Você está na página 1de 1646

II CONGRESSO DE PSICOLOGIA BRASILEIRA

Psicologia e
brasilidades
FAZERES ÉTICOS-POLÍTICOS, TRANSDISCIPLINARIDADE
E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL EM MEIO A PANDEMIA DO
COVID-19

Organizadores:
Carla Fernanda de Lima
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Sara Moreno Costa
Dinara das Graças Carvalho Costa
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
II CONGRESSO DE PSICOLOGIA BRASILEIRA

Psicologia e
brasilidades
FAZERES ÉTICOS-POLÍTICOS, TRANSDISCIPLINARIDADE
E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL EM MEIO A PANDEMIA DO
COVID-19

Organizadores:
Carla Fernanda de Lima
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Sara Moreno Costa
Dinara das Graças Carvalho Costa
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Organizadores:
Carla Fernanda de Lima
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Sara Moreno Costa
Dinara das Graças Carvalho Costa
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva

Psicologia e
brasilidades
FAZERES ÉTICOS-POLÍTICOS, TRANSDISCIPLINARIDADE
E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL EM MEIO A PANDEMIA DO
COVID-19

2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

Reitor
Gildásio Guedes Fernandes

Vice-Reitor
Viriato Campelo

Superintendente de Comunicação Social


Samantha Viana Castelo Branco Rocha Carvalho

Diretor da EDUFPI
Cleber de Deus Pereira da Silva

EDUFPI - Conselho Editorial


Cleber de Deus Pereira da Silva (presidente)
Cleber Ranieri Ribas de Almeida
Gustavo Fortes Said
Nelson Juliano Cardoso Matos
Nelson Nery Costa
Viriato Campelo
Wilson Seraine da Silva Filho

Projeto Gráfico. Capa. Diagramação


Rafaela Oliveira dos Santos

Revisão
Marcilene Araújo Dias
FICHA CATALOGRÁFICA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C749 Congresso de Psicologia Brasileira e Brasilidade (2. : 2022: Parnaíba, PI)

Anais do II Congresso de Psicologia Brasileira e Brasilidades, 04 e 07 de


novembro de 2021, Parnaíba [recurso eletrônico]: os fazeres éticos-


políticos, a transdisplinaridade e a transformação social em meio a


pandemia do COVID-19 / organizado
por Carla Fernanda de Lima et al. –
Teresina: EDUFPI, 2022.

E-Book

ISBN: 978-65-5904-216-6

1. Psicologia – Congresso.
2. Fazeres Éticos – Políticos. 3.
Transdisciplinaridade – Transformação
Social. 4. Pandemia – COVID-19. I. Lima,
Carla Fernanda (org.). II. Lima, Brunno
E. M. (org.). lll. Costa, Sara M. (org.). lV.

Costa, Dinara das Graças C. (org.). V. Silva, Algeless Milka Pereira Meireles da.
(org.). VI. Título.


CDD: 150.22

Bibliotecária Responsável: Márcia de Arêa Leão Oliveira CRB3/1003

Editora da Universidade Federal do Piauí – EDUFPI


Campus Universitário Ministro Petrônio Portella
CEP: 64049-550 - Bairro Ininga - Teresina - PI – Brasil
II Congresso de Psicologia Brasileira
Psicologia e Brasilidades: os fazeres ético-políticos, a transdisciplinaridade e
a transformação social em meio a pandemia do COVID-19

© Carla Fernanda de Lima • Brunno Ewerton de Magalhães Lima • Sara Moreno


Costa • Dinara das Graças Carvalho Costa • Algeless Milka Pereira Meireles da
Silva

2ª edição: 2022

Comissão Científica:
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva- UFDPAR
Carla Fernanda de Lima- UFDPAR
Dinara das Gracas Carvalho Costa- UFPB
Domenico Uhng Hur- UFG
Eduardo Henrique Passos Pereira- UFF
Flávia Cristina Silveira Lemos- UFPA
Guilherme Augusto Souza Prado- UFDPAR
Mario Sérgio Vasconcelos - UNESP
Monalisa Pontes Xavier- UFDPAR

Revisão
Marcilene Araújo Dias

Editoração
Rafaela Oliveira dos Santos

Diagramação
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Marcilene Araújo Dias
Rafaela Oliveira dos Santos
Reinaldo Leandro Gomes de Aquino
Thayz Costa Mesquita

Capa
Rafaela Oliveira dos Santos
A presente obra é produto de estudos (de campo e bibliográficos)
que compuseram o II Congresso de Psicologia Brasileira (CPBR) –
realizado entre os dias 04 e 07 de novembro de 2021 de forma
online. O mesmo reuniu pesquisadoras(es), docentes,
profissionais, estudantes e a comunidade em geral, sendo essas
pessoas interessadas em debates sobre a temática central do
congresso: “Psicologia e Brasilidades: fazeres ético-políticos,
transdisciplinaridade e transformação social em meio a pandemia
do covid-19”.
Destaca-se, através dessa obra, os aspectos ético-políticos,
transdisciplinaridades e de transformação social em meio a
pandemia do covid-19 e, através dessa oportunidade se procurou
conhecer e valorizar o trabalho e investigação de profissionais e
pesquisadoras(es), das mais diferentes áreas, acerca dos desafios
encontrados no exercício de pensar uma prática psicológica
implicada com a diversidade brasileira e com as peculiaridades
sociais, econômicas, políticas, culturais e subjetivas que uma
pandemia provoca.
Assim, é com muita satisfação que disponibilizamos à comunidade
os conhecimentos aqui reunidos e espera-se que os mesmos
possam servir de subsídio para todas as pessoas, tanto na vida
acadêmica e profissional, quanto nas vivências cotidianas.

Palavras-Chave: Psicologia; Brasilidades; Transformação Social.

A comissão organizadora
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 31

EIXO 02 - Pobreza, Desigualdades Sociais, Políticas Públicas e Minorias ........................... 33


01- “NÃO À VIDA MARIA”: A UNIVERSIDADE PÚBLICA COMO PROJETO DE
VIDA PARA JOVENS ORIUNDOS DE CLASSES POPULARES ................................. 33
Luana Paiva da Silva
02-INSTITUCIONALIZAÇÃO NA VELHICE: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO
CIENTÍFICA .......................................................................................................................... 44
Ádilo Lages Vieira Passos
Letycya Neves Lopes dos Santos
Geordania Meireles de Araújo
Paulo Gregório Nascimento da Silva
03-A PRÁTICA PSI NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE MÉDIA COMPLEXIDADE:
IMPLICAÇÕES E DESAFIOS DO PSICÓLOGO NO CREAS ...................................... 55
Erika Tamires Rodrigues Silva
Bárbara Ellen Viana Sales
Luana Paiva Da Silva
04- PARTICIPAÇÃO DE IDOSOS EM GRUPOS DE CONVIVÊNCIA: UMA
REFLEXÃO TEÓRICA ....................................................................................................... 65
Ádilo Lages Vieira Passos
Maria Hilmara Sousa Viana Portela da Ponte
Thalyta de Araújo Sousa
05- AUTONOMIA E EXPRESSÃO DO ADOLESCENTE ATRAVÉS DA ARTE NAS
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM CRATEÚS-CE .................................................... 74
Francisco Diego Melo da Silva
Maria Vitória Vasconcelos
Kevin Samuel Alves Batista
Adryssa Bringel Dutra
06-EXPERIÊNCIAS COM ADOLESCENTES EM MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS:
PISTAS PARA A FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA ......................................................... 82
Carla Jéssica de Araújo Gomes
Larissa Ferreira Nunes
Antônio Gabriel Miranda da Silva
Isadora dos Santos Alves
João Paulo Pereira Barros
07-O IMPACTO DO SISTEMA CAPITALISTA SOB O OLHAR DA
HISTORICIDADE DA ATRAÇÃO CULTURAL BOI NOVO FAZENDINHA ............. 92
Mariana Costa dos Santos
Alessandra de Araujo Bastos Santana
Jessica Gabaglia de Oliveira
Leiliane Nascimento Nunes
Wellyta Carina de Paula Oliveira
Carla Fernanda de Lima
08-ALUNOS COTISTAS E A QUESTÃO DA PERMANÊNCIA NA UNIVERSIDADE:
UMA REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................. 101
Jorge Samuel de Sousa Teixeira
Antônio Lucas Siqueira Ximenes
Esthela Sá Cunha
Francisca Denise Silva Vasconcelos
Mikaelly Monique do Nascimento Costa
09-ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS DE CLASSES POPULARES: UMA REVISÃO
DE LITERATURA ............................................................................................................... 110
Jorge Samuel de Sousa Teixeira
Francisca Denise Silva Vasconcelos
10-DESIGUALDADE E SEUS DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE: UM
RELATO DE EXPERIÊNCIA ............................................................................................ 120
Antônia Malane da Silva Ferreira
Karina Alves de Oliveira
Priscilla Aparecida Gomes de Oliveira
Juliana Vitoria Galeno da Silva
Francisco Valdiney Silva Santos
Maiky de Araujo Oliveira
11-POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE DA PESSOA IDOSA E A PSICOLOGIA:
INTERSECÇÃO ESSENCIAL PARA A SAÚDE DESTA DETERMINADA
POPULAÇÃO ....................................................................................................................... 131
Raylane Aguiar Da Silva
Pedro Wilson Ramos Da Conceição
Francisca Tatiana Dourado Gonçalves
Railson Muniz De Sousa
Naglla Cristina Vieira Silva
Walter Emmanoel Brito Neto

EIXO 03 – Gênero, sexualidade e violências ....................................................................... 137


01-REFLEXÃO SOBRE A CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE DA MULHER
FRENTE ÀS OPRESSÕES PATRIARCAIS ................................................................... 137
Djanete da Silva Alves
02-GÊNERO E SEXUALIDADE NA ASSISTÊNCIA AO HIV/AIDS: PROCESSOS DE
SUBJETIVAÇÃO NA SAÚDE .......................................................................................... 142
Erika Carla de Sousa Ramos
Guilherme Augusto Souza Prado
03-ADOÇÃO HOMOPARENTAL: UM PERCURSO CONCEITUAL A PARTIR DA
PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA .............................................................................. 152
Fernanda Luz Da Silva
Isabela Brito Lima
Karen Hellen Da Silva Gomes
Périsson Dantas Do Nascimento
04-CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA A COMPREENSÃO DO ABUSO
SEXUAL: PERSPECTIVAS E MANEJO TÉCNICO .................................................... 162
Antonio Jhonatan Paulo Araújo
Victória Maria Freitas Pedrosa
05-A DECOLONIALIDADE COMO INSPIRAÇÃO PARA A PROBLEMATIZAÇÃO
DA IDEOLOGIA DE GÊNERO ......................................................................................... 168
Brune Camillo Bonassi
Pablo Severiano Benevides
Lucas Bezerra Leitão
06-(RE)EXISTÊNCIA POC: NOVOS MODOS DE SUBJETIVAÇÃO E
SOCIALIZAÇÃO ................................................................................................................. 177
Cleber Sales Pereira
Guilherme Augusto Souza Prado
Willian dos Santos Souza
07-VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: UM OLHAR ATENTO AS
MEDIDAS PROTETIVAS ................................................................................................. 187
Tatiana de Andrade Costa
Dania Mendes Ribeiro
Karine Santos Galeno
Marcio Gabriel Caldas Silva
Natália Brenda dos Santos de Oliveira
Rafael Santos Cardoso
08-VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: SOCORRO, EU EXISTO! ....................................... 194
Gilson de Assis Pinheiro
Antonia Neuriane Cibelli Fernandes Silva
Sheila Alves de Lima Barros
09-GRUPOS REFLEXIVOS PARA HOMENS AUTORES DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA: UMA ESTRATÉGIA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A
MULHER ............................................................................................................................. 203
Grazielle Rodrigues Lopes Soares
Fernanda Costa Ferreira
10-VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: UMA REVISÃO
NARRATIVA DA LITERATURA ................................................................................... 210
Socorro Taynara Araújo Carvalho
Amanda Oliveira Falcão
Antônio Francisco Soares Araújo
Laura Cristina Oliveira Magalhães
Bruna Letícia Pinho Rodrigues
João Victor Moreira Lima
11-O CONTEXTO POLÍTICO ATUAL NO SOFRIMENTO PSICOSSOCIAL DA
COMUNIDADE LGBTQ+ SOB A PERCEPÇÃO DO PSICÓLOGO .......................... 218
Tallys Natan Feitosa Lira
Larissa Milhomem Lima
Rafaela Pontes Aragão
Maria Vitória Marreira
Carolina dos Santos Sousa
12-ACEITAÇÃO DA VIOLÊNCIA NO NAMORO E VITIMIZAÇÃO SECUNDÁRIA:
REVISÃO SISTEMÁTICA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM MULHERES 228
Suiane Magalhães Tavares
Maianna Costa Fernandes
Tamyres Tomaz Paiva
13-TRANSFEMINICÍDIO NO ESTADO DO CEARÁ- DA MARIA DA PENHA À
KERON RAVACHE ........................................................................................................... 238
Rebeca Tarcia Da Costa
Adriana Abreu De Sá
14-GÊNERO E O CUIDADO FAMILIAR: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
SISTEMÁTICA .................................................................................................................... 244
Antônio Helton Cavalcante Lima Junior
Maria Suely Alves Costa
Claudio Soares Brito Neto

EIXO 04 - Saúde Mental e Luta Antimanicomial: Políticas Públicas, Desigualdade e


Vulnerabilidades .................................................................................................................... 252
01-A FAMÍLIA NO ACOMPANHAMENTO EM SAÚDE MENTAL ........................... 252
André Luiz de Oliveira Pedroso
Isadora Lima de Souza
Manoel Rodrigues de Souza Neto
Priscila Américo
Maria Aparecida de Paulo Gomes
Beatriz Marques Barbosa
02-SAÚDE MENTAL NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA: UMA REVISÃO
INTEGRATIVA SOBRE O PERFIL DOS USUÁRIOS DE CAPSi ............................... 260
Tharso de Souza Meyer
Larissa Aparecida Hagemeyer
Vera Lúcia Marques de Figueiredo
Jaciana Mariova Gonçalves Araújo
Camila Cunha Freitas
Luciano Dias de Mattos Souza
03-UM ESTUDO ARQUEGENEALÓGICO SOBRE OS PROCESSOS DE
INTERNAÇÃO ..................................................................................................................... 271
Willian dos Santos Souza
Guilherme Augusto Souza Prado
Victor Bruno Barbosa Silva
Cleber Sales Pereira
Elivelton Sousa Montelo
04-A POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS E O POSICIONAMENTO DO
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA: UMA REVISÃO DA LITERATURA .. 282
Marcia Valéria Lopes Araújo
Fabiana Santos Silva
05-A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NO TRATAMENTO DE USUÁRIOS DO CAPS
AD DE UMA CIDADE DO INTERIOR ESTADO DO CEARÁ..................................... 292
Marcos Eduardo Azevedo Martins
Socorro Taynara Araújo Carvalho
Francisca Liciane Marques
Antonio Jonh Lennon da Costa Marques
06-O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS POR ADOLESCENTES E SUA
RELAÇÃO COM O ÂMBITO FAMILIAR ..................................................................... 298
Marcos Eduardo Azevedo Martins
Socorro Taynara Araújo Carvalho
Francisca Liciane Marques
Antonio Jonh Lennon da Costa Marques
07-ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM HUMANIZADA NA SAÚDE MENTAL ..... 303
Isadora Lima De Souza
André Luiz De Oliveira Pedroso
Beatriz Marques Barbosa,
Manoel Rodrigues De Souza Neto
Priscila Américo
08-REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE UNIVERSITÁRIOS DE PSICOLOGIA E
FISIOTERAPIA ACERCA DA SAÚDE MENTAL ........................................................ 312
Rafaela Oliveira dos Santos
Marcilene Araújo Dias
Thayz Costa Mesquita
Maria Eduarda Lais de Sousa França
Jefferson Luiz de Cerqueira Castro
Ludgleydson Fernandes de Araújo

EIXO 05 - Racismos: Estrutural, Institucional, Científico ................................................... 323


01-REVISÃO SISTEMÁTICA DE PRODUÇÕES QUE ASSIMILEM A PRÁTICA
PSICOLÓGICA NUMA ATITUDE ANTIRRACISTA ................................................... 323
Lara Coelho Pereira
Lucas Coelho Pereira
02-A COR DA BELEZA: ROMPENDO COM OS PADRÕES ESTÉTICOS REAIS A
PARTIR DO MUNDO VIRTUAL ..................................................................................... 329
Larah Bogea Ribeiro
Renata Silva Amador
Valentina Cabral Lopes dos Santos
Laura Inês Oliveira das Neves
03-QUESTÕES RACIAIS E VIOLÊNCIA URBANA: UMA REVISÃO DAS
PESQUISAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA LIGADAS AO VIESES-UFC ................ 337
Carla Jéssica de Araújo Gomes
Glenda Sabino Paiva
Laisa Forte Cavalcante
Paula Autran Nunes
João Paulo Pereira Barros
04-NO MEIO DO CAMINHO TINHA O BRASIL: A DIFICULDADE NEGRA DE
EXISTIR DIANTE DO RACISMO .................................................................................... 347
Yan Victor Sampaio do Nascimento
05-“EPISTEMOLOGIA MORTA E QUE QUER MINHA MORTE” : CONEXÕES
ENTRE EPISTEMICÍDIO E NECROPOLÍTICA ........................................................... 355
Raimundo Cirilo de Sousa Neto
06-A IMPORTÂNCIA DA AUTONOMIA PARA O JOVEM PÓS
INSTITUCIONALIZADO ................................................................................................. 363
Ryanne Wenecha da Silva Gomes
Gabriel Campelo Sotero
Felipe Alysson Ireno da Silva
Reinolds Araujo Silva
Rafaela Santos da Rocha
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
07-FAMÍLIAS INTER-RACIAIS E O PROCESSO DE ADOÇÃO: VÍNCULOS
AFETIVOS MEDIADOS PELA COR ............................................................................... 371
Ayra Audry de Lima Souza
Gabriel Campelo Sotero
Carla Fernanda de Lima
08-RACISMO COTIDIANO: IMPLICAÇÕES DE UMA PESQUISA SOBRE A
PERCEPÇÃO DO RACISMO ............................................................................................ 380
Francisco Márcio Costa da Silva
Dinara das Graças Carvalho Costa
Priscilla Aparecida Gomes de Oliveira
Sara Marreiros do Nascimento

EIXO 06 - Eco Brasilidade e Povos tradicionais: cultura, arte, e práticas de emancipação de


povos indígenas, quilombolas, populações rurais e ciganos ................................................. 391
01-EXPERIENCIANDO A COMUNIDADE: A PSICOLOGIA ATENTA AO SABER E
LUTA POPULAR ................................................................................................................. 391
Erika Carla De Sousa Ramos
Maria Dos Remedios Da Conceicao Ferreira
Evair Mendes Da Silva Sousa

EIXO 07 - Sistema prisional, Desencarceramento e Luta abolicionista e Antiproibicionista


................................................................................................................................................ 400
01-O SISTEMA PRISIONAL DO MARANHÃO E SEUS DESAFIOS: UM RELATO
DE EXPERIÊNCIA.............................................................................................................. 400
Talita Silva de Lima
Vildeany Karolinny Alves Lima
Maria dos Remédios Brito Viana
Lara Coelho Pereira
Lucas Coelho Pereira
02-ABOLICIONISMO PENAL E NECROPOLÍTICA: ENFRENTAMENTO
ANTIRRACISTA NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO ...................................... 408
Rodrigo França Batista

EIXO 08 - Pessoas em situação de rua: violência, marginalização, cotidiano, território e


cuidado .................................................................................................................................. 417
01-PSICOLOGIA E CENTRO POP: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DE UMA
EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO BÁSICO .......................................................................... 417
Luana Paiva da Silva
02-TECENDO ENCONTROS: TRABALHANDO VIOLÊNCIA SEXUAL COM
MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA NA CIDADE DE FORTALEZA-CE ............ 425
Drieli Venâncio da Silva Sousa
03-PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA, INVISIBILIDADE E O USO ABUSIVO DE
ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: UM ESTUDO DE CASO .......................................... 432
Marinara Nobre Paiva
Anne Graça de Sousa Andrade

EIXO 09 - Medidas e Avaliação Psicológica no Desenvolvimento Humano ...................... 440


01-TRAÇOS DE PERSONALIDADE E ANSIEDADE COGNITIVA FRENTE A
EXAMES: UM ESTUDO COM UNIVERSITÁRIOS PIAUIENSES ............................. 440
Fernanda Catarina Pereira de Sousa
Iara Sampaio Cerqueira
Lucas Pereira dos Santos
Maria Carolina de Carvalho Sousa
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Paulo Gregório Nascimento
02-ANSIEDADE FRENTE A EXAMES E USO DE SMARTPHONES POR
ESTUDANTES ..................................................................................................................... 449
Ana Carolina Martins Monteiro Silva
Gabriel Campelo Sotero
Iara Sampaio Cerqueira
Ivanucia Veloso Costa
Gabriel Cavalcante Bezerra Ribeiro
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
03-GRATITUDE QUESTIONNAIRE (GQ-6): EVIDÊNCIAS PSICOMÉTRICAS NO
INTERIOR DO PIAUÍ ........................................................................................................ 458
Laís Renata Lopes da Cunha
Tamires Almeida da Costa Lima
Lorena Mota Reis
Gabriel Cavalcante Bezerra Ribeiro
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Emerson Diógenes de Medeiros
04-DESGASTE FÍSICO E PSICOLÓGICO DE MÃES DE CRIANÇAS COM
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) ........................................................ 467
Adriana Bomfim Ribeiro
Ana Catarina Correia Mesquita
Patrícia Bomfim Ribeiro
Mateus Cardoso do Amaral
05-VERSATILIDADE E SALTO ALTO: UM ESTUDO SOBRE A RESILIÊNCIA
FEMININA ........................................................................................................................... 476
Anne Graça de Sousa Andrade
Maria Teresa Sales Lira
Georgia Maria Melo Feijão
06-AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NO CONTEXTO HOSPITALAR .......................... 484
Antonia Fonseca Gomes da Cruz
Amanda Cunha de Sá
Joycilane Oliveira Aguiar
Ana Karine Sousa Cavalcante
Carla Nágila Ripardo Sales
Natanaele Alcântara Moreira
07-CORRELATOS VALORATIVOS DA PERPRETAÇÃO DO BULLYING: UM
ESTUDO COM ADOLESCENTES DO INTERIOR PERNAMBUCANO ................... 493
Brenda Caroline Belforte Pereira
Mariana do Socorro Silva Araújo
Tamíris da Costa Brasileiro
Ícaro Macedo Sousa
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
08-DIFFICULTIES IN EMOTION REGULATION SCALE (DERS): NOVAS
EVIDÊNCIAS PSICOMÉTRICAS DE VALIDADE E PRECISÃO .............................. 504
Brenda Caroline Belforte Pereira
Ícaro Macedo Sousa
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Radames Coelho do Nascimento
Ricardo Neves Couto
Emerson Diógenes de Medeiros
09-USO DE REDES SOCIAIS E A PERCEPÇÃO DA AUTOESTIMA: UM ESTUDO
CORRELACIONAL ............................................................................................................ 514
Brenda Caroline Belforte Pereira
Radames Coelho do Nascimento
Ricardo Neves Couto
Ícaro Macedo Sousa
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Emerson Diógenes de Medeiros
10-O USO DE INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA EM CASOS DE
ANOREXIA NERVOSA - UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................... 522
Bruna Letícia Pinho Rodrigues
Ana Karine Sousa Cavalcante
Socorro Thaynara Araújo Carvalho
Lorena Kelly Moreira Lira
11-TESTE DE RESSENTIMENTO E APRECIAÇÃO DA GRATIDÃO (GRAT):
EVIDÊNCIAS DE VALIDADE EM UM CONTEXTO BRASILEIRO ......................... 528
Tallys Natan Feitosa Lira
Iris Lorrane Albuquerque Silva
Taynara Pontes Paixão
12-INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DA (HIPO)MANIA INFANTO-JUVENIL:
UM PANORAMA INTERNACIONAL E BRASILEIRO ............................................... 538
Tharso de Souza Meyer
Luciano Dias de Mattos Souza
Vera Lúcia Marques de Figueiredo
Jaciana Mariova Gonçalves Araújo
Camila Cunha Freitas
13-COMPRAS POR IMPULSO EM AMBIENTE ON-LINE ......................................... 548
Maria Aurelina Machado de Oliveira
Rickson Nunes de Santana
Welyton Paraíba da Silva Sousa
14-WHY WORRY? QUESTIONNAIRE: EVIDÊNCIAS DE VALIDADE E PRECISÃO
NO CONTEXTO BRASILEIRO ........................................................................................ 560
Geice Maria Pereira dos Santos
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Kairon Pereira de Araújo Sousa
Ricardo Neves Couto
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Ádilo Lages Vieira Passos
15-DEPENDÊNCIA DE SMARTPHONE POSSUI ALGUMA RELAÇÃO COM
ESTRESSE E BEM-ESTAR SUBJETIVO? ...................................................................... 570
Iara Sampaio Cerqueira
Bruna de Jesus Lopes

EIXO 10 - Neuropsicologia e Neurociência: práxis e perspectivas na contemporaneidade . 577


01-O USO DA TÉCNICA DO ELETROENCEFALOGRAMA NO ESTUDO DA
PSICOPATIA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA .......................................................... 581
Ernandes Barbosa Gomes
Pedro Lucas dos Santos
Alessandro Teixeira Rezende
Hysla Magalhães de Moura
Camilla Vieira de Figueiredo
Heloísa Bárbara Cunha Moizéis
02-NÍVEIS DE ANSIEDADE EM ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS DA ÁREA DA
SAÚDE: UMA REVISÃO DA LITERATURA ................................................................. 588
Ana Beatriz Damasceno Alves
Aline Martins Diolindo Meneses
Andressa Fabianny de Sousa Araújo
Regina Lúcia dos Reis e Silva
Iarlla Dias Rodrigues
03-NEUROPSICOLOGIA NA REABILITAÇÃO COGNITIVA: A IMPORTANCIA
DO NEUROPSICOLÓGO NO TRATAMENTO DE REABILITAÇÃO COGNITIVA
EM CRIANÇAS ................................................................................................................... 599
Stheffane Carine Cantanhede Novais
Tainara Pereira Silva
04-NEUROPSICOLOGIA NA APRENDIZAGEM: A ATUAÇÃO DO
NEUROPSICÓLOGO NA IDENTIFICAÇÃO E NO TRATAMENTO DE
ALTERAÇÕES NEURAIS COGNITIVAS EM CRIANÇAS COM TDAH. ................. 603
Tainara Pereira Silva
Stheffane Carine Cantanhe de Novais
05-AVALIAÇÃO DA MEMÓRIA DE CURTO PRAZO EM IDOSOS PRATICANTES
DE ATIVIDADES FÍSICAS ................................................................................................ 607
Iolene Alves Silva de Araujo
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Lucas Pereira dos Santos
Bruno de Araújo Cardoso
Emerson Diógenes de Medeiros
Paulo Gregório Nascimento da Silva

EIXO 11 - Psicologia Organizacional do Trabalho e Psicologia Social do Trabalho .......... 615


01-A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO EM PROGRAMA DE READAPTAÇÃO
FUNCIONAL EM UMA IFES ............................................................................................ 615
Mônica Alves Silva de Araujo
Alynne Virginya de Queiroz Lima
02-VALORES HUMANOS, DESEJABILIDADE SOCIAL E PRECONCEITO
FRENTE ÀS MINORIAS: UMA ANÁLISE DAS TRABALHADORAS ...................... 622
Juliana Vitória Galeno da Silva
Carla Fernanda de Lima
Lerlieny de Araújo Silva
Karina Alves de Oliveira
Priscilla Aparecida Gomes de Oliveira
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
03-É SÓ POR DINHEIRO QUE OS SERVIDORES APOSENTADOS DE UMA IFES
RETORNAM AO TRABALHO? ...................................................................................... 632
Alynne Virginya de Queiroz Lima
Ana Flávia Moniz Costa
Ana Gabrielle Sousa Costa
Carla Vaz dos Santos Ribeiro
Caroline Serra Soares
Josimar de Oliveira Mendonça
04-RECONHECIMENTO E TRABALHO: O CASO DOS ADOECIDOS PELO
TRABALHO ......................................................................................................................... 642
Dinara das Graças Carvalho Costa
Paulo César Zambroni de Souza
05-REVISÃO DE LITERATURA: QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO(QVT),
JUNTO AS INTERFACES LABORAIS DO CONTADOR ........................................... 652
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Dinara das Graças Carvalho Costa
Sabrina Costa Pereira
06-AS NOVAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE:
INTERFACES DOS SERVIÇOS EM PLATAFORMAS DIGITAIS ............................ 661
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Ítalo Fábio Viana da Silva
Maria Antonia da Silva Oliveira
Matheus Barroso Ferreira
Dinara das Graças Carvalho Costa
Carla Fernanda de Lima
07-OS IMPACTOS QUE INFLUENCIAM NO PROCESSO DA APOSENTADORIA
DO TRABALHADOR RURAL NO BRASIL ................................................................... 671
Wellington da Rocha Almeida
Fabiana Regina da Silva Grossi
Heloísa Jansen Alves Nascimento
Laís Bertunes dos Santos
08-“O TRABALHO SIGNIFICA TUDO PRA MIM”: ESTUDO DA SUBJETIVIDADE
DE PROFESSORES DIANTE DA APOSENTADORIA ................................................ 682
Luiza Mariana de Sousa
Carla Vaz dos Santos Ribeiro
09-O RETORNO AO TRABALHO DE SERVIDORES APOSENTADOS COMO
VOLUNTÁRIOS EM UMA IFES ...................................................................................... 690
Luiza Mariana de Sousa
Carla Vaz dos Santos Ribeiro
Ana Flávia Moura Carvalho
Fabiana Moreira Lima Freire
Lícia Calvet Araújo
Marcela Lobão Oliveira
10-DINAMISMOS ENTRE ORGANIZAÇÕES E LGBT’s NESSES ESPAÇOS:
CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .................... 699
Helen Emanuele Pereira Sousa
Wesley Alves Veras
José Victor de Oliveira Santos
Mateus Egilson da Silva Alves
11-A SÍNDROME DE BURNOUT COMO DESENCADEANTE DA DEPRESSÃO NO
AMBIENTE DE TRABALHO ............................................................................................ 710
Johnathan Jaderson Folha de Souza
Khalina Assunção Bezerra Fontenele
Roselle Lima do Nascimento
Leidiane Alves Feitosa
Elane Cristina da Costa Freitas
12-ANÁLISE DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DE UMA POUSADA:
RELATO DE EXPERIÊNCIA .......................................................................................... 717
Sara Moreno Costa
Adalia Maria Santos da Silveira
Macdllany Fernandes Melo de Lima
Beatriz Alves de Oliveira
Claudiana Pinheiro da Silva
Raquel Pereira Belo

EIXO 12 - Psicologia Jurídica e Ciências Forenses ............................................................. 723


01-O MAU-USO DO TERMO 'PSICOPATA' NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
................................................................................................................................................ 723
Bianca Silva Neves
Marisa Carla Silveira Alves
Talia Machado Freire
Mônica Fortes Sampaio
Jessica Maria da Conceição
Khalina Assunção Bezerra Fontenele
02-ALIENAÇÃO PARENTAL: REFLEXÕES SOBRE UMA ATUAÇÃO CRÍTICA DA
PSICOLOGIA NO CAMPO JURÍDICO ........................................................................... 731
Suzane Macedo Souza Pereira
Ana Letícia Barbosa Lima
03-OS IMPACTOS DO PROCESSO DE DIVÓRCIO NO DESENVOLVIMENTO
INFANTIL............................................................................................................................. 737
Gabriel Campelo Sotero
Ayra Audry de Lima Souza
Mirela Dantas Ricarte

EIXO 13 - Psicologia Social: Decolonialidade, Brasilidades e pensamento contemporâneo 745


01-A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA NO PROCESSO DE ADOÇÃO DE
CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO....................................................... 745
Anne Graça de Sousa Andrade
Leonice Abreu Pereira
02-GRUPO DE ESTUDOS, FORMAÇÃO E PSICOLOGIA SOCIAL DOS SERTÕES
DE CRATEÚS: TERRITORIALIDADES EM PRODUÇÃO ......................................... 751
Kevin Samuel Alves Batista
Thaís Felix Cruz
03-EXPROPRIAÇÃO E EXTERMÍNIO: UMA ANÁLISE SOBRE OS LIMITES E AS
IMPLICAÇÕES DA PSICOLOGIA NO CONTEMPORÂNEO .................................... 760
Marcos Antonio de Sousa Rodrigues Moura
Adria Miranda de Abreu
04-PROCESSOS DE SOCIALIZAÇÃO: DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO
FENÔMENO......................................................................................................................... 769
Matheus Victor Vieira da Silva
Ana Karla Silva Soares
Alessandro Teixeira Rezende
Maria Gabriela Costa Ribeiro
Bruna de Jesus Lopes
Mateus Egilson da Silva Alves
05-FORTALECENDO VÍNCULOS ATRAVÉS DA CONVIVÊNCIA: ATUAÇÃO DO
PSICÓLOGO FRENTE AOS SENTIMENTOS DE IDENTIDADE DO IDOSO ......... 780
Jessyca Rodrigues Melo
Amanda de Oliveira Lima
Louanne Sousa Silva
Valéria Sena Carvalho
EIXO 14 - Psicologia Hospitalar e Atuação Multiprofissional ............................................ 786
01-CONDIÇÃO HOSPITALAR: UMA PERSPECTIVA DE CUIDADO QUE VAI
ALÉM DO PACIENTE, COM ENFOQUE FAMILIAR E PROFISSIONAL............... 786
Larissa Teixeira Rocha
Alanna Sávia Marques Alves
Davi de Sousa Araujo
Gabriel Campelo Sotero
Bruna de Jesus Lopes
02-ÊNFASE NA FALA DO SUJEITO: EXPERIÊNCIA DE INTERVENÇÃO CLÍNICA
EM UM HOSPITAL GERAL ............................................................................................. 796
Marília Albuquerque de Sousa
Kemylle Mesquita Brito
Beatriz Alves Viana
Luís Achilles Rodrigues Furtado
03-O LÚDICO COMO SUPORTE PSICOLÓGICO A CRIANÇA COM CÂNCER:
UMA EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO ............................................................................... 801
Jaiane Celeste dos Santos Nascimento
Wallyson de Sousa Lopes
Laís de Meneses Carvalho Arilo
04-FATORES RESTRITIVOS E FACILITADORES DO TRABALHO DO
PSICÓLOGO HOSPITALAR JUNTO AO FAMILIAR DE PACIENTES EM MORTE
ENCEFÁLICA ...................................................................................................................... 806
Jessyca Rodrigues Melo
Louanne Sousa Silva
Patrícia Melo Monte
Maysa Milena
Silva Almeida
05-O LUGAR DA ÉTICA NAS PRÁTICAS PSICOLÓGICAS EM UM HOSPITAL DE
DOENÇAS CARDIORRESPIRATÓRIAS EM FORTALEZA-CE ............................... 813
Sara Farias Santiago Araújo
Bruna Rodrigues Nunes
Ingrid Gomes Guimarães
Marina Machado Alves Dias
Luis Fernando de Souza Benício
06-A PSICOLOGIA HOSPITALAR EM UM HOSPITAL GERAL: DESAFIOS PARA
A FORMAÇÃO NOS DIAS ATUAIS ................................................................................ 823
Sara Farias Santiago Araújo
Gustavo Cavalcante Cruz de Almeida
Vinícius dos Santos Lima
Lidiane Barbosa Santiago Leite Vasconcelos
Luis Fernando de Souza Benício
07-A IMPORTÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE COMO ESTRATÉGIA DE
ENFRENTAMENTO EM PACIENTES ONCOLÓGICOS ............................................ 834
Marcia Alves Gomes
Andréa Nara Lopes Henriques de Sousa
08-A PSICOLOGIA E MULTIDISCIPLINARIDADE NA SAÚDE: UMA REVISÃO
INTEGRATIVA .................................................................................................................. 854
Maria Aparecida De Paulo Gomes
Isadora Lima De Souza
André Luís De Oliveira Pedroso
Manoel Rodrigues De Souza Neto
Antonio Jonh Lennon Da Costa Marques

EIXO 15 - Psicologia Escolar e Educacional: os diversos fazeres educativos no contexto


brasileiro e latino ................................................................................................................... 862
01-ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO ESCOLAR E ADOLESCÊNCIA
ATÍPICA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA ................................................................ 862
Louanne Sousa Silva
Jessyca Rodrigues Melo
02-ESTRESSE EM ADOLESCENTES: UM OLHAR PARA O PROCESSO DE
APRENDIZAGEM EM ALUNOS DA 2ª SÉRIE “E" DO ENSINO MÉDIO .............. 867
Julia da Luz Veloso
Emille Gabrielle Neves Sousa
Fany Valentim de Matos
Cynthia Raquel Oliveira de Araújo Chaves
Gabrielly Silva dos Santos
Maiule Gonçalves de Oliveira
03-FACES E INTERFACES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O TRANSTORNO DO
ESPECTRO AUTISTA (TEA) ENTRE CRIANÇAS ESCOLARES .............................. 873
Alana Vasconcelos Castro Araújo
Fabiana Maria Santos Da Silva
Bruna de Jesus Lopes
Mateus Egilson da Silva Alves
Gabriela Oliveira Lira Rodrigues
04-CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA ESCOLAR: ORIENTAÇÃO
PROFISSIONAL PARA ALUNOS DO NÍVEL MÉDIO DE UM IF ............................ 884
Anna Karoline Gomes Dourado
Noélia Catarina Monteiro de Lima
05-A ANSIEDADE E SEUS TRÊS PRINCIPAIS TRANSTORNOS QUE AFETAM O
DESEMPENHO ESCOLAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES.............................. 891
Tallys Natan Feitosa Lira
06-O PSICÓLOGO ESCOLAR FRENTE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS NA
ESCOLA ................................................................................................................................ 898
Esthela Sá Cunha
07-A RELEVÂNCIA DA EMPATIA NA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO ............. 903
Livia Gomes Viana-Meireles
Jonathan Silva de Araújo
08-EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO CONTEXTO ESCOLAR: HABILIDADES
SOCIOEMOCIONAIS NA PROMOÇÃO DE SAÚDE MENTAL ................................ 914
Callanda de Moura Matos
Karolinny Marques de Abreu Sales Rego
Nathan da Silva Cunha
09-RELATO DE EXPERIÊNCIA: INTERFACES E PERSPECTIVAS DA ATUAÇÃO
MULTIDISCIPLINAR NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA ................................................. 928
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Juliana Vitória Galeno da Silva
Lerlieny de Araújo Silva
Hallisson Eduardo dos Santos Pinho
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
10-MOTIVOS DE EVASÃO EM ACADÊMICOS DE ADMINISTRAÇÃO E
ENFERMAGEM DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA ............................................. 937
Maria Aurelina Machado De Oliveira
Beatriz Nascimento dos Santos Alencar
Marcia Andreia da Conceição de Jesus
Thalia Alves Oliveira
Raires Maria da Conceição Menezes
Isabella Cristina Sousa Rocha
11-PREVALÊNCIA DE ESTRESSE EM ACADÊMICOS DE ADMINISTRAÇÃO DE
UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA .................................................................................... 946
Maria Aurelina Machado de Oliveira
Raissa de Sousa Silva
Welyton Paraíba da Silva Sousa
12-A RELAÇÃO ENTRE MOTIVAÇÃO E DESEMPENHO ACADÊMICO .............. 955
Helen Emanuele Pereira Sousa
Ricardo Neves Couto
Idália Medeiros Guerra
Thalita Maria Gomes de Santana
13-TRABALHANDO AGRESSIVIDADE NA ESCOLA DE APLICAÇÃO MINISTRO
REIS VELLOSO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA .................................................... 964
Rafaela Oliveira dos Santos
Sara Moreno Costa
Maria Karoline Braga de Sousa
Beatriz Alves de Oliveira
Gabriela Elys de Araújo Silva
14-ESCUTA QUALIFICADA NA ADOLESCÊNCIA - UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA DE PRÁTICA DE ESTÁGIO EM PSICOLOGIA ESCOLAR ......... 971
Rebeca Caroline Oliveira Ferreira
Irandy Braga Lima Melo
Jaiane Celeste dos Santos Nascimento
Mayara Carneiro Alves Pereira
15-A IMPORTÂNCIA DE DESENVOLVER HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS
NA INFÂNCIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA .............................................................. 978
Roberta Brito Cunha
Maurício Castro Leite Dourado Guerra
Letícia Pereira Louzeiro
Mirela Dantas Ricarte
16-AS INTELIGÊNCIAS INTRAPESSOAL E INTERPESSOAL: UMA RELAÇÃO
COM OS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO
................................................................................................................................................ 986
Samira Taveira dos Santos
Mayara Oliveira da Silva da Cunha
Lucas Muniz Liandro
Nicolly Sousa Nunes
Fany Valentim de Matos
17-PERFIL LEITOR E MOTIVAÇÃO PARA LEITURA NO ENSINO MÉDIO:
RELATO DE PESQUISA EM SALVADOR-BA .............................................................. 994
Ísis Fabiana De Souza Oliveira
Liliana Liviano Wahba
18-A TENDA DO CONTO COMO METODOLOGIA DE TRABALHO COM
QUESTÕES SOBRE GÊNERO NO ENSINO FUNDAMENTAL ............................... 1002
Maurício Castro Leite Dourado Guerra
Lucas Pereira dos Santos
Thayná de Souza Rocha
Pamela Lara Souza Marques
Sara Marreiros do Nascimento
Monalisa Pontes Xavier
19-ARTE E MEMÓRIA COLETIVA NO ENSINO DE PSICOLOGIA: RELATO DE
EXPERIÊNCIA EM CURSO DE LICENCIATURA NO CEARÁ ............................... 1008
Cleide Maria Amorim dos Santos
20-O BEM-ESTAR PSICOLÓGICO UMA PERSPECTIVA DOS ACADÊMICOS DE
PSICOLOGIA..................................................................................................................... 1015
José Carlos Souza Costa Mendes
Laura Nascimento Caetano da Silva
Luana Fontenele Cardoso
Ana Carla Pereira dos Santos
Bruna de Jesus Lopes
21-EDUCAÇÃO, ENSINO FORMAL E AFETIVIDADE: POSSÍVEIS
CONSIDERAÇÕES .......................................................................................................... 1024
Milena Assunção Procópio Barbosa
Georgia Bezerra Gomes
Thamila Cristina dos Santos da Silva
22-A FORMAÇÃO DO LICENCIADO EM PSICOLOGIA PARA ENSINAR ALUNOS
PÚBLICO ALVO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL ........................................................... 1031
Aurielly dos santos gomes
Nadja Carolina de Sousa Pinheiro Caetano
23-A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA
REVISÃO NARRATIVA DA LITERATURA ................................................................ 1041
Antonio Guilherme Martins
Maria Alice Alves
Maria Eduarda Silva Siqueira da Luz
Maria Andhiara Kaele Feitosa Silva
Lívia Cibelly Rodrigues de Melo

EIXO 16 – Psicologia do esporte ........................................................................................ 1049


01-COMPREENDENDO A PSICOLOGIA DO ESPORTE: CAMPOS DE ATUAÇÃO
E SEUS DESAFIOS NA ATUALIDADE ........................................................................ 1049
Zabelle Cabral dos Santos
Laurany Barbosa Santos
Ingrid Lorena Ramos Sousa
Carla Fernanda de Lima
02-APARÊNCIA MUSCULAR E VALORES HUMANOS: UM ESTUDO
CORRELACIONAL ......................................................................................................... 1061
Samara Eduarda Martins
Bruna de Jesus Lopes
Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva
Alessandro Teixeira Rezende

EIXO 17 – Psicologia do trânsito ....................................................................................... 1071


01-PERÍCIA PSICOLÓGICA DO TRÂNSITO NO CONTEXTO DO LITORAL
PIAUIENSE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA ......................................................... 1071
Maurício Castro Leite Dourado Guerra
Mateus Egilson da Silva Alves
Leticia Pereira Louzeiro
Kamilla Maria Adrião Youssef

EIXO 18 - Psicologia Clínica: olhares e perspectivas do fazer clínico no contemporâneo 1079


01-TEM O ALTRUÍSMO UM LADO SOMBRIO? CONTRIBUIÇÕES PARA
ENTENDER O ALTRUÍSMO PATOLÓGICO ............................................................. 1079
Laurentino Gonçalo Ferreira Filho
Hysla Magalhães de Moura
Camilla Vieira de Figueiredo
Alessandro Teixeira Rezende
Roberta Pereira Curvello
Ítalo de Oliveira Guedes
02-O CASO ESTAMIRA: UM OLHAR DE “MÚLTIPLOS CONTORNOS” SOB A
PERSPECTIVA DA PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA ............................ 1085
Maria Aparecida De Paulo Gomes
Juscislayne Bianca Tavares De Morais
Hivana Raelcia Rosa Da Fonseca
03-PLANTÃO PSICOLÓGICO NO CENTRO UNIVERSITÁRIO INTA-UNINTA:
POSSIBILITANDO ESPAÇOS DE ESCUTA E ACOLHIMENTO ........................... 1092
Maria Aparecida De Paulo Gomes
Marcelo Franco E Souza
Isadora Lima De Souza
André Luís De Oliveira Pedroso
Manoel Rodrigues De Souza Neto
04-ARTE E O CUIDADO PSI: APROXIMAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A CLÍNICA
PSICOLÓGICA NA CONTEMPORANEIDADE ......................................................... 1100
Maria Clara de Carvalho
Silva Moura Carvalho
Pedro Victor Cerqueira Paiva
05-A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO DA
COMPULSÃO ALIMENTAR ......................................................................................... 1111
Maria Fernanda Lima Silva
Thaysa Maria Dantas Gonçalo
Alessandro Teixeira Rezende
Ramon Dutra Diniz
Bruna de Jesus Lopes
Mateus Egilson da Silva Alves
06-A CLÍNICA PSICOTERÁPICA A PARTIR DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-
CULTURAL: UM ESTUDO DE CASO .......................................................................... 1122
Marinara Nobre Paiva
Janailson Monteiro Clarindo
07-A PRÁTICA DO PSICÓLOGO E O PROCESSO DE AVALIAÇÃO
PSICOLÓGICA: UM ESTUDO NOS CONSULTÓRIOS DE PSICOLOGIA .......... 1129
Jefferson da Silva Rodrigues
Antonia Mávilla Sales da Cunha
Juliana Maria Trajano da Silva
Bruna Costa Gonçalves da Cruz
André Sousa Rocha
Caroline Mauriz de Moura Costa Feitosa Aragão
08-O BRINCAR PARA A CRIANÇA NA CONTEMPORANEIDADE ....................... 1137
Rafaela Vasconcelos Tahim
Aurea Souza Aguiar Santos
09-TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E A RESISTÊNCIA FRENTE AO
PROCESSO TERAPÊUTICO: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA ............................. 1148
Samara Eduarda Martins
Bruna de Jesus Lopes
Thaysa Maria Dantas Gonçalo
Alessandro Teixeira Rezende
Ramon Dutra Diniz

EIXO 19 - Saúde Pública e Políticas Sociais: atuação multiprofissional nos diversos


contextos de saúde no Brasil e na América Latina .............................................................. 1157
01-O PAPEL DO PSICÓLOGO NO NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMILIA
(NASF): POTENCIALIDADES E DESAFIOS .............................................................. 1157
Julia da Luz Veloso
Maria dos Remédios Brito Viana
Cynthia Raquel Oliveira de Araújo Chaves
02-A EQUIPE MULTIPROFISSIONAL NA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA
.............................................................................................................................................. 1163
André Luiz De Oliveira Pedroso
Isadora Lima De Souza
Manoel Rodrigues De Souza Neto
Maria Aparecida De Paulo Gomes
Beatriz Marques Barbosa
03-PRONTUÁRIO DO SISTEMA ÚNICO DO ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) –
ASPECTOS TÉCNICOS, ÉTICOS E JURÍDICOS SOBRE A TEMÁTICA ............. 1172
Diego Mendonça Viana
04-ATENÇÃO À CRISE EM SAÚDE MENTAL: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO
.............................................................................................................................................. 1182
Francisca Daniele Nogueira Albuquerque
Ana Virgínia Maria Da Silva
Rafaela Brenda Araújo Da Silva
Débora Magalhães Araújo
Francisca Maria Isabel Torres Frota
05-ATENÇÃO AO COMPORTAMENTO SUICIDA: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO
.............................................................................................................................................. 1191
Gabriela Oliveira Lira Rodrigues
Francisca Daniele Nogueira Albuquerque
Claudiana Pinheiro da Silva
Ana Virgínia Maria da Silva
Fabiane Araújo de Sousa
Thainara Andrade Almeida
06-REFLEXÕES SOBRE A INSERÇÃO E ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA NO SUS:
UMA ANÁLISE CRÍTICA DO PROCESSO HISTÓRICO ......................................... 1198
Laís Maria Germano Canuto Sales
07-A PRÁXIS DA PSICOLOGIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: PARA
ALÉM DA NORMATIZAÇÃO ....................................................................................... 1206
Laura Cristina Oliveira Magalhães
Socorro Taynara Araújo Carvalho
Francisca Liciane Marques
Antonio Jonh Lennon da Costa Marques
Marcos Eduardo Azevedo Martins
Rosymile Andrade de Moura
08-O PROJETO “EU POSSO TE OUVIR” EM FOCO: A INTERSETORIALIDADE
NO CUIDADO E NA PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL NA ESCOLA ............... 1212
Luiz Augusto Souza Barbosa
Paulo Henrique Dias Quinderé
Fiamma Dárlen Gomes de Souza
Lycélia da Silva Oliveira
Antonio Anderson Mota da Silva
09-RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE NA PRÁXIS EM SAÚDE: DESAFIOS E
POTENCIALIDADES ...................................................................................................... 1219
Madyson Matheus Sousa Mororó
Roniel Sousa Damasceno
Rodrigo da Silva Maia
Ariadsa Mesquita Aragão
Vitoria Ferreira de Azevedo
10-POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: DESAFIOS SOBRE A ATUAÇÃO DO
PSICÓLOGO NO CAPS IJ DA CIDADE DE IMPERATRIZ-MA .............................. 1229
Mayara Oliveira da Silva da Cunha
Samira Taveira dos Santos
Maria dos Remédios Brito Viana
11-FAMÍLIA E SAÚDE PÚBLICA: IMPACTOS EXERCIDOS NA QUALIDADE DE
VIDA DO IDOSO .............................................................................................................. 1235
João Victor Moreira Lima
Socorro Taynara Araujo Carvalho
12-TRABALHANDO O PROTAGONISMO INFANTO-JUVENIL NO SERVIÇO DE
CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS DO CRAS ..................... 1243
Naglla Cristina Vieira Silva
Luciana Moreira Machado
Lara Elys de Miranda
Pedro Wilson Ramos da Conceição
Maysa Milena e Silva Almeida
13-INTERSECÇÕES ENTRE ESTÁGIOS BÁSICOS EM PSICOLOGIA E A
ATENÇÃO BÁSICA EM SAÚDE .................................................................................... 1252
Nicole Agnes Nunes de Araújo
Hédina Rodrigues de Sousa
14-A INFLUÊNCIA DA TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL (TCC) E
SUAS TÉCNICAS NO TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES . 1259
Roselle Lima do Nascimento
Fabiana Cruz Soares
Johnathan Jaderson Folha de Souza
Adriana Bomfim Ribeiro
Mateus Cardoso do Amaral
15-PRÁTICAS DE PROMOÇÃO, PREVENÇÃO E EDUCAÇÃO NO COMBATE À
HANSENÍASE: REVISÃO SISTEMÁTICA................................................................... 1268
Elivelton Sousa Montelo
Francisco Irisvan Coelho de Resende Dias
Alexia Jade Machado Sousa
Willian dos Santos Souza
Victor Bruno Barbosa Silva
Paulo Roberto Milanez Oliveira Junior
16-A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA
REVISÃO NARRATIVA DA LITERATURA ............................................................... 1276
Antonio Guilherme Martins
Maria Alice Alves
Maria Eduarda Silva Siqueira da Luz
Maria Andhiara Kaele Feitosa Silva
Lívia Cibelly Rodrigues de Melo
17-PANDEMIA DE COVID-19 E ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UM RELATO
DE EXPERIÊNCIA............................................................................................................ 1284
Suiane Magalhães Tavares
Érika Layne Gomes Leal
Walany Fontenele Cerqueira
Lucélia Soares da Silva

EIXO 20 – Desenvolvimento Humano ............................................................................... 1290


01-O IDOSO NO PROCESSO DE ADOECIMENTO À MORTE: UMA POSSÍVEL
EXPERIÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO ................................................................ 1290
Willyane dos Santos Ibiapina
Patrícia Soares dos Santos
Isabel de Maria Sales Mendes
02-DEPRESSÃO NA TERCEIRA IDADE: UMA PERSPECTIVA
BIOPSICOSSOCIAL ........................................................................................................ 1295
Jordeane Sousa Aroucha
Thayane Cesar Marino
Ana Clara Arraias Rosa,
Júlia Camila da Cruz Freitas
Kézia dos Santos Sousa
Monica Oliveira Dominici Godinho
03-A UTILIZAÇÃO DA INTERNzT NUMA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO
DESENVOLVIMENTO HUMANO ................................................................................ 1303
Natanny Fernandes dos Santos
Andréa Alexandre Vidal
Andreza Mônica Batista da Silva
Stânia Nágila Vasconcelos Carneiro
Elizza Maria Coelho Magalhães
Thiago Costa Alves
04-BULLYING, SAÚDE MENTAL E TREINO DE HABILIDADES SOCIAIS UMA
REVISÃO SISTEMÁTICA .............................................................................................. 1313
Ana Carolina Martins Monteiro Silva
Iara sampaio Cerqueira
Fernanda Catarina Pereira de Sousa
Iolene Alves Silva de Araujo
Leiliane Nascimento Nunes
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros

EIXO 21 - Temas transversais ............................................................................................ 1322


01-ESTRATÉGIAS LÚDICAS NA ABORDAGEM COGNITIVO -
COMPORTAMENTAL: RELATO DE EXPERIÊNCIA .............................................. 1322
Letícia Pereira Louzeiro
Mateus Egilson da Silva Alves
Edivaldo Alves Leal Filho
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
02-REDES SOCIAIS E USO DA INTERNET: DA INTERAÇÃO À ANSIEDADE E
INSATISFAÇÃO COM A IMAGEM CORPORAL ...................................................... 1331
Karina Alves de Oliveira
Thayz Costa Mesquita
Marcilene Araújo Dias
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
03-RELATÓRIO DO ESTÁGIO BÁSICO III ............................................................... 1341
Alana Maria Gomes da Silva
Gabrielly Oliveira Silva
Lucas Pereira dos Santos
Carolina Alcântara Teixeira
Isabele Linhares Santos
Raul Vasconcelos Neres
04-A ADOLESCÊNCIA E AS CONSEQUÊNCIAS DAS RELAÇÕES LÍQUIDAS NA
FORMAÇÃO DA IDENTIDADE .................................................................................... 1349
Andréa Aparecida Fernandes
Alexandre Flud Glaeser
05-EVASÃO ESCOLAR: O FANTASMA QUE ASSOMBRA AS INSTITUIÇÕES DE
ENSINO SUPERIOR ........................................................................................................ 1355
Andréa Aparecida Fernandes
Darlei Barbosa Dias
Gabriel Martins Croch de Jesus
Jéssica Cecília Moura Machado
Wanda Mendes de Oliveira
06-PESQUISAS PSICANALÍTICAS SOBRE O IMAGINÁRIO COLETIVO:
TENDÊNCIAS E INDICADORES DE CONSISTÊNCIA METODOLÓGICA ........ 1362
Andréa Aparecida Fernandes
Rodrigo Sanches Peres
07-AS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E O
CYBERBULLYING: PAPEL DA FAMÍLIA E DA ESCOLA ..................................... 1370
Beatriz Alves de Oliveira
Marcilene Araújo Dias
Thayz Costa Mesquita
Karina Alves de Oliveira
Maria Eduarda Laís de Sousa França
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
08-TEORIA DO GERENCIAMENTO DO TERROR: CONTRIBUIÇÕES E
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ........................................................................................ 1380
Ernandes Barbosa Gomes
Hysla Magalhães de Moura
Anderson Mesquita do Nascimento
Alessandro Teixeira Rezende
Camilla Vieira de Figueiredo
Roberta Pereira Curvello
09-TRANSTORNOS MENTAIS EM UNIVERSITÁRIOS DA ÁREA DA SAÚDE
PREVALÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS ............................................................. 1389
Esthela Sá Cunha
10-ASPECTOS FAMILIARES ENVOLVIDOS NO DESENVOLVIMENTO DE
CRIANÇAS DIAGNOSTICADAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL .............. 1395
Francisca Nayane de Sousa Santos
Ana Virgínia Maria da Silva
Débora Magalhães Araújo
Rafaela Brenda Araújo da Silva
Amadeu Antônio Pereira Neto
Mariana da Costa Rocha
11-ATITUDES DE BULLYING NA ADOLESCÊNCIA: ASPECTOS SOCIAIS E
PSICOLÓGICOS .............................................................................................................. 1403
Francisca Nayane de Sousa Santos
Ana Virgínia Maria da Silva
Lia Almeida Mapurunga
Débora Magalhães Araújo
Rafaela Brenda Araújo da Silva
Ingrid Vale Ataide
12-A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA CAPOEIRA E DE SEUS PRATICANTES POR
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS ............................................................................ 1411
Francisco Márcio Costa da Silva
Dinara das Graças Carvalho Costa
13-AUTOESTIMA, CANSAÇO EMOCIONAL E PROCRASTINAÇÃO: ESTUDO
CORRELACIONAL SOBRE A SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO
UNIVERSITÁRIO ............................................................................................................ 1422
Gabrielly Oliveira Silva
Ana Lúcia Trindade Martins
Maria Isabele Ferreira
Leiliane Nascimento Nunes
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
14-VIVER OU POSTAR: UM ENSAIO TEÓRICO-REFLEXIVO SOBRE
CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE NAS REDES SOCIAIS E A BUSCA PELO
SELF IDEAL ..................................................................................................................... 1431
Karla Waldienia Alves Pinto
Juscislayne Bianca Tavares De Morais
15-UMA VISÃO ANÁLITICO-COMPORTAMENTAL SOBRE O USO E A
DEPENDENCA EM SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS ................................................. 1439
Damares Lima de Sousa
Airles da Silva Ximenes
Antônio Renan Santana
Gutemberg de Sousa Moreira
Francisco Mayckson Felismino Lopes
Renata Vieira de Sousa
16-MULHER NEGRA: OS ATRAVESSAMENTOS DE RAÇA E GÊNERO NAS
PRÁTICAS PSICOLÓGICAS BRASILEIRAS .............................................................. 1445
Tatiana de Souza Santos Neves
Geovana Dara Pereira de Oliveira
17-CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA NO CAMPO DA ECONOMIA
SOLIDÁRIA: UMA REVISÃO NARRATIVA DE LITERATURA ............................ 1455
Victor Bruno Barbosa Silva
Simone Cristina Putrick
Willian dos Santos Souza
Elivelton Sousa Montelo
18-A EDUCAÇÃO INTERPROFISSIONAL EM DISCUSSÃO: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA ................................................................................................................. 1464
Luiz Augusto Souza Barbosa
Francisca Juliana Rocha Torres
Gizelle Noronha Almeida
Cibelly Aliny Siqueira Lima Freitas
Ricardo Lima dos Santos
Maria Socorro De Araújo Dias
19-MATERNIDADE E GRADUAÇÃO: IMPACTOS PSICOSSOCIAIS E
EDUCACIONAIS NO COTIDIANO DE DISCENTES DE PSICOLOGIA ................ 1468
Mauricia Paz Aguiar
Maria Áurea Pereira Silva
20-RELAÇÕES INTERPESSOAIS NA CONTEMPORANEIDADE: UMA
DISCUSSÃO SOB O OLHAR DA FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL ................ 1478
Milena Assunção Procópio
Jurema Barros Dantas
Adryssa Bringel Dutra
Catherine Moreira Conrado
Lucas dos Santos Barbosa
21-MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO E O EMPRESARIAMENTO DA
EDUCAÇÃO: A (RE)PRODUÇÃO DE CORPOS DÓCEIS ........................................ 1487
Giovanna Nunes Prates
Carlos Matheus Prado de Queiroz
Luis Fernando de Souza Benício
22-DISCURSOS HISTÓRICOS E CONFLITOS IDEOLÓGICOS À LUZ DA TEORIA
DO DESENGAJAMENTO MORAL NO PERÍODO 2016 Á 2018 ............................... 1494
João Vitor Rodrigues Costa
Túlio Henrique Pereira
Leonardo Freire Costa
Lorena Tracy Barbosa Pelegrini
23-RELATO DE ESTÁGIO: CASA DE ACOLHIMENTO INFANTO-JUVENIL DA
CIDADE DE PARNAÍBA-PI ........................................................................................... 1505
Ryanne Wenecha da Silva Gomes
Daniele de Carvalho Almirante
Cíntia Caroline Prado Craveiro
24-PREVENÇÃO AO SUICÍDIO: PROJETO DE EXTENSÃO NA CIDADE DE
DOURADOS MS ............................................................................................................... 1513
Sandro de Toledo
Ticiana Araujo da Silva
25-COMPREENDENDO A RESISTÊNCIA À MUDANÇA ORGANIZACIONAL NA
GESTÃO PÚBLICA: UMA ANÁLISE DA LITERATURA ........................................ 1525
Kairon Pereira de Araujo Sousa
Renata Miranda de Freitas Varão
26- REFLEXÕES SOBRE O COMPROMISSO ÉTICO-POLÍTICO DO FAZER
PSICOLÓGICO A PARTIR DE UMA REVISÃO INTEGRATIVA SOBRE A NÃO-
MATERNIDADE VOLUNTÁRIA NO BRASIL ........................................................... 1535
Liviane Damasceno Vidal
Cleide Maria Amorim dos Santos
27-ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS E SUA ARTICULAÇÃO COM A NOÇÃO DE SUJEITO E SOCIEDADE
.............................................................................................................................................. 1543
Heloanny Vilarinho Alencar
Zaira de Andrade Lopes
28-O CORPO INFANTIL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA .......................... 1550
Nadja Carolina de Sousa Pinheiro
Bruna de Sousa Carvalho
29-ESCALA DE AUTORITARISMO PURO (EAP): ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO
NO CONTEXTO BRASILEIRO ..................................................................................... 1557
Gabriel Campelo Sotero
Carolina de Castro
Rafaela Santos da Rocha

EIXO 22 - Atravessamentos psicossociais da COVID-19 na contemporaneidade ............. 1562


01-SAÚDE DO TRABALHADOR E COVID-19 – RELATO DE EXPERIÊNCIA EM
UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA DA REDE FEDERAL DE ENSINO ....................... 1562
Adauto de Vasconcelos Montenegro
Edmara Teixeira Oliveira
02-COVID-19 E SAÚDE MENTAL: IMPLICAÇÕES E INTERVENÇÕES
PSICOLÓGICAS .............................................................................................................. 1567
Antonio Jhonatan Paulo Araújo
03-RELATO DE EXPERIÊNCIA: AÇÕES DE ENFRENTAMENTO À PANDEMIA
DA COVID-19 NO ÂMBITO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA ............................ 1574
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Rafaela Oliveira dos Santos
Marcilene Araújo Dias
Reinaldo Leandro Gomes de Aquino
Carla Fernanda de Lima
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
04-ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO HOSPITALAR JUNTO A SERVIDORES DE UM
HOSPITAL DE TERESINA-PI PARA MINIMIZAR OS EFEITOS DA PANDEMIA
COVID-19 ........................................................................................................................... 1583
Jessyca Rodrigues Melo
Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho
05-A PANDEMIA DA SARS-CoV-2 (COVID-19) E A MUDANÇA NA ATUAÇÃO DA
PSICOLOGIA CLÍNICA: UM ESTUDO DO ESTADO DA ARTE ........................... 1592
Felipe Almondes Silva
Alexandra Lopes de Oliveira
Dinara das Graças Carvalho Costa
06-O TRANSTORNO DE ANSIEDADE NOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: UMA REVISÃO DE LITERATURA ... 1598
Júlia Lorrayne Silva dos Santos
Sanna Castro Tavares
Vitória Celestino de Oliveira
Iara Leão Luna de Souza
07-PROJETO 5 MINUTOS DA UESPI: CARTOGRAFIAS TRANSFORMADORAS
DA PSICOLOGIA, POLÍTICA, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE EM REDE .............. 1606
Lívia Maria Moreira Oliveira
Luiz Ricardo Bezerra de Souza Martins
Yasmim Silva de Assis
Patrícia Rocha Lustosa
08-ENSINO SUPERIOR NO CENÁRIO DA PANDEMIA DA COVID-19: REVISÃO
DA LITERATURA ............................................................................................................ 1616
Letícia Pereira Louzeiro
Luciana Kelly da Silva Fonseca
Mateus Egilson da Silva Alves
09-PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE E ADOECIMENTO NA
PANDEMIA DA COVID-19: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA .............................. 1623
Letícia de Freitas Noronha
Raynara Oliveira do Nascimento
Juliana Ariel Brígido Ribeiro
Thahyana Mara Valente Lima
10-IMPACTOS DA COVID-19 NA SAÚDE MENTAL E A PROCURA POR
PSICOTRÓPICOS ............................................................................................................. 1631
Willia Maria Araújo de Carvalho
Amanda Bezerra Benevides Machado
11-MEDIAÇÃO TECNOLÓGICA E ENSINO REMOTO: IMPACTOS
BIOPSICOSSOCIAIS EM DOCENTES NO CONTEXTO DA COVID-19 ................ 1637
Ítalo Fábio Viana da Silva
Brunno Ewerton de Magalhães Lima
Dinara das Graças Carvalho Costa
Naéli Cabral Macedo
Maria Antônia da Silva Oliveira
Maria Camila Tabosa Machado
APRESENTAÇÃO

31
A presente obra é produto de estudos (de campo e bibliográficos) que compuseram o II
Congresso de Psicologia Brasileira (CPBR) – realizado entre os dias 04 e 07 de novembro de
2021de forma online. O mesmo reuniu pesquisadoras(es), docentes, profissionais, estudantes e
a comunidade em geral, sendo essas pessoas interessadas em debates sobre a temática central
do congresso: “Psicologia e Brasilidades: fazeres ético-políticos, transdisciplinaridade e
transformação social em meio a pandemia do covid-19”.
Nesse II Congresso tivemos, como principal objetivo promover uma reflexão acerca das
práticas em Psicologia a partir da nova realidade imposta pela SARS-COV-2 (Covid 19) – que
reorganizou os limites e as possibilidades do fazer ciência e, principalmente, do viver. Através
desse congresso promovemos o encontro entre pesquisadoras(es), professoras(es),
profissionais, estudantes e comunidade em geral, e pudemos auxiliar na promoção de uma
formação que busca o conhecimento na margem, nas encruzilhadas, nas esquinas, nos guetos,
becos, vilas, nos terreiros, nos quilombos, na natureza. Entendemos que é de fundamental
importância a superação das colonialidades, o suleamento dos conhecimentos, a descolonização
epistemológica e acadêmica, as práticas de resistência, rupturas de gêneros, acesso aos saberes
e práticas de promoção de saúde nas florestas, terreiros, aquilombamentos, construção de
políticas de existência, resistência e re- existência. E entendemos também que a Psicologia
precisa estar cada vez mais implicada nesse processo, a fim de que possa promover liberdade,
dignidade, igualdade e integridade levando em consideração todas as singularidades em suas
multiplicidades.
Destaca-se, através dessa obra, os aspectos ético-políticos, transdisciplinaridades e de
transformação social em meio a pandemia do covid-19 e, através dessa oportunidade se
procurou conhecer e valorizar o trabalho e investigação de profissionais e pesquisadoras(es),
das mais diferentes áreas, acerca dos desafios encontrados no exercício de pensar uma prática
psicológica implicada com a diversidade brasileira e com as peculiaridades sociais, econômicas,
políticas, culturais e subjetivas que uma pandemia provoca.
É assim que se constrói o livro “Psicologia e Brasilidades: fazeres ético-políticos,
transdisciplinaridade e transformação social em meio a pandemia do covid-19”, que em sua
essência aborda temáticas sobre as Psicologias, as mazelas sociais (racismo, pobreza,
encarceramento, LGBTfobia, misoginia, e demais violências), as políticas públicas, as
minorias, a estrutura social, as práticas emancipatórias, as temáticas transversais e a realidade
da Covid 19 – assim como outras questões que foram atravessadas pelo cenário da pandemia.

32
Assim, a presente obra está organizada 22 eixos temáticos que estruturam as atividades que
constituíram o evento realizado.
Acreditamos que a organização desse material possibilite uma discussão ampla e rica,
pois garante o conhecimento de vários aspectos que abarcam o fazer psicológico e a realidade
social diante de um contexto de pandemia, incentivando, promovendo e apoiando a pesquisa
em Psicologia e áreas afins. Além disso, apresenta a relevância do II Congresso de Psicologia
Brasileira frente a construção de uma psicologia genuinamente brasileira. Assim, é com muita
satisfação que disponibilizamos à comunidade os conhecimentos aqui reunidos e espera-se que
os mesmos possam servir de subsídio para todas as pessoas, tanto na vida acadêmica e
profissional, quanto nas vivências cotidianas.

Dinara das Graças Carvalho Costa – Comissão Cientifica


Carla Fernanda de Lima – Coordenação geral
EIXO 02

33
Pobreza, Desigualdades Sociais, Políticas Públicas e Minorias

“NÃO À VIDA MARIA”: A UNIVERSIDADE PÚBLICA COMO PROJETO DE


VIDA PARA JOVENS ORIUNDOS DE CLASSES POPULARES

Luana Paiva da Silva

1 Introdução

Este estudo compõe parte da pesquisa “Não à ‘Vida Maria’: Contextos de superação e
a inserção de jovens pobres na Universidade Pública”, vinculada à Pró-Reitoria de Pesquisa e
Pós-Graduação (PRPPG), ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)
e ao Laboratório de Estudos das Desigualdades & Diversidades (LAEDDES) da Universidade
Federal do Ceará (UFC), realizada durante o período de 2018 a 2019.
O estudo mais amplo teve como objetivo estudar o contexto que configura histórias de
vida de jovens oriundos de classes populares que entraram no ensino superior e que são filhos
ou filhas de mulheres provedoras. O curta-metragem de animação “Vida Maria” (2006),
dirigido por Márcio Ramos e mencionado no título desse trabalho, mostra a reprodução de
modos de vida, destacando os obstáculos e a falta de perspectiva de Maria José, que é apenas
mais uma Maria que abandonou os estudos a partir de uma demanda de sua mãe e se dedicou à
casa, ao marido e aos filhos. Nesse sentido, a partir da pesquisa realizada, buscamos entender
quais as condições que favoreceram a inserção desses estudantes na universidade pública, ou
seja, perceber em que contexto se dá a reação de mulheres pobres atravessadas por um sistema
de valores que as conduziram à repetição do que suas mães fizeram, mas que num ato de
transformação escolheram ser diferentes para com as trajetórias de seus filhos ou filhas.
Para este trabalho, nos propomos a estudar os significados da universidade como
estando vinculados a construção de projetos de vida para jovens universitários oriundos de
classes populares. Nesse sentido, entendemos o conceito de Projeto de Vida não como um
fenômeno inteiramente subjetivo, mas como uma construção embasada em experiências
socioculturais, fruto daquilo que é vivenciado dentro do campo de possibilidades objetivas de
cada sujeito, tendo em vista uma busca pela transformação de seu contexto (Catão, 2001;
Damasceno, 2001; Hurtado, 2012; Teixeira, 2005).
Considerar o contexto em que esses jovens estão inseridos é refletir também sobre a
realidade social, econômica e política da Região Nordeste, bem como a do Brasil em geral, que
parece apontar que somente através da escola, e posteriormente, da inserção no ensino superior,
é que os jovens pertencentes às camadas populares poderão construir sonhos de um futuro
melhor, diferente daquilo que foi conquistado por seus pais no presente (Fernandes, 2003).
Somado a isso, sabemos que “no Brasil, o ensino superior esteve, desde a sua origem,
reservado para uma pequena parcela da população” (Zago, Paixão, & Pereira, 2016, p. 148), a
elite da sociedade, ou “os herdeiros”, segundo Bourdieu (2015). Desse modo, apesar da
ampliação do acesso ao nível superior no Brasil, um número significativo de jovens ainda
permanecem fora da universidade, e nesses casos, as diferenças socioeconômicas, étnicas e

34
regionais é que irão dizer sobre quem teria lugar nessa pequena porcentagem de incluídos no
ensino superior (Santos, 2009).
Diante desse contexto, nos questionamos, portanto, que sentidos são produzidos por
esses estudantes a partir de sua entrada na universidade, bem como que condições são
necessárias para que esses jovens consigam vislumbrar um deslocamento daquilo que é
instituído para sua classe, através dos obstáculos que cercam a entrada no ensino superior, e
criar estratégias que possam possibilitar a transformação de seus contextos através da
concretização dos seus projetos de vida, tendo como meio a entrada e permanência na
universidade pública.

2 Método

Os dados aqui apresentados é um recorte de um estudo realizado com mães e estudantes


da Universidade Federal do Ceará – Campus Sobral. Para atingirmos nossos objetivos de
pesquisa e nos aproximarmos dos discursos dos informantes, a metodologia utilizada foi
qualitativa, posto que ela “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”
(Minayo, 2001, p. 21-22).

Utilizamos duas formas de coleta de dados nesta pesquisa: formulário online ou


questionário e entrevistas semiestruturadas. Optamos pela utilização da entrevista
semiestruturada posto que ela é constituída por um roteiro que contempla as temáticas que
atravessam o objeto pesquisado, servindo, portanto, de guia, mas que também permite
flexibilidade nas conversas, o que possibilita a absorção de temas e questões trazidas pelo
informante, sendo que estes também se constituem como aspectos relevantes para a pesquisa
(Minayo, 2008).
Para iniciar nossa coleta, buscamos junto à Assistência Estudantil da UFC – Sobral
permissão de acesso as informações dos nomes e e-mails dos estudantes bolsistas dos
programas assistenciais Bolsa de Iniciação Acadêmica - PBIA e/ou Auxílio Moradia. Ao todo,
identificamos 354 estudantes beneficiários por parte dos supracitados programas no Campus.
Com base nos registros coletados, elaboramos um formulário online e enviamos para todos os
estudantes em questão. O uso do formulário foi utilizado como ferramenta para selecionar
aqueles que se adequavam como público da pesquisa, a saber: jovens oriundos de classes
populares e que têm a mãe/figura materna como provedora do lar ou influenciadora para a sua
entrada na universidade. Como resultado, recebemos 52 respostas (14,68% do total). Dos
respondentes, apenas 14 foram selecionados, posto que estavam dentro do perfil desejado para
a realização das entrevistas.
Devido à baixa porcentagem de respostas obtidas através do formulário online,
elaboramos um questionário impresso (preservando semelhança de estrutura, conteúdo e
critério) e aplicamos nas turmas ingressantes dos cursos de Engenharia da Computação,
Engenharia Elétrica, Música, Finanças, Odontologia e Psicologia, totalizando 177 questionários
aplicados. Destes, somente 13 estudantes foram selecionados e posteriormente entrevistados.
No tocante à participação das mães, conseguimos realizar somente 7 entrevistas, tendo

35
os estudantes entrevistados como meio para estabelecer contato e checar a disponibilidade de
suas mães para a participação na pesquisa. O número reduzido de mães ocorreu em virtude da
recusa à realização da entrevista ou da dificuldade de locomoção das pesquisadoras até as
residências das matriarcas (municípios distantes da UFC/Sobral).
Desse modo, participaram desta pesquisa 27 estudantes da UFC – Campus Sobral (com
idades entre 17 e 27 anos) e 7 mães provedoras e/ou influenciadoras para a entrada de seus
filhos na universidade (com idades entre 39 e 57 anos). Para a participação e registro do áudio
das entrevistas por meio de gravação sonora, foi fornecido aos informantes o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que após a leitura foi assinado em duas vias, sendo
uma entregue ao participante e outra permanecendo em posse das pesquisadoras. No caso da
participação de estudantes menores de 18 anos, o Termo de Assentimento foi devidamente
assinado pelo adolescente, ratificando sua cooperação na pesquisa, bem como houve a
assinatura do TCLE por pais ou responsáveis desse jovem. Ademais, considerando os objetivos
deste estudo, utilizaremos somente as entrevistas dos estudantes.
Para a análise dos dados, elegemos a metodologia de Análise do Discurso, que conforme
Orlandi (2009, p. 26), “visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como
ele está investido de significância para e por sujeitos”. Utilizamos, portanto, a Análise do
Discurso numa perspectiva que busca uma compreensão do processo de produção dos sentidos
e sua relação com a ideologia, considerando que as falas dos sujeitos são efeitos de sentido
atravessados por condições determinadas que estão presentes no modo como seus discursos são
produzidos (Orlandi, 2009).
Ademais, o projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Estadual Vale do Acaraú e aprovado sob o parecer número 3.685.722.

3 Resultados e Discussão

A partir das informações trazidas pelos estudantes entrevistados, consideramos


importante destacar duas dimensões: a) as condições que estão vinculadas à construção do
Projeto de Vida desses sujeitos; e b) os significados da universidade como Projeto de Vida para
esses jovens.

3.1 A UFC como projeto: interiorização da universidade e rede de apoio

Parece comum a representação de que os jovens são o futuro da nação (Furlani &
Bomfim, 2010), e nesse sentido, é esperado que esses sujeitos construam trajetórias e projetos
de vida excepcionais, o que muitas vezes também quer dizer a necessidade de ingressarem no
ensino superior. Entretanto, como apontado por Bourdieu (2015) e Fanfani (2000), quando
objetivamente "não se tem futuro", porque mesmo o presente carrega incerteza e a necessidade
de sobreviver e garantir o sustento da família, a ideia de se sacrificar e se esforçar para dar
continuidade aos estudos através da entrada no ensino superior, para que no futuro se possa
obter melhores recompensas, aparece como algo absurdo, impossível e impensável para grande
parcela da juventude pobre.
Assim, mesmo aqueles que conseguiram ingressar na universidade, tais como os

36
participantes da pesquisa, trazem em seus discursos o desafio de alcançar o nível superior:

Eu acho que é um sonho realizado, porque tem gente que diz que o fácil é entrar difícil
é sair, mas num contexto de escola pública eu acho que o difícil é entrar, e sair também,
né? Porque a gente sabe que é difícil e estar aqui hoje a gente tem que fazer valer à pena
porque muitas pessoas querem entrar, inclusive tenho vários amigos que nunca
conseguiram entrar na universidade. (I. F., 21 anos).

Nesse sentido, entendemos o conceito de Projeto de Vida como uma construção


embasada no campo de possibilidades objetivas de cada sujeito (Catão 2001; Damasceno, 2001;
Hurtado, 2012; Teixeira, 2005). Assim, segundo Bourdieu (2015), entendemos que os desejos
e projetos de futuro de cada indivíduo são expressões daquilo que é objetivamente possível em
função de seu pertencimento social. Logo, as esperanças subjetivas são, principalmente,
oportunidades objetivas apreendidas e interiorizadas.
Desse modo, para que a UFC fosse tida como uma possibilidade de futuro para os
estudantes entrevistados, foram necessárias algumas “condições” que nada têm de “naturais”.
Dentre essas condições, destacamos primeiramente a presença da UFC em Sobral, possibilitada
através de ações voltadas para a interiorização das universidades.
Em virtude da desigualdade de oportunidades de acesso ao ensino superior, o governo
federal adotou um conjunto de ações e medidas com vista a atenuar esse quadro, favorecendo
a ampliação das vagas e das instituições de nível superior tanto para o setor público quanto para
o privado (Corbucci, Cassiolato, Codes, & Chaves, 2009; Paula, 2011; Schwartzman, 2018;
Zago et al., 2016). Desse modo, diversas iniciativas podem ser citadas como estando vinculadas
com esse objetivo, sendo uma delas, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais (REUNI). Diante desse cenário, e seguindo a tendência
nacional, a UFC também iniciou o seu processo de interiorização, tendo como destaque a
criação, em 2001, de dois cursos de Medicina, um em Sobral e outro em Barbalha, tendo ambos
se constituído como embriões para a expansão dessa universidade em direção ao interior do
estado (Andriola & Suliano, 2015; Filho, Bezerra, & Pinto, 2008). Finalmente, através do
impacto desse curso no município de Sobral e do incentivo de forças políticas e acadêmicas,
ocorreu a efetiva implantação de um Campus da UFC em Sobral (Filho et al., 2008), o que tem
contribuído para a inserção dos jovens oriundos do interior do estado no ensino superior
público, somando o reconhecimento que uma universidade federal carrega e a proximidade com
municípios afastados da capital, como relatado pelos estudantes:

A UFC sempre tem aquela coisa que a gente tem um respaldo maior, por ser federal e
tal, mas eu acho que foi mesmo a UFC porque era a única que eu ia lançar no ENEM,
que era a mais próxima da cidade de Sobral, acho que não tinha outra. (S. E., 20 anos).

A UFC Sobral foi uma escolha por ser a Universidade Federal do Ceará e por eu saber
que ir pra Fortaleza seria uma questão ainda maior. Então Sobral, pela proximidade com
a minha cidade, foi a cidade escolhida. (A. L., 20 anos).
Entretanto, mesmo com a presença da UFC em locais mais próximos do interior onde

37
esses jovens residem, a informação de que ela existe também é algo que, apesar de parecer
básico e trivial, parece não chegar para todos os indivíduos. Nos questionamos, portanto, como
um estudante poderia considerar ingressar em uma universidade pública se para muitos deles
ela nem mesmo “existe”:

Quando eu tava no ensino médio eu não sabia... eu sabia que queria fazer Psicologia,
mas eu não sabia nem que tinha o curso de Psicologia aqui em Sobral, nem que era em
uma universidade federal e era gratuito, eu nem tinha essa noção, foi um professor meu
que disse, que perguntou o que eu tinha vontade de fazer, aí eu disse que Psicologia, e
ele falou que tinha em Sobral. Pra mim, quando ele revelou isso, naquela época era tão
distante, eu nem imaginava. (C. L., 27 anos).

O relato dessa estudante nos faz considerar que chegar ao nível superior, para
determinados sujeitos, nada tem de “natural”, mesmo porque parte significativa dos estudantes,
ainda no ensino médio, possuem um baixo grau de informação sobre as formas de entrada, os
cursos e as universidades disponíveis, algo que Silva (2003) chamou de ausência de um capital
informacional sobre o ensino superior.
Além disso, a fala dessa jovem também corrobora com o que é trazido por diferentes
autores (Hurtado, 2012; Oliveira, 2000; Santos, 2009; Teixeira, 2005) ao apontarem que não
basta apenas que haja esforço e dedicação para que a entrada na universidade seja possível, pois
é fundamental que hajam “redes sociais” capazes de influenciar e apoiar a continuidade das
trajetórias escolares desses estudantes. Desse modo, esse suporte pode vir da família, da escola,
de professores, ou até mesmo de outros colegas, algo que muito se repetiu nas narrativas dos
entrevistados:

Eles (pais) sempre influenciaram muito, tanto eu e o meu irmão, a estudar pra... ter um
futuro melhor, né? (D. C., 18 anos).

Minha mãe sempre me apoiou nessa questão do estudo, ela podia não estar estudando
comigo, não podia tá ali do meu lado, mas ela sempre fez de tudo pra eu poder conseguir
estar estudando, poder ir para uma escola. Em momentos em que eu não queria mais
saber de estudar ela queria que eu estudasse porque ela sabia que aquilo de certa forma
ia ser importante na minha vida. (L. F., 20 anos).

Quando você tem bons professores, eles te dão uma visão de mundo diferente e tipo
questão de aula e de trabalhar e mais, os professores te incentivam à procurar uma coisa
melhor... (F. V., 18 anos).

Teve muito apoio de namorado, de professores, são esses reforços mesmo, tinham uns
professores que acreditavam muito em mim mesmo, que incentivavam, até mesmo no
SISU, no ENEM, foi uma professora minha que chegou pra mim, eu não sei se eu teria
conseguido me escrever, se eu teria, sabe... se eu ia saber me inscrever e passar e tal, e

38
foi essa professora. (P. E., 18 anos).

A partir desses relatos, e trazendo as contribuições de Bourdieu (2015), enfatizamos a


influência dos diferentes “capitais” na trajetória desses indivíduos, pois considerando o capital
cultural como um conjunto de valores e disposições proporcionados por todos os agentes
socializadores presentes no contexto de cada sujeito, e o capital social como o conjunto de
relacionamentos sociais influentes para os indivíduos, acreditamos que essa rede de apoio
presente na vida desses estudantes puderam modificar a percepção desses indivíduos quanto às
suas possibilidades de alcançar o ensino superior. Constituindo-se, portanto, como um elemento
fundamental para que a intenção de estudar em uma universidade pública surgisse como uma
possibilidade para os entrevistados.
Ademais, ainda segundo Bourdieu (2015), esses capitais se tornam inerentes aos
indivíduos, marcando suas subjetividades. O que nos faz pensar que para além de sua classe, o
sujeito é um produto das suas múltiplas influências sociais. Portanto, entendemos que o
rompimento com trajetórias socialmente determinadas a partir do pertencimento de classe se
configura como uma conquista que é bem mais que individual, mas como fruto de um contexto
familiar e social.

3.2 A Universidade como Projeto de Vida: reconhecimento, transformação e


protagonismo

O Projeto de Vida se constitui como um objetivo de futuro que dá sentido à vida do


sujeito, motivando interesses e ações que busquem a realização de suas metas (Hurtado, 2012).
Nesse sentido, a entrada na universidade significa o resultado de toda uma trajetória:

Porque eu sempre gostei de estudar e queria continuar, é importante a gente se formar,


sei lá. Pra ser um bom profissional futuramente, ter uma vida melhor, porque a gente da
(cita a cidade de origem) é muito difícil, aí alguém assim... sei lá, é importante. Me sinto
importante pela primeira vez na vida. (M. M., 18 anos).

Percebemos assim que os projetos de vida desses estudantes estão geralmente


relacionados ao estudo e ao trabalho, especialmente como possibilidade de transformar a vida
de suas famílias e superar a condição de vulnerabilidade social, passando necessariamente pela
formação universitária. Além disso, esses projetos também estão relacionados a busca por “ser
alguém na vida”:

A busca por ser gente... talvez ... talvez seja o destaque, assim, de ser o diferente ... ser...
diferente das pessoas do meu convívio, porque ser gente é só se você usar terno e
gravata. Pra mim isso não, né? Pra mim isso foi dito e eu aprendi. (M. T., 19 anos).
Eles (pais) só falavam que a gente tinha que ser alguém na vida. E ainda mais, eu acho

39
que era no sentido de ter um emprego. Porque na visão da minha mãe, pelo que percebo,
uma pessoa que não tem nada e não quer nada na vida é uma pessoa desempregada, uma
pessoa vagabunda como ela chama. (W. F., 20 anos).

Primeiro eu ouvi muito o meu pai dizer que se ele tivesse estudado ele taria sendo
alguém na vida. Porque... primeiro... a de que eu tinha... que eu tinha que ter um futuro,
né? Tudo na vida está baseado no futuro da pessoa. (D. C., 18 anos).

Nesse sentido, sabemos que falas como essas não são “a toa”, são construções que têm
como base um discurso pautado na ideologia do desempenho. Assim, concordamos com
Damasceno (2001, p. 15) no sentido de que “a crença no poder da educação como instrumento
de mobilidade social, se por um lado, encerra uma possibilidade real de melhoria das condições
de vida, por outro, contém um forte componente ideológico”. Desse modo, Souza (2003)
também contribui para essa discussão ao apontar que nossa racionalidade ocidental está
embasada na “tríade meritocrática”: qualificação, posição e salário. Ainda segundo Souza
(2003), a ideologia do desempenho não apenas estimula e premia aqueles que alcançam o
“sucesso”, mas também cumpre seu papel ideológico ao legitimar as desigualdades e o acesso
diferencial aos bens. Além disso, por estar incrustada no cotidiano e refletir a eficácia de
instituições opacas, essa ideologia também enquadra as pessoas de modo que a condição de
cidadania e dignidade estejam vinculadas a função que desempenham e ao seu valor social
(Souza, 2003), o que corrobora com o discurso que é trazido por esses estudantes.
Além disso, a ideologia meritocrática se nutre de casos como os aqui relatados, casos
individuais de jovens que apesar de estarem inseridos nas camadas populares conseguiram
atingir certo sucesso e reconhecimento, o que promove a crença de que se houver esforço haverá
recompensa. É nesse sentido que sabemos que não só para esses jovens, mas para toda uma
sociedade que partilha dessa ideologia, ter um trabalho quer dizer bem mais que receber um
salário, representa uma identidade e um lugar social, estando relacionado com a autoestima e o
reconhecimento (Santos, 2009; Teixeira, 2005). Entretanto, é importante ressaltar também que
não serviria qualquer emprego, mas aquele que garantiria dignidade e que, possivelmente
através da carreira acadêmica, sirva de antídoto para uma possível proximidade desses jovens
com o ingresso na criminalidade (Souza, 2009; Teixeira, 2005):

Foi quando eu cheguei aqui que eu percebi que se eu quero realmente mudar de vida, e
não é mudar de vida de uma forma fácil, eu preciso estudar. (S. V., 21 anos).

Assim, a continuidade com os estudos através da universidade aparece como a única


forma de conseguirem ter um trabalho socialmente digno e um futuro melhor.
Diante disso, percebemos que o projeto de vida evidencia-se bastante no pensamento
que esses estudantes têm sobre o futuro, considerando os desejos que almejam e as faltas que
pretendem preencher. É nesse contexto que a trajetória no ensino superior passa a ser, em
muitos casos, impulsionada não apenas pelo desejo de ascensão e realização individual, mas
também por um projeto de mudança social (Oliveira, 2000):
A questão de eu querer muito mudar a minha realidade, porque eu venho de uma cidade

40
que a gente nunca vê pessoas em universidades, a maioria é em faculdades particulares
que tem nem condições de pagar, aí eu acho que é a pessoa ver uma coisa e ter vontade
de melhorar a sua vida, dá um passo a mais na sua vida, modificar tudo, diferenciar. (F.
V., 18 anos).

Assim, essa transformação da realidade através da entrada na universidade também


significa uma mudança subjetiva do indivíduo em relação ao mundo (Teixeira, 2005):

Pra mim é como se fosse a realização de um sonho e o começo de uma história, porque
entrar foi um marco muito importante na minha vida, que mudou minha vida em
diversos aspectos e tá aqui é como se tivesse ampliado, sabe? Ampliado todo o meu
campo de vivências, ter ampliado a minha visão de mundo, que agora é completamente
diferente do que eu tinha antes, e eu acho que é isso. Além da realização de um sonho,
essa expansão. (S. V., 21 anos).

Consideramos então que estar na universidade significa a transformação de todos os


âmbitos da vida desses sujeitos, tanto relacionados a aspectos subjetivos, tais como a sensação
de reconhecimento e a mudança de visão em relação ao mundo, quanto relacionados a
possibilidades objetivas de transformarem seus contextos, tanto familiar quanto social. Nesse
sentido, a vida como universitários parece possibilitar, por fim, que esses jovens avaliem suas
realidades e elaborarem estratégias para que seus projetos de vida sejam concretizados
(Teixeira, 2005), o que faz com que esses indivíduos possam tomar à frente da sua própria
história e serem capazes de administrar o seu próprio destino, através da construção de um
sonhado e planejado “futuro melhor”:

Agora que eu tô começando a viver de fato. Viver, traçar minha própria história, no
sentido de que eu tô construindo algo agora pra colher futuramente. (W. F., 20 anos).

Não é uma obrigação eu fazer faculdade, é eu lutar por mim, sabe?! Fazer essas coisas
podem me trazer um futuro melhor. (E. V., 17 anos).

Diante dos discursos desses estudantes, entendemos então que a conquista de um “bom
futuro” através da construção de um projeto de vida que passe pela entrada no ensino superior,
passa pelo conhecimento adquirido na universidade, pelo reconhecimento por ter alcançado o
ensino superior, e posteriormente ter a possibilidade de exercer um trabalho socialmente
valorizado, pela possibilidade de adquirir bens materiais, posto que almejam a saída de uma
condição econômica desfavorável, e por fim, por uma mudança que é bem mais que financeira
ou individual, mas que tem relação com uma verdadeira transformação social.

4 Considerações Finais
Os resultados aqui apresentados revelam, com efeito, que esforço, determinação e

41
dedicação estiveram presentes nas trajetórias dos estudantes entrevistados, mas isso não
significa, entretanto, compartilharmos a crença ideológica de que “quem se esforça sempre
alcança”. Como relatado pelos próprios jovens participantes, a grande maioria de seus colegas
não estão inseridos no ensino superior, o que não quer dizer que muitos deles também não
tenham se esforçado, mas nem por isso tiveram acesso a uma universidade pública. Assim,
entendemos as trajetórias aqui apresentadas como, ao mesmo tempo, realizações individuais e
sociais, sendo fruto de uma construção coletiva baseada em diferentes aspectos, tais como a
oportunidade oferecida através da interiorização das universidades e a importância de uma rede
de apoio capaz de dar suporte para que a entrada no ensino superior fosse considerada como
possiblidade.
Nesse sentido, o sonho que a universidade representa está vinculado a uma busca pela
superação da situação de pobreza e de exclusão social, seguindo uma trajetória que começa pela
entrada e conclusão do ensino superior para que em seguida se possa conseguir um bom
emprego, ser independente, ajudar a família e se sentir realizado. Assim, vimos que para os
estudantes entrevistados, a universidade como projeto representa a possibilidade de assumir um
protagonismo diante de suas vidas, traçando uma trajetória diferente daquela que era
socialmente destinada para eles e possibilitando a modificação da sua vida e a de seus
familiares.
Diante do exposto, acreditamos que fazer com que estudantes histórica e socialmente
excluídos do ensino superior possam ter a universidade pública como Projeto de Vida, é um
desafio para programas de ações afirmativas, mas que se constitui como uma exigência
fundamental para qualquer sociedade com pretensão de luta pela justiça social. Entretanto, não
queremos dizer que a universidade é o único ou o melhor caminho para todos os jovens
estudantes, acreditamos, porém, no potencial da educação como meio para a transformação
social e a superação das desigualdades.

Referências

Andriola, W. B., & Suliano, D. C. (2015). Avaliação dos impactos sociais oriundos da
interiorização da Universidade Federal do Ceará (UFC). Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, 96(243), 282-298. doi: 10.1590/S2176-6681/339512841

Bourdieu, P. (2015). Escritos de educação. (16a ed.). Petrópolis: Vozes.

Catão, M. de F. F. M. (2001). Projeto de vida em construção: Na exclusão/inserção social.


João Pessoa: UFPB, Editora universitária.

Corbucci, P. R., Cassiolato, M. M., Codes, A. L., & Chaves, J. V. (2009). Situação educacional
dos jovens brasileiros. In J. A. de Castro, L. M. C. de Aquino, & C. C. de Andrade (Orgs.),
Juventude e políticas sociais no Brasil (pp. 91-108). Brasília: Ipea.

Damasceno, M. N. (2001). Trajetórias da juventude: Caminhos, encruzilhadas, sonhos e


expectativas. In M. N. Damasceno, K. S. L. de Matos, & J. G. Vasconcelos (Orgs.),
Trajetórias da Juventude (pp. 09-24). Fortaleza: Gráfica e Editora LCR.
Fanfani, E. T. (2000, junho). Culturas jovens e cultura escolar. Anais do Seminário

42
Internacional Escola Jovem: um novo olhar sobre o Ensino Médio, Brasília, DF, Brasil, 1.
Recuperado de http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/CultJoEsc.pdf

Fernandes, D. G. (2003). Ir-remediável campo de sonhos de futuro: Representações sociais da


escola entre jovens estudantes de escolas públicas no sertão nordestino (Tese de
doutorado). Centro de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São
Carlos, São Carlos, SP, Brasil.

Filho, G. C., Bezerra, M. M., & Pinto, V de P. T. (2008). Curso de Medicina da Universidade
Federal do Ceará – Campus de Sobral: Nove anos de história. SANARE: Revista de
Políticas Públicas Escola de Saúde Pública Visconde de Saboia, 7(2), 97-103. Recuperado
de https://sanare.emnuvens.com.br/sanare/article/view/37/32

Furlani, D. D., & Bomfim, Z. Á. C. (2010). Juventude e afetividade: Tecendo projetos de vida
pela construção dos mapas afetivos. Psicologia & Sociedade, 22(1), 50-59. doi:
10.1590/S0102-71822010000100007

Hurtado, D. H. (2012). Projetos de vida e projetos vitais: Um estudo sobre projetos de jovens
estudantes em condição de vulnerabilidade social da cidade de São Paulo (Dissertação de
mestrado). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Minayo, M. C. de S. (Org.). (2001). Pesquisa social. Teoria, método e criatividade. (18a ed.).
Petrópolis: Vozes.

Minayo, M. C. de S. (2008). O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. (11a


ed.). São Paulo: Hucitec.

Oliveira, J. S. de. (2000, outubro). Barreiras, transgressões e invenções de mercado: A inserção


econômica de jovens pobres. Anais do Encontro Nacional de Estudos Populacionais.
Brasil, 500 Anos: mudanças e continuidades, Caxambu, MG, Brasil, 12. Recuperado de
www.abep.org.br/publicacoes/index.php/anais/article/download/1025/ 989.

Orlandi, E. P. (2009). Análise de Discurso: Princípios & procedimentos. (8a ed.). Campinas:
Pontes.

Paula, M. de F. C. de. (2011). Educação superior e inclusão social na América Latina: Um


estudo comparado entre Brasil e Argentina. In M. de F. C. de Paula, & N. L. Fernández
(Orgs.), Reformas e democratização da educação superior no Brasil e na América Latina
(pp. 53-96). Aparecida: Idéias & Letras.

Ramos, M., & Ramos, J. (Produtores) & Ramos, M. (Diretor). (2016). Vida Maria [DVD].
Ceará: Trio Filmes, VIACG.

Santos, L. S. (2009). A juventude de origem popular em busca do ensino superior público: Entre
sonhos, dificuldades e desigualdades. Scientia Plena, 5(11). Recuperado de
https://scientiaplena.org.br/sp/article/view/753/406

Schwartzman, S. (2018). Perspectivas para a educação superior no Brasil. In J. A. de Negri, B.


C. Araújo, & R. Bacelette (Eds.), Desafios da nação: artigos de apoio (pp. 333-353).
Brasilia: IPEA.
Silva, J. de S. e. (2003). Por que uns e não outros? Caminhada de jovens pobres para a

43
universidade. Rio de Janeiro: Sete Lettras.

Souza, J. (2003). (Não) Reconhecimento e subcidadania, ou o que é ''ser gente''? Lua Nova:
Revista de Cultura e Política, (59), 51-73. doi: 10.1590/S0102-64452003000200003

Souza, J. (2009). A ralé brasileira: Quem é e como vive. Belo Horizonte: UFMG.

Teixeira, E. J. (2005). Juventude pobre, participação e redes de sociabilidade na construção


do projeto de vida (Dissertação de mestrado). Instituto de Psicologia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Zago, N., Paixão, L. P., & Pereira, T. I. (2016). Acesso e permanência no ensino superior:
Problematizando a evasão em uma nova universidade federal. Educação em Foco, 19(27),
145-169. doi: 10.24934/eef.v19i27.1334
INSTITUCIONALIZAÇÃO NA VELHICE: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO

44
CIENTÍFICA
Ádilo Lages Vieira Passos
Letycya Neves Lopes dos Santos
Geordania Meireles de Araújo
Paulo Gregório Nascimento da Silva

1 Introdução

O envelhecimento compreende todo o desenvolvimento humano, sendo responsável por


desencadear diversas transformações físicas e psicossociais (Neri, 2008). De acordo com dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a população brasileira permaneceu
com a tendência de envelhecimento dos últimos anos e em 2017 acabou superando a marca dos
30,2 milhões. As mulheres são maioria expressiva nessa parcela, com 16,9 milhões, 56% dos
idosos, ao passo que os homens idosos somam 13,3 milhões, 44% do grupo (IBGE, 2018).
No entanto são cada vez mais comuns relatos de filhos ou parentes que, por algum
motivo, não podem exercer os cuidados necessários ao idoso, já que muitas vezes essa parcela
da sociedade é vista como incapaz e/ou descartável (Sehn & Carrer, 2014). Esta representação
negativa, não raramente, resulta na exclusão do idoso em seu meio familiar e social, que pode
se materializar por meio da institucionalização.
A institucionalização leva ao abandono, pelo idoso, do seu espaço e exige a adaptação
ao novo contexto. Geralmente, os idosos que vivem em instituições são aqueles que não
possuem suporte familiar, apresentam dificuldades financeiras, bem como evidenciam declínio
funcional e dependência parcial ou total (Born & Boechat, 2002).
Deste modo, a institucionalização do idoso nas instituições de longa permanência para
idosos (ILPIs) tem sido relacionada aos serviços disponibilizados por estes locais, como
também aos problemas econômicos e psicossociais das famílias na oferta do cuidado
(Fagundes, Esteves, Ribeiro, Siepierski, Silva, & Mendes, 2017). A necessidade do cuidado se
intensifica pela vulnerabilidade e diminuição da competência funcional vivenciadas por
algumas pessoas idosas.
Neste cenário, é pertinente salientar o papel desempenhado pelo Estatuto do Idoso (Lei
n°10.741, 2003) enquanto poderoso instrumento, que possui como principal objetivo zelar pela
defesa dos direitos da população idosa. Tal estatuto preconiza que é dever do Estado e da
sociedade garantir à pessoa idosa, com 60 anos ou mais, seus devidos direitos, a saber: o direito
à vida, à saúde, ao transporte, educação, cultura, habitação e garante também a punição sobre a
violência, discriminação, opressão, ameaças cometidas ao idoso, entre outros. No que concerne
à institucionalização, recomenda que esta prática seja adotada somente como último recurso e
para idosos sem família ou com vínculos familiares fragilizados.
Diante desta discussão, a presente pesquisa se justifica porque mediante ao
entendimento da institucionalização na velhice, será possível intervir de maneira melhor
direcionada a este público e suas necessidades psicossociais. É necessário entender de que modo
ocorre a institucionalização na última fase do ciclo vital para que as políticas públicas possam
criar condições para o desenvolvimento de ações de cunho preventivo, ampliando, assim, os
meios para evitar o afastamento do idoso de sua família e de sua comunidade. É nesta

45
perspectiva que este estudo tem como objetivo geral realizar uma revisão da literatura dos
estudos científicos sobre a institucionalização na velhice.

2 Método

2.1 Materiais

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura acerca das particularidades da


institucionalização na velhice. Segundo Pereira (2010) as revisões sistemáticas de literatura
possuem como principal objetivo promover a sintetização das evidências externas entre os
múltiplos estudos identificados e analisados, sendo isso realizado através de critérios adequados
e procedimentos explícitos e transparentes de forma que o leitor possa identificar as
características reais dos estudos revisados. Além disso, a mesma seguiu uma ordem de etapas,
que foram: seleção da questão temática, estabelecimento dos critérios para a seleção da amostra
e, por fim, a análise e interpretação dos resultados em categorias.
Foram analisados artigos de investigação (empíricos) publicados em revistas científicas.
A busca de artigos foi realizada em três bases de dados: Literatura Latino-Americana e do
Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e
Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Periódicos
CAPES).

2.2 Procedimentos de coleta de dados

A busca de artigos foi realizada com os seguintes descritores: abandono de Idoso,


Instituição de Longa Permanência e Velhice. Ressalta-se que a pesquisa evidenciou um corpo
de conhecimentos bastante original e relevante para a compreensão da institucionalização na
velhice. O levantamento dos artigos ocorreu em novembro de 2018.
Foram selecionados os artigos datados do período de 2008 a 2018, pois o recorte
temporal levando em consideração apenas os últimos cinco anos não resultou material
significativo para atingir os objetivos deste trabalho. Esta revisão compreendeu somente artigos
empíricos, no idioma português, disponíveis em texto completo e que abordassem a
institucionalização na velhice como tema principal.
Com vistas a fazer uma seleção final dos artigos trabalhados, conforme os critérios de
inclusão/exclusão, efetuou-se, a princípio, a busca nas bases de dados. Na segunda etapa –
verificação de possíveis duplicatas - não foram encontrados artigos repetidos entre as diferentes
bases. Em seguida, houve o momento de leitura e avaliação dos resumos, a fim de identificar
os estudos que estavam de acordo com os objetivos do presente trabalho. Sendo assim, foram
descartados os que não abordavam a institucionalização na velhice como tema principal.
Na última etapa, empreendeu-se a decodificação, análise e discussão dos estudos,
resultando no estabelecimento de três categorias. Vale ressaltar que não houve o critério de
exclusividade de artigo por categoria, pois embora as obras enfatizem uma dimensão específica,

46
tratam do mesmo objeto de estudo, o que favorece mais aproximações que distanciamentos.

3 Resultados

Ao se lançar mão dos descritores elencados, foram encontrados 41 artigos científicos


indexados no período de 2008 a 2018 nos bancos de dados previamente estabelecidos. Destes,
apenas 08 artigos foram selecionados: Scielo (03), Lilacs (02) e Periódicos Capes (03),
conforme pode ser visualizado na Figura 01.

Figura 01 – Distribuição dos artigos nas bases de dados

Os 08 artigos selecionados para a análise foram caracterizados conforme o ano de


publicação, os instrumentos utilizados e a abordagem dos dados (Tabela 01). Por último, foram
classificados quanto às categorias de análise obtidas a partir dos resultados dos estudos, quais
sejam: “a velhice: avanços e desafios”, “Instituição de Longa Permanência: público e causas da
institucionalização” e “O abandono do idoso: uma forma de violência”.

Tabela 01 - Descrição dos artigos revisados


ID Autor Ano Instrumento Estudo

1 2008 Entrevista Qualitativo


Schneider, Irigaray

47
2 Gonçalves et al. 2013 Questionário Quantitativo

3 Sehn, Carrer 2014 Entrevista Quantitativo

4 Salcher, Portella, 2015 Entrevista Qualitativo


Scortegagna

5 Pinheiro, Holanda, 2016 Questionário Quantitativo


Melo, Medeiros,
Lima

6 2016 Entrevista Qualitativo


Lini, Portella, Doring

7 Silva e Dias 2016 Entrevista Qualitativo

Miranda, Mendes,
8 2016 Entrevista Quantitativo
Silva

No que tange ao ano das publicações, nota-se que metade dos estudos recuperados por
esta revisão, situaram-se no ano de 2016. A respeito dos instrumentos de coletada de dados, a
entrevista ganhou centralidade em pouco mais da metade dos artigos. Por sua vez, a abordagem
privilegiada foi a qualitativa, provavelmente, em decorrência da tentativa de compreender os
aspectos mais subjetivos da institucionalização na velhice.
Com relação às categorias abordadas pelos estudos, constata-se que as categorias “a
velhice: avanços e desafios” (n = 2, 3, 8) e “Instituição de Longa Permanência: público e causas
da institucionalização” (n = 4, 5, 6) aglomeraram o mesmo número de investigações. Por último,
tem-se a categoria: “O abandono do idoso: uma forma de violência” (n = 1, 7).

4. Discussão

4.1 A velhice: avanços e desafios

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o envelhecimento da


população é um dos maiores triunfos da humanidade e também um dos grandes desafios a ser
enfrentado pela sociedade. No século XXI, o envelhecimento aumentará as demandas sociais e
econômicas em todo o mundo. Assim, embora quase sempre invisibilizados, os idosos
desempenharão papel cada vez mais importante na estrutura das sociedades atuais (Miranda,
Mendes, & Silva, 2016).
Junto ao aumento da expectativa de vida e ao fenômeno mundial do envelhecimento da

48
população, o Brasil vive o início de um processo de inversão da pirâmide demográfica, em
função do aumento da população mais velha e redução da mais jovem, inclusive pela redução
das taxas de fecundidade (Veras, 2011). A partir do processo de mudança dos arranjos
familiares, um número cada vez maior de velhos necessita das denominadas Instituições de
Longa Permanência para Idosos (ILPI). Estas são estabelecimentos com, ou sem fins lucrativos,
que atendem, de forma integral, seus utentes com diferentes graus de dependência, que já não
têm como permanecer sob os cuidados da família ou morando sozinhos (Pinheiro, Holanda,
Melo, Medeiros, & Lima, 2016).
A dependência e falta de autonomia podem ser experienciadas de diferentes formas ao
longo do ciclo vital. Para uma criança, são encaradas como características próprias desta fase
da vida. No curso de uma doença, são percebidas como necessárias no período de transição para
uma saúde melhor. Na velhice, por sua vez, a falta de autonomia e a dependência são
comumente eventos negativos e estressantes, que conduzem à baixa qualidade de vida, tanto
para quem vivencia essa condição como para aqueles que estão no seu entorno. A dependência
de cuidados de outrem está relacionada à impossibilidade dos indivíduos se autocuidarem
(Gonçalves et al., 2013).
De acordo com Sehn e Carrer (2014), a velhice vem geralmente associada a sentimentos
destrutivos de inutilidade e perda, que agravam ainda mais a condição existencial do idoso, pois
acirra conflitos internos. Esses conflitos estão relacionados às mudanças psicológicas mais
visíveis com o avanço da idade, como: dificuldade de adaptação a novos papéis; desmotivação
e dificuldade de planejar o futuro; necessidade de trabalhar perdas e adaptar-se a mudanças;
afetividade mal resolvida durante o curso de vida, que se agravam no limiar da idade mais
avançada. Portanto, o idoso precisa ser acolhido e esclarecido quanto a estes desafios, tendo em
vista um envelhecimento mais saudável.
O desenvolvimento positivo da afetividade e a integração social são fundamentais para
que o idoso tenha autonomia e o máximo de independência (Papaléo Neto, 2007). Neste
sentido, é essencial a participação da família na troca de informações e afetos e o convívio
social do idoso para que ele não se sinta isolado ou até mesmo esquecido por outras pessoas do
seu convívio.
Em vez de ser tratado como um problema, o aumento da longevidade humana deve ser
um motivo a se celebrar. Os dados demonstram que a transição demográfica brasileira
representa uma conquista e uma responsabilidade para os gestores públicos e para a sociedade.
Neste sentido, é fundamental direcionar o planejamento das políticas e serviços, priorizando
investimentos que fortaleçam a autonomia e atendam adequadamente as necessidades dos
idosos (Miranda, Mendes, & Silva 2016).
A partir disso, verifica-se que a velhice é uma etapa inerente ao ciclo vital e que,
portanto, precisa ser considerada de forma sistêmica (Sehn & Carrer, 2014). Logo, ganham
relevância os aspectos físicos, sociais e cognitivos, sentimentos a respeito de si, bem como a
conjuntura socioeconômica. Para que o sujeito na velhice conserve o equilíbrio emocional e um
estilo de vida realista e otimista é imprescindível que vivencie em seu grupo social e familiar a
valorização do seu potencial e das experiências pessoais e profissionais, e se sinta respeitado.

4.2 Instituição de Longa Permanência: público e causas da institucionalização


Na atual conjuntura de transformações sociais, nem sempre a família pode desempenhar
o papel de cuidadora quando um dos seus membros idosos requer apoio e/ou auxílio direto.
Assim, as ILPI’s surgiram como alternativa de cuidado fora do âmbito familiar (Salcher,

49
Portella, & Scortegagna, 2015). Cabe lembrar que a ILPI é definida como estabelecimento para
atendimento integral institucional, cujo público-alvo são pessoas de 60 anos ou mais,
dependentes ou independentes nas atividades de vida diária, que não dispõem de condições para
permanecer com a família ou em seu domicílio (Fagundes, Esteves, Ribeiro, Siepierski, Silva,
& Mendes, 2017).
A institucionalização do idoso nesses locais tem sido associada aos serviços oferecidos,
além de dificuldades econômicas e psicossociais das famílias para o cuidado, sobretudo, pela
vulnerabilidade e redução da capacidade funcional das pessoas nesse momento da vida.
Congruente a isso, um dos maiores desafios para os profissionais das ILPIs, é identificar as
especificidades no perfil dos idosos residentes, a fim de qualificar o atendimento e de preservar
a qualidade de vida dessas pessoas (Pinheiro, Holanda, Melo, Medeiros, & Lima, 2016).
A qualidade de vida dos velhos institucionalizados depende de fatores como o
acolhimento na instituição e o convívio com pessoas próximas. Assim sendo, faz-se importante
agir para evitar estados de solidão e isolamento, muito comuns pelo afastamento da rede de
apoio social até então conhecida (família, amigos, vizinhos, trabalho, grupos comunitários,
entre outros). Uma das consequências da institucionalização que pode ser bastante problemática
é a necessidade de adaptação. Isto porque esse processo demanda a reconstrução de vínculos e
ressignificação da vida (Schneider & Irigaray, 2008).
Quanto aos motivos que levam à institucionalização, encontram-se resultados distintos.
Os fatores mais citados por familiares quando decidem institucionalizar o idoso são: o número
reduzido de integrantes da família; ausência de condições físicas, financeiras e psicológicas
para prestar o cuidado em domicílio; desejo do próprio idoso em não perturbar seus familiares;
problemas de relacionamento com os familiares, viuvez, múltiplas doenças e síndrome
demencial (Lini, Portella, & Doring, 2016). Conhecer os fatores que levam à institucionalização
torna-se fundamental para que os familiares e os profissionais de saúde atentem às
possibilidades de prevenção e consigam identificar quando a institucionalização é, de fato,
indicada.
De acordo com uma pesquisa realizada por Pinheiro, Holanda, Melo, Medeiros e Lima
(2016), com finalidade de apresentar a desigualdade no perfil dos idosos institucionalizados,
constatou que os idosos analfabetos, solteiros, negros e pardos, não aposentados, sem plano de
saúde, sem filhos, que não recebem visitas e que compram algo fora da instituição com o próprio
dinheiro, estavam associados às ILPIs sem fins lucrativos. Ao analisar os motivos que levaram
o idoso a ser institucionalizado, os conflitos familiares, o abandono e o fato de não possuirem
lugar para morar estiveram associados às ILPIs sem fins lucrativos. Apenas a condição “estar
doente” prevaleceu como motivo principal de institucionalização em ILPIs com fins lucrativos.
As condições mais desfavoráveis foram dos idosos residentes em ILPIs sem fins lucrativos, o
que demonstram o reflexo da desigualdade social durante a vida desses idosos (Pinheiro,
Holanda, Melo, Medeiros, & Lima, 2016).
Em síntese, o desafio da institucionalização se mostra na reorganização e na mudança
de vida dos idosos que necessitam deste recurso. Assim, torna-se imperativa a criação e a
revitalização de políticas que disponham de atenção ao idoso, possibilitando a convivência em
espaços que proporcionem uma participação efetiva em atividades autônomas e coletivas.
Possíveis alternativas para o enfrentamento da problemática são os grupos de
convivência proporcionados pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), onde
as pessoas idosas e ativas fisicamente podem desfrutar da convivência em comunidade,
desenvolvendo assim potencialidades, visando novos projetos de vida (Castro, Passos, Araújo
& Santos, 2020). Cabe ressaltar que o compartilhamento de informações sobre a história de

50
vida e o resgate de sentimentos prazerosos e de valorização de laços familiares e sociais, por
meio de atividades físicas e intelectuais, relacionam-se com conceitos como qualidade de vida
na velhice e aumento da longevidade. Estimulam-se a satisfação com a vida e o senso de
pertencimento à sociedade fortalecendo, desse modo, sua importância no âmbito social, com
vistas a manutenção da capacidade funcional e independência, bem como o incentivo à
permanência dos idosos no seio familiar.

4.3 O abandono do idoso: uma forma de violência

A violência é um fenômeno complexo e pode assumir diversas facetas, dentre as quais:


física, verbal, psicológica, emocional e financeira. Sem dúvidas, a violência é mais facilmente
reconhecida e condenada quando se expressa de forma extrema e o agressor é uma pessoa
desconhecida ou distante, logo, as violências sutis e praticadas por uma pessoa das relações
próximas tendem a permanecer na invisibilidade (Faleiros, Loureiro, & Penso, 2010).
Violência, agressão, maus-tratos, abusos contra os idosos são expressões que dizem
respeito a processos e a relações sociais interpessoais, de grupos, de classes, de gênero, ou ainda
institucionais, que causem danos físicos, psicológicos e morais à pessoa. Observa-se que, em
suas múltiplas expressões, a violência se associa ao sentido de dano causado à pessoa idosa
(Muchembled, 2012)
Conforme aponta a cartilha “Violência contra idosos: o avesso de respeito à experiência
e a sabedoria”, a negligência é uma das formas de violência mais presente no Brasil (Minayo,
2005). A este respeito, convém caracterizar e diferenciar negligência de abandono. A primeira
se configura pela recusa ou omissão dos cuidados necessários aos idosos pelos familiares ou
responsáveis institucionais. O abandono, por sua vez, representa a ausência ou deserção dos
familiares, o que aponta para uma diferença de grau entre negligência e abandono (Faleiros,
Loureiro, & Penso, 2010).
De acordo com Minayo (2008), pesquisas realizadas em várias partes do mundo revelam
que cerca de 2/3 dos agressores são filhos e cônjuges dos idosos. Assim, no perfil de abusador
predominam os filhos homens ou, em algumas situações, as filhas mulheres, seguidos das noras
e dos genros e, em terceiro lugar, o cônjuge. A caracterização do agressor aponta o predomínio
de algumas circunstâncias:
1) ele vive na mesma casa que a vítima;
2) é um filho (a) dependente financeiramente de seus pais de idade avançada, ou o idoso
depende dele;
3) é um familiar que responde pela manutenção do idoso sem renda própria e suficiente;
4) é um abusador de álcool ou drogas ou alguém que pune o idoso usuário dessas substâncias;
5) é alguém que se vinga do idoso que com ele mantinha vínculos afetivos frouxos, que
abandonou a família ou foi muito agressivo e violento no passado;
6) é um cuidador com problema de isolamento social ou de transtornos mentais;
7) o fato de haver história de violência na família;
8) o agressor ter sofrido, ou ainda sofrer, agressões por parte do idoso, o que o leva, por vezes,

51
a descarregar nos idosos sentimentos de ambivalência, inadequação, inferioridade e cansaço.
Nos últimos anos, a sociedade brasileira tem conseguido avanços consistentes no que se
refere a políticas públicas voltadas para o enfrentamento da violência contra os idosos, em
grande parte, apoiadas pelo Estatuto do Idoso (Lei n°10.741, 2003). Na maioria das famílias
com problemas de violência, os membros não possuem repertório interpessoal pró-social para
lidar com dificuldades, o que acarreta as situações de negligência, abandono ou agressão física
e psicológica. Essas situações possivelmente remetem esses familiares a sua história de
contingências e ao modelo de conduta familiar desse idoso em suas interações, incluindo
diferenças de expectativas e envolvimentos de cada geração, culminando em novos episódios
de violência, que passam a ocorrer em ciclos (Silva & Dias, 2016).
A legislação disciplina direitos e deveres para a família e a sociedade no que tange à
proteção da pessoa idosa. A Constituição Federal estabelece que ninguém deverá ser
abandonado quando atingir a velhice seja pela gravidade da doença da pessoa ou até mesmo
pelo temperamento difícil, pois os idosos possuem direito de viver em ciclo familiar e de
usufruir da melhor qualidade de vida (Constituição da República Federativa do Brasil,
1988/2001).
A complexidade da problemática reflete nos números das queixas e denúncias
formuladas junto aos órgãos competentes e o encaminhamento pelas autoridades. Os registros
da Delegacia Especial de Atendimento aos Idosos demonstram que o número de denúncias
anônimas vem aumentando a cada ano, tanto as pessoas denunciam fatos delituosos como não
delituosos, o que revela a atenção e a preocupação da sociedade para com os idosos (Ribeiro,
2016).
Todavia, ainda é notório que o Estado não cumpre satisfatoriamente sua função de
garantir proteção integral à pessoa idosa, uma vez que falha em não assegurar as famílias de
situações vulneráveis um sustento que possa garantir a sobrevivência e um cuidado adequado
ao idoso. Portanto, mesmo com o aumento da expectativa de vida, o Estado ainda não se
preparou para lidar com essa nova demanda.
Neste cenário de desafios, a violência e negligência para com a população idosa se
constituem num empecilho à realização de uma vida digna e saudável, sendo imprescindível a
participação da sociedade e do poder estatal para elaboração de políticas públicas e planos de
prevenção dessa forma específica de violência.

5 Considerações Finais

A partir da realização deste estudo, observou-se que a maioria das publicações


apresentam semelhanças teórico-metodológicas, materializadas pela utilização de métodos
qualitativos que lançam mão de entrevistas semiestruturadas. Embora as obras analisadas não
apresentem fragilidades significativas, ressalta-se a necessidade de maior diversificação dos
instrumentos de coleta de dados.
De maneira geral, verificou-se que a partir dos 60 anos, independente do gênero, pode
ocorrer a necessidade de asilamento de um idoso nas ILPIs, seja por abandono, negligência ou
até mesmo pelo fato de a família não possuir meios para oferecer uma condição de cuidados
que o idoso necessita. A capacidade da família para o cuidado pode estar comprometida ou
fragilizada, seja pelas demandas do cotidiano, que não lhe possibilitam conciliar cuidado e

52
atividades de trabalho e do lar ou pela impossibilidade de encontrar, entre os familiares ou na
comunidade, quem se disponibilize e se responsabilize pelo cuidado do idoso.
Os idosos são inseridos nas ILPI por diferentes motivos, assim, responsabilizar
unicamente a família pela institucionalização do idoso parece não ser razoável. Por outro lado,
tentar compreender as circunstâncias que levam a essa prática pode ajudar a entender as
necessidades desse público e, assim, prevenir possíveis afastamentos do meio social e familiar.
Quando a institucionalização se torna a única opção, é preciso ter em mente que o idoso
institucionalizado divide o novo ambiente com desconhecidos e vive distante da família. Toda
essa mudança propicia o rompimento e/ou fragilização dos laços familiares e relações sociais
estabelecidas ao longo de toda sua vida, sentimentos de abandono, insegurança e incerteza
quanto ao futuro podem deixar marcas profundas na memória destes idosos.
A pesquisa realizada reflete e aponta a importância de uma mudança de atitude da
sociedade e do poder público frente à pessoa idosa. A valorização social da velhice significa
encarar essa fase como qualquer outra etapa do desenvolvimento e, não somente, como
associada à inutilidade e improdutividade. Esta mudança de atitude poderá repercutir, por
exemplo, em maior suporte do poder público a programas destinados aos idosos, priorizando a
formação e capacitação de profissionais para atuarem com este segmento.
Apesar da relevância de seus achados, este estudo apresenta algumas limitações, dentre
as quais, o acesso restrito apenas a publicações disponibilizadas gratuitamente e o recorte em
relação às bases de dados nos quais as buscas foram realizadas que pode não ter contemplado
todo o universo de trabalhos sobre o tema investigado. Assim, sugere-se que estudos futuros
ampliem o escopo das fontes de pesquisa.

Referências

Born, T., & Boechat, N. S. (2002). A qualidade dos cuidados ao idoso institucionalizado. In E.
V. Freitas, L. Py, F. A. Cançado, J. Doll, & M. L. Gorzoni. Tratado de Geriatria e
Gerontologia (pp. 768-777). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Castro J. L. C., Passos, A. L. V., Araújo L. F., & Santos J. V. O. (2020). Análise psicossocial
do envelhecimento entre idosos: as suas representações sociais. Actualidades En
Psicología, 34(128), 1-15. https://doi.org/10.15517/ap.v34i128.35246
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (2001). [Coleção Saraiva de
Legislação]. (21a ed.). São Paulo: Saraiva.
Fagundes, K. V. D. L., Esteves, M. R., Ribeiro, J. H. M., Siepierski, C. T., Silva, J. V., &
Mendes, M. A. (2017). Instituições de longa permanência como alternativa no acolhimento
das pessoas idosas. Revista de Salud Pública [online], 19(2), 210-214.
https://doi.org/10.15446/rsap.v19n2.41541.
Faleiros, V., Loureiro, A. M. L., & Penso, M. A. (2010). O conluio do silêncio: a violência
intrafamiliar contra a pessoa idosa. São Paulo: Roca.
Gonçalves, L. T. H., Leite, M. T., Hildebrandt, L. M., Bisogno, S. C., Biasuz, S., & Falcade, B.

53
L. (2013). Convívio e cuidado familiar na quarta idade: qualidade de vida de idosos e seus
cuidadores. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 16(2), 315-325.
https://dx.doi.org/10.1590/S1809-98232013000200011
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2018). Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua - Características gerais dos domicílios e dos moradores 2017. Rio de
Janeiro, Brasil: IBGE.
Lei n° 10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o estatuto do idoso e dá outras
providências. Brasília: Senado Federal.
Lini, E. V., Portella, M. R., & Doring, M. (2016). Factors associated with the institutionalization
of the elderly: a case-control study. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 19(6),
1004-1014. https://dx.doi.org/10.1590/1981-22562016019.160043
Miranda, G. M. D., Mendes, A. C. G., & Silva, A.L. A. (2016). O envelhecimento populacional
brasileiro: desafios e consequências sociais atuais e futuras. Revista Brasileira de Geriatria
e Gerontologia, 19(3), 507-519. https://dx.doi.org/10.1590/1809-98232016019.150140
Minayo, M. C. (2005). Violência contra idosos: o avesso do respeito à experiência e à
sabedoria. Brasília, DF: Cartilha da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
Minayo, M. C. (2008). Violência e maus-tratos contra a pessoa idosa: é possível prevenir e
superar. In T. Born (Ed.). Cuidar melhor e evitar a violência: manual do cuidador da
pessoa idosa (pp. 38-45). Brasília, DF: Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
Muchembled, R. (2012). História da violência: do fim da Idade Média aos nossos dias. Rio de
Janeiro, RJ: Forense Universitária.
Neri, A. L. (2008). Palavras-chave em gerontologia (3a ed.). Campinas, Brasil: Editora Alínea.
Papaléo Neto, M. (2007). Tratado de Gerontologia. São Paulo: Atheneu.
Pereira, M. M. B. (2010). Editorial II: sobre a revisão sistemática e a meta-análise na área da
fluência. CEFAC, 12(1), 10-11. https://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010000100002
Pinheiro, N. C. G., Holanda, V. C. D., Melo, L. A., Medeiros, A. K. B., & Lima, K. C. (2016).
Desigualdade no perfil dos idosos institucionalizados na cidade de Natal, Brasil. Ciência
& Saúde Coletiva, 21(11), 3399-3405. https://doi.org/10.1590/1413-
812320152111.19472015
Ribeiro, M. H. L. S. (2016). A implementação do estatuto do idoso: estudo exploratório em
Salvador-Bahia. Dissertação (Mestrado Profissional em Segurança Pública, Justiça e
Cidadania) - Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia.
Salcher, E. B. G., Portella, M. R., & Scortegagna, H. M. (2015). Cenários de instituições de
longa permanência para idosos: retratos da realidade vivenciada por equipe
multiprofissional. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 18(2), 259-272.
https://dx.doi.org/10.1590/1809-9823.2015.14073
Schneider, R. H., & Irigaray, T. Q. (2008). O envelhecimento na atualidade: aspectos
cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Estudos de Psicologia (Campinas), 25(4),
585-593. https://dx.doi.org/10.1590/S0103-166X2008000400013
Sehn, E., & Carrér, J. (2014). Afetividade na Terceira Idade: repensar os sentimentos, as
possibilidades e as relações interpessoais. Revista Fragmentos de Cultura - Revista
Interdisciplinar de Ciências Humanas, 24, 15-24,

54
http://dx.doi.org/10.18224/frag.v24i0.3574
Silva, C. F. S., & Dias, C. M. S. B. (2016). Violência Contra Idosos na Família: Motivações,
Sentimentos e Necessidades do Agressor. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(3), 637-652,
https://dx.doi.org/10.1590/1982-3703001462014
Veras, R. (2011). Desafios e conquistas advindas da longevidade da população brasileira: o
setor saúde e as mudanças necessárias. In C. M. R. G. Carvalho & L. F. Araújo (Orgs.). As
faces do envelhecimento humano: uma abordagem biopsicossocial (pp. 13-28). Teresina,
Piauí: EDUFPI.
A PRÁTICA PSI NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE MÉDIA COMPLEXIDADE:

55
IMPLICAÇÕES E DESAFIOS DO PSICÓLOGO NO CREAS

Erika Tamires Rodrigues Silva


Bárbara Ellen Viana Sales
Luana Paiva Da Silva

1 Introdução

Tendo sido historicamente vinculada à caridade e ao assistencialismo, a Assistência


Social tem passado por um novo ordenamento de suas práticas, principalmente com a
implantação do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), em 2005 (Afonso, 2008; Macedo
et al., 2011; Oliveira, Dantas, Solon, & Amorim, 2011; Romagnoli, 2012). Essa nova política
parte da responsabilização estatal e da universalidade do acesso e garantia dos direitos de
cidadania para indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade social.

Nesta perspectiva, o SUAS trabalha a partir de dois níveis de proteção social, a Proteção
Social Básica (PSB) e a Proteção Social Especial (PSE). A PSB tem como objetivo atuar na
prevenção de situações de vulnerabilidade ou risco social por meio de ações que busquem o
desenvolvimento de potencialidades e fortalecimento de vínculos, tendo como referência o
Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). Por outro lado, a PSE atua em casos de
violação de direitos ou de rompimento de vínculos, se subdividindo em média complexidade e
alta complexidade.
Para efeitos deste estudo, destacamos a Proteção Social Especial de média
complexidade, um conjunto de serviços que oferecem atendimento para famílias e indivíduos
em situação de violação de direito, mas cujos vínculos familiares e comunitários estão
preservados, tendo como principal equipamento o Centro de Referência Especializado de
Assistência Social (CREAS) (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
[MDS], 2004).
O CREAS é uma instituição que reúne diferentes ações com a finalidade de ofertar um
serviço continuado e especializado para famílias e indivíduos que tiveram seus direitos violados
(Lima & Schneider, 2018). Para a efetivação desse trabalho, o CREAS conta com uma equipe
composta por diferentes profissionais, sendo o psicólogo um dos membros da equipe de
referência desse serviço. É nesse campo que se insere o presente estudo, particularmente porque
sendo uma política de recente implementação, a Assistência Social também é um espaço que
tem absorvido um grande contingente de psicólogos (Macedo et al., 2011; Oliveira, Dantas,
Solon, & Amorim, 2011), o que tem demandado desses profissionais um posicionamento crítico
e a constituição de intervenções pautadas em uma prática interdisciplinar, através de ações que
busquem a promoção de emancipação e autonomia para sujeitos em situação de diferentes
vulnerabilidades (Lima & Schneider, 2018; Oliveira, Dantas, Solon, & Amorim, 2011).
Com base na complexidade que envolve o trabalho da Proteção Social Especial, o
presente estudo tem como objetivo investigar a atuação do CREAS no trabalho com sujeitos
vítimas de violação de direitos, bem como a inserção do psicólogo na atual política da
Assistência Social, enfatizando os desafios e as práticas desenvolvidas por esses profissionais

56
em sua atuação no CREAS a partir da experiência nas disciplinas de Estágio Básico I e II.
Consideramos que o contato do estudante de Psicologia com esse espaço é de suma importância,
sendo o contexto de Estágio Básico em instituições de Assistência Social um importante meio
para aprendizagens teóricas, metodológicas e práticas.

2 Método

O presente estudo foi desenvolvido a partir das nossas percepções acerca das
experiências relatadas por três psicólogas que atuavam no CREAS do município de Sobral -
CE. Através das disciplinas de Estágio Básico I e II do curso de Psicologia nos semestres 2018.2
e 2019.1, realizamos duas visitas à esse equipamento, conhecendo o espaço e a dinâmica da
instituição, bem como as práticas desenvolvidas pelas duas psicólogas atuantes nesse serviço.
O nosso contato com a terceira profissional se deu através de uma palestra realizada na
Universidade Federal do Ceará – Campus Sobral como atividade da disciplina de Estágio
Básico II.
No tocante aos recursos metodológicos, nos utilizamos do diário de campo como
ferramenta para registrar nossas percepções, questionamentos e informações que atravessaram
os momentos do Estágio Básico nessa instituição, posto que segundo Minayo (2001), esse
instrumento permite registrar qualquer momento da rotina de trabalho que realizamos e que não
podem ser documentados a partir de outras técnicas, sendo um importante aparato para a
descrição e análise do objeto estudado.
Ademais, para garantir o anonimato das psicólogas que contribuíram com este estudo,
optamos por não identifica-las ao longo do texto, tento como foco o conjunto do que nos foi
narrado pelas profissionais.

3 Resultados e Discussão

3.1 Considerações acerca da atuação do CREAS junto às vítimas de violação de direitos

O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) é um órgão da


Secretaria dos Direitos Humanos, Habitação e Assistência Social (SEDHAS), atuando na
Proteção Social Especial a partir do que é preconizado pela Política Nacional de Assistência
Social (PNAS), tendo como uma de suas principais diretrizes a Matricialidade Sociofamiliar.
Para isso, oferta serviços, programas e projetos de caráter especializado com o objetivo de
acompanhar, através de assistentes sociais, psicólogos e demais profissionais, as famílias e o
sujeito que está em violação (como em casos de violência física, psicológica ou sexual,
negligência, abandono, dentre outros) (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2013).
O serviço em si não possui restrições quanto ao público a ser atendido e abraça todas as
classes e grupos socioeconômicos presentes no território, visto que, segundo o CFP (2013), os
fenômenos sociais que atravessam os sujeitos que chegam ao CREAS não são situações que
atingem unicamente as populações pobres. “A violação de direitos, o agravamento de situações

57
de risco pessoal e social, o afastamento do convívio familiar, a fragilização ou rompimento de
vínculos e a violência intrafamiliar ou doméstica acontecem em todas as classes sociais” (CFP,
2013, p. 32).
Entretanto, embora a informação de que o CREAS atende a toda a população seja de
domínio público, segundo o relato das psicólogas, o perfil socioeconômico que chega até lá é
formado em sua grande maioria por famílias de baixa renda em ambientes de risco (Nunes,
Ferriani, Malta, Oliveira, & Silva, 2016), valendo ressaltar que para o serviço não há uma
imagem padrão sobre o que é família, principalmente visualizando a diversidade da cultura
brasileira. “É difícil traçar um perfil único da família brasileira, tanto no que se refere a sua
configuração quanto a sua estrutura” (Wagner, 2009, p. 19), já que como relatado, são os avós
que costumam estar à frente dessas famílias. Considerando esse contexto relatado pelas
psicólogas, nos recordamos da discussão sobre ciclos de vida familiares trazidas por Carter e
Mcgoldrick (1995), em que podemos visualizar um estágio em que os avós já não estariam mais
na participação ativa da educação da geração mais jovem. Porém, numa realidade marcada por
diferentes questões socioeconômicas, é sabido que são os avós (principalmente as mulheres,
como fica muito claro na fala da psicóloga do CREAS), que são responsáveis por toda a família,
muitas vezes todos residindo em uma mesma casa
Nesse sentido, entende-se que as diferenças socioeconômicas sejam uma variável
importante numa questão interseccional a ser considerada no motivo da maioria das famílias
que buscam acolhimento no CREAS sejam aquelas que são compostas por mulheres, pobres,
que dentro da lógica do CREAS, estão sofrendo violação de direitos que pode surgir de
diferentes formas (violência no trabalho, discriminação, violência doméstica, entre outros), com
elas ou com qualquer um de seus familiares. Se caracterizam como famílias “marginalizadas”,
tanto em seus direitos de acesso às políticas públicas vigentes, quanto fisicamente, visto que
moram nas margens dos bairros periféricos e muitas vezes, devido a isso, a própria denúncia se
torna uma questão difícil a ser executada, visto que, por conta dos conflitos territoriais, muitas
famílias não conseguem transitar de um espaço para o outro, dificultando até mesmo as
intervenções oferecidas pelo serviço para essas famílias.
Nesse sentido, uma importante atividade organizada pelo serviço são os grupos com as
famílias acompanhadas pela instituição, tendo como função prestar apoio e suporte para esses
sujeitos. São duas equipes, a equipe das medidas socioeducativas, que acompanha os
adolescentes autores de atos infracionais, e o PAEFI (Proteção e Atendimento Especializado a
Famílias e Indivíduos), que é o serviço de apoio e acompanhamento para famílias que possuem
membros que se encontram com seus direitos violados ou ameaçados, promovendo ações que
visam o fortalecimento de vínculos sociais, familiares e comunitários (MDS, 2011).
Quanto ao PAEFI, cada grupo acontece uma vez por mês, com algum tema específico
que traga questões que atravessem diretamente as família atendidas, sobre a violência que elas
estão vivendo, um diálogo em grupo. Os grupos do PAEFI são realizados dentro dos territórios
que essas famílias estão, o que faz com que se tenha uma maior facilidade de acesso e adesão.
Atualmente há grupos em quatro bairros da cidade. As famílias acompanhadas pelo serviço são
convidadas para participar, sendo informado o dia, o horário e o tema do grupo, então eles
podem se sentir à vontade para irem ou não. Os grupos das medidas socioeducativas também
acontecem uma vez por mês, sendo realizados tanto com as famílias quanto com os
adolescentes. Os grupos com adolescentes são realizados no Fórum e com os responsáveis
acontecem no próprio equipamento.
O grupo de medidas socioeducativas surgiu da necessidade de fornecer suporte para o

58
distanciamento da prática de atos de cunho infracional a partir do engajamento social, também
por meio de atividades supervisionadas para garantia de promoção social, acreditando em uma
possibilidade de mudança por meio da educação, da promoção e criação de novos projetos de
vida e cursos profissionais (Schmitt, Nascimento, & Schweitzer, 2016). Para isso, é frisada a
importância de uma rede de apoio que possa envolver o adolescente em questão. A rede
familiar, nesses casos, se torna de grande ajuda, pois o serviço “favorece o empoderamento das
famílias, para que auxiliem no processo de reinserção social, oferecendo suporte comunitário e
emocional, o que previne novas práticas de crime e delinquência, bem como promove a saúde
e o desenvolvimento de adolescentes e grupos” (Nunes et. al., 2016, p. 299).
Um elemento que não passou despercebido nos discursos das psicólogas é o fato delas
falarem desses participantes dos grupos sempre no feminino, ou mesmo usando o termo “mães”.
Quando questionadas sobre isso, elas trouxerem que o discurso delas diz muito, a maioria são
mães, são as que mais estão presentes nos grupos realizados pelo serviço, o que diz muito
também do perfil de família que chega no CREAS, da configuração familiar, como já dito
anteriormente, famílias que têm apenas a mãe presente, o que exige que os profissionais que
intervém no contexto dessas famílias estejam livres de preconceitos relacionados as diferentes
constituições familiares existentes (Carter & McgoldrickC, 1995). Além disso, essa maior
presença da mãe evidencia que apesar da mulher já estar mais ligada ao sustento econômico da
família, e muitas vezes ser a única provedora do lar, o acompanhar e estar mais próxima aos
cuidados e à vida dos filhos ainda é exercido por ela na maioria das vezes. Evidenciando o papel
da mulher como historicamente ligado ao cuidado e atenção aos filhos, se configurando como
uma figura central no funcionamento das famílias (Wagner, 2009; Carter & Mcgoldrick, 1995).
Outro fator importante é que a maioria das famílias desses adolescentes também têm
outros agravos nessa dinâmica familiar que precisam ser trabalhados, o que faz com que sejam
acompanhadas através de visitas periódicas, atendimentos individualizados, e nesses grupos,
que acabam se tornando o momento deles darem vasão, elaborarem suas questões e de
encontrarem força. Por isso, são importantes na medida em que podem se configurar como
espaços de convivência e de compartilhamento de experiências, proporcionando o resgate da
corporeidade, a ressignificação das experiências e a reconstrução de relações e vínculos afetivos
com a família, a comunidade e o grupo de pares (CFP, 2013; Silva & Cezar, 2013).
As visitas institucionais às residências é uma outra importante forma de intervenção
realizada pelo CREAS, pois é a partir dessas ações que se consegue alcançar um número maior
de famílias. Isso se deve ao fato de que o CREAS não está localizado no território de boa parte
das famílias que são acompanhadas, além do fato do município passar por uma série de conflitos
territoriais entre facções, o que dificulta o acesso a esse serviço. Assim, as visitas domiciliares
viabilizam que o serviço atinja seu objetivo institucional de prestar acompanhamento a famílias
e indivíduos em situação de vulnerabilidade social e violação de direitos, garantindo o acesso
delas a rede de proteção social. São elas também que permitem que os profissionais se
aproximem da realidade da família, conhecendo suas demandas e potencialidades (Drulla,
Alexandre, Rubel, & Mazza, 2009).
É relevante destacar também que essas visitas são realizadas na residência da família
até mesmo quando a violação não parte de um de seus membros, pois busca-se conhecer o
contexto no qual esse sujeito que teve seus direitos violados está inserido. Já quando a violência
parte do contexto familiar, tenta-se trabalhar a partir das potencialidades daquela família,
percebendo como ela vivencia essa violência, buscando o fortalecimento dos vínculos e a
construção de novos padrões de relacionamento familiar, de modo a pôr fim à violência ou às
violências.
59
3.2 Percepções e sentidos dos psicólogos sobre a prática da psicologia no CREAS

3.2.1 Contribuições do profissional psicólogo no CREAS

Como já tratado anteriormente, o CREAS, através de assistentes sociais e psicólogos,


dentre outros profissionais componentes da equipe mínima, trabalha com o objetivo de
acompanhar as famílias e o sujeito que está em violação, como forma de dar apoio e suporte.
Dentro dessa instituição, o psicólogo atua realizando acompanhamentos familiares,
desenvolvendo intervenções e buscando ter um olhar mais ampliado sobre a configuração
daquela família, sobre a relação com o bairro, a relação com a vizinhança, as relações gerais
que os cercam, visto a importância disso para tentar compreender como é o funcionamento
daquele sujeito em seu ciclo social. Como formas de aproximação dos sujeitos que são
acompanhados pelo CREAS e suas famílias, são desenvolvidas atividades já mencionadas
antes, que consistem no acompanhamento dos sujeitos a partir de sua lógica contextual, visitas
domiciliares e grupos de atividades que visam uma aproximação entre os profissionais e as
famílias atendidas.
Nesse sentido, é notória a importância da existência de um psicólogo em atuação nesse
serviço público, destacando o que Lima e Schneider (2018, p. 350) discutem: “a inclusão dos
profissionais da Psicologia nas equipes de referência do SUAS visa contribuir para equacionar
as diferentes dimensões intrincadas nos problemas que têm como base a desigualdade social”.
Já Bastos e Rocha (2011, p. 635) retratam que a importância do psicólogo na equipe de
assistência especial se dá na medida em que “a escuta atenta e diferenciada do psicólogo pode
auxiliar os usuários dos serviços de assistência a resgatar a sua história como sujeito e ao mesmo
tempo compreender-se em sua coletividade”. Dessa forma, enquanto profissional atuante, o
psicólogo pode participar das atividades propostas pelo serviço em uma lógica interdisciplinar,
desenvolvendo diálogos e trocando saberes que muito influenciam nas intervenções propostas
para os casos aparentes.
Primeiramente, tratando-se dos grupos familiares, sua importância se dá na medida em
que podem se configurar como espaços de convivência e de compartilhamento de experiências.
Partindo desse pressuposto, o trabalho do psicólogo é o de promover essa assistência e
potencializar as relações familiares, além de estabelecer e acompanhar o vínculo que as famílias
presentes criam entre si quando juntas num mesmo espaço. Como nos apresentou a narrativa
da psicóloga do CREAS, essas famílias (mais especificamente as mães), quando aderem aos
grupos apresentam pertencimento, por estarem em convívio com outras pessoas que possuem
experiências semelhantes.
Já com relação às visitas institucionais às residências realizadas pelos profissionais do
CREAS, onde o psicólogo está inserido, é a partir dessa intervenção que se consegue um maior
alcance às famílias. Desse modo, é relevante destacar que essas visitas domiciliares possibilitam
uma visão ampliada dos fatos, percebendo a relação dos membros da família, a dinâmica
familiar, e a relação deles com o bairro e a vizinhança. Como consequência, facilita o
planejamento e o direcionamento das ações da equipe interprofissional nos outros tipos de
intervenção, como no caso dos grupos psicossociais que têm suas temáticas estabelecidas a
partir das demandas observadas nas visitas (Drulla, 2009). Como destacam Macêdo, Pessoa e

60
Alberto (2015, p. 920),

deve-se, portanto, estudar o indivíduo e seus múltiplos contextos de modo integrativo,


relacional e temporal. Não como algo natural pelo qual todos passam, mas como um
processo dialético da relação entre o aspecto ontogenético e o contexto no qual as
crianças e os adolescentes se desenvolvem, e como, a partir desse conjunto, se
constroem como sujeitos.

Desse modo, é esperado do Psicólogo atuante nos serviço de assistência pública que sua
prática não esteja voltada para o sujeito de forma individualista e desarticulado de seu ciclo
social e cultural (Macêdo et al., 2015), mas que compreenda, a partir de diversos pontos de vista
– dentre eles o sociológico, antropológico, normativo, político e clínico –, a totalidade
envolvida na situação de violação (Florentino, 2014), evitando, assim, a culpabilização dos
indivíduos e/ou da célula familiar (Lima & Schneider, 2018).
Ademais, para além das intervenções já citadas, as psicólogas também relataram que
muitas vezes realizam encaminhamentos para serviços públicos que realizem psicoterapia,
tendo em vista a complexidade das situações que atravessam os usuários do equipamento. Desse
modo, mesmo que a Política que embasa a atuação do CREAS preconize que esse espaço não
realiza atendimentos psicoterapêuticos individualizados, considerar a relevância desses
encaminhamentos é também percebermos a importância de um trabalho em rede, como nesse
caso, na relação entre a Assistência, a Saúde e as clínicas-escola das universidades. Nesse
sentido, um dos papéis da Psicologia e dos demais saberes atuantes nessa instituição é também
trazer informações para a população atendida, comunicando-a, por exemplo, sobre os serviços
públicos disponíveis para seu atendimento, informação que muitas vezes não chega para esses
indivíduos.
Entendemos, portanto, que é através da informação e dessas diferentes intervenções
realizadas pelos profissionais do serviço que os usuários poderão ter acesso aos seus diretos,
instrumentos importantes também para o desenvolvimento da autonomia e do protagonismo
para esses sujeitos, algo que a PNAS preconiza e que se relaciona também com o que as
psicólogas trouxeram, pois, como elas colocaram, “trabalhar para se tornar desnecessária” quer
dizer intervir para o fortalecimento das potencialidades familiares e comunitárias, bem como
para o desenvolvimento de protagonismo e para o resgate de direitos (CFP, 2013).

3.2.2 Desafios da prática psi presentes no serviço de Assistência Social

No decorrer da escuta às profissionais que atuaram no CREAS, pudemos perceber


também algumas queixas com relação ao cotidiano da prática no serviço. As principais queixas
aparentes nas falas das três psicólogas ouvidas formam uma cadeia de acontecimentos que são
vistos de forma negativa pelas profissionais, a primeira delas se dá quanto a disparidade entre
a demanda que chega ao serviço e o número de profissionais que estão disponíveis para esse
grande volume.
Tanto nas profissionais na época ativas no serviço quando da psicóloga que já havia

61
trabalhado por um período no CREAS, a fala foi a de que o serviço atendia um número muito
maior de pessoas do que o previsto. Assim como em outros serviços públicos, o CREAS é um
dos que atende não apenas a região de Sobral, como regiões vizinhas, abarcando uma demanda
que sobrecarrega o serviço e os profissionais que nele trabalham (Pauli, Traesel, & Siqueira,
2019). Como explicado por uma das psicólogas que estava ativa na época da realização do
Estágio Básico, é previsto pela lei um total de até vinte prontuários acompanhados por cada
profissional do serviço, mas esse número chega a ser muito maior quando em realidade,
podendo alcançar até cinquenta prontuários para cada profissional. Além disso, também
justifica-se essa questão pela não existência de outro CREAS na região, em contraste com o
serviço de atendimento básico, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), que
possui seis equipamentos no município.
Dessa forma, aliado à existência das “notificações”, que são as denúncias recebidas de
violações e que aparecem como trabalho para além dos prontuários já abertos, além da
organização de grupos com as famílias e as visitas domiciliares, que, a depender da demanda,
podem ocorrer com uma alta periodicidade, podemos perceber que o desgaste físico e
emocional são fatores que corroboram com o sofrimento no trabalho e a efetivação de um
trabalho precarizado que não auxilia os profissionais no atendimento aos usuários (Pauli et al.,
2019).
Nesse sentido, em vista dos desdobramentos existentes pelos profissionais atuantes no
serviço em uma alta demanda, acaba por ocorrer uma não atenção específica dos casos
aparentes, o que gera uma segunda queixa pelas psicólogas participantes deste trabalho, que é
a necessidade do cumprimento de tabelas, ou uma alta demanda de produtividade, que gera a
intensificação do trabalho realizado (Pauli et al., 2019). Como exposto por uma das psicólogas
ouvidas, na lógica dos “bons resultados”, ser um “bom profissional” seria equivalente a ter um
número elevado de casos atendidos, no entanto, entende-se que a “numerificação” dos sujeitos
não estaria relacionada ao cuidado oferecido aos usuários, pelo contrário, limitaria a intervenção
a planos pré-estabelecidos e generalistas, o que não condiz com a prática do psicólogo nesse
serviço, pois, ao invés de potencializar o sujeito, estaria exercendo uma nova violação de
direitos (Lima & Schneider, 2018).
A saber, o cumprimento de tabelas nos foi explicado como o preenchimento de dados,
que é um fato que ocorre em vista da generalização dos casos atendidos (Macêdo et al., 2015).
Em decorrência do grande número de prontuários por profissional e de outros fatores
desestimulantes já citados acima, muitas vezes os casos atendidos tornam-se apenas números,
ou cumprimento de exigências impostas ao serviço de retorno de resultados. O profissional
psicólogo no serviço encontra então algo que é totalmente diferente do que lhe é repassado em
período de formação, com uma graduação voltada para a área clínica, se depara com uma
demanda social que busca em sua prática o olhar crítico e de entendimento quanto às diversas
variáveis que influenciam nos casos atendidos. Nesse sentido, é de suma importância a
existência de um psicólogo nos serviços públicos de assistência, evitando o caráter higienista,
individualista e a desconsideração do contexto vigente, mas buscando uma prática “dotada de
um aspecto crítico, reflexivo, investigativo e, acima de tudo, político” (Macêdo, 2015, p. 919).
Outrossim, essa coletividade, ou o contexto ao qual os usuários estão inseridos, suas
famílias e suas histórias pessoais, são questões consideradas no atendimento às famílias
realizados pelo CREAS, o que foi muito explicitado pelas falas das psicólogas. Essas questões
são, inclusive, norteadoras em casos de denúncias de violações de direitos, das percepções
aparentes nas visitas e também na tentativa da não retirada de um sujeito de seu ambiente
quando os vínculos familiares estão rompidos. As psicólogas explicitaram que há, muitas vezes,
a existência de uma cadeia de violações dentro de um contexto familiar que só pode ser

62
visualizado quando em contato com a realidade do usuário, desse modo, as visitas domiciliares
tomam sua importância para que haja o contato do profissional com o contexto violador do
sujeito, de modo que, tendo conhecimento da realidade do usuário, poderia ser pensada uma
prática intervencionista (Florentino, 2014).
Como já explicitado, essa questão do conhecimento dos vínculos familiares e afetivos
dos sujeitos usuários do serviço, além da noção do contexto ao qual pertence, nota-se a
necessidade da criação de vínculo entre sujeito e profissional atuante. Dessa forma, apresenta-
se como uma das queixas, a alta rotatividade de profissionais no serviço. De acordo com
Stancato e Zilli (2010), a rotatividade é representada pela “flutuação” de profissionais entre
uma organização e o seu ambiente, esse fator pode ser gerador de problemas para a instituição
em vista da quebra desse vínculo entre os usuários e o serviço. Essa quebra, em alguns casos,
pode vir a causar desconfiança pelos sujeitos na efetividade da ação pública (Paz, 2015).
Nesse sentido, como narrado pelas psicólogas, para que haja o funcionamento e
desenvolvimento esperado das diferentes intervenções realizadas pelos profissionais do serviço,
bem como o conhecimento do contexto e da dinâmica familiar dos usuários, é de extrema
importância que se possa haver a criação desse vínculo com tais famílias e indivíduos, para que
o trabalho da equipe atuante seja potencializado e promotor de garantia de direitos para seus
usuários.

4 Considerações Finais

A criação do SUAS é uma conquista fundamental no que se refere à seguridade social


no Brasil, pois, através dos seus diferentes serviços e equipamentos, passou a atender um
expressivo número de pessoas em situação de risco e vulnerabilidade social, algo que permitiu
levar cidadania e dignidade para uma população que muitas vezes se encontrava desassistida
(Macedo et al., 2011).
Nesse sentido, a inserção dos psicólogos nesses espaços é uma oportunidade ímpar para
que a Psicologia possa protagonizar ações que contribuam para a transformação dos serviços
socioassistenciais. Esses profissionais têm, portanto, o compromisso de traçar articulações,
muitas vezes conjuntas, com outros serviços da rede em que as famílias e/ou indivíduos estão
inseridos. Ações com esse porte de integração maximizam a rede de apoio que ampara aqueles
que o serviço atende, além de incluir o profissional de Psicologia na dinâmica do território dos
usuários, fomentando assim a criação de vínculos e a potencialização de sua atuação.
Salientamos, entretanto, que para além das potencialidades da atuação dos psicólogos
nesse serviço, esse cenário ainda apresenta diversos desafios para esses profissionais, que vão
desde a entrada e inserção no território, até a quebra de contratos e a sobrecarga de atendimentos
que muitas vezes contribuem para a precarização de seu trabalho e a insatisfação dos usuários
com o serviço.
Diante do exposto, entendemos que o trabalho dos psicólogos no CREAS exige desses
profissionais a construção de novos saberes e fazeres psi, estando atentos à complexidade das
diferentes demandas e fenômenos sociais que não são abarcados por instruções de um manual.
Nesse sentido, a atuação desses profissionais nesse serviço deve ter como foco um olhar crítico
e uma intervenção pautada na interdisciplinaridade e na intersetorialidade, visando a proteção

63
integral às famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade.
Por fim, salientamos também que através do que é preconizado pela PNAS, somos
convidados a construção de novas práticas em virtude da complexidade do trabalho assistencial.
Entretanto, para construirmos novas intervenções, é necessário que possamos conhecer mais
sobre esse novo campo de atuação, seja através de estágios, extensões, pesquisas, ou mesmo
por meio da produção, publicação e divulgação de trabalhos construídos a partir da atuação
nesses espaços, ofertando, desse modo, importantes subsídios para que os psicólogos possam
atuar com as políticas públicas da Assistência.

Referências

Afonso, L. (2008). O que faz a Psicologia no Sistema Único da Assistência Social. Jornal do
Psicólogo, 25(91), 14.

Bastos, C. P. S., & Rocha, M. l. (2011). Territórios em comum nas políticas públicas: Psicologia
e Assistência Social. Psicologia & Sociedade, 23(3), 634-636.

Carter, B., & Mcgoldrick, M. (1995). As mudanças no ciclo de vida familiar: Uma estrutura
para a terapia familiar. (2a ed.). Porto Alegre: Artes Médicas.

Conselho Federal de Psicologia. (2013). Referências técnicas para a prática de psicólogas(os)


no Centro de Referência Especializado da Assistência Social – CREAS. Brasília: Autor.

Drulla A. da G., Alexandre, A. M. C., Rubel, F. I., Mazza, V. de A. (2009). A visita domiciliar
como ferramenta ao cuidado familiar. Cogitare Enferm, 14(4), 667-674. doi:
http://dx.doi.org/10.5380/ce.v14i

Florentino, B. R. B. (2014). Abuso sexual, crianças e adolescentes: Reflexões para o psicólogo


que trabalha no CREAS. Fractal: Revista de Psicologia, 26(1), 59-70. doi:
10.1590/S1984-02922014000100006

Lima, F. C., & Schneider, D. R. (2018). Características da atuação do psicólogo na proteção


social especial em Santa Catarina. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(2), 347-362. doi:
10.1590/1982-3703001402017

Macedo, J. P., Sousa, A. P. de, Carvalho, D. M. de, Magalhães, M. A., Sousa, F. M. S. de, &
Dimenstein, M. (2011). O psicólogo brasileiro no SUAS: Quantos somos e onde estamos?.
Psicologia em Estudo, 16(3), 479-489. doi: 10.1590/S1413-73722011000300015

Macêdo, O. J., Pessoa, M. C. B., & Alberto, M. de F. P. (2015). Atuação dos profissionais de
Psicologia junto à infância e à adolescência nas políticas públicas de Assistência
Social. Psicologia: Ciência e Profissão, 35(3), 916-931. doi: 10.1590/1982-
3703000922014

Minayo, M. (Org.). (2001). Pesquisa social. Teoria, método e criatividade. (18a ed.).
Petrópolis: Vozes.
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2004). Política Nacional de

64
Assistência Social. Brasília: Autor.

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2011). Orientações técnicas:


Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Brasília: Autor.

Nunes, M. R., Ferriani, M. das G. C., Malta, D. C., Oliveira, W. A. de, & Silva, M. A. I. (2016).
Rede social de adolescentes em liberdade assistida na perspectiva da saúde pública. Revista
Brasileira de Enfermagem, 69(2), 298-306. doi: https://dx.doi.org/10.1590/0034-
7167.2016690213i.

Oliveira, I. F. de, Dantas, C. M. B., Solon, A. F. A. C., & Amorim, K. M. de O. (2011). A


prática psicológica na proteção social básica do SUAS. Psicologia & Sociedade, 23(spe),
140-149. doi: 10.1590/S0102-71822011000400017

Pauli, C. G., Traesel, E. S., & Siqueira, A. C. (2019). A precarização do trabalho dos psicólogos
temporários no CREAS. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, e188301. doi: 10.1590/1982-
3703003188301

Paz, F. A. R. (2015, agosto). A precarização no trabalho do assistente social na Política de


Assistência Social. Anais da Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luís, MA,
Brasil, 7. Recuperado de http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo2/a-
precarizacao-no-trabalho-do-assistente-social-na-politica-de-assistencia-social.pdf

Romagnoli, R. C. (2012). O SUAS e a formação em Psicologia: Territórios em análise. ECOS-


Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 1(2), 120-132.

Schmitt, A. A., Nascimento, D. M., & Schweitzer, L. (2016). Grupo com adolescentes em
cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida: Relato da experiência em
um Centro de Referência Especializado em Assistência Social. Pesquisas e Práticas
Psicossociais, 11(2), 399-411. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
89082016000200010&lng=pt&tlng=pt.

Silva, R. B., Cezar, P. C. N. (2013). Atuação do psicólogo no CREAS em municípios de


pequeno porte. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 4(1), 99-109. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-
64072013000100007&lng=pt&tlng=pt.

Stancato, K., & Zilli, P. T. (2010). Fatores geradores da rotatividade dos profissionais de saúde:
Uma revisão da literatura. Revista Administração e Saúde, 12(47), 87-99.

Wagner, A. (Org.). (2009). Desafios psicossociais da família contemporânea: Pesquisas e


reflexões. Porto Alegre: Artmed Editora.
PARTICIPAÇÃO DE IDOSOS EM GRUPOS DE CONVIVÊNCIA: UMA REFLEXÃO

65
TEÓRICA
Ádilo Lages Vieira Passos
Maria Hilmara Sousa Viana Portela da Ponte
Thalyta de Araújo Sousa

1 Introdução

O cenário social evidencia um aumento significativo da população idosa no Brasil.


Conforme os dados apresentados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD)
em 2017, a população brasileira era de 207.1 milhões de pessoas, sendo que a participação dos
idosos foi de 14.6% da população, o que compreende mais de 30 milhões de habitantes
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2018). Esse aumento demonstra, entre
outras coisas, uma melhoria na qualidade de vida da população.
Nessa perspectiva, o envelhecimento é compreendido como um processo, que perpassa
os aspectos biológicos (Bassit, 2013). Com efeito, é importante que se considere a influência
da qualidade de vida e como essa pode influenciar em um envelhecimento saudável,
considerando que o envelhecimento é marcado por perdas e ganhos ao longo do seu
desenvolvimento.
Diante disso, é necessária a discussão sobre os espaços destinados à promoção da
qualidade de vida na velhice, como os grupos de convivência. Tais locais fomentam um
envelhecimento digno, ativo e saudável, a partir do fortalecimento dos vínculos familiares e
sociais. Desta maneira, esses grupos visam a promoção dos direitos resguardados nas
legislações direcionadas ao público idoso, como o estímulo à participação em atividades que
envolvam a cultura, o esporte, o lazer e a educação.
Congruente ao exposto, é justamente por conta da criação de legislações específicas para
pessoas com 60 anos ou mais que os grupos de convivência ganham maior visibilidade. Dentre
essas legislações, destaca-se a Política Nacional do Idoso (PNI) (Lei nº 8.842, 1994), que
delibera sobre as ações governamentais de atendimento à pessoa idosa, por meio da elaboração
de centros de cuidados diurnos, casas – lares, centros de convivência e outros.
Ainda na perspectiva da proteção social, nove anos após a criação da PNI, foi instituída
a Lei nº. 10.741, de 1º de outubro de 2003, a qual dispõe sobre o Estatuto do Idoso, viabilizando
o exercício da cidadania da pessoa idosa. Logo, tal lei constituiu-se como um importante marco
jurídico para os idosos, na medida em que resguarda seus direitos fundamentais, concedendo
maior oportunidade de manutenção da saúde física, intelectual e mental, motivando o exercício
da liberdade e usufruto de maior autonomia.
Diante desta discussão, na qual se verifica o aumento significativo de pessoas idosas no
Brasil e a urgência da ampliação e efetivação de serviços que garantam uma melhora qualidade
de vida a esses indivíduos, destaca-se a relevância desta pesquisa, uma vez que discute sobre a
participação de idosos nos grupos de convivência.
Neste contexto, os grupos de convivência se firmam como espaços que promovem
propostas para a melhoria da qualidade de vida do idoso. Tais propostas contemplam
necessidades que perpassam pelas diversas políticas direcionadas aos idosos, revigorando os
laços familiares e sociais, tornando dinâmica e pacífica as relações geracionais e

66
intergeracionais para prevenção dos rompimentos dos vínculos. À vista disso, esta pesquisa tem
por objetivo geral realizar uma revisão da literatura acerca das contribuições da participação de
idosos em grupos de convivência para um envelhecimento com qualidade.

