ocorrem (Pereira, Lopes, Gonçalves, & Vasconcelos-Raposo, 2017).
As pesquisas realizadas no Brasil, mostram que a autoestima se caracteriza tanto como
um traço psicodinâmico permanente, pois deriva de experiências acumuladas ao passar do
tempo; mas também se caracteriza como um estado psicoemocional, pois nesse contexto se
manifesta como uma condição de satisfação mediante as relações que o indivíduo tem consigo
mesmo e com outras pessoas (De Castro Sena & Maia, 2017).
Em resumo, para essa pesquisa foi adotado o conceito de autoestima baseado em
Pimental et al (2018), afirmando que ela é formada por parâmetros estabelecidos pelo indivíduo
possuindo opostos bem definidos, variando entre auto-aceitação ou auto-rejeição;
reconhecimentos de potencialidade e habilidades pessoais e o fracasso ou sucesso das mesmas.
Dessa forma, seria a capacidade do indivíduo compreender suas potencialidade e limitações e
poder estabelecer um equilíbrio emocional sobre si mesmo.
A relação do indivíduo com o meio que está inserido pode ser afetada pela percepção
da autoestima que cada um tem de si mesmo, visto que pessoas que possuem bons níveis de
autoestima tendem a ser mais persistentes e por consequência ter mais progresso mediante
determinadas tarefas e desafios do dia (De Castro Sena & Maia, 2017). Os autores ainda
reforçam que o bem-estar psicológico ligado a autoestima proporciona eventos significantes
que contribuem positivamente no combate a sintomatologias de depressão e na prevenção ao
suicídio.
Diante do exposto, é possível perceber o quanto as redes sociais podem influenciar o
estado psicológico das pessoas, tanto a nível pessoal quanto social. Dessa forma, sabendo que
autoestima é uma das principais influências em uma boa saúde mental, a presente pesquisa
517
buscou analisar possíveis correlações entre a percepção de autoestima e o uso de redes sociais.
Método
Participantes
Instrumentos
Procedimento
A pesquisa foi realizada no primeiro semestre de 2019, por alunos do curso de
518
Bacharelado em Psicologia, o questionário foi divulgado e explicado em redes sociais, tais
como, WhatsApp, Facebook e Instagram. Os participantes eram informados que a pesquisa
objetivava verificar relação entre o uso exagerado de redes sociais, com a percepção de sua
autoestima, foram orientados a buscarem o máximo de sinceridade possíveis em suas respostas,
relacionadas ao tempo de uso das redes sociais e se esse uso causaria algum tipo de prejuízo na
forma como percebiam sua autoestima. Foi explicado que a pesquisa não prejudicaria quem
participasse, e que estavam livres para abandonar a pesquisa a qualquer momento. Todos os
questionários foram respondidos online através do link de acesso a plataforma do Google docs.
em um prazo de um mês.
Análise de dados
Utilizando o software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), em sua versão
21, foram executadas as estatísticas descritivas para assim caracterizar a amostra e as análises
de correlação r de Pearson a fim de verificar a relação entre os construtos estudados.
Resultados
Tabela 01.
Correlação entre as variáveis: uso de redes sociais, autoestima e idade.
Dimensões 2 3
1-Redes Sociais - 0,29** -0,18**
2-Autoestima 0,16*
3-Idade ---
Nota: ** p < 0,001; * p < 0,05 (teste unicaudal). 1=redes sociais; 2= autoestima; 3=
idade.
Discussão
Com os resultados da pesquisa foi possível alcançar o objetivo inicial de verificar a
519
correlação entre autoestima e o uso exagerado de redes sociais, o que ocorreu através das escalas
(CARS e SISES) dessa forma se faz necessário mencionar que os resultados foram
significativos e a amostra foi em quantidade suficiente para poder realizar a análise, o que será
justificada a seguir.
Pereira e colaboradores (2017) defendem que a autoestima é uma avaliação do nosso
próprio eu, e que se constrói ao longo do tempo, sendo passível de mudanças mediante o meio
onde o indivíduo está inserido, e, se por algum motivo essa avaliação de si mesmo for
comprometida, é possível que se tenha baixa na percepção de autoestima. A sociedade atual
através das redes sociais existe uma massiva criação de vidas perfeitas, que pode influenciar
pessoas a viverem em realidades equivocadas (Da Silva, Pinto, Da Silva, & Teixeira, 2019).
Dessa forma, é possível ver que existe sim uma relação de autoestima e redes sociais como
demonstrado os dados da pesquisa, pois quanto mais as pessoas consomem o exposto nas
mídias, maior a comparação de vidas, e tendem a se sentir insatisfeitas consigo mesmas ou com
as condições atuais que se encontram.
No que diz respeito a idade, segundo De Carvalho Muniz e Da Silva (2019), atualmente
os pais veem na tecnologia um recurso de auxílio na criação dos filhos, visto que passam maior
parte do tempo em funções do cotidiano, impossibilitando assim um contato intenso nas mídias
sociais comparados a jovens e adolescentes. Assim as redes sociais se tornam mais presentes
nas vidas das pessoas desde muito cedo, porém, o grande risco é a forma como os conteúdos
acessados são interpretados, pois segundos os autores a interpretação dos conteúdos variam de
acordo com a idade. Com isso, jovens e adolescentes tendem a serem mais vulneráveis a
influência que a mídia pode trazer, se tornando mais suscetíveis a terem percepções de baixa
autoestima.
Mediante o exposto é possível perceber que baixos níveis de autoestima são
extremamente prejudiciais à saúde, e desempenha papéis fundamentais tanto no sexo masculino
quanto feminino. Todavia, no presente estudo não foi possível detectar uma correlação entre a
variável sexo, autoestima e redes sociais, o que colabora com a pesquisa realizada por Paixão,
Patias e Dell'aglio (2018), onde afirmam não terem encontrado valores significativos na relação
de autoestima e sexo. Contudo, em outra pesquisa realizada por Sánchez-Queija, Oliva e Parra
(2017), demostrou-se que existia uma diferença, porém ela só ocorria na adolescência média, e
em sua maioria no sexo masculino, porém desapareciam ao chegar na idade adulta.
Nesse sentido, a presente pesquisa se mostrou de grande importância, pois através de
dados científicos foi comprovado que na amostra estudada existia uma correlação entre
autoestima e uso de redes sociais. É de suma importância mencionar que os dados aqui
apresentados não se manifestam como causa e efeito. Diante da construção do estudo se pode
encontrar alguns entraves dos quais serão apresentados a seguir: a desejabilidade social, pois
pode ser que ao responder os itens da pesquisa os indivíduos não foram totalmente sinceros por
medo de uma possível reprovação social de suas respostas. Outra dificuldade é a dispersão
geográfica, pois como se tratou de uma pesquisa online, obteve repostas de estados diferentes,
o que configura a amostra por conveniência, não sendo possível fazer uso de generalização dos
resultados.
Para tanto, o estudo empreendido possibilitou refletir sobre o impacto das redes sociais
nos indivíduos na atualidade, visto que podem ter sua saúde mental comprometida devido a
baixas nas percepções de autoestima. Diante disso, o estudo se mostra de grande importância
para a psicologia, pois gera discussões acerca do impacto que as redes sociais proporcionam a
autoestima, sendo que este pode ser evitado ou reduzido por meio de estratégias de
enfrentamento e controle de autoestima. Contudo, tais assuntos não abarcavam o proposito
520
inicial da pesquisa, o que abre grandes possibilidades de novos trabalhos com a temática.
Referências
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O USO DE INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA EM CASOS DE
522
ANOREXIA NERVOSA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Introdução
523
se perceber que os testes mais utilizados comumente na identificação de pacientes com TA, em
específico de anorexia nervosa, são os testes de o Desenho da Figura Humana, o Teste de
Apercepção Temática e o Psicodiagnóstico de Rorschach, todos se configuram como testes
projetivos.
Diante do exposto, esta pesquisa justifica-se pela relevância do tema no contexto atual,
principalmente após o intenso uso e valorização da imagem corporal sob a óptica das redes
sociais e dos filtros dos aplicativos, que destoam a imagem real. Muitas vezes, as pessoas,
tentadas pelo ideal de beleza impostos pela mídia e pelos grandes veículos de massa,
desenvolvem tal transtorno e mudam por completo sua lógica de funcionamento corpóreo, além
de tornarem-se emocionalmente frágeis; emanando dessa forma, cuidados e atendimento do
profissional de psicologia, aonde irá se utilizar dos melhores caminhos dentro da avaliação
psicológica, levando em consideração os traços característicos de pessoas que convivem com
este transtorno alimentar e de imagem.
Portanto, o presente trabalho tem como objetivo fazer um estudo de como a literatura
aborda o tema da anorexia nervosa e quais testes são utilizados na avaliação psicológica de
pessoas acometidas por tal transtorno.
Método
Para a elaboração do referido estudo, fez-se uma revisão bibliográfica para identificar
quais artigos estão disponíveis no Brasil que tratem do tema anorexia nervosas associadas ao
processo de avaliação psicológica e utilização de testagens. Foi consultada a base de dados BVS
(Biblioteca Virtual em Saúde) com as combinações de descritores: avaliação psicológica e
anorexia. Na consulta foram estipulados limites de datas, utilizando como critérios:
bibliografias que foram produzidas nos últimos cinco anos e estudos atuais sobre o tema.
Como critérios de inclusão, estabeleceu-se que: os instrumentos deveriam ter sido
criados no Brasil, informações recentes do tema e que os estudos tivessem priorizado a
avaliação psicológica com a utilização de testes. Além disso, estabeleceu-se: retirar desta
revisão os instrumentos que tivessem sido produzidos em outra língua, bem como, os que
contivessem em sua constituição outras doenças que pouco contribui para análise do tema em
questão.
Ao final da pesquisa, os textos resultaram em 4 artigos, são eles:
524
de Rorschach
03 Angela Nogueira Neves Escalas para avaliação da imagem Escalas de avaliação
Betanho Campana; Mateus corporal nos transtornos da imagem
Betanho Campana; Maria da alimentares no Brasil corporal; anorexia
Consolação G. Cunha nervosa.
Fernandes Tavares.
● 04● Rodrigo Sanches Peres; Contribuições do desenho da Desenho da figura
Manoel Antônio Santos figura humana para a avaliação da humana; anorexia
imagem corporal na anorexia nervosa.
nervosa
Resultados e Discussões
525
examinando dá às manchas, é avaliada em função de três elementos: a) a localização, que é
caracterizada como a porção da mancha visualizada pelo examinando e denota a maneira como
percebe e faz contato com a realidade, e como se relaciona com o mundo; b) os determinantes
são caracterizados pela qualidade perceptiva que condicionou a resposta (se a forma, se a cor,
se o sombreamento, se o movimento); e c) o conteúdo (se animal, humano, anatômico, etc.).
A escala para avaliação da imagem corporal baseada no Desenho da Figura Humana
(DFH) é uma das técnicas de avaliação psicológicas mais conhecidas e utilizadas no Brasil,
podendo informar sobre características da imagem corporal do indivíduo (Saur, Pasian, &
Loureiro, 2010).
Um importante pressuposto sobre a interpretação psicodinâmica do DFH, formulado
originalmente por Machover (1949), é sua possibilidade de informar sobre a imagem que o
indivíduo desenvolve sobre seu próprio corpo. A propósito de como a imagem corporal se
projeta no DFH, Machover (1949) e Van Kolck (1984) ressaltaram que, quando alguém se
dispõe a desenhar uma pessoa, acaba se baseando nas imagens de si próprio e de outras pessoas
presentes ao seu redor. Desta forma, pode-se inferir que a representação psíquica alcançada
com o DFH estará intimamente relacionada ao autoconceito deste indivíduo (Saur, Pasian, &
Loureiro, 2010).
Por imagem corporal entende-se a figuração do corpo do ser humano formada em sua
mente, ou seja, o modo como o corpo se apresenta para os indivíduos e o modo como este corpo
é vivenciado psicologicamente. Assim a imagem corporal constitui-se como um importante e
integrado fenômeno psicológico, focado nas atitudes e nos sentimentos a respeito do próprio
corpo e na maneira como essas sensações são organizadas internamente (Schilder, 1935/1980).
O que se pode concluir a partir das pesquisas realizadas tendo como tema o transtorno
de imagem anorexia nervosas e a utilização de testes e avaliação é que os métodos projetivos
são majoritariamente utilizados, onde foi apresentado os mais conhecidos e utilizados
atualmente.
Em 1939, Frank lança o termo método projetivo para designar o estudo da personalidade
baseando-se no teste de associação de palavras de Jung, testes de manchas de tinta de Rorschach
em 1920 e T.A.T. (Teste de Apercepção Temática) de Murray em 1935. Frank aborda nestes
testes uma dinâmica holística da personalidade, uma estrutura evolutiva onde os elementos se
interagem e a pessoa expressa em uma atividade construtiva e interpretativa a fantasia interior
(Formiga & Mello, 2000).
Na medida em que os estímulos pouco ou nada estruturados são apresentados diante do
sujeito sua resposta é sempre projetiva, reveladora de sua maneira particular de ver a situação,
de sentir e interpretar (Formiga & Mello, 2000). Tais estímulos provocam projeções em
condições ótimas, economizando tempo e esforço, que situações menos ambíguas e indefinidas
(Van Kolck, 1975; Anzieu, 1981; Alves, 1998).
Como observado, os métodos projetivos possuem uma base muito forte ligada à
psicanálise, tanto de Jung quanto de Freud. Estes são utilizados em contextos em que a
autoimagem do sujeito encontra- se afetada, apontando para um possível desequilíbrio entre o
que os outros observam e o que esse sujeito vivencia como imagem de si.
Pessoas com transtornos de imagem possuem uma percepção alterada de si e nesse tipo
de situação os testes psicométricos não seriam recomendados, pelo fato de ao responder
questões sobre si e como o sujeito se avalia, estas respostas têm grande possibilidade de não
condizem com a realidade. A lógica dos testes psicométricos diferem da organização dos
projetivos, pois os primeiros são instrumentos padronizados por pesquisas científicas com a
526
finalidade de mensuração de determinados construtos, como por exemplo, fator de inteligência,
atenção, memória e ansiedade.
Os testes psicométricos se baseiam na teoria da medida e, mais especificamente, na
psicometria, usam números para descrever os fenômenos psicológicos, enquanto os testes
impressionistas, ainda que utilizem números, se fundamentam da descrição linguística. Usam a
técnica da escolha forçada, escalas em que o sujeito deve simplesmente marcar suas respostas.
Primam pela objetividade: tarefas padronizadas. A correção ou apuração é mecânica, portanto,
sem ambiguidade por parte do avaliador. Os testes impressionistas requerem respostas livres,
sua apuração é ambígua, sujeita aos vieses de interpretação do avaliador. (Silva, 2008).
Considerações finais
Referências
527
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TESTE DE RESSENTIMENTO E APRECIAÇÃO DA GRATIDÃO (GRAT):
528
EVIDÊNCIAS DE VALIDADE EM UM CONTEXTO BRASILEIRO
1 Introdução
529
escores na medida de gratidão tendem aexpressar afetos positivos como felicidade, esperança e
vitalidade. Desse modo, compreendendo a importância da gratidão nas relações interpessoais e
atitudes positivas frente à vida, justifica-se o uso dos instrumentos psicométricos para medir o
construto, sendo apresentado no artigo três das principais medidas encontradas na literatura.
2 Metodologia
Participantes
Procedimentos
A coleta de dados foi realizada em sua maior parte em uma instituição acadêmica. Os
participantes foram abordados em uma sala, bem como nas outras dependências da
universidade. Um total de aproximadamente 66 pessoas responderam o teste online, criado por
meio da plataforma Google Docs e disponibilizado por meio de links. Em ambas as coletas os
participantes atestaram o seu consentimento através do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE). Presencialmente, os aplicadores explicaram o objetivo geral do estudo e
garantiram o anonimato. Ademais, os instrumentos foram respondidos de forma individual, em
que sempre esteve presente um ou dois aplicadores para dirigir eventuais dúvidas dos
participantes.
Análise de dados
530
a validade e confiabilidade dos itens.
3 Medidas
Na busca por medidas psicométricas que avaliem a gratidão, foram encontrados três
instrumentos indicados por Lin e Huang (2015) como aptos para essa finalidade, são eles: O
modelo de seis itens (GQ-6) do McCullough, Emmons & Tsang (2002); a escala de adjetivos
relacionados à gratidão criado por McCullough et al. (2002) e o GRAT (Teste de Ressentimento
e Apreciação da Gratidão) formulado por Watkins, Woodward, Stone e Kolts (2003).
O GQ-6 é um questionário composto por seis itens, refletindo quatro facetas que
buscam medir a intensidade da gratidão, a sua frequência, amplitude e densidade (McCullough
et al., 2002). McCullough. et al. (2002) optaram por correlacionar a gratidão com características
ligadas à personalidade, como o afeto positivo, bem-estar e a religião, encontrando resultados
positivos. Outros estudos fizeram uso do GQ-6, como o elaborado por Chen, Chen, Kee e Tsai
(2009), mostrando bons resultados após adaptarem a medida para o seu contexto.
A outra versão de McCullough et al. (2002), apontado como estudo 2, usou uma escala
do tipo Likert (níveis de concordância de 1 a 9). Os pesquisadores correlacionaram o GQ-6 com
a escala de adjetivos (gratos, agradecidos e apreciativos), obtendo relação positiva entre os dois.
Froh, Yurkewicze Kashdan (2009) descobriram que os sintomas físicos podem diminuir com o
aumento da gratidão, mas o mesmo não ocorreu com os afetos negativos. Além disso, para
seguir os estudos com jovens, os autores recomendaram o uso do GQ-6 e do GRAT.
Por último, Watkins etal. (2003), com o intuito de conhecerem sobre as características
da gratidão, bem como sua associação com o bem-estar, formularam o Teste de ressentimento
e apreciação da gratidão. Watkins et al. (2003) propôs três categorias, que eles nomearam como
senso de abundância, apreciação simples e apreciação dos outros. Os autores iniciaram o estudo
com 54 itens, e após uma análise fatorial, terminaram com 44 itens. Paralelamente, Diessner e
Lewis (2007) testaram a validade da escala curta do GRAT, verificando que a gratidão se
relaciona de forma positiva com a transcendência espiritual, e de forma negativa com o
materialismo.
Desse modo, o principal objetivo do artigo é validar uma escala de gratidão aplicada
com estudantes de Taiwan e testar a sua aplicabilidade para um contexto brasileiro. Assim como
o estudo de Lin e Huang (2015) será utilizado o Teste de ressentimento e apreciação da gratidão
(GRAT) com 18 itens.
4 Resultados e Discussões
531
O Test T foi utilizado com o intuito de discriminar sujeitos com pontuações próximas.
Após o cálculo da mediana, dividiu-se a soma total dos itens em dois grupos critérios (inferior
e superior). A partir dos novos dados foi feito o test t - student para amostras independentes.
Na tabela 1 são ilustrados os valores para cada fator.
Apreciação simples
1 4,36 0,78 0,87 0,52 -5,59 ,0001
5 4,13 4.83 0,98 0,48 -8,72 ,0001
7 3,27 4,37 1,03 0,80 -11,34 ,0001
9 3,49 4,61 1,19 0,65 -11,26 ,0001
16 3,13 4,21 1,11 0,93 -10,09 ,0001
Na tabela 1 é ilustrado o fator da medida, indicando um poder discriminativo satisfatório
532
para todos os itens. Após os itens apresentarem um poder discriminativo eficaz (p<0,05), todos
serão submetidos à análise fatorial exploratória (AFE).
13. Nunca parece que tenho o suficiente para ir além, e eu estou sempre F1 F2 F3 h²
12. Realmente acho que não recebi todas as coisas boas que eu mereço ,731 ,036 -,071 ,522
na vida.
08. Por algum motivo, eu nunca pareço que tenho as vantagens que os ,691 ,096 -,052 ,469
11. Têm acontecido coisas ruins na minha vida mais do que eu mereço ,685 -,035 ,021 ,476
15. Nunca acho que tenho as folgas que os outros têm. ,623 -,073 ,082 ,413
03. Por causa do que eu já passei por na minha vida, eu realmente sinto ,599 -,065 ,134 ,398
18. Sinto-me profundamente agradecido (a) pelas coisas que os outros -,028 ,706 -,005 ,499
17. Embora ache que seja importante se sentir bem com suas próprias ,080 ,655 -,005 ,427
04. Não poderia ter chegado a onde estou hoje sem a ajuda de algumas pessoas ,080 ,651 -,102 ,378
02. Embora eu esteja basicamente no controle de minha vida, não posso deixar ,061 ,601 026 ,376
caminho.
10. Muitas pessoas têm me dado sabedoria valiosa ao longo de minha vida ,030 579 ,053 ,374
14. Sou muito grato pelos meus amigos e família. -,126 ,556 ,074 ,369
06. Sou essencialmente muito agradecido (a) pelos pais que eu tenho. -,140 ,506 ,051 ,305
16. Gosto de apreciar as características de cada estação. ,029 -,104 ,789 ,571
07. Eu realmente gosto de ver a mudança das estações. -,004 -,022 ,784 ,599
09. Eu gosto de sentar e olhar/ assistir a chuva cair. ,055 ,016 ,619 ,403
05. Muitas vezes, fico impressionado com a beleza do pôr do sol. ,010 ,217 ,488 ,375
01. Muitas vezes, fiquei impressionado com a beleza da natureza. -,064 ,113 ,425 ,231
Número de itens 6 7 5
534
Valores próprios 4,16 3,42 1,76
O primeiro fator denominado Senso de Abundância ficou composto por seis itens (3, 8,
11, 12, 13, 15). Os itens apresentaram cargas fatoriais que variam de 0,599 (03. Por causa do
que eu já passei por na minha vida, eu realmente sinto como se o mundo me devesse alguma
coisa) a 0,731 nos itens 13 e 12 (13. Nunca parece que tenho o suficiente para ir além, e eu
estou sempre distante e 12. Realmente acho que não recebi todas as coisas boas que eu mereço
na vida). Este componente apresentou valor próprio de (4,16), explicando (19,90%) da variância
total. Quanto à consistência interna, teve-se em conta o alfa de Cronbach (α = 0,83).
O segundo componente Apreciação pelos outros ficou composto por sete itens (2, 4, 6,
10, 14, 17, 18). As cargas fatoriais variaram de 0,506 (06. Sou essencialmente muito agradecido
(a) pelos pais que eu tenho) a 0,706 (18. Sinto-me profundamente agradecido (a) pelas coisas
que os outros fizeram por mim durante minha vida). Este componente apresentou valor próprio
de (3,42), explicando (16,03%) da variância total. Esta dimensão apresentou um índice de
consistência interna (α) = 0,80.
O terceiro fator (apreciação simples) ficou composto por cinco itens (16, 7, 9, 5, 1). As
cargas fatoriais variaram de 0,425 (01. Muitas vezes, fiquei impressionado com a beleza da
natureza) a 0,789 (16. Gosto de apreciar as características de cada estação). Este componente
apresentou valor próprio de (1,76), explicando (6,85%) da variância total. A consistência
interna foi de α= 0,77.
5 Considerações finais
535
Teste de esfericidade de Bartlett também se mostraram favoráveis. O primeiro indicou um valor
resultante de 0,83, considerado pertinente (Hongyu, 2018). E o segundo indicou um p < 0,05,
apontando para uma matriz passível de fatoração (Damásio, 2012).
Por último, a confiabilidade do instrumento foi avaliada através do alfa de Cronbach.
Sendo responsável por verificar a consistência interna dos itens (Pasquali, 2003). A literatura
sugere um alfa de Cronbach de 0,70, embora até 0,60 seja aceitável em pesquisas (Hair, Black,
Babin, Anderson & Tatham, 2009). O valor encontrado para o alfa foi de 0,78, apresentando-
se dentro da adequação indicada.
Assim,considerando a importância da gratidão para relações humanas e qualidade de
vida (Watkins, 2013), acredita-se que o estudo mostrou-se pertinente na medida em que
contribuiu positivamente para dar continuidade às pesquisas já existente. Principalmente em
relação aos estudos nacionais sobre gratidão, que ainda são bastante escassos (Pieta & Freitas,
2009; Rava, 2014; Freitas, Tudge, Palhares & Prestes, 2016).
Apontamos como limitação o fato da amostra ser por conveniência (não probabilística),
não sendo permitidas generalizações, embora esse não tenha sido o intuito da pesquisa. Dessa
forma, no caso de estudos futuros, recomendam-se investigações com amostras mais
abrangentes e diversificadas. Também sugerimos que a escala de gratidão seja relacionada com
o gênero (Kashdan, Mishra, Breen, & Froh, 2009). E com a idade, para fins de averiguar o
desenvolvimento da gratidão ainda na infância (Castro, Rava, Hoefelmann, Pieta, & Freitas,
2011). Além disso, faz-se importante verificar sua correlação com outros construtos, como a
depressão e satisfação com a vida, por exemplo.
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INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DA (HIPO)MANIA INFANTO-JUVENIL:
538
UM PANORAMA INTERNACIONAL E BRASILEIRO
539
neurológicos e cognitivos importantes (Kapczinski & cols., 2016).
Um diagnóstico precoce e assertivo pode favorecer muito o prognóstico e a escolha da
melhor intervenção terapêutica nos casos de TB-IJ (Pavuluri & cols., 2006; Waugh, Meyer,
Youngstrom & Scott, 2014), minimizar prejuízos causados por um diagnóstico equivocado
(Escamilla & cols., 2011; Van Meter, Burke, Kowatch, Findling & Youngstrom, 2016;
Kapczinski & cols., 2016; Mesman & cols., 2017), diminuir o tempo para a remissão de
sintomas (Ferreira-Maia & cols., 2016), além de reduzir o sofrimento para o indivíduo e sua
família.
Algumas entrevistas clínicas são recomendadas na literatura (como a Schedule for
Affective Disorders and Schizophrenia for School-Age Children – Present and Lifetime Version
– K-SADS-PL), assim como os instrumentos baseados no Sistema Achenbach de Avaliação
Empiricamente Baseada – ASEBA (como o Child Behavior Checklist – CBCL e o Youth Self
Report – YRS), apesar da necessidade de treinamento prévio do aplicador e do tempo extenso
requerido para a administração desses instrumentos (Youngstrom, Freeman & Jenkins, 2009;
Fu-I & cols., 2010; Kapczinski & cols., 2016). Alguns autores referem que são ferramentas
menos prováveis de serem utilizadas no contexto clínico, tendo em vista a sua extensão e a
restrição da autonomia do profissional (Youngstrom, Genzlinger, Egerton & Van Meter, 2015).
Além disso, cabe ressaltar a influência da subjetividade do aplicador nas entrevistas, por
exemplo: indivíduos negros com os mesmos sintomas de brancos tendem a ser
subdiagnosticados com TB e superdiagnosticados com esquizofrenia ou transtorno de
personalidade antissocial – diferença inexistente quando a informação sobre a cor da pele é
omitida (Youngstrom & cols., 2005; Pendergast & cols., 2015).
Encontram-se também, instrumentos longos, como o Child Bipolar Questionnaire
(CBQ) – patrocinado pela Fundação de Pesquisa sobre a Bipolaridade Juvenil (Juvenile Bipolar
Research Foundation) e baseado no modelo do General Behavior Inventory (GBI).
Desenvolvido para avaliação de sintomas comportamentais e características temperamentais
associadas ao TB-IJ, é uma escala de autorrelato, destinada aos pais que respondem sobre
crianças e adolescentes com idades entre 05 e 17 anos. Composto por 65 itens, mensurados por
uma escala do tipo Likert de quatro pontos, pode ser administrado pela internet (versão
americana: https://bpchildresearch.org/cbq/cbq_survey.cfm) ou por um clínico (Papolos &
cols., 2006). Além de excelente consistência interna (=0,92), estabilidade temporal (três dias;
r=0,86) e concordância interavaliadores (r=0,52-0,54), o CBQ apresentou 97% de
especificidade e 76% de sensibilidade, comparado ao K-SADS (Papolos & cols., 2006; Papolos,
Hennen, Cockerham & Lachman, 2007).
Por outro lado, o uso de instrumentos breves e específicos para a avaliação do TB-IJ,
apresentam maior objetividade em relação aos instrumentos longos, reduzindo a influência do
julgamento clínico (Youngstrom & cols., 2005). Além disso, esses instrumentos eliminam sub-
testes/itens desnecessários, melhoram as decisões e os resultados de tratamento, minimizando
o excesso de informações e fornecendo dados mais específicos para o caso (Youngstrom,
Freeman & Jenkins, 2009). Envolvem baixos custos, geralmente não necessitam de
treinamentos prévios, além de serem de fácil correção (Youngstrom & cols., 2008; Youngstrom,
Freeman & Jenkins, 2009).
Assim, o objetivo dessa revisão é identificar os instrumentos breves utilizados na
avaliação dos transtornos bipolares em crianças e adolescentes no cenário internacional,
analisando e contrastando com a realidade brasileira atual.
Método
540
Foi conduzida uma revisão integrativa da literatura, buscando identificar os
instrumentos breves utilizados para a avaliação de transtornos bipolares em crianças e
adolescentes. As estratégias de busca envolveram dispositivos como o Scientific Electronic
Library Online (SciELO), Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC), PubMed, além do
Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior
(CAPES), por meio da utilização dos seguintes descritores: “bipolar”, “mania”, “pediátrico”,
“escala”, “avaliação” e seus correspondentes em inglês.
Os critérios de inclusão e exclusão estipulados para essa revisão estão relacionados ao
tema; à população; à natureza e extensão do instrumento; ao período de publicação dos
trabalhos e ao idioma da publicação. Assim, foram incluídos os trabalhos sobre instrumentos
de avaliação do transtorno bipolar, direcionados às crianças e adolescentes (menores de 18
anos), caracterizados como instrumentos breves de natureza psicométrica/epidemiológica,
publicados no período entre janeiro de 2000 e dezembro de 2019, em português, inglês ou
espanhol. Adicionalmente, foi realizada busca manual nas referências dos artigos identificados
(snowball sample technique).
Depois de identificados e triados conforme os critérios de inclusão, os trabalhos foram
lidos na íntegra para identificar os principais instrumentos utilizados na avaliação de sintomas
(hipo)maníacos em crianças e adolescentes.
Resultados e Discussão
541
(Adolescent self-report on the General Behavior Inventory – A-GBI; Danielson, Youngstrom,
Findling & Calabrese, 2003; Youngstrom & cols., 2005), assim como uma versão para
professores (General Behavior Inventory – Teacher – T-GBI; Youngstrom, Joseph & Greene,
2008). Ambas as versões permaneceram com o mesmo número de itens da versão original,
sendo somente alterada a construção dos itens. A versão de professores é destinada à avaliação
de crianças e adolescentes com idades entre 05 e 18 anos (Youngstrom, Joseph & Greene,
2008).
O Parent General Behavior Inventory – PGBI (Youngstrom, Findling, Danielson &
Calabrese, 2001; Youngstrom & cols., 2005) consiste em uma versão derivada do instrumento
original, direcionada aos pais de crianças e adolescentes com idades entre 05 e 17 anos. Possui
o mesmo número de itens, formato de resposta e estrutura fatorial da escala original; houve
apenas uma adequação semântica na estrutura dos itens, nessa versão, referindo-se aos pais. Os
autores conduziram diferentes estudos de validade, tomando como padrão-ouro a entrevista K-
SADS (Youngstrom, Findling, Danielson & Calabrese, 2001).
Diferentes versões reduzidas foram desenvolvidas a partir do PGBI, tanto focando os
sintomas depressivos, quanto os sintomas (hipo)maníacos. O Parent General Behavior
Inventory – 10 item Mania Scale – PGBI-10M (Youngstrom & cols., 2008) é uma versão
reduzida destinada aos pais de crianças e adolescentes com idades entre 05 e 17 anos,
desenvolvida a partir dos 10 itens mais discriminativos para o TB. Segundo os autores, além de
excelente consistência interna (α=0,92), a eficiência diagnóstica da versão reduzida excedeu
significativamente o desempenho da escala completa (Youngstrom & cols., 2008; Horwitz e
cols., 2010).
O Seven Up Seven Down Inventory (7U7D; Youngstrom, Murray, Johnson & Findling,
2013) foi desenvolvido a partir do GBI aplicado a nove amostras que incluíram adolescentes
(N=738) e adultos (N=1756) norte-americanos, sendo projetado e validado para faixa etária
entre 11 e 86 anos. Os autores relataram propriedades psicométricas adequadas, com coeficiente
de consistência interna superior a 0,80 e bons índices de validade de construto e discriminante
(Youngstrom, Murray, Johnson & Findling, 2013). Apesar disso, um estudo com bipolares
holandeses (Dutch Bipolar Offspring Study) sugeriu utilidade limitada do 7U7D como
instrumento de triagem (Mesman & cols., 2017).
A Young Mania Rating Scale – YMRS é considerado referência para a validação
concorrente de novas medidas de avaliação de construtos relacionados (Sajatovic, Chen &
Young, 2015; Gorenstein, Wang & Hungerbühler, 2016). Construída com base no modelo da
Escala de Depressão de Hamilton, é administrada na forma de entrevista semiestruturada,
composta por 11 itens graduados em uma escala ordinal, em níveis crescentes de gravidade
(Yáñez & García, 2013; Sajatovic, Chen & Young, 2015; Gorenstein, Wang & Hungerbühler,
2016). Algumas investigações sobre o desempenho dessa versão em crianças/adolescentes já
foram realizadas, sugerindo ser um instrumento útil na identificação de mania em indivíduos
com TDAH (Youngstrom, Danielson, Findling, Gracious & Calabrese, 2002; Youngstrom,
Gracious, Danielson, Findling & Calabrese, 2003; Matson & Burns, 2018).
A Parent Young Mania Rating Scale (P-YMRS; Gracious & cols., 2002), desenvolvida
a partir da YMRS, é uma versão de autorrelato destinada aos pais/responsáveis de crianças e
adolescentes com idades entre 05 e 17 anos. Possui a mesma estrutura da versão original
(número de itens, opções de respostas, estrutura dimensional) e apresentou consistência interna
de =0,72. Uma forma reduzida de oito itens também foi analisada (excluindo-se os itens sobre
interesse sexual, conteúdo e insight), apresentando bons parâmetros psicométricos (Gracious &
cols., 2002). Alguns autores sugerem que é possível utilizá-la para classificar os sintomas
542
retrospectivamente ou para avaliar os níveis atuais de sintomatologia (Marchand, Clark, Wirth
& Simon, 2005). No Brasil, foi conduzido um estudo para avaliar a eficiência diagnóstica da P-
YMRS na triagem de TB-IJ comórbido com TDAH, identificando alta precisão para predizer o
diagnóstico de TB-IJ (Cordeiro & cols., 2015) – embora não tenha sido mencionada qualquer
adaptação transcultural nesse estudo, sendo somente referenciados os trabalhos americanos.
Outra versão desenvolvida da YMRS, destinada aos adolescentes (autorrelato), é a Adolescent
self-report Young Mania Rating Scale (A-YMRS; Youngstrom & cols., 2005). Contudo, cabe
destacar que as principais limitações das escalas YMRS referem-se à ausência de investigação
de sintomas, como a grandiosidade e a ameaça de dano a si mesmo e, além disso, dois itens
(ausência de insight e aparência bizarra) apresentam baixa validade, sendo que a sua inclusão
provavelmente dilui a sensibilidade do instrumento (Youngstrom, Freeman & Jenkins, 2009;
Yáñez & García, 2013).
A Child Mania Rating Scale – Parent Version – CRMS-P (Pavuluri & cols., 2006) foi
a primeira medida de autorrelato desenvolvida para pais, especificamente para avaliar a mania
infanto-juvenil, sendo composta por 21 itens, mensurados em uma escala do tipo Likert de
quatro pontos (Pavuluri & cols., 2006; Henry & cols., 2008; Yáñez & García, 2013). Foi
elaborada com base nos critérios do DSM-IV e, além disso, inclui itens específicos que refletem
os principais sintomas do TB-IJ (Pavuluri & cols., 2006; Henry & cols., 2008; Sajatovic, Chen
& Young, 2015). Os autores indicaram um modelo unidimensional, com excelente consistência
interna (=0,96) e estabilidade temporal (uma semana; r=0,96; Pavuluri & cols., 2006). Além
disso, foram realizados estudos de validade externa e de eficiência diagnóstica, apresentando
bons resultados (Pavuluri & cols., 2006). Uma forma reduzida da CMRS-P foi elaborada por
meio de análises da Teoria de Resposta ao Item – TRI (CMRS-10; Henry, Pavuluri,
Youngstrom & Birmaher, 2008), demonstrando excelente consistência interna (=0,91) e
estabilidade temporal (uma semana; r=0,97), além de excelente correlação com a versão
completa (r=0,98) (Henry, Pavuluri, Youngstrom & Birmaher, 2008).
O Mood Disorder Questionnaire (MDQ) é um instrumento de autoavaliação
desenvolvido para o rastreio de sintomas (hipo)maníacos em adultos, sendo um dos mais
utilizados em pesquisas epidemiológicas (Gorenstein, Wang & Hungerbühler, 2016). Consiste
em 13 itens dicotômicos (referente aos critérios do DSM-IV), além de avaliar a ocorrência dos
sintomas e o prejuízo funcional (Gorenstein, Wang & Hungerbühler, 2016). Foram elaboradas
outras versões, a partir do modelo original, como a versão para adolescentes (Mood Disorder
Questionnaire – Adolescent Version –MDQ-A; Youngstrom & cols., 2005; Wagner & cols.,
2006; Hirschfeld, 2007; Waugh, Meyer, Youngstrom & Scott, 2014; Fonseca-Pedrero, Ortuño-
Sierra, Paino & Muñiz, 2016) e a versão para pais (Mood Disorder Questionnaire-Parent report
about youth – P-MDQ; Wagner & cols., 2006), sugerindo parâmetros psicométricos adequados.
A versão reduzida de 10 itens do MDQ, embora possa contribuir na elaboração do diagnóstico,
não captura informações sobre a gravidade dos problemas de humor atuais e, em função disso,
não é recomendada (Youngstrom, Freeman & Jenkins, 2009).
Outros instrumentos referidos na literatura para a avaliação de crianças e adolescentes
são: Hypomanic Personality Scale– HPS e o Temperament Evaluation of Memphis, Pisa, Paris,
and San Diego Auto questionnaire – TEMPS-A. Ambos referem-se a medidas de autorrelato,
que mensuram traços de personalidade hipomaníacos, ciclotímicos, distímicos, irritáveis e
hipertímicos (Sperry, Walsh & Kwapil, 2015). Recentemente, foi divulgado o Bipolar
Prodrome Symptom Scale – Abbreviated Screen for Patients (BPSS-AS-P; Van Meter & cols.,
2019), um instrumento de autorrelato, composto por 11 itens mensurados por uma escala do
tipo Likert de quatro pontos, inquiridos tanto para a severidade quanto para a frequência dos
sintomas. É destinada para a avaliação dos sintomas pródromos ao TB, em indivíduos com
543
idades entre 12 e 18 anos. Os autores referem qualidades psicométricas adequadas, indicando-
a como instrumento de triagem para indivíduos com risco para TB (Van Meter & cols., 2019).
Outros recursos estão sendo desenvolvidos para a avaliação de TB-IJ. Uma ‘calculadora
de risco’ (http://www.cabsresearch.pitt.edu/bpriskcalculator/) foi criada para prever o início de
TB em crianças e adolescentes (08-17 anos) com risco familiar para TB, baseada em um modelo
que inclui: idade da criança/adolescente, sintomas de humor e ansiedade, funcionamento
psicossocial geral e idade dos pais no início do transtorno de humor. Essa calculadora
apresentou bons parâmetros quanto à consistência interna e eficiência diagnóstica (Hafeman &
cols., 2017; Birmaher & cols., 2018). Entretanto, para utilizar essa ferramenta, é necessária a
administração de outros instrumentos, concomitantemente. Outro recurso refere-se aos critérios
de “alto risco” para o TB, denominado BAR, validado em uma amostra de jovens, com idades
entre 15 e 24 anos. Esses critérios correspondem a três grupos de risco: (1) mania subliminar;
(2) depressão e características ciclotímicas e (3) depressão e risco genético. Segundo os autores,
esses critérios podem possibilitar a identificação precoce de indivíduos; antes do inicio de um
episódio (hipo)maníaco (Bechdolf & cols., 2014). Ainda, os nomogramas (gráficos com níveis
graduais de sintomas ou de severidade) funcionam como uma régua para o cálculo da
probabilidade de apresentar TB, sendo úteis para a tomada de decisão clínica – baseada em
evidências, combinando as informações disponíveis em cada caso (via Teorema de Bayes)
(Youngstrom, Freeman & Jenkins, 2009; Youngstrom, Halverson, Youngstrom, Lindhiem &
Findling, 2018).
Em relação a realidade brasileira, até o momento, não foram identificados instrumentos
de avaliação de transtornos bipolares infanto-juvenis, criados ou adaptados para o Brasil. São
utilizados com essa população, no contexto clínico ou de pesquisa, instrumentos desenvolvidos
para adultos ou instrumentos criados para crianças/adolescentes que foram apenas traduzidos,
sem os estudos psicométricos necessários. Conforme refere a literatura, os instrumentos de
avaliação de TB costumam ser traduzidos e aplicados em diferentes populações, sem o devido
processo de adaptação transcultural (APA, 2014), ou os pesquisadores alteram apenas o ponto
de corte dos escores dos instrumentos (Waugh, Meyer, Youngstrom & Scott, 2014). Entretanto,
os estudos indicam diferenças de desempenho dos instrumentos com relação às suas
propriedades psicométricas, quando administrados em amostras de crianças e adolescentes ou
de adultos (Waugh, Meyer, Youngstrom & Scott, 2014; Mesman & cols., 2017).
Entre os instrumentos que vem sendo utilizados nacionalmente, pode-se citar a CMRS-
P que foi traduzida e retrotraduzida para o português brasileiro (Tramontina, 2008) para
utilização num ensaio clínico farmacológico. Entretanto, ela foi considerada uma medida
terciária e não foram realizadas análises psicométricas. Essa versão está disponível no site da
autora do instrumento original (https://brainandwellness.com/). Também, o PGBI-10M vêm
sendo empregado em estudos conduzidos no Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (HCFMUSP), embora não tenham sido divulgados, até o momento,
estudos de equivalência psicométrica.
Entretanto, conforme as recomendações nacionais e internacionais, os aspectos
socioculturais representam uma dimensão fundamental da saúde mental que deve ser
considerada nos instrumentos de avaliação (APA, 2014; Gorenstein, Wang & Hungerbüler,
2016; International Test Commission – ITC, 2017; Dalgalarrondo, 2019). Assim, torna-se
imprescindível a condução de estudos de adaptação transcultural dos instrumentos para o Brasil
quando eles são desenvolvidos em outros países, populações e culturas. Dessa forma, é
importante alertar aos profissionais da área da saúde que o uso indiscriminado de instrumentos
não aferidos para o contexto brasileiro, tendem a produzir resultados distorcidos/enviesados.
Conforme referem Gorenstein, Wang e Hungerbühler (2016, p.02), não é a necessidade de atuar
544
de forma competitiva que justifica o uso de instrumentos ainda não validados em nosso meio.
Considerações Finais
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COMPRAS POR IMPULSO EM AMBIENTE ONLINE
548
Maria Aurelina Machado de Oliveira
Rickson Nunes de Santana
Welyton Paraíba da Silva Sousa
1. Introdução
549
Para o alcance dos objetivos propostos, inicialmente foi realizado um estudo descritivo,
sobre a temática compras por impulsão e os fatores decisivos que levam o consumidor a realizá-
las. O estudo descritivo segundo Gil (2008) tem como objetivo descrever as características
referentes a uma determinada população, fenômeno ou analisar o relacionamento entre certas
variáveis, com técnicas padronizadas para coleta de dados.
A pesquisa de campo aplicada é do tipo quantitativa. Segundo Creswell (2007) uma
técnica quantitativa é aquela em que há o uso de raciocínios de causa e efeito, uso de variáveis,
hipóteses e teorias, coleta e análise de dados estatísticos para a obtenção dos resultados
propostos no trabalho.
1. Participantes
O campo de pesquisa não teve restrição de localidade, uma vez que a técnica de
amostragem utilizada foi o método bola de neve que consistiu no compartilhamento do
formulário pelos informantes-chaves online, que são comparados a sementes, uma vez que o
objetivo da técnica é que os mesmos semeiem a pesquisa em seus grupos sociais de forma que
este ato se repita para localizar algumas pessoas com o perfil necessário para a pesquisa.
(Vinuto, 2014). Após a aplicação do formulário obteve-se um total de 129 respondentes válidos.
Como critérios de inclusão definiu-se que apenas pessoas que tivessem acesso à internet
e idade igual ou maior a 18 anos pudessem responder o formulário. Os critérios de exclusão
foram: a participação de menores de 18 anos e pessoas que não tenham realizado compras via
internet.
550
A pesquisa foi realizada através de um Formulário online distribuído através do e-mail
e weblinks postados em redes sociais. Sobre o método de coleta dados, utilizou-se o método
bola de neve (Snow Ball). Conforme Vinuto (2014) a amostragem em bola de neve é
caracterizada por ser não probabilística, de forma que o instrumento de coleta de dados seja
compartilhado entre cadeias de pessoal, com a intenção de que o ato se repita e vice-versa.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), da Universidade
Federal do Piauí do Campus Amílcar Ferreira Sobral e foi conduzida para saber se atendia o
que está disposto nas Resoluções 466/12, 510/16 e 580/18 do Conselho Nacional de Saúde.
Estas resoluções, norteiam as pesquisas com seres humanos e constam com parâmetros de
aceitabilidade dentre eles obter mais benefícios do que riscos aos sujeitos a serem pesquisados,
que devem contribuir para intervenções sociais, respeitar a dignidade humana e os resultados
da pesquisa devem ser divulgados aos participantes.
A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética, tendo parecer favorável com número
2.977.459 e CAAE 00778918.4.0000.5660. Os sujeitos que manifestaram disponibilidade em
participar da pesquisa responderam ao formulário somente após tomarem conhecimento, por
meio da leitura do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” atendendo aos requisitos
dispostos nas resoluções 466/12, 510/2016 e 580/2018 do Conselho Nacional de Saúde.
Após a coleta e posse dos dados obtidos, utilizou-se um banco de dados eletrônico do
software Microsoft Office Excel 2016 (versão 16.0) para Windows, com a finalidade de
agrupamento de categorias e organização dos dados. Em seguida, os dados foram analisados
estatisticamente através do software Statistical Package for Social Science for Windows (SPSS)
(versão 25.0) para o cálculo das estatísticas descritivas (Média aritmética, desvio padrão e
frequência relativa) e das estatísticas inferenciais (dados da escala).
Para a interpretação da escala foi utilizado o cálculo do escore Z que segundo Stevenson,
(1981, p. 140-141): “(...) equivale a tomar a média como ponto de referência (origem) e o desvio
padrão como medida de afastamento a contar daquele ponto (unidade de medida)”. O Escore Z
classifica os respondentes de acordo com o desvio padrão 1 de afastamento da média para a
obtenção da relação dos mais impulsivos aos menos impulsivos.
3. Resultados
1. Variáveis Sociodemográficas
551
1. Sobre o uso da Internet
No que tange à interatividade dos usuários pesquisados nas redes sociais e e-mail, temos
as maiores porcentagens de 5 questões relacionadas: Compras online mensais (quase nunca:
34,9%); Recebimento de e-mails promocionais semanalmente (sempre: 38%); Leitura de e-
mails promocionais (quase nunca: 29,5%); Visita a anúncios de redes sociais (quase nunca:
31,8%); e compras através de links de redes sociais (nenhuma: 36,4%).
3. Sobre a Impulsividade
A Tabela 1 demonstra que dos sujeitos pesquisados a maioria (35,7%), não efetuou
compras online sem planejamento, enquanto a minoria (1,6%) afirma ter realizado este tipo de
compra. Como a porcentagem decresce à medida que as opções avançam de nunca até sempre,
nota-se que há baixa tendência de haver comportamento impulsivo em compras online.
552
Fonte: Elaboração dos autores, 2019.
3. Consciência Financeira
A Tabela 3 apresenta os resultados dos itens da Escala de Compra por Impulso, sendo o
escore Z (Z Score), usado para analisar a impulsividade dos indivíduos testados. Apenas a
questão 8 (Questão com predominância de respostas) aborda a temática “planejamento” na
escala, enquanto as demais desenvolvem a atuação da impulsão em situações diferentes, e
conforme os resultados obtidos abaixo, conclui-se que boa parte dos participantes tem baixa
impulsividade ao comprar na internet.
Tabela 3: Porcentagem das respostas obtidas em cada item da Escala de Compra por Impulso
(ECI)
Discordo Discordo Discordo Indiferente Concordo Concordo Concordo
Item
totalmente pouco muito totalmente
muito pouco
553
49 23 18 10 14 8 7
1
(38,0%) (17,8%) (14,0%) (7,8%) (10,9%) (6,2%) (5,4%)
71 20 10 14 7 5 2
2
(55,0%) (15,5%) (7,8%) (10,9%) (5,4%) (3,9%) (1,6%)
69 24 15 7 9 3 2
3
(53,5%) (18,6%) (11,6%) (5,4%) (7,0%) (2,3%) (1,6%)
76 24 12 10 3 2 2
4
(58,9%) (18,6%) (9,3%) (7,8%) (2,3%) (1,6%) (1,6%)
30 24 12 10 23 17 13
5
(23,3%) (18,6%) (9,3%) (7,8%) (17,8%) (13,2%) (10,1%)
62 18 18 10 13 1 7
6
(48,1%) (14%) (14%) (7,8%) (10,1%) (0,8%) (5,4%)
55 22 9 13 14 10 6
7
(42,6%) (17,1%) (7%) (10,1%) (10,9%) (7,8%) (4,7%)
14 18 9 11 11 28 38
8
(10,9%) (14%) (7%) (8,5%) (8,5%) (21,7%) (29,5%)
46 28 15 10 14 9 7
9
(35,7%) (21,7%) (11,6%) (7,8%) (10,9%) (7%) (5,4%)
Fonte: Elaboração dos autores, 2019.
554
Fonte: Elaboração dos autores, 2019.
4. Discussão
1. Variáveis Sociodemográficas
Com base nos resultados apresentados no item anterior, em relação a média de idade de
26 anos dos respondentes, há certa divergência desses dados com os dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística. De forma que tem sido observando que a população
brasileira tem aumentado a taxa de envelhecimento com a queda do percentual de jovens de 15
a 29 anos de idade, de 27,4% em 2005 para 23,6% em 2015 e aumentado o percentual de adultos
de 30 a 59 anos de 36,2% para 41,0% no mesmo período de tempo, e de idosos de 60 anos ou
mais de idade que subiram de 9,8% para 14,3%. (IBGE, 2016).
No quesito gênero os resultados obtidos estão em conformidade com os do IBGE com
predomínio da população feminina (51,5% de mulheres e 48,5% de homens). (IBGE, 2016).
Quanto a ocupação, como há mais estudantes, segundo o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais INEP em 2017 houve 8,3 milhões de matrículas em cursos de
graduação foram feitas em 2017 com variação positiva de 3,0% em relação a 2016 aumentando
anualmente em 4,6%. (INEP, 2017). Em relação à renda, a renda média da população brasileira
até 2015 era de R$ 1270,00 conforme o IBGE (2016), dado diferente do obtido na pesquisa,
dado diferente do obtido neste estudo, talvez devido ao tamanho da amostra da pesquisa em
relação à população geral brasileira.
555
Como houve maior destaque de estudantes na pesquisa, a convergência de acessos em
período noturno pode ser entendida como sendo resultante do fato da maioria deles estudar em
períodos diurnos. Segundo um Censo de Educação Superior realizado pelo INEP (2018), as
Universidades Federais (70%) e estaduais (59%) do Brasil apresentam maior quantidade de
cursos diurnos, sendo que maior parte dos respondentes do questionário foram da UFPI, dando
maior disponibilidade de acesso à internet à noite.
Sobre os dispositivos usados os Smartphones se configuram como os mais usados
devido às suas inúmeras funcionalidades que agregam maior interesse de uso no consumidor.
Conforme Almeida (2016, p. 34) estes dispositivos dispõem de várias funções em um único
aparelho, como “...telefone, máquina fotográfica, filmadora, fonte de informação, envio e
recebimento de e-mails, chat, localização via GPS, tocador de música, transações financeiras
através de aplicativos, dentre outras.” Desta forma podemos interpretar que a preferência pelos
Smartphones ocorre devido à soma dos fatores multifuncionalidade com portabilidade.
Considerando o e-mail e os anúncios das redes sociais como veículos para a propagação
das ofertas de compras, como a maioria dos respondentes pontuou que essas mídias não os
afetaram, podemos entender isso como presença de disciplina de compras por parte dos
mesmos, uma vez que o CNDL e SPC (2017) apontam que propaganda por e-mail e posts no
facebook são os maiores ativadores do consumo impulsivo online. Apelo dos preços baixos e
senso de oportunidade motivam este comportamento. Essa mesma pesquisa confirma a
veracidade dos dados aqui apresentados indicando que boa parte dos brasileiros que
participaram da pesquisa tem um planejamento na hora de comprar na internet.
Em relação ao WhatsApp como rede social mais utilizada, podemos notar que como o
aplicativo foi desenvolvido primeiramente para os smartphones, a aceitação dos usuários foi
grande especialmente por ele ser um aplicativo prático de envio de mensagens instantâneas e
outras mídias, e gratuito, facilitando a vida de seus usuários em relação à utilização dos serviços
das operadoras de telefonia móvel (Ferreira, Luz, & Maciel, 2015).
3. Sobre a impulsividade
Conforme Parcias et al. (2014, p. 37) “a impulsividade pode ser percebida como uma
decisão adotada sem avaliar todas as suas implicações e as possíveis consequências do
comportamento impulsivo”. Observando-se este conceito, pode-se inferir que os resultados
obtidos na Tabela 1 talvez tenham ocorrido devido a maioria dos respondentes ter controle e
plena consciência de seus atos ao efetuarem uma compra pela internet.
3. Consciência Financeira
No quesito pagamento o destaque para a utilização de cartão de crédito pode ser
556
entendido conforme a afirmação do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor PROCON
(2018, p.03): “Muitos consumidores deixaram de utilizar dinheiro e cheque preferindo o cartão
de crédito pela comodidade e agilidade”. Pode-se então afirmar que o cartão de crédito parece
ser mais eficiente para a realização de compras, permitindo aos usuários maior velocidade e
menos esforço para realizar uma compra online. O CNDL e SPC (2017) também afirmam que
os meios de compras mais utilizados na internet são cartão de crédito e boletos bancários.
Na Tabela 2 os resultados obtidos convergem com os do CNDL e SPC (2017), que
mostram que 83,3% dos consumidores online costumam planejar suas compras. A pesquisa do
SPC justifica esse fato pela razão dos consumidores virtuais procurarem se conter diante dos
apelos do marketing digital, evitando assim as compras por impulso.
5. Considerações finais
Com base nos resultados obtidos, foi possível atender os objetivos propostos. Constatou-
se, através da demonstração das variáveis no formulário, que a interação dos sujeitos
pesquisados com as redes sociais não tendeu a contribuir para a realização das compras por
impulso. Em relação à impulsividade dos indivíduos, segundo o cálculo do Escore Z, a maioria
não apresentou tendências a comprar por impulso.
Sobre as limitações do estudo, a amostragem ser não probabilística com a aplicação do
método bola de neve, visto que a intenção inicial era que o envio do formulário aos
respondentes, gerasse uma reação em cadeia de compartilhamentos dos mesmos com seus
principais grupos sociais, de modo que o ato se repetisse até o alcance da quantidade de
respostas necessárias. Uma outra limitação, foi o fato de alguns sujeitos responderam o
formulário de forma inadequada juntamente à presença de erros técnicos no formulário em si,
que resultaram na invalidação de uma parte considerável das respostas ao longo do período da
coleta de dados. Outro quesito a ser destacado é o fato dos sujeitos da pesquisa terem sido
predominantemente da cidade na qual o estudo foi realizado, embora o formulário tenha sido
disponibilizado sem restrição de localidade para o preenchimento.
Em função das variáveis sociodemográficas, os respondentes foram em sua maioria
jovens com idade média próxima de 26 anos, com predominância de respondentes do sexo
feminino. Quanto à ocupação a maior parte da amostra foi constituída por estudantes e a renda
557
mensal média foi equivalente a um salário mínimo e meio.
Sobre a variável práticas sociais e hábitos online, a utilização da internet se concentrou
no período noturno, com maior frequência de uso através de smartphones, para a utilização
principalmente do WhatsApp. Predominou a não realização de compras mensais via internet e
o não uso links provenientes de redes sociais para comprar, da mesma forma que não liam e-
mails promocionais. No quesito impulsividade, a frequência de realização de compras não
planejadas foi baixa com os fatores externos mais representativos: preço atraente, promoções e
marca.
Em relação à variável consciência financeira as formas de pagamento mais utilizadas
foram o cartão de crédito e o boleto bancário, com realização de planejamento antes da compra,
visto que todos esses dados indicaram que a maioria dos consumidores pesquisados não eram
impulsivos. Tais dados foram ratificados com os dados obtidos na Escala de Compra por
Impulso, com o auxílio do escore Z.
Em relação aos impactos causados no meio acadêmico e social, esta pesquisa auxilia na
desmistificação da percepção criada pela sociedade que as pesquisas mercadológicas e suas
medidas para induzir o consumidor ao processo de compra são as maiores influentes para tal
ocorrência. Já que os resultados deste estudo apontaram que poucos respondentes gastam tempo
acessando propagandas na internet, mostrando que nem sempre as propagandas promovidas
pelo Marketing digital influciam diretamente no consumo online.
Apesar do resultado ter sido positivo, como sugestão para pesquisas futuras, seria
interessante analisar o efeito de outras pesquisas com um grupo com um número maior de
pessoas, como também com predominância de pessoas que já possuem alguma formação
acadêmica e que atuam diretamente no mercado de trabalho. Como também estudos que
contemplem sujeitos com renda mais elevada, no intuito de averiguar se estes apresenteariam
maior tendência a compras impulsivas.
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WHY WORRY? QUESTIONNAIRE: EVIDÊNCIAS DE VALIDADE E PRECISÃO NO
560
CONTEXTO BRASILEIRO
Introdução
561
1994). Nessa direção, Person e Borkovec (1995) descobriram preocupações distintas, onde
adultos mais velhos relataram preocupações mais frequentes sobre a saúde e os mais jovens
demonstraram preocupações com a família e finanças,
Na literatura é possível encontrar algumas medidas que se propõem a avaliar a
preocupação por diferentes perspectivas, além de considerar participantes em contextos clínicos
e não clínicos: Penn State Worry Questionnaire (PSWQ; Meyer, Miller, Metzeger, &
Borkovec, 1990); Consequences of Worry Scale (COWS; Davey, Tallis, & Capuzzo, 1996);
Worry and Anxiety Questionnaire (WAQ; Dugas, Freeston, Provencher, & Lachance, 2001);
Meta-Worry Questionnaire (QMP; Wells & Cartwright-Hatton, 2004); e finalmente a Why
Worry? questionnaire, (WWQ; Freeston, Rhéaume, Letarte, Dugas, & Ladouceur, 1994),
desenvolvida partir da experiência clínica dos autores com pacientes com TAG e indivíduos
com grandes preocupações. Originalmente, era composta por 30 item, que por meio da análise
exploratória, foram reduzidos para a 20 itens, distribuídos igualmente em dois fatores, o
primeiro refere-se a consequências positivas das preocupações, e o segundo as causas, como
uma forma de evitar consequências negativas das preocupações, (González, Bethencourt, &
Fernández, 2006).
Assim, o fator I é denominado de Estratégia de Enfrentamento, referindo-se a avaliação
de uma série de razões para se preocupar, onde a preocupação é vista como um meio que evita
ou distrai o medo. O fator II, refere-se ao Perfeccionismo Positivo, onde a preocupação tem um
papel ativo e positivo (aumenta o autocontrole, facilita a resolução de situações de conciliação,
etc.), e a pessoa acredita que pode melhorar e aprender (Rovella, & González, 2006).
Segundo Papageorgiou (2006), níveis patológicos ou crônicos de preocupação são
compreendidos como um processo cognitivo que é comum em outros distúrbios psicológicos.
Por exemplo, pessoas com a síndrome do pânico preocupam-se com consequências
catastróficas mentais de ter um ataque de pânico; fobia social, existindo uma preocupação em
está em situações embaraçosas ou humilhantes em público, ou em indivíduos com transtorno
obsessivo-compulsivo podem se preocupar com contaminação por germes.
Atualmente uma variável etiológica central e determinante para o desenvolvimento da
preocupação patológica é intolerância à incerteza (Dugus, Buhr, & Ladouceur, 2004). Pesquisas
tem sugerido que indivíduos com maiores níveis de preocupação e a ansiedade generalizada
tende a ter uma crença negativa para o que considera desconhecido, o que sugere que a
intolerância à incerteza pode levar ao desenvolvimento e manutenção da preocupação
patológica (Papageorgiou, 2006).
Sendo assim, compreender o fenômeno da preocupação pode ajudar no estabelecimento
de estratégias de intervenção. Nessa direção, pode-se citar estudos que associam a preocupação
e a ruminação, que podem ser vistas como pensamentos repetitivos negativos que estão envoltos
na etiologia e manutenção de distúrbios emocionais e são utilizados excessivamente na presença
de déficit em estratégias de regulação emocional, melhorados em função da psicoterapia
(Ietsugu et al., 2015).
A partir do previamente exposto essa pesquisa tem por objetivo adaptar para o contexto
brasileiro Why Worry? questionnaire (Freeston et al., 1994), além de verificar a sua validade
fatorial e a consistência interna (precisão) da medida.
Método
562
Participantes
Instrumentos
Procedimento
Análise de Dados
Os dados foram analisados através do pacote estatístico SPSS, em sua versão 21.
Realizaram-se as Estatísticas Descritivas (medidas de tendência central e dispersão), o índice
Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o Teste de esfericidade de Bartlett, objetivando verificar a
adequabilidade de realizar a análise fatorial. Realizou-se a análise dos Eixos Principais, para
563
verificar a estrutura fatorial da medida. Ademais, procedeu-se a Análise paralela, sendo
calculados os índices de consistência interna (precisão, Alfa de Cronbach).
Resultados
564
mais robusto, conhecido como Análise Paralela. (AP; Hayton, Allen, & Scarpello, 2004).
Nessa direção, procedeu-se uma AP, que é tido como um procedimento adequado para
determinar o número de fatores a serem retidos ((Lorenzo-Seva, Timmerman, & Kiers, 2011).
Esse foi realizado com o objetivo de comparar os valores próprios encontrados no banco de
dados empírico, ou seja, os 253 participantes, para os 19 itens da medida, com os valores
próprios que foram gerados aleatoriamente por meio de 1.000 bancos que apresentam
características similares ao do banco empírico.
Dessa forma, quando o valor próprio observado obtiver um valor maior que o simulado,
apoia-se a existência do fator. Dito isto, observou-se que o terceiro valor gerado pela análise
paralela foi de 1,34, superior ao terceiro valor verificado na análise dos Eixos Principais, que
atingiu o valor de 1,10.
Assim, foi considerado que era mais adequado ter em conta uma estrutura constituída
por dois fatores, pois os dois primeiros valores próprios encontrados na análise fatorial
exploratória foram superiores aos evidenciados na AP, tendo em conta que a solução
representada por dois fatores foi adequada em dois critérios diferentes (Teoria e Análise
Paralela).
Dessa forma, posteriormente, procedeu-se uma nova análise exploratória, com método
de extração dos Eixos Principais, forçando a extração de dois fatores, com rotação promax,
forçando a extração de dois fatores, como teoricamente proposto (Freeston et al., 1994). Os
resultados estão sumarizados na Tabela 1.
Tabela 1.
565
Estrutura Fatorial do Why Worry? Questionnaire.
Why Worry? questionnaire Fatores
Itens F1 F2 h²
05. Me preocupo por que estou acostumado a esperar sempre o
0,72* -0,32 0,37
pior.
06. Eu me preocupo porque se o pior acontecer, eu me sentiria
0,66* 0,14 0,56
culpado por não estar preocupado.
14. Me preocupo por que se o pior acontecer não seria capaz de
0,58* -0,07 0,29
enfrenta-lo.
19. Mesmo que eu saiba que não é verdade, eu sinto que me
preocupar ajuda a diminuir a probabilidade de que o pior 0,51* 0,26 0,47
vai acontecer.
15. Preocupo-me para evitar decepções. 0,50 0,12 0,33
20. Mesmo que eu saiba que não é verdade, eu sinto que me
preocupar ajuda a diminuir a probabilidade de que o pior 0,49 0,16 0,35
vai acontecer
17. Me preocupo com muitas coisas sem importância, e assim
0,48* -0,12 0,18
deixo de pensar em coisas mais importantes.
12. Quando me preocupo, acho que a vida parece muito mais
0,48* -0,06 0,20
fácil para os outros do que para mim.
10. Se não me preocupo e o pior acontece, me sentiria culpado. 0,46* 0,26 0,42
04. Me preocupo por que estou acostumado com isso. 0,44* 0,13 0,27
08. Se eu me preocupo, posso encontrar uma maneira melhor
-0,12 0,75* 0,47
de fazer as coisas.
09. Me preocupo para tentar me proteger melhor. 0,09 0,55* 0,36
16. Quando eu me preocupo, digo a mim mesmo que sempre
-0,39 0,53* 0,20
deve haver uma solução para cada problema.
03. Se me preocupar, posso encontrar uma maneira de me
-0,11 0,51* 0,21
melhorar como pessoa.
11. Preocupo-me com o passado para aprender com os meus
0,14 0,39* 0,23
erros.
18. Preocupando-me posso impedir que coisas ruins
0,26 0,38* 0,32
aconteçam.
07. Me preocupo em tentar proteger o mundo. 0,12 0,34* 0,18
02. Me preocupar com coisas pouco importantes me distrai de
0,16 0,25 0,13
outros problemas emocionais, nos quais não quero pensar.
13. Me preocupo para tentar ter mais controle sobre minha
566
0,18 0,21 0,12
vida.
Número de itens 08 07
Valor próprio 4,57 1,09
Variância explicada % 24,03 5,76
Alfa de Cronbach 0,78 0,68
Homogeneidade 0,31 0,23
Nota: * Item retido no fator; F1= Estratégia de Enfrentamento; F2 = Perfeccionismo Positivo;
h²= Comunalidade.
Discussão
Essa pesquisa teve como propósito adaptar para o contexto brasileiro o Why Worry?
Questionnaire e verificar evidências de validade fatorial e precisão. Acredita-se que o objetivo
foi alcançado ao final deste estudo, pois partindo-se da AFE, verificou-se que a mesma
apresentou evidências favoráveis de validade e precisão (consistência interna). Entretanto, faz-
se necessário pontuar eventuais limitações, uma vez que não se pode dispensar a ideia de que
como qualquer outro estudo, existem limitações potenciais, que restringem a generalização
567
desses achados para outros grupos amostrais.
Assim, pode-se citar o viés dos participantes (somente estudantes universitários),
constituindo-se uma amostra específica e obtidos por conveniência (não probabilística), mas
que, em número, pode ser considerada satisfatória, ou seja, (> 200, Pasquali, 2016). No entanto,
assevera-se que não se pretendeu generalizar tais resultados, mas somente identificar se o
instrumento apresentava indícios de validade e precisão.
Outra possível limitação refere-se ao fato de não ter havido um equilíbrio amostral
quanto ao gênero dos participantes, ou ao que tange considerar amostras clínicas e não clínicas,
para verificar possíveis diferenças entre os grupos, com o intuito de uma melhor compreensão
e intervenção, frente ao fenômeno da preocupação.
Em suma, referente à validade fatorial, realizou-se uma análise exploratória dos dados
considerando os 19 itens restantes, por meio da rotação Oblímin Promax, que possibilitou
identificar uma estrutura composta por dois fatores, como teoricamente proposto e
corroborando com outros estudos (Freeston et al., 1994; González; Bethencourt, & Fernández,
2006; Rovella & González, 2006). Entretanto, ressalta-se que na presente pesquisa, tais
evidências possibilitaram propor uma medida abreviada, composta por 15 itens.
Além disso, no que tange os índices de consistência interna (precisão) e homogeneidade
da medida. Acredita-se que os achados tenham sido promissores, uma vez que a consistência
interna (Alfa de Cronbach) média do instrumento ficou situada em valores que são
recomendáveis (> 0,50 para pesquisas e 0,70 para diagnóstico; Pasquali, 2016). No que diz
respeito ao índice de homogeneidade da medida, que é verificada levando em consideração a
correlação inter-itens, o mesmo foi considerado adequado, pois apresentou valores acima de
0,20, como recomendado (Clark & Watson, 1995).
Ademais, referente aos resultados, aqui relatados e discutidos, os mesmos indicam a
necessidade de serem realizados outros estudos, que visem alcançar amostras maiores, mais
heterogêneas, quiçá, de outras regiões do Brasil. Assim, visando a possibilidade de estudos
futuros, sugere-se a utilização de estatísticas mais robustas e sofisticadas, a exemplo da análise
Fatorial Confirmatória (AFC), para testar a estrutura de 15 itens, proposta no presente estudo.
Seria igualmente interessante testar outros tipos de validade de construto (e.g. convergente e
discriminante), além de reunir indícios complementares de confiabilidade, tais como a
Confiabilidade Composta (CC), que supera a limitação do alfa, não sendo influenciado pela
quantidade de itens da medida. Ademais, deve-se ter em conta amostras da população geral,
uma vez que o estudo contou apenas com estudantes universitários.
Em suma, esses resultados demonstram adequação de uma estrutura constituída por dois
fatores do Why Worry? Questionnaire, coerente com a versão proposta originalmente.
Entretanto, ressalta-se que se apresenta em contexto brasileiro um instrumento reduzido,
composto por 15 itens, seguindo o critério da parcimônia. Tais resultados apresentados
justificam o emprego da medida em questão no contexto brasileiro, quando o propósito for
avaliar a preocupação, além de seus antecedentes e consequentes, sendo com isso de suma
importância para compreender não somente os universitários, mas também o contexto onde
estão inseridos.
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568
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DEPENDÊNCIA DE SMARTPHONE POSSUI ALGUMA RELAÇÃO COM
570
ESTRESSE E BEM-ESTAR SUBJETIVO?
Introdução
571
dependente do uso do smartphone se relaciona com o estresse percebido e bem-estar subjetivo.
Objetivo
Verificar se o comportamento dependente do uso do smartphone se correlaciona com
estresse e bem-estar subjetivo.
Método
Tipo de estudo
Trata-se de um estudo correlacional, de natureza ex post facto.
Participantes
Contou-se com uma amostra não probabilística composta por 250 estudantes de ensino
superior de uma cidade do interior do Piauí. Os mesmos faziam parte do corpo discente de
instituições públicas (50%) e privadas (50%). A média de idade dos participantes foi de 23,62
anos (DP = 6,47), variando entre 18 e 60 anos; sendo a maioria do sexo feminino (54%), solteiro
(82,4) e com ensino superior incompleto (94%).
Instrumentos
Para coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos:
Escala de Dependência de Smartphone (EDS): Este instrumento foi obtido por Sales,
Silva, Lopes e Lima (2017) a partir da Escala de Uso Compulsivo da Internet (CIUS), uma
medida desenvolvida por Meerkerk et al. (2009) e adaptada para o contexto nacional por
Medeiros et al. (no prelo). A EDS é composta por 14 itens respondida em uma escala do tipo
Likert de 5 pontos, que varia de 0 a 4, sendo 0 (nunca), 1 (raramente), 2 (às vezes) 3
(frequentemente) e 4 (muito frequentemente). O índice de consistência interna da medida foi
acima do sugerido pela literatura, sendo 0,91 no primeiro estudo e 0,94 no segundo estudo que
visou confirmar a estrutura unifatorial encontrada na análise exploratória do primeiro estudo.
Escala de Estresse Percebido (Perceived Stress Scale- PSS): Este instrumento foi
elaborado por Cohen et al. (1983) e adaptada ao contexto brasileiro por Luft, Sanches, Mazo e
Andrade (2007). Essa escala possui 14 itens respondidos em uma escala que variam de zero a
quatro (0 = nunca; 1 = quase nunca; 2 = às vezes; 3 = quase sempre; 4 = sempre), apresentando
conotações positivas (Você tem tratado com sucesso dos problemas difíceis da vida?) e
negativas (Você tem ficado triste por causa de algo que aconteceu inesperadamente?). Este
instrumento apresenta fidedignidade no contexto brasileiro (α = 0,82).
Escala de Bem-Estar Subjetivo (EBES): Instrumento criado por Lawrence e Liang
(1988), Diener et al. (1985), Watson et al. (1988), e validado para o Brasil por Albuquerque e
Troccóli a partir da junção de itens retirados de escalas já existentes no exterior, além desse
processo outros itens foram elaborados e analisados em grupos de validação semântica. A EBES
é composta de 69 itens sendo a mesma seccionada em duas partes. Na primeira, os itens vão do
número 1 ao 54 e descrevem afetos positivos e negativos, devendo o sujeito responder como
tem se sentido ultimamente numa escala Likert de 5 pontos (1- nem um pouco e 5-
572
extremamente). Na segunda parte da escala, os itens vão do número 1 ao 15 e descrevem
julgamentos relativos à avaliação de satisfação ou insatisfação com a vida, devendo ser
respondidos numa escala em que 1 significa discordo plenamente e 5 concordo plenamente, o
índice de fidedignidade (alfa de Cronbach) é de 0,86.
Questionário Sociodemográfico. Este contém questões que visaram caracterizar a
amostra, a exemplo de: sexo, idade, caráter da instituição de ensino superior, estado civil,
atividade profissional, religiosidade e classe socioeconômica.
Procedimento
Primeiramente o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, após receber
aprovação (CAAE 03752818.0.0000.5214), houve o contato com os diretores das instituições
de ensino superior pública e privada, informando o objetivo da pesquisa e solicitando permissão
para a coleta de dados. Após a autorização, os questionários foram aplicados em sala de aula,
de forma coletiva, com a presença do pesquisador, contudo as respostas foram emitidas de
forma individuais. No início da aplicação foi entregue o Termo de Consentimento Livre
Esclarecido (TCLE), visando informar sobre o caráter voluntário, o sigilo das respostas, o
objetivo da pesquisa, danos, benefícios leves e, ainda, que os sujeitos poderiam desistir a
qualquer momento sem nenhum prejuízo. Foram necessários 20 minutos, em média, para
aplicação do instrumento.
Aspectos éticos
Para realização da pesquisa o projeto foi enviado para apreciação do Comitê de Ética
em Pesquisa (CEP). Os preceitos éticos contidos na Resolução 510/16 do Conselho Nacional
de saúde foram respeitados. Nela estão dispostas as diretrizes e normas regulamentadoras da
pesquisa com envolvimento de seres humanos. É importante elucidar que a coleta de dados da
pesquisa só teve início após a autorização do CEP.
Análise de dados
Para a análise de dados foi utilizado o programa estatístico SPSS-IBM na sua versão 21,
com a finalidade de realizar análises descritivas (e.g., média e desvio padrão), teste t de Student,
para comparar as pontuações de homem e mulher, e o caráter a instituições de ensino superior
quanto ao uso de smartphones, e Correlação (r de Pearson), visando conhecer o relacionamento
entre os construtos Dependência de Smartphone, Estresse e Bem-Estar Subjetivo.
Resultados
573
DS
AP -0,34*
AN 0,36* -0,49*
Nota. *p < 0,001. DS- Dependência de Smartphone/ AP- Afeto positivo/ AN- Afeto Negativo/ EP- Estresse
Percebido.
Tabela 2. Comparação entre sexo e o caráter das IES quanto a Dependência de Smartphone.
Sexo
M DP M DP t gl p
Smartphone
IES
M DP M DP t gl p
Smartphone
Discussão
574
O presente estudo teve como objetivo geral verificar se o comportamento dependente
do uso do smartphone se relaciona com bem-estar subjetivo e estresse percebido, bem como,
verificar se há diferença entre pessoas do sexo masculino e feminino e entre instituições
públicas e privadas quanto à dependência de smartphone.
Os resultados através do Teste t, no que se refere à dependência de smartphone,
apontaram que não houve diferença significativa entre pessoas do sexo feminino e masculino
nem quanto ao caráter da instituição. No Brasil, de acordo com pesquisa realizada pela entidade
Interactive Advertising Bureauos, pessoas do sexo masculino tendem a utilizar mais o
smartphone que as do sexo feminino, enquanto Ferreira (2015), afirma que a tecnologia dos
smartphones afeta simbolicamente seus usuários de diferentes formas, independente do sexo de
cada um, como corrobora a pesquisa em discussão.
Em relação aos dados não apresentarem diferenciação entre instituições de ensino
superior pública e privada, é possível problematizar o acesso ao smartphone atualmente, ele se
popularizou nas diferentes classes socioeconômicas a tal ponto em que não necessariamente
será encontrada diferença significativa quanto a sua dependência (Pombeiro, Morães, &
Bertolazo, 2018).
Já em relação ao BES, a dependência de smartphone se correlacionou
significativamente com todas as dimensões, mais especificamente de forma positiva com a
dimensão dos afetos negativos da EBES e de forma negativa com a dimensão dos afetos
positivos e satisfação com a vida. Tal resultado já era esperado, uma vez que estudos apontam
que sujeitos que fazem uso excessivo de smartphone, conhecido como Nomofobia, sofrem
prejuízos semelhantes a outros tipos de dependência como dependência química, bem como,
sintomas semelhantes, entre eles: abstinência, ansiedade, irritabilidade e desconforto. (Picon et
al., 2015). Portanto, o uso em excesso do smartphone pode provocar a ausência ou diminuição
do Bem-Estar Subjetivo.
O resultado de os afetos negativos apresentarem correlação positiva com a dependência
de smartphone pode ser explicado pelo processo de uso dependente do smartphone em si, pela
sua constante verificação, bem como, pela necessidade de uso em situações de sua falta. O uso
exacerbado ou a abstinência tende a ativar os afetos negativos que compõem a escala de BES,
alguns deles são: agitado, preocupado, irritado, entediado, nervoso, triste (Cunha & Souza,
2018).
Já as dimensões positivas da EBES e a dependência de smartphone se correlacionaram
inversamente. Este resultado pode ser reflexo da compreensão dada pelos usuários a tal
dispositivo, sendo percebido como uma extensão do corpo humano, o qual permite realizar
várias ações funcionais (e.g., pagar contas, recreativas (e.g., jogar) e interativa (e.g., conversar
com seus pares por meio de aplicativos e redes sociais (Rodrigues, 2009), estas funções podem
gerar em emoções positivas como entusiasmo e empolgação (Oliveira, Ubal, & Corso, 2014).
No que diz respeito ao estresse e dependência de smartphone, os resultados apontaram
uma correlação significativamente positiva. Camelo e Angerami (2004) afirmam os sinais e
sintomas do estresse tendem a emergirem com intensidade quando os dependentes de
smartphones se encontram em situações de privação do uso (e.g., lugares e situações em que
seu uso não é permitido, furto do aparelho) e falta de internet.
Diante dos resultados apresentados é possível constatar que a amostra apresentada
575
possui uma presença significativa de Nomofobia, sendo tal posicionamento embasada
principalmente nas correlações positivas encontradas entre o fator dependência de Smartphone
com a dimensão de Afeto Negativo (EBES) e Estresse. A Nomofobia se refere ao medo e/ou
nervosismo de estar ou permanecer sem contato com o smartphone ou outras tecnologias. Tal
comportamento ativa o neurotransmissor dopamina responsável pela produção de prazer,
sensação essa vivenciada pelo usuário de smartphone ao utiliza-lo (Rosa, Monteiro, & Brisola,
2019).
Nesse sentido, a partir dessa perspectiva, Souza e Cunha (2018) apontam que o uso de
smartphone considerado normal é aquele proveitoso para o usuário e em nível
excessivo/patológico é considerado prejudicial a uma ou mais esferas da vida da pessoa. No
entanto, é válido ressaltar, que se faz necessário considerar o contexto geral do usuário e do uso
exacerbado de smartphone para evitar a rotulação de comportamentos como normal ou
patológico sem respaldo teórico/clínico.
Com base nisso, é sugerido à amostra estudada, em que predominantemente houve
valorização do uso dependente de smartphone, o acompanhamento terapêutico de profissionais
da Psicologia e/ou grupo focal nas instituições onde foram coletados os dados, direcionado para
promoção de saúde, visto os impactos biopsicosociais do uso abusivo do smartphone em suas
vidas (Souza & Cunha, 2018; Bueno & Lucena, 2016).
Conclusão
Referências
576
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EIXO 10
577
Neuropsicologia e Neurociência: práxis e perspectivas na
contemporaneidade
Introdução
578
social, a psicologia da personalidade, a psicologia clínica, a avaliação psicológica e a
neurociência. Nessa ocasião, destacar-se-á um panorama a partir do campo da neurociência,
considerando, especificamente, o uso da técnica neuronal de eletroencefalograma (EEG) no
estudo da psicopatia. Investigar a psicopatia e seus correlatos neurais no âmbito das
neurociências se faz importante porque a psicopatia apresenta especificidades sociais e
neurobiológicas, apresentando anormalidades funcionais e estruturais no cérebro, a exemplo de
uma reduzida massa cinzenta na região frontal e temporal, como também danos no córtex pré-
frontal (Almela, Alcaraz-Mármol, & Cantos, 2015). É possível encontrar na literatura estudos
e revisões sistemáticas envolvendo personalidade psicopática na idade adulta e o uso da
ressonância magnética, a qual consiste em uma técnica de neuroimagem utilizada para medir
as atividades do cérebro (e.g., Seara-Cardoso & Viding, 2015). No presente estudo, nós
pretendemos realizar uma revisão da literatura considerando o uso de uma outra técnica, o
eletroencefalograma (EEG).
O EEG se constitui de uma maneira de estudar o cérebro, de modo que a atividade
elétrica cortical é gravada em eletrodos dispostos no couro cabeludo (Ortega et al., 2015). Ele
é utilizado para monitorização das atividades cerebrais, de maneira que o paciente permanece
acordado, mas em estado de repouso. Trata-se de uma metodologia ideal tendo em conta o seu
baixo custo, o fato de não se constituir como uma técnica invasiva, além de ser um recurso
aceitável pela maioria dos pacientes e que pode ser encontrado em qualquer país (Ianof et al.,
2017). A interpretação clínica do EEG baseia-se na interpretação de paroxismos e na avaliação
da atividade de fundo, a qual abrange os ritmos dominantes do couro cabeludo, amplitude,
frequência, topografia e morfologia do cérebro (Luccas, Bártolo, Silva, & Cavenaghi, 2016).
Alguns estudos tem demonstrado a utilização do EEG em uma variedade de condições clínicas,
tais como com pacientes com Alzheimer (Ianof et al., 2017), epilepsia (Leach, Stephen, Salveta,
& Brodie, 2006), autismo (Murias, Webb, Greenson, & Dawson, 2007), dentre outras.
Considerando o panorama acima delineado, o presente estudo objetivou apresentar uma revisão
sistemática da literatura acerca da caracterização neuronal e derivantes do transtorno da
psicopatia com base na técnica do EEG.
Método
Para a revisão da literatura, realizou-se uma busca nas seguintes bases de dados:
SciELO, PePSIC, Springer, PsycInfo e PubMed. Considerou-se os termos
“eletroencefalography” OR “EEG” e “psychopathy” OR “psicopatia” com a finalidade de
identificar o maior número possível de publicações acerca do referido fenômeno. Em todos os
casos, utilizou-se o operador boleano AND. Ademais, os critérios de inclusão foram baseados
em quatro pontos: (1) consistir em um artigo científico, (2) consistir em artigo de natureza
empírica, (3) ter sido publicado nos últimos cinco anos, (4) estar escrito em língua portuguesa,
inglesa ou espanhola, (5) utilizar a técnica de eletroencefalograma (EEG), (6) ter como objeto
de estudo a psicopatia e (7) estar completo e disponível gratuitamente.
Finalizada a etapa de buscas em todas as bases de dados, foram encontrados 576
registros cujos títulos, resumos e texto completo foram analisados individualmente. Em um
primeiro momento, foram excluídos aqueles materiais que não faziam qualquer referência (i.e.,
579
no título e/ou resumo) ao construto da psicopatia ou eram estudos de revisão bibliográfica. Em
um segundo momento, excluíram-se os artigos que abordavam apenas o Transtorno de
Personalidade Antissocial (TPA). Por fim, foram desconsiderados artigos científicos que não
haviam aplicado o EEG em alguma das etapas de investigações dos estudos. Dessa forma, a
busca resultou na seleção de 13 artigos que atenderam aos critérios de inclusão. O diagrama de
sistematização da revisão é apresentado na Figura 1.
Resultados e Discussão
Considerou-se os seguintes componentes dos artigos selecionados: objetivos,
instrumentos utilizados, variáveis correlatas, método (i.e., amostra, características e
informações fornecidas acerca do EEG) e principais resultados. Tais componentes são
sinteticamente apresentados na Tabela 1.
Tabela 1.
Estudos sobre psicopatia analisados que envolvem o EEG (N = 13).
Autores Instrumento(s Variáveis Método/ Principais
Objetivo(s) EEG
(ano) ) relacionadas amostra resultados
Os componentes
Psychopathy Eletrodo: da psicopatia
checklist – Investigar a N = 139 exercem
Venables revised relação entre Processos sujeitos Ag-AgCl
importante papel
et al. psicopativa e neurofisiológic
Sexo = Extração/dado na manifestação
(2015) (Hare, 2003) respostas os
masculino s: de -1,000 a de
eletrocorticais.
2,000 ms comportamentos
externalizantes.
Impedância:
580
< 10 kΩ
Psicopatas do
Psychopathy N = 121 sexo feminino
Avaliar a relação Número de
checklist – sujeitos possuem
Maurer entre a canais: 64
revised Cognição/ encarcerado padrões
psicopatia e
et al. processamento s Extração/dado semelhantes de
erros em tarefas
(2015) (Hare, 2003) de informações s: de 1000 a processamento
de natureza Sexo =
2,000 ms de erros a
cognitiva. feminino amostras
masculinas.
Eletrodo:
Indivíduos com
Psychopathy Avaliar a relação N = 117 psicopatia
Ag-AgCl
checklist – entre psicopatia sujeitos apresentam
Hamilton revised Atenção/ encarcerado Extração/dado
e anormalidades anormalidades
et al. processamento s s: de 500 a
atencionais no nos estágios
(2015) (Hare, 2003) de informações 1200 ms
processamento Sexo = iniciais do
de informações. Impedância: processamento
masculino
de informações.
< 10 kΩ
581
Examinar se os Ag-AgCl Não observou-se
escores de N = 142 correlação
Psychopathy
psicopatia dos adolescente Número de significativa
checklist:
Maurer adolescentes Cognição/ s canais: 64 entre amplitude
Youth
estão associados processamento encarcerado de
et al. Version Extração/
à redução da de informações s processamento
(2016) dados: de 1000
(Forth et al., amplitude de posterior e
Sexo = a 2,000 ms
2003) processamento escores de
masculino
posterior. Impedância: psicopatia.
< 10 kΩ
Os resultados
Eletrodo: indicaram
diferenças
Avaliar N = 99 Ag-AgCl relacionadas à
Psychopathy alterações sujeitos
Tillem psicopatia na
checklist – neurais no Cognição/ encarcerado Extração/
resposta teta, um
et al. revised processamento processamento s dados: de
índice de
(2016) com base nas de informações
(Hare, 2003) Sexo = -500 a 1000 ms prontidão para
demandas
masculino perceber e
perceptivas.
Impedância: < integrar
10 kΩ informações
sensoriais.
O
Investigar a Eletrodo: processamento e
empatia e a a resposta da dor
Self-Report sensibilidade da N = 60 Ag-AgCl em si mesmo e
van Heck Psychopathy dor, medindo os Atenção/ sujeitos no outro é
et al. Short Form Extração/
potenciais processamento Sexo = dados: de 1500 modulado pelo
(SRP-SF) relacionados a de informações contexto social,
(2017) masculino e ms
(Hare, 1985) eventos (ERPs) feminino pelos traços de
extraídos do Impedância: < atenção e traços
EEG. 20 kΩ de
personalidade.
582
Avaliar a
Psychopathy Ag-AgCl Diferenças
estrutura de
checklist – N = 39 significativas
Ramos personalidade e
revised Cognição/ sujeitos Extração/ nos níveis de
a predisposição
et al. processamento dados: de 1000 psicopatia entre
ao Sexo =
(2018) (Hare, 2003) de informações a 2,000 ms o grupo de ex
comportamento masculino combatentes e o
violento em ex Impedância: grupo controle.
combatentes.
10 kΩ
Comparar A falta de
características Número de empatia em
TriPM
de falta de canais: 64 adultos está
(Drislane et al., N = 288
empatia em associada a
Brislin 2014); Preocupação sujeitos Extração/
crianças e déficits
MPQBF empática/ dados: de 1000
et al. adolescentes Sexo = comportamentai
(Patrick, processamento a 2,000 ms
(2019) com as masculino e s e fisiológicos
2002); ESI de Informações
características feminino Impedância: no
(Krueger et al.,
de falta de processamento
2007)
empatia em Não consta de rostos com
adultos. medo.
Em relação ao idioma de escrita dos artigos, não foi encontrado nenhum artigo escrito
em português, apenas um escrito em espanhol e todos os demais redigidos em língua inglesa.
Inicialmente, considerando o recorte cronológico adotado na presente ocasião (cinco últimos
anos), identificaram-se estudos que abrangeram todo esse período, fato que denota o interesse
crescente por partes dos pesquisadores frente à referida temática. Ademais, quanto às
características da utilização do EEG, observou-se o emprego predominante de eletrodos do tipo
Ag-AgCl (N = 08), com variadas faixas de tempo quanto à extração dos dados analisados.
Quanto ao sinal de impedância, a maior encontrada foi a de < 40 kΩ (Leno et al., 2016), tendo
a maioria dos estudos (N = 09) adotado a impedância < 10 kΩ.
Quantos aos instrumentos empregados, o Psychopathy checklist – revised (Hare, 2003)
foi utilizado na maior parte dos estudos analisados (N = 09), uma vez que consiste no principal
instrumento para mensurar a psicopatia em amostras de sujeitos compostas por infratores. De
igual modo, outras quatro escalas que dimensionam tal construto foram encontradas, tais como
o Levenson Self-Report Psychopathy Scale (Levenson, Kiehl, & Fitzpatrick, 1995) (N = 1),
Child Behavior Checklist (CBCL) (Achenbach, 1991) (N = 1), Social Responsiveness Scale –
Adult Version (SRS-A) (Austin, 2005) (N = 1) e o Triarchic Psychopathy Measure (TriPM)
(Drislane, Patrick, & Arsal, 2014) (N = 1), empregadas principalmente para amostras não-
clínicas. Tal cenário indica certa tendência de investigação do construto da psicopatia em
amostras não-clínicas.
No que tange à composição dos participantes dos estudos analisados, sete estudos
apresentaram amostra exclusivamente masculina (i.e., Hamilton, Baskin-Sommers, &
Newman, 2015; Krusemark, Kiehl, & Newman, 2018; Maurer et al., 2016; Ramos et al., 2018;
Steele, Maurer, Bernat, Calhoun, & Kiehl, 2016; Tillem et al., 2016; Venables et al., 2015),
cinco estudos foram compostos por amostras mistas (i.e., Brislin et al., 2019; Decety, Lewis, &
Cowell, 2015; Leno et al., 2016; Niv et al., 2015; van Heck et al., 2017) e apenas um estudo
trouxe uma amostra exclusivamente feminina (i.e., Maurer et al., 2015). A grande
predominância de estudos com amostras masculinas é parcialmente explicada em razão da
maior prevalência do transtorno em homens. Outro fator que pode contribuir para esse cenário
583
são os estereótipos em torno dos papéis de gênero, bem como as explicações evolucionistas
(e.g., traços agressivos são evolutivamente mais presentes nos homens do que nas mulheres)
(Patrick, 2010; Verona & Vitale, 2006). Dessa forma, deve-se ter em conta uma possível
subnotificação de casos de psicopatia em pessoas do sexo feminino e estimar esforços na
avaliação de tal amostra (Dolan & Völlm, 2009).
No que se refere à idade, constatou-se a presença de três estudos com menores de 18
anos, sendo dois com amostras não-clínicas (i.e., Brislin et al., 2019; Niv et al., 2015) e um com
amostras de adolescentes em conflito com a lei (i.e., Maurer et al., 2016). Esse fato demonstra
que a psicopatia também vem sendo estudada com fins preventivos, tendo em vista que o
transtorno de conduta que se manifesta no final da infância e início da adolescência costuma
ser um preditivo do transtorno de personalidade antissocial, quando o adolescente alcança a
fase adulta (Niv et al., 2015).
Já em relação aos objetivos, identifica-se forte similaridade entre os estudos analisados,
tendo em vista a forma de mapeamento cerebral empregadea, o procedimento do EEG.
Majoritariamente, os estudos analisados voltaram-se a análises de processamentos envolvendo
atenção e elementos de emoção (N = 3 e 2, respectivamente), tendo a maioria dos estudos dado
ênfase ao processamento de informações (N = 10). Não obstante, tais ênfases de estudos
constituem heranças de hipóteses já levantadas e testadas em décadas passadas que,
essencialmente, postulavam padrões de déficits cognitivos e afetivos em psicopatas frente a
estímulos aversivos (Patrick, Bradley, & Lang, 1993), assim como a identificação de expressões
faciais (Kosson, Suchy, Mayer, & Libby, 2002). Sobre esse último objeto, identificou-se um
estudo realizado por pesquisadores brasileiros (Vasconcellos et al., 2014) que, no entanto, não
cumpria os critérios de inclusão para a presente revisão. Ainda ressalta-se que dois estudos
trataram da identificação de sofisticados processos neurofisiológicos relacionados ao controle
da impulsividade em psicopatas (Newman, 1987), o que já foi apontado há algum tempo na
literatura e é passível de ser caracterizado em razão dos avanços das técnicas de neuroimagem.
Quanto aos resultados analisados nos artigos, considerou-se aqueles que, de algum
modo, trazem evidências empíricas importantes sobre a psicopatia, possibilitadas a partir de
dados passíveis de serem acessados via EEG. Observaram-se estudos voltados especificamente
ao impacto do processamento de informação nesse construto. Dentro do campo da psicologia
cognitiva, o processamento da informação é uma abordagem que tem como objetivo entender
como as pessoas solucionam tarefas mentais através das funções neuropsicológicas (e.g.,
atenção, memória, percepção) (Weaver & Shannon, 1963). Concretamente, confirmaram-se
que indivíduos com altos níveis de psicopatia apresentam déficits de processamento de
informação (Hamilton et al., 2015; Krusemark et al., 2018; Leno et al., 2016; Steele et al., 2016;
Tillem et al., 2016). Ratificou-se que o nível de psicopatia dos indivíduos impacta
equitativamente em déficits específicos de processamento de informação (Steele et al., 2016).
Tal fato indica que os estudos no campo das neurociências têm investigado a hipótese
dimensional da psicopatia, isto é, a concepção de que tal construto é um continuum ao longo do
qual todos os indivíduos podem ser classificados (Guay, Ruscio, Knight, & Hare, 2007).
Destaca-se, ainda, achados como o de Niv et al. (2015) que se utilizou de 900 gêmeos
para averiguar aspectos genéticos entre o poder alfa frontal na infância e o comportamento
agressivo na adolescência, o estudo de Maurer et al. (2015) que observou que psicopatas do
sexo feminino e masculino possuem padrões semelhantes de processamento de erros, o estudo
584
de Leno et al. (2016) que identificou que diferentes tipos de alterações no processamento de
feedback podem estar subjacentes a dificuldades semelhantes no comportamento social do TEA
e da psicopatia, e o estudo de Ramos et al. (2018), único estudo escrito em língua espanhola,
que encontrou diferenças significativas nos níveis de psicopatia entre o grupo de ex
combatentes do conflito armado na Colômbia e um grupo controle. Tais estudos merecem
destaque porque trouxeram achados inovadores para o estudo da psicopatia com o uso da
ferramenta do EEG.
Conclusão
De maneira geral, esta revisão sistemática teve como objetivo avaliar o uso da técnica
do EEG em estudos de psicopatia. Não foi surpresa notar que não foram encontrados artigos
escritos em português, apenas um escrito em espanhol e os demais escritos em língua inglesa.
Soma-se a isso o fato de que só foi encontrado um artigo na base de dados SciELO e os demais
nos periódicos científicos de âmbito internacional (i.e., Springer, PsycInfo e PubMed),
revelando uma maior interface entre construtos de cunho social e as neurociências em contexto
internacional. Observa-se que no contexto brasileiro há uma incipiência de estudos embasados
na articulação de processos sociais e neurobiológicos, fomentando de tal forma a necessidade
de pesquisas na área da neurociência social. A esse respeito, por exemplo, poder-se-ia levar a
cabo estudos sobre psicopatia e EEG em amostras brasileiras, clínicas e não-clínicas, fazendo
uso de medidas de autorrelato, bem como de medidas implícitas.
Cabe salientar que foram considerados apenas artigos dos últimos cinco anos,
priorizando-se a literatura recente acerca da temática. Não obstante, objetivando elaborar um
panorama mais amplo da literatura da área, poder-se-ia considerar todos os artigos já
publicados, incluindo-se artigos, teses e livros em variadas línguas. Para além disso, é possível
que os descritores utilizados não abranjam alguns trabalhos. Alguns estudos no campo da
psicopatia podem ter versado sobre o tema sem necessariamente mencionar as palavras
utilizadas na busca e, nesse caso, não terem sido identificados no presente empreendimento.
Não obstante, entende-se que estas limitações não diminuem a relevância do estudo. Ao
identificar o foco que estudos da psicologia têm adotado para investigar a psicopatia, espera-se
que essa revisão seja uma contribuição para aqueles que estão planejando o desenvolvimento
de novas pesquisas nesta área.
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NÍVEIS DE ANSIEDADE EM ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS DA ÁREA DA
588
SAÚDE: UMA REVISÃO DA LITERATURA
Ana Beatriz Damasceno Alves,
Aline Martins Diolindo Meneses,
Andressa Fabianny de Sousa Araújo,
Regina Lúcia dos Reis e Silva,
Iarlla Dias Rodrigues
Introdução
589
palpitações, sudorese nas mão, rubor facial, tontura, sensação de desmaio, frequentemente
relacionado a medos secundários: medo da morte, perda do controle ou enloquecimento, não
tornando-se aliviada pelo entendimento de que as demais pessoas não classificam a situação em
questão como ameaçadora, entre outros, sendo a própria ansiedade um sintoma constantemente
exibido nos inumeráveis transtornos mentais descritos no atual Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) (OMS, 1997 e Greenberguer & Padesky, 2016).
O problema não está em experienciar a ansiedade, pois ela conforme as demais
emoções, ajuda ao indivíduo a pensar em suas necessidades, frustações e direitos, levando-o a
fugir de situações consideradas custosas, a entender a insatisfeitos e a realizar mudanças. Mas
para que haja a tipificação do papel de cada emoção, especialmente o da ansiedade, é necessário
ser capacitado para reconhecê-las, aceitá-las e usá-las sempre que possível, além de saber como
manter as atividades diárias com elas (Leahy, Tirch & Napolitano 2013).
A saúde mental dos estudantes universitário tornou-se objeto de preocupação nos
últimos anos, sendo uma amostra populacional em que a ansiedade é investigada e
correlacionada ao contexto experienciado, apontando para a associação de sintomas como
cefaléia, insônia, dor muscular, sudorese, taquardia, irritabilidade, tontura, angústia e
formigamento (Moura et al.,2018 & Iunes et al., 2017 & Vale, 2019). Há uma associação
universalmente conhecida sobre ser estudante da área da saúde e estar em situação de estresse
crônico (Serra et al., 2015).
Discentes universitários encaram não apenas desafios relacionados à vida pessoal, mas
também desafios acadêmicos. Desse modo predispõe-se à depressão, ansiedade e estresse, que
são bastante comuns (Shamsuddin et al., 2013). Em crises geradas pela transição de um período
de desenvolvimento para o seguinte, alguns indivíduos podem experienciar mais ansiedade do
que outros durante o momento de elaborar estratégias que viabilizem a superação desse período
de crise, conforme sua tendência para encarar situações como ansiogênicas (Almondes &
Araújo, 2003).
O período final da adolescência e iniciação à fase adulta constitui um estágio
caracterizado por transformações psicossociais significativas, entre as quais está a trajetória do
ensino médio para o ensino universitário. O ingresso no ensino superior configura-se como um
evento, que coexiste com o período de desenvolvimento significativo na vida dos jovens,
definido por mudanças relevantes. Em tal transição, os estudantes encaram desafios de ordem
relacionais, vocacionais, acadêmicos, entre outros (Brandtner e Bardagi, 2009 & Regina, 2016).
Durante situação de crise, em decorrência da transição de um período de
desenvolvimento para outro, enquanto traçam estratégias que viabilezem a superação de tal
crise, alguns sujeitos podem experienciar em ansiedade maior níveis que outros, a depender de
sua tendência para encarar situações como ansiogênicas (Correia, 2018).
O ambiente universitário requer um conjunto de interações sociais e competências
acadêmicas. Tais exigências podem tornar-se nocivas à saúde mental ou fazer com que o
discente adquira determinados transtornos emocionais, a partir de carga excessiva de estudos,
pressão em trabalhos e provas, morar com pessoas desconhecidas, fazer novas amizades e
trabalho para o sustento próprio. Com a apresentação dessas novas condições os universitários
requerem mudanças diferentes, com a tentativa de adaptação (Bolsoni-Silva, e Guerra, 2014).
É nesse percurso, localizado entre ensino médio e ensino superior a fase em que os
590
jovens compõem sua identidade, estabelecendo-se como uma jornada de desenvolvimento que
requer modificações nos âmbitos sociais, físicos, afetivo e familiar, desencadeando níveis de
ansiedade maiores, aumentando o risco de problemas de cunho emocional, como ideação
suicída e sintomas depressivos (Vale, 2019).
A existência e intensidade de tais sintomas carregam consigo conseqüências negativas
às condições de saúde e vida, levando em consideração que níveis excessivos de ansiedade
podem acarretar percepções ruins quanto às habilidades intelctuais e motoras do sujeito, sendo
considerada como ansiedade patológica a partir da sensação dos sinais neurofisiológicos como
dolorosos (Figueredo & Barbosa, 2008 & Goyatá et al.,2016).
Apesar da enorme prevalência de sofrimento psíquico, seguidos de transtornos mentais
entre os estudantes, uma minoria busca suporte psicológico, e isso ocorre por conta de fatores
variados como falta de tempo, dificuldades de acesso aos profissionais de saúde mental, estigma
em relação à doença mental e alto custo do tratamento (Malajovich et al., 2017).
O objetivo do presente trabalho é analisar os níveis de ansiedade de estudantes da área
da saúde relacionando-os com idade e gênero.
Método
Refere-se a um estudo de revisão bibliográfica integrativa, no que diz respeito a
prevalência de sintomas de ansiedade em estudantes da área da saúde, utilizando-se de artigos
identificados nas seguintes bases de dados científicos: Pubmed, Scielo e Biblioteca Virtual de
Saúde.
Para a realização do levantamento bibliográfico foram utilizados os seguintes
descritores simples e combinados: ansiedade, estudantes universitários, área da saúde,
utilizando uma categoria analítica: níveis de ansiedade nos estudantes da área da saúde,
relacionado a gênero e idade.
Com base nos descritores foram identificados 15 artigos, que após um refinamento,
atendendo aos critérios de inclusão elencados na pesquisa, resultou em 9 artigos. Após a
seleção foi realizada a leitura dos artigos com sucessivo fichamento dos resultados encontrados,
construiu-se os resultados com base nas conclusões dos autores e realizou-se comparações, com
concordâncias e discordâncias sobre o tema proposto.
No que concerne aos critérios de inclusão, buscou-se artigos publicados na integra, em
língua portuguesa, inglesa e espanhola; estudos com dados teóricos resultantes de artigos
publicados entre anos de 2009 a 2020, com a utilização do Inventário de ansiedade de Beck -
BAI.
Resultados
Dentre os 9 artigos revisados, com a participação de 1816 estudantes da área de saúde
houve o predomínio do sexo feminino, com a média de idade de 25,2 anos com prevalência de
ansiedade em 51% , em sua maioria encontrando se no grau mínimo de ansiedade de acordo
591
com Inventário de ansiedade de Beck.
Constatou-se que 44,45% dos autores apontaram que a existe a maior prevalência de
grau mínimo de ansiedade dentre os estudantes universitários da saúde, seguido de 11,11%,
33,33% e 11,11% respectivamente para grau leve, moderado e grave.
A tabela ilustra o resultado encontrado pelos referidos autores, no que diz respeito a níveis de
ansiedade em estudantes da área de saúde.
Ferreira et al., 28 26 26 20
2019
Santos, 2019 43,4 10,6 19,5 26,5
Discussão
Este estudou buscou avaliar o nível de ansiedade em estudantes universitários da área
da saúde, por meio de uma revisão da literatura, para estabelecimento de relação com gênero e
idade. O estudo aponta que mulheres com média de idade de 25,2 anos possuem prevalência de
ansiedade no nível mínimo, segundo o BAI.
Apresentando resultados semelhantes, Abrão et al. (2008), Medeiros e Bittencourt
592
(2017) e Souza (2010) apontam o gênero feminino como preponderante no ensino superior
colocando que ser do sexo feminino mostra-se não só um fator de risco, mas também o ambiente
em sua inserção social em termos culturais, tornando a ansiedade o transtorno de saúde mental
mais comum entre os universitários.
Na contramão dos resultados encontrados nesta revisão de literatura, Pereira (2012)
relaciona ao sexo os resultados encontrados, evidenciando a existência de sintomas de
ansiedade maior nos homens que nas mulheres, onde a ansiedade mínima encontrada foi 39,1%
nos homens e 52% nas mulheres, a ansiedade leve 31,9% nos homens e 27,4% nas mulheres, a
ansiedade moderada 19,2% nos homens e 13,9% nas mulheres, e a ansiedade grave 9,8% nos
homens e 6,7% nas mulheres.
No que diz respeito aos resultado obtidos, indicam que a prevalência de ansiedade em
discentes da área da saúde são superiores aos das demais áreas e população brasileira (Leão et.
Al, 2018 e Lantyer et al., 2016). Cunha (2011) e Ferreira, Silva e Costa (2019) em desacordo
com o presente estudo, em que apresentou a predominância do grau mínimo nos estudantes da
área de saúde, revelam maior prevalência de grau moderado nos participantes.
Pesquisas apontam uma alta prevalência nesses transtorno dentro do ambiente
universitário, com previsão de entre 15% e 20% destes deverão apresentar um certo tipo de
transtorno no decorrer da graduação (Vasconcelos et al., 2015 e Victoria et. al., 2013)
Os estudos descritivos e epistemológicos relacionados à ansiedade social que estendem-
se a universitários, os consideram como um dos grupos de maior vulnerabilidade, em resposta
à submissão do estudante à grande carga de estresse, em decorrência ás horas dedicadas aos
estudos, e cobranças nas esferas emocional e social (Black et al., 2015, Cárdenas, Castillo e
Camargo, 2011, Cejudo e Fernandéz, 2015, Iunes, 2017).
Exigências acadêmicas são elementos característicos da vida na universidade, tais como
excessiva carga horária de estudo, competência em relação ao processo de formação, ajuste ao
novo contexto , menor rotina de sono, necessidade de estruturação dos horários e esquemas de
estudo, entre outros; tais aspectos são estressores em potencial, pois pedem um maior repertório
comportamental, com o intuito de organizar-se e confrontar as exigências (Ariño e Bardagi,
2018).
De acordo com Alves (2019), em decorrência dos resultados analisados, os estudantes
com ansiedade mínima possuem uma prevalência de 15,2%, enquanto que os graus moderado
e grave possuem respectivamente uma prevalência de 29,8% e 28%, indicando um grau
significativo de ansidade, sendo alarmante, com possibilidade de afetar o desempenho
acadêmico e as habilidades sociais.
Segundo Szpak e Kameg (2013) apontam que aproximadamente 12% da população do
ensino superior apresentem graus semelhantes de ansiedade, acarretando a perda de interesse
no processo de aprendizagem e consequentes baixo desempenhos em avaliações.
Em pesquisas realizadas por Basnet, Jaiswal, Adhikari, e Shyangwa (2013) a área da
saúde encontra-se como uma carreira que possui demandas características e expõe seus
pretendentes à enumeras situações estressantes, e que muitos não possuem condições de
enfrentamento, como falta de preparo, características pessoais ou por diversos motivos, muitas
593
vezes pertencentes ao próprio curso.
FSG & Sousa (2019) em estudos sobre a prevalência de sintomas de depressão,
ansiedade e estresse nos estudantes de graduação, apontam que 28,3%, 22,9% e 29%,
respectivamente, estavam na faixa considerada moderado a severo, sugerindo a prevalência de
mais sintomas avaliados na escala, estando em consonância ao que foi encontrado por Cavestro
& Rocha (2006).
Lima et al. (2019) utilizou-se de uma análise individual dos cursos de saúde, apontando
que enfermagem possui a prevalência de 71,02% de ansiedade, seguido de Odontologia com
60,64% e Medicina possuindo 22,73% e apontou a escassez na literatura o estudo comparativo
e individual dentre os cursos de saúde, pela heterogeneidade de instrumentos empregados nas
pesquisas já existentes. Em pesquisa de Serra, Dinato e Caseiro (2015), obteve percentual
próximo, com amostra de 657 alunos de Medicina, realizada na cidade de Santos, ao
constatar que 21% dos estudantes apresentaram ansiedade.
Baptista (2006), investigou em um estudo o transtorno da ansiedade em estudantes
universitários brasileiros das mais diversas áreas, e constatou prevalência de 11,6% de
transtorno nos alunos universitários, sendo considerado como um índice elevado.
Segundo Cardozo et. al. (2016) comumente a ansiedade encontra-se dentre os estudantes
universitários, pois relaciona-se com inúmeros elementos biopsicológicos, tendo a
responsabilidade do ato de preparar o indivíduo a lidar com situações ameaçadoras, associadas
ao medo, e com envolvimento de fatores comportamentais, fisiológicos, cognitivos,
neurológicos e afetivos, quem modulam a capacidade perceptiva do estudante em relação ao
ambiente, tendo resposta específicas.
Maltoni e Neufeld (2014) apontam em um estudo sobre depressão e ansiedade entre
estudantes de universidades da área da saúde de públicas e privadas de Ribeirão Preto-SP, que
utilizou-se da escala de Beck para em uma amostra de 558 alunos, mostrou que 36% dos
estudantes apresentavam sintomas de ansiedade, 10,8% ansiedade moderada/grave, e 22,1%
desses estudantes sintomas depressivos. Pacheco et al. (2017) em um recente estudo relacionado
a problemas de saúde mental em estudantes de Medicina no Brasil identificou a prevalência de
49,9% para estresse, 32,9% para ansiedade e 30,6% para depressão.
Chaves e Wagner (2016) enfatizam a importância de haver investimento em ações de
prevenção e promoção da saúde mental para estudantes de psicologia, tendo em vista o quadro
de vulnerabilidade dos mesmos em relação a indícios de ansiedade, apontando também para a
urgência em uma investigação mais detalhada de tal sintomatologia.
Conclusão
Mediante aos resultados do presente estudo, conclui-se a prevalência geral de ansiedade
em estudantes universitários, sendo as mulheres mais acometidas, com maioria apresentando
grau mínimo. Tal estudo também evidenciou a necessidade de maior número de pesquisas sobre
a atuação da ansiedade em estudantes universitário da área da saúde, sejam feitas em cursos
separadamente ou comparativamente, e estudos comparativos sobre a perspectiva desse
acometimento em instituição e provada e pública, tendo como objetivo a transformação do
594
ambiente universitário em um espaço mais acolhedor e menos adoecedor.
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37-
NEUROPSICOLOGIA NA REABILITAÇÃO COGNITIVA: A IMPORTÂNCIA DO
599
NEUROPSICÓLOGO NO TRATAMENTO DE REABILITAÇÃO COGNITIVA EM
CRIANÇAS
Stheffane Carine Cantanhede Novais
Tainara Pereira Silva
1. Introdução
O artigo presente tem o intuito de apresentar através da neuropsicologia fatores que
intervém no processo de reabilitação cognitiva, e a importância do neuropsicologo no
desenvolvimento dessa reabilitação voltada para crianças. Atualmente nossa saúde mental é
trabalhada com mais ênfase, e por consequência há mais sucesso nesses tratamentos. O artigo
proporciona e verifica a relação entre a neuropsicologia e a reabilitação cognitiva. A
reabilitação cognitiva será evidenciada, em questão de ser um tratamento, que influência a
evolução de contextos, sociais, biológico, culturais e outros.
A reabilitação cognitiva é um tipo de tratamento que tem o intuito de melhorar as
funções cognitivas, através dela muitos casos de cognição podem ser resolvidos, nessa
reabilitação é trabalhado a parte de aprendizagem, de linguagem, percepção, sensações,
pensamentos e outros, além da melhora da autoestima, melhora da socialização e outros âmbitos
da vida. Através da reabilitação cognitiva podem ser desenvolvidos vários estudos para a
melhoria de casos ainda não identificados, e pode contribuir para outras áreas da saúde, que
trabalham esses fatores e que precisam de uma resposta da cognição.
A pesquisa foca em compreender, como é trabalhada a reabilitação cognitiva no público
infantil. A ênfase nesse publico é devido a importância da cognição ser trabalhada o mais cedo,
enquanto é necessário de acordo com a demanda, e estimulada para melhor resultado. Por
conseguinte a pesquisa visa a importância do neuropsicologo no desenvolver do tratamento da
reabilitação com crianças. Esse tratamento muda a vida de milhões de pessoas que sofrem com
problemas cognitivos, em todas as idades, e principalmente na fase infantil. Pois quanto mais
cedo for desenvolvido esse tratamento nas crianças, melhor será o futuro delas. Por tanto
melhora a convivência em sociedade, a convivência no lar, as tarefas de auto responsabilidade,
além de elevar a autoestima, a autoconfiança e até mesmo adaptar-se com o ambiente.
Nesse artigo a neuropsicologia se destaca como área que atua em mediação do
tratamento da reabilitação cognitiva, envolvendo seus métodos e técnicas usadas para o
mesmo, além de enfatizar outras parcerias usadas no desenvolver do tratamento que é a equipe
multidisciplinar também citada no decorrer do artigo, e que tem sua extrema importância em
tratamentos como a reabilitação cognitiva. De acordo com Thais Bertazone etal. (“2016) p.145,
A multidisciplinaridade é o conjunto de disciplinas que simultaneamente tratam de uma dada
questão, sem que os profissionais implicados estabeleçam entre si efetivas relações no campo
técnico ou científico.” A reabilitação quando tratada com a equipe multidisciplinar tem contato
com todas as áreas que participam dessa equipe, porém, os profissionais envolvidos não tem
completa relação entre si, em prol do caso. O contato de cada profissional com o tratamento,
acontece de forma individual, diferentemente da interdisciplinar, onde profissionais entram em
contato e juntos iniciam o tratamento.
De acordo com o parágrafo acima, o artigo apresenta a questão do tratamento da
reabilitação cognitiva, precisamente coma equipe multiprofissional que é o mais comum
atualmente, em relação a esse tratamento. A neuropsicologia vai realçar todo seu entendimento
e relevância em prol desse tratamento, e será de grande utilidade nesse artigo, revelar a
significância dessa área especifica da psicologia, possibilitando futuramente compreensão à
sociedade, de que a reabilitação cognitiva pode ser tratada, e a neuropsicologia se coloca a
600
disposição para essa realidade.
2. Método
Trata se de uma pesquisa exploratória, de acordo com Pioversan e Temporini
(1995),Pesquisa exploratória, define-se como uma qualidade de uma pesquisa principal , ou
seja a pesquisa exploratória ou estudo exploratório tem como objetivo obter significados e
conhecer as variáveis do estudo na qual se apresenta. A pesquisa tem como tema a
neuropsicologia na reabilitação cognitiva, e saber como o neuropsicologo intervém nesse
tratamento. O estudo tem o intuito de compreender a relevância do profissional de
neuropsicologia para as funções cognitivas. Nesse trabalho serão usadas fontes primárias como
entrevista, aplicação de questionário, voltados para profissionais da área neuropsicológica , foi
usada fontes secundarias através de uma pesquisa literária com fontes bibliográficas de livros,
e artigos que falam sobre a reabilitação cognitiva, sobre a neuropsicologia, profissionais que
atuam juntamente com o neuropsicologo, o contexto histórico de ambos os assuntos e sobre a
atuação desse tratamento em crianças. As fontes bibliográficas foram usadas tanto de forma
física quanto virtual.
A entrevista foi feita pessoalmenteno Centro integrado de reabilitação (CEIR), em
Teresina, PI ,Brasil. A entrevista foi de forma gravada, em audio, com autorização através de
um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), a autorização do profissional foi
anexada ao corpo da pesquisa constando informações usadas de forma legal.
3. Resultado e discussões
601
a evolução de alguma função que estava esperando para ser densenvolvida.
3.2 Autoconhecimento
A neuropsicologia é de fato umas das maiores mediadoras da reabilitação cognitiva, por
capitar as dificuldades de tal demanda, compreender de que forma deve ser trabalhada uma
delas e umas das principais técnicas utilizadas no decorrer do tratamento da reabilitação é o
autoconhecimento, quetem como principal propósito fazer com a pessoa com deficiência se
enxergue como ela realmente é, e interaja de forma saudável com a sociedade.
A criança é um dos maiores focos para realização do autoconhecimento, pois a mesma
em fase de desenvolvimento, está ainda se reconhecendo como pessoa, e é necessário esse
auxilio profissional para que ela entenda e se aceite como de fato é, e que suas limitações podem
ser trabalhadas dentro do tratamento da reabilitaçãocognitiva,proporcionando umfuturo melhor.
A criança convive em vários âmbitos sociais, e não deve receber esse auxilio de
autoconhecimento apenas dos profissionais envolvidos em seu tratamento, mas também de
todas pessoas que á cercam, possibilitando assim uma melhora rápida no tratamento.
4. Conclusão
Essa pesquisa teve como objetivo apresentar o trabalho do neuropsicológo no tratamento
da reabilitação cognitiva, mediante a esse objetivo foi mostrado através de pesquisas literárias
como ocorre esse tratamento nos dias atuais, além de enfatizar os principais contribuintes para
que esse tratamento evolua, como a equipe multiprofissional, que atua junto com o
neuropsicólogo, foi discorrido sobre como é a vida de pessoas com dificuldades no cognitivo,
como as mesmas se adaptam a suas vidas e reconhece seu valor.
A partir dos resultados evidenciados, foi possível observar o quão de fato da
neuropsicologia interage nesse tratamento, mudando vidas, e possibilitando futuros brilhantes
independente de algumas limitações, além de ter total resiliência por cada demanda emontar
estratégias para melhor desenvolvimento. a pesquisa possibilitou ao profissional da saúde, a
sociedade, a importância de refletir, sobre a pessoas com deficiência, e compreender que cada
pessoa tem sua essência, e que seu potencial é muito maior do que se possa imaginar. Através
dessa pesquisa, é possível olhar de maneira humanizado a luta pela inclusão.
Na entrevista na qual foi feita pessoalmente no Centro integrado de Reabilitação
602
(CEIR), foi possível notar a realização da profissional entrevistada, por conciliar com seu
trabalho a humanização e o prazer ali envolvidos, de fato, ajudar a explorar um campo tão
carente de atenção, de apoio, para sobreviver e vencer cada obstáculo, é de imensa gratidão,
pois quanto mais pesquisado e mais notado for esse tipo de tratamento, mais chances de ajudar
esse trabalho a crescer e ajudar muitas outras pessoas que não tem a compreensão de que viver
independente de limitações e se aceitar como é de fato, pode ser sonho realizado.
Através dessa pesquisa foi possível entender sobre o que é aneuropsicologia como ela
atua e sua importância dentro da psicologia, compreender seu contexto histórico, sua história e
o percurso do seu caminho até agora na atualidade, foi possível ter a perspectiva da
neuropsicologia de quando tudo começou, e tudo que conquistou. Uma ciência que estuda a
parte mais profunda do ser humano, a cognição, a sensação, a percepção, as emoções, a
aprendizagem e tudo aquilo pelo poderoso cérebro.
Na pesquisa foi apresentado as relações entre a neuropsicologia e a reabilitação
cognitiva, atendendo as estimativas dos objetivos específicos, assim como foimostrato a pratica
do profissional da neuropsicologia atuando diretamente no público infantil, que por sua vez é
uma das maiores demandas. Além de trazer as discursões cientificas, através das fontes
bibliográficas, para uma compreensão literária do tema. Em finalização, concluo que melhor
que ajudar a evolução da inclusão através da ciência, é de fato sentir prazer pela sua história de
luta.
Referências
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NEUROPSICOLOGIA NA APRENDIZAGEM: A ATUAÇÃO DO
603
NEUROPSICÓLOGO NA IDENTIFICAÇÃO E NO TRATAMENTO DE
ALTERAÇÕES NEURAIS COGNITIVAS EM CRIANÇAS COM TDAH
1. Introdução
604
estabelecidos e fundamentados. Para ser classificado como um indivíduo com TDAH é
necessário que os sintomas se apresentem antes dos sete anos de idade, persistem no mínimo
por seis meses em grau desadaptativo, e se manifestarem pelo menos em dois contextos da vida,
familiar ou escolar, por exemplo. Hoje em dia, com a utilização dos exames de neuroimagem,
diferenças mínimas são encontradas na estrutura e também na funcionalidade cerebral, porém
restringindo-se apenas a pesquisa, e não a tratamentos. Durante o tratamento pode ser utilizado,
se necessário, substancias psicotrópicas que atuam em alguns sistemas da criança (Capovilla,
et all.2007).
No tratamento do TDAH, o Neuropsicólogo faz toda uma avaliação para observar o
funcionamento cognitivo e como isso reflete na vida do indivíduo. É importante ressaltar que o
tratamento é um processo multiprofissional. A atuação direta dos pais no decorrer do tratamento
é imprescindível, afinal de contas, são eles que convivem diariamente com o paciente, portanto,
podem aplicar técnicas básicas recomendadas pelo profissional e corrigir adequadamente
comportamentos inadequados. A rotina de uma criança com TDAH precisa necessariamente
ser bem estruturada, para facilitar a execução de suas atividades diárias. Por serem os meios de
convívio mais intensos da criança, a família e a escola precisam ao máximo estabelecer uma
relação de parceria, objetivando sempre diminuir as dificuldades enfrentadas pelo aluno, e
facilitar o seu desenvolvimento de aprendizagem e as relações interpessoais. , a reabilitação
neuropsicológica assume um papel importantíssimo relacionado ao treinamento cognitivo
potencializando a memória operacional, o controle inibitório e a flexibilidade cognitiva. Desta
forma, exercitando o controle cognitivo sobre estímulos externos e auto-regulando sua atenção.
Essa técnica é chamada de controle adaptativo.
2. Método
3. Resultados e Discussões
605
quanto para outros transtornos do desenvolvimento, como a Deficiência Intelectual, o
Transtorno do Espectro Autista ou algumas alterações comportamentais ou transtornos de
aprendizagem. O diagnóstico para o TDAH é dado através de uma equipe multidisciplinar e do
professor que colabora aplicando o teste SNAP IV e avalia em sala de aula o comportamento e
as dificuldades de cada criança.
O manejo de uma criança com TDAH em sala de aula não é uma tarefa fácil.O estilo de
trabalho do professor, além de características pessoais deste profissional,tem importante
impacto sobre ocomportamento em classe e sobre o desempenho acadêmico de crianças
com TDAH. (Desidério& De Os Miyazaki, 2007, p.10).
606
Este artigo teve como objetivo expor questões como as características do TDAH,
intervenções adequadas para a demanda, parcerias estabelecidas entre os diversos profissionais
necessários no processo e principalmente apresentar as principais práticas do Neuropsicólogo
no exercício da aprendizagem de crianças com TDAH.
A partir dos dados coletados na entrevista, entende-se que o tratamento de uma criança
com TDAH em seus aspectos gerais e também no que se refere ao processo de aprendizagem,
necessita da presença de uma equipe multidisciplinar para que as intervenções sejam realmente
efetivas. É fundamental que se investigue mais sobre o Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade, e se conheça de forma mais ampla e abrangente os prejuízos que esse transtorno
pode causar para que consequentemente as intervenções sejam eficazes.
Referências
Capovilla, A. G. S., Dos Santos Assef E. C., Cozza, H. F. P. (2007) Avaliação neuropsicológica
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607
ATIVIDADES FÍSICAS
Introdução
A população mundial de idosos tem apresentado crescimento exponencial nas últimas
décadas, com maior evidência nos países em desenvolvimento, dados os avanços da medicina
que corroboram para o aumento dessa expectativa de vida, a exemplo do Brasil em que essa
população cresceu 18% em cinco anos (Paradella- IBGE, 2018). Esse processo natural de
envelhecimento traz consigo alterações nas funções fisiológicas e cognitivas, que diminuem
a qualidade de vida da pessoa idosa (Papaléo Netto, 2002).
Entre as principais mudanças fisiológicas na velhice, estão as alterações no córtex
frontal, parietal e temporal, devido a densidade de tecidos neuronais, no qual limita a
plasticidade neuronal, que está relacionado a flexibilidade do sistema nervoso central e esse
desequilíbrio dificulta a relação entre organismo- ambiente (Ball, & Birge, 2002). Neste
sentido, dentre às alterações cognitivas, a memória está entre as principais relatadas por idosos
(Ball, & Birge, 2002).
A memória se caracteriza enquanto processos que envolvem a formação e aquisição
de informações, bem como a conservação e evocação de conteúdo (Izquierdo 2014). A
literatura aponta para diferentes tipos de memórias, com classificações que variam entre
diferentes autores. Squire, (1987) define as memórias com relação ao tipo de informação que
está sendo tratada, podendo ser declarativa e de procedimentos, semântica e episódica. Já
Izquierdo (2013) defende que memória é classificada de acordo com o tempo em que a
informação foi adquirida e quando foi evocada, podendo ser memória imediata, recente ou
remota. Outra forma de classificação é concernente ao tempo de permanência das
informações, indicada em curto prazo, que possui retenção mínima em um determinado tempo
e a de longo prazo, no qual as quantidades de informações armazenadas são maiores e mais
prolongadas (Atkinson & Shiffrin, 1971).
Conforme Izquierdo (2011), as memórias de curto prazo são de natureza bioquímica,
no qual o fenômeno abrange a plasticidade sináptica, responsável pelo fortalecimento ou
enfraquecimento das sinapses, que ocorre entre os neurônios ao longo do tempo, como
também está relacionada a condição de existência de memórias de longo prazo. Para Baddeley
(2007) as memórias de curta duração são episódios de natureza elétrica, e não de formação
bioquímica e são resumidamente o armazenamento de poucas informações em um período de
pouca duração.
No decurso do envelhecimento, muitas atividades que eram facilmente feitas, podem
se mostrar com elevado grau de dificuldade ao serem realizadas por idosos, considerando ser
um público mais vulnerável. Tais atividades manifestam-se fortemente ao serem associadas,
principalmente ao aspecto cognitivo, seja por motivos patológicos, como o aparecimento da
demência ou outros fatores relacionados à cognição, tais como a diminuição da velocidade de
processamento das informações, atenção, e memória operacional (Campos, Gomes &
Markoski, 2019).
Nas últimas décadas foram criadas várias hipóteses com o objetivo de explicar o
608
baixo desempenho de idosos em atividades que envolvem a memória, com duas delas bem
evidenciadas. A primeira, hipótese do desuso, se baseia no estilo de vida pacato dos idosos
com a chegada da aposentadoria, no qual os papéis sociais são modificados e as atividades
não geram uma estimulação necessária para o funcionamento integral da memória. Já a
segunda hipótese se relaciona ao declínio a partir do envelhecimento biológico cerebral e teria
causa na perda de neurônios ou na redução de suas sinapses, também devido a insuficiência
de estímulos (Carvalho, Neri, & Yassuda, 2005).
Um estudo conduzido por Hashimoto e outros (2017), demonstrou que a inatividade
física, isto é o sedentarismo pode trazer uma atrofia hipocampal, que seria responsável pela
causa da disfunção da memória. A partir disso, conduziram um estudo com 213 idosos
saudáveis, tendo como instrumento o MEEM (Mini Exame do Estado Mental). As atividades
físicas foram observadas a partir de um questionário que envolvia componentes como lazer,
trabalho e atividades esportivas. Os resultados deste estudo convergem com achados
anteriores de (Erickson et al., 2014) em que a atividade física no lazer possui muitos
benefícios, por exemplo, melhora as funções da memória e aumenta o volume do hipocampo
em idosos sem demência.
Pesquisas evidenciam (Jara, 2019; Wang et al., 2013; Dias & Lima, 2012; Chiari,
Mello, Rezeak & Antunes, 2010) que a prática de atividades físicas pode retardar o
aparecimento de alguns declínios cognitivos, bem como facilitar o processo de evocação de
memórias. Dessa forma, reforça-se que a aquisição de hábitos saudáveis durante o
desenvolvimento humano, de suma importância para diminuir os impactos cognitivos na
terceira idade (Murnan, 2015).
Com isso, o objetivo do presente estudo foi verificar os benefícios da atividade física
para a memória de curto prazo de idosos atendidos na atenção básica da cidade de Parnaíba-
PI.
Método
Delineamento
Caracteriza-se por uma pesquisa quantitativa, quase experimental, com delineamento
ex-post facto.
Participantes
Contou-se com uma amostra de 202 idosos de Unidades Básicas de Saúde (UBS)
localizadas na cidade de Parnaíba-PI, maioria do sexo feminino (n = 142) com idades entre
60 e 95 anos (M = 68,82; DP = 6,27). Participaram da pesquisa idosos que atendiam aos
critérios de inclusão: idade superior a 60 anos que frequentam Unidades Básica de Saúde.
Critérios de exclusão: idosos que não conseguiam estabelecer comunicação; fosse
diagnosticado com algum transtorno neuropsiquiátrico; fizesse uso abusivo de drogas e os que
se recusassem a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Instrumentos
Teste Pictórico de Memória (TEPIC-M) de Rueda e Sisto (2007). Foi aplicado de
forma individual, e objetivou avaliar a capacidade do sujeito de recuperar informação de
estímulos (figuras) que representam substantivos concretos, em um reduzido período de
tempo. Este teste se caracteriza como uma medida de memória de curta duração. Também foi
aplicado um questionário sociodemográfico, composto de perguntas levantando aspectos
sobre os participantes a exemplo de idade, sexo, estado civil, e perguntas sobre variáveis que
pudessem interferir nos resultados deste trabalho a exemplo do nível de escolaridade. Para
609
responder o teste o sujeito deve visualizar a figura durante um minuto e, em seguida, deve
lembrar a maior quantidade de desenhos e detalhes possíveis e escrevê-los na folha de resposta
do teste. A pontuação pode variar de 0 a 55, sendo que é atribuído 1 ponto para cada item
lembrado pelo indivíduo.
Procedimentos
Primeiramente foi realizado o contato com as Unidades Básicas de Saúde, que
autorizaram recrutamento dos idosos que lá se faziam presentes. Em seguida os idosos foram
convidados a participar da pesquisa e aqueles que concordaram assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que os garantiu sobre sua segurança na
participação e forneceu o esclarecimento de que eles poderiam abandonar a pesquisa no
momento em que desejassem e explicado sobre todos os direitos éticos necessários. Feito isso,
os participantes responderam ao questionário sociodemográfico e em seguida deu-se início a
aplicação do TEPIC-M. Os dados coletados foram analisados conforme o manual do teste. As
análises estatísticas foram realizadas através do software PASW 21.
Resultados
Os resultados dos testes foram corrigidos segundo o manual dos instrumentos e
plotados no software. Inicialmente será apresentado um quadro geral sobre aspectos
cognitivos e saúde mental de idosos, por conseguinte serão apresentadas as análises realizadas
comparando o grupo e idosos que fazem atividade física e aqueles que não praticam.
No geral participaram da pesquisa 202 idosos. De acordo com os dados coletados
através do questionário sócio demográfico a maioria dos idosos (45%) apontaram ir a UBS
pelo menos uma vez ao mês. E são dois os maiores motivos dessas visitas, são eles: consulta
médica (22%) e pegar prescrição de tratamento (28%).
Em relação à escolaridade a maioria dos idosos (n = 66,3%) têm entre zero e quatro
anos de escolaridade. A renda familiar da maioria (90,6%) encontra-se entre zero e dois
salários mínimos. Quando lhes foi indagado sobre sua ocupação a maioria respondeu ser
aposentado (n = 135). Quanto ao estado civil, a maioria (n=107), responderam serem casados.
Em relação a cidade de origem, 55,4% dos participantes é natural de Parnaíba - Piauí.
Quando indagados sobre algum diagnóstico dado por um especialista a maioria (90%)
afirmou não possuir nenhum diagnóstico. Dentre aqueles que receberam um diagnóstico, a
depressão é o mais comum (7%). Embora poucos tenham sido diagnosticados com algum
transtorno/patologia, verifica-se na resposta ao item sobre consumo de medicamentos, um alto
índice de ingestão dos mesmos, onde a maioria (43%) aponta tomar mais de um medicamento,
e apenas 16% não tomam.
Ainda foi perguntado aos participantes como eles classificam o atendimento recebido
na unidade básica de saúde que frequenta. Em uma escala de 5 pontos (onde 1 representa
muito insatisfatória e 5 muito satisfatória) a maioria (50,5%) assinalou a opção 4,
considerando o atendimento satisfatório. Após a análise das respostas aos questionários sócio
demográficos, passou-se a análise do teste cognitivo.
Passando para análise dos dados do Teste Pictórico de Memória, que avaliava a
memória visual de curto prazo, pôde-se visualizar que a média alcançada pelos idosos foi de
5,24 (DP = 3,1), identificando assim dificuldade de recuperação de informações visuais.
Considerando as respostas dadas pelos participantes sobre sua prática de atividades
físicas, foi considerada uma amostra de 144 participantes, os quais formaram grupo de igual
número, que praticam e não praticam atividades. As mulheres são maioria tanto no grupo que
não pratica atividades (70%) como no grupo que pratica (68,8%).
No que se refere à condição experimental (idosos ativos), foram investigados aspectos
610
específicos correspondentes às atividades físicas que praticam. Salienta-se que existem
diferentes categorias de atividade física, a exemplo de atividades de lazer, exercício, esporte
(Aversan & Munster, 2012) e todas estas foram consideradas nesta pesquisa.
Ressalta-se que oito atividades foram relatadas, são elas: caminhada, ginástica,
hidroginástica, Costura, crochê, bordado, pedalar, e tocar instrumento musical. Dentre essas
a mais praticada pelos idosos é a caminhada (63,6%). É pertinente destacar que as atividades
físicas independentes de sua categoria trazem benefícios para redução da incapacidade
funcional, e ainda melhoram a autoestima, bem como o humor (Benedetti et al., 2008).
Neste sentido, passou-se a análise dos testes cognitivos por condição de prática ou não
de atividade física. Na tarefa que exigiu o uso da memória visual de curto prazo, realizada
através do TEPIC, verificou-se que os participantes da condição experimental apresentaram
maior pontuação que os da condição controle (ver Tabela 1).
Discussão
O presente estudo teve como objetivo avaliar aspecto cognitivo memória dos idosos
atendidos pelas Unidades Básicas de Saúde da cidade de Parnaíba considerando ainda se estes
eram sujeitos ativos, praticantes de atividade, ou sedentários, não praticantes. Com base nos
resultados obtidos assegura-se que o objetivo do estudo foi alcançado e apontam de forma
sutil que a atividade física influencia na memória de curto prazo de idosos.
Os dados no teste de memória visual, de um modo geral, apontam para um declínio
nesse processo cognitivo nos idosos avaliados, o que sugere uma maior atenção dos
cuidadores dessa população para buscar formas de intervir eficaz, como o início da prática de
atividade física. Diante dessa realidade, também se ressalta, o papel do cuidador, na lembrança
nos horários e remédios a serem consumidos, evitando que doenças crônico-degenerativas
possam se agravar.
No entanto, outras avaliações devem ser realizadas para tirar conclusões mais precisas
quanto a este declínio ser ou não patológico. Considerando a variável escolaridade, e o ponto
de corte indicado para as mesmas, verifica-se que apenas as pessoas com baixa escolaridade
é que estejam passando por um processo de envelhecimento sem grandes perdas. Salienta-se
que no presente estudo a maioria das pessoas praticantes de atividades físicas são aqueles de
escolaridade entre zero e quatro anos, o que pode implicar nessa melhor performance
cognitiva como indicado na literatura por aqueles que praticam atividade física (Antunes et.
al. 2001; Caixeta & Ferreira, 2009). Entretanto não se pode concluir que o declínio
apresentado pelos participantes acima de 5 anos de escolaridade não seja um déficit natural
da idade já que as pontuações não se distanciam muito do ponto de corte.
Analisando o resultado alcançado na medida de memória de trabalho pôde-se verificar
de forma geral o efeito benéfico da atividade física, nesse aspecto cognitivo, uma vez que
foram os participantes ativos quem se saíram melhor na atividade proposta. Estes resultados
corroboram com o que defende Hashimoto et al., (2017) quando defende que os efeitos do
envelhecimento podem ser amplamente diminuídos com a prática de atividade física, como o
comprometimento progressivo da memória causada pelo atrofia hipocampal. Outros estudos
611
tiveram resultados semelhantes a essa pesquisa como o de Wang et.al (2013), que mostraram
a relação e os efeitos em idosos que praticavam e os não praticantes de atividades de lazer.
Os resultados elencados na literatura, bem como os alcançados neste trabalho reforçam
o que fundamenta a Política Nacional de Saúde a Pessoa Idosa, se faz necessário promover à
saúde e bem-estar na velhice; proporcionar criação de ambientes propícios e favoráveis ao
envelhecimento; além de recursos sócio - educativos e de saúde direcionados ao atendimento
ao idoso. Ainda é possível pensar como investimento a qualificação e educação permanente
em saúde das pessoas idosas, renovando a qualificação dos profissionais da instituição de
saúde.
Observou-se ainda neste estudo o alto número de prescrições de medicamentos para
os idosos, que estão relacionados principalmente com o tratamento de pressão arterial 90%.
Este dado se relaciona com o baixo índice de promoção de saúde para os idosos, visto que das
10 UBS visitadas, em apenas duas são ofertadas atividades físicas, que podem ser paliativos
a doença tratada com medicamento. A realidade é que o perfil demográfico, nos países em
desenvolvimento, mudou rapidamente para mais envelhecido, o que acarreta necessidade
urgente de adaptação dos serviços de saúde as novas realidades.
As evidências apresentadas por meio dos resultados do presente estudo, bem como na
revisão de literatura realizada por Aversan e Munster (2012) sugerem que a atividade física,
ou seja, a adoção de um estilo de vida ativo é necessária para a promoção da saúde e qualidade
de vida durante o envelhecimento, e que a participação em programas de condicionamento
físico pode ser vista como uma alternativa não medicamentosa para a melhora cognitiva em
idosos.
Neste sentido torna-se necessário a formação de profissionais capazes de compreender
o envelhecimento e de atuar clinicamente com idosos, para assim, fornece um atendimento de
qualidade e eficaz. Para tanto, é imprescindível, a reformulação dos currículos universitários
para que disciplinas relacionadas ao envelhecer possam ser incluídas, tais como: Psicologia
do Envelhecimento, Psicoterapia na Velhice, Gerontologia. Contudo este trabalho não está
isento de possíveis limitações, como qualquer outro empreendimento científico.
É importante frisar que o trabalho aqui apresentado constitui um estudo exploratório e
não pretende ser conclusivo. No entanto, foi um passo inicial, e sugestivo para implantação
de locais que forneçam qualidade de vida aos idosos. As futuras pesquisas, sugere-se que
suprir limitações como: (1) do viés da amostragem, pois esta foi do tipo acidental, não
probabilística, logo não se pode considerar a composição real da população, não podendo
generalizar os resultados. Nem mesmo realizada com um número relativamente grande da
amostra permite transpor tal limitação, mas que é importante ser realizada com amostras
maiores e heterogêneas; (2) da coleta de dados ter sido realizada durante a espera por
atendimento, ou seja, em filas, muitas vezes em posição desconfortável, bem como na
presença de outras pessoas, o que pode levar a um efeito de desejabilidade social; (3) Pelos
pesquisadores não terem tido controle sobre as atividades físicas (tempo de execução, e vezes
na semana) auto relatadas pelos participantes; bem como pelo pequeno tamanho amostral
daqueles que diziam fazer atividade física. Desse modo possam ser pesquisas mais criteriosas
quanto às características do exercício físico executado (tempo de duração, dentre outras), ou
mesmo propondo e executando o controle dessa tarefa.
No entanto, mesmo com as limitações os resultados alcançados nesta pesquisa são
plausíveis diante da extensa literatura consultada, por terem sido encontradas diferenças
significativas relativas aos idosos praticantes de atividade física, bem mesmo por traçar um
perfil do idoso atendidos nas UBS da cidade de Parnaíba.
Conclusão
Diante do exposto, nota-se a eficácia das atividades físicas no desempenho cognitivo,
612
especificamente nas funções da memória em idosos, apresentadas também nos resultados da
presente pesquisa. As discussões supracitadas trouxeram muitos indícios quanto a necessidade
de mais estudos dessa temática para idosos. Dessa forma reforça-se que novas pesquisas sejam
feitas a fim de diminuir limitações apresentadas em estudos já realizados, das quais este não
se isenta, a exemplo do controle de prática de atividade física e tamanho amostral. O reforço
para a prática de atividades físicas deve ser constantemente realizado, com suporte em todos
os setores da saúde para a execução de diferentes atividades, a fim de que problemas
cognitivos, como o declínio de memória, dentre outros fatores, sejam diminuídos.
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615
Psicologia Organizacional do Trabalho e Psicologia Social do
Trabalho
A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO EM PROGRAMA DE READAPTAÇÃO
FUNCIONAL EM UMA IFES
Mônica Alves Silva de Araujo,
Alynne Virginya de Queiroz Lima
1 Introdução
Este trabalho tem por objetivo apresentar a atuação de psicólogas junto aos servidores
da Universidade Federal do Maranhão-UFMA em processo de readaptação funcional. Adiante
serão abordados alguns conceitos sobre esta forma de provimento de cargos (Readaptação),
seus impactos na vida desses servidores e o Programa de Readaptação responsável por
acompanhar os trabalhadores dessa Instituição Federal de Ensino Superior.
O instituto da readaptação previsto na Lei 8112/1990 (Regime Jurídico Único dos
servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais) surgiu
para amparar o trabalhador acometido por uma limitação de saúde de modo que ele continue a
desenvolver atividades na instituição sem prejuízos para sua saúde e evitando a sua
aposentadoria precoce. Deste modo, a readaptação funcional do servidor público federal ocorre
com a mudança de um cargo para outro em virtude de seu adoecimento por uma patologia
limitante. O novo cargo deve ser adequado às limitações de saúde do servidor.
De acordo com o Manual do Subsistema Integrado de Atenção a Saúde do Servidor
(2017), a indicação de readaptação do servidor se dá por meio de avaliação por junta médica
oficial, após averiguação de laudos e exames de médico assistente. Caso o servidor esteja apto
para realizar mais de 70% das atribuições de seu cargo a junta médica indica apenas restrições
de atividades, ou seja, atividades que o servidor não poderá exercer em face de sua doença,
permanecendo em seu cargo. Se o servidor não puder exercer mais que 70% das atribuições de
seu cargo, opta-se pela readaptação e o servidor deverá assumir outro cargo compatível com
suas limitações de saúde. O novo cargo deve ser indicado mediante interações entre perícia
médica e o setor de recursos humanos.
Se por um lado a readaptação garante a continuidade do servidor no seu trabalho,
evitando a antecipação da sua aposentadoria, por outro lado ela demanda de fato uma adaptação
do trabalhador ao seu novo contexto. Neste contexto, o real da doença se contrapõe aos anseios
e projeções anteriormente lançados a seu futuro, sua carreira, suas aspirações. Como bem
destaca Vivan (2018, p. 29) “o adoecimento no trabalho representa limitações para o
trabalhador, marcado pelo sofrimento, inutilidade e incapacidade, quando o indivíduo está
afastado do trabalho”. Nesse contexto, a readaptação implica em uma reorganização do
trabalhador após uma situação de perdas de capacidades que envolve aspectos físicos,
psicológicos e sociais (Schimidt e Barbosa, 2014). Esse processo desencadeia uma gama de
emoções e sentimentos que incluem o luto pela perda de sua saúde, pela perda da capacidade
de realizar seu trabalho integralmente, envolvendo manifestações de frustração, insegurança e
medos diversos.
Além dos aspectos individuais relacionados à dimensão psíquica e conflitos vivenciados
616
internamente, Schimidt e Barbosa (2014) apontam também para aspectos relativos ao trabalho,
ao sentido que as atividades proporcionam a cada pessoa bem como o apoio social vivenciado.
Retornar ao trabalho depois de um período de afastamento, principalmente quando envolve uma
mudança de setor, demanda um novo modo de agir pela necessidade de adaptação às novas
atribuições, aos limites a serem incorporados, novas relações interpessoais e intergrupais que
se estabelecem após a formação de uma nova configuração do ambiente de trabalho: gerências,
colegas de trabalho e organização. Por essas razões, o apoio psicológico a estes trabalhadores
mostra-se necessário e deve auxiliá-los neste processo de reconfiguração do sentido do trabalho
e até mesmo da própria vida.
Na Universidade Federal do Maranhão-UFMA, uma Instituição Federal de Ensino
Superior, o acompanhamento de servidores em processo de readaptação é feito pela Divisão de
Qualidade de Vida (DQV), a qual está inserida na Coordenação de Atenção à Saúde do
Trabalhador (CAST). O corpo de servidores da UFMA é formado por docentes e técnicos-
administrativos em educação (estes podem ser profissionais de nível fundamental, médio ou
superior). Esse acompanhamento é realizado pelas psicólogas do setor por meio do Programa
Readaptar, em parceria com as profissionais que compõem a equipe multiprofissional da DQV
e em constante interação com os profissionais da Divisão de Perícia Médica.
O Programa Readaptar surgiu mediante a necessidade de acompanhamento dos
servidores, visto a frequência dos afastamentos para tratamento de saúde, a dificuldade dos
servidores com o retorno às suas atividades tanto por condições impostas pela sua doença
quanto pela dificuldade de aceitação de sua equipe de trabalho, incluindo chefes e pares. Como
observou Costa (2015) em pesquisa realizada com servidores readaptados desta mesma IFES,
no processo de readaptação o sujeito adoecido muitas vezes passa a ser considerado como
“protegido”, ou que está “fazendo corpo mole”, que não quer trabalhar. Os colegas por sua vez
se acham injustiçados por se sentirem sobrecarregados com as atividades que o colega adoecido
não pode executar.
Essa situação vai se configurando em um processo de estigmatização do servidor
adoecido, que passa a ser visto pelos pares e chefias como alguém inútil, incapaz,
fraco, que não pode produzir e que só atrapalha. Muitas vezes fica desacreditado pela
equipe, que tende a excluí-lo de toda a rotina, deixando-o à margem do trabalho. Os
afastamentos frequentemente são vistos com desconfiança tanto pelos colegas de trabalho
quanto pela própria perícia médica. Além do sofrimento provocado pela doença, o servidor
sofre ainda mais com humilhações e constrangimentos frutos da dinâmica da instituição (Costa,
2015).
Por essas razões, as profissionais da qualidade de vida atuam no acolhimento do
servidor, bem como na sensibilização das chefias. Esse acolhimento busca proporcionar um
espaço de fala, de ressignificação e de promoção de um resgate no sentido do trabalho que por
vezes fica perdido em meio a licenças recorrentes. Nesse contato é possível identificar os
aspectos emocionais desse momento da vida do trabalhador, os recursos de enfrentamento que
têm sido utilizados, o nível de engajamento em seu tratamento e até mesmo alguns
comportamentos de risco. Algumas situações exigem que o servidor mude de lotação pois sua
nova configuração de saúde não permite realizar tarefas próprias daquele setor. Isso exige uma
capacidade de adaptação a muitas mudanças, por essa razão a abordagem da equipe da DQV
também buscar obter do servidor informações que possam ajudá-lo a ser lotado em um setor
apropriado a sua saúde e que lhe traga satisfação.
Nos próximos tópicos são apresentadas as formas com que esses servidores são
617
abordados, o apoio fornecido por meio do acompanhamento, os principais motivos de
adoecimento, as percepções das profissionais acerca desses atendimentos e os resultados
obtidos com as intervenções, entre outras informações.
2 Método
Este trabalho trata-se de Relato de Experiência Profissional visto que buscar apresentar
o resultado de intervenções realizadas em campo, neste caso, na área da psicologia
organizacional. A prática apresentada é desenvolvida na Divisão de Qualidade de Vida da
UFMA. Esta divisão possui diversos programas voltados a promoção da saúde do servidor,
dentre elas o Programa Readaptar que acompanha servidores em readaptação funcional.
Os servidores em processo de readaptação chegam a equipe da Divisão de Qualidade de
Vida de duas formas: demanda espontânea ou encaminhamento pela Divisão de Perícia Médica.
O servidor é então acolhido pela equipe que apresenta o Programa Readaptar e sua forma de
funcionamento. A partir daí são realizadas entrevistas com esses servidores buscando
informações detalhadas sobre sua demanda. Essas entrevistas ocorrem na sala da Divisão de
Qualidade de Vida com a equipe de psicólogas do setor e eventualmente com outras técnicas
da equipe multiprofissional, a saber: assistente social, terapeuta ocupacional ou fonoaudióloga.
Em um outro momento, quando necessário é realizada reunião junto a chefia desses servidores
nos seus respectivos setores de lotação.
As entrevistas conduzidas ao servidor são constituídas por perguntas abertas e versam
sobre os seguintes aspectos: história de vida e profissional, motivo do afastamento, surgimento
da doença e principais sintomas, descrição das atividades realizadas no atual ambiente de
trabalho, atividades que podem ser realizadas ou não a partir do adoecimento, sentimentos em
relação ao adoecimento e a readaptação, tratamentos e acompanhamento de profissionais,
expectativas em relação a um novo ambiente de trabalho, observações em relação à
receptividade dos pares e chefias frente à readaptação. Nas reuniões com as chefias busca-se
primeiramente compreender os impactos daquela readaptação para a dinâmica da equipe de
trabalho e em seguida sensibilizar essas chefias para que possam auxiliar na adaptação do
servidor ao ambiente de trabalho com suas devidas restrições.
Após a readaptação formal do servidor, que consiste geralmente na mudança de lotação
ou na retirada de algumas atribuições do cargo (restrição de atividades) a equipe entra em
contato com o mesmo para verificar como tem sido sua adaptação. Outro encontro é proposto
ao servidor dois anos depois de sua readaptação formal para identificar mudanças do quadro de
saúde, se existe necessidade de reavaliação da sua capacidade laborativa, ou se houve outras
mudanças importantes na sua saúde no decorrer do tempo.
Para facilitar esse acompanhamento ao servidor readaptado foi desenvolvido um
programa de computador que mantém registrados os dados principais de cada sujeito. Através
desse programa as datas das reavaliações são notificadas por e-mail às profissionais
responsáveis. Foi desenvolvido também um aplicativo para celular que contém as informações
mais básicas do programa matriz e fornece os alertas de proximidade das reavaliações. O
referido programa foi registrado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial sob Processo
de Nº: BR512018052052-9.
Adiante são apresentados os resultados obtidos com as intervenções realizadas pelo
Programa Readaptar desde sua criação até o momento, bem como a discussão desses resultados
tomando por base a literatura vigente e as percepções das autoras.
3 Resultados e Discussão da experiência
618
Desde que foi instituído o Programa Readaptar na Universidade Federal do Maranhão
já foram atendidos 53 servidores no período de 2009 a 2019. Em relação ao perfil dos servidores
integrantes do referido programa elaborou-se o Quadro 01.
Masculino 14 26%
Docentes 12 22%
Misto 05 9%
619
Lesões 02
Doenças coronárias 01
Doenças oftalmológicas 01
Doenças Metabólicas 01
Doenças do Aparelho Digestivo 01
Outras doenças não classificadas 01
620
essa mudança. Outro aspecto observado trata-se da interação com os pares, pois os estes tendem
a culpá-lo pelo seu adoecimento, desconsiderando o contexto no qual esse docente se encontra
inserido, o que aumenta o seu sofrimento.
Assim, durante as entrevistas realizadas pelo Programa Readaptar tem sido possível
contribuir para que o docente visualize a readaptação como um momento de cuidado com a
saúde, sendo o afastamento de sala de aula necessário para a melhoria das suas condições de
saúde e qualidade de vida. Nesses momentos as psicólogas buscam também favorecer ao
professor uma reinvenção da sua atuação em áreas ligadas à pesquisa e extensão.
Essas intervenções feitas pelas psicólogas da equipe de qualidade de vida são pautadas
nas atribuições do psicólogo na área organizacional e tem buscado auxiliar o servidor em
readaptação a transpor os obstáculos psíquicos e também administrativos apresentados no
percurso. Dentre as atribuições do Psicólogo do Trabalho sinalizadas pelo Conselho Federal de
Psicologia tem-se que este profissional:
621
imediatas e pares, facilitando a reinserção laboral.
Diante do exposto, enfatiza-se a relevância do Programa de Readaptação desenvolvido
pelo setor de qualidade de vida da UFMA no que se refere ao acompanhamento pelo psicólogo,
visto que sua atuação torna-se um diferencial na vida produtiva dos trabalhadores,
principalmente, entre aqueles em situação de vulnerabilidade pelo adoecimento apresentado e
também no âmbito institucional. O espaço de escuta fornecido pela Divisão de Qualidade de
Vida a esses servidores se configura como um lugar de ressignificação do sentido do trabalho
e de resiliência.
Referências
622
ÀS MINORIAS: UMA ANÁLISE DAS TRABALHADORAS.
1 Introdução
O trabalho se constitui como um importante componente na vida das pessoas em geral.
Além de ser uma forma de ganho monetário para a garantia de sobrevivência e qualidade de
vida, também representa um espaço para realizações profissionais do indivíduo,
independentemente das áreas de trabalho em que atue (Morin, 2001). Dessa forma, por sua
relevância social, tem sido alvo de estudos ao longo da história, sendo foco de interesse de
diversas áreas, como as ciências sociais, administração, economia e psicologia organizacional.
As organizações e a interferência da dinâmica laboral na vida dos indivíduos constituem o
eixo de conhecimento da psicologia organizacional. As relações entre subjetividade e trabalho
são abordadas por Dejours (2004) quanto ele aponta que o trabalho é um processo de reforma
pessoal, onde o sujeito tem a oportunidade de se satisfazer ao realizar atividades profissionais.
Essa assertiva corrobora com a ideia de que o trabalho é parte essencial na vida do indivíduo,
ocupando um espaço que transcende a área financeira.
Diogo (2007) destaca a atuação do trabalho na estruturação do psiquismo humano, já que
o indivíduo se constrói diretamente no contato com as atividades que realiza, sendo a maneira
como a pessoa enxerga sua função um fator de destaque na construção de um conceito sobre si
mesmo. Essa afirmação evidencia a importância do trabalho na formação de uma identidade,
onde quem está inserido no mercado de trabalho tem uma concepção diferenciada sobre si,
sendo essa ideia atravessada pela posição social que é oferecida pela realização de uma
atividade laboral.
O entendimento do trabalho como um agente que atua na composição social lhe confere
um status diferente do habitual, pois é possível identificar a posição social ocupada por um
indivíduo através de características como um linguajar próprio ou vestimentas que remetem a
profissões específicas (Dejours, Dessors & Desriaux, 1993). Essa segunda função atribuída ao
trabalho também evidencia o caráter excludente que ele possui, característica essa que se
manifesta em relação a alguns grupos minoritários como os negros, a população LGBTQ+ e as
mulheres.
Essas desigualdades e as mais variadas formas de discriminação que ocorrem, não só no
ambiente de trabalho mas em todas as áreas sociais, é nutrida pelo preconceito, que criou raízes
profundas na sociedade. O preconceito se encontra no campo dos afetos, sendo demonstrado
simpatia por um grupo e rejeição por outro (Sacco, de Paula Couto & Koller, 2016). Assim é
possível compreender que mesmo aqueles que sofrem preconceito também podem assumir
posturas preconceituosas direcionadas a outros grupos, criando-se assim um círculo vicioso de
623
reprodução de preconceitos.
A realização desse estudo se mostra de grande importância para entender como a sociedade
manifesta o preconceito frente a grupos minoritários, analisando os valores humanos que
norteiam a vida das trabalhadoras, bem como a influência da desejabilidade social nas respostas
emitidas, possibilitando compreender como esse preconceito é emitido pelas próprias minorias.
A partir dos resultados encontrados será possível obter um retrato da realidade que possibilitará
o desenvolvimento de estratégias que possam combater o preconceito e as desigualdades que
ainda persistem em nossa sociedade.
2 Objetivos
Diante dessa realidade social, o presente estudo visa compreender como são constituídas as
respostas de preconceito emitidas pelas mulheres frente às minorias, avaliando a influência que
ações desejáveis socialmente possuem na constituição dessas respostas e quais valores humanos
são priorizados pelas trabalhadoras no contexto da cidade de Parnaíba-PI.
3 Metodologia
3.1 Participantes
A pesquisa contou com uma amostra selecionada por conveniência, com as mulheres que
apresentaram disponibilidade em responder o instrumento de forma voluntária. Os critérios de
seleção das entrevistadas foram ter maioridade (a partir dos 18 anos) e serem alfabetizadas.
Para tanto contou-se com uma amostra não probabilística de 200 mulheres trabalhadoras da
cidade de Parnaíba-PI, variando de 18 a 66 anos (m= 29,6), sendo composta em sua maioria
por mulheres pardas (46,7%), solteiras (63,9%), heterossexuais (87,1%) e com o ensino médio
completo (38,9%). A renda média apresentada pelas participantes foi de 1 salário mínimo
(23,1%), sendo que a maioria declarou não estar trabalhando no momento em que o estudo foi
realizado (41,5%). Quanto a classe social a maioria respondeu que em comparação com as
pessoas do seu país considera-se pertencente à classe média (28,3%).
3.2 Instrumentos
As participantes da pesquisa receberam um livreto contendo os seguintes instrumentos:
- Escala de Desejabilidade Social: Essa escala foi elaborada por Crowne e Marlowe (1960) e
objetiva demonstrar que participantes de pesquisas psicológicas estão mais propensos a emitir
respostas socialmente aceitas, evitando assim a emissão de respostas que seriam reprovadas no
meio social. Tal escala é formada por 21 itens retirados da escala de personalidade, onde a
trabalhadora deve assinalar verdadeiro (1) ou falso (2), segundo descreve seu comportamento
cotidiano (Gouveia, Guerra, de Sousa, Santos & de Mesquita Costa, 2009).
- Escala de Motivação Interna e Externa para Responder sem Preconceito: Essa escala foi
criada por Plant e Devine (1998) e é composta por 10 itens distribuídos equitativamente em
dois fatores de motivação: interna e externa que avaliam em que medida as pessoas respondem
não preconceituosamente em relação a exogrupos. As participantes respondem o instrumento
considerando uma escala de nove pontos, com os seguintes extremos: 1 (Discordo totalmente)
e 9 (Concordo totalmente) (Gouveia, de Souza Filho, de Araújo, Guerra & de Sousa, 2006).
- Questionário de Valores Humanos Básicos (QVB): É um instrumento composto por 18
624
questões, cada uma representada por um valor, sendo três valores para cada uma das seis
subfunções (existência, realização, normativa, suprapessoal, experimentação e interacional).
Nesse questionário cada valor é avaliado de maneira independente como um princípio que guia
a vida do indivíduo, baseando-se em uma escala de resposta com sete pontos, variando de 1
(Totalmente não importante) a 7 (Extremamente importante), sendo que a participante precisa
indicar o quanto o considera importante na escala (Gouveia, Milfont, Fischer & Santos, 2008).
- Questionário de Caracterização da Amostra: Todas as participantes responderam a um
conjunto de perguntas de caráter sócio demográfico que levantavam questões envolvendo sexo,
idade, estado civil, filhos, escolaridade, cor/raça, orientação sexual, classe social, tempo de
serviço, cargo/setor que atua, ocupação de cargo de chefia e média salarial.
3.3 Procedimentos
A aplicação dos instrumentos se deu de forma individual, sendo as participantes
abordadas em locais públicos da cidade de Parnaíba-PI, tais como feiras, praças, ruas e centros
comerciais. Inicialmente as mulheres que concordaram em participar da pesquisa assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias, sendo que uma ficava com
a participante e a outra via era entregue à pesquisadora. Salienta-se que antes da aplicação dos
instrumentos procurou-se enfatizar que a colaboração com a pesquisa não acarretaria em
nenhum encargo as participantes e que sua participação seria voluntaria, podendo desistir de
participar da pesquisa a qualquer momento sem prejuízos, esclarecendo também que não
existiam respostas certas ou erradas.
Foi esclarecido às participantes que o sigilo e o anonimato estariam garantidos e que em
momento nenhum as participantes seriam identificadas no projeto. Todos os procedimentos
éticos para a realização de pesquisas com seres humanos foram cuidadosamente adotados,
baseando-se nos princípios da Resolução 510/16, que regulamenta através de diretrizes e
normas as pesquisas envolvendo seres humanos.
4 Resultados e Discussão
O presente estudo objetivou compreender a relação entre os valores humanos básicos
priorizados pelas mulheres trabalhadoras de Parnaíba e a desejabilidade social com as
motivações interna e externa para responder sem preconceito frente às minorias. Buscou-se
também verificar se havia diferença na emissão dessas respostas quanto ao nível educacional e
a situação socioeconômica das trabalhadoras.
Com o objetivo de verificar a relação entre os valores humanos básicos, a desejabilidade
625
social e a motivação interna e externa para responder sem preconceito, foram realizadas análises
de correlação (r de Pearson). Os resultados podem ser observados na Tabela 1.
Tabela 1
Correlações: valores humanos básicos, desejabilidade social e motivação interna e
externa para responder sem preconceito.
EXI RLZ NOR SPP EXP INT DSJ TEM MTI
EXI
RLZ 0,26**
Nota. ** p < 0,01/ *p < 0,05. EXI = existência; RLZ = realização; NOR = normativa; SPP = suprapessoal; EXP =
experimentação; INT = interativa; DSJ = desejabilidade social; MTE = motivação externa para responder sem
preconceito; MTI = motivação interna para responder sem preconceito.
626
aproximam, uma vez que ambos lidam com a aprovação de outras pessoas. Por ser uma
correlação negativa é possível inferir que quanto maior a motivação externa menor a
desejabilidade social e vice versa.
Essa correlação negativa encontrada nos resultados pode ter sido afetada pelo atual
contexto histórico, social, econômico e político onde há uma crescente onda conservadora no
Brasil e no mundo. De Carvalho (2015) destaca que no cenário brasileiro há um embate entre
duas forças com objetivos distintos, uma de caráter neoconservador e neoliberal; e a outra que
busca consolidação da democracia e a conquista de direitos, refletida nos movimentos sociais.
Diante disso entende-se que esse resultado pode se justificar pelo fato do meio social
não estar mais assumindo um papel tão expressivo no comportamento de emitir respostas não
preconceituosas em relação a grupos minoritários e seus membros, ou seja, o julgamento de
terceiros já não é tão determinante para barrar respostas preconceituosas. É importante destacar
também que o preconceito, em muitas situações, se manifesta de uma forma mais sutil,
adquirindo uma aparência que pode passar despercebida pelas demais pessoas. Outro fator que
pode ter influenciado nesse dado foi o fato das participantes responderem o questionário de
forma anônima, o que pode ter contribuído para que elas não se preocupassem com a
desejabilidade social, situação essa que poderia ser diferente se as respostas fossem emitidas
em público, como destaca Santos (2017) em seu estudo acerca das motivações para uma
alimentação não saudável.
Foi encontrada também uma correlação significativa entre a motivação interna e a
subfunção existência, que refere-se a satisfação de necessidades básicas como comer, dormir e
também a necessidade de segurança, ou seja, quem prioriza essa subfunção está voltado para a
manutenção da vida (Formiga, 2017). A motivação interna por sua vez se caracteriza como o
conjunto de crenças e valores intrínsecos aos indivíduos, constituindo características do sujeito
que o motivam a responder de forma não preconceituosa (Gouveia, Athayde, Soares, Araújo &
Andrade, 2012). Sendo assim é possível compreender que no contexto em que o estudo foi
aplicado a existência se mostra extremamente importante para as participantes, sendo um valor
que pode influenciar na motivação interna para responder sem preconceito, uma vez que essa
subfunção busca certificar que o indivíduo terá as condições necessárias para seu bem estar
físico e psicológico, como aponta Gouveia et al. (2009).
A motivação interna também apresentou correlação com a subfunção interativa, que
representa a importância de criar e manter as relações entre os sujeitos, contribuindo para sanar
a necessidade de pertença e amor dos indivíduos (Leite et al., 2014). Essa correlação pode
indicar que as participantes tenham se identificado como minoria, criando assim um sentimento
de pertença ao grupo, sendo esse valor um forte componente na motivação interna das
participantes para responder sem preconceito.
As motivações internas e externas também apresentaram uma forte correlação entre si,
fato esse que corrobora com o que é apresentado na teoria. Dos Santos Paim e Pereira (2018)
destacam em seu estudo que ambas as motivações norteiam os indivíduos na emissão de
respostas sem preconceito. Diante disso é possível compreender que as pessoas respondem sem
preconceito baseadas em motivações externas e em motivações internas, mas uma delas assume
o papel principal no direcionamento de respostas não preconceituosas.
Com o objetivo de constatar se havia diferenças quanto ao nível educacional e a situação
socioeconômica das participantes acerca dos valores humanos básicos priorizados, da
desejabilidade social e das motivações internas e externas para responder sem preconceito
realizou-se o teste T de Student. Os resultados podem ser encontrados nas Tabelas 2 e 3.
627
Tabela 2
Comparação dos valores humanos básicos, desejabilidade social e motivação interna e
externa para responder sem preconceito quanto ao nível educacional.
Dimensões Amostra Nível educacional Estatísticas
Tabela 3
Comparação dos valores humanos básicos, desejabilidade social e motivação interna e
externa para responder sem preconceito quanto a situação socioeconômica.
Dimensões Amostra Situação Socioeconômica Estatísticas
628
(1,00) (0,85) (1,14)
Suprapessoal 5,71 5,73 5,67 0,58 196 0,55
(0,71) (0,65) (0,78) Conclusão
Experimentação 4,68 4,72 4,61 0,78 196 0,43
(0,93) (0,91) (0,96)
Interativa 5,41 5,38 5,45 -0,47 196 0,43
(0,95) (0,97) (0,93)
Desejabilidade 1,47 1,48 1,46 1,00 194 0,31
(0,10) (0,11) (0,10)
Motivação externa 2,57 2,52 2,61 -0,48 196 0,62
(1,35) (1,38) (1,32)
Motivação interna 4,29 4,21 4,39 -1,10 195 0,26
(1,11) (1,16) (1,04)
629
exterminadora de estereótipos e preconceitos arraigados no meio social.
Posto tal é possível deduzir que as participantes da presente pesquisa que possuem nível
superior possam ter adquirido uma maior gama de conhecimentos que as trabalhadoras que
possuem o nível básico, sendo este um fator que influencia na emissão de respostas não
preconceituosas frente às minorias. É importante destacar que as trabalhadoras com uma maior
escolaridade estão mais propensas a responder sem preconceito mesmo sem a presença de
terceiros que poderiam julgar suas atitudes, sendo motivadas por suas próprias crenças de que
emitir respostas preconceituosas não é algo bom.
A motivação externa não apresentou diferenças significativas entre os grupos de
trabalhadoras quanto ao nível educacional. Isso demonstra que ambos os grupos estão expostos
ao mesmo nível de pressão social para responder sem preconceito, já que é esperado que todas
as pessoas apresentem comportamentos não preconceituosos, não importando o seu nível de
escolaridade.
Posteriormente comparou-se a situação socioeconômica das participantes, gerando dois
grupos distintos: um grupo com trabalhadoras empregadas e um segundo grupo com
trabalhadoras desempregadas. Os resultados obtidos demonstraram a existência de diferenças
significativas somente na subfunção normativa dos valores humanos básicos. As trabalhadoras
empregadas apresentaram uma média maior (M= 5,74) do que as trabalhadoras desempregadas
(M= 5,35).
Esse resultado pode estar relacionado ao fato das trabalhadoras empregadas estarem
inseridas em organizações onde devem seguir normas, respeitar hierarquias e se comprometer
com a política da organização. Esse fator não se apresenta com a mesma importância para as
trabalhadoras desempregadas, que não necessitam lidar com regras e normas organizacionais
para a manutenção do emprego. Góes (2006) em seu estudo sobre os valores no trabalho destaca
que o trabalhador que prioriza os valores normativos dentro da organização demonstra ser mais
comprometido com suas obrigações. Esse comprometimento não se restringe ao âmbito do
trabalho, sendo apresentado em outras áreas da vida da pessoa.
Priorizar os valores normativos pressupõe que seguir normas e leis é parte importante
da vida das pessoas guiadas por essa subfunção. Diante disso é possível inferir através dos
dados obtidos na pesquisa que muitas mulheres não respondem de forma preconceituosa frente
às minorias por saber que existem leis direcionadas às práticas preconceituosas. Assim ao emitir
comportamentos preconceituosos a pessoa pode ser penalizada, podendo responder
criminalmente por seus atos.
Nunes (2010) destaca o conflito existente entre ideias racistas e as leis criadas para punir
essas atitudes que resulta em um preconceito que se manifesta sutilmente. Assim é possível
depreender da presente pesquisa que as mulheres também reproduzem um preconceito que se
encontra enraizado na sociedade, sendo que esse preconceito muitas vezes não se manifesta de
forma flagrante, sendo emitido de forma sutil. As mulheres se caracterizam como minorias, mas
esse fato não as exime de exprimir respostas preconceituosas frente a outros grupos minoritários
como negros e LGBTs.
5 Conclusão
Apesar dos avanços sociais, conquistados através da luta por direitos, as mulheres ainda
630
se configuram como minoria, visto que ainda possuem pouca representação política em uma
sociedade ainda patriarcal e impregnada de preconceitos. O presente estudo procurou investigar
os valores humanos básicos priorizados pelas trabalhadoras empregadas e desempregadas da
cidade de Parnaíba-PI, bem como as motivações internas e externas para responder sem
preconceito frente às minorias e o grau de desejabilidade social presente nessas respostas.
Os resultados indicaram que as mulheres emitem respostas preconceituosas frente a
membros de outros grupos minoritários mesmo sendo uma minoria, denotando que elas se
encontram centradas em sua própria vulnerabilidade não conseguindo enxergar a
vulnerabilidade de outros grupos. Essas respostas sofrem influências de valores normativos e
suprapessoais relacionados com as motivações externas e as motivações internas dos
indivíduos, sendo influenciadas em maior ou menor grau pela desejabilidade social.
É importante apresentar como limitação da pesquisa a fadiga das participantes em
responder ao questionário que apresentava escalas com um número considerável de itens,
podendo esse fator ter interferido nos resultados encontrados. É importante ressaltar a
necessidade da replicação do estudo, aplicando-o em outros contextos e com uma amostra maior
para que seja possível comparar os resultados, os quais podem variar dependendo do lugar em
que a pesquisa será realizada.
Dado o exposto é possível afirmar que os objetivos propostos foram alcançados,
evidenciando a importância da realização da presente pesquisa, visto que o tema apresenta uma
grande relevância social. Espera-se que a pesquisa possa fornecer dados e informações que
possam subsidiar a criação de políticas públicas que tenham como objetivo combater o
preconceito e todas as formas de discriminação.
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632
IFES RETORNAM AO TRABALHO?
633
a vivenciar momentos de angústias e incertezas.
Diante desse fato, a aposentadoria pode ser vivida como uma fase de mudança,
estando diante da inutilidade, do “não fazer” e da desvalorização social. Desse modo, o
processo de aposentadoria pode fazer com que os sujeitos experimentem sentimentos
ambivalentes e contraditórios, como: euforia, felicidade e liberdade em relação à ausência de
compromisso com horários rígidos e, ao mesmo tempo, receio, ansiedade e dúvidas em como
lidar com uma rotina sem as obrigações do trabalho.Batista e Codo (2002) afirmam que o
sujeito vivencia seu próprio desenvolvimento biológico entrelaçado com as transformações na
carreira profissional até o momento da aposentadoria, que impõe ao trabalhador a sua saída do
trabalho, indicando, no futuro, a retirada da vida também. Compreende-se, então, a relevância
de analisar o fenômeno aposentadoria, considerando a individualidade de cada sujeito
juntamente com o seu contexto sócio-histórico.
A interrupção da trajetória profissional e a perda de um cotidiano delineado pela rotina
laboral, propiciam aos aposentados sentimentos de saudosismo das demandas profissionais e
da sujeição ao tempo do trabalho. Diante deste cenário, os aposentados tendem buscar
atividades remuneradas ou não, preferencialmente em instituições formais, com o objetivo de
obter reconhecimento social também (Carlos, Jacques, Larratéa & Heredia, 1999).
Ressalta-se que a decisão pela aposentadoria envolve três situações: saída definitiva da
organização e do mercado de trabalho; aposentadoria adiada e permanência na organização até
se sentir apto para se aposentar; opção de se aposentar e retornar ao mercado de trabalho em
outro emprego ou na mesma organização (Menezes & França, 2012), sendo a última situação
foco deste estudo.
Método
634
entrevistas realizadas. A seguir são apresentados os resultados e discussão, optou-se por
apresentar tais informações na mesma sessão.
Resultados e discussões
Sentido do trabalho
637
produtivo.
Algumas falas exemplificam as razões de ordem econômica como o caso da
participante E4 que aposentou com intenção de voltar ao mercado de trabalho “Já me aposentei
decidida a voltar para o espaço de trabalho, com esse projeto na cabeça ‘eu vou me aposentar,
mas vou retornar para o mercado’”. Entretanto, observam-se outras questões mais de ordem
psicológica como a obtenção de reconhecimento pelo trabalho realizado anteriormente quando
a participante E1 afirma que o retorno ao trabalho deu-se “[...] por uma necessidade da própria
instituição de me manter, porque tinha que funcionar a cadeira” ou ainda como afirma E3:
“Principalmente que eu tenho experiência...” e também por uma sensação de se sentir
produtivo, útil e até vivo como diz E6 que optou uma atividade remunerada para “[...] evitar
ficar numa posição de acomodação, então eu nunca tive essa maneira de ser, então é por causa
disso. Continuar vivo”.
Ainda sobre o retorno ao trabalho dos entrevistados, o prazer no trabalho compareceu
como um fator de retorno do aposentado ao labor, tal como expressam estas falas: “Eu preciso
fazer algo que complemente a minha renda, preciso, mas eu posso fazer algo que me dê prazer
de fazer”(E4) ou ainda “Agora eu faço o que eu acho que vale a pena ser feito”(E2). Para o E6
é o contato com os alunos que o faz sentir prazer de continuar trabalhando: “é o contato com
as novas gerações [...] você se renova, você se rejuvenesce”. O E7 destaca, também, que são
as relações com as pessoas e a solução de conflitos que o satisfaz no trabalho: “encontrar e
fazer encontro de pessoas para que a gente encontre soluções, isso me agrada”. Observa-se
que estes participantes ao retornarem para atividade laborativa remunerada reconhecem os
aspectos mais geradores de prazer no trabalho, preferindo as atividades que propiciem essa
vivência.
O prazer no trabalho diz respeito “as possibilidades de trabalho livremente organizado
pelo sujeito trabalhador, individual ou coletivamente, e na adaptação do conteúdo da tarefa às
competências reais do profissional” (Carneiro, et. al, 2018, p. 82). O sujeito quando
desenvolve uma atividade laboral espera obter reconhecimento pelos seus esforços, gerando
uma sensação de prazer no trabalho. Soares e Costa (2011) destacam que a aposentadoria
precisa ser encarada como um novo começo, como a reestruturação da identidade. Faz-se
necessário “resgatar outras atividades, capazes de propiciar mais prazer do que as anteriores,
estabelecer novos laços afetivos, descobrir ou redescobrir desejos, enfim, ter novos projetos
futuros” (p. 39).
Para a o E1, é o reconhecimento do seu trabalho o que dá mais prazer de continuar
nessa atividade: “reconhecimento de pessoas que me encontram e dizem “eu fui curada” [...]
reconhecimento da comunidade toda, isso é muito gratificante”. O trabalhador, através do
reconhecimento, sente-se valorizado e útil para as pessoas e para as organizações. Isso
representa a realização do sujeito no ambiente laboral (Bendassolli, 2012). Portanto, o
reconhecimento social e a utilidade favorecem o elo dos aposentados com o trabalho.
Assim, o trabalho não é a única alternativa de atividade para o sujeito quando se
aposenta, mas é uma das opções. Alguns sujeitos optam por retornarem ao mercado de trabalho
após aposentadoria não apenas com objetivos financeiros visando à complementação de uma
renda, mas porque o labor pode ter diversas funções na vida do sujeito aposentado, a atividade
laboral pode ser fonte de sustento financeiro, meio de realização dos sonhos consumistas,
propiciador de status social, favorecedor de saúde e socialização, bem como promotor do
desenvolvimento pessoal e formador da identidade do sujeito. Ressalta-se que os sentidos que
638
o trabalho tem na vida do aposentado devem ser analisados na singularidade de sua vida.
Nessa direção, a aposentadoria é um processo que acontece de modo peculiar para cada
sujeito, à medida que decorre de diversos fatores, tais como dinâmica social, personalidade,
história pessoal, sentido do trabalho, dentre outros (Roesler, 2014). Cabe apontar que, sendo
um processo, a aposentadoria é uma questão educacional que deve estar presente sempre nos
contextos laborais e interligada ao projeto de futuro, enquanto os trabalhadores estão na ativa
também, e não exclusivamente quando estiverem diante da assinatura dos papéis formais para
a sua oficialização. O projeto de futuro é relevante às pessoas de todas as idades, tanto para o
jovem que está entrando no mercado de trabalho, quanto para aquele que está se desligando
da organização (França, 2009).
Considerações finais
639
consideradas secundárias se comparadas a primazia do tempo dedicado ao trabalho, tais como:
estar mais tempo com a família, atividades de lazer, viagens, resgate dos projetos e sonhos
malogrados do passado. Estes aspectos estão atrelados a um ideário que geralmente não se
confirmam em sua totalidade, resultando na remissão aos caminhos do trabalho.
Observamos que os aposentados retornam ao trabalho após a aposentadoria para
continuar com atividades que consideravam mais prazerosas no cotidiano laboral antes de se
aposentar, mostrando que agora, com menos cobranças e com mais tempo livre podem
escolher fazer o que realmente gostam, alternando melhor o tempo dedicado ao trabalho com
o tempo dedicado a outras atividades, como se fosse um desligamento que estivesse sendo
realizado aos poucos, gradual, do ritmo ditado pelo trabalho, de certo que cedo ou tarde
culminará numa aposentadoria definitiva, dada à impossibilidade de se viver permanentemente
a rotina do trabalho. Quando esse momento chegar a retórica da trajetória profissional será
preterida, restando apenas o saudosismo do tempo dedicado ao trabalho.
Assim, a relevância de analisar o fenômeno aposentadoria e o concomitante retorno ao
trabalho sustenta-se nas iniciativas que fortalecem as individualidades dos sujeitos, nas
influências marcantes do contexto sócio-histórico e nas vivências do desenvolvimento
biológico entrelaçado com as transformações na carreira profissional. Esta conjuntura indica
a necessidade do estudo das questões psíquicas pertinentes à aposentadoria, seja para conferir
sentido ao vivido pela retirada do sujeito da vida laboral ou para reparar danos oriundos de
frustrações da perda de vínculo.
Embora haja uma preparação desde a infância, por meio da educação, para serem
profissionais e, portanto, fazer parte do mundo do trabalho, não há uma preocupação em
preparar os sujeitos para sair desse mundo do trabalho, o que torna essa ruptura ainda mais
difícil de ser vivida, pois, como pensar em uma vida sem trabalho se o investimento de toda
uma vida foi voltado para essa atividade?
Destaca-se a importância de programas de preparação para aposentadoria ao longo da
carreira, para que as pessoas possam planejar melhor o seu presente, adotando, também, outras
atividades que dão sentido à vida, e planejar seu futuro a fim de que essa transição entre tempo
dedicado ao trabalho para o tempo de rompimento com o trabalho seja realizada de uma forma
menos abrupta, favorecendo o estabelecimento de novas diretrizes de uma vida para além do
trabalho.
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RECONHECIMENTO E TRABALHO: O CASO DOS ADOECIDOS PELO
642
TRABALHO PELO OLHAR DA PSICODINÂMICA
1 Introdução
As pessoas ainda adoecem, e alguns morrem, em decorrência das condições e/ou da
organização do trabalho vigente nas empresas (Lacaz, 2016) e se embasando nessa perspectiva
a Psicopatologia do Trabalho, em seus primórdios, considerava o trabalho como um bloco
rígido e/ou opressor que concebia o trabalhador como um ser passivo e, portanto, sujeito a,
incondicionalmente, adoecer frente às exigências do meio, mas a Psicodinâmica do trabalho
defende a visão de que os trabalhadores anseiam pelo (re)conhecimento de seu trabalho, assim
como elaboram, individual e/ou coletivamente, estratégias defensivas que objetivam o não
adoecer e, mais que isso, conquistar o prazer no trabalho (Dejours, 1993b).
Na atualidade quando se pensa em trabalho levanta-se primeiramente a questão da sua
obrigatoriedade para a sociedade (o autosustento), mas se esquece que esse mesmo trabalho é
fonte tanto de sofrimento quanto de prazer e formação da identidade dos sujeitos que o
executam (Dejours, 2009). Com isso, defende-se que a ausência do reconhecimento contribui
para o adoecer dos trabalhadores e, por outro lado, que a sua presença é fonte de bem-estar e
saúde – e nesse sentido o trabalho, segundo Garcia et al. (2012), deve ser fonte de atenção por
estar intimamente ligado aos fatores de equilíbrio, saúde e doença dos indivíduos.
Concomitantemente, para Dejours, Dessors & Desriaux (1984), o trabalho não é apenas
uma maneira de sustentar a si e aos seus, mas uma forma de inserção social (criação e
manutenção de relações sociais) ao mesmo tempo em que é fonte de exposição a um ambiente
que tanto pode ser patogênico (mentais e/ou físicos) quanto de prazer e satisfação pessoal
(possibilitando a construção de uma identidade e o sentimento de ser útil) – logo, o trabalho é
ambivalente (Dejours, 2011).
643
angústia e o sofrimento, mesmo que oscilantes conforme as circunstancias, estão presentes em
cada trabalhador, mas isso não necessariamente indica adoecimento. O que pode haver é uma
luta contra a incongruência, com o objetivo de encontrar uma resolução, mesmo que
momentânea e, assim, mudar um modus operandi num ambiente de trabalho pode proporcionar
a saúde frente à monotonia constante (Dejours, Dessors & Desriaux, 1984).
No entanto, quando o trabalhador está inserido em um contexto no qual predominam
metas de produtividade intangíveis e condições opressivas, as normas passam a ser cegamente
executadas, pois é a tarefa (aquilo que é prescrito) que se destaca, tornando o trabalhar rígido
e sem espaço para a engenhosidade (Dejours, Dessors & Desriaux, 1984). Nesse caso, são as
ordens de caráter hierárquicos (arbitragem53), que predominam no meio laboral, atuando sob o
risco da dissolução do coletivo, mas com a possibilidade de remover os obstáculos que
impedem o desenvolvimento do grupo e contribuir efetivamente para a busca de soluções
(Dejours, 2012).
Com isso, mesmo que não exista um perfeito estado de equilíbrio, há uma busca
constante para enfrentar aquilo que se mostra nocivo à saúde e nesse contexto a normalidade é
considerada produto de uma busca constante em se defender do sofrimento proveniente de
contextos e situações que desestabilizam a saúde mental do trabalhador (Dejours, 1993b) –
nesse caso, o termo correto seria normopatia, pois é utópico pensar no equilíbrio total que
proporcione o amplo bem estar (Dejours, 2012).
Pode-se afirmar, inclusive, que o sofrimento ligado ao trabalho é proveniente de uma
constante luta cujos polos são o adoecimento e o se manter saudável e esse contexto de disputa,
interna ao trabalhador, acaba sendo refletido nos relacionamentos com colegas e superiores
(Machado & Merlo, 2008), o que acaba sendo percebido na organização, pois o coletivo é
sempre um reflexo da contribuição de cada sujeito – o que se denominada de cooperação, pois
está é uma consequência da liberdade dos trabalhadores em serem e agirem de acordo com
aquilo que consideram adequado a sua função, mas de forma coordenada (Dejours & Molinier,
1994).
Dessa forma, o trabalhador é identificado como sendo um sujeito ativo frente ao seu
trabalhar, mas com responsabilidades sobre as suas atitudes de engenhosidade e criatividade no
tocante a aquilo que lhe é prescrito. Com essa perspectiva Dejours, Dessors e Desriaux (1984)
afirmam que o trabalho pode ser fonte de satisfação pessoal, pois é ele que permite a cada
sujeito atingir suas “necessidades físicas e o desejo de executar a tarefa” (p. 01), assim como é
por ele que o sujeito passa a ater inclusão produtiva na sociedade (Pinho, Pereira & Lussi,
2019).
53
A arbitragem se faz presente quando há necessidade de discussões que possibilitem o consenso e se evidencia
que o papel de árbitro só possa ser exercido por aqueles que detêm legitimidade perante o grupo (os lideres), pois
é preciso intervir dentro dos coletivos – o que se denomina de cooperação vertical. Todavia, quando a arbitragem
possui uma vinculação direta com a autoridade hierárquica (os chefes), configura-se uma autoridade de arbitragem
e em ambas as situações são gerados acordos normativos e estáveis que valerá para todos os membros de um
coletivo, abrangendo os modos operatórios e o trabalho coletivo, que quando repassadas às novas gerações passam
a ser denominadas de regras de oficio, mas que com o tempo acabam também sofrendo renovações e atualizações
(Dejours, 2012).
2 Objetivos
644
2.1 Objetivo Geral:
Compreender a dinâmica psíquica de trabalhadores que foram afastados do seu
emprego/trabalho regular em decorrência de doença surgida ou agravada durante a atividade.
Método
2.1 Caracterização e lócus da pesquisa
Essa pesquisa visa à perspectiva não experimental, de caráter descritivo e exploratório,
e é parte dos resultados da dissertação da primeira autora, focalizando a questão do
reconhecimento (ou da falta dele) junto a trabalhadores afastados por doenças surgidas ou
agravadas durante a atividade de trabalho, que buscam o Centro de Referência Estadual em
Saúde do Trabalhador (CEREST) Regional de João Pessoa – PB objetivando atenção à sua
saúde e/ou de apoio jurídico-previdenciário.
2.2 Participantes
Contou-se com a participação voluntária de 14 trabalhadores, sendo nove mulheres e
cinco homens. Identificou-se que: as idades variaram de 33 a 64 anos, com uma média de 44
anos e Desvio padrão (DP) de 9.7; o tempo de trabalho flutuou de seis a 52 anos, com uma
média de 20 anos de trabalho e DP de 13.4; 11 estavam afastados (quatro afirmaram que não
era seu primeiro afastamento), sendo que desses: sete estavam afastados pelo INSS; dois
estavam demitidos; e um estava dando entrada no afastamento – os tempos de afastamentos
variavam entre três meses a quatro anos.
Desses trabalhadores: o estado civil predominante foi o casado, com nove sujeitos; a
renda individual mais frequente foi à compreendida entre um e dois salários mínimos, mas a
renda familiar em destaque situou-se acima de quatro salários mínimos; oito afirmaram ter casa
própria, sendo que um disse que a casa em que reside é cedida e os demais alugam; e,
finalmente, 13 têm filhos, média de dois filhos por trabalhador.
2.3 Instrumentos
Utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturado dividido em duas partes. Na
primeira, a sóciodemográfica, questionava-se: gênero; idade, tempo de trabalho e de
afastamento, assim como se era o primeiro afastamento ou não; nível de escolaridade; formação
profissional; último cargo ocupado; atual situação laboral; estado civil; renda individual e
645
familiar; situação da moradia; e se tinha filhos.
Na segunda parte, seis eixos continham perguntas para os entrevistados sobre: a história
de adoecimento no trabalho; os aspectos do reconhecimento dentro do ambiente laboral; as
estratégias para se manter na normalidade; aspectos de sofrimento e prazer no trabalho; relato
dos adoecimentos laborais; e as perspectivas futuras. No entanto, nesse artigo pretende-se
enfatizar apenas o Eixo II (O reconhecimento).
2.4 Procedimentos
Inicialmente entrou-se em contato com o CEREST para solicitar sua autorização para
realização da presente pesquisa e com a concordância iniciou-se o contato com os trabalhadores
que se encontravam na instituição, aos quais se efetuou o convite para participar de uma
pesquisa enquanto aguardavam seus atendimentos. Após a adesão dos entrevistados apresentou-
se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e se realizou as entrevistas, cuja
duração oscilou entre 20 e 60 minutos.
3 Resultados e Discussão
Diante dos resultados produzidos, pode-se evidenciar o quanto o reconhecimento, e sua
ausência, afetam o trabalhador, respectivamente de formas positivas e negativas. Assim, fica
evidente que a atividade do trabalho exige do humano criatividade, habilidade,
desenvolvimento de coletivos e da cooperação, assim como de confiança e lealdade, mas
segundo Dejours (2012), esses fatores estão cada vez mais ausentes do cotidiano e a insegurança
provocada pelo esfacelamento os coletivos (Castel, 2001) afeta diretamente sua saúde.
Na Categoria I (Reconhecimento no ambiente de trabalho), por exemplo, a perspectiva
do reconhecimento apontou para a não cooperação, pois apontaram a necessidade de se sentirem
ressarcidos emocionalmente, tendo seus esforços no trabalho cotidiano, com problemas ou não,
valorizados: “Você fazer um bom trabalho e não ser bajulado por isso, mas eles darem valor a
você como pessoa” (P2); e “O reconhecimento é seu esforço, porque muitas vezes você vai
trabalhar até sem poder, deixa filho em casa com problema de saúde, você se esforça pra não
faltar” (P12).
Essa perspectiva de caráter simbólico do reconhecimento é evidenciada por meio de
expressões como muito obrigado e/ou parabéns, pois os trabalhadores não precisam ser
bajulados e sim respeitados, porque é esse fator que evidencia a sensação de reconhecidos –
uma perspectiva exigida pelo trabalhador para que suas iniciativas não sejam frustradas e suas
646
contribuições para com a instituição tenham um propósito (Dejours, 2012).
O caráter material do reconhecimento também surgiu, apontando o aspecto financeiro
como importante: “Você fazer o seu trabalho corretamente e ser, (...) ressarcido de alguma
forma pelo seu trabalho, isso é um tipo de reconhecimento. Pode ser em beneficio, em dinheiro,
em promoção” (P3). Para Castel (2001), a massa populacional industrial agrega sujeitos que,
por vezes, têm pouca instrução e estão em situações socioeconômicas paupérrimas, uma
instabilidade laboral que visa o financeiro em detrimento de qualquer outra forma de
reconhecimento.
No entanto, o reconhecimento material pode também ser caracterizado como simbólico,
pois configura uma forma do empregador mostrar que o trabalhador ocupa um lugar importante
e que merece ser ressarcido. Desse modo, o reconhecimento frente ao trabalho executado é
transferido para quem o executa – uma forma exclusivamente abstrata e subjetiva de representar
simbolicamente o reconhecimento (Dejours, 2009).
Outra perspectiva dos entrevistados apontou que o reconhecimento poderia ser de
responsabilidade compartilhada, pautado em uma via de mão dupla, pois para alguns, para que
a empresa reconheça o trabalhador é necessário que o mesmo se esforce e mostre
disponibilidade de fazer parte dela.
Geralmente, mulher, nesses cantos eles num (...) vê isso não, sabia?
Geralmente eles não vê não, a capacidade da gente não. Num chega e
diz assim: ‘Você deu uma boa produção! Você fez isso bem’; não! Num
chega assim pra dizer isso aí. Quer que dê produção, porque eles tão
647
ganhando (P7).
648
gera autoproteção através de métodos privados e singulares.
Na Categoria III (Reconhecimento e Hierarquia) evidenciou que os entrevistados
afirmaram que se utilizavam de elogios e de ensinamentos para reconhecer o trabalho do outro,
pois a percepção da necessidade do outro para realizar o seu trabalho sempre estava presente,
como segue: “Se você faz o seu corretamente, o meu vai ficar bem mais fácil e isso a gente
agradecia, (...) porque uma máquina depende de outra. É bom quando tem esse conjunto, né?!
Porque é muito difícil o caba trabalhar” (P3); “Se eu acho que eu tenho que ser reconhecida
então todos devem ser” (P12).
Elogiando (...) e quando eu via que a pessoa era bom de serviço, puxava
mais pra perto de mim, pra (...) ensinar mais pra ele também (...) E
também a gente não faz só ensinar, (...) a gente aprende muito também,
né?! (P2);
649
em consideração, também, a questão da exigência de se manter uma boa relação com o público
para se manter trabalhando, como segue: “eu acho que eles [público] querem mais, né?! Eles
cobram mais e eu não tenho pra dá o mais, aí acaba ficando falha, né?!” (P8) e “Me dou bem
com muitos deles, (...) Até porque eu trabalho numa empresa que tem que lidar com público e
eu não posso fazer com que aquela pessoa saia com raiva de mim” (P5).
Essa perspectiva corrobora com a perspectiva de Borges (2010), que aponta que a
obrigatoriedade da relação harmônica com o público aponta para uma conscientização das
necessidades que o cargo exige, apontando para uma maior relação de sociabilidade, uma
negociação do trabalhador com seus limites e mesmo deste com os clientes. Para Dejours (2012)
essa perspectiva também é entendida por como uma forma de coletivo, pois da interação entre
trabalhador e cliente surgem os objetivos predeterminados e as metas são alcançadas.
Assim, esse contato diário e limitado proporciona um vínculo com o clienteque muitas
são as formas que o trabalhador utiliza para sublimar o sofrimento e atingir uma satisfação pelo
que faz (Dejours, 1993b). Para Dejours (1999), banaliza-se o sofrimento do trabalhador quando
este demonstra querer fazer mais (principalmente em órgãos públicos), mas não se pode, pois
existem pressões reais frente a metas e a lucratividade das empresas, que está sempre em
primeiro plano.
5 Conclusão
Diante do material evidencia-se que o trabalho ainda é fonte de grande nocividade, como
apontado por Dejours (2012; 2013; 2015), Lacaz (2016) e mesmo por Castel (2001) e que os
trabalhadores, em muitos casos, ainda vivenciam, cotidianamente, uma relação de
sofrimento/prazer em suas organizações; ainda adoecem, agravam problemáticas e mesmo são
mutilados em suas jornadas; e ainda constituem um subproletariado que, por vezes, beira a
miséria.
O reconhecimento, pode-se sustentar, teve um peso importante no processo de
ambivalência laboral (prazer e sofrimento) dos entrevistados, pois nas falas pode-se constatar
que: seu valor é visto tanto simbólica quanto financeiramente; ele viria a ser uma via de mão
dupla entre empresa e funcionário; seria dado como recompensa da produção; e finalmente é
visto como algo raro, ou mesmo que não exista. Com isso, evidenciou-se também que ele é
atribuído hierarquicamente de forma vertical, no qual apenas os superiores o emitem ou deixam
de fazê-lo, faltando muitas vezes à participação dos pares, sucumbidos pela concorrência
desenfreada e individualista.
Verifica-se, com o exposto, que a Psicodinâmica do trabalho permite uma análise do
contexto laboral atual, assim como da vida desses trabalhadores, pois as estratégias defensivas
frente às adversidades e pressões das metas a serem atingidas existem e quando elas falham os
trabalhadores tendem a procurar ajuda, seja física, emocional ou jurídica para amenizar seus
sofrimentos. Isso implica diretamente em seus sensos de autoproteção e mesmo na constatação
de que não são passivos e vulneráveis frente ao trabalho e suas condições adversas.
Infelizmente aponta-se para a preocupação com o atual momento laboral do Brasil, pois
como aponta Heloani e Proni (2016), a previdência não é mais padrão de proteção e muito
menos de cuidados, mas se sustenta aqui que ninguém conhece mais o cotidiano laboral do que
o trabalhador e somente ele pode apontar o que precisa ser modificado, pois como diz Ferreira
(2015): quer ver, escuta!
650
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652
JUNTO ÀS INTERFACES LABORAIS DO CONTADOR
1 Introdução
A palavra ciência advém do latim scientĭa, que significa conhecimento, e evidencia a
compreensão de algo que é antes de tudo uma arte da constante busca pela sabedoria do
conhecimento. Assim, a pesquisa tem em seu seio a análise e a investigação de fenômenos de
cunho experimental, social e individual que visa compreender uma realidade (Subirats & Morin,
1987).
Adentrando a perspectiva de compreensão de um fenômeno social, a Ciência Contábil
(englobada no plural de seu nome de Ciências Contábeis), evidencia-se por sua prática de
pesquisa e intervenção, frente à junção entre ciência e profissão, tornando a contabilidade um
campo de dispersão de saberes de uma ciência social aplicada ao meio sócio histórico, político,
econômico e cultural para guiar sua práxis (Heissler, Vendrusculo, & Sallaberry, 2018).
A Ciência Contábil, em sua epistemologia enquanto ciência, surge no século XII como
método de racionalização dos bens, dos processos econômicos, organização e racionalização
financeira, tendo impacto no trabalho humano e assumindo o contabilista o papel de ator social
preponderante em processos financeiros, empresariais, tributários, organizacionais e gerenciais,
entre outras funções (Marion, 2005).
Assim, é possível afirmar que a perspectiva da contabilidade moderna nasce com o
intuito de atender as demandas dos estados italianos (ainda no século XII) com o método de
partilhas dobradas da creditação e debitação, que Frei Franciscano Luca Pacioli elaborou em
1494 (Hansen, 2002). No Brasil a profissão contábil nasceu oficialmente no período Imperial
em 1770 com o nome de Guarda Livros da Corte, por meio do decreto nº 4475, que estabelecia
a obrigatoriedade do registro desses profissionais na junta comercial (Ferreira & Cruz, 2019;
Heissler et al., 2018).
Partindo disto, ao longo dos séculos, com o advento das Grandes Navegações, do
processo colonizador europeu e das Revoluções Industriais (e mais recentemente das
Tecnologias das operações financeiras e empresariais), a contabilidade globalizou-se e se
democratizou através de uma conjuntura atual que promoveu ao contador sua democratização,
ocupando inúmeros espaços e prestando serviços diversos de ordem jurídica e para pessoas
físicas (Hansen, 2015).
Deste modo, após séculos de desenvolvimento civilizacional a área contábil toca e gera
um impacto social imensurável, sendo está categorizada como pertencente às ciências sociais
aplicadas e não exatas, revelando que a contabilidade antes de cálculos é atravessada e serve ao
contexto social nela inserida (Ferreira & Cruz, 2019). Segundo Marion (2005), o contexto social
moderno de globalização amplia os campos de atuação do contador junto a sua práxis em vista
disto.
Em levantamento realizado no ano de 2019 pelo Conselho Federal de Contabilidade
653
(CFC), apontou que existem 352.572 profissionais regulamente registrados no país e estes
prestam serviços à sociedade de ordem fiscal, econômica, em recursos humanos e de relações
interpessoais – em instituições públicas e/ou privadas (CFC, 2019).
Logo, o trabalho ocupa papel central na cadeia das necessidades humanas, como
Maslow, Stephens e Heil (1998) enumeram, pois desde as necessidades fisiológicas básicas até
o bem-estar, qualidade de vida e autorrealização do sujeito passam por essa esfera social e
identitária e por essa razão a perspectiva da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), é a junção
harmônica entre o sentimento de bem-estar e satisfação – na qual o sujeito relaciona-se com as
funções profissionais e existenciais no cumprimento de suas tarefas culminando em um estado
de saúde mental saudável ao trabalhador (Rodrigues, 1994; Couto & Paschoal, 2017).
Sabe-se que áreas e campos profissionais variam segundo o tipo de função exercida e
características e nesse contexto o contador é um dos profissionais que estão mais expostos a
processos de adoecimentos psicológicos advindos do labor diário, porém os estudos sobre o
assunto são escassos e a temática tem pouco interesse na área (Treter & Moura, 2019).
Corroborando a isto, em estudos realizados nos escritórios de contabilidade do país, o estresse
e a ansiedade foram agravantes psicológicos constantes na prática laboral diária e na QVT de
contadores (Peixoto, 2018; Ferreira & Cruz, 2019).
Neste sentido, tal conjuntura de adoecimento pesquisada nos escritórios foi
correlacionada a variáveis como o constante crescimento de novos profissionais, fazendo o
mercado cada vez mais competitivo e com altas taxas de desemprego, aliado à crise econômica
que assola o país fechando cada vez mais empresas e diminuindo a clientela. Essa realidade
proporciona aos profissionais uma exposição estressora diária, por meio da clientela de
empresas e empreendedores, a uma adversidade macro e microeconômica do aspecto laboral
no país (Rodrigues, 1994; Ribeiro, 2006; Peixoto, 2018; Ferreira & Cruz, 2019).
Em consonância com essa preocupação, e pela pouca visibilidade de tal conjuntura na
saúde do trabalhador, a contabilidade para William e Cooper (1998) é o tipo de função dinâmica
(de contato ou atendimento ao público), com atravessamentos cotidianos que interferem nas
relações interpessoais do ambiente dos escritórios e/ou repartições públicas e o fator financeiro
(fiscal e econômico, entre outros). Assim, impondo uma responsabilidade ao labor contábil na
constante pressão frente aos resultados e otimização da gestão de despesas e lucros (Couto &
Paschoal, 2017; Treter & Moura, 2019).
Como traz Figueirêdo (2016), os profissionais de contabilidade têm aspectos
intrínsecos, além da sua atuação de contato com a clientela, pois muitas vezes o trabalho do
profissional contábil é solitário sendo restrito a horas de cálculos e burocracias. Posto tal,
estressores como exposição a possíveis fiscalizações, cobrança de resultados, competitividade
e busca por autoatualização são aspectos que interferem direta ou indiretamente nos diferentes
âmbitos da vida do profissional, como o familiar, ciclo de amizades e social (Marion & Müller,
2016; Ayres, 2017).
Acerca disto o supracitado ainda elucida que que a inserção dos contadores nas
organizações públicas e privadas (com fatores e realidades socioculturais distintas), apontam
que as organizações de cunho privado possuem uma maior sobrecarga de trabalho do que na
máquina pública. Além disso, a esfera privada impõe uma falta de estabilidade no cargo a longo
prazo junto a um retorno financeiro variável (Figueirêdo, 2016; Ayres, 2017).
Em estudo realizado em escritórios privados acerca da satisfação do profissional
contábil no emprego, evidenciou-se que quanto mais alto o cargo (hierarquicamente) maiores
os níveis de estresse a que o contador pode estar exposto. O mesmo estudo analisou que
654
contadores dentro das organizações que exercem função na área fiscal tendem a ser mais
pressionados por gestores e responsáveis de empresas e questões como carga horária e aspectos
discriminatórios (como gênero, raça, classe e aparência física) são presentes no cotidiano
(Peixoto, 2018; Treter & Moura, 2019).
Como elucida Treter e Moura (2019), na área contábil tais estudos no Brasil ainda são
pequenos e de pouca visibilidade, tanto na formação do futuro profissional contador como na
prática laboral. Assim, pode-se afirmar que independente da área ou campo de atuação o
contexto do mercado de trabalho dimensiona possíveis impactos na saúde física e metal do
trabalhador, que muitas vezes convive com tal conjuntura de prejuízo a sua saúde por
necessidades de subsistência – pois ambientes insalubres (compostos por possíveis ocupações
estressoras, alta carga de responsabilidades, acumulo de funções...) - adentram as esferas do
viver do funcionário, podendo desencadear processos de adoecimentos tanto físicos como
psíquicos, mas sustentam o trabalhador e os seus familiares (Lacaz, 2000; Dejours, 2004;
Gomez & Lacaz, 2005).
Segundo Chiavenato (2008), o campo de gestão de pessoas e do comportamento humano
dentro das organizações (privadas e públicas) pode gerar conflitos e entraves que extrapolam o
campo físico e nessa perspectiva, quem trabalha cotidianamente com as relações interpessoais
(como uma imposição laboral), como ocorre na área dos contabilistas, possui uma maior
probabilidade ao adoecimento. Dimensionando tal conjuntura contemporânea de adoecimento
(mental) na esfera do trabalho, no ano de 2019 a Organização Mundial da Saúde (OMS), incluiu
pela primeira vez a Síndrome Burnout no manual de Classificação Internacional de Doenças
(CID-11) (Who, 2019).
Isto posto, no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) a
Síndrome de Burnout (em inglês o termo significa esgotamento), é concebida como uma
psicopatologia de exaustão psicológica e física que tem origem no ato laboral, descoberta pelo
psicólogo Freudenberger (1975), um dos primeiros pesquisadores a descobrir e estudar as
causas e efeitos da doença (Apa, 2014). Como traz Peixoto (2018), a perspectiva da saúde e do
adoecimento mental do trabalhador pode ocorrer em qualquer instituição porém a temática
ainda é pouco explorada no lócus do meio contábil e administrativo das instituições.
Dessa forma, a preocupação com o ambiente organizacional e suas consequências para
com o trabalhador, ainda em 1950, passou a ser uma inquietação que fomentou estudos e
pesquisas acerca da QVT. Essa perspectiva diz respeito ao modo como a organização constitui-
se, tanto nos aspectos físicos, quanto nas condições de trabalho, demandas sociais e nas
consequências na vida familiar do funcionário (Rodrigues, 1994; Ferreira & Cruz, 2019; Treter
& Moura, 2019). Assim, se aloca a importância do presente estudo em se compreender a
conjuntura de adoecimento, da QVT e saúde mental no campo contábil se constituição no
profissional contador.
2 Metodologia
2.1 Delineamento
O estudo tem como fim analisar, através de uma análise sistemática bibliográfica, os
atravessamentos entre a qualidade de vida no trabalho (QVT), o estresse ocupacional e as
condições sociais e organizacionais que culminam na saúde ou adoecimento mental, tendo
como categoria de análise o profissional contábil.
2.2 Procedimentos
655
A pesquisa de levantamento bibliográfico foi realizada nos dias 22 a 30 de Agosto de
2019 sobre a QVT e estressores que possam culminar em adoecimento laboral do profissional
contador. Tendo o levantamento ocorrido nas bases de dados: Periódicos da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Scientific Electronic Library Online
(Scielo) e Google Acadêmico, sendo as mesmas escolhidas visando sua inserção e abrangência
na busca e divulgação de pesquisas no país.
3 Resultados e Discussão
Como levantamento e análise realizada encontrou-se um total de 20 artigos que se
relacionam ao objeto e temática da presente pesquisa – Os quais foram categorizados nas
plataformas de pesquisa apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1
Caracterização dos artigos de acordo com o periódico.
PERIÓDICO N %
CAPES 02 10%
Scielo 0 0%
Google Acadêmico 18 90%
Total 20 100%
Verificando os dados obtidos segundo o número de artigos publicados nos últimos cinco
(5) anos nas principais plataformas de pesquisa no Brasil, o Google Acadêmico e o Periódico
CAPES foram as únicas plataformas de busca acadêmicas que apresentaram resultados
Fonte: dados da pesquisa.
referentes à temática, sendo o Google Acadêmico a plataforma que mais apresenta o número
656
de trabalhos relacionados à Saúde Mental Relacionada ao Trabalho na Área Contábil.
Em vista disto, acredita-se que tais resultados constituem-se em parte pelo mecanismo
de busca mais abrangente a que a plataforma do Google Acadêmico propõe-se, colhe buscas
em todos os sites e plataformas de busca disponível na Internet enquanto a plataforma de
Periódicos da CAPES permite apenas a visualização de revistas associadas ou pagas para
apresentar os resultados – a falta de pesquisas na plataforma da Scielo demostra a inexistência
de trabalhos na área da Saúde Mental nas revistas e periódicos que a plataforma oferece.
Evidenciou-se que na área contábil existe pouca investigação acerca da temática da
saúde do trabalhador contábil, pois o baixo número de pesquisas feitas no contexto brasileiro
nos últimos cinco anos oferece um panorama que Figueirêdo (2016) elucida na práxis do
profissional contábil, ligada em sua maioria em aspectos financeiros e tributários.
Segundo explicita Treter e Moura (2019), a saúde mental ainda é vista como algo que
está em segundo plano nos contextos organizacionais, nos quais o contador aloca-se
laboralmente mesmo tendo manifestações e casos de adoecimentos psíquicos graves. Acerca
disto a inclusão da Síndrome de Burnout no rol das doenças na CID-11 demostra como o
trabalho na modernidade afeta as diferentes esferas vivenciais, sendo de grande importância
compreender o fenômeno no âmbito contábil (Who, 2019; Lacaz, 2000).
Tabela 2
Caracterização dos artigos de acordo com o ano de publicação.
ANO DE PUBLICAÇÃO N %
2015 01 5%
2016 06 30%
2017 05 25%
2018 06 30%
2019 02 10%
Total 20 100%
Já analisando a Tabela 2 acima representando os últimos cinco (5) anos a produção, tem
uma distribuição equânime nos anos de 2016 até 2018, sendo baixa em 2015 e até o presente
momento de 2019 estando no total de dois trabalhos. Partindo destes dados leva-se em conta o
tempo de análise prolongado no qual as revistas brasileiras utilizam para correção até a
publicação dos trabalhos, gerando um efeito de pouca difusão e discussão das temáticas
Fonte: dados
relativas da pesquisa.
à saúde e adoecimento do profissional contador.
Já na Tabela 3 traz informações sobre as temáticas centrais em que os artigos focam nos
estudos.
Tabela 3
Caracterização dos artigos de acordo com a temática investigada.
657
TEMÁTICA INVESTIGADA N %
Saúde Mental 05 25%
Condições de Trabalho 04 20%
Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) 07 35%
Aspectos Organizacionais do Trabalho 04 20%
Outros* 0 0%
Total 20 100%
Tabela 4
Caracterização dos artigos de acordo com o tipo de pesquisa e enfoque metodológico.
TIPO DE PESQUISA N % ENFOQUE N %
METODOLÓGICO
Exploratória-descritiva 06 30% Quantitativo 06 30%
Descritiva 08 40% Qualitativo 09 45%
Exploratória- 02 10% Quali-Quanti 02 10%
Bibliográfica
Estudo de caso 0 0% Não especificado 03 15%
Não especificado 04 20% Total 20 100%
Total 20 100%
658
Verificando a Tabela quatro, observou-se que a maioria dos estudos enquadram-se
como pesquisas descritivas, tendo como características a definição de características tanto de
um fenômeno quanto de uma temática. Já no enfoque metodológico, a maioria configura-se
como estudo qualitativo, no qual, segundo Martins e Theóphilo (2009), caracteriza-se um
enfoque maisdasubjetivo
Fonte: dados pesquisa. e individualizado de grupos de sujeitos.
Assim, a temática de Saúde Mental de trabalhadores da área contábil requer, para uma
análise mais minuciosa, aspectos individuais e de história de vida dos sujeitos da pesquisa, algo
que na pesquisa quantitativa pode ser realizado, mas tem maior eficiência no método de coleta
qualitativo (Raupp & Beuren, 2006).
4 Conclusão
5 Referências
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661
INTERFACES DOS SERVIÇOS EM PLATAFORMAS DIGITAIS
1 Introdução
Ao longo da história o trabalho assumiu diversos aspectos e percepções nas sociedades
ocidentais e orientais, contudo com o percurso civilizatório e o advento da I Revolução
Industrial, no século XVIII, o labor passou a ter centralidade na vida humana, além do aspecto
de subsistência, culminando na racionalização e organização de cargos e ocupações
empregatícias da modernidade (Ramos, 2009).
No final do século XX e começo do XXI, com trajetos de (re)invenções trabalhistas e
mercadológicas (Ramos, 2009), tem crescido e se potencializado o surgimento das Tecnologias
Digitais de Informação e Comunicação (TDICs), oportunizando a IV Revolução Industrial e
Tecnológica, como postula Castells & Espanha (1999) e Schwab (2019).
Tal conjuntura de inovação tecnológica no mercado laboral reelabora uma nova lógica
vivencial na chamada sociedade da informação (Werthein, 2000), estando pautada em uma
racionalidade capitalística de subjetividade interligada às novas tecnologias digitais e suas
potencialidades múltiplas (mesmo que falseadas) de maior liberdade econômica e se voltando
a uma lógica neoliberalista e de oportunidades igualitárias (Bauman, 2013; Rolnik, 1997;
Antunes, 2001).
Tendo em vista que as novas tecnologias interligam sujeitos, reelaboram ocupações e
campos de trabalhos, ao mesmo tempo também diminuem postos de trabalho tendo como
resultado a flexibilização e precarização das relações empregatícias (Antunes, 2018). Outro
atravessamento disto como postula Antunes e Praun (2015), é como a flexibilização oportuniza
uma conjuntura de adoecimentos físicos e mentais, por meio da falta de vínculos formais e a
partir disto o trabalhador passa a está desamparado em ocupações insalubres e resguardado em
acidentes futuros.
No Brasil, segundo pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), entre os
anos de 2001 a 2014 com 119 companhias brasileiras, o investimento de 1% em Tecnologias
da Informação (TI) como aplicativos de serviços e produtos, ocasionou um crescimento de 7%
nos seus resultados operacionais das empresas (OIT, 2017; Souza, 2017). Nesse contexto, os
aparelhos móveis conectados à internet potencializaram a criação de um novo mercado
empregatício de aplicativos de oferta de serviços de mobilidade urbana, vendas online e delivery
(pedido de comidas por meio de aplicativos com pronta entrega em casa), entre outros nichos.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2019 o mercado de
serviços por meio de plataformas online, chegou a quatro (4) milhões de trabalhadores (Brasil,
2019).
Por conseguinte, segundo Toffler (1973), o uso exagerado de tecnologias podem
662
ocasionar mudanças negativas no cotidiano e comportamento de pessoas. O uso do celular, por
exemplo, facilita a comunicação organizacional e profissional. Porém, seu uso excessivo pode
induzir o trabalhador a carregar suas obrigações empregatícias a diferentes âmbitos da sua vida
podendo, em casos mais extremos, desenvolver o transtorno de Nomofobia (Oliveira, Barreto,
El-Aouar, Souza, & Pinheiro, 2017) – que é a angustia gerada pela dependência do não uso do
telefone celular junto a sensação de estar desconectado de acontecimentos e relações (Dsm-5,
2014).
Os serviços em plataformas digitais são tratadas pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT), em relatório, como aliadas ao trabalho, elucidando as potencialidades que tais
tecnologia podem dimensionar: como globalização de mercadorias e maior dinâmica de
serviços prestados. Contudo, também são levantados os riscos do desamparo jurídico-
trabalhista de funções autônomas para plataformas digitais (Oit, 2017). Logo, este novo tipo de
ocupação laboral fornece riscos principalmente pela falta de amparo na legislação como elucida
Oliveira et al. (2017) e um estudo de 2019 feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), sobre as características do mercado laboral no Brasil.
Para os pesquisadores, a conjuntura de ocupações autônomas sem vínculos jurídicos
cresce de forma acelerada no país (Brasil, 2019) e, segundo o IPEA, o crescimento deve-se não
apenas pelo cenário de alto desemprego e crise econômica, mas é movido também por uma
mudança na concepção das relações de trabalho como elucida Antunes (2011), provocando
precarização e flexibilização jurídico-trabalhista - pautada na lógica de diminuir encargos para
empregadores e menos direitos para trabalhadores - por uma narrativa de falseamento e na busca
pela perca de direitos (Antunes, 1995; Antunes, 2001; Antunes, 2008).
Assim, tais fatores fazem do mercado de trabalho na contemporaneidade um ambiente
cada vez mais adverso para a saúde física e mental do trabalhador como trata Antunes e Praun
(2015), fazendo com que pela primeira vez um transtorno mental de decorrência laboral entre
na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) em 2018: a Síndrome de Burnout. Na
revisão da ICD-11, (2019) esta é posta de forma mais detalhada no rol de doenças assim
caracterizando de maneira mais detalhada o Burnout como esgotamento mental e físico
decorrente de um ambiente laboral adverso, podendo gerar quadros de ansiedade, depressão,
entre outros agravos na saúde do trabalhador (Freudenberger, 1974).
Desta forma, há uma percepção na modernidade que trabalhadores que prestam serviços
autônomos a plataformas digitais gozam de um cenário laboral benéfico com maior
flexibilidade de carga horária, não subordinação a patrões entre outros aspectos que tornam tais
serviços atraentes (Gorender, 1997). Todavia, as novas tecnologias podem favorecer o capital
de empresas e companhias. Porém, não é tido o mesmo retorno aos prestadores dos serviços
por meios digitais tornando a nova classe proletária na modernidade de infoproletários como
nomeia Antunes e Braga (2015) e Antunes (2015) na análise sobre a nova alienação
contemporânea. A falta de vínculos trabalhistas formais provoca desamparo em casos como
Acidentes de Trabalho (AT), benefício por auxílio doença, aposentadoria, seguro desemprego
– entre outros direitos que o trabalhador autônomo não goza como funcionários formais
(Franco, Druck, & Seligmann-Silva, 2010).
Por conseguinte, verificando a conjuntura e entraves no meio social que adentram
campo jurídico, o presente estudo visa compreender como as novas relações de prestação de
serviços da contemporaneidade podem impactar na dinâmica de vida dos trabalhadores, assim
como na sua saúde física e mental, tendo como categoria de análise indivíduos que exerçam
ocupações como motoristas de aplicativos de mobilidade urbana e delivery na cidade de
663
Parnaíba, Piauí.
2 Objetivos
2.1 Objetivo Geral
Investigar os fatores biopsicossociais sobre a saúde dos trabalhadores dos aplicativos de
serviços de mobilidade urbana, venda de produtos online e delivery, assim como sua
consolidação como nova categoria de ocupação laboral na contemporaneidade, na cidade de
Parnaíba-PI.
2.2 Objetivos Específicos:
● Compreender os atravessamentos que os aplicativos de serviços de mobilidade,
delivery e vendas online podem gerar na carga horária laboral dos sujeitos;
● Analisar as reverberações no fazer laboral diário dos indivíduos que prestam
serviços a companhias de tecnologia do terceiro setor, assim como os efeitos na
saúde desse trabalhador;
● Conceber quais direitos trabalhistas os prestadores de serviços são resguardados
pelas normas trabalhistas brasileiras;
● Entender por meio dos serviços em plataformas digitais se constituem na dinâmica
do mercado de trabalho na contemporaneidade.
3 Metodologia:
3.1Caracterização da Pesquisa
O estudo tem um delineamento não experimental, de caráter exploratório-descritivo
com uma amostragem não-probabilística e se buscou conhecer a realidade dos trabalhadores
que exerçam função laboral de vínculo jurídico-empregatício em aplicativos de mobilidade
urbana, vendas online e delivery na cidade de Parnaíba-PI.
3.2 Participantes
Na pesquisa contou-se com a participação de seis indivíduos, que representaram,
simbolicamente, cada aplicativo e serviço intermediado pelas redes sociais disponibilizado na
cidade. Nos dados sociodemográficos a maioria dos participantes da pesquisa foi do gênero
masculino de 83,3%, no tocante a etnia 66,7% se auto declararam negros, pardos ou morenos e
33,3 % brancos. Tendo os sujeitos média de idade de 25 anos (33,3%).
Adentrando aos aspectos escolares, 66,7% declararam que frequentaram o ensino
superior, porém apenas 33,3 % terminaram a graduação. Visto tal, nos tópicos socioeconômicos
50% da amostra respondeu pertencer à classe média, tendo 50% dos trabalhadores da pesquisa
o rendimento mensal de um salário mínimo. Nas questões laborais, 83,3% dos entrevistados
relataram que antes da função laboral atual de mobilidade, delivery ou venda de produtos por
meio dos aplicativos, já trabalharam em empresas ou ocupações autônoma, porém com uma
rotina e obrigações de relações trabalhistas formais.
3.3 Instrumentos
Os sujeitos que se dispuseram a participar do trabalho preencheram um Questionário
Sociodemográfico que tratou de aspectos etnográficos (como gênero, cor/raça, ocupação
laboral, renda, escolaridade e histórico empregatício), tendo como intuito conhecer e entender
os atravessamentos como classe e aspectos psicossociais na concepção da realidade individual
de cada sujeito.
Posteriormente foi realizada uma entrevista semiestruturada composta por doze
664
perguntas que versavam sobre características de ocupação trabalhista, dinâmica do serviço,
vínculos e direitos trabalhistas e atravessamentos e impactos da ocupação exercida nos
diferentes campos da vida dos sujeitos.
3.4 Procedimentos
Para a realização do presente trabalho os indivíduos foram convidados por conveniência
(pois participaram apenas aqueles que aceitarem voluntariamente) sendo informados do teor da
pesquisa, seus riscos e benefícios e tendo a concordância em participar da mesma, foi agendado
o dia, local e horário para os participantes da pesquisa – o Núcleo de Estudos sobre Gênero,
Raça, Classe e Trabalho (NEGRACT).
Deste modo, nos dias respectivos das entrevistas, foram entregues aos sujeitos da
pesquisa o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – entendido como o
comprometimento ético através da pesquisa – para que pudesse ser lido e assinado ou marcado
com a impressão digital da pessoa (caso o (a) participante não possa assinar), em suas duas vias
(uma que ficará com a pessoa e outra com o pesquisador).
Nesse momento os sujeitos foram informados da gravação das respostas e o uso dos
dados para fins acadêmicos, assim como do resguardo do sigilo do estudo. Visto tal, foi
entregue uma folha contendo o Questionário Sociodemográfico, respondido individualmente
pelo participante, e em seguida foi feita a entrevista semiestruturada gravada.
3.5 Análise dos dados
Para a análise do questionário sociodemográfico, foi utilizado o software SPSS versão
21.0 – sendo realizadas estatísticas descritivas (medidas de tendência central e dispersão) com
o objetivo de descrever os participantes do estudo.
Logo após as entrevistas serem gravadas as mesmas foram transcritas e analisadas.
Assim, a análise dos dados foi de cunho qualitativo, versando sobre os conteúdos obtidos das
entrevistas semiestruturadas dos participantes, através da Análise de Conteúdo de Bardin
(1977).
4 Resultados e discussão
Para a maior compreensão as análises das entrevistas foram organizadas na Tabela 1, como
pode ser conferido a seguir:
Tabela 1
Atravessamentos entre a prestação de serviços em plataformas digitais
Eixos Categoria f
Rendimento financeiro 23
Flexibilidade 16
Mercado de trabalho
Trabalhos anteriores 9
Empreendedorismo 9
Entrada no serviço 8
665
Inovação 6
Novas oportunidades 5
Outras ocupações 4
Acúmulo de funções 6
Estratégia de enfrentamento 2
Para melhor compreensão do leitor optou-se aqui por apresentar os eixos temáticos
seguidos de suas categorias e subcategorias, quando houver. No Eixo Temáticos I (Mercado de
Trabalho), foram identificadas oito (8) categorias, como segue:
Na categoria de Rendimentos financeiros os entrevistados demonstraram diferentes
representações associadas ao fator de remuneração de suas atividades. Nesse sentido, observa-
se um cenário laboral que não fornece uma segurança financeira e/ou seguridade de direitos e
aspectos oriundos da flexibilização (Antunes, 1995. Antunes, 2011). Corrobora-se isto na fala
do E5: “Então varia muito de mês pra mês, né? Tem mês que é muito bom e tem mês que... que
não é. Então não tem como eu te definir isso... é muito complexo né? É inconstante pra gente”.
Acerca disto a fala do E.5 traz uma característica dos serviços nas plataformas digitais, ao
cenário que a tecnologia reinventa o sistema do mercado as empresas/aplicativos digitais
fornecem poucas garantias aos seus parceiros (Antunes, 2018).
No tocante a categoria Flexibilidade, essa perspectiva é identificada na fala dos
entrevistados como algo positivo, havendo uma percepção (mesmo que falseada) de autonomia
e liberdade de horário e benefícios de não haver vínculos formais, percepção bastante estudada
por Antunes (2011). Contudo, em eixos subjacentes (Eixo II) a flexibilidade atravessa-se como
um dos desencadeadores de extensas cargas horárias e adoecimentos. Sobre esta conjuntura o
E1: “A questão da flexibilidade. O benefício do motorista é que ele pode ganhar mais, só que
é aquela história, tu vai precisar vender o teu tempo’’. A liberdade e a autonomia descrita pelos
entrevistados estão condicionadas a um ambiente de incertezas financeiras, instabilidades
empregatícias e relacionadas ao tempo, mas que são mascaradas por um discurso de
empreendedor-de-si do sistema capitalista neoliberal que culpabiliza o trabalhador frente a
maiores resultados (Antunes & Braga, 2015; André & Nascimento, 2019).
Acerca do Empreendedorismo, segundo os entrevistados as plataformas
proporcionaram o surgimento de oportunidades pela nova dinâmica do mercado, conforme
postula o E2: “A gente tinha uma empresa de bijuterias, bolsas e acessórios (...) Foi aí, aonde
nós enxergamos a oportunidade, surgindo a oportunidade nesse mercado” Deste modo a fala
do E2 corrobora com o movimento de infoproretários neoliberalista das relações trabalhistas na
contemporaneidade, que reformula e produz uma mudança no modo de vínculos laborais e
666
jurídicos (Antunes, 2018; Antunes & Braga, 2015; Antunes, 2001; Antunes, 2015).
Já a categoria Entrada no serviço correlaciona-se diretamente com a categoria a de
Inovação, pois ambas versam sobre o aspecto de como as plataformas digitais impactaram tanto
nas vidas dos entrevistados como na oferta de serviços na cidade para os clientes, como postula
a fala do E3: “Eu já tinha vindo de cidade grande, vim de Goiânia, e lá eu já conhecia muitos
aplicativos de mobilidade da cidade. (...) É algo diferente, ainda mais na cidade de Parnaíba.
Uma cidade que precisava realmente desse serviço” A linha de pensamento das falas dos
sujeitos correlaciona-se com o que Castells e Espanha (1999) tratam sobre a revolução em que
as tecnologias proporcionam na otimização do mercado de serviços entre outros aspectos.
No tocante as categorias de Novas oportunidades e Outras ocupações presentes no Eixo
I, os discursos giram em torno de como a os serviços em plataformas conforme relato o E1: “Já
trabalhei em loja de peças de moto e atendimento [...] sou fotógrafo e estudante também”.’ É
notória a partir da análise das entrevistas uma mudança na relação do vínculo empregatício,
como atravessamento do acúmulo de funções por parte destes trabalhadores junto a nova
alienação destes infoproletários (Antunes & Braga, 2015).
No Eixo Temático II (Saúde Mental do Trabalhador), engloba seis (6) categorias que
se correlacionam. A primeira Autorealização vs Satisfação no trabalho, corresponde a questões
de satisfação pessoal dos entrevistados com o serviço atual pautado em uma lógica neoliberal
de empreendedorismo e flexibilização do sujeito (Antunes, 2015). Acerca disto o entrevistado
E3 relata: “já cheguei a trabalhar em serviços que eu não me senti tão realizado assim, dentro
da empresa. Às vezes trabalhava com coisa que eu não gostava, não me sentia tão satisfeito”.
Como postula Antunes (2018), o trabalho em plataforma digitais oportuniza uma flexibilização
de carga horária pela falta de relações jurídico-trabalhistas, situação que o autor nomeia
uberização, nas novas relações trabalhistas no século XXI provocam inúmeros atravessamentos
como podem ser vistos na Tabela 1.
Nos diálogos os trabalhadores expuseram como o serviço em plataformas digitais
promovem uma Flexibilidade (Eixo I), tal categoria atravessa-se com a categoria de Dedicação
constante para o serviço (Eixo II). Conforme o relato da E1: “Imagina você ficar de seis da
manhã até onze da noite com o celular na mão sem poder largar” ou no E6 “Quem trabalha
com aplicativo; quem trabalha vendendo online, tem que ficar online o mais de tempo
possível”. O efeito prático dessa flexibilização é uma busca constante por maiores cargas
horárias, necessidades financeiras e por falta de oportunidades empregatícias formais, junto as
taxas altas de desemprego no país, oportunizando o adoecimento físico e mental destes
trabalhadores (Antunes & Praun, 2015; Antunes, 2018).
Já na categoria de Riscos do trabalho houve duas subcategorias (Vulnerabilidade e
Adoecimento), presentes nas falas dos trabalhadores. Para tal, o percurso do adoecimento
psíquico no meio laboral perpassa por ambientes e situações que inicialmente vulnerabilizam
estes sujeitos os levando a resignificar estratégias próprias de defesa (como alienação entre
outros fatores no processo de engendramento) até a manifestação do adoecimento físico ou
mental deste sujeito (Dejours, Abdoucheli, & Jayet, 1994), como segue:
Acerca disto os chamados nativos digitais, geração que nasce alocada no uso extensivo
das TDICs, tem como umas das características a exigência por um transito rápido entre recursos
na ecologia da modernidade (Castells & Espanha, 1999).
Na classe de Estratégia de enfrentamento os trabalhadores explicitaram o que fazem
para desestressar do serviço e manter seu bem-estar no contexto diário (Eixo II). Na fala do E3:
“...Procuro outras coisas pra fazer. academia, passar um tempo com a família, vendo televisão,
cuidar do cachorro”. Tais estratégias são válvulas nas quais o trabalhador ampara-se para
manter sua sanidade, como elucida Dejours et al. (1994), o agravante à serviços prestados para
aplicativos é tanto a prevenção junto a falta medidas de apoio jurídico-trabalhistas para
trabalhadores doentes sem direito a auxílios ou remuneração por afastamento (Antunes &
Praun, 2015).
Já na categoria de Acúmulo de funções os participantes evidenciaram como os serviços
ofertados a aplicativos, mesmo denotando grande dedicação de tempo como explicitado
anteriormente, muitas vezes propiciam baixo rendimento e acumulam serviços. O E4 relata:
“Já trabalhei como vendedor, já trabalhei como pintor e trabalho ainda, se você precisar
reformar sua casa e precisar de um pintor, pode me chamar”. Acerca disto, como resultado
das altas taxas de desemprego no país junto a precarização, cada vez mais trabalhadores
recorrem a plataformas digitais como meio de sobrevivência em todo o globo como dimensiona
a OIT (Oit, 2019). Contudo, mesmo com cargas horárias e dedicação quase exclusiva que os
serviços digitais demandam, fatores como baixo rendimento, variabilidade do mercado, alto
acúmulo de diferentes funções para sua sobrevivência. Assim tendo impactos biopsicossociais
negativos à saúde destes trabalhadores (Antunes, 2018; Werthein, 2000; Antunes & Praun,
2015).
5 Conclusão
O presente estudo teve como intuito compreender e analisar a nova conjuntura laboral
668
na contemporaneidade, os serviços mediados por TDICs, juntamente com suas reverberações
tanto em aspectos como comportamento, mercado, saúde do trabalhador entre outras interfaces.
Foi relatado pelos participantes os aspectos positivos das ocupações mediadas pelas
tecnologias, como o caráter liberal, flexibilidade, rendimento financeiro entre outras categorias.
Contudo, nas análises os atravessados de categorias tidas como benéficas travestem
reverberações negativas a dinâmica psicossocial e afetações a saúde do trabalhador, tais como
altas cargas de trabalho, duplas jornadas trabalhistas, estresse, desamparo jurídico entre outros.
Partindo disto, os resultados obtidos demostram como os prestadores de serviços em aplicativos
estão em situação de desamparo jurídico, previdenciário e em casos de acidentes entre outros
atravessamentos.
Segundo Antunes (2018), tal conjuntura de busca por ocupações informais em
plataformas digitais aloca-se pelo momento de incertezas no Brasil junto a precariedade laboral,
desmonte de leis e direitos trabalhistas, crise econômica, alto desemprego, informalidade e falta
de oportunidades formais, levando estes trabalhadores a serem expostos a um movimento de
flexibilização que oportuniza altas cargas horárias, acumulo de ocupações, desamparo jurídico-
trabalhista e previdenciário e ao adoecimento mental (Antunes & Praun, 2015).
Portanto, a presente pesquisa buscou contribuir investigando temáticas inerentes a
modernidade e ao contexto trabalhista e psicossocial do país. Recomenda-se maiores estudos
visando um movimento de compreensão e elaboração de ações e políticas públicas de amparo
a esta nova classe laboral. Para assim promover ocupações que respeitem e transformem a
realidade dos seus atores laborais, sem vieses de culpabilização e alienação, sendo pautados na
equidade de oportunidades e amparo a estes trabalhadores.
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OS IMPACTOS QUE INFLUENCIAM NO PROCESSO DA APOSENTADORIA DO
671
TRABALHADOR RURAL NO BRASIL
Wellington da Rocha Almeida
Fabiana Regina da Silva Grossi
Heloísa Jansen Alves Nascimento
Laís Bertunes dos Santos
Introdução
Desde os primórdios da colonização do país, o trabalhador rural demonstrou
continuamente a sua importância econômica; porém, nem sempre teve a visibilidade política e
social merecida. No Brasil, os trabalhos acadêmicos sobre o contexto rural têm crescido, devido
a necessidade de compreender e lidar com as transformações que se assemelham com o mundo
urbano. Nesse sentido, a Psicologia é uma das ciências que também está contribuindo para esses
estudos; entretanto, ainda se destaca a escassez de pesquisas relacionadas ao tema (Scopinho,
2017). Segundo Tavares, Santos, Dias, Ferreira e Oliveira et al (2015), os trabalhadores e idosos
da zona rural estão afastados das pesquisas como também de aspectos fundamentais para sua
qualidade de vida, e isso se justifica pela dificuldade de acesso.
Bayer (2016), traz dados afirmando que a atividade agrícola corresponde a 20,6% dos
empregos no Brasil, sendo aproximadamente 9 milhões de trabalhadores rurais. Já Garbaccio,
Tonaco, Estevão e Barcelos (2018), referem-se à população idosa rural brasileira numa
estimativa entre 15,7% da zona rural, contra os 84,3% da zona urbana.
Relacionado a isso, sabe-se que o bem-estar social é um compromisso do Estado, e que
este tem o dever de promover segurança a sociedade e crescimento econômico. Uma das formas
de manter essa relação é através da previdência social, a qual tem o objetivo de assegurar a
classe trabalhadora auxílio devido à idade avançada, quando afastada do emprego, ou por
invalidez (Freitas, 2017). A previdência é tida como uma das principais políticas públicas da
área social no Brasil, desde 1930, sendo ela semelhante a países como da Alemanha, França,
Japão e Estados Unidos, no qual os mais jovens contribuintes financiam os mais velhos (Reis,
Silveira, Braga & Costa, 2015).
A previdência social é dividida em dois subsistemas no Brasil, sendo o primeiro
desenvolvido pela previdência social básica, administrada pelo Poder Público e criada pelo
Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Estes, funcionam como seguro social para o
trabalhador e sua família, através da restituição da renda do contribuinte quando não exerce
mais condições de trabalhar. Os Regimes Próprios da Previdência Social (RPPS), são
exclusivamente destinados aos servidores públicos. Já o segundo subsistema, relaciona a
previdência privada, sendo de caráter facultativo e complementar ao regime de previdência, é
constituída pela Entidade Aberta de Previdência Complementar (EAPC) e pelas Entidades
Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) (Reis et al, 2015).
É importante ressaltar que atualmente a previdência social passa por mais uma reforma,
672
segundo o Ministério da Economia (2019), o relatório já foi aprovado pela Câmara dos
Deputados. Ademais, o benefício da aposentadoria é destinado ao cidadão rural ainda com idade
mínima de 60 anos de idade para os homens, e 55 anos para as mulheres, além da comprovação
de no mínimo 180 meses trabalhados na atividade rural. Segundo Maciel, Estevan, Salvaro e
Bussarello (2014), o benefício previdenciário tem uma conotação positiva para as famílias da
zona rural, podendo ser identificada como renda regular na própria composição da renda,
sustento familiar, possibilitando a diminuição da pobreza; maior acesso aos serviços privados
de saúde; maior aquisição de medicamentos; aperfeiçoamento das próprias moradias; entre
outros.
Além disso, existe outra fonte de renda disponível para aqueles que não alcançaram o
tempo de contribuição, que é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um
salário mínimo. Este, é entendido como um regime assistencial não contributivo, sendo
direcionado especificamente para idosos maiores de 65 anos e pessoas com deficiência, tendo
a família uma renda per capita de até ¼ do salário mínimo para ser beneficiário (Camarano,
Kanso & Fernandes, 2013). Segundo Vaitsman e Lobato (2017), o BPC chegou a alcançar em
2015, cerca de 4 milhões de pessoas. Ademais, a sua implementação envolve a previdência
social, a assistência social e a saúde, sendo o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário
(MDSA), o responsável pela gestão, coordenação, regulação, financiamento, monitoramento e
avaliação do Benefício, enquanto o Instituto Nacional de Seguro Nacional (INSS) faz a
operacionalização, ou seja, o reconhecimento do direito e a concessão, com base nas avaliações
médica e social.
Nesse sentido, o objetivo desse estudo foi investigar os aspectos que influenciam no
processo da aposentadoria do trabalhador rural no Brasil. Ressalta-se a necessidade de
compreender o cenário atual do trabalhador rural em relação a aposentadoria e pós
aposentadoria, é indispensável para o campo do saber da psicologia, a partir dessa compreensão
poder trabalhar para amenizar possíveis impactos que possam interferir negativamente na vida
desses indivíduos, dessa forma contribuindo para a promoção do bem-estar e qualidade de vida
para os trabalhadores do meio rural.
Método
O presente estudo trata-se de uma Revisão Sistemática da Literatura (RSL), com o
objetivo de investigar os aspectos que influenciam no processo da aposentadoria do trabalhador
rural no Brasil. A partir disso, se criou o seguinte problema: quais os aspectos que influenciam
na aposentadoria do trabalhador rural no Brasil? O delineamento de estudo foi feito por meio
de revisão da literatura com a utilização de métodos explícitos e sistematizados para busca na
bibliografia científica, esta foi realizada mediante uma busca eletrônica de artigos ordenados
pelo Portal Capes. Os artigos foram selecionados criteriosamente, devido a sua relevância para
o tema, visando contribuir para uma melhor visibilidade, tendo em vista que poucos trabalhos
são realizados sobre o assunto. Os descritores foram utilizados em português foram
“aposentadoria” e “trabalhador rural”, enquanto a consulta às bases de dados foi realizada no
período de agosto de 2019. Foram definidos os seguintes critérios de inclusão: estar inserido no
Portal Capes; somente formato de artigos e de qualquer ano. A análise se deu a partir da leitura
dos resumos e verificação dos que se encaixava nos critérios de exclusão: artigos não empíricos,
não estar disponível como artigo completo, artigos que não estavam de acordo com os objetivos
da pesquisa, repetidos e artigos não realizados no Brasil.
Resultados
673
A tabela 1 mostra a quantidade de artigos selecionados no Portal Capes utilizando as
palavras-chave, a quantidade de artigos descartados por se encaixarem nos critérios de exclusão
e ainda a quantidade de artigos selecionados para a revisão sistemática da literatura.
Após busca avançada no Portal Capes, com a palavra-chave “trabalhador rural”
combinada com “aposentadoria”, foram encontrados 184 artigos. Desses 184 artigos, foram
lidos os abstracts/resumos e 172 atenderam os critérios de exclusão, sendo não disponíveis na
íntegra, não empíricos, não de acordo com os objetivos da pesquisa, não realizados no Brasil
ou repetidos. Em seguida, foram pré-selecionados seis artigos que atendiam os critérios de
inclusão.
No entanto, após a leitura desses seis artigos na íntegra todos eles foram selecionados
para a revisão sistemática da literatura.
184 172 6 6 6
6 Artigos selecionados para
o estudo
Fonte: elaborado pelos autores
O quadro 1 expõe a descrição dos artigos segundo a referência, objetivos, tema central
e regiões do Brasil onde as pesquisas foram realizadas.
Informações dos artigos selecionados para o estudo referente a
QUADRO
aposentadoria do trabalhador rural no Brasil, considerando o contexto
1.
de aposentadoria do trabalhador rural e objetivo do estudo
Artigo Objetivos Tema Central Região
674
previdenciária rural. vulnerabilidade
675
artigos, foi identificado que os estudos empíricos relacionados à temática são recentes,
publicados entre os anos de 2005 e 2018. Dentre as regiões do Brasil pesquisadas, estão em
evidência pesquisas em municípios no estado de Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Rio
Grande do Sul, sendo que este último fica em destaque o estado com mais pesquisas realizadas,
resultando em três municípios.
Quanto aos objetivos nota-se que há uma maior prevalência de uma preocupação com
as questões de saúde e adoecimento e aposentadoria do trabalhador rural. Além disso, foi
possível observar que atrelada a temática, a presença de determinantes sociais da saúde, como
fatores que propiciam a doença, qualidade de vida, segurança e de gênero estão bastante
relacionados com o processo de envelhecimento e consequentemente com a aposentadoria do
trabalhador rural (Jorge e Brandão, 2012; Leite, Dimentein, Dantas, Silva, Macedo, Sousa et
al, 2017; Pereira, Lima, Souza, Paulino, Santos, Silva, e Marins 2005; Riquinho & Hennington,
2014; Riquinho & Gerhardt, 2010; Burile & Gerhardt 2018).
Dessa forma, dentre os resultados dos estudos, Jorge e Brandão (2012), identificaram
dificuldades no que se refere ao processo da aposentadoria rural das mulheres trabalhadoras
rurais da comunidade de Agreste (MG), devido a exigência da apresentação de documentos
específicos que ficam fora de seu acesso. Tais documentos ficam em poder dos homens, pelo
fato de que todas as atividades laborais realizadas no campo ficam registradas em seus
respectivos nomes. Além disso, o artigo ainda evidencia a classificação do trabalho feminino
no campo com uma “ajuda” ao esforço o homem sendo a mulher direcionada de forma
abrangente a um conjunto de atividades de trabalho agrícola. Esse fator também colabora para
que as mulheres tenham dificuldade de dar entrada ao processo de aposentadoria rural por não
gerar nenhum tipo de registro. Sendo assim, as mulheres que não conseguem o acesso a
aposentadoria rural são orientadas a recorrer ao benefício BPC (Benefício de Prestação
Continuada), que segundo os pesquisadores, reforça a vulnerabilidade das mulheres da
comunidade pesquisada e sustenta situações que dificultam seus direitos previdenciários.
Outro aspecto evidenciado por Jorge e Brandão (2012), são os benefícios que tanto a
aposentadoria quanto o BPC proporcionam as mulheres da comunidade pesquisada. Estes, são
vistos como suporte para a sobrevivência o que inclui compra de alimentos, pagamento de
contas, despesa com remédios e auxílio nas despesas com viagens. Semelhante a isso, Pereira,
et al (2005) conclui em um dos seus estudos realizados em assentamentos rurais do Nordeste,
que os moradores que recebem a aposentadoria também conseguem sobreviver melhor, por ser
um complemento na renda.
Contudo, Burille e Gerhardt (2018) em sua pesquisa com homens aposentados rurais,
perceberam que a aposentadoria é vista como uma conquista, em especial por demarcar as
lembranças que os agricultores tinham de não receber os mesmos direitos que a população
urbana. Assim, o benefício recebido tem grande apreço e faz enorme diferença para vida de
muitos entrevistados, principalmente aqueles que carecem de recursos materiais. Estes desfrum
de melhores condições de vida, sendo a aposentadoria vista como um merecimento pela vida
dedicada ao trabalho. Muitas vezes, quando os medicamentos não estão disponíveis pela
Relação Nacional de Medicamentos distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), devido a
especificidade clínica ou pela condição individual de tolerância, o benefício é utilizado, assim
como para realização de exames, cuja espera ao serviço de saúde pública é incompatível. Logo,
no cenário da pesquisa, a aposentadoria foi identificada como mantenedora da própria
sociedade rural e da permanência de pessoas no campo. Entretanto, também foi encontrado
pontos negativos acerca da aposentadoria neste contexto, sendo ao contrário das mulheres, nos
quais o benefício auxiliava na sua independência, os homens se envolviam mais a negociações,
o que facilita na consignação de empréstimos e acarreta em um grande comprometimento da
676
renda.
Pode-se observar que as pesquisas realizadas por Pereira et al (2005) e Riquinho e
Hennington (2014), demonstram que determinados comportamentos dos trabalhadores rurais
no exercício de suas atividades laborais como o mau uso ou não utilização do Equipamento de
Proteção Individual (EPI), resultam em consequências negativas para a saúde. Nessa
perspectiva, as pesquisas de Burille e Gerhardt (2018) e Riquinho e Gerdhart (2010), apontam
que as condições do ambiente de trabalho também podem ocasionar danos à saúde do
trabalhador rural. Nesse sentido, Riquinho e Hennington (2014), chamam atenção para os
problemas de saúde entre os agricultores que sofrem intoxicação por agrotóxicos, acarretando
doenças como a depressão.
Ademais, Leite et al (2017), relatam dentre os resultados encontrados nos seus estudos,
que os assentamentos do Rio Grande do Norte que mais enfrentam problemas relacionados à
saúde mental, sobrevivem economicamente com a renda por meio da agricultura familiar,
prestação de serviços e programas de transferência de renda, como o Bolsa família e
significativa contribuição da aposentadoria. Já no Piauí, um dos assentamentos também
demostrava maior fonte de renda através da agricultura familiar, benefícios como o Bolsa
Família e aposentadoria, entretanto, o assentamento com menos problemas relacionados a saúde
mental, tinha a aposentadoria como principal fonte de renda.
Ademais, Riquinho e Gerdhart (2010), destacam a relevância do trabalho na identidade
do trabalhador rural, entretanto, quando se encontram com alguma enfermidade, estes acabam
sofrendo, seja pela própria falta de locomoção ou por não exercer a função que tinham
anteriormente. Logo, o processo de adoecimento, acaba sendo visto como um atraso de vida.
Assim, mesmo as pessoas recebendo um benefício pela condição, estas não conseguem ver
como um ganho prazeroso. Entretanto, sabe-se que a aposentadoria por idade ou por condições
de doença é considerada um direito pleno de toda população, mas estes não são vistos como
desprezíveis pelos entrevistados da comunidade rural de Canguçu-RS, mas sim a situação que
desencadeia a doença, e posteriormente, a limitação ou o não poder trabalhar.
Dentre as conclusões referentes aos artigos, os pesquisadores Jorge e Brandão (2012),
contribuíram com uma crítica em relação a lei da aposentadoria rural existente, que afirma a
universalidade, porém percebe-se uma contradição quando se traz em evidência a situação
vivenciada pelas mulheres da comunidade de Agreste, assim caracterizada como injustiça de
acesso. Os autores ainda concluem estendendo esta problemática a outras comunidades
quilombolas existentes no país e apontam como uma das soluções para tal injustiça:
modificações legislativas que reconheçam as diferenças de gênero e suas implicações na vida
social. Semelhante a isso, Burille e Gerhardt (2018), ressaltaram a importância da
aposentadoria, e o quanto é fundamental o papel do Estado na sua regulação, uma vez que pode
repercutir nas relações dos idosos. Já Leite et al (2017), sugeriram ampliar o debate com a
população e a importância de trabalhar de forma articulada com a rede sócio assistencial,
buscando agir perante ao combate das desigualdades sociais.
Riquinho e Hennington (2014), também sugerem estratégias coletivas de intervenção
que incluam os trabalhadores rurais e suas famílias em ações e práticas de proteção e promoção
da saúde e no planejamento e implementação de formas viáveis de reprodução física e social.
Ademais, Riquinho e Gerdhart (2010) consideram a relevância de compreender o meio
rural, assim como todos que convivem nesse meio, sendo que as concepções de saúde e doença
é fundamental para o próprio exercício profissional e para a efetivação de políticas públicas de
saúde. Nesse sentido, as concepções podem ser consideradas como auxilio para explicar os
677
comportamentos individuais e coletivos, considerando as situações sócio históricas.
Discussão
Tratando-se da aposentadoria, as percepções do indivíduo sobre essa nova condição,
apresenta um impacto significativo na preparação financeira, de estilo de vida e psicossocial
(Noone, Stephens & Alpass, 2010). Em relação a preparação financeira do aposentado rural,
vimos que a aposentadoria e o BPC são associados a complementos das despesas (Jorge &
Brandão, 2012, Pereira, et al 2005). No entanto, é notável que há problemáticas quando o
arrendamento acarreta em consequências como o endividamento (Burille & Gerhardt, 2018).
Para tanto, o planejamento é recomendável como a melhor estratégia para reduzir riscos e
aprender a lidar com os estressores advindos da aposentadoria (França, 1992; Zanelli & Silva,
1996; Zanelli, Silva e Soares, 2010).
Compreender os possíveis fatores que desencadeiam o adoecimento físico e mental nos
trabalhadores rurais é um fator importante, pois dessa forma é possível pensar e agir de forma
prevencionista, além de que esses fatores exercem grande influência de como estará a vida dos
trabalhadores rurais no momento de sua aposentadoria, no qual pode-se relacionar com o acesso
a qualidade de vida e bem-estar. Nesse sentido, França (2014), descreve que a promoção da
saúde das pessoas em transição para a aposentadoria deve estar baseada em um modelo
integrativo de prevenção ao surgimento de transtornos e de promoção de competências,
considerando os recursos de ordem pessoal, psicossocial e organizacional.
Em relação ao fator adoecimento, uma problemática bastante preocupante no contexto
do trabalho rural é o uso de produtos agrotóxicos e as consequências à saúde desse trabalhador.
Conforme justifica Porto e Soares (2012), os trabalhadores rurais podem adquirir doenças:
cardiovasculares, respiratórias, neurológicas, gastrointestinais, cutâneas, oculares, oncológicas
e psiquiátricas e que essas doenças estão relacionadas à frequente exposição aos agrotóxicos, o
que ocasiona acúmulo de substâncias tóxicas no organismo, podendo desenvolver problemas
de saúde. Nessa perspectiva, Araújo, Greggio e Pinheiro (2013), pontuam que nessa população
os transtornos mentais, muitas vezes são decorrentes de intoxicação por produtos agrotóxicos.
Porém, em contrapartida, os autores chamam a atenção para fatores associados a acidentes de
trabalho leves ou graves, bem como a organização e às condições precárias do trabalho no
campo, considerando também que os problemas psicológicos têm relação com a singularidade
de cada trabalhador, que costuma se manifestar ou agravar devido a condições adversas do
trabalho rural.
No entanto, quando o assunto é realização de monitoramento das condições de trabalho
pelos setores responsáveis, ao que se refere ao trabalho rural, nota-se certa dificuldade. A partir
disso, pode-se colocar em evidência que as ações intersetoriais no que se refere à fiscalização
dos ambientes de trabalho e a promoção de novas alternativas que vão contribuir para o
rompimento de fatores causadores de doenças ainda são obstáculos para uma atenção integral
ao trabalhador (Dias, Silva, Chiavegatto, Reis e Campos et al 2011). Juntamente ao processo
de monitoramento caberiam ações com diferentes profissionais da saúde, pois entende-se que
são extremamente importantes para repassar informações sobre a prevenção de agravos a saúde
(Almeida, Zimmernn, Gonçalves, Grden, Maciel, Bail e Ito et al 2011). Diante disso, Brasil
(2006) e Neri e Freire (2000), salientam que no campo da saúde há a iniciativa de implementar
espaços para estimular a participação dos idosos em suas comunidades, dentre os quais estão
os centros de convivência, que propiciam o acesso a práticas de atividades físicas, culturais,
educativas, sociais e de lazer, promovendo melhora na qualidade de vida.
O auxílio no reconhecimento e ampliação das redes de apoio é uma sugestão funcional
678
que contribui de forma positiva nas relações sociais desses indivíduos. Nessa perspectiva,
Vasconcelos (2013), pontua que as cooperativas comunitárias e associações de trabalhadores
rurais, os movimentos sociais do campo ou ainda grupos de base religiosa e rodas de vizinhança
podem se caracterizar como grupo de ajuda e suporte mútuo, uma vez que reúne troca de
vivências, o compartilhamento de histórias de vida, apoio emocional, aconselhamento e
discussão de estratégias para enfrentar os problemas do cotidiano, juntamente a isso, ações de
cuidado e suporte concreto. Assim, o relacionamento com os membros da família, vizinhos e
amigos quando é consciente e valorizado, de modo a tornar um objetivo agradável de vida, tem
impactos positivos no bem-estar do aposentado (Zanelli, 2012).
Conclusão
A partir da base de dados pesquisada, foi identificado que há poucas publicações de
artigos referente a temática no geral, ausência de pesquisas publicadas na região norte do país
e que as pesquisas publicadas nesse contexto são recentes. No entanto, observou-se que os
artigos encontrados na base de dados pesquisada têm grande relação com o processo saúde-
doença dos trabalhadores rurais. Portanto, pode-se afirmar que a partir desse estudo não há
possibilidade de desvincular o processo de aposentadoria dos fatores saúde-doença.
Contudo, chegou-se à conclusão de que aspectos como: saúde, doença, estilo de vida
nos anos anteriores a aposentadoria, redes de apoio, relações familiares, singularidade do
indivíduo, ausência de planejamento pós a aposentadoria por idade além de igualdade ao acesso
perante a lei da aposentadoria rural e leis trabalhistas interferem no processo da aposentadoria
do trabalhador rural. Desse modo, os aspectos investigados nesse estudo podem vir a exercer
influências de forma direta nas experiências, na qualidade de vida e na convivência em
sociedade dessas pessoas.
Todavia, é importante ressaltar que a intenção desse estudo não é patologizar as
atividades laborais no campo, mas sim identificar fatores insalubres e desigualdades que podem
impactar negativamente na vivência dos trabalhadores rurais pós aposentadoria e dessa forma,
mobilizar os meios responsáveis a pensar e agir de forma prevencionista quanto as
problemáticas de pesquisas relacionadas a temática. A partir do ponto vista de Riquinho e
Gerdhart (2010) pode-se dizer que o trabalho em si tem grande relevância para o trabalhador
rural. A partir daí, podemos supor que há a possibilidade de que esses indivíduos não pensam
no adoecimento ocupacional a longo prazo devido a questões comportamentais e do ambiente
de trabalho em que estão expostos.
Ademais, as pesquisas encontradas na base de dados pesquisada de Riquinho e
Hennington, (2014) e Leite et al (2017), trazem algumas informações sobre o contexto de saúde
mental entre os trabalhadores rurais. No entanto, sugere-se que no campo da psicologia sejam
realizadas mais pesquisas sobre a saúde mental do trabalhador rural dentro e fora do ambiente
de trabalho. Nesse sentido, Araújo, Greggio e Pinheiro (2013) apontam que a psicologia do
trabalho tem o objetivo de investigar a relação entre sofrimento, os transtornos mentais e as
atividades laborais, incluindo as condições, a organização e as relações de trabalho.
Portanto, foi identificada a necessidade de maiores publicações empíricas de estudos
sobre os aspectos identificados dentro da temática pesquisada pela área de psicologia. Além
disso, recomenda-se a qualificação voltada para o contexto rural assim como, estimular
reflexões e ações das equipes de saúde que interagem com o trabalhador no meio rural e
interação das equipes de saúde com os sindicatos.
679
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“O TRABALHO SIGNIFICA TUDO PRA MIM”: ESTUDO DA SUBJETIVIDADE DE
682
PROFESSORES DIANTE DA APOSENTADORIA
Introdução
Discorrer sobre a aposentadoria implica no questionamento acerca da centralidade do
trabalho na vida dos sujeitos. Imersos numa sociedade capitalista que atribui ao trabalho ideias
de dignificação humana, utilidade e produtividade, os trabalhadores podem traçar imagens da
aposentadoria como um momento de perdas e reestruturações.
França et. al (2013, p. 551) reconhecem a aposentadoria como “[...] um fenômeno
complexo multideterminado e dinâmico” e também como um processo. Diante de tal afirmativa,
é possível admitir que a vivência da aposentadoria é influenciada por vários fatores presentes
na vida dos indivíduos, como por exemplo a família, questões socioeconômicas, culturais e
também, como afirma Roesler (2014), pela relação estabelecida entre o sujeito e o seu trabalho.
Tais discussões acerca do mundo do trabalho, aposentadoria e subjetividade, fazem
surgir questionamentos, como: Quais são os sentidos atribuídos ao trabalho e à aposentadoria
por parte dos trabalhadores que estão diante da iminência de afastamento do ambiente laboral?
Que aspectos estão envolvidos na escolha em permanecer ou não no mundo do trabalho? Quais
são as vivências de prazer e sofrimento ocasionadas pela possibilidade de afastar-se da atividade
laboral?
Retornando à análise do processo de aposentadoria, especificamente remetendo-se à
categoria docente na Educação Básica em uma Escola de Aplicação, objeto de estudo desta
pesquisa, pode-se pensar em inúmeros fatores que influenciam essa vivência, como: o sentido
deste trabalho para os professores, a relação destes com seus alunos, o reconhecimento da
sociedade e dos pares quanto ao seu trabalho, o trabalhar constante em conjunto com
estagiários, dentre outros. Corroborando com a discussão de Roesler (2014), o sentido atribuído
ao processo de aposentadoria é marcado pela relação estabelecida entre o sujeito e o seu
trabalho.
Outro fator importante considerado na pesquisa em questão, trata sobre a importância
da história de vida dos sujeitos e a influência da mesma nas suas escolhas profissionais,
inclusive na decisão de aposentar-se ou continuar trabalhando. Concordando com as
considerações da autora supracitada, entende-se que há uma articulação de cada história
individual com os aspectos relacionados aos sentidos atribuídos ao trabalho e à aposentadoria.
Propõe-se um espaço de reflexão sobre a aposentadoria como um processo que pode
assumir um papel de suma importância na história de vida dos trabalhadores, no qual
reestruturações significativas podem ser elencadas. A aposentadoria pode ser vivida como a
perda do sentido da vida, visto que há uma valorização daqueles que produzem em detrimento
da depreciação do sujeito aposentado (Moreira, 2011).
Diante de tais questionamentos comparece ainda mais a necessidade de realizar estudos
que analisem a temática, a fim de encontrar alternativas de ressignificação da aposentadoria. É
nesse objetivo que a Psicologia tem a possibilidade de apropriar-se dessa investigação, visto
que tem como um de seus princípios a responsabilidade social, a promoção da atenuação do
683
sofrimento humano e a busca de transformação da realidade em que os sujeitos estão inseridos,
gerando saúde e qualidade de vida.
Objetivos
Geral
Analisar as repercussões do processo de aposentadoria na subjetividade de docentes de
uma Escola de Aplicação.
Específicos
a) Investigar o sentido do trabalho e da aposentadoria para docentes de uma Escola
de Aplicação
b) Identificar os aspectos relacionados à escolha em permanecer no mundo do
trabalho por parte dos docentes de uma Escola de Aplicação
c) Identificar as vivências de prazer e sofrimento diante da proximidade de
afastamento do trabalho para docentes de uma Escola de Aplicação.
Metodologia
A pesquisa apropria-se da Psicodinâmica do Trabalho como abordagem teórica, que tem
como base investigar as relações “[...] entre organização do trabalho e processos de
subjetivação, que se manifestam nas vivências de prazer-sofrimento, nas estratégias de ação
para mediar contradições da organização do trabalho, nas patologias sociais, na saúde e no
adoecimento” (Mendes, 2007, p. 30).
Traçou-se um diálogo com a abordagem sócio histórica, como forma de alargar a
compreensão dos fatores sociais que perpassam as relações laborais. Como afirma Freitas
(2002), a sócio histórica, partindo dos princípios do materialismo histórico-dialético, percebe a
historicidade dos sujeitos, sendo estes marcados pela cultura, e considera-os como atravessados
e atravessadores de sua realidade social. A articulação com a referida abordagem permitiu uma
melhor orientação em relação à pesquisa de campo, utilizando sua metodologia para descrição
e compreensão do fenômeno estudado.
Em relação à natureza da pesquisa, escolheu-se a qualitativa, visto que empreende uma
investigação de questões mais específicas, relacionando-se a aspectos da realidade que não
podem ser quantificados, fatores estes que estão ligados a fenômenos multideterminados e
genuinamente próprios da subjetividade humana, como bem discute Minayo (2010).
A pesquisa foi realizada em uma Escola de Aplicação do município de São Luís –
Maranhão. A escolha desse campo de pesquisa deveu-se à acessibilidade a essa instituição, bem
como a sua vinculação à universidade na qual a pesquisadora graduou-se. Além disso, o campo
escolhido traz em si especificidades em relação à categoria docente estudada, o que enriquece
o processo de pesquisa. Utilizou-se como critérios de inclusão que o participante ainda estivesse
trabalhando como docente da referida Escola de Aplicação, apesar de já ter adquirido o direito
à aposentadoria. Quanto aos critérios de exclusão, considerou-se os docentes já aposentados ou
que ainda não recebem o abono permanência.
Os instrumentos e materiais utilizados na pesquisa foram: a) Termo de Consentimento
684
Livre e Esclarecido (TCLE): conforme os parâmetros da Resolução nº 510/2016 do Conselho
Nacional de Saúde/ Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (CNS/CONEP); b) Roteiro de
entrevista semiestruturado; c) Gravador de voz. Vale ressaltar que todo o procedimento da
pesquisa se pautou no Código de Ética do Psicólogo e na Resolução nº 510/2016 do
CNS/CONESP, prezando pelo sigilo e anonimato dos participantes.
Para a análise dos dados coletados foi utilizada a Análise Crítica do Discurso (ACD)
teorizada por Fairclought, que considera o discurso como uma prática social modificadora da
realidade. Através desse atravessamento pelo social, há um favorecimento da investigação de
práticas sociais como práticas ideológicas, atravessadas em suas condições materiais sócio
históricas de manifestação da subjetividade. (Fairclought, 2008)
Tal metodologia considera o discurso como algo que ultrapassa a fala, a língua e outras
ferramentas, é necessário observar todo o contexto no qual esse discurso se desenvolve. O
discurso é influenciado pelas ideologias presentes nesse contexto, que por sua vez são
responsáveis pela construção da realidade, bem como em transformar as relações de dominação.
A escolha por esse referencial de análise dos dados foi extremamente coerente com as teorias
propostas como bases metodológicas da pesquisa, visto que considera os sujeitos em sua
totalidade, envolvendo questões sociais, culturais e econômicas. Dessa forma, reconhecer o
discurso como prática social corrobora com a visão de homem proposta pela abordagem Sócio-
histórica e também pela Psicodinâmica do Trabalho.
A pesquisa contou com a participação de quatro entrevistados, com idades entre 49 e 67
anos, com média de 59 anos, sendo dois do sexo feminino e dois do sexo masculino. A seguir
serão detalhadas algumas informações acerca de cada participante. Vale ressaltar que os nomes
adotados para cada entrevistado são fictícios a fim de preservar o anonimato.
Docente 1 – João: 60 anos, sexo masculino.
Docente 2 – Rosa: 49 anos, sexo feminino.
Docente 3 – Tereza: 67 anos, sexo feminino.
Docente 4 – Carlos: 60 anos, sexo masculino.
Resultados e discussão
A partir das transcrições das entrevistas, foi possível categorizar informações que
compareceram de modo recorrente nos relatos dos docentes, facilitando assim a compreensão
das temáticas abordadas e a análise dos resultados obtidos através da pesquisa. Definiu-se três
categorias para análise das entrevistas: 1. Visões acerca do trabalho, 2. Vivências de prazer e
sofrimento no trabalho e 3. Dilemas diante da proximidade de afastamento do trabalho.
A análise e discussão dos dados coletados fundamentaram-se nas abordagens que foram
adotadas como embasamento teórico da pesquisa. É importante reconhecer que os pontos
discutidos nessas análises não desconsideram o contexto das falas dos docentes, além de
empreender cuidado em não atribuir erroneamente interpretações acerca desses discursos.
Cabe ressaltar que as entrevistas realizadas proporcionaram conteúdos bastante
significativos para a pesquisa, corroborando com as reflexões propostas e exemplificando na
prática as teorias acerca do trabalho e da aposentadoria, além de evidenciar aspectos peculiares
685
do trabalho docente.
Sobre a primeira categoria “Visões acerca do trabalho”, considera-se que a compreensão
sobre o sentido do trabalho, como discutem Bitencourt et. al (2011) parte do entendimento do
que é o trabalho para os indivíduos e consequentemente da percepção do quanto ele é central
na vida dessas pessoas. A fala da entrevistada Tereza, de 67 anos a partir da pergunta “O que o
trabalho significa pra você?”, expõe claramente como o trabalho ocupa um lugar central na sua
vida, a mesma afirma: “[...] o trabalho significa tudo pra mim.”
Por sua vez, Rosa (49 anos) atribui uma grande importância ao trabalho em sua vida:
“Pra mim é uma realização pessoal, o trabalho, ele dá vida pra gente, a gente se sente útil,
fazendo alguma coisa pelo outro, colaborando pro desenvolvimento.” Dejours (2012, p. 34)
afirma que “Trabalhar não é apenas produzir, mas ainda transformar-se a si próprio”, dessa
maneira, o trabalho permite à subjetividade provar-se a si. Rosa (49 anos) expõe claramente o
quanto se constituiu através do trabalho e o quanto o mesmo lhe foi doador de sentidos e
significados.
Um outro aspecto importante elencado nessa categoria se refere à escolha pelo trabalho
docente, a maioria dos participantes trouxe em suas falas questões importantes acerca dessa
decisão, e como isso se deu em conjunto com sonhos pessoais e identificações com esse tipo de
trabalho. João (60 anos) conta como começou sua história com a área da Educação Física: “[...]
eu comecei como aluno do Liceu Maranhense, era atleta na época, fazia parte da turma da grade
esportiva e tomei gosto pela Educação Física”. Ao falar sobre isso relata com fervor o quanto
essa escolha foi permeada pela afetividade, visto que ser atleta marcou sua história de vida,
permanecendo na sua história profissional.
Carlos (60 anos), também professor de Educação Física, expõe também o quanto foi
marcado pela Educação Física, mas por vias diferentes das que João (60 anos) teve acesso.
Carlos estudou em escolas que não lhe proporcionaram um contato direto com a Educação
Física, dessa forma ele afirma: “[...] sempre tive curiosidade pelo esporte.”. Foi através da
ausência da oportunidade de ser atleta que ele impulsionou sua curiosidade e fez da Educação
Física sua escolha profissional.
Percebe-se então que apesar das contradições envolvidas, as quais a Psicodinâmica
reconhece enquanto próprias do trabalhar, os entrevistados expõem o quanto o trabalho possui
importância em suas vidas, corroborando então com a discussão empreendida pela pesquisa
acerca da centralidade do trabalho. Partindo para a categoria 2, “Vivências de prazer e
sofrimento no trabalho”, buscou-se investigar com a pesquisa tais vivências dos docentes
entrevistados, que acabam de diversas maneiras influenciando na escolha de aposentar-se ou
não.
O entrevistado João (60 anos) responde à indagação “Discuta sobre os desafios e as
satisfações vividas no seu trabalho”, da seguinte forma:
[...] eu acho que educar é um desafio [...]educar e mostrar uma qualidade, e repassar aos
alunos uma qualidade, eu acho que pro professor é um desafio. Quer dizer, eu acho que
sempre tem que tá se qualificando pra poder estar transmitindo aos alunos as inovações
tecnológicas, o desenvolvimento de cada disciplina do que está acontecendo. Eu acho
que a educação é um processo de evolução o tempo todo. Sempre estar procurando
686
evoluir. (João, 60 anos, grifo da autora)
Ainda sobre as vivências de sofrimento no trabalho, compareceram falas acerca do
relacionamento com os outros professores, ressaltando uma provável fragilidade enfrentada
pelo coletivo de trabalho no momento atual:
Tá aí uma certeza absoluta, o quadro de professores pra trás era muito mais unido que
o nosso atual [...] nosso quadro é excelente, mas eu sinto saudade do quadro anterior,
pela união que nós tínhamos. Alguns já se foram, outros estão aí doentes, infelizmente.
(João, 60 anos)
Além das condições adversas de trabalho, os professores também encaram dificuldades
no relacionamento com os alunos e familiares, visto que a sociedade – e consequentemente as
relações entre as pessoas – mudaram significativamente nos últimos anos. Na fala a seguir da
professora Tereza (67 anos) comparece bastante essa questão: “Eu sinto muita falta daquela
simplicidade dos alunos de antes. Daquele companheirismo da família [..] Hoje a gente tem que
ser mais retraído, e saber até como fala e como olha pros alunos”
A compreensão da existência da dinâmica “prazer/sofrimento” inerente ao trabalho e a
sua constatação na prática através dos dados advindos da pesquisa de campo, permite reafirmar
o engajamento da subjetividade na ação do trabalhar, visto que os sujeitos através de suas
mobilizações modificam a realidade do seu trabalho por meio da transformação do sofrimento.
As vivências de prazer e sofrimento não estão desvinculadas do processo de aposentadoria. Os
trabalhadores, diante da iminência da possibilidade de afastamento do mundo do trabalho, criam
seus modos de enfrentamento a partir do engajamento de suas subjetividades com a atividade
laboral, podendo experimentar momentos de ansiedade e dúvidas.
Por fim, sobre a terceira categoria: “Dilemas diante da proximidade de afastamento do
trabalho”, foi marcada pela fala da participante Rosa (49 anos): “O quê que eu vou fazer quando
me aposentar? ”, que demonstra com clareza o que afirma Selig e Valore (2010) acerca da
consideração do trabalho como organizador da vida e da identidade dos indivíduos.
“Eu me sinto bem, me sinto útil ainda na sala de aula.” (Tereza, 67 anos). A entrevistada
relata com clareza o quanto trabalhar significa para ela uma forma de manter-se útil. Tal fala
corrobora com a sua postura em relação à aposentadoria, afirmando com veemência que não
pretende agora e nem tem um planejamento de quando irá se aposentar:
[...] Era setenta anos, eu disse que ia trabalhar até com setenta, mas o ministro lá, o
Supremo, elevou até setenta e cinco, aí eu digo agora eu trabalho até setenta e cinco
(risos). Eu acho que ainda tenho que contribuir, quando eu achar que eu não tenho mais
força, mais condição de trabalhar aí ... eu ainda não pensei em me aposentar, meus filhos
me cobram muito, eu não posso, eu não quero ainda me aposentar. (Tereza, 67 anos,
grifo da autora)
João (60 anos) demonstra claramente o quanto atribui à aposentadoria uma ideia de
perdas e cessação da vida ativa, ele afirma que através do trabalho: “[...] você tem como manter,
principalmente a sua mente, em atividade, você quando deixa de fazer alguma atividade
automaticamente você vai parar. Em movimentos, em pensamentos, em ideias, em tentar
inovar.”
Já o professor Carlos (60 anos) traz algumas questões específicas da sua situação, visto
687
que ele já passou por uma experiência anterior de afastamento do trabalho devido ao
adoecimento, e também pelo fato de sua readaptação ter apresentado falhas segundo o seu ponto
de vista. Carlos expõe o seu interesse em se aposentar, principalmente após o falecimento do
ex-diretor da escola que havia contribuído muito no seu retorno à escola e às atividades.
Na época desse diretor eu falei que ficaria até uns 2 ou 3 anos a mais, enquanto ele
estivesse por aqui, porque eu gostava dele, me sentia bem. Ele sempre fez com que o
profissional se sentisse gente na instituição. Ele faleceu, aí eu disse que ficaria só um
ano, mas acho que não vou ficar mais não. (Carlos, 60 anos)
Diante de tais análises acerca das visões sobre a aposentadoria apresentadas pelos
participantes, é possível afirmar que as discussões teóricas acerca desse processo que julgam a
aposentadoria como um processo complexo e multideterminado corroboram com os resultados
da presente pesquisa. Fatores econômicos, culturais, sociais e principalmente os que dizem
respeito à relação dos indivíduos com o seu trabalho influenciam diretamente no modo como
se encara a escolha de continuar trabalhando ou aposentar-se. Para encerrar, vale considerar a
fala da professora Rosa (49 anos) sobre a aposentadoria, que corrobora com tal prerrogativa:
“[...] é uma coisa que é de cada um. Cada um tem sua própria perspectiva.”
Considerações finais
O objetivo principal levantado pela pesquisa foi analisar as repercussões do processo de
aposentadoria na subjetividade de docentes de uma Escola de Aplicação, a partir disso foi
possível investigar aspectos como: o que o trabalho significa para cada um dos entrevistados e
o resgate de suas trajetórias profissionais, suas vivências de prazer e sofrimento relacionadas
ao trabalho, compreender como se constrói a visão acerca da aposentadoria e as repercussões
ocasionadas pela perspectiva de afastamento do mundo laboral na subjetividade desses
trabalhadores.
As entrevistas realizadas corroboraram com a tese proposta acerca da centralidade
ocupada pelo trabalho na sociedade contemporânea e a respeito da vinculação de ideias
relacionadas à improdutividade, inutilidade e perda do sentido da vida aos indivíduos que não
trabalham. A concepção de aposentadoria, apesar das mudanças que estão sendo empreendidas
atualmente, ainda é permeada por esses sentidos negativos. Dessa maneira, percebeu-se nos
discursos da maioria dos docentes, falas que demarcam ansiedade e medo das reestruturações
que a aposentadoria pode causar nas suas vidas.
Dentre os quatro participantes, apenas uma professora demonstra preocupações acerca
das possibilidades dispostas com a aposentadoria e expõe o interesse em se preparar para tal
fase da sua vida, apesar de não afirmar já ter escolhido afastar-se do trabalho. Já outro
participante demonstra maior interesse em se aposentar no momento, não impulsionado por um
planejamento, mas sim por questões que lhe causaram sofrimento no ambiente laboral, sendo a
maior parte delas advindas do seu processo de readaptação no trabalho após um período de
afastamento por adoecimento. Os outros dois docentes recusam com firmeza a possibilidade de
se aposentar no momento e demonstram relações muito imbricadas com o trabalho durante o
seu percurso profissional.
Um aspecto importante constatado com a pesquisa foi como o relato da história
688
profissional dos entrevistados se entrelaça à história da constituição da Escola de Aplicação
pesquisada. Três dos quatro professores entrevistados participaram efetivamente do início da
história da escola e enfrentaram várias dificuldades relativas à não formalização dos vínculos
empregatícios, às mudanças do espaço físico ocupado pela escola e às próprias dificuldades da
época em relação aos investimentos em educação e formação de professores.
Percebeu-se então como a realização das entrevistas proporcionou a esses docentes um
espaço de fala e escuta de questões que lhes são valiosas e que precisam ser compartilhadas.
Apesar de não se tratar de um momento formal de intervenção, foi notável o quanto essa
oportunidade de falar sobre esse tema mobilizou os entrevistados no sentido de refletir e
elaborar ideias acerca do trabalho deles e consequentemente sobre a aposentadoria como uma
escolha a ser analisada.
Partindo dessa constatação é válido ressaltar a importância dos Programas de Preparação
para a Aposentadoria nas organizações como possibilidade de espaços de fala e escuta acerca
do sofrimento vivenciado pelos trabalhadores em relação à sua atividade laboral, como propõe
a Psicodinâmica do Trabalho. Pois é através da ressignificação do lugar ocupado pelo trabalho
na vida das pessoas que se pode pensar no enfrentamento saudável do processo de
aposentadoria.
Referências
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o sentido do trabalho no processo de aposentadoria. Revista de Ciências da Administração,
13(31), 30-57. doi: https://doi.org/10.5007/2175-8077.2011v13n31p30
Dejours, C. (2012). Trabalho e emancipação (F. Soudant, Trad.). Brasília: Editora Paralelo.
França, L. H. F. P., Menezes, G. S., Bendassolli, P. F., & Macedo, L. S. S.. (2013). Aposentar-
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689
de docentes universitários franceses. In: X Reunião Científica Regional da Associação
Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, Anais do Congresso, Florianópolis,
SC, Brasil.
Selig, G. A., & Valore, L. A.. (2010). Imagens da aposentadoria no discurso de pré-
aposentados: subsídios para a orientação profissional. Cadernos de Psicologia Social do
Trabalho, 13(1), 73-87. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
37172010000100007&lng=pt&tlng=pt.
O RETORNO AO TRABALHO DE SERVIDORES APOSENTADOS COMO
690
VOLUNTÁRIOS EM UMA IFES
Introdução
O presente estudo está vinculado a um projeto de pesquisa maior, desenvolvido pelo
“Grupo de estudos e pesquisas sobre o trabalho, aposentadoria e subjetividade” da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA). Trata-se de um estudo qualitativo, fruto de pesquisa
bibliográfica e de campo. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas
semiestruturadas, totalizando sete entrevistas com servidores inativos, técnicos e docentes, que
retornaram ao trabalho na IFES como voluntários.
Considera-se o trabalho essencial na construção da subjetividade e na realização do
contexto social através de convivências, relacionamentos e reconhecimento (DEJOURS, 2011).
Reflete-se sobre a possibilidade da contribuição do trabalho voluntário como possibilidade de
ressignificação das ideias de inutilidade, decrepitude e afastamento do convívio social atreladas
à aposentadoria.
Busca-se entender quais seriam as principais razões para o retorno do aposentado ao
trabalho de forma voluntária. Foram consideradas como trabalhos voluntários, distintas
possibilidades de labor, não restritas aos vínculos formais de emprego e ao trabalho assalariado.
Tem-se o trabalho voluntário conforme a definição pela Lei 9.608/1998, atividade não
remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição
privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos,
recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade.
Segundo informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PNAD Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano
de 2019, o Brasil possuía 6.925 pessoas em trabalhos voluntários. O Estado de São Paulo tem
o maior número de pessoas em trabalho voluntário e o Maranhão ocupava a 15ª posição nesse
ranking. A nível nacional, o maior percentual desse tipo de trabalho ocorre no grupo de idade
de 50 anos ou mais, o que pode estar relacionado ao processo de aposentadoria.
A partir das entrevistas e das discussões realizadas no grupo de estudos e pesquisa, pode-
se considerar o trabalho voluntário como uma das maneiras saudáveis de viver a aposentadoria,
pois possibilita recriar o presente, efetivando um novo projeto de vida, além de estimular a
cidadania e contribuir para desqualificar preconceitos em relação aos aposentados e velhos.
Objetivo
Destaca-se como objetivo geral desta pesquisa analisar as repercussões do retorno ao
trabalho como voluntários na subjetividade de servidores aposentados de uma IFES. Para tanto,
buscou-se investigar o sentido do trabalho e da aposentadoria, bem como os aspectos que
691
influenciaram na decisão de retornar ao trabalho como voluntários. Assim como identificar
elementos que se constituem como fonte de sofrimento e de prazer e as estratégias de mediação
utilizadas no enfrentamento de adversidades no cotidiano de trabalho.
Método
O referencial teórico-metodológico para o desenvolvimento da pesquisa se apoia na
abordagem conceitual da Psicodinâmica do Trabalho em articulação com a Psicologia Sócio-
histórica, com base no referencial do materialismo histórico e dialético. Conceitos da
Psicossociologia do Trabalho também foram articulados na fundamentação teórica.
O método dialético, na perspectiva materialista proposto por Marx, representa uma
superação da dicotomia subjetividade-objetividade, apresentando o sujeito ativo e racional,
coletivo e histórico. O sujeito proposto pelo materialismo histórico é um sujeito ativo, possui
um papel fundamental em sua materialidade. (Marcondes & Toledo, 2012, p. 80).
Utilizou-se, neste estudo a Psicodinâmica do Trabalho, abordagem científica
desenvolvida por Christophe Dejours, uma vez que esta apresenta grande contribuição à análise
de vivências de prazer e sofrimento relacionados ao trabalho, e que estão diretamente
relacionados com a saúde do trabalhador. Em um mundo laboral, atualmente marcado pela
precarização, desigualdade e individualismo, revela-se extremamente importante compreender
os aspectos relacionados às vivências de prazer e sofrimento no trabalho.
A pesquisa empírica se deu com a utilização de dois instrumentos: questionário e
entrevista semiestruturada, que abordou as categorias: sentido do trabalho, subjetividade e
aposentadoria. Foram entrevistados durante o ano de 2019 dois técnicos e cinco docentes. Os
pesquisados foram informados de que a participação seria voluntária, e que os conteúdos das
entrevistas seriam analisados e publicados, mas suas identidades seriam preservadas.
Para análise dos dados foi utilizada a Análise Crítica do Discurso de Fairclough (2001)
que propõe estudar a linguagem como prática social, procurando situar a relação dialética entre
o discurso, o contexto e estrutura social, demonstrando assim coerência com o percurso teórico-
metodológico que fundamenta a presente pesquisa.
Resultados e discussão
As análises das sete entrevistas possibilitaram identificar elementos como o sentido do
trabalho e da aposentadoria, fontes de prazer e sofrimento, razões para a permanência no mundo
do trabalho, bem como estratégias de mediação e modos de enfrentamento do processo de
afastamento do trabalho.
692
trabalho é importante, por conta da produção, de se sentir produtivo, das relações com as
pessoas”.
Dessa forma, a centralidade do trabalho refere-se ao grau de importância conferido ao
trabalho durante a vida (Bitencourt et al., 2011). Assim, de acordo com cada realidade e objetivo
de cada trabalhador, o trabalho passa a ter diversos sentidos e significados. É, portanto, nessa
concepção de homem que ao longo da história transforma e é transformado, que o trabalho
passa a ser constituinte da subjetividade (Antunes, 2009).
Ratifica-se a amplitude de sentido atribuída ao trabalhar não apenas como ofício e a
busca de renda, mas um objetivo de vida, um propósito, nas falas das entrevistadas D7 e T3:
O trabalho, o saber, aquilo que a gente reflete. Tem que ser algo que se direciona a
uma causa, um propósito. Então isso define vínculos realmente para além dessa
questão do trabalho ... como se o trabalho fosse mais que isso. (D7)
O trabalho dá sentido para a vida da gente. Eu tenho que horror à aposentadoria. A
minha aposentadoria é só no papel porque me deram, né? É isso ai. [...] Estou há 10
anos como voluntária aqui [...] Eu não sai nenhum dia daqui, apenas tomei
conhecimento e assinei que eu estava aposentada. A carga horária continua a mesma,
8 horas, rigorosamente. Nem férias eu tirei! (T3)
Os entrevistados reconhecem o trabalho como lugar de identificação, fonte de
reconhecimento e de realização. Relatam dificuldade em se desligar das atividades laborais,
encarando o trabalho voluntário na aposentadoria como uma continuidade da trajetória
profissional.
693
porque professor trabalha muito em casa”.
Foi notório o impacto da relação com os alunos na permanência e vivências de prazer
desses docentes. O entrevistado D4 aborda o contato com os alunos enquanto uma motivação
para a permanência: “Dar aula, discutir com aluno, conversar, trocar ideia, colocar a experiência
que a gente tem, que é positiva, uma experiência que foi positiva, é essa a motivação”. A
entrevistada D7, por sua vez, enfatiza o prazer que tem com a sua contribuição para esses
alunos, principalmente quando esses retornam à Universidade enquanto mestres ou docentes.
Eu tenho prazer quando eu vejo alguém, por exemplo, essa minha aluna vem da
graduação, ela foi, trabalhou comigo como bolsista de iniciação científica, e veio e tá
no mestrado ... é um prazer você acompanhar a formação . . . é como se a gente tivesse
agregado algo. . . é claro, essa coisa, formar quadros, que a gente diz, formar
professores, e nós somos muito recompensadas de algum modo [...]. (D7)
Considerando-se, ainda, as inúmeras exigências, o dia a dia do docente é caracterizado
por aceleração. Assim, para entregar todos os resultados que são esperados, o trabalho ganha
ainda mais centralidade na vida desse professor, o qual tende a priorizá-lo.
A supervalorização do trabalho, como um instrumento de alcance do sucesso, coloca
em planos secundários, outras esferas da vida como a familiar e a social, pois o
mercado exige dedicação total à carreira profissional, seja para admissão ou
permanência nos empregos (França, 2015, p. 12)
A centralidade do trabalho, ainda mais para o docente, pode estar relacionada a todo um
percurso de dedicação ao labor, incluindo desde a criação de cursos a realização de eventos, o
que intensifica ainda mais o vínculo com a Instituição. O entrevistado D6 enfatiza “eu sou um
dos professores criadores do curso de Educação Física. Nós criamos o curso aqui na
universidade.” Os entrevistados D4 e D7, por sua vez, relatam suas contribuições a partir das
funções que exerceram e ainda exercem como voluntários nos seus respectivos cursos.
Fui chefe de departamento por dois mandatos. No período que eu fui chefe de
departamento, foi um momento em que eu pontuo que eu contribuí nessa universidade,
que eu amo e faço tudo pra contribuir e continuo. É o compromisso com a sociedade
de melhorar a pesquisa e o compromisso da gente ser um país independente[...]. (D4)
Eu integro a coordenação da jornada de políticas públicas, que é um evento que consta
no cronograma do programa, ele se repete a cada ano, nós fizemos um agora
recentemente em agosto já a oitava edição do programa. Como eu já trabalhei nesse
evento desde a primeira edição, acho que foi quase uma relação afetiva (risos). (D7)
Como resultado, têm-se uma maior dificuldade de afastamento do trabalho por meio da
aposentadoria (Freire, 2018). Como afirma a entrevistada D7, “[...] o trabalho docente
efetivamente tem uma dificuldade de rompimento”. A entrevistada D5 compara a docência
como uma espécie de vício, e, portanto, de difícil desvinculação: “Eu costumo dizer que a
docência é uma cachaça, porque ela é viciante. A docência não é como qualquer trabalho, como
os outros trabalhos em que as pessoas se desvinculam mais rápido”.
Portanto, os aspectos envolvidos no ambiente de trabalho poderão ser propiciadores ou
bloqueadoras de cada uma dessas sensações, tanto positiva quanto negativa. Comparece essa
dialética no trabalho docente nas falas da entrevistada D5 e entrevistada D7, respectivamente,
ao abordarem o prazer e sofrimento de um mesmo ponto.
O que traz prazer hoje no meu trabalho é o contato com os colegas e com os alunos, é
694
continuar sendo produtiva, contribuindo. O desprazer vem do aluno também, antes de
passar na pós o aluno promete várias coisas, é como se fosse um namoro, e depois que
passa, esse sujeito dá ... tem uns que dão tanto trabalho, as vezes não entende o papel
da pós, que é formar pesquisadores. (D5)
[...] prazer eu ver a revista publicada, a revista bem avaliada, bem classificada, eu
participar de um programa que tem uma avaliação que é um trabalho coletivo, do qual
eu me sinto bem fazer parte, de um trabalho que tem um coletivo forte. Eu acho um
desprazer, eu digo tá relacionado a isso. Porque esse produtivismo acelera disputas,
incentiva vaidades, eu penso que são coisas difíceis para a atividade de pesquisa. (D7)
Percebe-se também na fala de alguns técnicos as fontes de prazer revelando o afeto com
a IFES. Como, por exemplo a entrevistada T2:
Eu acho que o amor é muito grande a esse trabalho [...] Eu acho que a UFMA é muito
amada, acho que a UFMA nem sabe o quanto ela é amada... porque tem muita gente
apaixonada por ela. [...] sobre fonte de prazer: É a gente saber que está contribuindo
para a Instituição, é você ter aquela certeza que você dá o melhor de si. É o que eu
estou dando em 48 anos. (T2)
Com foco nas relações, um dos temas de maior destaque é a presença e importância de
reconhecimento no ambiente de trabalho. Bendassolli (2012), estabelece reconhecimento como
uma consciência e, só é consciência, quando reconhecida pelo outro. O reconhecimento é uma
fonte de prazer no ambiente de labor, visto que “[...] pela mediação do outro e pela inscrição
do sujeito numa história coletiva permite a passagem do sofrimento, inerente ao confronto com
o real, ao prazer, uma vez que dá sentido a este confronto” (Bendassolli, 2012, p.42). Nesse
sentido o reconhecimento se mostra enquanto um dos motivos de orgulho e permanência de D6
e T3 ainda trabalhando como voluntários na IFES:
O fato de ele ter me reconhecido [...] ele me chamou de professor. Então é uma coisa
que eu convivo muito em São Luís, já são frutos das passagens que você teve dentro
da instituição. (D6)
Pra mim a importância disso tudo é a gente ser útil para a sociedade, servir as pessoas,
para a vida ter sentido, se não, não tem [...]. (T3).
Percebe-se assim, que como fator de prazer no trabalho e permanência na vida laboral,
mesmo depois da aposentadoria, tem-se o reconhecimento. É através do reconhecimento que o
aposentado mantém um seguimento de empenho e comprometimento a uma continuidade, o
que possibilita consequentemente a manutenção da saúde e diminuição do sentimento de
inutilidade trazido socialmente pela aposentadoria (Oliveira, 2018).
695
produzindo. (D3)
[...] se eu me jogar em uma cama e dormir até dez horas, [...] então a vida vai ficando
sem sentido, e a gente tem que dar sentido para a vida. [...] Deus não vai me deixar
parar, o dia que eu parar, ele vai me levar [...] Que Deus me conceda a graça de tá
sempre em atividade, de poder ser útil para a sociedade, de que eu possa prestar um
serviço de qualidade. (T3)
Assim, considerando-se a aposentadoria como o marco da saída do mercado de trabalho,
esta resulta na ideia de anulação de alguns dos fatores de prazer no trabalhar, a exemplo a
coletividade e o sentir-se útil. Dessa forma, a chegada da aposentadoria se torna uma vivência
de sofrimento para alguns trabalhadores visto que:
[...] o trabalho sempre coloca à prova a subjetividade, da qual esta última sai
acrescentada, enaltecida, ao contrário, diminuída, mortificada. Trabalhar constitui,
para a subjetividade, uma provação que a transforma. Trabalhar não é somente
produzir; é, também, transformar a si mesmo e, no melhor dos casos, é uma ocasião
oferecida à subjetividade para se testar, até mesmo para se realizar (Dejours, 2004, p.
30)
Na análise das principais motivações para o retorno ao labor, identificou-se: os
sentimentos de vitalidade e utilidade, o compromisso, sobretudo social, com a Instituição e o
receio de interromper uma vida, ainda produtiva.
696
“Porque você tá aposentado, você tá ativo, você não tá enterrado. Agora você pode querer se
enterrar também, é simples isso, é só querer ficar em casa”.
O período de transição para aposentadoria, portanto, diversificar-se-á a depender da
subjetividade e relação do servidor com o trabalho. A entrevistada D5 discorre sobre sua
tentativa de desmame, entretanto se contradiz ao afirmar que mantém o máximo de atividades
de orientação ainda:
Eu só estou na pós-graduação, em 3 programas, eu vejo isso como um desmame, onde
eu vou me afastando aos poucos do trabalho. O máximo que um professor pode ter de
orientandos são 8, e vocês não vão acreditar, eu tenho 8 [...]. Eu devo muito à UFMA.
(D5)
Considerações finais
A presente pesquisa analisou as possíveis repercussões na subjetividade de servidores
aposentados de uma IFES que retornaram ao mundo do trabalho como voluntários. A partir da
investigação acerca dos sentidos dados ao trabalho e à aposentadoria; dos fatores que
influenciaram a escolha por retornar ao labor; dos elementos presentes na organização do
trabalho que funcionam como fonte de prazer e sofrimento, bem como, das estratégias de
mediação utilizadas por esses trabalhadores, foi possível sustentar um estudo detalhado sobre a
temática. Buscou-se compreender as questões envolvidas no retorno ao trabalho pós-
aposentadoria, considerando as especificidades do trabalho voluntário.
A discussão empreendida acerca da centralidade do trabalho na sociedade
contemporânea foi ratificada com as informações obtidas nas entrevistas. O trabalho comparece
para os entrevistados como uma maneira de se sentir produtivo, obter status social e, além disso,
é responsável por proporcionar espaços férteis para a socialização e construção da identidade.
Foi possível, através da análise das entrevistas, compreender também as especificidades
do trabalho em uma instituição federal de ensino superior e o quanto estas podem influenciar
no enfrentamento do processo de aposentadoria. Percebeu-se que, apesar das longas rotinas de
trabalho e das diversas demandas e responsabilidades, é comum que muitos optem por continuar
inseridos no contexto laboral.
Diante de todas essas questões, foi possível ainda analisar as estratégias de mediação e
formas de enfrentamento da aposentadoria, atentando também às razões pelas quais esses
sujeitos decidiram permanecer trabalhando. É evidente que para os participantes a decisão de
697
continuar no exercício laboral independe de ganhos materiais, visto que exercem um trabalho
voluntário. Identifica-se a função do trabalho como oportunidade de realização pessoal, de fonte
de reconhecimento e status social, além de comparecer como uma forma de continuar
contribuindo com a sociedade.
Considera-se, então, a importância de incentivar mais espaços de discussão acerca do
processo de aposentadoria. É necessário pensar em planejamento e implantação de intervenções
que possam proporcionar aos trabalhadores melhores estratégias de mediação frente a um
acontecimento tão relevante que demanda novos arranjos sociais e modos de viver.
Através da busca de novas possibilidades de trabalho, como no estudo aqui discutido, a
partir do trabalho voluntário, podem ser pensadas estratégias para vivenciar a aposentadoria
como um momento de reestruturação positiva através da continuidade de sentido de pertença e
utilidade, mantendo um lugar de referência social. Portanto, permanecer ativo na aposentadoria
é ponto crucial para busca de saúde e de prazer
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DINAMISMOS ENTRE ORGANIZAÇÕES E LGBT’s NESSES ESPAÇOS:
699
CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Introdução
Uma organização é um sistema formado por elementos internos e externos; o ambiente
interno das organizações é formado por pessoas, tarefas e recursos; esse sistema sofre influência
do ambiente externo (Schultz, 2016). As organizações são sistemas abertos e fazem parte de
um conjunto societal e recebem influência do ambiente em que estão inseridas (Cesar, Silvio &
Murillo, 2008). De acordo com (Chiavenato, 2005) organização é uma entidade social, na qual
as pessoas que a compõem possuem objetivos em comum e interagem entre si com o intuito de
alcançar os objetivos da organização.
Uma reunião de esforços para o alcance de um objetivo, para a administração, esse tipo
de organização possui normas e regras, e é classificada como organização formal, onde os
colaboradores recebem incentivos para que trabalhem em prol do objetivo organizacional (Blau
& Scot, 1970). Os autores utilizam como exemplo uma fábrica que produz mercadorias para
venda objetivando o lucro, onde é necessária a colaboração de todos para que o objetivo seja
atingido.
Em síntese, a partir desses conceitos é possível descrever a organização como um
sistema aberto, formado por pessoas, que sofre influências do ambiente complexo e mutável
onde estão inseridas e, as pessoas que a compõem buscam atingir os objetivos organizacionais,
através da união do esforço coletivo, além de cada colaborador possuir seus objetivos
individuais.
Uma das organizações constantemente atravessadas por mudanças são os ambientes
corporativos, com as empresas obrigadas a responderem rapidamente às mudanças, sendo
necessárias estruturas organizacionais, bem como, profissionais eficientes e flexíveis que
possam adaptar e moldar a organização (Moreira, 2014). Neste cenário, as empresas buscam
obter vantagem competitiva dentre as demais, pois em um ambiente altamente competitivo é
necessário se adaptar rapidamente às mudanças que ocorrem, buscando e atraindo profissionais
cada vez mais qualificados e flexíveis para que possam sobreviver neste ambiente complexo e
instável (Murad, 2017).
Com a escalada de momentos de recessão que atravessam o país, muitos postos de
trabalhos diminuíram e, as vagas de emprego que surgem, possuem um grande problema que é
a alta quantidade de candidatos. Com o excesso de candidatos concorrendo uma mesma vaga,
as organizações são mais rigorosas na seleção, fazem pouco investimento no recrutamento e os
salários tendem a ser menores (Debortoli, 2016). Para contornar a situação, a autora ressalta
que as empresas buscam profissionais cada vez mais especializados e que busquem a constante
qualificação para que possam estar aptos às organizações, suas novas tecnologias e na resolução
dos problemas organizacionais; ainda, em alguns casos, candidatos também optam por cargos
inferiores, com salários menores para conquistarem a vaga de emprego. Além de que fatores
700
intervenientes como preconceito e desigualdades exercem influência considerável para novas
as contratações.
Nesse sentido a segregação ocupacional praticada contra LGBT’s (Lésbicas, Gays,
Bissexuais e Transgêneros) de acordo com (Moura & Lopes, 2014) é uma das grandes
problemáticas para a inserção dessa e outras minorias no mercado de trabalho, pois a segregação
ocupacional ainda direciona o comportamento das organizações. A orientação sexual sempre
foi vista pelas instituições como algo que serve para classificar e normalizar, aquilo que pode
ser feito e aquilo que não. Durante muito tempo coube a igreja católica, condenar certas práticas
como homossexualidade, pois era pregado que iriam contra a leis de Deus, as leis da natureza
e tais atos traziam vergonha para a sociedade (Barros, 2014).
Historicamente, esta minoria foi marginalizada e sofreu preconceitos. No entanto,
mesmo com modernização, os avanços da ciência e diversos direitos conquistados, atualmente,
ainda se faz presente o preconceito com esta categoria. Diante de vários preconceitos, essas
pessoas não viram outra alternativa, a não ser se unir como movimentos para lutar pela vida,
pelos seus direitos de existir e serem tratados de forma igualitária. A partir de 1978, em São
Paulo, iniciou-se o primeiro grupo na luta pela politização da questão da homossexualidade
chamado “Somos”, e a partir disto, surgiram outros grupos espalhados pelo país; na região
Nordeste, começaram a surgir alguns ativistas, como: João Antônio Mascarenhas e Luiz Mott;
com o fim da Ditadura, ocorreu a ascensão destes e de outros movimentos sociais (Facchini &
França, 2009).
Foi em 1980 que ocorreu o surto da AIDS, e um dos grupos mais afetados foram os
gays, que em sua maioria dos casos começaram a morrer devido complicações da doença. Tal
fato despertou um forte sentimento em outro grupos, não ficando mais restrito aos gays, como
também lésbicas, bissexuais e outras pessoas que não se identificavam com os padrões
heteronormativos e passavam pelo mesmo sentimento de preconceito e exclusão, solidarizando-
se em torno de uma causa comum, o movimento LGBT (Canabarro, 2013). Um movimento que
além da luta pelos direitos, agora também tinha como objetivo a busca por políticas públicas,
como a saúde que era o foco naquele momento.
Atualmente, entre as demandas a que o movimento luta está em uma das áreas onde se
cotidianamente pode se verificar as consequências do preconceito praticado contra o grupo
LGBT, o mercado de trabalho. Além de toda a discriminação que possui raiz religiosa, também
existe um viés econômico, pois o sistema capitalista é conhecido pelo modo de produção e
exploração, que são baseados em conceitos racista-patriarcal-heteronormativo-capitalista,
sendo predominante as relações de classe, “raça”, gênero e sexualidade (Menezes, Oliveira
& Nascimento, 2013). Devido a essas razões existe um grande preconceito em contratar
LGBT’s como funcionários.
Segundo pesquisas realizadas pelo Plantão Plomo no Brasil, uma em cada cinco
empresas se recusa a contratar homossexuais com medo de que a imagem da companhia
fique associada àquele funcionário, fazendo com que essas empresas percam seus
clientes. Enquanto isso, a mesma pesquisa mostra que 68% das pessoas já presenciaram
algum tipo de homo e transfobia no ambiente de trabalho (Lucena e Santos, 2019, p.
147).
A vista disso, é de consenso em estudos que processos de inclusão e exclusão sociais
701
são perpassados por representações sobre grupos e pessoas. A Teoria das Representações
Sociais se dedica a aprofundar esse viés nos modos de organizar o mundo, a partir de aglomerar
certas características que possam explicar, relacionar, lembrar determinado objeto, pessoas ou
fenômenos. Segundo Jodelet (1979) as representações são importantes para nomear e definir
um conjunto de características diferentes, para que possamos interpretá-los e, se necessário,
tomar uma decisão sobre eles. Entretanto, as representações sociais possuem matrizes de estudo
variadas, como a de destaque neste trabalho proposta por Jean Claude Abric (1998), a Teoria
do Núcleo Central (TNC).
Nesta teoria, as representações sociais estão estruturadas a partir de dois esquemas
principais: o núcleo central e os elementos periféricos, que poderiam ser representados
respectivamente com a visão do social e a visão do indivíduo (Machado & Aniceto, 2010). O
núcleo central são as representações sociais mais enraizadas e rígidas que servem de guia e
norteamento e são apreendidas em grupo, no senso comum verdades ou princípios do grupo.
As representações sociais periféricas correspondem aos grupos de pertença e servem de suporte
para núcleo central geralmente aprendidas no convívio do dia-dia, por ser influenciadas pelos
contextos e cotidianos estão mais passíveis de mudanças (Berga, Bursztyn, Santos & Tura,
2009).
As representações sociais têm um papel de estratégia no grupo e também de justificar
certos comportamentos grupais (Cabecinhas, 2004). Por ser algo tão convicto e tão ligado aos
ideais e a identidade do grupo, ela é também muito difícil de mudar e se reorganizar. Segundo
Abric: A teoria da Representações Sociais, busca construir um conceito levando em
consideração que o ser humano não está em uma bolha isolada e, que apesar de possuir
conceitos próprios eles estão a todo momento sendo influenciados e influenciando os grupos
no qual se está inserido (Arruda, 2002).
Por isto, as representações sociais são bastante utilizadas quando se estuda
comportamentos sociais, atitudes e opiniões de determinados grupos, pois as representações são
formadas a partir do conjunto de informações, estereótipos e características que aquele grupo
tem sobre determinado assunto. Estas representações sociais podem ser construídas de forma
positiva, com características do fenômeno ou também podem virar preconceitos com objetivo
de menosprezar ou segregar.
Segundo Lacerda, Pereira e Camino (2002), o preconceito, a partir das perspectivas da
teoria da representação social se constrói nas diferentes identidades que diferentes grupos de
um mesmo local possui e atribui estereótipos negativos e a práticas ou crenças ao outro grupo,
inferiorizando este e colocando a si como um núcleo central melhor. Todavia, os mesmos
autores ressaltam que devido à desejabilidade social, as formas de discriminação e preconceitos
mudaram, com isso tornaram-se mais velados, no entanto, ainda é perceptível o favoritismo de
certos grupos. Um exemplo prático disto é o racismo e como tem mudado com o tempo, porém
ainda é possível ver o preconceito e discriminação que os negros ainda sofrem.
Outro grupo que sofre bastante com esses estereótipos criados por representações
sociais negativas é a população LGBT, onde o núcleo central com estereótipos negativos está
enraizado em questões morais e religiosas que criam séries de comportamentos discriminatórios
com as pessoas LGBT’s, por exemplo: exclusão, violência física e mental, que são reforçados
pelos ideais e senso comum compartilhado pelo grupo.
Diante do exposto, este estudo visa averiguar como se estruturam as representações
sociais sobre pessoas LGBT’s nas organizações trabalhistas. Quando justifica-se adentrar
nessas questões diante das dificuldades encontradas por esse público de acesso no mercado de
trabalho por preconceitos e discriminações, bem como representações estabelecidas nesses
702
preceitos influenciam nas atividades exercidas por esses indivíduos nessas organizações.
Método
Este estudo tem como objetivo fazer uma Revisão Integrativa dos últimos 10 anos sobre
representações sociais de pessoas LGBT’s que integram organizações trabalhistas. A busca de
artigos foi feita em banco de dados: Google acadêmico, Scielo e LILACS. Teve como foco e
critério de escolhas títulos e palavras chaves. A revisão integrativa de literatura é um método
que tem como objetivo realizar uma síntese dos resultados encontrados em
pesquisas experimentais ou semi-experimentais sobre um tema, de maneira sistemática,
ordenada e abrangente (Ercole, Melo & Alfocorado, 2014).
Esta pesquisa teve como descritores iniciais as palavras: representação social, mercado
de trabalho e LGBT. A partir das leituras dos títulos e também dos resumos foram excluídos
aqueles trabalhos que não tinham relação com o tema proposto, sendo lido na integra os artigos
selecionados para embasamento deste trabalho.
Resultados e Discussão
Após concluída a busca e selecionados os artigos, iniciou-se o processo das análises dos
artigos. Todos os artigos selecionados envolveram a temática abordada quanto as
representações sociais de LGBT’s em organizações. Os resultados dos artigos reproduzem as
representações sociais por meio da teoria do núcleo central, de forma que pode-se agrupar as
principais impressões decorrentes das falas apresentadas. Dessa forma, as falas das
representações encontradas retratam tanto falas de heterossexuais, como também de LGBT’s
quanto ao tema que era verificado.
Foram encontrados 5 artigos, como descritos na tabela 1, sendo os mesmos discutidos
conforme apreendeu-se de seus resultados: sobre como LGBT’s percebem suas participações
no mercado de trabalho, pessoas heterossexuais absorvem essa realidade e de forma
comparativa como ambas as visões contribuem para esclarecimento desse tema. Devido a essa
pluralidade que o trabalho apresenta, procura-se ampliar as discussões sobre como as
representações sociais vigentes afetam o público LGBT diante do dinamismo que incorre nas
organizações.
Juliani, R. P. (2017). LGBT Desta dissertação participaram 7 pessoas LGBT que residiam
Trabalhadores: trajetórias de no estado de São Paulo, que já estivessem em uma empresa e
vida e representações sociais que atuassem em cargos importantes e de determinada
sobre trabalho. Juliani, R. P. relevância para empresa. Os instrumentos utilizados foram
(2017). entrevistas que tinham como objetivo que os participantes
relatassem suas histórias de vida e a partir desses relatos
construir as representações sociais desde escola e o ambiente
de trabalho. As Representações Sociais divididas
em representações sociais nas escolas e representações
percebidas no trabalho.
Porto, K. S., Cibrão, V., & Trabalho realizado com um grupo focal onde com pessoas
Tavares, H. N. (2016). autodeclaradas, participantes do grupo LGBT. Foi realizado
Processos De (Des) uma entrevista semiestruturada como objetivo analisar os
Construção Da Identidade processos organizacionais de desconstrução/construção da
Lgbt Nas Organizações. identidade LGBT nas organizações. 1-Detectar a existência de
mecanismos de discriminação da identidade LGBT dentro das
organizações. 2- Detectar a presença de uma tendência de
homogeneização e/ou heteronormatização dentro das
organizações. 3-Verificar a existência de diferenças de
tratamento do empregado, a partir da percepção de sua
identidade de gênero ou orientação sexual.
704
Irigaray, H. A. R.; Saraiva, Este trabalho de caráter exploratório teve como objetivo
L. A. S.; Carrieri, A. P. levantar representações sociais sobre humores
Humor e discriminação por discriminatórios com homossexuais através de entrevistas
orientação sexual no com roteiros semi estruturada de histórico de vida das pessoas
ambiente organizacional. entrevistadas. Os sujeitos foram selecionados por
Revista de Administração conveniência. A amostra foi composta, no final, por 14 gays
Contemporânea, v.14, n. 5, e 24 heterossexuais. Dos sujeitos homossexuais, metade
2010 reside em São Paulo e a outra no Rio de Janeiro. As
representações foram divididas entre heterossexuais que riem
de homossexuais e de homossexuais que riem de
homossexuais.
Criação Própria
705
expressão de julgamentos, pode ser identificado como “não tenho preconceito, mas não gosto
de homossexuais”. Na classe homofobia: foram encontradas normatizações e conceitos pré-
estabelecidos, normais em comportamentos homofóbicos, mas também um olhar mais atento e
abrangente onde algumas pessoas procuravam entender, mesmo com crenças moralistas
e religiosas.
706
recebem menos recompensas e menos oportunidades de crescimento, pois apesar das
capacidades dos trabalhadores serem importantes, o modo como as pessoas veem orientação
sexual e identidade de gênero influencia a adequação do colaborador aos cargos ofertados. Um
exemplo de preconceito indireto são as atitudes de indiferença que podem serem apresentadas
como práticas aparentemente neutras, mas que possui sérias consequências nas pessoas LGBT
das organizações.
Conclusão
Através da análise, foi percebido que o público LGBT em situação de desemprego
percebiam certa dificuldade em conseguir se alocar nos postos de trabalho, visto que apesar de
maior aceitação, o preconceito ainda é praticado de forma velada nas organizações. Com
relação aos LGBT empregados, foi constatado nas entrevistas o grupo de pessoas que já
estavam no trabalho e optaram por não revelar sua sexualidade, pois percebiam o preconceito
de seus colegas com relação às pessoas LGBT’s e, por este motivo, mesmo estabilizados em
seus empregos, estas pessoas preferem manter sua sexualidade escondida.
Ao fazer o comparativo, foram encontrados estereótipos com homossexuais que não
707
eram heteronormativos e que não seguiam os padrões e regras de ser homem e de ser mulher,
foi percebido que estes grupos sofrem com preconceito de orientação sexual e identidade, pois
não são aceitos. Além disso, foi percebido que o preconceito com determinado público era feito
através de piadas, visando, de certa forma, amenizar o que era dito pelos profissionais com o
público LGBT.
Portanto, é possível concluir que LGBT’s sofrem certa exclusão no ambiente de
trabalho, desde o momento em que estão em busca de vagas de emprego e até mesmo depois
de estabilizados. Enfatiza-se que mesmo com certa aceitação, o preconceito ainda é praticado
e, de acordo com as entrevistas analisadas, o público LGBT percebe os comentários como
negativos e prejudiciais, tanto para o clima organizacional como para si enquanto colaborador
da organização.
Assim, pessoas LGBT’s estão associadas mais comumente a representações no
ambiente de trabalho em momentos como femininos, em outros como engraçados ou até mesmo
foram recebidos como apenas colaboradores da organização. No entanto, é importante salientar
que o reconhecimento do trabalho bem feito por LGBT’s, assim como com qualquer outro
indivíduo é fundamental no processo de motivação do colaborador, pois foi percebido que
alguns realizavam bons trabalhos que eram recebidos com indiferença por seus colegas. Foi
notado em certo ponto que os entrevistados, ao relatarem as representações sociais, voltavam
até o momento em que estudavam em escolas e criticavam a maneira como eram recebidos e
tratados, demonstrando que a representação construída de maneira adequada nas escolas é
fundamental para o indivíduo e que isso pode afetar seu desempenho no local de trabalho.
Tais representações podem afetar a maneira como as pessoas enxergam as atividades
desenvolvidas por LGBT’s, diminuindo assim a motivação, reconhecimento e respeito dos
mesmos nas organizações, com isso é possível destacar que embora a comunidade seja aceita
nas organizações, essa aceitação vem acompanhada de limitações que poderão afetar a maneira
como os mesmos percebem-se, visto que o preconceito velado existe e ainda é praticado.
Ademais, espera-se com esse trabalho contribuir acerca da temática da presença de pessoas
LGBT’s em organizações por meio do escopo das representações sociais das quais já se tem
conhecimento, ainda que com a limitada incipiência da literatura, ressaltando-se que urge
maiores investigações sobre a temática.
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A SÍNDROME DE BURNOUT COMO DESENCADEANTE DA DEPRESSÃO NO
710
AMBIENTE DE TRABALHO
Introdução
711
mesmo e a falta do interesse pelas atividades. Possuem sintomas de caráter emocional, físico e
cognitivo, apresentando os mais comuns como a apatia, distúrbio do sono, sensação de
inutilidade etc. (Ariskal, 2017; OMS, 2005). Contudo, de acordo com Furlanetto (2005), alguns
fatores de risco de mortalidade relacionam-se com sintomas da depressão como, por exemplo,
a baixa autoestima, indecisão, anedonia, desesperança, pensamento e planejamento de morte.
Segundo Soares (2015), por meio do trabalho, o homem constroi o mundo e se constroi,
ou seja, já faz parte da natureza humana, com subjetividades e identidades próprias. Ainda, de
acordo com Soares (2015), execução do trabalho pode ser percebida como algo prazeroso,
entretanto, em muitas situações, ainda, é visto como sacrifício e desencadeante de sofrimento e
adoecimento, não somente pelo trabalho, mas pelo clima emocional e organizacional que
existem no ambiente laboral cansativo.
As mudanças que ocorreram no mundo de trabalho, como o processo da globalização
da economia, as competições no mercado de trabalho, as tecnologias, as exigências para se
produzir mais rápido entre outras circunstâncias, acaba constituindo um esgotamento físico e
emocional nos trabalhadores. Dessa forma, com os novos aspectos institucionais são exigidas
novas competências e qualificações dos trabalhadores e, em decorrência dessas mudanças,
surgem novos adoecimentos (Carlotto & Gobbi, 2015).
Estudos no Brasil relacionados a depressão e ambiente de trabalho apresentam as
variantes que são determinantes para os índice de depressões (Jardim, 2017).
Entretanto, para um diagnóstico diferencial um dos destaques de definição desta
síndrome é que ela está relacionada apenas no ambiente de trabalho, podendo afetar a vida
social do indivíduo. Nesse caso, como a síndrome de Burnout pode ser um fator desencadeante
da depressão no ambiente de trabalho?
O presente trabalho busca identificar como a síndrome de Burnout desencadeia a
depressão no ambiente de trabalho, assim como descrever o ambiente de trabalho
contemporâneo e os seus processos de adoecimento, compreender a síndrome de Burnout como
uma psicopatologia no ambiente de trabalho e apontar como a síndrome funciona, enquanto
desencadeante da depressão.
A escolha pelo tema surgiu a partir de experiência pessoal de um dos autores, ao refletir
sobre as características desta síndrome e ao se identificar com algumas delas, a partir do seu
ambiente de trabalho. Então, muitos profissionais desenvolvem a síndrome sem ter o
conhecimento da mesma, possuindo todas as suas características e afetando seu desempenho
profissional, ou seja, sente-se esgotado pelo trabalho, cansado, podendo afetar, também, toda
sua vida social, prejudicando-o em todas as esferas de sua vida tendo, assim, uma maior
probabilidade de desenvolver a depressão.
Neste contexto, percebe-se que a síndrome de Burnout está afetando muitos
profissionais, o que se faz importante abordar o tema, para um esclarecimento maior da mesma.
Uma pesquisa realizada no Rio Grande do Norte, teve como resultado que 93% dos
participantes de três hospitais universitários possuem nível moderado do Burnout. Outra
profissão muito estudada quando o assunto é Burnout são os professores, 26% da amostra
estudada tem exaustão pelo trabalho. No Ceará e Minas Gerais o índice é de 17%, e no Rio
Grande do Sul chegou a 39% (Trigo et al., 2016). Um estudo realizado por Mesquita et al.
(2018) com 357 professores da rede pública de São Luis-MA, identificaram Burnout com níveis
moderados para exaustão emocional apresentando como resultado um índice de 81,22% e da
despersonalização 62,71%.
Método
712
O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica, realizada através de um
levantamento de artigos científicos publicados nos últimos anos. Segundo Gil (2015), a revisão
bibliográfica é produzida com base em materiais já desenvolvidos, constituídos particularmente
de artigos científicos e livros.
Essa pesquisa de natureza aplicada, a qual procura produzir conhecimentos para
aplicação prática dirigidos a solução de problemas específicos, e objetivo explicativo, que
procura identificar os fatores que causam um determinado fenômeno, aprofundando o
conhecimento da realidade (Pradanov & Freitas, 2013, pp. 126 e 127).
Foi realizada a partir de artigos científicos pesquisados em plataformas científicas,
como: Scientific Eletronic Library Online (SCIELO) e Literatura Latino Americana e do Caribe
em ciências da Saúde (LILACS), publicados nos últimos 10 anos (2010 a 2019).
Para a busca das publicações foram utilizados os seguintes descritores: Síndrome de
Burnout; Burnout e depressão; Depressão e trabalho; estresse e trabalho; trabalho e
adoecimento; e saúde mental no trabalho. Por fim, como critérios de inclusão foram utilizadas
publicações em português que apresentassem no mínimo dois descritores pesquisados e aqueles
de suma importância para a temática abordada. E, foram excluídos dissertações de mestrado,
monografias e produções cientificas não publicadas.
Resultados e Discussão
713
possuíam uma relação de dependência, onde o trabalhador precisava do seu emprego, do mesmo
modo que a organização admitia primordialidade de sua mão de obra ainda que explorável e
descartável para a preservação da produção.
Vale ressaltar, ainda, que para o autor o trabalho necessita ser algo prazeroso para o
sujeito. Mas ao invés disso, o empregado sente-se acuado, pois com tantas exigências acaba
levando-o ao estresse emocional, ocasionado por pressões diárias dentro do seu ambiente de
trabalho, local esse que deveria trazer para si um prazer diário e cotidiano.
O trabalho passou por muitas mudanças no âmbito da atualidade, diferentemente da
modernidade pesada, onde as organizações contemporâneas vem investindo não unicamente na
habilidade técnica dos seus empregados, mas, especialmente, no âmbito subjetivo. As empresas
tem que se mostrar mais interessadas no sujeito como um todo, em seus atributos, habilidades,
temperamento, motivações e conhecimentos. Este processo se deu através de uma imposição
em vista das alterações decorrentes da globalização do capital que possibilitou o aumento da
concorrência decorrente das condições de desemprego e do desenvolvimento das novas
tecnologias (Bauman & May, 2015).
Segundo Silva, Bernardo e Souza (2016), na contemporaneidade o trabalho constituiu
consequências relevantes na saúde física e mental dos empregados. As inúmeras
transformações ocasionadas pela globalização financeira, pelas novas formas de gestão e pelas
atualidades tecnológicas influenciam diretamente na saúde dos trabalhadores, de como
trabalhar e até mesmo, do modo de se organizarem coletivamente. Essas transformações
caracterizadas pela globalização geram concorrência entre as empresas no mercado de trabalho,
exigindo maior produtividade.
Para Kadoaka et al. (2013), diante das mudanças na contemporaneidade há um aumento
na produção e uma necessidade de se obter mais lucros e gerar um acumulo de capital para a
empresa ser uma diferenciação no mercado, ou seja, esses trabalhadores são obrigados a se
ajustar rapidamente a essas novas condições institucionais e tecnológicas, o que gera uma
jornada de trabalho prolongada e pressões, em decorrência disso leva a eles uma baixa
autoestima, sentimento de impotência e uma perda de identidade.
De acordo com Dejours (2013), as pressões nos ambientes laborais influenciam na
estabilidade psíquica e na saúde mental dos empregados, ou seja, ao mesmo tempo que as
empresas atuam no psíquico, as situações de trabalho afeta a saúde do corpo.
O trabalho hoje é destacado pela flexibilização e pela precarização social, os dois
apresentam vários fatores que refletem negativamente na subjetividade do trabalhador. A
desestabilização no mundo do trabalho é definida por ritmos intensos e um aumento na
competividade, falta de valorização e reconhecimento, falha na prevenção aos acidentes de
trabalho entre outros fatores que degeneram as condições de trabalho e causa adoecimento
físico e mental no trabalhador (Franco et al., 2016).
Dessa forma, o trabalho, a partir da globalização, tornou-se rápido, ou seja, uma
aceleração para produzir mais e mais, com essa auto exigência de produção o indivíduo tem
que se adaptar rapidamente a ritmos intensos de trabalho, chegando a doar-se, permitindo que
abandone sua vida social e mesmo se doando por completo há por muitas vezes uma falta de
reconhecimento, gerando um esgotamento físico e mental o que torna seu ambiente de trabalho
adoecedor.
Segundo Seligmann-Silva et al. (2016), as circunstâncias da flexibilização e
precarização tem feito os sujeitos experimentarem empregos com insegurança, competitividade
e individualização, isto é, uma permanente tensão e a ocorrência de situações dentro do
714
ambiente laboral causando adoecimento mental, como a síndrome de burnout, abuso de álcool
e drogas, depressão e suicídio.
Diante disto, porque a síndrome de burnout é considerada uma psicopatologia do
trabalho? E quais são os fatores dentro dos ambientes laborais que produzem essa síndrome?
O decreto n° 3.048, anexo II, de 06 de Maio de 1999 declara a síndrome de burnout
como uma doença do trabalho, sendo caracterizada por um esgotamento físico e emocional.
Tem sido constatado nos últimos anos, uma estatística significativa de transtornos em
trabalhadores, sendo listados uma série de fatores, que são: o acréscimo de tarefas e novas
responsabilidades, aumento do ritmo de trabalho e uma cobrança excessiva (Assunção &
Oliveira, 2018).
De acordo com Candido e Souza (2016), uma pessoa que possui esta síndrome é porque
já chegou ao seu limite e se sente esgotada. Diante disto, a síndrome de Burnout se caracteriza
como uma psicopatologia do trabalho por uma série de fatores que acomete o trabalhador e
afeta diretamente em seu ambiente laboral.
Em relação as novas formas de trabalho e depressão, um estudo realizado por Moreira,
Maciel e Araújo (2017), é uma ocorrência que contribui para o aumento na competividade em
decorrência da globalização. Em concordância dos fatores psicossociais apontados por Ariskal
(2017) que são fatores onde contribuem para um quadro depressivo que são: a falta de apoio
interpessoal, mudança no seu estilo de vida, significado simbólico de perdas etc.
O que diz a respeito à discussão entre Burnout e depressão, é um questionamento com
muitas controvérsias (Silva et al., 2018).
Pocinho et al. (2018), afirmam a dificuldade na síndrome de burnout muito marcante é
que se afeta apenas a vida profissional, podendo, assim, não serem afetadas a vida pessoal e
social, no caso da depressão há um comprometimento em toda a vida do trabalhador.
Segundo Pocinho e Perestelo (2018), o sentimento de culpa é comum na depressão, e
no burnout a fúria é a mais comum frente a incapacidade profissional.
Gil-Monte (2018), realizou um estudo com 700 trabalhadores, o mesmo afirmou que o
fator da culpa é um indicador de suma importância para se considerar a discriminação de
sujeitos com a síndrome de burnout.
Para os autores citados acima, depressão e síndrome de Burnout tratam-se a estados
distintos, mais com características peculiares. Portanto, Bianchi, Schonfeld e Laurent (2018),
consideraram está diferenciação frágil na literatura, contendo pouco esclarecimento se o estágio
final do Burnout é diferente do estágio da depressão clínica, sendo questionado a definição
sobre a síndrome de burnout. Ainda, de acordo com Bianchi, Schonfeld e Laurent (2018)
levaram em conta que a despersonalização e a exaustão emocional podem ser bem mais definida
como uma conclusão depressiva a ambientes de trabalho inapropriados.
De acordo com Bianchi e Schonfeld (2018), as associações do Burnout avaliados com
o estilo cognitivo da depressão, foram averiguados 1.386 professores das escolas públicas dos
Estados Unidos, e concluíram que sujeitos com a síndrome de burnout possuem particularidades
que se aproximam com a do modelo cognitivo da depressão, chegando à conclusão que o
Burnout é uma síndrome depressiva.
Considerações Finais
715
Há poucas evidências na literatura que trazem uma concepção concreta de que síndrome
de Burnout possa ser desencadeante da depressão. Contudo, pelo que foi percebido, Burnout
pode ser vista como uma depressão especifica do contexto laboral, acrescida de outros sintomas,
pois a síndrome de Burnout afeta o trabalhador apenas em seu ambiente de trabalho, trazendo
consigo todos os sintomas físicos e psicológicos que se assemelham com os da depressão. Para
exemplificar, um fator de grande destaque seria a mudança no estilo de vida, pois com a
globalização o mercado de trabalho está exigindo mais, provocando um aumento significativo
na carga-horária laboral, que se torna fator de adoecimento físico e mental.
O trabalho ocupa muito o tempo do indivíduo, por conta disso deveria ser um ambiente
prazeroso, o que nem sempre se concretiza. Por esse motivo acaba sendo um local adoecedor,
pois há muitas exigências para uma maior produção, carga-horária excessiva, e em muitos
ambientes laborais há falta de reconhecimento, pois o trabalhador por conta dessas cobranças
acaba se doando para seu trabalho havendo assim uma mudança em seu estilo de vida, ou seja,
afetando sua vida social e seu ambiente laboral se torna um ambiente adoecedor.
Vale ressaltar que com essas exigências o empregado já pode ir ao trabalho esgotado,
fazendo apenas o necessário, sem motivação, gerando uma dúvida até mesmo de sua capacidade
profissional, prejudicando, também, sua relação social com os demais colegas de trabalho, tudo
isso causa um esgotamento físico e mental no indivíduo, que são alguns dos sintomas da
síndrome de Burnout ao qual o trabalhador já pode estar desencadeando em seu ambiente de
trabalho.
O trabalhador, por vezes, não tem conhecimento dessa síndrome, e passa a não se
importar, já que os seus sintomas só surgem dentro de seu local de trabalho, ao mesmo tempo
que o sujeito pode levar para sua vida fora do ambiente laboral, pois com a globalização tudo
passou a ser mais rápido e flexível, deixando que sua atividade laboral invada a vida social,
podendo desencadear uma depressão.
Um dos maiores desafios encontrados foi achar autores e artigos que correlacionavam e
apontavam a síndrome de Burnout enquanto desencadeante da depressão, pois muitos afirmam
que os sintomas da mesma afeta apenas em seu ambiente de trabalho não comprometendo todas
as esferas de sua vida, porém, poucos foram os artigos encontrados que provassem o contrário.
No decorrer da elaboração desse trabalho foi perceptível a nível de informação que o
trabalho na contemporaneidade, muitas vezes, é um ambiente que não traz prazer para o
indivíduo e que por esse motivo desencadeia a síndrome de Burnout podendo, a partir disto,
gerar uma depressão já que muitos acometidos pela síndrome não possuem o devido
conhecimento da mesma. Pretende-se, ainda, fazer com que este referido estudo seja algo
informativo tanto para os empregados como contratantes, pois ambos sofrem com esta síndrome
e que possa, assim, estar contribuindo para o aprimoramento do conhecimento da referente
síndrome estudada e que este referido trabalho seja disponibilizado para pesquisas futuras.
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ANÁLISE DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DE UMA POUSADA: RELATO
717
DE EXPERIÊNCIA
Sara Moreno Costa
Adalia Maria Santos da Silveira
Macdllany Fernandes Melo de Lima
Beatriz Alves de Oliveira
Claudiana Pinheiro da Silva
Raquel Pereira Belo
Introdução
A organização em questão atua no mercado desde 2010 e faz parte dos ramos de
prestação de serviços, hospedagem e turismo. Antes da aquisição por parte da atual
administração, o estabelecimento já era uma pousada de pequena estrutura contando com
poucos apartamentos e após ser adquirida, passou por uma reestruturação, contando com a
compra de terrenos arredores para ampliação do espaço, dispondo atualmente com o triplo de
apartamentos, alas sociais, área de jardim, área de piscina e estacionamento. Atualmente está
entre as melhores quanto a avaliações internas, por meio da qualidade do serviço prestado,
estrutura e público atendido. Faz parte de um grupo de empresas familiares, possui um quadro
de treze funcionários devidamente empregados, contando com recepcionistas, cozinheiros,
camareiros, jardineiro, vigilante, financeiro, reserva, administrativo. A pousada recebe uma
ampla variação de público, de diversas partes do país, contando também, com uma porcentagem
de turistas vindos de outros países.
O presente levantamento buscou conhecer como são desenvolvidos os processos de
Recrutamento, Seleção, Treinamento e Avaliação de Desempenho dentro da organização, a fim
de ressaltar as potencialidades já existentes nestes processos e sugerir formas de ampliação,
visando a potencialização do trabalho organizacional e serviços prestados pela empresa.
Método
Trata-se de um relato de experiência, elaborada no contexto da disciplina de Relações
de Trabalho II, ministrada no sétimo período da graduação de Psicologia. Caracteriza-se como
uma atividade avaliativa da disciplina, a fim de conhecer processos administrativos de
Recrutamento, Seleção, Treinamento e Avaliação de Desempenho, para isto foi realizada uma
entrevista não estruturada pontuando cada um dos processos elencados acima.
A partir dos dados coletados foi realizada uma busca na literatura para elencar os
conceitos sobre o tema e fazer uma discussão com os dados captados, respeitando os termos da
Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde que dispõe sobre normas aplicáveis a
pesquisas em ciências humanas e sociais, mais especificamente em relação ao proposto sobre
“atividade realizada com o intuito exclusivamente de educação, ensino ou treinamento sem
finalidade de pesquisa científica, de alunos de graduação, de curso técnico, ou de profissionais
em especialização”.
Resultados e discussão
718
O recrutamento é a junção dos processos e práticas utilizadas em uma empresa na
procura de candidatos que estejam interessados na vaga existente ou em potencial
disponibilizada pela organização. Recrutar é um recurso que visa buscar candidatos habilitados
ou com possíveis competências de assumir um cargo em determinada instituição (Chiavenato,
1999).
Na empresa visitada, o recrutamento é feito através das redes sociais, veículo no qual
são disponibilizados os critérios para seleção dos possíveis candidatos. Para Rangel (2007),
através da internet é possível atingir um número maior de candidatos e a empresa muitas vezes
pode fazer a divulgação de forma gratuita, facilitando as inscrições dos candidatos
eletronicamente na vaga desejada.
Para Araújo (1996), o recrutamento pode ser realizado de duas maneiras, sendo ele
interno e externo. O recrutamento interno ocorre quando a divulgação da vaga em aberto para
os próprios trabalhadores do local e desta forma busca-se preenchê-la a partir da recolocação
de um colaborador da própria empresa: a realocação pode ser feita por uma promoção,
transferência de função, plano de carreira ou mesmo através de entrevistas e testes (Chiavenato,
1999; Pontes, 2014). Já o recrutamento externo ocorre em uma empresa quando há a
necessidade de preencher determinada vaga e então se dá início a busca por profissionais
disponíveis no mercado de trabalho e que estão fora da organização: tais profissionais serão
atraídos pelas estratégias de recrutamento (Chiavenato, 1999).
Na organização pesquisada utiliza-se do método de recrutamento externo, antes, feito
por meio das redes sociais, no entanto, hoje em dia esse método passou a ser inviável, pois a
grande quantidade de candidatos tornou o processo demorado em decorrência de vários
currículos para analisar. Desta maneira, passou-se a utilizar um banco de dados no qual é
armazenado os currículos deixados e no momento do recrutamento estes são considerados, não
havendo mais a necessidade de utilizar de ferramentas digitais. Outra forma de recrutamento
utilizado é o contato direto com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC,
que realiza a indicação de pessoas qualificadas para o cargo aberto.
De uma maneira geral, independente do tipo de recrutamento, é necessário que a
empresa faça uma avaliação das suas necessidades levando sempre em consideração a suas
condições de contratar, remanejar e manter seus funcionários, pois um recrutamento bem
planejado resulta na otimização do processo de seleção e no bom desenvolvimento da
instituição (Chiavenato,1999).
Após o recrutamento, o procedimento realizado pela organização é o que Tadaiesky
(2008) denomina de pré-seleção – momento no qual que acontece a triagem dos currículos
através de uma análise técnica, nesta etapa, os currículos que não possuem os requisitos
fundamentais exigidos para o cargo a disposição são eliminados. Assim como acontece com os
critérios utilizados na pousada (experiência anterior na função, formação educacional, tempo
de permanência em trabalhos anteriores e ideais de futuro – todos considerados neste processo
como importantes para o preenchimento de vagas) é feita a seleção.
Na organização em questão os processos de entrevista são realizados individualmente
com cada um dos candidatos através de questionamentos baseados no currículo deste, tem
duração de 15 a 20 minutos sem um roteiro pré-estabelecido e considerando critérios para
preenchimento da vaga, como formação educacional, experiências anteriores no cargo e
perspectivas de permanência no trabalho.
Estabelecer um critério é de extrema importância para qualquer organização, de acordo
719
com Spector (2012), é por meio destes que a contratação deve ser baseada, juntamente com o
fator preditivo – elemento diretamente relacionado ao critério, pois busca saber
antecipadamente como será o desenvolvimento do profissional no cargo em questão. Em
conjunto, tais processos poderão aumentar a possibilidade de previsão do candidato alcançar
êxito no trabalho. Na pesquisa, o entrevistado ao ser questionado se o processo de seleção
realizado pela organização é capaz de prever o desempenho futuro do selecionado, foi relatado
que, apesar da eficácia da forma de se fazer seleção quando é realizada, esta apresenta um nível
baixo de predição.
É válido ressaltar a importância de uma seleção bem estruturada feita da melhor forma,
afinal, quanto mais seletiva uma organização consegue ser, maior a probabilidade de poder
prever o êxito da atuação profissional (Spector, 2012). Na instituição a entrevista é a única
ferramenta utilizada no processo de seleção da organização. Neste sentido, Machado, Martins,
Melo Negrelli e Almeida (2019) revelam que apesar da entrevista ser considerada a ação mais
importante para um processo de seleção, é importante que ocorra uma seleção estruturada com
técnicas que forneçam subsídios suficientes para a melhor avaliação dos candidatos.
Para isso, considerou-se importante potencializar a entrevista enquanto ferramenta de
levantamento de informações, além de sugerir outras ferramentas que apresentam utilidades no
momento de seleção, de modo a obter êxito na contratação de um funcionário: tudo isto ajudaria
na otimização do processo, a fim de evitar desperdício de tempo ou a contratação de algum
candidato com poucas características adequadas ao cargo, e como consequência uma grande
rotatividade somada à repetição do processo seletivo em um curto espaço de tempo.
Quanto à entrevista, o roteiro pode ser: estruturada, semiestruturada ou abertas. Por se
tratar de um instrumento técnico, pode ser utilizada de diferentes formas, como, por exemplo,
a entrevista comportamental (investigação de características comportamentais), entrevista
situacional (investigação de possíveis comportamentos futuros frente a situações hipotéticas) e
entrevista por competência (investigação de habilidades específicas com base no relato de
experiências anteriores) (Machado et al., 2019).
A importância de estabelecer o modo de se entrevistar deve ser adaptada à realidade da
organização e ao cargo em aberto, pois entrevistar é uma investigação sobre o candidato, que
tem por finalidade identificar suas habilidades, conhecimentos, competências e limitações,
sendo a única ação indispensável para qualquer processo seletivo, funcionando como a base
fundamental para contratar ou não um novo colaborador (Bohlander; Snell; Sherman, 2003;
Coradini; Murini, 2009).
De forma a complementar as informações alcançadas por meio das entrevistas, podem
ser realizadas dinâmicas de grupo, definidas por Coradini e Murini (2009) como uma
ferramenta que pode oferecer o acesso a informações quanto ao perfil do candidato. A dinâmica
de grupo se mostra adequada para a avaliação de muitas características dos candidatos, como:
liderança; sociabilidade; iniciativa; comunicabilidade; criatividade; espontaneidade;
capacidade de análise; capacidade de julgamento; capacidade de argumentação; capacidade
para atuar sob pressão; controle das tensões e da ansiedade; tomada de decisões; habilidade para
lidar com situações de conflito. Trata-se, para Almeida (2004, p.76), de “vivências realizadas
com grupos de pessoas que através de exercícios orientados, para atingir objetivos específicos,
experimentam e refletem sobre a experiência”. Com a utilização desta ferramenta espera-se que
exista observação sobre as posturas, atitudes e habilidades dos candidatos e, quando somadas
às demais informações obtidas por outros instrumentos de seleção, estima-se a realização de
um prognóstico sobre a atuação futura dos candidatos (Coradini; Murini, 2009).
De acordo com Guimarães e Oliveira Arieira (2005) o processo de seleção necessita ser
720
compreendido como uma ferramenta de marketing interno e externo no qual a empresa pode
utilizar a seu favor, dependendo da maneira como é realizado: não termina com a contratação
do profissional, pois o mesmo precisa ser apresentado, integrado e acompanhado nos seus
primeiros dias ou meses após sua contratação.
As organizações estão cada dia mais se especializando, tendo em vista a pressão do
mercado de trabalho. Nesta dinâmica, a capacitação dos funcionários, buscando seu
desenvolvimento e aperfeiçoamento, é fundamental (Carlos; Bazon; Oliveira, 2012).
Por meio da entrevista realizada foi possível ter acesso à informação a respeito do
processo de treinamento: este ocorre no momento da contratação, quando ocorre a adaptação
do funcionário à forma de funcionamento da empresa, seus valores e visão, além de serem
inteirados de suas funções no respectivo setor. Segundo Carlos, Bazon e Oliveira (2012), o TES
– Treinamento em Serviço é executado no próprio local de trabalho do colaborador e tem a
finalidade de promover a aquisição de conhecimento em níveis prático ou habilidade
específicas.
Na organização em questão os funcionários vivenciam ações de treinamento no Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC: este tipo de visão de treinamento é bastante
comum, segundo Borges-Andrade, Abbad e Mourão (2013), quando se faz o planejamento e a
execução dos processos de treinamento, sem olhar as necessidades individuais, muitas das vezes
essas ações recaem nas ofertas de capacitação que surgem. Os cursos ofertados pelo Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC são em formato de treinamento presencial, ou
seja, treinamento feito na presença física do instrutor (Carlos; Bazon; Oliveira, 2012). Por meio
da entrevista realizada foi identificada ausência de um plano de treinamento, sendo este uma
ação de grande potencialidade.
Portanto o processo de Treinamento e Desenvolvimento – T&D deve ser acompanhado
de diversas categorias de capacitação, que são produto de uma análise cuidadosa das
necessidades da empresa (Meneses; Zerbini 2009). Quando não existe a análise, as ações de
treinamento podem impossibilitar a avaliação de resultados destes, desta forma, a verificação
das necessidades é essencial tendo em vista a distância entre o desempenho real e o desempenho
esperado. A partir da análise pode-se ter uma ideia das necessidades de treinamento (Borges-
Andrade;Abbad;Mourão, 2013) e traçar o planejamento e a execução por meio dos métodos de
instrução, levando em consideração a fundamentação teórica-conceitual. Por fim é feita a
avaliação de resultados, que identifica as lacunas nos processos aplicados para promover
melhorias (Borges-Andrade;Abbad;Mourão, 2013).
Segundo Pfister (2009), o desempenho resulta de uma conjunção de fatores que
transcendem a competência, o esforço e a motivação de uma pessoa, de uma vontade, de um
recurso ou ação similar. Em detrimento disso, o processo de avaliação de desempenho pode ser
caracterizado como uma atividade que visa identificar e mensurar as atitudes que os
trabalhadores de uma empresa desempenham em um dito espaço de tempo. Na pesquisa em
questão obteve-se a informação a respeito das mudanças ocorridas ao analisar as competências
e o modo de se comportar dos funcionários, uma vez que a avaliação é realizada para saber se
os funcionários atendem aos requisitos do cargo prestado na organização. Os resultados
desencadeados em tal processo de avaliar são úteis como um aparato que viabiliza a tomada de
decisão, a ascensão de funções, os aumentos salariais, o treinamento, como também as
destituições de cargos (Amaral; Abreu; Silva, 2010).
Apesar dos benefícios que uma boa avaliação de desempenho pode trazer para uma
empresa é preciso ressaltar que a mesma deve ser bem executada, entretanto, muitas avaliações
acontecem sem uma base consistente, sem critérios claros e delimitados (Reifschneider, 2008).
721
Portanto, o processo de avaliação de desempenho deve ser bem organizado, uma vez que é
essencial e tão importante quanto os resultados que são gerados a partir do processo (Fontenele,
2010).
Durante a entrevista realizada foi informado que a avaliação de desempenho é realizada
através de acompanhamento, executada principalmente com os novos funcionários, sendo
observada a forma como está sendo desenvolvido o trabalho. Além disso, o Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE presta consultoria para a organização.
Neste sentido foi relatado por parte do entrevistado que, por meio das consultas ao SEBRAE já
foi solicitada orientação em relação: 1) ao desperdício de comida, que estava gerando gastos;
2) ao tempo de atendimento das recepcionistas; 3) ao tempo que os camareiros gastam para
completar suas funções.
Através da entrevista, pôde-se perceber que a empresa não possui um sistema de
avaliação de desempenho definido, portanto, foi sugerido que a avaliação passe a ocorrer de
forma padronizada. Neste sentido, Amaral, Abreu e Silva (2010), argumentam que qualquer
instituição tem a necessidade de se submeter à avaliação por intermédio de um processo
sistemático a fim de reavaliar suas estratégias e metodologias de trabalho, de modo a minimizar
os impactos da propensão à entropia e aperfeiçoar os seus vínculos. Assim, ela se reinventa e
se capacita para se sustentar em meio às possíveis atmosferas turbulentas.
É importante destacar também que o processo para avaliar o desempenho dos
funcionários deve ser adequado à realidade da organização, uma vez que o esse processo é
influenciado pela estrutura da empresa, seu ambiente e sistemas de recompensa (Crispim;
Lugoboni, 2012). A avaliação de desempenho deve ser ainda um momento confortável para os
funcionários, uma vez que a visão deles acerca desse processo costuma ser diferente da visão
dos empregadores, pois os funcionários costumam perceber a avaliação de desempenho como
um instrumento de pressão (Philadelpho; Macêdo, 2007).
Conclui-se assim que, a partir da presente experiência foi possível uma melhor
compreensão a respeito dos processos internos à dinâmica organizacional.
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EIXO 12
723
Psicologia Jurídica e Ciências Forenses
Introdução
As primeiras abordagens do conceito psicopatia datam do século XIX, no entanto eram
arbitrariamente utilizadas para designar toda e qualquer doença mental (Cantero-Sánchez,
1993; Henriques, 2009). Contudo, Philippe Pinel (1801) definiu psicopatia como ‘mania sem
delírio’, associando essa doença da mente a pacientes que, apesar de se envolver em quadros
de extrema violência agindo de forma impulsiva e irresponsável para com os outros ou consigo,
tinham o perfeito entendimento do caráter irracional de suas ações (Arrigo & Shipley, 2001).
Dessa forma, houve um certo impedimento para poder definir os limites de desempenho da
psicopatia, o que também fez surgir questões acerca da legitimidade do construto.
Em meados do século XX, Hervey Cleckley em seu trabalho a Máscara de Sanidade
(1941) designa como características principais de um indivíduo Psicopata, a inteligência com
racionalidade acima da média, sinais de desonestidade e ausência de remorsos, portanto, pode-
se apresentar um caráter antissocial (Cleckley, 1988). Este termo foi categorizado em
indivíduos sintomáticos (agressivo-predador) e ideopáticos (passivo-parasito), no qual o
primeiro se refere a indivíduos com comportamentos agressivos, insensíveis e ambiciosos;
enquanto o segundo possui uma aparente necessidade de ajuda, simpatia para alcançar seus
propósitos de forma parasitária (Karpman, 1941, 1955 citado por Gonçalves, 1999).
Segundo o dicionário Aurélio, o termo ‘psicopata’ refere-se a pessoa que apresenta
desvios de personalidade ou de caráter como a ausência de sentimentos, de compaixão ou de
culpa, que levam a um comportamento antissocial. Já ‘psicopatia’ é definido como um
transtorno mental patológico que acarreta em comportamentos antissociais (Ferreira, 1999).
Todavia, o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V) não tem um
conceito único de psicopatia porque categoriza o termo de acordo com níveis e casos do
psicopata. Cabendo dentro dos Transtornos Dissociativos tendo como característica principal a
perturbação ou descontinuidade da integração normal da consciência.
Atualmente o termo psicopata tem sido associado aos crimes bárbaros e de extrema
violência, confundindo com atos impulsivos da própria natureza humana. Como o caso “Elize
Matsunaga” que surpreendeu a população brasileira quando esquartejou o marido e o guardou
724
em uma mala, cometendo um crime considerado passional e não como caso de psicopatia, já
que Elize, após o ato demonstrou arrependimento e emoções, tal qual sentimentos que um
psicopata não é capaz de ter (Henrique, 2019) O que leva ao belo exemplo da dificuldade de se
conceituar a psicopatia em casos criminais, já que nunca se sabe se o sujeito está atuando ou
com de fato boas intenções. O caso popular de Suzane von Richthofen (Buosi & Marra, 2002)
que assassinou os pais a sangue frio, com esquemas e planejamento, utilizou recursos como
persuasão e manipulação para com os dois parceiros de crime, tornando seu namorado e
cunhado como cumplices, se modificando a um claro caso de crime decorrido por um psicopata.
Com base nos fatos mencionados, quais fatores que dificultam a unicidade do termo Psicopata
na sociedade contemporânea?
Tendo em vista os questionamentos levantados, acredita-se que a fácil confusão do
termo seja compreensível já que mesmo existindo manuais classificatórios de doenças mentais,
não se tem ao certo um significado único sobre o conceito do termo fazendo a população, de
modo geral, se apropriar de textos digitais e relatos populares, onde muitas vezes, as
informações são repassadas de forma errônea. É importante mencionar também a ocorrência de
que existem inúmeros posicionamentos teóricos e práticas clínicas que atuam com conceitos
particulares acerca da psicopatia e do psicopata. Além disso, é considerável ressaltar que o tema
se tornou mais visível após filmes, seriados de televisão ou novelas transmitidas nas mídias
digitais que abordam como seria alguém com o transtorno de psicopatia, fazendo com que as
pessoas do senso comum se adaptassem a esse tema e atribuíssem um significado popular.
Tomando como base os conceitos mencionados, a escolha dessa temática formulou-se
através da curiosidade dos integrantes a partir de pesquisas que evidenciavam o mau-uso do
termo, como alguns livros, documentários e seriados de televisão. A relevância se dá uma vez
que a personalidade psicopática vira um risco à população em geral, sendo necessário conhecê-
la.
A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva em seu livro ‘Mentes Perigosas’, o Psicopata
Mora ao Lado’’ afirma que o mesmo tem ausência de consciência genuína frente às demais
pessoas, sendo assim um forte indício de comportamentos voltados a criminalidade no adulto e
no adolescente portador do transtorno (Silva, 2008).
Portanto, devido à falta de acurácia na definição de psicopatia nos diversos campos da
sociedade, o presente estudo pretende analisar o mau-uso do termo Psicopata na sociedade
contemporânea, isto é, como a população reconhece a psicopatia e o que leva este mau-uso
ressaltando principalmente a definição do mesmo com suas características para uma
compreensão autentica voltada a psicopatia.
Método
Nesta revisão bibliográfica histórica, de natureza aplicada, foi utilizado o método-
dedutivo, que tem por conceito principal leis e teorias gerais que buscam explicar fenômenos
particulares de um determinado assunto. Proposto por Descartes, tem como fundamento
explicar uma terceira proposição a partir de outras já existentes (Prodanov & Freitas, 2009)
Os critérios de inclusão utilizados para selecionar o material a ser analisado nesta
pesquisa qualitativa, foram jornais nacionais e internacionais, livros, artigos científicos e
monografias que se tratassem de pesquisas descritivas, documental e revisão bibliográfica,
nacionais e em português do Brasil. Empregando obras desde os conceitos antigos até 2019,
ressaltando as concepções mais utilizadas e as menos conhecidas. Os critérios de exclusão
detinham-se, principalmente, a artigos resultantes de pesquisa de campo, pesquisas
725
quantitativas, pesquisas experimentais, pesquisas exploratórias, filmes e pesquisa-ação, tais que
não contribuiriam para a revisão bibliográfica do artigo em questão. Esta pesquisa teve também
como descritores as seguintes palavras chave: psicopatia, transtorno de personalidade
antissocial, traços do psicopata.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Conhecendo a Psicopatia
Historicamente o termo psicopata foi estruturado a partir de diversos conceitos e
influências, sendo mesclado por autores distintos e categorizado a partir de casos registrados.
A primeira definição científica de psicopatia foi formulada pelo médico psiquiatra Phillipe
Pinel, em 1809, não com o termo psicopatia em si, mas como “mania sem delírio” para
conceituar os indivíduos que possuíam atitudes perversas, e que não tinham ligação com um
delírio, pois eram atitudes conscientes (Arrigo & Shipley, 2001).
Avançando acerca do conceito, em 1835, o psiquiatra Pritchard formulou o termo de
“insanidade moral” em seu livro Treatise On Insanity and Other Disorders Affecting the
Mind relacionou com indivíduos que apresentavam um caráter com princípios maldosos e um
grau de comportamentos antissociais (Cantero-Sánchez, 1993).
Apenas entre 1896 e 1915 que Kraepelin surgiu com conceito “personalidade
psicopática” termo que é usado nos dias de hoje, incluindo na condição uma inibição do
desenvolvimento da personalidade. A personalidade psicopática para Kreapelin seria no caso
uma etapa pré-psicótica. Para acrescentar a teoria de Kraepelin, Kurt Schneider propagou como
“aquelas personalidades anormais que sofrem por anormalidade, ou por ela, fazem sofrer a
sociedade”, vendo-o como um distúrbio da personalidade que não interfere a estrutura do
indivíduo, nem a inteligência, mas sim, afeta o meio em que se vive (Shine, 2000)
Décadas após, este termo foi categorizado como “Loucura dos degenerados”, pois
acreditava que fatores como o álcool e tóxicos eram uma causa para degenerar os indivíduos
possibilitando maus comportamentos (Morel, 1857). Subsequente, Valentim Magnan
amplificou este conceito de degeneração formulando a ideia de desequilíbrio mental, que está
vinculado a neurologia. Magnan definiu que havia algo diferenciado nos centros nervosos,
ocasionando um desequilíbrio no indivíduo (Shine, 2000).
Em 1988 a psicopatia foi conceituada por Cleckley como uma doença mental sem os
sintomas “normais” normalmente vistos em transtornos mentais. Colocou-se como o fator
principal a demência semântica, ou seja, a carência dos sentimentos humanos, embora na
persona parece compreende-los. Ao analisar 15 pacientes, Cleckley procedeu algumas
principais características para o transtorno: (1) sedutores e inteligentes; (2) Ausência de
alterações patológicas; (3) Ausência de alterações de humor; (4) não confiável; (5) Desprezo
para com a verdade; (6) Falta de remorso; (7) Conduta antissocial; (8) Julgamento pobre e não
aprende através de experiências; (9) Egocentrismo patológico; (10) Pobreza no afetivo; (11)
Perda do insight; (12) Não reatividade afetiva; (13) Comportamento extravagante; (14) Suicídio
raramente praticado; (15) Vida sexual impessoal; (16) Falha em seguir planos de vida.
(Cleckley, 1988).
Psicopatas assumem qualquer tipo de persona pelo fato de terem extrema inteligência,
são capazes de tudo para conseguirem o que querem, são providos de uma condição impulsiva,
são fortes manipuladores, vivendo em favor da sua própria satisfação. Os psicopatas não apenas
ignoram normas sociais como também não conseguem evoluir após seus próprios erros. Além
726
disto, o psicopata não consegue se pôr no lugar do outro de forma natural e espontânea, ele lida
com as emoções da forma que lhe cai bem, e de como ele precisa (Silva, 2010)
Um padrão difuso de desconsideração e violação dos direitos das outras pessoas que
ocorre desde os 15 anos de idade, conforme indicado por três (ou mais) dos seguintes:
Para diagnóstico o indivíduo tem que ter no mínimo 18 anos de idade; há evidências de
transtorno da conduta com surgimento anterior aos 15 anos de idade; A ocorrência de
comportamento antissocial não se dá exclusivamente durante o curso de esquizofrenia
ou transtorno bipolar (DSM-V pg. 659)
727
quem era, assassinou 30 mulheres de diferentes regiões. Bundy foi condenado a pena de morte
por cadeira elétrica, morreu em 1989 (Goldstein, 1989) publicado no The New York Times
com informações de que a euforia por detrás das grades pela população era imensa pedindo a
morte de Bundy.
Conceito contemporâneo
Em virtude da contemporaneidade, o termo psicopata e suas atribuições tiveram um
avanço significativo no contexto social. A tecnologia é a principal estrutura que proporciona
esse avanço, uma vez que transmite informações sobre o tema de modo global. Entretanto, tais
mudanças ainda são insuficientes para o entendimento autêntico do termo na sociedade, visto
que muitos dados são repassados de maneira errônea.
De acordo com Kerry Deynes (2015), ao decorrer da vida, o indivíduo encontrará
alguém com traços principais de um psicopata, podendo ser um amigo, um namorado, ou o
chefe do próprio trabalho, tendo a única coisa em comum a quantidade de problemas
emocionais e desprovidos de qualquer empatia.
728
psicopatas mulheres.
5: Todos conseguem reconhecer um psicopata quando cruzar com um. A maioria dos
psicopatas não são percebíveis, e provavelmente você conheceu um psicopata ao longo da sua
vida e não teve ideia, as vezes nem ele sabe que é um psicopata.
Nesse contexto, evidencia-se também um alto índice de falhas na identificação de um
indivíduo psicopata, fato que ocorre principalmente pela falta de conhecimento fundamentado
sobre o termo. Alguns casos que foram classificados de maneira incorreta relacionados a
psicopatia são: o acontecimento declarado como ‘’O Incidente do Gato na Lixeira’’ aconteceu
em 2010, a britânica Mary Bale, foi vista jogando a gata do vizinho chamada Lola, em uma
lixeira. O caso repercutiu em todo o mundo, pois o ato foi comprovado em vídeos e divulgado
tanto na internet como em canais de televisão. O público em geral atacou Mary, ameaçando-a
de morte e muitos classificaram como uma psicopata, visto que a mesma discursou que achou
divertido jogar o animal na lata de lixo, frase que demonstra total falta de empatia. O ato
exemplifica que nem todos os casos que promovem crueldades são de psicopatas, e que é
necessário analisar em âmbitos mais amplos o histórico e as características de cada indivíduo
em questão (Daynes, 2015).
Um caso que do mesmo modo se causa alvoroço na confusão do termo é o conhecido
como ‘’O Massacre de Columbine’’ (1999) onde a maior parte da população acredita que os
dois meninos eram psicopatas, quando na verdade, era apenas um com transtorno antissocial
influenciando outro. O caso conhecido como “Massacre de Columbine” foi sediado por Dylan
e Eric, em que o psiquiatra clínico professor da PUC afirmou que os jovens se mataram por
razões diversas. Conforme o médico Carlos Von Hüber, Eric tinha um comportamento similar
ao de um psicopata, não demonstrando emoções, fazendo atitudes articuladas e bem pensadas
ao praticar o crime, além da manipulação em cima do seu amigo Dylan que sofria de um caso
grave de depressão. Após o massacre, se mataram na mesma escola, com tiros na cabeça na
biblioteca, onde ocorreu o maior número de mortes dos jovens estudantes durante a carnificina
(Teodoro, 2009).
Um quadro que também origina conflito é o do Pedrinho Matador, mas diferente dos
outros citados acima, as pessoas são sabem se o próprio é portador por conta de ser um indivíduo
popular, que sabe conversar e seria aparentemente simpático, porém Pedrinho Matador,
conhecido assim pela maioria, é um Serial Killer e declara com orgulho que já teria matado
mais de 100 pessoas, sendo 47 delas na cadeia, incluindo também na quantidade, seu próprio
pai onde mastigou o próprio coração do mesmo. Pedro Rodrigo matou a primeira vez aos 14
anos de idade, sendo preso com 18. Ana Beatriz Barbosa afirma em seu livro que “Pedrinho”
matava por prazer, e em cada morte sentia que havia feito um trabalho “bem-sucedido” O
próprio tatuou em seu braço “mato por prazer” afirmando a fala de Ana Beatriz. Pedro tinha
ausência de empatia, sendo essa uma das principais características do psicopata (Silva, 2008)
Considerações Finais
O que se pode apurar a partir de todas estas colocações, é que embora se referindo
basicamente a psicopatia a uma origem constitucional, os entendimentos divergem quanto à
conceituação da natureza do problema, partilhando em três linhas principais: a degeneração
constitucional, a variação em relação à norma (com ênfase seja no caráter, seja no
comportamento antissocial); e finalmente, a aproximação da psicose. Foi a partir destas
inconformidades que pôde, durante muito tempo, perdurar a grande desordem em relação ao
conceito do termo de psicopatia (Mayer-Gross, 1954 citado por Bittencourt, 1981). A
729
dificuldade principal ao realizar este artigo científico se deu em primeiro lugar pelo impasse de
encontrar artigos, livros e monografias que se desmistificassem do senso comum, já que até
então seria o principal intuito da pesquisa. O estorvo também se deu ao notar-se que a grande
maioria de pesquisas realizadas sobre o tema não seriam tão atuais quando se desejava, mas
entendível já que o termo ‘psicopata’ é antigo e concebido por diversas traduções e significados
ao longo dos anos. A recomendação que se dá a futuros trabalhos sobre essa temática é que
utilizem métodos envolvendo a prática da pesquisa, como por exemplo, a coleta de dados
através de levantamentos/questionários/formulários e entrevistas acerca do conhecimento atual
da população sobre o tema, com o objetivo de evidenciar e desvincular a variação de ideologias
que se destaca ao senso comum em relação a psicopatia. Desse modo, propõe-se também, que
as pesquisas tenham fontes de informações além da área da informática, se apropriando da
pesquisa de campo e fornecendo a sociedade de modo geral, uma aprendizagem fundamentada
para melhor compreensão do assunto.
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ALIENAÇÃO PARENTAL: REFLEXÕES SOBRE UMA ATUAÇÃO CRÍTICA DA
731
PSICOLOGIA NO CAMPO JURÍDICO
1 Introdução
A discussão proposta neste artigo surgiu da necessidade de refletir sobre o lugar do
psicólogo jurídico em casos de alienação parental. A partir da promulgação da lei nº
12.318/2010, a temática de alienação parental tornou-se frequente na justiça brasileira e desde
então surgiram várias reportagens, relatos, documentários que fazem alusão a ações alienadoras
e seus impactos, e os psicólogos que atuam, principalmente nas varas de família, passaram a
ser solicitados para produzirem laudos psicológicos ou pareceres indicando a ocorrência ou não
da alienação parental.
Porém, tanto a lei quanto a apropriação desse conceito pela psicologia nunca foram
unânimes. De um lado, críticos que levantam questionamentos sobre a funcionalidade da lei,
dada a complexidade da instituição familiar; e de outro, apoiadores que justificam a
legitimidade da lei a partir de sua promessa de garantir o direito de convívio familiar saudável
à criança e ao adolescente. Como reflexo dessas variadas concepções, estão em discussão no
Senado projetos de lei que propõe revogar a lei de alienação parental54.
Sobre isso, não objetivamos apresentar um posicionamento em relação a revogação ou
não da lei, mas analisar criticamente a atuação do psicólogo jurídico frente a essas demandas.
Em um artigo, Oliveira e Brito (2016) se perguntam se estamos diante de uma humanização da
justiça ou uma judicialização do humano. Essa indagação nos leva a uma encruzilhada, pois ao
mesmo tempo em que direitos são reconhecidos e garantidos via implementação de leis e
políticas públicas, observa-se que os modos de vida também acabam sendo capturados por essa
normalização jurídica.
54
Projeto de Lei do Senado nº498 de 2018 que propõe revogar a lei de Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010),
por considerar que tem propiciado o desvirtuamento do propósito protetivo da criança ou adolescente, submetendo-
os aos abusadores; Projeto de Lei nº 6371/2019 proposto pela deputada Iracema Portella.
desenvolvido em uma perspectiva de apoio às famílias, visando sua reestruturação, a fim de que
732
a criança não fosse retirada do lar e enviada a um abrigo.
A atuação desse profissional nessa esfera vem sendo fortalecida com a promulgação de
algumas legislações como Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), o Código Civil
Brasileiro (2002), as leis sobre guarda compartilhada (2008 e 2014) e a Lei de Alienação
Parental (2010). E uma alteração percebida ao longo dos anos, é que além das atividades
originariamente desenvolvidas, o psicólogo passa a ser demandado a realizar perícias.
Para Brandão (2011), o conhecimento dessas legislações é necessário, não somente para
assimilar os limites jurídicos da atuação do psicólogo, mas também de problematizar o seu fazer
e evidenciar os mecanismos de poder que estão envolvidos nesse enredo.
As perícias psicológicas comumente são solicitadas em processos de separação judicial
que envolvam disputas de guarda dos filhos, visto que as decisões judiciais devem se pautar no
interesse da criança, ressaltando que o melhor interesse da criança é o princípio no qual se
fundamentam as decisões judiciais que as envolvam. Entretanto, esse melhor interesse não está
descriminado nas normas jurídicas, fazendo com que os magistrados recorram às equipes
interprofissionais para auxiliarem na indicação do que poderia configurar esse melhor interesse,
subsidiando suas decisões.
Nos processos de guarda, segundo Brandão (2011, p. 90), o psicólogo vê-se diante de
um impasse: “é comum o psicólogo ser requisitado a responder à difícil demanda judicial de
analisar o impedimento de visitas de um dos genitores ou apontar o genitor mais qualificado
para o exercício da guarda”. Reduzindo a uma escolha polarizada, uma situação que é bem
mais complexa do que isso.
A possibilidade de determinação da guarda compartilhada minimiza essa divisão entre
os genitores, diminui a tensão imposta pela lógica adversarial inerente ao processo judicial.
Porém, não devemos nos assegurar na guarda compartilhada como viável para todas as
dinâmicas familiares e nem como resposta para todos os conflitos.
A guarda compartilhada privilegia a manutenção das relações da criança com os dois
genitores, ainda que um deles fique com a guarda física da criança, as responsabilidades e o
cuidado com a criança devem ser partilhados entre os dois e a criança não precisa ficar restrita
aos contatos apenas no final de semana com o outro genitor. Cabe aos profissionais da equipe
interprofissional, orientar o magistrado a respeito das atribuições parentais e sobre os períodos
de convivência sob a guarda compartilhada (Brandão, 2011).
Junto aos processos de separação judicial e de guarda, um outro fenômeno que passou
a ser constantemente discutido nas varas de família foi a alienação parental, que, mais uma vez,
coloca o profissional da psicologia frente a decisões maniqueístas: de um lado, alienados; de
outro, alienadores. Nesse sentido, torna-se cada vez mais urgente que o psicólogo tome
conhecimento não somente das leis, como também da teia complexa que envolve cada relação
familiar.
1 Alienação Parental
O conceito de Alienação Parental, enquanto síndrome (SAP - Síndrome da Alienação
Parental), foi desenvolvido pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner, como apontam
Sousa e Bolognini (2017). As autoras revelam que, para ele, a SAP seria um distúrbio infantil,
cujos sintomas consistiriam na difamação de filhos em relação a um dos genitores, a partir da
construção negativa que um dos pais construiria sobre o outro. Somada às elaborações da
733
própria criança, o psiquiatra apontava para uma série de argumentos inconsistentes que se
faziam presentes, sobretudo, no processo de litígio conjugal.
Desconsiderando a complexidade das relações familiares e despindo-se de uma análise
crítica, Gardner utiliza a descrição dos sintomas para fazer a seguinte classificação: um dos
genitores é o alienador; o outro e as crianças são os alienados. Sousa e Bolognini (2017)
apresentam diversas descrições de Gardner sobre a figura do alienador, dentre elas, aponta para
um excesso de raiva, vingança, ciúmes, etc. Além disso, o psiquiatra chama atenção, ainda, para
a possibilidade de a prática de alienação estar integrada à estrutura psíquica do genitor, cujos
transtornos psiquiátricos poderiam ser acionados pela ruptura do casamento (Gardner, 1991
citado por Sousa & Bolognini, 2017).
Sousa e Bolognini (2017) citam Escudeiro, Aguilar e Cruz (2008) para marcarem a
aliança do direito ao conhecimento psi sugerido por Gardner na chamada “terapia da ameaça”.
Essa intervenção sugere que o alienador seja submetido judicialmente a um tratamento
psiquiátrico e, caso haja alguma recusa, o genitor pode sofrer sanções que variam de pagamento
de multa à suspensão de qualquer contato com os filhos, ou até mesmo a prisão.
No Brasil, como pontuam Sousa e Bolognini (2017), as proposições de Gardner foram
utilizadas como base para o debate sobre alienação parental, sem considerar a sua inconsistência
teórica. Desse modo, em 2010, o presidente da república sanciona a Lei nº 12.318,
considerando:
A lei mencionada exemplifica alguns atos que podem ser declarados pelo juiz ou
constatados por perícia como alienação parental: desqualificar a prática materna ou paterna do
genitor; promover obstáculos para a prática da autoridade parental; prejudicar a convivência
familiar, seja omitindo intencionalmente informações importantes - como escolares, médicas,
de endereço - sobre a criança e o adolescente, ou mudando para um domicílio distante sem
justificativa, ou, ainda, prestando falsas denúncias contra o genitor, parentes destes e avós. Esse
atos de alienação parental, segundo a lei, impedem a consolidação do direito fundamental da
criança e do adolescente de convivência familiar saudável - assegurado pelo ECA -, além de
prejudicar a promoção de afeto nas relações com o genitor com o grupo familiar, constituindo,
assim, abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes
à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda55.
Para inibir ou atenuar os efeitos dos atos de alienação parental, a lei 12.318 apresenta
diversos instrumentos processuais que podem ser utilizados pelo juiz a depender da gravidade
do caso: advertir o alienador; favorecer o genitor alienado, ampliando o regime de convivência
familiar; estabelecer multa ao alienador; determinar acompanhamento psicológico ou
55
Para conhecer os deveres da autoridade parental, verificar artigo 1.634 do Código Civil brasileiro.
biopsicossocial; inverter a guarda unilateral ou alterá-la para guarda compartilhada, dando
734
preferência para o genitor que não dificulta o exercício da maternidade/ paternidade do outro
genitor; determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou do adolescente; suspender a
autoridade parental; suspender a autoridade parental.
56
O princípio da intervenção mínima está disposto na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
Apesar desses impasses, Oliveira (2010) chama atenção para a crescente requisição de
735
psicólogos no processo de avaliação de alienação parental, considerando que o seu objeto de
estudo também se concentra nos conflitos relacionais. No entanto, a autora destaca que, à
medida que são inseridos nesse campo jurídico, esses profissionais devem sustentar a análise
dessas demandas no Código de Ética da profissão, no sentido de direcionar a concepção dos
sujeitos a partir de suas determinações históricas, sociais, econômicas e políticas.
Assim, a avaliação da alienação parental deve superar a visão dicotômica entre culpados
e inocentes. É necessário considerar, por exemplo, os impactos do rompimento conjugal nas
relações entre pais e filhos, pois considerando a teia que envolve a instituição familiar,
compreende-se a dificuldade de dissociar vínculos parentais e conjugais, conforme aponta a
pesquisa de Sousa (2009, citado por Oliveira, 2010). Partindo disso, é preconizado um manejo
profissional do psicólogo, pois, ainda que esses aspectos sejam considerados, a relação familiar
entre filhos e progenitores não pode ser rompida a partir da dissolução do matrimônio (Brito,
2007 - citado por Oliveira, 2010).
Oliveira (2010) direciona o debate citando Brito (2007) e Sousa (2007), apontando para
outro ponto que deve ser considerado nos casos de alienação parental: a guarda unilateral. A
autora descreve que no Brasil a decisão judicial volta-se, de forma majoritária, para a guarda
unilateral, o que estabelece uma relação mais próxima da criança com o genitor guardião, que
geralmente é a mãe. Essa aliança fortalecida, pode desencadear o enfraquecimento de vínculo
com o outro pai, o que propicia a construção a culpabilização do alienador. Dessa forma,
Oliveira (2010) sugere que a análise da demanda judicial, além de ser sustentada numa
contextualização histórica e sociocultural, deve considerar, também, as implicações do atual
ordenamento jurídico legal.
É indiscutível que devem ser tomadas medidas que garantam os direitos dos menores de
idade e rompam com qualquer ato violento que seja investido contra eles. Todavia, é
fundamental considerar que as relações familiares são compostas por sujeitos históricos que
devem ser escutados antes de serem categorizados em alienadores ou alienados.
5 Conclusão
A inserção da psicologia no campo jurídico se deu de forma lenta e gradual, sendo
fortalecida pela promulgação de leis que solicitam um constante diálogo entre o direito e o saber
psi. Embora seja de suma importância o conhecimento do psicólogo sobre a legislação vigente,
ressalta-se a necessidade de analisá-la sob uma ótica crítica, considerando as diferentes nuances
que constituem as relações humanas.
Nesse sentido, a atuação do psicólogo nas Varas de Família requer que seu
conhecimento técnico atue juntamente à sensibilidade de reconhecer as singularidades de cada
processo, pois entende-se que as leis, de forma isolada, não apresentam recurso suficiente para
a tomada de decisão frente a complexidade inerente à instituição familiar, uma vez que cada
núcleo é formado por uma combinação de sujeitos e suas histórias.
O fenômeno da alienação parental, no entanto, unindo a sua concepção de síndrome ao
campo jurídico, parece solicitar da equipe interdisciplinar de perícia um posicionamento
simplista que determine vítimas e culpados diante de todas as dimensões humanas manifestadas
durante os conflitos familiares. Enfatiza-se aqui que, para além das ações nocivas, existem
sujeitos com estratégias de enfrentamento escassas para uma separação conjugal, por exemplo,
dificuldade de separar os sentimentos do cônjuge do exercício da maternidade/paternidade, e
até mesmo a própria determinação de guarda unilateral que pode corroborar com ações
736
alienadoras, além de tantas outras facetas que podem estar por trás da cortina judicial.
Por outro lado, não é retirada a importância de assegurar aos pais o direito de um
convívio saudável com os filhos, independente da relação com o outro genitor, assim como a
garantia à criança e ao adolescente de convivência com ambos os genitores, como estabelece o
ECA. Entende-se a gravidade dos prejuízos causados pela alienação parental a todos os atores
do processo e a urgência das medidas a serem tomadas para contorná-los.
Assim, enfatiza-se que a prática do psicólogo jurídico deve atender às demandas
judiciais, sem desvincular-se do que preconiza o código de ética da profissão, no sentido de
contextualizar historicamente a realidade política, econômica e cultural dos sujeitos. Desse
modo, é importante que as análises sobre alienação parental superem o maniqueísmo entre
alienados e alienadores que sustenta o objetivo punitivista da lei. Para além disso, é necessário
não somente interpretar e aplicar a lei de forma generalista, mas escutar as singularidades dos
conflitos.
Referências
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família. In: H.S. Gonçalves e E.P Brandão. (orgs). Psicologia Jurídica no Brasil (pp. 73-
139). Rio de Janeiro: Nau.
Conselho Federal De Psicologia (2005). Código de Ética Profissional do Psicólogo. Brasília:
Autor. Recuperado de http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-
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Humano?. Psicologia Clínica, 28 (2),149-171. Recuperado em 13 de junho de 2020, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S01036652016000200009&l
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Oliveira, C. F. B. de (2017). (Im)Possibilidades de atuação da psicologia jurídica em meio à
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perícia psicológica (pp. 169 – 203). Manaus: Uea Edições.
OS IMPACTOS DO PROCESSO DE DIVÓRCIO NO DESENVOLVIMENTO
737
INFANTIL
Gabriel Campelo Sotero
Ayra Audry de Lima Souza
Mirela Dantas Ricarte
Introdução
Segundos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano de
2017, no Brasil, um a cada três casamentos acaba em divórcio, sendo observado assim um
aumento gradativo de divórcios através das décadas. A pesquisa também demonstra que casais
com filhos menores de idade representam a maioria dos divórcios (48,5%). Sobre a questão da
guarda compartilhada, em pesquisa realizada no mesmo ano pelo instituto, notou-se um
aumento no número de concessões para esse tipo de guarda, triplicando entre o período de 2014
e 2017. Hoje, mais de 20% dos pais no Brasil possuem guarda compartilhada. Boa parte desse
aumento se deve por conta da lei 13.058/2014, que passou a estabelecer obrigatoriedade em
tentar se buscar a guarda compartilhada, prevendo que o tempo de custódia física dos filhos
deve ser dividido de forma equilibrada entre o casal, sempre tendo em vista as condições
individuais de cada um e levando em conta os interesses dos filhos.
Um breve adendo na história do divórcio mostra que esse teve sua ascensão devido a
diversas transformações sociais. As compreensões do que se entendia como família mudaram
e as mulheres também conseguiram ter direito e voz para pedir separação ao se sentirem
insatisfeitas com o casamento (Oliveira, 1999). Ao longo da história fica também evidente a
autoridade paterna como mandante absoluta dos processos conjugais. E não só o interesse das
mulheres, mas também dos filhos eram ignorados ou subjugados. Segundo Toloi (2006),
antigamente os reais interesses dos filhos e da mãe eram administrados pela figura paterna, que,
baseada nos valores religiosos e patrimoniais, decidia de forma absoluta o destino desses. Além
do que, em casos de separações, era sempre o pai que ficava com a guarda do filho.
Sobre desenvolvimento infantil, esse se caracteriza como um processo de mudança
contínua na cognição, comportamento e emoções de crianças, tendo impacto ao longo da vida
em aspectos que vão desde os físicos aos sociais (Bee & Boyd, 2013; Papalia, 2006). No que
se refere a desenvolvimento infantil e relações conjugais, Newcombe (1999), afirma que o
desenvolvimento dos filhos está totalmente ligado com que tipo de relação os pais estão tendo,
como se encontra o relacionamento dos dois e se está havendo a promoção de competências
emocionais e segurança para a criança nesta relação.
Os primeiros estudos da psicologia sobre conflitos conjugais surgiram na década de
1920, já tentando compreender quais seriam os impactos negativos no desenvolvimento dos
filhos. Já os propriamente relacionados a divórcio ou separação e desenvolvimento infantil,
iniciaram na década de 1940, buscando entender como a ausência de um dos genitores ou a
quebra do convívio influenciavam as crianças (Toloi, 2006). Hoje, a literatura já revela que uma
separação conflituosa pode acarretar problemas como ansiedade, dificuldades de aprendizagem,
comportamento antissocial, dentre outros (Grzybowski, 2010; Raposo et al., 2011; Souza,
2000).
Logo, visando compreender como ocorre o processo de divórcio numa perspectiva da
criança e como se encontram os novos mecanismos legais e as novas configurações familiares
diante desse processo, o presente estudo objetivou entender quais são os principais impactos do
divórcio ao longo do desenvolvimento infantil e quais meios e recursos podem estar se
demonstrando mais eficazes para amenizar o sofrimento psíquico da criança diante de tal
738
situação.
Desenvolvimento
Um breve histórico do divórcio no Brasil e seus novos mecanismos de conciliação
A priori, faz-se necessário pontuar a partir do ordenamento jurídico brasileiro, o
conceito de divórcio, que se caracteriza pela dissolução do vínculo matrimonial completo.
Nessa perspectiva, constata-se uma diferença da noção presente no senso comum para a
concepção da lei promulgada, ao utilizar divórcio e separação como termos análogos.
Entretanto, a jurisprudência brasileira atribui que antes do processo de divórcio completar-se
os cônjuges estão passando por uma separação judicial, ou seja, ela é apenas uma etapa e até a
sua conclusão o homem ou a mulher não podem casar-se novamente, mas já não necessitam
manter os direitos e os deveres matrimoniais (Jesus & Cotta, 2016).
Ademais, para alcançar os princípios utilizados na atualidade, o Brasil passou por um
longo histórico legislativo divorcista, até que essa prática fosse constitucionalmente
reformulada na Lei de nº 6.515/1977. Diante desse cenário, é importante salientar personagens
fundamentais presentes na dissolução conjugal, os filhos. O artigo 27 da lei citada anteriormente
já enunciava “O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos”.
E em seu parágrafo único descreve: “O novo casamento de qualquer dos pais ou de ambos
também não importará restrição a esses direitos e deveres” (Brasil, 1977. Capítulo II, art. 27).
Concomitantemente, observa-se que casar é um ato jurídico que confere obrigações não
apenas entre si, mas principalmente com seus descendentes. Em pesquisa realizada com casais
divorciados, a equipe multiprofissional presente na Vara da Família sustenta a ideia de que o
divórcio separa marido e mulher, mas não anula os laços que unem pais e filhos, ou seja, a
ruptura do vínculo conjugal não implica na ruptura do vínculo parental (Alexandre & Vieira,
2009). Nesse contexto, que entram em cena os diferentes tipos de guarda, decididas em acordo
com os pais e em conjunto com um juiz, destacam-se a: guarda exclusiva, guarda alternada,
guarda por terceiro e guarda compartilhada.
A guarda exclusiva (também chamada de unilateral) se configura quando apenas um
dos genitores obtém a guarda da criança, podendo permitir ou não que o outro genitor faça
visitas ao infante. A alternada se caracteriza quando cada um dos genitores exerce sua
responsabilidade e cuidado exclusivo sob a criança, porém de forma alternada mediante
combinado entre os mesmos. A guarda por terceiros tem o objetivo de regularizar a
responsabilidade da criança a parentes próximos ou até mesmo a não parentes. Costuma ser
implementada de forma legal quando nenhum dos genitores possui capacidade para assumir a
guarda do determinado infante (Costa, 2011).
Já a guarda compartilhada configura-se como uma nova forma de encarar a educação e
a convivência com os filhos após uma separação, sendo defendida como um caminho menos
impactante para todos. Historicamente, a primeira aplicação da guarda compartilhada ocorreu
na Inglaterra, nos anos 70, posteriormente essa modalidade foi difundida e ganhou
jurisprudência pelas Américas, até chegar no Brasil e promover mudanças significativas nas
decisões da custódia do menor (Delgado, 2009). Tendo em vista, que antes dessa medida, a
tutela dos infantes era deferida em favor da mãe, exceto se essa deliberação trouxesse prejuízos
para as crianças, conforme enunciado no art. 16 da Lei 5.582 (Brasil, 1970) e ao pai cabia a
pensão alimentícia e o direito a visitas. No entanto, essa aplicação concentra a autoridade
parental em apenas um genitor, trazendo assim, possivelmente, mais desarmonia entre os ex-
739
cônjuges, ao discordarem com alguma decisão ou conduta do outro sob o filho.
Dessa forma, Silveira (2014) apresenta como uma das principais vantagens da guarda
compartilhada para os pais, a igualdade de direitos e obrigações entre os genitores, aliviando o
exercício da parentalidade de apenas um e dando-o mais espaço para reconstruir sua vida
pessoal e seus aspectos psicológicos após um processo de divórcio. Diante dessa perspectiva,
constata-se que apesar dessa modalidade de tutela conjunta constituir-se como um processo
mais “suave”, ainda assim houve uma alteração na configuração familiar, que exigiu dos
guardiões consenso para permanecer em concordância na criação dos filhos, apesar dos seus
conflitos conjugais e, assim, obter resultados efetivos com a guarda combinada.
740
responsabilidade de tudo que está acontecendo como culpa delas ou selecionam no seu
imaginário um dos pais como culpado por tal situação.
Ademais, Silva e Gonçalves (2016) afirmam que a saída repentina de um dos genitores
do ambiente familiar faz com que a criança sinta como se tivesse perdido uma parte de si,
ficando muitas vezes quase privada do convívio com esse genitor que foi embora, daí a
importância de manter a guarda compartilhada da forma correta. Além disso, os autores
salientam a ideia da perda de confiança nos vínculos familiares e sociais que as crianças podem
ter ao ver a partida de um dos genitores, já que ela pode interpretar que as relações e afeto que
concretizar com alguém pode acabar a qualquer momento, gerando assim comportamentos
excessivos de insegurança e medo.
Paralelamente, alguns estudos evidenciam que, de modo geral, as primeiras grandes
mudanças apresentadas pelas crianças e relacionadas a separação dos pais ocorrem após um
ano, sendo estas principalmente evidenciadas no âmbito escolar e familiar. Dentre as mudanças
citadas estão o chamado comportamento desajustado (caracterizado por o isolamento em locais
com muitas pessoas, insegurança e às vezes associados com sintomas de depressão), uma
diferente interação social e falta de interesse em novas socializações, sentimento de tristeza e
dificuldades na aprendizagem, que, consequentemente, acarretam queda no desempenho
escolar (Barreto, 2013; Ferriolli, Marturano & Puntel, 2007).
Por outro lado, Grzybowski (2010) e Barreto (2013) citam que as mudanças a longo
prazo podem ser observadas em problemas no desenvolvimento que interferem desde a pré-
adolescência à fase adulta, sendo estas mudanças investigadas sob diferentes perspectivas e
contextos na literatura em geral. Em síntese, alguns autores apontam que em um intervalo a
partir de cinco anos após a separação dos genitores, comportamentos do tipo agressivo e do tipo
desafiador, além de diferentes níveis de ansiedade, são observados com mais frequência em
crianças ou pré-adolescentes que passaram por situação de divórcio que não prezou pelo seu
bem-estar ou que conviveram com uma relação de separação que foi conflituosa aos longos dos
anos (Bee & Boyd, 2011; Costa, 2011; Rodrigues, 2010).
Mediante o exposto, Vidale (2019) cita um estudo da University College London,
publicado no mesmo ano, que destaca que os pré-adolescentes são mais impactados pela
separação dos pais do que crianças mais novas, o que acaba levando em conta que a fase na
qual a criança se encontra no momento da separação também é um fator importante. Segundo
este mesmo estudo (realizado com crianças entre 3 e 14 anos), as crianças e pré-adolescentes
com idade entre 7 e 14 anos apresentaram 16% a mais um risco de sofrerem com fatores de
alteração emocional como ansiedade e depressão, e 8% maior probabilidade de apresentarem
comportamentos de birra ou desobediência. Contudo, ao mesmo tempo que o estudo também
salienta a maior frequência de processos como a alienação parental nas crianças menores.
Outrossim, se os impactos da separação (mesmo aquelas não conflituosas) após o
divórcio, por si só já impactam de forma negativa o desenvolvimento infantil e saúde da criança,
há ainda aquelas situações em que os pais estão a todo momento tentando interferir na
percepção do filho em relação ao outro genitor, ou usando o filho como instrumento para
desestabilizar o antigo companheiro(a) durante a ação. Tais situações se configuram como
práticas de alienação parental, ocasionada pela imaturidade de uma parte ou ambas, quando não
conseguem separar conjugalidade e parentalidade. Em circunstâncias nas quais a criança fica
exposta muito tempo a conflitos de interesses dos pais, a mesma poderá repetir discursos de
determinado genitor e até mesmo apresentar características negativas na sua personalidade e
comportamento, como mentiras excessivas e agressividade constante (Barbosa & Zandonadi,
741
2018; Greene et al., 2016).
Logo, ao submeterem seus filhos a alienação parental os genitores estão cometendo um
ato de violência psicológica que a curto prazo não costuma ser bem evidente, mas com o passar
do tempo pode apresentar problemas graves. Esse tipo de situação também interfere
completamente no que atualmente juristas, psicólogos, dentre outros profissionais, consideram
como essencial na concretização da separação que envolve filhos, isto é, a guarda
compartilhada. A guarda compartilhada consegue cumprir o papel de continuar mantendo o
contato da criança com aquelas pessoas que eram próximas e importantes para o seu
desenvolvimento, além de dividir a responsabilidade mútua entre os genitores para com o filho.
Inclusive, também possibilita diminuir os sentimentos excessivos de culpa e falta que a criança
tem, além de amenizar uma possível concepção infantil de que o divórcio é uma tragédia e,
portanto, o convívio com os dois pais estaria perdido (Delgado, 2009; Jesus & Cotta; 2016).
Em contraste, são evidenciados também pontos negativos ou desvantagens no que se
refere a guarda compartilhada, como por exemplo, o embate entre os genitores no processo de
educação dos filhos e a ausência de um lar estável. Por isso, é importante manter um diálogo
claro e efetivo entre as duas partes e ter acesso a orientações profissionais corretas antes de
iniciar a guarda compartilhada, que apesar das desvantagens citadas, é apontada como sendo a
melhor opção para o convívio dos pais e desenvolvimento dos filhos após o divórcio (Barbosa
& Zandonadi, 2018; Lima & Pelajo, 2016; Silveira, 2014).
Sob este ponto de vista da busca por orientações adequadas pertinentes a criança nos
processos de conflitos conjugais, vale ressaltar que a psicologia se qualifica como uma das
disciplinas e profissões que mais desenvolveu suas práticas ao longo dos anos, tendo como
fonte de objeto de estudo a infância, do desenvolvimento à aprendizagem, perpassando por
Freud a Skinner. Durante a segunda metade do século XX, começou a ser evidenciada a
importância que o profissional de psicologia tinha em diversos ambientes, e sendo tanto a
psicoterapia quanto as ferramentas que avaliam comportamentos e personalidades cada vez
mais seguras cientificamente. Assim, o psicólogo jurídico se efetivou como uma peça
fundamental nos conflitos conjugais que envolvem crianças (Levy, Ayres & Aranha; 2014;
Brito, 2012).
Por conseguinte, nos processos judiciais dessa categoria, o psicólogo atuará não a
serviço de uma das partes ou com o intuito de fazer com que uma se sobressaia diante de outra.
Pelo contrário, o profissional deve prezar pelo bem-estar e saúde da criança, algo que também
será levado em conta pelo juiz, sendo o psicólogo responsável para esclarecer com suas
ferramentas, quais são as melhores possibilidades para aquela criança. Em vista disso, para o
judiciário o psicólogo será o interlocutor entre a instituição para qual presta serviço e a criança,
estando também numa situação de complementaridade com os profissionais do direito, e não
uma das partes tentando se impor sobre a outra (Trindade, 2009; Miranda, 2010).
Conclusão
Diante do cenário supracitado, compreende-se o divórcio como o rompimento legal da
primeira instituição social que a criança tem contato e mesmo que não seja uma separação
marcada por desentendimentos, ainda se configura como uma ruptura da estrutura familiar antes
estabelecida. Entretanto, como foi pontuado, essa é uma decisão que rompe vínculos conjugais,
mas não vínculos parentais, estando o menor resguardado por leis, que sempre buscam analisar
a melhor alternativa de guarda ou de acordo entre os genitores, para tornar esse processo menos
742
emocionalmente conturbado.
Concomitantemente, observa-se que a saúde mental do infante está diretamente
associada à dinâmica do seu seio familiar, ou seja, a qualidade e o bem-estar do relacionamento
dos genitores promove impactos na criança. Em vista disso, pontua-se ainda que independente
do status dos pais, casados ou divorciados, para os filhos o mais benéfico é vê-los bem
resolvidos, ao invés de vivenciar um eterno conflito. Nesse ínterim, observa-se que a decisão
dos cônjuges de manter-se juntos em matrimônio pelos filhos, por exemplo, não se configura
como a melhor saída, pois crescer junto de pais em conflitos pode desenvolver muito mais
complicações psicossociais para os filhos do que a separação em si.
Por fim, evidenciou-se como o (a) profissional de psicologia possui função primordial
nas equipes multiprofissionais que compõem os processos de conflitos conjugais que envolvem
menores, principalmente na intermediação em conjunto com os genitores e a concretização do
divórcio da maneira mais prudente e mais proveitosa, possuindo como objetivo final a
minimização dos impactos decorrentes dessa decisão na vida e na saúde física e mental dos
filhos. Dessa forma, aponta-se que a psicologia jurídica se torna um campo de estudos
promissor e fundamental no que se refere às discussões sobre os direitos da criança de
desenvolver-se em um ambiente seguro e propício.
Referências
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relacionamento entre pais e filhos. Psicologia em Pesquisa, 3(2), 52-65.
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EIXO 13
745
Psicologia Social: Decolonialidade, Brasilidades e pensamento
contemporâneo
746
mudanças estruturais e sócio afetivas, visando o bem-estar na nova formação familiar.
Objetivo
Compreender a contribuição da Psicologia no processo de adoção de crianças em
situação de acolhimento, a partir da percepção dos adotantes e dos próprios profissionais de
psicologia.
Método
Foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa de tipo exploratória. A pesquisa qualitativa
é um modelo de pesquisa que procura aprofundar a compreensão de problemas, de pessoas e de
relacionamentos, abrindo perspectivas para estudos posteriores (Minayo & Sanches, 1993). No
que tange a pesquisa exploratória, Gil (2006) destaca que essa modalidade tem como objetivo
proporcionar maior familiaridade com o problema. Desse modo, o cenário da pesquisa foi a
“Casa São Francisco” que atende crianças em situação de acolhimento provisório ou destituídas
do poder familiar, localizada na cidade de Sobral- CE.
A Casa São Francisco acolhe crianças de 0 a 6 que são encaminhadas pelo Conselho
Tutelar, 3ª Vara da Infância e Juventude e por Comarcas vizinhas. É uma instituição
administrada pela comunidade Católica Shalom, que autorizou a realização da pesquisa no seu
âmbito. Logo, a pesquisadora possui aproximação e realiza atividades na instituição, assim a
abordagem aos psicólogos e famílias foi realizada mediada pelo serviço, respeitando a ética
profissional e os interesses e disponibilidade em participar da pesquisa.
A pesquisa foi realizada com quatro (4) famílias que passaram pelo processo de adoção.
A seleção da amostra se deu a partir da técnica de “snowball” (Wha, 1994), uma técnica
conhecida como “Bola de Neve”, que funciona como uma espécie rede, que prevê a partir da
identificação de um participante, a indicação de outros membros da população de interesse.
Como critério de inclusão para amostra optamos por selecionar famílias de qualquer
configuração e que tenha experiência com adoção legal, isto é, adoção que teve um
acompanhamento de técnicos de referência como o Psicólogo(a) e Assistente Social. Como
critério de exclusão, foram levados em considerações: famílias com adoção “a brasileira”, que
não passaram pelo processo formal de adoção e nem tiveram a participação do profissional de
psicologia.
No que tange aos profissionais, foram selecionados três (3) psicólogos que trabalham
ou já trabalharam por no mínimo um ano em equipamentos das Políticas públicas que
atendem/atenderam famílias em processo de adoção. Para critério de seleção da amostra, foram
utilizados o critério de conveniência de profissionais do ciclo social da pesquisadora e indicação
da equipe da Casa São Francisco. No que se refere aos instrumentos de coleta de dados, foram
utilizadas duas entrevistas do tipo semi-estruturada (Manzini, 1990; 1991), uma com as famílias
e outra para os psicólogos.
Para a análise de dados, foi utilizado procedimento de análise de temática de conteúdo.
Segundo Bardin (1979), esse tipo de procedimento se desenvolve de acordo com as seguintes
etapas: a) pré-análise; b) exploração do material e c) tratamento dos dados, inferência e
interpretação. Foram levados em consideração na pesquisa os seguintes requisitos éticos do
Conselho Nacional de Saúde (CNS) regido pela Resolução Nº 466/2012 e Nº 510/16 do CNS,
que normatiza as pesquisas com seres humanos e utilizado o TCLE-Termo de Consentimento
747
Livre e Esclarecido com os familiares e psicólogos.
748
oportunidade de construir um lar, uma família e que apesar de exaustivo é bastante gratificante.
Em relação, as entrevistas realizadas com os psicólogos (as), foi relatado que o âmbito
da adoção é um campo que despertaram interesse quando o conheceram, mesmo sendo algo
novo, trouxeram a importância do trabalho com as crianças/adolescentes que estão em
acolhimento, desde a adaptação, na destituição do poder familiar, no fortalecimento de vínculos
e no acompanhamento anterior e posterior à adoção em si.
Segundo Reis et al. (2017), o trabalho do psicólogo é importante para os candidatos a
pais adotivos, dando apoio em assuntos atuais, objetivando as questões presente como: luto,
infertilidade, sentimentos ambivalentes, medos, ansiedades, desejos e as fantasias em quanto
família idealizada, dessa maneira, o psicólogo busca focar em todos os desafios e possibilidades
do processo de adoção.
Diante desta colocação, dois psicólogos (as) apontam que o judiciário demora na
questão da destituição da criança/adolescente do poder familiar, e dessa forma, os mesmos
passam mais tempo institucionalizados, ponto que corrobora ao relatado pelos adotantes. No
entanto, na visão de apenas um profissional, a destituição é realizada de maneira apressada, sem
fazer um trabalho e acompanhamento correto com as famílias antes da destituição.
Segundo o ECA (2018), o processo da adoção deverá ter um estágio de convivência com
a criança/adolescente de no máximo 90 dias, observando sempre a idade e peculiaridade do
caso, explícito no art.46, § 4º. “O estágio de convivência será acompanhado pela equipe
interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio
dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência
familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da
medida” (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).
Siqueira (2011) afirma que é importante o acompanhamento da equipe técnica nas
instituições de acolhimento e todo processo de adoção, por terem capacitação no âmbito
familiar e da criança/adolescente. Também coloca a relevância da atuação do psicólogo (a) no
âmbito da adoção e para todos envolvidos no processo. Com o apoio psicológico torna-se mais
fácil criar vínculos, para que o final do processo seja positivo, priorizando o bem estar da
criança ou adolescente.
Nas concepções dos profissionais de psicologia, as técnicas utilizadas no decorrer do
processo de adoção, são específicas para que cada etapa, e são realizadas no intuito de assegurar
os direitos das crianças/adolescentes. Inicia-se no fórum através de um seminário, na qual
realizam uma apresentação sobre o processo de adoção. Trabalham com “estudos de casos” que
trazem exemplos do que pode acontecer durante o processo, buscando com que as famílias
reflitam sobre o real desejo de adotar e se estão preparadas para lidar com esse contexto,
também é explicado cada passo que irão vivenciar depois de habilitados. Também utilizam
técnicas como visitas domiciliares, na qual não vão visualizar somente a questão financeira,
mas o contexto familiar e se estão preparados emocionalmente para receber uma
criança/adolescente na casa. Outros tipos de metodologias utilizadas no acompanhamento
citadas durante as entrevistas foram: escuta, observação, entrevista com as famílias e
criança/adolescente.
De acordo com o ECA (2018), a equipe interprofissional tem a competência de fornecer
laudo por escrito ou verbalmente em audiência do acompanhamento feito com a
criança/adolescente e família adotante, assim como desenvolver outras atividades como:
aconselhamento, orientação e fortalecimento de vínculos.
Uma das dificuldades apresentadas pelos psicólogos (as) foi a questão da burocracia
749
judicial, da família entender e aceitar a demora da destituição do poder familiar, que em muitos
casos, tem o trabalho sistemático com as famílias de origem para que essas crianças/adolescente
sejam inseridas novamente no convívio familiar, quando não, elas são destituídas. Outra
dificuldade é a falta de transporte para fazer as visitas e acompanhamentos e as potencialidades
do trabalho.
De acordo com o que foi exposto sobre as percepções das famílias e dos profissionais
de psicologia, sobre a atuação e contribuição dos psicólogos (as) no processo de adoção, fica
claro que a presença do profissional são pontos importantes e necessários, pois a forma com
que eles conduzem cada etapa, o olhar e o manejo desses profissionais, trazem contribuições
para todos os envolvidos.
Conclusão
A presente pesquisa possibilitou ouvir as famílias e dar a elas a oportunidade de falar
sobre o processo de adoção, seus sentimentos e angústias. Nesse sentido, através dos relatos
das famílias adotantes e dos profissionais de psicologia, os objetivos da pesquisa foram
atingidos. A pesquisa possibilitou conhecer como se dá a transição dos adotados que se
encontram institucionalizados para uma nova família, em um novo lar, além das atividades e
técnicas utilizadas como recursos pelo (a) psicólogo (a) para a efetivação da adoção.
No decorrer da pesquisa, alguns percalços sobre os cadastros de adoção foram
identificados, pois a maioria das famílias repassadas pelas as famílias inicialmente
entrevistadas, foram realizadas antes do Cadastro Nacional de adoção, na qual as mesmas não
tiveram a contribuição do (a) psicólogo (a) junto a equipe, mas relataram que hoje o
acompanhamento é completo, pois só tiveram a participação da assistente social e judiciário,
que na visão delas, são mais técnicos, o que possibilitou mais angústia e ansiedade durante o
processo, que é difícil e longo.
A pesquisa trouxe um leque de conhecimentos sobre nosso fazer enquanto profissional
dentro da instituição de acolhimento, assim como, em todas as etapas do processo de adoção.
Ainda nos deparamos com a dificuldade de material teórico sobre o tema trabalhado,
principalmente no que tange à visão dos adotantes, mas as entrevistas com as famílias e com os
profissionais que já atuaram e atuam nesse contexto de acolhimento contribuiu, para entender
a perspectiva de cada um, podendo ouvir os dois lados, como realmente funciona e o que
corrobora ou não a teoria
É difícil mensurar a transformação e crescimento pessoal e profissional diante de cada
relato, história, vivenciado e experienciado durante toda pesquisa e na construção da escrita.
Pôde-se verificar que é um tema que precisa de mais pesquisas, ampliando para ouvir também
os adotados, o judiciário sobre o processo de adoção, destituição do poder familiar e a percepção
da contribuição do profissional de psicologia inserido nesse processo. Há urgente necessidade
de falar mais sobre essa temática para que as mudanças aconteçam e se tenha mais agilidade na
resolução de cada caso, priorizando o bem-estar das crianças e adolescentes, para que seus
direitos sejam protegidos e assegurados.
No decorrer da realização da pesquisa, foi vívida a afetação da pesquisadora com os
participantes em seus relatos e histórias. E foi através de cada etapa na construção desse trabalho
que posso colocar que a pesquisa é relevante não só para a nossa formação como profissional
de psicologia, vai muito além, perceber que a atuação do psicólogo dentro desse contexto faz a
diferença e que trazem contribuições positivas para todos os envolvidos antes do processo,
750
assim como em todas as etapas.
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GRUPO DE ESTUDOS, FORMAÇÃO E PSICOLOGIA SOCIAL DOS SERTÕES DE
751
CRATEÚS: TERRITORIALIDADES EM PRODUÇÃO.
Introdução
O Grupo de Estudos em Psicologia(s) Social(is) – GEPS, surge da demanda
institucional de dar corpo a busca por continuidade nos estudos em Psicologia Social iniciados
nas disciplinas Psicologia Social I; Psicologia Social II; Psicologia Comunitária e Prática
Integrativa II do curso de Bacharelado em Psicologia da Faculdade Princesa do Oeste, Crateús-
CE. A partir dos diálogos entre as envolvidas, visualizamos a possibilidade de formalização de
um grupo de estudos que abrangesse as várias estudantes e profissionais da região em suas
temáticas de interesse dentro do escopo da Psicologia Social contemporânea.
Deste modo, a proposta surge como um dispositivo de ensino-aprendizagem com
prospecções políticas, possibilitando inserções junto aos movimentos de lutas nas realidades da
região do Sertão de Crateús. Os estudos foram desenvolvidos em alinhamento à Psicologia
Social Crítica (Lima & Lara, 2014). Com um intento emancipador das tradições positivistas e
objetivistas das ciências, esta perspectiva privilegia as dimensões políticas e subjetivas como
processos históricos, dialogando, no Brasil, com as contribuições de Silvia Lane (1984) e
Antônio da Costa Ciampa (1984; 1987), para assim, atuar em processos de emancipação
humana e lutas por transformações individuais e sociais.
De acordo com Lima, Ciampa e Almeida (2009), trabalhar com a Psicologia Social
criticamente orientada é, a partir da inspiração materialista histórico-dialético, questionar os
discursos dominantes. É assumir uma posição política frente a desigualdades, opressão e
controle humano. A partir desse referencial de práxis, as pesquisadoras adotam uma atitude
teórico-prática e ética, entendendo-as como instâncias indissociáveis. Promovendo, então,
produções acadêmicas como propostas de releitura, reinterpretação e revolução possíveis da
sociedade.
Diante do exposto, buscamos fomentar um espaço de estudos e pesquisas que esteja
engajado com as lutas da Psicologia Social criticamente orientada. Neste sentido, o GEPS, se
constitui com os objetivos de formar espaço de discussões e estudos aprofundados nas diversas
temáticas da Psicologia social contemporânea; apresentar a Psicologia Social como campo de
estudos e pesquisas com caráter de engajamento político e comprometimento com a
transformação social; propiciar discussões sobre temáticas contemporâneas transversais
importantes para o cenário social da região dos Sertões de Crateús, possibilitando o desenvolver
de uma “Psicologia Social Crateuense”, engajada com as questões contextuais da região.
O grupo de estudo emerge como ferramenta institucional e para-institucional de
ampliação da atuação da psicologia social emergente na região e da própria psicologia como
saber em construção em um raio de aproximadamente 218 km no Sertão Oeste do Ceará.
Propiciando que estudantes envolvidas possam mergulhar em uma temática que lhes motiva,
foram levantadas discussões a fim de realizar posteriores pesquisas aprofundadas. Com seu
início no dia 18 de março de 2019, começamos uma discussão a respeito do papel da/o
psicóloga/o junto às lutas das maiorias populares invisibilizadas (Martín-Baró, 1997; 2017)
crateuenses. Neste contexto, foi necessário o contato com os movimentos de luta e da sociedade
752
civil organizada, como a Cáritas Diocesana de Crateús, o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST); com as aldeias indígenas das etnias Kariri, Calabaça, Potyguara e Tabajara,
abordando questões de suas identidades e territórios - urbanos e rurais - no município de
Crateús. Também, adentramos à discussão da precarização do trabalho e ausência de
reconhecimento da identidade de pescadoras e pescadores artesanais de açudes, bem como, a
pauta improrrogável da luta de comunidades em processo de desterritorialização face a
construção do empreendimento federal e estadual denominado “Barragem Fronteiras” em
andamento desde 2010 sobre o rio Poti, cerca de 27 km da cidade de Crateús.
Diante do anteposto, este relato de experiência tem como objetivos discorrer a respeito
do percurso do grupo de estudos GEPS, e debater sua importância na produção de saberes nos
âmbitos de formação das discentes de Psicologia do município de Crateús, e de transformação
social via engajamento às práticas de psicologia transformadora. Desse modo, a partir dos
estudos e atividades desenvolvidas ao longo de seu desenvolvimento, buscaremos demonstrar
a importância da atuação da psicologia social junto às populações urbanas e rurais
invisibilizadas do município de Crateús é uma atuação interdisciplinar e para-disciplinar na
lutas dessas populações.
O Conselho Federal de Psicologia (2019), em sua cartilha denominada “Referências
técnicas para atuação de psicólogas (os) em questões relativas à terra”, pontua que a psicologia
deve agir ao lado dos indivíduos que resistem aos retrocessos estruturais e sociais, estes
conquistados com muito confronto e sofrimento pelas maiorias populares oprimidas. Desta
forma, torna-se fundamental denunciar as lutas dessas classes e participar das lutas, para assim,
tornar possível superar a visão elitista que gira em torno da profissão e de suas práticas,
fortificando a ideia de uma Psicologia comprometida e transformadora.
Neste sentido, a Psicologia como profissão vem se engajando e estabelecendo
compromissos e articulações com a ideias, interesses e movimentos de luta e questões sociais
existentes nos territórios brasileiros, como o Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), demonstrando que a Psicologia pode colaborar com a luta desse movimento,
com questões relacionadas a saúde mental e bem estar, mas também em pontos voltados a
resolução de conflitos, cooperativismo e avaliação de política públicas, por exemplo. Nestes
contextos, o profissional psicólogo deve buscar promover um espaço propício para a luta ao
lado das populações conhecidas como minorias, auxiliando o povo na luta pela garantia de seus
direitos, pleno exercício de cidadania, se colocando contra toda e qualquer injustiça
(Albuquerque, 2002). E este movimento se evidencia quando o código de ética profissional
estabelece um princípio fundamental para a atuação que “O psicólogo baseará o seu trabalho
no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser
humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos”
(CFP, 2005. p.7).
Ximenes e Junior (2013) destacam ainda esses estudos como um desafio, haja vista que,
trata-se de um processo complexo de desconstrução dos paradigmas. Partem de um rompimento
com uma psicologia elitista utilizada aos moldes urbanocêntricos, para assim produzir uma
aproximação com os modos de vida e realidades interioranas. A realidade vivenciada nesses
contextos aponta a necessidade de mais estudos e práticas contextualizadas, para assim,
desenvolver teorias e práticas em contextos rurais salutares e consolidadas. Corroborando com
esta discussões, Dantas, Dimenstein, Leite, Torquato e Macedo (2017) denunciam as pesquisas
em contextos rurais ainda como precárias e que não englobam as necessidades e precariedades
dessas realidades. Faz-se, então, urgente a construção de produções acadêmicas acerca dessas
ruralidades.
753
Método
Este escrito trata de um relato de experiência das atividades desenvolvidas no grupo de
estudos em Psicologia(s) Social(is) (GEPS) durante o período 2019.1 e 2019.2 e em curso no
período de 2020.1. Utilizando o formato de rodas de discussão para operacionalização dos
textos nas atividades anteriormente predefinidas em planejamento semestral, cada encontro
contou com três facilitadores responsáveis, os quais orientavam a discussão e ficavam
responsáveis pelo manejo do encontro.
Acerca do levantamento de dados, seguimos os seguintes passos: (1) análise e estudo do
projeto de criação do grupo; (2) desenvolvimento de visitas à campo em comunidades
invisibilizadas indígenas e de localidades em situação de retirada de terras. Pautamos as
práticas na observação participante, que segundo Abib e Hayashi Junior (2013) não consiste
apenas em observar as ações do grupo ou comunidade em questão. Mas ao se valer dessa
metodologia, o observador compartilha experiências e participa das atividades desenvolvidas,
ou seja, o observador é ativo na investigação social.
FalsBorda (2015) entende a observação-participante como uma maneira de melhor
compreender o contexto histórico e social de grupos. Já que o pesquisador começa a fazer parte
do processo grupal, compartilhando das mesmas experiências que os demais, atuando de
maneira sensível e compreensiva, desta forma o investigador conseguirá desenvolver
percepções fieis e realizar descrições condizentes com a realidade estudada; (3) e coleta da
opinião dos participantes a respeito das atividades desenvolvidas ao longo do semestre
acadêmico.
E ao analisar dos dados recorremos a uma revisão bibliográfica de cunho narrativo que
consiste em discutir e descrever a respeito da temática escolhida, na perspectiva teórica ou
contextual, abordando a questão de forma sucinta. Com isso, essa categoria possui um papel
importante na educação continuada já que permite aos indivíduos uma possibilidade de
atualizar e adquirir novos conhecimentos a respeito da área de interesse em um curto espaço de
tempo (Rother, 2007).
Para tanto, foi realizada uma análise na literatura com base em capítulos de livros,
artigos de revistas eletrônicas, manuais, matérias de jornal e sites, utilizando a perspectiva da
Psicologia Social Crítica como lente de análise e no desenvolvimento de um solo teórico para
o embasamento das discussões.
Resultados e Discussões
O grupo de estudo em psicologia(s) social(is) – GEPS, surge com a proposta de
compreender e discutir temas emergentes em psicologia social. E nesse viés, busca de forma
provocativa e insurgente construir uma “psicologia social crateuense”, psicologia esta
implicada com as questões da região dos sertões de Crateús e Inhamuns, suas produções de
subjetividade, seus povos e lutas em seus territórios. Crateús é uma cidade cearense, localizada
a 350 km da capital com cerca de 76.000 habitantes (IBGE, 2019).
Como proposta inicial e primeiro movimento, os estudos giraram em torno da leitura
básica dos textos de Sílvia Lane e Codo (1984). Contudo, durante esse processo dialógico-
formativo do grupo, percebemos a importância em discutir sobre os contextos rurais, seus
aspectos constitutivos, produção de subjetividade, e como a psicologia social conversa com
754
essas realidades socioespaciais.
Neste contexto, a partir da utilização da metodologia ativa Roda de discussão,
mensalmente é elaborado um cronograma com os textos, seguindo as temáticas de interesse dos
integrantes, e a cada encontro semanal três participantes ficam responsáveis para facilitar as
discussões, proporcionando um ambiente de construção coletiva, gerando um movimento de
reflexão crítica, e auxiliando na compreensão das realidades através dos olhares da Psicologia
Social. Neste sentido, a metodologia ativa possibilita o retorno ao cenário e uma transformação
em suas ações acerca de uma determinada temática (Paranhos & Mendes, 2010).
Em um segundo movimento, o grupo vem ocorrendo em constante metamorfose, com o
intuito de produzir conhecimentos contextualizados, e não apenas importar produções de outros
territórios de conhecimento. Para essas reflexões, utilizamos como fonte primordial o livro
“Psicologia e contextos rurais” de Jáder Ferreira Leite e Magda Dimenstein (2013),
especificamente utilizamos o capítulo de Jáder Ferreira Leite, João Paulo Sales Macedo, Magda
Dimenstein e Cândida Dantas (2013) conversando a respeito da formação em Psicologia para a
atuação em contextos rurais e o capítulo de Verônica Morais Ximenes e James Ferreira Moura
Júnior (2013) relacionado a psicologia comunitária e comunidades rurais do Ceará: caminhos,
práticas e vivências em extensão universitária. Para uma aproximação com as realidades
comunitárias específicas da região.
Recorremos também em terceiro momento a escritos que narrassem o contexto histórico
do município de Crateús utilizando como base teórica o texto “Arquiteto da memória: Uma
memória de Crateús” de Antônio Torres Montenegro (2004) e “Paróquia e diocese de Crateús”
de Flávio Machado e Silva (2012) estes discorrem a respeito da chegada, percursos e
contribuições do líder religioso da igreja católica popular Dom Fragoso. Este atuou em diálogo
a teologia da libertação e perspectiva das comunidades eclesiais de base e junto às populações
oprimidas de Crateús, realizando trabalhos de base com agricultoras e agricultores, acolhendo
e convidando com prostitutas em um movimento de enfrentamento a estigmatização. Ainda,
lutou pela reforma agrária e questões étnicas da região. O livro de Flávio Machado e Silva
(2012) denominado “Crateús, lembranças que marcaram história” trouxe grandes contribuições
para as discussões sobre o contexto histórico do município com os textos “Crateús e a revolução
de 1964”, bem como nesta mesma linha, “Os revoltosos em Crateús”.
Este mergulho nas narrativas de Crateús possibilitou uma aproximação com as
realidades dos assentamentos, movimentos sociais, militâncias, etnias questões raciais e
comunidades tradicionais dos territórios.
Como recurso complementar, também acessamos mídias audiovisuais como estratégia
para melhor compreensão dos fenômenos estudados. Um dos documentários utilizados como
referencial foi o de Francis Vale (2011) denominado “Dom Fragoso” o cineasta realizou
entrevistas com Dom Fragoso e com pessoas que com ele conviviam, com o objetivo de
compreender o caminho percorrido pelo 1° Bispo Diocesano de Crateús, o qual ganhou
destaque por lutar arduamente pelos direitos dos excluídos socialmente em meio a uma ditadura
militar no Brasil. O documentário demonstra o papel da igreja popular no processo
enfrentamento à colonização nacional e o quanto os líderes religiosos que possuíam ideais
semelhantes as de Dom Fragoso sofriam fortes repressões por se colocarem contra o sistema.
Esse documentário possibilitou uma visão detalhada da atuação do Bispo em Crateús no período
de 1964 a 1994 e evidenciando a importância de suas ações para essa população interiorana que
repercutem até hoje.
Também recorremos ao documentário “Ciampa: A construção de uma teoria” produzido
755
pelo Conselho Regional de Psicologia SP (2019) que apresenta a vida e história de Antônio da
Costa Ciampa e todo o percurso da criação de sua teoria da identidade. Esse material faz parte
do projeto História e memória da psicologia em São Paulo. Com esse momento, buscamos
compreender o conceito de identidade exposto por Ciampa com o objetivo de visualizar a
influência do meio para a formação social do sujeito, levando em consideração nossos estudos
relacionado ao empreendimento “Barragem lago de Fronteiras”.
Para além da formação em grupo de estudos, o GEPS teve incursão extensionista, tendo
em vista a complexidade do território e as possibilidades de aproximação com os movimentos
de luta do território. Neste percurso, nos aproximamos da Cáritas Diocesana de Crateús,
entidade regida junto a igreja Católica que seguem o legado de Dom Fragoso, objetivando
defender o bem-viver, promovendo uma solidariedade libertadora, trabalhando com o
empoderamento da comunidade, principalmente junto a pessoas em situação de exclusão social
e assim, auxiliando na promoção de novas perspectivas de vida (Cáritas Diocesana de Crateús,
online, 2020). Aqui podemos destacar o projeto “Pescadoras e pescadores artesanais
construindo o bem viver” responsável por proporcionar um espaço de discussão e formação
capacitando jovens e mulheres, empenhando-se consolidar implicação e desempenho das
mesmas nesta atividade (Cáritas Diocesana de Crateús, online, 2020).
Os Sertões de Crateús nas últimas décadas vêm sofrendo arduamente com o problema
da seca. O empreendimento Barragem de Fronteiras é promovido como uma “solução” para
amenização do problema. A região escolhida para a construção do lago artificial atinge em sua
maioria as populações rurais, comunidades camponesas historicamente construídas a partir de
sucessivas lutas pelo direito à terra. Diante desse cenário, houve uma aproximação ao Grupo de
Estudos e práticas interdisciplinares em Agroecologia – GEPIA vinculado ao curso de
Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Ceará, campus Crateús e ao curso de
Geografia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE, campus
Crateús. Com isso, foi possível ao grupo engajar-se nas pautas de luta pelo direito à terra pela
via da mobilização social. Esta articulação possibilitou visitas às comunidades atingidas,
diálogos e reuniões periódicas com as lideranças locais, buscando observar como e em que
dimensões as subjetividades sertanejas estão sendo afetadas diante da remoção das
comunidades, desterritorialização das famílias.
A aproximação com os contextos rurais ampliou reflexões e aprofundamentos nos
estudos sobre produção de subjetividade em contextos rurais. As realidades de sujeitos
camponeses em situação de retirada de suas terras, efeitos da construção da Barragem de
Fronteiras, requerem, portanto, maior aproximação da prática profissional, uma vez que esta
propicia às/aos acadêmicas/os aprendizagens significativas, construção de conhecimentos de
acordo com a realidade estudada, auxiliando no desenvolvimento de habilidades e atitudes, com
responsabilidade e autonomia (Paranhos & Mendes, 2010).
Quando a discussão é transformação social, logo remete-se a Sílvia Lane (1984). Esta
professora, símbolo da construção da psicologia social Crítica no Brasil é responsável por
desenvolver uma Psicologia associada com as realidades locais, comprometida com interesses
dos sujeitos invisibilizados, e propõe uma psicologia eminentemente brasileira, questionadora
do modelo hegemônico norte-americano eurocentrado, fragmentado e ideológico. Silvia Lane
desenvolve que é necessário trabalhar a transformação da realidade social através da formação
de novos pesquisadores, formas de fazer psicologia, assim como, novas formas de ensino e
pesquisa, provocando psicólogas e psicólogos sociais e se implicarem enquanto agentes
transformadores, promotores de emancipação social (Lane & Codo, 1984; Lane, 2006). E neste
veio, seguimos o caminhar da construção de uma psicologia social dos Sertões de Crateús,
fazendo valer a concepção de homem em movimento, produto e produtor histórico. Uma
756
atuação em psicologia social percebendo-a como construto teórico-prático implicado com as
realidades locais, suscitando o exercício de pesquisa-ação e revisão teórico-metodológica
constantes.
A exemplo deste exercício, foram desenvolvidos os trabalhos “Implicações de uma
proposta de “Psicologia Social Crateuense” e seus desdobramentos nos contextos dos Sertões”
(2019); “O Grupo de Estudos em Psicologia(s) Social(is), seus rumos e percursos no ensino
superior dos sertões de Crateús: uma pesquisa de satisfação” (2019); “Uma aproximação da
Psicologia com a realidade de construção da Barragem de Fronteiras nos Sertões de Crateús:
um relato de experiência” (2019); “Movimento dos trabalhadores rurais sem terra em Crateús:
Assentamentos, acampamentos e suas pautas de luta sob a ótica da Psicologia Social” (2019);
“Precisamos falar ‘About Chicos’: Narrativas de homens gays, corpos contra hegemônicos e
homoafetividade em um projeto fotográfico” (2019); “Projeto Pescadoras e pescadores
artesanais construindo o bem viver: Uma analíse da promoção de saúde mental, através do bem
viver e da afirmação social” (2019); e “As possibilidades de atuação da/o psicóloga/o
comunitária/o: Processos, ferramentas e fundamentos teórico-práticos da psicologia
comunitária” (2019).
Nestas discussões, obtivemos reflexões pertinentes ao exercício de uma psicologia
orientada por um que fazer desideologizador. Fazer este engajado com o processo
revolucionário e com intento emancipador das maiorias populares invisibilidades. Com isso,
buscamos desconstruir princípios impostos aos povos oprimidos, e afirma que fazer Psicologia
social é assumir a perspectiva do povo, trabalhar com este, em um diálogo constante com suas
demandas e necessidades (Martin-Baró, 2007). Assim, intentamos romper com os conceitos pré
estabelecidos sobre essas maiorias invisibilizadas, para provocar estudos sistemáticos a respeito
destas realidades, comprometendo-se com o processo de emancipação desses indivíduos.
Silveira, Freitas e Coutinho (2012) afirmam que a criação de um grupo de estudos surge
como uma estratégia de ensino que busca facilitar a compreensão de temáticas de interesse
comuns aos indivíduos. Este ambiente possibilita às membras uma nova perspectiva diante dos
fenômenos estudados, a partir do estudo coletivo e o compartilhamento de pontos de vista,
fortalecendo o processo de aprendizagem. Com a ampliação dos saberes científicos na área de
interesse dos participantes, o grupo inicia um movimento de (des)construção de um saber antes
pré estabelecido, tornando-se capaz de opinar e ressignificá-los. Nesta perspectiva, a psicologia
social desenvolvida no e através do GEPS se tornou ponto de tensionamento acerca da produção
da psicologia social desenvolvida diante do cenário de lutas populacionais de Crateús,
provocando a uma reflexão de Psicologia Social eminentemente “crateuense”.
A conexão entre teoria e prática surge como uma forma de analisar criticamente o saber
psicossocial e repensar articulações que possam proporcionar o desenvolvimento de pesquisas
que promovam a elaboração e aperfeiçoamento de novas teorias e que essas possam contribuir
com as mudanças sociais (Ciampa, Ardans & Satow, 1996, como citado em Lima, Ciampa &
Almeida, 2009, p. 227). A partir desta Práxis da Psicologia social, há indissociabilidade entre
estudos e realidades, “a prática é o fundamento da teoria e a teoria é a reflexão da prática, . . . a
reflexão teórica careceria de possibilidade transformadora” (Lima, Ciampa & Almeida, 2009.
p.230).
Nestes termos, compreendemos que produção da subjetividade está diretamente ligada
a raízes afetivas com o espaço em que esses indivíduos habitam, de forma a produzir vínculos
emocionais entre os moradores (Dimenstein & Leite, 2013). No entanto, ao mesmo tempo em
que esse espaço é um ambiente de produção de subjetividade, também é um lugar que padece
as opressões, seja por caráter de ausência de aprofundamento reflexivo e problematização da
757
realidade, seja por construções culturais e históricas silenciadoras. Nesta reflexão, os membros
do GEPS, após o movimento de inserção ao campo, ressaltaram que este aprofundamento gerou
um movimento de desconstrução das ideias pré-estabelecidas sobre os sertões e as
subjetividades sertanejas e construção de desejo por aproximação e reconstrução de sentidos
sobre territórios tão próximos, mas paradoxalmente distantes.
Esse movimento de troca de percepções e experiências traz um avanço ao processo de
ensino/aprendizagem, para que os participantes não absorvam apenas o conhecimento cultura
acerca da temática abordada, mas, também desenvolva opiniões e críticas, iniciando o processo
de compreensão de seu papel como ator social, ou seja, transformador de sua história (Pinto,
2014).
Considerações finais
A psicologia ainda limita-se a poucas produções e estudos voltados às ruralidades. Foi
a partir da interiorização dos cursos de psicologia que se fez necessário pensar em um novo
fazer da profissão seguindo o contexto dos territórios e populações. O exercício profissional da
Psicologia no meio rural comprometido com maiorias populares invisibilizadas torna-se uma
tarefa necessária para o avanço da profissão relacionado a contribuir com a transformação
social. Desta forma, a inserção da psicologia social nesse contexto é imprescindível, tendo em
vista que retrata um ambiente em situação de agravamento dos problemas sociais estruturais.
A inserção nas comunidades juntamente com as teorias relacionadas a essa temática
possibilitaram compreender que a profissional psicóloga não deve limita-se ao espaço da
clínica. Além disso, proporcionou às estudantes uma compreensão a respeito da construção das
subjetividades na dialética urbano-rural, possibilitando um olhar diferenciado para as realidades
camponesas, a partir de um lugar de práxis e implicação, a Psicologia passa a ser uma prática
comprometida, orientada por um que fazer ético de lutas pela resistência e emancipação de
populações oprimidas. Desta forma, as inserções comunitárias junto aos estudos voltados às
ruralidades e realidades Crateuenses, possibilitam às discente uma nova perspectiva relacionada
à atuação no campo da psicologia, desconstruindo e construindo novas ideias.
Assim, articulando, as temáticas debatidas e os frutos do percurso grupal com
pressupostos teóricos sobre a práxis da psicologia social e o desempenho acadêmico,
consideramos este componente importante para uma profissional crítica.
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– 476.
EXPROPRIAÇÃO E EXTERMÍNIO: UMA ANÁLISE SOBRE OS LIMITES E AS
760
IMPLICAÇÕES DA PSICOLOGIA NO CONTEMPORÂNEO
Introdução
A História oficial da Psicologia faz questão de ressaltar seu nascimento em um contexto
de aproximação com as Ciências Naturais, baseada no paradigma positivista. Tal aproximação
pode ser vista como uma tentativa de garantir seu enquadramento nos critérios de cientificidade
de sua época. Tentativa essa que ainda hoje algumas vertentes de Psicologia se esforçam para
conseguir. Foucault (2010a) traça uma análise dos primeiros 100 anos de Psicologia – de 1850
a 1950 – e busca apresentar e problematizar suas principais influências e derivações. A
Psicologia, principalmente na segunda metade deste século de existência, como fala o autor,
tenta se afirmar enquanto ciência que procura sentidos para as faltas, as patologias e os
esquecimentos, mesclando-se com Ciências Naturais como Física, Química e Biologia.
De 1950 para cá, muitas transformações aconteceram, tanto no mundo quanto nas
formas de conceber e atuar em Psicologia. Algumas vertentes da Psicologia mais alinhadas às
matrizes cartesianas e transcendentais de produção de saber, ligadas às Ciências Naturais,
continuaram a prosperar. Surgiram também outras vertentes, menos aproximadas a estas, que
se voltaram para o campo social e comunitário.
Este cenário evidencia a pluralidade da Psicologia, e partindo dele é bastante
interessante a discussão que Figueiredo (1993) traz a respeito da multiplicidade de vertentes
desta ciência e profissão. O autor traz tal problematização para pensar possibilidades – ou a
impossibilidade – de criação de uma identidade profissional e de representação enquanto
categoria em meio à pluralidade de referenciais teórico-metodológicos e de práticas em
Psicologia.
Em nosso trabalho, partimos da trilha que Figueiredo apontou para pensar não a
identidade profissional da Psicologia, mas sim as suas implicações frente a problemáticas que
se colocam para nós, enquanto profissionais, no contemporâneo. Entendendo aqui
contemporâneo enquanto intempestivo, na trilha do que propõe Agambem (2009), enquanto
atitude de estranhamento frente aos problemas que nos aparecem.
É nesse sentido, que intentamos ampliar as discussões feitas a respeito das implicações
da Psicologia no contemporâneo e também fazer circular textos com esta proposta de
problematização em tempos de avanço de políticas de extermínio e que visam expropriar e
devastar ainda mais a vida e a diversidade. Entendemos que a Psicologia produz técnicas e
condições de inteligibilidade que podem servir ao governo, em seu sentido de condução das
condutas (Rose, 2001), e que rumam no sentido da expropriação e do controle. Mas que, por
outro lado, pode servir também para a produção de linhas de ruptura (Deleuze & Parnet, 1998),
que abrem para a construção de outros sentidos e possibilidades de atuação frente aos problemas
que nos são contemporâneos.
Assim, objetivamos discutir e problematizar as implicações da Psicologia frente às
questões suscitadas no contemporâneo. Para tanto, abordamos questões relativas a povos e
comunidades tradicionais (PCT) e também ao bio e necropoder na contemporaneidade enquanto
intercessores (Deleuze, 1992) para a atuação em Psicologia. A partir disso, percorremos uma
linha narrativa onde problematizamos as matrizes que constituem alguns dos referenciais
761
teórico-metodológicos da Psicologia e como o acionamento de uma ou outra matriz reverbera
em suas possibilidades de atuação e intervenção. A fim de dar corpo à discussão, utilizamos a
produção da literatura que é pertinente ao assunto e também produções musicais, para disparar
algumas questões.
Desenvolvimento
762
povos são os discursos e as práticas desenvolvimentistas, que podem não ser significativos para
determinada comunidade, para determinado povo, visto que tais povos e comunidades operam
segundo outras formas de relação com o território e com a produção material e simbólica,
diferente da propagada pelo discurso modernizador. Em seus estudos, Carvalho e Macedo
(2018) apontam para quatro situações, das quais falaremos de apenas duas, onde se pode ver os
impactos destes discursos e práticas desenvolvimentistas na vida dos PCT.
Em um primeiro caso, no estado de São Paulo, vemos que as próprias leis de proteção
ambiental, por partirem de uma premissa de que a interação homem-natureza é sempre
catastrófica, acabam restringindo os modos de vida de comunidades tradicionais que lá viviam
há gerações e coabitavam o local com sua fauna e flora de maneira não predatória, em suma,
não catastrófica. No Espírito Santo, por sua vez, as práticas desenvolvimentistas acabam por
promover um avanço da monocultura e do agronegócio, o que afeta frontalmente a alimentação,
produção material e habitação dos PCT que lá vivem.
Por fim, Carvalho e Macedo (2018), ao analisar a produção acadêmica que trata da
interface entre povos e comunidades tradicionais e Psicologia, identificam alguns pontos a
serem levados em consideração. Em primeiro lugar, eles sinalizam que há poucos estudos que
tratam desta interface e os poucos que existem apresentam confusões conceituais e
metodológicas a respeito do que seriam os PCT e também não apresentam caminhos
metodológicos bem delimitados sobre como aprender com tais povos. Um segundo ponto a ser
observado é que, para algumas vertentes da Psicologia, entrar em contato com estes povos é um
exercício considerado difícil, que provoca grande estranhamento. Um último ponto que
ressaltamos é o fato de nossa ciência e profissão ainda ser predominantemente urbana, lançando
olhares tímidos para outras realidades.
763
seleciona os estratos da população que devem ou não vingar, tanto deixando como fazendo
morrer. Em especial o Estado brasileiro é especializado em fazer girar tal máquina, na medida
em que mata, normaliza e exclui toda a sorte de pessoas que são consideradas ou fabricadas
para serem indesejáveis e abjetas.
Em seu estudo a respeito da lei em conflito com adolescentes, Jimenez e Frasseto (2015,
p. 405) são bastante elucidativos e categóricos em relação a isso ao afirmar que “o perfil
socioeconômico e demográfico deste grupo converge com aquele que vem sendo dizimado pelo
homicídio: são jovens, pobres, pardos/negros, de baixa escolaridade, vivendo nas franjas das
grandes metrópoles”. O grupo ao qual se referem os autores é o dos adolescentes que cumprem
algum tipo de medida socioeducativa. Vemos, com isso, que uma parte destes pretos, pobres,
periféricos e de baixa escolaridade está sendo morta e a outra encarcerada, disciplinada e
controlada de perto nos regimes de ressocialização.
Vemos ressoar essa problemática também nos estudos de Barros, Nunes, Sousa e
Cavalcante (2019), que tratam da criminalização, extermínio e encarceramento de jovens no
Brasil e, mais especificamente, no estado do Ceará. Nesse estudo, os/as autores/as, ao falarem
sobre o extermínio dos jovens e adolescentes negros, entendem e apresentam o termo
“envolvido”, bastante comum no vocabulário criminal e policial, como uma forma de
atualização e caracterização, no cenário em que realizam seu estudo, da figura do inimigo
ficcional, que vai ser construído enquanto ser perigoso, abjeto e matável. Atrelado a isso, dá-se
um processo de naturalização da morte de alguns segmentos da população em detrimento de
outros.
Assim, constrói-se a trama do bio e necropoder, tanto na medida em que são negados
ou é dificultado o acesso a direitos sociais como também na medida em que são construídos
estes espantalhos, como fala Mbembe, que servem para assustar as pessoas e que são
insistentemente tratados como pessoas sem importância, que podem ser mortos a qualquer
instante e por qualquer motivo.
Neste ponto, Barros, Nunes, Sousa e Cavalcante (2019) lançam a questão: como a
Psicologia poderia entrar neste debate? Os/as autores/as entendem que seria necessário, em
primeiro lugar, a realização de uma análise de suas implicações frente a questões como estas.
Além disso, frente ao que é suscitado seria pertinente também a realização de uma análise dos
referenciais da Psicologia, bem como do seu lugar de saber-poder, para assim, poder intervir de
maneira adequada nestas situações.
764
carecem de um outro tipo de racionalidade, que não leve em consideração apenas tais critérios
de cientificidade, mas tragam para a discussão problematizações sobre a própria vida, suas
condições de constituição, de preservação e de valoração.
Nesse sentido, é que entendemos a necessidade de analisar e problematizar, na esteira
do que propõe Barros, Nunes, Sousa e Cavalcante (2019) e também Guareschi e Hüning (2007),
as implicações da Psicologia, e apresentar algumas considerações a este respeito.
De saída, partindo dos estudos de Guareschi e Hüning (2007), vemos como as autoras
apontam para o fato de que, desde uma perspectiva cientificista cartesiana, a Psicologia pouco
tem a tratar em relação a estes problemas. Esta Psicologia e seus adeptos, desse modo,
dificilmente poderão observar e estranhar o contato com o que seriam manifestações do bio e
necropoder, ou tendem a considerar um empecilho esse tal estranhamento, como no caso do
contato com povos e comunidades tradicionais.
Mas o que seria estranhar, questionar e inquietar-se sobre, com e a partir destes
problemas e campos de atuação? Em linhas gerais, seria analisa-los, buscar entender que lógicas
os sustentam, evidenciar tais processos não como naturais, mas como produzidos, como
fabricados por nossa sociedade, pelas relações que são construídas nela.
Diante deste entendimento, podemos tanto naturalizar e cristalizar tais relações, como
acompanhar e problematizar as linhas de força que as compõe. O caminho da naturalização e
do não estranhamento é mais comumente seguido. Contudo, é possível observar tais problemas
a partir da perspectiva das suas forças de constituição, o que requer um reposicionamento da
forma a partir da qual pensamos e construímos as possibilidades de atuação em Psicologia.
Assim, como a Psicologia poderia se implicar com as questões do extermínio de
populações ou com as situações vivenciadas pelos PCT? Ou antes: as matrizes de constituição
das diferentes vertentes de Psicologias possibilitariam uma implicação de suas vertentes com
tais questões? Uma questão que pulsa nestas indagações é uma questão de constituição de
referenciais e métodos. Referenciais e métodos de pesquisa e também de atuação. Em termos
de saber-poder, de construção de saberes e práticas, entendemos que para dar de conta de
questões como as que foram colocadas acima, tanto matrizes transcendentes como imanentes
de produção de conhecimento (Soares & Miranda, 2009) são acionadas e produzem estratégias
de atuação. Vejamos, então, algumas possibilidades de ver e intervir sobre estes problemas que
podem ser produzidas por diferentes abordagens da Psicologia, influenciadas por cada uma das
matrizes supracitadas.
Desde uma perspectiva metodológica transcendente, baseada em pressupostos
racionalistas e cartesianos, que cindem sujeito e objeto, a Psicologia deveria adotar uma postura
de neutralidade em relação aos problemas sobre os quais se debruça. A neutralidade deste
método não é passiva visto que requer um afastamento progressivo, sistemático e insistente de
seu objeto. Decorre daí uma separação entre sujeito e objeto e o que temos é uma pessoa que
se entende como sujeito de conhecimento, que acessa a verdade, e, do outro lado, outra pessoa,
que passa a ser tida como objeto, ou seja, ponto de aplicação do conhecimento e da verdade do
sujeito.
A maneira racionalista cartesiana de pensar naturaliza os fatos que são produzidos,
fabricados e atualizados constantemente pelas forças, codificações e sobrecodificações. O que
acontece, por detrás disso, na realidade, é uma forma de dominação na construção do saber, que
cria saberes válidos e outros menos válidos, descartáveis. Sujeitos aptos e, por outro lado,
sujeito inaptos e, em alguns casos, matáveis. Em suma, o que ocorre quando seguimos por esta
matriz é uma dominação das condições de produção de saber por quem é considerado sujeito e
765
operação do raciocínio por binarismos.
Contudo, esta vertente de produção de saber vem sendo criticada. Propõe-se, em seu
lugar, uma maneira de produzir saber a partir da imanência, rizomática. Um saber que se espalha
e se alastra, não se verticalizando. Um saber que deixa de separar sujeito e objeto e admite, ao
invés de sua separação, uma inseparabilidade entre ambos (Deleuze & Guattari, 1995).
Em resumo, desde um ponto de vista metodológico, as vertentes da Psicologia de
orientação transcendente tendem a implicar-se principalmente com comportamentos, condutas,
sensações, percepções, consciência, pensamentos, crenças, em suma, com o que se relaciona
com uma interioridade psíquica ou com o que se relaciona com condutas, que se materializam
nos comportamentos. Desde uma perspectiva rizomática, por outro lado, alinhada à noção de
produção das relações a partir das forças, entende-se que, para além destes construtos
infrapessoais, há também forças sociais, políticas, culturais, econômicas e artísticas que
constroem e modulam as formas de produzir e consumir subjetividades. Como vemos,
dependendo do referencial e do método escolhido, há diferentes formas e possibilidades de
implicação da Psicologia com os problemas que lhe são colocados.
A questão é que para dar de conta dos problemas que nos aparecem agora como
contemporâneos e que suscitamos acima, parece-nos insuficiente uma implicação apenas com
a interioridade psíquica e com os comportamentos, como sugeriria uma formulação cartesiana
e transcendente. Caso adotemos uma ética contemporânea, como propõe Agambem (2009), é
necessário ampliar o ponto de visão para além do infrapessoal ou mesmo do interpessoal, do
dentro e do fora da pessoa. É necessário olhar para a relação que se estabelece entre dentro e
fora, entre infra e interpessoal, entre as forças que circulam e que nos produzem.
O método, como diz Guareschi e Hüning (2007), reverbera na clínica, isto é, na atuação,
no fazer psicológico. Desde um ponto de vista ético e clínico, de estilo de clínica, a
racionalidade cartesiana nos encomenda que atuemos como agentes de normalização,
implicados com a neutralidade e a normatividade. Desde uma perspectiva rizomática, por outro
lado, o que a clínica nos exige é uma postura cartográfica, de avaliar e reavaliar constantemente
nosso trabalho, o caminho que está sendo percorrido, de acompanhar as linhas de força que
compõe e atravessam a ou as pessoas com as quais temos contato.
Assim, partindo da inquietação acerca de quais seriam as implicações e como a
Psicologia se implicaria com as questões contemporâneas que sinalizamos, é possível concluir
que há diferentes matrizes que sugerem distintas formas de implicação. Ambas dizem de formas
de construir saberes, construções estas que reverberam diretamente no fazer profissional.
Em relação às possibilidades de intervenção frente às problemáticas do contemporâneo
exemplificadas acima, entendemos então que interessa mais perceber qual matriz de construção
de saber será acionada e escolhida para direcionar as possibilidades de atuação do que saber
qual referencial de abordagem é melhor ou pior.
Desse modo, é necessário abandonar uma postura de clínica individualista e
normalizadora, e optar por um direcionamento no qual a Psicologia e o fazer psicológico
estejam ligados a processos expressivos e de singularização, que possibilitem a produção de
brechas, rupturas, linhas de fissura, que possibilitem a produção de devires outros, que recusem
a modelagem da subjetivação capitalística (Guattari & Rolnik, 2011).
É o que Lancetti (2004) vai chamar de clínica cartográfica e o que Costa-Rosa (2013)
vai apresentar como uma clínica crítica dos processos de subjetivação. Operacionalizando estes
conceitos e estas formulações de clínica, Guareschi e Hüning (2007) apontam para a construção
de um plano de produção da Psicologia que lide com outras materialidades discursivas, que não
766
apenas as da interioridade psíquica. Em outras palavras, isso significa construir uma atuação
que busque como alvo e foco de intervenção não a identidade interiorizada das pessoas, mas os
processos de subjetivação que as produzem, observar e acompanhar as linhas de forças que
compõe tais processos. Problematizá-los buscando a singularização em detrimento de uma
produção serializada de formas de consumir subjetividades e também de produzir desejos.
Enquanto isso, Silva (2005) sinaliza para a necessidade de ficarmos atentos/as a que tipo
de atuação desenvolvemos em nossas práticas. Esta autora nos instiga a observarmos as ações
que realizamos e direcioná-las para uma retomada da clínica enquanto o lugar em que o vivente
que sofre enuncia seu próprio sofrimento e apresenta suas próprias formulações a respeito do
que lhe causa mal-estar.
Em todo caso, vemos que a condição de possibilidade para a construção desta outra
modalidade de fazer profissional é justamente o estranhamento, o olhar inquieto para o presente
para nele ver suas frestas e suas brechas, e assim, poder observar as trevas deste presente, isto
é, aquilo que é produzido para que nem todos vejam. Adotando esta ética do estranhamento,
abrimos as possibilidades de intervenção para ações voltadas para as relações da ordem das
intensidades e dos coletivos indetermináveis, isto é, para uma atuação que extrapole as noções
de identidade e de interioridade psíquica, em se tratando de possibilidades de intervenção.
Desse modo, passaremos a pensar não o indivíduo em seu contexto solitário e sua
responsabilidade intransferível pelo seu sofrimento, mas sim este sofrimento como sendo
produzido pelas forças (sociais, políticas, econômicos, culturais) e relações de poder. Relações
estas que também produzem desigualdades, dominação, expropriação, morte, e que, por
conseguinte, geram sofrimento.
Atuar frente aos problemas e acontecimentos contemporâneos apresentados acima não
se trata apenas de estar presente em contextos de vulnerabilidade, mas sim de direcionar a
atenção para as condições que produzem estes contextos, bem como para perceber as formas
de enfrentamento que já existem e potencializa-las. Singularizar, criar, possibilitar a
expressividade, embaralhar os códigos, subverter e transgredir os dispositivos de disciplina e
normalização: eis algumas das possibilidades de intervenção da Psicologia frente aos problemas
e acontecimentos contemporâneos.
Conclusão
Escolhemos os temas dos povos e comunidades tradicionais e também do extermínio de
jovens negros, como uma das manifestações do bio e necropoder, por estes funcionarem
exatamente como intercessores para a Psicologia. São temas que interpelam a Psicologia oficial,
que chamam a atenção, que desestabilizam os referenciais e métodos dela, e trazem o
questionamento a respeito de uma renovação, de mutações dentro da Psicologia.
Entendemos que, para além ou aquém de pensar uma identidade profissional, talvez
fosse mais interessante, primeiramente, pensar em como a Psicologia, com seus múltiplos
referenciais e métodos, poderia se implicar com estas questões. Ademais, vemos e ressaltamos
que o próprio termo implicação é tão provocador quanto os intercessores que apresentamos, na
medida em que a ideia de implicação é radicalmente oposta à de neutralidade, que é uma das
pedras de toque da matriz transcendente da qual falamos e que serviu e serve de base
constitutiva de algumas abordagens da Psicologia.
Haja vista as implicações da Psicologia com as questões decorrentes do contemporâneo
767
é apropriado frisar, uma vez mais, que saberes e poderes relacionam-se. Como aponta Guareschi
e Hüning (2007, p.22) precisamos levar em consideração “o reconhecimento de que todo saber
é político, [e está] imbricado com a concepção de sociedade de cada época e constituinte de
práticas culturais [...], portanto, constituinte de sujeitos”.
Nesse sentido, reconhecendo tais condições de produção dos saberes e poderes, em
relação aos povos e comunidades tradicionais, entendemos que este é um campo que necessita
ser pensado de maneira sensível, para que assim seja possível perceber os processos de
construção dos aspectos históricos, dos modos de vida, bem como dos meios de produção de
sujeitos, construindo assim uma atuação coerente com a realidade em questão.
Já no caso dos extermínios de jovens adolescentes negros, seriam necessários processos
de desmontagem das configurações que os constituem enquanto seres abjetos e matáveis, que
poderiam ser operacionalizados desde um plano de desconstrução imagética individual, e que
ganharia ainda mais intensidade caso as lutas que já existem neste campo fossem fortalecidas.
Em suma, para além de rever os referenciais da Psicologia, vemos a necessidade de
potencializar os movimentos de denúncia já existentes referentes a esta problemática.
Por fim, voltamos ao início de nosso ensaio, trazendo novamente Figueiredo (1993). Em
seu texto ele lança a ideia, um pouco como quem blefa, de se poder enxergar a Psicologia
enquanto profissão do encontro, longe de romantizar o termo, mas tomando-o com todas as
suas desestabilizações, conflitos e dificuldades. Um encontro que se dá com a alteridade, para
que seja possível com ela aprender algo, produzir diferenciações, produzir outros e novos
sentidos, produzir linhas de fuga. Um encontro com a alteridade pautado numa ética do
estranhamento, tomando alteridade e estranhamento em sua face produtiva, para que
estranhando, tanto o mesmo como o outro, possamos cultivar a disponibilidade de nos
implicarmos com as questões que nos interpelam no contemporâneo
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PROCESSOS DE SOCIALIZAÇÃO: DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO
769
FENÔMENO
Matheus Victor Vieira da Silva
Ana Karla Silva Soares
Alessandro Teixeira Rezende
Maria Gabriela Costa Ribeiro
Bruna de Jesus Lopes
Mateus Egilson da Silva Alves
Introdução
A socialização pode ocorrer por diversas formas, devendo-se destacar a influência dos
agentes de socialização e de fatores biológicos e socioculturais que interagem nas fases do
processo. Diante dessa diversidade de fatores, nos últimos anos as pesquisas nesta área têm
avançado no campo da psicologia, possivelmente devido ao desenvolvimento de técnicas
metodológicas e estatísticas, avanços conceituais mais robustos e das pesquisas realizadas
segundo diferentes perspectivas teóricas, a exemplo dos avanços na genética comportamental
(Kesebir, Uttal & Gardner, 2010).
Dentre as pesquisas realizadas neste campo, destacam-se aquelas cujo foco está na
compreensão da maneira pela qual ocorre a internalização de fatores mais sociopsicológicos,
tais como as normas, as crenças e os valores. Estes últimos, no processo de socialização,
constituem um tema que ainda requer atenção por parte dos pesquisadores, embora se observe,
nas últimas décadas, um aumento no número de pesquisas que analisam como ocorre o processo
de transmissão de valores entre pais e filhos.
1. Definições de Socialização
Existem diferentes formas de abordar o tema socialização. Na literatura são encontrados
estudos a respeito em diversas áreas, como Sociologia, Filosofia, Antropologia e, por suposto,
na Psicologia. De modo geral, a socialização é definida como a maneira pela qual os indivíduos
são auxiliados a se tornarem membros de um ou mais grupos sociais (Maccoby, 2007).
Segundo Morawski e Martin (2011), as primeiras pesquisas sobre socialização foram
desenvolvidas por volta do século XIX, e referiam-se a atividades e processos sociais, sendo
estudada em termos de processos psicológicos somente no início do século XX, após a Segunda
Guerra Mundial. Estes autores desenvolveram um estudo com o objetivo de analisar a evolução
de vocabulários nas ciências sociais, especificamente, o termo socialização. A
interdisciplinaridade do conceito de socialização gerou um desacordo entre os pesquisadores
na área, que a denominaram de formas variadas, quer seja como um processo ou teoria, sistema
ou modelo.
Na perspectiva sociológica, o termo socialização tem como objetivo explicar como os
grupos se ajustam comportamentalmente e mantém uma ordem social, explicando as
similaridades e distinções entre os indivíduos a nível individual e grupal. Nesta perspectiva, a
socialização é definida como os processos responsáveis por direcionar os indivíduos para
adoção de padrões comportamentais, normativos, valorativos e rígidos do contexto social
(Andrade, Camino & Dias, 2008).
Por sua vez, no âmbito da psicologia, a socialização envolve diversos aspectos, tais
770
como: a aquisição de regras, tomada de papéis, padrões valorativos e direcionamento para os
aspectos cognitivos, emocionais e pessoais. Além disso, pode ser considerado um processo
bidirecional, evidenciado pela análise das interações estabelecidas, por exemplo, entre os pais
e os filhos. Portanto, a socialização se configura como um processo interacional complexo que
pode sofrer a influência dos fatores ambientais, sociais e genéticos (Grusec & Hastings, 2007).
As duas visões de socialização, embora sejam derivadas de áreas de conhecimento que
apresentam uma visão independente do que vem a ser o social e o individual, compartilham
entre si ideias relativas ao tema. Ambas entendem que o processo de socialização tem caráter
contínuo, visto que se inicia na infância e prossegue ao longo da vida adulta. Ademais,
enfatizam a ideia de aprendizagem, destacada na literatura pelos estudos de transmissão de
valores, promovendo a manutenção e organização da estrutura social, e a noção de que a
socialização é um fenômeno prospectivo, ou seja, baseado na temporalidade atribuída a
aquisição de comportamentos, normas, emoções e crenças (França, 2011).
De acordo com Grusec e Davidov (2010), uma maneira de estudar essas diversas
abordagens baseia-se na proposta de analisar as perspectivas de acordo com o seu domínio,
caracterizando cada um por apresentar uma forma particular de interação social entre o objeto
e o agente socializador. Deste modo, baseado nestes princípios teóricos, faz-se necessário uma
repartição das esferas envolvidas no processo, visando compreender a temática de maneira mais
específica e objetiva. A seguir, são apresentados os elementos mais explorados nas pesquisas
desenvolvidas na área, com destaque para os estudos relacionados à dimensão valorativa, visto
que a literatura indica a maneira pela qual as crianças internalizam os valores dos pais, os quais
contribuem para efetivação da socialização, sendo este o foco da presente dissertação.
771
(Freire, 2009).
772
desenvolve de maneira mais lenta em comparação com outros primatas, embora sejam
identificadas semelhanças entre as espécies quanto à natureza do comportamento, as condições
eliciadoras e sua evolução temporal em relação a questões específicas de maturidade. Além
disso, foram identificadas modificações comportamentais das mães primatas em sincronia com
o estado de desenvolvimento da criança, e mesmo quando o jovem animal já era independente,
mãe e filho buscavam ficar próximos na presença de ameaças (Maccoby, 2007).
No entanto, devido ao afastamento de Bowlby da Sociedade Britânica de Psicanálise e
sua aproximação da Psicologia Acadêmica, observou-se um crescimento do interesse pela área
por parte de teóricos e pesquisadores psicanalistas, com destaque para as contribuições de Mary
Ainsworth. Suas pesquisas visavam avaliar a qualidade do apego a partir da observação de
modelos sobre a maneira como as crianças reagiam a uma situação de separação, tendo em
conta as fases indicadas por Bowlby e configurando-se como um dos grandes nomes na área
(Ramires & Schneider, 2010).
Ainsworth desenvolveu um procedimento de laboratório denominado de Situação
Estranha, que resultou no sistema de classificação da organização do apego do bebê com
respeito às figuras parentais ou cuidadores substitutos (seguro, inseguro evitativo e inseguro
ambivalente ou resistente) (Ramires & Schneider, 2010).
Assim, segundo a perspectiva sociobiológica da teoria do apego, os seres humanos
possuem mecanismos adaptativos para sobreviver em que os períodos considerados críticos ou
sensíveis são enfatizados, ressaltando a relevância das bases evolucionistas e biológicas do
comportamento e a predisposição para aprendizagem influenciando diretamente no processo de
socialização.
773
pares, no trabalho dos pais e nos relacionamentos sociais. Com respeito ao exossistema, este é
observado em um ou mais ambientes nos quais a família não interage diretamente, mas
acontecem situações que, indiretamente, influenciam as relações familiares. Por fim, tem-se o
macrossistema, que é o sistema mais amplo e abrange os demais (Martins & Szymanski, 2004).
Nesta abordagem são analisadas as mudanças ocorridas no contexto a partir do papel
desempenhado pelo indivíduo no cotidiano e as alterações psicológicas que ocorrem com o
passar do tempo direta ou indiretamente nas pessoas e/ou família e no meio ambiente. Quando
uma pessoa modifica-se de contexto, alterando seu papel e/ou ambiente, considera-se que
ocorreu uma transição ecológica, que pode ocorrer de duas formas: (a) transição normativa:
referente a eventos esperados que ocorrem na vida do indivíduo (e.g., início da vida escolar ou
da puberdade) e (b) transição não – normativa: relacionada a acontecimentos inesperados que
ocasionam estresse ao indivíduo ou a família, sendo descritos como situações de risco (e.g.,
mudança de domicílio, morte ou doença grave e divórcio).
Portanto, apesar de conceitos e pressupostos científicos sobre o desenvolvimento
humano serem objeto de estudo desde a última década do século XX, as contribuições da
abordagem bioecológica são notórias, possibilitando a proposição de novos conceitos e ideias
sobre os fenômenos relativos ao desenvolvimento humano em diversos contextos, tais como,
por exemplo, a família e a escola.
774
nestas alterações (Martins et al., 2010; Schneider, 2001). Não obstante, apesar dos estudos na
área destacarem que o início do processo de socialização ocorre nos primeiros anos de vida,
pesquisadores de diversos campos (Elkin, 1968; Ortega, 1997), tais como a Psicologia e
Sociologia, consideram possível estabelecer uma divisão da socialização em fases ou períodos.
A seguir, são apresentadas cada uma das fases com suas peculiaridades que englobam as
diversas fases da vida, desde a infância até a velhice (Schneider, 2001).
4. Fases de socialização
Como destacado por Sousa, Vione e Soares (2013), mesmo que a maioria das pesquisas
ressaltem os anos iniciais de vida como o início do processo de socialização, pesquisadores de
diferentes áreas do conhecimento, a exemplo da Psicologia e Sociologia, apresentaram
diferentes fases no processo de socialização, com destaque para o modelo proposto por Ortega
(1997):
Destacam-se como diferenças entre as fases o fato de a primeira ser marcada por poucos
agentes, cuja atuação é extremamente importante para formação do indivíduo. A segunda,
contrariamente, caracteriza-se pela pluralidade grupal experimentada pelos indivíduos,
permitindo o contato com diversos grupos sociais e a influência de múltiplos agentes
socializadores, apesar de maneira menos imponente que a vivenciada na fase anterior. Por fim,
na última fase ressalta-se o caráter de reaprendizagem de conteúdos e formas de convivência
inerentes ao contexto e ao cotidiano do indivíduo (Schneider, 2001).
5. Agentes de socialização
775
O processo de socialização é mediado por diversos atores sociais, sendo o pai e a mãe,
na maioria das vezes, as pessoas que, junto com a instituição familiar, ocupam o papel de
primeiro socializador, seguidos pela escola. Deste modo, compreende-se que é de suma
relevância mencionar as principais instâncias socializadoras, pois é nestes grupos que a
aprendizagem dos comportamentos, que são próprios de cada cultura, é aceita pelos indivíduos
que compõem estas instâncias. Não obstante, cada um socializa a criança em seus padrões e
valores próprios. A família possui rituais que são passados aos filhos e a escola possui suas
regras de ordem que pretendem aplicar aos seus alunos (Elkin, 1968).
5.1. Família
A família é considerada um dos agentes mais importantes para ocorrência da
socialização (Parsons, 1964), destacando-se, particularmente, a influência dos pais (Toyokawa
& Mcloyd, 2011). É o primeiro grupo social do qual a criança recebe uma série de influências
decisivas, as quais permitirão, ou não, um desenvolvimento normal de sua socialização. Ela
funciona como um veículo de modelos sociais, trabalhando como um instrumento socializador
responsável pela inserção do indivíduo no seu contexto social.
Assim, o contexto familiar é tido como a estrutura na qual a criança estabelece as
primeiras trocas na constituição de seus valores, crenças, práticas e contato com a cultura. Esta
influência parece ser exercida de acordo com a classe social a que pertence os pais. De acordo
Knafo (2001), as formas de aprender e de internalizar as normas e os valores vigentes da
sociedade são distintas, dependendo do nível sócio-profissional, econômico e cultural da
família.
Kohn (1977) analisou a influência destes fatores socioeconômicos e contextuais nos
valores, indicando que os pais geralmente almejam para seus filhos coisas positivas, a exemplo
de felicidade e sucesso escolar. Destacou ainda que pais com trabalhos rudimentares, sem curso
superior, estão mais propensos a desejar que seus filhos obedeçam às regras e se conformem
com padrões externos da sociedade, enquanto pais que ocupam cargos mais importantes e
possuem curso superior apreciam que seus filhos se comportem de forma autodirigida. Portanto,
observa-se que é a família onde costumam ocorrer suas primeiras experiências sociais, onde a
criança, internaliza, por intermédio de seus membros, os valores, os sentimentos e as
expectativas com relação a sua posição na estrutura familiar (Elkin, 1968).
O resultado das interações estabelecidas entre pais e filhos é importante para o processo
de formação da personalidade, das capacidades e do senso de responsabilidade que o indivíduo
levará ao longo da vida. Durante a socialização das crianças, o papel exercido pelos pais é
estendido a todas as esferas da vida social dos filhos, quer seja pela forma de agir diante de
questões sociais, religiosas, afetivas, etc., ou quanto ao envolvimento com as crenças e os
valores absorvidos para si (França, 2011).
5.2. Escola
Diferentemente do sistema familiar, a escola é constituída como uma estrutura mais
ampla, com organização própria, cujas relações interpessoais se mantêm com maior
formalidade, composta de um conjunto de regras disciplinares que devem ser apreendidas e
obedecidas por todos os membros do grupo. É na escola que as crianças se submetem às
primeiras avaliações públicas e formais de desempenho (Michener, Delamater & Myers, 2005).
Semelhante ao modo como a família se estrutura, a escola representa a autoridade adulta
776
da sociedade, exercendo o papel de instância socializadora capaz de transmitir os
conhecimentos básicos relativos à sua cultura, quer seja intelectual ou artística. Além disso,
desempenha a função de auxiliar a criança a alcançar independência emocional com respeito a
sua família (Schneider, 2001).
Na escola, o professor representa a autoridade e a necessidade de ordem e disciplina; e
ainda os valores de conhecimento e realização educacional, empregando, praticamente, os
mesmos mecanismos de socialização da família: recompensas ou punições, que são efetuadas
de acordo com o comportamento e o desempenho das crianças (Elkin, 1968). Com isto,
confirma-se que agentes socializadores externos ao contexto familiar, tal como os funcionários
de instituições educacionais, também podem desempenhar uma função importante na formação
de crianças e adolescentes.
Conclusão
Diante do previamente exposto, observa-se que os amigos, os colegas de estudo/trabalho
e os meios de comunicação podem exercer influência sobre as pessoas, sobretudo no que diz
respeito aos adolescentes e jovens adultos (Ortega, 1997). É na idade escolar que as crianças
convivem com colegas da mesma faixa etária, considerados importantes agentes do processo.
Durante a interação, é provável que ocorra a apreensão de habilidades específicas da idade,
dificilmente apreendidas em outros ambientes (Thomassim, 2009; Wenetz, 2007).
Um exemplo deste alcance foi analisado no estudo desenvolvido por Kremer-Sadlik e
Kim (2007), no qual os autores propõem demonstrar que estudantes que praticam atividades
esportivas apresentam uma redução de comportamentos antissociais e uma melhoria no
desempenho acadêmico. No entanto, os resultados da pesquisa mostraram além desta relação,
visto que a presença dos pais nas atividades esportivas potencializava os comportamentos pró-
social dos alunos, ressaltando a importância do esporte, uma atividade desenvolvida com os
pares da escola, promotora das atividades e dos pais como ferramentas mediadores importantes
na vida dos indivíduos durante o processo de socialização.
Visto que o processo de socialização ocorre com os indivíduos em diferentes momentos
da vida e com base em múltiplos fatores, a exemplo dos agentes socializadores (família, pais,
escola, pares) mencionados anteriormente. Diante do apresentado, compreende-se que o estudo
da socialização ocorre de maneira fragmentada, comprovada a partir da observação dos estudos
desenvolvidos sobre o tema, dentre os quais há o predomínio de uma divisão quanto ao aspecto
empregado para descrever ou explicar a socialização, podendo ser dividido quanto ao tipo de
agente socializador, a teoria fundamental em questão e/ou o aspecto do relacionamento
colocado como central.
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FORTALECENDO VÍNCULOS ATRAVÉS DA CONVIVÊNCIA: ATUAÇÃO DO
780
PSICÓLOGO FRENTE AOS SENTIMENTOS DE IDENTIDADE DO IDOSO
781
Fortalecimento de Vínculos descrito segundo Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais (2013) como:
Todos estes pontos elencados são de suma importância para o psicólogo trabalhar na
construção psicossocial do envelhecimento, levando em conta a articulação entre a
subjetividade, situações sociais, políticas, econômicas, históricas e culturais para atuar de forma
adequada.
O presente artigo tem como objetivo relatar a experiência de estágio supervisionado em
psicologia comunitária com um grupo de idosos com o propósito de fortalecer vínculos através
de convivência.
Método
Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de experiência elaborado a partir das
experiências do estágio de Psicologia Comunitária em um CRAS na cidade de Teresina-PI,
realizado pelos acadêmicos de Psicologia da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). O
projeto teve como público alvo 25 idosos em um centro de convivência da cidade de Teresina.
Onde foram realizadas dinâmicas que abordaram temáticas com o propósito de fortalecer
vínculos através de convivência por meio de trocas culturais e de vivências, desenvolvendo o
sentimento de pertença e de identidade, fortalecendo vínculos familiares e incentivando a
socialização e a convivência comunitária por meio de alternativas emancipatórias para o
enfrentamento da vulnerabilidade social.
O projeto foi realizado em cinco encontros com 1 hora e 30 minutos de duração cada,
quinzenalmente. As temáticas foram organizadas a partir da demanda dos participantes do
serviço, da seguinte forma:
1º Acolhida através de atividades voltadas à motricidade lateralidade e socialização
através do estímulo neurocognitivos voltados para memória e fortalecimento de vínculo e
sentimentos de pertencimento. Além de coleta de demandas de assuntos dos quais os idosos
gostariam que se fosse trabalhado nos encontros seguintes.
2º Acolhida com balão direcionado para a coordenação motora. Além do papel da
família na antiguidade e contemporaneidade em especial o papel da mulher no seio familiar
metodologia roda de conversa com intuito reflexivo e dramatização de organizações familiares
782
e papel da mulher ao longo do tempo no sentido de visualizar as conquistas e desafios
percebidos pelo serviço.
3º Acolhida a partir de atividades motoras e reconhecimento de qualidades dos
integrantes do serviço no intuito de fortalecer vínculos. Além de um trabalho voltado para a
identificação de emoções bem como experiências relacionadas a elas através de autorrelato.
4º Acolhida com balões com objetivo de integração do grupo e a importância da
cooperação. Além de trabalho voltado para a garantia de direitos e deveres da pessoa idosa.
5º Encerramento com linha do tempo e feedback dos participantes.
Resultados
O grupo pode ser descrito como um espaço de convivência, de construção e
desconstrução de temas relacionados à realidade da pessoa idosa através da reflexão, da fala e
da escuta de histórias subjetivas de cada um. Durante a intervenção com os idosos, houve a
preocupação de ampará-los e acolhê-los diante dos mais diversos comportamentos que eles
apresentassem, conforme o conteúdo trabalhado no grupo. Para melhor compreensão das
intervenções realizadas no grupo, elas serão descritas separadamente, de acordo com os cinco
encontros realizados. Há de se ressaltar que os encontros foram planejados a partir das
demandas que o grupo trouxe as estagiárias e dos apontamentos realizados pelos profissionais
que acompanharam o grupo.
783
da mesma região então já possuíam um conhecimento prévio das características de cada um.
A posteriori, foi separado um tempo para colher às demandas que o grupo gostaria que
fosse trabalhado nos próximos encontros, o grupo foi dividido em duplas, onde tiveram alguns
minutos para conversar sobre os temas e atividades que eles iriam sugerir e explanar para todos,
a fim de que todos do grupo pudessem concordar ou não com a atividade sugerida por seus
colegas.
784
traumáticas fossem acolhidas de maneira empática a fim de uma construção ressignificativa
dessas vivências a partir de uma nova visão de enfrentamento delas. Houve também o
fortalecimento de memórias positivas.
Discussão
O presente artigo teve como objetivo descrever as experiências realizadas em um grupo
de Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), com idosos. Ao longo das
atividades foram perceptíveis como os idosos tiveram no grupo um espaço de socialização,
vivências e demonstração de emoção e sentimentos o que estava em falta visto que o centro
estava desativado até as estagiárias chegarem.
Muitos relataram a importância de espaços como este para se sentirem acolhidos e
785
legitimados em suas histórias, pois segundo a fala dos idosos a rotina diária deles não lhes dá
oportunidade de ter uma companhia para conversar e socializar, muitos relatando ainda
sentimentos de solidão, tristeza e sintomas depressivos.
Por isso, faz-se necessário mais estudo e intervenções de fortalecimentos sócio afetivos
nesse faixa etária de grupo levando em consideração que expectativa de vida média no Brasil
segundo o IBGE, subiu de 3,6 anos de 2000 a 2010, tendo em 2018 a média de 75 anos de vida
o brasileiro. Sendo assim é muito importante proporcionar um processo de envelhecimento
ativo, saudável e com qualidade de vida aos idosos, que não seja ligada somente às questões
físicas mais também emocionais, psicológicas e sociais.
Não esgotando o tema, deseja-se que esse trabalho possa ajudar em uma melhor
compreensão acerca das discussões acerca do público idoso em centros de convivências e
formas de atuar em práticas ativas, como também destacamos a necessidade de continuidade de
atividades a serem desenvolvidas no serviço de convivência da pesquisa, como também de mais
estudos e pesquisas que permeiam essa temática nesta área, visto que ainda são poucos.
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EIXO 14
786
Psicologia Hospitalar e Atuação Multiprofissional
A hospitalização, em sua maioria das vezes, pode ser vista como uma situação de grande
instabilidade e perturbação para a vida do ser humano (Quirino, Collet & Neves, 2010), sendo
compreendida, portanto, pelas pessoas envolvidas como uma conjuntura difícil e geradora de
ansiedade (Faquinello, Higarashi & Marcon, 2007). Além dessas consequências, o paciente
hospitalizado acaba sendo submetido ao processo de despersonalização, o qual é caracterizado
pela ausência do conhecimento da história de vida e do próprio nome, sendo ele referido, em
muitas ocasiões como um número de um leito (Angerami-Camon, 2010).
Segundo Honicky e Silva (2009) a fase que a patologia se encontra, o apoio familiar e
dos amigos, a maneira de agir diante de uma crise, a forma de lidar com o sofrimento causado
pela doença, sua história de vida e os aspectos que envolve a doença e seu tratamento,
influenciam de forma direta no impacto do processo de hospitalização para o indivíduo.
Dessa forma, Farias et al. (2018) abordam que o processo de hospitalização influência
os aspectos emocionais do paciente e de sua família, uma vez que essa se envolve no processo
do adoecer. Cabe frisar que a família como cuidadora, se torna uma fonte de apoio emocional
ao paciente hospitalizado, considerando a comunicação, o afeto, segurança, os quais favorecem
a minimização do sofrimento decorrente da situação que o indivíduo se encontra, além disso, o
processo de hospitalização ainda influi no desencadeamento de esgotamento físico e emocional
da família, pela assistência continua ao paciente, vínculo emocional e a reorganização diária
(Dázio et al., 2015).
Considerando essa perspectiva de contato e convívio hospitalar, vale ressaltar a condição do
profissional de saúde, o qual se encontra diariamente em contato com o paciente e seus
acompanhantes, que em consequência dessa relação, envolve-se emocionalmente com os
mesmos, apresentando elevados níveis de empatia e sofrimento frente a história de vida e
doença dos internados, em contraponto a essa perspectiva, se encontra sua própria história de
vida e condições frente a rotina de atendimento e cuidado (Farias et al., 2018)
Tendo em vista que a condição hospitalar pode interferir na forma de atendimento,
787
convívio e funcionamento de um hospital e no âmbito familiar, o presente artigo traz como
pergunta de partida: Quais as consequências do contexto hospitalar para: (1) pacientes; (2)
familiares; (3) profissionais?
Em suma, o presente artigo tem como objetivo geral compreender as consequências do
processo de hospitalização na experiência dos pacientes, familiares e os profissionais da saúde.
Justifica-se a escolha do respectivo tema, baseando-se na real proporção que o contexto e
condições hospitalares implicam na vida de seus usuários e colaboradores. A partir disto, notou-
se a viabilidade em elaborar o presente artigo comtemplando a ideia das consequências e do
impacto que o âmbito hospitalar proporciona aos seus envolvidos.
No que tange a relevância social desse estudo, baseia-se na importância de tornar à luz
da sociedade, os aspectos das consequências do contexto hospitalar aos seus envolvidos
(paciente, família, profissional da saúde), de modo que haja uma compreensão desses fatores
não somente dos profissionais da área da saúde, mas de toda comunidade participativa, visando
a melhoria de qualidade de vida frente as consequências identificadas. Como relevância
cientifica, compreende-se o enriquecimento ao âmbito da pesquisa, favorecendo discussões a
respeito da temática apresentada, consequentemente seu aprofundamento, gerando novas
indagações, e ainda, juntando-se a conhecimentos e estudos já existentes.
Tendo em vista, compreende-se o processo de hospitalização como aspecto de
influência significativa na experiência vital tanto do paciente como da família e profissional de
saúde. Desse modo, o presente estudo se desvela nessa temática, identificando os fatores
contribuintes das consequências dessa condição necessária frente ao ambiente hospitalar.
Método
O presente trabalho contempla uma pesquisa de revisão bibliográfica, utilizando o
levantamento de artigos científicos, livros e revistas publicados nos últimos anos, tornando
dispensável à coleta de dados em campo. Treinta et al. (2012) enfatizam que o autor, por meio
da pesquisa bibliográfica, busca auxiliar a identificação de trabalhos, assegurando a capacidade
de ordenar fronteiras do conhecimento, em decorrência dos achados científicos.
A pesquisa foi produzida a partir de artigos científicos encontrados em plataformas
internacionais como o portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PEPSIC), Biblioteca
Eletrônica Científica Online (sciELO), e a Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências
da Saúde (LILACs), contendo os anos 2012 a 2019, nas línguas portuguesa e inglesa. Aplicou-
se vocabulário controlado (descritores), como: condições hospitalares, contexto hospitalar,
profissionais de saúde e acompanhante familiar, com objetivo de melhorar a busca dos trabalhos
necessários
Foram utilizados critérios de inclusão: artigos escritos em português, um dos descritores
existentes no título do trabalho, ano de publicação e critérios de exclusão: estudos identificados
como resenhas, comentários, teses e dissertações que fogem da temática proposta, seguindo
outra perspectiva. Em suma, indagações como de que forma pode ocorrer a humanização no
âmbito hospitalar, quem são os envolvidos e quais os benefícios da introdução da humanização
dentro do ambiente hospitalar foram essenciais para fundamentar o objetivo do trabalho,
788
possibilitando estudos de materiais selecionados criteriosamente.
Resultados
Para aquisição dos dados, a princípio foram escolhidos os trabalhos que se
correlacionavam amplamente com a temática proposta. Posteriormente, foram eliminadas obras
consideradas como comentários, dissertações, teses e resenhas, apenas mantendo publicações
em revistas e artigos de cunho científico, por abrangerem em especifico, os descritores
indicados. Levou-se em consideração a temática do estudo, conforme cada título e as palavras-
chave para a seleção das obras, com a perspectiva de confirmar se convergiam com as perguntas
norteadoras da presente pesquisa e se abrangiam aos critérios inclusivos e exclusivos pré-
estabelecidos. No total foram selecionados 05 artigos científicos dos últimos 08 anos, elencados
com a temática do estudo. Por fim, os artigos escolhidos foram estruturados mediante a pergunta
a ser comtemplada, ou seja, primeiro os estudos envolvendo os pacientes, segundo o
acompanhante familiar, e terceiro os profissionais da saúde. Em seguida considerou a data de
publicação, exibidos em conformidade com os objetivos deste trabalho.
A atual pesquisa ainda que contenha dados humanos, trabalha somente com
averiguações que possam ser utilizados. De acordo com a resolução de nº 510/2016, pelo qual
aborda a necessidade de submissão de trabalhos junto ao Comitê de Ética em Pesquisa
(Conselho Nacional de Saúde [CNS], 2016), as revisões de literatura não exigem esse
procedimento. Na Figura 1 é possível observar o gráfico com a organização de produções
selecionadas.
Quantidade de artigos
selecionados
2,5
2
1,5 Quantidade de
1 artigos
0,5 selecionados
0
2012 2014 2015 2019
Figura 1. Quantidade de artigos selecionados
789
processo de Hospitalar/ a experiência dos pacientes em meio ao processo de
hospitalização: o 2012 hospitalização, bem como os sentimentos que surgem
paciente cirúrgico perante a doença e a intervenção cirúrgica. Perceberam-
se nas falas de alguns pacientes, assuntos voltados a
crenças religiosas que influenciam em grande proporção
na reação frente ao cenário de desamparo vivido.
Conclui-se que o psicólogo hospitalar nesse meio
proporciona espaço para que o indivíduo possa ser visto
além da patologia e de um corpo objetal onde ocorreu
uma intervenção cirúrgica.
Estresse hospitalar Borine, Revista da A obra teve como objetivo, verificar os índices de
em equipe Assis, Sociedade estresse dos profissionais que realizam plantões em uma
multidisciplinar de Lopes e Brasileira de Unidade de Saúde. Refere-se a uma pesquisa
hospital público do Santini Psicologia quantitativa, descritiva com uma amostra de 28
interior de Hospitalar/ plantonistas, através da execução do instrumento Job
Rondônia 2012 Sacale Stress, no qual foi adaptado para o português,
contendo 17 questões para averiguar as dimensões:
demanda psicológica, controle e apoio social.
Obtiveram-se como resultado, altos scores para a
categoria “demanda psicológica” e score inferior para as
categorias “controle” e “apoio social”, indicando
sofrimento psicológico e estresse. Concluiu-se a
importância em averiguar o estresse ocupacional nos
profissionais em unidades de saúde que lidam direta e
790
indiretamente com pacientes, e que costumam receber
pressão no ambiente de trabalho.
Discussão
Conforme apresentado anteriormente na tabela 1, o primeiro estudo selecionado foi o
“Concepções de vida e sentimentos vivenciados por pacientes frente ao processo de
hospitalização: o paciente cirúrgico”, de Goidanich e Guzzo (2012), através do qual tenciona
responder o primeiro questionamento do atual estudo: Quais são as consequências do contexto
hospitalar para os pacientes?
De acordo com Goidanich e Guzzo (2012), ao adoecer e precisar de hospitalização,
diversas modificações são impostas à rotina do indivíduo, independentemente de sua vontade.
O paciente acaba perdendo o comando de sua vida, sem saber ao certo o que vai acontecer, e
nesse período a equipe de saúde, em especial o médico, acaba direcionando suas ações.
Entretanto, por diversas vezes é criado um vínculo de dependência com o médico por acreditar
ser uma espécie de curandeiro moderno.
Em específico, os pacientes cirúrgicos tendem a sofrer um intenso desconforto
emocional em virtude da incerteza do futuro, desenvolvendo sensações de impotência, medo da
dor, da morte, de ficar incapaz, e das transformações corporais. Ou seja, ao necessitar a
realização de algum procedimento cirúrgico, o sujeito se sente ameaçado perante sua plenitude
física e psicológica.
Um dos fatores que desencadeia a ansiedade perante a cirurgia é a separação de casa,
das coisas, dos familiares, o medo em virtude da vida, e a situação de assumir a função de
doente. A doença como fator desencadeador provoca desordem do habitual, a urgência do
confronto do duvidoso, dentre outros aspectos. Logo, na maioria das vezes é instalada uma
crise, direcionando um momento atribulado na vida de qualquer pessoa.
Em seguida, o segundo estudo cujo título é “O paciente hospitalizado à luz da teoria
cognitivo-comportamental” de Sousa et al (2015), que também propõe responder a primeira
pergunta desta pesquisa, acrescenta que independente do diagnóstico é comum o paciente ser
acometido por sentimentos como tristeza, ansiedade e aceitação.
Ao receber o diagnóstico, o funcionamento cognitivo do paciente influência em seu
791
comportamento e em suas emoções, levando ao desenvolvimento de determinados transtornos
psicológicos decorrentes das distorções criadas. A doença física então é interligada com a
manifestação psíquica, ocasionando inclusive, modificações na interação social. Diante do
contexto hospitalar o paciente passa pelo processo de despersonalização, ou seja, perca de
identidade e autonomia. Além disso, a maneira como a pessoa compreende a doença, os
sintomas, o tratamento e o seu prognóstico acaba influenciando na reação comportamental.
Compreendeu-se também a supervalorização negativa sobre os acontecimentos, dificultando os
investimentos pessoais para lidar com a crise, denominada como catastrofização.
Indo ao encontro, Pereira et al (2018), elencam as mesmas perspectivas citadas
anteriormente, porém tendo em vista os pacientes que enfrentam o Acidente Vascular
Encefálico (AVE). Verificou-se a presença do medo, tristeza, surpresa perante o aparecimento
da doença, e a vontade de mudança. Entretendo, ao conhecer o diagnóstico, o processo de
internação acabou sendo mais participativo por parte do internado, enfatizando assim, a
importância do contato entre o paciente e os profissionais da saúde.
Em sequência, a terceira pesquisa tem como intuito favorecer o segundo questionamento
do vigente estudo: Quais são as consequências do contexto hospitalar para os familiares? Cujo
título é “Enfrentamento da internação hospitalar do paciente adulto pelo familiar cuidador” dos
autores Arruda et al. (2019), os quais discorrem sobre a família do paciente adulto que vivência
a internação hospitalar, com base em dados de pesquisas realizadas com 20 familiares
(acompanhantes) em um determinado Hospital Universitário, localizado na região Sul do
Brasil. Foi possível compreender aspectos ligados a tal fator, como o desenvolvimento da
preocupação, a ansiedade, o medo de morrer e ao mesmo tempo, a tranquilidade.
Na maioria das vezes os familiares entram em acordo elegendo um membro como
cuidador principal ou a realização de revezamento. O acompanhante então acaba abrindo mão
de sua vida, família e casa para se empenhar totalmente ao cuidado no ambiente hospitalar. Em
destaque, uma das maiores preocupações do cuidador familiar era se o mesmo estaria cuidando
de forma adequada. Percebeu-se também que muitas instituições acabam motivando a
aproximação da família no período em que o paciente é internado, por acreditar que tal aspecto
contribui no tratamento e potencializa a recuperação, promovendo conforto e apoio emocional.
Outro aspecto abordado pelos autores elenca a importância da comunicação e do
vínculo, como ferramenta primordial entre os diversos profissionais da saúde e o familiar
cuidador. A família ao se comunicar com a equipe de enfermeiros busca dividir sentimentos
acerca da vida e os pontos fracos do familiar internado. Dessa forma, entendeu-se a grande
relevância de possibilitar assistência ao familiar cuidador.
De maneira complementar, Montefusco, Bachion e Nakatani (2008), através de um
estudo descritivo com 12 famílias que acompanhavam pacientes hospitalizados para tratar
doenças crônicas de nível não transmissível em um determinado Hospital Escola do Estado de
Goiás, verificou a presença de tensão devido ao papel de cuidar, comunicação familiar e
manutenção do lar prejudicado, interação social perdida (surgindo à falta em manter
comunicação), processos familiares estagnados, dentre outros. Diante disso, articula-se acerca
de ampliar tecnologias de intervenções que proporcionem aumentar as forças do cuidador
familiar como um todo.
Dando continuidade, os trabalhos a seguir visam contemplar o terceiro questionamento
792
levantado no presente estudo: Quais são as consequências do contexto hospitalar para os
profissionais? O quarto artigo selecionado foi “Estresse hospitalar em equipe multidisciplinar
de hospital público do interior de Rondônia” de autoria de Borine et al. (2012).
Através de uma pesquisa de cunho descritivo realizada com 28 profissionais plantonistas
em uma Unidade Hospitalar, dentre eles destacaram-se os médicos, enfermeiros e técnicos em
enfermagem, os autores compreenderam que os mesmos obtinham uma média maior de estresse
comparado com demais funcionários, como os cozinheiros e a recepcionista, por exemplo. À
medida que as demandas psicológicas possuíam uma carga elevada sobre o trabalho, prejuízos
na saúde acabaram sendo manifestados em decorrência da pressão para alcançar os resultados
exigidos, que por diversas vezes, estaria fora de alcance.
Outro ponto prejudicial discutido foi que grandes demandas e baixo controle sobre elas
acabaram gerando falta de agilidade e desinteresse do profissional, tendo dificuldades para
controlar suas tomadas de decisões ou fazer uso de suas habilidades mentais. A escassez de
diálogo entre os colegas e o chefe também demonstrou ser um dos aspectos negativos à saúde,
compreendendo que para ter níveis de estresses menores é preciso que haja uma boa
convivência, pois se acredita que a maneira como o sujeito é tratado no ambiente de trabalho
contribui na sua maneira de agir.
Por fim, o último estudo intitulado como “Qualidade de vida dos profissionais de saúde
em ambiente hospitalar”, escrito por Santana et al. (2014), buscam discorrer sobre a Qualidade
de Vida (QV) dos profissionais de saúde, fazendo uso de uma revisão de literatura. Os autores
apontaram que os profissionais expostos a riscos ligados ao trabalho hospitalar como carga
horária extensa e local insalubre, tendem a sofrer um decréscimo na QV. Verificou-se que
trabalhadores de nível técnico em comparação com os médicos, apresentam maiores níveis de
incômodo físico e emocional.
Outro ponto retratado envolveu o tempo, assinalando que os profissionais com mais
experiência, quando comparados com aqueles de menos vivência, possuem maior decréscimo
na QV. O desgaste físico tem envolvimento direto com a sobrecarga laboral, resultando em
fadiga, diminuição das atividades do cotidiano externo e interno ao serviço, e insônia. De
maneira geral, a exposição a vários riscos comprometem a assistência fornecida pelo
profissional.
Para validar tal perspectiva, Santos et al (2017) revela que o ambiente hospitalar auxilia
para aumentar o adoecimento dos profissionais de saúde devido às condições do espaço físico
(como a infraestrutura), o lado emocional e psicológico desgastante pelos quais vivenciam
diariamente. Existem ainda, os riscos acidentais e enfermidades físicas, já que trabalham
constantemente com doenças transmissíveis. Em relação ao sofrimento psíquico, o mesmo
advém geralmente das pressões pelas quais os especialistas são submetidos. Os autores ainda
exibem que esses profissionais são acometidos pela depressão e ansiedade, que acaba levando
ao envolvimento com álcool e outras drogas.
Considerações Finais
Percebeu-se diante do presente estudo, que as consequências da condição hospitalar
793
vivenciada pelo paciente hospitalizado, a família cuidadora e o profissional de saúde presente
no âmbito hospitalar, apresentam variados aspectos e características.
Dessa forma, fora possível verificar diante das discussões, que o processo de
hospitalização, influi nos aspectos físicos, psicológicos, sociais, sentimentais, comportamentais
e emocionais do paciente, desde o recebimento do diagnóstico até a forma de como o mesmo
compreende sua condição, seu olhar sobre ela e seu pensamento e comportamento diante de sua
vivência.
Notou-se o papel e representatividade da família cuidadora, a importância do vínculo e
apoio emocional doado ao paciente e o quanto isso pode ser benéfico ao seu processo de
hospitalização, além de sua entrega ao cuidado do outro e a relevância da assistência
direcionada a família como cuidadora. Por fim, a sobrecarga laboral, insônia, ambiente de
trabalho insalubre, a exposição aos riscos pelo local de trabalho, fadiga, exaustão física e
psicológica, são fatores encontrados nos impactos e consequências da condição hospitalar para
os profissionais de saúde.
Em suma, que o atual estudo sirva como base e incentivo para a realização de futuras
pesquisas referente a temática apresentada, tendo em vista, a importância do aprofundamento e
discussão das condições hospitalares e suas consequências e impactos, diante dos três aspectos
e atores envolvidos, desse modo, cabe frisar a relevância da visão geral dos indivíduos mais
presentes e influenciados pelo âmbito hospitalar.
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ÊNFASE NA FALA DO SUJEITO: EXPERIÊNCIA DE INTERVENÇÃO CLÍNICA
796
EM UM HOSPITAL GERAL
Método
Foi utilizado como instrumento dessa intervenção a Apresentação Clínica de Pacientes,
através de uma orientação psicanalítica dentro de um Hospital Geral de Sobral – CE. A
Apresentação Clínica de Pacientes é uma metodologia de prática e ensino que tem origem na
psiquiatria, mas que a partir de Lacan é subvertida.
Para a psiquiatria, a Apresentação de pacientes tem um teor mais demonstrativo de
sintomas e das possibilidades diagnósticas, ou seja, consiste em demonstrar o caso para os
demais profissionais e/ou estudantes, apontando os fenômenos existentes e fazendo uma
797
entrevista com o paciente. Assim, no campo psiquiátrico, “a apresentação de pacientes é
eminentemente didática, sendo caracterizada pela exibição do saber do mestre, sustentado na
exposição pública do paciente” (Ferreira, 2007, p. 300).
A apresentação de pacientes foi também uma metodologia conhecida e próxima de
Freud no início da psicanálise, muito utilizada por Charcot com os pacientes histéricos, em que
o mesmo produzia sintomas a partir da sugestionabilidade e da hipnose para demonstrar quadros
clínicos, ensinar e produzir conhecimento científico. A prática se mostrou bastante útil para a
descrição e catalogação de doenças, sintomas e enfermidades, porém houve um declínio
mediante os movimentos antimanicomiais, da antipsiquiatria e a ascensão da indústria
farmacêutica (Ferreira, 2007).
Por isso, a apresentação de pacientes foi perdendo lugar e deixando de ser necessária
para a condução dos casos clínicos, sendo mais utilizada para estudos de casos. Com o advento
da indústria farmacêutica, a fala do sujeito foi cada vez mais deixada de lado e a medicalização
foi ficando crescente como a forma de tratamento mais eficaz, “porque não há mais interesse
nos detalhes fornecidos pela fala do paciente, o uso da apresentação permaneceu, mas ficou
reduzida a um dispositivo universitário, demonstrativo” (Ferreira, 2007, p. 302).
Segundo Quinet (2006), o trabalho de Lacan com a clínica da psicose exigiu novas
estratégias clínicas para além das já conhecidas com a clínica da neurose, incluindo uma
redefinição da prática de apresentações clínicas. O rompimento em relação à apresentação de
pacientes produziu um redirecionamento em relação ao saber que a mesma estava ancorada.
O que antes se apresentava por meio de um médico em posição de mestre que impunha
um saber sobre o paciente e seu sintoma, transforma-se, com Lacan, em uma proposta clínica
que segue a ética da psicanálise, ou seja, um direcionamento que enfatiza o saber do próprio
sujeito em relação ao seu sofrimento e o coloca no centro da condução do tratamento. Escutar
o discurso da loucura no hospital é escutar o sujeito, sem tentar enquadrá-lo na norma a qualquer
custo, mas entender que “o louco como avesso dos discursos, interroga sobre a forma como o
homem se relaciona com os outros. Ele tem uma função interpretante para nós” (Quinet, 2006,
p, 52).
O que Lacan fez, enquanto psicanalista, foi acolher o paciente, durante a entrevista,
deste mesmo lugar proposto por Freud. E se ele acolhe o sujeito, ele o faz por supor
que haja ali algo a ser escutado. Não é por ter um saber a mais — um saber sobre o
paciente e sobre sua doença —, mas ao contrário, é por reconhecer que algo lhe
escapa e que sobre isso só o sujeito pode dizer, e ele, Lacan, escuta. (Ferreira, 2007,
p. 304).
Dessa forma, o foco da entrevista é que o sujeito possa direcioná-la de acordo com o
que se mostra importante para ele, tendo um papel principal no processo. Para que isso se
configure, o papel do analista na Apresentação Clínica de Pacientes não deverá ser de detentor
de saber como a figura do mestre de outrora. Este partirá da aposta no saber que o sujeito possa
construir sobre seu sofrimento e os seus delírios.
A partir das discussões supracitadas, é importante destacar que a escolha por esse
manejo clínico para a intervenção no Hospital Geral se deu a partir de estudos e pesquisas
bibliográficas, com referencial psicanalítico, que apresentam propostas de intervenções
semelhantes e já publicadas, que demonstram como a Apresentação Clínica pode ser uma
terapêutica que possibilita a circulação da fala dentro da instituição e coloca o saber do sujeito
798
com valor de verdade, subvertendo a lógica medicalizante.
Para isso, foram feitas apresentações clínicas dentro de um Hospital Geral de Sobral
juntamente com os profissionais da residência médica em psiquiatria, professores de psicanálise
da Universidade Federal do Ceará e estudantes de graduação de psicologia. Um analista
conduziu as entrevistas com os pacientes da instituição, assistida por todos os presentes na sala.
A partir da apresentação clínica, foi possível que durante a entrevista a fala do paciente
norteasse o processo, não mais sendo submissa à fala dos profissionais.
Discussão
Tendo em vista o que foi apresentado sobre o dispositivo de Apresentação Clínica de
Pacientes, podemos perceber como essa atividade foi de grande importância dentro de um
Hospital Geral, levando em consideração todas as características dessa instituição que opera
com uma lógica universalizante e silenciadora (Ferreira, 2007).
Assim, a partir da nossa experiência, podemos afirmar que existia uma demanda de fala
que, muitas vezes, era silenciada dentro desse hospital, mas que, a partir do trabalho de
apresentação clínica, ela pode circular dentro daquele espaço, percebendo novos mecanismos
de cuidado e de terapêutica.
Uma das falas da paciente que participou da apresentação clínica nos aponta essa
ausência de circulação da fala, que muitas vezes, os procedimentos médicos são engessados e
não oferecem a possibilidade de os pacientes narrarem a sua história ou falar sobre o seu
sofrimento. Durante a fala da paciente, que relatava a sua história com desenvoltura e com
muitos detalhes, um dos residentes brincou, dizendo que ela não falava tantas coisas durante as
consultas diárias que ele realizava. A paciente, com certo sarcasmo, o respondeu: “Você só vem
me perguntar que dia é hoje, qual o meu nome… só pergunta besta! Eu nem me dou ao
trabalho.”.
Essa situação causou riso naquele momento, porém podemos refletir sobre como ela nos
denuncia uma postura histórica recorrente quando se trata de atendimentos pautados no saber
médico, em que o paciente é tomado como objeto e como destituído de saber. Essas técnicas e
esses procedimentos são atravessados pelo discurso do mestre, “que produz um objeto que não
está articulado com o sujeito” (Ferreira & Santiago, 2019, p. 114), portanto, nesse tipo de
configuração ao realizar uma entrevista de rotina, “o diálogo é com a doença e não com o
sujeito” (p. 114).
Percebemos a partir desse relato, a importância que a própria paciente dá ao
posicionamento do analista em escutar a sua história, isto é, deslocar-se da posição de saber
sobre a doença para a posição de escuta do sofrimento. Ao longo de toda a sessão, a paciente
narrou a sua história delirante enquanto o analista o escutava sem contestá-la, diferentemente
da prática dos psiquiatras clássicos que tinham como objetivo provocar o surto do paciente para
apontar os sintomas e os diagnósticos para os seus alunos, pois entendiam que a ideia de tratar
a loucura era adequar o louco à realidade (Ferreira, 2007).
Além disso, um ponto a ser tratado como relevante refere-se ao envolvimento de outros
profissionais do Hospital (psiquiatras e residentes de psiquiatria), que perceberam a importância
dessa atividade e a necessidade da oferta de espaço para que os sujeitos possam se expressar e,
799
assim, elaborar o sofrimento, para além do tratamento medicamentoso.
Nossa experiência de estágio não se resumiu apenas à apresentação clínica de pacientes,
pois a partir dessa atividade, foi possível ouvir relatos importantes da paciente para o
encaminhamento do tratamento, tendo em vista que o trabalho com a psicose não se resume à
internação nem ao momento de apresentação clínica. Como nos afirma Quinet (2006, p. 158):
Conclusão
Inicialmente, diante da nossa experiência, podemos concluir que foi de grande impacto
em nossa formação como estudantes de psicologia, tendo em vista que permitiu uma maior
compreensão das vastas possibilidades de atuação dentro de um Hospital Geral, percebendo
como são necessários espaços para que os sujeitos possam se expressar e, principalmente, serem
escutados.
Além da contribuição para os estudantes de psicologia participantes do Estágio Básico,
foi possível perceber uma mudança na perspectiva médica institucional, já que existe uma
demanda por parte dos profissionais do hospital de uma maior atuação dentro desses espaços.
800
Percebemos, assim, levando em consideração seu caráter terapêutico, a necessidade de
ampliação dessa técnica de apresentação clínica e de um maior incentivo para a elaboração de
PTS e de espaços para a discussão de casos clínicos.
Por fim, um último ponto a ser apresentado são os efeitos das nossas intervenções,
principalmente no caso supracitado que foi realizada a apresentação clínica, a oficina de
artesanato e a construção do PTS. A paciente que frequentemente retornava ao hospital para
internações passou cerca de cinco meses sem retornar, e os profissionais da rede atribuíram esse
interstício às intervenções feitas pelos estudantes e pelo professor tutor do estágio.
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O LÚDICO COMO SUPORTE PSICOLÓGICO A CRIANÇA COM CÂNCER: UMA
801
EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO
Introdução
Para fazer o atendimento psicológico de crianças em tratamento do câncer é necessário
começar falando sobre o diagnóstico oncológico uma vez que “O câncer é uma doença cujo
significado é ameaçador para a maioria das pessoas, pois está associado ao risco de morte e
possibilidade de interrupção da trajetória existencial.” (Werebe, 2000). A partir do diagnóstico
os cuidadores da criança começam a enfrentar vários desafios e as crianças passam a ter algumas
mudanças na vida, desde hábitos alimentares, até o fato de ter que parar de exercer suas
atividades escolares. Essas alterações poderiam acontecer em qualquer momento da vida de
alguém sem gerar nenhum adoecimento psíquico, mas no caso de pacientes oncológicos podem
ser comprometedoras para a saúde mental e seguimento do tratamento do câncer
independentemente da idade.
A criança hospitalizada passa por conflitos incomuns a idade, que podem produzir
ferramentas importantes para enfrentar outras situações ao longo da vida. Mesquita, Silva e
Junior (2013) acrescenta que durante o desenvolvimento da criança, ao passar por esse tipo de
experiência, ela precisará de apoio para enfrentar possíveis efeitos negativos dos eventos
traumáticos, como os sentimentos de insegurança, medo intenso, falta de ajuda e ansiedade.
Além disso, para conseguir alcançar essas ferramentas de enfrentamento da doença,
as crianças precisam lidar com os conflitos que são incomuns no dia a dia de uma criança
saudável, que conforme Altamira (2011 como citado em Mesquita, 2013, p. 90) são o
afastamento do lar, dos pais, dos objetos de estimação, bem como lidar com a tensão emocional,
o medo do abandono, o medo de perder afeto dos pais, o ambiente hostil do hospital, e inúmeras
experiências, que caso não sejam bem direcionadas, podem repercutir de forma negativa na
experiência de hospitalização infantil.
Assim, torna-se importante abordar o uso da psicologia hospitalar como área de
atuação do psicólogo. De acordo com o CFP (Conselho Federal de Psicologia), o psicólogo
especialista em Psicologia Hospitalar atua com o foco na prevenção secundária e terciária da
atenção à saúde, e tem como práticas: a psicoterapia, avaliação, psicodiagnóstico, grupos
psicoterapêuticos, atendimento em enfermarias, UTIs, dentre outros locais nas instituições de
saúde. Esse profissional é muito importante para o tratamento do câncer, visto que seus
pacientes estão mais sensíveis tanto fisicamente como emocionalmente ao adoecimento mental.
Azevêdo e Crepaldi (2016) fala da contribuição do psicólogo hospitalar para a compreensão dos
sentimentos e pensamentos do paciente, como o luto decorrente do surgimento da patologia,
acompanhando assim a evolução do paciente por meio da fala. Com as crianças não é diferente,
porém de uma maneira mais especial, através do brincar, visto que de acordo com Azevêdo
(2011) o hospital pode trazer um espaço que seja destinado para o brincar, e que mesmo com as
802
mudanças causadas pela doença esse lugar representa a valorização da vida física e psíquica.
As crianças geralmente apresentam dificuldades para falar sobre seus sentimentos e
pensamentos comparadas com os adultos, por isso que a intervenção psicológica com elas se
faz de uma forma lúdica. As atividades lúdicas expressadas pelo brincar despertam a
criatividade, ajuda na comunicação, socialização e desenvolvimento infantil. De acordo com
Mesquita et al. (2013) quando o processo de internação está voltado à criança, o psicólogo
hospitalar deve sempre ter por objetivo desenvolver técnicas de atendimento que traga esse
paciente para o tratamento de uma forma lúdica. Além disso é direito da criança de acordo com
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) art.16 p. IV ter a liberdade que compreende os
aspectos de brincar, praticar esportes e divertir-se.
Através da elaboração de algumas intervenções é possível compreender a importância
e os benefícios do brincar para a criança hospitalizada. Assim essa criança pode responder
melhor ao tratamento, vivendo com bem estar e aprendendo a lidar com seus sentimentos que
na maioria das vezes desconhecem. Azevêdo (2011) demonstra a importância do brincar para a
melhora desse período de hospitalização, diminuindo tanto adoecimento físico como o psíquico,
causados pelo rompimento do contexto sóciofamiliar da criança.
O relato dessa experiência de estágio supervisionado com crianças em tratamento
oncológico traz, a descrição das atividades realizadas, as propostas e objetivos de cada
intervenção, e expõe as conclusões da prática em campo. Contém uma discussão acerca das
atividades, realizadas em uma instituição filantrópica que ajuda no combate e na prevenção do
câncer e que tem como objetivo prestar ajuda social à pacientes em tratamento oncológico.
Método
Esse trabalho consiste em um relato de experiências que busca disseminar a prática de
estágio supervisionado em psicologia social da saúde. Entende-se por relato de experiência o
trabalho científico que descreve uma experiência que contribui de forma relevante para a área
de interesse. Foi utilizado a modalidade de grupo terapêutico, que se utiliza formas terapêuticas
auxiliando no autoconhecimento e desenvolvimento pessoal como alívio ou eliminação de
sintomas.
O estágio supervisionado aconteceu nas dependências de uma instituição filantrópica
responsável pela brinquedoteca de um hospital referência no tratamento oncológico de crianças
no âmbito do SUS.
Na brinquedoteca além das voluntárias do local, também observou-se a necessidade
de ter o profissional da psicologia para desenvolver com as crianças intervenções lúdicas que
trabalhem as emoções, a criatividade, os sentimentos, a interação social e a comunicação, bem
como qualquer repercussão decorrente do processo de hospitalização.
O estágio no local durou dois meses com a periodicidade de duas vezes por semana.
Durante esse período de estágio as intervenções grupais e atendimentos individuais na
instituição foram realizados com 10 crianças de 2 a 10 anos. Alguns desafios podem ser
encontrados nos casos das crianças hospitalizadas como questões sobre a queda de cabelos
devido a quimioterapia e radioterapia, alteração de humor por ter que enfrentar algumas
limitações, a mudança no contexto familiar por estar internado e nem sempre vê alguns
803
familiares, sentimentos com relação aos amigos da escola, em alguns casos a distância da sua
cidade de origem e dificuldades para se aproximar das outras crianças.
O propósito principal do estágio foi prestar assistência psicológica às crianças que
estão em tratamento oncológico. Foi estabelecido um período de dois meses para realizar as
atividades lúdicas na sala principal da instituição que é o espaço que acolhe as crianças, na qual
é servido um lanche e elas têm a oportunidade interagir com o outro, com o ambiente e expressar
e ressignificar emoções por meio da leitura de uma história, do desenho, podendo assistir
desenhos na televisão, jogar vídeo game e pintar. As atividades foram previamente elaboradas
e apresentadas para a psicóloga do local e ao supervisor da disciplina de estágio supervisionado.
804
aproximação com situações da realidade das crianças presentes. Na conclusão da intervenção,
aconteceu uma reflexão sobre o tema principal e elas falaram livremente sobre o assunto.
Azevêdo (2016) fala da importância desse tipo de intervenção dizendo que além da equipe
multiprofissional a criança com câncer necessita de um espaço para falar sobre suas emoções,
e que as atividades lúdicas auxiliam na promoção de saúde e a compreender a sua experiência
nesse momento que ela está passando.
O último momento teve como proposta trabalhar motivação e as habilidades das
crianças com colagem e criatividade, abrindo possibilidades para criar desenhos ou figuras que
desejassem utilizando quadradinhos coloridos para o “mosaico divertido”. Nesse momento
houve a participação dos pais. De acordo com Silva 2006 (como citado Azevedo 2011, p.567)
Considerações Finais
A infância hospitalizada é repleta de situações difíceis. Quando se trata de pacientes
oncológicos o enfrentamento desse processo perpassa por medo, angústia, ansiedade e
isolamento. O projeto relatado neste trabalho teve como proposta promover saúde mental
através do lúdico com as crianças oncológicas em uma instituição de combate ao câncer. Foi
possível considerar as demandas específicas e peculiares da condição vivenciada pelo público
alvo e fazer a intervenções por meio do acolhimento, do vínculo e da troca de saberes. Se há
relação de confiança e diálogo entre as pessoas envolvidas, há aceitação da proposta de caráter
educativo, informativo e cuidador.
O lúdico no contexto hospitalar trata-se de uma iniciativa inovadora que vem se
aprimorando a cada dia, por esse motivo faz-se necessário que tal recurso seja mais explorado
nesse ambiente. Por ser um instrumento de alcance às necessidades infantis mais eficaz que a
comunicação verbal, optou-se pela utilização de estratégias lúdicas nesse trabalho. Observa-se
que ações psicoeducativas em saúde mental e atividades preventivas pautadas no lúdico sejam
cada vez mais presentes nas instituições de tratamento oncológico, sejam elas hospitais,
clínicas, casas de apoio e redes de acolhimento, permitindo assim que os pacientes se adaptem
805
a condição de tratamento e enfrentam o processo de adoecimento com mais qualidade de vida
e recursos adaptativos mais saudáveis.
Os principais pontos para esse relato de experiência foram compreender a dinâmica do apoio
psicológico pautado no lúdico para as crianças em tratamento oncológico e cumprir os objetivos
da institucionais do estágio, tais como: desenvolver atividades assistenciais e preventivas, ações
educativas e promoção da saúde que permitam a melhoria da recuperação da autoestima e
valorização da saúde mental e qualidade vida.
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FATORES RESTRITIVOS E FACILITADORES DO TRABALHO DO PSICÓLOGO
806
HOSPITALAR JUNTO AO FAMILIAR DE PACIENTES EM MORTE
ENCEFÁLICA
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como também nas relações com a tríade equipe-família-paciente, dentre outros. Também se faz
necessário que este profissional compreenda fatores tanto psicológicos, como físicos e sociais.
A partir desse cenário, o presente trabalho tem como objetivo principal realizar uma
pesquisa bibliográfica acerca dos fatores restritivos e facilitadores do trabalho do psicólogo
hospitalar junto ao familiar de pacientes em morte encefálica.
Método
O presente estudo foi realizado em uma abordagem qualitativa do tipo pesquisa
bibliográfica, de natureza exploratória e sistemática. A revisão sistemática de literatura
realizada neste estudo utilizou as seguintes bases de dados consagradas pela literatura da área:
Lilacs (Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências Sociais e da Saúde); Scielo
(Scientific Eletronic Library OnLine); Medline (Literatura Internacional em Ciências da
Saúde); Pubmed (Public Medline or Publisher Medline) e Google Acadêmico. As bases de
dados selecionadas foram escolhidas em acordo com a relevância para a área trabalhada nesta
pesquisa.