2 Método

2.1 Materiais

Trata-se de uma revisão da literatura acerca da participação de idosos nos grupos de


convivência.
Cabe salientar que a revisão de literatura para Gil (2008), é um tipo de pesquisa
construída a partir da sondagem de trabalhos já realizados, como livros e artigos científicos.
Nesse espectro, foram analisados trabalhos das bases de dados digitais para a construção da
pesquisa, sendo essas: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), Periódicos
Capes e o Repositório Institucional da Faculdade do Baixo Parnaíba (FAP).

2.2 Procedimentos de coleta de dados

Para a delimitação da pesquisa foram utilizados filtros com as seguintes palavras-chave:


envelhecimento saudável, grupos de convivência e idosos. Ainda sobre os filtros, ressalte-se a
busca por trabalhos no idioma português e publicados entre os anos de 2015 a 2019, ou seja,
nos últimos cinco anos. É valido destacar, que a amplitude de trabalhos que tratam da questão
do envelhecimento e da qualidade de vida na velhice é vasta, uma vez que essa população tem
crescido e tem surgido a necessidade da sua discussão no campo das ciências.
A estratégia da seleção dos artigos inicialmente foi por intermédio da verificação da
temática dos estudos, apreendendo-se materiais dos diversos campos das ciências, seja das
ciências biológicas, saúde, humanas ou sociais. Posteriormente, foi realizada a exclusão de
trabalhos que se constituíam análogos uns aos outros, por meio de uma leitura introdutória, para
que não houvesse repetição de ideias.
Por fim, foi feita a compilação dos dados, que levou em consideração o objetivo central
da pesquisa, viabilizando assim, a reflexão e a construção do debate acerca das contribuições
da participação dos idosos nos grupos de convivência para um envelhecimento com melhor
qualidade.

3 Resultados

Foram encontrados 122 (cento e vinte e dois) trabalhos dentre os quais somente 08 (oito)
foram direcionados para análise: 01 (uma) dissertação e 01 (uma) tese na BDTD; 04 (quatro)
artigos na CAPES e 02 (duas) monografias no Repositório Institucional da FAP.
Dentre o número total de pesquisas encontradas foram descartadas 114 (cento e

67
quatorze) produções, pois não apresentaram proximidade com o tema em questão. A Tabela 1
apresenta, um ordenamento acerca das bases de dados utilizadas para a revisão bibliográfica
desta pesquisa.

Tabela 1 - Quantitativo de publicações encontradas nas plataformas de pesquisa


Quant. publicações
Bases de Dados
encontradas
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
14
Dissertações (BDTD)
Coordenação de Aperfeiçoamento de
106
Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Repositório Institucional da Faculdade do
02
Baixo Parnaíba (FAP)
Total 122

Em meio à seleção das pesquisas, foram selecionados 08 (oito) trabalhos nas bases de
dados, que estão apresentados no Quadro 1. Tais trabalhos estavam em acordo com as palavras-
chave selecionadas, bem como possuíam maior similaridade com a temática sobre a discussão
da qualidade de vida no envelhecimento, viabilizada pela participação nos grupos de
convivência.
Quadro 1 - Apresentação dos trabalhos selecionados nas plataformas de pesquisas
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
AN
TÍTULO AUTORES
O
Qualidade de vida e suporte social em idosos:
2015 comparação entre participantes e não Ana Raquel Silva Santos
participantes de grupos de convivência.
Um olhar sobre o processo do envelhecimento:
Susete Maria Ramos Cortez
2015 a percepção do idoso sobre a velhice em centros
Oliveira
de convivência selecionados.
Periódicos da CAPES
Participação Social e familiar de idosas Ana Claudia N.S.
vinculadas a um grupo de convivência de uma Wanderbroocre; Anneliese M.
2015
comunidade de baixa renda em Curitiba-PR. V. Wiedemann e Cleide
Bussolin
Equilíbrio, mobilidade funcional e qualidade de Maiara Lonh de Farias; Lisiane

68
vida em idosos participantes e não participantes Piazza Luza; Bianca Andrade
2017
de um centro de convivência. de Sousa e Ediane Roberge
Zampirolo
2018 A influência de grupos de promoção de saúde Tiago dos Santos Leles;
no envelhecimento de idosos. Michelle de Menezes Carlos e
Grasielle Silveira Tavares
Paulin
2018 A importância dos grupos de convivência para Lilia Lopes Schoffen e
os idosos como instrumento para a manutenção Walquiria Lene dos Santos
da saúde.
Repositório Institucional da FAP
2019 A centralidade do Serviço de Convivência e José Ayrton Silva Almeida e
Fortalecimento de Vínculos no Nágila da Conceição Ferreira
desenvolvimento dos programas
socioassistencias: uma experiência no CRAS
“Campo Velho”.
2019 Velhice e trajetórias: particularidades da Geordania Meireles de Araújo e
institucionalização na última fase do ciclo vital. Letycia Neves Lopes dos
Santos

Relativamente ao ano dos textos analisados, observou-se uma ligeira prevalência de


trabalhos publicados em 2015. A maior parte destes textos eram artigos publicados nas mais
diversas revistas científicas. Quanto aos instrumentos de coleta de dados, observou-se que as
entrevistas e questionários obtiveram maior destaque na realização dos trabalhos, sendo esses
instrumentos realizados mediante amostras de participantes e não participantes dos grupos de
convivência. Com relação ao perfil de participantes dos grupos de convivência, evidenciou-se
a prevalência de pessoas do sexo feminino, o que desperta preocupação com idosos do sexo
masculino, que na medida em que envelhecem não estão buscando formas para aperfeiçoar um
envelhecimento com qualidade de vida. Em geral, as pesquisas têm revelado que idosos que
participam dos grupos de convivência possuem maior satisfação, melhor bem-estar social na
vida e uma maior mobilidade física e psíquica, comparada aos idosos não participantes.

4 Discussão

4.1 Velhice: uma abordagem sobre os aspectos do envelhecimento

O envelhecimento humano é uma considerável discussão no campo das ciências, uma


vez que a população idosa cresce proeminentemente a nível mundial. Segundo o Fundo de
População das Nações Unidas (2012), no mundo contemporâneo a cada segundo duas pessoas
celebram o seu sexagésimo aniversário. Somando cerca de quase 58 milhões de idosos que

69
comemoram anualmente os seus 60 anos ou mais.
Os determinantes que levam a compreender esse aumento significativo da população
idosa são diversos, dentre eles, está à diminuição da mortalidade infantil, o avanço da medicina
e o desenvolvimento tecnológico, além da diminuição na taxa de fecundidade, devido aos
fatores econômicos e sociais. Vale ressaltar que o envelhecimento é definido como um processo
universal, iniciando-se na concepção da vida dos indivíduos e findando apenas com a morte
(Duarte, 2008).
Dentro desse processo é necessária não somente a compreensão dos aspectos
demográficos e estatísticos, mas também o entendimento do envelhecimento numa perspectiva
histórica e evolutiva da humanidade. Dentro desse parâmetro Schoffen e Santos (2018)
enfatizam que o envelhecimento possui significados diferentes, sendo comum observar que em
séculos anteriores o envelhecimento estivesse atrelado a uma questão de entusiasmo e
progresso, na qual a idade avançada era um fator a ser enaltecido, haja vista o envelhecimento
ser considerado como uma fase de saberes acumulados, de experiências de vida e
amadurecimento.
Atualmente, ser velho já não é questão de entusiasmo ou progresso, isso porque as
gerações são marcadas por um padrão em que a estética e a boa forma privilegiam a aparência
mais jovem. Tal contexto reflete o modo de vida em uma sociedade capitalista de produção e
consumo, que manipula através dos parâmetros, formas de manter uma identidade
rejuvenescedora e lucrar com os padrões estéticos pré-estabelecidos.
Como destaca Faleiros e Afonso (2008), embora o envelhecimento seja uma categoria
coletiva é preciso que se leve em consideração os fatores subjetivos da compreensão dos
indivíduos sobre esse processo. Dessa forma é valido destacar o que Araújo e Santos (2019)
denominam como “heterogeneidade na velhice”, algo que enfatiza a existência de diversas
formas de envelhecer, havendo, pois, idosos que encaram a velhice como algo positivo e idosos
que consideram esse período como uma fase da inutilidade.
Desse modo, pensar sobre o que é ser idoso envolve a consideração de múltiplos
aspectos, situados em um contexto de constante transformação. Sem dúvidas, o cotidiano dos
idosos e os impactos subjetivos e sociais que eles vivenciam ao longo do ciclo de vida, os
singularizam e, portanto, configuram os sentimentos do que é ser idoso (Oliveira, 2015).
Wanderbroocre, Wiedemann e Bussolin (2015), ao investigarem o dia a dia de idosas
em uma comunidade de baixa renda, constataram que a maioria delas se identificava como
provedoras de suas famílias; que as mesmas aproveitavam esse estágio da vida para a prática
de esportes e encaravam o grupo de convivência como espaço para práticas de lazer, o que
aumentava o otimismo para com a vida. Logo, os idosos que veem a velhice como momento de
usufruto de oportunidades, reconhecem a importância do seu papel de representatividade no
meio social, que são fundamentais na comunidade e, assim, ressignificam a intolerância em
relação a condição de “ser velho” e se tornam menos vulneráveis aos impactos psicossociais
negativos frente à categoria (Miranda & Banhato, 2008).
Na discussão sobre velhice e envelhecimento é pertinente destacar que a velhice é
considerada como sendo a última fase do ciclo vital, diferentemente do envelhecimento que é
um processo (Neri, 2013). A última fase da vida, conforme Oliveira (2015), é marcada pela
subjeção do fator cronológico, que data os 60 (sessenta) anos ou mais dos indivíduos. O idoso
nesse período passa a compreender a sua adaptação ao estado de ser idoso, de acordo com os
valores temporais e culturais que a sociedade estabelece.
Nesse ínterim, reitera-se que o idoso pode encarar a velhice, tanto de maneira positiva,

70
quanto negativa, sendo que isso depende fortemente de como a sociedade trata a velhice
(Schneider & Irigaray, 2008).
Assim, embora o processo do envelhecimento esteja ligado aos aspectos biológicos dos
indivíduos, Bassit (2013, p. 2178) destaca que “[...] a compreensão do envelhecimento pela
ótica da biologia e da medicina, não são suficientes por si só para tratar das relações que
estabelecemos em nosso percurso.” Isso devido à sociedade contemporânea ser marcada por
fatores subjetivos, sociais e temporais que também podem determinar como a velhice pode se
estruturar.
Dentro dessa perspectiva surge a necessidade de discutir o fenômeno do envelhecimento
ativo e com qualidade no processo do envelhecer humano, uma vez que de acordo com a
Organização Mundial da Saúde (OMS), esse parâmetro requer um processo de oportunidades
de saúde, de participação ou de segurança, em que as pessoas idosas buscam, em seu
intermédio, uma melhor qualidade de vida (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005).
Diante disso, envelhecer ativamente envolve romper com paradigmas que encaram a velhice
somente como uma fase de perdas para, em seu lugar, adotar uma concepção do envelhecimento
pautada no bem-estar social, físico e psíquico.

4.2 Grupos de convivências: espaços que promovem qualidade de vida à pessoa idosa

O aparecimento dos grupos de convivência no Brasil se firmou entre os anos 1960 e


1970, a partir da iniciativa do Serviço Social do Comércio (SESC), que organizou programas
educacionais para idosos, o que muito contribuiu para a multiplicação de espaços que visassem
o mesmo objetivo, diante da expansão da população idosa no país (Santos, 2015).
Em geral, as pessoas idosas que participam dos grupos de convivência experimentam
atividades recreativas de caráter cultural, social e educacional, tais quais: a socialização em
grupos, prática de esportes, aprendizagem de trabalhos manuais, rodas de conversa, datas
comemorativas, palestras informativas, eventos culturais, dentre outros. Essas atividades têm
em vista assegurar um envelhecimento digno, ativo e saudável (Oliveira, 2015).
Schoffen e Santos (2018), a partir dos resultados de uma pesquisa, descrevem os relatos
de idosos sobre a importância dos grupos de convivência no seu cotidiano, destacando que este
público sente a necessidade de estar inserido no meio social, pois a qualidade do envelhecer
não está atrelada somente à boa saúde, mas à possibilidade de interação e apoio social que
encontram nesses espaços, superando situações de vulnerabilidade e exclusão social.
Os grupos de convivência, dessa forma, tornam-se espaços de socialização e
potencialização para as pessoas idosas que vivem em situação de risco e vulnerabilidade social.
Conforme Wanderbroocre et al. (2015), especialmente para as mulheres idosas, os grupos de
convivência têm um valor significante, pois permitem a elas saírem de suas casas,
possibilitando a prática de diversas tarefas lúdicas, construindo contatos sociais, que concedem
trocas de experiências. Assim, viabilizam um sentimento de bem-estar, diante de um território
com poucas oportunidades de lazer.
Os motivos que levam os idosos a participarem dos grupos de convivência são amplos,
como por exemplo: melhoria na saúde física e mental, por meio das práticas esportivas e o
entusiasmo em construir uma integração social com os participantes e profissionais (Santos,
2015). Sendo assim, esses locais de fortalecimento dos vínculos familiares e sociais geram a

71
sensação de pertencimento social e, assim, ampliam a qualidade de vida dos seus participantes.
Salienta-se que a qualidade de vida na velhice se constitui na tentativa contínua de
independência da pessoa idosa no seu último ciclo vital, pois o referido estágio da vida tem sido
encarado como cheio de limitações, principalmente físicas e psicológicas. Esta maneira de
conceber o envelhecimento conduz à diminuição da qualidade de vida do idoso, na medida em
que ocasiona inseguranças frente à capacidade funcional na velhice. Na contramão disso, os
grupos de convivência funcionam como estratégias para preservar as capacidades físicas e
cognitivas dos idosos, por intermédio das atividades oferecidas, dessa forma superando os
receios dos idosos quanto à velhice (Farias, Luza, Sousa, & Zampirolo, 2017).
Assim, os grupos de convivência se constituem com um importante espaço na promoção
do envelhecimento digno, pois possibilitam o alcance dos direitos fundamentais da pessoa
idosa. Contudo, é pertinente destacar os desafios e limitações que esses locais enfrentam no
contexto neoliberal, especialmente os grupos atrelados ao Estado padecem com a falta de
recursos materiais, humanos e a alta rotatividade de (Almeida & Ferreira, 2019). Diante disso,
debater o papel e a importância dos grupos de convivência não apenas sob a ótica psicossocial,
mas também dos direitos fundamentais, mostra-se essencial, principalmente em tempos
desafiantes, que refletem o sucateamento de políticas voltadas aos idosos.
Ampliando a discussão, Leles, Carlos e Paulin (2018) relatam que nos grupos de
convivência é possível observar que, por meio de um processo dinâmico e interativo, a
participação de idosos nas atividades realizadas desenvolve o senso de valorização e de
pertencimento social. Assim, a construção e ampliação desses espaços promotores da qualidade
de vida na velhice se mostra primordial.

5 Considerações finais

Esta pesquisa teve como objetivo investigar, por meio dos debates teóricos existentes,
quais as contribuições da participação de idosos nos grupos de convivência para a qualidade do
envelhecer. Os resultados apontaram que, perante o envelhecimento populacional, os grupos de
convivência tornaram-se locais essenciais para que os idosos desenvolvam seu potencial,
assegurando o bem-estar mental, físico e social, possibilitando a construção de vínculos
afetivos, desconstruindo assim, estereótipos sociais relacionados à inutilidade na última fase do
ciclo vital.
Os trabalhos analisados refletem as especificidades da velhice sob uma perspectiva
cultural, social, histórica e dinâmica. O elevado crescimento da população idosa no Brasil leva
estudiosos a tentarem compreender não somente as singularidades que permeiam a velhice e o
envelhecimento humanos, como também as oportunidades de um envelhecimento com
qualidade de vida, o que muito envolve os debates sobre os grupos de convivência para idosos.
Sabe-se que existem grandes desafios na efetivação dos serviços dos grupos de
convivência, principalmente no que tange a variedade das atividades oferecidas aos idosos. Por
outro lado, muitas pesquisas que enfocaram os grupos de convivência apontam que os idosos
consideram esses espaços como promotores do exercício da cidadania, de trocas de experiências
e de um envelhecimento ativo e saudável.
Assim, esta revisão da literatura, congruente às pesquisas analisadas, reafirma a

72
importância do debate acerca dos grupos de convivência para a garantia da qualidade de vida
dos idosos, principalmente, daqueles que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade
social e que dependem diretamente desses espaços para a construção de um envelhecimento
ativo.
No que tange os entraves da pesquisa é possível mencionar o recorte em relação às bases
de dados que pode não ter contemplado todo o universo de trabalhos sobre o tema investigado,
bem como o caráter teórico. Assim, sugere-se a realização de estudos empíricos que enfatizem
as concepções dos idosos frente à velhice, o envelhecimento e os grupos de convivência, bem
como que fomentem o reconhecimento dos serviços prestados por tais grupos como direito,
distanciando-se da percepção de assistencialismo.

Referências

Almeida, J. A. S. & Ferreira, N. C. (2019). A centralidade do Serviço de Convivência e


Fortalecimento de Vínculos no desenvolvimento dos programas socioassistencias: uma
experiência no CRAS “Campo Velho” (Trabalho de Conclusão de Curso). Faculdade do
Baixo Parnaíba, Chapadinha, Maranhão.
Araújo, G. M., Santos, L. N. L. (2019). Velhice e trajetórias: particularidades da
institucionalização na última fase do ciclo vital (Trabalho de Conclusão de Curso).
Faculdade do Baixo Parnaíba, Chapadinha, Maranhão.
Bassit. A. Z. (2011). Envelhecimento e Gênero. In E. V. Freitas & L. PY (Orgs.). Tratado de
Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Lei nº 8.842, de 04 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o
Conselho Nacional do Idoso e dá outras providenciais. Recuperado de
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /leis/l8842.htm.
Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto de Idoso e dá outras
providenciais. Recuperado de https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/
handle/id/70326/672768 .pdf?sequence=2.
Duarte, L. T. (2008). Envelhecimento: processo biopsicossocial. El portal de la
psicogerontologia. Recuperado de www.psiconet.com/tiempo/monografias /brasil.
Faleiros, V. P., & Afonso, K. A. (2008). Representações sociais da qualidade de vida na velhice
para um grupo de idosos do Projeto "Geração de Ouro" da Universidade Católica de
Brasília. Serviço Social & Realidade, 17, 39-46. Recuperado de
https://ojs.franca.unesp.br/index.php/SSR/article/view/2.
Farias, M. L., Luza, L. P., Sousa, B. A., & Zampirolo, E. R. (2017). Equilíbrio, mobilidade
funcional e qualidade de vida em idosos participantes e não participantes de um centro de
convivência. Sci. med. Porto Alegre, 27(4), 1-7. Recuperado de https://bit.ly/39mekuE.
Fundo de Populações das Nações Unidas. (2012). Envelhecimento no Século XXI: Celebração
e Desafio. Nova York; Londres. Recuperado de https://brazil.unfpa.org/pt-br/publications/
envelhecimento-no-século-xxi-celebração-e-desafio.
Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social (6a ed.). São Paulo: Atlas.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2018). Pesquisa Nacional por Amostra de

73
Domicílios Contínua - Características gerais dos domicílios e dos moradores 2017. Rio
de Janeiro: IBGE.
Leles, T. S., Carlos, M. M., & Paulin, G. S. (2018). A influência de grupos de promoção de
saúde no envelhecimento de idosos. Revisbrato, 2(2), 305-318. Recuperado de
https://revistas.ufrj.br/ index.php/ribto/article/view/13587/pdf.
Miranda, L.C., & Banhato, E. F. C. (2008). Qualidade de vida na terceira idade: a influência da
participação em grupos. Psicol pesq., 2(1), 69-80. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psipesq/v2n1/v2n1a09.pdf.
Neri, A. L. (2013). Conceitos e teorias sobre o envelhecimento. In L. F. M. Diniz, D. Fluentes,
R. M. Cosenza (Orgs.). Neuropsicologia do desenvolvimento: uma abordagem
multidimensional. Porto Alegre: Artmed. Recuperado de
https://www.larpsi.com.br/media/mconnect_uploadfiles/c/a/cap_016.pdf.
Oliveira, S. M. R. C. (2015). Um olhar sobre o processo do envelhecimento: a percepção do
idoso sobre a velhice em centros de convivência selecionados (Dissertação de Mestrado) –
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo. Recuperado de https://tede2. pucsp.br/handle/handle/3629.
Santos, A. R. S. (2015). Qualidade de vida e suporte social em idosos: comparação entre
participantes e não participantes de grupos de convivência (Dissertação de Mestrado) -
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal de Sergipe, São
Cristóvão. Recuperado de https://ri.ufs.br/handle/riufs/6014.
Schneider, R. H. & Irigaray, T. Q. (2008). O envelhecimento na atualidade: aspectos
cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Estudos de Psicologia, Campinas, 25,
585-593. Recuperado de https://www.scielo.br/pdf/estpsi/v25n4/a13v25n4.pdf.
Schoffen, L. L., & Santos, W. L. (2018). A importância dos grupos de convivência para os
idosos como instrumento para manutenção da saúde. Revisa, 7(3), 161-171. Recuperado
de http://revistafacesa.senaaires.com.br /index.php/revisa/article/view/317.
Wanderbroocke, A. C. N. S., Wiedemann, A. M. V., & Bussolin, C. (2015). Participação Social
e familiar de idosas vinculadas a um grupo de convivência de uma comunidade de baixa
renda em Curitiba-PR. Salud & Sociedad., 6(3), 212-222. Recuperado de
https://dialnet.unirioja.es/ descarga /articulo/6755301.pdf.
World Health Organization. (2005). Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília:
Organização Pan-Americana da Saúde. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
publicacoes/envelhecimento_ativo.pdf.
AUTONOMIA E EXPRESSÃO DO ADOLESCENTE ATRAVÉS DA ARTE NAS

74
MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM CRATEÚS-CE

Francisco Diego Melo da Silva

Maria Vitória Vasconcelos

Kevin Samuel Alves Batista

Adryssa Bringel Dutra

1 Introdução

De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde) a adolescência se caracteriza


pela a transição da infância para a vida adulta, manifesta em mudanças corporais, físicas,
emocionais, entre outras. Papalia, Olds, Feldman, Bueno & Frizzo (2006) situam o
desenvolvimento humano no qual a adolescência está inserida após a Terceira Infância (6 a 11
anos) e antes do Início da Vida Adulta (20 a 40 anos).
O período da adolescência é um estado particular e individual, sofrendo não apenas
pelos processos biológicos, mas também ambientais, sendo expressivos aspectos como
autonomia e identidade. Entretanto, a adolescência também é um produto histórico-cultural,
polimórfica e polissêmica. Em uma perspectiva sócio-histórica, a adolescência não é vista como
uma etapa “natural” entre vida infantil e a adulta. A adolescência, nessa perspectiva, é vista
socialmente como uma construção, com repercussões na subjetividade do sujeito moderno.
Neste prisma, a adolescência é um momento com significados, que ao longo da história são
interpretados e construídos pelos humanos. A abordagem sócio-histórica, quando estuda a
adolescência, não se questiona “o que é a adolescência”, mas “como se constitui historicamente
este período do desenvolvimento”, pois só é possível compreender qualquer agente a partir de
sua totalidade, na qual esse agente foi produzido, onde essa totalidade que o constrói lhe dá
sentido (Bock, 2007).
No Brasil, de acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), essa fase se inicia
aos 12 anos e segue até os 18 anos, que coincide com a maioridade penal brasileira (Amaral,
2007). Como resultado de uma construção sócio-histórico, os indivíduos que vivem em situação
econômicas precárias, passam por processos de precarização de suas vidas. Neste ponto reside
a periferização destas populações, quando relegadas, marginalizadas e criminalizadas. Ao
falarmos de construção, referimo-nos a observar e interpretar a realidade social, familiar,
econômica de adolescentes que, aquém da experiência da adolescência enquanto processos
biológicos e ambientais, são marcados pela adolescência como fenômeno social perpassada por
questões econômicas e classistas, e que esses fatores estão ligados diretamente com a violência
e exclusão pela qual os adolescentes estão expostos (Bock, 2007)
Levando em consideração que a família é o primeiro grupo de convívio social do
indivíduo, Lane (2006) diz que, através dessa interação que o sujeito garante sua sobrevivência
nos primeiros anos de vida e que implicará na trajetória, pois os indivíduos estão entrelaçados
à sociedade. Por isso, adolescentes que em seu desenvolvimento infantil sofreram algum tipo
de violência tendem a reproduzir também algum tipo de violência (Milani, 1999). Assim, todas
essas transformações advindas de condições sociais, históricas, políticas e culturais interferem

75
na subjetividade de cada indivíduo.
A exemplo expressivo destas realidades, está a execução das Medidas Socioeducativas
por adolescentes que cometeram atos infracionais, indivíduos este que não por acaso também
estão sob a égide das precarizações econômicas. Compreendemos através das literaturas
estudadas no decorrer da observação que, os indivíduos da classe menos favorecida é afeta em
diversas situações, não tem acesso ao básico para a sobrevivência, sendo considerados
marginalizados. Por tanto, é fundamental conhecer as formas de violência que estes
adolescentes estão vivenciando. Sabido que, cada adolescente traz consigo uma narrativa
histórica e de valores, em que, a relação com atos infracionais está ligada quase que diretamente
a fatores sociais, familiares, econômicos, entre outros. Com isso, o que distingue estes dos
demais adolescentes está correlacionado as “poucas oportunidades”, ressaltando que, os fatores
citados não são determinantes para tais atos criminais. (Moreira, Guerra & Drawin, 2017).
No vasto âmbito das políticas públicas se encontram as Medidas Socioeducativas, que
podem ser aplicadas como primeira medida antes que o jovem vá para uma instância de
internação ou como forma de progressão do regime voltada para adolescentes privados de
liberdade, conforme artigo 120 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Essas medidas são
aplicadas por um juiz com fins pedagógicos para que indivíduos infanto-juvenis possam
responder por suas infrações. O ambiente de semiliberdade tem como foco principal fazer com
que estes socioeducandos possam estar inseridos em seu meio social e de volta para sua esfera
familiar e comunitária (Barros, 2014), impossibilitando, parcialmente, a liberdade do
adolescente, ficando sob custódia do Estado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990,
fundamentado na Constituição Federal de 1988 nos Art. 227 e Art. 228 adveio com a proposta
de regulamentar os direitos sociais de crianças e adolescentes. No que se refere aos
adolescentes, o ECA indica corresponsabilidade da sociedade civil junto ao Estado para
promover condições adequadas para seu desenvolvimento, levando em conta um conjunto de
contextos, através do paradigma de proteção, preocupando-se com o desenvolvimento integral
de todos, mas com um olhar mais profundo sobre aqueles que se encontram em situação de
risco social ou pessoal (Araújo & Oliveira, 2010).
Infelizmente, algumas instituições do sistema público de atendimento a adolescentes em
risco social, como sistemas de saúde, assistência social e atendimento para menores, como
exemplo dos que cometeram infrações, vivendo fora da família e da escola, nas ruas e em outras
condições de vulnerabilidade podem sustentar práticas e visões preconceituosas e reducionistas.
Os adolescentes são catalogados como “coitados”, vítimas de uma infância e uma adolescência
“divergente”, estigmatizados e sem muita perspectiva para/com seu futuro (Oliveira, 2006). Em
outras palavras, conserva-se dentro dessas intuições a crença e valores que estão presente no
Código do Menor, de 1929. E demais legislações retrógradas, anteriores ao ECA.
Diante do anteposto, este relato de experiência objetiva a partir da aproximação da rotina
de um Centro Socioeducativo de Semiliberdade, compreender as relações entre adolescência,
arte e cumprimento de medidas socioeducativa na execução do sistema socioeducativo no
município de Crateús, Ceará.

2 Metodologia
Para a elaboração deste relato de experiência, foi utilizada uma revisão narrativa de

76
literatura, buscando trazer um relato de literatura em uma visão geral; e para coletas de dados,
a técnica por Observação Participante. O método da observação Participante é realizado em
contato direto, frequentemente é prolongado do investigador com atores sociais, nos seus
contextos culturais, pela a qual o observado participa ativamente das atividades de
reconhecimento dos dados. A observação participante é uma ferramenta que nos possibilita
compreender novas e determinadas situações e interações de um grupo de participantes em que
se encontra o pesquisador. (Marques, 2016). Isso ocorre para que, os profissionais que estejam
inseridos neste contexto de equipamento possam acompanhar, elaborar e aprimorar seus
conhecimentos, tal como mapa de atividades e outros detalhes institucionais, utilizando da
metodologia de Intersetorialidade, pois, as Medidas Socioeducativas são aplicadas com fins
pedagógicos.
Para tanto, o presente trabalho se configurou a partir da participação dos pesquisadores
em encontros na instituição de Semiliberdade no município de Crateús-Ce, na disciplina de
Práticas Integrativas II do curso de Bacharelado em Psicologia da Faculdade Princesa do Oeste,
que compôs de 20 (vinte) horas de trabalho de campo, divididas em 5 (cinco) visitas com 4
(quatro) horas de duração cada. De forma ativa participamos juntos aos adolescentes em
diversos momentos em que à arte foi utilizada como método de construir as expressividades de
cada socioeducandos. Em nossas observações, buscamos atentar para as possíveis contribuições
da arte na ressocialização de adolescentes em conflito com a lei.
A primeira ocasião transcorreu na confecção de decorações para enfeitar o ambiente da
instituição, reforçando a interação entre todos pois a conviver é importante para fortalecer os
vínculos diante das diversas dificuldades enfrentadas nas medidas socioeducativas. A segunda
ocasião transcorreu em uma aula de Muay-Thai educativa, com o objetivo de apresentar para
os adolescentes a importância do respeito, disciplina e compromisso para com os demais
colegas. Neste dia todos os colaboradores da instituição participarão, o encontro foi alegre,
divertido e prazeroso. A terceira ocasião transcorreu no ensaio dos socioeducandos para
apresentação musical no grupo “Abraço em Família”, pudemos através das músicas escolhidas
observar outras habilidades que os mesmos não as identificavam. A quarta ocasião transcorreu
na exposição de algumas pinturas realizadas pelos adolescentes em medidas socioeducativas no
II Simpósio Regional de Saúde Mental dos Sertões de Crateús, na Faculdade Princesa do Oeste.
As telas expressavam desejos de liberdade, e que estar em um evento como protagonistas da
noite fortalece a importância de acolhermos esses adolescentes e produzir assim novos
reforçadores positivos.
Para embasar nossas percepções através das observações, buscamos pesquisas através
da legislação vigentes que regem o âmbito das políticas públicas pela a qual se encontram os
serviços socioassistenciais, em específico o serviço de Medidas Socioeducativas, assim como,
a arte como importante medida de reprodução do ser social, desempenho da criatividade,
autoestima, autonomia, entres outros.

3 Resultados e Discussões

O Centro Socioeducativo de Semiliberdade de Crateús está localizado à 353km de


Fortaleza, na rua Dr. Júlio Lima, 2251, Bairro Fátima II. Abrange 12 municípios dos Sertões
de Crateús. O objetivo é atender adolescentes, de 12 a 18, excepcionalmente até os 21, autores
de atos infracionais, sendo assim, encaminhados através de ordem judicial da comarca da

77
região.
Atualmente, o prédio tem capacidade para atender 25 adolescentes, 20 espaços para o
sexo masculino, e 5 para o sexo feminino. A divisão dentro da casa ocorre por, “Casa de José”,
espaço destinados aos adolescentes masculino, e, “Casa de Maria”, espaço destinado às
adolescentes femininas; sala de música, com violões, teclado dentre outros instrumentos; sala
de informática; refeitório; campo de futebol improvisado pelo os próprios adolescentes; sala de
direção e equipe técnica.
Superando noções marcadas por um modelo de correção repressiva e assistencialista,
seguimos novos passos diante de um momento histórico que se caracteriza pelos princípios
norteadores e universais do respeito aos direitos humanos. De início, para compreender o
trabalho das medidas socioeducativas, é preciso ter uma breve compreensão do conjunto
narrativo do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE - através do Art.3 da
Lei N° 12.549, que regulamenta as medidas em semiabertos. O SINASE é ordenado por
princípios, regras e critérios, com características jurídicas, políticas, pedagógicas, financeiras e
administrativas, que abrangem desde a apuração, formulação e execução da política nacional
de atendimento em medidas socioeducativas. Inclui neste processo os sistemas estaduais,
distritais e municipais, assim como, todas as políticas, planos, e programas especificamente de
atenção para e com esse público (Silva, 2019). Baseia-se nos princípios de legalidade,
prioridades as medidas restaurativas, individualização, não discriminação ao adolescente,
fortalecimento de vínculos familiares e comunitário, oferecendo ao educando atividades
esportivas, pinturas, aulas de músicas, grupos de apoio psicopedagógicos, dentre outros.
(Araújo & Oliveira, 2010).
Todos os profissionais que acolhem os adolescentes, devem ter postura de respeito, para
que possa se iniciar a criação de vínculos positivos, podendo então observar as condições
externas do adolescente, como família e comunidade, garantindo, assim, os direitos dos
adolescentes, que de alguma forma já tem os mesmos violados socialmente.
Neste contexto, a arte consegue construir nos indivíduos uma maneira única de despertar
outras visões para o seu próprio sentir, podendo encontrar nas formas artísticas simbologias
para os seus sentimentos, gerando assim uma ampliação do conhecimento pessoal diante dos
modos de sentir. No âmbito das medidas socioeducativas, a arte contribuir na humanização do
adolescente que cumpre medida, por meio das diversas linguagens e mecanismo que ela
proporciona, expondo o que há de mais profundo dentro de si (Maia & Bertazzo, 2014).
Neste âmbito, a arte se apresenta como uma possibilidade de atuação na composição do
cumprimento das medidas socioeducativas junto aos adolescentes. Prates (2007 como citado
em Silva, 2019, p.30), relata que, a arte expressa concepções históricas e valores, sentimentos
e significados atribuídos aos fenômenos pelas pessoas que os interpretam e os vivenciam e
modos de vidas. As expressões sobre a cultura podem possibilitar aos adolescentes que vivem
uma realidade vulnerável, um olhar abrangente do concreto provendo ferramentas para que
possa aflorar sua criatividade, autoestima, idealização de mundo e criatividade (Silva, 2019).
Como desafio enfrentado no contexto de Semiliberdade, está o preconceito social,
comunitário e familiar. Tendo oportunidades negadas, são poucos os que conseguem um
emprego considerável e outros infelizmente continuam em situação de miséria, em que, quando
surge uma oportunidade são obrigados a aceitar a diversificadas formas de exploração (Silva.
2019). A discriminação faz com os adolescentes se distanciam da autoestima, esperança e
valorização da vida de acordo com o vínculo social. Adorno (1991 como citado em Silva, 2019,
p. 18) cita que, as causas da criminalidade se colocam nas distorções da estrutura
socioeconômica da sociedade. Segundo Becker (2017 como citado em Silva, 2019 p. 18), a

78
sociedade é um conjunto que funciona em harmonia, somente com grupos mais bem adaptados.
A ideologia indica como ver, viver e o que vale a pena ser vivido, onde o adolescente tem que
assimilar e construir sua identidade, ser reconhecido e conquistar seu espaço no meio social.
A frente de reproduções taxativas de criminosas, as oficinas com atividades envolvendo
a arte traz para nós algo altamente relevante para o ambiente social desses sujeitos. Através de
estudos feitos por vários autores sobre a adolescentes infratores de acordo como as medidas e
atividades cabíveis de acordo com cada delito cometido, pode-se destacar um guia das medidas
socioeducativas, que de acordo com Mothé (2002 como citado em Silva, 2019, p. 32), se faz
necessário um plano individual ao atender a esses socioeducandos, sem deixar de lado a política
de ação e renda e dos benefícios para que esse sujeito e para toda a comunidade.
A Arte em meio educativo, tem como caráter representar situações de sofrimento do
indivíduo, pelo o qual, visa desenvolver no adolescente em cumprimento da medida a
sensibilidade, imaginação, equilíbrio, autodisciplina e suas limitações, reconstruindo a si
mesma, buscando a reflexão tanto para quem está realizando quanto para quem está
contemplando (Cunha, Ruaro & Assini, 2018). A arte, neste aspecto, possibilita formas de
integração social, reconstruindo projetos de vida, auxiliando no desenvolvimento do
adolescente. Deste modo, visa fortalecer o desenvolvimento da autoestima e criatividade, visto
que à arte pode ser um dos mecanismos de socialização (Maia & Bertazzo, 2014).
No contexto observado, foi possível conhecer diversas formas de arte e estímulo à
expressão artística, por exemplo, a pintura, aulas de violão, desenhos, dentre outras atividades.
Atividades estas que objetivaram espaços de protagonismo, cultura e autonomia aos
adolescentes da unidade, ampliando à autoestima. Quando um adolescente estar em
cumprimento de uma medida socioeducativa e tem a oportunidade de se expressar através do
universo artístico, ele desenvolve a capacidade de deixar fluir a criatividade, tornando-se
proprietário de uma ferramenta que dá a oportunidade de pensar e se ver como pessoa. (Maia
& Bertazzo, 2014).
Conseguimos participar de alguns momentos em que os socioeducandos produziram
artes em várias expressões. Em um dos encontros, participamos junto aos adolescentes na
pintura e confecção dos materiais para ornamentação da instituição. Neste momento,
percebemos motivação, alegria, diversão entre todos, bem como envolvimento na atividade.
Em outro momento, participamos da aula de música e violão, em que, os adolescentes
conseguem desenvolver habilidades musicais. Em outro, participamos da atividade de Muay-
Thai, houve muita diversão, risadas, e, uma breve fala sobre a disciplina e respeito que devem
existir nas lutas. Diante disso, notamos a importância de desenvolver com os socioeducandos
atividades que sejam produtivas, e que, os adolescentes as realizem de forma espontânea.
Também, tivemos o privilégio de participar de uma exposição das produções em tela dos
socioeducandos e a testemunhamos a presença de dois socioeducandos recebendo os méritos e
reconhecimento de suas obras pelo público que conferiu a exposição como parte do II Simpósio
Regional de Saúde Mental dos Sertões de Crateús, realizado na Faculdade Princesa do Oeste
(FPO) em junho de 2019.
Por meio do contato com essas produções, o adolescente em medidas socioeducativas
exercita suas capacidades sensitivas, cognitivas, imaginárias e afetivas, que se organizam em
torno da aprendizagem estética e artística. Em um mesmo intervalo de tempo, seu corpo se
movimenta, olhos e mãos adquirem habilidades, enquanto desenvolvem atividades em que
relações interpessoais atravessam a convivência social o todo momento. (Maia & Bertazzo,
2014).
Estas estratégias que buscam promover a autonomia, liberdade, criatividade, bem como

79
a força de expressão de cada adolescente, o que está pautado no Art.124 do ECA, o qual
estabelece o direito dos adolescentes a ter acesso a cultura, lazer, e, até mesmo ao ensino
profissionalizante (Cunha, Ruaro & Assini, 2018). A arte, que não tem caráter julgador e
discriminatório, possibilitando aos adolescentes expressar seus sonhos, objetivos, liberdade de
expressão, proporcionando a sua construção humana e também social.
Esses adolescentes em medidas socioeducativas, ao terem contato mais direto com a
arte, podem trabalhar suas percepções, desenvolver sua capacidade crítica, se permitir analisar
a realidade percebida e, assim, ampliar a criatividade que até então não tinha a oportunidade de
aflorar. A arte possibilita para eles alternativas que estejam dispostas a apoiar e dar suporte em
seus recomeços. Por isso, as práticas dentro da medida socioeducativa devem estar intimamente
centradas em ferramentas de reintegração social, com o intuito de recuperar o indivíduo que
está sob custódia do Estado, procurando preparar o adolescente para retorno afetivo de sua em
vida em sociedade (Maia & Bertazzo, 2014).
As observações realizadas para este relato de experiência nos fizeram refletir que
trabalhar no campo das políticas públicas exige das/dos profissionais um conjunto de
habilidades e conhecimentos que ultrapassam o projeto da formação que os cursos de
graduação, em geral, têm oferecido (CREPOP, 2007). Abordando especificamente as políticas
trabalhadas no Semiliberdade, a equipe técnica atua na preparação do adolescente para além
das medidas dentro da instituição. E nesta atuação, a arte é uma forma de estímulo a expressão,
contribuindo para o crescimento desses adolescentes em circunstâncias em que a sua liberdade
é privada e ampliando as formas profícuas de intervenção, com o propósito de haver
possibilidades de mudanças para se reintegrar na sociedade (Maia & Bertazzo, 2014).

4 Conclusão

O sistema socioeducativo do estado do Ceará reproduz uma história similar com o


trajeto dos demais Estados do Brasil, resguardadas às divergências regionais existentes.
Transpondo de noções antigas, marcadas por um modelo de correção, repressiva e
assistencialista, seguimos novos passos diante de um momento histórico que se caracteriza
pelos princípios norteadores e universais do respeito aos direitos humanos.
Nestes caminhos, os profissionais atuantes em unidades de medidas socioeducativas,
devem considerar a subjetividade e produzir suas intervenções a partir de compromisso ético-
político com a garantia dos direitos do adolescente, preconizados no ECA, a partir do qual, suas
práticas profissionais se dão em contexto interdisciplinar. A realização de oficinas com
adolescentes que cumprem as medidas socioeducativas, trazem indícios que, ações mediadas
repassam a eles aspectos que criam uma ponte para comunicação uns com os outros,
entusiasmos, diversão, conhecimento, bem como, incentivo para participar dessas oficinas a
favor de um aprendizado diferenciado, através de um olhar que os motivem para que eles
possam deixar de lado as divergências e possam se sentir acolhidos para se ressocializar (Silva,
2019).
Com isso, sabemos que, as vivências nos possibilitam variadas formas de
aprendizagens, reflexões e trocas pessoais. Na exposição realizada no II Simpósio de Saúde
Mental em 2019, em que, os adolescentes saíram da unidade para expor suas artes e falar sobre.
Percebemos nas pinturas e desenhos o desejo de liberdade, expressos em figuras simbólicas
como: uma gaiola e pássaros voando; em outro, desenho de casas e prédios, com o nome
LIBERDADE. Compreendemos através disso a realidade de desejos que os cercam, em buscar

80
na pintura, desenhos a autonomia e liberdade de expressar, de possibilidades profissionais.
Encontra na arte uma forma de se “refazer” diante aos julgamentos da sociedade.
Para promover a recuperação do sujeito é necessário ofertá-lo uma nova perspectiva
para que o mesmo possa sentir-se acolhido com o intuito de reestruturá-lo integralmente e
socialmente, principalmente o adolescente que se encontra em atrito com a família, sociedade
e até mesmo suas emoções. Um método relevante para alcançar essas possíveis transformações
acontece através da arte, que pode ser expressa de diferentes maneiras como, música, escultura,
artesanato, pintura, danças e entre outras. É preciso que haja maior engajamento para
desenvolver projetos sociais com o intuito de influenciar crianças e adolescentes, os mostrando
o encanto das artes como uma maneira de prevenir a delinquência, evitando que, esses sujeitos
possam se aprofundar na criminalidade, pois ao utilizar da arte podemos levar pessoas além de
suas imaginações e emergir suas criações, expressões e emoções.
A finalidade da utilização da arte é, diante das reproduções discriminatórias e
segregativas, desenvolver a sensibilidade, imaginação, minimizando assim, as barreiras sociais
e os colocando novamente como membro da sociedade. Na maioria das vezes, ao cessar o tempo
de cumprimento da medida, os adolescentes são excluídos, não sendo oferecido nenhuma
oportunidade de trabalho ou crescimento pessoal e profissional. Faz com o sujeito perceba uma
forma de vida diferente. Os avanços são lentos e é necessário ter um olhar crítico e uma escuta
afetiva para que os adolescentes em conflito com a lei possam se reencontrar consigo mesmo,
para conviverem com os demais. (Burlamaque & Ormezzano, 2009)

Referências

Amaral, Vera Lúcia do. (2007) A Psicologia da Adolescência. Programa Universidade a


Distância. Recuperado
de: ead.uepb.edu.br/arquivos/cursos/Geografia_PAR_UAB/Fasciculos%20-
%20Material/Psicologia_Educacao/Psi_Ed_A05_J_GR_20112007.pdf

Araújo, Cláudio Márcio de, & Oliveira, Maria Cláudia Santos Lopes de. (2010). Significações
sobre desenvolvimento humano e adolescência em um projeto socioeducativo. Educação
em Revista, 26(3), 169-193. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/S0102-
46982010000300009

Barros, João Paulo Pereira. (2014) Psicologia e Políticas Sociais. ECOS, v. 4, p. 157-170, mai.

Bock, Ana Mercês Bahia. (2007). A adolescência como construção social: estudo sobre livros
destinados a pais e educadores. Psicologia Escolar e Educacional, 11(1), 63-76.
Recuperado de: https://doi.org/10.1590/S1413-85572007000100007

Burlamaque, Fabiane Verardi, & Ormezzano, Graciela René. (2009). A Leitura e a Arte como
Medidas Socioeducativas. Anais do SILEL, v.1.

Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.
Cunha, H., Ruaro, R. & Assini, T., (2018). A Relação da Arte Com os Adolescentes em Conflito

81
com a Lei: Uma Pesquisa-Ação no Município de Cascavel-PR. In: Revista Educação, Artes
e Inclusão, 14th ed. Cascavel-PR, pp.108-128.

Maia, Maria Linduina Mendes, & Bertazzo, Anagali Marcon. (2014). Arte no Cárcere:
Instrumento de (re) Integraçao Social e Humanizaçao da Pena. Direito, Arte e Literatura,
386-403.

Marques, A. (2016). “Observação Participante” na Pesquisa de Campo em Educação.


Educação em Foco, n.28, p. 263-284, mai./ago.

Milani, Feizi M. (1999). Adolescência e violência: mais uma forma de exclusão. Educar em
Revista, n°15, Curitiba-PR.

Moreira, Jacqueline de Oliveira, Guerra, Andréa Maris Campos, & Drawin, Carlos Roberto.
(2017). Violência Juvenil e Medidas Socioeducativas: Revisão de Literatura. Psicologia:
Teoria e Pesquisa, 33, e3337. Epub October 16, 2017. Recuperado de:
https://doi.org/10.1590/0102.3772e3337

Oliveira, Maria Claudia Santos Lopes de. (2006). Identidade, narrativa e desenvolvimento na
adolescência: uma revisão crítica. Psicologia em Estudo, 11(2), 427-436.
https://doi.org/10.1590/S1413-73722006000200022

Oliveira, L., & Carreira, D. (2016). A Educação Popular em Contextos de Privação de


Liberdade: a Arte-Educação na fundação Casa. Revista e-Curriculum, 14(2), 414 - 436.
Recuperado de http://revistas.pucsp.br/curriculum/article/view/27665

Papalia, D., Olds, S., Feldman, R., Bueno, D. and Frizzo, G., (2006). Desenvolvimento Humano.
Porto Alegre: Artmed.

Referências Técnicas para atuação do(a) psicólogo(a) no CRAS/SUAS. Brasília-DF. (2007)

Lane, Sílvia Tatiana Maurer. (2006) O que é Psicologia Social. (Coleção Primeiros Passos, 39)
São Paulo: Brasiliense.

Lei Federal n. 8069, de 13 de julho de 1990 (2015). ECA Estatuto da Criança e do Adolescente.

Silvia, Vânia Rocha da. (2019). A Arte como Processo de Transformação Social dos
Adolescentes em Conflito com a Lei. Vilhena-RO.
EXPERIÊNCIAS COM ADOLESCENTES EM MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS:

82
PISTAS PARA A FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA

Carla Jéssica de Araújo Gomes


Larissa Ferreira Nunes
Antônio Gabriel Miranda da Silva
Isadora dos Santos Alves
João Paulo Pereira Barros

1 Introdução

Em um cenário visível de formatação de uma necropolítica, em que se opera tecnologias


a favor da ficcionalização de inimigos e do estado de exceção permanente (Mbembe, 2017),
adolescentes em conflito com a lei têm sido uma das principais personificações desses inimigos,
constituindo-se, assim, segundo Barros (2019) em emblemas de uma necropolítica à brasileira.
No contexto cearense, esses jovens e adolescentes que encarnam a figura do inimigo social,
tidos como (potencialmente) perigosos, são rotulados popularmente de “envolvidos” e têm
atribuídos a si características inerentes de monstruosidade (Benício et al., 2018; Barros, 2019).
A literatura estudada e os perfis mais vitimados no Brasil recorrentemente apontados
pelos Atlas da Violência (Cerqueira et al, 2019) e pelo Fórum de Segurança Pública (2019)
apresentam o que Wacquant (2007) chama de penalização da pobreza dos “criminosos em
potenciais”. Contudo, além da classe, outros marcadores são destacados como raça, gênero e
idade. Portanto, esses marcadores atuam de forma interseccional e personificam quem mais
morre nesse contexto sacrificial (Barros, Cavalcante, Nunes, & Sousa, 2019). Segundo Alencar
(2019), adolescentes e jovens negros das periferias do capitalismo de Fortaleza-CE são os mais
atingidos, sobretudo adolescentes a quem se atribui a autoria de ato infracional1, haja vista a
sua associação histórica à ideia de perigo e culpabilização pela violência (Lemos, 2013; Paiva
& Oliveira, 2015), em que se urge a morte ou a supressão da vida de tais sujeitos a partir das
expressões necropolíticas (Barros et al., 2019).
Pinheiro (2018), Sousa (2019), e Cavalcante (2019) ao caracterizar o cenário de
constituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a implementação das medidas
socioeducativas, trazem à tona o esforço, ao concretizar tais políticas, da reformulação de um
ideário social pautado em práticas punitivistas e normalizadoras de crianças e adolescentes,
sobretudo aqueles em que se atribuía o cometimento de ato infracional. Apesar disso, as autoras
refletem o quanto as práticas socioeducativas, embasadas eminentemente nos discursos “psi”,
acabam por reproduzir lógicas normativas, menoristas e criticadas no cenário de debate da
configuração do ECA, ao atribuir ao sujeito as possíveis “causas” do desvio da lei, legitimando,

1
A utilização da denominação “adolescentes e jovens a quem se atribui a autoria de ato infracional” sustenta-se
na compreensão de que estar em cumprimento de medida socioeducativa não quer dizer que necessariamente o
jovem/adolescente cometeu algum ato infracional. Além disso, não cabe a este trabalho investigar se os
participantes cometeram ou não algum ato infracional, nem condená-los ou naturalizar a condição de “jovens
infratores” atribuída a eles (Cavalcante, 2020).
assim, práticas restauradoras que controlam as vidas das crianças e adolescentes. Em suma, o

83
problema social é localizado no sujeito, eximindo a responsabilidade estatal e social, além de
reiterar práticas culturais entremeadas pela lógica neocolonialista, ou seja, racista, generificada
e classista (Cavalcante, 2020). Mais uma vez, reitera, assim, a produção ficcional do
“adolescente infrator”, corporificado na categoria abjeta “envolvido” e aniquilado pela
necropolítica (Barros et al., 2019; Barros, 2019).
Nesse contexto, em que se urge a importância de refletir acerca dos direitos humanos e
das estratégias de enfrentamento à violência brasileira para delinear uma proposta de
socioeducação, assim como também de uma psicologia que atue de forma não hegemônica
nessa área, o projeto de extensão “Histórias Desmedidas” surge em 2016 com o intuito de
desnaturalizar processos pautados em um ideário que tolera e reforça a aniquilação de sujeitos
naturalizados como periculosos, o que, por sua vez, tem resultado em violações históricas de
direitos sociais, vivências de violências e assujeitamentos juvenis. Vinculado ao VIESES:
Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação, ligado ao
Departamento de Psicologia e ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Ceará (UFC), o projeto atua, em uma das suas frentes, na construção de espaços de
problematização com adolescentes/jovens em Fortaleza-CE que estão em cumprimento de
medida socioeducativa acerca de suas trajetórias e perspectivas de vida.
Nesse sentido, o presente trabalho se norteia em dois questionamentos, a saber: a. Que
pistas as experiências do Histórias Desmedidas nos fornece para pensar os desafios e as
possibilidades da atuação da psicologia no campo dos Direitos Humanos, especificamente junto
a jovens em cumprimento de medida socioeducativa?; b. Que requisitos para a formação em
psicologia podem ser pensados a partir dos fazeres que a própria psicologia já tem delineado
nesse campo? Para tanto, temos como objetivo desse artigo problematizar pistas para a atuação
e formação em psicologia em sua atuação com jovens e no campo de direitos humanos. Essa
reflexão terá como ponto de partida cenas das atividades grupais com jovens durante a atuação
do Histórias Desmedidas nos anos de 2018 e 2019, destacando suas contribuições para a
formação e atuação da Psicologia no âmbito das políticas públicas, sobretudo as práticas com
jovens e adolescentes em medidas socioeducativas, evidenciando suas apostas ético-estético-
político nesse campo. Do ponto de vista teórico, norteamos-nos a partir de autores e autoras da
Psicologia Social em seus diálogos transdisciplinares com o teóricos pós-estruturalistas, críticos
à colonialidade e aportes feministas.

2 Método

Metodologicamente, o Histórias Desmedidas se propõe a criar dispositivos grupais na


forma de oficinas para discutir e desnaturalizar temas ligados à condição juvenil na
contemporaneidade, à responsabilização juvenil e ao campo dos direitos humanos, por meio da
construção de espaços coletivos de problematização junto a adolescentes e jovens que estão em
cumprimento de medida socioeducativa de meio aberto. A equipe extensionista do Histórias é
formada por docentes e alunos de graduação e pós-graduação do curso de Psicologia.
Entre setembro e dezembro de 2018, foram realizadas 12 oficinas, sendo destas 6
temáticas, 3 de vídeo e 3 de graffiti, 1 encontro de abertura e 1 encontro de encerramento. As
oficinas tiveram frequência semanal e contaram com a participação de 16 jovens (todos do
gênero masculino e entre 15 e 18 anos), incluindo adolescentes e jovens em cumprimento de
medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA), familiares (1 irmão) e egressos do sistema
socioeducativo do estado do Ceará no Centro de Referências Especializado de Assistência

84
Social (CREAS) da Regional V.
Em 2019, entre setembro e dezembro, foram realizados 14 encontros com frequência
semanal no mesmo CREAS do ano anterior. Neste outro grupo, participaram jovens e
adolescentes que estavam em cumprimento de LA, familiares desses jovens, profissionais da
rede de assistência social e egressos do sistema socioeducativo cearense. Dos 14 encontros, 12
foram destinados a realização de oficinas temáticas, 1 para abertura e a 1 para o encerramento
do grupo. No total, participaram 9 adolescentes entre 15 e 17 anos (8 do gênero masculino e 1
do gênero feminino2), 5 familiares (3 mães, 1 irmão e 1 irmã) e 6 profissionais do CREAS.
Apesar das atividades grupais terem sido pensadas inicialmente somente para os
adolescentes, ao observarmos a presença de acompanhantes desses jovens, ampliamos as
atividades a esse público. Durante a construção dos grupos, nos dois anos, atuamos em parceria
com o projeto de extensão “Traficando Saberes”, ligado ao Laboratório de Estudos da Violência
(LEV) e ao Departamento de Ciências Sociais da UFC. Dessa forma, pactuamos a realização
conjunta das oficinas, visando possibilitar uma atuação interdisciplinar. Estabelecemos a
parceria também com a Organização Não Governamental (ONG) Visão Mundial em 2018 e
2019 e com o Centro Cultural Bom Jardim em 2019, os quais colaboraram a partir de um apoio
logístico que possibilitou o transporte para as oficinas externas e a compra de lanches. Além
disso, em 2019, contamos com a parceira de coletivos juvenis periféricos, o Natora e o DeRocha
Audiovisual. A parceria com a equipe de profissionais do CREAS também foi essencial, pois,
além de participarem de algumas oficinas, os profissionais ajudaram na mobilização dos
adolescentes e cederam um espaço físico na instituição para o grupo.
A definição dos temas das oficinas ocorreu processualmente no decorrer dos grupos, a
partir do diálogo entre equipe extensionista, parceiros e os interesses dos adolescentes, jovens
e familiares participantes do grupo. Formulamos nossas discussões a partir de filmes, músicas
e poesias, e, também, pela produção de fanzines, colagens, raps, vídeos e graffitis. No caso das
oficinas de vídeo, graffiti e rap, foram convidados artistas das periferias para facilitarem junto
a equipe de extensionista tais encontros. As oficinas se dividiram entre oficinas internas e
externas ao ambiente do CREAS, sendo as externas constituídas por momentos de visitas a
espaços culturais potentes quanto à produção de arte e vida, como a visita à exposição “Nomes”3
e a participação no videoclipe da música “Vaticínio”, da dupla de rap Subconsciente em Pauta,
em 2019.
As ferramentas metodológicas utilizadas nas oficinas buscaram priorizar diálogos e
troca de saberes entre todos participantes do grupo, e lançavam mão, para tanto, de dispositivos
artísticos. Nesse sentido, privilegiamos uma atuação que possibilitava a todos os sujeitos a sua
inserção no jogo discursivo como também construtores de saberes sobre si e sobre o mundo,
visando à quebra da lógica de caráter hierárquico e verticalizado "que aponta para o exercício

2
Ao longo do texto continuaremos nos referindo ao masculino por se tratar da maioria que compunham o grupo,
mas ressaltamos que não temos o intuito de apagar a participação ou silenciar as vozes femininas.
3
Organizada pelo Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará e pelo grupo Mães do Curió, a exposição
“Nomes” reuniu memórias, fotos e vídeos que tentaram contar um pouco das trajetórias dos jovens e adolescentes
assassinados na Chacina do Curió em 2015. Nessa Chacina, 11 pessoas foram mortas, constituindo-se, até 2018,
como a maior chacina do Ceará. As investigações indicaram que os policiais militares acusados de envolvimento
na chacina agiram por vingança pela morte do policial Valtemberg Serpa, que foi assassinado durante uma tentativa
de assalto no Bairro Lagoa Redonda.
de um poder de intervenção/submissão do outro ao saber psi." (Silva & Carvalhaes, 2016, p.

85
252).
Os momentos das oficinas foram registrados por meio de diários de bordo (Barros &
Passos, 2015). Nossos grupos se orientaram por um viés próximo ao que Barros (1997),
utilizando-se de uma leitura deleuziana de Foucault, coloca de que grupos podem se constituir
como dispositivo4. O dispositivo-grupo, entendido por Barros (1997) como uma ferramenta de
intervenção que pode atuar no coletivo de forças presente na produção de subjetividades, tem
o potencial de, além de gerar tensionamentos, possibilitar, por meio de rupturas e de produção
de novos agenciamentos, outros modos de se relacionar com tal realidade. Dessa maneira, o
dispositivo-grupo (Barros, Silva, & Gomes, 2020) atua na promoção de agenciar nos
participantes do grupo a produção micropolítica de processos de singularização, os quais, por
meio de movimentos de criação e de recusa às serializações que constituem a subjetividade
capitalística, ensejariam a invenção de novos “territórios existenciais” (Guattari, & Rolnik,
2005).

3 Resultados e Discussão

A partir das experiências das atividades grupais, de modo geral, foi possível refletir
sobre alguns requisitos e/ou pistas para a formação em psicologia no atual contexto cearense,
sobretudo a partir de alguns relatos trazidos pelos jovens nas oficinas temáticas, tais como:
vivências de restrição de circulação pela cidade, conflitos territoriais, violações de direitos,
racismo e violência institucional durante abordagens policiais e a sensação de iminência de
morte.
Os números de homicídios dos segmentos juvenis moradores da periferia de Fortaleza
têm crescido nos últimos anos (Ceará, 2019), sendo os jovens negros as principais vítimas. Um
dos jovens do grupo de 2018 expressou uma vez para se referir ao que era ser jovem no bairro
dele: “Quase ninguém passa dos 18. Você não vê mais ninguém ficando velho, idoso”.
Considerando esta fala e outras as narrativas compartilhadas nas oficinas, apontamos como uma
primeira pista à psicologia que pretende atuar nesse contexto: problematizar o racismo
estrutural que atravessa as trajetórias de vida de adolescentes que residem em bairros pobres
enquadrados como possíveis suspeitos por sua cor de pele, fato este que afeta também a saúde
mental desses jovens por passarem por situações constrangedoras, desumanas ou por terem a
possibilidade da morte como algo iminente por serem o perfil que mais morre.
Outra situação compartilhada pelos participantes do grupo foram as vivências com
violência institucional devido aos estereótipos de envolvido (Barros, 2019). Um dos jovens do
grupo de 2018 compartilhou: “Não deixaram eu me matricular numa escola porque eu tenho
tatuagem e porque já fui preso. Eles falaram que eu era má influência”. Além disso, vivências
envolvendo mais especificamente violência policial também surgiram nos grupos tanto de 2018
como de 2019: “A gente tenta conversar de boas com eles (policiais), mas eles já vão levantando
a voz pra cima da gente”; “Se o pessoal desses condomínio (da área nobre da cidade) passasse
um tempinho na favela, iam pedir penico, não iam aguentar”. Essa lógica criminalizante e de

4
Segundo Deleuze (1990), dispositivo é uma espécie de novelo composto por linhas de natureza diferentes e que
não se limitam ou se homogeneizam. Eles têm por componentes as linhas de enunciação, de visibilidade, de força,
de subjetivação, de fissura e de fractura que se entrecruzam e se misturam. Podem estar divididas em dois grupos,
sendo elas: linhas de sedimentação e linhas de estratificação.
culpabilização desses jovens atualizam dispositivos da periculosidade que produzem a figura

86
do sujeito infrator (Coimbra, 2001), regionalmente falando, o "envolvido" (Barros, 2019).
Tais vivências nos apontam mais duas pistas: 1. pensar a produção de subjetividades de
modo que não recaia num prisma individualizante, considerando as práticas institucionais em
seus efeitos de saber-poder-Subjetivação; 2. escutar essas histórias naquilo que as conectam e
as singularizam a outras histórias e ao plano coletivo de forças em seus contextos socioculturais
se constitui.
Além disso, segundo os jovens e familiares, as abordagens policiais, por exemplo,
tornavam-se ainda mais ostensivas quando se descobria que era atribuído ao jovem o
cometimento de algum ato infracional. Segue mais um relato: “Vocês precisam tomar cuidado,
eles só querem alguém para culpar por estarem queimando os ônibus.”, enfatizou o irmão mais
velho de um jovem que cumpria medida durante uma das oficinas de 2019. Ele se referia aos
ataques à equipamentos públicos que ocorria naquele período5. Nesse caso em específico, os
policiais quiseram invadir a casa da família sem mandado judicial e levar o jovem para a
Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) alegando que receberam uma denúncia anônima
de que ele participou de um ataque à ônibus, mas, a descrição que os policiais tinham não batia
com a aparência do adolescente. O que prevaleceu nessa abordagem, além da ostensividade, foi
o fato de o jovem já ter passado por medidas socioeducativas em seu passado e por isso
encarnava a figura do sujeito periculoso como apontado por Coimbra (2001) acerca da noção
de “mito da classes perigosas” e pelos autores Barbosa e Bicalho (2016) sobre a incriminação
e a “subjetividade do criminoso”.
Em suma, o cumprimento de medida socioeducativa, combinado com as questões de
raça, gênero masculino e território, tem funcionado como um agenciamento de marcadores em
jovens que encarnam a figura do “envolvido”, e, por isso, suas vidas estão em maior suspensão.
Esse aviso dado pelo irmão do jovem aos demais enfatizava o fato de que, após cumprirem uma
medida socioeducativa, esses adolescentes estariam marcados, e que, em casos como aquele em
que a população clama pela punição dos culpados, a polícia poderia se utilizar de artifícios para
prender alguém, não importando se de fato essa pessoa é ou não culpado, mas se encarna a
figura deste, como seria o caso de adolescentes com o rótulo de “em conflito com a lei”,
“menor”, “delinquente” e “infrator” (Scisleski et al., 2017). Diante disso, temos mais uma pista:
não se render aos processos mecânicos envoltos do enquadramento de apto ou não apto para o
convívio social ou que reforce estereótipos raciais e de classe, os quais, muitas vezes, são ações
cobradas no fazer da psicologia. Ao contrário, deve ser uma psicologia preocupada com as
violações e violências a que esses jovens estão sujeitos. Um cuidado para além de demandas
jurídicas, mas implicada com a vida dos jovens e com seus processos subjetivos.
Em uma das oficinas de 2019, um dos adolescentes, diante de uma imagem de
abordagem policial truculenta, disse: “Isso aqui todos sofremos. É humilhante. Não importa a
roupa que a gente tá, eles param a gente na parada. Eu com a roupa do trabalho, eles mandam
colocar a mão na cabeça. Eles humilham, batem”. Essa cena explana a intersecção de
marcadores sociais (raça, classe, gênero, território e geração) na produção das subjetividades
juvenis e na figura do “envolvido” (Barros, 2019). Esta é mais uma pista que trazemos a partir
das experiências grupais: é necessária uma leitura crítica da realidade sócio-histórica e cultural

5
A partir do pronunciamento do novo secretário do governo do estado responsável pelo o sistema penitenciário
que não reconhecia a existência de facções, em diferentes lugares do Ceará ocorreram incêndios e ataques aos
prédios públicos, privados e aos ônibus em resposta às mudanças que estavam acontecendo nos presídios e devido
à punitividade das novas regras impostas pelo secretário, inclusive houveram muitos relatos de torturas (Nunes,
2020).
e que influencia os modos de subjetividades punitivo-penais6, entendendo essa experiência de

87
sofrimento psicossocial decorrente das desigualdades, estigmatização e violências que lhe são
correlatas.
Em muitos encontros, a dificuldade de circulação e uma certa “prisão à céu aberto”
foram colocadas pelos participantes como algo que assola suas trajetórias de vida, dessa forma,
às regras impostas por facções ampliaram o confinamento socioespacial que esses jovens já
vivenciavam nas periferias de Fortaleza (Paiva, 2019). Um dos jovens no grupo de 2018 disse:
“Não dá pra ir pra festas fora do seu lugar, do seu espaço. Se você for, eles matam. A gente não
pode nem mais se divertir”. Além disso, durante as oficinas externas de 2019, era preciso que
a equipe de extensionistas pensasse muito bem nas rotas que todo o grupo iria seguir, de modo
a não expor os jovens e a equipe a situações perigosas. Os meninos estavam sempre atentos às
paredes da cidade, onde costumeiramente se tem as marcações dos territórios dominados pelas
organizações criminosas, e, quando preciso, os adolescentes nos pediam que mudássemos a
rota. Diante disso, o medo presente no cotidiano de jovens inseridos em periferias marcadas
pelo acirramento de disputas territoriais e violências letais (Barros, Benício, & Bicalho, 2019)
aponta-nos mais uma pista: compreender o medo como um operador político e psicossocial na
constituição de subjetividades juvenis.
Considerando ainda a cena anterior ligada às oficinas externas realizadas em 2019,
temos uma outra pista: propor dispositivos de intervenção a partir da inserção e familiarização
com o território (existencial) em que ele se dará. É sobretudo, conhecer o território existencial
desses jovens e suas formas de resistir às maquinarias necropolíticas estatais e faccionais. Além
de não partir de uma compreensão naturalizada, contextualizada, normalizada e elitizada do que
é ser jovem, sob pena de que nossa intervenção sucumba a linhas homogeneizantes, típicas da
subjetividade colonial capitalística, que por sua vez obstruem processos de singularização.
Os jovens que integram as oficinas estão em meio a um fogo cruzado e a tentativas de
sobrevivências às maquinarias de aniquilação de suas trajetórias. Esses sujeitos têm suas
histórias distorcidas pelas mídias que contribuem para a volúpia punitiva e pelo militarismo da
polícia e da política (Barros, 2019). Contudo, não são sujeitos passivos, esses jovens produzem
insurgências-resistências, como, por exemplo, os coletivos juvenis que se juntam em prol da
luta antirracista e contra o extermínio da juventude pobre e negra (Cavalcante, 2020). Ou até
mesmo pela insistência em existir mesmo fazendo parte do perfil que mais morre no Brasil.
Jovens participantes desses coletivos nos ajudaram na construção das oficinas, e, ao dialogarem
com os adolescentes, traçavam, por meio do compartilhamento de suas trajetórias, “formas de
fugir da violência”, como definido por um deles em uma das oficinas de 2019.
Isso nos leva a outra pista: cartografar micropolíticas de resistências juvenis nesses
contextos e potencializá-las. Segundo Vicentim (2011), esses sujeitos estão no limiar do
paradigma vida-morte e por isso forjam um modo peculiar de existência denominada de hiper-
realista. Em suas palavras, o que denominamos de re-existência “trata-se de uma situação-limite
ou extrema, quando a necessidade de estabelecer um novo sistema de valores, de atitudes e de
forma de vida é vital, e dessa capacidade resultará o êxito em salvaguardar a própria vida e a
de outros” (Vicentim, 2011, p. 102).
Diante dessa complexidade que os jovens nos apresentaram, essa realidade provoca à
Psicologia a reinventar-se não somente como profissão, mas como saber e prisma científico

6
Esse conceito refere-se aos discursos que produzem subjetividades que anseiam mais punição em nome de uma
suposta segurança social e que determinados sujeitos são constituídos como perigosos e devem ser combatidos
(Coimbra & Scheinvar, 2012).
ampliado, crítico e ético-político. A partir da compreensão de que a Psicologia se constitui como

88
um campo em movimento, entendemos que, por meio de suas ambivalências e paradoxos, há
potência de emersão de novos fazeres e saberes nas atuações das(os) psicólogas(os) (Silva, &
Carvalhaes, 2016). Assim, a inserção em campos como no CREAS e com jovens a quem se
atribui o cometimento de ato infracional, apontam para a potencialidade de reinvenção da
psicologia, sobretudo em políticas públicas por meio de algumas pistas que não se limitam às
que apresentamos.
Tais experiências convocam a psicologia a discutir, e a repensar, sobre temas como:
racismo e seus aspectos subjetivos e estruturais; o cotidiano nas periferias e a realidade
socioeconômica em que ela se encontra; concepções de juventude e a desnaturalização da noção
desenvolvimentista em sua essência, em que correntes da psicologia ainda trabalham; os efeitos
da noção de “sujeito infrator” pelo próprio saber “psi”; aspectos psicossociais da violência,
modos de subjetivação juvenis em contextos bélicos, tanto em suas especificidades como sua
relação com outros modos de subjetivação juvenil; a própria implicação e efeitos de
subjetivação das políticas públicas que chegam a esses jovens, dentre outros; problematizar os
atravessamentos da violência urbana nas trajetórias de vida dos jovens e seus modos de
subjetivação perpassados pela segregação socioespacial, pela sujeição criminal e pelo
enquadramento em vidas inteligíveis e não passíveis de luto (Butler, 2016). Portanto, a
psicologia não deve se isentar diante da realidade que produz sujeitos matáveis a partir do que
se entende por humano eurocentrizado (Lugones, 2014), mas combater essa racionalidade.
Tomando por base os apontamentos de Martín-Baró (2009), ao refletir sobre os desafios
postos a Psicologia latino-americana, o que é preciso, o desafio posto a nós, não é sobre tornar
a Psicologia socialmente relevante, mas de orientar a sua influência social de modo a construir
um atendimento às camadas populares. Para além de uma Psicologia que esteja junto a essas
populações, é preciso que a nossa atuação seja pautada em uma Psicologia política (Martín-
Baró, 2009), a qual considere todo o jogo de forças e poder envoltos nas relações e nos modos
de subjetivação presentes nesses territórios, contribuindo para a construção de um fazer que
privilegie, e potencialize, os modos de ser, pensar e existir das populações periféricas (Silva, &
Carvalhaes, 2016).

4 Considerações Finais

Para findar este relato de experiência, é necessária a pontuação de alguns aspectos,


articulando trajetórias juvenis, violência e socioeducação, que traçam perspectivas para a
Psicologia Brasileira, enquanto discurso e prática inserida em sua realidade sociopolítica, e que
produzem novos olhares diante das experiências juvenis. Apontamos ao longo do texto pistas
de nossa reinvenção da psicologia a partir de nossas experiências com jovens, além disso,
situamos esse (re)fazer dentro de uma proposta decolonial para além de aportes teóricos, mas,
e sobretudo, por ações coextensivas dentro do paradigma ético-estético-político e decolonial,
em que a produção de saber ocorre, também, por intermédio de inserir esses jovens na ordem
de discursos e de práticas desnaturalizantes.
A extensão universitária a que o VIESES se propõe tem sido um dispositivo de formação
acadêmica que visa uma atuação implicada, pois entendemos que a psicologia deve estar em
consonância com a garantia e a defesa dos direitos humanos, bem como na luta contra o
populismo penal que assola as políticas públicas brasileiras e que produzem necropolíticas
(Barros et al., 2019). Assim, as atividades desenvolvidas e apresentadas problematizam olhares
e práticas cristalizadas, possuem uma visão crítica da sociedade e acerca da intersecção dos

89
marcadores sociais e identitários que precarizam ainda mais determinadas populações (Sousa,
Nunes, & Barros, 2020). Construído de forma coletiva, as atividades grupais potencializam
práticas de re-existências e possibilitam a construção de novos territórios existenciais para quem
participa do grupo, sejam os jovens, seus familiares, profissionais, alunos e alunas.
Portanto, a extensão universitária ainda na formação acadêmica, é entendida por nós
como um dispositivo potencializador para uma psicologia implicada e mais criativa diante das
transformações sociais. Dessa forma, as experiências apontam para uma formação em
psicologia implicada com os direitos humanos, por políticas públicas não militarizadas, e por
uma descolonização do saber e de práticas psicológicas, bem como a pauta dos modos de habitar
cidade, práticas de resistências e de que maneira a psicologia pode potencializar essas re-
existências. Além de problematizar os efeitos psicossociais das violências nos próprios modos
de subjetivação das juventudes e problematizar a relação entre territorialidades e subjetividades.

Referências

Alencar, F. A. (2019). Homicídios e conflitos territoriais na cidade de Fortaleza: a perspectiva


de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de meio aberto em Fortaleza
(Dissertação de mestrado). Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade
Federal do Ceará. Fortaleza, Brasil.

Barbosa, R. B., & Bicalho, P. P. G. (2016). Culpabilidade, processos de criminalização e


direitos humanos em políticas públicas sobre drogas no Brasil. In S. C. Maciel (Org.).
Redes de assistência em saúde mental e dependência química: reflexões sobre o cuidado.
(pp. 55-86). João Pessoa: Ideia.

Barros, J. P. P. (2019). Juventudes desimportantes: a produção psicossocial do “envolvido”


como emblema de uma necropolítica no Brasil. In V. Colaço, I. Germano, L. L. Miranda,
& J. P. P. Barros (Orgs.). Juventudes em movimento: experiências, redes e afetos (pp. 209-
239). Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora.

Barros, J. P. P., Benicio, L. F. S., & Bicalho, P. P. G. (2019). Violências no Brasil: que
Problemas e desafios se colocam à Psicologia?. Psicologia Ciência & Profissão, 39(n.
esp.2), 33-44.

Barros, J. P. P., Cavalcante, C. O. B., Nunes, L. F., & Sousa, I. S. (2019). Criminalização,
extermínio e encarceramento: expressões necropolíticas no Ceará. Revista Psicologia
Política, 19(46), 475-488.

Barros, J. P. P., Silva, D. B., & Gomes, C. J. A. (2020). Dispositivos grupais com jovens:
rizomas em territorialidades periféricas. In F. C. S. Lemos, D. Galindo, P. P. G. Bicalho,
P. T. R. Oliveira, L. P. Reis Júnior, A. M. Sampaio, M. B. B. Couto, A. G. B. Magalhães,
F. S. Freitas, & D. C. P. Moraes (Orgs.). Pesquisar com as psicologias: artesanias e
artifícios (pp. 205-226). Curitiba: Editora CRV.

Barros, R. B., & Passos, E. (2015). Diário de bordo de uma viagem-intervenção. In Passos, E.,
Kastrup, V., & Escóssia, L.. Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e
produção de subjetividade. (4ª ed) (pp. 172-200). Porto Alegre: Sulina.
Barros, R. G. B. (1997). Dispositivos em ação: o grupo. In A. Lancetti. Saúde e Loucura:

90
Subjetividade 6 (pp. 183-191). São Paulo: Editora Hucitec.

Benício, L. F. S., Barros, J. P. P., Rodrigues, J. S., Silva, D. B., Leonardo, C. S., & Costa, A. F.
(2018). Necropolítica e Pesquisa-intervenção sobre homicídios de adolescentes e jovens
em Fortaleza, CE. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(núm.esp.2), 192-207.

Butler, J. (2016). Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto. (2ª ed.). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira.

Cavalcante, A. L. L. (2019). "Antes eu deixava a vida me levar, agora sou eu quem levo minha
vida": Sentidos de responsabilização produzidos por adolescentes em cumprimento de
medida socioeducativa (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, Brasil.

Cavalcante, C. O. B. (2020). “Humanos Indireitos”: Modos de subjetivação de adolescentes e


jovens a quem se atribui o cometimento de ato infracional (Dissertação de mestrado).
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza,
Brasil.

Ceará, (2019). Cada vida importa: relatório do segundo semestre de 2019 do Comitê Cearense
pela Prevenção de Homicídios na Adolescência. Assembleia Legislativa do Estado do
Ceará, UNICEF, Instituto OCA. Fortaleza, Ceará.

Cerqueira, D., et al. (2019). Atlas da Violência 2019. Rio de Janeiro: Fórum Brasileiro de
Segurança Pública/Ipea.

Coimbra, C. M. (2001). Operação Rio: O mito das Classes Perigosas. Rio de Janeiro: Intertexto.

Coimbra, C. M., & Scheinvar, E. (2012). Subjetividades punitivo-penais. In V. Batista (Org.).


Loic Wacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal (pp. 59-61). Rio de Janeiro:
Revan.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2019). 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
São Paulo, SP: Autor.

Deleuze, G. (1990). ¿Que és un dispositivo? In E. Balbier, G. Deleuze, H. L. Dreyfus, M. Frank,


& A. Glücksmann. Michel Foucault, filósofo (pp. 155-161). Barcelona: Gedisa.

Guattari, F., & Rolnik, S. (2005). Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis, RJ: Vozes.

Lemos, F. C. S. (2013). Uma crítica à volúpia punitiva da sociedade frente aos adolescentes. In
Conselho Federal de Psicologia. Redução da Idade Penal: socioeducação não se faz com
prisão (pp. 27-30). Brasília, DF: CPF.

Lugones, M. (2008). Colonialidad y Género. Tabula Rosa, Bogotá, 9, 73-101.

Martin-Baró, I. (2009). Desafios e perspectivas da Psicologia latino-americana. In F. Lacerda


Júnior & R. Guzzo (Orgs.). Psicologia Social para América Latina: o resgate da psicologia
da libertação (pp. 199-219). Campinas, SP: Editora Alínea.

Mbembe, A. (2017). Políticas da inimizade. Lisboa: Antígona.


Nunes, L. F. (2020). "Quando eu vi, tava envolvida": atravessamentos da violência urbana nas

91
trajetórias de adolescentes privadas de liberdade (Dissertação de mestrado). Programa de
Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, Brasil.

Paiva, L. F. (2019). “Aqui não tem gangue, tem facção”: as transformações sociais do crime
em Fortaleza, Brasil. Caderno CRH, Salvador, 32(85), 165-184.

Paiva, I. L., & Oliveira, I. F. (2015). Juventude, Violência e Políticas Sociais: Da criminalização
à efetivação dos direitos humanos. In A. Scisleski, & N. M. F. Guareschi (Orgs.).
Juventude, Marginalidade Social e Direitos Humanos: Da psicologia às políticas públicas
(pp. 48-63). Porto Alegre: Edipucrs.

Pinheiro, J. (2018). Juventudes e Violência Urbana: Trajetória de sujeitos em cumprimento de


medida socioeducativa na cidade de Fortaleza (Dissertação de mestrado). Programa de
Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, Brasil.

Scisleski, A. C. C., Checa, M. E. P., Bruno, B. S., Galeano, G. B., Santos, S. N., & Vitta, A. L.
S. (2017). A lei em conflito com os jovens: problematizando políticas públicas. Revista
Polis e Psique, 7(2), 4-27.

Silva, R. B., & Carvalhaes, F. F. (2016). Psicologia e Políticas Públicas: impasses e


reinvenções. Psicologia & Sociedade, 28(2), 247-256.

Sousa, I. S., Nunes, L. F., & Barros, J. P. P. (2020). Interseccionalidade, femi-geno-cídio e


necropolítica: morte de mulheres nas dinâmicas da violência no Ceará. Revista de
Psicologia, no prelo.

Sousa, M. J. S. S. (2019) As peculiaridades da violência no Ceará: aventuras e maneiras de


fazer o crime (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-Graduação em Sociologia,
Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, Brasil.

Vicentim, M. C. G. (2011). Corpos em rebelião e o sofrimento-resistência: adolescentes em


conflito com a lei. Tempo Social, São Paulo, 23(1), 97-113.

Wacquant, L. (2007). Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de
Janeiro, RJ: Revan.
O IMPACTO DO SISTEMA CAPITALISTA SOB O OLHAR DA HISTORICIDADE

92
DA ATRAÇÃO CULTURAL BOI NOVO FAZENDINHA

Mariana Costa dos Santos

Alessandra de Araujo Bastos Santana

Jessica Gabaglia de Oliveira

Leiliane Nascimento Nunes

Wellyta Carina de Paula Oliveira

Carla Fernanda de Lima

1 Introdução

Este estudo objetiva compreender o impacto do sistema capitalista no sujeito, na


sociedade e no ambiente. Assim sendo, busca identificar o lugar do sofrimento na sociedade
contemporânea, mais especificamente, em povos tradicionais que os integra. Povos
Tradicionais, Segundo Santilli (2005), são grupos humanos que possuem uma cultura
diferenciada, que vivem minimamente em três gerações, reproduzindo seu estilo de vida, na
forma de sua subsistência e de sustentabilidade. O povo tradicional destaca-se, entre outros,
modos culturais mediante reconhecimento próprio como tal e segundo suas peculiaridades,
crenças e práticas, as quais são transmitidas para demais gerações, firmando a perpetuação de
sua história e tradição (Brasil. Ministério Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão
2014).

Dessa forma, a manifestação cultural bumba meu boi denominado Boi Novo Fazendinha
foi elegida para ter o devido aprofundamento em sua historicidade, por fazer parte da identidade
coletiva da comunidade Fazendinha, do bairro de Ilha Grande de Santa Isabel, localizado na
cidade de Parnaíba, Piauí.
Ressalta-se a seleção deste recorte de território com base na história bastante conhecida
e propagada do Boi Novo Fazendinha, cujos títulos acumulados somam-se um total de seis no
festival de festa junina São João da Parnaíba. Segundo relatos de alguns dos componentes, como
de Acrísio, um dos presidentes, essa manifestação mobilizou praticamente toda comunidade
Fazendinha no sentido de apoio, tanto na participação ativa da população nos ensaios,
confecção de indumentárias, quanto no acompanhamento das apresentações.
O Boi Novo Fazendinha surgiu em 2004, como forma de resgate ao inativo Boi da
Fazendinha, este último também fazia parte da referida comunidade. De acordo com o senhor
João Rodrigues (um dos idealizadores e fundador do Boi Novo Fazendinha), seu começo foi
difícil, mas todos se envolveram e empenharam-se, ensaiando no terreiro e até mesmo no meio
da rua, além de todos os envolvidos ajudarem na compra e elaboração das vestimentas.
Conforme o Boi ganhava força e crescia, os investimentos empregados na construção
aumentavam e a comunidade passou a não conseguir mais arcar com as despesas, passando a
depender dos incentivos da prefeitura da cidade de Parnaíba para conseguir levar a apresentação

93
para as competições, que tinham uma premiação que também ajudavam nos custos.
Contudo, em decorrência do tempo e das mudanças de gestão da cidade, os incentivos
ficavam cada vez menores, as premiações começaram a ser pagas em parcelas e a junção desses
fatores fez com que o Boi Novo Fazendinha fosse desativado no ano de 2017.
Na dualidade território e repertório cultural, faz-se necessário atentar para a preservação
da identidade coletiva, a visão de mundo e o sentimento de pertencimento, a fim de criar e
fortalecer os laços afetivos e coletivos entre seus membros para ampliar e intensificar as formas
de expressão e resistência (CRP 6ª Região, 2010). Nesse sentido, o campo da Psicologia exerce
contribuição relevante junto às populações tradicionais, pois possibilita uma compreensão de
sua constituição e subjetividade, já que se propõe a uma inserção, convívio e
interdisciplinaridade, promovendo ações que visem ainda mais a integração do povo e das
políticas públicas, fortalecendo vínculo, criando e/ou devolvendo a autonomia, proporcionando
o bem-estar psíquico e qualidade de vida (Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região – CRP
6ª Região, 2010). Contudo, é perceptível a ausência de um maior direcionamento da Psicologia
para atenção às populações tradicionais refletida por uma escassez de literatura relacionada a
estudos e intervenções (Carvalho & Macedo, 2010).
Portanto, surge a necessidade de investigar essa tradicional atividade cultural, bem como
sua inativação e o impacto gerado, uma vez que é bem cultural coletivo que muito contribuía
para o bem-estar dos moradores da região e da cidade e, principalmente, consistia num
instrumento de coesão da comunidade. Contudo, é notório a influência da falta de capital em
sua desativação, e que cada vez mais os desejos cultivados dentro dos limites de pequenos
grupos ou de pequenas comunidades estão se perdendo por falta de interesses e investimentos
públicos e empresariais. Essa fala pode ser confirmada por Waldenyr Caldas (2018), professor
de Cultura Brasileira na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo
(USP, que o que vivemos atualmente, não é um ataque do governo aos meios culturais, mas que
existe sim uma estimulação ao não incentivo financeiro aos meios culturais.

2 Método

Este estudo trata-se de uma pesquisa de campo desenvolvida na comunidade


Fazendinha, localizada no bairro Ilha Grande de Santa Isabel, município de Parnaíba-PI, a fim
de realizar um resgate histórico da manifestação cultural Boi da Fazendinha e discutir sua
desativação e possíveis efeitos. De acordo com Bernard Kaiser (2006), a pesquisa de campo é
um meio e não um objetivo em si mesma, é a pesquisa indispensável à análise da situação social.
Portanto, não se trata de situação espacial.
Desta forma, o trabalho é de natureza qualitativa, ou seja, é baseado na compreensão e
análise de dados subjetivos, sem visar à obtenção de números. Além disso, o pesquisador
assume uma posição dualista sendo ao mesmo tempo sujeito e objeto da pesquisa. O
pesquisador vai a campo com um conhecimento limitado, desta forma o pesquisador constrói
conhecimentos mais aprofundados junto ao seu local de pesquisa (Siveira & Córdova, 2007).
Para construção dessa pesquisa utilizou-se revisão da literatura, que se refere a pesquisa
bibliográfica sobre os principais trabalhos científicos já realizados sobre o tema escolhido e que
são revestidos de importância por serem capazes de fornecer dados atuais e relevantes. Nas

94
visitas de campo, foram realizadas entrevistas semiestruturadas e abertas.
A entrevista é definida por Haguette (1997) como uma forma de interação social, uma
vez que há as pessoas envolvidas - pesquisador e entrevistados - na busca por informações. A
entrevista aberta é utilizada quando o pesquisador deseja obter o maior número possível de
informações sobre determinado tema, segundo a visão do entrevistado, e também para obter um
maior detalhamento do assunto em questão. Ela é utilizada geralmente na descrição de casos
individuais, na compreensão de especificidades culturais para determinados grupos e para
comparabilidade de diversos casos (Minayo, 1993).
Dessa forma, foram entrevistadas seis pessoas, fundadores e principais brincantes. Os
relatos foram gravados em vídeo para que pudesse ser produzido um documentário audiovisual
que tinha como principal objetivo também o resgate histórico da brincadeira do Boi Novo
Fazendinha. Para tanto, foi utilizado, ainda, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
para obter autorização dos envolvidos na produção do documentário.
Após a produção audiovisual, no espaço onde aconteciam os ensaios do boi, foi
realizado um outro momento junto com a comunidade. Esse momento consistiu em quatro
etapas: breve relato de como surgiu a dança do Bumba meu boi, tendo principal foco o boi do
Piauí; roda de conversa com a comunidade, para que expressassem seus sentimentos frente a
desativação do boi e também para eles relatarem como a dinâmica da comunidade mudou após
o boi ser desativado; apresentação do documentário, que teve duração de 19 minutos; e
apresentação do Boi Novo Fazendinha, com alguns de seus componentes.

3 Resultados e Discussões

É considerada comunidade um pequeno grupo social, um bairro, uma escola, um


sindicato, dentre outros, até alcançar um conjunto maior de indivíduos e ambientes que formam
uma cidade (Gomes, 1999). A comunidade deve ser definida levando-se em conta não somente
o espaço comum, mas, também, observando os interesses que este grupo compartilha (Koening,
1962). Dessa forma, o conceito de comunidade se mostra muito flexível, abarcando diversas
configurações, desde que compartilhem interesses em comum. De acordo com Gomes (1999),
o conceito de comunidade se constitui como sendo um grupo social organizado, que interage
no mesmo ambiente com interesses, valores e objetivos semelhantes, observando-se, ainda, o
período de tempo de interação que esse grupo permaneceu junto. Para Paiva (1998),
comunidade está diretamente relacionada a território e participar de uma comunidade
proporciona ao indivíduo uma noção de pertencimento e comprometimento com o ambiente.
Por sua vez, Durkhein (2002) aponta a moral como sendo um sistema de regras de valor
simbólico que é o alicerce para a formação de uma comunidade. Para o autor, a moral é o elo
que garante a união dos indivíduos, é o que os mantém unidos em prol de interesses coletivos
e não dos interesses individuais. Durkhein propôs em sua teoria que as regras morais, nas
comunidades, detêm uma autoridade que resulta em uma noção de dever e, posteriormente,
acabam se mostrando como desejáveis, apesar de o cumprimento delas significar um grande
esforço. Para Santana e Tuzzo (2013), a ação se configura um conceito importante para a
formação de comunidades. A mesma é considerada como qualquer conduta humana composta
de significado subjetivo tanto para quem executa a ação como para quem a recebe. No momento
em que o indivíduo realiza a ação com outros indivíduos desconhecidos a ação torna-se social,

95
e o executor um ser social.
A comunidade, assim como a identidade participa do processo de formação do indivíduo
desde o início da vida. É no seio familiar onde às primeiras necessidades são replicadas, como,
por exemplo, as necessidades físicas e emocionais. Com o passar do tempo, o indivíduo se
insere em outros grupos, em outras comunidades, conforme vai formando seus interesses. A
participação em grupos comunitários faz com que os indivíduos assimilem valores
compartilhados que, sozinhos, possivelmente não conseguissem assimilar e se apropriar.
Alguns valores são desenvolvidos somente com a convivência comunitária, como o orgulho,
altruísmo ou ambição (Coelho, 2006).
O grupo Bumba Meu Boi Novo Fazendinha possui um território delimitado, no qual foi
criado e sustentado, além de carregar em sua própria denominação a ideia de pertencimento
social, isto é, à comunidade em que está inserido: Fazendinha, perceptível através do fato de
reproduzir o nome original da comunidade ao qual pertence. Dessa forma, ocupa uma dimensão
social relevante para seus brincantes, uma vez que se trata de uma produção cultural em que
todos participam e constitui-se veículo de relações sociais, sendo que para alguns é uma
atividade de distração e lazer, em que os laços são preestabelecidos e significantemente
construídos.
Somado a isso, o grupo responsável pelo boi pertence à mesma família, e os demais
brincantes são todos integrantes da comunidade, aumentando, assim, o grau de pertencimento
e de vínculo social, mais especificamente, comunitário. Ciampa (1988) atribui um caráter
estável e ao mesmo tempo processual, visto que umas das primeiras instituições a que
pertencemos é a família, onde recebe-se um nome, que constituirá parte de sua identidade, bem
como o fato de ser filho de alguém e morar em determinado lugar. Essas relações grupais
servem como base para uma identidade: a forma que nos relacionamos, personalidade, fala. Ao
mesmo tempo que nos caracteriza, faz o indivíduo sentir-se pertencente de um lugar, no qual
começa um processo de ressignificação do espaço.
A manifestação cultural Boi Novo Fazendinha reflete, dentre outros, a união e o
encontro comum entre os integrantes da comunidade, no qual há não somente o
compartilhamento de significados, mas, também, sua construção. O sr. João Rodrigues, um dos
fundadores e brincantes do Boi, relata que “o amor por esta brincadeira já faz parte de seu
sangue e que contagiou todos de sua família”. Aline, uma das responsáveis, menciona que “está
em suas veias’. De fato, é perceptível como a brincadeira permeia tão fortemente a vida dessas
pessoas seja pelo juízo de valor, seja pela dedicação, seja pela dor em não está mais ativa,
refletindo possivelmente não uma herança genética, mas, certamente, cultural.
Félix Guattari e Suely Rolnik, em sua obra (2010), divide a cultura em três diferentes
sentidos, as quais são: Cultura - Valor, Cultura - Alma Coletiva e Cultura - Mercadoria. O termo
Cultura - Valor diz respeito ao julgamento de valores, de quem possui ou não cultura. A segunda
cultura fala sobre todos terem uma cultura, uma identidade própria para ser reclamada. Já a
terceira é dita como todos bens, sejam equipamentos, pessoas que utilizam esses equipamentos,
todas as teorias e referências que sirvam para produzir filmes, livros que façam parte da
circulação monetária no mercado. Dentre esses três tipos de cultura, a última, Cultura -
Mercadoria, fica a cargo de reproduzir a cultura como apenas mercadorias geradoras de lucros,
não ligando para o processo de Cultura - Alma Coletiva que seria a que cada um possui, o que
vai contribuir para a desconstrução da estrutura de algumas culturas existentes.
Por isso faz-se necessário conhecer como funciona o desenvolvimento das burocracias
do capitalismo para que se tome consciência do que a burguesia é capaz de fazer e que se possa
ser feito a fuga desses meios. Pois, segundo Guattari e Rolnik (2010), só seguindo essa fuga da

96
cultura capitalística que poderá ser concretizada uma produção de subjetividade que seja
interessante para as sociedades ou grupos de diferentes categorias sociais sejam por minorias
raciais, sexuais, culturais ou de qualquer outra ordem possam ter um movimento de
singularidade subjetiva e que não fiquem reféns do poder desse sistema.
Nesse sentido, a ausência ou insuficiência de apoio econômico gera, ainda, uma relação
de dependência, uma reprodução de questões sociopolíticas, em que os interesses e
necessidades do povo são realocados em segundo plano em detrimento de interesses de gestão
que parecem estar pautados na dissolução da cultura e a favor do lucro. A gestão pública (e
empresarial), como detentora do poder capital, quando não investe na manutenção da cultura,
acaba contribuindo para que se perca e, por conseguinte, o povo também se dissolve, pois, a
cultura é constituinte de sua identidade.
A identidade vem sendo discutida no olhar da psicologia como um papel de construção
do homem em seu lugar de existência, do seu ponto de vista e de sua percepção social, além
das dinâmicas ao seu redor. Jacques (1998) explica que os sistemas identificatórios são
subdivididos e a identidade passa a ser qualificada como identidade pessoal (atributos
específicos do indivíduo) e/ou identidade social (atributos que assinalam a pertença a grupos
ou categorias). Esta última ainda recebe predicativos mais específicos como identidade étnica,
religiosa, profissional, etc. Tajfel (1981) conceitua a identidade social como constituinte do
autoconceito e de seu conhecimento e julgamento valorativo e emocional sobre o fato de
pertencer ao grupo social. É o caso de povos que possuem uma relação significativa com sua
terra, em que percebe-se a troca entre indivíduo e lugar. Essa ligação constitui parte da
identidade e, por isso, a importância dos espaços de convivência para seus moradores.
No entanto, a identidade social, mais especificamente, a herança cultural encontra-se
comprometida frente a situação atual de desativação do Boi, como bem lembra o O sr. João
Rodrigues. O sistema capitalista tem responsabilidade substancial sobre essa condição por
induzir bens culturais sob sua perspectiva de mercantilização de bens. O paradoxo de dançar
boi para uma disputa (também um ideal capitalista e da Modernidade) e o corte de verbas tem
produzido efeitos políticos e socioculturais negativos, desencadeando em sua máxima, a
desativação. A contemporaneidade aliada ao Capitalismo, propagam fortemente a padronização
estética, de cunho até higiênico, sobre seus bens de consumo. Nessa perspectiva, o Bumba-
meu-boi, como bem cultural, busca adequar-se para conquistar seu espaço na atualidade,
buscando por inovações que, frequentemente, custam caro para uma cultura tradicional de
comunidade periférica. Por outro lado, o alto padrão exigido impede uma apresentação mais
tradicional.
Além disso, a possível estratégia de que as manifestações poderiam também constituir
um potencial turístico, isto é, ser gerador de renda, a exemplo do bumba meu boi do Maranhão,
principalmente, no período junino, não parece vantajosa ou não encontra-se no planejamento
das últimas gestões administrativas do município.
Dessa forma, o capitalismo vai influenciar diretamente sobre o sofrimento do indivíduo,
pois possui métodos coesivos que obriga espontaneamente a sociedade a viver sob suas regras
(COSTA, 1997, p. 59), ou seja, sem a existência da ação do poder aquisitivo, o capitalismo irá
afetar toda e qualquer forma de manifestação, inclui-se aí a cultura de um povo. De acordo com
Saunders (1991), dor simbólica da morte, dor psíquica e dor espiritual são componentes do
conceito de dor total. O conceito de dor psíquica como o medo do sofrimento e o humor
depressivo representado por tristezas, angústias e culpas frente às perdas, e o conceito de dor
espiritual como medo da morte e do pós–morte, ideias e concepções em relação à
espiritualidade, sentido da vida e da morte e culpas perante Deus, é possível, então, construir

97
uma ideia do que seria esse lugar da morte e o sofrimento na sociedade contemporânea, como
o capitalismo influencia diretamente a cultura e como essa cultura reage (Elias, 1999).

4 Considerações Finais

Segundo Proshansky et al. (1983), identidade de lugar é uma subestrutura da identidade


profunda da pessoa e é constituída por cognições sobre o mundo físico, relativa à variedade e
complexidade dos lugares nos quais ela vive e satisfaz suas necessidades biológicas,
psicológicas, sociais e cultural. Em suma, nessa troca que o indivíduo faz com o seu lugar de
pertencimento, ao mesmo tempo que ele modifica o lugar e constrói novos significados, o lugar
também modifica esse sujeito, o transformando e ressignificando sua identidade.
Por isso, a interação identidade e lugar se dá pelo viés de uma afetividade ético-política,
segundo Sawaia (2000; 2006), na qual o ser humano se engaja afetiva, ética e politicamente na
construção de sua identidade, firmando laços com os lugares relevantes de sua história. Desse
modo, a identidade é construída a partir de vivências e trocas com o meio, estando sempre em
trânsito, mudando e se refazendo de acordo com o que o indivíduo experimenta no decorrer de
sua história.
A cultura, por sua vez, é uma forma de ultrapassar a capacidade humana, dando
ressignificado as experiências, construindo valores, tradições, modos de viver, conflitos e
tensões, além de ser um processo de enraizamento: conjunto de relações sociais, culturais,
econômicas e políticas, podendo assim descrever como um patrimônio cultural ligado
diretamente a construção humana. Seguindo esse mesmo raciocínio surge o termo “Indústria
cultural” cunhado pelos autores Adorno e Horkheimer (1985). Para estes autores, indústria
cultural é o nome genérico que se dá ao conjunto de empresas e instituições cuja principal
atividade econômica é a produção de cultura, com fins lucrativos e mercantis
É observado que o capitalismo se insere de diversas formas dentro do cotidiano, sempre
visando utilizar de meios de produção a favor do lucro, sendo por meio de tecnologias, mídia e
também formas de cultura. Com base nessa relação do capitalismo e cultura e suas facetas de
mercantilização, para Costa (2010), a indústria cultural não é democrática, ela se submeteu a
dominação da técnica que é usada pelos meios de comunicação de forma original e criativa que
impede o homem de pensar de forma crítica, de imaginar, adestrando consciências, que fazem
com que o que é transformado para efeitos comerciais sejam convertidos como um
entretenimento para todos. A não democratização da indústria cultural suscitada pelo sistema
capitalista leva manifestações culturais como o Bumba meu boi da comunidade Fazendinha -
sem o seu devido reconhecimento, falta de investimentos e, consequentemente, pela não
adequação aos padrões contemporâneos - a perderem espaço para atrações mais modernas que
estão propensas a atrair mais lucros.
Portanto, diante do exposto, da convivência com o grupo de moradores responsável pelo
Boi Novo Fazendinha e do documentário, e em respeito à cultura e ao povo, à sua identidade e
dinamicidade, espera-se que o Boi, assim como em seu auto, esteja apenas provisoriamente
descansando. Pois, foi algo notório para quem chegava na comunidade e conversava com os
participantes e comunidade em geral que acompanhavam todos os ensaios e festividades em
que o Boi Novo Fazendinha se fazia presente, o quanto ele era importante e fazia falta para

98
todos.
Ao convidar os vizinhos para presenciar à apresentação do documentário, por exemplo,
foi inevitável não ouvir as declarações de como sentiam muito à ausência do Boi Novo
Fazendinha, em como incentiva as crianças e os jovens que moravam na comunidade, tanto em
cultivar o apreço pela cultura, como também pela educação, pois, em um desses momentos foi
descoberto que uma moradora realizou sua monografia, contando a história da atração cultural
da qual fazia parte de sua história. No quintal do seu sr. João Rodrigues, a história é mais
sentida, pois, é ali onde fica um pequeno quarto, onde se encontra o Boi e alguns poucos restos
de materiais. E também, é onde fica um pequeno espaço onde os brincantes faziam seus ensaios.
A trajetória da historicidade do Boi Novo Fazendinha é muito emocionante e incrivelmente
enriquecedora, sem dúvidas um agente de transformação.

Referências

Adorno, T; Horkeimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Boni, V., & Quaresma, S. J. (2005). Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas em
Ciências Sociais. Em Tese, 2(1), 68-80.
Brasil. Ministério Público Federal. Câmara de Coordenação e Revisão (2014). Territórios de
povos e comunidades tradicionais e as unidades de conservação de proteção integral:
alternativas para o asseguramento de direitos socioambientais. Brasília: MPF.
Carvalho, A. V., & Macedo, J. P. (2010). Povos e comunidades tradicionais: revisão sistemática
da produção de conhecimento em Psicologia. Revista Psicologia: Teoria e Prática,
20(3), 180-197. São Paulo, SP, set.-dez. 2018. Recuperado de
http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n3p198-215.
Ciampa, A. da C. (1988). Identidade. In S. T. M. Lane & W. Codo (Orgs.), Psicologia social: o
homem em movimento (pp. 58-75). São Paulo: Brasiliense.
Coelho Junior, A. G. (2006). As especificidades da comunidade religiosa: pessoa e comunidade
na obra de Edith Stein. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, Brasil. Disponível:
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/TMCB-
7Y3L8N/disserta__o_achilles_2006_ufmg.pdf?sequence=1
Conselho Nacional dos Direitos Humanos (2018). Conselho Nacional dos Direitos Humanos
Povos livres, territórios em luta: relatório sobre os direitos dos povos e comunidades
tradicionais/– Brasília: Conselho Nacional dos Direitos Humanos.
Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região (org). (2010). Psicologia e povos indígenas. São
Paulo: CRPSP.
Chauí, Marilena. (2003). “Política cultural, cultura política e patrimônio histórico”. In:
Cidadania cultural: o direito à cultura. São Paulo: Perseu Abramo, p. 39.
Costa, A. C. S., Palheta, A. N. A. A., Mendes, A. M. P., & de Sousa Loureiro, A. (2010).
Indústria cultural: revisando Adorno e Horkheimer.
Araújo Gomes, A. M. (1999). Psicologia comunitária: uma abordagem conceitual. Psicologia:

99
teoria e prática, 1(2).
Elias, A.C.A.(1999). Um Jeito mais Brando de Enfrentar a Morte. VIVER Psicologia, VII, no
80, 14 – 16
Fernandes, P. M. I., & Mattos, G. G. O funcionamento da sociedade capitalista na concepção
de Émile Durkheim e Karl Marx.
Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. (2007, 7 de fevereiro).
Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais. Diário Oficial da União. Recuperado de
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm
Fernandes, L. A. A importância do conceito de Cultura Capitalística.
Filho, & Mendes (2014). Cartilha Direitos dos povos tradicionais. In: Coordenadoria de
Inclusão e Mobilização Sociais (CIMOS) - Ministério Público de Minas Gerais
(MPMG) (orgs.). Recuperado de http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/wp-
content/uploads/2014/04/Cartilha-Povos-tradicionais.pdf
Guatarri, Félix; Rolnik, Suely. (2010). Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Editora
Vozes.
Haguette, T. M. F. Metodologias qualitativas na Sociologia. 5a edição. Petrópolis: Vozes, 1997.
Jacques, M. das G. C. (1998). Identidade. In M. das G. C. Jacques, M. N. Strey, N. M. G.
Bernardes, P. A. Guareschi, S. A. Carlos, & T. Fonseca (Orgs.), Psicologia social
contemporânea (pp. 159-167). Petrópolis: Vozes
Kayser, B. (2017). O geógrafo e a pesquisa de campo. Boletim Paulista de Geografia, (84), 93-
104.
Keoning, S.(1976) Elementos de Sociologia. Biblioteca de Ciências Sociais. Rio de Janeiro:
Zahar.
Kovács, J. M. Morte e Desenvolvimento Humano. 5 ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.
p.01-13.
Luna, Sérgio Vasconcelos de. Planejamento de pesquisa: uma introdução. 2a edição. São Paulo:
EDUC, 1999.
Minayo, M. C. de S.. O desafio do conhecimento científico: pesquisa qualitativa em saúde. 2a
edição. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec-Abrasco, 1993.
Paiva, R. (1998). O espírito comum – Comunidade, mídia e globalismo. Rio de Janeiro: Editora
Vozes.
Pereira, S. M., & Pires, E. F. (2018). As experiências de perdas e luto na contemporaneidade:
um estudo bibliográfico. Revista Educação-UNG-Ser, 13(1), 200-217.
Proshansky, H. M., Fabian, A. K., & Kaminoff, R. (1983). Place-identity: physical world
socialization of the self. Journal of Environmental Psychology, 3, 57-83.
Santana, M. J. S., & Tuzzo, S. A. (2013). A cidadania na perspectiva de Raquel Paiva: defesas
em torno das comunidades, da comunicação comunitária e da mobilidade urbana.
Comunicação & Informação, 16(1), 171-185.
Santana, J. & Canalle K. & Oliveira M. (2018, Dezembro 20). Cultura no Brasil tem futuro

100
incerto. [Postagem de blog]. Obtido de
https://paineira.usp.br/aun/index.php/2018/12/20/cultura-no-brasil-tem-futuro-incerto/
Saunders, C. (1991). Hospice and palliative care. An interdisciplinary approach. London:
Edward Arnold.
Silveira, D. T., Córdova, F. P. (2009). Unidade 2–A pesquisa científica. Métodos de pesquisa,
p.31.
Valera, S., & Pol, E. (1994). El concepto de identidad social urbana: una aproximación entre la
Psicología Social y la Psicología Ambiental. Revista Anuario de Psicología, 62, 5-24.
ALUNOS COTISTAS E A QUESTÃO DA PERMANÊNCIA NA UNIVERSIDADE:

101
UMA REVISÃO DE LITERATURA

Jorge Samuel de Sousa Teixeira


Antônio Lucas Siqueira Ximenes
Esthela Sá Cunha
Francisca Denise Silva Vasconcelos
Mikaelly Monique do Nascimento Costa

1 Introdução

As cotas sociais e raciais surgem como política pública de abrangência nacional a partir
de 2012, por meio da Lei 12.711, conhecida popularmente como Lei das Cotas, com a finalidade
de democratizar o ensino superior público para grupos que ao longo da história foram excluídos
socialmente. Assim sendo, provoca uma mudança no perfil do estudante universitário. Mas
além de discutir a criação desta política de afirmação que permitiu o ingresso no ensino superior
a estudantes oriundos de algumas minorias sociais, é de extrema importância tentar
compreender o que ocorre após esse momento, ou seja, o processo de permanência do cotista
na academia.
Ao longo da história, o Brasil vem sendo exemplo de uma sociedade preconceituosa e
excludente, e isto se mostra com força no campo da educação. Por exemplo, as universidades
públicas durante muitos anos foram lugares acessados apenas por uma minoria privilegiada,
que detinha em suas mãos os poderes e prestígios. Segundo Nierotka e Trevisol (2016) “Os
mais ricos têm usufruído dessa instituição milenar para legitimar a posição social que ocupam
na estrutura social e ampliar o poder que, em geral, já exercem no conjunto das sociedades”.
Esta fala se assemelha muito a de Bourdieu (2014), quando diz que muitas vezes a escola acaba
por se tornar um lugar de continuação das desigualdades já existentes, ou seja, um lugar de
estratificação social.
O quadro acima apenas começa a apresentar sinais de mudança nos últimos 30 anos, por
meio do processo que culminou na promulgação da lei supracitada. Podemos assim citar o caso
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade de Brasília (UnB),
vanguardistas nas cotas sociais e raciais, respectivamente. De acordo com Ladeira e Silva
(2018) em 2003, por intermédio de uma lei estadual, que destinava um determinado número de
vagas para alunos carentes, a UERJ foi precursora na tentativa de democratizar a educação
superior, por intermédio das cotas. Em 2004, foi a vez da Universidade de Brasília (UnB), que
aprovou um sistema de cotas raciais, independente da classe ou escola de origem do estudante.
Mas é apenas em agosto de 2012 que é sancionada a Lei das Cotas pela então Presidente Dilma
Rousseff.
Em 2012 foi aprovada a lei n° 12.711 que regulamenta a política de cotas. A mesma
prevê que sejam destinadas 50% das vagas em universidades públicas federais e institutos
federais de nível técnico para alunos oriundos de escolas públicas, e também reserva vagas para
autodeclarados indígenas, negros, pardos e para deficientes - em proporção ao contingente
populacional desses grupos na unidade federativa onde é instalada a determinada instituição de

102
ensino, segundo o último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Um aspecto importante sobre o tema gira em torno da questão da permanência na
universidade por alunos cotistas. Uma vez que não basta somente possibilitar a entrada no
ensino superior, pois a questão do prosseguimento de alunos cotistas nos cursos tem
importância fundamental para a efetiva atuação das cotas na sociedade brasileira. Em outras
palavras, quando formos discutir a questão das ações afirmativas devemos centrar nossa atenção
em dois polos: acesso e permanência.
Muitos são os argumentos utilizados para tentar deslegitimar ou pôr em discussão e
avaliação as cotas. Dentre eles, podemos citar os mais comuns: com a entrada de cotistas, a
universidade pode perder sua qualidade, devido suas médias serem menores que a dos
estudantes da ampla concorrência para o ingresso nos cursos pretendidos; as cotas raciais seriam
um tipo de descriminação contra as pessoas negras; as cotas ferem o princípio da meritocracia;
a auto declaração, critério para a utilização das cotas raciais, é muito subjetivo; a questão
brasileira é uma educação básica de baixa qualidade, dessa forma as cotas não resolvem
efetivamente o problema.
Já no contexto internacional, a Índia foi a pioneira na criação de ações afirmativas. De
acordo com Jr. e Dalfon (2015), na década 1950, após conquistar sua independência da
Inglaterra, criou a “política de reserva”, com o objetivo de tentar promover uma igualdade de
oportunidades para grupos que, durante toda a história do país, foram historicamente excluídos
das oportunidades. Esta política tinha como objetivo reservar diversos tipos de cotas, dentre
elas para as instituições de ensino superior público do país.
Já em 1960, foi a vez dos Estados Unidos. Em reportagem da UOL de 2010, é relatado
que no período de luta pelos direitos civis, este país passou a aderir às ações afirmativas, com
o intuito de tentar viabilizar uma igualdade entre brancos e negros. Mas, na atualidade, esta
medida não é mais adotada nas escolas. Segundo decisão da Suprema Corte estadunidense, a
raça de uma criança não poderia ser um aspecto que prevalecesse na decisão de onde ela deveria
estudar.
Esta pesquisa partirá de questionamento acerca de quais fatores colaboram na
permanecia de alunos cotistas na universidade, tendo como ponto de partida o fato no qual as
cotas foram instituídas com o objetivo de democratização, ampliação e alcance do ensino
superior para grupos marginalizados socialmente.

2 Desenvolvimento

Trata-se de uma revisão de literatura, onde as buscas foram realizadas em duas bases de
dados, sendo elas Google Acadêmico e SciELO Foram selecionados os textos que mais se
adequassem a temática proposta, utilizando as palavras-chave “cotas”, “permanência na
universidade” e “universidade pública” na busca dessas literaturas. A primeira seleção dos
artigos foi feita pelos títulos, sendo posteriormente selecionados pelos seus respectivos
resumos, excluindo-se aqueles que não tratassem especificamente dos temas supracitados, ou
que não estivessem escritos em língua portuguesa. Foram encontrados setenta e seis textos
mediante as buscas realizadas, sendo que desses, vinte e dois artigos foram utilizados na
realização das análises. A literatura foi discutida com base nos conceitos utilizados como
descritores na busca de literaturas.
103
3 Discussão

As ações afirmativas também conhecidas como políticas afirmativas, normalmente são


associadas às cotas destinadas para determinados grupos minoritários para ingresso em
universidades. Mas além destas medidas, outras também podem ser reconhecidas e apontadas,
a saber: a criação de delegacias especializadas para mulheres ou então a reservas de um número
de vagas para pessoas com necessidades especiais deficientes em empresas privadas dentre
outras medidas. Porém, antes de continuarmos nossa discussão, é essencial recorremos ao
passado com o objetivo de compreender o contexto histórico em que o termo ações afirmativas
surgem. De acordo com Moehlecke (2002, p.198).

A expressão tem origem nos Estados Unidos, local que ainda hoje se constitui como
importante referência no assunto. Nos anos 60, os norte-americanos viviam um
momento de reivindicações democráticas internas, expressas principalmente no
movimento pelos direitos civis, cuja bandeira central era a extensão da igualdade de
oportunidades a todos. (...). É nesse contexto que se desenvolve a ideia de uma ação
afirmativa, exigindo que o Estado, para além de garantir leis antissegregacionistas,
viesse também a assumir uma postura ativa para a melhoria das condições da
população negra.

Mediante a citação acima, é possível identificar que as ações afirmativas nascem em um


período extremamente conturbado da história dos Estados Unidos da América (EUA). Em
virtude da intensificação da luta pelos direitos dos afro-americanos, devido à forte segregação
racial presente naquela nação. Segundo Andrews (1985) “através do Ato dos Direitos de Voto
de 1965, e o governo federal instituiu programas de ‘igualdade de oportunidades’ e ‘ações
afirmativas’ para combater o racismo”. Desta forma, não devemos ignorar que a temática surge
e se desenvolve por intermédio do forte enfretamento ao racismo, que gera numerosos estigmas
à população negra deixando suas marcas até os dias atuais.
As ações afirmativas, como aponta Piovesan (2005), possuem caráter passageiro, com
o objetivo de acelerar o andamento dos procedimentos para tornar mais equitativas as chances
dos indivíduos de diferentes grupos, reverberando principalmente nos grupos historicamente
excluídos. Por exemplo, temos os LGBTQI+, os indígenas das diversas etnias e a população
negra, de tal forma que a principal consequência seria a possibilidade de uma sociedade mais
justa e consciente de sua responsabilidade com as minorias.
Acreditamos que seja importante trazer outra explicação acerca do que seriam as
políticas afirmativas, com o objetivo de deixar a mais entendível possível tal política pública.
Como afirma Gomes (2003)

Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas


públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com
vistas ao combate à discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem
nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação
praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade
de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.
Portanto, podemos conceber as ações afirmativas como políticas direcionadas a certos

104
grupos que possuem suas histórias atravessadas por preconceito e precariedade, com a intenção
de possibilitar, mesmo que ainda aconteça de maneira deficiente, a competição mais equitativa,
como na área de empregos e acesso à universidade, para citar exemplos mais comuns, ocorrendo
assim a implantação no presente de medidas significativas e que demonstrem resultados
positivos, até que no futuro não se necessite mais a sua utilização devido a implantação de
outras medidas.
Nas ocasiões em que são comentadas a temática de ações afirmativas no contexto
brasileiro, é inevitável não lembrar das cotas nas universidades brasileiras, como supracitado.
Tal reconhecimento é devido a aprovação da “Lei das Cotas”. Mas, como é sabido, essa é apenas
mais uma das outras tantas aplicações das políticas afirmativas.
Como demonstração, temos algumas medidas implementadas pela Constituição da
República Federativa do Brasil (1988), mais conhecida por “Constituição Cidadã”. Segundo a
mesma em seu Artigo 67, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias é colocada sobre
responsabilidade da União a conclusão das demarcações de terras para indígenas no prazo
máximo de 5 anos, contando a partir da promulgação desta (BRASIL, 1988). Trazemos este
exemplo com o objetivo de expor a sua amplitude, no que tange à diversidade de questões
abrangidas.
As ações afirmativas têm como principal objetivo a inclusão social, combatendo a
estratificação social, em virtude das rotulações negativas e preconceituosas que sofrem
determinados grupos. Mas, para que isso tenha efetivação, Piovesan (2005,) afirma “Faz-se
necessário combinar a proibição da discriminação com políticas compensatórias que acelerem
a igualdade enquanto processo”. Em outras palavras, podemos compreender que, para uma
inserção efetiva, é necessária a atuação por meio de duas frentes: a da criminalização judicial
das diversas formas de preconceito e a instalação de políticas públicas direcionadas às minorias,
fornecendo assim, intervenções mais palpáveis.
Umas das críticas mais frequentes quando o tema é política afirmativa, refere-se à tese
que a mesma fere o princípio da meritocracia. Mas, na verdade, como fala Moehlecke (2002),
“não basta ser membro de um grupo discriminado; é necessário que, além disso, o indivíduo
possua determinadas qualificações”, ou seja, nesta não apenas é levado em consideração o
pertencimento a certo grupo. É necessário que os indivíduos estejam atendendo a determinadas
exigências para o recebimento de benefícios.
Para exemplificar, podemos discutir o caso das cotas utilizado como forma de entrada
nas universidades e institutos federais. Pois, para que uma pessoa possa conseguir tal acesso,
ela precisa realizar a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), e, posteriormente,
realizar sua inscrição no SISU (Sistema Unificado de Seleção), passando a concorrer com
outros estudantes, sendo selecionados os que obtiverem as melhores notas. Assim, entendemos
que o que ocorre não é um afrouxamento no processo de seleção, mas sim um método de
concorrência mais justo, onde as vagas são disputadas por pessoas que tiveram oportunidades
desiguais e, dessa maneira, concorrerão com seus pares, no que toca às condições de vida
semelhantes.
Como já citado, o Brasil, a alguns anos, tenta utilizar-se dos recursos vindos por meio
das ações afirmativas, mesmo que ainda de forma deficitária. “Mas, curiosamente, quando
foram implementados os primeiros programas de ações afirmativas em benefício da população
negra – como foi o caso do programa de cotas raciais (...), houve resistência por parte de vários
segmentos” (Domingues, 2005). Salientando mais uma vez a herança sombria que nos foi
deixada por anos de escravidão que favoreceram a estigmatizarão e inviabilização deste grupo.
Sobre a questão das cotas raciais, não podemos negar a especificidade da história pela

105
consolidação da reserva de vagas para pessoas negras nas IES’s do país. No ano de 2001 ocorreu
a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Descriminação Racial e Intolerância
Correlata, da qual o Brasil participou levando em seu relatório a inclusão da proposta de cotas
raciais para as universidades. Alberti e Pereira (2006) apontam que em decorrência das
consequências advindas deste fato, podemos considerá-lo um marco para o movimento negro,
pois além de uma tentativa para a democratização do ensino superior, houve a criação de
espaços em âmbito nacional para o debate de assuntos, no que refere à temática raça,
potencializando assim a luta pela igualdade dentre os sujeitos, independentemente da cor de sua
pele.
As IES’s por serem públicas, ou seja, pagas por meio dos impostos vindos dos cidadãos,
deveriam apresentar em seu corpo de discentes uma gama vinda dos mais diversos setores da
sociedade brasileira. Infelizmente, não é o que ocorre, permanecendo ainda com o status de um
lugar reservados para os filhos dos mais ricos. Então, como tentativa de atenuar tal situação,
são criadas as cotas. Devido a sua recente utilização, estas ainda são geradoras de diversas
dúvidas e críticas.
Geralmente o assunto das cotas divide opiniões, que podem ser aglutinadas em dois
grupos opostos. Um que considera que a mesma pode prejudicar a qualidade das universidades
públicas, pensamento sintonizado com perspectivas da sociedade dos méritos (Frias, 2013). Já
em outro, se encontram seus defensores que argumentam a favor, por entenderem que estas são
medidas corretivas com o objetivo de inclusão social e transformação da realidade.
Após a aprovação da “Lei das Cotas”, o Brasil passou a fazer parte de um grupo de
países, que possui como uma das medidas para a diminuição das desigualdades dentro do campo
acadêmico, as ações afirmativas, como já falado na introdução. No caso brasileiro, temos
basicamente dois modelos de cotas, que são: cotas sociais e cotas raciais. Sendo que primeira é
destinada a estudantes provenientes de escolas públicas ou bolsistas em escolas privadas. Por
sua vez, as cotas raciais reservam vagas para estudantes negros ou pardos. Ademais, há ainda
para indígenas e pessoas com deficiência física.
Com seu advento, além de realizar seu principal objetivo, que é oportunizar o acesso ao
ensino superior às classes menos favorecidas, as cotas trouxeram outros resultados importantes.
Dentre eles, é de suma relevância falamos sobre a análise crítica e fundamentada que decorre
sobre as suas diferentes singularidades. Conforme Bezerra (2012) “colocar na pauta o debate
sobre a democratização do acesso à universidade brasileira fazendo uma reflexão acerca do
baixo número de jovens menos favorecidos que ascendem ao ensino superior brasileiro”.
A quantidade de críticas direcionadas a essa ação afirmativa é enorme, em grande parte
vinda da mídia de massa. Outra vez temos de voltar a questão da meritocracia, por ser uma das
argumentações mais usuais para justificar o combate ao emprego das cotas nas instituições do
nosso país, principalmente quando estamos falando das raciais, e que pode ser definida “como
um conjunto de valores que postula que as posições dos indivíduos na sociedade devem ser
consequência do mérito de cada um. Ou seja, do reconhecimento público da qualidade das
realizações individuais” (Barbosa, 2003). Como relata Lewgoy (2005)

Tal como o feitiço usado contra o feiticeiro, pode existir o bom racismo, de nobres
finalidades, politicamente correto, reparador de injustiças históricas e provisório em
sua aplicação? De modo algum: usar a racialização oficial para combater o racismo é
mais ou menos como combater um incêndio usando gasolina. É preciso desracializar
com urgência o combate ao racismo e à exclusão social, através de políticas
igualitárias de inclusão, inspiradas no ideário universalista. Esta é, a meu juízo, a

106
perspectiva mais condizente com a boa tradição da antropologia.

A discriminação positiva, como também é conhecida a ação afirmativa tem


demonstrado de maneira eficiente, que para termos uma sociedade mais igualitária é necessário
que os diferentes sejam tratados de formas diferentes e não com imparcialidade. Pois seguindo
esta concepção de parcialidade onde todos são tratados sob a égide da igualdade, o que ocorreria
seria, na verdade, o continuo aumento das lacunas já existentes entre o grupo detentor do poder
e as minorias que teriam dificuldade de ascensão social.
Numa questão como essa, é necessário que mais uma vez voltemos ao passado. Isto é,
como tratar atualmente coletividades que ao longo de suas histórias foram excluídas e
invisibilizadas socialmente? Como aponta Silva e Silverio (2003)

Discriminar os negros no mercado de trabalho pelo fato de eles terem estudado graças
às cotas é simplesmente deslocar o eixo do preconceito e da discriminação presentes
na sociedade e que existem sem cotas ou com cotas e isso pode também ser
comprovado por meio de crítica.

Munanga (2003), em seu trabalho, aponta para a diversidade das posições contrarias no
que se refere o caso das cotas raciais. Dentre elas, são destacadas 5 categorias, mas aqui
traremos apenas 3 exemplos. A primeira relata que o Brasil possui em sua história, desde o
período colonial até os dias atuais, vários ciclos de imigração. Assim, resultando em uma
população extremamente miscigenada. Desta forma, a probabilidade de fraudes seria bem
maior, por ser a auto declaração o único critério para o uso desta categoria de cotas. Já a segunda
diz respeito ao questionamento sobre se a entrada de negros e pardos por causa de ações
específicas devido à raça não poderia prejudicar a qualidade do ensino das instituições. E um
último exemplo que apresentamos diz respeito a experiência que ocorreu nos EUA, onde essa
política pública não consegue minimizar efetivamente o preconceito racial. Consideramos que
colocar em pauta estas e outras críticas seja de fundamental importância para realizar melhorias,
repercutindo em seu melhor aproveitamento e não para invalidá-las.
Como uma das principais contribuições ocorridas por meio da adoção de política de
cotas, destaca-se o processo de ascensão social de estudantes negros, deficientes físicos,
proveniente de escolas públicas ou bolsistas integrais e indígenas. Logo, devido à saída de um
quadro de estratificação social, estes sujeitos têm a possibilidades de almejar um futuro melhor
que o vivenciado por seu grupo familiar, pois agora são dadas as mínimas condições de
sonharem com tal objetivo.
Mas além de falar das críticas em relação às cotas, também é importante trazermos para
analise a questão da permanência dos alunos que adentraram ao ensino superior público por
meio de ações afirmativas, no caso cotas, uma vez que o caminho destes, além das dificuldades
comumente enfrentadas por qualquer estudante de graduação, tem em adição outras, como
exemplo questões relativas a raça, a finanças, repercutindo no processo de ingresso e
continuidade na academia (Mayorga e Souza, 2012), de tal forma que se faz necessário
atentarmos para as peculiaridades do processo de permanência no ambiente universitário destes
grupos de alunos.
Como relata Rosa (2014) “Assim, por mais que o ato de evasão seja uma decisão
individual do aluno, é preciso ater-se para as situações efetivas que fazem com que o aluno
permaneça ou abandone a educação formal”. Assim, quando ocorre a situação da evasão

107
acadêmica, não devemos encará-la como algo do âmbito exclusivo daquele sujeito, muitas
podem ser as desencadeadoras do abandono. Logo, identificar tais circunstâncias parece ser
uma ótima alternativa para a proposição de mecanismos para enfrentamento da evasão.
Acreditamos que, para a criação de programas de estímulo à permanência na
universidade é necessário entendermos que cada estudante tem em si uma história singular,
carregada de diversos tipos de experiências. Assim, quando trazemos isso para o âmbito dos
cotistas, esta sensibilidade precisa ser ainda mais evidenciada, visto que as cotas congregam
um número grande de sujeitos vindo em sua maioria de minorias sociais que tiveram sua
vivência perpassada por diversas privações. Como relata Bittar, Cordeiro e Almeida (2007)

No processo de interação social a que todo ser humano é submetido, o estigma a ele
atribuído (caso dos negros e indígenas) serve de parâmetro para a inferência de outras
características indesejáveis e passa a reger a relação social, dificultando ou até
impedindo a mobilidade social do indivíduo.

Quando entramos na discussão da permanência, devemos analisar como estamos


tentando incluir este outro. Como fala Sawaia (1999) “A sociedade exclui para incluir e esta
transmutação é condição da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão”,
ou seja, na sociedade na qual vivemos, o processo de inclusão social se mostra de certa forma
enganosa, ou em outras palavras, por meio da inclusão perversa dos sujeitos.
Isso fica evidente quando trazemos tal questão para o campo inserção dos cotistas no
ensino superior, pois as suas necessidades não ficam restritas a esfera financeira, outras
demandas são latentes. Exemplificando podemos utilizar uma pesquisa que foi realizada na
Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS). Dentre as medidas apontadas segundo
os estudantes para uma melhor estadia na universidade, podemos destacar: ampliação no
número de bolsas, maior quantidade de monitorias, mais oportunidades de estágios
remunerados, expansão no apoio vindo dos professores da IES (Bittar, Cordeiro e Almeida,
2007).
Conforme estes dados, podemos observar que em adição a questão monetária,
necessidades outras, principalmente em relação ao suporte ao processo de aprendizagem, se
fazem imprescindíveis para uma vivencia benéfica. Logo, as ações para permanência devem
levar em consideração tais informações, como afirma Mayorga e Souza (2012)

Além disso, não deve se restringir a uma ação assistencialista – deve possibilitar o
debate público e a politização dessa experiência, para que a política de permanência
não se transforme em um paliativo das desigualdades, mas em algo que de fato
envolva toda a comunidade acadêmica, possibilitando que ela se implique nessa
transformação.

4 Conclusão

Em suma, após essa explanação, fica evidente que o tema das ações afirmativas,
especificamente das cotas, ainda necessita de um amplo espaço para debate, em decorrências
das suas consequências para a sociedade civil. Ademais devemos analisá-las criticamente e

108
incluindo as opiniões opostas, com a possibilidade perceptível de enriquecimento da discussão.
Por fim, faz-se necessário reiterar que os estudos e pesquisas realizadas no âmbito da
permanência de alunos cotistas nas universidades não se limitam às literaturas apresentadas
nessa revisão e nem se esgotam nas mesmas. É imprescindível que outras investigações sejam
realizadas com o intuito de aprofundar cada vez mais as discussões sobre tal assunto.

Referências

Alberti, V. & Pereira, A. (2006). A defesa das cotas como estratégia política do movimento
negro contemporâneo. Estudos Históricos. 1(37) (pp. 143-166).
Andrews, G. R. (1985) O negro no Brasil e nos Estados Unidos. Lua Nova, São Paulo, Vol 2,
Nº 1 (pp. 52-56). DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451985000200013.
Barbosa, L. (2003) Igualdade e Meritocracia: a ética do desempenho nas sociedades modernas.
Rio de Janeiro.
Bezerra, T. O. C. & Gurgel, C. R. M. (2012) A política pública de cotas em universidades,
enquanto instrumento de inclusão social. Pensamento & Realidade, São Paulo, v. 27, n. 2
(pp. 95-117). Acesso em:
http://revistas.pucsp.br/index.php/pensamentorealidade/article/viewFile/12650/9213.
Bittar, M., Cordeiro, M. J. D. J. A. & Almeida, C. E. M. D. (2007) Política de Cotas para Negros
na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – um estudo sobre os fatores da
permanência. Série-Estudos - Periódico do Mestrado em Educação da UCDB. Campo
Grande, Nº 24 (pp. 143-156).
Brasil. (2012) Lei Nº 17.211. Brasília, Distrito Federal. Acesso:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm.
Brasil. (1988) Constituição Federal de 1988. Acesso em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm.
Bourdieu, P. (2014) Escritos de educação. 10. ed. Petrópolis: Vozes.
Domingues, P. (2005) Ações afirmativas para negros no Brasil: o início de uma reparação
histórica. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, n. 29, (pp. 164-176). DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782005000200013.
Feres Jr., J. & Daflon, V. T. (2015) Ação afirmativa na Índia e no Brasil: um estudo sobre a
retórica acadêmica. Sociologias, Porto Alegre, Vol. 17, Nº 40 (pp. 92-
123). DOI: http://dx.doi.org/10.1590/15174522-017004003.
Frias, L. (2013) As cotas raciais e sociais em universidades públicas são injustas? Belo
Horizonte: UFMG.
Gomes, J. B. B. (2003) O debate constitucional sobre ações afirmativas. In Santos, R. E. &
Lobato, F. (Orgs). Ação Afirmativa: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio
de Janeiro: DP&A (pp. 15-57).
Ladeira, M. R. A. & Silva, H. M. G. (2018) (Des)caminhos do sistema Brasileiro de cotas

109
Universitárias. Temporalis. Brasília. Vol. 18 (pp. 220-243).
Lewgoy, B. (2005) Cotas raciais na UnB: as lições de um equívoco. Horiz. antropol. Porto
Alegre, Vol. 11, Nº 23 (pp. 218-221). DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-
71832005000100013.
Marton, J. (2010) Lá fora: A história das cotas raciais nos EUA. Acesso em:
https://vestibular.brasilescola.uol.com.br/cotas/la-fora-historia-das-cotas-raciais-nos-
eua.htm.
Mayorga, C. & Souza, L. M. (2012) Ação afirmativa na universidade: a permanência em
foco. Rev. psicol. polít. São Paulo, Vol. 12, Nº 24 (pp. 263-281). Acesso em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-
549X2012000200006&lng=pt&nrm=iso.
Moehlecke, S. (2002) Ação afirmativa: História e debates no Brasil. Cafajeste. Pesqui. São
Paulo. Nº 117 (pp. 197-217). DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742002000300011.
Munanga, K. (2003) Políticas de ação afirmativa em benefício da população negra no Brasil –
Um ponto de vista em defesa de cotas. Revista Espaço Acadêmico. Maringá: UEM; Ano
II; Nº 22. Acesso em:
http://dedalus.usp.br/F/FF7NXYNCR7QX9RDSPKSDCUDU98PMVD9KNF8KAD8A9B56MUI
U1L-26499?func=direct&doc%5Fnumber=001369256&pds_handle=GUEST.
Piovesan, F. (2005) Ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos. Cafajeste. Pesqui.,
São Paulo. Vol. 35, Nº 124 (pp. 43-55). DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-
15742005000100004.
Rosa, C. M. (2014) Limites da democratização da educação superior: entraves na permanência
e a evasão na Universidade Federal de Goiás. In: Poíesis Pedagógica, Catalão(GO). Vol.
12, Nº 1, (pp. 240-257). Acesso em:
https://revistas.ufg.emnuvens.com.br/poiesis/article/download/31219/16813.
Sawaia, B. (1999). As artimanhas da exclusão social: análise psicossocial e ética da
desigualdade social. Petrópolis: Vozes.
Silva, P. B. G. & Silvério, V. R. (2003). Educação e ações afirmativas: entre a injustiça
simbólica e a injustiça econômica. Brasília: Inep. 270 p
Trevisol, J. V. & Nierotka, R. L. (2016) Os jovens das casas populares na universidade pública:
acesso e permanência. Rev. katálysis, Florianópolis. Vol 19, Nº 1 (pp. 22-32). DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/1414-49802016.00100003.
ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS DE CLASSES POPULARES: UMA REVISÃO DE

110
LITERATURA

Jorge Samuel de Sousa Teixeira


Francisca Denise Silva Vasconcelos

1 Introdução

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura


(UNESCO, 2004), cerca de 18% da população mundial é analfabeta. Entre os jovens de 15 a
24 anos, as taxas mundiais chegam a 12%. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), em 2015, cerca de 8% da população brasileira com 15 anos ou mais ainda
era analfabeta. Se o fator gênero for levado em consideração, no mesmo ano, os homens
apresentavam índices superiores (8,3%) ao das mulheres (7,7%). Apesar desses números virem
em uma constante decrescente nos últimos anos – em 2007, mais de 10% dos brasileiros ainda
não haviam sido alfabetizados de acordo com o instituto -, o analfabetismo ainda é uma das
principais problemáticas que afligem o nosso país, o que não se restringe apenas ao campo da
educação, mas traz consigo uma série de fatores socioeconômicos que são contingentes aos
números supracitados.
As taxas de alfabetização não se limitam a apenas expor em termos quantitativos o
acesso à cultura escrita, como assinala Souza (1999), mas revelam muito do sistema
educacional vigente, e mesmo o perfil educacional de uma população, isto é, aponta, para a
educação de fato. Como já apontou Paulo Freire (1996), “se a educação sozinha não transforma
a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda”. Assim, tomando a educação como
instrumento fundamental, não seria um equívoco compreendê-la como uma necessidade básica
do ser humano, tendo em vista seu caráter transformador e potencializador de formação cidadã
e pensamento crítico.
É importante frisar que as características sociais e econômicas acabam interferindo
também nesse contexto. Não à toa, o Nordeste, região mais pobre do país, abriga o maior
número de analfabetos (16,9%) (IBGE, 2007/2015), e quase 40% da população da África
Subsaariana ainda não sabe ler nem escrever (UNESCO, 2004). As questões de classe cumprem
papel fundamental no âmbito dessa problemática, sobretudo quando se está no contexto de um
país considerado subdesenvolvido e com um abismo socioeconômico gritante que separa
diferentes estilos de vida, modos de pensar e, por que não, níveis educacionais. Karl Marx já
afirmava que “a história da sociedade até aos nossos dias é a história da luta de classes. ” (1988),
assim, esse confronto, seja ele econômico, político ou ideológico atravessa os infinitos âmbitos
de nossa existência, atingindo violentamente as camadas mais pobres da população que se
encontram à mercê de um sistema capitalista que visa o lucro acima de tudo e, por que não
dizer, a exploração dessa população.
O contexto de se estar em situação de pobreza e com acesso restrito a educação pode se
tornar um fator de impulsão para o surgimento de problemas psicológicos que podem vir a
afetar o indivíduo e seu núcleo familiar. O psicólogo americano B. F. Skinner já afirmava em
sua obra “O mito da liberdade” (1983), que o ambiente pode ter a função de controlar o
comportamento humano, o homem; e que esse ambiente foi inteiramente construído por ele.
Diante da ideia de que há uma relação direta entre o organismo e o ambiente em que este está

111
inserido, é fundamental pensar a respeito de crises comportamentais em virtude de um contexto
que pode ser aversivo ao sujeito em questão. Na própria base das teorias analítico-
comportamentais, esse ambiente é tido como um dos determinantes do comportamento do
indivíduo, junto a sua filogênese e sua ontogênese.
Entendendo que já foram realizados estudos de muita relevância a respeito da
alfabetização de adultos, como o trabalho de Macedo sobre letramento tardio e conhecimento
semântico (2003); e mesmo as imensas contribuições da pedagogia freireana na educação de
jovens e adultos, esse trabalho parte de uma perspectiva mais psicológica, enfatizando os
aspectos psíquicos por parte daqueles que se encaixam na amostra, focalizando na existência
(ou não) de algum sofrimento psicológico por parte dessas pessoas, através da realização de
uma revisão de literatura.
É importante ressaltar que, na história da educação brasileira, o processo de
alfabetização foi um dos principais pilares condutores de projetos e pactos nacionais. Em 1970,
foi criado pelo governo federal o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que
tinha por objetivo erradicar o analfabetismo no país em um período de dez anos, conduzindo as
pessoas a exercer a leitura, a escrita e o cálculo, com o intuito de que a mesma adquirisse
melhores condições de vida. O movimento ficou em ativa até 1985, quando foi substituído pelo
projeto Educar (EducaBrasil, 2001).
Mais recentemente, foi criado em 2012, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa (Pnaic), que tem como principal objetivo a garantia de que todas as crianças brasileiras
sejam plenamente alfabetizadas até os oito anos de idade. Para tal, o Pacto integra ações da
União com estados, municípios e instituições de todo o país, sendo considerado pela
coordenadora geral do Pnaic da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) como uma
política de continuidade do governo brasileiro em relação à formação de educadores
(Plataforma do Letramento, 2015). A partir disso, pode-se pensar a respeito dos termos certo e
errado dentro da lógica da alfabetização. Tal processo encontra-se dentro de uma lógica de
mercado, onde o período “correto” em que se deve ser alfabetizado é ditado por um sistema
econômico e ideológico, o que acaba levando o indivíduo a achar que está no “tempo atrasado”,
quando, na verdade, esse tempo é ditado por um conjunto exclusivo de pessoas, sejam elas
pedagogas, políticas ou educadoras.
Assim, refletir a respeito de um possível sofrimento psíquico decorrente de um processo
de alfabetização na vida adulta não envolve aspectos que dizem respeito a uma maior ou menor
capacidade intelectual de determinada pessoa. As dicotomias sociais tão presentes em nossa
história passada e atual – rico x pobre; branco x preto; ensino público x ensino privado – são
peças primordiais para se entender essa problemática que mantém um diálogo íntimo aos
debates de classe e raça, e parecem estar a quilômetros de discursos meritocráticos que prezam
por um esforço individual e excessivo que não é atingido por toda uma conjuntura econômica,
social e política.

2 Desenvolvimento

Trata-se de uma revisão de literatura, onde as buscas foram realizadas em duas bases de
dados, sendo elas Google Acadêmico e SciELO Foram selecionados os textos que mais se
adequassem a temática proposta, utilizando as palavras-chave “analfabetismo”, “pobreza” e
“sofrimento psíquico” na busca dessas literaturas. A primeira seleção dos artigos foi feita pelos
títulos, sendo posteriormente selecionados pelos seus respectivos resumos, excluindo-se

112
aqueles que não tratassem especificamente dos temas supracitados, ou que não estivessem
escritos em língua portuguesa. Foram encontrados oitenta e quatro textos mediante as buscas
realizadas, sendo que desses, trinta artigos foram utilizados na realização das análises. A
literatura foi discutida com base nos conceitos utilizados como descritores na busca de
literaturas, dando especial ênfase às teorias freireanas, e realizando articulações com ideias que
versem a respeito de pobreza e educação, como é o caso das obras de Jessé Souza.

3 Discussão

O documento da UNESCO de 1958 (p. 4) afirma que "é alfabetizada a pessoa que pode
tanto ler com compreensão quanto escrever uma pequena frase simples sobre sua vida cotidiana.
É analfabeta a pessoa que não puder tanto ler, quanto escrever uma pequena frase simples sobre
sua vida cotidiana." (UNESCO como citado em Scliar-Cabral, 2003). Com base nessas
definições, é possível se pensar a respeito da categoria dos analfabetos. Os mesmos são
colocados na mira da sociedade quando se toca no assunto educação, e são, muitas vezes,
tomados por estereótipos que os colocam sobre a figura do preguiçoso ou do desinteressado
pelos estudos, quando, na realidade, não se vislumbra o ambiente social de onde parte essa
categoria, ou mesmo os componentes de sofrimento psíquico que podem estar envolvidos no
cotidiano de um indivíduo analfabeto.
O prefixo “a”, contido na palavra analfabeto, expressa ausência. Sendo acompanhado
por alfa e beta, letras do alfabeto grego, significa o desconhecimento das letras (Soares, 2001).
Desse modo, a própria definição da Unesco, mesmo que esteja um tanto ultrapassada e antiga,
pode ser problematizada. Primeiramente porque seria extremamente difícil definir o que o
instituto chama de “pequena frase simples”. Segundo porque alguns questionamentos parecem
estar em abertos ao ler a descrição desse conceito. Então a capacidade de escrever uma palavra
isolada, mas sem encaixa-la numa frase estruturada e “simples” seria ainda considerado
analfabetismo? A etimologia da palavra aponta para uma negativa a essa questão, tendo em
vista que existe aí um conhecimento a respeito da formação de um vocábulo.
Desse modo, para iniciar as articulações que serão feitas nesse tópico entre teorias e
ideias, concordamos com Ferreiro (1985), quando a mesma afirma que é inviável conceber o
conceito de alfabetização como uma simples aquisição de um código e considerar os educandos
como sujeitos sem qualquer conhecimento já pré-adquirido sobre a cultura escrita. Afinal de
contas, eles estão em uma sociedade onde a escrita faz parte de seu cotidiano, faz parte da sua
cultura. Goody (1977) como citado em Macedo (2003) versa sobre o impacto que a existência
de uma língua escrita exerce sobre um sistema cultural, isto é, como a representação das
palavras pode ser modificada e transformada em decorrência do desenvolvimento de um
sistema de escrita.
E, partindo-se de uma perspectiva analítico-comportamental, compreendo a cultura
como fator determinante do comportamento (Andery, 2011). Nas palavras da própria Andery,
tendo como base as ideias de Skinner, “O comportamento humano, por sua vez, passa a ser
tomado como fenômeno que só poderá ser descrito em toda sua complexa interação com o
ambiente quando puder ser descrito como determinado (e determinante, é claro) pelo ambiente
social ou cultura” (Andery, 2011). Assim, tomando esse pensamento como base, seria
impossível conceber um indivíduo que não tem seu comportamento determinado também pela
cultura escrita, mesmo que este tenha que recorrer a meios não convencionais de se ter acesso

113
à esta.
É importante ainda que um outro ponto seja frisado. Trata-se da diferenciação entre
letramento e alfabetização. A primeira é definida como a habilidade de ler e escrever. Já a
segunda seria um caso particular de letramento, isso é, a aquisição de uma habilidade específica,
que, no caso, seria aprender o alfabeto e a correspondência grafema-fonema e fonema-grafema;
o processo pelo qual a leitura e a escrita são apreendidas nos sistemas alfabéticos (Macedo,
2003). Nesse trabalho, daremos ênfase ao segundo conceito.
Diante disso, a verdade é que as questões que envolvem o sujeito analfabeto sempre
foram cercadas de dúvidas e inconstâncias, onde os dados estatísticos sempre se sobrepuseram
à necessidade de ouvir esse sujeito, saber suas demandas e seus anseios. Tais dúvidas permeiam
mesmo a definição da palavra “analfabeto”, pois, até a década de 40, o IBGE considerava
analfabeto aquele que era incapaz de escrever seu próprio nome (Soares, 2001). Incapaz. Aqui
está uma palavra que consideramos danosa para se definir as habilidades de alguém.
Incapazes eram os loucos em meados do Século XVII, onde as mudanças ocorridas em
decorrência do desenvolvimento industrial, do crescimento das cidades e do poder das relações
políticas constituíram uma forma de exclusão diante da figura do louco (Millani & Valente,
2008). Restava para esses uma abordagem um tanto quanto convencional para aquela época e
que, tragicamente, vem ganhando apoiadores no atual parâmetro: a correção. Mas quem seriam
os corretores desses tais incapazes? Os hospitais e as igrejas estavam prontos para elucidar esse
questionamento. Se eles não servem para nós, nos resta darmos um jeito neles. Uma lógica que,
infelizmente, parece estar retornando ao nosso convívio. Hoje, os analfabetos podem ser
considerados dentro da categoria dos “incapazes”. Estes últimos, cuja definição passou por
muito tempo por esse termo ao qual nos debruçamos nessas últimas linhas, são relegados ao
abandono social e ao preconceito. Desde a constituição de 1891, ainda na Primeira República,
onde os analfabetos não tinham direito ao voto, até os dias de hoje, essa categoria vem sendo
cada vez mais negligenciada e esquecida pelo poder público. E se são considerados incapazes
de ler ou escrever, que sejam corrigidos. É aí que podemos citar um dispositivo que não tem
necessariamente uma marca de correção, mas que, na realidade, pode ser a concretização do
sonho de alguns: ser letrado, conseguir ler ou escrever uma frase, o próprio nome, etc. Estamos
falando aqui da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A educação escolar de Jovens e Adultos no território brasileiro engloba ações de
alfabetização, cursos e exames supletivos para os períodos do ensino fundamental e médio,
além de oferecer ainda programas de educação a distância, que podem ser realizados via meios
de comunicação, como a televisão e o rádio, ou por meio de materiais impressos (Di Pierro &
Graciano, 2003). A EJA representou uma importante escalada no processo de inserção social
desses indivíduos, possibilitando aos mesmos compartilhar de algo que é cultural e normativo
à nossa civilização: o idioma escrito.
Quando se fala em alfabetismo na idade adulta, estamos falando da chamada
alfabetização tardia. Assim, é importante ainda frisar o segundo elemento que compõe esse
termo, isto é, a palavra “tardia”. Tal léxico é aqui significado dentro de uma lógica de mercado,
que dita os períodos exatos de se cumprir determinadas tarefas, ou mesmo de se aprender
determinados conhecimentos. O tempo, tão precioso nesse contexto, é tido como determinante
na capacidade cognitiva de um indivíduo, que precisa adequar-se a um padrão já pré-
determinado pela sociedade, e que acaba tornando-se uma conveniência. Porém, o que não se
discute amplamente são os motivos que levaram um sujeito a não se alfabetizar na chamada
idade certa, seguindo os modelos do já citado Pnaic. Menos ainda falado é a justificativa para
que essa alfabetização ocorra logo nos primeiros anos de vida. Um “por que” que vai além dos

114
fatores culturais, adentrando-se muito mais nos quesitos relacionados ao mercado econômico,
uma ideologia de mercado de fato, onde o poder é alcançado por intermédio de uma formação,
de um saber.
Tais ideias vão ao encontro dos escritos de Jessé Souza na obra “Construção Social da
Subcidadania”, onde o mesmo aborda a lógica da ideologia do desempenho. Tal ideologia se
baseia
[...] na “tríade meritocrática” que envolve qualificação, posição e salário. Destes, a
qualificação, refletindo a extraordinária importância do conhecimento com o
desenvolvimento do capitalismo, é o primeiro e mais importante ponto que condiciona
os outros dois. A ideologia do desempenho é uma “ideologia” na medida em que ela
não apenas estimula e premia a capacidade de desempenho objetiva, mas legitima o
acesso diferencial e permanente a chances de vida e apropriação de bens escassos.
(Souza, 2003, p. 35)
Nesse sentido, no contexto escolar, é considerado inteligente o aluno que se sobressai
aos demais no campo cognitivo, ou seja, que aprende mais rápido, que tira as melhores notas,
ou que aprende a ler e escrever antes dos colegas, em detrimento do aluno que tem dificuldades
em determinadas áreas, ou mesmo na leitura e escrita. O que acontece é que esse pensamento
extrapola os muros da escola, sendo parte constituinte do pensamento social e adentrando em
nosso cotidiano. Assim, o analfabeto é julgado tendo como crivo o discurso meritocrático tão
bem citado por Souza. Desse modo, esse último tem seus esforços ignorados e diminuídos
diante de uma ideologia que sobrepõe o desempenho individual sobre o contexto
socioeconômico, familiar e cultural de um aluno, de um indivíduo.
O conceito de Homo Sacer, cunhado pelo filósofo italiano Giorgio Agamben, é um outro
ponto a ser destacado dentro desse contexto. Agamben acredita que o meio jurídico, ao exercer
seu poder dito soberano, acaba por tornar certas vidas matáveis. Daí vem a nomenclatura Homo
Sacer, baseada no antigo direito romano, fazendo referência a uma figura que pode ser morta
sem que se cometa suicídio (Arán & Peixoto Júnior, 2007). Nas palavras do próprio autor, esse
ser matável
[...] foi excluído da comunidade religiosa e de toda vida política: não pode participar
dos ritos de sua gens, nem (se foi declarado infamis et intestabilis) cumprir qualquer ato
jurídico válido. Além disto, visto que qualquer um pode matá-lo sem cometer
homicídio, a sua inteira existência é reduzida a uma vida nua despojada de todo direito,
que ele pode somente salvar em uma perpétua fuga ou evadindo-se em um país
estrangeiro. (Agamben, 2002, p. 189)
A partir do conceito formulado por Agamben, podemos pensar sobre os matáveis da
contemporaneidade, aqueles que se encontram excluídos ou a margem da sociedade. E quando
não se compartilha de um valor considerado cultural e quase necessário para se viver
socialmente – o idioma escrito – uma carga de isolamento acaba recaindo sobre as vivências do
sujeito analfabeto. Talvez os matáveis de hoje não sejam tão violentamente subjugados pela lei,
pelo menos no sentido geográfico que a citação traz, mas a vida nua a qual Agamben se refere
ainda é constantemente vivenciada pelos mesmos, relegados ao esquecimento e desamparo.
Um outro conceito também é necessário que seja abordado para que se dê
prosseguimento a esse projeto. Falamos aqui da pobreza. Isso porque ser pobre é um processo
de empobrecimento que está presente ao nascer de muitas pessoas. O cunho econômico e
financeiro de alguém já é algo mais ou menos pré-definido antes mesmo do nascimento. Talvez
por essa imensa complexidade, o conceito supracitado, assim como o de analfabeto, passou por

115
inúmeras modificações ao longo do tempo.
Na década de 70, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) entendia a pobreza
como a incapacidade de um indivíduo satisfazer suas necessidades básicas. Mais uma vez a
palavra “incapaz” surge em meio as definições dos conceitos utilizados nesse projeto.
Posteriormente, nas décadas de 80 e 90, o conceito sofreu mais algumas alterações, englobando
aspectos não monetários, como a vulnerabilidade, a impotência, a insegurança, dentre outros
(Vieira, 2006). Desse modo, pode-se considerar que a pobreza não é um conceito meramente
relacionado ao quesito financeiro. Além disso, a de se considerar que não se pode reduzir tal
conceito ao singular. Hoje em dia, fala-se em pobrezas, isto é, a economia não como um fator
determinante para se categorizar alguém como pobre. A exemplo disso, trago o conceito de
pobreza política, como citado por Pedro Demo.
A pobreza política é uma tragédia histórica, na mesma dimensão da pobreza
socioeconômica, e se retrata, entre outras coisas, na dificuldade de formação de um povo
capaz de gerir seu próprio destino e na dificuldade de institucionalização da democracia.
(Demo, 1988, p. 32)
Para que se aborde o tema pobreza, é impreterível que se cite as ideias do filósofo Karl
Marx. Segundo Quintaneiro (2002) o mesmo interpretava a miséria como uma espécie de
instrumento que seria utilizado pelas classes dominantes ao seu favor, em uma clara dialética,
onde os ricos só existiriam porque os pobres também existem. Essa espécie de ciclo pode ser
vista até mesmo no período contemporâneo, onde a exploração da classe trabalhadora, isto é,
do proletariado, é um fenômeno presente no cotidiano de empresas, indústrias e no mercado de
trabalho como um todo, este último cada vez mais exigente por resultados, qualificações e
especializações profissionais. Um mercado que parece ainda não estar completamente pronto
para receber o indivíduo analfabeto. Mais especificamente, mercado que ainda não está pronto
para dar oportunidades ao sujeito pobre e analfabeto.
A pobreza mantem ainda uma relação com a escrita, à medida em que essa última
adquire um atributo de valor das classes abastadas, como apresenta Armellini et al. (1993) como
citado em Barbosa (2008), ao afirmar que, como ler e escrever não é para a sua classe social,
estar na escola é usurpar um lugar que não lhe pertence. Um lugar que, historicamente, foi
reservada às classes mais ricas e com maior poder aquisitivo. Aqui, mais uma vez, a luta de
classes mostra-se presente e determinante na história de vida desses indivíduos
Trata-se não de um problema pontual. Pelo contrário, as desigualdades socioeconômicas
constituem-se como um fator presente em praticamente todas as culturas, e nosso país não
escapa disso. Como já afirmou Jessé de Souza (2017), “o ódio ao pobre é o problema central
do Brasil. ” O mais revoltante é que esse ódio tem cor, endereço, e já tem um alvo. Quando isso
soma-se ao analfabetismo, temos um sujeito negligenciado no campo econômico, educacional
e, para além disso, temos aí também uma negligência psicológica, porque não se trata de
analisar tal situação somente por uma via financeira e sociológica. Mais do que isso, temos aqui
repercussões sobre a saúde mental de um sujeito.
Como já citado anteriormente, e aqui essa ideia é retomada, a própria concepção de
alfabetização na idade certa, lógica central do Pnaic de 2012, é englobada dentro de uma lógica
capitalista. É necessário que os sujeitos se alfabetizem, sejam letrados e adquiram conhecimento
para que esses mesmos sujeitos possam se tornar profissionais potenciais a fazer o capital
circular, o famoso capital de giro. Tal lógica pode ser entendida através de uma das máximas
de Marx de que “As ideias dominantes de uma época foram sempre tão somente as ideias da
classe dominante. ” (Marx & Engels, 1998). A partir desse pensamento, pode-se refletir a
respeito de quem são os dominantes e os dominados de nossa época. Partindo desta ideia

116
marxiana, e adentrando o contexto desse projeto, os dominados são claramente os sujeitos
analfabetos, que são submetidos a uma realidade constantemente perpassada pelo sofrimento
subjetivo advindo do olhar julgador da sociedade, tornando-se refém de um sistema opressor
dominado pelos detentores dos meios de produção, os quais, hoje em dia, podem também ser
encontrados no Congresso Nacional, com seus colarinhos brancos e sua dobrez disfarçada de
patriotismo.
São dominados até mesmo no próprio procedimento de alfabetização, uma vez que até
mesmo as palavras escolhidas para que se inicie o processo de ler e escrever são escolhidas
pelos alfabetizadores. Bebendo da fonte das ideias de Garcia (2009), um direito simples, como
o de escolher qual palavra quer ser aprendida, é muitas vezes negada a esse aluno, o que pode
afastá-lo ou desmotiva-lo a continuar nessa caminhada. É quase um aprisionamento, que não
permite que o alfabetizando expresse seu mundo por meio das palavras escritas. Como essa
mesma autora cita, o alfabetizando também tem o direito de poder pronunciar seu mundo
através de sua escrita. (Garcia, 2009).
Um outro autor fundamental para basear este trabalho quando se toca no tema
alfabetização de jovens e adultos é Paulo Freire. O mesmo é responsável por criar um método,
que inclusive leva seu nome, em prol de uma pedagogia mais libertadora e autônoma,
concebendo a educação como uma prática de liberdade. Seus ideais influenciam os rumos
tomados pela EJA, e são verdadeiros guias no processo de alfabetização. Como afirma Haddad
(2002):
No que concerne às concepções de EJA, o pensamento freireano continua a ser a
referência a partir da qual os pesquisadores aderem, tecem críticas ou incorporam novos
aportes (seja Celestin Freinet, Emília Ferreiro, Lev Vygotsky ou Luria). A matriz da
alfabetização conscientizadora/educação transformadora de Freire é o ponto de partida
de uma série de experiências curriculares, metodológicas ou organizacionais (Haddad,
2002, p. 46)
Com base nessas considerações, pode-se conceber que a prática libertadora citada por
Paulo Freire requer não apenas sujeitos como meros espectadores do espetáculo chamado
conhecimento, mas também como participantes ativos desse processo, desenvolvendo seu senso
crítico a respeito do mundo ao seu redor, e incentivando sua participação social. Essa liberdade,
como cita Garcia (2009) não está somente na consciência, no desejo, ou seja, na interioridade
do ser humano, mas encontra-se também no âmbito sociopolítico. Daí vem a importância de se
constituir sujeitos ativos e conscientes de si e das inúmeras adversidades que o cercam.
Outro ponto a ser destacado diante da problemática que permeia esse trabalho diz
respeito ao sofrimento psíquico desse público. Di Pierro como citado em Garcia (2009) acredita
que a melhor categoria para se definir essa amostra seria a exclusão. Exclusão essa que
contempla os âmbitos socioeconômicos e culturais, levando em consideração ainda questões
como gênero, geração, etnia, além de divergências sociais entre zonas rurais e urbanas. Fatores
de suma importância para que se compreenda a presença de danos psíquicos ao sujeito pobre e
analfabeto que, mesmo excluído, recorre a meios não convencionais para lidar com a escrita.
Um modo de sobrevivência em meio a sociedade letrada. (Barbosa, 2015)
Para Ceccarelli (2005), o portador de sofrimento psíquico é aquele que “padece de algo,
cuja origem ele desconhece e que o leva a reagir, na maioria das vezes, de forma imprevista. ”
O sofrimento psíquico tem na psicopatologia uma de suas maiores estudiosas. Porém, ainda
muito influenciada pelos modelos biomédicos, essa última sempre esteve mais preocupada em
categorizar e mapear diversas patologias, com o intuito também de estabelecer métodos que
visem a cura das mesmas. O que é algo que não deixa de ser importante, tanto para a

117
manutenção da qualidade de vida dos indivíduos, quanto para a permanência e longanimidade
dos seres humanos. Contudo, mais do que enfocar os esforços em descobrir a origem de
determinada doença ou como trata-la de um modo menos invasivo, é necessário que se olhe
para o sujeito, alguém pleno de sua subjetividade, que tem demandas, potencialidades e
necessidades que precisam ser supridas. Dentre essas necessidades, o acolhimento e a escuta
acabam ficando em segundo plano, onde o papel de protagonista é reservado a aspectos que
deem conta do fim da patologia.
Desse modo, o sujeito pobre, que apresenta dificuldades de leitura ou escrita, ou mesmo
a ausência de tais habilidades, dentro de uma visão biologizante, pode ser considerado alguém
com déficit cognitivo, termo ainda utilizado por alguns psicólogos na contemporaneidade, e
que carrega consigo um peso e um estigma marcante. Ser taxado com uma deficiência cognitiva
atiça o julgamento social. Termos como “burro”, “ignorante”, “estúpido” ou “idiota” estão
prontos para serem pronunciados ao se referirem a esses sujeitos. Tais palavras ganham
significado pejorativo a partir do momento que são referidas a tais pessoas, isto é, a palavra
ganha sentido a partir do que ela representa. Nesses casos, elas representam os negligenciados.
A imagem que esses indivíduos têm de si também pode ser um motor gerador de
sofrimento psíquico. Questões relacionadas à autoestima dessa população foram trabalhadas
por Barbosa (2015), onde a mesma traz à tona a primazia dada aos saberes escolarizados e
dependentes da escrita, em detrimento dos saberes repassados por práticas orais. Desse modo,
não se trata de imagens de si pré-concebidas ou já dadas, mas de imagens socialmente
construídas em cima de um discurso que supervaloriza e valida o saber escrito, rebaixando
saberes compartilhados vocalmente. Não à toa, “a escrita traz consequências sociais, culturais,
políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida,
quer para o indivíduo que aprende a usá-la. ” (Soares, 2004 como citado em Barbosa, 2015).
Não se trata aqui de criticar o conhecimento repassado por meio da leitura e escrita. A crítica é
direcionada à sobreposição de formas de repassar o saber, uma hierarquização que acaba
atingindo os analfabetos.