Inicialmente foram consultados os descritores na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)
como meio de fundamentar cientificamente a pesquisa. Após a consulta a revisão foi
operacionalizada por meio do cruzamento de palavras-chave selecionadas a partir da
terminologia e da base de Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). A busca dos artigos
pautou-se por meio de três conjuntos de palavras-chave, sendo esses: Morte Encefálica (Brain
Death); Psicologia (Psychology) e Cuidador Familiar (Caregivers).
Os procedimentos de coleta e análise de dados seguirão a seguinte ordem:
Primeira Etapa: Identificação e seleção dos documentos onde serão cruzados de dois
a três descritores em acordo com os seguintes descritores: Morte Encefálica (Brain Death);
Psicologia (Psychology) e Cuidador Familiar (Caregivers).
Segunda Etapa: A seleção das produções foi realizada mediante a leitura e a análise
dos títulos e resumos de todos os artigos identificados.
Terceira etapa: Após essa triagem inicial procedeu-se à leitura dos estudos
selecionados, a qual possibilitou que outros textos também fossem excluídos por não atenderem
à proposta da revisão.
Quarta Etapa: Elaboração de roteiro de estudo.
Quinta etapa: Análise do material coletado e categorização dos temas considerados
mais relevantes para as finalidades desse estudo. A relevância considerou:
1) Aproximação com o tema;
2) Aproximação com os objetivos propostos no trabalho;
3) Citação nos textos coletados.
Foram incluídos nesta busca todos os estudos que continham os seguintes critérios de
inclusão: 1. Publicações em periódicos indexados nas bases selecionadas, 2. idioma português
ou inglês e 3. Deu-se preferência por publicações mais atuais, referentes aos últimos dez anos
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(2008 a 2018). Foram excluídos documentos que estivessem apresentados em duplicata entre
as bases, cujo tema não contemplasse o objetivo proposto neste estudo, que estivessem em
outros idiomas como espanhol, alemão e francês ou que não estivessem completos ou
disponíveis no meio digital. O levantamento dos dados bibliográficos ocorreu setembro de 2018
a dezembro de 2018 com base nos critérios de inclusão estabelecidos. A análise das publicações
incluídas nesta revisão levou em consideração a natureza (e.g., trabalho empírico, teórico, etc.)
e o tema do estudo, a base teórica, o método, e os resultados encontrados.
O aumento, nos últimos anos, do número de informações disponíveis no meio digital
demonstra que os pesquisadores precisam encontrar formas rápidas e eficientes para gerenciar
esses dados. Dessa forma, Duong (2010) destaca que a utilização de programas computacionais
- que auxiliem neste gerenciamento - tornou-se um fator importante para facilitar o trabalho de
usuários que precisam, frequentemente, buscar dados na literatura. Consequentemente, diversos
programas computacionais vêm sendo desenvolvidos para este fim.
Optou-se pelo Zotero como gerenciador bibliográfico utilizado como um gerenciador
de referência bibliográfica de código aberto, arquivador de documentos, gerenciador de citações
e uma ferramenta de colaboração compatível com diversas bases de dados. Por meio de um
clique no ícone de navegação localizada na barra do navegador as informações bibliográficas
como autor, título, periódico, volume, número de páginas etc., são salvas criando um arquivo
com todas as referências. As referências também podem ser inseridas manualmente tendo
também como ferramenta a opção de visualização de referências duplicadas (Yamakawa et al.,
2014).
A análise de dados seguiu uma abordagem qualitativa, discutindo os dados de forma
descritiva e caracterizando-os em acordo com a análise da literatura da área.
O processo de revisão sistemática dos dados seguiu a proposta do percurso de análise
adotado por Bardin, tomado como referência no Brasil em pesquisas que adotam a análise de
conteúdo como técnica de análise de dados. Com isso, priorizou-se elencar as etapas da técnica
Bardin (2006), que as organiza em três fases: 1) pré-análise, 2) exploração do material e 3)
tratamento dos resultados, inferência e interpretação.
É oportuno lembrar que “A intenção da análise de conteúdo é a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção (ou eventualmente, de recepção), inferência
esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não)” (Bardin, 2006, p. 38).
Resultados
Quanto à caracterização dos dados a busca inicial nas bases de dados gerou um total de
1.471 artigos (Lilacs: 40; Scielo: 06; Medline: 103; Pubmed: 609 e Google Acadêmico: 710).
Na primeira triagem com o auxílio do gerenciador bibliográfico Zotero, foram excluídos 72
trabalhos duplicados entre as bases. Dos 1.399 artigos restantes, 901 não atenderam aos critérios
de inclusão e 489 atenderam ao critério de exclusão, ou seja, cujo tema não contemplasse o
objetivo proposto neste estudo. As temáticas que mais apareceram que contribuíram para essa
exclusão foram: apoios aos cuidadores de doenças amiotrófica esclerose lateral; câncer
avançado; transplante renal; resumos de congressos, artigos que estivessem em outros idiomas
como espanhol, alemão, francês dentre outros; artigos que não estavam completos ou
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disponíveis no meio digital, citações e/ou temáticas diferentes do objeto desta investigação.
Assim, o banco final incluído na análise deste estudo foi constituído por 09 artigos (Pubmed:
00; Scielo: 03; Lilacs: 01; Pepsic: 01; Medline: 00 e Google Acadêmico: 04).
Os resultados serão apresentados de forma descritiva, tendo como base a análise de
elementos relativos ao ano de publicação dos trabalhos, periódicos responsáveis pelas
publicações, natureza dos estudos, aspectos metodológicos e temáticas abordadas.
Descrição Ocorrência
Formação inicial e continuada 4
Experiências do dia-a-dia 3
Restrições técnicas e estruturais 2
Excesso de carga horária 1
Fonte: Dados organizados pela pesquisadora, 2019.
A formação inicial e continuada se enquadra tanto nos fatores restritivos como nos
facilitadores do trabalho do psicólogo hospitalar. Sendo que nesse contexto se tornam
facilitadores, pois se enquadram, por exemplo, no manejo de más notícias e suas variáveis e
restritivos no sentido das atualizações de conceitos, capacitações, análise e trocas de
experiências. Nos artigos selecionados esse ponto foi recorrente em 4/9, ou seja, 44,44 %.
Nos fatores facilitadores, Castelli (2017) identifica que a formação continuada, por meio
de capacitações e treinamento, favorece uma comunicação adequada refletindo sobre uma
maior obtenção de consentimentos à doação de órgãos e tecidos. Uma vez que o psicólogo,
integrante da equipe, tenha acesso à amplitude de motivos de recusa familiar, poderia elaborar
propostas de treinamento de colegas, auxiliando, com técnicas de manejo comportamental e
cognitivo, para a obtenção de um processo de comunicação mais efetivo com os familiares.
Nos fatores restritivos, Pessoa (2013) discute que não há cursos, discussões de casos e
ou trocas de experiências entre os próprios profissionais que atuam nesta área. A criação de
grupos e cursos para capacitar os profissionais minimizaria os erros e facilitaria o aprendizado
prático.
810
ponto foi recorrente em 3/9, ou seja, 33,33%.
Nesta categoria, os profissionais destacaram que a aquisição de suas habilidades para
comunicação com os familiares ocorre a partir de procedimentos de tentativa e erro, bem como
de observação e imitação de colegas (Castelli, 2017).
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encefálica dentro da psicologia, bem como iniciar esse estudo dentro das graduações incluindo-
os nas grades curriculares o que não ocorre atualmente. Com isso, os profissionais iriam entrar
na prática do campo hospitalar mais preparados com as decorrências que surgirem.
Configurando-se também a importância de uma formação continuada ao psicólogo trazendo
uma maior segurança acerca do tema morte encefálica em seu campo, bem como as resoluções
que se atualizam em longo prazo.
Não esgotando o tema, deseja-se que esse trabalho possa ajudar em uma melhor
compreensão acerca das discussões dos fatores restritivos e facilitadores do trabalho do
psicólogo hospitalar nesse contexto como também destacamos a necessidade de serem
desenvolvidas mais pesquisas nesta linha, visto que os estudos que permeiam essa temática
nesta área são poucos.
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O LUGAR DA ÉTICA NAS PRÁTICAS PSICOLÓGICAS EM UM HOSPITAL DE
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DOENÇAS CARDIORRESPIRATÓRIAS EM FORTALEZA-CE
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asilar os assistidos e ao fato das equipes de saúde ser formada predominantemente por médicos.
Diante disso, ocorreram alguns movimentos, dentre eles, o “Programa de Reorientação
Psiquiátrica Previdenciária”, em 1982, que tinha o intuito de proporcionar um padrão
assistencial mais humanizado. Surgindo essas novas políticas públicas de saúde, que
orientavam sobre o princípio de integração da equipe multiprofissional, a(o) psicóloga(o)
passou a ser membro da mesma e começou a assumir responsabilidades que antes eram restritas
apenas aos médicos. Vale ressaltar que o tempo de inserção das/dos psicólogas(os) na Atenção
Primária à Saúde, e em instituições públicas de saúde, é relativamente pequeno. Assim, esses
profissionais encontram algumas dificuldades em sua atuação, por questões de ordem estrutural,
financeira e de gestão, que muitas vezes podem ser conflitantes devido às relações de poder
indo contra o que é ético (Dimenstein, 1998). Somente nos anos 2000, segundo o Conselho
Federal de Psicologia - CFP (2019), a atuação hospitalar foi reconhecida e regulamentada.
A partir desse processo, surgem as tensões sobre a atuação da psicologia no espaço
hospitalar, até então, respaldado fortemente pelo poder biomédico. Contudo, independente do
ambiente em que esse profissional está inserido, a ética deve acompanhar-lhe. “O psicólogo
baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da
integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos
Direitos Humanos” (CFP, 2005). Ainda que o conselho respalde as bases éticas da atuação
psicológica no ambiente hospitalar, ressalta-se que as nuances profissionais nesse meio são
mais amplas.
O saber e o fazer da psicologia nesse campo vai ser marcado pela tentativa de equilibrar
o que é demanda da instituição e do paciente. Tal balanceio também será transpassado pelas
limitações enfrentadas na atuação hospitalar, tais como: o setting a beira-leito, sem a
possibilidade de assegurar o sigilo, a dinâmica no contexto hospitalar, que acaba por exigir um
atendimento focalizado e direto, as inúmeras interrupções no processo, tais como exames e
transferência para outro espaço e, por fim, a própria rotina do tratamento, que muitas vezes
promove a docilização dos corpos por meio de um processo de ajustamento. Além disso, faz-
se necessário que os profissionais de psicologia demarquem sua atuação, para que, a partir
disso, como integrantes da equipe, possam auxiliar na compreensão do processo de adoecer do
paciente e de sua família, favorecendo uma compreensão da subjetividade ao processo de
padecimento (CFP, 2019). Até porque, a(o) psicóloga(o) não deve compor a equipe
multidisciplinar como ajudante do médico, mas como um profissional da saúde com uma outra
visão, que vai ajudar a compor o cuidado desse indivíduo em sua totalidade.
Diante desse campo-tema, é importante questionar-se sobre o exercício ético da (o)
profissional de psicologia no contexto hospitalar. Visto que, algumas das demandas dos
pacientes irão de encontro às regras institucionais estabelecidas, em contrapartida,
determinados procedimentos, horários e rotinas do hospital são hostis à saúde mental dos
pacientes. O relato aqui exposto propõe-se a refletir sobre a atuação ética em psicologia
hospitalar, a partir das fundamentações teóricas e das vivências das autoras em um hospital de
doenças cardiorrespiratórias em Fortaleza. Para isso, serão apresentados, inicialmente, os
percursos metodológicos que produziram o estudo e, depois, a temática aqui proposta será
dividida em dois tópicos. No primeiro, serão debatidas as dificuldades éticas vivenciadas
pela(o) profissional da psicologia no campo hospitalar, e no segundo promovem-se reflexões
sobre como a prática psicológica pode resistir frente aos limites institucionais dos hospitais. Por
815
fim, serão feitas considerações sobre o ser e o fazer psicológico na saúde.
Método
816
instituição, considerando o papel da ética profissional, a possibilidade de resistência à rigidez
institucional, que envolvia relações interpessoais com a equipe multiprofissional e entre esta e
os usuários, de modo a pôr em prática as linhas de fuga à uma atuação historicamente voltada
para corroborar com o biopoder. Para isso, foram necessários estudos bibliográficos,
principalmente a respeito das políticas do Sistema Único de Saúde (SUS), a fim de embasar
teoricamente os tensionamentos entre teoria e prática em psicologia hospitalar.
817
reconhecimento nesse espaço.
Simonetti (2018), ao delimitar a função da psicologia dentro de instituições hospitalares,
ressalta a importância da não cisão entre causas orgânicas e causas psicológicas, apontando para
a relação dialética e inseparável deste corpo que, além do adoecimento, carrega a historicidade
contextual e simbólica sobre esse adoecer, trazendo aspectos que perpassam e transbordam os
limites hospitalares. Reflete-se, a partir disso, sobre a importância de questionar o
posicionamento ético e profissional da psicologia nesse ambiente. Contudo, tal lógica ética não
é tão simples de ser exercida dentro do contexto hospitalar, ao relembrar que existe a
necessidade de balancear as reivindicações da equipe, do paciente, da família e, por fim,
adequá-las à instituição, que é majoritariamente regida por uma lógica biomédica.
Após 30 anos da promulgação da Lei Orgânica da Saúde nº 8080, de 19 de setembro de
1990, foi possível perceber alguns esforços de enfrentamento de relações de poder no SUS.
Uma delas foi a criação da Política Nacional de Humanização (PNH), em 2003, que propunha
o cumprimento dos princípios do SUS por meio da inclusão das diferenças no cuidado e na
gestão. Visando ao rompimento com o paradigma hospitalocêntrico, que tinha o médico como
referência, o hospital como único lugar em que era possível produzir saúde e um sujeito
denominado “paciente” reduzido à sua doença no sentido biológico, a PNH preconiza a Clínica
Ampliada como uma de suas diretrizes (Brasil, 2013; Silva, 2016). Diferente do modelo
anterior, este novo fazer clínico propõe o reposicionamento do sujeito, relacionando sua saúde
com os demais contextos que compõem a experiência subjetiva humana, a saber, o biológico,
o psicológico e o social. Nesse sentido, o sujeito é visto de forma multifacetada com contextos
de saúde e doença complexos (Brasil, 2009). Diante disso, torna-se necessária a articulação
entre atenção e gestão. Desta maneira, trabalhadores, usuários e gestão devem participar do
processo de decisão, pois eles são corresponsáveis na produção de saúde. Por essa razão,
promover uma clínica ampliada envolve também o diálogo tanto entre os profissionais de saúde,
quanto entre estes e o usuário.
A clínica ampliada aparece como estratégia aliada para um fazer ético adequado para a
psicologia, mas será que o ato psicológico dentro dos ambientes hospitalares está seguindo tal
lógica proposta? Soares & Macedo (2020) trazem dados que indicam que diversos profissionais
de psicologia inseridos em ambientes de saúde corroboram com o modelo biomédico de
catalogar os indivíduos por seus diagnósticos e de não inserir o conteúdo histórico, social e
econômico em seus discursos.
O caráter multiprofissional das equipes objetiva romper com a noção fragmentada do
cuidado e promover múltiplas possibilidades de intervenção e articulação de ações promotoras
de saúde (Brasil, 2013; Silva, 2016). Apesar disso, a lógica hospitalar ainda é regida pela
fragmentação orgânica e de funções. Nesse sentido, o profissional da psicologia aparece como
resistência à esse modelo. Fator que amplia a discussão sobre o fazer ético da psicologia, tendo
em vista que o hospital ainda é regido pelo poder biomédico e que diversos profissionais são
subservientes a ele.
Portanto, em algumas experiências de encontros multiprofissionais presentes nas
vivências das autoras, observaram-se profissionais de psicologia que se adequam ao modelo
imposto sem questionar sobre possibilidades alternativas de cuidado, responsabilizando-se
apenas pelo caráter psicológico dos atendimentos, sem olhar para as outras possibilidades de
atuação ou ampliação do olhar sobre o outro. Contudo, a inserção de estagiárias mobilizou
818
diversas reflexões nos preceptores, sobre outros vieses de olhar e diferentes formas de atuação,
o que fomenta a possibilidade de mudança de novos tipos de intervenções psicológicas.
A dificuldade de exercer uma psicologia com olhar mais particularizado e amplo advém
majoritariamente do fato de a subjetividade possuir, para o modelo biomédico, pouco valor
científico. Nesse sentido, ela é vista como ameaça à objetividade de seu trabalho enquanto
ciência positivista, visto que está além do seu controle. Trazendo este fato ao contexto
hospitalar, espera-se que o sujeito “paciente” assuma o lugar de objeto de trabalho do médico,
como portador de uma doença, vista como entidade externa ao corpo. Por isso, demandas
psicológicas referentes à hospitalização, ao adoecimento, ou à vida fora do hospital escapam da
alçada objetiva do médico. É neste momento que a equipe costuma acionar a psicologia, já que
durante anos ela foi vista como “auxiliar” do médico, trabalhando em prol da adaptação e da
aceitação pelo paciente das normas institucionais e do biopoder. Além disso, vale ressaltar que
uma prática psicológica, que acredita na fragmentação entre as dimensões biológica e
psicológica, está fadada ao fracasso, pois uma tem participação na outra (Simonetti, 2018;
Brasil, 2009).
No entanto, ao que tange à (o) psicóloga (o) em sua prática hospitalar, ainda há uma
dificuldade em saber o seu modus operandi, visto que o lugar da psicologia consolidou-se na
clínica tradicional, mas ainda sofre desafios para se consolidar no hospital (Ribeiro & Dacal
2012). Ainda hoje, chegando nesta instituição, a (o) psicóloga (o) vai encontrar uma série de
adversidades que vão subverter a ideia de clínica tradicional, pois o saber/fazer psicológico será
mais orientado para os afazeres e procedimentos das demais equipes profissionais dentro da
instituição (CFP, 2019).
Por essa razão, há dificuldades em construir uma prática psicológica exitosa em uma
instituição permeada por burocracias, conflitos de poder, conflitos éticos, visto que é difícil a
manutenção do sigilo em atendimentos à beira-leito, além da dificuldade de conciliar a sua
prática ética com a dos demais profissionais, tendo em vista que cada profissão tem seu código
de ética. É válido destacar que ainda que cada profissão deva seguir seu código de ética, todos
os profissionais precisam seguir os mesmos princípios doutrinários e organizativos do SUS e
buscar aprender uns com os outros para que seja ofertada uma saúde mais integral, eficaz,
comprometida com a transformação social e assim, atuar de maneira interprofissional.
Outras especificidades são decorrentes do pouco tempo para atender muitos usuários,
da dificuldade de realizar um acompanhamento prolongado, principalmente em setores como a
emergência, em que os pacientes permanecem poucos dias nos leitos, além dos demais
problemas de infraestrutura, como falta de recursos para grupos.
Diante das dificuldades envolvendo dilemas éticos e institucionais, é exigida
criatividade por parte do profissional, no intuito de criar ações desestabilizadoras que fomentem
o surgimento de novas possibilidades de atuação. Estas brechas criadas em um campo que
estava estagnado são as linhas de fuga, que envolvem um inventar-se por meio dos múltiplos
fatores que atravessam o mundo, utilizando-os como aliados na subversão do fazer clínico
tradicional limitado por condições de tempo e espaço que, muitas vezes, enrijecem as relações,
restringindo a produção de subjetividade (Londero & Paulon, 2012).
Possibilidades de resistência à instituição hospitalar
819
Para materializar esses dilemas discutidos anteriormente, serão utilizadas cenas do
cotidiano do estágio. Um dos atendimentos, por exemplo, ocorreu durante uma caminhada,
tendo em vista que o usuário em questão sentia-se mais confortável com essa dinâmica de
atendimento. Trata-se de uma prática de resistência porque o esperado era atender à beira-leito,
como faziam os demais profissionais. No entanto, como forma de prestar uma melhor
assistência, considerando a vontade de um indivíduo que já estava há dias em processo de
despersonalização, a estagiária propôs a realização de um atendimento durante uma caminhada
pelo hospital. Assim, esta prática evidenciou uma linha de fuga diante da tradição do
atendimento beira-leito.
Conforme as discussões de Deleuze & Guattari (1995), a linha de fuga é conceituada
como rizoma. No conceito literal, da Botânica, trata-se de uma raiz que cresce de forma
horizontal, polimorfa e sem direção definida. Deleuze & Guattari (1995) tomam emprestada
esta definição para falar de rizoma como um modelo de resistência estético-ético-político, que
se trata de linhas e não de formas. “Todo rizoma compreende linhas de segmentaridade segundo
as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído, etc; mas
compreende também linhas de desterritorialização pelas quais foge sem parar.” (Deleuze &
Guattari, 1995, p. 26). À vista disso, a ruptura do rizoma dá-se quando as linhas explodem em
uma linha de fuga, que irá fazer contato com outras raízes, mas continuará fazendo parte deste.
Pensando em instituições como o hospital, o rizoma, como forma de resistência, não se
deixa aprisionar, sendo aberto a experimentações e se deixando encontrar com outras linhas
(Deleuze & Guattari, 1995). Nesse sentido, por mais que a instituição tivesse os próprios
protocolos de atendimento, no caso do paciente que foi atendido no caminhar, foi possível traçar
linhas de fuga, sendo preservada a autonomia de escolha do usuário em ser atendido da melhor
forma para ele. Também é possível relacionar esta fuga ao conceito de clínica peripatética, cujo
setting terapêutico dá-se no pôr de pé, no caminhar e no conversar neste intervalo. Trata-se de
um fazer marcado por ousadia, criatividade e promoção de potência de transformação
terapêutica (Lancetti, 2008).
Outro exemplo que mostra que é possível subverter protocolos institucionais limitantes
de produção de saúde é o caso da estagiária de psicologia que realizava atendimentos com um
usuário idoso em uma local arborizado em frente ao setor da emergência. Isso porque ele não
se sentia confortável em estar em seu leito em virtude do relacionamento conflituoso que tinha
com equipe médica do setor. Este fazer também faz parte da clínica peripatética, pois ela
entende experiências clínicas fora do setting convencional (Lancetti, 2008). Caso a psicóloga
não tivesse se disposto construir essa linha de fuga, muitas demandas psicológicas do paciente
talvez não tivessem sido trabalhadas pelo fato de ele não se sentir confortável em verbalizá-las
no leito, e a relação teria ficado mais enrijecida.
Desse modo, o setting aberto convida a uma ruptura não apenas de uma clínica beira-
leito, mas também de lugares e ações previamente sobrepostos, a saber, o da (o) psicóloga (o)
e o do paciente, dando possibilidade de emergência do desigual (Londero & Paulon, 2012).
Nesse sentido, a resistência dá-se nessas linhas de fuga que visam subverter o modelo
tradicional, psiquiátrico nem sempre promotor de subjetividade.
Outra cena para pensar, refere-se a outro atendimento, que foi prestado por uma
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estagiária de psicologia a um senhor de 81 anos internado na emergência. Ele tinha grave perda
auditiva, sendo necessário, segundo a acompanhante, chegar bem perto e gritar em seu ouvido
para que ele conseguisse ouvir. Por isso, ele que se envergonhava de sua quase surdez, tentava
interagir com a equipe falando sobre seu estado, mesmo que não conseguisse ouvir o que lhe
era perguntado. Para não deixar que o usuário ficasse desassistido, e prezando minimamente
pelo sigilo, a estagiária informou-se a respeito do seu grau de instrução, e ao saber que ele era
alfabetizado, utilizou a escrita para facilitar a comunicação. Desta maneira, foi possível prestar
atendimento, sendo trabalhadas questões de internação, adoecimento e família. Essa situação
também se configurou como uma prática de resistência, pois enquanto ele não estava
conseguindo comunicar-se com a equipe, de forma a depender da acompanhante para isso, a
estagiária, com o objetivo de acolher uma demanda de fala, dispôs-se a pôr em prática o seu
potencial criativo, desconsiderando momentaneamente os espaços de tempo das emergências
hospitalares e as práticas de atendimento previamente protocoladas.
Atitudes como as de caminhar e desenvolver formas alternativas de comunicação
pressupõem uma disposição de se colocar frente ao inesperado que cada relação clínica oferta.
Trata-se de um fazer inventivo, por meio da fuga de padrões previamente estabelecidos e da
aposta no que o sujeito tem de ímpar. Este fazer consiste em práticas de resistência propulsora
de expressão do singular dentro de um seio burocrático anestesiador (Londero & Paulon, 2012).
Considerações Finais
Levando-se em conta o que foi observado, as estagiárias que aqui escrevem puderam
vivenciar diferentes realidades no campo da saúde pública, além de compreender o SUS, não
apenas na formalidade da legislação, mas também como um cenário vivo. Ao olhar de perto,
enxergam-se as falhas das práticas cotidianas do fazer em saúde, mas, principalmente,
vislumbram-se as possibilidades de tornar o trabalho cotidiano mais humanizado, acolhedor,
criativo e dinâmico, pois o SUS toma forma por meio dos usuários, profissionais e gestores,
bem como nas inter relações entre esses atores.
Dessa forma, destaca-se que a humanização em saúde é indissociável do princípio da
integralidade, visto que o ser humano transcende as questões puramente orgânicas. Ele é muito
mais que um órgão adoecido. Nesse sentido, a psicologia hospitalar colabora com os demais
profissionais de saúde da equipe, sensibilizando-os para o cuidado integral, sem esquecer os
valores éticos, uma vez que no hospital diversos desafios se impõem. Então, ressalta-se o
comprometimento ético da psicologia pautada na reafirmação da autonomia do sujeito e, com
isso, almeja-se o rompimento do processo de despersonalização advindo da hospitalização.
A(o) psicóloga(o) através da intervenção pelo discurso pode convocar o sujeito a repensar as
possibilidades e impossibilidades que compõem o espaço hospitalar, possibilitando que o
sujeito elabore seu desejo e realize um questionamento das representações, o que contribui para
um redimensionamento da mesma.
Destarte, a(o) psicóloga(o) hospitalar necessita refletir sobre sua práxis de modo
permanente para que não perpetue visões reducionistas sobre o indivíduo que passa por uma
internação.
Espera-se que este trabalho tenha viabilizado novas reflexões no campo da psicologia
821
hospitalar e entende-se que as possibilidades de interpretações são muitas e, portanto, o debate
está longe de se extinguir. Assim, considera-se que novos estudos possam ser realizados no
âmbito hospitalar, visto que é uma área a ser conquistada cada vez mais pela psicologia.
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A PSICOLOGIA HOSPITALAR EM UM HOSPITAL GERAL: DESAFIOS PARA A
823
FORMAÇÃO NOS DIAS ATUAIS
Introdução
824
garantindo os direitos da população sem se desvincular da ética do trabalho em psicologia.
Historicamente, o papel da psicologia não cabia dentro da instituição hospitalar, que era
associada ao poder religioso e desvinculada do saber médico (Ribeiro & Dacal, 2012).
Transformações nos séculos XIX e XX, como o surgimento do National Health Service no
Reino Unido na década de 1940 e do Sistema Único de Saúde no Brasil na década de 1980, por
exemplo, abrangeram mudanças no financiamento, na assistência, na oferta de serviços e na
integralidade do cuidado, oferecendo outro panorama no cuidado à saúde (Padilha et al., 2019).
A partir disso, a Psicologia Hospitalar surgiu diante de um modelo de atenção
preocupado com a humanização, “com a atenção qualificada e eficiente e enfatizando que a
Atenção Hospitalar deve se organizar de forma regionalizada, articulada e integrada com a Rede
de Atenção à Saúde” (CFP, 2019). Além disso, a(o) psicóloga(o) precisa agir de acordo com a
Política Nacional de Humanização (PNH), que baseia suas ações no acolhimento, destinado à
escuta dos usuários; na alteridade, em função da experiência das relações intersubjetivas de
cada indivíduo; e na ambiência, no cuidado com outros componentes ligados ao espaço
geográfico e afetivo (CFP, 2019). Para além das diretrizes e políticas que baseiam a atuação da
psicologia no âmbito hospitalar, a(o) psicóloga(o) precisa lidar com os desafios que surgem no
cotidiano da profissão, que possuem ligação direta com a hierarquia vigente no hospital, a
formação profissional de si e da equipe, a precarização do serviço, além dos dilemas éticos que
se interligam com os demais pontos já citados.
Tomando como exemplo o setting terapêutico no contexto hospitalar, geralmente a(o)
psicóloga(o) precisa se adequar a locais avulsos do hospital, pois nem sempre ele possui uma
sala própria para a atuação. Além disso, seu exercício é realizado muitas vezes no período mais
movimentado do ambiente: o turno da manhã. Então, cabe à(ao) profissional aprender a prestar
o serviço em meio à dinâmica hospitalar, “criando, na medida do possível, condições adequadas
de silêncio e privacidade para o trabalho psicológico” (Simonetti, 2004). O trabalho se torna,
assim, um grande desafio, pois envolve a ética do(a) profissional, o sigilo do paciente e o
cuidado na escuta.
É importante destacar também as particularidades da relação do(a) psicólogo(a) com a
equipe multidisciplinar. Gazotti e Cury (2019) realizaram um estudo analisando a experiência
de profissionais de psicologia em hospitais de São Paulo, no que se refere às vivências deles(as)
com a equipe do hospital. O estudo mostrou as dificuldades que os profissionais encontram na
atuação com outros colegas de diferentes profissões, que muitas vezes não reconhecem o papel
da(o) psicóloga(o) e sua importância. Ainda, segundo os autores, os participantes relataram a
existência de diferentes obstáculos que necessitam serem ultrapassados para que as(os)
psicólogas(os) consigam estabelecer um seguimento diante das demandas presentes e tornar
possível o exercício da psicologia aliada à equipe no hospital.
Considerando tais questões para a formação da(o) psicóloga(o) hospitalar, perguntamos,
a partir da experiência coletiva de estagiários em um Hospital Geral da capital do Ceará, quais
desafios formativos se colocam nos dias atuais para a psicologia hospitalar? Para tanto, o
presente capítulo visa refletir sobre as atividades realizadas em Psicologia Hospitalar, os
desafios de atuação e as múltiplas possibilidades de trabalho. No primeiro tópico serão
debatidos os saberes e fazeres da psicologia hospitalar, na qual será discutido o (des)uso de
técnicas, como a Psicoterapia Breve, e outras possibilidades de atuação psicológica, que
possibilitem o exercício ético e cuidadoso dentro de hospitais. Em seguida, o segundo tópico
825
complementa a discussão ao apresentar as propostas da PNH, refletindo sobre o processo
histórico de sua criação e as lutas para sua execução. Faz-se, assim, um paralelo com a realidade
das vivências de humanização em hospitais e analisa-se o papel da psicologia hospitalar diante
disso.
As atividades relatadas foram realizadas em um Hospital Geral da capital do Ceará,
entre janeiro e abril de 2020, como parte da disciplina de Estágio Institucional do curso de
Psicologia da Universidade Estadual do Ceará (UECE). A metodologia utilizada foi a da
observação participante, que é um processo no qual o pesquisador está imerso no campo
observado, sendo instrumento da própria pesquisa. Tal busca metodológica visa identificar os
problemas do local, entender os conceitos que perpassam o ambiente, bem como analisar as
dinâmicas relacionais que se estabelecem no mesmo, buscando não permitir de aspectos
subjetivos influenciem na exploração (Mònico et al, 2017). Os estudantes acompanharam a
atuação de diversos profissionais de Psicologia, realizaram ações de acolhimento em
ambulatório, acompanhamento em leitos de enfermaria e UTI, entrevistas de anamnese e
evolução de prontuário. Tais processos foram orientados pelas psicólogas do referido hospital
e o conteúdo redigido baseia-se nas vivências e leituras teóricas dos (as) estagiários(as).
826
pontos de urgência, que buscam trabalhar separadamente os aspectos relacionados à
hospitalização do sujeito, a partir de uma ordem prioritária de demanda (Sampaio & Holanda,
2012). Tal técnica apresenta aspectos promissores, que facilitam o trabalho dos profissionais,
apesar das vantagens, a PB também possui alguns vieses que contribuem para os desafios
observados no campo.
Dentre as potencialidades observadas no uso da PB, situa-se a segurança técnica do
instrumento como um dos principais aspectos favoráveis para seu uso, pois credibiliza o
exercício terapêutico e delimita, para os outros profissionais, as atividades realizadas em cada
atendimento. O uso dela também possibilita agilizar e direcionar o serviço, permitindo que um
maior números de indivíduos sejam acolhidos pela psicologia. Ademais, ainda fornece
instruções dos passos a serem seguidos e denomina estratégias para diversas situações
encontradas em hospitais, fator que reforça o resguardo científico que a Psicoterapia Breve
Focal, propõe, bem como direciona o fazer da(o) profissional responsável pelo atendimento
(Baechtold & Trois, 2019).
Faz-se necessário, entretanto, questionar o uso exclusivo da PB em ambientes
hospitalares, tendo em vista que nem sempre dará conta das questões emergentes encontradas,
principalmente no que tange às necessidades de escutas psicológicas mais prolongadas.
Constatou-se durante o campo, portanto, que o principal lapso para o uso do instrumento, ocorre
em situações de demandas intensas de fala, a linha tênue entre insensibilidade e focalização nos
pontos de urgência é algo que carece ser debatido. Tendo em vista que, o uso da PB durante
essas situações, direciona a escuta das dores emergentes do usuário às demandas hospitalares,
que visam a docilização dos corpos internados para que os comportamentos dos, ditos, pacientes
sejam ajustados aos padrões institucionais impostos a eles.
Partindo desses questionamentos sobre o uso da PB, reflete-se sobre a importância de
pensar o exercício psicológico de forma mais abrangente, sem comprometer a qualidade dos
atendimentos e respeitando as subjetividades ali encontradas. Percebeu-se, no cotidiano vivido
pelos estagiários, no entanto, a adequação dos profissionais ao sistema institucional, como
forma de manutenção da saúde mental do próprio psicólogo, tendo em vista a dificuldade de
modificação, mesmo que sutil, de hábitos, práticas e visões dentro de uma instituição total. Essa
definição é advinda da teoria de Goffman (2001), que, denomina assim, as estruturas totalitárias
seculares, que apresentam características similares e bem delimitadas de domínio e controle
sobre os corpos institucionalizados. Além disso, o hospital como instituição total também
influencia na experiência dos pacientes em serem dóceis durante a internação, pois produz o
ideal de que o profissional de saúde sabe mais sobre seu corpo e sobre a saúde dele. Assim, foi
observada durante a experiência em hospitais, a naturalização e perpetuação da lógica
biomédica: de enxergar os pacientes como seres passivos de cuidados dos profissionais de
saúde, com corpos disponíveis e suscetíveis à procedimentos que a equipe médica julgar
necessários.
Desse modo, por ser muito dificultoso o enfrentamento contra esse sistema, muitos dos
profissionais do Hospital Geral em questão, adequam seu fazer à lógica biomédica
preponderante e comungam de práticas típicas desse modelo, para buscar legitimidade
profissional frente à ele. Contudo, como atuar de maneira a enxergar o indivíduo como ser
integral e indissociável, em um ambiente que opera em um regime fragmentado de atuação e de
setores? Neto (2019) não só questiona a imparcialidade da atuação de uma(o) psicóloga(o)
827
hospitalar, como ressalta a importância do posicionamento ético-político da(o) profissional, a
partir das vivências pessoais de cada psicóloga(o), e como isso compõe o fazer de cada uma
delas(es) dentro de sua área de atuação.
Diante disso, dentro do próprio hospital, os profissionais da psicologia também se
dividem e se especificam em cada setor, encontrando maneiras criativas de lidar com as
demandas particulares que emergem em seu cotidiano. Conjuntamente com a particularização
do cuidado, existe o risco de fragmentar também a atuação terapêutica, ao selecionar a escuta
apenas aos conteúdos relacionados ao hospital e ao setor em questão, correndo o risco de afastar-
se do princípio da integralidade (Pinheiro, 2014), que é regido pelo entendimento que o ser
humano e seus cuidados na rede pública devem ser considerados em sua totalidade de existir.
Na maioria das vezes, as práticas profissionais adaptam o olhar terapêutico para
responder às demandas médicas sobre o estado psicológico do paciente, buscando compreender
como tais aspectos podem influenciar no procedimento que será realizado. Nem sempre tais
investigações buscam a precaução para repercussão psicológica no indivíduo, em vez disso,
visam responder ao funcionamento de seccionar a máquina corporal que está ali disposta, ou
seja, o objetivo torna-se averiguar se a parte psicológica do corpo não irá comprometer o
trabalho médico no órgão adoentado.
Percebeu-se, por sua vez, que essa resignação faz parte de uma ponderação por parte dos
profissionais da psicologia hospitalar sobre em quais situações são válidas uma psicoeducação
com a equipe e em quais em quais momentos o silêncio é mais vantajoso, minimizando-se,
assim, possíveis desgastes relacionais com os colegas de trabalho sem anular os
questionamentos psicológicos diante da lógica institucional. Dentro dessas possibilidades de
intervenções mencionadas, observou-se, de uma das preceptoras, a argumentação sobre a
influência psicológica e a importância de enxergar os processos corporais do indivíduo como
um todo, tendo em vista que o comprometimento psicológico causa o adoecimento corporal ao
mesmo tempo que o adoecimento corporal provoca comprometimento psicológico. Outra sutil
sensibilização a favor da resistência à instituição, deu-se quando foi argumentado com as
profissionais presente no posto, que algumas repercussões emocionais e comportamentais são
esperadas dentro da forma de existir daquele outro, ainda mais, diante do seu contexto de vida
dele e de sofrimento hospitalar daquele momento.
Pondera-se portanto, que a prática psicológica dentro de um hospital ainda não foi
estudada e teorizada de forma a refletir fidedignamente sobre as sutilezas complexas do
cotidiano hospitalar em si. Por isso, faz-se necessário discutir outras formas de pensar a atuação
da psicologia em hospitais, que considere as subjetividades apresentadas e, na medida do
possível, adapte os atendimentos à elas. Enfatizando, a importância de particularizar, na medida
do possível, o atendimento ao usuário e não restringir os cuidados oferecidos à métodos e
técnicas.
828
e trabalho que a(ao) profissional de Psicologia tem dentro do hospital, abarcando desde a tríade
paciente-equipe-família, assim como a gestão. Vale ressaltar, que esses processos subjetivos
podem acentuar-se ou atenuar-se, haja vista estarem envoltos por uma realidade de
hospitalização e adoecimento, somadas a suas próprias realidades sociais. Além disso, é
necessário se levar em conta que todos esses sujeitos, mesmo ocupando lugares diferentes na
lógica institucional do hospital, estão diretamente implicados no fazer saúde. Tornou-se
imperativo então, não só a(ao) profissional de Psicologia, mas a todos esses atores, lidar com
as diferenças que se apresentam nesse espaço, trabalhando as relações, para que assim, se possa
lançar mão de uma nova lógica transversal de cuidado.
Com isso, essa nova forma de pensar os processos de saúde insere-se dentro de um
saber-fazer pautado naquilo que se entende por práticas ditas humanizadoras. Deste modo, Cid
et al. (2019) entende a humanização como um processo de valorização dos diferentes sujeitos
presentes na produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores; de forma que esses
indivíduos tenham voz nesse processo. A partir disso, o diálogo resultante desta interação
possibilitará tanto a promoção da saúde, quanto a construção desses atores como sujeitos e
protagonistas de seu fazer.
Dessa forma, pode-se dizer que a humanização em saúde não refere-se apenas a relação
psicólogo-paciente ou psicólogo-equipe. Essa proposta implica, antes de tudo, reconhecimento
das diferenças e estreitamento de relações, seja entre os próprios profissionais, possibilitando a
compreensão da interdependência e complementaridade de suas ações (Backes, 2005), ou até
mesmo entre os usuários e equipe, promovendo o desenvolvimento de um novo olhar para o
cuidado que deve ser integral e que abarque tudo aquilo que perpassa o âmbito biológico,
psicológico, social e espiritual.
No que se refere mais especificamente ao fazer da Psicologia dentro do hospital, o
processo de humanização deve partir do princípio da compreensão do sujeito em seus diferentes
estados emocionais e em suas formas de interação social. Diante disso, é importante lembrar
que a própria inserção da(o) psicóloga(o) no hospital se deu exatamente para integrar as equipes
de saúde hospitalares também com o objetivo de humanizar os processos de trabalho e de
assistência (CFP, 2019).
Nesse contexto, o debate acerca da humanização do ambiente hospitalar passou a ganhar
força a partir da criação da Política Nacional de Humanização (PNH), esta que é uma política
transversal do Sistema Único de Saúde (SUS) e que é um reflexo de uma luta recorrente,
sobretudo nos tempos atuais, por um SUS mais humanizado, com uma participação cidadã em
sua construção e que possa disponibilizar um serviço de qualidade que promova a saúde para
toda a população (CFP, 2019).
Tal política estabelece princípios que norteiam a sua condução, tendo como exemplo a
valorização da dimensão subjetiva e social do usuário e dos profissionais em saúde, o
fortalecimento do trabalho em equipe, a construção de autonomia, valorização do protagonismo
e corresponsabilidade; gestão e atenção corresponsável, construção de redes de cooperação e a
participação coletiva no processo de gestão, compromisso com a democratização das relações
de trabalho e valorização dos profissionais de saúde, além da educação permanente (Brasil,
2004).
A partir disso, será que as instituições hospitalares desde a promulgação da PNH vêm
829
adotando este modelo de atuação mais humanizado? O próprio cotidiano dentro do Hospital
Geral, têm mostrado que vem se tentando criar uma cultura humanizadora dentro da instituição
e a inserção da Psicologia vem sendo de fundamental importância nesses avanços. Além disso,
outro fato que favorece o desenvolvimento desse processo é a Educação Permanente em Saúde.
Esta prática tem sido de grande relevância em um contexto que está para além de um Hospital
Geral e afins: um sistema de saúde; este que preza cada vez mais por uma atuação
interprofissional, possibilitando, assim, a troca de conhecimentos e experiências entre saberes
que muitas vezes se encontram distantes, mas que se complementam com eficácia quando
usados em conjunto.
Sabe-se que o SUS é um sistema de redes complexas, no sentido da vastidão dos campos
de saberes nele presente. Entretanto, como exposto anteriormente, vive-se ainda hoje a
hegemonia do saber e do poder biomédico, este que como um todo não é ruim, mas em vista da
cultura perpetuada, se tem promovido sérios processos disciplinadores, individualizantes e
reducionistas, que cada vez mais esquecem o lado humano da população que faz parte do SUS.
Tal população pode ser identificada desde aquele paciente que espera numa fila por atendimento
em uma emergência de hospital até aquele funcionário gestor que é responsável por uma
secretaria de saúde, por exemplo.
Devido a isso, mesmo com a PNH e com o processo de humanização por ela preconizada
tendo conseguido avanços ao longo dos anos, percebe-se que os entraves com o poder
hegemônico dificultam ainda em muito seu desenvolvimento e efetivação. Isso se reflete não
só na forma do tratamento existente entre equipe-usuário e equipe-gestão, mas é algo que vem
sendo refletido nas origens: as formações profissionais. A presença dessa cultura nas próprias
formações universitárias é ainda uma realidade preocupante que sustenta o aumento de
“especialismos”, tutelam e não validam saberes e fazeres, e ainda potencializam os processos
hierarquizadores (Cid et al., 2019).
Formam-se profissionais para a saúde pautados em uma assistência tecnicista e
fragmentada no modelo biomédico, apresentando uma concepção de saúde voltada apenas ao
cuidado do órgão doente. Por consequência disso, há uma falta de desenvolvimento de
habilidades e competências que preparem esses futuros profissionais para as relações pessoais,
as formações de vínculos e a convivência humanizada com pacientes e equipes (Gonzé & Silva,
2011).
Dito isso, depreende-se, em um primeiro olhar, que todo trabalho de humanização é sim
um trabalho benéfico para os usuários, equipes e gestores. No entanto, analisando esse conceito-
processo mais criticamente, pode-se pensar que podem existir situações em que esse humanizar,
sobretudo, dentro do âmbito hospitalar, seja apenas mais uma forma atual de controle e
disciplinarização dos corpos dentro de uma instituição. Então, será que tais medidas ditas
humanizadoras não estão ainda inseridas dentro de uma lógica pautada no saber biomédico,
perpetuando assim, formas de poder sobre aquilo que é único do sujeito: seus processos
subjetivos e sua vida?
O fato é que essas novas práticas como palhaçoterapia, musicoterapia, PET-terapia
dentre outras, podem ser consideradas humanizadoras e vem se tornando cada vez mais
presentes não só no Hospital Geral, mas nas instituições hospitalares como um todo, como
forma de promover essa humanização na contemporaneidade. Ainda que apresentem os efeitos
promissores na redução de ansiedades, aderência a tratamentos e que contribuam com melhorias
830
de quadros clínico de forma geral (Catapan, Oliveira & Rotta, 2019; Bergold & Chagas, 2016;
Nobre et al., 2017), algumas delas podem desconsiderar a subjetividade dos usuários. Diante
disso, será que realmente essas práticas poderão ser consideradas como tais? E sendo
humanizada para um, será também para todos presentes em uma enfermaria, por exemplo?
Algumas pessoas têm medo de palhaço, outras não se importam em ouvir músicas diante
do nível de sofrimento de uma hospitalização, já outras possuem alergias e/ou até mesmo não
gostam de animais. Assim, essas pessoas também apresentam o direito de não quererem realizar
as atividades propostas, contudo, por vezes são submetidas às mesmas abordagens por
compartilharem a enfermaria com outros.
A partir disso, deve-se considerar que a linha entre aquilo que humaniza e aquilo que
desumaniza pode ser muito tênue. Por isso, todas essas práticas, se não realizadas com
responsabilidade e baseadas naquilo que de fato se construiu como humanização no Brasil com
a PNH, se terá uma prática vazia, pautada em uma hipocrisia de discursos que colocará não só
o usuários, mas também equipes e gestores, em um esquema de poder que gerará o sofrimento
dentro de determinados padrões de controle na atenção à saúde (Moraes, 2013).
Dessa forma, pode-se dizer que pensar em humanização não é apenas possibilitar que o
cuidado se torne algo universal, que vai da gestão aos pacientes, mas é, sobretudo, atentar-se
ao potencial criativo das pessoas em seu ato de cuidar, assim como em receber os cuidados. Por
isso, é necessário voltar-se a essa prática humanizadora responsável, para que assim, haja um
distanciamento cada vez maior de formas de atuação baseadas em fórmulas prontas de
compreensão e cuidado do outro.
Considerações Finais
831
equipe multidisciplinar resulta em atendimentos com melhor aproveitamento para os pacientes.
O que se apresenta ainda como grande dificuldade, assim como muitas coisas no País, são as
práticas basilares, em que as formações profissionais e/ou universitárias das áreas da saúde
ainda se encontram incipientes e pouco estimuladoras de um processo educacional
problematizador, além de não conseguirem promover o desenvolvimento de profissionais que
prezem pela construção de vínculos e pela manutenção das relações e que cuidem também da
saúde mental de si, para poder potencializar o cuidado com o outro.
Diante do que foi exposto, pode-se dizer que o processo de humanização no País tem
apresentado uma trajetória de muita luta, sobretudo, dentro dos espaços hospitalares, que ainda
hoje são permeados por uma prática biomédica. Essa lógica captura tais serviços e faz com que
corroborem com as práticas de despersonalização e passividade dos corpos institucionalizados,
sem que a verdadeira finalidade das propostas seja alcançada. Dessa maneira, faz-se necessário
reinventar esse campo e repensar as práticas denominadas humanizadoras. Com isso, os
atendimentos propostos pelos estagiários no Hospital Geral, que objetivavam respeitar as
subjetividades escutadas, são apenas um micro-reflexo da macro-realidade presente no Brasil.
Entretanto, há de se considerar que, a partir da inserção da Psicologia dentro do Hospital e da
criação da PNH, passos largos têm sido dados até os dias atuais.
Conclui-se, portanto, que é colocado para a sociedade, como um todo, esse desafio de
lutar não só por hospitais mais humanizados, mas por UBSs, UPAs e CAPSs e por uma
Educação Permanente em Saúde mais eficazes, no que se refere não apenas ao seu
funcionamento, mas no sentido de possibilitar a conscientização de todos os seus atores acerca
dos direitos e responsabilidades necessários para a construção de um Sistema Único de Saúde
(SUS) mais humano e de maior excelência.
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A IMPORTÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE COMO ESTRATÉGIA DE
834
ENFRENTAMENTO EM PACIENTES ONCOLÓGICOS
Introdução
O câncer é uma doença que afeta milhares de pessoas a cada ano, atinge altos índices de
incidência, constituindo-se a segunda causa de mortalidade no Brasil (mais de 200 mil por ano)
só é menor que o provocado por doenças cardiovasculares, como infarto e derrame (AVC).
Consequentemente, com o envelhecimento da população, a incidência de câncer vem
aumentando, o Inca (Inca Instituto Nacional de Câncer) estima um total de 600 mil novos casos
por ano (Pronin, 2019).
No agravamento da doença a dimensão espiritual possibilita ao indivíduo o
desenvolvimento da esperança, com o objetivo de dar um sentido para a sua vida, propiciando
um olhar positivo para o enfrentamento, ainda que reconheçam a eventualidade da própria
morte. O bem estar físico e a fé espiritual se apresentam como esperança diante do impossível,
a cura, e revelam um estado de transitoriedade da realidade vivenciada (Prado et al., 2020).
Nesta concepção, os pacientes e os familiares, diante da desesperança e do sofrimento
causado pela descoberta da doença, buscam na espiritualidade um sentido positivo ou negativo
a essa nova experiência. Assim, a espiritualidade constitui uma estratégia de enfrentamento
importante diante de situações consideradas difíceis, como é o caso do diagnóstico do câncer
que produz um forte impacto na vida do indivíduo e cujo tratamento é permeado de eventos
estressores (Oliveira & Queluz,2016).
Portanto, este trabalho apresenta como sujeito a ser estudado, a variável espiritualidade,
um modo de enfrentamento pautado na emoção, e tendo como principal contextualização os
pacientes oncológicos. Ao mesmo tempo, utiliza-se da seguinte pergunta norteadora: qual a
importância da espiritualidade como estratégia de enfrentamento para os pacientes com câncer?
Para responder tal questionamento, este trabalho tem por objetivo geral, analisar a
importância da espiritualidade como estratégia de enfrentamento no tratamento de pacientes
oncológicos, seguindo como especificações: compreender o processo de humanização dos
profissionais com os pacientes oncológicos; apresentar as principais estratégias de
enfrentamentos dos pacientes oncológicos; e, problematizar a importância da espiritualidade
para pacientes com câncer.
Nesta trajetória, o presente estudo tem como relevância trazer a relação da
espiritualidade no cuidado de pacientes oncológicos, buscando compreender como ela pode
contribuir no manejo do bem-estar desses pacientes e de seus familiares; trazendo como base
as principais estratégias que contribui de forma significativa na ampliação do campo perceptivo
do tratamento, não só dos pacientes e de seus familiares, como também da sociedade como um
todo, ampliando também a sua visão perante a doença. Logo, compreender que a espiritualidade
afeta a saúde e a resiliência dos pacientes é um passo importante para incorporá-la à prática da
835
Psicologia.
Todavia, o intuito é tentar levar a reflexão sobre a Espiritualidade nos cuidados de
pacientes oncológicos e a sua importância para o exercício a um plano mais amplo e abrangente.
Uma vez que, a presente pesquisa obedecerá as seguintes ordens: no primeiro momento
apresenta-se a parte introdutória. No segundo tópico, é desenvolvido o marco teórico,
subdividido em dois subtópicos: (1) “Câncer: a doença na perspectiva do diagnóstico”, ao se
fazer um breve histórico sobre a doença sob a perspectiva do diagnóstico na identificação das
ferramentas para auxiliar no tratamento do paciente; e (2) “A espiritualidade como estratégia
de enfrentamento”, traçando um panorama sobre a presença da espiritualidade no contexto
psicoterapêutico e sua relação com o bem-estar psicológico do paciente. No terceiro tópico,
aborda-se as questões do método, no quarto tópico, o objetivo foi apresentar os resultados; logo
em sequência, em um quinto tópico análise e discussão dos resultados, em um último ponto,
insere-se as considerações finais.
Marco Teórico
836
diversos fatores biológicos e psicológicos que ao serem associados podem favorecer o processo
de adoecimento (Freitas et al., 2018).
De certa forma, ainda que seja uma doença que tenha tido evoluções científicas e
tecnológicas ao longo do tempo, é preciso acentuar que ainda é conhecida como uma doença
estigmatizada e relacionada à morte, pois, configura-se não somente em aspectos físicos e
biológicos, mas também em sociais, psicológicos e espirituais (Medeiros, 2019).
Torna-se evidente que o diagnóstico de câncer acaba gerando nas pessoas um
sentimento de estarem mais próximos da morte, uma vez que os tratamentos utilizados são
vistos como dolorosos que causam grande fragilidade ao corpo. Pois embora, haja inúmeras
formas de tratamento, em vários casos ainda é considerada uma doença incurável, podendo
causar influências diretas e indiretas não só ao paciente, como também aos que estão no seu
entorno, como amigos e familiares (Cardoso et al., 2019).
Isso permite destacar que o diagnóstico do câncer se dá, tanto pelo envolvimento do
indivíduo, como dos seus familiares, gerando diversos sentimentos e emoções, desde um forte
sentimento de angustia até a perspectiva de mutilação ou de morte pertinente, pois, ocasionado
pelo processo de descoberta, a sobrecarga emocional decorrente dessa patologia pode
desencadear desajustamentos e acarretar o desenvolvimento de distúrbios emocionais como
Depressão e/ou Transtornos de Ansiedade (Pires et al., 2019).
Dada à relevância desse diagnóstico, dar-se seguimento a um longo processo de
tratamento e mudanças na rotina do paciente, isso permite ressaltar que pode ser ocasionado
pela correlação de diversos fatores, que variam desde causas internas e externas, como também
predisposições genéticas, fatores sociais, políticos, econômicos e ambientais, podendo ser
suscitado em qualquer fase do desenvolvimento (Nicolli et al., 2019).
Na medida em que o indivíduo vivencia o quadro de sofrimento em ter essa patologia,
ele passa a sofrer por diversos motivos, e começa a vivenciar sentimentos de ameaça a sua
integridade física, a perda do controle, e o medo ocasionado tanto pela expectativa da morte
iminente, como pela dor, ele passa a perceber o seu sofrimento não só como finitude, mas
também como incompletude (Mendonça, 2019).
No entanto, cabe frisar que no aspecto psicossocial, os pacientes com câncer apresentam
mudanças significativas nas emoções, e também níveis elevados de ansiedade e depressão,
ademais, no aspecto espiritual apresenta falta de esperança, medo da morte, e perda do sentido
da vida. É lícito supor que essa patologia transforma a vida das pessoas, trazendo muitos
questionamentos sobre o propósito da vida, pois, a angústia pode se revelar de diversas formas,
acarretando sintomas depressivos, perda do bem- estar espiritual, angústia existencial e desejo
de morte próxima (Medeiros, 2019).
Em termos de humanizar os cuidados dos pacientes, os profissionais da saúde no ato do
seu exercício profissional, necessitam acolher as angústias e os questionamentos dos
indivíduos, diante das suas fragilidades tanto físicas, como emocionais e espirituais, e diante de
um cotidiano desafiador pela indiferença crescente, a solidariedade e o acolhimento digno com
calor humano são essenciais na assistência humanizada aos pacientes. Ademais, o cuidar de um
paciente oncológico exige da equipe de saúde um olhar existencial de empatia, uma
aproximação diária, e um compartilhamento de angústias e sofrimentos da qual fazem parte do
837
cotidiano diário do indivíduo que vivencia esse tipo de patologia (Nascimento, 2019).
Consequentemente, com todas essas mudanças, há algumas fases pelas quais uma
pessoa que acaba de descobrir o câncer pode passar e que pode contribuir em longo prazo, no
seu processo de aceitação. As fases são: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. No
entanto, para chegar ao estágio de aceitação, alguns pacientes necessitam de ajuda e de maior
compreensão daqueles que estão a sua volta, enquanto outros chegam sem quase nenhuma
ajuda. É importante ressaltar também, que nem todos passam por todas as fases e elas podem
ocorrer em diferente ordem, ou seja, há pessoas que não chegam sequer a aceitar sua doença e
outras que aceitam rapidamente. Pelo fato de que nem todos os pacientes passam por todas as
fases e nem pela ordem descrita, algumas pessoas podem nunca aceitar a doença e estacionar
em uma delas (Kubler-Ross, 2008).
Diante disso, percebe-se a necessidade de estudar estratégias as quais auxiliem
pacientes oncológicos a conhecerem, compreenderem e aceitarem sua doença e a lidarem com
ela da forma menos dolorosa possível. Uma das formas de trabalhar a adaptação destas pessoas
é mobilizando seus recursos pessoais (Lazarus & Folkman, 1991). Os autores relatam que o
enfrentamento inclui tantos comportamentos de tentativas de dominar o ambiente, de evitar, ou
de aceitação da situação estressante, através de formas “Acomodativa” ou “Manipulativa”.
Na “Manipulativa” o indivíduo procura modificar sua relação com o acontecimento
estressante, o que poderia constituir-se na modificação do contexto, afastar-se ou ausentar-se
na presença do estressor, ou ainda buscar informações a respeito da situação, como um meio
que possa entender e prever os acontecimentos frente ao fenômeno apresentado.
Já na “Acomodativa” acontece um bloqueio da ação diante do evento, inibindo o
indivíduo de superar a adversidade frente à situação estressante, por intermédio de uma
reavaliação, modificando o ambiente interno por meio de medicamentos, álcool, relaxamento,
mecanismos de defesa, meditação, entre outros. Tais estratégias dispõem de um potencial capaz
de acometer a saúde física e mental dos indivíduos, tanto de forma positiva como negativa, com
capacidade de alterar a evolução do estresse, seja esquivando-se da situação estressora ou
confrontando-a (Lazarus & Folkman, 1991).
Do mesmo modo, para Guedea et al. (2006), o enfrentamento pode ser “Focado no
problema” (pautado na resolução de problemas) ou “Focado na emoção” (mudar pensamentos
para lidar com a situação estressante). Um exemplo de enfrentamento focado no problema é
quando o paciente se vê diante da doença e decide seguir toda a rotina de tratamento sugerida
pelos médicos. Já o enfrentamento focado na emoção é uma avaliação situacional, que permite
certo controle emocional sobre o contexto estressante (o adoecimento), nesse tipo de
enfrentamento o paciente pode dizer a si mesmo palavras de encorajamento (“vou ficar bem”,
“o tratamento vai dar certo”), pode ir à igreja para sentir algum conforto espiritual ou procurar
por Deus sem necessariamente participar de nenhuma religião.
O enfrentamento é avaliado como positivo ou negativo, dependendo da situação de cada
paciente. Percebe-se então que utilizar-se de estratégias de enfrentamento positivas pode
garantir uma melhor qualidade de vida e bem-estar psicológico, de forma geral, para quem
consegue fazê-lo. Dentre essas estratégias, uma altamente utilizada por pessoas com doenças
crônicas e doenças terminais é a estratégia de enfrentamento voltada para a “Espiritualidade”
838
(Guedes et al., 2006).
A atenção à espiritualidade está ganhando espaço em centros oncológicos e
proporcionando benefícios aos pacientes já observados, como diminuição de índices de
depressão, maior controle da ansiedade e mais comprometimento com o tratamento. E o
paciente não precisa ter necessariamente uma religião para trabalhar sua espiritualidade. Mesmo
nas pessoas que não têm religião, a espiritualidade pode e deve ser alimentada. Existem formas
de acessar a espiritualidade através da música, da arte, através da meditação entre outros
(Guedea et al., 2006; Kubler-Ross, 2008).
Os autores ainda destacam, que a partir de tais colocações pode-se compreender o
significado dos processos de enfrentamento em relação ao bem-estar físico e psíquico do
indivíduo, transformando-os em conceitos bastantes úteis para se ampliar os conhecimentos
sobre a qualidade de vida de pessoas que vivenciam o estresse intenso, especialmente, pacientes
oncológicos.
Nesse sentido, balizado nos conceitos e vivências pertencentes à dimensão da
espiritualidade, o apartado a seguir, reúne definições que podem contribuir para a compreensão
do construto e planejamento de uma intervenção psicossocial com o objetivo de conduzir a
promoção da saúde.
839
mais individualizada durante o tratamento (Costa et al., 2019).
Presume-se que no adoecimento causado pelo câncer, a espiritualidade vem fornecer ao
paciente, desenvolver atitudes positivas, e a esperança no sentido de dar um novo significado
para o enfrentamento da patologia, assim como buscar um novo sentido de vida, favorecendo o
seu amadurecimento pessoal, além de influenciar no modo de percepção do paciente ao
enfrentar o seu processo de adoecimento (Benites et al., 2017).
Convém ressaltar que espiritualidade e religiosidade apesar de estarem relacionadas,
não apresentam as mesmas características. A religiosidade pode ser compreendida como sendo
um conjunto de crenças e práticas que estão relacionadas a doutrinas compartilhadas e seguidas
por um grupo de pessoas, que pode envolver cultos ou rituais ligados a fé do indivíduo. Na
medida em que passamos a observá-la podemos analisá-la em dois aspectos, a intrínseca e a
extrínseca. Na religiosidade intrínseca o indivíduo apresenta a sua fé de uma maneira mais
amadurecida, no sentido de vivenciar e estar de acordo com os princípios doutrinários em que
ele acredita; já na religiosidade extrínseca, ela é utilizada como meio para se atingir algo, como
para conseguir benefícios próprios para o indivíduo (Melo et al., 2015).
A espiritualidade engloba aspectos pessoais e existenciais, ao passo que ela está menos
ligada a instituições, rituais ou dogmas que se aplicam mais a religiosidade, entretanto, ela é
entendida como uma relação com o sagrado e o transcendente, pode estar vinculada ou não a
uma religião, já que ela vai a busca de algo que é inerente a espécie humana, que vai ao sentido
de algo que agregue sentido a sua existência (Raddatz et al., 2019).
A espiritualidade é bem mais ampla e pessoal, está ligada a valores mais íntimos do
indivíduo, fazendo-o entrar em harmonia consigo e com o outro, gerando assim um despertar
de interesse por si, pela natureza e pelo universo, ela em si produz capacidade de suportar a dor
e o sofrimento que causa raiva e ansiedade, além de gerar energias positivas diante do
sofrimento, melhorando assim a qualidade de vida dos pacientes (Guerrero et al., 2011).
Destaca-se que a espiritualidade é inerente ao ser humano, dessa forma ela vai
estabelecer uma preparação mais subjetiva, visto que o paciente vai começar a construir de
forma mais simbólica a sua maneira de enxergar e dar sentido as suas vivências, isso faz crer
que ela pode ser uma estratégia significativa no enfrentamento do câncer, levando o indivíduo
a conceder um significado no seu processo de cura- doença, colocando a fé como um escudo
de alivio para suas angústias e sofrimentos (Pinto et al., 2015).
Com relação a espiritualidade existem três tipos de classificações que as especificam,
(1) a espiritualidade religiosa; (2) a espiritualidade ligada à natureza; (3) espiritualidade
humanista, visto que, ainda se defende uma quarta que seria a espiritualidade cósmica. A
primeira abrange um sentido de proximidade e ligação ao sagrado, do mesmo modo que é
descrito por qualquer religião, sendo (Cristianismo, Islamismo, Budismo) entre outras,
resultando em uma proximidade a um Deus particular, ou a um poder superior.
A segunda traz um sentido de proximidade e correlação ao meio ambiente e a natureza;
a terceira está voltada para a humanidade, expandindo-se no sentido de associação a um grupo
geral de pessoas, abarcando normalmente sentimentos de amor, altruísmo ou reflexão, e a quarta
refere-se á conexão com toda a natureza, ou seja, uma espiritualidade que é vivenciada não só
através da meditação, mas também através da magnificência da criação (Catré et al. 2016).
Convém ressaltar que a interligação entre espiritualidade/religiosidade e saúde, tem
840
origem nos primórdios da história, nos quais se atribuía a recuperação do indivíduo, há aspectos
ligados ao espírito, ou seja a causa da doença ou a sua cura, e, partindo desse pressuposto
observamos que a espiritualidade se constrói através de contextos culturais e históricos,
fornecendo significado a valores, comportamentos e experiências humanas, que se manifesta
na prática, através do credo religioso ou espiritual que se faz parte (Santos & Byk, 2019).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a resolução da emenda da
constituição de 7 de abril de 1999, foi agregado ao conceito de saúde a variável Espiritualidade.
Isso demonstra que a saúde passa a ser estipulada como estado de completo bem-estar físico,
espiritual e social, e não apenas como ausência de doenças ou enfermidades. Isso permite
afirmar que atualmente no Brasil a política nacional de humanização está pautada no princípio
da integralidade ao atendimento do indivíduo, levando em conta todas as suas dimensões e
subjetividades (Lemos, 2019).
A Associação Mundial de Psiquiatria (WPA) afirma que, o campo da saúde atribui a
religiosidade/espiritualidade importantes ligações significativas para a prevalência do
diagnóstico, tratamento, desfechos clínicos e prevenção de doenças. Partindo desse pressuposto
alguns profissionais da saúde reconhecem a importância da espiritualidade/religiosidade para a
saúde e bem-estar do indivíduo, e da mesma forma alguns trabalhos vem reforçar essa ideia ao
demonstrar o quanto essa espiritualidade/religiosidade eleva o nível de motivação para o
enfrentamento e superação das crises (Forti et al., 2018).
É preciso entender que a dificuldade de avaliar a espiritualidade de forma específica,
acaba diferenciando-a de conceitos utilizados no que diz respeito à saúde, como satisfação com
a vida, bem-estar subjetivo e otimismo. A religiosidade/espiritualidade também é uma aliada
importante na área dos cuidados paliativos, evitando ou diminuindo o sofrimento independente
do estágio da doença (Tavares et al., 2016).
A espiritualidade representa um fator importante dentro do contexto da saúde, fazendo
o indivíduo ir em busca de possibilidades de melhora e bem-estar para a sua vida, isso
demonstra que ela impulsiona para que ele busque formas e hábitos de vida que sejam mais
saudáveis, por tanto, sendo um argumento aprovado cientificamente. Dentro desse contexto das
experiências vividas, ela é um fator de fortalecimento ao indivíduo em situações difíceis (Junior
& Teixeira, 2019).
A relação entre espiritualidade e saúde vem se tornando um paradigma dentro da prática
diária do profissional de saúde, e destaca-se que tanto a religiosidade como a espiritualidade
vem ganhando cada vez mais atenção dentro do âmbito assistencial de cuidados. O campo
relacionado à qualidade de vida chega a se tornar um mediador entre saúde e questões
religiosas/espirituais, favorecendo o desenvolvimento de mediações espiritualmente embasadas
(Fornazari & Ferreira, 2010).
De certa forma as necessidades espirituais ligadas ao contexto oncológico, faz o
indivíduo pensar sobre o processo de finitude, e à medida que a patologia vai aumentando
algumas vezes os sentimentos de desesperança, traz ao paciente a percepção de que a cura pode
se tornar impossível, surgindo assim muitos questionamentos acerca do seu existir. É nesse
momento que a espiritualidade e a fé são vistos como fundamentais no tratamento, é a
espiritualidade que promove aos pacientes um sentido mais amplo sobre a vida, e alguns dos
seus questionamentos começam a fazer sentido. Ademais a prática de atividades como a oração
841
ou meditação ou qualquer outra atividade ligada à espiritualidade acaba trazendo alívio para o
sofrimento diante da doença (Guedes et al., 2019).
Partindo desses pressupostos, pesquisas com pacientes apontam que a espiritualidade é
importante para que eles possam ter uma compreensão e maior aceitação da sua patologia, isso
permite afirmar que as crenças espirituais, religiosas e culturais podem ser fortes aliados nos
cuidados dentro do âmbito da saúde, podendo ser uma rede de apoio no enfrentamento da
doença. É preciso ressaltar que o mais apropriado, é que dentro do contexto espiritual e religioso
o profissional da saúde deve buscar a melhor forma de trazer conforto aos pacientes
oncológicos, respeitando sempre a sua subjetividade e as suas convicções espirituais, como
também sua forma de enxergar o mundo (Abuchaim, 2018).
Para tanto, autores Sousa Junior & Teixeira (2019), Guedes et al. (2019) e Lemos (2019)
mostram que reconhecer a espiritualidade ou a religiosidade como estratégias de enfrentamento,
como também, identificar as lacunas espirituais do indivíduo fazem com que o profissional de
saúde possa planejar e promover uma assistência integral ao paciente, destacando a importância
dos profissionais compreenderem os pacientes e o modo como lidam com a doença, suas
crenças e valores, e entendam a influência dessas relações no bem-estar desse indivíduo. Ainda
segundo os autores, a preocupação, enquanto profissionais da saúde, deve ser de que as pessoas
enfermas sejam compreendidas em suas formas singulares de lidar com a doença, como também
entender a influência dessas relações no processo de qualidade de vida desses pacientes.
Método
842
a importância da mesma para a atualidade.
Resultados
Quadro 1 – Classificação do acervo selecionado de acordo com título, autores, revista, ano e
resumo:
TÍTULO AUTORES REVISTA/ANO RESUMO
Comunicação de Maria Revista de Este estudo buscou
uma má notícia: o Cláudia Maia enfermagem UFPE entender o olhar do
diagnóstico de Costa, Cynthia de On Line, Recife, paciente oncológico, e
câncer na Freitas Melo, 11(Supl. 8): 3214-21, dos profissionais da
perspectiva de Darli Chahine ago., 2017. saúde sobre o
pacientes e Baião, Ana diagnóstico de câncer e
profissionais. Karine Sousa sua relação com a
Cavalcante. morte, assim como
trazer uma explicação
do diagnóstico do
processo de aceitação
da doença e no seu
tratamento.
Considerações e Diego da Silva. Faculdade Sant’Ana O artigo analisa
reflexões sobre o em Revista, Ponta considerações e
psicodiagnóstico de Grossa, v. 5, nº 1, p. reflexões sobre o
stress em pacientes 21 35, 1 . Sem. 2019. processo de
com câncer. psicodiagnóstico do
stress em pacientes
oncológicos, assim
como explana sobre o
câncer e suas
vicissitudes
psicossociais, como o
stress e suas
características.
Religiosidade e Marta Helena de Revista Pistis Prax., Este estudo buscou uma
saúde: experiência Freitas. Teol. Pastor., comparação entre
dos pacientes e Curitiba, v. 6, n. 1, p. pacientes, estudos
percepções dos 89-105, jan./abr. realizados, e as
profissionais. 2014. observações dos
estudantes e
profissionais da saúde
em relação à
843
importância da
assistência da
religiosidade e
espiritualidade como
forma de acolhimento e
humanização de saúde.
Religiosidade e Caroline Amado Psicologia USP, São O presente trabalho teve
Espiritualidade em Gobatto, Tereza Paulo, 24(1), 11-34, como objetivo uma
Oncologia: Cristina 2013. investigação na
concepções de Cavalcante identificação de
profissionais de Ferreira de influências positivas e
saúde. Araújo. negativas de crenças
espirituais e religiosas
no enfrentamento do
câncer.
A influência da Scarlet Monteiro Investigação O estudo buscou
espiritualidade no G. da Silva, Elza Qualitativa em analisar a dimensão da
cuidado de Fátima R. Saúde//Investigación espiritualidade em
oncológico. Higa, Márcia Cualitativa en relação aos profissionais
Aparecida P. Salud//Volume 2, de saúde que trabalham
Otani, Márcia R. Atas CIAIQ, 2019. na área da oncologia, e
Rodrigues, especificar como ela
Monike A. influência na assistência
Lemes. aos pacientes.
844
intervenções
psicológicas, e traz
como objetivo,
reflexões sobre suas
diferenciações.
A influência da Patricia dos Psicologia. PT/ O Esse estudo tem como
Religiosidade e Santos Silveira, portal dos psicólogos, objetivo investigar a
Espiritualidade no Luciana ISSN 1646-6977, influência e o
enfrentamento da Schermann jun., 2018. desenvolvimento da
Doença. Azambuja. espiritualidade e o papel
da religiosidade no
enfrentamento de
situações difíceis, assim
como as diferenças
entre espiritualidade e
religiosidade, na sua
relação com a saúde.
Influência da Nataniele Silva GEPNEWS, Maceió, O estudo tem a
Espiritualidade no Canuto, Amanda a.3, v.2, n.2, p.410- finalidade de especificar
restabelecimento da Cavalcanti de 430, abr./jun. 2019. a influência da
condição de saúde Macêdo. espiritualidade no
humana: uma restabelecimento da
revisão de saúde humana, assim
literatura. como refletir sobre a
religião, a ligação entre
fé e ciência, no intuito
de promover
intervenções na
assistência em saúde.
A influência da Laura Fernandes Revista Brasileira de O estudo estudo procura
espiritualidade e da Ferreira, Alyssa Cancerologia; 66(2): avaliar a influência
Religiosidade na de Pinho Freire, e-07422, 2020. exercida pela
aceitação da doença Ana Luiza Cunha espiritualidade e
e no tratamento de Silveira, Anthony religiosidade em
pacientes Pereira Martins pacientes oncológicos
oncológicos: Silva, Hermon acerca da aceitação
revisão integrativa Corrêa de Sá, Igor diagnóstica de câncer.
da literatura. Soares Souza,
Lohane Stefany
Araújo Garcia,
Rafael Silva
Peralta, Lais
Moreira Borges
845
Araújo.
Fonte: autoria própria,2021.
846
bem- estar, na observação das pessoas, principalmente em situações críticas que ocasionam o
estresse ou preocupações específicas, como doenças, violência ou perdas, entre outras.
No que concerne esse estudo, mostra quais os meios em que a religiosidade influencia
positivamente a vida e a saúde das pessoas, tendo o suporte social como um indicador de um
estilo de vida mais saudável, muitas vezes atuando como fator de proteção, direcionando um
sentido para a dor e para o sofrimento, reavivando assim a fé, o consolo e a esperança diante do
sofrimento.
Nessa mesma perspectiva, a pesquisa “Religiosidade e Espiritualidade em Oncologia:
concepções de profissionais de saúde”, elaborada pelas autoras Cavalcante &Araújo (2013) traz
a definição da religiosidade como características comportamentais, sociais e doutrinárias
especificas, partilhadas em grupos e efetuadas pelo indivíduo; já a espiritualidade caracteriza-
se ao transcendente e ao direcionamento de questões sobre o sentido da vida, não
necessariamente relacionadas a crenças e práticas religiosas.
Quanto aos aspectos relacionados ao enfrentamento, normalmente caracterizam-se por
um conjunto de esforços cognitivos e comportamentais, atribuídos ao manejo de situações
externas e internas que ultrapassam os recursos pessoais do indivíduo, resultando assim em uma
sobrecarga. As autoras também ressaltam, que quando o indivíduo usa a religião ou a fé como
estratégia do manejo do estresse, identificam o enfrentamento religioso/espiritual na qual as
estratégias de enfrentamento podem ser agrupadas em positivas e negativas. No enfrentamento
religioso espiritual positivo, costuma-se aludir sentimentos de segurança e conforto, conexão
com os outros e crença no sentido da vida, já no sentido enfrentamento religiosos espiritual
negativo faz alusão a uma visão pessimista do mundo e pouca autoconfiança.
Entre os aspectos destacados, pode-se observar nos estudos de Silva et al. (2019) no que
concerne a dimensão espiritual dentro da área da saúde nas últimas décadas que a
espiritualidade é vista como algo que passa por todas as culturas, e o seu reconhecimento
colabora para a melhoria da saúde e qualidade de vida, influenciando a forma como os pacientes
e profissionais percebem o processo saúde-doença. Os autores salientam, que quando se recebe
o diagnóstico de câncer é esperado que o paciente e sua família passem por períodos de
preocupação, angústia, medo e revolta. A espiritualidade surge como apoio, proporcionando
força e conforto durante o período e estágios da doença, para suportar os sofrimentos
acarretados pela patologia, sejam eles físicos ou psicológicos. No entanto, é necessário que os
profissionais da saúde estejam preparados para identificar pensamentos e sentimentos que
auxiliem a encorajar e motivar a vivência do paciente durante o tratamento.
Nesse sentido, os estudos realizados por Siqueira & colaboradores (2017), analisam a
necessidade de mudança de paradigmas na atenção em saúde, trazendo novas configurações
sobre o processo doença-saúde-cuidado, avaliando assim a compreensão do indivíduo em sua
multidimensionalidade nos aspectos biológicos, sociais, psicológicos e espirituais, construindo
a sua integralidade e respeitando sua subjetividade, seus valores e suas crenças pessoais. Não
obstante é importante que os profissionais de saúde possam entender, conhecer e reconhecer as
complexas interações entre as dimensões humanas, e possam proporcionar um cuidado integral
e efetivo ao usuário oncológico.
Por outro lado, na pesquisa “Espiritualidade, Religiosidade e Religião: Reflexões de
847
conceitos Psicológicos”, elaborada por Gomes et al. (2014) foi percebido que normalmente é
encontrado pouca clareza e distinção no emprego dos conceitos sobre espiritualidade,
religiosidade e religião, demandando maior assimilação e compreensão de suas diferenças e
relações. Uma vez que os autores propõem que a espiritualidade é tida como um aspecto
peculiar de todo ser humano e o conduz na busca do sagrado que transcende a experiência, na
tentativa de dar significado e respostas aos aspectos fundamentais da vida, é a dimensão que
leva a pessoa para além do seu universo e a põe a frente das suas questões mais profundas, que
são originadas através da sua inferioridade no anseio de achar respostas a perguntas existenciais.
A religiosidade por sua vez, é entendida através da dimensão pessoal, ou seja, é a
representação ou pratica do crente, que está associada a uma instituição religiosa que permite
ao indivíduo experiências místicas, mágicas e esotéricas. Portanto, a religiosidade é a própria
expressão da espiritualidade, que auxilia na convicção de que existe uma dimensão maior que
é encarregada pelo controle sobre as contingências presentes na vida, capacitando o sujeito a
encarar os acontecimentos de forma mais tranquila e confiante, diminuindo assim o estresse e
ansiedade.
Todavia, a palavra religião vem do latim “religio” e “ligare” que quer dizer ligar de
novo, compreendendo a procura por Deus por parte das pessoas, logo, a religião é composta
por determinadas crenças e ritos, entendida como meios que levam a salvação do transcendente,
e está mais ligada ao conceito institucional e doutrinário, que está interligado a forma da
vivencia religiosa. Dessa forma a espiritualidade e a religiosidade possuem uma dimensão
essencialmente experiencial, já a religião engloba aspectos mais institucionais e doutrinários
(Gomes et al., 2014).
Contudo, de acordo com Silveira & Azambuja (2018) as relações entre espiritualidade,
religiosidade e saúde vem sendo cada vez mais investigadas, e seus indícios tem mostrado uma
relação habitualmente positiva, através dos indicadores na ligação entre religiosos e saúde
mental, ademais, os resultados positivos dentro da abordagem espiritual com os pacientes,
normalmente são manifestados através de enfermidades que ocasionam maiores níveis de
estresse, dessa forma a oração distancia da mente a dor e eleva o pensamento para outro nível.
A fé é tida como uma força poderosa que auxilia o indivíduo a passar por fases difíceis
da doença, reforçando assim, a sua autoconfiança, a sua energia e o propósito da sua existência,
além de possibilitar melhores resultados no tratamento médico, os pacientes encontram na fé o
otimismo, a esperança e a motivação estimulando-os assim na sua recuperação e no seu
tratamento.
Corroborando Canuto & Macêdo (2019) trazem em sua pesquisa, a influência que a
espiritualidade tem dentro do restabelecimento da saúde humana, ou seja, observa-se a
interligação entre ciência e espiritualidade como uma aproximação que está sendo cada vez
mais comum no processo de resgate aos valores culturais e religiosos, que se aplicam ao
processo saúde-doença.
Os autores ainda evidenciam nos estudos elaborados sobre o processo de saúde e
espiritualidade que é necessário ressaltar a importância dos aspectos espirituais no processo de
cura e reabilitação de doenças crônicas, dessa forma o enfrentamento dentro do contexto saúde-
doença em pacientes sob cuidados paliativos, a espiritualidade tem a finalidade de dar sentido
a continuidade, mostrando que a vida não termina com a morte do corpo, mas como uma
848
passagem para outro lugar.
Nesse sentido é importante que os profissionais de saúde estejam atentos a conhecer de
uma forma mais profunda, a espiritualidade e possam utilizá-la como ferramenta valiosa dentro
do seu trabalho de reabilitação, junto aos pacientes e seus familiares, estando aptos a usar a
espiritualidade/religiosidade como estratégias de enfrentamento no cotidiano do cuidado
assistencial mais humanizado.
Com um olhar mais geral, Pinho e colaboradores (2020) discorrem a respeito da
espiritualidade como algo além de influenciar na qualidade de vida, ou melhor, como algo que
auxilia na redução da depressão, na falta de esperança, assim como na ansiedade causada pelo
câncer. Portanto, a prática religiosa vivenciada pelos pacientes, cria estratégias que legitíma e
ameniza as incertezas, diante de questões de caráter moral, pessoal e social referente a condição
oncológica crônica. Uma vez que, a espiritualidade e o bem-estar espiritual tem demonstrado
efeito positivo em pacientes com câncer, analisando-o como elemento importante de saúde e
contentamento. Dessa forma o paciente oncológico busca a espiritualidade com o intuito de
minimizar o seu sofrimento ou para atingir maior esperança sobre a sua cura, possibilitando
uma maior ressignificação da doença e tendo essa espiritualidade como fonte de apoio e
motivação.
Diante dos estudos analisados e discutidos acima percebe-se quase uma unanimidade ao
afirmar uma relação positiva para os processos de cura, entre religião, espiritualidade e saúde.
Podemos nos perguntar por que a religião e a espiritualidade apresentam tal potencial? Uma
das possíveis respostas dadas a essa questão é que a concepção de saúde está intimamente
relacionada com uma compreensão religiosa do corpo e da vida. Nessa concepção, a
espiritualidade, no processo saúde-doença, se tornou fundamental para o enfrentamento de
problemas físicos e mentais, uma vez que é utilizada como uma das alternativas para sanar
problemas advindos de qualquer área, levando aos pacientes um acalento e uma paz espiritual
que a ciência não conseguiu oferecer.
Considerações Finais
O diagnóstico de câncer oferece um grande número de significados aos pacientes. Essa
notícia impacta não só o indivíduo assim como todas as pessoas que possuem algum tipo de
afetividade ligada a ela. Uma das estratégias mais utilizadas que se observou nessa pesquisa foi
a maneira como eles buscam enfrentar a doença. É neste momento de crise desencadeada pelo
diagnóstico que a doença produz uma ressignificação por meio da busca da espiritualidade
como fator protetor.
O presente trabalho buscou analisar a importância da espiritualidade como estratégia de
enfrentamento em pacientes oncológicos, destacando a sua importância na assistência e cuidado
da equipe multidisciplinar aos pacientes e seus familiares.
De modo geral, os trabalhos que se referiram à espiritualidade dos pacientes destacam,
que a espiritualidade do doente muitas vezes influencia na adesão ao tratamento, no
enfrentamento da dor, na busca por uma explicação para a experiência atual, além de atuar na
diminuição da ansiedade e estresse advindos do contexto de doença. Para a maioria das
pesquisas encontradas, os resultados demonstraram que a espiritualidade pode ser uma forma
849
de estratégia de enfrentamento do paciente perante o câncer, atribuindo significado ao processo
de adoecimento e sofrimento. Assim, a espiritualidade pode ser definida como aquilo que traz
significado e propósito e sentido da vida das pessoas, sendo reconhecida como um fator que
contribui para a saúde e a qualidade de vida.
Também observado, no caso dos profissionais da saúde, na maioria dos estudos
analisados, o envolvimento espiritualista como uma experiência positiva para a população em
geral e, de modo especial, para aqueles que passam por algum tipo de enfermidade física ou
mental. No entanto, segundo esses mesmos estudos, é raro a presença do assunto nas
universidades, cursos de pós-graduação e como forma de educação continuada nas unidades de
saúde. Percebe-se, uma postura reservada e insegura por parte dos profissionais diante de
questões que envolvem o tema.
Contudo, a realização dessa pesquisa permitiu conhecer a riqueza dos dados coletados,
bem como sua importância. Ainda poucos estudos versam acerca dessa temática, porém, os já
existentes vêm corroborar com os resultados obtidos na investigação da categoria e subcategoria
selecionada para o presente artigo.
Tendo em vista a importância identificada na pesquisa, com relação à espiritualidade no
tratamento do usuário oncológico no olhar do profissional de saúde, faz-se necessária a
discussão dessa questão entre os profissionais de saúde para que não se continue uma assistência
fragmentada ao paciente. Neste sentido, fica clara a relevância desta revisão e sugere-se que
esses dados sejam utilizados para permear possíveis intervenções com esses resultados, além
de sensibilizar profissionais e acadêmicos da área da saúde para o cuidado espiritual envolvido
no atendimento a pacientes com câncer, contribuindo para a construção de estratégias que visem
à humanização da assistência nesse setor.
Assim, a relação entre a espiritualidade no tratamento do usuário oncológico e a
Psicologia mostra um vasto campo a ser estudado, e deve ser explorado com dedicação e
cuidado. Espera-se, por meio desta pesquisa, incentivar novos pesquisadores e contribuir com
o conhecimento já construído sobre o tema.
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A PSICOLOGIA E MULTIDISCIPLINARIDADE NA SAÚDE: UMA REVISÃO
854
INTEGRATIVA
Introdução
O movimento histórico de produção do conhecimento que formou diversas disciplinas
se refletiu no campo da saúde e influenciou a conformação de diversos núcleos profissionais.
As diversas profissões de saúde têm um objeto de trabalho comum que é o ser humano com
carências de cuidado em saúde. Este objeto complexo e multidimensional demanda uma
abordagem multiprofissional e interdisciplinar, no entanto, contraditoriamente, cada profissão
se estrutura com paradigmas e experiências específicas que vão compor modos distintos e
fragmentares de atuar (Pires, 2008).
Quando se fala em saúde, este tema apresenta uma certa complexidade ao ser discutido,
pois este conceito precisa de olhares e adequações em olhares diferentes, sendo importante
debater, discutir propostas, intervenções ou práticas que vem agregar este tema. Diante disso,
faz-se necessário falar de equipe multidisciplinar, encaixando-se como esse olhar diferenciado
citado acima, ressaltando a importância que cada classe profissional traz como contribuição à
saúde dos indivíduos.
A complexidade do processo saúde doença e a necessidade de uma abordagem
interdisciplinar têm sido debatidas por diversos autores. A natureza multidimensional do ser
humano requer práticas profissionais interdisciplinares que possam engendrar “formas mais
abrangentes e totalizadoras de aproximar-se da realidade”, coerentes com os princípios da
universalidade, equidade e integralidade da atenção que norteiam o Sistema Único de Saúde
(SUS) brasileiro (Borges, 2010).
Diversos autores conceituam a multidisciplinaridade de forma semelhante, segundo
Vasconcelos (2000) é uma gama de disciplinas propostas simultaneamente, mas sem relações
entre si, como por exemplo, nas práticas ambulatoriais convencionais, onde diferentes áreas
trabalham sem cooperação e troca de informações.
Vasconcelos (2002) conceitua a multidisciplinaridade como a justaposição de
disciplinas que não se comunicam. De acordo com Spink (2003), as equipes multidisciplinares
reproduzem a atuação isolada e hierarquizada das diversas profissões, o que se evidencia através
da hegemonia médica. “Frequentemente, portanto, as equipes acabam por perpetuar a
fragmentação do atendimento prestado ao paciente, adotando uma divisão tácita de
competências e práticas”.
A psicologia tem papel importante em todas as áreas da vida humana, seja no trabalho,
855
na família, nas relações sociais e principalmente em relação a saúde. De acordo com Campos
(1995), o psicólogo como profissional em promoção de saúde, “atua tanto na prevenção como
no tratamento”. (p.62)
Embora este promissor campo de atuação do psicólogo em hospitais tenha crescido a
partir dos anos 1990, ainda há uma carência de pesquisas que discutem o papel do psicólogo e
a relação com as equipes multidisciplinares. O psicólogo, enquanto membro da equipe de saúde
da instituição hospitalar atua como mediador do vínculo entre paciente e demais profissionais
que executam os procedimentos técnicos. Todavia, em prol do bem-estar dos pacientes, é
necessária a integração dos membros da equipe, através do diálogo e da troca informações. É
importante estar atento as demandas do paciente para que se defina o profissional De referência
para o atendimento (Saldanha et al., 2013).
Felício (2012) ressalta muito bem quando fala que, sendo assim a entrada do psicólogo
na equipe multiprofissional visa auxiliar a transformação cultural dos profissionais da saúde e
usuários do serviço. A partir de uma psicologia da saúde, o Psicólogo é capaz de agregar e
compartilhar saberes em busca da visão integral do sujeito, auxiliando na mudança do foco –
da doença para o indivíduo – focalizando a promoção e a promoção da saúde, para atingir
qualidade de vida. Porém é necessário resgatar as múltiplas dimensões de saúde e reformular a
postura da intervenção profissional, além de incorporar outros saberes para compor a produção
do cuidado com a saúde.
Toda a equipe de saúde acaba por ouvir as angústias e medos do paciente, porém é o
psicólogo que tem o olhar e atenção na escuta, desfazendo-se apenas da preocupação com o
quadro orgânico. A Psicologia Hospitalar, para Angermani- Camon (1996), “é o renovar da
esperança de que a dor seja entendida de uma forma mais humana”, de modo que se aprenda a
escutar os sentimentos trazidos frente às situações de dor física e sofrimento, da família que
sofre junto ao paciente, aos profissionais que se envolvem com a dor e também sofrem por
conta desse envolvimento.
Diante de todo o exposto, o presente estudo tem como objetivo analisar a produção
científica sobre a Psicologia na equipe multidisciplinar de saúde. Os objetivos específicos
voltam-se à análise da atuação da Psicologia com ênfase no atendimento clínico verificando a
articulação de sua práxis com a dinâmica de outras áreas de atendimento em saúde evidenciando
os aspectos intrínsecos à relação profissional.
Método
O presente trabalho trata-se de uma pesquisa de revisão integrativa da literatura, sendo
assim, não necessária à coleta de dados em campo. Trata-se de uma revisão integrativa, cujo
método de pesquisa constitui ferramenta importante, pois permite a análise de subsídios na
literatura de forma ampla e sistemática, além de divulgar dados científicos produzidos por
outros autores (Moon & Calabrese, 2008).
A revisão integrativa consiste no cumprimento das etapas: identificação do tema e
seleção da questão de pesquisa; estabelecimento dos critérios de elegibilidade; identificação
dos estudos nas bases científicas; avaliação dos estudos selecionados e análise crítica;
categorização dos estudos; avaliação e interpretação dos resultados e apresentação dos dados
856
na estrutura da revisão integrativa.
A operacionalização desta pesquisa iniciou-se com uma consulta aos Descritores em
Ciências da Saúde (DeCS), por meio da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), para conhecimento
dos descritores universais. Foram, portanto, utilizados os descritores controlados, em
português: “psicologia” e “equipe multidisciplinar”.
Para a realização das etapas seguintes desse trabalho, foram selecionados somente
artigos. Elencaram-se critérios de inclusão e exclusão. Como critérios de inclusão utilizaram-
se: artigos somente em português e como critérios de exclusão foram: artigos em línguas
estrangeiras que. Tudo isto, objetivando refinar a procura e detectar trabalhos publicados dentro
dos critérios estabelecidos, para assim obter resultados satisfatórios.
Por se tratar de um artigo de revisão de literatura, de acordo com a resolução de no
510/2016não houve necessidade de submissão do presente estudo ao Comitê de Ética em
Pesquisa (Conselho Nacional de Saúde, 2016).
Resultados e Discussão
Para a análise dos dados, foram encontrados 10 artigos a base de dados SCIELO, e 4
artigos no LILACS a partir dos critérios de inclusão e exclusão, produzindo uma amostra final
de 5 artigos. Após as leituras optou-se em organizar as informações dos artigos selecionados,
conforme mostra a tabela 1 a seguir:
Tabela 1
Classificação dos artigos selecionados de acordo com o título, autor, revista/ano objetivo
e resultados.
Título Autor Revista/ ano Objetivo Resultados
Atuação da Abordar o Foi observado
psicologia acompanhamen que a psicologia
hospitalar: o to ao paciente, no ambiente
cuidado com Oliveira, B. UNIFACS / família e hospitalar é de
crianças com D et al 2018 equipe de saúde extrema
a partir uma
Câncer, família e importância,
revisão
equipe atuando com o
narrativa da
multidiscipli-nar paciente, sua
literatura sobre
família e equipe
a atuação da
de saúde,
psicologia no
trabalhando o
contexto da
processo de
onco-pediatria,
aceitação do
adoecimento e,
857
em alguns casos,
o luto.
A Analisar a Encontramos as
multidisciplinarida produção seguintes
Mahmud, I. PAJAR/ 2018
de na visita científica da publicações: 22
C. et al
domiciliar a atuação do na Enfermagem,
idosos: enfermeiro, do 19 em Medicina
médico e do e 12 em
o olhar da
psicólogo na Psicologia. Após
Enfermagem,
visita a leitura completa
Medicina e
dos artigos
Psicologia domiciliar de
selecionados e,
idosos na
destes, optou-se
Atenção Básica
pela análise de 10
no Brasil.
estudos da área
da Enfermagem,
8 da Medicina e 4
da Psicologia.
Conhecer a Os resultados
percepção dos obtidos apontam
A percepção sobre Anjos Filho COMUNICAÇ
profissionais que, embora o
o trabalho em NC, Souza ÃO SAÚDE
integrantes da trabalho
equipe AMP EDUCAÇÃO /
equipe sobre o multiprofissional
2017
Multiprofissio-nal trabalho se apresente
dos trabalhadores multiprofission predominanteme
de um Centro al, nte valorizado,
especialmente ocorrem
de Atenção no que problemas de
Psicossocial em concerne aos conceituação e
Salvador, Bahia, aspectos que prática no interior
Brasil facilitam e da equipe, bem
dificultam esta como a
atuação. emergência de
críticas relativas
às condições de
planejamento e
gestão e ao
padrão de
investimento nas
estruturas físicas
do CAPS diante
da elevada
demanda do
público por este
858
serviço de saúde.
Contribuições da CORDEIRO Rev. Polis e Relatar a Neste contexto
Psicologia à , S.N, et al. Psique, / 2017 experiência da destacamos os
Residência inserção do desafios e as
Multiprofissional psicólogo em contribuições da
em Saúde da um programa participação do
Mulher: Relato de de Residência Psicólogo na
Experiência Multiprofission equipe
al em Saúde da multiprofissional,
Mulher. especialmente
quanto no
atendimento às
especificidades
da saúde da
mulher.
O Psicólogo SALDANH Rev. SBPH ( Investigar O estudo mostrou
Clínico e a equipe A, S. V. Sociedade como os que as equipes
multidisciplinar no Brasileira de profissionais da consideram o
Et al
Hospital Santa Psicologia saúde trabalho do
Hospitalar.) / entendem a psicólogo
Cruz
2013 atuação e as fundamental
funções do
para o
psicólogo no
entendimento do
hospital, bem processo saúde-
como conhecer doença, bem
o papel e a como para o
importância pacientes e seus
deste
familiares.
profissional na
composição da
equipe
multiprofission
al.
A partir do estudo dos artigos citados na tabela 1 Percebe-se que a primeira definição
acerca do trabalho multiprofissional caracteriza-se pela existência de uma
multidisciplinaridade, mas que, em alguns momentos, faz referência à pluridisciplinaridade pela
ocorrência de troca entre os integrantes da equipe. Quanto à segunda concepção, pode-se pensar
em características tanto da pluridisciplinaridade quanto da interdisciplinaridade, embora não
seja explicitado, nos relatos dos entrevistados, o nível de interação e integração entre as
disciplinas e novas produções a partir delas. Com relação ao desenvolvimento do trabalho
multiprofissional no serviço, dos 21 entrevistados, 15 avaliam o trabalho da equipe de modo
positivo e seis de modo negativo. Os profissionais que percebem positivamente relataram que
859
o trabalho multiprofissional acontece de forma integrada no cotidiano do CAPS, sendo mais
perceptível em momentos pontuais quando realizam atividades em que mais de um profissional
participa, tais como: visitas domiciliares, reuniões da equipe técnica e de miniequipe de
referência, acolhimento, grupos e oficinas terapêuticas, entre outros. (Filho &Souza, 2017).
Salienta-se que há uma dificuldade em trabalhar em equipe, porém, é importante ver o
quanto um completa o outro. Diante disso, vê-se o quanto é importante que cada profissional
da equipe busque essa compreensão, de trabalhar em equipe, para somar e contribuir para a
melhoria do atendimento na saúde.
Cordeiro et al, (2017) traz em seu estudo que o programa multiprofissional desenvolvido
nos dois primeiros anos foi o projeto Na Medida, que teve o objetivo de atender mulheres em
idade reprodutiva com doenças cardiovasculares e metabólicas, para que tivessem mudanças
significativas na qualidade de vida, que seriam advindas da reeducação alimentar, prática de
exercícios físicos e aspectos gerais da saúde da mulher. Houve uma preocupação especial das
residentes de Psicologia em acompanhar as mulheres durante a realização do programa e
considerar os aspectos afetivo-emocionais que estão presentes nesses casos. A intervenção da
psicologia foi relevante para esse trabalho pois pôde contribuir no processo de ressignificação
de como a obesidade e a relação desses sujeitos com o mundo, e ainda levar aos outros
profissionais a preocupação com os aspectos emocionais envolvidos no processo almejado
(Gromowski, Cordeiro, Naves, & Carreira, 2016).
O psicólogo hospitalar contribui no processo de humanização dos pacientes internados,
assim como no processo de evolução do quadro clínico e emocional, verificando suas condições
e de seus familiares. Enquanto membro da equipe de saúde desta instituição, também faz parte
de seu papel mediar o vínculo entre paciente e demais profissionais que executam os
procedimentos técnicos, porém é preciso tomar cuidado neste lugar para não posicionar-se a
favor de alguém, pois seu objetivo é entender os processos psíquicos e sociais dos pacientes. O
psicólogo está em constante desafio e aprendizado fazendo parte desta equipe, ele deve ser
respeitado dentro da equipe e sua presença tem de ser solicitada adequadamente e sua opinião
considerada (Waisberg, et al. 2008).
Já no âmbito de unidade básica, o psicólogo enquanto equipe multidisciplinar, é uma
ferramenta indispensável no cuidado. Mahmud et al, (2018) complementa que O objetivo do
psicólogo durante a atenção domiciliar é capacitar as famílias a utilizarem seus recursos para a
resolução dos problemas enfrentados, garantindo maior autonomia aos sujeitos envolvidos.
Entretanto, tal modalidade não é tradicionalmente ensinada nos cursos de psicologia, o que traz
mais dúvidas e insegurança para a prática profissional.
Não podemos partir do pressuposto de que todos os pacientes com doenças crônicas e
dependentes necessitem de tratamento psicológico, assim como seus cuidadores e demais
familiares, visto que muitos se valem de mecanismos de defesa eficazes para lidar com a
situação em que se encontram. Percebe- se com frequência a racionalização em relação ao que
é vivenciado e observa-se o importante papel suportivo desempenhado pela religião na vida
dessas pessoas. Além disso, nem sempre a presença do psicólogo na casa é requerida pelo
próprio paciente.
Assim, Cordeiro et al, (2017) conclui que observou-se que na formação acadêmica dos
860
profissionais da área de saúde o conhecimento sobre a atuação em equipe multiprofissional era
superficial. Entretanto, o contato, diário e intenso, com os diferentes profissionais possibilitou
conhecer melhor a função de cada área e apreenderem um fazer multiprofissional singular. Por
outro lado, o curto período de tempo em cada setor hospitalar não favoreceu maior interação
com os profissionais já estabelecidos nesses locais.
Considerações Finais
Observa-se que a atuação do psicólogo no hospital é de extrema importância para a
tríade paciente-família-equipe. A psicologia tem um olhar diferenciado, auxiliando no processo
de adoecimento, oferecendo suporte necessário para a criança adoecida, seus
familiares/responsáveis e equipe de saúde, favorecendo maior conforto e segurança para
enfrentamento da doença e suas repercussões. Vale salientar que o acolhimento psicológico
envolve compreender o adoecimento e os impactos causados pela doença.
Foi possível compreender o que a equipe multiprofissional entende o papel da psicologia
tanto no hospital quanto na unidade básica de saúde, verificar como os profissionais se reportam
a este serviço na instituição. No acesso aos profissionais, foi possível observar que a equipe
está em constante transformação, modificando-se, disposta a receber novos instrumentos que
possam aprimorar o ambiente de trabalho e principalmente visando o bem-estar dos pacientes
e seus familiares.
O estudo mostrou o quanto o psicólogo vem somar nessa equipe, com um olhar
diferenciado, visando o paciente como um todo, e não apenas sua patologia, estendendo o
cuidado e atendimento, quando necessário, à família. Vê-se que existe a necessidade da inclusão
desse profissional na equipe, seja na Unidade básica, ou hospital.
A escuta qualificada e o olhar holístico, configuram o tratamento diferenciado, a busca
pela cura do indivíduo, não só física, mas psíquica, buscando compreendê-lo como um todo.
Por isso foi possível identificar a importância do trabalho do psicólogo junto a equipe
multiprofissional. A flexibilidade e o amadurecimento profissional conquistado nessa
experiência favoreceu o trabalho das diferentes áreas, de modo a aumentar a qualidade dos
atendimentos as pacientes, bem como melhorar as relações existentes entre residentes e
profissionais dos serviços de saúde. Desta maneira, como apresentado neste estudo, a formação
multiprofissional contribui para o desenvolvimento de profissionais que operam no referencial
científico utilizando o recurso do pensamento crítico, com atitudes interdisciplinares e
humanizadas, contribuindo para o atendimento integral, universal e humanizado preconizado
pelo SUS.
Enfim, evidencia-se a importância de novas pesquisas, tendo em vista a
multidisciplinaridade, as quais discutem a importância da visita familiar no processo dos
serviços de saúde.
Referências
861
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XVII Sepa - Seminário Estudantil de Produção Acadêmica (2018). UNIFACS.
EIXO 15
862
Psicologia Escolar e Educacional: os diversos fazeres educativos no
contexto brasileiro e latino
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO ESCOLAR E ADOLESCÊNCIA ATÍPICA:
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA.
Louanne Sousa Silva
Jessyca Rodrigues Melo
Introdução
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), de acordo com o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtorno Mentais (DSM-V), é caracterizado pelo prejuízo persistente na
comunicação e interação social em diversos contextos, podendo estar presente no
desenvolvimento das habilidades sociais em diversas maneiras. Ou seja, pessoas com o TEA
podem manifestar dificuldades persistentes nos aspectos que envolvem o comportamento
verbal ou não verbal bem como na compreensão, no desenvolvimento e na manutenção das
habilidades sociais que são fundamentais para a interação e comunicação social. Além disso, o
diagnóstico para este transtorno exige a presença de padrões restritos e repetitivos de
comportamentos, interesses e atividades. Seja manifesto pelo hiperfoco em determinado
assunto ou pela repetição de um som, movimento ou ação.
Neste sentido, com o advento da reforma psiquiátrica e a intensificação da luta
antimanicomial profissionais como psiquiatras, psicólogos, psicopedagogos entre outros,
buscam alternativas que possam inserir cada vez mais as crianças neuro-atípicas no contexto
educacional inclusivo, como promoção de saúde e inserção social. Pitiá e Furegato (2009)
apontam a principal mudança no contexto da atenção psicossocial, bem como na atuação destes
profissionais, em que a doença deixa de ser o fator preponderante no que diz respeito às
prescrições de remédios e terapias degradantes. Direcionando a prática profissional para os
cuidados na qualidade do tratamento oferecido, bem como o cotidiano, do espaço, trabalho,
lazer e espaço que logo seriam ocupados por pessoas em sofrimento mental.
As diretrizes e estratégias de atuação na área de assistência à saúde mental no Brasil
envolvem o Governo Federal, Estados e Municípios. Os principais atendimentos em saúde
mental são realizados nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), onde o usuário recebe
atendimento próximo da família, através da assistência multiprofissional e do cuidado
terapêutico conforme seu quadro de saúde. Nesses locais também há possibilidade de
acolhimento noturno ou cuidado contínuo em situações de maior complexidade.
O acolhimento de usuários e familiares é uma estratégia de atenção fundamental para a
identificação das necessidades assistenciais, alívio do sofrimento e planejamento de
intervenções medicamentosas e terapêuticas, que garantam a integridade física, mental e social
dos mesmos. Os indivíduos em situações de crise podem ser atendidos em qualquer serviço da
Rede de Atenção Psicossocial, formada por várias unidades com finalidades distintas, de forma
integral e gratuita, pela rede pública de saúde. Atualmente essas unidades são divididas em:
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); Urgência e emergência: SAMU 192, sala de
estabilização, UPA 24h e pronto socorro; Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); Unidades
863
de Acolhimento (UA); Ambulatórios Multiprofissionais de Saúde Mental; Comunidades
Terapêuticas; Hospital-Dia e Enfermarias Especializadas em Hospital Geral.
O Acompanhante Terapêutico (AT), considerado como o agente de assistência intensiva
para a inserção de pessoas com deficiência ou neuro-atípicas, destina sua atuação a casos em
que ocorrem instabilidades nas relações sociais, dificuldades no manejo de atividades rotineiras,
isolamento ou exclusão (Vasconcelos, Machado & Mendonça Filho, 2013). Ou seja, o contexto
do tratamento deixa o caráter institucionalizado e passa a incorporar o ambiente que interage
constantemente com paciente.
No âmbito educacional, Fraguas e Berlink (2001) elencam a inserção do AT no
ambiente escolar com o objetivo de integrar a criança nos grupos sociais e envolver nas
atividades propostas pela escola, não obstando da adaptação para cada incapacidade e limitação.
Este acompanhamento deve ser realizado tanto na escola como em outros espaços que
envolvam o aluno. Os autores expõem também que inicialmente as escolas consideravam as
atividades dos ATs como adaptativas para a aprendizagem atípica, e não necessariamente
terapêutica, o que evidentemente foi dissociado, pois logo puderam ser observadas claras
mudanças no quadro clínico das crianças que tiveram acompanhamento terapêutico escolar.
Araújo (2005) por sua vez traça um percurso histórico na nomenclatura dessa atividade
de acompanhamento terapêutico, que se inicia a partir das contribuições da obra de Mauer e
Resnizky (1985): Acompanhamento Terapêutico e pacientes psicóticos, que traz consigo os
primeiros registros a respeito do AT. Intitulado inicialmente como “amigo qualificado” a
nomenclatura é bastante discutida pelo autor e as implicações sobre o vínculo que se constrói
entre acompanhante e paciente. O presente relato visa, portanto, estabelecer as discussões
vivenciadas por uma acompanhante terapêutica de uma criança de 12 anos, em uma escola
particular de educação regular no Estado do Piauí. Evidenciando as transformações inerentes a
idade de transição (infância-adolescência), bem como ao processo educacional e no
comportamento social observados durante um ano de acompanhamento.
Método
O presente trabalho trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência
realizado a partir da atividade de acompanhante terapêutico com um adolescente de doze anos,
diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista, em uma escola privada na cidade de
Teresina. Durante o tempo de acompanhamento escolar foi utilizado o diário de campo e tabelas
com os comportamentos mais frequentes, visando o controle dos dados para uma maior eficácia
do trabalho realizado. Os diários tiveram por objetivo registrar os acontecimentos e informações
coletadas, como palavrões utilizados, assunto ou atividade que recebeu o foco de atenção do
aluno, interação com colegas, nível de atenção nas aulas e execução de atividades e trabalhos
propostos.
Já as tabelas foram desenvolvidas após três meses de convívio e trabalho com a criança,
elencando os padrões comportamentais: xingar, ameaçar ou brigar com colegas, interagir
assertivamente com colegas, isolar, responder atividades de classe, interagir com professores e
com o conteúdo ministrado.
Portanto, após a análise dos documentos utilizados foi observada a evolução nos padrões
864
comportamentais no que diz respeito a sociabilidade, habilidades sociais e comportamento
assertivo na interação entre pares. Por outro lado, foi observado um acentuado desinteresse
pelas atividades realizadas em sala de aula, principalmente em copiar resumos e responder
atividades, embora o aluno estivesse atento em algumas partes da explicação do conteúdo.
Outro aspecto observado foi que o principal foco do aluno estava em desenhar durante as aulas.
865
explicação e dissociação da doença da raiva e mordida, dissociação com a interação papel e
saliva e por fim comportamentos assertivos em grupos de interesse comum. A partir disso,
observei durante quatro semanas que o aluno persistia na história de morder e transmitir a raiva,
para intervir nesse comportamento me informei sobre a doença, estudei os pontos principais e
na oportunidade em que ele expressasse novamente, eu instigaria. Na primeira oportunidade
em que ele manifestou a verbalização de querer morder um colega, logo expliquei o que era a
raiva e que ele não apresentava nenhum dos sintomas e complicações existentes em casos
diagnosticados, como as alterações no Sistema Nervoso Central, febre, ansiedade e
hiperexcitablidade.
Com argumentos válidos, paciência e persistência a mudança comportamental pôde ser
atingida, pois nenhuma intervenção fora eficaz de tal maneira que desconstruísse a ideia
fantasiosa de um humano carregar o vírus e não possuir nenhum dos sintomas que são
característicos da doença. A extinção desse repertório se deu por completa, pois a cada
manifestação eu relembrava das evidências contrárias à afirmação. A segunda intervenção
realizada foi um treino de repetidas vezes, que consistia em pegar antes dele as bordas
destacáveis da folha de caderno ou todo pedaço de papel que estivesse próximo, antecipando
com as ações de amassar e jogar no cesto de lixo. Quando eu não conseguia pegar antes o papel,
direcionava a ordem “Ei XX o papel é no lixo”, “Amassa e joga no lixo”. Após cada reprodução
do comportamento alvo, eu elogiava e no intervalo presenteava com um chocolate. Em seguida
os comandos foram reduzidos à palavra “Lixo” e seguido do gesto do meu indicador para o
lixo. Após algumas intervenções eu já não verbalizava, apenas olhava para ele e para o papel e
assim ele completava a ação.
Por fim, um dos aspectos trabalhados com a criança estava na assertividade ao se
comunicar e se relacionar com alguns colegas. Observei que a AT anterior trabalhou este
quesito, conversando com os colegas em que o aluno demonstrava interesse, para que os
mesmos interagissem e acolhessem mais nos assuntos e nas brincadeiras. Ainda assim, percebi
que não tinha sido efetivamente uma medida resolutiva, pois o aluno ainda se sentia excluído
do grupo, o que era visivelmente percebido por mim. Então, aproveitando um momento
oportuno em que ele manifestou indignação conversei sobre amizade e sobre respeito. A
reflexão baseava-se na proposta que os amigos são atraídos por assuntos em comum, mas
também por respeito nas diferenças de cada um. Além disso, precisávamos saber se os amigos
estavam sendo legais e se nós estávamos sendo legais com os amigos. Alguns comportamentos
afastavam, outros aproximavam. Simulei uma situação com duas ações: Um amigo seu chega
e fala que não está bem e aconteceu algo chato. Um bom amigo apoiaria e diria coisas legais
como “eu posso ajudar você, você não está sozinho”, um amigo descuidado não ligaria para
situação e apenas ignorava a tristeza do amigo.
As seguintes situações puderam ser atingidas com sucesso, pois muito mais do que
comandos repetitivos, a relação entre terapeuta e aluno foi pautada no respeito e no vínculo de
amizade construído, transmitindo segurança, confiança e carinho. Aspectos importantes para
que, um comando, um reforço ou uma contingência sejam, efetivamente influentes no processo
de mudança comportamental. Principalmente quando os ganhos ou consequências atingem os
interesses da criança diretamente. Estar com amigos era algo que ele desejava, por isso foi
importante a resposta positiva para alguns comandos. Manter uma boa relação com a AT que
entendia boa parte do seu universo, respeitava seus limites e seu espaço era um fato notável que
despertava interesse, do contrário jamais teria tido respostas tão satisfatórias na mudança de
866
alguns comportamentos.
A partir disso, o presente relato reflete no compromisso em que o AT escolar possui
dentro da relação terapêutica com seu aluno. Construir uma boa relação, um vínculo de
confiança e respeito é crucial para a obtenção de resultados positivos e benéficos para o
desenvolvimento de crianças atípicas. Repetir figuras autoritárias e punitivas, não poderão
assegurar totalmente o trabalho eficaz de um acompanhante que atua prioritariamente na
evolução do aluno dentro do contexto da aprendizagem, da sociabilidade, do comportamento
verbal, pró-estudo ou qualquer que seja a demanda observada e solicitada.
Referências
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Fraguas, V. & Berlinck, M. (2001). Entre o pedagógico e o terapêutico:Algumas questões
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ESTRESSE EM ADOLESCENTES: UM OLHAR PARA O PROCESSO DE
867
APRENDIZAGEM EM ALUNOS DA 2ª SÉRIE “E" DO ENSINO MÉDIO
Introdução
O presente trabalho relata a experiência de um projeto de extensão realizado por
acadêmicos do 5° período de Psicologia da Unisulma/IESMA, este denomina-se como ADDA
(Aprender para Desenvolver/Desenvolver para Aprender) e buscou a compreensão do
processo de aprendizagem em relação às situações emergenciais apresentadas pelas turmas de
ensino médio escolhidas do Centro Educacional Graça Aranha em Imperatriz-MA.
Como percurso metodológico foram feitas observações em campo e entrevistas com
gestor e professores. A partir dessas informações coletadas junto aos protagonistas do
ambiente escolar, foi identificada a necessidade de um olhar voltado para o estresse nos
estudantes da 2ª série “E’’. Isso porque foi percebido que os adolescentes estavam passando
por um processo de crescimento e solicitações no âmbito social e escolar atenuantes,
agregados a fase mutacional da adolescência e somados a uma antecipada preocupação com
o vestibular no ano posterior. Assim, tornou-se necessário a abordagem da temática com o
objetivo geral de discutir sobre o estresse na adolescência e a interferência no processo de
aprendizagem escolar dos alunos.
Mediante a esse contexto, se tratando do adolescente contemporâneo, o próprio
encontra-se em um período de diversas mudanças, os quais engloba o físico, cognitivo e
psicossocial, constituindo-se como a fase que oferece ao adolescente oportunidades de
crescimento e o expõe, de maior forma, a fatores estressores (Papalia & Feldman, 2013).
Dessa forma, o estresse é uma interação entre o indivíduo e o mundo em que ele está inserido,
constituindo-se em casos mais brandos como fator protetivo. Portanto, o estresse envolve
componentes físicos, mentais, hormonais, psicológicos em qualquer situação que produza
desgaste (Lipp & Tricoli, 2014).
Este preparo fisiológico para agir contra o estressor de modo físico é altamente
negativo para o homem do século XXI, pois, devido à sofisticação atual, torna-se
necessário enfrentar nossos oponentes com habilidades sociais. A ênfase é na
competência social, na assertividade, e não mais na força física, portanto é
importante aprender a reduzir a excitabilidade orgânica originada do stress e
desenvolver técnicas ou estratégias mais atuais e socialmente aceitas para lidar com
868
os embates da vida (Lipp & Tricoli, 2014, p.16).
Método
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, tipo relato de experiência, onde se utilizou da
metodologia da problematização para verificar a demanda emergencial para atendimento dos
participantes. Tal proposta propiciou aos alunos de Psicologia a observação e análise da
realidade educacional no Centro Educacional Graça Aranha, a partir de instrumentos como
entrevista semiestruturada com os gestores e professores, análise do Projeto Político
Pedagógico (PPP), observação do espaço escolar e sala de aula para levantamento de dados e
por fim, sugestão dos alunos sobre as demandas emergentes da turma da 2ª série “E”,
constituída por 40 adolescentes. A partir das informações levantadas foi elaborado o Plano de
Ação com objetivos e metodologias que viessem colaborar diretamente no alcance de resultados
satisfatórios junto aos alunos. Feito isso, o tema escolhido foi Estresse em Adolescentes: Um
olhar para o processo de aprendizagem.
O Projeto ADDA ocorreu no Centro de Ensino Graça localizado na Rua 13 de Maio, s/n
– Centro, cidade de Imperatriz-MA, às quintas - feiras pelo turno matutino, das 07h30min ás
11h00min entre os meses de setembro e novembro, totalizando sete visitas ao total, com início
no dia 5 de Setembro de 2019 ao dia 21 de Novembro de 2019. Dessa forma, após três visitas
técnicas, os quatros dias de intervenção foram distribuídos em rodas de conversa sobre a
temática, dinâmicas com o objetivo de reflexão sobre fatores sociais estressores, atividades com
promoção de empatia e exercícios de relaxamento.
Resultados e Discussão
869
estudantes uma caixa com perguntas norteadoras que envolviam: Definição de estresse,
sintomas físicos e mentais, agravamento do estresse, fatores externos e internos, como
prevenir e como lidar com o estresse na adolescência. Dessa forma, os alunos tiveram a
oportunidade de tirar uma pergunta norteadora de dentro da caixinha e falar, de acordo com
seu entendimento, sobre o assunto em questão. Vale lembrar que ao final de cada
questionamento havia o esclarecimento da temática feita por algum integrante ADDA.
Foi possível perceber a identificação da turma com o tema. Mostraram-se muito
interessados e participativos, compartilhando exemplos vividos por eles. Ganhou destaque
nas discussões, os fatores externos causadores de estresse, definidos por Lipp e Tricoli (2014)
como provenientes:
870
seus amigos estava em uma posição diferente. Por fim, todos teriam a oportunidade de correr
para pegar o prêmio que se encontrava a frente, no entanto, era claro que uns teriam mais
privilégios que outros por conta de sua posição. Ao ser dada a largada, alguns correram, outros
se sentiram desestimulados e permaneceram no lugar e outros por estarem muito atrás, não
conseguiram chegar a tempo.
Sentados e em círculo, o segundo momento foi uma roda de conversa atrelado ao
feedback da atividade. O fato de a dinâmica trabalhar aspectos muito íntimos deixou grande
parte deles introspectivos e pensativos em primeiro momento. No entanto, refletiram sobre
meritocracia, entenderam os inúmeros desafios sociais, econômicos, familiares e orgânicos que
excedem ao contexto de sala de aula e que possuem forte relação com o processo de
aprendizagem.
Sobre questões sociais e a influência na aprendizagem, é preconizado nos estudos de
Ferreira & Marturano (2002, p. 39) que “crianças provenientes de famílias que vivem com
dificuldades econômicas e habitam em comunidades vulneráveis, tendem a apresentar mais
problemas de desempenho escolar e de comportamento”.
Ainda sobre a influência do meio no desenvolvimento e na aprendizagem, é importante
pontuar os estudos de Vygotsky ao mencionar que o sujeito e o ambiente influenciam-se
mutuamente (Vygotsky, 1991). Tendo em vista a importância do contexto na formação do
indivíduo, é relevante que a escola assuma responsabilidades que vão além do ensino. Quanto
a isso, Brito, Arruda & Contreras (2015) discutem sobre “inclusão excludente” presente em
muitas escolas quando se é colocado todos os alunos no mesmo patamar avaliativo,
desconsiderando as desigualdades sociais e favorecendo aqueles que possuem mais méritos e
que são mais bem “dotados” intelectualmente. Dessa forma, a escola deve adotar uma posição
importante de mediação ao formar alunos com criticidade e autonomia para transformar sua
condição social.
No dia 14 de Novembro de 2019, a terceira intervenção teve como objetivo trabalhar o
desenvolvimento de habilidades que envolvessem a compreensão do próximo, empatia e
acolhimento nos momentos de estresse. Para isso, a atividade proposta foi a “troca de um
segredo” em que os alunos, anonimamente, colocaram em um papel uma dificuldade ou desafio
que estavam passando, a fim de outro colega oferecer um conselho.
Os alunos foram extremamente participativos, sendo assertivos nas falas e quando
necessário recebiam uma complementação de um integrante ADDA. Foi possível perceber que
muitos desabafos presentes nos papeis eram decorrentes de problemas de dentro da própria
turma. Dessa forma, haviam queixas de brincadeiras com a aparência física, pessoas revelando
que se sentiam sozinhas e outros confessando medo em revelar a opção sexual para os colegas
de turma. Também houve recados inesperados, como revelação de gravidez, dificuldades com
drogas, problemas familiares graves e situações depressivas.
Essa atividade teve uma proporção que exigiu um manejo minucioso do grupo ADDA,
uma vez que os próprios alunos se surpreenderam com os problemas vivenciados pelos colegas
de sala mesmo convivendo diariamente. Além disso, puderam refletir sobre problemas na turma
que estavam mascarados, como bullying, medo de discriminação, insegurança e solidão.
Em suma, ao final da dinâmica, alguns alunos demonstraram-se solidários, afirmando
871
que podiam contar uns com os outros e propondo melhores formas de relacionamento. Dessa
forma, puderam perceber o impacto que as brincadeiras mal pensadas e as ações, sejam
vivenciadas por eles, sejam ocasionadas por eles, afetam nas relações, bem como interferem na
elevação do nível de estresse, nas escolhas e nos processos de aprendizagem.
Vygotsky (1991) em seus estudos conceituou sobre a Zona de desenvolvimento
proximal, enfatizando sobre as aprendizagens do indivíduo serem sempre mediadas pelo outro.
Nesse sentido, não há como aprender sem a influência de outro mediador. Sobre essa relação,
Vygotsky pontuou como Desenvolvimento Potencial as atividades que o sujeito consegue
desenvolver com a ajuda seja do professor, seja de outro colega mais habilidoso. Portanto, em
sala de aula é necessário uma relação aluno-professor e, sobretudo, aluno-aluno de harmonia e
cooperação.
A última intervenção do Projeto ADDA ocorreu no dia 21 de Novembro de 2019 e foi
dividida em três momentos. O primeiro objetivou-se um momento de relaxamento, em que foi
apresentado a eles a técnica mindfulness, definido por Kabat-Zinn (1990) como citado em
Vandenberghe & Sousa (2006) como uma forma específica de atenção plena – concentração no
momento atual, intencional, e sem julgamento. Dessa forma, é uma técnica muito utilizada para
redução de estresse e ansiedade, sobretudo, na área clínica, pois trabalha também a respiração
por meio do diafragma.
Sentados no chão e em círculo, os alunos foram convidados a fecharem os olhos e a
seguirem as instruções. Foi colocada uma música instrumental em volume baixo e parte das
luzes foram apagadas a fim de relaxarem. Por conseguinte, os alunos seguiram instruções como
“coloque a mão sobre o abdômen para sentir a movimentação abdominal durante a respiração”,
“evoque lembranças ou expectativas positivas quanto ao futuro” e “concentrem-se no seu corpo
e nas emoções presentes nele”. A turma participou prontamente de todos os comandos e ao ser
finalizado afirmaram que se sentiram relaxados e com vontade de dormir.
O segundo momento consistiu na entrega de folder explicativo sobre estresse na
adolescência, em que sintetizava definição de estresse, fatores externos e internos, como lidar,
como prevenir e a relação com o processo de aprendizagem. Em seguida, foi feita uma leitura
dinâmica em que um iniciava e o outro prosseguia. Mesmo sendo uma breve revisão, os alunos
mostraram-se ativos, relembrando as explicações e os exemplos dados.
O terceiro momento consistiu em um feedback oral com a turma sobre os dias de
intervenção. Revelaram que a temática foi crucial para a compreensão de muitas situações que
aconteciam com eles e por meio das atividades passaram a compreender também os colegas de
turma. Um ponto importante que foi possível notar na fala de muitos deles é que ao chegar em
casa ficavam pensativos, pois algumas dinâmicas os incomodaram, positivamente, de forma
profunda.
Por fim, para celebrar a finalização das intervenções, o último momento consistiu em
um café da manhã organizado pelo grupo ADDA em colaboração com a turma. Foi uma ocasião
memorável, todos felizes e demonstrando a todo instante agradecimento e carinho pelas
integrantes do projeto.
Considerações Finais
872
Diante do que foi observado em campo, é necessário que se tenha um olhar mais atento
e humanizado aos adolescentes dentro do âmbito escolar, uma vez que estão passando por um
processo de crescimento social, autoconhecimento, desenvolvimento físico e cognitivo e por
uma intensa preparação para vestibular. Dessa forma, há de se considerar fatores estressantes
tais como cobrança excessiva, conflitos em relacionamentos, medos e outras condições que
podem causar adoecimento mental. Em face a essa realidade, o âmbito escolar deve ser um
ambiente acolhedor, abrindo espaço para que os alunos tenham uma participação mais ativa,
trabalhando suas percepções de mundo, seus sentimentos e essencialmente sua saúde mental.
Vale ressaltar também, a importância da experiência do Projeto ADDA para a formação
do profissional em psicologia, contribuindo com conhecimentos de técnicas diferenciadas e
dinâmicas, tendo contato com a subjetividade de cada um, escuta e empatia, pondo em prática
conhecimentos científicos adquiridos ao longo da vida acadêmica.
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FACES E INTERFACES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O TRANSTORNO DO
873
ESPECTRO AUTISTA (TEA) ENTRE CRIANÇAS ESCOLARES
Introdução
O psiquiatra austríaco Leo Kanner (1943), com o artigo “Autistic disturbances of
affective contact", na revista Nervous Children, apresentou uma nova síndrome a que chamou
de “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo”, para descrever relacionamentos de infantes com
peculiaridades de comunicação oral frágil ou inexistente, além de comportamentos inadequados
e repetitivos. Kanner, assim, foi responsável por associar o Transtorno do Espectro Autista
(TEA) as psicopatologias do desenvolvimento, quando incialmente a considerava como uma
doença relacional, com o foco na relação mãe e bebê, originando a expressão “mãe geladeira”.
Porém, esta ideia foi descartada após evidências de que o autismo se origina de uma ordem
multifatorial, com etiologias variáveis e de origem neurológica (Cunha, 2012; Moreira, 2005).
O Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders), o DSM-V (APA,2013), apresenta o autismo como um
transtorno neurológico com caraterísticas de dificuldades na comunicação e socialização; além
de comportamento repetido e considerado inadequado. Com isso as pessoas com autismo
demostram limitações na perspectiva cognitiva de funções executivas, principalmente, em um
conjunto neurológico que dificulta as ações pessoais de organização e planejamento, em que há
uma continência dessas pessoas, para começar uma atividade, continuar e finalizar alguma
situação. De modo que as crianças portadoras do TEA, não apresentam diferenças físicas
quando comparadas com as demais; entretanto exibem algumas diferenças quanto ao
comportamento, como chamar a atenção das pessoas as quais se relacionam (exemplo,
familiares e professores), ou podendo isolar-se “dentro do seu próprio mundo”, indo de
hiperativas a muito passivas, com uma personalidade inconstante (Brasil, 2003; Silva, 2012).
Assim, acabam por apresentar-se com diferenças de funcionamento social e pessoal, que
por conseguinte afetam a adequação ao ambiente escolar, quando há déficits de memória,
linguagem e percepção. Apesar de reconhecidas essas limitações, as crianças autistas
enquadram-se na Declaração de Salamanca (1994) que reforça que toda criança tem direito
fundamental à educação, abordando também aqueles, com necessidades educacionais especiais,
proporcionando o direito e acesso à escola regular, constituindo os meios mais eficazes de
combater atitudes discriminatórias; construindo, assim uma sociedade inclusiva e alcançando a
educação para todos. Nesse intuito, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva, portaria nº 555/2007, prorrogada pela portaria 948/2007, “tem como
objetivo assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação [...]” (Brasil, 2008, p.15). A vista que Hattge
874
e Klaus (2014, p.330) abordam que os processos inclusivos vinculados à socialização estão
intrinsicamente vinculados ao papel da escola,
No Brasil, de acordo com Bragin (2011), a integração dos alunos com autismo, assim
como outras deficiências, foi ofertado, a princípio, a partir da educação especial, através de
instituições especializadas decorrentes das transformações nas políticas educacionais.
Atualmente, a Lei nº 12.764/2012 - Lei Berenice Piana, reforça a Política Nacional de Proteção
dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, assegurando o acesso a um sistema
de educação inclusiva em todos os níveis de ensino e assistência por profissionais capacitados
no desenvolvimento de atividades inclusivas.
Entretanto, de acordo com Mello (2007), é provável que muitos alunos com autismo,
vivenciem inúmeras dificuldades e diferenças no ambiente escolar, sendo, por vezes, rotuladas
como indisciplinadas, desorganizados, sem limites e lentas. Dessa forma o aluno autista,
conforme Baptista e Bosa (2002), pode acabar apresentando ausência de respostas e
compreensões, ocasionando uma atitude de isolamento e recuo proposital, evidenciando a falta
de compreensão do que está a sua volta e que influencia a interação com outras crianças, virando
uma ação rotineira.
Fatos a que Bereohff (1991) já reforça que cabem atenção durante o processo de
educação de uma criança autista, devendo-se levar em consideração a falta de interação com os
outros colegas, comunicação precária, dificuldades na fala e as mudanças de comportamento.
De forma que o educador, assim, tem uma importância significativa para o aluno, afinal serão
eles os responsáveis por desenvolver oportunidades e habilidades para as crianças, assim elas
se sentirão mais seguras e com confiança no professor, o que recai sobre a escola promover a
inclusão do autista por meio de educadores com formação especializada, para que possam
reconhecer as características e as possibilidades de atuação destas crianças (Silva &
Brotherhood, 2009).
Dessa forma, o ambiente apropriado, ou sejam com uma boa estrutura física e
profissional proporciona uma condição adequada à inclusão, possibilitando um rendimento
maior no desenvolvimento, melhorando o ambiente para todas as crianças (Camargo & Bosa,
2009). Assim, os sistemas de ensino devem organizar as condições de acesso aos espaços, aos
recursos pedagógicos e a comunicação que favoreçam a promoção da aprendizagem e a
valorização das diferenças, de forma a atender as necessidades educacionais de todos os alunos,
ainda que com falta de recursos, podendo o educador utilizar de recursos simples (por exemplo,
materiais recicláveis) para garantir o acesso do aluno à aprendizagem (Brasil, 2012).
O professor, assim, de acordo com Mello (2007), pode melhorar o desempenho da
criança com autismo, quando esta percebe e sente uma aproximação do educador. Além disso,
pode promover atividades em grupo, que os permitam aprender, por exemplo, a esperar a vez,
pedir ajuda, e dialogar na hora do recreio. Em virtude disso, Silva (2012) afirma que o educador,
em sua prática pedagógica, exerce uma fundamental contribuição no desenvolvimento social
de alunos com autismo através de utilização de todos os recursos disponíveis relacionados à
socialização, aquisição de linguagem e comunicação, e adequação de comportamentos, para
possibilitar o desenvolvimento desse aluno. O professor promove a socialização das crianças
de maneira estimuladora promovendo a linguagem e comunicação.
De acordo com Carothers e Taylor (2004) existem algumas técnicas que têm certa
875
eficácia para a aprendizagem de crianças autistas. As técnicas de aprendizagem se utilizadas de
maneira adequada podem fazer muita diferença na vida dessas crianças, como modelagem
através de gravação de vídeo, rotina de atividades pictográficas, participação e orientação de
Colegas. Assim, é relevante que o educador seja realista quanto às dificuldades de seu aluno
especial, quando um dos maiores problemas, em geral, é a dificuldade de envolvimento desse
aluno com os colegas. Este envolvimento não deve ser obrigatório, mas deve ser estimulado, e
incentivado, por meio de algumas estratégias. Desse modo, Vygotsky (1991) afirma que uma
criança portadora de deficiência não é, portanto, uma criança menos desenvolvida que outras,
consequentemente ela se desenvolve de maneira diferente. Nesta mesma perspectiva, Cruz
(2014) ressalta a importância de não expor apenas às dificuldades, ou seja, as falhas no ensino
e aprendizagem é preciso evidenciar os fatos, considerando os casos como fonte de amostra
para novas ideias, possibilitando caminhos alternativos; propiciando, assim, possibilidades que
supram a ausência de aprendizagem dos alunos com autismo na busca coletiva por meios
eficazes; renovando a prática educativa para facilitar aprendizagem de maneira prazerosa na
qual o aluno sinta se à vontade, além de desperta o interesse nele.
Diante do exposto acima, espera-se com o presente trabalho aprofundar a literatura
vigente quanto a educação inclusiva à crianças com TEA. Diante que a escola não restringe-se
apenas ao ambiente físico, mas enquanto meio de transformação psicossocial, principalmente
quando trata-se dos diferentes atores que nela habitam. Sendo um espaço com escopo para
estudo de disciplinas diversas, inclusive a Psicologia, a vista do imbricamento entre
desenvolvimento e aprendizagem, bem como ante a necessidade de maiores subsídios teóricos
e metodológicos aos profissionais inseridos nesse ambiente.
Método
O presente trabalho tem por objetivo realizar uma busca sistemática de artigos
indexados na base de dados Scielo, entre os anos de 2014 a 2019, sobre o tema Educação
Inclusiva de crianças Autistas; para isso usou-se como descritores: Autist* e Educação. Essa
análise permite verificar a realização da inclusão de crianças autistas nas escolas e as principais
dificuldades enfrentadas pelos professores no que se refere à inclusão desses alunos na
instituição de ensino. As publicações de artigos indexadas para a amostra passaram por uma
leitura prévia, sendo analisados fazendo uso dos seguintes critérios de inclusão: I) Idioma de
publicação: os artigos publicados em língua portuguesa na íntegra; II) Artigos com ano de
publicação a partir de 2014 a 2019; III) A produção científica deve se encaixar no tema da
pesquisa, tendo como direcionamento a educação das crianças autistas; IV) modalidade de
produção científica relatando aspectos do processo de ensino e aprendizagem de alunos autistas.
Resultados
876
inglesa, 2 em espanhol, além disso, 29 estavam fora do período da pesquisa, vale salientar que
10 artigos fugiam do tema proposto e 1 artigo estava repetido. Portanto, a busca bibliográfica
realizada em novembro de 2019 possibilitou reter 11 artigos que enfatizam o contexto educativo
de crianças autistas. As buscas indicaram maior quantidade de artigos no de 2014 e 2017, como
observado no gráfico 1.
Bem como visando ao leitor uma descrição detalhada da pesquisa, segue a tabela 1, com
informações quanto ao ano, revista, autores, título do artigo e resumo de cada produção
científica retida. De forma que após uma leitura detalhada dos artigos selecionados, buscou-se
categorizá-los para melhor apresentação dos resultados e discussão dos mesmos. Sendo as
categorias criadas: Características dos alunos autistas; Dificuldades e desafios da inclusão de
crianças autistas na escola; e Prática docente e trabalho dos professores.
877
Brasileira de & Lacerda Atividades Desenvolvidas para apresentar atividades propostas
Educação um Aluno com Autismo no para um aluno com Transtornos
2018 Especial Ensino Fundamental I do Espectro Autista (TEA)
Educação Cabral Inclusão escolar de crianças Este estudo teve como objetivo
em Revista & Marin com transtorno do espectro realizar uma revisão
2017 autista: uma revisão sistemática sistemática da literatura
da literatura nacional e internacional quanto
a artigos de periódicos
científicos sobre a inclusão
escolar de crianças com
Transtorno do Espectro Autista
(TEA)
878
Brito, espectro do autismo: análise do conhecimento de professores
2014 Ceron, conhecimento de professores de ensino fundamental sobre a
Carboni & em fases pré e pós-intervenção comunicação de pessoas com
Olivati transtornos do espectro do
autismo, em dois momentos
distintos, pré e pós-intervenção.
2014 Revista Lemos, Inclusão de crianças autistas: O presente estudo tem como
Brasileira de Salomão, um estudo sobre interações objetivo analisar as interações
Educação & sociais no contexto escolar sociais de crianças com
Especial Agripino- espectro autista nos contextos
Ramos de escolas regulares,
considerando a mediação das
professoras.
879
Marin (2017, Inclusão escolar de crianças com transtorno do espectro autista: uma revisão
sistemática da literatura); e Correa, Simas e Portes (2018, Metas de Socialização e Estratégias
de Ação de Mães de Crianças com Suspeita de Transtorno do Espectro Autista).
Segundo Lourenço e Leite (2015) as dificuldade no processo de inclusão de crianças
autistas derivam da problemática de baixa frequência; abordando, ainda, as suas adequações,
cujo ambiente não está preparado para receber o aluno para aprendizagem. Afinal, os alunos
autistas precisam de uma escola organizada, onde eles possam participar, sendo fatores
essenciais para que a inclusão aconteça de fato. Para Cabral e Marin (2017) o processo inclusivo
ocorre mundialmente, porém ainda é um desafio a ser superado pelos educadores, pois os
autores identificaram as dificuldades de comunicação entre a criança autista e o professor. Além
de falta de conhecimento das caraterísticas do aluno autista por parte do professor, remetendo
a resultados pedagógicos insatisfatórios, deixando evidente a falta de inclusão destes educandos
no contexto educativo.
Porém, Correa, Simas e Portes (2018) evidenciam que para ocorrer à inclusão é
necessário que as crianças autistas tenham valores relacionados à autonomia e à independência.
Conforme os autores, o desenvolvimento dos alunos está diretamente ligado as habilidades de
comunicação; portanto, essas qualidades logo interferem na interação social e independência
do indivíduo, afirmando que essas características ainda são consideradas como um desafio a ser
superado.
880
lida com as diferentes características dos alunos.
Discussão
Goméz e Terán (2014) reforçam a primeira categoria apontando algumas características
do aluno autista, como: interação social limitada, e problemas com a comunicação verbal e não
verbal; ocorrendo assim, dificuldades em manter uma conversação. Além disso, a limitação
existente no cérebro do autista restringe a elaboração das suas respostas, afetando a
aprendizagem, dificultando os mecanismos de comunicação e manifestação verbal,
atrapalhando a percepção do que está acontecendo a sua volta (Cavaco, 2014). Seguindo essa
linha de pensamento Fonseca (2014) pontua que algumas crianças autistas podem exibir
inteligência e fala perfeita, no entanto outras apresentam uma enorme dificuldade na
comunicação, por conseguinte parecerem isolados e distantes, recursando-se a socialização com
outros. Dessa forma a esses alunos autistas Orrú (2012) diz que há uma inexistência de interesse
para se relacionar com as pessoas, sendo ocasionada pelos atrasos e alterações na linguagem,
assim, havendo uma tendência à repetição, além de uma sequência limitada de atividades.
Diante do exposto, a segunda categoria faz referência às dificuldades e desafios da
inclusão de crianças autista na escola, para Sanchez (2005) os sistemas de ensino precisam ser
organizados e programados para a aplicação educacional especializada, podendo, assim,
atender a todos, independentemente de suas características e necessidades educativas. Para ele
a escola é o local mais eficaz para combater o preconceito e discriminação, dessa maneira pode
se integrar e alcançar uma escola inclusiva a todos. A inclusão garante a redução do preconceito
da sociedade e situa as políticas de formação, além de reconhecer as práticas que efetivam os
educandos com necessidades educacionais especiais, como os autistas e outros. Assim os
profissionais de ensino precisam está em constante processo de formação, preparados para lidar
com as necessidades específicas dos alunos, para formar uma escola inclusiva (Booth &
Ainscow, 2002).
De acordo com Marchesi (2004, p. 03) as necessidades educacionais especiais enfatizam
a relevância da escola se adaptar às necessidades de seus alunos. Desta forma, o autor faz
referência a criança autista, dando ênfase na adaptação escolar, evidenciando a precariedade do
espaço educativo para receber e desempenhar o projeto pedagógico. Neste sentido, Vasques
(2008) reforça a escola inclusiva como um local para a socialização e adaptação, para o
desempenho dos objetivos curriculares, sendo possível constatar corretamente as necessidades
específicas de cada aluno com autismo. Booth e Ainscow (2002) reafirmam a inclusão destes
alunos, neste sentido acarretaria a redução do preconceito da sociedade, ainda enfatiza as
políticas de formação, priorizando novas fontes de capacitação pedagógica e prática para a
excursão das atividades com os alunos com necessidades educacionais específicas, como
autistas e outros, visando uma educação de qualidade.
A terceira categoria refere-se à prática docente e trabalho dos professores, nesse sentido
a pesquisa bibliográfica revelou a necessidade de uma melhoria na formação de professores.
Segundo Silva (2009), ainda existe uma precariedade com relação ao preparo dos profissionais
de ensino, evidenciando necessidades de capacitação e preparação para a prática docente com
crianças autistas, fato primordial para o atendimento das dificuldades desses alunos. Além
disso, o autor afirma que há a necessidade de capacitação profissional, afinal a falta de
881
conhecimento acerca do assunto interfere no processo educativo; sendo, portanto, fundamental
conhecer e aperfeiçoar o conhecimento sobre educação inclusiva. Dessa forma, Camargo e
Bosa (2009) apontam a inclusão da criança autista, na escola regular, como um meio de fornecer
um vasto enriquecimento para a experiência social, além de subsidiar as capacidades cognitivas
e um meio de auxiliar a socialização.
Destarte, o presente trabalho analisou e permitiu verificar a realização da inclusão de
crianças autistas nas escolas e as principais dificuldades enfrentadas pelos professores no que
se refere a inclusão desses alunos na instituição de ensino. Após analisar os artigos
selecionados, conclui-se que, diante da complexidade educacional, a criança com autismo
apresenta comportamentos que interferem na aprendizagem, devido ao transtorno. Os sistemas
de ensino garantem a realização do ensino-aprendizagem do aluno com autismo, porém, o
educador encontra desafios diários para garantir a aprendizagem; sendo necessário que outros
estudos sejam realizados nessa área por tratar-se de campo amplo.
Desta forma, a inclusão de autistas precisa está sempre em busca de implementações,
ações e estratégias inclusivas facilitando a permanência e construção da educação destes; assim
torna-se relevante que o tema seja investigado por outros pesquisadores interdisciplinarmente,
quando acredita-se que é possível desenvolver-se e aprender na escola mesmo diante dos
desafios e dificuldades no processo inclusivo.
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CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA ESCOLAR: ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL
884
PARA ALUNOS DO NÍVEL MÉDIO DE UM IF.
Introdução
O seguinte relato de experiência decorre das experiências vivenciadas durante o Estágio
Supervisionado em Psicologia Escolar Educacional do curso de Psicologia da Universidade
Estadual do Piauí – UESPI, que tem por objetivo fazer uma articulação entre teoria e prática
através das experiências vivenciadas pelos estagiários em campo, o que é de grande relevância
para a formação dos graduandos, já que o estágio é um momento de construção da prática
profissional.
O estágio foi realizado em um Instituto Federal e possui duas características singulares,
a primeira é que se trata de uma instituição pública federal onde se concentram diversos níveis
de ensino: Médio Integrado ao Técnico; Técnico Subsequente; Tecnólogo e Ensino Superior
(Bacharelado e Licenciatura). É uma instituição multicampi e pluricurricular. Outra
particularidade da instituição reside no fato de que ela oferece serviço de psicologia clínica,
além da psicologia escolar. Tendo em vista esses níveis de ensino, o público-alvo que foi
escolhido para o projeto de intervenção inicial que esteve voltado para a orientação profissional
são os estudantes de 3º e 4º Ano do Ensino Médio, que correspondem aos alunos que realizaram
o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) a fim de tentar uma vaga em uma instituição de
formação superior. Ribeiro (2003) explica o processo de Orientação Profissional da seguinte
maneira:
885
aspectos atuam em conjunto.
Apesar de a Psicologia Escolar ser uma das primeiras áreas da Psicologia a ser
difundida, sua prática passou muito tempo voltada para os moldes tradicionais, baseando-se
principalmente, nos estudos psicométricos, consistindo em uma prática individualizante e
excludente. Entretanto, com a ressignificação dessa prática, percebeu-se a necessidade de voltar
o olhar do psicólogo para as questões além-sala de aula. Nesse sentido, exigiu-se do Psicólogo
Escolar, uma postura mais crítica e voltada para as demandas sociais, visto que sua prática deve
ser pautada, principalmente, na inclusão, como aborda Koehler (2017).
Sabe-se que a escolha do curso superior e da profissão é um momento de grandes tensões
e questionamentos na vida do adolescente, tendo em vista que ele está passando por uma série
de mudanças tanto físicas, quanto psicológicas, além da mudança de papeis. Além desses
fenômenos que acometem o adolescente, existe ainda a ideia de que a adolescência não constitui
uma fase, mas apenas um período de transição. Nesse sentido, o adolescente já traz consigo,
além das questões de mudança, um forte estigma de uma construção social acerca dessa fase
vivenciada por ele. Para Aberastury (1980) a adolescência se constitui como um momento que
é definitivo na vida do ser humano e constitui a etapa decisiva de um processo de
desprendimento e afirmação de sua autonomia.
Segundo Barreto e Valsberg (2007) historicamente, o fenômeno do trabalho assumiu
grande complexidade e um fator determinante nas relações humanas, o que o torna fator de
desenvolvimento e mantenedor da saúde humana. Portanto, a escolha da profissão é, em sua
essência, um momento decisivo na vida do ser humano, já que a importância do trabalho traz
consigo uma pressão social muito forte, gerando uma série de questionamentos na vida do
adolescente/jovem. Nesse sentido, para Lisboa (2002) as práticas atuais de orientação
profissional no Brasil e se concentram no sujeito que escolhe, buscando auxiliar na escolha de
uma profissão que concilie desejos pessoais e mercado de trabalho. Todavia, ao se trabalhar
com orientação profissional, deve-se salientar que condições sociais, econômicas, culturais,
entre outras, influenciam diretamente nesse processo de escolha e não podem ser vistos como
aspectos alheios ao processo.
De acordo com Ribeiro (2003), alguns fatores contribuem para que a demanda em
orientação profissional seja muito significativa. Alguns desses fatores, são: o fato de o curso
superior não apresentar um fator de ascensão para esses alunos, devido a sua cultura familiar;
a escola, muitas vezes, não cumpre seu papel de espaço de reflexão, representando um auxílio
na construção da carreira dos alunos e a falta de informação acerca do mundo do trabalho. Para
isso, é necessário que a orientação profissional seja um trabalho voltado não apenas para o
mercado de trabalho, mas principalmente, para o autoconhecimento, a fim de que se construa
uma carreira onde o foco não seja apenas as questões financeiras, mas as questões de desejos e
aptidões.
Existe uma demanda muito grande que se contrapõe ao número de profissionais de
Psicologia, que é reduzido nos Institutos Federais, o que constitui um grande desafio quando se
trata de elaborar intervenções que possam abranger todos os níveis de ensino.
Sendo assim, faz-se necessário que o Psicólogo Escolar veja além da visão tradicional
e individualizante, os modelos de orientação profissional mais usados no Brasil são voltados
para classe média e alta, ou seja, não correspondem à realidade dos alunos do Ensino Público.
886
Entretanto, como a função do Psicólogo Escolar é atuar na construção dessa autonomia do
estudante a partir de uma perspectiva de inclusão, não cabe mais trabalhar com a informação
somente, mas com a informação carregada de reflexão e criticidade. E para que ocorra essa
autocrítica é fundamental que haja o processo de autoconhecimento por parte do aluno.
Desse modo será utilizado o método POPI – Programa de Orientação Profissional
Intensivo, que se propõe a trabalhar tal demanda numa perspectiva de grupos psicodinâmicos
convidando os adolescentes para um encontro consigo mesmo na busca pela escolha. Nesse
sentido, a atuação do Psicólogo Escolar deve pautar-se em minimizar os efeitos gerados por
esse processo, como a ansiedade causada pela pressão sofrida tanto pelo social, como pela
família e escola, de modo a atuar em conjunto com toda a equipe pedagógica e corpo docente.
Método
Para a realização deste projeto fez-se inicialmente uma Avaliação Institucional a fim de
compreender a dinâmica de funcionamento do Instituto bem como se davam as relações neste
espaço. Para tanto foram realizadas visitas nas turmas de Ensino Médio Integrado para
apresentação e levantamento de demandas, entrevistas semiestruturadas com alguns professores
e articulação com o Setor Pedagógico e o serviço de Psicologia, que se encontra dentro deste,
para comunicação entre os setores.
Após a Avaliação, dentre outras demandas, identificou-se a emergência acerca do
assunto Orientação Profissional. Muitos alunos relataram a dificuldade que sentem frente a
escolha do curso no vestibular como também a ansiedade gerada pela pressão em serem
aprovados.
Assim, abrimos inscrições para a 2º Oficina de Orientação Profissional do Instituto. Vale
ressaltar que a primeira foi realizada também por estagiárias da UESPI. Inicialmente, o projeto
de Intervenção foi escrito como um programa de oito encontros com 1 hora, que ocorreriam
semanalmente, a partir de atividades propostas em um grupo psicodinâmico.
No entanto, a partir de observações do psicólogo supervisor de campo, fomos instruídas
a diminuir este programa para uma menor quantidade de encontros a fim de evitar possíveis
evasões. A divulgação das inscrições foi realizada a partir de avisos nas salas de aula e colagem
de cartazes nos murais.
Duas turmas foram formadas com média de 21 inscritos em cada. Os encontros
aconteciam em dias e horários diferentes, com duração de 2h diárias. O programa foi organizado
baseado no método POPI, adaptado para o tempo e espaço disponibilizados dentro do estágio:
1º Encontro – Apresentação, Integração e Autoconhecimento (Medos e Desejos e
Autobiografia). Levantou-se os medos e desejos acerca da escolha profissional em subgrupos,
depois no grupo maior. Os alunos também escreveram sua autobiografia quanto os gostos e
conquistas ao longo da vida, depois a apresentaram em duplas.
2º Encontro – ENEM e Ansiedade (Significado do ENEM e Atividade de Relaxamento).
Fichas foram distribuídas para que os alunos pudessem colocar palavras que representassem os
significados do ENEM, depois discutiu-se as representações acerca destas palavras e por fim
elencou-se três principais dentre todas. Foi também realizado uma atividade de relaxamento
887
guiado, tendo em vista a proximidade da prova.
3º Encontro – Papel Profissional, Escolhas e Feedback (Técnica das Atividades
Profissionais e Role Playing). A partir de uma consigna a respeito das atividades que poderiam
desempenhar sentindo-se bem, os alunos puderam refletir sobre seus interesses, depois realizou-
se um role playing em que eles representaram algumas profissões que haviam citados. Ao fim
coletou-se um feedback do projeto até ali por meio da fala.
4º Encontro – Aberto a toda a comunidade do Instituto. Convidados de diversas áreas
profissionais falaram sobre suas experiências e sobre suas áreas de trabalho, os alunos puderam
tirar dúvidas e participar das discussões.
Resultados e Discussão
Inicialmente o campo se mostrou gigante, tanto em questão de espaço, de pessoal, de
níveis de ensino, como em demandas. Elencamos o Ensino Médio Integrado como público do
projeto por conta das demandas da adolescência e angústia gerada pela escolha do curso
superior, percebida como principal demanda elencada entre estes estudantes.
No entanto, encontramos vários desafios neste trabalho, o primeiro deles foi a
dificuldade em conciliar um horário para a Oficina em que os alunos de diferentes turmas, que
realizaram suas inscrições, não tivessem suas aulas prejudicadas. O choque de horários era
inevitável e diante disso contatamos professores e setor pedagógico numa tentativa de
negociação de horários para não prejudicar os alunos inscritos. A negociação ocorreu ainda com
o próprio grupo, de modo que pudéssemos encontrar o melhor dia para todos nos encontros
seguintes.
Diferente das perspectivas tradicionais, o Psicólogo Escolar de hoje não atua de maneira
isolada, a exemplo de atividades, como: avaliação, diagnóstico, atendimento de alunos e
encaminhamento. O Psicólogo Escolar deve atuar, principalmente, de maneira conjunta com as
outras instâncias escolares, de modo que uma dificuldade em uma dessas partes acaba por afetar
o todo. Nesse sentido, Martinez (2010) aborda como as relações que ocorrem entre os membros
da instituição, compreendem fatores que exercem influência não apenas nos modos de agir dos
atores do processo educacional, como também em seus estados emocionais, na sua satisfação
com a instituição e na motivação com a qual exercem as atividades.
No meio do projeto houve uma evasão significativa dos participantes, de modo que nos
últimos encontros apenas uma média de 4 alunos compareceram em cada turma. Após uma
avaliação do grupo e a partir de falas dos próprios alunos atribuímos como possíveis causas:
não adequação à proposta do projeto, uma vez que este não se propunha a oferecer respostas
prontas sobre que curso “deviam” fazer; a própria dinâmica de funcionamento da Instituição,
sua rotina e falta de tempo dos estudantes para atividades que não fossem rápidas e diretas;
Serviço de psicologia escolar ainda pouco estruturado, construção da prática no espaço e falta
de profissionais, uma vez que apenas 1 psicólogo escolar é responsável por toda a Instituição,
com seus 5970 alunos com matrículas efetuadas de acordo com a Plataforma Nilo Peçanha (9).
Vale ressaltar que a “OP brasileira nasceu sob forte influência da Psicometria, por volta
da década de 1920, em institutos de Psicologia Aplicada” (Carvalho e Marinho-Araújo, 2002,
p.222) Assim, as outras práticas na área, como a orientação profissional sob uma perspectiva
888
psicodinâmica, ainda constitui algo recente. Ou seja, ainda existe um imaginário que concebe
a orientação profissional apenas como aplicação de testes psicométricos, não envolvendo
também questões fundamentais como o autoconhecimento. Isso pode ser exemplificado por
algumas falas de alunos ao serem questionados sobre suas expectativas quanto à oficina:
Aluno 01: O que eu espero é poder esclarecer um pouco as minhas dúvidas em relação
ao curso que devo escolher saindo daqui com algo certo;
Aluno 02: A nossa rotina é muito puxada, não sobra tempo pra nada, se eu escolher o
curso errado vai ser mais tempo perdido, quero ganhar dinheiro logo.
Enquanto estagiárias, tivemos que lidar com o sentimento de frustração diante da evasão
dos alunos, questionamos nossa prática e tentamos o contato com os alunos para entender
melhor o que estava acontecendo. É necessário salientar que o momento ainda é de mudança
de paradigma no que diz respeito às práticas do Psicólogo Escolar, sendo assim, antes de tudo,
é necessário que todos os atores escolares tenham consciência do trabalho do Psicólogo Escolar,
principalmente os alunos. Eles atribuíram as faltas às revisões e proximidade do vestibular,
inclusive adiamos o encontro seguinte tendo em vista esta demanda, mas as faltas continuaram.
O problema era de fato mais profundo, falava de uma dinâmica da Instituição, onde o trabalho
da Psicologia Escolar ainda está se constituindo.
O feedback de quem permaneceu até o fim foi produtivo, os alunos falaram sobre o
lugar de fala, diálogo com o grupo e retorno para refletir sobre si e suas escolhas, o que mostra
como a proposta do projeto chegou em pelo menos alguns dos alunos:
Aluno 03: Eu gostei de parar um pouco para pensar sobre os meus interesses, poder
falar aqui faz a gente se aproximar disso.
Aluno 04: Foi bom estar aqui para organizar minhas opções, eram tantas que eu ficava
perdida, risos.
Aluno 05: O que eu mais gostei foi a parte do autoconhecimento, no dia a dia a gente
nunca para pra pensar em nós mesmos, nossas vontades, pude perceber como é
importante.
No último encontro fizemos novamente contatos com outros setores. Pudemos conhecer
uma Oficina de fanzine mediada por outro servidor da Instituição, sua proposta era sobre
promover um espaço artístico, político, mas também de fala. Diante disso, entendendo a relação
de escolhas profissionais, espaço político e lugar de fala, fizemos uma parceria, de modo que o
último encontro ocorreu para as duas oficinas e também foi aberto para demais alunos.
Neste encontro, convidados de diversas áreas profissionais, como Direito, Jornalismo,
Arquitetura, Medicina, Psicologia, Artes Visuais, Ciências Contábeis, Administração e
Engenharia, falaram sobre suas experiências, oportunidades na graduação e mercado.
Promoveu-se uma roda de conversa, alunos e convidados trocaram desejos, tiraram dúvidas e
sobretudo trocaram experiências. Foi um momento importante dentro do projeto no qual sua
889
proposta foi expandida para além do próprio grupo da Oficina de Orientação Profissional.
Considerações Finais
A Psicologia Escolar apresenta, no cenário atual, uma mudança de perspectiva tanto no
sentido teórico quanto no sentido prático. Sendo assim, não cabe mais ao Psicólogo Escolar um
fazer individualizante, que esteja voltado somente para o diagnóstico. Exige-se do Psicólogo
Escolar na atualidade, uma postura crítica, política, voltada principalmente para a inclusão de
todos os atores no processo educacional. Para tanto, faz-se necessário que, ao adentrar em um
campo de atuação, a prática desse profissional seja difundida e esclarecida dentro desse
contexto institucional.
Portanto, esse relato de experiência sobre um projeto de Orientação Profissional visa
explicitar as vivências dentro de um campo de atuação, cuja prática ainda está em construção.
Já que se trata de uma Instituição Federal, com uma demanda de alunos significativa que conta
apenas com 1 psicólogo escolar. Assim, conclui-se que por este ser um campo da Psicologia
ainda em expansão, existem ainda algumas dificuldades de atuação, já que a Psicologia Escolar
não acontece de maneira isolada, mas a partir da contribuição de todos os que fazem parte do
contexto educacional.
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A ANSIEDADE E SEUS TRÊS PRINCIPAIS TRANSTORNOS QUE AFETAM O
891
DESEMPENHO ESCOLAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES.
892
A pesquisa a ser realizada neste trabalho pode ser classificada como uma revisão
bibliográfica, isto porque se vale de publicações científicas em periódicos e livros. A coleta de
dados para a construção do mesmo se deu pelas plataformas de pesquisa Scielo e Pubmed além
de livros de cunho psicopedagógico. Os critérios de inclusão foram: artigos em inglês e
português que tivesse como temática a ansiedade e problemas de aprendizagem.
Foi realizado pesquisas a partir das palavras-chave: ansiedade, aprendizagem e escola
onde não houve restrição quanto ao período de publicação dos artigos para que houvesse mais
abrangência quanto o que os autores apresentam sobre os três tipos de ansiedade abordados no
trabalho. Além de dar mais ênfase nos artigos que relacionava a ansiedade com problemas de
aprendizagem.
893
atividades de aprendizagem e a interação em grupo.
Last (1996) afirma que embora o transtorno de ansiedade de separação possa ocorrer em
qualquer idade antes dos 18 anos, existe uma maior frequência deste transtorno na faixa etária
que vai dos sete aos nove anos de idade. Porém os sintomas são manifestados de acordo com a
idade e Francis (1987) diz que preocupações e pensamentos trágicos sobre os pais parecem estar
associados a crianças com idade entre cinco e oito anos.
A respeito da prevalência entre gêneros, Costello (1989) diz que há uma ocorrência
maior no sexo feminino e Francis (1987) relata uma associação entre condições
socioeconômicas desfavoráveis e transtorno de ansiedade sugerindo que 50% a 70% segundo
Vélez, Jhonson e Cohen (1989) ocorra em crianças com famílias de baixa renda.
Berg (1980) diz que as intervenções no âmbito escolar devem ser recomendadas para
que os professores iniciem um plano para promover o retorno da criança para a escola o mais
rápido possível, promovendo reuniões com os pais para facilitar a colaboração em estratégias
que ajudem a criança a normalizar a escolarização, avaliar as causa da recusa escolar da criança
e a tratar, fiscalizando a chegada da criança à escola, de preferência a mesma pessoa o tempo
todo.
Biederman, Rosenbaum e Bolduc-Murphy (1993) reforçam que no primeiro momento
deve-se permitir um dia escolar mais curto e depois prolongar gradualmente, conforme a criança
for amenizando os sintomas, assim como aponta a necessidade de que se identifique um lugar
seguro onde a criança possa ir para reduzir a ansiedade durante períodos de estresse,
identifiquem, também, um adulto seguro para quem a criança possa pedir conforto em todos os
momentos, sobretudo durante os períodos estressantes, promovam a prática de técnicas de
relaxamento desenvolvidas em casa e fornecer atividades alternativas para distrair a criança de
sintomas físicos.
Segundo Albano e Chorpita (1995) existem algumas evidências que a abordagem
cognitivo-comportamental e a psicoterapia dinâmica breve no Transtorno de Estresse Pós-
Traumático - TEPT em crianças e adolescentes têm eficácia. Em crianças mais jovens, a terapia
deve utilizar objetos intermediários como brinquedos ou desenhos para facilitar a comunicação,
evitando interpretações sem confirmação concretas sobre o que ocorreu, mas fornecendo
subsídios que permitem a elaboração da experiência traumática.
894
como, por exemplo, palidez e tensão muscular, além de terem tendência a serem autoritárias.
Perwien (1997) ressalta que os pais devem ficar atentos a algumas características dos
sintomas de TAG em crianças como: indagações se os pais ou pessoas do seu convívio estão
falando a verdade, recusa a iniciar qualquer atividade nova, insegurança com o que executa,
irritabilidade quando alguém diz que ela está mentindo, preocupação e ansiedade constante.
March (1995) classifica essas crianças como difíceis, pois mantém o ambiente ao seu
redor tenso, provocam irritação nas pessoas de seu convívio pelo absurdo da situação, sendo
difícil acalmá-las e ter atividades rotineiras ou de lazer com elas. Bernstein (1997) fala que de
inicio o transtorno costuma ser insidioso, muitas vezes os pais têm dificuldades em precisar
quando começou e referem que foi se agravando até se tornar intolerável, normalmente é nessa
época que procuram atendimento.
Porém, mesmo sem muitos estudos a respeito disso alguns autores indicam a Terapia
Cognitiva Comportamental - TCC como um caminho para tratar o Transtorno de Ansiedade
Generalizada, afirmando que a abordagem cognitivo-comportamental tem se focando nos
principais sintomas com o objetivo de reverter o condicionamento de reação ansiosa. Essa
reversão se daria pela habituação ao estímulo, fazendo com que a criança ou adolescente
enfrente o objetivo temido, falando sobre o evento traumático (Amaya & March, 1995).
895
no quadro negro e a realização de atividades esportivas.
O transtorno de ansiedade social só pode ser em crianças que apresentem habilidades
sociais adequadas a sua idade, com pessoas que lhe são familiares, segundo a APA (2000) é
necessário a presença de ansiedade em situações social não só com adultos, mas com crianças
da mesma idade, os indivíduos com TAS não precisam reconhecer o medo que sentem como
irracional, mas como sintomas que devem ter duração mínima de seis meses, esses critérios é
exclusivo por infanto-juvenis.
Novas tecnologias têm sido cada vez mais aceitas e incorporadas como recursos úteis
na área da psicologia, tanto no meio científico quanto na prestação de serviços como a clínica.
Barbosa (2013) diz que a utilização de recursos tecnológicos pode contribuir para a agilidade
do processo terapêutico e para o desenvolvimento de formas cada vez mais criativas e
produtivas de ação, uma delas é a tecnologia de Realidade Virtual (RV) que possibilita uma
atuação dinâmica e ativa.
Os estudos sobre terapia com uso de RV começaram a ganhar força, segundo Morina,
Brinkman e Hartanto (2014) visto que o recurso facilitador da técnica de exposição, como um
ambiente controlado para imersão de indivíduos com transtorno de ansiedade social (fobia
social) e, possibilitando a modelagem de comportamento social, assim passou a ser considerada
uma ferramenta promissora no processo da intervenção psicológica.
Segundo Zacarin (2017) um dos aspectos a ser considerado nas intervenções com RV
consiste na capacidade de o simulador promover senso de presença, que pode ser definido como
“o sentimento de ‘estar lá’ no ambiente virtual”, o qual envolve respostas públicas e privadas
provocadas por estímulos discriminativos e mantidas por consequência que o ambiente produz,
o autor chama de comportamento operante e respostas eliciadas por estímulos do ambiente
virtual.
De acordo com Qu, Brinkman e Ling (2014) senso de presença já é utilizada e se mostra
bastante relevante em técnicas terapêuticas como a exposição com prevenção de respostas e a
dessensibilização sistemática, visto que para a utilização da RV nessas técnicas é necessário
que o simulador apresente um conjunto de situações que provoquem desconforto ou ansiedade.
Além da exposição dessas situações de forma que podem ser programadas para ocorrer de modo
gradual, aumentando o nível de aversão conforme a tolerância do indivíduo.
Conclusão
896
sintomas tendem a piorar e o dano na criança pode ser ainda maior – o que reitera a importância
de falar sobre a saúde mental na escola e a quebra desse tabu na sociedade, mas, na prática,
ainda se esta distante de uma política pública de saúde mental com ênfase na psicopedagogia
que abranja as necessidades de milhares de alunos que sofrem não só com o transtorno de
ansiedade, mas também com vários outros que dificultem o processo de aprendizagem.
Com isso, é de conhecimento que o ensino de qualidade não é de total responsabilidade
do pedagogo, mas sim de um conjunto de profissionais que devem trabalhar em prol do
conhecimento e bem estar do aluno e cabe ao psicopedagogo contribuir para que essas metas
sejam alcançadas – Logo nos primeiros anos de vida escolar e progredindo por todo ensino.
Tira-se de lição com a conclusão desse artigo a importância do diagnóstico, tratamento
e intervenção em quaisquer casos de transtorno de ansiedade, pois, como mostraram os dados
podem ser mais comuns do que se imagina. A investigação em casos de dificuldade de
aprendizagem deve ser feita com rapidez por parte do psicopedagogo para que o problema seja
sanado, mas se destaca ainda, o papel da família como primordial para a progressão da criança
tanto no processo de aprendizagem quanto na resolutiva do transtorno.
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O PSICÓLOGO ESCOLAR FRENTE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS NA ESCOLA
898
Esthela Sá Cunha
Introdução
O trabalho do psicólogo na educação básica se apresenta como um campo de desafios e
dificuldades inerentes à prática do saber do profissional de psicologia e também à complexidade
do espaço em que está atuando. A escola como lócus de múltiplas singularidades que se
conectam, atravessada por diferentes atores sociais, realidades sociais e econômicas diversas
que se propõem às mesmas condições no processo de ensinar e aprender, requer desse
profissional uma formação embasada, além dos princípios éticos e políticos da profissão, numa
formação social comprometida com o contexto em que a escola está inserida. Tal formação
social se mostra necessária principalmente quando falamos em escolas públicas que enfrentam
complexos problemas estruturais, principalmente no que diz respeito à oferta de recursos
necessários a uma educação de qualidade: baixos salários dos professores, decadência
estrutural, falta de materiais e merenda, ausência de laboratórios e superlotação das salas, etc.
Além disso, quando essa escola atende a uma população economicamente desfavorecida ou está
inserida em contextos de violência e desigualdades, esta formação se torna essencial para a
efetividade do trabalho do psicólogo naquele espaço. De acordo com Bock (2016), embora o
Brasil se coloque entre as nações campeãs de desigualdade social, a Psicologia tem
desvalorizado ou ignorado essa desigualdade como um aspecto determinante da constituição
das subjetividades.
Segundo as Referências Técnicas Para Atuação de Psicólogas(os) na Educação Básica
do Concelho Federal de Psicologia (2103), não se pode compreender a Educação sem inseri-la
no contexto das políticas econômicas, das políticas públicas, assim como das políticas sociais
que lhes dão suporte, sendo de suma importância um cuidado especial para que essas
terminologias não sejam incorporadas ao cotidiano de trabalho desses profissionais, em
diferentes áreas, sem serem bem compreendidas, analisadas e debatidas. Nesse sentido, uma
formação voltada para o entendimento e enfrentamento das desigualdades é imprescindível para
a compreensão das dificuldades e dos desafios propostos diariamente aos profissionais de
psicologia no cotidiano escolar, ademais, é importante apontar que essa formação não se reduz
somente a esse profissional, mas requer que qualquer outro envolvido de forma direta ou
indireta com a educação esteja sujeito.
O trabalho da psicologia no contexto da Educação Básica também consiste em
contribuir para a transformação social, na medida em que elenca um papel de desconstrução de
certas práticas institucionais que tendem a enxergar os discentes como iguais no processo de
aprendizagem, favorecendo a construção de um olhar diferenciado em face da pluralidade de
singularidades que emergem nesse espaço. De acordo com Sawaia (2009), embora por trás da
desigualdade social haja sofrimento, medo, humilhação, há também o extraordinário milagre
humano da vontade de ser feliz e de recomeçar onde qualquer esperança parece morta.
899
sociais, é inconteste que o sistema educacional elicia certas práticas que, de forma direta, acaba
por agravar ainda mais a situação das desigualdades entre seus constituintes. Nesse sentido, a
consideração da heterogeneidade é fundamental para que as práticas educativas sejam
realmente efetivas, visto que nem todos os sujeitos apresentam condições igualitárias no
processo de aprendizagem.
Uma tendência muito forte na área da educação, que prejudica a obtenção de
conhecimento, está alicerçada no fato de o sistema educacional possuir uma grade curricular
demasiadamente voltada para o indivíduo enquanto sujeito universal, que possui um mesmo
substrato cognitivo para a aprendizagem, desconsiderando as histórias de vida diferentes de
cada sujeito. Tal deficiência é verificada quando a escola propõe atividades padronizadas, não
dá suporte necessário às condições de aprendizado de cada um e/ou exige um desempenho meta
para todos os indivíduos sem exceção.
Lane (2006), ao falar sobre um certo caráter seletivo da escola, aponta para a tendência
de maior rendimento escolar àquelas crianças e adolescentes que possuem uma “visão de
mundo” semelhante ao do professor ou àquele que é esperado e valorizado pela escola. Nesse
sentido, é desse modo que aquelas crianças cujo ambiente familiar pouca coisa tem em comum
com aquele que é visado e trabalhado na escola, se sentem estranhas e marginalizadas, visto
que sempre que alguns alunos forem capazes de atender às expectativas do professor, é o
bastante para que se estabeleça um padrão de "bom" e "mau" aluno, que vai sendo reforçado ao
longo dos anos e assim selecionando, não os mais aptos, mas os que se aproximam mais da
visão de mundo inerente aos padrões dominantes (Lane, 2006).
Essa problemática se agrava quando os professores, os núcleos gestores e as secretarias
de educação municipais e estaduais reforçam uma ideologia voltada ao desempenho nas
inúmeras áreas de conhecimento, privilegiando os objetivos e metas mais significativas
alcançadas, em detrimento daquilo que poderia melhorar, das transformações mais sutis ou até
mesmo daquilo que se constitui como uma barreira no processo de aprendizagem. Nesse
sentido, a escola compreendida enquanto instituição que produz e reproduz as contradições da
sociedade na qual está inserida, nem sempre está assegurando o exercício de uma cidadania
ativa (CFP-2013).
As histórias de vida de cada sujeito são negligenciadas a favor do cumprimento de um
sistema quantitativo, que ver no aumento da estatística, números e índices a melhoria na
qualidade do ensino, quando, sabemos, não ser totalmente eficaz para medir a qualidade e a
melhoria no ensino, pelo contrário, pode se tornar uma forma inapropriada de mensurar o
conhecimento daqueles que estão sendo testados.
Nesse sentido, é necessário aos profissionais de psicologia, assim como outros
profissionais na área da educação, atentar-se à realidade de institucionalização de certas práticas
que contribuem para o aumento das contradições entre os discentes, assim como na proposição
de atividades e práticas que privilegiem a atenção aos sujeitos em situação de negligência, em
dificuldades econômicas, violência e conflitos familiares; assim como qualquer fenômeno que
tenha implicância direta ou indireta com o processo de formação educacional. Assim, uma
formação voltada para o campo do estudo das desigualdades se faz necessária ao profissional
psicólogo para a devida compreensão dos conflitos que perpassam e atravessam a educação dos
discentes.
900
A formação do psicólogo
A profissão de psicólogo no Brasil foi regulamentada em março de 1962, desde então,
a psicologia foi conquistando espaços de promoção da saúde mental e inserindo-se em múltiplos
campos de atuação. A educação é um desses campos que se constitui como uma área
interessante e contextualizada onde o profissional de psicologia pode atuar com êxito,
dependendo de uma adequada formação para tal.
A maioria dos sistemas educacionais, ao requerem a atuação dos profissionais de
psicologia na educação básica, dão ênfase numa formação voltada para o campo da psicologia
do desenvolvimento e a autores que elencam as teorias do desenvolvimento humano.
Evidentemente, tal campo é imprescindível para uma atuação eficaz dos psicólogos na área
educacional e, sem ela, muito provavelmente o trabalho desses profissionais não daria conta da
tentativa de compreender os sujeitos emergentes nesses espaços. No entanto, é necessário que
o currículo do psicólogo escolar ou os profissionais que trabalham em outras áreas da educação
tenha uma formação voltada também para a área social e comunitária. De acordo com Santos e
Toassa (2015), O ensino de psicologia escolar deve ser mais comprometido com a realidade
social, articulando essas duas esferas de modo a proporcionar uma identidade para a área.
Segundo Gonçalves (1999) apud Joly (2001), as áreas de estudo a seguir foram
destacadas como prioritárias para a atuação do psicólogo no campo escolar: Aprendizagem e
Desenvolvimento Humano, Educação Especial, Avaliação Psicoeducacional, Organização e
Funcionamento Escolar, Técnicas de Aconselhamento, Técnicas de Modificação do
Comportamento e Organização e Administração de Serviços. Nota-se que várias outras áreas,
que não deixam de ser essenciais, são bastante privilegiadas; uma formação social não foi
mencionada como essencial para essa atuação e tampouco foi considerada.
A literatura e prática da psicologia social e da psicologia comunitária tem muito a
contribuir para um trabalho efetivo dos psicólogos no contexto educacional, uma vez que
elencam os modos de inserção dos diferentes sujeitos nos mais diferentes ambientes, além de
proporcionarem uma compreensão dialética dos fenômenos sociais que emergem nesses
espaços. De acordo com Silva (2004), o social não se reduz à mera noção de sociabilidade, mas
elenca certas problemáticas, como um objeto construído e produzido a partir das mais diversas
práticas humanas e que não deixa de se transformar ao longo do tempo.
Nesse sentido, ao deixarmos de conceber um campo social, como o ambiente escolar,
como natural e passarmos a problematiza-lo, no sentido de considerarmos certas práticas como
construídas dentro de um campo de conflitos e não dadas naturalmente, certamente estaremos
propondo um campo de indagações que é essencial à transformação e à desnaturalização de
práticas excludentes e negligenciadas.
Quando falamos em educação, principalmente em educação pública, devemos pensar,
em primeiro lugar, que as instituições escolares não se limitam somente ao processo de ensinar
e aprender, mas que elencam inúmeros fenômenos na formação dos indivíduos. O ensino não
se reduz apenas ao conhecimento das disciplinas necessárias ao currículo acadêmico, mas
implica, sobretudo, uma formação voltada à cidadania e à criticidade dos sujeitos, pois são eles
que futuramente atuarão como agentes participativos na transmissão do conhecimento e dos
valores éticos e políticos à próxima geração.
Nesse sentido, para que o trabalho do psicólogo seja efetivado é necessária uma
901
formação que considere os indivíduos emersos em diferentes contextos de contradições. Não é
possível, por exemplo, propor práticas de intervenções padronizadas, no processo de ensino e
aprendizagem, para alunos que vivem em contexto de violência negligenciando ou ignorando
essa condição que, de forma muito direta tem implicações sérias no desenvolvimento do
indivíduo.
Dessa mesma forma, pobreza, conflitos familiares, exclusão social, violência,
criminalidade, uso de substâncias psicoativas, entre outros, são contextos que o psicólogo
escolar deve estar preparado para atuar efetivamente no campo educacional, são situações que,
uma vez negligenciadas, podem trazer inúmeras consequências sócio-emocionais para os
educandos. Além disso, é de suma importância fomentar a autonomia dos alunos frente a essas
dificuldades vivenciadas por cada um, incentivando a participação e integração de cada sujeito
num processo que vai muito mais além do ensinar e aprender.
De fato, a comunidade escolar pode se apresentar ao psicólogo(a) como carregado de
conflitos e dificuldades, deixando margem para a sensação de que este profissional nada pode
fazer diante desse campo de contradições, haja vista que, não raro, há uma demanda muito
grande nesse ambiente pelo fato da escola, quando possui, ter apenas um psicólogo disponível
para escuta qualificada, acolhimento e acompanhamento psicopedagógico. No entanto, é
necessário a completa interseção com os fenômenos que acontecem diante de nossos olhos,
assim, uma formação que compreende os estudos de fenômenos como a desigualdade,
violência, exclusão e criminalidade é essencial para um trabalho efetivo da psicologia no
ambiente escolar.
Segundo o Concelho Federal de Psicologia (2013), o resultado da aprendizagem, em
uma perspectiva crítica, é entendido como resultado das práticas sociais e escolares que a
produz. Nessa perspectiva, a (o) psicóloga (o) avança na compreensão desse processo quando
a analisa a partir de condições histórico-sociais determinadas. Sua superação depende de ação
que envolva os diferentes aspectos do processo de escolarização como as relações familiares,
grupos de amigos, práticas institucionais e contexto social. A complexidade do processo de
escolarização, numa sociedade marcada pela desigualdade, é refletida nas condições de acesso
e permanência nas escolas.
Conclusão
O campo educacional se apresenta ao profissional de psicologia, e a qualquer outro,
como uma área de relações permeada por contradições, desigualdades e diferenças individuais.
É muito mais do que um espaço de aprendizagem e formação, a escola se apresenta como um
ambiente de relações interpessoais, não se limitando à dimensão objetiva do processo de ensinar
e aprender, mas emergindo como campo de relações afetivas entre seus agentes formativos,
visto ser um espaço de socialização e de constituições de subjetividades.
Aos profissionais de psicologia e até mesmo os professores e gestores da educação
básica é importante elencar práticas educativas que considerem os modos de inserção de cada
indivíduo no processo educativo, levando em conta as dificuldades e potencialidades dos
sujeitos em face das diferenças individuais e sociais apresentadas por cada um. Diante de um
contexto plural, é necessário propor um campo de indagações que possibilite a reflexão acerca
da efetividade e finalidade do psicólogo escolar, e o que a psicologia tem a contribuir para
902
promover um processo de aprendizagem que proporcione o desenvolvimento das
potencialidades humanas, sem negligenciar ou excluir os múltiplos fatores que estão implicados
no desenvolvimento individual, embasando-se nos preceitos éticos e políticos implicados na
prática de sua profissão. Do ponto de vista da educação, é importante atentar sobre como essas
práticas impactam o modo como os diferentes sujeitos atuam no campo da socialização,
adquirindo uma postura crítica e reflexiva frente aos problemas sociais pertinentes.
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A RELEVÂNCIA DA EMPATIA NA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
903
Livia Gomes Viana-Meireles
Jonathan Silva de Araújo
Introdução
No cotidiano do ensino superior é exigido do jovem estudante um repertório de
conhecimentos e de habilidades sociais, que muitas vezes não estão completamente
desenvolvidas, mas que, se bem trabalhadas, irão contribuir para seu desempenho satisfatório
nas experiências deste ambiente (Soares & Del Prette, 2015). Na academia, aluno e professor
interferem e influenciam no comportamento um do outro, fato que torna importante que os
profissionais da educação tenham consciência de seu papel na formação de seus alunos (Pires,
Almeida & Jesus, 2013).
A motivação representa uma das dimensões psicológicas primordiais para a integração,
aprendizagem e sucesso acadêmico dentro do ambiente universitário (Ruiz, 2005). Há
influência do contexto socioeconômico em que os graduandos se inserem e de questões
oriundas do ambiente da sala de aula e do processo de ensino-aprendizagem onde a relação
professor-aluno é capaz de contribuir no processo motivacional tanto como elemento promotor
quanto como barreira nesse processo (Pereira, Nogueira & Cabette, 2017).
Outro fator importante na relação professor-aluno é a empatia. A empatia pode ser
definida como a habilidade de inferir o que o outro sente e pensa (De Waal, 2010), ou seja, seria
a capacidade de se colocar no lugar do outro e tal característica pode desempenhar papel
fundamental para o estabelecimento e manutenção de relações sociais (Barret, Dunbar & Lycett,
2002). Recomenda-se que as instituições de ensino superior conheçam e avaliem as
expectativas dos seus estudantes objetivando torná-las mais compatíveis com a realidade da
universidade e criar um ambiente acolhedor capaz de reduzir os índices de evasão e os custos
financeiros e sociais desta (Gomes & Soares, 2013).
Supõe-se que a empatia presente nas relações acadêmicas, seja importante na relação
entre professor e aluno. Em função disso, o presente trabalho possui como tema norteador o
estudo das habilidades empáticas de professores e a relação com a motivação de estudantes de
Psicologia para permanência no curso. No curso de Psicologia almeja-se formar profissionais
que possuam não somente um arcabouço teórico, mas também habilidades e competências úteis
ao desempenho da profissão, principalmente por esta se configurar como profissão em que as
relações interpessoais possuem um grande papel para uma boa relação terapêutica. A empatia
faz-se necessária como uma habilidade do psicólogo tanto no estabelecimento de vínculo
quanto na condução de terapia entre outras atividades.
Levando em conta que a empatia tem se demonstrado como uma característica comum
entre aqueles que escolhem a Psicologia como curso superior e profissão (Menezes, 2014)
formula-se a seguinte questão de pesquisa: Que relação pode ser encontrada entre os níveis de
empatia dos professores e o comprometimento dos acadêmicos com o Curso de Psicologia?
Este estudo busca compreender, de forma exploratória, como jovens universitários percebem a
importância das habilidades empáticas dos professores e a relação com o seu desenvolvimento
no contexto acadêmico.
904
Método
Participantes
A amostra foi selecionada por conveniência obedecendo aos seguintes critérios de
inclusão: estudantes regularmente matriculados no Curso de Graduação em Psicologia, com
idade de 18 a 24 anos, que estavam no mínimo no segundo período e que aceitaram participar
da pesquisa. Inicialmente a amostra seria definida a partir da técnica de “alocação proporcional”
(Cochran, 1977). Para assegurar que o número de estudantes fosse representativo da população
total de alunos de psicologia que no período de 2017.2 era de 420 alunos. Neste cálculo, a
amostra seria de 201 estudantes, no entanto, a idade de corte e a exclusão do primeiro semestre
diminuiu o número total de estudantes, sendo a amostra final de 43 alunos.
A amostra de professores igualmente selecionada por conveniência levou em
consideração o número total de professores que lecionam no segundo semestre do ano de 2017.
Foi verificado que uma amostra significativa seria quase a totalidade dos professores quando
se calcula a partir de 25 docentes efetivos, pois a amostra deveria possuir 22 professores do
Curso de Psicologia. Dessa forma, todos os professores foram contatados para participar, no
entanto apenas nove dos docentes confirmaram sua participação, receberam e retornaram os
questionários da pesquisa. Considerando que esta amostra poderia ser de difícil acesso e devido
ao tempo reduzido para coleta de dados, a amostra final ficou com nove professores
respondentes.
Procedimentos
A coleta de dados foi realizada de forma individual nas dependências do campus. A
aplicação dos questionários com os alunos foi realizada em conjunto com duas outras escalas
(Inventário de Habilidades sociais e Escala de Estratégias de Enfrentamento), que não serão
levados em conta nessa pesquisa, mas fazem parte de um projeto maior.
Inicialmente foram enviados e-mails para os professores do curso a fim de saber sobre
sua disponibilidade em participar da pesquisa. Anteriormente à aplicação do Inventario de
Empatia, foram informados sobre os objetivos da pesquisa, os riscos e benefícios e aqueles que
aceitarem participar terão acesso ao Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e aos
instrumentos da pesquisa. Os professores que confirmaram sua participação foram procurados
pelo pesquisador para entrega dos instrumentos, termo de consentimento e para explicações
sobre as respostas.
Instrumentos
905
professores, foi aplicado o “Questionário de avaliação da motivação em atividades acadêmicas
– Versão professor” (em apêndice), também criado para esse trabalho, que possui três itens
semelhantes aos três primeiros da versão para os alunos, mas voltado para a investigação da
percepção dos professores como lecionadores.
Optou-se por um questionário de perguntas abertas no intuito de explorar as percepções
dos alunos e dos professores e assim identificar a acurácia empática envolvendo a relação
professo-aluno. A acurácia empática diz respeito à concordância dos sentimentos entre duas
pessoas, ou seja, identifica-se se cada um compreende de maneira efetiva o que o outro pode
estar sentindo e pensando no momento da investigação (Lorimer & Jowett, 2010). No caso desta
pesquisa, pretende-se relacionar a percepção do aluno e do professor acerca da motivação para
o curso e do relacionamento entre professor e aluno.
Resultados
A amostra final dos professores contou com nove participantes, destes 77,8% eram
mulheres, enquanto que 22% eram homens. A porcentagem de professores efetivos foi de
66,7% enquanto a de professores substitutos foi de 33,3%. A média de idade foi de 35,2 anos
(± 8,1). Entre os participantes 33,3% têm mestrado, 33,3% têm doutorado, 22,2% têm
especialização e 11,2% têm pós-doutorado.
A amostra final de alunos foi composta por 43 estudantes. O maior percentual
apresentado em relação ao sexo foi o de mulheres, 76,7%. Os períodos que aparecem com maior
frequência foram o segundo (14%), o quarto (30,2%) e o décimo (20,9%) períodos. A maior
parte, 93% dos alunos não trabalham. Dos participantes, 79,1% não nasceram na cidade em que
se localiza o curso e 69,8% vieram apenas para cursar Psicologia. 67,4% dos discentes que
participaram da pesquisa já fizeram algum tipo de uso do Serviço Escola de Psicologia (SEP).
Inventário de Empatia – amostra de professores
906
Para análise do IE foi levado em consideração os dados normativos do estudo de
validação do instrumento (Falcone et al, 2008) que apresenta os seguintes números para cada
fator na Tabela 1.
Fonte: Autores
Para os professores participantes desta amostra a média para os fatores TP foi de 41,57
(DP 5,2), para FI 31,86 (DP 3,4), para SA 33,45 (DP 2,1) e para AL foi 28,13 (DP 2,1). Esses
resultados apontam que os professores tiveram escores compatíveis com as médias dos dados
normativos do IE, tendo o Altruísmo um resultado acima da média, aproximando-se do valor
máximo encontrado na amostra normativa.
Os resultados demonstram que os professores têm uma capacidade mediana de colocar-
se no lugar do outro, reconhecendo e compreendendo seu modo de pensar e agir, sendo flexível
e aceitando sem julgamento as crenças e valores do outro. Em um dos componentes afetivos da
empatia, o altruísmo, o grupo de professores respondentes apresentou um escore acima da
média o que sugere que, para esses professores, fica em destaque a característica de suspender
temporariamente as próprias necessidades para atender as demandas alheias, o que parece ser
especialmente importante no processo de ensino. Não houve relação estatisticamente
significativa entre os itens TP, SA, FI e AL e os dados sociodemográficos levantados (sexo,
idade, ser professor efetivo ou substituto) quando analisados pelo Teste t de Student.
907
papel social como formador de profissionais. Foram encontradas três respostas que
exemplificam a motivação dos professores como “poder estar ajudando a formar novos
profissionais”, “poder contribuir na formação de psicólogos mais comprometidos consigo
próprio” e “o sentimento de utilidade frente à vida profissional do outro”.
Por outro lado, sobre os fatores que são considerados como desmotivadores surgiram
respostas variando de “Situação social e política atual” e a “Sobrecarga de atividades”. No
entanto, para alguns professores participantes eles consideraram não haver nada que o
desmotive e para outros o maior desmotivador está relacionado à relação professor-aluno
quando eles citam o desinteresse do aluno pelo processo de aprendizagem.
As principais respostas sobre como os professores enxergam a relação entre discente e
docente giram em torno de afirmar haver importância. Essa relação também é vista com a “base
do processo de ensino-aprendizagem” por um dos participantes. Outro participante acredita que
o professor é um “modelo [que] pode ser positivo ou negativo e [que] irá influir na relação com
o aluno”. A importância desta relação para a motivação do aluno também é encontrada na
reposta de outro professor: “fundamental para a motivação e desenvolvimento de uma atividade
docente com afetividade”.
908
para a minha cidade onde minha família mora”.
Quando foram diretamente questionados sobre a importância do relacionamento entre
professores e alunos, muitos estudantes citaram ser um fator indispensável e a “Importância do
respeito mútuo no processo de ensino”. Para os respondentes, em sua maioria, um bom
relacionamento entre docente e discente são fundamentais para que se possa desenvolver um
ambiente de ensino de qualidade e de troca de saberes. Alguns respondentes citaram como
fatores desmotivadores “a metodologia de alguns professores”, “professores que não
demonstram amor no que fazem” e “a falta de empatia de alguns professores”.
Um dos participantes aponta o respeito como algo que contribui para um “sentimento
de igualdade contra a autoridade excessiva dos professores”. O respeito também aparece nas
características que um professor de Psicologia deveria ter relacionado às “opiniões
divergentes”. As respostas apontam o valor que os alunos dão a relações onde eles sentem que
são valorizados e como essa relação é benéfica para seus processos. No entanto o papel do
professor representa uma autoridade em sala e isso implica em uma desigualdade necessária
onde os direitos e deveres são diferenciados.
Dentre as características apontadas pelos alunos como importantes em um professor de
Psicologia, alguns respondentes citaram “empatia na relação com os alunos” e “características
técnicas” tais como didática e postura ética.
Discussão
Os resultados apontam que os professores participantes dessa pesquisa tem um
repertório de empatia correspondente com a média da amostra normativa, sendo o altruísmo o
fator mais relevante. Levando em conta o contexto geral caracterizado pelo individualismo
contemporâneo (Perrusi, 2015) e o contexto de sala de aula onde os professores se encontram
submetidos às pressões institucionais como pressão por publicação, por rendimento na
formação dos alunos, aprendizagem de novos recursos tecnológicos, além de submissão a
normas técnicas tanto da instituição em que trabalham e as governamentais (Garcia &
Benevides-Pereira, 2003), percebe-se que alguns professores ainda mantêm a capacidade de
deixar essas dificuldades de lado e, eventualmente, atender aos interesses dos alunos.
Miranda (2017) evidencia a atual necessidade de preocupação, por parte dos sistemas
educativos, com a criação de mecanismos que favoreçam o altruísmo em detrimento do
individualismo recorrente na modernidade. Os dados sobre este fator se aproximam dos
resultados de Seno, Borges e Valadão Júnior (2014) no qual o professor na educação superior
fora caracterizado como um sujeito altruísta devido suas escolhas em prol dos outros. Os
resultados obtidos na análise dos questionários apontam valores considerados altruístas como
motivadores do trabalho dos professores na academia.
O fato do professor se sentir motivado a continuar lecionando pela necessidade de
contribuir para a formação dos alunos apontam a relação entre professor-aluno como um
importante motivador dos docentes. O ambiente da universidade permite não somente
encontros e trocas de conhecimentos, experiências, mas também a análise sobre prática da
docência que está relacionada tanto à empatia como o amor pelo trabalho de promover a
aprendizagem (Alfing & Boff, 2017). Para Santos (2010), o entusiasmo e o amor do professor
909
para com a ciência e os alunos podem e devem ser utilizados para motivar os alunos na
realização dos próprios esforços necessários à aprendizagem.
Apesar dos fatores que mantêm os professores motivados, por vezes os professores se
deparam com realidades e situações desmotivadoras como a falta de interesse dos alunos,
citados por parte dos professores participantes como fator desmotivador. As mudanças pelas
quais a sociedade e a universidade passam levam docentes e discentes a aflição em frente ao
desinteresse de alguns alunos, podendo relacionar esse problema com a imobilidade do sistema
educativo que às vezes atua pautado nos velhos valores antes instituídos, outras se desenvolve
em acordo com novas diretrizes, interesses e formas de construir identidade (Vasconcelos &
Gomes, 2015).
É possível que o desinteresse esteja relacionado com diversos fatores como a não
identificação com o curso, problemas pessoais e até a dificuldade de adaptação com modelos
de ensino participativos, levando em conta que o modelo anterior (do ensino médio) que é
tradicionalmente menos participativo. Teixeira, Castro e Piccolo (2007) indicam a possibilidade
de que alunos que enfrentam alterações de humor, dificuldades de concentração e ansiedade
podem evitar contatos sociais e acabar por não participar com os professores de forma informal.
Os autores sugerem que frente a alunos que demonstrem desinteresse pelo aprendizado há a
possibilidade de que os professores acabem por se mostrar menos disponíveis no atendimento
dos estudantes, o que reforçaria a desadaptação dos alunos ao ambiente acadêmico.
É possível inferir que ao se preocupar com a situação dos alunos e buscar entender a
perspectiva destes, as habilidades empáticas do professor de tomada de perspectiva e
sensibilidade afetiva poderiam ser contributivas para a identificação e resolução destas
dificuldades. Estas contribuições só seriam possíveis através da busca de estabelecer uma
relação com os discentes.
Quando analisadas as respostas dos alunos, os resultados apontam que a relação
professor-aluno é fundamental. A relação docente-discente tem seu clima determinado por seus
dois principais protagonistas, porém cada um desempenha um papel diferenciado dentro de sala
aonde o professor conduz e toma a maior parte das iniciativas já que suas atitudes influenciam
a aprendizagem. O comportamento do educador por sua vez fundamenta-se na sua própria
concepção sobre seu papel que é, em geral, uma representação da sociedade e de aspectos
culturais e políticos (Santos, 2010). Percebe-se a posição do professor como convidador e guia
para um processo de ensino-aprendizagem que busque pela autonomia dos alunos, cujos
aspectos que norteiam a motivação dos alunos a se manterem no curso de Psicologia são
analisados na sequência.
Evidenciou-se haver uma grande variedade de fatores desmotivadores e que a maioria
deles são ocasionais, ou seja, ocorrem uma vez ou outra. No entanto, os problemas relacionados
à estrutura do curso de Psicologia se fazem bastante expressivo. É possível que os fatores que
desmotivam os alunos estejam ligados à grade curricular e se relacionem com o histórico da
criação do curso, além da inexistência de matérias pertinentes às demandas da atualidade,
(como a tanatologia, psicologia positiva e as neurociências) ou mesmo matérias específicas de
algumas abordagens psicológicas. A oferta de matérias optativas, que no curso estudado atual
se reduz a três disciplinas (o exato número mínimo de matérias necessárias para a formação).
Levando em consideração os fatores levantados pelos participantes destaca-se a
910
importância de uma discussão para reformulação do Projeto Político Pedagógico dos cursos de
Psicologia, que deve acontecer de tempos em tempos. Segundo Bardagi, Bizarro, Andrade,
Audibert e Lassance (2008), as discussões sobre reforma curricular iniciaram em 1962 com a
crítica ao Currículo Mínimo de Psicologia, e em 2001 novas diretrizes para os cursos de
Psicologia foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação e instituiu que o currículo
deve ser baseado em competências e habilidades profissionais. Nesse sentido, a ampliação de
experiências práticas durante a graduação ajudaria no desenvolvimento de maturidade pessoal
e identidade profissional necessárias para a atuação do psicólogo (Bardagi et al., 2008). Nesse
sentido, os fatores desmotivadores citados pelos alunos podem indicar uma necessidade de
reformulação curricular do curso pesquisado. Vale ressaltar que após a coleta dos dados, deu-
se início a reforma curricular do referido curso, tendo inclusive contribuição dos alunos nessa
discussão.
A categoria “Finalizar o curso” aparece nos resultados dos fatores que motivam os
estudantes na graduação, parece ter sido associada a uma pressão ou obrigação de ter um curso
superior. Bardagi e Hutz (2008) sugerem que os alunos tendem a esconder suas insatisfações,
inseguranças e suspender o abandono do curso, pois se sentem incapazes de não concluir sua
formação ao levar em conta o investimento emocional, financeiro, as aspirações profissionais
e as expectativas da família. Sendo assim as expectativas sociais incluindo a familiar funcionam
como um fator que contribui para que os alunos continuem compromissados a concluir seu
curso.
Esses resultados parecem ser contrários aos encontrados nos estudos de Graciola, Olea
e Macke (2015) apontaram que apenas a promessa futura de um diploma não sustenta o
interesse para os alunos a continuarem o curso. No entanto, os autores colocam que esperar a
formação para só depois compreender o sentido da aplicação teórica na prática e a
multidisciplinaridade da atuação no mercado de trabalho pode ter relação causal com o
desinteresse, o que parece ser o caso dos participantes da atual pesquisa, pois o desinteresse dos
alunos foi apontado pelos professores como um dos desmotivadores a continuar lecionando no
curso.
Nota-se nos resultados que o relacionamento com os professores emerge como um fator
motivador a continuar cursando Psicologia para os alunos e se divide em dois campos
diferentes: acadêmico e pessoal. Sendo o professor universitário como profissional frente a um
público heterogêneo, possui o desafio de se adaptar frente contextos díspares (Graciola, Olea
& Macke, 2015) e levando em conta que a empatia é uma ferramenta que favorece as relações
ao capacitar a percepção e a reação apropriada à vivência do outro (Kirst-Conceição &
Martinelli, 2014), é possível supor que as habilidades empáticas tenham o que oferecer no
sentido de buscar resoluções e estratégias de ensino que façam sentido aos alunos e não acabem
sendo desmotivadoras.
Jasmi & Hin (2014) relacionam a motivação acadêmica dos alunos com os professores
que demonstram cuidado genuíno, confiança e apoio além de serem acessíveis e terem altas
expectativas, desde que complementadas com suporte. A função motivadora dessa relação
também foi constatada nas respostas dos professores que reconhecem seu papel como
facilitadores de processos. Esses resultados corroboram com o estudo de Cândido, Assis,
Ferreira e Sousa (2014) sobre a representatividade do professor do ensino superior de diversos
cursos (Psicologia não incluso), as respostas se dividem em um grupo mais acentuado que
911
valoriza características técnicas (ser didático, motivado, compromissado e profissional) e um
grupo menor que dá destaque ao lado pessoal do professor como indivíduo que se relaciona
com os alunos.
Considerações finais
Constatou-se que fatores intrínsecos foram mais presentes na motivação tanto nas
respostas dos professores em relação ao seu trabalho em docência quanto nas respostas dos
alunos em relação aos seus estudos. O amor e prazer em psicologia são compartilhados por
ambos mesmo que vivenciado de formas distintas a partir de seu papel no ensino-aprendizagem.
Os dois grupos identificam, apesar disso, vários elementos que enfraquecem sua motivação.
No que diz respeito a isso o desinteresse dos alunos em sua formação figura nas
respostas dos professores ao passo que o descontentamento com a grade curricular e com a
carga horária de estudos emerge nas respostas dos educandos, o que pode explicar tal
desinteresse para com as disciplinas e a formação. Quanto à relação entre alunos e professores,
em ambos os casos foram identificados uma relação com a motivação para os estudos. Entre as
características do professor trazidas pelos alunos houve proeminência das habilidades
empáticas e a bagagem técnica dos professores.
O presente trabalho confirma a importância de um bom relacionamento entre alunos e
os professores para a motivação não só dos estudos e compromisso com a formação por parte
dos discentes, mas também para a motivação e compromisso no ensino por parte dos docentes.
Além disso, fornece dados de que a empatia tem um papel expressivo dentro das expectativas
dos alunos de psicologia para esta relação. Essa pesquisa ajuda a visualizar a importância desta
temática tão pouco explorada no contexto do ensino superior.
No entanto, entre as limitações deste estudo está o número reduzido da amostra que não
permite que os resultados sejam generalizados. Também não foram observadas respostas que
correlacionassem diretamente a empatia do professor e a motivação para o compromisso como
os estudos. Houve dificuldades quanto à participação mais representativa da amostra de
professores que poderiam ser ampliadas em pesquisas futuras. Propõe-se que futuras pesquisas
investiguem de forma mais aprofunda a importância que aspectos diretamente relacionados à
empatia (pautados nas dimensões de TP, FI, AL e AS) possuem na motivação para uma amostra
ampliada de alunos. Também se propõe que sejam realizados estudos qualitativos com
entrevista com alunos e professores que possibilitem respostas mais específicas e ricas sobre o
valor e conceito de empatia. Seria proveitoso também comparar os resultados dessa importância
com diferentes cursos de psicologia, tanto públicos quanto privados.
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EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO CONTEXTO ESCOLAR: HABILIDADES
914
SOCIOEMOCIONAIS NA PROMOÇÃO DE SAÚDE MENTAL
915
de aperfeiçoar o olhar crítico em relação à realidade opressora e construir possibilidades de
enfrentamento, através da participação popular, o que pode ser iniciado dentro da escola e
expandido para toda a comunidade. Essa prática vai além de projetos e intervenções de
promoção à saúde, como cita Salci et al. (2013, p. 2), “é imprescindível a associação dessa
prática à comunicação, informação, educação e escuta qualificada”. Ou seja, é o
desenvolvimento de habilidades pessoais e ações comunitárias em que seja possível construir
ambientes com discussões sobre o sistema de saúde.
A implantação da Educação em Saúde em espaços públicos, como escolas, depende da
participação dos profissionais da saúde, assim como dos atores do ambiente escolar. Segundo
Taddei et al (2006), o professor tem importante papel na disseminação de práticas saudáveis,
por ser referência tanto para os indivíduos quanto de forma grupal. Com isso, é exigido desse
profissional maior informação e uma visão ampla e atualizada dos processos de saúde do
ambiente em que está inserido. Crivari e Berbel (como citado em Villardi, Cyrino & Berbel,
2015) corroboram que:
Observa-se, portanto, que a incorporação das ações de saúde mental na atenção básica
é uma prioridade no cenário atual. Se tratando da saúde mental na adolescência, que já é
tradicionalmente conhecida como uma fase de instabilidade emocional e de explosão de
crescimento, com mudanças físicas e psicossociais. Baggio et al (2009) cita alguns fatores que
agravam o risco à para saúde mental, tais como: uso de álcool e drogas, dificuldades nas
relações familiares, baixa autoestima, exposição à violência, sentimentos depressivos, que
podem levar ao comportamento suicida que ocorre, muitas vezes, como reflexo de conflitos
internos, sentimentos de depressão e ansiedade que acompanham a profunda reorganização
física, psíquica e social que ocorre nessa fase da vida.
Visto a maior vulnerabilidade de adolescentes, principalmente em situação de risco,
nota-se a importância de trabalhar em cima de alguns fatores desfavoráveis, utilizando-se da
comunicação em saúde, que, conforme Loureiro et al. (2012) afirma, diz respeito ao estudo e
utilização de estratégias de comunicação para informar e para influenciar as decisões dos
indivíduos e das comunidades no sentido de promoverem a sua saúde.
A prevenção e o tratamento de transtornos mentais na infância e na adolescência têm
impacto concreto no futuro dos jovens, favorecendo a diminuição da criminalidade, do abuso
de substâncias, do fracasso, do abandono escolar, do desenvolvimento de transtornos de
personalidade e de transtornos mentais na vida adulta, além de propiciar que se desenvolvam
com maior capacidade de atuar como pais, como comenta Fleitlich e Goodman (2002). Dessa
forma é possível constatar que o adolescente quando tem seu desenvolvimento pautado em
estratégias para fortalecer sua saúde mental, torna-se um adulto que lida de forma mais assertiva
com as dificuldades que encontra durante a vida.
Tendo como uma estratégia de fortalecimento de saúde mental é através do
desenvolvimento das habilidades sociais. O comportamento do indivíduo deve permitir sua
inclusão ao meio, e seu desenvolvimento como um adulto confiante e seguro com maiores
probabilidades de uma boa saúde mental, conforme Lucca (2004). O que implica que a saúde
mental e habilidades interpessoais são influenciadas mutuamente e ambas impactam positiva
ou negativamente a vida do sujeito.
O desenvolvimento interpessoal é entendido como a capacidade para estabelecer e
manter interações sociais simultaneamente produtivas e satisfatórias diante de diferentes
interlocutores, situações e demandas. Essa habilidade cognitiva que envolve definir uma
situação humana interpessoal, identificar a existência de um problema, imaginar o maior
número de decisões alternativas de solução, prever as consequências e percebê-las com base na
perspectiva do outro, como afirma Dell Prette (1998, 2005). Sendo assim, tudo o que o
indivíduo provoca em relação a outro é manifestação de suas habilidades sociais e interpessoais,
917
ao mesmo tempo que aprende constantemente em suas relações.
As classes de habilidades sociais incluem, por exemplo, assertividade, empatia,
resolução de problemas interpessoais e comunicação, que podem ser utilizadas e combinadas
em um desempenho mais amplo e sujeito a critérios de avaliação em termos de competência
social, falado por Murta & Cols (2012). Essas habilidades podem tanto ajudar como atrapalhar
o adolescente na escola, tanto em relação à formação de vínculos quanto em seu desempenho
acadêmico, favorecendo ou desfavorecendo sua saúde mental.
Ciarrochi (como citado em Bolsoni-Silva et al 2010) encontraram correlação positiva
entre autorregulação e saúde mental, sobretudo estresse. (p. 63) Dessa forma, o desenvolver de
habilidades sociais implica em uma medida preventiva de saúde mental. Segundo Dell Prette
(1999), essas habilidades ajudam a favorecer as relações sociais positivas, além de auxiliarem
o indivíduo em situações como discriminação entre objetos, situações ou estímulos, aplicação
de regras, identificação, construção e resolução de problemas, constituindo-se em elementos
fundamentais para a competência social.
Dessa forma, é necessária uma preocupação dos educadores em relação a competência
social de seus alunos, pois o trabalho com habilidades sociais pode implicar em superação de
problemas tanto de aprendizagem, como de criação de vínculo com o outro, que é um fator
protetivo em saúde mental. A preocupação da escola em relação a essas habilidades vai além
do que o que já foi dito, também com a preparação da criança para a vida em sociedade.
Com isso, busca-se na Psicologia Escolar e Educacional, sendo uma subárea da
Psicologia definida por Martinez (como citado em Oliveira, 2009) como a “utilização da
Psicologia no contexto escolar, com o objetivo de contribuir para otimizar o processo educativo,
entendido este como completo processo de transmissão de cultura e de espaço de
desenvolvimento e subjetividade.” (p. 651)
A atuação do Psicólogo Escolar Educacional é compreendida por ações
preferencialmente coletivas, de caráter preventivo, multidisciplinar e visando a maior
integração dos sujeitos alvos das intervenções na comunidade escolar. Com isso, a presença do
Psicólogo Escolar Educacional em instituições de ensino como escolas públicas reforça a ideia
de que o sujeito tem que ser compreendido em todos os seus âmbitos; intelectual, social e
individual. É através desse profissional que é possível relacionar, de forma eficiente, aspectos
como aprendizagem e subjetividade, promovendo um desenvolvimento integral desse sujeito.
Conforme afirma Marinho-Araújo e Almeida (como citado em Oliveira, 2009):
De acordo com Fonseca (como citado em dos Santos & Gonçalves, 2016) a
aprendizagem humana é um processo interativo, em que, portanto, vários componentes
genéticos, neurológicos, psicológicos, educacionais e sociais se interacionam. O Psicólogo
Escolar e Educacional investiga e intervém em todos esses fatores, englobando além do aluno,
918
a família, professores e equipe escolar; assegurando uma aprendizagem livre de variáveis que
possam diminuir a eficácia do trabalho realizado no âmbito escolar.
Levando em consideração a participação do Psicólogo Escolar e Educacional no âmbito
da Educação em Saúde é a partir da criação de projetos multidisciplinares sobre temas colhidos
no levantamento das demandas, que geralmente envolvem drogadição, sexualidade, identidade,
bullying, entre outros aspectos específicos de cada contexto. É importante esse profissional
saber interligar os temas com redes de apoio em saúde, não centralizando as ações apenas no
ambiente escolar, mas como expõe Brasil (2006, p. 5) “compondo redes de compromisso e
corresponsabilidades quanto à qualidade de vida, em que todos sejam partícipes no cuidado
com a saúde”. A partir disso entende-se que educação e saúde são assuntos que estão
intimamente correlacionados e o Psicólogo Escolar ajuda no encontro e desenvolvimento das
duas áreas.
Método
Tendo em vista o propósito deste estudo, optou-se por realizar uma pesquisa
exploratória descritiva, com um sistema de análise qualitativo. A pesquisa foi desenvolvida em
uma escola pública estadual, na cidade de Teresina/PI, situada na zona leste da cidade. As
atividades foram realizadas em formas de vivências, interativas e dinâmicas, em 5 turmas, do
7º, 8º e 9º anos. Os critérios para seleção foram: as observações das demandas de cada classe.
As técnicas utilizadas foram: observações sistemáticas; entrevista semiestruturada com
a equipe de professores e a coordenadora, para a coleta dos dados. As demandas observadas
foram: falta de respeito entre alunos e professores, bullying, saúde mental, drogadição. As
intervenções aconteceram através do método de pesquisa-ação, para Fonseca (2002, p. 34-35):
Pretende-se com esse método de pesquisa, uma reflexão e discussão dos temas
abordados, a fim de germinar uma mudança social naqueles participantes, como seres ativos e
reflexivos no processo, através da compreensão de aprendizagem coletiva e dialogada. E o
pesquisador contribui ao facilitar esse momento, ao possibilitar um lugar de fala e agregando
informações complementares sobre os assuntos.
As atividades foram planejadas pelas estagiárias de Psicologia, sob supervisão da
professora da Universidade Estadual do Piauí responsável pelo estágio em Educação em Saúde;
a psicóloga da Gerência Regional de Educação (GRE); e um psicólogo escolar educacional
externo. Escolheu-se trabalhar esses assuntos através de dinâmicas, vivências e roda de
919
conversa, com o intuito de promover a participação dos alunos.
A análise dos dados deu-se através da análise de conteúdo. Segundo Bardin (1979), ela
representa um conjunto de técnicas de análise das comunicações que visam a obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores
que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção
dessas mensagens. Com ela, podemos relacionar estruturas semânticas, sociológicas,
emocionais, psicossociais, contexto cultural, tudo como processos de produção de mensagem.
O projeto foi aprovado pelo Conselho de Ética da Universidade de origem. No momento
da entrevista e das intervenções, foram relidas as informações sobre a pesquisa, ressaltando o
caráter sigiloso da identidade, assegurando confidencialidade e apresentado o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, solicitando a assinatura do depoente e responsável pela
Instituição.
O objetivo das intervenções foi incentivar o olhar crítico dos alunos a respeito das
demandas encontradas, através de ações diferentes de aula expositiva, pois foi algo que eles
relataram que não gostavam. Como também possibilitar aos estudantes uma ampliação dos
assuntos que eles conheciam, como foi no caso da drogadição, cooperação e saúde mental.
Os temas que foram discutidos foram escolhidos baseado nos dados colhidos com a
coordenação, professores, alunos e observações, onde foi percebido alguns assuntos citados
com maior frequência e a necessidade de uma discussão a respeito deles, com o intuito de
diminuir conceitos errôneos e acrescentar outros pontos de vista.
Com isso, acreditamos na proposta de Yozo (1996), que fala sobre o trabalho em grupo
que deve evoluir do conhecimento pessoal para a interação com o outro. Afim, de uma
integração, troca de conhecimento, experiência e fortalecimento enquanto turma. Então foi
proposto atividades no formato de roda de conversa, para discussão coletiva de alguns temas,
de forma vivencial e com produção de material. Sendo dividido da seguinte forma para análise
e discussões: Integração do grupo; Valorização à Vida; Depressão; Cooperação;
Autoconhecimento; Drogas; Respeito e empatia.
Integração do grupo
Intervenção realizada com turma do 7° ano. Ao iniciarmos as intervenções, foi feito com
a dinâmica da teia, onde cada aluno, ao receber o novelo de lã, iria enrolar um pouco no dedo
e se apresentar falando nome e idade, depois iria jogar o novelo para alguém do círculo e falar
uma qualidade dessa pessoa. A pessoa que receberá faria o mesmo e isso iria acontecer até todas
as pessoas terem se apresentado. Ao final da dinâmica foi explicado sobre como a participação
de cada um no grupo foi essencial para a teia manter-se coesa e era isso que queríamos deles a
partir dali, que cada estudante se mobilizasse, participasse das atividades que iríamos levar mais
920
pra frente.
A utilização de dinâmicas de apresentação e integração do grupo se faz importante pois
segundo Perpétuo e Gonçalves (2005, p.2):
Valorização à Vida
A temática foi abordada com os alunos das duas turmas do oitavo e nono ano. Foi
desenvolvida com essas salas a dinâmica dos ciclos abertos e fechados, nessa atividade eles
ganharam dois pedaços de papel, no qual colocariam sobre o que perderam, por exemplo, podia
ser um cachorro ou algum objeto que eles gostavam e não tinham mais. Alguma perda
simbólica. Depois pedimos para escrever o que gostavam de fazer e o que esperavam para o
futuro. Em seguida, foi sugerido para rasgassem o papel que falava sobre suas perdas. Na roda
de conversa foi comentado sobre as perdas, o luto vivido, o acolhimento de momento difícil
vivido, os sentimentos que emergiram e os aprendizados obtidos a partir dessa experiência. Na
segunda parte da discussão foi focado em suas perspectivas, sonhos e desejos para o futuro,
uma forma de projeção de vida, sendo discutido o que cada um está fazendo hoje e o que poderia
ser feito, para alcançar os objetivos traçados. Havendo adesão da maioria dos participantes.
Essa atividade proporcionou aos jovens, primeiramente, um local de fala, em que
poderiam expressar seus sentimentos e pensamentos, algo que Melo et al (2005) consideram
fator de proteção para os riscos no período da adolescência. Todavia, as intervenções
psicológicas têm estimulado a troca, favorece a construção de diálogos e relações mais
espontâneas por meio do autoconhecimento e da autotransformação.
Depressão
Esse tema foi retratado em forma de roda de conversa com os alunos do 9º ano. Foi
iniciado com a exibição do vídeo do “cachorro preto chamado depressão”, como disparador
para discussão, onde foi capturado o que os alunos e a professora titular entendiam de
depressão, expuseram suas opiniões, e como facilitadoras fomos costurando o bate-papo,
desmitificando alguns mitos, trazendo informações relevantes para o conhecimento dos
mesmos, sintomas, sinais, tratamento, medidas protetivas, números de apoio, com o objetivo de
921
promoção de saúde. A maioria dos alunos participou desse momento.
Boa parte dos alunos dessa turma estão na fase da adolescência, momento em que muitas
mudanças acontecem, desde corporal, mental e social. O sujeito se vê em ambientes em que
precisa se integrar mais, como na escola, onde já é mais independente que na fase da infância.
Com isso, acontecem muitos conflitos que podem acarretar em alto nível de ansiedade e
depressão, para Levy 2007 (como citado em Biazus; Ramires, 2012) o período da adolescência
pode se tornar traumático e patológico, na medida em que o sujeito não consiga recriar um
sistema de representações que sustente sua nova experiência subjetiva, nem ligar os afetos por
ela suscitados. (p. 85) A partir disso, configura-se importante a explanação e esclarecimento
sobre a depressão, seus sinais e sintomas, tratamento, fatores de proteção, a fim de levantar a
discussão nos participantes sobre sua saúde mental, dos colegas, pessoas próximas com o intuito
de desmitificar, acolher, saber reconhecer e pedir ajuda nos dispositivos especializados.
Cooperação
Através da dinâmica da ilha, onde foi colocada uma folha de jornal aberta em uma
extremidade da sala com uma caixa de bombons em cima. Na outra extremidade foi colocada
uma folha de jornal para cada dupla de participantes, lado a lado. Cada dupla tinha que ficar de
pé sobre seus jornais, o objetivo era chegar ao outro lado da sala e se salvar na ilha, sem tocar
os pés no chão (o mar). O jornal poderia ser movido, mas não ser rasgado ao meio. Quem
tocasse no chão propositalmente seria desclassificado, e se dois grupos chegassem na ilha, eles
dividiriam o prêmio. Após a realização da prática iniciou-se a reflexão e aproximação com
sobre a temática. Foi escolhido um jogo cooperativo, pois umas das demandas observadas, na
turma do 7° ano, foi a falta de união entre os alunos e segundo Barreto (como citado em Soler
2006):
Jogos cooperativos são dinâmicas de grupo que têm por objetivo, em primeiro lugar,
despertar a consciência de cooperação, isto é, mostrar que a cooperação é uma
alternativa possível e saudável no campo das relações sociais; em segundo lugar,
promover efetivamente a cooperação entre as pessoas, na exata medida em que os
jogos são, eles próprios, experiências cooperativas (p. 21).
Sendo assim, nos jogos cooperativos uns jogam com os outros, ou seja, o mais
importante é com quem e como se joga, promovendo, assim, a união entre os alunos. Na
atividade desenvolvida na dinâmica da ilha, os alunos não buscaram a cooperação como
instrumento de alcançar objetivo, que era chegar até os bombons, porém, após a realização da
dinâmica houve uma discussão e reflexão entre alunos e facilitadoras sobre a importância da
cooperação para objetivos serem alcançados. Foi explicado como seria a resolução cooperativa
da dinâmica, onde todos os alunos se unissem e cada um fizesse sua parte, ou seja, utilizando
cada todas as folhas de jornal para se fazer uma ponte e todos os alunos ganhariam. Com isso,
foi discutido como era a cooperação na sala de aula, e alguns alunos comentaram acerca de eles
terem dificuldade em ajudar ao outro, por vários motivos, dentre eles, medo, receio, timidez,
egoísmo, prepotência. Os mesmos reconheceram que não eram atitudes assertivas e sugeriram
melhorias para a convivência cotidiana. A participação dos alunos demostrou uma reflexão
922
sobre cooperação, respeito e empatia.
Autoconhecimento
A atividade curtograma, que consiste em dar para os alunos papéis para que eles
exponham o que eles gostam e fazem; gostam e não fazem; não gostam e fazem e o que não
gostam e não fazem; e depois de feito isso, há uma discussão do que foi escrito. A atividade foi
desenvolvida na turma do 7° ano, com intuito de conhecer melhor os alunos da classe, e fazer
com que eles refletissem sobre si mesmos, sobre atividades escolares e familiares. Os alunos
foram bem participativos e se propuseram a escrever o que deveria ser feito de forma reflexiva,
ativos e conscientes.
Durante a adolescência surge a necessidade de desenvolver um senso de identidade, que
se desdobraria durante a juventude em uma maior necessidade de intimidade e individualidade,
conforme cita Ferreira (2003). A intervenção pautada em autoconhecimento proporciona ao
jovem a construção dessa identidade, e a consequência disso, por exemplo, pode ser a elevação
da autoestima, fazendo com que um dos fatores de risco à saúde mental seja abrandado.
Drogadição
Outra demanda observada no contexto escolar da turma do 7º ano foi a drogadição.
Considerando que o âmbito escolar tem o objetivo de formar cidadãos, a escola é um espaço
propício para discussão e prevenção sobre o uso de drogas. De acordo com Souza (2015, p. 70),
deve-se “abordar a temática das drogas priorizando discussões que apostem na capacidade dos
jovens de intervirem concretamente nos espaços sociais em que estão inseridos”. A proposta
foi de explanar esse assunto através de uma roda de conversa, onde foi proporcionado um
momento em que os alunos puderam falar o quanto sabiam sobre o tema, se conheciam os tipos
de drogas, as consequências do uso, junto a isso foi proporcionado uma desconstrução de
opiniões equivocadas sobre os usuários de drogas ao ser debatido os diversos fatores que
influenciam alguém a iniciar o uso e como preconceitos em relação aos usuários dificultam a
mudança do quadro, junto a isso houve o espaço para dúvidas ou comentários, como foi o caso;
surgiram relatos particulares em que presenciaram uso de droga por parte de alguém da família
ou amigos, sendo questionado quais efeitos/consequências poderia ter para a saúde dos
usuários, quais os tratamentos mais adequados para cada caso, informação sobre os locais; ao
final da discussão houve a confecção de cartazes pelos alunos sobre o que foi discutido, os quais
foram expostos nas paredes da escola, dando a possibilidade aos alunos de intervir no próprio
espaço escolar.
Como aponta Souza (2015, p. 1), que “para pensar a relação entre o uso de drogas e a
juventude, é necessário que se considere os vários contextos de vulnerabilidade e os marcadores
sociais que permeiam essa relação”. Com isso, levando em conta o contexto da escola em que
o projeto aconteceu, as queixas e demandas levantadas relacionadas a pouco acompanhamento
familiar, alto índice de criminalidade e falta de políticas de assistência social, nota-se a
importância de intervenções que tenham o tema de drogas como pauta, para que seja debatido,
combatido e prevenido.
923
Respeito e Empatia
Foi observado atitudes em relação ao bullying e desrespeitos dos alunos do 7° ano,
contra professores, estagiários e outros profissionais. Para tal, foi escolhida a atividade do balão,
onde foi entregue para cada aluno e dito que deveriam enchê-lo e esperar pelas instruções. Em
seguida foi dito que precisariam protegê-los e aquele que ficasse sem ser estourado ganharia
um prêmio simbólico, além disso também foi dado a eles palitos de dentes. Essa dinâmica tem
o intuito de adentrar nos temas de respeito e empatia. É sabido pela literatura segundo
Carvalhosa et al, (2001, p. 523) que:
Situações de violência que ocorrem, nas escolas, entre os jovens . . . está a ser motivo
de preocupação e interesse para os próprios alunos, pais, profissionais da educação e
da saúde, e comunicação social. As agora conhecidas e divulgadas consequências e
efeitos negativos destes comportamentos para o desenvolvimento e para a saúde
mental dos jovens envolvidos e para todo o público em geral.
Dessa forma, as facilitadoras interviram com intenção de educação para saúde mental
dos adolescentes. Durante a atividade desenvolvida, foi possível perceber que ao invés de
protegerem seus balões, que era a forma mais eficaz de receber o prêmio, a maioria dos alunos,
com exceção de uma aluna, preferiram furar o balão dos outros, além disso, foi percebida a falta
de respeito deles com as facilitadoras enquanto explicavam a atividade, pois começaram a furar
o balão do outro antes de ser sinalizado o início do jogo. Com a discussão posterior a atividade
falamos sobre respeito e empatia, e perguntamos se houve empatia naquela atividade visto que
todos eles furaram os balões uns dos outros, a maioria ficou em silêncio, e alguns alunos
concordaram, além disso, foi questionado como a atividade refletia no dia a dia deles na escola,
em suas relações com os colegas e professores.
Em seguida, foi dado uma segunda oportunidade para que eles exercitassem o respeito
pelo qual havíamos discutido. Propusemos uma outra tarefa, a dinâmica das diferenças. Para
essa dinâmica, precisou-se de folha de papel. Foi dada a instrução de que eles deveriam pegar
uma caneta e esperar. A comanda era para desenhar um rosto sem tirar a caneta do papel, e
tinham que escutar passo a passo do rosto de acordo com a instrução dada. Primeiro foi instruído
para que fizessem o nariz, depois os olhos, a boca e as orelhas, tudo sem tirar a caneta do papel.
Nessa atividade, todos prestaram atenção e fizeram cada passo como havia sido dito. Depois da
atividade extra foi perguntado a opinião deles, um dos alunos disse que a segunda atividade foi
melhor porque eles escutaram as instruções. Logo em seguida, foram instigados a discutir sobre
os desenhos, sendo falado que cada desenho estava diferente, alguns brincaram dizendo que o
desenho do outro era feio, e foi levado para a discussão essa diferenciação e estética de cada
trabalho, conversando que cada pessoa tem um traço diferente, percebia de forma diferente,
tinha um tempo diferente, porém todos deveriam ser respeitados, sem classificação e
julgamento.
Dessa forma, foi percebido o cumprimento dos nosso objetivos, que era promover
reflexão sobre respeito e empatia, pois além da mudança que eles apresentaram em relação à
seguir as instruções dadas pelas facilitadoras, ao final de todas as atividades recebemos um
feedback de um dos alunos participantes, ao qual dizia, sobre a dinâmica do balão: “gostei
924
porque fez eu perceber que tenho que respeitar o meu colega”. Percebeu-se que atividade gerou
reflexão, discussão e empatia sobre a temática, no qual as diferenças devem ser aceitas, pois o
ser humano é global, não podendo se resumir a uma única característica.
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RELATO DE EXPERIÊNCIA: INTERFACES E PERSPECTIVAS DA ATUAÇÃO
928
MULTIDISCIPLINAR NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
O presente trabalho parte das vivências realizadas na disciplina de Estágio Básico II que
integra a matriz curricular do curso de Psicologia, em que foram realizadas atividades de campo
em uma escola de Ensino Fundamental da rede pública estadual localizada na cidade de
Parnaíba, Piauí. Entre os propósitos da disciplina situa-se a ideia de possibilitar o diálogo entre
o aprofundamento teórico e a observação de processos de desenvolvimento e aprendizagem que
ocorrem em contextos educativos. Nesse sentido, o relato tem como objetivo compartilhar
experiências discentes no âmbito das atividades realizadas durante o estágio, tendo em vista o
desenvolvimento de competências para o uso de estratégias que possibilitaram o levantamento
de demandas e articulação de uma proposta de intervenção frente às necessidades da escola,
sob o olhar da Psicologia Educacional e Escolar.
Adentrando o desenvolvimento e inserção tanto de serviços psicopedagógicos e
psicológicos no ensino no Brasil, a história da Psicologia Escolar e Educacional no país se
desenvolve inicialmente em contextos de disciplinas curriculares nos cursos de licenciaturas e
de pedagogia nas universidades brasileiras no começo do século XX. Tendo como advento a
regulamentação no Brasil da profissão do Psicólogo em 1962, profissionais psicólogos passam
a atender à crescente demanda nas organizações escolares brasileiras (Patto, 1997).
Com a expansão de queixas escolares que adentram o âmbito psicológico formou-se
uma luta contínua por políticas públicas que promovessem a inserção do psicólogo escolar na
educação pública brasileira, sendo elaborada no ano 2000 a PL 3.688/2000 na Câmara Federal
que possibilitou a inserção de serviços de Psicologia e Serviço Social na rede pública. Contudo,
só no ano de 2019 houve um marco histórico na luta pela inserção do profissional psicólogo e
do assistente social no contexto de escolas públicas brasileiras. Assim, a regulamentação da Lei
13.935/2019, postula que colégios de educação básica deverão contar com serviços de
Psicologia e Serviço Social, no qual devem atuar de forma conjunta, multiprofissional e
interdisciplinar (Lei n. 13.935, 2019).
Diante disso Barbosa e Marinho-Araújo (2010) apontam que a forma como o modelo
educacional brasileiro foi construído teve grande influência dos modelos educacionais da
França e Estados Unidos. Logo posto, foram replicados modelos estrangeiros na formação
curricular, organizacional, teórica e prática brasileira no século XX sem uma elaboração crítica
e participativa, não levando em consideração as características regionais que o Brasil possui.
Deste modo, causando distorções, dilemas e desafios na aprendizagem que perduram até hoje
929
no sistema educacional brasileiro (Vidal & Faria-Filho, 2003).
A práxis dos psicólogos inseridos nestas instituições, em grande maioria de contexto
privado, seguiam tendências de avaliação psicológica e clínica na escola, buscando melhores
rendimentos de alunos conforme trata Patto (1997). Para Lima (2017) essa prática profissional
do psicólogo escolar que Patto (1997) elucida no século XX ainda é presente na atuação
profissional do psicólogo escolar voltado a um modelo clínico, alocando o indivíduo com
dificuldades de aprendizagem como sujeito que necessita de ajustamento. Diante disso, a culpa
acaba sendo direcionada ao educando, faltando por parte do profissional uma visão holística da
problemática, não levando em conta o ambiente de aprendizagem, o contexto sociocultural e
familiar vivenciado pelo aluno (Barbosa & Marinho, 2010).
Observando as demandas apresentadas, Guardou e Develay (2005) subentendem que os
psicólogos escolares devem abandonar esses parâmetros calcados apenas em atuações clínicas.
Segundo os autores a função do Psicólogo Escolar Educacional é de promover uma educação
inclusiva, com uma rede de atuação interdisciplinar e multidisciplinar, promovendo assim a
saúde física e mental no corpo organizacional da instituição e incentivando a criação de um
espaço de aprendizado com desenvolvimento de potencialidades.
Assim, em virtude das funções atribuídas ao psicólogo escolar, é importante ressaltar
que esse profissional tem papel de destaque na implementação de políticas públicas -
principalmente com a nova regulamentação da Lei 13.935/2019 - que insere na política
educacional novos profissionais na rede pública de ensino. Por conseguinte, outra política muito
importante implementada foi a criação da Política Nacional de Educação Especial na
perspectiva da Educação Inclusiva, lançada no dia 17 de setembro do ano de 2008 por meio do
decreto constitucional de nº 6.571, que posteriormente foi revogado pelo decreto de nº 7.611 de
17 de novembro de 2011 (Brasil, 2008).
Esse decreto lança as diretrizes que orientam e disciplinam a educação especial no país,
evidenciando o compromisso do Estado em garantir que o sistema educacional seja inclusivo
em todos os seus níveis, não havendo separação de escolas específicas para atendimento a este
público. Posto tal, a lei assegura apoio às instituições de ensino do país, promovendo a
capacitação para os profissionais da área da educação (Brasil, 2008). Uma das estratégias
criadas por essa legislação para promover a inclusão dos alunos é o chamado Atendimento
Educacional Especializado (AEE), que visa a identificação, elaboração e organização dos mais
variados recursos pedagógicos para eliminar as barreiras e potencializar a aprendizagem dos
alunos que apresentam algum tipo de necessidade especial (SEESP/MEC, 2008). Esse trabalho
deve contar com uma sala multifuncional, que deve ser bem equipada com materiais lúdicos
que vão auxiliar no trabalho deste profissional com os alunos que apresentam algum tipo de
especificidade.
Dentre os diversos tipos de necessidades especiais que as escolas devem estar
preparadas para lidar, podemos destacar os alunos que apresentam o Transtorno de Espectro
Autista. A Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista, foi criada pela Lei de nº 12.764/2012 e além de assegurar os direitos à pessoa com esse
transtorno também veda a recusa de matrícula à pessoa com qualquer tipo de deficiência,
prevendo punição ao gestor que praticar tal ato (Lei n. 12.746, 2012). Tal lei ganhou o nome de
Lei Berenice Piana, fazendo uma homenagem a essa militante brasileira que é co-autora dessa
930
legislação.
A partir da criação dessa política, a figura do Acompanhante Terapêutico (AT) passou
a possuir um papel de destaque na integração de estudantes com Transtorno do Espectro Autista
nas escolas regulares. Esse profissional tem como função facilitar a aprendizagem desse aluno,
trabalhando em conjunto com os demais responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem
no âmbito escolar. A figura do AT dentro das escolas públicas faz parte do compromisso
assumido pelo Estado de transformar a instituição escolar em um lugar onde os alunos poderão
se desenvolver plenamente, tendo suas necessidades atendidas de maneira eficaz.
O AT deve trabalhar em conjunto aos professores do atendimento educacional
especializado, aos demais docentes e funcionários da escola, visando promover a ambientação,
a integração e autonomia dos alunos que apresentam esse tipo de transtorno, transpondo assim
as barreiras que impedem a aprendizagem (Gardou, 2011).
Em vista disto, a prática escolar deve contar com a participação dos responsáveis e/ou
familiares do educando, assumindo assim um papel de vetor no processo de ensino-
aprendizagem. Assim, as instituições de ensino devem repassar os conteúdos ensinados através
de um alicerce formativo e intelectual respeitando as individualidades de cada aluno. Visto tal,
a família ocupa um papel essencial na integração do aluno, contribuindo para o
desenvolvimento da afeição, cognição e socialização no espaço vivenciado. Nesse sentido, a
escola e seio familiar se apresentam como construtores e responsáveis pelo educando em uma
visão vertical como promoção da inclusão na realidade de unidades pedagógicas (Dessen &
Polonia, 2007).
Acerca disto, as unidades escolares não devem usar o modelo de atenção e auxílio para
alunos especiais calcados em perspectivas de deficiências e vulnerabilidades no educando. Ao
contrário, as potencialidades dos sujeitos e suas histórias devem vir em primeiro lugar, não
reduzindo o estudante ao diagnóstico que lhe foi dado (Gardou, 2011). É importante também
que a escola esteja preparada para promover a integração entre todos os alunos, evitando
situações de exclusão e trabalhando fortemente ações que visam atuar no combate ao bullying
e a violência escolar.
Neste sentido, a prática do Psicólogo Escolar na contemporaneidade passa por um
momento de reinvenção e construção de atuações mais integrativas, junto a democratização dos
serviços na rede pública de educação brasileira. Isto posto, a nova práxis do psicólogo junto ao
assistente social no contexto educacional carrega desafios de integração com serviços já
existentes para alunos com necessidades educativas especiais como AEE, e os profissionais
como os AT, em uma atuação multiprofissional e transdisciplinar.
Metodologia
Caracterização do campo
O estágio básico supervisionado desenvolveu-se em uma escola de Ensino
Fundamental da rede estadual localizada na cidade de Parnaíba, PI. A escola foi fundada em
1964, possui um total de 319 alunos matriculados, 16 professores efetivos e 17 contratados. O
931
funcionamento é dividido nos turnos da manhã e tarde, com turmas do sexto ao nono ano do
ensino fundamental e contando também com duas salas de Educação de Jovens e Adultos no
turno vespertino.
No tocante à estrutura física, o colégio é composto por dois prédios, divididos em 4
blocos, sendo 3 deles destinados a salas de aulas e 1 bloco onde se localiza a parte administrativa
e o refeitório. A unidade escolar possui 6 salas de aula, 1 biblioteca, 1 sala de Atendimento
Especializado, 2 banheiros, 1 pátio, 1 quadra e uma casa que outrora servia de moradia para o
caseiro, estando atualmente em completo abandono. O colégio é cercado por muros e conta com
um portão principal como entrada.
Procedimentos utilizados
Foram realizadas visitas técnicas ao longo do semestre letivo para levantamento de
demandas educacionais sob a visão da Psicologia Escolar e Educacional, utilizando técnicas de
observação sistemática, observação participante e entrevistas semiestruturadas. Tal
metodologia possibilita a convivência do pesquisador com os indivíduos ou grupos investigados
oportunizando condições que facilitem que o processo de observação guiado a uma
compreensão da rotina cotidiana do ambiente (André, 1997; Martins, 1996).
Além dos aspectos gerais que caracterizam o contexto escolar, as observações e coleta
de dados acerca das demandas educacionais foram realizadas de maneira específica junto ao
AEE da escola. Assim, foram acompanhadas atividades realizadas junto a cinco estudantes que
apresentam Transtorno do Espectro Autista (TEA), nos mais variados níveis, sendo um dos
educandos apresentando também a Síndrome de Tourette, que segundo o Manual diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), consiste em um distúrbio neuropsiquiátrico
caracterizado por tiques múltiplos, motores ou vocais, que se apresentam desde a infância
(APA, 2014).
As atividades do AEE são realizadas em uma sala, que conta com 2 computadores, 1
banheiro privativo, mesas e cadeiras para estudo. O recinto é equipado com jogos lúdicos,
educativos, esquemas corporais, jogos de memória, dentre outros materiais que são utilizados
para potencializar a aprendizagem dos estudantes. No que diz respeito ao funcionamento,
existem duas profissionais que são responsáveis pelo atendimento especializado na escola em
turnos alternados. Os atendimentos se dão de forma individual nos contra turnos em que os
educandos estudam e têm como foco apoiar a realização de atividades e avaliações, bem como
oferecer suporte aos professores da escola e aos AT em relação às atividades pedagógicas
realizadas em sala de aula.
Desse modo, foram realizadas observações da interação entre os alunos contemplando
os diversos ambientes da instituição, como na sala de aula nas relações entre colegas e
professores, alguns atendimentos no serviço de AEE, a interação entre os alunos durante o
recreio, entre outros aspectos. Para isto foi utilizado um diário individual de observações que
ao final de cada visita a escola, eram transcritos os aspectos que mais chamaram atenção dos
estagiários, levando em consideração o aprofundamento teórico que fundamenta o trabalho.
Em complemento às observações e para maior entendimento do ambiente escolar foram
932
realizadas entrevistas semiestruturadas com os diversos atores da comunidade escolar, entre
eles: a diretora; dois professores, uma bibliotecária, uma AT e uma professora responsável pelo
AEE. O roteiro de entrevista semiestruturada dispunha de 12 perguntas acerca de aspectos como
gestão escolar, relação escola-família, o cotidiano na sala de aula de alunos com necessidades
educativas especiais, o processo avaliativo e o papel do profissional AT e do serviço de AEE
no âmbito educacional e inclusivo.
No processo de análise dos dados obtidos da observação participante, foi utilizado os
diários como guia de levantamento de demandas para categorização e organização das
necessidades e queixas escolares mais recorrentes percebidas pela dupla de estagiários no
colégio. Assim, a discussão ativa e participativa entre as experiências e afetações individuais e
as concepções que atravessaram ambos foi fundamental para a compreensão e construção da
experiência desenvolvida na prática educacional e o papel do psicólogo neste contexto.
Em vista disto, para a análise das entrevistas semiestruturadas realizadas foi utilizado
como método a análise de conteúdo proposta por Laville e Dionne (1999). Considera-se que
esse prisma metodológico qualitativo de tratamento de dados possibilita a interpretação das
falas dos entrevistados e agrupamento por eixos. Deste modo, a busca pela utilização dos
referidos métodos de tratamentos de dados coletados, visou contemplar os diferentes locais de
fala e atuação, em que os profissionais de educação se constituem diariamente na escola, tendo
como objetivo assim uma visão holística sobre o processo educacional e protagonismo entorno
dos diferentes atores da educação inclusiva.
Resultados e Discussão
Após as observações realizadas e o término da coleta de dados, foi possível identificar
as principais demandas da instituição no que concerne à inclusão, levando em conta não apenas
os estudantes isoladamente, mas considerando todo o contexto em que estão inseridos. Partindo
disso, os resultados são apresentados e discutidos em torno de eixos temáticos nos quais foram
agrupadas as demandas observadas.
O eixo 1 representa os desafios da educação inclusiva, que foram identificados a partir
das observações realizadas na referida instituição de ensino, sendo possível inferir que a
implementação da educação inclusiva na escola enfrenta importantes desafios. A maior
dificuldade se dá em relação a inserção dos AT e o seu papel nessa rede de apoio aos estudantes
com necessidades especiais. Durante a realização do estágio foi observado que apenas um dos
quatro alunos com transtorno do espectro autista estava sendo acompanhado pelo AT, o que
configura um problema, já que todos os alunos com necessidades especiais deveriam ter esse
acompanhamento, que é garantido por direito.
A relação entre o AT e os professores das diversas disciplinas também poderia ser
potencializada, uma vez que não se observa o desenvolvimento de um trabalho conjunto com o
corpo docente e os demais funcionários da escola. De acordo com Nascimento, Teixeira, Spada
e Dazzani (2019) o AT se constitui como um sujeito que vai mediar a relação do estudante com
os colegas de turma, professores e demais funcionários para, assim, realizar atividades que
promovam a inclusão dos estudantes com necessidades especiais.
Todas essas questões evidenciam a necessidade de formação desses profissionais, tendo
933
em vista ampliar o conhecimento acerca de seu papel junto ao processo de desenvolvimento e
aprendizagem do estudante autista, assim como a necessidade de trabalho conjunto com os
demais educadores. Esse aspecto também pode ser evidenciado através do relato de um dos AT
que foi entrevistado, uma vez que não ficou muito clara a descrição de suas atribuições, sendo
que possui formação universitária em Biologia, havendo realizado um curso online sobre a
função do AT.
Conforme relatado anteriormente, a escola apresenta uma boa estrutura, já que conta
com uma sala de AEE totalmente equipada e com uma funcionária em cada turno, as quais,
segundo os relatos, mantém uma boa relação entre si, os docentes e demais funcionários da
escola, criando uma boa atmosfera de trabalho, demonstrando-se como um elo entre todo o
corpo escolar.
Diante disso, a escola se mostra disposta a promover uma verdadeira inclusão entre seus
alunos, mas entraves ligados a dificuldades enfrentadas pela gestão e a própria formação dos
profissionais estão impossibilitando que a inclusão ocorra de modo eficaz dentro desse espaço
educacional. Portanto, a inclusão escolar é um processo que demanda a integração e a
participação da escola e da família, além da constante atualização e renovação das práticas
necessárias para a promoção de uma inclusão efetiva (Carvalho, Mira & Santos, 2018).
O eixo 2 corresponde à integração escola e família, sendo possível identificar algumas
demandas e potencialidades pertinentes à unidade escolar em questão. De acordo com os relatos
dos educadores, boa parte das famílias possui uma participação restrita no processo de
escolarização dos filhos, sendo comum a ausência dos pais ou responsáveis nas reuniões
coletivas e também quando convocados, fazendo-se uma estimativa de que menos da metade
comparecem. Como se pode perceber, a pouca participação da família no processo de
escolarização importante dos filhos não é uma dificuldade exclusiva dessa escola, tendo em
vista que demarca uma realidade que assola quase todas as escolas do país. Entretanto, é
importante estabelecer vínculos fortes de parceria entre a escola e a família, tendo em vista
desmistificar a ideia de que a escola é construída apenas por alunos e professores, onde os pais
e familiares não exercem um papel significativo na educação dos estudantes.
A participação efetiva do núcleo familiar desses estudantes é de grande valia como a
integração do estudante especial no ensino regular, sendo a família uma aliada muito importante
no processo de ensino e aprendizagem dos alunos como postulam Dessen e Polonia (2007). A
família também representa uma grande parceira no que diz respeito à educação em valores e ao
abordar temas complexos como sexualidade, uso de drogas, violência, assim, como explicita
Patto (1997), a família e colégio devem compreender o desafio de tratar de temas simples ou
complexos de maneira unida, esta parceria entre essas instituições educacional e familiar é
primordial para trabalhar-se a questão nos diferentes contextos em que o jovem vivencia.
Diante disto, percebe-se que esses temas necessitam ser abordados, tendo em vista que
essa é uma realidade que perpassa a vida de todos os alunos da instituição de forma direta ou
transversal, não retirando desse processo os alunos com necessidades educativas especiais.
Concebendo assim que essa também é a realidade de todos os atores educacionais da
organização e devendo ser trabalhada de forma que possibilite a compreensão e formação deles
acerca da temática e suas implicações.
O eixo 3 diz respeito à atuação multiprofissional e interdisciplinar, ressaltando-se
934
escola possui uma equipe multidisciplinar composta por professores das mais diversas
disciplinas, acompanhantes terapêuticos e professoras do atendimento educacional
especializado, conforme as diretrizes da educação inclusiva indicam. Observamos que a rede
de profissionais na escola é bem preparada e articulada, no entanto algumas barreiras foram
encontradas, o que pode consistir em um entrave para que o trabalho seja exercido da melhor
forma possível.
Conforme as falas dos entrevistados, foram identificadas questões que giram em torno
da necessidade de formação continuada, sobretudo para promover processos de inclusão, além
de haver limitação das funções de alguns dos profissionais que compõem a equipe da escola e
desconhecimento do papel que desempenham por parte dos companheiros de trabalho. Esse
desconhecimento fica evidente nas falas das professoras entrevistadas, quando elas relatam não
possuir conhecimento acerca das funções que os ATs realizam o que pode dificultar o trabalho
em equipe.
O próprio AT, muitas vezes não tem clareza sobre a sua função no cenário escolar, sendo
que, muitas vezes, limita-se a traduzir os conteúdos ministrados em sala para o aluno, de forma
a promover o entendimento do estudante acerca do assunto estudado. O AT tem a função
também de educador e profissional integrado ao ambiente e seus adventos na construção da
evolução biopsicossocial do aluno com necessidades especiais.
Quanto maior a integração entre esses profissionais, melhor será a inclusão do aluno ao
ambiente escolar e maior será a sua evolução, sendo essa equipe muito importante nos debates
e ações acerca de questões como sexualidade e uso de drogas, que estão presentes no contexto
escolar. É importante que todos estejam integrados e trabalhando em um objetivo comum, que
é o de promover a autonomia a esse estudante, ultrapassando as barreiras que dificultam o
processo de aprendizagem do mesmo.
Acerca disto, com a regulamentação da Lei 13.935/2019, que insere o psicólogo e
assistente social no contexto das escolas públicas brasileiras gera novos desafios e
potencialidades. Fica o desafio em como as políticas públicas educacionais vão guiar os
profissionais psicólogos em escolas, evitando uma práxis reducionista apenas ao modelo
clínico. Visto tal, a orientação escolar individual junto a uma escuta qualificada ou
aconselhamento pontal - atendendo uma prática clínica no ambiente escolar - muitas vezes é
necessária dependendo dos casos, porém, apenas essa ferramenta do psicólogo escolar não é
capaz trabalhar questões tão complexas do âmbito sociocultural como trata Lima (2017).
Deste modo, a escola na contemporaneidade, muitas vezes, ocupa o espaço dedicado
ao ensino-aprendizagem e obtenção de resultados, pondo em segundo plano seu papel
fundamental no desenvolvimento humano e das relações interpessoais, sendo um ambiente
desafiador para crianças e adolescentes que possuem algum tipo de necessidade educativa
especial. No presente relato, foi perceptível a importância fundamental da união entre família e
escola no sucesso de ensino-aprendizagem dos alunos com necessidades educativas especiais.
A oferta de um serviço de AEE bem estruturado, com profissionais capacitados e uma
interlocução com professores e gestão, potencializam totalmente a relação dos educandos com
necessidades especiais.
Por fim, o presente relato buscou levantar como experiências pré-profissionais na
935
Educação Inclusiva são fundamentais no âmbito da graduação para o desenvolvimento de
competências enquanto profissional e componente de equipes multiprofissionais. Acerca disto,
é necessário repensar e discutir práticas que vão além do levantamento de demandas e fujam de
um olhar reducionista de questões tão complexas como expostas neste trabalho. Portanto, é
imprescindível a elaboração de políticas públicas de promoção de formação profissional
continuada, melhor remuneração dos agentes escolares, estrutura escolar adequada e atividades
educacionais voltadas à temática.
Referências
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MOTIVOS DE EVASÃO EM ACADÊMICOS DE ADMINISTRAÇÃO E
937
ENFERMAGEM DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA
Introdução
No cenário atual marcado pela globalização (novo mercado, competitividade, novas
matérias-primas, procedimentos e produtos) e a expansão do Ensino Superior as formas de
produção foram afetadas, de forma que passaram a se centrar na prestação de serviços e a exigir
alterações nas relações laborais, sociais, informais, além de melhoria na qualidade dos contatos
interpessoais. De maneira que somente a competência técnica e o esforço não são suficientes
para lidar com essas demandas, destacando-se a necessidade de desenvolvimento de novas
competências, principalmente, as interpessoais e sociais cada vez mais requeridas dos discentes
do Ensino Superior (Moreno-Jimenez & Camacho, 2014).
Assim no contexto do Ensino Superior algumas competências contribuem para uma
atuação eficaz em diferentes situações do ambiente profissional, no contexto globalizado,
dentre as quais se sobressaem: a capacidade de trabalho em equipe, a responsabilidade e a
comunicação. Portanto, segundo Lopes et al. (2017) para além de habilidades técnicas, têm sido
requerido dos discentes competências para trabalhar em equipe, falar em público, resolver
problemas, tomar decisões, comunicar-se de forma empática e assertiva, que constituem classes
de habilidades sociais, tornaram-se mais valorizadas. Daí a importância de se buscar na
formação de graduandos conhecer aspectos relacionados ao processo de adaptação ao contexto
universitário, para buscar identificar elementos relativos à evasão.
Assim é importante destacar o processo de expansão do Ensino Superior no Brasil, que
começa a expandir-se na década de 1960 devido a reforma universitária que proporcionou uma
divulgação acentuada; enquanto na década de 1970 observa-se a ampliação tanto de
ingressantes em Instituições de Ensino Superior (IES) como também no número de cursos e
instituições; e a partir da década de 2000, observou-se um incremento ainda mais significativo
nesse processo de expansão. Contudo, em conjunto com o processo de expansão também houve
o aumento de casos de pessoas que iniciam, e não concluem a graduação, fenômeno
denominado evasão do Ensino Superior (Bardagi & Hutz, 2009; Brasil, 1996; Lobo, 2012;).
Logo discorrer sobre o tema da evasão no Ensino Superior significa abordar o baixo
desempenho acadêmico associado à má integração social e acadêmica que influenciam de forma
significativa na desistência do curso. De forma que o passar dos anos no contexto do Ensino
Superior, implica na necessidade de alargar a relevância de aspectos relativos à integração e
envolvimento acadêmico, que geralmente são mais evidentes no 1º ano do curso (Tinto, 1975;
938
2007).
No Brasil os estudos acerca da evasão são recentes e ainda com quantidades ainda
consideradas baixas. Evidenciam-se os estudos realizados por Ambiel (2016), cujas pesquisas
na área culminaram na construção de instrumento que aborda especificamente a evasão, a
Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior. Tal autor ainda pontua que as intervenções
com o intuito de diminuir os índices de evasão devem ser realizadas ainda no 1º ano do curso,
período que requer do(a) discente adaptação não somente ao contexto universitário, mas
também à nova realidade de convivência social, como morar longe da família, assumir
responsabilidades financeiras e sociais em manter um lar. Pelas razões citadas, neste projeto
pretende-se focar em estudantes de graduação do 1º e 4º blocos dos cursos de Administração e
Enfermagem do CAFS/UFPI.
Assim alguns graduandos tendem a apresentar dificuldades em transpor características
e habilidades que tinham antes de adentrar ao contexto universitário, especialmente, no que
concerne aos objetivos, compromissos e expectativas em relação à carreira. Ou seja, para
compreender se o discente irá persistir ou evadir do curso, é necessário compreender que a
universidade enquanto contexto social e institucional requer que o estudante se adapte às
características do curso e apresente integração acadêmica e social, sendo que tais aspectos são
influenciados tanto pelos fatores do próprio estudante (objetivos e compromissos) como por
fatores externos (por exemplo, desempenho acadêmico).
A partir dessa perspectiva, elencou-se como objetivo geral avaliar a força de motivos
potenciais de evasão de discentes dos cursos de Administração e Enfermagem do CAFS/UFPI,
e como objetivo específico evidenciar o percentil dos componentes (institucionais, vocacionais,
falta de suporte, carreira, desempenho acadêmico, interpessoais ou autonomia) relacionados aos
riscos de evasão em discentes dos cursos de graduação em Administração e Enfermagem do
CAFS/UFPI. Ressalta-se que os dados apresentados nesse trabalho se referem a uma parte dos
dados parciais de projeto de pesquisa vinculado ao Edital PIBIC/UFPI 2019-2020.
Aspectos Metodológicos
O presente estudo consiste em uma pesquisa de abordagem quantitativa descritiva de
corte transversal. Conforme Marconi e Lakatos (2014) essa modalidade de pesquisa possibilita
analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento
humano. Assim pode-se obter análises mais detalhadas sobre as investigações, hábitos,
atitudes, tendências de comportamentos dentre outros.
940
utilizados como parâmetros (Ambiel, 2016).
Resultados
Acerca dos dados obtidos com a aplicação do questionário estruturado e com a aplicação
da M-ES, primeiramente são apresentados os dados referentes a algumas variáveis que
caracterizam os acadêmicos, em seguida, os dados relativos aos motivos potenciais de evasão.
Assim na Tabela 1 constam os resultados referentes aos dados sociodemográficos e dados sobre
curso dos discentes que participaram da pesquisa.
Tabela 1: Dados sociodemográficos e da graduação dos discentes que participaram da pesquisa, Floriano-PI,
2019.
Variáveis Dados
31,3% Recebem benefício, sendo que 22% têm BAE (Bolsa de Assistência
Estudantil)
A seguir, na Tabela 2 estão apresentados os dados relacionados aos motivos potenciais que
podem levar os discentes dos cursos supracitados a evadirem.
Frequência Classificação
Componentes
Relativa
941
Motivos Relacionados à Autonomia 29% Forte
Discussão
No que concerne às variáveis sociodemográficas dos acadêmicos dispostos na Tabela 1,
observou-se maior porcentagem para o sexo feminino, tais resultados foram coerentes aos do
Fonaprace (2018), que indicaram que em 2018, o sexo predominante nas instituições de ensino
superior (IES) foi o feminino, com valor de 54,6% desse público a nível nacional e 50,6% na
região Nordeste. Com relação à média de idade neste estudo ela foi um pouco abaixo do valor
obtido na pesquisa do Fonaprace (2018) que foi de 24 anos, todavia em termos de porcentagem
49% dos acadêmicos se encontravam na faixa etária de 20 a 24 anos, portanto os dados deste
estudo foram semelhantes neste aspecto aos da pesquisa sobre o perfil dos estudantes de
graduação (Fonaprace, 2018). Em relação ao estado civil, a frequência maior foi de acadêmicos
solteiros, dado também semelhante ao do Fonaprace (2018).
Em relação aos cursos, destaca-se que os cursos de Administração e Enfermagem estão
entre os 10 cursos mais preferidos conforme o Censo de Educação Superior. Os dados acerca
da quantidade de alunos por período, embora tenham sido convidados todos os alunos do
período a participar da pesquisa, pôde-se observar que a quantidade de discentes tem diminuído
com o avançar dos períodos, existindo casos de evasão. E quanto ao turno, o curso de
Enfermagem funciona em turno integral e o de Administração em turnos alternados vespertino
e noturno, sendo que o 1º período pesquisado foi noturno. Frisa-se que a quantidade de alunos
matriculados no curso de Administração também é maior, por ser disponibilizada 50 vagas por
semestre, enquanto no de Enfermagem são ofertadas apenas 30.
No quesito receber algum benefício da instituição, a maioria indicou não receber, neste
tópico destaca-se que o MEC libera uma verba para ser aplicada em políticas de assistência
estudantil, a exemplo a Bolsa de Assistência Estudantil (BAE) que segundo a Tabela 1, apenas
22% dos estudantes recebem esse auxílio, porcentagem baixa quando levado em consideração
que 70,2% dos discentes de nível superior possuem uma renda mensal familiar de até 1,5
salários mínimos, esse fator pode levar o acadêmico a evadir do curso por não ter condições
financeiras de se manter (Fonaprace, 2018).
Acerca dos dados obtidos dos motivos potenciais de evasão destacados na Tabela 2, é
pertinente esclarecer cada grupo de motivo (ou fator) proposto por Ambiel (2016). Os Motivos
Institucionais são aqueles relativos à interação dos alunos com os professores e com os
funcionários da instituição, além disso, contempla a parte estrutural e os serviços oferecidos.
Os Vocacionais correspondem aos motivos ligados a dúvidas dos estudantes sobre
permanecerem no curso e a vontade de ingressar em outros cursos superiores. Já os Motivos de
Falta de Suporte dizem respeito à dificuldade em conciliar o trabalho e o curso, lidar com a
carga excessiva, assim como avalia as dificuldades financeiras (Ambiel, 2016).
Os Motivos Relacionados ao Desempenho Acadêmico referem-se às notas baixas,
reprovações e dificuldades de compreensão do conteúdo. O componente Motivos Interpessoais
faz referência às dificuldades na convivência dos estudantes com os colegas, e a falta de amparo
deles quando surgem dificuldades pessoais ou acadêmicas. Enquanto os Motivos Relacionados
942
à Carreira referem-se à ansiedade dos estudantes a respeito da profissão que vão exercer
futuramente, quanto às atividades correspondentes a profissão. Os Motivos Relacionados à
Autonomia avaliam questões como morar longe dos familiares, adquirir responsabilidades na
rotina doméstica e acadêmica (Ambiel, 2016).
Uma boa comunicação entre o corpo docente da instituição com os discentes pode
possibilitar que os acadêmicos se sintam seguros e falem a respeito de seus medos, dúvidas, e
anseios sobre o curso. Como visto na Tabela 2, os motivos institucionais apresentaram
classificação média, tendo assim um motivo potencial para possível evasão dos alunos.
Conforme a pesquisa de Mello e Santos (2012), realizada com estudantes de administração foi
identificado que 100% dos entrevistados não falaram a respeito da decisão de evadir com o
coordenador do curso e professores. Isso pode implicar que não existe uma boa relação
comunicativa entre os alunos e a instituição, logo não há como fazer a identificação dos
problemas e, consequentemente, como realizar intervenções para identificar os motivos dos
alunos para evadir dos cursos superiores.
Segundo a Tabela 2, os Motivos Vocacionais receberam a classificação “muito fraco”,
ou seja, não é um fator que apresenta influência significativa na decisão dos acadêmicos dos
cursos de Administração e Enfermagem a evadirem. Já no estudo de Barlem et al. (2012), esses
motivos foram expressivos para os estudantes que evadiram do curso de Enfermagem, de forma
que os autores citaram como motivos para a evasão: a não identificação com a profissão após
as práticas, falta de conhecimento a respeito do trabalho do enfermeiro, e a desvalorização da
profissão, portanto tais dados foram contrários aos obtidos nesse estudo.
Além dos Motivos Vocacionais, os Motivos de Falta de Suporte e os Relacionados à
Carreira, foram classificados, respectivamente, como “Muito Fraco” e “Fraco”, de forma que
nos acadêmicos pesquisados tais componentes não exercem influência considerável para a
evasão. Em um trabalho realizado por Ambiel (2015) indicou como principais motivos de
evasão dos entrevistados a carga excessiva do trabalho, as exigências do curso superior, ter que
deixar de trabalhar para fazer estágios e não ter tempo para participar de atividades
extracurriculares. Estes motivos condizem nesta pesquisa com os relacionados à Falta de
Suporte que teve frequência baixa e classificação “muito fraco”, de tal modo os dados deste
estudo foram diferentes dos obtidos no estudo de Ambiel (2015).
Em relação ao fator Motivos Relacionados à Carreira os dados desse estudo não foram
tão influenciadores para a evasão para os universitários estudados, como no estudo de Barlem
et al. (2012), no qual a evasão do curso pode estar implicada com o reconhecimento da
desvalorização da profissão, quebra das expectativas e perda do entusiasmo em relação ao
futuro profissional.
Contudo, Ambiel (2015) ao abordar os motivos de falta de suporte frisa que este
componente gera consequentemente dificuldade no componente relativo ao desempenho
acadêmico que neste estudo apresentou uma classificação “média”, exibindo neste quesito
semelhanças com a pesquisa citada. Assim é importante frisar que Ambiel (2015) já sinalizava
que o desempenho acadêmico pode ser influenciado por diversos fatores, um deles é a falta de
suporte, mas também outros como os que se destacaram nesse estudo, como os interpessoais e
relacionados à autonomia, e isso pode resultar em um desempenho acadêmico baixo,
caracterizado por reprovações e trancamento de disciplinas, conforme o Fonaprace (2011).
Outro aspecto a ser ressaltado é o fato de boa parte dos acadêmicos ser oriunda de outras
943
cidades, sendo necessário ficar meses longe de suas famílias, e começar a ter inúmeras
responsabilidades tanto nas obrigações que a universidade requer como também em afazeres
domésticos. Este fator foi percebido nesta pesquisa, já que os motivos relacionados a autonomia
contempla questões como morar longe dos familiares, adquirir responsabilidades na rotina
doméstica e acadêmica, que apresentou classificação ”forte” na Tabela 2, mostrando que tais
aspectos podem contribuir para o acadêmico evadir, tal como foi observado nos estudos de
Barlem et al. (2012) e Ambiel, Santos e Dalbosco (2016).
Em relação aos Motivos Interpessoais expostos na Tabela 2 com classificação “média”,
é pertinente alertar sobre a probabilidade deste dado levar os estudantes a evadir do curso, dessa
forma os resultados obtidos na pesquisa convergem com os Ambiel & Barros (2018) e Soares
et al. (2014) que informaram que discentes que estão envolvidos na formação de vínculos
afetivos tendem a apresentar uma melhor adaptação ao contexto. De forma, que é necessário
refletir acerca das possíveis razões que para os pesquisados este componente está influenciando
sua probabilidade de evadir, como por exemplo, como tem sido o relacionamento com colegas
de turma, com outras pessoas fora do ambiente universitário, considerando que a maioria é
originaria de cidade diferente da qual está estudando no momento.
Considerações finais
Os objetivos traçados foram alcançados, sendo possível perceber com base nos
resultados as contribuições futuras da pesquisa para elaborar estratégias que venham diminuir
a taxa de evasão, possibilitando que tanto o grupo responsável pela pesquisa, quanto todos que
compõem a instituição sejam discentes, professores, coordenadores e gestores, para que possam
trabalhar em busca de melhores relacionamentos entre todos do núcleo universitário, uma vez
que, os motivos institucionais indicaram estar influenciando a evasão dos pesquisados.
Com base nos resultados desse estudo é possível que a instituição trace caminhos e
torne-se mais preparada para assumir o tema evasão, atuando de forma preventiva com todos
os envolvidos e ampliando a atuação e estrutura psicopedagógica oferecida ao discentes bem
como o suporte. De forma que trabalhar nessa perspectiva, pode contribuir para que os
acadêmicos tenham uma maior adaptabilidade acadêmica, por conseguinte, maior engajamento
em sua carreira, além de buscar proporcionar mais informação e espaços para reflexão e
discursão a respeito.
A maioria dos acadêmicos de nível superior é advinda de outros Estados e municípios,
tendo assim que se adaptar a vida em outra cidade longe dos familiares, enfrentando uma
jornada acadêmica que não estão acostumados, o que pode ser um grande desafio. Essa
mudança pode acarretar problemas financeiros para estudantes que não tem uma boa estrutura
econômica, o que pode levar a um ingresso precoce no mercado de trabalho para tentar se
manter no curso, este por consequência, pode prejudicar a vida acadêmica, pois o estudante
acaba por não conseguir conciliar os estudos e a jornada de trabalho, a assiduidade pode também
ser afetada, como também o desempenho em trabalhos e provas, e por fim, resultar em
reprovações nos componentes curriculares.
Por isso é importante estar atento a essas questões, como também desenvolver maneiras
para diminuir a evasão por conta dos motivos relacionados a autonomia, pois quando o
estudante recebe algum tipo de suporte da universidade seja benefício ou bolsas de projetos de
944
pesquisa e/ou extensão, esses estudantes terão mais chances de permanecer no curso. Também
é necessário que os docentes estejam mais cuidadosos e abertos ao diálogo com os estudantes
que trabalham e precisam se dedicar também a universidade, para que o estudante tenha uma
flexibilidade nos horários não prejudicando assim a assiduidade do mesmo. Nesse momento é
importante ainda o apoio e ajuda dos colegas, pois quando o estudante possui lanços afetivos
dentro da universidade ele passa a não se sentir tão sozinho, pois a ausência da família e a
saudade de casa podem afetar a vivência no curso e nas atividades acadêmicas.
Dentre as limitações ressalta-se que tantos os resultados como as sugestões apresentadas
estão pautadas em dados preliminares de um projeto de pesquisa em andamento, que está
coletando esses dados nos cursos de graduação presenciais regulares em um campus do interior,
de tal modo que algumas análises ainda estão em fase de processamento. Todavia, com os
resultados completos propostas poderão ser sugeridas e realizadas visando contribuir com
atividades ou estratégias interventivas que visem a diminuir os índices de evasão tanto para os
estudantes pesquisados, especialmente, focando motivos institucionais, relacionados ao
desempenho acadêmico, interpessoais e relacionados à autonomia.
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PREVALÊNCIA DE ESTRESSE EM ACADÊMICOS DE ADMINISTRAÇÃO DE UMA
946
UNIVERSIDADE PÚBLICA
Introdução
O estresse é decorrente de fatores ligados ao cotidiano das pessoas, que em alguns
momentos de sua vida há a necessidade de adaptação, decorrente de mudanças por estímulos
que provocam uma alteração psicológica ou física. No senso comum é definido como qualquer
tensão ou cansaço que ocorre em virtude do trabalho e atividades do dia-a-dia. Para a psicologia,
o estresse foi definido por Hans Selye (1936) como o processo de adaptação que ocorre no
organismo do ser humano, tanto psicológico, físico e hormonal em virtude de uma situação
nova ou importante em que ele se encontra.
No ambiente acadêmico, o estresse é realidade, especialmente, pela necessidade do
sujeito em adaptar-se ao ambiente acadêmico, por possuir características diferentes e
responsabilidades maiores, por se tratar do ambiente responsável por sua formação profissional.
Uma vez que tal adaptação é requerida como um passo para que ele alcance sua excelência
profissional, torna-o mais propício a adquirir estresse ao longo dos períodos em virtude das
atividades e trabalhos atrelados a sua rotina universitária, de forma que estes vão ganhando um
“peso” maior e tornando-se mais exaustivos.
Chiavenato (2014) e Silva e Sales (2016) sancionam que o estresse é resultado de
estímulos ou de agentes estressores que podem ser encontrados no ambiente, capazes de
desencadear um desequilíbrio no funcionamento global do ser humano, deixando-o mais
vulnerável a adquirir doenças. Neste contexto, percebe-se que o estresse pode interferir no
comportamento e qualidade de vida das pessoas.
Selye (1956) propôs que o estresse desenvolve-se em três fases: Alerta, Resistência e
Exaustão. Embora Selye (1956) tenha identificado essas três fases, Lipp (2005) identificou a
fase quase-exaustão, que se encontra entre a fase Resistência e a fase Exaustão. A fase Alerta
segundo os autores corresponde ao momento que o organismo se prepara para lutar ou fugir da
situação estressora, a Resistência é fase em que o sujeito tenta manter um equilíbrio interno,
porém quando há a quebra dessa resistência ele passa para fase Quase-exaustão identificada por
Lipp (2005), sendo o momento que o indivíduo não consegue se adaptar aos estímulos do
estressor, surgindo os primeiros sintomas de adoecimento - e por fim a fase Exaustão que ocorre
o surgimento de doenças decorrentes do estresse.
O estresse se faz presente no cotidiano das pessoas, podendo estar atrelado à vida
pessoal ou profissional do indivíduo, que dependendo do tempo de exposição ao fator causador
de estresse, pode trazer danos a qualidade de vida desses indivíduos, podendo afetar tanto a
saúde física quanto psicológica das pessoas. Tendo em vista tais aspectos é de suma importância
que tal temática seja abordada no ambiente acadêmico, uma vez que as metas e as pressões
sofridas nos últimos períodos do curso afetam a vida do(a) acadêmico(a) e incidem diretamente
no comportamento, fazendo com que ele responda de forma adequada ou não às diversas
947
demandas requeridas nesse contexto.
Por essa razão, esta pesquisa teve como objetivo geral avaliar a prevalência de estresse
em estudantes do 6º ao 8º período do curso de Administração de um campus de uma
universidade federal pública, destacando-se como objetivos específicos apresentar os sintomas
físicos e psicológicos de estresse citados pelos discentes; e por fim, indicar a fase do estresse
predominante nos discentes pesquisados.
Atualmente, as pessoas estão a cada dia em busca de suas realizações como profissional
e diante do caminho a ser percorrido para alcançar tais conquistas o indivíduo se depara com
situações estressoras, que podem vir a ocasionar um adoecimento tanto físico quanto mental,
em virtude do estresse que o sujeito pode adquirir no trajeto da busca por essa excelência como
profissional, e ter como consequências um adoecimento físico ou psicológico que interfere no
desempenho de suas atividades decorrente do estresse que pode ser desenvolvido durante esta
trajetória (Araújo, 2011).
Na graduação esse cenário se repete, uma vez que é um passo para que o indivíduo
alcance sua excelência profissional. Sendo assim, nos últimos períodos de curso, as metas, as
atividades e trabalhos solicitados tendem a serem em maiores quantidades e mais exaustivos.
Podem ser citados como possíveis causadores de estresse no período final de graduação, a
pressão que o indivíduo sofre para que consiga atingir as metas como TCC, estágio, trabalhos
em grupos que são estabelecidas durante sua formação. Diante desta percepção surge a seguinte
problemática: Graduandos do 6°, 7° e 8° períodos do curso de Administração podem estar
estressados em decorrência das atividades acadêmicas?
Aspectos Metodológicos
Caracterizou-se como uma investigação de abordagem quantitativa, pois, teve como
finalidade mensurar a frequência de pessoas que apresentavam estresse, assim como ver o
percentual das fases de estresse predominante. De natureza descritiva, pois descreve o
entendimento de estresse e os sintomas da fase predominante conforme os resultados da
pesquisa (Gil, 2019; Martins & Theóphilo, 2009). Quanto ao aspecto temporal foi de corte
transversal, pois os dados foram coletados apenas em um encontro no período de Agosto a
Outubro de 2019.
Instrumentos da pesquisa
Os instrumentos de pesquisa utilizados foram um questionário estruturado para colher
dados sociodemográficos como idade, sexo e estado civil, período da graduação, entre outras
variáveis pertinentes ao estudo. Além desse questionário estruturado, foi aplicado o Inventário
de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) (2005). O inventário é formado por três
quadros que se referem às fases de estresse, além de quadros que indicam a percentagem de
sintomas físicos e/ou psicológicos (Lipp, 2005).
949
Padrão). Disto tira-se a média que é dada pela soma de todos os dados percentuais dividido pelo
número de dados somados (Reis & Reis, 2002).
A análise dos dados referente ao ISSL foi feita de acordo com as instruções que consta
no manual do inventário Lipp, no qual explica passo a passo como se deve realizar a correção
desses dados, que se baseia na soma dos resultados brutos obtidos dos itens marcados nos
quadros pelo participante da pesquisa e em seguida, usando os parâmetros indicados no Manual
do ISSL (Lipp, 2005). De forma geral, os resultados obtidos possibilitam indicar se o sujeito
tem estresse ou não, se tem em qual fase o sujeito se encontra, e por fim, conforme a fase
sinaliza a porcentagem de sintomas físicos ou psicológicos (Lipp, 2005).
Aspectos éticos
Esta pesquisa obedeceu aos critérios éticos das resoluções 466/12, 510/16, 580/2018
que assegura os participantes voluntários desta pesquisa, respeitando em sua dignidade e
autonomia, assegurando a sua vontade de contribuir e permanecer, ou não, na pesquisa. Obteve
parecer favorável do CEP/UFPI – CAAE 16262019.0.0000.5214.
Resultados
Os dados apresentados têm como itens dispostos no Questionário e ISSL. De forma que
primeiramente são apresentados os dados do perfil, indicando maior porcentagem, e em
seguida, os resultados obtidos da aplicação do ISSL.
Perfil sociodemográfico
Na Tabela 1 estão apresentados os dados referentes ao perfil sociodemográfico e profissionais
dos participantes da pesquisa.
950
Extracurricular remunerado Não 84,6%
Acerca dos dados obtidos com a aplicação do Inventário Lipp, é possível visualizar os
resultados na Tabela 2, que mostra o resultado geral da avaliação da pesquisa dos alunos que
apresentaram ou não estresse.
Alerta 0 0
Resistência 45 69,2
Quase-exaustão 2 3,1
Exaustão 3 4,6
TOTAL 65 100
951
Físicos 6 9,2
Psicológicos 40 61,5
TOTAL 65 100
Discussão
Dos 65 estudantes que participaram desta pesquisa, predominou o gênero feminino,
esses dados são semelhantes ao do Inep (2018), que mostrou que as mulheres predominaram
no ensino superior, assim como também em outras pesquisas com esse público (estudantes), o
sexo feminino contempla um número maior em relação aos homens. Conforme a Tabela 1 a
maioria dos participantes são solteiros, não possui vínculo empregatício e foi preponderante
nos resultados a realização de estágio não remunerado, por ser o estágio obrigatório, dos que
fazem estágio obrigatório somente 3,1% que corresponde ao total de 2 alunos recebem
remuneração pelo estágio, no estágio extracurricular 15,4% são remunerados, houve a
predominância de alunos que possuem mais de 21 anos de idade e em relação ao tempo de
escolaridade em anos, a maioria possui 19 anos de escolaridade.
No que tange aos dados referentes ao ensino superior, destaca-se que o ingresso ao
ensino superior muda o comportamento do indivíduo à medida que ele sente a necessidade de
produzir mais, buscar novos conhecimentos, e maior abrangência na sua ação, sacrificando-se
pela excelência exigida pelo meio no qual se insere (Assis et al., 2014).
Conforme os dados da Tabela 2 pode-se observar que quase 77% dos universitários
apresentaram estresse. Neste tópico é relevante ressaltar que o estresse está presente na
sociedade contemporânea e isso ocorre pela dificuldade que o indivíduo tem em lidar com as
emoções positivas e negativas e isso, por sua vez, resulta em avançados níveis de estresse seja
no trabalho, nas relações sociais e no âmbito acadêmico (Campos et al., 2016).
Fazendo a comparação deste resultado, com um estudo realizado por Pellegrini, Calais
e Salgado (2012) em que realizaram uma pesquisa com estudantes de Psicologia, Biologia e
Engenharia, a porcentagem de alunos que apresentaram estresse correspondeu a 48,19%. Diante
desses dados, é perceptível a diferença que houve entre as pesquisas, utilizando pessoas de
diferentes áreas, tendo assim, os estudantes de Administração deste estudo uma porcentagem
maior de alunos com estresse, esses dados foram semelhantes aos obtidos por Mondardo e
Pedon (2005), que obtiveram a representação de 74% de estudantes universitários com estresse.
Vale ressaltar que as áreas de curso não foram citadas pelos autores.
A prevalência de estresse em mais de 70% dos estudantes pesquisados, pode causar
preocupação no que diz respeito à qualidade de vida do estudante como também o seu
comportamento. Segundo Sadir, Bignotto e Lipp (2010), o estresse excessivo e contínuo não
prejudica somente a saúde do indivíduo, pois o estresse além de desenvolver diversas doenças,
ainda propicia um dano à qualidade de vida do sujeito, afetando, assim, o seu desempenho de
suas tarefas, e consequentemente, na sua produtividade.
O comportamento que é adquirido e modificado através de vivências é mantido
952
mediante utilidade biológica, ou seja, por meio de uma sobrevivência e valor adaptativo. Por
isso, o estresse também pode influenciar no comportamento dos estudantes à medida que ele
sente a necessidade em se adaptar a algum acontecimento do seu dia-a-dia que agiu de forma
negativa e lhe causando estresse (Matos, 1999).
Após ter identificado se os estudantes estavam ou não com estresse, foi apontado, como
demonstrado na Tabela 3, a predominância de alunos com estresse nas fases de alerta,
resistência, quase-exaustão, exaustão e sem estresse, nesta tabela é possível visualizar a fase de
estresse que predominou neste estudo. Considerando os dados de toda amostra, pode-se
visualizar a presença de estresse em 76,9% dos alunos participantes da pesquisa. Dentre eles,
69,2% encontram-se na segunda fase do estresse, a fase da resistência e 23,1% não
apresentaram estresse.
Esses dados são parecidos com os resultados que Pellegrini, Calais e Salgado (2012)
obtiveram na sua pesquisa que foi mencionada na discussão referente à Tabela 2, que foi
realizada com estudos dos cursos de Psicologia, Biologia e Engenharia, no qual teve como fase
de estresse predominante a fase resistência com 43,37%. A diferença entre os dois estudos está
relacionada a fase de alerta e exaustão, no qual o presente estudo - com alunos do curso de
Administração - a fase de Alerta não houve a prevalência de discentes, enquanto na pesquisa
Pellegrini, Calais e Salgado (2012) houve uma porcentagem de 1,2% de acadêmicos nesta fase;
porém o mesmo não houve a presença de alunos que se encontram na fase da exaustão, enquanto
neste estudo houve 4,6% de discentes que se encontram nessa última fase do estresse . Esta fase
é denominada como resistência, e também foi preponderante em estudo realizado com pós-
graduandos em odontologia, a porcentagem dessa fase foi superior a 50%. (Souza, Fadel &
Ferracioli, 2016).
Com relação à fase predominante nas duas pesquisas (a fase de Resistência), Lipp
(2005) destaca que esta fase corresponde ao momento em que o sujeito tenta lidar com os
agentes estressores, tentando manter a sua homeostase, mas caso ocorra à incidência desses
agentes estressores com muita frequência ou intensidade, pode haver uma ruptura na resistência
que o indivíduo está tendo em relação ao estresse e assim, este passar para a fase exaustão, na
qual o sujeito pode desenvolver doenças graves em decorrência do estresse, como úlceras,
infarte, depressão entre outros.
A fase resistência segundo Lipp (2005) é preocupante pelo fato do indivíduo tentar
manter esse equilíbrio diante do agente estressor, pois requer muita utilização de energia para
lidar com as situações estressoras e por conta disso é perceptível os sintomas que o sujeito
apresenta durante esta fase, como o cansaço, mal-estar generalizado, tontura e problemas com
a memória. E caso o sujeito não consiga manter a resistência diante das situações estressoras,
ocorre a ruptura da resistência, e o sujeito entra na última fase do estresse, que é quando ocorre
os primeiros sinais de adoecimentos decorrentes do estresse.
Feito a identificação da fase de estresse que predominou entre os alunos do curso de
Administração, a Tabela 4 apresenta os sintomas físicos e psicológicos dos participantes. Em
relação aos sintomas que os discentes manifestaram decorrentes do estresse, observa-se, que a
maioria apresentou sintomas psicológicos, com menores porcentagens de sintomas físicos, e
simultaneamente para ambos os sintomas. As sintomatologias manifestadas nessa pesquisa têm
uma porcentagem inferior à pesquisa realizada de Mondardo e Pedon (2005), com estudantes
universitários ingressantes, é válido ressaltar que não foi informado as áreas de curso dos
953
estudantes da pesquisa, porém é visível nos resultados relacionados aos sintomas, que os
psicológicos tiveram predominância de 74%, os físicos de 19% e ambos os sintomas de 7%.
Diante desses resultados, por mais que exista uma diferença de porcentagem em mais
de 10%, ambas possuem sintomas psicológicos como prevalência na pesquisa, seguida pelos
sintomas físicos. A presença desses sintomas pode afetar o desempenho dos estudantes, pois
sintomas como ansiedade, decorrentes da pressão que o sujeito tem para cumprir suas
obrigações para se formar faz sentir-se sobrecarregado gerando um baixo desempenho, assim
como as pressões que o mesmo por parte dos familiares, professores, pelas avaliações das
disciplinas, atividade referentes ao TCC, além da expectativa por parte do indivíduo para
ingressar no mercado trabalho. Tais aspectos podem afetar a vida pessoal do acadêmico,
podendo o mesmo não saber lidar com todas essas situações e o seu grau de produtividade
decair (Campos et al., 2016).
Lipp (2005) diz que para se proteger do estresse é necessário ter uma boa alimentação
para repor as energias, vitaminas e nutrientes, como também relaxar, pois quando existe a
tensão é necessário descansar, para se livrar das tensões ocasionadas pelo estresse do dia-a-dia.
Esse relaxamento pode ser realizado através de exercícios de respiração profunda, relaxamento
muscular, música, filme, entre outras atividades que para cada sujeito possibilite o relaxamento.
Também é necessário que se pratique exercícios, procure manter atitudes positivas
perante a vida para que se mantenha uma estabilidade emocional, é necessário que procure viver
bem nas áreas social, afetiva, profissional e a que se refere à saúde, para que se possa ter
qualidade de vida. Pois qualidade de vida significa mais do que viver, pois para a autora viver
bem significa ter um equilíbrio em todas essas áreas (Lipp, 2005).
Considerações Finais
Este trabalho possibilitou estudar a prevalência do estresse nos estudantes do Campus
Amílcar Ferreira sobral, do curso de Administração do 6°, 7° e 8° período, sendo possível
indicar que nos sujeitos pesquisados houve prevalência de estresse, sendo que destes a maioria
estava na fase de resistência. Acerca dos sintomas, preponderaram os sintomas psicológicos
entre os participantes.
Segundo Lipp (2005), está fase requer cuidados, pois, é o momento em que o organismo
tenta manter um equilíbrio interno diante dos agentes estressores, porém se ocorre a incidência
com muita frequência ou por tempo prolongado desses agentes estressores, pode haver uma
ruptura na resistência que o sujeito está apresentando e o mesmo ser direcionado para a fase
exaustão.
Logo essa pesquisa possui importância para a sociedade, por proporcionar
conhecimento acerca das tensões excessivas que ocorrem diariamente na vida de discentes de
graduação, possibilitando uma maior compreensão sobre a realidade do universo acadêmico,
como também aos discentes para terem conhecimento das fases de estresse, a fim de que
conheçam tais aspectos fornecendo assim subsídios para que aprendam a lidar com os desafios
que irão encontrar durante sua formação acadêmica e profissional.
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A RELAÇÃO ENTRE MOTIVAÇÃO E DESEMPENHO ACADÊMICO
955
Helen Emanuele Pereira Sousa
Ricardo Neves Couto
Idália Medeiros Guerra
Thalita Maria Gomes de Santana
Introdução
Este estudo aborda a temática da motivação acadêmica e sua eventual relação com o
desempenho acadêmico no meio universitário. O presente estudo foi construído a partir de uma
revisão narrativa, buscando embasamento na literatura já existente.
De acordo com Davoglio, Santos e Lettnin (2016), motivação e desempenho acadêmico
são construtos importantes para o ambiente educacional. Sendo fundamentais para compreender
questões como permanência no curso e evasão escolar. Dessa forma, estudos foram feitos ao
longo dos anos acerca do assunto, com destaque para a teoria da autodeterminação de Deci e
Ryan (1985), sendo eles responsáveis por dividir o conceito de motivação em extrínseca e
intrínseca. Na motivação intrínseca, o fazer estar mais relacionado ao prazer em si, da própria
atividade, sem restrições e cobranças. Enquanto na motivação extrínseca a consequência da
ação é um dos principais motivadores do comportamento que busca efeitos desejáveis e evita
os indesejáveis (Joly & Prates, 2011).
Os fenômenos expostos acontecem dentro do cotidiano do estudante universitário, por
isso é importante contextualizar o meio de aprendizagem construído por esse estudante ao longo
de suas experiências, que marcam a vida acadêmica, variando de acordo com perfil do
estudante, sua instituição e curso como descreve Santos et al. (2011). Ainda de acordo com os
autores citados, esse ambiente é formado de forma multifacetada, composto pelas relações entre
o indivíduo e sua instituição de ensino.
Assim, é importante que pesquisas sobre o assunto sejam realizadas, como forma de
conhecer a motivação e a sua relação com o desempenho acadêmico. Pois, o conhecimento dos
construtos ligados ao processo de motivação pode construir caminhos que levem a adequação
de políticas públicas direcionadas ao ensino superior, proporcionando ações que fortaleçam
tanto o aproveitamento como a permanência do estudante universitário em seu curso (Davoglio,
Santos & Lettnin, 2016). Logo, o presente estudo exposto propõe trazer contribuições sobre a
relação entre os assuntos apresentados e para a discussão existente acerca da motivação e o
desempenho acadêmico.
Motivação
De acordo com Oliveira e Alves (2005), a motivação é uma energia que leva alguém a
uma direção, para a realização de algo. Remetendo a uma característica muito importante da
motivação, que é a sua subjetividade e o ambiente. Apesar das motivações carregarem aspectos
de desejos do indivíduo, ressalta-se a importância que a influência do meio possui no
956
desenvolvimento do ser. Pessoas que estão em diferentes classes sociais e/ou diferentes
culturas, terão suas individualidades atravessadas pelas desejabilidade das normas sociais que
os direcionam.
Essa divisão afeta parte diferentes do indivíduo, enquanto as motivações internas
possuem uma carga de valorização individual, interessante ou agradável, substancial para o
indivíduo, as motivações externas possuem um valor mais instrumental, que é associado a um
objetivo ou a um resultado (Lopes et al., 2015). É importante ressaltar que as motivações
internas possuem um maior peso que as externas. Pois, apesar da motivação ter sua parcela
cultural, não é possível induzi-lo a se sentir motivado, é algo intrínseco, não sendo possível
transferir motivação para alguém. A motivação é biológica, cultural e subjetiva, sendo
construída a partir das interações destes três campos. Manifesta-se de forma diferente em vários
aspectos da vida, visto que há motivação para estudar, motivação para trabalhar, para se divertir,
existem diferentes tipos de motivações, que nos levam a querer ou não algo.
Como dito anteriormente, é possível identificar dois tipos de motivação na
aprendizagem, a intrínseca e a extrínseca. A intrínseca está voltada para os objetivos pessoais
e individuais, motivação para aprender, estudar e a superar obstáculos; a motivação extrínseca
relaciona-se com os ganhos obtidos através do meio, recebimento de recompensas e
reconhecimento a partir da demonstração de capacidades e habilidades (Martinelli &
Bartholomeu, 2007).
Ao estudar a motivação, é possível entender os indivíduos, os contextos acerca do
fenômeno e produzir políticas para potencializar certas instituições, como o trabalho e a
universidade, produzindo melhorias através de como as pessoas se sentem confortáveis e
realizadas naquele local e de que modo isso pode ser potencializado para aperfeiçoar o
desempenho no local (Davoglio, Santos & Lettnin, 2016).
De acordo com Zenorini, Santos e Bueno (2003), o interesse dos pesquisadores em
estudar motivação e sua relação com a aprendizagem mostra-se crescente, principalmente entre
a área da psicologia educacional e escolar. Dessa forma, muitos estudos e hipóteses com
diferentes ênfases contribuíram para a discussão do assunto.
A partir desses estudos torna-se compreensível que o processo de aprendizagem parte
do conhecimento prévio do estudante, assim como sua motivação tanto em termos de emoções
quanto pensamentos (Zenorini et al., 2003). Assim, é importante entender como o fator
motivação afeta a aprendizagem, consequentemente, compreender como esse fenômeno atrela-
se ao contexto acadêmico. Para Accorsi, Bzuneck e Guimarães (2007), o desempenho
acadêmico relaciona-se na qualidade de menor ou maior estudo em relação às estratégias que
os acadêmicos costumam usar.
Além que, tais preferências de estratégias estão interligadas à determinada orientação
motivacional ou meta de realização. A concepção do ambiente da sala de aula é um fator
importante para adoção de cada meta e assim, de acordo com os mesmos autores, a motivação
é sempre contextualizada. Uma pesquisa realizada por Porto e Gonçalves (2017), verificou que
os estudantes dos primeiros períodos da graduação tendem a ser mais motivados que os
graduandos dos últimos períodos, fator que dá-se devido à expectativa positiva dos iniciantes.
São variados os fatores que são capazes de influenciar na motivação acadêmica dos
957
alunos, fatores esses que podem ser intrínsecos e/ou extrínseco. Soares, Poubel e Mello (2009)
trazem que a motivação intrínseca envolve relacionamento com a família, autonomia pessoal,
bem-estar físico e psicológico, autoconfiança e percepção pessoal de competência. Já a
extrínseca está relacionada à adaptação do estudante ao contexto educacional e possui as
subescalas de adaptação à instituição, gestão dos recursos econômicos, relacionamentos com
os colegas e o envolvimento em atividades extracurriculares.
Para Schmitt (2016), o apoio familiar é um dos principais fatores para a permanência
estudantil, não apenas pela assistência financeira, o apoio e o incentivo quanto às escolhas com
relação ao curso são tão relevantes quanto. Assim como o encorajamento parental é uma
variável de influência motivacional, o desencorajamento ou a falta de apoio, faz com que os
estudantes vivenciem a angústia.
A principal causa do ingresso no ensino superior se dá por causa da motivação intrínseca
ao saber, ou seja, os estudantes se inscrevem pelo prazer e satisfação que possuem de aprender
Ramos (2013). No entanto, Ramos traz também que, bem como as razões relacionadas à
motivação extrínseca, as intrínsecas estão interligadas com algum tipo de pressão, seja externa,
de pessoas do seu meio social ou mesmo a pressão sob si próprio.
Miranda et al. (2015), defendem que diversas medidas vêm sendo usadas com o intuito
de mensurar o desempenho acadêmico, os objetivos pretendem determinar se tais medidas serão
mais simples ou mais complexas. Dentre essas medidas, destaca-se as notas de uma prova, nota
de uma disciplina, média geral acumulada, como por exemplo o Índice de Rendimento
Acadêmico (IRA), sendo a sigla usada por algumas instituições. Além das avaliações aplicadas
de forma externa à universidade. Ainda de acordo os autores, medidas possuem uma
mensuração mais fácil quando aplicadas a uma atividade específica, como a nota de uma
disciplina. Assim, a aplicação de uma avaliação específica dá-se como forma de investigação
ao aproveitamento do estudante, quase que de forma investigativa.
Todavia, Fagundes, Luce e Espinar (2014) entendem o desempenho acadêmico como a
relação existente entre o potencial do aluno e o resultado obtido, ou seja, o profundo final do
processo do ensino que é a aprendizagem. Assim, diz respeito ao conhecimento obtido, não
necessariamente é uma nota que será o resultante do processo, mas sim o conhecimento
adquirido nessa relação. Ademais, Jiménez (2000) citado por Fagundes, Luce e Espinar (2014),
afirma que o desempenho acadêmico contempla também constructos como aspectos do
professor, a relação entre discente e docente, o ambiente de sala de aula, a família, entre outras
variáveis que vão além somente do comportamento e motivação do estudante. Desse modo, o
desempenho acadêmico tem fatores que vão além da nota para definir o que seja um
desempenho bom, regular ou ruim.
O sucesso acadêmico é intimamente relacionado ao desempenho acadêmico, porém o
sucesso acadêmico não se manifesta apenas por notas. Ter um bom desempenho acadêmico e
ter um sucesso acadêmico são propostas distintas. Segundo Cunha e Carrilho (2005), o sucesso
acadêmico abrange muito mais fatores e uma dimensão que sai da aula, das provas e notas, está
relacionado ao indivíduo e aos objetivos individuais propostos. O sucesso na academia passa
pelos fatores intelectuais, acadêmicos e pessoais. Por isso a importância de, ao estudar o
desempenho acadêmico, entendê-lo apenas como mais uma das partes do que caracteriza o
indivíduo na universidade.
Considerando as problemáticas apresentadas e a relevância de serem contextualizadas,
958
este artigo tem como objetivo descrever, a partir da literatura, as influências entre motivação e
o desempenho acadêmico dos estudantes de graduação. Como os aspectos sociais, culturais e
individuais podem agir como potencializadores da motivação e consequentemente no
aprendizado, atentando para o aprendizado enquanto construção entre vários fatores que se
relacionam de forma dinâmica e única para cada indivíduo.
Método
Essa produção trata-se de uma revisão narrativa, na qual o objetivo principal é uma
discussão teórica com base em artigos, revistas eletrônicas ou impressas que foram escolhidos
com base em títulos e palavras chaves para poder discutir sobre o assunto (Maria, Sallum &
Garcia, 2010). Esse trabalho busca compreender a influência entre motivação e desempenho
acadêmico dos estudantes, o que pode influenciar de forma positiva o aumento da motivação.
Os descritores desta pesquisa foram: Motivação, Motivação Acadêmica, Desempenho
Acadêmico, utilizados nas seguintes plataformas, Scielo, Google acadêmico e Periódico Capes.
O Período da pesquisa foram os meses de Janeiro a Julho de 2020. Após a análise de resumo e
dos artigos foram escolhidos alguns trabalhos que se encaixavam nas proposta de discussão
deste artigo.
Diferenciação
Necessárias ao Currículo
959
Habilidades básicas e Primi, R., Santos, A. A. & Verificar a possível relação entre a habilidade
desempenho acadêmico Vendramini, C. M. (2002). cognitiva requerida e a área de conhecimento,
em universitários este estudo foi proposto com o objetivo de
ingressantes. investigar as correlações entre medidas de
inteligência fluida e cristalizada com
desempenho acadêmico em 960 alunos
ingressantes dos cursos de Medicina,
Odontologia,
960
Além da teoria trabalhada na maior parte da carga horária da universidade, é valioso se trabalhar
a prática em diferentes contextos.
Entende-se que nas atividades extracurriculares são trabalhadas outras habilidades, por
ser um contexto diferente das sala de aula permitem que aspectos como trabalho em grupo,
velocidade nas respostas à situações críticas, comunicação, calma e liderança, são alguns dos
comportamentos que podem ser aprendidos ou aprimorados durante o decorrer das atividades
(Margarido, 2013). Um aluno, por exemplo, que não tenha facilidade com trabalhos escritos,
pode se destacar em uma atividade extracurricular ao trabalhar suas habilidades mais
aprimoradas, afetando diretamente a sua autoestima e seu desempenho acadêmico. Dado que,
as avaliações escritas são mais utilizadas no contexto de avaliação acadêmica, que por meio das
notas associadas a essas, caracterizam o aluno dentro de uma escala hipotética que varia entre
“melhor” (nota mais alta) para o “pior” (menor nota), como foi destacado no trabalho
Atividades extracurriculares, uma opinião.
Apesar de atividades extracurriculares serem de grande relevância, a má elaboração da
atividade e um desenvolvimento confuso, com situações problemáticas sem resolução, onde
não haja experiência com as informações obtidas em aula, faz com que possua vantagens e
desvantagens para a formação do futuro profissional (Júnior, Madruga, Kneipp, & Corrêa,
2011). No estudo Atividades extracurriculares e o processo de formação de administradores
outra variável é a relação aluno-professor, em uma relação considerada positiva pode-se ter um
melhor aproveitamento do conteúdo por parte do estudante, assim como potencializar a
desenvoltura esperada por parte do docente, o vínculo de afeto e identificação podem ajudar
os alunos a se sentirem motivados a estudar, se espelharem nos bons professores e aumentar
suas notas e dedicação nas disciplinas, consequentemente refletindo no desempenho
acadêmico.
Ao ter um convívio com relações positivas, os indivíduos podem se sentir mais seguros
e confiantes na sala de aula. Ao analisar os artigo Análise comparativa das relações entre ensino
e aprendizagem por professores e alunos, verificou-se que a relação entre aluno e professor
pode servir de incentivo e que a mesma facilita a aprendizagem do conteúdo. Porém, ambos
estão sujeitos à influência das notas resultantes dos processos de avaliação, os discentes devem
demonstrar que aprenderam e o professor deve apresentar algum resultado, sejam positivos ou
negativos são relacionados ao professor e a matéria, afetando a motivação em geral (Osti &
Brenelli, 2013).
A última variável a ser apresentada é o apoio familiar. Na pesquisa sobre Política de
ações afirmativas na UFRGS: o processo de resiliência na trajetória de vida de estudantes
cotistas negros com bom desempenho acadêmico a presença de apoio familiar influencia no
desempenho acadêmico, assim como sua ausência, não só financeiramente, mas auxilia também
na autoestima do universitário. É importante pontuar que as raízes familiares não são
determinantes e apesar de constituírem um grande fator de impacto, o desempenho depende
também do foco do aluno. Como destacado, espera-se que um universitário com família estável
e boa situação social ostente um rendimento acima dos que trabalham e estudam, todavia, o
desempenho acadêmico é multifatorial, corroborando com as possíveis divergências que
possam existir dentro dessa lógica (Bello, 2011).
Cada curso possui suas especificidades, fazendo com que o universitário tenha que se
961
adaptar ao manejo de cada graduação, entretanto a afinidade com os assuntos abordados no
curso e algumas habilidades podem facilitar este processo de adaptação para cada curso. Primi,
Santos e Vendrami (2002) apresentam o conceito da inteligência cristalizada e inteligência
fluida, qual cada curso valorizava mais. A inteligência fluida representa capacidade de
adaptação, relacionar ideias complexas, mudar e enfrentar situações com novos meios e outras
possibilidades. A inteligência cristalizada pode ser definida como a capacidade de absorver e
armazenar grandes quantidades de informações.
Os resultados da pesquisa Habilidades básicas e desempenho acadêmico em
universitários ingressantes apresentada variaram entre os diferentes cursos, por exemplo, os
estudantes de Engenharia Civil, Matemática e Medicina demonstraram uma tendência maior
para a inteligência fluida. Nos cursos de Letras e Pedagogia apresentaram maiores relações com
a inteligência cristalizada. Nos cursos de Administração e Psicologia a tendência é dupla, os
discentes associam-se aos dois tipo de inteligência. Desse modo, quanto maior a afinidade com
as necessidades do curso, maior possibilidade de apresentar um desempenho acadêmico
considerado bom.
Conclusão
Referências
962
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TRABALHANDO AGRESSIVIDADE NA ESCOLA DE APLICAÇÃO MINISTRO
964
REIS VELLOSO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
965
que se trata de um comportamento adaptativo em que há utilização de força verbal e/ou física
a partir do momento em que o indivíduo se sente ameaçado ou frustrado com algo (Filliozat,
1997; Gagliotto, Berté & Vale, 2012). Com isso, Vilhena (2002) afirma que a agressividade é
um movimento natural que não possui intencionalidade agressiva, diferente da violência que é
a aplicação desejada de força, e percebida como agressiva pois possui intencionalidade.
No mais, é um comportamento exposto a contingências aversivas e influenciado por
algo também externo à criança, como jogos violentos, família, escola, amizades, entre outros
(Duque, 2009; Bolsoni-Silva; Del Prette, 2003; Barbosa et al, 2011). Tais atravessamentos
foram percebidos durante toda a realização do estágio a partir da fala das crianças e observação
de seus comportamentos.
Método
O estágio ocorreu em um dos campos elena Escola de Aplicação Ministro Reis Veloso,
que fica localizada na Rua Coronel Antônio Souza, Bairro Reis Veloso, Parnaíba – PI, um dos
campos elencados para a disciplina de Estágio Básico III. Foram realizadas visitas semanais ao
estabelecimento no período da tarde, com início em abril e finalização em junho de 2019. Cada
uma contou com duração de uma a duas horas, totalizando três meses em campo com o total
integralizado de dez visitas, incluindo observação e realização de atividades interventivas.
Antes do ingresso no campo de estágio, foram apresentadas informações sobre a
Escolinha de Aplicação em reunião com a supervisora do Estágio Básico III; posteriormente,
na primeira visita, também houve uma reunião com a supervisora e o estagiário de Estágio
Profissional, que também ocorre no mesmo campo.
Nas conversas realizadas antes da entrada no campo destacou-se a existência de
vulnerabilidades do público da escolinha como queixas de abuso infantil e violência doméstica,
que é refletida na agressividade das crianças, inversão de papéis entre as crianças e seus pais,
situações questões de gênero e raciais. Não houve pontuação sobre bullying na escola. Também
existem alunos com diagnósticos de autismo e síndrome de Down.
Na visita inicial também foi possível conhecer o espaço da escola, incluindo a sala do
Serviço Escola utilizada pelos estagiários do campo para organização de atividades e
atendimento, além do funcionamento do mesmo.
Após a introdução na escola, iniciaram-se as visitas observacionais que ocorreram de
forma participante, a qual supõe uma participação maior do pesquisador que interage, questiona
e faz uso da escuta para apreender sobre a realidade do campo que está inserido (Valladares,
2007). O objetivo inicial dessa observação foi identificar possíveis demandas a partir dos olhos
das estagiárias, mas, ao mesmo tempo, considerando as demandas anteriormente elencadas
pelos supervisores.
Também foi possível a participação das estagiárias no auxílio ao estagiário profissional
em suas atividades, momento esse em que foi possível realizar uma pesquisa mais aprofundada
das questões presentes no campo. Essas intervenções ocorreram com as turmas de segundo e
quarto ano e versaram sobre tópicos de gênero e jogos de violência, além da naturalização dessa
violência no dia a dia das crianças. Também foi possível acompanhar algumas vezes a hora do
966
recreio, momento esse em que as crianças estão mais livres para se manifestarem.
Tais questões foram discutidas em supervisão e, a partir disso, foi possível o
delineamento de uma demanda principal a ser trabalhada durante as intervenções, qual seja,
violência e agressividade das crianças. Diante do pouco período de tempo disponível para a
realização das atividades, foi escolhido como público-alvo os alunos do primeiro ano, tendo em
vista ser a série inicial da escola e cujo aprendizado com as intervenções poderiam levar para
os anos posteriores.
Escolhida a demanda, foi criado um plano de intervenção, no qual cada estagiária ficou
responsável por delinear uma atividade. Após a aprovação da supervisora, as ações foram
realizadas semanalmente às terças-feiras com os alunos do primeiro ano os quais apresentaram
interesse em participar das atividades propostas.
Ao final das cinco atividades, houve um momento de feedback com os mesmos para
apresentação dos resultados e despedida das estagiárias.
07.05.2019 A primeira atividade realizada foi a dinâmica da maçã e a apresentação de um vídeo sobre
violência, primeiramente as estagiárias fizeram o convite na sala de aula para os alunos que
quisessem participar da atividade de forma voluntária. De início colocamos as crianças em
círculo e começamos a dinâmica que consistia na apresentação para as crianças de duas
maçãs, na qual foi pedido que falassem coisas boas para uma maça e coisas ruins para a
outra maçã. Ao fim das falas as duas maçãs foram cortadas ao meio e apresentada às
crianças, a maçã que tinha recebido somente elogio estava limpa e saudável, já a que
recebeu só palavras ruins estava toda machucada por dentro. A partir disso iniciamos uma
discussão sobre o poder das palavras e como elas podem machucar as pessoas por dentro.
Logo após, colocamos o vídeo sobre violência e discutimos sobre os pontos que as crianças
observaram.
14.05.2019 Para a realização da segunda atividade, após ser feito o convite para os alunos em sala de
967
aula e esclarecido que seria para quem quisesse participar e não algo obrigatório, maior
parte da turma compareceu e participou. A atividade foi realizada na sala do quinto ano que
fica livre no turno da tarde, com ela propomos de uma forma lúdica falar sobre atitudes que
fazem mal e machuca o outro tanto física como verbalmente, pois levamos fotos impressas
de cenas de desenhos animados (Tom e Jerry, Os Simpsons, Turma da Mônica, Pica-Pau,
entre outros) onde os personagens demonstravam atitudes violentas contra o outro, com
isso as crianças iam observando as imagens e falando sobre o que elas representavam para
eles e como eles se sentiam diante das ações dos personagens trazendo para o cotidiano
deles, em seguida terminando essa discussão pedimos para que eles desenhassem atitudes
diferentes das figuras, algo que para eles era a forma correta de tratar o coleguinha ou
qualquer outra pessoa. Contudo, ao receber os desenhos e perguntar o que tinha sido
desenhado maioria respondia que era dando uma flor pra mãe, ajudando um coleguinha a
levantar do chão, brincando com o irmão, dentre outras formas de se relacionar
agradavelmente com o próximo.
21.05.2019 Para a realização da terceira atividade, foi feito o convite prévio aos alunos para que
aqueles que tivessem interesse se dirigissem à brinquedoteca e a maioria compareceu. Com
isso, foi trabalhado questões voltadas à identificação de sentimentos, eles participaram
ativamente da explicação da atividade em que houve apresentação emojis e seus
significados (sentimentos). Logo após, eles escolheram o emoji que mais se identificavam,
sendo os mais escolhidos: apaixonado, feliz e sorridente. Após a escolha e um breve relato
de “porquê escolheram esse emoji?”por parte de alguns alunos, foram dadas algumas
folhas, lápis de cor e pincéis para que eles pudessem desenhar o que deixa eles
apaixonados, felizes e sorridentes. Em seguida, guardamos os desenhos para montar os
painéis no momento de feedback.
28.05.2019 De acordo com o plano de trabalho, foi realizada uma atividade de apresentação do livro
Desculpe-me da coleção Pequenas Lições (Soler Editora) com o objetivo de proporcionar
tomada de consciência às crianças acerca da intencionalidade de atos que podem causar mal
a outra pessoa. A história do livro é sobre uma criança que sempre realiza maldades e todas
as vezes pede desculpas por ser o que é certo, não por se arrepender de seus atos. Após
maltratar uma colega de turma, a professora do protagonista o convida para a dinâmica de
amassar o papel, fazendo alusão ao coração da outra pessoa quando é machucada física ou
emocionalmente. Para tanto foram utilizados os fantoches da brinquedoteca como forma
lúdica de trabalho. Primeiramente foi chamada a atenção das crianças sobre as últimas
atividades realizadas e sobre o que elas tinham percebido que estávamos falando. Após, foi
contada a história, sempre tentando dialogar com as crianças sobre o comportamento do
protagonista. Em seguida foram dadas folhas de papel para que as crianças amassassem o
máximo que pudessem e lhes foi explicado que, assim como aconteceu com a maçã que
estava feia da primeira dinâmica, os atos que realizamos deixam marcas nas outras pessoas.
Ao final, foi realizada a dinâmica da música com abraço com uma música que pedia com
que as crianças se abraçassem ao final. A letra é “levante um braço, levante o outro, faz
bamboleio, mexe o pescoço, olha para cima, olha para baixo, escolhe um amigo e dá um
abraço”!
04.06.2019 Para a realização da quinta atividade, o feito o convite prévio aos alunos para que aqueles
968
que tivessem interesse se dirigissem à brinquedoteca. No início da atividade foi
questionado se eles se lembravam das intervenções passadas e o que elas tinham em
comum. Aqui, os alunos afirmaram que todas falavam sobre violência. Posteriormente, foi
feita a leitura do livro “As mãos não são para bater”. De acordo com a leitura do livro,
pedia-se que os alunos realizassem algumas ações com as mãos (bater palma, acenar,
cumprimentar), de forma que a leitura se tornou interativa e dinâmica. Depois da leitura do
livro, foi pedido para as crianças ficarem em dupla. Após foi feita uma brincadeira na qual
foram mostradas algumas imagens de boas ações que poderiam ser feitas com as mãos,
como apertá-las, cumprimentar o colega, abraçar, etc. Pediu-se então que eles escolhessem
uma dessas ações para realizar com o colega.
11.06.2019 No último encontro ocorreu um feedback que foi realizado com as crianças em sala de aula
um momento antes do recreio. Foram levados os desenhos que elas realizaram nas
primeiras atividades. Primeiramente foram feitas perguntas sobre todas as atividades
realizadas e se eles lembravam o que fazer ou não fazer com as mãos. Em seguida, os
desenhos foram apresentados e foi montado com eles o mural na parede externa da sala de
aula. Em seguida houve um momento de brincadeiras com a repetição da dinâmica do
abraço com música e um momento de brincadeira de estátua. Por fim antes da saída, foram
entregues a eles as lembrancinhas criadas pelas estagiárias (mãos em papel cartão com o
nome da criança e a mensagem “as mãos não são para bater!”, junto de um pirulito).
969
outras questões, como a empatia e cultura da paz, caracterizada pela rejeição no âmbito coletivo
e individual das diferentes formas de violência e pela busca de respeito (Dupret, 2012)
Percebemos, assim, que a observação e intervenção em grupos, propostas pelo estágio,
foram realizadas. As atividades referentes ao estágio, realizadas ao longo das semanas
constituíram uma via de mão dupla: possibilitou aos alunos da instituição uma reflexão, embora
de forma lúdica, acerca das agressões físicas e verbais sofridas e praticadas pelos mesmos, ao
mesmo tempo em que possibilitou às estagiárias um aprendizado acerca da observação
participante e das intervenções grupais, incluindo como organizar, realizar e adequar as
intervenções de acordo com as características do grupo.
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ESCUTA QUALIFICADA NA ADOLESCÊNCIA - UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
971
DE PRÁTICA DE ESTÁGIO EM PSICOLOGIA ESCOLAR
Introdução
Este trabalho acompanha a experiência de um grupo de acadêmicas do sexto período de
psicologia, em uma prática de estágio em psicologia escolar. Aqui são relatados os passos
seguidos durante a experiência que teve em foco alunos do terceiro ano do ensino médio de um
centro de ensino de tempo integral, desde o diagnóstico institucional inicial, as intervenções
realizadas e os resultados das mesmas, até os desafios encontrados durante a prática. Dentre
esses tópicos é ressaltada a importância de uma escuta qualificada, e de estar atento a
subjetividade e a necessidade do outro. Maynard et al. (2014), revela os vários benefícios
trazidos por uma escuta qualificada, apresentando esta como ferramenta terapêutica que
valoriza o sujeito, o faz se sentir aliviado, acolhido e compreendido em suas demandas, e o
ajuda a clarificar questões para que este caminhe para uma resolução, entre outros benefícios.
A adolescência se encaixa como um fenômeno cultural e biológico, onde as mudanças corporais
e sociais ocorridas nessa etapa comumente geram crises, que ao contrário da visão adotada pela
sociedade atual, não são crises de conotação negativa, mas movimentos internos que buscam o
desenvolvimento do adolescente para que haja adaptação a todas essas mudanças trazidas nessa
fase do desenvolvimento (Souza e Silva, 2018). Uma função é gerada pela escuta qualificada
que se destaca nesse momento da vida e mais especificamente no ambiente escolar, a promoção
do desenvolvimento de uma interação que gera coesão social, e auxilia cada pessoa a se
reconhecer e reconhecer o outro no espaço social (Raimundo e Cadete, 2018). Por isso, através
desse tema encontramos a importância de se manter em foco os conceitos bases da atuação
psicológica que fazem do futuro profissional uma ferramenta viva durante esse processo. E que
não são necessários muitos recursos, nem atividades mirabolantes para mostrar a eficácia da
psicologia no trabalho que se realiza.
Metodologia
Esta experiência se deu em um centro de ensino de tempo integral (cujo nome não será
exposto visando a preservação dos sujeitos envolvidos), localizado na cidade de Teresina,
estado do Piauí, durante o segundo semestre do ano de 2018, ocorrendo intervenções com foco
numa turma do terceiro ano do ensino médio. O objetivo dessa experiência tratava-se de fazer
um diagnóstico do local em busca de possíveis demandas sobre as quais pudessem ser realizadas
intervenções pertinentes. Para a realização do diagnóstico institucional que serviria de guia para
a realização de um plano de ação abrangendo as intervenções escolhidas, de acordo com as
demandas encontradas, foram utilizadas diferentes ferramentas. O primeiro passo envolve o
primeiro encontro com a coordenação e diretoria do local, nesse momento foram explicados
972
por parte das acadêmicas os objetivos que se pretendíam alcançar através da prática de estágio
em questão e os melhores dias e horários, e por parte da coordenação e direção foi explicado o
funcionamento da escola, recursos disponíveis e também reveladas demandas percebidas. Após
este primeiro passo, o diagnóstico seguiu através de observações feitas no local, leitura e análise
da proposta pedagógica e histórico da instituição. Em seguida a essas primeiras entrevistas,
observações e análises foi marcado um encontro com os professores responsáveis pelas matérias
do terceiro ano. Neste momento foi aplicada uma rápida dinâmica, de acordo com o tempo
disponível, e mais uma vez, explicou-se o papel e objetivos que se buscavam alcançar através
daquela prática de estágio. Alguns tópicos foram caracterizados em busca de um
aprofundamento sobre a demanda que seria trabalhada, os tópicos eram estes: se conheciam a
proposta pedagógica, qualificação, relação professor-aluno, dificuldades, motivação, relação
com a escola/funcionários e metodologia usada em sala de aula. Após acolhermos as falas dos
professores fomos para última parte da pesquisa, que ressalta os avanços da psicologia escolar
através de um olhar holístico. Preparamos um momento com os alunos do terceiro ano do ensino
médio em busca da compreensão de suas experiências e visões a respeito da escola,
coordenação, professores e seus pares. Para a realização da coleta de dados com os alunos, foi
planejada a seguinte intervenção: uma dinâmica de grupo para deixar os alunos mais a vontade
e incentivar a fala, seguida de uma roda de conversa e outra dinâmica de grupo para fechamento
e reflexão sobre o tema. Participaram 14 alunos do terceiro ano do ensino médio escolhidos
aleatoriamente através do número da chamada, o número fechado de alunos se deu em busca
do não comprometimento da qualidade da intervenção, levando em conta que esta seria a
primeira experiência de campo na psicologia escolar das acadêmicas em questão, uma grande
quantidade de alunos seria um desafio de maior coordenação. O local utilizado foi a sala de
Atendimento Educacional Especializado (AEE), um espaço climatizado e com o espaço
suficiente para que todos pudessem se sentar no chão, formando um círculo. Após a formação
do círculo deu-se início a dinâmica.
973
foram convidados a escrever, em pedaços de papéis que haviam lhe sido entregues, as
dificuldades dos alunos da turma as quais percebiam que deveriam ser trabalhadas. Então para
fechamento, foi realizado a segunda dinâmica.
974
adversas na sua maioria. Os que estavam presentes não demonstraram interesse no encontro,
alguns decidiram não comparecer mas mais tarde tiveram que o fazer por conta do chamado da
coordenação. Ao serem apresentados os tópicos houve pouca participação. Na prática notou-se
as questões desenvolvidas acima sobre a falta de conhecimento do papel do psicólogo, trazendo
nos primeiros momentos resistência da parte dos professores em relação ao trabalho que se
pretendia realizar, o que durante o processo exigiu paciência e compreensão da importância de
cada pequeno passo que revelasse a verdadeira função do psicólogo e como deve ser o seu
relacionamento com o professor dentro da escola. Abaixo segue uma tabela com os tópicos
apresentados aos docentes, quais abrangeram demandas e que demandas eram estas.
975
relacionam
ento com os
alunos.
976
vagabundos, relaxados, desinteressados e que isso leva a desmotivação e a um certo
distanciamento entre eles. Além da desmotivação desencadeada a partir de uma prática
tradicional sem reflexão que leva os alunos a impaciência e desinteresse. Havia uma queixa,
por parte da coordenação e direção, de bullying em algumas turmas, em especial no terceiro
ano do ensino médio. Na roda de conversa os alunos se expressaram e reconheceram fazer
bullying, porém percebeu-se que na verdade havia uma inimizade mal resolvida na turma por
parte da gestão. Após a dinamica realizada entre eles alguns choraram e se prontificaram a
deixar a indiferença e procurar ter uma relação mais amigável. Na fala de todos os alunos
participantes da roda de conversa ficou claro que não existe um acompanhamento de perto e
que os alunos se sentem hostilizados por parte de alguns participantes da gestão e que isso
aumenta o distanciamento e indisciplina.
Com todos os dados colhidos após todos os passos citados o próximo passo seria dar
continuidade as intervenções na turma do terceiro ano do ensino médio com foco nas relações
entre os pares e a desmotivação, mas por questões burocráticas e direcionamentos das
psicólogas da 20a Gerência Regional de Educação, sobre a alegação de já haver sido realizado
um planejamento para a turma em questão, o plano de ação realizado não pode ter sido
continuado. Mas apesar de não haver a possibilidade de dar continuidade ao que havia sido
planejado, tamanha surpresa da equipe de acadêmicas ao ouvir algumas semanas depois mais
feedbacks positivos sobre a intervenção que havia sido realizada, com intuito inicial de
acolhimento de informações, e que agora revelava-se como poderoso instrumento de
acolhimento de angústias e resoluções de conflitos. Uma pesquisa realizada por Souza et al.
(2017), revela os resultados positivos de uma escuta qualificada que valoriza o adolescente tem
a dizer, como a busca da resolução de conflitos e tomada de novas decisões, e que para isso não
é necessário ter respostas prontas, mas apenas estar presente naquele momento e aberto para o
que se ouve. A turma não só estava esperando o retorno das acadêmicas, como havia sido
completamente impactada com o resultado daquela roda de conversa, e que a postura dos alunos
na turma haviam mudado, estavam leves e conseguindo conversar, a equipe se emocionou mas
alegou a impossibilidade de continuar o trabalho. Para o fechamento do compromisso que havia
se firmado com a turma foi realizada uma palestra motivacional em decorrência do ENEM que
aconteceria na semana seguinte. E para que fossem alcançados os objetivos iniciais da prática
de estágio seguiu-se um plano de ação para o corpo docente, de acordo com as demandas
detectadas através dos dados colhidos inicialmente, tornando esta uma experiência bem
sucedida no ambiente escolar em questão.
Considerações Finais
A experiência mostrou que os objetivos propostos pela prática de estágio, nos moldes
da visão holística, foram alcançados e deixaram um impacto positivo no centro educacional em
questão. Também foi observado que a escuta qualificada e o acolhimento realizado por esta, é
uma ferramenta extremamente eficaz durante o fase do desenvolvimento da adolescência e suas
relações no ambiente escolar. Os auxiliando a obter um desenvolvimento saudável, melhores
relações interpessoais, e maior autonomia de sua inteligência emocional. Conclui-se ainda a
importância de seguir os passos que exige uma escuta qualificada de qualidade, e que não é
necessário realizar ações extraordinárias para se alcançar bons resultados, revelou-se que o fato
de estar presente, disposto a ouvir e compreender o que realmente está sendo dito gera um
977
movimento positivo e restaurador para aquele que está sendo ouvido. Como foi percebido pelas
acadêmicas, em sua primeira experiência no ambiente escolar, com surpresa e comoção, que a
simples colocação de um relacionamento horizontal onde há presença que se caracteriza no fato
de se importar com o outro, respeito e igualdade, pode gerar muitos benefícios. As acadêmicas
ficaram impactadas com os resultados, daquilo que deveria ser uma simples coleta de dados. E
mesmo meses depois, ao retornarem ao centro acadêmico, o feedback positivo da parte de
coordenação, direção e corpo docente continuou, e ainda haviam bons reflexos da intervenção
que havia sido realizada.
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A IMPORTÂNCIA DE DESENVOLVER HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA
978
INFÂNCIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA
979
e Abertura e verifica em que posição entre os pólos extremos dessas dimensões as pessoas se
encontram (Nunes, Zanon & Hutz, 2019).
Considerando a segunda perspectiva das HSE, existem inúmeras variáveis que são
também indicadas como HSE, tais como valores, atitudes, crenças, habilidades sociais. No
entanto, ainda não há um consenso de quais e quantas seriam essas habilidades (Santos & Primi,
2014). Se considerarmos a definição de HSE, pode-se entender que o psicólogo na sua atuação
a todo o momento está avaliando, compreendendo as forças e dificuldades e/ou intervindo nas
HSE de seus clientes.
A Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning (CASEL), entidade sem
fins lucrativos formada por pesquisadores, define as habilidades socioemocionais como
aquisição e aplicação de um repertório de competências cognitivas, afetivas e comportamentais
para a compreensão e manejo das emoções em situações sociais, a fim de atingir objetivos
positivos, estabelecer e manter relacionamentos saudáveis e tomar decisões responsáveis
(CASEL, 2013). Através de extensas pesquisas feitas ao longo dos anos, a CASEL delineou
cinco competências inter-relacionadas que compõem as habilidades socioemocionais:
autoconsciência, que se refere à capacidade de reconhecer emoções e pensamentos e como elas
podem influenciar o comportamento; autogestão, definida como a capacidade de regular os
próprios pensamentos, emoções e comportamentos de forma centrada a fim de atingir objetivos
pessoais; consciência social, referente à capacidade de ser empático, saber se colocar na
perspectiva do outro a fim de melhor compreendê-lo até em situações que esse outro seja de
cultura distinta ou que tenha uma formação diferente da sua, e também de conseguir identificar
fontes de apoio social, como na família ou na escola; habilidades relacionais, que
correspondem à capacidade de se construir e manter relacionamentos saudáveis e gratificantes
com os mais diversos perfis socioculturais, de forma a se comunicar claramente, ouvir o outro
com atenção, saber cooperar, negociar de forma construtiva e saber oferecer ou buscar ajuda
quando preciso; e tomada de decisões responsáveis, referente à capacidade de saber fazer
escolhas de forma proativa, ética, construtiva e realista acerca de seu próprio comportamento e
em suas interações sociais (Weissberg & Cascarino, 2013).
Na literatura já são encontrados diversos estudos que apontam os benefícios do cultivo
das habilidades socioemocionais na infância. Dentre eles, um dos primeiros e mais importantes
estudos acerca da temática foi conduzido pelo economista, que futuramente viria a ser laureado
pelo prêmio Nobel de Economia, James Heckman, no estado de Michigan, nos Estados Unidos.
O estudo consistiu em uma pesquisa longitudinal com famílias de baixa renda, em que parte
dos indivíduos participou de um programa voltado para o desenvolvimento socioemocional,
enquanto a outra parte da amostra serviu de grupo controle. Ambos os grupos tinham as mesmas
características sociodemográficas, incluindo a pertença à mesma faixa etária (crianças entre 3
e 5 anos). Ao verificar os participantes na vida adulta, percebeu-se que o grupo que participou
do projeto de desenvolvimento socioemocional apresentou diferenças significativas em
aspectos importantes considerados como não cognitivos, incluindo quesitos como menor
evasão escolar, menos desemprego e menor incidência de participação em crimes (Heckman,
2006, 2008).
Em território nacional, a relevância das habilidades socioemocionais também vem sido
demonstrada empiricamente. Em um estudo realizado em larga escala no Ceará, aplicou-se em
mais de 100 mil estudantes o Social and Emotional or Non-cognitive Nationwide Assessment
980
(SENNA), instrumento desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna (IAS), em parceria com a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o governo do Rio
de Janeiro, a partir de diversos instrumentos internacionais de avaliação psicológica de auto
relato já consagrados, a fim de se construir um instrumento nacional de avaliação
socioemocional. Tal questionário tem seus itens pautados nos cinco domínios de personalidade
elencados no Big Five Inventory, domínios estes obtidos através da análise fatorial de diversos
questionários que versaram por abarcar os comportamentos representativos de todas as
características relativamente estáveis de personalidade que poderiam ser encontrados em um
indivíduo. Como resultado, foi encontrada correlação entre características nitidamente
socioafetivas com bom rendimento acadêmico. Os domínios da “amabilidade” e “abertura ao
novo” se mostraram correlatos ao processo de aprendizagem do português, enquanto os
domínios da “consciensiosidade” e “estabilidade emocional” se mostraram relacionados ao
aprendizado de matemática (Santos, Berlingeri & Castilho, 2017).
Assim, em vista a necessidade de incluir o desenvolvimento das competências
socioemocionais no âmbito escolar para um melhor enfrentamento dos desafios postos pela
dinâmica do novo milênio e para um desenvolvimento mais global das potencialidades dessas
crianças, foi-se proposto a realização de oficina com crianças do ensino fundamental I para se
trabalhar tais competências durante um evento literário ocorrido em uma universidade pública
no interior do Piauí.
Metodologia
Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, na modalidade relato de experiência.
Retrata a aplicação de um protocolo de desenvolvimento de habilidades socioemocionais com
crianças, adaptado para uma Feira de Livros, ocorrido durante três dias.
Inicialmente, foi realizada uma preparação teórico-metodológica, na qual um professor
supervisor explicou e exemplificou a aplicação do protocolo por etapas em uma reunião de
aproximadamente três horas de duração, com a presença de todos os monitores que iriam
participar da oficina. Após a reunião, foram definidos os dias da atividade e as equipes de
trabalho por cada dia. Durante a Feira do livro, foram realizadas, ao todo, quatro oficinas de
desenvolvimento de habilidades socioemocionais, com duas horas de duração cada, divididas
em três dias de evento. Cada oficina contou com aproximadamente vinte crianças, entre cinco
e doze anos de idade, sendo que, o critério para seleção dos grupos foi a turma em que estavam
inseridas no contexto escolar. Portanto, a diferença de idade entre os participantes não variou
mais do que dois anos por grupo, fato que colaborou para a coesão grupal.
O protocolo utilizado durante as oficinas se trata de uma adaptação de um protocolo
baseado na abordagem The RULER Approach que, em português, se refere ao conhecimento
das habilidades associadas a: 1. Reconhecimento; 2. Compreensão; 3. Nomeação; 4. Expressão;
e 5. Regulação das emoções (Brackett & Kremenitzer, 2011). O propósito desse modelo de
intervenção é fazer com que as pessoas tenham comportamentos mais assertivos, contribuindo
para a melhora do convívio social a partir do aumento no repertório de habilidades sociais e
emocionais.
A partir disso e da necessidade de se trabalhar o desenvolvimento dessas habilidades
981
ainda na infância, foi desenvolvido o protocolo intitulado Currículo de Alfabetização
Emocional. Esta intervenção consiste em uma sequência de cinco passos para discutir e
informar sobre emoções e estados afetivos, envolvendo crianças, famílias e as atividades
escolares e/ou eventos cotidianos. O protocolo, desenvolvido para ser aplicado em escolas, tem
como ponto de partida a palavra-emocional, que pode ser uma emoção (como a tristeza, por
exemplo) ou um estado afetivo (como o empoderamento). Cada palavra-emocional é trabalhada
numa sequência de cinco passos (1. conexão pessoal; 2. conexão com o mundo; 3. parceria
escola-família; 4. conexão criativa e; 5. estratégias de enfrentamento) por um período de 2 a 3
semanas (Brackett & Kremenitzer, 2011; Ricarte, 2019). Esses passos são descritos a seguir.
O primeiro passo, conexão pessoal, se refere a uma apresentação informal da emoção
para as crianças, sem nomear, a partir de uma história ou situação em que a emoção é sentida.
Dessa forma, espera-se que as crianças identifiquem e descrevam algo semelhante e em seguida,
o significado formal é apresentado para as crianças. No segundo passo, conexão com o mundo,
o professor irá explorar a emoção-foco e relacioná-la com algum conteúdo escolar ou algum
evento do qual as crianças tenham conhecimento. A partir disso, as crianças escrevem
individualmente sobre o conteúdo abordado, seguido de uma discussão em grupo. No terceiro
passo, parceria escola-família, as crianças devem explicar a emoção-foco e as atividades
desenvolvidas nas fases anteriores para um adulto e, em seguida, entrevistá-lo, pedindo que ele
conte uma situação em que experimentou aquela emoção. Após isso, a criança deve escrever
um parágrafo sobre a conversa que posteriormente será discutido em grupo, na sala de aula. No
quarto passo, conexão criativa, os alunos devem fazer uma representação artística (desenhos,
pinturas, colagem) sobre a emoção-foco. Em seguida, realiza-se uma discussão em grupo sobre
o material produzido. Por fim, no quinto passo, estratégias de enfrentamento, o professor irá
estimular o aluno a pensar, através do acrônimo IMPAR (Iniciar, Manter, Prevenir, Aumentar
e Reduzir), em estratégias para lidar com a emoção-foco, quando for necessário (Brackett &
Kremenitzer, 2011; Ricarte, 2019).
Para a intervenção do presente estudo, foram utilizados apenas três dos cinco passos,
são eles: conexão pessoal (primeiro passo), conexão criativa (quarto passo) e estratégias de
enfrentamento (quinto passo). O objetivo foi realizar oficinas com duas horas de duração cada,
tendo como foco apresentar uma emoção por grupo. Com isso, as crianças eram recebidas em
uma sala, acomodadas e após a apresentação de cada um, escutavam uma história sobre a
emoção-foco, sem que o nome desta fosse mencionado. Em seguida, tentavam adivinhar ou
relacionar essa emoção com suas próprias experiências. Após isso, a emoção-foco (e as demais
que surgissem na discussão em grupo) era(m) apresentada(s) de maneira formal (conexão
pessoal). Posteriormente, as crianças eram convidadas a fazer um desenho ou pintura,
individualmente, sobre a emoção trabalhada. Ao final do tempo estipulado para essa fase, todos
voltavam aos seus lugares e apresentavam para o grupo o que haviam feito, um a um, e qual a
história por trás daquele desenho ou pintura (conexão criativa). Por fim, as crianças eram
convidadas a pensar em estratégias para ajudá-las a lidar com situações que envolvessem a
emoção-foco, em discussão com todo o grupo (estratégias de enfrentamento). Ressalta-se que
as estratégias começam a ser pensadas a partir do momento em que surge no discurso do grupo
uma situação que requer o enfrentamento da emoção, portanto, as fases não são lineares, nem
limitantes, são fluidas.
Durante as oficinas, também foram utilizadas técnicas e materiais lúdicos para facilitar
982
a interação e o processo de aprendizagem das crianças, tais quais: giz de cera, lápis de cor,
canetinhas coloridas, massas de modelar, folhas de papel A4, tinta guache, música ambiente,
desenhos, pinturas e rodas de conversa. A descrição dos resultados foi organizada a partir da
exposição das principais possibilidades e desafios envolvidos na aplicação da atividade,
conforme apresentado a seguir.
Resultados e Discussão
983
fator relevante (que extrapola os limites deste relato de experiência), presente nos relatos das
crianças está relacionado ao aumento nos últimos 10 anos na taxa de suicídio e automutilação
entre crianças de 10 a 14 anos de idade. Estes dados tornam-se ainda mais agravantes quando
se trata de adolescentes, fato que motivou o Ministério da Saúde a criar um Plano Nacional de
Prevenção do Suicídio (Brasil, 2019).
Em relação às atividades propriamente ditas, pode-se destacar a flexibilidade como uma
característica extremamente necessária, visto que muitas vezes, surgem demandas diferentes do
que foi proposto no momento da tarefa. As atividades promoveram, ainda, um movimento de
pensar sobre a necessidade de se criar mais espaços interventivos dentro e fora das escolas.
Friedberg e McClure (2004) acrescentam que o adulto responsável por auxiliar as crianças na
tarefa de identificar emoções aja de modo criativo, a fim de estimulá-las a pensar acerca do que
sentem. A partir das vivências relatadas, torna-se clara a importância de se trabalhar no âmbito
escolar visando o desenvolvimento da expressividade emocional e autocontrole entre as
crianças, visto que estão diretamente ligadas a outras habilidades de competência social, como
por exemplo, a empatia. Desta forma, é possível que a escola atue prevenindo problemas e
promovendo saúde, favorecendo o desenvolvimento pleno dos seus alunos.
De modo geral, pode-se considerar que as habilidades socioemocionais são um
construto observável e que se desenvolve na população infantil. Nesse sentido, habilidades
como empatia, autogestão, consciência social, e capacidade de resolver problemas são
aprendidas pelas crianças desde os anos escolares iniciais e, portanto, devem ser ensinadas
como forma de prevenção, em vez de esperar até que elas apresentem problemas para, em
seguida, realizar uma atividade de intervenção.
Considerações Finais
Perante o que foi exposto no presente relato, é possível observar que as habilidades
socioemocionais fazem-se necessárias na sociedade moderna e principalmente em escolas,
proporcionando ao público infantil um contato prévio com tais aptidões. Além disso, as HSEs
se constituem no cerne de diversas demandas que emergiram no decorrer do processo de
execução da intervenção realizada, evidenciando a relevância do trabalho de tais questões ainda
na idade escolar como forma de melhoria da qualidade de vida e precaução de danos
futuramente.
Destaca-se o fato do modelo de intervenção realizado configurar-se como uma
ferramenta potente e prática que pode proporcionar além da melhoria do convívio em sociedade,
o trabalho com êxito de temas (em que o bom desenvolvimento das HSEs é fundamental) por
muitas vezes ainda delicados quando surgem na infância/adolescência e que requerem maior
atenção tanto da família, quanto da escola e profissionais de saúde e educação, levando estes a
se atentarem para tais questões e se engajarem com a saúde mental, principalmente das crianças.
Ademais, a vivência da oficina provocou sentimentos de desafio, instigou a criatividade
e imaginação e propiciou momentos grupais em que estiveram presentes situações de empatia,
autodescoberta e resolução de problemas, além da potencialização e incentivo a
comportamentos de autocuidado e bem-estar.
É preciso considerar ainda a importância da continuidade de intervenções como a
984
relatada no presente trabalho, sendo realizadas de forma ética, responsável e profissional, a fim
de proporcionar um retorno para a sociedade do conhecimento produzido no meio acadêmico,
através de pesquisas e estudos transformados em ações que contemplem tanto os mediadores
do processo, como também a comunidade participante, sendo esta última a que mais se
beneficia pelo saber se transformar em prática.
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AS INTELIGÊNCIAS INTRAPESSOAL E INTERPESSOAL: UMA RELAÇÃO COM
986
OS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO
Samira Taveira dos Santos
Mayara Oliveira da Silva da Cunha
Lucas Muniz Liandro
Nicolly Sousa Nunes
Fany Valentim de Matos
Introdução
Cada ser é único e social, e possui inteligências e habilidades diferentes, que se
desenvolvem de acordo com as estimulações do meio em que está inserida. Em virtude disso,
as inteligências interpessoal e intrapessoal envolvem autoconhecimento, capacidade de lidar
com suas emoções, e relacionar-se com as pessoas de maneira assertiva. Estas duas citadas
acima fazem parte das teorias das inteligências múltiplas de Gardner, que mostra que os
indivíduos não possuem apenas inteligências nas áreas de matemática ou português. Indo contra
a visão de ensino e aprendizagem tradicionalista, onde o professor é detentor de todo
conhecimento e os alunos apenas devem armazenar tudo que é dito por ele (Travassos, 2001).
A inteligência interpessoal é a habilidade de compreender as outras pessoas, assim
como entender como trabalham, o que as motivam e como se relacionam com a sociedade. Esse
tipo de inteligência é a que avulta nos indivíduos que possuem facilidade para se relacionar com
o outro, tais como professores, terapeutas e líderes políticos (Smole, 1999, p.13).
No entanto, a inteligência intrapessoal é a competência de uma pessoa para se
autoconhecer e estar bem consigo mesma, administrando seus sentimentos e emoções a favor
de seus projetos. Assim, dimensionando suas próprias qualidades de trabalho de maneira efetiva
e eficaz, a partir de um conhecimento apurado de si próprio, ou seja, reconhecer seus próprios
limites, aspirações e medos, e utilizar esse conhecimento para ser eficiente no mundo (Smole,
1999).
Dessa forma, a motivação em relação à escolha do tema “As inteligências intrapessoal
e interpessoal e sua relação com o processo de aprendizagem”, se deu a partir das observações
em sala de aula, notando que a boa parte dos adolescentes da 3ª série “D” do Centro de Ensino
Graça Aranha não mantinham relacionamentos interpessoais, os alunos em sala de aula eram
muito limitados a um grupo de preferência, onde relacionavam-se somente em prol desse grupo
fechado, haviam também alguns que eram mais isolados, não havendo assim uma interação
entre alunos como um todo.
Em vista disso, essa temática se fará bastante relevante para os alunos, devido à
possibilidade de desenvolver aptidões, através da interação com o outro, no qual segundo
Vygotsky (2007), o desenvolvimento cognitivo do aluno se dá por meio da interação social, ou
seja, de sua relação com outros indivíduos e com o meio, a aprendizagem segundo ele é uma
atividade conjunta, em que relações colaborativas entre alunos podem e devem ter espaço, a
partir disso, podendo favorecer seu processo de aprendizagem relacionado ao conteúdo de
estudo, onde os alunos poderão ajudar uns aos outros, ter conhecimento de suas capacidades e
limitações, assim possibilitando uma abertura para as mudanças na sua compreensão intelectual
987
e enriquecendo suas inteligências.
A partir das observações em campo, surgiu a necessidade de um olhar atento às relações
entre as inteligências intrapessoal e interpessoal, e como influenciam os processos de
aprendizagem, visto que as mesmas estão relacionadas, ou seja, a partir do momento que o
indivíduo, se autoconhece, sabe suas capacidades e limites, aprende com seus erros e elabora
comportamentos que o permitem se relacionar de maneira mais assertiva com o grupo em que
está inserido. Com base nisso, buscou-se promover aprendizagens mais significativas para os
alunos da 3ª série “D” do Centro de Ensino Graça Aranha.
Com isso foram criados alguns objetivos tendo como objetivo geral, Averiguar como as
relações entre as inteligências intrapessoal e interpessoal influenciam ou afetam os processos
de aprendizagem, no intuito de promover aprendizagens mais significativas para os alunos da
3° série “D” do CEGA - Centro de Ensino Graça Aranha.
Assim como os objetivos específicos: discutir sobre os aspectos específicos das
inteligências interpessoal e intrapessoal relacionando-os com os processos de aprendizagem
formal e informal; estimular as habilidades intrapessoais, promovendo atividades que
desenvolvam o autoconceito e elevem a autoestima; desenvolver relações interpessoais,
estimulando a empatia e comunicação assertiva, promovendo relações saudáveis, facilitando o
processo de aprendizagem escolar; utilizando mecanismos para auxiliar no desenvolvimento
escolar, trabalhando a importância de suas relações.
Método
O presente estudo classifica-se quanto aos objetivos como explicativo, segundo Gil
(2008) refere-se a uma pesquisa que busca identificar fatores que determinam ou contribuem
para a ocorrência de outros, também busca explicar determinados fenômenos. Refere-se a
uma pesquisa de natureza qualitativa, tipo relato de experiência, onde utilizou-se da
metodologia da problematização para verificar a demanda emergencial para atendimento dos
participantes.
Segundo Berbel (1998a, p. 144), a metodologia da problematização segue etapas que
surge a partir de um problema percebido na realidade, selecionando variadas técnicas,
métodos e atividades que se relacionem com o problema encontrado e as condições dos
participantes, propondo transformação e conscientização. A partir disso, foi analisada as
relações entre as inteligências intrapessoal e interpessoal e como as mesmas podem afetar os
processos de aprendizagem
O Projeto ADDA foi desenvolvido no Centro de Ensino Graça Aranha, que se localiza
na Rua Treze de Maio, S/N, centro de Imperatriz - MA. Foi selecionada a 3° série “D”, que
possui 43 alunos, com faixa etária de 16 a 19 anos. O projeto teve início no dia 05 de setembro
de 2019, finalizando no dia 21 de novembro de 2019.
O estudo foi embasado por recomendações éticas, por ser realizado com seres
humanos. A direção da escola autorizou todas as ações. Os professores e gestores foram
esclarecidos sobre os objetivos das observações e assinaram o termo de consentimento livre
e esclarecido – TCLE, autorizando a coleta de informações.
Tal disposto propiciou aos alunos de Psicologia a observação da realidade
988
educacional, a partir dos seguintes instrumentos de coletas de dados: Observação do espaço
escolar, sua estrutura, sua dinâmica, observação em sala de aula, análise do Projeto Político
Pedagógico, entrevista semiestruturada com professores e gestores. Em consonância com as
informações levantadas e observadas foi elaborado o Plano de Ação com objetivos e
metodologias que viessem colaborar diretamente no alcance de resultados mais significativos
junto aos alunos.
As observações foram realizadas no período de três dias, e após a análise dos dados,
iniciaram-se os quatro dias de intervenções, utilizando-se de rodas de conversa, dinâmicas, e
mini palestra, que tiveram o intuito de abarcar a demanda vigente.
Resultados e Discussão
A primeira intervenção foi realizada no dia 31 de outubro de 2019, teve como objetivo
discutir com os alunos da 3° série “D” os aspectos que envolvem as inteligências interpessoal
e intrapessoal relacionadas com os processos de aprendizagem. Foi apresentado o contrato da
boa convivência e explicado como era importante a participação dos mesmos, dentre outras
cláusulas.
Posteriormente, foi feita uma breve explanação sobre o que são essas inteligências e
como desenvolvê-las. Durante as explicações surgiram algumas dúvidas, como por exemplo,
quem desenvolveu essas inteligências? (Sic.), também comentários sobre como elas estão
presentes em vários contextos.
Em seguida, foi aplicada uma dinâmica de quebra-gelo, na qual o coordenador da
dinâmica diria uma frase e cada aluno teria que dar continuidade criando uma frase a partir
da última palavra da anterior, de forma que fizesse sentido. Os objetivos eram a comunicação,
criatividade, iniciativa, dinamismo e relacionamento interpessoal. Houve participação ativa
dos alunos, eles reagiram bem, ao final os instigamos a refletir sobre todos os aspectos
trabalhados e como podem influenciar seus processos de aprendizagem e desenvolvimento.
A seguir, propomos a eles outra atividade, envolvendo o reconhecimento das
qualidades dos colegas, foi pedido para que colocassem em uma folha de papel apenas seu
nome, em seguida os papéis seriam recolhidos, então distribuídos novamente, de forma que
ninguém soubesse quem o colega ao lado tirou, após a entrega foi explicado que cada
participante deveria falar as qualidades do colega que havia tirado, para que os demais
pudessem adivinhar de quem eram as qualidades.
O feedback foi muito positivo, houve boas emoções dos alunos, percebeu-se que eles
realmente se envolveram na atividade, ao relatarem suas percepções reconheceram que
possuíam muitas qualidades e que eram vistas pelas pessoas que estavam ao seu redor.
Notou-se durante a intervenção uma demanda muito grande por parte dos alunos
quanto a dificuldade de concentração devido às conversas paralelas ocasionada pelos grupos
fechados, seus relacionamentos interpessoais estavam fragilizados, havia muitas interrupções
quando alguém estava falando, assim, dificultando as relações, que tinham como
consequência uma sala bem dividida.
Os alunos se mostraram bastante agitados e conversavam muito, apesar do grupo
989
ADDA ter apresentado a importância do contrato da boa convivência, por consequência em
alguns momentos houve a necessidade de serem chamados atenção e assim pudessem estar
totalmente envolvidos com o projeto.
Alguns alunos relataram o quanto trabalhar o dinamismo, diálogo e comunicação entre
os colegas da turma foram importantes. Sendo possível elencar a teoria de Gardner (1995),
em que o indivíduo através da interação com o meio no qual está inserido se desenvolvi com
maior potencialidades. Ao contrário do que se entendia por aprendizagem em sua época, ele
dizia que a aprendizagem deve ocorrer em uma via de mão dupla, em que o professor é
mediador desse conhecimento e o aluno um sujeito ativo no seu processo de aquisição de
conhecimento (Rego, 2012).
Apesar das dificuldades encontradas no primeiro dia de intervenção, percebeu-se
resultados bastante satisfatórios, os alunos reconheceram as qualidades de colegas que até
então não eram tão próximos, reconheceram a importância do diálogo saudável entre a turma,
para que assim pudessem se relacionar e criar vínculos. A intervenção foi de bastante valia
para o grupo, pois já se observava impactos nesse primeiro momento.
Santos (2013) enfatiza que ambas as inteligências assumem um papel extremamente
importante na escola, visto que, enquanto a interpessoal envolve a habilidade de trabalhar
cooperativamente em grupo, entender e interagir de maneira assertiva, a intrapessoal ajuda o
aluno a sentir-se melhor e mais seguro, vencendo as barreiras da comunicação e do ato de
aprender. Sendo importantes no processo de mudança do indivíduo.
O segundo dia de intervenção, foi realizado dia 07 de novembro de 2019, teve como
objetivo estimular o desenvolvimento das habilidades intrapessoais, favorecendo o
autoconhecimento e elevando a autoestima dos alunos.
De início, falou-se sobre a temática e foi estimulada a participação de todos. A primeira
atividade foi a “dinâmica dos balões”, onde todos receberam um balão e um barbante no qual
deveriam encher o balão e posteriormente amarar com ajuda do barbante em seus tornozelos,
em seguida, o facilitador da dinâmica afirma que todos devem apresentar o balão cheio após
dois minutos, enquanto rodavam na sala sem deixar que seu balão seja estourado. Ao final, foi
feito questionamentos sobre quantos balões sobraram e como cada um protegeu o seu balão,
assim, promovendo uma reflexão acerca da temática.
Em seguida, utilizou-se recursos audiovisuais, com cenas de alguns filmes populares
para sua faixa etária, os escolhidos foram “Megarromântico” e “Sexy por acidente”,
despertando nos alunos possíveis sugestões práticas para melhorar a autoestima dos
personagens, buscando se colocar no lugar deles ou verificar quais as qualidades as
protagonistas tinham, mas não conseguiam enxergar.
Após essa atividade de provocação, foi aplicada outra dinâmica, no qual o objetivo foi
mostrar que todos possuem algo de valor ou alguma qualidade que podem oferecer ao outro,
para que ninguém se sentisse inferiorizado. A dinâmica se chama “feira das qualidades”, onde
foi pedido aos alunos que escrevessem algumas qualidades e talentos que acreditavam possuir
e dividirem as folhas, colocando o valor 50 ou 100 para o que acreditam que cada um vale, pois
venderiam suas qualidades na feira.
Observou-se que os alunos ficaram bem atentos quanto à temática e às dinâmicas
990
aplicadas, pois se refletia nas falas de cada um, mostrando a importância do indivíduo ser ele
mesmo, não importando a opinião dos outros e o quanto essa característica é importante para a
sua autoestima e conquistas futuras. Os alunos conseguiram perceber e até ajudar nas
pontuações sobre a importância da conquista sem afetar o próximo. Houve um reconhecimento
quanto às qualidades de cada um, inclusive de alunos que não eram tão próximos, até poderiam
ter essa visão do colega antes, no entanto, não tinham oportunidade de expressar, e nesse
momento foi possível essa interação.
Segundo Gardner (1995), uma pessoa com boa inteligência intrapessoal possui um
modelo viável e efetivo de si mesma (Brennand & Vasconcelos, 2005), com isso, reforçamos o
nosso objetivo, que está alicerçado nas habilidades voltadas para os próprios alunos, que foram
submetidos a essas práticas.
De acordo com Smole (1999), a importância do autoconceito bem definido e a
autoestima elevada impulsionam o processo de aprendizagem escolar, pois o aluno entende seus
limites, qualidades e defeitos.
O terceiro dia de intervenção foi realizado em 14 de novembro de 2019, teve como
objetivo favorecer uma melhor relação interpessoal, promovendo uma comunicação assertiva e
empática facilitando o processo de aprendizagem.
A atividade realizada foi por vivências interpessoais, que divididas em quatro fases
propunham atividades diferentes. Para passar pelas fases que aconteceriam de forma
simultânea, a turma foi dividida em quatro grupos e cada integrante do projeto ficou responsável
por coordenar uma atividade.
A primeira vivência foi a “dança das cadeiras diferente”, na qual foi utilizado um
número de cadeiras referente à quantidade de pessoas da equipe, só que com uma a menos.
Cada vez que a música parasse os alunos deveriam criar estratégias para que todos ficassem
sentados nas cadeiras, logo era retirado uma cadeira e dava início à uma nova rodada, assim
sucessivamente até que ficou apenas uma cadeira. Os que não conseguiram ficar sentados foram
saindo, ao final, foi ouvido a visão deles sobre a atividade e discutimos a importância da união.
Os alunos foram extremamente participativos, sendo assertivos em suas falas, assim
percebeu-se o quão recorrente é o apelo que os adolescentes fazem quanto a esses aspectos
referentes à cooperação, assim como relações de ajuda mútua mais saudáveis. Relataram a
importância de se trabalhar as relações interpessoais e como isso pode contribuir para
desenvolvimento das aprendizagens.
A segunda vivência foi a “dinâmica das diferenças”, na qual o orientador distribuiu
pedaços de papel e informou ao grupo que eles teriam que fazer um desenho, seguindo as
instruções que seriam dadas. Pediu-se que não olhassem para o do colega e nem mostrasse o
seu. O grupo estava atento, foram participativos.
Ao finalizar foi pedido que todos mostrassem seus desenhos e foi perguntado o que eles
puderam perceber com essa dinâmica, alguns disseram que seria o fato de que alguns desenhos
eram melhores que outros. Apesar de ser passada as mesmas instruções, nenhum desenho ficou
igual. Foi questionado o porquê disso haver acontecido, alguns relataram que seria por conta
que cada um sabe fazer de um jeito, uns têm mais facilidades, outros não.
Aplicando ao contexto de sala de aula, deve-se buscar ouvir o colega, ajudá-los nas
991
dificuldades, respeitar a opinião do outro, seu jeito, interagindo não apenas com aqueles que
têm as mesmas ideias, cada pessoa tem sua maneira de perceber o mundo, pode-se aprender
muitas coisas com elas. Percebeu-se que os grupos compreenderam a mensagem passada,
relataram que gostaram bastante da dinâmica.
Foi feita uma reflexão acerca das diferenças, segundo Del Prette (2012) o respeito às
diferenças é base para uma sociedade mais saudável e inclusiva, qualquer contexto que lida
com diferenças é potencialmente educativo para a promoção desses valores ou para a promoção
de valores contrários.
A terceira vivência foi “fazendo arte com massinha”, onde o grupo deveria fazer uma
construção conjunta da arte. Durante a dinâmica observou-se a articulação da equipe e o
trabalho em conjunto, ao fazer uma escultura utilizando massa de modelar, cada um queria
contribuir de alguma forma, havia empatia e reciprocidade entre ambos, alguns não tiveram
uma ideia de imediato, então pediam ajuda ao colega e assim todos ajudaram na escolha da
escultura, no final, pediu-se que verbalizassem sobre a importância do trabalho em equipe e
todos falaram sem receio, sendo assertivos em suas falas.
Na quarta vivência foi a dinâmica “feitiço contra o feiticeiro”, onde cada um escreveu
algo que gostaria que o colega da direita fizesse, algo que fosse dentro do bom senso e respeito,
quando todos os participantes escreveram eles leram o que estava escrito, mas ao invés do
colega fazer, ele próprio é que iria fazer a atividade que propôs.
Os alunos interagiram bastante, ficaram surpresos, mas não hesitaram em fazer aquilo
que desejaram aos colegas, aquilo que foi pedido aos colegas foram coisas legais, empáticas,
nada que os colocassem para baixo. Além disso, notou-se o entusiasmo deles perante a
dinâmica, sem contar no feedback positivo que foi recebido no final da dinâmica.
Ao final das vivências foi feita uma roda de conversa com a turma, ampliando as
perspectivas deles a respeito das relações interpessoais, os alunos expuseram suas opiniões a
respeito das vivências, o que ela proporcionou para cada um e quais sentimentos
experimentaram.
Houve um envolvimento completo dos alunos, todos participaram, relataram que aquele
momento estava sendo especial. Pode-se perceber que os alunos foram impactados pelo projeto,
captaram a importância da união, todos se mostraram mais conectados, trabalhando em equipe,
guardaram a reflexão de não desejar para o próximo aquilo que não gostaria que acontecesse
consigo mesmo, bem como respeitar as diferenças e a subjetividade de cada um.
O educar se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e,
ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se
faz progressivamente mais congruente com o do outro no espaço de convivência (Maturana,
1998, p. 29). Ao comparar com o primeiro dia de intervenção, foi notória a transformação dos
alunos, que começaram a interagir mais entre si, não apenas com um grupo de preferência, mas
com um todo, pois antes não conversavam mesmo estando no mesmo âmbito físico. Também
desenvolveram um autoconhecimento, acreditando mais em si mesmos e suas capacidades,
assim aumentando a autoestima.
A última intervenção do Projeto ADDA ocorreu no dia 21 de novembro de 2019, teve
992
como objetivo relembrar os conceitos trabalhados, enfatizando a importância das relações,
comunicação assertiva e autoconhecimento.
A princípio foi realizada uma roda de conversa e de maneira dinâmica circulou entre os
alunos uma caixa contendo palavras-chave relacionadas ao tema trabalhado ao longo do projeto,
assim, todos tiveram a oportunidade de tirar um dos papéis da caixa e falar o que aquela palavra
representava, ou o que haviam aprendido a partir da temática, de acordo com o seu
entendimento.
Foi possível perceber que alguns alunos se mostraram receosos em responder, porém
após um tempo foram respondendo e assim todos participaram e quando não conseguiam falar
algo, os demais auxiliavam, falando sua opinião ou comentando sobre alguma intervenção que
se encaixava. Vygotsky (2007) nos fala que a internalização envolve uma atividade externa que
deve ser modificada para tornar-se interna, ou seja, interpessoal se torna intrapessoal. Dessa
forma, trabalhá-las em conjunto pode trazer melhores resultados ao desenvolvimento escolar.
Em seguida, foi realizado um feedback com a turma sobre os dias de intervenção. Os
alunos revelaram que a temática foi de suma importância para seu desenvolvimento, pode-se
perceber que haviam realmente internalizado os conceitos trabalhados, informando que houve
uma melhora significativa na autoestima, autoconhecimento, nos relacionamentos, pois a turma
interagia como um todo, passaram a compreender melhor o colega, ouvir mais e ter uma
comunicação assertiva.
Posteriormente, foi distribuído um folder contendo informações sobre o tema trabalhado
e algumas dicas de como desenvolvê-lo. Por fim, foi deixada uma mensagem de motivação e
reflexão, para que os alunos pudessem repassar o que aprenderam para seus familiares e amigos,
não detendo o conhecimento somente à sala de aula.
Considerações Finais
Diante de todas essas informações, percebe-se a importância de se trabalhar as
inteligências intrapessoal e interpessoal no âmbito escolar, buscando obter um olhar mais
direcionado para as questões de autoconhecimento e relações pessoais, proporcionando
conhecimentos aos alunos, fazendo-os perceber e entender que não são apenas alunos, sendo
assim, suas questões subjetivas afetam as coletivas e vice-versa, uma vez compreendido isso,
podem buscar compreender e se colocar no lugar dos colegas, professores e pais.
Deve-se trabalhar formas de envolver todos os aspectos, tanto subjetivos quanto
coletivos, pois o indivíduo influencia o meio e também é influenciado por ele, como nos lembra
Freire (1997), quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Assim,
buscar formas mais assertivas de lidar com essas questões, pode proporcionar aprendizagens
mais significativas aos alunos.
A experiência do projeto foi enriquecedora, proporcionou a oportunidade de conhecer
na prática quais as demandas recorrentes referentes ao contexto escolar e aos processos de
aprendizagem, propiciando uma maior aquisição de conhecimentos, inspirando a busca de
novos recursos para trabalhar a singularidade humana, assim como para desenvolver a
observação, escuta e empatia profissional, dessa forma, ter um novo olhar quanto a essas
questões, contribuindo para a formação acadêmica e profissional, e agregando mais
993
conhecimentos científicos através das pesquisas estudadas e realizadas.
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PERFIL LEITOR E MOTIVAÇÃO PARA LEITURA NO ENSINO MÉDIO: RELATO
994
DE PESQUISA EM SALVADOR-BA
Objetivo
Identificar a preferência literária e a motivação para leitura do estudante do Ensino
Médio.
Método
A presente pesquisa apresenta uma exploração quantitativa preliminar dos hábitos de
995
leitura por meio do Questionário do Perfil Leitor, adaptado por Schardosim (2015) de outros
autores para uso em sua tese e cujo uso no presente trabalho foi autorizado pela autora. O
instrumento sofreu nova adaptação para adequar ao tempo disponível com os alunos e ser
utilizado como instrumento de mapeamento preliminar. A aplicação do questionário foi
autorizada pelas escolas como um instrumento pedagógico que auxiliará na identificação dos
hábitos de leitura dos estudantes do Ensino Médio.
O questionário não se caracteriza como um teste ou escala, ele fornece dados
quantitativos ao constar de perguntas como a preferência literária do estudante, a preferência
do material para a leitura (em papel ou por meio digital), o tempo estimado de leitura diária
para estudo e lazer, a influência da família no hábito da leitura.
Antes da aplicação da pesquisa, apresentou-se o Projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para avaliação de sua conformidade com os
critérios da Resolução no 466 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde do
Ministério da Saúde, com a Resolução CNS/MS 510/2016 e com o Regimento dos Comitês de
Ética em Pesquisa da PUC-SP. O Projeto foi aprovado e considerado em sua relevância social
e na concordância do seu método com os critérios de ética e respeito para com os participantes
da pesquisa.
Em seguida, entrou-se em contato com duas escolas públicas de Salvador-Bahia, que
autorizaram a aplicação da pesquisa e do Questionário nos alunos do Ensino Médio. A amostra
total nas duas escolas foi de 386 alunos e a aplicação ocorreu no ano 2019 em uma escola e no
início de 2020 na outra, com duração de uma semana de aplicação nas turmas no Ensino Médio.
Resultados
Os resultados indicaram as seguintes informações conforme tabelas e quadros a seguir:
Gênero N Porcentagem
Idade N Porcentagem
15 a 19
368 95,3%
anos
20 a 29
18 4,7%
anos
Total 386 100,0%
996
Tabela 3 – Distribuição da amostra por região de nascimento
Região N Porcentagem
Sudeste 2 0,5%
Idioma N Porcentagem
Outros 19 4,9%
Escolaridade N Porcentagem
Alfabetizados 17 4,4%
Ensino
38 9;8%
fundamental
Região N Porcentagem
Sudeste 10 2,6%
Outro
1 0,3%
país
997
Pergunta Total
Sim Não
(N=386)
Quando entrou para a escola, sabia ler e/ou escrever? 54,5% 45,5% 100%
Sim
Pergunta Total
História em Não
Tudo quadrinhos / Livros (N=386)
contos
Muito /
0 a 10 10 a 50 1a3 4a7 Pouco /
Tipo de leitura N O dia Total
minutos minutos horas horas Não sei
todo
Estudos (em papel) 386 9% 22,3% 42,9% 2,1% 1,3% 22,3% 100,0%
Lazer (em papel) 386 10,3% 31,8% 4,7% 1,7% 29,2% 100,0%
22,3%
Estudos
(computador ou 386 5,2% 4,7% 14,6% 100,0%
22,3% 46,4% 6,9%
celular)
Lazer (computador
386 0,4% 2,1% 61,8% 1,7% 100,0%
ou celular) 19,3% 14,6%
0 54 14,0%
1a5 94 24,4%
6 a 10 70 18,1%
998
11 a 20 62 16,0%
Mais de 20 /
71 18,4%
Muitos
Ambiente Porcentagem
Casa 65%
Escola 10,2%
Outros 7%
Nenhum 8,5%
Total 100,0%
Resposta Total
Afirmação
Sim Não (N=386)
999
A partir dos resultados percebe-se que, apesar de 59,2% afirmar ler somente quando
necessário, a maioria dos alunos lê para se divertir (59,7%), gosta de conversar sobre livros
(53,6%) e de frequentar bibliotecas (57,1%). A leitura online para estudos e lazer é mais
predominante do que a leitura em papel. E chama atenção que o hábito de ler online por lazer
ocupa muitas horas do dia para a maioria dos jovens (61,8%).
Os dados apontam ainda que a leitura com finalidade estudantil teve destaque indicando
a influência da escola no hábito leitor dos alunos, fato presente na literatura e pesquisas atuais.
Discussão
O IPL (2020) considera como leitora a pessoa que leu ao menos 1 livro inteiro nos
últimos 3 meses. No Questionário, o indicativo de 55,8% dos respondentes com dificuldade em
terminar um livro e 51,5% com dificuldade em se concentrar para ler corresponde ao resultado
do IPL (2020) que mostra um decréscimo de leitores no Brasil de 56% para 52% entre 2015 e
2019.
O IPL (2020) aponta ainda que para os adolescentes do EM a indicação de livros pelo(a)
professor(a) tem mais influência do que outros meios (68%). Provável similaridade no
Questionário nos dados que mostram o interesse pela leitura, em ampliar os conhecimentos
(75,5%), estudar (88%) e melhorar na escola (78,1%).
Luft e Fischer (2015) observaram que o hábito da leitura dos adolescentes que estão no
Ensino Médio é diretamente influenciado pelos exames de seleção para as universidades, que
acontece no formato do vestibular tradicional, com listas de obras literárias para a prova, ou do
Enem, que não indica leituras específicas. Objetivo das autoras foi verificar qualitativamente
os impactos das leituras obrigatórias sobre a formação leitora de alunos do Ensino Médio por
meio de uma pesquisa de campo em salas de aula de cinco escolas do Rio Grande do Sul (duas
da rede pública e três da rede particular). Foram entrevistados 184 alunos a respeito das
seguintes questões: origem das obras literárias lidas, obras literárias das quais gostaram muito,
reação em relação às leituras indicadas pela escola.
Os resultados apontaram o professor como a principal influência para a leitura ou a falta
dela, de modo que se não é recomendada a leitura de determinada obra, ela por vezes não será
lida espontaneamente pelo aluno. Outro dado percebido pelos autores ao analisarem as
respostas dos entrevistados foi que as provas do vestibular são determinantes para a efetivação
das leituras nos jovens e formação do gosto literário. Os autores concluem que a obrigatoriedade
das obras literárias para o vestibular induz os alunos à leitura e, consequentemente, conforme
observado, desenvolve neles o apreço pelos livros indicados. Luft e Fischer (2015) constatam
a influência positiva do vestibular tradicional no incentivo à leitura nos jovens, desfavorecida,
por sua vez, pelo caráter generalista da literatura no Enem.
Marendino (2014) chama atenção para o cultivo da imaginação e da base poética da
mente no cotidiano escolar, afirmando haver uma crise no campo educacional ao preconizar o
paradigma da racionalidade. A autora propõe a retomada da “função educativa da imaginação”
(p. 42) elementar ao desenvolvimento da identidade dos alunos e docentes. E em concordância
1000
com a psicologia que envolve o exercício da leitura apresentada pela referida autora, Tzvetan
Todorov, em A Literatura em perigo (2009, p. 24) discorre sobre a importância da literatura:
“Mais densa e mais eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, a literatura
amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo.”.
Porcacchia (2016) complementa esse pensamento ao destacar a importância terapêutica
da literatura uma vez que permite a expressão de sensações e emoções no universo ficcional
que seriam inomináveis e incompreensíveis na realidade. De acordo com a autora, por meio de
um enredo que reflete as peculiaridades da existência humana, a literatura dá forma aos
sentimentos e organiza a experiência psíquica.
Compreende-se que a leitura pode dinamizar no indivíduo a aquisição de conhecimentos
gerais, desenvolvimento criativo, compreensão do mundo e de si mesmo, incentivando a
autorreflexão e atuação na sociedade
Conclusão
Percebe-se que a motivação para leitura suscita interesse enquanto objeto de estudos em
nível global e muitas são as variáveis internas e externas que influenciam na vivência engajada
do aluno com a leitura.
Observa-se que a motivação extrínseca para leitura, característica da leitura para
aprovação externa, pode se tornar mais dominante no aluno ao longo da sua vida escolar,
desfavorecendo o desenvolvimento da motivação intrínseca, da leitura mais prazerosa e
autônoma. Esta, por sua vez, aparece nas pesquisas como mais evidente nas meninas, apesar
dos estudos apontarem também que ela é passível de ser estimulada no jovem, independente do
gênero, idade e características socioeconômicas.
De modo geral, denota-se a relevância de atividades escolares que promovam o
incentivo à leitura não apenas pela avaliação quantitativa da nota, mas pelo estímulo à
autonomia e despertar do interesse do aluno. No entanto, cabe ressaltar que apesar de a escola
ser um espaço de potencial incentivo à leitura e acesso aos livros físicos, a motivação para ler
pode ser estimulada de igual modo no meio familiar, entre a comunidade, em espaços públicos
por meio de contação de histórias e acesso livre a qualquer tipo de material favorável à leitura.
Referências
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Cortez.
Luft, G. F. C.; Fischer, L. (2015). A Literatura, leitura e ensino: o Enem e os impactos das
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Marendino, R. B. Re-vendo a presença da psicologia na escola através do cultivo da alma.
1001
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Porcacchia, S. S. Literatura e cura: oficina da leitura como intervenção psicopedagógica.
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Todorov, T. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.
A TENDA DO CONTO COMO METODOLOGIA DE TRABALHO COM
1002
QUESTÕES SOBRE GÊNERO NO ENSINO FUNDAMENTAL
1003
(re)produtores desses dentro desse espaço escolar. Apesar das pautas supracitadas serem pouco
discutidas no âmbito escolar em geral e em torno delas haver, no contexto brasileiro, todo uma
pauta ideológica atravessando-as, a sexualidade é um tópico inerente ao ser humano e as
relações de gênero estão assiduamente presentes na sociedade.
Gênero refere-se, segundo Louro (1997), ao modo como as chamadas “diferenças
sexuais” são representadas ou valorizadas; concerne àquilo que se diz ou se pensa sobre tais
diferenças, na égide de uma dada sociedade, em um determinado grupo, em determinado
contexto. A partir de suas reflexões, toma como preceito a construção de gênero como
referência cultural, ao tornamos homens e mulheres na cultura. Não obstante, na perspectiva da
autora, o conceito de gênero não possui uma “essência” masculina ou feminina; pelo contrário,
aprendemos a ser um e outro e, a partir de então, vamos construindo o gênero com o qual nos
identificamos.
Segundo Viana e Unbehaum (2004), durante o governo Lula as organizações não-
governamentais passaram a receber mais incentivos para a produção de pesquisas voltadas para
a diversidade sexual e para as desigualdades de gênero. Ampliou-se a adoção de mecanismos
de participação de movimentos sociais organizados, por meio de fóruns, seminários,
conferências e outros espaços organizados para mobilizar atores e temas considerados
relevantes para o desenvolvimento de políticas para a inclusão e a diversidade. Participaram
desse movimento gestores dos sistemas de ensino, autoridades locais, representantes de
movimentos e organizações sociais e dos segmentos que possuem interesses comuns no que se
refere ao progresso dessa agenda.
Todavia, mesmo com avanços, as temáticas de gênero e sexualidade continuam tendo
alcance incipiente no ensino formal brasileiro. Ao analisar os materiais de ensino das escolas
públicas, Costa (2011) apontou que não há nem menção à discussão de gênero nos livros
didáticos utilizados na disciplina de geografia. Madureira e Branco (2015) também constatam
essa incipiência em sua pesquisa com professores de ensino fundamental do Distrito Federal,
onde os docentes confirmam que há uma grande distância entre o que se preconiza sobre gênero
e sexualidade no Parâmetro Curricular Nacional e a realidade das escolas, onde se percebeu
pouca formação e espaço para tocar nos mencionados temas por parte dos professores.
Tal demanda não deixou de ser percebida durante o estágio básico realizado em 2019
pelos autores do presente trabalho em uma escola do interior nordestino. Foi percebida uma
nítida separação por gênero nos relacionamentos das crianças, em especial durante o horário do
recreio, com a pouca interação entre meninos e meninas e quase sempre exercendo atividades
historicamente enquadradas para seus respectivos gêneros, com meninos jogando bola e outras
atividades que exija mais fisicalidade, enquanto as meninas tendem a ficar mais quietas, em
rodas e nos pontos mais periféricos do espaço destinado ao intervalo. O exercício em si desses
comportamentos não nos chega como uma demanda, mas sim o questionamento de que até que
ponto tais comportamentos tão sistemáticos ocorrem por serem consideradas “coisas de
menino” ou “coisas de menina”.
Dessa forma, o presente trabalho apresenta uma pesquisa-intervenção realizada em uma
escola de ensino fundamental durante um estágio básico supervisionado do curso de Psicologia
que objetivou trabalhar questões relativas ao gênero com crianças do 1º ao 4º ano a partir da
“tenda do conto.”
1004
Metodologia
Adotamos como desenho metodológico a pesquisa de caráter qualitativo, já que esta
abrange um aspecto da realidade dificilmente mensurável quantitativamente quando busca
conhecer acontecimentos, invenções, situações, possibilidades e singularidades (Xavier, 2014).
A partir da decisão do caráter metodológico, optou-se pela cartografia que se configura uma
estratégia metodológica ou um modo de fazer pesquisa que propõe transformar-se para
conhecer. Ou seja, é preciso deixar-se afetar pela experiência do conhecimento ao invés de
agarrar-se a perspectivas já preestabelecidas (Passos & Barros, 2010).
Enquanto estratégia metodológica de pesquisa-intervenção, a cartografia subverte o
conceito clássico de ciência, não mais se prendendo a regras e objetivos pré-estabelecidos
(Passos & Barros, 2010). Em um rompimento com o dualismo cartesiano, o modelo cartográfico
prima pela quebra de uma lógica em que o observador está distanciado e supostamente neutro
em relação ao seu objeto. A partir do momento em que o pesquisador adentra em campo,
entende-se que esse já está afetando e sendo afetado por aqueles que ele se propôs a construir
sua pesquisa, a pesquisarCOM, sendo o produto dessas afetações a matéria prima para o objeto
e para o delineamento da intervenção da pesquisa.
-É interessante salientar que existem tantas diferentes cartografias possíveis quanto
existem campos a serem cartografados, o que coloca a necessidade de uma proposta
metodológica estratégica em consonância com o contexto a ser observado, elencando o que há
nessa perspectiva em que método e objeto são signos singulares e correlatos ao passo tático, e
que se trata de metodologia como conjunto de regras e ferramentas estabelecidas, porém como
estratégia permeável à criticidade (Marconi, 2017).
Para tanto, foi escolhido como campo de estágio e imersão no território existencial para
práticas de pesquisa junto a uma escola localizada na planície litorânea piauiense. A imersão
na escola foi o principal meio de aproximação dos processos e das dinâmicas que ocorrem
naquele território, processos esses que serviram de guia para nossas práticas, ao passo em que
foi construído a todo momento com os atores sociais implicados. Assim, deu-se vida à entrada
pelo meio, levando em consideração que ao se adentrar em um território, este já é permeado e
marcado por diversos processos de subjetivação e assujeitamentos. Considerando isso, nossa
entrada se deu a partir de conversas informais, observações livre e construção de atividades
junto ao corpo escolar.
Tivemos como contribuintes e participantes do processo a ser descrito no presente
trabalho estudantes do primeiro ao quarto ano do ensino fundamental, com faixa etária média
de 5 a 6 anos, quando iniciam no 1º ano a 12 anos de idade ao encerramento do 4º ano, os quais
frequentam a presente escola.
Como intervenção, foi utilizada a tenda do conto, dinâmica na qual é pedido para que
cada pessoa participante leve um objeto pessoal para uma conversa circular baseada na
historicidade dos objetos ali reunidos pelo grupo. Esse recurso foi escolhido devido a suas
características que prezam pela autonomia do sujeito e circularidade de discursos, além dos
elementos afetivos envolvidos, permitindo com que, ao mesmo tempo em que haja uma ação
profissional, as pessoas ali não priorizam o papel de protagonistas de suas próprias narrativas,
produzindo significados a partir de suas próprias construções simbólicas e subjetivas (Félix-
1005
Silva et al., 2014).
Para a realização da atividade da tenda do conto, os estagiários pediram, por meio de
um aviso na agenda de estudantes, para trazerem de suas casas um objeto que tenha uma
representação afetiva para eles. Nos dias de atividades, os estagiários organizaram a sala de
forma a todos estarem em círculo e no meio deste, estava a toalha em formato de arena com os
objetos trazidos pelos participantes e uma cadeira no centro ou na frente. Neste ponto, os
estagiários explicaram previamente do que se trata a atividade, dizendo também sobre a regra
do silêncio, para que todos possam ser ouvidos genuinamente enquanto estiverem contando
suas histórias. Quando pegaram os objetos, cada criança contou a história objeto, para que e
para quem serve, discutindo que coisas de meninos e meninas são construções sociais de gênero
e que alguns objetos possuem usos diferenciados para meninos e meninas, a exemplo da roupa
íntima.
1006
percebido pouca tendência ao sexismo, pois majoritariamente as crianças não faziam distinção
entre objetos considerados de ‘’ menino’’ e de ‘’ menina’’, todavia apareceram algumas
disparidades, tendo em vista que diversas crianças apresentavam rejeição a determinadas cores
com base em normativas de gênero. Apesar das contradições, em suma, as atitudes mostradas
pelas crianças durante a vivência convergiam bastante com os nossos interesses ao realizar a
atividade.
Mesmo com os avanços, cabe destacar entraves presentes durante a execução dessa
atividade, pois embora as crianças pudessem manter uma postura que ia de encontro a perspectiva
sexista e polarizada, algumas poucas retrataram isso com veemência ao afirmar categoricamente
que não se poderia brincar com determinado objeto, pois tratava-se apenas de coisa de mulher ou
de homem. Optamos por criar um espaço de diálogo em que as próprias crianças pudessem ter
voz ativa nesse processo e, assim, as mesmas responderem a questões como essas. Assim, quando
posto algo dessa natureza e no contexto da narrativa construída de forma coletiva, algumas
afirmavam que brincavam com determinado objeto e que podiam sim, apontando para uma
indistinção de objetos por gênero. Outros, a exemplo, mencionaram que menino poderia brincar
com boneca, pois poderia aprender a ser um bom pai, isso de forma a expor frente a posição
contrária de alguns colegas.
Considerações Finais
A instituição escolar é um dos ambientes mais fecundos para o processo de socialização
dentro da nossa sociedade, propiciando uma experiência social que vai além do processo de
aprendizado formal. Todavia a educação versada nesse ambiente ainda se vê marcada por
paradigmas que muitas vezes não contemplam diversas temáticas que atravessam a vida dos
indivíduos ali presentes, velando tópicos que permeiam todo o tecido social ali formado, não
aproveitando todo o potencial de aprendizado que esse local poderia proporcionar.
Como focado no presente estudo, as temáticas de gênero e sexualidade estão entre tais
tópicos que são marcados mais pelo não dito do que qualquer diálogo aberto. Nos propomos a
tensionar tais tópicos quando esses se mostraram aparecendo na fala e na vivência dos alunos.
Assim, construímos um diálogo capaz de provocar uma reflexão nos alunos ali
presentes, mas que fugisse de um modelo pastoral de transmissão de conhecimentos, buscando
a circularização de saberes e que esse assunto pudesse ser, enfim, verbalizado e discutido a fim
de que se possa construir um ambiente de maior equidade e bem estar social, bem como de
enfrentamento às violências de gênero e consequente promoção de saúde mental.
Mais do que tentar ensinar algo a alguém, tal intervenção fica como uma provocação
para que essas temáticas possam emergir e serem questionadas, corroborando com a construção
de uma concepção mais ampla de escola enquanto espaço de promoção de cidadania.
Referências
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ARTE E MEMÓRIA COLETIVA NO ENSINO DE PSICOLOGIA: RELATO DE
1008
EXPERIÊNCIA EM CURSO DE LICENCIATURA NO CEARÁ
Introdução
Este relato propõe-se a apresentar uma experiência profissional envolvendo arte e o
ensino de psicologia no contexto de formação de professores no Sertão Central cearense,
refletindo sobre a relação entre o fazer artístico e a memória coletiva como mediadores na
construção do conhecimento. A experiência ocorreu na disciplina de Psicologia da
Aprendizagem, que é conteúdo obrigatório nos currículos dos cursos brasileiros de
Licenciatura. Nesta disciplina prevê-se o estudo das diversas abordagens do processo ensino-
aprendizagem elaboradas a partir das teorias psicológicas sobre o desenvolvimento humano,
inteligência, emoções, representações, entre outros, como contraponto às práticas educativas
ditas tradicionais, constituídas de um apanhado didático-metodológico que se reproduz ao
longo do tempo amparado em visões conservadoras da educação. O saber psicológico participa
da produção de conhecimento neste domínio a partir de referências teórico-metodológicas
diversas, considerando as divisões internas clássicas e contemporâneas que dão forma às
diferentes psicologias.
Apesar dos diversos pontos de vista, é possível articular uma compreensão do processo
de ensino-aprendizagem como sendo: biopsicossocial, pois que mobiliza todos os aspectos
humanos; dinâmico e pessoal, implicando em um sujeito ativo que mobiliza sua experiência e
a transforma; cumulativo e gradativo, posto que impulsionado por desafios organizados em
níveis ascendentes de complexidade. Assim, aprender e ensinar são processos que relacionam
o lugar seguro das experiências vividas com o risco das novidades, e cujo resultado é a
renovação do olhar sobre o mundo e sobre si mesmo.
Para além de uma dinâmica subjetiva, o ensino de psicologia, afinado com o
compromisso dos psicólogos com a transformação dos processos educativos (Martinez, 2009),
acrescenta novas visões de mundo, de homem, de conhecimento e de educação ao debate, e
assim o fazendo, inspira reflexões e aponta para outras possibilidades metodológicas.
Tal concepção incentiva a busca por outros recursos didáticos, além dos textos, das aulas
expositivas e da sala de aula. A arte pareceu-nos um mediador de aprendizagem possível, ainda
que seja necessário reconhecer as dificuldades de acessá-la em determinados contextos. Nos
endereços mais remotos deste país faltam museus, galerias, cinemas, teatros, ou mesmo centros
1009
culturais- espaços legitimados e legitimadores (Bourdieu, 2015) do fazer artístico. Associações,
coletivos e escolas de arte, em atividade, também não são evidentes. A tendência é
encontrarmos os artistas e interessados em arte em trajetórias individuais, entrecortadas por
incursões na internet como recurso solitário ao desenvolvimento do gosto e da imaginação. Na
ausência do campo artístico estabelecido, a arte e seus iniciados adquirem ares de uma elite
aparentemente distanciada dos interesses comuns e da vida cotidiana. Neste caso, trazer o fazer
artístico para o universo da aprendizagem escolar é uma maneira de desencantá-lo, de revigorar
a sua potência provocativa.
A arte apresenta-se como capaz de sintetizar, avaliar e comunicar uma série de
experiências que dizem respeito à vida coletiva, mediante uma interrogação do mundo vivido,
dando forma às intensidades criativas humanas ao mesmo tempo em que as exercita (Da Rolt,
2010). Ela reúne vivências reais e imaginárias do mundo e provoca novas representações no
contato com as expectativas e experiências subjetivas dos observadores. No processo artístico
todos criam. Assim, reunimos nesta experiência o processo criativo do campo artístico e a
aprendizagem de conteúdo para refletir acerca das diversas abordagens em Psicologia como
contraponto à concepção dita Aprendizagem Tradicional. Ainda que os recursos virtuais sejam
possibilidades didáticas válidas e até mesmo incontornáveis, como têm se mostrado ao longo
do atual quadro pandêmico, este relato pretende inspirar práticas de inserção direta nas
interações entre arte, educação e psicologia, configuradas na elaboração coletiva e presencial
de uma obra a partir dos elementos fornecidos pelo conteúdo da disciplina.
Por definição, a educação tradicional caracteriza-se por metodologias rígidas, por papéis
hierarquizados de professor e aluno, pela ênfase no controle dos corpos e na reprodução
mecânica do conhecimento e pela visão da escola como estratégica na conservação dos padrões
sociais (Mizukami,1992). Sabe-se também que o modelo tradicional de ensino-aprendizagem,
embora contestado, resiste na memória coletiva como exemplar do “bom comportamento” dos
estudantes, do “bom desempenho dos professores” ou simplesmente da “verdadeira escola”.
Então, procuramos dialogar com esta memória por meio da exposição de alguns vestígios
materiais e de maneira interativa para que, posicionando-a em um lugar de reflexão e nos
permitindo nos colocarmos dentro dela, pudéssemos pensá-la criativamente.
A linguagem artística escolhida foi a Instalação Artística que, vinculada às artes visuais,
explora a relação da obra com o espaço construído, inserindo o espectador em certo ambiente
ou cena (Instalação, 2020). Escolhemos a Instalação pela dinâmica inclusiva do público, e pelo
potencial de produzir diferentes experiências interpretativas uma vez que o movimento da obra
é dado pela relação entre objetos, construções, o ponto de vista e o corpo do observador. Neste
sentido, a apreensão da obra implica em percorrer os caminhos construídos, vivenciando suas
aberturas e obstáculos, e em se integrar à cena através do toque ou do uso dos objetos dispostos.
Assim, no segundo semestre de 2009, vinte e cinco estudantes do Curso de Licenciatura
em Ciências Biológicas da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central
(FECLESC), Campus da Universidade Estadual do Ceará (UECE) no Município de Quixadá-
CE, inscritos na disciplina de Psicologia da Aprendizagem experimentaram, como parte das
atividades da referida disciplina, as diferentes etapas da organização de uma Instalação
Artística, a qual foi aberta ao público no dia e noite de 09 de dezembro, e recebeu o nome de
“Uma Sala de Aula Antiga”. Por meio da disposição singular de objetos escolhidos esperava-
se conduzir os observadores ao contato com suas próprias representações e/ou experiências com
1010
a educação tradicional, motivando, entre eles e entre nós, reflexões sobre modelos estabelecidos
e alternativos de concepção do processo de ensino aprendizagem.
Método
Uma vez lançado o desafio, ao longo do semestre letivo algumas etapas foram
cumpridas na realização da Instalação, a saber, concepção, curadoria, montagem, recepção dos
visitantes e análise da experiência. À exceção da professora, nenhum outro elemento do grupo
tinha experiência prévia com uma Instalação Artística, entretanto muitos se identificavam como
tendo tido experiências com a educação tradicional na infância.
Concepção: Partiu-se da busca pelas representações preexistentes, quer imagens
estereotipadas, quer lembranças do vivido em torno da educação tradicional. Para imaginar
“como era uma sala de aula antigamente” procuramos responder à pergunta “o que temos nesta
sala que seria impensável antigamente?”. A busca pelo anacrônico apontou imediatamente os
acessórios eletrônicos (computadores, celulares, data show etc.). Retirando-se os aparatos
contemporâneos, restou a questão de “como se fazia antes?”. Definiu-se assim a orientação pela
busca de objetos “educacionais” manuais ou mecânicos inscritos na memória coletiva, a qual
seria interpelada entre familiares, vizinhos e antigos professores.
Curadoria: A partir desta provocação, objetos de memória emergiram (sinetas, diários
de classe, réguas de madeira, máquina de escrever, mimeógrafo a álcool). Associadas aos
objetos vieram também lembranças de pessoas, lugares, costumes (a sineta do colégio tal, a
postura do professor tal, o respeito etc.). Emoções diversas acompanhavam os relatos (saudade,
medo, prazer). Onde estão estes objetos? Procurou-se nas gavetas das casas, nos depósitos das
escolas, nos espaços de memória da cidade e na própria Faculdade. Por fim, foram selecionados
objetos cedidos pelo Museu Histórico Jacinto de Souza; pela FECLESC; pela Unidade de
Ensino Fundamental José Jucá (a primeira Escola da cidade); pelo Labomática (Projeto de
Extensão da FECLESC), além de objetos pessoais de professores. Dentre os objetos
encontravam-se diários de classe e livro de ponto do início e de meados do século XX,
palmatória, sinetas de mão, anel de doutor do ABC, fotografias, máquina de escrever, projetor
de slides, livros, ábaco, compasso, réguas e microscópio. A eles foram acrescentados pequenos
textos e fragmentos de poesias selecionados pela turma.
Montagem: Após a escolha de uma sala de aula da Faculdade (Sala 05), deu-se o
planejamento do espaço e da disposição dos objetos, reproduzindo o modelo tradicional de sala
de aula e antevendo o movimento dos visitantes no seu interior. A perspectiva tradicional da
aprendizagem (Mizukami, 2009) norteou o processo de montagem da instalação. Ela baseia-se
na manutenção de relações sociais de poder hierárquicas, forjadas, sobretudo, na relação
professor-autoritário/aluno-passivo, o que visa reproduzir modelos sociais estabelecidos,
mantendo-os, o mais possível, intactos às críticas e à inovação. O Aluno Tradicional é
considerado um receptor passivo de informações, que se decidiu serem as mais importantes e
úteis para ele. Decidiu-se também que por si só, ele não manifesta nenhum interesse em
aprender. Ele deve, portanto, submeter-se à educação, sendo obediente, silente, quieto. Todo
desvio desta conduta ideal deve ser contido. A educação tradicional prevê a transmissão de
informações em sala de aula. Para tanto, ela constrói um ambiente onde o aluno não pode se
distrair. Cada um conhece o seu lugar, a sua sala, a sua turma, a sua carteira, o seu nível. Deve-
1011
se respeitar também o tempo de trabalho e de recreio. Nada se mistura, pois mistura é sinal de
confusão e confusão é sinal de ausência de disciplina e de autoridade. O professor é um
mediador entre o aluno e os modelos pré-estabelecidos pela escola e pela sociedade. Trata-se,
portanto, de uma autoridade e deve ter “domínio de classe”: Ele é o detentor de toda a
informação julgada necessária no processo ensino-aprendizagem. Não pode ser contestado pelo
aluno. Entre os dois cria-se uma significativa distância: uma hierarquia de poder. O exercício
deste poder variou de uma disciplina aplicada diretamente sobre o corpo – O Castigo - para um
disciplinamento simbólico – A Ameaça de ficar reprovado, de ser excluído do mundo e das
oportunidades das pessoas educadas.
A sala em questão não havia passado por reforma estrutural e mantinha em uso o
mobiliário de madeira e um quadro de giz fixado na parede. As cadeiras (carteiras) foram
posicionadas em filas de modo a permitir a visão direcionada da mesa do professor, a qual
estava centralizada e de costas para o quadro de giz. Ao longo das paredes alguns objetos foram
expostos e na mesa do professor foram dispostos os seus instrumentos de trabalho (diário de
classe, caixa de giz e apagador em madeira, sineta de mão e uma palmatória). Com a proposta
interativa, os visitantes poderiam circular pela sala, interagir com os objetos e se sentar nas
carteiras, posicionando-se enquanto alunos tradicionais. A partir deste lugar poderiam ler os
textos, visualizar as fotografias ali fixadas e perceber a sala. Além disso, no canto direito da
sala, próximo ao quadro de giz, foi instalado o “castigo do milho”, um suplício de ajoelhar-se
sobre caroços com a cabeça voltada para a parede, recorrente nas memórias evocadas. Uma
carteira pendurada lembrava outro castigo comum na região, utilizado para conter a
hiperatividade dos alunos.
Recepção: O grupo foi dividido assumindo a permanência na sala, por turnos, ao longo
do dia e noite da exposição. A sala foi visitada por estudantes da Universidade e de Instituições
de Ensino Médio, por professores e funcionários da FECLESC e pela comunidade. Por ali
passaram pais, que levaram seus filhos para ver como era a Escola que eles estudaram,
professores e funcionários aposentados revendo seus artefatos de trabalho, bem como
professores contemporâneos religando as Escolas que os formaram e aquelas onde atuam. A
presença da equipe na sala, além da salvaguarda dos objetos cedidos, cumpria a função de
orientação dos visitantes, desde que lhes fosse demandada. Além disso, resolvemos realizar um
registro em áudio das impressões dos visitantes no “calor dos acontecimentos”, ou seja, logo
após concluída a visitação.
Análise da Experiência: Cada etapa da experiência foi objeto de reflexão ao longo do
processo, o que permitiu ajustes no projeto e uma compreensão mais profunda do exercício. Ao
final, alguns elementos se sobressaíram e deles nos ocuparemos em seguida.
1012
essas coisas do passado? Qual o sentido de coisas que não têm mais uso? O que isso tem a ver
com Psicologia? Construir respostas fez parte da construção da instalação. Não sobre os objetos
propriamente ditos, mas sobre o que eles representam no contexto da educação que é o contexto
social, e sobretudo como aquilo que simbolizavam na sua época está configurado hoje nas
coisas, nas práticas e nas pessoas.
Outro ponto foi o processo de escolhas criativas inerentes ao ato de montagem da
Instalação. A definição do lugar de cada coisa envolveu a antecipação do olhar dos outros,
oferecendo-lhes caminhos, perspectivas de apreensão da obra. Diretividade e não-diretividade
foram postas em jogo, na expectativa de dizer algo no lugar de impor. Queríamos que os
visitantes fossem coautores de uma sala de aula aberta, vazada, por onde os significados
fluíssem.
As impressões colhidas no dia da exposição acrescentaram outros elementos ao debate.
Primeiro a impossibilidade de controlar o processo de significação a despeito do planejamento,
das revisões nas etapas prévias e do estabelecimento de um conceito apriorístico. Dentre um
conjunto de visitantes, cuja faixa etária variou entre 20 e 70 anos, e de origens diversas, a saber,
América Central, São Paulo, Pernambuco, Fortaleza-CE, Sertão Central-CE e Região Norte
Cearense, portanto de diferentes experiências educacionais, um objeto foi, inesperadamente,
alvo do máximo interesse: a palmatória.
Trata-se de um artefato de madeira com cabo alongado e base redonda. Normalmente
ela é confeccionada por marceneiros, sob medida dos interesses do cliente, para o único fim de
dar palmadas. A base redonda é a superfície de choque usada contra a palma da mão do
supliciado, para aumentar sua eficiência na produção de dor pode-se requerer que seja
perfurada. Ordena-se que a criança estenda a sua mão para receber as palmadas. A criança deve
então aceitar que vai apanhar. Daí a expressão “dar a mão à palmatória”, significando que o
erro foi reconhecido. Caso contrário, diante da relutância em aceitar o erro, o golpe será
efetuado sobre os ossos dos dedos, infligindo dor maior. Seu tamanho deve corresponder ao das
mãos que vão recebê-la. Se for muito maior ou muito pequena não surtirá o efeito desejado,
qual seja, a ardência e o inchaço do interior das mãos. Assim, cada Família/Professor manda
fazer a sua. Por isso, um dos relatos refere-se a ela como parte do cenário da aula, enquanto
outro refere-se à palmatória da sua mãe. Outro ponto interessante é que a pancada da palmatória
se chama “bolo” (linguagem infantil), designando dessa maneira o universo ao qual ela estava
destinada, a infância e/ou a condição infantil de quem apanha e que se ganha o bolo,
reafirmando tratar-se de algo merecido.
Em torno da palmatória, a perspectiva tradicional da educação tornou-se memórias de
uma pedagogia da dor. Lembravam-se dela maior, mais clara, mais nova. Lembravam-se dela
como crianças, quando ela era redondinha, furadinha, clarinha. Imagens intactas saltaram de
vinte, trinta, quarenta, sessenta anos atrás. Lembranças carregadas de emoção, contando
histórias de impotência e medo. Mas também de conformismo: era assim!
A professora (sempre é uma mulher na memória) bate com a palmatória, com a régua,
belisca, puxa a orelha, agride verbalmente, manda ficar de joelhos sobre o milho, de costas para
a turma, manda usar um chapéu de burro, ameaça, enclausura no quarto escuro, no quarto do
terror, no quarto do esqueleto, manda trabalhar na cozinha, pendura na parede. São muitas as
possibilidades de castigo. Sabemos com Foucault (1991) que essas modalidades funcionam
como espetáculos públicos que possuem a função de punir o “culpado” e de fazer ver, aos
1013
outros, o sofrimento que pode lhes ser supliciado. Quanto maior o show, maior o efeito de medo
na platéia e o subsequente respeito ao poder autoritário do dominante: eu apanhava, mas
aprendia! Eu era danado, merecia!
Dominar pela dor física ou pelo medo parece ter sido uma prática, até bem pouco tempo,
no interior das escolas brasileiras. Os relatos fazem referência, e esse é outro ponto que nos fez
refletir, a espaços educativos públicos e privados, grandes e pequenos, leigos e religiosos,
institucionalizados e informais (reforço), onde, a despeito de suas muitas diferenças, encontra-
se o núcleo gerador de tantas memórias de terror. Foucault (1979) nos lembra, entretanto, que
as relações sociais de poder não estão restritas a uma única instituição social. E, de fato,
observamos nos relatos a confluência de métodos escolares e familiares, no que se refere à
punição da criança. Chamamos à atenção para a complexidade das relações público-privado na
sociedade brasileira (Barbosa, 1992; Damatta, 1979, 1985) que nos permite, por exemplo,
denominar a professora de tia, transformando em parentesco uma relação originalmente
profissional. O que contribui para que esta sala de aula extensão do lar custe a se ajustar às
novas regras de sociabilidade que emergiram no Brasil durante o século XX.
O ajuste da técnica tradicional de ensino aos novos tempos, revela-se como outro
elemento abstraído da experiência. Sabemos que as relações sociais de poder não servem apenas
para punir a ação do homem, mas, sobretudo, para controlá-la, discipliná-la. Foucault (1991)
nos explica que a disciplina outrora exercida diretamente sobre o corpo (castigo físico),
espetáculo mórbido perante uma assembleia, visava produzir dor e medo, assim como afirmar
diretamente um lugar soberano para aquele que exercia o poder. As técnicas disciplinares
modernas, ao contrário, fazem desaparecer da cena o tirano e enfatizam o indivíduo. Elas são
construídas a partir da organização do espaço (ênfase no individual), do controle do tempo
(produzir o máximo de rapidez e eficácia do indivíduo) e da vigilância contínua e discreta
(saber-se permanentemente avaliado), criando a sugestão de que no silêncio da nossa
individualidade - utilidade nos autocontrolamos: “(...) o próprio indivíduo coloca-se no espaço
possível de vigilância, que é o lugar da submissão...” (Lima, 2003, p.52). Dessa maneira
internalizamos as relações cotidianas de poder e as naturalizamos: é assim porque é! Isto
dificulta novas perspectivas, pois cria-se uma consciência conservadora que resiste às
mudanças e tende a se repetir nas gerações seguintes como forma única, inabalável,
incontestável, impreterível.
O processo de construção coletiva da Instalação nos permitiu ainda, nas suas diversas
etapas, dialogar com o aporte psicológico humanista, cognitivista, sociocultural e behaviorista,
redimensionando as questões postas pelo modelo tradicional de ensino-aprendizagem. Tal
diálogo se mostrou fundamental, por exemplo, na compreensão dos professores enquanto
pessoas cuja formação não se inicia nas licenciaturas, mas sim no conjunto de experiências,
crenças e expectativas relativas à educação que lhes foram significativas. E ao nos
perguntarmos em qual quarto escuro ficaram guardadas todas aquelas técnicas de tortura, aquele
superpoder do professor, a obediência dos alunos, a cumplicidade com a Família tão enfatizada
pela memória dos nossos interlocutores, pareceu-nos importante ouvir nossas memórias de
educação, nossas mágoas e anseios de poder, nossos sonhos.
Para finalizar, a experiência da instalação cumpriu os objetivos de mostrar a eficácia da
arte como recurso de aprendizagem de conteúdos e de técnicas na formação de professores; de
contribuir para a ampliação da visão de homem e do processo ensino-aprendizagem; de
1014
aproximar os estudantes da linguagem artística; e de propiciar reflexões sobre a educação a
partir de uma experiência prática e coletiva. Sobretudo, ela provocou sentidos/significados,
emoções e pensamentos dentro e fora da sala, sobre o ontem, o hoje e o amanhã, sobre o material
e o imaterial, e sobre o teórico e a prática. Em especial, algumas janelas foram abertas
reafirmando a necessidade de mais diálogos entre os campos científico e artístico que
possibilitem encontros frutíferos entre certezas e imprevistos.
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O BEM-ESTAR PSICOLÓGICO: UMA PERSPECTIVA DOS ACADÊMICOS DE
1015
PSICOLOGIA
1016
que surgiram, tanto pela heterogeneidade em relação às características dos acadêmicos, como
classe social, gênero, idade, situação de trabalho, objetivos e expectativas, assim como também
pelas necessidades expostas pelos acadêmicos, sejam essas de ordem acadêmica ou
psicossociais (Joly et al., 2005; Schleich, 2006).
A entrada dos indivíduos no ensino superior requer que os mesmos se adaptem aos
novos ritmos e responsabilidades, uma vez que tal espaço exige mais do que aquele recém
abandonado (Basso, 2018). Esse processo de ajustamento, vivenciado no primeiro período, é
geralmente descrito como difícil, pois os estudantes se deparam com novos espaços, conteúdos,
grupos, e afastamento, por vezes, de amigos, familiares e cidade (Santos et al.,1992).
Outra consequência dessa mudança escolar consiste no estilo de vida de estudantes
universitários, a qual pode ser marcado por uma maior emissão de comportamentos de risco e
pouco saudáveis que podem comprometer tanto a saúde quanto a qualidade de vida, a exemplo
de consumo de comidas não saudáveis (fastfood), sono desregulado, ausência de práticas de
exercícios físicos, consumo elevado de álcool, tabaco e até mesmo de outras drogas (Martins,
Pacheco & Jesus, 2008). Segundo Schleich, (2006) essa nova fase pode também gerar
ansiedades e até mesmo afetar no desempenho acadêmico.
Entretanto, essas consequências podem ser minimizadas quando os sujeitos
desenvolvem rapidamente o sentimento de pertença ao grupo e ao espaço, além de tomar
conhecimento das mais variadas oportunidades oferecidas pelas instituições, as quais instigam
e abrem espaços para o seu crescimento profissional (Teixeira et al., 2008), proporcionando
assim, suporte social aos estudantes e vivências acadêmicas satisfatórias (Pinheiro & Ferreira,
2005). Frente a isso, entende-se que o apoio não só da família, pares, mas como da instituição
de ensino superior tornam esse processo de transição mais suave, facilitando a adaptação a nível
pessoal e interpessoal (Costa & Leal, 2008).
Bem-estar Psicológico
Segundo Paúl (2005) o bem-estar psicológico trata-se de uma variável a qual incorpora
competências do self, sendo ela relacionada com a satisfação e afeto, na qual tem o objetivo de
buscar encontrar a excelência pessoal ou até mesmo uma autorrealização. Já Chiuzi (2006)
define o bem-estar como uma autoavaliação onde afetos positivos se sobressaem aos negativos,
sendo que as emoções correlacionadas ao entusiasmo, prazer e conforto estão ligadas ao afeto
positivo, na qual é correlacionado a um estado de alto bem-estar.
No que concerne ao bem-estar psicológico em alunos do ensino superior, Cooke et al.
(2006) declara que as tarefas, o ambiente acadêmico e o representar social do estudante do
ensino superior são fatores de risco para o seu bem-estar. O ingressar nesses espaços relevam
um mundo marcado por expectativas e obrigações, as quais podem gerar sérios danos ao bem-
estar de cada um. Outros autores (Oliveira et al., 2016; Ibrahim et al., 2013; Rezende, 2021)
ratificam esse posicionamento ao apontarem uma crescente taxa de sinais e sintomas de
ansiedade e depressão entre os estudantes universitários.
Diante disso, pode-se concluir que o processo de adentrar e se adaptar ao ensino
superior acarretam desafios, os quais podem colocar em risco o bem-estar do estudante, lhe
gerando ansiedade e comprometimento no seu rendimento acadêmico (Silva & Heleno, 2012).
1017
Sendo assim, segundo Figueiras (2017) pode-se afirmar que o bem-estar de estudantes de ensino
superior tem dependência de diversos fatores ligados ao adaptar-se do estudante em relação ao
novo meio e também aos fatores de natureza intrínseca, como as estratégias que os mesmos irão
criar para lidar com seu cotidiano. Tendo como base os aspectos aqui apresentados o presente
trabalho voltar-se-á sua discussão para o bem-estar deste grupo, a seguir será apresentado a
operacionalização do mesmo.
Método
Participantes
O estudo contou com uma amostra não probabilística, composta por 6 graduandos de
psicologia de uma universidade pública do interior do Piauí. Os mesmos tinham em média 22
anos, variando entre 18 à 28 anos. O grupo foi formado por 3 homens e 4 mulheres, distribuidos
nos períodos da seguinte forma: três alunos do primeiro período e os outros três foram
distribuídos equitativamente, nos últimos períodos (8º, 9º e 10º).
Instrumentos
Para a coleta de dados foi utilizado uma entrevista semi-estruturada, a qual consiste em
uma técnica em que, segundo Manzini (1990) consiste em um roteiro com perguntas bases para
servir de norte para o pesquisador, não limitando-o as mesmas, dando assim liberdade para o
investigador realizar novas questões durante a coleta dos dados.
Procedimento
A princípio a pesquisa passou por um processo de sistematização, permitindo delimitar
qual seria o foco do estudo, bem como quais seriam os seus objetivos. Após definir, portanto,
que a mesma teria um caráter exploratório e objetivo tomar conhecimento do bem estar de
estudantes de graduação de Psicologia, do primeiro e últimos períodos, por meios de uma
entrevista semiestruturada, deu-se início a elaboração do instrumento.
Depois da finalização das perguntas, os pesquisadores foram à campo para realizar as
entrevistas. Ao abordar o potencial amostral, era apresentado a pesquisa e seu objetivo,
questionando logo em seguida se os mesmos poderiam colaborar. Após a confirmação, foi
informado ainda sobre o caráter sigiloso da pesquisa e que não havia respostas certas ou erradas,
pois se tratava apenas de uma coleta de impressões subjetivas e que os tais alunos poderiam
desistir da pesquisa a qualquer momento sem nenhum prejuízo.
Além disso, foi solicitado a gravação das entrevistas, respeitando o posicionamento do
colaborador. Por fim, informa-se que o tempo médio de gravação de cada entrevista foi de
aproximadamente 10 minutos.
Análise de dados
Para a análise dos dados coletados, por meio da entrevista semi-estruturada, fez-se da
1018
técnica Análise de Conteúdos (AC). Segundo Bardin (2011) a mesma se trata de um conjunto
de técnicas que analisa as comunicações, a qual faz uso de procedimentos sistemáticos e
objetivos para a explicação de conteúdo das mensagens ou amostras (qualitativas ou
quantitativas) que ajudam na conclusão de conhecimentos inerentes às situações de
produção/recepção (possíveis conclusões) destas mensagens.
Resultados e Discussão
Os resultados foram alcançados após uma análise minuciosa das falas dos participantes,
as mesmas foram categorizadas visando facilitar a explanação das ideias dos sujeitos acerca do
bem-estar. Para facilitar a compreensão do leitor ao longo desta sessão informa-se que os
Participantes A, B e C, cursam o primeiro período, já os Participantes D, C e E, são dos últimos
períodos. Tendo em mentes tais esclarecimento a seguir serão apresentadas as quatro categorias
encontradas.
1019
eu não gosto muito da clínica, da psicologia clínica de fato, entre quatro paredes”.
Segundo Hey et al. (2015), o primeiro desafio dos jovens ao terminar o ensino médio é
a escolha do curso superior para chegar na sua futura profissão. Essa escolha não é nada simples,
pois modificará a vida do indivíduo a tornando muito complexa. Segundo os mesmos autores
os indivíduos procuram basearem-se em suas próprias expectativas, informações que possam
ter recebido do meio ambiente ou mesmo recompensas. Portanto, compreende-se, com base
nisso, que escolhas errôneas de cursos de formação, tende a acarretar batalhas internas ao longo
do curso de formação, e por consequência o adoecimento psíquico.
“Eu tenho medo de ser só mais um desempregado com curso superior, como todo
mundo que conheço, raramente a gente ver alguém trabalhando onde queria, eu estou
tentando fazer o meu melhor pra que eu saia daqui e alguém me olhe e me der
emprego, mas expectativas mesmo eu não tenho, e se não der vou vender arte na
praia”.
sim, minha mãe gosta muito né, ela sempre disse, eu não lembrava disso, mas ela disse
que quando eu era menorzinha dizia que eu ia ser psicóloga, eu não lembro de jeito
nenhum, eu disse: mãe talvez o processo tenha sido tão adoecedor que eu sublimei
isso ai e ficou em outro lugar, mas é... ela gosta muito do fato, então... ela tanto que
algumas vezes durante a graduação eu quis trancar, porque eu queria trabalhar, queria
fazer outras coisas e ela: olha está terminando, não tranca, continua que vai dar certo.
Então meio que ela me incentivou a ficar aqui dentro né, se não fosse por isso talvez
eu já teria fechado o curso.
A partir dessa pauta podemos averiguar que o suporte familiar exerce muita influência na
prevenção do mal-estar nos universitários. Gonçalves (2007) corrobora essa ideia ao apontar a
família como um fator instigador do crescimento acadêmico daqueles que se encontram imersos
nesse contexto. Porém, Lucchiari (1992) traz outras questões para o centro dessa discussão, ao
apontar que esse sistema por vezes exercem muita pressão sobre os seus estudantes, imprimindo
nos mesmos suas realizações pessoais ou profissionais, acarretando por vezes um conflito entre
os jovens sobre os seus desejos e aqueles de seus familiares.
1021
Como é a sua relação com os colegas de sala? Você mantém um bom relacionamento aluno-
professor?
Os posicionamentos dos estudantes do primeiro e último período foram divergentes. Os
calouros afirmaram que as suas relações com os professores e colegas de sala são amigáveis e
harmoniosas; aqueles mais experientes, relataram que suas salas são subdivididas em
subgrupos, revelando interações mais conflituosas, já as interações com os professores são
marcadas por esforços maiores em manter as relações saudáveis.
As interações conflituosas já existem desde o início da existência humana e está
presente em diversas relações, se originando a partir dos pontos de vistas individuais, da
pluralidade de interesses, necessidades e expectativas, das diferentes maneiras de agir e pensar.
Quando essas individualidades entram em choque, ocorre a indicação de que algo está errado e
precisa de uma intervenção, pois pode causar mal-estar entre os “colegas de sala” levando ao
adoecimento psicológico e prejudicando de forma geral o desempenho acadêmico e pessoal,
pois causam tensão excessiva nos indivíduos, desmotivação e incertezas (Aninger, 2007).
Considerações Finais
Neste trabalho abordamos o tema bem-estar psicológico em alunos do curso de
psicologia do ensino superior, do qual falou-se em específico o que é o bem-estar, quais são os
fatores que interferem no mesmo, e se havia diferença entre os acadêmicos do primeiro e do
último período de Psicologia. Tal investigação permite compreender quais são os fatores
potencializadores adoecimento durante a vida acadêmica, sugerindo assim, intervenções, como,
sessões de relaxamento, dinâmicas de grupos direcionadas aos diversos tipos de vínculos
objetivando diminuir conflitos e melhorar as interações sociais, e fornecimento de espaços de
partilha e escuta. Diante disso, acredita-se que os objetivos foram alcançados uma vez que foi
realizada a entrevista semi-estruturada, pesquisas bibliográficas foram feitas com excelência e
assim a obtenção dos resultados que já imaginado diante da realidade acadêmica que os
estudantes enfrentam em sua rotina
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EDUCAÇÃO, ENSINO FORMAL E AFETIVIDADE: POSSÍVEIS CONSIDERAÇÕES
1024
Milena Assunção Procópio Barbosa
Georgia Bezerra Gomes
Thamila Cristina dos Santos da Silva
Introdução
Segundo Brandão (2007, p. 07), “ninguém escapa da educação”. Uma das possíveis
interpretações para essa afirmação seria a de que ninguém poderia escapar do ambiente escolar,
pois há uma certa tendência em associar educação a este lugar. Contudo, não é apenas nos
ambientes institucionais, como por exemplo a escola, que devemos atrelar a educação. Nenhum
sujeito existe sem ser tocado pela educação, pois ela é, antes de tudo, a arte do encontro, da
relação que se estabelece no ato de construir saberes. É importante saber, nesse sentido, que
“a educação existe onde não há escola e por toda parte pode haver redes e estruturas sociais de
transferência de saber” (Brandão, 2007, p. 13).
Se educação não é um conceito necessariamente correspondente ao espaço escolar, é
possível compreender que antes do contato com a escola, os sujeitos já acessaram outras formas
de educação, que podem advir das relações familiares, dos saberes culturais, sociais e religiosos,
ou seja, nos diversos encontros com outros sujeitos e espaços. E ao se afirmar que educação é
encontro, é impossível pensar um encontro com o outro sem afetação, sem afetividade. Em
termos semânticos, quando se busca por uma definição de educação, é possível encontrar
compreensões que compartilham a ideia de que a educação é construção e aperfeiçoamento,
tanto cognitivo quanto social. Sendo uma ação, um direito (Bechara, 2011; Caldas, 2011).
No que se refere às significações em torno da educação, enquanto garantia social, pode-
se citar a Constituição Federal de 1988, que coloca a educação enquanto um direito de todos e
esta deve ser assegurada pelo Estado e pela família (Brasil, 2016). A Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB), concebe a educação como algo processual, que pode ocorrer em diversos
espaços e reafirma a responsabilidade do Estado e da família (Brasil, 2017).
Considerando as diferentes perspectivas em relação a educação formal, percebe-se que
na contemporaneidade há uma tendência neoliberal, em que a educação tem se ocupado de
resultados, índices e aprovações, garantindo assim a “qualidade no produto ofertado”, nesse
sentido, tem se a educação como uma mercadoria (Laval, 2004). Patto (1984) ressalta a
importância da dimensão cognitiva na educação, mas sobretudo da importância do sentido que
a educação deve ter para os sujeitos envolvidos, que possa tensionar as amarras sociais que
contribuem para a exclusão das camadas populares a uma educação de qualidade.
À vista disso, a presente escrita propõe-se a discutir a relação entre educação, ensino
formal e afetividade. Justificando-se pela possibilidade de configurar-se enquanto um fazer
potente, que proporciona uma visão mais ampla e crítica sobre educação e de como muitas
vezes a afetividade é esquecida nos espaços formais onde ela (educação) acontece.
Método
1025
A presente pesquisa caracteriza-se enquanto um estudo exploratório. Segundo Gil
(2002, p. 41), esse tipo de pesquisa “tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com
o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses.” Diante das
possibilidades, ainda segundo o autor, é possível que o estudo preocupa-se em realizar uma
curadoria sobre textos que falem sobre o tema escolhido.
À vista disso, houve um cuidado acadêmico em construir um texto trazendo um diálogo
entre referências importantes como: Brandão (2007), Masschelein e Simons (2019), Brandão
(2012), Romanelli (2014), Gomes (2015) sobre o tema abordado. Há a clara compreensão de
que esta produção não irá abordar todos os possíveis aspectos que envolvem o tema escolhido.
No entanto, o que objetiva-se é que a presente escrita possa contribuir com as discussões sobre
a temática e que venha tecer e construir uma compreensão que tenciona as compreensões acerca
do campo educacional.
Educação é uma prática social cujo fim é o desenvolvimento do que na pessoa humana
pode ser apreendido entre os tipos de saber existentes em uma cultura, para a formação
de tipos de sujeitos, de acordo com as necessidades e exigências de seu próprio
desenvolvimento. (Brandão, 2007, p. 74).
À vista disso, guiando-se por Brandão (2007), chegamos à possível conclusão de que a
educação é uma criação humana, relacional, colocando-se para a sociedade enquanto uma
prática construtora de homens. Existindo sobre inúmeros modos, nomes e possibilidades.
Assim, pode-se afirmar que a “educação é uma invenção humana e, se em algum lugar foi feita
um dia de um modo, pode ser mais adiante refeita de outro” (Brandão, 2007, p. 99).
Tendo feito as devidas considerações, de forma geral, podemos pensar agora uma das
suas possibilidades: o ensino formal, mais especificamente a educação escolar. E para tal ação
um breve resgate histórico torna-se importante. Somos seres históricos, e ao se pretender
compreender algo se faz importante que a história, suas construções e modificações sejam
consideradas. Pois, toda construção seja ela afetiva, pedagógica e até mesmo curricular é
atravessada pelo tempo.
Segundo Masschelein e Simons (2019), a escola surgiu na Grécia Antiga enquanto um
1026
espaço dialógico. Ao propor um espaço para todos, ela desde os seus primórdios tensiona as
divisões classistas, as quais reservavam o ensino para os sujeitos mais afortunados. Contudo,
como já apontamos, não é porque existiu de uma dada forma que sempre será assim.
A própria educação formal brasileira é uma prova disso. Se na Grécia foi uma forma de
questionar a quem o ensino direcionava-se, no Brasil tivemos um ensino muito bem definido,
como público-alvo certo. O primeiro modelo desenvolvido no Brasil colonial, segundo
Romanelli (2014), tinha como público alvo filhos de senhores de engenho e donos de terra. O
ensino era ministrado pelos padres jesuítas e não tinha a preocupação de pensar a realidade
colonial ou até mesmo os afetos. Era um ensino colonizado, trazido de uma realidade.
De acordo com Romanelli (2014), outro marco do ensino jesuíta é que, além de não
considerar o contexto histórico social de forma evidente, também não possuía utilidade prática.
Em resumo, o ensino ministrado pelos padres era uma ocupação para a alma/mente dos filhos
dos senhores. Esse modelo de ensino sustentou-se no Brasil por um longo período, de forma
mais específica por mais de três séculos, tendo respingo ainda nos dias atuais.
Outro momento histórico diz respeito ao século XIX. A burguesia brasileira passou a
convocar e visualizar na educação formal uma forma de ascensão social. Como bem coloca
Romanelli (2014):
Esses são breves recortes temporais, os quais visam demonstrar o quanto educação não
é algo fixo, já dado. A história nos relata os diversos passos que nos trouxeram a educação que
temos hoje. Não caberia todos os passos, mas acreditamos que ao jogar uma luz nos primeiros
passos somos capazes de tecer algumas considerações. Por exemplo, tivemos a Constituição de
1891 que resultou em uma descentralização do ensino, reformas educacionais até chegar à
compreensão que é empregada na Constituição de 1988. Documento este que coloca a educação
enquanto um direito de cada cidadão. A narrativa histórica construída acerca da educação
aponta que o Brasil vivenciou ao longo dos anos um cenário de mudanças, trazendo questões
econômicas, sociais e culturais.
À vista disso, analisando os passos da educação formal brasileira, é possível afirmar que
o ensino não se colocou enquanto uma possibilidade para todos. Era algo para os mais
favorecidos. Também não cabia ao ensino inquietações sociais, o corpo e muito menos os
afetos. Não havia, por parte da organização pedagógica, curricular, o desejo de questionar a
lógica social, como também não havia lugar evidente para os afetos. No início tupiniquim, o
ensino era uma mercadoria, dada a poucos, sem grandes pretensões, findando por ser uma
ocupação, um acalento para o intelecto/alma dos mais favorecidos. Depois foi ferramenta que
potencializou a ascensão social de uma classe, depois foi luta, direito, esquecimento.
1027
(Romanelli, 2014).
É óbvio que tivemos mudanças na estrutura educacional. Tivemos avanços e vitórias. A
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – Lei 9394/96 e a Constituição de 1988 são provas
reais de que mudanças aconteceram. Se antes a educação era uma mercadoria da qual poucos
usufruíam, hoje ela é um direito garantido por diversas instâncias jurídicas. Mas, ao voltar às
origens, é possível compreender como a educação, mesmo sendo um direito, ainda possui tantas
fragilidades. O quanto faz sentido que hoje tenhamos uma educação que preza os conteúdos e
esquece-se do social. Uma educação marcada por questões dogmáticas e que em inúmeras vezes
não se lembra do corpo, nem dos afetos.
Por mais que a LDB tenha trazido avanços no que diz respeito à oferta educacional em
termos quantitativos, ou seja, em criação e manutenção de escolas, ofertas de vagas e toda uma
rede de ações de cunho administrativo, no que diz respeito à consideração da afetividade nos
espaços educacionais ainda é pouco visualizado. Há prevalência dos conteúdos, de uma
educação dissociada das questões sociais, dos afetos. Mesmo não sendo possível fazer uma
escola sem afeto e sem ligações sociais, em certa medida, ela é pensada e gerida para isso.
E por falar em afetividade, o presente conceito em termos de definição é compreendido
enquanto um “conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções,
sentimentos e paixões” (Ferreira, 1986). Assim, podemos pensar afetividade enquanto coletivo
de afetos, daquilo que produz sentido e afetação para com algo ou alguém. Não sendo possível
estar no mundo sem ser afetado, sem produzir sentido, sem afetividade. Isso implica que o
habitar educacional sempre se faz com afetos, mesmo que haja um direcionamento para negar
essa “parte”.
O que finda-se por criar é uma educação que visa o domínio de certos conteúdos,
produzindo sujeitos dóceis e preparados para o mercado (Brandão, 2012). Essa educação sem
empecilhos, não consegue sustentar uma educação enquanto práxis, onde as “pessoas são
verdadeiramente afetadas, de tal modo que precisam repensar o seu modo de ser, sentir e fazer”
(Brandão, 2012, P.62). Dito isso, se faz importante pensar que fatores filosóficos e
epistemológicos chegam ao ensino, seja de forma direta ou indireta, e de como isso se relaciona
com o lugar (ou não lugar) dos afetos no ensino formal, institucional, o qual é legitimado por
placas, como bem apontou Brandão (2007).
É sabido que inúmeras influências chegam ao campo educacional, e que não seria viável,
nem possível, contemplar todas. Diante disso, ao tocante ao estudo dessa escrita, foi feita uma
escolha de duas influências que saltam aos olhos e que provocam maiores questionamentos no
momento, a saber, a influência do pensamento cartesiano e positivista.
Em relação a primeira, Gomes (2015) compartilha que estudar ensino formal e
sensibilidade, e, com isso, a afetividade, na contemporaneidade é pensar nas influências
modernas. Mesmo ao fazer esse recorte há uma voz que ganha mais destaque: a do filósofo
René Descartes, que em seu desejo de conhecer e de criar um método, findou por deixar marcas
para além do seu reduto filosófico, marcas que alcançam o pensar educacional.
Um dos atravessamentos em seus estudos é pensar na "falibilidade dos sentidos, o
engano que deles provém (ou pode vir)” (Gomes, 2015, p. 200). Ou seja, como os sentidos são
passíveis de erros, podem ser enganados, eles não são confiáveis. Tem-se um pensamento que
exalta o que é calculável, exato, neutro e passível de medição, não sendo “estranho que as
1028
experiências sejam de menor importância” (Gomes, 2015, p. 201).
Ainda, segundo Gomes (2015), há na filosofia cartesiana uma clara superioridade do
pensamento em detrimento do sentir. Temos uma filosofia que finda por criar:
Um humano sem corpo, um sentir sem órgãos dos sentidos, um mundo interno
despregado de uma exterioridade. Por mais que Descartes não esteja afirmando que
não há corpo, órgãos dos sentidos ou mundo exterior, a cisão provocada por seu
método para sustentar a ciência moderna é tão radical que todas as pontes para unir
os “dois lados” parecem ser insuficientes. O corpo e todos os sentidos a ele atrelados
são dispensáveis para o exercício do pensamento (Gomes, 2015, p.203).
1029
Considerações Finais
Pensar a educação de forma plural, vislumbrando no ato de aprender o encontro com o
outro é uma possível forma de enxergar um homem que se faz inteiro. Uma relação que não diz
respeito apenas ao conteúdo que é aprendido, algo técnico. Há, antes de tudo, um tecer
simbólico. É evidente que uma percepção como esta tem um posicionamento teórico e vivencial
bem explícito, ou pelo menos, deseja.
Ora, como retromencionado, a educação antecede a escola, ela é da ordem do encontro
e não é possível compreendê-la sem considerar as relações. E se isso não é possível, significa
que também não é possível pensar educação sem afetos, sem implicações.
Contudo, os passos históricos da educação formal brasileira revelam uma educação
marcada por esquecimentos, seja de classe, lugares ou afetos. Temos um sistema educacional
quantitativo, que atende a população, visto que é um direito, mas que oferta um atender dentro
de limitações. Leva-se um corpo para o ambiente escolar sem que ele seja considerado. Tecem-
se relações sem que elas impliquem em afetações.
Deseja-se e finda-se por produzir sujeitos aptos a responder sobre questões numéricas e
classes gramaticais, mas que, em certa medida, possuem dificuldades de abordarem os afetos
que os atravessam. Não se trata aqui de uma negação, ou rejeição do conhecimento produzido,
da sabedoria racional. O que se problematiza aqui é o esquecimento dos afetos.
Não é possível um espaço sem afetos, mas também há de se saber que quando eles não
são considerados o singular se perde nesse caminhar. Ir além dos conteúdos implica em
perceber- se enquanto sujeito participante de uma sociedade. Quando o sensível é considerado
no fazer educacional há um direcionamento ao encontro com o outro. E isso pode reverberar no
estudante a percepção dos afetos, dos elementos nutritivos e destrutivos, isso tanto para ele,
quanto para o outro.
Mas não se trata apenas de um encontro com o outro que é próximo, com o colega de
sala, é algo mais amplo. Ao estimular um sujeito sensível que enxerga para além do que é
repassado em atividades, temos algo que incomoda. Um sujeito que enxerga o outro pode ser
algo revolucionário, algo que balance as tão bem estruturas amarras sociais. Pois, ao estimular
o encontro e valorização do singular, com também do coletivo, um ensino formal atravessado
pelos afetos não pode fazer-se neutro, distante e cego sobre o que o circula.
Olhar e dar lugar evidente para o que é da ordem do sensível, dos afetos, é defender e
sustentar uma visão de mundo e de sujeitos potentes. Onde o lugar é também sensível. Não é
esquecer ou colocar os conteúdos como menos valia, mas sim, saber que todo saber é um saber
situado. Não levamos o pensamento à escola, é o sujeito que vai, e vai com todas as afetações
que o atravessam, incluindo a afetividade para e sobre as relações escolares.
Pensar e defender um ambiente onde os afetos são constituintes do fazer educacional
implica em um desvelamento político. Não se é possível dar lugar aos afetos sem compreender
o que circunda o ambiente, como também não é possível fechar os olhos para não ver, não
sentir. Um estudante tocado e estimulado por um fazer que considera a sociedade, que
compreende o singular, que valoriza o coletivo, a afetividade, coloca-se enquanto um sujeito
1030
potente, revolucionário. Ou seja, um fazer afetivo também é um fazer político.
Referências
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Paulo: Editora Nacional.
Brandão, C. R. (2007). O que é educação. 49ª reimpr. 1ª ed. de 1981. São Paulo: Brasiliense.
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construção do processo emancipatório. Sobral: Edições Universitárias, 2012.
Brasil. (2017). LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Senado
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Brasil. (2016). Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional
promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações determinadas pelas
Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais nos
1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo no 186/2008. Brasília: Senado Federal;
Coordenação de Edições Técnicas.
Caldas, A. (2011). Minidicionário contemporâneo da Língua Portuguesa. 3ª ed. Rio de
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Laval, C. A Escola não é uma empresa: o neo-liberalismo em ataque ao ensino público.
Londrina: Editora Planta, 2004.
Duarte Júnior, J. F. (2000). O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Tese de
Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas,
SP.
Ferreira, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova
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Gil, A.C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas.
Gomes, R. H. S. F. (2015). Sensível, eu?! Reflexões sobre o (não) lugar da sensibilidade na
educação. In Albuquerque, L. B., Rogério, P. & Nascimento, M. A. T. (Org.).
Educação Musical: Reflexões, experiências e inovações. Fortaleza: Edições UFC.
Masschelein, J. & Simons, M. (2019). Em defesa da escola: Uma questão pública. Belo
Horizonte: Autêntica.
Patto, M. H. S. (1984). Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar.
1ª ed. São Paulo: T. A. Queiroz.
Romanelli, O. O. (2015). História da educação no Brasil. 40ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes.
A FORMAÇÃO DO LICENCIADO EM PSICOLOGIA PARA ENSINAR ALUNOS
1031
PÚBLICO ALVO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
Introdução
A Educação Especial e seu o público alvo
A Normalização, enquanto princípio da proposta de Integração, surgiu nos países
escandinavos e apresentou forte aceitação na América do Norte e Europa. Segundo esse
princípio, todas as pessoas com deficiência têm direito a experienciar ambientes menos
restritivos e mais desafiadores integrando-se à vida em comunidade. Para alcançar esse objetivo
seria necessário a consolidação de estratégias que permitissem a promoção e manutenção de
experiências e comportamentos “tão normais quanto possíveis” através da identificação do
serviço desejado para o usuários e dos meios com os quais isso seria atingido (Omote, 1999;
Mendes, 2006).
Esse princípio orientou o processo de desinstitucionalização e reinserção das pessoas
com deficiência na comunidade, além de políticas voltadas para a melhoria da qualidade de
vida dessa população. Omote (2006) discute que frequentemente expressões e termos
relacionados ao contexto da deficiência são interpretados de forma parcial. O princípio de
normalização recebeu muitas críticas pela difusão da crença que o mesmo aplicava-se à
normalização de pessoas quando na verdade referia-se à normalização de serviços. Esses
serviços deveriam ser desenvolvidos de modo a garantir que a pessoa com deficiência
participasse ativamente da vida em comunidade e desempenhasse um papel ativo nela
considerando as experiências próprias da faixa etária e a aquisição de habilidades que
garantissem a ela qualidade de vida e autonomia (Mendes, 2006).
Apesar de amplamente difundido nas décadas de 70 e 80 as estratégias de
operacionalização do mesmo ainda não eram claras. As propostas de integração escolar mais
frequentes relacionadas à oferta de serviços com diferentes níveis de ensino e interação aliados
à manutenção dos serviços já existentes refletiam a tendência de operacionalização do princípio
considerando uma proposta menos ampliada, mesmo que o foco fosse a escolarização na escola
comum e preferencialmente na sala comum (Mendes, 2006). Além disso, as propostas de
integração escolar focavam exclusivamente nas habilidades que o aluno deveria adquirir para
garantir a progressão para um nível menos restritivo dentro do sistema, progressão que
dificilmente ocorria, o que gerou descontentamento.
Segundo Mendes (2006) os avanços nos estudos e discussões sobre o acesso à
escolarização de pessoas com deficiência preferencialmente na sala comum ocorridos nos
Estados Unidos promoveram, em meados dos anos 90, a substituição do termo “integração”
pelo termo “inclusão” na literatura publicada no país. Para a autora os movimentos de reforma
política ocorridos no sistema educacional norte americano, preocupados com os dados
negativos do sistema educacional americano, foram difundidos mundialmente devido ao poder
1032
de penetração que a cultura desse país possui.
Uma vez reconhecido que a educação é a principal responsável pela melhoria da
qualidade de vida da população, os Estados Unidos mobilizaram movimentos de reforma
baseados em avaliações de desempenho e pesquisas sobre indicadores de qualidade com o
objetivo de garantir a qualidade do ensino e consequentes avanços sociais. Porém essas medidas
beneficiaram os estudantes que acompanhavam os critérios do sistema, mas não a outra metade
da população escolar do país à época (Mendes, 2006). Ao passo que a inclusão se propôs a
atender essa demanda era necessário reconhecer o papel da escola na garantia desses direitos,
inclusive suas potencialidades e limitações.
Para Omote (2006) as diferenças entre os alunos tanto podem advir da variedade de
experiências pré-escolares (culturais, linguísticas e psicossociais) e diferenças individuais
(interesses, motivações, habilidades e competências), consideradas como uma variação da
normalidade estatística e cuja incidência e prevalência estão diretamente associadas à
variabilidade de condições sociais de um grupo, quanto das resultantes de deficiências
(provocadas por patologias congênitas, doenças e traumas).
1033
professores quanto a sua utilização nas turmas comuns do ensino regular (Brasil, 2008).
Recentemente a lei 12.796 alterou a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
9394/1996 ampliando a garantia de acesso à escola para alunos de quatro (4) à 17 (dezessete)
anos introduzindo a obrigatoriedade da educação pré-escolar. Discrimina também quem é o
aluno que deve receber o atendimento educacional especializado gratuito, a saber, alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Essa
modalidade de ensino é descrita na lei como transversal a todos os níveis, etapas e modalidades,
preferencialmente na rede regular de ensino (Brasil, 2013).
Algumas alterações relevantes e que direta ou indiretamente contemplam os alunos alvo
da educação especial. A garantia para os alunos em distorção idade/série do acesso público e
gratuito tanto ao ensino fundamental como ao ensino médio; a extensão aos alunos da pré-
escola e ensino médio dos serviços de suporte (programas suplementares de material didático
escolar, transporte, alimentação, assistência à saúde); ampliação do recenseamento anual
obrigatório à faixa etária da educação básica e jovens e adultos que não concluíram essa
educação, reitera a EC 59 que estabelece o ensino obrigatório para crianças à partir dos 4
(quatro) anos; ampliação do currículo base nacional também para a educação infantil, a ser
complementado em acordo com a especificidades regionais e culturais.
No cenário atual temos as legislações que orientam sobre a atuação dos professores junto
aos alunos público alvo. E aí temos a figura do Licenciado em Psicologia, uma vez que a
Educação Básica, no nosso caso o Ensino Médio, é um grande desafio para a atuação dos
Licenciados como um todo, em especial do Licenciado em Psicologia uma vez que é uma
profissão tão enraizada na prática biomédica e diferencial.
A Psicologia em Construção
Os estudiosos da história da psicologia no brasil reconhecem que os saberes
psicológicos estão em terras brasileiras desde o período colonial, com estudos acerca da criança,
do desenvolvimento infantil e educação, porém, a psicologia enquanto ciência surgiu no início
do século XX, dentro do contexto educacional. Essa ciência historicamente se vinculou a dois
campos do conhecimento, medicina e educação, e nesse contexto se consolidou. Os laboratórios
de Psicologia Experimental em 1923, representou um marco para a criação de um núcleo de
pesquisas científicas e um centro de formação para psicólogos. E no campo da educação, no
contexto em que se buscavam mudanças sociais no Brasil, a psicologia passa a ser uma ciência
considerada importante no processo de modernização e reorganização social.
A psicologia ganhou espaço dentro do ambiente educacional, seus saberes ajudaram a
compreensão do processo de aprendizagem, e nas dificuldades nos processos de escolarização.
Essa ciência antes de sua institucionalização, ocupava cadeira nos cursos de filosofia, dessa
forma, possibilitaram mais a aproximação da ciência psicológica com o campo educacional,
além de que já se evidenciava como uma ciência básica e instrumental para a pedagogia.
Segundo Antunes (2014), “a psicologia tornou-se necessária como ciência básica e instrumental
para a Pedagogia, o que acarretou seu desenvolvimento, quer no plano teórico, quer no plano
prático”.
A psicologia não tinha um caráter profissionalizante, mas sim um interesse formador,
1034
nesse caso, sendo procurada para atuar na formação de professores, enquanto agente de
qualificação. Nesse caso, ao ocupar esse lugar, o lugar da psicologia foi se construindo como
uma especialidade, um espaço para atuação. Com o decreto de n° 21. 173/1932, surge a
primeira proposta de institucionalização da psicologia, um decreto que apresenta a atuação do
profissional como professor, ainda não formalizado como “psicólogo” (Vicente, 2019). Logo
adiante, a regulamentação da profissão ocorreu no ano de 1962, com a lei de n° 4.119.
A oficialização da psicologia como profissão potencializou a inserção da psicologia em
outras áreas, além do âmbito educacional. É importante destacar que a LDB de 1961, teve
significativas contribuições dentro dos projetos que estavam tramitando para a automatização
da psicologia e sua regulamentação. Essa LDB, além de direcionar os conteúdos do ensino
básico, modifica alguns pontos sobre as licenciaturas, no que se refere a formação dos
professores para o ensino médio, que deve se dar nas faculdades de filosofia, ciências e letras
(Brasil,1961).
Com a regulamentação da profissão de psicólogo, o bacharelado, a licenciatura e a
formação em psicólogo representam as 3 modalidades possíveis para atuação desse
profissional. O curso se firmou em conformidade com os documentos oficiais sobre os cursos
de graduação daquele período, em especial a LDB de 1961, diminuindo a centralização do
Ministério da Educação e Cultura (MEC), possibilitando uma maior flexibilidade nos cursos
superiores do país. O curso de graduação de psicologia desde sua institucionalização considerou
a escola como campo de práticas psicológicas, conforme já visto anteriormente. A modalidade
de licenciatura já era uma modalidade possível, e ganhou mais força naquele período em razão
do próprio percurso histórico, marcado pelo processo de inserção dos psicólogos dentro das
escolas, e dentro das faculdades de educação, com conhecimentos necessários para ajudar na
formação dos professores, reafirmando as aproximações existentes entre o campo da educação
e a psicologia.
A relação entre a Psicologia e as diversas áreas do conhecimento foi construída a partir
da necessidade de atender a uma conjuntura social, na qual as descobertas e pesquisas em
Psicologia que aconteciam no mundo foram aqui incorporadas, especialmente pela Pedagogia
e Medicina, de modo a transformar a Psicologia em uma ciência legitimadora do diagnóstico
diferencial. O diagnóstico diferencial foi e continua sendo utilizado para determinar quem é o
diferente, quem foge à regra, quais os indivíduos que não podem acompanhar o
desenvolvimento dos que atingem índices considerados regulares (Michels, 2005).
Formação do Psicólogo para atuar com o aluno Público Alvo da Educação Especial
A formação do psicólogo ocorreu em meio ao processo histórico construído a partir das
influências de áreas afins, mas se consolidou com as discussões iniciadas na construção dos
pressupostos necessários à mesma. As pesquisas sobre formação geralmente buscam averiguar
se as práticas psicológicas aprendidas na universidade ou em cursos de capacitação são
realmente eficazes para atender as demandas sociais. Há uma preocupação também em
compreender como esse estudante percebe o momento de tal formação, como ele lida com as
dificuldades e, principalmente, se ele se percebe preparado para enfrentar os desafios que se
apresentam nessa nova realidade. Um dos temas mais encontrados nas pesquisas sobre
formação é a formação em avaliação psicológica. Esse dado nos remete a discussão sobre a
1035
construção histórica da Psicologia pautada na premissa do diagnóstico.
Especificamente em relação ao atendimento psicológico à pessoa em situação de
deficiência, diversas pesquisas nas décadas de 80 e 90 evidenciaram a preocupação de
pesquisadores em estudar esse tema. Nesse momento histórico, as discussões se concentram na
procura por uma Psicologia mais generalista, que prepare o psicólogo para desenvolver práticas
psicológicas em vários contextos, além de orientar adequadamente o público por ele atendido.
Esses dados remontam a uma clara tentativa de superar a fase vivida com a consolidação da
profissão, que exigiu um profissional cada vez mais especialista.
Não há pesquisas específicas sobre o estudante de licenciatura em Psicologia, o que nos
orienta são as pesquisas sobre a área da Psicologia Escolar ou da Formação como um todo. O
estudo de Pio et al (2008) revelou que a maioria dos psicólogos escolares entrevistados avaliou
a formação recebida para o atendimento à pessoa em situação de deficiência como insuficiente.
A superficialidade no conteúdo sobre o tema e falta de oportunidade de execução prática foram
justificativas apontadas pelos participantes para tais opiniões. No caso dos psicólogos clínicos
a percepção sobre a graduação divergiu entre adequado, devido à presença de matérias práticas
e teóricas na área, e inadequado em decorrência da falta de embasamento teórico e pela
brevidade com que aconteceram os estágios. Os psicólogos da área da saúde afirmaram que sua
formação na graduação não lhes deu subsídios suficientes para realizar o trabalho junto a
pessoas em situação de deficiência.
Marques et al (2007) analisaram o discurso sobre inclusão nos cursos de Psicologia das
Instituições Federais de Ensino Superior de Minas Gerais. Os resultados apontaram problemas
graves na formação do estudante de Psicologia, como conhecimentos presos na determinação
da normalidade versus anormalidade, onde o discurso de professores, coordenadores e alunos
pautou-se ainda no ideal de tratamento e cura. Os resultados também demonstram que não há
um reconhecimento dos envolvidos sobre a importância do tema para o currículo. A proposta
dos pesquisadores frente aos resultados encontrados é garantir que a formação do psicólogo
seja pautada na diversidade de pensamentos e concepções, atendendo a premissas discutidas há
bastante tempo.
Outros estudos avaliaram não diretamente a formação do psicólogo, mas a percepção
que grupos sociais possuem dele. Souza Filho et al (2006) pesquisaram as concepções de três
grupos (pessoas da população geral, estudantes de enfermagem, estudantes de Psicologia)
acerca do psicólogo. Os dados demonstraram que o psicólogo é considerado pela maioria como
um profissional promotor de saúde mental e proporcionador de auxílio psicológico. Na
população geral houve pessoas que nada souberam declarar. Os estudantes de enfermagem
apresentaram concepções mais próximas à realidade, percebendo o psicólogo como profissional
que presta serviços de suporte psicológico, porém ainda apresentaram concepções de senso
comum, associando-o a palavras como “cuidar”, “conversa”, “conselheiro”. Somente os
estudantes de Psicologia apresentaram concepções associadas à prática psicológica,
apresentando clara noção dos aspectos técnicos, humanitários e de suporte psicológico
associados à profissão.
Conforme encontrado nas Diretrizes Curriculares para o curso de Psicologia (DCNs),
na formação do Psicólogo os princípios e compromissos devem estar voltados para uma
compreensão crítica dos fenômenos sociais, bem como, formar para uma atuação em diferentes
contextos, considerando as necessidades sociais e os direitos humanos. O segundo referencial
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a se considerar, dentro da discussão sobre como ocorre a formação do Psicólogo para prestar
serviços psicológicos a pessoas em situação de deficiência, é o Código de Ética do Psicólogo.
Para discutir a formação do psicólogo, e especialmente a formação objeto desse estudo, é
necessário abordar a importância da consolidação da profissão, com o crescimento do número
de profissionais cadastrados e com a presença mais frequente do Código de Ética na orientação
da prática psicológica (Carvalho, 2008).
Um dos principais dilemas encontrados nas discussões sobre ética profissional e pessoas
em situação de deficiência é o fato que muitas vezes, para o profissional, o estabelecido em lei
não é necessariamente o mais adequado a fazer. A lei e a ética não são distintas, porém não
coincidem obrigatoriamente. O conflito ético resultante desse impasse pode levar esse
profissional a se desiludir com a prática e evitar envolver-se com essa discussão. Por exemplo,
quando se estabelece no código o princípio ético do encaminhamento quando não há formação
adequada do psicólogo para prestar o serviço, o que fazer se não existir o profissional
preparado? Deixar o cliente sem quaisquer tipos de atendimento? E se esse profissional existir,
mas apenas na rede particular de atendimento? Como garantir que um serviço seja oferecido
gratuitamente a quem dele necessita? Além disso, não há um acordo geral na literatura sobre
quais procedimentos são corretos ou inadequados, e assim as discussões se tornam cada vez
mais específicas, de modo a tentar conciliar o que é eticamente correto com o que está previsto
em lei.
O Código de Ética do Psicólogo pode ser considerado um alicerce para orientar a prática
do profissional na prestação do serviço ao público em situação de deficiência. A edição de 2005
reproduz a preocupação em formar um profissional generalista, que em casos em que não
domine o procedimento, ao menos reconheça sua função de encaminhar e orientar quem o
procura, de modo a garantir e respeitar o direito do usuário do serviço. Ele aborda os novos
desafios da profissão como questões relativas às novas tecnologias, a ampliação dos locais de
trabalho do psicólogo, a inclusão dos problemas profissionais (envolvendo preconceitos e
discriminações), novas formulações para o sigilo profissional, dentre outros assuntos (Mattos,
2008). Apresentado alguns do pressupostos teóricos que baseiam a prática do profissional de
psicologia para atuar com pessoas público alvo da educação especial, objetivou investigar em
documentos oficiais a formação em licenciatura em psicologia para atuar com esse público alvo,
afim de contribuir para uma atuação sólida desse campo de atuação.
Metodologia
A pesquisa foi realizada na abordagem qualitativa do tipo documental que resgata
legislações e outros documentos oficiais da área de licenciatura em psicologia. Para o
desenvolvimento da pesquisa, coletou-se as informações sobre as regulamentações nos campos
de estudo já citado, coletando nos arquivos localizados nos sítios da internet como, nos sítios
do Ministério da Educação, do Congresso Nacional, além de documentos oficiais dentro do
sítio da internet do Conselho Federal de Psicologia. Selecionou-se os materiais que discutem
sobre a formação e atuação do profissional de psicologia, com foco nos artigos que regem sobre
a formação e atuação da licenciatura em psicologia. A análise de dados seguiu uma abordagem
qualitativa, discutindo os dados de forma descritiva e caracterizando-os em acordo com a
análise da literatura da área. Os dados foram analisados e compilados de forma descritiva,
analisando os artigos específicos que versam sobre a formação em licenciatura em psicologia
1037
presentes.
Resultado e discussão
Os dados coletados possibilitaram compreender a formação e atuação do licenciado em
psicologia para ensinar alunos com deficiência. Ao analisar os documentos sobre a
regulamentação da psicologia como ciência, percebe-se um caminho relacionado com práticas
em ambientes pedagógicos, levando a compreender que desde sua constituição, o ambiente
educacional representa uma área de atuação de grande potência para os profissionais da área de
psicologia.
Coletou-se as DCNs para o curso de Psicologia, sendo este um dos principais
documentos que orientam sobre a formação em psicologia, e o principal documento que
trabalha a Licenciatura em Psicologia, sendo está uma formação que se dá em um projeto
político-pedagógico complementar. Além dessas diretrizes, coletou-se o documento emitido
pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), sobre as orientações técnicas para a atuação do
psicólogo na educação básica, com o intuito de encontrar orientações para a prática do
Licenciado em Psicologia, sendo este na função de docente lecionar sobre psicologia nas
escolas, dentro da educação básica
Em 1962 com a regulamentação da profissão de psicólogo, com a lei de n°4.119, muitas
mudanças aconteceram para a consolidação dessa nova disponibilidade de um curso superior,
caracterizando lutas para ocupação de espaços, campos de atuação, porém, essas lutas foram
retardadas com o golpe militar de 1964. Anos se passaram e em 1971, com a lei de n° 5.766,
criou-se o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia, responsáveis pelas
orientações na área, e representando uma força maior para a ciência psicológica no país. Em
1977, essa lei foi regulamentada.
Com a LDB de 1996, com o artigo IV orientam sobre como serão os cursos de ensino
superior no Brasil. Em 1999 um documento é produzido pela Comissão Especialista em
Psicologia, sobre a proposta de Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em
Psicologia. A primeira Diretrizes foi publicada no ano de 2011, e desde então, até o ano de
2019, o curso já teve 3 DCNs, representando documentos importantes que regem e orientam
sobre a formação e atuação do profissional de psicologia nos ambientes educativos, como em
outros que autorizam sua prática. A de 2019 aguarda homologação.
Dentro das DCNs é possível identificar que a formação em Licenciatura em psicologia
deve conter em seu currículo disciplinas que versem sobre a uma educação inclusiva. Porém,
percebe-se uma ausência de mais direcionamentos sobre essa formação e atuação.Com a Lei de
Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB), de n° 9394/96, que regulamenta o sistema
educacional brasileiro tanto na educação básica, como no ensino superior, para os cursos de
graduação essa lei estabeleceu essas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), que
representam orientações no planejamento curricular. Nos períodos em que há alterações nas
DCNs para os cursos de psicologia, surgem diversos questionamentos relacionados à formação
e a oferta da modalidade de licenciatura nos cursos de graduação no país.
No final de 2019, foi publicado um parecer que a prova a revisão das DCNs em
1038
psicologia, e aprovado em fevereiro de 2020, nesse documento consta além de princípios
orientadores fundamentais, como: formação presencial e generalista, inclusão, direitos
humanos, bem como, possui direcionamentos para a formação e atuação do professor em
psicologia. Segundo a DCN de 2011, a formação em licenciatura em psicologia deve estar em
consonância com a legislação que regulamenta a formação de professores do país, nesse
sentido, visa uma formação que possibilite formar professores que estejam comprometidos com
as transformações político-sociais, atendendo as exigências de uma educação inclusiva.
Nos documentos oficiais não há um detalhamento da atuação do Licenciado em
psicologia para atuar com pessoas públicas alvo da educação especial. Percebe-se que a
orientação da prática desse profissional para uma educação deve seguir pressuposto sobre o que
se orienta para a formação geral do profissional como psicólogo, com o desenvolvimento de
competências e habilidades específicas da profissão. Desse modo, dentro dos documentos
oficiais, não é possível detalhar essa formação no que tange a formação de professores em
psicologia, os artigos que abordam sobre a educação inclusiva não apresenta mais informações
sobre esse campo, sendo preciso, dessa maneira, analisar posteriormente as grades curriculares
dos cursos de licenciatura em psicologia no brasil para entender com maior aprofundamento a
prática, a partir do que se preconiza dentro dos documentos oficiais da área.
Conclusão
Os saberes da psicologia e da educação se encontram historicamente desde o período
colonial, e pensar nessas relações existentes se faz necessário para compreender pressupostos
sobre a formação e atuação dos profissionais nessas áreas. Com base nas análises dos
documentos oficiais do curso de licenciatura em psicologia, pode-se perceber pouco
direcionamentos sobre a formação e atuação desses profissionais na área de ensino para alunos
público alvo da educação especial, precisando que mais estudos sejam feitos para embasar
melhor a atuação.
A literatura apresenta pressupostos para atuação do psicólogo para atuar com esse
público, apresentando competências e habilidades necessárias. Desse modo, para a formação
em Licenciatura em Psicologia se orienta considerar os documentos que orientam a formação
de professores no país, além dos conteúdos ofertados dentro do curso de Bacharelado em
psicologia, junto a isso, a formação de professores de psicologia poderá desenvolver um
trabalho educativo que se adeque aos pressupostos trazidos pelo referencial para a atuação do
profissional de psicologia para atuar junto aos alunos público alvo da educação especial.
Para uma compreensão mais detalhada do profissional licenciado em psicologia para
atuar com esse público, é preciso expandir os estudos para o conhecimento das práticas desse
profissional, sendo possível uma investigação das grades curriculares do curso de Licenciatura
em psicologia no país. Desse modo, espera-se que essa pesquisa possa contribuir para estudos
futuros que possam investigar sobre mais apontamentos nesses campos de atuação, além de
ressaltar que mais do que um contato histórico entre psicologia e educação, há um desejo em
contribuir para a formação humana, com práticas psicológicas no ambiente educacional, seja
em escolas, seja em outros ambientes educativos.
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A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA
1041
REVISÃO NARRATIVA DA LITERATURA
Introdução
No Brasil, somente após a promulgação da Constituição Cidadã de 1988 a saúde passou
a ser um direito universal e dever do Estado. Entretanto, somente no ano de 1990 o SUS é
oficialmente regulamentado, instituindo-se a lei 8.080/1990, abrangendo desde procedimentos
simples, por meio da Atenção Básica, até os procedimentos mais complexos, garantindo acesso
integral, universal e gratuito para toda a população do país (Ministério da saúde, 2019).
Dessa forma, a atenção primária à saúde foi inserida ao modelo de atenção à saúde,
graças a implantação do SUS, havendo assim a reformulação da espécie supracitada, tendo
como objetivo de reorientar o sistema e valorizar as ações individuais e coletivas, envolvendo
promoção, prevenção de agravos, recuperação e reabilitação da saúde. (Neves & Aciole, 2011).
Nesta perspectiva, alguns autores como Dimenstein (1998), Ronzani e Rodrigues (2006)
discutem a inserção do psicólogo na APS, apontando para as dificuldades encontradas por este
profissional e enfatizam que a mera transposição do modelo clínico tradicional nesse contexto
e a formação deficitária para o trabalho na saúde pública são graves entraves que limitam sua
atuação nesta área.
A inserção do psicólogo na APS deve estar pautada nos princípios da saúde coletiva, na
qual conceitos como integralidade, interdisciplinaridade e intersetorialidade ganham
importância (Cecílio, 2001). Ademais, segundo Alverga e Dimenstein (2005), a dimensão
ampliada da compreensão do processo saúde-doença possibilitou a inserção de outros
profissionais na área da saúde como os psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas,
fisioterapeutas e educadores físicos, condição esta, regulamentada em 1997 pela Resolução 218
do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 1997).
Com o passar dos anos, observa-se a ampliação do campo de atuação dos profissionais
da Psicologia, para assegurar atendimento populacional evitando problemáticas ainda maiores
no contexto da saúde mental, e com isso, o repertório de estratégias promove o diagnóstico
sucinto, além de ocasionar a criação de ações destinadas na qualidade de vida e bem-estar dos
usuários.
Diante disso, compreende-se que a saúde mental é um dos elementos mais importantes
na vida do ser humano, pois, de certo modo, os transtornos mentais e comportamentais podem
resultar de uma interação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Segundo Machado e
Calais (2018), a contribuição da Psicologia na atenção básica, assegura a compreensão de que
a saúde relaciona-se com a produção de vida, de acordo com espaço e tempo.
Nesse viés, o presente estudo tem como objetivo compreender e analisar a importância
1042
da Psicologia nas ações de saúde da atenção primária, tendo como intuito apresentar a evolução,
práticas e potencialidades do profissional da Psicologia em atuação nesse contexto.
Método
O referido estudo trata-se de uma revisão narrativa. De acordo com Atallah e Castro
(1998) revisões narrativas são amplas apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento
ou o “estado da arte” de um assunto constituem, basicamente, de análise da literatura publicada
em livros, artigos de revistas impressas e ou eletrônicas, na interpretação e análise crítica
pessoal dos autores. Esse tipo de artigo tem papel fundamental para a educação continuada,
pois permite ao leitor adquirir e atualizar o conhecimento sobre uma temática específica em
curto espaço de tempo.
A despeito de sua força de evidência científica se constitui com capacidade baixa devido
à impossibilidade de reprodução de sua metodologia, no entanto, as revisões narrativas podem
contribuir no debate de determinadas temáticas, levantando questões e colaborando na
aquisição e atualização do conhecimento em curto espaço de tempo (Costa, Mota, Paiva &
Ronzani, 2015).
Para a elaboração deste trabalho, utilizou-se pesquisa bibliográfica, com estudo
descritivo que analisou teses, dissertações e artigos científicos sobre o tema. Para a sondagem
dos artigos, utilizaram-se os descritores "psicólogo" e “atenção primária à saúde”. O
processo de coleta do material foi realizado de forma não sistemática no período de Julho a
Agosto de 2021. Os critérios utilizados para a seleção da amostra foram: artigos publicados
em português e inglês, com textos completos e disponíveis gratuitamente nas bases de
dados supracitadas e artigos originais e que abordassem a temática atuação do psicólogo na
atenção primária. Foram excluídos artigos publicados em outros idiomas, repetidos nas bases
e/ou que não abordassem o tema proposto e estudos de revisão.
O levantamento de dados foram pesquisados em quatro bases científicas, tais como:
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific
Electronic Library Online (SciELO), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Google Acadêmico.
Após o procedimento da busca eletrônica nas bases de dados mencionadas, as publicações
foram pré-selecionadas com base na leitura do título e resumo. Posteriormente, foi realizada a
leitura na íntegra dos artigos previamente selecionados, categorizados e analisados
criticamente, resultando em dois eixos de discussão: o processo de inserção da Psicologia na
Aps; multiprofissionalidade na prática psi.
Resultados e Discussão
1043
avançados que o nível primário) e o nível primário, lócus da pesquisa aqui apresentada, em que
são realizados os procedimentos que necessitam de menos tecnologia e equipamentos, capazes
de dar resolutividade à maioria dos problemas comuns à população. Conhecida como Atenção
Básica, esse nível é a porta de entrada do usuário no sistema de saúde, onde acontece a
referência e contra referência para demais serviços especializados (Brasil, 2007).
No Brasil, a APS tem por objetivo, possibilitar o primeiro acesso das pessoas ao sistema
de saúde, oferecendo um conjunto de ações no âmbito individual e coletivo, que agrega a
promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a
reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde, de forma a prover atenção integral,
com impactos relevantes na situação de saúde e autonomia dos usuários, bem como nos
determinantes e condicionantes de saúde das coletividades (Ministério Da Saúde, 2012). No
mesmo entendimento, de acordo com o Ministério da Saúde (2012), através dos princípios
organizativos do SUS de descentralização e territorialização, a APS, por meio da Estratégia de
Saúde da Família (ESF), localiza-se na comunidade, próxima do cotidiano e da vida das
pessoas. As práticas desenvolvidas na APS são fundamentadas na análise das necessidades e
no acompanhamento longitudinal da população, direcionadas para a promoção, manutenção e
melhoria da saúde (Starfield, 2002).
A implementação da Psicologia na atenção básica se deu no Brasil a partir da década de
1980, resultado, sobretudo, dos movimentos sociais no campo da saúde e pelos princípios da
reforma psiquiátrica. Ainda que alguns estudos apontem para a importância da Psicologia na
Atenção Primária (Jimenez, 2011; Sundfeld, 2010), a inserção neste campo ainda é principiante,
visto que a equipe mínima da ESF não contempla o psicólogo e quando a inserção acontece é
em forma de apoio via Núcleo de Saúde da Família (NASF), (Conselho Federal De Psicologia,
2010). Mais de trinta anos se passaram desde a aprovação do SUS, e nesse período vários
estudos foram realizados sobre a Psicologia na atenção primária, apontando a necessidade de
modificação e revisão da formação profissional no nível da graduação e do aperfeiçoamento, e
para a adoção de um modelo de atuação mais coerente com a realidade e necessidades da saúde
pública no Brasil, principalmente, da população por ela atendida (Conselho Federal De
Psicologia, 1988; Silva, 1992; Dimenstein, 1998, 2000).
Nesse viés de problemática, surge a indagação do papel e da atuação do psicólogo na
APS. Diante disso, como afirmado por Campos e Guarido (2007), mesmo com um grande
repertório de ações que podem ser desenvolvidas, como atividades em grupo, visitas
domiciliares e oficinas, por exemplo, a maioria dos psicólogos ainda se volta para os
atendimentos clínicos individuais, nos moldes dos consultórios particulares. Em virtude do
processo histórico da inserção da Psicologia, que de acordo com Dimenstein (1998), foi a partir
da crise instaurada nos anos 1970 e 1980 e o crescente número de psicólogos se formando nas
faculdades do Brasil afora, que a saúde pública mostrou-se como uma “nova” possibilidade
para os profissionais, sem, contudo, ser acompanhado do devido preparo na sua formação
acadêmica. Dentro do exposto, Oliveira e cols. (2005) investigaram como as práticas
psicológicas são registradas no SUS e constataram que o Sistema de Informações Ambulatoriais
(SIA-SUS) reproduz o modelo tradicional da Psicologia com ênfase nas psicoterapias. Assim,
fica evidente que o próprio serviço de saúde limita a possibilidade de ampliação das práticas
psicológicas na APS.
Neste sentido e pautando-se pela preocupação com a formação do psicólogo para
1044
atuação na saúde pública, o ano de 2006 foi definido pelo Conselho Federal de Psicologia como
o ano da Psicologia e da Saúde Pública. Durante todo o período, foram realizadas discussões,
mesas-redondas, debates, palestras, entre outras atividades que culminaram na realização do I
Fórum Nacional de Psicologia e Saúde Pública, em Brasília, no final do mesmo ano, e na
pesquisa em parceria com a Associação Brasileira para o Ensino de Psicologia (ABEP) (Spink,
2006). De acordo com os organizadores, o evento representou uma possibilidade de “acerto de
contas” de várias pendências produzidas ao longo da inserção da Psicologia como profissão na
área da Saúde, relativas aos aspectos políticos, administrativos e técnicos.
Com a realização dessas discussões, o incentivo do Governo Federal foi pautado em
relação à formação de profissionais de todas as áreas da saúde para atuar na estratégia saúde da
família (fundamental para operacionalização da atenção primária à saúde no Brasil), a partir da
residência multiprofissional. Clemente, Matos, Grejanin, Santos, Quevedo, & Massa (2008)
avaliaram tal experiência na cidade de São Paulo pela ótica da formação de psicólogos e
constataram que este tipo de formação em serviço permite o desenvolvimento de práticas
interdisciplinares e a experimentação e autonomia nos novos fazeres psicológicos, a partir da
concepção mais ampliada do processo saúde-doença. No entanto, estes fazeres são limitados
pelos códigos SIA-SUS que, para os autores, se fundamentam em outro paradigma de
conhecimento, baseado no modelo hegemônico da Psicologia.
No contexto da década de 1980 iniciou um movimento de percepção sobre o
compromisso social da psicologia e a partir da Constituição Federal de 1988, a psicologia
passou a ampliar suas práticas de atuação junto a grupos mais vulneráveis. Com isso, na década
de 1990, o núcleo percebeu a necessidade em desenvolver uma nova postura, que implicasse na
formação, pesquisa e nos demais espaços de produção do psicólogo. Em síntese, para a
psicologia não bastava permanecer apenas nas intervenções clínicas, em seu campo tradicional,
era necessário investir em novos locais de trabalho bem como em novas formas de atuação,
pois o movimento da sociedade convocava para maiores investimentos na profissão, permitindo
o protagonismo dos profissionais (Brandolt & Cezar, 2018).
É importante destacar que a busca por um outro modelo de atuação foi um dos motivos
pelos quais outros psicólogos que teciam críticas ao modelo de saúde dessa época escolheram
esse campo de trabalho, e que de acordo com Ronzani e Rodrigues (2006), essa postura
individualista para tratar dos usuários vai na contramão do que seria uma atuação comprometida
com a comunidade, além de também se contrapor ao conceito de saúde que norteia o SUS – que
inclui os aspectos sociais nos cuidados.
1045
cotidiano do serviço na atenção básica, de maneira que há a complementação de vários saberes
entre diversos campos de conhecimento, permitindo a ampliação do que é entendido por
processos de doença e saúde (Cantele & Arpini, 2016).
A prática da Psicologia na atenção básica, bem como sua inserção nas equipes
multiprofissionais, expande sua área de atuação, possibilitando novas perspectivas teóricas,
novos aportes instrumentais, novas relações entre técnicos trabalhadores da área e uma
organização do sistema de atendimento, de maneira que não se mantém restrita apenas ao
desempenho em consultórios, mostra a pluralidade de ações que define o fazer do psicólogo e
também a mudança que o leva a não ser identificado unicamente como um profissional que faz
atendimento individual (Cantele & Arpini, 2016).
O psicólogo que a atua na atenção básica favorece a compreensão dos aspectos
psicossociais, histórico-culturais, políticos que envolvem os processos de saúde /doença e dessa
forma vão conhecer os fatores que desencadeia adoecimento e sofrimento daquela
comunidade, essa ampla visão facilita a atuação da equipe multidisciplinar que vai promover
ações para erradicar a problemática que afligem aquela população (Souza, 2009).
Outra forma que os psicólogos auxiliam nos serviços prestados pela atenção básica é
promoção à saúde, tendo em vista que esses profissionais promovem ações preventivas e
educativas. Rotineiramente os psicólogos realizam palestras informativas para grupos de
adolescentes, idosos, gestantes, hipertensos e diabéticos sobre as temáticas presentes do
cotidiano daquela comunidade, além disso eles realizam visitas domiciliares aos moradores que
estão em processo de adoecimento mental e que não podem se deslocarem a unidade básica de
saúde, com isso, eles pretendem atender as demandas específicas e emergências daquele usuário
(De Antoni & Parise, 2014).
Outro importante serviço que o psicólogo oferece ao contexto de atenção básica é a
realização de ações na fila de espera, que tem como objetivo amenizar ansiedade do usuário
que aguarda o seu atendimento médico em enorme filas de espera, além do mais essas essas
ações são tentativas de alcançar o maior número de usuários da unidade básica para participar
de palestras educativas e das atividades terapêuticas que visam a promover o relaxamento,
como também essa ações pretendem fortalecer o vínculo entre os profissionais da saúde e os
usuários e assim dispor um espaço de acolhimento e troca de vivências sobre práticas de saúde
entre os usuários, profissionais (Becker & Rocha, 2017).
Outrossim, o psicólogo ocupa um lugar essencial na equipe multiprofissional, o qual
está ligado à escuta profissional. Esse instrumento poderá compor momentos de subjetivação,
ampliando a percepção da equipe e da família em torno dos problemas levantados. Ademais,
poderá contribuir com um apanhado técnico e teórico que pode auxiliar na pluralidade de ações
que os profissionais poderão desenvolver (Cantele & Arpini, 2016).
Entretanto, o trabalho do psicólogo na atenção básica pode apresentar dificuldades,
uma vez que compor as equipes multiprofissionais não é uma tarefa fácil. Isso porque, há uma
resistência por parte de profissionais que não entendem ou aceitam a função conferida aos
membros da equipe. Além disso, há ainda uma carência de conhecimentos teóricos e práticos
importantes para a construção de uma nova prática integral, a qual se distancia dos
conhecimentos tradicionais, que se mostram insuficientes para atender as demandas atuais
1046
(Cantele & Arpini, 2016).
Considerações finais
A inserção do profissional de psicologia na atenção básica assegura a compreensão das
mudanças no cenário brasileiro, no que diz respeito às pessoas que procuram por esse serviço
de saúde na PSF, principalmente em analisar a porcentagem de usuários com problemáticas de
saúde mental no cotidiano e os desafios da intervenção e prática do Psicólogo. Nesse sentido,
o Psicólogo tem contribuído de forma significativa na atenção básica, obtendo como referência
o cuidado humanizado e a organização da rede dentro dos recursos disponíveis para promoção
da saúde mental do público atendido na PSF. Para tanto, o Psicólogo inserido na atenção básica
deve conhecer a demanda atendida nesse local, além de trabalhar de forma direta com a
participação da comunidade.
Pois, o processo de construção assegurado pelo sistema único de saúde destaca a
articulação de campos diversos a fim de não restringir o saber médico, visto que este
profissional possui habilitação para atuar de forma direta com os usuários da atenção básica
fornecendo conhecimentos e intervenções efetivas.
Nesse contexto, o campo da psicologia introduzido na atenção básica, assegura o
posicionamento ético e político em decorrência da prática de compreender o usuário inserido
em seu cotidiano, a fim de desenvolver ações de caráter comprometido com a transformação
social, no desenvolvimento de bem-estar aos seus pacientes.
Assim, a pesquisa respondeu aos objetivos propostos, elencando que o exercício
profissional na atenção básica, permite compreender as subjetividades presentes nesse campo,
para que o Psicólogo possa se basear nos princípios e compromissos da profissão, tornando
capaz de enfrentar as problemáticas das relações entre usuário e sociedade.
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1049
Psicologia DO ESPORTE
Introdução
A Psicologia abrange diversas áreas, destacando-se o crescimento de uma destas, a
Psicologia do Esporte. Para compreender seu desenvolvimento faz-se necessário o
conhecimento acerca de seu conceito, origem, percurso histórico e estado atual adjunto aos seus
campos de atuação e desafios (Vieira et al., 2010).
Enquanto ciência que estuda pessoas em contexto esportivo (Valle, 2007) os
profissionais desse âmbito buscam analisar os aspectos emocionais dos atletas através dos
fatores psicológicos que podem influenciar a prática esportiva e afetar a saúde mental dos
mesmos, visando identificar todo o contexto dessas pessoas e suas relações pessoais e
profissionais, uma vez que, o estado emocional é um dos principais fatores que interferem no
resultado do jogo (Weinberg & Gould, 2017).
De acordo com a Associação Americana de Psicologia (APA) a Psicologia do Esporte
é uma “proficiência que utiliza conhecimentos e habilidades psicológicas para abordar o
desempenho ideal e o bem-estar de atletas, aspectos sociais e de desenvolvimento da
participação esportiva e questões sistêmicas associadas a ambientes e organizações esportiva”
(APA, 2018).
Nesta área, a relação entre o corpo e a mente retoma durante o seu desenvolvimento à
discussão dos filósofos na Grécia Antiga frente a essa dualidade, incluindo a relação da saúde
mental e física (Epiphanio, 1999). Os filósofos como Platão e Aristóteles já discutiam sobre o
movimento a partir dos conceitos de alma e corpo e referiam-se à prática esportiva como
contribuinte para o bem-estar mental (Barreto, 2003).
Conforme Weinberg e Gould (2017) o percurso histórico para o crescimento e
desenvolvimento da Psicologia do Esporte compreende seis períodos: os primeiros anos (1895-
1920); a era Griffith (1921-1938); preparação para o futuro (1939-1965); o estabelecimento da
Psicologia do Esporte como disciplina acadêmica (1966-1977); ciência e prática
multidisciplinar na Psicologia do exercício e do esporte (1978-2000), e Psicologia do exercício
1050
e do esporte contemporâneo (2000 até o presente).
Em meados do final do século XVII várias questões relacionadas aos processos
fisiológicos, motores e emocionais começaram a ser indagadas pelo campo da Psicologia
aplicada ao esporte (Davis, Huss & Becker, 1995). Essas indagações são evidenciadas quando
no período descrito por Weinberg e Gould (2017), os primeiros anos, o psicólogo Norman
Triplett em 1897 procurava entender o porquê de ciclistas pedalarem mais rápido em grupos do
que quando estavam sozinhos. Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018) corroboram a
influência dos grupos no comportamento individual, já que diante destes o indivíduo sente o
desejo de ser bom frente ao grupo, geralmente melhorando seu desempenho.
Posteriormente, Coleman Griffith cria o primeiro laboratório na área da Psicologia do
Esporte, em 1925, objetivando investigar elementos psicológicos que afetavam o rendimento
esportivo, marcando dessa forma o período de desenvolvimento e a pesquisa na prática desse
domínio (Vieira et al., 2010).
O período de preparação para o futuro definido por Weinberg e Gould (2008), marcou
segundo Silva (1984) o início da Psicologia do Esporte no Brasil em 1954, com a seleção de
juízes da Federação Paulista de Futebol, em que seguindo este evento, segundo Epiphanio
(1999) no time São Paulo Futebol Clube, o psicólogo João Carvalhaes iniciou o
acompanhamento psicológicos dos jogadores.
Como característica de uma área emergente, a Psicologia do Esporte foi ganhando o
status acadêmico e foi estabelecida como disciplina acadêmica do curso superior de Educação
Física. Além disso, com o decorrer dos anos os eventos e publicações científicas a respeito de
tal área foram aumentando e contribuindo para uma ciência e prática com viés multidisciplinar
(Pires, 2013).
Essa grande ampliação nos horizontes da Psicologia, enquanto ciência e profissão,
colaboraram ao longo das últimas décadas para a divisão de espaços em áreas exclusivas de
outros profissionais (Rubio, 1999). No Brasil este processo foi e continua a se evidenciar com
a integração dos psicólogos em equipes olímpicas e paraolímpicas, e no âmbito mundial pela
crescente ênfase dada às pesquisas sobre a Psicologia do Esporte e exercício em razão dos
benefícios que o esporte traz para a saúde mental e física (Pires, 2013).
Diante desses processos de integração e expansão, Rubio (2003) apontou três
possibilidades de atuação para os psicólogos do esporte: como educador, a nível acadêmico
lecionando a disciplina de Psicologia do Esporte; pesquisador, cujo estuda e pesquisa sobre
algo do ramo, mas sem intervenção direta com o atleta; e clínico, o qual atua com equipes e/ou
atletas para diagnosticar, avaliar e intervir em preparações específicas.
Ademais, Samulski (1992, citado por Rubio, 1999) destacou quatros campos de atuação
para aplicação da Psicologia do Esporte, a saber: (1) o esporte de rendimento, em que o
psicólogo analisa e transforma os determinantes psicológicos que interferem no rendimento do
atleta; (2) esporte escolar, na qual se analisam os processos de ensino, socialização e
aprendizagem e seu reflexo no praticante; (3) esporte recreativo, cujo psicólogo avalia dentro
das diferentes classes socioeconômicas, faixas etárias e atuações profissionais os motivos, as
atitudes e os interesses; (4) esporte de reabilitação, onde o trabalho é realizado na prevenção e
intervenção em atletas lesionados e deficientes físicos ou mentais.
No entanto, apesar da vasta área para atuação, há ainda uma ampla carência de
1051
profissionais para exercer os papéis nos diferentes campos (Vieira et al., 2010), em razão como
bem afirma Machado (1997), da dificuldade de encontrar cursos específicos para sua formação,
comprometendo, assim, a qualificação destes profissionais. Salienta-se, portanto, a importância
de estudos que englobem a Psicologia do Esporte, diante da necessidade de preparação
psicológica dos atletas e equipes, para promoção da saúde mental e bem-estar (Rubio, 2007).
A partir do que foi apresentado, o presente relato de pesquisa tem como objetivo geral
compreender a atuação profissional do psicólogo na área do esporte. Como objetivos
específicos busca entender a percepção do profissional acerca da importância de seu trabalho,
assim como as limitações existentes e, identificar tanto as técnicas e métodos, como também a
intervenção realizada pelo psicólogo do esporte.
Método
Participantes
Foram entrevistados dois profissionais especializados na área do esporte, ambos do sexo
masculino e residentes no estado do Piauí. Ressalte-se que a entrevista foi realizada com apenas
dois participantes, devido à dificuldade em encontrar profissionais atuando nessa área no estado
do Piauí.
Instrumentos
Foi realizada uma entrevista semiestruturada, composta por dez questões previamente
formuladas. Nesta entrevista constavam perguntas relacionadas à percepção dos profissionais
acerca da importância do seu trabalho, os campos de atuação, técnicas e métodos e sua eficácia
na aplicação da Psicologia do Esporte, sobre a intervenção do psicólogo do esporte e as
limitações e desafios enfrentados.
Procedimentos
Os entrevistados foram contatados e após a aceitação foi enviado um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com uma breve descrição dos objetivos do estudo.
O roteiro de perguntas foi respondido por um dos participantes através de áudio via WhatsApp,
em decorrência de não residir na cidade em que a pesquisa foi realizada e o outro através da
entrevista presencial. Ressalta-se a preocupação com aspectos éticos, uma vez que todos os
procedimentos éticos em pesquisas realizadas com seres humanos foram salvaguardados, de
acordo com a Resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, o que inclui participação
voluntária e anônima, o direito ao sigilo e a informação de que a pesquisa não oferecia risco ao
respondente.
Todos estavam cientes que poderiam interromper sua participação na pesquisa a
qualquer momento, sem que isso acarretasse prejuízo, e que os resultados da pesquisa seriam
usados unicamente para fins acadêmicos e científicos. Deve-se salientar que a entrevista
presencial foi gravada, a fim de que fosse transcrita e analisada posteriormente, assim como
1052
feito com os áudios recebidos de um dos participantes.
Análise de dados
Foi realizada através da Análise de Conteúdo de Bardin, a qual compreende um conjunto
de técnicas da análise de comunicações que adota mecanismos minuciosos e objetivos para
descrever o conteúdo das mensagens (Bardin, 2006).
Resultados e Discussão
Os resultados obtidos foram organizados em eixos temáticos para a explanação das
categorias que surgiram, a saber:
Importância do profissional
Salienta-se, a partir dos dados obtidos, a importância de tal profissional atuando tanto
com atletas como com toda a equipe de treino e suporte. Pinho (2016) destacou que a Psicologia
do Esporte tem crescido como campo da ciência possibilitando a ampliação das áreas de
atuação, visto que ela está sendo aplicada em distintos campos, como academias, centros de
treinamentos, escolas e outros. Além do que, está sendo aplicada com atletas de todos os níveis.
Verifica-se a necessidade de ter um olhar psicológico, com conhecimentos específicos
na área do esporte, com intuito de avaliar comportamentos que serão de grande relevância para
o atleta e também para o contexto no qual ele está inserido, possibilitando uma intervenção
mais eficaz.
A atuação do psicólogo do esporte ajuda a assimilar conceitos pertinentes à saúde e as
possíveis estratégias de intervenção. Conforme o Entrevistado A “é muito importante a
presença de um psicólogo no contexto esportivo, da mesma maneira que tem um treinador, que
tem o pessoal da fisioterapia, que tem os profissionais que constituem uma equipe de saúde”.
Compreende- se que o psicólogo do esporte deve ter uma visão ampliada do sujeito
1053
(Pinho, 2016) tendo em vista que esse profissional pode trabalhar aspectos psicológicos e
subjetivos do indivíduo, identificando nestes os fatores que estejam influenciando a
performance do atleta e propiciando-o um melhor desempenho, conforme apontou o
Entrevistado B. O Entrevistado A complementou essa ideia trazendo à tona a importância de se
trabalhar com toda a equipe de profissionais envolvidos com o atleta de determinada
modalidade.
Aspectos do
Subcategorias
comportamento e Ginástica
interação
Esporte como
Luta
qualidade de vida
Vôlei
1054
na melhora da qualidade de vida, proporcionando cuidados com a saúde física e, sobretudo,
mental (Entrevistado A).
Como bem evidenciou Alves (2008, p. 87) "a evolução psicomotora vai ser dirigida pela
sucessiva integração dos seguintes fatores: precisão, rapidez e força muscular", corroborando
com o que foi explanado pelo Entrevistado A acerca da influência da Psicologia do Esporte no
trabalho da estimulação psicomotora e da aprendizagem, uma vez que o desenvolvimento
envolve todas as áreas do organismo e personalidade, de forma regular, ordenada e contínua
(Alves, 2008), principalmente quando voltado a crianças e/ou principiantes em alguma
modalidade esportiva.
A categoria do Esporte de Alto Rendimento é a que abrange maior grau de conhecimento
e embasamento, haja vista dispor de uma grande quantidade de pesquisas desenvolvidas nesse
campo (Entrevistado A). O psicólogo dessa área pode atuar, por exemplo, em clubes de futebol,
vôlei ou basquete (Entrevistado B), desde categorias de base até as mais avançadas até a
aposentadoria.
A categoria de Iniciação Esportiva engloba as categorias de base, nas quais atletas
iniciantes de determinada modalidade passam, por exemplo, do sub-12 ao sub-13, para o sub-
14 seguindo até o sub-16, podendo chegar à categoria principal (adulto) e, posteriormente,
outras categorias, bem como alcançar para eventual aposentadoria (Entrevistado A).
O Entrevistado B destacou ainda a atuação do profissional na prática de esportes
individuais. Por exemplo, na ginástica e na luta, onde são trabalhados os aspectos motivacionais
e de autoestima, provocando no atleta uma ativação de seu corpo fazendo-o sentir-se pleno e
concentrado na atividade a ser por ele exercida. Em suma, Oliveira, Laurentino e Cruz (2017)
ressaltam a diversidade existente dos campos de atuação do psicólogo do esporte.
Técnicas Métodos
1055
Visualização mental (1)
Existem inúmeras técnicas e métodos que podem ser utilizados como intervenção no
desempenho do atleta, que passam primeiramente pela anamnese ou triagem para que se possam
desenvolver atividades individuais ou dinâmicas de grupo, usadas principalmente para trabalhar
a coesão grupal, comunicação, desenvolvimento de liderança e a resolução de problemas.
Como exemplo se dão as atividades de relaxamento por meio da respiração
diafragmática, da mentalização, ativação e da auto-fala trabalhando pensamentos positivos e a
visualização mental, na qual faz com que o atleta imagine situações que já ocorreram ou podem
ocorrer com o objetivo de estimular sua mente e provocar um impacto positivo (Entrevistado
A). O desenvolvimento de métodos específicos de psicodiagnóstico e intervenção consideram
as particularidades das modalidades e de seus praticantes (Garcia & Borsa, 2016).
Nas modalidades individuais segundo Rubio (2004) as atividades focam na
concentração, controle de ansiedade, técnicas corporais, de visualização, relaxamento e
inversão de papéis. Enquanto que nas modalidades coletivas, conforme Dobránszky (2007),
foca-se nas relações, no vínculo e na organização das lideranças, podendo ser utilizados jogos
dramáticos, técnicas de senso-percepção e outros processos verbais de origem na psicanálise de
grupos.
Com os avanços tecnológicos outras técnicas como o neurofeedback e o biofeedback
surgiram para trabalhar o desempenho do atleta e a estimulação cognitiva (Entrevistado A).
Segundo Dias (2010) o neurofeedback visa o aumento da performance e sensação de bem-estar,
englobando um conjunto de treinamentos de dimensões fisiológicos que compõem o
biofeedback.
Autores como Silva, Foch, Guimarães e Enumo (2014), constataram métodos utilizados
nessa área, tais quais entrevistas, observações, testes e leitura de relatório feito pelos
treinadores, que possibilitam uma avaliação psicológica. As atividades de testagem ou testes
psicológicos estimam o nível do indivíduo, se ele já se encaixa ou se está entrando no alto
rendimento, ou se simplesmente está iniciando uma modalidade esportiva e pretende dar
continuidade a ela, além de analisar como o indivíduo se encontra no momento antecedente,
durante e após uma competição ou exercício (Entrevistado A). Os dados obtidos nesta operação
dão suporte para que sejam feitas mudanças no trabalho do psicólogo, se adequando
dinamicamente às necessidades dos atletas envolvidos (Vieira, Vissoci & Oliveira, 2009).
A partir dos testes psicológicos o psicólogo do esporte pode nortear possíveis
intervenções para serem trabalhadas no indivíduo e que favoreçam que ele exerça potencial
melhora em seu desempenho (Entrevistado B). Ações de treinamento mental e preparo
psicológico com aconselhamento e acompanhamento dos atletas podem ser implementadas para
atingir esse resultado (Vieira et al., 2009).
1056
olhar clínico, visando identificar pontos que podem afetar o psicológico dos atletas e em
paralelo interferir nos aspectos físicos e desempenho dos mesmos (Entrevistado A).
Psicológicos (2)
Tais técnicas, por sua vez, se fazem de instrumentos para que, após o olhar clínico e a
escuta qualificada, auxiliem o profissional a trabalhar os aspectos psicológicos, emocionais,
motivacionais, de estima, a autoconsciência corporal e de espaço, o poder de concentração e
ajudar o atleta a conhecer seus limites (Entrevistado B).
O psicólogo dotado de suas técnicas pode intervir nos aspectos psicológicos e
emocionais conduzindo o atleta a utilizar a técnica de auto-fala durante a realização na prática
esportiva, visando que ele adquira a capacidade de pensar positivo durante o seu desempenho
esportivo e na execução da sua manobra (Scala, 2000). A motivação pode ser trabalhada
também mediante a fixação de metas exigentes e reais, com o desenvolvimento da
automotivação e com técnicas de ativação (Samulski, 1988).
O poder de concentração é outro importante aspecto que o psicólogo do esporte realiza
intervenção, pois o atleta pode sentir-se bastante pressionado e pensamentos bombardearem sua
cabeça podendo ocorrer a seguinte situação citada pelo Entrevistado B:
O indivíduo, por exemplo, vá bater um pênalti, e comece a vir pensamentos na cabeça de que você vai
errar. Se você errar quer dizer que você não é um bom jogador. Se você errar todo mundo vai pegar no
seu pé (Entrevistado B).
1057
em grupo que podem ser realizadas de forma individual também com discursos inflamados
visando motivar os jogadores antes da realização de atividades (Entrevistado B).
Além disso, o psicólogo do esporte também percebendo um desgaste mental no atleta,
devido a sobrecarga de treino ou alguma desmotivação provocada durante o treinamento, pode
também intervir articulando com o treinador e/ou preparador físico para alertar sobre o desgaste
mental do atleta e assim elaborar estratégias de acordo com os limites do mesmo fazendo com
que o atleta também conheça seus próprios limites (Entrevistado B).
Cursos (1)
Eventos (1)
Pós-graduações (1)
1058
e o psicólogo estiver entre eles, geralmente ele é um dos primeiros a sair, se não for o primeiro”
Reiterou Pinho (2016) que o processo para se tornar um profissional especializado na
área não está ligado somente ao conhecimento teórico adquirido por meio de livros, artigos,
entre outros, mas com a atuação em si desse psicólogo possibilitando-o de exercer seus
conhecimentos prévios e tornando-o mais confiante no que é capaz de realizar.0
Como exposto anteriormente apesar de ser uma área em crescimento ainda existem
preconceitos acerca de sua necessidade, sendo muitas vezes taxado como um luxo
desnecessário. Ainda há muito que se evoluir para que o psicólogo do esporte consiga abranger
seu público de forma efetiva (Entrevistado B).
Considerações finais
De acordo com a investigação realizada, esta pesquisa verificou os campos de atuação
e o exercício do profissional psicólogo do esporte, como também os desafios enfrentados por
este na atualidade e concluiu que apesar da multiplicidade de categorias para atuação do
psicólogo do esporte, mesmo este com domínio em técnicas e métodos para potencializar a
performance do atleta, ainda há pouca oferta no mercado de trabalho e desconhecimento da
importância desse profissional para integrar as equipes de treinos e suportes.
Os resultados foram coerentes nos eixos abordados pois, por meio do levantamento
realizado, conclui-se que há a necessidade de o psicólogo especializado na área do esporte
acompanhar o esportista, visando o bem-estar psíquico deste, utilizando-se das técnicas e
métodos apresentados no trabalho. De tal modo, sendo possível a compreensão da sua atuação
na área do esporte.
Apesar de cumpridos os objetivos desta pesquisa é necessário ponderar a respeito de
suas limitações potenciais. O principal aspecto que interferiu para uma melhor resolução do
estudo apresentado foi a dificuldade de acesso a profissionais psicólogos especializados na área
do esporte e também a disponibilidade precária que alguns apresentaram em exercer na mesma.
É importante que se continue a pesquisar a respeito da Psicologia do Esporte a fim de
que esta seja cada vez mais expandida, difundindo a sua relevância perante o meio esportivo
em seus diferentes campos de atuação. Espera-se que possam ser realizados estudos futuros que
contribuam para o melhor entendimento desse âmbito da Psicologia, além de colaborar para
que essa área possa vir a ser mais valorizada, possibilitando a consolidação nos diversos meios
sociais a quais se aplicam a prática esportiva.
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APARÊNCIA MUSCULAR E VALORES HUMANOS: UM ESTUDO
1061
CORRELACIONAL
Introdução
Valores Humanos
Há tempos os valores humanos se encontram dentro das discussões realizadas pela
Psicologia Social, mas só foram considerados de fato objeto de estudo das ciências socias em
meados do século XIX (Rokeach, 1973). Isso implica dizer que os valores possuem uma
natureza relativa e universal, ou seja, sua essência é mantida mesmo que algumas prioridades
axiológicas sejam rearranjadas (Cunningham & Reich, 2002).
Segundo Gouveia (1998, 2003; 2013), os valores humanos são uma espécie de guia das
ações humanas, ou seja, aspectos psicológicos que regem o comportamento, e expressam as
necessidades básicas do indivíduo. O autor propõe a Teoria Funcionalista dos Valores Humanos
a qual se baseia em cinco pressupostos teóricos.
O primeiro deles são os princípios guias individuais que define os valores de forma mais
generalista para a orientação dos comportamentos humanos, sem se basear em situações ou
objetos específicos. O segundo é a base motivacional que remete às necessidades básicas e
entende os valores humanos como representações cognitivas dessas necessidades, não só
individuais, mas também de forma coletiva. Logo em seguida se tem o caráter terminal o qual
considera os valores como terminais, ou seja, expressam seus propósitos em si mesmos (e.g.,
Rokeach 1973).
O quarto pressuposto é a natureza humana no qual se admite apenas a bondade do ser
humano, levando em conta apenas valores positivos (Maslow 1954). E por último, encontra-se
a condição perene a qual supõe que os valores ou as subfunções valorativas estão presentes em
todas as culturas (Gouveia et al., 2008). Contudo, é possível que alguns se sobressaiam aos
outros (Inglehart, 1991), mas sem fazer com que outros deixem de existir (Gouveia, 2013).
Considerando que o principal objetivo dessa teoria são as funções dos valores, sua
definição também pode ser baseada a partir dessa perspectiva (Gouveia, 1998, 2003). Diante
disso, Gouveia et al. (2008), baseados em uma revisão bibliográfica, identificaram duas funções
consensuais acerca dos valores humanos, mais especificamente: (1) guiar as ações humanas
(tipo de orientação) (Rokeach, 1973; Schwartz, 1992) e (2) expressar suas necessidades (tipo
de motivador) (Inglehart, 1977; Maslow, 1954).
Segundo Gouveia (2003) há três critérios de orientação, cada um subdivido em duas
funções psicossociais. O primeiro, orientação pessoal, na qual se percebe uma preponderância
do ego, visando benefícios a si mesmo, sempre pleiteando o êxito para o eu. Neste critério
1062
encaixam-se os valores de experimentação, os quais estão relacionados a busca por novas
experiências, satisfação sexual e a capacidade de enfrentar situações arriscadas, e os valores de
realização que se referem a necessidade de auto-promoção, visando ter poder e ser um indivíduo
importante.
O segundo, Social, na qual há uma primazia pela convivência com os demais membros,
buscando a harmonia com o coletivo e o bem comum. Neste critério encaixam-se os valores
normativos, que fazem menção a necessidade do bem estar social, convivência grupal e respeito
a cultura e símbolos, visando a ordem; e os valores interacionais que enfatizam a especificidade
do interesse em ser amado, ter companheiros, vida social ativa, assumindo, assim, um
compromisso com os demais.
E o terceiro, o tipo de orientação central, o qual é compatível tanto com valores pessoais
quanto sociais, havendo uma convergência entre o pessoal e o social. Nele encontram-se os
valores de existência, relacionados à sobrevivência individual, que visa garantir a própria
existência orgânica, e os valores suprapessoais, que fazem jus aos indivíduos que buscam
alcançar suas metas independente do contexto, ou grupo, no qual estejam inserido. Estes valores
podem se apresentar em qualquer ser humano, entretanto sua emersão dependerá da realidade
social, cultural e histórica do indivíduo, havendo assim a possibilidade de ocultação de
determinados valores em algumas fases da vida.
Este modelo tem se mostrado psicometricamente adequado, refletindo o seu uso em
vários estudos (e.g., Araújo, 2013; Freire, 2015; Melo, 2014; Monteiro, 2014; Nascimento,
2015; Soares, 2013). A partir dos estudos de Gouveia a respeito dos valores humanos, o presente
trabalho tem o intuito investigar a relação entre os valores humanos e aparência muscular, tema
o qual tem sido pertinente nas últimas décadas (Monteiro et al., 2003).
Aparência Muscular
Atualmente, a sociedade tem sido caracterizada por uma cultura que elege o corpo como
uma fonte de identidade (Beleli, I., 2007). Essa construção é instigada em todas as fases do
desenvolvimento, sendo a mesma fomentada pela a mídia, a qual veicula nas propagandas,
programas e novelas a perspectiva do que seja o corpo ideal; esse movimento atinge,
principalmente, os adolescentes, os quais começam, desde cedo, a buscar se encaixar dentro
desse padrão (Serra & Santos, 2003).
Os jovens, também são perpassados pelas propagações dessas ideias. Eles passam a
acreditar que, para serem aceitos pelos outros, é preciso que a sua imagem corporal esteja de
acordo com os padrões estabelecidos, gerando uma insatisfação com o seu próprio corpo, além
de acarretar alterações na percepção da imagem corporal (Andrade & Bosi, 2003; Conti,
Gambardella & Frutuoso, 2005).
Entretanto, segundo Zawadski e Vagetti (2007), não são apenas os jovens que estão a
mercê dessa busca incessante da saúde e definição física; os adultos e idosos também se
encontram nessa jornada pela satisfação muscular, buscando uma melhoria de vida. Uma
pesquisa realizada no Brasil, mais especificamente no Nordeste e Sudeste, no final da década
de 90, aponta que a musculação é a terceira atividade física mais exercida por pessoas maiores
1063
de 20 anos (Monteiro, et al., 2003)
Segundo Leite (2000) a atividade física torna o idoso mais disposto e apto, e ainda com
menos disposição a determinadas doenças (Leite, 1990). Assim sendo, é cabível afirmar a
positividade e a necessidade da atividade física, que muitas vezes acaba por ser exacerbada pela
idealização do corpo perfeito, e a disposição de muitos indivíduos em tomar medidas drásticas,
como o uso de anabolizantes, para alcançá-lo devido a uma ideologia que prega a necessidade
em se ter o corpo ideal (Iriart, Chaves & Orleans, 2009).
Chauí (2001, p. 86 ) afirma que “a ideologia não é um processo subjetivo consciente,
mas um fenômeno objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da
existência social dos indivíduos”, ou seja, dentro da ideologia do corpo ideal, os indivíduos
inseridos neste meio podem não se perceber como dependentes da busca por músculos mais
volumosos, partes do corpo definidas e afins, o que os tornam alienados a cultura da beleza.
O corpo e a beleza foram transformados em objetos de desejo, e a partir disso muitos
estão dispostos a fazer e o que for necessário para alcançar o ideal de beleza (Chauí, 2001).
Com isso, muitas pessoas se pegam cada vez mais insatisfeitas com seu próprio corpo, visto
que a beleza ideal é inatingível estas se dispõem a práticas como uso de anabolizantes, cirurgias,
exagero na musculação e outros métodos drásticos, na esperança de atingir o corpo perfeito
(Iriart et al., 2009).
Esse desejo acaba resultando na prática, exacerbada, de atividade física; tal fato pode
desencadear alguns transtornos para o indivíduo, entre eles pode-se citar a dismorfia muscular,
a qual pode ser caracterizada: se olhar no espelho constantemente, ter sua autoestima baseada
no tamanho do seu músculo e ter o pensamento voltado para isto, buscar certezas, fazer treinos
mais intensos com pesos, camuflar-se através de roupas volumosas e ainda, fazer o uso de
substâncias que auxiliem no aumento dos músculos (Junior, Souza & Silva, 2008).
Com base nisto, Junior Souza e Silva (2008) trazem a tradução de uma escala de
satisfação muscular baseada em quatro fatores, a saber: (1) Dependência em malhar, que se
baseia no exagero do levantamento de peso, visando o aumento da massa muscular. (2)
Checagem, voltado para a necessidade de mensuração e averiguação constante de massa e
volume muscular, tanto com fitas métricas, quanto em espelhos e afins. (3) Satisfação Muscular,
que está ligado a satisfação em relação ao tamanho e a definição dos músculos. E por último o
(4) Uso de substâncias, que descreve a disposição para o uso de esteróides e outras substâncias
que auxiliem no ganho de massa muscular (Mayville et al, 2002).
Então, pode-se perceber que a linha entre cuidar da saúde a partir da prática de atividade
física e estar à mercê de uma dismorfia muscular por se encontrar em uma busca incansável
pela beleza ideal, é tênue e deve ser analisada com cautela. Diante das ideias apresentadas, um
questionamento surgiu, há relacionamento entre a satisfação com a aparência muscular e a
Teoria Funcionalista dos Valores Humanos?
Método
Participantes
A amostra não-probabilística foi composta por 258 pessoas que frequentam academias
1064
diariamente. Com média de idade de 27,12 (DP = 8,97), variando entre 18 a 74 anos. Destaca-
se ainda que a maioria é do sexo feminino (47,7 %), solteiro (62,8 %), com Ensino Superior
Incompleto (35,3 %), de classe média (71,7 %), com renda entre 789,00- 1.576,00 reais (32,2
%).
Instrumentos
Para coleta de dados foi utilizado um caderninho de resposta contendo os instrumentos:
Escala de Satisfação com a Aparência Muscular (ESAM): Tal instrumento foi
desenvolvido por Mayville et al. (2002) e adaptado para o contexto brasileiro por Junior, Souza
e Silva (2008). O mesmo é composto por 19 itens que buscam investigar as características dos
indivíduos que fazem musculação, a exemplo do Item 1. Eu frequentemente pergunto a amigos
e/ou parentes se estou musculoso, e Item 9. Eu faria qualquer coisa para o meu músculo crescer.
Os itens foram respondidos fazendo-se uso de uma escala do tipo Likert variando entre
1(Discordo Completamente) e 5 (Concordo Completamente). Tal instrumento tem reunido
evidências de confiabilidade, apresentando alfas de Cronbach variando entre 0,89 - 0,76, para
a versão americana (Mayville et al., 2002) e 0,70 – 0,77 (Junior et al., 2008) para a versão
brasileira.
Questionário de Valores Básicos (QVB-18): composto por 18 itens ou valores
específicos, desenvolvidos por Gouveia (1998, 2003, 2013). Estes são respondidos em uma
escala de sete pontos variando de 1 (Totalmente não importante) a 7 (Totalmente importante).
O instrumento tem apresentando alfas variando de 0,48 (interativa) a 0,63 (normativa), e o
índice de homogeneidade (r.m.i) com amplitude de 0,24 (interativa) a 0,38 (normativa) para o
contexto brasileiro; além de apresentar bons indicadores de ajustes [χ²= 949,75, GFI=0,92,
CFI= 0,81; RMSEA= 0,07 (90% IC= 0,07-0,08)] (Medeiros, 2011).
Questionário Sociodemográfico: buscando levantar informações de cunho
sociodemográfico dos participantes, a exemplo de: idade, sexo, estado civil, escolaridade,
renda, entre outras.
Procedimentos
A coleta se deu em locais públicos, a exemplo de praças, parques e shopping. Neste
momento era solicitado, ao potencial participante, que respondessem o caderno composto pelas
escalas, apresentando o objetivo geral do estudo e esclarecendo o caráter voluntário da pesquisa,
além de informar que a participação não traria nenhum tipo de benefício ou dano, podendo, o
respondente, desistir da pesquisa a qualquer momento sem nenhum tipo de prejuízo. O tempo
médio de resposta foi de aproximadamente 20 minutos.
1065
qual foi empregado para execução de estatísticas descritivas (e.g., mediana, média e desvio
padrão) e Correlações (r de Pearson).
Resultados
Visando verificar a relação entre as seis subfunções valorativas com os quatros fatores
e o fator geral da Escala de Satisfação com a Aparência Muscular, foram realizadas análises de
correlação (r de Pearson). Os resultados provenientes destas podem ser visualizados na Tabela
1.
Tabela 1. Correlações entre QVB e ESAM.
Nota. Fator I. Dependência em Malhar; Fator II. Checagem; Fator III. Satisfação; Fator IV. Uso de substância; *
p < 0,05.
Com base na Tabela 1 é possível verificar que dos quatro fatores da ESAM, apenas o
Fator II, denominado de checagem, apresentou uma correlação significativa e negativa com a
subfunção Normativa (r = -0,13; p = 0,04). Já o fator geral exibiu correlação positiva e
significativa, somente, com a subfunção Realização (r = 0,16; p = 0,019).
Discussão
O estudo aqui apresentado tem o intuito de buscar uma relação entre os valores humanos
e a Escala de Satisfação com a Aparência Muscular (ESAM), investigando mais
especificamente a interação entre as subfunções valorativas, da Teoria Funcionalista dos
Valores Humanos, com o fator geral e os quatro fatores da ESAM.
Os resultados apontaram correlação negativa e significativa entre o fator Checagem e a
subfunção Normativa. Tal resultado vai de encontro ao esperado, uma vez que as pessoas que
priorizam os valores normativos tendem a seguir regras, padrões e normas propostas pelo
contexto social no qual ela está inserida (Gouveia, 1998). Na atualidade, segundo Jacobi e Cash
(1994) o padrão de corpo ideal divulgado e imposto, sutilmente ou não, é aquele musculoso,
influenciando diretamente nas condutas de ambos os sexos; os homens, por exemplo, buscam
corpos maiores, mais pesados e musculosos, e as mulheres desejam um corpo com menor peso,
pouca gordura e com músculos. Tal fato conduz, portanto, as pessoas normativas a seguirem os
padrões socialmente aceitáveis.
Cohane e Pope Jr. (2001) contribuem com essa discussão ao pontuarem que essa busca
1066
pelo corpo ideal é reflexo de uma pressão social para o enquadramento do indivíduo. Esse
processo tem a contribuição intensa das grandes mídias/ meios de comunicação social, os quais
são responsáveis pela difusão das informações (Gomes, 2001). A mídia, portanto, conduz os
receptores das informações a buscarem uma anatomia corporal semelhante àquela exibida nos
meios de comunicação, o qual tem se apresentado como belo, um corpo definido e malhado
(Labre, 2002).
Vale destacar, que essa busca incessante tem acarretado algumas consequências, a
exemplo de altos níveis de insatisfação corporal e desordens alimentares (e.g., bulimia e
anorexia; Antfolk et al., 2017; Yang et al., 2017), ansiedade (Forghieri et al., 2016; Goossens
et al., 2017) e depressão (Murray, Rieger & Byrne, 2018; Ward & Hay, 2015). Ou seja, o não
alcance dos padrões estéticos e corporais acarretam desconforto e angústia (Schmitt, 2013),
podendo as pessoas utilizarem como estratégia para minimizarem tal sofrimento a não
checagem, mas sem deixarem de cuidar do corpo.
Outro fator que pode ter influenciado tal achado se refere a satisfação da amostra acerca
de seu corpo; ou seja, as pessoas as quais colaboraram com a pesquisa podem ter a percepção
positiva acerca de seu corpo; ou seja, estão satisfeitos com o que possuem, levando-os a não se
preocupar com o aumento da massa muscular, mas em mantê-la, reduzindo a checagem.
Por último, encontrou uma correlação positiva e significativa entre o fator geral e a
subfunção Realização. Este valor está relacionado à busca de sucesso pessoal e competência
segundo os padrões sociais (Schwartz, 2006), compreendendo nela as necessidades de auto-
estima (Gouveia, 2003). Tal resultado era esperado em virtude dos frequentadores das
academias buscarem aceitação e prestígio, por meio da exposição de corpo musculoso e
definido, padrão propagado.
A interação social, portanto, consiste em um contexto que permite as pessoas receberem
das demais um feedback acerca da aparência física, caso este venha a ser positivo a mesma
sente-se realizada pelas suas aquisições (Fredrickson & Roberts, 1997). Porém, vale destacar
que se o retorno for negativo o mesmo tende a desencadear no receptor da mensagem o
sentimento de insatisfação corporal, vergonha e tendências de comparação corporal (Colautti
et al., 2011; Leahey, Crowther, & Ciesla, 2011).
Corroborando essa ideia, Maphis et al., (2013), realizou um estudo transversal visando
investigar a insatisfação corporal, fazendo uso de uma amostra composta por homens e
mulheres. Os resultados revelaram que aqueles que pontuavam alto em insatisfação corporal
eram menos propensos a se envolverem em interações sociais, quando comparados com as
pessoas que se encontravam relativamente satisfeitos com sua aparência física. Tal fato se dá
por que os indivíduos que possuem satisfação com o seu corpo sente-se realizados.
Conclusão
No trabalho teve como objetivo investigar a correlação entre a satisfação com a
aparência muscular e os valores humanos. Com o levantamento de dados apontados acima,
pode-se inferir que não existe uma correlação relevante entre todos os fatores, contudo, as
correlações encontradas entre o fator Checagem e a subfunção Normativa, e entre o fator Geral
da ESAM e a subfunção Realização deixa claro que existe uma relação entre os construtos
1067
investigados, que merecem atenção por parte dos pesquisadores que trabalham com tais
variáveis.
Algumas limitações podem ser destacadas ao longo do desenvolvimento do trabalho,
dentre elas pode-se enfatizar a desejabilidade social, cuja é inerente a toda medida de
autorrelato, interferindo diretamente nos resultados. Além dessa, enfatiza-se o caráter da
amostra, que é por conveniência ou não probabilística, não havendo, assim, a possibilidade de
expansão dos resultados para a comunidade de maneira geral, nem mesmo para a população na
qual a amostra foi extraída.
Entretanto, tais fatos não retiram a importância dos achados aqui descritos, uma vez que
há uma escassez de trabalhos empíricos no campo da satisfação muscular fazendo uso de
amostra específica, como aquela utilizada aqui, ou seja, pessoas que treinam em academias.
Além dos valores humanos acredita-se que outras variáveis podem ajudar a compreender
melhor a percepção quanto a satisfação muscular, sugerindo-se para estudos futuros inserir nas
análises variáveis como personalidade, aceitação social, e insatisfação corporal.
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EIXO 17
1071
Psicologia DO TRÂNSITO
1072
Psicotécnico” como quesito obrigatório para poder exercer cargo profissional de motorista,
sendo tal obrigatoriedade estendida a todos os candidatos a CNH em 1963 (Rueda, 2019).
Desde a instauração do exame psicotécnico até meados do final do século XX, a
avaliação pouco se alterou, tendo a atenção e a personalidade como construtos a serem
mensurados para a emissão de um parecer (Rueda & Mognon, 2017). Após quatro décadas de
intenso debate e criticismo dentre profissionais e pesquisadores da área, em 1998, através da
Resolução Contran 80/98, houve uma ampliação e maior maturação dos requisitos exigidos no
processo avaliativo, além de determinar uma qualificação específica para exercer essa
modalidade de avaliação e de abandonar a nomenclatura de exame psicotécnico e adotar
avaliação pericial do trânsito como novo termo.
Se previamente apenas se mensurava dois construtos para definir o parecer, a partir de
então se exige a avaliação de áreas amplas do psiquismo, sendo elas a Área percepto-racional,
motora e nível mental; área de equilíbrio psíquico; e habilidades específicas. Rueda (2019)
ainda aponta a relevância da cobrança de uma qualificação específica e da mudança de
nomenclatura, sendo a primeira para garantir uma maior atualização e aprofundamento de uma
área que até então se via com uma prática estagnada por mais de 40 anos, e a segunda pela
necessidade de se pontuar que não se trata apenas de uma aplicação de testes, mas de um
processo amplo e complexo, denotando a importância de outros aspectos como observação
clínica, entrevista, rapport e devolutiva.
Uma década depois, houve mais uma grande modificação na legislação dessa prática do
psicólogo, com a resolução n. 267 do Contran sendo publicada em 2008 substituindo a
Resolução 80/98. Nessa nova resolução, buscou-se por ampliar mais ainda o processo
avaliativo, tendo os aspectos exigidos em 1998 substituídas por 6 blocos de avaliação: tomada
de informação, processamento de informação, tomada de decisão, comportamento, auto-
avaliação do comportamento e traços da personalidade. Em 2012, o Contran publicou a
resolução 425, substituindo a 267, todavia no que tange o processo avaliativo, foi mantido o
proposto em 2008.
Seguido da resolução 267 do Contran, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou
a resolução n. 007/2009 onde elenca normas e procedimentos que devem ser seguidos no
processo avaliativo pericial do trânsito, incluindo orientações de quais construtos a serem
avaliados em determinados blocos, como no de tomada de informação, sendo instruída a
avaliação da atenção em seus diversos aspectos, ou no processamento de informação e tomada
de decisão, que se instrui que se avalie inteligência, memória, orientação espacial e juízo crítico.
A resolução n. 007/2009 viria a ser revogada 10 anos depois após o CFP publicar a
resolução n. 01/2019. Tal resolução viria como fruto de diversos debates e discussões entre
representantes do CFP, do Contran, da Associação Brasileira de Psicologia do Tráfego
(ABRAPSIT), dos Detrans e pesquisadores da área, ocorridas entre 2017 e 2018, a fim de se
obter um maior alinhamento entre normas do CFP e do Contran (CFP, 2019, fevereiro 19).