4 Conclusão

Assim, compreendendo que os conceitos de analfabetismo, pobreza e sofrimento


psíquico se articulam e criam reflexões propensas a gerar debates e interrogativas, investigar a
respeito do sofrimento de indivíduos pobres que se alfabetizam na vida adulta torna-se um tema
relevante e fundamental para ser estudado, sobretudo diante da atual conjuntura, onde a classe
dominante reina cada vez mais às custas do povo, do proletário. E, imagine só, esses a quem
nos referimos a pouco fazem parte justamente desse proletário.
Destarte, as conexões traçadas aqui dentre esses três pilares que sustentam essa revisão
de literatura não se encerram nesse trabalho. Muitos estudos ainda podem e devem ser
realizados, tendo como público principal indivíduos analfabetos de classes populares, visando
um maior protagonismo aos mesmos dentro das problemáticas sociais e econômicas
vivenciadas na conjuntura brasileira.

Referências
118
Agamben, G. (2002). Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua 1. Tradução de Henrique
Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG.
Andery, M. A. P. A. (2011). Comportamento e cultura na perspectiva da análise do
comportamento. Perspectivas, 2(2), 203-217. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S217735482011000200
006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 22 set. 2019.
Arán, M., & Peixoto Júnior, C. A. (2007). Vulnerabilidade e vida nua: bioética e biopolítica na
atualidade. Revista de saúde pública, 41, 849-857.
Barbosa, M. L. F. D. F. (2015). Alfabetização de jovens e adultos qual autoestima? Revista
Brasileira de Educação, 20(60), 143-165.
Barbosa, M. L. F. D. F. (2008). O ethos na alfabetização de adultos: aonde vai a autoestima?
Linhas Críticas, 14(27), 191-208.
Brasil. (2012). Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução no 466, de 12 de
dezembro de 2012. Brasília [citado 2014 Mar 11]. Disponível em: http://www.conselho.
saude.gov.br/web_comissoes/conep/index.html. Acesso em 07 nov. 2019.
Brasil. (2016). Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de
abril de 2016. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 maio
2016. Seção 1. p. 44-46. Disponível em:
http://www.conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf. Acesso em 07 nov.
2019.
Ceccarelli, P. (2005). O sofrimento psíquico na perspectiva da psicopatologia
fundamental. Psicologia em estudo, 10(3), 471-477.
Demo, P. (1988). Pobreza Política, polêmicas do nosso tempo. Editora Cortez.
Di Pierro, M. C., & Graciano, M. (2003). A educação de jovens e adultos no Brasil. São Paulo:
Ação Educativa.
EDUCABRASIL. (2001). Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). Disponível em: <
https://www.educabrasil.com.br/mobral-movimento-brasileiro-de-alfabetizacao/ >
Último acesso: 05/10/2019.
Ferreiro, E. (1985). Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez.
Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, (coleção Leitura).
Garcia, I. H. M. (2009). Paulo Freire e a Alfabetização de Jovens e Adultos. In: 17° COLE
Congresso de Leitura do Brasil, Campinas. 17° COLE.
Haddad, S. (2002). Educação de jovens e adultos no Brasil (1986-1998). Brasília:
MEC/Inep/Comped,
IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios 2007/2015.
Macedo, C. M. R. A. (2003). Efeitos do letramento tardio sobre a organização do conhecimento
semântico. Editora Autêntica.
119
Marx, K. (1988). O Capital. Vol. 2. 3ª edição, São Paulo, Nova Cultural.
Marx, K., & Engels, F. (1998). Manifesto do partido comunista. Estudos avançados, 12(34), 7-
46.
Millani, H. D. F. B., & Valente, M. L. L. C. (2008). O caminho da loucura e a transformação
da assistência aos portadores de sofrimento mental. SMAD, Revista Electrónica en
Salud Mental, Alcohol y Drogas, 4(2), 1-19.
Plataforma do letramento. (2015). Pnaic: o desafio da alfabetização na idade certa. Disponível
em : < http://www.plataformadoletramento.org.br/em-revista/266/pnaic-o-desafio-da-
alfabetizacao-na-idade-certa.html > Último acesso: 25/08/2019.
Quintaneiro, T. et al. (2002). Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2 ed. Belo
Horizonte: Ed. UFMG.
Scliar-Cabral, L. (2003). Revendo a categoria “analfabeto funcional”. Revista CrearMundos,
(3).
Skinner, B.F. (1983). O mito da liberdade. 3 ed. São Paulo: Summus.
Soares, M. (2001). Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Editora Autêntica.
Souza, J. (2003). A Construção Social da Subcidadania: para uma Sociologia Política da
Modernidade Periférica. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ,
(Coleção Origem) 207p.
Souza, J. (2017). A elite do atraso. Rio de Janeiro: Leya.
Souza, M. M. C. (2013). O analfabetismo no Brasil sob enfoque demográfico. Cadernos de
Pesquisa, (107), 169-186.
UNESCO. (2004). EFA Global Monitoring Report 2004. Paris: UNESCO.
Vieira, M. (2006). Educação de adultos, analfabetismo e pobreza em Moçambique. Piracicaba,
SP: Universidade Metodista de Piracicaba.
DESIGUALDADE E SEUS DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE: UM RELATO

120
DE EXPERIÊNCIA

Antônia Malane da Silva Ferreira


Karina Alves de Oliveira
Priscilla Aparecida Gomes de Oliveira
Juliana Vitoria Galeno da Silva
Francisco Valdiney Silva Santos
Maiky de Araujo Oliveira

1 Introdução

A desigualdade sempre esteve presente na história do Brasil. Por ter experienciado um


longo processo de colonização e escravidão, a falta de direitos para os não-brancos, negros,
índios e mestiços é uma realidade que perdura até a atualidade. A ação do estado para com o
negro pós-abolição foi omissa, os negros foram responsabilizados pelas próprias mazelas e
propagou-se o mito da democracia racial (Nunes, 2006). A falta de acesso à moradia, à
educação, à saúde, ao lazer da população pobre caracteriza um processo excludente. Para
Yazbek (2012), a pobreza diz respeito a uma forma de inserção social, uma condição de classe
socialmente construída, um fenômeno não natural. A autora ainda aponta que o sujeito pobre
sofre de uma estigmatização social, onde são desqualificados e tidos como indesejáveis em seu
lugar à margem da sociedade.
Conforme Bock (2009) a desigualdade social se caracteriza pela diferenciação no acesso
aos bens produzidos pela sociedade, onde pode-se perceber a hierarquização de classe social e
apresentação da condição social como um fator que inclui ou exclui determinados indivíduos
ou grupos. Nascimento (2006) compreende que no Brasil a desigualdade social está
estreitamente ligada com a pobreza e com a exclusão social, e, portanto, há uma correlação
entre suas dimensões históricas.
No que se refere a desigualdade de raça, os negros são os que mais sofrem com as
disparidades socioeconômicas, estando abaixo dos brancos na hierarquia social. Embora haja
desigualdade econômica entre os brancos, a forma como esse grupo subjetiva os problemas
sociais é diferente da forma dos não-brancos. Os negros, além de sofrerem com a pobreza,
sofrem pelo preconceito instituído na sociedade brasileira. Somado a isso, o entrecruzamento
da desigualdade de gênero e de raça faz com que as mulheres negras e pobres enfrentam
desafios duplos ao tentar superar as barreiras do machismo e do racismo na busca por
emancipação (Figueiredo, 2009).
A desigualdade de gênero e a desigualdade racial são fatores que estão arraigados à
sociedade, e o presente artigo se aterá especificamente a Parnaíba/PI, na qual muitas famílias
pobres, sem emprego, de periferia e de maioria negras sentem o impacto dos desastres causados
pelas fortes chuvas, ficando desabrigadas e à mercê do ineficiente poder público. Destarte, a
interpretação dessa gama de problemas, bem como a busca por sua solução, não deve tomar as
desigualdades como fins de si mesmas, mas sim como fruto de questões muito mais profundas
como o machismo, sexismo e o racismo estrutural, que permeiam a sociedade parnaibana e que

121
contribuem para as desigualdades, sejam de gênero, de raça, econômicas ou territoriais
(Abramo, 2006).
Em vista disso, a relação entre exclusão e pobreza está interligada com a privação de
emprego, direitos, meios para participar do mercado de consumo, liberdade, etc., concebendo
uma nova dimensão moral que nem sequer oferece a possibilidade remota de uma ascensão
social (Sawaia, 2017). Corroborando com essa discussão, (Martins, 1993 como citado em
Sawaia, 2017, p. 27) aponta sobre a construção de uma cultura marcada pela dominação e
exclusão de índios, assim como dos camponeses no campo e, na cidade, migrantes, favelados,
sem teto, etc. Percebendo-se então, que desde o período colonial os processos sociais de
exclusão estão presentes no Brasil.
O sistema que constitui as sociedades contemporâneas é pautado em um Estado que se
retira de vários setores da vida social, permitindo um espaço para o individualismo. Nesse
sentido, o sistema produtivo, através do progresso tecnológico, passa a oferecer um trabalho
estável para uma menor parcela da população, enquanto promove uma dinâmica de
desigualdade que mantém a precarização no trabalho, a insegurança frente ao futuro e a
fragilização das relações sociais (Fernandes, 2017). Partindo do pressuposto que o sistema
produtivo e capitalista interfere nas desigualdades, pode-se analisar as desigualdades sociais
segundo várias extensões, incluindo aspectos de classe, gênero e raça. Sucedendo sob essa
perspectiva, é possível afirmar que estas interferências associadas ao ambiente e à esfera social
nos quais os indivíduos estão inseridos, influenciam nos resultados de saúde dos mesmos.
Outro ponto importante a ser discutido são as diferenças existentes entre a realidade
social das mulheres brancas e a realidade das mulheres negras. Segundo Olinto e Olinto (2000),
em um estudo feito na região sul do Brasil, mulheres brancas tendem a ter um nível maior de
escolarização e de renda do que mulheres negras, ao passo que mulheres negras tendem a
representar a maior porcentagem de mulheres viúvas, divorciadas ou em uniões não formais e
que usam menos métodos contraceptivos. Ainda segundo as autoras, dessa forma, negras
tendem a sentir maior dificuldade ao tentar se inserir no mercado de trabalho ou pelo menos
viver de forma justa em uma sociedade desigual, marcada pelo racismo e pelo machismo.
No Brasil, a população negra representa a classe financeira menos abastada. Freitas et
al. (2019) assinala que os impactos ameaçam a sobrevivência e os meios de vida, trazendo
inúmeros problemas como falta de água potável, alimento, moradia e a proliferação de doenças.
Diante dessa afirmação é impossível negar que as pessoas são atingidas de formas diferentes
por esses desastres, sendo que os fatores sociais atuam diretamente nessa diferença.
Parizzi (2014) acrescenta que o acentuado processo de urbanização aliado à falta de
recursos e políticas públicas voltadas para a ocupação de áreas não edificáveis tem perpetuado
uma situação social que faz com que os que possuem menor renda continuem ocupando áreas
geologicamente desfavoráveis, como as comunidades localizadas nos morros das grandes
cidades. Assim a população mais vulnerável vai se tornando cada vez mais desprotegida em um
sistema que se retroalimenta promovendo a manutenção das desigualdades.
Dito isto, os lugares mais afetados pelos desastres naturais são geralmente aqueles
habitados pela população mais vulnerável, dentre eles a favela, que se caracteriza como um
espaço de vulnerabilidade socioambiental (De Oliveira Esteves, 2011). Este processo é
denominado de socioambiental pois combina dois aspectos, de um lado os processos sociais
que levam a precariedade e falta de proteção social, tornando alguns grupos vulneráveis aos
desastres; por outro, as mudanças ambientais causadas pela degradação ambiental que agem
sobre determinadas áreas convertendo-as em ambientes mais suscetíveis para a ocorrência de

122
desastres (Freitas et al., 2014).
Diante de tais exemplos, é difícil pensá-los afetando populações que vivem em outra
realidade: Será que seriam construídas barragens próximas a áreas nobres da cidade? Ou seriam
construídos bairros nobres em cima de morros, áreas geologicamente desfavoráveis, propensas
a enchentes, alagamento e deslizamento? Provavelmente não, pois o perigo e a falta de
segurança estão reservados para aqueles que diante das desigualdades sociais e econômicas,
não encontram uma forma de inserção digna e plena na sociedade. Deste modo, estes territórios
críticos servem de moradia e concentram a população mais vulnerável, e ao mesmo tempo
produzem condições ambientais e sociais que favorecem o agravamento desta vulnerabilidade
(Freitas et al., 2014).
Os mais pobres são as principais vítimas de um sistema que se retroalimenta para manter
a desigualdade social, já que é essa disparidade social quem o sustenta. Essa realidade só irá
se modificar quando houver práticas voltadas para a eliminação de problemas como a exclusão
social e a miséria que assola as cidades, como é destacado por Moura e De Andrade (2008).
Essa afirmação demonstra que combater os desastres naturais e suas consequências vai muito
além do uso de técnicas e ferramentas de monitoramento dos fenômenos naturais, não podendo
ignorar o fator social como um dos principais componentes desses acontecimentos.
Segundo Herculano e Pacheco (2006) existe negligência no combate aos prejuízos
causados por tais fenômenos, uma vez que a parcela atingida por esses desastres é composta
por pessoas em situação de vulnerabilidade, tornando-se invisíveis socialmente. Essa realidade
é facilmente encontrada no Brasil, um dos países mais desiguais do mundo onde essa mesma
desigualdade determina quem vai sofrer e quem não vai sofrer com as consequências de
enchentes, deslizamentos de terra ou com a seca.
Dentro da realidade brasileira podemos destacar mais especificamente o que acontece
na cidade de Parnaíba, município localizado no litoral do estado do Piauí. Desde muito cedo
essa cidade sofre com as enchentes provocadas pelas fortes chuvas que ocorrem principalmente
no primeiro semestre. Em 2019, uma matéria do site G1 Piauí apresenta dados da Secretaria de
Desenvolvimento Social e Cidadania de Parnaíba (SEDESC), onde quase 200 famílias ficaram
desabrigadas em decorrência das fortes chuvas, sendo alojadas em abrigos improvisados pela
prefeitura.
Entender as questões sociais por trás das catástrofes possibilita caracterizar o perfil das
pessoas que sofrem todos os anos no Brasil com as chamadas tragédias anunciadas,
possibilitando a criação de políticas públicas voltadas para sanar essas calamidades. De Jesus
Barreto (2010) ressalta a dificuldade em ser pobre e negro em uma sociedade extremamente
desigual, onde resta aos mesmos uma vida cercada por precariedades e descaso, estando
suscetíveis a desastres naturais que revelam a débil relação do Estado com esta população.
O objetivo deste trabalho foi propor uma discussão entre questões raciais, trabalho e
desastres naturais no âmbito universitário e comunidade externa além de promover diálogo e
acolhimento com as vítimas das enchentes de Parnaíba, Piauí. Trabalhamos a premissa da
população negra e pobre ser a mais atingida por fatalidades causadas por eventos da natureza,
devido a localização de suas moradias. Para atender tal objetivo foram realizadas visitas
periódicas no abrigo, intervenções que levassem à discussão dos temas e foi produzido o
documentário "Classe do abandono", que traz a realidade das pessoas que ficaram desabrigadas
em Parnaíba-PI em 2019. A importância dos temas se dá pela carência de estudos sobre
desigualdades sociais e racismo, o que é descredibilizado por um discurso meritocrático; pela
falta de debates sobre tais temas no meio acadêmico e outros espaços; pela falta de informação
sobre as consequências sociais dos desastres ambientais que prejudica a população negra e

123
pobre, que já sofre de negação de direitos e oportunidades.

2 Metodologia

2.1 Objetivo Geral do Projeto

Propor intervenções que possibilitem a discussão entre questões raciais, desigualdades,


trabalho e desastres naturais, levando em consideração aspectos históricos, culturais e sociais
que acarretam as desigualdades e vulnerabilidades sociais, assim como a marginalização,
negligenciamento e exclusão do povo negro e pobre.

2.2 Objetivos Específicos

Discutir aspectos socioculturais da população negra na contemporaneidade; resgatar as


raízes históricas da população negra; conscientizar a comunidade acerca do racismo cotidiano;
promover o entendimento sobre a correlação entre trabalho e desigualdades; compreender os
impactos negativos na vida da população desabrigada; proporcionar protagonismo às minorias;
construir espaço de saberes e vivências.

2.3 Justificativa Geral

Sendo a desigualdade social e racial uma grande realidade no Brasil, a importância do


tema se dá pela necessidade dos estudos sobre tais desigualdades no Brasil, pelo racismo negado
por parte da sociedade, pela população negra e pobre que sofre da carência de direitos e
oportunidades. Nesse sentido, torna-se indispensável um espaço de discussão que busque
fomentar e debater essas questões tão pouco levantadas no meio acadêmico e comunitário.

2.4 Propostas de Intervenções

Para a realização do projeto contamos com três momentos que serão abordados
sequentemente, com o intuito de dialogar com a comunidade acadêmica e geral, facilitando um
espaço de vivências e construção de saberes.

2.4.1 Atividade 1: Oficina de confecção da boneca Abayomi

2.4.1.1 Objetivo
O objetivo dessa oficina consistiu em discutir a condição do povo negro na atualidade,

124
fazendo um resgate histórico de todo o processo de escravização e violência cometida contra
esse grupo. Esses temas foram abordados através da confecção da boneca Abayomi que se
caracteriza como um símbolo de resistência e tradição de um povo que muito lutou para não
perder suas raízes.

2.4.1.2 Participantes

A oficina foi aberta aos estudantes da Universidade Federal do Delta do Parnaíba


(UFDPar) e aos moradores do abrigo improvisado no CRAS Mendonça Clark.

2.4.1.3 Instrumentos

A oficina contou com a atividade lúdica de confecção da boneca abayomi, os


instrumentos utilizados na confecção foram tesouras e tecidos.

2.4.1.4 Procedimento

A oficina ocorreu em uma das salas de tutoria da Universidade Federal do Delta do


Parnaíba (UFDPar).
Iniciou-se com uma atividade lúdica, seguida de uma roda de discussão aberta sobre as
temáticas que foram desenvolvidas na oficina. Os organizadores da oficina deram início às
discussões, expondo as problemáticas dos temas abordados a fim de que as demais pessoas que
participaram da discussão pudessem interagir e gerar reflexões acerca das questões apontadas.
A oficina teve duração de duas horas e todas as temáticas foram abordadas respeitando
os princípios dos direitos humanos.

2.4.2 Atividade 2: Oficina de confecção de cartazes

2.4.2.1 Objetivo

A oficina teve como objetivo compreender e conscientizar, a partir da produção coletiva


de cartazes, a população acadêmica acerca das muitas facetas do racismo, e como, sutilmente,
populações negras são segregadas de espaços como as universidades públicas. Além disso, a
oficina objetivou também discutir como tal temática se relaciona com a questão do trabalho e
as desigualdades sociais, para assim, os sujeitos se utilizassem dos materiais para confecção de
percepções acerca das suas compreensões.
2.4.2.2 Participantes

125
A oficina foi aberta aos estudantes da Universidade Federal do Delta do Parnaíba
(UFDPar) e às demais pessoas da cidade de Parnaíba.

2.4.2.3 Instrumentos

Foram utilizados cartazes de cartolina, pincéis, canetas e tintas.

2.4.2.4 Procedimentos

A atividade foi realizada em frente ao auditório da UFPI-CMRV, tendo inicialmente


uma explicação acerca da oficina proposta e seu objetivo como parte da culminância das
disciplinas. Posteriormente, foram explicitadas as temáticas condizentes ao trabalho e suas
reverberações, para só assim após estes esclarecimentos, a produção começar.

2.4.3 Atividade 3: Culminância

2.4.3.1 Objetivo

A atividade foi realizada com o objetivo matricial de proporcionar uma compreensão


acerca dos impactos negativos gerados a partir das desigualdades e vulnerabilidades sociais que
cercam os sujeitos vítimas da enchente que ocorreram no ano de 2019, na cidade de Parnaíba,
Piauí. E, portanto, construir um espaço que possibilita a conscientização das condições sociais
que são fatores geradores de sofrimento psíquico, oportunizando aos sujeitos em situação de
vulnerabilidade o protagonismo de expor a realidade que os cercam.

2.4.3.2 Participantes

Teve como participantes discentes da Universidade Federal do Piauí, bem como


representantes das pessoas que estão desabrigadas no CRAS Mendonça Clark.

2.4.3.3 Instrumentos
Exposição do documentário produzido pela equipe, sobre as pessoas desabrigadas, com

126
a utilização de datashow. Para a produção do mesmo foi utilizada uma entrevista
semiestruturada.

2.4.3.4 Procedimentos

O documentário foi gravado com pessoas que ainda estão ou já estiveram desabrigadas
em Parnaíba neste ano de 2019. As questões levantadas para a gravação do mesmo ocorreram
por meio de uma entrevista semiestruturada.
A exibição do documentário foi realizada nesta última atividade, a culminância, que
aconteceu na Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar). Esta atividade consistiu
em uma mesa redonda aberta ao público, e foi dividida em 3 momentos:
● 1° Discussão sobre as temáticas propostas, entendendo a interseção entre raça,
desigualdades e desastres ambientais.
● 2° Relatar a experiência das oficinas anteriores e de todo processo de construção do
documentário.
● 3° Exposição do documentário e posterior discussão acerca do mesmo, com a
presença de pessoas que estão desabrigadas. Discussão aberta para todos presentes.

3 Resultados e Discussões

3.1 Oficina: Confecção de bonecas Abayomi

A oficina para a confecção da boneca Abayomi proporcionou um momento de trocas e


discussão a partir da reflexão da história que é amplamente divulgada acerca da origem da
boneca, bem como a história que é reconhecidamente verdadeira acerca da gênese da Abayomi.
A discussão girou em torno da ideia da romantização do processo de escravização do povo
negro, onde a história que é amplamente conhecida suaviza os horrores desse processo
desumano e cruel.
A boneca é apresentada como um símbolo da força e da resistência do povo negro que
foi escravizado, uma vez que as mães faziam as bonecas das tiras de suas saias para distrair as
crianças na longa viagem nos navios negreiros. Essa narrativa não se sustenta, uma vez que as
mães eram separadas de seus filhos, que para os colonizadores não tinham tanto valor de
mercado. Outra inconsistência encontrada na história é a de que as mulheres faziam as bonecas
dos retalhos de suas roupas, mas é sabido que as pessoas eram apenas jogadas nos porões dos
navios, sem direitos a roupas, alimentos ou qualquer coisa que garantisse a dignidade delas
como seres humanos.
A verdadeira história da criação da boneca Abayomi é pouco conhecida, mas é também
carregada de significados. A boneca foi criada pela artesã maranhense Lena Martins que batizou
a boneca com esse nome por ocasião da gravidez de uma amiga que colocaria o nome de
Abayomi caso seu bebê fosse uma menina. O bebê da amiga de Lena era um menino e o nome
Abayomi foi dado à boneca feita com tecidos e nós. Toda a história real por trás da criação da

127
boneca está disponível no site Conexão Lusófona (2019).
Ocultar a origem da boneca é não dar o devido valor à mulher negra que a criou, é mais
uma vez tornar invisível a luta de um povo que ainda hoje sofre as consequências de um
processo de escravização que durou séculos. Mas a partir desta ocultação é possível pensar em
outro fato que leve a tal: a constante associação do negro à condição de escravo. Como se a
história da boneca se tornasse mais interessante caso estivesse ligada a um período de dor e
sofrimento ao povo negro, do que dar os créditos de sua criação a uma mulher negra.
Durante a oficina também foi debatido que a confecção das bonecas se apresenta como
um fator gerador de renda, uma vez que as mulheres, principalmente as mulheres negras,
trabalham na produção e venda das bonecas. Muitas cooperativas se formaram em torno da
fabricação da Abayomi, o que se configurou para muitas mulheres um meio de adentrar o
mercado de trabalho.
Assim a boneca Abayomi não deixa de ser considerada um símbolo de resistência do
povo negro, já que é uma boneca criada por uma mulher negra e que se mostra representativa
em uma sociedade onde apenas o que vem do branco é valorizado.

3.2 Oficina: Roda de conversa e confecção de cartazes

Tendo em vista a escassa discussão acerca dos desastres naturais, bem como suas
consequências e a população majoritariamente afetada por eles, realizou-se uma roda de
conversa a fim de apresentar e discutir o tema com alunos da UFDPar. Após a discussão, as
pessoas presentes na roda de conversa puderam construir um cartaz com suas afetações.
Em contraste com a primeira oficina, apenas três pessoas compareceram nesta, ainda
que fosse aberta para todo o campus. O público reduzido suscitou no grupo organizador o
entendimento de que isto pode ser resultado do pouco interesse acerca do tema. Uma vez que
tal assunto raramente é abordado em sala de aula, e é superficialmente apresentado pela mídia,
como se as consequências dos desastres naturais atingissem a todos igualmente, os alunos
podem ter encontrado dificuldade em ligar as temáticas e reconhecer a interseccionalidade entre
raça, desigualdades sociais e desastres naturais.
Àqueles que compareceram se mostraram atentos e implicados com a discussão,
trazendo relatos em suas falas. À medida em que os relatos iam sendo expostos despertavam
nos participantes lembranças de vivências que os atravessaram em relação às temáticas em
discussão, onde é possível refletir acerca desses atravessamentos e sobre a pouca visibilidade
das temáticas e até mesmo, por vezes, o seu esquecimento.
Nesta oficina discutimos sobre casos atuais e próximos, como o desastre de Brumadinho
e os alagamentos na cidade de Parnaíba, que deixaram dezenas de famílias desabrigadas.
Incluindo a situação daquelas famílias que acompanhamos no abrigo e aquelas que já saíram de
lá, mas ainda sofrem com as consequências dos alagamentos. Trouxemos discussões acerca de
como desastres como esses afetam majoritariamente pessoas pobres, consequentemente negros,
visto que estes ainda são maiorias em situações de vulnerabilidade social e econômica e que
assim habitam zonas mais marginalizadas e vulneráveis, e como esses atravessamentos afetam
diretamente sua subsistência, qualidade de vida e direitos básicos.
Por último, os participantes foram convidados a confeccionar cartazes em relação às

128
discussões postas acerca das temáticas trazidas. Todos os presentes aceitaram participar.

3.3 Culminância: Raça, trabalho e desastres naturais: desigualdades e seus desafios na


contemporaneidade

A última atividade das ações foi realizada dentro de sala, com a explanação acerca das
temáticas de raça e trabalho junto a desastres naturais. Tendo a partir destas interseccionalidades
o olhar acerca de famílias desabrigadas pelas chuvas no começo do ano de 2019 em Parnaíba,
Piauí. Deste modo, durante todo o período os discentes realizaram um trabalho de mapeamento
e conhecimento das famílias residentes no abrigo do CRAS do bairro Mendonça Clark e na casa
de duas famílias que passaram pelo abrigo no período intenso de chuvas, mas que retornaram
para suas casas no bairro da Ilha Grande. Logo foi desenvolvido um documentário sobre a
situação destas pessoas.
Aspectos como falta de amparo, invisibilidade social, falta de assistência entre outros
foram fatores recorrentes nas visitas e falas das entrevistadas. Oportunizando promover um
espaço de diálogo e protagonismo algumas das pessoas que estão abrigadas na quadra foram
assistir o documentário e comentar suas vivências acerca de uma classe invisível aos olhos do
poder público.
Todas as mulheres que participaram do documentário foram convidadas a estar presente
na culminância deste trabalho, no entanto apenas duas delas puderam comparecer. Àquelas que
puderam participar foram questionadas sobre como se sentiriam mais à vontade, a resposta de
uma delas foi que quanto mais pessoas, melhor seria, pois assim mais pessoas poderiam ouvir
o que ela teria pra dizer, e mais pessoas tomariam consciência de que ainda tinham pessoas
desabrigadas.
Os cartazes confeccionados na segunda oficina foram expostos na última atividade.
Assim como na segunda oficina, a apresentação da terceira atividade contou com um número
reduzido de participantes e pouca participação dos presentes.
Durante a atividade foram discutidas questões que versavam sobre a temática da
culminância (Raça, trabalho e desastres naturais: desigualdades e seus desafios na
contemporaneidade). Os organizadores da culminância ficaram responsáveis por expor os
aspectos da temática, com o objetivo gerar reflexões a despeito do tema em discussão, sempre
lincando com os aspectos da atualidade e com a realidade da cidade de Parnaíba-Pi.
Em seguida houve apresentação do documentário supracitado, feito com mulheres que
se encontram abrigadas no CRAS do bairro Mendonça Clark, na cidade de Parnaíba-Pi, devido
às fortes chuvas que ocorreram no primeiro semestre de 2019 na cidade. O documentário
também foi feito com mulheres que já saíram do abrigo e voltaram para suas moradias, mas que
ainda se encontram em situação de vulnerabilidade. Esse momento foi de extrema importância,
pois, escancarou para a comunidade acadêmica uma realidade bem próxima, mas que
frequentemente é negligenciada, não discutida e invisibilizada dentro e fora da universidade,
evidenciando a falta de discussões e preparação profissional para tais demandas.
Por fim, a atividade foi encerrada com a fala de duas moradoras do CRAS Mendonça
Clark, que aceitaram participar da apresentação da atividade.
4 Considerações finais

129
A discussão do presente relato como um todo despertou emoções fortes no grupo, desde
o sentimento de impotência até questionamentos acerca da atuação do psicólogo. Durante todo
o percurso buscamos, dentro das nossas possibilidades, dar assistência e arrecadar alimentos e
materiais de higiene, no entanto, obtivemos pouquíssima ajuda.
Tanto nas oficinas quanto na culminância, apesar da divulgação prévia, o público foi
bastante restrito, limitando a possibilidade de divulgar para a comunidade acadêmica que ainda
existiam famílias desabrigadas na cidade de Parnaíba. Ainda assim, as mulheres expressaram
gostar da experiência, pela oportunidade de poder ter voz e falar aos outros o que as afligiam,
pois até então estavam totalmente invisibilizadas e silenciadas dentro do abrigo.
Essa reação da comunidade acadêmica só reforça a invisibilidade dos temas abordados
no presente trabalho, onde até mesmo aqueles que deveriam discutir tais temáticas se isentam
de sua responsabilidade social e acabam ignorando as perversidades de um sistema que mata as
minorias a todo momento. Diante disso é muito importante a realização de mais momentos que
proporcionem discussões acerca de assuntos que estarão presentes na vida profissional dos
psicólogos, proporcionando uma formação que esteja aliada às questões sociais e que busque
eliminar as lacunas encontradas na formação acadêmica.

Referências

Abramo, Laís. (2006). Desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro.


Ciência e Cultura , 58 (4), 40-41.

Bock, A. M. B. (2009). A Dimensão Subjetiva da Desigualdade Social: um estudo na cidade de


São Paulo. IN. ANAIS XV ENCONTRO NACIONAL DA ABRAPSO. Maceió.

Fernandes, A. T. (2017). Desigualdades e representações sociais. Sociologia: Revista da


Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 10

Figueiredo, José Santos Alcides. (2009). Interação estrutural entre desigualdade de gênero e
raça no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais ,24 (70), 37-60.

Freitas, C. M. D., Barcellos, C., Heller, L., & Luz, Z. M. P. D. (2019). Desastres em barragens
de mineração: lições do passado para reduzir riscos atuais e futuros. Epidemiologia e
Serviços de Saúde, 28, e20180120.

Freitas, C. M. D., Silva, D. R. X., Sena, A. R. M. D., Silva, E. L., Sales, L. B. F., Carvalho, M.
L. D., &Corvalán, C. (2014). Desastres naturais e saúde: uma análise da situação do
Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 19, 3645-3656.

G1 PI. (04, abril 2019). Sobe o número de desabrigados após fortes chuvas no litoral do Piauí.
[Post blog]. Retirado dehttps://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2019/04/04/sobe-o-
numero-de-desabrigados-apos-fortes-chuvas-no-litoral-do-piaui.ghtml
Herculano, S., & Pacheco, T. (2006). Racismo ambiental, o que é isso. Rio de Janeiro: Projeto

130
Brasil Sustentável e Democrático: FASE.

Jesus Barreto, A. C. (2010). O lugar dos negros pobres na cidade: estudo na área de risco do
Bairro Dom Bosco. Libertas, 10(2).

Moura, R., & de Andrade, L. A. (2008). DESASTRES NATURAIS OU NEGLIGÊNCIA


HUMANA?. Revista Geografar, 3(1).

Nascimento, E. P. (2006). Hipóteses sobre a nova exclusão social: dos excluídos necessários
aos excluídos desnecessários. Caderno crh, 7(21).

Nunes, Sylvia da Silveira. (2006). Racismo no Brasil: tentativas de disfarce de uma violência
explícita. Psicologia USP, 17(1), 89-98.

Olinto, Maria Tereza Anselmo, & Olinto, Beatriz Anselmo. (2000). Raça e desigualdade entre
as mulheres: um exemplo no sul do Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro,
16(4):1137-1142, out-dez, 2000.

Oliveira Esteves, C. J. (2011). Risco e vulnerabilidade socioambiental: aspectos conceituais.


Caderno IPARDES-Estudos e Pesquisas, 1(2), 62-79.

Parizzi, M. G. (2014). Desastres naturais e induzidos e o risco urbano. Geonomos.

Sawaia, B. (2017). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade


social. Editora Vozes Limitada.

Yazbek, M. C. (2012). Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu


enfrentamento. Serviço Social & Sociedade, 288-322.
POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE DA PESSOA IDOSA E A PSICOLOGIA:

131
INTERSECÇÃO ESSENCIAL PARA A SAÚDE DESTA POPULAÇÃO

Raylane Aguiar Da Silva


Pedro Wilson Ramos Da Conceição
Francisca Tatiana Dourado Gonçalves
Railson Muniz De Sousa
Naglla Cristina Vieira Silva
Walter Emmanoel Brito Neto

1 Introdução

Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do ano de 2008, os


idosos retratam no país, cerca de 10% da população. Estima-se que em 2025 a perspectiva é de
chegar a 25 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade no Brasil. E para 2050, espera-
se que sejam quase o dobro da população atual, somando 19% da população brasileira.
Como citado acima, a população idosa tem aumentado de maneira bastante acentuada
nas últimas décadas, graças ao resultado da redução nas taxas de fertilidade e aumento da
expectativa de vida, o que se deve à otimização do acesso aos serviços de saúde, em conjunto
com às campanhas de vacinação, avanços tecnológicos da medicina, aumento do nível de
escolaridade, investimento em infraestrutura de saneamento básico, e demais fatores (Batista et
al, 2011; Brasil, 2010).
De acordo com Camacho e Coelho (2010), o processo de envelhecimento é universal
sendo caracterizado por uma baixa nas atividades funcionais do organismo, além de possui
algumas tendências em relação às enfermidades que levam continuamente à construção de
políticas públicas para esta clientela, tanto no âmbito internacional assim como principalmente
no âmbito brasileiro e em suas instâncias governamentais. Essas políticas estão voltadas não
somente para os idosos, mas também para os profissionais da saúde, visando a sua divulgação
e implementação.
O desenvolvimento de políticas públicas destinadas a pessoa idosa tem tido ênfase na
agenda de organizações internacionais de saúde com relação à proposição de diretrizes para
nações que ainda necessitam implantar programas sociais e assistenciais para atender às
necessidades emergentes desse grupo populacional (Oliveira; Soares, 2012).
A Política Nacional do Idoso (PNI), promulgada em 1994 e regulamentada pelo Decreto
n. 1948, de 03 de junho de 1996, assegura direitos sociais à pessoa idosa, ao criar condições
para promover sua autonomia, sua integração e sua participação efetiva na sociedade e reafirmar
seu direito à saúde nos diversos níveis de atendimento do SUS (Brasil, 1994).
Segundo Oliveira e Soares (2012), diversas são as políticas destinadas à população
idosa, mas, as dificuldades na implementação abrangem desde a captação precária de recursos
ao frágil sistema de informação para a análise das condições de vida e de saúde, como também
a capacitação inadequada de recursos humanos.
Contudo, ainda na perspectiva dos autores, as políticas vigentes são bastante eficazes,

132
como por exemplo a Lei Orgânica da Saúde que em seus princípios, destaca a preservação da
autonomia, da integridade física e moral da pessoa, da integralidade da assistência, e da fixação
de prioridades com base na epidemiologia.
Em termos mais específicos à clientela, tem-se o Estatuto do Idoso, que foi aprovado
em 2003 e, junto à PNI, tornaram-se importantes instrumentos na ampliação dos conhecimentos
na área do envelhecimento e da saúde da pessoa idosa, sendo fundamentais para a afirmação de
ações dinâmicas e consistentes (Brasil, 2013).
Outra essencial e relevante política é a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa —
PNSPI, instituída pela portaria 2528/GM de 19 de outubro de 2006, que busca garantir a
atenção adequada e digna para a população idosa brasileira, visando sua integração, com o
objetivo de permitir um envelhecimento saudável, preservando a sua capacidade funcional,
autonomia e nível satisfatório da qualidade de vida, em consonância com os princípios e
diretrizes do SUS que direcionam medidas individuais e coletivas em todos os níveis de atenção
à saúde (Brasil, 2006). E é esta última que vamos abordar no decorrer do trabalho.
Dessa forma, objetivou-se neste estudo identificar e descrever uma política pública
(PNSPI) voltada para a população idosa. Bem como conhecer e retratar as principais formas, e
possibilidades, de atuação do psicólogo no âmbito dessa política e consequentemente junto a
essa clientela específica.

2 Métodos

Trata-se de pesquisa documental de natureza qualitativa, que é o delineamento de um


estudo realizado a partir de documentos contemporâneos ou não, documentos disponibilizados
na internet. O objetivo desse tipo de pesquisa é identificar, em documentos primários, as
informações que sirvam de subsídio para responder alguma questão de pesquisa.
A coleta dos dados foi realizada no período de novembro de 2019. Foram consultados
os menus sobre Legislação dos seguintes websites governamentais brasileiros: Portal da Saúde
do SUS, Planalto, Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde, Senado Federal,
Ministério do Desenvolvimento Social, Secretaria de Direitos Humanos, e Ministério da
Previdência e Assistência Social, nos quais as informações e publicações estavam disponíveis
ao público em geral. A busca baseou-se nos seguintes descritores: Políticas Públicas, Política
Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, Saúde Do Idoso, Legislação Para Idoso, Envelhecimento.
Os critérios de inclusão dos documentos foram a pertinência do conteúdo ao objetivo do estudo,
e sua articulação com a Políticas Nacional de Saúde da Pessoa Idosa.
Na Legislação, buscou-se o arcabouço legal das políticas públicas da pessoa idosa com
o intuito de conhecer e debater acerca da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa por meio
de diversos tipos de documentos como portarias, decretos-lei e resoluções.
A análise das referências encontradas foi baseada nos documentos que tivessem o
conjunto legal de políticas para a população idosa com base na Portaria Nº 2.528 da PNSPI de
2006.
No presente estudo, para que a leitura hermenêutica da documentação se constituísse
em operação importante do processo de investigação, o cruzamento e o confronto das fontes foi
uma operação indispensável, já que possibilitou uma leitura não apenas literal das informações
contidas nos documentos, mas uma compreensão real, contextualizada entre as fontes que se

133
complementavam, em termos explicativos. Os dados foram avaliados segundo a análise de
conteúdo pertinente à pesquisa documental.
A primeira leitura dos documentos teve a finalidade de verificar se os documentos
preenchiam os critérios de inclusão, das 16 referências encontradas nos websites
governamentais, somente 9 tiveram pertinência com o objetivo da pesquisa. A escolha dos
documentos foi aleatória de acordo com os sites pesquisados, aqueles repetidos eram
eliminados na ordem em que apareciam. Foram usados também 5 artigos dos quais foram
encontrados na Base de dados Bireme e Google Acadêmico. Vale assinalar que a padronização
dos formatos dos documentos estudados facilitou o processo de análise por implicar uma
relação mais estável entre os termos utilizados na linguagem escrita de cada um e seus
significados, ordenados em razão do objeto e do setting de cada documento estudado.
Para a discussão dos dados, foram utilizados referenciais de políticas públicas,
especificamente a Política Pública da Pessoa Idosa (PNPSI) cujas proposições e pensamentos
contemporâneos possibilitaram dialogar e refletir sobre as relações do instituído com suas
repercussões reais na sociedade e, especificamente, para a pessoa idosa
A abordagem da temática foi construída com base em um diálogo teórico-metodológico
de análise, na medida em que se observaram aspectos textuais dos documentos e dos artigos
direcionados à política pública da saúde da pessoa idosa, mas que ampliasse para seu bem-estar.

3 Resultados e Discussões

A PNSPI foi instituída pela portaria n°2.528/GM de 19 de outubro de 2006, com a


finalidade de garantir e desenvolver autonomia e independência das pessoas consideradas
idosas, pessoas com 60 anos ou mais, garantindo a eles uma vida considerada digna. A
justificativa para a sua criação é baseada no fato de que a população está envelhecendo de forma
rápida e intensa e de acordo com o IBGE cerca de 650 mil novos idosos são incorporados na
sociedade brasileira a cada ano.
Esses dados refletem de maneira significante na saúde, e dessa forma surge a
necessidade de organizar os modelos assistenciais. Principalmente devido a esse aumento da
população idosa, o que vem trazendo um maior número de doenças, uma vez que, comparadas
com as outras populações (faixas etárias) as pessoas idosas apresentam um número bem maior
de doenças crônicas e incapacitantes.
A PNSPI é composta por 9 diretrizes com a intenção de alcançar de maneira afetiva os
seus objetivos. Sendo elas: Promoção de envelhecimento ativo e saudável; Atenção integral a
saúde da Pessoa idosa; Estímulo as ações intersetoriais; Promoção de recursos para assegurar a
qualidade da atenção; Estímulo a participação e fortalecimento de controle social; Divulgação
e informação sobre a política; Promoção de cooperação nacional e internacional; Formação e
educação permanente dos profissionais do SUS; Apoio ao desenvolvimento de estudos de
pesquisas.
As responsabilidades institucionais estão divididas nas 3 esferas governamentais
(Federal, Estadual e Municipal) e administradas por seus respectivos gestores e cada instância
com suas atribuições.
A Gestão Federal é responsável por elaborar normas técnicas referentes à atenção em

134
saúde, divulgar a política Nacional de Saúde da Pessoa idosa, definir recursos para
implementação da PNSPI e manter articulação com estados e municípios.
As atribuições da Gestão Estadual estão relacionadas com implementar as diretrizes da
educação permanente, manter articulação intersetoriais e por fim inclusão da PNSPI no
Conselho Estadual de Saúde.
A Gestão Municipal tem como funções desenvolver um mecanismo para qualificação
dos profissionais, discutir e pactuar na CIB as metas a serem alcançadas, estabelecer
instrumentos para avaliação do impacto das PNSPI e elaborar normas técnicas referentes à
saúde.
A PNSPI é articulada de maneira intersetorial, disposta em vários setores como
Educação – incluindo disciplinas que abordem o processo de envelhecimento e incentivo à
criação de Centros de Geriatria e Gerontologia em instituições de ensino superior; Previdência
Social – realizando estudos e pesquisas relativos às doenças e agravos mais prevalentes nessa
faixa etária e elaborando programas de trabalho conjunto; SUAS – implantação de Centros de
convivência e centro-dia, conforme previsto no decreto n° 1948/96; desenvolvimento de ações
de enfrentamento à pobreza; Trabalho e Emprego – elaborando programas de preparação para
a aposentadoria e implementando ações de eliminação das discriminações no mercado de
trabalho; Desenvolvimento Urbano – implantação de ações para o cumprimento das leis de
acessibilidade; Transportes – implantação de ações que permitam e/ou facilitem o deslocamento
do cidadão idoso; Justiça e Direitos – promoção e defesa do direito da Pessoa idosa; Esporte e
Lazer – estabelecimento de parceria para implementação de programas de atividade física e
recreativas destinados às pessoas idosas e por fim a área da Ciência e Tecnologia – estímulo à
pesquisa na área do envelhecimento, da geriatria e da gerontologia.
O acompanhamento e avaliação desta política ocorre graças ao fato de que o
desenvolvimento dela permite verificar o alcance do seu propósito e impacto sobre a saúde e a
qualidade de vida dos indivíduos e consequentemente buscando saber em que medida a PNSPI
tem contribuído para a concretização dos princípios e diretrizes do SUS.
Segundo o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Politicas Publicas, a maioria
dos psicólogos nesta política atuam geralmente na assistência social, na atenção de média
complexidade e na atenção básica, visando principalmente a promoção, prevenção de saúde,
não apenas nos casos de doença, mas nas ações que visam a melhoria da qualidade de vida da
população idosa (Jimenez, 2011).
A Psicologia atua dentro do Centro Integrado de Atenção e Prevenção a Violência contra
a pessoa Idosa (CIAPREV) em toda sua proposta metodológica que acontece desde o
acolhimento quando é realizado a escuta qualificada, análise com toda equipe multiprofissional
composta pela assistência social e o direito. É realizado também o encaminhamento que é feito
através da visita domiciliar, entrevistas, mediações familiares.
Ele faz parte da política de assistência social é um serviço de proteção especial –
CREAS, ele está instituído dessa forma desde 2007 com um convênio com a Secretaria Especial
de Direitos Humanos.
O Psicólogo também pode estar inserido nessa política através do Programa Melhor em
Casa, um programa voltado para pessoas com necessidade de reabilitação motora, pessoas
idosas, pacientes crônicos sem agravamento ou em situação pós-cirúrgica, tem como oferta a
assistência multiprofissional e humanizada nos domicílios, com cuidados mais próximos da
família (Oliveira, 2017).
Ainda de acordo com o autor citado anteriormente, o atendimento é realizado por

135
equipes multidisciplinares, formadas prioritariamente por médicos, enfermeiros, técnicos em
enfermagem e fisioterapeuta. Outros profissionais como fonoaudiólogos, nutricionistas,
odontólogos, psicólogos e farmacêuticos também poderão compor as equipes de apoio. Sua
execução ocorre em parceria com estados e municípios, encontra-se articulado com as Redes
de Atenção à Saúde, ampliando o cuidado na Atenção Básica, na urgência e emergência e,
parcialmente na Alta Complexidade. Assim, as equipes atuam de maneira integrada com os
serviços de todos os níveis de atenção à saúde.

4 Considerações Finais

O envelhecimento é uma fase complexo, pluridimensional, composto não apenas por


perdas, mas também por aquisições individuais e coletivas. Para alguns é um processo
complicado, pois é a fase da velhice, mas vale ressaltar que a vida não se esgota nela.
As políticas públicas trazem a descentralização das responsabilidades e a participação
social no enfrentamento das necessidades germinadas pelo envelhecimento, dessa forma, há,
uma redistribuição de papéis, tornando a família, a sociedade, a comunidade e o Estado
responsáveis pela assistência à pessoa idosa em todas as situações e principalmente nas
situações de dependência.
A PNSPI mostrou-se uma política bastante relevante no que diz respeito a saúde da
população idosa, por mais que não seja tão satisfatória, ela ainda consegue melhorar os números
na qualidade de atenção a esta população. Principalmente por ser uma política ampla,
multidisciplinar e interdisciplinar, valendo a pena ressaltar aqui a importância do profissional
psicólogo nesta política.

Referências

Brasil. Lei n. 8.842, de 04 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, cria
o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências [Internet]. Brasília;
Brasil. Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras
providências [Internet] Brasília.
Brasil. Ministério da Saúde. (2010). Atenção à saúde da pessoa idosa e envelhecimento.
Brasília. 44 p. (Série B. Textos Básicos de Saúde) (Série Pactos pela Saúde 2006, v. 12).
Brasil. Ministério de Saúde. Portaria n. 2528/GM, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política
Nacional de Saúde da Pessoa Idosa [Internet]. Brasília.
Brasil. Portaria n.2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a política nacional de saúde da
Pessoa idosa. Diário oficial da União.
Camacho, Alessandra Conceição Leite Funchal; COELHO, Maria José. (2010). Políticas
públicas para a saúde do idoso: revisão sistemática. Revista Brasileira de Enfermagem,
v. 63, n. 2, p. 279-284.
Oliveira Fernandes, Maria Teresinha; Soares, Sônia Maria. (2012). O desenvolvimento de

136
políticas públicas de atenção ao idoso no Brasil. Revista da Escola de Enfermagem da
USP, v. 46, n. 6, p. 1494-1502.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (2008). Projeção da população do Brasil
por sexo e idade – 1980-2050.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (2010). Censo Demográfico.
Jimenez, Luciene.(2011). Psicologia na Atenção Básica à Saúde: demanda, território e
integralidade. Psicologia e Sociedade, v. 23, p. 129-139.
Oliveira, Stefanie Griebeler; kruse, Maria Henriqueta Luce. (2017). Melhor em Casa:
dispositivo de segurança. Texto e Contexto Enfermagem, v. 26, n. 1, p. 1-96.
EIXO 03

137
Gênero, sexualidade e violências

REFLEXÃO SOBRE A CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE DA MULHER


FRENTE ÀS OPRESSÕES PATRIARCAIS

Djanete da Silva Alves

Introdução
A construção do conceito de um ser chamado mulher é marcada por práticas patriarcais
e sexistas, as quais menosprezam desde a força do ser, à sua inteligência. Neste sentido,
percebemos que a mulher vem sendo tratada, historicamente, na sociedade Ocidental, como ser
inferior e, de certa forma, incapaz. Gestos sutis, conhecidos como cavalheirescos, aumentam a
intenção de superioridade do homem a níveis mais perceptíveis, como a negação do direito ao
voto e à propriedade às mulheres, os quais foram conquistados recentemente, a partir de muita
luta. Há que se pensar também nas mulheres escravizadas durante o período colonial, as quais
carregavam os pesos dos estereótipos relacionados ao seu sexo, das correntes físicas e culturais
e, ainda, dos castigos que eram os mesmos dados aos homens, mas, muitas vezes, acrescidos a
humilhação do estupro.

A construção da cosmovisão, das características e da identificação de um grupo baseia-


se também na construção do Outro. Nestes casos, o Outro seria tudo aquilo que o Um não é.
Essa reflexão histórica, e antagônica, inviabiliza a igualdade de oportunidades, pois o Outro,
que em nosso caso é a mulher, tem sua existência limitada a partir dos desejos do Um, que é o
homem. Quando compreendemos o pensamento: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”
(Beauvoir, 2016, p. 9), percebemos que as amarras culturais impostas pela sociedade ocidental,
ditam o destino e a vocação de uma pessoa com base no seu órgão genital.

Nesse contexto, são notados diversos avanços e, principalmente, obstáculos na


construção da subjetividade da mulher, pois de um lado a sociedade patriarcal lhe determina
como deve ser seu corpo, o que deve consumir para ser aceita, quais profissões dizem respeito
à sua carreira, devendo estar atreladas à feminilidade, à dona de casa, cuidadora, mãe e esposa.
Do outro lado, há mulheres lutando por isonomia, por respeito, pelos seus lugares sociais e
históricos, sem se deterem à idealização binária: masculino versus feminino. Basta refletirmos
e rememorarmos o quanto evoluímos do século passado para cá, em relação à educação e ao
trabalho, por exemplo.

Desta forma, a partir do que foi exposto, esse artigo tem como questão de investigação:
quais limitações encontram as mulheres em sua produção de subjetividades na
contemporaneidade em uma sociedade patriarcal? Como objetivo geral temos: refletir a
influência do patriarcado na limitação da produção de subjetividades das mulheres na
contemporaneidade. Os objetivos específicos buscam investigar a construção e recente processo
de desconstrução da mulher como Outro e, também, analisar como as mulheres têm resistido
frente às opressões sexistas no desenvolvimento de suas subjetividades.
138
Capaz ou incapaz de se construir
A definição do papel da mulher na sociedade é uma construção bastante antiga, que
instiga diversas reflexões, desnaturalizações e percepções outras. O papel social da mulher nos
leva a investigar, também, os estigmas culturais e históricos que caracterizam o homem, que
colonializa, que oprime, que manda e domina. Inclusive, as lendas e contos retratam o homem
como aquele que tem a capacidade de encontrar novos mundos, de lutar contra monstros, de
salvar princesas. Enquanto a princesa é bonita, passiva, cuida da aparência, da família e aguarda
um príncipe encantado para poder ser salva e feliz.

Tal estereótipo, da passividade e obediência, perdurou por um longo período, e vem


sendo desconstruída através de lutas feministas e pelo revisionismo histórico. Porém, cabe
ressaltar que esta fase de desconstrução é recente quando comparada à história ocidental. Por
isso é necessário potencializar o lugar de fala e a intelectualidade da mulher, para que haja uma
maior ocupação nos espaços, capaz de desfazer os nós sexistas e opressores que têm amarrado
possibilidades e amordaçado vozes. Nesse sentido, o uso da escrevivência, que, conforme
Conceição Evaristo (2006), se relaciona com o corpo, permite uma condição ímpar de expor
experiências e reformular ideais. Quando a mulher traz seu corpo como tradição viva (Bâ,
2010), sua condição de mulher desterritorializada das narrativas históricas escritas por homens,
novas possibilidades passam a existir, assim como novas leis e uma nova história é escrita.

Quando relacionamos a existência da dominação patriarcal com a história da sociedade


ocidental e colonialista, percebemos que o papel da mulher, desde muito tempo, é associado à
servidão, ao ser domesticado, dócil, sem direitos e incapaz de ser protagonista da história. De
acordo com Wollstonecraft (1792 apud McCann, 2019) a sociedade ensinou às mulheres, desde
cedo, que a aparência, a opinião do homem e o casamento têm mais importância do que o
autodesenvolvimento pessoal e intelectual. Assim, além dos direitos estarem cerceados com
veemência, existia a servidão compulsória, em que a dedicação exclusiva aos serviços
domésticos se unia ao cuidado excessivo da aparência, para que a mulher estivesse sempre no
espectro feminino e pré-ocupada com atividades condizentes com seu sexo.

Durante a maior parte da história, a mulher foi considerada como um ser que possuía
uma capacidade intelectual inferior à do homem. Porém, tal justificativa exime a
responsabilidade cultural da família e de todos que compõem a sociedade, em fornecer
instrumentos iguais para ambos, independente do sexo. McCann (2019) ressalta que a
determinação de que a mulher possui um intelecto inferior, alimentada durante milênios, não é
resultado de aspectos biológicos, mas sim da castração do saber feita pelos homens e do acesso
limitado à uma educação sólida, igualitária e de qualidade.

Por outro lado, no mesmo período em que as mulheres lutavam pelo sufrágio, entre o
século XIX e o XX, as mulheres escravizadas enfrentavam problemas que transpassavam suas
existências e engajavam-se em uma constante luta pela sobrevivência. Davis (2016) cita
algumas das atrocidades que as mulheres escravizadas sofreram; levando-se em consideração
que seus serviços eram determinados em paridade com os dos homens, os proprietários dos
escravos ainda acrescentavam um teor sexual aos castigos das mulheres. Além de serem
obrigadas a procriar, para que houvesse mais escravos gratuitamente, de trabalharem com os
filhos nas costas, de serem castigadas enquanto estavam gestantes, ainda eram estupradas.

Segundo Davis (2016), o estupro é uma arma de dominação e repressão, onde a


humilhação une-se à violência, objetivando aniquilar o desejo que as mulheres escravizadas
possuíam em resistirem. A miscigenação é outro aspecto que precisa ser mencionado, e,

139
desconstruído. A partir do momento que os europeus passaram a colonizar outras sociedades,
era necessário que houvesse um argumento que justificasse as atrocidades que seriam feitas,
como é o caso da escravidão. Foi assim que o europeu, junto de sua cultura, fé cristã e fenótipo
branco, tornou-se o ser superior, que oprime e que, inclusive, é encarregado de melhorar as
sociedades primitivas, evoluindo-as. A miscigenação surge como política de
embranquecimento e possui, portanto, um caráter que objetivava circunscrever e perpetuar o
domínio e a supremacia branca.

Dessa forma, percebemos que a dominação patriarcal se instituiu a partir de conceitos


impostos, dia após dia e não é um fato que surgiu abruptamente, nem um mal súbito, que
acomete a história com inconstância. Como diria Benjamin (1940), a história é um anjo de olhos
esbugalhados, que anseia afastar-se do passado e de suas incontáveis ruínas, sendo o progresso
o maior causador delas.

Por fim, é necessário que seja proposta uma reflexão em torno das conquistas da mulher,
as quais aconteceram após muita luta, tanto as conquistas referentes aos seus direitos, como
também, a como ela se impõe frente aos abusos, que até há algumas décadas eram banalizados.
Lembrando que o aprisionamento, tanto do corpo quanto da mente, causa marcas históricas, são
destruições capazes até de fazer um anjo fugir, espantado.

A mulher como o Um

A união entre a cultura patriarcal e o capitalismo aconteceu de tal forma que ambos se
tornaram um e, embora pensemos que a mulher possui liberdade em ser, vestir, trabalhar, ou
compor sua persona da forma que quiser, sua história continua sendo prescrita a partir de sua
genitália. Nessa perspectiva, Beauvoir (2016) faz a distinção de gênero e sexo, ao evidenciar
que ninguém nasce mulher, que o “tornar-se mulher” se dá por meio de um processo
sociocultural, até então ignorado pela sociedade ocidental.

Beauvoir (2016) também afirma que a mulher é um sexo secundário e subordinado ao


sexo do homem, surgindo, assim, a ideia de que ela é o Outro. Nesse contexto, enquanto o
homem é a norma, a mulher é um incidente ou um objeto, que existe para agradá-lo e que não
possui anseios, atitudes, ou, que não possui uma subjetividade própria, já que sua história é
determinada a partir da existência do homem. A autora afirma que a mulher, desde antes da
adolescência, é estimulada a adotar o que é apresentado a ela como feminilidade, sendo incitada
a abandonar seu papel como sujeito ativo. Ao tornar-se um objeto, que existe em prol das
imposições deterministas, impostas e construídas de forma opressora e excludente, ela renuncia
uma subjetividade autônoma e passa a ser coautora de sua existência.

Sobre a construção da subjetividade, Bock, Furtado e Teixeira (2019) afirmam que ela
é uma síntese das experiências e dos estímulos que o ambiente social, histórico e cultural
apresenta, além da forma que indivíduo experiencia tais eventos e influencia diretamente no
desenvolvimento de sua identidade. A partir do que foi exposto, faz-se necessário uma reflexão
sobre os pilares que têm sustentado a subjetividade da mulher, pois eles englobam tanto suas
experiências e os significados, que são por ela atribuídos às suas vivências, como também fatos
socioculturais, que estão enraizados na civilização. Foucault (2019) elucida o conceito de
domínio, voltado para eficácia relativa ao poder e produtividade, a partir de alguns conjuntos
estratégicos. Um deles é a dinâmica da histerização do corpo da mulher, o qual consiste na
sexualização de seu corpo, em sua totalidade, de forma integral e indivisível ao da sociedade.
Foucault (2019) afirma que a mulher não tem um corpo totalmente seu, pois ele é uma

140
parte indispensável da sociedade enquanto organismo que busca o lucro e a evolução. Para isso,
a fecundidade é regulada e explorada, fato observável tanto no período colonial, como
mencionado, e principalmente no início da primeira revolução industrial, período em que os
homens exploravam a fecundidade das mulheres para possuir mais capital; o serviço doméstico
é enraizado na psique da mulher, formando o conceito de dever fazer, funcional e substancial
e, também, a função de mãe, que consiste na produção a partir da gestação, do cuidado e da
educação. Todos esses trabalhos fazem parte da missão existencial da mulher, desde seu
nascimento, justificados a partir do seu sexo. Eles convencionam uma forma de domínio
opressor patriarcal e capitalista, que reafirma a mulher como um objeto.

Conclusão
A construção das subjetividades da mulher perpassa diversas encruzilhadas. Ao
levarmos em consideração os processos históricos e culturais, podemos perceber uma melhora
significativa no que tange sua participação social ativa, além dos diretos civis e políticos.
Contudo, a omissão da grande maioria dos poderes representativos da sociedade impede uma
evolução mais profunda. A omissão acadêmica também nos revela uma parcialidade
masculinista, a qual nega representatividade cultural às estudantes.

Outro ponto que merece destaque é a evolução do conceito sobre o feminismo, o qual
possui ondas de extrema relevância, mas que nunca tiraram o teor burguês e excludente. A partir
dos recentes estudos de gênero, que transpõem o indivíduo binário a um pilar caracterizado pela
heterossexualidade compulsória, verificamos, como Butler (2019) menciona, que a existência
do feminismo é mais uma afirmação da mulher como "O outro", pois ela busca emancipação
das mesmas estruturas de poder que a produzem e que a oprimem. Dessa forma, a afirmação da
superioridade do homem só deixaria de existir a partir do momento que as pessoas não fossem
mais diferenciadas e categorizadas a partir de suas genitálias, ou seja, a partir do momento que
não houvesse mais distinção por sexo.

Dessa forma, a construção das subjetividades da mulher atualmente permeia dois


extremos: de um lado, os fatos sociais impõem obrigações voltadas às prendas do lar do século
passado, moldam a mulher ideal a todo instante, sem deixarem de estimular o consumo
exacerbado, atrelado ao conceito capitalista de realização e felicidade. Do outro lado estão há
mulheres lutando por direitos civis e políticos, representatividade, respeito e equidade.

Por fim, percebemos que apesar de termos assegurado pela constituição o direito à
igualdade, esta não está presente sequer no Congresso ou no Senado Federal. Logo, resistir à
imposição do padrão masculinista/patriarcal/capitalista consiste em um dos maiores desafios da
subjetividade da mulher. É a partir da resistência que a classe desafia os padrões impostos e
passa a reafirmar-se como autora, individuo, ser humano, cada qual como Um, num composto
de unidades que invalida qualquer idealização de dependência ou incompletude.

Referências
Bâ, A. H. (2010). A tradição viva.In: Ki-Zerbo, J. História Geral da África, I: Metodologia e
Pré-história da África. (2ª ed.). Brasília: Unesco.
Beauvoir, S. (2016). O Segundo Sexo: A experiência vivida. (Vol. II, 3ª ed.). Tradução Sérgio

141
Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Benjamin, W. (2013). O anjo da História. Traduzido por João Barrento. Belo Horizonte:
Editora Autêntica.
Bock, A. M. B., Furtado, O. &Teixeira, M. L. T. (2018). Psicologias: Uma introdução ao
estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva Educação.
Butler, Judith P. (2019). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira.
Davis, A. Mulheres, raça e classe. (1ª ed.). Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo:
Boitempo.
Evaristo, C. (2006). Becos da memória. Belo Horizonte: Mazza.
Foucault, M. (2019). História da Sexualidade I: A vontade de saber. (9ª ed.). Tradução de
Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. São Paulo: Paz e
Terra.
McCann, H. (2019). O livro do feminismo. (1ª ed.). Tradução de Ana Rodrigues. Rio de
Janeiro: Globo Livros.
GÊNERO E SEXUALIDADE NA ASSISTÊNCIA AO HIV/AIDS: PROCESSOS DE

142
SUBJETIVAÇÃO NA SAÚDE

Erika Carla de Sousa Ramos


Guilherme Augusto Souza Prado

Introdução
Os anos 1980 marcam o aparecimento da epidemia do HIV e junto a isso surgem uma
série de concepções que relacionam o corpo e a sexualidade como marcas da vulnerabilidade
provocada pela doença do sexo. A partir disso, temos a ideia do excesso sexual como
provocador da síndrome pouco conhecida, mas causadora de medo e estigma. Neste contexto,
a Aids aparece como retaliação da natureza contra quem transgride a norma sexo/reprodução e
toma o ato sexual enquanto objeto de desejo e excitação do prazer (Weeks, 2000). Ela é
caracterizada inicialmente como doença atrelada ao mundo gay, afirmando o caráter imoral das
práticas sexuais homoafetivas, às quais se atrelam os sentidos de impureza e contaminação.
Através disso, a heterossexualidade, posta como norma, exala a ideia do sexo saudável,
tradicional e puro e afirma a naturalização da ideia de sexualidade ligada necessariamente à
reprodução.

A Aids é responsável pela captura de múltiplas entradas acerca de crenças, códigos e


signos que regem a estrutura de nossa sociedade; este movimento é responsável pela
problematização e desnaturalização de categorias essenciais à compreensão da síndrome; a
sexualidade, o gênero, a morte (Carvalhães, 2010). Este emaranhado de questões ligadas aos
corpos, à cultura, à economia formam elementos para se pensar a produção da subjetividade a
partir desse movimento de modificação da ordem patriarcal, fundada na família tradicional e na
heteronormatividade compulsória.

Através destes movimentos, nos debruçamos na tarefa de compreensão desses


fenômenos por meio da problematização acerca do campo saúde, no tocante à assistência e
prevenção do Hiv/Aids quanto as concepções de gênero e identidade de gênero. Buscamos
compreender e extrair a concepção de identidade sexual inerente aos documentos normativos
da assistência e prevenção em HIV e Aids na saúde pública no Brasil colocando-a em
perspectiva crítica com as teorias pós-feministas de performatividade de gênero, a fim de
problematizar a noção de sexualidade como construção política e social.

Dentro do pensamento hegemônico, as formas de interação sexual são traduzidas como


marcas do significado ou da identidade sexual. Os processos de fixação da identidade e da
diferença, segundo Taborda (2012) possuem capacidade performativa de produção de
subjetividades. Sendo assim, marcas identitárias de gênero carregam implicações políticas de
valores que determinam naturalizações acerca dos papéis sociais. Pretendemos, então,
investigar como esta dinâmica atua nos dispositivos de assistência ao HIV/Aids.

Desta forma, seguindo a esteira de um processo de crise e remodelação do feminismo


de segunda onda - acusado de manter pressupostos heterossexuais e coloniais – nos dispomos
a pensá-lo enquanto teoria política, em acordo com as propostas das chamadas teorias pós-
feministas (Carrillo, 2007). Estas marcam o deslocamento de uma noção única acerca da
diferença sexual e de gênero para uma análise de ordem transversal. Nela, debates acerca do
construcionismo e essencialismo, de igualdade e diferença, justiça e reconhecimento passam a

143
ser espaço para se pensar a produção transversal da diferença e análise da constituição mútua
das opressões. É a partir deste prisma que nos dispomos a fazer uma leitura e análise de certa
concepção de gênero presente nos documentos.

Metodologia
Para nosso caminho metodológico nos pautamos na escrita acadêmica enquanto
processo que permite ao pesquisador a superação da neutralidade proposta pelo saber dominante
e que entenda a realidade como resultado de modos de ver e dizer construídos em determinado
instante histórico (Escóssia & Tedesco, 2009). Desta forma, a perspectiva da genealogia
cartográfica torna-se útil para análise de nossa problemática na medida em que as abordagens
cartográfica e genealógica se aproximam no interesse em construir um diagrama de forças,
investigando como estas se agenciam na constituição de formas, saberes, verdades
(Zambenedetti & Silva, 2011).

Junto ao conceito de genealogia nos ancoramos na historicização descontínua e


dispersa, abrigando desvios e o caráter de exterioridade dos acidentes. Aqui, consoante com a
proposta cartográfica, a investigação da produção de arquivos ocorre pelo acompanhamento de
processos conforme constituição dos documentos (Lemos, Silva, Galindo & Mendes, 2015). A
cartografia nos apresenta a função transversalização que atua na produção de experiências de
ruptura de classificações, hierarquias e dicotomias, instaurando um plano de relações entre
dimensões múltiplas da realidade (Escóssia & Tedesco, 2009).

Sendo assim, nossa pesquisa propõe pontos de inflexão acerca das normas de gênero
postas ao discurso da Saúde Pública, entendendo-a enquanto parte de um dispositivo de
normalização de práticas, modos de agir e de ser. Dessa forma, nos colocamos criticamente na
leitura de diretrizes dedicadas ao atendimento em HIV/Aids, analisando concepções de gênero
presentes nos documentos. Partimos de um olhar crítico, e não neutro para capturar problemas
conforme contato com o campo, o que influencia nossa abordagem e os desdobramentos da
pesquisa. Destarte, busca-se uma historicização e uma localização acerca das concepções de
gênero, sexualidade e do HIV/Aids, analisando a variação destas categorias conforme análise
documental.

Resultados e discussão
Economia política e regulação dos discursos sobre o sexo
A partir dos séculos XIX e XX torna-se cada vez mais comum a regulação da
sexualidade pelo Estado. A captura do discurso acerca das manifestações sexuais pela Saúde
Pública através do binômio saúde/doença determina a elaboração de políticas públicas baseadas
em discursos médico e científico dominantes. Sendo assim, corre-se o perigo de naturalização
dos papéis e interações sexuais que são refletidos nas intervenções propostas para as populações
alvos de intervenção (Parker, 2000).

Conforme Spargo (2017), com o aparecimento da Aids, a coletividade marcada pela


identidade gay e lésbica, cindida por lutas, busca de identidade e direitos, esteve diante de novas
pressões, assistindo à uma renovação da homofobia marcada pela ligação da nova doença à
comunidade gay e agindo através de estratégias de resistência às opressões sociais marcadas
pela normalização. A epidemia da Aids modificou o entendimento convencional sobre o que

144
seria subjetividade, revelando a identidade e o saber enquanto coisas diretamente ligadas ao
poder (Spargo, 2017).

Trabalhos acerca da construção social da sexualidade têm questionado noções de


gênero e identidade de gênero. Para além das distinções biológicas de macho e fêmea, há o
processo de socialização sexual, no qual relações são modeladas sob as noções de
masculinidade e feminilidade (Parker, 2000). O campo da pesquisa em sexualidade começa a
considerar, para além das concepções de sexualidade enquanto processo social e histórico,
noções de poder no estabelecimento da vida sexual. Dentro de um estágio intenso de mudanças,
os estudos acerca das interações sexuais caminham para uma análise de sistemas políticos e
econômicos, no qual a noção de poder aparece como organizadora da vida sexual (Parker,
2000).

A noção de dispositivo em Foucault nos dá ferramentas para pensarmos a problemática


do HIV/Aids através da construção de discursos acerca da sexualidade. O conjunto de
instituições, saberes, práticas, proposições científicas, filosóficas, o dito e o não dito constroem
formas de saber e poder na sociedade. Sendo assim, temos o dispositivo da sexualidade
formando e estabelecendo verdades, evidenciando e marginalizando práticas, exercendo a
regulação do sexo através de distribuição e controle de corpos. Este controle se dá através de
instituições como a escola, a família, a religião, a saúde, a partir de uma economia complexa
em que se praticam incitações, manifestações e valorizações. (Foucault, 2005). O dispositivo
da sexualidade é capaz de abarcar uma miríade de discursos que modelam as formas de pensar
e conhecer o corpo, impondo sobre este uma grade de conceitos e definições (Weeks, 2000).
Para Butler as regulações de gênero são antes uma modalidade de normalização
específica capaz de produzir efeitos constitutivos sobre a subjetividade do que meros exemplos
das conformações de regulamentação de um poder mais extenso. É nesse ponto que o
pensamento de Butler difere da teorização proposta por Foucault acerca de sua analítica de
poder, na qual o gênero é parte de uma operação de regulação mais ampla. Dessa forma, o
aparelho de regulação do gênero é em si generificado, gênero tem seu próprio regime de regras
e disciplinas (Butler, 2014). A autora defende manter o gênero separado das categorias da
masculinidade e da feminilidade problematizando acerca de como o binarismo atua para manter
a naturalização desses termos e para afastar a ideia de gênero enquanto norma e afirmá-lo como
elemento constitutivo dessas categorias. Assim, o entendimento de gênero junto aos domínios
homem/mulher, macho/fêmea, masculino/feminino, atua na efetivação de uma operação de
regulação do poder que naturaliza discursos hegemônicos e afasta as possibilidades de pensar
a disrupção (Butler, 2014).

Sob leitura de Foucault e Butler, Preciado (2014) propõe uma análise crítica da diferença
entre gênero e sexo enquanto produtos de um contrato social heterocentrado, no qual
performances normativas são inscritas nos corpos enquanto verdades orgânicas. O conceito
de contrassexualidade sugere a substituição do contrato social que denomina-se natureza para
um contrato contrassexual, o qual evoca o fim da naturalização dos corpos como ordenamento
legitimador da sujeição de uns a outros. Agora, os corpos não mais se reconhecem como
homens ou mulheres, mas como corpos que falam e reconhecem outros corpos como falantes.
O masculino, o feminino ou o desviante são agora produtos da determinação do poder. Desejo,
excitação sexual e orgasmo compõem elementos de uma tecnologia sexual que identifica e
unifica a função reprodução à função sexual e anula as possibilidades outras de sexualização
dos corpos (Preciado, 2014).
145
Atenção à população LGBT: como são construídas as existências transgressoras?

A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e


Transexuais (LGBT), instituída pela Portaria nº 2.836, de 1° de dezembro de 2011, marca a
institucionalização do enfrentamento do estigma e discriminação nos dispositivos de assistência
e reconhece a falha dos dispositivos de saúde no atendimento humanizado e integral para esta
população. Através disso, temos a referida ausência como dado importante no tratamento a
essas pessoas; conforme Foucault (2010), o dispositivo da sexualidade é composto por forças,
saberes e instituições capazes de invisibilizar existências que fogem aos discursos dominantes,
é aqui que o não dito atua como discurso e evidencia os efeitos positivos do poder-saber.

Esta falta histórica para com gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais representa
a institucionalização do estigma praticado por meio da marginalização, da invisibilidade e do
afastamento destes das políticas de assistência e saúde. Este movimento é caracterizado por
Butler (2000) como domínio do abjeto, no qual transgredir a norma sexo/reprodução pautada
na heterossexualidade como norma significa ser atravessado por forças de exclusão, onde seu
interior constitui-se pela abjeção, infâmia, rebaixamento.

Através dos documentos analisados, notamos os efeitos das reivindicações da sociedade


civil organizada no que se refere à inclusão da população LGBTQ+ nas diretrizes profissionais
para atendimento às pessoas que vivem com HIV. Dessa forma, temos nos primeiros
documentos a ausência da discussão sobre sexualidade, principalmente no que se refere às
interações que fogem à heteronormatividade; em contraste, encontra-se foco nas diretrizes
técnicas de atendimento. Conforme o movimento em torno da temática por parte das
organizações não governamentais surgem pontos referentes às sexualidades marginalizadas
historicamente, mas o foco ainda predomina em torno da sexualidade heterossexual e na ideia
de reprodução ligada à sexualidade.

O processo de tornar-se de um gênero é realizado através da naturalização da


diferenciação de prazeres e de partes do corpo que correspondem ao que as instituições
caracterizam como feminino/masculino, homem/mulher,
heterossexual/bissexual/homossexual. Dessa forma, os corpos são construídos discursivamente
para atenderem a um ideal de gênero específico, na qual determinadas partes do corpo tornam-
se focos aceitáveis de prazer.

Assim, a nomeação do pênis, da vagina e dos seios como áreas de prazer corresponde à
naturalização de um corpo construído como sendo marcado por determinados traços que
obedecem a ideia de heterossexulidade enquanto manifestação de ordem natural (Butler, 2019).
As palavras da autora trazem uma possível explicação para a característica de abjeção dada à
população LGBTQ+, que subverte a norma de correspondência sexo/gênero exigida pelo
sistema e afirma suas práticas como legítimas mesmo sofrendo violências quanto à seus modos
de ser. Nos documentos mais recentes percebe-se uma tentativa de captura dessas
subjetividades na exposição de sua existência enquanto população foco de intervenções em
saúde, agora não mais atrelada ao conceito de grupo de risco. Ainda assim, a presença se
resume, em grande parte, à simples citação e conceituação da identidade de gênero, pouco
expondo e permitindo a aparição das interações sexuais claramente.
Segundo essa linha, Preciado (2014) entende ser o sexo uma engenharia de domínio

146
heterossocial marcada pela redução do corpo a zonas erógenas em vista de uma distribuição de
poder entre os gêneros naturalizados. Este movimento faz com que coincidam determinados
afetos com certas partes do corpo, determinadas sensações com reações ao toque. Realiza-se
assim uma divisão e fragmentação do corpo, na qual órgãos são recortados e zonas sensitivas
são geradas para que depois sejam identificadas como centros anatômicos da diferença sexual.

Gays, lésbicas, travestis, transexuais passam a fazer parte das populações descritas nos
documentos. Esta presença não significa necessariamente um passo contribuinte ao fim da
discriminação institucional, já que a mera citação não basta para que as interações sexuais sejam
devidamente trabalhadas tal como ocorre em relação à sexualidade heterossexual. Dessa forma,
um discurso vago não contribui para um atendimento humanizado à esta população, não
instruindo profissionais a contemplarem em seus planos terapêuticos as diversas manifestações
e interações da sexualidade.

Sexualidade e reprodução: direitos para quem?

A discussão acerca dos direitos sexuais e reprodutivos aparece nos documentos,


principalmente relacionada às demandas de mulheres gestantes e disponibilização de
preservativos. O documento Diretrizes dos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA), de
1999, não faz menção aos termos direitos sexuais e reprodutivos, se resumindo à citar a
sexualidade e a saúde sexual como temas transversais às IST/Aids e tendo como foco a
prevenção da transmissão vertical e à distribuição de preservativos.

Já a diretriz de 2010 aponta a importância dos direitos sexuais e reprodutivas em citação


única e sem maior desenvolvimento acerca do tema: “Realizar ações de prevenção e
aconselhamento que propiciem a reflexão dos usuários sobre questões relativas à sexualidade e
gênero, na perspectiva dos direitos sexuais e reprodutivos (Brasil, 2010, p.17)”. As diretrizes
de 2017 não fazem menção aos termos, apesar de pontuarem acerca do preservativo feminino
sob o controle da mulher, trazendo maior autonomia à seu corpo e sua vida sexual (Brasil,
2017a; 2017b).

O documento Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção


pelo HIV em Adultos contempla uma seção para discutir a saúde reprodutiva das pessoas que
vivem com HIV, delineando os seguintes eixos: Aconselhamento reprodutivo para concepção
e anticoncepção e Planejamento reprodutivo. Além disso, destaca a importância de realizar
intervenções voltadas ao autocuidado e empoderamento de mulheres acerca de sua saúde sexual
e reprodutiva e de considerar questões específicas de grupos populacionais sob vulnerabilidade,
dando ênfase às desigualdades de gênero, incluindo mulheres transexuais e adolescentes
(Brasil, 2018b).

Quanto a extensão desses direitos às populações lésbicas e trans percebe-se certo


silêncio na disponibilização de diretrizes profissionais, com exceção do documento Homens
trans, vamos falar sobre prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis?, em que pontua
a saúde reprodutiva e sexual enquanto direitos a ser garantido pelo Estado, além de menções ao
processo transexualizador, à prevenção ao câncer de colo de útero à homens trans com vida
sexual ativa (Brasil, 2019). Estas populações não têm interações sexuais passíveis de possível
infecção por HIV e outras ISTs? Não manifestam desejo pela maternidade? Estariam estas em
um domínio não reconhecido pela cultura hegemônica? A mulher lésbica trans seria o outro do

147
outro?

Butler (2019) problematiza a posição hegemônica da crítica fundada pelo movimento


feminista acerca de um discurso materno construído a partir da problemática psicanalítica da
identificação. De acordo com a autora, este foco tende a alimentar a estrutura do binarismo
heterossexual que resume os gêneros à lógica masculino/feminino e obstaculiza os modos de
existência tidos como subversivos presentes no universo LGBTQ+. .

Presente nos documentos mais recentes, o discurso acerca dos direitos sexuais e
reprodutivos valoriza o preservativo feminino sob o controle da mulher como forma de maior
autonomia de seu corpo, inclusive quando há dificuldade de negociar o uso do insumo
masculino com suas parcerias (Brasil, 2017a). Dessa forma, naturaliza-se a posição de
submissão da mulher enquanto cuidadora e do homem como imprudente e mais apto ao prazer
imediato em um relacionamento heteronormativo, como se concretamente fosse o homem a não
querer utilizá-lo, ignorando fatores culturais e sociais que estabelecem posições sexuais dentro
de um sistema de heteronormatividade compulsória.

Dentro das demandas em saúde existem forças que vinculam papéis masculinos e
femininos à atenção de determinadas políticas dos serviços, as quais Barbosa e Lago (1997)
sugerem uma naturalização do papel da mulher no planejamento familiar, de mãe que pode
infectar verticalmente, de esposa que pode ser infectada pelo marido promíscuo, enquanto a
atenção às ISTs é voltada prioritariamente aos homens. As políticas de saúde voltadas ao
HIV/Aids passaram por uma masculinização da epidemia, na qual aquelas que se afastaram das
características dos grupos prioritários eram tidos como imunes ao vírus, estabelecendo-se ao
nível das instituições uma desatenção para determinados grupos.

Por outro lado, mulheres passam a ser vistas como focos de prevenção a partir do
momento em que se encontram grávidas. A prevenção à transmissão vertical aparece desde a
primeira diretriz como etapa fundamental do acompanhamento de mulheres grávidas e é
institucionalizada através da Portaria MS/GM n° 1.459, de 24 de junho de 2011, que institui,
no âmbito do SUS, a Rede Cegonha, conforme cita o documento Diretrizes para Organização
do CTA no Âmbito da Prevenção Combinada e nas Redes de Atenção à Saúde (Brasil, 2017a).
Além disso, se verifica o predomínio de gestantes junto às populações mais vulneráveis entre a
clientela referenciada ao serviço (Brasil, 2010).

Barbosa e Lago (1997) problematizam a priorização da assistência ao parto, na qual o


pré natal é visto como intervenção de finalidade primeira de benefício ao bebê. Visualiza-se
aqui a necessidade do Estado em controlar taxas de natalidade e mortalidade infantil refletindo
uma normalização do prazer tendo em vista o funcionamento positivo da ordem social, isto é,
das relações entre os sujeitos, no qual as mulheres aparecem como ferramentas de uma
biopolítica. Para Foucault (2005), a biopolítica trata-se da socialização do corpo enquanto força
de produção e instrumento de controle da sociedade sobre os indivíduos.

Através disso, temos a naturalização do papel sexual da mulher enquanto polo de um


dispositivo de reprodução de novos corpos. Construiu-se historicamente através dos discursos
do direito, da igreja e da família enquanto modo de reprodução social e biológica, a ideia de um
modelo feminino universal, na qual a mulher é vista como dispositivo de reprodução de corpos,
em que a maternidade lhe é colocada como missão (Rago, 2004). Sendo assim, a reprodução
sexual encontra-se confinada à natureza e ao corpo das mulheres, estando marcada por
tecnologias culturais, como aquelas de domínio médico e a práticas em torno da sexualidade

148
(Preciado, 2014).

A crescente presença do HIV/Aids em grupos femininos potencializa um quadro de


saúde já precarizado. Conforme Feffermann et al (2018), as diferenças de classe e raça, junto
ao gênero e sexualidade, devem ser evidenciadas nas políticas públicas de saúde como
determinantes da vida, do adoecimento e da morte de pessoas. Desta forma, acrescenta-se aos
riscos de transmissão as condições de vulnerabilidades a que estão inseridas estas mulheres. Os
serviços de saúde aparecem aqui como instituições contribuintes ao acesso digno à saúde
feminina, na qual uma série de postulações científicas e práticas acerca de gênero, raça e classe
acabam por fortalecer condutas marcadas por discriminação, como a falta de intervenções
acerca das sexualidades lésbicas e trans e o descaso com a saúde de mulheres negras, justificado
pela atuação de sexismo e racismo a nível institucional (Garcia & Souza, 2010).

A naturalização de papéis sexuais presentes nos documentos, ao mesmo tempo em que


exalta, evidência, visibiliza as demandas da mulher enquanto dispositivo de reprodução, a qual
deve manter relações heteronormativas, deixa invisível ou para segundo plano a existência de
mulheres lésbicas, que vivem uma histórica exclusão das estratégias de saúde da mulher. Desta
forma, encontramos profissionais que ao absorverem uma ciência pautada em pressupostos
patriarcais, sexistas e de heteronormatividade deixam passar questões que envolvem as
sexualidades que fogem às regras e normas postas para as interações sexuais dominantes.

Em análise documental acerca da presença da discussão dos direitos sexuais e


reprodutivos da população trans, Angonese e Lago (2017), concluem que a reprodução é
representada nas políticas públicas como demanda de mulheres cis, sendo a população
LGBTQ+, aqui tendo destaque a população trans, não contemplada ou colocada à margem do
tema. Ainda de acordo com as autoras, esta população passa por um processo de esterilização
simbólica, em que lhe é negada a possibilidade de reprodução e da parentalidade. Esta realidade
se repete nas diretrizes para atendimento em HIV/Aids, sendo a saúde sexual da população trans
não trabalhada de maneira efetiva. Exclusão que se dá através da reificação do discurso
dominante que privilegia um só modelo de família, pautado em pressupostos brancos,
patriarcais e cis normativos, na qual só pessoas cis podem ter filhos (Angonese & Lago, 2017).

Dessa forma, observamos que nos documentos analisados os modos de parentalidade


não hegemônicos são colocados fora das esferas de sociabilidade aceitas, tendo a população
trans citação quanto à possibilidade de gravidez em apenas uma diretriz (Brasil, 2019). Dentro
do sistema binário, certos modos de performar o gênero adquirem o domínio do real e
reafirmam sua hegemonia através de sua auto naturalização (Butler, 2010). É neste processo
que as sexualidades aceitas no domínio da inteligibilidade afirmam-se enquanto legítimas, neste
mesmo movimento as existências trans, colocadas fora do domínio de inteligibilidade e
expulsas dos dispositivos de socialização, sofrem processos de violência e apagamento. Este
movimento é percebido através da análise dos documentos em que se percebe a carência de
citações acerca das vivências dessa população. A diretriz de 2019, em contraponto às demais,
possibilita a visibilidade dos homens trans, trazendo a multiplicidade das experiências que
envolvem sua sexualidade (Brasil, 2019).

A mulher enquanto representação e as (im)possibilidades de atenção às demandas de


mulheres lésbicas e transsexuais
No que se refere ao atendimento a mulheres encontra-se representado nos documentos

149
o ideal de mulher que obedece à norma sexo/reprodução, pautada por uma matriz heterossexual.
Butler (2019) problematiza a ideia de sujeito do feminismo construído através de uma política
representacional. Dessa forma, a autora coloca que a representação por um lado busca levar às
mulheres visibilidade e legitimidade enquanto sujeitos políticos; e por outro serve como função
normalizadora de linguagem capaz de revelar ou distorcer o que é posto como verdade sobre a
categoria mulher. Tendo isso em vista, a sexualidade de mulheres lésbicas e mulheres trans é
contemplada na ideia de representação feminina? De que forma isto reflete as políticas públicas
direcionadas a este público?

A reivindicação de uma identidade feminina passa a ser questionada no interior do


discurso feminista, onde o sujeito mulher não se compreende mais como estável. Sendo assim,
a categoria mulher é constituída discursivamente, através de um sistema político suposto
facilitador de sua emancipação. O sistema, fundado em norma heterossexual, constrói sujeitos
com traços de gênero constituídos através do ideal de dominação que atende à pressupostos
masculinos (Butler, 2019). Os documentos demonstram seguir esta lógica quando privilegiam
a concepção de mulher dentro de uma relação heterossexual, trazendo diretrizes que ligam a
sexualidade necessariamente a concepção e a práticas que seguem aos ideais de homem e
mulher hegemônicos.

A identidade de gênero torna-se inteligível através da exigência de que apenas certas


identidades possam existir, obedecendo um sistema que exige a correspondência entre sexo e
gênero e que não reconhece aqueles em que o gênero não decorre do sexo e aqueles cujas
práticas do desejo não correspondem nem ao sexo nem ao gênero (Butler, 2019). Compreende-
se, através disso que o modos de ser mulher lésbica e os modos de ser mulher trans afastam-se
ao que espera-se da categoria mulher, desta forma, aquelas que fogem à essa norma são
excluídas, colocadas em um outro domínio onde as políticas de saúde não adentram, onde suas
práticas são postas em domínio da marginalidade, por não obedecerem às normas de
inteligibilidade propostas pela cultura. É nesse movimento que a eficácia das normas de gênero
torna-se limitada e a subversão de suas categorias facilita a produção de fissuras que
possibilitam contra-discursos e desatam o gênero da ideia de um corpo-sexo (Bento, 2006).

A assistência em HIV/Aids possui desafios que envolvem desde o acesso ao diagnóstico


até a adesão ao tratamento. A falha do dispositivo saúde em promover um atendimento integral
perpassa as demais políticas no que se refere ao atendimento a populações vulneráveis; esta
realidade atravessa desafios que envolvem a formação de profissionais e o trabalho em torno
da acessibilidade dos serviços. As diretrizes apontam mudanças estruturais no que se refere ao
combate ao racismo, ao sexismo, à homofobia. “Ações de enfrentamento ao racismo, sexismo,
homofobia, transfobia e demais preconceitos; promoção e defesa de direitos humanos;
campanhas educativas e de conscientização; e marcos legais e ações programáticas que
impactem nos determinantes sociais (Brasil, 2017b, p. 11, ).”

Porém, o discurso parece vago e não contempla, na maioria dos documentos, a


existência de diferentes interações sexuais fora de padrões que unem sexo e gênero como
dependentes de um sistema binário. É através da ideia de univocidade do sexo e da coerência
entre sexo e gênero que se formam ideais de regulação responsáveis pela naturalização de
regimes de poder de opressão masculina e heterossexista (Butler, 2019).

Considerações finais
O caminho percorrido através da pesquisa atravessou a sexualidade enquanto narrativa

150
necessária para a compreensão da problemática HIV/Aids, levando em conta as contribuições
de teorias do chamado feminismo pós-moderno. Sendo assim, a análise dos documentos seguiu
eixos de problematização conforme o seguimento das leituras e discussões. As diretrizes
demonstram obedecer à pressupostos heterossexuais e masculinos de dominação, na qual as
interações que transgridem a norma imposta aparecem pouco trabalhadas nos documentos. Esta
lógica, presente nas primeiras normativas, começa a ser problematizada, atestando a
multiplicidade das interações sexuais, dando visibilidade à segmentos antes marginalizadas.
Este movimento é marca de conquistas de movimentos de luta através dos direitos das pessoas
que vivem com HIV/Aids, além das lutas LGBTQ+ e Feministas, que contribuem para a
modificação das estruturas dominantes ao tratar do direito à cidadania, e conforme análise desta
pesquisa, o direito à saúde.

Referências
Arán, M., Junior, C. A. P. (2013). Sobre gênero e subjetividade na obra de Judith Butler. In:
ALMEIDA, L. P. (org.) A Psicologia contra a natureza, reflexões sobre os múltiplos da
atualidade. Niterói : Editora da UFF.
Angonese, M., Lago, M. C. S. (2017) Direitos e saúde reprodutiva para a população de travestis
e transexuais: abjeção e esterilidade simbólica. Saude soc., São Paulo , v. 26, n. 1, p. 256-270,
Mar.
Barbosa, R. M., Lago, T. D. G. (1997). AIDS e direitos reprodutivos: para além da transmissão
vertical. In: Richard Parker (org.). Políticas, instituições e AIDS, enfrentando a epidemia no
Brasil. Rio de Janeiro: Zahar
Bento, Berenice. (2006). A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência
transexual. Rio de Janeiro, Garamond.
Brasil. Ministério da Saúde. (1999). Coordenação Nacional de DST e Aids. Diretrizes dos
Centros de Testagem e Aconselhamento – CTA: manual. Brasília.
______. Ministério da Saúde. (2010). Diretrizes para Organização e Funcionamento dos Cta
Do Brasil. Brasília.
______. Ministério da Saúde. (2010). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de
DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo de assistência farmacêutica em DST/HIV/Aids:
recomendações do Grupo de Trabalho de Assistência Farmacêutica Ministério da Saúde.
Brasília.
______. Ministério da Saúde. (2017). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de
Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e
das Hepatites Virais. Diretrizes para organização do CTA no âmbito dA Prevenção Combinada
e nas Redes de Atenção à Saúde. – Brasília.
______. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância,
Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites
Virais. (2017). Cinco passos para a prevenção combinada ao HIV na Atenção Básica. Brasília.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. (2018). Departamento de
Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e
das Hepatites Virais. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção

151
pelo HIV em Adultos. – Brasília.
______. Ministério da Saúde. (2019).Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de
Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e
das Hepatites Virais. Homens trans: vamos falar sobre prevenção de infecções sexualmente
transmissíveis? Brasília.
Butler, J (2000). Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, G. L
(org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica.
__________. (2019). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Civilização
brasileira: Rio de Janeiro.
Carrillo, J. (2007). Entrevista com Beatriz Preciado. Cad. Pagu, Campinas , n. 28, p. 375-
405.
Carvalhaes, F. F. (2010).Subjetividade e Aids: doença e militância na trajetória de mulheres
hiv+. Arq. bras. psicol., Rio de Janeiro , v. 62, n. 2, p. 115-128.
Escóssia, L.; Tedesco, S (2009) .O coletivo de forças como plano de experiência cartográfica.
In: Passos, E., Kastrup, V., Escóssia, L. (orgs.) Pistas do método da cartografia: pesquisa-
intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina.
Feffermann, F., Kalckmann, S., Faustino, D., Oliveira, D., Calado, M. G., Batista, L. E., &
Cheregatto R. (2018). Interfaces do Genocídio no Brasil: raça, gênero e classe. São Paulo:
Instituto de Saúde, 2018. 496 p.
Foucault, M (2005). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal,
Foucault, M. (2010). História da sexualidade I: A vontade de saber. São Paulo: Graal.
Garcia, S., Souza, F. M. (2010).Vulnerabilidades ao HIV/aids no Contexto Brasileiro:
iniquidades de gênero, raça e geração. Saude soc., São Paulo , v. 19, supl. 2, p. 9-20, Dec.
Lemos, F. C. S., Silva, D. G., Galindo, D., Mendes, L. (2015) .Notas sobre a genealogia e a
pesquisa cartográfica. ECOS - Estudos Contemporâneos da Subjetividade , v. 5, n. 2, p. 209-
218.
Rago, M. Feminismo e subjetividade em tempos pós-modernos (2004). In: Lima, C.C., Schmit,
S.P. (Orgs.). Poéticas políticas feministas. Florianópolis: Editora das Mulheres, p.31-41.
Spargo, T. Foucault e Teoria Queer. Belo Horizonte: Autêntica editora.
Parker, R. (2000). Cultura, economia política e construção social da sexualidade. In: LOURO,
G. L (org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica.
Preciado, P. B. (2014). Manifesto Contrassexual: Práticas subversivas da identidade sexual.
São Paulo: n-1 edições.
Taborba, J. C. (2012). Genealogia-cartográfica: ditos e escritos sobre famílias-cuidado.
Dissertação (mestrado em psicologia) – Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande.
Zambenedetti, G., Silva, R. A. N (2011). Cartografia e genealogia: aproximações possíveis para
a pesquisa em psicologia social. Psicologia & Sociedade, v. 23 n. 3, p. 454-­‐463.
Weeks, J. O corpo e a sexualidade. (2000). In: LOURO, G. L (org.). O corpo educado:
pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica.
ADOÇÃO HOMOPARENTAL: UM PERCURSO CONCEITUAL A PARTIR DA

152
PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA

Fernanda Luz da Silva


Isabela Brito Lima
Karen Hellen da Silva Gomes
Périsson Dantas do Nascimento

Introdução

Nas últimas duas décadas, houve uma maior flexibilização da estrutura familiar, que
passou a ser vista como um conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência
doméstica ou normas de convivência, residente na mesma unidade domiciliar, ou pessoa que
mora sozinha em uma unidade domiciliar. Nesse contexto, existem diversas configurações
familiares, entre elas, a heteroparental, monogâmica, hierárquica, nuclear e homoparental
(IBGE, 2010). De acordo com Ceccarelli (2007), a família homoparental é formada por um
casal homoafetivo com ou sem filhos e os filhos podem ser advindos por meio de recasamento,
tecnologias reprodutivas ou adoção - eixo central deste trabalho.

A restrição da adoção por casais homoafetivos no Brasil persistiu até a homologação da


Lei da Maria da Penha, que permitiu o reconhecimento pela primeira vez em termos de
legislação da família sem levar em consideração a orientação sexual. Sendo assim, a adoção
passa a ter como única exigência para deferimento as reais vantagens oferecidas para o adotado
(Baranoski, 2016).

Em decorrência da (in)visibilidade referente a legitimação das famílias homoafetivas e


homoparentais terem ganhado espaço na agenda social e política, ainda se faz presente o
preconceito a diversidade sexual e de gênero, no tocante à vivência de famílias homoparentais
constituídas pela adoção (Silva, Sousa & Eloi, 2017). Nesse contexto, torna-se relevante pensar
e discutir como a Psicologia tem se implicado nos últimos anos para a ascensão de debates e
estratégias no fomento a elucidação dessa temática.

O presente artigo visa fazer uma análise teórica sobre o tema adoção na
homoparentalidade, partindo de um diálogo entre algumas produções nacionais que tratam do
tema e produções que são referências no estudo dos conceitos como Família, Adoção,
Homossexualidade, Parentalidade e Homoparentalidade, caracterizando primeiramente as
questões jurídicas e sociais de reconhecimento das uniões homoafetivas, fazendo uso de uma
breve discussão histórica sobre as transformações na estrutura familiar ocidental, além de
contextualizar a adoção em diferentes épocas até chegar na possibilidade de adoção por casais
homoafetivos. Por fim, discutir a constituição familiar do casal homoafetivo adotante,
motivações, considerações psicossociais do adotante e os papéis exercidos dentro desta
configuração familiar.

Para compor este artigo foram selecionadas 28produções acerca da temática adoção na
homoparentalidade, a partir de uma pesquisa nas bases de dados SciELO e BVS (Biblioteca
Virtual em Saúde), usando a combinação de descritores: Homoparentalidade e Adoção;
Família Homoparental e Adoção. Como critério para seleção dessas pesquisas foram excluídas:
a) produções repetidas; b) que não fossem sobre o contexto brasileiro; c) que não possuíssem o

153
texto na íntegra. Quanto ao critério temporal, produções com datas de publicação mais recentes
foram prioridades para inclusão na pesquisa. As demais referências foram obtidas por meio de
indicação de profissionais de referência no assunto, ou através de referências encontradas nas
produções selecionadas.

Da família tradicional à homoparental: percurso social e histórico das novas


configurações familiares

A família é, segundo Santana (2015), responsável pela promoção de saúde, educação,


proteção e lazer, e também por desenvolver o papel da transmissão de valores morais e culturais
que servem de alicerce no processo de socialização. Além disso, a família é considerada a base
estrutural da sociedade, visto que, com o surgimento de diversas instituições, ao longo do
tempo, nenhuma delas conseguiu substituir a instituição familiar. Por ser uma construção social
e histórica, acompanha as mudanças políticas e econômicas dentro das sociedades e modifica-
se ao longo do tempo, assumindo novos arranjos (Harari, 2015).

A evolução política, social e econômica que vem acontecendo em grande parte do


Ocidente em decorrência do capitalismo e alimentada pelo mercado global, vem causando uma
evolução do conceito de família, fazendo surgir novos tipos de organização familiar. O conceito
de arranjo familiar discutido por Ceccarelli (2007) constitui-se como laços afetivos que unem
sujeitos, havendo ou não parentalidade. São eles: os arranjos monoparentais, formado por um
responsável legal e filho(s); recomposto, formado por um recasamento; e a família
homoparental que é constituída por um casal do mesmo gênero, sendo essa última o foco
principal do presente trabalho. Nesse sentido, segundo uma pesquisa do IPEA (2018), que
reuniu dados de 1995 a 2015, calcula-se que a família tradicional brasileira, em 1995,
correspondia a 58% do total das famílias, e 20 anos depois passou a representar apenas 42%
dos lares, sendo que 40% desses são chefiados por mulheres.

Para definir melhor o conceito de família tradicional e as novas configurações


familiares, recorremos aos estudos de Nascimento (2003), o qual afirma que no período em que
o Brasil ainda era dominado pela Colonização Portuguesa as relações sociais eram móveis e
instáveis, pois tinha-se apenas o objetivo de exploração, sem levar em consideração a ideia de
instituir ali uma vida permanente. A medida que surge um sentimento de nação pelo processo
de organização das cidades, formam-se relações mais íntimas e estáveis que, combinada com o
regime escravocrata, vai delineando características centrais da família patriarcal, onde o homem
exercia um controle autoritário sobre a vida social e sexual das mulheres, filhos e escravos.
Com a chegada da Corte Real no século XIX consolidou-se o Estado Nacional, sendo marcado
pelo forte processo de urbanização, imigração e formação da classe social burguesa que
seguiam os padrões da cultura europeia. Com isso, as noções de público e privado foram se
definindo, e a família burguesa foi se concentrando no espaço do lar e voltando-se para o
individual, o que caracteriza a família nuclear burguesa - ainda mais difundida na República
por causa da rápida industrial e modernização do Brasil - tornando-se modelo imposto para a
classe baixa renda, constituída por ex-escravos e imigrantes que vieram a procura de trabalho.

Como aponta Samara (1991), essa família nuclear burguesa se constitui de uma classe
social reduzida e de uma reduzida região brasileira- baseada em uma relação hétero-
monogâmica e de cuidado intenso da prole - e apenas esse tipo de relação era permitida e
reconhecida jurídico e socialmente, causando uma invisibilidade de outros tipos de relações
possíveis, como as homoafetivas. Nesse sentido, a heterossexualidade não era vista somente
como natural, mas também como culturalmente necessária, por ser a única referência visível de

154
ser família (Arán, 2004).

Novos modelos de se ver família começaram a ser pensados nas décadas de 60 e 70,
incitados pelo movimento feminista, movimentos de reconhecimento da homoafetividade,
legalização do divórcio e o crescente uso da pílula anticoncepcional, devido à um
reposicionamento social das mulheres e maior participação e visualização política das questões
de orientação sexual (Ceccarelli, 2007). Fenômenos como esses vêm contribuindo para a
desconstrução do tradicional modo de perceber família e os seus papéis, principalmente no que
tange modelos de conjugalidade e parentalidade.

O termo parentalité começou a ser utilizado na literatura psicanalítica francesa, para se


referir a construção da relação entre pais e filhos (Gorin, Mello, Machado & Féres-Carneiro,
2015). Na década de 80, o termo passou a ser utilizado no Brasil, através de um neologismo, a
parentalidade. Rodriguez e Gomes (2012) afirmam que, desde então, o conceito foi utilizado
para referenciar a dinamicidade da relação parental, enfatizando o processo de construção
psíquica e vincularidade, compreendendo as complexidades e singularidades das relações, em
contrapartida a ênfase ao vínculo biológico e papéis sociais, relacionado ao modelo tradicional
de família.

Mesmo após grandes mudanças, tanto jurídicas, quanto sociais, ainda se faz presente,
em grande parte da sociedade brasileira, o ideário tradicional de organização familiar, como
aqui já citado (Futino & Martins, 2006).Essa resistência a flexibilização das teias relacionais
que compõem a família, quando trata-se de famílias compostas por casais homoafetivos, é fruto
dos limites que são criados e mantidos no discurso cultural hegemônico que, por sua vez, é
produzido pelas práticas reguladoras da sociedade, como igreja, escola, família e sistema
jurídico, relativo a sociedades brasileira, que até o século XIX sofria de uma forte influência da
Igreja Católica (Prestes & Vianna, 2012; Cerveny & Marodin, 2014). Esse discurso hegemônico
é baseado em estruturas binárias, ou seja, parte do pressuposto de diferenciação dos sexos
biológicos como opostos, a qual o corpo sexuado determina o papel e o status social que aquele
indivíduo irá ocupar; e do pressuposto da heterossexualidade como única forma de desejo
possível e aceitável no campo social, conceito cunhado por Rich (2010) como
“heterossexualidade compulsória”, produzindo uma determinada maneira de se relacionar e de
fazer família. Todos os modos de ser família que se encontravam fora dessa ordem
heteronormativa, acabavam por cair o campo da loucura, do pecado e do crime (Navarro-Swain,
2012).

A questão da parentalidade por parte de homoafetivos solteiros ou com parceiros


começa a ser debatido nas esferas jurídicos-sociais na década de 60, nos Estados Unidos,
quando se inicia um engajamento organizado na expressão do desejo de parentalidade, junto a
luta de descriminalização das minorias sociais (Cerveny & Marodin 2014). O conceito de
homoparentalidade é advindo de um termo francês, criado em 1997, pela associação de Pais e
Futuros Pais Gays e Lésbicas (APGL) e configura-se pela presença de filhos dentro de uma
família formada por um casal homoafetivo, advindos de relacionamento anterior; tecnologias
reprodutivas ou por meio da adoção – eixo central do presente trabalho (Rodriguez e Gomes,
2012).

No Brasil, somente em maio de 2011 que o Supremo Tribunal Federal (STF) altera os
arts. 1.723 e 1.726 do Código Civil, estendendo a União Estável a casais homoafetivos, o que
permite o reconhecimento desses casais como uma unidade familiar (Brasil, STF, 2011). Dois
anos depois, em maio de 2013, foi aprovado no Conselho Nacional de Justiça a Resolução nº

155
175, que “dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união
estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo” (Brasil, Senado, 2013).A partir desse
reconhecimento jurídico do casal homoafetivo como uma célula familiar é que se abre a
possibilidade da adoção legal por parte desses casais, tendo em vista que, segundo o Estatuto
da Criança e do Adolescente, para que haja a adoção é estabelecido apenas que o casal esteja
em união estável a mais de dois anos. Nesse contexto, levanta-se discussões sobre a capacidade
desses casais de exercerem a parentalidade.

Tendo em vista a discussão mais ampla sobre as novas configurações familiares, é


necessário afunilar a discussão sobre o processo sócio-histórico da adoção e como o mesmo
tem sido utilizado pelos casais homoafetivos para promover a constituição da parentalidade em
família.

Adoção como meio de constituição da parentalidade: especificidades nas famílias


homoafetivas

Segundo Moreno (2009), era comum na sociedade romana a incorporação de novos


membros na família, porém essa adoção era feita a partir da vontade, benefício e poder absoluto
do pai. Sendo assim, a adoção tinha por finalidade garantir a descendência para casais sem
filhos, para que fosse possível a transmissão de bens, de um nome familiar ou de poder político,
sem, ainda, nenhuma preocupação com o bem estar e o desenvolvimento da criança (Fonseca,
1995).

A prática de adoção acabou entrando em desuso durante a Idade Média, pois não se
tinha mais o interesse de passar os bens econômicos para alguém que não fosse da mesma linha
consanguínea, além da desaprovação da Igreja, já que não favorecia a instituição do casamento,
só voltando a ter destaque com Napoleão Bonaparte que permitiu a adoção a pessoas com idade
superior a 50 anos e que não possuíssem filhos de forma legítima (biológica) ou legitimada -
reconhecida pelas instituições de poder: Estado e Igreja (Silva, 2017).

A partir do século XV, com o Renascimento Italiano, segundo Passetti (apud Henick e
Faria, 2015) a criança passa a ser vista como um ser inacabado, que precisa de outros para
satisfazer suas necessidades elementares. Por volta do século XVI e XVII, um novo sentimento
se instala quanto a essa infância, pois as crianças passam a ser vistas como seres afetuosos e
passam a ser enaltecidas em comportamentos, servindo de distração para os adultos. Somente
por volta do fim século XIX a concepção atual de infância começa a surgir de fato na sociedade
ocidental, com o desenvolvimento do “sentimento de infância”, em que há a concepção da
criança como um indivíduo em função de si mesmo, um ser em desenvolvimento que precisa
de cuidados e afetos. A partir disso, família tornou-se um lugar de afetividade nas relações
conjugais e parentais.

Trazendo a discussão para o Brasil, segundo Priore (2010), ao longo da constituição do


país, a infância é marcada por um contexto complexo e pela ausência de referências sobre a
criança, além dos diferentes grupos de crianças nativas, escravas, filhas dos senhores de
engenho. O Período Colonial (1500 - 1889) é caracterizado por tragédias, pela escravidão
infantil, pela violência, luta pela sobrevivência e por abusos sexuais, situações que retratam
momentos da inexistência de preocupação com as crianças (Azevedo e Sarat, 2015; Priore,
2010).
De acordo com Silva (2017) a adoção surge no Brasil em 1863, com a criação da

156
chamada Roda dos Expostos, criada por meio da Lei do Desamparo, que tinha como função
abrigar crianças abandonadas a fim torná-las disponíveis conforme a necessidade do Estado em
obter mão-de-obra trabalhadora. Essas Rodas de origem medieval permitiam as mães
abandonarem seus filhos de forma anônima, comumente crianças pobres, escravas ou crianças
nascidas de relacionamentos entre um membro da classe abastada com criadas ou escravas, e
“com o passar dos anos a Roda se tornou um instrumento que servia, na maioria das vezes, para
acobertar os crimes morais das mulheres brancas” (Andrade, 2016). Por volta do século XIX,
essas instituições começaram a ser fechadas pois passaram a ser consideradas contrária aos
interesses do Estado, e receberam críticas dos médicos-higienistas pelas altas taxas de
mortalidade infantil.

No Código Civil de 1916, se institui legalmente a Adoção em ordem jurídica pela Lei
Ordinária n° 3.071, objetivando a ampliação das possibilidades de adoção. Com essa nova lei,
apenas um casal formado por um homem e uma mulher casados legalmente – sem possibilitar
a adoção por qualquer outro tipo de configuração familiar – com idade superior a 50 anos
podiam adotar se tivesse um contato com os pais legítimos, entretanto o adotando deveria ter
18 anos a mais que o adotado. Essa lei da adoção priorizava o desejo dos adotantes – já que era
tida como uma forma de suprir a falta de filhos do casal – não considerando os interesses e
necessidades do adotado. A adoção tinha caráter revogável apenas nas condições de
“ingratidão” por parte do adotado, que se configurava como atentado a vida dos adotantes,
injúria grave, ofensa física e calúnia; e quando convinha às duas partes (Lebourg, 2012).

Em 1957, visto as necessidades de mudança, foi promulgada a Lei 3.133 que alterava e
complementava as disposições da constituição de 1916 que tratava sobre a adoção. Essa lei tem
como principal contribuição para a concepção atual de adoção a consideração da adoção com
finalidade assistencial, ou seja, como meio de oferecer uma melhor condição de vida ao
adotado, não considerando somente os interesses dos adotantes. A lei também altera a idade
mínima do adotante de 50 para 30 anos; reduz a diferença de idade do adotante para o adotado
de 18 para 16 anos; passa a incluir o consentimento do adotado e do seu representante legal; e
abre a possibilidade de adoção para casais que já possuíam filhos, caracterizando-se como um
importante avanço no instituto da adoção brasileira. (Brauner e Aldrovandi, 2010; Andrade,
2016)

Com a Lei 4665/65 a adoção passa a ser irrevogável e, quando o casal tivesse filhos
biológicos, esses teriam os mesmos direitos e deveres que os filhos adotivos legitimados, exceto
nas situações de herança hereditária. A Lei 6.697/79, conhecida como Código de Menores, que
precede ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990),estabelece a “Adoção Simples”
ao menor em situação irregular, ou seja, não apresentava ordenação jurídica, que substitui a
“Adoção Tradicional” regulamentado no Código Civil de 1916, e substituiu o termo
“Legitimação Adotiva”, que passou a ser tratada como “Adoção Plena”, termo que passa a
englobar o adotado, visto que legitimação só retratava os interesses dos adotantes.

Com a Constituição de 1988, pôde-se notar mudanças significativas no processo de


adoção, no qual, crianças e adolescentes eram protegidos pela Doutrina da Proteção Integral e
garantiu-se a igualdade entre filhos de qualquer origem, com a proibição de qualquer forma de
discriminação. A partir dessa lei, os filhos adotados passam a ter os mesmos direitos e deveres
que os filhos biológicos, inclusive com direito a herança. A proteção e garantia dos direitos da
criança e do adolescente é reforçada em 1990 com a criação Estatuto da Criança e do
Adolescente como consta no Art. 41°:
Art. 41° A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos

157
direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer
vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.

Nota-se que os Art. 41°, a criança e o adolescente passam a ser vistos como sujeitos de
direitos em desenvolvimento e que precisam que seus direitos sejam resguardados não só pelo
Estado, mas pela sociedade e pela família, sendo colocado como protagonista no processo de
adoção e equiparando judicialmente o filho adotado ao filho consanguíneo (Brauner;
Aldrovandi, 2010).

De acordo com o art. 39, § 1º e 2ª parte, do ECA, a adoção passa ser irrevogável e
excepcional, só devendo ser considerada essa medida quando tiverem sido esgotados todos os
recursos na manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa. O Art. 42°
permite a adoção independente do estado civil de quem adota, mas para adoção conjunta é
indispensável a condição de casamento civil ou união estável, não delimitando gênero dos
adotantes. Em 2011, é reconhecida a união estável de casais do mesmo gênero no Brasil,
abrindo a possibilidade de adoção homoparental, dependendo da interpretação do juiz
responsável pelo caso (Cerveny e Marodin, 2014).

Abordando mais especificamente a discussão para a realidade das famílias


homoafetivas, a partir dos estudos encontrados, nota-se uma relação paradoxal sobre as
motivações desses casais para constituir uma família com filhos. Por um lado seria visto como
uma revolução do ser família - como uma quebra do modelo biológico, binarista e
heteronormativo, principalmente quando se fala em adoção -, e por outro lado se discute que
esse “formar família” implicaria em uma forma de buscar legitimação e normatização do
relacionamento homoafetivo. Partindo desse paradoxo e diante das novas configurações
familiares, vê-se necessário analisar as motivações de adoção por casais homoafetivos
encontrados na literatura (Silva, Sousa e Eloi, 2017).

Em contraposição ao modelo pautado no vínculo biológico, a adoção por casais


homoafetivos é vista por alguns autores como uma construção parental e familiar baseada nos
laços, na afetividade e no pertencimento nas relações dos membros de uma família, na qual
afirma-se e sobrepõe-se uma filiação psíquica (Rodriguez e Gomes, 2012). Seguindo a ideia
de Áran (2004), no imaginário coletivo, a competência parental se baseia na potencialidade
biológica, onde não se questiona condições psicossociais e materiais para se receber uma
criança por casais hétero-monogâmicos. Ele chama isso de “ordem procriativa”, que seriam
normas jurídicas que organizam as formas de inscrição genealógica. Com a possibilidade da
adoção por casais homoafetivos há uma quebra dessa ordem, como aponta Melleti e Comin
(2015), que identificaram nesses casais a prioridade do preparo psicológico e financeiro para
planejar a inserção desses filhos.

O modelo biológico de procriação é novamente rompido, segundo Machin (2016) no


que diz respeito aos critérios de adoção. A autora afirma que há uma menor preocupação com
as semelhanças fenotípicas entre adotantes e adotados por parte dos casais homoafetivos. Eles
fogem dessa “vaidade genética” ainda muito presente em casais héteros – meninas, recém-
nascidas e características semelhantes - valorizando adoção como um ato social, no qual há um
intercâmbio de interesses entre as partes.

Para Rodriguez e Paiva (2009) a constituição homoafetiva revela o aumento das


flexibilizações dos papéis sociais de gênero que refletem nas funções parentais dentro das
famílias homoparentais. Segundo estudos que levaram em consideração as vivências de casais

158
homoafetivos adotantes, essa flexibilização demonstra um compartilhamento equitativo das
tarefas, responsabilidades e gerenciamento do lar em tarefas tidas como responsabilidades tanto
femininas quanto masculinas e menor centralização de poder em apenas uma figura, permitindo
a fluidez da autoridade entre o casal (Meletti & Scorsolini-Comin, 2015; Vieira, 2011; Lira et
al., 2015; Rodriguez & Paiva, 2009).

A adoção homoafetiva é perpassada por um estigma de que há comprometimento


psicológico dos filhos causado pela orientação sexual dos pais, que vai de encontro com o que
trazem as produções científicas. Como podemos observar no seguinte trecho:

“Estudos indicam que não é possível comprovar alguma


deficiência ou vantagem na criação de crianças por casais
homoafetivos, pois seu desenvolvimento depende da inserção em
um ambiente harmonioso e da disponibilidade dos pais em
oferecer os cuidados necessários em relação aos filhos” (Rosa et.
al, 2016, p. 218).

Desse modo,pode-se concluir que o exercício de uma boa parentalidade irá depender da
qualidade do vínculo e das relações estabelecidas no ambiente familiar, que independe da
orientação sexual dos pais.

Considerações finais

Quanto a busca de produções sobre o tema Adoção na Homoparentalidade, demonstra-


se um déficit de pesquisas na literatura científica nacional, que resulta em uma escassez de
conhecimentos mais detalhados sobre a configuração dessas famílias, causando um
distanciamento da Psicologia e demais ciências, bem como da sociedade em geral dessa
realidade. Tal realidade corrobora para que ainda permeiem mitos, preconceitos e estigmas
negativos sobre essas famílias.

A questão da adoção por parte de casais homoafetivos ainda é uma possibilidade muito
recente no Brasil, já que até maio de 2011, o reconhecimento das uniões homoafetivas ficavam
a encargo da interpretação do juiz que recebesse, ou seja, até pouco menos de uma década, esses
casais não eram reconhecidos judicialmente como uma unidade familiar. Esse fato, implica que
também não havia um reconhecimento social desses casais, evidência visualizada nas
referências consultadas, favorecendo receios e entraves na questão de adotar, em decorrência
do medo ao preconceito a ser enfrentado tanto pelo casal, como pela criança.

A partir dos estudos nota-se que o que se deve levar em consideração para que se garanta
um ambiente familiar saudável é a motivação em cuidar, fato que independe da orientação
sexual. Logo a homoparentalidade é válida como uma forma de parentalidade, já que, como
comprovam as pesquisas, não existe nenhum dado que comprove deficiências ou desvantagens
nesse modelo. O que deve ser levado em conta, pelos profissionais envolvidos no processo e
pela sociedade que irá receber essa família é o que está escrito constitucionalmente no ECA:
que deve ser assegurado o direito ao convívio familiar para as crianças e adolescentes prezando
pelo interesse do menor, implicando assim, sua introdução em um lar em que estes tenham seus
direitos resguardados, receba cuidado, proteção e afetos.
Esse artigo, leva-nos a concluir que sãonecessárias mais pesquisas acerca do tema, a fim

159
de mitigar os preconceitos e ressaltar como são as vivências dessa família, como se constituíram
e os vínculos estabelecidos. Espera-se que esse artigo, apoiado em pesquisas científicas
brasileiras e obras de referência os conceitos aqui analisados, contribua para a reflexão sobre o
tema proposto, forneça aporte para futuros estudos na área e contribua para que profissionais
reflitam sobre sua atuação enquanto agente de mudanças.

Referências

Andrade, F. S. (2016). História social da criança e do adolescente em situação de risco no Brasil


a partir dos marcos legais e do cotidiano. EDUCA-Revista Multidisciplinar em Educação,
3(5), 44-62. Recuperado:
http://200.129.142.19/index.php/EDUCA/article/view/1600/1576.
Arán, M., & Corrêa, M. V. (2004). Sexualidade e política na cultura contemporânea: o
reconhecimento social e jurídico do casal homossexual. Physis: Revista de Saúde
Coletiva, 14(2), 329-341.
Baranoski, M. C. R. (2016). A adoção em relações homoafetivas. Editora UEPG.
BRASIL. (2013). Diário da Justiça Eletrônico. Brasília: Conselho Nacional de Justiça. Em:
19/07/2019. Recuperado de:
http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/resolução_n_175.pdf.
Brauner, M. C. C., & Aldrovandi, A. (2010). Adoção no Brasil: aspectos evolutivos do instituto
no direito de família. Repositório Institucional da Universidade Federal do Rio Grande.
Recuperado de:
http://repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/5178/Ado%c3%a7%c3%a3o%20no%20Bra
sil.pdf?sequence=1.
Ceccarelli, P. R. (2007). Novas configurações familiares: mitos e verdades. Jornal de
Psicanálise, 40(72), 89-102. Recuperado de:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/jp/v40n72/v40n72a07.pdf.
Cerveny, C. e Marodin, M. (2014). Genograma com famílias homoafetivas. O livro do
genograma (ed), 45-65. Brasil: ROCA.
da Criança, E. (2010). do Adolescente (ECA)(1990). Lei Federal, (8.069).
Futino, R. S., & Martins, S. (2006). Adoção por homossexuais-uma nova configuração familiar
sob os olhares da psicologia e do direito. Aletheia, (24), 149-159.
Gorin, M. C., Mello, R., Machado, R. N., & Carneiro, T. F. (2015). O estatuto contemporâneo
da parentalidade. Revista da SPAGESP, 16(2), 3-15.
Harari, Y. N. (2015). Sapiens: uma breve história da humanidade (25 ed). Porto Alegre, RS:
L&PM.
Henick, A. C., & FARIA, P. M. F. (2015). História da infância no brasil. Anais Educere.
IBGE, I. (2010). Censo demográfico 2010. Brasília: IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística.
Lebourg, P. A. (2012). Aspectos Históricos do instituto de adoção e atual possibilidade da
adoção homoafetiva , Barbacena.
Lira, A. N. D., Morais, N. A. D., & Boris, G. D. J. B. (2016). Concepções e Modos de Viver

160
em Família: A perspectiva de Mulheres Lésbicas que Têm Filhos. Psicologia: Teoria e
Pesquisa, 32(4). Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
37722016000400213&script=sci_arttext&tlng=pt.
Machin, R. (2016). Homoparentalidade e adoção:(Re) afirmando seu lugar como família.
Psicologia & Sociedade, 28(2), 350-359. Recuperado de:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-71822016000200350&script=sci_arttext.
Meletti, A. T., & Scorsolini-Comin, F. (2015). Conjugalidade e expectativas em relação à
parentalidade em casais homossexuais. Revista Psicologia-Teoria e Prática, 17(1).
Moreno, A. Z. (2009). Adoção: práticas jurídicas e sociais no Império Luso-Brasileiro (XVIII-
XIX). História (São Paulo), 28(2), 449-466. Recuperado de:
http://www.scielo.br/pdf/his/v28n2/15.pdf.
Nascimento, P. D. D. (2003). Desvelando as Teias de Pinóquio: Concepções de Família em
jovens moradores de bairros periféricos (Master's thesis, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte). Recuperado de:
https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/17495.
Navarro-Swain, T. (2010). Desfazendo o" natural": a heterossexualidade compulsória e
continuum lesbiano. Bagoas-Estudos gays: gêneros e sexualidades, 4(05). Recuperado
de: https://periodicos.ufrn.br/bagoas/article/view/2310/1743…
Priore, M. D. (2001). História das crianças no Brasil [Versão Digital]. Recuperado de:
https://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&lr=&id=k8NnAwAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT4&dq=Hist%C3%B3ria+das+crian%
C3%A7as+no+Brasil&ots=bw5owxddxX&sig=gFD28qhO5i4gd4GTnwgUJaODw9g#v
=onepage&q=Hist%C3%B3ria%20das%20crian%C3%A7as%20no%20Brasil&f=false.
Rich, A. (2010). Heterossexualidade compulsória e existência lésbica. Bagoas-Estudos gays:
gêneros e sexualidades, 4(05).
Rodriguez, B. C., & Gomes, I. C. (2012). Novas formas de parentalidade: do modelo tradicional
à homoparentalidade. Boletim de psicologia, 62(136), 29-36. Recuperado de:
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/bolpsi/v62n136/v62n136a04.pdf.
Rodriguez, B. C., & Paiva, M. L. D. S. C. (2009). Um estudo sobre o exercício da parentalidade
em contexto homoparental. Vínculo-Revista do NESME, 6(1), 13-27. Recuperado de:
https://www.redalyc.org/pdf/1394/139412684003.pdf.
Rosa, J. M., Melo, A. K., Boris, G. D. J. B., & Santos, M. A. D. (2016). A construção dos papéis
parentais em casais homoafetivos adotantes. Psicologia: ciência e profissão, 36(1), 210-
223. Recuperado de: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v36n1/1982-3703-pcp-36-1-0210.pdf.
Santana, C.. (2016). A Família na atualidade: novo conceito de família, novas formações e o
papel do ibdfam (instituto brasileiro de direito de família). Recuperado de:
https://openrit.grupotiradentes.com/xmlui/bitstream/handle/set/1649/TCC%20CLARA
%20MODIFICADO.pdf?sequence=1.
Silva, F. C. B. et al. (2017). Evolução histórica do instituto da adoção. Revista Jus Navigandi.
Recuperado de: https://jus.com.br/artigos/55064/evolucao-historica-do-instituto-da-
adocao.
Vieira, R. D. S. (2011). Homoparentalidade: Estudo psicanalítico sobre papéis e funções

161
parentais em casais homossexuais com filhos. Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, Universidade de São Paulo. Recuperado de: https://ilga-
portugal.pt/ficheiros/pdfs/vieira_me.pdf.
CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE FERENCZIANA SOBRE ABUSO SEXUAL:

162
PERSPECTIVAS E MANEJO TÉCNICO

Antonio Jhonatan Paulo Araújo


Victória Maria Freitas Pedrosa

O presente trabalho consiste em um estudo teórico sobre o abuso sexual a partir de uma
perspectiva psicanalítica. Dessa forma, mediante apropriação teórica de autores relevantes
como Ferenczi (1993), além de autores brasileiros, tais como Junior e Ramos (2010) e Mendes
e França (2012), será analisado conceitualmente o que seria o abuso sexual e os seus
desdobramentos na vida psíquica das vítimas. Todavia, será dado um destaque maior a Ferenczi,
haja vista sua imensa contribuição para o entendimento do trauma. Além disso, o artigo também
tem como objetivo explanar formas de como o analista pode agir diante desses casos no
ambiente terapêutico, buscando uma maior compreensão do tema para lidar com a
complexidade desses casos, bem como para a construção de uma sociedade mais ética.

Em verdade, a violência contra crianças e adolescentes configura um processo endêmico


e global, a qual possui características e especificidades inerentes às diferentes culturas e
aspectos sociais (Neves, Castro, Hayeck, & Cury, 2010). No Brasil, de acordo com Paixão e
Deslandes (2010), o enfrentamento e prevenção desse fenômeno social ganharam maior
destaque em 1996, quando se toma como pauta o combate à exploração sexual comercial. Nesse
ano houve o “I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”
em Estocolmo, do qual o Brasil foi signatário, complementam os autores. Por esse prisma, como
resultado deste primeiro encontro são elaboradas, no âmbito mundial, diretrizes, programas de
ação e de cooperação nacionais e internacionais, com o objetivo de erradicar este tipo de
violência (Paixão & Deslandes, 2010).

Por certo, essa temática vem ganhando visibilidade no país nas últimas décadas, uma
vez que foi fomentada pela mobilização das instituições governamentais, não governamentais
e da sociedade civil, visando a luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e
adolescentes (Paixão & Deslandes, 2010). Todavia, o Brasil ainda sofre com esse impasse, uma
vez que as políticas públicas de combate a esse tipo de violência ainda sofrem alguns desajustes
que minimizam a sua efetividade no que diz respeito ao atendimento especializado. Segundo
Paixão e Deslandes (2010), um desses desajustes se encontra na deficiência de indicadores que
permitam um bom monitoramento e avaliação das políticas públicas contra a violência sexual
empreendidas no território brasileiro.

Somado a isso, sabe-se que a etiologia e os fatores que causam o abuso sexual são
diversos. Conforme Azevedo (2001), questões culturais como o incesto, a título de exemplo,
bem como de relacionamento - pode-se exemplificar a dependência social e afetiva entre os
membros da família - dificultam a notificação do ato de agressão e perpetuam o silêncio.
Ademais, a autora ainda afirma que questões da sexualidade da criança, do adolescente ou
mesmo dos pais dentro da complexa dinâmica familiar também estão presentes na etiologia do
abuso sexual. Destarte, essas implicações, entre muitas outras, corroboram para a manutenção
desse fenômeno, evidenciando a importância de compreender a temática que ainda se mostra
um problema a ser combatido hodiernamente.
Outrossim, Amazarray e Koller (1998) afirmam que o abuso sexual pode ser definido

163
como o envolvimento de crianças e adolescentes em atividades sexuais que não compreendem
em sua totalidade e com as quais não estão aptos a concordar. Nessa perspectiva, Azevedo
(2001) ainda complementa que é uma situação em que a criança ou o adolescente é usado para
a gratificação sexual de um adulto ou até mesmo de um adolescente mais velho, baseado em
relação de poder que pode incluir: 1) carícias; 2) manipulação da genitália, mama ou ânus; 3)
exploração sexual; 4) voyeurismo, 5) pornografia; 6) exibicionismo; 7) ato sexual com ou sem
penetração, com ou sem violência.

Dessa forma, tendo em vista a gravidade dessa problemática e o fato de que muitas das
vezes essas vítimas, crianças e adolescentes, são descredibilizadas, a Psicanálise com seu
método e manejo clínico próprios, pode proporcionar aparatos para considerar aquilo que o
sujeito diz, além de ter como princípio que o sujeito está exatamente lá, naquilo que diz, sem
saber o que está dizendo (Junior & Ramos, 2010). Nesse interim, fica evidente a importância
da análise para esse público. Portanto, tendo entendido do que se trata o abuso sexual, bem
como algumas implicações que o fazem ser um impasse atual, o artigo se propõe a explicar os
efeitos psíquicos da violência sexual, mediante a perspectiva ferencziana, além de verificar as
possíveis contribuições da psicanálise no que diz respeito ao manejo técnico sobre o tema em
consideração.

Metodologia

O presente artigo é resultado de uma revisão bibliográfica que buscou abranger a noção
de abuso sexual para psicanálise ferencziana, seus efeitos psíquicos na vida dos sujeitos e as
técnicas usadas nesses casos no âmbito clínico pelos profissionais de psicologia. Portanto, foi
utilizado o método conceitual-analítico, visto que foram utilizados conceitos e ideias de outros
autores, de forma a responder ao objetivo do trabalho. Para a construção de uma análise
científica sobre a temática, foram selecionados artigos acadêmicos, que em sua maioria
possuem cunho psicanalítico. Artigos de revisão não foram incluídos.

A busca eletrônica foi conduzida nas seguintes bases de dados: cientific eletronic library
online (Scielo) e Google Acadêmico. Foram utilizados como critério de inclusão dos materiais
analisados os seguintes descritores em idioma português: “abuso sexual”, “psicanálise”,
“contribuições da psicanálise”, “trauma”, “violência sexual”. Uma análise inicial foi realizada
com base nos títulos dos manuscritos e nos resumos de todos os artigos que preenchiam os
critérios de inclusão ou que não permitiam se ter certeza de que deveriam ser excluídos. Após
análise dos resumos, foram selecionados oito artigos que foram obtidos na íntegra e analisados
de acordo com os critérios de inclusão estabelecidos.

Dessa forma, a análise dos artigos foram substanciais para o entendimento da temática
bem como para a formulação de um olhar crítico sobre o abuso sexual, que é algo tão pertinente
hodiernamente, além de uma reflexão e produção mais concentrada sobre manejos técnicos, a
qual poderá ajudar os profissionais que trabalham com esse público.

Resultados e Discussão
A partir das observações feitas, pode-se perceber uma grande contribuição, da qual é

164
possível tirar um efetivo proveito, das elaborações de Ferenczi sobre o trauma, que vai de
encontro com o nosso objetivo de entender os efeitos psíquicos sofridos pelo sujeito vítima de
violência sexual. Em verdade, o abuso sexual se torna traumático não apenas como resultado
de uma hipersensibilidade constitucional da criança, mas como uma consequência do choque
entre a ternura infantil e as respostas passionais ou perversas do adulto (Mendes & França,
2012).

Por certo, há uma excitação excessiva e súbita para o corpo e o psiquismo da criança,
as quais estão despreparadas para tais sensações. Segundo Mendes e França (2012), o que
acontece é o encontro da ternura infantil (a sexualidade pré-genital e lúdica) com a paixão do
adulto (a sexualidade genital), que pode ir da estimulação erótica precoce e excessiva do corpo
infantil até uma relação genital completa. Nessa perspectiva, podemos perceber uma confusão
de linguagem entre criança e adulto, somado a isso, essas ideias reforçam a grande importância
histórica do último artigo de Ferenczi. Escrito em 1932 para o XII Congresso Internacional de
Wiesbaden, “As paixões dos adultos e sua influência sobre o desenvolvimento do caráter e da
sexualidade da criança” e publicado em 1933, ano de sua morte, com um novo título, “Confusão
de língua entre os adultos e a criança (A linguagem da ternura e da paixão)”.

Isto posto, vamos nos atentar para os impactos causados pelo trauma sexual. Segundo
Ferenczi (1993), a criança de quem se abusou converte-se em um ser que obedece
mecanicamente ou que se fixa numa atitude obstinada, todavia, não pode mais explicar as razões
dessa atitude. Em outras palavras, os sujeitos abusados na infância possuem a fixação em
atitudes de passividade extrema. Além disto, os autores Mendes e França (2012) ainda pontuam
que a partir dessa constatação, Ferenczi desenvolveu a hipótese metapsicológica de que uma
clivagem de extensão variável seria responsável por preparar o terreno para a instalação de
configurações psíquicas permeadas pela passividade, as quais serão abordadas adiante.

De acordo com Ferenczi (1993), a clivagem psíquica é resultado de um traumatismo e


está intimamente relacionada com a tentativa de encobrir a percepção traumática, bem como
manifestações de desorientação psíquica. Por esse prisma, acontece essa clivagem na
personalidade quando há um traumatismo sexual, na tentativa de tornar o trauma inexistente e
buscando retornar o sujeito a tranquilidade anterior, uma vez que a clivagem tem como função
a de não permitir o acesso ao psiquismo de partes insuportáveis da experiência traumática.
Ademais, os autores Mendes e França (2012) ainda complementam:

Além de ser descrita como uma forma privilegiada de lidar com traumas graves, a
clivagem ferencziana também é o mecanismo responsável por instaurar um estado de
passividade psíquica, observado nos processos analíticos como um tipo de transferência
marcado pelo amor e submissão excessivos, o qual é aparentemente favorável ao
tratamento, mas resulta, paradoxalmente, na intensificação da angústia. (Mendes &
França, 2012, p.125).

Outrossim, entre as patologias que se originam a partir dessa clivagem, destacaremos a


identificação com o agressor e a prematuração ou progressão traumática. Na descrição de
Ferenczi (1993), a identificação com o agressor acontece quando o medo da criança diante da
autoridade e da força do adulto chega ao ponto de provocar uma perda de consciência, que
paralisa as reações normais de repulsa ou resistência à agressão e impossibilita o recurso a
qualquer tipo de defesa contra o desprazer. Desse modo, a única saída que o psiquismo encontra
é tornar o abusador intrapsíquico, minimizando a ameaça externa, mas provocando a clivagem
do próprio ego, assim, a identificação com o agressor parece instalar duas figuras no psiquismo,
representantes da cena da agressão: a criança abusada e maltratada, que representa o ego

165
fragilizado, e o agressor, atuando de forma semelhante ao superego sádico (Mendes & França,
2012).

Todavia, se o indivíduo não conseguir suportar a parte que representa o agressor, esse
fragmento será reproduzido no mundo externo, desencadeando um comportamento idêntico ao
do abusador, geralmente com alguém que considera semelhante a si mesmo quando era
submetido a agressão, como crianças mais novas, haja vista sua fragilidade e obediência que os
tornam alvos fáceis. Desse modo, o sujeito passa a agredir no outro justamente a projeção do
ego infantil outrora maltratado. Assim, novamente diante do agressor, só restará ao indivíduo a
submissão e a obediência: a reedição da cena traumática na qual, originalmente, foi obrigado a
se calar para garantir sua sobrevivência (Mendes & França, 2012).

Somado a identificação com agressor, outro efeito psíquico que surge como resultado
da violência sexual pode ser o fenômeno da progressão traumática. De acordo com Ferenczi
(1993), a criança que sofreu uma agressão sexual pode, de súbito, sob a pressão da urgência
traumática, manifestar todas as emoções de um adulto maduro, bem como as faculdades
potenciais para o casamento, a paternidade, a maternidade, capacidades essas que só deveriam
se manifestar na idade adulta. Isto significa que, a criança que sofre uma violência sexual pode
ativar muito cedo, e de forma estereotipada, as emoções e aptidões que só um adulto possuem,
palavras que podem ser justapostas as de Ferenczi (1993) quando afirma que frutos ficam
maduros e saborosos depressa demais, quando o bico de um pássaro os fere.

Destarte, visto que tomamos conhecimento sobre alguns dos efeitos psíquicos que
sofrem um indivíduo vítima de abuso sexual a partir de Ferenczi, vamos nos ater a como o
analista pode agir no âmbito terapêutico diante desse público, a fim de obter resultados positivos
no tratamento. Em verdade, esses indivíduos tem inúmeros motivos para não confiar em adultos
e resistir a uma aliança terapêutica, desse modo veremos algumas técnicas de manejo clínico
para que o analista possa ultrapassar impasses analíticos.

Isto posto, umas das primeiras ferramentas psicanalíticas que podemos citar é a que
Ferenczi usou no manejo clínico com pacientes vítimas de abuso sexual. Por certo, quando
Ferenczi percebeu, em sua vasta experiência clínica, que estava lidando com psiquismos que
funcionavam em sua maioria por meio de clivagem, ele apostou no estabelecimento de uma
confiança no setting como componente fundamental. Nessa perspectiva, isso se torna
substancial ao passo que a insensibilidade do analista, disfarçada sob a capa da neutralidade,
pode acabar empurrando o analisando em direção a reprodução do trauma na transferência.
Pois, ao se deparar com a frieza do analista, a única saída seria a revivescência do momento
traumático – no qual a criança, por não ter a quem recorrer, necessite clivar seu psiquismo para
suportar o medo –, que se manifesta então como uma forte crise de angústia ou dissociação
(Mendes & França, 2012). Desse modo, Ferenczi (1993) com o intuito de levar seus pacientes
a confiar novamente em um adulto, passou a empenhar-se em uma atitude empática, que
pudesse diminuir as chances de uma retraumatização durante a análise.

Além disso, cabe ao analista ter a sensibilidade de perceber a singularidade de cada


caso, fazendo, desse modo, com que o analisando perceba que ele é uma vítima e não culpado,
uma vez que muitos, pelo descredito dos adultos em acreditarem nas suas afirmações, acabam
achando que provocaram de algum modo a situação. Por certo, como afirma Azevedo (2001),
as marcas do trauma certamente ficarão, mas sua vida não se paralisará por conta do que foi
sofrido se o analisando puder, durante seu percurso terapêutico, reconstruir sua imagem
corporal e traçar suas saídas sublimatórias. Nessa perspectiva, a análise propiciará a este sujeito

166
a redescoberta de si mesmo enquanto ser humano digno de amor e respeito (Azevedo, 2001).

Outrossim, é possível perceber atualmente que o discurso científico acaba normalizando


e patologizando os casos de abuso sexual. Dessa forma, a psicanálise pode contribuir com a
abordagem do abuso sexual no que diz respeito a essa relativização e questionamento desses
rótulos, que acabam por excluir a história por traz do trauma, assim como fazem com o sujeito.
Nessa perspectiva, cabe ao psicanalista dar uma resposta outra, que não seja a de um agente de
normalização, uma vez que quando damos lugares predeterminados aos integrantes do caso,
acabamos abolindo o sujeito que, fixado no lugar de vítima, não poderá aparecer como outra
coisa (Azevedo, 2001).

Somado a isso, Abras (2014) afirma que frente a esses pacientes traumatizados é função
do analista não repetir as figuras paternas traumatizantes, dessa forma, esse profissional deve
ser uma presença reparadora, que sustente a repetição, além de sempre evitar o risco da
dominação e de práticas pedagógicas, para não tomar o lugar do mestre a ser seguido. Ademais,
em casos mais específicos, como nos casos onde durante a análise o analista descobre que o
analisando está sendo abusado e que esse caso se configura como incestuoso - o qual é mais
difícil de ser identificado, uma vez que a denúncia por parte da criança/adolescente dificilmente
é feita – sugere-se que o analista informe o responsável não abusivo da criança. Entretanto, caso
esse responsável prefira se posicionar a favor do cônjuge abusador – como frequentemente
acontece – o profissional pode informar a outra pessoa de confiança do sujeito, uma vez que
com a existência do abuso, é imprescindível o afastamento entre vítima e agressor. No mais, o
analista deve se ater ao Código de Ética de Psicologia.

Conclusão

Portanto, após reunir essas contribuições de Ferenczi e outros psicanalistas, conclui-se


que suas teorizações são substanciais para um entendimento mais amplo da temática abuso
sexual, uma vez que está tão presente na conjuntura vigente, bem como no espaço clínico. Desse
modo, esse artigo buscou analisar o conceito de abuso sexual e os seus efeitos na vida psíquica
das vítimas, tais como a fixação em atitudes de passividade e a clivagem psíquica, a título de
exemplo. Ademais, tambem teve como objetivo explanar formas de como o profissional de
psicologia pode se portar diante desses casos no espaço clínico, buscando compilar algumas
técnicas que norteassem os analistas, para um melhor resultado no tratamento clínico desses
pacientes.

Por certo, segundo Azevedo (2001), a psicanálise vem obtendo resultados bastante
positivos no que tange ao atendimento desse público, fruto de um trabalho árduo e diferenciado.
Dessa forma o manejo técnico apresentado nesse trabalho se mostra não como uma regra a ser
seguida, mas relevante ao passo que por meio dessas técnicas o analista poderá fazer com que
o sujeito compreenda que foi vítima de uma violência e que não precisa paralisar sua vida,
tampouco seus investimentos libidinais e que pode reconstruir, pouco a pouco, a imagem de um
corpo outrora dilacerado. No entanto, o trabalho ora feito reconhece a necessidade de que sejam
desenvolvidas mais investigações neste sentido, tendo em vista a singularidade de cada caso e
a gravidade da temática.

Referências
Abras, R. M. G. (2014). Ferenczi, uma clínica a partir do traumático. Reverso, 36(67), 85-89.

167
Amazarray, M. R., & Koller, S. H. (1998). Alguns aspectos observados no desenvolvimento de
crianças vítimas de abuso sexual. Psicologia: reflexão e crítica, 11(3), 0.
Azevedo, E. C. D. (2001). Atendimento psicanalítico a crianças e adolescentes vítimas de abuso
sexual. Psicologia: ciência e profissão, 21(4), 66-77.
Ferenczi, S. (2011). Confusão de Língua entre os Adultos e a Criança (A linguagem da ternura
e da paixão). In Obras Completas: Psicanálise IV. São Paulo: Martins Fontes. (Original
publicado em 1933[1932]).
Junior, P. M. C. B., & Ramos, P. L. (2010). Abuso sexual: do que se trata? Contribuições da
psicanálise à escuta do sujeito1. Psicologia clínica, 22(1), 71-84.
Mendes, A. P. N., & França, C. P. (2012). Contribuições de Sándor Ferenczi para a
compreensão dos efeitos psíquicos da violência sexual. Psicologia em Estudo, 17(1), 121-
130.
Neves, A. S., de Castro, G. B., Hayeck, C. M., & Cury, D. G. (2010). Abuso sexual contra a
criança e o adolescente: reflexões interdisciplinares. Temas em psicologia, 18(1), 99-111.
Paixão, A. C. W. D., & Deslandes, S. F. (2010). Análise das políticas públicas de enfrentamento
da violência sexual infantojuvenil. Saúde e Sociedade, 19, 114-126.
A DECOLONIALIDADE COMO INSPIRAÇÃO PARA A PROBLEMATIZAÇÃO DA

168
IDEOLOGIA DE GÊNERO

Brune Camillo Bonassi


Pablo Severiano Benevides
Lucas Bezerra Leitão

Introdução
A população dos Estados Unidos da América (EUA) não tem propriamente um nome
único. Americanos não são somente aqueles que nasceram no solo dos Estados Unidos da
América, mas todas as pessoas que nasceram no continente América. Estadunidenses também
não encaixa bem para designar esse nameless people: o México, vizinho de muro, também é
Estados Unidos do México. Se os chamarmos de Ianques, “habitantes da Nova Inglaterra”,
consideramos historicamente só os que moram ao norte dos Estados Unidos. O continente
Americano é tão o Outro da “verdadeira América” que, se nos colocarmos da perspectiva do
imperialista, sequer conseguimos um bom nome para nomeá-los sem nos ofender (Anzaldúa,
1987; Hooks, 2008).

Ainda assim, a política brasileira imita a estadunidense, bem como imitou o modelo
romano de direito. Assume para si operadores conceituais como “ideologia de gênero”, ou seu
antecessor, “agenda de gênero”. Esses operadores conceituais não são originais do Brasil, no
sentido que é atribuído pelas bancadas religiosas do Congresso ou o site do Movimento Escola
Sem Partido. Têm fundação e função na necessidade da Igreja Católica de sustentar apenas um
tipo de ontologia humana como válida: a cisheterossexual em que a mulher serve o homem
(Gênesis 2:18;23; 1 Coríntios 11:3). Parte da tarefa decolonial é identificar essa ontoteologia
catequizada no Brasil durante séculos de colonização e se opor a ela, desmantelando seu status
de verdade.

A decolonialidade como proposta ético-metodológica não visa reverter a sociedade a


um estado anterior à colonização/imperialismo, mas, antes, problematizar processos atuais que
são marcados pela colonização europeia e imperialismo neoliberal estadunidense. Afinal, trata-
se de um conjunto de processos de dominação que, em diversos países, marcam sua na história
por séculos de ensino ontoteológico judaico cristão7 (Blanc, 2002), embranquecimento da
mídia, apagamentos de ontologias dissidentes por meio do extermínio de grupos culturais
indígenas e pela aplicação de racionalidades governamentais – seja por meio da economia
doméstica ou por meio do governo de populações com o Estado. Uma dessas racionalidades
governamentais, como descrita por Aristóteles (Aristóteles, 2016) e reaproveitada por São
Tomás de Aquino (Aquino, 2005), é a da família unicamente binária e cisheterossexual8, que
vê na procriação da espécie o maior bem (somos 7,53 bilhões de habitantes na terra).

7
Ontoteologia designa o suplemento teológico que o judaico-cristianismo adicionou à proposta ontológica
aristotélica.
8
Cisheterossexual é toda pessoa que se identifica na identidade de gênero diagnosticada ao nascimento, e se
relaciona apenas com pessoas do outro sexo do par binário. Não cisheterossexual é toda pessoa que não a norma
(o outro da norma): não bináries, bissexuais, travestis, intersexuais, entre outres.
Quando somamos métodos, quando fazemos uma análise do discurso

169
arqueogenealógica de perspectiva queer9 e decolonial, levamos em consideração um amplo
quadro de interseccionalidades. Partimos, na arqueogenealogia foucaultiana e na epistemologia
queer, da tentativa de romper com estruturalismos caracterizados pela lógica formal aristotélica
e tradicionalismo judaico-cristão. Na perspectiva decolonial, nos aliamos a produções
mexicanas, latinas, africanas e brasileiras, para compreender e propor como verdade outros
modos de existência ética-estética que não a do homem cisgênero e heterossexual, branco,
europeu ou estadunidense, e que possui herança e a mulher para lhe “ajudar”.

Esses métodos são acionados para começar a levar em conta nosso objeto de pesquisa,
sempre localizado e contingente (Butler, 2013), que é a chamada “ideologia de gênero”. Quando
falamos em estudos do gênero, podemos traçar vários fundamentos (por definição contingentes)
que a colonização ontoteológica cristã ensinou e ensina como verdade humana. Mas não só: é
do delírio imperialista “americano” que também surgiram propostas de sociedade, afirmadas
como verdade, que visavam “acabar com a cultura” (Firestone, 2003) como a conhecemos. Para
além da história, já amplamente documentada no Brasil (Miskolci & Campana, 2017;
Junqueira, 2017; Junqueira, 2018), de que ideologia de gênero é um operador conceitual
produzido e difundido pela Igreja Católica nas décadas de 1990 e 2000, nos interessa analisar
o livro da feminista estadunidense Shulamith Firestone10, A dialética do sexo, de 1970. Esse
livro fundamentou a crítica católica à “Agenda de gênero” e ao feminismo, como descrito por
Dale O’Leary, católica residente nos Estados Unidos, em 1997. A “Agenda de gênero” difere
da proposta ontológica judaico-cristã, como a maioria das propostas feministas. Porém, se
especifica ao ponto de representar apenas uma pequena fração do feminismo radical. E,
certamente, não o todo do feminismo, como infere O’Leary ao dizer que o feminismo da
igualdade havia sido substituído pelo feminismo de gênero (O’Leary, 1997).

Falaremos de um processo complexo que generaliza um tipo de feminismo bastante


singular existente nos Estados Unidos da década de 1970, como se esse fosse a atualidade do
feminismo e a atualidade do feminismo brasileiro. Essa generalização de um feminismo
singular vem acompanhada de um pânico moral, também importado do exterior, mais
especificamente da alta hierarquia católica como documentado por (Miskolci & Campana,
2017). Para a elaboração desse texto, primeiro será necessário, primeiramente, descrever a
proposta societária de Shulamith Firestone e como ela se contrapõe à ontoteologia judaico-
cristã. Em segundo lugar, partir para a problematização de como um enunciado estrangeiro com
base no feminismo de gênero das décadas de 1960/70 nos Estados Unidos criou condições de
possibilidade para que se produzissem mudanças no Plano Nacional da Educação no Brasil
(PNE) em 2015.

A perspectiva ética que permeia esse texto é a de redução de vulnerabilidades (Butler,


2016), especialmente vulnerabilidades que pessoas não cisheterossexuais e não brancas estão
submetidas. Um modo de se reduzir as vulnerabilidades que são produtos de marcadores
identitários é ir contra a corrente das atuais decisões governamentais brasileiras: recolocar no
PNE a diretriz "superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção de
igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual" (Semis, 2017, s/p.; Carvalho, 2015;
Rosado-Nunes, 2015), que foi substituída por “superação das desigualdades educacionais, com
ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação” (Brasil,

9
A teoria queer, ou no abrasileiramento cuír, é como também é chamada a terceira onda do feminismo:
problematização do binarismo de gênero como uma metafísica extraída da própria natureza.
10
Firestone foi diagnosticada na época como esquizofrênica.
2014, s/p.). Essa ação, de fato deturparia os conceitos de homem e mulher a partir da ótica

170
judaico-cristã (Carvalho, 2015). Negaria a própria ontologia bíblica do binarismo cissexual e
heterossexual, em que a mulher é submissa, ontologia que para o judaico-cristianismo é a
expressão da mais pura natureza humana descrita pelos “santos”11. Porém, como o Brasil é um
país laico pluralista, a ação se justificaria na diminuição da violência cisheterossexista12 ante o
ensino do respeito a diversidade sexual e de gênero, visto que a religião é uma crença que não
é compartilhada por todes13.

Desenvolvimento

O feminismo de Firestone não é o único que O’Leary agrupa no feminismo de gênero,


embora a autora tenha escrito que foi através de Firestone que ela entendeu como a dialética de
Marx havia se transformado na dialética do sexo (O’Leary, 1997). Firestone faz parte de um
aglomerado de feministas radicais das décadas de 1960 e 1970 nos EUA. Os grupos de
feministas radicas, New York Radical Feminists (NYRF), Redstockings, Cell 16 e The
Feminists, partiam do entendimento que o gênero, “not class or race, was the primary
contradition and that all others forms of social domination originated with male supremancy”14
(ECHOLS, 1991, p. 139). Em outros temas de debate eram bastante divergentes, o que levou
Firestone a fundar e sair do Redstockings (1969) para fundar o NYRF, ainda sem romper
amizades com pessoas do grupo anterior. Como conjuntos múltiplos em que as pessoas se
associam ou saem dependendo de suas afinidades, o que os unia em um feminismo radical,
além da localização nos EUA e o período no tempo, era seu enfoque no gênero como principal
dominação. Firestone, mulher cisgênera e branca, afirma: “ sexism presents problems far worse
than the black militant’s new awareness of racism”15 (2003, p. 4).

Levando em consideração a teoria da interseccionalidade, considerar uma opressão o


vetor principal de opressão da história é um erro e considerar apenas o gênero como principal
é um erro racista, classista, capacitista, entre outros. Kimberlé Crenshaw introduziu, na
academia, o operador conceitual “interseccionalidade” em 1989, que já existia entre grupos de
mulheres negras, para dizer ao feminismo branco que, dentre outros problemas, mulheres
negras eram menos contratadas e tinham menos salários que mulheres brancas (Creshaw, 2016).
O racismo é interseccional porque é um vetor de opressão, um marcador de vulnerabilidade em

11
Poder-se-ia argumentar que há grupos católicos, como as Catholics for Choice (CFC), que não apoiam essa
ontologia. Porém, a alta hierarquia católica considera a CFC uma organização danosa, oposta à Igreja política e
moralmente. Se levarmos em consideração o texto bíblico, também não podemos assumir uma igualdade entre
homens e mulheres, ou a existência ontológica fora do binarismo.
12
A palavra cissexismo foi cunhada pela militância trans e não binárie a partir da palavra heterossexismo.
Designa a violência direcionada a pessoas não cissexuais. Cissexual é toda pessoa que se identifica com a
identidade de gênero diagnosticada ao nascimento.
13
A substituição das terminações –a e –o pela terminação –e denota o que comumente se adota no Brasil como
linguagem não binária, essa linguagem será usada quando necessário de acordo com a ética inclusiva que permeia
o texto. Não será usado “@” pela dificuldade de leitura por softwares, portanto capacitista.
14
Que o gênero, “[...] não classe ou raça, era a forma de contradição primária, e todas as outras formas de
dominação social seriam originárias da supremacia masculina” [todas as citações desse documento tem tradução
livre]
15
“o sexismo apresenta problemas bem piores do que o recente reconhecimento do racismo por mulheres
negras.”
um corpo. Os marcadores de vulnerabilidade não se excluem, e toda vez que se tenta analisar a

171
partir de um marcador como originário de toda a opressão, ignora-se a complexidade de um
processo produzido em formações discursivas múltiplas.

Audre Lorde, feminista negra, descreve a pessoa menos passível de sofrer violência nos
EUA de sua época como “White, thin, male, young, heterossexual, christian, and financially
secure. It is with this mythical norm that the trappings of power reside within this society.”16
(1984, p. 116). Uma pequena fatia da população está nessa descrição e, quem não está, por
vezes reconhece em cada marcador identitário a diferença no trato que está em ser o Outro da
ontologia (Lorde, 1984). Fazer uma política localizada e de localização (Haraway, 2009),
interseccional, implica problematizar os vetores de vulnerabilização no próprio corpo, levar em
consideração outros por meio do estudo e reconhecer privilégios de passabilidade17. Firestone
não faz isso, e esse é, do ponto de vista aqui apresentado, seu primeiro equívoco.

A sociedade utópica de Firestone, que será descrita nessa seção, parte do pressuposto
que todo o trabalho será abolido por meio da cibernética – o que converteria a sociedade a um
cybercomunismo. Essa é uma característica explícita de um regime de historicidade futurista
moderno (Hartog, 2014): pensa em uma sociedade utópica futura desconsiderando as
dificuldades para se chegar até ela, bem como tudo aquilo que é necessário operacionalizar para
isto. O que falta a Firestone é, do nosso ponto de vista, o mesmo que falta ao socialismo
marxista-engelsista (que também é caracterizado por um regime de historicidade futurista
moderno): uma “razão governamental” (Foucault, 2008, p. 123). Nisto consiste o segundo
déficit para o qual chamamos atenção.

Um outro ponto que este trabalho põe em xeque em relação à obra de Firestone consiste
em um dos aspectos mais ressaltados pelo Escola Sem Partido (ESP)18: o incentivo à pedofilia.
Para Firestone, toda infelicidade e neurose humana deriva de um só vetor: a lógica familiar
patriarcal e a proibição do incesto (Firestone, 2003). As pessoas deveriam viver em households,
a tradução para essa palavra é inexata. Seriam casas em que pessoas (10-15 pessoas) viveriam
conjuntamente por um período pré-estabelecido em contrato. Essas pessoas poderiam adotar
crianças, e as crianças poderiam transitar entre households. A sexualidade nos households seria
pansexual, e sua definição para essa palavra é diferente do que comumente se entende por ela:
incluiria a pedofilia. Nada deveria obstruir a sexualidade, assim se uma criança “[...] choose to
relate sexual to adults, even if he should happen to pick his own genetic mother, there would
be no a priori reasons for her reject his sexual advances, because the incest taboo would have
lost its funcion.”19 (Firestone, 2003, p. 215).

Vale salientar que a proteção à infância é um bem inalienável da nossa sociedade atual
e a pedofilia é considerada crime. Não é rara a busca por terapia para crianças (por meio de

16
“Branco, magro, homem, jovem, heterossexual, cristão, e com estabilidade financeira. É com essa norma mística
que as armadilhas do poder residem nessa sociedade”.
17
O operador conceitual passabilidade designa a possibilidade de locomoção e acesso de uma pessoa à cidade.
18
O ESP foi o principal difusor do operador conceitual ideologia de gênero na década de 2010 no Brasil. Em união
com deputados evangélicos neopentecostais, católicos e apoiadores laicos produziu projetos de lei e interferiu
diretamente no PNE (Miskolci, R; Pereira, P. P. G., 2009).
19
“[...] escolhesse se relacionar sexualmente com adultos, mesmo que aconteça dele escolher sua mãe genética,
não haveria nenhuma razão a priori para ela rejeitar seu avanço sexual, porque o tabu do incesto já teria perdido
sua função”.
cuidadores ou da escola) com neurose grave ou psicose em que abusos psicológicos, físicos

172
ou/e sexuais é a principal queixa. Estima-se que no Brasil a cada 24 horas, 320 crianças são
abusadas (Ordem dos Advogados do Brasil [OAB], 2018). “70% dos estupros são cometidos
por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima, o que indica que o principal inimigo
está dentro de casa, e que a violência nasce dentro dos lares” (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada [IPEA], 2017, s/p.). O desserviço de Firestone é imenso, mas o do ESP não é menor,
no site do ESP lemos:

Como ninguém faz uma daquelas campanhas diárias de repúdio à educação sexual nas
escolas? Claro que hoje é mais normal num jantar inteligente você contar sua vida sexual
com seu pastor alemão do que confessar em lágrimas que acredita em Deus, mas, mesmo
assim, como não ver que a educação sexual nas escolas é ridícula? Ensina-se o quê?
Posições? Gemidos? Aparelhos engraçadinhos? Que tal se meninos e meninas
aprendessem a colocar camisinha com a boca? (Pondé, 2011, s/p.)

O que se ensina em uma aula de educação sexual, como poderíamos informar o


desinformado formador de opinião Pondé, é adaptado à idade escolar e as demandas da classe.
Conteúdos básicos seriam: que todas as pessoas podem escolher buscar profissões que lhes
agradem, independente do gênero; identificar situações de violência sexual e saber a correta
forma de denúncia como meio de prevenção; que as pessoas não devem ser discriminadas por
orientação sexual ou identidade de gênero, visando a erradicação de manifestações
cisheterossexistas desde a infância; e, na adolescência, o ensino de conteúdo de prevenção de
doenças sexualmente transmissíveis. Certamente, a imaginação de Pondé vai longe demais,
embora encontre eco em outra publicação do site em que um colégio católico é denunciado ao
ministério público por fornecer um livro de educação sexual impróprio para a idade20 (Abadie,
2013) .

A estratégia de silenciamento da educação sexual não é recente. A Igreja Católica tem


um longo histórico de silenciamento de abusos sexuais cometidos por padres, bispos, e outros
membros da hierarquia católica (Wikipédia21, 2020). Assim como a abstinência sexual,
proposta por Damares Regina Alves22 (proposta que, como diz o ditado popular, “não funcionou
nem quando Deus tentou”), a tentativa de silenciamento da educação sexual nas escolas só
opera na contramão da diminuição de abusos, equívocos, erros, gravidez indesejada, e na
manutenção da produção discursiva da cisheterontologia como norma e lei divina.

O quarto equívoco de Firestone, desde o ponto de vista que ora apresentamos, é a ideia
de que haveria, no fim da revolução sexual, um “disappearence of culture” (2003, p. 173), um
desaparecimento da cultura como a conhecemos. Isso porque provavelmente o relacionamento
monogâmico estaria obsoleto, todo mundo seria pansexual e o conceito de infância

20
Os livros da coleção “Educação sexual, perguntas e respostas” da psicóloga Cida Lopes foram analisados por
nós, e realmente os consideramos um péssimo material de ensino.
21
Nesse site é possível acessar com facilidade notícias publicadas no decorrer da história e ver o histórico das
modificações da página. Acesso em: 03/03/2020.
22
Pastora evangélica brasileira, atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Jair
Bolsonaro.
desapareceria, juntamente como as designações homem e mulher (Firestone, 2003). Isso é uma

173
aniquilação de uma ontoteologia histórica, hipótese altamente improvável de ocorrer. O que a
teoria não binárie e a teoria queer propõem como estratégia nos dias de hoje é a problematização
histórica do gênero e a multiplicação de ontologias na lei, para que pessoas que não são
cisheterossexuais possam ter sua existência reconhecida legalmente com a menor burocracia
possível. Não a aniquilação, mas a multiplicação, certamente mantendo os direitos de proteção
à infância e adolescência.

Firestone, portanto, não é o todo do feminismo, e não é o todo dos estudos de gênero.
Suas propostas são caracterizadas por um regime historiográfico futurista e limitado pela
certeza de que existe um vetor primordial de opressão. A generalização de sua teoria é uma
reação exacerbada a ontoteologia que ora criticamos (mas por outras vias) neste trabalho.
Reação a um tipo de feminismo radical das décadas de 1960 e 1970 dos EUA e utilização deste
como exemplo do horror, mas também reação aos feminismos e aos estudos de gênero que vêm
cada vez problematizando a ontoteologia judaico-cristã. O pânico moral produzido pela Igreja
Católica vai no sentido da produção de formações discursivas que reiteram a fé cristã, os valores
morais da família bíblica e a ontoteologia milenar sustentada pelo judaico-cristianismo como a
única possível.

Conclusão

Dizer que o país é laico e pluralista não é dizer que só existem no território daquele país
homens e mulheres, atribuídos por lei na cissexualidade (Brasil, 1973). O respeito à crença
judaico-cristã não deve ser suficiente para continuar perpetuando uma ontologia reducionista,
que vem cada vez mais sendo marcada como insuficiente (Butler, 2006; Machado, 2005;
Bonassi, 2017) no direito civil23. A violência cisheterossexual não é um problema dentro da
perspectiva judaico-cristã fundamentalista, porque a não cisheterossexualidade é um desvio
moral, um pecado. Isso porque a ontologia cisheterossexual, para religiosos fundamentalistas,
não é apenas mais uma na história humana, mas a única correta, moral, possível. A violência é
um método. Essa perspectiva, que carrega a arrogância colonialista, é inconstitucional, pois
atravanca o acesso à dignidade da pessoa humana, como estabelecido pela Federal (1988).