Agora o processo avaliativo passa a ser referido como perícia psicológica, sendo definida na
resolução como um processo avaliativo que versa por responder a uma demanda legal em
específico, e apresenta habilidades que o candidato à CNH precisa demonstrar resultados
mínimos para ser considerado apto a dirigir, sendo elas os aspectos cognitivos, habilidades de
juízo crítico ou comportamental e traços de personalidade.
Ao longo das quase 8 décadas de avaliação psicológica no contexto do trânsito, vários
foram os esforços para se garantir um processo avaliativo mais amplo e fidedigno quanto a
aptidão dos candidatos a CNH, todavia, como foi apontado por Rueda e Mognon (2017), ainda
há muitas divergências quanto ao que se ocorre dentro das clínicas nas mais diversas regiões
1073
do país, como por exemplo no que tange a duração da entrevista.
Assim, o relato a ser descrito a seguir no presente capítulo versa por apresentar como
vem ocorrendo, qual a dinâmica e quais dificuldades foram encontradas no processo pericial
psicológico para a obtenção ou renovação da CNH no contexto do interior piauiense.
2 Método
A presente pesquisa se configura como um relato de experiência, tratando-se de um
estudo qualitativo e descritivo advindo do vivenciado por estagiários estudantes de psicologia.
O estágio ocorreu no período entre junho de 2019 e janeiro de 2020, em uma clínica cadastrada
no Detran-PI localizada no litoral piauiense, possuindo salas específicas para o processo de
entrevista individual, para a aplicação grupal dos testes e para devolutiva individual do
resultado da avaliação.
O estágio ocorria em dias semanais específicos, normalmente ocorrendo três vezes
(segunda e quarta pela tarde, sexta pela manhã) ou, em casos excepcionais, duas vezes (terça e
quinta pela manhã), tendo como limite de dez candidatos por dia. Os candidatos normalmente
eram nativos da própria cidade da clínica ou de cidades próximas, tendo faixa etária diversa,
desde jovens de 18 anos até idosos com mais de 70 anos.
O estágio contou com uma psicóloga perita do trânsito que, além de conduzir os
processos avaliativos que ali ocorriam, atuava como orientadora e supervisora do estágio. Ao
ser aprovado para o estágio, o estagiário primeiro passava por experiências de apenas
observação e supervisão antes de participar ativamente no processo. Após esse processo, era
acordado os dias de estágio entre os próprios estagiários, tendo como exigência limite de 5
estagiários em um mesmo dia e mínimo de 3, a fim de se manter a organização.
A avaliação pericial ocorria em procedimentos de ordem previamente estabelecida:
entrevista individual; aplicação coletiva de testes; correção dos testes e discussão acerca da
integração de informações; e devolutiva.
Como instrumentos, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas e testes psicológicos
variados de acordo com o construto que se desejou avaliar, sendo eles atenção, personalidade,
memória e inteligência.
3 Resultados e Discussão
No que se refere às atividades realizadas durante o estágio supervisionado em avaliação
pericial do trânsito, descreve-se a seguir como desenvolveram-se as atividades junto à psicóloga
especialista em Psicologia do trânsito. Nesse sentido, seguiu-se o processo pericial conforme
exposto na Resolução 1/2019 do CFP, sendo abordados, respectivamente, três etapas básicas: a
entrevista psicológica, a testagem psicológica e o feedback dos resultados.
No que tange a entrevista psicológica, esta deve ocorrer de forma individual, durante
uma média de 30 minutos e funciona como uma técnica de complementação aos resultados
obtidos com a aplicação dos testes, e vice-versa (Detran, 2015). Na práxis de estágio a entrevista
é por algumas vezes realizada de forma breve, e essa conjuntura quando não devidamente
dominada pode vir a ser algo prejudicial à avaliação pelo tempo escasso limitar a visão
profissional (quando esta visão não é sensibilizada pelo rapport durante o processo avaliativo)
obstruindo aspectos importantes do processo como filtrar candidatos que evidenciam estar
1074
despreparados e poucos engajados para boas práticas no trânsito (Grillo & Carvalho, 2017).
Por meio da entrevista pode-se inicialmente denotar percepções do entrevistado para
com o contexto do trânsito, como em discursos que enfatizam a fiscalização e a punição
rigorosas, ainda que se observe contradições com a prática em que, falando-se de multas e
punições no trânsito, se observa a resistência, indignação e contestação (Brito, 2016),
mostrando a relevância de uma entrevista consistente. A desejabilidade social em muito
atravessa as falas do candidato, ciente que pode ser prejudicado pela sua fala, acaba por tender
a omitir informações relevantes, que normalmente só são verbalizadas após um certo tempo,
seja pela construção mínima de vínculo com o entrevistador ou pela dificuldade de manter um
discurso consistente por um período maior de tempo.
Tendo isso em vista, na prática de estágio é indicado ao entrevistador que faça o
planejamento e sistematização da conversação adequadamente a partir de indicadores objetivos
e obedeça outras premissas apontadas pela Resolução 1/2019, a fim de alcançar o bom êxito da
análise. Bezerra et al. (2017) apontam que para uma boa entrevista, o avaliador deve estar livre
de preocupações e se colocar no momento presente, escutando o outro de forma que focalize
sua atenção no entrevistando, dessa forma a entrevista se configura como uma situação de
contato social se tornando mais que uma simples técnica.
Seguindo-se as etapas básicas citadas, a mais laboriosa dá-se com a testagem
psicológica, e comumente a que denota-se apresentar maiores discussões entre os candidatos.
Nesse sentido, a essa dimensão da avaliação psicológica durante o processo pericial, apreende-
se correlações com dados apontados pela literatura, principalmente quanto ao pouco
conhecimento ante aos testes e as aplicações posteriores da avaliação psicológica para a
obtenção da CNH, de modo que pode se apreender, que os candidatos corroboram o
entendimento que a avaliação médica e psicológica são processos onerosos e dificultosos
(Carvalho et al., 2016; Rehbein & Zacharias, 2012).
Assim, visando dirimir as dificuldades de absorção da aplicabilidade da avaliação
psicológica, implementou-se no estágio que as dúvidas existentes antes da aplicação dos testes
sejam exaustivamente retiradas coletivamente e individualmente, de modo que a atuação da
equipe presente possa agir como reforçador do rapport como mecanismo de apoio às reações
dos candidatos nos procedimentos da avaliação psicológica. Bem como se desenvolvem formas
psicoeducativas diante da aplicação dos testes psicológicos que possam ampliar a correlação
entre os fatores psíquicos obtidos nos testes e sua aplicabilidade, visando o que se preconiza
com ações que facilitem a formação de motoristas conscientes de uma condução mais segura
(Carvalho et al., 2016; Chies & Meazza, 2016).
Dessa forma, observa-se que torna-se menos ansiogênica a testagem e não se
negligenciam as recomendações para o uso dos testes, sendo utilizados aqueles que apontem
dados cognitivos e de personalidade conforme as normas vigentes (CFP, 2019). Assim, sendo
investigados os processos psíquicos atuantes entre condutores e pertinentes às ações no trânsito:
a tomada de informação, o processamento de informação, comportamento e a personalidade
(Bianchi, 2016).
Para tanto, diversos testes buscam medir esses traços, no entanto alguns testes são
apontados como os mais utilizados, e igualmente são evidenciados no campo de estágio, como
o teste AC e TEACO-FF (atenção), o teste R-1 (inteligência), o teste Palográfico
(personalidade) (Silva, Alves & Rosa, 2015), além de outros para avaliação de memória, como
o teste MVR (Memória Visual de Rosto).
Segundo Bezerra et al. (2017) o teste de Atenção Concentrada - AC tem por objetivo
1075
avaliar a capacidade do sujeito em manter a sua atenção concentrada no trabalho durante um
período determinado. Pode ser utilizado desde analfabetos até o nível superior e é aplicado
individual ou coletivamente com tempo limitado de 05 minutos.
Marín (2017) coloca que o Teste de Atenção Concentrada - TEACO-FF fornece uma
medida da atenção concentrada, que é obtida pelo resultado dos estímulos que a pessoa deveria
marcar e marcou, subtraídos os erros e as omissões e seu tempo de aplicação é de 4 minutos.
Ao longo do estágio, a utilização do TEACO-FF acabou sendo mais adotada no processo
avaliativo da atenção concentrada, em vista que tanto em situações em que candidatos eram
submetidos tanto a ele como ao AC, como quando se comparou grupos que responderam apenas
a um deles, foi notado uma maior facilidade em compreender o TEACO-FF, em muito devido
ao fato de que nesse último precisava-se localizar apenas um estímulo. Todavia, estudos
sistematizados são necessários para averiguar tal hipótese.
Para a avaliação da inteligência, foi predominantemente usado o R-1, teste não verbal
de inteligência, que envolve diferentes raciocínios para a resolução de itens de complementação
de figuras, alternância de elementos, progressão numérica e etc. É aplicado individual ou
coletivamente com limite de tempo de 30 minutos (Bezerra et al., 2017).
Aparecida, Mendes e Silva (2018) afirmam que o teste Palográfico consiste na
reprodução de traços de acordo um modelo já impresso na folha de aplicação pelo tempo
estipulado, devendo ser executado com qualidade e rapidez. Neste teste é possível analisar:
emotividade, agressividade, impulsividade e entre outros aspectos da personalidade. O
Palográfico se mostrou bastante viável e pertinente para avaliar o construto personalidade em
um contexto interiorano, devido a simplicidade do teste, o baixo custo e por prover um grande
leque de evidências para o raciocínio clínico desenvolvido ao longo da avaliação.
Quanto à memória, foi utilizado o teste de Memória Visual de Rostos (MVR) que é um
instrumento que avalia a memória de curto prazo e a capacidade da pessoa recordar rostos e
informações associadas a eles (Ferreira-Rodrigues, 2012).
Seguindo a execução das etapas básicas de avaliação pericial, após a aplicação dos
testes, unem-se as informações obtidas no decorrer do processo e são finalmente distintos os
candidatos em: aptos (em que o avaliando apresentou-se apto para prosseguir com o contínuo
do processo de habilitação), inapto temporariamente (em que o avaliando apresentou déficits
que podem ser revistos oportunamente ou com maior apreciação) e inapto (em que o avaliando
não apresenta condições mínimas para prosseguir com o processo de habilitação), em acordo
com o preconizado em literatura segundo Fontana e Fegadolli (2016).
Aparecida, Mendes e Silva (2018) explanam que ao final da avaliação psicológica, deve
ser elaborado o laudo psicológico, nele deve conter: a identificação do candidato, os
instrumentos utilizados, a conclusão e o motivo da avaliação. Entretanto, a resolução 006/2019
já dispõe que sejam priorizados atestados como documentos probatórios da avaliação
psicológica de aptidão do CNH. Dessa forma ambos os documentos são despendidos na prática
de estágio conforme propício ao avaliando, a vista que as informações necessárias sobre o
resultado do processo, assim como outras devolutivas que possam ser exigidas, são repassadas
ao candidato no momento do feedback.
Ao longo dos meses de estágio, pode-se perceber certa indiferença ao feedback por parte
de muitos candidatos, a exceção de candidatos reprovados. Os candidatos acabam
demonstrando pouco interesse em receber seu direito à devolutiva. A importância da entrevista
devolutiva acaba por ser um ponto que deve ser melhor enfatizado, tanto por ser um direito,
quanto pela sua importância, como enfatizado por Rueda e Mognon (2017), por prover
1076
informações que fomentem auto percepção, identificação de pontos fortes e de pontos que
podem ser melhor trabalhados por parte do candidato.
Ainda assim, não obstante ao desenvolvimento com excelência das distintas etapas, vale
ressaltar que apesar do processo amplo de verificação de habilidades psicossociais para
concessão de CNH, os dados do trânsito brasileiro apontam que a avaliação psicológica para
esse contexto deva ser constantemente discutido, quando o país desponta como um dos que
possuem um dos piores e mais perigosos trânsitos do mundo, a vista de seus elevados índices
de acidentes (Bianchi, 2016).
Estas disparidades segundo Brito (2016) se revelam também quando em vários
momentos do processo de avaliação psicológica pericial de obtenção da CNH, ou em sua
renovação, muito se ouve sobre as responsabilidades advinda da obtenção da CNH, ou do
esmero em preservar a vida diante dos perigos da condução, como também do respeito às boas
práticas e aos demais atores do trânsito. Entretanto, observa-se que o comportamento dos
condutores brasileiros assume características que esbarram nos próprios discursos, de forma
que ao se deparar com o cotidiano caótico de comportamentos e ações no trânsito, pode-se
fomentar os estudos em personalidade que assumem que o trânsito não altera a personalidade,
mas produzem comportamentos e emoções que cabem mais esforços para sua compreensão
nesse ambiente (Bianchi, 2016; Brito, 2016).
Ainda, para as autoras supracitadas, é por meio da avaliação psicológica compulsória
no processo de concessão da CNH, que se desenvolve uma das ferramentas de apoio da
Psicologia para a construção de um processo mais amplo e perspicaz sobre os avaliando. Bem
como se assume um papel de prevenção quando se evidencia a relevância e preconiza-se que
devam ser avaliados aspectos psíquicos associados com a condução, sendo eles: a tomada de
informação, o processamento de informação, tomada de decisão, o comportamento e a
personalidade.
Assim, denota-se que a Psicologia do trânsito atua como um dos campos emergentes da
Psicologia que fornece subsídios para a eficácia da formação de condutores. Ainda que não seja
possível alcançar um perfil ideal de condutor, sabe-se que os processos psíquicos ocupam
demasiado papel no elaboração de comportamentos observáveis no trânsito, que reafirmam a
necessidade de formação adequada dos peritos psicológicos do trânsito, mais estudos que se
voltem para a avaliação psicológica no trânsito e maior interface com outras ciências, quando
o trânsito revela-se um fenômeno complexo, de modo que o alinhamento de conhecimentos
quanto a manutenção e preservação da qualidade de vida nesse contexto vão além da avaliação
psicológica.
4 Considerações finais
Diante do que foi exposto no presente trabalho, evidencia-se que a perícia psicológica
se mostra como uma medida relevante pela sua possibilidade de captar nuances do indivíduo
que pode vir a possuir um comportamento nocivo no trânsito, contribuindo para um trânsito
mais saudável e menos perigoso. Todavia vale-se ressaltar que a prática ainda encontra suas
dificuldades, tanto por certas fragilidades teóricas como pouco referencial teórico acerca do
perfil do motorista, seja para apontar a existência de um, seja para apontar com maior precisão
a multidirecionalidade desse perfil, quanto por aspectos socioculturais, como a visão da
avaliação psicológica como empecilho, dificultando um melhor rapport, e pela pouca
importância dada à devolutiva, que possui potencial para ser uma importante contribuição social
da área da psicologia do trânsito para com a população, dando orientações que possam vir a
1077
contribuir com o desenvolvimento do cidadão enquanto motorista.
A experiência de estágio descrita no presente relato proporciona a formação acadêmica
habilidade neste campo de atuação, como também incentivo à prática, estudos e atualizações.
Além disso, esta vivência se configura como um ensejo à extensão do conhecimento para fora
dos muros universitários contribuindo tanto com a comunidade científica quanto social já que
a psicologia do trânsito é um das áreas responsáveis pela liberação da permissão para dirigir do
cidadão, tendo o papel de conscientizar sobre a redução de acidentes no trânsito
Dessa forma, observa-se a importância ética e disciplinar do profissional nesta área de
atuação que exige o comprometimento com as etapas da avaliação, as executando de forma
rigorosa e adequada. Ratifica-se ainda que desde a formação acadêmica até o exercício
profissional do perito avaliador do trânsito é preciso constante atualização quanto a estudos e
publicações sobre comportamento, utilização de medicamentos, comprometimentos e
distúrbios psicológicos que interfiram na direção automotiva, indo de acordo as orientações das
resoluções vigentes que abordam o assunto.
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EIXO 18
1079
Psicologia Clínica: olhares e perspectivas do fazer clínico no
contemporâneo
1080
relevância por sua relação com comportamentos pró-ambientais (Guéguen & Stefan, 2014) e
comportamento de ajuda (Cantor & Jin, 2019). Ademais, o altruísmo se relaciona com
comportamentos cooperativos (Lencastre, 2013), em especial, quando esta colaboração se
apresenta de maneira estável e consistente (Gintis et al., 2007). Por fim, o altruísmo também
apresenta vinculações com o desenvolvimento da personalidade, dado que a literatura tem
indicado a presença de traços virtuosos e positivos em pessoas altruístas (e.g., empatia,
resiliência; Ferguson et al., 2014), estando atrelado a diferentes tipos de comportamentos pró-
sociais, além da auto-atualização (Oakley, Knafo & McGrath, 2012).
Apesar das inúmeras vantagens que o altruísmo pode trazer, tanto no plano individual
como societal, o mesmo pode acarretar sérios danos tanto para o benfeitor como para o
beneficiado em sua modalidade disfuncional, sendo este último o foco do presente estudo. Neste
passo, propõe-se um debate sobre o altruísmo patológico e/ou disfuncional, explorando suas
principais características e desdobramentos sobre a saúde dos indivíduos.
2 Desenvolvimento
2.1 Altruísmo patológico
O altruísmo patológico pode ser compreendido como aquela conduta que está
verdadeiramente voltada para beneficiar outra pessoa, mesmo que isso acarrete em danos para
o agente da ação ou mesmo para o beneficiado (Oakley & Madhavan, 2011; Rubin, 2014). Em
outras palavras, pode-se dizer que um indivíduo patologicamente altruísta é àquele que se
dedica a desenvolver comportamentos que acredita ser genuinamente altruístas, contudo,
prejudica a quem pretende ajudar de forma inusitada ou mesmo acaba por tornar-se vítima de
seus próprios comportamentos (Oakley et al., 2012). Vale dizer que o termo patotólógico,
sombrio ou disfuncional aqui empregado faz menção ao caráter excessivo e anormal que esta
modalidade de comportamento pode assumir, sem necessariamente evidenciar um quadro
clínico.
Pesquisas têm apontado que o altruísmo, em sua versão disfuncional, pode se expressar
ainda na primeira infância, a partir de distorções e/ou perturbações na conduta empática
(McGrath & Oakley, 2012; Nathanson & Patronek, 2012), assim como em ambientes
demasiadamente moralistas (O’Connor et al., 2007), ou mesmo em contextos relativos à
socialização disfuncional (Gleichgerrcht & Decety, 2013). Em verdade, nas ações direcionadas
em prol de outrem é atribuído grande valor a bondade, empatia e altruísmo. Não obstante, por
vezes, isso pode guiar certos indivíduos a desenvolver comportamentos equivocados e culminar
em um autoengano no que tange às consequências destas ações (Fine 2006; Tavris & Aronson,
2008). Assim, a pessoa acaba por não avaliar corretamente as situações ou as variáveis
envolvidas e apresenta ações que pouco/nada contribuem, ou mesmo acaba por agravar a
situação que pretendia amenizar/resolver. Os resultados indesejados decorrentes de motivações
empáticas e altruístas, expressas em adultos e infantes devem-se à hipersensibilidade
sobressalente frente às dificuldades de identificar e agir de maneira adequada em relação ao
sofrimento e/ou necessidade alheia (Churchland, 2011).
De fato, os sentimentos empáticos, o contágio emocional, o raciocínio motivado e a
crença de que se sabe o que é melhor para os outros, podem levar a ilusões a respeito de uma
poderosa ajuda, ocasionalmente irracional (Batson, 2012). Assim, no altruísmo patológico há
um anseio pela aceitação, além da necessidade de reforçar sua inserção em um grupo de
pertença (Oakley, 2013). Pode-se dizer que o altruísmo patológico é marcado por vieses
cognitivos. Nesse sentido, as distorções cognitivas estão no cerne da questão do altruísmo
1081
patológico, derivando-se do acesso incompleto ou da impossibilidade de processar uma gama
de informações necessárias para que a tomada de decisão ocorra de forma prudente e alinhada
com os valores culturais relacionados a esta modalidade de conduta pró-social (Oakley, 2013).
Contudo, há de se ponderar que estas deformidades cognitivas podem provir de indivíduos que
tratam o altruísmo de maneira demasiadamente valorizada ou mesmo sagrada (Haidt, 2012).
Assim, diferentes vieses e/ou pré-concepções psicológicas, religiosas, biológicas ou ideológicas
propiciam uma interpretação errônea ou uma desconsideração de relevantes aspectos da
situação (Oakley, 2013). Logo, ações bem-intencionadas associadas com o mal processamento
das informações, podem levar ao mascaramento de seus desfechos negativos.
Vale dizer que, por vezes, pode-se verificar associações entre o lado sombrio do
altruísmo com diferentes enfermidades ou contextos adversos. Não obstante, este cenário ainda
tem recebido pouca atenção dos pesquisadores (Oakley, 2013). Por exemplo, há evidência de
que o altruísmo patológico pode ser observado em diferentes casos de abuso, ou mesmo na co-
dependência expressa pelo apoio a pessoas que são dependentes químicos (Oakley &
Madhavan, 2011). Destaca-se ainda que o altruísmo patológico, seja em sua versão psicótica
ou não, mostra-se vinculado ainda com o familicídio57 ou infanticídio58, assim como com a
personalidade depressiva melancólica59 (Oakley, 2014). Neste sentido, há relatos de
cometimento destas modalidades de assassinato tendo em conta, por exemplo, que a situação
de extrema pobreza enfrentada pela família, afetaria o desenvolvimento do infante. Desse
modo, tais condutas seriam realizadas no intuito de proteger as vítimas de passar por estas
situações adversas (Mundt, 2009).
Outro exemplo de altruísmo patológico pode ser verificado quando uma pessoa entra
em um quadro de inanição, negando suas próprias demandas alimentares, no intuito de sanar as
necessidades de outras pessoas necessitadas (Oakley & Madhavan, 2011), o que poderia ser
verificado em contexto de extrema escassez e/ou de guerra. Evidências acenam que esta conduta
se relaciona com o transtorno de personalidade dependente60. Ademais, o altruísmo patológico
tem se vinculado com problemas de conduta, assim como com problemas emocionais, tais como
sintomatologização ou mesmo infelicidade (Oakley et al., 2012).
É importante frisar que as mais diferentes formas de personalidade estão sujeitas ao
desenvolvimento de condutas patologicamente altruístas, indo desde pessoas que possuem uma
hipersensibilidade diante do sofrimento ou demanda de terceiros, até mesmo pessoas
narcisistas. Todavia, em meio às diferenças existentes entre todos os perfis de personalidade
tem-se em comum o real desejo de ajudar terceiros (Oakley, 2013). Tendo em conta o exposto,
é fundamental conhecer este continuum estabelecido entre as consequências positivas e
negativas do altruísmo. Isto pode configurar como um relevante aspecto a ser considerado no
entendimento dos traços de personalidade, bem como pode ser um primeiro passo para se
propor um modelo que avalia os impactos em larga escala, a nível societal (Rubin, 2014).
Sumariamente, pode-se dizer que apesar do potencial benefício que o altruísmo pode
causar, esta modalidade de conduta pode se desdobrar em consequências penosas, a exemplo
de culpa, desgaste, depressão e níveis alarmantes de estresse quando se trata de cuidados à
longo prazo e com excessivos custos para o benfeitor (Eisenberg & Eggum, 2009). Neste
57
Refere-se ao assassinato em massa de membros da própria família;
58
Denota o assassinato de uma criança ou recém-nascido;
59
Uma modalidade de transtorno de personalidade, apresentando sintomas depressivos;
60
Este transtorno é caracterizado por uma necessidade exacerbada e generalizada de cuidados, levando a
comportamentos submissos, dependentes, além de elevado medo de separação.
sentido, é de fundamental importância haver uma avaliação crítica do contexto e da demanda
1082
nos quais as ações altruístas são requeridas, no anseio de salvaguardar que as mesmas se
apresentem de maneira adaptativa e funcional, não afetando, então, a saúde ou os recursos
básicos do benfeitor.
3 Conclusão
Efetivamente, os ganhos oriundos do altruísmo funcional são indiscutíveis. Não
obstante, quando uma ação voltada para ajudar outras pessoas está carregada de vieses
cognitivos e não leva em consideração relevantes aspectos da situação, essa tentativa de ajudar
pode ocasionar consequências nefastas para todos os envolvidos. Ademais, a literatura tem
indicado a associação do altruísmo sombrio com diferentes patologias, a exemplo da co-
dependência (Oakley, 2014), dos distúrbios alimentares (Oakley & Madhavan, 2011) e do
transtorno de personalidade dependente (Oakley et al., 2012). Mesmo diante deste quadro, ainda
são poucos os estudos voltados para investigar o altruísmo patológico, tanto no cenário
internacional, quanto no cenário nacional. Isso pode ter relação ao receio de que este
conhecimento possa gerar um descrédito ou até mesmo reduzir a importância dada ao
comportamento altruísta (Oakley, 2013). Por conseguinte, verifica-se a redução dos esforços
no aprofundamento e extensão da clareza sobre as implicações do altruísmo patológico (Haidt,
2012).
Ao que parece, desconsiderar ponderações de aspectos emocionais e racionais relativos
ao ato de ajudar pode levar a interpretações enviesadas das informações. Há de se pontuar que
ao compreender as ações humanas apenas em termos aparentes e superficiais, corre-se o risco
de considerar o cuidado com o outro como algo tão sagrado, óbvio e automático que qualquer
indício de discordância em realizar tal ação pode ser tomada como má, ofensiva ou hostil
(Oakley, 2014). Frente a isto, pode-se dizer que diante de qualquer situação que demande ajudar
terceiros é fundamental analisar os prós e os contras desta ação (Oakley & Madhavan, 2011).
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O CASO ESTAMIRA: UM OLHAR DE “MÚLTIPLOS CONTORNOS” SOB A
1085
PERSPECTIVA DA PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA
1086
anos 1920, com os trabalhos de Minkowski, Biswanger, Strauss e Von Gebsattel. O marco
inicial deu-se em 1922, na 63ª sessão da Sociedade Suíça de Psiquiatria de Zurique. A partir da
referência de fenomenologia enquanto a consideração de seu aspecto relativo ao que é
realmente vivenciado, a sua relação com a psicopatologia advém de uma inquietação a partir
da necessidade de se abordar o tema das patologias sob a perspectiva de um novo olhar, que
destina-se a perceber além do que é verificável.
Biswanger também contribuiu nessa perspectiva psicopatológica fenomenológica a
partir da obra “Ser e Tempo” de Heidegger, que foi publicada em 1927. Binswanger
desenvolveu da ampliação do olhar da psiquiatria que mostrava que um fundamento
antropológico não se restringiria à compreensão do homem a categorias biológico-naturalistas.
Neste contexto, o homem passou a ser visto a partir de seu Ser mais íntimo. A doença mental
deveria ser vista não apenas no campo natural mas compreendida a partir das possibilidades
originais do homem (Giovanneti, 1990)
De acordo com Romero, (1997), faz-se necessário considerar o caráter intencional do
fenômeno psíquico. O mental não é algo que ocorre somente dentro da cabeça, sem relação
como mundo. O mental está inteiramente direcionado para o mundo; o mundo é refletido de
certa maneira, numa determinada pessoa. Uma vivência não é uma experiência puramente
objetiva; toda vivência é uma forma de relação que o sujeito estabelece com os diversos objetos
que constituem o mundo. Buscar compreender o significado desse mundo particular para cada
sujeito, por meio da descrição minuciosa de suas vivências, é portanto, o principal objetivo do
método fenomenológico.
1087
fenomenológica em psicopatologia”, desvela um esforço histórico que a psicologia vem
lançando para compreensão do paciente psiquiátrico para além do que pode ser registrável e
mensurável (reflexos, atividade motora, produção escrita, etc.), que seria uma Psicologia
objetiva, em contraponto a investigação dos sintomas de adoecimento enquanto fenômeno, em
direção a compreensão da experiência de adoecimento do paciente, o que seria uma Psicologia
subjetiva.
Compreender a doença enquanto fenômeno é lançar o olhar para o adoecimento para
além das manifestações psicopatológicas aparentes, desvelar a “aparência” é ir além das
descrições morfológicas e reducionistas das manifestações do adoecer. Para tal, a
fenomenologia será o caminho metodológico para entender o adoecimento enquanto expressão
do sujeito no mundo em sua “essência”. Neste sentido, Jaspers (2005), propõe três caminhos
para análise fenomenológica do paciente: 1) a “imersão”, por assim dizer, nos gestos,
comportamentos, e movimentos expressivos deste; 2) a exploração da fala da pessoa através do
questionamento direto e 3) através das auto descrições escritas. O intuito destes caminhos é
propor uma aproximação fenomenológica em direção a experiência psíquica subjetiva e não as
manifestações objetivas, aproximando-se ao máximo da experiência da pessoa atendida.
Moreira e Bloc (2013), discorrem sobre as críticas lançadas ao modelo inferencial
proposto pela psiquiatria, balizado unicamente na apreensão do sintoma na atividade clínica.
Para eles, os sintomas são uma parte minoritária da grande quantidade de informações
apresentadas pelo paciente, sendo este, apenas um indício de um problema. Faz-se necessário,
converter a experiência do sintoma em fenômeno, ou seja, desvelar o que está encoberto pelo
sintoma e compreender a expressão existencial da pessoa atendida, muito antes de qualquer tipo
de enquadramento em uma categoria nosológica.
Para Tenório (2008), a aplicação do método fenomenológico exige uma atenção aos
fenômenos tais como se mostram, ao mesmo tempo que exige a suspensão apriorística de
qualquer pressuposto ou ideia preconcebida. Segundo a autora, a preocupação de ater-se aos
fenômenos,
tenta captar o acontecer experiencial tal como o sujeito manifesta por sua expressão
verbal ou escrita, objetiva ou subjetiva. Pela fenomenologia tentamos indagar os
modos de manifestar-se de um determinado fenômeno, examinando em seguida o
significado e o sentido de um determinado fenômeno, examinando em seguida o
significado e sentido que esse fenômeno possa comportar, tal como é apreendido pela
análise reflexiva (Tenório, 2008, p. 32).
1088
mora na periferia, vivenciando quadro de esquizofrenia. Ela diz: “Eu sou Estamira mesmo e tá
acabado. Eu sou a beira. Eu tô lá, eu tô cá, eu to em tudo quanto é lugar. E todo dependem de
mim. Todos dependem de mim. Todos dependem de mim, de Estamira, Todos!”.
O documentário faz um esforço para que o telespectador visualize a manifestação da
personagem principal, para além, das manifestações dos sintomas sob a perspectiva do Manual
de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM IV), ao mostrar a realidade e os
vínculos sociais de Estamira. É importante, ao assistir o documentário, realizar um exercício
em torno do olhar que estamos lançando a personagem. Afinal, até que ponto nosso olhar
enquanto espectador está impregnado pelo modelo biomédico e nos impedindo de ver Estamira
em sua totalidade? Tal olhar eliciado ao homem enquadrado em uma categoria diagnóstica é
explicado por Jaspers (2015, p. 98)
Jaspers (2015) relata que é usual a investigação de pessoas que vivem com transtornos
mentais, diferenciando sintomas objetivos e subjetivos. Pensando sob esse olhar, qual seria a
manifestação de sintomas objetivos de Estamira? Entendendo-se por sintoma objetivo, a
manifestação do que é visualmente e quantitativamente perceptível, temos no caso Estamira, a
manifestação de um conjunto de sintomas que se manifestam por pelo menos um mês:
alucinações visuais, delírios persecutórios, sintomas depressivos, catatonia, fala desorganizada,
enquadrando-a na condição de esquizofrênica.
Contudo, apesar da apresentação destes sintomas, verifica-se que Estamira não rompe
com seus vínculos sociais e com sua realidade. Ela consegue ser proativa no trabalho, apesar
de apresentar momentos de oscilação, agressividade e apatia. Já enquanto sintomas subjetivos,
pode-se entender enquanto a exploração da vivência de adoecimento sob a luz do doente e suas
autodescrições. Assim, algumas falas de Estamira podem ser coletadas como expressões de seus
sintomas subjetivos “todos precisam de Estamira”, “Só eu consigo descrever as coisas, por sou
a Estamira”, “Desgovernada, eu estou desgovernada. Sabe o que é uma pessoa desgovernada?
É uma pessoa nervosa, assim, querendo falar sem poder, agoniada”. Conforme Messas e Fukuda
(2018), na esquizofrenia há uma desproporcional participação do espaço na temporalidade
existencial, ou da introversão em relação a participação no mundo, havendo uma ainda uma
dificuldade deste de se conectar com o outro, mais focado em si, dificilmente se conectando
1089
com o psipatologista.
Estamira apesar de oscilar momentos de crise, no qual há o afastamento das suas
atividades sociais e retraimento social, nunca apresenta longo períodos de tempo expressando
um rompimento total com a realidade. Neste sentido, Tatossian (1993) revela que um distúrbio
psicopatológico não pode ser totalmente heteronômico, ou seja, jamais existe loucura integral,
o louco permanece sujeito, há uma parte da sua autonomia, liberdade, que persiste. Nisto,
percebe-se que Estamira explora seu livre direito de ir e vir e assume um posicionamento
perante sua manifestação psicopatológica, ela se reconhece doente e compreende os efeitos da
terapêutica medicamentosa sobre sua psiqué. Tal como expressa um dos trechos do
documentário “Vocês são comum ... Eu não sou comum, só o formato que é comum. Vou
explicar para vocês tudinho agora, pro mundo inteiro. É cegar o cérebro... o gravador
sanguíneo... de você. É o meu eles não conseguiro... porque eu sou formato gente, carne,
sangue, formato homem, par... eles não conseguiram. É... a broca deles é essa”.
No início do documentário, é possível verificar um excesso de fala desorganizada de
Estamira, momento esse, no qual ela está livre da terapêutica medicamentosa. Depois, de um
momento de exposição de sequências de imagens de Estamira no lixão, com foco das câmeras
na situação de sujeira, fome e miséria vivenciada pela personagem, é verificado o momento que
a personagem questiona sua lucidez e logo em seguida, a câmera a acompanha na fila de
acompanhamento de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Mostra um processo
diagnóstico rápido, frio e com pouca coleta de informações sobre a história de vida da paciente,
logo ao final, sendo mostrado o receituário médico, expressando a hegemonia da lógica
biomédica.
Nesta linha de pensamento, pode-se tecer uma crítica a esse modelo diagnóstico a partir
do dito por Romero (1997), segundo o qual, o mundo mental não pode ser compreendido sem
relação com o mundo externo, ou seja, uma vivência não é uma experiência unicamente
objetiva, pois, todo modo de existir é resultando da relação que o sujeito estabelece com os
objetos que lhe chegam a consciência e que constituem seu mundo. Buscar o significado das
relações que o sujeito estabelece com o mundo é o principal objetivo de um entendimento
fenomenológico das manifestações psicopatológicas.
Propõe-se, neste momento, alguns caminhos para uma compreensão crítica e
fenomenológica do caso Estamira. Para tal, serão discutidos os fundamentos para uma
psicopatologia crítica conforme proposto por Moreira (2002).
O primeiro ponto é a necessidade de entender a perspectiva do doente mental sob
múltiplos contornos, ou seja, ele não possui uma vivência estacionada. No caso de Estamira,
pode-se dizer que ela é uma mulher, mãe, que reside num contexto permeado por desigualdades,
que é sujeito no mundo, resiste e questiona sua condição. Possui fala ativa e é sujeito relacional
com e no mundo. É necessário superar a visão dualista e dicotomizada para o entendimento
para psicopatologia. O estar doente e sadio é uma característica inerente ao ser e não se excluem
mutuamente.
Um segundo ponto, é que a psicopatologia precisa ser não individualista, fazendo-se
necessário, lançar os olhares para uma compreensão cultural e histórica para vivência de
Estamira. Quais as formas de violência que a personagem sofre, quais as situações de injustiça
e desigualdade social ela vivência, inclusive no próprio acesso as políticas públicas de saúde
no documentário? Para uma psicopatologia crítica é preciso romper radicalmente com os
modelos de psicopatologia que buscam a responsabilizar o indivíduo por sua doença mental, o
que a acaba por submetê-lo a um modelo individualista.
O terceiro ponto, é que o tratamento dos sintomas sem o estudo das origens é apenas um
1090
paliativo. No caso de Estamira, verifica-se que a mesma apresenta um passado marcado de
violências que repercute e é constantemente rememorada na sua experiência atual. As
lembranças do pai e da mãe sempre são relacionadas a ternura e perda, bem como a duplicidade
de sentido presente logo em sua vida sofrida. Em determinado momento, Estamira rememora,
que pediu a seu avô para presenteá-la, porém, seu avô, segundo ela, só queria lhe dar as coisas
se deitasse com ele. A mãe de Estamira também possuía histórico de vivência de abuso sexual
do pai, o que indica a transgeracionalidade da violência.
A psicopatologia deve lançar seus olhares a uma perspectiva de múltiplos contornos,
uma visão desideologizadora do fenômeno de adoecimento, entendendo-a como culturalmente
produzida e resultante de processos sociais e ideológicos (Moreira, 2002).
Tenório (2008) e Romero (1997) ainda propõem alguns elementos para compreensão da
experiência de adoecimento em uma perspectiva compreensiva, entre as quais estão: observar
e escutar a pessoa por inteiro, buscar entender o homem como ser-no-mundo, compreender a
pessoa enquanto inserida em um contexto social e interpessoal, considerar a dimensão afetiva
e espaço temporal, descrever cada experiência significativa do sujeito, buscar as relações de
sentido entre as diversas experiências e fazer uma leitura diagnóstica com base na significação
dada pelo próprio sujeito.
A perspectiva da análise da psicopatologia fenomenológica precisa então considerar a
multiplicidade de vivências e expressões do ser, não apenas um conjunto de sintomas
caracterizados como patológicos. Essa é uma forma de análise e apresenta-se também como
uma crítica a práticas que dualizem o processo de saúde e doença ou ainda que descolem a
pessoa de sua vida e contexto. O sujeito precisa ser entendido em uma visão holística, inserido
em uma sociedade medicalizada e que pouco se atém ao entendimento do sujeito diagnosticado
enquanto relacional e que constrói os significados de si e do mundo ao seu redor.
4. Conclusões
O entendimento de uma psicopatologia sob as lentes fenomenológicas, propõe-se,
enquanto caminho metodológico para a compreensão dos sintomas do adoecimento psíquico,
sob as lentes culturais, sociais e ideológicas, que lançam as possibilidades de desvelamento do
sintoma não apenas como uma manifestação de uma doença, mas enquanto “ fenômeno” que
só pode ser compreendido quando pensamos o homem enquanto sujeito intersubjetivo.
Ao localizar Estamira enquanto sujeito histórico, realizamos neste artigo uma tentativa
de trazer elementos que permitam desvelar sua experiência e vivência enquanto pessoa que
convive com a esquizofrenia. A partir do momento que se concebe a personagem enquanto
sujeito relacional no mundo e em contato com diferentes personagens em seu cotidiano,
verifica-se que uma condição de adoecimento como a esquizofrenia é despotencializadora, mas
não, inibidora/ barreira no processo de (sobre)viver.
A Psicologia tem muito a contribuir com seu olhar diferenciado sobre a experiência de
adoecimento e ao lançar seu olhar para reflexão sobre a vivencia de Estamira, permite
(re)pensar e refletir sobre como as diferentes tecnologias em saúde mental vem sendo
empregadas. Será que a pessoa atendida, pessoas como Estamira, está efetivamente sendo vista
e considerada nos diferentes espaços dispositivos de cuidado, seja na clínica ou nas diferentes
políticas públicas? Estamira é um documentário, que se expressa enquanto convite para que o
psicólogo e demais profissionais que compõem os espaços de saúde mental (re)vejam e
(re)pensem suas práticas de modo a desnaturalizar abordagens consideradas habituais, mas que
coíbem a livre expressão do sujeito e o entendimento total da sua história. É um convite a entrar
1091
em contato com a pessoa enquanto ser no mundo e um retorno aos fenômenos desse ser.
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PLANTÃO PSICOLÓGICO NO CENTRO UNIVERSITÁRIO INTA-UNINTA:
1092
POSSIBILITANDO ESPAÇOS DE ESCUTA E ACOLHIMENTO
1093
possibilidades de atuação, fomentando em parceria com o crescente número de alunos, a
mobilização para participação ativa e inserção nos campos sociais que possibilitam a aplicação
do conhecimento produzido na academia.
Neste contexto, o Projeto de Extensão Plantão Psicológico tem oferecido, neste espaço,
uma possibilidade de cuidado em Saúde Mental, favorecendo acesso ao atendimento
psicológico de urgência. O público que busca atendimento é identificado principalmente por
alunos ligados à instituição e comunidade. A maioria dos pacientes trazem queixas relacionadas
às hipóteses diagnósticas relacionadas à alta ansiedade e depressão. De forma ampla, os
pacientes têm apresentado relatos sobre consequências favoráveis que o espaço de escuta
qualificada tem proporcionado por meio das sessões terapêuticas.
Espaços de escuta autêntica representam importante aspecto no processo de
ressignificação para as pessoas que estão em sofrimento psíquico. Para Stefanelli, (2012), a
prática da escuta significa o reconhecimento do sofrimento do paciente. Assim, o ato de ouvir
no contexto da escuta qualificada assume que há uma demanda psíquica que se propõe a emergir
em condições que favorecem esse processo.
A escuta possibilita o contato com a experiência do outro na perspectiva trazida por
meio do significado expressado pela fala do cliente. Ao declarar os motivos de sua disposição
para buscar acompanhamento psicológico, o paciente traz preciosas informações que
representam sua maneira de sentir, de pensar e de perceber o mundo. O reconhecimento da sua
potencialidade para validação desses aspectos são importantes meios para uma autorreflexão
de seu processo de adoecimento.
A fala pode ser percebida como a produção de sentidos. O paciente escuta-se e percebe-
se na medida em que suas angústias vão sendo externalizadas. Ao seu encontro tem-se a escuta
atenciosa que, no contexto terapêutico, tem um poder transformador. Essa se alicerça na
confiança e no desenvolvimento das potencialidades da pessoa que ali se apresenta, na
facilitação do ambiente, na interlocução diferenciada com o plantonista que se presentifica,
proporcionando ao cliente, mesmo quando ocorre um único encontro, a escuta de si, autodireção
em momentos de grandes dificuldades ou de urgências subjetivas (Souza, Francisco &
Montenegro, 2015).
Desse processo se percebe o caráter terapêutico da escuta qualificada, que através do
acolhimento incondicional promove condições para que o paciente se escute e por meio desse
movimento ele exercite o autocuidado e autorreflexão acerca de suas queixas que são
constituídas de sofrimento e incompreensões.
Neste processo de abertura em que o cliente pode expressar sua dor e ser ouvido sem
julgamentos, ele pode a partir desse desprendimento ouvir-se e identificar nessa fala os aspectos
que envolvem suas questões vivenciadas. “Fundamentado nessas perspectivas, o plantonista
tem a responsabilidade de facilitar condições que permitam ao cliente a elaboração de sua
demanda, de modo a aproximar-se da experiência do outro conduzindo-o a uma tomada de
decisão” (Mahfoud, 2013, p. 20).
Como não se trata de uma aplicação pontual e determinista a um problema
externalizado, Bezerra (2014) enfatiza que a perspectiva fenomenológica no contexto da
demanda apresentada ocorre na possibilidade de devolver ao outro o sentido que esta demanda
tem para ele. Estabelece que não é função do plantonista entender o problema trazido pelo
cliente de modo lógico para a partir disso encontrar soluções consideravelmente lógicas. Assim,
o sentido, portanto, não é estabelecido a partir do plantonista, mas sim surge da relação
intersubjetiva entre este e o cliente. Quando o cliente se apropria do sentido para si, dá-se conta
1094
das possibilidades de sua queixa ou demanda. A partir da relação dialética entre cliente e
terapeuta.
Esse contato com o sofrimento do paciente leva em consideração a constituição
completa desse indivíduo implicado na relação terapêutica. Pois ele enquanto ser não somente
psíquico, mas também social e biológico, apresenta necessidades elencadas neste contexto do
indivíduo em sua totalidade. Assim, faz-se importante um reconhecimento dessas bases para
que se possa favorecer condições para a concretização de um processo.
De acordo com a corrente filosófica humanista, a “auto- realização é um processo de
plena missão, como um conhecimento mais completo e a aceitação da própria natureza
intrínseca da pessoa, como uma tendência incessante para a unidade, a integração ou sinergia
dentro da própria pessoa” (Maslow, 1954, p. 91).
Além da base humanista do Plantão Psicológico, outras abordagens como a Terapia
Cognitivo-Comportamental (TCC) contribuem significativamente nesse processo ao favorecer
a possibilidade de um olhar amplo sobre a condição do cliente. De acordo com Beck (1976) a
TCC fundamenta-se numa base teórica subjacente, que afirma que o afeto e o comportamento
de um indivíduo são amplamente determinados pelo modo como ele percebe a realidade. A
possibilidade de oferecer ao cliente a avaliação dessa perspectiva subjetiva sob a vertente da
abordagem psicológica cognitiva e comportamental é um importante meio para facilitar seu
processo de ressignificação e reestruturação cognitiva.
O sofrimento psíquico, na contemporaneidade, é representativo dos modelos de
existência humana constituídos ao longo dos processos históricos. As formas de acesso desse
âmbito existencial humano têm demandado o desenvolvimento de habilidades voltadas ao
cuidado do paciente em sofrimento iminente. Assim, o projeto Plantão Psicológico: Escuta,
Acolhimento e Intervenção em Situações de Crise, nessa instituição, vem delineando ao longo
de seu processo estratégias para acessar e acolher a experiência trazida pelo paciente em seu
sofrimento psíquico. Objetivando-se, dessa forma, promover a consciência de si e da realidade,
levando a pessoa a discriminar os diferentes recursos de que dispõe para lidar com as situações
que a levam à procura de ajuda.
2 Metodologia
O projeto de extensão Plantão Psicológico: Escuta, Acolhimento e Intervenção em
Situações de Crise, no Centro Universitário INTA-UNINTA, teve início em agosto de 2018,
através de estudos centrados na Psicologia Humanista e posteriormente ampliando-se para a
Terapia Cognitivo- Comportamental a partir de 2019.1. A preparação teórica dos acadêmicos
acontece em período quinzenal mediante a revisão de literatura indicada pelo professor
orientador do projeto que contempla autores como Mahfoud (2013); Rogers (1986) Beck (1967;
1976), dentre outros relevantes autores nacionais e internacionais.
A partir de fevereiro de 2019, as atividades práticas deram início, partindo de uma visão
pautada no atendimento clínico em situações de crise, que ocorrem no Núcleo de Atendimento
e Práticas Integradas (NAPI), sob demanda espontânea de pacientes. O projeto, atualmente, é
constituído por quinze acadêmicos do curso de Psicologia e um professor supervisor.
Os atendimentos ocorrem mediante a divisão dos alunos por dias de plantão, em média
cada aluno faz até dois acompanhamentos semanais. No primeiro contato do paciente com o
serviço, os plantonistas realizam escuta qualificada e o preenchimento de instrumentos clínicos
de registro de primeira seção. Os pacientes são agendados previamente e os casos de maior
1095
urgência são priorizados. As idades variam entre 15 a 55 anos e a maior parte dos pacientes são
alunos da própria instituição. Nos encontros semanais, pós-atendimentos são realizadas as
supervisões para acompanhamento dos casos e atendimentos sob orientação do professor
orientador do projeto na instituição.
Prioriza-se para composição do quadro de estagiários no projeto, alunos dos semestres
mais avançados do curso que estejam regularmente matriculados nesta instituição e tenham sido
aprovados em processo seletivo. Os estagiários fazem atendimento integral, desde a primeira
sessão até encerramento ou encaminhamento com duração total de uma a cinco sessões. Segue-
se a sequência de um atendimento inicial, até três retornos e uma consulta de avaliação após
um mês.
No UNINTA, o projeto também se insere em atividades promovidas em espaços
externos à sala de atendimento clínico. Dentre as atividades promovidas externamente
realizaram-se ações de Prevenção ao Suicídio, na campanha do movimento Setembro Amarelo
e intervenções pontuais em dias comemorativos em empresas localizadas na cidade de Sobral
e também em escolas públicas parceiras.
Abaixo (Tabela 1) apresentamos os dados que caracterizam o perfil inicial dos primeiros
pacientes atendidos pelo projeto de extensão no Centro Universitário INTA-UNINTA. Foram
registrados 30 casos ao longo de quatro meses de atendimentos realizados pelos extensionistas
até o final do semestre 2019.1. As idades variaram entre 15 a 55 anos. O percentual maior de
pacientes foi caracterizado como alunos da Instituição. Observa-se que Transtornos de
Ansiedade e de humor como a depressão, são identificadas como hipóteses diagnósticas mais
prevalentes entre os pacientes.
Idade Quantidade
15 a 19 anos 7
20 a 24 anos 11
25 a 28 anos 4
33 a 35 anos 2
42 a 44 anos 2
50 a 55 anos 4
Sexo Quantidade
Feminino 21
Masculino 9
Origem Quantidade
Aluno Uninta 17
Colaborador Uninta -
Comunidade 13
Estado civil Quantidade
1096
Solteiro 22
Casado 6
Não informado 2
Cidade Quantidade
Sobral 20
Cidades circunvizinhas 10
Ansiedade/Depressão 16
Conflito familiar 2
Ideação suicida 3
Sem hipótese 2
1097
facilitação o qual poderia fomentar processos como crescimento pessoal, mudança e autonomia.
A primeira condição é autenticidade. Quanto mais o terapeuta apresenta-se congruente,
significa que está vivenciando abertamente os sentimentos e atitudes que estão fluindo naquele
momento. A segunda é a aceitação. Ou consideração incondicional positiva. Envolve a boa
vontade do terapeuta para vivenciar qualquer sentimento que emerja na relação terapêutica. E
a terceira é a compreensão empática. O terapeuta sente os sentimentos e significados do cliente
e lhe comunica compreensão. (Rogers, 1986).
As condições facilitadoras apresentadas são de grande importância no processo de
construção de uma relação terapêutica, sendo ela um meio necessário para consolidação de um
espaço favorável em que o cliente se expresse e sinta acolhido. Nesse processo, cada paciente
apresenta o relato de sua história de vida sob a perspectiva de sua visão subjetiva de mundo.
Dessa forma, as experiências trazidas mediante representativa condição de inquietação,
angústias e sofrimento psíquico são formas de comunicação acerca da percepção do indivíduo
sobre o seu contexto.
Com a ampla aceitação da modalidade Plantão Psicológico por todo o Brasil, outras
abordagens foram se tornando base para os atendimentos nessa modalidade clínica, como a
Terapia Cognitivo-Comportamental, utilizada no Plantão Psicológico do UNINTA. O modelo
cognitivo que é a teoria que é subjacente à TCC propõe que o pensamento disfuncional (que
influencia o humor e o pensamento do paciente) é comum a todos os transtornos psicológicos
(Beck, 2013). Assim, verifica-se que é possível aprender a avaliar o próprio pensamento por
outras perspectivas. Essa estratégia é um relevante recurso no processo de autoconhecimento e
reabilitação cognitiva.
Neste contexto, os princípios da ativação comportamental e da reestruturação cognitiva
abordadas por Beck (1967), na perspectiva da TCC, trazem direcionamentos para a atuação do
estagiário. “A reestruturação cognitiva busca promover motivação para a mudança” (Neufeld,
2017, p. 259).
O modelo cognitivo da depressão propõe que os sintomas cognitivos e motivacionais da
depressão podem ser causados e mantidos por distorções nos três níveis de cognição:
pensamentos automáticos, crenças subjacentes e crenças nucleareas (esquemas) (Beck, 2014).
Essas expressões cognitivas representam grande influência no processo de adoecimento
psíquico, sendo elas conceituações fundamentais a serem consideradas na análise dos relatos
trazidos. A ficha de atendimento da primeira sessão é composta por essas três perguntas que
nos mostram qual a percepção do indivíduo em relação a estes aspectos.
Além disso, o recurso da ativação comportamental favorece condições para que o
paciente verifique em sua rotina quais as possibilidades de atividades existentes que facilitem
seu processo de enfrentamento aos comportamentos disfuncionais vivenciados. Segundo Beck
(2014), a ativação comportamental combina programação de atividades e de gratificações,
visando a mobilização inicial do paciente deprimido em direção à motivação para mudanças
comportamentais.
O plantonista é atravessado, acima de tudo, pela inteira disponibilidade em servir,
voltando a sua atenção para os sentidos que são construídos nesse encontro e não para o
problema ou possível transtorno apresentado. Assim, o Plantão Psicológico caracteriza-se pela
oferta de um espaço de acolhimento e escuta clínica, valorizando o encontro dialógico entre
plantonista e usuário, na perspectiva de promover a construção de outras possibilidades de
sentido a partir da experiência vivida. Dessa forma, “a eficácia do plantão psicológico não está
relacionada à solução de problemas ou se resume a uma possível oferta de respostas que o
1098
usuário espera receber para sanar suas dúvidas ou inquietações” (Dantas, 2016, p. 234).
A validação da condição humana e do potencial do indivíduo têm sido aspectos
constantemente observados. Na medida em que se promove espaços de escuta e acolhimento
incondicional se percebe a eficácia que o ambiente de apoio psicológico com essas
características promove ao indivíduo. Sobretudo na valorização da subjetividade do indivíduo
considerando-o um ser capaz.
Desse modo, atenção e cuidado não buscam ser disponibilizados como instrumentos
disciplinares de supostos especialistas detentores de saberes técnicos claros e precisos sobre o
bem-estar e a saúde do indivíduo. De acordo com Nunes e Morato (2013) o espaço de escuta e
acolhimento destina-se a esclarecer que aquele que é alvo do cuidado e atenção não deve ser
visto como alguém subjugado, inferiorizado ou mesmo objetificado, mas um ser que possui
recursos para lidar com as situações de crise e com a própria existência. Esses recursos podem
ser desvelados e constituídos, muitas vezes, no espaço de contato com o plantonista durante o
atendimento em Plantão Psicológico.
Acredito que ser plantonista neste projeto é, sobretudo, estar disponível para conhecer
a diversidade dos modos de existência possíveis. É desenvolver disponibilidade para ouvir
histórias variadas e experiências de vida. É compartilhar da dor do outro e assim desenvolver a
capacidade de suspender julgamentos e pré- concepções. É reconhecer as próprias limitações e
presenciar a mudança de perspectiva e de postura diante do que o paciente traz. Nesse
acolhimento incondicional, ampliar a própria visão acerca do que se vive. É o exercício de
acessar a vulnerabilidade do indivíduo carregada no seu sofrimento e assim possibilitar
processos de empatia, tão essencial no desenvolvimento das potencialidades humanas. É estar
disposto a acolher a dor psíquica trazida e colocar-se disponível para ser suporte e auxílio
emocional, sob qualquer circunstância.
O significativo papel do plantonista participante de forma comprometida exerce forte
influência na dinâmica terapêutica, pois, neste contexto, ele atua por meio da dialética da
ciência conceitual em consonância com a experiência vivencial. É na dinâmica das relações do
eu com o outro que se torna possível acessar com responsabilidade a experiência do sofrimento
psíquico do paciente em um processo terapêutico. Favorecendo condições para que nesse
espaço o terapeuta não seja um mero espectador da experiência trazida pelo paciente, mas
destine total interesse e atenção ao processo de facilitação da condição existencial de seu
cliente.
O plantonista na relação terapêutica também adquire experiências de grande valor.
Tenho percebido que cada paciente traz aprendizados, são perspectivas de sentido diferentes
que promovem uma ampliação na capacidade de perceber os aspectos envolvidos em cada
vivência. É um exercício que possibilita deparar-se com o inesperado e confrontar-se com as
variadas formas de sofrimento psíquico. São momentos únicos que esse projeto tem
representado para a formação acadêmica pautada no comprometimento humano e social.
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ARTE E O CUIDADO PSI: APROXIMAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A CLÍNICA
1100
PSICOLÓGICA NA CONTEMPORANEIDADE
1101
No plano metodológico deste trabalho, foi pensado um Artigo de Revisão Sistemática,
de natureza Integrativa. Adiante, ao pensar nas estratégias para atender às demandas que o
próprio artigo veio a se propor, foram seguidos os passos propostos pelo Instituto Cochrane
(Cochrane Handbook), na leitura de Gomes e Caminha (2014), a saber: 1 – Questionamento
sobre o tema; 2 – Identificação dos estudos e suas respectivas bases; 3 – Seleção dos estudos
que são consonantes com o propósito do trabalho; 4 – Coleta dos dados; 5 – Análise dos dados;
6 – Interpretação dos dados levantados61 e 7 – Atualização científica com base em todos os
processos anteriores. Nesta seção (Metodologia), serão abarcados os itens 1, 2 e 3. Nas seções
seguintes, por conseguinte, serão atendidos os demais itens.
3 Resultados
Em uma Revisão Sistemática, faz-se presente a organização de todo o procedimento de
pesquisa rumo ao objetivo proposto. Sendo assim, as consequências das pesquisas realizadas
são dispostas nas subseções a seguir:
61
A interpretação dos dados, no formato deste trabalho, se mostrará pela interação entre os dados obtidos rumo à
tentativa de responder a pergunta norteadora desta empreitada.
destacar a demarcação da quantidade de estudos encontrados por ano, bem como o número de
1102
estudos que foram descartados pelo critério de exclusão (abordado na proposta metodológica
deste artigo). Todo esse processo pode ser visto na Tabela 1, que tem seu enforque nos
descritores “PSICOLOGIA AND ARTE”, com 58 resultados.
Quantidade Encontrada 11 15 16 16
Quantidade Descartada 9 9 8 10
Quantidade Encontrada 1
Quantidade Descartada 0
2016
Costa, Zannela Partindo do mapeamento das produções acadêmicas - Crescente foco da Psicologia Social
& Fonseca publicadas na revista Psicologia & Sociedade no nas nuances artísticas (Arte em
curso dos últimos 30 anos relativas às interlocuções Foco); Diversas áreas do saber
da psicologia social com o campo das artes, o podem discutir sobre arte (Arte como
objetivo deste artigo é o de visibilizar as principais Foco)
características dessa produção.
- Arte como ferramenta de
intervenção pelo (a) profissional
psicólogo (a); Arte como processo de
subjetivação.
2017
Silva & Viana (...) tem por objetivo caracterizar como a Arte vem - Ano com maior produção
sendo utilizada por profissionais de Psicologia no acadêmica sobre Psicologia e Arte:
país. 2008
Vivar & Nosso objetivo foi o de pensar, juntamente com - Para além do estético-palpável, a
Kawahala Deleuze, na arte como uma potência de viver, isto é, trama artística causa estranhamento
um modo específico de tentar compreender os crítico em relação aos dispositivos de
efeitos produzidos pelos objetos estéticos cujos poder, estratégias de saber, meios de
impactos refletem em formas de subjetividade que agenciamento e os processos de
não cessam de proliferar linhas de fuga responsáveis subjetivação.
por escapar da normatividade dos dispositivos.
Pacheco, Lobo, Nosso projeto O corpo sem álibi, pesquisa aberta ao - Através das dinâmicas artísticas as
1104
Gomes & Mata convívio acadêmico da Universidade Federal quais o trabalho se propõe, eis que o
Fluminense em Campos dos Goytacazes, consiste corpo como potência artística
em compartilhar nossos corpos, seu poder de afetar expressa, em seus gestos, traços
e contrair memoria, apostando no corpo cultivo da afetivos, do psiquismo dos atores.
arte como dispositivo micro político de resistência.
Martineli & Este estudo analisa a concepção de arte desenvolvida - Em Vygotsky, é possível
Almeida por L. S. Vigotski (1896-1934) e suas contribuições correlacionar a Arte como elemento
para o ensino da cultura corporal, na educação física fundamental e correlacionado com os
escolar. moldes imaginativos e criativos,
desde a tenra infância.
2018
Zanetti O presente artigo é parte de uma pesquisa que - Crescente auxílio das teorias
problematiza o encontro da arte com a educação, no psicológicas sobre a importância da
Brasil, nas últimas duas décadas e o papel da arte no processo educacional;
psicologia nesse processo.
- Por meio da arte, instrumentos para
a Psicologia e o Homem pensarem
sobre si.
Yonezawa & (...) objetivamos compartilhar a experiência de - Pela máxima do projeto, verificou-
Cuevas atuarmos como pesquisadores-interventores junto a se o delineamento artístico como
uma escola municipal de Educação de Jovens e fomentador de um sujeito que se
Adultos da cidade de Vitória (ES), onde estivemos incomoda com seu entorno, de tal
realizando oficinas corporais-artísticas inspiradas forma a elaborar sua própria
nas obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica. habilidade crítica, se tornando
sensível ao mundo.
Alves & (...) o texto afirma que a acessibilidade é efetivada - A partir do relato, evidencia-se a
Moraes também nos encontros com as pessoas com importância de perceber as pessoas
deficiência, afirmando-se por seu caráter com algum tipo de “deficiência”
experimental, o qual não se define no sentido de ser como protagonistas de suas próprias
provisório, mas sim naquele proposto por Hélio experiências sensoriais artísticas,
Oiticica: uma obra de arte é para ser dançada, legitimando uma arte com e para
encarnada, vivida, experimentada. todos e todas.
Andrade O presente artigo é composto de parte de minha - Lia (moça que tem a Surdocegueira
pesquisa de doutorado, cujo propósito foi buscar como uma de suas caraterísticas) se
interfaces entre os campos da Surdocegueira e da expressa artisticamente por meio do
Arte. bordar.
Marques O artigo apresenta alguns dos resultados de uma - Uma das proposições de Vygotski
pesquisa acerca da produção de L. S. Vygótski até foi o do papel da Arte na elaboração
1923, isto é, antes de suas publicações mais das emoções humanas, a saber em
conhecidas no campo da educação e da psicologia. sua obra “Sobre o teatro infantil”
Trata-se de um vasto conjunto de textos, composto (1923). Nessa obra, por exemplo, o
1105
por resenhas teatrais (publicadas em jornais locais de teatro infantil deve ser encarado com
Gomel), incursões em crítica literária, ensaios sobre seriedade, uma vez que expressa a
drama e artes plásticas. forma com as quais as crianças
refletem seus afetos.
Colonnes & O artigo, após apresentar brevemente o campo da - Ao contemplar um obra de arte,
Freitas Estética da Recepção, destaca os escritos de Jung segundo a Estética da Recepção, o
que se referem aos espectadores de arte, para, então, receptor rompe com seu campo de
estabelecer bases para um diálogo entre tais textos e sentido atual, transcendendo rumo à
essa disciplina que ainda permanece pouco reflexão sobre a sua própria dinâmica
conhecida. subjetiva.
Capucci & Para os fins deste artigo, serão analisadas as - Vygotski, foca no social, vai para
Silva seguintes dimensões do conceito, conforme além de um conjunto de pessoas, pois
estudado por Vigotski: a perejivanie estética e o ruma à própria individualidade.
efeito catártico experimentado pelo público diante Sendo assim, Arte se mostra como
da obra; a perejivanie e na vida e sua ocorrência a social, pois ela dispõe de ferramentas
partir do tensionamento dos papéis na experiência elaborativas tanto para um único
concreta, dando especial ênfase à perejivanie do sujeito quanto para o conjunto deste.
ator, que traduz a interrelação das dimensões da arte
e da vida.
Souza, Dugnani O presente artigo destaca a arte, em sua dimensão - Linguagem artística (para o uso do
& Reis humanizadora e potencial para afetar o sujeito, como profissional psicólogo) é
instrumento de trabalho do psicólogo no Mediatizada (pois atua como norte
favorecimento da constituição de formas mais para a investigação profissional) e
elaboradas de o sujeito ser, estar, pensar e agir no Mediatizante (pois o psicólogo pode
mundo. auxiliar na elaboração emocional do
sujeito que procura ajuda,
2019
Karlo-Gomes Seguindo uma descrição detalhada dos últimos - Os símbolos literários remontam às
capítulos de Assunção de Salviano, de Antonio estratégias que seus autores (mesmo
Callado, o intuito principal desta investigação é que em tempos remotos)
mostrar como a arte literária institui e renova as encontraram para refletir sobre suas
imagens do sagrado, sobretudo dos arquétipos do ambivalências. Sendo assim, esses
Cristo e do Anticristo. signos se tornaram (e se tornam)
compartilhados com os demais
sujeitos que se identificam com os
mesmos.
Barbosa O objetivo deste texto pode ser, então, formulado: - Ao traçar um paralelo entre as
toma-se como fundamento a concepção de arte premissas de Vygotski e o ensino de
elaborada por Vigotski, buscando elucidar questões música, esta pode ser compreendida
do campo didático-metodológico em educação em seu potencial catártico.
musical:
Alvim, Reis, Este artigo apresenta um ensaio poético-fotográfico - A partir das percepções sensoriais
Gutmacher & sobre o Laboratório Sensorial, um dispositivo do dos participantes acerca dos
Silva projeto de extensão universitária Expressão e estímulos experimentados, os
Transformação, vinculado ao Instituto de Psicologia sujeitos do estudo puderam se
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil expressar por meio de rabiscos, de tal
(UFRJ). Inspirado na Fenomenologia e na Arte forma a registrar as suas sensações.
Contemporânea, o laboratório é uma proposta de Ademais, a proposta do projeto
sensibilização corporal que busca desnaturalizar a elucidou a importância dos
percepção e os modos cotidianos automatizados de participantes focalizarem mais em
1106
estar no mundo. seus campos sensoriais, ideia
contrária à rapidez da
contemporaneidade.
Asbahr O objetivo deste trabalho é investigar como ocorre o - Dentre os achados, pôde-se
processo de atribuição de sentido pessoal à atividade verificar a predominância de dois
de estudo de estudantes do ensino básico público, sentidos ligados à Arte: Pragmático
especificamente o sentido atribuído às atividades (Arte como meio para recursos
educativas desenvolvidas na disciplina educação imediatos, como uma competição de
artística desenhos) e como Liberdade (Arte
como forma de liberdade de
expressão).
Martins, (...) procura refletir sobre como a Psicologia, - O cinema pode ser utilizado como
Navarrete, entendida como ciência e profissão, pode contribuir uma ferramenta fomentadora de
Oliveira & com seus aportes sobre a dimensão subjetiva, por discussões. Afinal de contas, na Arte
Imbrizi meio da escuta do sofrimento sociopolítico, e como Cinematográfica, por vezes podem
os materiais audiovisuais contribuem com este ser achados ícones representativos
trabalho de acolhimento e construção de estratégias dos cotidianos das pessoas que, nesse
de enfrentamento de situações sociais críticas por caso, se utilizam dos dispositivos de
parte dos sujeitos a elas submetidas. assistência social.
Takeiti & (...) evidenciar que o engajamento da juventude na - A produção artística presente na
Vicentin produção estética na periferia tem operado como periferia lhe declara como espaço
estratégia de luta contra os estados de dominação territorial, lançando a importância de
hegemônicos e de estigmatização aí presentes. ser reconhecida de tal forma a romper
com as correntes estigmatizadoras e
de cunho excludente.
2016
Farah Este estudo apresenta as noções de corpo e - A dança em questão pôde ser
movimento presentes na dança de Mary Starks utilizada por Carl Gustav Jung para
Whitehouse, conhecida como Authentic Movement fins terapêuticos à medida em que
- Movimento Autêntico. Ela foi pioneira dentro da este, por sua vez, via que no estilo
construção do sentido terapêutico da dança a utilizar artístico proposto existia uma
os princípios da teoria da psique de Carl Gustav consciência do corpo, do movimento
Jung. e, porque não, maior elaboração
afetiva.
4 Discussão
Ao fazer uma leitura superficial dos dados expostos, é possivel declarar certa correlação
entre os mesmos. Sendo assim, a validade argumentativa será evidenciada de acordo com os
campos semânticos – representados pelas subseções ademais – que os dados podem revelar.
1107
o campo artístico como via de fazer do profissional psicólogo. Primeiramente, o elemento que
pode representar esse quadro é a contribuição de Silva e Viana (2017), que demonstram as
variações de estudos em Psicologia sobre arte entre os anos de 2004 e 2014, tendo ápice
produtivo em 2008, com estudos (nessa escala de análise) de naturezas reflexivas e teóricas. A
análise desses colaboradores remotam também para a parcela significativa dos estudos estarem
situados no campo psicanalítico. Nesse prisma, com os achados não é possível destacar o porquê
dessa predominância (uma limitação desse estudo).
1108
Valent, Silva e Lima (2017), Pacheco, Lobo, Gomes e Mata (2017) e Marques (2018); esta
última, respectivamente, trazendo a passagem de Vygotski sobre o teatro infantil e a
importância deste para a leitura das formas com as quais as crianças lidam com seus conflitos,
conversando, assim, com Martineli e Almeida (2017) – que complementa afirmando sobre o
potencial criativo que a Arte proporciona à criança.
5 Conclusão
Com a presente pesquisa, pode-se dizer que a pretendida resposta foi alcançada. Afinal
de contas, diversos autores demonstram que a Arte pode de provocar discussões, tecer vínculos,
aumentar repertórios, causa estranhamento ao presente, bem como fazer emergir os conteúdos
psíquicos mais profundos e autênticos do sujeito. Assim, a Arte atrelada à clínica psicológica
pode ser uma prática coadjuvante no cuidado com o usuário, servindo como instrumento de
intervenção voltada ao enfrentamento e à diminuição do sofrimento psíquico. Além disso, com
base nos recortes deste artigo, ela se mostra como mais um caminho para o sujeito perceber as
outras possibilidades de expressão, construção e reconstrução de seus imbróglios no campo
1109
consciente. Por fim, ao elucidar a significativa aproximação da clínica psicológica
contemporânea rumo ao meio artístico, acredita-se que mais questionamentos sejam lançados,
fazendo deste artigo apenas um projeto inacabado.
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A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO DA
1111
COMPULSÃO ALIMENTAR
1112
compulsivamente. Dessa maneira o paciente aos poucos passa a ser mais gentil consigo mesmo,
com relação aos seus sentimentos, pensamentos, crenças e atitudes negativas. As técnicas de
relaxamento da TCC farão que o paciente acesse pensamentos relaxantes e tranquilos na hora
em que se sentirem ameaçados, além de evitar que o gatilho da compulsão seja disparado. De
acordo com o autor, a TCC ainda pode garantir que em seis meses aproximadamente o paciente
apresente uma evolução significativa no quadro compulsivo, com queda na reincidência de
crises compulsivas.
O Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) estima-se que atinge entre 1,5
e 5% da população mundial, e nesse ínterim a TCC tem se tornado cada vez mais indicada para
o tratamento do TCAP. Ensaios clínicos apontam sua eficácia na remissão ou diminuição da
frequência de episódios de compulsão alimentar, assim como também dos comportamentos
purgativos e restritivos. Proporcionando, além disso, melhora do humor, do funcionamento
social e diminuição da preocupação com peso e formato corporal. Bastante usadas, as técnicas
cognitivas e comportamentais vêm sendo aplicadas, avaliadas e ganhando seu devido
reconhecimento como estratégias ativas na melhora dos quadros clínicos da compulsão
alimentar (Duchesne et. Al., 2007).
Ainda para os referidos autores, a compulsão alimentar, assim como todos os outros
transtornos incluídos no grupo de Transtornos Alimentares (TA) são determinados por vários
fatores inter-relacionados tais como biológicos, culturais e pessoais. Por esse motivo as técnicas
da TCC visam identificar e modificar a estrutura cognitiva, emocional e comportamental dos
pacientes. Assim, estas técnicas da TCC quando usadas no tratamento da compulsão alimentar,
buscam proporcionar aos pacientes uma melhora no seu quadro clínico por meio do aumento
da autoestima, aumento do autocontrole e autoconhecimento e ainda modificação dos hábitos
alimentares e sistema de crenças e a redução da ansiedade ligada à aparência. Tais técnicas
ainda auxiliam no incremento de táticas para a adesão ao exercício físico e a redução gradual
do peso (Duchesne et. al., 2007).
Hoje a prevalência do Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) que gira
no mundo inteiro entre 1,5 e 5%, pode chegar até 15% em pacientes que se submetem a
tratamentos para chegar ao emagrecimento, e é exatamente por esse motivo que esse estudo se
faz relevante, por esse transtorno atingir uma alta taxa de pessoas no mundo. Para a APA no
DSM-IV os critérios clínicos para se diagnosticar um episódio do TCAP devem se enquadrar
nas seguintes características:
1113
Periódica apresentam altos níveis de psicopatologia relacionada ao comportamento alimentar
ou até mesmo em comorbidade com outras psicopatologias. A relação entre a TCAP e outros
transtornos psiquiátricos como transtornos do humor, depressivos, ansiosos, de personalidade,
de abuso de substâncias é muito frequente. Todos esses transtornos podem tornar o paciente
mais propenso a desenvolver o TCAP.
O tratamento do TCAP existe por duas vias que são: o farmacológico e o não
farmacológico, de forma geral o primeiro baseia-se no uso de antidepressivos e
anticonvulsivantes, todos com eficácia já comprovada para tais casos. Já o tratamento não
farmacológico se baseia nos três principais elementos do quadro clínico do TCAP que são eles:
o comportamento alimentar alterado, o excesso de peso e a psicopatologia associada,
principalmente a depressão e a falta de controle dos impulsos, sendo os dois últimos os
principais fatores causadores do comportamento alimentar alterado (Petribu et. al., 2006).
Por existir uma alta taxa de comorbidade entre o TCAP e a depressão, a terapia
Interpessoal (TIP) assim como TCC já tiveram suas eficácias no tratamento muito bem
comprovadas. A TCC - objeto do nosso estudo – trouxe uma redução significativa na compulsão
alimentar e uma baixa redução no controle do peso corporal em pacientes com o TCAP
(Oliveira, 2004).
Bahls e Navolar (2004) afirmam que, de forma geral, a prática clínica da TCC faz o uso
de uma ampla diversidade de técnicas, a fim de abordar as dificuldades interpessoais das
pessoas e ao mesmo tempo proporcionar estratégias que levem o paciente a regular os seus
afetos disfuncionais. Para os autores em questão a TCC foi uma das primeiras abordagens
terapêuticas a reconhecer a influência do pensamento sobre o afeto, o comportamento, a
biologia e o ambiente.
De forma mais específica, o programa da TCC direcionado para o tratamento do
Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) se desenvolveu partindo do modelo de
intervenção da TCC para a Bulimia Nervosa, que também é um transtorno alimentar. Os
objetivos psicoterápicos almejados pela TCC no tratamento da TACP são a busca de estratégias
que controlem o comportamento compulsivo de alimentação, mude os hábitos alimentares e
também estratégias que levem a adesão do paciente ao exercício físico e redução gradual do
peso corporal (nesse último caso apenas quando existe obesidade ou sobrepeso associada ao
TACP).
A modificação dos hábitos alimentares deve ser feita gradativamente, pois uma dieta
bastante restritiva e repentina não repercute em efeitos positivos para o tratamento. Tal processo
é realizado através da psicoeducação e outras técnicas da TCC. Dessa forma, são fornecidas ao
paciente informações sobre nutrição para que ele saiba escolher melhor os alimentos, essas
escolhas devem ser flexíveis para que ele ao mesmo tempo consiga evitar o pensamento
disfuncional de “tudo ou nada”, assim são associadas a técnica da psicoeducação, técnicas de
controle dos impulsos e registros e mudança dos pensamentos disfuncionais como o citado
acima (Petribu et. al., 2006).
As técnicas de controle dos impulsos nas práticas devem levar o paciente a diminuir sua
exposição a fatores que levam a perca do controle dos impulsos alimentares. Um exemplo
prático da aplicação dessa técnica seria deixar de comprar alimentos que devem ser ingeridos
com baixa ou nenhuma frequência. Quando é necessária a adesão desse paciente a atividades
físicas, a TCC irá usar técnicas reforçadoras, tais como se dá um prêmio qualquer após realizar
uma semana de exercício. Outro ponto que deve ser considerado pela TCC no tratamento do
TCAP é a abordagem da autoestima, pois a nossa autoestima está intimamente relacionada à
nossa imagem corporal, tanto a imagem que temos do nosso próprio corpo quanto a imagem
1114
que os demais possuem do nosso corpo (Bahls & Navolar 2004).
Quando a nossa autoestima relacionada à imagem corporal está baixa então surgem em
nós sentimentos de vergonha, inferioridade. A partir disso, a TCC deve abranger também esse
aspecto cognitivo do paciente, ajudando o mesmo a manter equilíbrio em suas crenças
disfuncionais associadas ao peso e a imagem corporal. A esse respeito, Melo (2011) pontua
que é necessário um equilíbrio entre a auto aceitação do corpo e as mudanças que devemos
buscar para mudar a imagem corporal.
Além das técnicas cognitivas, a TCC também aplica no tratamento do TCAP técnicas
comportamentais, que contribuem para a alteração dos hábitos alimentares, dentre elas podemos
citar a automonitoração, onde o paciente deve observar e registrar o seu consumo alimentar e
as circunstâncias em que ele se encontrava no momento do consumo. A TCC ainda emprega
várias técnicas de controle dos estímulos, estas devem ser associadas a situações (gatilhos) que
disparam a recorrência de um episódio de compulsão alimentar. Além de oferecer ainda como
técnica o treinamento de resolução de problemas, este que por sua vez ajuda o paciente a
desenvolver estratégias que o auxiliem a enfrentar os problemas da vida sem precisar recorrer
à alimentação inadequada. Para finalizar, a TCC ainda foca no uso de estratégias que previnem
as recaídas, por esse motivo os resultados trazidos por ela para o tratamento da TCAP são
eficazes, pois permanecem ao longo do tempo (Oliveira, 2004).
Ao se resolver tratar o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica por meio do
programa da Terapia Cognitivo Comportamental, esta busca como objetivos terapêuticos: a
remissão de episódios compulsivos alimentares, o aumento da autoestima do paciente, o
desenvolvimento de habilidades interpessoais, a redução da ansiedade associada ao transtorno,
a modificação das crenças disfuncionais do paciente que por sua vez favorecem o surgimento
ou manutenção do transtorno, a redução do peso corporal quando a obesidade está associada ao
TCAP e por fim a prevenção de recaídas como já vimos anteriormente.
Cordioli (2008) afirma que a TCC criou inicialmente um programa específico para o
tratamento da bulimia nervosa, este programa de tratamento teve sua eficácia comprovada e a
partir dele a TCC adaptou esse programa para o Transtorno da Compulsão Alimentar periódica.
Dessa forma foi observado que pacientes tanto com a Bulimia nervosa quanto com o TCAP
possuíam um sistema disfuncional de crenças com altos padrões de crenças centrais que
supervalorizam a imagem do “corpo perfeito” associando essas crenças a sua autoestima, por
isso, pacientes com o TCAP raciocinam de forma dicotômica, extrema e muito radical em
relação à sua alimentação, a sua imagem corporal e em relação ao que os outros vão pensar
sobre o seu corpo. Atrelada a essa ideia, Cordioli (2008) afirma:
Dessa forma, a frequência dos episódios de compulsão alimentar só será diminuída caso
esse pensamento “tudo ou nada” seja modificado no paciente. Como também já vimos antes ,
uma série de fatores podem favorecer o desenvolvimento da Compulsão Alimentar como: o
1115
prazer que existe em ingerir alimentos, ingestão de alimentos como uma forma de fugir dos
problemas, o alívio passageiro de sentimentos desconfortáveis como ansiedade, tristeza e
angústia. Um episódio compulsivo alimentar neutraliza mesmo que temporariamente tais
sentimentos ou emoções desagradáveis, porém a consequência vem quando o sujeito passa a
usar a alimentação desregrada rotineiramente para amenizar as sensações ruins causadas pelas
emoções ou sentimentos que buscamos evitar e não enfrentar. Assim o paciente precisa
aprender a lidar com suas emoções adquirindo na terapia, meios alternativos para o trabalho
com elas (Duchesne, 2006).
O programa da TCC específico para o tratamento da Compulsão Alimentar é aplicado
em três estágios, que são eles: 1- técnicas comportamentais, 2- técnicas cognitivas e o 3-
estratégias para a prevenção de recaídas. Na fase 1 usamos técnicas comportamentais que
buscam reduzir a frequência dos episódios de compulsão alimentar além de despertar uma
mudança nos hábitos alimentares do paciente. Nessa fase é preciso que o paciente assuma o
compromisso com a modificação dos seus hábitos alimentares ao longo da vida. Para isso são
aplicadas técnicas de automonitoração da alimentação, técnicas para o controle dos estímulos
(para que o paciente evite comer para aliviar a tensão) e também técnicas para a adesão ou
melhora da prática de atividade física do paciente (Gabbard, Beck & Holmes, 2005).
Ainda para os autores acima no Manual de psicoterapia de Oxford, na fase 2 do
tratamento as técnicas cognitivas enfatizam a mudança dos pensamentos e crenças centrais que
colaboram para a manutenção do TCAP. Inicialmente o modelo cognitivo é explicado ao
paciente (psicoeducação) e depois disso ele é treinado pelo terapeuta para identificar e mudar
tais pensamentos/crenças. O aspecto chave de todo o tratamento do TCAP pela TCC está nessa
fase que é o estabelecimento de um equilíbrio entre autoaceitação e mudança uma vez que é
necessário aceitar o nosso corpo da forma como ele é sem que se enquadre 100% a imagem
corporal desejada. Dessa forma, técnicas de habilidades sociais são incluídas a fim de que a
pessoa aprenda a lidar com críticas associadas à aparência e situações interpessoais ligadas à
alimentação (Gabbard, Beck & Holmes, 2005).
Já na última fase do programa que enfatiza a prevenção de recaídas, os pacientes são
treinados para identificar situações de alto risco que podem dificultar o controle da alimentação.
Assim os dois em conjunto elaboram estratégias para que o paciente possa lidar com tais
situações de alto risco a fim de diminuir a probabilidade de ocorrências de episódios
compulsivos alimentares, para isso também é organizado um plano de manutenção. Neste são
listadas todas as técnicas usadas e que geraram resultados durante o tratamento e possíveis
situações desencadeadoras de risco e suas possíveis soluções. Esse plano de manutenção ajuda
a manter o foco nas estratégias aprendidas durante o tratamento (Cordioli, 2008).
Diante do exposto acima e diante da alta taxa de prevalência do TCAP, o presente
trabalho se faz importante, pois busca analisar a eficácia da TCC no tratamento do TCAP,
partindo da seguinte problemática: analisar a eficácia da TCC no tratamento da Compulsão
Alimentar. Essa problemática se faz importante de ser mais estudada devido esse transtorno
psicológico ser bastante recorrente hoje em dia, assim é preciso que haja métodos que levem a
resultados favoráveis e como a TCC é uma das abordagens mais utilizadas no tratamento do
TCAP, resolveu-se analisar se ela traz de fato efeito e quais os resultados para o tratamento
advindos dessa intervenção psicológica.
2 Método
O presente estudo foi desenvolvido a partir de uma busca bibliográfica de artigos
1116
científicos em bases de dados eletrônicas. De acordo com Brasileiro (2013) uma pesquisa de
revisão bibliográfica ou também denominada de revisão de literatura é aquela que se vale de
publicações científicas em diversas fontes como: periódicos, livros, anais de congressos, entre
outras. A pesquisa de revisão bibliográfica não se dedica à coleta de dados in natura, mas,
também não é uma simples transcrição de ideias.
Uma revisão bibliográfica não se caracteriza apenas pela simples descrição de ideias,
porque nela o pesquisador busca e indaga as informações sobre um determinado assunto, por
meio de um levantamento dos estudos existentes tanto em bases de dados nacionais quanto
estrangeiras (no nosso caso a busca foi apenas em bases de dados nacionais). De forma geral
pode se dizer que o objetivo de uma pesquisa de revisão bibliográfica é detectar o que existe de
consenso e de polêmico na literatura, a respeito do assunto escolhido para objeto de estudo
(Silva & Menezes, 2005).
Ainda para os referidos autores pode-se dizer que esse objetivo geral da revisão
bibliográfica ocorre pelo alcance dos dois propósitos desse tipo de pesquisa, que são: a
contextualização do problema escolhido e a análise das possibilidades mostradas na literatura,
para que o problema seja solucionado. Ao seguir esses dois propósitos, ao final da pesquisa
consegue-se apontar o que existe de consenso e de polêmico na literatura estudada a respeito
do assunto escolhido para a abordagem (Silva & Menezes, 2005).
Diante disso, a pesquisa buscou como objetivo geral investigar a importância do
programa da TCC no tratamento do Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP),
bem como especificamente: avaliar a eficácia do programa da TCC utilizado no tratamento do
TCAP; verificar os benefícios do programa da TCC para o tratamento do TCAP; conhecer mais
profundamente o programa da TCC (seu passo a passo e as técnicas que o compõem) aplicado
ao tratamento do Transtorno da Compulsão Alimentar.
Para isso se consultou as bases: SciELO, PubMed, Google Acadêmico e PsycInfo,
usando como palavras-chave os seguintes descritores: “Compulsão Alimentar, tratamento e
Terapia Cognitivo Comportamental”. A princípio seriam considerados apenas artigos
publicados nos últimos cinco anos, a partir de 2015, porém esse critério não pôde ser utilizado
pois foi encontrado apenas um artigo. Tomando em consideração esse aspecto, optou-se por
não restringir o limite cronológico de publicação, a fim de abranger o maior número de artigos.
3 Resultados e Discussão
No total foram encontrados 15 artigos em quatro bases de dados (como mostra o quadro
1) através dos descritores: Compulsão Alimentar, Tratamento e Terapia Cognitivo-
Comportamental; e um capítulo de livro físico e um manual encontrado na internet.
1117
Livro físico 1 Capítulo
Internet 1 manual
1118
Obesos Mórbidos
Candidatos a Cirurgia Bariátrica do Hospital
Universitário Oswaldo Cruz, em
Recife – PE
8)Técnicas de modificação de comportamento do Segal,2002 Internet Manual
paciente obeso: psicoterapia cognitivo-comportamental.
9)A abordagem cognitivo-comportamental no tratamento Vaz, et.Al,2009 Google Revisão
das perturbações do comportamento alimentar. acadêmico
10)Abordagens psicoterápicas nos transtornos Duchesne & Livro físico Estudo
alimentares: terapia Cognitiva Comportamental Nunes,2008 qualitativo
(cap,29.P, 530 em Psicoterapias. Abordagens atuais-3.ed.
Porto Alegre: Artes Médicas,2008).
1119
considera tanto a sua determinação como o seu tratamento de forma “biopsicossocial”, mas
fundamenta-se como uma abordagem que enfatiza a mudança das estruturas cognitivas da
psicopatologia. Por esse motivo a TCC vem se mostrando em pesquisas científicas rigorosas,
cada vez mais eficaz e uma opção viável para o tratamento do TCAP.
Duchesne, et al. (2007) sugerem em seus estudos que o programa da TCC no tratamento
do TCAP tenha uma abordagem interdisciplinar que enfatize junto ao paciente a compreensão
do funcionamento biopsicossocial dos quais o paciente faz parte. Eles lembram ainda que nem
todos os pacientes submetidos ao programa da TCC vão responder satisfatoriamente ao
programa, para isso é preciso adaptar alguns protocolos a fim de aumentar a resposta satisfatória
dos pacientes ao programa.
O tratamento do TCAP deve ser realizado em equipe multiprofissional, ou seja, quando
o psicólogo se associa a outros profissionais como nutricionistas, médicos, psiquiatras, etc., o
tratamento psicológico surte muito mais efeito. É necessário ainda envolver a família, criando
assim uma estrutura de colaboração para o paciente, que facilitará as mudanças necessárias para
o tratamento do transtorno. Outro fator que a TCC considera fundamental ainda, é a relação
terapêutica onde o psicólogo deve se manter empático quanto às necessidades do paciente. O
psicólogo ainda deve apresentar o processo terapêutico como um processo colaborativo, onde
os dois terão uma participação ativa na detecção de causas das dificuldades e na seleção das
estratégias utilizadas no tratamento (Duchesne, et. Al, 2007).
Como vimos o processo é bastante complexo, por esse motivo todos esses fatores devem
ser levados em conta, pois se constituem em fortes agentes promotores ou impeditivos das
mudanças cognitivas do sujeito. Como o transtorno se mostra multifatorial, assim também deve
ser o seu tratamento: incluindo o tratamento farmacológico dentre outros, caso seja necessário,
para os autores citados a eficácia da TCC se potencializa quando associada ao tratamento
farmacológico. A autora citada ainda enfatiza que a combinação entre TCC e medicamentos
parece representar um campo promissor de pesquisa (Duchesne, 2006).
4 Considerações finais
1120
trabalho, que no tratamento do TCAP diversas abordagens podem ser usadas, como a integração
entre os métodos psicoterápicos e farmacológicos. A abordagem psicoterápica da compulsão
alimentar pode ser individual, em grupo, familiar. E é importante ressaltar ainda que
independente da abordagem psicoterápica escolhida, sendo a TCC ou outra qualquer, o paciente
deve ter um acompanhamento clínico adequado (Duchesne, et al., 2007).
De certa forma podemos concluir que o programa da TCC traz resultados significativos
nos sintomas psicopatológicos característicos do TCAP. Além de uma significativa melhora na
autoestima, nas dificuldades interpessoais, no humor e na qualidade de vida, além de um
aumento do sentimento subjetivo de bem-estar. Entretanto, percebemos também que existem
pacientes que não apresentam boa resposta à TCC (Vaz, et. Al., 2009).
Os estudos sobre esse tema ainda não deixam claro aspectos como o número ideal de
sessões que o programa deve possuir, a sequência em que as técnicas do programa devem ser
aplicadas, quantas sessões devem ser dedicadas para estratégias cognitivas e quantas para
estratégias comportamentais. Adicionalmente, ainda se faz necessária a identificação de fatores
preditivos de sucesso no tratamento.
Dentre todos os modelos de terapia propostos para o TCAP, a TCC é o modelo com
resultados mais bem documentados. De modo geral, a TCC é um método eficaz de tratamento
para o TCAP, e nenhum outro modelo terapêutico com o qual tenha sido comparada mostrou
ser significativamente mais eficaz. Para finalizar, pode-se destacar que os estudos sobre a
aplicabilidade da TCC no tratamento da compulsão alimentar estão sob contínuos
aprimoramentos. Logo, deveriam ser mais explorados e compõem um campo fértil para futuras
pesquisas. O presente estudo pode servir como fonte de referência e consulta para o
prosseguimento de outros estudos, que venham suscitar novos debates sobre este tema.
Em um futuro próximo, achados como este, talvez nos desponte uma abordagem mais
positiva no tratamento de indivíduos, mostrando a obrigação de cuidar do indivíduo, ao invés
de cuidar da sua doença, e a importância de uma equipe de multiprofissionais, em um nível
igualitário de condições de trabalho e da tomada de decisão sobre a melhor abordagem clínica
em conjunto para um melhor prognóstico do indivíduo em tratamento.
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A CLÍNICA PSICOTERÁPICA A PARTIR DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-
1122
CULTURAL: UM ESTUDO DE CASO
62
Nome fictício da paciente com vistas à preservação de sua identidade.
1123
2 Método
Pode-se considerar que o presente trabalho é um estudo de caso clínico. Essa
modalidade se caracteriza por ser um “subtipo de pesquisa de caso único, que constitui uma
investigação naturalística e flexível, mediante a utilização de múltiplos métodos” (Serralta,
Nunes & Eizirik, 2011, p. 504). Tais métodos podem ser quantitativos ou qualitativos e pode
haver diferentes fontes de dados e evidências para descrever um ou mais casos individuais,
como abordar os pacientes, a relação paciente-terapeuta, o processo psicoterápico etc, focando
na dimensão temporal.
Desta forma, a paciente é Maria, 39 anos, sexo feminino, solteira e pedagoga. Sua queixa
inicial refere-se à depressão, angústia, tristeza e vazio existencial. Entretanto, no decorrer do
processo, foi percebido que seus sintomas não constituíam um quadro de depressão, mas
estavam atrelados ao relacionamento abusivo no qual se encontrava há 11 anos.
Os procedimentos da avaliação da paciente foram realizados por meio da ficha de
triagem da clínica-escola que continham perguntas norteadoras com a finalidade de investigar
dados referentes ao desenvolvimento cognitivo, social e afetivo, e à saúde geral da paciente;
informações da vida profissional e escolar; dados acerca da vida familiar; e realizar hipótese
diagnóstica. Todos esses informes eram compartilhados com o supervisor.
Os dados coletados tiveram o objetivo de compreender o funcionamento psíquico e
social de Maria. Outros instrumentos de coleta de dados foram escuta qualificada e atenta,
técnica do eco emocional – será explicada na discussão do caso - e observação, advindos do
processo psicoterápico. Assim, o processo psicoterapêutico foi espontâneo, intervindo sob o
que emergia nas sessões e no que precisava ser melhor trabalhado.
Como é sabido, o estágio em clínica-escola nos cursos de Psicologia tem a duração de
01 (um) ano e, caso o/a paciente não tenha alta, é preciso que um/a novo/a estagiário/a dê
continuidade ao acompanhamento. Nesse caso em específico, a autora era a primeira estagiária
que teve contato com Maria, passando seis (06) meses em acompanhamento psicológico com a
paciente. Os encontros tinham a frequência semanal. Não foi possível completar o período anual
devido ao auto desligamento de Maria.
A análise de dados baseia-se na perspectiva dos estudos de Vygotsky (1995, 2007), no
que tange à análise do processo e à busca de encontrar explicações sobre o objeto de estudo e
não em sua mera descrição. É uma análise interpretativa de cunho vygotskyano que se baseia
nos princípios de seu método genético: analisar processos, e não objetos; explicação versus
descrição; atentar para o problema do comportamento fossilizado. Usando tais princípios como
base, escolhemos algumas categorias de análise a partir do estudo de caso, são elas: funções
psicológicas superiores, significado social, sentido pessoal, emoções, consciência e Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP).
Foi apresentado à paciente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
oriundo da clínica-escola para que houvesse a permissão do uso de dados do seu percurso
terapêutico. Ao assinar o termo, ela consente que as informações do seu processo terapêutico
possam ser apresentadas e compartilhadas em eventos científicos, com sua identidade
preservada. Como exemplos de eventos científicos, citam-se os seminários, congressos
nacionais e internacionais, simpósios, jornadas, conferências etc. Deste modo, o intuito do
estudo de caso com as suas respectivas apresentações em tais eventos é promover ciência e
desenvolvimento da psicologia.
1124
3 Resultados
Como citado anteriormente, Maria é uma mulher de 39 anos, solteira e formada em
Pedagogia. Sua queixa inicial se refere à depressão, angústia, tristeza e vazio existencial. Porém,
no decorrer do processo, percebeu-se que seus sintomas não constituíam um quadro de
depressão, porém estavam atrelados ao relacionamento abusivo no qual se encontrava há 11
anos.
Foi percebido no processo psicoterapêutico que o relacionamento abusivo de Maria não
permitia que ela fosse assertiva e não possibilitava seu posicionamento diante de situações
decisivas. As experiências que ela tinha com o companheiro impediam a abertura ao seu
autoconhecimento e ela passou a viver a vida a partir dos desejos e vontades dele durante 11
anos, assumindo uma posição de resignação. Isso também era refletido na esfera profissional e
interpessoal.
Outro ponto que vale ser ressaltado é a relação da paciente com a maternidade. Durante
a psicoterapia, ela percebeu que estar diante de outras mulheres que eram mães lhe causava mal
estar e uma tristeza profunda. O companheiro não pensava na possibilidade de ser pai e ela se
frustrava com frequência, pois um dos seus maiores desejos era gerar um filho e vivenciar a
maternidade. Com o decorrer do processo, em uma das sessões, a paciente lembrou que sofreu
um aborto espontâneo há 06 (seis) anos e na época não elaborou o luto pela perda da criança.
Após trabalhar sobre essa questão, mergulhada em meio a lágrimas e sofrimento, Maria pôde
compreender que esse desejo estava atrelado ao seu consumismo, pois a paciente comprava em
demasia para ter algo para “chamar de seu” (sic).
O consumismo e a aprovação social eram aspectos que estavam interligados na vida de
Maria. Ela comprava em excesso para, segundo a paciente, “organizar mais a casa e [se] arrumar
melhor” (sic), aceitando opiniões de outras pessoas sem problematizar tais sugestões com o
intuito de ser aprovada socialmente.
Em suma, Maria passou a ter consciência de processos psicossociais os quais estava
imersa e que antes não percebia. Entendeu que vivia um relacionamento abusivo e que não
superara o aborto pelo qual sofreu. Além disso, compreendeu, também, que seu consumismo
exagerado tinha relação com o sofrimento psicológico proveniente do desamparo social.
4 Discussão
De acordo com Ferreira e Roldão (2018), a prática da psicoterapia por meio da
Psicologia Histórico Cultural admite que a
É através do diálogo que o indivíduo pode atribuir novos sentidos e significados em suas
diferentes relações, ressignificando a experiência (Ferreira & Roldão, 2018). Nesse sentido,
será ilustrado o processo terapêutico de Maria, relacionando-a à teoria histórica-cultural.
O relacionamento abusivo que Maria vivenciava configurava à paciente uma posição de
1125
submissão ao companheiro. Ela demonstrava passividade diante dele por uma ausência de
assertividade e por estabelecer uma relação de dependência afetiva. Maria tentou terminar
algumas vezes, mas não teve sucesso. Em uma das tentativas, o namorado ameaçou que tiraria
a própria vida na frente da paciente e, após esse fato, ele emagreceu 10 quilos. Toda discussão
ou divergência de opiniões que eles tinham o companheiro rememorava esse fato e a
responsabilizava, fomentando um sentimento de culpa e receio de fazê-lo sofrer.
Vygotski (2004) afirmava que as emoções têm o potencial de organizar internamente as
reações de si mesmo (como citado em Faria & Camargo, 2019, p. 51) e essas emoções de culpa
e medo foram maneiras que Maria encontrou para lidar com a condição que se encontrava. O
companheiro a persuadia. Fazia inúmeras promessas para mantê-la no relacionamento e
conseguia, pois a paciente possibilitava outras chances a fim de que houvesse mudança, mesmo
que a história se repetisse durante 11 anos. Porém, a paciente tomou consciência quando
materializou esses acontecimentos por meio da linguagem em psicoterapia e percebeu que não
haveria mudança se ela não desse o primeiro passo.
A consciência é construída por meio de mediações sociais, tendo como elementos
chaves o pensamento e a linguagem (Gonçalves, 2007; Lima & Carvalho, 2013). Deste modo,
a paciente, através do processo de conscientização, agiu no seu contexto e terminou o
relacionamento. Assim, “é nesse sentido, em sua duplicidade de ser linguagem e sintoma, que
[Vygotski] compreende a emoção como expressão organizadora do comportamento humano”
(Faria & Camargo, 2019, p. 61). Foi necessário que Maria vivesse tal emaranhado de emoções
para materializá-las por meio da linguagem e ressignificar sua experiência.
Ao tratar do assunto sobre maternidade, a paciente sempre chorava em demasia e não
entendia os motivos do lamento. Conforme as sessões passavam, Maria lembrou de um aborto
espontâneo que sofreu há seis (06) anos, afirmando que na época não conseguiu chorar durante
e depois do ocorrido. Faltava uma elaboração do luto de maneira mais consciente e, conforme
a paciente falava sobre o fato, ela ficava muito sensibilizada e mergulhada em lágrimas.
Através da escuta atenta, da realização de perguntas problematizadoras e da
compreensão empática, tentava-se entender os motivos pelos quais Maria gostaria de ser mãe.
Ela se questionava se realmente precisava ou se tinha algo para chamar de seu, e percebeu que
essas dúvidas se relacionavam ao seu consumismo exacerbado. Assim, utilizou-se a técnica do
eco emocional, que tem o objetivo de auxiliar o sujeito a nomear as emoções quando ele/a tem
dificuldade de fazê-la, de acordo com Aires (2006).
Compreendeu-se que o ato de consumir em excesso possibilitava a Maria ter algo
materializado a fim de satisfazer seu desejo. A relação com o ex-companheiro também tinha o
mesmo funcionamento, não no sentido de ela o comprar, mas de permanecer em uma relação
por ter algo e/ou alguém. Com o filho seguiria a mesma lógica, só que em um viés de domínio,
pois já que ela não teria o namorado por inteiro, haveria a criança a suprir sua necessidade de
ter. A linguagem possibilitou à paciente uma sistematização da percepção (Aires, 2006),
proporcionando a passagem dos aspectos sensoriais, nesse caso a emoção, para o pensamento,
através de abstrações e generalizações.
Maria construiu essas elaborações e sentidos após o término de relacionamento com o
companheiro. Compreendeu-se que o consumismo e a aprovação social eram aspectos que
estavam interligados na vida da paciente, seja no âmbito afetivo-relacional, social e individual.
Como exemplo, Maria comprava em excesso para “organizar mais a casa e [se] arrumar
melhor” (sic), aceitando opiniões de outras pessoas sem problematizar tais sugestões com o
intuito de ser aprovada socialmente. Muitas vezes comprava presentes para sobrinhos de
maneira compulsiva e desnecessária, pois acreditava que se desse para um, os demais ficariam
1126
chateados ou com raiva. Isso também tinha relação com a resignação, pois Maria se submetia à
vontade de outros a fim de ser aceita nos grupos.
Outro acontecimento após o término com o companheiro vale ser ressaltado. Maria
percebeu que não sabia identificar suas preferências pessoais no que se refere a gosto, frutas,
cores e comidas favoritas e viagens, pois o namorado decidia por ela. Em psicoterapia, foram
feitas sugestões para ela se atentar às suas vontades e ela se permitiu olhar de volta para si.
Desta forma, ao considerar a abordagem Histórico-Cultural, pode-se afirmar que “a função do
psicoterapeuta é interferir na zona de desenvolvimento potencial dos pacientes, agindo como
facilitador dos processos psíquicos sobre os quais o paciente não conseguiria atuar de maneira
autônoma” (Ferreira & Roldão, 2019, p. 393)
Como resultado, durante algumas sessões, Maria reconheceu os seus desejos,
percebendo que foi necessária a interação com outras pessoas para saber o que deseja e o que
não deseja, como ilustrado anteriormente. Deste modo, entende-se o que Aires (2006) afirma
que, se interação externa dos sujeitos com outros sujeitos for modificada, será alterada também
a consciência, a atitude do indivíduo com o contexto, consigo mesmo e com os outros.
A paciente fez o autodesligamento quando completou seis (06) meses de
acompanhamento psicológico. Houve o período de férias e carnaval, contabilizando 03 (três)
meses sem ir aos encontros. Na última sessão, ela foi bastante objetiva ratificando que não via
mais a necessidade de dar continuidade à psicoterapia, visto que o período que ficou ausente
foi importante para ela entender as questões que a atravessavam, tais como a necessidade de
maior autoconhecimento, a maternidade, a ansiedade, os relacionamentos amorosos e
profissionais.
Disse estar bem resolvida em todas essas esferas e afirmou que a psicoterapia foi o
pontapé inicial para a compreensão de si mesma e essencial para a elaboração de todos os
processos psíquicos. A aprovação social que ela visualizava como necessária não importou
mais, pois Maria passou por um processo de autoconhecimento e identificou o que lhe agrada
e o que não agrada, quais são seus limites e possibilidades, bem como deixou de aceitar opiniões
de terceiros e parou de satisfazer os desejos do outro para manter uma relação, haja vista que
tais desejos são as expectativas do outro.
Afirmou que trazer seus problemas para o campo do real foi transformador, pois
anteriormente ela não estabelecia diálogo com os sujeitos que tinham algumas adversidades,
não resolvia os conflitos e comprometia sua qualidade de vida. Maria também relatava seus
problemas para outras pessoas e parou de fazer tal comportamento devido à compreensão de
que os posicionamentos dos outros são feitos a partir das suas histórias de vida.
Faria e Camargo (2019) atestam que “as emoções humanas são processos dinâmicos em
constante (re)elaboração e desenvolvimento” (p. 63), constituindo funções psicológicas
superiores63 para mediar a relação com o seu contexto, possibilitando que tal funcionamento
revele elementos do psiquismo. Assim, foi necessário que Maria entrasse em contato com a sua
dimensão emocional e subjetiva e alterasse a consciência diante de acontecimentos que lhe
causavam um intenso sofrimento psíquico. Deste modo, o processo psicoterapêutico
63
Para o desenvolvimento de funções psicológicas superiores, faz-se necessário a relação com as funções
psicológicas elementares, em que estas se referem ao aspecto biológico do sujeito. Dito isso, as funções
psicológicas superiores se desenvolvem, a priori, nas relações sociais, nas atividades coletivas, tornando-se
interpsíquicas; a posteriori, tais funções atuam no funcionamento individual, como elementos internos do
indivíduo, atuando num plano intrapsíquico (Vygotsky, 2017).
demonstrou que a dinamicidade das emoções é essencial para que haja atribuição de novos
1127
sentidos.
O/A psicoterapeuta histórico-cultural atua na zona de desenvolvimento proximal,
auxiliando o/a paciente realizar mudanças significativas que não conseguiria atingir de modo
independente. Para que isso ocorra, há a necessidade de que haja uma relação dialógica entre
terapeuta e paciente, colaborando para um processo de ressignificação da experiência de modo
fluído, dinâmico e ativo. Deste modo, o papel do/da psicoterapeuta é ser um agente de
mudanças, de maneira externa, realizando a mediação a relação entre o sujeito e a sua realidade.
5 Conclusão
Descrever o processo psicoterápico de Maria, enfatizando suas evoluções e
ressignificações, ajudou-nos a atingir o objetivo deste artigo, uma vez que a descrição do caso
se deu a partir de um processo analítico tendo como base alguns dos principais conceitos da
Psicologia Histórico-Cultural.
Nota-se que a psicoterapia foi uma ferramenta potente de transformação social e
subjetiva para a paciente Maria, demonstrando a importância primordial da linguagem na
formação da consciência nesse processo. Nesse sentido, a palavra permitiu à paciente se
desligar da experiência direta a assegurou a emergência da imaginação de um processo que
auxilia, como fundamento, o fomento da criatividade orientada e governada, conforme afirma
Gonçalves (2007).
Vale ressaltar a importância do caráter indissociável sobre a ação terapêutica e o
contexto social do sujeito, permitindo entender que são nas relações sociais que o indivíduo
torna-se consciente de si mesmo (Ferreira & Roldão, 2018; Delari Júnior, 2012). A prática
clínica permite refletir, de modo mais específico e aprofundado, sobre a subjetividade do
paciente e de seu contexto sócio-histórico-cultural.
Reconhece-se a necessidade de maiores produções empíricas e bibliográficas acerca da
psicoterapia na linha histórico-cultural para possibilitar compreensões sobre os fundamentos
teóricos que demonstrem o desempenho possível e concreto da abordagem.
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A PRÁTICA DO PSICÓLOGO E O PROCESSO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA:
1129
UM ESTUDO NOS CONSULTÓRIOS DE PSICOLOGIA
1130
(CFP, 2013).
É notório que mesmo com todos os instrumentos de regulamentação, investigação e
padronização ainda possuem diversas críticas e problemas referentes ao uso de AP que são:
testes elaborados, administrados e interpretados por profissionais com formação acadêmica
deficiente, uso inapropriado dos testes, instrumentos desatualizados com pouca clareza das
propriedades psicométricas (validade, precisão e normas) e falta de mentores adequados (Hutz
et al., 2016).
O psicólogo utiliza em seu âmbito profissional estratégias de Avaliação Psicológica, “o
elenco de instrumentos é bastante variado, incluindo testes psicológicos, questionários,
entrevistas, observações situacionais, técnicas de dinâmicas em grupo, dentre outros”
(Resolução CFP Nº 012/00) com objetivos bem definidos para encontrar respostas com o intuito
de solucionar problemas. Esses instrumentos contribuem com o plano de trabalho e eficácia na
intervenção profissional.
Tão importante quanto conhecer ou ter o domínio de técnicas e práticas terapêuticas de
tratamentos clínicos psicológicos, é saber para quem essas práticas devem ser aplicadas. Não
raro, os casos de ineficácia de alguns métodos de tratamento devem-se à ocorrência de
diagnósticos imprecisos feitos por profissionais incapacitados (Noronha, 2002).
Diante disso, a AP se apresenta como o elo do profissional de psicologia não apenas
com o seu paciente, mas também e principalmente com o cerne de cada caso que se apresenta,
a fim de que haja maior segurança e eficiência no tratamento. Nesse sentido, o trabalho de
identificação desse profissional bem como a sua aproximação do público alvo se apresenta
como um desafio a ser superado, uma vez que nem todos os psicólogos estão habilitados
técnicas e eticamente para fazer AP.
Tendo em vista a relevância da AP na atuação do psicólogo, este estudo tem por objetivo
identificar a proporção de profissionais que atendem na rede particular de Tianguá e utilizam
da AP em sua atuação profissional. Busca-se também investigar o grau de importância dada a
AP, relatadas por eles, a fim de mostrar não somente AP como uma área ou especialidade
adscrito com o desígnio em si mesma. Todavia, apresentar também como o processo é o suporte
fundamental para tomada de decisões do especialista em suas ações e intervenções em sua
atividade profissional.
2 Método
Este estudo de caráter exploratório e descritivo foi desenvolvido por meio de uma
amostra por conveniência com os profissionais que atuam nas clínicas particulares do município
de Tianguá/CE, visando obter informações necessárias que atendam aos objetivos propostos.
As pesquisas exploratórias proporcionam maior compreensão de um determinado tema e a
pesquisa descritiva por apresentar, no referido trabalho, as características dos psicólogos
(Acevedo & Nohara, 2007).
Quanto à abordagem do problema a pesquisa caracteriza-se em quantitativa e
qualitativa, na qual procurou-se entender o fenômeno em questão, através de descrições,
comparações, interpretações, dando a possibilidade em investigar valores, crenças, hábitos,
atitudes e opiniões individuais ou de grupos (Martins & Theóphilos, 2007).
O material utilizado no presente estudo constituiu-se de um questionário contendo 10
1131
questões abertas, contemplando informações relativas à caracterização do sujeito, no que se
refere ao tempo de atuação na prática da psicologia clínica, pós-graduação, cursos direcionados
à área de avaliação psicológica e atuação profissional, abordagem psicológica, público-alvo,
instituição de conclusão da graduação e se haviam disciplinas de AP na mesma, a utilização de
testes psicológicos na prática profissional, os testes utilizados e motivos pelos quais não os
utiliza.
O material foi entregue no local de trabalho dos respectivos psicológicos, juntamente
com um envelope etiquetado para facilitar a devolução; foram enviados 18 questionários e,
dentro do período aprazado, foram devolvidos 10 questionários que compõe a amostra final.
Após a coleta de dados, a etapa seguinte da pesquisa é o processamento e análise dos
dados. Segundo Gil (2008) a análise dos dados tem como finalidade organizar e sumariar as
informações de tal forma que possibilitem o fornecimento de respostas ao problema proposto
para investigação. Sendo assim, ao término da coleta de dados foi realizada a tabulação. Para
esse procedimento foi necessária a utilização do programa computacional Microsoft Excel.
Ressalta-se que essa proposta surgiu com a necessidade de conhecer melhor o perfil dos
profissionais respondentes na região foco do estudo.
3 Resultados
Nessa pesquisa foi estimada a aplicação do questionário a 18 psicólogos clínicos que
atendem em Tianguá-CE, inscritos no Conselho Regional de Psicologia CRP/11ª região,
representando 100% do universo de profissionais da região. Todavia participaram da pesquisa
10 psicólogos, assim os questionários foram aplicados a uma amostra de conveniência de 10
psicólogos, representando 55,55% do universo de profissionais da região.
21 - 30 4 40,00%
31 - 40 4 40,00%
Idade
41- 50 1 10,00%
51> 1 10,00%
Graduação 4 40,00%
Mestrado 2 20,00%
FACID 1 10,00%
PUC-RIO 1 10,00%
UFC 2 20,00%
1132
UFPI 1 10,00%
UNIFOR 1 10,00%
De acordo com a tabela 2, a maioria dos profissionais estão até três anos na atuação
clínica 60% e comparando com a titulação, presente na Tabela 1.Pode-se aferir que os
resultados dessas duas variáveis se deu em virtude da recente formação dos psicólogos.
Sim 8 80%
Utilização da Avaliação Psicológica
Não 2 20%
Fonte: Dados elaborados pelos autores deste trabalho
1133
encaminhamentos” disse P1. Os motivos pelos quais a AP não é utilizada, foi relatado apenas
por um deles, em que atribuiu a formação deficitária e técnica.
Os participantes entendem a AP como um processo contínuo “ela não morre ali no
primeiro atendimento ou nos cinco primeiros” afirmou P8, e fundamental ”Que tem norteado
toda a minha atuação” segundo o participante P5. Que visa “acolher o sujeito em sua
integralidade” como relatou a participante P3, “ identifica as demandas do sujeito” disse P9,
“além de permitir acessar aspectos subjetivos que o cliente não aborda por vergonha ou mesmo
porque ainda nãos os acessou” afirmou P6, que é de uso exclusivo da categoria, como relatou
P2 “que pertence só a nossa categoria” e não se restringe somente ao uso da testagem.
Quanto aos aspectos formativos em Avaliação Psicológica todos os participantes
afirmaram que na sua graduação houve, em algum momento, disciplinas voltadas à AP, com
uma média de duas disciplinas durante o curso e que na sua grande parte atendiam às exigências
das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação em Psicologia,
voltadas a AP, salvo o relato de P1 “Sim, haviam duas disciplinas que falaram sobre Avaliação
Psicológica e explicaram sobre alguns testes, porém por vários contratempos pessoais da
docente em questão, não abarcaram todo o conteúdo proposto pela ementa e não foram
suficientes para um conhecimento que ultrapasse a teoria e fosse para o campo prático”, e o
de P5 “Tinha sim ! Mas não com essa denominação. Fiz Psicodiagnóstico, Laudo e um tópico
especial tem técnicas projetivas no caso o TAT (Técnicas de Apercepção Temática). Por que o
curso não tinha uma matriz curricular fechada. O discente quem construía// sua matriz
curricular, ou seja, escolhia suas disciplinas”, devido que P5 terminou sua graduação há 18
anos.
Perguntas relacionadas entre os conceitos de Avaliação Psicológica e Testagem
Psicológica foram adicionadas com a finalidade de compreender a percepção dos profissionais.
Assim, com base nas respostas obtidas, pode-se observar três visões a respeito da diferença no
processo de avaliação psicológica quando há utilização de testes. Dos 10 psicólogos, três
possuem uma percepção mais positiva e consideram importante a utilização do teste conforme
relata P4 “Faz todo a diferença o cunho científico, é um instrumental fidedigno”, “A avaliação
psicológica sem o uso dos testes não é completa e embasada” deixa claro P1, bem como disse
P7” Considero importante”. Quatro participantes com uma visão mais neutra destacam que é
importante a utilização dos testes psicológicos, no entanto, afirma que “há prós e contras em
relação a esta decisão de uso ou não” P5, argumenta“ a AP sem uso de testes também é
satisfatória” P6, da mesma forma “o teste é um instrumento opcional, mas a utilização deles
ainda é fundamental em muitos casos” P2, “Nem sempre a utilização do teste é necessária”
destaca P10.
Os 3 restantes com uma visão mais negativa, ressaltam que os testes “Por serem de
natureza empírica, é comum que seja introduzido um processo de rotulação a partir dos seus
resultados. ” P3. Já P8 mesmo que tenha dito “usava mais os testes de personalidade e alguns
palograficos” disse “eu prefiro não usar tanto os testes”. Já P9 afirmou: “Considero que os
testes são descontextualizados e não identifica a real necessidade do sujeito, a avaliação
funcional é o instrumento mais poderoso por ser contextualizado, não utilizo testagem” e
completou dizendo “já fiz o uso de testagem por muito tempo (5 anos), porém não utilizo mais”.
Em relação a quais métodos, técnicas e instrumentos são utilizados nos atendimentos
dos psicólogos, depreende-se que a maioria faz uso de entrevista e anamnese, mas também se
identificou uma semelhança entre os psicólogos com a mesma abordagem listadas abaixo.
Gestalt/terapia: método fenomenológico/existencial, “utilizo principalmente a escuta,
1134
técnicas de respiração e relaxamento, experimentos gestálticos como cadeira vazia, ampliação
da consciência, fronteiras de contato, entre outros” relata P1, complementando disse P2 “uma
observação dessa relação terapeuta/cliente/social” da mesma forma P3 afirma “fiz uso de
testes psicológicos e, recorri também ao recurso lúdico” assim como P6 também relata que
“uso entrevistas, protocolos, escalas, testes”
Análise do Comportamento: Avaliação funcional “onde são identificados repertórios do sujeito
e comportamento inadequados assim como as causas” descreve P9, complementando “utilizo
muitas atividades que vou vendo que podem ser interessantes, que podem ser funcionais dentro
de um determinado contexto” P8, dentro desta mesma abordagem P7 relata que utiliza “testes
neuropsicológicos, testes de orientação profissional, projetivos ou psicométricos”.
Histórico Cultural: Utiliza “escuta, anamnese, entrevista, observação e o teste
psicológico HTP” relata P10.
Psicanálise: nesta abordagem P5 relata que faz uso de “Entrevista clínica, observação,
uso de testes e escalas como de depressão, ansiedade, estresse, suporte familiar e social,
significados atribuídos ao trabalho, a escala fatorial de neuroticismo (EFN), os testes de
inteligência, projetivos como HTP, TAT e CAT.
Terapia Cognitiva Comportamental-TCC: “Psicoeducação, anamnese, plano de
tratamento com técnicas da terapia cognitivo comportamental”.
Informações sobre as principais demandas utilizadas na Avaliação Psicológica podem
ser consultadas na Tabela 4.
Tabela 4
Público Atendido
Só Crianças 1 10,00%
A maior parte dos psicólogos, um total de 40% atende público de adolescentes e adultos,
observa-se que a minoria trabalha somente com crianças o que representa 10%, das quais as
principais demandas observadas estão representadas em palavras chave:
Diagnóstico, citado por 6 psicólogos; Escola, citado por 4 psicólogos; Trabalho, citado
por 4 psicólogos; Psicologia do Trânsito, citado por 2 psicólogos e por fim Neuropsicologia,
hospitalar, jurídica, seleção de pessoas, citado por 1 psicólogo.
4 Considerações Finais
Este trabalho teve como principal objetivo identificar a proporção de profissionais que
atendem na rede particular de Tianguá e utilizam da AP em sua atuação profissional. Buscou-
se também investigar o grau de importância dada a AP, relatadas por eles, a fim de mostrar não
somente AP como uma área ou especialidade adscrito com o desígnio em si mesma. Pode-se
1135
observar com os dados levantados que mais de 80% dos profissionais avaliados, fazem uso da
AP, e aqueles que não a utilizam, revelam sua importância na prática profissional por ser de
uso privativo dos psicólogos. Pode-se visualizar também que 40% dos participantes possuem
apenas graduação, resultante do pouco tempo de formação, 40% tem especialização em áreas
diversas e apenas 20% possuem mestrado.
Estudos dessa natureza permitem conhecer e mapear como vem se construindo o
conhecimento e a prática, sobretudo da AP, foco do presente trabalho, numa determinada
região. Sabe-se que o número de profissionais que atuam em clínicas particulares é
relativamente pequeno e que alguns não fazem uso da AP, por não considerá-la contextualizada
para a localidade ou por simplesmente não ter uma formação capacitada que conceda condições
adequadas para a realização oportuna do processo. Foi perceptível que alguns profissionais
ainda carregam a visão estereotipada de que os testes psicológicos por trabalharem na
perspectiva empírica, podem propor rótulos. No entanto, os avanços promovidos na área são
inegáveis a ponto de afirmativas dessa natureza serem desaprovadas.
Este estudo contribui para um prisma sob a atuação clínica de profissionais na região de
Tianguá, com o intuito de revelar quais técnicas, métodos e instrumentos estão sendo mais
empregados além da diversidade das abordagens utilizadas no processo de AP, expressando a
flexibilidade e adaptação do processo.
As limitações envolvidas neste trabalho estão relacionadas a consulta de uma região e a
amostra de profissionais que atendem em consultórios particulares. Sugere-se para futuros
estudos a ampliação da localidade, bem como adote-se metodologias que consigam abarcar os
psicólogos atuantes da rede pública além de investigar outras categorias de análise para ampliar
princípios da avaliação psicológica.
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O BRINCAR PARA A CRIANÇA NA CONTEMPORANEIDADE
1137
Rafaela Vasconcelos Tahim,
Aurea Souza Aguiar Santos
1 Introdução
A infância, até o século XII, não era uma fase do desenvolvimento reconhecida pela
sociedade como na contemporaneidade, Ariès (1981) afirma que até esse momento não havia
um sentimento específico em relação à infância. Foi durante o século XIII que o sentimento em
relação à infância foi se desvelando. Em seu estudo iconográfico o autor supracitado descreve
que os primeiros sentimentos em relação à infância estavam relacionados às figuras angelicais,
retratadas como anjos que tinham o dever de ajudar na missa, como os “coroinhas” que auxiliam
os padres nas missas de hoje.
Durante o período medieval, não existia nenhum conceito sobre o desenvolvimento
infantil, nenhuma concepção acerca da aprendizagem sequencial e preparação escolar para o
mundo adulto. Para Ariès (1981), nos séculos XIV, XV e XVI, a criança era vista como um
adulto em miniatura, onde eram tratadas iguais aos adultos, pois brevemente se uniam aos mais
velhos. O importante era essas crianças amadurecerem para colaborarem no trabalho e
atividades dos adultos. Sua aprendizagem era voltada para a prática, e a forma de educação era
atribuída através dos trabalhos domésticos.
Nesse contexto, a presença da criança no meio dos adultos era frequente, não havia um
espaço destinado apenas ao público infantil, logo que ela deixava de necessitar dos cuidados de
sua mãe ou da ama, eram inseridas nas mesmas atividades que os adultos. Muitas delas
acabavam vivendo situações de abandono e negligência; enquanto outras eram consideradas
como uma folha em branco, que necessitava de todos os cuidados para seu crescimento, que
seria de responsabilidade dos adultos, ensinar cada uma a desenvolver seu caráter para o
desenvolvimento da razão (JÁCOME, 2018). Cortez (2011) acrescenta que após o desmame,
por volta dos seis anos, a criança passava a coabitar com os adultos, participando de suas rodas
de conversas, orgias e realizavam os mesmos afazeres que eles no trabalho.
Segundo Maciel, Baptista e Monteiro (2009), foi pelo final do século XVII e início do
século XVIII que a infância se constituiu como etapa do desenvolvimento humano que,
inclusive, era papel da família instrui-la, torná-la moralizada. Ariès (1981) constatou em seus
estudos algumas atitudes morais tradicionais que se relacionavam às brincadeiras, com os jogos
e divertimentos, os quais ocupavam um lugar importante na sociedade antiga. Os jogos eram
aceitos pela maioria sem discriminação. Contudo, para os moralistas da época, eles condenavam
os jogos e o descreviam como imorais. Coexistiram por muito tempo, a indiferença moral e a
intolerância de uma elite educadora, pois para uns as crianças despertavam sentimentos de
gracejos, enquanto para os moralistas, elas despertavam exasperação pelas suas ações, cada
grupo julgando os jogos e brincadeiras conforme seus critérios.
Assim sendo, surgiram novas atitudes quanto aos jogos, buscando avaliar quais seriam
adequados a educação e quais deveriam ser proibidos. Mefano (2005) afirma que com as
discussões realizadas pelos estudiosos, os jogos e brinquedos se tornaram uma característica do
mundo infantil, deixando de ser apenas um simbolismo religioso. Assim, as transformações
políticas, históricas e sociais contribuíram para que a infância se tornasse alvo dos debates das
1138
diversas áreas das ciências.
Brincar é uma característica do público infantil e tem sua relevância ao passo que
contribui para o desenvolvimento da criança tanto em aspectos cognitivos e emocionais, quanto
no desenvolvimento físico e motor. É na brincadeira, também, que a criança tem chance de
experiências socializadas com seus pares (ROLIM; GUERRA; TASSIGNY, 2008). De acordo
com Siaulys (2006), a brincadeira é parte da vida da criança, pois irá se movimentar, obter sua
independência, além de aperfeiçoar seus sentidos e habilidades. Santos (1999), afirma que a
brincadeira acontece pois há o prazer, além de expelir sentimentos de angústia, a sua ausência
pode ocorrer por não estar saudável.
Ser criança é estar em constante descoberta, devido ao contato com o meio em que está
inserida, alçando também o domínio sobre o mundo com o decorrer do tempo. O ser humano
nasceu para adquirir conhecimentos, encontrar e garantir a sobrevivência e interação social,
formado de identidade, desejos e opiniões que vão surgindo no processo de desenvolvimento.
Hoje, a criança é vista como um ser que questiona que escolhe e exige seu espaço na sociedade
(TEIXEIRA e VOLPINI, 2014).
Atentar-se à fase da infância, bem como a brincadeira, se deve ter um olhar crítico para
as experiências vividas, pois cada vez mais as crianças têm se tornado alvo da mídia e da
publicidade marketing. Souza e Salgado (2008) chamam atenção para as formas e a velocidade
como as informações se propagam no meio, que vai além de relações entre pessoas, e faz surgir
uma cultura lúdica diferenciada.
Segundo Paiva e Costa (2015), as crianças estão invertendo as amizades reais, pelas
virtuais e optam por se divertirem através de jogos eletrônicos do que correr, jogar bola ou
outras brincadeiras tradicionais. Inclusive, é possível observar que hoje um certo número de
crianças, tem “brincado” de assistir outras crianças brincando em seus canais de youtubers
mirins.
Mefano (2005) relata que a mídia tem ocupado um espaço significativo na socialização
das crianças, concorrendo com a família e com a escola. As propagandas televisivas (e que
agora estão no youtube – grifo nosso) se baseiam em símbolos voltados para as atividades
lúdicas infantis, para objetos que agucem nas crianças o desejo de possuí-los; o público infantil
é pivô em audiência dos desenhos animados, e hoje esse público tem se voltado para ser
seguidor dos youtubers, ou mesmo tem se tornado um. As crianças, na contemporaneidade,
acessam suas atividades escolares e se divertem sem sair de suas casas, através de computadores
ou tablets, elas cumprem suas tarefas escolares e constroem amizades, sem a necessidade de
estabelecer um contato físico com outra criança, esse fenômeno, portanto, têm gerado grande
interesse dos estudiosos da infância e têm gerado críticas (PAIVA e COSTA, 2015).
Nesse interim, o conteúdo tratado neste artigo, surgiu da curiosidade de compreender
os modos de brincar da criança na contemporaneidade, como ela se percebe e encontra seu
espaço no mundo. Tendo em vista que o modo de brincar tem se transformado ao longo dos
anos e que, na contemporaneidade, se encontram em um movimento acelerado e repleto de
tecnologias.
Brincadeiras de amarelinha, pega-pega, pique-esconde, de acordo com Paiva e Costa
(2015), são ocupações recreativas que estão cada vez mais escassas, assim como bola, bonecas,
bicicleta não são os brinquedos favoritos da das crianças na contemporaneidade. A sociedade
moderna e o modo como esta tem utilizado a tecnologia como meio de lazer, conhecimento e
trabalho; faz com que os computadores, celulares e outros dispositivos eletrônicos, estejam
presentes cada vez mais nas relações. E, quando se trata do público infantil, esse evento afeta
1139
diretamente a maturação da criança, no contexto afetivo, cognitivo e social, além do
sedentarismo ligado à automação causado pela tecnologia.
Diante desta temática, o presente trabalho, por meio de uma revisão sistemática da
literatura, tem como ponto de partida a seguinte problemática: o que os estudos dos últimos 05
anos revelam sobre o brincar e a infância na contemporaneidade? Para então, compreender o
brincar para a criança na contemporaneidade.
2 Método
O presente artigo trata-se de uma revisão sistemática, que se dá por meio de um
levantamento da literatura sobre um tema previamente escolhido. Segundo Fontelles et al.
(2009), nesse tipo de estudo o pesquisador fará uma busca do que já foi publicado, quem
escreveu, quais perspectivas foram abordadas sobre a temática proposta, para em seguida
sistematizar os resultados em uma nova publicação científica. Este estudo tem caráter descritivo
e exploratório, pois visa descrever as implicações do brincar para a criança na
contemporaneidade.
Para o levantamento dos dados foram pesquisados artigos nas plataformas científicas:
Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC), Scientific Electronic Library Online (SciELO)
e Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Utilizou-se o
operador booleano AND e os seguintes descritores para busca: “brincar AND
contemporaneidade” e “criança AND contemporaneidade”.
Como critérios de inclusão foram selecionados apenas artigos publicados no intervalo
temporal de 05 anos (2015 a 2019); apenas estudos em língua portuguesa (Brasil); e artigos que
abordassem o brincar na infância contemporânea. Os critérios de exclusão foram: trabalhos em
outros formatos científicos (teses, dissertações, monografias, ensaios, resenhas, etc.); língua
estrangeira; artigos fora do intervalo temporal de 05 anos e artigos que não abordassem o
brincar na infância contemporânea.
3 Resultados
O fluxograma (figura 1) apresenta os procedimentos adotados no levantamento dos
dados.
1140
Figura 1: Fluxograma do levantamento dos dados
Foi realizado a busca nas plataformas científicas, através dos descritores “brincar and
contemporaneidade” e “criança and contemporaneidade”, sendo 119 artigos encontrados no
total, distribuídos entre Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC) com 19 artigos,
Scientific Electronic Library Online (SciELO) com 26 artigos e Literatura Latino-americana e
do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) com 74 artigos.
Diante a primeira análise, foram excluídos 77 artigos, sendo 44 destes pertencentes à
plataforma LILACS, 20 à plataforma SciELO e 13 à plataforma PePSIC, por estarem fora do
intervalo temporal e em outro idioma, que não o português (Brasil), resultando em 42 artigos.
Foi realizado um segundo rastreio, no qual foram eliminados 15 artigos pela duplicidade, destes,
foram eliminados 3 artigos da plataforma LILACS, 6 artigos na SciELO e 6 também
encontrados no PePSIC, sucedendo em 27 produções científicas para leitura do título e resumo,
todas referentes a plataforma LILACS.
Após a leitura, 20 artigos não se relacionavam diretamente à temática do brincar na
contemporaneidade, assim 7 artigos foram selecionados para análise completa e após a leitura
do artigo completo, 2 foram eliminados por citar a infância contemporânea relacionando-a a
questões da alienação parental e outro que discutia sobre o processo de complexo de Édipo,
resultando em 5 artigos para análise final.
A Tabela 1 expõe os artigos selecionados após rastreio diante os critérios de
inclusão/exclusão, apresentando título, autor, ano, área de estudo e seus resultados.
1141
tempo livre para as
brincadeiras, o consumo
e a mídia que
influenciam na
adultização,
sedentarismo e na
patologização da
infância.
2 O que se passa na infância Vilhena et al Psicologia Considera as relações de
não fica na infância: sobre (2017); alteridade e reconhece
o respeito pelo outro nas de forma subjetiva os
relações sociais sentimentos que surgem
em uma sociedade.
Aponta que o respeito é
importante na relação
sociais, que confiar no
afeto do outro, contribui
para que a criança se
sinta no direito de
expressar suas opiniões
e afetos.
3 Modos de subjetivação e a Barros e Abrão Psicologia Os autores apontam o
fragmentação do saber (2017); deslocamento do lugar
sobre a criança que a criança ocupa no
mundo contemporâneo,
discutindo o mal-estar
de um período em que
ela ocupa o lugar de
objeto, por meio de um
discurso tecnocientífico
que elabora uma
mercantilização de
subjetividades e
influencia os pais nesse
contexto, dificultando a
relação dos pais com as
crianças.
4 Reflexões acerca do Bernardi (2016); Psicologia Explora a relação da
brincar e seu lugar no criança e do brincar na
infantil contemporaneidade e as
influências da
tecnologia nesse
universo que provoca
muitas mudanças nos
tipos de brincadeiras e
de novas relações.
5 Infância e sofrimento Rosa, Veras e Psicologia O artigo destaca a
1142
psíquico: medicalização, Vilhena (2015); tentativa de redução do
mercantilização e sofrimento da criança,
judicialização relacionando-o com
mercantilização das
crianças, seja como
consumidoras ou como
produtos; aponta a
medicalização, como
respostas individuais e
médicas a questões
sociais, e a
judicialização, se
referindo ao processo de
institucionalização da
criança. Trata também
das experiências infantis
não vividas e
acomodadas às normas
estabelecidas.
Tabela 1: Resultados dos artigos incluídos
4 Discussão
4.1 A criança e a família na contemporaneidade
1143
agressividade), são desconsiderados e cobertos por rótulos e medicamentos e passam a ser vistas
como sintoma da organização social e psíquica dos pais e das instituições que elas deveriam
ocupar. É importante considerar a mudança histórica que atravessa a ordem familiar, em que
nas figuras parentais há uma desordem entre a singularidade existencial e o cuidado com os
filhos (ROSA, VERAS E VILHENA, 2015).
Essa desordem, afeta também na maneira de interpretar a educação pelos próprios
educadores, que passaram a crer que toda repressão gera trauma e prejuízos às crianças e que a
liberdade, seja a solução para o sucesso na educação e manter crianças saudáveis. Diante disso,
segundo Barros e Abrão (2017), os pais têm receio de frustrar e determinar limites aos filhos,
pois se afligem diante do ato de repreender, que os filhos se revoltem contra eles, preferindo
construir uma relação amigável, com educação embasada no afeto e amor, do que se colocarem
como autoridade.
Outro fator que mantêm esse receio dos educadores, conforme Barros e Abrão (2017)
é a grande valorização da infância, com a crença de que uma infância bem cuidada, garante à
sociedade um futuro de adultos bem-sucedidos. Há então um deslocamento de posição que a
criança ocupa na sociedade contemporânea, ela se tornou “objeto” para investimentos, pois o
futuro precisa que o seu desenvolvimento seja saudável. Havendo, assim, exigências para
desenvolver habilidades, competências, autonomia e independência, com o intuito de promover
um adulto de sucesso.
A preocupação e a necessidade de intensificar as qualificações dos filhos, se construiu
através da sociedade altamente competitivas e preparadas (Vectore et al, 2018). Podemos
perceber este fato trazido pelos autores, a quantidade de atividades que as crianças estão sendo
inseridas, seja na natação, no inglês, na dança, na informática, no ballet, na escolinha de futsal...
Os pais alegam que estas atividades são importantes para o desenvolvimento dos filhos,
portanto o exagero delas diminuem o tempo da criança ter o direito de ser criança (brincar livre,
por exemplo), por ser tão atarefadas com atividades que lhes são propostas a fazer e cumprir.
Esta afirmação contribui no processo de formação e aceitação de si da criança. É
necessário o respeito da criança para com os pais, assim como os pais para com os filhos,
favorecendo o vínculo familiar, bem como sua construção como pessoa. Barros e Abrão (2017)
descrevem que tem sido imposto às crianças um ideal de perfeição no qual a sociedade espera
que não falhe em nenhum momento. Ou seja, enquadra a criança como um ideal de perfeição,
e é visível o quanto as crianças vão desaparecendo num discurso social revestido de felicidade
e sucesso na infância.
Contudo, essa busca pelo ideal atravessa as vontades dos pais que atribuem às crianças
a busca pela perfeição, gerando anseios nelas e aprisionando-as às expectativas de não falharem
e não ferirem a projeção de seus pais. Assim, é perceptível o quanto a família contemporânea é
afetada pelo discurso científico, em que muitas vezes buscam soluções nos profissionais com o
objetivo de potencializar a eficiência das crianças, e também para aprenderem a educar os filhos
e compreender cada fase do desenvolvimento infantil, em prol de uma “boa educação”.
1144
momentos designados às brincadeiras, como exemplo, nas escolas. E que para manter o
currículo escolar atualizado, “a hora do brincar” é a primeira a ser eliminada do dia da criança.
A formação da socialização, conhecimento e aprendizado começam através do brincar,
portanto na atualidade foi notado que as brincadeiras não têm sido exploradas no meio em que
a criança se encontra. Bernardi (2016) discute que a ludicidade no contexto infantil tem se
apresentado apenas como entretenimento e não como um recurso favorecedor do
desenvolvimento infantil. Além do ambiente escolar, a autora aponta que o público infantil se
encontra tão preso aos aparelhos eletrônicos, que parecem que eles substituíram os brinquedos,
sendo o computador, a televisão e o videogame, os brinquedos de hoje.
Um dos responsáveis por este cenário é o marketing que por meio de suas propagandas
anuncia sempre novidades para atrair as necessidades das crianças, como diversos modelos de
objetos tecnológicos que anulam os brinquedos tradicionais, como bola, boneca e pião. E os
brinquedos oferecidos às crianças na contemporaneidade são praticamente descartáveis e pouco
interessantes, o que incita sua substituição por brinquedos modernizados que englobam
tecnologia (BERNARDI, 2016).
É visível que o espaço para a criança brincar tem sido reduzido. A tecnologia invade a
rotina da criança e, devidos a tantos recursos modernos disponíveis, as brincadeiras tradicionais
estão desaparecidas. Como estagiária de Psicologia na clínica, percebo ao longo dos
atendimentos infantis a forma como as crianças usufruem do tempo no setting terapêutico para
brincar: um momento marcado pela dificuldade de escolher um brinquedo específico; tentativa
de controlar o tempo e suas angústias como fazem com os equipamentos eletrônicos. Ao mesmo
tempo em que é visível, na recepção da clínica, os responsáveis disponibilizando os “celulares”
para as crianças para que fiquem comportadas enquanto esperam sua vez. Esse é um fenômeno
possível de ser visualizado no nosso contexto, assim como aponta a literatura.
Devido sua importância para o desenvolvimento salutar da criança, o brincar é visto
também como uma atividade terapêutica, que permite a criança expor situações traumáticas. De
acordo com Bernardi (2016), a criança fala ou sinaliza conteúdos que a perturbam e não envolve
somente a situação presente, ela se posiciona com relação ao seu passado e ao futuro. Nesse
ensejo, é válido sinalizar a importância do atendimento infantil como oportunidade para a
criança brincar e expressar seus sentimentos, pois muitas vezes, estão sem tempo livre para si
diante tantos papéis que tem que ocupar. Vectore et al (2018) discutem que as áreas sociais e
políticas, pais, educadores, psicólogos e outros, precisam reconhecer as necessidades das
crianças, ouvi-las e dá a elas a possibilidade de terem seus direitos respeitados, pois a infância
é uma fase essencial para o desenvolvimento de todo ser, inclusive preservando seu tempo de
brincar, que é essencial para seu desenvolvimento.
Para Bernardi (2016) através da brincadeira a criança experimenta liderança,
espontaneidade, seu próprio mundo, sendo capaz de criar soluções para seus conflitos. O brincar
proporciona também interação social com outras crianças, e dá à criança que brinca
oportunidade de conhecer seus limites, elaborar sentimentos e emoções.
Segundo Vectore (2018), há uma troca de relações, em que as crianças se apegam ao
uso tecnológico de aparelhos eletrônicos e se desapegam da afetividade humana, se
distanciando do contato com o mundo real, tendo também como consequência o sedentarismo.
Elencando a ideia de Bernardi (2016), o brincar está marcado pela “era” tecnológica. As
crianças se mantêm mais tempo focada na TV, em games ou navegando na internet, perdendo
o contato com as brincadeiras tradicionais. Os programas televisivos expandiram a sua atenção
para o cotidiano das pessoas e principalmente das crianças, havendo programas exclusivos para
1145
atrair o público infantil.
Assim, é válido discutir o quanto as crianças estão construindo relações sociais mais
distantes e dispersas, evitando brincadeiras coletivas e permanecendo mais tempo no celular ou
televisão, inclusive, assistindo outras crianças brincarem.
Os brinquedos atuais provocam nas crianças um ritmo acelerado e programado com
regras preestabelecidas, sem espaço para pensar e sem tempo para exercitar o conhecimento
(BERNARDI, 2016). Numa visão do que é ser criança na contemporaneidade, o enfoque vai
desde o tempo livre que ela tem para brincar, até a necessidade futura. O tempo presente é
desconsiderado, elas passam a ser preparadas para o futuro, para uma longa etapa, porém
vivenciando o presente implicado pela mídia, pelo consumo e até mesmo pelas doenças que há
um tempo eram consideradas “doenças de adultos” (obesidade, diabetes, hipertensão)
(VECTORE et al, 2018).
5 Considerações finais
O ato de brincar é apresentado pelos autores como parte do desenvolvimento infantil,
como um dos recursos com benefícios para a criança. Hoje pode ser observada uma
transformação neste cenário lúdico, cujas brincadeiras, antes socializada no contato com o
outro, se tornam brincadeiras individualizadas, ou por contatos virtuais apontando para novos
modos de relacionamentos entre os pares. No que tange aos movimentos corporais, as
brincadeiras na rua, de correr, que estimulavam coordenação motora global, com elevado gasto
energético, passam a brincadeiras passivas diante das telas, culminando, também, em crianças
sedentárias e no aumento da obesidade infantil e outras enfermidades que há um tempo só se
via em adultos.
Na contemporaneidade as brincadeiras das crianças são atravessadas pelo universo
midiático e consumidas através das normas propostas pelo mercado. Os estudos apontam que
num processo histórico e cultural os brinquedos e brincadeiras se inseriram no desenvolvimento
infantil como recurso auxiliar na moralização da criança, para facilitar sua aprendizagem,
relações sociais, contudo, diante do cenário atual é preciso discutir de que forma essas novas
brincadeiras tecnológicas e midiáticas contribuem ou possam ser complicadores ao
desenvolvimento da criança.
Pois como foi sinalizado nos estudos encontrados, a expectativa dos pais sobre os
filhos e filhas para que deem certo, tenham sucesso em seus empreendimentos, também
diminuem o tempo do livre brincar e colocam as crianças em rotinas de verdadeiros executivos.
Essas circunstâncias somadas às novas formas de brincar numa sociedade que busca explicação
para todos os comportamentos humanos acabam por disseminar uma cultura de medicalização
da infância caso o projeto de criança feliz, quieta e de bom rendimento acadêmico não seja
alcançado.
Diante do exposto verifica-se com esse estudo que diante de um tema que atravessa a
Medicina, a Pedagogia, a Psicologia e a Sociologia, ainda são poucas as publicações nesta área,
seguindo os critérios de inclusão e exclusão que utilizamos. E que os artigos que encontramos
são da Psicologia, mais especificamente, discutidos por psicanalistas.
Assim, pretende-se que este estudo, possa instigar novas investigações acerca desta
temática que além de interdisciplinar, também é do interesse da família e visa contribuir para
um olhar crítico para as formas de brincar da criança na contemporaneidade.
1146
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TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E A RESISTÊNCIA FRENTE AO
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PROCESSO TERAPÊUTICO: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA
1 Introdução
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), originalmente denominada de “Terapia
Cognitiva”, é um modelo de psicoterapia desenvolvido na década de 1960 por Aaron Beck na
Universidade da Pensilvânia (Beck, 2013), inicialmente empregado no tratamento da depressão,
cuja ideia principal é o papel do processamento desadaptativo de informações, referentes a um
estilo de pensamento negativo sobre si mesmo, o mundo e o futuro, presentes na maioria dos
transtornos psicológicos (Wright et al., 2018).
Este modelo de psicoterapia tem sido adaptado e ampliado ao longo dos anos, sendo
atualmente um tratamento com eficácia estabelecida, seja como uso principal ou em conjunto
com outros tipos de terapia, em transtornos como depressão, ansiedade, compulsão alimentar,
uso de substâncias, dentre outros (Cordioli & Grevet, 2018). Ao demonstrar as interrelações
entre o pensamento, a emoção e o comportamento, bem como a forma em que eles atuam
reciprocamente, Knapp (2004) afirma que “a mudança em qualquer um desses componentes
pode iniciar modificações nos demais” (p. 21).
Por ser uma abordagem embasada cientificamente, é possível constatar estudos clínicos
controlados que validam sua eficácia. Nessa direção, a Terapia Cognitivo Comportamental é
constituída de alguns princípios fundamentais. Alguns destes princípios são: (1) ênfase na
colaboração e participação ativa do paciente; (2) desenvolvimento de uma aliança terapêutica
sólida; (3) estruturação das sessões e (4) o uso de uma variedade de técnicas (Beck, 2013).
Entretanto, nem sempre o paciente consegue adequar-se a estes princípios, o que leva à
resistência no tratamento.
Resistência é um termo que possui diversos significados diferentes a depender de onde
o mesmo é aplicado, sendo que na Psicologia, este termo foi amplamente utilizado em toda a
obra de Freud no desenvolvimento da Psicanálise, para se referir a tudo que se manifesta contra
a mudança e que funciona como um obstáculo no tratamento (Ventura, 2009), e é encontrada
em praticamente todas as abordagens terapêuticas. Especificamente no âmbito da TCC, alguns
problemas que podem surgir que indicam resistência são a falta de envolvimento e de progresso
na terapia, o não entendimento ou incapacidade de utilizar das técnicas e também o forte apego
pelas cognições distorcidas, que dificultam na reestruturação para cognições mais adaptativas
que levariam à consequente melhora (Beck, 2007).
Diante do que foi exposto, o objetivo do presente trabalho é analisar como ocorre a
resistência do paciente que está em tratamento na Terapia Cognitivo-Comportamental e quais
são os métodos que o terapeuta nesta abordagem pode utilizar para trabalhar essa resistência,
sendo para isso adotado o método de revisão sistemática, a partir de artigos científicos
1149
publicados nos últimos anos.
2 Fundamentação Teórica
2.1 Comportamentalismo versus Cognitivismo
A corrente comportamentalista, na Psicologia, surgiu com o advento do Behaviorismo
proposto por John Watson em 1913, o qual afirmava que o comportamento decorria dos
estímulos ambientais e apenas o comportamento observável de forma direta se configura como
um objeto possível de ser estudado pelo método científico, o que não era possível com os
fenômenos internos aos indivíduos (Furtado, 2018). Por sua vez, o movimento cognitivo surge
como uma crítica à simplificação trazida pelo behaviorismo, tratando-se de uma perspectiva
que engloba também os processos que acontecem dentro da mente humana, como o raciocínio,
a tomada de decisão, o planejamento e a comunicação, trazendo a importância do pensamento
sobre o comportamento humano (Coelho & Dutra, 2018).
Em seu desenvolvimento histórico, a Terapia Cognitivo-Comportamental, conforme
explanam Barbosa, Terroso e Argimon (2013), pode ser dividida em três grandes ondas. A
primeira onda foi predominantemente comportamentalista, baseada nos modelos de
condicionamento reflexo, desenvolvido por Ivan Pavlov, modelo este que por sua vez serviu de
inspiração a Watson no desenvolvimento do Behaviorismo Metodológico (Paradigma Estímulo
– Resposta, ou S–R); e do Behaviorismo Radical, proposto por Burrhus Frederic Skinner, com
foco no comportamento e condicionamento operante (Paradigma Estímulo – Comportamento –
Consequência, ou Sd–R–Sr).
Com o advento da Psicologia Cognitiva, surge a segunda onda da Terapia Cognitivo
Comportamental, focada na importância do estudo dos processos cognitivos, sendo esta um
ponto de partida do desenvolvimento da Terapia Cognitiva de Aaron Beck, bem como de outros
modelos psicoterápicos, como a Terapia Racional Emotiva de Albert Ellis e a Terapia Centrada
nos Esquemas de Jeffrey Young, além de inúmeras publicações na área. Já a terceira onda, mais
atual, traz uma diversidade de modelos de intervenção pós-modernos e pós estruturalistas na
visão do sujeito, que é visto como em constante movimento e transformação a nível
experiencial, contextual e social. São exemplos destes modelos de psicoterapias: a Terapia
Cognitiva Baseada em Mindfulness, a Terapia Comportamental Dialética (BDT), a Psicoterapia
Analítica Funcional (FAP) e a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) (Barbosa, Terroso
& Argimon, 2013).
1150
dos “erros no processamento de informação como fatores de vulnerabilidade cognitiva, os
quais, associados a fatores genéticos, neurobiológicos e ambientais, interagem no
desenvolvimento e manutenção dos sintomas” (Cordioli & Knapp, 2008, p. 51). Esse
processamento cognitivo ocorre nos níveis de pensamentos automáticos, que são aqueles que
surgem espontaneamente após um evento sem necessidade de invocá-los, levam a uma resposta
emocional e posteriormente a um comportamento e são de difícil identificação; e das crenças
centrais ou esquemas, ideias mais rígidas e mais enraizadas, desenvolvidas sobre si mesmo, o
mundo e o futuro, de onde derivam os pensamentos automáticos (Hofmann, 2014). A presença
de pensamentos automáticos distorcidos e de crenças centrais desestruturadas acarreta em uma
avaliação desadaptativa das situações.
Dessa forma, o terapeuta cognitivo e o paciente se engajam num processo de testagem
dos seus pensamentos e crenças de forma científica e racional, principalmente avaliando a
validade destes e utilizando de uma série de técnicas que visam o exame das evidências que
levam a determinadas conclusões, a fim de gerar novas conclusões mais adaptativas e colocá-
las em prática na forma de experimentos comportamentais, com o intuito de aproximar suas
cognições da realidade. É também essencial nesse tratamento o trabalho com as emoções, as
motivações e as respostas racionais (Leahy, 2007).
1151
agir de forma a não complementar seus esquemas.
3 Método
Foi adotado o método de revisão sistemática, portanto trata-se de um estudo qualitativo,
descritivo e interpretativo. A revisão sistemática “trata-se de um tipo de investigação focada
em questão bem definida, que visa identificar, selecionar, avaliar e sintetizar as evidências
relevantes disponíveis” (Galvão & Pereira, 2014, p. 183). Ou seja, dada uma determinada
temática, os dados científicos sobre esta são reunidos e analisados de forma abrangente, o que
permite um alto nível de evidência para tomadas de decisão.
Sendo assim, foi realizada uma busca dos dados na literatura das seguintes bases de
dados eletrônicas: SciELO, PePSIC, IndexPsi e LILACS, durante o mês de novembro de 2019,
não tendo sido estabelecido inicialmente um intervalo de anos de publicação. Foram
estabelecidos os seguintes critérios de inclusão dos estudos: a) abordar relação e relevância com
o tema proposto; b) ter sido publicado em português; e c) ser artigo publicado em revistas
cientificas. Os critérios de exclusão foram: a) não estar relacionado ao tema proposto (Terapia
Cognitivo Comportamental e Resistência/Transferência/Contratransferência); b) ter sido
publicado em outro idioma e c) livros, dissertações, teses, relatórios, resumos ou publicações
não disponíveis na internet.
Devido a maioria das pesquisas apresentarem limites na padronização dos termos
utilizados, estratégias complementares têm sido utilizadas nas revisões sistemáticas com o
objetivo de englobar de forma mais completa a busca e obter uma melhor compreensão dos
resultados. (e.g., Sacco, Couto & Koller, 2016; Zoltowski et al., 2014). Dessa forma, a consulta
ao Google Acadêmico foi utilizada neste estudo como uma estratégia complementar de forma
a ampliar o alcance da presente revisão sistemática, acrescentando-se juntamente aos demais
critérios de inclusão estabelecidos: a) ter sido publicado entre 2015 a 2019.
4 Resultados
Foi realizada uma seleção para definir adequadamente a literatura (ver Figura 1). Após
a leitura dos materiais, foi construída uma tabela com os principais estudos a fim de resumir as
principais ideias contidas nestes que mais se destacaram entre os pesquisados. De cada estudo,
foram extraídas as seguintes informações: autores, ano, título do artigo, objetivo, tipo de
pesquisa e resultados.
A busca inicial nas bases de dados, usando os descritores “Terapia Cognitivo AND
Resistência”, “Terapia Cognitivo AND Transferência” e “Terapia Cognitivo AND
Contratransferência”, gerou um total de 23 resultados [SciElo (n= 11), LILACS (n= 8), Index
Psi (n= 3), PePSIC (n= 1). Com a aplicação dos critérios de inclusão e de exclusão, restaram 6,
que foram selecionados para a análise.
No que diz respeito às estratégias complementares, as buscas no Google Acadêmico,
com o uso das palavras-chave “Terapia Cognitivo Comportamental”, “Resistência”,
“Transferência” e “Contratransferência”, de forma combinada, obtiveram 131 resultados. Após
a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, selecionou-se 8 artigos que foram incluídos no
estudo.
5 Discussão
1152
O presente estudo tratou-se de uma revisão sistemática acerca de como ocorre a
resistência do paciente na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e quais são os métodos
que podem ser utilizados para trabalhá-la. Todos os estudos encontrados pertenciam à área da
Psicologia, sendo que 8 deles abordavam diretamente a TCC, enquanto que os outros 6 também
traziam ou focavam outras abordagens terapêuticas. As pesquisas apresentaram dados
relevantes e até complementares em sua maioria, e vários temas em comum surgiram durante a
leitura dos artigos. Nota-se ainda uma escassez de estudos ligados à temática abordada, ao
mesmo tempo em que esta é citada como de absoluta importância. Os dados encontrados são
discutidos a seguir.
Ao considerar a necessidade de uma relação colaborativa entre paciente-terapeuta e o
desenvolvimento de uma relação terapêutica sólida como alguns dos princípios fundamentais
que embasam a Terapia Cognitivo-Comportamental, foi unânime em todos os estudos
analisados que os comportamentos de resistência, durante o tratamento, ocorrem
principalmente nos contextos em que a relação terapêutica não está desenvolvida ou que
apresenta falhas. De tal forma, sugere-se que seja de extrema necessidade que esta relação seja
analisada, melhorada e reforçada, de maneira a facilitar o engajamento do paciente no processo
terapêutico e, consequentemente, a obter resultados significativos e desejados.
De acordo com os resultados encontrados, os estudos também apresentam diferentes
maneiras pelas quais a resistência terapêutica se manifesta, tanto no paciente, quanto no
terapeuta, variando conforme a faixa etária, o sexo, a etapa do processo terapêutico em que se
encontra, os elementos abordados na terapia, dentre outros fatores. Nos pacientes, a resistência
pode começar em relação à própria ideia de fazer psicoterapia e à sua procura (Souza, 2017);
complementando essa afirmação, infere-se a existência de fatores que podem levar a isso, a
exemplo da presença de algum transtorno psicótico ou até mesmo a cultura, como o fato de
haver no sexo masculino uma tendência a não externalizar as emoções, sendo que muitas vezes
os homens acabam não buscando ajuda devido estas serem uma das variáveis abordadas no
processo terapêutico (Costa, Alves & Eizirik, 2018). Schmidt, Gastaud e Ramires (2018)
demonstram que alguns dos meios pelos quais os pacientes resistem durante o tratamento são
através da expressão de raiva, agressividade, distanciamento e rejeição em relação ao terapeuta
ou aos métodos utilizados, e culpabilização do terapeuta ou aos outros devido a tentativas de
exploração dos pensamentos e sentimentos.
Corroborando com esses dados, Pureza, Oliveira e Andretta (2013) afirmam que o
conjunto de falhas no estabelecimento e manutenção da relação terapêutica, associado a fatores
sociodemográficos, avaliações inadequadas e outros envolvidos no conjunto, se não tratados,
podem acarretar no abandono da psicoterapia. É interessante observar que em alguns casos a
resistência também pode ocorrer não diretamente pelo paciente, mas a partir de outros sujeitos
indiretamente envolvidos no processo, principalmente a família. Isso é evidenciado no estudo
de Oliveira e Gastaud (2018), no qual foi identificado resistência nos pais de crianças
submetidas a psicoterapia, já descritas anteriormente.
Em casos como esse, da mesma forma que nos demais, se torna necessário um
treinamento dos pais ou responsáveis, assim como deve ser apontado como um dos problemas
que serão avaliados e corrigidos durante a terapia, visto que o andamento do processo também
se torna comprometido e os resultados prejudicados. Em virtude de a psicoterapia abarcar
sujeitos envoltos de subjetividades, experiências e histórias de vida, dentre eles o terapeuta, não
é incomum que também ocorrem comportamentos de resistência partindo deste para com o
paciente.
Osório et al. (2017) trazem o conceito de “Contratransferência”, criado na abordagem
1153
psicanalítica, para se referir àquelas reações que o analista tem, de forma inconsciente, em
relação ao analisando, que podem ser positivas ou negativas. Adicionalmente, os achados de
Lima e Oliveira (2015) trazem a importância da análise dessa contratransferência, referentes
aos fatores negativos, tais como seus preconceitos, crenças, e afins, tendo em vista que eles
fomentam resistências em relação aos pacientes, com o intuito destes fatores não interferirem
no processo e o impedirem de ajudar os pacientes a se desenvolverem.
Por outro lado, pode-se perceber também que a expressão de comportamentos de
resistência em relação à terapia ou ao terapeuta, por parte do paciente, diz muito sobre as suas
próprias crenças desadaptativas, conforme evidenciado por Rocha, Oliveira e Kappler (2017),
o que fornece ao terapeuta um rico arsenal de informações acerca do padrão de funcionamento
cognitivo e comportamental dos pacientes, possibilitando-o compreendê-los melhor e manejar
o tratamento da forma mais adequada possível para cada caso em questão.
Ribeiro et al. (2011) falam sobre a possibilidade de incorporá-la na agenda terapêutica,
pois como apontado por Alves (2017), até mesmo técnicas da própria TCC utilizadas no
tratamento das queixas dos pacientes, como a identificação das crenças e a resolução de
problemas, também podem ser utilizadas para trabalhar a resistência dos mesmos. É notório
que a ocorrência dos comportamentos de resistência dos pacientes vai além dos modelos de
tratamento embasados na TCC ou em outras abordagens terapêuticas do campo da Psicologia,
podendo acontecer em praticamente todas as formas de tratamento existentes nos mais variados
campos de atuação, como é exemplificado nos estudos de Elkis e Meltzer (2007), Faustino e
Seild (2010) e Lages et al. (2011), nos quais a resistência ocorreu em relação ao tratamento
farmacológico.
Cabe salientar aqui que, nos estudos acima citados, foi demonstrado que a TCC pode
ser utilizada como um meio de reduzir os comportamentos de resistência em relação ao
tratamento farmacológico e na adesão do paciente a este, mais uma vez comprovando a sua
eficácia, evidenciada nos estudos acima relatados, bem como no de Oliveira e Silva (2011), no
qual a mesma foi aplicada com sucesso no tratamento do luto, e no de Osório et al. (2017),
quando citam a constante evolução conceitual e teórica dessa abordagem que teve justamente
como um dos objetivos o aumento da eficácia do tratamento embasado nesse método.
6 Considerações Finais
Os objetivos do estudo foram atingidos, e seus resultados apresentaram dados
relevantes. Foi possível observar que o comportamento de resistência do paciente ocorre nos
mais variados tipos de tratamento, e dentro da Psicologia, mais especificamente no tratamento
baseado na Terapia Cognitivo-Comportamental, foco deste estudo, ele está ligado
principalmente aos problemas na relação terapêutica, mas também às crenças disfuncionais, as
mudanças desencadeadas pela terapia, a presença de outras patologias, até mesmo fatores
sociodemográficos, dentre outros.
Dessa forma, espera-se que esse estudo ofereça uma contribuição no enriquecimento do
campo acadêmico e científico ligado à temática, tendo em vista a escassez de pesquisas que a
abordam e, por outro lado, a importância de ser estudada, devido a resistência ao processo
terapêutico poder ser expressa de diferentes formas e atrapalhar significativamente o progresso
da terapia, levando a estagnação dos problemas para os quais foi buscada ajuda e, em alguns
casos, ao abandono do processo, devendo, portanto, ser trabalhada juntamente com os
problemas expressos pelos pacientes, com o intuito de reduzi-la.
Cabe destacar aqui algumas limitações do estudo, tais como a utilização de poucos
1154
descritores durante a busca e a pequena quantidade de artigos encontrados que abordassem a
temática proposta, bem como ser uma pesquisa estritamente teórica e não possuir objetivo de
desenvolver uma proposta prática de intervenção em campo. Por fim, espera-se que esse estudo
possibilite o desenvolvimento de novas pesquisas que tratem da temática destacada, a exemplo
da construção de um protocolo de intervenção a pacientes resistentes ao tratamento, o
desenvolvimento de técnicas que possibilitem o engajamento do paciente no processo, tal como
a flexibilização da estrutura técnica de abordagens terapêuticas como a TCC, adaptando-a a
cada caso em questão.
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EIXO 19
1157
Saúde Pública e Políticas Sociais: atuação multiprofissional nos
diversos contextos de saúde no Brasil e na América Latina
1 Introdução
O Sistema Único de Saúde (SUS) desde 1988 vem mostrando significativos avanços,
sobretudo, na ampliação do número de Equipes de Saúde da Família na população brasileira.
Isso porque a Estratégia de Saúde da Família tem provocado o reordenamento do modelo de
atenção no SUS, valorizando o princípio da integralidade do Sistema Único e reorganizando
a prática da atenção à saúde ao levar o atendimento para mais perto das famílias. (Ministério
da Saúde, 2010).
Acerca da definição de políticas públicas, Dias & Matos (2017, p. 12) sintetizam da
seguinte maneira: “ações empreendidas ou não pelos governos que deveriam estabelecer
relações de equidade no convívio social, tendo por objetivo dar condições para uma melhoria
na qualidade de vida”. No atual cenário social, a psicologia encontra-se cada vez mais inserida
no âmbito das politicas públicas. A exemplo, cerca de 10% do total dos psicólogos registrados
no país possui algum tipo de vínculo com o SUS (Spink, 2007).
Dentre as políticas de saúde do SUS, o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)
é uma política “porta de entrada” para a atuação no campo social do profissional de psicologia,
em função do apoio financeiro dado pelo Governo Federal para implementação e manutenção
das equipes de saúde, conforme explicita o Conselho Federal de Psicologia [CFP] (2019).
Além disso, é relativamente nova, posto que sua criação se deu por meio da Portaria nº 154,
de 24 de Janeiro de 2008, segundo o Ministério da Saúde (2014). Tendo em vista isso, foi
despertado o interesse pelo conhecimento dessa política pública, bem como a reflexão sobre
as potencialidades e desafios dessa atuação.
É válido destacar que a política pública do NASF, não possui um espaço físico
característico, uma vez que os núcleos fazem parte da Atenção Básica (AB). Dessa forma, as
Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos territórios de referência são os espaços onde são
desenvolvidas as atividades. Isso porque o NASF, em suas missões delimitadas, “não se
constitui porta de entrada do sistema para os usuários, mas apoio às equipes de Saúde da
Família” (Ministério da Saúde, 2014, p. 16).
Sobre a realidade maranhense, Pereira & Gama (2016) realizaram uma avaliação dos
Núcleos de Apoio à Saúde da Família no estado. Ganhou destaque no estudo a cidade de
Imperatriz, que dos 108 municípios maranhenses inclusos na pesquisa, o munícipio
imperatrizense imperou com o maior número de NASF no Maranhão, sendo cinco
distribuídos pela cidade. Além disso, Imperatriz também possui o maior número de Equipes
1158
de Saúde da Família vinculadas, totalizando quarenta e uma equipes.
Sendo assim, o presente trabalho trata-se de um relato de experiência desenvolvido
por acadêmicas de Psicologia do 5º período por meio da disciplina de Políticas Públicas e
Avaliação de Programas Sociais, realizado no Núcleo de Apoio à Saúde da Família em
Imperatriz-MA, com o objetivo de compreender o lugar do psicólogo na política pública de
saúde do NASF.
A partir dessa experiência foi possível perceber a relevância do psicólogo na saúde
pública, posto que a população é necessita de informações básicas, e de cuidados, justificando
a grande demanda na procura por esse profissional. Foi tida a compreensão das modalidades
de atendimento, a qual foge do modelo tradicional clínico, revelando potencialidade e
coerência com as diretrizes do NASF. Além disso, desafios foram notados, especialmente, no
que se refere à grande demanda para um único profissional da saúde mental.
2 Método
O presente trabalho possui configuração qualitativa, transversal e exploratória. O
objetivo geral pautou-se em conhecer a política pública do NASF, bem como a compreensão
de suas potencialidades e desafios. Para isso, foram realizadas quatro visitas nos respectivos
dias do ano de 2019: 25 de Outubro, 12, 13 e 28 de Novembro, em três Unidades Básicas de
Saúde (UBS) localizadas nos bairros: Bom Sucesso, Planalto e Santa Rita no município de
Imperatriz-MA.
Em tais visitas, foram feitas observações acerca da estrutura e dinâmica das UBS,
participações em atividades grupais, entrevista semiestruturada com a psicóloga do NASF
referente às Unidades Básicas visitadas e, por último, uma participação interventiva com
funcionários e paciente. Tais resultados observados foram comparados com a teoria a fim de
refletir sobre as potencialidades e desafios encontrados.
3 Resultados e Discussão
A primeira visita foi realizada no Núcleo de Apoio à Saúde da Família referente ao
bairro Bom Sucesso, no qual foi realizada uma entrevista com a psicóloga do NASF. Por meio
da entrevista, foi possível perceber a importância do profissional da psicologia na política de
saúde da família que, segundo relatado, tem como objetivo trabalhar aspectos da saúde
mental, prevenção e principalmente psicoeducação, “pois assuntos simples a população
desconhece”. Portanto, a missão do psicólogo em uma Politica Pública, consiste também na
disseminação de conhecimento.
Quanto a isso, Martin-Baró (1997) explana sobre a atuação do psicólogo no trabalho às
maiorias populares. Para ele, dentre os papeis do psicólogo a ser desenvolvido, está o da
conscientização, isto é, o de ajudar as pessoas a superarem sua identidade alienada, pessoal e
social, ao transformar as condições opressivas do seu contexto por meio do conhecimento.
Por conseguinte, foi discutido sobre as fragilidades na atuação dentro do NASF. A
priori, a maior queixa pautada pela psicóloga, é que “é um absurdo um psicólogo para nove
postos de saúde”. Segundo ela, a inserção de psicólogos nos postos de saúde deveria ser maior,
pois possibilitaria um trabalho mais abrangente, bem como facilitaria a criação de vínculos
com as equipes, já que trabalhar cada dia em um lugar diferente dificulta essa criação.
Realidade semelhante também foi evidenciada no estudo de Klein & d’Oliveira (2017), ao
1159
apontarem que há um número grande de Equipes de Saúde da Família e UBS para apoiar e
uma oferta assistencial de psicólogos insuficiente para abarcar a necessidade da população,
logo, a articulação fica comprometida.
É importante refletir que a partir do final da década de 70 o contingente de psicólogos
trabalhando nas politicas públicas aumentou. Apesar disso o quantitativo ainda constitui
pouca expressão comparada aos outros profissionais da saúde (Dimenstein, 1998; Spink,
2007).
Semelhante fragilidade foi evidenciada por Furtado & Carvalho (2015) ao concluírem
que a própria organização do NASF denuncia a impossibilidade de efetivação na prática do
que institui sua portaria. Isso porque é notória a sobrecarga do número de equipes de saúde
da família ao qual uma única equipe NASF deve estar vinculada. Dessa forma, segundo o
estudo, ainda que as ações sejam regidas sob o prisma do matriciamento, é pouco provável
que o profissional de psicologia possa implementar ações e funcionar como apoiador
matricial.
Ao ser analisado o percentual de profissionais vinculados ao NASF no estado do
Maranhão, é possível notar a desproporcionalidade. A fisioterapia é a categoria com o maior
número de profissionais (24,96%), seguida de nutricionista (13,30%) e assistente social
(12,89%). A psicologia ocupa a quarta posição (11,93%), constituindo 87 psicólogos em todo
o Maranhão (Pereira & Gama, 2016).
Em relação às modalidades de atendimento presentes no NASF, foi relatado sobre os
atendimentos domiciliares, terapia em grupo, campanhas preventivas e PSE (Programa Saúde
na Escola). Quanto aos grupos, foi reconhecido um desafio: os usuários preferem atendimento
individual e possuem resistência ao atendimento grupal.
Ainda sob esse raciocínio, os atendimentos que são feitos individualmente não são
necessários reagendar e os que são necessários são feitos de dois em dois meses ou são feitos
encaminhamentos. A partir de alguns atendimentos nessa modalidade, também são feitas
indicações para as terapias em grupo do NASF, uma vez que o atendimento individual não é
o foco do núcleo. Além disso, uma ferramenta muito importante nos atendimentos é a
Psicoterapia Breve, pois em uma Politica Pública não é possível fazer terapia analítica, logo,
o profissional deve ser o mais diretivo, recomendativo e utilizar-se da psicoeducação e,
segundo a profissional, têm surgido efeitos positivos.
Foi discutido ainda sobre o processo do trabalho em equipe dentro das UBS, e foi
respondido que nas Politicas Públicas não há um trabalho isolado e sozinho, posto que os
profissionais trabalham em conjunto em visitas, pactuações e ações. Em visitas domiciliares,
por exemplo, a psicóloga relata que já aconteceu de ir a equipe toda a uma visita, cada um
com sua visão profissional fazendo um atendimento ampliado. E quando há demanda
psicológica, geralmente os outros profissionais também atuam, como em um caso de
obesidade que envolve o psicólogo, nutricionista e educador físico.
Tal relato condiz com os instrumentos de apoio do NASF, como Apoio Matricial,
1160
Clinica Ampliada e Projeto Terapêutico Singular (PTS). Portanto, a existência do NASF é
uma forte contribuição para o usufruto da interdisciplinaridade, pois é um trabalho em que as
ações, saberes, práticas se complementam (Ministério da Saúde, 2010).
Sobre a procura da população pelo psicólogo, a profissional da psicologia reconheceu
que o Psicólogo e o Fonoaudiólogo são os profissionais mais procurados. Em relação há
psicologia, muitos vão atrás de psicoterapia, no entanto, é informado a eles como funciona e
lhes são explicados que há outras modalidades de atendimentos que também são eficazes. O
Ministério da Saúde (2014) explana que há uma pressão para que o NASF trabalhe em uma
lógica ambulatorial, feita não só pela população, mas também pelas equipes da atenção básica,
pela gestão e pelos profissionais dos núcleos.
A segunda visita foi realizada no NASF referente à UBS do bairro Santa Rita. Foi
possível presenciar e conhecer um grupoterapia de adultos assistidos pela psicóloga. Nesse
grupo, também havia a presença de uma enfermeira, fonoaudióloga e de uma coterapeuta
estudante de psicologia. O grupo dirigido por essas profissionais foi nomeado como
“Renascer”. O trabalho desenvolvido com eles ao longo da tarde envolviam músicas, pintura
e relaxamento.
A terceira visita foi realizada na UBS do bairro Bom Sucesso com o objetivo de
presenciar e conhecer as crianças acompanhadas pelo NASF, bem como o trabalho de
grupoterapia infantil desenvolvido com elas. Nesse dia a programação definida pela psicóloga
consistia em atividades entre mães e filhos. A profissional organizou o material que iria ser
utilizado, bem como os lanches para o fim da visita. No entanto, infelizmente, não houve a
realização da atividade expectada pela psicóloga devido ao não comparecimento das crianças
e das mães. A profissional relatou que no início de cada grupo terapêutico é repassado um
cronograma dos dias de encontro. Além disso, no dia anterior a cada encontro é sempre feito
um aviso. Portanto, pode-se perceber um desafio, posto que ao contrário do grupo visitado na
UBS Santa Rita, nem todos os usuários do NASF são adeptos ao modelo de terapia em grupo.
A última visita foi uma intervenção realizada no NASF referente à UBS do bairro
Planalto. Foi tido como objetivo a interação e a conscientização dos pacientes acerca de
aspectos positivos de sua personalidade, por meio de uma dinâmica chamada “Feira das
Qualidades”. Ao longo da intervenção foi possível verificar as demandas que a paciente ali
presente poderia estar passando e também perceber o olhar diferenciado da psicóloga nas
reflexões sobre a dinâmica.
4 Considerações Finais
Mediante a experiência apresentada foi possível refletir sobre os desafios do psicólogo
na atuação no NASF. A exemplo, a alta demanda de atendimentos para um só psicólogo,
revela um desafio latente, uma vez vem prejudicando, especialmente, a articulação com as
Equipes de Saúde da Família.
Diante dessa reflexão, foi inevitável a comparação com o estudo de Pereira & Gama
1161
(2016), como já explicitado, ao destacar Imperatriz como o município detentor do maior
número de Núcleos de Apoio à Saúde da Família do Maranhão. Portanto, se na cidade
imperatrizense é possível identificar esses desafios, suponha-se que em cidades de semelhante
porte em que a quantidade de núcleos é inferior, as dificuldades são comprometedoras.
A análise do trabalho do psicólogo na prática revelou um contexto com uma
organização de trabalho bastante coerente, conforme as referências técnicas para a atuação de
psicólogas (os) na atenção básica, regido pelo Conselho Federal de Psicologia [CFP] (2019)
e pelas diretrizes que sustentam o NASF, Ministério da Saúde (2010), consolidando-se, assim,
como uma potencialidade no atendimento público.
Dessa forma, os trabalhos feitos em equipe, os grupos de terapia realizados nas UBS,
a psicoeducação realizada nas unidades básicas ou nas escolas por meio do Programa Saúde
na Escola, como também os acolhimentos individuais, revelam uma mudança de postura desse
profissional na atenção primária em saúde, contrariando uma lógica clínica criticada em
muitas obras, dentre elas, Dimenstein (1998) e Neto (2011).
Por fim, esse relato de experiência proporcionou o conhecimento do papel do
psicólogo na prática, bem como constantes reflexões acerca de como deve ser essa atuação,
especialmente, em relação às modalidades de atendimento e à articulação com as equipes de
saúde da família. Nesse sentindo, é essencial que o psicólogo no contexto da saúde pública,
sobretudo, no NASF, assim como evidenciado, assuma seu papel de profissional de referência
em saúde mental, respeitando a saúde pública ao não adotar práticas meramente
assistencialistas ou de recorte clínico ao tornar esse o seu foco de atendimento.
Também foi possível pensar na necessidade que os estudantes de graduação,
sobretudo, Psicologia, estejam mais familiarizados com as políticas públicas, uma vez que ir
a campo consolidou-se como uma experiência enriquecedora para o conhecimento prático.
Referências
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http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahuufma/article/download/
6091/3671.
1163
André Luiz De Oliveira Pedroso
Isadora Lima De Souza
Manoel Rodrigues De Souza Neto
Maria Aparecida De Paulo Gomes
Beatriz Marques Barbosa
1 Introdução
O Sistema Único de Saúde (SUS) estrutura a atenção a saúde em três níveis, a saber:
primário, secundário e terciário. Esses níveis são organizados de maneira articulada e ordenada,
tendo em vista o oferecimento de uma atenção em saúde integral, proporcionando promoção,
prevenção, recuperação e reabilitação dos indivíduos. Nessa perspectiva, a Atenção Primaria a
Saúde (APS) e reconhecida como campo privilegiado para o desenvolvimento dessas ações
(AITH, 2014).
Em decorrência das suas potencialidades, o PSF passou a ser reconhecido como
Estratégia Saúde da Família (ESF) pela sua capacidade em orientar a organização do sistema
de saúde, buscar respostas para todas as necessidades de saúde da população e contribuir na
mudança do modelo assistencial vigente. Para isso, a ESF baseia-se em princípios norteadores
para o desenvolvimento das práticas de saúde, como a centralidade na pessoa/família, o vínculo
com o usuário, a integralidade e a coordenação da atenção, a articulação à rede assistencial, a
participação social e a atuação intersetoria (Giovanela, 2009).
A Estratégia Saúde da Família (ESF) é o modelo preferencial de organização da Atenção
Primária à Saúde (APS) no Brasil, e espera-se que ela seja capaz de abordar o processo de
saúde-doença dos indivíduos de modo singular e articulado ao contexto familiar e comunitário.
Nas últimas duas décadas, a ESF ampliou significativamente o acesso aos serviços de atenção
à saúde. Para dimensionalizarmos essa questão, cabe citar que, em janeiro de 2000, havia 4.563
Equipes Saúde da Família (ESF) implantadas, assistindo a 8,8% da população brasileira, e, em
fevereiro de 2015, esse percentual de cobertura era de 57% (Brasil, 2015).
Porém, para além da ampliação em números e da melhoria de indicadores de saúde,
espera-se que a ESF impulsione, também, um movimento de mudança no modo de se produzir
o cuidado em saúde. Nesse sentido, demanda das ESF envolvidas uma nova organização da
dinâmica de trabalho. Cabe à ESF a desafiadora missão de transformar o modelo brasileiro
tradicional de assistência à saúde – caracterizado pela centralidade da figura do médico,
medicamentoso, curativo, individual e hospitalocêntrico –, em um modelo de assistência
coletivo, multi e interdimultiprofissional e baseado na família e no contexto social onde os
indivíduos vivem e trabalham. Trata-se de mudar o foco do procedimento para o do sujeito, e
de enfrentar o desafio de construir novas práticas sanitárias que levarão a uma assistência à
saúde solidária, acolhedora e, consequentemente, mais efetiva e resolutiva. (Costa et al., 2009).
A organização de trabalho, proposta pela ESF, aponta para a necessidade de um trabalho
em equipe, uma vez que a junção dos olhares de diferentes categorias profissionais favorece a
interdisciplinaridade, o que interfere positivamente na resolubilidade dos problemas de saúde
existentes na comunidade assistida, além de proporcionar uma atenção integral aos indivíduos
(Viegas, 2013).
O modelo proposto para a ESF é constituído por equipes multiprofissionais, compostas
1164
por enfermeiro e médico, generalistas ou especialistas em saúde da família, técnico de
enfermagem, ACS e profissionais de saúde bucal (cirurgião dentista generalista, técnico e/ou
auxiliar em saúde bucal).Esses profissionais têm como alicerce fundamental de sua atuação,os
princípios da integralidade e multidisciplinaridade, um dos principais percalços para a atenção
primária, já que a não incorporação de ações em conjunto resulta em uma assistência em saúde
fragmentada, centrada na doença e não no indivíduo. Além disso, a própria formação dos
profissionais pode constituir barreira para o bom desenvolvimento do trabalho em equipe, uma
vez que a graduação nem sempre consegue preparar os graduandos para o desenvolvimento de
habilidadesde interação com outros profissionais (Silva et al., 2015).
Diante dessa definição de Estratégia de Saúde da Família cabe ressaltar que para um
cuidado de qualidade, contínuo e eficaz, é necessário uma equipe que esteja comprometida com
os valores do SUS, buscando sempre melhorias no atendimento e práticas de melhorias para o
serviço. Nisto, entra a equipe multiprofissional, que vem somar a todos os objetivos do SUS,
onde cada profissional de cada classe se completa, formando uma rede no atendimento.
O trabalho em equipe multiprofissional tem sido definido como aquele que envolve
diferentes profissionais, não apenas da saúde, que juntos compartilham o senso de
pertencimento à equipe e trabalham juntos de maneira integrada e interdependente para atender
às necessidades de saúde. Constituir-se como uma equipe requer trabalho – é uma construção,
um processo dinâmico no qual os profissionais se conhecem e aprendem a trabalhar juntos para
reconhecer o trabalho, conhecimentos e papéis de cada profissão; conhecer o perfil da
população adscrita, ou seja, as características, demandas e necessidades de saúde dos usuários
e população; definir de forma compartilhada os objetivos comuns da equipe; e realizar –
também de forma compartilhada – o planejamento das ações e dos cuidados de saúde, tal como
a construção compartilhada de projetos terapêuticos singulares para usuários e famílias em
situações de saúde de maior complexidade. O trabalho em equipe interprofissional envolve
elementos do contexto social, político e econômico (Fox, 2017).
Para Araújo e Rocha (2007), a influência acerca dos diversos aspectos que compõem o
processo de saúde-doença é uma consequência do trabalho em equipe. A probabilidade de um
profissional se reconstruir na atividade do outro, em efeitos mútuos, é uma pressuposição das
práticas interdisciplinares, tendo, assim, a finalidade de uma intervenção efetiva no contexto
em que atuam. Ou seja, a prática integral ganha um conjunto de visões diverso pelos
profissionais variados que formam o quadro de funcionários daquele estabelecimento de saúde.
Deve ser ressaltado na proposta da Estratégia de Saúde da Família (ESF) que o trabalho
em equipe tem como elementos centrais o trabalho com adscricao de clientela, o acolhimento
como porta de entrada para as Unidades Básicas de Saúde, a visita domiciliar, a integralidade
das praticas e a equipe multiprofissional (Sousa, 2009)
Na proposta da ESF, o trabalho em equipe constitui uma pratica na qual a comunicação
entre os atores deve fazer parte do exercício cotidiano. E necessária uma abordagem
multiprofissional, assim como processos diagnósticos de realidade, planejamento das ações,
organização horizontal do trabalho, compartilhamento do processo decisório, estimulo ao
exercício do controle social e, principalmente, a atuação sincronizada de todos os integrantes
da equipe (Ribeiro, 2004).
Somando-se a isso, este trabalho objetiva investigar através da literatura a importância
da equipe multiprofissional na Estratégia de Saúde da Família.
2 Método
1165
O presente trabalho trata-se de uma pesquisa de revisão integrativa da literatura, sendo
assim, não necessária à coleta de dados em campo. Trata-se de uma revisão integrativa, cujo
método de pesquisa constitui ferramenta importante, pois permite a análise de subsídios na
literatura de forma ampla e sistemática, além de divulgar dados científicos produzidos por
outros autores (Moon; Calabrese, 2008).
A revisão integrativa consiste no cumprimento das etapas: identificação do tema e
seleção da questão de pesquisa; estabelecimento dos critérios de elegibilidade; identificação
dos estudos nas bases científicas; avaliação dos estudos selecionados e análise crítica;
categorização dos estudos; avaliação e interpretação dos resultados e apresentação dos dados
na estrutura da revisão integrativa.
A operacionalização desta pesquisa iniciou-se com uma consulta aos Descritores em
Ciências da Saúde (DeCS), por meio da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), para conhecimento
dos descritores universais. Foram, portanto, utilizados os descritores controlados, em
português: “equipe multiprofissional” e “estratégia de saúde da familia”.
Para a realização das etapas seguintes desse trabalho, foram selecionados somente
artigos. Elencaram-se critérios de inclusão e exclusão. Como critérios de inclusão utilizaram-
se: artigos somente em português e como critérios de exclusão foram: artigos em línguas
estrangeiras que. Tudo isto, objetivando refinar a procura e detectar trabalhos publicados dentro
dos critérios estabelecidos, para assim obter resultados satisfatórios.
Por se tratar de um artigo de revisão de literatura, de acordo com a resolução de no
510/2016 não houve necessidade de submissão do presente estudo ao Comitê de Ética em
Pesquisa (Conselho Nacional de Saúde, 2016).
3 Resultados
1166
município de e Percalços
médio porte no Sul
da inserção da Saúde
do Brasil.
Bucal na ESF.
Percepção da Barreto, Rev. Bras Compreender a Emergiram três
equipe A. C.O. Enferm 2019 percepção da categorias: Percepção
multiprofissional et al. equipe
da equipe
da multiprofissional
multiprofissional sobre
da Atenção
Atenção educação em saúde;
Primaria
Primária sobre Práticas educativas na
educação em a Saúde sobre as Atenção
saúde praticas de
Primária à Saúde: tarefa
educação em
de todos?; e O papel do
saúde e sobre o
enfermeiro na educação
papel do
em saúde.
enfermeiro no
desempenho das
atividades
educativas.
Trabalho em Navarro, Rev Min Compreender o Os resultados
equipe: o A. S. S. Enfermagem, significado do
possibilitaram reflexões
significado et al 2013. trabalho em
sobre a complexidade do
atribuído por equipe para os
trabalho em equipe e a
profissionais da profissionais da
necessidade de
estratégia de Estratégia de
capacitação para o
saúde da família Saúde da Família
desenvolvimento de
(ESF). competências
interpessoais e de
trabalho em grupo.
O trabalho Pereria, Artigo Responder às Os resultados apontam
multiprofissional R. C. A. Original, complexidades do para características mais
na Estratégia 2011 processo de saúde- próximas da equipe
Saúde da doença-cuidado a interação, em que há a
Família: estudo articulações das ações e
partir de novas
sobre relações, mais a comunicação é
modalidades de democráticas, entendida e utilizada
equipes entre população e como um meio de
profissionais e integração social.
trabalhadores
entre si.
3 Discussão
1167
Ribeiro et al (2004), ressalta que deve-se considerar, que uma equipe é composta por
pessoas que trazem especificidades próprias, como: gênero, inserção social, tempo e vinculo de
trabalho, experiências profissionais e de vida, formação e capacitação, visão de mundo,
diferenças salariais e, por fim, interesses próprios. Essas diferenças exercem influencia sobre
esse processo de trabalho, uma vez que estão presentes no agir de cada profissional, mas não
inviabilizam o exercício do trabalho em equipe.
Para que o trabalho em equipe aconteça é necessário que haja colaboração entre seus
membros, que exista troca entre os diferentes saberes e a complementaridade nas atividades,
conforme relatado pelos participantes deste estudo. Pressupõe ainda relações que promovam a
colaboração e a comunicação a fim de contribuir para o desenvolvimento do trabalho, pautando
nas relações dialógicas e horizontalizadas. Essa colaboração interprofissional e
multiprofissional caracteriza aspecto importante na realização de melhorias na qualidade da
assistência oferecida aos pacientes (Silva & Moreira, 2015).
Nesse sentido, a possibilidade de agregar diferentes saberes, a fim de oferecer
assistência às necessidades da população, é um dos principais pressupostos da ESF. Nos
processos de gestão da promoção e prevenção da saúde, espera-se que os profissionais
envolvidos no modelo proposto pela atenção primária pensem em estratégias de maneira
conjunta, com participação e envolvimento de todos os seus membros. Desse modo, para que
os resultados possam ser alcançados é imprescindível a existência de diálogo e contato contínuo
das equipes (Peruzzo et al., 2018).
Nesta perspectiva, ao estudar o trabalho em equipe multiprofissional em saúde, é
possível identificar no cotidiano do trabalho coletivo diferentes formas de conexões existentes
entre as ações técnicas executadas e a interação entre os agentes.
Na equipe multiprofissional de agrupamento ocorreria a justaposição das ações no cerne
da aplicação sobre a necessidade do usuário de técnicas complementares. Isto pode ser
exemplificado quando o profissional médico que esteja cuidado de um paciente diabético, em
nível ambulatorial, lhe dê um encaminhamento para o nutricionista, que por sua vez também
pode encaminhar a mesma pessoa para um educador físico. No entanto, pode não haver
articulação das ações se os sujeitos envolvidos nem ao menos colocarem em evidência ativa e
conscientemente as conexões entre os trabalhos(Pereira, 2011).
Frente a junção dos profissionais de diversas áreas, vale ressaltar também que há uma
pluralidade de ideias, que, quando somadas, podem desenvolver um trabalho significativo.
Como por exemplo a educação e saúde, quando pensada em diversas esferas, na equipe
multiprofissional, traz um resultado significativo e um maior publico de abrangência, além de
diversos assuntos que podem ser trabalhados
Barreto et al, (2019) vem falar sobre a contribuição da educação e saúde na prática do
trabalho da equipe multidisciplinar. Segundo ele, Considerando a importância de se identificar
o conhecimento dos profissionais da APS sobre a educação em saúde, essa categoria analisou
as considerações dos participantes acerca dessa temática. Segundo relatos, a educação em saúde
pode ser identificada como uma estratégia que tem como finalidade prevenir e promover a saúde
da população assistida.
Pereira (2011), fala ainda que na concepção dos profissionais a cooperação e
colaboração é uma característica fortemente associada ao trabalho em equipe, em menor grau
também se referem à dimensão comunicativa intrínseca deste trabalho. Não há discrepâncias
significativas entre as representações sobre o trabalho em equipe e as situações objetivas de
1168
trabalho analisadas.
A equipe na ESF, vai de encontro a diretriz do HumanizaSUS que preconiza a
ampliação do diálogo entre os profissionais e a promoção de gestão participativa para a
qualificação da assistência em saúde. Destarte, a existência de conflitos pessoais são os
principais propulsores para a não realização do trabalho em equipe. Estes podem estar
associados ao individualismo, à falta de cooperação, de comprometimento, de respeito e de
corresponsabilização. Por outro lado, a manutenção de relacionamentos interpessoais saudáveis
no ambiente de trabalho, pode ser facilitada por diálogo aberto e transparente, respeito e
confiança entre os membros, espaços para discussão de ideias por meio de reuniões de equipe,
gerenciamento de conflitos e, principalmente, valorização do trabalho em equipe (Fernandes,
2015).
Como toda relação há os desafios, a relação da equipe multiprofissional também pode
existir atritos, seja pela forma como seja conduzida, ou até mesmo a troca de ideias, que as
vezes causa isso.
Navarro, Guimarães e Garanhani ( 2013) falam que as diferenças individuais, como
temperamento, caráter e personalidade, podem ser consideradas possíveis entraves para o
relacionamento interpessoal e, consequentemente, poderão interferir na forma de
desenvolvimento do trabalho na equipe. Condições adversas, encontradas no ambiente de
trabalho, podem produzir a alienação, a impotência, ao estresse, aos conflitos, a disputa por
poder e sentimentos de medo, a insegurança e a baixa autoestima, dificultando, assim, qualquer
iniciativa de mudanças e implementações, no intuito de garantir uma assistência integral e mais
bem qualificada.
Peruzzo et al, (2018), complementa que Além disso, outros aspectos também podem
interferir na harmonia e cooperação entre os profissionais da equipe. Conforme relatado por
uma das enfermeiras, a idade do profissional e o tempo de atuação, por exemplo, exercem
influência na maneira como eles percebem o trabalho em suas equipes. Ou seja, trabalhadores
com até 30 anos ou com até um ano de atuação na ESF, tendem a possuir uma perspectiva sobre
o desenvolvimento do trabalho em equipe menos positiva do que os profissionais mais velhos
e com mais tempo de trabalho. Isto se deve principalmente pelo fato de eles estarem vivenciado
o processo de inserção na equipe, o que envolve aceitação pelos demais e apropriação adequada
da rotina de trabalho
É preciso que a equipe esteja ciente de que esses eventos podem acontecer e afetar o
desenvolvimento do trabalho, as que estejam cientes de colocar o atendimento em primeiro
lugar, buscando meios de mediar sempre coisas desse tipo, afim, de que assim, possam
desenvolver um convívio fácil e comum a todos da equipe.
Mas também vale ressaltar que a equipe, quando unida, traz resultados significativos.
Navarro et al, (2013) exemplifica quando fala que Os significados de “trabalho em equipe” para
os participantes da pesquisa foram associados ao trabalho familiar e idealizado, a uma relação
de ajuda, a um trabalho hierárquico; e a um trabalho coletivo. Ao participarem da entrevista
sobre o trabalho em equipe, os profissionais também puderam refletir sobre o próprio processo
de trabalho e o desenvolvimento de ações que visam a mudanças nas praticas de saúde,
buscando maior autonomia e integralidade. Caracterizaram a equipe como um espaço onde cada
membro tem seu papel especifico, e desempenha-lo com dedicação torna o trabalho mais
gratificante e reconhecido pela equipe. Destacaram a importância do reconhecimento de que
todos os participantes da equipe necessitam e que deveria estar mais presente tanto em equipes
novas quanto nas mais experientes.
Assim, o viver e um constante desafio, tanto intelectual quanto emocional, sendo
1169
constituído por ambiguidades e incertezas em relação as mudanças, as quais ocorrem cada vez
mais velozes e continuamente. A defasagem existente entre o progresso tecnológico e humano
e amplamente reconhecida nos sentimentos de perplexidade, inadequação, alienação e
despersonalização do homem contemporâneo (Larraguivel, 2003).
O presente estudo trouxe como limitações estudos que tragam especificamente ideias
que complementem o papel da equipe multiprofissional, como meios de melhorias,
principalmente nas relações interpessoais dos profissionais. Espera-se que este estudo possa
somar a pesquisas futuras sobre o assunto, além de poder servir como base teórica para futuras
pesquisas.
4 Considerações finais
O presente estudo trouxe a proposta de investigar através da literatura o trabalho da
equipe multiprofissional na Estratégia de saúde da Família, onde pontua as atividades da equipe
e o relacionamento interpessoal da equipe.
Os profissionais da ESF enfrentam vários desafios para realizar o trabalho em equipe,
principalmente no tocante às relações interpessoais, como a presença de conflito e
distanciamento entre os membros. Lidar com pontos de vista, cultura, crenças e personalidades
diferentes não é tarefa fácil. Acresce-se a isto as mudanças ocorridas no âmbito da Atenção
Primária à Saúde como, por exemplo, a incorporação da equipe de saúde bucal. Esses desafios
podem ser superados a partir da incorporação de estratégias diversas, tais como: realização de
reuniões periódicas da equipe, conhecimento e valorização do papel de cada um de seus
integrantes e estímulo ao estreitamento do vínculo entre os profissionais, para além do ambiente
de trabalho.
Os resultados mostram que os profissionais da ESF percebem a importância do trabalho
em equipe no atual modelo da atenção primária e, que alguns aspectos, como comunicação,
escuta ativa e respeito às particularidades de cada profissão, são essenciais para a manutenção
da harmonia e a implementação de uma prática colaborativa.
Mostrou também as dificuldades encontradas pela equipe, onde deixou claro que não é
fácil o trabalho em equipe, há desavenças, estresse, etc. Porém é possível remediar essas ações
negativas e transformá-las em positivas.
Quando unida, a equipe multiprofissional soma significativamente no atendimento,
dessa forma, torna-se muito importante, visto que, a pluralidade das distintas profissões, agrega
positivamente no cuidado holístico.
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1172
ASPECTOS TÉCNICOS, ÉTICOS E JURÍDICOS SOBRE A TEMÁTICA.
2 Método
Este estudo se configura no campo da pesquisa qualitativa em termos de abordagem,
possuindo caráter documental quanto à sua natureza, exploratório quanto aos objetivos e de
caráter transversal quanto ao tempo. Destaca-se, ainda, que o estudo possuiu características de
pesquisa documental com foco em dados secundários quanto aos seus procedimentos de acordo
com os entendimentos consolidados nos estudos metodológicos de Silveira e Córdova (2009).
Ainda a respeito das questões relativas à metodologia necessária para realização da pesquisa, é
de fundamental importância destacar que este trabalho se situa no campo da pesquisa qualitativa
com foco na interface políticas sociais, com especial vinculação aos estudos de Bosi (2012).
A coleta de dados foi feita por meio de análise de documentos públicos pertinentes sobre
a matéria de competência estadual e federal (normativas, protocolos, recomendações, notas
técnicas e demais documentos relevantes), bem como de análise de dados trazidos por estudos
acadêmicos que versam sobre esta temática.
Para a análise de dados, foi utilizado o referencial da Análise de Conteúdo de Bardin
(1977). A escolha deste referencial de análise permitiu a construção de critérios para
categorização e subcategorização dos conteúdos oriundos do material. Em substância, a Análise
de Conteúdo de Bardin (1977) se configura como:
1173
(p 35).
2 Resultados e Discussão
2.1 Categoria: quais os profissionais que podem utilizar o Prontuário SUAS?
Esta é uma questão bastante controversa e por diversos fatores. Neste documento, serão
listadas e comentadas cada uma das problemáticas deste debate da forma como se segue. O
documento MANUAL DE INSTRUÇÕES PARA UTILIZAÇÃO DO PRONTUÁRIO SUAS
estabeleceu algumas orientações e fundamentações a este respeito no ano de 2014 que merecem
reprodução na íntegra:
1174
profissão.
As Orientações Técnicas sobre o PAIF orientam que “todos os atendimentos
que foram registrados precisam ser datados e identificados: é preciso que
contenham carimbos (com identificação e número do registro em conselho de
classe) e assinaturas do(s) profissional(is) responsável(is) pelo registro dos
dados. Todas as etapas do trabalho são de domínio de todos os técnicos de
nível superior, o que caracteriza o trabalho interdisciplinar. No entanto, deve-
se preservar a questão ética e as atribuições específicas de cada profissão”
(2012, p. 51). (grifos do parecerista)
1175
IV - os Conselhos Municipais de Assistência Social.
Art. 17. Fica instituído o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), órgão
superior de deliberação colegiada, vinculado à estrutura do órgão da Administração
Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência
Social, cujos membros, nomeados pelo Presidente da República, têm mandato de 2
(dois) anos, permitida uma única recondução por igual período. (grifos do
parecerista).
Os elementos fáticos aqui provados são suficientes para fundamentar que o documento
MANUAL DE INSTRUÇÕES PARA UTILIZAÇÃO DO PRONTUÁRIO SUAS não poderia
ter restrito o uso de um documento essencial para o desenvolvimento do trabalho técnico no
SUAS, quando a norma superior não impôs este tipo de condicionalidade. Um documento de
orientação técnica elaborado pelo órgão do executivo federal (MDS) tal como o é o referido
manual e os manuais correlatos não possui autorização legal para impor orientações que são
frontalmente conflitantes com a hierarquia normativa que embasam a legalidade da
Administração Pública.
Portanto, todos os profissionais de nível superior listados na Resolução CNAS Nº 17,
de 20 de junho de 2011 e que estejam compondo equipes técnicas de referência (sendo
devidamente fundamentada a necessidade de composição dos profissionais), gozam das
prerrogativas do trabalho técnico pleno a ser desenvolvido com os indivíduos e famílias,
inclusive para o uso do Prontuário SUAS, respeitadas as disposições legais previstas em
vigência.
SEÇÃO IV
DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DOS SEGREDOS
Divulgação de segredo
Art. 153 - Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento
particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou
detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem:
1176
9.983, de 2000)
§ 2º Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será
incondicionada. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
2.3 Categoria: Profissionais de Nível Médio Podem Ter Acesso às Informações Sigilosas
Registradas em Prontuário, em especial ao Prontuário SUAS?
Para responder a este questionamento é importante demarcar a função do registro em
prontuário para o cumprimento dos objetivos do cuidado com indivíduos e famílias. Segundo o
Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa a palavra Prontuário significa o seguinte:
Prontuário
1177
pron·tu·á·ri·o
sm
1 Manual que contém informações úteis.
2 Lugar onde se guardam objetos que podem ser necessários a qualquer
momento.
3 Ficha com os antecedentes de uma pessoa.
4 Conteúdo desse documento.
1178
esta previsão não está tipificada na Política de Assistência Social. Cabe, portanto, aos técnicos
de nível superior a responsabilidade plena do uso de prontuários. A prerrogativa de vistoria de
prontuários por agentes fiscais de mesmo nível também é prevista de acordo com as normativas
em vigência.
1179
benefício do usuário do serviço.
Por analogia do mérito, a mesma orientação é válida para as profissões não
regulamentadas e não regidas por código de ética. A fundamentação de manutenção de sigilo
pelas razões já apresentadas neste parecer estende o dever de registrar apenas o necessário para
todas as profissões que desenvolvam trabalho técnico com indivíduos e famílias.
Importante salientar que o Prontuário SUAS está estruturado para registro de
informações bastante sensíveis sobre a intimidade das famílias, tais como informações
financeiras, de saúde, de educação. Por esta razão, os profissionais devem ter cuidado redobrado
no manejo deste instrumento, bem como atentar para as disposições éticas e legais do uso dais
citadas informações.
Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele
constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros:
Pena Detenção de seis meses a um ano ou multa.
64
Fonte: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80919-cnj-servico-todo-paciente-tem-direito-a-copia-do-prontuario-
medico
3 Considerações Finais:
1180
Nota-se de forma cristalina que se faz necessária a solicitação de revisão do documento
MANUAL DE INSTRUÇÕES PARA UTILIZAÇÃO DO PRONTUÁRIO SUAS de forma que
sua redação fique adequada diante das legislações em vigência. Como desdobramento do
mérito acima fundamentado, qualquer decisão que proíba os profissionais de referência de
equipes (de nível superior), regidos ou não por código de ética, de utilizarem o Prontuário
SUAS não possui sustentação legal.
Este debate deve ser qualificado junto aos Fóruns da Assistência Social, para o Controle
Social, para os (as) Trabalhadores (as), para os (as) Gestores (as) da citada política pública, bem
como para as autoridades competentes para conhecimento e providências cabíveis. Nesta
mesma linha, é razoável sugerir a elaboração de uma Política de Conduta e Ética Geral dos
Trabalhadores do SUAS. Recomenda-se, ainda, a elaboração de notas técnicas a respeito desta
temática para ajustes do trabalho técnico no SUAS.
Referências
Silveira, D.T; Córdova, F.P. (2009). Unidade 2 – A pesquisa científica. IN: GERHARDT, E;
SILVEIRA, D.T (Org). Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS.
Bosi, M.L.M (2012). Pesquisa qualitativa em saúde coletiva: panorama e desafios. Ciência &
Saúde Coletiva, 17(3):575-586.
Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2014). Manual de instruções para
utilização do prontuário Suas. Brasília: MDS.
Resolução CNAS Nº 269, de 13 de dezembro de 2006 – NOB/RH SUAS. (2006, 13 de
dezembro). Aprovar a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema
Único de Assistência Social - NOB-RH/SUAS. Brasília: CNAS, 2006.
Resolução CNAS Nº 17, de 20 de junho de 2011. (2001, 20 de junho) Ratificar a equipe de
referência definida pela Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema
Único de Assistência Social – NOB-RH/SUAS e Reconhecer as categorias profissionais
de nível superior para atender as especificidades dos serviços socioassistenciais e das
funções essenciais de gestão do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Brasília:
CNAS, 2011.
Lei Orgânica da Assistência Social (1993, 7 de dezembro). Dispõe sobre a organização da
Assistência Social e dá outras providências. Brasília: Governo Federal, 1993.
Decreto Nº 1.171 (1994, 22 de junho). Aprova o Código de Ética Profissional do Servidor
Público Civil do Poder Executivo Federal. Brasília: Governo Federal, 1994.
Decreto Nº31.198, (2013, 30 de abril). Institui o Código de Ética e Conduta da Administração
Pública Estadual e dá Outras Providências. Governo do Estado do Ceará, 2013.
Michaelis (2009). Moderno Dicionário da Língua Portuguesa.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
1181
Federal: Centro Gráfico, 1988.
Resolução nº 010/2005 (2005) Código de Ética Profissional do Psicólogo. Brasília: CFP, 2005.
Código de Defesa do Consumidor (1990, 11 de setembro). Dispõe sobre a proteção do
consumidor e dá outras providências. Brasília: Governo Federal, 1990.
Agravo de instrumento. Medida cautelar de busca e apreensão. Prontuário médico-hospitalar
(2000). RIO GRANDE DO SUL.
ATENÇÃO À CRISE EM SAÚDE MENTAL: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO
1182
Francisca Daniele Nogueira Albuquerque,
Ana Virgínia Maria Da Silva,
Rafaela Brenda Araújo Da Silva,
Débora Magalhães Araújo,
Francisca Maria Isabel Torres Frota
1 Introdução
O termo crise tem diversos significados, sua origem médica o define como um momento
de decisão entre cura e morte diante de uma doença (Elia, 2013). Tendo como base uma
definição original tão precisa, procurar por esta mesma precisão no significado de crise na saúde
mental acaba por se tornar algo problemático, a possibilidade de encontrar diversos ponto de
vista de diversas abordagens sobre o termo (Martins, 2012) confirma não somente sua
polissemia como palavra, mas também, como termo da saúde mental.
Segundo Foucault (1991), (citado por Martins, 2012, p. 18), falar de loucura remete-se
a crise, e isso foi sendo construído historicamente e culturalmente, de acordo com o contexto
social de cada população. Portanto, ao falar de crise, é preciso entender a construção do conceito
de loucura, caracterizada por desrazão, alienação, alucinações, dentre outras definições. Estes
adjetivos reduziam a pessoa ao sintoma, não se reconhecia o paciente como uma entidade
complexa; portanto a crise acabava sendo o ponto máximo de simplificação (Martins, 2012).
Observe-se que a noção de crise para a sociedade adquiriu uma característica negativa, isso se
explica a partir da construção histórica em torno da loucura e suas significações em diferentes
épocas.
De uma das diferentes definições, pode se compreender uma situação de crise quando
são identificados ao menos três das seguintes condições: grave sintomas psiquiátricos agudos,
rupturas graves de relações tanto sociais como familiares, recusa de intervenções e um contato
negativo com a equipe, recusa de todo tipo de contato e por fim, impossibilidade pessoal de
conseguir lidar com complicações familiares sociais (Campos, 2015).
Caracterizada por uma crise de curso evolutivo, o episódio psicótico divide-se em três
fases, sendo estas prodrômica, aguda e de recuperação. Sendo uma ocasião prévia ao andamento
dos sintomas, este período caracteriza-se por um momento de alerta, onde o indivíduo pode
apresentar ansiedade, alterações no sono e alimentação, irritabilidade, isolamento e deterioração
de suas funções psíquicas. No caso da fase aguda, a mesma ocorre com momentos de
alucinações, delírios e um discurso mal organizado, geralmente é nesta fase que a família vai
em busca de um atendimento especializado, logo em no período dos seis primeiros meses após
o tratamento do período agudo, se dá a recuperação (Carvalho, Costa & Bucher-Maluschke,
2007).
Martins (2012) destaca que geralmente, a crise é aquela que determina as demandas em
saúde mental, que levanta vários questionamentos em meio os profissionais da saúde e por ser
um tema que leva em si as expectativas da sociedade produzindo um sofrimento no indivíduo
1183
que acaba por afetar também todos ao seu redor, deve ser tratada com o devido cuidado.
Dessa forma, por meio deste estudo bibliográfico objetiva-se discutir as nuances da
atenção à crise em saúde mental dado a relevância do tema para a atuação de profissionais da
saúde, assim como para a sociedade de forma geral.
2 Desenvolvimento
2.1 Contextualização em torno da “crise”
Para um melhor entendimento em torno da crise na saúde mental, se faz necessário
entender a crise nos diferentes momentos da história da psiquiatria clássica (vinculada a um
saber biomédico) e da reforma psiquiátrica, o que gera um problema ao definir a crise em saúde
mental, pois apresenta historicamente um vasto campo de discussões e diversas formas de se
entendê-la.
Neste sentido, a “crise psicótica”, como aborda Martins (2012), já foi entendida como
bruxaria, forma de purificação, revolta social, manifestação de sabedoria e, posteriormente, com
o surgimento da psiquiatria, a partir do século XVIII, como doença mental. Além disso, as
formas de lidar com a crise também foram se transformando ao longo do tempo, através do
exorcismo, fogueira, confinamento, tratamento moral, eletrochoque, contenção física e/ou
medicamentosa, até outros recursos psicodinâmicos e psicossociais de tratamento (Martins,
2012). Observe-se que a noção de crise para a sociedade adquiriu uma característica negativa,
isso se explica a partir da construção histórica em torno da loucura e suas significações em
diferentes épocas.
No século XVII, a loucura era encarada como um problema social, onde todos aqueles
ditos fora da ordem social, fora dos modos de produção vigentes, e que por algum motivo causa
desordem, desconforto, ameaça ou prejuízos são colocados dentro de um enclausuramento, com
a intenção apenas de afastar a miséria das cidades. Esses lugares onde eram mandadas essas
pessoas, eram chamados de a Grande Internação ou Hospitais Gerais, considerado um espaço
de exclusão social (Amarante, 1996).
A Revolução Francesa, apoiada aos princípios de liberdade e o surgimento da
Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão, foram peças chaves para aparecimento de uma
nova configuração do que se entendia como loucura e para o surgimento da psiquiatria. Com
esses ideais revolucionário o grande enclausuramento deveria ser abolido, mas a sociedade
ainda via como uma ameaça a presença dos “loucos” nas ruas. De acordo com Amarante (1996),
para resolver esse dilema, o isolamento dos alienados passou a ser visto como algo terapêutico
e legal, onde se acreditava que era a comunidade que gerava a alienação. Neste aspecto, passou
a colocar “loucos” em um mesmo espaço, a fim de tratar e estudar a loucura, isso possibilitou
o nascimento da psiquiatria.
Na psiquiatria clássica destaca-se a figura de Phillippe Pinel, um dos fundadores da
clínica médica, quem mandou desacorrentar os alienados e passou a estudar a loucura na
nosografia médica, como aborda Amarante (1996), o que possibilitou entender a loucura a partir
de determinados sinais, classificando-a e colocado em categorias, de acordo com hábitos, gestos
estranhos e comparando com suas semelhanças e diferenças. Além de Pinel, Esquirol, Morel e
Kraeplin apresentaram formas de pensar e lidar com a doença mental que se resumiam na
descrição de sintomas, delineado por cada um deles à sua maneira (Martins, 2012).
Segundo Martins (2012), durante a psiquiatria clássica, a crise era entendida como o
1184
momento agudo da sintomatologia psiquiátrica, tendo como sinais característicos: delírios,
alucinações visuais e auditivas, agressividade, dentre outros. E o objetivo da psiquiatria seria a
eliminação da sintomatologia, a fim de atingir o equilíbrio, a partir de uma adaptação e
estabilização da crise, através do controle e tutela; uso do espaço físico para contenção da crise
e a internação como recurso predominante (Costa, 2007). Com Pinel, a crise se tornou uma
possibilidade de o paciente poder ser tratado, fato este que nos permite pensar o paradigma de
uma crise como forma de tratamento (Ávila & Berlinck, 2014). Neste sentido, o hospital
psiquiátrico representou o principal instrumento de intervenção em situações de crise.
Observa-se que no desenrolar da história da psiquiatria, o que se entende como crise,
passou por algumas mudanças. Para Ávila e Berlinck (2014), desde uma concepção moral,
pautada em uma limpeza social, até chegar a uma noção ética de tratamento, considerado como
um meio de se alcançar a singularidade do sujeito, como proposto pela psicanálise.
A psiquiatria e a reforma psiquiátrica, tiveram grande participação durante essas
transformações, voltando-se para a crise e sua centralidade, buscaram oferecer respostas
diversas. Na psiquiatria clássica, de modo geral, “as crises” e as tentativas de respostas às
mesmas, poderiam ser resumidas nas seguintes características: noção de periculosidade ligada
à pessoa em crise; a exclusão; isolamento, classificação do que é normal ou anormal; separação
entre a crise e a vida global do sujeito; uso frequente de contenções físicas, da
eletroconvulsoterapia; uso generalizado e padronizado da medicação como recurso terapêutico
prioritário (Costa, 2007).
Contudo, foram surgindo movimentos que passaram a questionar e colocar a psiquiatria
e a eficácia dos asilos em alvos de críticas, denunciando suas práticas e o excessivo poder da
psiquiatria, fortalecendo a ideia de que o hospital psiquiátrico deveria ser transformado ou
abolido (Desviat, 1999). Além disso, pensar a pessoa em crise com amplas possibilidades, com
singularidades e com uma teia de relações que possam ajudar a enfrentar ou lidar com os
sintomas.
Seguindo as ideias propostas por Martins (2012), esses foram os elementos propulsores
dos diferentes movimentos de reforma psiquiátrica, que direcionou políticas de Saúde Mental
divergentes, em diferentes países, desde a desinstitucionalização e psiquiatria comunitária
norte-americana até as políticas de setor e psicoterapia institucional francesa. que buscavam
descentralizar os hospitais psiquiátricos, ampliar as formas e locais de atendimento para pessoas
com alguma doença mental.
Neste aspecto, com a psiquiatria comunitária nos Estados Unidos e a partir da “teoria da
crise” de Gérald Caplan (1964), o termo “crise” ganha novos sentidos e importância, apoiada
nos estudos sobre eventos traumáticos ocorridos a partir das grandes guerras e catástrofes,
fatores que favoreceu a origem do conceito de crise relacionada com a psicose. Essa teoria se
destaca pela atenção a ações preventivas nas situações psiquiátricas agudas e a valorização de
características clínicas anteriores a esses episódios, sendo possível pensar uma terapia
psiquiátrica em termos de adaptação e desadaptação de fatores ligados à emergência clínica e
social do distúrbio. Essas estratégias de atenção à crise tiveram como foco a substituição do
tratamento hospitalar, evitando internações de longa duração, alcançando melhor vínculo e
adesão ao tratamento, controlando a gravidade sintomática e melhoras no funcionamento
psicossocial (Diaz, 2013).
No Brasil, com a redemocratização, levantaram questões sobre a saúde pública e em
saúde mental, levantando denúncias sobre a violação dos direitos humanos, dos trabalhadores,
principalmente dos hospitais psiquiátricos, o que proporcionou o surgimento da reforma
psiquiátrica e o movimento de trabalhadores da Saúde mental. Propondo pensar a saúde em
1185
promoção e prevenção, além disso, descentralizar serviços, ampliar a rede de atendimento,
principalmente em situações de crise. De acordo com Diaz (2013), com a influência italiana e
as visitas de Franco Basaglia ao Brasil, possibilitou a criação do Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) em São Paulo e o Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) em Santos, no final dos
anos de 1980, substituindo a psiquiatria clássica.
Os movimentos de reforma e os novos dispositivos de atenção à saúde proporcionaram
uma ampliação no conceito de crise, ampliando a compreensão do indivíduo, incluindo nele
aspectos do contexto social, familiar e relacional, aprofundando na vivência subjetiva da crise
e na sua singularidade para o sujeito que a vivencia concretamente, como aponta Martins
(2012), fortalecendo a ideia que a intervenção na crise pode ocorrer em qualquer lugar.
Portanto, segundo a autora, a reforma pretendeu romper com o saber biomédico, o que remete
aos tratamentos baseados na contenção medicamentosa, na tentativa de restaurar a normalidade
perdida.
1186
mais especificamente deve ser alguma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e Pronto-
Socorro, a equipe deve depois de ter realizado o acolhimento, classificado o risco e ter feito a
intervenção de modo imediato, com a finalidade de diminuir os riscos e melhorar o manejo do
paciente, articular-se com outros dispositivos de atenção, visando garantir que aquele indivíduo
terá continuidade do cuidado, a partir da necessidade de cada caso (Campos, 2014). Porém,
contradizendo esta questão, o usuário muitas vezes chega no CAPS na crise aguda. Dessa
forma, Silva e Dimenstein (2014), através de uma pesquisa realizada em um CAPS II, trazem
que o usuário que chega em crise, o primeiro aspecto que olha-se na realização do acolhimento
e no inicio da triagem é o risco que este usuário demanda para si mesmo e para os outros. Tendo
isso em vista, a equipe pode realizar o encaminhamento para outros pontos de Rede. Este
encaminhamento deve ser embasado na necessidade do caso, por exemplo, casos em que o
usuário precisa de uma desintoxicação, ele deve ser remanejado para unidades de
desintoxicação, onde irá receber atendimento que o CAPS não pode oferecer, tendo em vista
seus recursos e finalidades.
Os CAPS são responsáveis por uma série de atividades que devem ser desenvolvidas
com o usuário e até com sua família, dessa forma, o individuo ao adentrar no CAPS tem acesso
a vários recursos terapêuticos. Ao deparar-se com pacientes em situação de crise, o CAPS tem
o acolhimento como ferramenta fundamental para lidar com este indivíduo, pois o paciente que
encontra-se nessa situação não possui condições para acompanhar as atividades costumeiras e
organizadas dos CAPS aos demais pacientes (Lima et al., 2012).
Inicialmente, é importante salientar sobre a postura profissional esperada e necessária
na atenção ao indivíduo em situação de crise, deve-se estar sempre atento ao referido, porém
jamais deixar que o cuidado vire uma questão de tutela e nem muito menos uma paralisação,
em que não se desenvolva nada com o usuário por causa da situação em que ele se encontrava
ou se encontra (Costa, 2007).
Se faz importante no cuidado continuado do paciente em situação de crise, que se
estabeleça um vínculo de confiança e troca entre ele e a equipe ou profissional, que conecta-se
com a questão do sujeito ser ouvido em relação ao seu tratamento, dessa forma, ele pode
começar a reformular questões ligadas à sua crise, resultando consequentemente na criação de
novos posicionamentos, ampliando sua visão de limites e possibilidades (Costa, 2007).
Importa ressaltar que esses serviços substitutivos de tratamento à pessoa em situação de
crise, somente são eficazes, quando existe um trabalho em rede. Os ditos serviços substitutivos
são caracterizados por ter uma rede ampla de assistência e reabilitação que dão suporte aos
projetos terapêuticos de cada usuário em sua comunidade e território, o que inclui a atenção
básica e os recursos existentes nesta comunidade. Toda a rede RAPS tem como função
primordial cuidar e abordar casos de crises, com intuito de evitar seu desenvolvimento para
apresentações mais graves. A integração da rede de serviços dar-se de modo que o atendimento
à crise seja realizado desde a atenção básica, dessa forma, cada nível tem sua capacidade de
intervenção no caso e possibilita assim uma resposta mais qualificada à essas situações. Com
esta integração, os dispositivos puderam ter uma visão dos problemas e disfunções sistêmicas
da rede, e desenvolver parcerias, objetivando chegar na superação dos problemas. Esses
serviços devem apresentar, evidentemente: capacidade resolutiva, maleabilidade e mobilidade,
ofertar atenção contínua e integral, hospitalidade, atendimento domiciliar e de rua e integração
aos demais serviços de urgência e emergência do território, sejam eles hospitalares ou pré-
hospitalares, como o SAMU e a UPA (Campos, 2014).
Segundo Minozzo e Costa (2013), através dos resultados de uma pesquisa que eles
1187
realizaram com integrantes de um SF (Equipes de Saúde da Família), trazem que nas falas deles,
evidenciava-se opiniões que remetiam ao reconhecimento da necessidade e importância da
construção do vínculo e da confiança entre os profissionais e os usuários na realização das ações
de saúde mental. Perceberam também, uma ideia ampliada do processo saúde-doença e o
reconhecimento da necessidade da escuta e da troca entre os usuários. Dessa forma, de acordo
ainda com estes autores, os profissionais participantes da pesquisa, tinha uma visão psicossocial
da atenção em saúde mental, porém percebeu-se também falas relacionadas a concepções e
intervenções asilares, como o encaminhamento para internação psiquiátrica e intervenções que
ignorem a singularidade do sujeito, em casos que o paciente não queira buscar o serviço
indicado.
Conforme Martins (2012), a reforma psiquiátrica como já bem mencionado no texto,
defende novas maneiras de pensar e agir em relação à crise, porém as maneiras que temos
atualmente de encarar a referida, ainda são obsoletamente enraizadas em fazeres clínicos
enrijecidos, dessa forma, tendem a construir suas significações e intervenções não levando em
conta a complexidade subjetiva da crise. Percebe-se, então, que a atenção à crise constitui um
campo da saúde mental marcado por paradoxos.
Dessa forma, devido a extrema necessidade de lidar com este tipo de crise de modo
imediato e também por se tratar de um fenômeno bastante atrelado ao campo biomédico,
pendendo para uma visão de traços patológicos, acaba-se por ocorrer um corte que separa a vida
e a crise do indivíduo naquele momento (Campos, 2015).
Muitos profissionais da saúde acabam por esquecer a potência intrínseca que existe no
momento de crise, da oportunidade de transformação e de desvio que ela oferece, pois mesmo
que seja uma vivência marcada por sofrimento, em proporção de mesmo valor podemos defini-
la também como momento de metamorfose, em que o sujeito pode sair de um local
historicamente dado para um outro local a ser reconstruído (Ferigato, Campos & Ballarin,
2007).
1188
subjetivação que possam ampliar a percepção tanto da família quanto do sujeito em torno da
crise vivenciada, ajudando também, na assimilação dos lugares ocupados dentro do contexto
social pelo sujeito em crise, família e equipe assim como as possibilidades de dispor relações
dentro desses contextos visando a suplantação da crise. Entretanto, é imprescindível destacar
que mesmo se ressalte essa especificidade do psicólogo, qualquer profissional que integre a
equipe é habilitado para desempenhar esse papel.
Em se tratando das dificuldades enfrentadas pelo maioria dos psicólogos dentro do
serviço de saúde mental e especificamente em relação a lidar com a crise pode-se ressaltar a
insegurança e medo diante de situações extremas e diante da realidade do serviço. Isso pode
estar atrelado a expectativa de construção de uma perspectiva nova em substituição às práticas
tradicionais amplamente criticadas com a reforma e que fogem da proposta psicossocial. Ou
seja, há a necessidade de se lidar com o não saber e responder a uma demanda que espera por
resultados. Além das próprias dificuldades na formação que ainda está muito atrelada à um
modo tradicional e individual de fazer clínica e por consequência afeta a prática (Sales &
Dimenstein, 2009).
3 Conclusão
Percebe-se que o cenário em relação ao manejo da crise ainda é muito atrelado ao campo
do saber biomédico, ainda que, evidentemente, na história houve uma mudança,
significativamente, notória em relação às perspectivas e concepções de manejo. Passando de
uma visão totalmente voltada para intervenções psiquiátricas para uma concepção mais
psicossocial na atenção em saúde mental.
Dessa forma, com a Reforma Psiquiátrica e as transformações no paradigma de atenção
à saúde – que passou de um modelo assistencialista para um modelo de atuação psicossocial
que culminou na criação do SUS (Sistema Único de Saúde) – o fazer prático da clínica rompe
com o modo tradicional e se configura para uma atuação em perspectiva ampliada, ou seja, há
uma transformação no olhar que se volta para o usuário e que consequentemente configura a
postura da atuação profissional. O sujeito passa a ser considerado em sua totalidade,
considerando-se também, além dos aspectos biológicos e fisiológicos, os aspectos sociais e os
relacionados a subjetividade que o perpassam (Brasil, 2009).
Em relação ao atendimento a crise em Psicologia, aspectos como, a escuta singular do
sujeito, a formação de equipes de referência, a estruturação do Projeto Terapêutico Singular
(PTS) com a participação tanto da equipe quanto do sujeito, a necessidade de trabalho
intersetorial e a corresponsabilização entre equipe e sujeito, constituem-se como pontos
importantes para compreender o papel desenvolvido pelo psicólogo no atendimento a crise em
saúde mental nos serviços de saúde (Teixeira, Ribeiro & Neto, 2018).
Além disso, vale mencionar que o trabalho em rede é de suma importância para a
eficácia do cuidado e manejo da crise em saúde mental, isto é os dispositivos de saúde mental
devem ser articulados entre si, para que assim o cuidado seja dado de forma integral e contínua.
Ademais reitera-se que as compreensões acerca da crise em saúde mental tem profunda
relação com o contexto histórico do qual se fala e ao se pensar no manejo da crise na atual
conjuntura social, histórica e política implica em considerar aspectos como ligação com a
terapêutica estabelecida entre equipe de saúde e o próprio usuário, bem como o usuário e a
instituição na qual está inserido, considerando também seu território, seus vínculos sócio
afetivos e a subjetividade dos próprios operadores. Isso permite que se perceba que o sujeito,
ainda que em crise, pode expressar afeto, criatividade e desejos, por exemplo. Assim, é
1189
fundamental um posicionamento ético para o atendimento à crise mediante questionamentos
como a quem se busca responder por meio da atuação; se ao sujeito em seu processo de
sofrimento ou a padrões sociais e protótipos de normalidade.
Referências
Carvalho, I. S., Costa, I. I., & Bucher-Maluschke, J. S. (2007). Psicose e Sociedade: interseções
necessárias para a compreensão da crise. Revista Mal Estar e Subjetividade, 7(1), 163-189.
Cantele, J., Arpini, M. & Roso, A. (2012). A Psicologia no modelo atual de atenção em saúde
mental. Psicologia: Ciência e Profissão, 32(4), 910-925.
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ATENÇÃO AO COMPORTAMENTO SUICIDA: UM ESTUDO
1191
BIBLIOGRÁFICO
Gabriela Oliveira Lira Rodrigues,
Francisca Daniele Nogueira Albuquerque,
Claudiana Pinheiro da Silva,
Ana Virgínia Maria da Silva,
Fabiane Araújo de Sousa,
Thainara Andrade Almeida
1 Introdução
A expressão comportamento suicida engloba a tentativa, a ideação suicida sem
tentativas, o risco de suicídio e a planificação da tipologia e da execução do suicídio. A
tentativa de suicídio se refere a comportamento auto lesivo em que a tendência de morrer pode
estar implícita ou explícita, mas é necessário lembrar que nem toda violência autoprovocada se
refere a uma tentativa de suicídio, mas todas necessitam de cuidado em saúde mental. O suicídio
em si é a morte autoprovocada, em que a pessoa tinha a intenção de morrer (WHO, 2014;
Kohlrausch, Lima, Abreu & Soares, 2008).
De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (2014), o suicídio pode ser
definido como “um ato deliberado executado pelo próprio indivíduo, cuja intenção seja a morte,
de forma consciente e intencional, mesmo que ambivalente, usando um meio que ele acredita
ser letal”. É ressaltado, ainda, que o suicídio deve ser considerado como a consequência de
diversos fatores acumulados ao longo da história de vida do sujeito, e não causado por um fator
único e pontual, mas como o resultado final de uma sequência de acontecimentos.
O comportamento suicida ainda é tido como um assunto tabu, pois é um tema que gera
muitos desconfortos, levando em conta a complexidade do gesto que vai de contra ao instinto
de sobrevivência inerente aos seres humanos, colocando em teste o real sentido da vida. Sendo
assim, se torna mais difícil compreender como se dá a idealização e elaboração de planos da
própria morte, escolhendo os meios para isto, até que se concretize de fato, o ato de tirar a
própria vida, que é tida social e moralmente como bem mais precioso (De La Taille & Cortella,
2005).
Em comunicado, as tentativas de suicídios foram reconhecidas pela OPAS/OMS como
uma prioridade na agenda global de saúde, incentivando os países a desenvolver estratégias de
intervenção a fim de amenizar esse problema. Ainda segundo a OMS, o suicídio é responsável
por uma morte a cada 40 segundos no mundo, com mais de 800 mil mortes anuais. Afirma ainda
que o mesmo é a principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos. Este órgão
de saúde alerta que os altos índices de suicídio estão sendo vistos como uma grave crise de
saúde pública (ONU, B. 2016).
Neste sentido, é preciso criar mecanismos para amenizar esse grave problema, assim,
Botega (2015) traz que o primeiro passo para a prevenção é desmistificar muitas crenças
errôneas que giram em torno do tema suicídio. O profissional principalmente deve fugir dos
temores generalizantes, como por exemplo: “Se eu perguntar sobre ideias de suicídio, não
estaria induzindo um paciente a isso? E se ele me responder que sim, não saberei o que fazer e
passarei a me sentir responsável pela vida dele? Essas dentre outras, são modelos de crenças e
1192
preconceitos recorrentes e que precisam ser desconstruídos para que o tabu que o tema se
tornou, estes estigmas impede a procura de ajuda o que poderia evitar mortes (WHO, 2014).
O presente trabalho foi construído a partir de pesquisas bibliográficas, buscando
elucidar questões acerca da atenção ao comportamento suicida, como os fatores de riscos,
manejo e cuidado com o paciente e aspectos relacionados à prevenção e posvenção efetuados
nos dispositivos de saúde.
2 Desenvolvimento
2.2 Manejo
A crise suicida é uma condição clínica muito grave, em que a segurança do paciente
toma precedência sobre a confidencialidade. Cabe ao profissional que acompanha o indivíduo,
desejavelmente, obter sua anuência e comunicar um familiar ou uma pessoa que lhe seja
significativa. Essa comunicação é feita com o intuito de se criar uma rede de proteção da qual
participam pessoas próximas ao paciente. Entrar em contato com um familiar ou responsável é
mandatório não apenas no caso de adolescentes. Se o paciente não concordar com essa proposta,
1193
ainda assim temos que nos comunicar prontamente com um familiar ou amigo seu e falar sobre
o risco de suicídio (Bertolote et al., 2010; Botega, 2015).
Bertolone et al. (2010) ressalta que o profissional tem de estar bem preparado com
treinamento adequado para abordar estes pacientes, se este for influenciado por atitudes
negativas e crenças errôneas, encontrará dificuldades de compreensão para uma avaliação de
risco de suicídio, e caso seja necessário, dar início a ações terapêuticas. Dessa forma, ao invés
de uma relação empática se estabelece uma dissonância afetiva que dificulta a avaliação e o
manejo, afetando a contribuição da pessoa que vive um momento em que se encontra
enfraquecida, frágil e nem sempre com disposição para colaborar. O mesmo autor traz
ainda, que as três principais de todo o pessoal de saúde, no geral, em relação ao comportamento
suicida, são: 1) identificação do risco; 2) proteção do paciente e 3) remoção ou tratamento dos
fatores de risco.
Por isso, o principal objetivo do manejo de em uma situação de crise suicida deve a
segurança e estabilidade do paciente, sendo o contexto clínico onde providências devem ser
tomadas para proteger a pessoa que apresenta risco agudo de suicídio (Botega, Rapeli & Casi,
2012). Para isso, inicialmente deve-se identificar os indivíduos que se encontram em situação
de risco, utilizando-se de uma avaliação clínica periódica, pois o risco pode mudar rapidamente.
A avaliação clínica consiste em uma entrevista clínica, que em casos de tentativa de suicídio
possui dois objetivos: o semiológico, que é a coleta de várias informações, inclusive de
terceiros; e o de apoio emocional e estabelecimento de vínculo. (Associação Brasileira de
Psiquiatria, 2014; Bertolone, 2010).
O espaço de tempo é limitado e ainda assim, é necessária a obtenção do maior número
de informações possíveis, pois em um segundo momento, a entrevista passará a ser conduzida
por questões diretivas. É importante então, esclarecer os motivos que levaram a tentativa de
suicídio (fator precipitante) e quais as circunstâncias, explorando a existência de estressores
psicossociais, recentes e crônicos, e ainda, a presença ou não de doenças mentais. A busca por
detalhes quanto aos incômodos trazidos pelo paciente e a respeito da intencionalidade suicida
é imprescindível, pois quanto mais determinado, maior o grau de risco de suicídio (Botega,
2012).
Bertolone (2010) conclui que o plano de tratamento deve ser flexível, passando por
revisões periódicas. A disponibilidade e a capacitação da equipe assistencial são tão importantes
quanto às mudanças ambientais implementadas para evitar o suicídio. Discussões regulares
facilitam a capacitação da equipe para lidar com esses casos. Pois mesmo com todo o cuidado
pacientes podem vir a suicidar-se estando sob cuidados médicos, o que pode afetar a equipe e
a família com sentimentos de culpa e ansiedade.
Em casos de tentativa ou de concretização do ato, é exigido da equipe de Atenção
Psicossocial (APS), além da escuta atenta e acolhedora, a efetivação de manejo do caso e
articulação de rede necessária para garantir suporte sólido. Para isso é imprescindível que se
conheça os fluxos pactuados na rede de serviços e que mapeiem as redes de suporte do paciente
(OMS, 2006; Associação Brasileira de Psiquiatria/ABP, 2014).
1194
2015).
O Ministério da Saúde, no ano de 2005, dedicou-se em criar uma Estratégia Nacional
de Prevenção do Suicídio (ENFS), junto de diversas instituições nacionais que estavam se
dedicando ao tema. Somente em 2006, houve a publicação da PORTARIA Nº 1.876, DE 14 DE
AGOSTO DE 2006, que instituiu diretrizes considerando o problema de saúde que é o suicídio,
em que se sobressaem objetivos, como o desenvolvimento de estratégias de promoção de
qualidade de vida e de prevenção de danos, disseminação de informações e sensibilização da
sociedade de que o suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido,
fomentação e execução de projetos estratégicos fundamentados em estudos de eficácia e
qualidade, bem como em processos de organização da rede de atenção e intervenções nos casos
de tentativas de suicídio e a promoção da educação permanente dos profissionais de saúde de
atenção básica, inclusive do Programa Saúde da Família, dos serviços de saúde mental, das
unidades de urgência e emergência, de acordo com os princípios da integralidade e da
humanização (Botega, 2007, Brasil, 2006 & OMS, 2006).
De acordo com Mattos (2001), a saúde mental deve estar em associação com a atenção
básica de saúde, que pela Constituição de 1988, está voltada para o reconhecimento da
relevância pública em ações e serviços de saúde e de garantir integralidade no atendimento e
participação da comunidade.
A Organização Mundial de Saúde (2006) em respeito a prevenção do suicídio, declara
que devem ser considerado os níveis de intervenção primária, secundária e terciária. Nesse
sentido o nível primário é referido a sujeitos que ainda não mostram sinais a tendência suicida,
ou em casos que os transtornos ainda não oferecem periculosidade a vida do indivíduo.
As precauções a serem tomadas devem estar pautada ao apoio e melhoria do
funcionamento psíquico em relações interpessoais e sociais, bem como em diminuir
o significativamente o contexto das condições de risco emocionais, físicas e económicas. De
acordo com a MBS (Brasil, 2006), as principais redes de apoio são: a família, colegas, membros
da igreja, centros de crise e os profissionais da saúde.
Definir prevenção é lidar com um campo bastante abrangente que engloba a ação dos
profissionais da saúde, que são responsáveis pela ação de atividades preventivas como a
resolução técnica, práticas diretivas e ações educativas. Dado o exposto, prevenção é promover
a manutenção da saúde dos cidadãos, por meio de ações antecipatórias contra doenças
(Cordeiro, Oliveira, Melzer, Ribeiro, & Rigonatti, 2010).
De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (2014), o suicídio é um dos temas
mais difíceis quando o assunto é prevenção, dessa forma a unidade de atenção primária tem
como objetivo criar um vínculo de comunicação territorial entre o paciente e a comunidade
como melhor via de prevenção. A prevenção primária dispõe-se de proteger e evitar fatores ou
causas de riscos que predisponha o sujeitos a doenças. Para eficácia das ações primárias deve
ser executada na comunidade voltando-se tanto para ações individuais, grupais ou a
comunidade em geral. Nesse nível devem ser estabelecidas medidas e ações que previnam
antecipadamente a doença ( Cordeiro et al, 2010).
A prevenção secundária parte da detecção antecipada de questões relacionadas a
problemas assintomáticos com a disposição de interromper a evolução da doença com o intuito
de estabelecer a cura ou reeducação de determinadas consequências. Assim o nível de atenção
secundária visa a prevenção através do conhecimento do histórico da doença, com
levantamentos que na maioria das vezes acontecem, no ambiente clínico (Cordeiro et al, 2010).
Os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) são responsáveis para dar abertura a
1195
atenção a crise, nele deve ser dada preferência na atenção a pessoa que tentou suicídio e fazer
o acompanhamento ao ao pronto socorro em caso de crise. Este setor, objetiva o acolhimento a
pessoa em sofrimento, estimulando a relação social e família e na busca de autonomia, visão a
integração da população a contextos culturais e que evitem o isolamento do indivíduo, através
da reinserção do indivíduo a educação, ao lazer dentre outras atividades que descentralize o
cuidado hospitalocêntrico sem que os usuários saiam do cotidiano ( Silva & Costa, 2010; ABP,
2014).
Em situações de crise a intervenção deve ser de ação imediata, de modo que possa
ser dado apoio na contenção do comportamento de autoextermínio, sendo necessários suportes,
sejam de intervenções médica, psicológica ou social. Em termos de intervenção, o
acompanhamento territorial e compreensão dos ricos naquele local, estratégias como de ações
voltadas a autonomia dos sujeitos e estímulo às redes de saúde devem ser estratégias adotadas
para a prevenção de tentativas de cometer o suicídio (Silva & Costa, 2010)
O nível de prevenção terciária visa evitar ou diminuir complicações e sequelas,
promovendo a adaptação do indivíduo a situações difíceis ou incuráveis de modo que se obtenha
um controle da mesma de maneira devida. Geralmente essa abordagem de saúde é realizada em
setores psiquiátricos especializados, residências asilares e não hospitalares, centros de
reabilitação, dentre outros (Silva & Costa, 2010).
No Brasil, posvenção é um termo ainda pouco conhecido. É uma questão que envolve
ações voltadas para as pessoas enlutadas pelo ente que cometeu suicídio, precisamente às
atividades após esta perda. Torna-se importante medidas de posvenção, uma vez que o ato
suicida envolve questões sociais, individuais, culturais, além do histórico de cada época. Isto
é, se uma morte acontece por suicídio, outras vidas são impactadas por esta perda e ocorrência
(Fukumitsu & Kovács, 2016). Tal inquietação se fundamenta no fato de que pessoas que
vivenciam a perda de um ente querido por suicídio, podem se caracterizar como um grupo
propenso a comportamentos suicidas.
Estudos já apontam que a cada caso de suicídio registrado, uma média de 5 a 10 pessoas
pode ser impactadas pela perda ocasionando consequências emocionais, sociais e até mesmo
econômicas aos enlutados, enternece também na forma de experienciar o processo de luto e em
suas reações emocionais decorrentes do processo. [...] uma criança cujo pai se mata pode sentir
extremamente a perda e, se propensa à depressão, reage de modo desesperado e similar; a
exposição à violência ou ao suicídio pode ter impacto particularmente mortal sobre alguns
membros da família; ou o ato suicida pode ser imitado ou aprendido como a melhor solução
para dor grave, privação ou estresse (Jamison, 2010).
Os grupo de apoio e autoajuda mostram-se indispensáveis por possibilitar a
oportunidade de conversar com outras pessoas enlutadas, ou seja, com pessoas que também
perderam alguém por causas semelhantes pode ajudar. Esses grupos têm se mostrado um lugar
poderoso para esta finalidade, eles objetivam ajudar através da troca de experiências,
oferecendo um lugar de acolhimento e construindo uma rede de conectividade de pessoas
enlutadas ou que de alguma forma foram impactadas pelo suicídio de algum ente querido
(Botega, 2015).
Denota-se que uma família que sofre uma perda por suicídio muda seus padrões de
funcionamento em todos os aspectos, o que acaba por dificultar a elaboração da perda. Dessa
forma, é de suma importância a atenção dos profissionais para esse público que é de alguma
forma afetado pelo acontecimento, visando procurar diminuir os danos causados pelo ocorrido
e ajudar os sujeitos a ressignificar o luto (Melo & Barros, 2017).
1196
3 Conclusões
A falta de conhecimento em relação a como proceder sobre o suicídio, acarreta nas
dificuldades de manejo. É necessária a compreensão de que o comportamento suicida envolve
uma série de fatores e não advém de algo pontual como muitas vezes é colocado, o
conhecimento destes fatores irão nortear a investigação acerca das motivações do sujeito para
tirar a vida, servindo como um apoio para a avaliação de risco e o manejo de casos de crise
suicida. Neste aspecto, é necessário que se discuta mais sobre questões como os fatores de
riscos, que são os indícios e pistas de uma possível tentativa, objetivando que tanto os
profissionais da saúde quanto as pessoas mais próximas, possam identificá-los e ajudar ou
buscar ajuda para o sujeito em sofrimento.
Entretanto, lidar com o assunto de suicídio continua sendo muito difícil e complexo,
pois engloba diversos paradigmas e preconceitos dos sujeitos relacionados às suas crenças.
Dessa forma, considera-se importante que sejam estimuladas e promovidas maiores discussões
a respeito da temática, visando dar uma maior visibilidade ao tema e desmistificar certas
questões que permeiam o comportamento suicida.
Considera-se de suma importância o desenvolvimento de mais políticas preventivas em
relação ao suicídio e que as campanhas e discussões sobre o tema não apareçam apenas em
Setembro, mas sim em todo o ano, visto que é uma questão de saúde pública. E que os
profissionais da saúde que ocupam os dispositivos que são aptos a oferecer serviços de
prevenção, promoção e posvenção em relação ao comportamento suicida, recebam mais
preparação para desenvolver um trabalho mais humano e sensível com os sujeitos que
apresentam esses comportamentos.
Ressalta-se ainda a importância de uma posvenção bem articulada, pois é um trabalho
que atua diretamente no cuidado aos enlutados do suicídio prestando suporte e apoio, buscando
aliviar o sofrimento da perda e promover o enfrentamento da situação. Podendo ser vista até,
quando bem sucedida, como uma eficaz tática de prevenção a futuros casos de suicídio.
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1198
ANÁLISE CRÍTICA DO PROCESSO HISTÓRICO
1 Introdução
É possível dizer que a Psicologia no Brasil atravessou um longo processo histórico até
que se inserisse no seu sistema de saúde. Alguns autores acreditam que seu inicio se deu a partir
da definição de saúde como “um estado de completo bem estar físico, mental e social e não
somente ausência de afecções e enfermidades”, pela Organização Mundial de Saúde, em 1948.
Apesar de criticada por muitos estudiosos como utópica, ela serve como cenário para a
elaboração de políticas em saúde para os países filiados a essa instituição, como é o caso do
Brasil (Souza, Garbinato & Martins, 2012).
Observamos sua influência no Artigo nº 196 da Constituição Federal de 88, onde: “a
saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (Constituição da
República Federativa do Brasil,1988, artigo 196). E, mais tarde, com a regulamentação do
Sistema Único de Saúde (SUS), a partir da lei nº 8.080/90 (Lei n° 8.080, 1990) e da nº 8.142/90
(Lei n° 8.142, 1990), regido pelos princípios doutrinários da universalidade de acesso,
integralidade de assistência, preservação da autonomia das pessoas, equidade na assistência à
saúde, divulgação de informações, participação da comunidade.
As discussões sobre a inserção da Psicologia no SUS são muito recentes em relação à
data da criação do sistema, porém, alguns autores defendem que o profissional de Psicologia se
destaca neste contexto por entender as questões de saúde em uma relação entre o social e o
coletivo, por seu conhecimento estar diretamente relacionado com o conceito de saúde em vigor
e, principalmente, por representar a superação de enfoques centrados em um indivíduo abstrato
e a-histórico, tão frequentes nas ciências biológicas (Souza et al., 2012). A partir disso, é
importante refletir sobre a construção da interface entre a Psicologia e o Sistema Único de
Saúde. O presente estudo teve como objetivo compreender como se deu a inserção da
Psicologia no SUS, através da descrição do seu processo histórico e das implicações que ele
traz para as perspectivas de sua atuação.
2 Metodologia
O trabalho se trata de uma revisão narrativa. Segundo Rother (2007) “os artigos de
revisão narrativa são publicações amplas, apropriadas para descrever e discutir o
desenvolvimento ou o ‘estado de arte’ de um determinado assunto, sob o ponto de vista teórico
ou contextual”. (p.1). Tal categoria não propõe informar as fontes utilizadas, a metodologia de
busca, nem os critérios utilizados para a seleção dos trabalhos. Apoia-se na análise da literatura
publicada em livros, artigos, na interpretação e análise crítica pessoal do autor. Considerada de
fundamental importância para a educação permanente, contribuindo para a construção de
conhecimento sobre uma temática, em curto espaço de tempo (Rother, 2007).
Para a coleta do material, realizou-se um exame intensivo dos dados, no período de julho
1199
a agosto de 2019. Foram pesquisadas as bases de dados científicos: Scielo, PePSIC, e Biblioteca
Virtual em Saúde do Ministério da Saúde. Os descritores utilizados foram: Psicologia e o
Sistema Único de Saúde. Buscou-se, de início, excluir os resumos que não tivessem relação
com a prática da psicologia no SUS. Em seguida, realizou-se uma análise aprofundada dos
resumos escolhidos, identificando o foco dos estudos a fim de caracterizar a produção
encontrada. O banco de dados foi senso complementado a partir das referências bibliográficas
dos textos selecionados para análise crítica.
3 Resultados e Discussão
3.1 A Saúde Coletiva e o Sistema Único de Saúde
A reforma do setor brasileiro de saúde ocorreu simultaneamente ao processo de
democratização, com a característica fundamental de ter sido conduzida pela sociedade civil, e
não por governos, partidos políticos ou organizações internacionais. Anterior a ela, apenas
trabalhadores com carteira assinada tinham acesso a saúde pública. Hoje, o SUS, instituído pela
Constituição de 1988, baseia-se no principio de saúde como direito de todo cidadão e um dever
do estado (Paim, Travassos, Almeida, Bahia & Macinko, 2011).
A relação entre o desenvolvimento do campo de conhecimento chamado Saúde Coletiva
e os movimentos pela democratização no Brasil, especialmente o da Reforma Sanitária, deve-
se ao fato histórico de que se criou o campo em plena década de agitações sociais e movimentos
reivindicatórios, dentro da luta contra a ditadura brasileira e pela reforma social que
compreende no projeto da Saúde Coletiva uma reforma sanitária. No Brasil, duas instituições
surgem ligadas a esse projeto: o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), em 1976, e a
Associação Brasileira de Programas de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), em 1979,
responsável por elaborar o documento que embasou as discussões da VIII Conferência Nacional
de Saúde, em 1986 (Osmo & Shraiber, 2015).
A VIII Conferência Nacional de Saúde, que aprovou o conceito de saúde como um
direito do cidadão e delineou os fundamentos do SUS, ressaltava que a saúde deveria ser
compreendida como “fruto de um conjunto de condições de vida que vai além do setor dito de
saúde”. (Paim, 2008, p.100). E defendia o controle social na política da saúde. Paim (2008)
afirma que essa compreensão de saúde pode ser creditada à produção teórica sobre
determinação social do processo saúde-doença, realizada por pesquisadores da área de Saúde
Coletiva no Brasil e na América Latina desde a década de 1970. É possível observar o
entrelaçamento das instituições Abrasco e Cebes com a produção teórica em Saúde Coletiva,
no engajamento político em torno da Reforma Sanitária (Osmo & Shraiber, 2015)
Campos (2000) questiona se a Saúde Coletiva, cujas pesquisas, segundo Osmo &
Shraiber (2015) abarcam disciplinas com a Epidemiologia, as Ciências Sociais e Humanas, a
Filosofia, ou a Administração, teria criado um novo paradigma, negando e superando o da
medicina e o da antiga saúde pública. Tendo a característica de ser interdisciplinar possibilita
um conhecimento ampliando da saúde, que durante muito tempo silenciou seu âmbito social
em detrimento do discurso biomédico. “A saúde coletiva teria, justamente, como uma de suas
principais propostas, resgatar o social”. (Osmo & Shraiber, 2015, p. 215). E aqui podemos
observar o início de um entrelaçamento com a Psicologia, que segundo Souza et al. (2012), se
destaca neste contexto por entender as questões de saúde em uma relação entre o social e o
coletivo.
1200
3.2 A inserção da Psicologia no SUS – Reformas Sanitária e Psiquiátrica
Como já citado anteriormente, as discussões sobre a inserção da Psicologia no SUS são
muito recentes. A preocupação com a saúde pública, com a inserção do trabalho do psicólogo
no debate sobre modos de intervenção que se façam para além da atuação autônoma e liberal
em consultórios particulares é ainda pouco encontrada no campo da Psicologia (Benevides,
2005)
Diversos estudos apontam que a inserção crescente dos psicólogos na saúde pública no
Brasil ocorreu a partir da Reforma Psiquiatra, no momento de crítica ao modelo asilar, com a
criação do campo chamado de saúde mental. O que, por vezes, faz com que a reflexão sobre a
atuação do psicólogo na saúde fique reduzida a esse campo, fazendo-se necessário descrever
alguns processos históricos das políticas de saúde entre o final da década de 1970 e durante a
década de 1980, principalmente no que diz respeito à relação entre os movimentos da reforma
psiquiátrica e da reforma sanitária. (Ferreira Neto, 2010).
A relação entre as duas reformas se deu em momentos de conjunção de disjunção. Sua
origem foi disjunta, mas na década de 80 teve sua primeira conjunção a partir da tática
desenvolvida pelo movimento sanitário de ocupação de espaços públicos de poder e de tomada
de decisão, como forma de introduzir mudanças no sistema de saúde. Na chamada Nova
República, o movimento sanitário e o movimento da reforma psiquiátrica se confundiram com
o próprio Estado. Em 1987 se deu uma nova disjunção, determinada pela I Conferência
Nacional de Saúde Mental e pelo II Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental,
em Bauru, no qual foi produzida a consigna por uma sociedade sem manicômios, instituído o
dia 18 de maio como o Dia Nacional da Luta Antimanicomial e elaborada uma pauta de
conceitos para aparelhar a luta pela reforma psiquiátrica, visando a autonomia do movimento
em relação ao Estado, e as alianças com a sociedade civil, movimentos populares, associação
de usuários e familiares, com a busca da rua, da imprensa e da opinião pública. O evento contou
com a presença de vários profissionais não médicos, em sua maioria psicólogos, além de
intelectuais de várias áreas (Ferreira Neto, 2010).
As diretrizes surgidas apontavam para um caminho de alargamento das fronteiras da
luta (antimanicomial) para uma ação no interior da própria cultura, o que Amarante (2007)
descreveu como uma reconstrução das formas como as sociedades lidam com as pessoas com
sofrimento mental, um restabelecimento do lugar social da loucura, que desde Pinel, esta
associada ao erro, ao perigo, a insensatez e a incapacidade.
A atual conjunção se deu a partir das mudanças na legislação advindas das propostas
dos dois movimentos, iniciadas em nível estadual e que culminaram com a promulgação da Lei
federal nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental (Ferreira Neto, 2010).
A partir desse ano, o Ministério da Saúde publica portarias que norteiam progressivamente a
organização do atendimento psiquiátrico no Brasil, bem como o atendimento em Saúde Mental
envolvendo outros profissionais além do médico, como o psicólogo, o assistente social e o
terapeuta ocupacional, determinando, principalmente, a atuação dos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) como serviço estratégico de substituição ao hospital psiquiátrico (Souza
et al, 2012).
Essa conjunção foi incrementada pela ampliação do Programa de Saúde da Família
(PSF), que visa à reorientação do modelo de assistência do SUS, em todos os seus níveis, com
ênfase na atenção básica. Tem operado mudanças na organização do processo de trabalho em
saúde mental, que passou a ser responsável pelo apoio matricial às equipes da atenção básica,
1201
através de trabalho conjunto de cor-responsabilização pela clientela em comum (Ferreira Neto,
2010).
1202
despolitização, pois “no mesmo movimento que o sujeito é tomado como centro, opera-se uma
dicotomização com o social que se acredita circundá-lo”. (Benvides, 2005, p. 21). Duas
realidades (interna/externa) que estão sempre em constante articulação, mas que são encaradas
de forma separada. Dessa maneira, as práticas psi passam a se ocupar de sujeitos abstraídos de
seus contextos, produzindo certa política: colocando de um lado a macropolítica, e de outro a
micropolítica, de um lado o Sistema Único de Saúde, como dever do Estado e direito dos
cidadãos, e de outro os processos e produção de subjetividade. É a partir da fundação da
Psicologia nestas dicotomias, que para Benevides (2005),
o individual se separou do social, que a clínica se separou da política, que o cuidado com a saúde das
pessoas se separou do cuidado com a saúde das populações, que a clínica se separou da saúde coletiva,
que a Psicologia se colocou a margem de um debate sobre o SUS (p.22).