Lidamos com um paradoxo legal dividido por duas apostas éticas: tornar inteligível a
existência legal no Brasil de pessoas não binariamente e cissexualmente divididas ao
nascimento, promovendo a multiplicação legal de ontologias, ou respeitar a moral judaico-
cristã, a anunciará uma única ontologia possível: a que admite tão somente a existência de dois
sexos, bem como de papéis sexuais naturalmente atribuídos a cada um eles.

Certamente, ao apostarmos na primeira hipótese, não devemos cair na futurologia


utopista de Firestone. Não é a hipótese repressiva que melhor explica a infelicidade humana,
mas sim a proliferação de discursos voltados a uma governamentabilidade que produz corpos
dentro de uma economia (Foucault, 2014). A política não se explica apenas pela repressão, mas
também pela produção de direitos e deveres de pessoas humanas, incluindo a proteção à criança
de abusos sexuais, físicos ou psicológicos. Assim, a aposta ética que assumimos, segue pelo
caminho de multiplicar ontologias verdadeiras, legais e inteligíveis. Guiar essa proposta legal
em publicações que conheçam o território brasileiro e as demandas nas escolas públicas e

23
Um bom artigo para continuar essa discussão é o de Paula Sandrine Machado, onde ela discute como médicos
usam critérios cosméticos e estéticos para produzir bebês binariamente divididos.
privadas. E isto permitindo, legalmente, a proteção à infância, a liberdade de crença no interior

174
da família e a possibilidade de registro não binário, bem como a formação de família para além
do modelo cisheterossexual. Deste modo, traçamos passos para uma sociedade mais inclusiva,
menos arrogante e menos violenta.

Referências
Abadie, C. Sexualização nas escolas. Escola sem partido: educação sem doutrinação.
Recuperado de: http://www.escolasempartido.org/blog/sexualizacao-nas-escolas/.
Anzaldúa, G. (1987). Borderlands: La frontera, the new mestiza. San Francisco: Aunt. Lute.
Aquino, T. de (2005). Suma teológica. São Paulo: Loyola, 611;613-614.
Aristóteles (2016). Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 205-206.
Blanc, M. de F (2002). Henologia e a constituição espiritual do princípio. Philosophica, 19(20),
311-342.
Bonassi, B. C. Cisnorma: acordos societários sobre o sexo binário e cisgênero (Dissertação,
Santa Catarina, Universidade Federal de Santa Catarina). Recuperado de
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/182706.
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília, DF: Senado Federal:
Centro Gráfico, 1988.
Brasil. Lei n° 13.005/2014 - Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras
providências (2014). Brasília, 2014.
Brasil. Lei de Registros Públicos (1973). Brasília, DF: Casa Civil: Centro Gráfico, 1973.
Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm. Acesso
em:
Butler, J. (2013) Fundamentos contingentes: o feminismo e a questão do “pós-modernismo".
Cadernos Pagu, (11), 11-42. Recuperado de
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8634457.
Butler, J. (2006). Gender Trouble. New York: Routledge.
Butler, J. (2016). Rethinking Vulnerability and Resistance. In: Butler, J., Gambetti, Z., &
Sabsay, L. (Eds). Vulnerability in Resistance (pp.12-27). Durham: Duke University Press.
Carvalho, M. (2015). Exclusão de gênero do Plano Nacional de Educação é retrocesso, diz
educador. iG São Paulo. Recuperado de https://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2015-
12-26/exclusao-de-genero-do-plano-nacional-de-educacao-e-retrocesso-diz-
educador.html
Crenshaw, K. On Intersectionality - keynote - WOW 2016. YouTube, 2016. Recuperado de
https://www.youtube.com/watch?v=-DW4HLgYPlA.
Echols, A. (1991). Daring to be bad: radical feminism in America, 1967-1975. Minneapolis:
American Culture, p. 139.
Firestone, S. (2003). The dialetic of sex: the case for feminist revolution. New York: Farrar,
Strauss and Giroux.
Foucault, M (2014). História da sexualidade: a vontade de saber. São Paulo: Paz e Terra.

175
Foucault, M. (2008). O nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins fontes.
Haraway, D. (2009). Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio
da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, (5), 7-41.
Hartog, F. Memória, história, presente. In: Hartog, F. Regimes de historicidade: presentismo e
experiências no tempo. Belo Horizonte: Autêntica.
Hooks, B. (2008). Linguagem: ensinar novas paisagens/novas linguagens. Ponto de vista, 15(3),
857-864.
IPEA (2017). Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde. IPEA: Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada. Recuperado de:
http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/artigo/21/estupro-no-brasil-uma-radiografia-
segundo-os-dados-da-saude.
Junqueira, R. D. (2018). A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário
político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Psicologia
Política, 18(43), 449-502.
Junqueira, R. D. (2017). “Ideologia de gênero”: a gênese de uma categoria política reacionária
– ou: como a promoção dos direitos humanos se tornou uma “ameaça à família natural”.
In: Ribeiro, P. R. C.; Magalhães, J. C. (Orgs). Debates contemporâneos sobre Educação
para a sexualidade. Rio Grande: FURG, 25-52.
Lacan, J (1992). O seminário: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro, Zahar.
Lionço, T.; Alves, A. C. de O.; Mattiello, F.; Freire, A. M. (2018). “Ideologia de gênero”:
estratégia argumentativa que forja cientificidade para o fundamentalismo religioso.
Psicologia Política, 18(43), 599-621.
Lorde, Audre (1984). Age, race, class, and sex: women redifining difference. In: Lorde, Audre.
Sister Outsider. Califórnia: The Crossing Press, 114-124.
Machado, P. S. (2005). O sexo dos anjos: um olhar sobre a anatomia e a produção do sexo
(como se fosse) natural. Cadernos Pagu, (24), 249-281.
Miskolci, R.; Campana, M. (2017). Ideologia de gênero: notas para a genealogia de um pânico
moral cotidiano. Revista Sociedade e Estado, 32(3), 725-747.
Miskolci, R; Pereira, P. P. G. (2019). Educação e Saúde em disputa: movimentos anti-
igualitários e políticas públicas. Interface, Botucatu, 23, 1-14.
OAB (2018). A cada 24 horas, 320 crianças são abusadas: Audiência Pública – Prevenção e
Combate à Pedofilia da OAB/RS quer pôr fim à violência infantil. OAB Rio Grande do
Sul. Recuperado de: https://www.oabrs.org.br/noticias/cada-24-horas-320-criancas-sao-
abusadas-audiencia-publica-ndash-prevencao-e-combate-pedofilia-oabrs-/27290.
Pondé, L. F. (2011). Terrorismo sexual. Escola sem partido: educação sem doutrinação.
Recuperado de: http://www.escolasempartido.org/blog/terrorismo-sexual/.
Rosado-Nunes, M. J. F. (2015). A “ideologia de gênero” na discussão do PNE, a intervenção
da hierarquia católica. HORIZONTE - Revista de Estudos de Teologia e Ciências da
Religião, 13(39), 1237-1260.
Semis, Laís (2017). "Gênero” e “orientação sexual” têm saído dos documentos sobre Educação

176
no Brasil. Por que isso é ruim?. nova escola, 2017. Recuperado de
https://novaescola.org.br/conteudo/4900/os-termos-genero-e-orientacao-sexual-tem-
sido-retirados-dos-documentos-oficiais-sobre-educacao-no-brasil-por-que-isso-e-ruim.
Wikipédia (2020). Abuso sexual de menores por membros da Igreja Católica. Wikipedia.
Recuperado de:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Abuso_sexual_de_menores_por_membros_da_Igreja_Cat
%C3%B3lica#cite_note-65.
(RE)EXISTÊNCIA POC: NOVOS MODOS DE SUBJETIVAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO

177
Cleber Sales Pereira
Guilherme Augusto Souza Prado
Willian dos Santos Souza

Introdução

O presente trabalho versará sobre os modos de subjetivação e socialização POC. Nesse


sentido, começamos pensando no ressurgimento do termo, bem como nas deflagrações que isso
provoca, à luz dos estudos Transviados (Bento, 2017). Tendo em vista que a pesquisa continua
em andamento, temos acesso aqui a um resultado parcial.

O problema de pesquisa surge com a emergência do termo POC nas redes sociais,
juntamente com o aparecimento de outros significados e conotações para o termo na
contemporaneidade, que não apenas o pejorativo relacionado à bixa afeminada. Dessa forma,
surge a necessidade de estudos acerca da temática, em um esforço para investigar e
problematizar essa categoria que rompe com a coerência heterossexual em sociabilidades
atravessadas pela rejeição dentro do próprio gueto gay (Foucault, 2004), bem como fora dele.

A partir disso, tem-se a necessidade de refletir sobre a ressurgência desse termo, bem
como sua ressignificação a partir da cibercultura. Assim, pode-se pensar na relação entre a
mídia e modos de existência, destacando-se, aqui, o modo POC. Tal termo diz de uma forma
de existir enquanto gay que é atravessado pela feminilidade e que tem sido vastamente utilizado
dentro dos grupos LGBT’s, principalmente nas redes digitais de comunicação. Logo, pode-se
entender de maneira sucinta a POC enquanto uma forma de existência fluidificada a partir de
traços femininos que opera um rompimento com a dinâmica heteronormatizadora.

O objetivo geral desse trabalho é caracterizar os modos de subjetivação e socialização


POC através das redes digitais de comunicação e informação, contanto como objetivos
específicos conhecer modos de socialização das POCs em redes digitais de comunicação e
informação, caracterizar modos de subjetivação segmentadas e singulares em narrativas de
produção performativa das POCs e analisar modos de subjetivação em ativismos transvidados.

Método

Esse trabalho se caracteriza enquanto pesquisa descritiva, uma vez que busca descrever
e explicar um fenômeno social e político, destacando-se ainda seu caráter exploratório, uma vez
que existem poucos estudos que trazem o tema especificamente em suas análises e nenhum que
o trabalhe enquanto centro, trata-se, portanto, da exploração de algo novo (Leite, 2008).

Será feita uma análise das narrativas trazidas pelo podcast POC de cultura, como forma
de aproximação dos processos aos quais nos ateremos nesse trabalho. O referido programa é
feito a partir de relatos de quatro POCs que vivem em São Paulo e falam um pouco mais sobre
suas vidas, dores e amores24. Podcast pode ser compreendido a partir de sua etimologia como

178
“uma junção das palavras iPod com broadcast (transmissão via rádio), sendo uma forma de
publicação de mídia, geralmente em áudio” (Maford, Ramos & Fernandes-Santo, 2019, p.02 )
Esse será nosso principal meio de coleta de informações sobre o universo estudado: o universo
POC.

Encontramos no método cartográfico proposto por Deleuze e Guattari (1995) um


caminho que nos ajudará neste trabalho. Dessa forma, a projeto de estudo da produção de
subjetividades POCs, bem como seus modos de socialização a partir da cartografia se dá na
medida em que essa metodologia não se apresenta enquanto método pronto. Apesar disso,
temos pistas de como praticá-la, por isso, falamos em praticar a cartografia em detrimento de
colocá-la em prática, entendendo que ela não dispõe de regras gerais que podem ser usadas em
casos particulares (Passos, Kastrup & Escóssia, 2009).

Conforme nos informa Rolnik (1989), a cartografia se difere da confecção de mapas


pensada pelos geógrafos posto que, diferentemente do mapa, que pode ser entendido como um
modo de representação estática do todo, aqui se pensa em um desenho que se faz a partir das
transformações das paisagens, acompanhando essas transformações.

O diário de narrativas foi utilizado e se apresenta enquanto fundamental no processo


cartográfico, uma vez que é a partir dele que pode ser feita uma ampliação e publicização das
análises de implicação que atravessam a pesquisa. Ele interessa à investigação porque inclui
tanto os pesquisadores quanto os pesquisados, na intenção de que o trabalho de pesquisa não
seja somente daquilo que é pesquisado, mas também do processo de pesquisar (Passos et al.,
2009).

Resultados

O termo POC advém de uma forma pejorativa de se referir às bixas afeminadas. A


origem do termo é de certo antiga, mas o seu uso passou por um período de remissão. No início,
por volta dos anos 70, era comumente utilizado como poc poc em uma referência a onomatopeia
do salto alto que as gays afeminadas costumavam usar. Além disso, seu uso também está
relacionado à abreviação da gíria bixa pão com ovo, que seria um gay afeminado e pobre
(Baptista Antonio, Bortolotto, Melo & Júnior, 2018).

Em uma exploração nas redes sociais, constatou-se que o termo voltou a ser utilizado
quando nos fóruns do Pandlr25 usuários começaram a divulgar memes26 com legendas do tipo:
murro na POC. Assim, percebe-se que em seu retorno na atualidade, o termo ainda carregava
o tom pejorativo. Posteriormente, esses memes se espalharam por outras redes sociais e
começaram a ganhar outras versões menos agressivas como: carinho na POC. Com isso, é

24
Descrição elaborada pelo autor a partir da biografia utilizada na página do podcast POC de Cultura no
PlayerFM.
25
Rede social de fóruns hospedada atualmente em Orlando – Flórida (Estados Unidos), onde um usuário poderá
participar de fóruns, a qual, suas respostas em fóruns públicos ficarão disponíveis publicamente pelo endereço
pandlr.com/user/nomedeusuario (“nomedeusuario” não é o nome real do indivíduo, e sim um “apelido”
escolhido no momento do cadastro).
26
Imagens cômicas seguidas de legendas que viralizam nas redes sociais.
possível notar a ressignificação do termo e a expansão para novos lugares nas diferentes

179
discussões e narrativas LGBT’s.

Diante das leituras acerca de gênero e sexualidade e de afetações movidas pelo podcast
POC de cultura foram elaborados os diários de narrativas que serviram como espaço para
registro e reflexão desse percurso. A partir desses registros poderíamos pensar em alguns eixos
temáticos, sendo eles: os modos de relações das POCs, os modos de ativismo e a
segmentariedade e singularidades performativas dento da comunidade G.

Comecemos, pois, a discorrer como se dão as relações sociais na vida das POCs. Para
iniciar essa conversa evoquemos o episódio número 78 do referido podcast intitulado:
#GAYSDOHUMOR - Todo Gay é Engraçado? Esse episódio traz diversas provocações acerca
do viado engraçado, aquele que está sempre de bom humor e fazendo piadas dentro dos grupos
de amigos. Mas a provocação é realmente de onde vem todo esse espírito cômico, é algo
inerente ao ser POC?

Emerge disso uma grande relação entre o humor e o medo. As relações POCs são muitas
vezes pautadas em temores, o temor de apanhar, de ser violentada de qualquer maneira, de ser
humilhada, de ser descoberta, dentre outros. Ou seja, o receio de ser alvo da piada é o que faz
com que a POC seja engraçada, mas nem sempre é esse o objetivo, e ser cômica pode inclusive
dificultar alguns desejos, como o de ser desejada, de ter uma relação, de ser respeitada, etc.
Mesmo dentro das famílias essa relação de medo existe. A ideia de família construída com base
em uma divisão binária de papeis restringe as famílias aos marcos heterossexuais (Bento, 2017)
e é nesse lugar que as normativas são questionadas e postas em lugar de transgressão pelas
POCs. Esses são exemplos descritos no episódio 61: Sexo, Masturbação, Pornografia e Culpa:
o medo de ser visto, de ser descoberto, de estar fazendo algo de errado, de ser sujo são exemplos
dados no.

A falta de uma interação positiva com a norma e o desejo de ser aceito teve diversas
repercussões na consolidação do que hoje se vê na pessoa POC. Falta de suporte e apoio na
família, na escola, além da falta de uma referência de POC nos meios de comunicação até a
década de 90 criou um ambiente para que o humor POC se revertesse numa válvula de inserção
no contexto mainstream27. A bixa que até então era abjeta, cria uma persona que é cômica e
que diverte aos demais, essa diversão chega à TV e temos uma distribuição da POC que é aceita
porque é engraçada. Nesse sentido, em gravações do podcast há uma referência à cantora Linn
da Quebrada com a música Lenda que diz “Eu tô bonita? (tá engraçada) [...] Me arrumei tanto
pra ser aplaudida, mas até agora só deram risada”.

Essa inserção social pode ser entendida como perversa uma vez que se tem clareza do
papel que ocupa a POC nesse jogo de interesses. Assim, poderíamos pensar ao encontro do que
diz Sawaia (2001) quando todos estamos incluídos de alguma maneira, mas que nem sempre
de forma digna e decente, “a sociedade inclui para excluir e essa transmutação é condição da
ordem social desigual” (p.8). Por que para os gays padrões não existe esse peso de ser
engraçado? É a pergunta que nos faz as POCs no podcast.

O filme Minha Mãe é uma Peça 3 é também mencionado no podcast e é muito


representativo da inclusão perversa da POC no mainstream. O filme tem como personagem
principal a dona Hermínia, interpretada por Paulo Gustavo que se TRANSforma nessa caricata

27
Traduzido literalmente do inglês como: convencional, corrente principal. Aqui se refere a produção da mídia
dominante, ou seja, conteúdo que é acessado pela massa.
personagem e tensiona, dentre outros debates, o casamento gay de forma positiva. É curioso

180
pensar que esse filme foi o de maior bilheteria do cinema nacional (https://g1.globo.com/pop-
arte/cinema/noticia/2020/01/22/minha-mae-e-uma-peca-3-se-torna-maior-bilheteria-do-
cinema-nacional.ghtml, recuperado em 15 de março, 2020).

Essa posição se contrasta com o relatório do Grupo Gay da Bahia (Michels, 2018) de
que a cada 20 horas um LGBT é assassinado ou se suicida vítima da LGBTfobia, confirmando
o Brasil como campeão mundial na morte dessa população. Se opõe, ainda, aos assassinatos
contra a população trans no país, onde temos um cenário de violência com 6 vezes mais morte
do que em relação aos Estados Unidos que tem uma população maior que a nossa (Benevides
& Nogueira, 2020).

As preocupações em relação à violência se estendem ainda a outras áreas como as


relações sexuais e afetivas. Uma realidade muito comum na comunidade G 28 é o uso de
aplicativos de relacionamentos, dentre os mais utilizados no Brasil estão o Grindr, Hornet e
Scruff (Bastos, 2018). Em menção a essa realidade, no podcast apareceram comentários em
relação à vulnerabilidade a qual estão expostas as POCs nesse tipo de aplicativo, sempre
existindo o medo de ser morta. Bastos (2018) afirma que seria uma ilusão acreditar que é
possível resguardar sexualidade e evitar plenamente a violência em uma ferramenta onde o
segredo é possível e o sigilo é assegurado.

Ainda em relação aos referidos aplicativos é possível outras análises, como a


segmentaridade dentro da comunidade G e ainda dentro da comunidade POC. Nem todo Gay é
POC, mas toda POC é gay. A POC enquanto um subgrupo dentro da comunidade gay se
diferencia enquanto a bixa afeminada e ainda dentro dessa singularidade encontramos bixas
afeminadas gordas, pretas, pobres, dentre outras.

Nos aplicativos o que impera é o desejo por um homem cis masculino branco e magro,
ou ainda, hétero. Caco é um dos personagens do podcast que se descreve enquanto negro e
gordo, no seu discurso é deflagrado a militância de pessoas no ativismo por esses estratos, mas
que apesar disso, esse ativismo é ainda muito simbólico, ou seja, ainda não se vê essas pessoas
realmente desejando negros e gordos. Nesse sentido, percebe-se que continua sendo muito
comum o desejo do abjeto pela norma. A mensagem que é deixada durante muitos dos episódios
do podcast é a de que as POCs que possuam acesso a outros tipos de belezas, de informação,
de existência e resistência (como por exemplo: as ouvintes) necessitam passar isso adiante e
cessar com a reprodução dos padrões de beleza que instauram o homem desejável enquanto
aquele que está heteronormatizado.

No episódio com Rita Von Hunty 29sobre a arte drag, ela comenta acerca da temática
do desejo de gays por outros gays apenas quando esses se localizam na heteronorma. Esse é um
dos sentidos quando falamos de ativismo POC, incentivar mais do que a aceitação e respeito
entre e para com as bixas afeminadas, o amor dentro do gueto gay é o que se almeja, diminuindo
violências e abjeções. Por que queremos as POCs como amigas e os padrões30 como
namorados?

28
Em referência a sigla LGBTQI+, o G representa gay.
29
Dona do canal Tempero Drag no youtube.
30
Gays que seguem a heteronormatividade.
Um outro aspecto de reflexão durante os episódios é o aprendizado de que o sexo entre

181
dois homens, e consequentemente entre POCs, é antinatural, muitas das vezes acompanhados
de uma culpabilização cristã. Tendo em vista a forte cultura religiosa do Brasil, muitas das
POCs que conhecemos hoje advêm de famílias cristãs. Esse contexto favorece uma auto
culpabilização que impera desde muito cedo, ainda quando crianças quando muito
prematuramente sentem que seus modos de existência não condizem com a moralidade cristã.

Discussão

É possível perceber como a ressignificação do termo POC se assemelha ao que


aconteceu com o termo Queer nos Estados Unidos, que, segundo Safatle (2015) aparece na
língua inglesa do século XVI significando estranho, peculiar, excêntrico, passando, a partir do
século XIX a ser utilizado como xingamento à homossexuais e outros que tivessem práticas
sexuais aparentemente desviantes. O autor traz que no final da década de 1980, grupos LGBT’s
começam a se apropriar da palavra, desativando, assim, o seu caráter pejorativo. Isso nos remete
novamente ao histórico dos movimentos LGBT’s que, nessa época, passam a se identificar com
o que parece estar expulso do universo do normal (Safatle, 2015).

Queer assume, segundo Louro (2004, p.8), um lugar de “entre lugares”, de


ambiguidades e incômodo, na medida em que desafia as normas sociais regulatórias,
constituindo-se enquanto um jeito de pensar e de ser que não almeja o centro e nem o quer
enquanto referência, ou seja, é o excêntrico que não deseja a aceitação ou a tolerância.

Assim, semelhantemente, a POC assume esse lugar quando rompe com a coerência
hétero-compulsória, se aproximando do feminino e assumindo esse lugar anteriormente
marginal e que agora cria o seu próprio centro. Ou seja, vemos o esforço para que a bixa
afeminada saia do gueto, não o negando, mas se apropriando dele e o ressignificando.

Como propõe Bento (2017), nossas subjetividades são organizadas a partir de que ela
chama de heteroterrorismo reiterado, sendo muito comum durante a infância as crianças
chamarem o outro de “bixa”, “sapatão”, dentre outros, sem, necessariamente, entender os
significados dos termos. Esse aspecto reforça o caráter antinatural que se dá em oposição aos
essencialismos de ser, existir ou viver descoladas das condições de produção e exercício das
modalidades de ser e estar nos verbos da vida (Neves, 2004).

Tais dispositivos discursivos durante muito tempo calaram, produziram medo e


vergonha em gays, lésbicas e pessoas trans. É nesse sentido que originalmente os estudos e
ativismo Queer assumem uma perspectiva teórica e política em relação à esses insultos ao
reconhecer ao outro-abjeto que olhe para o seu senhor e diga: “Eu não desejo mais teu desejo
[...] Quero uma vida em que eu possa dar pinta, transar com quem eu tenha vontade, ser dona(o)
do meu corpo” (Bento, 2017, p. 248). Dessa forma, a POC se aproxima da teoria/ativismo Queer
ao contestar as binaridades sexual e de gênero, desnaturalizar as bioidentidades e enfatizar as
relações de poder para interpretações objetivas e subjetivas da vida social, alguns dos eixos
organizados por Bento (2017) acerca do Queer, ou ainda, no contexto brasileiro:
estudos/ativismo transviados. Tais relações vão desde a apropriação do termo antes pejorativo,
até a fluidez de atributos masculinos e femininos que destaca a crítica às relações binárias sexual
e de gênero.

Compreendendo que em nenhum lugar estamos fora ou livres das relações de poder, a
POC sinaliza uma negação a essas relações ao dizer não ao senhor, podendo ser entendido como
contestação às relações de poder. Assim, caracteriza-se como uma forma mínima de resistência,
admitindo-se que não há resistência sem que essas relações existam, caso contrário se trataria

182
apenas de relações de obediência (Foucault, 2004).

Além disso, a partir das performances POC, pode-se perceber vários rompimentos com
as bioidentidades tanto coletivas, quanto individuais. Essas performances dizem de uma
heterogeneidade, segmentaridades e singularidades presente na comunidade G, o que falha com
a ideia de uma identidade homossexual. Além disso, predispõe uma fluidez nas performances
individuais que circulam desde as bixas afeminadas com baixa passabilidade até as bixas que
se montam e se experenciam enquanto drag queens, dentre outras.

Aqui se destaca a baixa passabilidade, posto o rompimento explícito da POC com as


normas heterossexuais e ainda da ruptura com o binarismo. O termo passabilidade se define
enquanto “um conjunto de atos regulados e repetidos que asseguram uma imagem substancial
de gênero no registro de uma matriz heterossexual e cisgênera” (Pontes & Silva, 2018, p.407).
No podcast esse debate aparece sob diversas ópticas, uma delas a já comentada lógica do humor,
a necessidade que muitas POC vivenciam de serem engraçadas para minimamente se sentirem
pertencentes aos meios sociais, ou seja, sentir-se passável.

Todavia, é importante destacar que nem toda POC decidiu desfazer gênero e sexo e ou
tem aproximação/acesso as discussões em torno da sexualidade nos moldes acadêmicos de
produção. Assim, o próprio uso da palavra decisão se torna questionável, uma vez que
invisibiliza outros atravessamentos que podem produzir uma POC, como: onde mora? Como
mora? Com quem mora? O que come? Teve/tem acesso à educação formal? Tem/teve acesso a
trabalho? Qual seu ciclo social?

De acordo com Butler (2017), “a regulação binária da sexualidade suprime a


multiplicidade subversiva de uma sexualidade que rompe com as hegemonias heterossexual,
reprodutiva e médico-jurídica” (p.47). Dessa forma, a autora traz ainda a ideia de uma
substância que é permanente e fictícia, o homem e a mulher, produzida a partir da ordenação
compulsória de atributos com base em gêneros coerentes. Entretanto, existem os atributos que
não se conformam com esses modelos sequenciais ou causais de inteligibilidade (Butler, 2017),
aqui posto como exemplificador os atributos POC. Assim sendo, entende-se que a POC possui
atributos que a distanciam do masculino e a aproximam do feminino e que sugere esse trânsito
fluido, rompendo com as binaridades de gênero e sexual. Butler traz a perspectiva de Witting
de que o desejo homossexual rompe com a heterossexualidade compulsória uma vez que o
liberta desta marcação preliminar dos sexos (Butler, 2017). Dessa maneira, podemos conceber
uma forma pela qual o desejo rompe com a coerência entre gênero, sexo e desejo heterossexuais
quando o investimento POC não é no desejo hétero, e sim no desejo homo ou, ainda, de POCs
por POCs.

E como se produz outra identidade diferente da imposta pelo sexo? Butler (2017) nos
ajuda a pensar a partir da introdução de Foucualt aos diários da hermafrodita Herculine Barbin,
a qual se caracterizava por uma “impossibilidade sexual de uma identidade” (p.54). Barbin
bagunça as convenções linguísticas que produzem os sujeitos inteligíveis porque ela produz
convergência e desorganização das ordens de sexo, gênero e desejo.

Destarte, podemos perceber que existem atributos que não se conformam aos modelos
causais e sequenciais de inteligibilidade dos sexos. Por sua vez, essa desorganização desvela o
caráter fictício e superficial contingencialmente criado pela regulação de atributos para a
produção fictícia de um eu com traços de gênero ou de uma substância permanente, uma vez
que resistem e denunciam a apreensão de uma estrutura pronta de “substantivos primários e

183
adjetivos subordinados” (Butler, 2017, p.55).

Assim, denunciar suas incoerências com a heterossexualidade compulsória seria revelar


as formas pelas quais a subjetividade (POC) foi constituída apesar de um gênero substantivo.
Dessa maneira, desvela-se o rompimento com os atributos coerentes a homem-mulher,
mostrando outras formas de existir para além de formas heteronormativas e binárias. Entretanto,
romper com isso não deve significar uma outra normativa, mas sim uma fluidez de atributos
construídos, anteriormente mencionado enquanto trânsito fluido. Com isso, é possível pensar
na natureza performativa do gênero, em detrimento de uma identidade de gênero fixa, a
exemplo da POC que performa socialmente transitando entre atributos femininos e masculinos.
Ou seja, as expressões dos gêneros são em si as identidades destes, construídas a partir das
performances (Butler,2017).

Ademais, tendo o lugar de ruptura com coerência binária e sexual, novamente se destaca
a baixa passabilidade POC. Esse lugar diz da relação da POC com a norma, que por sua vez
repercute também em seu lugar dentro da comunidade gay, sendo percebida de forma
negativada em decorrência de alguns de seus atributos como a aproximação com o feminino.
Isso, por vezes, contribui para o lugar marginal ocupado pela POC mesmo dentro da
comunidade G, por exemplo, sendo atribuídas enquanto sujeitos não-amáveis ou desejáveis.
Além disso, destaca-se ainda as relações de abjeção em relações com a família, escola, na
infância, dentre outros espaços.

Essas realidades que dizem do modo de subjetivação POC podem ser observadas a partir
das novas formas de socialização atravessadas pelas narrativas nas redes digitais de
comunicação, uma vez que é aí que o termo ressurge e se ressignifica. Podemos entender essas
narrativas digitais, por sua vez, como “aquelas cuja existência é materializada pelos meios
digitais, em sua potencialidade de interconectar códigos” (Tavernari, 2015, p.22). É nesse
sentido que esse trabalho propõe como forma de investigação a análise do já referido podcast
POC de cultura

Dessa forma, apesar da ressignificação e apropriação do termo POC (que antes era usado
para agredir, xingar e indicar a abjeção) pela comunidade gay nas redes digitais de
comunicação, o termo continua, atualmente, a ressoar discriminações. Assim, tal estudo se torna
necessário na busca e contribuição de uma positivação da POC no contexto social. Com isso,
objetiva maior clareza acerca do termo e sua relação com as teorias e ativismo Transviado
(Bento, 2017), bem como do impacto da autoafirmação, entendendo as condições de conversão
da POC de marginalizada (murro na POC, aquela que não é normal, que não se encaixa, que
ameaça a ordem) à condição positivada, como a categoria de militância. Bento (2001) afirma
que produzir seres abjetos e poluentes e desumanizar o humano são fundamentais para garantir
a reprodução da heteronormatividade, assim, a desativação da POC como esse ser é a forma
pela qual se rompe a reprodução da norma hétero.

A discussão perpassa as redes digitais de informação e comunicação, em um processo


que Bruno (2013) trata enquanto distribuição da vigilância, destacando a ampliação do
dispositivo panóptico nas sociedades atuais. Dessa forma, em consonância com os movimentos
participativos e colaborativos, podemos pensar no que foi chamado de web 2.0 “que em linhas
gerais designam serviços e ambientes na Internet cujo conteúdo é produzido pelos próprios
usuários” (Bruno, 2013, p. 25). Visando uma breve cronologia, podemos pensar, a partir de
Xavier (2014), a forma pela qual passamos de uma sociedade dos meios, onde se operava uma
relação polarizada entre sociedade com os dispositivos, como a indústria cultural e/ou inovação
tecnológica, para uma sociedade midiatizada, ou seja, um processo em que as relações sociais

184
são atravessadas pela instância midiática.

A partir dessa perspectiva, começamos a pensar em como o que se vê da POC diverge


em contextos televisivos e de redes sociais. Em análise preliminar, a exemplo do Crô 31 e
Ferdinando32 (personagens necessariamente engraçados), percebemos como as subjetivações
POC são muitas vezes ligadas à subordinação a uma figura feminina, como indivíduos que não
se relacionavam sexual e/ou afetivamente com nenhum outro personagem, mas que, ao mesmo
tempo, aparecem hipersexualizados, sempre em busca ou a espera de um homem
figurativamente masculino e coerente com os atributos heterossexuais. Em contrapartida, nas
redes sociais o que surge são POCs que se enunciam e se produzem de uma forma diferente da
anteriormente mencionada, assumindo a abjeção e reivindicando a criação de novas formas de
amar, de transar, de se relacionar etc. Tais diferenças irrompem a diferenciação entre esses dois
tipos de mídias na construção da subjetividade e sociabilidade POC.

Considerações Finais

A partir do trabalho apresentado é possível aproximar-se do que seria uma subjetivação


POC, perpassada por relações de medo e abjeção, ao passo em que deflagra a tendência de
rompimento com esse cenário. Esses tensionamentos, deflagrados pela apropriação e
positivação do termo POC, coloca esse estudo em consonância direta com os estudos/ativismo
transviados proposto por Bento (2017).

As possibilidades de performatividades POC são espaços de criação. Mais além do que


lutar pelos direitos à liberação sexual, esse movimento exemplifica o que seria lutar pela criação
de novas culturas, novas formas de viver e de arte que passem por nossas escolhas éticas,
políticas e sexuais (Foucault, 2004).

Assim, em referência a exemplos já trazidos durante esse trabalho, quando a POC transa
com outra POC ela está criando possibilidades relacionais que não almejam e nem têm a
heteronorma como referência. Além disso, poderíamos citar ainda características como o vestir-
se que transita entre o que consensualmente é masculino ou feminino, o falar e portar-se de
maneiras fluidas que tensionam as marcas do gênero inteligível, dentre outras.

A partir das narrativas trazidas no podcast POC de Cultura é possível perceber diversas
singularidades no universo POC, mesmo que algumas caraterísticas sejam comuns, como as já
citadas fluidez na forma de vestir, falar e se relacionar, dentre outras. Assim, nos deparamos
com a existência da POC negra, da POC gorda, da POC pobre, da POC periférica, da POC sem
estudos, da POC doutora etc. O fato de tais singularidades estarem nas mídias digitais falando
sobre seus processos para outras pessoas inaugura um espaço de diálogo com um leque de
possibilidades de (re)existência POC cada vez maior. Assim, notamos como, de diversas
maneiras, a subjetivação e a socialização POC são perpassadas pelas redes digitais de
comunicação e informação.

31
Personagem da telenovela Fina Estampa transmitida pela Rede Globo.
32
Personagem concierge da pensão da Jô, na série Vai Que Cola transmitida pela Multishow.
Referências

185
Baptista Antonio, C., Bortolotto, F., Melo, J., & Júnior, H. (2018). O Termo POC [Podcast].
POC De Cultura. Recuperado 5 de maio de 2019, de https://player.fm/series/poc-de-
cultura/poc-de-cultura-1-o-termo-poc.
Benevides, G. B., & Nogueira, N. B. N. (2020) Dossiê dos assassinatos e da violência contra
travestis e transexuais brasileiras em 2019. – São Paulo: Expressão Popular, ANTRA,
IBTE. Recuperado em https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/01/dossic3aa-dos-
assassinatos-e-da-violc3aancia-contra-pessoas-trans-em-2019.pdf.
Bento, B. (2011). Na escola se aprende que a diferença faz a diferença. Revista Estudos
Feministas, 19(2), 549-559. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2011000200016.
Bento, B. (2017). Transviad@s: gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador: EDUFBA.
Bruno, F. (2013). Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade. Porto
Alegre: Sulina.
Butler, J. (2017). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (15° ed.) Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira.
Deleuze, G. & Guattari, F. (1995). Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia: vol.1. Rio de
Janeiro: 34.
Foucault, M. (2004). Michel Foucault, uma entrevista: sexo, poder e a política da identidade.
Entrevista com B. Gallagher e A. Wilson. Verve, 5, pp. 260-277. (Trabalho original
publicado em 1984). Acesso em 22 de maio, 2019, em
<https://revistas.pucsp.br/index.php/verve/article/view/4995/3537>
Leite, F. T. (2008). Metodologia Científica: métodos e técnicas de pesquisa (monografias,
dissertações, teses e livros). Aparecida: Ideias & Letras.
Louro, G. L. (2004). Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo
Horizonte: Autêntica.
Mafort, M., Ramos, L., & Fernandes-Santos, C. (2019). Podcast como Estratégia de Inclusão
no Ensino Superior. 10.31235/osf.io/4vypq.
Michels, E. (2018) População LGBT morta no Brasil: relatório 2018. Recuperado em:
https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2020/03/relatorio-2018.pdf.
Neves, C. E. A. B. (2004). Modos de interferir no contemporâneo: um olhar micropolítico.
Arquivos Brasileiros de Psicologia, 56(1), 02-20. Recuperado em 17 de março de 2020, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
52672004000100002&lng=pt&tlng=pt.
Passos, E., Kastrup, V., & Escóssia, L. (Orgs.). (2009). Pistas do método da cartografia:
pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina.
Pontes, J.C., & Silva, C. G. (2018). Cisnormatividade e passabilidade: deslocamentos e
diferenças nas narrativas de pessoas trans. Periodicus, 1 (8), 396-417.
Rolnik, S. (1989). Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São
Paulo: Estação Liberdade.
Safatle, V. (2015). Dos problemas de gênero a uma teoria da despossessão necessária: ética,

186
política e reconhecimento em Judith Butler. (Posfácil, pp. 173-196) Belo Horizonte:
Autêntica Editora.
Sawaia, B. (2001). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade
social. Petrópolis, RJ: Vozes.
Tavernari, M. (2015). Narrativas da Cibercultura: Representações da técnica, articulações
discursivas e processos de agenciamento (doutorado em Ciências da Comunicação)
Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais, Universidade de São
Paulo, São Paulo, Brasil.
Xavier, M. P. (2014). A Consulta transformada: experimentações de dispositivos interacionais
“psi” na sociedade em midiatização (tese de doutorado). São Leopoldo- RS, Brasil.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: UM OLHAR ATENTO AS

187
MEDIDAS PROTETIVAS
Tatiana de Andrade Costa
Dania Mendes Ribeiro
Karine Santos Galeno
Marcio Gabriel Caldas Silva
Natália Brenda dos Santos de Oliveira
Rafael Santos Cardoso
1 Introdução
A violência contra mulher sempre foi um problema na sociedade, no qual se considera
de nível grave no Brasil e no mundo. Tendo em vista a forma exacerbada que essa violência
costuma ocorrer ao gênero feminino, seja ela por machismo, drogas ou outros fatores como a
possessividade. É pautado as consequências dessas violências, que podem causar ao ser humano
diretamente à mulher, tais consequências que por sua vez podem ser irreversíveis, como lesões
físicas e os sofrimentos psicológicos.
A definição de violência doméstica conforme o Código Penal da Lei n.11.340/2006,
artigo 5º e incisos, é descrita como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (Brasil,
2006). Cerqueira, et al. (2015), destaca que com a institucionalização da garantia de direitos
referentes aos casos de violência doméstica contra a mulher, só houve avanço após a
promulgação da lei N º 11.340/2006.
A violência acometida contra a figura feminina, principalmente no âmbito doméstico
ou familiar tornou-se alvo tanto das políticas públicas, como de investigações e análises de
diferentes campos do meio cientifico que perpassa da literatura até o cinema (Santeiro,
Schumacher & Souza, 2017). De acordo com o cenário da Organização Mundial da Saúde
destaca a América Latina com maior índice de homicídio de mulheres no mundo, o Brasil se
destaca em quinto lugar, segundo os dados publicados no Mapa da Violência (Waisellfisz,
2015).
Dessa forma, com o objetivo de diminuir a violência, assim como a instituição do
sentimento de proteção as vítimas que necessitam, promulgou-se a Lei Maria da Penha, o seu
surgimento veio a partir da data de 07 de agosto de 2006, sendo ela a Lei 11340, esta apresenta
em sua epígrafe:

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe
sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;
altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal (Brasil,
2006).
A lei Maria da Penha tem como objetivo o combate a várias formas de violência

188
doméstica e familiar contra a mulher ao propor medidas preventivas e repressivas que visam
evitar e promover a integração dos órgãos responsáveis (Hermam, 2008).
O principal objetivo da Lei Maria da Penha ao se estabelecer medidas protetivas de
urgência foi punir os agressores, visto que até então as penas existentes para casos de violência
doméstica não causavam intimidação e nem reprimia as condutas violentas, até mesmo as
vítimas não faziam a denúncia por conta da falta de punição para tal ato.
Assim, a Lei Maria da Penha introduziu as medidas protetivas, as quais na condição de
medidas cautelares buscam assegurar a proteção à integridade física, psíquica e moral da mulher
(Martins, 2019). Porém, nota-se a falta de fiscalização no que tange as medidas protetivas,
quando se trata de conferir a efetivação de determinações judiciais, tendo em vista que muitas
vezes se torna impossível aplicar tais dispositivos em sua integralidade, vários são os fatores
que contribuem para a não concretização dessas medidas (Silva, 2018).
Em relação aos delitos de complexa gravidade, as alterações trazidas pela lei são
consideradas menores, por se limitarem a inclusão de uma agravante genérica, prevista no artigo
43, além dessas, a lei prevê a possibilidade das medidas protetivas serem determinadas pelo
juiz criminal (artigos 22 a 24) e trouxe a possibilidade de prisão em flagrante do agressor,
mesmo em ocorrência de lesões leves e ameaças, bem como a decretação de sua prisão
preventiva em tais hipóteses (Piovesan & Pimentel, 2007).
Além das medidas protetivas, a vítima precisa também de medidas de proteção que
consista no afastamento do agressor do lar, na fixação de alimentos, bem como na proibição de
contato com a vítima, pois a referida lei pretende-se não somente coibir ou combater a violência
contra a mulher, mas garantir diretos fundamentais no que se refere à igualdade e dignidade da
vítima (Piovesan & Pimentel, 2007).
Desse modo o estudo objetivou analisar as produções cientificas publicadas no período
entre 2013 e 2018 referente ao cenário brasileiro, a respeito da violência doméstica,
especificamente sobre as medidas protetivas no quesito qualitativo e quantitativo.

2 Método
Esse estudo trata-se de um artigo de revisão sistemática da literatura acadêmica, por
meio de publicações científicas no campo da psicologia e com ênfase ao tema violência contra
a mulher e a interface com as medidas protetivas. O levantamento da pesquisa deu-se por meio
dos seguintes descritores mulher, violência e medidas. A palavra-chave medidas protetivas não
adentrou no estudo pela falta de resultados exatos na coleta de dados com tal descritor.
Nesse sentido os critérios de inclusão para embasamento desse trabalho foram artigos
recentes que se enquadram nos períodos dos anos de 2013 a 2018, publicações em português e
apenas artigos científicos. No que se refere aos critérios de exclusão foram publicações em
livros, teses, cartilhas, revistas, artigos em línguas estrangeiras e publicações duplicadas.
3 Resultados e Discussão

189
Foram utilizadas buscas nas seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e
do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), SCIELO e Periódicos Eletrônicos em Psicologia
(PEPISIC), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Na qual
na base LILACS, obtivemos o total de 44 artigos mediante a pesquisa na base, e alguns
direcionados para a base SCIELO, foram somente utilizados 2 artigos conforme os critérios de
inclusão e exclusão. Na base CAPES encontrou-se 1resultados, mas não encaixava nos critérios
de inclusão. A base de dado BDTD obteve 443 resultados, mas não encaixou nos critérios de
inclusão, já a base BVSPSI, foram encontrados 16 resultados, mas os anos de publicação não
estavam de acordo com os critérios de inclusão. Na base PEPSIC tivemos um resultado de
pesquisa de 3 artigo e dos mesmos todos foram utilizados para a construção desse artigo.
Resultando, ao final, uma amostra de 5 estudos selecionados que compôs o corpus do trabalho,
conforme ilustra a figura 1.

LILACS
Dados Identificados
N: 44
N: 507

PEPSIC

N:3

Quantidade removida
CAPES por não atenderem os
N:1 critérios de inclusão.

BDTD

N: 443 LILACS: 42
CAPES: 1
BSVPSI

N:16 BDTD: 443


Corpus da
BSVPSI: 16
Pesquisa
N: 5
Resultado total de
removidos por não
atenderem os critérios de
inclusão. PEPSIC LILACS

N:3 N:2

Figura 1
Fluxograma da seleção dos estudos nas bases de dados.

O artigo intitulado "Possíveis impasses da Lei Maria da Penha a convivência parental",


das autoras Fernanda Simplício Cardoso e Leila Maria Torraca de Brito (2015), enfatiza sobre
a vivencia parental quando a figura paterna se encontra em questões jurídicas com a figura

190
materna. De acordo com as autoras do artigo, percebem-se alguns questionamentos sobre a lei
supracitada, pois a mesma refere-se à proteção a mulher no que gera a petição das medidas
protetivas a favor dessas vítimas, com essa medida, faz-se que o genitor acabe sendo afastado
dos filhos e quebrando esse vínculo paternal.

O artigo retrata que algumas crianças quando são afastadas dos pais sofrem alguns
prejuízos tanto a nível relacional quanto psicológico, produzindo medo, de forma que o genitor
por medo de ser punido pela justiça prefere evitar o contato com os filhos em virtude da medida
protetiva da ex-companheira. As autoras ainda enfatizam nas considerações finais que “as
ponderações feitas neste artigo tiveram como foco apresentar e refletir sobre os impasses
causados pela Lei Maria da Penha no que tange ao direito de convivência familiar dos filhos
com o pai autor de agressão contra a mulher” (Cardoso & Brito, 2015, p. 541), desse modo
entende-se que o objetivo do artigo não é criticar a Lei Maria da Penha, mais deixar uma alerta
sobre os desdobramentos que a lei gera sobre a convivência do genitor com seus filhos.

Seguindo com o objetivo do estudo, o artigo "Lei Maria da Penha, equipe


multidisciplinar e medidas protetivas" dos autores José César Coimbra, Úrsula Ricciardi e Lidia
Lev (2018), aborda a importância da Equipe de Atendimento Multidisciplinar (EAM), que é
composta por profissionais das áreas da psicologia e serviço social, está relacionada às medidas
protetivas que as mulheres possuem em relação ao seu companheiro. Os autores apresentam as
medidas protetivas que se encontram no artigo 22, relacionando-a a alguns pontos de restrição
que o suposto agressor terá como não frequentar os locais que a vítima costuma frequentar, não
possuir contato com a mesma e a até mesmo de ser privado de ver os filhos e outros fatores de
afastamento.

O artigo pontua que o objetivo das medidas protetivas é proporcionar uma defesa de
salvaguarda a integridade da mulher, ressaltando que as medidas em si não conseguem garantir
essa defesa, pois necessitam de mais aparatos para que venha oferecer esse sistema de base,
dentre esses aparatos, o artigo destaca que a EAM, pode proporcionar parâmetros a partir das
necessidades que essa mulher.

Observou-se desse modo que, a relação entre os dois artigos possíveis impasses da Lei
Maria da Penha a convivência parental, das autoras Fernanda Simplício Cardoso e Leila Maria
Torraca de Brito (2015) e Lei Maria da Penha, equipe multidisciplinar e medidas protetivas dos
autores José César Coimbra, Úrsula Ricciardi e Lidia Lev (2018) descrevem algo em comum
quando trata do acusado, quando este precisa manter distância da vítima, do lar e familiares
incluindo os filhos. Ressalta-se que o afastamento dos filhos em relação ao pai, ocasiona
prejuízos na relação dos mesmos, pois enfatizam que a Lei Maria da Penha precisa rever esse
critério, para que não ocorram prejuízos na relação paternal, o acusado precisa cumprir todos
os critérios que estão baseados na lei, até mesmo o afastamento dos filhos.

Prosseguindo o mesmo pensamento, o artigo "Direitos Humanos e Violência Doméstica


conta a mulher: oito anos de encontros e desencontros no Brasil", de Angelita Maria Maders e
Rosângela Angelin (2014), aborda sobre os oito anos de existência da Lei Maria da Penha, que
segundo o autor causou impacto positivo, pois trouxe o assunto da violência ao debate, além do
seu caráter pedagógico em punir os agressores severamente, o que contribuiu para a redução da
violência contra as mulheres, entretanto não acabou com ela.

Os autores supracitados confirmam que para que possa acabar com a violência
doméstica, é necessário o reforço de medidas já adotadas, além do desenvolvimento de projetos
de prevenção e proteção dos direitos humanos, além disso, a violência doméstica não afeta

191
apenas sua integridade física e psicológica, mas também afronta sua condição de direitos
humanos, incluindo igualdade e dignidade da pessoa humana. Segundo a OMS (Organização
Mundial da Saúde) a violência doméstica é considerada uma “epidemia global”, pois abrange
1/3 da sociedade e segundo os autores a mulher sempre ocupou um papel secundário, em grande
parte da antiguidade era vítima do homem, do estado e da religião, pois era considerada
portadora do pecado.

É enfatizado também, as autoras Sarlet (2002 como citado em Maders & Angelin 2014)
abordam o artigo 1º da Declaração Universal da Organização das Nações Unidas afirma que
“[...] todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão
e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade” (Maders &
Angelin 2014, p. 46). Sendo assim, as mulheres não são e nem podem ser excluídas dessa
possibilidade. Os autores ainda destacam que mesmo com a positivação de direitos
fundamentais individuais e coletivos da Constituição Federal de 1988 não foi suficiente para
assegurar de modo completo a proteção dos direitos humanos das mulheres.

O artigo traz que:


A Lei Maria da Penha, que, embora formalmente apresente alguns defeitos de técnica
legislativa em face da dogmática penal, mormente da garantista, [...] traz medidas que
podem ser eficazes, as quais, todavia, necessitam ser colocadas em prática, com a
melhoria da estrutura de atendimento e de execução das medidas previstas em prol
das vítimas das agressões por meio (Maders & Angelin 2014, p. 56).

Desse modo o artigo "Violência doméstica contra a mulher: caracterização dos casos
notificados em um município do interior paulista", dos autores Ana Clara Borborema Bozzo,
Giovanna Canesin Matos, Lívia Parizi Beraldi e Mônica Dilene de Souza (2017), tratou de
identificar o perfil das mulheres vítimas de violência doméstica no município de Ribeirão Preto,
indagando que a violência doméstica é uma das principais causas de mobilidade no mundo, a
partir disso vêm sendo considerada como problema de saúde pública, também sendo enfatizada
como a mais cruel, pois o lar é definido como um lugar acolhedor, cheio de conforto e quando
ocorre à violência passa a ser um ambiente perigoso, desse modo, a um grande risco e diversos
agravos a saúde física e mental das vítimas.

Apresentou também à importância do combate a violência, o papel dos profissionais da


saúde para o cuidado com sua saúde, segurança e acolhimento das vítimas, de forma que essa
questão envolve questões pessoais e políticas públicas articulando ações priorizando a atenção
as mulheres. Partindo dessa perspectiva, o artigo fala que “Observa-se que a violência contra
as mulheres deixa de envolver apenas questões pessoais e passa a representar uma questão de
ordem político-social” (Bozzo et a, .2017, p. 02), assim consolidou-se a implantação das
DEAMS que auxilia as vítimas, a promulgação da Lei Maria da Penha e os índices de violência
doméstica que aumentam frequentemente.

Diante disso, observou-se que os artigos "Direitos Humanos e Violência Doméstica


conta a mulher: oito anos de encontros e desencontros no Brasil", de Angelita Maria Maders e
Rosângela Angelin (2014) e "Violência doméstica contra a mulher: caracterização dos casos
notificados em um município do interior paulista", dos autores Ana Clara Borborema Bozzo,
Giovanna Canesin Matos, Lívia Parizi Beraldi e Mônica Dilene de Souza (2017), possuem a
mesma perspectiva no que se refere ao auxílio à vítima e a sua proteção, baseando-se nos meios

192
implantados exclusivamente para esse intuito, mesmo diante alguns entraves.

Para fins dessa pesquisa, estudou-se o artigo "Núcleo Especializado de Atenção ao


Homem – Relato de Experiência", da autora Maria Vilma de Sousa Araújo (2016), que mostra
a descrição da Defensoria Pública do estado do Pará através do Núcleo Especializado de
Atenção ao Homem (NEAH) ao expor o projeto “Reincidência Zero", que se apresenta com a
finalidade de execução de ações e educação aos autores de violência doméstica contra mulher,
e ajuda na reinserção dos agressores a sociedade através de medidas alternativas.

Corroborando os dados do artigo "Núcleo Especializado de Atenção ao Homem –


Relato de Experiência", da autora Maria Vilma de Sousa Araújo (2016) mais o artigo, "Direitos
Humanos e violência doméstica Contra as mulheres: oito anos de encontros e desencontros no
Brasil", pode-se perceber a exposição da violência doméstica como uma “epidemia global”,
pois atinge 1/3 da sociedade, retratando a mulher em um lugar secundário na sociedade, assim
como também o artigo "Violência doméstica contra a mulher: caracterização dos casos
notificados em um município do interior paulista" do ano de 2017, que confirma dados
preocupantes que ocorre em um número significativo de mulheres.

Portanto, observa-se que é notório os altos índices de violência doméstica contra as


mulheres confirmado por vários artigos descritos acima, salientando que as medidas protetivas
auxiliam essas vítimas, porém, a sua estrutura necessita de uma melhoria, tendo também uma
grande relevância para a implantação de mais meios de prevenção para esse ato.

4 Considerações Finais
O presente estudo buscou artigos direcionados as medidas protetivas através de um
levantamento bibliográfico, realizados em algumas plataformas de dados, no qual se apurou
alguns resultados satisfatórios, porém ocorreu também um eventual impasse, pois em
determinadas plataformas não corroboravam com a ideia principal desse estudo.

Desse modo observou-se que há vários métodos para a defesa dessa mulher, como a
propagação da Lei Maria da Penha, a implantação das DEAMS (Delegacia Especializada a
Mulher), e o progresso que houve relacionados às medidas protetivas, que em certos casos
fazem com que o agressor mantenha distância dos filhos.

Frente a esses resultados obtidos sobre a temática, considerou-se reduzidas a quantidade


de publicações e principalmente aos que se direcionam os dados por essas pesquisas sobre as
medidas protetivas. Evidencia-se que são superficiais as abordagens que se refere a medidas
protetivas e principalmente sob a ótica das mulheres que sofrem violência.

Em suma, o estudo realizado propõe uma colaboração para que se possa explanar a
temática e despertar o interesse de produzir mais publicações sobre o tema, principalmente com
perspectivas de aperfeiçoar constantemente as políticas públicas de proteção às mulheres.
Assim, espera-se refletir o conhecimento a essas mulheres, vítimas, enfatizando sobre os
direitos que a mesma possui em relação à proteção e prevenção, pois, como visto os artigos
relacionados a esse tema são escassos. Portanto há uma redução sobre a consideração voltada a
perspectiva das mulheres que sofre com violência.
193
Referências
Araújo, M. V. S. (2016). O Núcleo Especializado De Atenção Ao Homem - Relato De
Experiência. Revista NUFEN, 7(1) (pp. 109-115). Acesso em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S2175-
25912015000100007&lng=pt&nrm=iso.
Brasil (2006). Lei n. 11.340. Diário Oficial da União. Acesso em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm.
Bozzol, A. C. B., Matos, G. C., Beraldi, L. P. & Souza, M. D. (2017). Violência Doméstica
Contra A Mulher: Caracterização Dos Casos Notificados Em Um Município Do Interior
Paulista. Rev. enferm, Vol. 25:e.11173.
Cardoso, F. S. & Brito, L. M. T. (2015). Possíveis impasses da Lei Maria da Penha a
convivência parental. Estudo, Pesquisa e Psicologia. Vol. 15, Nº 2 (pp. 529-546).
Cerqueira, D., Matos, M., Martins, A. & Pinto, J. (2015). Avaliando a efetividade da Lei Maria
da Penha. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada: Ipea.
Coimbra, J. C., Ricciardi, U., LEVY, L. (2018). Lei Maria da Penha, equipe multidisciplinar e
medidas protetivas. Arquivos Brasileiros de Psicologia, V. 70 (2): (pp. 158-172).
Hermann, L. M. (2007) Maria da Penha: lei com nome de mulher: violência doméstica e
familiar, considerações à lei nº 11.340/2006, comentada artigo por artigo. Campinas,
Servanda Editora.
Martins, E. P. A. (2019) Da (In) Eficácia Das Medidas Protetivas Nos Crimes Contra A
Mulher. Intertem@s (pp. 37.37).
Maders, A. M., Angelin, R. (2014). Direitos Humanos E Violência Doméstica Contra As
Mulheres: Oito Anos De Encontros E Desencontros No Brasil. Faces de Eva, N.º 32,
Edições Colibri (pp. 43-58).
Piovesan, F. & Pimentel, S. (2007). Lei Maria da Penha: Inconstitucional não é a lei, mas a
ausência dela. Acesso em: http://cartamaior.com.br/?/Opiniao/Lei-Maria-da-Penha-
inconstitucional-nao-e-a-lei-mas-a-ausencia-dela/21984.
Santeiro, T., Schumacher, J, & Souza, T. (2017). Cinema e violência contra a mulher:
Contribuições à formação do psicólogo clínico. Temas em Psicologia, 25(2) (pp. 401-413).
https://doi.org/10.9788/TP2017.2-01Pt.
Sarlet, I. W. (2002). Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 2ª ed. rev. e Ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado.
Silva, A. S. (2018). Analise da ineficácia das medidas protetivas previstas na Lei 11.340/06 no
combate a violência doméstica e família contra a mulher [Trabalho de Conclusão de Curso,
Faculdade Evangélica Raízes].
Waiselfisz, J. (2015). Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil. Flacso.
Acesso em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/Mapaviolencia_2015_mulheres.pdf.
VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: SOCORRO, EU EXISTO!

194
Gilson de Assis Pinheiro
Antonia Neuriane Cibelli Fernandes Silva
Sheila Alves de Lima Barros

Introdução
Nos últimos anos muito tem sido estudado sobre violência contra a mulher (física,
psicológica, sexual, econômica, patrimonial, moral) e constata-se que tal ato violento é uma
realidade vivenciada por milhares de mulheres por todo mundo (Engel, 2019).

Entretanto conceituar violência não é uma tarefa simples, pois no universo encontramos
um imenso amálgama de ações que sedimentam um grande espectro da violência de gênero,
como piadas, humilhação, desrespeito, uso de força física ou do poder, ameaça, dentre outros.

Santos e Sousa (2015) ao revisar sobre violência obstétrica explicitam, que em virtude
de uma assimetria de relações de poder da equipe de saúde sobre as mulheres, a violência é
muitas vezes “consentida” em virtude de desconhecimento da fisiologia do parto ficando difícil
lutar por melhores condições da assistência ao parto e muitas vezes sofrem negligência,
violência verbal, violência física e violência sexual

Neste universo de abusos percebe-se a ocorrência desde tratamento indelicado,


agressões, intimidações, “berros”, repreensões, procedimentos violentos, submeter a mulher a
situação de vexame e até mesmo a medicamentalização excessiva ou as dificuldades de
atendimento médico-hospitalar quando “peregrinam” por diversos hospitais e assim ferindo os
direitos fundamentais e individuais da parturiente.

Em revisões sobre violência obstétrica, os tipos mais frequentes foram a violência


psicológica, física e estrutural (Santos e Souza, 2015; de Carvalho, Cangiani, & Pereira, 2017;
Zanardo, Uribe, Calderón e Habigzang, 2017; Marrero, Bruggemann, 2018) e estima-se que
25% das mulheres já sofreu alguma forma de violência (Tesser, Knobel e Diniz, 2015; Marrero,
Bruggemann, 2018) e, apesar de programas governamentais de incentivo acerca do parto
humanizado, humanização em saúde, assistência humanizada há também relatos de prevalência
de 86,57% (Andrade, Silva, Diniz e Caminha, 2016), podendo ser considerada um grande
problema de saúde pública.

Em virtude de tal dimensão dos fatos, é altamente relevante ao profissional de psicologia


lidar com estas marcas da relação violência x poder x gênero e desnaturalizar os maus tratos e
a negação de direitos como algo normal quando é oferecida à parturiente tratamento que
impacta negativamente na autonomia, beneficência e saúde mental.

Ninguém fica imune ao sofrer atos de violência. As marcas psicológicas deixadas pela
violência obstétrica são muito profundas. Vale destacar a ocorrência de transtornos
psicopatológicos (podendo ocorrer transtornos de adaptação, depressão, ansiedade, transtorno
de stress pós-traumático, transtorno do sono, transtornos alimentares, dificuldades na interação
mãe-filho (Barbosa e Mota, 2016; Rocha e Grisi, 2017; Maia, Santa’anna, Menegossi,

195
Zanninni, 2018).

Considerando a magnitude desta questão, este trabalho tem por objetivo discutir
aspectos interventivos, através de relato de caso, da atuação do Psicólogo ao lidar com tal
demanda sob a ótima da Psicoterapia Cognitivo Comportamental (TCC) analisando os registros
verbais.

Metodologia
O presente trabalho trata-se de um estudo de caso, onde é apresentada a intervenção
psicoterápica em uma senhora que foi atendida em uma clínica-escola tendo sido vítima de
violência obstétrica (V.O.) em um hospital público.

A paciente Josefa (nome fictício), do lar, 34 anos, negra, casada há 13 anos, é mãe de
duas meninas, sendo uma de 03 (três) e outra de 04 (quatro) meses de idade. Esta procurou
espontaneamente atendimento da clínica-escola com queixa inicialmente de dificuldades
conjugais e sentia-se atemorizada só em pensar em levar sua filha para a casa da avó paterna,
entretanto com o descortinar da psicoterapia observou-se ter sofrido violência obstétrica ao
nascimento da filha mais velha e, desde então, após este trauma, surgiram os sintomas de
ansiedade, baixa auto estima, irritabilidade, impulsividade, insegurança e dificuldades em
verbalizar suas insatisfações de forma assertiva com o esposo e sua família (principalmente
sogra e a cunhada).

Considerações éticas
Na consulta inicial foi assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),
o qual foi analisado com a paciente, detalhando a resolução CNS nº 466/2012, documento este
que garante ao paciente o respeito aos seus direitos e o contrato do atendimento psicoterápico.

Foi informada que seria atendida por uma aluna-estagiária e que as informações seriam
discutidas com o supervisor sendo analisadas à luz da abordagem psicoterápica cognitivo
comportamental. Após autorização, iniciou-se a psicoterapia

Foram realizadas 24 sessões individuais de 50 minutos cada, uma vez por semana,
fundamentadas no modelo cognitivo-comportamental. O procedimento incluiu avaliação
inicial, intervenção, avaliação final e follow up. A estruturação das sessões durante o processo
terapêutico está apresentada no Quadro 1.

Sessão Objetivos
1ª a 3ª Sessões Anamnese. Estabelecimento de vínculo terapêutico. Conceitualização
Cognitiva. Psicoeducação sobre o modelo cognitivo
4ª a 19ª Sessões Intervenção: Identificação de crenças e de pensamentos disfuncionais;
reestruturação cognitiva; relaxamento; treinamento assertivo; ensaio
comportamental; resolução de problemas, lista de insatisfações, higiene
do sono, questionamento socrático, RPD, questionamento socrático
20ª a 21ª Sessões Avaliação Final: Feedback da evolução do tratamento.
22ª a 24ª Sessões Follow Up Verificação da aquisição e manutenção de novo repertório

196
cognitivo-comportamental. encerramento
Quadro 1. Conteúdo geral das sessões durante o processo terapêutico.

Após o contrato terapêutico, iniciou-se a psicoeducação quanto ao modelo da terapia


cognitivo-comportamental, começando a identificar os pensamentos disfuncionais, emoções,
comportamentos (Carvalho, Malagris, Rangé, 2019)

Discussão

A Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) entende que a conceitualização cognitiva


é a estratégia extremamente relevante para identificar e analisar as relações funcionais que estão
incidindo sobre a demanda apresentada, sendo momento relevante para efetuar a leitura da
psicodinâmica do caso e apresentar estratégias eficazes para a intervenção (Neufeld e
Cavenage, 2010)

Josefa apresentou importantes queixas acerca de violência obstétrica sofrida por ocasião
de seu primeiro parto. As consequências desta ação violenta desde então trouxeram
consequências emocionais que indicam seu sofrimento emocional após o parto e perpetuaram
silenciosamente por 13 anos até o momento da intervenção psicoterápica.

Inicialmente mostrou-se ansiosa, contudo, com a estruturação do vínculo terapêutico,


foi criado um espaço de escuta não punitiva e acolhedora à pessoa e seu sofrimento emocional.
Josefa relata então o trauma da gestação da primeira filha, no qual sofreu violência obstétrica e
relatou fatos que continham fortes emoções negativas. Chorou copiosamente ao falar sobre a
violência a ela imputada em um longo e traumático parto. O momento que deveria ser de alegria
transformou-se em momento de tortura onde sofreu silenciosa, solitária e unilateralmente.

Além de não permitir a presença do esposo, o médico usou a “manobra de Kristeller”


no parto, procedimento que consiste em empurrar a barriga da mulher para forçar a saída do
bebê. De acordo com a paciente, o médico “pulou em sua barriga” tendo sido bastante
traumático e extremamente doloroso.

Sabe-se que o emprego deste procedimento tem sido questionado pelo Ministério da
Saúde e pela OMS. A técnica consiste em pressionar a parte superior do útero para acelerar
e/ou facilitar a saída do bebê e em virtude do risco pode causar lesões graves como fratura de
costelas e traumas diversos (Lansky, Sousa, Peixoto, Oliveira, Diniz, Vieira, Cunha & Friche,
2019; Serra, 2018). De acordo com Josefa, o médico empurrava com as mãos, cotovelos e
joelhos, procedimento este que, consequentemente fez com ela ficasseu com receio de causar
danos ao bebê e até mesmo sentiu a proximidade da morte dela e da própria filha.

Ao analisar os relatos verbais registrados nas sessões, estes foram categorizados em


função do conteúdo e observou-se que tal ocorrência teve diferentes consequências em sua vida:

a) Sentimento de maternidade e maternagem.

Ser mãe é o desejo de muitas mulheres, entretanto, é relevante compreender a dinâmica


da satisfação da mulher na sua experiência do parto. Contudo, com a V.O. houve a frustração
do parto idealizado. Ela se sentiu desprotegida, sem a presença do companheiro ao lado, o medo

197
de perder a filha ou até mesmo de morrer durante o ato conflita o conteúdo real x idealizado.
Percebeu-se, portanto, fragilizada física e emocionalmente em seu papel de mãe e esposa. Josefa
apresentou crença de desvalia, sentindo-se inferiorizada, vulnerável, abandonada, insegura e
perda da sua dignidade da mulher.

A ida da filha para a casa da avó materna representava para ela, uma perda adicional,
uma experenciação de luto, já que temeu perder a filha no parto. Só em pensar em permitir a
ausência da filha para a casa da avó sentia-se ansiosa, com inquietude e irritabilidade.

b) Roubaram meus direitos. Sou invisível

Aparece este sentimento em duas facetas da violência. Invisibilidade de mulher que


sofre, quando o profissional de saúde não verifica que há uma pessoa que padece e
invisibilidade do ato violento pelos profissionais de saúde.

A parturiente tem direito de acompanhante, fato definido pela Lei nº 11.108, de 07 de


abril de 2005. Esta lei determina que os serviços de saúde são obrigados a permitir à gestante o
direito a acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto. A ela foi
negado este direito, não sendo ouvida em sua solicitação. Sentiu-se invisibilizada e
desvalorizada

c) Superproteção da filha

Uma consequência relativa e um dos fatores motivadores para a busca da psicoterapia


foi a superproteção da filha. Ela não permitia a ida dela para a casa da avó paterna. O ato de
cuidar e ser cuidada na interação mãe-filha é colocado em questão desde o nascimento, pois
não trouxe para o esposo e sua família o parto idealizado, houve medo da filha vir a óbito,
havendo esquema desadaptativo de hipercompensação sendo hiperexigente com o parceiro e
amigos próximos, em um esquema que tende a dizer: “Por favor, não me abandone” “Quase a
perdi uma vez, não quero perder para sempre nem para a família paterna”.

d) Vestida de silêncio

Há um sentir (dor, culpa, exclusão, vazio existencial) atrás do silêncio e que permaneceu
emudecida por 13 anos com impacto emocional que todo este processo produziu na vida, na
construção de identidade e os seus diferentes papeis. Silenciou do esposo todo o seu sofrimento
com receio que não ser ouvida novamente e era muito difícil relembrar cenas traumatizantes.

e) Falta de repertório para produção de reforçadores

Em discurso de ausência de reforçadores ela apresenta comportamentos de


irritabilidade, impulsividade, inassertividade já que em sua história de vida havia privação de
atenção e afeto de seu genitor, do médico, de profissionais de saúde, percebendo-se
desqualificada, impotente, baixa autoestima, auto conceito e auto-imagem. Entende-se,
portanto, que Josefa tinha parcas habilidades socioemocionais para lidar com situações que
conflitam com seus direitos desde a sua infância e esta inaptidão também foi apresentada no
momento do parto.
Tais sentimentos observados convergem para crença de impotência, abandono, desvalia,

198
desamor, fragilidade, impotência (Silva, Silva, Araújo, 2017) começou a emergir quando
verbalizou nas sessões iniciais a solidão, tristeza, raiva, medo, vergonha e culpa durante o parto
e quando a expõe que a família de meu marido tomou meu espaço de mãe. Ir para a casa da
sogra é perder o amor e a atenção da filha, ou seja, acha-se invisível na casa da família dele.
Esta distorção gerou percepções de insegurança, desvalia, incompetência e de não ser amada.

As técnicas de intervenção psicoterápicas trabalhadas em sessão com a paciente Josefa


foram as seguintes: lista das insatisfações, quadro meus direitos, questionamento socrático,
RPD (registro de pensamentos disfuncionais), Técnica de resolução de problemas, treinamento
de relaxamento de Jackobson, treinamento assertivo,e reestruturação cognitiva, treino de
resolução de problemas e ensaio comportamental.

A planejamento das intervenções carrearam para produzir empoderamento nesta voz


que foi emudecida por tanto tempo. Queixas de dificuldades interacionais foram trabalhadas
com o treinamento assertivo e a reestruturação cognitiva. Esta visão distorcida da situação foi
modificada com a busca de evidências e questionamento socrático. Aumentou-se de autonomia.
É possível compreender estas dificuldades pela baixa frequência de oportunidades que Josefa.
teve, em sua história de vida, de vivenciar experiências sociais adequadas. Durante a terapia,
estas dificuldades foram abordadas com treino em solução de problemas e ensaio
comportamental (Jacob, 2004).

Estes pensamentos e sentimentos, ativados nestas situações, confirmavam suas crenças


de não ser amada, de ser insegura e incapaz. Sente vergonha, culpam, tristeza, impotente e
vulnerável. Considera-se tímida e incapaz de ser feliz. Os pensamentos automáticos relatavam
abandono, solidão, vergonha, isolamento e indesejabilidade na relação conjugal e
catastrofização.

Neste contexto foram observados os seguintes erros cognitivos (catastrofização, leitura


mental, desqualificação do positivo, rotulação, questionalização, adivinhação), conforme pode
ser observando na tabela 2.

Catastrofização Acredita que o pior vai “Vai dar tudo errado”


acontecer
“vou ficar só”
Leitura mental Acha que sabe o que as pessoas “quando olham para mm desta
estão pensando forma estão sentindo pena de mim”
“Ele está achando que sou
imprestável como esposa”
Desqualificação do Só concentra no aspecto “Meu marido me elogia apenas por
positivo negativo para efetuar uma que é meu marido”
avaliação da situação
E se ou Tendência a perceber tudo no “se tivesse não fosse tão pobre ele
questionalização que poderia ter sido e não como teria feito parto com mais carinho e
é minha vida não seria assim”
Adivinhação Preveem o futuro “se a filha for para casa da sogra

199
eles irão retirá-la de mim, eu não
poderei protege-la e serei
abandonada”
Quadro 2- Lista de erros cognitivos observados nas sessões iniciais

Observa-se abaixo, na figura 1 que, após a violência obstétrica (V.O.) sofrida por Josefa
através da manobra de Kristeller, (manobra de intensa agressividade física e emocional), os
sintomas apareceram (“não quero deixar minha filha ir para casa da avó paterna”, irritabilidade
e dificuldades na relação conjugal), com as seguintes crenças centrais de desamparo, desamor
e desvalia. Ela sentia-se vulnerável, frágil, impotente e consequentemente surgiram
pensamentos disfuncionais de “não mereço ser amada”, “eu me sinto abandonada”, “só
aconteceu por que sou pobre e negra, não consigo me defender”. Após o parto, sentiu-se “infeliz
pois a violência anulou o momento de felicidade maior para uma mãe”.

Objetivou-se fazer com que Josefa se tornasse mais assertiva em relação a seus desejos,
seus direitos aprendendo a expor através de conversa assertiva

Relatou agir sempre com muita impulsividade e sentir culpada por sempre ter as
situações de conflito agravadas e nunca melhoradas. Manifestou apresentar sentimento de
solidão, rejeição e insatisfação por não ter suas opiniões levadas em consideração por parte do
marido e de seus familiares. Conversou com o esposo sobre a questão

Figura 1- diagrama cognitivo do caso


200
Após emudecida por 13 anos, o esposo desconhecia todo sofrimento ocorrido. O ensaio
comportamental, possibilitou oferecer um relacionamento assertivo e comunicação conjugal
mais eficaz.

Certo é, que na relação eu-eu, eu-outro, eu-mundo, discutiu-se a relação de Josefa com
o mundo dos seus direitos, seus desejos e sonhos. Josefa passou não só a identifica-los como
tempo passou a ter autonomia e lutar por eles, A relação conjugal foi modificada, pois passou
a ser assertiva e gradativamente foi esvanecendo os momentos de tensão. Através da
ressignificação cognitiva, Josefa percebeu seu papel no mundo, e sentiu-se pertinente e amada
pela família. Como ela relata: “Queria ser mãe e ter uma família”, “agora eu me achei”, “Sinto
orgulho de dizer que sou mãe”. “Não faço mais as coisas por obrigação”, “sinto prazer em ir
para a casa da sogra”,” sei me defender” .

Neste sentido, através do treinamento assertivo, possibilitou-se enveredar na


identificação da Josefa se auto perceber, reconhecer seus pensamentos disfuncionais e
empoderar-se, assim poderia ela reconhecer seus direitos, identificar suas habilidades e
aprender novo repertorio comportamental para lidar com as situações adversas, generalizando
este aprendizado para outras situações em diferentes contextos sociais.

Certo é, que é desafiador lidar com esta situação em uma paciente que sofreu violência
obstétrica e coube ao profissional lançar ações de

a- educação em saúde possibilitando melhor interação e estabelecimentos de práticas


baseadas em evidências e mais humanizadas.

b- Possibilitar aprendizado de resolução de problemas diante de situações de tensão

c- Treinamento assertivo e assim a parturiente possa saber e lutar por seus direitos e
enfrentar as desigualdades de gênero

d- Possibilitar que a parturiente se veja como uma mulher sujeita de direitos e saibam lidar
assertivamente com as situações cotidianas de violência em seu universo

e- Desnaturalizar e visibilizar a violência, interagindo com outros profissionais (assistente


social, advogados,.... )

f- Possibilitar espaço de escuta ativa e terapêutica para lidar com este silêncio, oferecendo
novos operantes de autocuidado e construção de processos emancipatórios diante de
situações de violência bem como poder expressar congruentemente seus pensamentos,
sentimentos e emoções.s

Conclusão

O debate sobre violência de gênero, e especialmente a violência obstétrica, tem


aumentado ultimamente. Neste sentido a Psicoterapia Cognitivo Comportamental tem muito a
contribuir para a compreensão desta questão e o seu manejo psicológico.
A gravidez, o parto e o pós-parto são momentos importantes para a mulher e sua família.

201
Todos centram a sua atenção para este momento, e, quando ocorre violência neste percurso há
sofrimento psíquico.

Quando ser mãe e a maternidade passa a ser um projeto político-afetivo, a mulher


experencia papéis novos que podem ser impedidos através da Violência Obstétrica. Uma
gestação cuidada, desejada e amada pode não ter o fim desejado;

A parturiente tem direitos que muitas vezes ela mesma desconhece, como por exemplo
o direito de ter acompanhante ao lado. A ausência do companheiro, isolamento afetivo-fisico-
emocional, a ocorrência da manobra de kristeller, a frieza do médico e as relações impessoais
são elementos centrais de um sofrimento que emudeceu Josefa (jovem, negra e pobre) por 13
anos. Foram 13 anos de dor, ansiedade, tristeza e desespero de um conjunto de emoções que
deixaram sequelas.

Através da psicoterapia com o emprego de técnicas apropriada como o questionamento


socrático, treinamento assertivo, lista dos meus direitos,...) pode ser possível aumentar auto
estima, criar autonomia, aumentando gradativamente reforçadores e empoderar.

Ao lidar clinicamente com o quadro, este trabalho grita para que sejam discutidas e
respeitadas as escolhas, os direitos e ocorram concretamente a humanização no parto e no
nascimento sendo papel do psicólogo intervir diante do sofrimento e proporcionar aumento do
repertório comportamental que visasse maior autonomia, dignidade, qualidade de vida para a
paciente e sua família.

.
Referências

Andrade, Priscyla de Oliveira Nascimento, Silva, Jéssica Queiroz Pereira da, Diniz, Cinthia
Martins Menino, & Caminha, Maria de Fátima Costa. (2016). Fatores associados à
violência obstétrica na assistência ao parto vaginal em uma maternidade de alta
complexidade em Recife, Pernambuco. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil,
16(1), 29-37. https://dx.doi.org/10.1590/1806-93042016000100004
Barboza, L.P.; Mota, A. (2016). Violência obstétrica: vivências de sofrimento entre gestantes
do Brasil. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde, Salvador 5(1):119-129.
Carvalho, Marcele Regine; Malagris, Lucia Emmanoel Novaes & Rangé, Bernard P. (2019).
Psicoeducação em terapia cognitivo-comportamental. Novo Hamburgo, RS. Ed Sinopsys.
350 p.
de Carvalho Barbosa, Luara, Cangiani Fabbro, Márcia Regina, & Pereira dos Reis Machado,
Geovânia. (2017). Violência obstétrica: revisão integrativa de pesquisas qualitativas.
Avances en Enfermería, 35(2), 190-207.
https://dx.doi.org/10.15446/av.enferm.v35n2.59637
Engel, C. L. A violência contra a mulher. Ipea – Instituto de economia aplicada. Brasília. 2019.
Acesso: 05 de janeiro de 2020.
Jacob, L. S. (2004). Treino de resolução de problemas. Em C.N. Abreu, H.J. Guilhardi (org.)
Terapia comportamental e cognitivo-comportamental (p.344-351). São Paulo: Roca.
Lansky, Sônia, Souza, Kleyde Ventura de, Peixoto, Eliane Rezende de Morais, Oliveira,

202
Bernardo Jefferson, Diniz, Carmen Simone Grilo, Vieira, Nayara Figueiredo, Cunha,
Rosiane de Oliveira, & Friche, Amélia Augusta de Lima. (2019). Violência obstétrica:
influência da Exposição Sentidos do Nascer na vivência das gestantes. Ciência & Saúde
Coletiva, 24(8), 2811-2824. Epub .https://dx.doi.org/10.1590/1413-
81232018248.30102017
Lei nº 11.108, de 07 de abril de 2005.
Maia, Janize Silva., Sant’Anna, Giovanna Stefanini, Menegossi, Fernanda Souza, Zanninni,
Juliana Sant’Anna.(2018). A Mulher Diante Da Violência Obstétrica: Consequências
Psicossociais. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. 3:( 11).7:54-
68.
Marrero L, Brüggemann OM. (2018). Institutional violence during the parturition process in
Brazil: integrative review. Rev Bras Enferm ;71(3):1152-61. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0238
Neufeld, Carmem Beatriz, & Cavenage, Carla Cristina. (2010). Conceitualização cognitiva de
caso: uma proposta de sistematização a partir da prática clínica e da formação de
terapeutas cognitivo-comportamentais. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 6(2),
3-36. Recuperado em 14 de janeiro de 2020, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-
56872010000200002&lng=pt&tlng=pt.
Rocha, M.J.; Grisi, E.P.(2017). Violência Obstétrica e suas Influências na Vida de Mulheres
que Vivenciaram essa Realidade. Revista Multidisciplinar e de Psicologia, São Paulo
11(38):623-635.
Santos,, Rafael Cleison Silva dos; Souza, Nádia Ferreira de. (2015).Violência institucional
obstétrica no Brasil: revisão sistemática. Estação Científica (UNIFAP), 5 (1), 57-68,
ISSN 2179-1902. Disponível em:
<https://periodicos.unifap.br/index.php/estacao/article/view/1592>. Acesso em: 05 jan.
2020.
Serra, Maiane Cibele de Mesquita (2018). Violência obstétrica em (des)foco: uma avaliação da
atuação do Judiciário sob a ótica do TJMA, STF e STJ. Dissertação de Mestrado. UFMA
Silva FM, Silva ML, Araújo FNP.(2017) Sentimentos Causados pela Violência Obstétrica em
Mulheres de Município do Nordeste Brasileiro. Rev Pre Infec e Saúde. 3(4):25-34.
Disponível em http://www.ojs.ufpi.br/index.php/nupcis/article/view/6924
Tesser, C. D., Knobel, R., Andrezzo, H. F. de A., & Diniz, S. G. (2015). Violência obstétrica e
prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Revista Brasileira De Medicina De Família
E Comunidade, 10(35), 1-12. https://doi.org/10.5712/rbmfc10(35)1013
Zanardo, Gabriela Lemos de Pinho, Uribe, Magaly Calderón, Nadal, Ana Hertzog Ramos De,
& Habigzang, Luísa Fernanda. (2017). Violência obstétrica no Brasil: uma revisão
narrativa. Psicologia & Sociedade, 29, .https://dx.doi.org/10.1590/1807-
0310/2017v29155043
GRUPOS REFLEXIVOS PARA HOMENS AUTORES DE VIOLÊNCIA

203
DOMÉSTICA: UMA ESTRATÉGIA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A
MULHER

Grazielle Rodrigues Lopes Soares


Fernanda Costa Ferreira

1. Introdução
A violência contra a mulher é uma expressão da questão social decorrente da construção
sócio-histórica que perpetua o patriarcado, sustentáculo do modelo capitalista de organização
social, fonte das desigualdades de gênero e reprodutor dos fenômenos de violência que atingem
mulheres de todas as idades, classes sociais, raças, religiões, estados civis e escolaridades no
Brasil.

Mulheres vítimas de violência de gênero contam com uma rede de proteção para
enfrentamento dessa questão que incluem o amparo do sistema de justiça, cujas ações punem e
coíbem tais atos, conforme previsto na Lei 11.340/06, a conhecida Lei Maria da Penha.

Pautado na Lei 11.340/06, o Sistema de Justiça brasileiro incorpora ações destinadas


aos homens que respondem processos judiciais de violência contra a mulher. Assim, amplia o
atendimento para além das mulheres vítimas, estendendo aos acusados por meio dos Grupos
Reflexivos para homens autores de violência doméstica e familiar.

Anterior à apreensão dessa estratégia pelo Sistema de Justiça, os Grupos Reflexivos


foram iniciativas da sociedade civil, através de Organizações Não-Governamentais como o
Instituto de Pesquisas Sistemáticas e Desenvolvimento de Redes Sociais (NOOS), o Núcleo de
Atenção à Violência, do Rio de Janeiro, e o Pró-Mulher, Família e Cidadania em São Paulo,
tendo como finalidade debater as desigualdades de gênero, descontruir o machismo
naturalizado na sociedade, propulsor das violências contra as mulheres. (Lima, Buchele e
Clímaco, 2011).

Posteriormente, os Tribunais de Justiça em diversos estados federativos brasileiros


aderiram aos Grupos Reflexivos com vistas a combater a violência contra as mulheres pela
sensibilização de mudanças de paradigmas e valores sociais que as colocam em condição
subalterna aos homens e buscando a ressocialização dos acusados e a não reincidência de
práticas de violência de gênero.

Nessa perspectiva, essa pesquisa realizou uma revisão de literatura nacional através de
estudos científicos produzidos nos últimos anos que apontam como os Grupos Reflexivos têm
sido implementados no Brasil, seus efeitos no tocante ao enfrentamento da violência de gênero
em âmbito doméstico e seus principais desafios contemporâneos.

Para isso, contou-se com pesquisas realizadas por autores como Prates e Andrade
(2013), Beiras e Nascimento (2017) e Lima, Buchele e Clímaco (2011), onde seus estudos
foram sistematizados, integrados e avaliados acerca do tema.
2. Estratégias Metodológicas

204
O estudo foi enquadrado na pesquisa básica pura, de abordagem qualitativa e dispondo
de objetivos a pesquisa exploratória. Isso porque, conforme Severino (2013), levantaram-se
informações sobre o objeto de estudo, a fim analisar os fenômenos estudados e interpretá-los
em suas particularidades.

Quanto à natureza das fontes, fez-se uso da pesquisa bibliográfica, baseada em artigos,
dissertações e teses, com levantamento realizado na biblioteca virtual, em revistas eletrônicas
científicas, periódicos e na base de dados scielo e google acadêmico, utilizando-se os
descritores: grupo reflexivo para homens autores de violência contra a mulher, tendo-se Araújo
(2009), Prates e Andrade (2013), e Lima, Buchele e Clímaco (2011) entre os/as autores que
contribuíram para o estudo.

A pesquisa empreendeu-se pelo método de revisão de literatura e análise de conteúdo


referente ao arcabouço de revisão bibliográfica selecionada para o estudo. Essa opção se
justifica porque os métodos escolhidos permitem aprofundar o conhecimento do fenômeno
pesquisado e compreender, criticamente, as categorias de análise selecionadas, sistematizar a
implantação dos grupos reflexivos para homens autores de violência doméstica e familiar no
contexto brasileiro e suas manifestações nas mudanças de percepções destes quanto à
masculinidade e desigualdades de gênero.

3. A violência de gênero e suas manifestações socioculturais

A violência de gênero é um fenômeno interligado às concepções de masculinidade


socialmente aceitas e consentidas que promovem desigualdades entre os gêneros, onde a figura
do homem se sobrepõe a da mulher em poder e autoridade. Nos processos históricos a sociedade
reproduz e naturaliza a masculinidade em que homens violentam mulheres no âmbito doméstico
(Prates, 2013).

Homens são educados a cada geração a refrear emoções, estimulados a agir com
agressividade, incluindo a violência física. Tais comportamentos são aceitos e concedidos
socialmente como marcas que provam e reafirmam a masculinidade. No Brasil, onde a
sociedade tem como base os padrões patriarcais e machistas, os homens têm a necessidade de
imprimir uma postura socialmente aceita de defender a honra, a autoridade e poder, movidos
pelo foco de não torná-los questionáveis (Prates, 2013).

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a cada ano, cerca de 1,3
milhão de mulheres são agredidas no Brasil. O Instituto Patrícia Galvão divulga que uma
mulher registra agressão sob Lei Maria da Penha a cada dois minutos. A pesquisa Data Senado,
realizada em 2015 sobre violência doméstica e familiar, revela que uma em cada cinco mulheres
já foi espancada pelo marido, companheiro, namorado ou ex.

Conforme Araújo (2009), a violência doméstica é assim denominada porque ocorre no


âmbito privado, nas relações de afeto, em sua maior parte, dentro dos lares, onde o autor
mantem ou manteve comportamentos violentos em relação à mulher vítima, tal agressor pode
ser seu genitor, filho, companheiro, marido ou namorado, e de ambos os sexos.
A violência doméstica enquadra-se na violência de gênero. Esta se concretiza nas

205
relações sociais e é historicamente construída de divisões de papeis a homens e mulheres. Às
mulheres atribui-se o zelo à procriação, os cuidados domésticos, estereótipos em torno do ideal
de feminilidade e submissão em relação aos homens. Aos homens é ensinado a ser forte,
guerreiro, valente, mantendo a hierarquia na apropriação do poder e da dominação nas relações
onde faz uso da força e da violência sobre a mulher (Araújo, 2009).

No Brasil, até meados da década de 1970, a violência doméstica contra a mulher era
vista como um problema de ordem privada, aceita pela sociedade como necessidade, pois os
homens precisavam agredir suas companheiras “desobedientes” em “defesa da honra”
masculina. Uma mudança começou a surgir a partir de iniciativas dos movimentos feministas,
quando estes empreenderam lutas em busca de questionar a ordem estabelecida, promovendo
debates em torno das desigualdades de gênero, e dos direitos humanos das mulheres para
alcançarem espaços que outrora lhe eram negadas pela condição do sexo. Estes reivindicaram
intervenção do Estado na punição dos casos de violência contra a mulher e um aparato
assistencial necessário para que a mulher vítima de violência doméstica possa ressignificar sua
trajetória de vida longe do agressor.

A conjuntura de promulgação da Constituição Federal de 1988 abriu precedentes para


formulação de políticas públicas no enfrentamento a violência contra a mulher no âmbito
doméstico. Contudo, os avanços foram poucos no sentido de punir os homens pelos atos de
violência contra mulheres até a década de 2000, que depois de muito engajamento dos
movimentos feministas, evidências nos noticiários e na vida em sociedade de mulheres que
rotineiramente são agredidas e violentadas dentro de seus próprios lares, em 2006 promulgou-
se a 11.340/06, a Lei Maria da Penha, como aparato legal que reprime a violência doméstica e
de gênero contra a mulher, estabelecendo normas a respeito da sua proteção.

A Lei 11.340 de 2006 visa coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a
mulher, tanto no aspecto punitivo como de assegurar políticas públicas de combate a essa
violência. Segundo a mesma, a violência doméstica ou familiar contra a mulher configura
qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,
sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

4. Grupos reflexivos e o sistema de justiça brasileiro

Os grupos reflexivos são estratégias de combate à violência contra a mulher pautados


na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), nos art. 35 e art. 52 que determinam a criação de centros
de educação e reabilitação para agressores e o comparecimento destes em programas de
recuperação e reeducação, direcionados pelo Poder Judiciário.

Nas duas últimas décadas, os grupos reflexivos para homens autores de violência
doméstica tornaram-se uma tendência de adesão dentro do sistema de justiça brasileiro na
perspectiva da justiça restaurativa, que visa medidas socioeducativas de enfrentamento à
violência e ao crime. São medidas socioeducativas pautadas na Lei 11.340/06, a qual prevê a
determinação judicial em direcionar os autores de violência doméstica a programas de
recuperação e reeducação para que estes possam ser sensibilizados sobre suas práticas violentas
e possam ressignificar o modo como se relacionam com as outras pessoas e como vivem em
sociedade.
Prates e Andrade (2013) definem os grupos reflexivos como uma intervenção que visa

206
um trabalho com homens autores de violência doméstica onde possam ser estimulados a
apreenderem sobre padrões sociais socialmente construídos e perpetuados, que promovem a
desigualdade de gênero e comportamentos violentos em relação às mulheres. Conforme Prates
e Andrade (2013), embora a Lei Maria da Penha aponte a criação de centros de reabilitação e
responsabilização para homens autores de violência doméstica, não direciona para uma
padronização. Por isso existe uma pluralidade metodológica, de monitoramento e avaliação na
realização de tais grupos.

Nos seus estudos, Prates e Andrade (2013) aprofundaram a análise sobre a realização
de grupos reflexivos pela ONG Pró-Mulher, Família e Cidadania em parceria com o Poder
Judiciário, na cidade de São Caetano, São Paulo. O estudo ocorreu entre os anos de 2006 e
2008, época em que os grupos reflexivos tinham 56 participantes homens autores de violência,
selecionados e encaminhados pelos magistrados a partir de critérios de crimes cometidos,
reincidência e gravidade. Os encontros ocorriam no total de 6 meses, realizados semanalmente.
O estudo identificou que os grupos reflexivos tinham finalidade educativa, reflexiva e
preventiva de questionar os valores da ideologia patriarcal, estereótipos e valores tradicionais
de gênero que reforçam e legitimam a violência.

Em 2013, Prates apresentou resultados de uma pesquisa que teve como objeto de estudo
grupos reflexivos realizados por uma ONG em parceria com o 1° Juizado de Violência
Doméstica e Familiar do Estado de São Paulo. Os homens selecionados tiveram seus processos
judiciais não julgados, tendo como contrapartida a presença nos grupos reflexivos. Dessa forma,
o Poder Judiciário fez opção pela medida de suspensão condicional do processo. Os grupos
ocorreram no período de oito meses e após esse período foram sistematicamente acompanhados
pelo Sistema de Justiça devendo fazer-se presentes no Fórum a cada mês por um período de 24
meses. Ressaltou-se na pesquisa, a metodologias de abordagem nos grupos pelos facilitadores,
que incluía dinâmicas de grupo, reportagens, vídeos, rodas de conversa e conteúdos
relacionados a Lei Maria da Penha, gênero, família, dentre outros.

Entre os resultados obtidos nos estudos realizados por Araújo (2009), Prates e Andrade
(2013) e Prates (2013) acerca da experiência com grupos reflexivos coincidem o destaque da
metamorfose de apreensões dos participantes acerca das temáticas tratadas nos grupos, onde,
inicialmente, mostraram posicionamento resistente e mantinham discursos agressivos, de
culpabilização da mulher pela violência praticada, vitimistas, de negação e de senso comum.
Mas se flexionaram ao longo dos encontros reconhecendo a necessidade de mudanças
comportamentais, de valores acerca da visão de masculinidade, abrindo-se espaços para
depoimentos pessoais e trocas entre os participantes.

Araújo (2009) estudou a experiência de grupos reflexivos com homens autores de


violência doméstica, realizados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão na cidade de
São Luís, identificando a finalidade destes em influenciar o comportamento dos autores de
violência em relação a mudanças de concepções acerca da masculinidade. Os participantes eram
encaminhados via determinação judicial em processos de medida protetiva, portanto, o
comparecimento dava-se de forma obrigatória. Um total de 10 encontros ocorria semanalmente,
com duração de 2 horas cada um. Os facilitadores dos grupos reflexivos possuíam formação em
Serviço Social e/ou em Psicologia e abordavam temas como gênero, masculinidade, tipo de
violência doméstica, comunicação, entre outros, apresentados através de oficinas, dinâmicas,
roda de conversa, etc..
Beiras, Nascimento e Incorcci (2019) abordam os grupos reflexivos como ações

207
direcionadas a homens autores de violência contra mulheres, mapeando suas implementações
nas cinco regiões do país entre os anos de 2015 e 2016. Aplicaram 26 questionários em
instituições públicas e não governamentais que promovem grupos reflexivos no Brasil. Nos
dados obtidos pode-se averiguar, entre outros aspectos, o objetivo em comum da
responsabilização dos homens autores de violência e da redução da reincidência de violência
contra a mulher. Além disso, na maioria dos grupos reflexivos, tanto em instituições privadas
como nas instituições públicas, há vinculação ou apoio dos Tribunais de Justiça, como prevê a
Lei n° 11.340/06.

Beiras, Nascimento e Incorcci (2019) constataram ainda uma diversidade de


metodologias na aplicação dos grupos reflexivos nos espaços pesquisados, não havendo um
número em comum da quantidade de encontros realizados. Perceberam a presença de avaliação
incorporada nas diferentes metodologias com o intuito de aprimoramento das atividades e
prestação de contas às instituições vinculadas.

Beira e Bronz (2016) produziram um documento denominado Metodologia de Grupos


Reflexivos de Gênero, que trata da experiência do Instituto NOOS na implementação de grupos
reflexivos com homens autores de violência doméstica. Tal Instituto foi pioneiro no trabalho
com homens autores violência doméstica, tendo sua atuação em matéria de gênero iniciada
ainda em 1994, cujo objetivo seria o enfrentamento da violência de gênero e intrafamiliar, na
construção de relações mais equânimes e igualitárias entre homens e mulheres.

Beiras e Bronz (2016) retratam os resultados obtidos nos grupos reflexivos realizados
ao longo dos anos no Instituto NOOS, dentre os quais ressaltaram a relevância dos (as)
facilitadores (as) de grupos reflexivos desenvolverem um vínculo de confiança com os
participantes dos grupos, com posicionamento pessoal e horizontal enquanto estratégias
imbricadas na desconstrução da ideia de poder nos diferentes gêneros, além de possibilitar o
espaço como meio de reconhecimento do lugar de fala dos participantes através do diálogo.
Recomendam que os grupos sejam constituídos por mais de um facilitador para favorecer as
reflexões e diálogos manifestados nos encontros dos grupos.

Lima, Buchele e Clímaco (2011) abordam a experiência governamental com homens


autores de violência contra a mulher a partir de um programa realizado pela Secretaria de
Assistência Social de um município do Estado de Santa Catarina no ano de 2007. O grupo
reflexivo era composto por 38 participantes em um total de 18 encontros anuais. A pesquisa
apontou como um dos maiores desafios à realização dos grupos reflexivos a ausência de
capacitação destinada aos facilitadores.

Moraes e Ribeiro (2012) realizaram um estudo de caso acerca da experiência dos grupos
reflexivos promovido pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar na cidade do Rio de
Janeiro. As autoras constataram que os grupos reflexivos funcionam com cerca de 9 a 14
homens participantes, com idades entre 30 e 49 anos de idade, de diferentes classes sociais e
níveis de escolaridade. Todos os participantes eram pais e a maioria era ex-
companheiros/maridos das mulheres que os acusaram. Os grupos eram facilitados por dois
profissionais, sendo um Psicólogo e um Assistente social. Os encontros aconteciam
quinzenalmente, num total de oito encontros, com duração de 2 horas cada um. Os grupos
tinham como objetivo responsabilizar os autores de violência doméstica quanto ao crime,
estimular mudanças de atitudes e socializar informações a respeitos dos direitos dos acusados
como recurso judicial com potencialidade para tratar dos conflitos em detrimento da violência
doméstica.
208
5. Considerações Finais

Segundo Prates e Andrade (2017), Prates (2013) os grupos reflexivos para homens
autores de violência doméstica são uma estratégia de incluí-los nas propostas institucionais de
intervenção no combate à violência contra a mulher, uma vez que ações voltadas somente às
mulheres não proporciona efetividade no enfrentamento à problemática, lidando apenas com
uma parte do processo.

Prates e Andrade (2017) destacam que a Lei Maria da Penha, apesar de remeter a
medidas de combate a violência doméstica como os grupos reflexivos, não aponta diretrizes
que os normatize. Possivelmente, por isso existe a ausência de uniformização entre as
metodologias dos grupos nos diversos espaços onde são implementados no Brasil. Apesar disso,
as pesquisas realizadas apontam que estes são concebidos no propósito comum de educar,
reeducar, reabilitar e reconstruir homens e suas concepções a respeito de masculinidade e
igualdade de gênero.

Os grupos reflexivos contribuem para o esclarecimento aos homens sobre “as mulheres,
seus direitos, suas conquistas, e seu lugar na sociedade,” promovedor das mudanças sociais
contemporâneas de enfretamento a desigualdade gênero. (PRATES, 2013, p. 193). Os grupos
reflexivos possibilitam o entendimento aos homens da importância de estabelecer novas formas
de se relacionar com as mulheres tanto no âmbito privado quanto público. Analise-se como
positiva a proposta e o alcance dos grupos reflexivos em estimular os participantes a se
apropriarem de novas formas de agir e pensar, sobretudo, acerca dos conflitos interpessoais e
familiares.

Existe ainda o consenso entre estudiosos da temática de que os grupos reflexivos atuam
enquanto medida socioeducativa de combate à violência doméstica e a necessidade de que tal
estratégia precisa ser incorporada como política pública adensada ao seio de atuação da rede de
prevenção a violência de gênero no âmbito do Estado. (Prates e Andrade, 2013). Os resultados
esperados e alcançados nos empreendimentos de grupos reflexivos para homens autores de
violência doméstica são que os (as) facilitadores consigam estabelecer entre os participantes a
solidificação de novas concepções socioculturais em torno dos papeis de homens e mulheres,
onde as relações de poder se estabelecem, para que a violência possa ser extirpada dando lugar
à convivência com base no afeto e no respeito mútuo.

Dessa forma, o sentido dos grupos reflexivos se dá na perspectiva de perceber a


violência doméstica como uma problemática social que merece especial atenção, e que seu
enfrentamento não se esgota em medidas punitivas aos autores, ressaltando a necessidade de
construção de ações que visem o empoderamento às mulheres como também de ações de
estímulo a conscientização dos homens, na construção gradativa da compreensão que
desmistifica os papeis desiguais entre os sexos e proporcionando possibilidades de percepções
igualitárias.

Referências Bibliográficas
Agência Patrícia Galvão (2018). Violência contra mulheres em dados. Recuperado a partir de:

209
<https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia-em-dados/>
Araújo, C. M. (2009). Grupo Reflexivo de Gênero: trabalhando com o autor de violência
doméstica. Recuperado a partir de:
<http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinppIV/eixos/6_poder-violencia/grupo-
reflexivo-de-genero-trabalhando-com-o-autor-de-violencia-domestica.pdf>
Beiras, A.; Bronz, A. (2016) Metodologia de Grupos Reflexivos de Gênero. Rio de Janeiro:
Instituto Noos.
Beiras, A.; Nascimento, M. Incocci, C. (2019) Programas de atenção a homens autores de
violência contra as mulheres: um panorama das intervenções no Brasil. Saúde e
Sociedade. São Paulo, 8(1), 262-274. Recuperado a partir de:
http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v28n1/1984-0470-sausoc-28-01-262.pdf
Brasil. (2006). Lei Maria da Penha. Recuperado a partir de:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2009) Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD). Recuperado a partir de:
<http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=3497
7&catid=8&Itemid=6>.
Lima, D. C.; Buchele, F.; Clímaco, D. A. (2011). Revisão crítica sobre o atendimento a homens
autores de violência doméstica e familiar contra as mulheres. Physis: Revista de Saúde
Coletiva, 21(2), 721-743. Recuperado a partir de:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-
12902008000200008&script=sci_arttext&tlng=pt>
Moraes, A. F.; Ribeiro, L. (2012, agosto). As políticas de combate à violência contra a mulher
no Brasil e a “responsabilização” dos “homens autores de violência”. Sexualidad, Salud
y Sociedad - Revista Latinoamericana, (11), 37-58, recuperado a partir de:
<https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/SexualidadSaludySociedad/article/view/3078/2385>
Prates, P. L.; Andrade, L. F. (2013) Grupos reflexivos como medida judicial para homens
autores de violência contra a mulher: o contexto sócio-histórico. Recuperado a partir de:
<http://www.fg2013.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/20/1386779075_A
RQUIVO_PaulaLicursiPrates.pdf>.
Prates, P. L. (2013). A pena que vale a pena: alcances e limites de grupos reflexivos para
homens autores de violência contra a mulher. (Tese de Doutorado, Faculdade de Saúde
Pública, Universidade de São Paulo), São Paulo. Recuperado a partir de:
<https://teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6136/tde-10102013-
102151/publico/TesePaula.pdf>
Senado. Dados Nacionais sobre a violência contra as mulheres. Recuperado a partir de:
<http://www.compromissoeatitude.org.br/dados-nacionais-sobre-violencia-contra-as-
mulheres/>
Severino, A. J. (2013). Metodologia do trabalho científico. 1 ed. São Paulo: Cortez.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: UMA REVISÃO NARRATIVA

210
DA LITERATURA

Socorro Taynara Araújo Carvalho


Amanda Oliveira Falcão
Antônio Francisco Soares Araújo
Laura Cristina Oliveira Magalhães
Bruna Letícia Pinho Rodrigues
João Victor Moreira Lima

Introdução
Em 2002, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou um relatório com o título
“Relatório Mundial sobre Violência e Saúde”, em que o termo violência foi definido como a
utilização “da força física ou do poder, real ou ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa,
ou contra um grupo ou uma comunidade que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar
em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação” (OMS, 2002
como citado em Zuma, 2005, p.2).
Com base nesse relatório, a violência é dividida em três categorias: violência auto
infligida, violência interpessoal e violência coletiva. Cada umas dessas, contêm subcategorias.
A violência doméstica contra a mulher, que é o nosso objeto de estudo, encontra-se na categoria
violência interpessoal, sendo do subtipo violência por parceiro íntimo (VPI). (Zuma, 2005).
Nesse sentido, o termo VPI refere-se a qualquer tipo de comportamento violento dentro
de uma relação íntima e afetiva, tanto no âmbito doméstico como fora dele (Moreira &
Ceccarelli1, 2016). De acordo com a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS, 2018) a
prática de violência por parceiro íntimo é uma violação aos direitos humanos e um problema
generalizado de saúde pública.
De acordo com o Data Senado (2015), 70% dos feminicídios são cometidos por seus
ex-companheiros ou atuais. Além disso, a mesma pesquisa expõe que 61% das mulheres vítimas
de agressão sofrem o crime na própria casa. No Brasil, em média, 17% das mulheres de 15 a
49 anos serão vítimas de algum tipo de violência em algum momento de suas vidas. (OPAS,
2018). A violência contra a mulher envolve diversos fatores complexos. Alguns estudiosos
concordam que esse tipo de violência sempre existiu por vários motivos, principalmente por
questões de gênero (Gomes, Diniz, Araújo & Coelho, 2007).
A lei federal n. 11.340 (2006), a lei Maria da Penha, é responsável pela coibição e
punição de atos de violência doméstica contra a mulher no Brasil. De acordo com essa lei
existem os seguintes possíveis tipos de violência contra a mulher: física, psicológica, sexual,
patrimonial e moral.
A violência física é o tipo de abuso que deixa marcas corporais na vítima, sendo
geralmente considerada uma das mais graves, por deixar danos visíveis. Deste modo, é estimado
como agressão física: bater, espancar, empurrar, atirar objetos, sacudir, morder, puxar os
cabelos, mutilar, torturar, usar arma branca, como faca ou ferramentas de trabalho, ou de fogo
(Lei n.11.340, 2006). Por outro lado, a violência psicológica é invisível e gera danos que são
imperceptíveis ao ambiente externo, causando grande sofrimento na vítima. São consideradas

211
agressão psicológica atitudes como: falar mal, humilhar, ameaçar, intimidar, amedrontar;
criticar continuamente, desvalorizar os atos, desconsiderar a opinião ou decisão da mulher,
debochar publicamente, diminuir a autoestima (Fonseca, Ribeira & Leal, 2012).
A violência sexual é a forma de agressão que está relacionada com abuso sexual.
Podemos definir como violência sexual: forçar relações sexuais quando a mulher não quer ou
quando estiver dormindo ou sem condições de consentir, coagir a parceira a olhar imagens
pornográficas contra sua vontade, obrigar a mulher a fazer sexo com outras pessoas, impedir a
companheira de prevenir a gravidez, forçá-la a engravidar ou ainda forçar o aborto quando ela
não quiser (Fonseca et al., 2012). Uma forma menos conhecida de violência é a patrimonial que
apesar de bastante frequente é pouco comentada. Neste contexto, ela se resume em controlar,
reter ou tirar dinheiro de sua parceira, causar danos de propósito a objetos que pertencem a ela,
destruir ou reter objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais e outros bens e direitos
(Fonseca et al., 2012).
A violência moral está relacionada com qualquer manifestação de difamação ou calúnia.
São considerados comportamentos de violência moral: comentários ofensivos na frente de
estranhos ou conhecidos, humilhar a mulher publicamente, expor a vida íntima do casal para
outras pessoas inclusive nas redes sociais, acusar publicamente a mulher de cometer crimes,
inventar histórias ou falar mal da mulher para os outros com o intuito de diminuí-la perante
amigos e parentes (Fonseca et al., 2012).
A violência doméstica contra a mulher é crime, além de ser uma séria violação dos
direitos humanos. Essa forma de violência gera sequelas graves em várias esferas da vida de
quem passa por isso. De acordo com a OPAS (2018), as principais consequências da violência
para a mulher estão no âmbito da saúde, sendo: “feminicídio, doenças associadas à infecção
pelo HIV, suicídio e mortalidade materna, bem como lesões, infecções sexualmente
transmissíveis (IST), gravidez indesejada, problemas na saúde sexual e reprodutiva e
transtornos mentais.” (OPAS, 2018)
Nesse sentido, a violência contra a mulher é um grave problema de Saúde e Segurança
Pública no Brasil. Portanto, há uma necessidade de intervenção do Estado, já que saúde e
segurança são direitos fundamentais de todo cidadão. Diante disso, a lei Maria da Penha remete
não apenas à coibição da violência doméstica, mas também à criação de formas de prevenção,
como é citado em seu Art. 8º várias medidas integradas de prevenção.
Políticas Públicas são ações da união, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios
e que buscam consolidar direitos fundamentais dos cidadãos. Assim, no contexto de violência
doméstica contra a mulher, as políticas públicas (?) são imprescindíveis tanto para acolhimento
das vítimas, como para prevenção (Porto & Costa, 2012). Nessa perspectiva, segundo o Plano
Nacional de Políticas para Mulheres (2008), a Rede de Atendimento à Mulher em situação de
Violência é composta por vários intervenções, sendo alguns deles: Delegacias Especializadas
de Atendimento à Mulher (DEAMs), Centro de Referência da Mulher (CRM), Casas-Abrigo,
Juizados de Violência Doméstica e Familiar e Central de Atendimento à Mulher.
Apresentamos aqui uma problemática que sempre existiu na história da humanidade, é
fato que várias conquistas já foram alcançadas frente a luta contra a violência da mulher e a
igualdade de gênero. No Brasil, temos a Lei Maria da Penha que é essencial para o combate
desse tipo de violência e para implementação das políticas existentes. Apesar disso, observamos
números alarmantes de violência doméstica, feminicídios e vidas dilaceradas por essa atitude
que tem se perpetuado ao longo da história.
Diante desse cenário, temos como objetivo investigar questões relacionadas a violência

212
contra a mulher no ambiente doméstico, buscando compreender os fatores que influenciam o
comportamento de violência doméstica contra a mulher.

Método
Trata-se de um estudo de cunho qualitativo, em que utilizamos como método de coleta
de dados uma revisão narrativa da literatura. Esse tipo de técnica busca compreender o “estado
da arte” de um determinado assunto sob uma perspectiva teórica, permitindo uma visão mais
ampla do objeto de pesquisa (Vosgerau & Romanowsk, 2014). O estudo através da revisão
narrativa é fundamental para uma educação continuada de temas específicos, pois permite que
o pesquisador se atualize e adquira novos conhecimentos em um curto período de tempo
(Rother, 2007).
Seguimos as seguintes etapas para a construção do presente trabalho: primeiro a coleta
de dados de forma exploratória para apresentar a problemática, depois selecionamos artigos em
base de dados eletrônica, utilizando critérios de inclusão para escolher os artigos que
abordassem a temática estudada, após isso fizemos resumos dos artigos escolhidos para uma
análise minuciosa das informações.
Nesse sentido, utilizamos aqui informações de órgãos, organizações da área da saúde,
além de legislações e informações da área jurídica de forma exploratória. Foi necessário fazer
essa coleta de dados em ambos os campos, já que nosso objeto de estudo oscila nessas áreas.
Essas referências foram levantadas para embasar e contextualizar a problemática de nosso
estudo.
A coleta de dados incluiu artigos da base de dados eletrônica Scientific Electronic
Library Online (SciELO). Utilizamos os seguintes descritores de busca "Violência Doméstica
contra a mulher" e "Parceiro por Violência Íntima". Os descritores foram combinados por meio
do operador booleano “OR”, que significa que os resultados selecionam artigos com ambos os
descritores juntos ou separados.
Os critérios de inclusão utilizados para seleção de artigos foram: a) artigos escritos por
autores brasileiros, b) artigos publicados entre os anos de 2013 a 2019, c) artigos que tratem
sobre o tema de violência contra a mulher pelo parceiro íntimo ou violência doméstica contra a
mulher.

Resultados
Foram encontrados na base eletrônica de dados SciELO 261 artigos referentes à busca
dos temas “Violência Doméstica Contra a Mulher” e “Parceiro por Violência Íntima”. Essa
revisão foi feita durante o segundo semestre do ano de 2019. Após a utilização dos critérios de
inclusão um total de 239 artigos foram excluídos por diversos motivos.
Nessa perspectiva, 89 artigos não foram selecionados por não serem estudos brasileiros,
74 foram excluídos por não se encaixarem no critério de inclusão referente aos anos de
publicação que estava entre o período de 2013 e 2019, escolhemos esse período, por buscar
uma literatura recente sobre o assunto. Além desses, 55 artigos não foram considerados por não
retratarem o tema ou não serem relevante para o estudo, sendo 38 eliminados pelo título do
artigo e 17 pelo conteúdo após a leitura do resumo. Depois de uma última análise foram
encontrados 4 artigos que estavam replicados e também foram incluídos.
Além disso foram selecionados 5 artigos a partir das referências da literatura

213
selecionada de análise, alguns destes de anos diferentes do critério de inclusão, estes foram
levados em consideração apesar do ano, pois apresentaram assuntos pertinentes que não foram
encontrados na literatura mais atual.
Portanto, após uma análise dos 21 artigos referente a essa revisão, notamos que existem
diversos fatores que estão associados a permanência da violência doméstica contra a mulher,
como características individuais do agressor que aumentam a probabilidade desse
comportamento ocorrer. Além disso, a maior parte da literatura apresenta que em um contexto
macro a principal causa desse tipo de violência está relacionada a questões de gênero.

Discussão
Na contemporaneidade a mulher tem o direito de votar, de participar da vida política,
de exercer uma profissão. As lutas feministas ampliaram o lugar da mulher na sociedade.
Apesar disso, em alguns lugares ainda existe uma predestinação da mulher à vida doméstica e
privada, além disso os números de violência contra a mulher, como já foram demonstrados,
ainda são alarmantes.
Por esse viés, as questões de gênero estão relacionadas com “as expressões do masculino
e do feminino, atribuídas historicamente, por meio de imposições sociais e culturais. Essas
imposições de caráter biológico, em nossa cultura, estão estritamente ligadas aos papéis que
cada um/a tem que assumir socialmente” (Vigano & Laffin, 2019, p.3).
É fundamental a discussão da construção do gênero na nossa sociedade, sobre o que é
ser homem e ser mulher. Já que funções e estereótipos relacionados a isso são construídos
socialmente ao longo da história e tidos como verdades absoluta, naturalizado em nosso
cotidiano, como se fosse algo inato da espécie humana. (Acosta, Gomes, Fonseca & Gomes,
2015)

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico,


econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o
conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o
castrado que qualificam o feminino. (Beauvoir,1967, p.9)

Nesse âmbito de papéis sociais, a mulher encontra-se como submissa, como a “do lar”,
o homem como o chefe de família, como o dominador. (Acosta et al., 2015). Logo, a busca da
mulher na quebra dessas construções dentro do ambiente doméstico pode ser algo perigoso
frente a indivíduos que tem enraizado as ideias do patriarcado. Pois atos de empoderamento da
mulher como: querer sair do lar, se negar a fazer atividades domésticas ou querer trabalhar fora
de casa, vestir o que quer, enfim qualquer atitude de autonomia que possa ferir a ideia
estabelecida de ser mulher pode ferir a “soberania” do homem. (Vigano & Laffin, 2019, p.3).
Logo, essas atitudes podem gerar uma reação violenta de todos os tipos ou até mesmo a
morte. Pois por vezes para o homem o machismo encontra-se tão enraizado que se torna
insuportável ver sua cônjuge em uma condição que não seja a já estabelecida, sendo isso para
ele uma falta moral ou de respeito com sua própria condição que ele considera natural.
(Magalhães, Araújo & Schemes, 2013). Nessa perspectiva, “percebe-se que a cultura, veiculada
pela família, legitimou as relações de poder, de gênero e de sexualidade, tornando o âmbito
doméstico um terreno fértil para a prática da violência” (Acosta et al., 2015, p.2).
Além das questões de gênero, que são apontados como uma das causas centrais da

214
violência doméstica contra a mulher, existem elementos individuais referentes ao agressor que
podem ser consideradas precipitadores da violência (Leite, Luis, Amorim, Maciel & Gigante,
2019). Alguns exemplos são: uso de substâncias químicas, parceiro em situação de desemprego
e indivíduos que testemunharam ou passaram por violência durante a infância (Silva, Coelho &
Pires, 2014).
Em um estudo realizado em 27 cidades brasileiras em uma amostra de 2.372 domicílios,
52,7% das mulheres relataram ter sofrido violência com o parceiro alcoolizado, enquanto 9,7%
também tinham feito uso de drogas (Noto, Fonseca, Silva & Galdoróz, 2004). Assim, “em um
mundo envolto por brigas, humilhações, agressões, sofrimento, submissão e opressão, parece
que o uso abusivo de álcool e outras drogas pelo companheiro potencializou a violência vivida
pelas mulheres” (Vieira et al., 2014, p. 371).
Apesar da violência contra a mulher estar presente em todas as classes sociais, quando
tratamos do problema violência doméstica no Brasil, é importante levar em consideração as
características de um país subdesenvolvido, em que prevalece a desigualdade social,
analfabetismo e o desemprego. Esses fatores podem ser determinantes em gerar violências no
âmbito doméstico tanto contra a mulher como a outros membros da família (Borges, 2006).
Segundo um estudo psicanalítico, a maioria dos agressores passaram por algum tipo de
violência física, psicológica ou sexual durante a infância, sendo esse um precursor para um
possível ato de violência durante a vida adulta, sofrendo com maiores danos a mulher e os filhos
(Nardi & Benetti, 2012).

Conforme o discurso das mulheres, o homem pensa ser o detentor do saber, do poder e
da razão, se acha dono da mulher, e que esta lhe deve subserviência e obediência, sem
poder expressar seus desejos, vontades e pontos de vista, sem poder jamais discordar do
que o seu companheiro pensa. (Paixão et al. 2014, p.5)

De acordo com Paixão et al. (2014), que fez uma pesquisa com mulheres que passaram
por violência doméstica, mesmo que esses fatores individuais intensifiquem a probabilidade de
uma possível agressão por parte do parceiro conjugal, na maioria dos casos esses elementos
precipitadores estão perpassados pela construção cultural da hierarquia de gênero que cria uma
relação de poder do homem frente a mulher, gerando assim a violência.

Considerações Finais
Portanto, o presente estudo teve como objetivo busca compreender a violência
doméstica contra a mulher a partir de uma revisão narrativa da literatura. Assim, notamos que
não existe uma causa específica para que agressões ocorram, o que acontece é a junção de
fatores que podem ser determinantes frente a esse fenômeno, e que esses fatores na maioria dos
casos estão relacionados as definições de gênero que colocam o homem em uma posição
privilegiada de superioridade frente a mulher.
Nesse sentido, é fundamental pontuar o papel das políticas públicas frente a prevenção
desse problema que ainda é tão corriqueiro em nossa sociedade. Trazer um enfoque de educação
sobre gênero deve ser uma das prioridades das políticas voltadas especificamente para a mulher.
Além disso, é importante que essa temática esteja circulando nos âmbitos da saúde, educação,
assistência, já que é uma questão que envolve um público diversificado. O fato é que esse tipo
de educação deveria começar na família, porém apesar das mudanças, a família no modelo

215
patriarcal ainda é predominante no cenário brasileiro.
Logo, devemos continuar lutando por igualdade de gênero e por uma sociedade mais
justa, mais democrática, mais igualitária, em que as mulheres não precisem ter medo ao sair na
rua à noite, em que as mulheres não precisem ter medo de não conseguirem um emprego, em
que as mulheres não precisem ter medo de morrer nas mãos de seu marido, na frente de seus
filhos. Não podemos deixar as mulheres continuarem morrendo.

Referências
Acosta, F. D., Gomes, V. L. O., Fonseca, A. D., & Gomes, G. C. (2015). Violência contra a
mulher por parceiro íntimo: (in)visibilidade do problema. Texto e Contexto Enfermagem.
24(1), 122-127. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/tce/v24n1/pt_0104-0707-tce-
24-01-00121.pdf doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072015001770013
Beauvoir, S. L. E. (1970). O segundo sexo: fatos e mitos ( Difusão Europeia, Trad.). (1a ed.).
São Paulo: Nova Fronteira.
Borges, A. (2006). Impactos do desemprego e da precarização sobre famílias metropolitanas.
Revista Brasileira de Estudos de População. 23(2), 205-222. Recuperado de
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010230982006000200002&script=sci_arttext doi:
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-30982006000200002
Fonseca, D. H., Ribeiro, C. G., & Leal, N. S. B. (2012). Violência doméstica contra a mulher:
realidades e representações sociais. Psicologia & Sociedade. 24(2), 307-314. Recuperado
de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822012000200008
doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822012000200008
Gomes, N. P., Diniz, N. M. F., Araujo, A. J. S., & Coelho, T. M. F. (2007). Compreendendo a
violência doméstica a partir das categorias de gênero e geração. Acta Paulista de
Enfermagem. 20(4), 504-508. Recuperado de
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010321002007000400020&script=sci_abstract&t
lng=e!n doi:http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002007000400020
Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11340.htm
Leite, F. M. C., Luis, M. A., Amorim, M. H. C., Maciel, E. L. N., & Gigante, D. P. (2019).
Violência contra a mulher e sua associação com o perfil do parceiro íntimo: estudo com
usuárias da atenção primária. Revista Brasileira de Epidemiologia. 22(1), 1-14.
Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
790X2019000100455&lang=pt#B8 doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720190056
Magalhães, M. L., Araújo, C. D., & Schemes, C. (2013). Queixosas e valentes: as mulheres e a
visibilidade da violência cotidiana. Revista Estudos Feminista. 21(3), 839-859.
Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
026X2013000300005&lang=pt doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-
026X2013000300005
Moreira, A. M., & Ceccarelli, P. R. (2016). Há múltiplas faces na violência por parceiro íntimo.
Revista Médica de Minas Gerais. 26 (Supl 8), 351-354. Recuperado de
file:///C:/Users/55889/Downloads/v26s8a66.pdf doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-

216
026X2013000300005
Nardi, S. C. S., & Benetti, S.P.C. (2012). Violência conjugal: estudo das características das
relações objetais em homens agressores. Boletim de Psicologia. 62(136), 53-66.
Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006
59432012000100006
Noto A. R., Fonseca, A. M., Silva, E. A. S., & Galduróz, J.C.F. (2004) Violência domiciliar
associada ao consumo de álcool e outras drogas: um levantamento no estado de São Paulo.
J Bras Dep Quim.5(1), 9-17.
Organização Pan-Americana da Saúde. (2018) Quase 60% das mulheres em países das
Américas sofrem violência por parte de seus parceiros. Recuperado de
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5812:quas
e-60-das-mulheres-em-paises-das-americas-sofrem-violencia-por-parte-de-seus-
parceiros&Itemid=820
Paixão, G. P. N., Gomes, N. P., Diniz, N. M. F., Couto, T. M., Vianna, L. A. C., & Santos, S.
M. P. (2014). Situações que precipitam conflitos na relação conjugal: o discurso de
mulheres. Texto e Contexto Enfermagem. 23(4), 1041-1048. Recuperado de
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010407072014000401041&ln
g=en&nrm=iso&tlng=pt doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014003290013
Porto, R. C., & Costa, M. (2012, abril). A transversalidade das Políticas Públicas de gênero: um
caminho para efetivação dos direitos sociais da mulher. Anais Simpósio Internacional de
Direito: dimensões materiais e eficácias dos direitos fundamentais. Santa Catarina, SC,
Brasil, 1.
Rother, E. T. (2007). Revisão sistemática X revisão narrativa. Acta Paulista Enfermagem. 20
(2), 1-2. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/ape/v20n2/a01v20n2.pdf doi:
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002007000200001
Senado Federal. (2015). Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Recuperado de
https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pesquisa-violencia-
domestica-e-familiar-contra-a-mulher
Secretária Especial de Políticas para as Mulheres. (2008). II Plano Nacional de Políticas para
as Mulheres. Recuperado de
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/planonacional_politicamulheres.pdf
Silva, A. C. L. G., Coelho, E. B.S., & Pires, R. O. M. (2014). O que se sabe sobre o homem
autor de violência contra a parceira íntima: uma revisão sistemática. Revista
Panamericana de Saúde Pública. 35(4), 278-283. Recuperado de:
https://www.scielosp.org/article/rpsp/2014.v35n4/278-283/
Vieira, L. B., Cortes, L. F., Padoin, S. M. M., Souza, I. M. O., Paula, C. C., & Terra, M. G.
(2014). Abuso de álcool e drogas e violência contra as mulheres: denúncias de vividos.
Revista Brasileira de Enfermagem. 67(3), 366-372. Recuperado de
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S003471672014000300366&script=sci_arttext&tl
ng=pt#B06 doi: http://dx.doi.org/10.5935/0034-7167.20140048
Vigano, S. M. M., & Laffin, M. H. L. F. (2019). Mulheres, políticas públicas e combate à
violência de gênero. História. 38 (1), 1-18. Recuperado de
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010190742019000100311&la

217
ng=pt doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-4369e2019054
Vosgerau, D. S. R., & Romanowsk, P. J. (2014). Estudos de revisão: implicações conceituais e
metodológicas. Rev. Diálogo Educ. 14(41), 165-189. Recuperado de
file:///C:/Users/55889/Downloads/2317-3811-1-SM.pdf doi:
10.7213/dialogo.educ.14.041.DS08
Zuma, C. E. (2005, setembro). Em busca de uma rede comunitária para a prevenção de violência
na família. Anais do III Congresso Brasileiro de Terapia Comunitária, Fortaleza, CE,
Brasil, 3.
O CONTEXTO POLÍTICO ATUAL NO SOFRIMENTO PSICOSSOCIAL DA

218
COMUNIDADE LGBTQ+ SOB A PERCEPÇÃO DO PSICÓLOGO

Tallys Natan Feitosa Lira


Larissa Milhomem Lima
Rafaela Pontes Aragão
Maria Vitória Marreira
Carolina dos Santos Sousa

1 Introdução

No mundo contemporâneo vê-se um avanço da extrema direita no cenário político de


países do Ocidente, como o Brasil. Lowi (2016) diz que quando um país vive uma crise, seja
ela política ou econômica, tem uma nação desacreditada no sistema político e por consequência
se familiariza a um discurso revolucionário, embora se apresente muitas vezes agressivo, que
dissemina ódio e busca culpados.

A realidade do Brasil corrobora com a ideia de Lowi, pois os últimos anos da política
brasileira têm sido marcados por crises na economia e na política que consequentemente
refletem sobre a sociedade, proporcionando o aumento da miséria, desemprego e da violência
(Silva, 2016). Deste modo, em acordo com que afirma Castro e Cavalcante (2018), o discurso
predominante entre os partidos de extrema-direita é motivado pela situação agravante que
passam esses países e são aceitos pela população por produzirem uma expectativa de resolução
das crises.

Entretanto, como cogita Pereira (2017) o avanço dessa extrema direita é uma ameaça às
comunidades historicamente discriminadas, como a LGBTQ+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais, Travestis), tanto porque ela vem interrompendo a conquista dos direitos da
população minoritária, como também por que candidatos aliados a ela têm manifestado um
discurso de ódio contra as minorias sexuais, altamente inflamados pela população
reconhecidamente intolerante. Contudo, segundo a análise de Borrillo (2010), esses discursos
preconceituosos podem ser um agravante para a violência homofóbica, cuja perdura causa
intensas sequelas nas vítimas.

Além das manifestações oralizadas pelos representantes políticos de modo a contribuir


com o preconceito e com a discriminação da sociedade, a política interfere na superação da
homofobia ao deter direitos que contribuiriam para combatê-la. Pois segundo Filho e Rinaldi
(2018) as necessidades dessa minoria são ignoradas pelo parlamento brasileiro e até contestada
por grupos conservadores que misturam seus valores particulares com as decisões políticas que
deveriam ser pacíficas.

Conforme Resende (2016), a discriminação, o preconceito social, a exclusão e a


violência podem levar a população LGBTQ+, em boa parcela, a um sofrimento psicossocial
intenso. Diante disso, o presente estudo tem como objetivo analisar a relação do cenário político
atual, que elegeu um partido da direita, com o sofrimento psíquico da comunidade LGBTQ+, a
partir da percepção de profissionais da saúde mental.
Dessa forma, perante o contexto atual, o referido trabalho é relevante, pois discute

219
acerca dos direitos da comunidade LGBTQ+ no plano político brasileiro, bem como os
impactos de episódios discriminatórios provocados pela sociedade conservadora envolvendo
esse grupo. Ademais, é de grande relevância para a ciência o estudo de fenômenos sociais que
podem afetar a saúde mental de grupos específicos e sociedade de maneira geral.

2 Metodologia

Participantes

O presente trabalho está respaldado com entrevistas semiestruturadas realizadas com


duas psicólogas: uma supervisora de estágio profissional em clínica de uma universidade do
estado do Piauí e a outra, psicóloga clínica do Serviço Escola de Psicologia da mesma
universidade.

Instrumentos

Os instrumentos utilizados pelos pesquisadores foi um roteiro de entrevista


semiestruturado, que continha oito perguntas elaboradas pelo grupo, que versava sobre
indagações atuais sobre o respectivo tema e já pré-estabelecidas para serem perguntadas, porém,
de acordo com a fluidez da entrevista foram realizadas outras perguntas que apareceram em
questão de acordo com o tema debatido. Foi utilizado da literatura em artigos científicos e livros
para o aprofundamento do tema em questão para a produção do referencial teórico por meio das
ideias que os autores trazem sobre o tema.

Procedimentos de coleta de dados

O método utilizado foi à pesquisa qualitativa, por se focar no caráter subjetivo das
entrevistadas, através da percepção de ambas e da vivência na psicologia clínica. O presente
trabalho se trata de uma pesquisa de campo que foi realizada em uma sala adequada para a
realização.

Análise de dados

Guiamos o trabalho através da análise de dados de Bardin (2002), obtidos na entrevista,


para assim discorrer sobre o tema como fatores influenciadores, importância da família e da
sociedade nesse momento, posicionamento da psicologia, saúde mental dos indivíduos,
contexto político, entre outros.

3 Referencial Teórico

3.1.Cenário Político

O cenário político do Brasil nos últimos anos é marcado pela crise política, instabilidade
da democracia, aumento da violência e do crime (Silva, 2016). Assim marca um período de
ascensão de partidos conservadores em resposta a essas crises e insatisfação com os governos
anteriores (Castro & Cavalcante, 2018).
Lowi (2016) cogita que a população desacreditada e insatisfeita com o governo busca

220
meios de modificar o cenário que se encontra, acreditando que as ideologias de cunho
revolucionário com medidas autoritárias contra a insegurança mostram-se mais favoráveis e
resolutivas, como o aumento da repressão policial, penas de prisão e reintrodução da pena de
morte.

Por sua vez, Silva (2016) afirma que os governos autoritários fazem parte da formação
sócio histórica do Brasil, pois o país sofreu 29 anos de ditaduras. Esse período foi marcado pela
restrição de liberdades, aumento do conservadorismo e radicalização, por parte do governo, no
combate aos movimentos sociais, que haviam se intensificado nos últimos anos (Pereira, 2017).

Estes movimentos levantavam a bandeira da etnia, do gênero e da sexualidade lutando


pelos direitos civis perdidos no período ditatorial, na luta pela democratização, reconhecimento
social e estatal de sua especificidade (Silva, Chuck & Cegatti, 2017). Entretanto, Silva (2016)
afirma que mesmo após o fim da Ditadura, a mobilização de massas não conseguiu interromper
a ideologia do medo que legitima as práticas autoritárias.

Visto isto nas eleições de 2018 para presidente, quando o deputado federal Jair Messias
Bolsonaro ganha o apoio de uma grande quantidade de eleitores mesmo proferindo declarações
que exaltam regimes ditatoriais e fazem apologia ao racismo, homofobia e misoginia (Castro &
Cavalcante, 2018). De acordo com o mesmo autor, o cenário político-eleitoral de 2018 foi
marcado pelo uso das redes comunicativas como principal ambiente para debates e divulgação
de propostas dos candidatos, retratado pelo autor Santos (2016) como “shows midiáticos”.

O atual presidente do Brasil e seus apoiadores se apropriaram de discursos polêmicos


em publicações nas mídias sociais com falas de carga emocional em forma de hate speech, que
traduzindo do inglês, significa discurso de ódio (Contente, 2017). A definição do termo se dá
por “publicações que expressam profundo desrespeito, ódio e difamação contra membros de
grupos minoritários” (Ezequiel & Cioccari, 2017, p. 27).

Segundo os mesmo autores, esses fatos, ao mesmo tempo em que incorporam práticas
de intolerância na realidade virtual, são potenciais agentes sobre a realidade concreta para
estimular novas situações de violência, seja de ordem física ou simbólica. Contente (2017) diz
ainda que os atos homofóbicos nas redes não deixam de ser reflexo direto da realidade do grupo
LGBTQ+ no país.

O cenário político e social do país ainda se mostra voltado para a prática do hate speech
em forma de liberdade de expressão. Mesmo que, segundo o site da BBC News Brasil (2020),
o Supremo Tribunal Federal do Brasil tenha criminalizado no ano de 2019 a discriminação por
orientação sexual e identidade de gênero.

Atualmente, o Brasil é um dos países que mais mata LGBTQI+ no mundo, segundo
ainda BBC, que declara uma expectativa de mudança, já que com esses dados espera-se que a
LGBTfobiano Brasil seja equiparada de forma legal ao crime de racismo e consiga erradicar
essa epidemia que, neste início de 2019, levou à morte de um LGBTQ+ a cada 23 horas.

3.2 Homofobia e suas faces.

É relevante apresentar estudos que contribuem para o entendimento da homofobia e seus


impactos sobre a sociedade, especialmente sobre a vítima, pois segundo Resende (2016) a
violência, a discriminação e o preconceito contra a diversidade sexual se mantêm vivos e
exorbitantes no nosso país, operando nas variadas esferas da vida.Essa repulsa irracional pelos

221
homossexuais, tal como o ódio refletido em atitudes negativas no nível social, moral, jurídico
e antropológico recebe o nome de homofobia (Toledo & Pinafi, 2012).

A homofobia é expressa em emoções, condutas, formação de ideologias que reproduz


uma ideia de diferença, repulsa e exclusão para com esse grupo (Peruchi, Brandão & Vieira,
2014). Borrillo (2010) pontua que a homofobia é um processo histórico social e não somente
própria do indivíduo homofóbico.

Segundo Santos (2016) alguns dos estigmas que atualmente recaem sobre a
homossexualidade foram produzidos séculos atrás no seio da cultura judaico-cristã, acusados
de cometerem o pecado infame da sodomia, muitos indivíduos foram perseguidos pela Igreja
Católica e punidos com a pena de morte. Mais tarde, no fim do século XVIII, institui-se um
discurso médico e psiquiátrico de designação patológica para a homossexualidade, chamando-
a de homossexualismo, no mesmo período a prática sexual com pessoas do mesmo sexo foi
considerada como algo ilícito, portanto criminoso, descriminalizado somente em 1930 (Toledo
&Pinafi, 2012).

Ao entender as designações da homofobia é possível discutir as formas que ela se


expressa no campo institucional. Dando ênfase para o que Mello, Avelar e Brito (2014) nomeou
de “homofobia de Estado”, variável da homofobia institucional. Assim, de acordo com o que
pontuam os autores, ao mesmo tempo em que os poderes políticos alargaram os direitos de
assistência e proteção para as minorias sexuais, eles também vêm barrando as demandas do
movimento LGBTQ+. Ao tirar o seu direito de exercer sua cidadania, este grupo social torna-
se mais vulnerável (Resende, 2016).

O Poder Legislativo,segundo a análise de Pereira (2017) foi o que se mostrou mais


resistente aos avanços dos direitos civis desse grupo. Neste segmento está presente à Frente
Evangélica e parlamentares conservadores, ou seja, apoiadores de Partidos de Direita, que
conforme o mesmo autor, os autores Filho e Rinaldi (2018) e Melo, Avelar e Brito (2014), estes
apresentam discursos homofóbicos contra a liberdade/orientação sexual e estão contestando
contra os projetos de leis de interesse da comunidade LGBTQ+ devido interesses privados,
revelando assim mais um dispositivo de exclusão para a garantia dos direitos civis da
comunidade.

Deste modo, conclui-se que embora as eleições de 2018 apontem para uma
transformação e modernização dos setores sociais, a extrema-direita ainda representa uma
ameaça real à democracia (Lowi, 2016).Visto que há indiferença com as necessidades desta
comunidade por parte das instâncias governamentais e da sociedade civil, assim nota-se um
desamparo para essas vítimas (Mello, Avellar & Brito, 2014), desamparo esse que gera
impactos psíquicos para essa comunidade.

3.3 Impactos psíquicos na comunidade LGBTQ+ e intervenções da psicologia


clínica.

Essa conjuntura que se mostra homofóbica vulnerabiliza o indivíduo não-


heteronormativo de modo a marcar profundamente sua subjetividade, principalmente no que se
refere à percepção de si (Toledo & Pinafi, 2012). Consoante a isso, outra forma de compreender
a homofobia é discutir os impactos da homofobia interiorizada, como chama Borrillo (2010).
Para Pereira e Leal (2005), todas as atitudes de valor negativas para com esse indivíduo leva a
desvalorização do seu self, resultando em conflitos internos e pouca autoestima.
Assim, a homofobia presente na sociedade, bem como a homofobia interiorizada, pode

222
levar muitos homossexuais a viverem em certo isolamento afetivo, sexual e social (Toledo &
Pinafi, 2012). Bem como produzir sofrimentos mais intensos como transtornos mentais de
diversos tipos, dependência química, automutilação ou mesmo o suicídio (Duarte, 2014).

Ao reconhecer os fatores que se entrecruzam e maximizam a vulnerabilidade e o


sofrimento de grupos específicos, como a homofobia, considerados como situação produtora
de doença e sofrimento, devem ser intervindas pelos órgãos públicos, como o próprio Ministério
da Saúde (Silva & Souza, 2019). Além disso, os profissionais que atuam na área de saúde,
incluindo os psicólogos, devem estar atentos ao contexto que leva ao adoecimento dessa
população, bem como às políticas públicas que facilitam o acesso ao sistema de saúde (Cardoso
& Ferro, 2012).

Cunha et al (2009) constataram que a presença do psicólogo se faz necessária na medida


em que se encontra muito sofrimento decorrente da homofobia seja esta externa e/ou
internalizada. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (2005) estabelece como princípio de
atuação para psicólogos a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

Sanders (1994) propõe que o atendimento clínico do terapeuta voltado ao público


LGBTQ+ deve ajudar os indivíduos a refletir positivamente sobre suas experiências e relações
com outras pessoas do mesmo sexo, apoiando o paciente a reelaborar a negatividade de sua
homossexualidade para uma positividade.

Já Paulo et al (2000) recomendam um olhar singular para cada situação, para assim
traçar estratégias de equipe de maneira interdisciplinar para dar conta de toda complexidade
que cada pessoa traz consigo. Pensando nas especificidades dos homossexuais, Toledo e Pinafi
(2012) propõem que os profissionais de saúde devem estar continuamente atualizados sobre as
tendências sociais e culturais que dizem respeito à homossexualidade e a legislação sobre o
assunto, para assim intervir de forma ética e prudente. Dessa forma, o objetivo da clínica voltada
ao público LGBTQ+ não é fazer o homossexual viver feliz apesar de sua homossexualidade,
mas, de fato, graças à homossexualidade (Castañeda, 2007). Ou seja, não é fazer com que se
sintam “normais” e sim que assumam e apreciem sua diferença.

4 Resultados e Discussão

No último cenário político-eleitoral do Brasil, houve o apogeu das discussões de gênero


e sexualidade, em que envolveu principalmente as instituições religiosas, escolares e a família
(Seffner, Borrillo & Ribeiro, 2018). Além disso, profissionais de ciências humanas e da saúde
e a sociedade em geral também se envolveram na discussão através de dispositivos midiáticos,
de cunho social e científico. Seja de modo discriminatório ou de defesa ao pluralismo.

Deste modo, a seguinte pesquisa procurou compreender este fenômeno político no olhar
do profissional de psicologia, buscando compreender a influência do cenário político atual
sobre o sofrimento psíquico da comunidade LGBTQ+ e as perspectivas futuras da profissão
clínica no fazer profissional do psicólogo frente a isso tudo.
A partir da análise dos resultados emergiram cinco eixos temáticos, a saber: a percepção

223
do psicólogo; os impactos na comunidade LGBTQ+; as intervenções clínicas para o sofrimento
psicossocial da comunidade.

01. Percepção do psicólogo

● Preocupação com o contexto presente


- Aumento da violência;
- Adoecimento dos indivíduos.
- Afeta as relações pessoais, as emoções e os comportamentos.
● Encargo futuro para o psicólogo
- Conflitos sociais e familiares

As profissionais entrevistadas apontaram uma preocupação com as mudanças sociais


que o cenário político atual vem proporcionando, afirmando que ele é marcado pelo aumento
da violência devido à adoção de uma comunicação violenta.

“Eu vejo com preocupação o cenário político atual, porque há uma,


vamos dizer, exacerbação no que diz respeito à violência e há uma
comunicação violenta, a maneira de se comunicar é violenta, as
palavras são pesadas.” (Psicóloga B).

Discursos como esses produzem violência moral, preconceito, discriminação e ódio


contra grupos vulneráveis, intencionando articuladamente a sua segregação (Schäferet al.,
2015). Deste modo, pode-se afirmar que as ideologias reforçadas por representantes políticos
estão provocando mudanças nas relações pessoais ao segregar pessoas devido a um conflito de
ideologias. Essa circunstância também é observada pelas entrevistadas, o que as preocupa como
profissionais que buscam a integridade da sociedade:

“[...] isso repercute nos relacionamentos, então acho que isso é


adoecedor sim para os relacionamentos familiares, pois modifica
bastante a relação entre as pessoas” (Psicóloga B).

“Como profissional é preocupante, a gente fica preocupado com os


contextos que atualmente estão presentes, é algo bem sério que
precisamos estar atentos enquanto profissionais da psicologia porque
afeta emocionalmente, comportamentalmente todos da sociedade.
Como nós trabalhamos com o outro, isso é bem intenso e faz com que
nossa prática esteja ainda mais a frente de tudo isso” (Psicóloga A).

02. Impactos na comunidade LGBTQIA+

● Positivos
- Construção de redes de apoio de grupos de fora da comunidade;
- União e proteção.
● Negativos
- Sentimento de perigo e ameaça;
- Segregação de pessoas;

224
- Pensamentos negativos de si mesmo;
- Desconfiança na relação interpessoal;
- Provoca transtornos.

Segundo Silva e Souza (2019), os movimentos a favor dos Direitos Humanos e das
minorias sexuais têm servido como força contra hegemônica da cultura patriarcal vigente, a fim
de atender as demandas de parte da população que não conta com as mesmas oportunidades
reais de vivenciar a cidadania. Essa força que os autores cogitam tornou-se uma alternativa de
proteção para o contexto excludente e discriminatório que o grupo LGBTQ+ pertence.

Este foi, portanto, um impacto positivo, pontuado pelas entrevistadas, para este grupo
perante o contexto atual que vivenciam. Elas afirmam que indivíduos que não pertencem à
comunidade LGBTQ+ passaram a se unirna luta dos seus direitos, formaram mobilizações em
movimentos sociais e no ciberespaço para apoiá-los e protegê-los, aumentando assim ações de
solidariedade e valorização de gênero por parte da população. No entanto, a fala de uma das
psicólogas,

“[...] o próprio contexto antes de toda essa mudança já era um contexto


que prejudicava que podia identificar o início de determinados
transtornos: depressão, ansiedade” (Psicóloga A).

Corrobora com o que aponta o Relatório de Violência Homofóbica no Brasil: uma


persistência da discriminação e violência com o grupo LGBTQ+ (Brasil, 2018). Consoante a
isso, as profissionais entrevistadas afirmam que este cenário provoca transtornos na saúde
mental dos indivíduos homoafetivos, agravando-se no contexto hodierno.

Sendo assim, o profissional de saúde mental deve intervir nas consequências do cenário
vigente, de modo a adaptá-las ao crescimento dessas demandas clínicas citadas pela mesma.

03. Intervenções clínicas para o sofrimento psicossocial da comunidade

● Análise do contexto
- Realidade social do grupo.

● Intervenções diretivas e não-diretivas


- Identificar as práticas mais funcionais

A adaptação para essas demandas ocorre após uma compreensão do âmbito político-
social e da cultura dessa minoria sexual, fazendo uma “leitura da realidade” como elas
nomearam. E atuará como regulamenta o Código de Ética da profissão: “com responsabilidade
social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural”

225
(Conselho Federal de Psicologia, 2005).

Segundo a psicóloga A é preciso identificar as práticas mais funcionais para essa


demandam e as intervenções diretivas, portanto, foram indicadas como as mais eficazes devido
a urgência de ações imediatas.

As entrevistadas mencionam ainda a importância do envolvimento da família para esse


tratamento, pois ela é uma rede de apoio e proteção para esse indivíduo marginalizado pela
sociedade.

5 Considerações Finais

O presente relatório de projeto de pesquisa busca observar sobre a influência do cenário


político atual no sofrimento psicossocial da comunidade LGBTQ+. O desenvolvimento do tema
se deu inicialmente a partir de uma reflexão sobre o cenário político atual e suas possíveis
consequências para a comunidade, a partir disso, levantaram-se hipóteses, aprofundamento de
estudos de diversos autores para então discorrer sobre o assunto.

A priori, o objetivo geral do relatório é compreender a percepção do psicólogo clínico


na relação do cenário político atual com os transtornos emocionais que podem causar na
comunidade LGBTQ+. Fora utilizada uma pesquisa qualitativa em forma de questionário com
duas psicólogas clínicas. O primeiro objetivo específico é em relação à perspectiva do psicólogo
clínico sobre o cenário político. Neste, obteve–se como resultado, de acordo as entrevistadas,
uma visão de preocupação com o contexto presente: probabilidade de aumento da violência e
adoecimento dos indivíduos, afetando também as relações pessoais, as emoções e o
comportamento. Além mais, um desafio para psicólogo, com encargo futuro devido aos
conflitos sociais e familiares.

Por conseguinte, tivemos o propósito de levantar acerca das consequências do cenário


na comunidade LGBTQ+. Partindo do eixo surgido como impactos causados pelo cenário,
obtemos resultados que possuem pontos positivos e negativos. Do lado positivo, a união e
proteção das pessoas e construção de uma rede de apoio, até mesmo por indivíduos que não
fazem parte do grupo. Nos aspectos negativos, temos sentimento de perigo e ameaça,
segregação de pessoas, pensamentos negativos de si mesmo, desconfiança na relação
interpessoal, no qual também provoca transtornos.

A partir desses transtornos, houve levantamento a respeito da demanda de casos clínicos


relacionados ao cenário político atual. Os resultados são o aumento na demanda dos casos, que
incluem indivíduos com alto nível de ansiedade em relação ao futuro. Obteve – se a partir disso
o eixo de intervenções clínicas para o transtorno psicossocial de LGBTQ+, no qual se alcançou
como resultado a necessidade de uma análise do contexto do indivíduo e a realidade social do
grupo, para assim poder dirigir a uma intervenção diretiva ou não diretiva, preferindo práticas
mais funcionais.

Em conclusão, a relevância do trabalho se dá pela importância em analisar o contexto


social político atual no país e sua influência para a comunidade LGBTQ+. A partir dos
resultados obtidos, pode-se ter a afirmação que todo esse cenário gera muita repercussão na
população, trazendo influências negativas em relação às minorias, principalmente os indivíduos
homossexuais, que estão à mercê da grande represália por parte da fala de alguns parlamentares

226
e seus eleitores.

Em síntese, esse estudo se faz relevante justamente por informar a respeito dos impactos
emocionais na comunidade causados a partir do discurso de ódio entre os cidadãos e até mesmo
no contexto familiar. Assim, é de grande significado para a luta dessa parte minorias que as
pessoas sejam informadas sobre a realidade vivida por eles no cotidiano atual.

Referências

Borrillo, D. (2010) Homofobia: história e crítica de um preconceito. Belo Horizonte, MG:


Autêntica.
Mapa mostra como a sexualidade é vista pelo mundo. (2019, Junho, 28). Recuperada em 19
Março, 2020. From: BBC News Brasil: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-
48801567.
Relatório sobre violência homofóbica no Brasil.(2012) Recuperada em 20 Novembro, 2018.
From: Ministério dos Direitos Humanos:
http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano-2012

Cardoso, M.R. & Ferro, L.F.(2012) Saúde e População LGBT: Demandas e Especificidades em
Questão. Psicologia: Ciência e Profissão. 32 (3), 552-563.

Castañeda, M.(2007) A experiência homossexual: explicações e conselhos para os


homossexuais, suas famílias e seus terapeutas. São Paulo, SP: A Girafa.

Castro, M. E. P. & Cavalcante, C. L. C. (2019) Os cenários que moldaram a ascensão de Hitler


na Alemanha e a eleição de Bolsonaro no Brasil: uma análise de contexto e estratégias de
comunicação. Intercom, 1, 7-15.

Cioccari, D. & Ezequiel, V. C. (2017) Discurso de ódio na tribuna da Câmara dos


Deputados.Revista de Estudos Universitários, 43,(1) 212-213.

Conselho Federal de Psicologia (CFP). (2005) Código de ética profissional dos psicólogos.
Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia.

Contente, R.(2017) O ódio saiu do armário: considerações teóricas acerca do discurso de ódio
contra LGBTTIS nas redes sociais. Belo Horizonte, MG: Editora Ltda.

Cunha, S.V.B. et al.(2009) Práticas psi na desconstrução da homofobia e dos gêneros. Revista
Ciência em Extensão, 5, (2) 102-103.

Duarte, M.J.O.(2014) Diversidade Sexual, Políticas Públicas e direitos Humanos: Saúde e


Cidadania LGBT em Cena. Brasília, 27, 77-98.

Filho, C.A.R. & Rinaldi, A.A.(2018) O Supremo Tribunal Federal e a “união homoafetiva”:
onde os direitos e as moralidades se cruzam.Civitas, 1, (1) 26-42.

Lôwi, M.(2016) Conservadorismo e extrema-direita na Europa e no Brasil. Revista de serviços


sociais, 124, 652-664.
Mello, L., Avelar, R.L. & Brito, W.(2014) Políticas públicas de segurança para a população

227
LGBT no Brasil. Estudos Feministas, 22, (1) 297-320.

Paulon, S.M.(2011) Práticas clínicas dos profissionais ‘psi’ dos centros de Atenção psicossocial
do vale do rio dos sinos.Psicologia& Sociedade, 23, 109-119.

Pereira, H., Leal, I.P.(2005) Medindo a homofobia internalizada: a validação de um


instrumento. Análise Psicológica, 3, 323-328.

Pereira, I.B.L.(2017) As identidades de gênero e sexualidade na visão dos Parlamentares da


câmara federal: uma análise do discurso a partir dos projetos “escola sem partido”.
Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Goiás, Goiania, GO, Brasil.

Perucchi, J., Brandão, B.C. & Vieira, H.I.S.(2014) Aspectos psicossociais da homofobia
intrafamiliar e saúde de jovens lésbicas e gays. Estudos de Psicologia, 9, (1) 1 -88.

Resende, L.S.(2016) Homofobia e violência contra população LGBT no brasil: uma revisão
narrativa. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Brasília, Brasília, DF,
Brasil.

Sanders, G. L.(1994) O amor que ousa declarar seu nome: do segredo a revelação nas
afiliações de gays e lésbicas. Porto Alegre, RS: Artes Medicas.

Santos, G.G.C.(2016) Diversidade sexual, partidos políticos e eleições no Brasil


contemporâneo.Revista Brasileira de Ciência Política, 21, 147-183.

Schäfer, G., Leivas, P. G. C. & Santos, R. H.(2015) Discurso de ódio: Da abordagem concentual
ao discurso parlamentar. RIL Brasília, 52, 143-158.

Seffner, R., Borrilo, D. & Ribeiro, R.B.(2018) Gênero e sexualidade: entre a explosão do
pluralismo e os embates da normalização. Civitas, 18, (1), 5-9.

Silva, A.L. & SOUZA, T. C. S.(2019) O Recrudescimento da LGBTfobia no Brasil e Violação


de Direitos: algumas notas sobre as implicações na saúde dos indivíduos. In Congresso
Brasileiro De Assistentes Sociais 2019, 16 (1), 31-33.

Silva, G.F.L., Schuck, E.O. & Cegatti, A.C.(2017). Reconhecimento e sexualidade: as


contribuições de Axel Honneth e Nancy Fraser para a análise da trajetória política do
movimento LGBT brasileiro. (1° Ed.) Belo Horizonte, MG: Editora Ltda.

Silva, I.G.(2016) Democracia, autoritarismo e imperialismo: a centralidade da agenda


conservadora na política brasileira.Revista Políticas Públicas, 237-244.

Toledo, L.G. & Pinafiti, T.(2012) A clínica psicológica e o público LGBT. Psicologia Clínica,
24 (1), 137-163.
ACEITAÇÃO DA VIOLÊNCIA NO NAMORO E VITIMIZAÇÃO SECUNDÁRIA:

228
REVISÃO SISTEMÁTICA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM MULHERES

Suiane Magalhães Tavares


Maianna Costa Fernandes
Tamyres Tomaz Paiva

Introdução

O objetivo desse trabalho é, através da revisão sistemática, analisar o conteúdo dos


artigos sobre as representações sociais que diferentes pessoas têm em relação a questão da
aceitação da violência no namoro por jovens mulheres e o aumento da vitimização secundária.
Ou seja, apreender como diferentes grupos de pessoas compreendem a aceitação da violência
no namoro por mulheres, com idades entre 18 e 29 anos, e se esse fator aumenta a vitimização
secundária.

Conforme definição do Conselho Nacional de Juventude (2007), a juventude é dividida


em três faixas: adolescentes jovens (15 a 17 anos), jovens-jovens (18 e 24 anos) e os jovens
adultos (25 a 29 anos). Neste estudo optamos por nos delimitar entre a faixa jovens-jovens e
jovens-adultos, devido a capacidade que pessoas nessa faixa etária detém dentro de um
relacionamento, como maior autonomia na escolha dos parceiros e para a manutenção ou não
dos pares.

A violência no namoro se configura como uma das diversas facetas da violência


praticada pelo parceiro íntimo. A Organização Mundial de Saúde define como violência do
parceiro íntimo qualquer comportamento dentro de uma relação íntima que venha acarretar
dano físico, sexual ou psicológico, incluindo assim os atos de agressão física, coerção sexual,
abuso psicológico e os comportamentos controladores (OMS, 2012).

A violência praticada pelo parceiro íntimo é um problema sério que afeta grande parte
da população em todo o mundo, sendo as mulheres as maiores vítimas. Estudos realizados pela
OMS (2017) junto a London School of Hygiene and Tropical Medicine and the South African
Medical Research Council, em 80 países, indicaram que quase um terço de todas as mulheres
que estiveram em um relacionamento tiveram experiências de violência física ou sexual por
parte dos seus parceiros.

Os danos causados pela violência são sentidos tanto imediatamente quanto a longo prazo
e causam profundos danos no bem-estar físico, emocional e social do indivíduo. Uma série de
fatores podem contribuir para o aumento da ocorrência da violência, tais como a desigualdade
de gênero, as normas sociais em torno da masculinidade, desigualdade econômica, problemas
comportamentais e a vivência a outros tipos de violência (OMS, 2012).

Por muito tempo, os estudos sobre a violência entre parceiros limitavam-se apenas aos
contextos de violência conjugal e doméstica. Somente na década de 80 que os estudos se
ampliaram para o contexto do namoro, devido ao impacto psicossocial nas vítimas. Entretanto,
no Brasil, esses estudos são recentes e uma das principais dificuldades são a falta de produções
acadêmicas e a própria conceituação do que vem a ser a violência no namoro. (Nascimento,

229
Cordeiro, 2011).

Conforme Oliveira (2009), a fase do namoro se caracteriza como um tipo de relação


interpessoal que se objetiva a proporcionar uma experimentação sentimental e/ou sexual entre
duas pessoas através de vivências e trocas de conhecimentos, mas com um grau de
compromisso inferior à de um casamento. Entretanto, apesar das relações de namoro serem
mais fluidas, com menor cobrança social e menor compromisso (Nascimento, Cordeiro, 2011),
segundo Mars e Valdez (2007) a violência no namoro apresenta grandes semelhanças a
violência doméstica. Uma vez que tende a ser progressiva durante o relacionamento e apresenta
os mesmos ciclos: desculpas e promessas de não reincidência e aumento do perigo mediante a
tentativa de término da relação por parte do abusado. Outros autores consideram ainda que é na
fase do namoro que se inicia a violência doméstica (Gelles & Straus, 1988).

Para Almeida (2008), ainda que as agressões sejam mútuas, a vítima encara os episódios
dentro de um espectro de normalidade de demonstração de ciúmes e subestimar os episódios de
violência. Entretanto, a explicação para tal fato, segundo alguns autores é de que aceitação da
violência no namoro está relacionada à exposição à violência parental. Uma vez que o contexto
familiar violento promove o desenvolvimento de crenças e atitudes que legitimam a violência
dentro do conflito interparietal e com isso passam a estar mais sujeitos a se envolver em
relacionamentos amorosos violentos (Doroteia, 2013). Somado a isso, dentro de um
relacionamento, os jovens passam a rever suas atitudes diante das relações de intimidade, uma
vez que se criam expectativas em relação aos papéis de gênero desempenhados e as formas de
controle dentro da relação. Diante disso, passam a reafirmar crenças errôneas e que influenciam
seus comportamentos, como as crenças de que há relação entre amor e violência ou se que as
mulheres devem ser submissas (Pimentel, Moura, Cavalcanti, 2017).

No processo da violência por parte do parceiro íntimo, seja no namoro ou casamento,


existem dois modos de ser vítima de tais ações. Na vitimização primária, que é a violência
dirigida diretamente contra uma pessoa ou indivíduo em particular, a vítima de violência no
namoro pode estar sujeita a profundos danos no bem-estar físico, emocional e social. Entretanto,
as evidências mostram que além da vitimização primária, as quais as vítimas inocentes são
expostas, é comum que as vítimas da violência no namoro ainda tenham que lidar com a
vitimização secundária, que são considerados os danos de dimensão psicológica que sofre a
vítima como fator das consequências negativas provocadas pelo acontecimento que as vitimou.

Conforme Guitiérrez de Piñeres, Coronel y Pérez (2009) caracterizam, a vitimização


secundária seriam as repercussões psicológicas, jurídicas, econômicas e sociais negativas que
aparecem no sistema jurídico, onde, o indivíduo que seria a vítima busca ajuda nas leis e nos
profissionais, mas acaba se sentindo incompreendido e têm seu sofrimento e sentimento de
insegurança ampliados. Porém, não só o sistema jurídico seria o protagonista da vitimização
secundárias, mas também as pessoas quem ela convive, os membros da família e até elas
mesmas (Brickman et al., 1982). E as principais formas de vitimização secundária seriam a
minimização do sofrimento da vítima, a evitação, a desvalorização da mesma e a sua
culpabilização pela violência sofrida (Correia, Vala, 2003).

A violência praticada no namoro é um fenômeno social e, como tal, sua análise é de


interesse dos pesquisadores que se apoiam na Teoria das Representações Sociais (TRS). O uso
da TRS nas pesquisas possibilita ao pesquisador assimilar a interpretação dos indivíduos acerca
das atitudes e comportamentos cotidianos de um grupo social. Ela surgiu quando Serge
Moscovici buscou compreender como a sociedade francesa, na década de 50, compreendia a
psicanálise. A partir desse estudo, passou-se a compreender como o um objeto científico

230
também se torna objeto do senso comum (Silva, Camargo e Padilha, 2011). Para Jodelet (2001),
as representações sociais seriam formas de conhecimento prático orientadas para a
comunicação e compreensão subjetiva do contexto social ao qual esses grupos fazem parte.

Sendo assim, considerando que as representações sociais orientam as práticas sociais e


tendo em vista que a aceitação da violência é um fenômeno que acarreta grande impacto na
população, este estudo tem por objetivo analisar os estudos desenvolvidos acerca da aceitação
da violência do namoro em mulheres jovens adultas (na faixa etária de 18 a 29 anos) no Brasil
mediante a Teoria das Representações Sociais, e sua relação com o aumento da vitimização
secundária.

Método

Estratégia de busca

A fim de estruturar o conhecimento atual sobre o papel das representações sociais da


aceitação da violência no namoro em mulheres adolescentes e jovens adultas associadas a
vitimização secundária, foram realizadas pesquisas sistemáticas, em janeiro de 2020, em bases
de dados como o Scopus (títulos, resumos e palavras-chave), PsycINFO (qualquer campo) e
Scielo (todos os índices). O conjunto de artigos foi criado por meio de um processo que
compreende os seguintes passos: a recuperação de artigos dos três bancos de dados feita por
meio de uma pesquisa estruturada utilizando as palavras-chave pré-definidas: "partner
violence” OR "domestic violence” OR "dating violence” OR "sexual violence” AND blam*
OR victimization OR judg* OR accept* AND “social representation”. As pesquisas foram
realizadas sem restrição de tempo e incluíram artigos de periódicos e revisões, publicados em
inglês, espanhol e português.

Critérios de inclusão e exclusão

Foram incluídos quaisquer estudos que abordassem a representação social em relação


ao fenômeno da violência cometida em mulheres jovens adultas com idade de 18 até 29 anos
ou qualquer resultado sobre culpabilização de mulheres que sofreram qualquer tipo de violência
(por exemplo, física, psicológica, sexual) ou estudos que apresentaram a representação social
da aceitação dessa violência. Foram excluídos os estudos que não apresentassem dados sobre
essa relação.

Foram incluídas pesquisas com mulheres jovens maiores de 18 anos e que sofreram
qualquer tipo de violência contra a mulher. Foram excluídos os estudos realizados em outros
contextos de violência e com mulheres menores de 18 anos. Os estudos foram incluídos se o
idioma de publicação fosse inglês, português ou espanhol. Os artigos que não apresentaram no
título, no resumo ou no texto, o assunto abordado nesta revisão, também foram excluídos.

Na fase inicial da triagem, os revisores analisaram o título e o resumo e aplicaram o


critério de exclusão e inclusão. Caso os estudos atendessem aos critérios, as cópias dos textos
completas eram salvas para uma nova triagem. Na revisão dos artigos dos textos completos
foram levados em consideração: o autor/ano, local onde foi realizado o estudo, a amostra, os
objetivos do estudo, os resultados e as conclusões.
O número total de estudos encontrados, estudos excluídos e estudos para a triagem do

231
texto completo após a revisão dos títulos, dos resumos e de estudos incluídos e excluídos na
fase final são apresentados na Figura 2.

Figura 2: Fluxograma dos estágios da pesquisa.

Análise dos dados

Todas as pesquisas e triagens foram feitas duas vezes por dois pesquisadores (SM e N)
de forma independente, todas as discrepâncias foram discutidas e resolvidas. Para apoiar o
processo dos dados na pesquisa, optou-se por realizar uma classificação hierárquica
descendente para verificar a estrutura dos resumos dos artigos selecionados na triagem final,
bem como análises adicionais, tais como rede de palavras-chave, rede de citações e cocitações.

Resultados

Foram selecionados 7 estudos para esta revisão sistemática de acordo com os critérios
de elegibilidade. Os estudos foram realizados no Rio Grande do Sul (n=3), em João Pessoa, Rio
de Janeiro, França e Lima. Quatro estudos focaram na representação social da violência
doméstica em profissionais de saúde, um estudo focou na violência por parceiro íntimo e
ideologias legitimadoras e dois estudos se concentraram na questão da representação social da
violência sexual e a aceitação da violência sexual. Dois estudos abordaram a questão da
aceitação e tentativa de legitimação da violência. As sínteses dos nossos achados estão na tabela
1, considerando o autor, o ano, a amostra utilizada, objetivos e resultados Tabela 1.

Tabela 1: Síntese dos estudos encontrados na revisão sistemática


Estudo Local Amostra Objetivos Resultados

232
Fonseca et João Pessoa 12 mulheres com Verificar as Foi constatado que a maior
al. (2012) idade iguais ou representações prevalência é a violência
maiores a 18 anos sociais de mulheres psicológica, causando danos
que sofrem ou emocionais a longo prazo,
sofreram algum tipo trazendo sérios prejuízos nas
de violência por esferas do desenvolvimento e
parte de seus da saúde psicológica da
parceiros, buscando mulher. o ciclo de violência é
considerar a alimentado pela tolerância e
subjetividade desse autoculpa e pela má
fenômeno, além de compreensão da mesma.
identificar os
principais danos nas
esferas social,
psicológica e
ocupacional da
estas mulheres.
Silva et al. Município 40 TE e 178 ACS. Analisar as Trata de uma representação
(2015) do Rio representações estruturada, cujo núcleo
Grande, RS sociais dos central contém elementos
Técnicos de conceituais, imagéticos e
Enfermagem e atitudinais, sendo eles abuso,
Agentes agressão, agressão física,
Comunitários de covardia e falta de respeito.
Saúde acerca da Tais termos fizeram-se
violência doméstica presentes no contexto das
contra a mulher. entrevistas. Os profissionais
reconheceram que a violência
não se limita a aspectos físicos
e expressaram julgamento
frente aos atos do agressor.
Gomes et Município Enfermeiros, Analisar as O núcleo central desta
al. (2015) de Rio médicos, técnicos representações representação, formado pelos
Grande, no de enfermagem e sobre violência termos “agressão”, “agressão-
Estado do agentes doméstica contra a física”, “covardia” e “falta de
Rio Grande comunitários de mulher, entre respeito”, tem conotação
do Sul, saúde. profissionais de negativa e foram citados pelos
Brasil. Responderam às saúde das Unidades entrevistados. Na zona de
evocações 201 de Saúde da contraste, formada pelos
profissionais e, Família. termos “abuso”, “abuso-
destes, 64 foram poder”, “dor”, “humilhação”,
entrevistados. “impunidade”, “sofrimento”,
“tristeza” e “violência”,
identificaram-se dois
subgrupos. A primeira
periferia contém os termos
“medo”, evocado com maior
frequência, seguido por
“revolta”, “baixa autoestima”
e “submissão”, e na segunda
periferia “aceitação” e “apoio

233
profissional”.
Acosta et al Rio 100 enfermeiras Analisar a estrutura Observa-se uma representação
(2018) Grande/RS e o conteúdo das negativa com elementos
representações nucleares aludindo às formas
sociais dos de violência e ao seu
enfermeiros sobre a julgamento, expresso em
violência doméstica “agressão física” e
contra a mulher. “desrespeito”. Na periferia,
“medo” revela tanto o
sentimento das profissionais
quanto das vítimas frente ao
agressor, e “submissão” é
pontuada como causa da
violência. Infere-se a
possibilidade de um subgrupo
com representação
diferenciada, frente ao termo
“agressão verbal” na zona de
contraste.
Lelaurain França No Estudo 1: 24 Analisar o impacto Os resultados mostram
et al. participante. do gênero e das ambivalência expressa pelos
(2018) ideologias participantes entre a
No Estudo 2: 123 legitimadoras na condenação da VPI e o uso de
participantes. avaliação da lógicas condicionais, a fim de
violência por minimizar ou justificar. A
parceiro íntimo expressão desse raciocínio foi
(VPI) determinada por regulamentos
sociais, como as situações em
que a violência ocorreu e a
adesão a ideologias
legitimadoras.
Cavalcanti Rio de Profissionais de Analisar as Os resultados mostram que as
et al. Janeiro, saúde representações representações sociais da
(2006) Brasil. sociais da violência violência sexual contra as
sexual contra a mulheres foram associadas a
mulher, construídas ideias de sofrimento,
e reproduzidas no distúrbios comportamentais e
pré-natal em três relações sexuais forçadas. As
maternidades explicações oferecidas por que
municipais do Rio esse tipo de violência ocorre
de Janeiro, Brasil. incluem relações de gênero,
violência urbana e atribuição
de culpa à vítima.
Janos et al. Cidade de Habitantes de Explora a relação Os resultados mostram a
(2015) Lima ambos os sexos entre a persistência de representações
representação dos sociais relacionadas aos
papéis de gênero e a papéis tradicionais de gênero,
aceitação de mitos e que terão efeito na aceitação
crenças sobre de mitos e crenças
violência sexual em
habitantes de ambos
os sexos da cidade relacionadas à violência

234
de Lima. sexual.

Classificação hierárquica descendente (CHD)

O corpus foi constituído por 7 textos, separados em 31 segmentos de texto (ST), com
aproveitamento de 25 STs (80,65%). Emergiram 1144 ocorrências (palavras, formas ou
vocábulos), sendo 463 palavras distintas e 309 com uma única ocorrência. O conteúdo analisado
foi categorizado em cinco classes: Classe 1, com 5 ST (20%); Classe 2, com 4 ST (16%); Classe
3, com 7 ST (28%); Classe 4, com 5 ST (20%) e classe 5, com 4 ST (16%). Para uma melhor
visualização das classes, foi elaborado um organograma com a lista de palavra de cada classe
gerada a partir do teste qui-quadrado. É possível verificar que emergem as evocações que
apresentam vocabulário semelhante e diferente entre si Figura 3.

Figura 3: Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente

A classe 1, metodologia, compreende 20% do corpus analisado, essa classe é composta


por artigos utilizam a abordagem teórica das representações sociais e abordagens mais
qualitativas, bem como métodos mistos sobre o fenômeno da violência contra a mulher. Dessa
maneira, pode ser observado nos exemplos:

“...o conteúdo das Representações Sociais de enfermeiros acerca da violência doméstica,


estudo qualitativo realizado com 100 enfermeiros.” (Resumo 6)

A classe 2, justificação da violência, compreende 16% do corpus analisado, algumas


palavras mais representativas dessa categoria foram: violência por parceiro íntimo, ideologia
entre outros, os artigos dessa categoria tratam da legitimação do domínio masculino sobre a

235
mulher, bem como o uso de lógicas condicionais a fim de minimizar o sofrimento da vítima de
violência ou mesmo justificar a violência por ela sofrida.

“A expressão desse raciocínio foi determinada por regulamentos sociais como as


situações em que a violência ocorreu e a adesão a ideologias legitimadoras, os nossos
resultados são relevantes para campanhas de conscientização e programas educacionais que
levam em consideração representações sociais subjacentes à legitimação da violência por
parceiro íntimo.” (Resumo: 3)

A classe 3, violência e gênero, é a mais expressiva, compreendeu 28% do corpus,


algumas das principais palavras dessa categoria foram: gênero; violência, sofrimento e sexual.
Um breve exemplo mostra o que o resumo revela sobre o elemento gênero:

“... a persistência de representações sociais relacionada aos papéis tradicionais de gênero que
terão efeitos na aceitação de mitos e crenças relacionadas à aceitação da violência sexual assim
o transgressor dos papéis de gênero atribui responsabilidade por parte da vítima e até mesmo
na justificação de certos atos de violência” (Resumo 7)

A classe 4, representação, compreendeu 20% do corpus, as principais palavras dessa


classe foram: subgrupo; termo; conceitual e elementos. Nesta categoria são evidenciados os
resultados dos estudos sobre as representações diferenciadas sobre o fenômeno da violência
contra à mulher.

“Na zona de contraste composta pelos termos abuso, poder de abuso, humilhação, dor,
sofrimento, impunidade, tristeza. Dois subgrupos foram identificados.” (Resumo 4)

A classe 5, violência física, compreendeu 16% do corpus, as palavras mais


representativas desta classe foram físicas; agressão; profissionais entre outras. Esta categoria
evidencia as evocações dos profissionais sobre a violência contra à mulher. Destaca nesta
categoria a culpabilização da vítima, representações negativas ou vitimização que podem ser
fatores determinantes para o não reconhecimento da violência ou mesmo a aceitação.

“A visão centralizada nos agravos físicos e na culpabilização da vítima pode limitar as


ações de cuidado, portanto é fundamental problematizar este objeto com os profissionais da
saúde.” (Resumo 6)

Discussão e Conclusão

Este artigo teve como objetivo analisar a utilização da Teoria das Representações
Sociais diante da aceitação da violência no namoro em mulheres jovens e o aumento com a
vitimização secundária, dentro da produção científica. Deste modo, buscou estimar como o
meio acadêmico têm utilizado a TRS para compreender o fenômeno social da aceitação
violência contra as mulheres.

Nesta revisão, foram apresentados estudos que abordaram, em sua maioria, a


representação social dos profissionais de saúde sobre a violência doméstica, bem como
violência sexual e violência por parceiro íntimo. Contudo, não está totalmente claro a relação
com o aumento da vitimização secundária e a aceitação da violência no namoro. Embora nesta
revisão sejam identificadas representações com profissionais da saúde que utilizam ideologias

236
legitimadoras da violência contra às mulheres.

A violência no namoro é fenômeno que existe em muitos países, culturas e sociedades.


No entanto, poucos estudos têm abordado a relação desse fenômeno com as representações
sociais e o aumento da vitimização secundária. Entender essa relação é crucial para
compreender melhor como as pessoas se comportam em relação a aceitação da violência. As
representações sociais podem contribuir para compreensão da realidade, por isso se fez
importante a relação da violência com a teoria das representações sociais.

Apesar da escassez de estudos dentro da temática, acreditamos que o objetivo do estudo


tenha sido alcançado, uma vez que fica evidente que, apesar de ser um fenômeno social de
ampla repercussão em todo o mundo, a temática da aceitação da violência contra mulheres e o
aumento da vitimização secundária ainda carece de pesquisas que façam uso da Teoria das
Representações Sociais. Especialmente quando compreendemos que as relações entre
representações sociais e questões de gênero refletem a forma como a realidade é construída a
partir da interação dos indivíduos juntos à sociedade. A TRS contribui proporcionando trazer a
luz quais são os principais consensos e entendimentos da sociedade acerca da aceitação da
violência contra a mulher e como isso constituía a realidade. Especialmente por considerar que
a violência e a aceitação dela é algo que causa prejuízos à vida e à saúde é importante
compreender e conhecer o comportamento das pessoas, para propor políticas públicas de
enfrentamento.

Referências
Almeida, T. (2008). A violência no namoro. Anais da VI Jornada APOIAR: saúde mental e
violência; contribuições no campo da psicologia clínica (p.136-146). São Paulo.
https://www.ip.usp.br/site/wp-
content/uploads/2016/12/Anais_VI_Jornada_APOIAR2008.pdf
Brickman, P., Rabinowitz, V. C., Karuza, J., Coates, D., Cohen, E., & Kidder, L. (1982).
Models of helping and coping. American Psychologist, 37, 368-384.
http://dx.doi.org/10.1037/0003-066X.37.4.368
Correia, I., & Vala, J. (2003). Crença no mundo justo e vitimização secundária: O papel
moderador da inocência da vítima e da persistência do sofrimento. Análise Psicológica,
3(21), 341-352. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-
82312003000300007&lng=pt&tlng=pt.
Conselho Nacional de Juventude. (2007, outubro). Manual orientador, conferências
livres.acesso em 21 de fevereiro de 2020:
https://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/conferencias/Juventude/manual_confer
enias_livres_1_conferencia_juventude.pdf
Doroteia, J. M. R. (2013). Violência no namoro: Atitudes legitimadoras e exposição ao conflito
interparental. Dissertação de Mestrado. Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas
Moniz, Monte de Caparica.
Gelles, R. J., & Straus, M. A. (1988). Intimate violence. New York: Touchstone.
Gutiérrez de Piñeres, C.; Coronel, E. y Pérez, C. (2009). Revisión teórica del concepto de
victimización secundaria. Liberabit. Revista de Psicología, 15(1), 49-58.
http://www.scielo.org.pe/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1729-

237
48272009000100006&lng=es&tlng=es.
Heise, L., Ellsberg, M., Gottemoeller, M. (1999). Ending violence against women. (Population
Reports, Series L, No. 11). Baltimore (MD), Johns Hopkins University School of Public
Health, Center for Communications Programs.
Jodelet, D. (2001). Representações Sociais: um domínio em expansão. Em D. Jodelet (Org.).
As Representações Sociais (pp. 17-41). Rio de Janeiro: EDUERJ.
Mars, T., & Valdez, A. (2007). Adolescent dating violence: understanding what is "at risk?".
Journal of Emergency Nursing, 33, 492-494. 10.1016 / j.jen.2007.06.009
Nascimento, F. S. & Cordeiro, R. l. M. (2011). Violência no namoro para jovens moradores de
Recife. Psicologia & Sociedade; 23 (3): 516-525. https://doi.org/10.1590/S0102-
71822011000300009
Oliveira, M.S.A. (2009). Violência intergeracional: da violência na família â violência no
namoro. Dissertação de Mestrado. Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz,
Monte de Caparica.
Organização Mundial da Saúde (2012). Prevenção da violência sexual e da violência pelo
parceiro íntimo contra a mulher: ação e produção de evidência.
https://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/9789241564007/pt/
Silva, Sílvio Éder Dias da, Camargo, Brigido Vizeu, & Padilha, Maria Itayra. (2011). A teoria
das representações sociais nas pesquisas da enfermagem brasileira. Revista Brasileira de
Enfermagem, 64(5), 947-951. https://www.scielo.br/pdf/reben/v64n5/a22v64n5.pdf
World Health Organization (2017). Violence against women. Recuperado em 21 de fevereiro
de 2020, de https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/violence-against-women#
TRANSFEMINICÍDIO NO ESTADO DO CEARÁ- DA MARIA DA PENHA

238
À KERON RAVACHE

Rebeca Tarcia da Costa


Adriana Abreu de Sá

1. Introdução

Do dossiê apresentado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)


e baseado nas notícias veiculadas na mídia, extrai-se que o Brasil é o líder dentre os países onde
mais se mata pessoas trans.33Dentre as vítimas do transfeminicídio, as travestis que se
prostituem são a maioria, seguidas de negras e residentes na periferia.

No presente estudo, pinçamos dentre as muitas vítimas de transfeminicídio no Ceará o


caso de uma jovem trans de apenas 13 anos que fora morta a pauladas na cidade de Camocim,
interior do Estado, em janeiro de 2021.34 A adolescente Keron Ravache foi morta violentamente
por ousar cobrar uma dívida contraída por seu algoz em decorrência de um encontro sexual.
“Para entendermos a violência relacionada ao gênero e orientação sexual é importante
compreendermos essas opressões em uma perspectiva de análise interseccional”
(Nascimento,2021, p.159).

O feminicídio deve ser analisado para muito além dos órgãos sexuais das suas vítimas.
O feminicídio é um crime praticado contra a mulher, não por seu sexo feminino, mas por razões
de gênero e isso deve abranger todas as formas de SER e IDENTIFICAR-SE como mulher. “O
feminicídio diz respeito ao desprezo e ódio que produz uma política de morte de mulheres
brancas, negras, indígenas, cisgêneras, heterossexuais, lésbicas, bissexuais, pobres, travestis e
transexuais e outras dimensões que atravessam as diversas fabricações das mulheridades e
feminilidades” (Nascimento, 2021, p. 168).

Delimitar o feminicídio num território exclusivo das mulheres cisgêneras é um erro que
não pode mais ser tolerado ante o debate instaurado pela comunidade LGBTQ+. O conceito de
“mulher” não deve limitar-se à anatomia sexual uma vez que muitas são as experiências de
mulheridades.

“Não é exclusivamente a anatomia que determina a vulnerabilidade das identidades


femininas, mas todo o contexto simbólico de feminilidade, cujo desprezo tem seu alicerce na
colonialidade de gênero, espaço onde o homem detinha o poder sobre a mulher” (Nascimento,
2021, p.162/164).

O Ceará, de forma pioneira e ousada, ampliou, em 2017, o atendimento especializado


nas Delegacias de Defesa da Mulher (DDM´s) às mulheres travestis e transexuais em situação
de violência doméstica e familiar. A portaria Nº 30/2017 – GDGPC (Gabinete do Delegado

33
https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/01/29/brasil-e-o-pais-que-mais-mata-pessoas-trans-
175-foram-assassinadas-em-2020.htm
34
https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/01/08/jovem-trans-de-13-anos-foi-morto-a-pauladas-no-ceara-por-
cobrar-divida-de-r-50-do-suspeito.ghtml
Geral da Polícia Civil) simboliza uma importante conquista para o movimento transfeminista,

239
ainda que a divulgação e a sua necessária aplicabilidade estejam longe do esperado.

2. Da lei Maria da Penha à Portaria Nº 30/2017- Uma vitória da luta transfeminista

O advento da lei Maria da Penha, instituída sob o número 11.340/2006, trouxe luz e
novas perspectivas na luta das mulheres brasileiras contra a violência, e, não obstante falar
apenas em mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, é consagrado o entendimento
que o diploma legal protege o gênero feminino, dadas suas especificidades e vulnerabilidades
no nosso contexto social.

A lei Maria da Penha surgiu ante a necessidade de apresentar a órgãos internacionais


resposta eficaz aos bárbaros crimes que vinham sendo cometidos contra mulheres no Brasil e a
frequente impunidade de seus agressores. O caso Maria da Penha Maia Fernandes, cearense
nascida em Fortaleza em 1945, deu nome à lei e serviu como paradigma desse descaso e da
impunidade reinante nos casos de violência intrafamiliar baseado na vulnerabilidade feminina.

A lei se propõe a criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e


familiar contra a mulher, tendo como base o § 8º do art. 226 da Constituição Federal, a
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, a Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, além de outros
tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Dispõe também sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e estabelece medidas de assistência e proteção
às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Ou seja, é um mecanismo
multidisciplinar e assistencial de proteção à mulher em situação de violência e veio para pôr
um ponto final na violência contra as mulheres.

O conceito de violência doméstica contra a mulher trazido na lei é como qualquer ação
ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou
psicológico e dano moral ou patrimonial, lembrando que a violência de gênero se define como
qualquer tipo de agressão física, psicológica, sexual ou simbólica contra alguém em situação
de vulnerabilidade devido a sua identidade de gênero ou orientação sexual.

O sujeito ativo da violência pode ser qualquer pessoa vinculada à vítima (pessoa de
qualquer orientação sexual, conforme o art. 5º, parágrafo único): do sexo masculino, feminino
ou que tenha qualquer outra orientação sexual. Ou seja, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo
da violência, basta estar coligada a uma mulher por vínculo afetivo, familiar ou doméstico,
todos se sujeitam à nova lei. Mulher que agride outra mulher com quem tenha relação íntima
de afeto, também se inclui na abrangência da lei. Importante mencionar que há a necessidade
de conjugação com as demais circunstâncias, ou seja, que o fato ocorra no âmbito da unidade
doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem
vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas ou no âmbito da família,
compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram
aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.

A referida lei descreve as formas de violência: física, verbal, patrimonial, sexual e moral
e o combate a todas estas formas de violência são imprescindíveis à proteção da mulher.
Anteriormente à Lei Maria da Penha não existia em nossa legislação

240
pátria leis específicas para julgar os casos de violência doméstica, tão
pouco havia previsão de medidas protetivas de afastamento do agressor.
Desta forma era bastante comum que a violência contra a mulher fosse
julgada perante os Juizados Especiais e tratadas como crime de menor
potencial ofensivo (Vieira, 2018, p. 97).

Em 10 de março de 2017, de forma pioneira no país, o Delegado Geral da Polícia Civil


do Estado do Ceará baixou a portaria nº 30/2017 – GDGPC, ampliando o atendimento
especializado nas Delegacias de Defesa da Mulher(DDM´s), às mulheres travestis e transexuais
em situação de violência doméstica e familiar, prevista na Lei 11.340/2006, a Lei Maria da
Penha.

A portaria se fundamenta no artigo 226 e § 8º da Constituição Federal, que trata da


especial atenção e proteção que o Estado deve dar à família, na pessoa de cada um dos que a
integram, de forma a criar mecanismos que coíbam esse tipo de violência, no âmbito de suas
relações.

Traz, de forma acertada, que o real espírito da Lei Maria da Penha é prevenir, punir e
erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, não só em razão do sexo, mas,
também e sobretudo, em virtude do gênero. Lembrando que as mulheres trans – aquelas que
têm identidade de gênero de mulher e identidade diferente do sexo designado em seu
nascimento – não devem ser excluídas do amparo legal.

Não podemos perder de vista que a Lei 11.340/2006 não se propõe a proteger apenas o
sexo biológico da mulher, sendo elemento diferenciador da abrangência deste diploma legal
justamente o amparo ao gênero feminino, e estes nem sempre coincidem, por isso a proteção se
estende a todas aquelas que se identificam como mulheres, independente do sexo biológico.

Podemos afirmar que as diretrizes promotoras da igualdade de gênero,


presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, emanam
fundamentalmente dos princípios da igualdade de todos os indivíduos
em dignidade e direitos, da liberdade de consciência e razão e dignidade
da pessoa humana, juntamente com o dever de fraternidade nas relações
conviviais entre todos os cidadãos. Essa tríade de princípios mais o
dever de fraternidade mútua constituem o sustentáculo principiológico
dos direitos humanos das mulheres. (Vieira, 2018, p. 27).

Em decorrência da Portaria 30/2017 o atendimento das Delegacias das Mulheres foi


ampliado e atualmente contempla efetivamente toda pessoa que se identifique com o gênero
feminino, notadamente travestis e transexuais.

Nos demais Estados do país, as mudanças no atendimento iniciaram após a mudança


ocorrida no Ceará, com alterações de suas legislações para adequar o atendimento à população
transexual. No Estado da Paraíba, por exemplo, somente em dezembro de 2017 o governo tratou
a questão, através de decreto publicado no DOE daquele Estado.
241
3. Vidas trans IMPORTAM!

Keron Ravache, Duda, Daniele Rodrigues, Ludmila Silva, Soraya Oliveira, Dandara dos
Santos e Letícia Costa são algumas das vítimas de transfeminicídio no Estado do Ceará. A lista
é extensa e aumenta a cada dia. O debate é necessário, assim como as políticas públicas que
desta discussão devem nascer.

A violência de gênero já não cabe mais no contexto limitado do feminismo tradicional.


As vidas TRANS importam e as suas vozes precisam ser ouvidas, afinal, não é a anatomia a
única condição capaz de delimitar os limites do feminismo.

Se a noção estável de gênero dá mostras de não mais servir como


premissa básica da política feminista, talvez um novo tipo de política
feminista, talvez um novo tipo de política feminista seja agora desejável
para contestar as próprias reificações do gênero e da identidade- isto é,
uma política feminista que tome a construção variável da identidade
como um pré-requisito metodológico e normativo, senão como um
objetivo político (Butler, 2018, p. 24).

Há, na questão aqui abordada, uma série de atravessamentos necessários para a


compreensão do transfeminicídio enquanto categoria já consagrada nos estudos de gênero que
invoca a interseccionalidade e nos obriga a encarar como urgente o diálogo sobre tais questões.

Esse diálogo estreita os laços do transfeminismo com outras correntes


feministas, de modo que é preciso entender que mulheres trans e
travestis podem ser negras, lésbicas, bissexuais, pobres, pessoas com
deficiência(PCD), gordas, periféricas, de comunidades rurais, do
campo e quilombolas-são muitos os atravessamentos(Nascimento,
2021, p. 162).

Vidas TRANS importam! A vulnerabilidade decorrente não apenas da identidade de


gênero, mas especialmente do preconceito, discurso de ódio e do silêncio imposto pela
sociedade às mulheres trans é uma questão preocupante e é importante pensar e dialogar sobre
todas as formas de opressão e violência dirigidas a estas pessoas. “Não existe hierarquia de
opressão. Eu não posso me dar ao luxo de lutar contra uma forma de opressão apenas. Não
posso me permitir acreditar que ser livre de intolerância é um direito de um grupo particular”
(Lordeapud Akotirene, 2018, p. 35).

“O transfeminicídio é um crime que transcende o ódio ao feminino quando a este ódio


reúne-se a aversão ao fato dessas corporalidades irem de encontro aos destinos sociais e
anatômicos. A ousadia de serem diferentes e de assumirem a identidade com a qual se
reconhecem faz com que as mulheres trans e travestis tornem-se alvo da intolerância, ignorância

242
e violência” (Nascimento, 2021, p. 174).

É hora de levantarmos muito mais que uma bandeira LGBTQ+. É hora de estudo,
debate, reivindicação e ação em prol do transfeminismo e do direito das mulheres em todas as
suas raças, cores, classes, identidades, mulheridades e feminilidades.

4. Considerações finais

A cada 48 horas uma pessoa trans é assassinada no Brasil e a idade média das vítimas é
de 27,7 anos. A maior concentração de casos é na região Nordeste, com 39% dos casos.35A
população trans já vive marginalizada pela sociedade, pois, na ausência de empregos, muitos
utilizam a prostituição como fonte de renda e meio de sobrevivência, devido a diversos fatores,
como difícil acesso à educação e forte exclusão social e familiar.

As questões do transfeminismo devem ser postas em pauta para diálogo, em busca não
somente do urgente reconhecimento de uma série de direitos negados, mas também do combate
à violência que muitas vezes tem início ainda em tenra idade e acompanha a mulher trans por
toda a sua vida.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a lei Maria da Penha é
considerada uma das três melhores leis do mundo que trata do assunto, mas precisava de
aperfeiçoamento, o que vem ocorrendo. Uma delas é a criminalização do descumprimento da
medida protetiva, que define a pena de detenção de três meses a dois anos para quem descumprir
decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência. Algumas mudanças legislativas
como a lei do Feminicídio contribuiu para aplicação de penas mais severas quando se trata de
crime cometido contra mulher em razão do sexo feminino (o certo seria ‘gênero’, aqui há uma
atecnia legislativa) quando o crime envolve: violência doméstica e familiar ou menosprezo ou
discriminação à condição de mulher.

A efetividade da Lei Maria da Penha e a necessidade desta lei adequar-se aos direitos
das mulheres trans e travestis é a concretização dos Direitos Humanos das mulheres e que por
“mulheres” possamos entender e aceitar todas estas identidades oprimidas e marginalizadas
pela sociedade que as repudia e maltrata.

Nossa intenção não é apresentar soluções impraticáveis ou apropriarmos de conceitos e


lutas já em andamento. Queremos aqui iniciar um debate, fomentar a discussão sobre um tema
tão urgente e atual que invoca a interseccionalidade não só de seus sujeitos, mas de direitos e
conceitos que necessitam ser revistos e atualizados em nome de uma sociedade mais justa,
igualitária e fraterna.

Referências

35
https://www.cut.org.br/noticias/a-cada-48h-uma-pessoa-trans-e-assassinada-no-brasil-aponta-estudo-7d3a
Akotirene, C. (2018). Cruzando o Atlântico em memória da Interseccionalidade. In: D.

243
Ribeiro(Coord), Interseccionalidade - Feminismos plurais(pp. 13-33).São Paulo: Ed.
Pólen.
Butler, J. (2018).Sujeitos do sexo/gênero/desejo..."Mulheres" como sujeito do feminismo.In: J.
Butler, Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade(pp.17-25). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira.
Nascimento, L. (2021).Vidas Trans* importam: Transfeminicídio também é uma pauta
feminista. In: L. Nascimento (Coord), Transfeminismo - Feminismos plurais(pp. 157 –
181).São Paulo: Jandaíra.
Vieira, W.(2018). Inserção da Lei Maria da Penha no Ordenamento Jurídico Brasileiro. In: C.
Espínola, Dos Direitos Humanos das Mulheres à efetividade da Lei Maria da Penha(pp.
88 – 115). Paraná: Appris Ltda.
GÊNERO E O CUIDADO FAMILIAR: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SISTEMÁTICA

244
Antônio Helton Cavalcante Lima Junior
Maria Suely Alves Costa
Claudio Soares Brito Neto

Introdução

As Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) constituem importante problema de


saúde pública, haja vista serem a principal causa de morte no mundo, além de ocasionarem
mortalidade prematura, incapacidades, perda da qualidade de vida, sobrecarga no sistema de
saúde e de contribuírem para o aumento dos gastos com assistência médica e previdência social
(Malta et al., 2017). Outro fenômeno que também devemos está atentos é o crescimento da
população idosa como fenômeno mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)
(2005), caracteriza-se o envelhecimento como um triunfo da humanidade no século XX,
decorrente do sucesso de políticas de saúde públicas e sociais. Envelhecer com saúde depende
não só de fatores genéticos biológicos, mas, em parte, do contexto social, cujos fatores não se
têm controle, a exemplo disto temos as doenças típicas da velhice, da pobreza, do pouco acesso
aos serviços de promoção da saúde e prevenção de doenças (Figueiredo, Luz, Brito, Souza &
Silva, 2008).

Isto posto surge um sujeito fundamental no desenvolvimento do cuidado, o cuidador. O


cuidador é a pessoa, da família ou não, que presta cuidados à pessoa idosa que apresenta
dependência (em maior ou menor grau) (Brasil, 2006a). Suas tarefas envolvem o
acompanhamento nas atividades diárias, como auxílio na alimentação, higiene pessoal,
medicação de rotina entre outros; auxiliando na recuperação e na qualidade de vida dessa pessoa
(Brasil, 2006b).

Ao assumir a responsabilidade pelos cuidados de saúde de um familiar dependente, o


sujeito passará por um processo de transição para o papel de cuidador (Castro et al., 2017).
Compreende-se que essa transição é um evento longitudinal, complexo e multifásico, que exige
informações e treinamento contínuo relacionados à compreensão e implementação de tarefas
associadas ao cuidado e ao autocuidado (Werner, Tong, Borkehangen, & Holden, 2019).

Define-se cuidador, aquele que é responsável por cuidar da pessoa doente ou


dependente, facilitando o exercício de suas atividades diárias, tais como alimentação, higiene
pessoal, oferecimento da medicação de rotina e acompanhamento aos serviços de saúde, ou
outros requeridos no seu cotidiano (Couto, Castro & Caldas, 2016).

No cuidado à pessoa idosa, o cuidador, é em sua maioria assumido pela mulher, um


membro da família, embora a abordagem temática use sempre o termo linguístico masculino: o
cuidador (Meira, Reis, Gonçalves, Rodrigues & Philipp, 2017).

Mediante a isso, o gênero é definido como elemento constitutivo das relações sociais
baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e é o primeiro campo no qual o poder se
articula (Scott, 1995). Desse modo, relaciona-se à maneira como as sociedades lidam com a
percepção dos corpos humanos e com as consequências disso; constituindo-se em arranjos que

245
são mutáveis frente às novas situações criadas pelas práticas humanas (Gomes, 2008).

Para Connell (2016, p. 34), o gênero é “ao mesmo tempo criativo e violento, no qual
corpos e culturas estão igualmente em jogo e são constantemente transformados, às vezes até
sua destruição”. É comum ainda considerar gênero a partir de uma abordagem estática e
categórica (feminino X masculino).

Historicamente, as mulheres vêm assumindo essa função de cuidar dos seus membros
familiares mais necessitados, inicialmente, por tal função ser vista como mais feminina, depois,
pelo fato de ainda não estarem inseridas no mercado de trabalho nos tempos passados (Guedes,
2009).

Cuidar decorre das expectativas sociais sobre o conceito cultural de família e continua
a ser parte das obrigações femininas. Não se observam, no mesmo compasso das
transformações que ocorrem no mundo e nas discussões de gênero, mudanças culturais
profundas do ethos masculino e nem de reformas significativas por parte dos Estados Nacionais
que aliviem o peso dessas ditas obrigações (Cangiano, Shutes, Spencer & Leeson, 2009).

Costuma acontecer que, nas famílias, uma mulher é escolhida como cuidadora pela
pessoa de quem cuida, ou é auto escolhida, ou ainda, exerce sua função por falta de outra opção.
No Brasil, o espectro de idade delas vai de 26 a 86 anos (Kuchemann, 2012).

São mulheres que abrem mão da vida pessoal, profissional social e afetiva. E mesmo
quando seu trabalho é banhado de amor e reconhecimento, ela se empobrece do ponto de vista
econômico e social e passa a ter, desde então, uma existência restrita e confinada, unicamente
dedicada ao familiar em situação de dependência. As que são apoiadas por algum tipo de renda
consideram esse aporte insuficiente. E as que vivem com pouca renda, reduzem as opções de
suporte frente à carga das necessidades. A maioria afirma que não recebe ajuda de ninguém e
nenhuma recompensa econômica por sua dedicação (Karsch, 2003; Eales, Kim & Fast, 2015).

Diante disto, torna-se essencial discutir gênero a partir de uma dimensão transversal
entre raça e classe e a complexidade das desigualdades sociais, em que gênero por si só não
determina a condição de vulnerabilidade da mulher (Giffin, 2002).

Justifica-se esse trabalho pela relevante temática a ele atribuído, além de servir como
fonte de pesquisa e desenvolvimento de projetos futuros relacionados a temática trabalhada.
Além do estudo partir da hipótese central de que há disparidade no fator identitário do gênero
feminino, principalmente no que se refere ao labor do cuidado.

Tema esse pouco debatido dentro das políticas públicas de saúde, uma vez que se volta
as atenções para o público idoso ou que estejam passando por alguma patologia. As políticas
públicas que envolvem os cuidadores pouco se é debatido na literatura e nas organizações,
movimento esse ainda por vezes invisibilizados.

Desta forma objetiva-se com esse estudo relatar o perfil de gênero e cuidado na
bibliografia brasileira.

Método
Este trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica entre a relação de gênero e cuidado.

246
“Uma revisão sistemática é uma pesquisa bibliográfica desenvolvida a partir de uma pergunta
formulada de forma clara, que utiliza métodos sistemáticos e explícitos para identificar,
selecionar e avaliar criticamente pesquisas relevantes, e coletar e analisar dados desses estudos
que são incluídos na revisão” (Galvão, Pansani & Harrad, p. 335, 2015).

Tomaremos como referência a recomendação Principais Itens Para Relatar Revisões


sistemáticas e Meta-análises (PRISMA) consiste em um conjunto de diretrizes para a realização
de uma revisão sistemática e meta-análise, cujo objetivo é auxiliar os autores a melhorarem o
relato das revisões e meta-análises. O PRISMA é um checklist com 27 itens e um fluxograma
de 4 etapas, sendo elas: identificação, seleção, elegibilidade e inclusão (Galvão, Pansani &
Harrad, 2015).

As buscas foram realizadas no mês de agosto de 2021 nas bases de dados presentes no
portal da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Foi realizada no intervalo de 5 anos, em língua
portuguesa, utilizando-se os descritores “gênero” AND “cuidador” AND “Brasil” encontrados
no Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Incluindo-se apenas artigos que tratassem das
relações gênero e cuidado. Foram excluídos, capítulos de livros, teses ou dissertações além
daqueles que faz-se necessário o pagamento para acesso integral do artigo.

De início foram encontrados 38 artigos correspondentes à busca realizada com os


descritores “gênero” AND “cuidado” AND “Brasil” nas bases de dados selecionadas. Foram
baixados 38 artigos que abordavam o tema sobre a associação do cuidador informal e o gênero
cujo descritores aparecem nos resumos ou palavras chaves.

Com a leitura dos resumos e a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, restaram
18 artigos. Após uma leitura minuciosa dos artigos, foram descartados mais dois artigos que
estavam repetidos e três fora do tema a amostra final deste estudo é composta por 13 artigos
que foram tabulados de acordo com suas características bibliométricas (título, periódico de
publicação, autores, ano e país de origem).

Resultados e Discussão
Tabela 1 -Informações dos estudos coletados
Título Periódico de publicação Autores e ano País de
origem
Constituição do cuidador Revista Uruguaia Santos Júnior et al. (2020) Brasil
familiar a partir de de Enfermagem
fotografias: experiências
para o cuidado de si

Mulheres guerreiras e Physis: Revista de Dias, Berger & Lovisi Brasil


mães especiais? Reflexões Saúde Coletiva
sobre gênero, cuidado e (2020)
maternidades no contexto
de pós-epidemia de Zika
no Brasil
Prevalência e fatores Revista Ciência e Lino, Rodrigues, Lima, Brasil

247
associados ao abuso de Saúde Coletiva
cuidadores contra idosos Athie & Souza (2019)
dependentes: a face oculta
da violência familiar
Sobrecarga de cuidadores Revista Ciência e Eloia et al. (2018) Brasil
familiares de pessoas com Saúde Coletiva
transtornos mentais:
análise dos serviços de
saúde
Qualidade de Vida de Saúde Debate Souza, Castelli, Paz, Moraes & Brasil
cuidadores de praticantes Silva (2018)
de equoterapia no Distrito
Federal
O perfil dos cuidadores de Revista Ciência e Alves & Bueno (2018) Brasil
pacientes pediátricos com Saúde Coletiva
fibrose cística
Fatores associados à Ciência e Anjos et al. (2018) Brasil
qualidade de vida de enfermagem
Cuidadores familiares de
idosos
Escala de Relacionamento Psico (Porto Queluz, Barham, Santis, Brasil
da Díade: evidências de Alegre) Ximenes & Santos (2018)
validade para cuidadores
de idosos brasileiros
Perfil dos familiares de
usuários de Centros de Revista Online de Demarco, Jardim & Kantorski Brasil
Atenção Psicossocial: Pesquisa Cuidado é (2017)
distribuição por tipo de Fundamental
serviço
Variáveis associadas à Revista Brasileira Caldeira, Neri, Batistoni Brasil
satisfação com a vida em Geriatria e
cuidadores idosos de & Cachioni (2017)
Gerontologia
parentes também idosos
cronicamente doentes e
dependentes
A família não é de ferro: Revista Online de Oliveira, Eloia, Lima Brasil
ela cuida de pessoas com pesquisa Cuidado é
transtorno mental & Linhares (2017)
Fundamental
Teoria do apego, Texto contexto Gabatz, Schwartz Milbrath, Brasil
interacionismo simbólico e enfermagem Zillmer & Neves (2017)
teoria Fundamentada nos
dados: articulando
referenciais para a

248
Pesquisa

Vivências de mulheres Escola Anna Nery Meira et al. (2017) Brasil


cuidadoras de pessoas
idosas dependentes:
orientação de gênero para
o cuidado
Fonte: elaborado pelos autores (2021)

A tabela 1 apresenta as características de conteúdo dos artigos. Observa-se que todos os


13 artigos trouxeram informações acerca da caracterização social desse cuidador, em sua
maioria e significativa presença, esteve o público feminino, de baixa escolaridade e com uma
dependência financeira grande.

Diante do exposto, pode-se discutir que o papel de cuidador sempre esteve atrelado à
mulher, cabendo à mãe, em primeira instância, a tarefa de ocupar-se com as pessoas da família,
estejam elas com ou sem agravos (Santos Júnior et al., 2020). No entanto observou-se que os
entrevistados são afetados por vulnerabilidades individuais, sociais e programáticas,
envolvendo aspectos que sugerem a precarização das condições de vida e saúde (Ceccon et al.,
2021).

Com os levantamentos realizados através da literatura a mulher enquanto cuidadora


surge em todos os escritos como aquela a qual está destinada a essa atribuição desde sempre.
Esse papel exercido majoritariamente por mulheres simboliza a desigualdade de gênero
presente na sociedade historicamente, constituídas por relações de poder assimétricas entre os
sexos, cuja atividade de cuidar no âmbito privado tem sido função predominantemente
feminina.

Ao analisar os participantes dos estudos temos uma participação feminina acima de 70%
ao se trabalhar cuidadores, quando analisamos o perfil dessas cuidadoras temos um perfil de
alguém que tem uma baixa escolaridade, semianalfabeto ou de ensino fundamental incompleto,
em sua maioria com uma renda inferior a um salário mínimo.

Ao dialogarmos acerca do nível escolar desses cuidadores, mostra-se de fundamental


relevância trabalhar essa questão, uma vez que são eles (as) que receberão as orientações sobre
a prestação de cuidado ao paciente, por meio da equipe de saúde e isso impacta diretamente no
processo de cuidar.

No que se refere ao contexto socioeconômico muitos artigos como no estudo de Eloia


et al. (2018) e Anjos et al. (2018) trazem a exemplo a dependência financeira desse cuidador,
uma vez que o provento da família por vezes vem da figura masculina, aquela a qual tem mais
oportunidades de empregos na sociedade atual do que a figura feminina e até mesmo essa renda
advém das pessoas que são dependentes de cuidados, auxilio esse que é a aposentadoria.
Esse perfil Brasileiro não se difere dos perfis apresentados em países estrangeiros como

249
Espanha, França, Alemanha e Reino Unido como Anjos et al. (2018) nos mostra. Ao enfatizar
essa prevalência encontrada, surge uma demanda em relação à saúde dessa população, uma vez
que a questão de gênero prevalece o feminino, precisamos direcionar olhares a essa população
no tangente a evitar danos e agravos a saúde dos mesmos, conforme a incidência de cuidadoras
aumenta, há a possibilidade de aumento também de sobrecarga de trabalho, comprometimento
da saúde e qualidade de vida dessas mulheres.

No estudo de Oliveira et al. (2017) estes dados se relacionam à responsabilidade da


mulher diante das construções históricas e sociais determinadas pela divisão sexual do trabalho
e perpetuadas pelo modo de produção e de acumulação da sociedade.

Considerações Finais

O presente estudo contribuiu para conhecermos sobre o quão importante é discutir a


respeito do gênero em cuidado, onde notadamente a mulher assumi um papel desde os
primórdios enquanto cuidadora, uma rede de apoio defasada ainda faz com que essa atribuição
seja inerente a figura feminina, originando-se de preceitos e preconceitos envolta do tema.

O objetivo desta pesquisa foi alcançado, obteve-se a resposta da pergunta norteadora,


onde observou que o perfil do cuidador cada vez mais tem se caracterizado como sendo mulher,
com baixa escolaridade e de renda inferior. A maior dificuldade encontrada em questão se tratou
de uma figura masculina enquanto autor, trazer o relato e voz feminina a essa discussão.

O estudo teve como limitações a falta de material de ampla divulgação que envolvesse
a temática pré-estabelecida, uma vez que a literatura muito se fala de cuidador, de qualidade de
vida, suporte de vida diária, mas pouco se trabalha essa questão do gênero em si, o porquê da
mulher está sempre nesse lugar.

Esse constructo buscou evidenciar esse tema e trazer cada vez mais para a discussão,
afinal lugar de mulher não é definido pela sociedade e sim por ela. Além de servir como
embasamento para futuras pesquisas no âmbito acadêmico e teórico e para construção de
políticas públicas de saúde com qualidade para os cuidadores familiares.

Referências
Anjos, K. F., Boery, R. N. S. O., Santos, V. S., Boery, E. N., Silva, J. K., & Rosa, D. O. S.
(2018). Fatores associados à qualidade de vida de cuidadores familiares de idosos.
Ciencia y enfermería, 24.
Alves, S. P., & Bueno, D. (2018). O perfil dos cuidadores de pacientes pediátricos com fibrose
cística. Ciência & Saúde Coletiva, 23 (5), 1451-1457. Doi: https://doi.org/10.1590/1413-
81232018235.18222016.
Brasil. (2006a). Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção
Básica. Política Nacional de Atenção Básica/Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção
à Saúde, Departamento de Atenção à Saúde. Brasília: Ministério da Saúde.
Brasil. (2006b). Ministério da Saúde (MS). Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília:

250
MS.
Caldeira, R. B., Neri, A. L., Batistoni, S. S. T., & Cachioni, M. (2017). Variables associated
with the life satisfaction of elderly caregivers of chronically ill and dependent elderly
relatives. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 20 (04), 502-515. Doi:
https://doi.org/10.1590/1981-22562017020.160177.
Cangiano, A., Shutes, I., Spencer, S., Leeson, G. (2009). Migrant care workers in ageing
societies: Report on Research in the United Kingdom. Oxford (COMPAS): University of
Oxford.
Castro, E. A. B., Leone, D. R. R., Santos, C. M. de., Gonçalves Neta, F. de C. C., Gonçalves,
J. R. L., Contim, D., & Silva, K. L. (2018). Organização da atenção domiciliar com o
Programa Melhor em Casa. Revista Gaúcha de Enfermagem, 39. Doi:
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2016-0002.
Ceccon, R. F., Vieira, L. J. E. S., Brasil, C. C. P., Soares, K. G., Portes, V. M., García Júnior,
C. A. S., Schneider, I. J. C., & Carioca, A. A. F. (2020). Envelhecimento e dependência
no Brasil: características sociodemográficas e assistenciais de idosos e cuidadores.
Ciência & Saúde Coletiva, 26 (1), 17-26. Doi: https://doi.org/10.1590/1413-
81232020261.30352020.
Connell, R. (2016). Gênero em termos reais. São Paulo: nVersons.
Couto, A. M., Castro, E. A. B., & Caldas, C. P. (2016). Vivências de ser cuidador familiar de
idosos dependentes no ambiente domiciliar. Rev. Rene, 17(1),76-85.
Demarco, D. de A., Jardim, V. M. da R., & Kantorski, L. P. (2017). Perfil dos familiares de
usuários de Centros de Atenção Psicossocial: distribuição por tipo de serviço. Revista De
Pesquisa Cuidado é Fundamental Online, 9(3), 732–737. Doi:
https://doi.org/10.9789/2175-5361.2017.v9i3.732-737.
Dias, F. M., Berger, S. M. D., & Lovisi, G. M. (2020). Mulheres guerreiras e mães especiais?
Reflexões sobre gênero, cuidado e maternidades no contexto de pós-epidemia de zika no
Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 30 (4), 1-25.
Eales, J., Kim, C., & Fast, J. (2015). A snapshot of Canadians caring for persons with dementia:
the toll it takes. Edmonton: University of Alberta Research on Aging, Policies and
Practice.
Eloia, S. C., Oliveira, E. N., Lopes, M. V. O., Parente, J. R. F., Eloia, S. M. C., & Lima, D. S.
(2018). Sobrecarga de cuidadores familiares de pessoas com transtornos mentais: análise
dos serviços de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 23 (9), 3001-3011. Doi:
https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.18252016.
Figueiredo, M. L. F., Luz, M. H. B. A., Brito, C. M. S., & Sousa, D. R. S (2008). Diagnósticos
de enfermagem do idoso acamado no domicílio. Revista Brasileira de Enfermagem,
61(4), 464-469. DOI: https://doi.org/10.1590/S0034-71672008000400011.
Gabatz, R. I. B., Schawartz, E., Milbrath, V. M., Zillmer, J. V. C., Neves, E. T. (2017). Teoria
do Apego, Interacionismo simbólico e teoria fundamentada nos dados: articulando
referenciais para a pesquisa. Texto & Contexto – Enfermagem, 26 (4). Doi:
https://doi.org/10.1590/0104-07072017001940017.
Giffin, K. (2002). Pobreza, desigualdade e equidade em saúde: considerações a partir de uma

251
perspectiva de gênero transversal. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18,103-112.
Gomes, R. (2008). Sexualidade masculina, gênero e saúde Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
Guedes, M. C. (2009). Na medida do (im)possível: família e trabalho entre as mulheres de nível
universitário (Tese de Doutorado). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil.
Karsch, U. M. (2003). Idosos dependentes: famílias e cuidadores. Cad. Saude Publica., 19(3),
861-866.
Kuchemann, B. A. (2012). Envelhecimento populacional, cuidado e cidadania: velhos dilemas
e novos desafios. Soc Estado., 27(1),165-180.
Lino, V. T. S., Rodrigues, N. C. P., Lima, I. S., Athie, S., & Souza, E. R. (2019). Prevalência
e fatores associados ao abuso de cuidadores contra idosos dependentes: a face oculta da
violência familiar. Ciência & Saúde Coletiva., 24 (1), 87-96. Doi:
https://doi.org/10.1590/1413-81232018241.34872016.
Malta, D. C., Bernal, R. T. I., Lima, M. G., Araújo, S. S. C., Silva, M. M. A., Freitas, I. F., &
Barros, M. B. A. (2017). Doenças crônicas não transmissíveis e a utilização de serviços
de saúde: análise da Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil. Rev Saude Publica 51, 1 - 57.
Meira, E. C., Reis, L. A., Gonçalves, L. H. T., Rodrigues, V. P., & Philipp, R. R. (2017).
Vivências de mulheres cuidadoras de pessoas idosas dependentes: orientação de gênero
para o cuidado. Escola Anna Nery, 21(2). Doi: https://doi.org/10.5935/1414-
8145.20170046.
Oliveira, E. N., Eloia, S. M. C., Lima, D. S., Eloia, S. C., & Linhares, A. M. F. (2017). A família
não é de ferro: ela cuida de pessoas com transtorno mental. Revista De Pesquisa Cuidado
é Fundamental Online, 9(1), 71–78. Doi: https://doi.org/10.9789/2175-
5361.2017.v9i1.71-78.
Organização Mundial da Saúde. (2005). Envelhecimento ativo: uma política de saúde.
Brasília, DF: OPAS.
Queluz, F. N. F. R., Barham, E. J., Santis, L., Ximenes, V. S., & Santos, A. A. A. (2018). Escala
de Relacionamento da Díade: evidências de validade para cuidadores de idosos
brasileiros. Psico (Porto Alegre), 49 (3), 294-303.
Santos Júnior, J. R. G., Oliveira, S. G., Tristão, F. S., Ceolion, T., Zilli, F., Sousa, J. H. D., &
Cardoso, M. B. (2020). Constituição do cuidador familiar a partir de fotografias:
experiências para o cuidado de si. Revista Uruguaya de Enfermería, 15(2), 1-17.
Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, 16(2),
5-22.
Souza, J. M. G., Castelli, G. M., Paz. L. P. S., Moraes, A. G., & Silva, M. L. (2018). Qualidade
de Vida de cuidadores de praticantes de equoterapia no Distrito Federal. Saúde em
Debate, 42 (118), 736-743. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104201811816.
Werner, N. E., Tong, M., Borkehangen, A., & Holden, R. J. (2019). Fatores de Modelagem de
desempenho que afetam o sucesso da transição de hospital para casa em idosos: uma
abordagem sistêmica. Gerontologista, 59 (2), 303-314. Doi:
https://doi.org./10.1093/geront/gnx199.
EIXO 04

252
Saúde Mental e Luta Antimanicomial: Políticas Públicas,
Desigualdade e Vulnerabilidades

A FAMÍLIA NO ACOMPANHAMENTO EM SAÚDE MENTAL

André Luiz de Oliveira Pedroso


Isadora Lima de Souza
Manoel Rodrigues de Souza Neto
Priscila Américo
Maria Aparecida de Paulo Gomes
Beatriz Marques Barbosa

Introdução
No Brasil, as primeiras políticas preocupadas com a doença mental datam apenas da
segunda metade do século XIX. Elas foram marcadas por processos de marginalização e
exclusão social. Com um entendimento escasso acerca do fenômeno da loucura e da doença
mental, a incipiente psiquiatria da época consistia em uma atividade mais política do que
terapêutica. Os manicômios caracterizavam-se como espaços de segregação e exclusão, pouco
voltados ao cuidado (Guanaes, 2000). Com este tipo de prática, a família não tinha lugar de
destaque no debate em saúde mental, e era considerada como mais uma parte da sociedade a
ser protegida da influência negativa do convívio com a loucura (Silva & Monteiro, 2011). De
forma geral, portanto, observou-se nesse modo de atenção a atribuição do cuidado do
sofrimento mental às instituições psiquiátricas, afastando os doentes de suas famílias.

Historicamente, a partir do século XIX, o hospital psiquiátrico se constituía como o


único recurso para tratamento da loucura. Nesse modelo de tratamento, o cuidado ao “doente
mental” estava diretamente relacionado à exclusão. Para tratar era necessário separar a pessoa
com transtorno mental da sua família e do convívio social. De um lado, a família era
considerada ameaçada pela loucura e, por isso, necessitava ser protegida. De outro lado, o
isolamento deveria ser realizado porque a família propiciaria

a alienação mental, por ser fraca no seu poder controlador e disciplinar. Nesse modelo, o
familiar era alijado do tratamento, o que reforçava a culpa e associava este familiar à
causalidade da doença mental (Navarini & Hirdes, 2008).

O modelo psicossocial de atenção em saúde mental atual deve ser entendido em seu
significado complexo, pois define o conjunto de ações nos campos teórico, ético, técnico,
político e social, estando apto a constituir um novo paradigma para as práticas em saúde mental,
visando a substituir o modelo biomédico e asilar do cuidado às pessoas que sofrem mentalmente

253
(Amarante, 2007).

Essas transformações certamente têm resultado em implicação maior da família no


acompanhamento de seu familiar com transtorno mental. É prevista pela Portaria 3088/2011 a
organização dos serviços em rede de atenção à saúde com base territorial. A rede de atenção e
cuidado em saúde mental, por meio de ações intersetoriais, potencializa o convívio da pessoa
com transtorno mental com sua família e comunidade. Dessa forma, faz-se necessário que todos
os serviços assistenciais tenham abordagem voltada para o grupo familiar (Constantinidis,
2015).

As transformações que estão se processando na assistência na área da saúde mental


requerem que a pessoa com transtorno mental seja reinserida na sociedade. Neste sentido, a
família assume importante papel nesta nova perspectiva, pois passa a ser percebida e inserida
no processo de socialização da pessoa com transtorno mental e deve assumir responsabilidade
e compromisso em participar ativamente do tratamento desta pessoa (Santos et al., 2016).

Muitas das pessoas que experienciam transtorno mental são apoiadas pela família. Os
familiares fornecem uma quantidade substancial de cuidados, e o envolvimento da família na
assistência à pessoa com transtorno mental é clinicamente importante, pois melhora a qualidade
dos cuidados de saúde. Conhecer os vínculos e as redes de apoio social, nomeadamente a
família, são estratégias facilitadoras e ampliadoras das ações de saúde mental, dessa forma, a
família deve ser entendida como uma parceira no enfrentamento e vivência do transtorno mental
(Laval, 2009).

Em geral, estudos afirmam que os usuários e os familiares da política de saúde mental


que conseguem manter relações sociais de qualidade têm um índice de melhora no sofrimento
psíquico e em todas as questões que envolvam este (Pereira, 2008). E, é aí que se encontra a
importância da rede de apoio, tanto da rede primária: outros familiares, amigos, vizinhos,
comunidade e etc., quanto da rede secundária: instituições e serviços públicos. Assim como o
Estado, todos devem se responsabilizar, pois a exclusão não ensina ninguém a conviver com as
diferenças. Sabendo que os usuários e familiares tendem a se isolar devido ao sofrimento
psíquico, o papel das instituições de saúde é resgatar essa família para

o convívio social. Os serviços, então, ao propiciar um espaço para o grupo de familiares, por
exemplo, fazem com que os sujeitos que acessam as políticas públicas dêem passos para a sua
sociabilidade.

Falar sobre o preconceito da sociedade sobre os portadores de sofrimento psíquico é


pensar esses sujeitos e seus familiares isolados da mesma, reforçando a doença. No momento
que exclui o usuário e/ou o familiar, a sociedade está se desresponsabilizando também com a
situação que outros cidadãos vivenciam e negando os seus direitos de convívio social,
reproduzindo, assim, a lógica burguesa de exclusão daqueles que são diferentes. É fácil dizer
que a culpa é da família, mas, na verdade, a responsabilidade é de todos. A começar pelo Estado
que, tem uma preocupação muito grande em reduzir “gastos” que, em geral, são nas áreas
sociais. Dessa maneira, excluindo ou vindo a intensificar os valores que já violam os direitos
sociais e excluem diversos cidadãos dos bens socialmente produzidos (Santos, 2010).

Porém, nossa sociedade, bem como as famílias, estão pouco preparadas e amparadas para
acolher o portador de sofrimento psíquico, havendo ainda uma lacuna entre o cuidado que se tem e
o cuidado que se almeja ter em saúde mental. Por outro lado, muitos são os esforços empreendidos
pelos serviços e pelos profissionais da saúde na busca por reverter a lógica de atenção à saúde

254
mental arraigada na nossa cultura, em que prevaleceu por muitos anos, a exclusão e o preconceito.
Ao mesmo tempo em que o mundo muda sua forma de ver e de se relacionar com a loucura, também
o papel da família na sociedade também passa por inúmeras transformações. Muda a forma de se
pensar a implicação da família no aparecimento da doença mental, uma vez que a literatura atual
sobre o tema coloca a família tanto como a grande causadora do adoecimento psíquico quanto como
potente meio de cuidado e melhora (Klafke, 2011).

Existe também o entendimento e a aceitação da doença mental por parte da família se


tornam um elemento de extrema importância na reabilitação do individuo com doença mental.
Entende-se que essa angústia é passível ate mesmo de inconformidade, uma vez que muitas das
famílias não se sentem preparadas para cuidar de seus entes portadores de alguma doença
mental e necessitam de auxilio para desempenhar o papel de cuidador, visando conseguir
atender os cuidados integrais do mesmo (Almeida; Pozzo, 2011).

Entendendo que o cuidado deva ser compartilhado com a família e vendo a importância
disso, o presente estudo tem como objetivo explanar a vivência que as famílias assumem na
dinâmica do cuidado de cliente com saúde mental e suas implicações para a produção do
cuidado.

Método

Esse trabalho foi elaborado a partir de uma revisão da literatura do tipo revisão
integrativa, nas bases de dados Bireme, Lilacs e na Biblioteca Virtual em saúde (BVS). As
palavras-chave utilizadas foram “família”, “saúde mental” e “acompanhamento”. Foram
critérios de exclusão: artigos publicados em outros idiomas que não sejam o português e artigos
que não se encaixem na temática deste estudo.

A revisão integrativa da literatura também é um dos métodos de pesquisa utilizados na


PBE que permite a incorporação das evidências na prática clínica. Esse método tem a finalidade
de reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um delimitado tema ou questão, de maneira
sistemática e ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema
investigado. Desde 1980 a revisão integrativa é relatada na literatura como método de pesquisa
(Roman, 1998).

A revisão integrativa inclui a análise de pesquisas relevantes que dão suporte para a
tomada de decisão e a melhoria da prática clínica, possibilitando a síntese do estado do
conhecimento de um determinado assunto, além de apontar lacunas do conhecimento que
precisam ser preenchidas com a realização de novos estudos. Este método de pesquisa permite
a síntese de múltiplos estudos publicados e possibilita conclusões gerais a respeito de uma
particular área de estudo. É um método valioso para a enfermagem, pois muitas vezes os
profissionais não têm tempo para realizar a leitura de todo o conhecimento científico disponível
devido ao volume alto, além da dificuldade para realizar a análise crítica dos estudos (Benefield,
2011).

Para elaborar uma revisão integrativa relevante que pode subsidiar a implementação de
intervenções eficazes no cuidado aos pacientes, é necessário que as etapas a serem seguidas
estejam claramente descritas. O processo de elaboração da revisão integrativa encontra-se bem
definido na literatura; entretanto, diferentes autores adotam formas distintas de subdivisão de
tal processo, com pequenas modificações (Whittemore, 2005)
No geral, para a construção da revisão integrativa é preciso percorrer seis etapas

255
distintas, similares aos estágios de desenvolvimento de pesquisa convencional: Primeira etapa:
identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa para a elaboração da revisão
integrativa, Segunda etapa: estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos/
amostragem ou busca na literatura, Terceira etapa: definição das informações a serem extraídas
dos estudos selecionados/ categorização dos estudos, Quarta etapa: avaliação dos estudos
incluídos na revisão integrativa, Quinta etapa: interpretação dos resultados e Sexta etapa:
apresentação da revisão/síntese do conhecimento (Mendes; Silveira; Galvão, 2008).

A partir da pesquisa, foram encontrado 48 artigos, e selecionados 07, ode foram lidos
na íntegra, e levados para a discussão.

Resultados e discussão

Quadro 1 - Classificação dos artigos selecionados de acordo com o título, autor, revista/ano e
base de dados.
Título Autor Revista/ano Base de dados
A família no cuidado em Ferreira, T. P. S, et Saúde debate, SCIELO
saúde mental: al, 2019
desafios para a produção
de vidas
Importância das famílias Fernandes, C. S. N. Escola Anna SCIELO
nos cuidados à pessoa N. et al, Nery 22(4) 2018
com transtorno
mental: atitudes de
enfermeiros
Profissionais de saúde ConstantinidiS, T. C. Psicologia USP, SCIELO
mental e familiares de 2017
pessoas
com sofrimento psíquico:
encontro ou desencontro?
A importância da Shimoguiri,A. F. D. Nova Perspectiva SCIELO
abordagem da miliar N.; Sistêmica, 2017
Na atenção psicossocial: SERRALVO, F. S.
um relato de experiência
O impacto causado pela Almeida, A. C. M. Revista SCIELO
doença mental na família C. H.; Lujácia Portuguesa de
Felipes, L; Pozzo, V. Enfermagem de
C. D. Saúde Mental,
2011
A família e o cuidado em Santin, G. Barbarói, 2011 SCIELO

256
saúde mental
Klafke, T. E.
A importância da família Santos, C. P Artigo Original, SCIELO
no acompanhamento em 2010
saúde mental

Para falar sobre o cuidado em saúde mental no âmbito familiar é imprescindível que se
faça uma apresentação da família moderna. Segundo Beltrame e Bottoli (2010), a família
moderna constitui-se através do progresso da vida privada, ou seja, a família assume um espaço
maior em detrimento da sociedade. Assim, é importante considerar que, “a relação da família
com o portador de transtorno mental é historicamente construída” (Rosa 2003, p. 28), sendo
que nem sempre foi vista como uma instituição capaz de acolher e cuidar de um familiar que
adoece mentalmente.

Com as diversas mudanças de paradigmas na saúde mental, muda também a relação da


família com o portador de transtorno mental, pois com a desinstitucionalização desses
portadores de transtorno mental, a família começa a ser considerada no cuidado. Mais do que
nunca, a família passa a ser objeto de estudo, surgindo diferentes visões sobre ela, conforme
sua relação com o portador de transtorno mental. Dentre essas visões destacam-se: a família
vista como mais um recurso, como uma estratégia de intervenção, a família como um lugar de
possível convivência do portador de transtorno mental, mas não o único e nem obrigatório
(Miranda, 1999 apud Rosa, 2003);

A abordagem familiar tem sido uma aposta das equipes de saúde da família, reafirmando
a necessidade de sua inclusão na produção do cuidado (Brasil, 2006).

No processamento desse acontecimento, discute- se sobre como, muitas vezes, na visão


dos profissionais de saúde, os usuários assumem o lugar cristalizado de sintoma da família, de
modo que o ambiente familiar pode se tornar um espaço de agudização do seu sofrimento
psíquico. Nesse contexto, torna-se um desafio para a equipe de saúde lidar com as questões de
sofrimento do usuário, quando seu ambiente familiar se encontra também adoecido (Ferreira et
al, 2019).

A família como sofredora, necessitando de assistência e suporte social (Motta, 1997


apud Rosa, 2003); a família como um sujeito de ação política e coletiva, construtor de cidadania
e avaliador dos serviços de saúde Com as diversas mudanças de paradigmas na saúde mental,
muda também a relação da família com o portador de transtorno mental, pois com a
desinstitucionalização desses portadores de transtorno mental, a família começa a ser
considerada no cuidado. Mais do que nunca, a família passa a ser objeto de estudo, surgindo
diferentes visões sobre ela, conforme sua relação com o portador de transtorno mental. Dentre
essas visões destacam-se: a família vista como mais um recurso, como uma estratégia de
intervenção; a família como um lugar de possível convivência do portador de transtorno mental,
mas não o único e nem obrigatório (Miranda, 1999 apud Rosa, 2003); a família como sofredora,
necessitando de assistência e suporte social (Motta, 1997 apud Rosa, 2003); a família como um
sujeito de ação política e coletiva, construtor de cidadania e avaliador dos serviços de saúde
(Barbarói, 2011)
Em alguns casos, a família que vivencia disputas de modos de como levar a vida entre

257
seus próprios membros é vista como ‘quem atrapalha o cuidado’, ou ‘quem não coopera para a
melhora do sujeito’. Em alguns momentos, como, por exemplo, na elaboração de um plano de
cuidado para o seu membro, a família pode não integrar o seu planejamento, ou porque a equipe
de saúde não reconhece o seu saber e suas contribuições no cuidado ou porque essa família não
se visualiza como participante desse processo (Ferreira et al.,2019).

É extremamente presente na fala dos familiares no grupo a infantilização do portador de


sofrimento psíquico. Essa infantilização, além de dificultar a autonomia do paciente, o tira do
lugar de um sujeito que tem sua história, sua individualidade, suas vontades e desejos. Rosa
(2003) aponta que a infantilização também pode trazer alguns ganhos secundários para os
portadores de transtorno mental, pois ele é deslocado de suas atividades e responsabilidades
habituais (Rosa, 2003, p. 254). Por outro lado, a mesma autora coloca que a família também
pode ter seus ganhos secundários, pois pode fazer do portador de transtorno mental o bode
expiatório para todos os problemas da família.

Em geral, estudos afirmam que os usuários e os familiares da política de saúde mental


que conseguem manter relações sociais de qualidade têm um índice de melhora no sofrimento
psíquico e em todas as questões que envolvam este (Pereira, 2008). E, é aí que se encontra a
importância da rede de apoio, tanto da rede primária: outros familiares, amigos, vizinhos,
comunidade e etc, quanto da rede secundária: instituições e serviços públicos. Assim como o
Estado, todos devem se responsabilizar, pois a exclusão não ensina ninguém a conviver com as
diferenças. Sabendo que os usuários e familiares tendem a se isolar devido ao sofrimento
psíquico, o papel das instituições de saúde é resgatar essa família para o convívio social. Os
serviços, então, ao propiciar um espaço para o grupo de familiares, por exemplo, fazem com
que os sujeitos que acessam as políticas públicas dêem passos para a sua sociabilidade.

Além de todos os direitos que são necessários serem garantidos para que se tenha saúde
de qualidade bem como alimentação, educação, lazer, e etc., deve ser considerada também a
questão do território e o momento histórico de cada cidadão e/ou família. O território e as
condições de vida de um sujeito e/ou família pode ser destruidor ou fortalecedor das
potencialidades e possibilidades (Carvalho, 2003). A comunidade é condicionante na vida dos
sujeitos ali em questão, é muito mais que um simples endereço, envolve também aspectos
ambientais, relacionais, culturais, políticos, econômicos e religiosos (Santos, 2010).

Considerações finais

Trabalhar com a perspectiva sistêmica de família implica conceber que a saúde da


família vai além da soma da saúde dos indivíduos que a compõem. A análise da saúde da família
deve incluir simultaneamente saúde e doença, indivíduo e coletivo; essa é a perspectiva que
deve nortear o processo de trabalho.

O acontecimento convoca a uma visualização da família como aquela que cuida, que
disputa planos de cuidado e que também precisa ser cuidada. Além do que, em alguns
momentos, como na elaboração do plano de cuidado, ela pode ser invisível para a equipe de
saúde, sendo apenas solicitada para se responsabilizar pelo sujeito em sofrimento psíquico.
Talvez o mais importante não seja delimitar qual é o lugar que a família deve assumir na
produção do cuidado, mas dar visibilidade para as diferentes posições que ela pode assumir no
decorrer dos processos cuidadores.
O pressuposto de que as demandas de ajuda que interpelam os serviços de saúde mental necessitam

258
ser compreendidas para além dos aspectos individuais do sujeito identificado como

“doente”, mas dentro de um contexto amplo onde toda a família está incluída, é o ponto de partida para o
desenvolvimento de formas de atenção aos usuários da saúde mental coletiva que

incorporem a família como aspecto basal da visão psicossocial.

É essencial considerar que: A família que exclui é também a família que poderá acolher.
A família “problemática” é também a família que carrega a “solução”. Assim, numa visão
baseada no paradigma da complexidade, pode-se pensar a família como um espaço de risco, e
também, como contexto de proteção, sem que haja exclusão ou separação das partes (Dios,
1999, p. 83).

Referencias

Benefield, L. E. (2003). Implementing evidence-based practice in home care. Home Healthc


Nurse, Dec; 21(12):804-11.
Costa-rosa, A. (2000). O modo psicossocial: Um paradigma das práticas substitutivas ao modo
asilar. In P. Amarante (Ed.), Ensaios: Subjetividade, saúde mental, sociedade (pp. 141-168).
Rio de Janeiro: Fiocruz.
Dios, V.C. (1999). Droga, família, escola e o grupo de pares no processo de socialização de
crianças e adolescentes em situação de rua. In: Carvalho,D.B.B.
E. M. (org.) Saúde Mental e Serviço Social: o desafio da subjetividade e da
interdisciplinaridade. SP: Cortez, 2008, 4ª ed;
Guanaes, C. (2000). Grupo de apoio com pacientes psiquiátricos ambulatoriais: exploração de
alguns limites e possibilidades (Dissertação de Mestrado). Faculdade de Filosofia, Ciência e
Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.Janeiro, v.8, n.1, p. 3740-
3757.
Lavall, E; Olschowsky, A; Kantorski, L. P. (2009). Avaliação de família: rede de apoio social
na atenção em saúde mental. Rev Gaúcha Enferm (Porto Alegre) [Internet]. Jun;30(2):198-
205. <ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/4200>.
Navarini, V., & Hirdes, A. (2008). A família do portador de transtorno mental: identificando
recursos adaptativos. Texto & Contexto – Enfermagem, 17(4), 680-688.
Roman, A. R., Friedlander MR. (1998). Revisão integrativa de pesquisa aplicada à
enfermagem. Cogitare Enferm. Jul-Dez; 3(2):109-12.
Rosa, L. (2003) Transtorno Mental e o cuidado na família. São Paulo: Cortez.
Santos, Q. G. et al. Os serviços de saúde mental na reforma psiquiátrica brasileira sob a ótica
familiar: uma revisão integrativa. Rev pesqui cuid fundam, Rio de
Silva, K. V. L. G., & Monteiro, A. R. M. (2011). A família em saúde mental: Subsídios para o
cuidado clínico em enfermagem. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 45(5), 1237-1242.
doi: 10.1590/S0080-62342011000500029
Silva, M.T. (Org.). Prevenindo a drogadição entre crianças e adolescentes em situação de

259
rua: a experiência do Prodequi. Brasília: Ministério da Saúde. Cadernos do PRODEQUI,
1.social, saúde mental e intervenção na família no Brasil. In: VASCONCELOS,
Whittemore, R., Knafl, K. (2005). The integrative review: updated methodology. J Adv Nurs.
Dec; 52(5):546-53.
SAÚDE MENTAL NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA: UMA REVISÃO

260
INTEGRATIVA SOBRE O PERFIL DOS USUÁRIOS DE CAPSi

Tharso de Souza Meyer


Larissa Aparecida Hagemeyer
Vera Lúcia Marques de Figueiredo
Jaciana Mariova Gonçalves Araújo
Camila Cunha Freitas
Luciano Dias de Mattos Souza

A prevalência de algum transtorno mental entre crianças e adolescentes varia de 10 a 30%


dependendo do método empregado (Bordin & Paula, 2007; Lopes & cols., 2016). Entre as
psicopatologias mais frequentes nessa faixa etária encontram-se os transtornos de ansiedade
(com até 32% de prevalência), os transtornos por uso de substâncias (com até 32%), depressão
(com até 30%), transtorno de conduta (com até 29% de prevalência) e transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade (com até 19%) (Thiengo et al., 2014).

Sem diagnóstico e tratamento adequados, os transtornos mentais tendem a persistir até a


idade adulta, além de possivelmente acarretar consequências importantes para as crianças e
adolescentes, comprometendo o seu desenvolvimento psicossocial, emocional e educacional
(Nascimento et al., 2014). Diferentes desfechos são associados à presença de transtornos
mentais, como prejuízos cognitivos, fracasso e abandono escolar, baixo desempenho, conduta
suicida e automutilação, dependência química, violências, comportamentos de risco e
criminalidade, além de comorbidades psiquiátricas e clínicas (Garcia, Santos, & Machado,
2015; Schneider, Mello, Limberger, & Andretta, 2017), o que reforça a importância de
investimento na área da saúde mental infanto-juvenil.

Frutos do movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB), os Centros de Atenção


Psicossociais (CAPS) foram instituídos a partir da Portaria SNAS nº 224/1992, sendo
considerados como serviços de saúde mental, vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS),
baseados na lógica territorial e comunitária, além do modelo psicossocial, que enfatiza a
interação e interdependência dos fenômenos biopsicossociais e a natureza dinâmica do
indivíduo inserido em seu contexto (Ministério da Saúde, 2014). A partir de 2002 (Portaria
nº336/GM/2002) o sistema foi aperfeiçoado, abrangendo diferentes modalidades de CAPS,
como aquelas destinadas ao álcool e outras drogas (CAPSad) e os infanto-juvenis (CAPSi).
Assim, os CAPSi são destinados às crianças e adolescentes com transtornos mentais
(moderados/graves) – incluindo os problemas decorrentes do abuso/dependência de substâncias
psicoativas (SPA) – e suas famílias (Ministério da Saúde, 2004).

Desse modo, este estudo tem como objetivo identificar o perfil sociodemográfico e clínico
de crianças e adolescentes atendidos nos CAPSis brasileiros, por meio de uma revisão
integrativa da literatura, abrangendo o período entre 2008 e 2019. Justifica-se pelo fato de que
o (re)conhecimento da realidade dos usuários atendidos nesses centros – incluindo-se as
diferentes dimensões dos seus contextos psicossociais – pode contribuir para identificar
limitações que comprometam a atenção integral aos sujeitos no âmbito do SUS, bem como as

261
potencialidades dos serviços que o integram.

Método

Este estudo caracteriza-se como uma revisão integrativa da literatura, baseado em pesquisas
que investigaram o perfil de crianças e adolescentes atendidos em CAPSis. Para isso, foram
seguidas as seis etapas recomendadas pela literatura para revisões integrativas: (1)
estabelecimento da questão de pesquisa, objetivos e palavras-chave; (2) busca na literatura e
seleção dos estudos, seguindo os critérios de inclusão e exclusão; (3) coleta de dados – extração,
organização e categorização das informações; (4) análise crítica dos estudos incluídos; (5)
interpretação e discussão dos resultados; (6) síntese e apresentação da revisão (Souza, Silva, &
Carvalho, 2010).

As estratégias de busca envolveram dispositivos como o Scientific Electronic Library Online


(SciELO), Literatura Latino-americana em Ciências da Saúde (LILACS), Google Acadêmico e
seus desdobramentos, além do Banco de Teses e Dissertações da CAPES, por meio da utilização
dos seguintes descritores: “Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil”, “CAPSi”,
“Perfil”, “Caracterização” e “Crianças e Adolescentes”. Além disso, utilizou-se da busca
manual nas listas de referências das publicações identificadas (snowball sample technique). O
contato com profissionais e estudiosos da área também contribuíram para o acesso à literatura
cinzenta.

Foram incluídos os estudos relacionados à caracterização das crianças e adolescentes


atendidos em CAPSis, que apresentaram estimativas do perfil dos seus usuários, publicados
entre 2008 e 2019. Ainda, foram excluídas da análise as publicações sobre populações
específicas de CAPSi (ex.: autismo, dependentes químicos, cuidadores/familiares...), as
investigações realizadas em clínicas-escola, ambulatórios, hospitais e outros serviços com
atendimento à saúde mental infanto-juvenil, além dos resumos de eventos e estudos que
avaliaram CAPS modalidade I.

Um formulário foi elaborado para coleta de dados, contendo as variáveis de interesse,


relacionadas ao material identificado, aos usuários, às suas famílias e ao CAPSi. Para a
organização e análise das informações, foi elaborado um banco de dados, segundo as variáveis
de interesse. Os resultados serão apresentados conforme as seguintes categorias de análise: (1)
Estudos/publicações, (2) Usuários, (3) Familiares e (4) Processo terapêutico dos CAPSis.

Resultados e Discussão

Conforme os critérios de inclusão e exclusão propostos, foram selecionados 12 artigos, dois


capítulos de livro, um livro, quatro monografias e cinco dissertações, totalizando 24 estudos.
Considerando as regiões brasileiras, 11 investigações foram realizadas no Sul do país, sete no
Sudeste, cinco no Nordeste, duas na região Centro-oeste e uma na região Norte. Cabe ressaltar
que o estudo de Hoffmann et al. (2008) estudou CAPSis da região Sudeste, Sul e Centro-oeste
e o estudo de Ceballos, Paula, Ribeiro e Santos (2018) investigou os atendimentos realizados
em todos os CAPSis brasileiros. Identificou-se dois CAPSi que foram alvo de duas
investigações em espaços temporais distintos um em 2015 e 2017 (Baron, 2017; Lima et al.,
2015) e o outro em 2010 e 2017 (Cunha et al., 2017; Delvan et al., 2010). Sendo que essa

262
última experiência de avaliação e reavaliação evidenciou o aperfeiçoamento do serviço (Cunha
et al., 2017), portanto, acredita-se que ela pode contribuir com informações valiosas para a
constituição dos serviços e das redes dos demais municípios e regiões.

Com relação ao delineamento dos estudos analisados, percebeu-se que a maioria caracteriza-
se como estudo transversal descritivo, retrospectivo, baseado em dados secundários
(documental). A maioria baseou-se na análise de prontuários, entretanto, algumas pesquisas
também utilizaram dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde –
DATASUS (Baron, 2017; Ceballos et al., 2018; Hoffmann et al., 2008; Nascimento et al., 2014)
e cinco estudos entrevistaram os pais/responsáveis ou utilizaram os prontuários, além das
entrevistas (Carvalho, 2012; Lima, Dias, Baratto, & Zuchetto, 2015; Maciel, 2013; Matos,
2014; Reis, Fonseca, Neto, & Delfini, 2012). O tamanho das amostras variou entre 51 e 909
prontuários (Reis et al., 2012; Ronchi & Avellar, 2010) ou, considerando os relatórios de
atendimentos, 837.068 prontuários (Ceballos et al., 2018).

Variáveis Relacionadas às Crianças e Adolescentes Usuários dos CAPSis

Conforme os estudos analisados, a maioria dos usuários acompanhados pelas equipes dos
CAPSis são do sexo masculino, variando entre 59% e 79% (Carvalho, 2012; Ceballos et al.,
2018; Lara, 2014; Maciel, 2013; Nascimento et al., 2014; Santos, 2018; Ferreira, 2019). A
exceção dá-se com o estudo de Bergmann, Zavaschi, Bassols e Alegra (2009) que, segundo os
autores, está relacionada à existência de um programa voltado para problemas com maior
prevalência no sexo feminino. O sexo masculino é apontado como um fator de risco para o
desenvolvimento de transtornos mentais na infância e na adolescência (Thiengoet al., 2014).
Segundo a literatura, essa relação pode ser explicada pelo fato de que os problemas de
externalização (marcados por comportamentos desafiadores, impulsivos, hiperativos,
desatentos e agressivos), são mais frequentes em meninos; questões relacionadas à ansiedade,
depressão, retraimento e baixa autoestima – denominados problemas de internalização – são
mais comuns entre as meninas (Maciel, 2013; Rangel et al., 2015; Santos, 2018). Dessa forma,
além de ser mais fácil identificar os problemas externalizantes, são essas as demandas
causadoras de maiores transtornos nas famílias, escolas e comunidade.

Embora alguns estudos tenham incluído faixas etárias específicas (Delvan, Portes, Cunha,
Menezes, & Legal, 2010; Ferreira, 2019) ou, alguns casos, com mais de 21 anos de idade
(Hoffmann et al., 2008), as médias de idade, quando relatadas pelos autores, apresentaram-se
entre 8,1 (Maciel, 2013) e 14,6 anos (Carvalho, 2012). Uma tendência de menor idade entre os
usuários do sexo masculino e maior idade entre o sexo feminino foi identificada por alguns
autores (Baron, 2017; Ceballoset al., 2018; Matos, 2014; Quintal, 2018; Reis et al., 2012). De
um modo geral, percebe-se que a faixa etária dos usuários é bastante heterogênea, conforme as
particularidades de cada CAPSi. Foram identificadas baixas prevalências de usuários com
idades inferiores a sete anos.

Sobre a variável raça/cor da pele, apenas quatro estudos apresentaram informações. Dois
deles referem-se a um mesmo CAPSi de um município do sul do Rio Grande do Sul e indicaram
maioria de usuários brancos (Baron, 2017; Lima et al., 2015). Os outros dois, realizados no
Maranhão e Mato Grosso, apresentaram maior prevalência de usuários negros (Matos, 2014;
Quintal, 2018). Essa variável foi bastante negligenciada, tanto nos prontuários quanto nas
pesquisas identificadas. Por ser um marcador social, essa variável torna-se importante para
identificar as iniquidades em saúde (Silva, Barros, Azevedo, Batista, & Policarpo, 2017). É

263
relevante mencionar a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (Portaria
GM/MS nº992/2009) e, ainda, a recente Portaria nº 344/2017 (sobre o registro de raça/cor nos
sistemas de informação do SUS). Nesse sentido, os CAPS devem atuar, especialmente, na
garantia de acesso universal e igualitário aos serviços, no combate ao racismo institucional e na
produção de indicadores que possam nortear as políticas conforme as necessidades locais,
buscando ativamente reduzir o impacto dos determinantes sociais da saúde aos quais a
população está submetida (Ministério da Saúde, 2017).

Dentre os autores que informaram sobre a escolaridade dos usuários, verificou-se que a
grande maioria estava matriculada em alguma instituição de ensino, sendo que quase sua
totalidade em escolas públicas e regulares (Delvanet al., 2010; Matos, 2014; Meyer, 2015; Reis
et al., 2012), com a grande maioria no ensino fundamental (Baron, 2017; Bergmann et al., 2009;
Cunha, Borges, & Bezerra, 2017; Lima et al., 2015; Matos, 2014; Meyer, 2015; Nascimento et
al., 2014; Quintal, 2018; Ronchi& Avellar, 2010). Mais de um quarto dos estudos analisados
não apresentaram informações sobre a escolaridade dos usuários.

Com relação ao diagnóstico ou hipótese diagnóstica, os Transtornos do Comportamento e


Transtornos Emocionais que Aparecem Habitualmente Durante a Infância ou a Adolescência
(F90-98) foram os mais prevalentes (Baron, 2017; Ceballos et al., 2018; Hoffmann et al., 2008;
Maciel, 2013; Rangel et al., 2015; Reis, et al., 2012; Ronchi & Avellar, 2010; Santos, 2018;
Ferreira, 2019). Essa categoria inclui psicopatologias como: Transtornos Hipercinéticos,
Distúrbios de Conduta, Transtornos Mistos de Conduta e das Emoções, Distúrbio Desafiador e
de Oposição, Mutismo Eletivo, Tiques, Enurese, Encoprese, Gagueira, dentre outros (OMS,
1993). Em segundo lugar, prevaleceram os Transtornos do Desenvolvimento Psicológico (F80-
89) (Carvalho, 2012; Ceballos et al., 2018; Matos, 2014; Rangel et al., 2015; Reis et al., 2012;
Ronchi & Avellar, 2010; Santos, 2018) e Retardo Mental (F70-79) (Carvalho, 2012; Carvalho,
Silva, & Rodrigues, 2010; Ceballos, 2018; Nascimento et al., 2014; Rangel, et al., 2015; Reis
et al., 2012). Relato sobre comorbidade psiquiátrica foi identificada somente em Quintal (2018),
que indicou uma prevalência de 60%. Alguns autores apontaram alta prevalência de prontuários
sem a informação sobre a hipótese diagnóstica (Baron, 2017; Delfini et al., 2009; Delvan et al.,
2010; Santos, 2018). Esse fato pode estar relacionado aos casos de abandono, aos que não
finalizaram o processo de avaliação multiprofissional ou, ainda, pela dificuldade da família em
fornecer informações (Delvan et al., 2010).

Estudos apontaram diferenças entre os diagnósticos relativos ao sexo dos atendidos, sendo
que entre as meninas, são mais frequentes os diagnósticos de Transtornos de Humor (F30-39)
e Retardo Mental (F70-79), enquanto entre os meninos, são mais prevalentes os diagnósticos
de Transtornos do Comportamento e Transtornos Emocionais (F90-98), bem como os
Transtornos do Desenvolvimento Psicológico (F80-89) (Delfini et al., 2009; Hoffmann et al.,
2008; Reis et al., 2012). Os autores também indicam diferenças com relação à idade dos
usuários, sendo que os Transtornos do Desenvolvimento Psicológico (F80-89) e os Transtornos
do Comportamento e Transtornos Emocionais (F90-98) são mais frequentes entre os usuários
mais novos. Entre os mais velhos, predominam os diagnósticos de Transtornos do Humor (F30-
39), Retardo Mental (F70-79) e Esquizofrenia, Transtornos Esquizotípicos e Delirantes (F20-
29) (Hoffmann et al., 2008; Reis et al., 2012).

O consumo prejudicial de substâncias psicoativas (SPA) foi relatado em nove estudos


(Baron, 2017; Lara, 2014; Lima et al., 2015; Meyer, 2015; Rangel et al., 2015; Reis et al., 2012),
sendo que em três deles, os autores indicaram o atendimento de um único caso (Cunha et al.,
2017) ou a inexistência de atendimentos a essa demanda (Hoffmann et al., 2008; Maciel, 2013).
Baixas prevalências (≥13%) foram identificadas em algumas pesquisas (Lara, 2014; Lima et

264
al., 2015; Rangel et al., 2015; Reis et al., 2012), sendo que uma delas indicou que quase a
totalidade dos casos (86%) não apresentava essa informação (Baron, 2017). Contudo, em
relação ao uso SPA uma investigação (Meyer, 2015) encontrou as maiores prevalências entre
os estudos analisados: 26% consumiam bebidas alcoólicas, 24% tabaco e 22% substâncias
ilícitas – sendo a maconha a mais frequente.

A propósito, relacionado ao consumo prejudicial de SPA, a literatura aponta que a maioria


dos atendimentos de crianças e adolescentes com problemas decorrentes de seu uso foram
realizados em CAPSad ou CAPSad III (Conceição et al., 2018). Entretanto, é importante
ressaltar que as especificidades da infância e da adolescência trazem diferentes desdobramentos
nas dimensões jurídica, política, educacional, social, dentre outros. Conforme apontam Reis et
al. (2012), apropriar-se dessas especificidades não é uma tarefa fácil e exige empenho e
dedicação dos profissionais. Nesse sentido, há alguns estudos realizados em CAPSad sobre o
atendimento, nesses espaços a crianças e adolescentes com transtornos decorrentes do uso
prejudicial de substâncias psicoativas (Araújo, Marcon, Silva, & Oliveira, 2012; Conceição et
al., 2018).

Em relação à conduta suicida cinco publicações abordaram essa variável indicando


estimativas variando entre 4% (Rangel et al., 2015) e 20% (Arrué et al., 2013; Quintal, 2018).
Em um estudo (Cunha et al., 2017), foi identificado somente um caso. Considerando que a
presença de transtornos mentais é um dos principais fatores de risco para a conduta suicida, que
o número de suicídios de jovens é crescente e que os CAPSs também são locais destinados ao
atendimento desse tipo de demanda (Ministério da Saúde, 2016), a investigação dessa variável
adquire grande relevância nas avaliações em saúde mental e chama atenção o fato de essa
informação não estar presente em todos os estudos considerados nessa revisão.

A maioria dos estudos analisados apresentou prevalências de uso de medicação psicotrópica


entre os usuários, variando entre 30% (Lara, 2014; Reis et al., 2012; Santos, 2018) e
aproximadamente 100% (Nascimento et al., 2014; Ronchi & Avellar, 2010; Ferreira, 2019).
Sobre a quantidade, Arrué et al. (2013) referem a preocupante média de quatro psicotrópicos
utilizados por usuário, e Maciel (2013) evidenciou uma média mais branda, de 1,2. Maciel
(2013) refere, ainda, maior proporção de uso de psicotrópicos entre meninos, especialmente
entre três e oito anos. A distribuição da frequência entre os tipos de fármacos utilizados pelos
usuários foi apresentada em três publicações, evidenciando que os antipsicóticos,
antidepressivos e anticonvulsivantes foram os mais prevalentes (Baron, 2017; Carvalho, 2012;
Meyer, 2015). Esses dados podem ser explicados pela grande procura pelo atendimento médico
que ocorre nos CAPSis (Carvalho, 2012; Maciel, 2013; Matos, 2014; Quintal, 2018).
Compreende-se ainda que a excessiva e crescente medicalização da infância e adolescência
reflete a hegemonia do modelo biomédico e a sua ampla aceitação na sociedade (Carvalho,
2012; Santos, 2018).

Variáveis Relacionadas às Famílias dos Usuários dos CAPSis

A grande maioria dos usuários residia com a família; poucos foram os casos identificados
que estavam sob a tutela do Estado – em abrigos (Carvalho, 2012; Meyer, 2015). Na maioria
das publicações analisadas, houve maior prevalência da família nuclear, ou seja, formada pelo
casal/pais e os filhos (Baron, 2017; Cunha et al., 2017; Delvan et al., 2010; Matos, 2014;
Nascimento et al., 2014; Reis et al., 2012). Em segundo lugar, evidenciou-se predomínio das
famílias monoparentais, isto é, aquelas formadas por somente um dos pais (Baron, 2017; Delvan

265
et al., 2010; Matos, 2014; Nascimento et al., 2014; Reis et al., 2012). No estudo de Arrué et al.
(2013), entretanto, foram mais frequentes as famílias reconstituídas (mãe e outro membro) e,
em segundo lugar, as nucleares. Sobre a coabitação, a literatura aponta para uma média entre
quatro e cinco moradores na mesma residência (Carvalho, 2012; Lara, 2014; Maciel, 2013;
Matos, 2014; Reis et al., 2012). Entre 30% e 54% dos pais/responsáveis eram casados
(Carvalho, 2012; Maciel, 2013; Meyer, 2015). Entretanto, Quintal (2018) verificou que 57%
eram separados. Alguns autores referem alta prevalência de conflitos familiares (Arrué et al.,
2013; Quintal, 2018).

A grande maioria dos responsáveis pelas crianças e adolescentes era a figura materna (Baron,
2017; Carvalho, 2012; Maciel, 2013; Matos, 2014; Meyer, 2015; Quintal, 2018; Reis et al.,
2012) e tinha o ensino fundamental completo ou incompleto (Carvalho, 2012; Maciel, 2013;
Meyer, 2015). Quase a metade não trabalhava ou estava desempregada (Carvalho, 2012;
Nascimento et al., 2014) e mais de um quarto trabalhava informalmente. A exceção foi no
estudo de Maciel (2013), em que mais da metade dos responsáveis exercia alguma atividade
remunerada.

Aproximadamente metade dos usuários tinha renda familiar de até dois salários mínimos
(Arrué et al., 2013; Carvalho, 2012; Lara, 2014; Maciel, 2013: Matos, 2014; Meyer, 2015).
Alguns estudos apontaram que metade dos usuários recebia algum tipo de benefício social,
como Bolsa Família, Pensões, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Auxílio Transporte
(Carvalho, 2012; Maciel, 2013; Matos, 2014; Meyer, 2015), enquanto outros indicaram que em
torno de um quarto dos usuários tinham acesso a esses benefícios (Lara, 2014; Quintal, 2018;
Reis et al., 2012). A maioria das famílias estava classificada nas classes socioeconômicas ‘D’
e ‘E’ e residia em casa própria (Carvalho, 2012; Maciel, 2013). Reis et al. (2012) referem menor
prevalência de usuários com casa própria, apenas 30% dos casos. O amplo acesso aos benefícios
sociais indica uma atuação marcante dos profissionais do serviço social, considerando que, em
muitos casos, os responsáveis dedicam-se exclusivamente ao cuidado do filho com transtorno
mental (Carvalho, 2012).

Altas taxas de transtorno mental na família foram evidenciadas entre os usuários dos CAPSi
(Meyer, 2015; Quintal, 2018), chegando a 78% dos casos (Nascimento et al., 2014). A exceção
deu-se no trabalho de Rangel et al. (2015), que indicaram uma estimativa menor: 17% dos
casos. Entre as principais psicopatologias na família, destacaram-se a dependência química e
os transtornos do humor (Meyer, 2015; Nascimento et al., 2014). É importante reforçar que o
tratamento de crianças e adolescentes com transtornos mentais não ocorre isolado da família
(Carvalho, 2012), sendo que esta caracteriza-se como uma “peça-chave” na terapêutica
psicossocial.

Variáveis Relacionadas aos Processos Terapêuticos dos CAPSis

Aproximadamente metade das crianças e adolescentes avaliados nos CAPSis não foi incluída
para atendimento após a avaliação da equipe multiprofissional por não apresentar transtorno
mental grave, sendo preferível o encaminhamento para os serviços mais adequados, como a
assistência social, dentre outros (Lara, 2014; Meyer, 2015). Estimativas mais amenas foram
identificadas no estudo realizado por Quintal (2018), com 32% dos usuários sendo
encaminhados após a avaliação no CAPSi. Esses encaminhamentos estão relacionados a
demandas que não são foco de atendimento do CAPSi e que acabam truncando o fluxo de
atendimento, considerando que poderiam ser resolvidos mais brevemente nos locais adequados

266
para cada demanda.

A descrição dos encaminhamentos realizados para os CAPSis é um indicador importante


para avaliar as redes existentes: seus potenciais e suas fragilidades. A Atenção Básica destacou-
se em cinco publicações (Baron, 2017; Carvalho, 2012; Maciel, 2013; Reis et al., 2012; Ronchi
& Avellar, 2010), as escolas em três (Baron, 2017; Cunha et al., 2017; Beltrame & Boarini,
2013) e o Conselho Tutelar em outras três (Cunha et al., 2017; Delfini et al., 2009; Lara, 2014).
O alto índice de encaminhamentos da Atenção Básica revela um alinhamento fortalecido com
as políticas atuais, considerando a atuação territorial e o acesso ao sistema de saúde (Ministério
da Saúde, 2014). Já as escolas, são consideradas meios privilegiados para a promoção de fatores
protetivos, detecção de riscos e na redução de agravos psicossociais (Ministério da Saúde,
2014). A demanda espontânea, ou seja, a procura do próprio usuário e/ou familiares pelo CAPSi
foi responsável pelo maior número de atendimentos em quatro publicações (Carvalho et al.,
2010; Delvan et al., 2010; Matos, 2014; Santos, 2018), sugerindo uma boa inserção do CAPSi
na comunidade.

Sobre o desfecho dos atendimentos, Matos (2014) menciona que aproximadamente 70% dos
casos abandonaram o tratamento no CAPSi por diferentes motivos, como mudança de endereço.
Em um CAPSi da região Sul do país, mais de 70% dos casos permaneceram até quatro anos em
acompanhamento (Lima et al., 2015). Conforme preconiza a RPB, os CAPS figuram como
recursos comunitários, e não uma nova forma de tratamento contínuo. Ou seja, é ideal que os
processos de alta estejam integrados ao funcionamento dos CAPS, considerando a autonomia
dos usuários, os processos de reinserção social e a corresponsabilização. O maior tempo de
acompanhamento dos usuários no CAPSi pode indicar uma boa adesão ao tratamento e
vinculação com a equipe e, por outro lado, pode sugerir ineficácia do cuidado ofertado (Lima
et al., 2015). A ausência de registro dos desfechos dos casos, indicada por Cunha et al. (2017)
em 80% dos prontuários investigados, é uma realidade preocupante, considerando o
entendimento de “encaminhamento implicado” e “correponsabilização”, propostos na política
de saúde mental (Ministério da Saúde, 2014).

Considerações Finais

Uma das limitações importantes, destacadas em todos os estudos analisados, é a ausência de


dados nos prontuários que empobreceram ou impediram a análise de diversas variáveis
investigadas pelos pesquisadores. A grande maioria dos estudos sugere um aperfeiçoamento do
prontuário (coletar mais informações relevantes), registro contínuo e manutenção periódica
(Arrué et al., 2013; Baron, 2017; Cunha et al., 2017; Delfini et al., 2009; Meyer, 2015;
Nascimento et al., 2014; Reis et al., 2012).

Cientes da importância de estudos sobre as populações atendidas em serviços de saúde –


como os processos de territorialização realizados na atenção básica – e, ainda, do número de
CAPSis existentes no país, pode-se dizer que a produção acadêmica sobre o perfil de usuários
atendidos nesses serviços ainda é insuficiente (Ronchi & Avellar, 2010; Santos, 2011). As
informações geradas por meio da investigação das características dos sujeitos atendidos nos
serviços de saúde auxiliam, por exemplo, na elaboração de estratégias de atuação, no
redimensionamento de equipes, no planejamento de atividades, redirecionamento de recursos e
sistematização da oferta de cuidado, tornando-se de extrema relevância. Embora os estudos com
dados do DATASUS sejam relevantes, acredita-se que estudos locais, que incluam as
especificidades de cada CAPSi, tenham maior relevância para o conhecimento da população e

267
das realidades com que atuam.

A saúde mental no Brasil é uma área que vem se desenvolvendo, se (re)construindo


continuamente e coletivamente com a participação de diferentes atores de diversos espaços:
usuários, familiares, profissionais, pesquisadores, acadêmicos, entre outros. Assim, algumas
questões foram levantadas pelos estudos analisados, como: (1) maior investimento na
capacitação dos profissionais – por meio da educação permanente e continuada – assim como
na sensibilização destes quanto à importância do registro nos prontuários e a manutenção das
informações dos casos atendidos; (2) fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS
e da rede de atendimento intersetorial, com especial ênfase nas escolas, por meio do Programa
Saúde na Escola – PSE e outros recursos; (3) maior divulgação dos CAPSis na comunidade,
assim como orientação das famílias sobre a identificação precoce de problemas de saúde
mental; (4) maior atenção e cuidado das equipes com relação à questões importantes, como o
consumo de SPA pelos usuários e familiares, a presença de violências (físicas, sexuais,
psicológicas e negligências), conduta suicida, entre outros fatores relacionados à saúde mental;
(5) fortalecimento da atenção básica para o acolhimento e acompanhamento de casos de
transtornos mentais leves na infância e adolescência; (6) priorizar os atendimentos grupais nos
CAPSis, tendo em vista a sua proposta de ressocialização e autonomia, minimizando a
sobrecarga das equipes com atendimentos individuais, além de contribuir com o fluxo de
atendimento, suprimindo demandas reprimidas – conforme identificado por Santos (2018).

Referências
Araujo, N. B., Marcon, S. R., Silva, N. G., & Oliveira, J. R. T. (2012). Perfil clínico e
sociodemográfico de adolescentes que permaneceram e não permaneceram no tratamento
em um CAPSad de Cuiabá/MT. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 61(4), 227-234.
Arrué, A. M., Neves, E. T., Terra, M. G., Magnago, T. S. B. S., Jantsch, L. B., Pieszak, G. M.,
Silveira, A. & Buboltz, F. L. (2013). Crianças/adolescentes com necessidades especiais de
saúde em centro de atenção psicossocial. Revista de Enfermagem da UFSM, 3(2), 227-237.
Baron, L. S. (2017). Perfil dos usuários em atendimento no CAPSi-Canguru da cidade de
Pelotas-RS [manuscrito]. Monografia do curso de Psicologia, Universidade Católica de
Pelotas, Pelotas, RS, Brasil.
Beltrame, M. M. & Boarini, M. L. (2013). Saúde mental e infância: Reflexões sobre a demanda
escolar de um CAPSi. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(2), 336-349.
Bergmann, D. S., Zavaschi, M. L. S., Bassols, A. M. S., & Alegra, T. (2009). O perfil das
crianças e dos adolescentes atendidos. In Zavaschi, M. L. S. Crianças e adolescentes
vulneráveis: O atendimento interdisciplinar dos Centros de Atenção Psicossocial (pp. 69-
78). Porto Alegre: Artmed.
Bordin, I. A. S. & Paula, C. V. (2007).Estudos populacionais sobre saúde mental de crianças e
adolescentes brasileiros. In: Mello MF, Mello AA, Kohn R, organizadores. Epidemiologia
da saúde mental no Brasil. Porto Alegre: Artmed. p.101-117.
Carvalho, I. L. N. (2012). Uso de psicofármacos em adolescentes atendidos pelos Centros de
Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil de Fortaleza-CE. Universidade de Fortaleza, Fortaleza,
CE, Brasil. Disponível em:
http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFOR_0271aae6f14c44654f2eaf413193ea90, acessado

268
em 29/01/2020.
Carvalho, M. D. A., Silva, E. O., & Rodrigues, L. V. (2010). Perfil epidemiológico dos usuários
da Rede de Saúde Mental do Município de Iguatu, CE. SMAD Revista Eletrônica Saúde
Mental Álcool Drogas, 6(2), 337-349. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/smad/v6n2/7.pdf
Ceballos, G. Y., Paula, C. S., Ribeiro, E. L., & Santos, D. N. (2018). Child and Adolescent
Psychosocial Care Center service use profile in Brazil: 2008 to 2012.
BrazilianJournalofPsychiatry, 1-10.
Conceição, D. S., Andreoli, S. B., Esperidião, M. A., & Santos, D. N. D. (2018). Atendimentos
de crianças e adolescentes com transtornos por uso de substâncias psicoativas nos Centros
de Atenção Psicossocial no Brasil, 2008-2012. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 27(2), 1-
12.
Cunha, M. P., Borges, L. M., & Bezerra, C. B. (2017). Infância e saúde mental: Perfil das
crianças usuárias do Centro de Atenção Psicossocial Infantil. Mudanças em Psicologia da
Saúde, 25(1), 27-35.
Delfini, P. S. S., Dombi-Barbosa, C., Fonseca, F. L., Tavares, C. M., & Reis, A. O. A. (2009).
Perfil dos usuários de um Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil da grande São
Paulo, Brasil. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 19(2), 226-
236.
Delvan, J. S., Portes, J. R. M., Cunha, M. P., Menezes, M., & Legal, E. J. (2010). Crianças que
utilizam os serviços de saúde mental: Caracterização da população em uma cidade do sul do
Brasil. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 20(2), 228-237.
Ferreira, A. R. (2019). O Perfil das Crianças Usuárias do CAPSi de Foz do Iguaçu. Trabalho
de Conclusão de Curso Serviço Social, 56p. – Universidade Federal da Integração Latino-
Americana, Foz do Iguaçu, PR, Brasil. Disponível
em:https://dspace.unila.edu.br/123456789/5352, acessado em 29/01/2020.
Garcia, G. Y. C., Santos, D. N., & Machado, D. B. (2015). Centros de Atenção Psicossocial
Infantojuvenil no Brasil: Distribuição geográfica e perfil dos usuários. Cadernos de Saúde
Pública, 31(12), 2649-2654.
Hoffmann, M. C. C. L., Santos, D. N., & Mota, E. L. A. (2008). Caracterização dos usuários e
dos serviços prestados por um Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil. Cadernos de
Saúde Pública, 24(3), 633-642.
Lara, G. R. (2014). Uma análise descritiva dos usuários que buscam um Centro de Atenção
Psicossocial da Infância e Adolescência. Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria,
RS, Brasil. Disponível em:
https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/722/Lara_Graciele_Roubuste.pdf?sequence=
1&isAllowed=y, acessado em 29/01/2020.
Lima, L. S., Dias, H. Z. J.,Baratto, C. C., & Zuchetto, G. (2015). Características dos
adolescentes usuários de um Centro de Atenção Psicossocial Infantil da região sul do Brasil.
Adolescência & Saúde, 12(1), 35-41.
Macedo, D. M., Foschiera, L. N., Bordini, T. C. P. M., Habigzang, L. F., & Koller, S. H. (2019).

269
Revisão sistemática de estudos sobre registros de violência contra crianças e adolescentes
no Brasil. Ciência e Saúde Coletiva, 24(2), 487-496.
Maciel, A. P. P. (2013). Utilização de psicofármacos em crianças nos Centros de Apoio
Psicossocial Infantojuvenil de Fortaleza. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE,
Brasil. Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/8164, acessado em
29/01/2020.
Matos, F. V. (2014). Políticas públicas de saúde mental infantil e sua implementação no Centro
de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSi) – IMPERATRIZ/MA. Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, Goiânia, GO, Brasil. Disponível em:
http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/handle/tede/2986, acessado em 29/01/2020.
Meyer, T. S. (2015). Caracterização dos usuários do Centro de Atenção Psicossocial Infanto-
Juvenil (CAPSi) do município de Lages-SC, por meio de seu perfil sociodemográfico e
clínico [manuscrito]. Escola de Saúde Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis,
SC, Brasil.
Ministério da Saúde. (2004). Saúde mental no SUS: Os Centros de Atenção Psicossocial.
Brasília: Ministério da Saúde.
Ministério da Saúde. (2006). Prevenção do suicídio: Manual dirigido a profissionais das equipes
de saúde mental. Brasília: Ministério da Saúde.
Ministério da Saúde. (2011). Passo a passo PSE – Programa Saúde na Escola: Tecendo
caminhos da intersetorialidade. Brasília: Ministério da Saúde.
Ministério da Saúde. (2014). Atenção psicossocial a crianças e adolescentes no SUS: Tecendo
redes para garantir direitos. Brasília: Ministério da Saúde.
Ministério da Saúde. (2017). Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: Uma
política para o SUS (3ª ed.). Brasília: Ministério da Saúde.
Nascimento, Y. C. M. L., Rosa, L. S., Souza, J. C., Véras, Y. A. R., Brêda, M. Z.,& Trindade,
R. F. C. (2014). Perfil de crianças e adolescentes acompanhados por um Centro de Atenção
Psicossocial Infanto-Juvenil. Revista de Enfermagem UFPE OnLine, 8(5), 1261-1272. Doi:
10.5205/reuol.5863-50531-1-ED.0805201421
Organização Mundial da Saúde – OMS (1993). Classificação de Transtornos Mentais e de
Comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre:
Artmed.
Quintal, A. P. N. (2018). Análise dos transtornos mentais na população infantojuvenil atendida
nos serviços de atenção psicossocial de Cuiabá, 2015. Universidade Federal de Mato Grosso,
Cuiabá, MT, Brasil. Disponível em:
https://www1.ufmt.br/ppgsc/arquivos/a39d7935a29c8d4b7bc2cfe43c8a5611.pdf, acessado
em 29/01/2020.
Rangel, C. C., Teixeira, C. L. S., & Silva, V. L. M. (2015). Perfil Clínico-Epidemiológico dos
usuários do CAPSiDr João Castelo Branco do município de Campos dos Goytacazes, RJ.
Revista Científica da Faculdade de Medicina de Campos, 10(2), 25-28.
Reis, A. O. A., Fonseca, F. L., Neto, M. L.R., & Delfini, P. S.S. (2012). As crianças e os
adolescentes dos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil. São Paulo: Schoba.
Ronchi, J. P. & Avellar, L. Z. (2010). Saúde mental da criança e do adolescente: A experiência

270
do CAPSi de Vitória-ES. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 12(1), 71-84.
Santos, D. C. M., Jorge, M. S. B., Freitas, C. H. A., & Queiroz, M. V. O. (2011). Adolescentes
em sofrimento psíquico e a politica de saúde mental infanto-juvenil. Acta Paulista de
Enfermagem, 24(6), 845-850.
Santos, H. F. (2018). Saúde mental e infância: Reflexões sobre a demanda de um CAPSi.
Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil. Disponível em:
https://tede.ufam.edu.br/bitstream/tede/6803/2/Dissertacao_Hitalla%20Santos_PPGPSI,
acessado em 29/01/2020.
Santos, W. P. (2011). Quem são as crianças e adolescentes que chegam a um serviço de saúde
mental infanto-juvenil? In Ferreira, T. Caderno de Saúde Mental (Vol. 4, pp. 79-88). Belo
Horizonte: Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais.
Schneider, J. A., Mello, L. T. N., Limberger, J., & Andretta, I. (2017).Adolescentes usuários de
drogas e em conflito com a lei: Revisão sistemática da literatura nacional. Psicologia
Argumento, 34(85), 120-132.
Silva, N. G., Barros, S., Azevedo, F. C., Batista, L. E.,& Policarpo, V. C. (2017). O quesito
raça/cor nos estudos de caracterização de usuários de Centro de Atenção Psicossocial. Saúde
e Sociedade, 26(1), 100-114.
Souza, M. T., Silva, M. D., & Carvalho, R. (2010). Revisão integrativa: O que é e como fazer.
Einstein, 8(1, Pt 1), 102-106.
Thiengo, D. L., Cavalcante, M. T., & Lovisi, G. M. (2014). Prevalência de transtornos mentais
entre crianças e adolescentes e fatores associados: Uma revisão sistemática. Jornal
Brasileiro de Psiquiatria, 63(4), 360-372.
UM ESTUDO ARQUEGENEALÓGICO SOBRE OS PROCESSOS DE INTERNAÇÃO

271
Willian dos Santos Souza
Guilherme Augusto Souza Prado
Victor Bruno Barbosa Silva
Cleber Sales Pereira
Elivelton Sousa Montelo

Introdução

O processo de internação asilar tem um histórico pautado na ideia de higienização do


espaço urbano social. Foucault (1972) nos aponta para um marco histórico durante o século
XVII, pois nesse momento ocorreu o afastamento das pessoas então considerados miseráveis e
que praticavam mendicância, sendo elas levadas ao Hospital Geral, instituição que por vezes
ainda organizava trabalho forçado. Isto é, durante a chamada Idade Clássica o Hospital Geral
se voltou para um público de desarrazoados, desprovidos de razão. Estes eram internados e
durante um certo período viviam aprisionados em correntes e celas (Foucault, 1972).

O dispositivo da internação seguiu na história até chegar nos hospitais psiquiátricos,


conhecidos popularmente como Manicômios. Frente a tal problemática, Ervin Gofman (1961)
agrupou e categorizou instituições que se assemelhavam pelas barreiras à relação social e pela
arquitetura prisional, com muros altos, arames farpados, distanciamento do perímetro urbano,
etc., chamando-as de Instituições Totais (ITs).

No Brasil os Manicômios correspondiam à locais precarizados, com mão de obra


desqualificada, superlotação e marcada por abusos de poder e desrespeito a vida e aos direitos
humanos (Ramminger & Silva, 2014). Ramminger e Silva (2014) contam ainda que como
consequência, no final da década de 1970 surgiu o movimento pela reforma psiquiátrica
brasileira, e que com o passar dos anos acaba por se inspirar no modelo Italiano, e se transforma
na Luta Antimanicomial.

A medida em que o país atravessa o processo de redemocratização, e que ocorrem uma


série de mudanças políticas institucionais, dentre elas a reforma sanitária e a criação do SUS,
as conquistas da Luta Antimanicomial vão se fortalecendo até que, em 2001, é aprovada a lei
10.216, conhecida como lei da Reforma Psiquiátrica brasileira (Conselho Federal de Psicologia
[CFP], Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura [MNPCT] & Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão – Ministério Público Federal [PFDC-MPF], 2018).

A partir disso as pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas (AD) são
inseridas nas políticas brasileiras de saúde mental. E são essas pessoas que ganham notoriedade
nos anos mais recentes, pois são o alvo principal dos processos contemporâneos de internação
asilar, através das autodenominadas Comunidades Terapêuticas (CTs).

A internação hoje no Brasil obedece ao que foi colocado na lei da Reforma Psiquiátrica,
a qual compreende três formas de internação: voluntária, onde a própria pessoa decide por sua
internação; involuntária, onde a decisão é um desejo de terceiros; e a compulsória, onde através
de uma decisão judicial uma pessoa pode vir a ser internada (CFP, MNPCT & PFDC-MPF,

272
2018). Daremos destaque à internação compulsória, a qual tem se fortalecido devido ao
fenômeno do crack, apontado institucionalmente como uma epidemia.

A internação compulsória (IC) é vista como um processo de atualização dos


desdobramentos históricos das internações realizadas durante a era clássica, pois funciona
através da união entre a psiquiatria e o poder judiciário (Azevedo & Souza, 2017). Atualmente
no Brasil esse formato atende a legislação vigente, no caso o código penal brasileiro: deve ser
determinada por um juiz competente, mediante o laudo médico, e só deve ocorrer se a pessoa
em questão tiver cometido algum tipo de delito, e por este tenha sido julgada com garantia dos
seus direitos de defesa, e ao final seja considerada inimputável (CFP, MNPCT & PFDC-MPF,
2018).

Essas internações tem ocorrido principalmente frente a situações de vulnerabilização


extrema, pautada na ideia de que uma pessoa ao atingir determinado estado em que não é capaz
de cuidar de si mesma e que representa um perigo para terceiros deve ser asilada para receber
cuidados terapêuticos e para que não ameace a integridade de outras pessoas. Salatini (2010)
aponta que a vulnerabilidade pode ser entendia por duas maneiras, uma que representa o ato de
fazer mais por aqueles que tem menos, e outra que funciona através da instrumentalização da
alteridade, e que serve como ferramenta de exclusão.

Foi nesse cenário que se criou uma cultura criminológica em torno de diversas
substâncias com efeitos alucinógenos, algumas no decorrer do tempo saíram de um local de
consumo para fins religiosos e tornaram-se ameaças ao bem-estar social (Torcato, 2016). E a
partir disso na segunda metade do século XX se iniciou o que ficou conhecido como guerra às
drogas (Azevedo & Souza, 2017). Ramminger e Silva (2014) apontam que o processo
geopolítico dessa guerra se deu de forma intensa, o que incluiu as políticas produzidas no Brasil
em torno da questão: com caráter proibicionista incialmente optou-se pela criminalização do
comerciante e do usuário de drogas ilícitas. Esse processo ganhou apoio midiático e se criou de
forma bem latente um estigma sobre essas pessoas, entendendo-as como ameaças potenciais a
sociedade. A legislação mudou e hoje as leis brasileiras já não concebem o usuário como um
criminoso, o que não diminuiu o pânico social criado através dos discursos midiáticos
(Ramminger & Silva, 2014).

A partir das pontuações aqui realizadas buscaremos traçar uma genealogia cartográfica
(Lemos, Silva, Galindo & Mendes, 2015) dos processos de internamento. Para tanto
consideraremos a bibliografia de Michel Foucault e Erving Goffman como norteadores da
discussão. Assim, realizaremos um debate através das colocações das figuras de poder que tem
apresentado maior interesse e das instituições que tem ganhado destaque na questão. O
fenômeno aqui explorado será principalmente a midiaticamente chamada epidemia de Crack e
seus atravessamentos, visto que este tem composto o debate em torno da IC de forma central,
pautada na ideia de um tratamento religioso e de abstinência que busca recuperar a pessoa e lhe
devolver a cidadania, partindo de um pressuposto cidadão ideal.

Método

A proposta metodológica do presente trabalho busca por traçar uma genealogia


cartográfica (Lemos et al., 2015) dos processos que atravessam o internamento asilar. Com isto,
colocamos que o desenho metodológico nos serve conquanto opere “uma certa forma de
interrogação e um conjunto de estratégias analíticas de descrição” (Larrosa, 1994, p. 37) e não

273
como replicação ou descrição formal dos procedimentos já aplicados em outras ocasiões. Nos
serve, portanto, como indicativo de operacionalização do conjunto de fontes e referências
consultadas e do modo com o qual a temática se relaciona ética e politicamente com o campo
pesquisado – o modo com o qual os processos de internação se relacionam com a psicologia e
os fundamentos inerentes à assistência e ao cuidado em saúde mental.

Enquanto estratégia de interrogação e análise, a genealogia cartográfica pode ser


compreendida como uma derivação da arqueogenealogia (Lemos et al., 2015), tendo como foco
analítico as relações de poder. À medida em que a obra de Michel Foucault (1986) propõe uma
geografia de nosso pensamento e de nossas práticas, a arqueogenealogia tem como pressuposto
os métodos da arqueologia e da genealogia. A partir de ambos, temos uma abordagem espacial
das práticas discursivas e não-discursivas, assim como das relações de poder em termos de
deslocamento, posição, campo, lugar, operação, domínio, horizonte, paisagem, configuração,
região que visam cartografar relações, tensões e conflitos que permeiam o dispositivo da
internação.

Assim, a genealogia cartográfica se propõe uma estratégia de análise crítica que


acompanha e descreve relações, trajetórias, formações discursivas e a composição de práticas e
instituições que tomam os mais diferentes sentidos. Por isso, ao invés de traçar mapas
representativos, percorre as linhas diagramáticas de determinada situação. Se esquivam da
topografia da fixidez, à busca por sua forma primeira ou a uma suposta origem (Marton, 1985),
em favor de uma topologia dinâmica, atenta aos lugares e movimentos de poder inerentes às
práticas, enfrentamentos, densidades e intensidades implicados nas distintas formas de
internamento.

Com isso, visamos elucidar e problematizar o que está em questão com as internações
psiquiátricas. Traçamos um desenho arqueogenealógico de como são determinadas e como se
organizam as verdades, as justificativas e as práticas de internamento no decorrer da nossa
cultura, e como chegamos no ponto em que estamos hoje, com as internações nas chamadas
Comunidades Terapêuticas.

Para tanto realizamos uma Pesquisa Bibliográfica (Leite, 2015) a partir da obra de
Michel Foucault e Erving Goffman, a fim de discutir como esses autores perceberam e
conceituaram os processos de internação e as questões que os atravessam. Para nos debruçarmos
sobre a composição contemporânea do fenômeno estudado realizamos uma Pesquisa
Documental (Leite, 2015) em websites, redes sociais e em relatórios institucionais.

Em nosso percurso descritivo, interrogamos quais os jogos de força (isto é, as relações


de poder) que condicionam e propiciam as práticas atuais de internação, e os processos
coextensivos de naturalização da exclusão do louco, de marginalização dos sujeitos marcados
pelo consumo (considerado abusivo, perigoso, anormal ou patológico) de substâncias
psicoativas ilegais e das propostas de moralização, de condução das almas e normalização dos
indivíduos, que encontra no regramento disciplinar – mesmo que este seja atrelado à
religiosidade – uma modalidade de efetuação, de efetivação de seus objetivos, enquanto prática
de poder, de ordenar e limitar multiplicidades em constante movimento. Seja a multiplicidade
da população em situação de vulnerabilidade que acaba incorrendo no consumo problemático
de drogas, ou da multiplicidade constitutiva dos processos de subjetivação e desejo.
Resultados e discussão

274
Michel Foucault e a Loucura

A internação asilar é um mecanismo utilizado historicamente para limpar as zonas


urbanas da presença de pessoas que não se adequam à norma estabelecida socialmente. Michel
Foucault descreveu o processo arquegenealógico desse dispositivo em sua obra A História da
Loucura na Era Clássica (Foucault, 1972).

É a partir daí que na obra do Francês nos deparamos com uma série de instituições que
funcionavam em uma lógica asilar. Como as Casas de Caridade, espaços de expressão religiosa
que deram início ao enclausuramento daqueles que deveriam viver afastados do convívio social
devido apenas a sua condição de miserável; as inglesas Casas de trabalho, administradas por
juízes de paz, pregavam o trabalho como auxiliar na cura dos males mentais; e o Hospital Geral,
que recebia doentes e os considerados loucos, e assim como as outras duas instituições já
citadas, pessoas em situação de miséria que eram vistas como criminosas (Foucault, 1972).

Importante ressaltar que essas instituições não surgem como locais para cuidados em
saúde, mas sim como lares de caridade, nos quais os seus internos estavam apenas aguardando
pela morte. E aqueles que as administravam eram leigos que realizavam o trabalho na intenção
de alcançar o seu lugar espaço divino.

Foucault (2005) aponta que é somente no século XVIII que o médico adentra o hospital,
para progressivamente assumir sua administração e lhe atribuir caráter terapêutico. Philippe
Pinel é até hoje conhecido como pai da psiquiatria por ter retirado as correntes e as celas do
tratamento dedicado àquelas pessoas aprisionadas nos hospitais pelos quais ele passou. Não
coincidentemente é nessa mesma época que a trama disciplinar envolve o asilo e o transforma
em um local de produção de um certo discurso de verdade. Foi através da inserção da disciplina
nos hospitais que se pôde medicaliza-los e reorganiza-los através da ótica psiquiátrica
(Foucault, 2005).

E é assim que a psiquiatria demarca seu local de poder, trabalhando na manutenção dos
discursos em torno do cuidado e atribuindo o caráter de potencial cura as enfermidades da alma
e da moral. Foucault (2005) nos apresenta como a máquina do poder funciona, declarando que
é através da produção de efeitos positivos a nível de desejo e de saber que ele se solidifica. A
medicina psiquiátrica agora não mais se utiliza de correntes, mas de sentimentos humanos para
mostrar seu potencial e para disciplinar os corpos, tornando o asilo um local de produção de
verdade, uma máquina de exercer, de induzir, de distribuir e de aplicar o poder (Foucault, 2005).

O hospital torna-se assim uma máquina de cura, pois dentro dele o que cura é ele mesmo:
sua arquitetura, sua organização e seu funcionamento são o suficiente para produzir mudança
nos sujeitos que fazem uso de seus serviços, ou pelo menos assim lhe é acreditado (Foucault,
2005). O médico é a autoridade máxima, onipresente ele vê e escuta a tudo e a todos. O hospital
é em si uma máquina panóptica, segundo a ideia de Bentham de um olho panóptico, onde se
está sendo vigado o tempo todo.

O Asilo ficou assim compreendido como o dispositivo único de recuperação daqueles


que perderam a razão, é nele que o louco vê sua loucura ao ver a loucura do outro, e só assim
ele se isolaria em si mesmo e é no isolamento, na individualização do corpo, que o poder
disciplinar cura (Foucault, 2005). O desarrazoado teve sua razão tirada pela família, e por isso
ele deve ser afastado dela, assim pregava a psiquiatria na época: ele agora era um risco para si
e para os outros, e deveria ser asilado em um espaço em que nada lembrasse o ambiente no qual

275
enlouqueceu, em que não lhe ocorresse preocupações cotidianas com a manutenção de sua vida,
em que não pudesse pensar sua loucura através do olhar do não louco. (Foucault, 2005).

Erving Goffman e as Instituições Totais

A leitura de Erving Goffman sobre a forma de funcionamento das instituições asilares é


bem próxima daquilo que Foucault indicou. Em seu livro Manicômios, Prisões e Conventos
(Goffman, 1961) o autor coloca essas instituições dentro do que ele chama de Instituições Totais
(ITs): em linhas gerais são instituições que criam barreiras entre seus membros e as relações
sociais, são construídas em arquiteturas que se assemelham a algo prisional – muros altos,
arames farpados, etc. – e onde há proibições à saída para o mundo externo, vivem assim, no
que autor aponta, em um fechamento.

Ele colocou as ITs em 5 grupos, assim definidos: instituições para pessoas consideradas
inofensivas, instituições para pessoas incapazes de cuidar de si mesmas e que representam de
alguma forma uma ameaça à sociedade, instituições cuja finalidade é proteger a comunidade
contra perigos considerados intencionais, instituições cuja finalidade é a realização de trabalhos
de forma mais adequada, e instituições que servem como refúgio do mundo (Goffman, 1961).

Em sua inserção em um hospital psiquiátrico Goffman encontrou internos cuja a vida


anterior ao internamento, e já cometido por um sofrimento psíquico, tornou-se tão dolorosa
devido ao estigma, ao consequente preconceito e ao sentimento de abandono social, que a
internação acabou por representar um alívio. Isso compõe a carreira moral do paciente
psiquiátrico, na qual, além dessa fase de pré-paciente, a pessoa também passa pela fase do
internamento e pela fase do ex-doente, período de internação e período de pós-internação,
respectivamente (Goffman, 1961). Com isso, o autor se refere a internação como um processo
de continuidade da perda de si.

Assim como Foucault, Goffman (1961) também se atentou para a organização


arquitetônica das ITs: sempre afastadas do perímetro urbano. Isto representa diversos impactos
sobre o asilo, como a reorganização do espaço para receber visitas e inspeções e a execução de
sanções disciplinares abusivas, que envolviam inclusive agressões físicas que poderiam levar a
morte (Goffman, 1961).

Assim, com todos esses abusos e falta de cuidados adequados os internados acabavam
se ajustando ao asilo de duas maneiras: ajustamento primário, no qual conseguiam se comportar
exatamente como a instituição desejava e ajustamento secundário, quando não seguiam o que
era imposto pela disciplina da IT.

Fica claro que da mesma forma que Foucault, Goffman encontrou também instituições
morais que aplicavam tratamento essencialmente religioso sobre seus internados, a força de
trabalho também era explorada como uma forma de dar dignidade e de ofertar cura para os
loucos, e a disciplina era algo aplicado e cobrado com rigor, visando a produção de seres
humanos ideais ou descarte dos que não se ajustavam à norma social.

As comunidades terapêuticas e o internamento asilar na contemporaneidade


A lei 10.216/2001 ficou conhecida como lei da Reforma Psiquiátrica e visa incluir os

276
serviços hospitalares apenas como recursos últimos no cuidado com a pessoa em sofrimento
psíquico, sendo a inserção no território a tecnologia prioritária. A partir disso, a fim de atender
as demandas que surgiram com essa nova política, uma série de dispositivos de saúde foram
criados no âmbito de diferentes estratégias e programas, tais como a Estratégia de redução de
danos, uma ação pragmática e realista que prega que os profissionais de saúde devem intervir
na questão AD de forma a minimizar os danos e não a erradicação das drogas (Fiore, 2012); o
Programa de volta pra casa, que consistia em “auxílio-reabilitação psicossocial para egressos
de longas internações” (Ramminger & Silva, 2014, p. 43), entre outros.

Neste âmbito, os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) atuam como dispositivo de


referência na Rede de Atenção Psicossocial (Raps), a qual foi instituída somente na década de
2010 (CFP, MNPCT & PFDC-MPF, 2018). Atendendo a premissa de uma oferta variada de
serviços no campo da saúde mental (Thornicroft & Tansella, 2008), além dos Caps, vários
outros serviços compõem essa rede e dentre eles, as Comunidades Terapêuticas (CTs). Estas
são instituições de financiamento privado que variam em seu perfil e administração, e estão
inseridas na Raps como Serviço Residencial, ou seja, dispositivo que tem como uma de suas
funções realizar internações com duração de no máximo nove meses, em casos de emergência
psiquiátrica (CFP, MNPCT & PFDC-MPF, 2018).

Posto isto, discutiremos a relação das CTs com os processos de internamento asilar
através dos resultados apresentados no Relatório de Inspeção Nacional em Comunidades
Terapêuticas – 2017, que teve por finalidade verificar o funcionamento de Comunidades
Terapêuticas no território brasileiro (CFP, MNPCT & PFDC-MPF, 2018). A escolha desse
documento está atrelada ao lugar que as CTs têm alcançado nos últimos anos no Brasil: em
crescente expansão, essas comunidades são espaços, em sua maioria, destinados ao tratamento
em caráter asilar de pessoas que fazem uso de drogas ilícitas e álcool. Elas operam sob uma
diretriz religiosa impositiva e pregam a abstinência como tratamento (CFP, MNPCT & PFDC-
MPF, 2018).

As comunidades terapêuticas foram locadas incialmente no Ministério da Justiça e


permaneceram nesse domínio por quase uma década, até que foram realocadas ao Ministério
da Cidadania, mais especificamente na Secretaria Especial do Desenvolvimento Social. O
website dessa secretaria, em seus conteúdos sobre as políticas referentes ao consumo de álcool
e outras drogas dão ênfase nas comunidades terapêuticas através de uma série de reportagens,
pequenos comunicados, e outras formas de comunicação que exaltam essas instituições (Queijo,
2019).

Corroborando com essa postura institucional é importante colocar que foi a partir de um
ex-deputado e ex-Ministro da Cidadania que foi lançada a proposta, em 2019, de alteração da
resolução que corresponde a questão AD, excluindo a política de redução de danos, bem-
sucedida na experiência brasileira (Fiore, 2012), oficializando a abordagem de abstinência total
ao consumo de substâncias como tratamento médico. Era comum o então ministro afirmar de
forma reiterada uma suposta epidemia de Crack no país, embora tal suposição tenha sido
refutada pelo 3º Levantamento Nacional Domiciliar sobre o Uso de Drogas, realizado pela
Fundação Oswaldo Cruz, e cuja divulgação de seus resultados foi vetada pelo governo federal
(Garçoni, 2019).

Essa compreensão conservadora e a postura autoritária são alguns dos importantes


fatores para o retorno da internação compulsória em instituições asilares como recurso comum,
e não extraordinário. Vê-se os usuários de álcool e outras drogas através da ótica do estigma
que os circunda, atribuindo a eles o valor de miseráveis, corpos ociosos e adoecidos, carentes

277
de intervenção médica.

A reativação de uma prática tão antiga quanto a internação psiquiátrica baseada em


laudo jurídico e no estatuto de periculosidade do indivíduo, fica clara na postura que a
Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) tem adotado em relação às pessoas em situação de
rua que fazem uso abusivo de substâncias AD. Na realização do Congresso Brasileiro de
Psiquiatria da ABP há um espaço destinado exclusivamente ao debate de internação
compulsória (IC), nomeado de Internação Compulsória como forma de combate a cracolândia.
A organização do evento trata do espaço como uma Arena, atribuindo-lhe o caráter de atividade
científica inovadora, “onde os gladiadores [tal como são chamados os debatedores] discutem
temas polêmicos relacionados à atuação diária do psiquiatra” (ABP, 2018).

A Arena em questão foi alvo de lobby de membros do parlamento e do governo


brasileiro que demonstram interesse pela IC, através de um exercício de construção de um
capital político em uma gestão que se pretende neoliberal. A descrição presente no website da
XXXVI edição do evento traz falas do médico psiquiatra Angelo Campana, responsável por
mediar a Arena no ano de 2018. Campana argumenta a necessidade de internação compulsória
uma vez que o sujeito se apresente como um risco a ele mesmo e a outros.

Um médico e uma professora de direito, profissão regular da representante do


parlamento, concordam com as práticas de internação compulsória. Não surpreendentemente
isso corrobora com a literatura foucaultiana ao apontar para a união entre poder psiquiátrico e
jurídico como forma de dar respaldo aos processos asilares, assim como já foi citado no presente
trabalho, onde a compreensão do louco, agora dependente AD, corresponde a um risco a si e
aos outros, mas que ao mesmo tempo não deixa de ser visto como um ser doente e que deve ser
recuperado.

A produção do estigma através da vulnerabilização das pessoas é o que torna a


internação viável e desejável socialmente, pois como aponta Goffman (2004) o estigma é um
processo de confirmação da normalidade do outro. Tal aspecto corrobora com um dos muitos
fundamentos da Guerra as drogas, como aponta Fiore (2012): a insatisfação e o medo das elites
em torno da sujeira urbana são fatores importantes na implantação e fortalecimento dessa
política.

É através desse processo de estigmatização que observamos mais uma semelhança entre
o que foi posto por Goffman (1961) e os atuais aspectos da internação: encontrou-se em meio
a população de pessoas internadas nas comunidades terapêuticas aqueles cujos vínculos sociais
familiares antes do internamento haviam sido cortados, produzindo nos sujeitos uma sensação
de alívio ao serem internados (CFP, MNPCT & PFDC-MPF, 2018).

Seguindo a perspectiva sociológica de Goffman entendemos o processo citado como as


duas fases iniciais da Carreira Moral (CM) da vida do Paciente Psiquiátrico, a pré-internação e
a internação. A terceira e última fase da CM, a fase do ex-doente, também pode ser vista nas
CTs, uma vez que diversos ex-internos das comunidades permanecem trabalhando nelas como
voluntários nas mais diferentes condições, mas sem os direitos trabalhistas garantidos, alguns
chegam a esse cenário em troca de moradia e comida (CFP, MNPCT & PFDC-MPF, 2018).

Afastadas do perímetro urbano as CTs correspondem ao perfil de IT conhecido


historicamente, algumas delas tem semelhanças a mais com outra IT, as Quacres, centros
ingleses de regime asilar para os doentes que operaram durante o século XIX (Foucault, 1972).
Foucault (1972) nos diz que o seu fundador, William Tuke, assim como Pinel o fez na França,

278
removeu as correntes e celas no cuidado com os alienados e as substituiu por um modelo moral
de aprisionamento, pautado numa perspectiva religiosa cristã.

Essas experiências são o que compõe a genealogia dos processos de internamento,


provenientes, dentre outros aspectos, da lei francesa de 1838, na qual se substitui a interdição
dos doentes pelo processo asilar, retirando assim o poder que a família tinha sobre o louco
(Foucault, 2006). É a partir daí que a mão do Estado começa a pesar de forma mais drástica
sobre a questão, potencializando as casas de internação, os hospitais psiquiátricos, e
fortalecendo o poder médico e judiciário (Foucault, 2006) em detrimento do governo familiar
de questões que outrora eram outorgadas à intimidade doméstica.

Ao passar dos séculos essa postura do Estado cria um paradoxo, pois esse existe para
garantir o direito à liberdade dos sujeitos, porém segue proibindo (Fiore, 2012).

No Brasil o fenômeno do Crack tem sido abordado de forma emergencial e pontual, sem
grandes estratégias a longo prazo para combater os efeitos nocivos que o uso dessa substância
pode ocasionar (Ramminger & Silva, 2014). O Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e
outras Drogas foi lançado em 2010, e dentro dele havia o programa Crack, é possível vencer,
como uma ação imediatista e emergencial de recuperação das pessoas consideradas dependes e
de combate repressivo ao seu comércio. Todo o projeto, financiado pelo Ministério da Justiça,
falhou, visto que o comércio e o consumo de crack têm crescido (Ramminger & Martinho,
2014; Fiore, 2012).

Os miseráveis por certo período histórico eram presos nos hospitais, nas Casas de
Caridade, Casas de Punição, etc., para serem punidos pelo pecado da ociosidade, sendo assim
salvos da vagabundagem e dos perigos que as ruas os ofereciam. Nesses ambientes eles tinham
por objetivo o trabalho, a punição e a salvação. A laborterapia sobreviveu claudicante e
subterraneamente na história e aparece reatualizada nas CTs, aplicada como mecanismo de
tratamento e salvação dos loucos e desarrazoados, isto é, de pessoas consideradas doentes e
daqueles marginais, fora da grande ordem do mundo. A arqueogenealogia da reativação do
grande internamento (Foucault, 1972).

Nas CTs o início do tratamento, essencialmente religioso, é pautado na abstinência, no


asilo e no trabalho, com uma visão desvinculada do valor social de trabalho, uma vez que o
objetivo é a salvação religiosa por vias pré-estabelecidas e, concomitante ou adjacentemente a
punição – foram identificadas práticas de isolamento por longo período, privação do sono, etc.
(CFP, MNPCT & PFDC-MPF, 2018). O relatório de inspeção dessas instituições destacada
ainda que os sujeitos ao serem internados nessas comunidades têm seus documentos retidos e
não podem se retirar delas por um período de pelo menos seis meses, devem receber visitas
após um mês de internação e não tem direito a visitas intimas, tendo assim uma série de direitos
constitucionais violados.

A figura que se destaca em todo esse processo é a figura do médico, que detém o
conhecimento sobre a loucura e por tanto é o responsável por assinar o futuro de todo e qualquer
sujeito que assim seja compreendido. Nas CTs essa figura é substituída – quando não raro
fundida – pela figura do sacerdote religioso, visto que parte dessas comunidades não tem sequer
equipe de saúde (CFP, MNPCT & PFDC-MPF, 2018). Mas mesmo com essa troca de currículo
o poder exercido por ambos almeja o mesmo: a recuperação da pessoa doente. A recuperação
que significa limpar, cuidar, ajustar e reeducar o sujeito ao meio social produtivo, o que indica
um processo de normalização, o qual não significa produzir cuidado e promover saúde, nem
mesmo reabilitar ou devolver liberdade à pessoa, como é prometido, mas sim inculcar no sujeito

279
a ideia de um indivíduo limpo – entendendo-se de maneira rasteira as situações de drogadição
como estados de perdição, a serem revertidos – e eternamente grato, quando não continuamente
dependente dessas instituições.

Conclusão

Dentro do presente trabalho verificamos com quais nuances se desenham as práticas de


internação, incluindo debates sobre os espaços, as consequências e os interesses envolvendo a
questão. Procuramos discutir essas práticas relacionando-as com a bibliografia apontada,
trabalhando com objetos de pesquisa que dialoguem com os escritos de Foucault e Goffman.

Percebemos como o modelo asilar tem recobrado espaços e forças perdidos nas últimas
décadas após ações como a aprovação da lei da reforma psiquiátrica (lei 10.216/2001). Essa
restituição de forças tem ocorrido por vias legislativas, pois encontrou-se na internação
compulsória uma forma de ocupar os espaços dominados pelo saber médico. Sendo assim, as
ITs têm se fortalecido e ganhado roupagens e arquiteturas modernas, mas ainda mantém
semelhanças diversas com as instituições estudas por Goffman no século passado. O autor,
assim como o Relatório de Inspeção Nacional em comunidades terapêuticas, encontrou
tratamentos que fogem do caráter de promoção de saúde, práticas que ferem a dignidade
humana, desrespeito a crenças e credos, etc.

Foucault ao descrever as instituições da idade média e da era clássica apontou uma série
de características que perduram até hoje. A ideia moralista, religiosa, pautada no trabalho e na
força disciplinar são facilmente observáveis dentro das instituições que trabalham com os novos
desarrazoados: as pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas.

A política de Guerra as Drogas criou um fantasma sobre a vida dessas pessoas, pois
como a implicação dessa guerra é o fim da venda e do consumo, principalmente em meios
urbanos, fez-se necessário a produção de um regime de verdade sobre as drogas ilícitas que
favorecesse um regime de visibilidade, expressando sobre essas substâncias uma imagem social
de combate a elas, e consequentemente de exclusão das pessoas que com elas se envolvem.

Os movimentos em torno da retomada das práticas de internação asilares têm vindo de


diferentes lados, sejam eles jurídicos ou mesmo através da psiquiatria, a qual busca manter o
poder e a figura do médico como centro de todo o processo do cuidado com o sofrimento
psíquico.

Essas ações vêm ocorrendo sobretudo em torno de populações mais desfavorecidas e


marginalizadas, principais alvos da estigmatização pela questão AD, que são tratados como
sujeitos carentes e com necessidades extremas de intervenção do Estado. Interrogamos ainda
as razões pelas quais esta população marginalizada de usuários de álcool e drogas ilícitas tem
sido alvo privilegiado das estratégias de encarceramento que têm sido retomadas nos últimos
anos no Brasil. O que ficou claro foi a necessidade das elites econômicas de manterem um
espaço urbano livre de miseráveis, persistindo a prática medieval de encarceramento e prisão
da pobreza.

Os ataques às políticas que fogem a esse modelo higienista e excludente são constantes,
e tem crescido junto a onda de conservadorismo que assumiu os cargos de maior poder dentro
do governo brasileiro. É necessário assim pensar em mecanismos de resistência e de defesa às

280
políticas públicas humanitárias, pautadas na liberdade e no respeito aos direitos humanos, afim
de evitar que retornemos a era obscurantista onde aqueles que não se adequassem a norma eram
facilmente descartáveis e deveriam desaparecer do convívio social.

Referências
Associação Brasileira de Psiquiatria. (2018). Arena ABP 1: Internação compulsória como
forma de combate à cracolândia [publicação em website]. Recuperado de
http://www.cbpabp.org.br/hotsite/arena-abp-1-internacao-compulsoria-como-forma-de-
combate-a-cracolandia/.
Azevedo, A. O., & Souza, T. P. (2017). Internação compulsória de pessoas em uso de drogas e
a Contrarreforma Psiquiátrica Brasileira. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 3(27), 491-
510. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312017000300007
Conselho Federal de Psicologia, Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, &
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão / Ministério Público Federal. (2018).
Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas – 2017. Brasília.
Fiore, M. (2012). O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as
alternativas. Novos estudos CEBRAP, 92, 9-21. doi: https://doi.org/10.1590/S0101-
33002012000100002
Foucault, M. (1972). A História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1972.
Foucault, M. (1986). A Arqueologia do Saber. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense.
Foucault, M. (2005). Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal.
Foucault, M. (2006). O Poder Psiquiátrico. São Paulo: Martins Fontes.
Garçoni, I. (2019). GUERRA À PESQUISA: Aqui estão os números que o governo escondeu e
que mostram que não há epidemia de drogas no Brasil [publicação em website].
Recuperado de https://theintercept.com/2019/03/31/estudo-drogas-censura/
Goffman, E. (1961). Manicômios, prisões e conventos. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva.
Goffman, E. (2004). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade. 4ª ed. Fortaleza: LTC.
Larrosa, J. (1994). Tecnologias do eu e educação. In: Silva, T. T. (org.), O sujeito da educação.
Petrópolis: Vozes.
Leite, F. T. (2015). Metodologia Científica: métodos e técnicas de pesquisa. São Paulo: Ideias
e Letras.
Lemos, F. C. S., Silva, D. G., Galindo, D., & Mendes, L. (2015). Notas sobre a genealogia e a
pesquisa cartográfica. ECOS - Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 5(2), 209-218.
Recuperado de http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/download/1474/1207
Marton, S. (1985). Foucault leitor de Nietzsche. In: Renato Janine Ribeiro. (Org.). Recordar
Foucault. São Paulo: Brasiliense.
Queijo, D. (2019, maio 24) Parceria com as comunidades terapêuticas vai promover a adesão
ao Progredir [publicação em website]. Recuperado de http://mds.gov.br/area-de-
imprensa/noticias/2019/maio/parceria-com-as-comunidades-terapeuticas-vai-promover-a-

281
adesao-ao-progredir
Ramminger, T., & Silva, M. (2014). Mais substâncias para o trabalho em saúde com usuários
de drogas. Porto Alegre: Rede Unida.
Salatini, R. R. C. A. (2010). Discriminação Negativa – Cidadãos ou Autóctones?. Revista
Sociedade e Estado, 25(3), 603-607. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
69922010000300011
Thornicroft, G., & Tansella, M. (2008). Quais são os argumentos a favor da atenção comunitária
à saúde mental? Pesqui. Prát. Psicossociais, 3(1), 9-25. Recuperado de
https://ufsj.edu.br/portal-
repositorio/File/revistalapip/volume3_n1/pdf/Thornicroft_Tansella.pdf
Torcato, C. E. M. (2016). A história das drogas e sua proibição no Brasil: da Colônia à
República. Tese (Tese de doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São, São Paulo, SP, Brasil.
A POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS E O POSICIONAMENTO DO CONSELHO

282
FEDERAL DE PSICOLOGIA: UMA REVISÃO DA LITERATURA

Marcia Valéria Lopes Araújo


Fabiana Santos Silva

1. Introdução

Pensar na história da saúde mental faz refletir no tamanho do percurso que esse campo
percorreu para chegar ao resultado de seu funcionamento nos dias atuais. Aconteceram muitas
transformações ao longo da história, desde o conceito de transtorno mental aos serviços
voltados para o tratamento de pessoas diagnosticadas com tais transtornos.

Antes chamada de “alienismo”, ciência que teve sua origem a partir das observações
de Philippe Pinel e que só mais tarde viria a ser a psiquiatria dos dias atuais, seria encarregada
de estudar a alienação mental, distúrbio que produzia desarmonia na mente, desordem da razão,
de estar fora da realidade e de si, como diz o próprio conceito de alienação, e, atrelado a ela,
viria a ideia de periculosidade que se arrasta até hoje, de medo e discriminação social das
pessoas com transtorno mental.

Uma das marcas de todo esse processo de transformação foi a reorganização do


modelo assistencial que se pautava na internação hospitalar dos pacientes, proposta por Pinel,
em que o hospital passou a ser instituição terapêutica, e o isolamento dos alienados uma das
formas de tratamento, desconsiderando todo o contexto social e histórico dos pacientes, alvos
de violência institucional, e, muitas vezes, de maus tratos decorrentes de um tratamento moral
imposto.

A reforma psiquiátrica, comumente chamada, refere-se aos movimentos sociais


iniciados na década de 80 que lutavam para que os pacientes internados nos hospitais, tanto em
regime crônico e agudo, não continuassem submetidos ao estigma da institucionalização ou
hospitalização. Todavia, a reforma psiquiátrica no Brasil teve muitos percalços até que
acontecesse na prática, e, submetida até os dias atuais a constantes desafios. Através desse
percurso histórico, não é difícil imaginar porque usuários de drogas são marginalizados na
sociedade brasileira, e tratados de forma estigmatizada.

Não obstante, de acordo com a Cartilha de Redução de Danos Para Agentes


Comunitários de Saúde (2010) a qual trata sobre o tema, o uso de drogas está dividido em três
níveis, variando de acordo com o grau de prejuízo causado ao usuário, sendo eles: uso
recreativo/ocasional, que se refere ao uso da droga como objeto de prazer, sem que ela interfira
negativamente no dia a dia do sujeito; o uso habitual, no qual a droga está inserida na vida
cotidiana do sujeito, de forma que apesar de não causar prejuízos diretamente, pode tomar uma
posição de destaque em sua vida, podendo torná-la limitada pelo consumo; e o uso dependente,
em que a substância se torna uma necessidade, e o usuário prioriza a utilização da droga em sua
vida, o que leva a um estado de prejuízos sociais, físicos e emocionais.
Segundo o Ministério da Saúde (2003), o uso de drogas lícitas e ilícitas no nível

283
dependente ou ainda mesmo no habitual pode se relacionar com a violência, acidentes e
problemas de saúde orgânicos e psíquicos, destacando-se a posição de situação de risco por
comportamentos expositivos a doenças sexualmente transmissíveis, com o uso de drogas
injetáveis, e a ingestão de substâncias prejudiciais à saúde, em todos os seus aspectos.

Como forma de tratamento e prevenção para os danos causados pelo uso de substâncias
de forma prejudicial à saúde, foram promovidas ao longo dos anos, várias ações, desde
internação e prisão à alternativa de Redução de Danos. Com base nisso, esse artigo foi
elaborado com o objetivo geral de pesquisar o que existe na literatura e em documentos sobre
a Política de Redução de Danos, e tem como objetivos específicos ampliar os conhecimentos
acerca do tema sobre a Redução de Danos, seus aspectos históricos e estruturais, e a posição do
Conselho Federal de Psicologia sobre essa temática.

Assim, o presente artigo é dividido em seções que na tentativa de elucidar o assunto,


se apresenta da seguinte forma: 1 introdução, texto informativo sobre a estrutura e objetivos
dessa investigação; 2 desenvolvimento, texto desenvolvido com a história, ideias e conceitos
da Política de Redução de Danos; 3 discussão, texto em que foram explanadas as observações
à cerca da temática e o posicionamento do Conselho Federal de Psicologia sobre a política de
drogas; 4 conclusão, síntese e respostas ao problema de pesquisa levantados sobre o assunto.

Por fim, acredita-se que essa pesquisa pode contribuir com a discussão sobre a
implantação dessa nova política de tratamento aos usuários de álcool e outras drogas, que ainda
não foi regulamentada no Brasil.

2. Desenvolvimento

A Redução de Danos (RD) é um conjunto de políticas e práticas, cujo objetivo é


reduzir os danos associados ao uso de drogas psicoativas em pessoas que não podem ou não
querem parar de usar drogas. Por definição, redução de danos foca na prevenção aos danos, ao
invés da prevenção do uso de drogas, bem como foca em pessoas que seguem fazendo uso de
tais substâncias.

Ela tem seus primórdios em 1926, quando surgem na Inglaterra os primeiros indícios
das práticas características da RD, no Relatório de Rolleston feito por um grupo de médicos,
que no mesmo definiram que a realização de uma administração monitorada de uso de drogas,
como heroína e morfina para dependentes, era a forma mais adequada de tratamento, pois essa
seria uma maneira de aliviar a abstinência e seus sintomas.

Foi a partir dos anos 1980, que a Redução de Danos se manifesta em programas de
saúde, de forma organizada, com o objetivo inicial de diminuir a contaminação da hepatite B
existente entre os usuários de drogas injetáveis (UDI), e, posteriormente, também a
contaminação do vírus HIV, existindo em Amsterdã, na Holanda, um programa em
experimentação para a troca de seringas.
No final da década de 80, ocorreu no Brasil, no município de Santos-SP, a primeira

284
tentativa de inserção do programa da RD para o fornecimento de seringas aos UDI, porém, a
iniciativa foi barrada por uma ordem judicial, assim, os profissionais utilizaram outros meios
como indicar aos usuários para que desinfectassem as agulhas e seringas com hipoclorito de
sódio, para a reutilização.

O governo de Santos, em 1993, implantou o primeiro projeto do Brasil que ampliou a


figura de agentes de promoção e prevenção em saúde para além dos redutores de dano.
Posteriormente, surge no ano de 1995 o Programa de Redução de Danos (PRD), em Salvador-
BA, com o objetivo de realizar a troca de seringas, sendo esse o primeiro de vários programas
e projetos da RD que foram implantados em outros estados brasileiros, movimento que a
consolidou como uma estratégia de atenção aos usuários de drogas.

Após a aprovação em 1998 da primeira lei estadual, em São Paulo, que legaliza a troca
de seringas, a RD passa a ser vislumbrada, alguns anos depois, como uma estratégia na Política
de Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas que foi lançada pelo Ministério da
Saúde.

Com a redução da utilização de formas injetáveis de administração de drogas,


especialmente pela substituição de drogas injetáveis por crack, alguns dos redutores de danos
pensavam no fim do projeto da RD, uma vez que o crack não se relacionava diretamente com
a contaminação pelo HIV, pois, os fatos como o sexo pela droga, contágio por cachimbos, não
se mostravam suficientes para um investimento do Ministério da Saúde ou do Banco Mundial.

Porém, de acordo com a Cartilha de Redução de Danos Para Agentes Comunitários de


Saúde (2010), a Estratégia Pública do Ministério da Saúde, tem como foco a criação de práticas
da Redução de Danos que perpassem os serviços da rede assistencial de saúde pública do Brasil
(SUS), especialmente os serviços de saúde mental, como os Centros de Atenção Psicossocial –
CAPS, e, também os serviços de atenção primária à saúde como a Estratégia Saúde da Família
para que, dessa forma, ocorresse uma expansão do programa, que não se reduziria apenas às
ações de trocas de seringas.

O Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada aos Usuários de Álcool e


Outras Drogas foi implementado apenas em 2002, devido às recomendações da III Conferência
Nacional de Saúde Mental, com o reconhecimento do uso problemático de drogas como uma
questão de saúde pública muito relevante, e, implantando uma política pública que cuidasse
especificamente dos usuários de álcool e outras drogas, dentro do âmbito da saúde mental,
sendo uma estratégia à possibilidade ampliada de acesso ao tratamento, com um entendimento
mais dinâmico e completo do problema, e, também, a promoção dos direitos dos usuários e a
abordagem de redução de danos.

Segundo o documento da Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental no Brasil


(2005), da Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental, o programa leva
em consideração a multiplicidade das características da população brasileira, e da vasta
frequência de ocorrência de problemas que são causados com o uso abusivo e/ou dependente
de álcool e outras drogas, propondo a organização de ações desde a promoção à educação em
saúde, além de estratégias de serviços que vão para além dos hospitais, atrelando à rede de
atenção psicossocial, pautada na Redução de Danos.
Ademais, a criação e instalação de Centros de Atenção Psicossocial - álcool e outras

285
drogas (CAPS-ad) ocorreram na primeira década do século XXI, que marca a inserção do
tratamento para usuários de drogas no campo da saúde mental, replicando para essa área uma
forma institucional de cuidado para transtornos mentais, como uma alternativa para o
modelo hospitalocêntrico.

2.1 Redução de Danos: características de seu exercício

A Redução de Danos tem como objetivo geral evitar o envolvimento das pessoas com
o uso de substâncias psicoativas, caso possível, e quando não o for, para os que já são
dependentes, oferecer meios mais convenientes para que eles possam rever sua relação de
dependência, orientando-os para o uso menos prejudicial, ou mesmo para a abstinência, de
acordo com o que se estabelece em cada momento, para cada usuário.

A posição exercida pela estratégia de Redução de Danos se baseia na ideia de que a


abstinência não deve ser o único objetivo a ser alcançado em relação à saúde do usuário de
drogas, já que as práticas de saúde devem acolher, sem fazer um julgamento do usuário, levando
em consideração as possibilidades de cada situação, o que pode ser feito, o que está sendo
demandado, e as necessidades de cada usuário, sem deixar de lado a sua participação no
tratamento, afinal de contas devem-se pensar as diversidades.

É nessa perspectiva que a Redução de Danos oferece um caminho favorável, pois,


segundo o Ministério da Saúde (2003, p. 9): “[...] reconhece cada usuário em suas
singularidades, traça com ele estratégias que estão voltadas não para a abstinência como
objetivo a ser alcançado, mas para a defesa de sua vida”.

Percebe-se que a RD se apresenta como um método ou caminho que não exclui outros,
mas está direcionada ao tratamento que, nesse caso, busca tratar no sentido de aumentar a
liberdade e responsabilidade mútua com o indivíduo, estabelecendo assim um vínculo com os
profissionais que participam da responsabilidade no progresso da vida dessa pessoa que está
em tratamento, pelas relações dela com outros, e pelas vidas que nela se expressam. Pois,
quando se fala em busca pela promoção de saúde, é fundamental se pensar em uma intervenção
mais abrangente na qual os usuários possam cuidar de si mesmos, através da aquisição de
conhecimento, e do acesso a serviços de saúde qualificados.

De acordo com Petuco (2014), a Redução de Danos propõe a ideia radical de uma
clínica aberta que amplia a noção de acolhimento para além de apenas uma “porta aberta”,
propondo a alternativa de um “ouvido aberto” para além dessa escuta das vozes que
anteriormente eram interditadas. A RD propõe uma ampliação das práticas e da população
acompanhada, pois, quando se limita somente ao objetivo de abstinência, são excluídas as
possibilidades para a abertura na promoção de saúde para aqueles que não desejam ou não
conseguem trilhar esse caminho, e, além disso, amplia-se o foco possibilitando o atendimento
de demandas que possa não se relacionar de forma direta ao uso de substâncias em si.
Para a RD, deve-se ensinar a consumir com responsabilidade e consciência, como

286
também ensinar a não consumir, dependendo da maneira como cada sujeito se coloca em
relação à sua demanda de saúde, como por exemplo, informação para aqueles que não usam
drogas, apoio para que mantenha sua posição, e para ajudar colegas que usam. Para as pessoas
que usam drogas, um auxílio para manter um consumo não problemático e, ainda, para aqueles
que precisam de ajuda, ampliar o acesso a espaços de informação, atenção e orientação.

2.2 Resistência que enfrenta

A Redução de Danos, desde seu ingresso no Brasil sofreu resistência, e


provocou polêmicas, sendo acusada de facilitar o uso/consumo de drogas e de elevar gastos do
dinheiro público. É possível perceber que essa resistência para a implantação das estratégias
de RD ocorreu por causa do confronto entre os usuários e a repressão policial, que se dá
devido à relação estabelecida entre prevenção e repressão, ou à falta de conhecimento acerca
da RD, o preconceito e a estigmatização do usuário, e julgamentos morais.

Historicamente, no Brasil, tanto o usuário de drogas quanto o traficante eram levados


para a prisão. Foi a partir da Lei nº 5.726, de 29 de outubro de 1971 que passou a haver uma
diferenciação, em que somente o traficante deveria ser preso, enquanto o usuário, após passar
por uma perícia psiquiátrica, e ser identificado como patológico (viciado), poderia ser
encaminhado para o tratamento médico, porém, de acordo com Silva (2014, p.52), “na prática,
essa diferenciação serviu mais para separar os indivíduos de camadas mais pobres daqueles de
camadas mais abastadas do que propriamente usuários e traficantes”.

Segundo Silva (2014), o modelo de “guerra às drogas” foi fundado entre as décadas
de 1970 a 1980 nos Estados Unidos, apoiando-se nas formas da polícia reprimir o tráfico, e o
consumo de entorpecentes, impondo decisões a partir de análises que desconsideravam a
subjetividade da pessoa, quanto à particularidade da droga consumida.

Sob essa ótica, o problema não tem sido abordado em toda a sua complexidade,
pois, não são levadas em consideração as implicações econômicas, sociais, políticas, ou
psicológicas do indivíduo,

[...] a percepção distorcida da realidade do uso de álcool e outras drogas


promove a disseminação de uma cultura de combate a substâncias que são
inertes por natureza, fazendo com que o indivíduo e o seu meio de convívio
fiquem aparentemente relegados a um plano menos importante. (Ministério
da Saúde, 2003, p.6).

O uso abusivo de drogas existe de forma heterogênea, pois, ocorre com pessoas
diferentes, em contextos diferentes, razões e circunstâncias diversas. A busca pela abstinência
muitas vezes não é o objetivo dos usuários, dessa forma muitos abandonam o tratamento,
existindo aqueles que nem procuram o serviço, por não se sentirem acolhidos.

O estigma em volta do consumo de drogas, principalmente as ilícitas, causa uma


condição de clandestinidade, pois, alguns usuários têm medo do julgamento social, e não
querem ser identificados ou rotulados, o que também os afastam da busca de tratamento,
causando um agravo de seu estado de saúde social, físico e psíquico.
As políticas proibicionistas, têm por características, medidas de alta exigência como

287
ações baseadas na imposição moral, do medo à repressão, e na intolerância ao consumo
de drogas que determina a abstinência como pré-requisito para o ingresso do usuário em um
programa de tratamento, objetivando resultados de uma sociedade livre das drogas, mas sem
obter os efeitos esperados, pois, nem todos os usuários desejam ou conseguem a
abstinência, mas, segundo Machado e Boarini (2013), qualquer política na perspectiva de
controlar danos por meio da redução, era negligenciada.

2.3 Ações existentes no tratamento de usuários de álcool e outras drogas

Como a Política de Redução de Danos apresenta, há diversas formas de tratar usuários


de drogas, que não se baseia na abstinência imediata, que mal realizada, sem conhecimento
científico e técnico é tão pouco eficaz, e pode ser ainda mais adoecedora, e nem dita regras
comportamentais, mas se baseia em minimizar o uso da droga, e vê como fundamental a
liberdade do usuário de querer buscar o tratamento, respeitando sua singularidade e autonomia,
e, que, portanto, o tratamento deve levar em consideração sua história de vida, e adequar-se às
suas dificuldades, a exemplo da Estratégia Saúde da Família, e não o contrário, como acontecia
antes da Reforma Psiquiátrica.

As equipes de Saúde da Família são responsáveis pelas questões de saúde da


população de sua área de abrangência, o que implica em oferecer ações e
cuidado para os usuários de álcool e outras drogas. As equipes de SF podem
solicitar auxílio de profissionais especialistas em Saúde Mental para conduzir
os casos na própria unidade. (Cartilha de Redução de Danos para Agentes
Comunitários de Saúde, 2010, p. 55).

Contando com uma equipe multidisciplinar, como aponta a Cartilha, a Estratégia


Saúde da Família possui uma grande importância nas políticas voltadas para o tratamento com
drogas, pois se constitui como a porta de entrada prioritária para o Sistema Único de Saúde
(SUS), em que o foco primário é o acolhimento, e mesmo após encaminhar o usuário para um
serviço da rede de Saúde Mental, a equipe de Saúde da Família continua atuando, e sendo
responsável pela coordenação do cuidado, acompanhando o usuário, sua família, e todas as
questões de saúde durante o processo, orientando para um cuidado holístico do usuário, e não
mais voltado para a internação, como era comumente feito.

É de extrema importância pontuar o que Amarante (2007), no livro Saúde Mental e


Atenção Psicossocial, traz a respeito do tratamento atual às pessoas diagnosticadas com
transtorno mental, antes medicalocêntrico e verticalizado: a importância de uma equipe
multiprofissional no tratamento, em que psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, além da
própria inclusão social por meio de estratégias de participação social, sejam protagonistas das
políticas de saúde mental que apesar dos avanços, muito ainda precisa ser feito e cobrado para
melhorar a qualidade dos tratamentos, e a promoção da saúde mental como um todo, no país.

2.4 A criação dos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS como estratégia de reabilitação
e enfrentamento
Com a lei federal nº 10.216 de 06 de abril de 2001, a qual finalmente regulamenta a
atenção para a saúde mental no Brasil, visando realizar o fechamento de leitos nos hospitais
psiquiátricos, e futuramente o fechamento dessas unidades, além da criação e ampliação da rede

288
de atendimento a esses pacientes, os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS configuram-se
em uma importante estratégia alcançada, onde o paciente tem a possibilidade de receber um
atendimento multidisciplinar e integral com o quadro composto por psicólogo, psiquiatra,
enfermeiro, assistente social, e com a oportunidade de participar de oficinas, grupos, terapias
ocupacionais, dentre outros.

Existem ao todo seis tipos de CAPS, e são divididos de acordo com os serviços
oferecidos, a população e o porte, e a capacidade de atendimento: CAPS I, CAPS II, CAPS III,
CAPSi (infância), CAPS ad (álcool e drogas) e CAPS III ad, todos contando com uma equipe
multidisciplinar de saúde.
Nos diversos tipos de CAPS, o projeto terapêutico é singular para cada
pessoa, contemplando suas necessidades e desejos, podendo sua frequência
ao serviço ocorrer de forma intensiva, semi-intensiva e não intensiva. Nesses
espaços, oficinas, trabalhos de geração de renda e tratamento com medicação
(entre outras atividades) são desenvolvidos. É importante esclarecer que esse
serviço deve estar sempre pronto para acolher o usuário, não exigindo a sua
abstinência. É indicado para a fase de reabilitação, visando à reinserção social
do cidadão. (Cartilha de Redução de Danos para Agentes Comunitários de
Saúde, 2010, p. 57).
Porém, mesmo que a criação dos CAPS seja um ganho para a saúde mental brasileira
ao longo desses últimos anos, é possível de se notar, de acordo com textos que falam a respeito
da estratégia e por meio de quem conhece a realidade dos CAPS, que há uma distribuição
desigual referente à quantidade de CAPS existentes, sendo insuficientes para algumas regiões
e, portanto, fazendo-se necessário visitas a campo e estudos dos mesmos para que se conheça a
realidade de cada região do país, e, dessa forma, fazer uma distribuição correta e que atenda
todas as pessoas que precisam desse serviço. Pois, além de realizar um tratamento humanizado,
preocupando-se com a singularidade de cada pessoa, nos CAPS ad, por exemplo, trabalha-se
com a Política de Redução de Danos, que como foi citada acima, leva em consideração o modo
como cada usuário vive a experiência com a droga e com os motivos que o fazem buscá-la, e
não somente com a abstinência.