Segundo Ronzani e Rodrigues (2006), essa postura individualista, para tratar os usuários
do SUS, vai contra o que seria uma atuação comprometida com a comunidade, além de também
se contrapor ao conceito de saúde que norteia esse sistema – que inclui, segundo Osmo e
Shraiber (2015), o resgate dos aspectos sociais no cuidado.
Benevides (2005), ao falar sobre a fundação da Psicologia assentada na separação entre
macro e micropolítica, descreve sobre alguns desvios que tomou como princípios éticos que
possam contribuir sobre o debate sobre as interfaces da Psicologia com o SUS. Segundo a
autora, a contribuição da Psicologia no SUS poderia estar no entrecruzamento do exercício
destes três princípios. São eles:
a) o principio da inseparabilidade: onde pensar a interface da Psicologia com o SUS se dará
por meio do entendimento de que processos de subjetivação se dão em um plano coletivo,
de multiplicidades, em um plano público;
b) o princípio da autonomia e da co-responsabilidade: é impossível pensar as práticas dos
psicólogos que não estejam imediatamente comprometidas com as condições de vida da
população brasileira, com o engajamento da produção de saúde que implique a produção de
sujeitos autônomos e corresponsáveis pelas suas vidas;
c) o princípio da transversalidade: segundo a autora, é no “entre os saberes” (p.23) que a
invenção acontece, no limite dos seus poderes que os saberes têm o que contribuir para um
outro mundo possível, para uma outra saúde possível.
Para Benevides (2005), a pergunta que insiste a partir disso é: “Quais as interfaces da
Psicologia como campo de saber e, mais precisamente, dos psicólogos enquanto trabalhadores,
com o Sistema Único de Saúde?” (p. 22). Para a autora, trata-se de uma discussão ético-política,
pois se não aceitamos as posições abstratas, descoladas de onde a vida se passa, precisamos
trazer para o debate questões sobre o contemporâneo, tanto em sua dimensão transnacional,
mundial, quanto (e principalmente), local, brasileira.
Segundo Cintra e Bernardo (2017), é preciso se libertar das amarras que prendem a
atuação do psicólogo a uma única ação e dar liberdade para que ela se transforme em atividades
necessárias para o contexto em que estão inseridos. Os autores indicam a Psicologia Social
Crítica, desenvolvida na América Latina, como uma das bases para se propiciar uma formação
que ajude os profissionais a seguirem esse caminho sem achar que estão deixando de ser
psicólogos por isso.
Quando falamos sobre a luta dos movimentos sociais, como o direito a saúde, podemos
1203
fazer um entrelaçamento com a Psicologia Social Crítica ao compreender que ela propõe uma
atuação transformadora, que visa à mudança das estruturas de poder, através da conscientização
e empoderamento em uma atuação contextualizada (Cintra & Bernardo, 2017).
Existem várias denominações para falar de perspectivas psicológicas críticas
desenvolvidas no contexto latino americano, mas entendemos que todas as propostas têm em
comum o fato de questionarem as opressões, violências e desigualdades econômicas e/ou
sociais vividas pelos povos latino-americanos e buscarem o empoderamento das comunidades
para o enfrentamento dessas situações. Essas denominações não se configuram como uma área
ou um campo de atuação dentro da Psicologia, mas como um posicionamento ético-político
(Cintra & Bernardo, 2017). Os autores defendem que é possível observar que existe uma
convergência entre os preceitos da Psicologia Social Crítica e os princípios que regem o SUS,
como a historicidade dos processos sociais, a idéia de transformação social e o trabalho
realizado com as coletividades.
4 Considerações Finais
A Psicologia no Brasil atravessou um longo processo histórico até que se inserisse no
sistema de saúde. Uma formação voltada para políticas públicas seria um importante
instrumento para que o psicólogo saísse da graduação com um olhar voltado para essas
questões, e assim, talvez, pudesse ser mais fácil realizar práticas que correspondessem aos
ideais do SUS (Cintra & Bernardo, 2017).
Mas quando se questiona quais as interfaces da Psicologia com o Sistema Único de
Saúde, mais do que fazer uma discussão sobre os conteúdos curriculares, ou recomendar
disciplinas a serem incluídas e/ou excluídos dos cursos de formação, “devemos nos perguntar
sobre quais práticas tais psicólogos têm efetuado, quais compromissos ético-políticos têm
tomado como prioritários em suas ações” (Benevides, 2005, p. 22). Faz-se necessária uma
discussão sobre a tomada de posição do profissional, de atitude, sobre o que se define como
objeto e campo de intervenção psicológica; e fazer isso não exclui os referenciais teórico-
conceituais, que dão suporte a atuação (Benevides, 2005).
A Psicologia Social Crítica surge como resposta a esse questionamento, pois além de
ser fruto de uma concepção de homem como produto histórico e social, que nos remete a
necessidade da interdisciplinaridade como orientadora da atuação (Lima, Ciampa & Almeida,
2009), assim como ocorre na Saúde Coletiva, trata-se de um posicionamento ético-político que
parte do princípio de que a Psicologia é chamada a tomar posição sobre os adventos da vida
cotidiana, da coletividade.
Ao falar sobre “A construção de novos sujeitos e práticas em saúde: em questão o
compromisso social” (p. 58), Dimenstein (2001) denuncia a dificuldade que temos na formação
profissional, organização e gestão, e principalmente no desinteresse profissional que gera um
distanciamento nos trabalhadores entre si e com os usuários dos serviços de saúde. Elenca como
aspectos fundamentais para a transformação dos modos hegemônicos de fazer saúde e para a
construção de um sistema universal, integral e equânime o compromisso do profissional com
as instituições de saúde, com a qualidade e humanização das práticas, com o acolhimento e
vínculo com os usuários.
Queremos ressaltar que “os eixos da universalidade, equidade e integralidade,
constitutivos do SUS, só se efetivam quando conseguimos inventar modos de fazer acontecer
tais eixos” (Benevides, 2005, p. 24). Buscar uma forma de atuar que se oriente por esses eixos
1204
necessita de um posicionamento crítico em relação a sua própria atuação, necessita que se
assuma um compromisso social.
De todo modo, esse estudo não esgota as possibilidades de questionamentos sobre a
atuação da Psicologia no SUS, existem impasses para a atuação que não foram aqui
problematizados. A preocupação com a atuação da Psicologia na Saúde Pública é, ainda, um
tema escasso, havendo a necessidade que mais estudos sejam feitos na área, tendo em vista que
se trata de um tema em constantes transformações no que diz respeito a questões de situação de
saúde da população ou a própria política de saúde.
Referências
1205
debates em sua constituição. Saúde e Sociedade, São Paulo, 24, suppl. 1, 205-218.
Paim, J. S. (2008). Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e crítica.
Salvador: Edufba.
Paim, J., Travassos, C., Almeida, C., Bahia, L. & Macinko, J. (2011) O sistema de saúde
brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet (Série Brasil), 11-31.
Ronzani, T. M. & Rodrigues, M. C. (2006) O psicólogo na atenção primária à saúde:
contribuições, desafios e redirecionamentos. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília,
26(1), 132-143.
Rother, E.T. (2007) Revisão sistemática X revisão narrativa. Acta paulista de Enfermagem,
São Paulo, 10(2), v-vi.
Souza, A. L. M. de, Garbinato, L. R. & Martins, R. P. S. (2012). A atuação do psicólogo no
sistema único de saúde: uma revisão. Interbio, 6(1), 54-66.
A PRÁXIS DA PSICOLOGIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: PARA
1206
ALÉM DA NORMATIZAÇÃO
1 Introdução
O Sistema Único de Saúde(SUS) foi estabelecido no Brasil a partir da constituição de
1988. Desde então a saúde no Brasil é pública, colocada como um direito de todos e um dever
do Estado. É fato que as práticas nesse contexto permanecem sendo moldadas, já que a história
de políticas de saúde pública no Brasil ainda é algo recente.
1207
fazer ético e político da profissão diante da sociedade, que gerou uma psicologia mais
democrática e preocupada com as questões políticas e sociais.
Até os dias atuais tem sido difícil explicitar qual o fazer do Psicólogo nas políticas
públicas, pois carregamos a velha herança da clínica elitizada, que criou uma “relação
protegida, forjada na clínica particular – onde as normas são definidas pelo próprio psicólogo
– e enfrentar a rede complexa de normas institucionais” (Spink, 2003, p. 137) é uma tarefa
difícil, que ainda está em um processo de superação.
Nessa perspectiva, o nosso questionamento aqui está no fazer do Psicólogo nas Políticas
Públicas de Saúde. Pois a psicologia se respalda em um conhecimento sobre a subjetividade
humana e sua demanda está associada ao sofrimento em diversos contextos. Mas o que o
Psicólogo deve fazer quando a política que se respalda em uma normatividade impede o auxílio
desse sofrimento? Esse é um dos impasses que gostaríamos de ressaltar aqui.
Outra questão é sobre a clínica, acreditamos que esse modelo de clínica elitizada que se
estabeleceu por tanto tempo deve ser superada. Porém a clínica como uma ética, ela deve ser
levada em consideração, afinal a clínica está relacionada a escuta, a acolhida do sofrimento,
fator que é fundamental em qualquer esfera da sociedade inclusive na saúde, afinal a clínica é
só para a elite?
Portanto, o objetivo do presente estudo é compreender o fazer do psicólogo nas políticas
públicas de saúde, explicitando os impasses que esse profissional encontra frente as demandas
presentes nesses espaços e a normatividade institucional da política que por vezes limita o fazer
do profissional.
2 Método
O presente artigo é de cunho qualitativo, no qual foi escolhido como método de coleta
de dados uma revisão narrativa da literatura. Esse tipo de revisão busca fazer estudos amplos,
no âmbito macro, sem muitas especificidades, “apropriadas para descrever e discutir o
desenvolvimento ou o "estado da arte" de um determinado assunto, sob ponto de vista teórico
ou contextual” (Rother, 2007, p.1).
Essa categoria de artigos têm um papel fundamental para a educação continuada pois,
permitem ao leitor adquirir e atualizar o conhecimento sobre uma temática específica
em curto espaço de tempo; porém não possuem metodologia que permitam a reprodução
dos dados e nem fornecem respostas quantitativas para questões específicas. São
considerados artigos de revisão narrativas e são qualitativos. (Rother, 2007, p.1).
No mês de outubro do ano de 2019 realizamos uma revisão na base de dados eletrônica
SciELO, utilizamos os seguinte descritores “Psicologia” and “SUS” sendo a temática de nosso
interesse a atuação crítica da Psicologia no SUS. Na primeira busca encontramos 45 artigos, ao
utilizar os critérios de inclusão ficaram 12 artigos selecionados para análise.
Nesse sentido, os critérios de inclusão utilizados foram: a) artigos em português, b)
artigos que tratem sobre o tema atuação crítica do Psicólogo no SUS, c) artigos com estudos
originais.
1208
3 Resultados e Discussão
A predominância do modelo biomédico na formação e educação nos cursos de
graduação em saúde e afins, incluindo em vários aspectos a Psicologia, impõe a necessidade de
transformações na capacitação dos profissionais, que enfatize as concepções ampliadas de
saúde, ações interdisciplinares e Intersetoriais, valorizando a participação social e a cidadania
nos processos de produção da saúde e do cuidado.
Aqui ressaltamos o fazer da Psicologia dentro da Atenção básica à Saúde que é um dos
locais que o Psicólogo atua no SUS. Suas atividades se remetem a várias formas de
intervenções, dentro das atividades realizadas estão: atendimento individual, visitas
domiciliares, encaminhamentos para a rede de serviços, triagens, orientações, avaliação e
acompanhamento, grupos de intervenção, grupos terapêuticos, oficinas e outros. A Atuação do
psicólogo na realização de ações da Estratégia de Saúde da Família, envolvem uma atuação em
rede com articulação de serviços e matricialmente da equipe.
O Psicólogo está inserido nas políticas públicas em contato com usuários que muitas
vezes se encontram em alguma situação de vulnerabilidade, decorrente de alguma vicissitude
da vida ou resultante da abissal desigualdade social.
Neste ínterim, alguns profissionais assumem a postura de normatização, na tentativa de
(re)adequação da vida dos usuários, patologizando e psicologizando os usuários, esquecendo-
se das complexas questões sociopolíticas envolvidas nessa situação.
3.1 Muitos falam o que não é clínica, mas afinal o que é clínica?
Contrário a essa postura o Conselho Federal de Psicologia abre espaço para que se
problematize as formas de controle social, rompendo determinados padrões normativos,
considerando a dimensão subjetiva e singular dos indivíduos, potencializando nestes a
participação social e o processo de autonomia.
Ao abordar o termo clínica, de imediato associamos em profissionais da saúde, pois no
senso comum a palavra está relacionada ao modelo biomédico, restringindo-se apenas ao um
ambiente fechado e físico, mesmo sendo uma explicação exata e limitante. No entanto, a clínica
está para além disso, pois as pessoas não se limitam às expressões das doenças de que são
portadoras. Nesse sentido, ainda existe um teor que a clínica é para ricos, considerando-a apenas
como privada e individualizante. De acordo com Doron & Parot (p. 143, 1998):
Ou seja, o médico exerce a função de observar e entrevistar o sujeito para ter uma análise
do mesmo. De certa forma, esses procedimentos suscitam do saber médico como influenciam
o fazer da psicologia, afinal o saber médico sempre exerceu certo poder sobre as outras
profissões.
Nessa perspectiva, a clínica não é sinônimo apenas de um consultório. A clínica é
1209
exercida em muitas áreas e não se resume à atuação em uma sala fechada, a clínica não é um
lugar, mas uma ética, uma postura, uma forma de intervenção que é eficaz
Dentro do contexto da Psicologia a clínica passou por várias críticas, justamente por ter
esse teor elitizado que atendia públicos de classe média e alta, esquecendo as outras classes
sociais que também demandavam do fazer da Psicologia. Assim por muito tempo a sociedade
e as comunidades estiveram a margem do saber da Psicologia.
Então de certa forma, ficou estigma sobre a clínica, um receio de inserir ela nos espaços
que trabalhem no contexto de Psicologia Social ou da Saúde. Não estamos aqui defendendo a
clínica da elite, mas procuramos mostrar o outro lado do que de fato é a clínica na Psicologia,
que não trata-se dessa velha visão de um “lugar” que remete a patologização do sujeito, mas
um espaço de acolhimento do sofrimento do outro. Afinal pessoas com vulnerabilidade social
não precisam da clínica? Só a classe média e alta deve ter esse privilégio? Acreditamos que
não.
Nesse sentido, a clínica abrange uma dimensão de questões e de áreas de conhecimentos
que estão para além da Psicologia, pois a apropriação do sentido da palavra se dá através das
relações sociais, políticas e culturais que se remete a linguagem. No entanto muitos falam o que
não é clínica, mas afinal o que é clínica?
Clínica, então, é sempre uma interação complexa entre sujeitos. Apesar de todas as
proteções institucionais, a clínica efetivamente é um encontro entre dois Sujeitos
singulares. Um profissional e um "doente", uma equipe e um "doente", uma equipe e
um Sujeito coletivo (uma família ou uma comunidade, etc.). Neste modelo de análise
entendemos a clínica com uma dimensão política e subjetiva muito forte” (Cunha, 2004,
p. 46).
Assim compreendemos a clínica como algo mais abstrato, no qual ocorre uma escuta
qualificada, sem julgamentos, que deve acolher o sujeito para potencializa-lo diante as situações
recorrentes do seu sofrimento. O fazer clínico está ligado a subjetividade, da relação do paciente
e profissional, abrangendo toda uma comunidade junto com seus aspectos que geram angústias.
A psicologia pode proporcionar uma escuta mais afetiva e qualificada para as
necessidades dos dispositivos comunitários que, por consequência, são capazes de provocar
importantes questionamentos e rupturas ao saber-fazer da psicologia. Pensar no cotidiano com
os envolvidos, contribuir para o fortalecimento dos vínculos e a criação de um espaço de
resistência às formas de subordinação que se inserem nos processos de trabalho.
Portanto, entendemos que as críticas feitas no passado sobre a clínica tiveram seus
sentidos e significados que foram importantes para transformar a profissão do Psicólogo. Porém
não podemos deixar que isso se torne um estereótipo sobre o que é o fazer clínico e desqualificar
essa intervenção dentro das políticas públicas.
1210
não a impeça de viver outras coisas na sua vida.
Diante disso, a clínica ampliada surge em contraposição a clínica privada, de modo a
ampliar horizontes para a comunidade com procedimentos diversos, tentando alcançar
pequenos ou grandes grupos.
Assim, a clínica se torna de fato ampliada no sentido literal da palavra, quanto ao seu
foco de intervenção, ao espaço, a população e suas estratégias. Nesta perspectiva, o foco da
clínica ampliada é a promoção, prevenção, recuperação e reabilitação em saúde envolvendo
ações terapêuticas individuais ou coletivas, buscar ajuda em outros setores, reconhecer os
limites dos conhecimentos dos profissionais de saúde.
Nesse contexto, a clínica ampliada é a direção para atuação dos profissionais da saúde,
sendo assim está propaga-se com a política, pois o encontro ocorre entre modos de subjetivação
produzidos no coletivo, no plano social, em que o instituído e o novo são aspectos de
descobertos para que haja luta e resistência para os usuários.
A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) foi de suma importância para a
inserção de psicólogos nos serviços de saúde destinados à atenção primária, nos quais esses
profissionais são responsáveis por atividades preventivas. Constituem-se espaços de promoção
de saúde as Unidades Básicas que são potencialmente capazes de criar mecanismo voltado para
a autonomia e a atividade coletiva de uma cidadania reflexiva e transformadora.
A clínica ampliada prevê, de acordo com a necessidade dos usuários, a articulação entre
os serviços de saúde e outros setores e políticas públicas tidas como recursos para promoção de
saúde, por compreender que está se constitui num agenciamento de vetores sócio-político-
cultural-econômico num mesmo plano de imanência.
4 Considerações Finais
A demanda da psicologia está associada ao lugar de fala do outro, naquilo que é
insuportável, no que é inaudível para o outro, essa é a brecha para a psicologia, o nosso código
de ética coloca que nunca devemos dar as costas a qualquer tipo de sofrimento. Assim não
importa que dentro da política pública sejamos chamados de “técnicos”, antes disso somos
Psicólogos
Não é fácil o trabalho dentro das políticas públicas, pois as normas inseridas nesses
espaços parecem limitar o nosso fazer. Apesar disso, entendemos que não conseguiremos
construir ou desconstruir esses processos através do embate, mas criar formas a partir do que
está dado, pois a Psicologia é um lugar de invenção, e apenas dessa forma conseguiremos
transformar e lutar por intervenções mais democráticas e menos tecnocráticas.
As políticas públicas constituem-se como dispositivos singulares que demandam um
novo modo de pensar a práxis da psicologia, reconstruindo novas perspectivas sobre o que é o
saber-fazer da psicologia neste campo tão complexo. Com efeito, destaca-se que estes caminhos
ainda estão sendo trilhados, mas aponta-se que nesse percurso o psicólogo deve ter como
horizonte ético a potencialização do sujeito e da comunidade na construção da sua própria vida.
Referências
Cintra, M. S., & Bernardo, M. H. (2017). Atuação do Psicólogo na Atenção Básica do SUS e
1211
a Psicologia Social. Psicologia: ciência e profissão, 37(4), 883-896.
Cunha, G. T. (2004). A construção da clínica ampliada na atenção básica.
Doron, R.; Parot, F. (1998) Psicologia Clínica. Dicionário de Psicologia. pp. 144-145. São
Paulo: Ática.
Rother, E. T. (2007). Revisão sistemática X revisão narrativa. Acta paulista de enfermagem,
20(2), v-vi.
Spink, M. J. P. (2017). Psicologia social e saúde: prática, saberes e sentidos. Editora Vozes
Limitada.
O PROJETO “EU POSSO TE OUVIR” EM FOCO: A INTERSETORIALIDADE NO
1212
CUIDADO E NA PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL NA ESCOLA
1 Introdução
1213
Centro de Saúde da Família e no território de responsabilidade da equipe, já que a inserção e a
criação desse núcleo de apoio são recentes na história no campo da saúde. Assim, alguns
profissionais ainda possuem dificuldades para compreender a operacionalização desse serviço.
Com isso, ainda existem barreiras entre as equipes e em relação à rede de saúde como um todo.
Em Sobral o NASF atua em articulação com escolas municipais junto com o Programa
Saúde na Escola (PSE) sendo um potencializador no fomento à superação do modelo
curativista, pautando-se em ações de promoção da saúde. No município, o PSE desenvolve um
projeto próprio intitulado “Eu Posso Te Ouvir”, contribuindo para promoção de saúde mental
no âmbito escolar.
O Programa Saúde na Escola (PSE) possui particularidades na cidade de Sobral. Este
programa, de fomento federal, atua em todas as escolas municipais, através de apoio sistemático
das Residências em Saúde da Escola de Saúde Pública Visconde de Sabóia, dos Núcleos de
Apoio à Saúde da Família do município e da gerência do próprio PSE de Sobral.
A secretaria municipal desenvolve atividades em diferentes campos: saúde mental,
saúde física e saúde do trabalhador escolar. Dessa maneira, as ações do PSE parecem ir além
das práticas pontuais e descontinuadas, como aponta Figueiredo el al (2010), que
tradicionalmente ocorrem de maneira pontual entre os setores de saúde e educação.
O projeto “Eu Posso Te Ouvir”, criado e apoiado pela Secretaria de Educação de Sobral,
possui como um dos objetivos principais trabalhar os aspectos relacionados à saúde mental dos
estudantes do município. Atualmente, como modelo piloto, são atendidas três escolas
municipais, sendo uma delas no território de responsabilidade do NASF no qual estava inserido.
As três escolas participantes foram escolhidos a partir de uma análise do território que estavam
inseridas e pelos casos já existentes relacionados a queixas de saúde mental, a exemplo de
comportamentos autolesivos e tentativas de suicídios.
O projeto descrito teve início no ano de 2017, a partir de demandas de comportamentos
autolesivos do município de Sobral. Devido a esse cenário, percebeu-se a necessidade de
articulação intersetorial e multiprofissional para o manejo dessas queixas, compreendendo,
assim, que a escola possui um papel essencial e fundamental como um espaço de escuta
acolhedora dessas crianças e adolescentes. Tendo esse espaço como prerrogativa, criou-se o
projeto “Eu Posso Te Ouvir” de responsabilidade, primordialmente, do Programa Saúde na
Escola (Farias et. al 2019).
O projeto é desempenhado pela própria escola e apoiado, principalmente, pelas
Residências em Saúde e pela equipe do NASF responsável pelo território adscrito da escola.
Dessa maneira, a equipe se reúne tanto com os próprios profissionais do PSE, quanto com a
equipe da escola e os residentes vinculados à Escola de Saúde Pública de Sobral. Destaca-se
que a presença de um Orientador Educacional, formado em psicologia, na escola facilitou a
mediação entre a equipe do NASF e o núcleo escolar, pois esse profissional participa das etapas
do projeto, desde seu planejamento até a sua execução.
O projeto “Eu Posso Te Ouvir” é dividido em 7 etapas gerais: planejamento das oficinas,
execução da primeira oficina (objetivo de apresentar o projeto e discutir temas gerais), segunda
oficina (discutir um tema mais específico em saúde mental), devolutivas das oficinas, triagem,
acolhimento e encaminhamento, caso haja necessidade. Durante os meus três meses de estágio
acompanhei seis oficinas, um momento de triagem e acolhimentos.
Anualmente, o PSE planeja as intervenções que serão executadas nas escolas
municipais. Assim, a partir dessas intervenções nota-se a importância de articular com outros
dispositivos disponíveis em Sobral, tanto da própria Secretaria de Educação como da Secretaria
1214
de Saúde. No caso do “Eu Posso Te Ouvir”, mais especificamente, o trabalho multiprofissional
e intersetorial são imprescindíveis para eficiência do projeto, todavia, as interligações existentes
entre esses atores devem estar em constantes reflexões, pois uma unilateralidade pode
prejudicar a realização das intervenções.
Dessa forma, pensarmos em como o planejamento está sendo realizado é fundamental,
analisando as limitações do projeto se torna possível à criação de novas estratégias de
intervenções e, assim, a consolidação do “Eu Posso Te Ouvir”.
A intersetorialidade deve ocorrer de forma transversal e horizontalizada, não havendo
uma unidirecionalidade hierarquizada. Os profissionais do NASF, por exemplo, devem se sentir
pertencentes ao projeto, identificando-se com os princípios e objetivos estabelecidos e
construídos coletivamente. Além disso, a escola e os seus profissionais devem se sentir
pertencentes a esse processo. Um projeto alheio a esses atores pode tornar as intervenções
distantes destes profissionais, dificultando a eficiência do programa.
Corrobora-se, a partir de Gazzinelle et. al (2005), que o processo de educação em saúde
é um processo multifacetado e complexo, que deve ser compreendido a partir das relações entre
educadores/profissionais da saúde e estudantes. Dessa forma, o “Eu Posso Te Ouvir” percebe a
educação em saúde como uma perspectiva que deve ser executada de forma multiprofissional
e intersetorial; no entanto, a forma que esse processo se constrói deve ser motivo de reflexões
múltiplas, tanto da gestão como dos profissionais que a executam.
Desta forma, este estudo relata a experiência em estágio supervisionado no NASF de
Sobral, discutindo mais especificamente as ações no Projeto “Eu Posso Te Ouvir” do Programa
Saúde na Escola. Durante o estágio diversas intervenções foram possíveis de serem vivenciadas
junto à equipe do NASF, sendo estas as seguintes atividades: educação em saúde, Programa
Saúde na Escola (PSE), atendimento/acolhimento em psicoterapia, interconsultas, visitas
domiciliares, matriciamento em saúde mental, rodas de gestão de categoria e de equipe.
Torna-se relevante, inicialmente, a descrição dos profissionais que formam a equipe
mínima em saúde e os profissionais com os quais tive vivências no NASF. Faziam parte da
equipe na qual estava inserido: uma psicóloga, uma profissional de educação física e um
fisioterapeuta.
2 Metodologia
Trata-se de um relato de experiência de estágio supervisionado em saúde no curso de
psicologia. O estudo tem uma abordagem metodológica qualitativa descritiva produzida
através das vivências registradas em diário de campo, do planejamento das atividades junto com
o preceptor psicólogo e das supervisões clínicas grupais semanais, por meio dos quais foi
possível uma reflexão crítica para a confecção do estudo.
O estágio opcional em Processos Psicossociais e Construção da Realidade possibilitou
um conjunto de experiências, tanto no campo teórico como no prático, além disso, as
supervisões possibilitaram reflexões acerca das vivências nos campos de estágios e trocas de
saberes/dificuldades com os estagiários de outros espaços. Em relação à carga horária, o estágio
possui o total de 160hrs, sendo dividido em prática (112hrs), teórico (32hrs) e supervisão
(16hrs). Além disso, o estágio é acompanhado por um professor-supervisor e um preceptor do
serviço no qual estamos alocados (neste caso, uma psicóloga da equipe do NASF).
Este trabalho foi construído a partir da experiência de estágio opcional no Núcleo de
1215
Apoio à Saúde da Família (NASF) no município de Sobral, estado do Ceará. No município,
existem seis equipes de NASF e cada equipe fica responsável por territórios específicos. O
respectivo NASF é responsável por 4 territórios, circunscrevendo quatro bairros da sede do
município, sendo estes: Vila União, Cohab III, Terrenos Novos I e II. Salienta-se que este relato
de experiência busca relatar e discutir as atividades desenvolvidas entre o NASF e o Programa
de Saúde na Escola (PSE) de Sobral, mais precisamente as atividades do projeto “Eu Posso Te
Ouvir”.
Serão foco do relato oito momentos que vivenciados no projeto “eu posso te ouvir”,
descrevendo: os passos, os participantes, a escola e os objetivos das intervenções. Essas
experiências se deram com as crianças das turmas de sexto, sétimo e oitavo anos de ensino
fundamental.
Além da equipe do NASF formada, nessas intervenções, pela profissional de educação
física e de psicologia, também participaram do planejamento e execução o orientador
educacional e a equipe de gerência do PSE de Sobral.
1216
como eles agiam, e poderiam agir, frente a essas situações.
A etapa devolutiva, feita entre os profissionais, buscar refletir sobre o funcionamento
das oficinas. Discutimos sobre os desafios que são presentes nas intervenções, a partir disso
pensamos modificações na dinâmica de funcionamento das oficinas, buscando alterar e
potencializar essas intervenções. Além disso, realizamos a etapa de triagem, onde retiramos os
bilhetes da caixa do “Eu Posso Te Ouvir”; após isso, analisamos as queixas que mais se
aproximam do objetivo do projeto, já que, pela quantidade de profissionais, não é possível ser
feita uma escuta de todos os estudantes queixosos.
Na etapa de acolhimento, os estudantes que passaram pela triagem são chamados para
um momento de escuta especializada por profissionais voluntários. Todos os profissionais que
participam dessa etapa são voluntários do campo da saúde, são realizados preparos com esses
profissionais para que estejam aptos a manejarem as demandas que podem emergir. A partir
desse momento de acolhimento inicial, de acordo com a gravidade da queixa, são realizados
encaminhamentos, seja para um serviço-escola da cidade, para o CSF do bairro ou para outro
dispositivo especializado.
65
O vídeo utilizado se intitula “Bullying não! Ser diferente é legal” que está presente no Canal da Charlotte na
plataforma Youtube.
possibilitar uma aproximação maior com as atividades desenvolvidas pelo projeto “Eu Posso
1217
Te Ouvir”.
Essa perspectiva, corroborada pelo trabalho de Ferreira et. al (2014), que consiste em
uma segregação entre o campo da saúde e da educação demonstra um desafio a ser superado
pelo PSE. A partir disso, podemos compreender um planejamento concentrado pelos
profissionais de saúde e que, muitas vezes, pode dificultar a adesão dos educadores pelos
projetos desenvolvidos pelo PSE.
A partir disso, podemos pensar em estratégias para essa problemática. A partir das
mudanças paradigmáticas entre a clínica tradicional para uma clínica ampliada, devemos
perceber os mais diversos assuntos como transversais em nossas discussões. A saúde mental
não deve ser vista como um assunto somente do psicólogo ou psiquiatra, mas sim percebido
como um assunto transdisciplinar que pode e deve ser discutido nas mais diversas disciplinas.
Dessa maneira, as matérias escolares que são vistas como desnorteantes do objetivo do projeto
poderiam fazer parte da dinâmica das oficinas. A matemática poderia entrar através de
estatística e de somatórios, a história poderia estar presente através da descrição do histórico de
saúde mental no Brasil, o português através de interpretação de textos sobre saúde mental e de
poesias que falassem sobre o tema, e assim por diante. A estratégia encontrada deve ter como
ponto de partida a transversalidade do projeto na escola e a sua integralidade no ambiente
escolar como um todo (Ferreira Neto, 2008).
O projeto “Eu Posso Te Ouvir” contribui para a construção de uma sociedade que
desenvolve a discussão de aspectos psicológicos, sociais e culturais. Através da Educação em
Saúde e da Promoção da Saúde Mental, o projeto desenvolve a intersetorialidade no município,
tornando-se um modelo para outras intervenções. Além disso, cria estratégias que partem do
conhecimento prévio dos estudantes, valorizando os saberes populares. (Carvalho, 2015)
O estágio opcional realizado no Núcleo de Apoio à Saúde da Família acarretou em
crescimento pessoal e profissional. A possibilidade de estar inserido no campo da saúde, mais
especificamente na atenção básica, promoveu mudanças em meu modo de compreender,
perceber e atuar frente às temáticas que emergem nesse campo.
Salienta-se a relevância que foi atuar na atenção básica, que muitas vezes é subestimada
como campo de atuação do psicólogo. Nos Centros de Saúde da Família, na Academia de Saúde
e nas escolas podemos promover saúde mental, além de confirmar esses espaços como
possibilidades de atuação do profissional de psicologia. Ademais, a superação do paradigma
biomédico ainda está em processo nos três níveis de atenção e nós, psicólogos e psicólogas,
devemos atuar considerando as novas perspectivas de atenção à saúde e indo de encontro às
perspectivas que colocam o sujeito como mero objeto de estudo.
Referências
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Atenção à Saúde. Série A. Normas e Manuais Técnicos Cadernos de Atenção Básica, n.
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de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério da Saúde,
2009.
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metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cadernos de saúde
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pedagógicas. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 25, 1207-1227.
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saúde. Saúde e Sociedade, 20, 961-970.
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1, p. 62-67, 2019.
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Reflexão e Crítica, 21(1), 110-118.
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um breve resgate histórico. Ciência & Saúde Coletiva, 15, 397-402.
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saúde: conhecimentos, representações sociais e experiências da doença. Cadernos de
Saúde Pública, 21, 200-206.
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em equipe, participação e espaços públicos. In Roseni Pinheiro e Ruben Araujo de
Mattos, organizadores. 2ª ed. – Rio de Janeiro: CEPESC/UERJ: ABRASCO, 2005.
308p. ISBN 978-85-89737-54-8.
RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE NA PRÁXIS EM SAÚDE: DESAFIOS E
1219
POTENCIALIDADES
1 Introdução
A religiosidade e a espiritualidade são dimensões da vida humana que, hodiernamente,
ainda têm forte presença no cotidiano de grande parte dos brasileiros. Rotineiramente, no campo
da saúde, podemos perceber como as questões de cunho religioso/espiritual se atrelam aos
contextos de saúde e doença, por exemplo. Contudo, quando nos deparamos com as produções
científicas, notamos frequentes dissensos quanto à conceituação dessas.
Desse modo, nosso estudo se baseará nas definições a seguir: a) Religiosidade como
implicação do sujeito em um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos
vinculados à Religião, com características sociais e carregada de valores representando a
dimensão social e cultural da experiência humana (Byrne, 2001 como citado em Murakami &
Campos, 2012), e b) Espiritualidade como atitude de reflexão, ou mesmo, de busca pessoal pelo
significado ou modo de vida, tendo ou não relação com o transcendente, possuindo ou não uma
vinculação com o sagrado (Koening et al., 2001 como citado em Duarte & Wanderley, 2011).
Assim postos, Freitas (2014) explicita que tais dimensões são constitutivas da
subjetividade, não podendo ser desvinculadas dos sujeitos religiosos, tampouco negligenciadas
do cenário acadêmico, da pesquisa e da práxis em saúde. Logo, religiosidade/espiritualidade
devem ser consideradas como objeto privilegiado na interlocução com o processo de saúde e
doença junto à atuação profissional (Corrêa, Batista, & Holanda, 2016). Para tanto, o presente
estudo de revisão de literatura tem como objetivo principal, analisar os artigos que façam
referência à religiosidade e à espiritualidade em interlocução com a atuação em saúde no
contexto brasileiro, especificamente no que tange às práticas dos profissionais de saúde frente
à manifestação de conteúdos de cunho religioso/espiritual.
Nesse sentido, os estudos que versem sobre essa temática são de fundamental relevância
para proposições de cunho contextual no país, pois de acordo com dados dos dois últimos
Censos Demográficos de 2000 e 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE -, o Brasil ainda reflete sua constituição histórica, esta que por sua vez, muito
marcada pela presença e influência das religiões, com altos níveis de adesões a algumas
expressões cristãs, conforme se observa na Figura 1, descrevendo a diversidade religiosa dos
habitantes do país, participantes do Censo.
Figura 1. Distribuição percentual da população, por grupos de religião – Brasil –
1220
2000/2010.
Nota. Fonte: Recuperado de “Religião” de IBGE, 2012, Censo demográfico 2010. Características gerais da
população, religião e pessoas com deficiência, p. 203.
2 Método
Realizou-se uma revisão integrativa de literatura, a qual foi desenvolvida por meio de
buscas em bases teóricas de dados, a saber: Scientific Electronic Library Online – SCIELO - e
no Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia - PEPSIC, utilizando como palavras-chave:
1221
religiosidade; espiritualidade; saúde.
Partindo disso, encontraram-se 77 artigos, destes, apenas 12 foram incluídos. Os
critérios de inclusão contemplaram as produções brasileiras, escritas em português, disponíveis
online, possuírem interface com a atuação em saúde e publicados em um recorte temporal de
2000 a 2020. Optou-se por esse recorte temporal dada a relevância das produções encontradas
e as aproximações com o objetivo do presente estudo.
Como critérios de exclusão, retiram-se publicações escritas em outros idiomas, que não
utilizassem a temática religiosidade e espiritualidade e que não envolvessem as mesmas nas
implicações do campo da saúde, ou que não dialogassem com o presente estudo. Tais critérios
foram avaliados a partir da leitura acompanhada de análise e verificação de aproximação da
publicação com o objetivo do presente estudo. Ademais, foram excluídas também, as produções
em formato de teses e dissertações, anais de congressos e livros.
Esta revisão de literatura determina o conhecimento atual sobre uma temática específica,
ao mesmo tempo, complexa, dada a heterogeneidade do objeto a ser investigado, como
assinalado anteriormente. Tal pesquisa foi conduzida de modo a identificar, analisar e sintetizar
resultados de estudos independentes, mas com o mesmo assunto, contribuindo, pois, para uma
possível repercussão benéfica na qualidade das condutas assistenciais de atenção e cuidado à
saúde dos pacientes.
Tabela 1
Dados bibliométricos dos artigos revisados, Sobral, Ceará, Brasil, 2019-2020.
TÍTULO DO ARTIGO AUTORIA ANO PERIÓDICO
Religiosidade e saúde:
experiências dos pacientes e Freitas, M. H. 2014 Revista Pistis Práxis.
percepções dos profissionais.
Religiosidade e enfrentamento em
Faria, J. B., & Seidl, E. Psicologia Reflexão
contextos de saúde e doença: 2005
M. F. Crítica.
revisão da literatura.
Religião e espiritualidade de
Duarte, F. M., & Psicologia: Teoria e
idosos internados em uma 2011
Wanderley, K. S. Pesquisa.
enfermaria geriátrica.
Coping religioso/espiritual em
processos de saúde e doença: Revista PsicoFAE:
Corrêa, C.V., Batista, J.
revisão da produção em 2016 Pluralidades em
S., & Holanda, A F.
periódicos brasileiros (2000- Saúde Mental.
2013).
Religião e saúde mental: desafio Revista Brasileira de
Murakami, R., &
de integrar a religiosidade ao 2012 Enfermagem –
Campos, C. J. G.
cuidado com o paciente. REBEn.
Revista Latino-
1222
Religião e Espiritualidade: um Espíndula, J. A., Valle, E.
2010 Americana de
olhar de profissionais de saúde. R. M., & Bello, A. A
Enfermagem.
Journal of the Health
Espiritualidade e/ou religiosidade Inoue, T. M., & Vecina,
2017 Sciences Institute
e saúde: uma revisão de literatura. M. V. A.
(JHSI).
Espiritualidade, Religiosidade e ECOS – Estudos
Subjetividade no Contexto do Paiva, R. 2018 Contemporâneos da
Sofrimento Psíquico Grave. Subjetividade.
Saúde mental e espiritualidade/
Oliveira, M. R., & Junges, Estudos de
religiosidade: a visão de 2012
J. R Psicologia (Natal).
psicólogos.
Religiosidade/ Espiritualidade na
Prática Clínica: Círculo Vicioso Raddatz, J. S., Motta, R.
2019 Psico-USF.
entre Demanda e Ausência de F., & Alminhana, L. O.
Treinamento.
A importância da integração da
Peres, M. F. P., Arantes,
espiritualidade e da religiosidade Revista Psiquiatria
A. C. L. Q., Lessa, P. S., 2007
no manejo da dor e dos cuidados Clínica.
& Caous, C. A.
paliativos.
Mensuração da
espiritualidade/religiosidade em Forti, S., Serbena, C. A., Ciência & Saúde
2020
saúde no Brasil: uma revisão & Scaduto, A. A. Coletiva
sistemática.
Fonte: Elaborado pelos autores.
3 Resultados e Discussão
A Organização Mundial de Saúde (OMS) definia o conceito multidimensional da saúde,
sem a dimensão espiritual. Para tanto, em 1988, esta entidade passou a usá-la remetendo às
questões como, significados e sentido da vida e não se limitando a uma vinculação religiosa ou
crença específica. Desta maneira, o conceito passou a ser definido como sendo a saúde, o estado
completo de bem-estar físico, mental, espiritual e social e não apenas a ausência de doença ou
enfermidade (Dal-farra, 2010 como citado em Inoue & Vecina, 2017 e em Raddatz, Motta, &
Alminhana, 2019; Oliveira & Junges, 2012).
Nesse contexto, após a leitura e análise de todas as obras, que passaram por critérios de
inclusão e exclusão, ambos os processos permitiram um estudo do conteúdo pesquisado,
identificando as implicações da religiosidade e da espiritualidade frente à atuação do
profissional, em especial, no campo da saúde. Ademais, a religião ou a ausência desta aparece
interligada com o tema, para tanto, é importante salientar que este trabalho não teve como foco
a religião, mas a religiosidade/espiritualidade em sua relação com a saúde.
Assim, os trabalhos que estão sendo utilizados para a realização deste estudo foram
1223
inicialmente agrupados em duas categorias: a) Artigos Teóricos: contém oito (8) publicações,
abrangendo tanto revisões de literatura, como textos de reflexão sobre o tema; e, b) Artigos
Empíricos: contém quatro (4) publicações, abrangendo estudos de campo e/ou coleta de dados.
Nesses agrupamentos, nota-se uma ênfase nos estudos teóricos, o que nos mostra a
carência de estudos de campo no tocante à temática em foco. Não obstante, compilando os
textos, é possível agrupar os mesmos em três (03) subcategorias temáticas, a partir da sua
proximidade com o eixo de estudo, que são: a) Perspectivas e manejo profissional (Espíndula,
2010; Freitas, 2014; Oliveira & Junges, 2012; Raddatz et al., 2019); b) Interação
espiritualidade/religiosidade no setting e no processo de saúde e doença (Faria & Seidl, 2005;
Murakami & Campos, 2012; Paiva, 2018; Peres, Arantes, Lessa, & Caous, 2007); e, c)
Estratégias de enfrentamento e prática profissional (Côrrcea et al., 2016; Duarte & Wanderley,
2011; Forti, Serbena, & Scaduto, 2020; Inoue & Vecina, 2017). Ademais, a análise dos
periódicos e das áreas de atuação, relacionadas às publicações, revelam grande diversidade no
campo da saúde, de maneira que a Psicologia, a Enfermagem e a Medicina se mostraram mais
evidentes e em maior número de produções.
Desta forma, segundo Murakami e Campos (2012), a religiosidade e a espiritualidade
podem ser consideradas aspectos constitutivos da subjetividade do sujeito, contribuindo nos
significados que este dá ao sofrimento. Contudo, não se faz necessário assumir qualquer posição
sobre a realidade ontológica ou questões vinculadas ao mundo espiritual (realidades sobre-
humanas, por exemplo), ao estudar a relação que a saúde tem com a
religiosidade/espiritualidade. É possível entender se a crença religiosa está associada ou não ao
contexto de saúde, independente da vinculação explícita desta nos aspectos em investigação.
Em face disso, a totalidade do paciente deve ser compreendida, fazendo-se necessária
uma visão completa da saúde, abordando o sujeito em suas mais diversas dimensões, incluindo
a dimensão religiosa/espiritual. Reconhecer esta dimensão do ser humano não é desqualificar
os demais, pois esses aspectos se entrelaçam para constituir a pessoa, compreendendo-a como
um ser biopsicossocioespiritual. Desse modo, percebe-se os sujeitos como seres que receberão
atenção em todos os aspectos de sua vida, e não apenas como doenças ou seres unidimensionais
(Inoue & Vecina, 2017; Paiva, 2018; Peres et al., 2007).
Expressões referindo-se a representatividades religiosas e espiritualistas, que lhe
atribuem o lócus de controle da saúde ou doença, são muito presentes no cotidiano do país e
apesar de representar apenas uma parcela da população, revela que a
religiosidade/espiritualidade está cada vez mais intrínseca no modo de vida e no processo de
subjetividade dos brasileiros (religiosidade intrínseca), atuando, em alguns casos, religiosidade
e/ou espiritualidade, como aspectos positivos e negativos para a vida do indivíduo (Corrêa et
al., 2016; Duarte & Wanderley, 2011; Freitas, 2014; Oliveira & Junges, 2012; Raddatz et al.,
2019).
No que tange aos aspectos positivos, podemos explicitar o quando a
religiosidade/espiritualidade potencializa no sujeito, por meio de uma rede de apoio social, os
subsídios de fortalecimento pessoal diante das adversidades impostas pelas condições
patológicas, o favorecimento na adesão do tratamento, a diminuição da carga emocional da
doença, o alívio do medo e da incerteza e a maior facilidade de aceitação. Quanto aos aspectos
negativos, notamos quando essas dimensões assumem atitudes que exploram, manipulam e
atrapalham o processo de autonomia do indivíduo, causam sentimentos de culpa, além de
atuarem como causadoras de danos à saúde mental, fonte de conflitos e de sofrimento, a
exemplo do fanatismo, ascetismo, a não adesão às práticas preventivas, visão de punição, dentre
outras (Faria & Seidl, 2005; Inoue & Vecina, 2017; Murakami & Campos, 2012; Oliveira &
1224
Junges, 2012; Raddatz et al., 2019).
Em paralelo, inquestionavelmente, a atuação profissional em saúde frente ao
aparecimento da religiosidade/espiritualidade passa por obstáculos. Dentre estes, destacamos
primeiro, o despreparo teórico-prático para lidar com as demandas dos pacientes, vinculado a
ausência de discussões durante a formação, sobretudo, no que concerne aos aspectos éticos, de
modo a alertar para um grau de silenciamento e a falta de um treinamento para lidar com as
expressões religiosas ou não religiosas, bem como espirituais do paciente, como também as
suas próprias questões nesta seara (Freitas, 2014).
Na maioria dos casos, segundo Raddatz et al. (2019), alguns dos profissionais de saúde
recebem a demanda dos pacientes sobre sua crença por meio de conversas informais ou de
forma implícita, revelando o fato de que esses, até pela carência da formação, não dão atenção
necessária a essa solicitação, tendo em vista esse status informal, expressando falta de
segurança ou até mesmo despreparo para lidar com tais aspectos, os quais não podem ser vistos
como menos importantes na atenção à saúde.
Entretanto, percebe-se que esta relação entre saúde e espiritualidade e/ou religiosidade
do paciente está fortemente associada às características religiosas e espirituais dos próprios
profissionais de saúde. Estes últimos, que por sua vez, no exercício da profissão acreditam que
a espiritualidade e a religiosidade possuem grande influência positiva sobre a saúde do
indivíduo (Inoue & Vecina, 2017).
Contudo, ainda se revela um fenômeno que o autor define como “Círculo Vicioso” que
se estabelece quando a falta de treinamento gera encaminhamentos informais sobre esta
temática, até mesmo a insegurança na prática propriamente dita. E ainda há profissionais que
acreditam que não devem inserir tais questões no meio científico e na formação acadêmica
(Raddatz et al., 2019).
Cabe enfatizar que a experiência religiosa/espiritual não deve ser vista como alheia ou
“estranha” ao ambiente acadêmico e de pesquisa, haja vista a importância desta questão, a
exemplo da utilização do coping religioso/espiritual e seu impacto positivo na condição
patológica, no aumento no nível de bem-estar do paciente, além de proporcionar novas
perspectivas para o enfrentamento do sofrimento e da doença. (Corrêa et al., 2016).
Este conceito anteriormente citado, o coping religioso/espiritual foi desenvolvido por
Kenneth Pargament (1997) e é definido como a utilização da religião, espiritualidade ou a fé
para o manejo do estresse. Nessa direção, há uma tentativa pessoal em administrar exigências
externas ou internas presentes em situações que o indivíduo esteja passando, seja na saúde
física, psíquica ou na vivência de sofrimento (Corrêa et al., 2016). Tornando, desta maneira,
essa questão relevante a ser abordada no acompanhamento dos pacientes por parte dos
profissionais de saúde, devido a se tratar de profissionais que lidam diretamente com o
sofrimento, fazendo-se necessária, uma maior abertura para questões relacionadas à
religiosidade e/ou espiritualidade.
Diante de tal cenário, em muito dos casos, os profissionais se vêem com dificuldades no
manejo de pacientes que trazem consigo seu sistema de crenças e seu estilo de vida com
intrínseca vinculação religiosa/espiritual, dando ao processo saúde-doença-cuidado alguma
compreensão advinda destes contextos. Destaca-se, ainda, a relevância da identificação e
compreensão, por parte dos profissionais de saúde, dos aspectos relacionados à
religiosidade/espiritualidade dos pacientes, apesar da maioria não se sentir confortável
(Murakami & Campos, 2012; Oliveira & Junges, 2012; Raddatz et al., 2019; Faria & Seidl,
1225
2005).
Assim, evidenciando a importância, como destacado por Panzini e Bandeira (2007), do
aprofundamento científico sobre os aspectos que envolvem as expressões religiosa/espirituais,
ou a ausência destas, durante a formação do profissional de saúde, a fim de reconhecer essas
demandas do paciente e quais as possibilidades de utilizar-se estratégias de enfrentamento.
Contudo, existem muitos instrumentos efetivos para identificar tal cenário, porém, ainda há
uma necessidade de uma avaliação mais precisa e amostras mais amplas, uma vez que grande
parte dos estudos utiliza uma amostra pouco representativa do país (Forti et al., 2020).
É de suma relevância, olhar não apenas para o indivíduo como um corpo que adoece,
mas, em sua construção biopsicosocioespiritual, como já explicitamos em proposições
anteriores, compreendendo de maneira empática a sua história de vida, seu modo de agir,
pensar, apreender o mundo e se relacionar com o transcendente ou não. Assim, evitando a
sensação de ser apenas mais um leito ocupado, alguém sem personalidade, identificando
também possíveis estratégias de enfrentamento da doença nas suas potencialidades de cuidado
e também de prejuízo (Corrêa et al., 2016; Faria & Seidl, 2005; Inoue & Vecina, 2017;
Murakami & Campos, 2012; Oliveira & Junges, 2012; Paiva, 2018; Peres et al., 2007).
Uma vez que o processo de cura não é linear, o paciente se encontra em uma montanha
russa, na qual há altos e baixos. Esse indivíduo por sua vez vai apresentar algum grau de
importância desta área em sua vida, inclusive na atribuição do lócus de responsabilidade e do
nível de participação da pessoa na solução do problema, seja atribuindo a responsabilidade pela
resolução dos problemas ao próprio indivíduo, de modo que o transcendente é aquele que
permite à pessoa a conduzir sua própria vida, em sua plena liberdade. Ou ainda, quando a pessoa
transfere tal responsabilidade para o transcendente, mas também ainda existem casos de que há
uma colaboração, na qual a responsabilidade é atribuída tanto ao indivíduo como para o
transcendente, ambos percebidos como participantes ativos na solução de problemas
(Espíndula, 2010; Faria & Seidl 2005; Murakami & Campos, 2012; Oliveira & Junges, 2012;
Raddatz et al., 2019).
Ademais, é válido também ressaltar que a área de estudos e pesquisas relacionada a esta
questão e as demais discussões que trazem esse eixo com interface da saúde, caracteriza-se
fundamentalmente como uma área interdisciplinar, envolvendo múltiplos campos de ação.
Permitindo, deste modo, uma maior troca de conhecimentos e experiências, desde a
formação acadêmica até a própria atuação profissional e aprimoramento da mesma. À vista
disso, percebemos maiores publicações da Enfermagem, Psicologia e Medicina, reafirmando a
possibilidade de um amplo diálogo entre os diversos campos do conhecimento em relação à
religiosidade e à espiritualidade (Freitas, 2014).
4 Considerações finais
Em linhas gerais, é perceptível a grande importância de se desenvolver iniciativas de
instrumentalização sobre a questão da espiritualidade e religiosidade entre psicólogos, médicos,
enfermeiros, fisioterapeutas, dentistas e demais outros profissionais do campo da saúde. Para
assim, oferecer-lhes condições para a atuação condizente com as atuais políticas de assistência
humanizada em saúde no país, as quais estabelecem como direito dos usuários em saúde,
receber atendimento competente, humanizado e acolhedor, devendo os profissionais que lhes
atendem não só respeitar, mas, sobretudo, ater-se a seus valores éticos, culturais e religiosos.
Em um cenário no qual a humanização da atenção à saúde vem ganhando forças, atentar
1226
para aspectos como a religiosidade e espiritualidade é, sim, prestar atendimento humanizado,
apto para amparar a escuta dos doentes e olhar o paciente não como um corpo que adoece e
sim, levar em consideração toda a sua história de vida, hábitos, costumes, cultura e assim, evitar
a sensação de ser apenas mais um leito ocupado, alguém despersonalizado, ou seja, um sujeito
desumanizado.
Dessa maneira, este estudo teve o intuito de mostrar a relevância da compreensão e
abertura no que tange ao aparecimento da religiosidade/espiritualidade na práxis dos
profissionais de saúde no Brasil, mostrando os estudos já produzidos e suas principais
contribuições ao debate aqui suscitado. Esperamos ter contribuído com os estudos da área, de
modo a ter disponibilizado aos profissionais da saúde subsídios para que tenham ciência e
estejam, minimamente, preparados para acolher essas demandas de maneira adequada e saibam
lidar com as mesmas, sem negligência e de maneira eficaz.
Para tanto, sugerimos o desenvolvimento de mais pesquisas acerca do tema, em especial,
no tocante a questões não explanadas neste trabalho, como as envoltas na formação dos
profissionais de saúde, como exemplo de como a religiosidade e espiritualidade são apreendidas
nos cursos de formação, ou mesmo, como aparecem nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP)
desses e se não aparecem, por quais motivos não são contempladas. Ademais, sugerimos a
construção de espaços para escuta dos profissionais de saúde, em uma proposta dialógica, de
modo que esses sujeitos sejam escutados e, assim, construam práticas em saúde que deem
suporte aos pacientes, incluindo o que lhes são de mais importantes em suas vidas, ou seja, suas
expressões de fé. Mas, sobretudo, que sejam espaços de construções de práticas eminentemente
humanas, pois é nesse aspecto que acreditamos quando entendemos a relevância da
religiosidade/espiritualidade na constituição da subjetividade dos sujeitos, como dimensões
intrinsecamente humanas.
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Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo), 34(Suppl. 1), 82-87.
1228
https://dx.doi.org/10.1590/S0101-60832007000700011
1229
PSICÓLOGO NO CAPS IJ DA CIDADE DE IMPERATRIZ-MA
1 Introdução
Lançando um olhar sobre a problemática da Saúde Mental, este trabalho tem como
objetivo principal, buscar conhecimentos e reflexões acerca das políticas públicas e sua
importância no CAPS IJ (Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil) da cidade de
Imperatriz-MA. Trata-se de um serviço de atenção diária destinado ao atendimento de crianças
e adolescentes com transtorno ou sofrimento mental, e tem como objetivo oferecer atendimento
multiprofissional e interdisciplinar à população infanto juvenil (o público alvo são crianças e
adolescentes de 0 a 18 anos).
Para tal, buscou-se analisar o papel do psicólogo, onde Martin-Baró (1997) aponta que
“o psicólogo deve despojar-se de pressupostos teóricos adaptacionistas sendo necessária à
elaboração de novas visões conceituais, novos métodos de diagnóstico e de intervenção – a
construção de uma outra Psicologia”. Analisamos com o trabalho, a importância do psicólogo
nas políticas públicas, verificando os desafios e as fragilidades em sua atuação.
Segundo o CREPOP (2007), as políticas públicas são um conjunto de ações coletivas
geridas e implementadas pelo Estado, que devem estar voltadas para a garantia dos direitos
sociais, norteando-se pelos princípios da impessoalidade, universalidade, economia e
racionalidade e tendendo a dialogar com o sujeito cidadão.
Nesse contexto, as políticas públicas ainda podem assumir quatro formatos, a saber:
Distributivas, na qual as decisões tomadas pelo governo, que desconsideram a questão dos
recursos limitados, geram impactos mais individuais do que universais; Regulatórias, que são
mais visíveis ao público, envolvendo burocracia, políticos e grupos de interesse;
Redistributivas, que atinge maior número de pessoas e impõe perdas concretas e no curto prazo
para certos grupos sociais, e ganhos incertos e futuro para outros, é em geral, as políticas sociais
universais, o sistema tributário, o sistema previdenciário e são as de mais difíceis
encaminhamentos e as Constitutivas, que lidam com procedimentos. Cada uma dessas políticas
públicas vai gerar pontos ou grupos de vetos e de apoios diferentes, processando-se, portanto,
dentro do sistema político de forma também diferente (Souza, 2016).
Tendo em vista essa abrangência do campo de atuação nas políticas públicas, o
psicólogo se inseriu na política do CAPS IJ, no qual segundo Scandolara, Rockenbach,
Sgarbossa, Linke e Tonini (2009), é um serviço substitutivo implementado a partir da
transformação da assistência psiquiátrica no Brasil, tem como finalidade atender crianças e
adolescentes portadores de transtorno mental.
Dessa forma, a escolha da política pública CAPS IJ se deu a partir de estudos
bibliográficos, onde podemos constatar a falta de conhecimento da sociedade relacionado à
saúde mental infanto juvenil, o que se torna preocupante, pois a falta de compreensão
compromete o ato de cuidar, acarretando um agravamento no quadro clínico do usuário. Foram
realizadas visitas que visavam conhecer o equipamento social, a equipe e seus usuários.
Diante da problemática, ressaltamos a relevância da temática e do papel do psicólogo
1230
dentro dessa política, permeada por fragilidades, entraves e desafios. A falta de informação e
de conhecimento por parte da população que necessita do serviço é outra limitação visualizada.
2 Método
3 Resultados e Discussões
Dos dados coletados nas entrevistas surgiram algumas temáticas: estrutura e
funcionamento da política pública, a caracterização do cuidado em saúde mental prestado pelos
profissionais do CAPS IJ, o cuidado em saúde mental, as dificuldades e limitações encontradas
no serviço e o papel do psicólogo nas políticas publicas.
A entrevista inicial, teve o objetivo de conhecer a política pública, enquanto sua
estrutura e funcionamento, assim como os serviços disponibilizados para a população, onde, de
acordo com Delgado (2008), são serviços territoriais, de natureza pública, financiados
integralmente com recursos do SUS, com a função de prover atenção em saúde mental baseados
na integralidade do cuidado.
A gestora do CAPS IJ apontou que inicialmente ocorre o primeiro acolhimento,
chamado triagem, utilizando-se da anamnese, para o melhor conhecimento da vida do paciente,
destacando ainda que é um serviço de atenção diário destinado ao atendimento de crianças e
adolescentes com sofrimento mental, tem como finalidade oferecer atendimento
multiprofissional à população infanto juvenil, no qual relata a gestora, apontando que a política
em um primeiro contato com o usuário não foca só no transtorno mental, somente a partir da
queixa de transtorno grave e persistente que o mesmo irá permanecer no serviço, o atendimento
então, é direcionado a toda equipe, dependendo de suas necessidades, sempre na perspectiva da
1231
reabilitação psicossocial.
Pitta (2016, pp. 27-28) apresenta a definição clássica de reabilitação psicossocial como
“o processo de facilitar ao indivíduo com limitações, a restauração, no melhor nível possível de
autonomia do exercício de suas funções na comunidade”.
O processo enfatizaria as partes mais sadias e a totalidade de potenciais do indivíduo,
mediante uma abordagem compreensiva e suporte vocacional, residencial, social, recreacional,
educacional, ajustados às demandas singulares de cada indivíduo e cada situação de modo
singularizado.
Sobre a equipe multiprofissional, a profissional relatou que todos fazem um trabalho em
conjunto, apontando a interdisciplinaridade e explanando que todos são técnicos em saúde
mental. Restou evidente a qualificação da equipe ao lidar com o público alvo.
Estes usuários são vistos de forma específica, em suas singularidades, dentro da sua
realidade, sendo acompanhados por um olhar cuidadoso que se faz de grande notoriedade, pois
com a equipe atenta às suas necessidades, os resultados são mais efetivos, dando a eles meios
para que transcenda as suas possíveis “limitações”(Schraiber, Mendes-Gonçalves, 1996).
Demandas como Espectro do autismo, Psicoses, Transtornos de conduta e aqueles que
por sua condição psíquica estão impossibilitados de manter ou estabelecer laços sociais e
afetivos, são as principais demandas existentes no serviço, cujo atendimento ofertado possui as
modalidades: individual, grupal, orientação familiar, oficinas terapêuticas, brinquedoteca,
psicoterapia e acompanhamento psiquiátrico, dependendo das condições e agravos dos sujeitos.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2001), a prevalência mundial dos
distúrbios do desenvolvimento e dos transtornos mentais e comportamentais na infância e
adolescência é de 10% a 20%. Ainda assim, o diagnóstico dos transtornos mentais em crianças
e adolescentes têm sido um grande desafio na prática clínica, dada a heterogeneidade dos
quadros clínicos e as peculiaridades diagnósticas.
Para um primeiro contato com a política obtivemos um diálogo enriquecedor com a
coordenadora, onde recebemos orientações da psicopedagoga, assim, obtendo conhecimento da
estrutura física, onde pudemos observar as divisões organizacionais e funcionais que fazem
parte desta política. Nas divisões físicas do lugar, se fazia necessário ambientes mais espaçosos
para que os profissionais desenvolvessem o seu trabalho proporcionando aos usuários mais
autonomia e liberdade.
No que tange a profissional de Psicologia do serviço em estudo, considera que o cuidado
em saúde mental segue os princípios da integralidade, não fragmentando o cuidado e em
articulação com a rede de apoio do município. Aponta também que o cuidado ocorre de forma
humanizada, com a presença de vínculos fortalecidos entre equipe e usuário, havendo a
responsabilização de ambos pelo cuidado.
Nesse sentido, Mielke et. al. (2009), discorrem que o cuidado ao ser humano é um ato
complexo, que exige do cuidador conhecimento, empatia e sensibilidade. O cuidado também
envolve tarefas como tocar, sentir, escutar e auxiliar o outro nas atividades em que ele apresenta
dificuldade. Durante as observações realizadas no CAPS IJ, percebemos o cuidado acolhedor
por parte da equipe multidisciplinar, que de forma compreensiva e empática se direcionava aos
usuários. Os jovens eram acolhidos e recebidos pela equipe ao adentrarem o serviço.
Em uma de suas falas, a profissional de Psicologia do serviço, afirmou que participou
1232
da elaboração do projeto para para implementação do CAPS IJ, mencionando que na época
trabalhava no Estado e fez um levantamento através de dados estatísticos quanto à quantidade
de adolescentes e crianças na região que apresentavam traços de Transtornos mentais, onde
evidenciou-se a necessidade do serviço no sul maranhense. O projeto foi aprovado e ela
continuou movimentando esforços e parâmetros para que o serviço fosse inaugurado.
Historicamente, a Psicologia sempre esteve míope diante da realidade social, das
necessidades e sofrimento da população, levando os profissionais a cometerem muitas
distorções teóricas, práticas descontextualizadas e etnocêntricas e a uma psicologização dos
problemas sociais, na medida em que não estavam capacitados para perceber as especificidades
culturais dos sujeitos (Dimenstein, 2001, p. 59). Essas características foram apontadas nas falas
da psicóloga, que relatou a subvalorização do campo de trabalho atual, onde a mesma gostaria
que fosse mais valorizado.
No que concerne às informações em torno do tratamento, a família destes usuários são
frequentemente orientados quanto à continuidade do cuidado, corresponsabilização e
compromisso. De forma comum, muitos são vencidos pelo cansaço e falta de informação,
acarretados também por estigmas existentes no imaginário social em torno dos Transtornos
mentais e também nos preconceitos que ainda atravessam a nossa sociedade, colocando a pessoa
em sofrimento psíquico na condição de perigosos, imprevisíveis e incapazes.
De acordo com o Ministério de Saúde (2004), o CAPS IJ deve ter um espaço próprio e
adequado para atender a demanda específica, oferecendo um ambiente continente e estruturado,
com os recursos físicos necessários, sendo estes: consultórios para atividades individuais, salas
para atividades grupais, espaço de convivência, oficinas, refeitório, sanitários e área externa
para oficinas, recreação e esportes.
Quanto à estrutura de funcionamento do CAPS IJ estudado, pôde-se inferir que este
serviço apresentou necessidade de ampliação estrutural do prédio, como salas maiores para
atendimentos individuais e áreas mais amplas para atividades em grupo e oficinas.
No que diz respeito ao papel do psicólogo no CAPS IJ, a psicóloga do serviço afirma
que este possui um papel muito importante como membro da equipe, como um profissional que
contribui com seus saberes no que refere-se à saúde mental, assim como é possibilitado a
adquirir informações e conhecimentos de áreas afins que pode contribuir em sua atuação.
Dessa forma, as políticas sociais públicas requerem a concorrência de diversos atores,
já na sua elaboração e, consequentemente, na sua implementação. O trabalho multiprofissional
e interdisciplinar aparece como um dos elementos básicos, como condição para se ter o
fenômeno em questão compreendido de forma ampla e integral (Gonçalves, 2010, p. 113). O
que reforça a fala da psicóloga, ao nos depararmos com a afirmação de Gonçalves que o trabalho
feito de forma multidisciplinar trará contribuições tanto de forma ampla com integral.
Neste sentido, averiguamos as principais fragilidades e desafios que o psicólogo se
depara ao ser inserido em uma política pública como o CAPS IJ. Conforme relatado pela
psicóloga, ainda falta muito conhecimento da população sobre a saúde mental e seus respectivos
tratamentos. A falta de profissionais de sáude qualificados na área e a falta de investimentos de
saúde mental em prol da comunidade, também se faz como fragilidades nesse campo, o que
deveria estar acontecendo de forma efetiva.
Dessa forma, questionamos quais a articulações que o psicólogo como agente de
mudança, transformação, protagonismo social e empowerment pode adotar para promover a
efetividade dentro das políticas públicas. A profissional elencou que através das práticas e
fazeres psi como palestras em diversos locais, entrevistas, divulgações sobre a rede de cuidado
1233
e apoio em saúde mental do município, de forma a levar informações para a população.
Martin-Baró (1996) explana sobre o “que fazer” do psicólogo no trabalho às maiorias
populares. Para ele, dentre os papéis do psicólogo a ser desenvolvido, está o da conscientização,
isto é, o de ajudar as pessoas a superarem sua identidade alienada, pessoal e social, ao
transformar as condições opressivas do seu contexto por meio do conhecimento.
Visto isso, a psicóloga relata que desenvolvem alguns projetos no CAPSij, trabalhando
a inserção desse usuário na sociedade, informou que as principais demandas do serviço são
crianças com atraso no desenvolvimento, alguns diagnósticos de transtorno do espectro autista
(TEA), crianças e adolescentes com quadros de ansiedade, transtorno de conduta, transtorno
alimentar, transtorno do sono, muitos conflitos familiares, e Depressão, casos de psicoses
principalmente em crianças, e nos adolescentes esquizofrenias.
Diante disso, identificar a prevalência dos transtornos mentais na infância, bem como
fatores de vulnerabilidade e de proteção, auxilia no delineamento de políticas de saúde, na
distribuição de recursos, na prevenção e no tratamento de casos diagnosticados (A-selmi et al.,
2008 como citado em Luiz & Filho, 2014).
No CAPS IJ, foi possível presenciar a movimentação das crianças na brinquedoteca, sob
orientação das psicólogas presentes, na sala da brinquedoteca também havia a presença de uma
fonoaudióloga. Tivemos acesso aos diagnósticos e avaliações de possíveis diagnósticos.
Algumas crianças apresentavam quadro de hiperatividade, outras TEA e algumas estavam em
processo de avaliação.
O lúdico é importante na vida da criança, pois se trata de um recurso metodológico
auxiliar no processo de aprendizagem, onde não pode ser visto somente como algo que
proporciona diversão, mais envolve também o ensino e aprendizagem, ao tempo em que a
criança começa a se expressar melhor, ouvir, e ate discordar de algumas opiniões, nesse
momento é visto o despertar da liderança e o compartilhamento de sua alegria ao brincar.
Carvalho (1992) pontua que desde muito cedo o jogo na vida da criança é de
fundamental importância, pois quando brinca, ela explora e manuseia tudo aquilo que está a sua
volta, através de esforços físicos e mentais e sem sentir-se coagida pelo adulto, começa a ter
sentimentos de liberdade e, portanto, real valor e atenção as atividades vivenciadas naquele
instante.
Em linhas gerais, além de acarretarem prejuízos sobre o funcionamento global da
criança, os transtornos mentais da infância tendem a persistir. Frequentemente não recebem
tratamento adequado ou um diagnóstico preciso, o que aumenta o risco de surgir outros
problemas, como abuso de substâncias, criminalidade, desemprego, mortalidade, dificuldades
na educação dos filhos e transtornos mentais na vida adulta (A-selmi et al., 2008 como citado
em Luiz & Filho, 2014).
Com isso, evidencia-se a importância de um diagnóstico correto, para que possam ser
elaboradas estratégias, discussão de casos em equipe e técnicas de tratamento que auxiliem no
desenvolvimento, estimulação e interação desses usuários, que dependem do suporte
psicossocial para atingir qualidade de vida, se sentindo mais livres e confiantes nesse processo.
A prática de exercícios intelectuais pode ajudar a remodelar as funções cerebrais. O
cérebro muda de acordo com as experiências vivenciadas (Neves, 2017). Como prática
interventiva, foi proporcionado para essas crianças meios para que pudessem interagir entre si,
através da ludicidade e arte literária, ao propormos uma atividade de contação de estórias, onde
1234
tivemos como metodologia livros interativos.
Referências
Almeida, D., Carvalho, B.E. (2007). A atuação do psicólogo no CREAS. São Paulo: CREPOP.
De Campos, J.; Oliveira, V. S.; Cristo, L. M. (1992) Jogos e brincadeiras na educação infantil.
Delgado, P.G.G., Duarte, S. C., Couto, M. C.V. (2008). A saúde mental infantil na Saúde
Pública brasileira: situação atual e desafios. São Paulo: Rev. Bras. Psiquiatra.
Mielke, F. B., Kantorski, L. P., Jardim, V. M. R., Olschowsky, A., M. S. (2009). O cuidado em
saúde mental no CAPS no entendimento dos profissionais. Porto Alegre: Ciência &
Saúde Coletiva.
Scandolara, A. S., Rockenbach, A., Sgarbossa, E. A., Linke, L. R., & Tonini, N. S.(2009).
Avaliação do centro de atenção psicossocial infantil de cascavel. Psicologia &
Sociedade.
World Health Organization.(2001). Mental Health: New Understanding, New Hope. Genebra,
World Health Organization.
FAMÍLIA E SAÚDE PÚBLICA: IMPACTOS EXERCIDOS NA QUALIDADE DE
1235
VIDA DO IDOSO
1 Introdução
Com o passar do tempo o Brasil tem se tornado um país mais idoso. Alguns fatores
contribuem para isso, como o avanço da tecnologia na área da saúde, saneamento básico, fatores
alimentares e informacionais, investimentos na saúde pública da população através de
vacinação e remédios e demais campanhas de prevenção. Dados do censo do IBGE de 2016
indica que a população idosa brasileira é composta por 29.374 milhões de pessoas, totalizando
14,3% da população total do país. Assim deveria-se dar ênfase na importância do cuidado para
as pessoas nesta etapa da vida.
O envelhecimento é uma temática de relevância social que deve contemplar as políticas
de a saúde pública e essas deveriam contemplar também a família do sujeito idoso. Nesta etapa
do ciclo vital o perfil epidemiológico caracteriza por doenças crônicas adquiridas como:
hipertensão, parkinson, diabetes, artrite e problemas na coluna essas sendo bastante comuns na
vida dos idosos, dados esses retirados pela pesquisa feita pelo Portal da Educação (2015).
Assim podemos ressaltar da importância da família como suporte ao idoso que está em
possível processo adoecimento devido à idade e com ela o adquirir a uma ou mais patologias A
primeira não sendo exclusiva da etapa mais avançada cerca de 63% dos idosos são hipertensos
ligado muito a fatores genéticos, mas em maioria ligado a hábitos alimentares. (Ministério da
Saúde, 2010)
O Parkinson pode-se manifestar aos 35 mas com maior incidência na idade avançada
dos 60 anos sendo um distúrbio cerebral causando uma rigidez muscular e tensores como
principais sintomas aparentes. Quanto ao diabete ocorrem em idosos em razão da perda da
regulagem da glicose sendo uma diminuição em funções orgânicas do corpo e artrose causada
em principal com o desgaste das articulações devido à idade avançada do idoso.
Nesse sentido, questionamos o porquê trazer o termo “possível adoecer”? hoje com o
avanço da tecnologia é possível tratar tais doenças e se ter uma vida sem interromper atividades
regulares na qual a família esteja ao lado destes para prestar apoio, onde é possível até dizer
que a mesma desenvolve uma função digamos terapêutica para este membro em questão já que
a mesma é considerada o primeiro laço social daquele indivíduo/sujeito cujo a mesma exerce
uma influência grande no subjetivo do indivíduo que afeta o social e biológico, mas que é
importante ser ressaltado, nem todos acabam impossibilitados a realização de atividades.
Familiares e cuidadores fora deste eixo que tem uma grande importância para os
cuidados com os mais velhos devido este crescimento da classe, bem como a importância do
estado de ofertar políticas de assistência a sua população, fora a necessidade cada vez maior de
um certo tipo de conhecimento para com seus cuidados que necessitam já que estes possuem
muitas vezes um caráter adoecido. (Figueiredo & Moser, 2013)
Estudo feito por Borges e Telles (2010) já traz a percepção dos profissionais de saúde
na dificuldade de lidar com o público. Foco trazido neste artigo, por algumas questões, uma
delas é que a equipe de atendimento do SUS é incompleta, não tendo um trato holístico com
1236
este “paciente” bem como a falta da estrutura do próprio sistema de saúde.
Além disso, como já mencionado a demanda crescente e “nova” de certa forma do
público, já que o grupo de idosos teve aumento significativo nos últimos anos no Brasil. Dessa
forma, tem-se um certo “despreparo” por ser algo recente a nível da saúde pública, necessitando
de investimento em pesquisa e conhecimento na área dos cuidados profissionais com este grupo.
Logo, considerando o caráter biopsicossocial dos indivíduos vistos hoje pelo
seguimento da saúde pública brasileira. O objetivo do presente trabalhos será: (a) analisar o
contexto familiar da pessoa com idade mais avançada (entre 70 e 80 anos) na família seja ela
morando junto em uma mesma casa ou não; (b) quais os cuidados que seus familiares prestam
para esse integrante; (c) avaliar o contexto da existência de alguma doença crônica devido a
idade e de como ela afeta a relações intrafamiliares.
Assim teremos n a dimensão biológica representado pelos aspectos da idade e doenças
que trazem para a vida dos indivíduos retratados; a dimensão social que seria o contato familiar
e com amigos e, por fim a dimensão psíquica que seria a percepção destes idosos com relação
a família e demais adventos decorrentes da terceira idade.
2 Método
3 Resultados e Discussões
No decorrer serão discutidas os casos sendo organizado e analisado caso por caso para
melhor entendimento do leitor e, por fim, importante também mencionar, sendo uma entrevista
semiestruturada deixou-se livre que as participantes falassem, mas tentando manter foco nas
1237
perguntas cujo abordaram critérios como sua idade, se tinha filhos e quantos, tem contato com
eles, os filhos ajudavam em seus afazeres e cuidados, se teria um problema de saúde devido à
idade, o mesmo impede de realizar atividades do cotidiano, realização de alguma atividade
física e se a família contribuía para sua saúde.
Caso 1 senhora A: com idade de 78 anos, possui três filhos com netos com idades entre
12 aos 30 anos, ao perguntar sobre os cuidados que seus filhos têm para com ela em suas
palavras “sim meu filho você mesmo sabe, que eles fazem de tudo por mim ave Maria! Se não
fossem eles”
Vale ressaltar que a mesma mora com sua filha e essa presta maioria dos cuidados para
com a mãe. Suas queixas de saúde são hipertensão e uma possível “labirintite” em suas palavras
“vou andando e me dou conta que de repente não estou mais andando em linha reta, será que
estou bêbada?” queixou-se também da sua audição que não é a mesma.
Diante desses problemas ela relata que “faço de tudo, tudo! não me impede de fazer
minhas coisas” sobre as atividades que realiza? Ela pratica alongamento uma vez na semana
com professor e caminhada todos os dias, “frequento grupos de oração e comunidade” uma
forma que tem um contato social fora os familiares, ela fala sobre com relação a família ajudar
na questão da saúde: “Demais!”. Uma observação sobre a atividade física ela relata que em sua
juventude não fazia, “não se tinha muito conhecimento, morava no interior de Jaibaras, e só
indo para Sobral depois na fase adulta que comecei a ficar entendida sobre isso”.
Em discussão com os textos usados como base teórica, Reis e Bonfim (2015) indicam
a importância vista dos laços afetivos entre os familiares e de como eles impactam na saúde e
vitalidade do idoso, em que os familiares têm essa preocupação inserindo o idoso no contexto.
Na questão da saúde faz o acompanhando médico bem como realiza atividades físicas
como a caminhada. Atividades físicas proporcionam bem-estar na vida dos idosos (Braz,
Civinsky & Montebeller, 2011) que no caso da senhora A, fica nítidos tais benefícios em sua
saúde se comparadas aos outros que ainda serão tratados, outro fator seria a manutenção do
contato social com extra-familiares em seus grupos de comunidade. podemos dizer que seja até
terapêutico para ter essas vivências nessa fase do ciclo vital não o fazendo se sentir inválido
que é um sentimento comum nesta fase.
Caso 2 senhora M: idade 79 anos, possui oito filhos 4 homens e 4 mulheres, mantêm
contatos com todos tendo em vista que a maioria moram na mesma rua em casas vizinhas, relata
que seus filhos ajudam em seus afazeres, mas observei que é de parte das suas filhas este feito.
Na questão de algum problema de saúde devido à idade relatou ter adquirido o mal de
Parkinson que discutiremos adiante, bem como apresentava outras comorbidades como,
diabetes, colesterol alto e pressão alta algo que é decorrente da idade e de hábitos diários aliados
ao parkinson formando um quadro maior de adoecimento. Mas mesmo com o
comprometimento na saúde relata não ser um empecilho para realizar atividades.
Atualmente não realiza nenhuma atividade física. Gosta de fazer palavras-cruzadas
como forma passatempo, afirma que em sua juventude saia muito para festas e gostava muito
de dançar. Ao perguntar sobre a família contribuir com a saúde dela, diz que os filhos ajudam
na compra de seus remédios, pois não tem condições de comprar toda a receita médica devido
ao fato de não ser aposentada por não ter pago o INSS.
Assim, a mesma fala que em sua juventude não se tinha preocupação com saúde por
meio de atividades físicas assim como toda essa visão de qualidade de vida que se é propagada
hoje. Relata ter falta de equilíbrio motor na perna esquerda, e frisa que seu parkinson é na mão
1238
e não queixou-se que o impedia de cozinhar ou mover objetos. A senhora M faz
acompanhamento médico e para diminuir os fatores do parkinson. E finalizou seu relato
dizendo “com a idade aparece muita coisa, tem dias que não me pergunte como eu vou e sim
onde doí?”
Ao decorrer deparei-me que a organização de sua família era aquela bem tradicional e
extensa, onde os papéis dos filhos e filhas são bem definidos. As filhas mulheres apresentavam
maior ajuda para com a mãe, já os filhos homens contribuem com os remédios e setores ligados
ao financeiro para custear os medicamentos e nas visitas.
Além disso, grande parte de seus filhos moravam próximos a sua casa, fazendo como
suas casas seriam extensão da casa sua própria mãe cujo muitas vezes a mesma ainda se é
exigida por esses. É importante ressaltar também a falta de atividade física que como vimos no
primeiro caso exerce uma grande influência positiva na promoção da saúde e na sua falta
podemos ver como contribuinte para os fatores de adoecimento, assim como o contato com
pessoas fora do ciclo da família. Se pegarmos o caso um e dois o primeiro este contato
extrafamiliar é presente e bastante benigno para a saúde do idoso e o dois existe essa falta.
De toda forma, a maior queixa verificada foi com relação ao Mal de Parkinson na qual
se caracterizado por um distúrbio cerebral que provoca deterioração progressiva, com rigidez
muscular e tremores involuntários (Clínicas Terapêuticas, 2010) sendo de caráter crônico sendo
uma das patologias mais comuns na idade avançada usando de medicamentos, terapias e
atividade física para amenizar os danos.
Assim a presença neste caso da família se faz bastante necessária para ofertar este
suporte para esta pessoa que está em processo de adoecimento devido à idade que mesmo com
a realização de tratamento medicamentoso e acompanhamento médico necessita sim de atenção
e zelo de seus entes mais queridos filhas, filhos e netos.
Caso 3 senhor V: tendo a idade de 71 anos, possuindo 4 filhos, afirma ter contato com
todos eles. Ao perguntar se os filhos tinham cuidado com sua saúde ele questionou “como assim
?” Repeti a pergunta de uma nova forma e respondeu “sim demais, demais ajudam”. Sobre as
dificuldades adquiridas pela idade falou “problema de coluna, sinusite e pressão alta.” Relatou
que “a coluna o que mais me impede de realizar muitas atividades que fazia antes, como: tirar
leite, capinar, trabalhar de machado serviços que antes fazia sem dificuldade” no quesito
atividades de lazer jogava bola na juventude e esportes, e hoje? “ando por onde eu moro” e
com relação a família e saúde? “contribuem demais, meu filhos, visitam eles me levam ao
médico tem cuidado comigo”.
Mais uma vez podemos notar a contribuição da família no cuidado da pessoa mais idosa,
como a idade avançada traz consigo este estado mais adoecido e da importância de se dar
atenção e zelo para estes indivíduos.
Uma das problemáticas que se teve queixa foi a questão da coluna e como este o impede
de realizar atividades antes feitas sem dificuldades. Estudos feitos por Malta et al. (2017) indica
do desenvolvimento de problemas da coluna e como estes são limitantes para as atividades do
cotidiano, mostraram também que os homens são os que mais desenvolvem principalmente os
que trabalham e moram na zona rural.
Esta problemática causada devido aos serviços que fazem. No caso do senhor V suas
atividades do campo durante sua juventude podem ter deixado marcas a longo prazo tendo
consequências que agora se apresentam na idade mais avançada. Na qual necessita de uma
atenção maior, mudança na vida relação a alimentação e cuidados fisioterapêuticos como forma
1239
de amenizar as dores.
Caso 04 senhora Z: com 70 anos de idade possui quatro filhos mantém contato com
todos, “todos me ajudam e muito”, ao perguntar se possui alguma dificuldade com a idade ela
fala “possuo para andar, devido à artrose”, a mesma fala que consegue fazer as suas atividades
“sentindo muitas dores mas é faço” o que você faz? “almoço , tapioca , bolo as vezes eu lavo
casa e lousa quando minha assistente não está” sobre as atividades físicas ela não realiza mais
pois “me tiraram da fisioterapia e o posto pediu que eu realizasse um raio X e levasse para
renovar as atividades fisioterapêuticas e estou esperando ele chegar” falou de maneira positiva
sobre a família contribuir com a saúde “me faz bem sim ajuda na ansiedade que eu tenho” fala
que “quando mais jovem não fazia muita coisas de atividade de física só afazeres domésticos e
para vendas de comidas típicas”. Ela ressalta que antes não se tinha essa preocupação com a
saúde pública e conhecimento, em que a mesma foi surgir com “uns 20 anos” sendo bem recente
estes serviços prestados ao idoso para com políticas públicas.
Neste caso a maior queixa trazida pela participante foi com relação ao seu problema
ósseo, na qual ainda não chegou a incapacitá-la, mas que a dificulta e limita em atividades.
A Pesquisa realizada por Santos et al (2015) mostrou que a influência do gênero
feminino tem maior incidência neste tipo de agravante no quais problemas relacionados aos
ossos e sua degradação são mais frequentes relacionando isso a idade avançada. Sendo a função
fisioterápica aliada a exercícios de desenvolvimento flexível, muscular e equilíbrio possíveis
atividades para atenuar as dores.
Contudo uma temática a se destacar que pode ser abordada em todos os casos. A
confirmação trazida em seus relatos da falta de informação de certo modo e cuidados durante
sua juventude em questões relacionadas ao coletivo da população por meio da saúde pública do
passado não dar importância para essas temáticas.
Um dos trechos da entrevista com o senhor V na qual foi perguntado sobre: que ponto
a saúde para com idoso foi ser mais divulgada é digna de atenção?, ele fala sobre que esses
temas foram ter relevância “a partir de mais ou menos os anos 2000, que eu me lembre”. Bem
como todos os outros casos relatasse esta falta que antes se tinha.
E de fato este tipo de cuidados em nosso país se deu ainda de maneira prematura e ainda
bem recente se contarmos que. Só foi ganhando relevâncias tais temas com a criação do sus em
1988 na qual “pela Constituição Federal Brasileira, que determina que é dever do Estado
garantir saúde a toda a população brasileira” (Ministério Saúde, 2015).
Propondo assim realizar uma saúde ampla e gratuita, dando preferência ao atendimento
de sujeitos de risco como crianças e idosos, cujo sua medida primordial é a prevenção.
4 Considerações finais
Ao analisar cada caso notou-se que, por mais que se obtivessem o caráter da patologia
na vida dos idosos devido à idade o que é inevitável. Tanto a família como a saúde pública têm
grandes impactos na forma de tratamento e cuidados nas vidas dos idosos e em seu processo de
envelhecer.
Cabendo aos dois: família e instituições de saúde realizar uma espécie de trabalho
1240
conjunto de promover uma qualidade mais favorável nesta fase do ciclo de vida. Respeitando
sempre as limitações que a idade trás para os mesmos e que a família ofereça um espaço que
seja promotor de bem-estar e integre este membro não deixando esquecido como não
pertencimento.
Como foi realizado uma entrevista por conveniência obteve-se uma amostra mais
limitada de entrevistados podendo assim não se generalizar os resultados da pesquisa para
grandes populações. Assim torna-se importante a realização de mais entrevista para coleta de
uma amostra maior de pessoas e organização os dados de uma maneira mais empírica
quantitativa para melhor exposição.
Referências
1241
Entrevista Semi – Estruturada:
1242
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
________________________________________
Assinatura do participante
TRABALHANDO O PROTAGONISMO INFANTO-JUVENIL NO SERVIÇO DE
1243
CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS DO CRAS
1 Introdução
Ainda se discute qual o papel da psicologia dentro dos órgãos de assistência social,
visando compreender que a formação do psicólogo deve abranger bem mais do que uma
abordagem clínica e individualizada, e entendendo o ser humano não apenas como indivíduo
biológico e emocional, mas também histórico, social e cultural. A motivação para esse estudo
resulta do entendimento sobre a importância da Psicologia fazer-se presente dentro da
comunidade social e cultural, que é base na formação e estruturação do sujeito, entendendo-a
enquanto auxílio, juntamente com a ciência da Assistência Social, no atendimento das
demandas sociais e individuais do sujeito enquanto participante de um grupo, comunidade.
Como apontam Lima, Santos e Silva (2016), uma perspectiva importante para o
desenvolvimento infanto-juvenil é possibilitar a compreensão sobre as responsabilidades
resultantes da garantia de seus direitos, caminho que possibilita o sentir-se parte de um todo.
Fala-se em participação ativa dentro da comunidade e o sentir-se valorizado, oportunizando um
olhar sobre si mesmo enquanto agente de construção social.
O trabalho aqui desenvolvido é construção de uma prática da disciplina de Estágio
Básico em Psicologia Social e Comunitária, do curso de Psicologia do Centro Universitário de
Ciências e Tecnologia do Maranhão, UniFacema, objetivando atender e compreender as
demandas da comunidade assistida pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da
cidade de Caxias – MA, mais especificamente, o Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos (SCFV), contribuindo assim, para uma formação dos acadêmicos no que se refere ao
trabalho do profissional psicólogo inserido numa abordagem psicossocial. Para tanto, fora
necessário conhecer as dependências do equipamento, bem como as atividades ali
desenvolvidas.
A função do equipamento se destina a trabalhar para a prevenção de ocorrências de
situações de vulnerabilidade social, evitando assim, que os sujeitos da comunidade tenham seus
direitos violados ou nos casos daqueles que já sofreram alguma violência, cuidar para que o
mesmo não ocorra. Assim, o CRAS vem contribuindo para a garantia dos direitos e cidadania
daqueles que necessitam, como parte integrante do Sistema Único de Assistência Social, e por
isso, devendo estar localizado no centro de áreas consideradas como de maior vulnerabilidade.
2 Método
Como público alvo foram participantes desse projeto os assistidos, com idades entre 5
1244
a 12 anos, integrantes do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) do
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), no turno matutino. O mesmo, localizado
na cidade de Caxias – MA, funcionando de segunda a sexta das 07h30 às 11h e das 13h30 às
16h30.
No desenvolvimento deste projeto utilizou-se técnicas de dinâmicas de grupo, com
enfoque numa abordagem psicossocial, que incentivasse os sujeitos a uma percepção sobre si e
sobre seu espaço de vivência, utilizando-se dos conceitos básicos de Kurt Lewin (1890-1947)
e Levy Moreno apresentados na obra de Ramalho (2010) e pelas concepções de grupo
apresentados por Pichon Rivière (2005). Também foram utilizadas rodas de conversa, para a
exploração e reflexão acerca dos temas abordados e oficinas de produção de desenhos, cartazes
e maquetes, com o intuito de promover medidas de ações compartilhadas, auxílio na interação,
desenvolvimento pessoal e coletivo entre os sujeitos participantes das atividades do SCFV,
contribuindo para sua tomada de consciência enquanto sujeitos ativos e protagonistas dentro de
sua comunidade e meio social, sendo trabalhado por meio de 9 encontros com os participantes
do grupo.
Foram usados como recursos, materiais recicláveis como garrafas pet, papelão, tampas
de garrafas e caixas de fósforos. Também foram utilizados isopor, materiais de pintura como
pincéis, lápis de cor e de cera, tintas, cola isopor, cola branca, blocos de anotação, folhas de
papel A4, além dos recursos humanos, sendo estes a própria equipe de estágio, formada por seis
integrantes, a preceptora responsável pela disciplina e mais 5 estagiárias do curso de psicologia.
Também fizeram parte os funcionários do equipamento, sendo estes as duas
orientadoras sociais do SCFV e o oficineiro de teatro, para realização das atividades e o
psicólogo responsável pelo equipamento, na tomada de consciência e discussões juntamente
com as estagiárias, sobre as necessidades do equipamento e da rede de assistência social. Cada
encontro realizado foi planejado para ser executado numa duração média de 1h30min,
ocorrendo semanalmente, todas as quintas-feiras, durante os meses de março, abril e maio,
alguns entretanto, durando em média 2h30min.
Primeiramente foram feitas duas visitas para conhecer o espaço, sendo um dia dedicado
a brinquedoteca e o outro dedicado a conhecer o Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos para, posteriormente, ser elaborado o projeto e assim aplicado. Ao todo, entre visitas
e intervenções foram realizados 11 encontros. Utilizamo-nos do tópico a seguir, Resultados e
Discussões, para apresentar de forma didática as atividades e resultados adquiridos em cada um
dos encontros elaborados pela equipe durante o período de intervenção.
3 Resultados e Discussão
3.1 Primeiro encontro: Apresentação do projeto e seus objetivos.
Para o primeiro encontro a equipe havia planejado a promoção de uma roda de conversa
com os orientadores e profissionais que atuam no local, na intenção de apresentar como se daria
a realização do projeto, seus objetivos, bem como sua importância para a abordagem
psicossocial, além de possibilitar às estagiárias conhecer as demandas dos sujeitos envolvidos.
Ao chegar ao ambiente de intervenção, a equipe foi surpreendida pela presença de sete
crianças na sala do SCFV. Isso fez com que fosse mudada totalmente a dinâmica do dia, pois
agora havia um novo público. A dinâmica que seria realizada com os orientadores sociais, foi
adaptada para os assistidos do SCFV.
A dinâmica consistia em uma árvore desenhada em papel 40 em que nas folhas deveriam
1245
ser escritos os pontos positivos e nas raízes os pontos negativos do equipamento, bem como o
que gostavam e o que não gostavam de fazer. Logo após, fora feita uma roda de conversa para
conhecer os envolvidos com base nos resultados que apresentaram na atividade da árvore.
Apesar das medidas adaptativas o objetivo que era conhecer melhor as demandas e se aproximar
dos participantes pôde ser alcançado. Como resultado foi possível aprender sobre as vivências,
gostos, sentimentos e preferências dos assistidos.
Também foi trabalhada no dia a brincadeira do jogo da velha, primeiramente com duas
rodadas de um participante contra o outro, em seguida, com formação de equipes. Utilizando-
se de uma simples brincadeira, o jogo da velha, observamos seus comportamentos quanto ao
respeito às regras, a convivência, competitividade, coordenação e trabalho em equipe.
1246
algo que seria utilizado para o bem comum. Resultando também no fortalecimento de vínculos
com a própria equipe de estágio.
3.6 Oficina: “Meu bairro, minha arte” (produção de maquete representativa do bairro).
O objetivo da construção de uma maquete que representasse o bairro e alguns pontos
importantes da cidade de Caxias foi o de promover, além da cooperatividade e proatividade,
uma forma diferenciada das crianças poderem conhecer cada ponto do seu bairro, instituições
essenciais para o exercício da cidadania e trabalhar a criatividade, além do sentimento de sujeito
1247
construtor do seu ambiente.
Para início das atividades do dia formou-se a roda de conversa, prática realizada em
todos os encontros, na qual, além de dar espaço para escutar as vivências diárias dos assistidos,
prepara um ambiente favorável para explanação dos conteúdos levados pela equipe de estágio.
Durante esse momento, neste dia específico, foi falado sobre os locais importantes do bairro, e
de como são necessários para a qualidade de vida do cidadão como, postos de saúde, escolas,
pontos de lazer, o próprio equipamento CRAS e a importância de, como sujeitos ativos em sua
comunidade, estas crianças também deveriam zelar por estes ambientes.
Ao dar início a construção da maquete, em uma folha de papel, foi feito um esboço do
que as crianças queriam que estivesse na maquete. Pôde ser observada muita cooperatividade
entre os membros do grupo e sentimento de responsabilidade para que a maquete pudesse de
fato representar seu espaço de vivência. Todos estavam inteirados para construir a maquete com
os pontos que julgaram importantes e que não poderia faltar em um bom bairro, um campinho
de futebol, a escola, a linha do trem, o mercadinho, o CRAS, a delegacia, um corpo de
bombeiros, a UPA (Unidade de Pronto Atendimento), uma praça no centro, o Morro da
Balaiada (ponto turístico da cidade de Caxias no Maranhão), o rio Itapecurú e as residências
dos cidadãos.
Devido ao tempo, a finalização da maquete ficou para o próximo encontro. As
estagiárias despediram-se após, juntamente com as crianças, limpar todo o ambiente, outro
acordo estabelecido entre o grupo sempre ao final de uma atividade. O objetivo foi alcançado,
todos se inteiraram para a construção da maquete, deram suas opiniões, escolheram
democraticamente quais instituições deveriam estar presentes na mesma e em qual local, foram,
sobretudo proativos e solidários, apesar de uma vez ou outra quererem usar a mesma cor ao
mesmo tempo, oportunidade utilizada pelas estagiárias para relembrar sobre a importância de
respeitar a vez do outro, sendo assim com o objetivo atingido, foram encerradas as atividades
do dia.
1248
Quanto à nova criança que por sua vez possuía idade bem inferior, o maior objetivo para com
ela no dia foi fazer sua interação e acolhimento para participação das atividades do grupo.
1249
em círculo, para a habitual roda de conversa e demais atividades. É necessário mencionar que
houve a presença e uma nova criança, o que exigiu da equipe fazer o acolhimento e inteirá-la
nas atividades que foram produzidas, logo estava interagindo como se estivesse com a equipe
desde o início.
Fomos surpreendidas com cartinhas produzidas pelas próprias crianças em forma de
agradecimento por estarmos com eles por este período, expostas em forma de mural com
desenhos e os nomes de cada membro do grupo.
Ao final fizemos uma roda de conversa que contou com a presença da preceptora da
disciplina de estágio e de uma das orientadoras do equipamento para assim, encerrar o projeto
e nos despedir dos assistidos. Mesmo trabalhando e reforçando o encerramento do projeto já há
algum tempo, eles não estavam preparados para a despedida. Foi explicado que ali não seria
necessariamente um fim, pois o que havíamos feito eles também poderiam continuar, entre eles
mesmos e com os novos assistidos que chegariam. Eles eram protagonistas.
Foi entendido que o serviço do equipamento visa diminuir a negligência sofrida pelos
assistidos, negligência esta que muitas vezes é global, pois envolve saúde, educação e
integridade física, moral e emocional da criança e do adolescente assistido. Notavelmente, a
experiência se configurou como proveitosa, em que pôde-se perceber os assistidos bastante
participativos e sempre atentos as atividades desenvolvidas, contribuindo para a formação de
um protagonismo no meio em que vivem, bem como promover seu desenvolvimento social,
articulando também para que, como sujeitos participativos e críticos, sejam capazes de
desenvolver autonomia, evitar possíveis situações de abuso e a trabalhar em conjunto com os
demais sujeitos do seu convívio.
4 Considerações Finais
Diante de cada uma das atividades que foram desenvolvidas no estágio básico em
Psicologia Social e Comunitária no SCFV do Centro de Referência de Assistência Social
(CRAS), buscou-se contribuir para uma melhoria das relações interpessoais entre os assistidos
que frequentam o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, oportunizando uma
estratégia que beneficie a todos, numa ação contínua e significativa. Por meio dessas interações,
além do fortalecimento dos vínculos grupais, fazendo com que os indivíduos inseridos se sintam
seguros em se sentir atuantes em sua comunidade, foi possível desenvolver entre os sujeitos
participantes um sentimento de responsabilidade social, cooperatividade e proatividade.
Puderam aprender e trabalhar temas como, reciclagem, solidariedade, regras de
convívio, respeito ao outro e, sobretudo, respeito para consigo. Ao notar a evolução das crianças
do SCFV desde o primeiro dia de estágio, pôde-se perceber real crescimento pessoal e social
destes sujeitos.
Um aprendizado que não permanece apenas dentro do equipamento, mas possibilita que
cada uma destas crianças possa levar para seus demais locais de vivência, escola, família, grupo
de amigos, as aprendizagens adquiridas. Dentre estas, cuidar do meio ambiente, dos patrimônios
da cidade e do seu bairro, além de lembrá-los que é preciso ter respeito com o próximo e cuidado
com seu corpo, seus direitos e sua intimidade.
Compreende-se o quão importante é para proteção e desenvolvimento do indivíduo, uma
tomada de consciência sobre si mesmo e sobre seus direitos e deveres, dando espaço para
apresentar suas ideias e promover o fortalecimento dos vínculos sociais.
A experiência de produção de um projeto de intervenção mostrou-se um desafio,
1250
contudo, gratificante. Observando a construção de autonomia e desenvolvimento pessoal e
profissional para as acadêmicas e estagiárias de Psicologia. Servindo também como um norte
para a produção de novos conhecimentos, sendo um grande apoio para os colegas de profissão
que venham a se deparar com situações semelhantes em que necessita de uma construção de
consciência sobre o protagonismo em seus sujeitos.
Diante disso, nota-se a indubitável importância da inserção da Psicologia no social,
como ciência que compreende os aspectos individuais e suas influências na coletividade de
nossas relações. Com uma abordagem crítica é capaz de auxiliar os sujeitos que necessitam dos
serviços fornecidos pelo CRAS e demais equipamentos, a perceberem seu papel na melhoria de
sua qualidade de vida, bem-estar e participação em sua comunidade.
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INTERSECÇÕES ENTRE ESTÁGIOS BÁSICOS EM PSICOLOGIA E A ATENÇÃO
1252
BÁSICA EM SAÚDE
1 Introdução
A princípio, o ensino da Psicologia no Brasil não tinha caráter profissionalizante, senão,
de conhecimento complementar para a formação de outros profissionais, tendo como finalidade
ser apenas objeto de estudo e de ensino para outras áreas, como a Filosofia, Direito e Pedagogia
(Pessotti, 2004). As Escolas Normais, importantes instituições de ensino da época, foram às
primeiras instituições a incorporarem as disciplinas de Psicologia à grade curricular, o que
culminou para a efetivação do modo sistemático de ensino da Psicologia no Brasil (Lisboa &
Barbosa, 2009).
Com base no Decreto-Lei nº 9.092, o lançamento da Portaria nº 272 em 1946, legitima
a formação do psicólogo (Pereira & Pereira Neto, 2003). Assim, para que o profissional
estivesse legalmente habilitado, era preciso cursar os três primeiros anos de Filosofia, Biologia,
Fisiologia, Antropologia ou Estatística e para só então se especializar em alguma área da
Psicologia (Rosas, Rosas & Xavier, 1988). Apesar desses cursos de especialização não
obedecerem a nenhuma regulamentação oficialmente estabelecida, é a partir de então que o
exercício da profissão do psicólogo se inicia.
Essa atuação ainda incipiente do psicólogo resultou em inúmeras críticas referentes ao
processo formativo ser superficial e ausente de políticas que viabilizassem uma formação
adequada e qualificada. Porém, em 1962, a partir da Lei nº 4.119, a profissão e o curso de
formação são oficialmente regulamentados (Rosas et al., 1988). Com isso, o caráter formativo
em psicologia começa a passar por ajustes na estrutura curricular, flexibilizando assim a
possibilidade de práticas articuladas as necessidades sociais dentro dos mais diversos espaços
de atuação.
A posteriori desse contexto, em 2007 é implementado o curso de Psicologia – formação
de psicólogo – na Universidade Federal do Piauí (UFPI) que tem como um dos principais
objetivos proporcionar aos graduandos conhecimentos teóricos e práticos sobre o papel social
desse profissional, a partir de experiências com a realidade regional e nacional. Além disso,
visa ofertar condições para que o estudante opere de forma interdisciplinar ou em equipes
multiprofissionais. A grade curricular busca direcionar a prática profissional através de
atividades práticas previstas nos estágios básicos e profissionalizantes (Universidade Federal
do Piauí [UFPI], 2007).
O Ministério da Educação estabelece uma estrutura comum a qual devem se pautar os
cursos de formação no país. Os cursos de Psicologia estão divididos em dois grandes eixos
formativos: Básico e Específico. Os Estágios Básicos (EB) estão incluídos no primeiro eixo.
Tratam-se de experiências de estágios supervisionados antes dos ditos profissionalizantes com
o intuito de aproximar ainda mais cedo o estudante da graduação da realidade da prática
profissional. O mesmo deve compor-se de práticas integrativas referentes aos conteúdos dos
núcleos comuns de modo que estejam distribuídos ao longo do curso e articuladas com as
demais atividades acadêmicas (Resolução nº 5, 2011).
Assim, os mesmos configuram o processo de formação básica na graduação em
1253
Psicologia, “tendo como objetivo central integrar, através de intervenções numa dada realidade
social, conhecimentos e habilidades básicas desenvolvidas na dinâmica curricular do Curso de
Psicologia” (UFPI, 2007, p. 31). Posto isto, nesse trabalho pretende-se refletir sobre a
experiência de Estágio Básico do segundo bloco do curso de Psicologia no contexto da Atenção
Básica em Saúde (ABS).
Segundo consta no Projeto Político do Curso (PPC) do curso:
2 Método
Os caminhos metodológicos aqui anunciados tratam-se de um relato de experiência,
construído a partir da vivência das autoras durante a disciplina de Estágio Básico I (EBI)
ofertada no segundo semestre do curso de Psicologia da Universidade Federal do Piauí, Campus
Ministro Reis Veloso (UFPI/CMRV). Essa narrativa parte de dois lados da vivência. De um
ponto enquanto estudante de psicologia e de outro enquanto residente de psicologia e egressa
da UFPI. Tal relato refere-se a uma análise crítica baseada nas experiências vividas durante
cinco (05) visitas técnicas realizadas em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do município de
Parnaíba.
A escolha do campo de atuação para o estágio foi feita em parceira entre a coordenação
do curso de Psicologia e a coordenação do programa de Residência Multiprofissional em
Atenção Básica/ Saúde da Família (RMSF), que contava com três profissionais de referência:
Enfermeira, Fisioterapeuta e Psicóloga. As visitas eram feitas quinzenalmente e acompanhadas
semanalmente pela professora supervisora do grupo.
O desenvolvimento do estágio apoiou-se nas seguintes etapas: a) apresentação teórica
que serviu de base para execução da nossa observação participante; b) familiarização com o
local de estágio; c) escolha do professor-supervisor para cada grupo; d) apresentação dos
instrumentos didático-pedagógico, foram eles: diário de campo e relatório final; e) pactuação
referente aos dias, horários e locais de visita para cada equipe.
O uso do diário de campo como estratégia metodológica corrobora com o que Holliday
(2006) nos diz. Para a autora, sistematizar nossas experiências não nos permite apenas descrever
acontecimentos, mas também estarmos atentos a interpretações feitas a partir dessas
experiências, que podem ser elaboradas, compartilhadas e confrontadas para que assim um novo
conhecimento seja produzido. Por isso, o uso dessa ferramenta aliada às supervisões
oportunizou o processo de formação crítica-reflexiva a que se propõe essa primeira modalidade
de estágio que vivenciamos.
Ademais, as supervisões foram espaços de produção de conhecimento, considerando
1254
que elas serviam de mediação entre o que era manifestado nos diários de campo e as reflexões
elaboradas a partir do que foi vivenciado, confrontando-as com o que a teoria nos apresenta.
1255
podemos analisar como o resultado do investimento do sistema público de educação superior
em formações mais interdisciplinares e menos tecnicistas (Rudá et al., 2019).
Tal perspectiva vai ao encontro do que é discutido pela própria Psicologia a respeito do
compromisso ético-político da profissão. A inserção da Psicologia nas PP, apesar de
inicialmente ter sido motivada por uma necessidade de mercado, atualmente é permeada pela
discussão das necessidades sociais e de saúde das populações mais carentes desse país –
principal público atingido pelas PP no Brasil.
A resolução nº 597 de 2018 postula os EB como início adiantado de experiencias
práticas a fim de proporcionar a inserção da (o) graduanda (o) nos campos de atividades
profissionais bem como a integração teórico-prática desde os primeiros períodos do curso
(Resolução nº 597, 2018). O que no caso do curso em questão o primeiro EB é ofertado no
segundo bloco do curso, evidenciando-se, assim, um engajamento na construção formativa
desse estudante.
O contexto social escolhido para a realização das atividades de práxis do EBI nesse caso,
a ABS, pode ser analisado em consonância com o recomendado pela resolução, que preconiza
que os estágios obrigatórios supervisionados contemplem a pluralidade da ciência psicológica
e estejam comprometidos com as necessidades loco-regionais, direitos humanos e estimulem a
articulação de saberes e práticas em face da interprofissionalidade, interdisciplinaridade e
multidisciplinaridade (Resolução nº 597, 2018).
Outra questão a ser abordada na construção desse trabalho é referente a oferta de
professores supervisores. A resolução nº 597/18 orienta que além de ser composto por
psicólogos que fazem parte do corpo docente da instituição de ensino e tenham experiência
profissional específica na área de concentração do estágio. O que na realidade não
necessariamente acontece. Os professores que semestralmente tem sido escalados para a
disciplina de EBI são professores de formação generalista, muitos não pertencem ao quadro de
efetivos (contratados/substitutos) o que acaba apresentando algumas limitações no campo
teórico de supervisão do processo. Característica que não aconteceu no período da vivência do
estágio pelas autoras, mas que é observada a partir do compartilhamento das experiências com
outras turmas.
Por se tratar de um estágio de observação, com visitas técnicas, a instituição formadora
não prevê a exigência de um preceptor de campo. Isto que dizer que não necessariamente a (o)
aluna (o) terá uma outra (o) psicóloga (o) em campo de trabalho para subsidiar as visitas e
orientações a respeito do trabalho desenvolvido, ficando a cargo do professor-supervisor
realizar esse trabalho. O relato dessa experiência parte também da primeira experiência que
temos conhecimento da parceria que proporcionou um profissional de núcleo como referência
no campo de visitas. O que, apesar de muito importante para o processo formativo, não se trata
de um vínculo fixo que necessariamente as demais turmas poderão se beneficiar.
Outro ponto a ser mencionado é que em algumas visitas, as estagiárias ficaram sem
atividades de referência para observação. Isso se deu por as residentes também desenvolverem
atividades além do espaço físico da UBS, como a territorialização, não havendo planejamento
de atividades que contassem com a presença das estagiárias. Esses desencontros foram relatados
durante as supervisões e pôde-se perceber que nas turmas posteriores houve maior atenção no
planejamento dessas visitas. Entretanto, vale ressaltar que mesmo na ausência das profissionais
de referência, tais visitas proporcionaram a oportunidade de presenciar a dinâmica de
funcionamento da UBS, sob a atuação de outros profissionais, como dos Agentes Comunitários
de Saúde (ACS), Médicos, funcionários responsáveis pelos serviços gerais e recepção, assim
1256
como a contribuição de cada um para o funcionamento da UBS.
Esta experiência de estágio possibilitou a estagiária interagir com as mais diversas
realidades, e as residentes, em especial a psicóloga, buscava sempre instigar o
compartilhamento das tensões e problematizações geradas pelas visitas. Dessa forma, a
interação com as residentes a proporcionou sair do lugar de mera observadora para participante
das atividades propostas, desse modo, promovendo uma prática que espelha o ingresso
profissional. A participação nessas atividades oportunizou a vivência da rotina de uma UBS e
assim a compreensão da atuação do psicólogo de modo multiprofissional e no trabalho em rede
que compõe a ABS.
As supervisões das práticas de estágio, além de terem sido um espaço de elaboração de
problematizações sobre os saberes e fazeres da psicologia, também foi espaço de enfrentamento
de dúvidas, medos e ansiedades. Assim, a junção de contribuições da supervisora e das
profissionais de referência no campo de estágio facilitou o rompimento das visões da psicologia
tradicional que é comum de ser observada entre os estudantes dos primeiros períodos.
Bem como refere Souza (2019, p.167) “a inserção dos psicólogos em um determinado
campo guarda uma estreita ligação com a formação acadêmica durante a graduação”. Desse
modo, compreendemos que a escolha por essa aproximação através desse primeiro campo de
estágio, se dá em compasso com o compromisso político que as graduações também têm que
exercer, de formar psicólogos com competência de atuação nessa área.
Outro ponto é que essa vivência também permitiu compreender um pouco mais a
respeito de como se dá o desenvolvimento de um trabalho multiprofissional. Visto que além da
equipe da UBS composta pelos profissionais em questão, houve um acompanhamento um
pouco mais próximo da equipe de residentes. Ao observar suas atividades, com atuação nas
mais diversas formas de cuidado, tais como campanhas de vacinação, visitas domiciliares,
grupo com gestantes, pôde-se compreender melhor as pluralidades que envolvem a atuação do
psicólogo e a importância do trabalho multiprofissional no contexto da saúde pública.
De acordo com Dimenstein e Macedo (2012), a inserção da Psicologia no
contexto da saúde pública é recente e por isso, tem sido permeada de dificuldades e desafios,
desde o processo formativo à atuação destes profissionais. Ainda sobre isso, Silva e Carvalhaes
(2016) apontam a necessidade de construções teóricas e práticas que articulem a atuação “psi”
nas Políticas Públicas desde o início da formação, como forma de reduzir a incidência de ações
padronizadas em um modelo de psicologia clínica/individual.
A vista disso, a experiência do EB I na ABS possibilitou observar a Psicologia
sob diferentes práticas de cuidado. Essa visão ampliada foi relevante para se pensar como
práticas de saúde e produção de conhecimentos, integrados as necessidades e realidade da
população, fortalecem as redes de trabalho multiprofissional em saúde.
Enquanto estudante e, portanto, em processo formativo, as reflexões geradas a partir
dessa experiência têm reverberado no caminho acadêmico que tenho seguido e
consequentemente na profissional que serei. Por isso, ainda na graduação, tenho priorizado
seguir caminhos que estimulem práticas formativas pautadas em um compromisso com o
humano e com a realidade social, como projetos de extensão, congressos e rodas de conversa
que integrem o trabalho de uma equipe multiprofissional, com modos de atuação mais
democráticos e alinhados as diretrizes do SUS.
Dessa forma, ter disciplinas que possibilitem práticas mais próximas da realidade
fortalece a construção do saber-fazer “psi” nos espaços de Políticas Públicas de saúde. A
inclusão de estágios em PP permite a aproximação de acadêmicos com uma proposta de
1257
Psicologia eticamente comprometida com o fortalecimento e o engajamento social para o
exercício e a garantia da cidadania.
Referências
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1259
TÉCNICAS NO TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES
1 Introdução
Os Transtornos Alimentares (TAs) caracterizam-se, segundo Finger & Oliveira (2016),
como comportamentos e pensamentos recorrentes, persistentes, relacionados a alimentação ou
ao ato de se alimentar, causando danos à saúde e levando ao comprometimento físico e psíquico.
Dentre eles: a anorexia e a bulimia foram caracterizadas a seguir, assim como seguem
caracterizados também o transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP) e a obesidade.
Nos quais não entram como TAs mas serão citadas devido sua grande prevalência.
A anorexia nervosa (AN) caracteriza-se pelo medo excessivo em ganhar peso ou se
tornar gordo, medo este persistente, mesmo a pessoa estando abaixo do peso. Além de uma
perturbação da percepção do peso ou da forma corporal, isto é, que mesmo estando abaixo do
peso esperado, se ver da forma contrária, ou seja, acima do peso. Já a Bulimia Nervosa (BN),
de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos mentais-5 (DSM-5), consiste
em episódios de ingestão compulsiva de relativa quantidade de alimentos seguida de um
sentimento de culpa e falta de controle, levando a estratégias compensatórias como o uso de
laxantes, diuréticos, indução de vômitos e a prática exacerbada de exercício físico (APA, 2014).
Sendo descrito inicialmente, em 1959, por Stunkard, o (TCAP) é bem parecido com os
citados acima, diferindo apenas por não haver episódios de indução de vômito. Neste transtorno,
a pessoa apresenta a compulsão por alimentos, mas sem as estratégias compensatórias
encontradas na BN. O indivíduo com essa patologia tende a ingerir alimentos mais rápido do
que o normal e a comer escondido por vergonha ou receio de julgamento (Cauduro, Pacheco &
Paz, 2018).
Além dos TAs já citados, outra patologia vem crescendo nos últimos ano, a obesidade
também conhecida como sobrepeso, sendo caracterizada pelo excesso de tecido adiposo no
organismo, obtido pelo excesso de ingestão calórica, ocasionando dentre os prejuízos a saúde
as mais variadas doenças crônicas, além dos malefícios psicológicos (Lima & Oliveira, 2016).
Os TAs têm tornado o foco de interesse de muitos estudos, visto que vêm aumentando nos
últimos anos, conforme dados de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
aproximadamente 82 milhões de pessoas apresentaram índice de massa corporal (IMC) igual
ou maior que 25 (sobrepeso ou obesidade), concluindo ainda que a maior prevalência entre as
mulheres com (58,2%) e nos homens com (55,6%) (IBGE, 2019).
Esse fator ocorre possivelmente por conta do modelo corporal imposto pela mídia e pela
sociedade, as mulheres se veem pressionadas a entrar nesse padrão a qualquer custo,
enfrentando dietas absurdas ou por outros meios acabam encontrando um adoecimento não só
1260
físico, mas também psíquico.
Um dos principais tratamentos e que tem expandido cada dia mais é a terapia cognitiva
comportamental (TCC) na qual apresenta como base as crenças disfuncionais e os pensamentos
automáticos, que contribuem com o desenvolvimento e a manutenção dos mais variados
transtornos.
De acordo com as perspectivas atuais da TCC, no tratamento dos transtornos alimentares
o objetivo das técnicas utilizadas consiste em ajudar o paciente a obter um controle
comportamental sobre a alimentação, para que assim possa modificar seus hábitos alimentares
bem como reestruturação de crenças disfuncionais (Willhelm, Fortes & Pergher, 2015).
O objetivo do seguinte trabalho é abordar os principais transtornos alimentares e seus
impactos na vida do paciente, bem como a contribuição da terapia cognitiva comportamental
(TCC) no tratamento destes. Dessa forma, tem-se como principal foco a terapia e as técnicas
que auxiliam na distorção da imagem corporal, adquirida por conta do transtorno, assim como
elas podem ajudar as pessoas a desenvolverem uma alimentação saudável para que possam
chegar a um peso adequado.
Assim, o estudo torna-se relevante por apresentar uma literatura atual e bem objetiva
acerca do tema, proporcionando ao leitor conhecimento na área e o esclarecimento de possíveis
dúvidas. Além disso, outro ponto importante é o fato daqueles que porventura desenvolveram
os TAs terem a possibilidade de obter conhecimento sobre o assunto, para que dessa forma
possa ser mais eficaz ao buscar auxílio necessário para a condução dessa condição de saúde.
2 Método
A presente pesquisa é de cunho bibliográfico, pois advinda de investigações
anteriormente realizadas sobre o tema, é importante ressaltar que se deve estar atento à
fidedignidade do material que será usado (Praça, 2015).
Visando adquirir dados e informações atualizadas a respeito do tema, realizou-se uma
pesquisa nas plataformas digitais: scientific electronic library online (SciELO), medical
literature analysis and retrieval system online (MEDLINE), literatura latino-americana e do
Caribe em ciências da saúde (LILACS), cochrane e web of science, entre os períodos de
setembro a novembro de 2019.
Os descritores utilizados para busca desses materiais foram: transtorno alimentar;
terapia cognitiva comportamental; Psicologia. Foram encontrados oitenta e seis materiais,
entretanto, devido aos critérios de exclusão, descartou-se da pesquisa artigos publicados há mais
de cinco anos, assim como também os que escritos em língua estrangeira e com duplicidade de
conteúdo, compondo a amostra final de vinte e sete artigos aceitos (Tabela 1).
Tabela 1
Delineamento amostral das buscas referentes ao conteúdo teórico-científico
Bases de Dados Artigos
Encontrados Aceitos
Pubmed 28 5
Lilacs 15 3
1261
Scielo 29 17
Medline 14 2
TOTAL 86 27
Fonte: Dados da pesquisa.
3 Resultados E Discussão
Depois de selecionado o material a partir dos descritores, de submeter os trabalhos ao
crivo de inclusão e exclusão, foi escolhido dez produções pertinentes ao foco estudado, sendo
assim, organizadas e exibidas na sequência da temática abordada.
Tabela 2
Classificação do acervo selecionado de acordo com o título, autor, revista, ano de
publicação e resumo
Título Autores Revista/Ano Resumo
O papel da terapia Nardi & Melere, Revista brasileira de Acredita-se na etiologia
cognitiva 2014. terapia da anorexia e
comportamental na comportamental e multifatorial. A TCC
anorexia nervosa. cognitiva, 2014. tem como foco a adesão
ao tratamento, o
aumento de peso e o
desenvolvimento de um
padrão flexível na
alimentação. A pesquisa
tem o intuito por
atualizar as informações
com relação à
eficácia da TCC no
tratamento da AN.
Transtornos Carmo, Pereira & HU revista, Confirmam que os TAs
1262
alimentares: uma Cândido, 2014. têm uma etiologia
2014.
revisão dos aspectos multifatorial,
etiológicos e das complementando que
principais estes são influenciados
complicações por um conjunto de
clinicas fatores biológicos,
genéticos, psicológicos,
sócio culturais e
familiares. Colocam que
devido à gravidade de tal
doença é importante
salientar seus sinais e
sintomas de modo a
qualificar a prevenção e
o tratamento.
Efetividade de Costa & Einstein (São As autoras nos falam da
intervenções Paulo), importância de uma
Melnik, 2016.
psicossociais em abordagem psicossocial,
2016
transtornos pois abordam fatores
alimentares: um envolvidos no
panorama das surgimento e na
revisões sistemáticas manutenção. A pesquisa
cochrane visa evidenciar a
necessidade de maior
aprofundamento no
conteúdo.
Comportamento Klotz-Silva, Prado, Physis Revista de A pesquisa apresenta
alimentar no campo & Seixas, 2016. saúde coletiva, uma discussão sobre o
da alimentação e comportamento
2016.
nutrição: Do que alimentar em uma visão
estamos falando? psicológica. Buscou-se a
compreensão da relação
entre comportamento e
alimentação.
A atuação do Diniz & Revista de Trabalhou-se a
psicólogo no humanidades2017. importância do
Lima, 2017.
atendimento a atendimento psicológico
pacientes com aos portadores de TAs,
transtorno alimentar especificamente a
de bulimia nervosa terapia grupal, na qual
fornece espaço para a
troca de experiência.
Apresenta como
objetivo informatizar
sobre o transtorno, assim
1263
como a importância do
tratamento.
Qualidade de vida Cardoso, Psicologia: teoria e Com um estudo
com pacientes com pesquisa, quantitativo, avaliou-se
Coimbra & Santos,
anorexia e bulimia a qualidade de vida da
2018. 2018.
nervosa pessoa com TA em
atendimento
multiprofissional. Por
mais que os prejuízos
fossem evidentes, ficou
certo que há um grande
comprometimento
mental.
Estado nutricional de Teixeira, 2016. Faculdade de É um estudo que visa
adolescentes: medicina de São além da pesquisa sobre o
percepção da José do Rio Preto, possível
autoimagem e riscos desenvolvimento de TA
2016.
de transtornos na adolescência, também
alimentares faz uma relação com as
variantes, raça, cor,
idade e IMC.
Transtornos Bueno & Revista fragmentos Discutiu os TAs como
alimentares sob a de cultura-revista comportamentos
Nascimento, 2014.
perspectiva da interdisciplinar de controlados pelas
análise do ciências humanas. consequências, assim, o
comportamento controle ocorre por meio
2014
da modificação do
comportamento.
A atuação do Barbosa, Lima & CIPEEX. Buscou sobre a
psicólogo em Eneterio, 2018. influência dos estudos
2018
paciente com sobre AN e BN dentro da
anorexia e bulimia psicologia, onde a
nervosa família está inclusa
diretamente no
tratamento.
Relação entre Cubrelati, Rigoni, Conexões: Pesquisa realizada com
distorção de imagem Vieira & Belem, Educação Física, adolescentes de uma
corporal e risco de 2014. Esporte e Saúde. escola pública, com o
desenvolvimento de intuito de investigar a
2014.
transtornos relação entre imagem
alimentares em corporal e risco de
adolescentes.
desenvolvimento de
1264
transtornos alimentares.
Fonte: Dados da Pesquisa/Adaptado pelo autor.
1265
ao tratamento, seguido do aumento de peso e hábitos alimentares mais flexíveis, além de focar
na imagem corporal e nos padrões de beleza os quais a pessoa tem, o que por conta do transtorno
geralmente estão disfuncionais (Nardi & Melere, 2014). No início do tratamento é preciso ainda
estar atendo à síndrome de realimentação que pode ocorrer diante a introdução da alimentação
adequada em uma pessoa desnutrida, ocasionando um colapso cardiovascular (Carmo, Pereira
& Cândido, 2014).
Cardoso, Coimbra e Santos (2018), afirmam que as estratégias de maior destaque são os
atendimentos, individuais, em grupo e familiar, fazendo parte de um tratamento
multiprofissional, contato inclusive com a terapia medicamentosa, com o engajamento na
psicoterapia ocorre a melhora nos sintomas depressivos e ansiosos, assim como também ganho
significativo de peso.
Por fim, é relevante enfatizar tamanha gravidade das patologias pesquisadas neste
artigo, visto que comumente estão ligadas a outros fatores psiquiátricos e psicológicos,
ressaltando ainda que estima-se que 0,5 a 4% das mulheres apresentem AN e que 1 a 4,2%
apresenta a BN ocorrendo ainda maior incidência em mulheres chegando a aproximadamente
8 por 100 mil e em homens 0,5 por 100mil (Carmo, Pereira & Cândido, 2014).
4 Considerações Finais
É importante explanar aqui a escassez de publicações acerca de uma temática tão
relevante, o que acaba dificultando não só o processo de pesquisa em si, como também a
psicoeducação dos possíveis portadores da patologia. Observa-se que por mais que exista
outras formas de TA, os mais comuns são a AN e BN, apresentando maior prevalência em
adolescentes do sexo feminino, sendo raras no sexo masculino e em pessoas acima de 40 anos,
porém, ainda assim acontece.
Um dos fatores que indica esse acontecimento seria o sociocultural que são aqueles
valores impostos pela sociedade, onde sofrem uma grande influência midiática, pois esta
corriqueiramente apresenta modelos de forma física e boa aparência associada à magreza, nesse
contexto algumas pessoas tentam enquadrar-se a todo custo nesse padrão, entrando num grupo
com maior facilidade. Aqueles que sofrem grande pressão do meio, como atletas, bailarinas e
modelos, o que acaba acarretando os mais variados transtornos (Moreira, et al., 2017).
Já com relação aos fatores predisponentes, observou-se uma junção de meios sociais,
genéticos e políticos, dando ênfase à participação familiar, que pode tanto ser um dos fatores
desencadeadores quanto fonte de auxílio para que o indivíduo acometido com essa patologia
possa buscar auxílio.
Diante das evidências, mostra-se de suma importância o trabalho multidisciplinar,
onde vários profissionais, cada um dentro de sua limitação profissional, busquem auxiliar e
intervir junto ao paciente, assim como também seu meio familiar e social. Desse modo, para
que haja eficácia no tratamento se mostra necessária uma mudança não apenas individual, mas
em todo o meio que o cerca, de maneira a prevenir também recaídas.
Destaca-se a atuação do terapeuta cognitivo comportamental, visto que o indivíduo
mesmo abaixo do peso se ver gordo, dessa forma perder peso se torna uma conquista. O
terapeuta nesse âmbito precisa trabalhar para que a pessoa se perceba diante desse processo,
buscando o ganho de peso adequado, além da prevenção de recaídas.
1266
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PRÁTICAS DE PROMOÇÃO, PREVENÇÃO E EDUCAÇÃO NO COMBATE À
1268
HANSENÍASE: REVISÃO SISTEMÁTICA
A hanseníase é considerada uma das doenças mais antigas do mundo, carrega estigmas
e preconceitos, principalmente, devido às deformidades e incapacidades físicas. O diagnóstico
e tratamento de forma tardia são os principais fatores que interferem no controle, perpetuando
na cadeia de transmissão da doença, visto que esta ocorre a partir de pacientes que iniciaram o
tratamento. O grau de comprometimento varia de acordo com a resposta imunológica de cada
indivíduo, com grande potencial incapacitante, contribuindo diretamente a prejuízos
biopsicossociais (Pinheiro & Simpson, 2017). Dessa forma, podem ocorrer, no indivíduo,
conflitos e crises psicossociais devido à alteração na imagem corporal e na autoestima,
comprometendo a construção de sua identidade (Freitas, Duarte, & Garcia, 2017).
Com isso, ao reconhecer o risco dos contatos de casos de hanseníase por infecção pelo
agente etiológico e adoecimento, reforça-se que as ações de vigilância devem ser priorizadas
nessa população, ocorrendo de forma contínua e sistemática (Moura et al., 2013). Portanto,
ações de prevenção e tratamento de incapacidades proporcionam, durante o tratamento e após
1269
alta, a manutenção ou melhora da condição física, socioeconômica e emocional, orientando
quanto a auto inspeção diária dos locais afetados e, se necessário, a usar proteção, especialmente
voltada para face, mãos e pés (Secretaria de Vigilância em Saúde, 2017). Diante do exposto,
acredita-se que esta revisão de literatura sobre práticas de saúde em hanseníase, possibilite uma
análise de pesquisas relevantes com essa temática, portanto, o objetivo deste estudo é analisar
as práticas de promoção, prevenção e educação em saúde no controle da hanseníase.
2 Método
A estratégia “PICO” para a pesquisa foi: (P): indivíduos que portam ou já foram
portadores de Hanseníase; (I): práticas de promoção e prevenção na Atenção Primária à Saúde
(APS) e educação em saúde; (C): não se enquadra; (O): tipos de estratégias e ações utilizadas
para grupos de atingidos. Com isso, a pergunta norteadora da pesquisa foi: “Qual a contribuição
de práticas de promoção e prevenção na APS e educação em saúde em indivíduos atingidos
pela hanseníase?”. Ressalta-se que o elemento (C) não foi abordado, por não se tratar de um
estudo comparativo.
A seleção dos estudos obedeceu aos critérios de inclusão: estudos que avaliem e/ou
descrevem intervenções de educação em saúde no controle de incapacidades e estigmas
adquiridos devido à hanseníase; estudos com grupos de usuários e/ou cuidadores de dispositivos
de atenção à saúde ou grupos em situação de risco de qualquer ciclo da vida; com data de
publicação de 2015 a 2020; disponíveis na íntegra nos idiomas inglês, espanhol e português. Os
critérios de exclusão adotados foram: artigos com intervenção apenas com profissionais da
saúde graduados, publicações do tipo editorial, cartas ao editor, livros e/ou capítulos de livros,
monografias, dissertações, teses, relatos de experiência com menos de cinco sujeitos, estudos
de caso e de revisões, resumos simples e expandidos. Pontua-se ainda que os artigos
encontrados em mais de uma base de dados foram contabilizados apenas uma vez.
Procedeu-se a seleção por meio de leitura dos títulos, resumos e, quando necessário, a
íntegra dos textos, para observar se os mesmos enquadravam-se nos critérios de inclusão e
exclusão. Nessa fase, os revisores avaliaram independentemente os artigos completos e fizeram
suas seleções, de acordo com os critérios de elegibilidade pré-especificados. Discordâncias
entre os revisores foram resolvidas por consenso. No processo de análise foram coletados dados
referentes ao autor e ano de publicação, tipo de estudo, sujeitos do estudo, intervenção e
resultados. O Software, gerenciador de referências, Mendeley© foi utilizado para excluir artigos
1270
duplicados entre as bases de dados.
3 Resultados
Fluxograma 1
Fluxograma de seleção dos estudos de acordo com as recomendações PRISMA.
Registros selecionados
(n = 34)
Ele
gibi
lida Artigos excluídos com
de justificativa (n = 24)
Artigos completos
selecionados
(n = 8)
Pouca relevância para o contexto
Incl da revisão (n = 2)
uíd
os
Artigos incluídos na síntese
qualitativa (n = 8)
1271
intervenção.
Tabela 1
Apresentação da amostra de acordo com autores, tipos de estudo, sujeitos, intervenção e resultados.
1272
(2019) semi-diretivas profissionais necessidades doença (origens, prevenção,
de saúde educacionais dos pcts manifestações e tratamento),
afetados pela contribuindo para busca tardia
hanseníase no Nepal de cuidados e altos níveis de
e compará-las às estigma, com estresse
percebidas pelos psicológico e financeiro para
profissionais de os pacientes.
saúde.
Kabir & Amostragem 147 cuidadores Avaliação das Todos demonstraram reduções
Hossain proposital em mudanças no estatisticamente significantes
(2019) dois distritos- conhecimento sobre no conhecimento na linha final
piloto hanseníase e seu em comparação com a linha de
manejo entre base sobre aconselhamento de
cuidadores de saúde suporte.
primários e
comunitários em dois
distritos de
Bangladesh.
Legenda: PNIJ - Programa Nacional de Inclusão de Jovens; SINAN – Sistema de Informação de Agravos de
Notificação; pcts – pacientes; UCCI – Unidade em Cuidados Continuados Integrados.
4 Discussão
1273
vários países da África, sudeste da Ásia e na América. Dessa forma, autores apontam para a
importância do diagnóstico em um estágio inicial, absolutamente essencial para o tratamento
precoce, a fim de prevenir as deficiências relacionadas à hanseníase e seus benefícios para o
término ou controle da transmissão (Govindharaj, Srinivasan, & Darlong, 2018). Nesse sentido,
Correia et al. (2019) em um estudo desenvolvido no Nepal, com o intuito de explorar as
necessidades educacionais dos pacientes com hanseníase, evidenciaram um desconhecimento
quanto à origem, prevenção e formas de tratamento. Corroborando para uma busca tardia por
intervenção e alto nível de estigma, apesar de anos de esforços para aumentar a conscientização
sobre a doença pelo programa de controle da hanseníase.
Correia et al. (2019) destacam que a estratégia global para hanseníase criada pela OMS
contém as principais estratégias para a educação abrangente de pacientes e profissionais de
saúde sobre as questões relacionadas à hanseníase. Pesquisas mostram que o treinamento em
educação de pacientes tem um impacto positivo na prática dos profissionais de saúde e na
adesão dos pacientes ao tratamento e ao autocuidado, aspectos cruciais no tratamento da
hanseníase. Por meio da educação popular em saúde, o indivíduo desenvolve o pensamento
crítico, que permiti a sua autonomia e emancipação, nas decisões sobre sua saúde (Lopes et al.,
2020).
No estudo de Lopes e colabores (2020), e, Kabir & Hossain (2019) se utilizam do mesmo
objetivo, de que forma a educação em saúde pode melhorar e mudar o conhecimento acerca da
hanseníase. Ambos os estudos evidenciam o baixo nível de conhecimento dos pacientes, que
acaba prejudicando o tratamento pela busca tardia de intervenção a hanseníase.
No estudo de Monteiro et al. (2015) relata-se a não existência de uma forma específica
de prevenção da hanseníase, mas medidas que impedem novos casos, como diagnóstico e
tratamento precoce, monitoramento de contatos e ações efetivas de educação em saúde. Assim,
destaca-se que as escolas devem investir em atividades que promovam a saúde em parceria com
os serviços de saúde, devido ao seu papel estratégico no desenvolvimento de ações e efetivação
de programas que podem melhorar as condições de saúde.
5 Considerações Finais
A presente revisão sistemática se mostrou uma metodologia eficaz para o tipo de estudo
1274
proposto. Através dela, foi possível quantificar e qualificar os dados em busca de resultados.
Considera-se que os resultados do presente estudo atingem o objetivo traçado, uma vez que
propôs e analisou as práticas de promoção, prevenção e educação em saúde no controle da
hanseníase.
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A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA
1276
REVISÃO NARRATIVA DA LITERATURA
1 Introdução
No Brasil, somente após a promulgação da Constituição Cidadã de 1988 a saúde passou
a ser um direito universal e dever do Estado. Entretanto, somente no ano de 1990 o SUS é
oficialmente regulamentado, instituindo-se a lei 8.080/1990, abrangendo desde procedimentos
simples, por meio da Atenção Básica, até os procedimentos mais complexos, garantindo acesso
integral, universal e gratuito para toda a população do país (Ministério da saúde, 2019).
Dessa forma, a atenção primária à saúde foi inserida ao modelo de atenção à saúde,
graças a implantação do SUS, havendo assim a reformulação da espécie supracitada, tendo
como objetivo de reorientar o sistema e valorizar as ações individuais e coletivas, envolvendo
promoção, prevenção de agravos, recuperação e reabilitação da saúde. (Neves & Aciole, 2011).
Nesta perspectiva, alguns autores como Dimenstein (1998), Ronzani e Rodrigues (2006)
discutem a inserção do psicólogo na APS, apontando para as dificuldades encontradas por este
profissional e enfatizam que a mera transposição do modelo clínico tradicional nesse contexto
e a formação deficitária para o trabalho na saúde pública são graves entraves que limitam sua
atuação nesta área.
A inserção do psicólogo na APS deve estar pautada nos princípios da saúde coletiva, na
qual conceitos como integralidade, interdisciplinaridade e intersetorialidade ganham
importância (Cecílio, 2001). Ademais, segundo Alverga e Dimenstein (2005), a dimensão
ampliada da compreensão do processo saúde-doença possibilitou a inserção de outros
profissionais na área da saúde como os psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas,
fisioterapeutas e educadores físicos, condição esta, regulamentada em 1997 pela Resolução 218
do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 1997).
Com o passar dos anos, observa-se a ampliação do campo de atuação dos profissionais
da Psicologia, para assegurar atendimento populacional evitando problemáticas ainda maiores
no contexto da saúde mental, e com isso, o repertório de estratégias promove o diagnóstico
sucinto, além de ocasionar a criação de ações destinadas na qualidade de vida e bem-estar dos
usuários.
Diante disso, compreende-se que a saúde mental é um dos elementos mais importantes
na vida do ser humano, pois, de certo modo, os transtornos mentais e comportamentais podem
resultar de uma interação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Segundo Machado e
Calais (2018), a contribuição da Psicologia na atenção básica, assegura a compreensão de que
a saúde relaciona-se com a produção de vida, de acordo com espaço e tempo.
Nesse viés, o presente estudo tem como objetivo compreender e analisar a importância
1277
da Psicologia nas ações de saúde da atenção primária, tendo como intuito apresentar a evolução,
práticas e potencialidades do profissional da Psicologia em atuação nesse contexto.
2 Método
O referido estudo trata-se de uma revisão narrativa. De acordo com Atallah e Castro
(1998) revisões narrativas são amplas apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento
ou o “estado da arte” de um assunto constituem, basicamente, de análise da literatura publicada
em livros, artigos de revistas impressas e ou eletrônicas, na interpretação e análise crítica
pessoal dos autores. Esse tipo de artigo tem papel fundamental para a educação continuada,
pois permite ao leitor adquirir e atualizar o conhecimento sobre uma temática específica em
curto espaço de tempo.
A despeito de sua força de evidência científica se constitui com capacidade baixa devido
à impossibilidade de reprodução de sua metodologia, no entanto, as revisões narrativas podem
contribuir no debate de determinadas temáticas, levantando questões e colaborando na
aquisição e atualização do conhecimento em curto espaço de tempo (Costa, Mota, Paiva &
Ronzani, 2015).
Para a elaboração deste trabalho, utilizou-se pesquisa bibliográfica, com estudo
descritivo que analisou teses, dissertações e artigos científicos sobre o tema. Para a sondagem
dos artigos, utilizaram-se os descritores "psicólogo" e “atenção primária à saúde”. O
processo de coleta do material foi realizado de forma não sistemática no período de Julho a
Agosto de 2021. Os critérios utilizados para a seleção da amostra foram: artigos publicados
em português e inglês, com textos completos e disponíveis gratuitamente nas bases de
dados supracitadas e artigos originais e que abordassem a temática atuação do psicólogo na
atenção primária. Foram excluídos artigos publicados em outros idiomas, repetidos nas bases
e/ou que não abordassem o tema proposto e estudos de revisão.
O levantamento de dados foram pesquisados em quatro bases científicas, tais como:
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific
Electronic Library Online (SciELO), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Google Acadêmico.
Após o procedimento da busca eletrônica nas bases de dados mencionadas, as publicações
foram pré-selecionadas com base na leitura do título e resumo. Posteriormente, foi realizada a
leitura na íntegra dos artigos previamente selecionados, categorizados e analisados
criticamente, resultando em dois eixos de discussão: o processo de inserção da Psicologia na
Aps; multiprofissionalidade na prática psi.
4 Resultados e Discussão
1278
avançados que o nível primário) e o nível primário, lócus da pesquisa aqui apresentada, em que
são realizados os procedimentos que necessitam de menos tecnologia e equipamentos, capazes
de dar resolutividade à maioria dos problemas comuns à população. Conhecida como Atenção
Básica, esse nível é a porta de entrada do usuário no sistema de saúde, onde acontece a
referência e contra referência para demais serviços especializados (Brasil, 2007).
No Brasil, a APS tem por objetivo, possibilitar o primeiro acesso das pessoas ao sistema
de saúde, oferecendo um conjunto de ações no âmbito individual e coletivo, que agrega a
promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a
reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde, de forma a prover atenção integral,
com impactos relevantes na situação de saúde e autonomia dos usuários, bem como nos
determinantes e condicionantes de saúde das coletividades (Ministério Da Saúde, 2012). No
mesmo entendimento, de acordo com o Ministério da Saúde (2012), através dos princípios
organizativos do SUS de descentralização e territorialização, a APS, por meio da Estratégia de
Saúde da Família (ESF), localiza-se na comunidade, próxima do cotidiano e da vida das
pessoas. As práticas desenvolvidas na APS são fundamentadas na análise das necessidades e
no acompanhamento longitudinal da população, direcionadas para a promoção, manutenção e
melhoria da saúde (Starfield, 2002).
A implementação da Psicologia na atenção básica se deu no Brasil a partir da década de
1980, resultado, sobretudo, dos movimentos sociais no campo da saúde e pelos princípios da
reforma psiquiátrica. Ainda que alguns estudos apontem para a importância da Psicologia na
Atenção Primária (Jimenez, 2011; Sundfeld, 2010), a inserção neste campo ainda é principiante,
visto que a equipe mínima da ESF não contempla o psicólogo e quando a inserção acontece é
em forma de apoio via Núcleo de Saúde da Família (NASF), (Conselho Federal De Psicologia,
2010). Mais de trinta anos se passaram desde a aprovação do SUS, e nesse período vários
estudos foram realizados sobre a Psicologia na atenção primária, apontando a necessidade de
modificação e revisão da formação profissional no nível da graduação e do aperfeiçoamento, e
para a adoção de um modelo de atuação mais coerente com a realidade e necessidades da saúde
pública no Brasil, principalmente, da população por ela atendida (Conselho Federal De
Psicologia, 1988; Silva, 1992; Dimenstein, 1998, 2000).
Nesse viés de problemática, surge a indagação do papel e da atuação do psicólogo na
APS. Diante disso, como afirmado por Campos e Guarido (2007), mesmo com um grande
repertório de ações que podem ser desenvolvidas, como atividades em grupo, visitas
domiciliares e oficinas, por exemplo, a maioria dos psicólogos ainda se volta para os
atendimentos clínicos individuais, nos moldes dos consultórios particulares. Em virtude do
processo histórico da inserção da Psicologia, que de acordo com Dimenstein (1998), foi a partir
da crise instaurada nos anos 1970 e 1980 e o crescente número de psicólogos se formando nas
faculdades do Brasil afora, que a saúde pública mostrou-se como uma “nova” possibilidade
para os profissionais, sem, contudo, ser acompanhado do devido preparo na sua formação
acadêmica. Dentro do exposto, Oliveira e cols. (2005) investigaram como as práticas
psicológicas são registradas no SUS e constataram que o Sistema de Informações Ambulatoriais
(SIA-SUS) reproduz o modelo tradicional da Psicologia com ênfase nas psicoterapias. Assim,
fica evidente que o próprio serviço de saúde limita a possibilidade de ampliação das práticas
psicológicas na APS.
Neste sentido e pautando-se pela preocupação com a formação do psicólogo para
atuação na saúde pública, o ano de 2006 foi definido pelo Conselho Federal de Psicologia como
o ano da Psicologia e da Saúde Pública. Durante todo o período, foram realizadas discussões,
mesas-redondas, debates, palestras, entre outras atividades que culminaram na realização do I
Fórum Nacional de Psicologia e Saúde Pública, em Brasília, no final do mesmo ano, e na
1279
pesquisa em parceria com a Associação Brasileira para o Ensino de Psicologia (ABEP) (Spink,
2006). De acordo com os organizadores, o evento representou uma possibilidade de “acerto de
contas” de várias pendências produzidas ao longo da inserção da Psicologia como profissão na
área da Saúde, relativas aos aspectos políticos, administrativos e técnicos.
Com a realização dessas discussões, o incentivo do Governo Federal foi pautado em
relação à formação de profissionais de todas as áreas da saúde para atuar na estratégia saúde da
família (fundamental para operacionalização da atenção primária à saúde no Brasil), a partir da
residência multiprofissional. Clemente, Matos, Grejanin, Santos, Quevedo, & Massa (2008)
avaliaram tal experiência na cidade de São Paulo pela ótica da formação de psicólogos e
constataram que este tipo de formação em serviço permite o desenvolvimento de práticas
interdisciplinares e a experimentação e autonomia nos novos fazeres psicológicos, a partir da
concepção mais ampliada do processo saúde-doença. No entanto, estes fazeres são limitados
pelos códigos SIA-SUS que, para os autores, se fundamentam em outro paradigma de
conhecimento, baseado no modelo hegemônico da Psicologia.
No contexto da década de 1980 iniciou um movimento de percepção sobre o
compromisso social da psicologia e a partir da Constituição Federal de 1988, a psicologia
passou a ampliar suas práticas de atuação junto a grupos mais vulneráveis. Com isso, na década
de 1990, o núcleo percebeu a necessidade em desenvolver uma nova postura, que implicasse na
formação, pesquisa e nos demais espaços de produção do psicólogo. Em síntese, para a
psicologia não bastava permanecer apenas nas intervenções clínicas, em seu campo tradicional,
era necessário investir em novos locais de trabalho bem como em novas formas de atuação,
pois o movimento da sociedade convocava para maiores investimentos na profissão, permitindo
o protagonismo dos profissionais (Brandolt & Cezar, 2018).
É importante destacar que a busca por um outro modelo de atuação foi um dos motivos
pelos quais outros psicólogos que teciam críticas ao modelo de saúde dessa época escolheram
esse campo de trabalho, e que de acordo com Ronzani e Rodrigues (2006), essa postura
individualista para tratar dos usuários vai na contramão do que seria uma atuação comprometida
com a comunidade, além de também se contrapor ao conceito de saúde que norteia o SUS – que
inclui os aspectos sociais nos cuidados.
1280
multiprofissionais, expande sua área de atuação, possibilitando novas perspectivas teóricas,
novos aportes instrumentais, novas relações entre técnicos trabalhadores da área e uma
organização do sistema de atendimento, de maneira que não se mantém restrita apenas ao
desempenho em consultórios, mostra a pluralidade de ações que define o fazer do psicólogo e
também a mudança que o leva a não ser identificado unicamente como um profissional que faz
atendimento individual (Cantele & Arpini, 2016).
O psicólogo que a atua na atenção básica favorece a compreensão dos aspectos
psicossociais, histórico-culturais, políticos que envolvem os processos de saúde /doença e dessa
forma vão conhecer os fatores que desencadeia adoecimento e sofrimento daquela
comunidade, essa ampla visão facilita a atuação da equipe multidisciplinar que vai promover
ações para erradicar a problemática que afligem aquela população (Souza, 2009).
Outra forma que os psicólogos auxiliam nos serviços prestados pela atenção básica é
promoção à saúde, tendo em vista que esses profissionais promovem ações preventivas e
educativas. Rotineiramente os psicólogos realizam palestras informativas para grupos de
adolescentes, idosos, gestantes, hipertensos e diabéticos sobre as temáticas presentes do
cotidiano daquela comunidade, além disso eles realizam visitas domiciliares aos moradores que
estão em processo de adoecimento mental e que não podem se deslocarem a unidade básica de
saúde, com isso, eles pretendem atender as demandas específicas e emergências daquele usuário
(De Antoni & Parise, 2014).
Outro importante serviço que o psicólogo oferece ao contexto de atenção básica é a
realização de ações na fila de espera, que tem como objetivo amenizar ansiedade do usuário
que aguarda o seu atendimento médico em enorme filas de espera, além do mais essas essas
ações são tentativas de alcançar o maior número de usuários da unidade básica para participar
de palestras educativas e das atividades terapêuticas que visam a promover o relaxamento,
como também essa ações pretendem fortalecer o vínculo entre os profissionais da saúde e os
usuários e assim dispor um espaço de acolhimento e troca de vivências sobre práticas de saúde
entre os usuários, profissionais (Becker & Rocha, 2017).
Outrossim, o psicólogo ocupa um lugar essencial na equipe multiprofissional, o qual
está ligado à escuta profissional. Esse instrumento poderá compor momentos de subjetivação,
ampliando a percepção da equipe e da família em torno dos problemas levantados. Ademais,
poderá contribuir com um apanhado técnico e teórico que pode auxiliar na pluralidade de ações
que os profissionais poderão desenvolver (Cantele & Arpini, 2016).
Entretanto, o trabalho do psicólogo na atenção básica pode apresentar dificuldades,
uma vez que compor as equipes multiprofissionais não é uma tarefa fácil. Isso porque, há uma
resistência por parte de profissionais que não entendem ou aceitam a função conferida aos
membros da equipe. Além disso, há ainda uma carência de conhecimentos teóricos e práticos
importantes para a construção de uma nova prática integral, a qual se distancia dos
conhecimentos tradicionais, que se mostram insuficientes para atender as demandas atuais
(Cantele & Arpini, 2016).
5 Considerações finais
1281
o Psicólogo tem contribuído de forma significativa na atenção básica, obtendo como referência
o cuidado humanizado e a organização da rede dentro dos recursos disponíveis para promoção
da saúde mental do público atendido na PSF. Para tanto, o Psicólogo inserido na atenção básica
deve conhecer a demanda atendida nesse local, além de trabalhar de forma direta com a
participação da comunidade.
Pois, o processo de construção assegurado pelo sistema único de saúde destaca a
articulação de campos diversos a fim de não restringir o saber médico, visto que este
profissional possui habilitação para atuar de forma direta com os usuários da atenção básica
fornecendo conhecimentos e intervenções efetivas.
Nesse contexto, o campo da psicologia introduzido na atenção básica, assegura o
posicionamento ético e político em decorrência da prática de compreender o usuário inserido
em seu cotidiano, a fim de desenvolver ações de caráter comprometido com a transformação
social, no desenvolvimento de bem-estar aos seus pacientes.
Assim, a pesquisa respondeu aos objetivos propostos, elencando que o exercício
profissional na atenção básica, permite compreender as subjetividades presentes nesse campo,
para que o Psicólogo possa se basear nos princípios e compromissos da profissão, tornando
capaz de enfrentar as problemáticas das relações entre usuário e sociedade.
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PANDEMIA DE COVID-19 E ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UM RELATO DE
1284
EXPERIÊNCIA
1285
(Conselho Federal de Psicologia, 2019).
De fato, sabemos que são muitos os fatores que podem impactar na vida das pessoas e,
por sua vez, em sua saúde. Isto significa que aspectos relacionados a desigualdade, exclusão
social ou discriminação, entre outros, parecem ter um efeito na vida e saúde das pessoas, em
especial de grupos mais vulneráveis como mulheres e meninas, pessoas idosas, com deficiência,
entre outras. No entanto, a operacionalização de princípios e diretrizes na Atenção Básica
parecem servir como estratégias que minimizam o impacto desses aspectos negativos na vida
cotidiana em sociedade (Ministério da saúde, 2017).
Dentre as diretrizes que serve como estratégia para minimizar os efeitos de fatores
adversos a saúde das pessoas sobretudo no contexto pandêmico destacamos a territorialização
sem saúde. De acordo com a Portaria 2436, 2017 podemos dizer que é uma ferramenta que
possibiliza o conhecer e o planejar ações, a partir de um território específico. Considerando essa
exposição, podemos observar que conhecer estar associado aos condicionantes e determinantes
da saúde das pessoas e coletividades do espaço que elas habitam. Dito de outra forma, a
territorialização está ligado a questões objetivas e subjetivas de uma população que vive em um
determinado espaço e visa primordialmente a promoção da saúde das pessoas desse espaço.
A territorialização é o processo de se habitar e vivenciar um território, a partir da
obtenção e análise de informações sobre as condições de vida e saúde de populações, resultando
na apropriação e conhecimento do território (Campos & Guerrero,2010). Nesse sentido, é
importante que saibamos quais as concepções de território, para assim podermos abrangê-lo
como um todo e não apenas como espaço geográfico.
Temos então diferentes olhares a respeito do território, e esses modos de ver e entender
esse lugar parecem influenciar diretamente nas ações e modo de produzir saúde. Uma das
formas mais usuais de olhar o território é pela noção do risco probabilístico, que se baseia pela
possibilidade de ocorrer algo indesejado, e esse risco acaba norteando as ações voltadas para a
saúde dentro do território (Campos & Guerrero,2010). No entanto, segundo Ayres (2002, p.29
como citado em Campos & Guerrero, 2010) a saúde não se define apenas pelo monitoramento
e controle daquilo que a pode ameaçar, ou seja, não se trata apenas em agir para que não ocorra
algo que traga riscos para a forma de viver saudável, mas também é sobre traçar objetivos a
serem alcançados no tocante a aquisições positivas do ponto de vista físico, mental, emocional,
cultural, ambiental, resultando numa boa qualidade de vida.
Com base em Santos (2002, p. como citado em Campos & Guerrero, 2010), observa-se,
nomeadamente, o território-processo, em que ele descreve o território como uma resultante de
divisões de trabalho anteriores e de novas divisões em processo, em que a forma como se
organizam as horizontalidades e verticalidades, espaços contíguos e espaços das redes, ordem
global e ordem local, moldam as particularidades de cada território, as características sociais e
de adoecimento das populações e consequentemente as maneiras de produzir saúde.
Com base no exposto, no cenário de atuação, ou seja, nas UBS, é possível observar que
as abordagens citadas anteriormente parecem auxiliar na forma de olharmos o território, bem
como na maneira de intervir junto as pessoas que vivem nele. Porém o cenário de crise sanitária
da COVID-19, atingiu também esses espaços ou territórios, de maneira que nos desafia a uma
nova forma de olhar, bem como uma nova forma de intervir. O reflexo desse cenário pode ser
observado, quando a própria forma de territotialização, as visitas domiciliares, os encontros
presenciais ou atividades coletivas, entre outras, que outrora eram desenvolvidas de forma
presencial, provocou a UBS a pensar um novo fazer no território e para o território de maneira
a pensar principalmente nas categorias mais vulneráveis. Isso significa analisar a demanda que
surge, como ela surge, e como intervir nelas, de forma a pensar nas potencialidades que
1286
contribuem para o processo de territorialização em saúde. Assim, pensar a promoção da saúde
no território para as usuárias e usuários, no contexto pandêmico, torna-se um processo
necessário, sobretudo, para o que pode ser nomeado como o novo normal.
A pandemia da COVID-19 trouxe a necessidade da implementação de inovações na
forma como estratégias de cuidado poderão ser adotadas, no intuito de reduzir taxas de contágio
da COVID-19 e a evitação de que mais pessoas sofram com a doença em curso. Nesse contexto,
a telemedicina enquanto inovação nos serviços de saúde parece ter sido adotada de maneira
mais forte em muitos âmbitos, além de contribuir para o acesso aos serviços de saúde e
qualidade do cuidar de muitas pessoas (WHO, 2016). De fato, a Organização Mundial da Saúde
(2016) aponta que essa modalidade contribui para solucionar desafios que apresentam maiores
demandas de saúde, melhoria na prestação do cuidado de saúde, entre outros.
No entanto, apesar da solucionabilidade da inovação em telemedicina, ainda há alguns
obstáculos que limitam seu uso (WHO, 2016). Por exemplo, a acessibilidade das pessoas em
relação as tecnologias de informação e comunicação (TICs) ou mesmo a inviabilidade de se
aplicar a telemedicina em determinados territórios, como os rurais, por exemplo. Porém, apesar
disso, o contexto de crise sanitária, o qual trouxe outras demandas para as pessoas no mundo
relacionadas a questões econômicas, estresse, violência de gênero, entre outras, permitiu que
estratégias fossem elaboradas para mitigação desses problemas.
Para citar apenas um exemplo, uma revisão recente sobre violência contra a mulher no
contexto da pandemia, apresentou estratégias que estão sendo utilizadas para o manejo da
violência contra a mulher, durante a crise sanitária, as quais envolve o uso da telemedicina
como técnica de aconselhar vítimas, e consultas remotas na atenção primária integradas, como
forma do médico reconhecer sinais de violência (Viero et al., 2021).
Dessa forma, considerando o contexto pandêmico e sua implicação na saúde e no bem-
estar de todas as pessoas, é fundamental salientar o setor da saúde que oferta atenção integral
bem mais perto das pessoas, das famílias e comunidades, isto é, a atenção primaria à saúde ou
atenção básica (OMS, 2020). Nomeadamente, esse setor atende 80% a 90% das carências de
saúde das pessoas no decorrer de suas vidas e com base na (OPAS/OMS) a atenção primária à
saúde:
“está bem-posicionada para poder responder às rápidas mudanças econômicas,
tecnológicas e demográficas, que impactam a saúde e o bem-estar. A atenção primária
à saúde também inclui os principais elementos necessários para melhorar a segurança
sanitária e prevenir ameaças à saúde, como epidemias e resistência antimicrobiana, por
meio de medidas como educação e engajamento comunitário, prescrição racional e um
conjunto básico de funções essenciais de saúde pública, incluindo vigilância.”
2 Método
O estudo caracteriza-se por ser do tipo descritivo, qualitativo, na modalidade relato de
1287
experiência. O processo de territorialização ocorreu do mês de março a junho de 2021. Para
tanto contamos com a participação dos trabalhadores e profissionais de saúde da unidade, como
agentes de saúde, bem como com a ferramenta (e-SUS: APS), essa ferramenta reestrutura os
dados da atenção primária em nível nacional. O levantamento dos dados foi filtrado no dia
quinze de abril de 2020 e o processo de territórialização foi realizado por uma equipe de
residentes da residência multiprofissional em atenção básica da cidade de Parnaíba, lotadas na
Unidade Básica de Saúde (UBS) Bom Conselho, Módulo 9, no bairro rodoviária, na cidade de
Parnaíba, Piauí.
3 Resultados e discussão
3.1 Diagnóstico situacional e dados de saúde
A partir dos dados do (e-SUS – APS) da unidade de apoio do bairro rodoviária, módulo
9, foi possível os dados absolutos de saúde dos usuários(a) do territóro, bem como pensar junto
a população em maneiras de intervir nos fatores geradores do mal-estar. Os dados descritivos
mostraram um total de 3703 usuários ativos, sendo seis microáreas cobertas pelas agentes
comunitárias de saúde que trabalham na UBS Bom Conselho. Nessa região, a população é
majoritariamente jovem e feminina e algumas situações de saúde faz-se importantes de serem
destacadas, como, por exemplo, o número de pessoas acamadas (N = 12), fumantes (N= 199),
hipertensos (N = 381) ou mesmo as pessoas acima do peso (N = 304). A análise detalhada
desses dados faz-se essencial para ajudar a pensar por onde começar a intervir ou de quais
formas poderemos pensar a promoção da saúde nos territórios junto aos usuários. Salienta-se a
importância em fortalecer os vínculos com os dispositivos existentes do território que já
realizam determinadas atividades com os usuários (a). A seguir apresentamos a sumarização
dos dados na Figura I.
1288
Mulheres de 65 a 69 anos 84
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EIXO 20
1290
DESENVOLVIMENTO HUMANO
1291
inevitável de dano físico que começa cedo na vida e perdura ao longo dos anos, independente
do que as pessoas façam para evitá-lo. Nessa perspectiva, é sabido que o envelhecimento é uma
consequência fatal.
À vista disso, considerando as transformações inerentes ao desenvolvimento do sujeito,
tal qual o declínio das capacidades funcionais, fisiológicas e mentais, consequentes do
envelhecimento primário ou secundário, ressaltam-se a manifestação de doenças crônicas,
incapacitantes e/ou sem possibilidade de cura, como por exemplo, Alzheimer, AVC,
hipertensão, diabetes, cânceres etc.
Nessa acepção, os pacientes idosos diagnosticados sobretudo com doenças de difícil ou
até impossibilidade de cura, bem como os familiares destes, considerando a associação da
doença com a morte, dão início a um processo de elaboração da perda, manifestando pois a
angústia despertada pelo medo do desconhecido e da morte, assim como da reflexão existencial
e de suas reminiscências.
Não obstante, no que diz respeito ao idoso enfermo, a referente pesquisa objetiva
teorizar que é possível que o sujeito viva a integridade de uma vida plena, expressando a
vivência do adoecimento até a morte como uma oportunidade de desenvolvimento. O que pode
ser pautado, assim, pelo sucesso do oitavo estágio de Erik Erikson ou pela própria singularidade
do indivíduo na forma de compreender sua existência.
Desenvolvimento
O presente trabalho trata-se de uma revisão teórica que possui como principal objetivo
promover a sintetização das evidências externas entre os múltiplos estudos identificados e
analisados, sendo isso realizado através de critérios adequados e procedimentos explícitos e
transparentes de forma que o leitor possa identificar as características reais dos estudos
revisados. Ademais, a mesma foi realizada seguindo um delineamento sequencial de etapas,
partindo da escolha do tema em questão à organização dos critérios para a seleção da amostra
e por fim, análise e interpretação das pesquisas.
Nessa continuidade, Erik Erikson, afamado psicólogo precursor da concepção de
desenvolvimento humano em estágios psicossociais, dita que a conquista maior da vida adulta
tardia é o senso de integridade, conquista está fundamentada na reflexão sobre a própria vida,
esclarecida no oitavo e último estágio proposto por ele, integridade versus desespero. Nela, os
idosos têm de avaliar e aceitar sua existência, para assim, poderem admitir a morte. Portanto, a
partir dos resultados dos sete estágios do ciclo da vida anteriores, os senis batalham para
conquistar um senso de coerência e totalidade (Lima & Coelho, 2011), em detrimento do ato
de se entregar ao desespero por sua incapacidade de reviver o passado de forma diferente.
Logo, as pessoas bem-sucedidas neste estágio final alcançam o entendimento do
significado de suas vidas de um modo mais amplo. Tendo isso em vista, a virtude de possível
desenvolvimento nessa etapa é a sabedoria, que para Erikson, significa aceitar a vida que se
viveu sem maiores arrependimentos, sem questionamentos sobre o que deveria ter sido feito ou
do que poderia ter sido. Isso, portanto, corresponde a aceitar imperfeições em si próprio, nos
pais, nos filhos e consequentemente, na vida.
Não obstante, considerando a subjetividade dos sujeitos e singularidade das
experiências, é possível compreender que não existe doença, e sim doentes. Portanto,
diagnóstico nenhum de doença poderá expressar a vivência do adoecer pelo sujeito, visto que
o adoecimento corresponde ao modo de como se é experienciado a vida. Assim, a morte
1292
enquanto desenvolvimento humano depende, pois do olhar fenomenológico do idoso para si
mesmo, bem como para sua existência.
No entanto, é fato que alguns aspectos conduzem a forma na qual cada indivíduo lida
com a doença ou a morte, tais como questões sócio históricas do sujeito, crenças, personalidade
ou a própria religiosidade. Esta última, por exemplo, é vista como uma arma ou um recurso de
enfrentamento para aceitar a velhice e a morte. Assim, Golstein e Sommerhalder (2002), em
pesquisa envolvendo velhice e religiosidade, mostram que a força da religião e da
espiritualidade ajuda as pessoas a lidar com as perdas, dando sentido à vida, ajudando a
enfrentar os medos e as angústias do padecer.
A pessoa idosa capaz de dar testemunho da vida é detentora de sabedoria, visto que
percebe o que se eterniza em detrimento, que é fluido e superficial. Tão logo, pode-se afirmar
que, para aqueles que só relacionam o conceito de vida e envelhecimento à integridade física
do corpo, a velhice sempre irá representar decadência, enquanto que para aqueles que valorizam
todas as suas experiências e a integridade de seu envelhecimento, representará a síntese e a
revelação.
Assim sendo, é preciso evidenciar que mesmo o morrer pode ser uma experiência de
desenvolvimento, visto que há coisas a serem ganhas e realizadas no processo de adoecimento
até o dia da morte. O tempo com os familiares ou para com aqueles que são próximos, a maior
demonstração do afeto destes, os cuidados recebidos decorrentes da doença, senso de autovalor,
e estar consciente da mortalidade e/ou perda, são elementos cruciais de uma boa morte.
Norbert Elias, em suas obras A solidão dos moribundos e Envelhecer e morrer, faz uma
análise de como o ser humano se comporta diante da morte, discutindo os principais impasses
vividos ao encarar a finitude da vida enquanto realidade, assim como as mudanças em suas
atitudes, com relação aos outros e a si próprio (Borges, 2015). Uma das cruciais constatações
de Elias ao longo de suas obras baseia-se na ideia de que não é a morte que provoca problemas
ao ser humano, mas sim, a consciência da morte.
Em um tempo de vida limitado, onde a mortalidade é a única certeza da existência
humana, ninguém pode realizar todas as capacidades, satisfazer a todos os desejos, explorar
todos os interesses ou experimentar todas as possibilidades que a vida tem a oferecer. O duelo
existente entre as possibilidades de crescimento e o tempo finito em que ocorre o crescimento,
é o que define a vida humana. Escolhendo pois, as possibilidades das quais vai se ocupar e
dedicando-se a elas o máximo possível, até o último momento cada pessoa contribui para a
história inacabada do desenvolvimento humano (Papalia & Feldman, 2013), e conforme dita o
sociólogo alemão Elias, o que sobrevive é o que foi dado às outras pessoas, ou que permanece
nas memórias alheias.
Portanto, quanto mais significado, propósito e experiências boas a pessoa encontrar e
explorar em sua vida, inclusive nos últimos momentos e em estado de adoecimento, menos ela
tenderá a temer a morte. Com isso, admite-se que até mesmo o morrer possibilita a contribuição
para o desenvolvimento, sobretudo psicossocial, uma vez que a interação com o meio está
relacionada à boa saúde e à satisfação com a vida, assim como o relacionamento familiar entre
as várias gerações, quando estes usufruem dos bons momentos com os seus, considerando mais
os ganhos e menos as perdas.
Em síntese, partindo do contexto no qual o adoecimento seguido da morte contribuem
para o desenvolvimento humano dentro de uma perspectiva otimista, o famigerado Charles
Chaplin debate, de modo assertivo, que a única coisa tão inevitável quanto a morte é a vida.
Tão logo, é no sentido de compreender esta tanto quanto a morte, de desfrutar das oportunidades
1293
que até mesmo a própria finitude humana concebe, bem como de adotar um olhar
fenomenológico para o processo de sofrimento, tendo em vista que o viver precede o morrer,
que a ideia de Chaplin se aplica no enredo do presente trabalho.
Conclusão
As leituras concernentes à temática do morrer trazem pois, uma reflexão construída ao
redor do desenvolvimento intelectual da humanidade, na qual, de acordo com os processos
históricos e culturais, observa-se que a morte deixa de ser um tema vetado do cotidiano para
configurar-se como uma questão imprescindível de ser trabalhada.
Em um mundo capitalista, onde a sociedade se movimenta cada vez mais rápido, o
processo do morrer já não é mais tratado e atribuído como antes, onde os processos de luto eram
mais duradouros. Atualmente, o que se pode perceber é uma tendência cada vez maior de que
a elaboração do processo de luto ocorra antes mesmo que o padecer venha a se tornar realidade,
e que o processo pós-perda seja não menos doloroso, mas menos estendido.
É, então, fundamental encarar de frente o assunto da morte como parte integrante do
processo de desenvolvimento humano. Sendo a certeza da finitude da vida a única realidade a
permitir que o viver seja digno e regado de limites para com as capacidades e oportunidades, é
preciso que as condições de vida sejam levadas de forma mais facilitada, promovendo pois, ao
idoso, em sua totalidade, uma maior qualidade no processo que precede ao fim natural.
No contexto filosófico sobre o processo de adoecimento e morte de um idoso com um
doença sem possibilidade de cura, deve-se considerar todas as perdas que o indivíduo nesse
estágio do desenvolvimento, enfrenta. Os preconceitos, mitos, a antecipação da ideia da morte,
assim como todas as sucessivas adaptações e transformações.
Entende-se pois, que o aumento da idade é inversamente proporcional à perspectiva de
vida, ou seja, à medida que as pessoas envelhecem, passam a orientar-se a partir dos dias que
foram vividos, e não mais por aqueles que ainda virão. Portanto, essa visão de finitude que o
idoso denota, principalmente àqueles com doenças sem possibilidades terapêuticas e de cura, é
característica de uma das justificativas para o isolamento e exclusão destes pela sociedade.
A partir da análise de depoimentos de pacientes com doenças incuráveis, observou-se
que a sensação de medo que é vivenciada, não se dá em sua maioria, pela ideia de morrer, mas
sim, pela possibilidade de sofrer. Assim, o sofrimento em questão não se limita somente à dor
física, mas tudo àquilo que, de acordo com Siqueira e Pessini (2013) intervém na identidade e
subjetividade da pessoa, bem como nos valores socioculturais e religiosos. Portanto, a tendência
em concentrar o tratamento somente aos sintomas físicos da doença, pressupõe a sugestão de
que estes são a única fonte de angústia e sofrimento para o paciente.
Em contrapartida, uma das apurações mais comuns a respeito da terminalidade da vida,
consiste na necessidade de estudos voltados para a forma como cada indivíduo experiencia a
sua relação com a morte. Apesar da subjetividade encontrada, é preciso então, investigar os
fatores sociais e psicológicos de cada paciente, objetivando promover um cuidado adequado
pela equipe de saúde, partindo da humanização no atendimento, suporte à família e garantia do
direito de terminar sua vida de forma digna.
Desse modo, discute-se o conceito de cuidados paliativos bem como sua importância
para garantia desses direitos, devendo ser diferenciado e individualizado, levando em conta toda
a singularidade do paciente. A priorização do respeito e o estímulo da relação entre o idoso e
1294
seus familiares, bem como sua relação com a religião e espiritualidade, são aspectos essenciais
na experiência paliativa.
Em contrapartida, é atentado à importância de chamar atenção a respeito das questões
vividas pelo ser humano em relação à morte, onde a interdependência entre o indivíduo e o
meio no qual se está inserido, denota o quanto podem influenciar de forma substancial o sentido
da vida para os que estão morrendo (Borges, 2015).
À vista disso, o olhar do idoso frente ao adoecimento e a morte configura-se como o
cerne desta produção, de modo a buscar esclarecer o que de bom e enriquecedor pode haver
sido desenvolvido a partir da angústia do idoso e de todos ao seu redor. No entanto, é certo que,
embora ciente da finitude do ciclo da vida, a dor experienciada pelo sofrimento da doença ou
mesmo pela morte de alguém que se ama, apesar de irreparável, pode ser abrandada pelas
lembranças do que foi construído e compartilhado entre os seus.
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DEPRESSÃO NA TERCEIRA IDADE: UMA PERSPECTIVA
1295
BIOPSICOSSOCIAL
Jordeane Sousa Aroucha
Thayane Cesar Marino
Ana Clara Arraias Rosa
Júlia Camila da Cruz Freitas
Kézia dos Santos Sousa
Monica Oliveira Dominici Godinho
Introdução
Segundo dados do IBGE, o número de idosos (maiores de 60 anos) deve chegar a 25,5%
da população brasileira até 2060. Assim, o Brasil poderá ser um dos países que possui uma das
maiores populações de idosos do mundo, por isso, fomentar conhecimento sobre esse grupo é
substancial. Este trabalho tem como objetivo geral discutir, à luz da perspectiva biopsicossocial,
os fatores de riscos que desencadeiam ou agravam um quadro depressivo na terceira idade.
Dessa forma, é notável a relevância dessa temática na atualidade e para desenvolver esse
estudo serão abordados os fatores que contribuem para depressão em idosos; apontar as
alterações que ocorrem nas relações inter e intrapessoais que afetam de forma significativa nas
vivências do indivíduo idoso e identificar aspectos biológicos que desafiam a qualidade de vida
no processo de envelhecimento.
Sabe-se que vários fatores podem influir no desencadeamento da depressão, assim, para
identificá-los é necessário abandonar o dualismo cartesiano e considerar o indivíduo em sua
totalidade, não se limitando apenas a um dos aspectos do ser, mas buscando compreender o que
ocorre no biológico, psicológico e nas suas relações sociais.
Vale lembrar que na terceira idade, surge a preocupação com a morte, pois é a fase em
que mais se aproxima desse acontecimento. É também o momento em que as mudanças físicas
se acentuam e o vigor se limita, além disso, ocorrem alterações nas relações sociais, emocionais,
funções psicomotoras e sensoriais, que influenciam na vitalidade e fragilidade do idoso (Papalia
& Feldman, 2013).
Este trabalho foi realizado por meio de um levantamento bibliográfico, com base na
visão de Baltes (1987), que apresenta as influências ambientais no processo de envelhecimento
e na Teoria Psicossocial do Desenvolvimento de Erik Erikson, que abrange oito (8) fases, onde
cada uma apresenta uma crise psicossocial (Fontaine, 2010). Assim, serão levadas em
consideração as implicações que ocorrem nesse período da vida e como elas influenciam a
história de vida do sujeito.
Portanto, esse estudo tem o intuito de contribuir de forma significativa para a sociedade,
mostrar a necessidade de ter um olhar holístico para o sujeito no processo de envelhecimento,
romper alguns paradigmas construídos em torno dessa fase da vida do ser humano e enfatizar a
importância do cuidado em saúde mental como forma de prevenir o processo depressivo, bem
como diagnosticar e tratar os idosos que já se encontram em quadro de depressão.
Desenvolvimento
O processo de envelhecimento
Os estudos de Baltes e Baltes (1990) e Erikson (como citado em Lima & Coelho, 2010)
1296
demonstram que o desenvolvimento humano é multidirecional, multidimensional e dinâmico,
balanceando ganhos e perdas. Assim, o envelhecimento é um processo que passa por grandes
mudanças e envolve inúmeros aspectos.
As raízes históricas apontam o envelhecer como sinônimo de doença, no entanto,
associar a vida adulta tardia como a fase do adoecimento, seria reforçar preconceitos e
disseminar o idadismo. Entretanto, o envelhecimento pertence à evolução do ser humano, ou
seja, é algo inerente e inevitável à vida. Esse seguimento envolve mudanças nas esferas
cronológicas, biológicas e psicossociais, sendo assim um acontecimento natural. Logo,
envelhecer é um:
De acordo com o Estatuto do Idoso, são consideradas idosas as pessoas com idade igual
ou superior a 60 anos. Essa fase segue padrões diferenciados, sendo classificada em primário e
secundário. Segundo Papalia (2013, p. 573) “o envelhecimento primário é um processo gradual
inevitável de deterioração física ao longo da vida e o secundário resulta de doenças, abusos e
maus hábitos físicos e que pode muitas vezes ser evitado”.
Dessa maneira, o envelhecer está relacionado a alterações físicas, cognitivas e motoras.
A postura corporal se modifica, há perda de agilidade e força, aumento da flacidez, perda de
cálcio nos ossos, diminuição do tônus, os vasos sanguíneos estão menos elásticos e mais
estreitos e o sistema renal já não funciona tão bem como antes (Bueno, 2014). Essas mudanças
podem ocorrer de forma particular e distinta para cada ser humano.
De acordo com Bueno (2014), o idoso fica mais suscetível a infecções físicas e químicas,
com a mudança do clima, restrições alimentares, alterações no sono e na sexualidade. Ocorre
ainda uma diminuição de peso e volume do cérebro que afeta consequentemente o intelectual e
a coordenação sensório motor, a visão e a audição também são prejudicadas.
Para Papalia (2013, p. 594) “de acordo com a sugestão dada pela abordagem
evolucionista do ciclo de vida de Baltes, a idade traz ganhos e perdas”. Logo, envelhecer carrega
uma série de mudanças que afetam de forma negativa ou positiva. Nesse sentido, um dos
legados e virtudes que uma pessoa de idade avançada possui é a sabedoria, segundo Jung e
Erikson, essa sabedoria seria o ápice de uma vida de avanço do ego.
Depressão
A depressão é uma doença que vem ganhando maior notoriedade sendo considerado um
grave problema de saúde, com bastante recorrência na atualidade. De acordo com a
Organização Mundial de Saúde (OMS) a depressão é um distúrbio universal e uma das
principais razões de incapacidade no mundo, sendo que no Brasil 5,76% da população vivencia
essa problemática (Brasil, 2015). Além disso, é uma doença que pode atingir todas as idades,
sexo e classe social.
Dos vários conceitos possíveis, a depressão pode ser definida como uma doença
1297
mental que pode afetar o humor durante longos períodos de tempo, evoluindo de um
conceito caracterizado por um estado de espírito abatido das pessoas que sofrem de
doença. Os sintomas incluem: perda de interesse, tristeza, alterações do apetite e do
sono, sentimentos de culpa e incapacidade, sentimentos de inutilidade, fadiga e perda
de energia, apatia e falta de concentração (Wolpert, 2000 como citado em Vieira &
Macedo, 2015, p. 8).
Na terceira idade, a depressão não é diagnosticada como em pessoas mais jovens e nem
mesmo tratada, já que o idoso costuma apresentar uma série de problemas de saúde e passa
despercebida ou considerada consequência das debilidades já existentes (Pinho, Custódio &
Makdisse, 2009).
Segundo Vaughan et al., um em cada dez idosos são frágeis ou apresentam sintomas
depressivos, e uma alta porcentagem apresenta as duas condições. Quando avaliada a
coocorrência das condições, observa-se que cerca de 4% a 16% dos idosos frágeis
com 60 anos ou mais apresentam depressão grave, com aumento desse percentual para
35% entre os idosos com mais de 75 anos. Um estudo de meta-análise recente sugeriu
que as pessoas idosas frágeis são quatro vezes mais propensas a ter depressão quando
comparadas as não frágeis ou robustas, com probabilidade semelhante para fragilidade
entre os depressivos em relação aos não depressivos. (Vaughan, Buigues & Soysal
como citado em Nascimento & Batistoni, 2019, p. 2).
1298
segundo plano, pois de acordo com o Ministério da Saúde (2006, p.104) “cerca de 50 a 60%
dos casos, não são detectados, tornando a depressão subdiagnosticada e sub-tratada”.
Além dos fatores biológicos, os fatores psicossociais também contribuem para o
desencadeamento da depressão. Nessa fase da vida ocorrem mudanças significativas em todo o
contexto do idoso, trazendo modificações no seu papel social. Erik Erikson nomeia essa fase
como Integridade x Desespero, oitavo estágio da sua Teoria Psicossocial.
Para Erikson, cada estágio é constituído por uma crise que envolve o ego e dependendo
do enfrentamento dessa crise, o ego pode se fortalecer ou se fragilizar. Essa crise evolutiva
desenvolve algumas tarefas, tais como “integração dos temas anteriores do desenvolvimento,
autoaceitação, formação de um ponto de vista sobre a morte e preocupação com deixar um
legado espiritual e cultural” (Neri, 2013, p. 28).
Os idosos enfrentam alguns conflitos emergentes como a aproximação da morte, a saída
do trabalho, chegada da aposentadoria ou dificuldades para consegui-la, os relacionamentos
familiares, morte do cônjuge, entre outros, ou seja, uma série de fatores que podem trazer
fragilidade na saúde mental e possibilita duas posturas diante da vida: “procurar novas formas
de estruturar o tempo e utilizar sua experiência de vida em prol de viver bem os últimos anos
ou estagnar diante “do terrível fim”, quando desaparecem pouco a pouco todas as fontes de
carícia se vão e o desespero toma conta da pessoa” (Rabello & Passos, 2008, p. 12).
O contexto e as vivências ajudam o idoso a superar as dificuldades. Assim, o ego será
fortalecido e produzirá aceitação diante do novo cenário de vida ou desesperança na qual
predominam pensamentos que subentendem atitudes negativas frente ao futuro. Entende-se que
para alcançar a autoaceitação, o idoso precisa contar com uma rede de apoio integrativa e
políticas públicas.
A pessoa idosa conta atualmente com a ajuda de algumas esferas políticas que lhe
garante direitos e proteção como o Estatuto do Idoso e Política Nacional do Idoso, ambas uma
conquista inegável e de suma importância, porém os desafios ainda são muitos, entre eles o
alcance e a conscientização desses direitos.
A redução dos papéis sociais devido à aposentadoria também fez parte das histórias
de perdas dos idosos. Trabalhar proporciona não somente o sustento financeiro, mas
também a inserção em um contexto social e produtivo, possibilitando a efetiva
participação do sujeito na sociedade (Kleger e Macedo, 2015 como citado em
Almeida, Lorentz & Bertoldo, 2018, p. 13).
1299
Por outro lado existem aqueles que encontram dificuldades para conseguirem a
aposentadoria, vivendo em condições de saúde debilitantes e continuar se mantendo produtivos.
Segundo o site Agência Brasil (2019) “o número de pessoas com 65 anos ou mais em vagas
com carteira assinada aumentou, saindo de 484 mil em 2013 para 649,4 mil em 2017. Foi uma
ampliação de 43% em quatro anos”. Talvez, esse aumento no número de trabalhadores idosos
no mercado de trabalho se deva a forte crise econômica que afetou o nosso país nos últimos
anos, obrigando os idosos a contribuírem com o sustento da família.
A necessidade da promoção da saúde do idoso é nítida, os órgãos governamentais devem
priorizar o bem estar físico e mental, bem como a comunidade e a família, assim “ações de
prevenção são efetivas em qualquer nível, mesmo que realizadas nos momentos mais tardios da
vida” (Miranda et al 2016, p.11).
A família é uma base importante na vida do idoso principalmente no que se refere ao
afeto, no sentido de se sentir amado e valorizado pelos familiares e comunidade. Esse contexto
é primordial também nos cuidados e no bem estar da pessoa idosa, como aponta o Art. 3o
Estatuto do Idoso:
No entanto, nem sempre a família é o centro de apoio que o idoso necessita. Em muitos
casos, os familiares não assumem a responsabilidade de promover uma vida digna, ao invés
disso são causadores de mais danos, como a violência física e psicológica.
Conclusão
Esta pesquisa buscou como objetivo geral, discutir em uma visão biopsicossocial os
fatores de risco que desencadeiam ou agravam um quadro depressivo na terceira idade. Assim,
por meio dos estudos teóricos, foi possível identificar que o processo de envelhecimento é uma
etapa do desenvolvimento humano que é inerente ao indivíduo. O idoso vivencia mudanças
orgânicas e alterações nas suas relações inter e intrapessoais, que afetam de forma significativa
o funcionamento do corpo e mente. Dessa forma, como apresentado nos fundamentos de Baltes
(1987), o envelhecer sofre influências de fatores ambientais, tanto coletivos como individual.
Nesse sentido, podem-se chegar a algumas considerações, entre as quais destaca-se que
uma sucessão de alterações biológicas, associadas a possíveis doenças que possam surgir
devido a genética ou a condição de vida nessa etapa, podem ser fatores de risco para
desencadear depressão em idosos. Essa mazela, de acordo com a OMS, é uma das principais
causas de incapacidade no mundo, que indivíduos de qualquer faixa etária podem ser vítimas.
No entanto, em idosos a depressão é difícil de ser identificada e muitas vezes o tratamento é
negligenciado, pois é correlacionada com outras doenças.
Por outro lado, os aspectos psicossociais também podem contribuir para irromper essa
doença, pois os idosos enfrentam alguns conflitos emergentes como a aproximação da morte, a
saída do trabalho, chegada da aposentadoria ou dificuldades para consegui-la, os
relacionamentos familiares, a perda de um ente querido, entre outros. Logo, todos esses fatores
podem fortalecer ou trazer desesperança na vida do idoso, dependendo da forma que é
enfrentada, de acordo com os pressupostos da Teoria Psicossocial do Desenvolvimento de Erik
Erikson.
No Brasil já foram implementadas algumas leis para assegurar os direitos e proteção do
idoso, porém os órgãos responsáveis ainda não garantem efetivamente o cumprimento de tais
leis, pois muitos idosos ainda sofrem com falta de acesso a saúde de qualidade, violência e
preconceito. Chegar na terceira idade é uma conquista, a sociedade deve ter consciência,
respeito e reconhecer o valor do idoso, pois junto aos longos anos trazem experiência e
sabedoria. A União, os Estados e os Municípios, devem promover a saúde física e mental para
que esse grupo tenha qualidade de vida. Portanto, é necessário trabalhar com a prevenção da
depressão por meio de políticas públicas que garantam a disseminação de informação e
conscientização à sociedade, principalmente para as pessoas mais carentes. Além disso, é
essencial contar com diagnósticos precisos e tratamentos para os casos de confirmação da
doença.
É de extrema importância compreender que o ser humano não se resume ao biológico,
pois o psicológico e o contexto tem relevância no desencadeamento da depressão, assim, ter
esse olhar holístico é compreender que os fenômenos devem ser contemplados na sua existência
total para então serem compreendidos, pois o ser humano é sempre maior que suas partes
tomadas isoladamente.
1301
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A UTILIZAÇÃO DA INTERNET NUMA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO
1303
DESENVOLVIMENTO HUMANO
Introdução
Em uma sociedade onde a utilização da internet aumenta a cada dia, os pesquisadores
tentam compreender a influência desta tecnologia nos comportamentos e costumes, seja na
forma de se comunicar como também, estudar, se divertir, trabalhar, nas relações interpessoais,
dentre outras. Para Ballone (2003 apud Graeml et al. 2004 pag. 3) a internet é “uma ferramenta
à que se atribuem inúmeras vantagens para a educação, para o comércio, para o entretenimento
e para o desenvolvimento do indivíduo”.
A internet tem o poder de influenciar os hábitos e os costumes no contexto familiar,
como também o modo como os membros se relacionam, nos levando aos seguintes
questionamentos: A internet contribui para o desenvolvimento da pessoa? Qual a percepção que
famílias possuem a respeito dessa tecnologia? O uso da internet diminuiu o tempo dedicado à
convivência familiar? A internet pode ser considerada um microssistema do sujeito?
A internet é um dos meios mais acessados pela população brasileira. Uma pesquisa da
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República sobre os “Hábitos de Consumo
de Mídia pela População Brasileira” (2015) informa que 27% da amostra utiliza a internet todos
os dias da semana, a intensidade média de seu uso é de 04h47min por dia de segunda a sexta-
feira e 04h33min no fim de semana. A pesquisa também informa que 67% da população
utilizam a internet para se divertir como também para se informar.
Outra pesquisa relevante para a elaboração desse trabalho, que também reforça a opção
pela metodologia de Bronfenbrenner, foi a de Prazeres e Leão (2011) sobre um levantamento
bibliográfico nas bases de dados nacionais utilizando os descritores: Inserção Bioecológica,
Teoria Bioecológica e Desenvolvimento Humano. Foi revelada uma escassa utilização da
Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano enquanto recurso metodológico em estudos
e pesquisas sendo encontrando apenas 13 trabalhos sobre crianças e adolescentes, 09 sobre os
contextos bioecológicos, 07 de jovens e adultos, 04 de famílias e 04 com idosos.
Esse foi um estudo de natureza exploratória com 05 (cinco) famílias residentes em
Quixadá, Ceará, que tem como objetivo investigar a influência da internet nos contextos
bioecológicos familiares, como também analisar a internet como instrumento promotor dos
processos proximais de desenvolvimento do sujeito e também, investigar a percepção das
famílias a respeito da internet.
BIOECOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
1304
A teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano tem Urie Bronfenbrenner como
seu principal teórico. Bronfenbrenner nasceu em 1917 em Moscou e se mudou para os Estados
Unidos com 06 anos de idade. Concluiu a graduação em Psicologia em 1938 e em 1942, recebeu
o título de Doutor pela Universidade de Michigan (USA) (Yunes & Juliano, 2010).
Na construção de sua teoria, Bronfenbrenner recebeu grandes influências contextuais.
O trabalho de seu pai ao observar a natureza e a interdependência dos fenômenos, eventos
históricos vivenciados por ele como a Revolução Russa, a imigração de sua família para a
América, a convivência com pessoas de diferentes culturas e religiões, o contato com
pesquisadores da Psicologia como Kurt Lewin e a “Teoria de Campo”, dentre outras
influências. Possibilitando assim, uma perspectiva complexa e sistêmica do desenvolvimento
humano (Yunes & Juliano, 2010).
Sua teoria atualmente chamada de Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano,
inicialmente focava mais nos contextos ecológicos do sujeito. Após várias críticas foi
reformulada e passou enfatizar a pessoa, o processo e o tempo. Dessa forma, atualmente
trabalha no estudo da interação da Pessoa, do Processo, do Contexto e do Tempo, formando
assim o conhecido modelo PPCT.
Para Bronfenbrenner, o desenvolvimento é um fenômeno de constância e mudança das
características da pessoa ao longo do seu ciclo vital. Delgado (2009) relata que a obra ressalta
a relação do ambiente e do desenvolvimento humano, onde por meio da interação entre as
pessoas, objetos, símbolos e sistemas, o sujeito é influenciado pelo meio, podendo ser
condicionado ou potencializado. A inter-relação dos ambientes e como as pessoas interagem,
são características importantes desse modelo.
Prati et al (2008) relatam que Bronfenbrenner (1999) deu importância a cinco aspectos
simultâneos para ocorrer o processo proximal: o primeiro é que a pessoa deve está engajada em
uma atividade; no segundo essa atividade deve acontecer de forma regular em períodos de
tempo; o terceiro aspecto é que a atividade deve ser progressivamente mais complexa; o quarto
é a reciprocidade nas relações interpessoais e os objetos e símbolos do ambiente imediato que
devem estimular a atenção, exploração, manipulação e imaginação da pessoa em
desenvolvimento.
Podemos assim, compreender os processos proximais como as interações do ser humano
com o ambiente durante períodos de tempos estáveis, que promovem o desenvolvimento do
sujeito. Bronfenbrenner (2011) cita em seus estudos exemplos de processos proximais como as
brincadeiras com as crianças, a leitura, as atividades físicas e outras.
Na teoria a pessoa é vista como um ser ativo, com características biológicas e
psicológicas que modificam e são modificadas pelos sistemas. Martins e Szymanski (2004)
discorrem que a abordagem considera as características do indivíduo como temperamento,
convicções, motivações, nível de atividade e outros como importantes aspectos para o
desenvolvimento humano, como também as características físicas como cor de pele e gênero
que podem influenciar o modo como os outros lidam com a pessoa.
Bronfenbrenner ressalta em sua teoria três características da pessoa em
desenvolvimento: disposição, recurso e demanda. As disposições são as características que
podem invocar; manter, impedir, interferir os processos proximais, que tem como exemplos a
impulsividade, timidez, curiosidade, iniciativa para realizar atividades, agressividade e outros.
Os recursos são as características biopsicológicas da pessoa, necessárias em uma determinada
fase do desenvolvimento para efetivação dos processos proximais. E a demanda são as
características que promovem reações do contexto social que influenciam a ocorrência dos
1305
processos proximais (Bronfenbrenner & Morris 1998; apud Martins & Szymanski 2004 p. 65).
Para que os processos proximais sejam efetivos devem ocorrer em ambientes estáveis e
com regularidade, dessa forma o tempo se tornou um importante componente por ele permitir
observar o desenvolvimento humano ao longo do curso de vida, este que é influenciado pelos
eventos históricos e experiências pessoais da pessoa. Martins e Szymanski (2004, p. 66)
discorrem que o tempo “pode ser entendido como o desenvolvimento no sentido histórico ou,
em outras palavras, como ocorrem às mudanças nos eventos no decorrer dos tempos, devido às
pressões sofridas pela pessoa em desenvolvimento”.
O modelo apresenta o contexto ecológico como um conjunto de estruturas encaixadas e
interconectadas (Bronfenbrenner, 2005). Os contextos ocorrem em quatro níveis o
microssistema, o mesossistema, o exossistema e o macrossistema.
O microssistema é o primeiro nível de contexto que o sujeito vive; o ambiente imediato
em que interage diretamente com as pessoas, símbolos e objetos presentes nele, é onde os
processos proximais são produzidos e sustentados. A família, a escola, trabalho, a vizinhança,
grupo de amigos e outros são exemplos desse sistema. “É no contexto dos microssistemas que
operam os processos proximais, que produzem e sustentam o desenvolvimento, mas a sua
eficácia em implementá-lo depende da estrutura e do conteúdo dos mesmos” (Bronfenbrenner
& Morris, 1998 apud Poletto & Koller 2008 pag. 406).
O mesossistema é a relação de interação entre os microssistemas, como por exemplo, a
relação da família com a escola, trabalho ou com a vizinhança. Essas interconexões são tão
decisivas para o desenvolvimento quanto os eventos que ocorrem dentro de um determinado
ambiente. Os processos que ocorrem em um determinado ambiente recebem influência do
contexto imediato como também, pelas influências trazidas pelos outros contextos (Poletto &
Koller, 2008).
O terceiro nível é o exossistema, aonde a pessoa não faz parte diretamente, ativamente,
mas que recebe influência. O desenvolvimento da pessoa é profundamente influenciado pelos
eventos que ocorrem em ambientes nos quais não está presente, como por exemplo, o trabalho
dos pais influenciando no desenvolvimento da criança (Bronfenbrenner, 2005).
O quarto e último nível é o mais abrangente dos contextos, o macrossistema, constituído
por todos os outros níveis, composto pelo “padrão global de ideologias, crenças, valores,
religiões, formas de governo, culturas e subculturas presentes no cotidiano das pessoas que
influenciam seu desenvolvimento” (Bronfenbrenner, 1979/1996 apud Cecconello & Koller,
2003 pag. 518). Como exemplo do macrossistema, podemos falar da cultura de cada país e as
suas políticas públicas.
Metodologia
Esse estudo se caracterizou como exploratório por levantar informações sobre um
determinado objeto (Severino, 2007), Braga (2007, pag. 25) diz que “a pesquisa exploratória
tem o objetivo de reunir dados, informações, padrões, ideias ou hipóteses sobre um problema
ou questão de pesquisa com pouco ou nenhum estudo anterior”.
Teve caráter quantitativo e qualitativo, caracterizado como uma pesquisa descritiva,
onde ambiente natural é fonte direta dos dados e o pesquisador se torna instrumento
fundamental, com a tarefa de tentar compreender os fenômenos a partir da perspectiva dos
1306
participantes, utilizando o enfoque indutivo na análise dos dados (Godoy, 1995).
A pesquisa foi realizada no Município de Quixadá, interior do Estado do Ceará,
localizado a 168 Km da capital do Ceará, Fortaleza, com famílias que possuíam acesso a
internet no ambiente familiar. Primeiramente foi realizada a aplicação de um questionário
(Anexo A) em 41 alunos do 9° ano de uma escola particular do município, com o intuito de
fazer uma triagem das famílias que participaram da segunda parte do estudo. O questionário
deu acesso a informações como quantidade de aparelhos de televisão, computadores,
smartphones, tablets com acesso à internet, tempo de utilização dessas tecnologias, dentre
outros dados pertinentes ao estudo.
Desses 41 alunos foram convidados inicialmente 10 para a entrevista com as famílias,
mas apenas 05 aceitaram participar do estudo. Após a seleção ocorreu à visita domiciliar
realizada pela pesquisadora, aonde foi colhida a autorização e a assinatura através do Termo de
Consentimento e Livre Esclarecimento (Anexo C) e Termo de Autorização dos Responsáveis
(Anexo D).
Em seguida, foi realizada a coleta de dados por meio de um questionário com perguntas
abertas e fechadas (Anexo B), com o auxílio da entrevista para complementar as respostas. A
aplicação ocorreu em conjunto com os membros da família que aceitaram participar. Foram
excluídas do estudo as seguintes famílias: as que não residiam em Quixadá, as que não possuíam
como membro familiar um aluno da escola escolhida, as que não possuíam acesso à internet na
residência e as famílias cujos membros não assinaram o Termo de Consentimento e Livre
Esclarecimento.
A coleta de dados, interpretação e formulação dos resultados ocorreram de agosto a
outubro de 2015. Primeiramente foi realizada a leitura geral do material colhido com o intuito
de realizar uma relação das respostas com a teoria. Destarte, foi realizada a interpretação de
acordo com o referencial teórico do trabalho, ou seja, o Modelo Bioecológico do
Desenvolvimento Humano.
O estudo seguiu as determinações éticas regulamentadas pelas diretrizes da Resolução
466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, onde foi submetido para a apreciação do Comitê de
Ética em pesquisa da FCRS onde foi aprovado com o numero de parecer 1.189.549. (Anexo F)
Resultados e discussão
Para chegarmos à seleção das cinco (05) famílias para a parte mais detalhada da
pesquisa, aplicamos um questionário em quarenta e um (41) alunos de uma escola particular da
cidade de Quixadá, Ceará. Desta quantidade pesquisada, 25 alunos (60,9%) eram do sexo
feminino e 16 (39%) do sexo masculino. 80,4% tinham 14 anos de idade, 17% 15 anos e 2,4%
16 anos, sendo todos estudantes do Ensino Fundamental incompleto.
Quantidad
Afirmações mais assinaladas
e
“Eu converso com os meus amigos sobre o que vejo na internet” 34
1307
“Eu sei mais sobre internet que os meus pais” 31
1308
(14,28%). Um dos motivos das brigas é principalmente, por terem que dividir o aparelho que
dá acesso à internet, conforme vemos no Gráfico 01.
A partir desses dados, questionamos também se a internet era utilizada junto a outros
membros do microssistema familiar em uma mesma atividade, ao que 85,71% disseram que
sim, utilizando-a em conjunto com outros membros familiares quando estão assistindo vídeos
e filmes, compartilhando informações, pesquisa de preços de produtos e fazer compras, como
podemos ver em recortes de alguns relatos: “assisto desenho no youtube com minha prima”;
“quando estamos pesquisando a compra de algum produto.”. Já 14,28% relataram ainda que
não fazem nenhuma atividade na internet em conjunto com os outros membros.
Ao serem questionados se já viram algum comportamento ou alguma atividade na
internet que o repetiram em sua vida, 57,14% disseram que sim, enquanto 42,85% responderam
negativamente. Das atividades que repetiram em sua vida foram citadas: comida, customização
de roupas, alimentação saudável, exercícios físicos. Interessante observarmos que os
comportamentos de atores nas novelas são traços repetidos no cotidiano dos entrevistados,
como observou nos recortes das frases dos participantes: “ioga, receitas culinárias e
meditação”; “sempre busco boas ações que podem ser transmitido a outras pessoas tipo: dicas
de saúde, economia, bem estar” (sic) “a forma que Bianca agia com a Duca em Malhação.”
Verificamos também se os sujeitos já procuraram aprender alguma atividade ou
comportamento na internet. Nas respostas, 85,71% relataram que tentaram aprender alguma
atividade ligada ao trabalho, escola, jogos, receitas e outros como podemos perceber em
algumas falas destacadas: “fiz roupa usando a internet”; “pesquiso sempre vídeos de
penteados ou maquiagens”; “várias vezes principalmente atividades lúdicas, jogos simbólicos,
caça palavras e etc”; “como fazer receitas e pesquisas para escola”; “buscar livros em pdf”;
“sempre visito sites de comportamento em ambiente de trabalho como dicção”.
Com o intuito de descobrirmos sobre a utilização da internet nos contextos escolares e
nos trabalhos, além de percebermos a influência sobre os sujeitos, destacamos as seguintes
percepções. Em relação ao trabalho os participantes relataram a utilização da ferramenta virtual
para fazer propaganda, compra e venda de produtos mercadorias, produção de programas e
sistemas operacionais. Verificamos as redes sociais sendo utilizadas tanto para o trabalho como
entretenimento no ambiente do trabalho.
Há também os sujeitos que não fazem o uso no ambiente de trabalho e ainda, a internet
utilizada de uma forma mais livre, como podemos perceber em alguns discursos: “apresentar
os produtos aos clientes, vendas e compra de mercadorias”; “sempre uso no trabalho para
facebook e whatsapp”; “no trabalho a internet é essencial para o desenvolvimento do mesmo
pois trabalho com programas e sistemas on line”; “usada de forma livre com coerência”; “no
trabalho não preciso de internet.”.
Nas respostas dos adolescentes, a internet é utilizada por eles na escola para fins de
1310
estudos, pesquisas, apresentações e pelos professores em algumas aulas, de acordo com os
relatos: “para apresentações escolares, como por exemplo vídeos, imagens para slides e
outros”; “para trabalhos feitos no contra turno das aulas”; “pra fazer trabalhos. As vezes
algum professor que fazer uma aula diferente (coisa que quase nunca acontece) e outras vezes
para fazer trabalhos mais sempre na parte da tarde”. O incômodo relativo à utilização dessa
ferramenta na escola também foi relatado, devido ao fato de alguns alunos fazerem uso no
horário da aula, deixando de prestar atenção no conteúdo dado pelo professor: “na escola
porque tem aqueles que não querem nada e fica na internet e o professor tá ali explicando e as
pessoas que tão no celular não tão nem aí”.
Verificamos também nas entrevistas com as famílias, de que forma a internet influencia
a vida dos sujeitos de modo positivo ou negativo. A maioria relatou ser de forma positiva, pois
acreditam saber fazer o uso como repasses de informações, auxílio nos estudos e no trabalho,
entretenimento, realização de compras e outras finalidades, de acordo com relatos explicitados
aqui: “mim deixa por dentro das novidades”; “nos meus estudos quando tenho dúvida em
alguma matéria assisto vídeo-aula”; “Quando vejo que meus filhos estão caindo de rendimento
escolar, aí tenho que começar a aplicar medidas, ou seja, tenho que intervir no uso
demasiado”; “positivamente principalmente para fins educativos para falar com amigos e
etc.”; “das duas formas, pois uma maneira positiva é quando a utiliza para trabalhar e
negativa é quando não há interação entre nos da família, estamos todos no mesmo local porem
cada um acessando”; “positiva pois tenho acesso o que eu quiser de uma forma mais fácil e
rápida.”
Através dos relatos e resultados apresentados, percebemos a utilização a internet no
contexto do exossistema quando retratado a fenômenos que não fazem parte do contexto
imediato, mas que influenciam o sujeito. Quando o indivíduo aprende uma receita nova, a
customizar roupas ou vê dicas de saúde e comportamentos, ao utilizarem no ambiente familiar
influenciam os outros membros. No macrossistema o fenômeno da influência também é
registrado, quando relatado com foco nos aspectos culturais como a moda, beleza, status, etc.
O tempo foi uma das variáveis mais importantes nesse estudo, pois maioria dos
participantes, adultos e tiveram o primeiro contato com a internet à pouco tempo, as vezes até
seguindo os ensinamentos dos filhos sobre como manusear a ferramenta.
Sobre o público adolescente, já nasceram na era da internet o que facilitou sua
aprendizagem e a facilidade de utilizar diariamente, em todos os momentos que puderem. A
desenvoltura foi uma marca registrada, evidenciando que sabem onde encontrar o que quiser na
internet utilizam bem mais do que seus pais e sabem da importância que a internet possui em
suas vidas. Muitos adolescentes demonstraram fazer o uso da internet como forma natural e
espontânea de interagir no mundo atual.
Considerações finais
Esse estudo nos proporcionou compreender a internet como uma ferramenta que pode
eliciar os processos proximais do indivíduo na atualidade, que de acordo com Bronfenbrenner
para os processos proximais sejam efetivos precisam de 5 aspectos. O primeiro que está
engajada em uma atividade, percebemos na concentração da pessoa na atividade que està
realizando podendo às vezes esquecer-se de fazer outras “coisas”. O segundo é referente ao
tempo, em que a atividade deve ocorrer de forma relativamente regular de forma que a internet
é utilizada pelos participantes todos os dias podendo às vezes passar horas e horas utilizando.
O terceiro é que a atividade deve ser progressivamente mais completa, nesse caso podemos
1311
relatar como exemplo quando uma pessoa está aprendendo a utilizar a internet, como também
pelos jogos online e aprendizagem de conteúdos para escola e trabalho. O quarto quesito é que
deve haver reciprocidade nas relações interpessoais o que visualizamos nas atividades de
comunicação e nos atos de curtir, compartilhar, comentar e demonstrar sentimentos na internet,
e o último e quinto é que a atividade deve estimular “atenção, exploração, manipulação e
imaginação da pessoa” características essas presentes na utilização da internet.
Se compreendermos a internet como eliciadora dos processos proximais entendemos
também como um microssistema da pessoa, juntamente como ferramenta que interliga os
microssistemas fazendo assim, parte do mesossistema e exossistema como também do
macrossistema por fazer parte atualmente da nossa cultura.Outro ponto que vale a pena ser
destacado na pesquisa é utilização da internet e o tempo, que se caracteriza enquanto um
processo fundamental para compreender a evolução do uso dessa tecnologia ao longo dos anos,
como também os modos de relacionamentos estabelecidos entre as pessoas. Os participantes da
pesquisa demonstraram ter que fazer o uso da internet da forma mais positiva para si.
O estudo nos proporcionou ainda, a contribuição acadêmica tanto para a Teoria
Bioecológica do Desenvolvimento Humano como também para os fenômenos que influenciam
a utilização da internet, servindo assim, como referência para futuras pesquisas na área.
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1313
REVISÃO SISTEMÁTICA
Ana Carolina Martins Monteiro Silva
Iara sampaio Cerqueira
Fernanda Catarina Pereira de Sousa
Iolene Alves Silva de Araujo
Leiliane Nascimento Nunes
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
1 Introdução
Os estudos sobre bullying começaram a surgir em meados de 1970 (Lowenstein, 1977),
levando alguns anos para que o assunto começasse a ser discutido com profundidade. Já no
Brasil, pesquisadores começaram a desenvolver temáticas acerca do assunto nos anos 2000
(Carvalhosa, Lima & Matos, 2001; Fante, 2003). Atualmente, o bullying pode ser considerado
uma das maiores temáticas no âmbito escolar, dentro e fora da área da Psicologia. A relevância
dessa temática na área da pesquisa é consequência direta dos efeitos significativamente
negativos que o bullying tem no desenvolvimento da criança e do adolescente durante o período
escolar.
O bulying pode ser físico (brigas corporais), verbal (apelidos pejorativos), e relacional
(exclusões e ciberbullying). Ao se tratar dos papéis que podem ser desempenhados dentro do
bullying, diferentes autores fazem a sua definição. A classificação feita por Avilés (2009)
apresenta a divisão em dois pontos. Em (1), os atores principais: agressores, vítimas,
testemunhas, agressores que também são agredidos, e vítimas agressoras; e em (2), atores
secundários: ajudantes do agressor, defensores da vítima e adultos. No entanto, em se tratando
da relação de bullying, os termos mais utilizados seriam: vítima, agressor, agressor/vítima e
testemunhas.
Dois estudos procuraram da melhor maneira encontrar dados acerca da quantidade de
alunos que praticam e/ou são vítimas de bullying. O estudo transversal de Mello et al. (2017)
teve o objetivo de verificar as associações entre a prática de bullying com variáveis
sociodemográficas e variáveis de saúde mental e comportamento de risco escolares e procurou
analisar os dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE 2015) com 124.227 alunos
matriculados no 9° ano do Ensino Fundamental dos 27 Estados e Distrito Federal. O estudo
obteve como resultado que da amostra, 19.8% afirmaram praticar bullying, mostrando ser mais
comum entre o sexo masculino e em escolas privadas. Esse estudo mostrou que o bullying é um
aspecto relevante que interfere tanto no ensino quanto na aprendizagem das crianças que são
vítimas desse fenômeno.
Essa heterogeneidade em resultados mostra que são necessárias pesquisas que
apresentem resultados de amostras locais e específicas, visto que uma generalização não é
possível, dado a diferença entre escolas e amostras. Essa pesquisa também apresentou a
fragilidade dos alunos frente a essas situações de maus tratos, ao que junto a falta de suporte
social vinda da situação de vulnerabilidade, os alunos apontaram que professores ainda são
omissos perante comportamentos violentos (Mello et. al 2017). Dessa forma, mostra-se
necessário que escolas discutam acerca de investimentos em estratégias para a prevenção do
bullying escolar.
Muitos estudos foram feitos com o objetivo de examinar a saúde mental de crianças que
1314
sofrem com bullying. Uma investigação feita por Salmon, James e Smith (1998) aplicaram
quatro questionários em duas escolas de ensino fundamental dos Estados Unidos, a pesquisa
trouxe como resultados que garotos com altos níveis de ansiedade tinham mais chances de
sofrerem bullying, enquanto garotas com altos níveis de ansiedade eram mais frequentemente
praticantes de bullying. Esse estudo apesar de breve e não poder ser generalizado, foi um marco
importante para o início de estudos sobre como o bullying afeta as crianças.
Em contrapartida, o estudo quantitativo transversal realizado mais de 20 anos após o
estudo supracitado que possui como amostra adolescentes de escolas brasileiras procurou a
relação entre ser vítima de bullying e apresentação de idealização suicida, ansiedade e outros
transtornos mentais. Os resultados apresentaram uma correlação moderada, significativa e
positiva entre ansiedade e vitimização de bullying e idealização suicida, além de que 48,71%
da amostra apresentaram idealização suicida. Os autores concluem que esses números são
preocupantes e que levar o bullying como uma “brincadeirinha” pode ser um fator de risco,
além de representar que durante essas duas décadas, intervenções são tão necessárias,
atualmente, quanto antes (Pimentel, Della Méa & Patias, 2020).
Dado o contexto social, o ambiente digital deve ser considerado ao se discutir bullying,
visto que crianças estão a cada dia entrando mais cedo em ambientes virtuais, com e sem a
supervisão dos pais ou responsável. Em relação ao cyberbullying, diversos estudos falam acerca
dessa associação. Apesar de alguns autores colocarem o cyberbullying apenas como o bullying
ocorrente no ambiente virtual, é necessário que seja levado em consideração que as redes sociais
em si já se mostram como uma ferramenta que pode agravar a ansiedade ou causar o
desenvolvimento de transtornos mentais, podendo assim causar também um déficit no
desenvolvimento das habilidades sociais de crianças e adolescentes (Caplan, 2006; Thatcher,
2007; Younes et. al., 2016).
As habilidades sociais (HS) são atitudes e comportamentos pró-sociais utilizados para
proporcionar interações sociais satisfatórias, desse modo, um conjunto de diversas HS forma
um repertório pessoal de HS, no qual começa a ser desenvolvido desde o nascimento com
continuação ao longo de toda a vida. Quanto mais HS agregadas ao repertório individual, mas
socialmente habilidosa a pessoa é, bem como, possui mais possibilidades de interagir
habilidosamente, proporcionando bons resultados à qualidade das relações interpessoais
(Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003).
As classes de habilidades sociais, elaboradas por Del Prette e Del Prette, (2017) segue:
(1) autocontrole e expressividade emocional que se refere a apresentar comportamentos que
demonstram ajustamento emocional, como controlar o humor e a ansiedade e respeitar o seu
próprio limite e o das outras pessoas. (2) civilidade que se refere a tratar com cordialidade as
pessoas, saber o horário de falar, usar as expressões de “por favor, com licença, desculpe e
obrigado”. (3) empatia que é saber observar, ouvir e reconhecer os sentimentos dos outros,
compreender e demonstrar respeito a experiência alheia. (4) assertividade, como se expressar
conforme o que está sentindo, seja a raiva ou desamor, como sentimentos negativos. (5) fazer
amizades: apresentar-se, fazer perguntas, ajudar com a dificuldade de outras pessoas,
cumprimentar, saber receber e dar elogios. (6) solução de problemas interpessoais, a exemplo
de saber acalmar-se diante da ocorrência de algum conflito, analisar e reconhecer a possível
falha de comportamento e pensar em alternativas que diminuam a consequência do problema.
(7) habilidades sociais acadêmicas que corresponde a observar e copiar comportamentos
competentes dos colegas, ignorar as distrações e contribuir com as atividades propostas.
Existe uma necessidade de intervenção para o déficit em habilidades sociais, dado que
1315
gera uma série de consequências, ainda apresentam um forte risco para o bullying (Bejerot,
Edgar & Humble, 2011). O treinamento em habilidades sociais tem se mostrado uma estratégia
eficaz, pois funciona como uma ferramenta contínua usada para o indivíduo e para o grupo, que
se destina a garantir um melhor experiência e efetividade dos relacionamentos interpessoais e
uma maior qualidade de vida, em todos os âmbitos da vida, pois são utilizados certos
procedimentos com a finalidade de melhorar diversos comportamentos em diferentes situações
(Gonçalves, 2015). Segundo esse mesmo autor, o treino de habilidades sociais por ter um
objetivo bem específico, sistemático e contínuo, participa do aprimoramento e desenvolvimento
das relações sociais, já que melhora a competência social do indivíduo.
Um estudo feito por Terroso et al. (2016) descreveu a relação entre habilidades
sociais e bullying, e trouxe resultados que consideram que um bom repertório em habilidades
sociais podem ser um fator de proteção ao bullying, pois a incidência de ser vítima ou agressor
são consideravelmente diminuídas. Ainda sobre os resultados encontrados, obtiveram que os
praticantes de bullying também demonstraram maior dificuldade nas práticas de empatia e
condutas que envolvam uma desenvoltura social, ou seja, os escolares praticantes de bullying
apresentam um baixo repertório de habilidades sociais. Outros estudos também constataram
que os praticantes de bullying apresentam déficit habilidades sociais, e que no geral está
associado a capacidades empáticas e a dificuldade de resolver conflitos (Smångs, 2010; Silva
et al., 2016; Stan, & Beldean, 2014).
É visível a importância da aprendizagem das HS como fator de proteção contra
transtornos e problemas psicológicos (Campos, Del Prette & Del Prette, 2000; Gresham, 2009),
e sinaliza que déficits de habilidades sociais possuem uma correlação significativa com
problemas de comportamento e de aprendizagem, como preconiza a literatura (Casali-
Robalinho, 2012; Feitosa, Del Prette & Del Prette, 2012). Dessa forma, HS são alternativas
viáveis para lidar com bullying e saúde mental a fim de que se possam encontrar estratégias
para o combate ao bullying e preservação da saúde mental, com base nisso objetivou-se realizar
uma revisão sistemática da literatura acerca desses construtos.
2 Método
O processo de revisão sistemática ocorreu com o auxílio do software Covidence, que é
citado como um instrumento adequado para revisões sistemáticas rigorosas, onde a metodologia
deve ser documentada a cada etapa (Kellermeyer, Harnke & Knight, 2018). Essa qualidade
permitiu que todos os artigos fossem analisados de forma online para diminuir o risco de viés
de seleção. As bases de dados citadas previamente identificaram 505 artigos (100%). Em
seguida, seguindo o procedimento escolhido, foi feita a eliminação dos artigos duplicados, que
excluiu um total de 179 artigos, restando 326 (64,5%). A segunda etapa, que foi a etapa de
rastreio, se deu pela análise do título e análise dos resumos. A análise de títulos e de resumos
excluiu 294 artigos por conta da ausência dos critérios de elegibilidade, tanto no título quanto
no resumo do estudo. Dessa forma, restando apenas 32 estudos (6,3%) do total encontrado para
serem analisados na íntegra.
A terceira etapa foi a de elegibilidade, onde foram analisados os estudos na íntegra, de
forma duplo-cega por dois pesquisadores, a fim de verificar se os artigos se enquadram dentro
dos critérios de elegibilidade pré-estabelecidos para a revisão sistemática. Esses critérios foram:
(1) Estar escrito em língua inglesa, espanhola ou portuguesa; (2) Poder ser acessado na íntegra
(full text); (3) Participantes crianças e adolescentes abaixo de 18 anos; (4) Intervenção com
treino em Habilidades Sociais; (5) Design de estudo delineamento experimental e quase
experimental; (6) Qualquer grupo controle e sem grupo controle. (7) Possuir bullying como
1316
desfecho; (8) Desde o primeiro estudo publicado em cada base até o dia 08 de Abril do ano de
2021.
Adicionalmente, foi pré-estabelecido critérios de exclusão: (1) Participantes acima de
18 anos; (2) Treino de habilidades aplicado a outros tipos de bullying que não o escolar; (3)
Intervenções no bullying escolar, mas que não seja treino de Habilidades Sociais; (4)
Delineamentos diferentes de experimental e quase experimental; (5) Não possuir comparação
de antes e depois da intervenção; (6) Estudos de prevenção ao bullying e estudos que não
associam a saúde mental ao bullying.
3 Resultados e Discussão
Após a análise dos 32 estudos, 30 foram eliminados por não cumprirem atenderem a
todos os critérios de elegibilidade, os motivos foram: publicações privadas (n = 20); resultados
divergentes (n = 4); não houve intervenção em habilidades sociais (n = 3); indicador divergente
(n = 1); prevenção de bullying (n = 1); não houve intervenção (n = 1). Assim, para a análise
final apenas dois estudos (0,3%) Ambos os estudos se encontravam em língua inglesa. O estudo
de Bonell et al. (2018) foi publicado em 2018 pela revista The Lancet e é original do Reino
Unido. O segundo estudo de Kimber, Sandell e Bremberg é uma produção sueca publicada em
2008, dez anos de diferença em relação ao outro artigo encontrado para revisão, e foi publicado
pela Health Promotion International.
O primeiro estudo encontrado foi o de Bonell et al. (2018), é um estudo randomizado
do tipo cluster feito em 40 escolas do sudeste da Inglaterra entre 2014 e 2017. Esse estudo foi
feito com alunos de idade entre 11 e 12 anos e após a aplicação da intervenção em habilidades
sociais foi feito um follow-up em 24 e 36 meses, os estudantes, pelo tempo do último follow-
up, tinham a idade entre 14 e 15 anos. O instrumento de intervenção foi o Learning Together,
uma intervenção criada pelos mesmos autores do artigo encontrando, na qual tem como objetivo
geral fazer com que jovens escolham comportamentos mais saudáveis por meio da promoção
da autonomia, motivação e capacidade de raciocínio, dessa forma promovendo relacionamentos
entre estudantes e professores. Das 40 escolas escolhidas, 20 participaram do grupo
experimental e receberam a intervenção, enquanto as outras 20 escolas permaneceram com suas
atividades normalmente como grupo controle.
A intervenção foi dada pela própria equipe da escola após serem treinados para as
atividades da intervenção, além de uma reunião duas vezes por semestre para certificar que a
intervenção estava coordenada com o protocolo. Os estudantes receberam lições de cinco a dez
horas por ano sobre habilidades emocionais e sociais. Para medir os efeitos dessa intervenção
em relação ao bullying foi usado como instrumento o Gatehouse Bullying Scale (GBS) para
nível de vitimização de bullying e para medir a perpetração de comportamento agressivo, foi
usado o Edinburgh Study of Youth Transitions and Crime (ESYTC). Também foi usado no
follow-up de 36 meses o Quality of Life Inventory para qualidade de vida; o Short Warwick-
Edinburgh Mental Well-Being Scale para bem-estar emocional e por fim o Strengths and
Difficulties Questionnaire para encontrar problemas emocionais, comportamentais e problemas
entre pares entre adolescentes; o Modified Aggression Scale, Bullying Subscale para
perpetração de bullying.
Os principais resultados mostraram que Learning Together conseguiu diminuir os
níveis de vitimização por bullying em comparação às escolas controle, no entanto não foi
encontrado redução dos relatos de agressão por anos. De forma geral, foi relatado que a
intervenção apresentou melhores resultados secundários, favorecendo aspectos psicológicos e
1317
de bem-estar. Também em relação ao bullying, os resultados apresentam efeito maior em
escolas de níveis maiores de bullying, mostrando assim que Learning Together colaborou tanto
para reduzir o bullying existente, como também prevenir novos relatos de bullying. Por fim, os
resultados apresentaram maiores efeitos em meninos do que meninas.
O segundo estudo encontrado, foi o artigo de Kimber, Sandell e Bremberg (2008), esse
estudo consiste em um design quase-experimental longitudinal que iniciou em agosto de 2000
e de acordo com os autores, a intervenção continuava a ser aplicada durante o período da
publicação do artigo, em Janeiro de 2008. Os dados de base foram coletados em Maio e os dois
follow-ups foram mensurados respectivamente em Maio de 2001 e Maio de 2002. A população
se deu em duas escolas com alunos de idade variando de 7 a 16 anos.
A intervenção foi por meio do programa SET, que assim como o estudo anterior foi
criado previamente pelos mesmos autores do artigo aqui citado. O programa foi aplicado
durante o horário das aulas, cinco turmas com os alunos mais novos receberam duas sessões
por semana de 45 minutos e as outras turmas receberam 45 minutos uma vez por semana. Os
autores colocam que o objetivo principal do programa SET é desenvolver em cinco funções
essenciais dos estudantes: autoconhecimento, gerenciamento de emoções, empatia, motivação
e competência social.
Como instrumento de medições tanto no dados de base quanto no follow-up foram
usados instrumentos como o I Think I Am (ITIA) para autoimagem e a autoestima, duas versões
foram usadas levando em consideração a idade dos participantes; Youth Self-Report para
mensurar problemas de saúde mental; Mastery para mensurar sentimentos de autoeficácia e
desespero; níveis de bullying foram reportados em uma escala de três itens e por fim foi usado
o The Social Skills Rating System (SSRS), para mensurar o nível de habilidades sociais nos
alunos. Foram usadas versões traduzidas e validadas para sueco para todas as escalas.
Nos principais resultados, foi encontrado que o programa SET possuiu efeitos
favoráveis de níveis pequeno e médio na saúde mental e comportamento relacionados à saúde,
os autores colocam esse resultado como encorajador, visto que a aplicação desse método foi
por meio dos professores e equipe escolar. De forma geral, o estudo não apresentou resultados
significativos em diversos aspectos quando comparado ao grupo controle, não mostrando
resultados favoráveis em aspectos sociais e emocionais. Esse resultado positivo do programa
SET em questões de saúde mental, ao mesmo tempo que não encontra diferença significativa
na área de habilidades sociais, coloca o SET em uma posição de um bom ou moderado
instrumento para promoção de saúde mental, mas não em outros aspectos mais específicos.
Em resumo, na tabela abaixo é possível ver os dados sobre os estudos como objetivos,
design, amostra, instrumentos utilizados e principais resultados.
1318
(2018, Reino de bullying e controlado em controle e habilidades Together trouxe
Unido) agressão randomizado 20 em sociais Learning maiores
usando uma por cluster com experimental) Together benefícios para
intervenção um processo de muitos resultados
que procura avaliação em No total, 7. Gatehouse secundários, de
desenvolver 40 escolas do 121 Bullying Scale; função
habilidades sudeste da estudantes. GBS psicológica
sociais e Inglaterra. Edinburgh Study melhorada, bem-
emocionais of Youth estar, e qualidade
Transitions and de vida, à redução
Crime (ESYTC) do contato
policial,
tabagismo e uso
de álcool e drogas.
2. Kimber, B.; Analisar os Estudo quase- Nove turmas Programa SET Foi descoberto
Sandell, R. & efeitos do SET experimental escolares que o treinamento
Bremberg, S em problemas longitudinal diferentes, o Think I Am social e emocional
(2008, Suecia) interlizantes e com quatro número total (ITIA) tinha alguns
externalizantes escolas da de estudantes Youth Self-Report efeitos favoráveis
durante os Suécia em não foi de pequeno a
primeiros dois agosto de 2000, divulgado. Mastery médio saúde
anos da duas controles mental e
The Social Skills
implementação e dois comportamentos
Rating System
do programa. experimental. relacionados à
(SSRS)
saúde.
1319
estudo de Bunell et al. (2018) se coloca como o primeiro ensaio clínico randomizado que usa a
abordagem íntegra, envolvendo os alunos nas decisões escolares com o objetivo de fornecer
habilidades sociais. Enquanto isso, o estudo de Kimber, Sandell e Bremberg (2008), foi um
estudo longitudinal que cobria todas as séries escolares, dessa forma dando um parâmetro maior
aos resultados encontrados. Assim como relevâncias, também foi encontrado em ambos os
estudos limitações. Questões como: número de participantes na análise final, grandes números
de resultados secundários e também no caso do estudo dois, um estudo quase experimental.
Em relação a essa revisão sistemática, as limitações se encontram em relação à
comparação entre os estudos. Ambos se utilizam de instrumentos de intervenção e instrumentos
de medida diferentes, esse fato vem a causar uma diferença nos resultados encontrados. O
design de caDa estudo também é um fator, visto que enquanto o estudo de Bunell et. al. (2018)
é um estudo experimental do tipo cluster, o estudo de Kimber, Sandell e Bremberg (2008) é um
ensaio quase-experimental longitudinal. Outra questão também pode ser referida a data das
aplicações das intervenções, levando em consideração as datas das intervenções informadas nos
artigos, é encontrada uma distância de 14 anos entre as duas, é impossível não mencionar que
durante esses anos os estudos acerca de intervenções de habilidades sociais foram atualizados
nesta diferença de tempo.
4 Considerações Finais
O presente trabalho visou realizar uma revisão sistemática da literatura acerca dos
construtos bullying, saúde mental e HS, e assim gerou dados que contribuem com o
conhecimento de tais construtos, e que para além da teoria, possibilitam práticas interventivas
pautadas na ciência. Dessa forma, é possível observar que apesar de os resultados com suas
diferenças próprias apontam evidências de uma associação entre a vitimação de bullying e
problemas à saúde mental, sejam elas apresentadas como preditores ou como consequências do
próprio bullying. A diferenciação entre as características dos estudos incluídos pode ser
explicada pelo fato de que as amostras se diferenciam em questões sóciogeográficas. Em
síntese, entender o papel moderador das habilidades sociais no bullying e na saúde mental
através de pesquisas empíricas se faz necessário, e urgente para um período pós-pandemia.
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EIXO 21
1322
TEMAS TRANSVERSAIS
Introdução
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) foi desenvolvida por Aaron T. Beck em
1960, e é caracterizada principalmente por ser uma terapia de curto prazo com orientação
direcionada para a solução de problemas através de estratégias e técnicas específicas (Beck,
2013; Santos, 2017). A TCC postula que as emoções, os comportamentos e as reações físicas
do indivíduo são influenciados pela interpretação e significação que o mesmo faz de uma
determinada situação. Esse entendimento é um dos pressupostos básicos do trabalho formulado
por Beck, chamado de modelo cognitivo, neste modelo é levado em consideração que as
experiências anteriores vividas pelo indivíduo, o direciona a determinadas formas de pensar
fixas e rígidas que vão gerir seu comportamento, emoções e reações físicas, diante de situações
e/ou eventos (Stallard, 2009; Beck, 2013).
A abordagem Cognitivo-Comportamental enquanto prática direcionada para o manejo
do público infantil teve seu surgimento na década de 70, porém mesmo sendo uma terapia
diretiva e estruturada, deve ser adaptada para ajustar-se às características individuais do
desenvolvimento infantil como é apontado por Silva e Rocha (2016). Dessa forma nem todos
os procedimentos que fazem parte da conjectura da TCC utilizados em adultos irão também ser
utilizados em crianças, mas também há estratégias que podem e devem ser adaptadas para o
trabalho com o público infantil, como é o caso da psicoeducação e da mudança comportamental.
Essa primeira, a psicoeducação, se constitui como uma forma de aprendizagem capaz de
proporcionar ao indivíduo o desenvolvimento de pensamentos, ideias e reflexões sobre si, as
pessoas e o mundo e quais comportamentos deve emitir diante das situações e/ou eventos, isto
ocorre através de atividades que podem colaborar justamente na reflexão e obtenção de valores
e consequente mudanças dos mesmos (Nogueira et al., 2017).
As ferramentas supracitadas são consideradas como mais pertinentes e eficazes no
trabalho com crianças do que outras ações como a exploração dos pensamentos automáticos
que estão relacionadas a um nível de cognição e maturação mais elevado (Heinen et al., 2019).
Assim, alguns conceitos presentes no modelo cognitivo da TCC como os de emoções,
sentimentos, pensamentos, problemas e etc., precisam de representações concretas para serem
trabalhados e se tornem mais fáceis de serem compreendidos pelas crianças (Paula & Mognon,
2017). Nesses aspectos, a terapia cognitiva se baseia em capacidades verbalmente cognitivas e
deve-se considerar cuidadosamente as idades das crianças bem como suas habilidades
cognitivas, além de adaptar o nível de intervenção referente a idade da criança em relação ao
1323
seu desenvolvimento. As crianças tendem a aprender com mais facilidade ao se usar técnicas
cognitivas simples, com autoinstrução e intervenções comportamentais, ao passo que os adultos
e adolescentes se beneficiam com técnicas mais elaboradas que exigirá maior atenção e análise
racional (Friedberg & McClure, 2019).
Para isto, devem ser utilizados diversos artifícios lúdicos com o público infantil, como,
por exemplo, os balões de pensamentos que consistem em uma técnica da TCC de abordagem
não verbal onde são apresentadas figuras ou quadrinhos à criança e é pedido para ela sugerir o
que os personagens da figura estão pensando. Outra ferramenta que também ganha destaque
são os fantoches ou peças de teatro, que se tornam relevantes quando a criança tem dificuldades
de se expressar, pois a auxilia no processo de supor o que os fantoches e marionetes estão
imaginando durante a encenação, assim esses bonecos podem ser uma forma delas perceberem
a si mesma diante de várias situações e pensarem formas alternativas diante desses
acontecimentos (Stallard, 2009).
Outra ferramenta que possibilita uma maneira lúdica de contribuir para o
desenvolvimento cognitivo da criança é a música, pois é por meio de atividades como: jogos,
brincadeiras, cantar, tocar e escutar que o indivíduo se torna capaz de identificar e reconhecer
as propriedades do som e da música (timbre, melodia, ritmo e harmonia), o que propicia a
aprendizagem de regras e as dimensões de tempo, espaço e altura. Atividades que envolvem
música têm o benefício de estimular a criatividade, promover afetividade com o próximo e
estimular além do desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento motor (Santos, 2018). Tendo
a música como ferramenta lúdica a criança pode desenvolver suas habilidades em busca de
soluções de problemas, potencializando a capacidade de memória e percepção, sendo possível
observar aspectos da subjetividade (Lodi & Souza, 2018).
Logo, estas técnicas visam estimular, complementar e fortalecer diversas competências
em crianças que se constituem nas habilidades socioemocionais, sendo estas o conjunto de
capacidades de lidar e reconhecer emoções, definir e cumprir metas, estabelecer e manter
relações positivas e tomar decisões de forma responsável, ou seja, consistem no
desenvolvimento das inteligências interpessoais e intrapessoais, as quais todos nós
apresentamos e podemos potencializar, assim como os estilos cognitivo-afetivos que estão
presentes em maior ou menor intensidade (Almeida et al., 2018; Abed, 2016).
Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo relatar a experiência da
execução de uma oficina realizada com crianças, que visou estimular o desenvolvimento de
habilidades socioemocionais através da ludicidade e do emprego de técnicas da Terapia
Cognitivo-Comportamental, considerando-se primordialmente as emoções primárias (alegria,
amor, tristeza, medo, raiva e nojo), visto limitações de tempo e espaço apropriados.
Método
Local
A oficina fez parte de atividades relacionadas a um evento satélite que pretendia
envolver crianças à prática da leitura, em conjunto com outros aspectos de seu desenvolvimento
intelectual e sócio emocional. O referido evento ocorreu nas dependências de uma universidade
pública na cidade de Parnaíba-PI.
Participantes
1324
A proposta aconteceu em dois momentos, cada um com duração média de 1h15min com
participação, em média, de 25 alunos (faixa etária entre 9 a 11 anos) do ensino fundamental de
uma escola da rede pública de ensino da cidade de Parnaíba – Piauí. As atividades da oficina
foram coordenadas e supervisionadas por uma professora do curso de Psicologia com atuação
na ênfase da TCC, contando com facilitadores, que foram seus alunos de estágio profissional
do referido curso.
Instrumentos
Foram utilizados para a realização da oficina Datashow, caixa de som e computador,
que facilitaram a exibição de vídeos. Imagens impressas para uso nas atividades. Violão para
momento lúdico musical. Fantoches feitos com feltro, representando personagens diversos
utilizados para contar história e folders com resumo da temática abordada na oficina como
informativo para os participantes, e seus respectivos familiares e educadores.
Procedimentos
Inicialmente, a orientadora e os facilitadores da intervenção foram responsáveis por
estipular o cronograma com as ações a serem realizadas com as crianças, buscando otimizá-las
para que a aplicação das dinâmicas envolvessem teoria e prática dentro do espaço curto de cada
momento da oficina. Sendo desenvolvidas, então, três fases em cada turno da oficina, que
abarcaram atividades com todo o grupo de alunos presentes no momento.
- 1º fase
A primeira fase da oficina se dedicou a apresentação da proposta aos alunos
participantes, de seus facilitadores e da orientadora. Logo após, havendo o estabelecimento de
regras de funcionamento das atividades em grupo, para que ocorressem de forma co-
participativa, sendo destacadas o respeito às opiniões e sigilo das informações dentro do grupo.
Nesse momento, também se dividiu sete subgrupos entre as crianças, com a presença de um
aluno facilitador em cada um deles, com a intenção de que cada grupo posteriormente
representasse uma emoção (alegria, raiva, tristeza, alegria, amor, medo e nojo), bem como para
que facilitasse a atenção das crianças caso se dispersassem, sendo em seguida já iniciadas as
atividades da oficina.
- 2º fase
Para a segunda fase, com as crianças já divididas em pequenos grupos, se iniciou a
primeira atividade, em que estes foram postos a assistir e acompanhar o clipe da música “Onde
se fabrica o pensamento” do grupo infantil “Mundo Bita”, como forma inicial de trazer a
atenção para a temática abordada, quando o clipe retrata sobre as emoções e pensamentos. Com
a música, logo em seguida, sendo cantada com voz e violão por um dos facilitadores, com todos
os demais o acompanhando, para a fixação das emoções básicas que podemos sentir. Após esse
espaço musical, foi exibido o trailer do filme “Divertidamente” que reforçava os exemplos das
emoções presentes no clipe da música, a partir dos pensamentos de uma menina, para que daí
pudéssemos relacionar as emoções aos pensamentos, que viriam a ser aprofundados nas
atividades de reconhecimento das emoções e pensamentos a partir de imagens.
Assim, as atividades nomeadas de “reconhecimento do papel do pensamento nas
emoções” e “reconhecendo as emoções” decorreram em seguida, respectivamente. A primeira
acontecendo em cada subgrupo que abordava sobre como as crianças conseguiam entender que
1325
as emoções estavam ligadas essencialmente ao pensamento, a situação e ao comportamento. E
a segunda, ocorrendo com cada facilitador que já estava com uma emoção designada
anteriormente, instruiu seu grupo a encenar para os demais adivinharem qual emoção estava
sendo representada. Com isso, logo em seguida, um dos integrantes colou em um quadro a
expressão da imagem correspondente a cada uma das emoções. De modo que ambas as
atividades, objetivavam auxiliar as crianças a reconhecerem em que consiste cada emoção
básica, como costuma-se expressar essas emoções e como estão ligadas a seus pensamentos e
interpretações das situações.
- 3º fase
Para essa fase, e já finalizando as atividades da oficina, buscou-se reforçar a capacidade
das crianças de associação do que foi apresentado, agora por meio do uso de objetos lúdicos.
Para tanto, os facilitadores ainda em seus subgrupos, se utilizavam de fantoches para criar uma
pequena história, em que os personagens passavam por situações envolvendo empatia e o uso
das emoções. Após a criação das histórias por cada subgrupo, estas foram contadas e explicadas
pelas próprias crianças, em que falaram como entendiam quais emoções envolviam os
personagens e o que poderia os ter levado a se sentirem desse modo.
Tais conclusões, impulsionaram para a realização da última atividade, agora em forma
de roda de conversa com todas as crianças e a equipe da oficina, de modo que “desenvolvendo
a empatia” acabou por ser o tema de discussão, buscando-se, sobretudo ressaltar a compreensão
e desenvolvimento desta habilidade social nessa fase da vida. Finalmente, como forma de
encerramento, foram distribuídos às crianças os folders com um breve resumo sobre a TCC,
onde foi resumido a retroalimentação existente entre as emoções, pensamentos,
comportamentos e situações para que pudessem retomar as mensagens trazidas durante a
oficina, posteriormente com os pais, colegas e educadores.
Resultados e Discussão
As intervenções tiveram como base a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC),
especificamente utilizou-se da psicoeducação que tem por objetivo orientar o sujeito em relação
a aspectos da vida, tais como as consequências de um comportamento, a construção de crenças,
valores, sentimentos e a repercussão destes na vida do indivíduo e na dos outros (Nogueira et
al., 2017). Dentro da técnica foram trabalhados três temas: reconhecimento de pensamentos:
controlando as emoções, e reconhecimento e expressão dessas emoções, assim como a empatia.
Para cada tema, atividades foram executadas a fim de alcançar os objetivos propostos.
Na segunda fase da oficina, através da música que é vista por Barros, Batista e Silva
(2017) como um método facilitador no processo de desenvolvimento da criança, a atividade
executada foi capaz de desenvolver a concentração, memorização de conteúdos e habilidades
psicomotoras em seus participantes. Dessa forma, fez-se uso dessa prática a fim de captar a
atenção para o conteúdo abordado e explorar as emoções, já que a música favorece a eliciação
de respostas emocionais (Moura, 2016). Foi possível perceber que as crianças interagiram muito
mais e ficaram mais desinibidas, ao acompanhar a letra da música e cantar, pela presença do
instrumento e pela dinâmica dos facilitadores.
O recurso da música teve sua utilidade alcançada por permitir que as crianças
aprendessem sobre os conceitos brincando, sorrindo e cantando, pois decoravam a letra da
música e ao pedir para que sintetizassem o que haviam compreendido da letra, conseguiam
fazer sem grandes dificuldades, além de conseguirem assimilar com situações do dia a dia
quando interrogadas sobre exemplos de emoções. Algumas se sentiram retraídas ou
1326
envergonhadas de início, mas no decorrer da atividade iam se soltando e tendo mais
participação na dinâmica. Assim, o processo de aprendizagem se constituiu como facilitador e
agradável, estimulando cada vez mais a interação e interesse das crianças em participarem,
tornando a atividade lúdica um potencial para desenvolver a criatividade e a capacidade de
pensar, criar e fazer (Lodi & Souza, 2018).
Além disso, a música pôde contribuir em vários âmbitos na atividade, ela levou as
crianças a significação e representação das tarefas, sendo uma forma de quebrar atividades
totalmente mecânicas que não são atrativas, nesses aspectos subtende-se que a música como
recurso lúdico contribui para estimular o prazer no sujeito bem como seus processos cognitivos,
emocionais e afetivos (Santos, 2018).
Por conseguinte, houve a apresentação do trailer do filme “Divertidamente” que
mostrou a sala de comando de cinco sentimentos (alegria, amor, tristeza, medo, raiva e nojo)
da personagem “Riley”, buscando representar a mente de uma pessoa com seus pensamentos,
sentimentos, emoções e memórias, como também de que maneira esses diferentes aspectos
influenciam no que Riley faz. Dessa forma, através das cenas do filme foi possível abrir espaço
para uma reflexão de como estão envolvidas: a nossa maneira de pensar, como nos sentimos e
o que fazemos, já que o longa-metragem aborda lições importantes como o reconhecimento de
que não existe sentimento melhor ou pior, de que a alegria é ótima, mas a tristeza, o medo, o
nojo e a raiva também são necessários, de que o segredo para uma vida saudável está em
equilibrar as emoções e de que as emoções e sentimentos marcam nossas memórias, pois nós
temos um verdadeiro arquivo de memórias que é a nossa mente.
Nesta atividade, as crianças se mostraram bastante empolgadas ao identificar as
emoções e associar com reações e comportamentos que os personagens do filme emitiam.
Muitas explanaram para o grupo sobre situações parecidas que ocorriam consigo mesmo, com
os colegas ou com pessoas conhecidas, falaram sobre emoções que gostavam e não gostavam
de sentir. Relataram também sobre o que faziam no dia a dia, em casa e na escola para afastar
as emoções ruins e aproximar as emoções boas como estratégia para se sentirem melhores e
terem bons relacionamentos com quem conviviam.
Na segunda fase da oficina foram desenvolvidas as atividades “reconhecimento do papel
do pensamento nas emoções” e “reconhecendo as emoções”. Na primeira atividade, onde foram
discutidos sobre a ligação existente entre as emoções, os pensamentos, os comportamentos e as
situações, as crianças foram capazes de reconhecer as diferentes emoções. Indo de encontro ao
que Aguiar et al. (2016) apontam, afirmando que a capacidade de reconhecer emoções é
essencial para a interação humana e ocorre desde a infância.
Nesta etapa, as crianças também foram capazes de compreender que todas as emoções
são importantes, apesar de algumas serem desagradáveis de sentir. Aprenderam que, diante de
uma emoção, temos um comportamento construtivo ou destrutivo e que precisamos saber lidar
com tudo isso para não gerar problemas. Santos e Franco (2018), afirmam que
existem evidências empíricas apontando a compreensão emocional como um dos fatores para
o ajustamento social e a promoção de saúde mental, dessa forma o reconhecimento das
emoções, a compreensão das causas externas que levaram a tais emoções e a influência da
lembrança nas emoções é algo importante para ajudar no desenvolvimento saudável da criança.
Ainda nessa fase, os participantes da oficina também foram instruídos a perceber que a
forma como as situações são analisadas nos fazem identificar e sentir diferentes emoções, como
corrobora Del Prette e Del Prette (2017) ao afirmarem que quando a criança identifica e
expressa suas emoções e sentimentos em determinada situação, ela fornece pistas sobre seu
comportamento e as condições em que ele ocorreu, além de sinalizar quanto a prováveis
1327
condições relacionadas ao seu comportamento atual e futuro.
Na segunda atividade desta etapa, que consistiu na encenação das emoções, as crianças
de cada grupo que se sentiu mais a vontade de participar, fizeram uma atuação da emoção
designada anteriormente correspondente ao seu grupo. Foi perceptível que muitas crianças
apresentavam a emoção por meio de situações do dia a dia, gestos e expressões faciais. Na
raiva, por exemplo, a expressão corporal e ruborizada da face foi algo marcante, já no medo,
utilizaram um papel para representar um bicho e a criança efetuou um salto para longe do objeto,
como forma de retratar o afastamento do que lhe causa temor. Durante as encenações, o restante
do grupo tentava adivinhar qual emoção estava sendo expressa, o que fez com que houvesse a
interação da equipe como um todo.
A literatura aponta através de Zappa e Santos (2019), que é por meio do fazer teatral
que as crianças têm a oportunidade de se desenvolverem fisicamente, biologicamente,
cognitivamente e socialmente, pois através da interação com o outro e com o meio há a
construção de uma ação participativa e efetiva com valores que visam à representação e gestão
de suas próprias emoções, proporcionando assim mais qualidade de vida e sentimento de
interdependência. Del Prette e Del Prette (2017) também trazem a encenação das emoções
juntamente com o acompanhamento do profissional psicólogo, como uma atividade facilitadora
capaz de auxiliar a criança a identificar suas emoções, pois exige dela principalmente, a
habilidade de se expressar emocionalmente.
Na terceira fase da oficina, que contou com a utilização de histórias narradas por meio
de fantoches, pode-se perceber que essa intervenção lúdica, a partir de seus elementos de
formulação, é tida como uma proposta onde o espaço do brincar possibilita a interação entre o
lúdico e o real e se relaciona com as experiências dos participantes (Reis, Silva & Santos, 2017).
No caso da história utilizada, foi trazida uma vivência de uma garotinha que se excluía dos
demais colegas por conta de seus pensamentos automáticos que a faziam se afastar de situações
que a remetesse outra situação ruim ocorrida anteriormente. Dessa forma, foi abordado tanto
sobre os conceitos da TCC presentes na história como também sobre a empatia e a importância
do diálogo com o outro para solucionar problemas.
As crianças identificaram na história: a situação, os pensamentos, as emoções e os
comportamentos dos personagens, e relataram sobre o que poderia ser feito para amenizar o
problema e ajudar os personagens. Nesse momento, foi estimulado o desenvolvimento da
empatia e percebeu-se que os participantes da oficina além de criar situações alternativas do
que a personagem poderia ter feito também se colocaram na posição dela, relatando como se
sentiam e quais atitudes poderiam tomar se aquilo tivesse ocorrido com os mesmos. Assim, a
partir da utilização dos fantoches, as crianças puderam associar concepções entre o real e o
imaginário a partir de seus sonhos e pensamentos, prolongando a visão inventiva e curiosa sobre
si mesmos, os outros e o mundo (Alencar Reis et al., 2017).
A aplicação destes diferentes elementos e instrumentos para a execução das atividades
corrobora ao que já vem sendo apontado pela literatura no que tange às vantagens do emprego
de diferentes linguagens e formas de trabalho pedagógico a fim de desenvolver habilidades
socioemocionais em crianças. Algumas dessas vantagens estão presentes no fato de que todas
as crianças são contempladas em suas preferências em algum momento e todos os envolvidos
na dinâmica podem tanto fortalecer seus pontos fortes quanto desenvolver seus pontos fracos
(Abed, 2016).
Considerações Finais
1328
Diante do presente relato de trabalho desenvolvido com crianças por meio da oficina
aqui apresentada, é possível conceber que experiências teórico-práticas referentes à abordagem
cognitivo-comportamental, podem ser adotadas enquanto metodologia para um projeto
introdutório e dinâmico, observando-se o tempo de execução e o público ao qual se direciona.
No caso em questão, deve-se considerar a ampliação e o aprofundamento da intervenção, pois
houve limitações quanto ao tempo e espaço que não foram totalmente adequadas por se tratar
de um ajuste ao evento satélite. Todavia, isso não impossibilitou que a ação se mostrasse uma
ferramenta potente e significativa quanto ao desenvolvimento dos objetivos do projeto e da
programação traçada.
Ademais, a prática abordada, respaldada na TCC, teve pressupostos importantes como
o modelo cognitivo, a psicoeducação e o desenvolvimento das habilidades socioemocionais
adaptados ao manejo desde os primeiros anos de vida. Tendo isso em vista é preciso observar
que atualmente emergem diversas questões no contexto em que vivemos, onde mudanças
ocorrem rapidamente, a tecnologia avança a todo o momento e capta cada vez a atenção da
criança que por sua vez possui necessidades, vontades e dinâmicas específicas. Dessa forma, o
fazer psicológico tem de estar atento a essas diversas mudanças e transformações, a fim de
acompanhá-las com o objetivo de proporcionar qualidade de vida e potencializar as habilidades
e competências infantis.
Portanto, o presente relato representa uma forte contribuição ao conhecimento teórico
e prático do profissional psicólogo, o proporcionando pensar, criar e executar estratégias lúdicas
com o público infantil, agregando na inovação, adaptação e atualização no campo da
psicologia.
Por fim, é fundamental a continuidade de práticas conforme as versadas no presente
relato, assim ressalta-se como indicação para as próximas oficinas o envolvimento de pais e
educadores juntamente com as crianças e facilitadores no processo de execução da dinâmica.
Dessa forma, a intervenção contempla não só a Terapia Cognitivo-Comportamental e a
academia, como também a comunidade, em especial o público infantil que são os mais
beneficiados por fazeres éticos, respaldados em teorias e compostos por devolutivas.
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REDES SOCIAIS E USO DA INTERNET: DA INTERAÇÃO À ANSIEDADE E
1331
INSATISFAÇÃO COM A IMAGEM CORPORAL
Karina Alves de Oliveira
Thayz Costa Mesquita
Marcilene Araújo Dias
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Introdução
O presente trabalho parte de uma pesquisa de aprofundamento teórico para o
desenvolvimento de atividades formativas no âmbito do projeto de extensão universitária
intitulado de “Interfaces entre Psicologia e Inovação Educativa”, realizado pelo Núcleo de
Estudos em Psicologia e Inovação Educativa (NEPSIN). Entre as ações do projeto foram
oferecidos minicursos abertos para a comunidade em geral, voltados tanto para estudantes e
educadores de vários níveis de ensino como para o público interessado pelo assunto. As
temáticas dos minicursos se voltam para a interface psicologia e inovação educativa, com
objetivo de promover o desenvolvimento de competências para uso estratégico, produtivo,
seguro, responsável e ético das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC).
Neste sentido, o presente trabalho é parte da capacitação teórica para a oficina “Redes
Sociais e o Uso Seguro da Internet” levada a cabo no âmbito do minicurso “Cyberbullying e
uso seguro da internet”, no qual foi abordado a relação entre as TDIC e a saúde mental,
evidenciando-se os pontos positivos e negativos das redes, bem como seus meios de proteção e
segurança.
Como ponto de partida, podemos dizer que o mundo está e sempre esteve em constante
mudança, principalmente no que se refere ao aspecto social e cultural. Entretanto, este processo
ganha características peculiares com o advento da internet e acelerado desenvolvimento e uso
das TDIC nos diversos setores sociais. A partir de então, o mundo e as relações tornam-se cada
vez mais virtualizadas, acarretando inúmeras mudanças no modo de interação social, afetando
e influenciando diretamente as pessoas tanto na vida pessoal, como profissional, social e
psicológica (Sousa & Rodrigues, 2016).
De acordo com Sousa (2019), tendo em vista todas as mudanças ocorridas a partir do
surgimento das TDIC, é necessário atentar-se para uma problemática em específico, que é o
acentuado crescimento dos padrões e estereótipos de beleza impostos pela mídia. Nesse aspecto,
o apelo ao corpo perfeito está constantemente presente nas redes sociais, o que faz com que seu
uso se torne um fator gerador ou potencializador de ansiedade em adolescentes e jovens.
A intensificação da ansiedade está associada à constante exposição nas mídias sociais,
que muitas vezes podem causar um sentimento de não estar aproveitando a vida, levando o
sujeito a ter atitudes de comparar a sua vivência pessoal com a vida virtual representada nas
redes sociais (Royal Society for Public Health, 2017).
Diante da relevância dessa temática na atualidade, a realização de estudos e pesquisas
na área são importantes para compreender as implicações que advêm do uso excessivo das
TDIC. Desse modo, este trabalho tem o objetivo de discutir os aspectos positivos e negativos
acerca do uso da internet e das redes sociais, especialmente no que diz respeito à influência
desses aparatos tecnológicos sobre a ansiedade e imagem corporal de adolescentes e jovens.
Dessa maneira, partimos da ideia de que se, por um lado, as tecnologias digitais e as
1332
redes sociais constituem importantes ferramentas para ampliar o horizonte de acesso à
informação e comunicação, por outro, seu uso problemático pode desencadear danos à saúde
mental. Nesse sentido, as discussões levadas a cabo no presente trabalho serão enriquecidas
pela reflexão e sugestão de condutas e posicionamentos de segurança para a utilização dos
referidos artefatos de maneira mais segura e favorável ao bem-estar integral do sujeito.
1333
for Public Health, 2017).
Para Frois et al. (2011), historicamente, a sociedade sempre utilizou modelos para
basear sua organização, entretanto, nos dias atuais, a problemática situa-se na exacerbação das
exigências fantasiosas quanto ao corpo, ou seja, em um perfil ilusório e idealizado difundido
pela mídia que leva as pessoas a buscarem concretizá-lo. Este corpo projetado e disseminado,
sendo comumente associado à ideia de felicidade, é inatingível para uma boa parte da população
por diversos fatores, gerando um inacabável, doloroso e decepcionante processo de
modificação e reconstrução de si mesmo (Silva-Nogueira-Barbosa & Vieira-da-Silva, 2017).