2.5 Drogas lícitas e ilícitas na sociedade brasileira e a descentralização dos meios de


cuidados
Algo que precisa ser sempre enfatizado na saúde mental é a questão da dependência
de drogas consideradas lícitas no Brasil. O uso do álcool, que mesmo presente no cotidiano da
maioria das pessoas, e em diferentes situações, parece ainda não ter uma atenção ampla voltada
para seus riscos e malefícios, sendo comercialmente livre e socialmente aceito, assim como o
uso do tabaco, em contradição às drogas ilícitas que são amplamente combatidas de forma
violenta.

Comprometer-se com a formulação, execução e avaliação de uma política de


atenção a usuários de álcool e outras drogas exige exatamente a ruptura de
uma lógica binarizante que separa e detém o problema em fronteiras
rigidamente delineadas, e cujo eixo principal de entendimento (e, portanto, de
“tratamento”) baseia-se na associação drogas-comportamento anti-social

289
(álcool) ou criminoso (drogas ilícitas). (Ministério da Saúde, 2003, p. 9).

Diante da realidade brasileira, se faz necessário olhar sob uma ótica mais abrangente
a dependência de álcool e outras drogas, abordada historicamente pela psiquiatria e medicina,
sendo o tratamento ainda realizado, em muitos lugares, nos moldes da exclusão do convívio
social, desconsiderando todas as demais consequências dos outros âmbitos que fazem parte da
vida: sociais, psicológicos, políticos e econômicos, e mostrando-se ineficazes as abordagens
terapêuticas utilizadas por clínicas psiquiátricas, comunidades terapêuticas, e etc.

A abstinência não pode ser, então, o único objetivo a ser alcançado. Aliás,
quando se trata de cuidar de vidas humanas, temos que, necessariamente, lidar
com as singularidades, com as diferentes possibilidades e escolhas que são
feitas. As práticas de saúde, em qualquer nível de ocorrência, devem levar em
conta esta diversidade. Devem acolher, sem julgamento, o que em cada
situação, com cada usuário, é possível, o que é necessário, o que está sendo
demandado, o que pode ser ofertado, o que deve ser feito, sempre estimulando
a sua participação e o seu engajamento. (Ministério da Saúde, 2003, p. 10).

Já que o usuário de álcool e outras drogas não é só um corpo com características


próprias, mas também um ser social que vive em comunidade com características peculiares,
também por esse motivo a abstinência não deve ser a principal meta a ser alcançada.

O Documento: A política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários


de Álcool e outras Drogas (2003), traz importantes apontamentos sobre a Política do Ministério
da Saúde na atenção integral de usuários de álcool e outras drogas, porém, algo a chamar
atenção e que precisa ser falado é a questão da separação entre o âmbito clínico e a saúde
coletiva no que diz respeito à prevenção, promoção e reabilitação, pois poderiam e deveriam
ser aliados, cada um com sua especificidade.

3. Discussão

O presente tópico tem como objetivo avaliar a coerência da Política de Redução de


Danos com o código de ética do psicólogo, ao declarar, de acordo com o Conselho Federal de
Psicologia, que reduzir os danos articulando ao controle do uso de substâncias psicoativas lícitas
e ilícitas, é mais eficaz do que exigir a obrigatoriedade da abstinência.

3.1 O cuidado humanizado e a garantia dos Direitos Humanos

O Conselho Federal de Psicologia é favorável à Política de Redução de Danos que


respeita o direito do usuário de decidir continuar o uso da droga de forma controlada ou aderir
à abstinência, e busca garantir ao usuário um cuidado humanizado e holístico, tendo em vista a
peculiaridade de cada pessoa, respeitando todas as suas dimensões de ser social, que vive em
comunidade, e, que, portanto, não deve ser excluído desse convívio, como contraria a antiga
proposta de internação.
Assim sendo, o Conselho visa promover um olhar mais atento ao problema das drogas,

290
possibilitando uma compreensão à cerca da descriminalização, e sem a criação de estereótipos,
enxergando a droga e o vício como de fato é: um problema de saúde pública, e, desse modo,
devendo assegurar ao usuário um tratamento que respeite os Direitos Humanos.

Ao reafirmar a perspectiva do cuidado humanizado também no âmbito das


Políticas Públicas, a temática relativa às pessoas que usam drogas tem
perpassado o fazer psicológico, motivando a atual gestão do Conselho Federal
de Psicologia – CFP a promover a aproximação e o diálogo com a categoria
e a sociedade, inclusive, tomando tal temática como um dos eixos centrais da
Comissão de Direitos Humanos. (Conselho Federal de Psicologia, n.d., p. 2).

Neste contexto, a proposta da Redução de Danos busca tratar usuários de drogas de


forma a considerar suas particularidades e possibilidades, sem pré-julgamentos morais, dando-
lhes acesso à saúde sem a exigência da abstinência, o que promove maior inserção do público-
alvo, já que a própria sociedade trata o usuário de maneira objetiva, analisando somente o
problema “Drogas”, sem ampliar a visão para as dimensões que a envolvem, e no qual o usuário
está inserido.

Tais usuários acabam sendo rotulados, então, como pessoas inferiores, e sem crédito,
relacionando-os à criminalidade, e reforçando abordagens excludentes e violentas, dificultando
a busca e efetividade do tratamento.

4. Conclusão

Como já discutido, o consumo de drogas no Brasil é uma questão importante para a


saúde pública, pois, afeta de maneira prejudicial uma grande parcela da população do país. No
entanto, como já exposto, o problema do consumo abusivo de substâncias não foi sempre aberto
a possibilidades de tratamento de forma adequada, já que os meios de tratar tinham caráter
segregacionista, moral e violento, que não cuidava dos usuários, mas sim os tirava de seus
convívios na comunidade, provocando uma situação de isolamento, tratando-os como
criminosos. O estigma em torno do indivíduo se instalava com muita facilidade, sendo ele
considerado um ser agressivo, que não possui controle por seus próprios atos, e, dessa forma,
sem o controle da sua própria liberdade.

A Redução de Danos, por outro lado, não se limita a trocar seringas, sua prática vai
além, pois age por meio de princípios relacionados à escuta e orientação de pessoas com
problemas ligados ao uso de drogas. Desse modo, a RD pode atuar em outros campos, como
por exemplo, em relação ao consumo de álcool, direcionando sua ação aos meios de
comunicação que poderiam ser utilizados de forma a propagar campanhas de redução de danos
à saúde dos consumidores de álcool.

Seria interessante também propor uma modificação na legislação, que levasse à


proibição de propagandas de bebidas alcoólicas nos meios de comunicação em massa, ficando
limitadas somente a locais de venda, como por exemplo, bares, prateleiras de supermercado,
etc., como já é feito com o tabaco, no Brasil, como propõe o Ministério da Saúde na Política
para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas (2003).
Apesar dos benefícios possíveis aos usuários de drogas, a Política de Redução de

291
Danos ainda não foi oficializada como estratégia de saúde pública por todo o país, deixando o
espaço para o cuidado desses usuários às instituições que não estão preocupadas com a
autonomia e bem-estar desses usuários, utilizando-se de práticas retrógadas e ineficazes.

5. Referências

Amarante, Paulo. (2007). Saúde mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: editora Fiocruz.
Cartilha de Redução de Danos para Agentes Comunitários de Saúde. (2010). Diminuir para
somar: Ajudar a reduzir danos é aumentar as possibilidades de cuidado aos usuários de
drogas. Rio de Janeiro.
Conselho Federal de Psicologia. (2019). Posicionamento Político do Conselho Federal de
Psicologia relativo à Política de Drogas. Recuperado em 4 de julho de 2019, de
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2014/12/Posicionamento-pol%C3%ADtico-
do-CFP-relativo-%C3%A0-Pol%C3%ADtica-de-Drogas.pdf
Conte, Marta et. al. (2004). Redução de danos e saúde mental na perspectiva da atenção
básica. (pp.59-77). Porto Alegre: Boletim da saúde. Recuperado em 29 de junho de 2019,
de http://www.boletimdasaude.rs.gov.br/conteudo/1272/reducao-de-danos-e-saude-
mental-na-perspectiva-da-atencao-basica
Machado, Letícia Vier, & Boarini, Maria Lúcia. (2013). Políticas sobre drogas no Brasil: a
estratégia de redução de danos. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(3), 580-595.
https://doi.org/10.1590/S1414-98932013000300006
Ministério da Saúde. (2003). Secretaria Executiva. Coordenação Nacional de DST e AIDS. A
política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas.
(p. 60). (Série B. Textos Básicos de Saúde). Brasília: Secretaria Executiva.
Ministério da Saúde. (2005). Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de
Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Brasília:
Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde
Mental: 15 anos depois de Caracas.
Petuco, Dênis Roberto da S. (2014). Redução de Danos: das técnicas à ética do cuidado. In
Ramminger, Tatiana; Silva, Martinho (orgs.). Mais substâncias para o trabalho em saúde
com usuários de drogas. (pp. 133-148). Porto Alegre: Rede UNIDA.
Pitta, Ana Maria F. (2011). Um balanço da Reforma Psiquiátrica Brasileira: Instituições,
Atores e Políticas. São Paulo: Universidade de São Paulo.
Silva, Claudia Ciribelli R. (2014). Da Punição ao Tratamento: rupturas e continuidades na
abordagem do uso de drogas In Mais substâncias para o trabalho em saúde com usuários
de drogas. (pp. 51-68).
Silveira da, Ricardo Wagner M. (2016). Redução de danos e acompanhamento terapêutico:
aproximações possíveis. Revista do NUFEN, 8(1), 110-128. Recuperado em
28 de junho de 2019, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-
25912016000100008&lng=pt&tlng=pt.
A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NO TRATAMENTO DE USUÁRIOS DO CAPS AD

292
DE UMA CIDADE DO INTERIOR ESTADO DO CEARÁ

Marcos Eduardo Azevedo Martins


Socorro Taynara Araújo Carvalho
Francisca Liciane Marques
Antonio Jonh Lennon da Costa Marques

Introdução

Compreende-se que o trabalho do Psicólogo voltado à saúde pública além de ser um


campo de atuação recente causa impactos que se perpetuam através de inúmeras demandas e
funções realizadas sob o acolhimento do indivíduo em formas de atendimentos grupais e
matriciamentos como forma de intervenção.

É nesse sentido que vistas a essa nova figura de Psicólogo que surge em decorrência da
existência de Políticas Públicas que este artigo foi realizado através da experiência de uma visita
técnica feita ao Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Droga (CAPS AD) em uma cidade de
médio porte no estado do Ceará.

O CAPS AD presta serviços em forma de tratamentos a indivíduos na qual fazem o uso


exagerado de álcool e outras drogas, e embora no Brasil, segundo pesquisas, o uso dessas
substancias psicoativas não sejam tão comparadas a outros países mais desenvolvidos, sua carga
evolutiva, que é recente, tem prejudicado e destruído a vida de muitos, o que tem causado
preocupação aos profissionais da saúde, principalmente, psicólogos.

É desta forma que nesses centros em questão toda a atenção psicossocial está voltada a
uma totalidade de cuidados através de intervenções que visão trazer novas possibilidades que
favoreçam os indivíduos e que provoquem impactos na autonomia dos mesmos tendo
consciência de que para tanto se faz necessário a atuação da família como forma de extensão
desse processo de cuidado para melhoria e qualidade de vida dos sujeitos.

De acordo com Schrank (2008, p.128) “a família se destaca pelo seu papel de cuidadora
e por ser, muitas vezes, o elo mais próximo que o usuário tem com o mundo”. E é frente essa
perspectiva em questão que se faz necessária uma pergunta norteadora e indispensável para este
estudo, pergunta esta pautada no questionamento de que será que realmente esses indivíduos
usuários tem recebido o apoio necessário de modo a sentirem acolhidos e cuidados não só pelos
centros em questão, mas também pelo seu próprio núcleo familiar?

É através desse questionamento que o objetivo deste estudo se paulatina na defesa da


importância da existência de políticas públicas como CAPS AD para intervenção de Psicólogos
na esfera familiar, bem como se volta para o reconhecimento da delicadeza de impactos
positivos e negativos com que se faz a atuação do Psicólogo nestes centros as atividades
terapêuticas motivam o paciente a falar, além de aprimorar a escuta dos profissionais. (Santos,
Almeida, Venancio & Delgado, 2000)
A atuação do Psicólogo, portanto, estará voltada no fenômeno família vistas ter

293
consciência crítica de que nesse processo de cuidado a mesma tem de se está consciente de que
se é uma extensão diante desse processo delicado de cuidado em que exige humanização.

É nesse sentido que os Psicólogos nestes centros em questão enfatizam a importância


de se abordar as famílias novas formas de conviver com os usuários, provocando assim a
desmistificação da concepção de vergonha que se perpetua através de exclusão, maus tratos,
rejeição e enclausuramento.

Segundo Schrank (2008) a família, entendida como uma unidade de cuidado necessita
do apoio profissional para orientá-la e fornecê-la quando esta se encontrar com um indivíduo
em um estado de fragilidade. Nesse sentido que a atuação do Psicólogo em centros de atenção
como Caps Ad são realizados para além dos muros da instituição e se voltam as comunidades
em prol de apropriar-se do conhecimento de como se dão das relações comunitárias e familiares
dos indivíduos em questão.

É desta forma que aqui é colocado em pauta a apropriação no âmbito comunitário, visto
que muitas das vezes o ambiente em que os indivíduos usuários estão inseridos contribuem para
a perpetuação de vícios, e visto que a entrada dos psicólogos nesses locais os geram
conhecimento da não contribuição da família diante desse processo terapêutico.

É deste modo que os psicólogos passam a compreender que as famílias por vezes por
não terem consciência crítica do processo de tratamento ofertado por políticas públicas como
CAPS AD, acabam distanciando os sujeitos do espaço de contato no próprio núcleo familiar e
em inúmeros casos chegando até a expulsão do convívio de dentro de casa e em outros casos,
quando não se há o processo de expulsão, existem maus tratos psicológicos através da utilização
de cordas, correntes, ou outros tipos de amarras que prendem os mesmos dentro de casa com
intuito de que estes estejam “livres” do uso de psicoativos.

Método

Trata-se de um estudo qualitativo de natureza bibliográfica realizado através de uma


visita em campo ao CAPS AD de uma cidade de médio porte do estado do Ceará, na ocasião
utilizamos como ferramenta de captura de impressões e falas o Diário de Campo, que é uma
técnica potente para relatar experiências frente a investigação de um fenômeno específico.

Além disso, para realização deste estudo em questão realizamos uma revisão
bibliográfica, em que selecionamos artigos pertinentes a temática que proporcionaram um
embasamento teórico para esse trabalho.

Resultados e Discussão

A atuação do Psicólogo em centros de atenção psicossociais como Caps Ad é permeado


por desafios que convergem e divergem diante do processo de atenção aos usuários, tanto que
para que o tratamento seja eficaz é necessário trabalhar como usuário tanto no âmbito individual
como no coletivo (Mori & Oliveira, 2014).
É deste modo que no centro em questão este trabalho psicológico se faz através de uma

294
equipe multiprofissional, sendo também um trabalho interdisciplinar voltado à abordagens
psicológicas especificas a cada psicólogo, e que portanto, a terapêutica em si se faz através de
grupos de mediação, e oficinas tanto terapêuticas quanto recreativas que proporcionam a
recriação de significados desses indivíduos através da arte, da música, da poesia e da pintura.

Diante dessa visão em questão surgem questionamentos dos motivos que levam os
usuários em tratamento recaírem ao uso de psicoativos mesmo estando sob todo suporte
psicológico a qual não são coibidos no centro de atenção, recaídas estas que por muitas vezes
fazem com que estes retornem ao centro de atenção em situações mais críticas do que quando
chegaram pela primeira vez, é deste modo que por esse questionamento surge a importância de
se enfatizar a participação da família diante desse tratamento, e para além disto questionar-se
se na verdade essa participação existe.

É dessa forma que dotado de questionamentos que os psicólogos através de um processo


de matriciamento que segundo Campos (1999) estimula a produção de novos padrões de
relacionamento entre equipes e usuários que amplia o compromisso profissional com a
produção a saúde por meio da superação de obstáculos organizacionais que dificultam a
comunicação é que os mesmos se voltam as comunidades em busca do contato com as famílias.

Diante disto, estando em comunidade, os Psicólogos do centro em questão afirmam se


se surpreenderem com as famílias dos usuários que estando totalmente leigas a compreensão
do próprio processo terapêutico e do próprio conceito de subjetividade “colaboram” para o
adoecimento do indivíduo de formas diretas ou indiretas, seja na livre expressão de comentários
maldosos tais quais;

“Este sujeito é vagabundo”, “não presta”, “não vale nada”, dentre outras nomenclaturas,
ou seja na exclusão direta que faz jus a própria expulsão do indivíduo usuário de casa ou optação
pelo o próprio enclausaramento, que desperta nos psicólogos questionamentos quanto a
perpetuação de processos que não se divergem de modelos tradicionais e assistências de se
tratar o indivíduo tido como “louco”.

É nesse sentido que para a compreensão da existências de tratamentos tradicionais e


assistências se é necessário abordar o próprio movimento da luta antimanicomial que surge em
1987 por meio da crítica de tratamentos de exclusão ao indivíduo tido como louco, tratamento
estes como citado acima tradicionais e assistências, o que se pode vir a ser colocado em pauta
dentre estas figuras consideradas como “loucos” hoje em dia os usuários de álcool e outras
drogas, que além de não serem produtivos perante a sociedade causam no contexto familiar
uma conotação de vergonha.

É diante dessa compreensão que através de inúmeros movimentos críticos a tais modelos
surge uma reforma psiquiátrica que, no entanto, se pode ressaltar que:

A reforma ocorre devido à transição política brasileira desde o primeiro ditatorial militar
dos anos setenta, onde ocorreu à consolidação de democracia representativa com a
retomada das eleições diretas em 1989. O sistema assistencial é confrontado e um
modelo alternativo em saúde mental começa a ser desenvolvido, problematizando as
relações entre esferas públicas e privada, ampliando o acesso, na forma de direito social
(SUS) Sistema Único de Saúde, que posteriormente busca ações substitutivas para o

295
modelo asilar centrado no hospital psiquiátrico (Goularte, 2006, p.10).

Nessa perspectiva, é sob a compreensão desse manto de contato do Psicólogo com a


família que se pode responder à pergunta norteadora feita ao início do estudo, pois nem sempre
os familiares acolhem aos usuários, contribuindo deste modo para intensificação de transtornos
por meio de traumas que refletem no próprio desamparo ou maneiras de se “excluir” os
indivíduos.

Diante dessa compreensão o profissional em psicologia tem por objetivação integrar a


família ao próprio indivíduo resignificando através do contato direto nas comunidades que o
abandono não é o caminho correto ao tratamento destes que chegam até a atenção dos centros
em questão.

Nesse contexto, é necessário ressaltar que a promoção de cuidados a indivíduos usuários


de psicoativos nem sempre foram presentes no contexto da história brasileira, e é vista essa
compreensão que os psicólogos do centro em questão percebem nas famílias a reprodução de
modos tradicionais de exclusão, regredindo assim todo um contexto de luta que apenas deixou
de ser institucional para nestes casos em questão ser reproduzido no âmbito familiar.

Segundo Brasiliano (1997) o objetivo de se criar um espaço reflexivo faz jus a colocar
o paciente, nesse caso, usuário, na busca de sentido de sua própria vivência, na busca de se
encontrar uma resposta que não seja na droga, o que no estudo em questão faz jus a toda e
qualquer substancia psicoativa que impacta na realidade psíquica dos indivíduos usuários
marcados pela angustia, fragilidade e aniquilamento.

Nesse sentido, analisar todo um contexto social, comunitário e familiar do indivíduo


usuário é uma questão de se discutir e intervir nessa realidade excludente na qual os mesmos
fazem parte, e para tanto, é necessário que se coloque o fenômeno família em outra posição que
não à de naturalização dos “cuidados” a estes indivíduos, naturalização esta no sentido de se
naturalizar a própria exclusão e maus tratos pela concepção de anormalidade nessa relação entre
o sujeito e a própria substancia psicoativa.

É sob esta compreensão que o profissional em psicologia afirma que a família nesse
processo de tratamento delicado deve agir como se fossem uma espécie de extensão do fazer
psicológico no sentido de darem apoio emocional a qual estes indivíduos usuários necessitam,
o que se percebe através deste estudo não existir.

Considerações Finais

O estudo em questão traz como reflexão a questão do atendimento do psicólogo em


centros de atenção psicossociais como o CAPS AD apontando para uma discussão de que apesar
dos atendimentos estarem pautados dentro de uma terapêutica analisada e planejada através de
respaldo de teorias psicológicas com diversas formas de estruturar e resignificar a vida dos
sujeitos faz-se necessário a introdução da família diante desse processo.

É nesse sentido que através de uma técnica denominada matriciamento, onde os


psicólogos estão sujeitos a estarem no espaço de contato comunitário e familiar dos usuários
que surge a descoberta da resposta do porque muitas das vezes o fazer da psicologia é apontando

296
pelo próprio senso comum como ineficaz nesses centros, no sentido dos usuários retornarem a
fazer usos de psicoativos e muitas vezes de forma mais brusca na qual entrou no atendimento
público.

É dessa forma que a reposta contraditoriamente se volta ao próprio senso comum, a


família, a comunidade e o espaço de contato do indivíduo que através de julgamentos,
xingamentos e exclusões impossibilitam que a terapêutica se faça eficaz.

Diante disto, nesse estudo é levado em consideração que a própria terapêutica faz parte
de um processo, já que este é aniquilado quando o sujeito se depara com uma realidade
excludente em seu cotidiano que provoca ao mesmo a recaída.

Nesse sentido, a compreensão desta dimensão subjetiva que é a família, promove no


psicólogo uma intervenção em comunidade que vise descontruir a ideia de que a própria é
sinônimo de neutralidade mediante o processo de terapêutica, trazendo assim a ideia de que a
família em si é uma extensão desse processo terapêutico na medida em que os membros
colaboram para o tratamento compreendendo que fazem parte deste processo delicado.

Logo, o fazer da psicologia não se resume apenas em intervenções no interior dos


centros através de terapias ocupacionais através da arte, música e pintura, mais, todavia, se
estendem ao exterior da família na busca de correlações entre o mau funcionamento da
terapêutica como forma de intervir para a consciência do papel ativo da mesma para com o
processo de tratamento do indivíduo.

Considera-se através desse estudo que não se é fácil o processo de tratamento em centros
de atenção como CAPS AD por parte do psicólogo, e para além disto os tratamentos se tornam
mais difíceis ainda de serem realizados sem o apoio do núcleo familiar, cabendo aqui destacar
a não ineficácia do tratamento psicológico através do questionamento da não contribuição da
família diante do mesmo.

Referências

Brasiliano, S. (1997). Grupos com viciados em Drogas. Porto Alegre, RS: Artes Médicas.
Böing, E., & Crepaldi, M. A. (2010). O psicólogo na atenção básica: uma incursão pelas
políticas públicas de saúde brasileiras. Psicologia: ciência e profissão, 30(3), 634-649.
Campos, G. W. D. S. (1999). Equipes de referência e apoio especializado matricial: um
ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 4, 393-403.
Goulart, M. S. B. (2006). A construção da mudança nas instituições sociais: a reforma
psiquiátrica. Pesquisas e práticas psicossociais, 1(1), 1-19.
Mori, M. E., & Oliveira, O. V. M. D. (2009). Os coletivos da Política Nacional de
Humanização (PNH): a cogestão em ato. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, 13, 627-
640.
Schrank, G., & Olschowsky, A. (2008). O centro de Atenção Psicossocial e as estratégias

297
para inserção da família. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 42(1), 127-134.
Santos, N. S., Almeida, P. F. D., Venâncio, A. T., & Delgado, P. G. (2000). A autonomia
do sujeito psicótico no contexto da reforma psiquiátrica brasileira. Psicologia: ciência e
profissão, 20(4), 46-53.
O USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS POR ADOLESCENTES E SUA

298
RELAÇÃO COM O ÂMBITO FAMILIAR

Marcos Eduardo Azevedo Martins


Socorro Taynara Araújo Carvalho
Francisca Liciane Marques
Antonio Jonh Lennon da Costa Marques

Introdução

Apesar de todas as transformações ocorridas na estrutura e funcionamento da família


nos últimos anos, ela ainda é a base de todo e qualquer ser humano. A família é um sistema
formado pelo conjunto de relações estabelecidas entre seus membros que está em permanente
processo de adaptação às transformações internas e externas a este sistema (Pratta & Santos,
2007).

É desta forma que, levando em consideração a suma importância do fenômeno família


que se compreende que não se pode dissociar a adolescência da mesma por ser uma fase de
transição do ciclo vital entre a infância e a fase adulta, carregada de transformações biológicas,
psicológicas e sociais onde corre uma explosão de energia, e onde também o adolescente se
considera um autossuficiente, capaz de fazer tudo, e não arcar com as consequências por nada.

Há uma série de rupturas, aprendizados e questionamentos das regras e normas sociais


e familiares no campo da adolescência, que leva estes indivíduos a um crescimento pessoal e
forte integração social. Em relação aos sentimentos, há uma ideia de não compreensão pelas
pessoas que fazem parte da sua vida, como pais, avos, professores, etc. sendo propícia a
ocorrência de conflitos, tornando a convivência difícil e conturbada, mais que ainda assim são
capazes de contribuir para o processo de desenvolvimento, para a conquista da independência
e autonomia dos mesmos, quando atravessada por diálogos e relações horizontais entre pais e
filhos.

Nesse sentido que por ser permeado de regras que predizem como devem ser ou como
devem se comportar que o adolescente por muitas das vezes tende a enveredar por outros
caminhos dos quais não sejam os ideologizados pelos pais ou outros familiares, assim buscando
como forma de se contrapor aos pais a inserção em grupos que por muitas das vezes colaboram
para a sua entrada em campos de vícios por meio de álcool e outras drogas.

Desta forma que na adolescência o uso de drogas tem sido considerado como um
problema complexo e relacionado a diversos aspectos, como os individuais, familiares, sociais,
sendo capazes de influenciar na elaboração deste e de outros comportamentos ameaçadores para
o bem-estar do adolescente.

Estudos epidemiológicos descrevem um quadro preocupante, pois o uso abusivo de


substâncias psicoativas tem início cada vez mais precoce e ocorre de forma acentuada, tanto no
Brasil como no mundo. (Zappe & Dapper, 2017) A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar
identificou em 2009 que a experimentação de drogas ilícitas foi de 8,7% para o conjunto dos
alunos pesquisados nas capitais brasileiras, já em 2012 foi de 9,9%, representando um ligeiro

299
aumento (Malta, et al., 2011).

Portanto, este estudo busca compreender as consequências familiares decorrentes do uso


de substâncias psicoativas pelos filhos adolescentes. Além de buscar analisar as possíveis
causas familiares capazes de desencadear o uso prejudicial de substâncias psicoativas por
adolescentes.

Método

Trata-se de um estudo de cunho qualitativo de natureza exploratória, em que


escolhemos como método uma revisão integrativa da literatura, pois consideramos esse tipo
de método eficaz, pois “proporciona a síntese de conhecimento e a incorporação da
aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática”. (Santos, Silva & Carvalho,
2010)

Foi realizada uma revisão integrativa na base de dados eletrônicas SciELO, utilizando
como orientador de busca, o descritor chave “Adolescentes usuário de drogas e sua relação
familiar”. Foram aplicados os seguintes critérios de inclusão: artigos desenvolvidos no Brasil,
artigos que fossem relevantes para essa temática.

Na primeira busca encontramos 37 artigos, com a leitura dos resumos e títulos


desenvolvemos o estudo através de 8 artigos que foram considerados relevantes para a
construção do artigo, assim ressaltamos a escassez de artigos que abordam sobre esse tema
específico.

Resultados e Discussões

A adolescência por ser permeada de conflitos que impactam totalmente na construção


de identidade dos indivíduos pertencentes a esse fenômeno que não é uma fase natural do ciclo
do desenvolvimento, mais que para além disto, relaciona-se com condições sociais, culturais e
econômicas se apresentará a cada realidade uma maneira diferente, visto isto não se pode
afirmar que exista adolescência e sim adolescentes.

É diante dessa compreensão que o indivíduo se sente pressionado, tanto pelos pais
quanto pela sociedade, que lhe exigem uma definição e o estabelecimento de um rumo para sua
vida, devendo este se tornar menos dependente de proteção e de cuidados. (Carranza & Pedrão,
2005; Silva & Mattos, 2004)

É sob este manto de proteção e cuidado que muitas das vezes o indivíduo adolescente
sente-se preso a um conjunto de regras e ideologias que contemplam seus berços familiares de
geração em geração. Diante disto surge em formas de narrativas nesse entremeio da
adolescência questões sobre a própria construção da família e do porque estas o ditam e regram
como se portar frente a sociedade.

Nessa perspectiva, que muitas das vezes estando diante de famílias conservadoras de
sua própria identidade enquanto família que os adolescentes em busca de fugir de uma realidade
de demandas que os determinam como devem se portar, acabam por se encaixar em entremeios
que os permite está em contato com o uso de substâncias psicoativas, o que para família gera

300
uma conotação de angústia pelos mesmos estarem se desviando de seus ideais.

Alves & Kossobudzky (2002) ressalta que a entrada do adolescente no âmbito do uso
de substâncias psicoativas é uma forma de transgressão das normas impostas. Assim ficam
sobrecarregados de parâmetros ditadores que os adolescentes embarcam no uso de substâncias
psicoativas provocando conflitos no âmbito familiar.

De acordo com De Sousa Santos (2002) a família fornece modelos e influencia


diretamente os padrões de conduta dos indivíduos, principalmente, se estes estiverem em
processo de desenvolvimento, buscando definir os contornos de sua identidade e organizar seu
sistema de valores.

É desta forma que aqui cabe um questionamento indispensável sobre a visão da família
quanto ao uso de psicoativos por adolescentes, questionamento este que ganha a seguinte forma:
Os conflitos, confusões e brigas que geram consequências negativas no âmbito familiar do
usuário faz jus ao cuidado pela família que protege? Ou também faz parte da vergonha que
gerará no próprio núcleo familiar ou na sociedade em si visto que a família é permeada por
ideais subjugados por si mesmas e pela própria sociedade?

Nesse viés, a família, mais precisamente “os pais”, no Brasil, por serem permeados de
ideologias que predeterminam o que se é ter um “bom filho”, ou “ser um bom pai”, sofrem
impactos negativos quando se deparam com uma realidade contraditória daquilo que
planejavam aos filhos, ou do que que esperavam destes diante de uma sociedade, daí onde nasce
os conflitos nos núcleos familiares, conflitos estes que são narrados em formas de interrogações
tais quais: “O que pensarão dos meus filhos?” “Como tal irá se inserir no mundo do trabalho?”
“Como tal será visto perante nossos familiares?”

É nesse sentido que a preocupação com os filhos, com a forma de educá-los, de orientá-
los e as maneiras de conduzi-los com segurança nunca estiveram tão presentes nas discussões,
científicas, como nos dias atuais (Cano 1997).

Compreende-se assim, que os conflitos familiares decorrentes do uso de psicoativos


pelos filhos além de estarem conectados a ideias sociais, profissionais, e também familiares não
se dissocia de um padrão capitalista de produção onde os pais cada vez mais se esperam dos
filhos a devolutiva de seus esforços.

É nesse contexto, que o núcleo familiar acaba falhando no sentido de não levar em conta
a própria subjetividade do sujeito o sobrecarregando de regras, tais quais: “Como se vestir,
como agir, o que ser, para onde devem ir, com quem, em que devem se ocupar”, para que além
de uma boa formação, tenham vagas garantidas no mercado de trabalho.

Desta forma que aqui é levado em consideração que a família acaba se perdendo em seu
próprio “não dialogo estrutural”, estes não dialogam, mais ditam regras que por muitas das
vezes deixam o adolescente sobrecarregado de atribuições sem os questionar como estes
conjuntos de ideias e concepções de futuro chegam até a estes, contribuindo assim para futuros
problemas psicológicos que os fazem enveredar ao caminho do uso de substâncias psicoativas
como uma maneira de fuga da realidade.

É enviesado nesse olhar que o levantamento do questionamento de a família ser um


fator de risco para jovens enveredarem ao uso de substância psicoativas nunca se é questionado,
portanto os conflitos interpessoais são atribuídos apenas a figura da família em si que sofre um

301
processo de vergonha e angustia pelos filhos não estarem correspondendo seus ideais, e ao
contrário, se distanciando de tudo o que eles propunham gerando nestas um sentimento de
fracasso que as leva a excluir os jovens do convívio familiar, seja os afastando de reuniões
familiares, festas, viagens, sejam permanecendo apenas como livre expressão de opressão
através de um “dialogo” que oprime, fere e machuca os sentimentos dos filhos.

Nesse cenário, que os conflitos podem ser conotados através de brigas, que muitas das
vezes perpassam de agressões verbais a físicas, xingamentos, agressões físicas e psicológicas
que ao invés de distanciar o adolescente do espaço de contato com as substância o aproximam,
o que para família é mais um motivo de conflito entre si que se reverbera em forma de
questionamentos tais quais: “Onde eu errei? ” “Só tento ensinar o caminho certo”, “Só o quero
o seu melhor”.

De acordo com Broecker & Jou (2007) a família pode ser considerada fator de risco ou
de proteção para o envolvimento com substâncias psicoativas por serem figuras importantes na
vida dos filhos e que através de suas atitudes, influenciam ou não os filhos ao consumo, o que
varia a partir do modo como as relações familiares se estabelecem e se mantêm.

Logo, compreende-se que para os adolescentes usuários o convívio no núcleo familiar


se tem uma conotação negativa, e que está sob um lar onde os mesmos são feridos
psiquicamente e fisiologicamente já os trazem mais sentido, e por outro, o que os faz sentido é
o próprio espaço de contato com tais substâncias ou grupos que os permitem o livre uso de tais,
fazendo com que este se desfaça cada vez mais os laços com familiares o que também gera mais
conflitos sob o lar.

Portanto, podemos aqui questionar com relação aos conflitos não só pelo viés da família,
mais também do adolescente que presencia um contexto onde muitas vezes não se sentem
acolhidos ,e que apesar de muitas tentativas acabam se lançando ao mundo de psicoativos que
os detém da realidade familiar que os confronta, sendo necessário afirmar que as respostas dos
familiares do porquê os jovens se encontram nessa situação muitas das vezes estão neles
mesmos e nas maneiras como estes tentam conduzir a criação dos filhos.

Considerações Finais

Os conflitos familiares com jovens que se utilizam de substâncias psicoativas são


permeados por dimensões de brigas, xingamentos, confusões e exclusões que geram na família
um adoecimento psicológico que se perpetua através de questionamentos que os levam a se
auto denominarem de fracassados em seus projetos de criação aos próprios filhos.

Assim, devemos considerar que as dimensões de conflitos são de cunho, psicológico e


fisiológico, o que causa, no entanto, a entrada de cena do adolescente diante desses conflitos ao
uso de psicoativos, que em função destes acabam cada vez mais se desvinculando da realidade
ao seu redor.

É desta forma que para a discussão destes conflitos gerados na família não se pode
excluir a sua própria contribuição nesse espaço de contato do jovem com psicoativos, pois
muitas das vezes os mesmos são colocados diante de um contexto de regras e afazeres que além
de não se encaixarem, não dão conta de tais demandas, o que os levam ao uso.
Portanto, faz-se necessário se questionar não apenas os impactos negativos da família

302
diante destas situações geradores de conflitos, e por outro lado, deve-se analisar todo um
contexto que contribuiu para que estes conflitos se manifestassem, pois é através dessa
consideração que se poderá discutir a desmistificação do conceito de jovens como extensão das
vontades familiares que são alheias aos mesmos.

Através deste espaço de compreensão que o estudo em si convergiu com as teorias


apresentadas em questão que abordam criticamente a situação de como os familiares implicam
regras e atribuições aos jovens provocando nesse sentido uma contribuição para que os mesmos
procurem subsídios para sobrevivência através de psicoativos.

Referências
Alves, R., & Kossobudzky, L. A. (2002). Caracterização dos adolescentes internados por álcool
e outras drogas na cidade de Curitiba. Interação em Psicologia, 6(1), 65-79.
Broecker, C. Z., & Jou, G. I. D. (2007). Práticas educativas parentais: a percepção de
adolescentes com e sem dependência química. Psico-USF, 12(2), 269-279.
Cano, M. A. T. (1997). A percepção dos pais sobre sua relação com os filhos adolescentes:
reflexos da ausência de perspectivas e as solicitações de ajuda (Doctoral dissertation,
Universidade de São Paulo).
Carranza, D. V. V., & Pedrão, L. J. (2005). Satisfação pessoal do adolescente viciado em drogas
no ambiente familiar durante a fase de tratamento em um instituto de saúde mental. Revista
Latino-Americana de Enfermagem, 13(SPE), 836-844.
De Sousa Santos, B. (2002). A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência,
v. 1. para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição
paradgmática. Cortez.
Malta, D. C., Porto, D. L., Melo, F. C. M., Monteiro, R. A., Sardinha, L. M. V., & Lessa, B. H.
(2011). Família e proteção ao uso de tabaco, álcool e drogas em adolescentes, Pesquisa
Nacional de Saúde dos Escolares. Revista Brasileira de Epidemiologia, 14, 166-177.
Pratta, E. M. M., & Santos, M. A. D. (2007). Família e adolescência: a influência do contexto
familiar no desenvolvimento psicológico de seus membros. Psicologia em estudo, 12(2),
247-256.
Silva, V. A. D., & Mattos, H. F. (2004). Os jovens são mais vulneráveis às drogas. Adolescência
e drogas, 31-44.
Souza, M. T. D., Silva, M. D. D., & Carvalho, R. D. (2010). Revisão integrativa: o que é e como
fazer. Einstein (São Paulo), 8(1), 102-106.
Zappe, J. G., & Dapper, F. (2017). Drogadição na Adolescência: Família como Fator de Risco
ou Proteção. Revista de Psicologia da IMED, 9(1), 140-158.
ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM HUMANIZADA NA SAÚDE MENTAL

303
Isadora Lima De Souza
André Luiz De Oliveira Pedroso
Beatriz Marques Barbosa
Manoel Rodrigues De Souza Neto
Priscila Américo

Introdução

A assistência psiquiátrica, no Brasil, até a década de 70 foi marcada pela má qualidade


de assistência às pessoas com doenças mentais, superlotação das instituições psiquiátricas,
comercialização da loucura e cronificação do doente mental, tendo como vertente principal o
modelo médico e hospitalocêntrico para essa prática.

No final dessa década, iniciou-se a discussão sobre o modelo de assistência a esses


pacientes, dando início a Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB), caracterizada pela
reestruturação do modelo assistencial com a implantação da Estratégia de Atenção Psicossocial
(EAPS). Apontam-se, como princípios, a noção de território, a prática interdisciplinar e
intersetorial, a promoção da cidadania e da autonomia dos usuários e familiares, a reabilitação
psicossocial e a desinstitucionalização (Gonçalves, 2001).

Efetivou-se esse processo com a aprovação da Lei 10.216, de 2001. Criaram-se os


Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e ampliaram-se, em 2011, os dispositivos
substitutivos, com a portaria 3088, instituindo-se a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para
pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack,
álcool e outras drogas (Brasil, 2011).

A enfermagem psiquiátrica surgiu com a criação de uma escola de enfermagem no


estabelecimento psiquiátrico, sob orientação médica. Visando o cuidado dos doentes mentais
dentro dos hospitais psiquiátricos. De acordo com os marcos conceituais, tentaram implementar
atividades que fossem feitas fora do hospital, porém, esses órgãos continuaram preparando
enfermeiros para atender apenas o mercado de trabalho, como base principal na assistência
hospitalar, tratando apenas da doença (Reinaldo & Pillon, 2007).

A enfermagem deixa sua prática de cuidados hospitalares para incrementar princípios


novos e desconhecidos, reconhecendo os desafios a serem enfrentados no trabalho em
enfermagem para lidar com esse cuidado humanizado em saúde mental. Com esses desafios
surgem problemas com a prática, que vão desde as fraquezas nos conhecimentos das
enfermeiras para lidar com a nova forma da assistência de saúde mental até a falta de recursos,
materiais e a superposição de atividades que advem de demandas de serviços (Oliveira et al.,
2015).

A principal importância da humanização para a enfermagem é possibilitar o resgate da


subjetividade do sujeito ou seja, é uma mudança de um olhar clínico para um olhar mais
compreensivo, singular, aprofundando cada vez mais o diálogo enfermeira-paciente (Rodrigues

304
et al, 2015)

No Brasil há muitos debates em relação à humanização em saúde nos seus diferentes


aspectos e dimensões. O Ministério da Saúde veiculou em seus documentos diversas noções
nesse sentido, sendo: não a violência institucional, melhor qualidade no atendimento, condições
de trabalho satisfatórias e melhores formas de comunicação entre usuários e serviços. Sendo
muito diversas as questões (Ayres, 2005).

Nos dias atuais há muitas discussões sobre a humanização em Saúde Mental e teve como
início a batalha antimanicomial, quando foram extintos os castigos físicos e mentais e os abusos
medicamentosos como fins terapêuticos, iniciando os direitos dos pacientes em falar e serem
ouvidos e principalmente, pela modificação das relações dos profissionais de saúde entre si e
suas relações com os pacientes (Rodrigues et al, 2015).

Através do movimento da Reforma Psiquiátrica, o atendimento de enfermagem passou


a direcionar novas formas de cuidar em saúde mental, atuando com atitudes de respeito e
dignidade, de ações voltadas às singularidades dos sujeitos, com a participação destes no
tratamento, bem como sua inserção na sociedade (Calgaro & Souza, 2009).

Sendo assim, confirma-se que a assistência de enfermagem tem um papel muito


importante e humanizadora para cuidar do paciente com transtorno mental, como exemplo parar
um pouco e ouvi-lo, orientá-lo no uso de adornos e roupas, comportamentos alterados, tentativa
de fugas, ideação suicida, auto e heteroagressividade (Martins & Forcella, 2010).

Para atuar na saúde mental é fundamental a aquisição de saberes e posicionamentos até


então novos, uma vez que o trabalho é multidisciplinar, devendo competir a todos a atenção ao
usuário. Todavia, para o enfermeiro, as dificuldades mais presentes em sua atuação estão
relacionadas à formação e à necessidade de integração na equipe de profissionais. No contexto
da saúde mental é preciso que a atenção esteja ancorada no princípio da humanização da
assistência para que não ocorra uma falsa desinstitucionalização. A humanização, assim como
a saúde mental são temas transversais, que transpassam as diferentes instâncias do Sistema
Único de Saúde (SUS). O significado de humanização utilizado nesse trabalho não remete à
perspectiva assistencialista ou de cunho caritativo, mas ao “compromisso com a pluralidade de
forças que compõem a vida” (Macedo et al, 2010).

O estudo tem o objetivo de relatar como está sendo a assistência humanizada de


enfermagem na saúde mental trazendo o seguinte questionamento: como é a assistência
humanizada de enfermagem na saúde mental?

Método

Trata-se de um estudo do tipo revisão narrativa. A revisão narrativa é considerada a


revisão tradicional ou exploratória, onde não há a definição de critérios explícitos e a seleção
dos artigos é feita de forma arbitrária, não seguindo uma sistemática, na qual o autor pode
incluir documentos de acordo como seu viés, sendo assim, não há preocupação em esgotar as
fontes de informação (Cordeiro et al., 2007). A maneira com que se coleta os documentos é
comumente denominada de busca exploratória, podendo ser utilizada para complementar

305
buscas sistemáticas.

Os artigos de revisão narrativa são publicações amplas, apropriadas para descrever e


discutir o desenvolvimento ou o "estado da arte" de um determinado assunto, sob ponto de vista
teórico ou contextual. As revisões narrativas não informam as fontes de informação utilizadas,
a metodologia para busca das referências, nem os critérios utilizados na avaliação e seleção dos
trabalhos Constituem, basicamente, de análise da literatura publicada em livros, artigos de
revista impressas e/ou eletrônicas na interpretação e análise crítica pessoal do autor (Bernardo
et al, 2004).

A busca bibliográfica foi desenvolvida na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS-BIREME),


pelas bases de dados: Medical Line (MEDLINE), Literatura Latino-Americana e do Caribe em
Ciências da Saúde (LILACS) e portal da Scientific Eletronic Library Online (SCIELO).

Essa busca procedeu-se a partir dos termos “Enfermagem” e “Saúde mental” e


“humanização” na língua portuguesa. Foram incluídos artigos científicos que abordam a
temática e publicados até 2019 no idioma português. Produções não disponíveis gratuitamente
na íntegra foram excluídas. Artigos duplicados foram computados apenas uma vez. Após a
seleção das produções existentes foi realizada a Análise de Conteúdo em três etapas. A primeira
possibilitou uma visão abrangente dos conteúdos por meio de leitura e construção de um quadro
sinóptico. Para construção do quadro foram extraídas as seguintes variáveis: título, base de
dados ou portal, autor(es), título, periódico, ano, objetivo e resultado. Na segunda etapa
desenvolveu-se a categorização das referências dos autores e análise sintética dos textos. Por
fim, foi realizada a interpretação dos resultados base na categorização.

A categorização é um procedimento de agrupar dados considerando a parte comum


existente entre eles. Classifica-se por semelhança ou analogia, segundo critérios previamente
estabelecidos ou definidos no processo. Antes de tudo as categorias necessitam serem válidas
pertinentes ou adequadas. Um segundo critério a ser atendido na categorização é o
da exaustividade ou inclusividade. As categorias também atenderam ao critério
da homogeneidade. Além dos critérios anteriores, as categorias ainda atenderam ao critério
de exclusividade ou exclusão mútua. Finalmente as categorias na análise de conteúdo
atenderam ao critério de objetividade, consistência ou fidedignidade (Minayo, 2013).

Resultados

Foram encontrados 47 artigos. Foram excluídos 20 por não ter nada relacionado ao
assunto, restando 17 para a leitura completa. Após a leitura completa, foram selecionados 5
artigos para resultado e discussão, descritos no quadro abaixo.

Quadro 1 - Descrição dos artigos selecionados, especificados por título, autor, revista/ano, objetivo e
principais resultados.
Título Autor Revista/ano Objetivo Resultados
Cuidado Silva, P. O. Rev enferm Identificar os Identificaram-se 16
clínico de et al. UFPE / elementos que estudos de acordo com os
enfermagem 2018 caracterizam o critérios estabelecidos.
cuidado clínico Apresentaram-se as
em saúde de enfermagem características dos artigos

306
mental em saúde mental selecionados segundo os
no contexto da autores, o ano de
reforma publicação, o título do
psiquiátrica e da periódico, o Qualis, o
humanização da fator de impacto e o nível
assistência. de evidência, o local de
publicação, o
delineamento
metodológico adotado, os
objetivos e os principais
resultados.
A Azevedo, Investigação Identificar como Os resultados apontaram
enfermagem e M. L. et al Qualitativa os enfermeiros que no passado os
o cuidado em Saúde incorporam cuidados oferecidos eram
humanizado volume 2 / características do pautados na lógica
ao indivíduo 2018 cuidado assistencial da
em sofrimento humanizado institucionalização e
mental junto ao medicalização excessiva,
indivíduo em sendo o enfermeiro pivô
sofrimento para a implementação
mental. dos serviços
substitutivos, transpondo
novos desafios e
estabelecendo dignidade
e individualidade ao
usuário em sofrimento
mental.
Trajetória Costa, M. F, Journal of Compreender o O estudo mostrou que o
histórica da et al Health processo de processo que a
enfermagem Connections evolução da enfermagem sofreu por
em saúde / 2017 assistência de toda Reforma
mental no enfermagem Psiquiátrica demostrou
brasil: uma antes e após a melhorias e capacidade
revisão reforma no cuidado ao doente
integrativa psiquiátrica; mental, a vinda da
Reforma Psiquiátrica
contribuiu para tornar a
enfermagem
independente,
considerando ao mesmo
tempo a presença da
mesma importante nas
novas modalidades de
assistência psicossocial,
Assistência de CARRARA, Revista Identificar A revisão bibliográfica

307
enfermagem G. L. et al, Fafibe On- através da revisão mostrou a mudança do
humanizada Line, 2015 da literatura modelo assistencial antes
em saúde nacional, o e depois da reforma
mental: uma conceito de psiquiátrica.
revisão da vários autores
literatura sobre a
assistência de
enfermagem
humanizada ao
portador de
doença mental.
Representação Macedo, J. Online braz Compreender as Essa representação
Social do Q, et al j nurs, 2010 representações propicia a mudança na
Cuidado de sociais do percepção dos
Enfermagem Cuidado de concluintes a partir das
em Saúde Enfermagem em experiências teórico-
Mental: Saúde Mental práticas e permitem que
estudo elaboradas pelos visualizem uma distinção
qualitativo concluintes dos entre a prática
cursos de profissional do
graduação em enfermeiro no contexto
Enfermagem de atual e o papel atribuído a
Campina Grande, este de acordo com os
PB. preceitos da Reforma
Psiquiátrica.

Discussão
A partir da leitura na íntegra dos artigos citados no quadro acima, foi possível trazer
diversos assuntos a serem discutidos, como expecificicado abaixo.

Permitiu-se, a partir da RPB e por meio da desinstitucionalização dos pacientes com


sofrimento mental, uma substituição dos manicômios por serviços de Saúde Mental de base
comunitária, priorizando-se a reinserção social, a autonomia e o convívio familiar do indivíduo.
Busca-se, com a reforma, aperfeiçoar o cuidado e proteger os direitos das pessoas com
transtorno mental (Moretto et al, 2017).

A Reforma Psiquiátrica e a substituição de ações restritivas e primitivas no cuidado


estabeleceram a reestruturação do processo de trabalho, de modo a incentivar atitudes mais
humanas e acolhedoras que contribuam para a redução de agravos e danos. Ressalta-se que o
cuidado em saúde desempenhado pela equipe multiprofissional, principalmente pelo
enfermeiro, não prevê punição ou descaso e, sim, contornar o sofrimento com palavras
acolhedoras e incentivadoras, devendo-se, portanto, valorizar a vida e promover uma inter-
relação voltada para os moldes da clínica ampliada preconizada pela Política Nacional de
Humanização. Trata-se de um processo que identifica e responde às necessidades individuais.

308
Descortina-se, a partir daí, uma real necessidade de melhor preparação dos profissionais
(Azevedo et al, 2018).

O novo modelo pressupõe equipe multi e interprofissional que programe as atividades


e considere o interesse e a necessidade do indivíduo para o exercício da cidadania. Por
consequência, promove a prática de inclusão e respeita a diversidade, a subjetividade e a
capacidade do indivíduo. Trata-se de um trabalho sistemático de compartilhamento de saberes,
da convivência, da flexibilidade subjetiva, para descobertas de si e do mundo.

Segundo Silva et al (2018) procura-se, com o processo de humanização da assistência


no campo da Saúde Mental e o processo de desinstitucionalização, a reabilitação psicossocial.
Criou-se, então, a emergência de um cuidado de Enfermagem fora das instituições hospitalares
e em direção ao território. Faz-se necessário que os enfermeiros se responsabilizem pelo
cuidado em Saúde Mental, em seus diversos cenários de atuação, com destaque para a atenção
primária à saúde.

A humanização tem que acontecer a todo o momento, o enfermeiro deve ter para si a
esperança, levando o paciente a acreditar que as coisas podem ser diferentes e dar certo,
estimulá-lo a lutar por uma melhor qualidade de vida, diminuindo o preconceito social e
fazendo acreditar que podem ser inseridos na sociedade promovendo assim a cidadania
(Canabrava et al., 2011).

Para Carrara et al (2015), o relacionamento terapêutico pode ser estabelecido com o uso
de técnicas de comunicação terapêutica como ouvir reflexivamente, observação atenta a
interpretação das mensagens verbal e não verbal, entre outros. Para que uma comunicação
terapêutica ocorra o profissional deve ser direto, honesto, calmo, não ameaçador e transmitir
aos pacientes a ideia de que está no controle da situação, agir de forma decisiva para protegê-
los de dano a si mesmo ou a terceiros, utilizando-se da empatia para planejamento e avaliação
da intervenção.

Pelo exposto, ações simples mas que fazem com que o cuidado seja de forma
humanizada, tentando sempre unir uma ao outro. Que o cuidado e humanização possam ser
homogêneo, a fim de não se distinguir o que é a humanização em determinados cuidados.

Da humanização também faz parte no tratamento do doente mental a família que através
de suas experiências domiciliares podem tornar o cuidado efetivo e enriquecedor.

Quando fala de humanização também é preciso incluir o profissional. Carrara et al


(2015) fala que humanização é também cuidar do trabalhador para que ele tenha condições para
prestar um atendimento humanizado, é priorizada a importância do trabalhador como elemento
fundamental para a humanização do atendimento, quando se investe em números suficientes de
funcionários, salários e condições de trabalho adequadas, e investir em atividades de educação
continuada para contribuir com o desenvolvimento de competência para melhor cuidar

O enfermeiro e os gestores devem ter o compromisso com a assistência de enfermagem


humanizada em saúde mental, promovendo um processo educativo permanente para a equipe
de saúde, tanto para a equipe multidisciplinar, como, principalmente para enfermagem por ser
o profissional que passa a maior parte do período com o paciente.
Com tudo o que já foi falado, ressalta-se também estratégias que possam implementar

309
esse cuidado diferenciado, para que possa contribuir com a assistência prestada e que esta possa
ser sempre melhorada.

Um dos fatores utilizados para aumentar a assistência humanizada da enfermagem ao


paciente com doença mental é que o profissional tenha habilidades como postura, ética,
conhecimento, para poder proporcionar ao ser humano uma efetiva humanização que atenderá
os aspectos humanísticos (Carrara et al, 2015).

Obtém-se uma prática de Enfermagem humanizada por meio de várias estratégias e


novas tecnologias de cuidado construídas em articulação com as políticas públicas no campo
da saúde mental. Enfatiza-se a necessidade de uma abordagem integral devido à complexidade
do objeto na saúde mental, emergindo a urgência de um cuidado que não reduza o sujeito à
doença. Objetiva-se, com a integralidade, permitir a ampliação da clínica mediante o contato e
o acolhimento do sofrimento psíquico, rompendo barreiras e desmontando o ideal de
hospitalização e o isolamento como a melhor forma de intervenção (Silva et al, 2018).

Há necessidade também de haver perante os profissionais de saúde, principalmente a


enfermagem a base em conhecimentos teóricos que possam ser utilizada na prática dos
relacionamentos terapêuticos do enfermeiro, permitindo a proximidades com os pacientes para
que os mesmos não tenham só a terapêutica dos psicofármacos (Alves & Oliveira, 2010).

O enfermeiro deve ter para si a relevância do relacionamento terapêutico e estimular o


paciente a continuar lutando por uma melhor qualidade de vida e diminuir o preconceito que a
sociedade estigma ajudando-o a promover a cidadania e a inserção social desse paciente
(Canabrava et al., 2011).

Silva et al (2018) trazem estratégias fundamentais para o cuidado holístico de


Enfermagem: a integralidade enunciada a partir de um trabalho de rede com a articulação entre
os seus dispositivos; a interdisciplinaridade; a intersetorialidade; o contato e o acolhimento; a
escuta terapêutica; a noção de território; a reabilitação psicossocial; os recursos das oficinas
terapêuticas e educativas; a ambiência e a incorporação do componente subjetivo com a
ampliação clínica

O papel que o enfermeiro deve ter na saúde mental é permeado pela função educativa e
terapêutica, reflexo da representação do cuidado de enfermagem em saúde mental como
humanização da atenção. Como o processo de reabilitação remete à reconstrução da cidadania
e da contratualidade, o desenvolvimento dessas técnicas deve ter por base a discussão da
cidadania e não a realização da atividade por si. O trabalho com grupos é uma estratégia
terapêutica praticada com diferentes abordagens, principalmente entre profissionais da saúde
mental. Com esse recurso o enfermeiro adquire autonomia, por conhecer os benefícios e limites
teórico-práticos de sua ação (Macedo et al, 2010).

Silva et al (2018) referem, também, o contato e o acolhimento como estratégias


importantes de cuidado nas situações de sofrimento psíquico e produzem-se respostas diferentes
daquelas orientadas pelo modelo biomédico. Aponta-se o conhecimento da escuta terapêutica,
que reorienta a prática dos profissionais e favorece a autonomia dos usuários para organizar o
processo de trabalho com vistas ao acesso e ao acompanhamento de cada sujeito em seu projeto
de cuidado, que deve ser singular.
Indicam-se, para o desenvolvimento de um cuidado humanizado de Enfermagem na

310
saúde mental, essas estratégias como ferramentas do cuidado.

Considerações Finais

Foi possível constatar, a partir da analise dos dados bibliográficos coletados sobre a
temática da assistência de enfermagem humanizada em saúde mental, que a reforma
psiquiátrica teve influencia na assistência prestada pelos profissionais de enfermagem e que
transformou o cuidado hospitalocêntrico segregador a um cuidado desisntitucionalizado
humanizado e integral.

A área da saúde mental está passando por um redirecionamento de um modelo


assistencial reconstruindo práticas e saberes e por isso se torna fundamental que os profissionais
de enfermagem trabalhem em equipe, pois a interrelação, a troca de experiências e
conhecimentos favorecem a assistência humanizada em saúde mental. O estudo trouxe
dados sobre como deve ser esse cuidado humanizado na assistência de enfermagem, mostrando
que o cuidado prestado ainda precisa evoluir muito, mas seguindo as politicas de humanização,
há um triunfo nisso.

Trouxe também estratégias no cuidado da saúde mental, a fim de possibilitar uma


assistência completa, eficaz, qualificada e humanizada.

Considera-se, além disso, a interdisciplinaridade na Enfermagem na Saúde Mental como


um recurso da ampliação clínica por meio da psicanálise que, a partir de seus conceitos e
ferramentas, com destaque para a escuta, a categoria de sujeito e a construção do caso clínico,
possibilita a construção de relacionamentos terapêuticos. Sugere-se a incorporação desses
referenciais teóricos pelos enfermeiros em suas práticas de cuidado.

O estudo mostra como principais limitações o conhecimento dos profissionais e o desejo


em realizar esse atendimento humanizado, e não mecanizado. Espera-se que o presente estudo
possa ser e contribuir para pesquisas futuras, ou práticas assistências.

Referências
Alves, M.; Oliveira, R. M. P. (2010). Enfermagem psiquiátrica: discursando o ideal e
praticando o real. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p.
64-70, jan.-mar. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=
sci_arttext&pid=S1414- 81452010000100010&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>.
Ayres, J. R. C. M. (2010). Hermenêutica e humanização das práticas de saúde. Ciência e Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 549-560. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
81232005000300013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 5 jun. 2013.
Azevedo, M. L, et al. (2018). A enfermagem e o cuidado humanizado ao indivíduo em
sofrimento mental. Investigação Qualitativa em Saúde//Investigación Cualitativa en
Salud//Volume 2.
Calgaro, A.; Souza, E. N. (2009). Percepção do enfermeiro acerca da prática assistencial nos

311
serviços públicos extra-hospitalares de saúde mental. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto
Alegre, v. 30, n. 3, p. 476-483, set. 2009.
Canabrava, D. S.; Vilela, J. C.; Brusamarelo, T.; Roehrs, H.; Maftum, M. A. (2011). Consulta
de enfermagem em saúde mental sustentada na teoria das relações interpessoais: relato de
experiência. Ciência Cuidado e Saúde, Maringá, v. 10, n. 1, p. 150-156, jan.-mar. Disponível
em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/8044> . Acesso
em: 6 jun. 2013.
Canabrava, D. S.; Vilela, J. C.; Brusamarelo, T.; Roehrs, H.; Maftum, M. A. (2011). Consulta
de enfermagem em saúde mental sustentada na teoria das relações interpessoais: relato de
experiência. Ciência Cuidado e Saúde, Maringá, v. 10, n. 1, p. 150-156, jan.-mar.
Carrara, G. L. R, et al. (2015). Assistência de enfermagem humanizada em saúde mental: uma
revisão da literatura. Revista Fafibe On-Line.
Cordeiro, Alexander Magno et al. (2007). Revisão sistemática: uma revisão narrativa. Rev. Col.
Bras. Cir, v. 34, n. 6, p. 428-431.
Costa, M. F, Souza, T. B.Estevam, A. S. (2017). A trajetória histórica da enfermagem em
saúde mental no brasil: uma revisão integrativa . Journal of Health Connections, v. 1, n. 1.
p.19-32.
Gonçalves, A. M, Sena, R. R. (2001). A reforma psiquiátrica no Brasil: contextualização e
reflexos sobre o cuidado com o doente mental na família. Rev Latino-am Enfermagem
[Internet]. [cited 2017 Mar 09];9(2):48-55.
Macedo, J. Q, et al, (2010). Representação Social do Cuidado de Enfermagem em Saúde
Mental: estudo qualitativo Online braz j nurs. vol.9 no.3
Martins, P. A. S. F.; Forcella, H. T. (2010). Sistema de classificação de pacientes na
especialidade enfermagem psiquiátrica. Acta Paulista de Enfermagem, São Paulo, v. 19, n. 1,
p. 62-69.
Minayo, M. C. S. (2013). O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. São
Paulo: Hucitec.
Ministério da Saúde (Brasil). (2011). Portaria nº 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a
Rede de Atenção Psicossocial. Brasília (DF); Ministério da Saúde [cited 2017 Mar 21].
Available
Noronha, A. A., Folle, D. G., Guimarães, A. N., Brum, M. L. B, Schneider, J. F. (2016).
Percepções de familiares de adolescentes sobre oficinas terapêuticas em um centro de atenção
psicossocial infantil. Revista Gaúcha de Enfermagem, 37(4), e56061. Epub Dec 15.
Oliveira, L. C. et al. (2015). Humanizer care: discovering the possibilities in the practice of
nursing in mental health. Journal of Research: Fundamental Care Online. Rio de Janeiro, v. 7,
n. 1, p. 1774-1782.
Reinaldo, A. M. S; Pillon, S. C. (2007). História da enfermagem psiquiátrica e a dependência
química no Brasil: atravessando a história para reflexão. Escola Anna Nery, Revista de
Enfermagem. Rio de Janeiro, v. 11, n. 4, p. 688-693, dez.
Silva, P.O, Silva, D. V.A, Rodrigues, C. A. et al. (2018). Cuidado clínico de enfermagem em
saúde mental. Rev enferm UFPE on line., Recife, 12(11): 3133-46, 2018.
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE UNIVERSITÁRIOS DE PSICOLOGIA E

312
FISIOTERAPIA ACERCA DA SAÚDE MENTAL

Rafaela Oliveira dos Santos


Marcilene Araújo Dias
Thayz Costa Mesquita
Maria Eduarda Lais de Sousa França
Jefferson Luiz de Cerqueira Castro
Ludgleydson Fernandes de Araújo

Introdução
O ingresso na vida acadêmica é um dos momentos mais esperados pela maioria dos
estudantes que almejam um curso em uma universidade. No entanto, esse é um momento de
modificações significativas na vida com novos desejos, conflitos, ansiedades e angústias
(Castro, 2017). Nesse sentido, o universitário encontra uma rotina diferenciada com novas
cobranças e pressões que podem torná-lo vulnerável ao sofrimento psíquico.

As academias são espaços de exigências, competitividade e elevadas expectativas.


Também, muitas vezes, encontram-se despreparadas para receber demandas de transtornos
mentais de seus estudantes que podem surgir de estressores como a rotina estafante, a elevada
carga de trabalho ou a ausência de meios de manutenção de saúde mental causando desistências
ou até mesmo tentativas de suicídio (Espírito-Santo & Matreno, 2015). Assim, a universidade
pode ser considerada como uma variável no desenvolvimento de possíveis transtornos mentais
cujo sofrimento, estresse e adoecimento configuram-se numa condição socioinstitucional
criadora diante de suas origens psicossociais (Padovani et al., 2014; Silva, 2015).

De acordo com um levantamento realizado pela Associação Nacional dos Dirigentes das
Instituições Federais do Ensino Superior - ANDIFES (2016), cerca de 60% dos universitários
brasileiros sofrem de ansiedade e apresentam dificuldades emocionais no desempenho de
tarefas acadêmicas incluindo tristeza persistente, medo ou pânico, insônia, ideia de morte e
pensamentos suicidas, principalmente em cursos das áreas de saúde ou que possuem foco na
subjetividade humana. Nesse ínterim, faz necessidade cuidar do futuro cuidador que, para além
de futuro profissional, também é um ser humano dotado de subjetividade.

Isto posto, a saúde mental deve ser desenvolvida em todos os contextos, principalmente
na universidade, não somente como um, dentre os vários conteúdos acadêmicos de cursos da
saúde, mas também promovendo práticas que melhorem hábitos de vida e, futuramente, práticas
profissionais.

Tendo em vista o contexto em que os estudantes universitários estão inseridos, faz-se


necessário analisar suas concepções em relação a saúde mental no ambiente acadêmico, para
isso será abordada a Teoria das Representações Sociais (TRS), como um meio que estuda os
fenômenos que se transformam em teorias produzidas pelo senso comum (Coutinho, Araújo, &
Saraiva, 2013).
Moscovici (2012) destaca dois processos essenciais para entender a construção das

313
representações sociais: a ancoragem e a objetivação. A primeira é um processo de
enraizamento, o qual funciona como porto seguro para a representação daquele objeto
incomum, de forma que por meios dos processos de classificação e nomeação, o objeto que
antes proferia estranheza passa a ser ancorado (Pereira, Freitas & Ferreira, 2014). Já o processo
transformação de uma imagem, figura ou conhecimento abstrato e não-familiar em um objeto
concreto, é conhecido por objetivação (Paula & Kodato, 2016).

A partir disso surgiram três abordagens para estudar tal fenômeno: a abordagem
processual de Jodelet, a abordagem estrutural de Abric e a abordagem societal de Doise.

Na abordagem processual ou culturalista de Jodelet as representações sociais são o


estudo dos processos e produtos pelos quais os sujeitos criam e dão sentido ao mundo a partir
da integração da história com o social e o cultural, sendo uma das formas de estudo o discurso
dos grupos sobre determinado objeto (Félix, Andrade, Ribeiro, Correira, & Santos, 2016).

A segunda abordagem é a estrutural de Jean-Claude Abric, que tem por proveito o


conteúdo, organização e dinâmica das representações, suas principais contribuições se deu
sobre a teoria do núcleo central - elemento mais fixo das RS e resistente a mudanças (Ribeiro
& Antunes-Rocha, 2016). Além do mais, essa abordagem postula que a RS é formada por um
sistema organizado e hierarquizado composto de dois subsistemas, um sistema central e um
periférico (Dany, Urdapilleta, & Lo Monaco, 2015). Por outro lado, Doise concebeu a
abordagem societal que considera que as estruturas das relações sociais definem o metassistema
social – que é o conjunto de regras, normas ou de valores – o qual opera regulações no sistema
cognitivo dos indivíduos (Deschamps & Moliner, 2014).

De uma forma geral, o aspecto teórico e metodológico da TRS, bem como seu caráter
interdisciplinar tem alicerçado diversas pesquisas e estudos no Brasil, não só na área de
Psicologia Social, mas também no campo da Enfermagem, Serviço Social, Educação e outros
(Félix et al., 2016).

O Brasil se sobressai na produção científica da TRS passando à frente de outros países


da América do Norte, América do Sul e Europa (Jodelet, 2011). Nos últimos anos, por exemplo,
foram produzidos alguns estudos centrados na TRS, tal qual a pesquisa de Wachelke, Matos,
Ferreira e Costa (2015) em que foram investigadas produções acadêmicas sobre a TRS
publicadas em periódicos científicos, nos meses de agosto e setembro de 2013, encontrando
2.526 resumos de artigos publicados. Os resultados indicaram uma preponderância de primeiros
autores oriundos da América do Sul e Europa, tendo o Brasil se classificado como o líder no
que diz respeito a localização do primeiro autor. Foi possível constatar a importância da
produção sul-americana (destacando-se a brasileira) sobre representações sociais publicada em
periódicos científicos.

No entanto, são poucos os estudos que contemplam a investigação sobre a TRS


relacionada com a saúde mental de estudantes universitários, tanto no plano nacional como
internacional (Sousa, Maciel, Medeiros & Vieira, 2016). No geral, essa temática é apresentada
de forma separada ou relacionada a outros públicos-alvos.

Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho é conhecer e analisar empiricamente


as representações sociais em uma amostra de estudantes universitários dos cursos de Psicologia
e Fisioterapia acerca da saúde mental no ambiente acadêmico. Parte-se do princípio que a
universidade é o local onde esses estudantes passam boa parte do seu tempo, e, portanto, é
necessário entender como esses futuros profissionais do campo da saúde representam e se

314
posicionam diante desse fenômeno. Ademais, este estudo é de suma importância, uma vez que
vai se somar a outros trabalhos que enfocam a TRS e/ou a saúde mental de estudantes
universitários.

Método

Participantes

A amostra pesquisada foi de 100 estudantes universitários dos cursos de Psicologia e


Fisioterapia da Universidade Federal do Piauí, compreendendo 50 alunos de cada curso, de
ambos os sexos, sendo 25% do sexo masculino e 75% do sexo feminino, com faixa etária entre
17 e 42 anos, com média de idade de 20,36 anos (DP= 3,68). Destaca-se universitários que
residem com colegas (44%) e 49% dos estudantes afirmaram ter procurado algum serviço de
assistência psicológica ou psiquiátrica. Essa amostra foi do tipo não probabilística por
conveniência e intencional. Ressalta-se que foram incluídos na amostra os (as) participantes
que atenderam os seguintes critérios de inclusão: apresentar disponibilidade para participar da
pesquisa de forma voluntária; estarem em situação acadêmica regular e frequentando as aulas
do 1° ao 10° período dos cursos acima citados.

Instrumento

Para a coleta de dados foi usada como instrumento o Teste de Associação Livre de
Palavras - TALP, muito presente na área da Psicologia Social. Nesse estudo, foram utilizadas
as palavras estímulos “saúde mental”, “universidade” e “formação profissional” previamente
escolhidas, tendo como pressuposto o objeto investigado, como também o público que faz parte
da investigação (estudantes universitários). Cada palavra recebeu cinco linhas de associação e
uma ordem de importância de um a cinco, sendo um o mais importante e cinco o menos
importante.

Procedimentos

Finalizada a confecção dos questionários, realizou-se uma busca por participantes em


salas de aula da Universidade Federal do Piauí. Com a autorização inicial dos professores foi
possível adentrar nas salas. Primeiramente foi explicado sobre o objetivo do trabalho, que a
participação era voluntária, sigilosa e que o participante poderia desistir a qualquer momento;
em seguida foram dadas instruções acerca do preenchimento do questionário, como funcionaria
a apresentação das palavras estímulo e como preencher sua ordem de importância.
Posteriormente foram lançadas as três palavras estímulo “saúde mental”, “universidade” e
“formação profissional”, tendo sido aguardado um período de tempo entre uma e outra para que
os participantes pudessem completar as lacunas relacionadas a cada uma delas. Encerrada a
apresentação dos estímulos, os participantes puderam preencher dados sociodemográficos
referentes a curso, período, estado civil, com quem vive e renda familiar.

Por fim, responderam a uma pequena entrevista que versava sobre seu entendimento
acerca de saúde mental e vivência acadêmica. Nenhum participante recusou participar da
pesquisa, e o tempo de aplicação foi de aproximadamente 15 minutos. Após o recebimento, os

315
instrumentos foram checados e agradeceu-se pela colaboração.

Análise dos dados

A análise dos dados foi inicialmente realizada pelo software SPSS for Windows na
versão 22, no qual foram analisados os dados sociodemográficos coletados sobre o público-
alvo o quais foram submetidos a estatísticas descritivas, como média, percentil e desvio padrão.

As representações sociais construídas pelos estudantes universitários foram coletadas


através do teste de associação de palavras (TALP) e os resultados obtidos foram analisados à
luz da Redes Semânticas, de modo que os dados foram hierarquizados e organizados são de
acordo com o núcleo da rede, peso semântico e distância semântica quantitativa.

O Peso Semântico (PS) diz respeito à frequência de vezes em que a palavra ocorreu mais
segundo a hierarquização assinalada pelos participantes; o Núcleo da Rede (NR), é elaborado
a partir das palavras de maior peso semântico; e a Distância Semântica Quantitativa (DSQ)
surge a partir do Núcleo da Rede, atribuindo um valor de 100% para as palavras com maior
Peso Semântico das quais se obtém as de menor peso a partir de uma regra de três simples
(Mendes & Araújo, 2017).

Resultados

No presente estudo observou-se dentre os conteúdos relativos à rede semântica que as


representações sociais dos graduandos de ambos os cursos sobre saúde mental (Tabela 1)
apresentam-se relacionadas a bem-estar (100%). Em sequência o curso de Psicologia relacionou
saúde (49,4%), psicologia (25,6%), tranquilidade (15,2%) e paz (7,6%). Em contrapartida, não
muito diferente, o curso de Fisioterapia relacionou faculdade (66,6%), tranquilidade (33,3%),
paz (20%) e saúde (10%). Com base nesses dados pode-se perceber que os resultados foram
bem semelhantes entre os estudantes dos cursos abordados.

Tabela 1
Rede Semântica das representações sociais dos estudantes universitários de Psicologia e
Fisioterapia sobre o estímulo indutor saúde mental

Psicologia Fisioterapia

NR PS DSQ (%) NR PS DSQ (%)

Bem-estar 95 100% Bem-estar 90 100%

Saúde 52 49,4% Faculdade 60 66,6%


Psicologia 27 25,6% Tranquilidade 30 33,3%

316
Tranquilidade 16 15,2% Paz 18 20%

Paz 08 7,6% Saúde 09 10%

No que se refere às representações sociais construídas sobre o estímulo indutor


“universidade” (Tabela 2), foram encontradas representações tanto positivas quanto negativas,
destacando uma prevalência maior para as de cunho negativo. Os estudantes de Psicologia
apresentaram associações com estresse (100%), cansaço (72,3%), difícil (42,8%), cobrança
(24,7%) e desempenho (11,4%). Ao passo em que, os estudantes de Fisioterapia apresentaram
resultados com aspectos relacionados à cansaço (100%), pressão (61,1%), aprendizado
(45,8%), estresse (28,2%) e amizade (10,5%).

Tabela 2
Rede semântica das representações sociais dos estudantes universitários de Psicologia e
Fisioterapia sobre o estímulo indutor universidade

Psicologia Fisioterapia

NR PS DSQ NR PS DSQ
(%) (%)

Estresse 105 100% Cansaço 85 100%

Cansaço 76 72,3% Pressão 52 61,1%

Difícil 45 42,8% Aprendizado 39 45,8%

Cobrança 26 24,7% Estresse 24 28,2%

Desempenho 12 11,4% Amizade 9 10,5%

No tocante às representações do estímulo indutor “formação profissional” (Tabela 3),


os estudantes de Psicologia representaram majoritariamente questões relacionadas a importante
(100%), futuro (53,3%), trabalho (36%), realização (21,3%) e sucesso (9,3%). Por outro lado,
para os estudantes de Fisioterapia, a formação profissional pode ser representada pelo dinheiro
(100%), sucesso (80%), realização (55%), dinheiro (30%) e emprego (11,6%).

Tabela 3
Rede semântica das representações sociais dos estudantes universitários de Psicologia e

317
Fisioterapia sobre o estímulo indutor formação profissional

Psicologia Fisioterapia

NR PS DSQ NR PS DSQ
(%) (%)

Importante 75 100% Dinheiro 60 100%

Futuro 40 53,3% Sucesso 48 80%

Trabalho 27 36% Realização 33 55%

Realização 16 21,3% Dinheiro 18 30%

Sucesso 7 9,3% Emprego 7 11,6%

Discussão

Em conformidade com os resultados apresentados pelas Redes Semânticas, tanto os


estudantes de Psicologia como de Fisioterapia associaram a palavra bem-estar ao primeiro
estímulo-indutor - saúde mental - como a melhor representante desse conceito (Tabela 1).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua saúde como um estado de completo


bem-estar físico, mental e social. Amarante (2007), por sua vez, afirma que falar de saúde
mental não é se limitar ao estudo e tratamento de doenças mentais, mas sim compreender uma
rede complexa de saberes que estão além da psiquiatria, neurologia, psicologia, filosofia,
antropologia, dentre outros; falar do tema envolve cultura, ideologia, ética e moral.

Nesse ínterim bem-estar é a forma positiva como o sujeito avalia sua vida em todos os
aspectos, seria o quanto a pessoa se sente bem com a vida; desta maneira, quando relacionado
a saúde remete a sensação de equilíbrio, alegria e conforto, com demonstração de tranquilidade
ou satisfação, podendo ser definido também como um estado agradável tanto físico como
espiritual (Cunha et al., 2017).

Ainda segundo Cunha et al. (2017) o bem-estar é desenvolvido pelo sujeito de acordo
com suas capacidades cognitivas, desenvolvimento pessoal, vínculos cordiais e capacidade
emocional. Ao adentrar no ensino superior esse indivíduo tem que lidar com vários desafios,
principalmente os que envolvem crescimento pessoal e de identidade, podendo afetar
negativamente o bem-estar físico, psíquico e emocional.

Outros aspectos relacionados à saúde mental foram bem semelhantes entre ambos os
cursos, são eles: saúde, tranquilidade e paz (Tabela 1). Apesar das porcentagens não serem as
mesmas, pode-se inferir que os conceitos são positivos. No curso de Psicologia aparece a
palavra psicologia (25,6%) como uma associação distinta ao curso de Fisioterapia, em oposição,
aparece faculdade (66,6%). Essas apesar de diferentes remetem ao curso em andamento. No
entanto, ao considerar o segundo estímulo-indutor “universidade”, ele é associado a um

318
conceito negativo.

Nesse caso, os estudantes de Psicologia apresentaram a palavra estresse como a mais


proeminente definidora desse conceito. O estresse, de acordo com a pesquisa de Moretti e
Hübner (2017), é um conjunto de reações orgânicas de ordem física e emocional, capaz de gerar
desequilíbrio interno ou disfunção cognitivo-comportamental. A definição de estresse também
pode estar relacionada às dificuldades adaptativas, algo muito comum no contexto acadêmico,
em especial quando o estudante ingressa em uma instituição universitária e precisa lidar com
as novas responsabilidades e se adaptar à nova rotina (Moretti & Hübner, 2017).

O estresse é vivenciado em diversos contextos, tanto na vida social, pessoal, profissional


e, não menos diferente, no decurso da vida acadêmica do indivíduo, podendo ser observado nas
investigações científicas (Borine, Wanderley & Bassitt, 2015; Monteiro, Freitas & Ribeiro,
2007; Moretti & Hübner, 2017; Vieira & Schermann, 2015).

Seguida da palavra estresse, aparecem respectivamente na Tabela 2 as palavras cansaço,


difícil, cobrança e desempenho como significativas, concernentes ao conceito de universidade.
Todas elas podem, inclusive, serem analisadas e relacionadas com o estresse (Tabela 2), uma
vez que o estudante, ao ingressar na universidade, vai conviver com uma nova realidade, cujas
regras e exigências, às vezes, apresentam-se muito diferentes e difíceis das que já vivenciou.
Essas mudanças, exigem do estudante universitário, um maior esforço e adaptação, uma vez
que assume atividades que precisam de maior desempenho e concentração de esforços
(Mondardo & Pedon, 2005).

A rotina de estudos intensa pode se tornar um elemento potencialmente estressor, já que


a vida acadêmica é marcada pelo aumento de responsabilidades, ansiedade e competitividade,
com pressões e cobranças advindas tanto da sociedade quanto dos pais e até mesmo do próprio
estudante para ter e manter o bom desempenho acadêmico (Mondardo & Pedon, 2005).

Já os estudantes de Fisioterapia definiram o estímulo‑indutor “universidade”


predominantemente como cansaço. Isso se evidencia pelo maior peso semântico dessa palavra
em relação às outras evocadas e, portanto, tem maior proximidade, ou melhor representa o
significado destes autores sociais, sendo a ela atribuído o mais alto valor de 100%.

O termo pressão pode ser correlacionado com a expressão cobrança, citada pelos
estudantes de Psicologia, devido às exigências sociais, pessoais e profissionais contemporâneas
(Vieira & Schermann, 2015). Percebe-se também que as palavras estresse e cansaço aparecem
tanto no grupo dos estudantes de Psicologia como no grupo dos estudantes de Fisioterapia,
embora com pesos semânticos diferentes (Tabela 2), reforçando a significância desses grupos
que demonstram experiências de ambos fenômenos no espaço acadêmico.

Ainda fazem parte do núcleo semântico que forma o conceito de universidade do grupo
dos estudantes de fisioterapia as palavras: aprendizado e amizade (Tabela 2). Segundo Borsa
(2013) a amizade é a interação social íntima e recíproca entre duas ou mais pessoas,
proporcionando suporte social e afeto. No início da vida universitária alguns laços familiares
se estreitam e começa a busca pelo novo, inclusive amigos. As relações de amizade possibilitam
ao sujeito o aprendizado cooperativo e compartilhado, além do aprendizado de habilidades
sociais, estimulação e experiências essenciais para boas relações interpessoais ao longo da vida
(Peron, Guimarães e Souza, 2010).
Entende-se também que a universidade é percebida assim pelos estudantes de ambos os

319
cursos em virtude da pesquisa ter sido realizada quase no final do semestre letivo, período
marcado por agitações, sobrecarga, falta de tempo e maiores exigências nas atividades
acadêmicas. Ademais, é importante destacar que ambos os cursos são integrais, com duração
total de 5 anos e apresentam uma carga horária obrigatória extensa, sendo o de Psicologia um
total de 3120 horas e o de Fisioterapia com um total de 3780 horas, o que também deve ter
contribuído para a construção das representações sociais sobre universidade de cunho mais
negativo do que positivo.

Quanto ao estímulo-indutor “formação profissional” (Tabela 3), os estudantes de


Psicologia apontaram importante como a mais significativa palavra evocada no tocante a tal
conceito. Em contrapartida, os estudantes de Fisioterapia apresentaram como palavras
majoritária dinheiro, sendo a ela atribuída o valor de 100%.

Outras expressões utilizadas pelos estudantes de Psicologia dentro da percepção acerca


da formação profissional foram, respectivamente, futuro, trabalho, realização e sucesso (Tabela
3). Já os estudantes de Fisioterapia utilizaram, respectivamente, os termos, sucesso realização,
dinheiro e emprego (Tabela 3). Logo, pode-se notar que em ambos os grupos as palavras
realização e sucesso são apresentadas como representação social deste estímulo-indutor.

De acordo com Silva e Cunha (2002), o trabalho da sociedade contemporânea, marcado


pelo conhecimento, criatividade e disposição para capacitação e qualificação sempre será
solicitado e valorizado. A atividade produtiva passa a exigir mais e mais conhecimentos, e o
profissional deverá ser um indivíduo mais criativo, pensante e crítico, preparado para reagir e
se adaptar às mudanças sociais, uma vez que o diploma passa a não significar necessariamente
uma garantia de emprego e o profissional só será valorizado e se sentirá realizado na medida da
sua habilidade para estabelecer relações e de assumir liderança, obter sucesso e ganhar
financeiramente bem (Silva & Cunha, 2002).

Considerações finais

Em síntese, salienta‑se que os dados apreendidos no teste de associação livre de palavras


propuseram um conhecimento do senso comum acerca de saúde mental, universidade e
formação profissional no ambiente acadêmico, ancorados nas Representações Sociais dos
estudantes universitários de Psicologia e Fisioterapia. A utilização da Teoria das
Representações Sociais no presente estudo se fez pertinente levando em conta que as RS são
uma forma de conhecimento socialmente elaborada a partir do senso comum e da vida social.
A universidade é um amplo espaço de experiências, pensamentos, educação, comunicação,
práticas, atitudes e opiniões, portanto, um espaço repleto de representações.

Sendo assim, utilizou-se das redes semânticas e da comparação entre os cursos para se
alcançar as representações sociais dos universitários de uma universidade pública acerca da
saúde mental, universidade e formação profissional com o intuito de verificar quais as
concepções dos estudantes acerca desses temas.

Quando se fala de saúde mental, ambos os cursos possuem percepções aproximadas que
quase se igualam à noção de saúde mental da OMS. Saúde mental é busca pelo bem-estar físico,
mental e social, portanto diante das representações elaboradas, existe uma ideia positiva e um
conhecimento realista que se alinha aos órgãos estatais de saúde acerca do que é a saúde mental.
Porém, dentro do contexto universitário trabalhado, ao utilizar o estímulo-indutor

320
“universidade”, é possível notar uma visão, em geral, bastante negativa do ambiente acadêmico,
com concepções acerca do cansaço, dificuldades acadêmicas e pressões; no entanto, os
universitários também se ancoraram em entendimentos um pouco mais positivos como a
universidade como um espaço facilitador de amizades e também de aprendizado.

Aprendizado este que é necessário para o alcance de um futuro profissional de sucesso,


núcleo semântico que surgiu em ambos os cursos estudados. Apesar da visão negativa da
universidade, pode-se inferir que as projeções acerca da formação profissional são positivas,
ganhando um espaço de importância e realização para os participantes do estudo.

Desse modo faz-se necessário destacar a importância do presente estudo acerca das
representações sociais da saúde mental na universidade, sendo um tema importante a ser
trabalhado em ambas as áreas. As afetações pessoais que atingem a saúde mental durante os
anos de academia podem também infligir o futuro profissional dos estudantes, sendo assim, a
universidade deve começar a se munir de práticas promovedoras de bem-estar no âmbito
acadêmico.

Contudo, é importante salientar que as representações obtidas não possuem um viés


taxativo e generalizador, pois a partir das próprias limitações da pesquisa podem ter sofrido
influências dado o momento da realização do estudo, que ocorreu no final do período letivo,
um período costumeiramente conturbado da vida acadêmica, assim como do fato de que ambos
os cursos pesquisados são integrais, possuindo carga horária semelhante. Assim sendo, espera-
se que o presente estudo possa subsidiar demais pesquisas e intervenções acerca da saúde
mental na universidade, possibilitando mudanças positivas nas representações atinentes à vida
acadêmica.

Referências
Amarante, P. (2007). Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro, Brasil: Editora
Fiocruz.
Araújo, J. S, & Xavier, M. P. (2014). O conceito de saúde e os modelos de assistência:
considerações e perspectivas em mudança. Revista Saúde em Foco, 1(1), 137-149.
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais do Ensino Superior - ANDIFES.
(2016). IV pesquisa do perfil socioeconômico e cultural dos estudantes de graduação
das instituições federais de ensino superior brasileiras - 2014. Uberlândia: ANDIFES.
Retirado de http://www.andifes.org.br/wp-content/uploads/2017/11/Pesquisa-de-Perfil-
dos-Graduanso-das-IFES_2014.pdf
Borine, R. de C. C., Wanderley, K. da S. & Bassitt, D. P. (2015). Relação entre a qualidade de
vida e o estresse em acadêmicos da área da saúde. Estudos Interdisciplinares em
Psicologia, 6(1), 100-118.
Borsa, J. C. (2013). O papel da amizade ao longo do ciclo da vida. Psico-USF, 18(1), 161-162.
Castro, V. (2017). Reflexões sobre a saúde mental do estudante universitário: estudo empírico
com estudantes de uma instituição pública de ensino superior. Revista Gestão Em Foco,
(9), 380-401.
Collares-da-Rocha, J. C. C., Wolter, R. P., & Wachelke, J. (2016). As Pesquisas em

321
Representações Sociais na Revista Psicologia & Sociedade. Psicologia & Sociedade,
28(3), 582-588.
Coutinho, M. da P. L., Araújo, L. F. de, & Saraiva, E. R. de A. (2013). Revisitando a teoria das
representações sociais: uma abordagem teórica. In R. T. da Cruz & E. E. da S. Gusmão
(Orgs). Psicologia: Conceitos, Técnicas e Pesquisas (Vol. 2, Cap. 1, pp. 11-24). Curitiba:
CRV.
Cunha, M., Duarte, J., Sandré, S., Sequeira, C., Castro-Molina, F. J., Mota, M., ... & Freitas, S.
(2017). Bem-estar em estudantes do ensino superior. Millenium, 2(2), 21-38.
Dany, L., Urdapilleta, I., & Lo Monaco, G. (2015) Free associations and social representations:
some reflections on rank-frequency and importance-frequency methods. Qual Quant,
49,489–507.
Deschamps, Jean-Claude, & Moliner, P. (2014). A identidade em Psicologia Social (2ª Ed).
Petrópolis: Vozes.
Espírito-Santo, H., & Matreno, J. (2015). University students psychopathology: correlates and
the examiner's potential bias effect. Revista Portuguesa de Investigação Comportamental
e Social, 1(1), 42-51.
Félix, L. B., Andrade, D. A., Ribeiro, F. S., Correia, C. C. G. & Santos, M. F. S. (2016). O
conceito de Sistemas de Representações Sociais na produção nacional e internacional:
uma pesquisa bibliográfica. Psicologia e Saber Social, 5(2), 198-217.
Jodelet, D. (2011). Sobre o ponto de vista: movimento das representações sociais comunidade
científica brasileira. Temas em Psicologia, 19(1), 19-26.
Mendes, H., & Araújo, L. (2017). Representações sociais da sexualidade e da educação integral:
um estudo entre professores da rede pública de ensino. Revista Educação E Emancipação,
10(1), 191.
Mondardo, A. H., & Pedon, E. A. (2005). Estresse e desempenho acadêmico em estudantes
universitários. Revista de Ciências Humanas, 6(6), 159-179.
Monteiro, C. F. de S., Freitas J. F. de M. & Ribeiro, A. A. P. (2007). Estresse no Cotidiano
Acadêmico: o Olhar dos Alunos de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí.
Escola Anna Nery Revista, 11(1), 66-72.
Moretti, F. A., & Hübner, M. M. C. (2017). O estresse e a máquina de moer alunos do ensino
superior: vamos repensar nossa política educacional? Revista Psicopedagogia, 34(105),
258-67.
Moscovici, S. (2012). Representações sociais: Investigações em psicologia social (6ª Ed).
Petrópolis: Vozes.
Padovani, R. da C., Neufeld, C. B., Maltoni, J., Barbosa, L. N. F., Souza, W. F. de, Cavalcanti,
H. A. F., & Lameu, J. do N. (2014). Vulnerabilidade e bem-estar psicológicos do
estudante universitário. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 10(1), 2-10.
Paula, A. S. & Kodato, S. (2016). Psicologia Social e Representações Sociais: Uma
Aproximação Histórica. Revista de Psicologia da IMED, 8(2), 200-207.
Pereira, R., Freitas, M., & Ferreira, M. (2014). Velhice para os adolescentes: abordagem das
representações sociais. Revista Brasileira de Enfermagem, 67(4), 601-609.
Peron, S. I., Guimarães, L. S., & Souza, L. K. de. (2010). Amizade na adolescência e entrada

322
na universidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 6(3), 664-681.
Ribeiro, L. P. & Antunes-Rocha, M. I. (2016). História, abordagens, métodos e perspectivas da
Teoria das Representações Sociais. Psicologia & Sociedade, 28(2), 407-409.
Silva, E. (2015). Adoecimento e Sofrimento de Professores Universitários: Dimensões Afetivas
e Ético-Políticas. Psicologia: Teoria e Prática, 17(1), 61-71.
Silva, E. L. da, & Cunha, M. V. da. (2002). A formação profissional no século XXI: desafios e
dilemas. Revista Ciência da Informação, 31(3), 77-82.
Sousa, P. F. de, Maciel, S. C., Medeiros, K. T., & Vieira, G. L. S. (2016). Atitudes e
Representações em Saúde Mental: Um Estudo com Universitários. Psico-USF, 21(3),
527-538.
Vieira, L. N., & Schermann, L. B. (2015). Estresse e fatores associados em alunos de psicologia
de uma universidade particular do sul do Brasil. Aletheia, (46), 120-130.
Wachelke, J., Matos, F. R., Ferreira, G. C. S., & Costa, R. R. de L. (2015). Um Panorama da
Literatura Relacionada às Representações Sociais Publicada em Periódicos Científicos.
Temas em Psicologia, 23(2) 309-325.
EIXO 05

323
Racismos: Estrutural, Institucional, Científico

REVISÃO SISTEMÁTICA DE PRODUÇÕES QUE ASSIMILEM A PRÁTICA


PSICOLÓGICA NUMA ATITUDE ANTIRRACISTA

Lara Coelho Pereira


Lucas Coelho Pereira

INTRODUÇÃO

Dentre diversos ramos da psicologia, existem os que se dedicam ao estudo dos processos
psicológicos norteadores da construção de subjetividades. Essa esfera é composta por uma série
de elementos multifatoriais e reciprocamente interligados. Os elementos constituidores da
subjetividade podem ser classificados como internos - cognição, memória, aprendizagem,
motivação, atenção, etc. e externos - classe, gênero, religião, orientação sexual, raça/etnias etc.
No presente artigo voltaremos nossa atenção para um desses elementos externos – a raça/etnia
– a fim refletirmos sobre a importância de uma prática psicológica atrelada a uma atitude
antirracista.
Neste sentido, realizaremos uma revisão sistemática de literatura a respeito da
publicação de artigos científicos que tematizem a relação entre psicologia e antirracismo.
Entendemos que a pesquisa é importante diante da relevância que o fator raça/etnia possui na
construção de significados para a subjetividade dos sujeitos. É sabido que – por conta de
aspectos históricos, culturais e estruturais – determinadas raças e etnias são alvos frequentes de
discriminação e preconceito racial que repercutem negativamente sobre a saúde mental dos
sujeitos.
Analisaremos três revistas de psicologia avaliadas com Qualis A1 segundo o Portal
Capes. É importante elucidar que o foco da pesquisa concentra-se nas produções brasileiras a
respeito do tema. O artigo está estruturado nas seguintes sessões: métodos, inspirações
analíticas, resultados e discussões e, por fim, as conclusões, na qual traremos uma reflexão
sobre o que se tem estudado sobre esta perspectiva, para a produção de conhecimento na área
da psicologia.

INSPIRAÇÕES ANALÍTICAS

O conhecimento psicológico brasileiro do séc. XIX para o séc. XX ainda não se


constituía como um campo coeso e apartado de outros. Era muito comum encontrá-lo
interligado a áreas da saúde, educação e da organização do trabalho. O que se produzia de
teorizações psicológicas em sentido estrito decorria da psiquiatria, da neurologia, da medicina

324
legal (Antunes apud Santos et al, 2012).
Neste período o psiquiatra Nina Rodrigues estreia os estudos de raça/etnia no Brasil.
Tendo como objeto de estudo a raça/etnia negra, ele elabora trabalhos pautados no darwinismo
social através da ideia de pureza das raças. O contexto histórico era de colonização, regime
escravocrata e seus resquícios. Nina Rodrigues destinava seus estudos em associar doenças e
deficiências ao biótipo da raça/etnia negra (Santos et al, 2012). O estudo étnico/racial no Brasil,
na perspectiva psicológica iniciou-se, portanto, sob o olhar branco do colonizador,
evidentemente racista e separatista que distorcia a imagem e identidade do povo negro, bem
como a consideração de que raça/etnia seriam fatores biológicos.
Da década 1930 a 1950, estudiosos Como Virgínia Bicudo, Aniela Ginsberg e Dante
Moreira Leite se dedicaram em desconstruir a ideia de raça/etnia como um fator biológico
(Santos et al, 2012), pois não havia nenhuma característica genética específica que delineasse
e localizasse as raças dentro de um seguimento biológico que as dividissem. Para eles, se
houvesse o que de fato diferenciasse os povos, isto se deveria exclusivamente a outras variáveis
que não a raça, como questões de cunho econômico, social e cultural.
Shucman (2010) fala de raça como uma categoria social atravessada pelas características
fenotípicas dos sujeitos. O não-branco é marcado por essa categoria, pois nele os traços são
“visíveis” a olho nu. Já o sujeito branco, ao qual o sujeito não-branco está sempre em relação,
a dimensão racial não é vista a princípio, devido a não marcação da cor branca. Este fator
relacional entre “presença” e “ausência” de cor resulta em relações assimétricas de acesso a
direitos sociais e simbólicos. O racismo se configura nesta relação na medida em que inferioriza
social/cultural/esteticamente o não-branco em prol da elevação e manutenção de privilégios
social/cultural/estético do branco.
O negro é alguém negligenciado em questões de direitos, segregado em questões sociais
e negado em sua identidade e manifestações estéticas. Neusa Santos (1983) nomeia essa
condição de Mito Negro, onde tudo que não diz respeito ao modelo branco de existir, é então
considerado feio, exótico, irracional, ruim, sujo. E é sob este olhar que o racismo vai
constituindo suas violências, dilacerando lentamente a subjetividade e a construção da
autoimagem das pessoas não-brancas.
Estar fora do eixo da branquitude e sofrer com o racismo, tal como Fanon (2008)
descreve, é lidar – através da rejeição racial – com a confusão, a autonegação da própria
identidade, com as estereotipias negativas do que é ser negro e constantemente ser alvo de
discriminação, segregação e desigualdade nas oportunidades de acesso. É possuir, portanto, um
maior nível de vulnerabilidade biopsicossocial.
No Brasil, acerca da temática, alguns índices em que o negro aparece em maior
ocorrência precisam ser ressalvados. Conforme dados publicados e divulgados por órgãos
ligados ao Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS), bem como outros de organizações não
governamentais e acadêmicos, vejamos a tabela abaixo. Ela fala das taxas de mortalidades de
pessoas negras (o que inclui pretos e pardos, de acordo com o IBGE).

Indicadores População Negra/Preta Fonte Ano Índices

Mortalidade em geral SUS 2012 5,9 por mil

Mortalidade por agressão SUS 2012 24,3 por cem mil


MS - UNB 2012 4,8 óbitos por cem mil

325
Suicídio MS - UNB 2016 5,88 óbitos por cem mil
Fontes: Painel de indicadores do SUS Nº10, ano de 2016; MS-UNB ano de 2018.

Seja por suicídio ou, principalmente, por agressão, os índices de mortandade da


população negra no Brasil são alarmantes. O que nos leva a pensar o bem estar deste segmento
como uma questão de saúde pública incontornável. Neste sentido torna-se urgente ressaltar que
a ciência psicológica precisa compreender o manejo com os aspectos subjetivos adoecidos do
povo negro. Para que isso se dê de forma efetiva e produtiva convém tomar consciência sobre
o olhar que a psicologia originou-se e constituiu-se como tal, conforme pontuado no início dessa
sessão. Assim, é lúcido dizer que é a partir de uma epistemologia massivamente euroamericana,
construída sobre técnicas universalistas, e majoritariamente pouco preocupada com as relações
e diversidades étnico-raciais que a psicologia se constituiu historicamente. E sobre isso Veiga
(2019) questiona:

Como tratar dos efeitos do racismo na subjetividade negra numa relação terapêutica
em que a marca do terapeuta, ser branco, é o que legitima as violências ao ser preto
do paciente? Como acessar o auto-ódio para dele poder sair e não acessá-lo e dele
continuar padecendo? Os psicólogos brancos suportariam a redistribuição da violência
racial no setting? Quando a transferência negativa é, na verdade violência criadora, o
psicólogo branco sabe manejar? (Veiga, 2019, p.246)

Tratar os efeitos que o racismo provoca sobre as subjetividades negras exige uma
atenção sensível e qualificada, mas estas não podem ocorrer se não houver por parte do
profissional também, uma atitude antirracista. Explorar uma prática psicológica antirracista é
entender de que maneira ela se desenvolve. É a partir de reflexões que levem o psicólogo a
compreender o adoecimento psíquico do sujeito através de múltiplos aspectos, considerando
também as dinâmicas socioculturais e históricas. É, ainda, experimentar novas modalidades de
escuta, análise e ação.
A fim de fomentar e mapear tal debate, elaboramos uma análise sistemática dentre três
revistas mais bem avaliadas pelo Portal Capes, com o intuito de identificar artigos que indiquem
uma psicologia de prática antirracista.

MÉTODOS

A busca pelos artigos priorizou publicações realizadas em território brasileiro e escritos


em português. O objetivo foi analisar produções que desenvolvessem uma reflexão sobre como
e o que configura o atendimento psicológico dentro de uma atitude antirracista. Recorremos às
bases de dados disponibilizadas pelo SciELO (Scientific Eletronic Library Online) e PePSIC,
no âmbito de três periódicos avaliados com Qualis A1 pelo Portal da CAPES, segundo a
avaliação quadrienal correspondentes aos anos 2013-2016.
Os periódicos tomados como base foram: Psicologia: Reflexão e Crítica; Psicologia:
Teoria e Pesquisa e a Revista Latinoamericana de Psicologia. Decidimos, antes de realizar a
investigação, não delinearmos os períodos de publicação dos artigos, visto que se trata ainda de
uma temática em recente construção. Desta forma, permitimo-nos analisar uma linha do tempo

326
bastante ampla acerca das produções encontradas.
Como critério de exclusão não foram consultadas nenhum artigo que se dedicasse a
discorrer sobre o racismo, pois que o tema delimitou-se a analisar artigos que localizasse
especificamente a prática psicológica dentro de uma atitude antirracista. Os termos utilizados
foram: psicologia and negro; psicologia and racial; psicologia and preconceito; psicologia and
antirracismo; racial; raça; negro; étnico racial; colonização; discriminação; racismo;
antirracismo.
Os critérios de inclusão envolveram também a natureza da pesquisa (empírica, teórica,
qualitativa, quantitativa, etc.), o tema que se objetiva, o método, resultados e conclusão.

RESULTADO E DISCUSSÃO

De acordo com o processo de pesquisa, iremos elaborar uma análise dos termos
pesquisados em cada revista, assim como os resultados que foram ou não obtidos na análise.
Na revista Latinoamericana de Psicologia, dos termos e palavras-chave que foram
utilizados, os quais citamos na seção anterior, surpreendentemente nenhum artigo foi
identificado, nem mesmo trabalhos que abordassem alguma temática sobre raças, discriminação
ou preconceito.
Na revista; Psicologia: Teoria e Pesquisa, entre os termos que obtiveram resultados
estão; Psicologia and Preconceito, foram encontrados dois (2) artigos; com o termo Racial
também foram dois (2); com o termo Racismo também dois (2) trabalhos; com o termo Negro
identificou-se apenas um (1). Dentre estes, um (1) se repetiu. Contabilizou-se, portanto, o total
de seis (6) artigos que envolvessem a temática raça e preconceito na área da psicologia, no
entanto nenhum destes foram avaliados dentro dos critérios de inclusão da revisão.
Na revista; Psicologia: Reflexão e Crítica, dentre as categorias que obtiveram resposta,
tivemos: Psicologia and Negro, com uma (1) publicação; Psicologia and Preconceito, com
quatro (4) publicações; Racial, com duas (2) publicações; Raça, com duas (2) publicações e;
Negro, com duas (2) publicações. Três destas publicações se repetiram. Contabilizou-se no total
oito (8) publicações, dentre elas nenhuma se estabeleceu dentro do critério de inclusão da
pesquisa

CONCLUSÃO

Realizamos a revisão sistemática com base nos critérios de elaboração de um estudo


bibliográfico após formular o problema de pesquisa: o que se tem produzido sobre prática
psicológica dentro de uma atitude antirracista nas principais revistas de psicologia do país?
Feito isso, buscamos através de palavras-chave termos relacionados à temática objetivada, a
fim de revisar, selecionar e demonstrar as respostas (Sampaio & Mancini, 2007). Podemos
concluir que a psicologia ainda carece de produções científicas que assimilem uma prática
psicológica a uma atitude antirracista. A pesquisa, portanto, mapeou muito mais ausências do
que presenças. Penso com Sampaio e Mancini (2006) que revisões sistemáticas podem e devem
comunicar as lacunas e os resultados negativos de pesquisas e estudos, “já que os profissionais
que estão na clínica precisam dessa informação para mudar a sua prática” (Sampaio & Mancine,

327
2006, p. 87)
Reconhecer estes dados - longe de levar a psicologia ao descrédito – sinaliza a
importância dessa área enquanto ciência e profissão. Fala da necessidade de psicólogos e
psicólogas ampliarem suas perspectivas, buscando construir uma psicologia mais eficaz no
combate aos efeitos do racismo estrutural.
Neste processo, aceitar e compreender o próprio histórico de constituição da disciplina
é o primeiro passo em busca da construção de uma prática psicológica antirracista. Entender,
por exemplo, que a psicologia carece ainda de uma maior visibilidade e incentivo aos teóricos
e pensadores não-brancos nas produções bibliográficas é outra importante medida. O que,
apesar de necessário, não é sequer a ponta do iceberg no enfrentamento do racismo estrutural.
Sobre isso, Veiga (2019) discorre:

A descolonização da prática clínica não é apenas incluir na bibliografia as


epistemologias até então silenciadas, mas colocar em questão o próprio lugar do
psicólogo, situar suas marcas, seu lugar de fala, por que é desse lugar que ele exerce
a escuta. (Veiga,2019, p.246)

Finalizamos o artigo com a visão de que a psicologia ainda possui uma longa caminhada
na elaboração de reflexões, teorias e práticas no que diz respeito a construir uma psicologia de
atitude antirracista.

REFERÊNCIAS

Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas.


Ministério da Saúde Universidade de Brasília (2018). Óbitos por suicídio entre adolescentes e
jovens negros 2012 a 2016. Recuperado de:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/obitos_suicidio_adolescentes_negros_2012
_2016.pdf
Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de
Articulação Interfederativa (2016). Temática saúde da população negra. Recuperado
de:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/tematico_saude_populacao_negra_v._7.pdf
Sampaio, R. F. & Mancini, M. C. (2007); Estudos de revisão sistemática: um guia para síntese
criteriosa da evidência científica. Revista Brasileira de Fisioterapia. 11(11), 83-89.
Recuperado de: http://www.scielo.br/pdf/rbfis/v11n1/12.pdf
Santos, A. O. Schucman, L. V. & Martins, H. V. (2012); Breve histórico do pensamento
psicológico brasileiro sobre relações étnico-raciais. Psicologia: Ciência e Profissão.
32(esp.), 166-175. Recuperado
de:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S14149893201200050001
2&lng=en&nrm=iso&tlng=pt
Souza, N. S. (1983); Tornar-se Negro. Recuperado de:

328
https://psicanalisepolitica.files.wordpress.com/2014/10/tornar-se-negro-neusa-santos-
souza.pdf
Schucman, L. V. (2010); Racismo e antirracismo: a categoria raça em questão. Revista
Psicologia Política. 10(19). Recuperado de:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519549X20100001000
05
Veiga, L. M. (2019, set.). Descolonizando a psicologia: notas para uma psicologia preta.
Fractal: Revista de Psicologia – Dossiê Psicologia e epistemologias contra-
hegemônicas, Niterói, v.31(esp.), 244-248. Recuperado de:
https://doi.org/10.22409/1984-0292/v3li_esp/29000
A COR DA BELEZA: ROMPENDO COM OS PADRÕES ESTÉTICOS REAIS A

329
PARTIR DO MUNDO VIRTUAL

Larah Bogea Ribeiro


Renata Silva Amador
Valentina Cabral
Lopes dos Santos
Laura Inês Oliveira das Neves

Introdução

Durante séculos, a pena, o pincel e a caneta encontraram-se sob o domínio de mãos


brancas. A partir delas, nos era ditado o que era certo e errado, verdade ou mentira, belo ou
feio. A produção de conhecimento no mundo teve na Europa a única referência de
conhecimento válida, desqualificando e desumanizando qualquer outra etnia que não fosse a
branca. A ideia do indivíduo branco como padrão ideal e o negro, indígena, árabe como o Outro,
surgiu durante o período colonial. Com a descoberta das Américas um novo padrão de poder
foi instalado, separando seres humanos em duas categorias: a de conquistadores e conquistados.
Como forma de garantir a hegemonia europeia e sua consequente opressão aos povos
colonizados, uma nova categoria é criada: a cor. Invenção britânico-americana, a ideia de raça
foi uma forma de legitimar as relações de poder e, ao mesmo tempo, naturalizar as relações
coloniais de dominação, tornando-se um critério de classificação social universal (Quijano,
2015).
No entanto, as ramificações dessa colonização não se concentraram somente em
questões de poder e saber, mas também se encontram presentes na construção da beleza e, por
consequência, da feiura. Sandro Botticelli (1445-1510), renomado artista do Renascimento
Italiano, pode ser uma das primeiras referências que relacionou o belo ao branco. Inspirado em
temas como a Antiguidade grega e a tradição cristã, foi em sua obra, Nascimento de Vênus, que
pode expressar seu ideal de beleza feminina: branca, cabelos claros e lisos, feições finas e
delicadas (Proença, 2010). Uma forma sutil de ditar um padrão, associando uma mulher branca
com a deusa da beleza. À mulher negra, no entanto, sobrou a categoria, nomeada por Sueli
Carneiro, de antimusa, onde sua cor é tida como uma essência negativa, onde a única identidade
capaz de assumir é a de objeto.
De escrava a assalariada, de coadjuvante a protagonista, pouco a pouco mulheres negras
ao redor do mundo vêm tomando para si o espaço que é seu por direito, rompendo padrões de
beleza e hipersexualiazação de seus corpos através da ferramenta mais valiosa que possuímos:
o conhecimento. A retirada desses rótulos se dá em grande parte pela luta histórica de
movimentos sociais negros, tendo uma guinada ainda maior nas últimas décadas, com a
disseminação de grupos na internet, canais de Youtube e outras variadas redes sociais. Para o
conhecimento ser disseminado ele precisa de espaço e escuta, e essas redes serviram como
forma de conectar mulheres, sendo uma ferramenta de compartilhamento de experiências,
dores, dúvidas e, talvez o mais importante, de identificação.
O objetivo deste artigo é apresentar a importância das redes e mídias sociais em prol de
uma representatividade que possibilite a construção de uma identidade negra. Escrito por

330
autoras brancas e negras, esse artigo busca unir experiências e pôr em prática o exercício da
empatia e conhecimento da interseccionalidade. Empoderar se torna muito mais fácil quando
podemos nos ver no outro, e é com essa rede de empatia que mulheres começaram a ser capazes
de escrever sua própria história.

1. Descolonizando os padrões de beleza

1.1 Escravidão ontem e hoje: os estereótipos das mulheres negras

O corpo da mulher ao longo da história sempre foi alvo de estereótipos e objetificação,


sendo imposto a elas um papel de subjugação, submissão. Mas quando se trata das mulheres
negras a questão dos estereótipos é mais específica, essas além de enfrentar os problemas sobre
a diferença de gênero, sofrem ainda com o racismo e as formas de socialização perversas
presentes em todas as esferas da sociedade. Segundo Carneiro (2003) “As mulheres negras
tiveram uma experiência histórica diferenciada que o discurso clássico sobre a opressão da
mulher não tem reconhecido”. Dessa forma, ao falar sobre o corpo da mulher negra, é necessário
haver a compreensão de que esse corpo é marcado também por uma história de outras formas
de opressão.
O corpo da mulher negra é marcado por rótulos. Ao falar do corpo feminino nos vemos
diante de dois olhares: um, relacionado ao prazer e o outro, ao trabalho, associando dessa
maneira, dois dos principais estereótipos da mulher negra: o de objeto e o de escrava - ou não
seriam os dois um só? São raras as vezes que a mulher negra é colocada enquanto modelo de
beleza, prevalecendo os padrões brancos. Mulheres brancas, de traços finos são a maioria em
representações midiáticas, por exemplo. Segundo Carneiro (2003) “as mulheres negras fazem
parte de um contingente de mulheres que não são rainhas de nada, que são tratadas como
antimusas da sociedade brasileira, porque o modelo estético de mulher é a mulher branca”. Se
por um lado a mulher negra é inferiorizada quando se trata de beleza, por outro, seu corpo é
considerado desejável pela via da hipersexualização. Não só existe o estereótipo de uma
sensualidade exacerbada, mas uma exotização destes corpos, relacionando-os à lascividade.
Não é incomum a utilização da expressão “da cor do pecado” à mulher negra. Esse cenário se
torna ainda mais perverso por esses estigmas serem considerados por vezes uma exaltação a
beleza da mulher negra, o que acaba disfarçando essa forma de preconceito, algo que acontece
rotineiramente na sociedade brasileira, preconceitos mascarados pelo mito da democracia
racial.
Enquanto, historicamente, as mulheres brancas lutaram para conquistar o direito ao
trabalho, esse é um lugar que sempre foi dado à mulher negra. No entanto é preciso levar em
consideração que desde o período da escravidão o trabalho destinado à mulher negra está
relacionado à sua resistência física, pois supostamente elas têm capacidade de aguentar
trabalhos pesados. Dessa forma, a ideia ilusória da fragilidade do sexo feminino, que apesar de
muito combatida ainda perdura nos dias atuais, nunca se aplicou as mulheres negras. Assim,
além da objetificação e hipersexualização, à mulher negra ainda é imposto o papel de mulher
trabalhadora, porém não de qualquer trabalho, mas profissões em que são colocadas em posição
de servitude. Esse papel é baseado em outra forma de representação presente no imaginário
social, que coloca na mulher negra o estigma de escrava. Conforme Silva (2009, p.71):
Marcadas pelo estigma da escravidão, a elas permanecem destinados os trabalhos sem

331
qualificação, trabalhos que dispensam inclusive a educação e a instrução, sobre elas
pesa, além das diferenças de gênero, também as de raça. O que observamos é com papéis
sociais “naturalmente” definidos como adequados, os nexos explicativos da condição
da mulher negra remetem, primeiramente a sua condição de escrava.

Os estereótipos impostos ao corpo da mulher negra não podem ser analisados de uma
forma isolada, mas atrelados a todas as formas de opressão trazidas pelo racismo e sofridas pela
mulher negra ao longo da história. Por mais que a luta pela quebra dos estereótipos tenha
avançado, havendo mulheres negras exercendo diferentes papéis na sociedade, se apropriando
de suas identidades e reconhecendo que não precisam se encaixar em padrões brancos de beleza,
as mesmas ainda enfrentam diariamente os rótulos que são impostos e que limitam suas
possibilidades de existência.

1.2 Os impactos da descolonização estética na contemporaneidade

Como supracitado, segundo Costa (2018), a mulher negra nunca foi colocada nessa
realidade de representação da beleza, por conta de todo um aparato estrutural, onde os fenótipos
negróides são considerados feios, desagradáveis ou exóticos - configurando o desagradável
como um eufemismo. O capitalismo apropria-se disso lançando no mercado procedimentos que
possibilitem o branqueamento para uma possível aceitação social. Com isso, a identidade das
mulheres negras se perde na tentativa de seguir o padrão europeu.
Contudo, recentemente está havendo uma ruptura com os padrões estéticos pré-
estabelecidos. O feminismo negro é um dos aliados nessa luta antirracista, e mediou muitas
conquistas para a população feminina negra, sendo o quesito beleza também um deles. A
transição capilar foi um processo muito comentado nas mídias sociais, onde meninas/mulheres
dividiram umas com as outras essas experiências de transformação do cabelo alisado para o
cabelo natural. Com a inserção dos veículos de comunicação, presentes no cotidiano
brasileiro, mulheres negras puderam se espelhar e se inspirar em outras pessoas que também
passavam por esse processo, e começaram a se empoderar, mostrando o quanto isso foi e é
importante para a formação de uma identidade negra. A partir do momento em que mulheres,
de diferentes perspectivas e modos de vida, começam a se questionar sobre esse padrão de
beleza, percebe-se a apropriação de uma identidade e subjetividade negra que antes em toda a
história fora negada.
O sistema capitalista, percebendo a mais nova inserção do negro no mercado financeiro
e entendendo algumas necessidades que haviam para essa população, toma para si a posição de
produtor dentro dessa nova roupagem para esse novo público. Quando se trata de cabelos, por
exemplo, torna-se visível a imersão em produtos de beleza e as diferentes marcas que surgem
para esse público que possuem cabelos cacheados e crespos. Porém, é necessário legitimar que
a mercantilização da beleza negra causa impactos ainda mais perversos quando vinculado à
mulheres negras que não possuem recursos financeiros para o acesso a esses produtos. Ressalta-
se ainda a marginalização com que grande parte da população negra está inserida e que as
categorias de pobreza e desigualdade social se fazem presentes nisso.
Além disso, também é perceptível que, mesmo com a entrada dos negros no mercado, o
padrão nunca se volta para as mulheres negras. Isso pode ser exemplificado com as próprias
propagandas das grandes marcas de cabelo que se utilizam de mulheres negras, mas que sejam
da pele mais clara possível e traços mais finos, o que mostra uma não aceitação do negro e de

332
toda a sua cultura e ancestralidade. Dessa forma, mostra-se que ainda há uma dominação racial
e um ajuste em toda uma identidade negra, de forma muito mascarada nos dias atuais. É válido
ressaltar ainda que, com questionamentos a respeito dos ideais de beleza existentes, não há um
propósito de criação de um novo padrão de beleza, e sim de aceitação da diversidade de belezas,
incluindo-as, de forma a valorizar os elementos e traços que simbolizam a negritude.
Para além dos rótulos exacerbados ao longo do tempo sobre o ser negra, a construção
de identidades acontece, desenvolve-se e se fortalece em múltiplos âmbitos, um deles é o
estético, por isso é relevante pensar a beleza negra (Oliveira, 2011). O imaginário popular acaba
legitimando a não humanidade negra de diversas formas, seja pela falta de negras retintas em
propagandas de cabelos das grandes marcas e salões, seja também pela falta de maquiagens
com tons para as mulheres negras. O fato é que isso repercute na identidade coletiva sobre a
significância de ser negra na contemporaneidade e também na subjetividade de cada uma dessas
mulheres, como menciona Gomes (2019) a respeito da importância da aprendizagem e
valorização dos corpos negros e suas raízes, principalmente através da representatividade.

Assim, considero que para o negro e a negra, a forma como o seu corpo e cabelo são
vistos por ele/ela mesmo/a e pelo outro configura um aprendizado constante sobre as
relações raciais. Dependendo do lugar onde se desenvolve essa pedagogia da cor e do
corpo, imagens podem ser distorcidas ou ressignificadas, estereótipos podem ser
mantidos ou destruídos, hierarquias raciais podem ser reforçadas ou rompidas e relações
sociais podem se estabelecer de maneira desigual ou democrática (Gomes, 2019, p. 05).

2. Mídias sociais como possibilidade para o empoderamento da mulher negra

2.1 Representatividade como caminho à construção de identidade da mulher negra

Por anos, negros não puderam ver sua imagem refletida na mídia, produtos ou
profissões: não haviam bonecos de sua cor ou desenhos animados que retratavam sua história;
nunca eram protagonistas, mas sempre coadjuvantes, servindo, na maioria das vezes, como
alívio cômico em filmes e novelas, sempre representando empregados ou escravos, nunca em
posição de poder, nunca em cargos de liderança.
A sociedade de maneira geral não legitima o negro, não oferecem modelos, não dá o
suporte necessário para que esses consigam formar sua identidade. Alguns negros acabam,
então, buscando a brancura como modelo de identificação. A alienação e a tentativa de
embranquecimento é um recurso para alguns diante da falta de referências.
Quando se retrata sobre beleza, não ocorre de forma diferente: nos concursos de beleza,
são raras as modelos negras e, quando há, são negras com características brancas: cabelo, nariz,
etc. Desenhos animados, princesas infantis e brinquedos para crianças não são feitos retratando
negras como belas. A própria Barbie, símbolo escancarado do padrão de beleza, demorou cerca
de oito anos para inclusão de bonecas negras, sendo a primeira boneca não exatamente a
personagem Barbie e sim uma “amiga”, sendo assim um papel de coadjuvante, fortalecendo
uma superioridade branca.
Por conta da invisibilidade e silenciamento, a autoestima de algumas mulheres é por

333
vezes afetada. Mas, nos últimos anos, percebemos um avanço no que diz respeito a
representatividade negra, onde cada vez mais tem ganhado espaço na sociedade - mesmo que
com muita dificuldade e nem sempre obtendo a aceitação de grande parte da sociedade
eurocêntrica - mas ainda assim, temos uma Miss Universo negra, temos uma cantora
considerada como rainha, negra, Beyoncé, temos digital influencers negras e, etc. Dessa forma,
percebe-se um notável começo para aceitação da beleza negra e suas multiplicidades dentro do
significado de ser negra. O empoderamento de seus traços, cor e cultura, além de uma
autonomia, na busca pela compreensão de sua ancestralidade, e a compartilhamento entre as
futuras gerações sobre a significância da beleza negra e sua cultura, são consequências reais e
diretas da representatividade.
Com isso, quando pensamos na representatividade, podemos dizer que se embasa em se
ter qualitativas referências - sejam essas de grupos, instituições, movimentos ou indivíduos - o
qual se quer representar. Sendo assim, a representatividade entra como fator importante na
construção da subjetividade e na formação de uma identidade negra.

2.2 Redes sociais: Redes de apoio

Sem dúvidas, ser uma mulher negra na nossa sociedade não é algo fácil. A educação
recebida nas escolas é claramente eurocêntrica, a formação da identidade negra é evidentemente
mais difícil, não são apresentados modelos, a história é vista pelo ponto de vista do colonizador.
As negras e os negros, não tem a chance de contar sua própria história, suas experiências, não
há quase nada, se é que há algo nesses espaços que os representem.

O racismo e o machismo foram responsáveis por manter as relações de poder da forma


como estão estabelecidas em nossa sociedade, condicionando a maior parte da
população negra à pobreza e ao não acesso à educação formal. Assim, foram negados a
esse grupo social ingresso nos espaços de poder e de produção de conhecimento. Em
função desse processo complexo, que contribuiu para a sua exclusão social, para a
negação de seus direitos e para a modelação das suas precárias condições de produção,
o exercício de contar a sua história tem sido um desafio para a população negra,
especialmente para as mulheres da diáspora africana (Malta & Oliveira, 2016, p.57).

Percebemos então que modelos negros não são apresentados nas escolas, referências
negras dificilmente são divulgadas, para termos acesso temos que saber exatamente o que
estamos procurando, dificilmente nos são sugeridos livros que falem sobre o processo de
branqueamento ou descolonização. Pouco sabemos dos nossos antepassados africanos, muito
da sua história foi apagada ou demonizada, como então é possível formar identidade negra em
uma sociedade ainda tão hostil?
Felizmente, redes sociais têm servido de instrumento de ajuda e mudança, permitindo a
aproximação de diferentes grupos de pessoas, proporcionando interações e trocas de
informações e experiências. Essas redes de contato virtual aproximam pessoas que, antes
isoladas, podem entrar em contato com indivíduos com interesses e características semelhantes
a si.
334
As práticas comunicacionais da cibercultura são inúmeras e muitas delas inéditas,
impactando a sociedade de forma singular. A cooperação é um ponto chave na
cibercultura, já que o compartilhamento de informações de todo tipo constrói processos
coletivos e dá forma a diversos espaços midiáticos, os quais entusiasmam os indivíduos
com a possibilidade de produzir informação e receber informação multidirecional.
Percebemos, então, que a cibercultura intensifica o saber compartilhado e a
distribuição e a apropriação dos bens simbólicos. A difusão da cultura local e
tradicional modifica as relações sociais e reforça as influências mútuas (Malta &
Oliveira, 2016, p.61).

Nessas redes sociais, é possível encontrar espaço onde as mulheres negras podem se
colocar, falar sobre si a respeito do que é ser uma mulher negra, partilhar experiências e
até dicas de beleza. Enfim, as redes sociais dão inúmeras possibilidades. A partir disso,
podemos ter as mulheres negras como protagonistas e autoras de suas próprias histórias, criando
referências e possibilitando formas de identificação e inspiração para meninas negras que se
encontram em um momento de autoconhecimento e desenvolvimento emocional. Esses
espaços virtuais possibilitam a criação de lugares de resistência para mulheres negras e para o
movimento negro, proporcionando maior visibilidade e, por consequência, empoderamento.
Entretanto, sabemos que quando falamos em redes sociais, falamos de exposição a
várias situações. Infelizmente, o racismo não está presente apenas na vida real, na virtual
estamos ainda mais desprotegidos, pois algumas pessoas aproveitam a possibilidade de
anonimato, se sentindo seguras para falar aquilo que possivelmente na vida real elas pensam.
Algumas vezes, esses comentários vêm disfarçados de críticas ou conselhos: "só acho que", "na
minha opinião", ou vem em forma de discurso de ódio mesmo. Enfim, não importa o local, o
racismo comparece às vezes explícito, às vezes disfarçado.
Todavia, essas redes formadas por mulheres negras servem não só como forma de
autoafirmação e controle de seus próprios corpos, mas como rede de apoio, onde esses discursos
de ódio são rechaçados. Para além disso, essas mulheres levam o que aprendem para a vida,
esses conhecimentos que dificilmente lhes foram apresentados nas escolas de uma maneira
formal ou mesmo informal, esclarecimentos sobre sua própria raça que por vezes é ignorado
pelo sistema, são oferecidos nesses espaços alternativos de educação.

A articulação entre a educação escolar e os processos educativos que se dão fora da


escola, nos movimentos sociais, nos processos políticos e nos grupos culturais se
configura, atualmente, mais do que antes, como bandeira de luta dos setores
considerados progressistas. Além disso, quanto mais aumenta a consciência da
população pelos seus direitos, mais a educação é tomada na sua especificidade
conquanto direito social. E mais, como um direito social, que deve garantir nos
processos, políticas e práticas educativas a vivência da igualdade social, da equidade e
da justiça social aos diferentes grupos sociais e étnico-raciais (Gomes, 2011, p.134).

Considerações finais
Embora a escravidão tenha acabado, não podemos negar que muitas foram as feridas

335
deixadas por ela, que perduram até hoje e repercutem na vida de mulheres negras. Como já
mencionado, as mulheres negras além de serem transpassadas por exigências estéticas da ordem
do inalcançável, estabelecidas pela sociedade ao longo do tempo, também sofrem com o
racismo, que contribui significativamente para que continuem a serem vistas como o não-belo.
Isto demonstra, a dificuldade na existência e resistência dessas mulheres perpassadas por
questões de gênero e também de raça, e o quanto isso reflete nos ideais de beleza. Em vista
disso, é possível perceber a importância dessa questão ser tratada de forma interseccional, ou
seja, é necessário considerar a diversidade entre as mulheres, e que ser uma mulher e negra
envolve uma soma ainda maior de violações e restrições.
Uma maneira de quebrar a visão da mulher negra enquanto sinônimo do não belo, é
escancarar o problema que na maioria das vezes fica camuflado pelo discurso da democracia
racial presente no Brasil. Como já foi exposto, o padrão estético imposto pela sociedade também
é baseado no racismo, por sua vez, na ideia da supremacia branca. Para desconstruir essa noção
de beleza, é importante que as questões étnico-raciais sejam amplamente discutidas em todos
os âmbitos, na mídia, no mundo do trabalho e principalmente nas escolas. É na escola que as
crianças têm suas primeiras interações sociais e essas interações contribuem para formação de
valores e de sua própria identidade. É nesse espaço também, que muitas vezes meninas e
meninos negros têm suas primeiras experiências com o racismo. Assim, nas escolas, não só é
necessário haver discussões sobre as relações étnico-raciais, mas também no conteúdo escolar
deveriam estar presentes a história e cultura africana e afro-brasileira, o que daria aos alunos
negros a oportunidade de ter conhecimento e reconhecimento sobre a sua ancestralidade, algo
que poderia repercutir de forma positiva na construção de suas identidades.
A representatividade é importante para o fortalecimento da identidade negra, bem como
para a desconstrução do ideal de beleza branco. Através da representatividade é dada uma
visibilidade que sempre foi negada às mulheres negras. Poder se enxergar em uma boneca, em
alguém que está na mídia ou em alguma rede social é fundamental para a autoaceitação e para
construção de uma autoestima positiva. Sendo assim, há um maior encorajamento para que as
mulheres negras assumam seus traços, suas características naturais e valorizarem uma beleza
que é única e pertencente somente a elas. A representatividade desperta ainda um processo de
autodescoberta para aqueles que ainda não encontraram sua verdadeira identidade enquanto
pessoas negras. Dessa forma, a ocupação de mulheres negras em diversos espaços contribui
para o processo de identificação e valorização da identidade negra e abre caminhos para uma
nova geração de mulheres negras empoderadas que buscam, entre outras
coisas, reconhecimento, visibilidade, respeito e aceitação.

Referências

Carneiro, S. (2003). Enegrecer o feminismo: A situação da mulher negra na América Latina a


partir de uma perspectiva de gênero. In: Ashoka Empreendimentos Sociais; Takano
Cidadania (Orgs.). Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Editora, 49-58.
Costa, A. L. (2018). Padrões de beleza e racismo na construção da identidade de mulheres
negras. (Trabalho de conclusão de curso). Universidade Federal do Maranhão,
Graduação em Psicologia, São Luís.
Gomes, N. L. (2011). O movimento negro no Brasil: Ausências, emergências e a produção dos
saberes. Política & Sociedade. 10, n.8. 133- 154. abr.
Gomes, N. L. (2019). Sem perder a raiz: Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra.

336
(3 ed. - Coleção Cultura Negra e Identidades). Belo Horizonte: Autêntica Editora.
Malta, R. B., Oliveira, L. T. B. de. (2016) Enegrecendo as redes: O ativismo de mulheres negras
no espaço virtual. Revista Gênero. Niterói, 16, n.2. 55 – 69, 1.sem.
https://doi.org/10.22409/rg.v16i2.31234
Oliveira da Silva, F. C. de. (2011). A construção de identidades negras em meio a padrões
brancos de beleza. Discursos Contemporâneos Em Estudo, 1(1), 125-141.
https://doi.org/10.26512/discursos.v1i1.0/8273.Proença, G. (2010). História da arte. In
G., Proença (Ed.) O Renascimento na península Itálica. São Paulo: Ática.
Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. Buenos Aires:
Clacso.
Silva, M. A. (2009). O cotidiano das mulheres negras a partir de suas narrativas: As
experiências e formação de araraquarenses. Fórum Identidades, 6, n. 3, 69-79, jun. sem.
QUESTÕES RACIAIS E VIOLÊNCIA URBANA: UMA REVISÃO DAS PESQUISAS

337
DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA LIGADAS AO VIESES-UFC

Carla Jéssica de Araújo Gomes


Glenda Sabino Paiva
Laisa Forte Cavalcante
Paula Autran Nunes
João Paulo Pereira Barros

1 Introdução

Refletindo sobre a importância de se pautar a temática racial nas investigações


científicas e observando que o racismo estrutural está vigente e naturalizado na sociedade
brasileira como uma realidade histórica, nosso objetivo neste capítulo é analisar como a questão
racial tem perpassado e provocado deslocamentos nas pesquisas de iniciação científica ligadas
ao Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação
(VIESES). O VIESES é ligado ao Departamento de Psicologia e à linha de pesquisa “Processos
Psicossociais e Vulnerabilidades Sociais” do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Ceará (UFC). Integram o grupo estudantes de graduação e pós-
graduação, em sua maioria da área da Psicologia. Desde 2015, o grupo vem desenvolvendo uma
pesquisa-intervenção guarda-chuva, à luz do método da cartografia (Passos & Barros, 2010),
intitulada: “Juventude e violência urbana: cartografia de processos de subjetivação na cidade
de Fortaleza-CE”, cujo objetivo principal é analisar processos de subjetivação engendrados por
práticas sociais relativas à problemática da violência urbana envolvendo jovens na cidade de
Fortaleza. Entendemos que para além da imagem de “guarda-chuva”, essa investigação se
assemelha a uma pesquisa-rizoma36 que viabiliza produções de monografias, pesquisas de
iniciação científica, dissertações e teses (Barros, Silva, & Gomes, 2020).
Este texto se justifica pela necessidade de explicitar como a questão racial deve ser
tomada como uma das questões centrais, em inter-relação com questões de classe e gênero, no
debate sobre violência e segurança pública, sob pena de se empreenderem análises superficiais
de questões que envolvem a criminalização e o extermínio de negros e negras nas dinâmicas da
violência em cidades brasileiras como Fortaleza.
Ao longo da trajetória de trabalhos orientados por perspectivas de pesquisa-intervenção
em Psicologia Social, pautamos a temática da violência urbana e o agravamentos dos
homicídios juvenis em Fortaleza em produções do grupo à luz de referenciais teóricos do campo
da Psicologia Social, pós-estruturalistas e autores e autoras anticoloniais (Barros, Benício,
Silva, Leonardo, & Torres, 2017a; Barros, Paiva, Rodrigues, Silva, & Leonardo, 2018; Benício
et al., 2018; Costa, Barros, Silva, Benício, & Moreira, no prelo). A pesquisa-intervenção
também é usada como ferramenta para a produção de um novo pensar oriunda das experiências

36
Deleuze e Guattari (1995) utilizam o conceito de rizoma, advindo da área da Biologia mais especificamente da
Botânica que seria uma espécie de raiz, como um modelo de campo aberto, resistência ético-estético-político,
tratando-se de linhas e não de formas.
emergidas dos encontros com o grupo. Esse modo de pesquisar assume o compromisso “colocar

338
em análise suas implicações com as práticas produzidas, entendendo as situações cotidianas
como acontecimentos sociais complexos” (Rocha & Aguiar, 2003, p. 64). Sendo assim, a nossa
pesquisa-intervenção tem como caráter analisar as relações sociais e políticas que são
produzidas nos territórios periféricos de Fortaleza com altos índices de homicídios.
A pauta racial é algo intrínseco e indispensável nessas discussões, em decorrência
principalmente do racismo estrutural que está vigente na sociedade brasileira, que, segundo
Almeida (2018), é agenciado por esferas políticas, econômicas e culturais e, assim, subalterniza
corpos negros. O racismo institucional, por sua vez, é compreendido como um desdobramento
do racismo estrutural e seria referente aos efeitos dos modos de funcionamentos das instituições
que concedem privilégios a determinados grupos, dessa forma produzindo desigualdades
legitimados pela raça. Com base nisso, Almeida (2018) afirma que “as instituições são a
materialização das determinações formais na vida social” (p. 30) e que elas derivam das
relações de poder.
Uma expressão desse racismo estrutural é evidenciada pela produção social e midiática
que maquina e corrobora com a criminalização e estigmatização das juventudes, negras, pobres
e periféricas que são tidas como algozes da violência, e, por isso, são os principais alvos das
medidas punitivo-penais do Estado (Coimbra, & Nascimento, 2003). Dessa forma, é forjada a
figura do “inimigo” que deve ser eliminado em nome da preservação dos “bons costumes” e da
proteção dos ditos “cidadãos de bem”. A aniquilação dessas vidas é legitimada e naturalizada
pois são tidos como “não-cidadãos”, inimigos, vidas não passíveis de luto (Butler, 2015). Dessa
maneira, as populações negras têm sido alvos, cotidianos, de diversas violências que partem da
exclusão social até a legitimação de seu extermínio. A noção de Necropolítica apresentada pelo
pensador camaronês Achille Mbembe (2016) nos ajuda a compreender esse cenário, esta seria
uma tecnologia de produção e gestão da morte na atualidade. Mbembe (2016), em sua obra, nos
ajuda a compreender que essas zonas de morte se constituem como um segmento da
colonialidade no mundo neoliberal, e, nessa lógica, as vidas negras, periféricas e pauperizadas
são tidas como supérfluas e matáveis.
Por fim, para além de discutir políticas de produção e gestão da morte às quais os corpos
negros, pobres e periféricos estão sujeitados é imprescindível abordar também práticas de
resistência produzidas por essas populações. Aqui entendemos resistência em diálogo com
Deleuze e Guattari (1996), isto é, como ações ou práticas contra-hegemômicas da ordem da
criação e da inventividade e não como algo reativo a um poder opressor, que produzem zonas
de vida e de potências micropolíticas. Mbembe (2019) discute que as resistências se organizam
a partir da ocupação de vidas negras pelos espaços e na luta por visibilidade onde o poder quer
distanciá-los e silenciá-los, buscando, assim descolonizar instituições.

2 Método

Para desenvolver este texto, foram realizadas uma análise de relatórios e revisão
bibliográfica de artigos produzidos pelo VIESES, tendo como critério de inclusão aqueles
artigos produzidos a partir de investigações desenvolvidas por alunos e alunas do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). Desta forma, esta pesquisa se organizou
a partir da revisão bibliográfica, pois as literaturas escolhidas para efetuarmos uma breve análise
apresentam estudos de modo coerente, organizado, contendo conhecimentos pertinentes (Echer,
2001) para dialogarem com conceitos teóricos sobre relações raciais e violência urbana.
Emergindo por meio de uma construção, um diálogo entre os artigos e também das percepções

339
e análises dos pesquisadores (Echer, 2001). O objetivo desse método de pesquisa é identificar
relações se apropriando de um pensamento crítico, podendo trazer sugestões para a realização
de futuras pesquisas (Hohendorff, 2014).
Sendo a nossa investigação-rizoma: “Juventude e violência urbana: cartografia de
processos de subjetivação na cidade de Fortaleza-CE” germinadora de ramificações, deu-se
como desdobramento as seguintes pesquisas de iniciação científica: a primeira (2015-2016),
“Violência infantojuvenil e territórios urbanos: Cartografia de processos de subjetivação na
cidade de Fortaleza-CE”, buscou pôr em análise modos de subjetivação agenciados por
discursos e práticas institucionais no tocante ao problema da violência urbana envolvendo
jovens que se materializam em territórios da cidade de Fortaleza reconhecidos por expressivos
índices de homicídios; a segunda (2016-2017), “Juventude e Violência Urbana: Cartografia de
processos de subjetivação na cidade de Fortaleza-CE”, pretendeu cartografar práticas sociais
relativas à problemática da violência urbana envolvendo segmentos juvenis, em territórios da
cidade de Fortaleza-CE; a terceira (2017-2018), com o mesmo título da anterior, objetivou
cartografar modos de subjetivação constituídos na articulação de práticas sociais em torno da
problemática da violência urbana envolvendo segmentos juvenis, em territórios da cidade de
Fortaleza com elevadas taxas de homicídios; a quarta (2018-2019), “Violência armada em
Fortaleza e práticas institucionais de segurança pública: Efeitos psicossociais no cotidiano de
juventudes periféricas”, procurou cartografar implicações psicossociais da violência armada e
das práticas institucionais das forças de segurança pública no cotidiano de juventudes
periféricas de Fortaleza; por fim, a atual pesquisa (2019-2020), “Juventudes e devires-
periféricos em Fortaleza: cartografia de práticas de resistência frente às políticas de morte e
precarização da vida”, propõe-se a analisar como jovens em contextos periferizados de
Fortaleza, com altas taxas de violência letal, produzem práticas de resistências às dinâmicas
que os enquadram como sujeitos matáveis.
Os artigos utilizados na revisão bibliográfica são produtos das pesquisas supracitadas,
a saber: “Pacificação” nas Periferias: Homicídios Juvenis e os Desafios à Democracia
Brasileira: Implicações Ético-políticas da Psicologia (Barros et al., 2017a), Pacificação nas
periferias: discursos sobre as violências e o cotidiano de juventudes em Fortaleza (Barros et al.,
2018), Necropolítica e Pesquisa-Intervenção sobre Homicídios de Adolescentes e Jovens em
Fortaleza, CE (Benício et al., 2018) e Dispositivo de Segurança e Racionalidade
Necrobiopolítica: Narrativas de Jovens Negros de Fortaleza (Costa et al, no prelo). As
materialidades referentes a atual pesquisa PIBIC (2019-2020) ainda não foram finalizadas.
A análise dos relatórios e artigos se organizou a partir da observação de como as
questões raciais e a problemática dos homicídios juvenis se articularam em tais produções, de
modo a buscar entender tanto como essa articulação foi abordada nas diferentes pesquisas,
como, também, o modo de entendê-las foi sofrendo alterações ao longo desses cinco anos. Para
tal análise, utilizou-se, como aparato teórico, pensadores do campo da Psicologia Social, pós-
estruturalistas e estudos pautados em perspectivas anticoloniais e decoloniais.

3 Resultados e Discussão

Iniciada em 2015, a primeira investigação PIBIC realizada pelo VIESES buscou


conhecer como a intensificação dos homicídios estava sendo vivenciada e analisada por
populações periferizadas, bem como problematizar a repercussão social desse fenômeno.
Orientou-se principalmente a partir da articulação de dois pontos problemáticos: a moralização

340
da discussão sobre violência infanto-juvenil, pondo em análise a produção cultural e discursiva
sobre a violência envolvendo esse público, e a volúpia punitiva junto a crianças, adolescentes
e jovens (Lemos, 2013), problematizando, a partir de interlocuções entre Foucault, Deleuze,
Guattari e autores que seguem caminho semelhante, a produção de modos de subjetivação
criminalizantes das juventudes periféricas, pobres e negras. Além de terem sido realizadas
atividades de campo, como grupos de discussão, oficinas e entrevistas com jovens e
profissionais da área dos direitos humanos em um bairro periférico da cidade com altas taxas
de homicídios37, analisou-se a repercussão social e midiática da chacina do Curió para refletir
sobre a operação de dispositivos de criminalização juvenis e de produção de “sujeitos matáveis”
no contexto dos grandes centros urbanos (Barros et al, 2017a). As chacinas ocorridas no Ceará,
bem como as próprias transformações psicossociais da violência no estado, dentre outros
aspectos locais que lhes são sustentação analítica, seriam também uma expressão de um "devir-
negro do mundo" (Mbembe, 2014), isto é, uma ampliação do espectro de opressões e violências
sofridas por negros para um conjunto mais heterogêneo de populações subalternizados e
tornadas supérfluas pela atualização da colonialidade ligada ao neoliberalismo.
A partir desta pesquisa, refletiu-se como a problemática dos homicídios juvenis está
relacionada a intensificação de modos fascistas de viver (Guattari, 1987; Deleuze & Guattari,
1991; Foucault, 1994), caracterizados pela repulsa a certas existências, e a naturalização da
violência daí resultante dentro das ditas formações “democráticas” no Brasil (Barros et al,
2017a). Aliada a uma tradição escravocrata e elitista, a criação de juventudes tidas como
“matáveis” em solo brasileiro, aponta a pesquisa, está diretamente relacionada à produção de
discursos e práticas institucionais em territórios da cidade estigmatizados como violentos que
incidem na criminalização de segmentos infantojuvenis pobres e negros, justamente aqueles
que são apontados pelos levantamentos quantitativos como as maiores vítimas da violência
urbana no país (Barros et al, 2017a). A questão racial é abordada, durante a investigação, como
um importante mecanismo, sustentado por lógicas coloniais, que estabelece a divisão entre
aqueles que devem viver e aqueles que devem morrer (Barros et al, 2017a).
A segunda investigação PIBIC se conecta a anterior e funciona como uma continuação
das reflexões já iniciadas, mas, dessa vez, contemplando outro território periférico da cidade.
O público participante da pesquisa foi composto por 22 jovens entre 15 e 29 anos e 14
profissionais de políticas sociais que atuavam com jovens. Por meio de grupos de discussão,
entrevistas semi-estruturadas e observações do cotidiano, o artigo resultante da pesquisa se
propôs a analisar, a partir dos discursos dos jovens e dos profissionais participantes, o fenômeno
conhecido localmente como “pacificação”, o qual envolveu um pacto de “paz” entre grupos
criminosos em Fortaleza entre o final de 2015 e meados de 2016, e suas implicações na
dinâmica da violência urbana e no cotidiano das juventudes inseridas em territórios
“pacificados” (Barros et al., 2018).
Durante o período da pacificação, com a proibição de ciclos de vinganças, assaltos "nas
áreas" e práticas de homicídio entre grupos locais, a população dos territórios pacificados
usufruiu de uma maior liberdade de circulação e menor sensação de medo e iminência da morte
segundo os participantes da pesquisa (Barros et al., 2018). Em contrapartida, outras expressões
de violência continuaram presentes no cotidiano dos adolescentes e jovens desses territórios,
como os conflitos com a polícia e um maior exercício de um poder de soberania por parte das

37
Optamos por não expor o nome dos bairros onde as pesquisas foram realizadas para evitar a identificação dos
participantes da pesquisa.
facções38, que utilizavam da força para decidir sobre a vida e a morte nesses bairros (Barros et

341
al., 2018). Os jovens continuavam a se configurar como vidas descartáveis, tanto por parte das
facções, que os cooptam e os inscrevem em seus empreendimentos de forma precarizada e
subalterna, como por parte da segurança pública orientada por uma lógica militarizada, a qual
concebe tais segmentos como inimigos (Barros et al., 2018). Os territórios periféricos foram
tematizados como espécie de "colônias contemporâneas" (Mbembe, 2017), marcados pela
lógica da exceção, onde guerra e paz se confundem e nos quais políticas do medo, militarização
e marginalização se apresentam cotidianamente (Kilomba, 2019).
Ao investigar-se os efeitos práticos e simbólicos do fenômeno da pacificação,
problematizou-se também a influência e força que tais organizações criminosas adquiriram a
partir das lacunas deixadas pela ineficiência do Estado em garantir um bem estar social e
promover a paz nestes territórios, ao tomarem as vidas de juventudes negras e periféricas como
indignas de serem vividas (Barros et al., 2018). Utilizando-se da noção de necropolítica e as
reflexões sobre formas de dominação em contextos africanos pós-coloniais de Mbembe (2016),
os autores (Barros et al., 2018) trazem novamente a questão racial e a perpetuação da
colonialidade na contemporaneidade como chaves importantes para problematizar as violências
sofridas pelas populações das periferias de Fortaleza e as atualizações das políticas de morte
nestes territórios. Segundo Barros et al. (2018), o desamparo institucional a estas populações e
o descaso do Estado diante das mortes nesses bairros, a maior parte de pessoas negras, são
traços, com base em diálogos entre a noção de racismo de estado (Foucault, 1999) e a noção de
necropoder (Mbembe, 2016), de um paradigma bio-necropolítico.
A terceira investigação PIBIC se configurou como uma continuação das anteriores, mas,
agora, explorando outros territórios periféricos da cidade com altas taxas de homicídios, a fim
de identificar convergências e singularidades em relação aos resultados obtidos entre 2015 e
2017. Nesta investigação, o conceito de necropolítica (Mbembe, 2016) é ainda mais
aprofundado, por se caracterizar como um importante analisador frente a problemática da
violência envolvendo os segmentos infantojuvenis, principalmente adolescentes e jovens
negros/as e moradores das periferias urbanas (Benício et al, 2018). Articulado ao pensamento
de Mbembe, a pesquisa traça interlocuções com autores e autoras da Psicologia Social, pós-
estruturalistas, como Foucault, Deleuze, Guattari e Butler, e anticoloniais, Sayak Valencia e
Fanon. A utilização da noção de necropolítica como principal operador conceitual da pesquisa
ocorre também por entendermos que as problematizações e produções dos autores e autoras das
periferias do capitalismo são muito potentes para compreendermos melhor fenômenos de
violência próprios desses contextos, “onde o desfazimento de um débil Estado de Bem-Estar
Social se realiza por meio da barbárie” (Hilário, 2016, p. 205).
O artigo resultante da pesquisa reuniu os achados das investigações PIBIC de agosto de
2015 a julho de 2018 e teve por objetivo analisar psicossocialmente a problemática da
intensificação dos homicídios juvenis em Fortaleza (Benício et al., 2018). Como resultados do
estudo, os discursos dos participantes da pesquisa apontaram para três principais aspectos
relacionados a elevação dos índices dos homicídios de jovens no Ceará: 1) transformações na
dinâmica da violência urbana com o fim da “pacificação” e com o fortalecimento das facções,
produzindo, com a “guerra entre facções”, um estado de exceção permanente, que, juntamente
com o racismo e a colonialidade, dão base ao direito de matar (Mbembe, 2017) e ao poder de
morte (Fanon, 2010) nesses territórios; 2) recrudescimento de um modelo de segurança pública
militarizado por parte dos governos estadual e municipal, bem como a criação ficcional de
inimigos, rotulados regionalmente como “envolvidos” (encarnado por adolescentes e jovens

38
Organizações criminosas de comércio de drogas ilícitas.
negros e negras moradores das periferias urbanas), a partir da instrumentalização racista do

342
medo (Mbembe, 2017), que permite a hierarquização entre vidas que são ou não reconhecidas
como dignas, naturalização e até desejando a morte dos corpos racializados (Fanon, 2010),
aqueles não passíveis de luto (Butler, 2015); 3) desamparos socioinstitucionais aos segmentos
infantojuvenis em territorialidades periferizadas, maximizando a condição precária de suas
vidas e explicitando o que a discussão mbembeana sobre crítica da razão negra chama de devir-
negro do mundo (Benício et al., 2018)
A quarta pesquisa PIBIC (2018-2019), investigou as implicações psicossociais da
violência armada e das práticas institucionais da segurança pública no cotidiano de jovens
inseridos em bairros periféricos de Fortaleza. Dar esse enfoque à pesquisa tornou-se importante
uma vez que, em 2017, 75,5% das vítimas de homicídios no Brasil foram pessoas negras e,
especificamente no Ceará, foi constatada uma taxa de 75,6 mortos para cada 100 mil habitantes
negros, a segunda maior taxa do país (Cerqueira, et al., 2019). Além disso, segundo o 11º
Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 99,3% das pessoas assassinadas em 2016
eram do sexo masculino, 81,8% tinham entre 12 e 29 anos e 76,2% eram negras (Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, 2017)39. A partir destes dados, entende-se, tomando a noção
de racismo estrutural (Almeida, 2018) e seus efeitos psicossociais, que os principais alvos da
violência letal nesse país são os jovens negros, resultante, em parte, ao aumento de um modelo
militarizado de segurança pública e ao paradigma da “guerra às drogas”, que se configura como
atualização do genocídio de negras e negros (Nascimento, 2016; Borges, 2018) a partir da
produção de um “inimigo interno”, figura cada vez mais associada a jovens negros, pobres e do
sexo masculino nomeados como “envolvidos” (Benício et al, 2018).
O artigo resultante desta quarta investigação PIBIC focou sua investigação na
problematização das racionalidades ligadas à implantação das Células de Proteção Comunitária
(CPC), um dos principais dispositivos de segurança em funcionamento nas periferias de
Fortaleza, a partir de discursos de jovens negros (Costa et al, no prelo). A partir da escuta ativa
dos jovens negros e negras inseridos nestes territórios, através de entrevistas e oficinas
temáticas, apreende-se que as produções discursivas dos jovens participantes do estudo
apontam para o agravamento da violência institucional, do racismo e da sujeição criminal de
juventudes periféricas. As ações policiais que, a partir desses dispositivos, acontecem de forma
mais frequente e truculenta são “justificadas” em virtude da produção de jovens negros e pobres
enquanto sujeitos inimigos e matáveis e sob o pretexto de que são necessárias ao combate da
violência (Costa et al., no prelo). Outro artigo advindo dessa investigação está em andamento e
enfocará efeitos psicossociais da violência armada no cotidiano de populações periferizadas,
ressaltando a importância da questão racial nesse âmbito também.
Há, a partir de 2019, um deslocamento temático nas produções de iniciação científica
do VIESES. Se, em um primeiro momento, investigamos as juventudes periféricas enquanto
vítimas da precarização da vida e dinâmica de produção de morte, a partir de 2019, os processos
de resistências acionados por juventudes negras, por meio da arte, da participação em coletivos
ou pelo uso das redes sociais frente às expressões de uma necropolítica ganham maior ênfase.
Dessa forma, a questão racial passa a ser abordada não apenas sob o ponto de vista da violência
genocida sofrida por negras e negros, mas também a partir das suas resistências, utilizando-se
não somente de referenciais pós estruturalistas, mas também referenciais decoloniais.
Dialogando com Diógenes (2018), compreendemos que a criação dos coletivos surge enquanto
alternativa a espaços institucionais que não suprem às demandas da juventude, uma vez que as

39
Embora os levantamentos citados não sejam os mais recentes publicados, escolhemo-los de forma a buscar
retratar a realidade de dados que estavam disponíveis na época de pesquisa.
políticas públicas voltadas para a juventude estão, quase sempre, conectadas à aspectos

343
profissionalizantes e educativos. Diante deste panorama, os coletivos organizam-se para
atender às demandas político-culturais da juventude.
Dessa forma, na quinta investigação PIBIC, a qual ainda está em andamento, buscamos
entender como, a partir desses coletivos, segmentos juvenis criam modos de vida e formas de
atuação política que insurgem contra a naturalização de uma dimensão do periférico que
estigmatiza certos corpos juvenis como inúteis, indesejáveis, criminosos e matáveis, pela
intersseccionalização de marcadores raciais, de classe, de gênero, de geração e território.
Pretende-se mapear, a partir do acompanhamento de coletivos juvenis periféricos, que modos
de habitar a cidade que contrapõem às práticas higienistas e segregacionistas estão sendo
inventados pelo aliançamento de corpos negros e quais outras cartografias existenciais esses
jovens estão forjando nestes territórios (Deleuze & Guattari, 1996; Butler, 2018; Hooks, 2017;
Rolnik, 2018; Mbembe, 2019).
Tendo em vista que tal investigação ainda não foi finalizada, a análise desta última
investigação centra-se em seu projeto de pesquisa. Mbembe é uma das principais referências
utilizados no projeto por suas discussões acerca do mundo contemporâneo, a partir de
deslocamentos de um eurocentrismo epistemológico. Além dele, pensadores e pensadoras como
Fanon (2010), Butler (2018), Rolnik (2018), Diógenes (2018), hooks (2017) e Achinte (2017)
se apresentam como pontos centrais e importantes para a análise dos dispositivos político-
culturais que estão sendo acionados pelos coletivos juvenis periféricos tanto para visibilizar e
interpelar prácticas de racialização, exclusão e marginalização quanto para propor novos
sentidos e novas direções às existências juvenis em condições de dignidade, inventando formas
de re-existência.

4 Considerações Finais

Ao analisarmos os resultados de 2015 a 2020 das pesquisas PIBICs do VIESES voltadas


a investigação das relações entre violência urbana e os modos de subjetivação infantojuvenis
em contextos periféricos de Fortaleza, a questão racial se apresenta para além de um simples
coadjuvante em meio às políticas de subalternização de certas existências, mas sim como um
importante mecanismo que sustenta e permite a reprodução das lógicas coloniais e
necropolíticas (Mbembe, 2016; Barros et al, 2017; Barros et al, 2018; Benício et al., 2018; Costa
et al., no prelo). O corpo negro, segundo Mbembe (2019), encontra-se no centro dos ataques do
poder, tanto simbolicamente, relegando esse corpo a desonra, a animalidade, como também
fisicamente, normalizando o seu extermínio. Tendo isso em vista, um dos maiores desafios
ético-estético-políticos que se apresenta ao campo da Psicologia na contemporaneidade é a
necessidade de problematizar os processos de subjetivação que produzem essa distribuição
desigual do reconhecimento do estatuto de vida e de humanidade para certas existências, de
modo a possibilitar a intervenção da Psicologia no contexto político atual, tensionando esses
mecanismos de assujeitamento e sujeição e potencializando práticas de resistência.
Os deslocamentos experimentados pelo VIESES no decorrer de suas investigações estão
diretamente relacionados a perspectiva de cartografia como método de pesquisa-intervenção,
que ao abandonar noções como a neutralidade, objetividade e totalização de saberes (Rocha &
Aguiar, 2003; Passos & Barros, 2010), tão caras às ciências tradicionais, abre a possibilidade
de problematizarmos, no seio da própria pesquisa, suas idas e vindas em campo, entendendo
que uma pesquisa rigorosa não está relacionada a sua capacidade de ser replicada com a mesma
dinâmica e procedimentos em territórios distintos, mas, sim, àquela disponível a problematizar

344
a si mesma (Barros, et al., 2017b). Segundo Kastrup (2008), a pesquisa-intervenção envolve
quatro níveis de transformações: no campo, nos participantes, no pesquisador e na própria
pesquisa. Dessa forma, pesquisar não se restringe a investigar e intervir no objeto e campo
investigados, mas também na reinvenção do próprio pesquisador e da pesquisa (Barros et al.,
2017b).
A inserção de autores/as anticoloniais como desdobramento dos nossos caminhos de
pesquisa dá-se também por uma aposta na tarefa de descolonização da ordem eurocêntrica do
conhecimento, entendendo tanto os limites das produções de autores/as europeus para captar as
relações e lógicas atuantes nas periferias do capitalismo, como também pela necessidade de
desprender-se das principais macro-narrativas ocidentais (Ballestrin, 2013; Hilário, 2016;
Mignolo, 2017). Esse processo não deve ser confundido com a rejeição absoluta a todas as
práticas, experiências, pensamentos, conceitos e teorias cunhados por pensadores/as da Europa
(Ballestrin, 2013), mas, a partir da compreensão de que os conceitos de ciência, erudição e
conhecimento estão intrinsecamente ligados à autoridade racial e ao poder, estruturando uma
acadêmica colonizada que vêm historicamente produzindo apagamentos e silenciamentos de
pessoas negras (Kilomba, 2019), descolonizar, destruindo as estátuas do colonialismo, lutando
pela transformação das formas de produção e conteúdo do saber e buscando a reabilitação das
vozes que o poder tenta relegar ao silenciamento por não querê-las ouvir, apresenta-se como
resistência às formas como o poder têm produzido ausência e silêncio (Mbembe, 2019).

Referências

Achinte, A. (2017). A. Prácticas creativas de re-existência: más allá del arte... el mundo de lo
sensible. Buenos Aires: Del Signo.
Almeida, S. (2018). O que é racismo estrutural. Belo Horizonte: Letramento.
Ballestrin, L. (2013). América Latina e o giro decolonial. Revista brasileira de ciência política,
(11), 89-117.
Barros, J. P. P., Benício, L. F. S., Silva, D. B., Leonardo, C. D. S., & Torres, F. J. P. (2017a).
Homicídios juvenis e os desafios à democracia brasileira: Implicações ético-políticas da
psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(4), 1051-1065.
Barros, J. P. P., Lima, A. H. M., Bessa Filho, F. A., Martins, T. V., Benício, L. F. S., & Pinheiro,
J. P. (2017b). A política da pesquisa-intervenção em psicologia social: deslocamentos a
partir dos estudos foucaultianos e da esquizoanálise. In F. C. S. Lemos (Org.).
Conversas transversalizantes entre psicologia política, social-comunitária e
institucional com os campos da educação, saúde e direitos (pp. 467-485). Curitiba:
CRV.
Barros, J. P. P., Paiva, L. F. S., Rodrigues, J. S., Silva, D. B., & Leonardo, C. S. (2018).
Pacificação nas periferias: discursos sobre as violências e o cotidiano de juventudes em
Fortaleza. Revista de Psicologia, 9(1), 117-128.
Barros, J. P. P., Silva, D. B., & Gomes, C. J. A. (2020). Dispositivos grupais com jovens:
rizomas em territorialidades periféricas. In F. C. S. Lemos, D. Galindo, P. P. G. Bicalho,
P. T. R. Oliveira, L. P. Reis Jr, A. M. Sampaio, . . . D. C. P. Moraes (Orgs.). Pesquisar
com as psicologias: artesanias e artifícios (pp. 205-226). Curitiba: CRV.
Benício, L. F. S., Barros, J. P. P., Rodrigues, J. S., Silva, D. B., Leonardo, C. S., & Costa, A. F.

345
(2018). Necropolítica e Pesquisa-intervenção sobre homicídios de adolescentes e jovens
em Fortaleza, CE. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(núm.esp.2), 192-207.
Borges, J. (2018). O que é encarceramento em Massa? Belo Horizonte: Letramento.
Butler, J. (2015). Quadros de guerra: Quando a vida é passível de luto. Rio de Janeiro, RJ:
Civilização Brasileira.
Butler, J. (2018). Corpos em aliança e a política das ruas: Notas para uma teoria performativa
de assembleia. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.
Cerqueira, D., Bueno, S., Lima, R., Neme, C., Ferreira, H., Alves, P., . . . Amstrong, K. (2019).
Atlas da violência. Brasília, DF: IPEA.
Coimbra, C. M. B; Nascimento, M. L (2003). Jovens pobres: o mito da periculosidade. In J. A.
S. Iulianelli, & P. C. P. Fraga (Orgs). Jovens em tempo real (pp. 19-37). Rio de Janeiro:
DP&A.
Costa, A. F. D., Barros, J. P. P., Silva, D. B., Benício, L. F. S., & Moreira, M. G. R. (no prelo).
Dispositivo de Segurança e Racionalidade Necrobiopolítica: Narrativas de Jovens
Negros de Fortaleza. Psicologia: Ciência e Profissão.
Deleuze, G. & Guattari, F. (1991). O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo:
Editora 34.
Deleuze, G. & Guattari, F. (1995). Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia: vol.1. Rio de
Janeiro: 34.
Deleuze, G. & Guattari, F. (1996). Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia: vol.3. Rio de
Janeiro: 34.
Diógenes, G. (2018). “A juventude é vitrine das tensões sociais, diz pesquisadora”. Diário do
Nordeste, Fortaleza. Entrevista concedida a Cadu Freitas.
Fanon, F. (2010). Os condenados da Terra. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF.
Echer, I. C. (2001). A revisão da literatura na construção do trabalho científico. R. gaúcha
Enferm., 22(2), 5-20.
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2017). Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São
Paulo, SP: Autor.
Foucault, M (1994). Dits et écrits (2a ed.). Paris: Gallimard.
Foucault, M. (1999). Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes.
Guattari, F. (1987). Revolução molecular: pulsões políticas do desejo (3a ed.). São Paulo, SP:
Brasiliense.
Hilário, L. C. (2016). Da necropolítica à biopolítica: Variações foucaultiana na periferia do
capitalismo. Sapere aude, 7, 194-210.
Hohendorff, J. V. (2014). Como escrever um artigo de revisão de literatura. In S. H. Koller, M.
C. P. P. Couto, & J. V. Hohendorff (Orgs). Manual de Produção científica (pp. 39-54).
Porto Alegre: Penso.
Hooks, B. (2017). Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade. São Paulo,

346
SP: WMF Martins Fontes.
Kastrup, V. (2008). O método da cartografia e os quatro níveis da pesquisa-intervenção. In L.
R. Castro & V. L. Besset (Orgs). Pesquisa-intervenção na infância e juventude (pp.
465-489). Rio de Janeiro: Trarepa/FAPERJ.
Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro:
Editora Cobogó.
Lemos, F. C. S. (2013). Uma crítica à volúpia punitiva da sociedade frente aos adolescentes. In
Conselho Federal de Psicologia (CFP). Redução da Maioridade Penal: Socioeducação
não se faz com prisão (pp. 27-29). Brasília: CFP.
Mbembe, A. (2014). Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona.
Mbembe, A. (2016). Necropolitica. Arte e Ensaios, (32), 123-151.
Mbembe, A. (2017). Políticas da inimizade. Lisboa: Antígona.
Mbembe, A. (2019). Poder brutal, resistência visceral. N-1 edições.
Mignolo, W. (2017). Desafios decolonais hoje. Revista Epistemologias do Sul, 1(1), 12-32.
Nascimento, A. (2016). O Genocídio do Negro Brasileiro: processo de um racismo mascarado
(1a ed.). São Paulo, SP: Perspectiva.
Passos, E., & Barros, R. B. (2010). A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In E.
Passos, V. Kastrup, & L. Escóssia. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-
intervenção e produção de subjetividades (pp. 17-31). Porto Alegre: Sulina.
Rocha, M. L. D., & Aguiar, K. F. D. (2003). Pesquisa-intervenção e a produção de novas
análises. Psicologia: ciência e profissão, 23(4), 64-73.
Rolnik, S. (2018). Esferas da insurreição: Notas para uma vida não cafetinada. N-1 edições.
NO MEIO DO CAMINHO TINHA O BRASIL: A DIFICULDADE NEGRA DE

347
EXISTIR DIANTE DO RACISMO

Yan Victor Sampaio do Nascimento

Introdução

A negritude é marcada por diversos discursos que circunscrevem o corpo negro de uma
forma a produzir uma perda em relação ao seu próprio corpo. Essa perda tem início a partir do
século das luzes, na qual foi possível a distinção entre o civilizado e o selvagem. Segundo
Almeida (2018), “Do ponto de vista intelectual, o iluminismo constituiu as ferramentas que
tornariam possível a comparação e, posteriormente, a classificação, dos mais diferentes grupos
humanos a partir de características físicas e culturais.” (p.20) A raça aparece aqui como
resultado desse pensamento alienante que tem seu fundamento nas diferenças, não há nada que
a justifica biologicamente, ela é de acordo com Almeida (2018) “um elemento essencialmente
político, sem qualquer sentido fora do âmbito socioantropológico.” (p.24). A raça nada mais é
do que a produção do diferente, do outro, para justificar as mais variadas barbaridades e
despender todo o ódio de um povo ao outro, é a partir dela surge o racismo, que por sua vez,

é a crença na inerente superioridade de uma raça sobre outra, tal superioridade é


concebida tanto no aspecto biológico como na dimensão psicossociocultural – está é a
dimensão usualmente negligenciada ou omitida nas definições tradicionais do racismo.
A elaboração teórico-científica produzida pela cultura branco-europeia justificando a
escravização e a inferiorização dos povos africanos constitui o exemplo eminente do
racismo sem precedentes na história da humanidade. (Nascimento, 2016, p. 210)

O racismo, filho legítimo da produção racial, tem como principal alvo o corpo negro
sendo perpetuado diariamente por diferentes discursos que colocam o negro em um lugar de
exterioridade em relação ao próprio corpo, Munanga (2019) aponta “a alienação do negro tem
se realizado pela inferiorização do seu próprio corpo antes de atingir a mente, o espírito, a
história e a cultura.” (p.16). As produções dessas inferiorizações permitiram o avanço e a
justificativa do processo de colonização criando um gigantesco massacre das vidas, das
identidades, das histórias e das heranças. O processo de colonização teve seu início pelo desejo
do bem, da ordem e ganância

o gesto decisivo, aqui, é o do aventureiro e do pirata, do comerciante e do amador, do


pesquisador de ouro e do mercador, do apetite e da força, tendo por detrás a sombra
projetada, maléfica, de uma forma de civilização que a dado momento da sua história
se vê obrigada, internamente, a alargar à escala mundial a concorrência das suas
economias antagônicas.” (Cesárie, 1978, p.15)
A colonização justificada pela arrogância da salvação levou caos, tristeza e agonia a

348
todo solo colonizado, foi o início do processo que concomitantemente produziu a raça, racismo
e teve como seu ponto mais cruel a escravização. O período escravocrata marcado pela retirada
do povo negro de sua terra tem consequências devastadoras no cotidiano Brasileiro, sendo o
Brasil, segundo Schwarcz e Gomes (2018) “o último a abolir essa forma perversa de mão de
obra nas Américas, como aquele que mais recebeu africanos saídos de seu continente de
maneira compulsória, além de ter contado com escravos em todo o território nacional” (p. 21).
“Passado” o processo de escravização o Brasil, o colonialismo aliado à política racial e ao medo
de retaliações criou mecanismos que visavam aniquilar os negros libertos, Nascimento (2016)
“nutrido no ventre do racismo, o “problema” [da liberdade dos escravizados] só podia ser, como
de fato era, cruamente racial: como salvar a raça branca da ameaça do sangue negro,
considerado de forma explícita ou implícita como “inferior”” (p. 81). Essa tentativa de
“salvação” da raça branca foi o que deu origem no Brasil do projeto mais violento na qual seu
alicerce é a negação de todos os aspectos possíveis da negritude, sendo construído apenas um
caminho para a emancipação e esse caminho era branco, o branqueamento ganha força e espaço
e define estruturalmente todas as relações possíveis entre negros/as e brancos/as. Segundo
Nobles (2009) “O “embranquecimento” é um ataque psicológico ao senso fundamental dos
afro-brasileiros do que significa ser uma pessoa humana” (p.287). Esse ataque psicológico foi
bem sucedido, porém os estudos afrocentrados tomam espaço e buscam mapear os seus efeitos
na população com o objetivo de curar toda a raça. Com isso a pergunta que fica em aberto e que
pretendemos responder em alguns pontos é; Quais efeitos sofre o/a negro/a no Brasil? Para
responder essa problemática africana faz-se necessário a aproximação de conceitos, permitindo
uma leitura e possibilitando meios de revolucionar a experiência, o presente trabalho pretende
a partir do que Frantz Fanon chamou de dimensão-para-o-outro em Peles Negras e Máscaras
Brancas e do que Neusa de Souza Santos chamou de O Mito negro em Torna-se Negro, mostrar
aproximações e distanciamentos entre essas formas de teorizar a relação do negro em uma
sociedade racista.

Metodologia

Os estudos africana surgem com o objetivo de colocar o africano no centro das


discursões partindo de uma experiência definida por processos históricos específicos, segundo
Karenga (2009) “O objetivo aqui é olhar para trás e se voltar para frente, num esforço constante
de compreender e engajar o mundo de formas novas e significativas baseados em um ponto de
vista afrocentrado.” (p. 336). A elaboração Sakhu Sheti40 permite um foco psicológico
afrocentrado dando início e corpo a uma psicologia negra, que tem como objetivo principal
fornecer bases para uma libertação. Segundo Nobles (2009) “Para explorar o Sakhu Sheti no
contexto da experiência afro-brasileira precisamos discutir o propósito do “embranquecimento”
e a resposta e reação dos afro-brasileiros ao processo de serem “embranquecidos””. (p. 286). O
embranquecimento como baliza da experiência africana no Brasil atesta os sucessivos fracassos
em ser negro/a no Brasil, fracasso que leva a morte de muitos/as diariamente e, quando não leva
a morte, leva o terror e a angústia.

40
“Extraído do Medu Netcher [A escrita de Deus], sakhu significa a compreensão, o iluminador, o olho e a alma
do ser, aquilo que inspira. E sheti quer dizer entrar profundamente num assunto; estudar a fundo; pesquisar nos
livros mágicos; penetrar profundamente.” (Nobles, 2009, p. 279).
O/A negro/a prova à necessidade diária de fortalecer os laços culturais para não

349
sucumbir em uma morte em vida na tentativa de alcançar um ideal impossível; o branco.
Utilizaremos como metodologia o legado de Maulana Karenga (2009) nos estudos africana
destacando quatro categorias metodológicas para o avanço do conhecimento, são elas; “1) giri-
so, conhecimento descritivo; 2) benne so, conhecimento analítico; 3) bolo-se, conhecimento
comparativo; 4) so dayi, conhecimento ativo.” (p. 340).

Discussão

Giri-so e benne so.

Em Torna-se Negro41, Neusa Santos Souza inicia seu belíssimo texto tratando de uma
questão ainda muito discutida; a ascensão social42 do povo preto. E logo atesta:

O negro que se empenha na conquista da ascensão social paga o preço do massacre mais
ou menos dramático de sua identidade. Afastado de seus valores originais,
representados fundamentalmente por sua herança religiosa, o negro tomou o branco
como modelo de identificação, como única possibilidade de “torna-se gente”. (Souza,
1983, p. 18).

Isso significa em outras palavras que para ser gente é preciso ser branco/a e isso é
impossível para o/a negro/a, ficando, assim, à mercê no vazio fundamental da busca de um ideal
que massacra o próprio corpo. O mito negro surge como uma fala, uma discursividade que
apenas por existir cria uma verdade fundada em seu próprio dizer. Souza (1983) destaca “Mas
o mito não é uma fala qualquer. É uma fala que objetiva escamotear o real, produzir o ilusório,
negar a história, transforma-la em “natureza” (p 25). Apesar de escamotear o real, produz-se
uma realidade na qual Souza (1983) organiza tridimensionalmente a partir da singularidade do
problema negro. São elas; 1) os elementos que entram na composição do mito, são geralmente
imagens fantasmáticas; 2) o poder de estruturar um espaço específico para o/a negra/o, criando
lugares, posições e expectativas específicas 3) pelo desafio imposto ao negro. Os elementos da
composição do mito são muitos e possuem consequências diversas, mas todos tem em comum
uma relação depreciativa, segundo Souza (1983) “O irracional, o feio, o ruim, o sujo, o
sensitivo, o superpotente e o exótico são as principais figuras representativas do mito negro”
(p. 27). Essas figuras congelam o/a negro/a em determinadas situações, não permitindo apenas
deslizar nas cadeias linguísticas do ser falante. Ao ser associado a algumas dessas imagens se

41
Torna-se negro é uma obra de Neusa Santos Souza, psicanalista e pioneira na inserção do debate racial no
Brasil.
42
“Movimento pelo qual uma agente ou um grupo social, realizando uma possibilidade de ascensão social, muda
de uma classe social (ou de uma camada de classe) para outra considerada superior. Aqui, classe social é entendida
como sendo a estratificação em termos de posição nos processos sociais de produção, dominação e ideologização,
isto é: se tomará conta não só a posição na instância econômica (compra ou venda da força de trabalho), mas
também a relação dos agentes com o poder (lugar no aparelho jurídico-político do Estado) e com os emblemas de
classes (valores éticos, estéticos etc.)” (Sousa, 1983, p. 19).
instaura um saber por parte de quem o colocou nessa posição e se legitimado está dado o

350
diagnóstico da submissão. Não há nada no corpo negro que permita o capturar em imagens
fixas, o problema do racismo é justamente esse, não permitir uma maleabilidade existencial
do/a negro/a na sociedade. Se um homem negro ao andar na rua tem a sua frente alguém que o
olha com medo e muda de calçada, temos aí um alienado, se o negro se sente mal com isso,
temos dois.

Um rosto humano autêntico traz-se à vista. O trabalho o racismo consiste em relega-lo


para o segundo plano ou cobri-lo com um véu. No lugar desse rosto, faz-se renascer das
profundezas da imaginação um rosto de fantasia, um simulacro de rosto, até uma
silhueta que, assim, substitui um corpo e meu rosto de homem. (Mbembe, 2014, p. 66).

Essa perda instaurada a partir do racismo remete a um ideal imagético que promove
sucessivos danos, cindindo e fragilizando o corpo negro diariamente, que passa a ser habitado
por uma espécie de duplo (Mbembe, 2014, p. 21). Segundo Souza (1893) “O negro acreditou
no conto, no mito, e passou a ver-se com os olhos e falar a linguagem do dominador.” (p. 30).
Ao ver-se de fora por lentes brancas o/a negro/a busca por incessantes tentativas alcançar os
ideais de brancura; nas políticas de alisamentos, nos pregadores nas narinas, o incessante
esfregar dos corpos “sujos” são alguns exemplos da luta constante do negro/a com o próprio
corpo tendo consequências horripilantes em sua subjetividade. O/A negro/a formado e soldado
como o diferente entram em uma dialética com a norma, e tentando fazer parte dela acaba
empobrecendo a sua própria identidade, segundo Neusa (1983) “O mito negro se constitui
rompendo uma das figuras características do mito – a identificação – e imponto a marca do
insólito, do diferente.” (p. 26). A produção da diferença sempre esbarra com a ordem da
impossibilidade de ser branco/a e diante disso existem duas opções; continuar tentando
alcançar, ou seja, negando a si mesmo ou esquecer a história desse ideal e buscar algo nas
origens, no próprio fruto do corpo. Nesse sentido, cada negro/a, um a um, se dadas às condições
possíveis, poderá formular uma resposta.
Frantz Fanon inicia o livro Pele Negra e Máscaras Brancas43 discutindo a dimensão-
para-o-outro, dimensão linguística visto que para Fanon (2008) “Falar é estar em condições de
empregar uma certa sintaxe, possuir a morfologia de tal ou qual língua, mas é sobretudo assumir
uma cultura, suportar o peso de uma civilização.” (p.50). Afirma categoricamente que o/a
negro/a estabelece um comportamento diferente em relação ao negro e ao branco e que isso
decorre da aventura colonial. A problemática linguística toma força na discursão racial nas
Antilhas e para Fanon (2008) “O negro antilhano será tanto mais branco, isto é, se aproximará
mais do homem verdadeiro na medida em que adotar a língua francesa.” (p. 34). O branco é
então representado a partir desse ideal linguístico, o martinicano aprende então a relegar o
crioulismo, o patoá e o petit-nègre. E para ele ser só lhes restar falar o francês resumido a partir
de um ditado destacado por Fanon (2009) “Na França se diz: falar como um livro. Na Martinica:
falar com um branco.” (p. 36). Essa exigência que se faz em uma constante tentativa de alcançar
o ideal linguístico branco é acreditar que ao se aproximar desse ideal será liberto, parte de um
todo. Para o negro como já dissemos, esse caminho é impossível, segundo Fanon (2008)
impossível justamente porque o/a negro/a é sobredeterminado “sou sobredeterminado pelo

43
Pele negra e máscaras brancas é obra de Frantz Fanon publicada em 1952, mas chega ao Brasil traduzido apenas
em 1963. É uma obra que inicia a discussão da negação social nas Antilhas e tece a relação patológica entre os
antilhanos e os franceses.
exterior. Não sou escravo da “ideia” que os outros fazem de mim, mas da minha aparição.”

351
(p.108). Não importa o quanto de dinheiro tenha na conta, ou as roupas caras que ele use ou até
mesmo se sabe pronunciar perfeitamente o francês, pode ser que um dia ao simples ato de pedir
um Uber, o seja negado esse serviço, unicamente por está condenado pela visão. Segundo
Mbembe (2014) “Para o racista, ver um negro é não ver que ele não está lá; que ele não existe;
que ele mais não é do que o ponto de fixação patológico de uma ausência de relação.” (p.66).
Essa ausência de relação é própria criação do outro como negro e do branco como eu e nessa
relação entre eu e outro, o negro está sempre colocado a existir como outro e nunca como eu,
se dizer nesse contexto faz-se necessário para que o/a negro/a possa ter um discurso sobre si
sem passar por um crivo branco, essa é a dificuldade.

Bolo se

Apesar de serem obras situadas em tempos e locais diferentes tornam-se evidentes


algumas aproximações dessas descrições, isso é resultado do poder discursivo de anos de
escravização, de teorizações racistas, de apagamentos étnico-culturais travados contra a
população negra. O embranquecimento é o pior resultado possível dessa soma de mazelas, é na
busca pela brancura que toda a alienação se inicia. A brancura é a própria norma e doença da
sociedade moderna.

A norma não é simplesmente um princípio, não é nem mesmo um princípio de


inteligibilidade; é um elemento a partir do qual certo exercício de poder se acha fundado
e legitimado. [...] A norma traz consigo ao mesmo tempo um princípio de qualificação
e um princípio de correção. A norma não tem por função excluir, rejeitar. Ao contrário,
ela está sempre ligada a uma técnica positiva de intervenção e de transformação, a uma
espécie de poder normativo. (Foucault, 2010, p. 46).

O princípio de qualificação fica evidente na contraposição do mito negro, enquanto o/a


negro/a é sujo/a, o/a branca é limpo/a. E isso serve para todas as palavras possíveis, se
quisermos encontrar o estatuto branco é simplesmente pensar a oposição possível das palavras
marcadas do que se fala dos/as negros/as. O princípio de correção é justamente a tentativa de
coerção do poder discursivo que mascarando a norma instaura uma busca cega por aniquilar
qualquer um que saia dela, é neste momento que o embranqueamento toma sua força e causa
as piores consequências.

O “embranquecimento” deve ser classificado como patogênico, e os africanos do Brasil,


assim como em toda parte, independentemente da mistura biológica, quando
apresentarem esse desejo incontrolável de ser branco, ou querem se aproximar da
brancura, ou sofrem da ilusão de que não são negros devem ser clinicamente
diagnosticados como sofrendo um trauma causado pela experiência prolongada e
constante do terrorismo psicológico. (Nobles, 2009, p. 289).
Esse terrorismo constante é responsável não só por impor certa realidade ao povo negro,

352
mas que essa realidade é própria de uma condição na qual sempre estará instaurada uma perda,
um sentimento corporal inferior, um sentimento de não ser suficiente. Djonga (2018) destaca
em sua música “Pra eles nota seis é muito/ Pra nóis nota dez ainda é pouco.” Esse sentimento
de perda é instaurado pela própria constituição do ideal. Ao povo preto o local foi muito bem
circunscrito sendo marcado no próprio corpo como uma espécie de lembrete macabro que
coloca o/a negro/a em uma situação limítrofe com o corpo.

Através de um processo de disseminação, mas, sobretudo de inculcação, já muito


estudado, esta enorme ganga de disparates, de mentiras e de alucinações tornou-se uma
espécie de invólucro exterior, tal invólucro exterior cuja função foi, desde logo,
substituir-se ao seu ser, vida, trabalho, linguagem. Começando com o revestimento
exterior, tal invólucro estratificou-se, transformou-se num conjunto de membros e
acabou por transformar-se, ao fim de algum tempo, numa casca calcificada – uma
segunda ontologia – e uma chaga – ferida viva que rumina, devora e destrói todos os
que a sentem. (Mbembe, 2009, p 77).

Esse segunda ontologia é onde reside à problemática do negro na qual ele não pôde
simplesmente ser. Isso se mostra nas duas obras de formas emblemáticas, sendo o Mito negro
tudo aquilo que é ruim, feio, sujo, quem gostaria de ser isso? Na dimensão-para-o-outro o
francês toma a frente de todas as outras línguas maternas,

O negro que entra na França muda porque, para ele, a metrópole representa o
Tabernáculo; muda não apenas porque de lá vieram Montesquieu, Rousseau e Voltaire,
mas porque é de lá que vêm os médicos, os chefes administrativos, os inúmeros
pequenos potentados — desde o sargento-chefe “quinze anos de serviço”, até o soldado-
raso oriundo da vila de Panissières. (FANON, 2008, p. 38).

Esse santuário no qual se refere Fanon (2008) é o próprio caminho da perdição, nele se
encontra a busca de um reconhecimento que permita o/a negro/a sair da condição alienante,
mas para quem é feito esse pedido? Senão, justamente para aquele que a promove desde o
início? A entrada nesse jogo dialético de Eu e Outro só causa para o negro a entrada em um
ciclo de apagamento.

Não deveríamos nos preocupar com o sujeito branco no colonialismo, mas sim com o
fato de o sujeito negro ser sempre forçado a desenvolver uma relação consigo mesma/o
através da presença alienante do “outro” branco. (Hall, 1996). Sempre colocado como
“Outra/o”, nunca como “Eu” (Hall apud Kilomba, 2019, p. 39).

So dayi
A identidade como processo principal na busca do negro por sua emancipação ocupa

353
lugar central na luta apesar das grandes dificuldades provenientes da condição específica do
Brasil por conta do embranquecimento, do morenismo, da democracia racial. Assumir a negrura
é um ponto nodal na luta e sobrevivência do/a negro/a de uma forma mais digna de existir,
possibilitando a saída da prisão entre Eu e Outro, Branco/a e Negro/a e buscando referências
próprias à negritude, encontrando ao seu redor, descolonizando o olhar e questionando tudo
aquilo que foi imposto e aceito. Com isso, o primeiro passo, segundo Munanga (2019), é a
“aceitação dos atributos físicos de sua negritude antes de atingir os atributos culturais, mentais,
intelectuais, morais e psicológicos, pois o corpo constitui a sede material de todos os aspectos
da identidade.” (p. 18). A partir dessa aceitação primordial dos traços, que não é dado de
maneira única e definitiva, mas sim os assimilando, percebendo que existem outros/outras com
os mesmos traços, identificando-se com os iguais, construindo uma identidade a partir das
referências possíveis. Só assim o povo preto poderá recuperar sua história. Quem por muito
tempo foi calado tem uma sede de gritar aos prantos toda voz engolida, assim, uma via de se
fazer voz é valorizando a própria fala. Falar é existir em uma posição, não falamos somente
com a boca quando delas saem palavras, mas também nos escritos, em nossos atos, no gesto
mais sutil de um olhar. A necessidade vital de fala do povo preto é devido ao processo de
escravização caracterizado pela máscara do silenciamento.

Oficialmente, a máscara era usada pelos senhores brancos para evitar que africanas/os
escravizadas/os comessem cana-de-açúcar ou cacau enquanto trabalhavam nas
plantações, mas sua principal função era implementar um senso de mudez e de medo,
visto que a boca era um lugar de silenciamento e de tortura. Nesse sentido, a máscara
representa o colonialismo como um todo. Ela simboliza políticas sádicas de conquista
e dominação e seus regimes brutais de silenciamento das/os chamadas/os “Outras/os”:
Quem pode falar? O que acontece quando falamos? E sobre o que podemos falar?
(Kilomba, 2019, p. 33).

Falar é poder contar uma história, construí-la com autoria e resgatar o que ficou perdido,
o elo, a ligação. Restaurar o fio contínuo é cuida-lo, perceber que durante sua vida foi dirigido
um ódio ao corpo, seu simples ato de existir foi negado. Munir-se com o saber sobre a história
de suas heranças é uma resposta ao que pretende calar, invisibilizar ou tornar branco. É a revolta
contra a máscara que expropria o/a negro/a do próprio corpo, contra a mentira colonizadora,
contra a brancura como padrão de um destino único. Cada um à sua maneira poderá construir
essa história, mas para que essa construção torne-se palpável é necessária à escansão das
discursões sobre negritude procurando dar mínimas condições para outros/as com o contato
com esse debate e a partir disso questionar a própria vivência, só assim poderemos fortalecer
nossos corpos, reconhecer a violência empreendida e lutar contra, criando mecanismos mais
fortes e efetivos para insurgir contra a violência cotidiana que nunca deixou de existir no Brasil.

Referências
Almeida, S. L D. (2018). O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG):
Letramento.
Césarie, A. (1978). Discurso sobre o colonialismo. Lisboa: Sá da costa.
Frantz, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. (R. Silveira, Trad.). - Salvador. EDUFBA.

354
(Trabalho original publicado em 1952).
Karenga, Maulana (2009). A função e o futuro dos estudos africana: reflexões críticas sobre sua
missão, seu significado e sua metodologia. In. Nascimento, E. L. (Org.),
Afrocentricidade: Uma abordagem epistemológica inovadora (Sankofa: matrizes
africanas da cultura brasileira, Vol. 4) (pp. 333- 359). São Paulo: Selo Negro.
Munanga, K. (2019). Negritude: Usos e sentidos (4ª ed., Coleção cultura negra e identidades).
Belo Horizonte: Autêntica.
Nascimento, A. (2016). O genocídio do negro brasileiro: Processos de um racismo mascarado
(3ª ed.). São Paulo: Perspectivas
Nobles, W. W. (2009). Sakhu Sheti: Retomando e reapropriando um foco psicológico
afrocentrado. In. Nascimento, E. L. (Org.), Afrocentricidade: Uma abordagem
epistemológica inovadora (Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira, Vol. 4)
(pp. 277 – 297). São Paulo: Selo Negro.
Rabaka, R. (2009). Teoria crítica africana. In. Nascimento, E. L. (Org.), Afrocentricidade: Uma
abordagem epistemológica inovadora (Sankofa: matrizes africanas da cultura
brasileira, Vol. 4) (pp.129 – 146). São Paulo: Selo Negro.
Schwarcz, L. M. & Gomes, F. S. (Orgs.) (2018). Dicionário da escravidão e liberdade: 50
textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras.
Sousa, N. S. (1983). Torna-se negra: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em
ascensão social. Rio de Janeiro: Edições Graal. (Coleção Tendências, v.4)
“EPISTEMOLOGIA MORTA E QUE QUER MINHA MORTE”44: CONEXÕES

355
ENTRE EPISTEMICÍDIO E NECROPOLÍTICA

Raimundo Cirilo de Sousa Neto

1 Introdução

“Um dia o coronelzinho, que já sabia ler, ficou curioso para ver se
negro aprendia sinais, as letras de branco, . . . Quando sinhô-moço
certificou-se de que negro aprendia, parou a brincadeira. Negro
aprendia sim! Mas o que o negro ia fazer com o saber do branco? O
pai de Ponciá Vicêncio, em matéria de livros e letras, nunca foi além
daquele saber.” (Evaristo, 2017, p. 17-18).

Através da história oficial, a que nos é contada não só pelos livros didáticos, mas
também por todo o imaginário ocidental e colonial, apenas um sujeito se constituiu como
possível de conhecer e de produzir conhecimento, o sujeito branco. Ao indivíduo negro, assim
como para o pai de Ponciá Vicêncio, personagem da escritora brasileira Conceição Evaristo, é
destinado o lugar de silêncio, do não conhecimento e da não possibilidade de produzir um saber
válido e reconhecível. Esse processo se dá tanto pela restrição do acesso de pessoas negras às
instituições de produção de conhecimento, quanto pelo sistemático, estrutural e perverso
apagamento de narrativas e epistemes que se distanciam, geográfica e epistemologicamente, do
eixo ocidental-branco-masculino.
No presente ensaio teórico, pretendemos articular as noções de epistemicídio, termo
buscado por Sueli Carneiro (2005) na obra de Boaventura Sousa Santos (1995), com o conceito
de necropolítica, desenvolvido pelo pensador camaronês Achille Mbembe em seu, já clássico,
artigo homônimo (Mbembe, 2017). Buscamos explicitar, através do argumento de Ramón
Grosfoguel (2016), como historicamente, principalmente durante o século XVI, a aventura
colonial esteve intimamente atrelada a essas duas dimensões da dominação: o extermínio do
corpo e o extermínio do saber e da cultura.
Por fim, seguindo pelo caminho aberto e trilhado por diversas/os autoras/es como Grada
Kilomba, bell hooks e Sueli Carneiro, vislumbraremos outras linguagens, imagens, táticas e
afetos possíveis ante a necessidade de construir novas vozes e escritas de enfrentamento e vida.

2 Desenvolvimento

2.1 Tecendo linha entre conhecimento ocidental e extermínio

44
Frase proferida por Rodrigo Lopes (@bichaantirracista) no encontro inaugural do Grupo de Estudos
Decoloniais, promovido pelo Programa de Educação Tutorial da Comunicação da Universidade Federal do Ceará,
no semestre 2020.1.
“. . . quem pode construir verdades e como estas verdades são

356
produzidas[?].” (Lino, 2014, p. 149).

A filosofia e as ciências modernas são inteiramente baseadas no pensamento cartesiano.


Nesse período e sob o olhar dessa escola filosófica, são preparados os alicerces de todo
conhecimento como o reconhecemos hoje, todas as noções de sujeito, objeto, experiência e
fenômeno, resguardam, em algum nível, o cogito cartesiano. Segundo Ramón Grosfoguel
(2016), Descartes opera um giro na produção de conhecimento de sua época que ressoa
incessantemente até hoje. Retira o Deus cristão do seu lugar de fundamento de todo saber e
constrói um Eu, um sujeito cognoscente, conhecedor, para este lugar. Porém esse sujeito
resguarda para si o atributo da universalidade através do chamado olho de Deus.
O Eu cartesiano produz um conhecimento verdadeiro pois o faz a partir de um lugar
isolado, monológico e, portanto, inquestionável. Dois argumentos sustentam essa posição, um
ontológico e outro epistemológico. O primeiro, dualismo ontológico, aponta para a separação
entre corpo e mente e a independência da mente perante o corpo, tal separação ontológica tem
influência incontestável na imagem do pensamento moderno, se estendendo até hoje por meio
dos pares de opostos dualista bem/mal, bom/ruim, humano/animal etc. O segundo, solipsismo
epistêmico, salienta a produção de um conhecimento monológico e isolado das relações sociais
(Grosfoguel, 2016). Tal conjuntura epistemológica gera o que o autor chama de mito da
egopolítica, ou seja, “. . . um “Eu” que assume produzir conhecimento de um não-lugar.”
(Grosfoguel, 2016, p. 30), ou seja, um conhecimento não implicado, neutro e que vê a
implicação e a reflexão política como pressupostos que atrapalham e maculam o fazer
científico.
Enrique Dussel (2005 como citado em Grosfoguel, 2016) aponta uma conexão
necessária de ser analisada entre a produção do pensamento de Descartes e o momento histórico
no qual a mesma aconteceu. Desta forma apresenta sua tese onde denuncia a estreita ligação
entre o penso, logo existo, máxima cartesiana, com a perversa aventura colonial, em plena
expansão, iniciada cerca de 150 anos antes. Desta forma o Ego conquiro seria “. . . a condição
de existência do Ego cogito de Descartes.” (Grosfoguel, 2016, p. 30).

Segundo Dussel, a arrogante e idólatra pretensão da filosofia cartesiana vem da


perspectiva de alguém que se pensa como centro do mundo porque já conquistou o
mundo. Quem é esse ser? Segundo Dussel (2005), é o Ser imperial. O “eu conquisto”,
que começou com a expansão colonial em 1492, é a fundação e a condição da
possibilidade do “eu penso” idolátrico que seculariza todos os atributos do Deus cristão
e substitui Deus como fundamento do conhecimento. (Grosfoguel, 2016, pp. 30-31).

Porém, segundo o autor, ainda existe uma ligação necessária entre o Ego cogito e o Ego
conquiro, o Ego extermino.

O que conecta o “conquisto, logo existo” (Ego conquiro) com o idolátrico “penso, logo
existo” (Ego cogito) é o racismo/sexismo epistêmico produzido pelo “extermino, logo
existo” (Ego extermino). É a lógica conjunta do genocídio/epistemicídio que serve de
mediação entre o “conquisto” e o racismo/sexismo epistêmico do “penso” como novo
fundamento do conhecimento do mundo moderno e colonial. O Ego extermino é a

357
condição sócio-histórica estrutural que faz possível a conexão entre o Ego conquiro e o
Ego cogito. (Grosfoguel, 2016, pp. 30-31).

Portanto, o extermínio/genocídio levado a cabo pelo projeto colonial de sujeição e


exploração, dá base histórica para o surgimento da tradição cartesiana de pensamento. De forma
similar, o contato do europeu com outros povos, principalmente os africanos e americanos,
justifica a criação do mito da superioridade racial branca. O delírio colonial europeu colocou-
se como centro do universo, de onde emana toda e qualquer razão, conhecimento, noção de
direito e civilidade. Na encruzilhada, dita civilizatória e humanitária, que se estabeleceu no
atlântico, envolvendo um enorme número de atores e opressores, ao europeu e ao branco coube
o papel da razão, enquanto ao negro e à África, restou-lhes o lugar do extremo Outro, Outro-
radical, depositário de tudo aquilo que o homem civilizado não é, uma figura pré-humana, na
divisa eterna entre devir-Animal e devir-Homem, uma “existência objetificada” (Mbembe,
2018, p. 29).
A Europa enquanto sujeito e a África, assim como o negro, como objeto de estudo,
dominação, exploração e projeção perversa de uma parte cindida do sujeito branco (Kilomba,
2019). Nesta cisão, tudo o que é visto como ruim e de menor valor é projetado sobre o Outro,
ou seja, sobre o negro e sobre a África. Também é possível pensar tal cisão numa dimensão
epistêmica, tendo em vista a discrepância no reconhecimento seletivo de saberes e produções
científicas e artísticas, onde se prioriza um modelo de produção de conhecimento e claramente
não é o de sujeitos que se distanciam do eixo central europeu-masculino-branco (Kilomba,
2019).
Bell Hooks (1989, p. 42 como citado em Kilomba, 2019, p. 28), escritora, educadora,
feminista e ativista negra, nos apresenta uma visão importante da diferenciação entre sujeito e
objeto. Segundo a autora, sujeitos “. . . têm o direito de definir suas próprias realidades,
estabelecer suas próprias identidades, de nomear suas histórias . . .” (p. 28), enquanto objetos
tem sua realidade e sua identidade definidas e criadas por outros. O status de objeto nos
enclausura numa ficção histórica criada pelo colonizador que legitima o extermínio de corpos,
narrativas, saberes e ancestralidades.
Acerca do silenciamento cotidiano de nossas vozes, Grada Kilomba (2019) utiliza-se da
figura da máscara, dispositivo colonial utilizado para conter a boca dos escravizados nas
plantações de cana-de-açúcar, como metáfora material do colonialismo. “Ela simboliza
políticas sádicas de conquista e dominação e seus regimes brutais de silenciamento das/os
chamadas/os “Outras/os” . . .” (p. 33). A autora aponta a máscara como um instrumento que
impõe o silêncio ao escravo impedindo que assim, o colonizador escute uma verdade da qual
não quer ter consciência, semelhante ao processo da repressão freudiana. “. . . esse método
protege o sujeito branco de reconhecer o conhecimento da/o “Outra/o”.” (Kilomba, 2019, p.
42). Outra dimensão de silenciamento apresentada pela autora consiste na dialética entre falar
e ser escutado, onde só se pode falar quando se há a autorização de quem escuta, “Alguém pode
falar (somente) quando sua voz é ouvida.” (Kilomba, 2019, p. 42).
De fato, o que acontece é que:

Tal posição de objetificação que comumente ocupamos, esse lugar de “Outridade” não
indica, como se acredita, uma falta de resistência ou interesse, mas sim a falta de acesso
à representação, sofrida pela comunidade negra. Não é que nós não tenhamos falado, o
fato é que nossas vozes, graças a um sistema racista, têm sido sistematicamente

358
desqualificadas, consideradas conhecimento inválido; ou então representadas por
pessoas bancas que, ironicamente, tornam-se “especialistas” em nossa cultura, e mesmo
em nós. (Kilomba, 2019, p. 51).

Todo este contexto de apagamento de narrativas, silenciamento e negação à fala e ao


acesso aos espaços de conhecimento configura o que Sueli Carneiro (2005), apoiada sobre o
trabalho de Boaventura de Sousa Santos (1995), chama de epistemicídio, um constituinte do
dispositivo de racialidade/biopoder que funciona como um “. . . dos instrumentos mais eficazes
. . . da dominação étnica/racial, pela negação . . . da legitimidade das formas de conhecimento
. . . produzido pelos grupos dominados e, conseqüentemente, de seus membros enquanto
sujeitos de conhecimento.” (Carneiro, 2005, p. 96).
Para além disso, a autora considera epistemicídio como:

. . . um processo persistente de produção da indigência cultural: pela negação ao acesso


a educação, sobretudo de qualidade; pela produção da inferiorização intelectual; pelos
diferentes mecanismos de deslegitimação do negro como portador e produtor de
conhecimento e de rebaixamento da capacidade cognitiva pela carência material e/ou
pelo comprometimento da auto-estima pelos processos de discriminação correntes no
processo educativo. Isto porque não é possível desqualificar as formas de conhecimento
dos povos dominados sem desqualifica-los também, individual e coletivamente, como
sujeitos cognoscentes. E, ao fazê-lo, destitui-lhe a razão, a condição para alcançar o
conhecimento “legítimo” ou legitimado. Por isso o epistemicídio fere de morte a
racionalidade do subjulgado ou a seqüestra, mutila a capacidade de aprender etc.
(Carneiro, 2005, p. 97)

Outra possibilidade é entender o epistemicídio como um dispositivo de sujeição e


dominação necropolítica. O pensador camaronês Achille Mbembe define necropolítica como
uma política de gestão, não somente da vida, como preconizou Foucault, mas também da morte
através da “. . . instrumentalização generalizada da existência humana e a destruição material
de corpos humanos e populações.” (Mbembe, 2017, p. 125). Argumentando quanto a
insuficiência da noção foucaltiana de biopoder para analisar os regimes políticos de exceção e
soberania contemporâneos, Mbembe recorre, por exemplo, às categorias morte, sacrifício e
terror para explorar as formas de submissão da vida à morte, principalmente por meio do
zoneamento territorial, redução do Outro a um status puramente biológico e do recrudescimento
de uma política de inimizade que se instalam prioritariamente nas ocupações coloniais tardo-
modernas (Mbembe, 2017).
Para entender a ligação necessária entre necropolítica e epistemicídio é preciso voltar-
se sobre a visão afrocentrada45 sobre a relação mente e corpo. Segundo Pessanha (2018), o
dualismo moderno e cartesiano que existe entre mente e corpo não é reconhecido na filosofia e
na cosmovisão africana, onde corpo e mente estabelecem uma relação íntima e de não
prevalência, ou seja, corpo produz pensamento e o exercício de pensamento também produz

45
Entendemos como conhecimento, filosofia e/ou cosmovisão afrocentrada, não só as produções de corpos
residentes no continente africano, mas também de corpos afrodiaspóricos.
novas possibilidades de vivenciar o corpo. Por extensão, o mesmo movimento pode ser pensado

359
a relação anteriormente citada. Matar a mente, a memória, o conhecimento e os saberes de um
povo é também uma forma de matar, literalmente, esse mesmo povo. Ao se matar o
conhecimento, enclausurar mentes e corações, nas palavras de Sueli Carneiro (2005), se mata
o corpo pois não existe essa separação moderna e cartesiana. Se são criados zonas de morte
epistêmicas, também são criadas zonas de morte corporais.
O conhecimento euro-branco-centrado é insuficiente diante das demandas específicas
das populações negra e/ou tradicionais, insuficiente e muitas vezes seletivamente perverso. Tal
perversidade, que atualiza as práticas coloniais cotidianamente, podem ser exemplificadas pela
negação do Estado em oferecer políticas públicas adequadas e reparadoras à populações
específicas, pela estratégia de guerra conhecida como segurança pública e pela sistemática
negação do acesso à educação juntamente com a invalidação acadêmica dos poucos que
conseguem adentrar nos espaços hegemônicos de produção.

2.2 O imperativo da descolonização

. . . uma fome coletiva de ganhar a voz, escrever e recuperar nossa


história escondida. (Kilomba, 2019, p. 27)

Descolonizar é a tarefa de nosso tempo, árdua, porém urgente. No âmbito universitário,


da produção de conhecimento, Grosfoguel (2016) nos oferece algumas direções que podemos
tomar para devolver o pensamento aos que verdadeiramente produzem-o, em suas mais diversas
possibilidades. São ela:

1. Reconhecimento do provincialismo e do racismo/sexismo epistêmico que constituem


a estrutura fundamental resultante de um genocídio/epistemicídio implementado pelo
projeto colonial e patriarcal do século XVI.
2. Rompimento com o universalismo onde um (“uni”) decide pelos outros, a saber, a
epistemologia ocidental.
3. Encaminhamento da diversidade epistêmica para o cânone do pensamento, criando o
pluralismo de sentidos e conceitos, onde a conversação interepistêmica, entre muitas
tradições epistemológicas, produz novas redefinições para velhos conceitos e cria novos
conceitos plurais com “muitos decidindo por muitos” (pluri-verso), em lugar de “um
definir pelos outros” (uni-verso). (p. 46)

Mas a tarefa ultrapassa esse âmbito. Kilomba (2019, p. 235-238), nos convoca à uma
descolonização do ser, rumo à construção de um sujeito possível que se distancie do ideal
ocidental, branco e hétero. Para isso, nos apresenta cinco mecanismos de defesa do ego que são
atravessados nesse processo. O primeiro, a negação, ocorre quando um evento é admitido
conscientemente pelo negativo, por exemplo, quando a própria vítima rejeita a possibilidade de
ter sofrido racismo. O segundo é a frustação que ocorre quando o sujeito negro se depara com
a impossibilidade de reconhecimento dentro de um universo “brancocêntrico”. O terceiro
mecanismo, a ambivalência, onde o sujeito negro experimenta sentimentos ambivalentes frente
ao sujeito branco. Já no quarto momento ocorre a identificação, onde já existe uma

360
possibilidade de uma identificação positiva por parte do negro para com outros negros, por meio
da cultura e da ancestralidade, por exemplo. No quinto e último mecanismo, temos a
descolonização propriamente dita onde eu não é mais o Outro radical. Aqui é experimentada a
condição de sujeito.
Mas não se trata de escolher qual forma trilharei meu “caminho para a descolonização”.
Trata de reunir o maior número de estratégias possível para o giro, de montar uma máquina de
guerra, para usar os termos de Deleuze e Guatarri (2004). Como unir academia e experiência?
Como aproximar ciência e ancestralidade? De que forma podemos produzir novas éticas dentro
de um sistema fadado ao fracasso? Como antecipar o fim do mundo moderno e brancocentrado?
Convocando mais uma vez o potente pensamento de bell hooks, podemos considerar
um tornar-se sujeito por meio da escrita, da apropriação da língua e da ocupação de lugares de
produção de conhecimento. A autora se coloca como aquela que escreve da margem, o que
significa participar de um todo, mas ser relegado à uma posição fora do centro (Hermes & Silva,
2018). Transgredir a margem seria o dever ético de quem a ocupa, produzindo outras estéticas
literárias, outras formas de pensar, outras epistemologias que sejam necessariamente contra
hegemônicas. Junto a esse movimento, ocorre a negação da posição de objeto pelo negro. A
partir disto seria possível quebrar o ciclo de silenciamento e falar por si, enquanto sujeito,
escritor, pesquisador, etc. Para hooks, assim como para Anzáldua, pensadora chicana, e Spivak
“A escrita é . . . a luta pelo direito à fala pública.” (Lino, 2014, p. 146). A partir desta
perspectiva, entende-se a escrita, seja ela literária ou científica, como produtora de discursos
dissonantes, de estratégias sorrateiras, porém eficazes, de resistência e enfrentamento.

3 Conclusão

“Por que sou levada a escrever? . . . Porque não tenho escolha.


Porque devo manter vivo o espírito de minha revolta e a mim mesma
também . . . No escrever coloco ordem no mundo, coloco nele uma
alça para poder segurá-lo . . . Escrevo para registrar o que os outros
apagam quando falo, para reescrever as histórias mal escritas sobre
mim, sobre você . . . Para me convencer de que tenho valor e que o
que tenho para dizer não é um monte de merda. Para mostrar que eu
posso e que eu escreverei, sem me importar com as advertências
contrárias . . . Finalmente, escrevo porque tenho medo de escrever,
mas tenho um medo maior de não escrever.” (Anzaldúa. 2000 como
citado em Lino, 2014, p. 146-147).

Neste breve escrito, tentamos traçar as ligações possíveis entre dois conceitos muito
populares nos estudos anticoloniais atualmente, necropolítica e epistemicídio. Para isso me
utilizo, principalmente, do argumento desenvolvido por Ramón Grosfoguel para evidenciar a
estrutura da produção conhecimento ocidental que, segundo o autor, só é possível graças ao
extermínio de povos e epistemes que aconteceram concomitantemente ao crescimento da
filosofia moderna, representada principalmente por Descartes. Posteriormente, apoiados em
pensadoras(es) como Grada Kilomba, bell hooks, Gloria Anzaldúa, Sueli Carneiro, Mbembe,
dentre outras, atualizamos as compreensões do zoneamento do conhecimento científico e os
dispositivos coloniais e hegemônicos que contribuem para a subjugação de conhecimentos
produzidos por sujeitos negros como um saber menor, indigno de status científico. Por fim,

361
trazemos a escrita e sua urgência como possibilidade de apropriação dos espaços do centro para
uma produção científica e literária voltada aos sujeitos, uma escrita contra hegemônica e
emancipatória produzida por corpos negros e dissidentes.
Escrevemos como Akotirene (2019), alinhado à esquerda e sem recuo na ancestralidade.
Este texto fala muito de uma empreitada que é pessoal, mas muito mais coletiva, que vem sendo
realizada à muitas mãos, por isso o plural empregado. Como estudante negro, homossexual e
pobre, num curso majoritariamente e prioritariamente branco, se faz necessário,
cotidianamente, criar espaços epistêmicos onde minhas vivências e muitas outras caibam nos
nossos conhecimentos. É também por meio da escrita que resistimos e criamos estes espaços.
Por meio dela, conseguimos nos reconhecer como sujeitos e preparamos terreno para os que
estão ao nosso lado. Produzimos, junto aos nossos, novos espaços de conhecimento e minamos
outros. Trilhamos os caminhos urgentes para o fim do mundo branco. Engolimos os castelos
teóricos construídos sobre a areia e nesta mesma, desenhamos novos saberes dissidentes e
ancestrais.

Referências

Akotirene, C. (2019). Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro: Pólen.


Carneiro, A. S. (2005). A construção do outro como não-ser como fundamento do ser (Tese de
doutorado). Universidade de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Educação. São
Paulo.
Deleuze, G. & Guattari, F. (2004). Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia (Vol. 3). São Paulo:
Editora 34.
Evaristo, C. (2017). Ponciá Vicêncio. (3a ed). Rio de Janeiro: Pallas.
Grosfoguel, R. (2016). A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas:
racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século
XVI. Sociedade e Estado, 31(1), 25-49. Recuperado de
https://periodicos.unb.br/index.php/sociedade/article/view/6078/5454. doi:
10.1590/S0102-69922016000100003
Hermes, E. & Silva, D. (2018, agosto). Escrever à margem: bell hooks e a escrita como forma
de resistência. Novoa Olhares: linguagens de resistência. Frederico Westphalen, Rio
Grande do Sul, Brasil, 10. Recuperado de:
https://www.researchgate.net/publication/332764147_ESCREVER_A_MARGEM_B
ELL_HOOKS_E_A_ESCRITA_COMO_FORMA_DE_RESISTENCIA
Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação-Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro:
Cobogó.
Lino, T. R. (2014). O lócus enunciativo do sujeito subalterno: uma análise da produção
científica de bell hooks e Gloria Anzaldúa (Dissertação de mestrado). Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
MG, Brasil. Recuperado a partir de: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUBD-
AAXFWU/1/tayanelino.disserta__o.ppgp.pdf
Mbembe, A. (2017). Necropolítica. arte e ensaios, 2(32). Recuperado a partir de:

362
https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169
Mbembe, A. (2018). Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 edições.
Pessanha, E. A. de M. (2018). Necropolítica & Epistemicídio: as faces ontológicas da morte
no contexto do racismo (Dissertação de mestrado). Instituto de Ciências Humanas,
Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil. Recuperado a partir de:
http://metafisica.unb.br/images/dissertacoes/2018/dissertacao_eliseu_2018.pdf
Santos, B. S. (1995). Pela Mão de Alice. São Paulo: Cortez Editora.
A IMPORTÂNCIA DA AUTONOMIA PARA O JOVEM PÓS

363
INSTITUCIONALIZADO

Ryanne Wenecha da Silva Gomes


Gabriel Campelo Sotero
Felipe Alysson Ireno da Silva
Reinolds Araujo Silva
Rafaela Santos da Rocha
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva

1. Introdução

A questão da criminalidade ligada à adolescência sempre preocupou nossas autoridades,


assim como toda a sociedade brasileira em geral. “De fato, um rápido exame das sondagens de
opinião pública indica que o crime constitui, na atualidade, uma das principais preocupações
na agenda dos mais urgentes problemas sociais com que se defronta o cidadão brasileiro”
(Adorno, 1999). O Brasil registrou altos índices de violência nesta última década, porém esses
índices não afetam a todos de uma mesma forma. Adolescentes e jovens com idade entre 12 e
29 anos representam 35% da população brasileira e representam as principais vítimas e autores
de crimes violentos. “As taxas de mortalidade juvenil, e especificamente as atribuíveis a causas
violentas, indicam os diversos modos de sociabilidade e as circunstâncias políticas e
econômicas que exprimem mecanismos específicos de negação da cidadania” (Waiselfisz,
2010).
Dados do Mapa da Violência 2010, que faz uma anatomia dos homicídios no Brasil,
revelam que a taxa de homicídios entre os jovens passou de 30 por 100.000 jovens em 1980
para 50 no ano 2007. Ao contrário, no restante da população (excluída a população jovem) esta
taxa permaneceu relativamente constante, inclusive com leve queda: de 21 por 100.000
habitantes para 19 no mesmo período. Segundo o relatório, “Isso evidencia, de forma clara, que
os avanços da violência homicida no Brasil nas últimas décadas tiveram como motor exclusivo
e excludente a morte de jovens” (Waiselfisz, 2010). Já o levantamento estatístico da
Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial
dos Direitos Humanos realizado por Pochmann e Castro (2008), identificou que existiam no
Brasil cerca de 39.578 adolescentes no sistema socioeducativo. Destes, 70%, ou seja, 27.763 se
encontravam em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto (liberdade assistida
e prestação de serviços à comunidade).
Segundo Novaes (2014), havia no país cerca de 9.555 adolescentes cumprindo medida
privativa de liberdade, medida socioeducativa de internação e de internação provisória. Dentre
eles, 90% eram do sexo masculino; 76% tinham idade entre 16 e 18 anos; 63% não eram brancos
e destes 97% eram afrodescendentes; 51% não frequentavam a escola; 90% não concluíram o
Ensino Fundamental; 49% não trabalhavam e 85,6% eram usuários de drogas. Conforme
demonstra os dados acima, algumas características são peculiares a estes adolescentes. Em sua
maioria são: do sexo masculino, negros e pardos, apresentam baixa escolaridade, grande
defasagem escolar, além de não frequentarem a escola, não trabalharem e apresentarem alta

364
taxa de consumo de drogas.
A partir desses dados, também fica evidente uma relação entre a escolaridade e o
trabalho com a criminalidade desses jovens que saem de instituições socioeducativas ou de
reclusão. Pode-se observar que se não há um desenvolvimento de autonomia desses jovens
dentro dessas instituições, logo a chance deles voltarem para as mesmas ou não encontrarem
“espaço social” é grande. As instituições que tentam “reinserir” o jovem na sociedade em países
como o Brasil parecem fazer isso da mesma forma que no sistema prisional, apenas punindo e
fazendo ele esperar anos ali dentro sem lhe dar perspectivas de ingressar e desenvolver-se de
forma autônoma quando sair dali.
O trabalho procura demonstrar quais são os aspectos que relacionam a autonomia do
jovem institucionalizado com a sua volta à criminalidade, além de traçar um paralelo sobre o
desenvolvimento dessa autonomia e os seus direitos dentro das instituições brasileiras. A
compreensão da exclusão e aceitação social como importantes no processo de pós-
institucionalização também é trabalhado no decorrer da discussão, como também o que se refere
à autoestima dos jovens institucionalizados.

2. Desenvolvimento

Segundo o relatório anual de 2013 das Comissões e Proteção de Crianças e Jovens


(CPCJ), o número de crianças e jovens privados de um desenvolvimento saudável e equilibrado,
vítimas de abandono, negligência, maus tratos, e expostos a comportamentos desviantes têm
vindo a aumentar consideravelmente. Cerca de 20.000, segundo o Levantamento Nacional de
Abrigos Brasileiros para Crianças e Adolescentes (Silva, 2004), são crianças que em muitos
casos, não esperam por um colo, nem por uma família, esperam que o tempo os conduza a outra
instituição, onde uma outra fase da vida “as libertará”, em muitos casos, para as ruas (Camões,
2003).
Como salienta Frota (2007), “As crianças e jovens adotam mecanismos de defesa e
sobrevivência passando a considerar a rua como sendo um espaço de socialização, na medida
em que passam a maior parte do tempo e de modo permanente na rua, consequentemente leva
ao fenômeno da delinquência juvenil. Neste sentido, importa meditarmos sobre o que serão
‘crianças de rua’ e ‘crianças na rua’.” Se a criança desconhecia o seu destino quando entrou na
instituição, ainda mais desconhece o seu rumo depois da saída da instituição, principalmente
quando há incertezas de pessoas ou um lugar lhe esperando lá fora (Martinez; Soares-Silva,
2008). O processo de saída das instituições, tal como o processo de chegada traduz-se numa
etapa vivenciada de forma negativa, pois poderá acarretar várias emoções difíceis de suportar
pelo jovem: indignação, liberdade, melancolia, sofrimento, entre outros (Lira, 2010).
Aprendemos que as instituições servem para proteger e integrar os indivíduos,
principalmente no que diz respeito a vida social e as interações, uma vez que ajudam a modelar
os comportamentos individuais e grupais, contribuindo para a estrutura e coesão social. Ainda
há a questão da família, que configura-se como uma “microinstituição” que interage com outras
instituições de média e de grande dimensão (Iannelli; Assis; Pinto, 2015).
Há muitas situações de jovens institucionalizados sem um delineamento de vivência
estabelecido, principalmente voltado à autonomia, especialmente ao nível de aquisição de
competências pessoais e sociais para que após a sua “desinstitucionalização” possam viver de
forma independente (Pires, 2011). Sabemos que no Brasil, os jovens pós-institucionalizados

365
constituem um grupo socialmente vulnerável e desfavorecido, mais precisamente no que se
refere à desenvolvimento social, educação e saúde. A autonomia de vida não é em si a primeira
opção definida da institucionalização em termos de projeto para quem vive lá. Ainda
salientando o pensamento de Pires, torna-se significativo desenvolver condições para
implementar autonomia em jovens institucionalizados, pois verifica-se que a população
institucionalizada é composta por adolescentes que apresentam poucas hipóteses de voltarem à
família de origem.
Embora as instituições ainda sejam tidas como o principal meio para cuidados de
crianças e jovens, nem todos os autores as consideram como ambientes adequados para o
acolhimento, pois dificilmente as instituições conseguem proporcionar um ambiente estável e
seguro. O ambiente vivido nas instituições não é adequado para o desenvolvimento, no entanto,
sabe-se que é possível mudar as características das instituições, uma vez que mantêm seu papel
de importância como saída para aqueles que vivem em situação vulnerável e desesperadora,
sendo em muitas vezes a única opção (Silva, 2011).
Estudos referem que existe ligação entre o desenvolvimento da autonomia, o nível de
autoestima e o bem-estar psíquico, no sentido em que, “quando proporcionado o
desenvolvimento da autonomia, mais elevada é a autoestima e menos são os comportamentos
depressivos” (Sousa, 2015). A partir do pensamento de autoestima ligado a autonomia, é
importante citar também que não é porque um jovem está numa instituição que ele não sofre
violências físicas e morais, em países da américa latina, como salienta levantamento da ONU
(2015), já se fala em direitos violados dentro das instituições.
Casas de Acolhimento quando acolhem uma criança ou jovem têm como dever a
promoção da sua socialização diante da sociedade. Porém, ao decorrer dos últimos anos, elas
têm se deparado com vários problemas relacionados à sua autonomização (Rodrigues, 2016).
O propósito do acolhimento é resguardar os direitos da criança, proporcionando
possibilidades de progresso e de bem-estar que não são garantidos quando elas estão inseridas
no âmbito familiar, contudo, o processo pode desencadear várias implicações na vida destas
crianças, por elas já se encontrarem em um momento de vulnerabilidade emocional (Alberto,
2002). A inserção em um ambiente desconhecido, manifesto por sentimentos maléficos (raiva,
frustração, tristeza e, muitas vezes, um sentimento intenso de culpa e necessidade de retomar o
ambiente perdido) (Amado et al., 2003).
A escassez de funcionários especializados é também, um dos fatores que contribuem
para esse agravo, pois muitos não possuem atributos necessários para lidar com as necessidades
destas crianças e jovens (Delgado, 2006). De acordo com Mota e Matos (2010), o grupo de
pares dentro do instituto pode ser considerado com um fator importante de apoio e
compreensão, agindo como exemplos significativos na estruturação emocional dos mesmos,
otimizando o exercício de habilidades como resolução de conflitos, de autocontrole e de
manutenção da proximidade relacional. O valor das relações interpessoais que se vão
instituindo entre os sujeitos institucionalizados, seus pares e alguns funcionários, o laço de
amizade, união, partilha, identificação com o grupo, o ambiente familiar decorrente da interação
destes, constituí para a grande maioria destes indivíduos um aspecto hegemônico para uma
melhor adaptação à instituição (Rodrigues, 2016).
O momento em que as jovens atingem sua maioridade e cessam a vivência nas
instituições, é um período de grandes mudanças, pois é neste período que eles iniciam a sua
autonomização. Porém, é também um momento de novas mudanças e adaptações, que é
absorvido de diferentes maneiras pelos sujeitos, pois vai depender muito das experiências
vividas durante o processo, tanto no contexto institucional, como no contexto pós- institucional.

366
A autonomização desses jovens é de total responsabilidade das instituições de acolhimento
(Rodrigues, 2016).
Segundo Leandro et al., (2006) autonomia quer dizer, envolver-se, governar-se a si
próprio, sustentar as suas próprias decisões, apresentar-se como sujeito atuante, projetar o seu
próprio caminho, é ser um cidadão independente e arquiteto da sua vida. A autonomia
desempenha um papel fundamental na independência do jovem, pois é com base nela que o
jovem vai se constituir na sociedade (Sousa, 2015). Portanto, se durante o acolhimento destes
jovens a autonomia não for ocasionada, no período que antecede o fim do acolhimento, os
sentimentos de insegurança e incapacidade de seguirem seus planos e objetivos para o futuro
começam a surgir. (Leandro et al., 2006). Portanto, o acolhimento institucional deve ajudar as
crianças e jovens a superar a sua batalha interior e proporcionar-lhes uma adaptação positiva e
resiliente, centrando-se na reconstrução das suas identidades, aumento da autoestima e do
autoconceito.
Por quê educar dentro das instituições? Pode parecer clichê, porém mais do que funções
ligadas ao trabalho profissionalizante, como vem acontecendo no Brasil (de forma ainda
mínima) recentemente nas instituições, é necessário que o jovem tente conseguir sua autonomia
também através do conhecimento, até porque esse dá um conjunto mais vasto de opções para o
mesmo. A Educação pode ser considerada como o alicerce da justiça social, ou seja, igualdade
de oportunidades para todos e o status definido pelos valores reais que cada um sabe
desenvolver para o bem comum. Todas as pessoas são responsáveis, cada uma no âmbito de
suas possibilidades, pela realização de estruturas sociais, que permitem a todos os membros de
uma comunidade atingir níveis de vida compatíveis com sua dignidade (Teixeira, 2002). Se a
própria constituição brasileira considera como obrigatório a educação para todos (art. 205,
constituição de 1988: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”) então
porque sempre foi e continua sendo negligenciada nas instituições socioeducativas e de
reclusão?
É da responsabilidade do Estado, a criação de condições que permitam garantir a
universalização da educação básica de qualidade e a promoção do sucesso educativo de todos
os alunos, particularmente, das crianças e dos jovens que se encontram em situação de risco de
exclusão escolar ou dentro de instituições de reclusão. É neste panorama, que Almeida levanta
a seguinte questão: “poderemos continuar a acreditar na igualdade de oportunidades para todas
as crianças e para todos os jovens? Ou pelo contrário, devemos render-nos à evidência de que
a escola continua a visar apenas a seleção e a formação de classes sociais ou a reprodução de
um modelo social?” (Almeida, 2009).
Segundo Sidman (1995), a punição apenas ensina o que não fazer, assim, não se sabe
quais seriam as decorrências da utilização da mesma. A punição tem por objetivo diminuir a
emissão de uma resposta indesejável. Encarcera-se um criminoso a fim de que ele pare com a
emissão de respostas que causam danos à sociedade, ou seja, respostas criminosas, pune-se para
que ele não mais viole as leis e a sociedade. Ocorre que normalmente os jovens que cometem
crimes são apenas "arrancados" da sociedade, não lhe ensinam o modo correto de agir, esperam
que a punição e tempo sirva como principal meio para “melhorá-lo”, e logo depois ele é liberado
para o âmbito social.
O estudo de Arpini (2003), com adolescentes institucionalizados, demonstra como a
juventude acolhida é também percebida como problemática, marginal, carente, abandonada e
pouco qualificada. Outras percepções vinculadas à pobreza, à solidão, à tristeza, à aparência

367
mal cuidada e ao comportamento hostil também estão presentes. Os jovens acolhidos que
recebem estes rótulos referem dificuldades de integração e sentimentos de exclusão em
contextos externos às instituições, como a escola, por exemplo (Calheiros, 2014).
Opções como realizar métodos avaliativos para saber níveis de escolaridade dos jovens
reclusos, e assim preparar um “caminho educativo” para aquele jovem durante todo o seu tempo
na instituição, é importante colocar que muitos jovens são reclusos e muitas vezes nem sabem
qual a série escolar que pararam de estudar. Os métodos de ensino, quando incluídos em uma
instituição, podem trabalhar em conjunto sem atrapalhar em outras atividades socioeducativas,
é o que já acontece em países como Suécia, Holanda e até latino americanos, no caso do Chile
e Uruguai (Almeida, 2009).
É imprescindível preparar os jovens institucionalizados para viver autonomamente.
Nesse sentido a profissionalização se caracteriza como meio de preparação destes jovens para
o mercado de trabalho e consequente aprendizado para que após sair da instituição possam
manter sua própria vida (Hoffmann, 2008). Os programas do governo (Pro Jovem, Jovem
Aprendiz) destinados à juventude são exemplos desses processos profissionalizantes que
formam caminhos para que os jovens possam trilhar com autonomia, desenvolvendo
habilidades e adquirindo novos conhecimentos. As parcerias com instituições privadas e as
bolsas de estudos também podem ser outro meio de garantir a inserção do jovem no mercado
de trabalho e seu crescimento profissional e pessoal.
Outras formas de autonomia ocorrem dentro da própria instituição, quando os jovens
são responsáveis pela sua saúde, situação financeira e gestão doméstica, todos esses processos
supervisionados pela equipe técnica da instituição. Para Veloso (2014, p.30) essas intervenções
na instituição, podem ser facilitadoras no desenvolvimento da autonomia onde “os adolescentes
possam tomar as suas próprias decisões e assumir as responsabilidades que lhes foram
atribuídas; na organização da rotina da instituição, transmitindo assim ao jovem um sentido de
ordem e previsibilidade”.
Existem programas que são desenvolvidos na comunidade, por exemplo, os
Apartamentos de Autonomização. Nesses espaços vivem grupos de jovens, que são
acompanhados pela supervisão técnica, os apartamentos estão inseridos dentro da comunidade
e tem objetivo de fazer com que os jovens adquiram competências de vida e conhecimentos
para integrar na sociedade. São os jovens que assumem a responsabilidade e organização do
espaço como afirma Veloso (2014).
É indispensável que ocorra na instituição o maior número de possibilidades para que os
jovens visualizem o contato com a comunidade de forma positiva, com recursos disponíveis e
amplas relações sociais (Maragel & Minetto, 2007). Certos de que tenham direitos e deveres na
sociedade e sendo preparados gradativamente para o desligamento institucional e com
autonomia.

3. Conclusão

Nota-se que estigmas podem provocar impactos negativos no bem-estar e na construção


das identidades de crianças e adolescentes em acolhimento, gerando um processo de
internalização destes estigmas e produzindo sentimentos de autodesvalorização, inferioridade e
vergonha.
Portanto, quando se fala em jovens em situação de vulnerabilidade social, como aqueles

368
que passam por instituições de acolhimento, verifica-se que há representações particulares que
foram sendo histórica e socialmente construídas e, hoje, fazem parte do imaginário social. Há
também a forte questão de que as instituições de acolhimento e reclusão, principalmente em
países subdesenvolvidos, ainda estão longe de atingir níveis bons de fornecimento de educação
adequada e respectivamente autonomia para esses jovens.
Autonomia que deve ocorrer dentro das instituições em um processo de aprendizagem,
para que os jovens possam compreender seu significado e conseguir aplicar no cotidiano. Esse
processo deve ser mediado e supervisionado pela equipe técnica das instituições, como garantia
da sua efetiva realização e entendimento, seja por tarefas dentro das instituições ou programas
externos.
A tomada de autonomia torna o jovem capaz de pensar criticamente sobre suas ações e
escolhas futuras. Apresentar possiblidades de tarefas que trabalhem a autonomia dos jovens,
faz com que eles tenham contato com a realidade e compreendam seu lugar e papel na
sociedade.

Referências

Adorno, S., Bordini. E. B. T. & Lima, R. S. de. (1999) O adolescente e as mudanças na


criminalidade urbana. São Paulo em Perspectiva [online]., 13, (4), 62-74.
https://doi.org/10.1590/S0102-88391999000400007
Alberto, I. M. (2002). Como pássaros em gaiolas? Reflexões em torno da institucionalização
de menores em risco. In C. Machado & R. A. Gonçalves (coord.), Violência e Vitimas
crime (vol.2) (pp. 223-244). Coimbra: Quarteto Editora.
Almeida, N. L. T. (2009). Educação. In: Capacitação em Serviço Social e Política Social:
Política Social. Brasília, DF, UnB, Centro de Educação Aberta, Continuada a Distância,
módulo 3, (pp.153-63). Brasília: CEAD/NED-UNB.
Amado, J., Ribeiro, F., Limão, I., & Pacheco, V. (2003). A escola e os alunos
institucionalizados. 1ª ed. Lisboa, Departamento de Educação Básica, Grafis CRL.
Arpini, D. M. (2003). Repensando a perspectiva institucional e a intervenção em abrigos para
crianças e adolescentes. Psicologia: Ciência e Profissão, 23, 70–75.
https://doi.org/10.1590/S1414-98932003000100010
Calheiros, M. M., Graça, J., Morais, I., Mendes, R., Jesus, H., & Garrido, M. V. (2014).
Desenvolvimento de um programa de preparação para a vida autónoma para jovens
em acolhimento residencial (pp.241-292). Crianças em Risco e Perigo: Contextos,
Investigação e Intervenção.
Delgado, P. (2006). Os direitos da criança. Da participação à responsabilidade. O sistema de
proteção e educação das crianças e jovens. (1ª ed.). Porto: Profedições.
Frota, A. M. M. C. (2007). Diferentes concepções da infância e adolescência: A importância da
historicidade para sua construção. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 7(1), 0–0.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1808-
42812007000100013&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
Hoffmann, I. (2008). Adolescentes em abrigos e o direito à profissionalização. Trabalho de

369
Conclusão de Curso em Serviço Social, Departamento de Serviço Social, Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
Iannelli, A. M., Assis, S. G., & Pinto, L. W. (2015). Reintegração familiar de crianças e
adolescentes em acolhimento institucional em municípios brasileiros de diferentes
portes populacionais. Ciência & Saúde Coletiva, 20, 39–48. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/1413-81232014201.19872013
Leandro, A. A, Alvarez, D; Cordeiro, M.; Carvalho, R. & César, M. (2006). Manual de Boas
Práticas, Um guia para o acolhimento residencial das crianças e jovens para
dirigentes, profissionais, crianças, jovens e familiares. (1ª ed.) Lisboa: Instituto da
Segurança Social.
Lira, N. N. T. S. de. (2010). Adolescentes e adultescentes na contemporaneidade. Revista IGT
na Rede, 7(12), 01-221. http://igt.psc.br/ojs3/index.php/IGTnaRede/article/view/239
Maragel, F. T., & Minetto, G. P. (2007). A autonomia de adolescentes que vivem no abrigo
família de Nazaré. RIPE – Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos: Construindo o
Serviço Social, Bauru, 20, 01-51.
Moraes Martinez, A. L., & Soares-Silva, A. P. (2008). O momento da saída do abrigo por causa
da maioridade: A voz dos adolescentes. Psicologia em Revista, 14(2), 113–132.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1677-
11682008000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
Mota, C., & Matos, P. (2010). Adolescentes institucionalizados: O papel das figuras
significativas na predição da assertividade, empatia e autocontrole. Análise psicológica,
2, 245-254.
Novaes, R. C. (2014). Juventude e Políticas Sociais no Brasil. (1ª ed.). Brasília: IPEA.
Oliveira, M. & Camões, C. (2004). As crianças institucionalizadas: O outro lado da sociedade.
Psicologia do Desenvolvimento e Crianças. Universidade Lusíada, Lisboa, 2, 121-139.
Organização das Nações Unidas-ONU. (2015). The Millennium Development Goals Report,
Agenda for Development Human, Nova Iorque. Consultado em agosto 19, 2020,
Disponível em:
https://www.un.org/millenniumgoals/2015_MDG_Report/pdf/MDG%202015%20rev
%20(July%201).pdf
Pires, S. A. de C. (2011). A promoção da autonomia em jovens institucionalizadas. Dissertação
de Mestrado, Instituto Politécnico de Bragança, Bragança - Portugal.
Pochmann, M., & Castro, J. A. (2008). Juventude e políticas sociais. (1ª ed.). Brasília: Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada, Brasil.
Rodrigues, S. M. M. (2016). A transição para a vida ativa dos jovens institucionalizados em
Casas de Acolhimento – Percursos de inserção. Dissertação de mestrado política social,
Universidade de Lisboa, Lisboa - Portugal.
Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. (1ª ed.). São Paulo: Livro Pleno.
Silva, E. R. (2004). O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e
adolescentes no Brasil. (1ª ed.). Brasília: IPEA/CONANDA, Brasil.
Silva, M. J. M. X. (2011). O bem-estar subjectivo de adolescentes institucionalizados.

370
Dissertação de mestrado em Psicologia, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.
Sousa, R. E. P. (2015). Desenvolvimento de competências de vida e os processos de
autonomização em Lares de Infância e Juventude. Dissertação de mestrado em
Psicologia e Ciências da Educação, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal.
Teixeira, A. (2002). Educação não é privilégio. (2ª ed.). Rio de Janeiro: editora da UFRJ.
Veloso, C. J. (2014). Lares de Infância e Juventude: contributos para a autonomia. Dissertação
de Mestrado em Intervenção Psicossocial com Crianças e Jovens em Risco, Instituto
Politécnico de Viseu e Escola Superior de Educação de Viseu, Viseu, Portugal.
Waiselfisz, J. J. (2010). Mapa da Violência 2010 – Anatomia dos Homicídios no Brasil. São
Paulo: Instituto Sangari.
FAMÍLIAS INTER-RACIAIS E O PROCESSO DE ADOÇÃO: VÍNCULOS

371
AFETIVOS MEDIADOS PELA COR

Ayra Audry de Lima Souza


Gabriel Campelo Sotero
Carla Fernanda de Lima

Introdução

A priori, retorna-se ao passado histórico da sociedade brasileira, que desenvolveu-se a


partir de relações raciais hierarquizadas e que buscou em teses eugenistas, respaldo científico
para comprovar a supremacia do homem branco europeu sobre o homem negro africano. Por
conseguinte, ao perceber a multiplicidade racial presente na população brasileira: brancos-
negros-índios, buscou-se alternativas como a teoria do branqueamento, que pode ser elucidada
por Bento e Carone (2014) como o processo de cruzamento racial, entre branco e não branco,
para diluir as características raciais dos não-brancos.
Diante do cenário exposto, formam-se as famílias inter-raciais no Brasil, com o objetivo
de tornar as próximas gerações menos negras, portanto, mais humanas, como afirma Fanon
(2008). No panorama mundial, um marco importante na possibilidade de constituição de
famílias inter-raciais ocorreu nos Estados Unidos, há 53 anos, quando a lei do estado da
Virgínia, que proibia o casamento inter-racial, foi revogada. O último censo demográfico
(IBGE, 2010) indica que, aproximadamente, um terço dos casamentos brasileiros são inter-
raciais, ou seja, indivíduos que se classificam como sendo de diferentes raças.
Outrossim, dentre os processos históricos e sociais que auxiliam na formação e na
construção dessa família inter-racial, encontra-se a adoção. No Brasil, essa escolha projetou-se
como uma alternativa para ajudar aqueles pais com condição econômica privilegiada que não
conseguiam ter filhos. Diante dessa perspectiva, observa-se que até hoje se perpetua um sistema
de adoção que prioriza e que contempla as preferências e os desejos do adotante e não da criança
ou adolescente (Barbosa, 2009; Abrão, 2011).
No Brasil, há mais de 5 mil crianças e adolescentes disponíveis para a adoção e mais de
40 mil casais ou pais solteiros cadastrados e aptos para adotar (Cadastro Nacional de Adoção,
2018). O CNA de 2018 revela que ainda hoje há preferências de adoção a partir da cor de pele,
e, dependendo da região, esse racismo é ainda mais evidente. Na região Sul por exemplo, 56%
dos pais aptos para adoção preferem prioritariamente adotar uma criança apenas se ela for
branca.
O presente trabalho tem como objetivo compreender a dinâmica das famílias inter-
raciais e seus desdobramentos no processo de estruturação do sujeito (filho), fruto desse casal
(seja de maneira biológica ou adotiva), que experiencia uma construção identitária que rejeita
a negritude. Em conjunto, questiona-se a quem as instituições, que acolhem jovens e crianças,
estão a serviço, se elas estão se efetivando enquanto apoiadoras da saúde física e mental desses
infantes ou a serviço de uma certa parcela da nossa população quando os convém, ou ainda se
estão contribuindo para a manutenção do racismo estrutural.
Metodologia

372
Trata-se de uma pesquisa de revisão bibliográfica do tipo narrativa, onde buscou-se na
literatura científica brasileira, produções que abordassem a temática do racismo estrutural
relacionada aos processos de adoção e vinculados principalmente a famílias inter-raciais. Ainda
como material para auxiliar na pesquisa, fez-se uma busca dos dados fornecidos por instituições
públicas, que ajudassem a compreender as dinâmicas e o processo de adoção no contexto
brasileiro.

Desenvolvimento

Aspectos sócio históricos do racismo no Brasil

Racismo Estrutural refere-se à compreensão do racismo como um integrante


normatizado na ordem social, sendo esse perpassado e reproduzido por gerações e por
instituições, de forma explícita e/ou de forma velada. Mediante o exposto, Almeida (2019)
reforça que esse conceito está relacionado à concepção de que as relações possuem uma atuação
condicionada, simbolizada através da incorporação de uma estrutura social ou de um modo de
socialização, que considera o racismo como componente previamente existente e não
socialmente patológico.
Diferentemente dos Estados Unidos, em que o racismo é baseado em herança genética,
no Brasil o racismo sempre operou de maneira distinta e peculiar, não é a árvore genealógica
do indivíduo que determinará o grau de exclusão e desigualdades, mas sim a pigmentação da
pele (Julião, 2018), bem como tantos outros teóricos. A princípio, resgatando o conceito de
racismo estrutural já apresentado anteriormente, constatou-se como esse preconceito abrange
todas as instituições da vida social.
Outrossim, faz-se necessário pontuar que o mito da Democracia Racial, descrita por
Guimarães (2001) como a concepção que considera o Brasil como uma sociedade sem
hierarquias raciais, uma nação que não vivencia um sistema de privilégios entre brancos e
negros, em vez de promover igualdade, tornou enorme e vantajosa a invisibilidade do negro e
a dificuldade de enfrentar um racismo que é estrutural, mas que se esconde por trás de uma
tradição igualitária (DaMatta, 1986). O mito da democracia racial, inaugurado no Brasil por
Gilberto Freyre (1973), em Casa-Grande & Senzala, trouxe a ideia de não haver discrepâncias
entre pessoas de diferentes raças, criou a imagem de uma perfeita harmonia, um paraíso racial,
tornando o Brasil uma referência para outros países.
Nesse contexto, práticas racistas que ocorrem em toda a estrutura social, política,
cultural e econômica, ocorre também no seio da família e acabam por ser desvinculadas das
noções de violências raciais, por se justificar que estamos em um país em perfeita harmonia
entre as raças. No seio familiar, Julião (2018, pág. 1) aponta que “não era um racismo
camuflado, eram pessoas íntimas, que declamavam ofensas travestidas de afeto e proximidade
nas situações mais banais e cotidianas”. Isso passa a legitimar o racismo nos arranjos inter-
raciais das famílias, que seriam a primeira instituição social do indivíduo.
Legitimação do racismo nos arranjos inter-raciais

373
Paralelamente, salienta-se primeiramente o conceito de famílias inter-raciais,
considerado por Schucman (2018) como um casal em que um dos cônjuges é considerado
socialmente branco e o outro negro e apresentam com filhos gerados. Dentro dessa instituição
social básica, notou-se a tendência de uma configuração familiar formada por homens não
brancos casados com mulheres brancas, ou por mulheres não-brancas que tiveram filhos com
homens brancos, não estando necessariamente (na maioria dos casos) casadas, estruturação que
pode ser explicada por um conjunto de ideologias, sendo elas a do embranquecimento, a do
machismo e a do patriarcado. Para Fanon (2008), nas relações inter-raciais, o negro tem como
objetivo, e destino, ser branco, embranquecer sua prole se dedicando a se apossar da condição
de ser humano.
A priori, resgata-se a definição de socialização apresentado por Berger e Luckman
(2004), na qual a inserção do sujeito na esfera social é mediada por instituições, sendo
geralmente a família como primeira e, portanto, agente que modela a identificação do indivíduo,
a partir da forma como ela entende o mundo. Nesse ínterim, evidencia-se o papel relevante
desempenhado pela família como primeira fonte de referência na construção da identidade da
criança. Sendo assim, esse ambiente é considerado o primeiro espaço responsável por transmitir
as crenças e os limites a respeito dos grupos sociais.
Desse modo, o racismo gerado e sofrido na família, reproduzido nos vínculos afetivos e
às vezes camuflado como brincadeiras ou mesmo externado de forma explícita, condicionam e
introjetam no sujeito negro uma percepção depreciativa de si mesmo. Há um fato dicotômico e
paradoxal no casal inter-racial e até mesmo na família mais ampliada: a capacidade de brancos
casarem-se ou terem filhos com não brancos e ao mesmo tempo legitimar o racismo dentro de
casa para com seus filhos. Como contraponto à ideologia da supremacia racial, pela qual a raça
define tudo, a posição da cegueira racial aposta na premissa de que a raça não diferencia, não
diz nada moralmente, intelectualmente e socialmente importante sobre uma pessoa” (Glass,
2012). Dessa forma, conclui-se que o membro não branco da família ora desconsidera as
hierarquias raciais, ora valida-as.
Em suma, Schucman (2018) traz duas particularidades fundamentais no processo de
racismo intrafamiliar: I) a negação por parte dos genitores da negritude do filho, utilizando-se
de outras nomenclaturas para classificá-los e para embranquecê-los, como moreno, mulato,
pardo ou cor de jambo, pois se identificar como negro carregaria um status de inferioridade.
Nessa situação, verifica-se a capacidade de negar a especificidade do outro, tentando apagar
traços negros característicos, como afirma Schucman (2018): “é este corpo negro, que, para
atingir o ideal branco, sofre querendo tomar banho de cândida, desfazendo as tranças e afinando
o nariz” (pág. 44). Dessa forma, constata-se como essas micro agressões afetam a aceitação e a
identificação desse corpo não branco, gerando um afastamento na possibilidade de
desconstrução dos estereótipos vinculados aos negros.
Há um arranjo familiar em que os membros brancos da família são explicitamente
racistas, fato perceptível desde em canções de ninar até na associação com animal, como
macaco, ou em brincadeiras racializadas. Nesse cenário, Schucman (2018) aponta que “se
constitui como negro odiando a si mesmo, bem como odiando aquele outro de quem ela herdou
o fenótipo negro”. A violência direcionada a esse corpo não branco impede de, no próprio seio
familiar, encontrar um espaço de acolhimento, de proteção e de amor com seus parentes. Nesse
sentido, esse filho vivencia o que Veiga (2018) chama de “afeto-diáspora”, sensação de não-
pertencimento, de não-lugar, de estar fora de casa, fora da possibilidade se ser integrado e

374
acolhido, vivendo a sensação de um sequestrado com o cativeiro.
Sob o mesmo ponto de vista, refletiu-se que, principalmente no ambiente familiar, a
educação e as relações devem ser intermediadas a favor de uma ressignificação da negritude,
pois é um local no qual devem originar-se as primeiras orientações e discussões acerca do
enfrentamento das questões raciais e de um letramento étnico-racial, que proporcionará um
reconhecimento positivo desse corpo negro.

Adoção e manutenção do racismo

Historicamente, durante as décadas de 70 e 80, nos Estados Unidos e Inglaterra, vários


grupos e movimentos sociais mantinham um discurso público contra a adoção de crianças
negras por pais ou famílias brancas. Dentre os argumentos para isso, além de ficar exposto o
cunho racista da causa, afirmavam que os pais não saberiam lidar com o racismo que essas
crianças iriam enfrentar. Nesse sentido, evidencia-se que os discursos da época perpetuam até
os tempos atuais, as crianças adotivas buscando “encaixar-se” nos requisitos sociais, enquanto
a sociedade nada muda para acolher esse sujeito ou para tentar lidar com o seu próprio racismo
(Rufino, 2002).
Na atualidade, um discurso bastante reproduzido por alguns pais para velar o racismo
no processo de adoção, é não optar por escolher crianças negras, porque essas fenotipicamente
não seriam semelhante a eles, decisão que supostamente se tornaria um obstáculo, tanto para os
adotantes quanto para a criança ao tentar se adaptar como uma nova família em formação. No
geral, o que fica explícito é que a criança e adolescente que espera adoção conta nada mais do
que com as preferências de quem vai adotar. Os adotantes ditam quem e como querem, um
processo traumatizante para a criança que fica de mãos atadas sem saber qual será o seu futuro
e sofrendo das mais diversas formas (Pereira & Nunes, 2015; Guimarães, 2015).
Por outro lado, observa-se que diferentes tipos de “arranjos” familiares possuem
“exigências” opostas no que se refere a determinadas preferências na hora de adotar. As famílias
classificadas como fora do modelo de padrão ideal (formada por pais solteiros ou casais
homoafetivos, por exemplo) normalmente são mais flexíveis, exatamente por entenderem que
não se deve existir uma moldura ideal quando se trata de família, sendo o ideal aquela que
confere amor, suporte emocional, afeto e cuidado. Em contraponto, percebe-se nas famílias
ditas “tradicionais” uma postura marcada por fortes preconceitos sociais e raciais próprios,
sendo este o primeiro obstáculo, pois é criada uma idealização de filho a se adotar que não
deveria existir (Gomes & Marli, 2018; Magnoli, 2009).
Ademais, caracteriza-se como segundo obstáculo no início do processo de adoção a
ideia de discriminação social, que vincula o desconhecimento das origens biológicas da criança
ou jovem, sempre o colocando enquanto uma classe sociocultural inferior. Esses obstáculos
iniciais são intrínsecos na nossa sociedade moderna, e dependendo da situação, a criança pode
acabar passando por isso várias vezes no ano, podendo gerar afetações psicossociais. Há uma
preocupação tão grande em deixar o indivíduo que vai ser adotado da forma com que os
adotantes mais desejam, que acabam se esquecendo de se preocupar e preparar esses adotantes
para como vão tratar essas crianças no início de todo esse processo (Oliveira, 2018; Paiva, 2011;
Schwarcz, 2001).
No entanto, apesar de todos esses obstáculos promovidos pelo racismo

375
institucionalizado, velado e dos mais diversos tipos, há sim a efetivação de adoção de crianças
negras. Entretanto, mesmo ao atingir o objetivo final do processo de adoção, não se assegura
que as relações e o desenvolvimento dessa criança na sua nova ou muitas vezes primeira família,
não será atravessado pelo racismo, mesmo que este venha daquelas pessoas que deveriam lhe
prover afeto e cuidado (Almeida, 2018; Moreira, 2019).
Schucman (2018) afirma que em famílias inter-raciais, principalmente aquelas com
filhos adotados, o racismo se faz presente através de uma mediação pelo afeto. Esse tipo de
relação é denominada na literatura como “Racismo de Intimidade”. Em conjunto, outros
pesquisadores colocam que a família é uma das principais referências de apoio para a criança
que sofre com racismo, e se a família se encontrar nessa estrutura de racismo de intimidade,
isso terá consequências futuras negativas para a criança (Barboza, 2017).
Em síntese, já se tem por parte de alguns pesquisadores e juristas, a divulgação e
conhecimento de que os interessados em adotar devem se desapegar da questão racial como
critério para preferência na hora de adotar (Brito, 2018; Belloni, 2017; Abud et al., 2017). ”
Magnoli (2009) aponta que não se pode idealizar e querer que todas as crianças disponíveis
para adoção sejam as brancas abaixo de 3 anos, o povo brasileiro precisa trabalhar seu racismo
intrínseco e ter bom senso. Até porque, em um país em que em torno de 75% da população
extremamente pobre é negra (Caleiro, 2016), a maioria das crianças vulnerabilizadas por
condições socioeconômicas e, portanto, disponíveis para adoção serão também negras.
Dessa forma, frequentemente há quem diga que o fato de o menor não ser adotado por
conta de sua raça abre caminho para ir contra ao que consta na legislação já e é assegurado
constitucionalmente: a igualdade de todos perante a lei (artigo 5, Carta Magna). Além do mais,
a possibilidade da adoção baseada no critério de raça e cor traduz e mantém os mais diversos
tipos de racismo na nossa sociedade, dificultando a possibilidade de construir-se uma família
multirracial que produza afeto e cuidado entre si como qualquer outra (Terto, 2017; Mori,
2019).

Efeitos psicossociais da violência racial

Analogamente, Gibbons et al (2007) expõem como os efeitos da violência racial incide


na saúde psíquica das vítimas, incitando a adoção de comportamentos impulsivos e de risco,
como o uso de drogas lícitas e ilícitas. Em conjunto, Bhuí e colaboradores (2005) apresentam
as consequências psicológicas de uma sociedade mediada pela cor, sendo elas respostas de
ansiedade, de agressividade, de medo, de pânico, de depressão e de complicações psiquiátricas.
Simultaneamente, Mata e Pelissoli (2016) concluem que os critérios usados pelo DSM-5 para
classificar TEPT (Transtorno do estresse pós-traumático) não abrangem uma série de
experiências de vida com o potencial de refletir-se em um trauma, como é o exemplo do racismo
que apenas é abarcado nesta categoria de evento estressor se houver risco e ameaça à vida ou à
morte.
Nobles (2009), evidencia ainda que os processos pelo desejo de embranquecimento
presente na população negra, acaba por se caracterizar como algo patogênico. Segundo o autor,
ao tentar se aproximar da brancura, o negro acaba ficando sujeito a um processo de ilusão e
sofrimento, que, ao se consolidar enquanto uma experiência de longo tempo, acaba ocasionando
um terrorismo psicológico. “Muitos psicólogos acreditam que o ataque histórico da supremacia
branca resultou na distorção da personalidade africana” (Nobles, 2009, pág. 289).
Por fim, a Pesquisa Nacional da Vida Americana descobriu que os afro-americanos

376
apresentam uma taxa de prevalência de 9,1 % para TEPT versus 6,8% em brancos, indicando
uma notável disparidade de saúde mental entre esses grupos. Diante desse cenário, reflete-se
sobre a necessidade de considerar a complexidade da violência racial, visto que essa é
experimentada diariamente, em todas as esferas sociais, na forma de micro agressões ou de
discriminações explícitas. Ademais, há a necessidade de formar profissionais da saúde mental
mais capacitados para analisar as situações dos pacientes relacionadas ao racismo,
possibilitando, assim, diagnósticos e intervenções mais resolutivas e assertivas.
Diante do que foi proposto, ficam explícitas as evidências de como o racismo pode afetar
a saúde psicossocial do indivíduo. Em virtude disso, apesar do debate sobre racismo ainda ser
pouco discutido em alguns contextos no Brasil, o Estatuto da Igualdade Racial e a Política
Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), de 2010, preveem a redução das
desigualdades étnicas em instituições e serviços como o SUS, além do reconhecimento do
racismo institucional como um determinante social das condições de saúde das pessoas (Brasil,
2010).

Conclusão

Diante do exposto, evidenciou-se as consequências de uma sociedade historicamente


marcada por um sistema de privilégios, hierarquizada pela pigmentação da pele e instituída
sobre um Mito da Democracia Racial, que objetivava mascarar as desigualdades sociais
vivenciadas por aqueles indivíduos não-brancos. Nesse cenário, observou-se como principal
resultado, a carência de produções científicas brasileiras acerca dos impactos psíquicos do
sujeito que constantemente passa por episódios racistas implícitos ou explícitos, no espaço
familiar inter-racial e na sociedade ampliada.
Paralelamente, buscou-se na literatura apontamentos referentes a arranjos familiares
inter-raciais que legitimam o racismo no seio familiar, apesar de esperar-se que nesse ambiente
surgissem as primeiras estratégias de acolhimento e de enfrentamento para as discriminações
que os membros negros da família possam sofrer. Diante dessa perspectiva, observou-se que
essa instituição é também responsável por sustentar dinâmicas racistas e intermediar seus
vínculos afetivos a partir da cor do sujeito, seja negando, apagando ou desvalorizando quaisquer
características fenotípicas e práticas culturais dos indivíduos negros, que desenvolvem-se
odiando a si mesmo.
Em relação às famílias que tem sua construção inter-racial formada através da adoção,
percebeu-se que no Brasil este processo ainda é atravessado por concepções racistas e submisso
as preferências do adotante, fazendo-se necessário discussões mais eficazes sobre as políticas
de saúde da população negra nesse contexto. Dessa forma, selecionar características físicas da
criança acaba afastando todo o processo de adoção daquilo que é mais natural, para agradar
anseios e projeções próprias dos pais adotivos, dando prioridade para o seu imaginário e seus
padrões sociais, afastando-se da compreensão de que quem mais deve se beneficiar desse
processo é a criança.
Outrossim, constatou-se que as pessoas que sofrem racismo estão mais propensas a
desenvolver TEPT, adotar comportamentos impulsivos e de risco, ser afetados pelo pânico e
depressão, dentre outras coisas. Em contraponto, a medicina e os estudos psicopatológicos
ainda pouco se elucidam como experiências de vida como a discriminação podem estar
influenciando diretamente doenças e transtornos.
Por fim, reflete-se que esses apontamentos trazidos no decorrer do trabalho devem sair

377
da zona de silenciamento, esse sofrimento psicossocial deve ser coletivizado, tornando-se
fundamental fazer intervenções frente aos pais, promover protagonismo e representatividade
para esses sujeitos negros, que auxiliará em um processo de identificação positiva frente às suas
singularidades. Dessa forma, desconstrói-se as barreiras científicas e sociais que estigmatizam
esse grupo racial e as ressignifica.

Referências

Abud, C. C., Kon, N. M., Silva, & Maria, L. (2017). O racismo e o negro no Brasil: questões
para a psicanálise. São Paulo: Ed. 1a.
Abrão, M. S. (2011). Construindo vínculo entre pais e filhos adotivos. São Paulo: Primavera
editorial.
Almeida, S. (2018). O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento.
Almeida, S. (2019). Racismo Estrutural. 1. ed. São Paulo: Pólen Livros.
Barbosa, L. E. P. (2009). Adoção Tardia: Mitos e Verdades. Disponível em:
http://www.avm.edu.br/monopdf/27/LUCIA%20ELIANE%20PIMENTEL%20BARB
OSA.pdf. Acesso em 26 de março de 2020.
Barboza, H. (2017). Perfil Jurídico do Cuidado e da Afetividade nas Relações Familiares.
Cuidado e afetividade: projeto Brasil/Portugal 2016-2017. São Paulo: Atlas.
Belloni, L. (2017). Famosos divulgam mensagens de apoio à Titi Gagliasso, vítima de racismo
por socialite Day McCarthy. Geledés – Instituto da Mulher Negra, [s/l], dez. Disponível
em: https://www.geledes.org.br/famosos-divulgam-mensagens-de-apoio-titi-gagliasso-
vitima-de-racismo-por-socialite-day-mccarthy/. Acesso em: 26 de março 2020.
Bento, M. A. S., & Carone, Y. (2014). Psicologia Social do Racismo: Estudos sobre
branquitude e branqueamento no Brasil. 6. Ed. Petrópolis: Editora Vozes.
Berger, P., & Luckmann, T. (2004), A Construção Social da Realidade. Petrópolis, Vozes. 24
ed. Livro.
Bhuí, K, Stansfeld, S., Mckenzie, K., Saffron, K., Nazroo, J. & Weich, S. (2005). Racial/ Ethnic
Discrimination and Common Mental Disorders Among Workers: Findings from the
Empiric Study of Ethnic Minority Groups in the United Kingdom. American Journal of
public Health, 5 (3), 496 -501.
BRASIL. (2010). Política Nacional de Saúde Integral da População Negra – Uma política do
SUS. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa.
Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Brasília: Ministério da Saúde.
Brito, A. E. (2013). Lares negros olhares negros: identidade e socialização em famílias negras
e inter-raciais. Serviço Social em Revista, 15(2), 74-102.
Brito, D. (2018). Cotas foram revolução silenciosa no Brasil, afirma especialista. Agência
Brasil, Brasília. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2018-
05/cotas-foram-revolucao-silenciosa-no-brasil-afirma-especialista. Acesso em: 23 de
março 2020.
Caleiro, J. P. (2016). O tamanho da desigualdade racial no Brasil em um gráfico. Disponível

378
em: https://exame.abril.com.br/economia/o-tamanho-da-desigualdade-racial-nobrasil-
em-um-grafico/
Cadastro Nacional de Adoção (CNA). (2018). Portal do Conselho Nacional de Justiça.
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/adocao/. Acesso em: 1 de
abril de 2020.
Da Mata, V. P., Pelisoli, C. L. (2016). Expressões do racismo como fator desencadeante de
estresse agudo e pós-traumático.] Damatta, R. (1986). O que faz o Brasil, Brasil? Rio
de Janeiro: Editora Rocco LTDA.
Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA.
Freyre, G. (1973). Casa-grande & senzala. 16. ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 1973.
Gibbons, F. X., Yeh, H., Gerrard, M., Cleveland, M. J., Cutrona, C., Simons, R. L., & Brody,
G. H. (2007). Early experience with racial discrimination and conduct disorder as
Predictors of Subsequent Drug Use: A Critical Period Hypothesis. Drug Alcohol
Depend, 88 (1), 27-37. DOI: 10.1016/j.
Gomes, I., & Marli., M. (2018). IBGE mostra as cores da desigualdade. Retratos: a Revista do
IBGE, n. 11, maio. Disponível em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/17eac9b7a875c6
8c1b2d1a98c80414c9.pdf. Acesso em 26 de março 2020.
Guimarães, A. (2012). Classes, raças e democracia. 2. ed. São Paulo: editora 34.
Guimarães, A. S. A. (2001). A questão racial na política brasileira (os últimos quinze anos).
Tempo social, 13(2), 121-142.
Guimarães, L. (2015). Escuta da criança no processo de adoção: procedimentos e direitos.
Adoção: legislação, cenários e práticas. São Paulo, editora Vetor.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (2010). Dados demográficos sobre as
características da constituição das famílias no Brasil. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-
catalogo/famílias.brasileiras.conjuntura.html?id=2101118&view=detalhes. Acesso em:
4 de abril 2020.
Julião, L. (2018). O racismo nas famílias inter-raciais. Disponível em
https://www.geledes.org.br/o-racismo-nas-familias-inter-raciais/. Acesso em: 4 de abril
de 2020.
Magnoli, D. Uma Gota de Sangue: história do pensamento racial. São Paulo: Contexto, 2009.
Moreira, A. J. (2019). Racismo Recreativo. São Paulo: Ed. 1a.
Mori, L. (2017). “As pessoas não acham que alguém como eu possa ser inteligente”: A vida
dos alunos da periferia na USP. BBC News Brasil, São Paulo, abr. 2019. Disponível
em: https://www.bbc.com/portuguese/salasocial-
48060977?fbclid=IwAR31X9OBkLrDmscPA7TkChRWckmAq6KanlxV-
UuG7RRIf2JKs4ul8oPHXcM. Acesso em: 25 de março 2020.
Nobles, W. W. (2009). Sakhu Sheti: retomando e reapropriando um foco psicológico
afrocentrado. Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora, pág. 277-
299, Elisa Larkin Nascimento (org.), Editora Soraia Bini Cury, SP, Brasil.
Oliveira, R. (2018). A revolução dos cachos: assuma as suas raízes de cabeça erguida. Portal

379
de notícias IG. Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/colunas/afro-
igualdade/2018-03-02/cachos.html. Acesso em: 1 abril 2020.
Paiva, M. R. (2011). Pretas recebem menos anestesia. O Estado de S. Paulo. São Paulo, abr.
Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,pretas-recebem-menos-
anestesia-imp-.703837. Acesso em: 1 abril 2020.
Pereira, A., & Nunes, M. (2015). Fantasias dos pais adotivos diante da adoção. In: Adoção:
legislação, cenários e práticas. São Paulo, editora Vetor.
Petruccelli, J. L., & Saboia, A. L. (2013). Características étnico-raciais da população:
classificações e identidades. Rio de Janeiro: IBGE. (Estudos e análises: informação
demográfica e socioeconômica). Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv63405.pdf. Acesso em 25 de março
2020.
Rufino, S. (2002). Uma realidade fragmentada: a adoção inter-racial e os desafios da
formação de uma família multirracial. Revista Katálysis, Vol. 5, Nº. 1, 2002, págs. 79-
88.
Schwarcz, L. M. (2001). Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha. Folha explica,
Antropologia.
Schucman, L. V. (2018). Famílias Inter-Raciais: Tensões entre Cor e Amor. 1. ed. Bahia:
Editora da Universidade Federal da Bahia (EDUFBA).
Terto, A. (2017). 7 vezes em que Taís Araújo mostrou que o racismo no Brasil é um problema
de todos. HuffPostEdition BR, [s/l], nov. Disponível em:
https://www.huffpostbrasil.com/2017/11/17/7-vezes-que-tais-araujo-mostrou-que-o-
racismo-no-brasil-e-um-problema-de-todos_a_23280786/. Acesso em: 25 de março
2020.
Tomás, M. C. (2016). Relações raciais nas famílias brasileiras. Disponível em
http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v33n3/0102-3098-rbepop-33-03-00703.pdf.
Veiga, L. M. (2018). As diásporas da bixa preta: sobre ser negro e gay no Brasil. Revista
Tabuleiro de Letras, Salvador, v. 12, n. 1, p. 77-88.
http://dx.doi.org/10.35499/tl.v12i1.5176
RACISMO COTIDIANO: IMPLICAÇÕES DE UMA PESQUISA SOBRE A

380
PERCEPÇÃO DO RACISMO

Francisco Márcio Costa da Silva


Dinara das Graças Carvalho Costa
Priscilla Aparecida Gomes de Oliveira
Sara Marreiros do Nascimento

1 Introdução

Abordar sobre o racismo pode parecer redundante para alguns, mas é preciso pontuar
que toda e qualquer (in)formação é essencial em uma sociedade na qual os avanços gradativos
da luta do povo negro em busca de seus direitos ainda são considerados tímidos e/ou
inexpressivos frente as práticas racistas veladas (ou não) da população – a própria perspectiva
do Mito da Democracia Racial, explicitada por Nascimento (1978)46, é exemplo do
sabotamento da população negra.
Schwarcz (2001) aponta que a negação do racismo no cotidiano brasileiro é pautada em
ações que, em sua maioria, são racistas de formas concretas e inegáveis e é necessário expor
seus mecanismos e como estes afetam as pessoas no seu cotidiano – o embranquecimento dos
negros através do alisamento capilar, por exemplo (Kilomba, 2019). Para Almeida (2018) essas
situações não são isoladas, mas sim pautadas em práticas culturais que consolidaram o que se
chama na atualidade de Racismo Estrutural.
Vale destacar que o racismo ocorre independente da (auto)identificação do sujeito
(Ribeiro, 2018), pois o modo como se instalou tal fenômeno não é justificado somente pela
existência do período escravocrata, mas sim por uma série de práticas perpetuadas por pessoas
com poder sobre a população negra. Assim, dentre outros mecanismos do colonialismo, o
racismo é o mais eficaz no que se refere ao modo de contenção de sujeitos em suas respectivas
classes, pois como aponta Nkrumah (1977) esse mecanismo é, acima de tudo, uma consolidação
da condição de subserviência do negro.
Fanon (2008) descata que os hábitos dos brancos já foram apontados como algo natural
e almejado por todos os negros colonizados, pois significava para eles possuir ascensão
financeira e respaldo social (logo, quanto mais eles se distanciassem da cultura nativa, mais se
tornavam aceitáveis socialmente) e nesses termos, segundo Mignolo (2008), observa-se que o
processo de colonização não ocorreu somente mediante violências físicas cometidas no período
colonial, mas também (e principalmente) através do esfacelamento do psíquico dos povos
escravizados, sob a perspectiva da Colonialidade de Poder, pois as práticas intituladas pelos

46
Com o propósito de manter os afrodescentes em condições passivas, disseminou-se no Brasil a ideia de que
existia um país igual para todos, objetivando, assim, convencer a população negra de que a suposta igualdade com
a população branca, por si só, já era uma conquista. Essa disseminação negligenciou as questões raciais e ainda
prejudica o acesso do povo negro a direitos humanos, pois o isolamento das ações de racismo proporciona(va) o
protelar da luta por melhorias e benefícios para o povo negro (Silva & Silveiro, 2003);
europeus como civilizadas consolidaram-se como legítimas e as nativas foram execradas frente

381
ao novo modo de vida.
Para Quijano (2005) é necessário um resgate sócioidentitário dos valores outrora
execrados pela cultura europeia e que se perderam por não consolidações e registros (o que se
denomina espitemicídio47) e essa perspectiva o autor denomina de decolonialidade, que na sua
essência aponta que a exclusão da cultura dos povos escravizados não é sinônimo de não
existência. Essa necessidade de resgaste é sustentada por Nascimento (1978) e é a base para o
que o autor chama de lugar de fala, pois somente o povo negro pode falar sobre si e é ingênuo
acreditar que outras pessoas vivenciem esses interesses (Fanon, 2008).
Somente assim questões que envolvem ações afirmativas para a população negra
(reivindicação) poderão ser evidenciadas (debates, pautas específicas e identificação de
necessidades) e o povo negro ficará mais próximo de seus direitos (Nascimento, 1978). Quijano
(2005) aponta que mesmo o modo como se apresenta a cultura (e em especial a cultura
acadêmica) é pautada no cerne europeu (autores e obras são, normalmente, vinculados à
Europa), reforçando, assim, o eurocentrismo.
Infelizmente autores do protagonismo negro são ainda pouco conhecidos (Sueli
Carneiro, Angela Davis e Bell Hooks, por exemplo) e o protagonismo feminino da mulher negra
ainda mais, pois o modo como a figura feminina é vista na sociedade ainda é moldada em
padrões arcaicos e com o apadrinhamento de um sistema patriarcal e misógino. Assim, ainda é
muito comum que a mulher negra vivencie uma negação plural envolvendo ações sociais de
direito, até mesmo pela perspectiva do movimento feminista, que tende a desconsiderar a pauta
negra dentro do movimento (Ribeiro, 2018).
Todavia, outrora as questões da mulher negra, nos primórdios do movimento feminista,
eram impedidas pela perspectiva da mulher branca e a justificativa era pautada na criação do
movimento: o empoderamento das mulheres frente ao esfacelamento dos comportamentos
machista. Quando finalmente as mulheres brancas conseguiram visibilidade, ocorreu uma
perpetuação do sistema patriarcal no que concerne a mulher negra, mas agora a mulher branca
era parte integrante dessa sociedade (Hooks, 2015).
Assim, quando se fala em conhecer os mecanismos da Colonialiade do Poder (Mignolo,
2008) é necessário não só conhecer os anseios, mas sim elencar o modo como os benefícios
fortalecerão as ações frente às questões raciais (principalmente na atualidade), pois o modo
como o racismo age precisa ser esmiuçado e conhecer relatos e pensamentos acerca de tal
temática (com pensadores como: Kanbelle Munanga, Grada Kilomba, Djamila Ribeiro, etc...)
aponta como são necessários fortalecimentos frente à situação o povo negro.
A partir do exposto, o objetivo desse trabalho foi evidenciar como o racismo cotidiano
é vivenciado na sociedade, pois pensar o racismo no Brasil (como ele ocorre) é chafurdar nos
segredos de um país construído com a contribuição do negro, mas sem que este apareça nos
livros de história (Pinheiro, 2020) e sem a efetivação de leis, pois mesmo a Lei 10.639, torna
obrigatório o ensino da história e culturas afro na educação (Brasil, 2020), não é, de fato,
aplicada no cotidiano escolar (Porto, 2019).
Assim, é necessário levar em consideração que é justamente esta não efetivação que
expõe a necessidade de se abordar a temática do racismo e nesta perspectiva Ribeiro (2018) e
Kilomba (2019) apontam como o racismo se faz presente na vida do sujeito negro e como este

47
O apagar, ignorar, destruir, não registrar da história do povo negro e que foi/é responsável pelo desconhecimento
das histórias da população negra, em específico no Brasil (Silva, 2013).
se mostra eficaz e sutil, ou não, mas que isso não é natural e sim adoecedor, pois, como

382
problematiza Carneiro (2018) é preciso questionar porque a literatura negra não é (re)conhecida
acadêmico-culturalmente no país.

3 Metodologia

3.1 Caracterização da Pesquisa e dos Participantes

Esse estudo visa à perspectiva não experimental, de caráter descritivo e exploratório, e


buscou evidenciar como o racismo cotidiano é vivenciado na sociedade. Contou-se com a
participação de 139 voluntários, evidenciando uma média de idade de 27 anos (com DP de
32,5), sendo 73,3% do gênero feminino. Observa-se, também, que os três níveis de instrução
mais citados foram: o Superior Incompleto (44%) e o Completo (35%), juntamente com o
Médio Completo (12%). Além disso, mais da metade da amostra foi composta por profissionais
(58%), mas 30% eram estudantes e 10% estavam desempregados, apontando que 33% disse
viver com menos de um salário mínimo, 40% recebiam entre um e dois salários mínimos e,
finalmente, 27% possuiam renda superior a dois salários mínimos. As etnias elencadas foram:
parda (50%); branca (24,40%); preta (21,50%); e amarela (4,10%) e as perspectivas religiosas
mais citadas foram, respectivamente: catolicismo (38,85%), protestantismo (15,83%) e a ampla
perspectiva cristã (11,51%), mas se chama atenção que 12,95% apontou não ter qualquer
religião.

3.3 Instrumentos

Utilizou-se um questionário fechado tipo likert online contendo sempre extremos


(extremamente importante versus extremamente não importante, por exemplo) e variando entre
três (sim, não e talvez/não tenho certeza, por exemplo), quatro (nenhum incômodo; pouco
incômodo; moderado incômodo; e extremo incômodo, por exemplo) e cinco pontos
(extremamente importante, muito importante, moderadamente importante, ligeiramente
importante e nem um pouco importante; nunca, raramente, às vezes, frequentemente e sempre,
por exemplo) dependendo da indagação.

3.4 Procedimentos e Análise dos Dados

O questionário foi aplicado somente via online e ficou disponível entre os dias 11 e 29
de Novembro de 2019, sendo disponibilizado através da perspectiva Snowball (ou Bola de
Neve) (Baldin & Munhoz, 2011) nas redes sociais inicialmente por conveniência. Para análise,
utilizou-se a Análise de Conteúdo proposta por Laville e Dionne (1999) na qual se elencou
eixos para interpretar as respostas de forma hermenêutica, com o objetivo de esmiuçar os
elementos estruturais das falas e verificar o significado das mesmas, evidenciando uma
compreensão inferencial do material.
4 Resultados e Discussões

383
A análise do material sugeriu a formação de cinco (5) eixos temáticos, a saber:
relevância da discussão sobre questões raciais; conhecimentos sobre temáticas negras;
frequência de vivências racistas; formas de racismo; e termos e nomenclaturas – para uma
melhor compreensão do leitor, ao longo do manuscrito figuras vão facilitar a leituras, como
segue.
No primeiro eixo (relevância da discussão sobre questões raciais) observou-se que 94%
dos participantes apontam a importância (extremamente e/ou muito) das discussões sobre a
perspectiva racial no cotidiano, mas ainda existem aqueles que supõem que a temática é pouco
ou moderadamente importante para a sociedade (6%).

Relevância da discussão
sobre questões raciais

Extremamente e/ou Muito Pouco e/ou Moderadamente


Importante (94%) Importante (6%)

Figura 1 – Ilustração do Eixo I.


Fonte: Dados da Pesquisa.

Segundo Souza (1983) o fenômeno do racismo é uma ideologia ampla, sistêmica,


violenta e complexa que alcança todas as particularidades do povo negro e desencadeia
prejuízos biopsíquicos, pois a própria concepção de irrelevância de se discutir a temática é
exemplo dessa vivência opressiva que assola as esferas inter e intrapessoais dos sujeitos. Assim,
verifica-se que o racismo é instalado em um atravessamento de não pertencimento e
desmantelamento da identidade social, cultural e afetiva da população por uma opressão social
que se engendra e ganha contornos cruéis na existência subjetiva e para minimizar essa ferida,
é estimulado uma constante luta (consciente ou inconsciente) para ser o/a melhor em tudo que
se faz para, simplesmente, agradar o imaginário racista social – mesmo que isso negue a
essência e silencie o pensar.
Quanto ao Eixo II (conhecimentos sobre temáticas negras) observou-se a formação de
duas categorias: a) o conhecimento da sociedade frente a leis que versem sobre proteção aos
direitos da população negra no Brasil e b) conhecimento sobre autores e autoras negros. Na
primeira pode-se verificar que 58% dos participantes apontaram conhecer algo, mas 41%
apontaram negativamente para qualquer conhecimento, e na segunda, 81% da amostra apontou
identificar alguns autores(as), mas 19% disseram não ter certeza e/ou desconhecer.
384
Conhecimentos
sobre temáticas
negras

Leis e Direitos da
Autores Negros
População Negra

Figura 2 – Ilustração do Eixo II e suas duas categorias.


Fonte: Dados da Pesquisa.

Em relação as leis e diretos da população negra, a história confirma que durante muito
tempo o povo negro foi privado de leis de proteção (em relação a sua cultura, religião, esporte,
vestuário...) (Riso, 2017) e tiveram sua (auto)percepção rechaçada, proibida e mesmo
ilegalizada (Souza, 1983). Segundo Correio e Moura (2018), leis que versam sobre a proteção
da população negra no Brasil se consolidaram através de reivindicações da negritude por
democracia e justiça social, visando o combate a toda e qualquer forma de discriminação e
intolerância contra a população negra.
Já sobre a realidade de autores e autoras negros e negras, Riso (2017) aponta que a
literatura negro-brasileira, bem como a geração de negros escritores, surgiu no final da década
1970, mas que a inserção de autores negros na literatura brasileira, assim como na literatura
pedagógica/escolar, são inexistentes. Assim, as escolhas literárias são feitas de forma a
privilegiar um grupo homogêneo que tem sua representatividade a partir da tríade capitalismo-
patriarcado-branquitude, pois o pluralismo literário democrático ainda não é uma realidade na
sociedade brasileira (Hooks, 2015).
Nesse âmbito, adquirir educação, escolar básica e/ou universitária, foi/é um fator
limitante para a população negra no que se refere a: a) conhecer sua história; b) conhecer
escritores/escritoras que compõe a negritude; e c) ter acesso a uma educação que lhes possibilite
acesso às universidades, pois a atualidade da escola pública (um direito que por muitas décadas
foi negado à população negra) é pautada no sucateamento da mesma e na sobrecarga de seus
professores (Soares, et. al., 2020).
Em relação ao Eixo III (frequência de vivências racistas) observou-se que para 76% dos
participantes cenas de racismo são frequentes, existindo ainda aqueles que apontam que sempre
acontece (7%), mas 17% indicaram que nunca e/ou raramente vivenciaram essa perspectiva.
Frequência de vivências racistas

Frequentemente vivenciada (76%)

Nunca e/ou raramente vivenciadas (17%)

Sempre Acontece (7%)

Figura 3 – Ilustração do Eixo III;


Fonte: Dados da Pesquisa.
385
Apesar do racismo ser uma realidade, ainda se vivencia o discurso de uma democracia
racial, assim como afirma Nascimento (1978), que atinge a autoestima e a sensação de
integração social do povo negro. Dessa forma, o racismo é colocado como um tabu que garante
ao Brasil o ar de uma sociedade civilizada em comparação a outras nações, mas que apenas
reforça uma realidade de manutenção e permanência de um mecanismo engendrante de práticas
sofisticadas de racismo (Guimarães, 1995).
Assim, a exclusão racial faz-se presente em uma política que visa a naturalização das
desigualdades e que busca legitimar a segregação e o genocídio de grupos considerados
minoritários, o que Wermuth, Marcht e Mello (2020) apontam como a realidade da
Necropolítica48, e mediante tal prerrogativa o racismo torna-se parte do cotidiano da população
negra e ocasiona diversas dores, fazendo com que o povo negro sinta-se culpado e insuficiente
(Almeida, 2019).
O Eixo IV (formas de racismo) é formado por quatro (4) categorias, a saber.

Formas de
Racismo

Embranquecime Agressividade Imposição de


Desumanização
nto imposto social para com sexualidade
Étnica
pela sociedade traços étnicos étnica

Figura 4 – Ilustração do Eixo IV e suas Categorias;


Fonte: Dados da Pesquisa.

Na primeira categoria (embranquecimento imposto pela sociedade) verificou-se a


perspectiva da necessidade de uma separação pautada na coloração, principalmente utilizando
frase como: Você não é negro, você é morena(o). Questionou-se aos participantes o quanto isso
seria/é incômodo e para 47% dos sujeitos essa situação é extrema e/ou muito incômoda, mas
para 35% seriam moderadas e/ou pouco incômodas – havendo, também, quem apontasse que
não há nada de incômodo nessas situações, 17%.
Os discursos de mulatização das teorias deterministas e eugenistas, pautado no racismo
científico da época (Maia & Zomora, 2018), foram derrubadas pela antropologia e a biologia
do início século XX, especialmente a partir das discussões sobre o sequenciamento do genoma,
que apontou que não existem diferenças biológicas que justifiquem a prática discriminatória
entre humanos (Almeida, 2018). Partindo dessa premissa, a ideologia do branqueamento é
constituída como ferramenta que causa sofrimento psíquico e social a pessoa negra, pois impõe

48
A parcela majoritária da população pobre no Brasil, não por coincidência, é negra e essa massa de pessoas não
se encaixam nos padrões do sistema capitalista, burguês e branco. Logo, as políticas não são feitas para elas e não
subsidiam sua (sobre)vivência social (Mbembe, 2016).
uma inferiorização social que se reflete na construção da subjetividade do sujeito negro (Souza,

386
1983).
Já na segunda categoria (agressividade social para com traços étnicos) observou-se
como o cabelo negro incomoda a sociedade através da utilização de frases como: “cabelo duro,
melhor alisar esse cabelo”. Indagou-se aos participantes o quanto isso seria/é incômodo e para
87% dos participantes essas ações são extremas e/ou muito agressivas, mas para 12% isso pouco
incomoda.
A identidade negra foi sendo construída historicamente em uma sociedade que padece
com “ferida exposta49”, aberta e mantida pelo racismo e traços como o cabelo e o tom da pele
são significativos na construção indenitária, pois a inferiorização do cabelo do negro (visto
como ruim) e a valorização do cabelo liso (visto como bom), por vezes, pode ser identificado
como gerador de conflito no sujeito negro, que recorre a procedimentos para mudar o mesmo,
como alisamento, na tentativa de sair do lugar de inferioridade (Gomes, 2002; Kilomba, 2019).
Além disso, de acordo com Silva (2017), as diferentes tonalidades de pele corroboram
para diferentes formas de exclusão social, sendo segregadas de modo mais violento aquelas
pessoas com tonalidades de pele mais escura, corroborando, assim, com muitas formas de negar
o corpo negro – tal afirmativa aponta para o colorismo ou pigmentocracia, que constitui na
discriminação com base nos diferentes tons de pele.
Na terceira categoria, verificou-se o mito da imposição de sexualidade étnica ao se
indagar aos participantes seu grau de incômodo ao ouvir frases como: Você é uma negra(o)
bonita(o) de traços finos e/ou Mulheres negras são boas de cama. No primeiro caso observou-
se que 53% dos participantes apontaram incômodo extremo e/ou moderado, mas que os outros
47% apontam pouco ou nenhum incômodo. Já no segundo caso, 71% apontaram para incômodo
extremo e/ou moderado, enquanto 17% apontou pouco ou nenhum incômodo – e 12%
apontaram para o incômodo moderado.
Ao longo da história, as mulheres negras foram vítimas de diversos tipos de violências
e para Ruas (2020) esse gênero sofre mais intensamente os efeitos do preconceito social
machista (e não obstante, sexista), pois as práticas violentas e preconceituosas da
hipersexualização e objetificação da mulher negra são vistas de forma naturalizada no Brasil.
Nesse contexto, discutir sobre as implicações da vivência do racismo e do sexismo que a mulher
negra vivencia são base para a manutenção de sua saúde mental (Carneiro, 2003), pois segundo
Santos (2020), objetificar a mulher negra é lhe diminuir a atributos sexuais, o que reforça a
herança do período escravocrata, no qual as mulheres negras eram desumanizadas e sofriam
abusos dos mais variados tipos, apontando que o racismo e o sexismo são brutais para a mulher
negra.
Por fim, a quarta categoria constatou o fator de desumanização étnica adicionado a uma
falsa força genuína ao povo negro (pessoas negras são mais fortes). Para 43% dos participantes,
tal ação é muito e/ou extremamente incômoda, mas 37% afirmam que há pouco ou nenhum
incômodo – havendo, também, quem diga que essa situação é moderadamente incomoda, 20%.
Para Dumas (2019), ao longo da história, e a partir das perspectivas religiosas e
científicas da época, o corpo negro foi sendo instituto como inferior ao branco e se foi criando
subjugação do povo negro, tendo como referência o corpo branco europeu a partir de

49
Ismália – Emicida; Álbum Amarelo, 2019).
comparações que justificassem a inferiorização do negro (como, por exemplo, medir o crânio

387
para inferir a inteligência ou mesmo uma definição da alma em detrimento do corpo, sendo esse
último coisificado para que houvesse uma elevação da alma). Assim, tal mecanismo foi
essencial para justificar as práticas escravocratas dirigidas ao povo negro, sendo esse colocado
como o ideal para o labor cruel e exaustivo.
O Eixo V (termos e nomenclaturas), por sua vez, aponta para expressões de cunho
racista, mas chama atenção para o fato de que, para os participantes, utilizar perspectivas como
coisa de preto e/ou não sou tuas nêgas é diferente de usar denegrir e/ou a coisa tá preta. No
primeiro caso, observou-se que 62% dos participantes apontavam que essa é uma realidade
extremamente e/ou muito incômoda, mas 20% disseram que seria pouca e/ou nada incômoda
(e 19% apontaram ser moderadamente incômoda), mas na segunda situação, apenas 33%
apontaram o muito e/ou extremo incômodo – seguidos por 43% que disseram ser pouco e/ou
não incômodo e por 24% que disseram ser moderadamente incômodo.

"Não sou tuas negas"

"Denegrir"

Figura 5 – Ilustração do Eixo IV;


Fonte: Dados da Pesquisa.

Para Hofbauer (1999), a ideologia do branqueamento foi sendo modificada ao longo de


diferentes décadas de acordo com o contexto social e histórico específico, mas além de tal
perspectiva ter sido base para a fundação e construção do Brasil-Colônia, essa ainda é
vivenciada na sociedade atual. Assim, é necessário entender a lógica de como o sistema
condiciona o sujeito a se portar de acordo com as influências da colonização, pois mediante sua
postura são balizados comportamentos que lhes foram apresentados como civilizados e como a
população foi, através da linguagem, condicionada e introjetar determinamos mecanismos
sociais e de linguagem como aceitáveis (Fanon, 2008).
Assim, a condição dos negros colonizados foi a de negar a si mesmo e a percepção do
racismo, mas hoje as necessidades de se colocar em pauta os anseios da população negra são
inúmeras e devem ser analisados frente ao reconhecimento de fragilizações e não mais ao medo,
pois existem várias situações em que um afrodesecente vivencia constrangimentos e similares
(tendo como base o racismo cotidiano) que o amedrontam frente a sua identidade (Kilomba,
2019).
Diante do exposto, faz-se necessário desvelar aqui que as ações afirmativas (sejam elas
de cunho social, com ações nas ruas, ou no âmbito acadêmico, produzindo informações)
necessitam de visibilidade e pontencialização, pois mesmo que a luta do povo negro seja
vivenciada nos mais diversos espaços, a união por parte de uma comunidade é necessária para
que haja praticidade. Assim, quanto mais unida for a população negra, em defesa de seus
direitos, menos cansativa será a caminhada em busca de melhorias (Nkrumah, 1977).
5 Conclusão

388
Diante das contribuições teóricoepistemólogicas dos(as) autores(as) e dos dados
produzidos em pesquisa, observou-se que a temática do racismo é pouco discutida e debatida
no cenário contemporâneo atual por diversos motivos, dentre eles as desigualdades construídas
nas relações raciais perpetradas por marcadores sócio-históricos-culturais-econômicos dos
colonizadores, impondo-se sobre os povos originários.
Nesse contexto, faz-se necessário compreender que a estratégia de dominação dos povos
brancos é um lastro social que desencadeiam as desigualdades e formas de viver da história dos
povos de África. Assim, ainda que exista uma dívida histórica, os brancos ainda reproduzem a
lógica do Brasil-Colônia na tratativa com os povos negros nos dias atuais e praticam, com mais
veemência, as diversas formas de violências, mais para se tentar parar essas práticas ideológicas
do racismo é preciso que se tome conta da origem, da cultura e dos conceitos a partir de um
ethos que possa incidir um despertar na ampla população.
Assim, torna-se necessário um trabalho estrutural na Educação e nas Políticas Públicas
para promover uma desmitificação ou desmantelamento desse imaginário racista que milita
com a urbanidade. exige-se, assim, uma postura que possa promover a cidadania entre as
relações e todas as formas de vida e de luta, possibilitando construir um lugar social no qual
seja possível o povo negro ter voz/ceder voz através de uma conjuntura de referências da luta
no passado e no presente.

6 Referências
Almeida, S. L. (2018) O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG): Letramento (162 p).
ISBN: 978-85-9530-097-2
Almeida, S. L. (2019). Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen Produção Editorial Ltda (264 p).
ISBN: 978-85-98349-74-9.
Baldin, N. & Munhoz, E. M. B. (2011, Novembro) Snowball (Bola De Neve): Uma Técnica
Metodológica Para Pesquisa Em Educação Ambiental Comunitária. X Congresso
Nacional de Educação – EDUCERE: I Seminário Internacional de Representações
Sociais, Subjetividade e Educação – SIRSSE. Pontifícia Universidade Católica do
Paraná: Curitiba.
Brasil (2020). Lei nº 10.639. Diário Oficial da União: Brasília, 2003. Acesso em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm.
Carneiro, S. (2003). Mulheres em movimento. Estudos avançados, 17(49) (pp. 117-132).
Acesso em https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9948/11520.
Correia, F. F. B. & Moura, M. M. M. (2018). Estatuto da Igualdade Racial: conquistas de
direitos e políticas para o enfrentamento às desigualdades referente à população negra.
Anais do XVI Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social, 16(1). Acesso
em: https://periodicos.ufes.br/abepss/article/view/22688.
Dumas, A. G. (2019). Corpo Negro: Uma conveniente construção conceitual. XV Encontro de
Estudos Multidisciplinares em Cultura. Salvador - Bahia. Acesso em
https://xdocs.com.br/doc/o-corpo-negro-contruaopdf-vod4jl90p7o6.
Carneiro, C. (2018). É preciso questionar as regras que me fizeram ser reconhecida apenas aos

389
71 anos. Entrevista para BBC Brasil, 9. Acesso em
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43324948.
Fanon, F. (2008) Pele Negra, Máscaras Brancas. (Tradução: Silveira, R.) Salvador: ADUFBA
(193 p). ISBN 978-85-232-0483-9.
Gomes, N. L. (2002). Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra. Acesso em:
http://titosena.faed.udesc.br/Arquivos/Artigos_textos_sociologia/Negra.pdf.
Guimarães, A. S. A. (1995). Racismo e anti-racismo no Brasil. Novos Estudos Nº 43. Acesso:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2128310/mod_resource/content/1/ASG_racis
mo_e_anti_racismo_NE%2043_1995.pdf.
Hofbauer, A. (1999). Uma História de Branqueamento ou o Negro em Questão. Tese de
Doutorado, São Paulo: FFLCH/USP.
Hooks, B. (2015) Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência
Política. Brasília, N° 16 (pp. 193-210). Acesso em: http://doi.org/10.1590/0103-
335220151608.
Kilomba, G. (2019) Memórias da Plantação: episódios de racismo quotidiano. Lisboa: Orfeu
Negro.
Laville, C. & Dionne, J. (1999) A Construção do saber: Manual de Metodologia da Pesquisa
em Ciências Humanas. (Tradução: Monteiro, H. & Settineri, F.) Porto Alegre: ArtMed;
Belo Horizonte: Editora UFMG.
Maia, K. S. & Zamora, M. H. N. (2018). O Brasil e a lógica racial: do branqueamento à
produção de subjetividade do racismo. Psicologia Clínica, 30(2), ISSN 0103-5665 (pp.
265-286). Acesso em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pc/v30n2/05.pdf.
Mignolo, W. D. (2008) Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de
identidade em política. Cadernos de Letras da UFF, N 34 (pp. 287-324).
Mbembe, A. (2016) Biopoder Soberania Estado de Exceção Política da Morte. Arte & Ensaios:
Universidade Federal do Rio de Janeiro | Nº 32. Acesso em:
https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169.
Nascimento, A. (1978) O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado.
Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Nkrumah, K. (1977) A luta de classes em África. (Tradução: Campos, M. N). Lisboa: Livraria
Sá da Costa Editora.
Pinheiro, B. C. S. (2020) Descolonizando_Saberes: mulheres negras na ciência. São Paulo:
Editora Livraria da Física
Porto, L. B. (2019) Dezesseis Anos da Lei 10.639: Algumas Considerações. Revista Gestão
Universitária. ISSN 1984-3097. Acesso em:
http://gestaouniversitaria.com.br/artigos/dezesseis-anos-da-lei-10-639-algumas-
cosideracoes.
Quijano, A. (2005) A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas
latino-americanas. (Org.) Lander, E. Colección Sur Sur – CLACSO, Ciudad Autónoma
de Buenos Aires: Argentina.
Ribeiro, D. (2018) Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia das Letras.

390
Riso, R. (2017). “É hora de ouvir os atabaques” de dois poetas sem equívocos: Éle Semog e
José Carlos Limeira. Liteafro: o portal de literarura afro-brasileira. Acesso em:
http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/28-critica-de-autores-masculinos/295-e-
hora-de-ouvir-os-atabaques-de-dois-poetas-sem-equivocos-critica-2.
Ruas, M. G. S. S. (2020). Mulher Negra, Um Corpo?. Revista Serviço Social em Perspectiva, Nº
4 (Especial (pp. 832-845). II Encontro Norte Mineiro de Serviço Social (12 a 14 de
Março de 2020). Anais:
https://www.periodicos.unimontes.br/index.php/sesoperspectiva. Acesso em
https://www.periodicos.unimontes.br/index.php/sesoperspectiva/article/view/1535/173
9.
Santos, E. V. L. D. S. (2020). A educação sexual como ferramenta de combate à objetificação
da mulher negra. Dissertação | 102 f. Araraquara: São Paulo. Acesso em:
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/192086/santos_evls_me_arafcl.pdf
?sequence=3&isAllowed=y.
Schwarcz, L. M. (2001) Racismo no Brasil. Publifolha: São Paulo.
Silva, G. C. (2013) Pretagogia: construindo um referencial teórico-metodológico, de base
africana, para a formação de professores/as. Tese (Doutorado em Educação) –
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (Ceará) | 243f. Acesso em:
http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/7955.
Silva, T. M. G. S. (2017). O colorismo e suas bases históricas discriminatórias. Revista Direito
UNIFACS – Debate Virtual // ISSN 1808-4435. Acesso em
https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/4760/3121.
Silva, P. B. G. & Silvério, V. R. (2003) Educação e ações afirmativas: entre a injustiça
simbólica e a injustiça econômica. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (270 p). Acesso em:
http://etnicoracial.mec.gov.br/images/pdf/publicacoes/educacao_acoes_afirmativas.pd
f.
Soares, S. B. V., Martins, J. R. V., Fiera, L., Evangelista, O., Flores, R., Sousa, E. H. S.,
Rodrigues, V. V., Lima, L. S. & Bernardes, M. (2020). Coronavirus, Educação e Luta
de Classes no Brasil. Editora Terra Sem Amos: Brasil//44p. ISBN: 978-65-990958-2-
5. Acesso em: https://terrasemamos.files.wordpress.com/2020/05/coronavc3adrus-
educac3a7c3a3o-e-luta-de-classes-no-brasil-2.pdf.
Souza, N. S. (1983). Tornar-se negro: as vicissitudes de identidade do negro brasileiro em
ascensão social. Rio de Janeiro: Graal.
Wermuth, M. Â. D., Marcht, L. M., & Mello, L. (2020). Necropolítica: racismo e políticas de
morte no Brasil contemporâneo. Revista de Direito da Cidade, 12(2) (pp. 122-152).
Acesso em: https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/49790/36804.
EIXO 06

391
Eco Brasilidade e Povos tradicionais: cultura, arte, e práticas de
emancipação de povos indígenas, quilombolas, populações rurais e
ciganos

EXPERIENCIANDO A COMUNIDADE: A PSICOLOGIA ATENTA AO SABER E


LUTA POPULAR

Erika Carla de Sousa Ramos


Maria dos Remedios da Conceicao Ferreira
Evair Mendes da Silva Sousa

Introdução

A Psicologia Social Comunitária se construiu a partir da crítica ao fazer hegemônico e


elitista da ciência psicológica, quando esta se dedicava a problemas do individual de forma
unilateral, sem a problematização da realidade material. Sendo assim, a partir da atuação em
bairros populares, movimentos sociais, comunidades eclesiais de base iniciam-se as
experiências voltadas para a problematização das esferas do social e coletivo, estabelecendo-
se, assim, o campo da prática comunitária em psicologia (Campos, 2015).
Para Freitas (2015), falar em psicologia comunitária diz respeito à história política do
Brasil e da América Latina, sendo assim, é necessário entender a produção de conhecimento a
partir de determinações históricas e políticas. A Psicologia Comunitária se propõe ao trabalho
com grupos populares na facilitação de processos que os façam se perceberem enquanto sujeitos
da própria história com consciência de determinantes políticos e sociais que contribuem para a
construção da realidade material, incentivando-os a serem sujeitos ativos na modificação de
estruturas desiguais (Campos, 2015).
Este trabalho propõe-se a descrever e problematizar a experiência de estudantes de
Psicologia através de estágio realizado na comunidade Pedra do Sal, localizada em Parnaíba,
cidade do estado do Piauí. A comunidade é alvo de especulação imobiliária, grilagem, lavagem
de dinheiro e mostra-se até hoje resistente à instalação de parques eólicos em seu território
(Figueirêdo, 2017). A suposta energia limpa instalada ali demonstra como o capital é capaz de
apropriar-se de modos de vida sustentáveis para estabelecer o seu poderio. Pedral, como é
chamada por seus moradores, não recebe nada da energia produzida ali, da instalação das usinas
só restam desmatamento, privatização das terras, interrupções no curso das águas, morte e um
povo que resiste, apesar da violência que tem sofrido.
A presença de empresas no campo significa a ameaça ao bem de maior interesse tanto
de capitalistas quanto das comunidades atingidas, a terra é hoje alvo de grandes
empreendimentos que demarcam processos violentos e destroem possibilidades de vida
sustentáveis (Silva & Silveira, 2019). As populações do campo ao longo da história tiveram seu
direito ao acesso à terra e políticas públicas negligenciados (Soares, 2018). Dessa forma, vê-se

392
comunidades perderem acesso livre a seu território, através de invasões, danos a áreas
protegidas, desmatamentos e queimadas. Estes danos atingem modos de habitar o território,
processos de trabalho das comunidades e ameaçam a vegetação, importante para a vida dos
animais e subsistência dos moradores.
Defende-se aqui o olhar para a comunidade através do saber daqueles que a habitam,
possibilitando a construção de um conhecimento a partir do vivido e do sentimento de pertença
e apego do território geográfico e afetivo pelo qual defendem. Sendo assim, conforme Passos e
Barros (2015), a pesquisa e a experimentação proporcionadas pelo contato entre saber científico
e popular fazem do conhecer e do fazer esferas inseparáveis, isto impede qualquer busca por
uma neutralidade ou suposição de sujeito e objeto cognoscentes prévios à relação que os
compõe.

Método

A experiência se fez através de metodologia vivencial, na qual os estagiários


conheceram o território por meio de visitas guiadas por moradores da comunidade. Estes
apresentaram diferentes pontos da comunidade conforme a atividade laboral por eles realizada
e identificação afetiva. Conforme Nasciutti (2015), o cruzamento de histórias de vida de sujeitos
pertencentes à um coletivo permite o alcance da significação dos relatos a partir da
problematização de aspectos sócio-econômicos e a apreensão e relação entre dados
fragmentários. Além disso, se possibilita o conhecimento do grupo através das várias vozes que
o compõem. Dessa forma, o olhar direcionado ao campo experiencial partiu da concepção do
“ser histórico”, no qual para uma análise psicossocial junto à comunidade inclui-se aspectos
ideológicos e da consciência que marcam a atividade dos sujeitos na sociedade, considerando
aspectos sociais, culturais que atuam na construção de verdades (Nasciutti, 2015).
Sendo assim, através de relatos de atividades de pesca em água doce e salgada, coleta
de vegetais e conhecimentos acerca da história do local estabeleceu-se vínculo necessário para
a elaboração de plano de ação com objetivo de resgate da memória histórica através do contato
entre os habitantes mais velhos e crianças de uma das escolas da comunidade.
As atividades na escola passaram pelas seguintes etapas: contato com a gestora da
instituição, apresentação dos estagiários aos alunos seguido de convite para a realização da
atividade, planejamento junto à supervisora de estágio para a intervenção, convite aos
moradores do local para troca de experiência com alunos, e por fim, realização da atividade,
com proposta de estabelecer contato entre gerações, educação ambiental e resgate da história
local.

Resultado e discussão

O fazer psi frente à situações de conflitos socioambientais

Com base no exposto, entende-se a participação comunitária nas decisões acerca de seu
território como um direito resguardado, porém pouco respeitado. Com isso, as lutas populares
surgem como forma de assegurar por meio da ação direta esses direitos, no entanto, para que

393
isso ocorra é necessário haver implicação por parte da comunidade, que deve analisar
criticamente a realidade vivenciada. Assim, neste tópico, intenciona-se abordar o papel da
psicologia junto à luta desses povos e no combate aos efeitos aqui trazidos pela inserção da
lógica capitalista na vida dos sujeitos, os impactos e conflitos socioambientais, exclusão social
e os efeitos da globalização.
Historicamente, desde o início das sociedades industrializadas, o conceito de
comunidade passou a ser definido por diferentes teorias clássicas da sociologia, como oposição
direta ao conceito de sociedade, de acordo com Oberg (2018), enquanto a primeira resguardaria
valores de pertença e comuna, alicerçados em relações afetuosas e com um caráter de oposição
ferrenha ao progresso, a sociedade seria um campo de individualidade, onde as relações sociais
seriam de pouco contato e unicamente com objetivos econômicos comuns e de progresso.
Entretanto o não questionamento de teorias clássicas, ocasiona a perpetuação da
produção de conhecimento colonizado, onde o eurocentrismo ou o norte-centrismo dita, a partir
do lugar de fala de homens brancos, como deve ocorrer a produção de conhecimento e de modos
de ser, pautados em concepções ditas objetivas e neutras, ao passo que essas concepções são
contrapostas, ultrapassa-se também a naturalização da desigualdade e da exclusão social, que
sofrem as classes populares (Menezes, Lins, & Sampaio, 2019). Ademais, até meados da década
de 1960, haviam tentativas de inserção da psicologia junto às classes populares, em busca da
deselitização da profissão, todavia, devido a perseguição política, a formação dos profissionais,
pautou-se em uma atuação individualizada, sobre sujeitos descontextualizados e abstratos. Data
então da década de 1970, a atuação da psicologia comunitária, visando ultrapassar visões
dicotômicas da sociologia clássica, objetivando estabelecer um compromisso contra práticas
acríticas e normalizadoras, que desconsideram contextos históricos (Oberg, 2018).
Nesse sentido, a psicologia nas últimas décadas tem buscado superar as inserções
tradicionais, no campo clínico, escolar, entre outros, e tem se preocupado em ocupar espaços
antes negligenciados pelo saber psicológico, isso tem ocorrido pelos questionamentos que
ultimamente têm sido feitos acerca do compromisso social da Psicologia (Luckner, Pereira,
Salem, de Matos Santos & Barbosa, 2017). Tal compromisso é suscitado pelo Código de Ética
Profissional do Psicólogo, onde aponta que é papel da psicologia atuar na promoção de saúde
e qualidade de vida de indivíduos e coletividades e contribuir para a extinção de formas de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CFP, 2005).
Tendo isso em vista e tomando os problemas gerados pela imposição forçada da lógica
neoliberal em territórios originalmente ocupados por comunidades tradicionais, indígenas, entre
outras, que não se apoiam no dito modelo, surgem questões como: qual o papel da psicologia
em meio a estes conflitos? E de que forma o supracitado compromisso social da psicologia deve
ser articulado?
O fazer teórico-prático da psicologia foi alvo de indagações de Martín-Baró (1996), para
este a questão não se centrava na forma como os psicólogos pretendem fazer psicologia, mas
antes de tudo, que efeito objetivo o saber-fazer psi produz na sociedade, trata-se da práxis
psicológica. Seria o caso a atuação de uma psicologia voltada para interesses de uma ordem
dominante? Ou poderia a ciência psicológica promover de fato mudança efetiva na sociedade
junto às minorias oprimidas? O autor aponta a conscientização como ponto chave nesse fazer,
por meio dela a psicologia teria como objetivo a desalienação de pessoas e grupos, promovendo
reflexões críticas sobre si próprios e sobre o entorno. Sendo assim, conforme o autor, é dever
da psicologia dar respostas frente aos problemas sociais como injustiças, guerras e alienação
(Martín-Baró, 1996), e, nesse sentido, pode-se considerar também a responsabilidade desta
junto aos povos no fortalecimento da luta frente aos conflitos socioambientais que os

394
atravessam.
Corroborando com esta perspectiva, Andery (1984), aponta como crucial que haja
aproximação entre o(a) psicólogo(a) das classes populares para que a Psicologia possa colaborar
na libertação dessas classes da situação de submissão através da conscientização de sua
identidade psicossocial de classes dominadas. Assim, tomar consciência indica a superação de
compreensões parciais e de ideologias que, por vezes, servem de falsa consciência e ofuscam
os limites discriminativos entre as classes sociais, o que corrobora para a naturalização dessas
classes e para a perpetuação sutil dos anseios da burguesia, bem como, da manutenção desse
sistema de dominação (Mendonça, Souza, & Guzzo, 2016).
Guzzo e Lacerda Jr. (2007), apontam que o psicólogo atuante pelo processo de
libertação deve posicionar-se enquanto mediador deste. O foco primeiramente deve estar na
conscientização das necessidades, tanto pessoais quanto coletivas, e a partir destas encontrar às
forças que sustentam a opressão e aquelas que possuem o potencial de promover mudança na
realidade dos sujeitos. O psicólogo deve colaborar ainda para o desenvolvimento de parcerias
dentro dos grupos e entre grupos para que haja identificação entre os sujeitos de estarem
vivenciando os mesmos processos e, a partir disso, haja promoção de solidariedade e espaço
para reflexões críticas acerca de tais vivências (Guzzo & Lacerda Jr., 2007).
Guiando-se nessa direção, é esperado da Psicologia, apoiada nas visões apresentadas,
que por meio da luta e participação política afirme diante de grupos oprimidos seu compromisso
social, assim a psicologia deve rejeitar a imposição de modelos que priorizem o lucro em
detrimento de outros modos de existência que não compactuam com tal modelo, através da luta
por direitos e contra situações de exploração e opressão dos povos para o alcance de uma
sociedade mais democrática (Luckner et al, 2017).

Território em disputa: afetos, apego ao lugar e luta pela terra

A comunidade nos foi apresentada pelo olhar de três moradores da Pedra do Sal, os
quais através de visitas à campo nos guiaram pelo território, apresentando-o e relatando sua
história conforme as experiências vividas ali. Os relatos diziam respeito à momentos de
diferentes fases da vida, desde crianças quando poucos habitavam aquelas terras, a mudança
das paisagens conforme novos moradores e novos empreendimentos ali chegavam, as lutas
travadas pela comunidade pela preservação do local e o cansaço ao ver a continuação de
projetos que acreditam não beneficiar a população, mas que sequestram seus direitos, e
liberdades. Este fator reflete a insatisfação dos povos tradicionais em vista da modificação da
paisagem local e dos impactos causados pela inserção de grandes empreendimentos na
comunidade.
Através disso, os relatos nos indicam o apego compartilhado entre os moradores ao seu
território de origem. Para Elali e Medeiros (2017) o apego ao lugar é processo desenvolvido
através de uma relação afetiva estabelecida com determinado local, sob a influência de aspectos
emocionais e culturais. Esse é um conceito que surgiu na psicologia ambiental, e que se
relaciona com sentimento de apreço e de pertencimento ao lugar em que vive. O apego ao lugar
exerce influência sobre a construção da identidade do indivíduo e na forma como ele se
relaciona com o ambiente, de modo que vai de encontro com práticas de sustentabilidade por
despertar uma disposição em cuidar desses ambientes (Bruno, Profice, Aguiar, & Ferraz, 2018).
A entrada de grandes empreendimentos no território resultou na privatização dos

395
espaços antes ocupados pelos nativos e dos quais, esses carregam memórias afetivas e apego,
fazendo com que moradores perdessem o direito de ir e vir pela comunidade. A instalação de
usinas eólicas resultou na utilização predatória dos recursos naturais ali presentes, a construção
de estradas não respeitou a existência de matas nativas ou dos pequenos lagos, fontes de peixes
e reservatório de água para animais, cercas foram instaladas para estabelecer limites a serem
obedecidos pela população, que passou a ser vigiada para tanto.
Nesse cenário, a realidade da comunidade, com a chegada de empreendimentos
estrangeiros, se assemelha, não coincidentemente, com as práticas de desenvolvimento do
neoliberalismo. Enquanto a população nativa vinculada afetivamente ao ambiente, usufrui de
seus bens de maneira sustentável, o desenvolvimento neoliberal promove uma destruição
criativa, muitas vezes, com a conivência do estado, destrói o meio ambiente e procura expulsar
as populações originárias de espaços antes ocupados livremente, restringindo as liberdades e
expressões de existência tradicionais, tidas como velhas, para forjar a aceitação de novos
modelos de vida (Farias & Diniz, 2018).
Nesse ínterim, a produção capitalista e suas estratégias de dominação de territórios é
ameaça direta às comunidades tradicionais que lutam e vivem através da preservação e uso
respeitoso dos recursos naturais. Ademais, cresce no Brasil e no mundo o número de conflitos
contra a apropriação da vida e dos modos de trabalho pautados na maneira artesanal de se
organizar a vida em comunidade (Ramos, Cabral, Azevedo, & Caetano, 2018).
Guareschi (2015) define a dominação como relação entre grupos e pessoas por meio da
qual uma parte utiliza-se de seu poderio para expropriar, roubar, apoderar-se da capacidade de
outros que possuem menor possibilidades de reação, através de movimentos assimétricos,
desiguais e injustos. Os relatos de moradores da comunidade demonstram como se deu o
processo de apoderamento do território, seja por possível grilagem de terras ou por utilização
de influência política por parte daqueles que dispunham de poder econômico. Sendo assim,
percebe-se a utilização de dominação econômica e política na afirmação e concretização destes
projetos, impedindo ou dificultando o poder de decisão da comunidade, o que os priva de poder
usufruir de seus direitos políticos, fundando relações injustas e não democráticas.
Além disso, a atividade de pesca artesanal, modo sustentável e praticado entre gerações
na comunidade, tem de lidar com a exploração irrestrita da pesca predatória, em que espécies
são categorizadas como comercializáveis ou não, e toneladas de alimento são descartadas.
Ademais, esportistas têm usufruído do espaço marítimo para realização de atividades como
kitesurf sem que se faça um diálogo com a comunidade sobre as consequências da atividade
que é apontada pelos moradores como causa do afastamento de espécies de peixes que servem
de fonte de renda para os pescadores.
Tal realidade foi retratada por um dos moradores que, assim como a maioria dos demais
nativos da comunidade, tem a pesca como profissão desde quando resolveu escolher entre a
escola e a profissão realizada pelo pai. Percebe-se, assim, o impacto na produção desses
trabalhadores que têm de lidar com diferentes ameaças a sua existência, como o uso
inapropriado e exploratório do meio marítimo, ou ainda, a inserção de empreendimentos que os
privam de liberdade, extingue seus meios de trabalho, apagam seu legado e sua cultura.
Todavia, é através de uma relação respeitosa e de pertença aos recursos naturais dali que a
comunidade tem se organizado através de manifestações e assembleias para impedir a
apropriação de seu território.
Memória histórica e educação ambiental como instrumentos de luta

396
A articulação do povo ao travar as lutas por resistência vai em sentido oposto ao
conhecimento predominante e significa muitas vezes resistir a tentativas de apagar a história
vivida e a própria ancestralidade. Nesse sentido, no contexto de colonialidade, os saberes
compartilhados através de instituições trazem uma verdade única pautada por interesses de
grupos dominantes, e que significam para os episódios de luta e resistência a construção de uma
verdade alienadora (Gaborit, 2011).
Nesse ínterim, cabe se destacar o papel da memória na manutenção ou libertação de um
esquema de saber e poder colonial, considerando que a memória não é apenas o armazenamento
de experiências de forma íntegra, mas que é afetada pelas vivências do presente; a memória
socialmente construída se torna um fator intergeracional, que influencia diretamente as atitudes
dos sujeitos em relação a compreensão e enfrentamento da realidade (Alves, 2019).
Destarte, faz-se necessária a inserção dos sujeitos nos aspectos políticos cotidianos, de
modo que é a compreensão crítica da realidade que os capacita à uma maior conscientização
social e os leva a buscar e promover transformações na sociedade (Almeida & Hayashi, 2019).
Sendo assim, compreendendo a escola enquanto ambiente potente para a construção de
conhecimento, entendemos a função desta quando colocada a serviço das classes dominantes,
sendo local estratégico para o estabelecimento de um saber colonizado.
Assim, pode-se pensar na educação ambiental como estratégia de combater esse saber
imposto, pois ela é ferramenta de pensamento que impulsiona e promove formas de resistência
ao instituído, através da problematização e reflexão crítica do modelo hegemônico de ensino
(Henning, 2019). Desta forma, mostra-se como dispositivo potencializador do saber libertador
e instrumento de combate ao conhecimento colonizado. Para isso, deve-se evitar uma visão
fragmentada de ambiente tomado apenas por seus aspectos naturais, e acrescentar a
consideração de que o ambiente é também permeado por questões de ordem sociais, econômicas
e políticas, que podem compor as raízes dos problemas socioambientais (Toledo & Pelicioni,
2014).
Durante a atividade desenvolvida na escola, observou-se em desenhos feitos pelas
crianças o apego que sentiam pelo lugar a qual pertenciam e a representação do lugar onde
moram. Atrelado a isso, às memórias trazidas acerca dos locais de lazer e das atividades de
subsistência dos moradores mostram-se como elementos fortalecedores da convivência em
comunidade. Por outro lado, não percebemos elementos marcantes no contexto histórico e
político de seu território, como o processo de apropriação das terras da Pedra do Sal relatado
pelos moradores. Além disso, a atual luta da comunidade contra a destruição de seu território
pelos parques eólicos não foi representada nos desenhos, tampouco nos discursos dessas
crianças. Isto que evidencia o distanciamento da realidade vivida pela comunidade bem como
das causas e lutas defendidas pelo seu povo em busca de sobrevivência.
Grupos dominantes costumam tentar velar acontecimentos e conflitos sociais, impondo
versões que legitimam a exploração de grupos sobre outros, algo comum nos processos de
apropriação territorial. Por isso é tão importante trazer à tona as memórias coletivas de grupos
oprimidos para que se possa questionar as verdades oficiais e expor as relações de poder que
operam na realidade (Flávio, 2013). A escola torna-se assim, ambiente potente quando se pensa
em resgate de memórias, histórias e gerações, sendo então facilitadora do encontro e diálogo de
estudantes com aqueles que carregam a memória daquele lugar, algo fundamental para manter
viva a história local, além de proporcionar o estreitamento das relações de afeto entre a

397
comunidade.

Conclusão

A lógica de produção pautada no sistema capitalista se apoia na exploração de recursos


naturais e do trabalho humano visando grande acúmulo. Para que este sistema se sustente é
necessário que muitos sujeitos estejam submetidos aos grandes detentores de poder. Umas das
estratégias de dominação das classes subalternizadas é a destituição de sua memória histórica
acerca das lutas e conflitos que os colocaram na situação a qual se encontram. Por isso se faz
necessário buscar a o que há por trás da história oficial e explorar a perspectiva dos dominados.
A partir do contato com essa comunidade foi percebido a articulação de lutas populares
como estratégia de resistência a apropriação de empreendimentos e a imposição forçada desse
modelo desenvolvimentista no território. Assim, para afirmação de seu compromisso ético-
político junto às minorias desfavorecidas, a psicologia deve se unir a essas lutas e pensar
maneiras de intervir levando em conta o saber popular.
O resgate da memória histórica através da contação de histórias e lendas sobre o
território da Pedra do Sal foi a alternativa escolhida para exercer a práxis psicológica. Através
dela foi possível aproximar diferentes pontos de vistas, atuais e passados, o que permitiu nos
sujeitos uma elaboração de suas experiências e ressignificação do que era banal.
Dessa forma, contribui-se para a desideologização, isto é, o desmascaramento de ideias
impostas por saberes dominantes e que justificam e viabilizam a opressão de povos sobre
outros, ou modos de vida sobre outros (Martín-Baró, 2017), no caso da Pedra do Sal foram
esclarecidas como se dá a instalação de grandes empreendimentos como os parques eólicos e a
pesca industrial e o quanto a imposição dessas atividades no território causa conflitos e
prejudica o ambiente e a comunidade.
Esse fazer desideologizador é uma postura e prática que deve ser assumida pela
psicologia, seja tomando a perspectiva dos oprimidos e realizando pesquisas sistemáticas sobre
suas realidades, seja reconhecendo e utilizando o saber popular e participando da luta pela
libertação desses povos (Martín-Baró, 2017). Para isso, deve-se rejeitar essa falsa ideia
neoliberalista de neutralidade, pois esta implica omissão (Guzzo & Lacerda, 2017). É essencial
que psicólogas e psicólogos tenham um posicionamento e, levando em conta o compromisso
ético-político desta ciência, que seja ao lado dos povos marginalizados e oprimidos, entendendo
também que não se posicionar já é um posicionamento.

Referências

Almeida, R., & Hayashi, C. R. M. (2020). Capacidade de organização social em enfrentamentos


socioambientais. Revista Katálysis, 23(2), 276-288. https://doi.org/10.1590/1982-
02592020v23n2p276
Alves, H. C. (2019). Colonialidade do saber e conflitos de memórias no espaço público. Fractal:
Revista de Psicologia, 31(spe), 195-200. https://doi.org/10.22409/1984-
0292/v31i_esp/29050
Andery, A. A. (1984). Psicologia na comunidade. Psicologia social: o homem em movimento,

398
203-220.
Bruno, N. L., Profice, C. C., Aguiar, P. C. B., & Ferraz, M. I. F. (2018). Apego ao lugar e
sustentabilidade ambiental em uma comunidade rural do sul do estado da Bahia-Brasil.
Revista Gestão & Sustentabilidade Ambiental, 7(1), 206-234.
Campos, R. H. (2015). A Psicologia Social Comunitária. In: Psicologia Social Comunitária:
da solidariedade à autonomia. Editora Vozes: Rio de Janeiro.
Elali, G. A., & Medeiros, S. T. F. D. (2011). Apego ao lugar. Temas básicos em psicologia
ambiental, 53-62.
Farias, T. M., & Diniz, R. F. (2018). Cidades neoliberais e direito à cidade: outra visão do
urbano para a psicologia. Revista Psicologia Política, 18(42), 281-294.
Figueiredo, E. B. G. É doce morrer no mar? Análise psicossocial do ingenium da pesca
artesanal. 2018. 175 f. Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2018.
Flávio, L. C. (2013). A geografia e os “territórios de memória” (as representações de memória
do território). Revista Faz Ciência, 15(21), 123.
Freitas, M. F. Q. (2015). Psicologia na comunidade, psicologia da comunidade e psicologia
(social) comunitária - Práticas em comunidade nas décadas de 1960 a 1990 no Brasil.
In: Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. Editora Vozes: Rio
de Janeiro.
Gaborit, M. (2011). Memória histórica: reverter a história a partir das vítimas. In R. S. L.
Guareschi, P. (2015). Relações comunitárias - Relações de dominação. In: Psicologia Social
Comunitária: da solidariedade à autonomia. Editora Vozes: Rio de Janeiro.
Guzzo, R. S., & Lacerda Jr, F. (2007). Fortalecimento em tempo de sofrimento: reflexões sobre
o trabalho do psicólogo e a realidade brasileira. Interamerican Journal of Psychology,
41(2), 231-240.
Henning, P. C. (2019). Resistir ao presente: tensionando heranças modernas para pensar a
Educação Ambiental. Ciência & Educação (Bauru), 25(3), 763-781.
Luckner, E. M., Pereira, F., Salem, G., de Matos Santos, L. G., & Barbosa, R. B. (2017).
Psicologia e Democracia em um Cenário de Cidade como Campo em Disputa.
Psicologia: Ciência e Profissão, 37, 224-238.
Martín-Baró, I. (1997). O papel do psicólogo. Estudos de psicologia, 2(1), 7-27.
Mendonça, G. S, Souza, V. L. T., & Guzzo, R. S. L. (2016). O conceito de ideologia na
psicologia social de Martín-Baró. Revista Psicologia Política, 16(35), 17-33.
Menezes, J. A., Lins, S. S., & Sampaio, J. V. (2019). Provocações pós-coloniais à formação em
psicologia. Psicologia & Sociedade, 31. https://doi.org/10.1590/1807-
0310/2019v31191231
Nasciutti, J. C. R. (2015). A instituição como via de acesso à comunidade. In: Psicologia Social
Comunitária: da solidariedade à autonomia. Editora Vozes: Rio de Janeiro.
Oberg, L. P. (2018). O conceito de comunidade: problematizações a partir da psicologia

399
comunitária. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 18(2), 709-728.
Passos, E. & Barros, R. B. (2015). A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In:
Pistas do Método da Cartografia. Editora Sulina: Porto Alegre.
Ramos, A. D. d. O., Cabral, C. A., Azevedo, E. E. F. d. N., & Caetano, E.(2018) Capitalismo,
território e conflitos: a resistência dos povos e comunidades tradicionais no Brasil.
Revista PerCursos, Florianópolis, v. 19, n.40, p. 186 - 220, maio/ago. 2018.
Silveira, S. M. B., & Silva, M. D. G. (2019). Conflitos socioambientais por água no Nordeste
brasileiro: expropriações contemporâneas e lutas sociais no campo. Revista Katálysis,
22(2), 342-352.
Soares, I. P. (2018). Conflitos socioambientais e a ameaça ao processo de demarcação de terras
quilombolas no brasil. Revista de Políticas Públicas, 22(2), 687-709.
Toledo, R. F. de, & Pelicioni, M. C. F. (2014). Educação ambiental em unidades de
conservação. In Educação ambiental e sustentabilidade; editores Arlindo Philippi Jr. e
Maria Cecília Focesi Pelicioni. Barueri: Manole.
EIXO 07

400
Sistema prisional, Desencarceramento e Luta abolicionista e
Antiproibicionista

O SISTEMA PRISIONAL DO MARANHÃO E SEUS DESAFIOS: UM RELATO DE


EXPERIÊNCIA

Talita Silva de Lima


Vildeany Karolinny Alves Lima
Maria dos Remédios Brito Viana

Introdução

De acordo com o Conselho Federal de Psicologia, as prisões brasileiras são constituídas


de forma que os internos sejam colocados nesse local para cumprirem uma pena justa pelo
delito cometido e retornar “corrigido” para a sociedade. Entretanto, a realidade prisional se
encontra de forma trágica, isso por conta de rebeliões, superlotações e até maus tratos (Conselho
Federal de Psicologia, 2012, p. 29). Ademais, Foucault (1999) afirma que na realidade as
prisões exercem função de vigilância sob o indivíduo, e acrescenta que o desespero por
segurança está presente quando se refere à essa necessidade social de aprisionamento.
O tema foi escolhido no intuito de conhecer a realidade do Sistema Prisional e discutir
o posicionamento do profissional da Psicologia nesse ambiente, destacando a manutenção da
dignidade humana e a efetivação dos direitos humanos. Pretendemos ressaltar não somente o
papel do psicólogo, mas a presença e atuação da equipe interdisciplinar (Assistente social,
Terapeuta Ocupacional, Pedagogo) nas políticas públicas relacionadas ao cárcere. E com isso,
a pesquisa inclui a atual conjuntura dos presídios brasileiros, suas características e também
como se articulam juntamente às políticas públicas que estão diretamente relacionadas ao
Sistema Penal brasileiro.
O presente trabalho discute também sobre temas relativos ao ser humano encarcerado,
sobre os inúmeros direitos que são negligenciados e sobre os aspectos punitivos das prisões que
se sobrepõem aos aspectos ressocializadores. Com isso, é de interesse da pesquisa analisar o
perfil da população carcerária pelo viés da configuração de raça, gênero e classe. Analisando
como deve ser feita a promoção da dignidade dessa população fragilizada e quais são os
principais obstáculos para o cumprimento do objetivo de reintegração à sociedade.
Diante do estigma social da pessoa privada de liberdade, a Psicologia atua com esses
indivíduos sob perspectiva de fortalecer a atuação dos Direitos Humanos. Em 2008, o II
Seminário Nacional do Sistema Penitenciário, foi promovido pelo CFP que teve como tema
“Questionamento ao modelo e desafio aos direitos humanos”, e marcou assim, o claro
posicionamento político do Sistema Conselhos de Psicologia pelo cumprimento dos direitos
humanos no sistema prisional (Conselho Federal de Psicologia, 2012, p. 51).
Dados do Infopem, um sistema de informações estatísticas do Sistema Penitenciário

401
brasileiro desenvolvido pelo Ministério da Justiça, indicam que o Brasil possui população
prisional de 748.009, excluindo os detidos em delegacias. Incluindo as pessoas privadas de
liberdade em todos os regimes, a população prisional chega a 773.151. (INFOPEM, 2019). O
aumento da quantidade de presos, e até mesmo de prisões, não é vantajoso para uma sociedade,
mas o contrário como afirma Foucault “as prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode
aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos
permanece estável, ou, ainda pior, aumenta” (Foucault, 1999, p. 221).
Diante de tais fatos, o interesse pelo tema proposto neste trabalho realizado parte da
consideração de toda a problemática em torno da população privada de liberdade, que cresce
assustadoramente no Brasil e no mundo.

“a prisão, local de execução da pena, é ao mesmo tempo local de observação dos


indivíduos punidos em dois sentidos. Vigilância, é claro, mas também conhecimento de
cada detento, de seu comportamento, de suas disposições profundas, de sua progressiva
melhora” (Foucault, 1999, p. 221).