Achados da pesquisa de Lira et al. (2017) corroboram com este posicionamento, uma
vez que a frequência de uso das mídias associou-se a maior probabilidade de insatisfação
corporal entre adolescentes. Neste sentido, a beleza virtual manipulada por aplicativos e ao
mesmo tempo disseminada pelas redes sociais tem contribuído expressivamente com a
valorização da imagem de felicidade e perfeição, negando os aspectos reais e imperfeitos da
vida e do corpo (Romero, 2018; Hage & Kublicovski, 2019; Lopes & Mendonça, 2016).
Todavia, o que se deseja não é apresentar as redes sociais e internet como vilãs do bem-
estar físico e psíquico, mas compreender o perigo acerca do uso problemático e mal gerenciado
das mídias, ressaltando, inclusive, a importância de desenvolver ações educativas que
promovam a reflexão e conscientização. Pensando nisso, se faz necessário uma utilização mais
responsável das redes sociais e meios de informação e comunicação, como também uma
filtragem, ressignificação e criticidade dos conteúdos que chegam diariamente (Rigoni et al.,
2017).
Apesar de ser importante refletir sobre os riscos do mau uso da internet e a forma
irresponsável como as mídias digitais impõem padrões, é também importante ressaltar o poder
positivo da internet e reconhecer que seus resultados dependem da forma como ela é
manuseada. Assim sendo, se de um lado ela pode exercer uma função negativa e coercitiva, por
outro, ela pode favorecer o acesso à informação e a interação entre pares, de modo que, quando
utilizada de forma assertiva é capaz de ampliar os horizontes de seus usuários (Rigoni et al.,
2017).
Benefícios e malefícios do uso das redes sociais: duas faces da mesma moeda
Diante do avanço das TDIC, é possível perceber os impactos das redes sociais no dia
a dia das pessoas, alterando não só as formas de comunicação e relações sociais, mas também
ampliando as possibilidades de acesso à informação e conexão com todo o mundo. Contudo,
ainda que tais mudanças marquem a era dos avanços tecnológicos, é necessário estar atento
aos dois lados destas transformações.
Para Prychodco e Bitencourt (2019), a internet e as redes sociais realmente podem
propiciar armadilhas para seus usuários, por meio do consumo acrítico dos conteúdos e
imagens que são veiculadas, todavia, elas também possibilitam muitas interações, troca de
experiências e socialização, o que potencializa a busca e aquisição de conhecimentos.
Segundo o relatório da Royal Society for Public Health (2017), o lado positivo da
internet e redes sociais vai muito além do acesso à informação, uma vez que ela fornece
meios para a construção do senso de comunidade e apoio emocional; permite a autoexpressão
que possibilita construir e manter relacionamentos interpessoais mesmo com pessoas
distantes, o que em outras circunstâncias a comunicação não seria possível; além de viabilizar
1334
o acesso a diversos serviços especializados na modalidade on-line.
Por esse ângulo, as redes sociais podem se configurar em um espaço de acolhimento
e aproximação entre as pessoas com algum sofrimento psíquico, uma vez que podem manter
conexões com aqueles com os quais se identificam, permitindo uma reafirmação da sua
identidade social, bem como dividir suas histórias de vida (Barros & Serpa, 2017).
Logo, a internet e redes sociais também podem ser consideradas importantes
ferramentas para a construção de uma rede de apoio, uma vez que possibilitam a formação
de comunidades virtuais, reunindo pessoas com objetivos em comum ou que buscam discutir
um determinado assunto de interesse coletivo, como por exemplo, a ansiedade e insatisfação
com a autoimagem, permitindo a conexão e o compartilhamento de experiências entre os
membros, que podem ser de qualquer parte do mundo (Royal Society for Public Health,
2017). Desse modo, a partir destas redes, é possível que haja um cuidado ou ajuda mútua
entre os participantes.
Outrossim, é importante ressaltar que o acesso à informação nunca foi tão fácil e
prático, já que o mundo praticamente cabe dentro do smartphone. O compartilhamento de
dados e notícias de qualquer parte do mundo permite que as pessoas tomem conhecimento e
realizem coisas que antes não seria possível. Portanto, a multifuncionalidade e alcance global
da internet e das redes sociais podem ser incrivelmente positivos em diversos aspectos ou
adverso quando usando de maneira irresponsável.
O relatório da Royal Society for Public Health (2017) aponta alguns dos efeitos
negativos que as mídias sociais podem trazer para a saúde mental, dentre eles estão
problemas relacionados à insônia; o cyberbullying; o medo de estar perdendo momentos
importantes na internet quando não se está on-line; além de depressão, ansiedade e impactos
na autoimagem, gerados pelo sentimento de inadequação frente ao padrão proposto pelas
mídias sociais. Ademais, o estudo de Aguiar et al. (2018) apontam para o risco de
sedentarismo, uma vez que muitas atividades do cotidiano podem ser resolvidas em apenas
alguns cliques, sem a necessidade de muito esforço.
A partir do exposto, é possível se questionar como uma mesma ferramenta pode ter
lados tão antagônicos. Um lado compreendido como um potencial ambiente para a promoção
de bem-estar psíquico, tendo como exemplo a possibilidade de formação de comunidades e
rede de apoio. Ao passo em que, o uso problemático e acrítico pode ocasionar justamente o
oposto, levando a um sofrimento psíquico que pode ser alimentado por diversos motivos,
dentre eles, a ansiedade e a insatisfação com a autoimagem (Fernandes, Maia & Pontes,
2019), que serão abordados de maneira mais aprofundada no tópico que se segue.
O que se percebe, na verdade, é que os efeitos do uso de internet e redes sociais na
saúde mental podem estar muito mais associados à postura que o usuário adota frente a estas
mídias do que à própria internet em si. Por isso, é importante que pais, educadores e
profissionais como psicólogos e outros, estimulem a ação consciente dos usuários de
diferentes faixas etárias.
1335
indivíduos por meio da disseminação de padrões estéticos explicitados pelo excesso de
imagens e representações conduzindo as pessoas para a busca de um corpo perfeito (Rigoni
et al., 2017).
Segundo dados do Instagram (2016), 80 milhões de fotos e vídeos são lançados na
rede todos os dias. Contudo, é importante ressaltar que quando este dado foi divulgado a
plataforma contava com 400 milhões de usuários, já no ano de 2017 o número de usuários
havia dobrado devido à grande adesão do aplicativo (Instagram, 2015; Instagram, 2017).
Paralelamente a isso, houve o crescimento significativo das publicações de fotos e vídeos, de
modo que somente o Instagram já compõe um potencial quase infinito de imagens e
exemplares que servirão como parâmetro para comparar a própria vida e a aparência.
A problemática não está na quantidade de fotos compartilhadas, mas na imagem que
se quer repassar, muitas vezes manipuladas por aplicativos que transmitem a cena de uma
vida perfeita e de uma aparência impecável. A pesquisa realizada por Hage e Kublikovski
(2019) demonstra que a atração dos participantes por imagens remetendo à felicidade, como
viagens, praias e aquelas relacionadas à valorização da aparência são as que causam maior
impacto para serem reproduzidas e curtidas.
Em conformidade, a contínua exposição a esses conteúdos imagéticos filtrados e
manipulados levam as pessoas a aceitarem tais representações como reais, almejando
aproximar seus corpos, estilos de vida e aparência com aquelas que vêem estampados nas
mídias. A forte disseminação de padrões estéticos por meio dos digital influencers gera,
principalmente nas mulheres, um sentimento de insatisfação em relação a sua autoimagem
(Hage & Kublikovski, 2019).
É neste ínterim que o corpo deixa de ser um atributo individual para tornar-se um
espelho do que é repassado pela mídia, construindo de forma não consciente um ideal de
corpo que têm influenciado de maneira cruel a autoimagem e a autoestima das pessoas (Neto
& Campos, 2010).
A quantidade quase inacabável de fotos serve de base para a autocomparação e a
busca destes padrões, que pode ser uma jornada frustrante e insaciável, uma vez que se
reinventam continuamente. Neste contexto, Silva-Nogueira-Barbosa e Vieira-da-Silva
(2017) enfatizam que é frequente encontrar mulheres que se percebem fora do que é
esteticamente imposto, questionando a realidade do próprio corpo. Dessa forma, os modelos
irreais estabelecidos pela internet e especificamente pelas redes sociais intensificam o
sentimento de insatisfação com a imagem corporal, potencializando a baixa autoestima e a
busca pelo perfeccionismo que podem se manifestar em forma de ansiedade (Royal Society
for Public Health, 2017).
Nesse sentido, a ação de se comparar reflete em uma grande problemática, pois os
indivíduos podem construir uma falsa narrativa de si próprio nas redes sociais sendo comum
transformarem e organizarem momentos do cotidiano em função do mundo virtual. Um
exemplo disso é quando deixam de experimentar os momentos especiais para se resumir a
uma busca obstinada pelo registro da foto perfeita, por meio de performances e uso de filtros
como o photoshop em busca de “corrigir” as insatisfações com relação à própria imagem.
Nestes casos, verifica-se uma abdicação da experiência do contato e do sentido em
detrimento da possibilidade de exibir uma foto que fantasiosamente demonstra o momento
pleno.
O indivíduo que se considera fora dos padrões impostos, possivelmente, também se
1336
sentirá fora do convívio harmonioso em sociedade, uma vez que pode se sentir insatisfeito
com a própria imagem corporal (Sousa, 2019). É neste sentido que os exemplares vendidos
como ideal de beleza nas redes sociais podem acabar tornando-se produtores de mal-estar,
como ansiedades e insatisfação com o próprio corpo.
Nesse âmbito, nota-se que internalizar indiscriminadamente todas as imagens e
significantes que se vê representado nas redes sociais como um todo, podem se configurar
como uma possibilidade de não aceitação de si, tornando-se necessário entender que a vida
on-line não pode ser entendida como parâmetro da vida real, já que esta não é passível de
manipulação ou embelezamento como ocorre no meio virtual.
Dentro desse contexto, vale ressaltar que os pré-adolescentes e adolescentes,
especialmente do sexo feminino, estão entre os grupos de maior vulnerabilidade, tendo em
vista que é nessas fases da vida que os questionamentos podem surgir de forma mais intensa,
assim como a percepção sobre o não enquadramento nos padrões, podendo desencadear
sofrimento psíquico (Lira et al., 2017; Neto & Campos, 2010). Soma-se isso ao fato de ainda
estarem em processo de desenvolvimento e, desse modo, os efeitos podem acarretar
implicações ao longo da vida.
A partir do exposto, percebe-se que muito do que se vê nas redes sociais, são na
verdade, representações momentâneas e ilusórias, porém esse fato não é o único problema,
já que também envolve a ausência de uma posição ponderada e reflexiva sobre o seu
consumo, sendo preciso responsabilidade ao absorver os conteúdos virtuais como exemplos
a serem seguidos na vida real.
1337
oferecem muitos serviços que os auxiliam na proteção e privacidade dos dados através de suas
políticas de uso. Alguns exemplos disso, são a criptografia dos dados e a escolha de quais
informações serão expostas ao público em geral, a amigos ou somente para si (Silva Barbosa et
al., 2014).
No entanto, nem todas as pessoas têm conhecimento dos riscos que correm ao acessarem
a internet e exporem sua privacidade sem saber como proteger-se de sites não confiáveis ou
identificá-los, além de não terem clareza de quais dados estão sendo coletados e para quais
finalidades eles serão utilizados (Silva Barbosa et al., 2014).
Em face disso, o Brasil tornou-se destaque ao aprovar o Marco Civil da Internet (Lei nº
12.965, de 23 de abril de 2014), que pode ser considerado um tipo de “constituição da internet”
que dispõe de princípios, garantias, direitos e deveres do uso da web no país. Essa ação contou
com a participação de diversos segmentos da sociedade civil, tendo por principal objetivo
garantir os direitos dos usuários (Segurado, Lima & Ameni, 2015).
Outro ponto de destaque acerca dos comportamentos de risco é o excesso de tempo
gasto na internet, principalmente em redes sociais, que vem atrapalhando a vida off-line das
pessoas, a ponto da vida virtual torna-se mais atrativa do que o mundo real. Com isso, entra em
cena alguns aplicativos que podem ajudar no monitoramento e controle do uso diário das
mídias.
São vários os aplicativos que permitem o monitoramento e administração dos hábitos
on-line. Alguns permitem limitar o tempo de uso de cada rede social, fornecendo informações
sobre a quantidade de horas que o usuário passou conectado. Já outros colaboram para a
diminuição dos efeitos negativos do excesso de exposição à luz de LED (Light Emitting Diode),
dentre eles, a insônia, ao permitir ativar no próprio aparelho celular o modo noturno, que
geralmente modifica o tom das cores da tela e facilita a higiene do sono.
Conclusão
Diante do exposto, é inegável a importância do avanço tecnológico para o
desenvolvimento mundial, marcado pelas mudanças no dia a dia da população, trazendo
consigo facilidade, rapidez e acesso à informação. Contudo, à medida que esses benefícios se
estendem, os riscos também aumentam, uma vez que a tecnologia, em especial a internet e
redes sociais são manuseadas por seres humanos e, portanto, passíveis de deturpação.
Se por um lado as redes sociais modificaram as formas de se relacionar possibilitando
criar espaços de troca de informações, redes de apoio e novas maneiras de laços afetivos que
anteriormente à revolução tecnológica não seriam possíveis sem a ajuda da internet, por outro,
elas podem alimentar a insatisfação com a autoimagem e aumentam os índices de ansiedade,
depressão e outros transtornos psíquicos prejudicando a saúde mental e bem-estar dos seus
usuários, visto que isso irá depender do modo como serão utilizadas.
Perante essa dualidade, é indispensável uma postura crítica frente aos conteúdos que
são compartilhados, como também averiguar os comportamentos que são potencialmente de
risco tanto para o próprio usuário como para os demais seguidores. Pensando em uma forma de
amenizar os danos causados por ferramentas digitais, existem aplicativos capazes de monitorar
os hábitos on-line como mecanismos de apoio a quem precisar.
Neste sentido, um dos principais argumentos do presente trabalho é que os efeitos do
1338
uso da internet estão potencialmente relacionados à postura individual de cuidado de si e do
outro frente ao que lhes é apresentado, apesar de compreender a influência do contexto
sociocultural na construção desse posicionamento frente às tecnologias. Assim, ressaltamos a
importância de que sejam desenvolvidas ações educativas voltadas para a conscientização da
população em geral, levando à adoção de uma atitude crítica e reflexiva sobre as imagens e
conteúdos consumidos e disseminados através das redes sociais, especialmente os que
alimentam a crença em informações e padrões irreais.
Conforme mencionado no início do texto, este trabalho parte das ações educativas
realizadas ao longo do ano pelo NEPSIN, através de minicursos ofertados para a comunidade
por meio de um projeto de extensão. Nesse seguimento, reafirmamos a importância de levantar
tais discussões com os professores, gestores, pais e alunos. Dessa forma, espera-se que este
artigo possa contribuir com as instituições que se dispõem a realizar atividades semelhantes.
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RELATÓRIO DO ESTÁGIO BÁSICO III
1341
Alana Maria Gomes da Silva
Gabrielly Oliveira Silva
Lucas Pereira dos Santos
Carolina Alcântara Teixeira
Isabele Linhares Santos
Raul Vasconcelos Neres
Introdução
O relatório em questão abrange as atividades práticas desempenhadas pelos estagiários
do sexto período de psicologia da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar). O
Estágio Básico III possibilita a desenvoltura do conjunto de competências básicas no
envolvimento de práticas articuladoras do saber teórico- prático psicológico englobando o aluno
a sua realidade social, política e profissional.
O estágio mencionado desenvolveu-se em torno de um projeto denominado ‘cuidando
do cuidador’ por meio de uma colaboração entre a Universidade Federal do Delta do Parnaíba
e o Centro de Referência Especializada e Saúde do trabalhador (CEREST) sendo os encontros
realizados na universidade citada e trabalhado com o público alvo: Agentes de Saúde
Comunitários (ACS) do município de Parnaíba- Piauí.
Visando trabalhar com grupos comunitários o projeto surge com o interesse de uma
intervenção utilizando uma metodologia de investigação que abarca o campo psicológico
analisando o contexto dos cuidadores, suas demandas e possíveis intervenções que podem ser
trabalhadas tensionando a melhora na qualidade de vida desses trabalhadores.
Assim sendo, o estágio nesse campo permitiu a integração do estudante de psicologia à
realidade da comunidade por meio da atividade com grupos buscando identificar os fenômenos
sociais em conectividade com as políticas públicas em que esses trabalhadores estão inseridos.
A partir de então foram desenvolvidos exercícios com base nas demandas apresentadas pelo
ACS tais como: desvalorização da profissão, falta de contribuição dos moradores do entorno da
população acadêmica, queixas físicas causadas pela sobrecarga de trabalho e etc.
Baseado nisso, os estagiários promoveram exercícios de relaxamento por meio de
técnicas e oficina de mandalas, momento com uma fisioterapeuta com o intuito de esclarecer
dúvidas a respeito das dores físicas e determinadas posturas que deveriam ser evitadas causadas
pelo exercício da profissão e oficina com cartazes de conscientização elaborados por eles
espalhados pela UFDPar a respeito da utilização do cartão do SUS.
Nos primórdios da saúde pública brasileira, quando não se tinha o Sistema Único de
Saúde (SUS), a mesma era vinculada às atividades previdenciárias. Ou seja, somente eram
assistidas pela saúde pública as pessoas que tinham carteira assinada e os seus dependentes. O
órgão responsável pelo gerenciamento dos atendimentos era o Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (INAMPS) que tinha o objetivo de prestar assistência médico-
hospitalar aos contribuintes. Com exceção de um pequeno número de pessoas que tinha acesso
à saúde pela alternativa privada, uma grande parte da população que não era contribuinte ficava
à margem do sistema (Brasil, 2003).
A população que não era previdenciária tinha um acesso restrito à saúde, se limitando a
1342
serviços prestados por entidades de cunho filantrópico e poucas intervenções públicas. Como
principal exemplo temos as Santas Casas de Misericórdia, que eram instituições caritativas que
promoviam à assistência às pessoas que não podiam pagar pelos serviços médico-hospitalares
e também não trabalhavam formalmente. A ação governamental era insuficiente com relação a
essa parcela da população restringindo-se apenas a promover ações com objetivos de prevenção
de doenças, campanhas de vacinação e controle de endemias (Brasil, 2003).
Cordeiro (2004) aponta que posteriormente houve uma crise no sistema previdenciário
que desarticulou a organização do modelo de assistência à saúde vigente na época. Com isso
emergiram as dificuldades que este trazia, e começou-se a pensar em uma Reforma Sanitária.
Dentro de tal reforma a carteira do INAMPS deixa ser o critério para a obtenção de serviços de
saúde pública. Mudanças mais radicais começaram a acontecer com a implantação do Sistema
Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), que previa o início de uma universalização do
sistema de saúde brasileiro (Brasil, 2003).
Porém a instalação do SUDS se dava por meio de uma aliança do INAMPS com as
Secretarias de Saúde Estaduais. Sendo assim, a aderência de cada estado a essa política era
opcional. Caso um determinado Estado se recusasse, o INAMPS continuaria com as suas
funcionalidades normais, conforme já vinha desempenhando-as (Cordeiro, 2004).
Em seguida esse processo culminou na criação do SUS, que foi implementado através
da Constituição Federal de 1998 e regulamentado pelas Leis n.º 8080/90 (Lei Orgânica da
Saúde) e n.º 8.142/90, após muitas lutas envolvendo o movimento da Reforma Sanitária para
garantir a saúde a todos os brasileiros. Partindo de uma mobilização nacional que propunha
renovações políticas e de paradigmas de estruturação do sistema, serviços e práticas de saúde
(Cavalcante Filho, 2009; Vasconcelos et al., 2009; Londero, 2010).
O SUS desde a época da sua construção busca efetivar os seguintes princípios:
universalidade do acesso em todos os níveis de assistência, equidade e integralidade da atenção
à saúde, descentralização da gestão setorial, regionalização e hierarquização da rede de serviços
e participação popular com papel de controle social (Cavalcante Filho et a.l, 2009). Dessa forma
o SUS se configura como uma política de Estado salvaguardada constitucionalmente e que
pretende expandir o acesso ao cuidado à saúde de maneira democrática satisfazendo as
necessidades da população por meio de programas de atenção à saúde (Tesser, Poli Neto &
Campos, 2010).
Nesse sentido, uma das estratégias pensadas para efetivar essas mudanças foi o
Programa Saúde da Família, que tem início no ano de 1991 através da formulação do Programa
de Agentes Comunitários de Saúde que visava diminuir as taxas de mortalidade infantil e
materna do país, sobretudo no Nordeste. Por conta dos resultados positivos obtidos, o Ministério
da Saúde percebeu a contribuição dos agentes para os serviços básicos de saúde e começaram
a priorizar a família como unidade de ação. Indo de encontro ao modelo hospitalocêntrico e
tecnicista que dantes vigorava, esse modelo de atenção em saúde propõe uma intervenção que
vai ao encontro da população em seu território, incluindo a família e a comunidade no processo
de cuidado e não apenas do indivíduo doente (Rosa & Labate, 2005).
O início da profissão de agente comunitário de saúde, os ACS, desdobrou-se no estado
do Ceará durante a década de 80 como uma estratégia de saúde pública organizada com a
disposição de diminuir as taxas de mortalidade infantil, bem como desenvolver campos
trabalhistas para as mulheres que residiam em região de seca. O projeto realizou-se com grande
êxito, desta forma, o Estado promoveu sua expansão para as demais regiões e cidades do país
(Tomaz, 2002).
Atualmente o ACS atua como integrante de uma equipe multiprofissional que compõe
1343
o chamado Programa de Saúde da Família (PSF) que pode ser compreendido como:
1344
ao ponto de exceder a estratégias de enfrentamento presentes em seu repertório
comportamental. Nesse momento consideramos que o indivíduo passa por uma situação de
estresse, já que suas habilidades não são eficazes para lidar com os estímulos estressores do
ambiente gerando assim uma condição aversiva.
Dessa forma, é natural que todo indivíduo diante de situações estressantes adota formas
de enfrentamento no intuito de diminuir o sofrimento, estratégias de enfrentamento (coping).
Segundo Carlotto e Camara (2008) definem coping como esforços cognitivos e
comportamentais dos indivíduos em lidar com estressores, no sentido de diminuir ou controlar
danos. Ainda segundo os autores, dois tipos de estratégias podem ser tomadas, focando no
problema geralmente estas estratégias são mais adaptativas, e aumentam o sucesso na resolução
do problema, ou estratégias focadas nas emoções envolvem atitudes maiores de afastamento,
padrões maiores de esquiva do problema, mas que exibem função de diminuir o sofrimento.
Metodologia
Participantes
O estágio contou com a participação de aproximadamente 50 ACS, oriundos dos 45
módulos presentes na cidade de Parnaíba-PI, os encontros ocorreram na Universidade Federal
do Delta do Parnaíba nos dias 23/10, 30/10, 06/11, 13/11 e 20/11 das 14h às 17h. O número de
pessoas variou durante os encontros, contando com 27 ACS no primeiro encontro, no segundo
25, no terceiro 12, no quarto 11 e no quinto 16. Mas, de acordo com o CEREST, existem cerca
de 300 ACS ativos na cidade. O grupo de estagiários foi composto por 7 estudantes, os mesmos
foram divididos em subgrupos para primeiramente visitarem 4 UBS da cidade de Parnaíba, após
as visitas deu-se início as atividades realizadas na Universidade. Nesta etapa, os alunos atuaram
de maneira conjunta nas intervenções.
Instrumentos
No primeiro encontro foi realizado uma escuta com os ACS, a fim de conhecer acerca
da realidade do trabalho destes profissionais; no segundo encontro realizou-se uma atividade
de relaxamento e uma dinâmica de cuidado com o próximo, onde foram utilizadas mantas e
caixa de som; no terceiro encontro foi elaborada uma oficina de confecção de cartazes, para tal
foram usados cartolinas, pincéis e folha A4; no quarto encontro, a ferramenta utilizada foi o
diálogo entre uma fisioterapeuta e os ACS e no último encontro foram confeccionadas mandalas
e para isso necessitou-se de CD’s, pincéis, tintas, esmaltes, folhas A4, linha náilon, miçangas,
tesoura e estilete.
Procedimentos
A princípio fomos em uma reunião de capacitação dos ACS na Universidade Estadual
do Piauí (UESPI), na qual a coordenadora dos mesmos nos apresentou aos profissionais para
relatar que daríamos continuidade ao projeto “Cuidando do Cuidador” que teve seu início no
ano letivo de 2019.1. Os alunos elaboraram um plano de estágio (ANEXO 1) com base nas
visitas às UBS e o Relatório construído pelos alunos do período anterior, de acordo com as
demandas que surgiram. O primeiro encontro foi realizado na sala 765, o segundo na 764 e os
demais na sala 766, totalizando 5 encontros ao todo.
O primeiro encontro aconteceu no dia 23 de outubro, realizou-se um processo de escuta
1345
para conhecer a realidade dos ACS, sua dinâmica de trabalho, bem como as principais queixas
e potencialidades que os mesmos observavam em sua área de atuação.
No dia 30 de outubro, aconteceu o segundo encontro, onde os alunos realizaram
atividades de alongamento, relaxamento e cuidado uns com os outros. Visto que, o estresse no
trabalho é uma das principais demandas observadas.
No dia 06 de novembro, foi realizado o terceiro encontro com a confecção de cartazes
com a finalidade de atingir a comunidade acadêmica, pois de acordo com os ACS, é um grupo
de difícil acesso visto a incompatibilidade de horários das visitas realizadas pelos profissionais
e desconhecimento por parte de muitos universitários da importância do cadastro do SUS.
No dia 13 de novembro, contou-se com a presença de uma fisioterapeuta, que mediou o
diálogo com os profissionais, ouvindo suas demandas físicas e a partir delas desenvolvendo
estratégias para que estes pudessem ter melhor qualidade de vida.
Por fim, o último encontro aconteceu dia 20 de novembro, no primeiro momento se fez
presente um representante do CEREST, posteriormente a fisioterapeuta, em seguida foi
realizada uma oficina de confecção de mandalas e para finalizar houve um momento de
confraternização, com a finalidade de receber o feedback dos ACS.
Resultados e Discussão
No primeiro encontro, inicialmente os estagiários se apresentaram para os ACS e logo
após iniciou-se um momento de escuta em que eles citaram as principais demandas que
possuem no espaço de trabalho, como por exemplo, falta de material, pressão dos
administradores, desmotivação por parte deles pois as queixas não são ouvidas pela prefeitura
e desenvolvimento de doenças físicas por conta do ambiente de trabalho e das atividades que
eles têm que realizar. Os ACS também destacaram os pontos positivos de trabalharem nas
Unidades Básicas de Saúde, como por exemplo, a identificação que eles têm com o trabalho e
que apesar das dificuldades eles tentam dar o melhor de si para a comunidade.
No segundo encontro, as atividades foram voltadas para a diminuição do estresse e
proporcionar um momento de alívio, para isso realizou-se um primeiro momento de
alongamento e ensino da respiração diafragmática, logo em seguida foi criado um ambiente
ameno, através de sons relaxantes, foram dispostas mantas pelo chão para que os ACS
pudessem se acomodar da melhor maneira.
Deu-se início a técnica de Relaxamento progressivo que consiste no relaxamento de
vários conjuntos de músculos, primeiramente é necessário explicar ao paciente como será
realizada a técnica, fazendo uma breve demonstração dos processos de tensão e relaxamento
que ele passará, cada grupo muscular deverá ser tensionado por aproximadamente 10 segundos,
dando atenção especial às sensações experienciadas, em seguida realiza-se o relaxamento dos
músculos, a técnica permite que o indivíduo perceba o movimento de tensão e relaxamento que
o seu corpo vivencia (Willhelm, Andretta & Ungaretti, 2015). A técnica foi realizada em torno
de 30 minutos.
Posteriormente, foi realizada outra atividade que consistia na interação dos ACS uns
com os outros, que tinha por objetivo propor o cuidado mútuo entre eles. Eles foram dispostos
em duas fileiras paralelas em que cada integrante passava pelo meio com os olhos fechados e
recebia gestos afetuosos dos demais ACS. Por fim, nós pedimos um feedback das atividades e
eles nos relataram que se sentiram bastante acolhidos, protegidos e em segurança, como
1346
também mais relaxados e calmos, a não ser uma participante que relatou sentir angústia com as
atividades e não se sentiu à vontade por conta dos toques e por ter ficado com os olhos fechados,
os demais participantes relataram experiências positivas.
No terceiro encontro a intervenção foi pautada na demanda que os ACS elencaram
acerca do cadastro dos universitários onde as principais dificuldades relatadas pelos estudantes
eram: falta de tempo, já possuírem plano de saúde, afirmando que só irão passar cinco anos na
cidade e não verem necessidade de fazer o cadastro e choque de horários. Para isso foi realizada
uma oficina com a confecção de cartazes e a construção de um email a ser enviado pelas
coordenações dos cursos aos alunos e a partir das informações que eles consideraram
importantes construímos uma arte gráfica para serem divulgadas pelos centros acadêmicos dos
cursos presentes na universidade. Neste dia o debate foi bem caloroso visto que havia
discordância entre eles sobre as informações mais necessárias a serem divulgadas, isto
enriqueceu muito o debate já que foi possível ver as diferentes opiniões e eles chegarem a um
consenso, nesse sentido, vale ressaltar a importância do poder de criação que os profissionais
possuem e que na maioria das vezes não é dado voz.
O quarto encontro foi mediado por uma fisioterapeuta, pois, uma das demandas trazidas
pelos ACS dizia respeito à saúde física desses profissionais. As principais queixas foram: lesões
por esforço repetitivo (LER) nas mãos devido ao preenchimento de fichas, dor nas costas,
coluna, ombros e nas pernas devido às caminhadas. No primeiro momento ela escutou as
principais queixas deles e os perguntou se eles praticavam algum exercício, a maioria não tem
o hábito de praticar diariamente, apenas esporadicamente e por conta disso a profissional passou
uma série de exercícios simplificados que podiam ser realizados sem demandar muito tempo já
que esse era um dos principais motivos da não realização de exercícios. Ela também ensinou
estratégias para o alívio de dores musculares, destacou a importância de uma postura correta e
também o uso correto da mochila, pediu para que os ACS levassem apenas o necessário
evitando o excesso de peso e consequentemente futuras dores. Por fim os ACS relataram ter
gostado muito da intervenção e foi observado por parte dos estagiários um grande engajamento
dos mesmos durante o encontro.
No quinto e último encontro, foi realizado três momentos. O primeiro, um representante
do CEREST foi convidado para dar alguns esclarecimentos em relação ao relatório passado
encaminhado pelos alunos com as queixas dos ACS o mesmo relatou que a entrega de crachás
que foi solicitado pelos profissionais já havia sido realizada, entretanto, nem todos receberam
e os que receberam relataram ser de má qualidade. Em relação a segurança, o representante
falou que não havia maneira de interferir, pois, é de responsabilidade do Estado e algo que não
acomete apenas a cidade de Parnaíba. O segundo momento foi mediado pela fisioterapeuta que
deu instruções e dicas de objetos que podem ser fabricados em casa para a realização dos
exercícios, como por exemplo garrafas pet como pesos, elástico de cabelo para fortalecer os
músculos da mão e pedaços de elástico para fazer exercício com o braço.
Em seguida, se deu início à confecção de mandalas mediada por uma convidada, o
momento serviu para relaxamento e criação a partir dos sentimentos que surgiam ou que já
estavam postos. Foi observado um grande engajamento dos ACS na realização da atividade, no
final da confecção alguns relataram a experiência e falaram sobre o seu desenho, uma das ACS
apresentou sua mandala que representa o amor que ela sentia pela família, pelos amigos e por
ela mesma, outra relatou que o momento foi bastante relaxante e prazeroso pois a experiência
de sentar no chão, desenhar e pintar levou a sua infância e por isso foi um momento bastante
especial.
Ao final da oficina houve um momento de confraternização em que foram ofertados
1347
alguns lanches, assim como também o recebimento do feedback que foram bastante positivos,
relatando até mesmo que iriam sentir falta dos encontros pois sentiam-se bem e acolhidos nesses
momentos, já que eram destinados ao seu cuidado.
Conclusão
Tendo em vista o exposto acima conclui-se que se faz necessário atentar para os
cuidados com aqueles que trabalham com o cuidar do outro. Os ACSs são uma classe exposta
ao estresse de demandas complexas diariamente, em que muitas vezes estão impossibilitados
de resolver devido a interferências superiores, como a gestão governamental, por exemplo.
Emergidos de uma reforma do próprio sistema de saúde brasileiro, eles tornaram-se peça
fundamental no bom funcionamento dessa grande estrutura. Sua atuação direta na família e
comunidade o torna uma ponte entre o serviço ofertado e as demandas da população. Mesmo
ante a invisibilidade do seu trabalho eles afirmam estar realizados na profissão, pois
compreendem a relevância social que ela tem.
Nesse sentido, sugerimos a continuidade do projeto “Cuidando do Cuidador” aos
futuros acadêmicos da disciplina de Estágio Básico III, com o intuito de avaliar o progresso das
intervenções realizadas bem como o levantamento de novas demandas e novas estratégias de
enfrentamento para elas.
O bem-estar físico e mental daqueles que são base e alicerce de um grande sistema como
o SUS é imprescindível para uma melhor qualidade de serviços ofertados. Como foi bem
exposto em uma das falas colhidas em nossos encontros por uma agente comunitária de saúde:
“Colabore com um ACS para melhorar o serviço do SUS.”
Referências
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A ADOLESCÊNCIA E AS CONSEQUÊNCIAS DAS RELAÇÕES LÍQUIDAS
1349
NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE
Andréa Aparecida Fernandes
Alexandre Flud Glaeser
Introdução
A contemporaneidade apresenta um avanço tecnológico surpreendente e o homem que
até pouco tempo deslumbrava-se com as estórias de ficção científica, dentre elas a viagem a
lua, hoje se prepara para habitar marte. Robôs que recentemente só existiam no imaginário
cinematográfico, agora faxinam casas pelo mundo. Pessoas que passavam anos sem se ver
devido às grandes distâncias, com o implemento da internet e das redes sociais agora se
encontram apenas com um clique no mouse ou o teclar de um smartphone.
Entretanto, apesar de todo esse avanço da tecnologia e a consequente extinção das
fronteiras físicas, a contemporaneidade também apresenta o que talvez seja a causa maior da
incidência de males como a ansiedade, as fobias e a depressão (este último considerado o mal
do século), sendo ela a liquidez das relações sócio afetivas impulsionadas pelo capitalismo,
através de um consumismo desenfreado e fortalecimento do egoísmo narcísico (Bauman, 2004).
Essas relações líquidas, descritas pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-
2017), são, basicamente, relações superficiais nas quais tudo se transforma, a todo instante,
onde é proibido a construção de vínculos afetivos e relações sólidas. Essa liquidez, seja afetiva
ou de consumo, tem transformado o ser humano, principalmente os jovens, em seres
emocionalmente fragilizados, com imensa dificuldade de interagir e se relacionar com os altos
e baixos das relações interpessoais e sociais, tornando-se susceptíveis ao acometimento de
distúrbios psicológicos (Bauman, 2004).
Sobre essa perspectiva, o presente artigo visa a discussão sobre possíveis consequências
para a construção/formação da identidade de adolescentes bem como o aumento da incidência
de transtornos psicológicos (ansiedade e depressão) em adolescentes.
Desenvolvimento
Tem-se a adolescência como a fase sociocultural, não biológica, em regra pertinente às
culturas ocidentais, onde o indivíduo vivencia a transição da infância para a fase adulta. O
marco inicial é a puberdade, essa sim uma fase biológica a qual todo indivíduo,
independentemente a qual cultura pertença, irá vivenciá-la. Nessa fase há o desenvolvimento
da capacidade de racionalização e aprimoramento cognitivo e o indivíduo passa a perceber o
mundo e a si mesmo bem como a questionar a forma/maneira como interage com o mesmo,
agora de maneira mais complexa (Papalia, Feldman & Martorelli, 2013).
Surgem, nesse momento, diversos questionamentos acerca do ser do existir e do compor
e esse indivíduo jovem começa a buscar novas interações sociais, novos laços afetivos, procura
pertencer a um grupo com o qual se identifique e se torna questionador acerca de valores e
crenças até então impostos pelo círculo familiar como normas a serem seguidas (Tiba, 1986).
1350
das suas dificuldades, enfim, objetivar a si mesmo. É também nesta fase que ele tem
mais necessidade de se relacionar com outras pessoas, promover encontros, produtos
de relações télicas. Isto é possível, à medida que diminuem as relações transferenciais.
Assim, além de objetivar-se, ele objetiva o outro (Tiba, 1986, pp. 37-38).
O alcance da independência individual exige que a pessoa saiba quem ela é. Tornar-
se autônomo significa conseguir posicionar-se enquanto pessoa distinta, com seus
próprios gostos, valores, conhecimentos e esperanças. Para ser um “indivíduo” de
pleno direito, o jovem deve destacar-se dos outros e considerar-se como uma unidade
composta por características, forças, hábitos e formas de agir. Para reconhecer-se e
ser reconhecido, é preciso demonstrar certa constância ao longo do tempo: “Dentre
todas as fachadas que eu posso exibir, qual delas é a minha verdadeira?” (Cloutier &
Drapeau, 2012, p. 206).
1351
costumam, também em regra, apresentar um desenvolvimento identitário mais desequilibrado
(Cloutier & Drapeau, 2012).
Importante atentar para o fato de que a Família, como instituição social, tem se
transformado/mudado e isso é um avanço relevante para o desenvolvimento do adolescente e
da sociedade como um todo. Famílias monoparentais e homoafetivas, que antes eram
criminalizadas pelo tradicionalismo religioso e Estatal, hoje, devido às transformações sociais
da contemporaneidade, equiparam-se, por força do Direito, às famílias ditas tradicionais (Dias,
2016). Agora, priorizam-se os laços afetivos e de respeito entre seus membros e não mais a
configuração de sua constituição, pois quando uma família é constituída através de relações de
respeito e amor as relações familiares tornam-se democráticas e, consequentemente, a formação
psicológica e social de crianças e adolescentes torna-se, em regra, mais sólida, saudável
(Quadros, 2017).
Assim, superados os preconceitos e tradicionalismos sociais, a vivência tem
demonstrado que famílias nas quais as relações são permeadas por confiança e afinidade entre
seus membros, não havendo controle excessivo ou autoritarismo desmedido por parte dos pais,
costumam saudáveis (democráticas) e, dessa maneira, há menor incidência de sintomatologia
ansiosa e/ou depressiva em relação ao desenvolvimento psicossocial de adolescentes e,
consequentemente, o jovem se sente mais seguro em relação a si mesmo e sua interação com o
meio (Quadros, 2017).
Por outro lado, relações familiares líquidas, com pais ausentes ou autoritários não
havendo a facilitação para a construção da autonomia e independência do adolescente poderá
levar o mesmo a se tornar vulnerável e sujeito a sofrer/vivenciar patologias como ansiedade e
depressão, além de uma série de tipos de fobias. Essa fragilidade emocional normalmente irá
refletir em suas relações afetivas e sociais, bem como do futuro adulto, em suas relações sociais
(Tiba, 1986).
Por essa razão, pode-se afirmar que a família desempenha papel relevante no
desenvolvimento psicológico e no fortalecimento da identidade e autonomia de adolescentes,
pois uma base familiar sólida proporcionará ao jovem a assistência e amparo necessários para
que ele possa interagir de maneira saudável com esse novo imaginário que se inicia a partir da
puberdade (Papalia, Feldman & Martorelli, 2013).
Outro fator importante são os novos relacionamentos sociais vivenciados pelo
adolescente, pois quando este entra na puberdade tende a se distanciar da influência e dos
relacionamentos familiares, passando a integrar grupos com os quais se identifica e, assim,
inicia seu próprio processo de aquisição de experiências e, consequentemente, a construção de
sua identidade. Os relacionamentos amorosos, no que tange aos novos relacionamentos sociais,
importantes e relevantes no desenvolvimento da identidade e é nessa fase, em regra, que o
adolescente irá descobrir o sexo e construir a sua sexualidade (Cloutier & Drapeau, 2012).
Nessa fase pode-se instaurar um conflito pessoal e social estressante para o jovem,
implicando na vivência de sentimentos que podem variar entre angústia, prazer, raiva, desilusão
ou euforia. É importante que o adolescente vivencie todas essas experiências psíquicas, pois a
identidade constrói-se em função de pressões ou tendências que aproximam o indivíduo de
certos estados desejáveis e afastam-no de outros, não desejáveis (Cloutier & Drapeau, 2012).
Na contemporaneidade, o avanço tecnológico e as redes sociais marcam o surgimento
de novas formas de se relacionar com o outro e assim negócios, amizades, relacionamentos
amorosos e as redes sociais passaram a integrar o cotidiano da juventude, tornando as relações
superficiais, líquidas. A preocupação em manter amizades, refazer laços, reconstruir relações
1352
já não faz mais sentido, pois tudo é efêmero, passageiro, descartável e dinâmico (Bauman,
2007).
Com o implemento das redes sociais os relacionamentos passaram a ser constituídas
sem que haja um contato físico ou trocas físicas entre as partes. Aquela preocupação em manter
amizades, refazer laços, reconstruir relações já não faz mais sentido. Tudo é efêmero,
passageiro, descartável (Bauman & Leoncini, 2018). Para a juventude contemporânea tudo tem
que ser agora, pois o adolescente não pode desligar um minuto sequer ou ficará para trás,
obsoleto e assim não se pode vivenciar uma formação de laços nas relações, pois a todo instante
tem-se que estar atentos ao novo e não há mais tempo para sonhar (Bauman, 2007).
Como decorrência dessa liquidez relacional, percebe-se um certo aumento da
fragilização na formação da identidade do adolescente e as relações pessoais e interpessoais
deixaram de se pautar no fortalecimento dos vínculos afetivos e passaram a se constituir através
das relações de consumo (Bauman, 2004). A solução dos dilemas passou a ser oferecido nas
prateleiras do comércio (Dantas, 2009).
O adolescente deixa de vivenciar relacionamentos capazes de lhe fortalecer
psiquicamente (pois um desenvolvimento intelectual sadio constrói-se através da vivência de
experiências como alegria e frustação, ganho e perda, resignação e resiliência) e o prazer
momentâneo torna-se a tônica das relações pessoais, pois o outro, que antes possuía importância
socioafetiva, torna-se mais um objeto de consumo descartável – cuja a única função é a
satisfação de um desejo egoísta (Bauman, 2007).
Bauman (1925-2017), soube retratar e diagnosticar essa sociedade pós-moderna,
consumista, narcísica e psicologicamente fragilizada como ninguém. Para ele, a sociedade pós-
moderna impõe ao indivíduo a necessidade de busca constante pela próxima experiência, sob o
risco de ficar para trás, de sair de moda.
Essa falta de experiências sólidas na formação psicossocial de adolescentes tem
contribuído para o aumento do surgimento de transtornos psicológicos, dentre eles a depressão.
Há um aumento significativo, na contemporaneidade, de jovens buscando auxílio através de
acompanhamento clínico ou através do uso de medicamentos psiquiátricos e a retomada de
relações sólidas, familiares ou sociais mostram-se fatores importantes para a construção e o
fortalecimento da identidade dos jovens consequentemente, a construção e o fortalecimento
dessa identidade irão fomentar a consolidação de sua autonomia (Silva, 2016).
1353
pertencentes e normais a essa fase de seu desenvolvimento (como por exemplo a mudança do
corpo, sexo e sexualidade, relacionamentos afetivos, dentre outros) e, consequentemente, tem
apresentado um aumento dos quadros clínicos depressivos. Essa liquidez toda tem contribuído,
então, para a formação de uma sociedade fraca, fragilizada emocionalmente e incapaz de
interagir com uma gama de sentimentos que antes eram considerados comuns e agora passam
a serem vistos como intransponíveis (Silva, 2016).
A depressão, dentre os transtornos psicológicos que acometem a juventude
contemporânea, é considerada o mal do século, estimando-se que grande parte da população
mundial já tenha vivenciado, de maneira branda ou crônica, a experiência de uma depressão.
São vários os fatores que levam um indivíduo a manifestar esse tipo de transtorno psíquico,
podendo ser biológicos, psicológicos e, ainda, sociais. A depressão atinge a sociedade como
um todo (brancos, negros, homens, mulheres, crianças, adolescentes, adultos ou idosos) não
tendo hora nem lugar para se manifestar (Solomon, 2014).
No caso da adolescência, como forma de prevenção e tratamento, é importante a atenção
para uma mudança de hábitos, uma mudança de postura em relação ao estilo de vida consumista
(nas quais as relações deixam de ter importância emocional constituindo-se apenas no ter e
possuir) e à liquidez das relações pessoais. A participação da família bem como o
resgate/percepção para a valorização das relações afetivas, pessoais e interpessoais, é, dessa
maneira, fator primordial para se reverter esse quadro de fragilização emocional e
consequentemente a redução de casos de suicídio na juventude (Silva, 2016).
Conclusão
Fazendo uma breve analogia com a construção civil, toda edificação depende de uma
base sólida que a sustente, de uma fundação que suporte as intempéries do meio, evitando o seu
desabamento ao menor sinal de adversidades. Pois bem, a família é essa base sólida, é essa
fundação que irá, em regra, dar o suporte necessário para o desenvolvimento/crescimento
psicossocial do adolescente nessa fase de descobertas e desvendamentos chamada adolescência.
Assim, observou-se que uma vivência familiar sadia, consubstanciada por relações
democráticas, mostra-se como fator essencial na formação de uma identidade autônoma e
equilibrada nos jovens. As experiências, as vivências, os conceitos e princípios éticos
familiares, mesmo que o adolescente busque suas próprias experiências e vivências, irão
auxiliá-lo por toda sua caminhada, fortalecendo sua identidade e autonomia.
Por outro lado, uma mudança na postura consumista e líquida em relação às relações
pessoais e interpessoais vivenciadas pelo adolescente também possui peso na luta contra o
aumento da incidência de transtornos psicológicos. Uma vivência baseada apenas no ter e no
possuir, sem formação de laços sólidos, seja através do consumo ou das relações pessoais e
sociais, tem contribuído apenas para enriquecer cada vez mais àqueles que fomentam esse tipo
de sociedade consumista, favorecendo uma fragilização emocional cada vez mais preocupante
da sociedade.
Famílias estruturadas e equilibradas emocionalmente e a substituição das relações
líquidas de viés consumista por relações sólidas e afetivas mostram-se, de acordo com o
presente conteúdo, questões necessárias no que diz respeito à manutenção da saúde mental de
adolescentes.
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ENSINO SUPERIOR
Andréa Aparecida Fernandes
Darlei Barbosa Dias
Gabriel Martins Croch de Jesus
Jéssica Cecília Moura Machado
Wanda Mendes de Oliveira
Introdução
Esse estudo tem como objetivo compreender a evasão universitária brasileira, bem como
suas motivações. Para tal foi utilizado, pesquisa realizada com alunos de um Centro
Universitário de uma cidade do interior de Minas Gerais, interrogando-os sobre possíveis razões
de desistirem do curso que hoje estão integrados.
As possibilidades de interpretar a evasão universitária podem acontecer por amplos
aspectos que envolvem a vida pessoal e profissional do aluno, como aspectos financeiros,
sociais, hierárquicos, morais e, até mesmo, psicológicos. Segundo Feitosa (2016), não somente
questões voltadas à vida pessoal dos alunos interferem na condição de permanecer ou não
cursando alguma graduação na faculdade, como também a relação deste aluno para com a IES.
Isso, segundo a autora, está ligado diretamente com a satisfação do discente para com as normas
do ambiente universitário, bem como o suporte que está recebendo para continuar com sua
graduação em progresso.
A evasão é conceituada de acordo com Costa (1991) e Souza (1999) como a saída do
estudante de um dos cursos, ou da instituição de ensino, de maneira temporária ou definitiva,
seja por motivos financeiros, econômicos ou sociais. Ela é considerada uma ameaça à situação
educacional do país, afinal em salas preparadas para receber 40 alunos, se só estudam 20 alunos,
o prejuízo é imenso, pois o custo com infraestrutura e professores é o mesmo se tratando de 20
ou 40 alunos. Lobo (2012) e Costa, Bispo e Pereira (2018) entendem que a evasão na instituição
de ensino superior ocorre quando o estudante troca a IES por outra.
O conceito de evasão escolar possui algumas diferenciações: para Ristoff (1995), a
mobilidade, ou seja, a saída de um aluno de um curso para entrada em outro, não deve ser
considerada como evasão; enquanto a Comissão Especial de Estudos sobre Evasão do MEC,
delimita o conceito de evasão como sendo uma decisão ativa do aluno que decide desligar-se
de seu curso superior atual por sua própria responsabilidade. Segundo a Comissão Especial de
Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras, a evasão escolar ocorre em três
níveis diferentes que são: evasão do curso, seja por abandono ou transferência; evasão da
instituição, que implica a saída do aluno da instituição atual; e evasão do sistema, relativo ao
abandono, temporário ou definitivo, do ensino superior.
Entretanto, tendo em vista o recorte específico dessa pesquisa, bem como as limitações
de tempo e finalidade, não é intenção realizar uma investigação completa, ou mesmo, esgotar
as possibilidades de compreensão do fenômeno de pesquisa. Além disso, cabe ressaltar que a
pesquisa voltada à evasão universitária em uma determinada instituição de ensino superior
(IES), não conseguirá abarcar todas as possibilidades de compreender inteiramente o assunto,
uma vez que “a primeira visão empírica não oferece nem o desenho exato dos fenômenos, nem
ao menos a descrição bem ordenada e hierarquizada dos fenômenos” (Bachelard, 1996, p. 37).
1356
Método
O presente estudo se enquadra como uma pesquisa quantitativa, foram considerados
elegíveis e convidados para a participação do presente estudo os estudantes de um Centro
Universitário do interior de Minas Gerais. A amostra foi constituída por 92 alunos da faculdade,
pertencentes à dez cursos da instituição, dentre eles, psicologia, pedagogia, administração,
direito etc. Destes 26 eram do sexo masculino e 66 do sexo feminino, e idade entre 18 a 46
anos.
Para o levantamento de dados, foram elaborados questionários com perguntas que
tinham como propósito auxiliar na captação de dados para avaliação dos motivos que levaram
o graduando a escolher o curso; avaliação do grau de satisfação dos graduandos para com a
instituição; percepção das razões que levariam os graduandos a abandonar a faculdade;
descrição das dificuldades que o graduando enfrenta na faculdade; e avaliação das perspectivas
dos graduandos quanto à sua atuação na profissão escolhida. Os questionários foram aplicados
de forma individual, pelos próprios pesquisadores, durante os intervalos de aulas.
O procedimento de análise foi organizado em função do objetivo específico do presente
estudo. Portanto, em um primeiro momento, foi tabulado as respostas das questões, em seguida
houve uma discussão sobre os resultados entre os pesquisadores visando o aproveitamento
máximo do conteúdo da pesquisa.
Resultados e Discussão
A escolha de uma profissão é a construção de um projeto de vida, por isso é de extrema
importância que o jovem investigue sua vocação para que decida conscientemente o que deseja
para si. Uma pesquisa feita pelo Centro de Integração Empresa Escola (CIEE), revelou que 36%
dos jovens tem como maior medo descobrir que fizeram a escolha errada da profissão. Quando
o jovem escolhe de forma equivocada a sua profissão, ou se baseando apenas em dados que
restrinjam sua escolha, como escolher apenas entre cursos disponíveis na cidade onde mora ou
segue apenas a influência dos pais sem considerar suas próprias escolhas, a possibilidade de
troca de curso ou de abandono da faculdade aumenta.
A pesquisa realizada mostrou que os participantes que responderam ao questionário
72% têm como principal motivo de escolha do curso o interesse pessoal. Logo, a possibilidade
de evasão pode ser considerada menor se tomado como base os estudos apresentados
anteriormente que apresentam como um dos fatores que influenciam na evasão são escolhas
baseadas em “conveniências”.
O segundo ponto investigado foi a satisfação dos graduandos com o curso escolhido, o
que é de extrema importância porque é no espaço acadêmico que o graduando adquire
experiências que serão o alicerce para sua vida profissional. Dentre os fatores que influenciam
positivamente a satisfação dos estudantes estão: amigos do grupo (Kanan & Baker, 2006);
identificação pessoal com área e aspectos externos ao aluno, como mercado de trabalho e boa
estrutura do curso (Bardagi, Lassance & Paradiso, 2003); boa resposta às necessidades e
expectativas em geral (Appleton-Knapp;Krentler, 2006; Petruzzellis; D’Uggento; Romanazzi,
2006); habilidades, conhecimentos, estratégias, postura e interação do professor com a turma
(Camargos, Camargos & Machado, 2006; Douglas, Douglas & Barnes, 2006); e percepção do
ensino como algo proveitoso (Douglas, McClelland & Davies, 2008).
Dentre os fatores que influenciam negativamente a satisfação, estão: desapontamento
1357
com a má organização e falha geral em atender expectativas (Petruzzellis, D’Uggento &
Romanazzi, 2006); despreparo e pouco compromisso com as turmas por parte do corpo docente
(Castillo & Lopes, 1996); e falta de disponibilidade e prontidão para responder por parte do
corpo docente (Douglas, Douglas & Barnes, 2006).
Os fatores de satisfação podem variar consideravelmente, dependendo do modo pelo
qual o estudante vê a si mesmo e seu ambiente. Trata-se da percepção em relação ao ensino,
que pode ser entendida como a forma do aluno visualizar a realidade no cotidiano e formar
juízo de valor baseado na sua leitura de ações, gestos, discursos, normas e nas atitudes dos
funcionários, direção e professores (Camargos, Camargos & Machado, 2006).
Na pesquisa realizada, o grau de satisfação dos graduandos é positivo uma vez que
apenas 1% respondeu não estar satisfeito com o curso, o restante variou entre bom, ótimo e
excelente. E esta realidade é muito importante porque motiva o aluno a se desenvolver,
buscando atividades que agreguem valor e conhecimento ao que é ensinado em sala de aula. E
a reciprocidade da instituição para com o interesse do aluno também é fundamental, porque
através de ações inovadoras que venham acrescentar saberes aos alunos, lhes proporcionando
um diferencial em seu aprendizado, é que a instituição se fortalece, tendo neles um exemplo
concreto dos profissionais de alto nível que se formaram ali.
O terceiro ponto investigado foi quanto ao motivo que levaria o aluno a abandonar o
curso, um aspecto importante para falar desse ponto é se atentar a realidade do país nesse
momento: O país apresentou um total de 12,6 milhões de desempregados no trimestre encerrado
em julho/2019 e o número de trabalhadores por conta própria atingiu 24,2 milhões, conforme
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 30 de agosto de
2019.
Alguns alunos têm acesso aos programas de financiamento do governo: o FIES (Fundo
de Financiamento Estudantil) e o PROUNI (Programa Universidade Para Todos), mas eles
estão disponíveis conforme o desempenho do estudante no ENEM (Exame Nacional do Ensino
Médio), então grande parte dos estudantes não têm esta opção, cabe às instituições de ensino
superior buscar linhas de crédito que atendam a essa grande maioria, pois a demanda cada vez
mais exigente do mercado de trabalho impulsiona os jovens a buscarem se capacitar por meio
de um curso superior.
Vários fatores podem contribuir para a desmotivação do graduando, citamos como
exemplos: despreparo do graduando em se adaptar à vida acadêmica, quando surgem matérias
que não foram aprofundadas no ensino médio e são essenciais para o seguimento do curso,
causando uma defasagem no conteúdo passado pelo professor; falta de criatividade nas aulas,
cada aluno tem sua maneira de aprender, por isso é tão importante estudar a grade curricular e
métodos que despertem o interesse do aluno, de forma que ele consiga apreender o conteúdo;
dificuldade de conciliar trabalho e estudo; a desmotivação também pode ter origem na não
identificação do aluno com o curso escolhido. Talvez porque os primeiros períodos apresentem
conteúdos mais básicos ou por o estudante não ter certeza de qual área deseja seguir, além de
motivos pessoais como gravidez, doenças ou problemas familiares.
Nesta pesquisa foram observados outros fatores que levariam o aluno a abandonar o
curso, tais como: relacionamento com colegas; relacionamento com professores; falta de tempo
com a família; filhos, enfim, relacionamentos em geral. Na pesquisa realizada os fatores mais
citados como motivos para abandonar o curso foram os fatores financeiros com 55,43% das
respostas, seguidos por desmotivação 18%, como apresentado anteriormente o que é uma
situação realmente preocupante pensando no momento que o país se encontra.
O quarto ponto investigado foi sobre as dificuldades encontradas na faculdade, estudos
1358
apontam que as dificuldades podem estar relacionadas ao fato de que os alunos não conseguem
cumprir com as atividades que são destinadas fora do horário de aula, como leituras
preliminares, trabalhos, preparação de seminários, pesquisas, estudos para avaliações dentre
outras (Marques & Silva, 2017). Quanto aos graduandos mais jovens, podem ser considerados
outros aspectos, como apontam Santos e Silva (2011), onde o trabalho, buscado por esses jovens
como um fator de autonomia e/ou independência econômica em relação a suas famílias,
concorre fortemente com a obtenção de um diploma, fragilizando suas trajetórias universitárias
e os tornando perdedores nessa corrida.
Bardagi et al. (2006) em uma pesquisa com alunos da UFRGS (Universidade Federal
do Rio Grande do Sul), mencionam a presença de alunos que exercem atividades remuneradas
concomitantemente aos estudos. A partir disso elas afirmam que: “O aluno que necessita
contribuir para a renda familiar, por exemplo, provavelmente irá priorizar a obtenção de um
emprego e se envolverá menos com as atividades do curso.” (Bardagi et al., 2006). Marques e
Silva (2017), em um trabalho de pesquisa, obtiveram como resultados, a percepção da
importância de políticas públicas que possibilitem o acesso a uma IES por parte das populações
menos favorecidas, bem como as leis que auxiliam os trabalhadores-alunos.
Não obstante, os autores dão destaque ao fato de que é preciso, acima de todas as
atividades, colocar a saúde e o bem-estar de todos os indivíduos em primeiro lugar, horários de
descanso, atividades físicas, apreciação de suas relações sociais, são passos que inevitavelmente
devem estar presentes no calendário, como condição para o sucesso acadêmico. Outra
dificuldade apontada foi o bullying, que traz inúmeras consequências negativas psicossociais
às pessoas vítimas deste. Para Oliveira e Lima (2018), no ensino superior, o bullying costuma
retratar a discriminação e o preconceito que existem na sociedade. Os resultados apurados na
pesquisa vão de encontro aos estudos apresentados onde conciliar trabalho e estudos mostrou-
se como a principal dificuldade apontada pelos alunos da instituição com 67% das respostas.
O quinto ponto analisado foi quanto a perspectiva de atuação na área para Teixeira e
Gomes (2004), a percepção de mercado desfavorável está associada a um menor grau de decisão
de carreira e a percepção de mercado favorável a um maior otimismo quanto à inserção e
obtenção de resultados. Otimismo este, que pode estar relacionado à satisfação com a escolha
profissional. Bardagi et al. (2006) citam Super, Savickas e Super (1996) que definem que a
satisfação profissional do indivíduo resulta da percepção de que o trabalho é uma expressão do
seu autoconceito, ou seja, de que é possível, através do exercício profissional, expressar os
próprios valores, interesses e características de personalidade. No que diz respeito a um campo
social, Oliveira, Detomini e Melo-Silva (2013), citam Koivisto, Vuori e Nykyri (2007);
Teixeira e Gomes, (2004), onde
Fato que, muitas vezes, não traduz os objetivos dos estudantes já socialmente
considerados como adultos, pois estes já estão inseridos no mercado de trabalho e, ao
ingressarem no ensino superior podem estar buscando melhores condições de vida, por meio de
uma mudança de profissão, ou ainda o aperfeiçoamento ou agregação de conhecimentos. No
1359
geral a perspectiva de atuação na área é boa com 78,26% das respostas. Porém notou-se durante
a realização da pesquisa, questionamentos dos próprios alunos acerca de suas transições entre
faculdade e mercado de trabalho. Alguns afirmaram ter apenas uma noção superficial, ou seja,
nunca chegaram a pesquisar profundamente como se dá a demanda atual de vagas de emprego
nas áreas em que estão se graduando.
Considerações finais
Diante da pesquisa realizada, a maioria dos alunos escolheu o curso por interesse pessoal
desmistificando o fato de que a maioria escolhe o curso pela influência da família, fazendo com
que a evasão e a desmotivação com a faculdade e o curso se tornem algo resultante de outros
fatores. Esse ponto se destacou diante dos feedbacks à pesquisa feita pelos alunos em relação
ao nível de satisfação com o curso onde 98,92% se dizem satisfeitos, pretendem continuar até
a conclusão e atuar na carreira, pois é algo que partiu de si.
A pesquisa mostra que 78,26% dos entrevistados estão otimistas quanto a conseguir
atuar e focar em tal área, sendo possível torná-la rentável e criar um renome, ficando novamente
para segundo plano a desistência por fatores externos. Porém deve se considerar que 21,74%
dos entrevistados têm dúvidas quanto à possibilidade de atuação na área, o que merece atenção
especial da IES.
É fato que dentre os vários motivos que levaria os graduandos a deixar seu curso está
em destaque a questão financeira com 55,43% dos entrevistados, esse fator requer uma ação
concreta da instituição quanto às opções de financiamento, porque a maioria dos graduandos
não se enquadram nas políticas do governo que são o FIES (Fundo de Financiamento
Estudantil) e o PROUNI (Programa Universidade Para Todos), ambas vinculadas ao resultado
do ENEM para que sejam concedidas , necessitando assim de outra forma de crédito para que
não interrompam seu curso e seus projetos de vida.
O segundo fator em destaque é a desmotivação apresentada diante de fatores como:
aulas menos intuitivas, poucas aulas dinâmicas, poucas aulas práticas e falta até mesmo de
professores. Diante de vários fatores apresentados no referido trabalho é notório que entre os
principais motivos de desistência da faculdade está conciliar o trabalho com o referido curso.
Pelo exposto essa pesquisa trouxe resultados que contribuem para a qualidade na
permanência dos estudantes na instituição uma vez que conseguiu mapear os principais motivos
da evasão, dessa forma a atenção precisa contemplar: fatores externos à instituição como,
mercado de trabalho (problemas financeiros); desvalorização da profissão gerando
desmotivação para conclusão do curso; conciliar trabalho-estudo. Fatores internos à instituição
como relacionamento com professores; baixo nível do curso; desunião da turma; falta de
investimento em inovações acadêmicas; aulas com conteúdo repetitivo. Assim como fatores
pessoais do estudante, tais como a escolha precoce da profissão (não gosta do curso escolhido);
dificuldade de adaptação à vida acadêmica; isolamento e bullying.
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PESQUISAS PSICANALÍTICAS SOBRE O IMAGINÁRIO COLETIVO:
1362
TENDÊNCIAS E INDICADORES DE CONSISTÊNCIA METODOLÓGICA
Andréa Aparecida Fernandes
Rodrigo Sanches Peres
Introdução
À luz da Psicanálise contemporânea, o conceito de imaginário coletivo, como resultado
de um paulatino processo de depuração, vem sendo utilizado desde os anos 2000 no país para
designar, conforme Tachibana (2011), o conjunto de ideias, crenças e emoções que se associam,
sobretudo de forma não-consciente, às ações de um determinado público em relação a um certo
fenômeno. E a autora acrescenta que este entendimento foi pautado em formulações teóricas
acerca do substrato afetivo-emocional das manifestações humanas propostas pela psicanalista
brasileira Tânia Maria José Aiello-Vaisberg, docente e pesquisadora na Universidade de São
Paulo e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Ressalte-se que a perspectiva epistemológica que sustenta o conceito de imaginário
coletivo em sua acepção psicanalítica não aborda o homem como uma entidade totalmente
abstrata, ao mesmo tempo que não consente com sua qualificação como um ser exclusivamente
racional. Nesse sentido, Aiello-Vaisberg e Machado (2008) afirmam que o imaginário coletivo
pode ser psicanaliticamente compreendido como uma posição existencial ocupada
inconscientemente em um dado momento. E tal posição existencial tem como pano de fundo as
interações cotidianas. Logo, as autoras sublinham que, como a vivência de novos ambientes
humanos é capaz de promover amadurecimento, o imaginário coletivo é relativamente flexível.
Vale destacar que, para Simões (2012), o imaginário coletivo se constitui como uma
espécie de cultura de um grupo social, pois inclui valores e costumes que, com algumas
variações pessoais, são compartilhados pelo mesmo. Portanto, ao menos quando concebido
psicanaliticamente, o imaginário coletivo deve ser considerado, ao mesmo tempo, individual e
social. Ainda que em outros termos, Tachibana (2011) defende essa linha de raciocínio ao
propor que o imaginário coletivo é marcado tanto pela realidade objetiva quanto pela realidade
subjetiva do indivíduo. E, em complemento, Gonçalves (2008) sustenta que o imaginário
coletivo sempre se manifesta em um período histórico e pessoal específico, sendo que cada
sujeito, além de um produto de sua época, é co-criador do meio em que vive.
Diante do exposto, evidencia-se que o conceito de imaginário coletivo em sua acepção
psicanalítica é capaz de nortear pesquisas voltadas ao exame das subjetividades grupais em face
de uma multiplicidade de fenômenos. E de fato isso já se observa no país. Desse modo, o
presente estudo teve como objetivo geral estabelecer, mediante uma revisão da literatura, um
panorama da produção científica nacional relativa à exploração psicanalítica do imaginário
coletivo. Os objetivos específicos foram, no tocante às publicações com tal temática veiculadas
no formato de artigo empírico: (1) identificar as principais tendências quanto a seus objetivos,
participantes e procedimentos de coleta de dados e (2) avaliar indicadores de consistência
metodológica concernentes a relevância, adequação, transparência e solidez.
Método
O presente estudo se enquadra como uma revisão integrativa, modalidade de revisão da
literatura indicada não apenas para a determinação do conhecimento científico atual sobre um
assunto específico (Souza, Silva & Carvalho, 2010), mas, também, para a discussão de
conceitos emergentes (Soares et al., 2014), como é o caso do conceito de imaginário coletivo
1363
em sua acepção psicanalítica. É importante esclarecer que as revisões da literatura, para além
de sintetizarem pesquisas prévias, estabelecem novas relações entre as mesmas a partir de
critérios fundamentais e, como consequência, geram contribuições originais (Mancini &
Sampaio, 2006).
As revisões integrativas, adicionalmente, contribuem para o mapeamento dos métodos
empregados em pesquisas consagradas a um determinado tópico, de modo que proporcionam
indicações importantes para futuras investigações. Para tanto, contudo, as revisões integrativas
devem ser desenvolvidas em conformidade com procedimentos metodológicos próprios,
referentes à localização, à seleção e à avaliação das referências (Ercole, Melo & Alcoforado,
2014). Como será detalhado a seguir, tais procedimentos foram adotados no presente estudo, a
fim de assegurar sua reprodutibilidade e confiabilidade.
Quanto aos procedimentos metodológicos de localização das referências, ressalte-se
que, para viabilizar um levantamento bibliográfico abrangente, foram consultadas três bases de
dados: (1) Scientific Electronic Library Online-Brasil (SciELO-Brasil), (2) Periódicos
Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) e (3) Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências
da Saúde (LILACS). Em cada uma dessas bases de dados foram empreendidas buscas através
do cruzamento dos termos “imaginário” e “coletivo”, sempre no campo “resumo”, uma vez que
tal estratégia, em consultas prévias, se revelou a mais produtiva. Vale destacar ainda que as
buscas foram concluídas no dia 22 de maio de 2019 e não envolveram a utilização de quaisquer
limites – em relação à data de publicação ou idioma, por exemplo – oferecidos pelas bases de
dados.
A respeito dos procedimentos metodológicos de seleção das referências, deve-se
esclarecer que se optou pelo emprego de um único critério de inclusão, a saber: enquadrar-se
como artigo empírico voltado à exploração psicanalítica do imaginário coletivo. Esse critério
foi aplicado de forma independente por dois pesquisadores mediante a leitura dos resumos das
referências, sendo que, pontualmente, se recorreu à leitura dos textos completos quando
considerado necessário para esclarecer dúvidas. As duplicidades identificadas entre as
referências selecionadas foram descartadas e, assim, foi definido o corpus de análise em sua
versão final. Procedeu-se a recuperação de todas as referências que constituíram o corpus de
análise e os textos completos foram, então, submetidos a uma leitura exaustiva, também
realizada de modo independente por dois pesquisadores.
Já os procedimentos de avaliação das referências foram organizados em função dos dois
objetivos específicos do presente estudo. Portanto, em um primeiro momento, foram
identificados e sumarizados os objetivos, os participantes e os procedimentos de coleta de dados
das referências selecionadas. Em um segundo momento, as mesmas foram avaliadas com base
em indicadores de consistência metodológica concernentes a relevância, adequação,
transparência e solidez. Para isso foi adotada a adaptação do Guia RATS proposta por Taquette
e Minayo (2016). Por fim, ainda acompanhando as autoras em questão, foi efetuada a
classificação de cada uma das referências selecionadas em três categorias quanto à consistência
metodológica: (1) “consistente”, quando apresentava de 12 a 15 indicadores; (2) “pouco
consistente”, quando apresentava de 8 a 11 indicadores e (3) “inconsistente”, quando
apresentava 7 indicadores ou menos.
É válido informar que o Guia RATS, originalmente formulado por Clark (2003),
estabelece um conjunto de indicadores que se prestam à avaliação da consistência metodológica
de pesquisas qualitativas e vem sendo amplamente utilizado, sobretudo a nível internacional.
No presente estudo, considerou-se pertinente empregá-lo levando-se em conta que o contato
prévio com pesquisas psicanalíticas sobre o imaginário coletivo revelou que todas elas são de
1364
natureza qualitativa.
Resultados e Discussão
As buscas realizadas junto às bases de dados subsidiaram, no total, a localização de 99
referências. Após a aplicação do critério de inclusão e o descarte de duplicidades, restaram 23
referências, a saber: Manna, Leite e Aiello-Vaisberg (2018); Visintin e Aiello-Vaisberg, (2017);
Ferreira-Teixeira e Aiello-Vaisberg (2017); Silva e Peres (2016); Granato e Aiello-Vaisberg
(2016); Alves e Peres (2015); Simões, Ferreira-Teixeira e Aiello-Vaisberg (2014); Tachibana,
Ambrosio, Beaune e Aiello-Vaisberg (2014); Fialho, Montezi, Ambrosio e Aiello-Vaisberg
(2014); Cambuí e Neme (2014); Corbett, Ambrosio, Gallo-Belluzzo e Aiello-Vaisberg (2014);
Assis, Fernandes e Aiello-Vaisberg (2014); Gallo-Belluzzo, Corbett e Aiello-Vaisberg (2013);
Miranda, Serafini e Baracat (2012); Montezi, Zia, Tachibana e Aiello-Vaisberg (2011);
Granato, Tachibana e Aiello-Vaisberg (2011); Pontes, Barcelos, Tachibana e Aiello-Vaisberg
(2010); Barreto e Aiello-Vaisberg (2010); Russo, Couto e Aiello-Vaisberg (2009); Martins e
Aiello-Vaisberg (2009); Ribeiro, Tachibana e Aiello-Vaisberg (2008); Pontes, Cabrera,
Ferreira e Aiello-Vaisberg (2008); e Ávila, Tachibana e Aiello-Vaisberg (2008).
Considerando-se o corpus de análise como um todo, observou-se uma significativa
diversificação quanto aos objetivos das referências selecionadas, pois as mesmas examinaram
psicanaliticamente o imaginário coletivo acerca de uma ampla gama de fenômenos, como a
inclusão escolar (Ávila, Tachibana & Aiello-Vaisberg, 2008), as dificuldades sexuais (Corbett
et al., 2014), o envelhecimento (Manna, Leite & Aiello-Vaisberg (2018), a maternidade
(Visintin & Aiello-Vaisberg, 2017) e o abandono infantil (Ferreira-Teixeira & Aiello-Vaisberg,
2017), dentre outros. Além disso, os participantes foram constituídos por uma pluralidade de
grupos sociais – com destaque para estudantes universitários e profissionais de saúde ou
educação – que vivenciavam pessoalmente ou não o fenômeno investigado. Parece razoável
propor que esse conjunto de características das referências selecionadas realça a versatilidade
do conceito de imaginário coletivo, pois aponta que o mesmo pode nortear pesquisas com
propósitos e públicos variados.
Quanto aos procedimentos de coleta de dados, destacou-se a utilização – em entrevistas
individuais ou coletivas – do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema (PDE-T) em 16
referências selecionadas (69,6%). Trata-se de uma estratégia de investigação dialógica criada
por Aiello-Vaisberg (1999) para facilitar a expressão subjetiva de maneira lúdica e articulada
ao viver coexistencial. É preciso esclarecer que o PDE-T abrange processos expressivo-motores
e aperceptivo-dinâmicos, assim como possui uma identidade gráfico-verbal, pois a tarefa
proposta consiste em solicitar ao sujeito a produção de um desenho sobre o assunto em pauta,
a criação de uma estória a respeito do desenho e a elaboração de um título para a estória, sendo
que, ao final, o pesquisador pode realizar perguntas para esclarecer aspectos que considerar
necessários sobre o desenho ou a estória. Não obstante, nas referências assinadas por Manna,
Leite e Aiello-Vaisberg (2018) e Visintin e Aiello-Vaisberg (2017) os procedimentos de coleta
de dados envolveram o levantamento e a seleção de postagens em blogs e sites,
respectivamente, o que evidencia que pesquisas psicanalíticas sobre o imaginário coletivo
também podem se valer de material previamente disponível on-line.
Já de acordo com a avaliação dos indicadores de consistência metodológica
estabelecidos pelo Guia RATS, 17 referências selecionadas (73,9%) foram classificadas como
“consistentes”, sobretudo porque identificou-se que apresentavam: (1) clareza quanto à
definição do objetivo e do referencial teórico, (2) descrição apropriada dos procedimentos de
coleta de dados e aspectos éticos, e (3) adequação no que diz respeito ao instrumento utilizado
1365
e ao diálogo estabelecido entre os resultados reportados e a literatura especializada. Em
contrapartida, muitas das referências que obtiveram tal classificação não informaram como se
deu a entrada do pesquisador no campo, o que é considerado uma fragilidade do ponto de vista
da transparência.
Nenhuma referência selecionada foi considerada “inconsistente”. Mas 6 referências
(26,1%) foram classificadas como “pouco consistentes”, em consonância com os indicadores
elencados no Guia RATS, pois apresentaram, principalmente, os seguintes problemas: (1) o
método escolhido não se encontrava devidamente justificado, (2) os critérios de inclusão dos
participantes não foram explicitados, (3) a entrada do pesquisador no campo não foi discutida,
(4) os dados sobre o cenário do estudo prescindiam de maiores detalhes, (5) a menção aos
aspectos éticos foi superficial e (6) a articulação entre as interpretações e o material empírico
não se encontrava suficientemente estabelecida. Portanto, as referências em questão deixaram
a desejar no tocante a indicadores de adequação e transparência, sobretudo.
Cumpre assinalar que, em qualquer pesquisa, é recomendável que a escolha do método
empregado se encontre justificada, pois o mesmo abrange todas as etapas do caminho trilhado
pelo pesquisador para atingir o objetivo visado e, consequentemente, deve se coadunar com a
natureza daquilo que se pretende conhecer e com o tipo de respostas que se espera obter, como
bem observou Augusto (2014). Para tanto, conforme acrescenta a autora, faz-se necessário
evitar a naturalização dos “hábitos de pesquisa”, uma vez que a opção por um determinado
método – traduzindo-se na utilização de um certo procedimento para a coleta de dados em
detrimento de outro possível, por exemplo – não pode ser reduzida a uma questão de preferência
do pesquisador. É possível ainda propor que uma estratégia proveitosa no sentido de colocar
em relevo a pertinência do método empregado – qualitativo, via de regra – em pesquisas
psicanalíticas futuras sobre o imaginário coletivo é a enunciação dos atributos do objeto de
estudo, a julgar pelo fato de que o mesmo passou a ser tematizado recentemente no âmbito de
tal referencial teórico-metodológico.
Seria igualmente interessante se, nessas pesquisas futuras, fosse conferida atenção
especial à apresentação dos critérios de inclusão dos participantes, ou, mais precisamente, de
informações detalhadas sobre os mesmos enquanto grupo social. Tachibana (2011) esclarece
que, partindo do princípio de que o homem é um ser gregário, em investigações sobre o
imaginário coletivo em sua acepção psicanalítica os participantes devem ser tomados como uma
pessoalidade coletiva, e não examinados como uma singularidade individual. Mas parece
razoável concluir que isso é possível quando os participantes de fato possuem as características
definidas como essenciais para que os objetivos estabelecidos pelo pesquisador possam ser
atingidos, o que, portanto, deve ficar claro para o leitor. Ademais, ressalte-se que as pesquisas
psicanalíticas em geral se distanciam das premissas positivistas ao reconhecerem que o
pesquisador e os participantes de sua pesquisa são entidades dependentes uma da outra66 (Silva,
1993).
Por essa mesma razão, sugere-se que a entrada do pesquisador no campo seja discutida
– se possível em articulação com os cuidados éticos observados nesse processo – e se descreva
pormenorizadamente o cenário do estudo. Afinal, como asseverou Minayo (2012), o principal
verbo a ser conjugado em uma pesquisa qualitativa – independentemente de seu tema – é
compreender, o que exige do pesquisador a capacidade de colocar-se no lugar do outro. E, para
tanto, há que se levar em conta o fato de que as experiências e as vivências dos participantes
66
O mesmo, a propósito, se aplica a qualquer pesquisa qualitativa, como salienta Augusto (2014).
são atravessadas pela cultura do grupo social de que fazem parte. Igualmente é preciso, ainda
1366
conforme a autora, que a aproximação do pesquisador em relação ao campo seja pautada por
um olhar analítico capaz de preservar sua abertura a novas informações, as quais, inclusive,
podem revelar a necessidade de revisão de suas hipóteses iniciais.
Por fim, recomenda-se que, em novas pesquisas psicanalíticas sobre o imaginário
coletivo, a conexão entre as interpretações do pesquisador e o material empírico seja
estabelecida de maneira consistente, em contraste com o que ocorreu em parte das referências
selecionadas. Em primeiro lugar, porque, à luz da Psicanálise, reconhece-se que ao pesquisador
compete promover uma interlocução entre os níveis mais subjetivos e mais objetivos do
material empírico, lembrando que, de qualquer modo, a relatividade se afigura como uma
característica inerente ao conhecimento científico (Silva, 1993). Em segundo lugar, porque, em
pesquisas qualitativas, o pesquisador deve impregnar-se das informações provenientes do
campo para que se possa conferir o devido espaço e tempo ao material empírico e, como
consequência, não seja contaminado com interpretações precipitadas e tampouco pela pretensão
de atingir a última palavra acerca de seu objeto de estudo (Minayo, 2012).
Considerações finais
O presente estudo viabiliza um mapeamento dos artigos empíricos que se prestaram à
exploração psicanalítica do imaginário coletivo e foram localizados nas bases de dados
consultadas. Em síntese, constatou-se, a partir da identificação de suas principais tendências,
que a produção científica nacional consagrada ao assunto proporciona, em diferentes públicos,
a demarcação do cerne não-consciente das subjetividades grupais no tocante a uma variedade
de fenômenos. Observou-se também que têm sido explorados tanto dados coletados em
“ambientes reais”, constituídos presencialmente a partir da relação estabelecida pelo
pesquisador com os participantes, quanto material previamente veiculado em “ambientes
virtuais”, ou seja, em diferentes espaços de socialização mediados por computador via internet.
Verificou-se ainda que, de forma geral, as referências selecionadas podem ser consideradas
consistentes do ponto de vista metodológico. Não obstante, foram sinalizados alguns cuidados
a serem observados em pesquisas futuras, para que as mesmas possam auxiliar a consolidar o
conceito de imaginário coletivo no vocabulário psicanalítico contemporâneo. O presente
estudo, assim, também fornece indicações pertinentes para novas investigações.
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AS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E O
1370
CYBERBULLYING: PAPEL DA FAMÍLIA E DA ESCOLA
Beatriz Alves de Oliveira
Marcilene Araújo Dias
Thayz Costa Mesquita
Karina Alves de Oliveira
Maria Eduarda Laís de Sousa França
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Introdução
As reflexões teóricas que constam no presente trabalho partem da prática extensionista
referente ao projeto de extensão “Interfaces entre Psicologia e Inovação Educativa”, que
repensando as práticas psicológicas no âmbito educativo diante do novo contexto sociocultural
marcado pela presença das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), tem o
objetivo de promover ações que envolvam a realização de atividades educativas inovadoras
através da oferta de serviços junto à comunidade acadêmica em seus diversos níveis de ensino
e ao público em geral.
Logo, a elaboração deste artigo advém de um amplo aprofundamento teórico em função
do minicurso “Cyberbullying e o Uso Seguro da Internet”, que foi uma das ações desenvolvidas
pelo projeto supracitado, no qual integrou a oficina “Papel da escola e da família em situações
de cyberbullying” que explanou desde características e impactos do bullying virtual até
estratégias de como identificar, intervir e prevenir nessas situações.
Partindo dessa perspectiva, a literatura mostra que uma das consequências do avanço
tecnológico que vem ocorrendo nos últimos anos é o surgimento de novos meios de
comunicação mediados pela internet. Com a internet, é possível comunicar-se as redes de
conexão no mundo todo. Entretanto, por facilitar o acesso à comunicação, esses dispositivos
acabam proporcionando uma grande exposição da vida privada, por partes dos usuários, por
meio de fotos, vídeos ou textos. Através dessa exposição, o sujeito disponibiliza suas
preferências, o que facilita a conexão com outros grupos (Amaral, 2015; Carvalho et al, 2017).
Considerando essa realidade, observa-se que o uso indiscriminado das TDIC pode
deixar as pessoas em uma situação de vulnerabilidade, correndo o risco de sofrerem violência
devido a essa exposição. Isso ocorre uma vez que esse ambiente proporciona uma grande
liberdade acerca do uso da internet, em que as normas quanto a esse uso ficam implícitas.
Assim, o uso das tecnologias está associado a diversas questões como a privacidade de quem
as utiliza, a liberdade de expressão, a segurança e podendo até mesmo influenciar no processo
educacional (Ferreira, 2014; Silva, Davi & Silva, 2018; Weiss, 2019).
Nesse sentido, se por um lado a exposição gera likes, seguidores e comentários, o que
muita gente busca, inclusive por ganharem dinheiro com isso, por outro, surgem muitas críticas,
as quais podem configurar situações de agressão como o cyberbullying, um dos problemas que
permeiam na sociedade atualmente e se caracteriza como uma violência virtual e intencional
entre pares, que visa prejudicar alguém por meio do uso de dispositivos com acesso à internet
(Bozza & Vinha, 2017). Dessa forma, é um fenômeno que envolve comportamentos agressivos
direcionados a alguém que dificilmente poderá se defender, já que ocorre em um ambiente no
qual essas condutas são facilmente reproduzidas (Rondina, Moura & Carvalho, 2016).
Para combater os casos de cyberbullying, a família e a escola exercem um papel
1371
fundamental. Os pais ou responsáveis podem de forma prática evitar que os(as) filhos(as)
passem por situações de violência virtual, com passos simples como monitorar os sites que
os(as) filhos(as) utilizam, observar o círculo de amizades virtuais, aconselhar sobre a exposição
e incentivar outras atividades fora da internet (Hannouche, 2018).
Quanto ao papel da escola, a mesma também precisa estar preparada para lidar com
casos de violência virtual, uma vez que essas situações também refletem nesse ambiente, seja
pelo amplo uso de smartphones, por exemplo, ou sendo reproduzida no espaço escolar. É
importante que as escolas trabalhem não só para resolver esses conflitos, mas também forneçam
projetos eficientes de prevenção ao cyberbullying (Bozza & Vinha, 2017). E, nesse aspecto,
ressalta-se a atuação do(a) psicólogo(a) educacional e escolar como profissional que auxilia a
escola a oferecer uma educação integral aos estudantes.
Diante disso, percebe-se que é inegável o uso em massa dos meios digitais, inclusive
entre crianças e adolescentes, seja como uma forma de comunicação ou para auxiliar na
realização das diferentes atividades do dia a dia. Esse fato corrobora para a importância de
refletir sobre essa temática, principalmente quando o uso indevido e a exposição exacerbada
pode trazer riscos aos usuários, como situações de cyberbullying, um problema virtual muito
presente na atualidade, podendo causar muitas consequências para as vítimas, dentre elas,
consequências psicológicas (Maidel, 2009; Rondina et al., 2016).
Considerando isso e destacando a relevância do tema na contemporaneidade, o presente
trabalho tem como objetivo discutir acerca do uso indiscriminado das TDIC como
potencializador do cyberbullying, evidenciando-se o papel da família e da escola frente à
prevenção.
1372
sociedade do espetáculo e do consumismo que reforça e naturaliza o comportamento de se
exibir e ser exibido a todo instante e a qualquer custo para que os usuários alcancem o maior
número de pessoas possíveis em seus perfis sociais.
Em vista disso, compreende-se que quanto mais os usuários se conectam com outros,
maior é a visibilidade de suas publicações, o que os motivam a permanecerem se expondo cada
vez mais. Logo, os usuários das redes sociais podem criar, escolher e controlar as suas relações
virtuais a partir de interesses pessoais ou coletivos, de modo que os conteúdos compartilhados
podem intensificar ou distanciar os laços entre os usuários, uma vez que esses conteúdos podem
ir ao encontro ou não do que o público espectador quer consumir (Carvalho et al., 2017).
Assim, para serem aceitos ou bem visto nas mídias digitais, muitos usuários acabam
postando somente aquilo que quer que os demais vejam de si, em muitos casos, substituindo a
vida real pela vida virtual baseada na edição frequente das suas identidades para agradar os seus
espectadores (Ávila, 2014). Diante disso, percebe-se que o perfil social na internet só tem
sucesso quando expõe muitos conteúdos, opiniões e obtém um retorno das pessoas, já que a
superexposição necessita da interação e da atenção do público alvo para se manter constante
(Carvalho et al., 2017; Ciribeli & Paiva, 2011).
Uma pesquisa realizada por Silva, Ballerini e Galhardi (2015) aponta que geralmente os
usuários utilizam as redes sociais para compartilhar bons momentos e expressar suas opiniões,
sendo que o principal retorno que esperam receber a partir de suas publicações é o apoio dos
amigos virtuais, indicando poucas evidências dos fatores reconhecimento e autopromoção. O
que se opõe a ideia de que a utilização das redes e a superexposição nas mesmas é basicamente
para mostrar bens materiais, conquistas pessoais e boas ações.
Em contrapartida, Midori, Santos e Giudice (2016) ressaltam que embora nem todos os
indivíduos conectados às redes sociais busquem a ostentação, a autopromoção e
reconhecimento, uma boa parte dos internautas ainda se empenham para isso, nem que percam
a sua privacidade, expondo a maioria das atividades que desenvolvem no dia a dia em troca de
muitos seguidores, curtidas, comentários positivos, repercussões e compartilhamentos de suas
ações nas mídias sociais, e por conseguinte, a tão almejada fama. Afinal, tais atitudes
exibicionistas além de serem prazerosas, podem gerar renda, como é o caso de youtubers,
blogueiros, cantores, digital influencers e lojas virtuais (Souza et al., 2017).
É importante destacar que, em alguns casos, quando os usuários não conseguem receber
aprovação ou um bom retorno do público espectador acerca de seus conteúdos nas mídias
sociais, podem entrar em conflito interno, tendo crises de identidade, autoimagem, autoestima,
ansiedade e até depressão (Brunelli, Amaral & Silva, 2019). Por outro lado, Carvalho et al.
(2017) ressaltam que há internautas que mesmo não obtendo tanta notoriedade nas suas
publicações, permanecem postando normalmente; enquanto outros preferem deletar suas contas
nas redes sociais quando não conseguem acompanhar seus contatos virtuais e as constantes
atualizações de conteúdo.
Em face a essa realidade, nota-se que o uso das TDIC e a superexposição nas redes
sociais pode acontecer por diversos motivos e finalidades, trazendo consequências positivas ou
negativas para a vida do usuário. No entanto, além dos impactos negativos à saúde mental, o
excesso de exposição sem nenhum critério do que realmente é necessário ou não compartilhar,
pode tornar os usuários vulneráveis a situações de ciberviolência, já que muitos internautas
usam as redes sociais com más intenções, usufruindo de perfis fakes para cometer crimes de
racismo, homofobia, pedofilia, cyberbullying, entre outros (Amaral, 2015; Ferreira, 2014;
Souza et al., 2017).
Somando-se a isso, Ferreira (2014) salienta quatro fatores que podem anteceder e até
1373
mesmo contribuir para uma superexposição de risco e atos criminosos e/ou violentos no mundo
virtual. São eles: a exibição ingênua da vida pessoal; a busca por conhecer novas pessoas que
correspondam às expectativas pessoais e ajude a superar a solidão e o vazio existencial; a
liberdade sexual expressa na facilidade em se relacionar intimamente e registrar, expor ou
acessar conteúdos de teor sexual; e, por fim, a ideia equivocada de total anonimato e
impunidade por parte dos agressores virtuais.
Diante do exposto, constata-se que na era digital existe um limite tênue entre o espaço
privado e o público, posto que, o que é de domínio particular pode tornar-se popular em fração
de segundos (Koehler & Carvalho, 2013). Portanto, é crucial fazer uso do ambiente virtual de
forma ética e segura, tendo cautela ao compartilhar e reagir aos conteúdos on-line para não ferir
direitos e até mesmo evitar ser vítima ou praticante de cibercrimes (Silva et al., 2018), como o
cyberbullying, foco deste trabalho.
1374
internet.
Dentre os motivos que levam crianças e adolescentes a praticarem esse tipo de violência,
destacam-se os impulsos de prazer e diversão; não gostar do outro; sentir inveja, raiva ou
ciúmes; rompimento dos laços de amizade; sentimento de superioridade sobre o outro; e, por
fim, a falta de respeito pelo outro ou a ideia de vingança por um acontecido (Caetano et al.,
2017).
Nesse contexto, o cyberbullying se caracteriza por condutas como envio de e-mails,
mensagens ou comentários desagradáveis; insultos, assédios ou ameaças on-line; uso de dados
privados ou publicações de outrem sem autorização; entre outros. Portanto, esses atos on-line
apresentam consequências mais amplas, uma vez que nesse espaço virtual não há tanto controle
sobre as postagens, já que a transmissão e a viralização dos conteúdos e informações se dão de
forma instantânea, durando mais tempo e sendo difíceis de serem totalmente excluídas do
ciberespaço (Escur et al., 2017).
Dessa forma, percebe-se que o cyberbullying ultrapassa o ambiente físico, não se
limitando as fronteiras, podendo ser mais cruel que o próprio bullying por ser feito em qualquer
ambiente e a exposição alcançar um maior número de pessoas (Lacerda, et al., 2018; Rondina
et al., 2016). Assim, conforme os mesmos autores, esse fenômeno tornou-se uma forma de
agressão ou assédio moral por intermédio das novas tecnologias e meios de comunicação
digital, podendo trazer muitos impactos psicológicos para a vítima como ansiedade, fobia,
depressão, baixa autoestima, isolamento social, ideação ou ações suicidas, entre outros.
A partir dos riscos que as novas tecnologias podem oferecer ao público infanto-juvenil,
faz-se necessário tomar medidas que os protejam, já que o acesso às redes sociais pode ser
burlado facilmente pelos usuários e/ou responsáveis. Apesar de muitos pais fiscalizarem o uso
da internet de seus(uas) filhos(as), isso ainda não é muito eficaz. Pensando nisso, torna-se
necessário a participação do Estado para contribuir em ações preventivas por meio de políticas
públicas, como também normas regulamentadoras, filtragem de conteúdo e sites, dentre outras
intervenções (Pereira, 2015).
Devido aos crimes virtuais terem ganhado força com o surgimento das redes sociais e a
sua popularização, as autoridades passaram a pensar na criação de leis que pudessem dar
suporte às vítimas, que pode vir a ser qualquer indivíduo que muitas vezes usa a internet sem o
cuidado necessário. A Lei Antibullying (nº 13.185/15), por exemplo, visa a prevenção através
do intuito de ensinar os jovens nas escolas a reprimir qualquer ação que remeta a violência em
vários âmbitos, incluindo a virtual (Lacerda et al., 2018).
Diante disso, nota-se que se por um lado as mídias sociais podem ser negativas como
veículo através do qual se propaga o cyberbullying e outras tipos de ciberviolências, por outro,
as diversas redes também têm desenvolvido mecanismos de combate aos crimes virtuais por
meio de anúncios de conscientização aos usuários e suporte para fazer denúncias quando
necessário (Lacerda, et al., 2018). Um exemplo disso, é a rede social Facebook que criou uma
Central de Prevenção ao Bullying no Brasil com o objetivo de orientar e auxiliar pais,
educadores e adolescentes acerca desse problema.
1375
imediatismo, individualismo e liquefação das relações (Bozza & Vinha, 2017). De acordo com
as mesmas autoras, ao passo em que essas plataformas possibilitam o acesso à informação e a
conectividade, elas também permitem o anonimato e aguçam o alcance de informações que são
difundidas na rede, tornando-a um ambiente vulnerável para riscos de exposição e ataques.
É nesse contexto no qual as tecnologias digitais constituem parte da realidade cotidiana
e das relações que as mesmas podem facilmente se transformar em armas cibernéticas quando
manuseadas por indivíduos que se isentam de sua responsabilidade e se julgam no direito de
atacar a outrem, seja por meio do envio de mensagens, e-mails ou comentários de cunho
ofensivo ou de ameaça, invasão de contas nas redes sociais ou compartilhamentos de conteúdos
sem o consentimento da pessoa, entre outros ações (Arcie et al, 2016; Rodina et al., 2016).
Isto posto, compreende-se que apenas saber manusear as tecnologias não é o suficiente,
é necessário que haja um posicionamento e desenvolvimento de uma análise crítica, pois
construindo essas habilidades, os usuários estarão mais aptos para lidarem com as diversas
ocasiões apresentadas pelo meio virtual (Bozza & Vinha, 2017; Pereira & Alves, 2015). E a
aquisição dessas habilidades e posicionamentos críticos podem ser imensamente desenvolvidas
por meio do diálogo e orientações realizados pela família, escola e também pela Psicologia da
Educação que cumpre uma importante função no âmbito tanto da formação dessa consciência
crítica para o uso das TDIC como também no desenvolvimento de projetos que envolvem ações
preventivas.
Em contrapartida, uma pesquisa realizada por Fialho e Sousa (2019) mostra que por
mais que os pais participantes do estudo reconheçam os perigos gerados pela exposição na
internet, boa parte deles não constroem diálogos sobre esta problemática com os(as) filhos(as).
Ademais, diante do que foi citado pelos entrevistados, a ausência de orientação, ou orientação
superficial da escola também foi um dos resultados preocupantes da pesquisa. E longe do olhar
dos pais, os adolescentes sentem-se livres para expressar seu comportamento, e isso nem
sempre é feito de uma forma crítica e responsável, como expressam os autores.
Neste sentido, é papel dos pais estarem atentos às reações, aos hábitos e as atividades
dos(as) filhos(as) na internet, bem como promover um ambiente acolhedor dentro do lar para
que a criança ou adolescente sinta-se seguro para compartilhar seus problemas, medos e
inseguranças (Fante & Pedra, 2008). Somando-se a isso, é crucial que os pais da vítima sejam
empáticos e não julguem as ações do(a) filho(a) para que este não se sinta culpado(a), além de
bloquear, recolher provas, denunciar o agressor e procurar o auxílio de profissionais e
autoridades competentes para solucionar o caso (Hannouche, 2018). A depender do histórico
familiar, os pais do agressor também devem adotar providências necessárias para com os
seus(uas) filhos(as).
Certamente, nenhuma outra geração experienciou tantas mudanças tecnológicas,
relacionais e comunicativas como a geração atual está vivendo e é por este motivo que a família
e escola enquanto instituições que contribuem para a educação e formação têm papel crucial na
educação digital e prevenção do cyberbullying, orientando quanto aos limites da liberdade
individual, limites entre o público e o privado, riscos, benefícios e uso responsável das TDIC
(Fichtner, 2015).
Contudo, Bozza e Vinha (2017) elucidam que as escolas frequentemente usam
ferramentas pouco eficazes no enfrentamento do cyberbullying, atuando apenas no pós
ocorrido, e não na prevenção e combate às agressões virtuais. Ainda para as autoras, as
atividades que são desenvolvidas, geralmente não são um programa da instituição, mas apenas
atividades pouco sistematizadas e pontuais, como palestras e afins, que pouco contribuem para
1376
a resolução do problema, tendo em vista o curto espaço de tempo no qual são realizadas.
Nesta perspectiva, é importante que se concentrem forças na prevenção, por meio da
formação, que se faz de forma contínua, seja por meio de programas, disciplinas ou atividades
afins. E para isso, é necessário que haja a formação de professores e também de familiares
acerca dos riscos do meio digital, para que as crianças, adolescentes e jovens sejam devidamente
orientados, já que a casa, o colégio e a universidade são os principais ambientes de socialização
em que estes passam a maior parte do seu tempo.
Diante disso, o papel principal da escola é o de promotora de conhecimento, já que deve
ensinar os(as) alunos(as) a respeito do uso responsável das tecnologias e dos perigos que a
envolvem; orientá-los a não compartilharem fotos pessoais e de familiares com estranhos; não
expor endereços, senhas, conta bancária ou cartão de crédito; não marcar encontros com pessoas
conhecidas unicamente por meio das redes sociais, e em caso positivo, que seja em locais
públicos e que outras pessoas saibam desse encontro; conscientizá-los sobre os crimes virtuais
e atentar para o fato de que a menoridade e o anonimato não são capazes de acobertar alguém
das punições previstas em lei (Fante & Pedra, 2008).
Além disso, também é papel da escola formular meios para informar e envolver os pais
na prevenção do cyberbullying por meio de palestras, encontros, entre outros (Fante & Pedra,
2008). Tendo em vista que muitos pais não possuem familiaridade com o meio virtual, é
importante que a escola proporcione momentos de instrução aos mesmos, tanto em relação ao
manuseio, quanto ao uso consciente e outras informações importantes para que os responsáveis
possam orientar os(as) filhos(as), como a apresentação da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei
n° 13.709/18), e a Lei n° 13.185/15, que institui o Programa de Combate à Intimidação
Sistemática (Bullying) (Arcie et al., 2016).
Por fim, a escola deve investir em atividades de caráter reflexivo e contínuo para pais e
alunos(as), assumindo sua responsabilidade enquanto instituição formadora frente as TDIC e a
educação on-line, tendo em vista a construção de sujeitos éticos não só no mundo real, mas
também no mundo virtual (Bozza & Vinha, 2017). Diante disso, nota-se o quanto é crucial a
parceria da família e da escola na prevenção e posvenção de situações de cyberbullying, de
modo que ambos fiquem sempre atentos para que os(as) filhos(as) e alunos(as) não sejam as
vítimas e nem os agressores.
Conclusão
Diante do que foi apresentado, constata-se que a revolução tecnológica e o crescente
uso das TDIC ampliaram os meios de comunicação, diminuíram as fronteiras entre as pessoas
e, de forma paralela corroborou para o surgimento de novos contextos de violência, dentre eles
o cyberbullying. Nesse sentido, nota-se que a funcionalidade desses instrumentos tecnológicos
também podem vir a ser um fator de risco para usuários das mais diversas faixas etárias, tendo
em vista que a exposição excessiva pode levar os sujeitos a se tornarem vítimas desse novo tipo
de violência que é facilmente reproduzida.
Os crimes de natureza virtual, como o cyberbullying, podem predispor riscos à saúde
mental das pessoas que sofrem essa categoria de agressão. Além dos sentimentos de
comparações e busca incessante por aceitação de seus seguidores, que em troca de curtidas são
capazes de expor conteúdos íntimos, muitas vezes de forma precipitada e irresponsável, o que
leva estes indivíduos não só a perderem sua privacidade e autenticidade, mas também
desenvolverem problemas de autoestima e outros de origem psicológica.
Portanto, tendo em consideração que as tecnologias fazem parte da moderna conjuntura
1377
e que o cyberbullying é um de seus perigos iminentes, a família e as instituições de ensino,
como primeiras esferas sociais nas quais os indivíduos têm contato, devem desenvolver
estratégias em conjunto para instruir as crianças, adolescentes e jovens a fazerem uso
responsável das TDIC, visando resguardá-los de se tornarem vítimas ou agressores.
No âmbito da necessidade de se desenvolverem ditas estratégias, uma das dificuldades
encontradas consiste no despreparo de pais e professores para lidarem com assuntos
relacionados ao cyberbullying e a realidade virtual. Diante disso, ressalta-se a importância da
inserção e atuação do(a) psicólogo(a) escolar e educacional, bem como dos demais profissionais
que zelam pela saúde mental nos espaços escolares para que possam abordar tais temas, no
intuito de promover e prevenir saúde, bem como realizarem planos de intervenção de forma
contínua com todos os atores desse cenário.
Em função disso, salienta-se a relevância das ações que foram realizadas no âmbito da
extensão, do qual o presente texto constitui reflexões teóricas, tendo em vista que a oficina
ministrada foi aberta para professores e alunos(as) dos diferentes cursos de graduação e níveis
de ensino, e aos demais públicos interessados, levando os reunidos a debaterem acerca do
cyberbullying e as questões sociais e psicológicas que perpassam esse assunto, bem como gerar
conhecimento sobre estratégias de identificação, intervenção e prevenção em situações de
bullying virtual e, de modo em geral, auxiliar os participantes a desenvolverem competências
de como fazer o uso da internet de forma positiva e segura.
Considerando todos os aspectos mencionados, espera-se que as reflexões apresentadas
no presente estudo possam contribuir com outras pesquisas, debates e intervenções sobre o
cyberbullying, pois é uma temática contemporânea que pode trazer muitas indagações futuras
já que as TDIC estão em constante processo de inovação, o que pode levar a aparecer novos
desdobramentos ou modalidades desse tipo de agressão e até mesmo de outras ciberviolências.
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TEORIA DO GERENCIAMENTO DO TERROR: CONTRIBUIÇÕES E
1380
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Ernandes Barbosa Gomes
Hysla Magalhães de Moura
Anderson Mesquita do Nascimento
Alessandro Teixeira Rezende
Camilla Vieira de Figueiredo
Roberta Pereira Curvello
Introdução
O homem é o único animal racional existente no planeta Terra. Esta capacidade o torna
dominante sobre as outras espécies de animais e vegetais e o torna consciente de sua própria
existência. No entanto, esta habilidade ao mesmo tempo em que determina sua dominância na
natureza também o torna consciente de complexas questões existenciais. No ponto central
destas questões encontra-se a morte e seus desdobramentos, já que é a única certeza inerente a
todos os seres existentes. Não por acaso, as ciências, as artes, a filosofia e as religiões, desde os
tempos mais remotos das civilizações, tentam responder a inquietante pergunta: “para onde
vamos após a morte?”.
Há um longo debate sobre como definir o que seria o fim da vida, sendo que esta noção
vai mudar de acordo com o enfoque dado sobre ela, ou seja, se médico, filosófico religioso ou
jurídico. Por exemplo, quando se fala em morte do corpo humano, a noção do fim da vida
concentra-se na perspectiva biológica que se dá pela morte cerebral, isto é, a irreversibilidade
do funcionamento do tronco cerebral, bem como a parada irreversível das funções respiratórias
e circulatórias (Kind, 2008). Com o fim do corpo biológico, as explicações médicas saem de
cena e dão lugar a filosofia e a religião, que tentam responder as questões mais básicas da
existência humana (Morais, 2015).
Muitos estudiosos têm demonstrado que a morte é um evento capaz de trazer medo e
angústia para o indivíduo (Becker, 1973; Kóvacs, 1992). Logo surge a questão relacionada à
forma como as pessoas conseguem certa tranquilidade psicológica diante das evidências de sua
própria mortalidade. Para investigar as possíveis respostas a esta questão, vem sendo
amplamente utilizada uma teoria desenvolvida nos Estados Unidos denominada Teoria do
Gerenciamento do Terror (Terror Management Theory), que tem como uma de suas principais
contribuições ter trazido reflexões existenciais para o campo da Psicologia Social empírica
(Greenberg, Koole & Pyszczynski, 2004). Logo, este trabalho tem como objetivo explicar a
Teoria do Gerenciamento do Terror (TGT), haja visto que se trata de uma abordagem teórica
que tem ganhado cada vez mais notoriedade no cenário internacional, contudo ainda se verifica
uma escassez das produções em território brasileiro.
1381
animais, possuem um instinto de autopreservação, no entanto, eles também detêm habilidades
cognitivas que os tornam únicos, tais como o autoconhecimento, o pensamento abstrato e a
capacidade de pensar temporalmente.
Embora tais características tornem os seres humanos únicos e os coloque em um patamar
superior em relação às outras espécies, essas mesmas habilidades podem ser perturbadoras, pois
elas produzem temor. Ter a consciência de que o tempo está passando está associada também
à passagem da vida e a certeza inevitável da morte, ou seja, a consciência temporal também
significa a consciência da própria morte (Routledge & Arndt, 2005). Complementando esta
ideia, Becker (1973) afirma que ao mesmo tempo em que o homem possui mecanismos
biológicos que visam a preservação e a continuação da vida, também possui uma inteligência
que o faz ser consciente que um dia virá a morrer.
A TGT foi elaborada no intuito de explicar a necessidade fundamental de encontrar
significado e autoestima, de modo a utilizá-los como mecanismo de proteção contra a
consciência da mortalidade (Burke, Martens & Faucher, 2010). Essencialmente, a TGT é uma
abordagem da Psicologia Social que procura explicar diversos comportamentos sociais por
meio da consciência de inevitabilidade da morte (Greenberg, Pyszczynski & Solomon, 1986).
De acordo com esta perspectiva, as demandas psicológicas são decorrentes do dilema
existencial no qual sujeitos se deparam desde seus primórdios (Becker, 1973), incitando, desta
maneira, a necessidade de gerenciar o terror e a ansiedade ocasionada pela consciência da
inevitável finitude (Greenberg et al, 1986; Solomon, Greenberg & Pyszczynski, 1991).
Segundo os pressuposto da TGT, o medo da morte é abrandado pela fé na visão
de mundo cultural e pela autoestima (Du et al., 2013; Friese & Hofmann, 2008; Hansen,
Winzeler & Topolinski, 2010; Van Den Bos et al., 2005). A visão de mundo cultural é
considerada uma construção simbólica, a qual proporciona ordem e significado, oferecendo
uma explicação às questões existenciais básicas de vida, bem como proteção simbólica contra
o terror eminente da morte (Greenberg, Solomon & Pyszczynski, 1997). Isto possui implicações
nas relações interpessoais diárias, já que as pessoas tendem a responder positivamente àqueles
que apoiam sua visão de mundo cultural, e negativamente àqueles que ameaçam seus inibidores
culturais da ansiedade perante a morte (Rosenblat et al., 1989).
A visão de mundo cultural proporcionaria ainda uma noção de realidade estável, a
delimitação de regras e valores os quais podem fornecer um sentimento de valor para aqueles
que estão em consonância com os mesmos, bem como, uma promessa de transcendência da
finitude. Dito de outro modo, esta pode ser entendida como uma idealização simbólica da
realidade que propicia uma noção de ordem, constância e equilíbrio, bem como um conjunto de
normas e valores por meio dos quais os indivíduos podem lograr um senso de valor pessoal e
uma esperança literal e simbólica de transcendência da morte para aqueles que seguem os
padrões vigentes (Du et al., 2013; Jonas et al., 2002; Hirschberger & Ein-Dor, 2006;
Pyszczynski, Greenberg & Solomon, 1999; Rosenblatt et al., 1989). Neste sentido, este
mecanismo daria um norte diante de questionamentos básicos a despeito do significado e
propósito da vida, elaborando ainda proposições acerca do que aconteceria após a morte
(Florian, Mikulincer & Hirschberger, 2001; Hirschberger, 2010).
Para mais, pode-se dizer que a fé visão de mundo foi desenvolvida em decorrência da
ansiedade e do sofrimento que a consciência da finitude pode trazer, servindo como ferramenta
para reduzir estas implicações no indivíduo (Florian et al., 2001). Desta maneira, a adoção da
visão cultural configurar-se enquanto uma maneira das pessoas sentirem-se pertencentes de
uma conjuntura social maior, de modo superar as limitações da finitude do corpo físico
(Hirschberger & Ein-Dor, 2006). As visões de mundo possibilitam, assim, o desenvolvimento
1382
da concepção simbólica do self, a exemplo das identidades, sejam elas sociais ou mesmo
culturais, que estariam para além das limitações corpóreas (Routledge et al., 2010). A título de
exemplo, os mesmos autores vêm apontar acerca da visão de mundo cristão, alegando que esta
ascende a entidade biológica, de maneira a convertê-la em uma unidade espiritual impregnada
por sua eternidade. Por fim, vale frisar que a visão cultural forneceria uma segurança de duas
maneiras: a) a partir da concepção do mundo como sendo justo, bem como a crença que as
coisas ruins não ocorrem com pessoas boas; b) as culturas fornecem a promessa de imortalidade
simbólica para aqueles que vivem de acordo com as normas e/ou prescrições previstas pelas
mesmas (Hirschberger & Ein-Dor, 2006).
Quanto a autoestima, esta é aqui entendida como a crença em estar seguindo os padrões
e as normas previstas pela sociedade (Pyszczynski et al., 1996; Du et al., 2013; Jonas et al.,
2002; Pyszczynski et al., 1999; Rosenblatt et al., 1989). Dito de outra maneira, a autoestima
pode ser compreendida como a percepção da vida perpassada por um significado e propósito,
bem como a autopercepção como um membro provedor de contribuições fundamentais e
duradoura para a estrutura social (Routledge et al., 2010).
Assim, a autoestima refere-se a uma autoavaliação do self, onde as pessoas são
geralmente motivadas a manter altos índices dela, de modo a oferecer proteção contra o medo
da morte (Pyszczynski et a., 2004). Ela está diretamente ligada a crença na visão de mundo e
sua capacidade de amenizar a ansiedade produzida pela morte. Uma vez que o “tampão
cultural” da ansiedade é humanamente criado, transmitido e mantido, os indivíduos são
altamente dependentes dos demais para a manutenção desta visão e sua consequente avaliação.
Para demonstrar o papel central que a autoestima possui, Harmon-Jones et al. (1996)
conduziram um estudo com três experimentos os quais demonstraram que a autoestima tem a
capacidade de reduzir a defesa da visão de mundo cultural produzida pelo pensamento de morte.
Ao se ter estes dois elementos em conta (visão do mundo cultural e autoestima), a TGT
afirma que uma vasta gama de comportamentos é direcionada para atender a estas duas
estruturas psicológicas (Greenberg et al., 1992). Desta forma, é possível visualizar o papel
fundamental que estas estruturas assumem no afastamento do medo da morte, de forma que
uma substancial quantidade de comportamentos são adotados para sustentá-las e protegê-las de
ameaças (Jonas et al., 2002). Esta teoria propõe, então, que uma vasta quantidade de
comportamentos sociais pode ser entendida como uma tentativa de conseguir tranquilidade
psicológica diante da ansiedade da consciência da própria morte, sendo o controle do medo
gerenciado pela fé na visão cultural e pela autoestima (Rosenblatt et al., 1989).
Vale mencionar que a TGT é gerida pelo “modelo do duplo processamento”, o qual
contempla dispositivos de defesa consciente e inconsciente que atuariam diante do temor da
morte, agindo, assim, em duas linhas de defesa, a saber: defesa proximal e defesa distal. De
acordo com Trémolière, Neys e Bonnefon (2012), este modelo aponta que situações que
interferem na capacidade de raciocínio e nas respostas emocionais automáticas irão, por
conseguinte, interferir no raciocínio, na tomada de decisão e no julgamento moral.
No que concerne ao mecanismo de defesa proximal, o mesmo atuaria na extinção ativa
de pensamento ou distorções cognitivas, lançando a problemática da mortalidade para um
futuro distante de uma maneira aparentemente racional. Assim, pode-se dizer que este
mecanismo é usado de maneira consciente, negando a vulnerabilidade à morte física através do
pensamento sobre um bom estado físico ou a colocando a morte em um futuro distante
(Greenberg et al., 2000).
No tocante ao mecanismo de defesa distal, este utiliza-se de métodos sem qualquer
1383
relação racional ou lógica para o afastamento do medo da morte a partir da interpretação de si
mesmo como um elemento significativo do universo cultural (Pyszczynski, Greenberg &
Solomon, 1999). Desta forma, este mecanismo se dá abaixo da consciência e serve para
defender a pessoa contra o conhecimento implícito inconsciente da inevitabilidade da morte.
São eles a crença na visão de mundo cultural e a autoestima, já apresentados anteriormente
(Greenberg et al., 2000). As defesas proximais são utilizadas em uma tentativa de contrapor ou
dificultar os pensamentos sobre a finitude, ao passo que as defesas distais atuam no sentido de
validar e reforçar as visões de mundo e a autoestima, proporcionando, por sua vez, uma
conotação de significado e apoio à existência (Routledge, Arndt & Goldenberg, 2004).
Há de se frisar ainda que ambos os mecanismos de defesa, proximal e distal, permitiriam
que os indivíduos se deparem com um sentido para a vida e transformem-se em pessoas
produtivas para a sociedade como um todo (Cozzolino et al., 2004). Os mesmos
proporcionariam, assim, um amparo diante da inevitável finitude, bem como a possibilidade de
uma imortalidade simbólica (Hirschberger, 2010; Routledge et al., 2004), transformando o
mundo caótico e inexplicável em uma realidade dotada de uma noção de ordem e estabilidade
(Routledge et al., 2004). Tais mecanismos, atuariam, então, como um “tampão” cultural
(Rosenblatt et al., 1989).
No entanto, frente as diferentes modalidades de visões culturais, assim como a variedade
de normas para a aquisição da autoestima, ambos os mecanismos (proximal e distal) são
interpretados como frágeis construções culturais, demandando validação consensual para se
mostrarem eficazes (Pyszczynski, Greenberg & Solomon, 1999; Rosenblatt et al.,1989). Em
consonância com o exposto, as perspectivas culturais da sociedade se desenvolveram, em
alguma medida, como uma forma de defesa contra a finitude humana (Jonas et al., 2002).
Quanto ao modo de investigação da TGT, a Saliência da Mortalidade (SM) configura-
se enquanto a abordagem mais utilizada por pesquisadores que lançam mão desta abordagem
teórica, a partir de estudos de delineamento experimental. Esta hipótese propõe que
determinadas estruturas, a exemplo das visões de mundo, poderiam proporcionar uma proteção
contra as implicações psicológicas da consciência da morte, através de sua validação
(Routledge et al., 2010).
Grande parte dos estudos que utilizam a SM também fazem o uso de distratores entre a
saliência do pensamento da morte e a mensuração da variável dependente (Burke et al, 2010).
Isso acontece porque a SM dá origem a dois diferentes tipos de mecanismos de defesa para
conter a ansiedade (Pyszczynski, Greenberg & Solomon, 1999). No entanto, alguns indivíduos
não respondem aos primes de SM, de modo que pode-se presumir que os mesmos apresentam
outros recursos que lhes instrumentalizam a lidar com as implicações da ciência da morte ou
mesmo os sujeitos podem possuir uma perspectiva da visão de mundo diferente da visão cultural
predominante (Hirschberger & Ein-Dor, 2006). Consonante com o exposto, por vezes, as
pessoas abandonam sua aderência à visão de mundo cultural quando esta mostra-se ineficaz
diante do temor da morte (por exemplo, Arndt, Greenberg et al., 2002; Dechesne et al., 2000).
A hipótese de SM afirma que relembrar as pessoas de sua mortalidade pode levá-las a
aumentar suas defesas e reforçar sua visão de mundo cultural, resultando no distanciamento
daquelas pessoas que violam padrões culturais importantes e no apoio àqueles indivíduos que
agem em conformidade com as normas e as regras da sociedade em questão (Greenberg et al.,
1986). Neste sentido, as pesquisas têm demonstrado que diante da SM as pessoas aumentariam
suas reações positivas para aqueles indivíduos que defendem e compartilham suas visões de
mundo, ao passo que maximizam suas reações negativas para os transgressores destas visões
(Greenberg et al., 1992; McGregor et al., 1998; Schindler, Reinhard & Stahlberg, 2013). Vale
1384
ressaltar que todas as sociedades forneceriam indicações de valores culturais, de modo que cada
indivíduo irá tentar se esforçar para estar condizente com estes pressupostos, seja se portando
para ser um bom cidadão, atleta profissional, pesquisador ou mesmo um bom marido, de forma
a fortalecer os mecanismos de visão de mundo cultural e autoestima, tornando-se então, para
além de um organismo vivo (Routledge et al., 2010).
Ademais, quando a pessoa se depara com sua própria mortalidade pode-se verificar
ainda a adesão às normas previstas culturalmente (Greenberg et al., 1995), bem como a maior
identificação com o endogrupo67 em comparação com o exogrupo68 (Giannakakis & Fritsche,
2011). Por outro lado, a SM defende que ambos os mecanismos de defesas distais (visão de
mundo cultural e autoestima), agem no combate da ansiedade diante da morte, de modo que
lembranças sobre a finitude humana elevam a necessidade de reafirmação destas estruturas
pelos indivíduos (Hirschberger & Ein-Dor, 2006; Jonas et al., 2002).
Ao que parece, a consciência sobre a finitude aliada ao instinto de autopreservação,
resultariam em tentativas de burlar a mortalidade através dos sistemas culturais padronizados e
simbólicos, como é o caso do capitalismo e do dinheiro, respectivamente. Neste sentido, no
intuito de se eternizarem os sujeitos vão em busca do desenvolvimento e adoção de coisas que
não podem morrer, como as ideologias culturais (Cozzolino et al., 2004). Esta perspectiva está
em consonância com o que foi apontado por Becker (1973, p. 255), ao defender que a visão de
mundo cultural "é mais do que apenas uma perspectiva de vida: é uma fórmula da imortalidade".
Neste sentido, a TGT é fundamental para o entendimento do motivo pelo qual os
indivíduos empregam esforços e/ou delegam tamanha importância na defesa de seu sistema de
crenças e na necessidade de que os mesmos possuem de perceberem-se enquanto valorizados
(Burke et al., 2010). Assim, torna-se possível visualizar o papel fundamental que a fé na visão
cultural e a autoestima assumem no afastamento do medo da morte, de modo que os indivíduos
estão dispostos a arriscar suas próprias vidas ou mesmo morrer, na tentativa de viver de acordo
com a visão valor social (Routledge et al., 2010).
Conclusão
Este trabalho teve como objetivo explanar sobre a TGT. Esta abordagem que apesar de
ter se mostrado cada vez mais proeminente no cenário internacional, apresenta inexpressiva
produção em território brasileiro. Assim, esta pesquisa tem como intuito tentar sanar um pouco
desta lacuna na literatura brasileira, apesar de se reconhecer que esta iniciativa ainda se trata de
um passo inicial. Contudo, confia-se que o objetivo aqui proposto tenha sido alcançado.
De forma geral, esta teoria parte do pressuposto que os seres humanos possuem
mecanismos biológicos que garantem a preservação e a continuação da vida, mas ao mesmo
tempo são dotados de uma inteligência que os fazem ter consciência desses mecanismos e
também de sua própria mortalidade (Becker, 1973). Ademais, a TGT pressupõe que o homem
é um animal cultural e que a cultura serve para atenuar a ansiedade diante do sempre presente
terror potencial da morte, proporcionando uma significativa e ordenada concepção da realidade
que contém um conjunto de normas e valores.
Efetivamente, cada indivíduo possui sua própria representação de morte e esta parece
influenciar na maneira de ser das pessoas e em seus mecanismos de defesa contra o temor da
67
Endogrupo: grupo social no qual a pessoa faz parte e/ou se identifica;
68
Exogrupo: grupo social no qual o indivíduo não participa e/ou se identifica.
finitude, o qual se encontram-se fundamentados no instinto de autopreservação (Becker, 1973;
1385
Van Den Bos et al., 2005). Assim, desde seu nascimento, o ser humano se depara
cotidianamente com a sua finitude, o que é possibilitado devido a capacidade que o mesmo tem
de pensar em aspectos temporais. Apesar desta habilidade propiciar um temor da morte, a
mesma aliada aos potenciais cognitivos pode colaborar para que os sujeitos minimizem os
danos que tal ciência da morte pode trazer (Miller et al., 2014; Routledge et al., 2008).
Com efeito, a literatura tem apontado que os pensamentos de morte estariam imbricados
no engajamento de diferentes comportamentos sociais, no intuito de agirem como atenuadores
da ansiedade despertada diante da inevitável mortalidade humana (Greenberg, et al., 1992).
Neste sentido, a TGT constitui-se enquanto um importante arcabouço teórico na busca pela
compreensão da necessidade fundamental humana de encontrar significado e autoestima na
vida (Burke et al., 2010).
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TRANSTORNOS MENTAIS EM UNIVERSITÁRIOS DA ÁREA DA SAÚDE:
1389
PREVALÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS
Esthela Sá Cunha
Introdução
O ambiente acadêmico, por vezes, pode se tornar ansiogênico e contribuir para o
surgimento de transtornos mentais nos universitários. A pressão para obter um rendimento
satisfatório, os prazos para conclusão de trabalhos e o tempo dedicado ao estudo para provas e
avaliações somam-se a poucas horas dedicadas ao sono e às cobranças pessoais e sociais. De
acordo com Silveira et al. (2011), os estudantes enfrentam um período de considerável
vulnerabilidade, visto que estão expostos a fatores estressores, somando-se, ainda, ao fato de
estarem numa faixa etária que surgem muitas das perturbações mentais graves.
Ademais, o processo de escolha pelo curso superior e as longas horas dedicadas à
aprovação na universidade são elementos que podem contribuir para a sobrecarga mental logo
no início do curso. Assim, tais condições contribuem de forma significativa ao
desencadeamento de distúrbios psíquicos.
Segundo Silveira et al. (2011), o ingresso na universidade, muitas vezes, requer o
afastamento do círculo de relacionamentos familiares e sociais, podendo proporcionar situações
de crise. Além disso, as mudanças ensejadas pelo ingresso na universidade, como a necessidade
de morar em outra cidade, também podem favorecer o surgimento de Transtornos Mentais
Comuns, Ansiedade e Depressão.
Os transtornos Mentais Comuns foram definidos por Goldeberg e Huxley (1992), como
a presença de sintomas não psicóticos como esquecimento, irritabilidade, insônia, dificuldade
em se concentrar e somatizações. Segundo Ansolin et al. (2015) a ocorrência de Transtorno
Mental Comum pode influenciar de forma direta e negativa no desempenho acadêmico e na
qualidade de vida.
A ansiedade é definida no Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais
(DSM-V) como um transtorno que prevalece os sintomas como medo e ansiedade excessiva e
perturbações comportamentais relacionados, incluem ainda preocupações persistentes e
excessivas acerca de vários domínios, como por exemplo trabalho e escola, que o indivíduo
encontra dificuldade em controlar.
Já os transtornos depressivos, de acordo com o DSM-V, são caracterizados por presença
de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado, ainda, de somatizações e alterações
cognitivas, dentre outros, que afetam de forma significativa o funcionamento do indivíduo. No
estudo de Leão et al. (2018) a prevalência de depressão nos estudantes da área da saúde foi
superior aos da população em geral.
De acordo com Silva e Costa (2012), tais transtornos podem aparecer logo no período
de ingresso na universidade e são mais frequentes em estudantes da área da saúde, uma vez que
estes necessitam aprender a lidar diariamente com o sofrimento e com a dor. Além disso, os
cursos superiores em saúde são, em sua maioria, ofertados em turno integral, o que pode
favorecer negativamente o surgimento de transtornos mentais, já que há uma maior sobrecarga
devido às horas dedicadas à Universidade.
A presente revisão de literatura tem por objetivo levantar estudos acadêmicos,
publicados entre 2009 e 2019, que abordam a temática da prevalência e fatores associados de
transtornos mentais entre universitários da área da saúde.
1390
Método
Trata-se de um estudo de revisão de literatura a partir de bibliografias empreendidas nas
bases de dados Scielo e Google Acadêmico, por serem plataformas amplamente utilizadas em
pesquisas científicas. Foram utilizados os seguintes descritores para a busca “Transtornos
Mentais” e “Universitários”, conjuntamente. As pesquisas se concentraram em levantar artigos
publicados entre 2009 e 2019. As literaturas foram selecionadas utilizando os seguintes critérios
de inclusão: estudos quantitativos, descritivos, que a amostra era constituída por acadêmicos da
área da saúde e publicados em língua portuguesa. Foram encontrados 47 artigos, desses,
excluíram-se aqueles que não estavam dentro dos critérios de inclusão e aqueles que se tratavam
de revisões de literatura ou de validação de instrumentos. Restaram 21 trabalhos, os quais foram
utilizados para a construção da presente revisão.
Desenvolvimento
Entre os estudantes da área da saúde, foram encontrados uma prevalência de 33,6% a
43,2% de Transtornos Mentais Comuns em estudantes do curso de medicina (Rocha & Sassi,
2013; Fiorotti, Rossoni, Borges, & Miranda, 2010; Silva & Neto, 2014). Quando se consideram
os alunos dos cursos de graduação em Psicologia e Enfermagem, a frequência encontrada desses
transtornos foi de 22,1% a 35,7% (Silva & Neto, 2014; Silva & Costa, 2012; Ansolin, Rocha,
Santos, & Pozzo, 2015), Educação Física 12,6%, farmácia 24,2%, Nutrição 9,5% e Odontologia
14,7% (Silva & Neto, 2014). Já entre os acadêmicos de fisioterapia, foi observada uma
prevalência de 37,76% a 40%, e entre os de Biologia 16,8% a 19% (Torquato et al., 2010; Silva
& Costa, 2012).
No que tange aos estudantes de enfermagem, 46,1% a 28,9% indicaram sintomatologia
relativa a humor depressivo/ansioso, 25% a 31,6% reportaram sofrer de sintomas somáticos
como dores de cabeça e estômago, quanto a decréscimo de “energia vital”, 32,9% reportaram
dificuldade para tomar decisões e 26,3% se cansam com facilidade, já no que diz respeito a
pensamentos depressivos, 9,2% dos discentes afirmaram ter perdido o interesse pelas coisas
(Silva et al., 2014). Maior prevalência foi encontrada entre as mulheres (Fiorotti et al., 2010).
Leão et al. (2018) observaram a presença de transtorno de ansiedade em 36,1% em
estudantes da área da saúde. Já o estudo de Medeiros e Bittencourt (2017) observou uma
prevalência de ansiedade em quase metade dos estudantes que participaram do estudo, sendo
que 27% da amostra apresentou leve nível de ansiedade, 6,4% ansiedade moderada e 3,6%
ansiedade severa. Os estudantes do sexo feminino possuíram índices mais elevados do
transtorno do que os do sexo masculino. Além disso, a ansiedade e preocupação esteve presente
em 65% dos discentes que cursavam enfermagem (Sequeira et al., 2013), nos estudantes de
medicina, este último transtorno foi observado em 19,7% a 90% da amostra (Vasconcelos et
al., 2015; Bruch, Carneiro & Jornada, 2015; Sonda, 2018; Souza, 2010).
No que concerne à depressão, foram observadas prevalência de 28,6% a 41% nos
estudantes universitários da área da saúde (Leão et al., 2018; Mesquita et al., 2016). Neste
mesmo público, o estudo de Coelho et al. (2010) demonstrou que 100% da amostra estudada
foi classificada como “mau dormidor”, sendo que a depressão e a ansiedade estiveram
associadas a estes altos escores.
Quando se observa esses índices por curso, os números se encontram entre 3,6% e
45,7% de estudantes de medicina com sintomatologia relativa à depressão (Silva et al, 2019;
Vasconcelos et al., 2015; Souza, 2010; Bruch, Carneiro & Jornada, 2015; Sonda, 2018;
1391
Oliveira, 2013; Oliveira et al., 2016). Já entre os que cursavam enfermagem, a frequência
encontrada foi de 15,4% a 61,4% entre os discentes deste curso (Furegato, Santos & Silva,
2010; Sequeira et al., 2013). Além disso, maior frequência de sintomas depressivos foi
encontrada entre os estudantes do sexo feminino (Oliveira, 2013; Souza, 2010). Entre os
estudantes de psicologia, a depressão esteve inversamente associada aos motivos para viver
(Cremasco & Baptista, 2017).
No que se refere ao quadro de estresse, 59,9% dos estudantes de medicina prevaleceram
com sintomas estressantes. Nos estudantes do sexo feminino foram encontrados maiores
índices, além disso, a satisfação com o curso esteve positivamente associada ao estresse (Sonda,
2018). Nos acadêmicos de fisioterapia, as mulheres também apresentaram índices mais
elevados de estresse (49,29%) (Torquato et al., 2010).
Variáveis como insatisfação com o curso, relacionamento familiar e com amigos
insatisfatório e quantidade insuficiente de sono foram preditoras de depressão entre os
estudantes da área da saúde. Já a frequência de ansiedade esteve associada ao sexo feminino,
entre os acadêmicos que repostaram insatisfação com o relacionamento com a família, amigos
e colegas. O transtorno esteve associado ainda com insônia, o fato de não realizar atividades
físicas e preocupação com o futuro (Leão et al., 2018).
O estudo de Sonda (2018) observou que não houveram diferenças estatisticamente
significativas entre os tipos de instituição (pública e privada). No que concerne aos preditores
dos Transtornos Mentais Comuns entre os estudantes de medicina, variáveis como ser aluno do
curso básico e do clínico, percepção de pouco apoio emocional, dificuldades em relações
interpessoais (Fiorotti et al., 2010; Rocha & Sassi, 2013), não seguir alguma religião e histórico
familiar de doença psiquiátrica estiveram associados (Rocha & Sassi, 2013). Além disso,
verificou-se que os estudantes do primeiro ano do curso de medicina perdem o sono com mais
frequência e percebem-se mais incapazes de superação quando comparados aos alunos do sexto
ano de graduação, por outro lado, os primeiros são mais confiantes em si mesmos e focam a
atenção mais facilmente quando comparados aos segundos (Araújo et al., 2009). A prática de
exercícios físicos foi fator protetor contra o diagnóstico de depressão (Sonda, 2018) e de
Transtornos Mentais Comuns (Silva & Neto, 2014) entre os universitários.
Oliveira et al. (2016), ao observarem a prevalência de depressão entre os estudantes de
medicina da Universidade Federal do Amapá, constataram maiores índices de sintomas
depressivos em estudantes que apresentavam desejo de mudar de curso, dificuldades em
relacionamentos sociais, que percebiam o ambiente acadêmico com muitos problemas.
Ademais, o estudo de Fiorotti et al. (2010), realizado com estudantes de medicina da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), apontou que variáveis como história de
tratamento psiquiátrico medicamentoso, história de tratamento psicoterapêutico, não possuir
renda própria, não estar satisfeito com a escolha profissional, excesso de carga horária como
fonte de tensão, não praticar atividades de lazer na frequência desejada, sobrecarga de
atividades por diversos motivos, como a busca de novos aprendizados e experiências, a
cobrança pessoal, a pressão dos professores ou profissionais da área e relatar “dificuldade para
tirar dúvidas em sala de aula, por timidez”, durante a infância ou adolescência estiveram
associadas a prevalência de Transtornos Mentais Comuns.
Nos estudantes de licenciatura em enfermagem, a renda está negativamente associada à
depressão, assim, quanto menores os índices de depressão, maior o nível econômico (Furegato,
Santos & Silva, 2010). Ser acadêmico do último ano do curso é um fator de risco relativo ao
estresse nos estudantes de fisioterapia, além disso, ser solteiro é um fator de proteção a níveis
elevados de estresse, sendo esta última variável também associada a uma melhor qualidade de
1392
vida (Torquato et al., 2010).
Conclusão
Os estudos realizados com os universitários da área da saúde observaram maiores
índices de transtornos mentais entre esses acadêmicos quando comparados ao restante da
população. Observou-se que as mulheres estiveram mais propensas à sintomatologia de
transtornos mentais quando comparadas aos homens. Nesse sentido, deve-se levar em conta os
estereótipos e percalços enfrentados pelo gênero feminino em uma sociedade ainda marcada
pelo preconceito.
Além disso, a insatisfação com a escolha profissional foi uma variável preditora
evidente em um significativo número dos estudos encontrados, sugerindo que as cobranças
individuais e sociais para se manter no curso são fatores de riscos que não devem ser
negligenciados.
Os resultados sugerem estratégias de intervenção por parte das universidades, como a
oferta de atendimento psicológico e psicopedagógico a esse público. O conhecimento das
variáveis preditoras assim como os demais fatores que contribuem para o surgimento de
distúrbios psíquicos é importante para identificar os pontos de intervenção. Os estudos acima
mencionados, assim como outros, são importantes para que se possa colocar em discussão a
formação acadêmica e a saúde mental dos futuros profissionais. Uma vez que estes se dedicarão
ao cuidado do restante da população, uma boa qualidade de vida e condições de saúde se fazem
necessários ao desempenho profissional.
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ASPECTOS FAMILIARES ENVOLVIDOS NO DESENVOLVIMENTO DE
1395
CRIANÇAS DIAGNOSTICADAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
1396
caracteriza-se por um desenvolvimento limitado das faculdades intelectuais e do funcionamento
adaptativo da criança e do adolescente, neste sentido, é mais apropriado falar em deficiência
do que em retardo, pois o último gera a ideia de que as crianças e adolescentes deveriam atingir
um nível de funcionamento igual os outros em sua mesma faixa etária, desconsiderando a
singularidade e contexto de cada sujeito no processo de desenvolvimento.
Deve-se ressaltar, que as pessoas com DI apresentam, geralmente, as capacidades
cognitivas relacionadas à linguagem menos desenvolvidas do que as habilidades visuoespaciais.
Gerando consequências na resolução de problemas, no pensamento abstrato e no julgamento
social, podendo ser classificada, a depender do nível de comprometimento da capacidade
funcional em relação a esses aspectos, em: leve, moderada, grave e profunda (Dalgalarrondo,
2008).
É importante ressaltar que os níveis de gravidade mencionados são definidos a partir do
funcionamento adaptativo, e não nos escores de QI, pois é através do funcionamento adaptativo
que tem-se ideia do nível de apoio necessário. Os indivíduos acometidos com DI leve, possuem
certa dificuldade em aprender habilidades acadêmicas, sendo necessário apoio para acompanhar
o nível do padrão da idade, pensamento abstrato e função executiva prejudicados, o que torna
a comunicação e a linguagem mais imaturas do que o esperado para a idade. Na DI moderada,
percebe-se um grande atraso nas habilidades conceituais individuais, se comparado com os
pares, vê-se que precisam de apoio nas tarefas conceituais cotidianas. O julgamento social e a
capacidade de tomada de decisões também são comprometidos. Porém, ainda que seja
necessário longo período de aprendizagem, o sujeito é capaz de dar conta de suas necessidades
pessoais. Já na DI grave, o alcance é bem limitado de habilidades conceituais, pouca
compreensão da linguagem escrita ou de conceitos que envolvam números, quantidade, tempo
e dinheiro, sendo necessário cuidadores que proporcionam grande apoio para a solução de
problemas ao longo da vida. Na DI grave, a linguagem falada é bastante limitada, por isso
precisa de apoio para todas as atividades cotidianas, inclusive refeições, vestir-se, banhar-se e
eliminação, ou seja, precisa de supervisão em todos os momentos. Na DI profunda, o indivíduo
apresenta entendimento bastante limitado da comunicação simbólica na fala ou nos gestos, o
que acaba tornando a situação mais delicada nesse grau, é a ocorrência concomitante de
prejuízos sensoriais e físicos que podem acabar por impedir muitas atividades sociais, tornando
o indivíduo dependente de outros para todos os aspectos do cuidado físico diário, saúde e
segurança (APA, 2014).
Para o entendimento da DI deve-se ser levado em conta três aspectos: deficiência, que
são as limitações que o sujeito possui; a inteligência, que é a capacidade de aprender, planejar
e resolver situações problemas; comportamento adaptativo, que são as práticas sociais que as
pessoas se utilizam no dia a dia (Vargas et al., 2016).
O funcionamento cognitivo constitui-se como uma das áreas mais exploradas no estudo
e pesquisa acerca da deficiência intelectual; afinal, as principais percepções durante o
desenvolvimento da criança caracterizam-se na pouca habilidade para a realização de atividades
que lhe exijam um maior esforço cognitivo tanto em suas atividades básicas diárias como na
resolução de atividades escolares, por exemplo (Belo et al. 2008).
No entanto, é equivocada a ideia de que o diagnóstico da deficiência intelectual depende
apenas desses níveis pré-estabelecidos sem que seja levado em consideração aspectos como a
arbitrariedade e a origem social do sujeito, a fim de contribuir para um diagnóstico de caráter
biopsicossocial. Isso porque o desempenho da pessoa durante a realização desses testes é
atravessado desde dimensões bastante complexas como pelas especificidades dessa origem e
contexto até por fatos mais simples como os estado emocional ou físico do sujeito avaliado.
1397
Assim, apesar do QI representar um foco de direcionamento para profissionais, é necessário
que estes não deem uma menor importância aos processos intra e interindividuais envolvidos
(Baumeister, 1968, 1987 cit. Por Albuquerque, 1996).
Dessa forma, é imprescindível ter muito cuidado para não anular a subjetividade do
sujeito que estar sob um processo avaliativo, visto que todo processo desse cunho deve
considerada, e perceber ainda que esta interioridade desse indivíduo estar integrada e pautada
na subjetividade social dos entornos dos quais faz parte, como a escola, família e comunidade
(Anache, 2018).
Marcelli (2009), ressalta que a base familiar molda as relações entre os indivíduos, é
através dela que surgem os primeiros laços sociais, sendo o espaço capacitado a fornecer um
ambiente estimulante para o crescimento e desenvolvimento. Visto que cada grupo familiar se
esculpe de modo único, com características distintas, o processo de enfrentamento perante o
nascimento de uma criança com DI se dá de maneira particular.
Segundo Mittler (2003), o impacto emocional nos familiares, em especial nos pais pode
provocar uma perturbação no arranjo familiar, devido as fantasias idealizadas em relação ao
nascimento do filho. Visto que ocorre o luto do filho almejado, pretendido, torna-se necessário
o auxílio psicológico na busca da reestruturação familiar e aceitação do filho real.
Tendo em vista, a suma importância do âmbito familiar no processo de desenvolvimento
de uma criança, este estudo pretende realizar uma revisão bibliográfica visando compreender
quais desdobramentos podem ocorrer nas famílias, cujo o filho é diagnosticado com deficiência
intelectual.
Método
Trata-se de um estudo de revisão descritivo, com abordagem quanti-qualitativa,
utilizando como tática de ação a pesquisa bibliográfica, que busca como finalidade a elucidação
de uma problemática/ hipótese através de referenciais teóricos publicados, investigando e
debatendo as várias colaborações científicas (Boccato, 2006, p. 266).
O estudo foi direcionado pela seguinte pergunta norteadora: Qual o padrão da produção
científica nacional acerca dos aspectos familiares envolvidos no desenvolvimento de crianças
diagnosticadas com Deficiência Intelectual? A coleta de dados foi realizada nas plataformas de
pesquisa: Pepsic, SciELO, Google Acadêmico e Periódico Capes, no ano de 2019. Os
descritores utilizados para tal pesquisa como critério de busca nos títulos foram: deficiência
intelectual, infância, família e desenvolvimento. O procedimento rendeu a organização de um
suporte de dados com 32 documentos, contendo como primeiro critério de inclusão, apenas
textos datados de 2014 a 2019, ou seja 5 anos, cujo idioma fosse o português.
Após a busca, foi realizada a primeira filtragem de seleção dos textos, onde aqueles que
não se encaixaram na modalidade de artigos científicos foram excluídos, em seguida, foram
analisados e selecionados os textos que se ajustavam à pesquisa pela leitura prévia dos resumos.
Ao final dessa sequência, os artigos, avaliados na íntegra, conceberam o corpus do estudo.
Resultados e Discussão
A amostra final utilizada foi constituída por artigos em conformidade com os critérios
1398
de inclusão e exclusão definidos, resultando em 4 artigos que atenderam aos critérios de
seleção. Os referidos artigos abordavam as principais dificuldades vivenciadas pelos
genitores/cuidadores, além da busca por estratégias de enfrentamento e as possíveis
intervenções com as famílias com filhos diagnosticados com DI.
No que se refere às datas de publicação, apurou-se de maneira geral que não ocorreu
concentração em anos específicos, os artigos se apresentam divididos de forma irregular durante
o período de 2015 a 2017, com regularidade de dois artigos no ano de 2016, e um artigo tanto
em 2015 quanto em 2017. Dessa forma, não foram encontradas publicações dos anos de 2018
e 2019. Os textos base foram publicados em três revistas diferentes, com temáticas
multidisciplinares. As informações obtidas nesta pesquisa foram observadas em seu conjunto,
descritas e discutidas de forma a criar reflexões e considerações quanto ao objetivo da pesquisa.
Autoras
Experiências vividas por Mércia 2016 Feira de Ciência & Estudo com o objetivo de
mães de crianças com DI Mascarenhas Santana Saúde descrever as experiências
nos itinerários Fernandes Coletiva vividas por mães de
terapêuticos Cerqueira, BA crianças acompanhadas em
uma instituição
Rafanielly de especializada de Feira de
Oliveira Alves Santana (BA) nos seus
& itinerários terapêuticos.
Maria Geralda
Gomes Aguiar
1399
enfrentamento adotadas Antônio dos Preto Saúde de investigar as estratégias
por pais de crianças com Santos & Coletiva de enfrentamento adotadas
deficiência intelectual SP por pais de crianças com
Maria Laura de deficiência intelectual (DI).
Paula Lopes
Pereira-Martins
1400
se veem cercados de eventos estressores que necessitam da criação de meios de enfrentamento
focados no problema, a fim de diminuir os efeitos do estresse sobre sua estabilidade física e
psíquica. O cotidiano das famílias de crianças com DI é influenciado por uma maior precaução
ligada ao cuidado que as mesmas exigem, especialmente na fase de desenvolvimento. E, como
consequência, a maioria das mães não conseguem mais conciliar a nova rotina de cuidados com
o filho e o emprego, optando pela demissão a fim de destinar todo o seu tempo à criança
(Cerqueira, Alves & Aguiar 2016).
De acordo com o estudo realizado por Santos e Martins (2016), a procura por
informações, o aprendizado de novas competências, o controle de ações e decisões dos
profissionais de saúde, a verificação de novos recursos terapêuticos da medicina e a busca por
uma segunda opinião aparecem como principais estratégias de enfrentamento para lidar melhor
com o diagnóstico de DI com o filho. Além de manter a positividade e esperança, a família
busca por apoio social. E muitas se apegam à fé e à religiosidade.
É importante perceber que a relação equilibrada, o compartilhamento de
responsabilidades entre o pai e a mãe, favorece no processo de desenvolvimento biopsicossocial
da criança com DI, pois, entende-se que os genitores são os principais responsáveis pelo
direcionamento do funcionamento familiar. Neste sentido, Pereira-Silva, Dessen e Barbosa
(2015) em suas pesquisas observaram que, nas famílias com filho com DI, quando comparadas
com as famílias de crianças com o desenvolvimento típico, uma elevada porcentagem de “díade
desajustada”, ou seja, um desequilíbrio no relacionamento familiar, especificamente do casal,
como também, em relação a divisão de responsabilidades e atividades com o filho, pois
geralmente, mães de filhos com DI, assumem sozinhas a maior parte das responsabilidades.
Além disso, as pesquisas apontam, que essas mães recebem menos demonstração de afeto dos
seus parceiros, percebeu-se a existência em alguns dos casos correlacionado com a renda
familiar, ou seja, quanto menor a renda, menor a expressão de afeto nos casais com filho com
DI. Assim, o apoio do parceiro no processo de cuidar e dividir responsabilidades com o filho
com DI é importante para uma boa relação conjugal. Entretanto, é preciso deixar claro, que a
deficiência intelectual não é um fator determinante para o desajustamento ou obstáculo para
ajustamento do casal (Pereira-Silva, Dessen & Barbosa, 2015).
Vários estudos destacam as redes sociais de apoio aos familiares como importantes e
significativas para uma boa dinâmica do casal. Tais redes de apoio, como os familiares,
instituições, profissionais e amigos podem contribuir para o bem-estar da família cujos filhos
têm DI. Resumindo, a pesquisa apontou que os casais com filho com DI tinham menor renda
familiar, maior número de filhos e tendiam a perceber seus relacionamentos como menos
ajustados, além de, receberem menos apoio social, seja de não familiares, como também de
instituições, do que as famílias com filhos com o desenvolvimento típico (Pereira-Silva, Dessen
& Barbosa, 2015).
A partir dos achados, nota-se um crescente número de pesquisas sobre a realidade de
crianças diagnosticadas com DI, em relação ao panorama familiar, o processo de inclusão na
escola e sociedade. Mas, a partir do panorama social vivenciado a atualidade, percebe-se que
apesar do crescimento de discussões e estudos voltados para a DI, ainda assim está longe de ser
alcançado o ideal esperado, ou seja, um efetivo preparo e suporte para as famílias, leis e direitos
que garantam que sejam concretizadas as políticas públicas de inclusão escolar e social.
O diagnóstico é a primeira problemática a surgir na vida dessas famílias, pois, muitas
delas, estão na espera de um bebê que apresente um desenvolvimento típico, com isso, vem o
sentimento de angústia e frustração. Esse fator, pode ser amenizado no momento em que os
profissionais dão a notícia para a família, no entanto, percebe-se, em alguns casos, uma falta de
1401
despreparo desses profissionais ao darem os diagnósticos, não dando nenhuma assistência ou
suporte a família.
Apesar, de políticas de inclusão e de redes de apoio serem ditas na teoria como
essenciais na vida da criança com DI e de sua família, observa-se uma defasagem e
desigualdade na oferta desses direitos, em muitos casos, limitando apenas para aquelas famílias
que possuem um nível socioeconômico elevado. Neste sentido, pode-se refletir o quanto a
sociedade é perversa, estabelece normas de condutas, de organização e de padronização, o que
contribui para o processo de exclusão desta criança e sofrimento de sua família.
A busca destas famílias por estratégias de enfrentamento e redes de apoio social são
formas de tentar suavizar as dificuldades e angústias vivenciadas. Muitas das intervenções por
profissionais da saúde pública são restritas a encontros curtos e pontuais, o que desfavorece
ainda mais as famílias de nível socioeconômico baixo. Geralmente, esses estresses estão
ligados ao processo de educativo dessa criança com DI, e a sobrecarga do cuidador, que em
algumas famílias, o parceiro negligência sua participação nas responsabilidades e expressão de
afeto para com o companheiro e a própria criança, gerando, em alguns dos casos, depressão e
culpabilidade desses cuidadores. No entanto, observa-se que quando há uma rede diversificada
de apoio social as dificuldades se tornam menores. Assim, a escola é um dos principais suportes
social para a criança e a família, ou seja, um grande aliado no processo de adaptação da criança
ao meio, neste sentido, a adaptação do meio as dificuldades da criança influenciam e refletem
no seu desenvolvimento de forma positiva (Dumas, 2011).
Considerações Finais
A partir do exposto, percebe-se a indiscutível importância que a família tem na questão
da deficiência intelectual. Infere-se que assim como o sujeito diagnosticado com DI, a família
dele também necessita das redes de apoio. Dessa forma, o cuidado e acolhimento deve ser feito
de uma forma que abarque toda a família.
Além disso reitera-se a importância da criação de espaços para discussões sobre a
deficiência intelectual nos diversos contextos sociais que possibilitem que o surgimento de
reflexões que culminem na constante reavaliação do posicionamento social diante do
fenômeno, das diferenças e diante das pessoas. Essas práticas são necessárias para que se resista
e reverta a lógica dos processos de normatização de comportamentos e da diversidade de formas
de existência.
Para além desses aspectos, é válido pontuar a relevância de estudos e discussão sobre as
diversas realidades sociais, culturais e históricas dos indivíduos que convivem e se relacionam
com a DI, no contexto acadêmico nacional. Para que haja a melhor disseminação do
conhecimento e formação de profissionais com o olhar mais humanizado.
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ATITUDES DE BULLYING NA ADOLESCÊNCIA: ASPECTOS SOCIAIS E
1403
PSICOLÓGICOS
Francisca Nayane de Sousa Santos
Ana Virgínia Maria da Silva
Lia Almeida Mapurunga
Débora Magalhães Araújo
Rafaela Brenda Araújo da Silva
Ingrid Vale Ataide
Introdução
A violência é um fenômeno que pode ser manifesto de diferentes formas na sociedade,
independente de classe, raça, etnia, orientação religiosa, etc, cabendo considerar o bullying
como uma das suas vias de expressão, o qual pode ser apresentar de diferentes maneiras e
contextos, pois é uma prática considerada comum entre as instituições de ensino e integração
social as quais, naturalmente há predomínio de crianças e adolescentes convivendo e
relacionando-se.
Os estudos a respeito do bullying frequentemente o coloca como um problema típico à
escola, contudo devido sua grande ocorrência é importante que ao abordá-lo, a postura assumida
seja frente a um problema social e não estratégias de enfrentamento individualizadas ou que
sejam consideradas problemáticas relativas ao processo educacional e/ou maturacional.
Também não podemos reduzi-lo simplesmente a um reflexo de uma sociedade que promove
violência - mesmo que ao fazê-lo, a perspectiva social sobre ele se mantenha - não é o bastante
para englobar todo o complexo fenômeno social que é o bullying.
Sendo assim, o bullying é um fenômeno que envolve aspectos como intimidação,
violência, abuso e provocação/vitimização. No âmbito escolar, geralmente refere-se a uma ação
em que um aluno ou um grupo de alunos adotam uma postura desagradável em relação a outro
e estas intimidações podem ocorrer em nível físico ou verbal, como também a agressão indireta.
Com o objetivo de ferir e magoar a vítima. A agressão física envolve ações individuais ou em
grupo contra uma única pessoa, através de agressões com tapas, empurrões, estragos de objetos
e a submissão do outro a atividades servis. Já na agressão verbal envolve ações de insultos em
público, incluindo xingamentos, ameaças, comentários ofensivos ou humilhantes. E a agressão
indireta se dá pelo isolamento e exclusão social dentro do grupo de convivência, dificultando
as relações sociais da vítima (Carvalhosa, Lima & Matos, 2001; Zequinão et al., 2016).
Partindo da certeza de que o ambiente escolar é obviamente um reflexo da sociedade
como um todo, as classificações hierarquias que existem na escola se espelham em padrões
estabelecidos pela massa como ideais ou corretas e resultam em práticas discriminatórias que
podem refletir em vários formas de manifestação de violência, como o abordado nesse trabalho:
o bullying.
As causas e o porquê da predominância de atitudes violentas, mesmo que seja percebido
no contexto geral como algo danoso, tanto nos âmbitos social, jurídico, hospitalar, institucional,
familiar, etc, se refletem de modo direto e indireto. Salgado (2010) enfatiza o aspecto
agregacional do bullying, uma vez que os envolvidos neste processo não necessariamente
assumem papéis de inimigos, sendo que não raramente eles são levados a adotar condutas que
seguem a massa. Ou seja, pode ser usado como um “elemento” que permita que esses sujeitos
se ajustem a determinado grupo. Para alguns o bullying também é encarado como brincadeira,
1404
mesmo entre os envolvidos diretamente. Porém é necessário que se ressalte que essa diferença
entre brincadeira e violência pode não ser tão bem estabelecida e posicionamentos como este
podem endossar comportamentos agressivos que se dão não só a nível físico, mas também
psicológicos.
A violência aqui tratada também pode refletir outras problemáticas que a ela se
relacionam como exemplo, o preconceito sutil que aparece reiteradamente em sua prática por
meio de piadas em relação a negros, deficientes, estrangeiros, entre outros grupos socialmente
marginalizados (Crochík, 2012). Esses meios de formação da atitude podem claramente ser
percebidos na prática do bullying quando se atenta, por exemplo, para pesquisas de Antunes e
Zuin (2008) que apontam que os provocadores não raramente vêm de contextos familiares onde
violência, práticas de intimidação são realidades deste meio; com isto por exemplo é possível
notar a coexistência de todos esses meios anteriormente mencionados originando a atitude.
Além do que não se pode deixar de destacar a significância da família como agente primordial
no processo de socialização. Além dessas questões, a Constituição Federal assegura que é o
dever do Estado, sociedade e família zelar pelo bem estar e garantir o cuidados da criança e do
adolescente. (Brandão & Matiazi, 2017).
A partir das demandas sociais levantadas e apontamentos realizados pela literatura
científica, o presente trabalho busca utilizar as definições e análise dos tipos de bullying, e
apresentar sua relação e características no contexto social, elencando causas, consequências e
as formas de prevenir, de acordo com as referências indicadas. Em sua relevância, o
apontamento dessas relações contribui para uma visão geral das atitudes de bullying e a
reflexões que surgem em um contexto que demanda uma atividade profissional como a
Psicologia, pois é essencial abordar a importância da atenção, suporte da família e intervenção
de profissionais, a fim de amenizar casos de bullying que poderão influenciar negativamente na
vida de um indivíduo. Nesta perspectiva, os três tópicos a seguir possuem relevante importância
para uma visão geral das atitudes de bullying na adolescência, como os sujeitos envolvidos, os
fatores de risco e prejuízos e as possibilidades de prevenção na atuação profissional.
Desenvolvimento
Envolvidos no Bullying – o alvo, os autores e as testemunhas.
O bullying se caracteriza como um dos tipos de violência presentes na relação entre
sujeitos, em especial crianças e adolescentes, sendo uma prática constante nas escolas e demais
instituições de ensino e integração social. Esses comportamentos são considerados espelhos do
convívio extraescolar, ou seja, são crenças, estereótipos e atitudes construídos na sua
comunidade (família, igreja, etc.), e que são refletidos na escola, através da violência, seja
verbal e não verbal, para com as pessoas estereotipadas no ambiente escolar (Silva & Borges,
2018). A criança e adolescente já possuem a cognição social, ou seja, já são capazes de formar
inferências com base nas informações sociais fornecidas pelo ambiente. Através do contato com
o ambiente, passam a perceber as pessoas e as diferenças existentes entre os grupos, coletam
informações e fazem julgamentos (Rodrigues, Assmar & Jablonski, 2009).
Os envolvidos com o bullying podem ser considerados como vítimas, agressores ou
testemunhas/espectadores a partir de sua atitude diante de casos que ocorram bullying (Lemos,
2007). Considera-se alvo a pessoa que sofre frequentemente ações negativas realizadas
diretamente por uma pessoa ou grupo de forma intencional e repetida, causando-lhes danos,
ferindo-os ou incomodando-os. Em geral, as vítimas não dispõe de recursos, status ou
habilidade para reagir ou cessar o bullying. Elas apresentam características que podem torná-
1405
los mais propensos às ações dos autores do bullying, geralmente são pessoas tímidas, pouco
sociáveis, apresentam baixa autoestima, muitas apresentam baixo rendimento escolar, resistem
ao fato de terem que frequentar a escola ou pedem frequentemente para mudar de instituição
(Zequinão et al., 2016).
No entanto, não há um requisito preestabelecido para as vítimas desse tipo de violência,
todos estão sujeitos, bastando demonstrar dificuldades ou possuir alguma característica
diferente dos demais. Assim, é importante evidenciar que ninguém pode se sentir culpado por
ser vítima de bullying, tendo em vista que todo indivíduo possui peculiaridades e devem ser
respeitadas (Zequinão et al., 2016; Silva & Borges, 2018)
O autor do bullying é, geralmente, popular, agressivo, impulsivo, mais forte que seu alvo
e sente prazer em dominar e causar sofrimento em sua vítima. Em muitos casos tem problemas
com a escola e família e apresentam uma tendência maior a envolver-se em comportamentos
relacionados a consumo de drogas. Estas podem ser podem apresentar dificuldades em
administrar os impulsos e prazer em de certa forma, controlar as vítimas por meio das agressões
(Martins & Almario, 2012; Rech et al., 2013).
Têm-se também os adolescentes que tanto são vítimas como autores do bullying, os
alvos-autores se sentem justificados a manter suas ações, sempre partindo da perspectiva de que
também são atingidos, muitas vezes não realizando uma auto reflexão e não se implicando no
processo de mudança de comportamento (Tognetta & Vinha, 2010). Para Costa (2019), os
alvos-autores caracterizam-se como aqueles que agridem, mas também sofrem agressões e
possui um número maior de problemas, como distúrbios de conduta, de relacionamento com
seus colegas, sintomas psicológicos e psicossomáticos simultaneamente, alterações
psiquiátricas, maiores possibilidades de envolvimento persistente em situações de bullying,
porte de armas e maior risco de desenvolverem ideias suicidas. Este grupo é considerado o
grupo de maior risco em relação aos demais, dessa forma, necessitando de maior atenção.
Também podemos destacar uma forma de participação não diretiva, mas que pode estar
relacionada com comportamentos equivalentes aos de uma plateia, que é o caso das
testemunhas. Estas, muitas vezes, se sentem intimidadas pelas atitudes do autor e com receio
de se tornarem alvo se mantém omissas as circunstâncias. Deve-se destacar a influência positiva
que um grupo de testemunhas com um comportamento defensor, pode ocasionar, já que o autor
não estará com o apoio e incentivos que lhe reafirmam como dominador, “o forte”. A
compreensão de que todos são responsáveis pelo cuidado consigo e com o outro e a
desnaturalização dos contextos de bullying, podem ser relacionadas com as formas de
prevenção e conscientização sobre os prejuízos e riscos consequentes a essas relações (Lopes,
2005).
1406
que acaba acreditando ser merecedor dos maus-tratos sofridos. Podendo gerar sintomas de
ansiedade, medo, tensão, entre outras consequências para a vida funcional, social e afetiva. As
vítimas que são constantemente abusadas caracterizam-se por um comportamento social
inibido, passivo ou submisso. Estes adolescentes costumam sentir vulnerabilidade, medo ou
vergonha intensos, aumentando a probabilidade de vitimização continuada. Além desses
fatores, podem se apresentarem como efeitos negativos queixas psicossomáticas (por exemplo,
dores de cabeça e dores abdominais), juntamente com níveis mais baixos de realização
acadêmica, que em casos mais extremos poderá acontecer até evasão escolar, além disso, afeta
seu funcionamento social. (Fante, 2005; Middelton-Moz & Zawadski, 2007; Vieira, 2014).
Destaca-se outros prejuízos, além dos já citados sintomas psicossomáticos, pesquisas
apontam como efeitos psicológicos, a possiblidade de desenvolver o transtorno do pânico; a
fobia escolar; uma fobia social; um transtorno de ansiedade generalizada; transtorno de estresse
pós-traumático (TEPT); depressão; anorexia e bulimia; transtorno obsessivo compulsivo. Como
também a esquizofrenia; suicídio e homicídio, mas considerados com menos frequência. Vale
destacar que esses transtornos podem serem deflagrados a partir da relação de fatores genéticos,
ambientais aliados às pressões psicológicas e às pressões de estresse prolongado (Brandão &
Matiazi, 2017).
É possível identificar alguns fatores de risco que podem estar associados à ocorrência
do bullying, como fatores da personalidade, autoestima, dificuldades nas relações sociais, ser
vitimizado na escola ou fora dela, violência na comunidade, desajustes familiares, práticas
educativas parentais, alienação escolar, violência na mídia e percepção do problema. Há ainda,
de acordo com pesquisas, uma possível associação entre a vitimização na escola e variáveis
sociodemográficas, com piores condições socioeconômicas. Contribuem ainda ambiente
familiar desfavorável, como agressão familiar, sem diálogos, sofrimento mental, e escolares
com uso regular do tabaco. Estes dados podem apoiar políticas públicas de proteção. O que
demanda uma atuação integrada de educadores, profissionais de saúde, pais e a comunidade em
geral. (Cantini, 2004; Malta et al., 2019).
As experiências em relação ao bullying se dão de forma diferentes. Para algumas das
vítimas pode ser uma experiência bem menos traumática, para outros ele pode carregar isso
durante toda sua vida, ou seja, deixam estigmas e marcas para o resto da vida. Já para os
agressores muitos podem adotar a violência para seu estilo de vida, chegando até mesmo à
marginalização. Tem também outros envolvidos, os espectadores que podem sofrer
consequências mais tarde, algumas podem ser vistas como pessoas inseguras, baixa autoestima
pela angústia de não ter ajudado, ou seja, acabam não superando os temores de envolvimento
(Melo, 2010, p. 42).
Atos agressivos derivam de influências sociais e afetivas, construídas historicamente e
justificadas por questões familiares e/ou comunitárias. Em alguns casos, os agressores tendem
a vir de famílias que os agridem, assim, em alguns casos podem reproduzir essas agressões no
contexto escolar e social onde estão inseridos. Pode-se pensar em uma possível relação entre a
violência doméstica tanto a violência entre os pais quanto a violência voltada para os filhos
(Antunes & Zuin, 2008; Brandão & Matiazi, 2017; Fante, 2005; Voors, 2006; Pinheiro &
Willians, 2009)
Medidas Preventivas
A partir do cenário atual de prevenção contra o bullying é notório que esse é um quadro
1407
problema que envolve a sociedade em geral, mas que está ligado intrinsecamente ao ambiente
escolar, desta forma, segundo Oliveira e Ardig (2011), torna-se de extrema importância que
haja a participação de pais, alunos e professores nesse contexto, pois a inserção de normas,
diretrizes e ações coerentes dependerá da forma como se estabelece o relacionamento dessas
figuras em conjunto.
Ao voltar-se para o ambiente escolar, compreende-se que a escola como lugar de
transformação intelectual, pessoal e profissional, deve além de ensinar o conteúdo
programático, proporcionar um ambiente propício para que se desenvolvam práticas cidadãs,
justas e eficazes.
Beaudoin e Taylor (2006), afirmam que os educadores estão munidos de um instrumento
poderoso para enfrentar o bullying: a exteriorização. Exteriorizar é definir o problema como
algo diferente da identidade da pessoa. No caso do bullying, seria demonstrar que os problemas
não são indícios da personalidade dos alunos, que passam a odiar o problema, ao invés de odiar
o outro. A opção pela exteriorização pode levar o professor a obter resultados significativos
tanto para o agressor, quanto para a vítima.
Para que haja a solução de forma efetiva e a promoção de um ambiente escolar seguro
e sadio, no quais elementos como amizade, solidariedade e respeito às características
individuais de cada um de seus alunos seja recorrente. De acordo com Oliveira e Ardig (2011),
faz-se necessário que a escola combata esse conflito fazendo o uso das ferramentas exteriores
ao ambiente escolar, assim, o trabalho em equipe com as instituições envolvidas, como os
centros de saúde, conselhos tutelares, redes de apoio social e a família serão de grande ajuda
para a formação das crianças e adolescentes.
A família se configura como provedora de grande influência transformadora na vida de
crianças e adolescentes, por esse motivo, torna-se indispensável que os pais participem
ativamente de suas atividades cotidianas, lhes educando pela e para a afetividade.
Conforme Borges Sousa, Miguel e Lima (2010), adolescentes e crianças:
Diante do exposto acima, conclui-se que o ambiente familiar e escolar possui grande
potencial como mediador e interventor, pois por mais que medidas repressivas quando aplicadas
sejam eficazes no combate ao bullying, não são suficientes e nem formadoras de seres humanos
empáticos, pois vale ressaltar que, é mais construtivo para a formação individual de cada um,
ter consciência de não praticar tal ato porque irá machucar o próximo, ao invés de evitar fazer
publicamente pelo fato de saber que será repreendido.
Conclusões
As atitudes de bullying são um fenômeno que está presente em toda vida social e
1408
compreendê-la significa conhecer suas características históricas e analisá-la em todos os
contextos nas quais ela está inserida, considerando sua relevância social, moral, psicológica e
institucional em geral.
Essas atitudes, que são formadas por componentes afetivos, cognitivos e
comportamentais, estão diretamente relacionadas às influências e incentivos característicos do
endogrupo, gerando preconceitos, discriminação e consequentemente a violência com o grupo
que representam as minorias e/ou saem dos padrões impostos na sociedade.
Compreende-se que o bullying não está limitado ao ambiente da escola, pois como foi
visto, é resultado das atitudes de preconceitos e discriminação considerados presentes na
sociedade, sendo perpetuados em determinados grupos e também, sofre influências como a
mídia, que de forma banal expõe a violência a todos os grupos e classes sociais, de forma
naturalizada e irresponsável. Mas deve-se considerar que a escola é um meio de fundamental
influência, já que é o local onde as crianças e adolescentes vivenciam as relações, as interações
de grupo, comparam e confrontam com o que aprendem em suas famílias e outros grupos de
referência, como a igreja, por exemplo.
É preciso repensar e as ações educacionais e também refletir sobre as atitudes dos
profissionais que perpassam essas situações, buscando promover o cuidado e incentivar as
experiências positivas para que os componentes que constituem as atitudes possam mudar e
resultar em um ambiente e um convívio social onde o respeito e a cultura de paz prevalecem.
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A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA CAPOEIRA E DE SEUS PRATICANTES POR
1411
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS
Dinara das Graças Carvalho Costa
Francisco Márcio Costa da Silva
1 Introdução
A prática da Capoeira no Brasil ainda está voltada para ações esporádicas (através de
grupos/escolas e associações) fazendo com que sua visibilidade seja limitada a duas etapas: sua
literatura (academicamente), que ainda é escassa; e sua oralidade, pois sua difusão ainda ocorre
através das oitivas69 – mantendo uma tradição da cultura negra (Abib, 2004).
Segundo Silva (2006) a ousadia de se investigar sobre a capoeira ainda esbarra em uma
realidade educativa pautada, em sua maioria, em mestres não formais (os mestres de Capoeira)
e minimamente nos formais (academia), pois na tentativa de fazer da Capoeira um problema de
pesquisa, o maior desafio ao qual o pesquisador adentra é a certeza das incertezas, pois as
crenças e doutrinas da Capoeira (assim como sua origem) são vistas como intrínsecas a
construção do senso comum da sociedade – sendo perpassadas pelas gerações e formulando
verdades indubitáveis, proporcionando uma atitude científica por conveniência.
A partir do exposto, é preciso identificar que a Capoeira ainda possui o véu do
misticismo religioso e de classe (Natividade, 2012) e para se falar de uma prática que possui
fundamentos difundidos singularmente, optou-se por trabalhar com a Teoria das
Representações Sociais (TRS) proposta por Serge Moscovici, pois essa perspectiva surgiu
justamente para explicar o porquê de conceitos de grupos particulares e/ou fechados tornarem-
se populares e acabarem sendo difundidos de forma diferente daquela a que realmente se
propunham (Gamas, Santos & Fofonca, 2010).
As Representações Sociais
Para se falar sobre esse tema é necessário retornar aos conceitos de Durkheim sobre
Representações Coletivas, pois esse sociólogo afirmava que havia uma consciência coletiva
(formas de pensar e agir), que era inconsciente e a responsável pela modelagem do sujeito (a
sociedade formava o sujeito) e que geravam representações coletivas. Moscovici, no entanto,
apontou que essas representações coletivas eram, na verdade, mecanismos construtivos da
sociedade e logo as representações passaram a ser um processo (e não uma idealização grupal)
– uma forma de conhecimento e comunicação que se opunha a ideia de representação coletiva
de Durkheim (Álvaro & Garrido, 2006).
Assim, conhecimentos específicos (conceitos e termos particulares) difundiram-se em
uso cotidiano sem a utilização de sua fundamentação original, gerando ideias de senso comum
com significados diferentes do original. Esse conceito de Representações Sociais é um pilar do
conhecimento europeu da Psicologia Social e se distancia do conceito de representação coletiva
69
A oitiva é a comunicação oral que sustenta os conhecimentos e as memórias dos mais sábios e mais antigos,
sendo repassada as gerações e tento a responsabilidade de registro (comum aos livros) – uma experiência pautada
na observação (Abib, 2004).
por esse ser estático, assumindo-se que o de representação social vivenciava a dinâmica da
1412
terminológica da palavra (Marková, 2017).
No entanto, é válido apontar que a Teoria das Representações Sociais (TRS),
perspectiva moscoviciana, não se difundiu imediatamente na Europa, pois na época o
paradigma dominante nas Ciências Sociais era o behaviorismo e pesquisas voltadas para
fenômenos subjetivos não eram encaradas de forma positiva, quiçá cientifica (Arruda, 2002) –
para Álvaro e Garrido (2006) essa teoria surgiu como crítica velada ao conceito de atitude70 e
foi proposta como alternativa para a Psicologia Social Cognitiva, tradicional, o caráter
individualista vigente na época.
Foi somente a partir da década de 1980 que a TRS ganhou força e adeptos, pois se
procurou investigar como o pensar e o interpretar cotidianos, desenvolvidos tanto de forma
individual quanto coletivamente, eram necessários para que as posições em relação a situações
e contextos pudessem ser elaboradas e comunicadas (Sêga, 2000).
Dessa forma, a TRS surgiu como uma perspectiva de mudança nas análises da época,
focando os conhecimentos grupais (aquilo que é socialmente compartilhado e se modela a cada
interação com o outro) e proporcionando uma dimensão simbólica nas conversações cotidianas
(Álvaro & Garrido, 2006). Para Spink (1993) um dos aspectos centrais nessa teoria faz
referência a como a representação do social é formada (os processos de ancoragem71 e
objetivação72) e dessa forma a TRS possui uma estrutura formada por uma diversidade de
conteúdos referentes a imagens, categorias e sistema, tendo como objetivo transformar o não
familiar em familiar (Álvaro & Garrido, 2006).
A Capoeira
Para falar dessa arte-luta (Falcão, 2005) é necessário se fazer um retorno a história da
colonização do Brasil, pois a Capoeira surgiu com os descendentes dos africanos capturados,
seus filhos e netos afrodescendentes. Foram eles que adaptaram/inseriram danças e lutas que
existiam na África, consolidando a perspectiva contemporânea do que hoje é conhecido por
Capoeira (Amorim & Machado, 2018).
Inicialmente é importante frisar que o próprio termo Capoeira73 não é de origem
africana e sim luso-indígena (Lussac, 2015) e mesmo na atualidade é possível encontrar
vegetação específica que corresponda a essa nomenclatura (no Brasil) (Oliveira, 2016). Tal
perspectiva, associada à construção do espaço urbano (século XVIII, ao mesmo tempo em que
70
O conceito de atitude seria de caráter individualista e se diferenciaria das Representações Sociais por se
relacionar a um objeto da realidade social – efeito de uma representação prévia sobre algo (Álvaro & Garrido,
2006).
71
Aquilo que não se conhece, mas que pode ser alocado em categorias previamente existentes. É formado por
duas etapas: classificação e denominação. Isso significa que para se denominar algo primeiro é necessário
encontrar características para efetuar a classificação (Álvaro & Garrido, 2006).
72
Processo no qual o que é abstrato toma forma e se torna familiar. Esse processo também possui etapas: a
transformação icônica e a neutralização. A primeira se refere a processos que ocorrem entre a associação de um
conceito abstrato e uma imagem e cria um núcleo figurativo; e a segunda se refere a como essa imagem torna-se
algo concreto (Álvaro & Garrido, 2006).
73
Segundo Natividade (2012) utiliza-se o “C” maiúsculo para prática e minúsculo referindo-se ao praticante.
as crenças e a culinária afro tomaram territórios), constitui a consolidação de que a Capoeira
1413
em uma prática genuinamente brasileira (Soares, 2004).
Esse fenômeno tem seus primórdios associados a cidades de zonas portuárias como Rio
de Janeiro, Recife e Salvador – ambientes nos quais eram desembarcados os negros
escravizados (IPHAN, 2014). A presença dessa prática nas cidades culminou em ações que
interferiram diretamente na vida dos habitantes, como as distrações proporcionadas pelas rodas
por um lado e as perturbações da ordem pública por outro (Lucena e Trigueiro, 2018), mas
nesse segundo, principalmente nas cidades de Recife e Rio de Janeiro, observou-se a criação
das maltas (gangues) que tinham embates por territórios ou por interesses políticos (Falcão,
2005).
No século XIX o termo Capoeira passou a configurar como ato de contravenção, sendo
inserido no código de 1900 com pena de dois a seis meses, pois ameaçava a ordem escravista
urbana. Essa fase negativa da Capoeira permeou pela segunda metade do século XIX, mas em
um momento histórico conhecido como belle époque74, momento em que se criou uma vertente
nacionalista no país, ocorreu um processo de reconhecimento da Capoeira como manifestação
da cultura brasileira, levando em consideração seu caráter físico e desportivo (IPHAN, 2014).
Todavia, esse processo de desmarginalização da Capoeira só passou a ser real a partir
da década de 1930, quando a Capoeira saiu da perspectiva de ilegalidade e iniciou a construção
das primeiras escolas, valendo destacar aqui a contribuição de líderes como Manuel dos Reis
Machado (o Mestre Bimba) e Vicente Ferreira Pastinha (o Mestre Pastinha), pois nessa época
a Capoeira passou a configurar como atividade física pautada como luta de contato, afastando-
se do embate mortal, mas sem perder sua autodefesa (IPHAN, 2007).
Assim a Capoeira passa a ter adeptos universitários e pessoas de influencias na
sociedade baiana da época e o então Presidente Getúlio Vargas, em reconhecimento ao esforço
em apresentar a Capoeira como esporte, concede ao Mestre Bimba o título de Instrutor de
Educação Física75, permitindo que ele ministrasse suas aulas (Costa, 2007).
2 Objetivos
2.1 Objetivo Geral
Conhecer a Percepção de Professores Universitários sobre a Capoeira e seus Adeptos.
74
Nesse momento sóciohistórico passou-se a cogitar a Capoeira como ginástica nacional e nessas condições a
Capoeira foi praticada não só por negros, mas por brancos e mestiços e devia se fazer presente em escolas e quartéis
como parte das atividades obrigatórias (Soares, 2004). Esta iniciativa chegou a ter votada na câmara dos Deputados
em 1910, mas foi arquivada por se tratar de um jogo que não tinha glamour (argumentos do arquivamento da
iniciativa) e optaram por utilizar uma luta mais elegante com nomenclatura inglês: o box (IPHAN, 2014).
75
A Capoeira Regional teve papel fundamental na retirada dessa atividade do viés obscuro, pois foi pautada em
uma metodologia acadêmica que continha desde teste de admissão até cursos de especialização (Campos, 2009),
mas é preciso pontuar que, se de um lado teve a figura de Mestre Bimba com um novo estilo de Capoeira, do outro
existiu também um responsável pela resistência da Capoeira tradicional, chamada de Angola (IPHAN, 2007) e
esse indivíduo foi o Mestre Pastinha, responsável pela organização e propagação da Capoeira dita primitiva
(Campos, 2009).
● Verificar qual a representação que a Capoeira possui para os entrevistados;
1414
● Conhecer representação que os adeptos da Capoeira possui para os entrevistados;
3 Método
3.1 Caracterização da pesquisa
Essa pesquisa visa à perspectiva não experimental, de caráter descritivo-exploratório, e
foi a conclusão de uma disciplina de mestrado da segunda autora e visou conhecer a
Representação Social que Professores Universitários possuem sobre a Capoeira e seus adeptos.
3.3 Instrumentos
Utilizou-se um questionário sóciodemográfico para identificar a idade e o gênero dos
entrevistados, assim como se perguntou sobre seu tempo de efetividade na instituição e mesmo
suas atuais titulações. Em um segundo momento foi aplicada uma entrevista semiestruturada
contendo seis perguntas que indagavam sobre: o que os entrevistados sabiam sobre a Capoeira;
se já haviam estados presentes (como espectador ou aluno) em uma aula de Capoeira; qual sua
opiniões sobre as pessoas que ministram aulas de Capoeira – e sobre os praticantes de Capoeira;
e se avaliavam essa prática como positiva ou negativa – e por quê.
3.4 Procedimento
Inicialmente entrou-se em contato com a Coordenação de Psicologia da UFPI (Campus
Parnaíba) solicitando a quantidade de professores existentes e destes quantos eram substitutos
(seis) ou eram efetivos, mas estavam afastados (cinco). Ao se chegar ao valor de 19 professores
efetivos e presentes começou-se a entrar em contato pelo processo de bola de neve76, para lhes
76
Snowball ou Bola de Neve é uma técnica de pesquisa qualitativa não probabilística na qual “participantes iniciais
de um estudo indicam novos participantes que por sua vez indicam novos participantes e assim sucessivamente”
(Baldin & Munhoz, 2011, p. 04). Nesse ínterim espera-se chegar a um ponto de saturação, mas como se trata de
apresentar a proposta de participar da pesquisa e atingir o maior número possível de entrevistas
1415
em um tempo pré-determinados de sete dias úteis. Aos que aceitaram participar da pesquisa
utilizou-se um gravador (com a permissão dos entrevistados) com objetivo de posterior
transcrição e construção de eixos e categorias.
4 Resultados e Discussões
Através da análise identificou-se a formação de três eixos temáticos: o que é Capoeira;
a visão sobre as pessoas que praticam; e a positividade ou negatividade da prática. Observou-
se no Eixo I (O que é Capoeira) observou-se uma dicotomia entre os entrevistados, pois
enquanto alguns apontavam definições, mesmo que amplas e pautadas em um leque de
conceitos, outros diziam que apenas se poderia apontar aquilo a que a Capoeira não poderia ser
resumida, como segue: “Ela é defesa pessoa e ela é também dança, ela é esporte, ela é arte e
isso é o encanto” (S1); “Não só de interação, porque é um esporte. Não é uma briga como
muita gente pensa, é um esporte. Eu entendo assim e aí é uma forma de você interagir” (S5);
“A Capoeira sempre teve no meu inconsciente coletivo atrelado não somente a um esporte, mas
também a uma manifestação cultural” (S6);
“Sei que hoje [é] considerada uma prática esportiva, mas na verdade vem de uma
cultura afro (...) então não tem apenas a prática da Capoeira no aspecto de luta,
vamos dizer assim, de uma arte ou de um esporte de luta, mas também tem esse outro
aspecto social” (S2);
“O que eu sei é que ela vem de uma cultura afrodescendente, que se desenvolveu
bastante, encontrou uma terra bem fértil para o desenvolvimento dela enquanto
elemento cultural no Brasil. Trabalha bastante a propriocepção e o conhecimento de
ritmo a partir da apropriação minha do corpo e da minha apropriação do ritmo, isso
aliada a movimentos de artes marciais” (S4).
Pode-se verificar que existe uma dificuldade para se definir o que viria a ser a Capoeira
e para Abib (2004) essa confusão em se definir como prática, mecanismo ou aspecto e singular
é o que, de fato, define a Capoeira, pois esta é um leque de ações e crenças, pois ela é tanto arte,
quanto dança, quanto luta e esporte (Barjud et al., 2018) e fazer Capoeira, segundo Castanha
(2019), é adentrar uma realidade rica em cultura, esporte e conhecimentos históricos de um
povo.
No entanto, quanto aos entrevistados a definiram, observou-se que esses conceitos
consistiram em aspectos referentes ao (d)esporte (ou a atividade física) dessa atividade; a
uma perspectiva das ciências sociais verifica-se que se substitui a perspectiva de ponto de saturação por um não
interesse de novos participantes.
prática (ou técnica) que essa atividade simboliza; a cultura; a luta (que já foi proibida) e ao jogo;
1416
a arte marcial; a arte (podendo envolver a dança); a herança africana e a defesa pessoa. Soares
(2001) define a Capoeira enquanto luta, dança, arte, folclore, esporte, lazer e filosofia de vida,
pois a Capoeira é uma prática plural que sua atuação será de acordo com seu propósito (IPHAN,
2014).
Quanto ao Eixo II (a visão sobre as pessoas que praticam Capoeira), observou-se duas
categorias: a dos facilitadores (Mestres, Professores e/ou responsáveis pelos ensinamentos) e a
dos alunos. Na primeira os facilitadores foram identificados positivamente, como segue:
“Não é qualquer coisa que você ensina. Não é aquela coisa: “Ah, vamos fazer uma
roda aqui e eu vou te ensinar isso”. A pessoa tem que ter o conhecimento, então, é
alguém que tem que conhecer e é um profissional como todos os outros” (S5).
“Agora, isso [de brigas], não é reduzido a Capoeira, tem a ver com outras práticas,
a gente sabe que tem algumas pessoas que estão a frente de alguns grupos que
também, de alguma forma, valorizam esse tipo de atitude, que não é atitude de um
educador” (S2).
Oliveira (2009) aponta que uma índole duvidosa de alguém que representa a Capoeira
não é algo que possa ser associado a um profissionalismo, pois o profissional de Capoeira, de
fato, é um educador e, mesmo este sujeito tendo uma postura compenetrada em disseminar a
arte-luta como tal, existem aqueles que não e, nesse caso específico, reforçam preconceitos e
repressões sobre a Capoeira – que nunca parou de ser ensinada com sua característica de
autodefesa e enquanto luta de resistência.
Evidenciou-se, também, que esses sujeitos foram identificados como morenos ou negros
em sua maioria e que a sensualidade pode ser vista como uma característica desses
profissionais:
“São pessoas que tem um trânsito cultural muito bom (...), geralmente são morenos,
1417
o que os torna para mim muito bonitos. Morenos ou negros os que eu conheci, (...).
São sempre sensuais na forma de se comunicar com o corpo junto com a fala” (S4).
Sobre isso Falcão (2005) evidencia que o negro, em meados do século XX, possuía a
simbologia de biótipo característico da raça (sendo apontado seu aspecto sensual como
pertencente à raça) e, por vezes, as famílias tradicionais da época utilizavam seus cativos de
forma viril e se encantavam com a sedução e a ousadia dos negros. Assim, o estereótipo
associado ao negro no aspecto sensual, sexual e de virilidade, não é algo raro de ser encontrado
no senso comum.
Na segunda categoria (os alunos de Capoeira) a maioria dos entrevistados apontou que
não poderiam defini-los, pois seriam diferentes em cada contexto no qual as aulas venham a ser
aplicadas, assim como não podem ser diferenciados de quem não seja aluno dessa arte-luta, mas
também apontaram que esses sujeitos seriam preocupados com a saúde (física e mental),
podendo ser esportistas amadores. “Tenho visto muito nos grupos de idosos a prática da
Capoterapia que vem ajudando essas pessoas em melhores condições. Vejo como uma prática
salutar para a mente e o corpo” (S6);
Acho que varia muito do lugar, do contexto. Eu percebo que a depender do ambiente
em que a aula é ministrada, você vai encontrar perfil de alunos diferentes. Como na
escola, o que eu percebo, na educação infantil, educação de adolescentes, é muito
usado como uma prática cultural, como o lúdico, então há exposição das crianças a
irem mais como algo lúdico. Os adolescentes já têm uma pegada mais sensual, de
envolvimento, de controle de agressividade (S4);
De fato não se pode diferenciar adeptos de não adeptos de Capoeira, mas dependendo
da forma como venham a utilizar essa prática (se para fins somente estéticos ou determinantes
vertentes de cunho ideológico – como a militância em relação ao povo negro), suas
peculiaridades, ideológicas ou não, tornam-se eminentes na fala, no vestuário e mesmo na sua
colocação dentro da atividade (Castro Junior, 2003).
Campos (2001) corrobora essa perspectiva e afirma que o praticante de Capoeira passa
por mudanças que vão desde o âmbito pessoal (com maior disciplina em suas tarefas pessoais)
até sua conduta em meio à sociedade. Além disso, Barroso e Darido (2006), assim como
Agrícola (2010), afirmam que a prática esportiva não é composta somente por atletas, mas sim
de pessoas cada vez mais sabedoras que o esporte é de grande importância para a sensação de
estar completo (ou seja, corpo e mente).
Assim, para Anhas e Casto-Silva (2017) é evidente a predominância do quesito saúde
para o praticante de Capoeira, é importante frisar, como aponta Campos (2001), que atividades
para crianças, para jovens e idosos, não podem ser tidas como a mesma, existem Capoeiras
diferentes, assim as aulas diferenciam-se em aspectos lúdicos, de disciplina e de terapia,
respectivamente, pois a Capoeira se flexiona aos seus praticantes – o que chamaria de
1418
pluralidade dessa prática.
Finalmente, no Eixo III (Positividade e Negatividade da Prática), observou-se que todos
os entrevistados apontam que a Capoeira é uma prática unicamente positiva em sua essência,
pois possibilita promoções (de saúde, de conhecimento, de respeito e mesmo de interação) e
quando surgiram aspectos negativos, relacionou-se com o preconceito frente as suas raízes, ou
mesmo a lesões provocadas pelo esporte, como segue: “Se a pessoa tiver que fazer por
obrigação, ou se não reconhecer que tem alguma lesão, ela pode ser negativa” (S4); “No
entanto, ainda há um preconceito muito intrínseco a este esporte, por todas as questões
históricas e culturais. (...) O Brasil é um país racista, apesar de velado” (S6);
.
“Pela impressão que eu tenho ela é extremamente positiva. Promove primeiro a saúde
do corpo, a forma física, o bem-estar físico. Isso, por si só, já é algo bom, positivo. E
em segundo lugar porque se você esta bem com seu próprio corpo a tendência é que
os outros aspectos entrem em sintonia. Além de tudo tem o aspecto cultural, que mexe
com as nossas raízes, que a gente acaba compreendemos melhor o que (...) somos
como povo. Acaba conhecendo mais, e conhecendo mais a gente tem mais chance de
respeitar” (S1);
“Não vejo um aspecto negativo nisso não. Não sei e se tiver eu tenho que procurar
saber, mas como tem muito essa herança africana e aqui no Brasil todo mundo tem
uma resistência a tudo que vem [da África]. Na nossa colonização nós tivemos três
raízes, mas a herança africana é sempre a mais rechaçada, infelizmente” (S5).
5 Conclusão
Observa-se que mesmo que a Capoeira possua um contexto histórico muito complexo e
intrínseco a construção do Brasil enquanto pais, sua literatura acadêmica é escassa – o que
aponta poucas produções sobre a prática e aqui se aponta a relevância desse trabalho, pois se
verificou que a Capoeira ainda é tida como uma incógnita para a sociedade acadêmica e sua
definição não é clara e deixa uma constante dúvida sobre sua origem. Infelizmente identifica-
se que essa não apropriação das raízes do brasileiro é fruto do não ensino adequado da história
e cultura do Brasil nas escolas de modo geral.
Academicamente, identifica-se esse trabalho como pontapé inicial de uma série de
outros voltados para a temática, pois esse campo é identificado pela autora como rico e ainda
pouco explorado no aspecto da Psicologia Social (além da perspectiva de interesse pela
temática) e socialmente espera-se apresentar a Capoeira como uma prática que não
necessariamente seja vinculada a crenças, mas como esporte, arte, cultura e como herança que
é comum ao brasileiro.
Assim, espera-se apresentar que a apropriação do conhecimento do que seja a Capoeira
1419
acabe por proporcionar o empoderamento daqueles que buscarem o conhecimento de suas
raízes; além de proporcionar ao Capoeirista bases cientificas-acadêmicas que lhe legitimem.
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AUTOESTIMA, CANSAÇO EMOCIONAL E PROCRASTINAÇÃO: ESTUDO
1422
CORRELACIONAL SOBRE A SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO
UNIVERSITÁRIO
Gabrielly Oliveira Silva
Ana Lúcia Trindade Martins
Maria Isabele Ferreira
Leiliane Nascimento Nunes
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Introdução
Estudos com universitários (Torres, Mohand & Espinosa, 2016; Devine & Hunter, 2017;
Castro-Rodríguez et al., 2018) têm-se voltado para o entendimento da síndrome de Burnout
nesta população. A síndrome de Burnout é definida por Maslach e Jackson (1981), como um
transtorno relacionado ao meio ocupacional caracterizada por um estado de exaustão emocional
e estresse decorridos do trabalho desgastante, trazendo consigo diversos efeitos negativos no
âmbito profissional, individual, familiar e social. Também é considerada multidimensional,
pois além dos sentimentos de esgotamento é constituída pelo aumento do distanciamento
mental do trabalho e a redução da eficácia profissional.
Este transtorno está incluso no grupo 24 (QD85) da Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11) como um dos fatores
que influenciam o estado de saúde, no subgrupo “Exposição ocupacional a fatores de risco”
(OMS, 2019). Castro-Rodríguez et al. (2018) aponta a sobrecarga acadêmica, as tarefas diárias
e o pouco tempo para lazer como fatores predispostos para o esgotamento emocional em
universitários. Neumann, Finaly-Neumann e Reichel, (1990), por sua vez, evidenciaram que a
dimensão cansaço emocional estava associada negativamente com a qualidade da
aprendizagem, empenho, dedicação e esforço do aluno e que os mesmos apresentavam uma
estratégia inadequada de enfrentamento.
Dessa maneira, o cansaço emocional é um dos principais componentes de Burnout, e
tem sido relacionado ao estresse que ocorre em contexto universitário (Ramos, Manga &
Moran, 2005). Assim, entende-se que o cansaço emocional ocorre ao elucidar respostas
acentuadas aos estímulos estressores do meio ocupacional, consistindo na primeira etapa desse
processo, ao gerar um distanciamento emocional e cognitivo do âmbito laboral, como meio de
enfrentamento à sobrecarga de trabalho. Tais sintomas são uma resposta básica ao estresse no
qual o indivíduo está exposto, estes aspectos reverberam-se ainda no ambiente acadêmico
(Anjos & Camelo, 2019).
A literatura elencou outros fatores que colaboram para a exaustão emocional, como por
exemplo a baixa autoestima, compreende-se que o indivíduo nessa condição está propenso a
ser mais vulnerável emocionalmente (Khezerlou, 2017). A autoestima fundamenta-se no
autoconceito, como uma forma de sua avaliação, ou seja, um julgamento realizado sobre si e
seu valor geral. Segundo Papalia e Feldman (2013), trata-se de como o indivíduo pensa e avalia
sobre seus próprios traços, capacidades e descrições. Normalmente, o nível de autoestima varia
com o decorrer do tempo, no entanto apresenta certo nível de estabilidade por um longo período,
uma vez que o autoconceito sofre mudanças de forma gradativa (Rosenberg, 1986).
Nesse sentido, a autoestima tem sido relacionada com distúrbios alimentares (Silva et
1423
al., 2018) e diversos transtornos, tais como depressão (Furegato et al., 2006; Rentz-Fernandes
et al., 2017), ansiedade (Bandeira et al., 2005) e ideação suicida (Silva, 2019). Freire e Tavares
(2011), numa pesquisa com 216 adolescentes, revela que a autoestima relaciona-se
positivamente com a satisfação de vida, além de apresentar poder preditivo para as variáveis de
bem-estar (psicológico e subjetivo). Por sua vez, Marrone e Hutz (2019) discutem sobre
autoestima contingente, a qual é dependente de fatores para seu declínio. Em sua pesquisa
envolvendo 609 universitários, foi constatada relação entre a autoestima fundamentada em
contingências externas e baixa motivação para os estudos. No contexto acadêmico investigado,
a motivação extrínseca abrangeu os domínios de competência acadêmica, competição e
aparência.
Em relação a procrastinação, outro elemento que permeia o ambiente universitário, é
definida como o adiantamento voluntário de uma atividade pretendida, o indivíduo atua por si
mesmo, sem motivo relevante, aparente que o impeça de executar a tarefa (Geara, Filho &
Teixeira, 2017). A procrastinação acadêmica é um fenômeno dinâmico e complexo, envolve
fatores pessoais, comportamentais e ambientais, que contribuem para o comportamento de
adiar, o qual é manifestado no período entre a intenção de estudar e o comportamento de estudo
propriamente dito (Sampaio, Polydoro & Rosário, 2012).
Um estudo realizado por Sampaio e Bariani (2011), com 173 estudantes de uma
universidade particular, do interior do Estado de São Paulo, mostrou que 82% dos respondentes
afirmaram adiar compromissos, atividades e ações, em relação a frequência do comportamento
de procrastinar, 49% dos participantes tinham o hábito de protelar as atividades ao menos uma
vez por semana, enquanto que 26% entre duas ou três vezes por semana, uma ou duas vezes ao
mês 22% dos estudantes, apenas 3% não responderam a questão.
Diante disso, o presente trabalho visa correlacionar o construtos autoestima, cansaço
emocional e procrastinação no contexto universitário, visto que, à carga de estudos, acaba por
afetar o desempenho e a qualidade de vida dos universitários. Nesse sentido, o presente trabalho
busca contribuir com dados para que se pensem estratégias preventivas e de enfrentamento.
Objetivos
Geral
Identificar a relação entre autoestima, cansaço emocional e procrastinação em
universitários.
Específicos
● Conhecer os correlatos da autoestima, cansaço emocional e procrastinação;
● Identificar a influência do sexo nos contrutos em questão.
Método
Delineamento
Trata-se de um estudo correlacional, de natureza predominantemente quantitativa. O
qual fará uso de uma amostragem não-probabilística para a seleção dos participantes.
1424
Participantes
Contou-se com uma amostra por conveniência composta por 138 estudantes
universitários de instituições públicas da cidade de Parnaíba, Piauí, em sua maioria cursando
Psicologia (28,3%), com idade variando entre 18 e 51 anos (M = 21,24; DP= 4,37),
idade
Instrumentos
Os participantes responderam a um livreto contendo os seguintes instrumentos:
Escala de Autoestima de Rosenberg (EAR; Rosenberg, 1965), adaptada para o Brasil
realizado por Hutz e Zanon (2011). Esse instrumento é composto por 10 itens que avaliam a
autoestima de forma global. São respondidos em uma escala tipo Likert de quatro pontos
variando de 1 (Discordo totalmente) a 4 (Concordo totalmente).
Escala de Cansacio Emocional (ECE). Instrumento elaborado por Ramos-Campos et
al. (2005) e adaptada para o contexto brasileiro por Silva, Fonsêca, Bandeira, Macedo e
Medeiros (Submetido). Trata-se de uma medida composta por 10 itens, que avaliam de forma
global o cansaço emocional, considerando os 12 últimos meses da vida estudantil, que são
respondidos em escala de cinco pontos tipo Likert, variando entre 1 “Raramente” a 5 “Sempre”.
Academic Procrastination Scale - Short Form (APS-SF; Yockey, 2016). Adaptada
para o Brasil por Pereira, Silva, Sousa, Valadares e Medeiros (2018). Tem como objetivo medir
a tendência em procrastinar atividades acadêmicas. É composta por 5 itens, que são respondidos
em escala de cinco pontos tipo Likert, variando de 1 "Concordo" a 5 "Discordo". Ademais, os
participantes responderam um questionário sociodemográfico, que compreendia um conjunto
de perguntas acerca do sexo, idade e curso, que foram utilizadas com o objetivo de caracterizar
a amostra.
Procedimento
Inicialmente, com a autorização dos responsáveis de cada curso da instituição de ensino
selecionada para a pesquisa, um aplicador treinado apresentava o Termos de Consentimento
Livre e Esclarecido para que os participantes (estudantes devidamente matriculados na
instituição participante) pudessem autorizar sua participação na pesquisa e responder aos
instrumentos. Aos estudantes que aceitaram participar da pesquisa, foi assegurado a todos o
caráter voluntário, anonimato das respostas e participação na pesquisa que não traria nenhum
prejuízo aos participantes podendo desistir a qualquer momento.
Ressalta-se que todos os procedimentos éticos para pesquisas com seres humanos foram
tomados, baseados nas Resoluções nº 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. A
coleta procedeu-se em ambiente coletivo (sala de aula), entretanto os questionários foram
respondidos individualmente. Um pesquisador, previamente treinado, esteve presente na coleta,
para dirimir eventuais dúvidas. Aproximadamente 10 minutos foram necessários para que os
questionários fossem respondidos.
Análise de dados
Os dados foram tabulados e analisados por meio do software SPSS versão 26. Foram
1425
realizadas estatísticas descritivas (média e desvio padrão) com a finalidade de caracterizar os
participantes da pesquisa. Posteriormente foi verificado as correlações entre as variáveis por
meio do coeficiente de Pearson, além do Teste-t de Student, para amostras independentes
visando verificar se existiam diferenças entre homens e mulheres frente às variáveis em questão,
ou seja, autoestima, cansaço emocional e procrastinação acadêmica.
Resultados
Inicialmente, buscou-se conhecer o padrão de relação entre a autoestima, cansaço
emocional e procrastinação acadêmica. Para tanto, foi utilizado o coeficiente r de Pearson. Os
resultados evidenciaram que a autoestima se correlacionou de maneira negativa e significativa
com o cansaço emocional (r = -0,37; p < 0,01) e a procrastinação acadêmica (r = -0,25; p <
0,01), sugerindo quanto maiores os níveis de autoestima, menores serão os sintomas de cansaço
emocional e os estudantes apresentaram menos comportamentos de procrastinar tarefas
acadêmicas. Os resultados estão descritos na tabela 1.
Variáveis M DP 1 2 3
1426
Nota: ** p < 0,05*
Discussão
Os resultados obtidos pela presente pesquisa evidenciam que quanto maiores os
níveis de autoestima, menores serão os comportamentos de procrastinação acadêmica, bem
como os sintomas de cansaço emocional. Estes achados corroboram com a literatura existente
acerca da contribuição da baixa autoestima no cansaço emocional (Khezerlou, 2017), assim
como, o comportamento de procrastinar está correlacionado a baixa autoestima (Steel, 2007).
A procrastinação enquanto um traço do comportamento, considerado muitas vezes
permanente e crônico (Yockey, 2016), resulta de um conjunto específico de características
pessoais, em parte estáveis, levando o indivíduo a postergar suas atividades nos mais diferentes
contextos (Sampaio & Bariani, 2011). Dessa maneira, o comportamento procrastinador irá
variar, pois diversos fatores estão a influenciar tal postura, como elenca a presente pesquisa, a
autoestima é um deles ao diminuir a frequência da procrastinação. No entanto, quando os níveis
de autoestima estão baixos, esta vem a ser um potencializador da procrastinação acadêmica.
Em relação a procrastinação, o reconhecimento de suas consequências negativas pode
estimular no estudante a motivação para a mudança no comportamento, através do
desenvolvimento da capacidade de avaliar criticamente o ato de procrastinar, antes de seguir
adiante com o comportamento (Geara & Teixeira, 2017). É notório que as crenças que os
estudantes apresentam sobre si mesmos e sobre as tarefas que realizam apresentam forte
influência sobre a sua motivação e por conseguinte, sobre seu comportamento, associadas aos
demais fatores que compõem a vida dos indivíduos. Dessa forma, podem afetar
significativamente o seu bem-estar subjetivo e a qualidade de vida, sendo fundamental o
desenvolvimento de habilidades autorregulatórias por parte dos estudantes, com o objetivo de
assumir maior autonomia e engajamento frente às próprias escolhas (Tonelli, Pessin & Deps,
2019).
O cansaço emocional é uma das dimensões da síndrome de burnout, caracterizado pelo
desgaste vivido no cotidiano do curso, a exemplo, cansaço físico e mental, desânimo, estresse,
irritabilidade, cefaleias, dores musculares e alterações no sono. Alguns fatores influenciam
diretamente no agravo sintomatológico do cansaço emocional, como: não morar com os pais
ou familiares; não praticar atividades físicas ou de lazer; não estar no curso de primeira escolha
(Moura et al., 2019).
Na literatura, alguns estudos têm demonstrado prevalência significativa da dimensão
cansaço emocional em estudantes da área da saúde, como enfermagem (Rísquez et al., 2013),
ainda neste estudo, os pesquisadores analisaram a relação entre a variável idade e cansaço
emocional, a qual foi observaram que estudantes mais velhos apresentavam maior desgaste
emocional. Outra pesquisa restrita ao campo da enfermagem (Tomaschewski-Barlem et al.,
2014) de acordo com as análises descritivas apontou que o fator cansaço emocional apresentou
1427
a maior média, dentre os demais fatores do burnout. Nesse sentido, é necessário compreender
o cansaço emocional, visto que é o elemento central da síndrome de burnout, sendo o item mais
associado ao estresse geral (Boren, 2013).
Como apontou a pesquisa, a autoestima está negativa e significativamente
correlacionada ao cansaço emocional e a procrastinação, ou seja, quanto maior a autoestima do
indivíduo menores serão os níveis de cansaço emocional e procrastinação confirma os estudos
já publicados. Anjos e Camelo (2019), destacam que os estudantes com autoestima elevada
desfrutam de maior satisfação em relação aos estudos, respondem às situações estressoras com
maior eficácia, esta age como um atenuante dos efeitos negativos do estresse, ao passo que
estudantes com baixa autoestima tendem a ser mais vulneráveis emocionalmente. Esse
resultado nos mostra que uma estratégia de enfrentamento pode ser efetuada por meio do
fortalecimento da autoestima dos universitários, como forma de gerar bem-estar e qualidade de
vida.
No tocante às distinções entre homens e mulheres, não há diferença significativa para
variável de autoestima, no entanto, evidenciou-se uma maior tendência à procrastinação e
cansaço emocional entre as respondentes do sexo feminino. Na literatura podemos notar que no
estudo de Torres, Mohand e Espinosa (2016), em que investigaram os construtos cansaço
emocional, satisfação com o estudo e autoestima, apontaram em seus resultados diferenças entre
os gêneros nas escalas “Cansancio Emocional” e “Satisfacción com el estudio”, em que as
mulheres obtiveram pontuação mais elevada.
Nessa perspectiva, faz-se necessário o investimento de estratégias que reduzam
comportamentos procrastinadores e, desse modo, amenizem os impactos produzidos na vida
acadêmica e profissional dos estudantes. De acordo com Brito e Bakos (2013), pesquisas que
abordam sobre procrastinação e terapia cognitivo-comportamental no contexto universitário
sugerem abordagens terapêuticas como a terapia racional emotiva e a terapia de atenção plena
(mindfulness). Esta última auxilia no reconhecimento e numa maior consciência de
pensamentos e sentimentos complexos, visto que a baixa atenção plena estaria associada ao
bem-estar emocional e físico prejudicados (Brito & Bakos, 2013).
A pesquisa de Silva et al (2020), por sua vez, sugere programas que priorizem a
autopercepção acadêmica, isto é, a percepção do indivíduo enquanto aluno, buscando
desfavorecer a motivação controlada. Os resultados desse estudo apontaram que a motivação
controlada por fatores extrínsecos (ganho de recompensas, evitação de punições e sentimento
de culpa) tem relação positiva com atos procrastinadores, a autopercepção acadêmica está
negativamente relacionada com a procrastinação, estudantes de escolas públicas procrastinam
mais que aqueles de instituições privadas, além de que universitários com motivação intrínseca
para o hábito da leitura procrastinam menos em atividades acadêmicas. Metodologias como
oficinas de organização de tarefas, gestão do tempo, técnicas que envolvam e favoreçam a
motivação e autoestima.
O presente estudo apresenta como limitação, o número da amostra, uma vez
que demonstra ser razoavelmente pequeno e restrito. Além dos resultados obtidos, que apontam
para a impossibilidade de identificar a existência de outros fatores que podem estar associados
à baixa autoestima e ao cansaço emocional como causas, uma vez que a procrastinação trata-se
de um fenômeno dinâmico e complexo que envolve elementos cognitivos, metacognitivos e
motivacionais (Steel, 2007).
Desse modo, pesquisas futuras podem aumentar o número da amostra para a obtenção
de resultados mais abrangentes e conclusivos, incluir outras variáveis, como a motivação, bem
como compreender melhor a complexidade da variável exaustão que pode está sendo
1428
correlacionada com outras variáveis, além das já envolvidas na presente pesquisa. Além disso,
sugere que estudos posteriores investiguem os eventuais efeitos que a procrastinação pode
suscitar, como também avaliar as consequências do cansaço emocional.
Conclusão
Diante do contexto universitário pode-se notar que os estudantes se deparam com
vários fatores estressantes no decorrer do curso em que estão matriculados, entre eles: a carga
horária, as atividades diárias, os estágios e pouco tempo para o lazer. Dessa maneira, pode
acarretar uma sobrecarga emocional e física, consequentemente, interfere de forma negativa a
saúde mental desse público, inclusive ocasionando a síndrome de Burnout.
Conclui-se que o presente estudo atingiu seu objetivo, isto é, buscou correlacionar
autoestima, cansaço emocional e procrastinação acadêmica. Desse modo, os resultados
evidenciaram que quanto maior a autoestima menor serão os níveis de cansaço emocional e
procrastinação. Além disso, quanto a diferença entre os gêneros nota-se que as diferenças são
significativas em relação ao cansaço emocional e procrastinação acadêmica, em que as
mulheres pontuaram mais do que os homens. A partir dessas evidências percebe-se a
necessidade de uma maior atenção para essa questão, pois afeta negativamente a vida dos
universitários e, assim, é importante elaborar estratégias preventivas e de enfrentamento para
que eles possam saber lidar diante das exigências acadêmicas.
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VIVER OU POSTAR: UM ENSAIO TEÓRICO-REFLEXIVO SOBRE
1431
CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE NAS REDES SOCIAIS E A BUSCA PELO
SELF IDEAL
Karla Waldienia Alves Pinto
Juscislayne Bianca Tavares De Morais
1. Introdução
No mundo moderno o uso das redes sociais77 já está incorporado no cotidiano das
pessoas; no centro dessa transformação social estão os jovens entre 15 e 29 anos que foram
dominados por esse novo conceito de “Comunidade Virtual”78. Bauman (2003, p. 07) explica
que a idéia que se tem de comunidade, é de um lugar cálido e aconchegante; onde todos são
aceitos como realmente são; sem julgamentos e sem críticas. Refletindo sobre essa definição é
possível identificar que esse não é o cenário encontrado nas “Comunidades Virtuais”, onde a
luta por likes e visualizações, em alguns casos, ultrapassa os limites da ética, segurança e do
bom senso.
Neste escopo, verificou-se recentemente que os usuários da rede social Instagram79,
aplicativo desenvolvido para compartilhamento de fotos, tiveram que se adaptar a uma mudança
significativa feita na plataforma, onde o número de curtidas (likes) não fica mais visível a todos;
permitindo somente a cada usuário saber o número de curtidas que recebeu em uma foto ou
vídeo. Essa medida se deu devido ao entendimento coletivo de que a rede social estava se
transformando em uma batalha por popularidade, além disso, algumas pessoas estavam
ultrapassando os limites da própria segurança em busca da foto perfeita que alcançaria os mais
altos números de curtidas.
Essa importante alteração na plataforma levantou inúmeros questionamentos sobre o
comportamento dos usuários de redes sociais e trouxe uma reflexão sobre o modo como a
subjetividade dos usuários está sendo construída a partir da vivência nesse mundo virtual.
Diante de uma sociedade em que a popularidade é medida pelo número de seguidores (amigos
virtuais), as “relações individuais e coletivas, particularmente no ciberespaço, têm despertado
o interesse dos estudiosos de redes sociais, dos sociólogos, etnógrafos virtuais e dos
ciberteóricos” (Costa, 2005, p. 236). Analisando o cenário atual, o que se vê são pessoas que
estão mais preocupadas em “provar que estão vivendo a vida” e o que era uma brincadeira de
compartilhamento de fotos e se transformou em um problema social.
Considerando o exposto, esse artigo propõe verificar as implicações da rede social
Instagram, na busca do self ideal e consequentemente, na constituição da subjetividade. A
escolha pelo Instagram como ambiente de pesquisa para estudar afetos, pensamentos, ações e
reações emocionais pode ser justificada por se tratar de um dos aplicativos atuais mais
importantes em termos de redes sociais. Os usuários, através de seus "perfis", postam fotos e
vídeos em que podemos ver a simbologia da busca pelo self ideal e padrões estéticos perfeitos
(Aprobato, 2018).
77
Na visão de Recuero (2009) as redes sociais são grupos de atores que se constituem através da interação medida
pelo computador.
78
A internet marca o nascimento de um novo tipo de comunidade, uma comunidade virtual, que reúne pessoas
online ao redor de interesses e valores partilhados (Recuero, 2009).
79
O Instagram pode ser catalogado como uma plataforma que funciona como uma rede social online que possibilita
aos seus usuários o compartilhamento de fotos e vídeos com outros usuários com interesses similares ou não
(Aprobato, 2018).
A definição de subjetividade elencada neste trabalho, refere-se a maneira que as pessoas
1432
se sentem e pensam com base no que elas experienciam através das redes sociais, ou seja, abarca
os significados atribuídos pelo sujeito no contato com a rede social Instagram. Já pelo conceito
de self, entende-se que “inclui um corpo físico, processos de pensamento e uma experiência
consciente de que alguém é único e se diferencia dos outros, o que envolve uma representação
mental das experiências pessoais” (Macedo & Silveira, 2012, p. 281).
As redes sociais, entre as quais está o Instagram, permitem a criação de perfis que,
apesar de serem geridos pelo sujeito, muitas vezes não expressam a sua “identidade real”, ou
melhor “quem a pessoa é”. Neste contexto, Rosa e Santos (2015), discorrem que a exposição
através desses espaços virtuais, refletem um mal-estar que acomete as pessoas na modernidade,
fazendo com que elas se comuniquem e compartilhem o que expõem nas redes sociais na
procura de uma suposta realização das necessidades Humanas.
Essa pesquisa propõe desvelar enquanto objeto de estudo as relações estabelecidas entre
os sujeitos e as redes sociais, com especial foco, na repercussão do uso dessas redes na
constituição do self dos sujeitos. Desta forma, o objetivo deste trabalho é refletir e provocar um
debate sobre essas questões no sentido de auxiliar os indivíduos no processo de formação da
subjetividade humana, de forma com que cada indivíduo possa mostrar-se como realmente é,
com isso, parte-se do princípio que vivemos em sua sociedade permeada por uma cultura do
consumo, na qual o ter é valorizado em primeiro plano, comparado ao ser, o que acaba por gerar
inúmeras situações de sofrimento psíquico.
Metodologia
A motivação pessoal para realização do estudo, advêm do interesse pelo estudo do self
em uma perspectiva fenomenológica na trajetória acadêmica da pesquisadora. Sentiu-se ainda,
a necessidade de discutir o tema considerando as contribuições do olhar do campo da Psicologia
para o entendimento da construção da autoimagem nas redes sociais. Dito isto, a pesquisa
justifica-se teoricamente por ampliar as discussões em torno da repercussão das redes sociais
na constituição da subjetividade humana na contemporaneidade, tendo em vista que essas
mídias digitais têm sido um espaço de socialização dos sujeitos e consequentemente
incorporam-se enquanto espaços de socialização e construção da identidade.
Acrescenta-se que, esse artigo trata-se de um ensaio teórico reflexivo que propõe uma
reflexão em torno temática da construção do self ideal e na relação sujeito e rede social
Instagram. Na compilação bibliográfica, foram selecionados artigos e livros de autores clássicos
e contemporâneos que versam sobre a relação sujeito e sociedade na liquidez contemporânea,
assim como, o entendimento da constituição do self dos sujeitos sob o olhar da Psicologia.
Desta forma, o debate da temática foi realizado através dos seguintes itens a serem
explanados: “Self ideal e a construção da autoimagem através das redes sociais”, “O
desempenho dos papéis sociais e a construção do Eu através das redes sociais”. Por fim, as
autoras tecem suas considerações sobre o estudo, constatando que existe uma forte repercussão
das redes sociais na constituição do self através das redes sociais. Torna-se, imprescindível a
discussão da temática, uma vez que a dissonância entre “aquilo que se é” e “aquilo que se
gostaria de ser” acaba por gerar adoecimento e sofrimento psíquico para muitos daqueles que
fazem o uso abusivo das redes sociais.
1433
a essa noção tão fundamental no desenvolvimento da psicologia e das ciências humanas em
geral, no primeiro tópico deste ensaio teórico reflexivo, pretendemos relacionar a exposição da
imagem através das redes sociais, com os processos de constituição do eu e desenvolvimento
do self na atualidade.
Inicialmente, destaca-se a importância dos processos sociais enquanto constituintes do
self e a importância de evitarmos concepções que propõem uma oposição entre o sujeito e a
sociedade como elementos independentes. Desta maneira, entendemos que a apropriação de
tecnologias digitais, como o Instagram, enquanto mediadores dos relacionamentos, e os
contextos digitais como arenas para exposição e apresentação de si, precisam ser entendidos no
cenário mais amplo das sociedades contemporâneas, cenários que pressupõe ampla liberdade
de escolha dos aspectos de si que serão apresentados, expostos e atualizados “através e nas”
interações sociais virtuais.
Segundo Rose (2011 apud Nejm, 2016), desde o século XX herdamos um entendimento
romântico de self, associado à profundeza das características pessoais, contudo, a partir do
século XX, temos uma mudança nesta perspectiva romântica, em detrimento de uma concepção
racional balizada na exaltação da liberdade atrelada a ideia de consumo, seria uma liberdade
para as escolhas dos bens materiais e dos referenciais identitários. Portanto, as definições de
self se alteram conforme as mudanças sociais, políticas e econômicas de cada contexto
histórico.
Neste cenário, a internet possibilitou a criação de novos espaços de interação social que
foram implementados na arena das experimentações sociais e de construção da autoimagem.
Conforme Souza, Freitas e Biagi (2017), a sociedade contemporânea que passou pelo processo
de globalização, está vivenciando a era digital, onde todos estão em constante movimentação
mesmo que estejam parados frente a uma tela de computador, pois, as pessoas podem estar em
qualquer lugar com apenas um clique.
Desse modo, a construção da autoimagem nas redes se transformou em um método para
se mostrar, não como a pessoa é, mas como ela gostaria que as outras pessoas o vissem. “O
mundo virtual tomou conta do mundo real, estar conectado à Internet passou a fazer parte da
rotina de muitas pessoas” (Souza, Freitas & Biagi, 2017, p. 119) as quais tem se mostrado cada
vez mais dependentes do mundo digital.
A construção do self através das redes sociais está constantemente passando por
adequações e nessa perspectiva, “o homem moderno então precisa significar suas vivências se
relacionando com essa sociedade atual e com as novas tecnologias que surgem a cada instante”
(ouza, Freitas & Biagi, 2017, p. 126). Dessa forma, a geração atual presencia a ressignificação
sociais e a maneira como os indivíduos estão se relacionando de modo a transformar e ser
transformado por esse novo contexto cultural.
Conforme Nunes (1997, p. 46), no contexto da abordagem rogeriana, o conceito de self
é definido como “uma estrutura ou uma configuração perceptual que são vivenciadas por cada
pessoa e estão em constante mutação”. O self de cada indivíduo é construído ao longo da vida
e é fortemente influenciado pela cultura em que o ser humano está inserido. Em outras palavras,
o Self é a construção de si, como a pessoa é enquanto pessoa, como se comporta, como pensa,
como age, como sente, como encara o mundo.... Definindo a personalidade de cada ser humano.
Um outro conceito referido por Rogers é o de “Self Ideal” o qual significa o conjunto
de atributos ou de características que o indivíduo desejaria poder enunciar como suas pois
quanto maior for o grau de discrepância vivenciado pela pessoa entre o Self e Self Ideal maior
é o sofrimento. De acordo com Nunes (1997, p. 47) “esta autopercepção leva-a a vivenciar
1434
sentimentos de baixa autoestima, sentimentos de desvalorização e, por vezes, é fonte de uma
certa inadequação social”.
Na tentativa de aceitação social é possível observar uma sociedade cada vez mais
dependente de atenção e na busca por expandir o número de seguidores (amigos virtuais) o que
se vê são pessoas construindo personagens de si mesmas, montando a sua autoimagem a partir
da perspectiva de um Self Ideal “que surge como uma identidade artificial produzida com vistas
à adaptação do sujeito a um ambiente ou grupo” (Silva, Peixoto & Pereira, 2011, p. 5). Nesse
sentido, é possível dizer que o homem constrói uma fachada fantasiosa onde ele molda a sua
vida seguindo padrões que, na perspectiva dele, é o de perfeição.
No entanto, para Campanhole e Moura (2013) o que se pode perceber analisando os
perfis de redes sociais, de pessoas que você conhece na vida real, a conclusão que se vai chegar,
na maioria dos casos, é de que as pessoas não são tão bem sucedidas como mostram; não são
tão positivas como mostram; não acordam de bom humor; não estão tão felizes em seus
relacionamentos; não gostam de suco verde nem de comidas naturais; não se importam tanto
com animais abandonados e com o meio ambiente. Para os referidos autores, “a construção de
identidade nas redes sociais, potencializou a constituição de identidades múltiplas, nesse
sentido, torna-se um desafio o processo de percepção do Outro” (Campanhole & Moura, 2013,
p. 42)
Segundo Goffman (1985, p. 27), a relação com o coletivo nas redes sociais é forjada, e
divulgada, por uma sequência de imagens que conta a história de uma vida em que o
personagem principal é o próprio autor. As plataformas digitais (como Instagram, Facebook e
Twitter) servem como expositores da vida que a pessoa gostaria de ter.
No contexto atual da sociedade pós-moderna, é possível afirmar que likes e comentários
em fotos postadas nas redes sociais, servem como impulso para se manter a autoestima; mesmo
que seja criando uma imagem falsa de si mesmo. Nesse sentido, não há como negar que as redes
sociais mudaram o sentido de interação social na sociedade pós-moderna. De acordo com
Goffman (1985, p. 41) “quando um indivíduo se apresenta diante dos outros, seu desempenho
tenderá a incorporar e exemplificar os valores oficialmente reconhecidos pela sociedade”. Com
essa observação entende-se, portanto, que as pessoas estão invertendo valores de forma a
construir uma identidade que reflita uma falsa personalidade de si mesmos.
80
Os papéis sociais permitem-nos compreender a situação social, pois são referências para a nossa percepção do
outro, ao mesmo tempo que são referências para o nosso próprio comportamento. Se no encontro social nos
apresentamos como ocupantes da posição de professores ou autores de um livro, sabemos como nos comportar,
indivíduo a partir da posição que este esteja ocupando ou da imagem que quer transmitir ao
1435
outro. Um exemplo disso, é quando uma mulher tem um filho e, culturalmente, em nossa
sociedade se evidencia que a maternidade é o melhor presente que uma mulher poderia receber.
Existem "papéis" que devem ser cumpridos, por essa mulher, para que a mesma seja
“encaixada” na categoria de “boa mãe”.
Analisando situações como essa é possível observar, conforme Goffman (1985, p. 28),
que o indivíduo pode tentar induzir as outras pessoas a julgá-lo de um ponto particular, mesmo
que não mereça a avaliação por ele almejada.
É válido ressaltar que há uma grande pressão da sociedade para que as pessoas cumpram
o papel social que é estabelecido pela cultura em que o indivíduo está inserido, pois, é
fundamental que o sujeito se adapte às normas de comportamento que vão dizer como se
comportar em diferentes ambientes. “Neste ponto de vista, esse processo de expressão de si
mesmo advém de maneira recíproca entre os utilizadores que tendem a expor ou não
determinados traços e características próprias” (Rosa & Santos, 2015, p. 922).
Diante de uma sociedade que não consegue mais viver sem a internet é preciso adaptar-
se às regras do mundo e das comunidades virtuais. No entanto, é relevante destacar que não é
o intuito deste trabalho apresentar as redes sociais com uma plataforma que só trouxe prejuízos
ao processo de socialização. Pois, fazer tal afirmação não seria verdade. De acordo com Dias
et al. (2019, p. 2) o ambiente virtual introduz mudanças em praticamente todos os setores sociais
e culturais, possibilitando diferentes modalidades de relação entre as pessoas; o que pode, em
alguns casos, ser visto como um fato positivo no processo de aproximação entre os indivíduos.
O ser humano tem a necessidade de se relacionar e essas ferramentas foram criadas no
intuito de facilitar esse processo; entretanto, além de comunicação, as redes sociais passaram a
ser usadas como vitrines onde as pessoas expõem suas vidas, e constroem uma autoimagem
que, em alguns casos, não condiz com a sua realidade. “Conquistar a estima, o respeito e a
confiança de um estranho significa trabalhar na construção de um laço afetivo mais amplo que
aquele de nossas parcialidades” (Costa, 2005, p. 242) e assim, as redes sociais fazem surgir
novos valores que despertam o interesse dos usuários e faz a cada dia crescer o número de
adeptos a esse modelo de interação social.
No mundo da internet as pessoas sentem como se vivessem em um mundo paralelo
onde é possível ter a vida que almejam e exibi-la através do compartilhamento de fotos, que
serve como fachada onde a sua real personalidade pode ficar oculta. Nesse processo de
socialização sabe-se que a subjetividade é construída através das relações sociais; é fluida e
pode ser transformada ao longo da vida do indivíduo. “Os vários questionamentos que emergem
acerca das subjetividades nas redes sociais estão atrelados às identidades múltiplas que o
cibernauta tem a possibilidade de constituir” (Campanhole & Moura, 2013, p. 42). Nesta
perspectiva, um estudo publicado por Recuero (2014), expõe sobre o impacto das ferramentas:
curtir, compartilhar e comentar da rede social Facebook, apresentou o impacto que essa
plataforma digital estava causando na construção da subjetividade dos indivíduos.
É primordial destacar que esse processo de comunicação é o que faz a concepção de
homem enquanto pessoa. “O homem só se torna homem, só se humaniza, enquanto se apropria
dos mediadores construídos culturalmente, dos conhecimentos construídos pela humanidade ao
longo de seu desenvolvimento sócio histórico”. (Aita & Facci, 2011, p. 32). Nesse contexto, é
porque aprendemos no decorrer de nossa socialização o que está prescrito para os ocupantes dessas posições. Se
formos convidados a proferir uma palestra na sua escola, não iremos vestidos como se estivéssemos indo para o
clube (Bock, Furtado & Teixeira, 1999).
preciso salientar que para Rogers (p. 37) o ser humano “progride na identificação dos agentes
1436
primários que provocam uma alteração que facilita a evolução da personalidade e do
comportamento no sentido de um desenvolvimento da pessoa.
É evidente a influência que as redes sociais trouxeram para formação do “Eu”; é nítido
que “além de propiciar o compartilhamento de ideias e de vivências, produz certo senso de
pertencimento e de identidade entre os usuários (Rosa & Santos, 2015, p. 917). Entretanto, a
escolha das fotos que serão publicadas, nas páginas dos usuários de redes sociais, pode ser
conceituada como a demonstração, não de como a pessoa é, mas, de como ela gostaria de ser
reconhecida.
É nítido que o comportamento das pessoas em redes sociais é estimulado pelo número
de curtidas em uma publicação e a quantidade de likes é o que vai dar sentido a sua vida. “As
características das pessoas fazem parte do significado que elas vão dando as coisas, ao sentido
que elas dão ao mundo” (Souza, Freitas & Biagi, 2017, p. 123), desse modo, as imagens que
são compartilhadas em perfis como Instagram, Facebook ou Twitter vão se tornando cada vez
menos realistas e mais artificiais e divulgar sucesso pessoal se transformou em uma “obrigação”
nas plataformas digitais.
No caso do aplicativo Instagram, verifica-se que ele corresponde a um culto da imagem
perfeita, o que pode levar os indivíduos a apresentarem uma distorção da própria vida e de si
mesmos. Assim a pesquisa de Silva et al (2019), mostra que a referida rede social se trata de
uma vitrine permeada de expectativas sociais que fixa seus usuários em padrões de beleza e de
consumo. Consequentemente, essa rede social quando utilizada em excesso, pode acabar por
ser um desencadeador de inseguranças e insatisfação com a própria vida.
Já na pesquisa de Aprobato (2018) identificou-se através da rede social Instagram,
elementos referentes a constituição dos papéis sociais e self relacionados ao "corpo perfeito" e
ao discurso de busca pela "eterna juventude" que pode ser compreendida como um produto de
consumo complexo, composto por dois outros discursos subjacentes: a) o da saúde e bem-estar,
composto por: fórmulas de hábitos saudáveis, incentivo da prática de atividade física e
reeducação alimentar; b) o das promessas de fórmulas e respostas de celebridades sobre
exercícios físicos específicos, alimentos saudáveis e funcionais, recursos estéticos milagrosos
como: maquiagem, cirurgias plásticas, vitaminas, suplementos, cremes e procedimentos
dermatológicos.
Diante do exposto e tendo em vista que o homem está constantemente passando por um
processo de transição, é útil destacar que “os conhecimentos que evidenciam frutos, tanto
negativos quanto positivos do uso das redes sociais, inclinam-se a delimitar o surgimento de
novidades acerca de possibilidades elucidativas” (Ferreira & Amaral, 2017). Isso quer dizer que
a relação desse sujeito com o meio cultural em que está inserido, será afetado podendo provocar
uma subjetividade, que moldada a partir da concepção que este deseja para si, especialmente
quando ele se relaciona às redes sociais.
Discussão e Conclusão
Com o advento da internet, a sociedade pós-moderna está vivenciando um novo conceito
de sociabilização, de modo a considerar indispensável o uso de redes sociais em seu cotidiano.
Desse modo os indivíduos vão adaptando a sua vida de forma a moldá-la de acordo com padrões
que, dependendo do momento, se julguem ser os ideais.
Com o presente estudo, constatou-se que as redes sociais afetam diretamente o
1437
comportamento dos usuários e influenciam fortemente a construção de uma autoimagem (self)
que se distingue da realidade vivenciada pelos usuários. É fato que a utilização das redes sociais
não é de todo um processo prejudicial ao indivíduo, pois, de um certo modo, a utilização das
plataformas digitais tem o intuito de aproximar as pessoas e auxiliar no processo de interação
social. Portanto, vale salientar, que não é o objetivo deste trabalho apontar as redes sociais como
algo que somente implica prejuízo à vida dos indivíduos.
No entanto, a pesquisa busca compreender a constituição do self dos sujeitos na vivência
das redes sociais e problematizar o impacto do uso das redes sociais na constituição do self
(auto-conceito) destes usuários. Nessa perspectiva, o estudo demonstrou que nas redes sociais
os indivíduos querem alcançar um padrão de perfeição que não existe no mundo real e essa
busca pela perfeição pode se transformar em sofrimento e evoluir para um quadro de ansiedade
ou depressão.
Identificou-se a presença de poucos materiais que versam sobre as repercussões do
Instagram na constituição do self. Contudo, a partir das análises feitas com o material
encontrado, observou-se que os perfis de redes sociais não são o reflexo da vida das pessoas; o
que acontece efetivamente é que as pessoas projetam em suas redes sociais, a partir do
compartilhamento de fotos, o estilo de vida que gostariam de ter.
Com base no estudo realizado, surgiram também questionamentos sobre o
desenvolvimento da autoestima que, segundo Carl Rogers, é característica de todo ser humano.
É fato que o processo de construção da autoimagem em redes sociais também está atrelado à
concepção de onde se quer chegar e a internet pode ser utilizada como válvula de escape para
expressar esses desejos. A aceitação social será a recompensa no sentido de elevar a autoestima
do indivíduo, mesmo que o que se deseja para si, seja algo inalcançável.
Em decorrência de todo esse processo de evolução, e entendo que os processos
tecnológicos tendem a progredir, se faz necessário que pesquisas em torno desta temática
estejam sempre em atualização visando acompanhar os impactos que esse novo modo de
interações sociais está causando na vida cotidiana dos indivíduos. Assim, essa pesquisa buscou
problematizar uma temática que tem sido pouco explorada no meio acadêmico e científico,
sendo identificada a necessidade de elaboração de pesquisas empíricas sobre essa temática que
tem muito a dialogar com o campo da psicologia.
É emergente abordar o impacto das redes sociais na constituição da subjetividade dos
sujeitos, uma vez que, abordar sobre esse tema é também entender as formas de sociabilidade
dos sujeitos na contemporaneidade. Sendo também, um caminho para elucidar quem é o sujeito
atual e quais as suas aspirações pessoais em uma sociedade capitalista e marcada pela presença
de padrões de consumo e exposição que podem gerar sofrimento psíquico.
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UMA VISÃO ANÁLITICO-COMPORTAMENTAL SOBRE O USO E A
1439
DEPENDÊNCIA EM SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
Damares Lima de Sousa
Airles da Silva Ximenes
Antônio Renan Santana
Gutemberg de Sousa Moreira
Francisco Mayckson Felismino Lopes
Renata Vieira de Sousa
1 Introdução
1440
resulta em uma tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de consumo da droga. Os
padrões de consumo de substâncias na contemporaneidade são muito diversos, sendo a
dependência o último estágio. A discussão e cuidado em relação a ela implica encará-la dentro
de um modelo biopsicossocial de saúde, considerando o paciente em sua totalidade e encarando-
o com seu potencial ativo no processo saúde/doença. Dessa maneira, o tratamento do indivíduo
dependente deve abranger tanto ele, quanto o impacto e as consequências que o seu consumo
traz diante das diversas áreas de sua vida (Pratta, 2009).
Sob esse panorama, faz-se relevante a reflexão sobre o comportamento de uso abusivo
e dependência em drogas, podendo, dessa forma, indicar soluções para esta questão que assumiu
contornos de problema de saúde pública. A reflexão que se segue objetiva pensar o
comportamento de uso, abuso e dependência de substâncias sob o ponto de vista da análise
comportamental.
2 Desenvolvimento
1441
dependência, sendo esses padrões associados a determinadas crenças, que são resultado de um
evento problemático, conduzindo a um mal-estar emocional, desencadeando baixa tolerância à
frustração, conduzindo, assim, ao consumo para obtenção de alívio. Já a Teoria dos Construtos
Pessoais atribui aos contatos iniciais com a droga um fator importante para se instalar a
dependência. Nesse sentido, caso o indivíduo antecipe, de modo satisfatório, aspectos de sua
vida relacionados ao consumo, então a dependência torna-se muito provável. A Teoria
Comportamental da dependência como escolha, de Heyman, defende que os organismos, por
estarem sempre se comportando, acabam elegendo determinados comportamentos a despeito
de outros, o que caracterizaria situações de escolha. Outra teoria é a da Sensibilização do
Incentivo, que caracteriza a dependência em drogas devido a circuitos neurais que são ativados
constantemente quando se dá o contato com a droga. Por fim, a Teoria Neurobiológica da
Dependência como Escolha busca conectar as teorias acima descritas, descrevendo tanto
componentes fisiológicos quanto comportamentais para explicar a dependência em drogas
(Garcia-Mijares & Silva, 2006).
Desse modo, sob o ponto de vista da Análise Comportamental, o uso e a dependência
em drogas não são considerados patologias, tendo em vista que são comportamentos que
seguem as mesmas leis e princípios comportamentais. Tais condutas, no entanto, devem ser
vistas não como conjuntos de determinantes apenas neurofisiológicos, mas também deve-se
levar em consideração o comportamento que é aprendido por meio de um condicionamento
respondente, onde estímulos previamente neutros passam a eliciar respostas. No caso, não
somente a droga, o estímulo antecedente, como outras variáveis que se apresentam durante o
seu uso, a exemplos, o grupo de amigos e o local onde ocorreu o uso, que a priori eram estímulos
neutros, passam a fazer parte do condicionamento do indivíduo por meio de um
emparelhamento de estímulos, tornando-se estímulos eliciadores.
Ademais, um fator que deve ser levado em consideração a respeito desse
comportamento é a tolerância. Esse conceito diz respeito ao fato do organismo, por meio do
processo de homeostase, buscar produzir efeitos contrários aos que são produzidos pela droga,
pouco antes do uso, de forma a manter o equilíbrio do organismo. Sendo assim, uma droga que
produz efeitos de relaxamento, teria o efeito compensatório de agitação do organismo, em uma
forma de compensar os efeitos da droga e na tentativa de reestabelecer o equilíbrio fisiológico
anterior.
Dessa forma, com o organismo produzindo esses efeitos compensatórios ao uso da
droga, o indivíduo passa a apresentar uma tolerância em relação à dosagem tomada
anteriormente, sendo necessário uma quantidade maior da droga para produzir os efeitos
iniciais. Mediante a esta tolerância, nos momentos em que o indivíduo é exposto aos estímulos
condicionados, sem que seja apresentada a droga, o organismo produzirá os efeitos
compensatórios em alta magnitude, gerando a abstinência. Esse estado de abstinência, por sua
vez, pode ser definido pela CID-10 (OMS, 1994) como: “um conjunto de sintomas de
agrupamento e gravidade variáveis, ocorrendo em abstinência absoluta ou relativa de uma
substância, após uso repetido e usualmente prolongado e/ou uso de altas doses daquela
substância” (idem, p. 74).
Esses sintomas de abstinência, ao serem eliciados por estímulos condicionados, como o
ambiente em que a droga era consumida, evocam a resposta de uso da droga. Diante disso, é
notável o porquê de as intervenções realizadas com usuários em clínicas de reabilitação,
internações ou prisões, muitas vezes, não surtirem um resultado prolongado, tendo em vista que
o indivíduo é afastado totalmente da droga, mas ao voltar ao seu ambiente e à sua rotina, ele
entra em contato com os estímulos condicionados que podem eliciar a resposta de usar a droga
1442
novamente.
Todavia, o comportamento de uso de drogas pode ser controlado por inúmeras variáveis,
como os fatores de vulnerabilidade, existindo organismos mais suscetíveis aos efeitos da droga;
os reforços positivos advindos do uso, não somente os efeitos fisiológicos, mas também os
efeitos sociais, como ser aceito ou respeitado em um determinado grupo; os reforços negativos
de uso, na tentativa de aliviar os sintomas de abstinência, e outras. Todas essas variáveis são de
extrema importância na clínica de intervenção da dependência, no momento de realização da
análise funcional desse comportamento, levando em conta as suas contingências. Diante desta
análise funcional, pode-se intervir nesse comportamento por meio de um tratamento.
O papel da terapia comportamental é levar o cliente ao autoconhecimento pessoal,
ampliar as possibilidades de soluções para problemas futuros, ajudando-o a se libertar dos
controles coercitivos, melhorando, assim, a qualidade de vida (Skinner, 1953).
Para a intervenção no uso abusivo de drogas algumas possibilidades podem ser citadas.
A primeira é a extinção respondente, que é um processo de enfraquecimento da função
eliciadora do estímulo condicional (Pavlov, 1980). Quando é apresentado um estímulo
condicional (CS) sem que o estímulo incondicionado (US) seja apresentado junto, o CS para de
evocar a resposta eliciada (CR). A extinção acontece quando deixa de existir uma contingência
que faça relação entre CS e CR. No tratamento de drogas essa extinção poderia ser apresentada
levando o cliente a imaginar e, em alguns casos, vivenciar situações que usava drogas ou que
precedem o uso. A intenção de usar esse estímulo imaginado é promover a extinção
respondente.
O trabalho do psicólogo também é lidar com as situações que promovam o estímulo
correspondente e possibilitar que o ex-usuário possa voltar para situações comuns no dia a dia;
esse é um fator importante no tratamento de dependência química, pois ajuda o terapeuta a
descobrir quais são os repertórios que são necessários e como instalá-los. Outro ponto que pode
ser usado na clínica comportamental é trabalhar as habilidades sociais do ex-usuário, como ele
vai se comportar num ambiente com pessoas que fazem o uso de drogas. Segundo os estudos
de Conklin e Tiffany (2002), o trabalho terapêutico se torna mais eficaz quando acontece no
ambiente natural do dependente.
A estratégia de enfrentamento às drogas até o início da década de 80, se pautava em um
hiato entre a segurança e a saúde pública, sendo basicamente uma guerra às drogas, com redução
da oferta e da demanda. Todavia, foi notório o aumento na variedade e no uso e abuso das
substâncias, principalmente ilícitas. A partir da segunda metade da década de 80, começou-se
a pensar em estratégias que entrecruzassem a segurança e a saúde pública, tendo como fator
desencadeante a epidemia de AIDS da década de 80, e a crescente disseminação da doença
entre os usuários de drogas injetáveis (UDIs). Para Mesquita (1991), a difusão da epidemia
entre essa parcela de usuários, serviu para denunciar os incipientes serviços de saúde pública
na questão referente às drogas, a ineficácia dos tratamentos e a falta de informação sobre a real
proporção do problema.
A tentativa implementada pelo governo brasileiro, entre outros países, com o intuito de
preservar a vida dos usuários de drogas, foram os Programas de Redução de Danos, que se
apresentam em contraposição a lógica da abstinência, e apesar de terem sido criados com o
intuito de possibilitar uma vida mais estável e mais útil em sociedade para os dependentes
químicos (Fonsêca, 2012), sofreram duras críticas populares e sociais. Machado e Boarini
(2013) definem a estratégia de redução de danos como mais uma maneira de se abordar o
usuário de drogas, descentrando o foco do problema da erradicação e da abstinência e
privilegiando o direito à saúde de todos e o respeito à liberdade individual daquele que não
1443
deseja ou não consegue interromper o uso da droga. No Brasil, por exemplo, o Programa de
Redução de Danos foi introduzido no ano de 1989 pontualmente no município de Santos (SP),
para em seguida se expandir como ação dentro da política nacional, de início como uma
estratégia de saúde pública em prevenção ao HIV, através dos PTSs (Programas de Troca de
Seringas).
Durante esse processo, existiram e ainda existem conflitos de alguns segmentos, como
a Igreja Católica e a polícia federal, de que o PRDs incentivam indiscriminadamente o uso de
drogas ilícitas, e consequentemente, o crime. Todavia, é necessário argumentar que os
fundamentos da estratégia não incluem a legalização de drogas, uma vez que enfocam a saúde
e a minimização dos danos decorrentes do uso, do abuso ou da dependência de drogas (Machado
& Boarini, 2013). De algum modo, esses conflitos trazem à tona o debate entre segurança e
saúde pública que existe ainda hoje e a visão moralista do uso de psicoativos.
Nas duas últimas décadas, desde a aprovação da Lei Federal nº 10.216 de 2001 (Brasil,
2001a) que contemplou o movimento da reforma psiquiátrica na área da saúde mental, a
estratégia de redução de danos foi sendo incorporada à legislação brasileira sobre drogas e
coube à saúde pública, especificamente a saúde mental, a responsabilidade sobre os usuários de
drogas, que agora possuem o direito ao tratamento e à reinserção social, por lei (Machado &
Boarini, 2013). Além disso, a Política Nacional Antidrogas (PNAD) aprovada em 2001 com
discurso proibicionista, paradoxalmente apoia o uso de estratégias de redução de danos, no
entanto, sem definir quais e como seriam tais estratégias.
Desde 2003, com a política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de
álcool e de outras drogas, e em 2005, com a transformação da PNAD em Política Nacional
sobre Drogas, além de muitos outros eventos, a estratégia de redução de danos foi ganhando
visibilidade e fomentando críticas às políticas proibicionistas. Atualmente, ainda que hajam
desafios, podemos perceber uma mudança de paradigma e uma ampliação dos discursos
vigentes sobre os PRDs e as suas implicações na saúde pública e na segurança no Brasil.
3 Considerações Finais
Diante do exposto, fica evidenciado que as substâncias psicoativas, por fazerem parte
da civilização desde tempos remotos, admitiram os mais diversificados usos conhecidos e
relatados, sendo atravessadas por vários contextos e situações. É nesse sentido que na
contemporaneidade, elas tornaram-se mais disseminadas, acessíveis e assumiram dimensões de
problema de saúde pública e social. Nessa perspectiva, assiste-se à tentativa de combate às
drogas, buscando-se metodologias diversificadas para enfrentar tal questão, como os programas
que buscam minimizar os riscos de utilização dessas substâncias e, também, formas de
tratamento que não descontinue o uso de forma abrupta.
Desse modo, várias teorias surgiram na tentativa de explicar a questão da dependência
em drogas, explicitando conceitos que levam em consideração os componentes fisiológicos,
como o processo de homeostase e os distúrbios fisiológicos, e componentes comportamentais,
que buscam explicar a abstinência em relação à substância, o processo eliciador de estímulos
condicionados e os reforços positivos advindos de tal uso.
Dessa maneira, conhecendo-se os fatores que suscitam o comportamento do uso e da
dependência em drogas, busca-se melhores metodologias de abordar tais temáticas, priorizando
o indivíduo diante do tratamento. Diante disso, evidencia-se o ponto de vista diferenciado da
Análise do Comportamento no que diz respeito ao usuário ou dependente de drogas, que
diferentemente de outras ciências que classificam o uso de drogas a partir de uma ótica
1444
patologizante, contempla a relação de interação entre indivíduo e meio, na qual o uso abusivo,
ou não, de entorpecentes, é visto como uma relação complexa aprendida e fomentada por
diversas variáveis externas ao sujeito.
Referências
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MULHER NEGRA: OS ATRAVESSAMENTOS DE RAÇA E GÊNERO NAS
1445
PRÁTICAS PSICOLÓGICAS BRASILEIRAS
Tatiana de Souza Santos Neves
Geovana Dara Pereira de Oliveira
Introdução
1446
se auto declararam pretas, revelando que pela primeira vez, a população brasileira como
declaradamente não branca. Pessoas pardas e negras concentrados nas regiões norte e nordeste,
regiões historicamente marcadas pelas mais diversas formas de vulnerabilidades, a exemplo da
baixa escolaridade e de rendimentos, em relação as demais regiões do país, apontados na
pesquisa. (IBGE, 2011)
Assim, falamos sobre homens e mulheres, pardas (os) e pretas (os), vivendo nas regiões
mais empobrecidas do pais, marcadas pelo processo sistemático de precarização nas áreas da
saúde, educação, moradia, saneamento, emprego e renda, relegados (as) as mais diversas formas
de violência e de abandono, socialmente invisibilizados e fora do alcance das políticas públicas.
Pesquisas recentes também revelaram dados alarmantes sobre a violência contra a
mulher em nosso país e mostraram a importância de um estudo transversal entre gênero e raça,
para uma melhor e maior compreensão desse fenômeno.
Segundo informativo de monitoramento de dados abertos da Artigo 19 (2018), que
combinam os dados do Mapa da Violência de 2015 e os dados do Ministério da Justiça desse
mesmo ano, o Brasil apontava como o 5º país com maior taxa de feminicídio do mundo.
Entretanto, as pesquisas apontaram que 60% das mulheres vítimas de violência doméstica são
pretas e que 68,8% das mulheres mortas por agressão, também são pretas. As pesquisas também
revelaram que embora tivesse havido uma diminuição nos casos de violência generalizada
contra mulheres brancas em 15%, entre os anos de 2006 e 2015, houve nesse mesmo período
um aumento de 22% dos números relativos à violência contra mulheres pretas.
Considerando que o Brasil tenha se constituiu como nação, forjado na escravização dos
povos africanos, que ainda hoje sofrem os efeitos do racismo sobre os seus corpos, e
considerando ainda os dados alarmantes sobre a violência de gênero, como sendo também uma
violência sobretudo de cor, destacamos a mulher negra como um alvo preferencial das mais
diversas formas de violência, real e simbólica, que destroem o seu corpo, negam sua
humanidade, destroem sua autoestima e promovem adoecimento mental e desorganização
psíquica.
Por todos esses motivos, tendo como base o compromisso ético político da Psicologia,
é proposto neste artigo uma discussão sobre: O que a psicologia tem a dizer enquanto um campo
de saber teórico e prático sobre as questões que envolvem a mulher negra em uma país
estruturalmente racista?
Desenvolvimento
O racismo e a herança da escravização no Brasil
Quando falamos sobre o racismo, de pronto o associamos à escravização dos povos de
origem africana em território brasileiro, durante 300 anos, aproximadamente de 1550 a 1888,
entretanto, embora possam parecer evidentes os efeitos desse processo na sociedade, a
escravização por si só não consegue justificar o descaso e a violência praticada contra seus
descendentes até os dias atuais. Afinal, por que o preconceito e a discriminação de cor ainda
persistem? Quão profundas são as marcas do racismo em nossa sociedade?
De acordo com Almeida (2019), racismo é uma forma sistemática de discriminação
fundamentada na raça, logo, trata-se de uma estrutura de poder e dominação de uma raça
considerada superior sobre outra considerada inferior, produtoras de desvantagens para um
grupo e de privilégios para outros; a discriminação racial é a atribuição de tratamento
1447
diferenciando considerando a raça a qual a pessoa ou o grupo pertença; enquanto o preconceito
racial diz respeito à crença, o juízo que se forma a partir de estereótipos atribuídos a
determinado grupo racializado.
Assim, o racismo no Brasil se sustenta pelas e nas instituições, que o produzem e
reproduzem cotidianamente. O racismo nesse sentido é estrutural, pois revela que seus
tentáculos estão muito além de uma opinião ou pensamento individual, ele perpassa todo o
tecido social, ele constitui e subjaz às nossas relações sociais. “O racismo é sempre estrutural,
ou seja, de que ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade”.
(Almeida, 2019, pp. 20-21)
Desse modo, podemos compreender melhor porque os descendentes dos povos
escravizados em solo brasileiro, mesmo 100 anos após a abolição, continuam a compor as
camadas mais empobrecidas e desassistidas do país.
1448
“sensuais”, “fora dos padrões de beleza”.
O Brasil, país que se auto declara orgulhosamente mestiço, procura tornar invisível à
história, um passado de estrupo e subjugação do corpo da mulher negra, propriedade sexual dos
senhores de escravizados, utilizadas nas lavouras e em ambiente doméstico, sendo
sistematicamente assediadas, perseguidas e violentadas pelos seus donos e descendentes.
Sobre a representação da mulher escravizada retratada pela “história oficial”, Carneiro
(2019) destaca: “A mulher negra será retratada como exótica, sensual, provocativa. Enfim, com
fogo nato; tais características chegam a aproximá-la de uma forma animalesca, destinada
exclusivamente ao prazer sexual”. (p. 153)
Como reagir à uma expectativa social, que ora coloca a mulher negra como alvo
preferencial de investidas sexuais ostensivas e assediadoras, e ao mesmo tempo as tornam
carentes de relacionamentos baseados no afeto e no cuidado? Ainda segundo Carneiro (2019):
Esse fenômeno vem instituindo a mulher negra como a antimusa da sociedade brasileira de tal
forma que os estudos demográficos já identificaram uma acentuada desvantagem das mulheres
negras no mercado afetivo, o que caracterizaria uma situação de “solidão” estrutural motivada
pelo desinteresse dos homens brancos e a deserção de grande parte dos homens negros. (p. 159)
1449
deveria se posicionar frente a uma luta antirracista. Essa luta começa por volta de 2000 e
conseguiu ser institucionalizada em 2001, onde começam a serem criadas Comissões de
Psicologia e relações raciais em diversos conselhos regionais, possibilitando assim, a criação
de estratégias regionalizadas para se trabalhar a temática do racismo. Essas comissões, além de
serem feitas primordialmente por Psicólogas (os) negras (os), também se consolidam como
espaços de resistência e luta política. (CFP- Relações Raciais: referências técnicas para a
atuação de Psicólogas (os), 2017)
Em 2010, organizou-se o I Encontro Nacional de Psicólogas (os) Negras (os) e
Pesquisadoras (es) sobre relações Raciais e Subjetividade, na cidade de São Paulo, o evento
trouxe resultados significativos:
(..)a construção de estratégicas, ações e conhecimentos
acerca do impacto do racismo na construção da
subjetividade dos brasileiros e rompendo com as ideias
superficiais na Psicologia sobre as relações raciais no
Brasil. Deste modo, e dando visibilidade ao papel da
Psicologia para a concretização de uma sociedade justa
democrática e livre do racismo. (CFP-Relações Raciais:
referências técnicas para a atuação de Psicólogas (os), 2017,
p. 72)
Tendo isso em mente, voltemos a pensar nos fazeres da Psicologia e como ela tem lidado
com as questões do racismo e do sexismo. No código de Ética da Psicologia (CFP, 2005), em
seus princípios fundamentais é dito:
Vale ressaltar que em 2002, anteriormente a vigência desse código de ética, o CFP
lançou uma resolução de N° 018/2002, que estabeleceu normas de atuação para os Psicólogas
(os), em relação ao preconceito e discriminação racial. No entanto, apesar da vigência desses
documentos, as teorias e as intervenções psicológicas, não adotaram atitudes antirracistas, pois
embora sejam documentos supostamente universais, não consegue abarcar de forma clara as
1450
questões de relações raciais no Brasil.
Em contraponto, a esses documentos normativos, de natureza mais universalista, o CRP
da Bahia, lança o Guia de Referências: Psicologia e Relações Raciais (2013), onde traz em seu
conteúdo, vídeos, filmes, documentários, artigos, teses e livros que vem sendo produzidos sobre
a temática das relações raciais, como fonte de pesquisa para os profissionais que desejam
ampliar o olhar sobre a sua atuação.
Com isso, chegamos ao ano de 2017, com o lançamento de um novo documento do CFP:
Relações raciais: referências técnicas para atuação de Psicólogas (os), já citada anteriormente,
que mais do que um simples documento, ele surge devido à pressão do movimento negro, que
demanda da Psicologia “a produção de teorias que venham a contribuir para a superação do
racismo, do preconceito e das diferentes formas de discriminação” (p. 06)
No documento, é feito um resgate histórico sobre o racismo, sobre o movimento negro,
e a Psicologia junto ao movimento negro. Nele também aparecem publicações e discussões
que vem sendo feitas entre o período de 2012 até 2016, que perpassam os conteúdos de raça,
discriminação, preconceito e desigualdade social. Além disso, dedica-se um tópico para a falar
sobre a formação dos Psicólogos, no qual é feita uma crítica as ementas curriculares dos cursos
de Psicologia do país, que muitas vezes não trazem à tona o racismo, como um tema importante
para pautar nossa atuação.
Ao final documento, é feita uma orientação de passo a passo, para que os psicólogos
possam estar atentos e críticos em ver, compreender e tentar desconstruir o racismo estrutural
nos mais diversos campos de atuação.
O que nos interessa, no entanto, analisar nessa questão, é que mesmo com a Resolução
de 2002, o Código de Ética de 2005, e os Guias de Referência para atuação de Psicólogas (os)
sobre a temática das Relações Raciais, essas iniciativas parecem ser insuficientes para a
promoção de práticas psicológicas realmente comprometidas com a luta antirracista.
E a mulher negra?
Atualmente, das publicações em Psicologia clínica que tratam das relações raciais,
podemos citar, o livro, O racismo e o negro no Brasil-questões para a Psicanálise, cujo os
organizadores são Kon, Silva e Abud. (2017); a tese de mestrado, A beleza negra na
subjetividade das meninas “um caminho para as mariazinhas”: considerações psicanalíticas,
Miranda (2004) e os artigos, Manejo clínico das repercussões do racismo entre mulheres que
se “Tornaram negras” de Tavares e Kuratani (2019); Psicoterapia, Raça e Racismo no contexto
brasileiro: experiências e percepções de mulheres negras de Gouveia e Zanello (2019); os
artigos se tratam de pesquisas que, abordam o sofrimento de mulheres negras e a relação de
suas queixas com o racismo.
Como já sabemos, as teorias eurocêntricas das abordagens psicológicas, não conseguem
abordar as singularidades da sociedade brasileira, ainda mais dentro da perspectiva do racismo.
Com isso, para que Psicólogas (os) possam estar mais preparados para lidar com essa questão
em suas áreas de atuação, é necessário um estudo interdisciplinar e um olhar interseccional,
para que ela/ele entenda como o racismo se dá em várias instâncias da sociedade e em que
medida ele aparece atrelado ao sofrimento psíquico das pessoas. (Gouveia & Zanello, 2019;
Tavares & Kuratani, 2019).
Com isso, é importante localizar nessa discussão, o corpo da mulher negra, que aparece
1451
como alvo primordial de práticas racistas. Na nossa construção histórica, esse corpo é marcado
pela hipersexualidade, e embora possa ser, sob certas circunstâncias, um corpo que é desejável,
ao mesmo tempo não se encontra dentro dos padrões sociais de beleza, por ter “beiço grosso”,
“nariz chato e grosso”, “cabelo ruim”, “bundão”, “primitivismo sexual”, características que
Souza (1983) traz como exemplos de autodescrição dos entrevistados participantes de sua
pesquisa.
De acordo com Miranda (2004), falar sobre constituição de sujeito em Psicologia, é falar
de corpo. A forma como o sujeito se relaciona com o seu corpo, diz de como se dará a sua
constituição psíquica. No caso das mulheres negras, que ao longo da nossa história tiveram seus
corpos marcados pelas mais diversas formas de discriminação, ao se depararem com o racismo,
elas entendem que o seu corpo é o próprio alvo. Nos relatos de Tavares e Kuratani (2019), é
possível perceber na fala das entrevistadas, que em suas histórias, principalmente na vida
escolar e em relacionamentos amorosos, seus traços negros, tais como: cabelo e nariz, eram
usados como critério de desvalorização pessoal, fazendo com muitas vezes essas mulheres,
ainda meninas, buscassem alternativas para mudar seu corpo de forma a melhor se adequarem
aos padrões considerados belos e socialmente valorizados.
“Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade,
confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas.
” (Souza, 1983, p. 18). A autora afirma que o preço que o negro paga para a conquista da
ascensão social, é o massacre de sua identidade, afinal “o negro tomou o branco como modelo
de identificação, como única possibilidade de torna-se gente” (Souza, 1983, p. 18). É importante
perceber, o quanto essas experiências que a negra (o) sofre ao longo de sua vida, gera marcas
profundas em sua constituição enquanto sujeito.
Sentimentos de desesperança, baixa autoestima, auto cobrança, depressão e ideação
suicida, são algumas das queixas apresentadas pelas mulheres negras que vivenciam o racismo
em seu cotidiano. Souza, (1983) e Tavares e Kuratani (2019) e afirmam que o melhor caminho
para lidar com o racismo, começa pela busca de um novo ideal, pautados no resgate das histórias
passadas, origens e militância, como um meio de fortificar uma identidade racial e recuperar a
autoestima.
Uma das entrevistadas de Tavares e Kuratani (2019), afirma que o resgate da negritude
se iniciou com o processo de transição capilar, pois ela alisava o cabelo e durante o processo
psicoterápico estava começando a aceitar o cabelo natural e o vendo como belo.
A mulher negra, embora compartilhe o peso da opressão de gênero, explícitas ou não,
experimenta de outro lado o peso do racismo estrutural, compartilhado conjuntamente com seus
filhos, irmãos, pais, familiares, companheiros e demais referências masculinas. Pois ela e eles
sabem o peso da cor que carregam e as implicações sociais de serem quem são, ao mesmo
tempo em que compartilham com seus companheiros homens da classe trabalhadora, o peso da
exploração e da humilhação por parte das classes historicamente privilegiadas.
E é por esse motivo, que são essas mesmas mulheres que chegam aos atendimentos
extremamente desconfiadas, medrosas e receosas, o que dificulta o estabelecimento de
vínculos. As mulheres negras, apresentam dificuldades em falar sobre as experiências de
racismo, com receio de serem incompreendidas, invalidadas ou universalizadas. Outras
parecem que se dão conta dos processos de racismo sofrido conforme estão vivenciando o
processo de resgate e afirmação da identidade racial, e a (o) Psicóloga (o), precisa estar presente
nessa caminhada, atenta (o) aos desdobramentos dessa identidade racial e sempre buscando
estudos que facilitem o seu entendimento sobre relações raciais e a diversidade do povo
1452
brasileiro. (Gouveia & Zanello, 2019; Tavares & Kuratani, 2019).
Conclusão
Embora sejamos capazes de localizar na história da psicologia brasileira, algumas
iniciativas que tratem o tema do racismo e seus desdobramentos de maneira mais direta e
efetiva, estas ainda são pouco suficientes, não só para que possamos combater o racismo, mas
sobretudo, para que estejamos empenhados em desenvolver práticas psicológicas antirracistas.
Por isso, destacamos a importância e a necessidade de se criar fóruns, encontros, debates e
seminários sobre a temática do racismo, bem como a construção de documentos que orientem
as atuações das (os) Psicólogas (os) que lidam com essa questão de forma direta ou indireta, e
ainda, a necessidade de produção de teorias e práticas que englobem a raça e suas nuances
interseccionais e seus impactos sobre a construção das subjetividades e a produção de
adoecimento psíquico.
O documento, “Relações Raciais: referências para a atuação de Psicólogas (os),
produzida” pelo CFP (2017), convida os profissionais a repensarem acerca do compromisso
ético político da profissão, ao levantar questionamentos tais como: Quem é essa sociedade?
Quais os pactos éticos assumidos pelas (os) psicólogas (os) envolvidos nessa prática com
compromisso social? Você sabe os efeitos psicossociais do racismo na constituição da
subjetividade? Como psicóloga (o), você já pensou em como o racismo pode afetar nas diversas
áreas da vida e do cotidiano de negras e negros brasileiras (os) e, ao mesmo tempo, privilegiar
pessoas brancas? Você já pensou que, como formadora de opinião, é uma pessoa privilegiada
para contribuir com a luta antirracista?
Nesse trabalho, propusemos uma discussão sobre a urgência de se pensar uma
Psicologia Brasileira atenta e atuante sobre as questões estruturais que nos identificam enquanto
povo e que interferem de forma direta na produção de nossas subjetividades. Uma psicologia
que compreenda a importância das teorias psicológicas, até hoje utilizadas nos centros de
formação profissional, de base essencialmente europeia, mas que seja capaz de compreender a
necessidade de produção de outras teorias e práticas que deem conta de nossa multiplicidade,
complexidade e singularidade.
É preciso pensar uma Psicologia atravessada pelo olhar interseccional, como uma forma
de melhor compreender as nuances que envolvem o processo de saúde e de adoecimento
psíquico, entendendo que não se trata de criar uma hierarquização de dores, mas de
compreender, que nossas mazelas sociais, entre elas o racismo, tornam a uns mais vulneráveis
psiquicamente, que a outros, mais privilegiados socialmente.
Assim destacamos a mulher negra, como duplamente vulnerabilizada, pelo abuso
sexista e pela opressão de cor, que a tornam vítima preferencial das mais diversas formas de
violência física, moral e psíquica, que a desumanizam e minam com a sua saúde. Mulheres que
sofrem junto aos seus filhos e companheiros a crueldade que o racismo produz diariamente,
mas que não deixam de ser vítimas, muitas vezes fatais de relacionamentos abusivos.
Pensar uma Psicologia Brasileira, é pensar em um saber/fazer profissional que esteja em
consonância com as questões mais estruturais de nossa sociedade, que promovam discussões
sobre temas que representem as nossas necessidades mais urgentes, tais como racismo e
violência sexista.
Tudo isso precisa ser muito mais do que um esforço de adaptação, deve ser um
1453
compromisso teórico, social e político de defesa dos direitos da pessoa humana, da sua
integridade física e psicológica, do combate a toda e qualquer prática que promova a
desumanização do sujeito e reduza as suas possibilidades de uma vida plena e saudável.
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CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA NO CAMPO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA:
1455
UMA REVISÃO NARRATIVA DE LITERATURA
Victor Bruno Barbosa Silva
Simone Cristina Putrick
Willian dos Santos Souza
Elivelton Sousa Montelo
Introdução
A partir do final do século XX aconteceram muitas transformações na economia global
e na forma das pessoas exercerem suas atividades laborais (Gaiger & Da Silva Corrêa, 2011).
Ocorreu desde do século passado, um processo de descobertas de novas possibilidades de
geração de renda e emprego, que foram surgindo devido a eventos que ocasionaram mudanças
na dinâmica de produção. Por meio da implementação de novas tecnologias nas fábricas no
período da revolução industrial, deu-se a substituição da mão de obra dos artesãos pelas
máquinas, e posteriormente, as crises econômicas fizeram com que o trabalho formal não
possibilitasse um espaço para que todas as pessoas pudessem trabalhar (Lechat, 2002).
Essas mudanças que acontecem continuadamente no cenário da economia contribuíram
para o surgimento de uma alternativa: superar o empobrecimento dos trabalhadores (Singer,
2002b). Dentre as novas formas está a economia solidária, que com o passar do tempo aprimora
e passa a não ser só uma alternativa ao desemprego, mas se apresenta como uma nova forma de
trabalho coletivo, defende que existem questões importantes que vão além da simples geração
de renda ou o lucro em si, mas que também se volta para proporcionar um maior acúmulo de
saberes, tendo em vista o aperfeiçoamento da prática das atividades cooperadas.
Ao tempo que houveram mudanças na relação das pessoas com o trabalho e organização
de movimentos sociais para a melhoria das condições de vida, apresenta-se também Na década
de 70 o surgimento de um novo paradigma para a Psicologia, como a chamada Psicologia
Comunitária na américa latina e Brasil, que surge a partir da necessidade de pensar questões da
realidade local e questionar a psicologia social que era então praticada (Góis, 2003). Neste
cenário de mudanças de paradigmas podemos citar também a Psicologia do Trabalho que
segundo Coutinho et al. (2005) não mais volta seu olhar para o aumento do lucro e potencial
produtivo das empresas, mas começa a se preocupar com o bem estar humano e estudar
demandas associadas às relações entre as pessoas e suas atividades laborais. Esses movimentos
da Psicologia questionam e tem como proposta tensionar debates no que diz respeito às práticas
individuais que eram então adotadas pela Psicologia.
Com a evolução da Psicologia voltada às questões coletivas, criaram-se então
importantes espaços em que o profissional psicólogo pudesse colaborar, não só voltado a
atendimentos clínicos individuais, mas com um pensamento direcionado aos diversos espaços
de atuação comunitário. Fazendo um paralelo entre a Economia Solidária e a Psicologia, e
levando em conta suas respectivas origens, procuramos apontar e discutir os possíveis encontros
entre a Psicologia e a Economia Solidária que embora sejam de áreas distintas, ao mesmo tempo
apresentam similaridades e possibilidade de atuação conjunta, a fim de apontar quais as
potencialidades que surgem por meio da união dessas duas áreas de conhecimento.
Esse trabalho vai se dedicar a abordar alguns pontos sobre as ideias da Economia
Solidária, e em seguida apresentaremos as possibilidades de atuação da Psicologia nesse
contexto, demonstraremos os pontos de encontro entre essas duas áreas de conhecimento. Por
último, apresentaremos algumas considerações a respeito das discussões levantadas, apontando
1456
algumas análises com base no que foi encontrado na literatura sobre o tema.
Método
O presente trabalho é desenvolvido por meio da Revisão Narrativa de Literatura, que se
caracteriza como um método qualitativo de pesquisa objetiva fazer uma análise, organização e
aprofundamento teórico sobre algum tema de investigação presente em livros e artigos de
revista impressos ou eletrônicos (Rother, 2007). Tendo em vista a proposta de Revisão
Narrativa, em um primeiro momento foi realizado um levantamento de artigos científicos com
a palavra-chave “Economia Solidária” com o propósito de entender seus principais conceitos,
em seguida foi realizado a busca com as palavras-chave “Psicologia e Economia Solidária” para
analisar o que a literatura apresenta e qual a relação entre as duas áreas do conhecimento. As
buscas de materiais se deram no período de Fevereiro a Junho do ano de 2020. As bases de
dados utilizadas para a busca de materiais foram: Periódicos Capes, Google Acadêmico e
Scientific Electronic Library Online (SciELO).
Foram incluídos artigos que se enquadraram como Artigos Originais, Dissertação e
Estudos de Caso que abordavam como tema central Economia Solidária e Psicologia. Como
forma de aprofundar o conhecimento sobre a temática, verificou-se também as referências dos
artigos encontrados nas bases de pesquisas para identificar trabalhos que não estivessem nessas
plataformas, mas relevantes para contribuir com a proposta dessa revisão. Após realizado o
levantamento de artigos nas bases de dados, e observado os critérios de inclusão, foi dado início
a leitura seletiva, escolha dos artigos que atendessem os objetivos e por fim uma análise desses
artigos.
Desenvolvimento
Antes do aparecimento do que hoje conhecemos como economia solidária, surgiram as
cooperativas que se organizavam em torno da união de trabalhadores desempregados, como
forma de superar as dificuldades financeiras. A Economia Solidária81 tem seu surgimento ligado
aos movimentos cooperativos surgidos na Europa, com princípios que se aproximam ao
socialismo (Singer, 2002a). Com a chegada da revolução Industrial, muitos funcionários que
antes eram empregados nas fábricas foram substituídos pelos equipamentos e máquinas que
surgiram para suceder a mão de obra humana. Assim, a partir do empobrecimento dos
trabalhadores pensou-se em formas de geração de renda que se sustentasse sem que fosse
necessário a intermediação dos patrões, donos das fabricas (Singer, 2002b). A partir desse
período começou-se a formar as cooperativas de trabalhadores em torno da perspectiva de
democracia e cooperação.
Na Economia Solidária existem os chamados Empreendimentos Econômicos Solidários
(EES) baseados em uma gestão igualitária. Dantas (2013) apresenta os (EES) como iniciativas
onde não existem funcionários ou proprietários da empresa, todo o trabalho e decisões são
81
O conceito de Economia Solidária pode ser entendido como “Diferentes tipos de 'empresas',
associações voluntárias com o fim de proporcionar a seus associados benefícios econômicos.
Estas empresas surgem como reações a carências que o sistema dominante se nega a resolver”
(Singer, 2001, p. 105)
realizados coletivamente. Observado esse contexto histórico de surgimento da Economia
1457
Solidária e do trabalho cooperado, pode-se pensar nos dias atuais, os seguintes
questionamentos: os (EES) continuam sendo uma alternativa às pessoas que não conseguem
empregos no mercado formal de trabalho? Ou ainda, Esses empreendimentos estão fadados ao
fracasso por existirem em um contexto dominado pelo sistema voltado ao capital que se
organizam em torno da figura de um dono ou chefe?
Considerando a perspectiva de ir além da geração de renda, percebe-se que os
empreendimentos solidários surgem a partir da necessidade de mudança de uma realidade
social. Essa mudança é possibilitada por meio da procura por novas formas de trabalho, onde
os trabalhadores são impulsionados a buscarem uma saída frente à exclusão que eles enfrentam
no mercado formal de trabalho. É importante apontar que os (EES) sem dúvida possibilitam a
mudança do quadro de pobreza que se apresenta entre as pessoas, muitas vezes faz com que
esse tipo de empreendimento seja uma solução para o problema que acontece na realidade dos
que participam dele, mas existem outros benefícios no trabalho cooperado, que podem ser
percebidos além do lucro, com benefícios a longo prazo, proporcionados por meio de um
entendimento acerca das causas que operam para a exclusão e empobrecimento dos
trabalhadores e uma reflexão sobre a relação com o trabalho.
Nesse sentido, alguns estudos apontam que a satisfação frente ao trabalho realizado é
um ponto de grande importância na Economia Solidária. Corragio (2001) Como citado em
Guareschi (2009, p. 96) expõe sobre as questões que estão além do ganho financeiro, afirmando
que “a eficiência não pode limitar-se aos benefícios materiais de um empreendimento, mas se
define também como eficiência social, em função da qualidade de vida e da felicidade de seus
membros”. Com base nessas afirmações pode-se pensar a Economia Solidária como uma
ferramenta de trabalho que se esquiva da lógica de produção individual, que não busca somente
benefícios financeiros, mas benefícios relacionados ao bem estar nas mais variadas
necessidades humanas, não resumindo-se a uma simples alternativa ao mercado formal de
trabalho.
Embora o capitalismo seja o modelo hegemônico nas relações de trabalho, não se pode
dizer que é impossível sustentar o modo cooperativo de trabalho. Estudos apontam que o
modelo de empreendimentos solidários tem possibilidade de dar certo se incorporar às práticas
voltadas para as suas próprias convicções, ou seja, aderindo às formas de funcionamento
coletivos e tendo em vista o bem comum. Dentre os estudos Cançado (2004) afirma que é
possível nas empresas solidárias a criação de redes e parcerias que diminuam a interferência do
capitalismo em seus resultados, encontrando por meio dos próprios ideais de cooperação formas
de minimizar a pressão capitalista. Assim, os empreendimentos solidários devem procurar se
organizar em torno de seus próprios princípios de funcionamento, aproximando-se dos
empreendimentos que se organizam na lógica de cooperação entre seus membros, para formar
uma rede entre as empresas solidárias já existentes.
O conceito de rede que é apontado como uma possível solução é o que Mance (2002, p.
1) aponta como as chamadas Redes Solidárias, afirmando que “trata-se de uma estratégia para
conectar empreendimentos solidários de produção, comercialização, financiamento,
consumidores e outras organizações populares (associações, sindicatos, ONGs, etc) em um
movimento de realimentação e crescimento conjunto, auto-sustentável, antagônico ao
capitalismo”. Entende-se por meio dos estudos sobre redes solidárias, que o trabalho dos
empreendimentos solidários que é desenvolvido de forma isolada e individual não tem como se
sustentar. É por meio dos ideais de cooperação, com a formação de redes de apoio mútuo entre
consumidores e os empreendimentos solidários que operam na lógica solidária, que se produz
insumos próprios, sem a necessidade de submissão ao modo de funcionamento do capitalismo.
Assim, entender as formas impostas pelo modelo de produção capitalista é o primeiro
1458
passo para a prática da Economia Solidária. Singer (2000) como citado em Azambuja (2009, p.
284) diz que “a experiência de trabalho autogestionário traz consigo um potencial educativo,
ou seja, a autogestão, através das práticas que a envolvem, permitiria educar e transformar o
comportamento dos sujeitos, no sentido de que suas ações passassem a ser pautadas por valores
ideológicos que não aqueles das relações sociais capitalistas”. Assim é necessária uma
organização na Economia Solidária em vista de contínuas formações para os seus membros na
proposta cooperada de trabalho, para que o empreendimento tenha possibilidade de dar certo e
não ser regido pelas condutas capitalistas.
Um ponto crucial defendido é o desenvolvimento de uma rede de apoio que possa ser
fortalecida sem a necessidade de competir com o capitalismo ou se juntar a ele, ou seja,
entendendo qual a lógica do trabalho solidário e desenvolvendo-se por meio dela. Pode-se
pensar na modificação do pensamento capitalista, a partir da mudança de perspectiva do
trabalho. Assim, no ponto de vista da Economia Solidária, antes de mais nada o
empreendimento deve se atentar que é preciso investimento na formação dos trabalhadores,
priorizando os conhecimentos que dizem respeito à cooperação, para que só depois dessa etapa
os empreendimentos comecem a se desenvolver pelo método solidário de funcionamento.
A Economia Solidária deve ser regida por princípios democráticos, onde não há a
necessidade de um chefe que toma as decisões. Esse aspecto de funcionamento baseado na
gestão do negócio pelos próprios associados é derivado do conceito de Autogestão, ou seja, por
meio da autogestão os rumos e decisões dos empreendimentos são decididos pelo grupo de
associados. O que nos leva a pensar que há um caminho longo a ser percorrido, isso devido
essas iniciativas da Economia Solidária se apresentarem como contrária às relações de trabalhos
dominante, que tem sua prática voltada ao ideal de que existem os que mandam (chefes) e os
que obedecem (empregados).
Quando uma única pessoa toma todas as decisões em nome de todos ocorre a chamada
heterogestão, prática comumente difundidas nas empresas capitalistas (Singer, 2002b). Nesse
sentido, a autogestão se apresenta como um desafio para os empreendimentos solidários, uma
vez que desde sempre as pessoas foram incentivadas a obedecer às ordens, recorrendo
frequentemente a figura de um líder que tome todas as decisões por elas, com isso, dificulta o
processo de cooperação e pode levar essa nova proposta de empreendimento ao fracasso total
(Lechat & Barcelos, 2008)
O conceito de Economia Solidária é bem vasto e está sempre em movimento, abrange
muitas questões que como já foi apresentada aqui vão muito além de uma simples forma de
geração de renda, mas é relacionado principalmente ao fazer humano em suas mais variadas
formas, buscando atuar por meio de princípios democráticos. Nesta perspectiva pode-se pensar
a Economia Solidária como sendo:
Pensando nessa procura por uma nova forma de se relacionar com o trabalho que é
proporcionada pela Economia Solidária e devido o constante crescimento de empreendimentos
que se apoiam no trabalho cooperado, no ano de 2003 foi criada a Secretaria Nacional de
1459
Economia Solidária – SENAES que visa apoiar esses empreendimentos que tem como objetivo
um comércio justo, autogestionado e cooperado (Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicadas
[IPEA], 2014). Embora tenha sido um avanço a criação de um órgão governamental específico
para atuar junto aos empreendimentos solidários com a finalidade de fortalecê-los, é importante
perceber que há um caminho longo a se percorrer para consolidar a práxis solidária em
empreendimentos no Brasil.
Recentemente a SENAES foi retirada do extinto Ministério do Trabalho, e por meio da
Lei número 13.844 do ano de 2019 é agora gerida pelo Ministério da Cidadania, o artigo 24
desta lei que discorre sobre a estrutura desse Ministério coloca sob sua responsabilidade o
gerenciamento da Secretaria de Economia Solidária, que deixa de ser uma secretaria e passa a
ser chamada apenas de Conselho de Economia Solidária (Lei n. 13.844, 2019). Apoiando-se na
prática da Economia Solidária, percebe-se essa mudança na lei como um retrocesso no que diz
respeito às políticas implementadas nos anos anteriores, pois a Economia Solidária corre um
sério risco de ser associada somente a questões da assistência social, resumindo-se a ideia de
alternativa ao desemprego e não como uma forma de pensar novos rumos para as questões
relacionadas ao emprego, renda e trabalho.
Discussão
Com base nesse contexto sobre os potenciais da Economia Solidária, pode-se pensar no
processo de transição da Heterogestão para a Autogestão e nesse aspecto a Psicologia tem muito
a contribuir. Guareschi (2009) aponta que a Psicologia em um trabalho conjunto com outras
áreas pode atuar junto aos empreendimentos solidários, com o intuito de desenvolver estratégias
para o conhecimento a respeito do trabalho em equipe e desenvolvimento de conceitos da
autogestão, contribui para que as pessoas participantes desses empreendimentos desenvolvam
uma noção aprofundada sobre as formas alternativas de trabalho.
A Psicologia nos empreendimentos de base solidária se apresenta como uma ferramenta
importante para a conscientização da forma de trabalho cooperado. A Psicologia do Trabalho
nesse contexto, pode, por exemplo, auxiliar nas questões relacionadas à construção de uma
consciência crítica sobre as tarefas laborais, além de proporcionar novas formas de experienciar
o trabalho, possibilita um novo olhar sobre os aspectos de produção excludente do mundo
globalizado, e facilita os processos de ressignificação do que antes era um trabalho individual,
para se pensar em práticas cooperadas (Coutinho et al., 2005).
Além disso, a Psicologia Comunitária também apresenta possibilidades para se inserir
nos empreendimentos solidários. Em seu surgimento a Psicologia Comunitária aparece em um
contexto em que a Psicologia social então praticada não dava conta de resolver as questões que
se apresentavam, em particular no contexto latino-americano, começando-se assim, uma
movimentação de psicólogos apontando para uma Psicologia, que se preocupassem com as
demandas sociais emergentes e proporcionasse algum tipo de mudança, a fim de reduzir as
desigualdades sociais e não somente limitando sua prática em assuntos que não correspondiam
à realidade local (Góis, 2008). Assim, a Psicologia Social passa a ter uma nova ramificação
que foi denominada de Psicologia Social Comunitária com o propósito de abarcar uma realidade
que não era contemplada pela teoria até então desenvolvida.
Na literatura existem inúmeras formas de trabalhar por meio da Psicologia Comunitária,
e vários autores que apresentam características diversas a respeito de seu modo de atuação.
Com o objetivo de não adentrar nessa discussão específica a respeito das múltiplas
possibilidades que a Psicologia Comunitária apresenta, nesta revisão será adotado o conceito
1460
de Psicologia Comunitária no sentido de “Uma aproximação multidisciplinar para a solução de
problemas sociais” (Marin, 1980 citado por Gomes, 1999, p. 72) Assim, apresentaremos a
Psicologia Comunitária como importante no contexto da Economia Solidária pois esta atua com
a finalidade de transformação da realidade social dos trabalhadores inseridos nos
Empreendimentos Solidários.
A Psicologia tem avançado muito em seu campo de atuação, apresentando-se como
necessária em vários contextos. Descobre-se novas oportunidades de atuação nas mais diversas
áreas que antes não existiam ou eram desconhecidas, propiciando novas perspectivas para a sua
prática em contextos que eram pouco ou nada estudados. Assim, Ferreira (2013, p. 20) aponta
que “a partir do século XVI irromperam diversas experiências e práticas que, em seu
emaranhado, conduziram a uma multiplicidade de orientações no campo atual da psicologia”.
Nesse entendimento percebe-se que há inúmeras áreas que se desenvolvem continuamente na
Psicologia. O que antes era uma ciência voltada a aumentar os lucros das empresas, atualmente
se volta a pensar questões relacionadas ao campo da saúde e bem estar do Trabalhador em seu
ambiente de trabalho (Coutinho et al., 2005) nesse sentido, sem dúvida a Psicologia pode e deve
contribuir no fortalecimento das ações relacionadas ao fortalecimento da Economia Solidária,
na perspectiva que Singer (2008) vai chamar de “Outra Economia”.
Com base no que foi debatido até aqui sobre as mudanças de paradigmas nas relações
de trabalho, sendo elas a Cooperação e Autogestão, pode-se perceber a atuação da Psicologia
nos Empreendimentos Econômicos Solidários no auxílio da autonomia, reflexão crítica da
realidade, dos problemas enfrentados, no fortalecimento dos vínculos entre os trabalhadores
cooperados e um enfoque no potencial do que por elas podem ser produzidos, possibilitando
assim, dentre outros benefícios, a ajuda mutua, valorização de seus saberes e a formação de um
discernimento voltado ao comunitário que não se isola ao individual. Nas palavras de Campos
(2012, p. 10) a psicologia apresenta entre as suas várias áreas de atuação “a busca do
desenvolvimento da consciência crítica, da ética da solidariedade e de práticas cooperativas ou
mesmo autogestionárias, a partir da análise dos problemas cotidianos da comunidade”.
Como já exposto acima na Economia Solidária busca-se ir além do lucro e nesse aspecto
a Psicologia pode agir juntamente com os trabalhadores na organização dos EES, no sentido de
facilitar as discussões a respeito da mudança de paradigma da forma de trabalho individual para
a associativa, da capitalista para a solidária. A exercício da Psicologia nesses espaços pode
ocorrer também no âmbito das relações laborais facilitando os processos de diálogo entre esses
trabalhadores seja em reuniões, assembleias, espaços de formação profissional, para que por
meio da difusão de práticas dialógicas entre os trabalhadores possa-se efetivar programas de
formação para autogestão (Veronese & Guareschi, 2005).
Pensando em uma perspectiva contra-hegemônica defendida na Economia Solidária,
Picolotto (2011) destaca que os benefícios da Economia Solidária abrangem além de vantagens
materiais, os da ordem cultural, onde é proporcionado um espaço para a criação de novos
valores e relações com a Economia, possibilitando que os trabalhadores possam desenvolver a
consciência do potencial do trabalho em grupo e da posse coletiva, promovendo novos sentidos
para a produção, o consumo e o trabalho. Assim, a perspectiva dessa forma de trabalho é
possibilitar uma nova relação com o trabalho, procurando experienciar novas possibilidades de
atuação.
Percebe-se que nos (EES) há a inserção das pessoas em uma forma de potencializar suas
aptidões criativas, além do desenvolvimento da satisfação frente ao trabalho realizado. Nessa
forma de trabalho coletivo, é primordial se pensar nos problemas da ordem do social e o
desenvolvimento de um pensamento crítico da realidade, pois sem esses pontos é praticamente
1461
impossível o empreendimento operar na forma solidária de trabalho. Para que o
empreendimento não se torne solidário só de fachada, é preciso que este se apresente com um
fazer em que as pessoas não sejam exploradas, que se sintam bem desempenhando suas funções
laborais. Essa demanda se enquadra nas possibilidades de inserção dos conhecimentos em
Psicologia, uma vez que esta pode auxiliar a pensar essas questões, facilitando esse processo de
transição para o modelo autogestionado.
Considerações Finais
Como demonstrado a Psicologia tem muito a contribuir com os empreendimentos que
utilizam a Economia Solidária como metodologia, uma vez que ela auxilia, por meio da
organização popular, a pensar sobre as potencialidades que a comunidade tem, além de ser
facilitadora dos processos de tomada de consciência, deixando claro que o trabalho não é uma
simples tarefa feita em vista do lucro, mas é também uma iniciativa com benefícios no campo
social. Assim, por meio do que foi discutido nesse trabalho pretendemos não dar uma resposta
definitiva sobre esse assunto, mas apontar alguns aspectos do trabalho cooperativo por meio do
que já está sendo discutido na literatura a respeito da Economia Solidária, além de demonstrar
que a Psicologia pode se inserir nesse tipo de empreendimento com a finalidade de facilitar essa
transição de perspectiva econômica do trabalho.
Percebemos que a cada dia a Economia Solidária vai se consolidando como uma nova
forma de se pensar o trabalho, sendo conhecida e praticada por muitos grupos espalhados por
todo o Brasil, mas apontamos como uma demanda importante o fortalecimento das políticas de
apoio a essas iniciativas, além de uma urgência da organização popular para barrar as alterações
negativas que estão ocorrendo com as políticas relacionadas a Economia Solidária no país. A
exclusão da Secretária Nacional de Economia Solidária - SENAES, por exemplo, se apresenta
como prejudicial ao movimento de trabalho cooperado no país, pois desampara as muitas
iniciativas de incentivo dos Empreendimentos Solidários. As mudanças ocorridas nas
legislações sobre Economia Solidária, não só afeta esses empreendimentos, mas também
desrespeita todas as movimentações e lutas populares que se esforçaram para que a secretaria
nacional de Economia Solidária fosse criada
A Economia Solidária possibilita um benéfico sobre a vida dos trabalhadores, não sendo
uma simples ferramenta que retroalimenta os ideais competitivos, e que subordina as pessoas
as ordens de superiores motivados pela a visão do lucro imediato, mas que aponta para novas
práticas possíveis em vista de promover o bem-viver da coletividade. Nesse ponto é
fundamental a atuação da Psicologia, pois pode-se trabalhar em uma perspectiva voltada a
auxiliar nesse processo de tomada de consciência por parte dos trabalhadores, analisar os
desafios e pensar nas possibilidades de uma forma de trabalho responsável que respeite as
pessoas, que tenha um comprometimento ético e político. Isso nos leva a pensar que somente a
geração de renda proporcionada nesses empreendimentos associativos não pode ser considerada
como Economia Solidária pois este conceito é bem amplo. É preciso que esses espaços possam
auxiliar seus membros a pensarem sobre a realidade social e as formas de enfrentar as
dificuldades que se apresentam, além de investir em uma constante melhoria de suas práxis
enquanto movimento contra hegemônico.
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A EDUCAÇÃO INTERPROFISSIONAL EM DISCUSSÃO: UM RELATO DE
1464
EXPERIÊNCIA
1465
compreendidos como autores e atores da sua realidade. Dessa maneira, é a partir dessa
perspectiva que devemos atuar, compreendendo que em cada âmbito já existem representações
pré-estabelecidas em relação aos mais diversos assuntos.
Buscamos, por meio desse relato, debater sobre as ações possibilitadas pelo programa
dentro das universidades. Temos como objetivo, apresentar duas rodas de discussão nos cursos
de enfermagem e educação física da UVA. Propomos agregar discussões sobre a
interprofissionalidade nas graduações, possibilitando reflexões sobre a matriz curricular e as
práticas que são exercidas.
Método
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, sistematizado a partir
das reuniões entre os membros do PET, os quais foram construindo as metodologias das rodas,
levando em consideração a realidade e particularidade de cada curso. Assim, tendo a educação
interprofissional (EIP) como ponto de partida, buscamos construir uma metodologia que
possibilitasse a discussão de aspectos relacionados a essas práticas, tanto de aspectos da própria
matriz curricular como das experiências que os estudantes puderam vivenciar em atividades de
extensões e estágios.
As rodas de discussão aconteceram na própria universidade, sendo mediadas por
monitores do PET-Saúde de Sobral, no período de novembro de 2019 e janeiro de 2020.
Inicialmente, ocorreu a apresentação do programa, tanto o seu histórico como também seus
objetivos, além dos membros que compõem a realidade local.
Após esse momento inicial, para fomentar a discussão, algumas perguntas norteadoras
eram disponibilizadas para os discentes. Em seguida, os estudantes se apresentaram e também
verbalizaram as respostas das questões norteadoras. Os monitores incentivaram a discussão e a
troca de experiência, tanto entre os estudantes dos cursos como também compartilharam as suas
próprias experiências, e estes eram de cursos diferentes daqueles que faziam parte das rodas.
Ao final, com as respostas dos alunos escritas em um papel e entregue aos monitores, foi
construído o “Varal da Interprofissionalidade”, onde ficou registrada as respostas dos
estudantes. Desse modo, as rodas têm o propósito de trazer a discussão em torno do trabalho
interprofissional, relacionando a temática a realidade dos graduandos, e a partir das discussões,
analisar se a interprofissionalidade ocorre na prática.
O “Varal da Interprofissionalidade”, ao final do momento, ficava exposto para todos os
estudantes. Em um barbante, que ligava um lado da sala de aula ao outro, eram colocadas as
respostas dos discentes, exibindo todas as produções.
1466
diálogo entre os profissionais. Salienta-se que, segundo a OMS (2010), as práticas colaborativas
implicam numa interação entre os profissionais que prestam serviços com base na integralidade
da saúde, atribuindo uma centralidade ao usuário.
Por meio de contatos interprofissionais, mesmo breves como nessas rodas, os estudantes
puderam refletir sobre o próprio curso, compreendendo de que forma ele incentiva uma
perspectiva interprofissional e, até mesmo, se ele incentiva essa perspectiva. Além disso, a troca
de experiência possibilita maneiras de intervir nessa realidade, propondo formas de modificar
uma realidade que não se adequa a certas perspectivas. Desse modo, os discentes contribuíram
com possíveis estratégias que pudessem implementar a educação interprofissional na matriz
curricular dos seus cursos.
Dentre as medidas mencionadas pelos estudantes, destacam-se as possíveis mudanças
no Projeto Político Pedagógico das graduações, de modo que estes possam abranger uma
interdisciplinaridade entre os cursos no âmbito da saúde, uma vez que já existem disciplinas em
comum na grade curricular, porém, estas não são compartilhadas ou pensadas de forma
conjunta. Além disso, foi relatado a hierarquização de determinadas profissões, ocasionando
desvalorização dos saberes de outros profissionais, esta percepção se apresenta contrária a
perspectiva da interprofissionalidade, pois, é notório que na presença de atores de áreas de
conhecimentos diferentes, em que há uma centralidade no paciente, a compreensão acerca das
necessidades do mesmo ocorre de modos diversos, portanto a integração e verticalização entre
estes é essencial para uma melhor promoção à saúde e prevenção de enfermidades.
Notamos que, dentre os estudantes de enfermagem e educação física, poucos tiveram
experiências com profissionais ou discentes de outras categorias. Assim, isso demonstra a
necessidade de mais propostas de integrações entre os profissionais/estudantes da área da saúde,
a fragmentação que, infelizmente, ainda está presente nesse campo prejudica a própria práxis,
já que a atuação com o usuário também se torna fragmentado.
De acordo com o que foi discutido, observa-se que os estudantes participantes das rodas
têm pouca interação com outros profissionais, sendo que a interprofissionalidade já deveria
ocorrer de maneira significativa durante a graduação, porém a realidade ainda parece distante.
A educação interprofissional surgiu com a necessidade de formar profissionais de saúde
favoráveis ao trabalho em equipe, desconstruindo a formação uniprofissional e os silos
profissionais que corresponde na formação específica e separada de cada profissão. Dessa
forma, a EIP parte do pressuposto de unir as classes profissionais para trabalharem em conjunto
e assim melhorar a qualidade da atenção, mas nas rodas, com as trocas de experiências dos
graduandos, vimos que ainda não ocorre um efetivo trabalho em equipe. (Freire, 2019)
A experiência nas rodas de discussões, propiciadas pelo PET-
Saúde/Interprofissionalidade, possibilitou modificar as perspectivas dos estudantes
participantes como também dos monitores do PET-Saúde, já que se tornou perceptível que a
Universidade se dá como um espaço para quebrar barreiras construídas socialmente e que
podem ocasionar fortes mudanças nos espaços que serão ocupados por futuros profissionais,
sendo que estes estão trilhando seus caminhos nesses locais. Dessa maneira, é imprescindível
momentos de diálogos que promovam uma reflexão acerca dos seus saberes e atuação, além do
compartilhamento de conhecimentos.
Destarte, o PET-Saúde mostra-se um projeto relevante para difundir tais ideias acerca
da interprofissionalidade e do trabalho colaborativo, pois a educação interprofissional constitui-
se um método para melhorar a qualidade da atenção ao sujeito. As rodas de conversa são
ferramentas para difundir esses conceitos, visto que o discente tem pouca aproximação com
esses assuntos durante a graduação (Viana, 2016). Dessa forma, o objetivo das rodas é a troca
1467
de experiências que os graduandos puderam vivenciar nos estágios e a partir disso desconstruir
a uniprofissionalidade e mostrar o impacto do trabalho interprofissional no processo de cuidado.
Referências
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Interprofissional nas políticas de reorientação da formação profissional em saúde no
Brasil. Saúde em Debate, 43, 86-96.
1468
EDUCACIONAIS NO COTIDIANO DE DISCENTES DE PSICOLOGIA
Mauricia Paz Aguiar,
Maria Áurea Pereira Silva
Introdução
A trajetória da mulher na sociedade brasileira tem sido marcada pela desigualdade de
gênero, por exemplo, o cuidado com os filhos e as tarefas domésticas, majoritariamente são
desempenhadas pelas mulheres, sendo despendida, assim, maior carga horária, principalmente
quando concilia essas atividades com o processo educacional (Custódio & Silva, 2016). Neste
estudo, são discutidas, a partir do século XX, duas categorias – a maternidade 82e a graduação
de modo concomitante.
O ideal de maternidade é construído socialmente, e a inserção feminina no Ensino
Superior (ES) enfrentou, historicamente, percalços para a sua inclusão. Conforme índices
apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2018), a mulher tem a
carga horária dos afazeres domésticos superior (18,1 horas) em comparação aos homens (10,5
horas). Em nosso país, “[...] ao desagregar por região, verifica-se que a maior desigualdade na
distribuição de horas dedicadas a estas atividades está na Região Nordeste, onde as mulheres
dedicam cerca de 80% a mais de horas do que os homens, alcançando 19 horas semanais”
(IBGE, 2018, p. 3).
A diversidade de concepções sobre a maternidade – mitificada pelo amor incondicional
da mãe à prole – foi produzida por discursos sociais e científicos (Resende, 2017). Como
exemplo, temos a Psicanálise, que embora não tenha atribuído somente à mãe a
responsabilidade pelo desenvolvimento emocional da criança, foi sobre os ombros materno que
a “culpa” recaiu (Badinter, 1985; Maldonado, 2005). Na concepção de Beauvoir (1949/2016),
a maternidade estabeleceu-se para a mulher como forma de controle e dominação do corpo
feminino.
Em consonância com este pensamento, Biroli (2018) acrescenta que, para além do
controle social sobre o corpo da mulher, a maternidade é construída com a adição de outras
variáveis, por exemplo, raça, questões socioeconômicas. Nesse sentido, “família e maternidade
são vividas de formas distintas pelas mulheres, segundo sua posição relativa em outros eixos
da opressão nas sociedades, como classe, raça e sexualidade” (Biroli, 2018, p. 100).
Destarte, não se pode discutir a maternidade como único modelo aplicável a todas as
mulheres, visto que a diferença não se dá apenas no gênero, na desigualdade binária entre
homem e mulher, a distinção ocorre na própria construção do ser mulher, ser mãe e em
dissemelhantes vivências de maternidade, uma vez que para cada mulher a maternidade se
constitui de maneira, tempo e vivência diversas (Biroli, 2018).
As mulheres de classe econômica alta podem valer-se da mercantilização nos cuidados
com a casa e com seu(s) filhos(s), podendo utilizar seu tempo com outras atividades (Sorj,
2014). Por outro lado, as mulheres de classe econômica baixa que se dedicam aos zelos da
família e dos filhos de outra mulher, também, incumbem outras mulheres na diligência de seus
filhos (Hirata & Kergoat, 2007). Esses desvelos precisam ser discutidos, posto que remetem à
82
Há distinção entre maternidade e maternagem, a primeira é reconhecida pela relação biológica e a segunda é
identificada pelo afeto e cuidado realizado pela mãe ou por outra pessoa que desempenhe esta função (Gradvohl,
Osis & Makuch, 2014).
ideia do cuidado com a família e com a casa como atividades naturais da mulher, o que pode
1469
causar conformação e engessamento na sua posição social (Freire, 2007).
A responsabilidade com os afazeres domésticos e outros cuidados relativos à família
ainda apresentam entrave para as mulheres que desejam conciliar a maternidade e a graduação
(Custódio & Silva, 2016). Como assinalado anteriormente, a inclusão feminina no ES se
constituiu em meio a obstáculos, no decorrer da História. No século XX, a mulher teve
importante vitória com a conquista do voto feminino e as lutas pela sociedade igualitária,
inspiradas no movimento Sufragista83 (Melo & Thomé, 2018).
Com a busca por seus direitos, principalmente o direito à educação, a escolarização
feminina aumentou (Pereira & Favaro, 2017). Na década de 1960, com a promulgação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 4.024/61, houve a possibilidade das
alunas – que concluíram o Curso Normal – ingressassem no ES. Nas décadas de 70 e 80, foi
ampliado o número de vagas na referida modalidade de ensino, especialmente pela expansão
das universidades privadas (Pereira & Favaro, 2017; Melo & Thomé, 2018). Todavia, apesar
das mulheres nas instituições de ES, não houve novas conquistas por causa da implantação
antidemocrática do Regime Militar.
A partir da década de 90, a inserção da mulher e do homem no ES começou a se igualar.
Entretanto, o ingresso feminino nas Instituições de Ensino Superior (IES) contemplou
predominantemente a população branca e de condição socioeconômica favorecida (Melo &
Thomé, 2018). Nos anos 2000, o sistema de cotas favoreceu à mulher, possibilitando, com a
reserva de vagas, o aumento na inserção de mulheres negras nas IES (Queiroz, 2008). De acordo
com dados da estatística de gênero, na faixa etária entre 25 e 44 anos, 21,5% são a porcentagem
de mulheres que completaram o ensino superior, enquanto a dos homens é de 15,6%. Desse
modo, as mulheres têm maior nível de instrução, chegam e se mantêm no ensino superior,
enquanto que os homens, ao completarem o ensino médio, já ingressam no mercado de trabalho
(IBGE, 2018).
Não obstante, mesmo possuindo maior escolaridade, a mulher aprendeu ações que as
guiam e as instituem desde o seu nascimento sobre o que é feminino e sobre o que é masculino.
Assim, desempenham tarefas relacionadas a seu gênero, seja em casa, seja na escola, seja ainda
em outros lugares. Essas práticas estão entranhadas na sociedade, induzindo que mulheres e
homens tenham seus lugares, até mesmo suas profissões predeterminadas (Ávila & Portes,
2009) – ideias internalizadas são mais fáceis de serem reproduzidas.
O acesso ao Ensino Superior pode oportunizar à mulher, a construção de
posicionamentos críticos sobre os processos históricos e sociais de exclusão que incidem sobre
ela, possibilitando reflexões e análises que conduzam ao enfrentamento e ao fortalecimento da
luta por seus direitos (Biroli, 2018; Melo & Thomé, 2018). Este estudo teve por objetivo
analisar concepções de mulheres sobre as suas duplas jornadas – maternidade e graduação – e
os impactos psicossociais e educacionais em seus cotidianos.
Método
83
O Movimento Sufragista buscou o direito ao voto. No Brasil, o direito das mulheres ao voto só foi obtido em
1932, no governo de Getúlio Vargas, e somente àquelas escolarizadas (Melo & Thomé, 2018).
Esta pesquisa qualitativa seguiu este percurso metodológico: a) Método dialético,
1470
escolhido por considerar as contradições da realidade dos fenômenos, apresentados como
inseparáveis e em permanente transformação (Prodanov & Freitas, 2013). Trata-se de um
método que leva em conta o contexto histórico, político, econômico, social, entre outros (Gil,
2008); b) Local de realização – Instituição Federal de Ensino Superior, em São Luís - MA; c)
Amostra – quatro estudantes regularmente matriculadas no curso de Psicologia, na faixa etária
de 21 a 44 anos, mães com filhos entre 0 a 12 anos de idade incompletos,84 sendo duas casadas,
uma convivente e uma solteira. O acesso à amostra ocorreu por intermédio: de uma lista de
alunos fornecida pela Coordenação do curso de Psicologia, de visitas em salas de aula e por
contato via WhatsApp. Os critérios de exclusão das mães-discentes foram: com os filhos
maiores de 12 anos de idade; àquelas sem trabalho remunerado; e as que estivessem com o
curso de Psicologia trancado no período da pesquisa ou estivessem em exercício domiciliar; d)
Instrumentos utilizados – um Roteiro de entrevista semiestruturado e um Questionário
Sociolaboral; e) Principais procedimentos – submissão na Plataforma Brasil com aprovação do
Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) Nº 94194418.2.0000.5087; na
coleta de dados feita de modo individual foi utilizado o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) e autorizada a gravação de áudio pelas participantes; o registro dos
depoimentos das participantes foi feito com os códigos P1, P2, P3 e P4; e f) Análise dos dados
– o conteúdo das entrevistas foi lido minuciosamente para elegerem-se categorias de análise:
impactos psicossociais e impactos educacionais.
Resultados e Discussões
Os principais resultados encontrados com a dupla jornada das participantes da pesquisa
foram: a) Impasse quanto ao cumprimento de suas atividades acadêmicas concomitante às da
maternidade; b) Em relação ao tempo – leituras feitas no trajeto para a universidade e/ou sala
de aula, carência de tempo para realizar as atividades acadêmicas e para cuidar dos filhos; c)
Prejuízos à saúde mental (angústia, dificuldade para dormir à noite, preocupações, frequente
autocobrança) e física (dores nas costas); d) Rendimentos acadêmicos abaixo de suas
expectativas, e trancamento do Curso; e e) Cobranças feitas pela sociedade.
A dupla jornada acarretou às participantes múltiplas atividades que, para amenizá-las,
contavam com as redes de apoio – familiares, cônjuges e cuidadoras. Contudo, todas relataram
dificuldades para conciliar os estudos com a maternidade, apresentando impactos educacionais
na graduação. A exemplo: “[...] a maternidade é a prioridade para mim, então assim,
independente de qualquer coisa, [...], mesmo se eu tiver que faltar aula, a prioridade é a
criança [...].” (P4). Takahara, Mendes e Rinaldi (2016, p. 610) referem que: “As atuais funções
da mulher exigem que ela se esforce ainda mais para dar conta de todas as funções que exerce,
como dona de casa, esposa, mãe, trabalhadora que ingressa para um curso de graduação”.
Ressalte-se: a mulher que estuda, também responde a outras demandas que podem limitar o seu
tempo quanto à sua participação social, por exemplo, quando deixa de envolver-se nas questões
políticas do país, não exercendo cargo no poder legislativo e/ou participando de movimentos
sociais e sindicatos de classes.
84
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu Art. 2º, considera criança a pessoa até doze anos de
idade incompletos (Brasil, 1990).
Entre os impactos educacionais mais frequentes nas falas das participantes registraram-
1471
se: o reduzido tempo para o cumprimento de suas atividades acadêmicas, de modo que elas
declararam realizá-las com dificuldades:
“Não tenho tempo, [...] no final de semana, para fazer trabalhos é quando a minha
filha vai dormir, aí eu vou fazer o trabalho [...]” (P1). “Eu deixo de fazer outras
atividades para acordar mais cedo e estudar os textos, para fazer as leituras ou então,
eu tento conciliar [o tempo]” (P4).
1472
assim [...]. Sinto um peso um pouco maior do que antes, por isso, por estar cuidando dela [a
filha], mas ao mesmo tempo eu estou muito feliz, também” (P2).
Esta fala da participante se coaduna com um estudo feito por Custódio e Silva (2016),
que discorreram sobre a satisfação das mulheres em empreender múltiplas jornadas, inclusive
a realização de um curso superior. A justificativa concedida pela amostra estudada – pelos
citados autores – estaria relacionada com a suposta melhoria de vida pessoal, laboral e familiar,
após a conclusão da graduação.
A divisão do tempo das participantes com outras tarefas indicou que eram conscientes
de que poderiam ter rendimento acadêmico superior ao que apresentavam, entretanto, devido à
rotina entre a dupla jornada, não conseguiram obter os resultados esperados por elas, conforme
os relatos a seguir: “É mais uma questão de que eu sei que eu poderia fazer mais, mas, não
consigo [...] por que eu sei que não trabalhei, e eu não culpo de dizer que é implicância do
professor” (P1). “Gostaria de tirar nove nas disciplinas, tirei cinco, então é muito desanimador
[...]” (P4).
Para além das aspirações sobre seus rendimentos, outros empecilhos, quanto aos
entraves de seus desempenhos, foram revelados, tais como: a necessidade de levar o(s) filho(s)
para a sala de aula – “[...] eu tive que trazer meu filho algumas vezes, ele tava sem ter com
quem ficar [...]” (P3); e dormir durante a aula – “às vezes não presto muita atenção nas aulas
porque eu não consigo dormir à noite, [...] eu fico querendo dormir aqui, eu acabo cochilando
nas aulas” (P1).
Diversos são os obstáculos na vida acadêmica para qualquer aluno, entretanto, para as
mulheres que necessitam conciliar estas jornadas há uma sobrecarga, mesmo possuindo uma
rede de apoio, ainda lhe é atribuída a responsabilidade maior sobre o cuidado com seu(s)
filho(s). A delegação quanto ao cuidado incide de diferentes formas para as mulheres e os
homens. De maneira que a imputação do cuidado em nossa sociedade é estabelecida como da
mulher, e isto a faz desenvolver estratégias e depender, por vezes, de outras pessoas quando
necessita ausentar-se do lar para desenvolver outras atividades (Hirata & Kergoat, 2007; Sorj,
Fontes & Machado, 2007; Sorj, 2013; Hirata, 2015; Biroli, 2018).
Quanto aos impactos educacionais referentes à rotina acadêmica das participantes em
paralelo com outra jornada, pareceu tornar-se muitas vezes uma impossibilidade. Duas
participantes alegaram ter recorrido ao trancamento do Curso em algum momento, para que
pudessem exercer outras funções. Das que não trancaram o Curso: uma relatou já ter cogitado
tal possibilidade – “Eu acho se eu tivesse fazendo todas as cadeiras de um semestre normal, eu
teria que trancar, eu não ia conseguir” (P2); e a outra percebeu que alguns professores e alunos
do Curso, eventualmente, lhes perguntavam sobre o trancamento (por acharem que ela não daria
conta de suas tarefas) – “Não, eu não quero trancar. Eu estou aqui, eu vou dar conta sim [...]”
(P1). Para Custódio e Silva (2016), a situação da mulher, por exercer múltiplas jornadas, que
vão além do cuidado familiar, não lhe deveria custar suas pretensões acadêmicas e/ou
profissionais, ou ainda cercear seus planos.
Faz-se necessária a inclusão, por parte da universidade, para as novas configurações que
a Contemporaneidade tem apresentado. Há de se dispor de acolhimento que englobe a
humanização das relações, abrangendo, além das competências acadêmicas, a perspectiva
psicossocial (Urpia & Sampaio, 2009). Considera-se que um ambiente acolhedor vai além da
disposição de creches dentro dos Campi: perpassa pela criação de projetos e ações que integrem
diferentes públicos.
No que concerne às cobranças feitas pela sociedade às participantes, todas afirmaram
1473
que essas cobranças são relativas às suas capacidades. A exemplo, declararam: 1) Na família:
“Eu me sinto muita cobrada, porque além de mãe e filha, eu sou esposa [...], minha mãe me
cobra coisas como filha, meu marido me cobra como esposa, e minha filha como mãe” (P1); e
2) Na universidade: “[...] na sala de aula, a gente percebe alguns colegas que de primeira
olham e pensam: ‘ah essa aí, não deve saber nada, não deve nem estudar’ [...]” (P4).
As participantes mencionaram em seus relatos que, em nossa sociedade, havia maior
cobrança social para as mulheres: “Nós mulheres, a gente está ali lutando [...], e mesmo assim
você tem que dar uma satisfação [...] a gente sempre recebe cobrança porque parece que a
gente nunca dá o suficiente, as pessoas estão sempre cobrando” (P4). O modelo patriarcal
imposto na sociedade estratifica o lugar da mulher, causando-lhe objeções em ocupar de forma
igualitária as diferentes esferas sociais com que convive (Tokuda, Peres & Andrêo, 2016).
Nesse modelo, as questões de gênero estão estabelecidas com idealizações, e, quando não
cumpridas, há reclamações nos grupos sociais.
Outro aspecto percebido são as exigências por parte da própria mulher em executar o
que lhe é demandado. “A pressão, acho que foi eu que fiz mais. [...]. Eu que sempre me
pressionei [...], talvez isso tenha a ver com a cobrança social, que é um pouco velada” (P2). A
busca pela perfeita harmonia das tarefas e a indigência de suplantação dos obstáculos podem
ocasionar um conjunto de sentimentos ambivalentes, que se exprimem no conflito das próprias
necessidades e no modelo feminino imposto, em que a mulher presume realizar os diferentes
papéis que desempenha (Costa, 2018).
As normas introjetadas no imaginário feminino, muitas vezes, não permitem a
percepção de marcas psicossociais e educacionais, bem como a possibilidade de confrontá-las.
As questões de gênero conferem às mulheres, nas relações estabelecidas pela sociedade, certa
subordinação aos padrões vigentes, tanto no âmbito social em geral, quanto no específico do
processo educacional. “Às mulheres cabem as atribuições no âmbito privado muito mais que
no espaço público. Maternidade e casamento ainda são vistos como etapas quase necessárias da
vida de uma mulher” (Biroli, 2018, p. 88). Contudo, essas etapas imperativas pela sociedade
existem, e originam vários ideais nos quais as mulheres deveriam cumpri-los.
Considerações Finais
Os temas abordados neste estudo, demonstraram dificuldades que as mulheres com esta
dupla jornada podem expressar. Por exemplo: a) Na maternidade, existe a culpa por não
desempenhá-la tal qual a sociedade prescreve. Estudiosas como Badinter (1985), Maldonado
(2005), Beauvoir (1949/2016) e Biroli (2018) discutem sobre a culpa atribuída à maternidade;
e b) No percurso acadêmico, não conseguem cumprir como desejavam as tarefas solicitadas,
ocorrendo prejuízos nos seus desempenhos educacionais. Nesse sentido, Neves (2013) e Biroli
(2018) chamam a atenção que, a dificuldade da mulher para conciliar várias tarefas, a põe em
desvantagem profissional em relação aos homens.
A coexistência dessa dupla jornada, possivelmente, traz danos à saúde mental e física,
como perda de sono, dores no corpo, ansiedade, entre outros. As jornadas exercidas pelas
participantes limitaram seus desenvolvimentos acadêmicos, causando vários impactos na
trajetória educacional. Percebeu-se que há necessidade de implementação de estratégias
dinâmicas que contemplem o processo de ensino-aprendizagem das mulheres com múltiplas
jornadas. Não obstante, essa realidade é relevante para ser discutida por diversos profissionais,
inclusive o profissional de Psicologia.
Referente ao desenvolvimento acadêmico, a Psicologia pode promover práticas para
1474
essa população, assegurando-lhes o bem-estar mental e outros, não reproduzindo em sua prática
ações excludentes. A Psicologia Escolar e Educacional no Ensino Superior tem grande
relevância em relação ao tema desenvolvido nesta pesquisa, pois pode possibilitar o
desenvolvimento de estratagemas, não só no que se refere ao ensino e à aprendizagem, mas
também em discussões, como as questões de gênero, visando prevenir ou minimizar os
impactos para as mulheres.
A dinâmica das rotinas empreendidas demonstrou que os desafios enfrentados pelas
participantes afetavam a sua saúde mental e física. Estas revelações se encontram em
consonância com estudos de Fonseca (2015) e de Biroli (2018), que apontam a desigualdade de
gênero como fenômeno gerador de comprometimento físico e psicológico à saúde da mulher.
A partir do apresentado, as relações da maternidade e da graduação incidem cobranças sociais
que afetam a subjetividade da mulher, visto que, ao mesmo tempo as críticas ocorrem, para que
se dedique integralmente aos cuidados com o(s) filho(s); há pressão social para que não seja
apenas mãe, e desenvolva outras atividades que possam contribuir com a sociedade e dar-lhe,
inclusive, autonomia.
Outrossim, a percepção social da mulher em relação aos papéis que desempenha é
imbuída socialmente de exigências e, por vezes, carregada de preconceito. Concomitante a
essas imposições, a mulher, por vezes, desenvolve autocobrança para com a maternidade, além
de pressões sociais para que obtenha êxito em outros aspectos da vida, com ênfase nos estudos
e outras esferas.
O investimento nos estudos pode proporcionar à mulher a conquista da autonomia,
disseminando, deste modo, práticas que lhe assegurem direitos, como a igualdade nas relações
com os homens e com a sociedade. A implementação de creches poderia favorecer ainda o
aspecto educacional, no qual as mulheres teriam a oportunidade de um local – supostamente
seguro – para deixar seus filhos. Ademais, a falta de creche enseja algumas posturas
profissionais, em sala de aula, que representam mais equívocos que proteção ao(s) filho(s) das
discentes – alguns professores parecem não ter visão crítica quanto à diversidade de contextos
em suas turmas.
Notou-se que as participantes refletiram sobre suas vivências e perceberam as
dificuldades oriundas do cumprimento da dupla jornada, assim como a concepção de que a
sociedade tem acerca dessas atividades desempenhadas. Ainda que houvesse percalços,
demonstraram certo contentamento em suas performances e reconhecimento em alguns
ambientes que atuam.
Observou-se a relevância do estudo em propor a análise sobre a condição feminina que
empreende esta dupla jornada na sociedade. Faz-se urgente falar, também, do protagonismo
feminino na busca pelos seus direitos, em que, mesmo com tempo reduzido para realizar suas
jornadas, ocupam os espaços e demonstram superações quanto às limitações impostas
socialmente.
Propõe-se à Psicologia Escolar e Educacional ações visando à diminuição dos impactos
psicossociais e educacionais, dentre outros, para as mulheres com estas jornadas. Que esse
profissional tenha atuação crítica e com responsabilidade social, inclusive buscando a
promoção de Políticas Públicas justas e pertinentes. Ademais, o cumprimento da
responsabilidade do Estado favorece a entrada e permanência de mulheres em IES. Entretanto,
estas decisões, sobre as Políticas Públicas, estão nas mãos de homens, que são a maioria nos
órgãos gestores, decidindo sobre questões relacionadas à mulher.
A partir desta pesquisa, pretendeu-se contribuir com a sociedade em geral, com
1475
reflexões e análises que possam promover transformações, possibilitando dados para futuros
estudos, melhoria na saúde mental destas mulheres, além disso, fornecer subsídios para
possíveis intervenções no campo da Psicologia Escolar e Educacional. Esta pesquisa aspirou à
discussão sobre os desafios psicossociais e educacionais de mulheres no enfrentamento da dupla
jornada – maternidade e graduação, observando, ainda, as percepções sociais marcadas pelos
contextos.
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sampaio.pdf.
RELAÇÕES INTERPESSOAIS NA CONTEMPORANEIDADE: UMA DISCUSSÃO
1478
SOB O OLHAR DA FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL
Milena Assunção Procópio,
Jurema Barros Dantas,
Adryssa Bringel Dutra,
Catherine Moreira Conrado,
Lucas dos Santos Barbosa
Introdução
Vinícius de Moraes, em sua elegância e sabedoria, nos apresenta a vida como “a arte do
encontro”, contudo ele não exclui os desencontros dessa arte. As relações interpessoais seriam,
justamente, esse andar entre a proximidade e distância, os encontros e os desencontros. Nesse
trabalho, de modo algum nos propomos a esgotar tema de tamanha amplitude, mas
apresentaremos uma visão sobre esse tema. Compreendendo a importância do contexto sócio-
histórico na análise da construção e desenvolvimento dos vínculos relacionais, partimos do
seguinte questionamento: que contexto possibilita que essa demanda emerja e, em certa medida,
a produz?
Ao longo de toda a história humana buscaram-se formas de comunicação e socialização
entre os homens, o que veio a se configurar como fontes geradoras de suprimento de
necessidades básicas, bem como instância para os processos de produção de subjetividades
segundo as condições históricas de cada tempo. Na sociedade contemporânea ocorreram
grandes transformações dos modos de produção e explicitação dessas relações.
No contexto da contemporaneidade, marcado pelo consumismo global, segundo Hall
(2001 apud Rodrigues, 2010), emergem identidades partilhadas, não previamente
estabelecidas, mas construídas em uma história de vida e que se atualizam continuamente.
Ademais, segundo o mesmo autor, há uma fragmentação da identidade dos sujeitos,
caracterizando-a como multifacetada e que, por vezes, se mostra não resolvida ou contraditória.
Tendo em vista a complexidade na qual a identidade se configura atualmente, correntemente
encontramos sujeitos sem autoconhecimento; assim desprovidos de uma relação profunda
consigo, tão pouco a podem estabelecer com o outro. Como bem comenta Rodrigues (2010, p.
30): “são senhores da própria vida, mas não são capazes de criar vínculos profundos, posto que
são donos de gostos e personalidades oscilantes”.
Com essas mudanças, a forma de se relacionar foi profundamente alterada. Houve uma
precarização das relações que passaram a ser marcadas por certa fluidez e flexibilização, à
exemplo das próprias tecnologias. Os sujeitos passaram a coexistir em uma sociedade
imediatista, na qual o consumo desenfreado e a busca pelo prazer são marcas do estilo de vida
contemporâneo. Surge uma forte cultura individualista, caracterizada pela competitividade e
pela objetificação do outro. Segundo Bauman (2001), na modernidade líquida o elo que unia os
sujeitos em grupos e pensamentos coletivos se dissolveu, instalando-se um estado de
insegurança no que se refere aos relacionamentos humanos.
Diante de um cenário de incertezas e identidades instáveis e múltiplas, no qual, como
infere Bauman (2009), não se há sequer garantia de um emprego e estabilidade, instaura-se um
paradoxo decorrente do individualismo emergente numa sociedade na qual só se pode contar
consigo mesmo: os sujeitos desejam relacionar-se, estabelecer laços afetivos satisfatórios e que,
em alguma medida, alivie-os de sua solidão, todavia recuam diante da insegurança e medo
1479
vigentes (Rodrigues, 2010).
Tempos contraditórios são esses nos quais variados são os meios para estarmos
próximos, todavia, jamais estivemos tão distantes e solitários. De acordo com Pinto e Novaes
(2014), a pós-modernidade é marcada pela propagação de informações, de pessoas e de capital.
Como ferramenta participante desse processo podemos citar a internet. Apesar do foco deste
capítulo não ser analisar a ligação entre as relações interpessoais e o uso da internet, podemos
compreender esse uso como mais uma forma de enunciação desse homem contemporâneo. É
possível afirmar que tanto no mundo virtual quanto no real, esse sujeito apresenta diversas
configurações e formas de ser. Assim, no presente momento histórico são apresentadas aos
sujeitos inúmeras possibilidades de ser e de se relacionar. Para Bauman (2004), a proximidade
virtual não contribuiu para uma maior proximidade real, tendo em vista que:
Desenvolvimento
Segundo a fenomenologia hermenêutica de Heidegger, pode-se considerar que o ser do
homem é privilegiado, pela sua possibilidade de questionar-se, compreender-se e transformar-
se, assim como de questionar, compreender e transformar o mundo. Esse autor compreende
1480
mundo como horizonte de sentidos, no qual o homem é lançado como um ser privilegiado e os
outros entes são simplesmente dados dentro desse mundo (intramundanos), sem ter o privilégio
de compreendê-lo e transformá-lo. Para denominar esse modo de ser próprio do homem, o
filósofo alemão usa o termo Dasein (ou Presença, segundo alguns tradutores).
Desse modo, o Dasein, segundo Dantas (2011), está em jogo no seu vir a ser no tempo
e aberto aos diversos sentidos que pode ser no mundo em que está lançado, ou seja, nas
possibilidades que lhe estão ao alcance. Assim, o Dasein é abertura, ou “clareira”, por meio do
qual os outros entes passam a ter sentido, segundo Sá e Barreto (2011), o sentido do homem é
voltado para fora, pois é por meio da relação que ele estabelece com “o que está fora” que os
novos sentidos podem ser compreendidos.
Um dos modos constitutivos fundamentais do modo de ser do Dasein abordadas por
Heidegger (1927/2015), é sua condição de ser-no-mundo-com-o-outro, que pode ser melhor
compreendido a partir da apresentação do autor, ao considerar que o mundo é sempre
compartilhado (mitwelt), que, apesar de acontecer de diversas formas, ocorrem sempre
afetações entre os seres lançados no mundo. Desse modo, é condição ontológica do Dasein ser-
com-o-outro. Desse “outro” pode-se compreender:
Outros não significam todo o resto dos demais além de mim, do qual o eu se isolaria.
Os outros, ao contrário, são aqueles dos quais, na maior parte das vezes, não se
consegue propriamente diferenciar, são aqueles entre os quais também se está. [...] À
base desse ser-no-mundo determinado pelo com o mundo é sempre o mundo
compartilhado com os outros. O mundo da Presença é mundo compartilhado. O ser-
em é ser-com os outros. O ser-em-si intramundando desses outros é copresença
(Heidegger, 2015, p. 175).
Certa vez, atravessando um rio, Cura viu um pedaço de terra argilosa: cogitando, tomou
um pedaço e começou a dar-lhe forma. Enquanto refletia sobre o que criara, interveio Júpiter.
A Cura pediu-lhe que desse espírito à forma de argila, o que ele fez de bom grado. Como a Cura
quis então dar seu nome ao que tinha dado forma, Júpiter o proibiu e exigiu que fosse dado o
1481
seu. Enquanto Cura e Júpiter disputavam sobre o nome, surgiu também a Terra (tellus)
querendo dar o seu nome, uma vez que havia fornecido um pedaço de seu corpo. Saturno
pronunciou a seguinte decisão: ‘Tu, Júpiter, por teres dado o espírito, deves receber na morte o
espírito, e tu, Terra, por teres dado o corpo, deves receber o corpo. Como, porém, foi a Cura
quem primeiro o formou, ele deve pertencer à Cura enquanto viver. Como, no entanto, sobre o
nome há uma disputa, ele deve chamar-se Homo, pois foi feito de húmus (Heidegger, 2015, p.
266).
A partir dessa fábula abordada pelo autor para facilitar a compreensão por meio de uma
linguagem mais figurativa, pode-se compreender o quanto o Cuidado é constitutivo do modo
de ser e de viver do homem. Partindo do fato de que o ser-no-mundo é perceber-se enquanto
aberto às possibilidades, ser-no-mundo-com-o-outro é encontrar-se com esse outro, que
também é Abertura e, com ele, fazer escolhas autênticas dentre as diversas possibilidades que
surgem. Portanto, o Cuidado possibilita que as relações sejam estabelecidas pelos Dasein entre
si de modo autêntico e sem “fazer uso um do outro”, como seres simplesmente dados.
Desse modo, partindo da noção apresentada pela fábula de Higino, pode-se considerar que a
existência do homem é Cuidado, ou seja, o Cuidado é condição básica de possibilidade para o
estabelecimento de toda e qualquer relação. O Cuidado é uma dimensão ontológica que
possibilita todas as experiências ônticas dos seres humanos nas relações vivenciadas entre si, e
nas suas relações com as coisas.
Só é possível nos ocuparmos com as coisas e nos preocuparmos com os outros porque
as coisas e os outros já se abriram em seu ser como presenças na abertura de sentido que nos
constitui mais essencialmente do que qualquer identidade positiva. Assim como, para Husserl,
a consciência é sempre intencional, é sempre consciência de algo, para Heidegger, ser homem
é sempre ser-no-mundo-com. Denominar o ser do homem como cuidado exprime essa condição
essencial de abertura em que acontece a doação do sentido (Santos & Sá, 2013, p. 58).
Nesse contexto, a fenomenologia hermenêutica compreende dois modos de Cuidado,
denominados Ocupação (Bersogen) e Preocupação (Fursorge), diferenciados por meio das
relações que são estabelecidas com os diferentes modos de ser dos entes. A Ocupação é a
relação estabelecida com um ente simplesmente dado, uma relação ôntica, de “coisificação”.
Enquanto a Preocupação é a relação estabelecida com os seres em jogo no mundo, com a
dimensão ontológica, caracterizada pelo ser aberto. Segundo Heidegger (2015, p. 181), “a
relação ontológica com os outros torna-se, pois, projeção do próprio ser para si mesmo ‘num
outro’. O outro é um duplo de si mesmo.”
Ademais, o filósofo também estabelece uma diferenciação dos modos de Preocupação,
que podem ser substitutiva ou de antecipação libertadora. Ambas podem ser entendidas,
segundo ele, como “um salto”, sendo o primeiro dominador, posicionando-se no lugar do outro,
e o segundo libertador, antecipando-se e “abrindo espaço para o outro”.
A preocupação substitutiva é um modo de relacionar-se que um ente passa a tomar o
lugar do outro em suas ocupações, e fazer o que deveria ser realizado por ele. Esse modo de
relacionar-se pode acarretar alguma dependência entre os envolvidos de modo que aquele que
se retrai de sua posição, quando volta, já recebe algo pronto e bem definido pelo outro que
ocupou seu espaço. É uma vivência que acontece, muitas vezes, de modo sutil, sem ficar tão
claro para os participantes da relação essa substituição, e pode acarretar também uma
dominação, que “retira do outro o cuidado” (Heidegger, 2015, p. 178).
Por outro lado, a preocupação libertadora possibilita uma relação efetiva entre os
1482
Dasein, permitindo que ambos vivenciem a abertura à existência de modo autêntico e pessoal.
Segundo o autor, em uma relação libertadora, o Dasein abre espaço para o outro com quem se
relaciona, permitindo e facilitando que ele se torne, em sendo Cuidado, “transparente a si
mesmo e livre” (Heidegger, 2015, p. 179). Essa relação se dá quando ambos os envolvidos
reconhecem o modo de ser, as potencialidades e as responsabilidades de cada um, permitindo
que eles sejam exercidos e compartilhando com o outro essas experiências.
Outro modo de vivenciar as relações é caracterizado pela indiferença, por se considerar
o outro como ser simplesmente dado e não se sentir tocado pelas afetações provocadas por esse
outro ente. Vivenciando a cotidianidade nesse modo de ser impessoal, as relações se afastam
do Cuidado e tornam-se, cada vez mais, distantes da característica ontológica dos sujeitos.
O impessoal encontra-se em toda parte, mas no modo sempre ter escapulido quando
a presença exige uma decisão. Porque prescreve todo julgamento e decisão, o
impessoal retira a responsabilidade de cada presença. O impessoal pode, por assim
dizer, permitir que se apoie impessoalmente nele. Pode assumir tudo com a maior
facilidade e responder por tudo, já que não há ninguém que precise responsabilizar-se
por alguma coisa. O impessoal sempre “foi” quem... e, no entanto, pode-se dizer que
não foi “ninguém”. Na cotidianidade da presença, a maioria das coisas é feita por
alguém de quem se deve dizer que não é ninguém (Heidegger, 2015, p. 185).
Deparamo-nos com a precarização das relações atuais e com a insegurança nas mesmas.
Ou seja, crescemos em número e em conectividade. E também em solidão. Pode-se perceber na
contemporaneidade, uma dinâmica de relacionamentos cada vez mais associada à conveniência
ou interesses confluentes. A fugacidade é a característica predominante, assim, quanto maior a
facilidade de desvincular-se, menos cansativa é a relação. Os relacionamentos duradouros,
marcados por uma suposta solidez, exigem sacrifícios. É preciso reafirmar o compromisso
diariamente e, dessa forma, em um constante exercício, consolidar a escolha. Porém, como
escolher apenas uma pessoa se eu posso ter todas? Por que irei me sacrificar se eu posso me
manter na relação apenas quando ela é boa para mim?
1483
Conclusão
Todos esses questionamentos nos mostram a contemporaneidade como um cenário, no
qual o prazer torna-se um alvo a ser alcançado a todo custo. As exigências próprias do se
relacionar devem ficar em segundo plano. Assim, as relações, como o mercado, os lazeres e os
objetos vendidos, servem para saciar a nossa sede por prazer. O homem, portanto, está imerso
nesse contexto de lutas travadas contra aquilo que possa desestabilizá-lo de alguma forma e,
para vencê-las, utiliza-se das armas que estiverem ao seu alcance, muitas vezes objetificando o
outro e se utilizando dele como mais um objeto à sua disposição. As relações, seguindo a própria
lógica de mercado, funcionam hoje como objeto de troca, baseadas em um vazio, por vezes
insaciável, de afetos e carinhos e fundamentadas em sentimentos fugazes. Pode-se perceber
uma dinâmica de relacionamentos cada vez mais associados à conveniência. Dessa forma, em
uma sociedade marcada pela fluidez, optar pelo que seria mais longo é contrapor-se à atual
dinâmica de liquidez, na qual se busca prazeres momentâneos desvinculados de compromissos
e relações duradouras.
Trata-se da "era do vazio" (Lipovetsky, 1996), na qual quanto mais a cidade desenvolve
possibilidades de encontro, mais sós se sentem os indivíduos. Quanto mais livres as relações,
mais rara é a possibilidade de encontrar uma relação intensa. “Em toda parte encontramos a
solidão, o vazio, a dificuldade de sentir...” (Lipovetsky, 1996, p. 77).
Segundo Rodrigues (2010), evidencia-se, dessa maneira, uma lógica consumista nos
relacionamentos na qual o outro é uma mercadoria descartável ou que se pode trocar quando
não mais satisfaz. Isso corrobora para uma fragilização das relações que, destituídas de
profundidade e encontro verdadeiro, acabam por emanar nos sujeitos um vazio emocional por
se estar com o outro, mas permanecer sozinho. Nada mais esperado numa sociedade do
espetáculo, termo cunhado por Debord (1997) para referir-se a esse período no qual se
supervaloriza as aparências. O produto desse espetáculo não deixa de perpassar as relações
interpessoais que, baseadas nas aparências e carência de diálogo, tendem a perder seu potencial
benéfico, pela escassez de sentido, e tornam-se campo eminente de sofrimento psíquico como
jamais visto.
Com essa discussão, todavia, não queremos inferir que as dificuldades nas relações
interpessoais são próprias unicamente de nossos tempos. Os relacionamentos são e sempre
serão um campo de conflitos. Dessa forma, partimos da mesma prerrogativa de Lipovetsky
(2004) ao tratar do que ele nomeará de tempos hipermodernos. Hoje presenciamos uma
exacerbação do vivido na modernidade (como o hipermercado, o hiperindividualismo, o
hiperconsumo e o hipercapitalismo). Segundo o autor:
Dialogar sobre esse leque de possibilidades é perceber o quão contraditório ele pode
ser. Ao mesmo tempo em que há um constante incentivo por um relacionar-se, quase que
ininterrupto, há outro lado, o qual é marcado por uma extrema valorização do individualismo.
Há um culto em torno do que é construído e conquistado sozinho. Ao se pensar a produção de
sofrimento é notório uma prática de não reconhecimento do outro. O outro até existe, mas é
1484
algo que muitas vezes está distante, pouco palpável.
Considerando o que já foi falado sobre a contemporaneidade e a temática relações
interpessoais, é fundamental a percepção do quanto o contato com o outro é atravessado ora por
reconhecimento ora por distanciamento. Pensar o quanto relacionar-se com o outro faz parte do
cotidiano, o quanto esse ato sofre mudanças e transformações é de suma importância. De acordo
com Toni (2015), ao se falar sobre esse sujeito relacional, dentro da perspectiva da
fenomenologia heideggeriana, aborda-se um sujeito lançado ao mundo, que possui um
horizonte de significado e que, ao interagir com o outro, passa a ter contato com outros
horizontes. Ou seja, para Heidegger, o ser é ser-com. É essa característica, de ser-com, que
possibilita que exista uma afetação, um encontro entre horizontes, que em alguma medida, se
dispõem, e aparecem um para o outro.
Ao pensar esse ser que interage com o outro, que compartilha, e que em última instância,
demonstra preocupação para com o outro ser-com que se apresenta, é impossível não
problematizar a categoria apresentada. Considera-se que em uma relação ser-com em que há
uma troca de afetação, o “Dasein não se ocupa, pois com ele se preocupa” (Heidegger, 2012,
p. 351), já em uma relação pautada na ocupação há uma noção de uso, de utilidade. O contato
com o outro é formado a partir de um fim, de um objetivo a se conseguir.
Não seria, pois, uma interação inautêntica, pautada na ocupação do outro, promotora de
sofrimento? Em uma sociedade de relações esgaçadas, de máxima valorização do
individualismo e da competitividade não é de se estranhar que as relações interpessoais sejam
vividas, em muitas situações, como problemáticas. Dessa forma, baseando-se em Toni (2015),
podemos afirmar que grande parte das relações contemporâneas são vividas e guiadas por uma
individualidade impessoal, nas quais o convívio em comunidade, muitas vezes, passa por um
crivo de distanciamento e tentativa de não sofrimento.
Deste modo, dentre as características mais identificáveis da sociedade contemporânea,
compreender como se dão as relações humanas na atualidade, imersas nesse contexto de
imediatismo, individualismo e consumismo, torna-se uma tentativa de também compreender
como essas mesmas relações podem ser geradoras de profundo sofrimento ao sujeito. Parece
que ao centrar-se em si mesmo e tornar as relações cada vez mais fugazes e objetáveis, os
homens se distanciam da sua característica ontológica de ser-com e que acabam por ocasionar
modos de ser cada vez mais individualizados e isolados, baseados em uma existência imprópria,
gerando diversas formas de enunciação de sofrimentos. Trata-se de uma nova forma de
existência, em um novo terreno, com leis e circunstâncias totalmente próprias. Baseados em
uma promessa de onipotência, acabamos por esquecer de olhar para o outro enquanto um
semelhante, percebendo-o apenas como objeto que se torna útil, ou não, para os nossos
interesses.
Parece estar havendo na contemporaneidade um esquecimento de que o homem é um
ser em relação, em convivência, ele está sempre “em relação com”, seja com o mundo, as
pessoas ou consigo mesmo. Essa dimensão trata dos modos que o indivíduo se relaciona e vive
com os outros, é por meio dela que “construímos nosso pertencimento, possibilitando nos
relacionar, atuar, sentir, pensar e viver” (Santos, 2011, p. 112). Assim, considerando que
capacidade do homem de estar em relação é constituinte do seu modo de estar no mundo, ou
seja, da sua capacidade de construir sentidos, deve-se ressaltar que é a partir das inter-relações
humanas que os sujeitos atribuem significado à sua existência e fundamentam seu modo de ser.
Desse modo, a relação com o outro é também um lugar de desvelamento de sentidos, a
partir do encontro humano são constituídas redes de significados e representações que ajudam
o indivíduo a se reconhecer e a se identificar. Para a fenomenologia é no campo da relação que
1485
se dá a intersubjetividade, é se relacionando que o sujeito pode ser aquilo que é e como é, bem
como, pode dizer sobre as coisas e a realidade ao seu redor. Logo, quando tal dimensão parece
estar restrita, à exemplo da cultura contemporânea, a própria identidade do sujeito, como ele se
vê e enxerga os outros, é também afetada.
Desse modo, entende-se que o processo de esfacelamento e precarização das relações
interpessoais, enquanto sofrimento, se dá na medida em que é considerada como uma restrição
existencial, barrando o fluxo de movimento próprio da existência. Assim, é a partir de uma
restrição do ser enquanto ser-com-o-outro, no qual o homem nega o seu projeto existencial, que
o sujeito pode adoecer. O indivíduo hiper, mais autônomo, é também mais frágil do que nunca,
na medida em que as obrigações e as exigências que o definem são mais vastas e mais pesadas.
“A liberdade, o conforto, a qualidade e a expectativa de vida não eliminam o trágico da
existência: pelo contrário, torna mais cruel a contradição” (Tavoillot, 2004, p. 8).
Perceber o quanto o ato de relacionar-se é marcado por diversos atravessamentos
históricos é, antes de tudo, notar que o homem histórico é tempo. Assim, pensar esse homem e
suas relações sem realizar uma ligação com o contexto histórico é no mínimo um erro. Diante
disso, apresentando os modos de vivência de relações do homem na contemporaneidade, este
capítulo buscou articular as contribuições da Fenomenologia Existencial para uma melhor
compreensão do modo de ser do homem e das características predominantes das relações
interpessoais na contemporaneidade que podem gerar sofrimento psíquico.
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MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO E O EMPRESARIAMENTO DA
1487
EDUCAÇÃO: A (RE)PRODUÇÃO DE CORPOS DÓCEIS
1. Introdução
3. Desenvolvimento
1489
movimento dos professores de se aproveitarem da vulnerabilidade intelectual dos alunos com
o intuito de embutir-lhes uma determinada ideologia. Dessa forma, o Movimento exige uma
neutralidade na transmissão do conhecimento que deve estar alinhada com a ausência de um
norteamento ideológico, permitindo um ensino pautado na verdade e na ciência.
Sob essa ótica, podemos suscitar uma reflexão partindo do que Foucault (1988 apud
Benevides, 2013) postula a respeito do conceito de verdade que, segundo o autor, existiria não
de maneira independente como algo de natureza transcendental, mas como algo
operacionalizado na “imanência de um dispositivo” (Benevides, 2013) e indissociado das
relações de poder. Assim, quando se pensa que os contornos desse dispositivo se constituem
por meio de uma série de práticas, dentre as quais se encontra a prática enunciativa, pode-se
afirmar que não há um discurso neutro nem a-político. Dessa maneira, podemos enquadrar o
Escola Sem Partido num movimento que tende à valorização:
1490
ao modelo neoliberal vigente.
Nesse sentido, podemos aproximar os dois autores da materialidade desta análise à
medida em que tanto Foucault quanto Bujes defendem a produção de novos modos de
subjetivação - que busquem criar “microfocos de resistência” (Rolnik & Guattari, 2013) a um
formato empresarial, competitivo e tecnicista - a partir de uma análise das condições que
viabilizaram as formas vigentes de produção de subjetividade, ou uma certa arqueologia do
presente. Para tal, seria necessária uma dinâmica educacional engendrada no interior de práticas
discursivas que possibilitam questionar as relações de poder, ou seja, uma educação
fundamentalmente política e de orientação essencialmente contrária aos ideais apresentados
pelo Movimento Escola sem Partido.
Podemos ainda relacionar o enfoque na qualificação para o mercado de trabalho com o
processo de empresariamento da educação. Paula Sibilia (2012) apresenta a ideia de uma certa
“capilarização do pensamento empresarial no tecido social”, destacando que o âmbito
educacional não somente não está isento de tal movimento, como se configura enquanto objeto
e instrumento de sua aplicação. A introdução de uma lógica neoliberal de mercado nas
instituições de ensino (Laval, 2019) impõe a necessidade de uma organização e uma gerência
desses espaços - e das multiplicidades inseridas nele - fundamentada em um pensamento
corporativo.
Em virtude dessa configuração, as políticas educacionais passam a ofertar uma
formação que abrange apenas os conteúdos mínimos, que se volta para o desenvolvimento de
um cidadão acrítico, flexível, pacífico e adaptado a um sistema competitivo e meritocrático
(Silva & Bezerra, 2019). A partir dessa ideia, é possível pensar como esse aspecto formativo
permite a emergência de uma prática discursiva que preza pela competência individual do
sujeito empreendedor de si, engendrando a manutenção do status quo e viabilizando a
legitimidade do avanço de práticas neoliberais. Sendo diretamente relacionado com a
proposição de Habermas (1987 apud Oliveira, Storto & Lanza, 2019, p. 474) acerca da crise do
Estado de Bem Estar Social, onde:
No caso do contexto educacional, essa ideia possibilita que se pense como um discurso
da ordem que o Movimento Escola sem Partido apoia, ou seja, que preza por uma aprendizagem
tecnicista e mecanizada, prescindindo de uma conscientização política a partir da educação,
viabiliza a produção de uma linguagem pautada nas forças do mercado (Biesta, 2013). Por sua
vez, esse fenômeno implica na subjetivação em massa de indivíduos a partir de uma certa
eficácia operativa (Sibilia, 2012), que não requer uma reflexão consciente acerca das condições
materiais e históricas do sujeito e serve a um projeto de governamentalidade neoliberal.
Este conceito, conforme introduzido por Foucault (2008), diz respeito a um conjunto de
técnicas, dispositivos e análises que viabilizam a regulamentação das ações, tanto a nível macro
político e institucional, quanto micropolítico e individual. Dessa maneira, quando se pensa em
uma governamentalidade alinhada a uma racionalidade fundamentada no neoliberalismo, pode-
se falar em um projeto moral, econômico e político (Foucault, 2008), atuando a partir do
1491
dispositivo pedagógico-escolar, engajado nessa produção massiva de futuros trabalhadores
eficientes e não-críticos.
Portanto, considerando o diálogo promovido entre as teorias dos autores utilizados
acima, cabe aqui sugerir a ideia de que o Escola sem Partido, embora tenha suas premissas
tecnicamente fundamentadas em preceitos constitucionais, acaba por se colocar enquanto uma
ferramenta de apoio a uma normatização e uma regulação que criam condições de possibilidade
para o estabelecimento e manutenção dessa governamentalidade (Foucault, 2008) pautada na
produção de corpos e subjetividades docilizados a partir do utilitarismo predominante no
sistema capitalista neoliberal.
4. Conclusão
Com base nas discussões anteriores, podemos trazer o que coloca Larrosa (2010), a
partir de uma leitura das concepções foucaultianas a respeito da produção do sujeito. Esse autor
apresenta a ideia de que a subjetividade seria uma “experiência de si”, que se configura no
interior de dispositivos de produção de saberes e de verdades, além de mecanismos de
submissão ou insubmissão à norma. Assim, podemos pontuar que o processo de subjetivação
se dá em função de agenciamentos enunciativos produzidos no tecido social.
Partindo desse princípio, é possível traçar um paralelo com a ideia de Butler (2019)
quando a autora afirma que a subjetivação se dá também através da resistência ao jugo da lei,
configurando-se enquanto um efeito contrário às relações de poder das quais esta emana. Nesse
sentido, é plausível colocar que a criação de formas de resistência viabiliza a emergência de
novos modos de subjetivação, traçando, como coloca Bujes (2001), novos possíveis.
Alinhando essas ideias ao campo educacional, pode-se dizer que uma educação
direcionada à criticidade e à consciência política é um dos principais mecanismos de invenção
de uma experiência de si voltada ao engendramento de novos modos de dizer-se, ver-se e narrar-
se (Larrosa, 2010), afastando-se da mera perpetuação de um modelo empresarial cuja finalidade
última recai sobre a fabricação de capital humano (Laval, 2019).
Ainda nessa perspectiva, Félix Guattari (2013), apresenta a compreensão de que as
processualidades de subjetivação a nível individual se tornam possíveis apenas a partir da
interação com o coletivo, situando-se, em última instância, no registro social. A partir disso,
podemos pensar como a atuação no campo macropolítico é perpassada, necessariamente, pela
constituição de uma micropolítica que viabilize a emergência de focos de resistência, de modo
a evitar a (re)produção desses corpos docilizados.
Partindo desses conceitos, é cabível que se afirme que as posturas defendidas pelo
Movimento Escola sem Partido se situam em um referencial absolutamente contrário aos aqui
defendidos, podendo-se argumentar que as proposições de tal movimento se configuram como
facilitadoras da manutenção de um status quo que opera em função de governamentalidade
exploratória e produtora de cidadãos disciplinados para um utilitarismo eficiente e acrítico. O
que corrobora com as consequências que Guilherme e Picoli (2018, p.10) apontam ao afirmar
que “a escola pode, se abolir o debate sobre temas éticos e morais, tornar-se mais uma
instituição impositiva de um tipo de identidade incapaz de admitir o direito do “outro” a viver
com dignidade e ter suas escolhas respeitadas”.
5. Referências
1492
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14, 2019. https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22n3p468
1494
DESENGAJAMENTO MORAL NO PERÍODO 2016 A 2018
João Vitor Rodrigues Costa,
Túlio Henrique Pereira,
Leonardo Freire Costa,
Lorena Tracy Barbosa Pelegrini
Introdução
Vimos todo o resultado do caos ideológico que se espalhou pelo país. Atrocidades,
violência, mortes e discurso de ódio, que foram e são cometidos com um alto viés ideológico,
e, mais do que nunca, essa guerra de opiniões tornara-se mais intensa e prejudicial. Sabe-se
também como as questões ideológicas têm um papel primordial na geração desses conflitos,
formando uma dicotomia de opiniões que divide o país em dois lados da mesma moeda, fazendo
com que indivíduos possam se sensibilizar com um evento, e terem total apatia a outro de
mesma significância.
Assim, o objetivo dessa pesquisa, é analisar os conflitos ideológicos que ocorreram no
Brasil, a luz da teoria de desengajamento moral, buscando verificar como as questões
ideológicas se manifestam na mentalidade do brasileiro, e como a teoria de desengajamento
moral se relaciona com os aspectos ideológicos, gerando os conflitos que aconteceram no
Brasil. Será realizada uma pesquisa exploratória, de cunho predominantemente quantitativo,
por meio de revisão bibliográfica, onde traçar-se-á as duas teorias com os principais conflitos
ocorridos no Brasil no período abordado. Será realizado um recorde do período pós-
impeachment, ao período das eleições presidenciais, compreendendo os anos de 2016-2018,
onde os principais acontecimentos serão mesclados com as teorias, e servirão de fundamento
para os resultados da pesquisa.
Desenvolvimento
Teoria de Desengajamento Moral
A teoria de desengajamento moral, foi postulada por Albert Bandura (2015), onde o
mesmo discorre acerca dos aspectos comportamentais do ser humano, em um âmbito cognitivo,
uma espécie de behaviorismo, não tão radical. Ela observa as interações do homem em
sociedade, e se atenta para a importância que os aspectos cognitivos tem em relação a essa
interação entre homem e ambiente.
Segundo a teoria de desengajamento moral, trabalhamos nosso raciocínio moral através
da agência moral, essa agência moral, é como uma gerencia interna, que regula nossos
comportamentos, através de padrões morais e autos sanções. Quando vamos contra nossos
mecanismos morais, por meio de condutas depreciativas, sofremos de autocondenação, e isso
nos atormenta por determinada conduta que vai contra nosso senso moral.
1495
trazer autocondenação (Bandura, 2015, p. 20).
Tudo isso serve como uma regulação interna de nossa conduta, de modo que, venhamos
a nos comportar sempre de uma maneira que saberemos o que vamos fazer. Analisamos o
ambiente externo, filtramos determinados comportamentos internamente, e, então, agimos de
uma forma que não venha a nos depreciar interna ou externamente. Todo esse processo passa
tanto pela agência moral, como pela observação do meio externo.
Sabe-se que os padrões morais dos indivíduos são variáveis, ou seja, eles não são os
únicos reguladores internos de conduta. Esses mecanismos de auto regulação não agem a não
ser que sejam “ativados” pelos indivíduos, e existem muitas formas de se burlar esses
mecanismos, e agir de forma que traga prejuízos para os outros, sem sofrer de autocondenação.
1496
PT?”.
O processo de deslocamento de responsabilidade, opera ao grau em que as pessoas não
reconhecem o grau de maldade de suas atitudes, deslocando as consequências de seus atos a
terceiros. Temos esse exemplo bastante especificado, onde diariamente pessoas morrem por
conta da guerra do tráfico, mas ninguém tem uma real responsabilidade sobre isso. Nesse
processo, ocorre uma minimização nos atos do indivíduo, onde o mesmo se vê legitimado a
cometer tal ato, se a responsabilidade não cair sobre ele. A exemplo, novamente, as mortes no
tráfico, afinal, quem são os responsáveis? Os policiais? Os traficantes? Ou o estado? Todos
deslocam a responsabilidade de seus atos.
O processo de difusão de responsabilidade é similar ao de deslocamento, porém nesse,
o operativo é o “trabalho em equipe” realizado, onde um ato nocivo é praticado por um conjunto
de pessoas, que se veem legitimadas para cometer tal ato, porém, a responsabilidade fica difusa
entre o grupo, onde nenhum indivíduo tem consciência dos seus atos, visto que estavam
praticando algo com um conjunto de outros indivíduos. Esse ato é explícito nos casos de
corrupção brasileiros, como o caso do “laranjal” encontrado nos candidatos do PSL.
A partir das considerações do historiador Francisco Iglesias podemos inferir que o
processo de Minimização, ignorância ou distorção das consequências acontece quando as
pessoas acham que estão fazendo o mal pelo bem, minimizando, assim, as consequências das
suas ações (Iglesias, 2008). Esse processo é muito comum nas mortes pelo tráfico, onde a
polícia comete alguns “assassinatos”, e justifica-os, minimizando a consequência da morte em
si, pelo fato da condição do sujeito. A morte tem então, um valor relativizado, e a consequência
da mesma é dissolvida pelo fato de se estar fazendo um “bem-comum”.
Desumanização - esse processo ocorre quando o caráter humano da pessoa é retirado, e
a pessoa é tratada como uma besta, um animal, não é mais humano. E com esses mecanismos,
ações extremamente prejudiciais são executadas sem nenhuma consequência. A exemplo disso,
temos os massacres que ocorrem nas cadeias, onde os detentos que são executados pelos outros
detentos, têm seu caráter humano retirado, e suas mortes são, literalmente, comemoradas.
Atribuição de culpa - esse processo foi bastante comum no Brasil no período de 2018,
e ocorre quando o ato prejudicial é atribuído a própria vítima, tirando a ação do atuante, e
legitimando barbaridades (Iglesias, 2008).Os dois maiores exemplos que podemos destacar,
foram os casos do assassinato da Vereadora Marielle Franco, e a facada no candidato à
presidência, Jair Bolsonaro, onde, os dois atos foram legitimados, culpabilizando as próprias
vítimas dos atentados.
Ideologia
Para entendermos o que é ideologia, faz-se necessário desbravar a origem e simbologia
do termo. Utilizado muito vulgarmente, ideologia é denominada como um conjunto de ideias,
crenças, preceitos, dogmas e cosmovisões, e comportamentos, que regem um indivíduo, e sua
coletividade.
O termo ideologia aparece pela primeira vez em 1801 no livro de Destutt de Tracy,
Eléments d'ldéologie (Elementos de Ideologia). Juntamente com o médico Cabanis,
com De Gérando e Volney, DeStutt de Tracy pretendia elaborar uma ciência da gênese
das ideias, tratando-as como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo
humano, enquanto organismo vivo, com o meio ambiente. Elabora uma teoria sobre
1497
as faculdades sensíveis, responsáveis pela formação de todas as nossas ideias: querer
(vontade), julgar (razão), sentir (percepção) e recordar (memória) (Chauí, 2006, p.
10).
A priori, o termo foi tratado em seu sentido mais biologista, voltado a natureza humana,
como parte do próprio homem, em sua relação com o ambiente, e com ele mesmo. Tratando-a
como uma parte integrada do homem em sua relação com o externo, grande parte desse
pensamento, se dava a ascensão do período positivista, e o desenvolvimento do método
científico de Comte. Por ideologia, podemos compreender, ainda pela autora:
Ainda segundo a autora, esse processo tente a ser passado por uma relação de
dominância, pois ocorre um processo de “universalização imaginária”, onde apenas é repassado
para os indivíduos, algo que já está pronto, generalizando assim, os interesses da classe que tem
o controle social, e consegue impor aos demais, as crenças, dogmas, modos de viver e agir em
uma sociedade (Chauí, 2016).
Vemos que esse processo se relaciona com processos históricos, e está presente na
sociedade, formando a mentalidade dos indivíduos ao serem inseridos nela. Esse é um processo
bem mais complexo do que imaginamos, visto que está presente desde a formação do homem
enquanto homem, e sujeito de uma sociedade.
Ao sermos inseridos em uma sociedade, já entramos com tudo nela formado, um modelo
de crenças, atitudes, organização social e relacionamentos, já formados. E ocorre o processo de
endoculturação, onde o indivíduo vai aprender a socializar, e formar seus laços sociais, e ele
mesmo enquanto indivíduo. E a sociedade já é formada, e sofremos o processo que Durkheim
denominou de coerção social.
Podemos entender a ideologia no sentido Marxista como “[...] a expressão ideal das
relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes apreendidas
como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe
dominante, são as ideias de sua dominação” (Marx & Engels, 2007, p. 47).
Na visão marxista do termo, ideologia é o conjunto de ideias que são postos pela classe
dominante, ou seja, que domina a forma de pensar, de agir, de comprar e de se relacionar de
uma determinada sociedade(capitalista). São as ideias que legitimam a dominação de classe, e
fazem da classe dominante, ser quem ela é. E como podemos entender por Marx, o termo não
pode ser transformado apenas em uma “individualidade”, ou um “óculos de ver o mundo”, visto
que o coletivo tem grande participação nesse processo.
No que diz respeito a esse conceito, Debrun (1983; 1989) divide a ideologia em duas, a
primária, e a secundária. A ideologia primária, seria essa ideologia dominante, que já existe, e
exerce um poder de coerção sobre o dominado. A ideologia secundária, seriam as ideologias
que vem em contrapartida a essas já existentes, que vem com um novo imaginário, de ideias,
conceitos, achismos e etc., para ir contra a ideologia vigente, ou, simplesmente, trazer um novo
pensamento sobre algo. Porém, ao fazermos essa análise do sentido de ideologia, não podemos
nos prender apenas a esse fator de dominação, mas também temos que reconhecer a importância
do termo no que diz respeito aos processos simbólicos, e da cultura nesse processo.
A compreensão da ideologia como algo realmente existente na cultura, e sua atuação
1498
e eficácia, não pretende estabelecer que os indivíduos nada podem e que estes apenas
reproduzem as representações ideológicas da realidade, sem mais, sem acréscimos.
Bem ao contrário, uma teoria da ideologia concebe igualmente o fracasso de parte da
tentativa de toda ideologia em controlar, homogeneizar, impor seus monoteísmos
morais, sociais ou políticos à existência individual ou coletiva. Os indivíduos, embora
sob o domínio do discurso ideológico em todas as culturas e sociedades, e em todas
as épocas históricas, a esse domínio resistem, reinterpretam a realidade, ressignificam
códigos, práticas, tornam-se pontos de resistência às formas da dominação e da
sujeição que a ideologia visa universalizar e naturalizar, resistência, pois, à própria
ideologia enquanto discurso (Filho, 2011, p. 209).
1499
alastravam pelo Brasil, bem como, a extrema participação do Partido dos Trabalhadores (PT).
O que ocorre, porém, é o processo de deslocamento de responsabilidade, onde todos os casos
de corrupção, foram atribuídos a ex-presidente, e pelos atos de “pedaladas fiscais” e os mesmos
casos, acarretou no processo de Impeachment de Dilma Rousseff.
Outros casos que chocaram o ano de 2017, foram das revoltas penitenciárias que
aconteceram nos estados do Norte e Nordeste, onde detentos executam uns aos outros, queimam
colchões, quebram celas, e, o pior de tudo, imagens extremamente perturbadoras de corpos
mutilados, em pedaços, e torturas, são compartilhados por todo o País (Viana et al., 201?). Esse
caso vem à tona na teoria de desengajamento moral, através de uma ideologia de “cidadão de
bem”, onde pessoas que não se enquadram a esse padrão, ou seja, estão presas, tem sua condição
humana retirada, a culpa pelos atos atribuídas e elas, e a violência contra as mesmas,
legitimadas. Temos uma intrínseca relação em casos assim, com mais da metade dos
mecanismos de desengajamento moral, ou seja, para justificar e moralizar situações como essa,
os indivíduos fazem todo um processo para que não sintam culpa ou remorso por apoiar e
legitimar essas atrocidades.
Podemos citar também, a morte da ex-primeira ministra Marisa Letícia Lula da Silva,
que morreu aos 66 anos, após sofrer um Acidente Vascular Encefálico (AVE) (Viana et al.,
201?). Teve sua morte “comemorada” por simpatizantes da “ideologia direitista”, perpetuando
uma espécie de justificativa moral para se comemorar a sua morte, visto os casos de corrupção
de seu ex-marido, Luís Inácio Lula da Silva. Isso mostra como ninguém é poupado de ter seu
sofrimento, e até sua morte legitimada por indivíduos comuns, através da teoria de
desengajamento moral, e motivados por um viés ideológico.
Outro grande acontecimento, foi a explosão da cantora dragg maranhense Pabllo Vittar,
que obteve muito sucesso, tanto em âmbito nacional, como internacional, tendo uma explosão
em sua carreira, onde o seu videoclipe “Sua Cara” atingiu a marca de quase 18 milhões de
visualizações (Viana et al., 201?). A cantora sofre, frequentemente, de um dos mecanismos de
Desengajamento Moral, o processo de Comparação Vantajosa, onde a cantora é comparada com
outros cantores homossexuais, deslegitimando assim, todo o seu talento, por comparações sem
sentido, e de motivações chulas.
Podemos ressaltar, as intervenções que ocorreram no Rio, a mando no ex-presidente
Michel Temer, que se destacaram casos como o do estudante Marco Vinícius as Silva, de 14
anos, foi baleado na barriga, quando estava indo para a escola, e que acarretou no falecimento
do estudante (Carneiro, 2018). Nesse caso, onde o estudante foi baleado e morto nesse processo
de intervenção militar no Rio, temos à tona os casos de difusão de responsabilidade, onde não
se tem um culpado pelo ato, um autor, de fato, do acontecido, a responsabilidade é repassada
para diversas outras pessoas, e deslegitimando assim, o acontecido.
A vereadora Marielle Franco, do PSOL, e o motorista do carro em que ela estava, foram
assassinados a tiros, enquanto trafegavam pela rua. O caso ganhou grande repercussão Brasil a
fora, e aflorou os movimentos negros e femininos, servindo de combustível para a ascensão a
causa de Marielle. Os assassinos ainda não foram sentenciados. (Vilela, & Corrêa, 2018). Esse
foi um dos principais acontecimentos do ano, e traz à tona outros mecanismos de
Desengajamento Moral, como o de atribuição a Culpa, onde a vítima foi responsabilizada pela
sua própria morte, o processo de difusão de responsabilidade, onde os autores do crime não
foram achados, e houve então uma briga para achar um culpado, bem com, o processo de
Desumanização, onde a ex-vereadora teve diversas Fake News espalhadas com o seu nome.
A policial militar LGBT Juliane dos Santos Duarte, foi encontrada morta, após ter sido
1500
sequestrada por criminosos, em agosto de 2018. A morte foi comparada a de Marielle Franco,
onde supostamente a PM teria sido assassinada por ser policial, o caso ganhou grande
repercussão Brasil a fora (Garcia, 2018). Nesse caso, a PM serviu de viés para a comparação
vantajosa, onde sua morte foi comparada a de Marielle, deslegitimando, novamente, o
assassinato da vereadora. A PM teve uma maior repercussão por ser negra e LGBT, e isso serviu
de embasamento para o argumento usado para comparar os dois casos, embora a PM tenha
supostamente sido morta por ser PM.
Dentre outros casos, temos a facada que o então candidato a presidente sofreu, nesse
caso, ganhando repercussão internacional(Maia et. al.,2018) Nesse caso houveram os processos
de desengajamento moral, movidos por viés ideológicos de: Atribuição da Culpa,
Desumanização, Justificativa Moral, Linguagem Eufemística e Comparação Vantajosa, todos
usados, tanto para legitimar o acontecido, como para tirar proveito por cima dele. Essas foram
algumas das principais notícias, porém, cabe salientar que inúmeras outras ficaram de fora do
estudo, e que, posteriormente, poderão ser agregadas em estudos futuros acerca desse tema, que
se torna cada vez mais relevante, num cenário internacional.
Metodologia
Essa é uma pesquisa exploratória, de cunho predominantemente quantitativo, realizada
na forma de revisão de literatura, baseando-se nas teorias de Desengajamento Moral, de Albert
Bandura, e interpretações acerca da mesma, pelo historiador Francisco Iglesias, para um melhor
embasamento da teoria; nos escritos acerca de ideologia, da filósofa Marilena Chauí, e dos
teóricos Marx, Engels, Filho, Debrun, dentre outros, traçando fontes necessárias para embasar
o estudo do significado da palavra ideologia, e sua conceituação. Foi realizada, então, uma
pesquisa exploratória, onde traçou-se as duas teorias com os principais conflitos ocorridos no
Brasil no período abordado, correlacionando as mesmas com as fontes, e identificando como a
teoria de desengajamento moral, movida por questões ideológicas, se relaciona com as fontes.
Os dados coletados compreenderam o período anterior ao Impeachment, até a corrida
presidencial, um recorte de 2016-2018. Os mesmos foram analisados, mesclados, e
relacionados as duas teorias, dando embasamento para a discussão da pesquisa. Cabe ressaltar,
que todos os dados abordados são de domínio público, ou seja, não trarão nenhum prejuízo ou
ofensa para as pessoas citadas, que também são objetos de estudo do trabalho, e os dados são
legitimados para réplica e estudos acerca dos mesmos.
Resultados e Discussão
Com base nos dados abordados, podemos relacionar as notícias às teorias, notando que
todas se relacionam com a teoria de desengajamento moral, onde as pessoas utilizaram um dos
oito mecanismos para burlar sua agência moral, e cometer atos sem sentirem repulsa ou
autocondenação, e são movidos por um alto viés ideológico, que legitima seus atos.
Relacionando as fontes aos vieses ideológicos presentes no contexto estudado, podemos
relacionar a dicotomia esquerda x direita, que permeou majoritariamente o embate político e o
pensamento da população, que caracterizava-se por essas duas linhas de pensamento.
1501
Ideologia
Direita X X X
Esquerda X X X X X X X
Fonte: Autores da pesquisa, 2019.
Comparação Vantajosa;
8 Facada no Candidato à Presidência
1502
sua agencia moral influenciada pela ideologia simpatizante. Essa dicotomia entre esquerda e
direita pode se relacionar com todos os casos citados, onde os indivíduos têm sua agencia moral
pendente pela ideologia que o mesmo adequa na sua vida, e daí, podemos tirar a maioria dos
casos, quem praticou algum mecanismo moral.
O mecanismo que teve maior evidência foi o de Atribuição da Culpa, onde a vítima dos
atos é tida como responsável pelo que aconteceu com ela, é comum nos dias de hoje,
principalmente em caso de mortes, bombardeios, estupros, dentre outros casos, a vítima leva o
caráter de agente do acontecido, legitimando qualquer barbaridade que venha a acontecer um
ela, e burlando a agencia moral em favor de quem vê o acontecido.
A nossa agência moral pode ser burlada, é o caso da ativação seletiva, onde os
mecanismos nem precisam ser ativados, apenas usamos nosso “senso crítico” de moral e ética
quando acharmos conveniente. Isso acontece em muitos casos, onde o indivíduo só se
sensibiliza, ou seja, ativa sua agencia moral nos casos onde sua ideologia é simpatizante, por
isso vemos gente comemorando o assassinato de Marielle, mas sofrendo grandemente com a
facada no então candidato à presidência, e vice-versa.
Justificativa Moral
Linguagem Eufemística
20% 15%
Comparação Vantajosa
5%
Deslocamento de Responsabilidade
15% 15%
Difusão de Responsabilidade
5%
15% Minimização, Ignorância ou Distorção das
10%
Consequências
Desumanização
Atribuição da Culpa
1503
ou não, com determinados acontecimentos, predominantemente de acordo com a ideologia
simpatizante pelos mesmos, pode-se então, traçar um gráfico com as notícias, e qual das
ideologias sentiam-se ou manifestavam-se em consonância com o acontecido. Vemos então,
essa divisão clara entre direita e esquerda, que marca a dicotomia dos acontecimentos.
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RELATO DE ESTÁGIO: CASA DE ACOLHIMENTO INFANTO-JUVENIL
1505
DA CIDADE DE PARNAÍBA-PI
Ryanne Wenecha da Silva Gomes,
Daniele de Carvalho Almirante,
Cíntia Caroline Prado Craveiro
1. Introdução
1506
de cuidados básicos.
Weber (2012) descreve que a criança tem características específicas em cada fase do seu
desenvolvimento e essas peculiaridades devem ser entendidas como algo marcante de cada
momento. Para a autora o bebê de zero a um ano gosta de passear para conhecer outras pessoas
e estímulos, aguçando assim sua curiosidade. Nesse período dormem a maior parte do dia,
gostam de colo e carinho. A comunicação nessa fase já ocorre, através de muitos estímulos.
De um aos dois anos de idade começam a falar e andar, conhecendo o ambiente ao seu
redor. Fase marcada pelo aprendizado e por mostrar ao outro o que sabe fazer. Corrobora Weber
(2012, p. 48) “Sobe, alcança, pega, puxa, grita, empurra, fala não. Geralmente as pessoas
enfatizam o negativismo, a fase “terrível”, mas também é uma fase maravilhosa, como qualquer
outra”. Também se caracteriza por um momento de treinamento social, onde as emoções são
expostas.
Dos três aos quatro anos é característico da fase escolar, onde devem-se estimular que a
criança se sinta bem nesse ambiente. É o início da aprendizagem das regras, com causas e
consequências. São exploradores do ambiente que o cercam, por isso o local em que vive deve
ser de total segurança. Durante os cinco aos dez anos desenvolvem melhor sua capacidade de
competência e necessitam prioritariamente do apoio e incentivo familiar. Eles carecem saber
de sua importância no mundo, que tem importância para as outras pessoas e que sabem executar
as tarefas (Weber, 2012).
É pertinente colocar nessa análise também a discussão sobre a importância do lúdico
como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento global das crianças. Como bem salienta
Queiroz, Maciel e Branco (2006) nas sociedades contemporâneas o brincar tornou-se uma
característica peculiar na infância. Evidenciou-se a importância da brincadeira conforme indica
os autores a partir das pesquisas voltadas para o desenvolvimento humano, tornando-o o brincar
como uma conquista preponderante tanto no contexto familiar como na área educacional, em
especial na Educação Infantil. Esse lúdico deve existir onde existirem crianças, uma Casa de
Acolhimento sem o lúdico pode colocar em risco o conjunto essencial para o bom
desenvolvimento das crianças institucionalizadas.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998) enfatiza a
brincadeira como um direito da criança, pois é através da brincadeira que esse sujeito explora
e compreende o mundo, aprende a socializar-se e comunicar-se com o outro.
Brougère (1998) afirma que são nos primeiros seis anos de vida que o brincar tornar-se
essencial para o desenvolvimento da criança. Queiroz, Maciel e Branco (2006) corroboram
citando que é o lúdico que permite à criança a experiência com o mundo, com o outro. Contribui
também para a construção de significados e valores.
Ravelli e Motta (2005) enfatizam que é nesse jogo simbólico que a criança elabora e
constrói seu eu. “É brincando e bagunçando o mundo real, por meio de desenhos, danças,
brincadeiras, cantos e jogos, que as crianças apreendem e descobrem todas as possibilidades
que o mundo real proporciona a ela” (2005, p.612). Conforme apresenta Negrine (2000) é na
brincadeira que a criança desenvolve seus aspectos psicomotores, emocionais, sociais,
intelectuais e linguísticos. A história contada, a música na hora do banho, do lanche, os
brinquedos recicláveis são atributos importantes para o desenvolvimento desses aspectos.
A música no contexto da ludicidade pode ser considerada também um aparato essencial
para o desenvolvimento e crescimento infantil, conforme apresentam Ravelli e Motta (2005)
ela é apontada como primordial desde a vida intra-uterina, ao nascer as cantigas de ninar para
o bebê contribuem para um sono mais tranquilo, possibilitam um maior vínculo afetivo entre
1507
os envolvidos e também existe as canções na pré-escola do qual colaboram para a interação
entre os pares, conhecimento sobre o corpo, desenvolvimento da linguagem oral e influenciam
na distração e alegria do ambiente.
Outra característica que pode ser levada em consideração como contribuinte no
desenvolvimento da criança seria o uso da contação de histórias, pois como bem coloca
Rodrigues (2005) esta atividade estimula a imaginação e a criatividade infantil, como também
permite uma maior interação entre o mundo fictício e o real, auxilia no ensinamento de valores
e regras.
Por fim acredita-se assim como identifica Queiroz, Maciel e Branco (2006) que a
brincadeira é sim um fator de suma importância para o desenvolvimento, pensar em práticas
lúdicas é permitir que o crescimento global da criança aconteça de maneira satisfatória, pois a
partir do brincar as crianças elaboram novas competências e habilidades, influenciando deste
modo no seu bem-estar físico, emocional, intelectual e social.
Vale ressaltar também a relevância da formação para os cuidadores (equipe que trabalha
na Casa de Acolhimento), pois como salientam Medeiros e Martins (2018) esta modalidade de
acolhimento necessita de qualificações devidamente planejadas, pois o intuito desses
profissionais é promover um melhor desenvolvimento para os acolhidos, bem como auxiliar
essas crianças e adolescentes na organização do local, na aprendizagem de práticas que
aprimorem a autonomia, consequentemente no rompimento das ações de violência que antes
ocorria. Com uma equipe qualificada e atenta aos aspectos do desenvolvimento das crianças
institucionalizadas a probabilidade de um desenvolvimento saudável é bem maior.
Medeiros e Martins (2018) afirmam que os profissionais que cuidam das crianças e dos
adolescentes precisam ter cautela e atenção quanto a sua função dentro do âmbito da Casa, o
que seria a vinculação afetiva entre acolhidos e acolhedores, promovendo ações que
possibilitem a construção familiar responsável e acolhedora, e principalmente, que esses
profissionais compreendam que seu papel não é ocupar o papel do pai, da mãe ou responsável,
mas sim contribuir para a vinculação dos laços familiares, o que irá favorecer o processo de
restituição familiar.
O presente trabalho tem como objetivo principal apresentar o resultado da experiência
do campo de estágio básico, do curso de Psicologia da Universidade Federal do Piauí que
ocorreu no berçário da Casa de Acolhimento Infantojuvenil, localizada na cidade de Parnaíba
– PI. O estágio teve como perspectiva observar o desenvolvimento infantil das crianças com
idades de 0 a 36 meses, institucionalizadas naquele período, na referida Casa.
2. Método
1508
do sexo masculino e 01 do sexo feminino, foram entrevistados 04 cuidadores, a equipe técnica
que é composta de uma Psicóloga, uma Assistente Social e uma Coordenadora Geral.
3. Resultados e Discussão
1509
de baixa renda.
Com relação ao mencionado sobre as principais demandas encontradas no
contexto do acolhimento, foram citadas a negligência familiar, violência sexual e agressão
física. Diante dessas demandas, Barnett (1997) contribui caracterizando que essas situações
causam problemas de risco psicológico para esses indivíduos, como por exemplo, o déficit
cognitivo e social. A probabilidade de dano psicológico é grande, visto que
A partir dessas demandas são desenvolvidas intervenções como inserção dos acolhidos
em todos os dispositivos do município (CRAS, Pelotão Mirim, Marinha, Aula de Inglês,
Informática no SESC). Ainda mencionaram que trabalham com base no PIA- Plano Individual
de Acompanhamento, que tem função de nortear o trabalho, fazer uma anamnese completa do
indivíduo e encaminhar cada situação específica.
Foram descritos os principais desafios encontrados na Casa, onde foi citada a falta de
políticas públicas setoriais, questões econômicas (desemprego, falta de habitação), ausência de
acompanhamento psicológico, falta de suporte da família após o desligamento do acolhido da
instituição.
Sobre as atividades desenvolvidas com as crianças, foi explanado que a Casa possui um
educador lúdico responsável por fazer brincadeiras dirigidas e auxiliar nas tarefas escolares. A
instituição também recebe voluntários que desenvolvem ações de higiene bucal e cuidados com
o corpo. Vale ressaltar a relevância no âmbito das atividades a ser aplicada com a criança, a
inserção do lúdico, pois como indica Queiroz, Maciel e Branco (2006) é por meio da brincadeira
que bebês e crianças desenvolvem suas habilidades sociais, intelectuais, psicomotoras, sua
linguagem oral, bem como explora seu próprio corpo. Esta experimentação através de jogos,
brinquedos, contação de história e cantigas consequentemente estimulam o crescimento global
dessas crianças.
No que se refere às visitas familiares, relataram que ocorrem dependendo da situação e
observando cada caso, mas geralmente tem visitas semanais, até porque o objetivo principal é
a reinserção familiar, seja na família nuclear ou extensa. A equipe técnica que realiza as vistas
domiciliares, com intuito de buscar compreender todas as partes.
Foi exposto sobre o relacionamento interpessoal entre acolhidos e profissionais, onde
informaram que existem momentos bons e ruins, mas o vínculo é estabelecido. Identificam-se
como grande grupo, e os acolhidos tem uma pessoa como referência, aquela que apresentam
afinidades.
Sobre a capacitação dos cuidadores, foi dito que eles receberam um treinamento, mas
que a formação foi deficitária. Descreveram que a capacitação deveria ocorrer de forma
contínua. Como visto na literatura, Medeiros e Martins (2018) descrevem que é de suma
relevância que esses profissionais estejam qualificados e preparados para o acolhimento dessas
crianças e adolescentes, pois é com o auxílio dos cuidadores que esses sujeitos terão a
possibilidade de desenvolver sua autonomia, do seu direito como indivíduo ressignificando toda
a violência e a negligência sofrida anteriormente.
No que se refere à desvinculação dos acolhidos, foi mencionado que não existem
projetos específicos, porém os acolhidos estão inseridos no Projovem, Pro-estágio, ID jovem e
Bolsa Família. E que os jovens já possuem um direcionamento para após desvincular-se da
instituição.
Explanaram que os maiores problemas enfrentados na Casa de Acolhimento são, a
1510
unidade mista onde atende ampla faixa etária, subjacente a diversas problemáticas e muitas
demandas para uma pequena equipe; com relação aos acolhidos, não existe uma figura
específica de autoridade, a figura de referência é facelada; e a mudança de equipe e sua
rotatividade dificulta o trabalho com as crianças.
O segundo momento do estágio decorreu da entrevista com os cuidadores, no dia 15 de
abril de 2019. Quando indagados sobre as principais dificuldades enfrentadas no contexto da
casa, os cuidadores responderam que a falta de adaptação das crianças, a ausência familiar, os
traumas e sofrimentos que os acolhidos passaram e também a indisciplina de alguns são os
principais enfrentamentos.
Ao que se refere à existência de formação continuada para o auxílio do trabalho dos
cuidadores, uma das cuidadoras relatou que participou de um curso “educar para não punir”, os
outros informaram que participaram de formações, palestras e a coordenadora geral realiza
reuniões de três em três meses.
Sobre o relacionamento entre os cuidadores e acolhidos, todos os cuidadores
entrevistados discorreram que por conta da falta de afeto familiar as crianças e adolescentes
veem neles a figura de pai e mãe. Nesse sentido é preciso bem como descrito por Medeiros e
Martins (2018) o conhecimento e o entendimento por parte dos cuidadores, que sua função
primordial é promover ações que possibilitem o desenvolvimento e autonomia dos acolhidos,
bem como contribuir para o fortalecimento do vínculo familiar e a reintegração das crianças em
seu contexto familiar de origem ou mesmo para uma nova família.
De forma geral as entrevistas proporcionaram um melhor conhecimento do local de
estágio, bem como das relações vivenciadas ali. Percebeu-se que os cuidadores se dedicam ao
trabalho, mas poderiam ter mais formações, principalmente relacionadas ao desenvolvimento
infantil e relações interpessoais. A presença do educador lúdico é de extrema importância e
interfere de forma positiva no desenvolvimento dos acolhidos.
O terceiro momento foi de relevante importância, pois proporcionou observações acerca
do funcionamento e rotina da Casa. Essa etapa ocorreu nos dias 29 de abril, 13 e 27 de maio de
2019.
As observações se deram especificamente com as crianças que ficavam no berçário e as
cuidadoras responsáveis pelo mesmo. De forma geral as duas crianças que estavam naquele
ambiente não participavam de atividades lúdicas, se limitavam a assistir DVDs de desenhos e
musicais. Ficavam a maior parte do tempo no berço ou no colo das cuidadoras e pouco
participavam das atividades gerais da casa, o horário do lanche era o único período da tarde que
as crianças saíam do ambiente interno e tinham contato com as outras áreas da casa. Ficavam a
maior parte do tempo dentro do berçário, que por sua vez não parecia muito atrativo para elas.
Durante as observações presenciou-se alguns desacolhimentos, crianças reinseridas em
família nuclear e também em família substituta. Esse momento foi bem importante, visto que
mexe com o emocional das crianças que ficam na Casa e também com os cuidadores que
mantinham relações próximas com as crianças reinseridas. O acolhimento e desacolhimento
são momentos importantes que mereciam um olhar diferenciado, uma prática mais trabalhada,
a fim de minimizar os danos que pudessem causar. Diante das entrevistas e das observações
realizadas montou-se então o plano de intervenção, focando o que pudesse ser alterado mais
rapidamente e que pudesse trazer retorno positivo para as crianças do berçário.
As intervenções aconteceram nos dias 04 e 05 de junho de 2019. Houve a realização da
atividade de decoração do berçário com imagens lúdicas no sentido de tornar o ambiente
acolhedor e adaptar o meio para estimular aspectos visuais, motores e cognitivos das crianças.
1511
Além disso ocorreu a formação dos cuidadores, abordando assuntos como acolhida de novos
usuários, desenvolvimento infantil, confecção de brinquedos recicláveis e contação de história
com o objetivo de orientar sobre novas maneiras de executar as tarefas e trocar experiências.
Nessa ocasião também foi feita a escuta dos cuidadores e de todos os envolvidos ali presentes,
onde relataram suas vivências da vida pessoal e do ambiente de trabalho. Por fim ocorreu a
confecção de uma caixa contendo objetos (fantasias, máscaras, perucas e livros didáticos) para
serem utilizados durante a acolhida das crianças, no intuito de auxiliar os cuidadores a tornar
esse momento da chegada na instituição menos doloroso e mais acolhedor.
Além dessas atividades, eram feitas também as supervisões juntamente com a
Professora responsável pelo estágio. Nas supervisões foram relatadas as impressões das
experiências de estágio, as dificuldades encontradas, as aprendizagens adquiridas naquele
contexto, e principalmente as demandas e as potencialidades percebidas no ambiente.
Observou-se que a Casa de Acolhimento é para o acolhido um local de apoio, e que as
pessoas que estão inseridas naquele local fazem parte do seu ambiente emocional. Nesse sentido
constatou-se a importância de o ambiente apresentar-se limpo e organizado, com rotinas
específicas, com a inclusão do lúdico para envolver as crianças, onde atividades nos espaços
verdes da casa possam fazer parte da rotina dos acolhidos e as relações entre todos os acolhidos
e profissionais seja harmoniosa.
A formação continuada tanto para a equipe técnica quanto para os cuidadores é
imprescindível para o bom andamento da instituição, pois traz conhecimentos sobre o público
que a Casa atende, e também auxiliam nas formas de intervenção e cuidados; parcerias com
outras instituições são de grande importância, pois agregam novos olhares de outros
profissionais e facilitam o atendimento das questões que existem no local.
Outra ação pertinente para o bom desempenho de todos que atuam na Casa, em especial
os cuidadores, seria a prática de escuta psicológica desses profissionais, pois como bem
observado, os acolhedores necessitam de uma atenção intensificada, a carga afetiva que existe
na instituição, bem como os vínculos estabelecidos entre acolhedores e acolhidos necessitam
de um olhar mais aprofundado de todos os envolvidos daquele ambiente para que dessa maneira
o comprometimento e o trabalho de todos sejam adequados e propícios para o desenvolvimento
e crescimento global das crianças.
Compreende-se que a Casa de Acolhimento é uma medida de proteção provisória para
crianças e adolescentes, por esta razão é importante estabelecer o maior vínculo possível de
cuidado e proporcionar uma boa permanência para o acolhido durante o tempo que estiver lá,
com práticas e atividades que estejam de acordo com o desenvolvimento pleno da criança.
Nesse espaço, as observações feitas levaram a intervenções que pudessem modificar e
auxiliar a rotina de trabalho, com o sentido de transformar o ambiente que tem características
de isolamento, afastamento ou separação do vínculo familiar em um ambiente que possam
transmitir acolhimento, conforto e cuidado. De fato, estar ou ter sido acolhido pode representar
no repertório de vida lembranças que são difíceis de tolerar, mas ações planejadas e reflexivas
podem transformar o espaço e as práticas visando uma permanência mais amena e menos
desagradável nesse local, podendo ser também um espaço onde podem ressignificar suas
experiências.
A experiência de estágio na Casa de Acolhimento proporcionou um conhecimento sobre
a dinâmica de trabalho do local e a importância desse dispositivo para as crianças e adolescentes
em situações de vulnerabilidade. Local de acolhimento provisório com características físicas
que ainda carecem de estruturas mais adequadas, mas com equipe assídua que demonstrou
1512
prezar pelo estabelecimento de vínculos afetivos com os acolhidos e com perspectivas para
novos conhecimentos que possibilite auxiliar o trabalho na instituição.
4 Referências
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crianças no contexto das instituições de acolhimento: um estudo teórico. Psicologia:
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um olhar sociocultural construtivista. Paidéia. vol. 16, n. 34, pp.169-179.
Ravelli, A. P. X. & Motta, M. G. C. (2005). O lúdico e o desenvolvimento infantil: um enfoque
na música e no cuidado de enfermagem. Rev Bras Enferm. vol. 58, n.5, pp.611-663.
Rodrigues, E. B. T. (2005). Cultura, arte e contação de história. Goiânia.
Weber, L. (2012). Eduque com carinho: Lidia Weber./ 4a ed., 11a ti r./ Ilustrações de Benett./
Curitiba: Juruá
PREVENÇÃO AO SUICÍDIO: PROJETO DE EXTENSÃO NA CIDADE DE
1513
DOURADOS MS
Sandro de Toledo,
Ticiana Araujo da Silva
Introdução
O suicídio como fator social nos leva a transcorrer o trabalho de Botega (2014), onde o
mesmo faz ressalvas sobre os índices estatísticos relacionados ao suicídio, pois nem sempre é
possível fazer uma distinção entre uma morte advinda de um suicídio, de uma morte advinda
de origem violenta (homicídio, acidente de trânsito etc.). Porque cada país tem sua legislação
específica para determinar a origem do óbito ocorrido, como também a própria família pode
pressionar para que não se registre a natureza da morte. O autor finaliza esclarecendo que apesar
das ressalvas, a própria OMS criou estratégias de prevenção, conscientização, quebras de tabus
junto a população e treinamentos específicos para os profissionais da área de saúde, porém as
tentativas de suicídio também precisam estar em primeira pauta.
Segundo Brasil (2017) as notificações de lesões autoprovocadas progrediram entre o
período de 2011 a 2016 e o percentual maior ocorreu com indivíduos entre 10 e 39 anos. O
Boletim Epidemiológico informa que nos anos de 2011 a 2015 foram registrados 55.649 óbitos
motivados por suicídio e que os dados apresentados não conseguem representar todas as
Unidades da Federação, mas são suficientes para demonstrar que tanto as lesões autoprovadas
como o suicídio é um problema de saúde pública, sendo assim necessário realizar estratégias
de prevenção.
Gomes et al. (2014) discursam e reafirmam que o suicídio se tornou um problema de
saúde pública preocupante, que existe alta prevalência nas taxas de suicídios entre adolescentes
e jovens, onde destaca como esses grupos são afetados diretamente pela internet, pois ao mesmo
tempo que o acesso à internet pode ser útil, ela pode se tornar o meio mais rápido do adolescente
ou jovem vir a cometer um suicídio.
Finalmente Nagafuchi ressalta:
A discussão sobre o tema suicídio como um problema de saúde pública, tem como
marco inicial em 2003, quando a OMS define o dia 10 de setembro como o dia mundial de
prevenção ao suicídio, com o tema “Conectar, Comunicar, Cuidar”. No Brasil, segundo
Werlang (2014) o Ministério da Saúde cria em 2005 o Grupo de Trabalho (GT), com o objetivo
de criar diretrizes nacionais relacionadas ao comportamento suicida, em 2016 na cidade de
Porto Alegre são definidas as primeiras diretrizes, onde esperava-se que os demais municípios
organizassem também suas próprias diretrizes, a escolha pelo município de Porto Alegre não
foi feita aleatoriamente, pois a Região Sul do Brasil tem os maiores índices de óbitos por
1514
suicídio.
Werlang (2014) afirma que é necessário que o psicólogo se capacite sobre o tema,
conhecer quais são os seus pressupostos, quais são as frequências de fatores sociais, desordens
mentais e outros fatores de risco que tem levado indivíduos a suicidar-se. O autor salienta que
o suicídio pode ser prevenido, mas precisa de boas estratégias, fundamentadas e compostas por
profissionais gabaritados, pois assim será possível treinar outros profissionais das áreas da
saúde, educação, engenharia, arquitetura, do direito, como também os bombeiros e policiais,
para planejar, identificar, intervir tanto com os sujeitos que podem estar com ideações suicidas,
como também os possíveis lugares que podem vir a ser propicio ao ato. “A prevenção do
comportamento suicida é um grande desafio não só para a Psicologia, mas para toda a
sociedade, por ser um desafio social, econômico e político” (Werlang, 2014, p. 28).
Como forma de integralizar esses estudos e iniciar estratégias de prevenção ao suicídio
o Conselho Federal de Medicina (CFM), lança em 2014 a cartilha intitulada, Suicídio:
informando para prevenir e declara que a classe médica acredita que o envolvimento de todos
da comunidade, a partir da criação de políticas públicas, profissionais de saúde engajados e
preparados para identificar os fatores de risco para o suicídio, podem contribuir para decompor
o tabu sobre o tema na comunidade, na identificação e no tratamento de indivíduos com
ideações suicida (CFM, 2014, p. 7).
Em 2015 o movimento intitulado como Setembro Amarelo começa a tomar forma, o
Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
juntamente com o Centro de Valorização da VIDA (CVV), inicia a Campanha Setembro
Amarelo utilizando de fundo a frase: Falar é a melhor solução. A partir desse movimento o
Brasil começa a se mobilizar para estruturar a Campanha.
Esse trabalho tem como objetivo, relatar sobre os caminhos e a estruturação do projeto
de extensão universitária, intitulado como Campanha Setembro Amarelo em Prol da Vida na
cidade de Dourados MS, que teve início no ano de 2015 pelo Curso de Psicologia do Centro
Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN. A sua relevância está em poder contribuir
com a comunidade científica na produção de mais pesquisas, orientação para novos projetos e
na capacitação de futuros profissionais.
Método
Trata-se de um relato de experiência de projeto de extensão, o método utilizado foi a
investigação qualitativa e o recorte para a análise, se encontra em um período cronológico de
cinco (05) anos.
O projeto de extensão universitária: Campanha Setembro Amarelo em Prol da Vida teve
início no ano de 2015 na cidade de Dourados MS, no Centro Universitário da Grande Dourados
– UNIGRAN, planejado e executado pelo Curso de Psicologia.
O projeto proposto foi desenvolvido pelos professores e acadêmicos do Curso de
Psicologia, sob supervisão da coordenação do curso e aprovação do CONSEPE - Conselho de
Ensino Pesquisa e Extensão do Centro Acadêmico da Grande Dourados.
No ano de 2015, as atividades desenvolvidas foram realizadas no campus da instituição,
com atividades de sensibilização sobre a prevenção do suicídio e promoção a vida entre os
acadêmicos. A partir de 2016 as atividades se estenderam para toda comunidade local, em
parceria com outras instituições, realizadas nos CRAS, CREAS, Lar do Idoso de Dourados,
1515
praças públicas e desfile cívico.
Entre os anos de 2017 e 2019 houve desdobramentos do projeto, devido a demanda, foi
possível observar a necessidade de realizar outros três projetos de extensão intitulados como:
Curso de Prevenção ao Suicídio em Dourados no ano de 2017; Palestra Sobre Prevenção ao
Suicídio, Álcool e Drogas com início em 2017 e se encontra ativo; Curso Manejo do
Comportamento Suicida: Aspectos Teóricos e Práticos realizado no ano de 2019.
Resultados e Discussões
Costa, Landim e Borsa (2017) esclarece que pesquisas realizadas por psicólogos com
sujeitos vulneráveis, devem ser criteriosas, pois é necessário ir além da neutralidade, da
metodologia utilizada, o cuidado para com esses indivíduos é de extrema importância, para que
não venha ocorrer uma discriminação ou supressão da subjetividade desses sujeitos vulneráveis.
O pesquisador precisa ser crítico, não utilizar de normas e padrões para justificar uma possível
conduta que possa vir a ferir a condição humana desses indivíduos. Esse relato utiliza-se desse
pressuposto, pois falar sobre suicídio ou até mesmo sobre a sua prevenção, acaba por ser um
relato que atinge diretamente indivíduos em situações de vulnerabilidade.
No ano de 2015, após debates em sala de aula, um pequeno grupo de acadêmicos do 1º
semestre de psicologia foram pesquisar sobre o movimento que estava acontecendo no Brasil
intitulado como Setembro Amarelo. Após uma consulta no site do Centro de Valorização da
Vida – CVV, foi possível conhecer os objetivos e diretrizes da campanha.
Foi levantado junto a coordenação do Curso de Psicologia a possibilidade de realizar
atividades sobre o tema, onde seguindo orientação desta coordenação, os acadêmicos
juntamente com os seus orientadores, elaboraram e submeteram o projeto de extensão para
apreciação do CONSEPE, após a aprovação iniciou-se às atividades.
A primeira dificuldade foi no levantamento de recursos para a compra de insumos, visto
que se tratava de um projeto de extensão e não existia um financiamento destinado para esse
fim. Através de patrocínios foi confeccionado panfletos contendo informações sobre a
campanha (figura 01).
Após a aprovação do projeto e os informativos prontos, o grupo compartilhou o objetivo
do projeto de extensão com os acadêmicos de outros semestres e períodos do Curso de
Psicologia. Foi utilizada a estratégia de distribuir balões da cor amarela visando chamar a
atenção da comunidade universitária para a temática.
No dia 25 de setembro de 2015 houve sensibilização abrangendo toda a instituição sobre
a campanha Setembro Amarelo, foi entregue panfletos e orientação juntos aos acadêmicos sobre
o funcionamento do Núcleo de Psicologia da UNIGRAN – NPU, pois o mesmo tem como meta
o atendimento a comunidade carente, mas também realiza atendimentos aos universitários
(figura 02).
1516
Figura 01. Panfleto e banner informativo/Grupo de acadêmicos de psicologia.
Fonte: Os autores.
O principal objetivo foi demonstrar acolhimento para com alunos que possivelmente
poderiam estar em sofrimento psíquico e iniciar o diálogo sobre o tema na tentativa de
descontruir o tabu do suicídio.
Nascimento (2017) declara que lidar com a morte é essencial para a manutenção da vida,
precisa olhar para ela de forma tranquila e transparente, mas o sujeito em sua vida é inserido
em uma cultura que não admite a morte, pois desde a busca pela medicina em prolongar a vida,
os mitos sobre a pós-morte e até mesmo o culto ao próprio corpo, faz com que se crie um
distanciamento da morte. Seguindo a lógica do autor podemos dizer que a origem do tabu vem
desse contexto, pois os indivíduos que atentam contra a própria vida, são condenados e julgados
pela sociedade. Assim podemos justificar algumas resistências que ocorreram tanto por parte
dos acadêmicos, como também por parte da docência. Em cada sala o grupo foi recebido com
algum diferencial, algumas salas mais abertas para o diálogo, outras preferiram se calar e alguns
indivíduos mostraram claramente o incômodo de discutir sobre o assunto.
Devido à proporção que a campanha Setembro Amarelo começou a ter entre o ano de
1517
2015 e 2016 em todo o Brasil, as altas taxas de suicídios e a própria demanda na cidade de
Dourados, os acadêmicos e docentes, supervisionados pela coordenação do curso e partindo da
experiência vivenciada no ano de 2015, decidiram elaborar o projeto de extensão na sua
segunda fase, denominado como: Setembro Amarelo em Prol da Vida.
Na segunda fase do projeto, o objetivo foi de estender as atividades previstas para fora
do campus universitário, divulgar a Campanha Setembro Amarelo, sensibilizar a população
sobre a prevenção do suicídio, orientar sobre os locais de atendimentos psicológicos,
principalmente os que atendem gratuitamente (clínicas escolas, CRAS, CREAS e CAPS),
informar onde procurar atendimentos de urgência (prontos socorros e UPA) e iniciar ciclos de
palestras no centro universitário, convidando vários setores da sociedade para debater sobre o
assunto.
As atividades da campanha em 2016 consistiram em três momentos, abertura com mesa
de debate (01/09), palestra (30/09) e encerramento (01/10) com ação de sensibilização junto à
comunidade. Foi confeccionado troféus simbólicos (para distribuir entre os palestrantes e
colaboradores) e panfletos informativos distribuídos para as pessoas presentes nos eventos
(figura 03).
1518
prevenção ao suicídio. Foi explanado sobre a mediação com sujeitos em hora de conflito,
quando o sujeito está preste a cometer o ato. A necessidade da escuta de indivíduos com ideação
suicida e sobre a importância da prevenção.
A ação de sensibilização foi realizada na praça central da cidade de Dourados, Praça
Antônio João, onde ocorreu uma mobilização do Corpo de Bombeiros de Dourados e os
acadêmicos do Curso de Psicologia que juntos entregaram os panfletos informativos e
dialogaram com as pessoas transeuntes, sobre a Campanha, a importância da prevenção ao
suicídio e como procurar ajuda.
Seguindo as diretrizes do Centro de Valorização da Vida - CVV, foi confeccionado
camisetas com o tema: Falar é a melhor solução, pois os acadêmicos de psicologia utilizaram a
camiseta para divulgar a Campanha Setembro Amarelo, vestiram a camiseta durante todo o mês
de setembro e principalmente nos dias das atividades. Esse movimento alcançou seu objetivo
que era de chamar a atenção das pessoas para saber mais sobre a campanha.
Em 2016 o maior desafio foi começar um diálogo com a sociedade Douradense sobre o
tema, pois não existia uma cultura de falar sobre o suicídio ou até mesmo sobre a prevenção.
Os profissionais de atendimentos de urgência puderam explanar sobre o seus trabalhos em
relação a ocorrências com pessoas que estavam com ideação suicida ou chegaram a completar
o ato, a psiquiatria e a psicologia puderam compartilhar em ambiente acadêmico sobre os seus
trabalhos e a educação manifestar a sua preocupação.
1519
comunicar a sua dor.
A partir daqui a campanha se torna um processo dinâmico e com muitos desafios, tanto
para os profissionais quanto para os acadêmicos envolvidos, Silva e Carvalhaes (2016) declara
sobre a necessidade da psicologia se embrenhar junto as políticas públicas, principalmente por
ela ser construída como ciência da subjetividade, seja ela individual ou coletiva. Se faz
necessário adentrar o aprendiz de psicologia nesta questão desde o início da sua formação,
sendo assim tornando o futuro psicólogo um sujeito crítico, capaz de dialogar com a sociedade
e propor intervenções que visam o bem estar social, respeitando as diferenças e a subjetividade
de cada indivíduo.
A partir do ano de 2017 a Campanha Setembro Amarelo em Prol da Vida se tornou parte
da programação anual das atividades promovidas pelo Curso de Psicologia. Com a experiência
passada em 2015 e 2016, como já foi dito, o amadurecimento da campanha se deu numa
frenética busca pela literatura e a implementação na prática, pois através de ofícios, a
coordenação do Curso de Psicologia da UNIGRAN foi solicitada para participar de entrevistas
nos principais veículos de comunicação de Dourados, realizar palestras sobre a prevenção ao
suicídio e desenvolver o cursos.
As palestras conseguiram atender um número superior a 5000 ouvintes, atendendo
principalmente alunos do ensino fundamental II e médio tanto de escolas públicas como
particulares. Os cursos teve o total das suas vagas preenchidas, 72 participantes no primeiro
curso realizado em 2017 que teve como objetivo capacitar profissionais de diversas áreas sobre
a prevenção ao suicídio e 39 participantes no segundo curso realizado no ano de 2019, esse
último foi ministrado somente para os acadêmicos e profissionais de psicologia e psiquiatria,
pois foi delineado para contribuir na formação e atualização dos mesmos.
A partir do ano de 2017 a campanha seguiu com temas pontuais sobre os principais
fatores de riscos e proteção. Em 2017 o tema foi sobre a Violência na comunidade LGBTI,
Adolescência e Religião, em 2018 a campanha decorreu sobre a Violência contra a mulher e no
ano de 2019 o tema escolhido foi Comunidade idosa e Suicídio como fator Social. Os
informativos passaram a divulgar os canais de atendimento e uma pequena introdução sobre os
fatores de risco para o suicídio (figura 05).
Cada tema teve a sua complexidade, pois não é sobre falar da vulnerabilidade ou o
sofrimento das pessoas LGBTIQIA+, mas falar da construção da subjetividade e das
experiências desses sujeitos (Nagafuchi, 2017), em contrapartida reconhecer que a mulher
vítima de violência doméstica submerge em episódios depressivos que podem leva-la tirar a
própria vida (Correia et al., 2018), o adolescente por sua vez tem na família, escola e nos
relacionamentos interpessoais uma possibilidade de apoio emocional, mas esses fatores também
podem se tornar fatores de risco para o suicídio (Cardoso & Cecconello, 2019), o idoso tem no
decorrer da sua vida um caminhar que muitas vezes é delineado pelo vício, relacionamentos
conturbados, projetos inacabados, o abandono, entre outros, sendo assim o sentimento de vazio
e a percepção de não ser mais útil acaba por leva-lo a desenvolver algum tipo de transtorno
depressivo e possivelmente ao suicídio (Teixeira e Martins, 2018). Como podemos constatar na
literatura, os temas foram propostos no intuito de promove o debate, pois eles são os principais
fatores sociais para o suicídio.
Todo início do mês de setembro a instituição é decorada com balões alusivos à
campanha, o movimento teve uma adesão maior pelos alunos de psicologia a partir de 2017,
pois todos os semestres se evolvem de alguma forma na campanha e a partir de 2018 os balões
foram padronizados.
A camiseta foi uma estratégia de chamar atenção para a Campanha e adquirir recursos
1520
financeiros para as despesas da campanha. A sua arte seguiu o padrão da Campanha Setembro
Amarelo do CVV e a partir de 2018, nas costas ela destaca o telefone 188 que é o contato do
CVV, onde o indivíduo tem uma equipe de voluntários para dar apoio emocional e prevenção
do suicídio, de forma gratuita, sob total sigilo e com atendimento 24 horas todos os dias (figura
06).
1522
contra mulher, a Coordenadora do programa mulher segura em Dourados Mª Sgta Gleice
Aguillar dos Santos - Sargenta da PMMS trabalhou o tema Acolhimento e proteção a mulher e
finalizando o ciclo de palestra o Prof. Psicólogo Leandro Correa Barboza decorreu sobre
Violência Doméstica uma conexão para o suicido?
A campanha em 2019 percorreu sobre o universo da pessoa idosa, tendo na abertura a
palestra Suicídio na População Idosa com o Prof.º Esp. Carlos Arturo Valiente Filho, seguindo
por mesa de debate com o tema Saúde Mental e Suicídio, composta pela Psicóloga e Psicanalista
Francina Souza, o Médico Psiquiatra Wendel Dalprá, Psicólogo Mc. Ezequias Milan Prof.º Esp.
Carlos Arturo Valiente Filho.
Em um segundo momento, foi realizado a palestra intitulada Suicídio: Questão Social,
ministrada pelo Psicólogo Mc. Dan Josua e o Psicólogo Esp. Murilo Vasques Buso explanou
sobre Intervenções para a Prevenção ao suicídio fora do Setting Clínico.
Fonte: Os autores.
Considerações Finais
O relato procurou apresentar as principais atividades desenvolvidas, pois até o ano de
2015 falar sobre o tema na sociedade douradense era um tabu, mas no decorrer dos anos os
sujeitos quebraram o silêncio e em 2020 praticamente toda a comunidade debate sobre como
traçar estratégias de prevenção e escuta a indivíduos com ideação suicida. Os fatores de risco
para o suicídio apresentados, são os principais, mas não os únicos, pois são diversos os motivos
1523
que o sujeito tem para chegar ao ato.
Concluímos que o projeto de extensão alcançou o seu objetivo de abrir o diálogo com a
sociedade sobre o assunto, mas se faz necessário a efetivação de políticas públicas eficientes
para atender a demanda. Foi possível observar que a relação entre universidade e sociedade se
faz necessário, pois o centro acadêmico é o lugar da construção do saber, onde através de
pesquisas, debates e estudos pode contribuir na criação de estratégias para solucionar ou
minimizar os problemas de saúde pública.
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1524
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COMPREENDENDO A RESISTÊNCIA À MUDANÇA ORGANIZACIONAL NA
1525
GESTÃO PÚBLICA: UMA ANÁLISE DA LITERATURA
Kairon Pereira de Araujo Sousa,
Renata Miranda de Freitas Varão
Introdução
A mudança organizacional representa um dos principais desafios para empresas e
instituições em diversas partes do mundo. Há alguns anos atrás, ela ocorria de forma esporádica,
a partir de exigências reais urgentes presentes no cenário organizacional. Na atualidade, em
face de um ambiente dinâmico, competitivo e mutável, são as próprias organizações que
buscam transformações contínuas com vista ao crescimento (Hernandez & Caldas, 2001).
Nesse sentido, a mudança organizacional expressa uma condição sine qua no do
mercado mundial. Além disso, representa a base para o desenvolvimento de soluções futuras,
minimizando a redução na qualidade e produtividade da organização, o que permite sua maior
flexibilidade, inovação e integração com o ambiente externo (Teixeira et al., 2009).
O processo de mudança organizacional ocorre tanto a nível interno quanto externo à
organização, sendo operacionalizada nas alterações tecnológicas, desenvolvimento de
programas de qualidade, modificação da gestão, fusão, mudanças na lei e alteração no
maquinário. Tudo isso exige adaptação, mudança de comportamento e de atitude por parte dos
colaboradores (do mais baixo ao mais alto cargo) para que ela seja efetivada (Bortolotti, Sousa
& Andrade, 2011).
A mudança organizacional é definida como qualquer modificação que tenha sido
planejada ou não nos elementos organizativos (colaboradores, trabalho, estrutura formal e
cultural) ou na associação da organização com o seu ambiente, capazes de apresentar
consequências positivas ou negativas na sustentabilidade da organização (Lima & Bressan,
2003). O intuito primordial é obter mais competividade e eficiência (Certo, 2003).
Ao se estabelecer os objetivos a serem alcançados com a mudança organizacional, é
preciso a elaboração prévia de um plano de ação que possibilite a concretização das metas
traçadas, processo que costuma ser árduo, uma vez que existem forças que provocam
resistências, impactando toda a organização (Teixeira et al., 2009). A resistência à mudança
organizacional, dependendo da intensidade ou maneira como se manifesta, pode representar um
entrave, impedindo que veja obtido o resultado esperado (Bortolotti et al., 2011).
A esse respeito, Chiavenato (2003) destaca que estas forças podem ser positivas,
contribuindo para impulsionar o processo de mudança; ou negativas, atuando como mecanismo
de resistência a ela. Quando as forças positivas se sobrepõem às negativas, a mudança é bem
sucedida, ocorrendo de forma efetiva. Por outro lado, quando as forças negativas são superiores
às positivas, a iniciativa de mudança se torna inviável, prevalecendo à velha situação. Desta
maneira, para que a mudança organizacional ocorra, é preciso que as forças de suporte ou apoio
a ela sejam aumentadas, reduzindo-se os seus mecanismos de resistência e oposição.
A resistência à mudança pode ser compreendida como qualquer conduta de resistência
que objetive proteger o sujeito de eventuais efeitos provenientes de uma mudança real ou
imaginária (Zander, 1950). A análise deste construto tem se configurado como uma questão
1526
relevante nos estudos sobre o comportamento organizacional (Robbins, 1999), visto que a
resistência à mudança organizacional é identificada como uma resposta inevitável e um
elemento significativo para o sucesso ou o fracasso da mudança em uma organização (Bortolotti
et al., 2011).
Apesar de ser um dos temas mais explorado na área organizacional (Hernandez &
Caldas, 2001), a resistência à mudança organizacional tem sido abordada, majoritariamente na
literatura especializada, a partir do âmbito da gestão privada. Embora se reconheça as
contribuições destes estudos, pensa-se ser de suma importância a compreensão dos principais
fatores de resistência à mudança organizacional na esfera da gestão pública, motivo pelo qual
se propôs esta pesquisa.
A partir do previamente exposto, este trabalho teve como objetivo avaliar a produção
da literatura científica referente à resistência à mudança organizacional no âmbito da gestão
pública. Para tanto, toma-se como questão norteadora: Como se apresenta na literatura científica
o tema da resistência à mudança organizacional na gestão pública?
Método
Esta pesquisa é de natureza qualitativa e exploratória, realizada por meio de uma
Revisão Sistemática da Literatura (RSL). A RSL é um método que tem como intuito identificar
a produção científica acerca de determinada temática, por meio de métodos sistemáticos de
busca (De-la-Torre-Ugarte-Guanilo, Takahashi & Bertolozzi, 2011).
Para esta pesquisa, foram utilizadas as seguintes bases de dados: Scientific Electronic
Library Online (SciELO) e Periódicos da CAPES. Conforme Erdmann et al. (2009), as bases
indexadoras constituem-se como expressivos meios de difusão do conhecimento formulado por
diferentes campos do saber. A escolha pode ser justificada pelo fato de indexarem estudos da
área da administração e psicologia organizacional, além de serem reconhecidas no meio
científico.
A busca dos dados foi realizada no sítio eletrônico das bases descritas acima, durante o
mês de dezembro de 2018 a Janeiro de 2019. Foram empregados os seguintes descritores:
resistência, mudança organizacional e setor público, colocando-se entre eles o operador boleano
and.
O recorte temporal de publicação dos compuscritos compreendeu o ano de 2013 a 2018.
Considerou-se o período por entendê-lo como razoável em termo de tempo para o lançamento
de artigos atualizados sobre o tema, visto que a média para uma revista acadêmica lançar esse
tipo de documento costuma ser em média de um ano, após a submissão para apreciação.
Como critério de inclusão, selecionou-se artigos completos, no português brasileiro, que
abordaram o tema da resistência à mudança organizacional no setor público, no período de 2013
a 2018. Com o intuito de cumprir esse critério, efetuou-se a análise dos títulos, resumos e
palavras-chave dos compuscritos, bem como o ano de lançamento. Foram excluídos os artigos
em outro idioma, aqueles que não trataram do tema proposto, duplicatas, dissertações e teses.
Resultados
1527
Primeiramente, foram identificados 671 estudos a partir dos descritores utilizados. Deste
total, 665 foram excluídos por não estarem de acordo com os critérios de inclusão tidos em
conta na presente investigação. Sobraram 06 artigos que foram avaliados, excluindo-se, por
meio do software EndNote, aqueles com duplicação, restando ao final 04 trabalhos. Os
resultados das buscas nas bases de dados são sumarizados a seguir na figura 1.
1528
mudança e Morais e Silva Administraçã
correlacional
Comprometimento organiza (2014) o
cional em servidores Contemporân
públicos de Minas Gerais ea
(A2)
Resistência à mudança Freires, Gouveia, Revista Psico Quantitativa IFPB
organizacional: perspectiva Bortolotti e Ribas (A2)
correlacional
valorativa e organizacional (2014)
Mudança organizacional e Marques, Borges Revista de Quantitativa FNH
satisfação no trabalho: um e Reis (2016) Administraçã
correlacional
estudo com servidores o Pública
públicos do estado de Minas (A2)
Gerais.
A relação entre o estilo de Almada e REGE - Qualitativa, IFMG
liderança e a resistência à Policarpo (2016) Revista de bibliográfica
mudança dos indivíduos em Gestão (B1)
um processo de fusão.
1529
que avalia a resistência à mudança organizacional no setor público, possivelmente deva-se ao
fato dos instrumentos empregados, escalas de medidas, permitirem um alcance maior de
participantes, avaliando objetivamente suas respostas. O uso de instrumentos qualitativos, a
exemplo das entrevistas, não possibilitaria captar um número elevando de participantes.
Ademais, a utilização de instrumentos quantitativos também possui como vantagem o fato de
permitir a redução de viesses nas respostas e o controle da desejabilidade social que, segundo
Almiro (2017), refere-se à tendência dos sujeitos de atribuírem a si mesmos comportamentos
ou valores que são socialmente aceitáveis, rejeitando aqueles socialmente indesejáveis.
Continuando a análise do método, percebeu-se que somente três dos artigos fazem
referência a este, apresentando uma secção para a sua descrição (Marques et al., 2014; Freires
et al., 2014; Marques et al., 2016). Contudo, apenas dois (Freires et al., 2014; Marques et al.,
2016) apresentam esse tópico dividindo-o em subitens (participantes, instrumentos, análise de
dados e procedimentos). O artigo de Freires et al. (2014) é o único que apresenta a seção do
método de forma clara (participantes, instrumentos, procedimentos e análise de dados).
Marques et al. (2016), apesar de apresentarem em tópicos a parte do método, cometem alguns
equívocos, como, por exemplo, ao descreverem a secção com a atribuição do termo
“metodologia” ao invés de “método”. Além disso, unem, em um mesmo subtópico, a parte dos
instrumentos e dos procedimentos (“Instrumento de pesquisa e coleta dos dados”). O que é
aceitável em determinados periódicos, porém nos parece que a apresentação destes tópicos de
forma separada permitiria uma melhor clareza.
O artigo de Almada e Policarpo (2016) não menciona o método. Contudo, pela análise,
pode-se deduzir que consiste numa discussão bibliográfica a respeito do tema da resistência à
mudança em processo de fusão de empresa.
Quanto aos instrumentos, todos os trabalhos, que descrevem a parte do método,
utilizaram escalas de medidas (instrumentos de autorrelato). Sobre os participantes da pesquisa,
apenas Freires et al. (2014) apresentam uma caracterização pormenorizada, destacando
aspectos como idade, sexo, estado civil, grau de escolaridade, ocupação de cargo de chefia ou
não, bem como os critérios de inclusão da amostra. Esse apontamento é primordial para ser ter
uma visão geral sobre os dados, e como eles vão se agrupando na pesquisa.
A partir da análise do método utilizado nos artigos avaliados nesse estudo, identificou-
se a existência de uma lacuna relativa aos aspectos metodológicos, evidenciada pela ausência e
descrições incompletas da parte do método. Essa situação pode inviabiliza a identificação do
percurso metodológico realizado pelos autores, bem como uma replicação futura desses
estudos. Apresentados os resultados da presente pesquisa, as linhas seguintes foram destinadas
à discussão.
Discussão
Analisando os artigos selecionados, verificou-se que o tema da resistência à mudança
organizacional no setor público tem sido abordado a partir de diferentes variáveis explicativas.
Por exemplo: liderança (Almada & Policarpo, 2016), comprometimento (Marques et al., 2016),
satisfação (Marques et al., 2014), valores e aspectos organizacionais (Freires et al., 2014).
Embora procurem explicar a resistência à mudança organizacional, lançando mão de
1530
distintas variáveis que englobam tanto aspectos individuais (intrínsecos ao sujeito) quanto
organizacionais, foram identificados alguns pontos de interligação entre eles. Estes serão
expostos mais à frente.
O artigo de Almada e Policarpo (2016), apesar de não fazer menção específica à
resistência à mudança organizacional no setor público, foi considerado nesta pesquisa porque
trata do processo de resistência à fusão de empresas. Sendo assim, entende-se que as discussões
apresentadas pelas autoras também se direcionam ao setor público.
No compuscrito supracitado, as autoras tentam esclarecer a ocorrência do processo de
resistência à mudança organizacional, relacionando-a ao estilo de liderança. Nesse sentido,
pensam-na como um fator crucial para a mudança organizacional, uma vez que o líder exerceria
papel relevante no convencimento dos colaboradores à adesão à mudança (Almada & Policarpo,
2016).
Assim, Almada e Policarpo (2016) avaliam diferentes estilos de liderança. O intuito é
identificar aquele que melhor orienta a implantação da mudança organizacional, uma vez que
consideram que a forma de liderança, exercida pelos gestores, afeta a reação dos funcionários
no tocante às transformações na organização.
Para tanto, são reportados e avaliados os seguintes estilos de liderança: autocrático
laissez-faire, orientado para as pessoas, situacional, caminho-meta, carismático, autêntico e
transformacional. Destes, as autoras concluem que os dois últimos são os mais adequados para
orientar uma alteração organizacional. Essa constatação é similar ao que foi encontrado no
estudo de Mascarenhas (2011) que buscou avaliar a relação entre práticas de liderança e a
eficácia do processo de mudança em uma empresa de telecomunicações em Cabo Verde. No
referido estudo, o estilo de liderança transformacional foi identificado como o mais propício à
implementação de mudanças organizacionais, minimizando as resistências.
Embora se reconheça a importância do estudo proposto por Almada e Policarpo (2016),
cabe registrar algumas limitações. Primeiramente, observa-se que se trata de uma pesquisa
meramente teórica, não se apresentando respaldo empírico para a validação das conclusões do
estudo. Ademais, as autoras parecem não leva em conta a existência de outras variáveis que,
em conjunto com o construto estilos de liderança, poderiam explicar a resistência à mudança
organizacional em um processo de fusão de empresas.
Nesse ponto, a pesquisa de Freires et al. (2014) oferece uma análise mais ampla do
processo de resistência à mudança organizacional. Explorando diferentes variáveis explicativas,
a pesquisa dos autores mencionados envolve tanto a dimensão psicológica quanto a
organizacional.
Objetivando conhecer os correlatos valorativos e organizacionais da resistência à
mudança organizacional em uma amostra de 227 funcionários de uma empresa pública da
cidade de João Pessoa, por meio de um delineamento correlacional, os autores identificaram,
entre outros, uma relação negativa entre as dimensões “postura da liderança”/“ambiente
agradável” (fatores da escala de clima organizacional) e a resistência à mudança, o que indica
que quanto mais agradável for o clima organizacional, menor será a resistência (Freires et al.,
2014).
Avaliou-se, também, a relação entre os valores humanos e a resistência à mudança
1531
organizacional, sendo identificadas relações inversas entre as dimensões valorativas,
“interativa” e “suprapessoal”, e o construto resistência à mudança, levando Freires et al. (2014)
a concluírem que os valores, enquanto variável de natureza psicológica, também exercem papel
relevante na explicação da resistência à mudança organizacional.
A subfunção interativa é caracterizada pela necessidade de pertença, amor e afiliação,
deste modo, indivíduos que assumem estes valores como princípios guias priorizam as relações
interpessoais, pensando em termos mais abstratos, sendo, portanto, mais abertos às situações
novas. De forma semelhante, pessoas que endossam a subfunção suprapessoal traduzem
necessidades de cognição, estética e autorrealização, refletindo, assim, em maior abertura à
mudança (Freires et al., 2014).
Por outro lado, o estudo de Marques et al. (2014) traz à baila a discussão acerca do
fenômeno da resistência à mudança organizacional, relacionando-a a variável
comprometimento. Dos artigos selecionados, este é o que faz uma avaliação direta do processo
de resistência à mudança organizacional no setor público, uma vez que se propõe a investigar
o comportamento de resistência à mudança de servidores públicos de três Secretarias do Estado
de Minas Gerais (Secretaria da Educação, Secretaria da Saúde e Secretaria de Planejamento e
Gestão - SEPLAG), submetidos à Avaliação de Desempenho Individual (ADI), ferramenta
implementada pelo governo mineiro, com o objetivo de tornar o serviço público mais eficiente.
Tomando como base as principais causas apontadas pela literatura para explicar a
resistência à mudança organizacional (fatores individuais - indecisão e inconclusão, ameaça ao
convívio e pressão do grupo - e organizacionais - Consistência organizacional e Experiências
prévias), bem como o modelo tipológico de três dimensões acerca do comprometimento
(afetivo, instrumental e normativo), Marques et al. (2014) testam estas variáveis em 141.164
servidores lotados nas três secretarias acima mencionadas.
Os resultados indicaram níveis de comprometimento mais elevados na dimensão afetiva
(66% dos participantes apontaram que a relação com a organização estava relacionada a razões
emocionais) e instrumental (52,9% referem que mantêm o vínculo com a organização em
função de necessidade). Quanto à resistência à mudança organizacional, constatou-se que,
apesar das mudanças promovidas pela administração do estado de Minas Gerais, os níveis de
resistência à implantação ADI foram moderados, sendo a indecisão e a inconclusão, a pressão
do grupo e a ameaça ao convívio social as principais causas de resistência à mudança
identificadas no estudo. Acerca dos achados entre o comprometimento e a resistência à
mudança organizacional, verificou-se uma relação negativa entre os dois construtos, isto é,
quanto maior a resistência à mudança, menor é o nível de comprometimento (Marques et al.,
2014).
O estudo supracitado parece corroborar o que tem sido expresso na literatura sobre o
assunto (Oreg, 2006; Chreim, 2006), visto que os fatores individuais, a respeito da resistência
à mudança, sobrepõem-se aos organizacionais. Contudo, é preciso analisá-lo com ressalvas, já
que os autores não atentaram para outros fatores que poderiam também ser acoplados ao
comprometimento na análise da resistência à mudança organizacional nos órgãos públicos tidos
em conta na investigação.
Por fim, o artigo de Marques et al. (2016) buscou investigar o impacto da mudança
1532
organizacional, desenvolvida a partir da implantação da Avaliação de Desempenho Individual
(ADI) na gestão pública do Estado de Minas Gerais, nos níveis de satisfação de 679 servidores
públicos mineiros. Nesta pesquisa, que também empregou o método correlacional, foram
encontradas relações positivas entre a satisfação no trabalho e as reações à implantação da ADI,
demonstrando que os servidores com reações positivas relativas à mudança organizacional
tendem a serem mais satisfeitos e, por conseguinte, menos resistentes a ela.
Feita essa discussão inicial sobre os principais achados dos trabalhos que foram objeto
de análise nesta pesquisa. As linhas, a seguir, são destinadas à abordagem dos pontos que se
inter-relacionam entre eles.
Avaliados em conjunto, é possível perceber que os modelos de resistência à mudança
organizacional, apresentados anteriormente, foram construídos tendo como foco pressupostos
comuns, estampados em estereótipos acerca da resistência à mudança organizacional. Neles, a
resistência é abordada como um processo natural e inevitável, portanto, presente em toda a
transformação pela qual passa a organização. Desta forma, ela é avaliada como algo nocivo ao
seu crescimento. Não obstante, somente os funcionários são descritos como agentes que
resistem à mudança, sendo excluídos da análise os gestores e outros sujeitos que ocupam cargos
de chefia.
Estes pontos específicos já foram objeto de avaliação de Hernandez e Caldas (2001).
Em uma avaliação crítica da produção literária acerca do tema, esses autores se propuseram a
desconstruir esses mitos que, ao longo dos anos, vêm sendo propagados em diversos trabalhos.
Assim, pensa-se ser útil a retomada das principais argumentações desenvolvidas por eles, como
contrapressupostos às concepções enviesadas no tocante ao tema em questão.
Questionando o pressuposto da naturalização da resistência à mudança organizacional,
Hernandez e Caldas (2001) demonstram que, ao contrário do que tem sido apresentado em
variados estudos, a exemplo dos artigos aqui discutidos, ela não é tão frequente. Aliás, também
não pode ser vista apenas pelo lado negativo, uma vez que em certos casos, de acordo com os
autores, a resistência à mudança organizacional representa um fator positivo e saudável,
contribuindo para proteger a organização. Destarte, o papel de condutor de mudança atribuído
aos gestores, e o de resistência facultado aos funcionários, também é discutível, visto que a
resistência pode ocorrer tanto por parte dos gestores quanto dos empregados.
Considerações Finais
Este estudo contribuiu para a sistematização da literatura científica a respeito da
resistência à mudança organizacional na gestão pública. Na seleção dos artigos, que
compuseram o corpus de análise da presente pesquisa, identificou-se uma carência nas
publicações no que tange a uma discussão mais pormenorizada sobre o tema.
As produções científicas que avaliam a resistência à mudança organizacional no setor
público são escassas quando comparadas ao setor privado, evidenciando uma grave lacuna na
literatura sobre o assunto, visto que o setor público possui um contingente elevado de
servidores, e em meio a um contexto de rápidas transformações, esse setor, assim como ocorre
nas corporações privadas, precisa se modificar constantemente. Deste modo, parece plausível
o desenvolvimento de pesquisas sobre este tema na esfera pública, com o intuito de confrontar
1533
o que já existe na literatura, ampliando o seu arcabouço teórico.
Apesar desta revisão sistemática possibilitar uma compreensão de como vem sendo
abordada, na literatura especializada, a resistência à mudança organizacional na gestão pública,
a mesma apresenta limitações. Primeiramente, cabe destacar que nessa pesquisa foram
selecionados apenas artigos científicos, excluindo-se outros escritos (e.g., dissertações, teses,
anais de congresso, entre outros). Ressalta-se também que os descritores usados podem não ter
captado determinados trabalhos referentes ao assunto.
Assim, tendo em conta perspectivas futuras, sugere-se a realização de novos estudos que
ampliem o material de análise, utilizando escritos da literatura cinza. Indica-se, ainda, a
ampliação do período temporal das publicações.
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REFLEXÕES SOBRE O COMPROMISSO ÉTICO-POLÍTICO DO FAZER
1535
PSICOLÓGICO A PARTIR DE UMA REVISÃO INTEGRATIVA SOBRE A NÃO-
MATERNIDADE VOLUNTÁRIA NO BRASIL
Liviane Damasceno Vidal,
Cleide Maria Amorim dos Santos
Introdução
Nos artigos selecionados e analisados neste trabalho, “Escolha” é a palavra central na
definição do fenômeno da Não-Maternidade voluntária. O uso do termo na circunscrição da
ausência voluntária de filhos remete à histórica recusa da antropomorfização dos instintos e do
amor materno, enquanto “naturalizadores” do feminino (Banditer, 1980). O poder de escolha
enquanto possibilidade feminina no Ocidente inscreve-se em uma série de reivindicações
relativas aos direitos reprodutivos e à liberdade corporal evidenciadas nas Ondas do Movimento
Feminista (Osterne, 2019). Para além do recorte de gênero, associa-se hoje este fenômeno com
outros fatores estruturantes do mundo contemporâneo tais como o envelhecimento
populacional, as exigências liberais do mercado, novos estilos de vida e queda demográfica
(Vidal, 2020).
O ponto de partida desta pesquisa foi à curiosidade acerca de uma situação de
questionamento: “Quando você terá filhos?”. Tal pergunta tem sido feita ao longo do tempo por
familiares, conhecidos ou mesmo por desconhecidos, revelando expectativas sociais acerca de
um certo modo saudável de existir no mundo. De que maneira o assunto tem sido tratado na
produção científica? Como o saber psicológico tem dialogado com esta questão? A busca por
respostas dirigiu o nosso olhar para várias direções: somou-se às leituras de predição pessoal e
de exigência acadêmica, em especial as contribuições da Psicologia Social para a construção da
subjetividade humana; a utilização da interseccionalidade (Akotirene, 2019) como ferramenta
metodológica nas pesquisas acadêmicas, principalmente no estudo de minorias; e as reflexões
propiciadas pelos estudos de gênero. Ao final, confluíram para questionamentos, enquanto
pesquisadoras em Psicologia, sobre como análises e conclusões têm sido produzidas sobre o
fenômeno da Não-maternidade voluntária no Brasil.
Observou-se que na literatura brasileira são diversas as designações do fenômeno, o
que dificulta a sua sistematização, a saber, “mulheres sem filhos”, “mulheres que não querem
ter filhos”, "antimaternidade", e, mais recentemente, “Não-maternidade”. Longe de serem
sinônimas, tais designações demarcam representações diversas sobre o fenômeno, impactando
na sua delimitação e análise (Vidal, 2020).
A quem servimos e como servimos são indagações respondidas explícita ou
implicitamente quando atuamos embasados no saber psicológico. Assim, o compromisso ético-
político está presente na psicologia enquanto ciência e profissão, cuidando para que não nos
tornemos afirmadores de discursos hegemônicos que classificam e patologizam (Cavalcante &
Marinho-Araújo, 2019) pessoas e grupos.
Deste modo, objetivou-se neste trabalho compreender como o compromisso ético-
político atravessaria as discussões e análises sobre a Não-maternidade voluntária no Brasil, já
que a ciência psicológica não é neutra. Para isso, realizou-se uma revisão integrativa da
literatura. Levantou-se 68 artigos, dos quais 8 foram selecionados para compor o corpus deste
trabalho, seguindo os procedimentos preconizados por Mendes, Silveira e Galvão (2008).
Assim, foi possível identificar três eixos temáticos como ponto de partida do enquadramento
do objeto em questão, a saber, “Feminilidade”, “Conjugalidade” e “Motivações”. Com o intuito
de identificar as interligações entre as produções sobre a Não-maternidade voluntária e as
pesquisadoras envolvidas, levantamos as condições de produção das pesquisas por meio da
1536
identificação da Região/Estado de origem das pesquisas e do gênero e área de formação dos
pesquisadores.
Método
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura científica, um método de pesquisa que
fornece informações panorâmicas sobre uma temática e/ou um problema, o que difere da
revisão sistemática, já que esta tem como proposta responder uma pergunta específica sobre um
problema específico (Ercole, Melo & Alcoforado, 2014). Adotou-se, com o intuito de delimitar
o corpus, os procedimentos e etapas propostos por Mendes, Silveira e Galvão (2008). A revisão
envolveu uma busca sistematizada nas bases indexadoras eletrônicas/bibliotecas LILACS,
PePSIC, SciELO; a partir do emprego dos descritores “não-maternidade”, “opção” e
“feminilidade”; e também da pergunta norteadora “Quais as escolhas, análises e conclusões
produzidas pelas pesquisas sobre a Não-Maternidade voluntária no Brasil?”
Procedimento
O levantamento bibliográfico ocorreu em novembro de 2019. No primeiro momento foi
realizada a leitura dos resumos encontrados, excluindo-se os estudos que não se enquadraram
nos critérios de inclusão elencados. Após uma primeira seleção, os estudos foram novamente
analisados a partir da leitura dos títulos e dos resumos.
Posteriormente, os estudos foram recuperados, examinados e lidos na íntegra. Os artigos
recuperados após esse percurso analítico compuseram o corpus. O corpus foi categorizado para
posterior discussão, a qual foi organizada com base nos eixos identificados a partir da leitura
do conjunto de artigos recuperados. A discussão foi orientada pelos artigos selecionados e por
demais referências importantes para o tema. Desse modo, priorizou-se a discussão analítica em
termos dos eixos temáticos eleitos como ponto de partida no delineamento da pesquisa, assim
como de categorias e elementos de contextualização identificados a partir da exploração do
corpus.
Resultados
A partir do processo de rastreio, 42 trabalhos foram excluídos por se tratarem de
investigações sobre bioética, relacionamento da díade mãe-criança, experiência masculina da
parentalidade, análise restrita a noção de feminilidade, estudos sobre o abortamento e a questão
1537
biológica da gestação e do parto. A Figura 1 representa o procedimento de seleção, análise e
composição da amostra. A amostra final desta revisão foi constituída por 8 artigos científicos,
selecionados pelos critérios de inclusão previamente estabelecidos. A Tabela 1 apresenta a
caracterização do corpus.
Registros encontrados em
buscas adicionais = 0
Artigosexcluídos
Artigos excluídosa apartir
partirda
da leitura dos textos
leitura dos textos completos
completos
=0 =0
Tipo de
Nº Título Autores Ano
Estudo
Experiências de mulheres sem Mansur, Luci Helena
1 2003 Empírico
filhos: a mulher singular no plural. Baraldo
Barbosa, Patrícia Zulato;
Maternidade: novas possibilidades,
2 Rocha-Coutinho, Maria 2007 Empírico
antigas visões
Lúcia.
Casamento contemporâneo:
revisão de literatura acerca da Rios, Maria Galrão; Gomes,
3 2009 Teórico
opção por não ter filhos Isabel Cristina
Discussão
Na análise constatou-se que as pesquisas dos artigos que compõem o corpus foram
realizadas nas regiões Sudeste (dez) e Sul (cinco), sendo, em sua totalidade, conduzidas por
mulheres assim identificadas: Quinze autoras; graduadas em Psicologia (onze), em
Enfermagem (duas) e em História (uma).
As amostras construídas nas referidas pesquisas foram constituídas com sujeitos
pertencentes às classes média e média alta, majoritariamente urbanos, com escolaridade
correspondente ao ensino superior completo ou incompleto, ativos profissionalmente, sendo um
retrato aproximado das próprias pesquisadoras (Vidal, 2020).
Como resultado, as pesquisas sobre a Não-maternidade voluntária no Brasil,
resgatadas a partir dos descritores supracitados, foram organizados em três eixos temáticos, a
saber, “Feminilidade”, "Conjugalidade" e “Motivações”, cujas escolhas metodológicas,
análises e conclusões serão apresentadas a seguir.
Feminilidade
Encontra-se neste eixo temático três pesquisas sobre a questão (Barbosa & Rocha-
Coutinho, 2007; Lopes, Dellazzana-Zanon & Boeckel, 2014; Biffi & Granato, 2017). De fato,
foi no campo do “Feminino” que a problemática se constituiu tanto do ponto de vista histórico
quanto teórico,
De fato, foi neste campo que a problemática se constituiu tanto do ponto de vista
histórico quanto teórico. O eixo condensa discussões sobre o vínculo entre feminilidade e
maternidade. Buscam-se novas significações acerca do feminino em geral, criticando as
qualidades que tradicionalmente o definem, abrindo-se novas perspectivas para se pensar-agir
no mundo enquanto mulher. Atribuições femininas tidas como “naturais” são negadas fazendo
emergir o lugar da escolha e da multiplicidade.
Observou-se nestas investigações mudanças no visar feminino em relação à
maternidade, como a escolha de adiá-la e/ou voluntariamente recusá-la (Barbosa & Rocha-
Coutinho; 2007); a amplificação de expressões da feminilidade, notando-se uma vinculação
com os múltiplos papéis desempenhados pelas mulheres na contemporaneidade (Lopes,
1539
Dellazzana-Zanon & Boeckel, 2014); e o interesse científico, nacional e internacional, sobre o
projeto de ter ou ter filhos (Biffi & Granatto, 2017). Nas pesquisas cujas eleições metodológicas
envolveram entrevistas (Barbosa & Rocha-Coutinho; 2007; Lopes, Dellazzana-Zanon &
Boeckel, 2014) a amostra era composta exclusivamente por mulheres casadas e em
relacionamentos heterossexuais.
Evidenciou-se nestas pesquisas andamentos diversos sobre a temática, observando-se
que a amplificação dos modelos de feminilidade propicia modificações nas discussões do
projeto ter/não ter filhos. A mulher é a figura central da escolha, seja em nível individual ou
conjugal.
Conjugalidade
Neste eixo a Não-maternidade voluntária dialoga com casais e três publicações a
contemplam (Rios & Gomes, 2009a, 2009b; Caetano, Martins & Motta, 2016).
Responsabilidade e culpa, dimensões intrinsecamente envolvidas nesta escolha, são
compartilhadas pela dupla enquanto unidade familiar. “Entende-se por conjugalidade as
múltiplas experiências de vinculação de tipo conjugal” (Vidal, 2020, p.21).
A conjugalidade e suas diversas nuances foram investigadas e dois trabalhos retratam o
estigma que atinge os casais que optam pela Não-maternidade (Rios & Gomes, 2009b; Caetano,
Martins & Motta, 2016). A amostra era composta por casais heterossexuais e sem filhos por
opção. Observou-se nos dois trabalhos que o processo de estigmatização desta escolha recaiu
não sobre o casal, mas sobre a mulher. Rios e Gomes (2009a) também possuem outro estudo
neste eixo, mas de caráter bibliográfico, composto por publicações nacionais e internacionais.
Destaca-se a dimensão política presente em todos os trabalhos analisados pelas autoras
(feminismo, condições de escolha ativa feminina e etc.) embora a conjugalidade e sua relação
com a Não-maternidade possua andamentos diferentes na bibliografia nacional e na
internacional (Vidal, 2020).
Motivações
Intercruzam-se neste eixo as dinâmicas sociais e as motivações pessoais propiciando
discursos sobre a Não-maternidade. Dois estudos o compõem (Mansur, 2003; Patias & Buaes,
2012). A palavra “Escolha” permeia todas as discussões neste eixo temático. Utiliza-se este
vocábulo “(...) nas pesquisas pertencentes à literatura nacional como argumento e/ou explicação
da decisão de mulheres cisheterossexuais, casadas ou solteiras, voluntariamente Não-mães.”
(Vidal, p.24, 2020). Mansur (2003), visando a complexidade das vivências oriundas da Não-
maternidade, investigou oito mulheres e as atribuições dadas por elas ao fato de serem Não-
mães. De acordo com as suas narrativas a autora as alocou nas seguintes categorias: tradicionais
(queriam ser mães, mas biologicamente não era viável); transformadoras ou manifestantes
precoces (em suas vidas não era cabível um filho, rejeitando-os desde cedo); e transicionais ou
adiadoras (não optaram de forma incisiva, mas adiaram até que biologicamente a maternidade
não fosse possível). Nas palavras de Lina, uma das mulheres pesquisadas: “eu fui não tendo
filhos” (p. 9).
Assim, partindo das entrevistas a autora ressalta que a Não-maternidade não seria “a
escolha”, mas um conjunto de escolhas reafirmadas no decurso das vivências de mulheres não-
mães (Bonini-Vieira, 1997 como citada por Mansur, 2003). O último trabalho deste eixo
pertence à Patias e Buaes (2012) e objetivou explorar a construção da identidade feminina em
1540
mulheres não-mães. Elas entrevistaram oito mulheres, casadas ou que coabitavam com seus
companheiros, destacando que o fenômeno da Não-maternidade estaria fortemente associado à
mulher de classe média. Além disso, ressaltam que a constituição da identidade das mulheres
voluntariamente Sem filhos seria pela negação da maternidade (Vidal, 2020).
Conclusões
Objetivou-se neste trabalho compreender como o compromisso ético-político
atravessaria as discussões e análises sobre a Não-maternidade voluntária no Brasil. Por meio de
uma revisão integrativa da literatura científica, selecionou-se 8 artigos sobre a temática com
base em critérios previamente elencados para definição do corpus. A partir da leitura do
material recuperado foi possível agrupá-los em eixos temáticos, a saber, Feminilidade,
Conjugalidade e Motivações. Da análise resultou que, a partir de pequenas amostragens, as
pesquisas enquadram a Não-maternidade voluntária ora como uma conquista das
mulheres (Feminilidade), um empoderamento construído nas múltiplas escolhas das mulheres
ao longo de suas vidas e como elemento identitário negativo instituído no contraponto com a
“maternidade” (Motivações), ora como objeto de pressão social que, embora endereçada ao
casal, recai de maneira mais incisiva sobre a mulher, estigmatizando-a (Conjugalidade).
A Não-maternidade voluntária é abordada na produção científica brasileira, no período
delimitado, como uma questão de mulheres, de classe média, de nível superior, ocupadas,
casadas ou em relacionamento estável, heteronormativas, e do eixo Sul-Sudeste. Enquanto o
debate internacional aponta para relações entre o fenômeno em questão e mudanças de
paradigmas sociais/econômicos, ligados a mobilidade social, políticas familiares e de
investimento profissional feminino (Peterson, 2017; Kreyenfeld & Konietza, 2017; Gotman,
2017), no Brasil observa-se uma individualização do fenômeno, centrado na figura da
“mulher”.
Mulher, cis e heterossexual foram os marcadores centrais utilizados na abordagem e na
compreensão do fenômeno da Não-maternidade voluntária no Brasil. Observa-se perante tal
centralidade que estas escolhas feitas pelas pesquisadoras correspondem não somente a
imagens preestabelecidas sobre o fenômeno (Becker, 2008), mas também a posicionamentos
éticos-políticos que referendados pela pesquisa científica tendem a assumir lugar de verdade e
a ser, enquanto tal, disseminado nas práticas profissionais. A nossa análise aponta, portanto,
para as ausências nos estudos sobre Não-Maternidade, a saber, homens sem filhos,
homossexuais, mulheres trans, solteiros ou não, grupos oriundos do universo rural, de áreas
urbanas menos favorecidas, com níveis de escolaridade, de ocupação diversos e de outras
regiões do país. Fatores como cor, etnia, gênero, entre outros marcadores sociais não podem ser
negligenciados nem na definição das amostras nem na constituição dos grupos de pesquisa se
pretendemos alcançar uma compreensão do fenômeno na sua real complexidade.
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ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
1543
E SUA ARTICULAÇÃO COM A NOÇÃO DE SUJEITO E SOCIEDADE
Heloanny Vilarinho Alencar,
Zaira de Andrade Lopes
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo tecer algumas considerações sobre as
Representações Sociais, como seu percurso histórico e sua base teórica, além de discorrer sobre
suas contribuições para a Psicologia Social. Tentarei ainda, articular uma discussão entre o
conceito da teoria das representações sociais com a noção de sujeito e sociedade.
Ressalto, que não é de minha pretensão esgotar -se é que é possível-, toda a
complexidade e magnitude envolvida nos temas propostos, este estudo, se trata apenas de uma
tentativa de traçar um diálogo entre os conceitos mencionados acima.
Para iniciarmos nossa discussão, acredito que se torna pertinente entendermos,
brevemente, alguns dos significados atribuídos ao termo “representação”. Para Xavier (2002),
representar é tão antigo quanto pensar, e é a partir do próprio pensamento do sujeito que a
representação se produz, assim, a representação torna-se objeto, e em seguida exerce seu papel
de constituição da consciência individual ou coletiva.
A princípio, o autor supracitado, afirma que a representação estava relacionada a uma
reflexão cognitiva e que se encontrava associada a experiência de um único sujeito, ou seja, a
subjetividade individual seria a única fonte de uma representação. Contudo, aos poucos essa
visão vai se desfazendo, e a subjetividade cede então espaço para a objetividade, agora as
representações passam a serem interpretadas como fenômenos pertencentes a vida social, tal
qual Durkheim e Marx defendiam.
Xavier (2002), menciona ainda que as mudanças não pararam por aí, em um dado
momento a subjetividade recupera o seu espaço, a representação então volta para o sujeito,
consegue retornar novamente para a objetividade, mas em seguida se encaminha para uma outra
via, agora a da intersubjetividade, onde todas as esferas permanecem presentes seja com maior
ou menor ênfase no conflito ou na integração.
O marco histórico da Teoria das Representações Sociais acontece através do psicólogo
social Sege Moscovici, em 1961, em sua tese intitulada “La psychanalyse, son image, son
public”. Moscovici nasce em 1925, na Romênia, e tem sua juventude marcada por experiências
sociais, prendendo-se as observações de como as ideias e os pensamentos se cristalizam em
tradições e como as minorias podem crescer, assim, ele passa a descobrir duas grandes
tendências, a das minorias ativas e a das representações sociais (Castro & Wolter, 2019).
Para Moscovici, existiriam duas fases do conceito de representação, a do nascimento e
a do ressurgimento. A definição inicial de “representação social” surge a partir do conceito de
“representações coletivas”, desenvolvido na sociologia por Émile Durkheim, mas que
posteriormente é retomado e reformulado por Moscovici. Os estudos de Moscovici vieram
então para enfatizar as dimensões da construção humana, social e cultural, mas sobretudo por
dar visibilidade e fazer transcender a psicologia social e a psicologia de um modo geral,
conforme apontam Almeida, Santos e Trindade (2019).
Segundo os estudos de Wolter (2019), Moscovici defendia a ideia de que a Psicologia
Social não poderia ser definida apenas como uma teoria ou um método, mas sim como uma
abordagem que detém seu interesse e que possui um olhar diferenciado sobre os estudos dos
1544
fenômenos das representações, atitudes, condutas, ideologias e comunicações sociais.
Para o autor, o que diferenciava para Moscovici a Psicologia Social das outras
disciplinas primárias, a Sociologia e a Psicologia geral, era a singularidade presente no olhar
da psicologia social, a abordagem social não tinha um olhar binário como era presente nas
outras disciplinas, que separavam o objeto de um lado e o sujeito de um outro, ou seja, coletivo
ou individual, pelo contrário, a disciplina social adotava uma visão ternaria dos fatos,
englobando o sujeito individual, o sujeito social e o objeto, onde aqui, o sujeito social se torna
o mediador das relações entre o sujeito individual e o objeto.
Dado ao exposto, entenderemos a seguir um pouco mais sobre o surgimento das
representações sociais, o seu processo de metamorfose diante das releituras de Moscovici e seus
discípulos aos estudos de Durkheim, e o momento em que a teoria ganha visibilidade e passa
então a se tornar o objeto de estudo da Psicologia Social.
Desenvolvimento
Moscovici reconhece que a trajetória do conceito de representações teve inúmeras
contribuições de outros pensadores, como Simmel, Weber, Lévy-Bruhl, Piaget, Freud e entre
outros, mas atribui ao sociólogo Durkheim a paternidade do conceito. Em 1961, o psicólogo
social retoma o conceito de representações, contudo, agora atribuindo uma nova forma. Ao
debruçar-se nos estudos de Durkheim, Moscovici compreende que o sociólogo separava as
representações individuais das representações coletivas, sendo esta última compostas por três
elementos: permanência, coletividade e coerção (Moscovici, 2001).
De acordo com Rêses (2003), Durkheim afirmava que para a ciência estudar uma
representação era necessário entender a diferença entre o individual e o coletivo. Para ele, uma
representação individual era a própria consciência do sujeito, ou seja, sua própria subjetividade,
já uma representação coletiva era a sociedade como um todo. Assim, Durkheim tenta
demonstrar que os estados de consciência coletiva e individual são distintos e que um
pensamento grupal não é o mesmo que um individual.
Para Moscovici, a visão de Durkheim era muito genérica e reducionista enquanto aos
fenômenos psíquicos e sociais, pois para ele, aquele que não pensasse por meio dos conceitos
não seria um homem, não seria um ser social. Neste sentido, Durkheim, ao restringir a vida
social como a única condição para todo o pensamento, e não se deter em explicações para a
pluralidade destes modos de organização do pensamento, faz com que a noção primária de
representação caia em desuso, e talvez, esta seja até uma das possíveis razões para o seu
abandono (Moscovici, 1978).
Com a perda da noção primária do conceito de representação, Moscovici debruça-se nos
estudos e faz uma releitura da então definição sociológica. Moscovici troca o “coletivo” para o
“social” e atribui um novo sentido. Enquanto as representações coletivas eram para Durkheim
um instrumento explanatório e que se referiam a uma classe geral de ideias e crenças, para
Moscovici as representações sociais eram fenômenos mais específicos relacionados com um
modo particular de compreender e de se comunicar – que cria tanto a realidade como o senso
comum – que necessitam ser descritos e explicados (Moscovici, 2004).
Em oposição à visão estática das representações sociais proposta por Durkheim,
Moscovici apresenta uma concepção de representações sociais como estruturas dinâmicas. De
acordo com Moscovici (2004), elas são as representações da sociedade atual e de seu solo
político, científico, humano, que nem sempre têm tempo suficiente para se sedimentar
1545
completamente e se tornarem tradições imutáveis.
Por serem dinâmicas, levam os indivíduos a produzir comportamentos e interações com
o meio, que modificam os dois. A dinamicidade a abrangência do conceito auxilia no
entendimento das várias dimensões da realidade: a física, a social, a cultural, a cognitiva, de
forma objetiva e subjetiva (Strey, 2002).
Contudo, embora as representações sociais sejam dinâmicas, modificáveis e
transformadas diariamente, isso não significa que elas não possuam nenhum aspecto
permanente ou duradouro, elas possuem sim características estáveis que foram fundamentadas
e construídas a partir das tradições e das memórias sociais e culturais (Guareschi, 2000).
O autor supracitado, afirma ainda que as representações sociais são ainda uma tentativa
de avanço e de superação de diversas dicotomias que se formaram durante a trajetória da
Psicologia Social. Talvez o próprio nome “psicologia social”, por incorporar duas vertentes
aparentemente antagônicas, ou seja, de um lado o “psicológico”, entendido como “individual”,
e de outro, o “social”, entendido como o oposto do individual, poderia despertar uma certa
angústia na construção da abordagem psicologia social.
A primeira dicotomia e até mesmo a central, é o “individual e o social”. Uma segunda
dicotomia é estabelecida entre “interno e externo”. A terceira dicotomia é o “aspecto material
e sua representação”, e por fim, a última dicotomia é o “consensual e o retificado”, ou melhor,
a visão “estática e dinâmica” pertencentes ao conceito de representação social e que se diferem
entre as definições durkeimianos e discursivistas (Guareschi, 2000).
No entanto, o autor citado menciona que todas essas dicotomias são superadas ao longo
da história da Psicologia Social através dos estudos da Teoria das Representações Sociais, posto
que, uma representação social é sempre individual e social, e, interna e externa. É individual e
interna porque ela precisa ancorar-se em um sujeito, mas não é única daquele sujeito; é social
e externa porque ela sai do intrapsíquico, transita pela sociedade, e concretiza-se em fenômenos
sociais. A sua materialização e o seu desenvolvimento passam ainda por um processo
transformativo e construtivo de caráter singular, dado que, cada um, em seu momento de
representar, acrescenta ou retira algo que é seu, uma representação estará ainda sempre situada
em um universo consensual e sem que haja algo retificado.
Segundo Guareschi (2000), as representações sociais superam ainda o mito de um
sujeito puro e de um objeto puro, elas em si pertencem ao intersubjetivo, representando tanto o
objeto em si, como também o próprio sujeito que produz a representação. Assim, a noção de
sujeito se encontra associada às representações sociais, tendo em vista que o sujeito, enquanto
sujeito social, será sempre o agente principal para a construção de uma representação.
Contudo, ainda que o sujeito seja o ator principal, não podemos e não devemos
compreende-lo como sujeito único e isolado, mas sim como um ser social, ativo, e que é
influenciado diariamente dentro de um contexto de inserção e interação social (Spink, 1993;
Jodelet, 2009).
Esta perspectiva da noção de sujeito nos permite ainda dialogar com as ideias de
Vygotsky, onde aqui o sujeito passa a se constituir pela linguagem e pelo outro a partir das
relações e práticas sociais, aqui, o sujeito passa a se encontrar a partir de uma dinâmica dialética
entre o interpsicológico e o intrapsicológico, e, é ainda a partir da mediação entre as relações e
do confronto estabelecido entre o Eu-Outro que ocorre o processo de constituição do sujeito
(Molon, 2011).
Ainda conforme a autora supracitada, a participação do outro implica em reciprocidade,
1546
mutualidade e organização semiótica, o outro será sempre uma condição necessária, mas não
suficiente, para a existência do eu, desta forma, um participa do outro em uma dinâmica
dialógica, e o sujeito e o social passam a serem mutuamente constituídos e reciprocamente
constituintes.
O sujeito não recebe o social como algo de fora e externo, mas ele vive o social e no
social, é através de todo o contexto histórico, social e cultural que a experiência do sujeito é
caracterizada (González Rey, 2013). É ainda através de um sujeito que uma representação é
elaborada, é no pensamento estabelecido entre um sujeito e um objeto que ocorre o ato de
representar e se representar. É por meio das representações sociais que podemos ter acesso aos
pensamentos, significados e interpretações que os sujeitos, individuais ou coletivos, atribuem a
um determinado objeto (Jodelet, 2001; 2009).
Para Sega (2000), as representações buscam designar fenômenos múltiplos, observados
e estudados em termos de complexidades individuais e coletivas ou psicológicas e sociais. As
representações sociais são teorias sobre saberes populares e do senso comum, elaboradas e
partilhadas coletivamente, com a finalidade de construir e interpretar aquilo que é real, é por
meio delas que os indivíduos consolidam suas posições em relação a situações, eventos, objetos
e comunicações que lhes concernem (Sega, 2000; Strey, 2002).
As representações sociais são uma maneira específica de compreender e comunicar
aquilo que os indivíduos já sabem. Elas ocupam uma posição em algum ponto entre conceitos,
que têm como seu objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções, que
reproduzam o mundo de uma forma significativa (Moscovici, 2004). A representação social é,
portanto, o processo pelo qual os indivíduos estabelecem uma relação entre o mundo e as coisas
(Sega, 2000).
As representações sociais são criadas ainda para tornar familiar o não familiar. Para
assimilar o não familiar, dois processos básicos podem ser identificados como geradores de
representações sociais: ancoragem e objetivação (Strey, 2002). O primeiro mecanismo compara
um objeto ou ideia estranhos ao paradigma de uma categoria que o indivíduo julga ser
apropriada, para que eles adquiram as características da categoria, sejam reajustados e nela se
enquadrem (Moscovici, 2004).
A ancoragem, na maioria das vezes, implica em juízo de valor, pois resulta na
classificação de uma pessoa, ideia ou objeto dentro de uma categoria que historicamente
comporta uma dimensão valorativa. (Strey, 2002). Assim, esse julgamento resulta no
estabelecimento de uma relação positiva ou negativa com eles (Moscovici, 2004).
A objetivação é o processo pelo qual as pessoas procuram tornar concreto, visível, uma
realidade. Nele, busca-se aliar um conceito com uma imagem para descobrir a qualidade
material de uma ideia ou de algo duvidoso. Dessa forma, a imagem deixa de ser signo e se
transforma em uma cópia da realidade (Strey, 2002). O objetivo é, portanto, transformar o
abstrato em concreto, o que está na mente em algo que exista no mundo físico (Moscovici,
2004).
Os meios de comunicação de massa são responsáveis por fabricar, reproduzir e
disseminar representações sociais que fundamentam a compreensão que os grupos sociais têm
de si mesmos e dos outros - a visão social e a autoimagem (Alexandre, 2001). Conforme
apresentado por Moscovici (2003), a mídia propaga determinadas representações que exercem
uma influência social no sentido de pressionar o indivíduo a utilizar informações dominantes
no grupo (Alexandre, 2001).
Desta forma, a representação social é o saber do senso comum, elaborado socialmente
1547
e partilhado com um objetivo prático, contribuindo para a construção de uma realidade comum.
As representações sociais guiam os indivíduos na definição dos diferentes aspectos da realidade
cotidiana, no modo de interpretá-los, tomar decisões e posicionamentos (Silva, 2012). Essa
forma de conhecimento, produzida a partir do processo de ancoragem e do processo de
objetivação, é apropriada e difundida pela mídia com o objetivo de propagar ideologias de
classes dominantes.
Conclusão
Pretendeu-se aqui refletir sobre o percurso histórico e a base teórica das Representações
Sociais, bem como abordar sua relação com a noção de sujeito, sociedade e sua influência para
o surgimento da Psicologia Social enquanto abordagem e disciplina. Ressalto, que esta
discussão não esgota e não abrange todo o campo que envolve a teoria das representações
sociais, haja vista que a teoria é dinâmica, viva, e se encontra em constante construção e
articulação com o sujeito -individual e coletivo- e com a psicologia social.
Há de se destacar também, que embora a psicologia social tenha como seu objeto de
estudo as representações sociais, outras disciplinas também vão ao encontro da teoria, como é
o caso da psicologia cognitiva, da psicanálise, da antropologia e da filosofia. Conforme aponta
Jodelet (2018), a noção de representação permeia outras disciplinas com o objetivo de
possibilitar uma visão global do que é o sujeito, suas interpretações a respeito do mundo e dos
objetos que o rodeiam, permitindo assim a integração da subjetividade com a dimensão social,
histórica e cultural.
Deste modo, a noção de representações se encontra associada a noção de sujeito
enquanto um ser ativo, pensante, social, e, que é indissociável de um objeto. Aqui, o sujeito é
sempre social -indivíduo ou coletivo-, haja vista que ele se encontra inserido em uma sociedade
que possibilita a troca de comunicações por meio das relações sociais. É ainda o sujeito que tem
o papel de construir uma representação e é a partir dessa representação que o sujeito se torna
capaz de expressar sua identidade e seu lugar no mundo.
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O CORPO INFANTIL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
1550
Nadja Carolina de Sousa Pinheiro
Bruna de Sousa Carvalho
1 Introdução
2 Método
Tem-se, portanto, que a metodologia utilizada foi de abordagem qualitativa do tipo
revisão narrativa de literatura. As bases de dados pesquisadas foram: PUBmed, BVsalud, Scielo
e CAPES, utilizando as palavras-chave “criança”; “corpo” e “sociedade” para o levantamento
das produções no período de 2005 a 2019.
3 Resultados e discussão
3.1 Da Infância
Silva et al (2008, p. 219) defende que determinados períodos do desenvolvimento
1551
humano são considerados sensíveis, em que determinadas influências possuem um maior
impacto. Do nascimento aos seis anos a criança e suas limitações são mais bem toleradas, sendo
que entre seis e doze anos a crise evolutiva decorre do desafio da produtividade, quando a
criança quer ganhar reconhecimento social por meio de sua capacidade de se preparar para
produzir no mundo adulto, tratando-se de uma fase em que as expectativas do meio social se
tornam mais exigentes, sendo a dependência menos tolerada e o suporte menos disponível.
Tais estudos ocorrem também porque é necessário bem compreender o lugar da criança
na sociedade contemporânea. Para Ianiski (2009) observa-se, segundo alguns autores, que vive-
se no Brasil um momento de desaparecimento da infância, devido à forma de vida de muitas
crianças, pois observa-se crianças de famílias de menor poder aquisitivo que precisam trabalhar
e crianças com famílias mais bem estruturadas que tem seu tempo ocupado com inúmeras
atividades, em que antecipam a sua fase adulta. Nesse sentido, segundo a autora, para olhar a
infância há necessidade de olhar as suas reais condições de vida, não ignorando questões
políticas, econômicas e sociais, mas considerando-as no seu cotidiano.
Para Moura, Viana e Loyola (2013, p. 475) a partir de seu nascimento a criança vem
se integrando em um mundo de significados construídos historicamente, interagindo com ele
através da inspiração em modelos de seu meio social, sendo que os fatos sociais precedem o
homem e possuem existência própria, sendo externos a ele e estando além de seu controle e
vontade, uma vez que a sociedade e todos os seus padrões já estão postos quando se nasce, e a
criança, ao ser inserida na sociedade, adapta-se às regras dos fatos sociais de sua época e ao
contexto sociocultural específico.
Importante antes de se falar sobre o lugar da criança na sociedade contemporânea,
fazer-se um breve estudo sobre o papel da criança ao longo das civilizações e das sociedades
na humanidade, pois é relevante conhecer o significado atribuído à infância ao longo da história.
Dentre os contextos relevantes na infância, destacam-se o familiar e social. No
primeiro, ao longo da história das civilizações, o pai é tido como autoridade suprema, em que
a família o referencial da criança em relação a sua formação. Assim, o papel da criança se fez
presente na maioria das sociedades, em que os valores da família são passados de geração em
geração desde a antiguidade, ocupando um lugar de subordinação.
Segundo Bernartt (2009, p. 4225-4226) para pesquisar a temática da infância na
sociedade contemporânea faz-se necessário o entendimento das diferentes representações que
as crianças receberam no decorrer da história do homem, e para a melhor compreensão do
significado atribuído à infância ao longo da história, deve-se ter em mente que as crianças
sempre estiveram inseridas no interior de uma formação social determinada, vivenciando de
diferentes formas essa fase em função de diferentes significações a elas destinadas; eis que o
seu significado é dado pela representação que o adulto dá ao infante em suas relações.
Segundo Ianiski (2009, p. 3050) observa-se que somente no século XIX foram
elaboradas leis com a finalidade de estabelecer limites para o trabalho infantil, fazendo nascer
o protótipo do que viria a ser os direitos das crianças a serem tutelados pelo Estado.
Neste período surgem as primeiras instituições de educação infantil voltadas para as
crianças, com preocupações ainda voltadas para proteção, higiene e alimentação, que
contemplavam, somente, a parte assistencialista. Neste período ainda não existia uma maior
consciência sobre a importância da formação infantil para o desenvolvimento de um adulto
sadio. Com o tempo e o aumento dos conhecimentos e também de estudos específicos voltados
à infância, a atenção à criança e as suas necessidades foram aumentando, assim como a tutela
do Estado com relação aos direitos dos infantes.
Tem-se, a partir de então, a construção de uma nova concepção de infância, em
especial na Europa, em que, segundo Ianiski (2009, p. 3051) constituiu-se a base da pedagogia
dos educadores Pestalozzi e Froebel, que defendiam uma educação no sentido de formar
indivíduos socialmente adaptados à realidade social, de forma a vir a exercer suas funções para
1552
o pleno desenvolvimento do sistema capitalista, instaurado a partir do século XV.
No Brasil, novas formas de atenção À criança só vieram a se desenvolver a partir do
século XVIII, com o desenvolvimento de um modelo de educação voltado ao desenvolvimento
infantil e com reivindicações de movimentos sociais no Brasil, que pautaram-se na luta pelo
direito das crianças como cidadã de direitos (Ianiski, 2009).
Importante ressaltar que essa luta em prol dos direitos da criança fez surgir a
necessidade de maiores estudos na área. Segundo Muller e Hassem (2009, p. 470), criaram-se
categorias analíticas que estudam a capacidade de os atores sociais, e neles incluídas as crianças,
de exercerem influência na produção cultural e não serem apenas agentes passivos, sendo
concebidas não como produtos da cultura, mas como ativas na produção de um mundo social
que lhes é próprio, isto é, produtoras de cultura.
Com isso, novas premissas surgiram com relação ao tema da infância, mudando o
paradigma até então existente de negação da criança como um ser social.
Para Moura, Viana e Loyola (2013, p. 477) em época contemporânea, ocorrem
significativas mudanças nas concepções sobre a criança e a infância, com grande ênfase e
preocupação quanto à educação e à moral, que vieram a influenciar a concepção dos séculos
posteriores, sendo que Ariès utiliza a expressão “sentimento da infância”, que se refere às
percepções que se constroem a respeito da criança e da infância, assim como à forma de tratá-
las e de considerá-las dentro de um contexto social e cultural.
1553
infância.
Para Gaiarsa, o corpo fala, e ouvi-lo e vê-lo significa envolver-se de uma forma que
compromete todos os valores estabelecidos de distância formal e/ou preconceituosa, o que
ameaça fazer ruir toda a pirâmide social de poder, sendo para o autor a livre expressão do corpo
a mais perigosa arma contra o autoritarismo (Gaiarsa, 2003, p. 89).
Com bem pontua Sampaio (2007), em sua obra sobre a Educação e Liberdade em
Reich, o papel dos pais e educadores é imprescindível para essa compreensão da criança
enquanto ser livre.
Tais estudiosos do corpo e da educação na sociedade, e suas obras permitiram que a
criança em época contemporânea seja vista como um ator social, conforme se analisará no
capítulo seguinte.
Na atualidade não restam dúvidas de que a criança é um ator social. Ator é alguém que
representa um papel dentro de um enredo, sendo um determinado indivíduo é um ator
social quando ele representa algo para a sociedade, possuindo nesta um papel significante. Por
tal motivo, em épocas pretéritas quando a criança não era reconhecida como detentora de
direitos e de consciência, não era considerada um ator social. Conforme já estudado, tal
paradigma veio se modificando até que foi a criança reconhecida como ator social.
Para Azevedo (2016, p. 1) ao longo dos séculos, o modo como as crianças eram
percebidas a nível familiar e social foi sofrendo profundas modificações, se iniciando a partir
da concepção de criança como um ser passivo, que tinha que ser apropriada pela sociedade para
se tornar um membro competente da mesma, para teorias que a entendem como um ator que
possui capacidades para assumir um papel ativo em diversos aspectos da vida, sendo que tal
abordagem, que percebe a criança como ator social, explicita ainda que o universo das mesma
apresenta características bastantes específicas, sendo que o mesmo é pautado por aspetos muito
diversificados e complexos.
Verifica-se que a realidade infantil vivenciada pela criança tem papel primordial em
sua formação. As crianças inseridas dentro de um contexto de pobreza e privações, conforme
bem coloca Ianiski (2009, p. 3056) amadurecem precocemente, não brincam, estudam
precariamente ou até mesmo abandonam os estudos por não comportar as condições
psicológicas e físicas necessárias. Tais crianças, perdem a infância e o tempo de brincar.
Seja em qual contexto for, o papel da educação e das instituições de ensino revela-se
fundamental. Muller e Hanssem (2009, p. 474) demostram que, na atualidade, a criança não só
perdeu o status de colaboradora com o orçamento familiar, mas aparece como quem onera a
família, e sendo assim, o reconhecimento do trabalho das crianças na escola como legítimo é
importante, eis que as crianças sempre trabalharam, no entanto, o que mudou foram os modos
de produção, sendo que o trabalho escolar nada mais é que o trabalho em períodos precedentes,
reforçando assim o papel ativo das crianças.
Tal entendimento passou pela desconstrução de diversas concepções construídas ao
longo da história da humanidade. Tais modificações nas perspectivas teóricas trouxeram a
alteração nas intervenções práticas, assim como já têm garantido um olhar mais sensível no
campo das pesquisas e estudos relacionados ao universo infantil e a criança como ator social.
Essa mudança do status da criança na sociedade atual veio como consequência também
da mudança próprio contexto familiar, que vem sendo reformulados ao longo do tempo.
Segundo Issoton e Falcke (2014, p. 95), a forma de constituir-se como família na
contemporaneidade, com relação as diferentes configurações familiares, está se ampliando, com
os papeis sociais que envolvem homens e mulheres sendo reformulados, pois inúmeros eventos
sociais e antropológicos ampliaram as formas de relacionar-se a nível familiar, como a inserção
1554
da mulher no mercado de trabalho, o controle de natalidade trazidos pelos métodos
anticonceptivos, a maior cobrança pela mobilização masculina a sua família, e ainda o divórcio,
acompanhado de procedimentos de guarda dos filhos. Estes são alguns dos eventos causadores
da diversidade de configurações familiar.
Com a nova configuração familiar e pelos motivos como controle de natalidade e
maior inserção da mulher no mercado de trabalho, as relações familiares foram se modificando,
e as mudanças ocorridas com relação à família e à criança trouxeram uma nova realidade, e
provocaram mudanças substanciais não só no ordenamento pátrio como na sociedade, que
também passou a integrar mais a criança ao contexto familiar e em consequência, social.
Além da uma boa base familiar, a educação também tem papel preponderante na
formação da criança, assim como as instituições de ensino. No entanto, segundo Ianiski (2009)
ao se proceder à análise do espaço nas instituições de educação infantil destinado à criança na
sociedade atual, percebe-se que o mesmo se torna restrito e não atende aos aspectos individuais,
afetivo e cognitivo das crianças que o frequentam, o que vem na contramão da ideia de como
deveria ser as instituições de educação infantil, no sentido de contemplar todas as
potencialidades da criança e levar em consideração todas as dimensões humanas
potencializadas nas crianças: o imaginário, o lúdico, o artístico, o afetivo e o cognitivo, dentre
outros aspectos.
Pensadores como Foucault defendem a educação como dispositivo de proteção às
crianças e adolescentes. Importante frisar que, não obstante o trabalho de Michel Foucault ter
alcançado diversas áreas, no campo da Educação suas observações foram apenas pontuais.
Mesmo assim, sua contribuição foi de grande repercussão no campo da educação, inclusive no
Brasil. No entanto, sua visão sobre a importância da educação não tem obtido no país resultados
práticos e efetivos.
Isso porque, no Brasil, não obstante o reconhecimento da importância e dos resultados
de estudos de educadores como Foucault e Gaiarsa, as necessidades das crianças ainda não são
devidamente supridas, não obstante a ampla tutela trazida pelo ordenamento jurídico pátrio,
como a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa é a realidade não
só do Brasil como da maioria dos países em desenvolvimento. As políticas para o
Desenvolvimento na Primeira Infância (DPI), que focam no desenvolvimento de habilidades
que objetivam a formação de um indivíduo produtivo e empreendedor de si mesmo, enfrentam
dificuldades muitas vezes intransponíveis no Brasil.
Para Ianiski (2009, p. 3058) as instituições de educação infantil no Brasil surgiram no
fim do século XVIII para atender os filhos das mães trabalhadoras das fábricas, sendo que só
posteriormente ocorre o rompimento com a tradição assistencialista. No entanto, não se elabora
um modelo educacional de qualidade para atender às crianças, um problema que tem se
arrastado até os dias atuais. Para a autora, ao observar-se as realidades infantis, percebe-se que
na criança rica, o seu tempo é sobrecarregado com inúmeras atividades as quais lhe roubam a
infância, enquanto que na realidade da criança pobre, seu tempo é totalizado no trabalho, o qual
lhe possibilita um amadurecimento precoce.
Para Carvalho (2016, p. 30) investir em capital humano através de uma formação
infantil sólida se faz necessário, eis que crianças oriundas de famílias de baixa renda têm sido
entendidas como um capital no qual deve ocorrer investimentos sólidos, tendo em vista o
desenvolvimento de habilidades que as capacitem para uma atividade laboral futura no contexto
de trabalho competitivo que regula o Estado neoliberal contemporâneo.
Importante frisar que tal entendimento é mais fruto da sociedade capitalista atual do
que de verdadeira preocupação com o bem-estar e formação do indivíduo, de modo que uma
pessoa sem educação corre grande risco de vir a se tornar improdutiva. Para Carvalho (2016, p.
236) Em tal contexto, a produção de conhecimentos decorrente dessa expertise desempenha um
papel estratégico na governamentalidade contemporânea ao se preocupar com os riscos de
1555
problemas no desenvolvimento a que estão sujeitas as crianças nascidas em famílias pobres.
A psicologia da infância, em especial no Brasil, ainda enfrenta inúmeros problemas,
que vão desde a dificuldade de chegar às crianças que necessitam de acompanhamento
psicológico, visto a elitização ainda presente na prática de campo, até a falta de investimentos
públicos neste sentido. Assim, a criança no Brasil vai se desenvolvendo com graves sequelas e
omissões em sua formação, corroboradas e produzidas pela lógica social à qual lhes é incutida
a adaptação, enquanto suas reais necessidades são sequer reconhecidas.
4 Considerações Finais
Frente ao que foi analisado no presente artigo, pode-se traçar algumas considerações
importantes. Inicialmente verificou-se o novo paradigma que se desenvolveu com relação à
criança e seu lugar enquanto ator social. Verificou-se que de indivíduo considerado sem
personalidade e direitos, a criança foi sendo inserida dentro do contexto social e cultural das
civilizações contemporâneas, o que lhe trouxe além da representação de importante ator social,
ainda o reconhecimento de seus direitos e individualidade.
Verificou-se que o corpo da criança na sociedade moderna, um corpo domesticado e
disciplinado, obedece a um sistema capitalista que enxerga o indivíduo como consumidor, tendo
tais concepções sido constatadas em âmbitos social e psicológico, contando com as teorias de
Michel Foucault e Wilhelm Reich. No entanto, não obstante tais entendimentos, os países em
desenvolvimento contam com sistemas precários de ensino, além de bases familiares muitas
vezes desestruturadas.
Conclui-se que, não obstante na teoria a família e educação serem considerados
primordiais para a formação infantil, em especial em famílias de baixa renda, na prática os
subsídios oferecidos para a boa formação infantil ainda estão muito aquém do necessário, em
especial em países em desenvolvimento como o Brasil.
Além disso, a própria lógica mercantilista da sociedade contemporânea, baseada na
competição e carência de livre expressão do corpo e afetos, dificulda o desenvolvimento
saudável da criança, que, segundo Reich (1987), apenas deve seguir seu fluxo natural, sendo
evitados os traumas de desenvolvimento imbuídos pela repressão dos sentimentos, causado para
o objetivo da adaptação social.
Verifica-se que o contato dos próprios pais, educadores e cuidadores com a criança que
foram, se faz necessário para que possam compreender as crianças de seu meio, de forma a
permitirem a elas desenvolverem-se saudavelmente, não reproduzindo as repressões que eles
mesmos sofreram em outros tempos.
Para isso, o profissional da psicologia que facilita essa compreensão, permite que menos
crianças possam ser tão atingidas pela supressão de suas necessidades e emoções, prevenindo
os obstáculos no caminho natural do desenvolvimento em direção à livre expressão de seus
corpos e afetos.
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Escala de Autoritarismo Puro (EAP): Adaptação e validação no contexto
1557
brasileiro
Gabriel Campelo Sotero,
Carolina de Castro,
Rafaela Santos da Rocha
Introdução
A filósofa Marilena Chauí desde o início dos anos 80 tem implantado a ideia de que a
sociedade brasileira é autoritária e violenta, contrariando a imagem de uma cultura nacional
baseada no acolhimento e na cordialidade. A cultura brasileira tem como aspecto recorrente em
toda sua história a violência. Desde a escravidão no século XVI até a contemporaneidade, onde
a observa-se uma violência que exclui e julga grupos minoritários (Altemeyer, 1996).
Como traços de personalidade tidos como autoritários tem-se a submissão autoritária
que consiste em um alto grau de submissão às autoridades de determinada sociedade. Por
conseguinte, tem-se a agressão autoritária, que consiste num tipo de agressividade geral,
dirigida a várias pessoas, percebida como legitimada pelas autoridades. Por fim tem-se o
conservadorismo, que consiste numa adesão elevada às convenções e às tradições sociais
estabelecidas e endossadas pela sociedade e pelas autoridades (Feldman, 2003; Peterson,
Duncan & Pang, 2002). O conservadorismo, também chamado de convencionalismo apresenta-
se como ideais do tipo burguês. A hipótese de que o convencionalismo constitui fator
importante na descrição de um indivíduo autoritário baseia-se em observações como a
preferência para o fascismo ser característica de pessoas da classe média. Por outro lado, os
indivíduos não convencionais tendem a serem menos preconceituosos. Supõe-se que o caráter
autoritário é do ramo apenas convencionalista, resultado de pressões externas sociais e não de
uma escolha pessoal do indivíduo (Byrne, 1966).
Sobre a agressão autoritária, Byrne descreve como características dessa personalidade
a facilidade de repelir e punir quem viola as normas pré-estabelecidas. Essa hostilidade
geralmente dirige-se a grupos minoritários, pois são julgados como propensos ao
descumprimento de normas. Por sua vez, a submissão autoritária é apontada por Byrne como
uma atitude de respeito e acrítica em relações com autoridades. Observa-se como exemplo o
ideal nazista, que exige extrema liderança e dedicação dos indivíduos ao Estado, além da
hipótese de que essa mentalidade está presente em relações entre pais e filhos ou pessoas mais
velhas, líderes, etc. Afirma-se que a adesão devotada a alguém visto como superior seja a
expressão da falta de consistência interior no indivíduo.
Nos indivíduos simpatizantes com o convencionalismo, observa-se muito pessimismo
em suas visões acerca da natureza humana, o que se relaciona aos ideais defendidos sobre a
necessidade de normas rígidas para uma convivência possível em sociedade. Por outro lado, as
pessoas que valorizam a autonomia pessoal mais do que a conformidade social defendem a
habilidade da sociedade manter-se em liberdade e ainda assim viver uma estabilidade social
(Feldman, 2003).
Theodor Adorno juntamente com colaboradores (1950), buscou focar seus estudos no
entendimento do fenômeno da intolerância e preconceito contra minorias. Adorno partia do
pressuposto que um lar repressivo gerava violência dos filhos para com os pais, a partir disso,
essa violência que não podia ser externalizada, era direcionada para grupos de maioria que
podem ser consideradas mais frágeis ou abaixo socialmente do agressor.
Entretanto, a teoria da personalidade autoritária desenvolvida por Adorno e
1558
colaboradores foi amplamente criticada. Sobre os apontamentos colocados contra a teoria,
alguns se destacam. Primeiro, a teoria é reducionista para tratar de intolerância de minorias. Ao
fechar a causalidade do fenômeno em apenas desdobramentos de uma personalidade individual
retraída desde cedo, os teóricos desconsideravam pesquisas e dados de fontes sociais, históricas,
circunstanciais e culturais (Monteiro, 1993).
A segunda crítica também se guia pelo reducionismo, porém, com outro enfoque.
Enquanto o primeiro grupo apontava uma redução do foco e negligência de outros fatores que
podem ser considerados no tema, o segundo grupo criticou a dicotomia presente na pesquisa
liderada por Adorno. Todos os participantes eram catalogados entre autoritários e não-
autoritários, não havendo qualquer tipo de diferenciação com indivíduos que se encontravam
num ponto médio entre os dois extremos da pesquisa. Há também questões subsequentes como
quais seriam as características que formam o grupo do meio, são levantadas até hoje e ainda
permanecem abertas (Martin, 2001).
O terceiro ponto crítico para se pensar é a desconsideração da existência de regimes
autoritários alinhados com a extrema esquerda, consequentemente, a desconsideração de todo
um dispositivo formador presente numa realidade inversa politicamente mas com iguais
características repressoras (Stone & Smith, 1993).
Este estudo tem como objetivo validar a escala de Autoritarismo Puro (Pure
Authoritarianism) formulada por Vallerga, 2010, no contexto brasileiro. Seu propósito também
consiste em buscar índices psicométricos de precisão e discriminação dos itens.
Materiais e Métodos
Amostra
Participaram 200 estudantes universitários da cidade de Parnaíba-PI, sendo 150 de duas
instituições públicas e 50 de uma instituição privada de ensino superior, entre setembro e
novembro de 2018.
Instrumento
Os participantes receberam um questionário impresso contendo o Inventário adaptado
da escala de Autoritarismo Puro (AP; Pure Authoritarianism) elaborado por Vallerga (2010), e
questões sociodemograficas. O instrumento (AP) em questão possui 30 itens distribuídos em
três dimensões e respondidos em uma escala tipo Likert de 7 pontos, representando a força de
concordância que cada item representa para o participante (0 = discordo totalmente e 7 =
concordo totalmente). A medida é compreendida por três dimensões denominadas: agressão
autoritária, submissão autoritária e convencionalismo. Os participantes também responderam
perguntas de caráter demográfico para a formação da amostra (idade, sexo, renda média
familiar, orientação sexual, identidade de gênero, estado civil, instituição de ensino, religião e
nível de religiosidade).
Procedimento
Antes de iniciar a coleta de dados, procurou-se submeter à escala de Autoritarismo Puro
(Vallerga, 2010) aos métodos de tradução. Como salienta Nora e Vieira (2017), é importante
traduzir a escala original observando características culturais e linguísticas das palavras, e
1559
assim, adaptá-las ao contexto do local onde o questionário irá ser aplicado, se necessário. O
questionário, em forma de livreto, foi aplicado na cidade de Parnaíba-PI em três instituições de
ensino (públicas e privadas).
Resultados e Discussão
Após realizar o processo do manova 3 vezes (visando que o estudo possui 3 dimensões),
observou-se que a dimensão Agressão Autoritária possui todos os itens discriminativos, sendo
o item 05 (Pessoas perigosas precisam ser punidas severamente), o mais discriminativo =
0,532. Já o item 07 (Aqueles no poder devem entender que alguns insultos devem ter graves
conseqüências) o de menor discriminação = 0,221.
O fator Submissão Autoritária manteve também todos os itens discriminantes, sendo o
item 14 (Alguns líderes apenas sabem o que precisa ser feito) o mais discriminante = 0,375, e
o item 16 (O sagrado não é mais importante que a obediência) o com menor grau de
discriminação = 0,163.
A dimensão Convencionalismo, que consiste na projeção do indivíduo a questões de
convenções sociais e a sua aceitação diante de práticas em tese autoritárias, também teve todos
os itens discriminantes. A variável 23 (Eu preferiria viver em um tempo específico no passado,
quando mais pessoas eram boas) foi a mais discriminante = 0,504, já a variável 30 (Nossa
herança social precisa ser protegida) foi a menor = 0,305. É importante salientar que quando
se fala em herança social não se específica uma determinada “herança” ou se enfatiza que seja
a que o participante que está respondendo o questionário tenha um tipo de afinidade, durante a
aplicação do estudo tiveram razoáveis dúvidas por parte de alguns estudantes a respeito deste
item.
1 11,89 39,63
2 1,95 6,51
3 1,54 5,14
4 1,26 4,24
5 1,11 3,72
6 1,05 3,52
Observando a tabela acima, a parte que mostra os valores próprios indica a possibilidade
da utilização de 6 possíveis fatores.
Já o gráfico de Cattel indicou a possibilidade do uso de 3 fatores (como na escala
1560
original de 2010). A partir desses dois resultados, optou-se por seguir o estudo com 3 fatores.
Considerações Finais
Este estudo buscou validar uma escala de Autorismo Puro (EAP) do ano de 2010. Fazendo
algumas comparações com a escala inicial de Vallerga, o presente estudo obteve a possibilidade
de futuramente ser trabalhada a ideia desta escala dividida em 6 fatores (como demonstra os
valores de Kaiser obtidos), enquanto que a escala original só teve a obtenção de 3. Ainda
comparando com a escala original, ela só foi aplicada num tipo de universidade, no caso uma
estadual, enquanto esta teve sua pesquisa aplicada em duas universidades públicas diferentes e
uma privada. Outro ponto positivo é que esta nova escala foi elaborada com estudantes de
diferentes cursos, a de 2010 foi feita apenas com estudantes do curso de psicologia, isso por
tanto pode implicar em novas perspectivas sobre futuras interpretações das análises.
1561
Dentre os pontos negativos podemos citar que por conta dos recursos e tempo, não seria
possível trabalhar mais afundo as implicações do artigo original, como por exemplo, ele está
dividido em “apêndices” que discutem diferentes temáticas acerca do autoritarismo, eles
totalizam um total de 5 (apêndices A, B, C, D e E). Buscou-se validar essa escala a partir do
apêndice A, composto por 30 itens, e dividido em 3 dimensões, os outros apêndices juntos
somam mais de 100 variáveis, podem ser trabalhados separadamente, e possuem níveis
diferente de escala de Likert. Não foram encontrados no artigo original especificações sobre
rotações utilizadas ou se era possível uma sintetização de alguma das escalas, o que de certa
forma interfere em possíveis novas aplicações visando esse construto.
O fato da temática autoritarismo ser um tema pouco trabalhado na literatura e no âmbito
científico da psicometria brasileira, também torna este estudo promissor a contribuir como um
futuro suporte a quem busca informações do tema em questão, principalmente se relacionado
ao contexto nacional.
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Stone, W. F., & Smith, L. D. (1993). Authoritarianism: Left and right. Em W. F.
EIXO 22
1562
Atravessamentos psicossociais da COVID-19 na
contemporaneidade
Metodologia
Este estudo constitui-se como um relato de experiência profissional a partir da vivência
1563
dos autores em uma instituição pública inserida na rede federal de ensino, que conta com mais
de 3.000 servidores em seu quadro funcional e está localizada no nordeste brasileiro. A partir
da vivência dos autores, os quais são servidores(as) da instituição em questão (um psicólogo e
uma enfermeira) foram executadas as seguintes etapas: 1) breve diagnóstico de demandas
apresentadas pelo corpo de servidores(as) do campus em que os referidos servidores(as) atuam,
a partir de um questionário; 2) desenho de um plano de ação, com base nas principais demandas
identificadas; 3) execução das ações prioritárias, a saber: construção e publicação de cartilha de
orientação, facilitação de momentos coletivos de discussão entre os(as) servidores(as) e
participação em um canal de acolhimento psicológico, integrado por psicólogos(as) da
instituição.
Sobre o questionário, o mesmo conteve questões divididas em duas partes: a primeira
versou sobre saúde e qualidade de vida, questionando sobre estado de saúde, doenças
preexistentes, conhecimentos sobre o novo coronavírus, qualidade do sono e da alimentação,
queixas relativas à saúde mental, com foco no estado de humor; a segunda parte versou sobre
o regime de trabalho home office, indagando sobre condições estruturais da residência,
organização da rotina, fadiga física e mental, conhecimentos e habilidades tecnológicas, relação
com o líder imediato, comunicação e necessidades de treinamento.
As ações foram realizadas entre maio e julho de 2020 e estão em um momento de
avaliação para retomada no mês de agosto de 2020. Dessa forma, os resultados deste estudo são
parciais. É fundamental ressaltar que tais ações estão inseridas no contexto de atuação da
Comissão de Qualidade de Vida do Servidor do campus em que os autores atuam – a qual é
composta por cinco servidores do campus, sendo: um psicólogo, uma enfermeira, a
coordenadora de gestão de pessoas do campus, a diretora de administração do campus e uma
professora da área de Educação Física.
1564
do home office.
A cartilha em questão também discutiu aspectos da saúde física e mental no âmbito do
trabalho, tanto no campo da saúde física, abordando-se sobre LER/DORT (Lesão por Esforços
Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares relacionados ao trabalho), com orientações de caráter
ergonômico, assim como foram destacados diferentes aspectos relacionados à saúde visual e
auditiva, a partir de consulta a materiais especializados sobre as temáticas (Gonçalves &
Fontoura, 2018; Mota et al., 2014) e tais condições, embora possam ocorrer em um contexto de
trabalho presencial, podem ser intensificadas em um contexto de home office pouco estruturado,
ocasionando consequências negativas para a saúde do trabalhador. No campo da saúde mental,
foram abordadas as reações esperadas em um contexto de pandemia, assim como orientações
de prevenção e cuidado nesse campo, destacando questões relacionadas ao bem estar,
alimentação, higiene do sono, organização da rotina, relações sociais e familiares, e consumo
de notícias (Fiocruz, 2020).
Por fim, a cartilha também abordou questões relativas aos processos de gestão, como:
liderança, comunicação e pesquisas de diagnóstico e monitoramento do clima organizacional e
da saúde do trabalhador – destacando a potencialidade de investigação do clima organizacional
no setor público, conforme apontado pela literatura (Santos et al., 2019). No que concerne à
liderança, foram abordadas questões relativas aos desafios no contexto de home office, assim
como gerenciamento de tarefas, responsabilidades e metas e, por fim, a questão da confiança.
No que tange à comunicação, foram discutidas estratégias amplas no contexto do home office,
discutindo questões como adaptabilidade dos canais e transparência. A questão do regime de
trabalho home office foi discutida levando em consideração aspectos diversos – familiares,
sociais, ergonômicos, desenho do trabalho – a fim de gerar reflexões e estratégias frente a essa
realidade, principalmente considerando o caráter contextual e situacional do home office, que
pode variar entre diferentes locais e configurações culturais (Putnik et al., 2020).
A segunda ação realizada foi a facilitação de momentos coletivos, de caráter informal,
entre os(as) diversos(as) servidores(as). Esta ação buscou incentivar uma pausa na rotina formal
de reuniões de equipes e com gestores, a fim de viabilizar um clima de desconcentração e
interação social, mediada por tecnologia, entre os participantes. A ação foi concretizada por
meio da criação de uma sala virtual numa plataforma de reuniões e estabelecimento de um
horário de encontro virtual entre os(as) servidores(as). A referida ação contou com resultados
positivos, pois funcionou como um bate papo informal entre os participantes, assim como
constituiu-se como um espaço de compartilhamento de percepções e sentimentos associados ao
home office, tanto positivos quanto negativos. Entre os aspectos de caráter positivo, emergiu a
proximidade de familiares e redução de tempo e custos no trajeto casa-organização e entre os
aspectos negativos foram destacadas questões relativas à incerteza perante o cenário de
pandemia, distanciamento físico de colegas de trabalho, dificuldade no gerencialmente da rotina
e de gestão de demandas laborais e familiares, assim como intensificação de demandas de
trabalho no regime home office, como excesso de reuniões e aumento das horas de trabalho
diárias.
A terceira ação executada consistiu na disponibilização de um canal institucional de
acolhimento psicológico aos(às) servidores(as). Destaca-se que essa ação não foi uma iniciativa
da Comissão de Qualidade de Vida do campus investigado, mas sim uma ação institucional
geral, da qual um dos integrantes da comissão faz parte. Esse canal é de caráter temporário –
durante o período de pandemia e de regime de trabalho home office – e objetiva oferecer uma
escuta qualificada, de caráter psicológico, aos(às) servidores(as) que demandem assistência,
seja em decorrência de questões geradas ou intensificadas na pandemia, seja por desafios
relacionados ao campo do trabalho. Essa ação configura-se como uma iniciativa importante ao
1565
propiciar um espaço individual de escuta e acolhimento aos(às) servidores(as), haja vista que
muitos deles não participam das ações coletivas ofertadas ou não se sentem à vontade para
expor determinadas questões e angústias em uma ação com demais participantes.
Considerações Finais
O presente trabalho permitiu sistematizar ações realizadas em prol da Saúde do
Trabalhador no contexto de uma instituição pública da rede federal de ensino, na qual tais ações
têm relevância e ganham significativo destaque em contextos de crise, como é o caso da
pandemia vivenciada em escala global.
O relato presente neste trabalho permite documentar tais ações, promovendo uma
reflexão acerca do que já foi feito e, ainda, viabilizando uma avaliação das ações realizadas,
com a perspectiva de continuar com tais iniciativas, realizando os ajustes necessários. Este
relato permite, ainda, que outras instituições possam apropriar-se de algumas iniciativas,
adaptando-as, conforme características organizacionais e culturais específicas. Ademais,
aponta-se que este trabalho permite dar destaque à atuação do Psicólogo Organizacional e do
Trabalho em uma atuação interdisciplinar, voltando-se tanto a questões mais específicas da
Saúde do Trabalhador quanto a outras questões relativas a processos psicossociais
organizacionais importantes, como: a liderança, a comunicação e o clima organizacional.
Entre as limitações do trabalho, aponta-se a não sistematização dos resultados advindos
do questionário aplicado, dados estes que podem ser explorados em estudos futuros de caráter
teórico-empírico. Além disso, a experiência relatada parte dos eventos ocorridos em apenas
uma organização, mas para futuros estudos sugere-se relatos em outras instituições, públicas e
privadas, com ações realizadas no campo da Saúde do Trabalhador, assim como sugere-se
pesquisas teórico-empíricas para avaliar diversos aspectos relacionados à saúde e qualidade de
vida dos(as) trabalhadores(as), visando a subsidiar ações mais assertivas em diferentes
contextos institucionais.
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COVID-19 E SAÚDE MENTAL: IMPLICAÇÕES E INTERVENÇÕES
1567
PSICOLÓGICAS
Introdução
O presente trabalho consiste em uma revisão de literatura técnico-científica a respeito
da pandemia de COVID-19. Em verdade, além das preocupações relacionadas à saúde física,
essa pandemia também traz consigo inquietações no que diz respeito ao sofrimento psicológico,
o qual pode ser experienciado pela população em geral, bem como pelos profissionais de saúde
envolvidos em seu combate. Nessa perspectiva, o objetivo do estudo foi sistematizar
conhecimentos sobre implicações na saúde mental e intervenções psicológicas diante da
pandemia do novo coronavírus, de modo a minimizar os impactos negativos da crise e atuar de
modo preventivo.
A COVID-19, nome da síndrome respiratória ocasionada pelo novo coronavírus, foi
inicialmente detectada em 2019 na cidade de Wuhan, capital da província da China Central
(Faro et al., 2020). Por certo, a rápida escalada da doença, com disseminação em nível global,
fez com que a World Health Organization (WHO) a considerasse uma pandemia (Schmidt et
al., 2020). É sabido que, a transmissão do coronavírus no Brasil se deu, sobretudo, por pessoas
vindas de outros países, especialmente da Europa, a qual durante os meses de fevereiro, março
e abril foi o epicentro da pandemia, após o seu surgimento e evolução inicial na China e países
asiáticos. Desse modo, os primeiros casos reportados da COVID-19 no país, levando em conta
toda a subnotificação (acidental e proposital), foram de pessoas infectadas no exterior: sujeitos
de classes dominantes ou dos estratos médios e altos da classe trabalhadora (Costa & Mendes,
2020).
Dessa maneira, com o fito de reduzir os impactos da pandemia, minimizando o pico de
incidência e o número de mortes, alguns países têm aderido medidas preventivas, tais quais o
isolamento de casos suspeitos, fechamento de escolas e universidades, distanciamento social de
idosos e outros grupos de risco, bem como quarentena de toda a população (Brooks et al., 2020).
Desta maneira, acredita-se que essas medidas tendem a “achatar a curva” de infecção, ao
favorecer um menor pico de incidência em um dado período, diminuindo as chances de que a
capacidade de leitos hospitalares, respiradores e outros suprimentos seja insuficiente frente ao
aumento repentino da demanda, o que se associaria a uma maior mortalidade (Ferguson et al.,
2020).
Além do medo de contrair a doença, a COVID-19 tem causado sensação de insegurança
em todos aspectos da vida, coletivamente e individualmente, do funcionamento diário da
sociedade às mudanças nas relações interpessoais (Lima et al., 2020; Ozili & Arum, 2020). Isto
posto, podemos afirmar que as sequelas causadas pela pandemia à saúde mental alcançam
números maiores que os de mortes (Faro et al., 2020). Pois, um evento como esse provoca
perturbações psicológicas e sociais que afetam a capacidade de enfrentamento de toda a
sociedade, em diferentes níveis de intensidade e propagação (Ministério da Saúde do Brasil
[MS], 2020). Considerando o exposto, a seguir, o artigo irá sistematizar os impactos que a
pandemia de COVID-19 tem causado à saúde mental da população e dos profissionais de saúde,
bem como formas de intervir diante dessas implicações, na tentativa de diminuir os efeitos
negativos e agir de forma preventiva, uma vez que os métodos de contenção mais efetivos da
doença impactam consideravelmente a saúde mental da população (Brooks et al., 2020).
1568
Método
O presente artigo é resultado de uma revisão bibliográfica técnico-científica que buscou
sistematizar conhecimentos sobre implicações na saúde mental e intervenções psicológicas
diante da pandemia do novo coronavírus, de modo a minimizar os impactos negativos da crise
e atuar de modo preventivo. Portanto, foi utilizado o método conceitual-analítico, visto que
foram utilizados conceitos e ideias de outros autores, de forma a responder ao objetivo do
trabalho.
Nesse sentido, a busca por materiais ocorreu por meio de sucessivas consultas a bases
de dados tais como: cientific eletronic library online (Scielo) e Google Acadêmico, bem como
foram feitas pesquisas em sites de organizações ligadas à área da saúde e à Psicologia, em
diferentes países, na perspectiva de buscar os conhecimentos mais recentes ligados à COVID-
19. Foram utilizados como critério de inclusão dos materiais analisados os seguintes descritores
em idioma português e inglês: “COVID-19”, “coronavírus”, “pandemia”, “saúde mental”,
“implicações psicológicas”, “intervenções psicológicas”, “isolamento social”. Uma análise
inicial foi realizada com base nos títulos dos manuscritos e nos resumos de todos os artigos que
preenchiam os critérios de inclusão ou que não permitiam se ter certeza de que deveriam ser
excluídos. Ao final das buscas, 22 publicações atenderam aos critérios de elegibilidade e foram
selecionadas para compor o estudo.
Destarte, a análise dos artigos foram substanciais para o entendimento da temática e
contribuiu para uma produção mais concentrada sobre as repercussões observadas na saúde
mental causadas pela pandemia de COVID-19, bem como estratégias de enfrentamento que
podem vir a contribuir na promoção de saúde mental e prevenção de implicações psicológicas
negativas para população geral e profissionais de saúde.
Resultados e Discussões
Em resumo, durante a ocorrência de pandemias, a saúde física das pessoas e o combate
ao agente patogênico são os alvos primários de atenção de gestores e profissionais da saúde, de
modo que as implicações sobre a saúde mental tendem a ser negligenciadas ou subestimadas
(Ornell et al., 2020). Hodiernamente, em nada difere a conjuntura vigente, uma vez que o
cenário da pandemia tem afetado diretamente a saúde mental da população geral. Isto posto, a
seguir, iremos entender as principais implicações à saúde mental em decorrência da pandemia
do novo coronavírus, haja vista que segundo Ornell et al. (2020), apesar de estudos sobre
implicações à saúde mental pela pandemia de COVID-19 ainda serem escassos, por se tratar de
um fenômeno recente e ainda em andamento, eles apontam para repercussões negativas
importantes.
Em verdade, no âmbito preventivo da pandemia, algumas medidas estão sendo tomadas
para proteger a população do risco de exposição ao vírus em diversos países. No Brasil, foi
decretado pelo governo federal, mediante a portaria nº 340, de 30 de março de 2020,
recomendações sobre medidas para o enfrentamento da emergência em Saúde Pública de
importância nacional decorrente de infecção humana pela COVID-19, no âmbito das
Comunidades Terapêuticas. Esse documento também menciona as medidas de isolamento
social, pontuando a necessidade dos indivíduos com suspeita do vírus e sintomáticos
permanecerem em isolamento, como forma de minimizar a progressão e disseminação do vírus,
resultando em controle, e menores taxas de morbidade e mortalidade (Diário Oficial da União
[DOU], 2020). Nessa perspectiva, segundo Aquino et al. (2020), a principal finalidade do
isolamento social é restringir o contato entre as pessoas, buscando diminuir as chances de
1569
contaminação do vírus e, assim, a procura pelos serviços de saúde e o número de mortes.
Entretanto, é preciso acrescentar que, mesmo diante dos benefícios do isolamento social,
vivenciar essa restrição social pode gerar consequências na saúde mental dos indivíduos
(Pereira et al., 2020).
Por esse prisma, alguns dos estressores durante o isolamento social são: necessidade de
afastamento de amigos e familiares, incerteza de quanto tempo esse distanciamento irá durar,
bem como o acúmulo de tarefas durante as atividades de homeschooling e homeworking, entre
outros. (Brooks et al., 2020). Dessa forma, há mudanças nas rotinas e nas relações familiares
que também impactam no bem estar psicológico (Ornell et al., 2020). Ademais, o fato de mães,
pais e demais cuidadores estarem trabalhando remotamente ou impossibilitados de trabalhar faz
com que esses indivíduos sofram com estresse e medo, inclusive quanto às condições para a
subsistência da família, o que pode resultar em uma redução de tolerância e o aumento do risco
de violência contra crianças e adolescentes (Cluver et al., 2020). No que se refere-se às
mulheres, nota-se um aumento do risco de violência, uma vez que as vítimas costumam ficar
confinadas, devido a quarentena, junto aos seus agressores e, na maioria das vezes, não
conseguem denunciar as agressões sofridas (Schmidt et al., 2020).
Outrossim, segundo Brooks et al. (2020), a influência da mídia em torno da pandemia
também pode desencadear efeitos negativos à saúde mental como otimismo irrealista e emoções
negativas. A saber, o otimismo irrealista seria a crença de que tudo dará certo, independente
das ações dos indivíduos envolvidos, já as emoções negativas, tais como tristeza, medo e
angústia, podem reforçar perspectivas distorcidas sobre a saúde (Faro et al., 2020). Nessa
perspectiva, as inúmeras notícias negativas exibidas pelos meios de comunicação sobre a
COVID-19, além das fake News, podem ocasionar na população geral um estado de alerta
contínuo, associado ao medo de se contaminar e de morrer. Desse modo, esses sujeitos
desenvolvem transtornos de pânico que têm por características crises de ansiedade repentina e
intensas com forte sensação de medo, acompanhadas de sintomas físicos (Pereira et al., 2020).
Além disso, outra implicação à saúde mental que a atual pandemia tem causado são questões
emocionais relacionadas ao luto mal elaborado, visto que, devido ao alto nível de contágio do
vírus, as famílias não podem velar, nem enterrar seus entes queridos que foram infectados (Faro
et al., 2020).
Por certo, não apenas a população geral está sofrendo psicologicamente, mas os
profissionais de saúde também. De acordo com Taylor (2019), esses profissionais costumam
vivenciar estressores em contextos de pandemias tais como: 1) aumento do risco de ser
infectado, adoecer e morrer; 2) possibilidade de, descuidadamente, infectar outras pessoas; 3)
sobrecarga e fadiga; 4) exposição a mortes em larga escala; 5) frustração por não conseguir
salvar vidas, apesar dos esforços; 6) ameaças e agressões propriamente ditas, feitas por pessoas
que procuram atendimento e não podem ser acolhidas pela limitação de recursos; e 7)
afastamento da família e amigos. Com efeito, sobre a COVID-19, em particular, Bao et al.
(2020) pontua que os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde podem ser um gatilho
para o desencadeamento ou acentuação de sintomas de ansiedade, depressão e estresse.
Considerando o exposto, vamos nos ater às intervenções psicológicas que podem ser
tomadas em tempos de COVID-19, com a finalidade de reduzir as consequências na saúde
mental dos indivíduos e agir de forma preventiva. Primeiramente, recomenda-se que, para
diminuir o risco de propagação do vírus, as intervenções psicológicas face a face sejam restritas
ao mínimo possível (Jiang et al., 2020). Desse modo, serviços psicológicos realizados de modo
remoto se mostram ferramentas substanciais nesse contexto. No Brasil, em 26 de março de
2020, foi publicada a Resolução CFP nº 4/2020, que permite a prestação de serviços
psicológicos mediante tecnologia da informação e da comunicação após realização do
1570
“Cadastro e-Psi”, ainda que não seja necessário aguardar a emissão de parecer para iniciar o
trabalho remoto. Nesse sentido, a resolução CFP nº 4/2020 suspende, durante o período de
pandemia do novo coronavírus, os Art. 3º, 4º, 6º, 7º e 8º da Resolução CFP nº 11/2018. Em
vista disso, passa a ser autorizada a prestação de serviços psicológicos por meios de tecnologia
da informação e da comunicação a pessoas e grupos em situação de urgência, emergência e
desastre, tal como de violação de direitos ou violência, buscando minimizar as implicações
psicológicas diante da COVID-19 (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2020).
Anteriormente, observou-se que o isolamento social tem grande impacto na saúde
mental da população. Entretanto, segundo Wilder-Smith & Freedman (2020) essas implicações
poderiam ser minimizadas mediante a comunicação por meio das mídias sociais, que se
utilizadas com o fito de tranquilizar a população e elucidar sobre os reais motivos do isolamento
social, conseguem ter um efeito positivo, sanando e prevenindo o pânico e as fake News. Essa
ideia pode ser clarificada por Rubin & Wessely (2020), já que os autores afirmam que quando
a função do isolamento social é bem explicada e relacionada com o altruísmo, pode ter uma
ótima adesão e minimizar consideravelmente o seu impacto psicológico. No que se refere às
mulheres, diante do aumento de casos de violência (Schmidt et al., 2020), é substancial que os
canais de denúncia sejam aumentados durante o período de pandemia. No Brasil, com base em
experiências de outros países, algumas instituições têm ampliado os canais de denúncias,
mediante a disponibilização de comunicações online como aplicativos de mensagens ou sites
(Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio Grande do Sul -
CTICERGS, 2020).
Outrossim, mais uma medida essencial é a transmissão de informações verídicas
transmitidas por veículos governamentais oficiais. Segundo Pereira et al. (2020), é
imprescindível que as autoridades ofereçam aplicativos ou canais exclusivos para atualizar e
comunicar a população sobre as características e consequências da pandemia, evitando a
divulgação de notícias falsas, bem como informações sensacionalistas e imprecisas. Pois, um
maior grau de satisfação em relação às informações recebidas durante uma pandemia minimiza
o impacto psicológico e consequentemente menores níveis de estresse, ansiedade e depressão
(Duan & Zhu, 2020). Desse modo, é substancial que a elaboração dessas informações seja feita
com uma linguagem acessível, bem como uma diagramação visualmente atrativa e de acordo
com as características do público-alvo. Destarte, no Brasil, materiais informativos
disponibilizados em áudio e vídeo – que não requeiram leitura – podem ser uma boa opção,
principalmente para pessoas com baixo nível de escolaridade (Schmidt et al., 2020).
No que diz respeito às intervenções psicológicas voltadas para os profissionais de saúde,
vale ressaltar que os psicólogos raramente têm contato direto com os infectados pelo COVID-
19, haja vista as medidas rigorosas adotadas pelos serviços de saúde para conter a infecção
(Jiang et al., 2020). Dessa forma, os profissionais que trabalham na linha de frente, tais como
enfermeiros e médicos, serão aqueles que frequentemente escutarão lamentos e prestaram apoio
psicológico às pessoas que buscam os serviços de saúde ou que estão hospitalizadas (Duan &
Zhu, 2020).
Portanto, é imprescindível que os psicólogos contribuam com a promoção de saúde
mental e prevenção de implicações psicológicas negativas aos profissionais da saúde, ao
oferecer a eles suporte e orientação sobre como manejar algumas situações em tempos de
pandemia. Somado a isso, devido ao fato de não haver pandemias como a atual com frequência,
infere-se que muitos desses profissionais no Brasil não têm experiência de atuação em
emergências de grande porte como a crise vigente. Diante disso, o autor Zhang et al. (2020)
sugere que haja a realização de uma intervenção voltada à orientação sobre sintomas
psicológicos que profissionais de saúde possam apresentar nesse contexto, bem como estresse,
1571
depressão, ansiedade e insônia, por exemplo. Ademais, Taylor (2019) recomenda estratégias de
enfrentamento e autocuidado, tais como gerenciamento de estresse e relevância dos momentos
de descanso. Isto posto, é importante que essas intervenções sejam precoces e que incluam
também aqueles que não estão na linha de frente, os quais podem sentir culpa, raiva, frustração
e tristeza (Brooks et al., 2020).
Em suma, Xiang et al. (2020) sugere, diante do novo contexto de COVID-19, que três
fatores principais sejam considerados no desenvolvimento de intervenções de saúde mental, a
saber: 1) equipes multidisciplinares de saúde mental, onde estejam inclusos psiquiatras,
enfermeiros psiquiátricos, psicólogos clínicos e outros profissionais de saúde mental); 2)
comunicação clara envolvendo atualizações regulares e precisas sobre o surto de COVID-19; e
3) estabelecimento de serviços seguros de aconselhamento psicológico, tais como dispositivos
ou aplicativos eletrônicos. Por fim, se faz necessário implementar políticas públicas de saúde
mental associadas a estratégias de resposta a epidemias e pandemias antes, durante e após o
evento (Schultz et al., 2020)
Conclusão
O presente artigo reuniu conhecimento científico acerca das implicações na saúde
mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus. Foram expostos
exemplos de algumas das implicações psicológicas causadas pela pandemia de COVID-19 à
saúde mental da população em geral, bem como dos profissionais de saúde, além de
intervenções que buscam minimizar os impactos negativos da crise e atuar de modo preventivo.
Nota-se que, boa parte das implicações negativas à saúde mental da população é
desencadeada pelas medidas preventivas contra a disseminação do vírus, tais como o
distanciamento social, isolamento social e a quarentena. Somado a isso, algumas das
implicações sofridas pela população e profissionais de saúde durante essa pandemia são:
afastamento de amigos e familiares, otimismo irreal e emoções negativas, como tristeza, medo
e angústia, entre outras. Ademais, observa-se que os profissionais de saúde mental podem
contribuir com a execução de intervenções psicológicas ao decorrer da pandemia, para
minimizar impactos negativos e propiciar a saúde mental aos profissionais de saúde da linha de
frente. Desse modo, espera-se que este trabalho contribua para uma ampla avaliação do
contexto em saúde mental na pandemia da COVID-19. Entretanto, cabe ressaltar, de qualquer
modo, que esse trabalho não abrange, obviamente, todo o alcance das produções científicas em
relação a atual pandemia, sendo sugerido cautela na interpretação das informações
apresentadas.
Destarte, recomenda-se levantamentos sobre implicações na saúde mental diante da
pandemia e sobre intervenções psicológicas alinhadas às especificidades do contexto brasileiro,
considerando as características de diferentes populações atingidas pela COVID-19 e, em
específico, de pessoas e grupos em maior vulnerabilidade socioeconômica. Por fim, por mais
que imponha desafios adicionais à atuação dos psicólogos e demais profissionais de saúde, a
pandemia do novo coronavírus pode contribuir para o aperfeiçoamento da prática e da pesquisa
em situações de crise, emergência e desastre.
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