Assim, é válido explorar aspectos relevantes sobre o tema, tais como os objetivos
punitivistas e ressocializadores das prisões.
O presente trabalho se faz de suma importância também a partir do momento que aborda
sobre a historicidade das prisões bem como o funcionamento da atuação do profissional da
Psicologia na área. Segundo o Conselho Federal de Psicologia “a prisão e a Psicologia são
produtos de um mesmo tempo, ambas são categorias a serviço do mesmo projeto social de
produção e transformação de subjetividades” (2012, p. 30). Entretanto, foi só com a criação da
Lei de Execução Penal – LEP (Lei n.º 7.210 de 1984) que a presença do profissional nas prisões
foi de fato classificada como obrigatória (BRASIL, 1984).
Com isso, o estudo contribui para a temática das políticas públicas atuantes no sistema
carcerário, compreendendo quais as necessidades básicas devem ser supridas para a população
privada de liberdade, bem como que direitos estão sendo negligenciados para com os mesmos
e como deve ser feita a promoção de condições adequadas no ambiente prisional. Dentro desse
contexto, o trabalho se justifica também tendo em vista a possibilidade de estudar as
subjetividades relacionadas a classe, gênero e raça existentes no confinamento prisional.
A escolha do tema também se prende ao fato deste apresentar ligação direta com a
manutenção dos direitos humanos, que é, para a Psicologia, um parâmetro central de regimento
para a profissão. Dessa forma, ao compreender a relação das prisões e da garantia de direitos
aos sujeitos, visamos contribuir para formular expectativas para o futuro das penitenciárias.
O aumento da população carcerária é um fenômeno que tem sido observado em diversos
países, inclusive o Brasil. Nos anos de 2018 e 2019, a taxa de crescimento populacional reduziu
de 2,97% para 1,49%. Entretanto, o encarceramento feminino voltou a subir, pois em 2016
havia queda na quantidade de mulheres presas, chegando a 41 mil mulheres. Já em 2018,
reduziu para 36,4 mil e retornou a aumentar em dezembro de 2019, chegando a 37,2 mil
mulheres. (INFOPEM, 2019).
De fato, as estatísticas confirmam que o sistema carcerário se encontra em situação
precária, pois de acordo com os estudos divulgados pelo Sistema Prisional em Números,
divulgado pelo Ministério Público, a taxa de superlotação carcerária no Brasil é de 161%,

402
ultrapassando a capacidade em mais de 300 mil pessoas. (CNMP, 2019). Segundo o
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), ocorreu ampliação das unidades
prisionais através da verba disponibilizada pelo Fundo Penintenciário Nacional, gerando 19.784
vagas em 2019 e dentre elas, 1.978 no estado do Maranhão. (INFOPEM, 2019).
Embora para o senso comum isso pareça um avanço, ao analisar profundamente os
impactos das prisões no indivíduo privado de liberdade, os escritos de Foucault problematizam
que a detenção provoca a reincidência, e que os condenados que deixam o sistema prisional têm
grandes chances de retornar a esse ambiente (Foucault, 1999, p.221).
Os estudos sobre o perfil dos detentos revelam que a maioria encarcerada são negros
(64%), homens e jovens de 18 a 24 anos. Somente 12% encontra-se em atividade educacional
(curso técnico, alfabetização, ensino fundamental, ensino médio e superior, capacitação
profissional) e apenas 15% trabalha, dentre esses, 87% em atividade laboral interna, e 13% em
atividade externa (INFOPEM, 2017). Em outras palavras, o índice de pessoas privadas de
liberdade que encontram-se em atividade de remissão, as denominadas “ressocializadoras”,
ainda é muito baixo. Além disso, destaca-se que os levantamentos mais recentes não possuem
informações acerca dos grupos raciais. E com isso, existe a dificuldade em localizar dados
recentes que considerem a questão racial no perfil demográfico da população carcerária.
E ainda, além da superlotação, percebe-se também que há um grande problema de
reincidência. Nos anos 70, Foucault (1999) já afirmava que depois de um indivíduo sair da
prisão, haveria grandes chances de retornar. A condição das prisões brasileiras é um subproduto
da forma que a sociedade trata a criminalidade, privando a liberdade das pessoas. Estatísticas
mostram que a realidade do sistema prisional está longe de ser ressocializador, e acaba
assumindo um caráter mais punitivista e isso coloca os psicólogos em uma situação ideológica
de ajustamento de conduta do sujeito privado de liberdade. A Psicologia, como área do
conhecimento, está inserida nesse contexto para garantir que o sujeito privado de liberdade
tenha seus direitos por garantia. (Conselho Federal de Psicologia, 2012, p. 29-30).
A psicologia sempre se fez presente no campo das políticas públicas, até porque trata-
se de um claro espaço de afirmação de direitos. (Gonçalves, 2010). Ou seja, tratando-se da
compreensão do indivíduo, a análise deste deve vir a partir de um contexto histórico e social e
das relações humanas. Esses aspectos, para a atuação da psicologia social nas políticas públicas,
passam a ser de importante referência para se traçar diretrizes de atuação.
A presença dos psicólogos se faz importante dentro desse contexto a tal ponto que o
Estado confirma tal necessidade ao tornar obrigatória a partir de 1984 com Lei de Execução
Penal (BRASIL, 1984). LEP conta com uma equipe denominada Comissão Técnica de
Classificação (CTC), composta também por Psiquiatra, Assistente Social e chefes de serviço da
unidade prisional e tem como objetivo “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal
e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”
(BRASIL, 1984).
Com isso, é importante frisar que a atuação do psicólogo no sistema prisional não deve
caminhar na linha dos estigmas punitivistas, sendo, portanto, dever do profissional da
psicologia, articular o trabalho afim de que a ressocialização seja uma realidade. Não somente
o psicólogo, mas toda a rede de garantias de direitos formada por assistentes sociais, médicos,
juízes, promotores, advogados, educadores, programas sociais e institucionais, ONGs,
familiares, etc. É essa Intersetorialidade articulada que garantir as condições para a efetivação
do processo de socialização (Conselho Federal de Psicologia, 2012, p. 79-80.).
Davis (2018a) compreende que as prisões são encarnação do racismo. A autora situa

403
que “a história negra, seja aqui na América do Norte, seja na África, seja na Europa, sempre
esteve impregnada de um espírito de resistência, um espírito ativista de protesto e
transformação” (Davis, 2018a, p. 104). Espírito de resistência esse que se perpetua mesmo na
realidade brasileira, em que 64% dos sujeitos privados de liberdade são da população negra
(INFOPEM, 2017).
Segundo Davis (2003) ao visitar prisões femininas em um país europeu, da mesma
forma que ocorre nas prisões masculinas, são encontradas, uma população de minorias sociais:
um número bastante desproporcional de mulheres imigrantes, cidadãs ilegais, africanas,
asiáticas e latinas.

“[...] Sempre me senti como se estivesse no mesmo lugar. Não importa o quão longe eu
viajasse através do tempo e do espaço – de 1970 a 2000, e da Casa de Detenção feminina
em Nova Iorque (onde eu mesma estive presa) até a prisão feminina em Brasília, não
importa a distância, existe uma estranha similaridade nas prisões em geral, e
especialmente nas prisões femininas (Davis & Dent, 2003, p. 527).

Com isso, além das implicações de Foucault (1999), que indicam que o sistema prisional
não serve para ressocialização daquele que pratica um delito, Davis (2018b) compactua com
essa afirmação, e reforça também que os problemas do sistema prisional vão além disso: na
prática, as prisões servem como uma continuação da sociedade em uma nova fase de
segregação, racismo, sexismo e outros preconceitos. Ou seja, todo um sistema de segurança
montado sobre as bases preconceituosas de nossa sociedade.

Método

Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de experiência, elaborado no contexto da


disciplina de Políticas Públicas, no quinto período do curso de graduação em Psicologia da
Iesma/Unisulma – Instituto de Ensino Superior do Maranhão, com o objetivo analisar o
ambiente carcerário, seus aspectos psíquicos e as diferentes formas de atuações das políticas
públicas no presídio localizado na cidade de Davinópolis, Maranhão, por meio da realização de
um estudo qualitativo, transversal com delineamento descritivo e estudo da vivência dos
internos, além da análise da condição ambiental.
Foi realizado também um estudo analítico de livros e artigos sobre políticas públicas,
sistema prisional, perfil dos detentos e outros temas pertinentes, como também o material
disponível pelo Conselho Federal de Psicologia acerca da atuação do profissional psicólogo.
Como contribuição para a pesquisa, durante as quatro visitas técnicas realizadas, foi
possível a aplicação de questionários a diferentes profissionais atuantes na unidade prisional,
assim como entrevista realizada com uma das mulheres que se encontrava privada de liberdade
na unidade prisional, possibilitando conhecer as vivências diárias da mesma, proporcionando
maiores detalhes acerca da realidade do sistema penitenciário brasileiro.
Temos como parâmetro agregar aquisições de conhecimento sobre a realidade de
internos e quais medidas da área da psicologia podem promover qualidade de vida,
empoderamento e protagonismo social desses sujeitos, tanto em aspectos físicos, psíquicos e

404
sociais, como na promoção de uma ressocialização mais assertiva e efetiva para a diminuição
das taxas de reincidência, bem como a sua reinserção social. Assim, após realizadas as primeiras
visitas, foi escolhido para a intervenção das acadêmicas, o tema ansiedade e insônia.
A primeira visita teve como objetivo conhecer a Instituição, o ambiente e apresentar a
proposta da pesquisa. Na ocasião, levantaram-se aspectos e características do ambiente, a rotina
dos internos e o trabalho desenvolvido pelo profissional psicólogo. Foi possível ainda,
entrevistar outros profissionais, como os agentes penitenciários e diretores para verificar
diferentes percepções acerca da rotina que alinha o processo de trabalho entre os profissionais
e os internos.
No segundo dia, a visita foi direcionada para a entrevista com a psicóloga do serviço a
fim coletar dados referentes às formas de atuação, compromisso ético-social, atividades e
projetos desenvolvidos, registros de atendimentos e programações com a população carcerária
executados pelo profissional psicólogo.
No terceiro dia, ao concluir a entrevista com a psicóloga, solicitamos uma entrevista
com alguns dos detentos para estabelecer relação direta que permita maiores conhecimentos
sobre a situação de cárcere e identificar através da análise de emoções dificuldades que
poderiam ser trabalhadas em uma proposta de intervenção. Foi possível então realizar entrevista
com uma das internas. Logo após, junto com a psicóloga discutimos sobre temas emergentes a
serem trabalhados, horários e planejamento das ações.
No quarto encontro, a intervenção iniciaria com a apresentação das acadêmicas aos
internos (rapport), e em seguida, a exposição da temática a ser trabalhada: “ansiedade e
insônia”. Finalizamos com a aplicação da dinâmica de números. Na dinâmica foi distribuído
diferentes números, escrito num papel dobrado para cada pessoa, e enfatizar que eles
procurassem um número igual ao seu, não encontrando, aproveitar o momento de interação para
explicar o objetivo da dinâmica que está envolvida a subjetividade humana.
Após atividade realizada, ocorreu um momento para lanche. Destaca-se que a presença
de alimentos simples para pessoas que não tem sua liberdade privada, foi motivo de alegria para
aqueles que, por conta da privação, não possuem fácil acesso a determinados alimentos que não
passam na vistoria.

Resultados e Discussão

Na realização de coleta de dados, a psicóloga nos apresentou outros profissionais da


área: Diretor geral, diretor administrativo, auxiliar do diretor administrativo, educadores,
assistente social e agentes penitenciários para compreendermos como as respectivas funções
trabalham no cotidiano dos sujeitos encarcerados.
Para a visita técnica, realizamos questionários para aplicar com alguns profissionais e
com internos, no intuito de conhecer as características do ambiente, rotinas, ações realizadas e
compreensões acerca dos tratamentos de ressocialização implantados e executados com pessoas
privadas de liberdade.
Nas três visitas iniciais, passamos por uma certa ambientação, conhecimento de
profissionais, almoços e interações com a equipe. O presidio é um local que demanda maiores
cuidados, desde vestimentas e pertences que são permitidos ou proibidos, comportamentos que
devem ser evitados ou maneiras de comunicação utilizadas tanto com os presos e também com

405
os profissionais, justamente para manter padrões profissionais que mantenham o aspecto
prisional estabelecido, visto que, as diferentes áreas de conhecimento levantam visões de como
manter a ordem e o respeito importantes para as devidas contribuições de cada colaborador,
tanto entre si, como entre os residentes.
Esses dias de visita nos possibilitaram uma visão ampla a respeito do funcionamento do
estabelecimento e o trabalho realizado das equipes interdisciplinares que compõem ações
diretamente vinculadas a vida das pessoas que se encontram reclusas. Até o momento da
pesquisa, encontravam-se 120 homens para 10 celas e 40 mulheres para 3 celas e
aproximadamente 40 funcionários atuando em diferentes turnos e escalas para administrar as
atividades. Nota-se que há comunicação de harmonia entre os profissionais, colaboração,
educação e estima essencial para uma boa convivência ou aberturas para programações.
A secretaria encaminha à psicóloga um fluxograma sobre o que deve ser trabalhado,
todavia, as demandas são organizadas segundo os compromissos rotineiros dos detidos diante
das outras áreas de conhecimento, ou seja, ocorre adaptações no planejamento de intervenções
para seguir os parâmetros recomendados. Existem ainda oficinas com cursos profissionalizantes
para auxiliar nas capacitações e aperfeiçoamento de habilidades que possa remeter um oficio
que frise ocupações para além do sistema prisional os preparando para o retorno ao convívio
social. Dessa parceria com o SENAI, eles dispõem de salas para os cursos de costura, salão de
beleza e instalações elétricas.
Em suma, a psicóloga desempenha atendimentos através da triagem e também durante
a vivencia diária dos mesmos que encaminham bilhetes solicitando conversas aos conflitos que
precisam de atenção, elabora grupos e rodas de conversas dos quais verifica-se evolução
satisfatória, filmes para reflexão geralmente com temáticas de superação e grupos de apoio para
usuários de substâncias psicoativas, como o “Nova Vida”.
Durante um diálogo sobre uma possível intervenção, a psicóloga foi indagada sobre as
demandas mais urgentes apresentadas pelos internos. Segundo ela, predominava a ansiedade e
insônia como queixa principal. Tanto homens, quanto mulheres. A partir disso, foi elaborada a
intervenção voltada para o atendimento da demanda.
Assim, foi elaborada uma palestra com a temática insônia e ansiedade, usando como
recursos slides e Datashow, possibilitando também reproduzir vídeos sobre o assunto, para
facilitar o entendimento e a participação dos presentes. Foram selecionados pela psicóloga, os
internos que já participavam do projeto nova vida (8 ao total), dos quais demonstraram
identificação com o tema e dificuldade em relação aos sintomas da ansiedade e insônia.
Através da observação, de entrevistas realizadas e da intervenção ocorrida na unidade
prisional de Davinópolis, foi possível reunir informações sobre a realidade do sistema prisional.
Compreende-se, que assim como consta nas pesquisas bibliográficas, o presídio trata-se de um
ambiente hostil, em que há dificuldades relacionadas a superlotação e a presença de facções.
Apesar disso, o interessante para o trabalho foi abordar o aspecto ressocializador das
unidades prisionais. Foucault (1999) ressalta que “os condenados são, em proporção
considerável, antigos detentos” Tal afirmação só ressalta a falha do sistema prisional, que não
ressocializa pessoas que cometeram crimes, apenas as reúne. A partir da visita, entende-se que
o ser humano tem capacidade de mudança, mas faz-se necessário que sejam articulados
mecanismos necessários para esse processo ocorrer de forma que o indivíduo não reincida ao
crime.
A questão racial no ambiente prisional é um ponto a ser observado, já que os agentes

406
penitenciários concordaram em afirmar que os negros são maioria na unidade prisional. Diante
disso, ressurge o fato de que a criminologia, enquanto ciência, popularizou teorias sobre
inferioridade racial. Marcados pelo paradigma etiológico, os criminólogos acreditavam que os
negros eram indivíduos inferiores e, por essa característica, estavam mais propensos ao
cometimento de crimes (Zaghlout, 2018).
Foi observado que a postura de alguns dos próprios funcionários da unidade é bem
negativa. Os mesmos acreditam, sim, que a ressocialização é possível, mas relatam que são
poucos os que conseguem. Davis (2018b) questiona sobre o real efeito das prisões, já que o
ambiente reproduz a mesma violência que essas pessoas cometeram a ponto de irem parar nesse
local, onde a criminalização permite a persistência do problema. Por conta disso, é
imprescindível que os detentos tenham capacitações relacionadas às habilidades técnicas e
também de aprendizagem escolar, pois são tais habilidades que os mostrarão caminhos
diferentes a serem seguidos.
Inclusive, algo constatado por alguns dos colaboradores, é o fato de muitos presidiários
entrarem lá analfabetos e saírem de lá no mínimo sabendo ler. Tal relato possui certo impacto,
visto que a falta de alfabetização demonstra a falta de oportunidades que levou muitos a fazerem
escolhas que envolvessem atos condenáveis judicialmente.
Entendendo as necessidades dos indivíduos, o acompanhamento profissional deve ser
livre de preconceitos e tabus, ao mesmo tempo que, seguindo recomendações da Secretaria de
Administração Penitenciária, a profissional enfatiza que o fortalecimento de vínculos não deve
ser tão exacerbado por conta da ambientação, já que os presos muitas vezes são transferidos
para outras unidades ou entram em liberdade. Apesar disso, acredita-se que existe necessidade
de compreensão dos processos subjetivos do ser humano, e as características de superação das
dificuldades, resiliência e esperança por dias melhores longe da criminalidade.
Assim como aponta Gonçalves (2010):

“Toda intervenção ou atuação profissional no campo social aponta a necessidade de


uma compreensão da realidade que vá para além de aspectos globais, de relações
amplas, de movimentos de grupos ou de parcelas da população, de processos gerais.

Dessa forma, compreende-se a necessidade do profissional da psicologia nessa política


pública para trabalhar as questões emocionais, já que se trata de um ambiente em que pessoas
são privadas de liberdade e, segundo a própria psicóloga, “por conta do confinamento, pequenas
coisas tendem a tomar proporções gigantescas na mente dessas pessoas” (sic). Assim, o saber
psicológico coloca-se a serviço da construção de uma sociedade que prioriza o bem estar de
todos, não deixando que as camadas mais fragilizadas passem por processos de desumanização
(Martín-Baró, 1996).
Diante do exposto, restou evidente a necessidade e importância do papel do psicólogo
no Sistema Prisional como forma de garantia de direitos, planejamento e execução de ações que
visem o bem-estar psicológico, acompanhamento das famílias e egressos e o manejo de
questões relativas à futura reinserção social, promovendo estratégias de enfrentamento à
situação de cárcere, protagonismo social e empoderamento destes sujeitos.
Referências

407
Conselho Federal de Psicologia. (2012). Referências Técnicas para Atuação das (os)
psicólogas (os) no Sistema Prisional. Disponível em: <http://crepop.pol.org.br/wp-
content/uploads/2012/11/AF_Sistema_Prisional-1.pdf>. Acesso em: 15 de novembro
de 2019.
Conselho Nacional do Ministério Público. (2019). Sistema Prisional em Números. Disponível
em: <https://www.cnmp.mp.br/portal/relatoriosbi/sistema-prisional-em-numeros>.
Acesso em: 11 de dezembro de 2020.
Davis, A. (2018a). A liberdade é uma luta constante. São Paulo: Boitempo.
Davis, A. (2018b). Estarão as prisões obsoletas? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
Davis, A & Dent, G. (2003) A prisão como fronteira: uma conversa sobre gênero, globalização
e punição. Revista Estudos Feministas. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ref/v11n2/19136.pdf>. Acesso em: 19 de novembro de 2019.
Departamento Penintenciário Nacional. (2019). 1º semestre de 2019 - Departamento
Penitenciário Nacional. Disponível em:
<http://depen.gov.br/DEPEN/copy_of_Relatorio_dos_primeiros_200_dias_do_govern
o1.pdf> Acesso em: 15 de novembro de 2019.
Foucault, M. (1999). Vigiar e punir: nascimento da prisão, 21. ed. Petrópolis: Vozes.
Gonçalves. M. das G. (2010). Psicologia, subjetividade e políticas públicas. São Paulo: Cortez.
Infopem. (2017). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Disponível em:
<http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-
informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf> Acesso em: 15 ne
novembro de 2019.
Infopem. (2019). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Disponível em:
<http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/relatorio-de-acoes-do-
governo/1.RelatorioanualDepenverao20.04.2020.pdf> Acesso em: 11 ne dezembro de
2019.
Marti-Baró, I. O papel do psicólogo. Estudos de psicologia, v. 2, n. 1, p. 7-27, 1996.
Zaghlout, S. A. G. (2018). Seletividade racial na política criminal de drogas: perspectiva
criminológica do racismo.
______. Lei de Execução Penal n.º 7.210, de 11de julho de 1984. Brasília, 1984 (LEP).
ABOLICIONISMO PENAL E NECROPOLÍTICA: ENFRENTAMENTO

408
ANTIRRACISTA NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

Rodrigo França Batista

Introdução

Segundo o Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, acerca dos dados do


Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN de 2019, o Brasil possui
uma população prisional de 773.151 pessoas privadas de liberdade em todos os regimes. Os
dados ainda deixam em evidência uma certa seletividade do sistema carcerário, via de regra,
contra a população negra e pobre: entre os presos, 61,7% são pretos ou pardos, enquanto
brancos correspondem a 37,22%. Todavia é importante ressaltar que 53,63% da população
brasileira são negros, enquanto 45,48% são brancos, ou seja, demonstra uma discrepância entre
o número de pessoas presas, levando-se em consideração a cor da pele, além de que 75% dos
encarcerados têm apenas o ensino fundamental completo, sendo um dos indicadores de baixa
renda (Departamento Penitenciário Nacional, 2019).
Umas das perspectivas de análise para esse problema é a teoria criminológica do
Abolicionismo Penal. O Abolicionismo Penal acredita que o Direito Penal não resolve o
problema de violência da sociedade, já que usa a penalização como única ferramenta para isso,
então, desta forma, os abolicionistas acreditam que intervenções sociais, educacionais, de
tratamentos de distúrbios psicológicos, tribunais comunitários, aconselhamento social e
espiritual, a fim de restabelecer o indivíduo que praticou um crime para sociedade.
Acerca da análise dos dados acima relacionados é possível fazer uma relação com o
necropoder, conceito criado e desenvolvido pelo filósofo camaronês Achille Mbembe (2018),
o qual parte da análise do conceito de biopoder, que tem um critério racial para definir quem
será deixado para morrer, o corpo matável, para construir uma compreensão da política da
morte, sendo esses corpos escolhidos formados por pessoas negras, pobres e periféricas.
Estudando o caso do Brasil, observamos que o genocídio da população negra e, em
especial, o extermínio da juventude negra, é executado por aparatos do Estado, que ora
negligencia ações e políticas públicas para reparar os efeitos nefastos da escravidão,
formalmente abolida sem nenhum tipo de estratégia de integração da população negra a
sociedade, fazendo muitas vezes o papel do carrasco responsável pela execução dessas mortes,
as forças policiais do Estado, as quais deveriam assegurar a vida e o bem estar de todos e não
apenas de uma fração da sociedade.
Assim, apresentamos a questão de pesquisa: como explicar por meio de uma
perspectiva decolonial por que a população carcerária é formada majoritariamente por pretos e
pardos? Esse artigo tem como objetivo geral refletir sobre a população carcerária enquanto
formada majoritariamente por pretos e pardos. Como objetivos específicos temos: i) apresentar
o sistema carcerário a partir de uma ontologia abolicionista penal e ii) discutir como o
necropoder condena pessoas negras ao sistema carcerário. Trata-se de um artigo de revisão
teórica e que utiliza o método exploratório para análise da questão de pesquisa.
Desenvolvimento

409
Sistema carcerário a partir de uma ontologia abolicionista

Dar um novo passo, dizer uma nova palavra, é o que as


pessoas mais temem
(Dostoiévski – Crime e castigo).

O Abolicionismo Penal é um pensamento que opera no campo das várias formas de


discursos. Aduna no seu interior pensadores de perspectivas libertárias como Hulsmann, mas
também marxistas como Nils Christie e Thomas Mathiesen, como também Beccaria que, ainda
no século XVIII, apontava para a ineficiência da reclusão, até Foucault, ao desvendar a
intrincada conexão entre saberes delinquenciais e policiais (Passetti, 1999).
A visão abolicionista penal surgiu como uma via para lidar com os problemas da
criminalidade da nossa sociedade. Para entender o que é Abolicionismo Penal – e mesmo
carcerário –, é importante entender como é regido o sistema penal e carcerário na atualidade,
por isso é importante falarmos sobre controle social, já que o controle penal é uma das principais
ferramentas desse controle. Assim,

La legitimación del poder punitivo — por qué se castiga y por qué este derecho pertence
al Principe — encontrará su fundamento en el pacto social, en un postulado político
que quiere súbditos y soberanos ligados por un contrato en el que reciprocamente es
cambiado el mínimo posible de las liberdades de los súbditos por el orden social
administrado por el príncipe; el príncipe, pues como único titular dei poder opressivo50
(Pavarini, 2003, p. 30).

O controle social, apesar de difícil conceituação, segundo Bergalli (1993) refere-se, em


seu mais clássico sentido, à capacidade de um grupo social para regular-se a si mesmo; já para
Hulsmann (1997, p. 345), por sua vez, sustenta que “por ‘controle social’, entendemos algo
como um fato a ser atribuído a um indivíduo e a resposta a ser endereçada a todos os indivíduos,
contendo elementos normativos”.
O controle social não é privilégio de um único órgão, existindo sua manifestação tanto
de maneira informal difusa (família, escola, associações profissionais e de classe, a linguagem
especializada de controle, a comunicação de massa e as organizações religiosas), como também

50
Tradução nossa: “A legitimação do poder punitivo – por que é punido e por que esse direito pertence ao príncipe
– encontrará sua base no pacto social, em um postulado político que quer súditos e soberanos ligados por um
contrato em que reciprocamente é trocado o mínimo possível de liberdades dos súditos por uma ordem social
administrada pelo príncipe; o príncipe, pois, como único titular do poder opressivo”.
na esfera formal (jurídico e institucional – Lei, Policia, Ministério Público e o Judiciário), aqui

410
se encaixando como consequência desse aparelho formal, o sistema carcerário.
O Abolicionismo Penal, ganha força no século XX, sob uma vertente libertária que
investe na crítica à punição e que encontrou soluções livres de utopias, presentificando a
atuação. Obteve ressonâncias a partir da II Guerra Mundial para acuar o direito penal e
questionar os princípios de uma sociabilidade autoritária pautada na centralidade de poder.
Pretende discutir a discursividade penalizadora ancorada numa profusão de reformas que
atestam e divulgam a inoperância da melhor punição e de seus efeitos disciplinares e de
controle.
Em oposição, encontramos o Movimento de Lei e Ordem, que pode ser caracterizado
como uma tentativa de (re)afirmação e (re)legitimação do sistema de justiça penal vigente, de
maneira que é absolutamente conflitante com o direito penal mínimo e o Abolicionismo Penal.
Para seus defensores,

a política criminal deve ser orientada no sentido de justificar a pena através das idéias
de retribuição e castigo. A pena, assim fundamentada, seria aquela que é conhecida pelo
povo, que a respeita, teme e a considera justa, pois sua execução é igual para todos,
sendo proporcional à gravidade objetiva do crime cometido (Araújo, 1991, p. 71).

Existem diferentes modelos minimalistas, a exemplo das acepções de Alessandra


Baratta (1987), Eugênio Raul Zaffaroni (1999) e Luigi Ferrajoli (1978). As acepções de Barata
(1987) e Zaffaroni (1999) possuem maior identidade, e apesar de não representarem uma total
ruptura com o paradigma existente, ambas se caracterizam como uma “estratégia” ao
abolicionismo, representando o “caminho necessário” para o rompimento com o atual sistema
de justiça penal. Possuem semelhantes postulados e fundamentos, sendo seu marco
fundamental, a proteção aos direitos humanos como fim e limite da lei penal. Ferrajoli (1978),
por sua vez, sustenta seu modelo no garantismo constitucional, de forma que para o citado autor,
a lei constitui o fim e o limite da lei penal.
O abolicionismo defende a total e absoluta ineficácia da realização do controle social
pela punição, traduzindo-se em uma proposta de superação do paradigma existente; está
interessado na vítima e no agressor, reduzidos a primeira à condição de testemunha e o segundo
de réu pelo sistema penal. Não acredita que o fim das prisões seja uma das utopias da sociedade
justa e igualitária e pretende mostrar que é possível suprimi-la a qualquer momento.

Necropolítica e genocídio de pessoas negras no Brasil

Necropolítica é um conceito desenvolvido pelo filósofo negro, historiador, teórico


político e professor universitário camaronense Achille Mbembe que, em 2003, escreveu
um ensaio questionando os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve viver e
quem deve morrer.
Mbembe (2018), parte da análise do que é biopoder com a finalidade de demonstrar
que essa definição ainda é superficial quando se fala do que vem ocorrendo na
contemporaneidade na maioria dos países do mundo. Biopoder, nos termos foucaultianos,
refere-se a um modelo de poder que com o intuito de organizar a vida em sociedade, tornando-

411
a protegida, permite a morte de um outro grupo de pessoas que não pertence àquela sociedade.
Nesse sentido, opera uma espécie de divisão entre vida e morte nos termos biológicos.
Exemplo mais forte para Foucault (apud Mbembe, 2018) foi o nazismo, já que permitiu o
extermínio de judeus e outros grupos humanos em prol da superioridade da população alemã.
Mbembe (2018) concorda com a análise foucaultiana ao compreender que os
mecanismos de biopoder estão inscritos em todos os Estados modernos, porém vai além: para
ele, a possibilidade de matar o outro é vista como elemento constitutivo do poder do Estado na
modernidade. Sob o argumento de estado de exceção, isto é, um estado de emergência para
solucionar um problema, instala-se um estado de sítio e se suspendem direitos e garantias dos
cidadãos, permitindo que mortes sejam executadas sem que adquiram o efeito de crime
condenável, o que resulta em um terror coletivo.
Abdias do Nascimento (1978) argumenta que a miscigenação funciona como uma forma
de dizimar a raça negra no Brasil. Diferentemente dos autores que construíram o conceito de
democracia racial, o autor afirma que a mistura de raças no Brasil é resultado de estupro e
abusos sexuais sofridos pelas mulheres negras, africanas, afro-brasileiras e indígenas, desde a
colonização. Outra estratégia utilizada pelo Estado brasileiro no intuito de promover a
miscigenação foi a imigração em massa de povos europeus, enquanto vetava a entrada de
africanos e asiáticos no país:

As leis de imigração nos tempos pós-abolicionistas foram concebidas dentro da


estratégia maior: a erradicação da “mancha negra” na população brasileira. Um decreto
de 28 de junho de 1890 concede que: É inteiramente livre a entrada nos portos da
República, dos indivíduos válidos e aptos para o trabalho [...] Excetuados os indígenas
da Ásia ou da África, que somente mediante autorização do Congresso Nacional
poderão ser admitidos (Nascimento, 1978, p. 71).

Outra forma de “apagar” o(a) negro(a) do mapa foi a sua invisibilização durante os
recenseamentos; percebe-se nas estatísticas que gradualmente a população negra vai declinando
em paralelo ao aumento da população branca, como também, segundo Nascimento (1978), a
estratégia de genocídio foi o embranquecimento cultural. Nesse processo o(a) negro(a) é
persuadido(a) a recusar a cultura e o conhecimento dos seus ancestrais africanos e assimilar
cada vez mais a cultura europeia, principalmente o idioma e a religião.

O cárcere como demonstração do necropoder

Partindo de uma análise crítica dos dados e conceitos abordados anteriormente, é


possível destacar que a necropolítica já vem acontecendo durante um período histórico longo,
escolhendo que são as pessoas que devem ser protegidas, como também quem deve morrer
(Mbembe, 2018), sendo o Abolicionismo Penal uma engrenagem que pode fazer essa máquina
racista, que hoje destrói a existência de pessoas negras, ser sabotada e desestabilizada.
A escravidão, na visão de foucaultiana, não pode ser analisada a partir da luz da
sociedade disciplinar, já que para o citado filósofo nesse regime há uma perversa apropriação
dos corpos. Os indivíduos escravizados estão totalmente subservientes ao controle escravagista

412
e não a um controle de instituições que regulamentam a disciplina da sociedade, tendo em vista
esse raciocínio é que surge o conceito de micropolítica (Mbembe, 2018).
O suplício, ferramenta de controle escravagista que utilizava, muitas vezes de graves
punições corporais, como forma de subjugar indivíduos a se submeterem as ordens emendadas
por seus senhores, ainda hoje é aplicado no sistema prisional. Sua prática é análoga às formas
de castigo que eram empregadas aos negros no sistema escravista, porém, sem as punições
corporais, pelo menos não de forma legal, já que o nosso ordenamento jurídico não permite,
como descrito no Artigo 5º, inciso XLVII, da Constituição Federal de 1988 (p. 04, grifo nosso):
“não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada (...); b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”. Indagamos, contudo, o que é que quer
dizer “cruéis” na nossa constituição?
O Regime Disciplinar Diferenciado – RDD –, descrito no Art. 52, da Lei de Execuções
Penais (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988) define as punições aos presos
em caso de faltas graves, e na mesma também são estabelecidas as punições para essas faltas
graves.

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:
I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;
IV – provocar acidente de trabalho;
V – descumprir, no regime aberto, as condições impostas;
Art. 51. Comete falta grave o condenado à pena restritiva de direitos que:
I – descumprir, injustificadamente, a restrição imposta;
II – retardar, injustificadamente, o cumprimento da obrigação imposta;
III – inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei
Art. 39. Constituem deveres do condenado:
I – comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença;
II – obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se;
III – urbanidade e respeito no trato com os demais condenados;
IV – conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão
à ordem ou à disciplina;
IX – higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento;
X – conservação dos objetos de uso pessoal (Constituição da República Federativa do
Brasil, 1988, p. 8).

A imposição de conceitos abertos e imprecisos, dificulta a interpretação e consequente


aplicação da RDD, pois não se explicita o que se convencionou determinar, como por exemplo,
no que se diz a respeito à comportamento disciplinado, tampouco o que seria “fiel”
cumprimento da sentença, obediência, urbanidade e respeito às pessoas, higiene pessoal e asseio
da cela ou alojamento. Digno de nota é perceber que sendo a maioria das pessoas privadas de

413
liberdades são negras, logo, corpos matáveis na denúncia da necropolítica, então, é fácil
perceber o quão permissível são os abusos, as crueldades e o suplício por quais passam no
sistema prisional brasileiro.
As penas e as infrações supramencionadas estão descritas no art. 52, da Lei de Execução
Penal, dentre elas estão, “I - duração máxima de até 2 (dois) anos, [...]; II - recolhimento em
cela individual; [...] e IV - direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho
de sol, [...]” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, p. 8), as quais foram
apontadas como transgressões aos direitos humanos, no parecer do Relator Especial do
Conselho de Direitos Humanos, Juan E. Méndez, em relação à tortura e outros tratamentos ou
penas cruéis, desumanos ou degradantes, descrito na resolução 65/205 da Assembleia Geral da
ONU (2010), já que o isolamento social viola o disposto no artigo 10, § 3º, do pacto
internacional sobre direitos civis e políticos, o qual dispõe que: “o regime penitenciário
consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a reabilitação social dos
presos.” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, p. 04).
Juan E. Méndez (apud Organização das Nações Unidas, 2010) relatou que períodos
longos de isolamento não contribuem para a reabilitação ou ressocialização dos presos e que os
efeitos psicológicos e fisiológicos negativos, sejam eles agudos ou latentes, decorrentes do
isolamento prolongado representam uma grave dor ou sofrimento mental.
Então como é possível perceber, pelo que se encontra exposto nesse artigo, o sistema
carcerário é uma das formas de implementação da necropolítica, uma das ferramentas de
implementação da política de mortes promovida pelo Estado para uma certa camada da
sociedade escolhida para isso, com a utilização do estado de exceção, suspendendo direitos e
garantias dos cidadãos, permitindo que mortes sejam executadas dentro da legalidade da
legislação.
A população escolhida para morrer, em sua maioria, é formado por pessoas negras ou
pardas, com baixa escolaridade e de baixa renda, fugindo da lógica matemática, pois como visto
antes, a população brasileira é formada em 45,48% de pessoas brancas, então existe uma
seletividade no sistema carcerário (Departamento Penitenciário Nacional, 2019). Desses dados
surgem uma outra pergunta: se uma pessoa for branca, ela não será condenada e/ou presa?
Pelo que foi visto nas abordagens de necropolítica, o Estado impõe a um certo grupo
étnico estratégias administrativas que visam o controle da vida e da morte: saúde pública na
qual, desde o nascimento, passando pela vacinação, internação e obituário, tudo é inspecionado
e regulado pelas normas do Estado, educação pública, sistema habitacional, acesso ao mercado
de trabalho, o acesso à justiça gratuita e, por fim, o sistema de segurança pública.
O sistema de segurança pública é o ápice da necropolítica, pois o ser humano subjugado
desde o seu nascimento, afastado da saúde, da educação, da moradia básica e do mercado do
trabalho, rotineiramente é levado para a prática criminosa de maneira imposta pelas políticas
públicas do próprio Estado.
Diversos movimentos surgiram com a finalidade de lidar com os problemas da
criminalidade da nossa sociedade, tais como, Movimento Lei e Ordem, Direito Penal Mínimo
e o Abolicionismo Penal. Esses movimentos surgem em razão de que o atual sistema não está
funcionado. Todos os dias é possível perceber que a violência cerca a nossa sociedade, todos
os dias são noticiados diversos casos de violência.
Mesmo com a prisão de mais pessoas, com a ampliação e construção de mais presídios,
com equipamentos de segurança mais sofisticados, com o melhor armamento das forças
policiais, porém, mesmo assim, a criminalidade não cessa. Mais pessoas são mortas; são mortas

414
por policiais e também mais policiais são mortos em serviço ou fora dele, então, fica explícito,
que o sistema carcerário não vem dando certo.
O Abolicionismo Penal é o movimento mais radical de ruptura do sistema criminal atual,
pois ele deseja romper o sistema de investigação, defesa, julgamento e as penalidade do sistema
vigente. Quando o Abolicionismo Penal diz que a ênfase está na vítima e no agressor, os quais
atualmente estão reduzidos à condição de testemunha e de réu, respectivamente, ele propõe que
a vítima dever ser amparada pelo Estado como mártir das políticas pregadas por ele mesmo, ou
seja, ao invés da vítima apenas narrar pelo que passou (a violência que sofreu; o que lhe foi
subtraído; quem o injuriou ou ofendeu, etc..) no sistema inquisitório de investigação (Inquérito
Policial) e depois na persecução penal no Sistema Judiciário, ele deve ser amparado com a
reparação pelo dano sofrido, com apoio psicossocial e até mesmo, se possível for, com a
conciliação com o seu algoz.
No que se refere ao agressor, ele não seria confinado em um presídio ou algo
semelhante, já que isso no Abolicionismo Penal não existe mais; ele seria julgado por sua
comunidade, ou através de uma mediação entre as partes, também passaria por um tratamento
psicossocial, tal como a vítima, participaria de uma mediação com a sua contraparte e, por fim,
se necessário, pagaria uma pena, mas que não limitasse a sua liberdade de forma alguma.
Mesmo o Abolicionismo Penal apontando essas possiblidades, elas ainda são muito
dispersas, e ainda sem um plano prático de como colocar todas essas ideias em prática, por isso
é vista por muitos como um pensamento utópico, como falado por Ferrajoli (2006). Mudar um
sistema penal que já vem estabelecido a séculos não é fácil, pois exige uma mudança não só de
práticas carcerárias, mas de comportamento social de regras já estabelecidas, incutidas e aceitas
em uma sociedade racista.
Esse artigo aponta como uma visão dominante impõe punições exacerbadamente
severas e injustas a um grupo específico de seres humanos, os quais foram apontados como
diferentes – negros(a) – por indivíduos com o intuito de fomentar o ganho de capital,
Pessoas brancas passaram a tratar pessoas negras como suas propriedades, como
ferramentas de trabalho, como bens negociáveis. Hoje não mudou muita coisa, apesar de
pessoas não serem mais levadas à venda em feiras de escravizados, mesmo assim, elas ainda
servem de mão-de-obra barata com a finalidade de promover a locupletação de uma minoria
dominante e opressora. Ainda hoje pessoas são subjugadas, através de suplícios, para se
moldarem ao sistema de produção e se nele não se encaixarem, devem ser descartadas sem
nenhuma dificuldade.

Conclusão

Retomamos aqui a pergunta de investigação que é: como explicar por meio de uma
perspectiva decolonial por que a população carcerária é formada majoritariamente por pretos e
pardos? Observando a definição, as características e a estrutura da necropolítica, qual seja: o
poder do Estado de escolher quem deve viver e quem deve morrer, é possível apontar,
principalmente pelo percentual desproporcionalmente elevado de indivíduos pretos e pardos
encarcerados no sistema prisional brasileiro de que essa ferramenta jurídica penal é utilizada de
forma sistemática, aberta e sem melindres para segregar uma parte expressiva da população.
Todavia, como a sociedade brasileira é fundamentada em estruturas racistas, é difícil perceber

415
o racismo que enreda nossas relações sociais e nossas instituições.
O Estado dispões de várias ferramentas de necropolítica, como já vimos no presente
artigo – deteriorizando e vulnerabilizando a educação pública, o sistema habitacional, o acesso
ao mercado de trabalho, o acesso à justiça gratuita, etc. –, porém a ferramenta de controle mais
hostil, de segregação e amplamente utilizada, é o sistema carcerário, sendo ele um reflexo do
sistema de segurança pública que como visto também, hoje não é satisfatório para ninguém, a
não ser uma grupo hegemônico detentor de privilégios.
O Abolicionismo Penal é uma possibilidade ontológica de leitura de mundo que aponta
para essa mudança, mas, hoje, ainda esbarra no desenvolvimento de conceitos práticos para
implementação dessa teoria, já que a segurança pública é um dos temas que mais afligem as
populações.
Então para aceitação de qualquer mudança, é fundamental que ela se mostre viável,
segura e aplicável, por isso que estudos nessa área, como este artigo, são fundamentais para
isso.

Referências

Araújo, J. M., Jr. (1991). Os grandes movimentos da política criminal de nosso tempo. Sistema
Penal para o Terceiro Milênio - Atos do Colóquio Marc Ancel. Revan, p. 65-79.
Baratta, A. (1987). Princípios dei derecho penal mínimo. Para uma teoria de los derechos
humanos como objeto y limite de la ley penal. Doctrina Penal, 40, p. 447-457.
Bergalli, R. (1993). Controle social: suas origens conceituais e usos instrumentais. Tradução de
Carlos Vico Manas, Revista do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 3, p. 31-38.
Constituição da República Federativa do Brasil. (1988). Recuperado em 10 de julho de 2020.
Departamento Penitenciário Nacional. (2019). Recuperado em 10 de julho de 2020.
Ferrajoli, L. (1978). El derecho penal mínimo: Poder y control: revención y teoria de la pena.
Barcelona: PPU.
Ferrajoli, L. (2006). Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. Trad. Ana Paula Zomer,
Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavarez e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT.
Hulsmann, L., De Celis, J. B. (1997). Penas Perdidas: O sistema penal em questão. (2ª ed.).
Tradução de Maria Lúcia Karan. Rio de Janeiro: Luam.
Mbembe, A. (2018). Necropolítica: Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte.
Trad: Renata Santini. São Paulo: n-1 edições.
Nascimento, A. (1978). O Genocídio do Negro Brasileiro: Processo de um Racismo
Mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Organização das Nações Unidas. (2010). Resolução A/RES/65/205 da ONU (Tortura e outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Recuperado em 10 de julho
de 2020.
Passetti, E. (1961). Sociedade de controle e abolição da punição. São Paulo em Perspectiva,

416
13(3), p. 56-66
Pavarini, M. (2003). Control y dominación. Teorías criminológicas burguesas y proyecto
hegemónico. Madrid: Siglo XX de Espanã Editores.
Zaffaroni, E. R. (1999). Em busca das penas perdidas: A perda de legitimidade dos sistemas
penais. Tradução por Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição, Rio de
Janeiro: Revan.
EIXO 08

417
Pessoas em situação de rua: violência, marginalização, cotidiano,
território e cuidado

PSICOLOGIA E CENTRO POP: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DE UMA


EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO BÁSICO

Luana Paiva da Silva

1 Introdução

A população em situação de rua (PSR) é um fenômeno de recente visibilidade pelo poder


público brasileiro, tendo como uma das suas principais conquistas a Política Nacional para a
População em Situação de Rua (PNPR), promulgada em 2009. A partir da implementação dessa
política, novos serviços e equipamentos puderam ser criados para que o atendimento desses
sujeitos fosse garantido, tendo como destaque o Centro de Referência Especializado para
População em Situação de Rua (Centro Pop) (Brasil, 2011).
O Centro Pop é uma unidade pública da proteção social especial de média complexidade
voltada para o atendimento especializado à PSR. Esse serviço realiza atendimentos individuais
e coletivos, oficinas e atividades de convívio e socialização, acesso a espaços de guarda de
pertences, de higiene pessoal, de alimentação e provisão de documentação, além de ações que
incentivem o protagonismo e a participação social dessa população (Brasil, 2011), o que é
preconizado pelo Sistema Único da Assistência Social (SUAS).
Nesse cenário, a inovação proposta pelo SUAS e posteriormente pela PNPR para a
superação de uma assistência que estava historicamente vinculada à práticas assistencialistas e
caritativas, fez com que diferentes equipamentos fossem criados e que houvesse uma ampliação
da inserção dos psicólogos no trabalho com as políticas públicas (Macedo et al., 2011; Oliveira,
Dantas, Solon, & Amorim, 2011). Nesse aspecto, o trabalho no SUAS exige desses
profissionais a construção de novos referenciais de atuação, tendo em vista todo o contexto de
pobreza, carência e desproteção social que cerca a população atendida pelos serviços
(Yamamoto & Oliveira, 2010).
Ante tal quadro, surge-nos os seguintes questionamentos: os psicólogos estariam
preparados para se inserir em equipamentos tais como o Centro Pop? Quais práticas estão sendo
desenvolvidas por eles nesses espaços? A complexidade e especificidade no atendimento à PSR
assim como a dificuldade de consolidação dessa nova política faz com que esse seja um campo
de prática desafiador para os psicólogos, principalmente considerando a escassa inclusão de
temáticas ligadas às políticas públicas e ao campo da Assistência Social na formação em
Psicologia (Cruz, 2009). Nesse aspecto, e através do que pudemos observar em nossa
experiência de inserção em um Centro Pop, este estudo objetiva, portanto, conhecer e identificar
as práticas e os desafios que atravessam o fazer dos psicólogos inseridos no Centro Pop, bem
como investigar quais estratégias têm sido utilizadas por esses profissionais para o cuidado com
essa população marcada por vulnerabilidades, representações sociais pejorativas e

418
marginalização.

2 Método

Esta investigação desenvolveu-se por meio de 4 visitas realizadas ao Centro Pop do


município de Sobral - CE nas disciplinas de Estágio Básico I e II do curso de Psicologia nos
semestres 2018.2 e 2019.1. Em nosso primeiro momento nesse serviço fomos apresentados aos
profissionais e ao espaço da instituição, ocasião em que os psicólogos também nos narraram as
suas rotinas e atividades desenvolvidas nesse equipamento. Constituindo-se então como a única
atividade desenvolvida por nós no Estágio Básico I nessa instituição.
No tocante as demais visitas, realizadas durante o Estágio Básico II, pudemos
acompanhar e observar as atividades de dois psicólogos em sua prática, no cotidiano de sua
atuação. No primeiro dia na instituição acompanhamos um momento de visita domiciliar com
as famílias de alguns dos usuários, além de acompanharmos uma usuária na trajetória entre o
abrigo onde reside atualmente e o seu atendimento realizado no CAPS II. Na segunda ocasião
a atividade foi mais rápida e lúdica, com a presença de um educador físico e a celebração dos
aniversários do mês, sendo realizada fora do espaço da instituição, em uma praça perto do local.
Em nosso último momento no serviço acompanhamos um grupo de prevenção à recaída,
conduzido por uma psicóloga do CAPS AD e um dos psicólogos do Centro Pop. Ademais, ao
final de cada atividade também tínhamos um momento de diálogo com os psicólogos do
equipamento.
Como parte da dinâmica das disciplinas, nossas observações eram registradas através
de um diário de campo, instrumento ao qual recorremos para registar nossas percepções e
questionamentos que atravessam nossa rotina de trabalho (Minayo, 2001). O diário de campo
permite documentar conversas, gestos e expressões que atravessam o nosso olhar e o nosso
ouvir, elementos interdependentes e ferramentas que auxiliam o pesquisador na busca do
conhecimento (Oliveira, 1996).
Os usuários acompanhados pela instituição são em sua maioria adultos do gênero
masculino, assim como os profissionais do equipamento. Ademais, os nomes aqui utilizados
são fictícios, garantindo o anonimato e a confidencialidade desses sujeitos.

3 Resultados e Discussão

Se o olhar e o ouvir estão relacionados às percepções que nós construímos através do


estar no campo (“estando lá”), o exercício de escrever consiste em trabalhar “estando aqui”, ou
seja, usufruindo de nossos próprios espaços (Oliveira, 1996). Também nesse sentido, mais do
que uma tradução do que foi visto e ouvido nas visitas ao Centro Pop em um texto acadêmico,
o que fazemos é uma “interpretação”, tendo como ferramenta alguns aspectos teóricos. O
Escrever de modo algum está desvinculado das percepções proporcionadas pelo Olhar e o
Ouvir, está fundamentado nelas. Portanto, através da nossa escrita, temos o sistema conceitual
de um lado, e de outro, os dados (nunca puros, posto que são atravessados pela descrição do
observador), sendo ambos constituídos como instâncias interinfluenciáveis (Oliveira, 1996).
Nesse sentido, consideramos importante destacar em nossa escrita, para alcançar os
objetivos deste estudo, os estigmas e representações que atravessam os usuários atendidos pelo
serviço, bem como o trabalho do Centro Pop na construção de vínculos e sentimento de
acolhimento para a PSR, para então trazermos a discussão sobre a atuação dos psicólogos nesse

419
equipamento. A escolha por tal arrumação se deve ao fato de acreditarmos que a atuação do
psicólogo nesse serviço não está desvinculada de uma discussão sobre a complexidade do
público atendido, bem como de que modo a instituição tem buscado trabalhar para a garantia e
cumprimento de seus objetivos e eixos norteadores.

3.1 A população em situação de rua: representações sociais pejorativas e processos


identitários

O termo população em situação de rua (PSR) é usado para denominar o grupo de pessoas
que utilizam as ruas como locais em que desenvolvem suas atividades e constroem seus modos
de vida (Brasil, 2011). Porém, esses modos de vida, e portanto, esses sujeitos, são comumente
considerados como indícios de desordem urbana, e, principalmente, de insegurança e perigo
(Carneiro, 2019). Observa-se, assim, a existência de representações pejorativas em relação à
população em situação de rua, que se materializam nas relações sociais. “Vagabundo”, “sujo”,
“perigoso”, “coitado”. São designações comuns dirigidas à essas pessoas, o que repercute
também na construção das suas identidades (Alcantara, Abreu, & Farias, 2015; Escorel, 2009;
Mattos & Ferreira, 2004; Moura, Ximenes, & Sarriera, 2013).
Renegados à condição de miseráveis e invisíveis e tendo suas identidades estigmatizadas
e diminuídas, essas pessoas acabam por internalizar essas representações, manifestadas através
de um sentimento de culpa e vergonha (Alcantara, Abreu, & Farias, 2015). Esse aspecto foi
algo marcante durante as visitas ao Centro Pop, principalmente na forma de discursos como
“Trabalhar, não roubar” (José), “Roubo, cadeia, filhos, família” (José), “Ainda existe morador
consciente, né?” (Antônio), falas que eles trouxeram e que pareciam ter um profundo
significado para eles, pois ficavam repetindo essas palavras.
Além do estigma da criminalidade, fortemente vinculado a ligação que se faz entre
pobreza e delinquência, há também o estereótipo dessas pessoas como improdutivas,
preguiçosas e vagabundas, pois, na maioria das vezes, esses sujeitos se inserem em atividades
informais, algo desvalorizado no mundo do trabalho (Mattos & Ferreira, 2004). De encontro a
isso, na segunda visita, grande parte dos usuários manifestavam através da sua fala que
gostariam de terminar a atividade para que pudessem seguir para suas ocupações (atividades
temporárias, trabalhos nas feiras do Mercado Central de Sobral, dentre outros), assim como na
terceira visita, em que um dos sujeitos participava do grupo enquanto produzia seu artesanato,
possivelmente sua fonte de renda.
Podemos acrescentar ainda que trabalho é mais que somente uma ocupação ou um
emprego, ele ocupa um lugar central em nossas vidas, nos conferindo um lugar social e uma
identidade, e com isso, o não trabalho significa mais que o desemprego, representa a inutilidade
social e a desqualificação desses sujeitos no âmbito cívico e político (Escorel, 1999). São
indivíduos que estão inseridos em trabalhos instáveis e mal remunerados, testemunhas vivas de
que a exploração e a desigualdade estão no cerne do sistema de produção capitalista (Mattos &
Ferreira, 2004).
A partir disso, muitas vezes as pessoas em situação de rua não são vistas como iguais,
como integrantes do meio social, ou apenas não são vistas, como se fossem apenas coisas,
objetos. É nesse âmbito que podemos pensar sobre a importância de um serviço que se volte
para essa população, algo que o Centro Pop busca garantir.
420
3.2 Da situação de rua à construção do sentimento de acolhimento no Centro Pop

A implantação do Centro Pop marca a emergência de um novo paradigma em relação


ao atendimento às pessoas em situação de rua. Locais em que deve-se “assegurar acolhida com
postura ética, de respeito à dignidade, diversidade e não-discriminação que possa ser
transformadora, inclusive, das experiências de dificuldades de acesso a serviços e direitos”
(Brasil, 2011, p. 31). Logo, é importante considerar que o serviço prestado pelo Centro Pop
deve ser revestido de uma atitude que se desvincule de práticas ligadas à culpabilização e às
práticas higienistas e assistencialistas tradicionais, o que implica que a assistência prestada por
esse serviço tenha o objetivo de superar o caráter caritativo da assistência com a introdução de
uma metodologia que priorize o protagonismo como instrumento de resgate de direitos de
cidadania para a população em situação de rua (Brasil, 2011).
O trabalho nesse equipamento exige dos profissionais uma atuação pautada em aspectos
subjetivos (tais como afeto e vinculação) e objetivos (tais como conhecimento técnico para
manejo), o que demanda grandes responsabilidades, se configurando como um trabalho gerado
a partir do contato direto com os usuários do serviço (Santos & Santiago, 2018). Nesse sentido,
as visitas que acompanhamos foram constantemente atravessadas pelo afeto e pelo vínculo que
os profissionais constroem com as pessoas assistidas pelo serviço.
O Centro Pop também é um espaço que realiza diferentes atividades, como os grupos
que falam de questões que atravessam esses indivíduos, atividades ligadas ao lazer, como o
momento de exercício físico que acompanhamos, e atividades ligadas à produção artística, pois
enquanto estávamos no espaço em que o grupo funcionava, ficamos observando as diferentes
produções que os usuários do serviço já tinham feito. Nesse sentido, alguns deles comentavam
que essas atividades os mantinham ocupados e longe de substâncias psicoativas, o que diziam
ser algo bom para eles, sendo que um deles até mesmo comparou as experiências que teve em
sua cidade natal com o que vive agora em Sobral, evidenciando o quanto o auxílio prestado
pelo Centro Pop tem contribuído positivamente para que ele “se mantenha bem”. Elemento que
também esteve presente na fala de Francisco: “eu quero me ajeitar, mas é preciso uma mão
amiga”, algo que ele parece ter encontrado nessa instituição.
Com isso, a partir do desenvolvimento de diferentes atividades, fica evidente o papel
integrador que essa instituição pode representar na vida dos usuários, pensando-os em sua
totalidade enquanto sujeitos, e não apenas como aqueles que não tem onde ficar ou o que comer,
e se desvinculando do estigma que os considera como “coitados”. É nesse sentido que podemos
considerar que o Centro Pop se constitui como um espaço de acolhimento e de protagonismo
para essa população, permitindo que esses sujeitos se percebam enquanto membros de uma
coletividade.

3.3 A Psicologia e sua inserção no Centro pop: desafios e compromisso social

Através da nossa inserção no Centro Pop nos deparamos com as diferentes atividades
que os psicólogos desenvolvem, tais como visitas domiciliares, mediação de grupos e atividade
de acolhimento, bem como o acompanhamento de atividades mediadas por outros profissionais
e participação no Serviço Especializado em Abordagem Social, que realiza uma busca ativa nos
territórios para a identificação da incidência de pessoas em situação de rua e para informá-las
da existência do serviço, sendo muitas vezes o primeiro contato que esses sujeitos têm com a
instituição, sendo um importante momento para uma vinculação inicial (Brasil, 2011).
O trabalho da Psicologia no Centro Pop também busca proporcionar a escuta dos

421
usuários, algo que parece ser bastante significativo para eles, pois durante as visitas foi notável
o quanto eles apresentavam a demanda da fala, compartilhando suas vivências e identificando-
se uns com os outros. Com isso, acreditamos que os grupos realizados pelo serviço a partir da
mediação dos psicólogos se constituem como momentos em que essas pessoas podem dizer-se
enquanto sujeitos, ressignificando suas histórias e fortalecendo suas relações socioafetivas junto
às demais pessoas ali presentes (Alcantara, Abreu, & Farias, 2015).
Além disso, trabalhar a questão da culpabilização que parece marcar a identidade da
população atendida também é algo fundamental para os psicólogos inseridos no Centro Pop,
pois os usuários trazem constantemente em seus discursos que eles foram os únicos culpados e
responsáveis por destruírem suas famílias e por todas as demais situações vivenciadas por eles.
Na nossa terceira visita, quando um dos participantes do grupo falou algo nesse sentido, a
psicóloga trouxe que deve-se considerar toda uma estrutura (contexto social, familiar,
financeiro) que está relacionada com os contextos em que esses indivíduos estão inseridos, e
portanto, tentando trabalhar essa questão com essas pessoas, sendo isso algo que é
possivelmente diferente do que elas costumam encontrar nos olhares e discursos que recebem
nas ruas.
No tocante aos desafios da atuação, o trabalho do psicólogo no Centro Pop, assim como
nos demais equipamentos da Assistência Social, exige do profissional uma postura de “estar
em equipe”, sendo esta constituída por diferentes profissionais e até mesmo diferentes
instituições, demandando que o profissional psi opere com uma posição de abertura para
viabilizar a construção de uma intervenção coletiva (Conselho Regional de Psicologia Minas
Gerais [CRP-MG], 2015). Nesse âmbito, podemos considerar que os psicólogos acompanhados
por nós têm suas práticas pautadas em um fazer interdisciplinar e interinstitucional, realizando
parcerias com os demais equipamentos e profissionais da rede, o que potencializa o serviço
realizado.
Uma outra questão importante trazida pelos profissionais do equipamento seria a falta
de literatura acerca das experiências dos psicólogos no Centro Pop. Assim, além dos
profissionais inseridos nos dispositivos da Assistência trazerem constantemente que suas
formações não ofereceram subsídios suficientes para a atuação nas políticas públicas, algo que
foi evidenciado na fala de diferentes profissionais que tivemos contato no decorrer do Estágio
Básico I e II, os psicólogos do Centro Pop também trouxeram que os profissionais psi não têm
produzido sobre suas práticas. Diferentes fatores podem estar relacionados a essa questão, tais
como a dificuldade de produzir estando inserido em um trabalho que muitas vezes exige muito
desses profissionais, ou até mesmo o fato dessa inserção nesses espaços ainda ser recente, mas
para além disso, enfatizamos a importância de debates e publicações acerca do trabalho da
Psicologia em seus diferentes espaços de atuação, bem como sobre as vulnerabilidades e
questões sociais que atravessam os diferentes públicos atendidos pelos equipamentos da rede
assistencial.
O contraditório desse cenário é que os profissionais têm o objetivo de desenvolver ações
de proteção social para aqueles que na maioria das vezes se encontram em situação de vínculos
laborais fragilizados, sendo que eles próprios vivem sob essa condição, convivendo com a
insegurança quanto aos seus empregos, com baixos salários e falta de perspectiva de ascensão
na carreira (Macedo et al., 2011). Esse aspecto foi evidenciado em nossas visitas quando um
dos psicólogos teve que deixar o serviço devido ao fim do seu contrato, o que interfere na
continuidade das ações e fragiliza o trabalho em equipe. Nesse sentido, a rotatividade excessiva
de profissionais foi apontada pelos psicólogos como um dos maiores empecilhos para a
efetividade das ações desenvolvidas pela instituição, visto que despotencializa uma das
principais ferramentas da política, que são os vínculos formados entre os profissionais e os

422
usuários.
Ademais, outro aspecto evidenciado em nossas observações seria a noção de que é
extremamente importante que o psicólogo não se restrinja a uma visão dos usuários atendidos
como indivíduos “necessitados” ou como “aqueles que têm fome” (pois esta nem sempre é
resolvida com um prato de comida), mas que considere as condições sociais, econômicas e
afetivas que estão envolvidas na produção dos contextos de vulnerabilidade. Portanto, a atuação
do psicólogo nessa instituição requer a construção não apenas de novas metodologias, mas
também de um pensamento crítico que esteja voltado para a própria atuação profissional dentro
de um contexto marcado por inúmeras desigualdades (Senra & Guzzo, 2012).
Ressaltamos também que apesar da atuação do psicólogo nessa instituição se aproximar
do que é exercido pelos demais profissionais, sua formação acadêmica constitui sua identidade
profissional e fornece a base para o seu olhar e o seu modo de atuar nesse espaço. Para esses
profissionais, a intervenção com a PSR escapa às características do fazer psicológico
tradicional, pautado na clínica tradicional e individualizada, e se constitui em uma atuação
interdisciplinar e que se desvincula de posições endurecidas, com base em uma “escuta ativa e
de um fazer que contribui para que o próprio sujeito encontre alternativas para sua vida, entre
outros, de forma a ampliar seu acesso a direitos e sua participação política” (CRP-MG, 2015,
p. 50).

4 Considerações Finais

A atuação da Psicologia no âmbito das políticas públicas teve a implementação do


SUAS como um marco fundamental, o que também significou uma ampliação do mercado de
trabalho e de possibilidades de atuação para o psicólogo (Macedo et al., 2011).
Esse profissional, estando inserido no Centro Pop, reforça a importância de se
considerar também a subjetividade e a intersubjetividade no contexto social em que os usuários
do serviço se inserem, pois muitas vezes essas dimensões são minimizadas nas populações mais
carentes financeiramente, tais como a PSR, devido às urgências provocadas pela privação das
necessidades mais básicas. Nesse sentido, ressaltamos que é preciso, sim, atender à essas
necessidades, mas a experiência de campo apresentada também mostra a importância de o
psicólogo do Centro Pop propiciar espaços de escuta e de troca entre os usuários, além de
fortalecer a autonomia, a participação ativa e o protagonismo de uma população que
historicamente tem sido ora invisibilizada ora discriminada.
Um dos grandes desafios dessa nova forma de intervenção trazida com a implementação
do SUAS é o rompimento com o paradigma assistencialista, visando-se com isso buscar
verdadeiras transformações sociais. Trata-se de um longo e difícil percurso de construção do
fazer psicológico em torno de uma nova área de atuação. Uma proposta audaciosa, e que só
poderá ser alcançada na medida em que esse fazer seja constantemente repensado e considerado
criticamente, para que o papel da Psicologia em equipamentos como o Centro Pop seja
cumprido de forma inovadora e transformadora, assentado na garantia do acesso e efetivação
dos direitos sociais.
Ademais, consideramos que o Estágio Básico em Psicologia é uma atividade
fundamental para o processo de formação acadêmica, pois através dele nós temos a
oportunidade de sair do contexto da sala de aula e conhecer o cotidiano da prática profissional
do psicólogo, bem como os espaços em que esses profissionais estão inseridos. É nesse sentido
que percebemos a enorme diferença entre ouvirmos sobre uma experiência de atuação e

423
realmente vivenciá-la e vermos na prática a riqueza desses momentos. Reconhecemos, portanto,
a potência que essas disciplinas têm enquanto meio para aproximar o fazer do psicólogo
daqueles que no futuro podem estar inseridos nesses espaços.

Referências

Alcantara, S. C., Abreu, D. P., & Farias, A. A. (2015). Pessoas em situação de rua: Das
trajetórias de exclusão social aos processos emancipatórios de formação de consciência,
identidade e sentimento de pertença. Revista Colombiana de Psicología, 24(1), 129-
143. doi:10.15446/rcp.v24n1.40659
Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2011). Orientações
técnicas: Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua.
Brasília: Autor. Recuperado de
http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/orientaco
es_centro_pop.pdf
Carneiro, K. G. (2019). Perigosos ou úteis? Os moradores de rua e a produção do espaço urbano
em Belo Horizonte e Bogotá. Civitas - Revista de Ciências Sociais, 19(1), 45-61. doi:
10.15448/1984-7289.2019.1.30907
Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais. (2015). A psicologia e a população em situação
de rua: Novas propostas, velhos desafios. Belo Horizonte: CRP 04.
Cruz, J. M. de O. (2009). Práticas psicológicas em Centro de Referência da Assistência Social
(CRAS). Psicologia em foco, 2(1), 11-27. Recuperado de
http://linux.alfamaweb.com.br/sgw/downloads/161_073535_ARTIGO2-
PraticaspsicologicasemCRAS.pdf
Escorel, S. (1999). Vidas ao léu: Trajetórias de exclusão social. Rio de Janeiro: Fiocruz.
Escorel, S. (2009). A saúde das pessoas em situação de rua. In Brasil. Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Rua aprendendo a contar: Pesquisa
nacional sobre a população em situação de rua (pp. 11-133). Brasília: MDS.
Macedo, J. P., Sousa, A. P. de, Carvalho, D. M. de, Magalhães, M. A., Sousa, F. M. S. de, &
Dimenstein, M. (2011). O psicólogo brasileiro no SUAS: Quantos somos e onde
estamos?. Psicologia em Estudo, 16(3), 479-489. doi: 10.1590/S1413-
73722011000300015
Mattos, R. M., & Ferreira, R. F. (2004). Quem vocês pensam que (elas) são? Representações
sobre as pessoas sem situação de rua. Psicologia & Sociedade, 6(2), 47-58. doi:
10.1590/S0102-71822004000200007
Minayo, M. (Org.). (2001). Pesquisa social. Teoria, método e criatividade. (18a ed.).
Petrópolis: Vozes.
Moura, J. F., Jr., Ximenes, V. M., & Sarriera, J. C. (2013). Práticas de discriminação às pessoas
em situação de rua: Histórias de vergonha, de humilhação e de violência em Fortaleza,
Brasil. Revista de Psicología, 22(2), 18-28. doi: 10.5354/0719-0581.2013.30850
Oliveira, I. F. de, Dantas, C. M. B., Solon, A. F. A. C., & Amorim, K. M. de O. (2011). A

424
prática psicológica na proteção social básica do SUAS. Psicologia & Sociedade,
23(spe), 140-149. doi: 10.1590/S0102-71822011000400017
Oliveira, R. (1996). O trabalho do antropólogo: Olhar, ouvir, escrever. Revista De
Antropologia, 39(1), 13-37. doi: 10.11606/2179-0892.ra.1996.111579
Santos, L. C. dos, & Santiago, E. (2018, agosto). O desafio no atendimento ao sujeito em
situação de rua: Na perspectiva dos profissionais do Centro Pop. Anais do Congresso
do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UEL, Londrina, PR, Brasil, 1.
Recuperado de http://anais.uel.br/portal/index.php/ppgpsi/article/view/273/233
Senra, C. M. G., & Guzzo, R. S. L. (2012). Assistência Social e Psicologia: Sobre as tensões e
conflitos do psicólogo no cotidiano do serviço público. Psicologia & Sociedade, 24(2),
293-299. doi: 10.1590/S0102-71822012000200006
Yamamoto, O. H., & Oliveira, I. F. de. (2010). Política Social e Psicologia: Uma trajetória de
25 anos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(spe), 9-24. doi: 10.1590/S0102-
37722010000500002
TECENDO ENCONTROS: TRABALHANDO VIOLÊNCIA SEXUAL COM

425
MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA NA CIDADE DE FORTALEZA-CE

Drieli Venâncio da Silva Sousa*

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo trazer à reflexão situações de violência sexual na vida
de mulheres em situação de rua na cidade de Fortaleza- CE. Trata-se de um relato de experiência
acerca de um grupo terapêutico de costura de retalhos para confecção de cobertores. O grupo
intitulado “tecendo encontros”, tinha o intuito de reunir as mulheres acompanhadas e atendidas
pelo projeto Corre pra Vida, um projeto do Governo do Estado do Ceará voltado ao atendimento
e acompanhamento de pessoas em situação de rua. O Corre pra Vida, foi inspirado na iniciativa
da Secretaria de Justiça e Cidadania da Bahia em parceria com o Centro de Estudos e Terapias
de Abuso de Drogas (CETAD) que desenvolveu o projeto “Ponto de Cidadania”. Em Fortaleza-
CE, a implantação do projeto ocorreu em 2015.
O projeto surge para integrar a rede de políticas públicas direcionadas à população de
rua e ao cuidado relativo ao uso problemático de substâncias psicoativas. Dessa forma, atuando
de modo integrado com os dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), Unidade
Básica de Saúde (UBS), e equipamentos da Rede Socioassistencial direcionados para a
população de rua, como Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua
(Centro POP), serviço de abordagem de rua, casa de passagem e acolhimento, entre outros.
Contávamos com uma equipe multiprofissional formada por um psicólogo, uma
enfermeira, uma assistente social, um cientista social e seis redutores de danos. Assim,
começamos a desenvolver cuidado interdisciplinar, voltado às pessoas em situação de rua, com
o objetivo de criar e fortalecer uma rede de suporte e vínculo que garantisse o cuidado territorial
e comunitário frente a suas dificuldades.
O grupo terapêutico de costura de retalhos era facilitado por uma redutora de danos e
um terapeuta ocupacional. No ato da costura, íamos construindo reflexões sobre as situações de
violência sexual e a rede de serviços de proteção social, bem como nos aproximarmos e
compreendermos suas demandas. Enquanto profissionais que compõem os serviços que
assistem esta população, devíamos estar atentos aos impactos que os modos de vida na rua têm
sobre a complexidade da situação de rua para as mulheres, que demanda a ampliação do próprio
conceito de cuidado e a inclusão dessas diferenças nas políticas de atenção à população em
situação de rua.
No cotidiano, pudemos observar que viver na rua, para as mulheres acompanhadas e
atendidas pelo projeto, perpassa pela necessidade de construírem relações que oportunizem sua
vida cotidiana, uma vez que, são mais vulneráveis a violência sexual e as opressões de gênero
presentes na dinâmica da rua, como ter que necessariamente fazer sexo contra sua vontade, pelo
simples fato de estar sozinha, sem um parceiro. Entretanto ao tentarmos discorrer sobre o
assunto, por presenciarmos cenas de agressões que aconteciam no equipamento do projeto, o
tema era nos desautorizado. As usuárias assistidas pelo projeto, não verbalizavam sobre as
agressões. Foi por meio dessa linguagem não dita, presente no dia­a­dia que compreendemos
que para boa parte dessas mulheres, aceitar tal violência do parceiro era por vezes a única
condição de proteção em meio as demais violações do cotidiano.

2. TECER OS ENCONTROS

*
Psicóloga e Redutora de Danos, pós­graduanda em Saúde da Família. drielivenancio@outlook.
426
A ideia de um grupo terapêutico para costura de retalhos, surge a partir dos atendimentos
individuais e da linguagem não dita, tínhamos a comunicação observável, que nem sempre nos
permitia intervenções mais diretas. Presenciávamos as relações de algumas mulheres com seus
companheiros e as demonstrações de agressividade no próprio equipamento do projeto, por
vezes interrompidas por nós, profissionais. Quando indagadas de quanto tempo aquela relação
existia e/ou se o parceiro reagia daquela forma em outros momentos, o atendimento era
interrompido. Adentrar na temática da violência sexual nos exigiu habilidade e imersão
gradativamente. Nas conversas aparentemente distraídas, enquanto pensávamos em como
abordar sobre violência sexual com as usuárias a costura surgiu como interesse em comum entre
elas. Surge a partir de a ideia do grupo terapêutico de costura de retalhos para conhecermos e
nos aproximarmos da linguagem não dita.
A ideia apresentada para as usuárias, era de que costuraríamos retalhos, afim de
produzirmos cobertores paras as participantes do grupo.
O grupo terapêutico ocorria, uma vez por semana, em frente ao equipamento do projeto
(na rua), com a costura dos retalhos como figura de destaque para os encontros.
O número de mulheres atendidas e acompanhadas pelo Corre pra Vida eram
consideravelmente menores que os número de homens atendidos e acompanhados, contudo
inicialmente chegamos a ter 12 usuárias para o grupo terapêutico, ao longo dos encontros
chegávamos a reunir entre 5 e 7 participantes. Tínhamos alguns critérios para participação no
grupo: ser mulher e estar em situação de rua.
Os encontros eram registrados no caderno de campo dos profissionais e instrumentais
de comprovação de atendimentos grupais do serviço.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A vida na rua e de rua é diversa e complexa, mas a violência sexual demarcava um


comum na vida daquelas mulheres, todas que passaram pelo grupo terapêutico, sem exceção,
vivenciaram e/ou vivenciavam violência sexual estando na rua, além de outras discussões em
comum como: interrupção de laços familiares, uso e abuso de substâncias psicoativas, pobreza
e outras experiências de violência.
A violência surge como tema que nos inclinou para as relações sexuais nas ruas, ao
longo das falas, o entendimento que nos chegava era do quanto a violência era tolerada e para
algumas, naturalizadas:

Na rua se você é mulher, você não tem sossego, só pra começar, sozinha
você não consegue ficar. Se você vem pra rua e pensa que vai ter paz,
tá enganada, os homens acham que você tem obrigação de fazer sexo
com eles, se você diz não, que não quer, você vira brinquedo nas mãos
de todos, até dos “noiados”, daí você precisa ter um companheiro, aí os
caras não mexe com você, melhor com um, do que com todos.

Fomos compreendendo as relações que se estabeleciam por meio do sexo, algumas


usuárias reafirmava o discurso narrado acima, outras deixavam claro que a prática sexual era a
principal atividade de renda e/ou de consumo de crack e que não sentia necessidade de ter um
parceiro para proteção, já que a atividade sexual poderia ser barganhada. Mas há algo nesse
ínterim que nos convida a um olhar mais atento, as usuárias que afirmavam dispor do ato sexual
como atividade de renda e/ou de consumo de crack, não necessariamente utilizava do sexo para
essa finalidade antes de viver de/na rua, ou seja, não eram prostitutas. Quando questionadas por
nós profissionais, durante as costuras no grupo, a narrativa que surgia era: “Já que fui estuprada
tantas vezes e não queria ter um parceiro, resolvi cobrar algo em troca”. Malheiro (2018) ao

427
levantar essa discussão com as interlocutoras de sua pesquisa, mulheres em situação de rua,
usuárias, percebeu das mesmas que as violações sexuais as levavam a um descuido de seus
corpos, que era uma questão advinda de recorrentes casos de estrupo.
Todas as mulheres que participaram do grupo terapêutico de costura de retalhos,
sofreram violência sexual na rua, e este momento é apontado como o início da vida nas ruas,
quase como um rito de passagem, uma condição. Algumas relataram a violência sexual como
causa de ida para as ruas, outras apontaram a violência sofrida como episódio que colaborou
para um uso abusivo de substâncias ilícitas. Desse modo reiteramos o relato acima, em que diz
que a proteção da mulher na rua, perpassa a presença masculina e o estabelece relações de
hierarquia entre homens e mulheres.
Contudo, a violência está presente no cotidiano das mulheres, seja pelos homens e/ou
por elas mesmas:

Lúcia: Tem mulher que chega na praça sozinha, a gente “dá o toque”,
ela se faz de doida, quando chega a noite quer se arranjar com o
primeiro homem que aparece. Fica dando em cima do macho que já tem
mulher, a gente bate mesmo. E tem as doidas de pedra, que faz qualquer
“chupada” por uma pedra, essas não têm respeito, quando tá na “nóia”
e se faz de doida, apanha também.

As narrativas nos fizeram compreender uma constante que se repete na vida dessas
mulheres, a violência de gênero e o uso abusivo de substâncias psicoativas. Estar na condição
de companheira de um homem na rua, possibilita uma proteção mínima em relação aos abusos
sexuais por parte de outros homens na mesma condição, entretanto o companheiro de rua
também contribui para esse ciclo de violência, uma vez que sob efeito do crack se torna violento
e agressivo com a companheira, ou questiona o seu uso abusivo, muitas vezes com brutalidade.
Uma relação onde por vezes os corpos das mulheres evidenciam “utilidade e obediência”
(Tiene, 2004).
Para algumas mulheres a proteção se dava por elas mesmas, essas expõem uma certa
raiva/incômodo com a ideia de necessariamente terem um parceiro para garantir sua proteção,
portanto viviam em grupo e reversavam durante a noite em quem ficava em alerta e quem
dormia. Observamos mulheres que mantinham seus corpos extremamente sujos, apesar das
investidas em comparecerem ao equipamento do projeto para tomarem banho, não obtínhamos
sucesso, essas geralmente eram vistas sozinhas, sem parceiro e/ou grupos de mulheres.
Havia as mulheres com trejeitos masculinizados, lésbicas ou não necessariamente,
compreendíamos essa performance como possibilidade encontrada para proteção. Algumas
estavam sempre no “corre”, vendendo crack e dificilmente passava muito tempo no
equipamento, se não fosse necessário.
Para as mulheres em situação de rua as limitações e regras impostas nas ruas produz um
ciclo que se retroalimenta. Para algumas a fuga do ambiente doméstico, se dá por não
suportarem mais as violências e deterioração dos vínculos familiares e na rua se deparam com
a continuidade dessa violência. Por ser em um espaço historicamente construído como “espaço
masculino” (Alves, 2008).

Comecei a beber quando tinha 13 anos, minha mãe vivia na rua o dia
inteiro. Em casa era eu e mais 6 irmãos, a gente se virava como pode,
pedia comida aos vizinhos, pedia comida no sinal, dava pra ir vivendo.
Aí minha mãe arranjou um macho e botou ele dentro de casa, pouco
tempo ele tava comendo eu e minhas irmãs, quando contei pra ela, ela
me deu uma surra, apanhei tanto que resolvi sair dali. Fiquei alguns dias

428
na casa de umas tias, mas era tudo difícil e vim parar na rua. Na rua já
engravidei, dei meus filhos, é isso, a gente se vira como pode né?

A narrativa acima é de Sofia, uma das usuárias atendidas e acompanhadas pelo projeto,
uma interlocutora com quem tínhamos dificuldades para vincularmos. Sofia, como iremos
chamá­la, é um nome fictício, estava sempre acompanhada de seu companheiro. Sempre sob
efeito de álcool, passava boa parte do dia inteiramente embriagada. Chegávamos a presenciar
discussões de ambos no equipamento do projeto, ela se mostrava sempre brava e ciumenta, ele
(em nossa presença) parecia querer contornar a situação com diálogos. Entretanto eram muitas
as situações em que Sofia chegava machucada no equipamento, olhos, braços, pernas, e nádegas
roxas. Quando isso acontecia, ela nos procurava com choros e soluços, não conseguia
pronunciar nenhuma palavra. Acolhíamos, distribuíamos insumos (sabonete, escova, pasta,
protetor solar e brilho labial), aguardávamos até ela se acalmar, mas infelizmente ela não
discorria sobre os machucados. Quando a convidamos para participar do grupo terapêutico de
costura, mesmo sob efeito do álcool disse que compareceria. Apareceu no terceiro encontro do
grupo, chegou ao equipamento no momento em que o mesmo acontecia a convidamos a sentar
conosco e ficou apenas observando. Entre uma fala e outra das demais usuárias, chorava muito,
o estado de embriaguez a fazia pendular, se esforçando para permanecer sentada na cadeira.
Durante alguns encontros Sofia permanecia sem conseguir contribuir com as discussões que
surgiam durante a costura. Até que depois de um processo de insistência de uma outra usuária,
Sofia conseguiu chegar para o grupo menos embriagada e nesse dia, somente ela falou durante
todo o grupo.
Ter Sofia conosco no grupo, mesmo sem conseguir acompanhar as discussões em boa
parte dos encontros, nos fez constatar o quanto Sofia era desrespeitada pelas demais por ser
usuária abusiva de álcool e crack, embora as demais participantes fossem também usuárias.
Acontece que essa fase inicial de ida as ruas e o uso de drogas são marcados por um maior
descontrole da droga, “o rito de passagem” mencionado anteriormente, assim como os casos de
violência sexual que desencadeia o uso frenético. Sofia entre idas e vindas, estava há mais de
10 anos em condição de rua. O tempo de permanência na rua revela uma posição e/ou
constituição das características das pessoas que habitam as ruas. Alguns autores referem­se a
uma classificação que segundo Vieira et al. (1992 citado por Serrano 2013, p. 7) as pessoas de
rua compõem os grupos: dos que “ficam na rua” (chamados de circunstanciais), os que “estão
na rua” (chamados de recentes) e os que “são de rua” (os permanentes). Paras as demais usuárias
Sofia era alguém “de rua” uma condição permanente, e que por isso já deveria ter aprendido a
controlar o uso de substâncias de acordo com a dinâmica da rua. Pois como mencionado
anteriormente, o uso abusivo revela um desconhecimento da rua, um início nessa condição. A
população dita como “de rua” têm integralmente a rua como espaço de referência. Sofia sofre
com as diversas transformações do seu estado de saúde mental, consequente de condições
precárias de alimentação, do consumo abusivo de crack, estupros e precária higiene. Algumas
usuárias relataram um uso mais sequente nos primeiros meses/anos em situação de rua, que no
decorrer o uso foi se “controlando”. Ponderação que precisa ser aprendida para a segurança das
usuárias. Nesta perspectiva, apreender a cultura em relação ao uso de substância psicoativas das
mulheres em situação de rua é também perceber como as violências patriarcais tomam forma
neste contexto de pesquisa e sobretudo como o crack é utilizado para aliviar sofrimentos
gerados de violências de gênero (Malheiro, 2018).
Outro ponto que nos chamou atenção na narrativa de Sofia, foi o fato de ter tido filhos
na rua e ter “dado” seus filhos. Havia tido dois filhos, o primeiro nasceu em uma maternidade
próxima ao equipamento o projeto Corre pra Vida. Após o nascimento da criança, a equipe ao
descobrir que Sofia estava em situação de rua, sem documentação e sem família nuclear que
pudesse assumir os cuidados a criança, lhe negou o direito a maternidade. Saiu do hospital sem

429
seu filho. O segundo resolveu ter na rua, com a ajuda dos “irmãos de rua”, foi a estratégia que
julgou ser a mais coerente para não perder seu segundo filho. Alguns dias depois o entregou a
uma conhecida que residia em Sobral, município do estado do Ceará, há 230 km, de Fortaleza.

Ela estava “vez ou outra por aqui”, me trazia lanche, me dava dinheiro,
dizia que meu filho ia nascer loiro que nem eu, que ela podia ajudar nós
dois. Quase todo mês ela vinha, eu já ficava contando com o dinheiro
que ela me dava. Quando meu filho nasceu, ela disse que tinha feito um
quarto pra ele que na casa dela era só ela e o marido e os dois era
professor, que ia colocar ele em escola particular. Ela pediu para ajudar
e ficar com ele e eu dei.

As falas de Sofia durante o grupo, mantiveram as demais usuárias atentas a parte de sua
história da qual elas não conheciam. No momento em que Sofia discorre sobre a saída do
hospital sem o filho, algumas usuárias falaram em um tom quase inaudível, que após esse
episódio, ela tinha se “acabado na pedra”, termo usado para caracterizar uso abusivo de crack.
Relataram que Sofia fazia programa para sustentar o seu uso e de seu companheiro, que a
agredia constantemente.
Dentre todas as narrativas acima, o Estado na figura de política pública, surgiu como
um violador do direito de Sofia em vivenciar a maternidade e sua saída do hospital sem o seu
filho. No mais, os serviços de atenção a população em situação de rua, não é mencionado.
Dentre as estratégias que essas mulheres apontaram como proteção entre elas, não incluiu
nenhum serviço ou órgão público. Apontaram: Conseguir um companheiro para garantir a
proteção, não fazer uso de substâncias em rodas onde só estejam homens, andar em grupo e
para algumas, manter o corpo sujo, com trejeitos masculinizados.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este relato de experiência buscou levantar a reflexão do quanto a complexidade da


população em situação de rua nos demanda uma ampliação do nosso conceito de cuidado, tendo
em vista as peculiaridades de ser mulher, usuária de drogas e estar em situação de rua. Sem a
devida atenção ao discurso não dito, não conseguiríamos adentrar as necessidades dessas
mulheres, além de não compreendermos a problemática da violência presente na dinâmica da
rua. As políticas de atenção a população em situação de rua não incluem essas diferenças em
suas diretrizes. Temos um número ainda pequeno de estudos sobre os modos de vida das
mulheres em situação de rua para a formulação de políticas públicas. Esse possa ser um dos
motivos pelos os quais os serviços que assistem essa população não serem sequer citados como
proteção pelas mulheres que participaram do grupo terapêutico. Não que as mesmas
desconhecessem a rede, pelo contrário, conhecem tão bem que são capazes de em tom de
jocosidade, precisarem com qual profissional é possível conseguir determinados
encaminhamentos e/ou ajuda especifica, assim como reconhecer os serviços que contribuem
para uma “fortalecida”, diminuição do uso de substâncias, como o Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPSAD), mas tê­lo como possiblidade última, devidos
a forma como foram tratadas por profissional X ou Y. Além de apontarem as deficiências
presentes na rede de Assistência Social e de Saúde com suas dificuldades no planejamento de
estratégias que assegurem o cuidado em saúde, como por exemplo, garantir o uso de
medicamentos controlados e antirretrovirais para aquelas e aqueles que não podem e/ou não
querem chegar ao serviço, seja por terem sofrido com a inabilidade de alguns profissionais em
ofertar um atendimento à população em situação de rua ou pela burocracia que regem essas
instituições, como negar o atendimento por não está portando documento de identificação. Não

430
possuir documentos é uma constante na vida de quem habita as ruas, seja pela ausência de um
lugar seguro para a guardar dos pertences pessoais, seja pelos inúmeros assaltos que sofrem.
Algumas mulheres relataram episódios que contribuíram para um percurso de vida nas
ruas, como casos de violência sexual ainda na infância e a fuga das violências físicas vividas
no ambiente doméstico, bem como o início do uso de crack e outras substâncias ilícitas
desencadeados como consequências dessas violências de gênero sofridas, no ambiente
doméstico e a repetição desta no espaço da rua.
Avançamos enquanto legislação, garantindo um fluxo de atendimento e proteção para
as mulheres que sofrem violência doméstica. No entanto, esquecemos a violência sofrida por
aquelas que não possuem domicílio. Logo, se faz necessário pensarmos em um atendimento em
rede, que inclua atenção e cuidado informais como a rede comunitária, inclusive para
pensarmos em família afetiva, quando a família nuclear e extensa não é uma possibilidade. Uma
rede articulada que garanta minimamente o exercício a maternidade, o abrigamento de mãe e
filho e proteção em casos de ameaças e violência, já que os serviços de proteção a mulher não
conseguem alcançar a que está em situação de rua. É preciso ainda quebrarmos com o ciclo de
punição a essas mulheres, visto que quando o Estado não permite que as mesmas exerçam a
maternidade ao retirar seus filhos torna­se uma sentença punitiva resultante de uma
discriminação da figura da mulher usuária de substâncias ilícitas e em situação de rua, como
alguém incapaz de exercer os cuidados necessários a uma criança.
Se faz necessário que os movimentos sociais organizados, denunciem esses casos e
façam valer os direitos das mulheres, seja de permanecer com seus filhos ou decidirem entregá­
los para adoção. Essas narrativas precisam de espaços na política pública e na academia.

5. REFERÊNCIAS

Alves, Maria Elaene Rodrigues & Viana, Raquel (2008). Políticas para as mulheres em
Fortaleza: desafios para a igualdade. Coordenadoria de Políticas Públicas para as
Mulheres, Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS, Prefeitura Municipal
de Fortaleza; São Paulo: Fundação Friedrich Ebert.
Brasil, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2003). Sistema Único da
Assistência Social. Recuperado em 10 março,2020 de www.mds.gov.br.
______ (2008b). Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua.
Poder Executivo, Brasília, DF.
Malheiro, Luana Silva Bastos (2018). Tornar-Se Mulher Usuária de Crack: Trajetórias de
Vida, Cultura de Uso e Politica Sobre Drogas no Centro de Salvador, Bahia.
Dissertação de Mestrado em Antropologia, Universidade Federal da Bahia.
Rosa, Anderson da Silva, & Bretas, Ana Cristina Passarella (2015). A violência na vida de
mulheres em situação de rua na cidade de São Paulo, Brasil. Interface (Botucatu),
Botucatu, v. 19, n. 53, p. 275-285. Recuperado em 15 março,2020 de
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-
32832015000200275&script=sci_abstract&tlng=pt
Serrano, Cesar Eduardo Gamboa (2013). Homem de rua, homem doente: uma análise
institucional do discurso da população de rua. Tese (Doutorado em Psicologia Escolar
e do Desenvolvimento Humano) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo,
São Paulo.
Tiene, Izalene. (2004) Mulher Moradora na Rua: entre vivências e políticas sociais. Campinas,

431
SP: Alíinea.
Universidade Federal do Ceará. Biblioteca Universitária. (2017). Guia de normalização de
trabalhos acadêmicos da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza.
PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA, INVISIBILIDADE E O USO ABUSIVO DE

432
ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: UM ESTUDO DE CASO

Marinara Nobre Paiva


Anne Graça de Sousa Andrade

1 Introdução

A população em situação de rua (PSR) se caracteriza por ser um grupo populacional


heterogêneo, sem moradia fixa e que vivencia a extrema pobreza. Esse segmento populacional
possui vínculos fragilizados e/ou rompidos e faz uso da cidade como lugar de morada e de
autossustento, de acordo com o Decreto Nº 7.053 de 2009 que consolida a Política Nacional
Para a População em Situação de Rua. Conforme dados da Pesquisa Nacional Sobre a
População em Situação de Rua (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome -
MDS, 2008) realizada entre agosto de 2007 a março de 2008, estimou que havia 31.922 pessoas
em tal condição, das quais 67% eram negros e 82% eram homens. Uma pesquisa mais atual
realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea, 2016) constatou uma
estimativa de 101. 854 pessoas em situação de rua no ano de 2015.
Desta forma, a primeira pesquisa supracitada identificou variados motivos para a
inserção das pessoas ao contexto urbano: problemas com alcoolismo e/ou outras drogas
(35,5%); desemprego (29,8%) e desavenças familiares (29,1%) e os demais entrevistados
citaram uma dessas três motivações (71,3%). Todavia, “a situação de rua é a síntese de diversas
determinações e não somente uma” (Tiengo, 2018, p. 143). Além de tais motivos, considera-se
também a migração, o sofrimento psíquico, o óbito de cônjuge ou pessoa próxima da família e
etc., afirma Tiengo (2018).
As representações sociais construídas para com a PSR consideram-nos como sujeitos
vagabundos, pedintes, mendigos, drogados, bêbados e maloqueiros (Varanda & Adorno, 2004;
Paiva, 2018) e, a partir de tais estigmatizações, são invisibilizados socialmente, tornando-se
mais vulneráveis. Desde a entrada na rua, a PSR cria novos modos de vida decorrente das
percas, organizando-se estruturalmente com a finalidade de sobreviverem ao cotidiano,
permeado por mazelas e discriminações, para satisfazerem as necessidades que surgem.
Todavia, a invisibilidade social é um fenômeno construído historicamente que compõe
o cotidiano da PSR. Conforme Pimenta (2019), a indiferença, a produção e a reprodução do
rótulo por estar em situação de rua reforçam tal invisibilidade, sendo estigmatizados por um
processo de exclusão social. Para ilustrar brevemente a ocorrência da invisibilidade, Delfin,
Almeida, & Imbrizi (2017) afirmam que ela é materializada a partir do momento em que a PSR
é considerada como parte integrante da arquitetura da cidade, compondo elementos do contexto
urbano, sem as pessoas-que-não-estão-em-situação-de-rua notarem a existência do segmento
populacional em questão.
Uma das estratégias que a PSR utiliza para lidar com os estigmas e dificuldade do dia-
a-dia é realizar o uso de álcool e outras drogas. Tiengo (2018) retrata que há uma complexidade
em determinar se o consumo de substâncias psicoativas (SPA’s) decorre como causa para
situação de rua ou como a consequência de tal condição. Porém, é notório o fato de que o uso
de álcool e outras drogas ocupa um lugar na vida do público supracitado no que tange às funções

433
psíquicas, físicas e sociais.
Dentre tais efeitos, citam-se: alteração da consciência com a finalidade de rememorar
experiências anteriores (Varanda, 2009); integração a grupos como elementos socializadores
(Paiva, 2019; Raupp, & Adorno, 2010; Varanda, 2009); alívio do frio, da fome, do sofrimento
psíquico e da solidão (Jabur, Campos, Souza, & de Paula, 2014; Varanda, 2009) e é um aspecto
que revela a exclusão social pela vivência na rua, de acordo com Jabur et al. (2014).
O presente artigo é oriundo de um trabalho de conclusão de curso da autora e orientado
pela coautora, caracterizando-se como um estudo de caso único de abordagem qualitativa. Os
estudos sobre PSR são sempre temas de relevância, mas há a necessidade de ser investigado
com maior profundidade, visto que os critérios estabelecidos pelos censos demográficos
estudam, na sua grande maioria, pessoas domiciliadas, prejudicando a criação de políticas
públicas para a PSR e reforçando a invisibilidade de tal segmento populacional.

2 Objetivo

Analisar a invisibilidade na vivência de uma pessoa em situação de rua que faz uso
abusivo de drogas na cidade de Sobral, Ceará.

3 Método

A investigação se caracteriza por ter um cunho qualitativo. Este tipo de pesquisa lida
com um vasto campo de significados e acessa particularidades subjetivas, como crenças, valores
e atitudes, conforme afirma Minayo (2002). O delineamento da pesquisa se deu por meio de
um estudo de caso único, utilizando apenas um participante para realizar uma análise ampla e
profunda. O estudo de caso se define por ser um trabalho empírico que determina a investigação
de um “fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real” (Yin, 2001, p. 32).
O cenário de pesquisa ocorreu na cidade de Sobral, Ceará, localizada a 230 quilômetros
de Fortaleza. O único participante foi denominado de Calopsita com a finalidade de preservar
sua identidade. Escolheu-se o nome da ave pela relação de ele sentir-se um “pássaro preso na
gaiola” (sic), fazendo uma metáfora com estar preso às ruas, não conseguindo sair dela. Ele
tinha 30 anos no momento que foi realizada a entrevista, estava há 20 anos na rua e fazia uso
de álcool e outras drogas há 10 anos. Os critérios de inclusão para participar da pesquisa foram:
ser do sexo masculino, fazer uso de álcool e outras drogas e estar em situação de rua por pelo
menos 06 (seis) meses.
A autora primou por realizar a busca ativa pelo participante. Conforme andava pela
cidade, ela buscava identificar qual era o lugar de estadia de Calopsita, mesmo reconhecendo a
brevidade de ocupação dos espaços urbanos dele devido a característica migratória que a PSR
contém. Percebeu-se que o seu local de permanência era o mesmo de seu lugar de trabalho
como guardador de carros, profissão popularmente conhecida como flanelinha. Também foram
identificados os grupos de interação social do participante supracitado. Após a identificação de
tais aspectos geográficos e sociais, tentou-se estabelecer o vínculo com Calopsita antes da
aplicação dos instrumentos de coleta de dados.
A coleta de dados foi realizada por meio de diário de campo, observação participante e

434
entrevista semiestruturada captada pelo gravador. Esses três tipos coleta são previstos nas
noções técnicas em Pesquisa Social de Minayo (2002). Deste modo, o diário de campo é um
instrumento utilizado para relatar impressões, angústias, insights e percepções durante o
processo de pesquisa. A observação participante possibilita a inserção de modo direto do(a)
pesquisador(a) no campo de pesquisa, observando a dinamicidade do contexto. Finalmente, a
entrevista semiestruturada permite que o(a) pesquisador(a) tenha um roteiro previamente
estruturado, mas possibilita que o participante aprofunde sobre determinada temática. Ela teve
a duração de 43 minutos e 28 segundos. Após a gravação, realizou-se a transcrição da entrevista
e a analisou pela análise de conteúdo fundamentada em Bardin (1977).
A análise de conteúdo de Bardin (1977) considera a manifestação de dados, estados e
fenômenos, levando em consideração a objetividade e a subjetividade das informações. Os
aspectos éticos da pesquisa foram atendidos em decorrência da pesquisa lidar com o ser
humano. O projeto de pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de
Ética da Universidade Vale do Acaraú (UEVA) através do parecer consubstanciado de número
2.989.373, respaldando-o na Resolução Nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

5 Resultados

A entrevista com Calopsita foi realizada em um dia de domingo. Porém, nos encontros
anteriores, houve o acordo para realizá-la no dia antecedente, ou seja, no sábado. Era um dia
ensolarado, às 14h30min. Mas não foi possível de fazê-la devido ao sentimento de vergonha
verbalizado pelo participante por conta da condição em que ele se encontrava: sem tomar banho,
com odor, suado e sem ter feito sua primeira refeição. Ao relatar tal situação, ele não olhava
nos olhos da pesquisadora. Essa vivência revela um dos traços do seu cotidiano: não ter onde
suprir suas necessidades básicas em razão do fim de semana, visto que nos demais dias há o
acesso às políticas de assistência social, por exemplo, o Centro de Referência Especializado
para População em Situação de Rua (Centro Pop).
Ainda no sábado foi acordado uma data e um horário para marcar a entrevista. Ele
confirmou que seria no dia posterior, às 18 horas. E assim aconteceu. Veio para o encontro já
alimentado, com banho tomado e estabelecendo contato visual com a pesquisadora. Relatou
que não se sentia confortável de estar nas condições citadas anteriormente, pois estava “todo
errado, todo sem jeito, não estava me sentido bem de tá perto de você e você perto de mim
nessa situação” (sic), bem como precisava de uma pessoa que o escutasse para “dar um pouco
de atenção” (sic).
A primeira droga que ele teve contato foi com o cigarro, depois passou para a bebida
alcóolica e, por fim, o crack. Relata que usou esta última pela primeira vez por curiosidade em
uma roda de amigos, em que um deles ofereceu. O participante experimentou, gostou da
sensação e até hoje faz o uso abusivo. Ele afirma que o crack influencia a pessoa em situação
de rua a permanecer em tal condição, pois “se não fosse ela, se não fosse essa maldita droga,
desculpe o palavrão, eu não estava nessa situação em que eu estou” (sic). Afirmava que
gostaria de conseguir superar a dependência, mas sentia que não consegue fazê-la sozinho.
No decorrer da entrevista, o participante disse que passou a madrugada trabalhando e
conseguiu juntar R$50,00, porém, gastou com um lanche e o restante em droga. Ele possuía um
nível de dependência exacerbado com o crack a ponto de deixar seus documentos

435
“empenhados” 51 com traficantes devido ao não pagamento no ato da compra.
Calopsita afirma que é vexatória a condição de estar em situação de rua e ser usuário de
drogas, pois “o cara é morador de rua, o cara é viciado, o cara nem olha, ‘cê’ tá me
entendendo? [...] se eu arrumasse um emprego, um canto pra ‘mim’ viver, uma outra vida, eu
saía na hora! Saía não, eu saio!” (sic).
O participante afirma que quando começa a usar crack, “os meninos” (sic), ou seja, o
grupo social que está inserido, já sabem que ele está sob efeito da substância psicoativa (SPA)
por conta dos sinais no momento do uso: olhos vermelhos e esbugalhados e insônia. Afirma
que quanto mais usa, mais sente desejo em continuar usando. Porém, relata que só ganhou
desprezo da sociedade e da família por ser usuário de drogas.
Como citado anteriormente, Calopsita pretende parar de usar crack, mas reconhece que
precisa do auxílio de terceiros para conseguir. Quando pensa sobre isso, considera também que
gostaria de ter

a minha vida de antes. Ter tudo o que eu tinha de volta. Possuir as coisas que eu já possui
de volta. E de novo né... e voltar a ser gente. Eu sou gente, mas não sou gente como eu
era antes. Era pra eu ser gente... quero voltar a ser gente que eu era antes. Ter as coisas,
possuir as coisas que eu tinha. Oportunidade boa que hoje em dia eu não tenho mais.
Pois é... Difícil. Difícil lutar contra ela. Muito difícil.

Em suma, Calopsita considera que viver na rua “é uma desgraça” (sic). Mesmo que haja
o apoio de instituições como o Centro Pop, o Posto de Saúde da Família (PSF), os restaurantes
próximos, as pessoas que fazem doações de roupas e alimentos, e os conhecidos que partilham
da mesma vivência de rua, o participante almejava em demasia sua saída de tal condição.
Considera a droga como um refúgio, mas reconhece que ela ainda é uma das prisões que
retroalimenta sua permanência no contexto urbano.

6 Discussão

Quando Calopsita relata seu sentimento de vergonha por não ter suprido suas
necessidades básicas – tomar banho e fazer a primeira refeição - em um dia anterior à entrevista,
percebe-se que ele é atravessado pela identidade social de morador de rua (Moura Júnior,
Ximenes, & Sarriera, 2013). O que sustenta essa identidade é o papel social de “drogado, de
violento, [...], de sujo e de doente” (Moura Júnior et al, 2013, p. 20). Para além do estado de
pobreza que ele se encontra, a opressão é um fenômeno que permeia sua experiência devido à
discriminação e estigmatização intensa sobre a PSR.
O fato de o participante verbalizar que estava precisando conversar com uma pessoa
para ter “um pouco de atenção” (sic) e afirmar que, além do estigma que carrega por ser
“morador de rua e viciado” (sic), desejava arrumar um emprego formal, demonstra de modo
explícito a invisibilidade social vivenciada por ele. A invisibilidade social, segundo Delfin et al

51
No contexto da PSR, empenhar significa deixar os documentos com pessoas ligadas ao tráfico de drogas como
uma garantia do pagamento futuro pelo produto comprado.
(2017) é uma construção estruturada por elementos referentes às produções sociais, como “a

436
humilhação social, [...], o silenciamento do sofrimento social, a produção midiática do discurso,
a privatização dos espaços nas cidades, e a repulsa do diferente à diferença” (p.2).
Os mesmos autores afirmam que a invisibilidade também é demonstrada quando o corpo
da pessoa em situação de rua figura um elemento do contexto urbano como uma parte da
arquitetura da cidade. Deste modo, os sujeitos-que-não-estão-em-situação-de-rua não se
permitem ao encontro com o segmento populacional em questão, pois existe um imaginário
social que permeia a PSR no que se refere às representações sociais de medo e violência. Assim,
não se permitem ao contato, ao novo e ao encontro com este segmento populacional (Delfin et
al, 2017).
Portanto, esse processo da invisibilidade social não é perceptível apenas na insuficiência
de dados demográficos sobre a PSR. Ele é declarado no cotidiano, na deficiência de relações
sociais e no estigma que a atravessa, como afirmam Alípio, Cassiano, Silva, & Pimentel (2019).
Desejar ter atenção do outro é querer ter espaço de fala e sentir abertura nesse outro que escuta;
é desejar reciprocidade. É ter encontro.
Percebe-se também o sentimento de vergonha que perpassa Calopsita por ser usuário de
drogas e estar em situação de rua. Segundo Moura Júnior & Ximenes (2016), a vergonha
provoca o “isolamento social do indivíduo envergonhado” (p. 270) devido à exposição que está
diante da sociedade, estando sob olhar de transeuntes que constituem sua realidade. Deste
modo, a vergonha determina que seu papel social se limite a ser somente o “drogado” e o
“morador de rua”52.
É importante situar a representação das drogas na vivência de rua de Calopsita. Ele
afirma que elas possibilitam uma sensação de refúgio de sua vida, mesmo entendendo que ela
retroalimenta sua permanência no contexto urbano. Ora, em uma situação de vulnerabilidade
social, de experimentar discriminações, estigmas e invisibilidade de modo rotineiro, a droga
vem cumprir a função de alterar o estado de consciência. Deste modo, Varanda (2009) reitera
que o sujeito em situação de rua rememora vivências anteriores, atribuindo novos significados
à sua realidade.
De acordo com Moura Júnior e Ximenes (2016), através da droga, o indivíduo consegue
mediar seu sofrimento e seu desconforto perante a realidade e assim almeja estados de prazer e
de alívio. No contexto das ruas, o uso de drogas é feito tanto individual como em grupos. Deste
modo, outro fator que vale ser analisado é o fato da droga ser um elemento de integração social.
Quando Calopsita fala que seus colegas sabem quando está usando crack ou não está, isso
evidencia a forma como ele faz uso das drogas: em grupos. Tais substâncias psicoativas
possibilitam a integração grupal, pois são elementos socializadores e diminuem a sensação de
solidão (Raupp & Adorno, 2010; Varanda, 2009).
No que tange ao sentimento de desprezo da sociedade e da família por ser usuário de
drogas e afirmar que ao se libertar da droga, também se libertará da situação de rua, Calopsita
certifica pra si mesmo que o uso abusivo de substâncias psicoativas aprisiona o sujeito “em
formas de reconhecimento perverso” (Lima, 2008 apud Moura Júnior & Ximenes, 2016, p.
261). A identidade do indivíduo é reduzida somente a um “drogado”, demonstrando uma

52
Essa expressão não é mais utilizada nas políticas públicas e na literatura em decorrência do caráter estável e fixo
que ela representa. Ela foi usada neste trabalho para evidenciar o sentimento de ser “morador de rua” por parte do
participante.
natureza pejorativa e deprecativa das pessoas que são usuárias de álcool e outras drogas em contexto de

437
pobreza (Moura Júnior & Ximenes, 2016).
Tal sensação repercute na maneira em como o participante se considera como “gente”
(sic). Ele considera que é uma pessoa, um ser humano, mas não como em tempos atrás, quando
não fazia uso SPA’s e quando não estava em situação de rua, de acordo com o seu relato citado
anteriormente. Deste modo, sob a ótica do fenômeno da vergonha, Calopsita faz uma avaliação
pessoal negativa devido a sua baixa estima, sentindo-se inferior e sem poder, como
demonstrando também no estudo de Moura Júnior et al (2013).
Assim, o fato de carregar o papel social de ser usuário de drogas e estar em situação de
rua, o desprezo da sociedade e da família, e a vergonha são elementos que se cruzam e
demonstram o processo de invisibilidade social na vivência de Calopsita. Nota-se em seu relato
que a “vulnerabilidade, a experiência da [...] discriminação afetam o corpo, a identidade e a
percepção de mundo das pessoas em situação de rua” (Pimenta, 2019, p. 102). Ele se sente
insignificante e menor diante de pessoas-que-não-estão-em-situação-de-rua, tornando explícito
o peso que atravessa sua experiência.
Ao afirmar que a sua condição está atrelada ao uso abusivo do crack, Calopsita
culpabiliza a droga pelos seus males sociais, mas é ela quem lhe possibilita um bem-estar que
não é encontrado de outras maneiras, da mesma forma como Varanda (2009) constatou na sua
tese. Ainda é o crack que lhe faz suportar o cotidiano.
Ao estar no contexto de rua, a PSR constrói estratégias de sobrevivência para lidar com
a realidade, criando novos modos de vida para suprir suas necessidades e enfrentar
adversidades, como a invisibilidade e o uso abusivo de álcool e outras drogas narrados nesse
estudo de caso. Porém, o sentimento de impotência que Calopsita carrega por não conseguir
diminuir o consumo de álcool e outras drogas, por não se considerar como um sujeito e por
estar em situação de rua constitui a identidade de um indivíduo aprisionado a esses papéis,
estando sem perspectivas para o seu futuro.

7 Conclusão

Analisada a invisibilidade na vivência em situação de rua por Calopsita, percebeu-se


que esta é atravessada por estigmas, desprezo, discriminações e sua identidade foi reduzida a
um “drogado” em um contexto de pobreza. O uso de drogas cumpre a função de refúgio e de
alteração do estado da consciência para lidar com experiência vulnerável por estar em situação
de rua, sendo este um recurso de sobrevivência.
Portanto, para ofertar práticas de acolhida, de cuidado e minimizar a invisibilidade
social, é valido reconhecer que a participante precisa da atuação de profissionais da assistência
social e da saúde com vistas a atuações intersetoriais, planejando meios para a promoção de
maior qualidade de vida, seja nas ruas ou fora delas, seja com o uso de drogas ou não. Alguns
equipamentos que podem ser acionados são o Centro Pop, Centro de Referência da Assistência
Social (CRAS), PSF, Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS AD).
O que conduzirá tal planejamento será o desejo de Calopsita e a aposta de profissionais
que se impliquem no processo do sujeito supracitado, construindo em conjunto estratégias de
cuidado e enfrentando a pobreza, visto que ela medeia a realidade e as dificuldades da PSR.
8 Referências Bibliográficas

438
Alípio, M. P. P.; Cassiano, L. J. S.; Silva, A. C.; & Pimentel, J. G. A. (2019). População em
Situação de Rua e Questão Social: Reflexões sobre a invisibilidade, políticas públicas e
planejamento social. Anais do 16º Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, ISSN
26751054. Brasília, Distrito Federal (DF). Recuperado de:
http://broseguini.bonino.com.br/ojs/index.php/CBAS/article/view/1150/1126.
Decreto Nº 7.053 de 23 de Dezembro de 2009. Institui a Política Nacional Praa a População em
Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento e dá
outras previdências. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2009/decreto/d7053.htm.
Delfin, L., Almeida, L. A. M., & Imbrizi, J. M. (2017). A rua como palco: arte e (in)visibilidade
social. Psicologia & Sociedade (vol. 29, pp. 1-10). Minas Gerais: Associação Brasileira de
Psicologia Social.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (2016). Estimativa da População em Situação
de Rua no Brasil. Org: Marco Antônio Carvalho Natalino. Brasília. Rio de Janeiro.
Jabur, P. A. C.; Campos, I. O; Souza, T. R.; & de Paula, L. B. (2014). Migração e situações de
rua: o uso do álcool nas ruas de Brasília. Cader. Ter. Ocup. (vol. 22, n. Suplemento
Especial, pp. 125-133). São Paulo: Universidade Federal de São Carlos.
Minayo, M. C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. (2002) 21ª ed. Rio de Janeiro:
Petrópolis.
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). (2008). Sumário Executivo:
Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua. Brasília, Distrito Federal (DF).
Moura Júnior, Ximenes, V. M. (2016). O lugar do uso de drogas na identidade de uma pessoa em
situação de rua. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia (vol. 9, n. 2, pp. 259-276).
Minas Gerais.
Moura Júnior, J. F; Ximenes, V. M. Sarriera, J. C. (2013). Práticas de discriminação às pessoas
em situação de rua: histórias de vergonha, de humilhação e de violência em Fortaleza,
Brasil. Revista de Psicología (vol. 22, n. 2, pp. 18-28). Santiago, Chile: Universidad de
Chile.
Paiva, M. N. (2019) Sobre(vivências) de pessoas em situação de rua: o uso de álcool e outras
drogas como produtores de subjetividade. (Trabalho de Conclusão de Curso). Faculdade
Luciano Feijão, Sobral, Ceará, Brasil.
Pimenta, M.M. (2019) Pessoas em Situação de Rua em Porto Alegre: processos de estigmatização
e invisibilidade social. Civitas (vol. 19, n. 1, pp. 82-104). Porto Alegre.
Raupp, L.; Adorno, R. C. F. (2010). O uso de crack na cidade de São Paulo, Brasil. Revista
Toxicodependências (vol. 16, n. 2, pp. 29-37). São Paulo, SP, Brasil.
Tiengo, V. M. (2018). O fenômeno da População em Situação de Rua como fruto do capitalismo.
Textos & Contextos (vol. 17, n. 1, pp. 138-150). Porto Alegre: Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Programa de Pós Graduação em Serviço Social.
Varanda, W. (2009). Liminaridade, bebidas alcóolicas e outras drogas: funções e significados
entre moradores de rua. (Tese Doutorado em Saúde Pública). Faculdade de Saúde Pública
da USP, São Paulo, SP, Brasil.
Yin, R. K. (2001). Estudo de Caso: planejamento e métodos. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed.

439
EIXO 09

440
Medidas e Avaliação Psicológica no Desenvolvimento Humano

TRAÇOS DE PERSONALIDADE E ANSIEDADE COGNITIVA FRENTE A


EXAMES: UM ESTUDO COM UNIVERSITÁRIOS PIAUIENSES

Fernanda Catarina Pereira de Sousa


Iara Sampaio Cerqueira
Lucas Pereira dos Santos
Maria Carolina de Carvalho Sousa
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Paulo Gregório Nascimento

Introdução

Diante das diferentes reações emocionais a situações estressantes que ocorrem, a


ansiedade é a que mais amplamente é experimentada pelas pessoas. Nesse concerne,
considerando especificamente o contexto acadêmico, sabe-se que a ansiedade relacionada a
situações avaliativas é um dos problemas psicológicos mais frequentes entre estudantes, pois
em ambientes acadêmicos, os testes e/ou avaliações são os principais métodos de avaliação para
selecionar e classificar alunos com base nos seus desempenhos. Dessa forma a pessoa tende a
ver a situação como desagradável e desafiadora, gerando dúvidas sobre sua própria capacidade.
A preocupação e o medo de fracassar na prova torna-se uma barreira cognitiva, e em níveis
mais altos de ansiedade a probabilidade de o desempenho ser ruim é maior (Kumaran &
Kadhiravan, 2015).
A ansiedade em avaliações, amplamente referida em pesquisas como ansiedade frente
a exames ou ansiedade em exames (AE) (Medeiros et al., submetido), pode ser definida como
um conjunto de respostas psicológicas, fisiológicas e comportamentais que envolve a
preocupação com possíveis consequências negativas ou falha em um determinado exame ou
situação avaliativa similar (Zeidner,1998). Entretanto, embora tenha-se em conta que a AE
dependa de variáveis situacionais, tais como níveis de motivação, complexidade da tarefa e
consequências práticas frente ao desempenho (Cassady & Finch, 2015), esta pode variar
acentuadamente de um indivíduo para outro, podendo estar relacionada a diferentes variáveis
como depressão, autoestima, traços de personalidade (Cassady, Pierson, & Starling, 2019), bem
como sexo, com mulheres manifestando graus significativamente maiores em comparação aos
homens (Ne’Eman-Haviv & Bonny-Noach, 2019).
Diante destas demandas o indivíduo deve criar estratégias de enfrentamento para
conseguir lidar da melhor maneira possível com tais questões. No entanto, muitas vezes estas
demandas se tornam um fardo (como por exemplo a carga horária elevada) gerando sentimentos
de fracasso sobre si mesmo e sobre si com o curso. Dentro desse concerne está a AE, que é

441
considerada um problema que afeta muitos estudantes, pois reduz a eficiência no aprendizado.
Por isso, AE é também um dos fatores que pode vir a comprometer a permanência do estudante
no curso, pois aumenta o risco de reprovação (Jadue, 2001). Considerando a
multidimensionalidade do construto ansiedade, em algumas pesquisas (Hodapp & Benson,
1997; Karino & Laros, 2014; Keith, Hoddap, Shermelleh- Engel & Mossburgger, 2003) têm
sido apontados 4 fatores: preocupação, emoção, distração e falta de confiança.
Especificamente, nos últimos anos, a dimensão preocupação também tem sido entendida
como ansiedade cognitiva frente a exames/avaliações (Cassady & Johnson, 2002; Cassady,
2010), esse fator é importante devido à influência que esse componente tem no desempenho
acadêmico. Essa dimensão pode ser entendida como estado de tensão que uma pessoa
experimenta sob pensamentos relacionados a algo que irá acontecer, e que envolve
características, como comparação do próprio desempenho com o dos pares, as consequências
do fracasso, baixos níveis de confiança no próprio desempenho, preocupação excessiva,
possibilidade de causar tristeza e perda de autoestima (Cassady & Johnson, 2002).
Assim, no estudo de Bozkurt, Ekitli, Thomas e Cassady (2017), os autores avaliaram
também que essa dimensão compreende pensamentos de menos valia, onde o indivíduo acaba
se comparando aos demais em suas capacidades e subestimando-as. No aspecto da emoção,
esse fator se revela por meio de respostas fisiológicas e biológicas, principalmente por medo de
perder o controle da situação ocasionando o fracasso e consequentemente julgamento de outras
pessoas. Esses comportamentos também são explicados pelos traços de Personalidade que uma
pessoa possui e como ela reage em situações ansiogênicas.
Ao levar em consideração a personalidade, entende-se que esta é uma variável
importante para explicar as características individuais, funcionando como importante preditor
de diferentes fenômenos psicossociais, bem como situações específicas a exemplo da AE
(Kumaran & Kadhiravan, 2015). Assim, para o entendimento desta variável, encontra-se o
modelo dos cinco grandes fatores, também conhecido como Big Five, que é um dos mais
utilizados para o entendimento da estrutura da personalidade (Monteiro, 2014). Esse modelo
em questão organiza os traços de personalidade de maneira hierárquica (Bartholomeu, 2008).
Cada uma das cinco dimensões é caracterizada por de um traço geral que englobam as
características e semântica compartilhada pelos traços que determina cada fator (Lima, 1997)
Segundo Gosling et al. (2003), os cinco fatores podem ser entendidos da seguinte forma:
a) Extroversão, refere-se ao grau que o respondente se considera extrovertido e entusiasta, além
de contrariamente, o quanto sente-se quieto e reservado, o que corresponde inversamente ao
fator; b) Agradabilidade, refere-se a características como simpatia e ser acolhedor e,
inversamente, de ser briguento e crítico; c) Conscienciosidade abrange atributos como ser
disciplinado e confiável e autodisciplinado, opondo-se as características de ser desorganizado
e descuidado, para medir inversamente o fator; d) Abertura a Experiências, corresponde a
característica de ser aberto a novas experiências e complexo, sendo pouco convencional e sem
criatividade, e por fim; e) Estabilidade Emocional, com as características de ser calmo e
emocionalmente estável, e menos ansioso ou que se chateia. Considerando esta última
dimensão, na presente pesquisa será adotado o termo neuroticismo, visando uma maior
compreensão do leitor e por ser amplamente utilizado em diferentes pesquisas, incluindo
aquelas que versam sobre ansiedade (Akram, Gardani, Akram, & Allen, 2019). Ademais,
ressalta-se que tal conceituação se refere ao polo negativo de estabilidade emocional,
representando tensão, instabilidade emocional e nervosismo (DeYoung & Gray, 2009; Nunes,
2005)
Lopes e Martins (2010), em revisão de literatura sobre ansiedade publicada encontraram

442
poucas pesquisas que consideram a importância da personalidade como atravessamento direto
no desencadeamento de ansiedade inferindo que que isto pode agravar a dificuldade de
tratamento deste transtorno, desse modo, ressalta-se a necessidade de considerar a
personalidade como varável importante nos estudos sobre ansiedade.
Assim, tendo em conta o que foi exposto, a presente pesquisa foi norteada a partir da
seguinte pergunta: De que maneira as dimensões da personalidade relacionam-se com a
ansiedade cognitiva frente a avaliações? Tal temática se justifica, pois, estes construtos têm sido
estudados para explicar diversos comportamentos.

Objetivo

O objetivo desse estudo é compreender a natureza correlacional da personalidade e da


ansiedade cognitiva frente a exames com influência das variáveis sociodemográficas – sexo e
idade em uma amostra de universitários da cidade de Parnaíba.

Método

Participantes

Participaram 181 universitários de instituições públicas da cidade de Parnaíba, Piauí,


(Midade = 21,77; DP= 3,89; amplitude 18 a 37 anos), a maioria cursando Psicologia (59,7%) e
mulheres (58,6%), cursando o terceiro período da graduação (22,1%). Estes foram recrutados
de maneira acidental, não probabilística.

Instrumentos

Inventário de Personalidade de Dez Itens. elaborado por Gosling et al., (2003 e


adaptado para o contexto brasileiro por Pimentel et al. (2014). Trata-se de uma medida curta
dos cinco grandes fatores de personalidade, estando formada composta por dez itens avaliados
em escala que varia de 1 = Discordo totalmente a 7 = Concordo totalmente. Os dez itens
correspondem a adjetivos, que são agrupados de dois em dois, cada uma medindo o mesmo um
dos polos de uma das cinco grandes dimensões da personalidade. Nesse sentido, os itens pares
(que representam níveis baixos da personalidade) apresentam pontuações invertidas (02, 04, 06,
08 e 10).
Cognitive Test Anxiety Scale - (CTAS): elaborada Cassady e Johnson (2002), foi
adaptada para o contexto Argentino por Furlan et al (2009) e posteriormente para o contexto
brasileiro por Medeiros et al. (submetido). Trata-se de uma medida composta por 16 itens, que
avaliam a ansiedade cognitivas frente a exames de maneira global. Seus itens são respondidos
em escala de cinco pontos tipo Likert, variando entre 1 “Nada frequente em mim” a 4 “Muito
frequente em mim”.
Questionário sociodemográfico. Os participantes responderam a um conjunto de

443
perguntas, a exemplo de sexo, idade, período que está cursando e renda familiar, etc.; que foram
utilizadas com o objetivo de caracterizar a amostra.

Procedimento

Inicialmente, com a autorização dos responsáveis de cada curso da instituição de ensino


selecionada para a pesquisa, um aplicador treinado apresentava o Termos de Consentimento
Livre e Esclarecido para que os participantes (estudantes devidamente matriculados na
instituição participante) pudessem autorizar sua participação na pesquisa e responder aos
instrumentos. Foi assegurado a todos o caráter voluntário, anonimato das respostas e
participação na pesquisa que não traria nenhum prejuízo aos participantes e podendo desistir a
qualquer momento. Os participantes foram informados sobre os propósitos gerais da pesquisa
e que os mesmos deveriam responder individualmente aos questionários, destacando também
que não existem respostas certas ou erradas. Para tanto, acredita-se que foram necessários cerca
10 minutos para aplicação dos instrumentos.

Análise de dados

Foram realizadas análises através do pacote estatístico SPSS em sua versão 26. Foram
utilizadas estatísticas descritivas com finalidade de caracterizar a amostra, e correlações para
verificar o padrão de relações entre os traços de personalidade, a ansiedade cognitiva frente a
avaliações, idade dos participantes e o período de graduação cursado. Além disso, procedeu-se
o Teste T de Student para amostras independentes, com a finalidade de comparar médias entre
os homens e mulheres.

Resultados

Relação entre traços de personalidade e ansiedade cognitiva frente a exames

Com o objetivo de identificar a relação entre os traços de personalidade e a ansiedade


cognitiva frente a avaliações, procederam-se com o cálculo de coeficientes de correlações r de
Pearson. Inicialmente, observou-se que o traço neuroticismo apresentou correlação positiva e
significativa com ansiedade cognitiva frente a avaliações (r = 0,46, p < 0,001), sugerindo que
quanto maior o nível de instabilidade emocional, tensão, oriundos do neuroticismo, maiores
serão os níveis de preocupação, ou seja, ansiedade cognitiva frente a avaliação.
Além disso, verificou-se que dois traços de personalidade apresentaram correlações
negativas e significativas com a ansiedade cognitiva frente a avaliações, a saber: extroversão e
abertura a experiências (r = -0,16, p < 0,05), indicando que pessoas que endossam esse conjunto
de traços, tendem a apresentar níveis reduzidos de ansiedade cognitiva frente a avaliações. Os
resultados são apresentados na Tabela 1.
444
Tabela 1.
Estatísticas descritivas e correlações entre os traços de personalidade e ansiedade cognitiva
frente a avaliações
Fatores M DP 1 2 3 4 5 6
1 2,46 0,65 1 0,46** -0,16* -0,10 -0,11 -0,16*
2 3,97 1,51 1 0,01 -0,44** -0,15 -0,25**
3 4,07 1,56 1 0,02 0,01 0,36**
4 4,92 1,22 1 0,04 0,25**
5 4,62 1,28 1 0,18*
6 5,05 1,07 1
Nota: ** p < 0,001; * p < 0,05 (teste unicaudal); 1 = Ansiedade cognitiva frente a avaliações; 2 = Neuroticismo; 3
= Extroversão; 4 = Agradabilidade; 5 = Conscienciosidade; 6 = Abertura a experiências.

Posteriormente, com o objetivo de verificar a contribuição das variáveis


sociodemográficas na ansiedade cognitiva frente a avaliações, foram realizadas correlações de
Pearson com a idade dos participantes e o período cursado. Os resultados demonstraram
correlações negativas e estatisticamente significativas, a saber: idade (r = -0,24, p = 0,001), e
período cursado (r = -0,21, p < 0,001), sugerindo que quanto menor a idade ou período cursado,
maior será o nível de ansiedade cognitiva frente a avaliações.
Posteriormente, foi verificado se existiam diferenças na ansiedade cognitiva frente a
exames em função do sexo dos universitários. Para tanto, foi considerada a pontuação total da
CTAS, utilizando-se do Test t de Student para amostras independentes. Os resultados
demonstraram que houve diferenças estatisticamente significativas da ansiedade cognitiva
frente a avaliações em função do sexo [t (178) = -2,277; p = 0,02.], com as mulheres
apresentando níveis mais elevados (M= 40,92; DP= 10,55), em comparação com os homens (M
= 37,43; DP= 9,85).

Discussão
A presente pesquisa teve por objetivo verificar a relação entre traços de personalidade e
ansiedade cognitiva frente a exames, além de averiguar possíveis diferenças entre sexo.
Especificamente, o traço de neuroticismo se correlacionou significativamente com ansiedade
frente a avaliações, corroborando com estudos prévios, a exemplo da pesquisa de Paulus,
Vanwoerden, Norton e Sharp (2016) que explicam tal relação através de três fatores
diagnósticos do neuroticismo (vergonha, inflexibilidade psicológica e desregulação
emocional).
Nesse sentido, os resultados do presente trabalho revelam que o grau de instabilidade
emocional advindos do neuroticismo possui relação diretamente proporcional com o grau de
preocupação, ou seja, a ansiedade cognitiva frente a exames. Todavia, o estudo de Dal (2018)
aponta que dentre os traços de personalidade presentes no Big Five, apenas a amabilidade e a
abertura à experiência estavam positivamente relacionadas à ansiedade. Uma possível
explicação para esse contraste de resultados se dá em virtude da natureza do contexto do exame

445
acadêmico, visto que a investigações de Dal (2018) e a do atual estudo foram realizadas com
amostras distintas.
No que se refere a extroversão e abertura a experiências, verificou-se que estes
apresentaram correlações negativas e significativas com a AE. Neste sentido, pessoas que
possuem esses traços são mais sociáveis, falantes, otimistas, expansivos, comunicativos e aptos
a novas experiências (Akram, Gardani, Akram, & Allen, 2019). É possível que, ao terem bons
indicadores de sociabilidade e apoio, sentem-se mais confiantes e seguros quanto a exames,
gerando assim níveis reduzidos de ansiedade. Logo, estima-se que indivíduos mais tímidos,
quietos e voltados para si possam enfrentar a falta de apoio social por partes dos colegas,
podendo funcionar como um preditor de maior ansiedade. À vista disso, indivíduos com
ansiedade às situações de avaliação podem experimentar também sentimentos de desadequação
social (Anton & Lillibrigde, 1995)
Quanto a variável de idade e período cursado, que teve como resultado que quanto
menos idade e menos períodos cursados mais ansiedade, algumas pesquisas evidenciam que
são nos períodos iniciais do curso, onde processo de adaptação ainda está em andamento, que
os universitários têm mais incertezas (Pinho et al., 2015; Cardozo et al., 2016) e o jovem
ingressante deve adquirir novas habilidades para lidar com as demandas e seus estudos, tendo
em vista que o ensino superior é diferente do ensino médio.
Quanto ao sexo dos participantes, os resultados mostraram diferenças estatisticamente
significativas da ansiedade cognitiva frente a avaliações, ou seja, pessoas do sexo feminino
apresentaram níveis mais elevados de sintomatologia ansiosa em relação às do sexo masculino.
Este resultado encontra-se em consonância com outras pesquisas publicadas na literatura
(Guhur, Alberto & Caniatto, 2010; Simões, 2019), visto que a ansiedade ou sua manifestação
por sintomas ansiogênicos pode afetar diferentemente homens e mulheres pelo papel social que
cada um assume e consequentemente suas relações sociais estabelecidas, e neste caso, as
mulheres se apresentaram mais preocupadas com a não aprovação em exames, e
consequentemente a valorização ao sentimento de decepção de terceiros, reforçando assim o
medo de reprovação (D’Avila & Soares, 2003; Soares & Martins, 2010).
Em suma, tendo em conta os principais achados da pesquisa, acredita-se que os
principais objetivos foram alcançados, entretanto, como em qualquer empreendimento
científico, este não está isento de limitações. A amostra acidental foi a principal limitação
encontrada, no qual mais da metade dos participantes são de um único curso. Com isso, utilizou-
se uma amostra não probabilística, que limita a generalização dos achados. Contudo, tal
limitação não invalida os resultados, visto que o propósito do estudo não era generalizar, mas
investigar de que maneiras as dimensões da personalidade se correlaciona com a ansiedade
frente a exames.
Considera-se a necessidade de mais estudos para efeitos de comparação em ansiedade
frente a exames entre calouros e veteranos, tendo em vista a importância de avaliar a variável
de idade. Na pesquisa de Gerwing et al. (2015), por exemplo, essa variável foi importante ao
indicar que alunos mais velhos apresentavam mais consciência dos efeitos da AE sobre suas
atividades acadêmicas.

Conclusão
No contexto de universidades pode-se notar frequentes índices de ansiedade frente à

446
exames entre os estudantes, isso porque esse ainda é o principal método utilizado para avaliar
a aprendizagem. Outrossim, fatores como longos turnos de aula e outras atividades curriculares
também devem ser levadas em conta como agentes que podem influenciar nesse quadro. Em
síntese, os dados aqui encontrados podem colaborar para a literatura da temática.
Acredita-se que o presente trabalho possa instigar futuras práticas interventivas no
contexto nacional, ademais ampliar a produção de estudos que investigam a relação entre os
traços de personalidade e ansiedade cognitiva, que, no atual estudo, destacou-se o neuroticismo
(correlação positiva), extroversão e abertura a experiências (correlação negativa), além da
influência de variáveis sociodemográficas. Diante disso, percebe-se a necessidade de voltar
atenções de pesquisadores e profissionais para esse assunto, sobretudo, objetivando estratégias
preventivas e de enfrentamento para que os universitários possam lidar de forma positiva com
as exigências no âmbito acadêmico.

Referências

Akram, U., Gardani, M., Akram, A., & Allen, S. (2019). Anxiety and depression mediate the
relationship between insomnia symptoms and the personality traits of conscientiousness
and emotional stability. Heliyon, 5(6), e01939. doi:10.1016/j.heliyon.2019.e01939
Anton, W. & Lilibridge, M. (1995). Measurement of Test anxiety: na overview. In C.D
Spielberg, & P.R. Vagg (Eds.). Test anxiety, theory, assessment, and treatment. Usa:
Taylor & Francis.
Bzuneck, J.A.B., & Silva, R. (1989). O problema da ansiedade nas provas: perspectivas
contemporâneas. Semina, 10 (3) 190-195. Disponível em:
http://www.uel.br/seer/index.php/seminasoc/article/view/9184
Bozkurt, S., Ekitli, G.B., Thomas, C.L & Cassady, J.C. (2017). Validation of the Turkish
Version of the Cognitive Test Anxiety Scale-Revised. Sage Journals, 7 (1) 1-9. doi:
http://dx.doi.org/10.1177/2158244016669549
Bartholomeu, D. B. (2017). Traços de personalidade e comportamentos de risco no trânsito:
Um estudo correlacional. Psicologia Argumento, 26(54), 193-206. Disponível em
https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/viewFile/19685/190
13
Cardozo, M. Q., Gomes, K.M., Fan, L.G., Soratto, M.T. (2016). Fatores associados à
ocorrência de ansiedade dos acadêmicos de Biomedicina. Saúde e Pesquisa, 9 (2), 251-
262. http://dx.doi.org/10.177651/1983-1870.2016v9n2p251-262
Cassady, J. C., & Finch, W. H. (2015). Using factor mixture modeling to identify dimensions
of cognitive test anxiety. Learning and Individual Differences. 41, 14-20. doi:
10.1016/j.lindif.2015.06.002
Cassady, J. C., & Johnson, R. E. (2002). Cognitive test anxiety and academic procrastination.
Contemporary Educational Psychology 27(2), 270-295. doi: 10.1006/ceps.2001.1094
Cassady, J.C., Pierson, E. E., & Starling, J. M. (2019) Predicting StudentDepression with
measures of general and academic anxieties. Frontiers in education, 4, 11. doi:
10.3389/feduc.2019.00011.
Dal, N. (2018). The Big Five Personality Traits and Narcissism as the Predictors of Anxiety

447
and Confidence before Archery Class Final Exam. Universal Journal of Educational
Research, 6(12), 2875-2879. doi: 10.13189/ujer.2018.061222
D’ Avila, T., G. & Soares, P., H., D. (2003). Vestibular: fatores geradores de ansiedade na cena
da prova. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 4(1-2), 105-116.
Deyoung, C. G., & Gray, J. R. (2009). Personality neuroscience: Explaining individual
differences in affect, behaviour and cognition. In P. J. Corr & G. Matthews (Eds.), The
Cambridge handbook of personality psychology (p. 323–346). Cambridge University
Press. doi: 10.1017/CBO9780511596544.023
Furlan, L.A., Cassady, J.C., & Pérez, E.R (2009). Adapting The Cognitive Test Anxiety Scale
for use with Argentinean University Students. International Journal of Testing, 9 (1),
3-19. http://dx.doi.org/10.1080/15305050902733448
Gerwing, T.G., Rash, J.A., Gerwing A.M.A., Bramble, B., Landine, J., (2015) Perceptions and
Incidence of Test Anxiety. The Canadian Journal for the Scholarship of Teaching and
Learning. doi: http://dx.doi.org/10.5206/cjsotl-rcacea.2015.3.3
Gosling, S. D., Rentfrow, P. J., & Swann, W. B., Jr. (2003). A very brief measure of the big
five personality domains. Journal of Research in Personality, 37 (6), 504-528. doi:
https://doi.org/10.1016/S0092-6566(03)00046-1
Guhur, M. D. L. P., Alberto, R. N., & Carniatto, N. (2010). Influências biológicas, psicológicas
e sociais do vestibular na adolescência. Roteiro, 35(1), 115-138. Disponível em
https://unoesc.emnuvens.com.br/roteiro/article/view/230
Hodapp, V., & Benson, J. (1997) The Multidimensionality of Text Anxiety: a teste of different
models. Anxiety, Stress and Coping, 10, 219-244. doi:
https://doi.org/10.1080/10615809708249302.
Jadue, G. (2001). Algunos efectos de la ansiedade en el rendimiento escolar. Estudios
Pedagógicos (Valdivia), 27, 111-118. doi: 10.4067/S0718-07052001000100008
Karino, C. A., & Laros, J. A (2014). Ansiedade em situação de prova: evidências de validade
de duas escalas. Psico-USF, 19 (1), 23-36. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-
82712014000100004
Keith, N. H., Hoddap, V., Shermelleh-Engel, K. & Mossburgger, H. (2003). Cross Sectional
and Longitudinal Confirmatory Factor Models for the Germany Test Anxiety Inventory:
A construct validation. Anxiety. Stress and Coping, 16 (3), 251-270. doi:
https://doi.org/10.1080/10615800310000095416
Kumaran, S., & Kadhiravan, S. J. (2015). Personality and Test Anxiety of School Students.
International Journal of Education and Psychological Research (IJEPR), 2(4), 9-13.
Recuperado de http://ijepr.org/panels/admin/papers/171ij3.pdf
Liebert, R. M., & Morris, L. W. (1967). Cognitive and emotional components of test http
anxiety: A distinction and some initial data. Psychological Reports, 20 (3), 975-
978. doi: https://doi.org/10.2466/pr0.1967.20.3.975
Lima, M.P., (1997). NEO-PI-R Contextos teóricos e psicométricos: ‘Ocean ‘ou ‘Iceberg’? Tese
de doutoramento. Coimbra doi : http://hdl.handle.net/10400.12/1647
Lopes, J. E., & Martins, F. S. P. (2010). Relação entre personalidade, transtornos de ansiedade

448
e de humor: uma revisão de literatura brasileira. doi: 10.5935/1808-5687.20100006
Mandler, G., & Sarason, S. B. (1952). A study of anxiety and learning. The Journal of Abnormal
and Social Psychology, 47(2), 166–173. doi: https://doi.org/10.1037/h0062855
Medeiros, E. D., Silva, P. G. N., Medeiros, P.C.B., Sousa, G.M., Nunes, C.C., Fonsêca, P.N.,
& Gomes, E.B. (2019). Cognitive test Anxiety Scale: Propriedades psicométricas no
contexto brasileiro. Manuscrito submetido.
Monteiro, R. P. (2014). Entendendo a psicopatia: contribuição dos traços de personalidade e
valores humanos. Dissertação de Mestrado. Departamento de Psicologia Social, UFPB.
Recuperado de: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/tede/7564
Ne’Eman-Haviv, V., & Bonny-Noach, H. (2019). Substances as Self-Treatment for Cognitive
Test Anxiety among Undergraduate Students. Journal of Psychoactive Drugs, 51(1),
78-84. doi: 10.1080/02791072.2018.1564090.
Paulus, D. J., Vanwoerden, S., Norton, P. J., & Sharp, C. (2016). From neuroticism to anxiety:
Examining unique contributions of three transdiagnostic vulnerability factors.
Personality and Individual Differences, 94, 38-43. doi:
https://doi.org/10.1016/j.paid.2016.01.012
Pinho, A.P.M., Dourado, L.C., Aurélio, R.M., & Bastos, A.V.B. (2015) A transição do ensino
médio para a universidade: um estudo qualitativo sobre os fatores que influenciam este
processo e suas possíveis consequências comportamentais. Revista de Psicologia, 6 (1)
33-47 Disponível em http://www.periodicos.ufc.br/psicologiaufc/article/view/1691
Simões, P., G., C., C., L., L., A. (2019). A influência da época de exames na ansiedade e na
qualidade do sono dos alunos da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de
Lisboa (Dissertação de mestrado) Disponível em http://hdl.handle.net/10451/39721
Soares, A. B., & Martins, J. S. R. (2010). Ansiedade dos estudantes diante da expectativa do
exame vestibular. Paidéia, 20(45), 57-62. doi: https://doi.org/10.1590/S0103-
863X2010000100008
Zeidner, M. (1998). Perspectives on individual differences. Test anxiety: The state of the
art. Plenum Press.
ANSIEDADE FRENTE A EXAMES E USO DE SMARTPHONES POR

449
ESTUDANTES

Ana Carolina Martins Monteiro Silva


Gabriel Campelo Sotero
Iara Sampaio Cerqueira
Ivanucia Veloso Costa
Gabriel Cavalcante Bezerra Ribeiro
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros

Introdução

Relatório divulgado pelo Pew Research Center (2019), apontou que no Brasil, 60% das
pessoas possuem um aparelho smartphone, colocando o país na primeira colocação se
comparado com os outros países em desenvolvimento e em sexto a nível mundial. O uso desse
tipo de aparelho não está mais apenas relacionado com comunicação e com a facilidade para
realizar tarefas do dia-a-dia. As redes sociais enquanto forma de exposição frequente, se
tornaram prioritariamente o foco para quem usa este tipo aparelho (CNT/MDA, 2019).
O desenvolvimento tecnológico dos aparelhos eletrônicos portáteis na última década
forneceu inúmeros benefícios para nossa sociedade, como diminuir a distância entre pessoas,
ampliar o mercado de trabalho, facilitar estudos, dentre outras coisas. Porém, o uso inadequado
deste começou a causar também muitos prejuízos significativos no que se refere aos hábitos,
comportamentos, relações individuais, sociais e emocionais do indivíduo, gerando o surgimento
de novas demandas (Teixeira, Silva, Sousa, & Silva, 2019).
Por nascerem inclusos no meio tecnológico, os jovens estão mais adeptos e têm uma
maior facilidade de interação com este tipo de aparelho, ao mesmo tempo, são os mais
propensos a desenvolverem dependência em relação a este (Chatfield, 2012). Tanto o uso
excessivo, como os sentimentos e sintomas provocados por estar longe de um aparelho celular
já são caracterizados como fenômenos clínicos e exigem cada vez mais a atenção de diferentes
profissionais da saúde (Costa, 2017).
Dentre os problemas apontados com mais frequência pelo uso inadequado do celular,
estão a ansiedade e a dependência. O DSM-V (2014), caracteriza a ansiedade como uma
preocupação persistente e excessiva, acompanhada de sintomas físicos relacionados à
hiperatividade e tensão muscular, se observando também insônia, fadiga, dificuldade para
relaxar e constantes dores musculares.
A dependência do celular considerada como patológica, seguida de sintomas que
desencadeiam outras condições, a exemplo da ansiedade, é hoje denominada Nomofobia.
Quando o sujeito chega a desenvolver sensações de sofrimento e angústia relacionadas a
convivência inadequada e excessiva com o aparelho celular, esses são caracterizados como
indivíduos nomofóbicos ou dependentes tecnológicos (King, Nardi & Cardoso, 2014; Vidal &
Dantas, 2016).
Por ser um campo de estudo relativamente recente, as consequências futuras

450
ocasionadas pela dependência do smartphone ou de outros aparelhos eletrônicos ainda são
incertas, mas vem ganhando cada vez mais investigações, que vão desde os estudos
sociológicos até às áreas da saúde. No que se refere a sintomas imediatos provocados pela
dependência deste tipo de aparelho, já se apontam principalmente entre os jovens, alterações no
seu padrão de comportamento e a relação com alguns transtornos psiquiátricos, tais como:
depressão, síndrome do pânico, fobia social, alteração do sono, ansiedade generalizada, dentre
outros (Khoury, 2016).
No geral, a dependência causada pelo smartphone acontece por ele oferecer várias
experiências agradáveis, principalmente pelo uso das redes sociais, que se tornaram
legitimadoras de parâmetros a serem seguidos a partir de diferentes status sociais. Sendo assim,
o aparelho celular acabou se tornando uma “extensão” de diversos âmbitos e grupos que
compartilham informações e estilos de vida (Lopes et al., 2016; Kenski, 2015).
Aliado a isto, sabe-se que o uso inadequado do smartphone pode afetar diretamente o
desempenho e qualidade de vida em diferentes aspectos, como atividades do cotidiano (e.g.,
caminha, interações sociais, etc.), além do desempenho no âmbito laboral e educacional
(Demirci, Akgönül, & Akpinar, 2015), ocasionando consequências para a saúde, baixo
desempenho acadêmico, distúrbios do sono, dentre outros (Kalyani, Reddi, Ampalam, Kishore,
& Elluru, 2019).
Neste concerne, considerando especificamente o contexto acadêmico, os universitários
são os mais vulneráveis, a enfrentarem problemas em decorrência da ansiedade (Demirci et al.,
2015), isso ocorre em decorrência das diversas mudanças que ocorrem nesse período (e.g.
sociais, psicológicas e ambientais) (Silva, Panosso, & Donadon, 2018). No que tange ao nível
superior, tem se enfatizado a ansiedade ocasionada por situações avaliativas, (também descrita
como “exames”) (Medeiros et al., submetido). Esta é um tipo de ansiedade situacional,
reconhecida pela literatura internacional como “test anxiety” (Silva et al., 2018). Em termos
conceituais, a ansiedade em exames (avaliações), refere-se a um conjunto de respostas
cognitivas, fisiológicas e comportamentais relacionadas a preocupações sobre possíveis falhas
ou mau desempenho em um teste ou situação similar a avaliação” (Bodas, Ollendick, & Sovani,
2008).
Devido à importância atribuída a temática, Hodapp (1991), em sua revisão observou que
a ansiedade frente a exames poderia ser concebida por quatro dimensões referentes ao processo
emocional e cognitivo, incluiu mais duas facetas, que são representadas da seguinte forma a
seguir: 1) preocupação, referente a preocupações perturbadoras com o desempenho individual
e as consequências do fracasso; 2) emoção, refere-se a tensão emocional e física que ocorre,
antes, durante e após a avaliação; 3) interferência referente a possíveis distrações e pensamentos
irrelevantes que ocorrem durante a execução da tarefa; 4) falta de confiança, refere-se a baixa
confiança para enfrentar e administrar desafios. Estas quatro dimensões permitem uma
avaliação diferenciada, contemplando diferentes manifestações da ansiedade, tais como a
antecipação, relacionada ao momento de advertência da prova; a confrontação, que corresponde
ao período de realização do exame, fase da espera, correspondendo ao período após o processo
avaliativo, resultados, quando a pessoa conhece o resultado da avaliação (Heredia, Piemontesi,
Furlan, & Hodapp, 2008).
Assim, devido ao exposto e considerando a importância de pesquisas que busquem
entender os mecanismos que podem ocasionar a ansiedade em situações de exame, faz-se
necessário compreender a relação com a dependência no smartphone, podendo assim, ajudar
no desenvolvimento de intervenções que visem a diminuí-las, bem como, a controlar os efeitos

451
negativos das variáveis supracitadas.
Desse modo, considera-se o estudo pertinente, visto que a dependência no smartphone
e ansiedade frente a exames trazem influência negativa na saúde física e mental dos estudantes,
além de interferir no desempenho acadêmico.

Objetivo
Analisar a relação entre dependência do smartphone e os fatores de ansiedade de
estudantes universitários diante de exames avaliativos.

Método

Participantes
Participaram 217 universitários (Midade = 21,77; DP= 3,89; amplitude 18 a 49 anos) de
instituições públicas (92,6%) e privadas (6,4%), de diferentes estados brasileiros; sendo a
maioria do Piauí, (88%) cursando Fisioterapia (18%) e mulheres (59,9%). Estes foram
recrutados de maneira acidental, não probabilística.

Instrumento
Short version of the Smartphone Addiction Scale (SAS) elaborado por Kwon, Kin, Cho
e Yang (2013) e adaptado para o contexto brasileiro por Mescollotto, Castro, Pelai, Pertille e
Bigaton (2018). Trata-se de uma medida composta por dez itens, que avaliam de forma global
a dependência no smartphone, que são respondidos numa escala do tipo likert variando de 1
(discordo totalmente) a 6 (concordo totalmente).
German Test Anxiety Inventory – (TAI-G). Elaborada por Hodapp (1991), e adaptada
para o contexto brasileiro por Silva, Albuquerque, Fonseca, Bezerra e Fonsêca (2019). Trata-
se de uma medida composta por 28 itens, distribuídos por quatro fatores: 1) Falta de confiança,
2) Preocupação, 3) Emoção; e 4) Distração; que são respondidos numa escala de cinco pontos
do tipo Likert, variando de 1 (Quase nunca) a 5 (Quase sempre). Ressalta-se que os itens que
compõem o fator falta de confiança apresentam pontuação inversa.
Questionário sociodemográfico. Os participantes responderam a um conjunto de
perguntas, a exemplo de sexo, idade, período que está cursando e renda familiar, etc.; que foram
utilizadas com o objetivo de caracterizar a amostra.

Procedimento
Inicialmente, com a autorização dos responsáveis de cada curso da instituição de ensino
selecionada para a pesquisa, um aplicador treinado apresentava o Termos de Consentimento
Livre e Esclarecido para que os participantes (estudantes devidamente matriculados na
instituição participante) pudessem autorizar sua participação na pesquisa e responder aos
instrumentos. Foi assegurado a todos o caráter voluntário, anonimato das respostas e
participação na pesquisa que não traria nenhum prejuízo aos participantes podendo desistir a

452
qualquer momento. Os participantes foram informados sobre os propósitos gerais da pesquisa
e que os mesmos deveriam responder individualmente aos questionários, destacando também
que não existiam respostas certas ou erradas. Foram necessários em torno de 10 minutos para
aplicação dos instrumentos.

Análise de dados
Foram realizadas análises através do pacote estatístico SPSS em sua versão 26. Foram
utilizadas estatísticas descritivas com finalidade de caracterizar a amostra, e correlações para
verificar o padrão de relações entre a dependência no smartphone e os fatores da ansiedade
frente a avaliações. Além disso, procedeu-se o Teste T de Student para amostras independentes,
com a finalidade de comparar médias entre os homens e mulheres das variáveis em questão.

Resultados

Relação entre dependência no smartphone e ansiedade frente a avaliações


Com o objetivo de identificar a relação entre a dependência no smartphone e ansiedade
frente a avaliações, procederam-se com o cálculo de coeficientes de correlações r de Pearson.
Assim, verificou-se que a dependência no smartphone apresentou correlação positiva e
significativa com os quatro fatores da ansiedade frente a avaliações, a saber: falta de confiança
(r = 0,22, p < 0,001), preocupação (r = 0,29, p < 0,001), emoção (r = 0,27, p < 0,001) e distração.
(r = 0,47, p < 0,001); sugerindo que quanto maior o nível de dependência no smartphone, de
ansiedade frente a avaliações. Os resultados são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1.
Estatísticas descritivas e correlações entre a dependência no smartphone e ansiedade frente a
avaliações
Fatores M DP 1 2 3 4 5

1 2,90 1,12 1 0,22** 0,29** 0,27** 0,47**

2 3,53 0,69 1 0,27** 0,40** 0,40**

3 3,02 0,66 1 0,63** 0,46**

4 2,49 0,84 1 0,60**

5 2,42 0,84 1
Nota: ** p < 0,001 (teste bicaudal); 1 = dependência no smartphone; 2 = Falta de confiança; 3 = Preocupação; 4
= Emoção; 5 = Distração.
Posteriormente, foi verificado se existiam diferenças na dependência no smartphone e

453
a ansiedade frente a avaliações em função do sexo dos universitários. Para tanto, foi considerada
a pontuação total das medidas de dependência no smartphone e ansiedade nas avaliações,
utilizando-se do Test t de Student para amostras independentes. Os resultados podem ser
observados na tabela 2.

Tabela 2.
Diferença das médias entre homens e mulheres (Test t - Student).
Homens Mulheres Constante
Fatores
M DP M DP T p
Dependência no smartphone 2,74 1,20 3,00 1,06 -1,653 0,10
Falta de confiança 3,26 0,67 3,71 0,65 -4,961 0,001**
Preocupação 2,77 0,69 3,18 0,60 -4,43 0,001**
Emoção 2,19 0,83 2,69 0,79 -4,28 0,001**
Distração 2,32 0,81 2,49 0,86 -1,44 0,15
Nota: N= homens (83) e mulheres (128); * Diferenças significativas (p < 0,05).

Os resultados reportados na Tabela 2 indicam que os homens e mulheres não se


diferenciam quando comparados com a variável dependência no smartphone. Entretanto, ao se
comparar os quatro fatores da ansiedade frente a avaliações, foram observadas diferenças
estatisticamente significativas entre homens e mulheres para três fatores, com mulheres
apresentando níveis mais altos nos fatores falta de confiança, preocupação e distração, quando
comparados com homens.

Discussão
O presente estudo objetivou analisar a relação entre dependência do smartphone e os
fatores de ansiedade de estudantes universitários diante de provas. Entende-se que o objetivo
principal do estudo foi alcançado, visto que foram encontradas correlações positivas entre o uso
de smartphone e os quatro fatores de ansiedade em frente a avaliações. Os resultados mostram
que, quanto mais alto o nível de dependência, maior o nível de ansiedade frente a testes
avaliativos.
O smartphone atualmente é considerado como uma ferramenta indispensável no mundo
moderno, usado tanto atividades sociais como também para o lazer e o uso profissional. No
entanto é visto que o uso exagerado dos dispositivos eletrônicos resulta em estados de ansiedade
na qual podem se agravar ao ponto de nomofobia, uma dependência patológica ao uso do celular
(Texeira et al., 2019; Maziero & Oliveira, 2017), também podendo interferir na performance
acadêmica (Samaha & Hawi, 2016).
Na literatura é possível encontrar estudos que relacionam o uso do smartphone a
ansiedade (Kim, Jang, Lee, & King, 2018; Demirci, Akgönül, & Akpinar, 2015; Matar
Boumosleh, & Jaalouk, 2017). Esses estudos têm como resultados significativos que o uso do

454
smartphone em jovens e adolescentes pode ocasionar problemas psicológicos tais como
ansiedade ou depressão.
O estudo de Darcin et. al. (2016) mostrou que indivíduos com altos sintomas de
ansiedade social possuíam a maior tendência a riscos de dependência de smartphone visto que
a ansiedade social causa o distanciamento de relacionamentos reais. Já o estudo de Hawi e
Samaha (2017) mostrou nos seus resultados que estudantes com vício em smartphone possuíam
maiores níveis de ansiedade comparado a outros estudantes. Apesar de não haver indícios de
que o uso de smartphone é o ponto inicial da ansiedade, o vício em smartphone se mostrou
como um fator que colabora para a piora do estado de ansiedade em universitários.
Ao se analisar a diferença entre sexos quanto à dependência de smartphone, os dados da
presente pesquisa não apontam diferenças significativas, nesse sentido Ferreira (2015), afirma
que a tecnologia dos smartphones afeta simbolicamente seus usuários de diferentes formas,
independente do sexo de cada um.
Já a ansiedade frente a avaliações, a literatura refere-se como uma preocupação sobre
possíveis consequências negativas ou fracasso escolar que pode levar a interferência nas
habilidades do estudante de fazer uma boa performance, reduzindo a memória de trabalho e
criando distrações (Keith, Hodapp, Schermelleh-Engel, & Moosbrugger, 2003; Brady, Hard, &
Gross, 2018). O german test anxiety inventory se mostrou como um instrumento consistente e
com possível aplicabilidade em culturas distintas em pesquisas sobre ansiedade em frente a
avaliações (Ringeisen, Buchwald & Hodapp, 2010).
Todavia, em relação ao sexo dos participantes e os fatores da ansiedade frente a exames
(emoção, falta de confiança, preocupação e distração), na presente pesquisa, houve resultado
significativo por parte da amostra do sexo feminino na relação com os últimos três fatores
citados A falta de confiança, Preocupação, Emoção e Distração, causando sofrimento e
dificuldades de desempenho frente às avaliações (Deusen, Bolle, Hegner, & Kommer, 2005;
Janeiro, 2013).
Há diversas evidências que relatam rebaixamento no quadro de ansiedade e estresse
entre homens e mulheres quando estes se encontram sob dependência de algo ou de uma
situação. Outros estudos demonstram que mulheres tendem a ter preocupação mais excessiva
do que homens ao sentirem falta de algo no qual estavam acostumadas a usar de maneira
rotineira (Pigott, 2003; Steiner et al., 2005).
Ademais, os resultados dessa pesquisa estão sujeitos a algumas limitações, como a
impossibilidade de generalização, visto que a obtenção da amostra foi feita por conveniência e
o tamanho da amostra não foi muito significativo. No entanto, é importante ressaltar que, com
os resultados significativos deste estudo, deixa-se um caminho aberto para a possibilidade de
mais estudos em diferentes contextos. Com o uso do smartphone cada vez mais presente no
meio escolar e acadêmico, é importante o estudo de correlações entre o smartphone e a
ansiedade em frente a testes.

Conclusão

No mundo globalizado, no avanço da ciência, nas resoluções de problemas do meio


econômico e nas relações sociais, não pode ser mais nem cogitado o não uso da tecnologia, é
através dela que se pode diminuir espaços geográficos e facilitar as comunicações em curto

455
espaço de tempo. Porém é preocupante o excesso de uso desta ferramenta, como por exemplo
os smartphones, podendo trazerem sérios prejuízos tanto nas atividades cotidianas do sujeito,
como na sua saúde mental. Um dos transtornos que estão mais presentes no uso abusivo dos
smartphones, é o da ansiedade que consequentemente pode interferir em outros fatores, como
nos aponta os resultados da presente pesquisa.
Com os resultados apresentados nesta pesquisa, pode-se constatar que a dependência no
smartphone apresentou correlação positiva e significativa com os quatro fatores da ansiedade
frente a avaliações, sendo eles: A falta de confiança, Preocupação, Emoção e Distração. Os
resultados apontam ainda que as mulheres diferentes dos homens apresentam um grau maior
em três dos quatro fatores, Falta de confiança, Preocupação e Distração, o que possivelmente
pode interferir na execução de exames acadêmicos.
Como foi apresentado o resultado do presente estudo, respaldado por outras literaturas
tais como o “O german test anxiety” traz a reflexão que, dentre as muitas implicações sobre o
uso excessivo do smartphone, a ansiedade é a que mais se destaca, porém sua influência direta
na realização de exames ainda precisa ser mais investigada, com isso sugere um
aprofundamento maior em futuras investigações, levando em consideração que o baixo índice
de desempenho acadêmico destes estudantes devido a esta dependência, pode emergir certos
transtornos, afetando sua saúde mental.

Referências

American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais:


DSM-5. (5.ed). Porto Alegre: Artmed, 2014.
Brady, S. T., Hard, B. M., & Gross, J. J. (2018). Reappraising test anxiety increases academic
performance of first-year college students. Journal of Educational Psychology, 110(3),
395. doi: 10.1037/edu0000219
Chatfield, T. (2012). Como viver na era digital. Tradução: Bruno Fiuza. Rio de Janeiro:
Objetiva, p.97.
CNT/MDA. 30ª Pesquisa Anual do Uso de Tecnologias da Informação. Brasil, 2019.
Disponível em: https://eaesp.fgv.br/ensinoeconhecimento/centros/cia/pesquisa. Acesso
em: 5 de mar. 2019.
Costa, D. (2017). Fobia. Disponível em: knoow.net/ciencsociaishuman/psicologia/fobia/.
Darcin, A., Kose, S., Noyan, C. O., Nurmedov, S., Yılmaz, O., & Dilbaz, N. (2016).
Smartphone addiction and its relationship with social anxiety and loneliness. Behaviour
& Information Technology, 35(7), 520-525. doi: 10.1080/0144929X.2016.1158319
Demirci, K., Akgönül, M., & Akpinar, A. (2015). Relationship of smartphone use severity with
sleep quality, depression, and anxiety in university students. Journal of behavioral
addictions, 4(2), 85-92. doi: 10.1556/2006.4.2015.010
Deusen, A. J. A. M., Bolle, C. L., Hegner, S. M., & Kommers, P. A. M. (2015). Modeling
habitual and addictive smartphone behavior. The role of smartphone usage types,
emotional intelligence, social stress, self-regulation, age, and gender. Computers in
human behavior, 45, 411-420. doi: 10.1016/j.chb.2014.12.039
Ferreira, D. F. M. A. (2015). Aprendizagem Móvel no Ensino Superior: o uso do Smartphone

456
por alunos do Curso de Pedagogia. (Dissertação de mestrado). Disponível em
https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/14035
Hawi, N. S., & Samaha, M. (2017). Relationships among smartphone addiction, anxiety, and
family relations. Behaviour & Information Technology, 36(10), 1046-1052. Doi:
10.1080/0144929X.2017.1336254
Janeiro, A. C. C. (2013). Ansiedade aos exames/avaliações: estudando e caracterizando este
fenómeno no Ensino Básico e Secundário. (Dissertação de mestrado). Disponível em
http://hdl.handle.net/10400.3/2322
Keith, N., Hodapp, V., Schermelleh-Engel, K., & Moosbrugger, H. (2003). Cross-sectional and
longitudinal confirmatory factor models for the German Test Anxiety Inventory: A
construct validation. Anxiety, Stress & Coping, 16(3), 251-270. doi:
10.1080/1061580031000095416
Kenski, V. M. (2015). Educação e Internet no Brasil. Cadernos Adenauer,16(3), 133-150.
Recuperado em 26 março, 2020, de http://www.kas.de/wf/doc/16511- 1442-5-30.pdf
Khoury, J. M. (2016). Tradução, adaptação cultural e validação de uma versão brasileira do
questionário Smartphone Addiction Inventory (SPAI) para o rastreamento de
dependência de smartphone. Disponível em:
https://revistas.unifacs.br/index.php/sepa/article/view/6110/4016
Kim, Y. J., Jang, H. M., Lee, Y., Lee, D., & Kim, D. J. (2018). Effects of internet and
smartphone addictions on depression and anxiety based on propensity score matching
analysis. International journal of environmental research and public health, 15(5), 859.
doi: 10.3390/ijerph15050859
King, A. L. S., Nardi, A. E., & Cardoso, A. N. (2015). Dependência do computador, internet,
redes sociais? Dependência do telefone celular? O impacto das novas tecnologias no
cotidiano dos indivíduos. Aspectos: Clínico, Cognitivo-Comportamental. Social e
Ambiental. São Paulo: Atheneu.
Kwon, M., Kim, D. J., Cho, H., & Yang, S. (2013). The smartphone addiction scale:
Development and validation of a short version for adolescents. PLoS One, 8(12),
e83558. doi: 10.1371/journal.pone.0083558.
Matar Boumosleh, J., & Jaalouk, D. (2017). Depression, anxiety, and smartphone addiction in
university students-A cross sectional study. PLoS one, 12(8). doi: 10.1371/
journal.pone.0182239
Maziero, M. B., & de Oliveira, L. A. (2017). Nomofobia: uma revisão bibliográfica. Unoesc &
Ciência-ACBS, 8(1), 73-80. Disponível em
https://portalperiodicos.unoesc.edu.br/acbs/issue/view/260
Mescollotto, F. F., Castro, E. M., Pelai, E. B., Pertille, A., & Bigaton, D. R. (2018). Translation
of the short version of the Smartphone Addiction Scale into Brazilian Portuguese: cross-
cultural adaptation and testing of measurement properties. Brazilian Journal of Physical
Therapy, 22(4), 276-282. doi:10.1016/j.bjpt.2018.08.013
Pigott, T. A. (2003). Anxiety disorders in women. Psychiatric Clinics of North America. 26(3),
621-672. doi: 10.1016/S0193-953X(03)00040-6
PRC, Pew Research Center. Annual report. 2019. Disponível em:

457
https://www.pewresearch.org/global/2019/02/05/smartphone-ownership-is-growing-
rapidly-around-the-world-but-not-always-equally/. Acesso em: 5 de mar. 2020.
Ringeisen, T., Buchwald, P., & Hodapp, V. (2010). Capturing the multidimensionality of test
anxiety in cross-cultural research: An English adaptation of the German Test Anxiety
Inventory. Cognition, Brain, Behavior, 14(4), 347.
Samaha, M., & Hawi, N. S. (2016). Relationships among smartphone addiction, stress,
academic performance, and satisfaction with life. Computers in Human Behavior, 57,
321-325. doi: 10.1016/j.chb.2015.12.045
Silva, P. G. N., Albuquerque, A. B., Fonseca, E. R., Bezerra, K. L. S., & Fonsêca, P. N. (2019).
German Test Anxiety Inventory: evidências de validade e precisão no nordeste
brasileiro. Trabalho apresentado no 9º Congresso Brasileiro de Avaliação Psicológica,
Universidade Católica do Salvador, Salvador, Brasil.
Steiner, M., Allgulander, C., Ravindran, A., Kosar. H., Burt, T., Austin, C. (2005). Gender
differences in clinical presentation and response to sertraline treatment of generalized
anxiety disorder. Hum Psychopharmacol. 20(1), 3-13. doi: 10.1002/hup.648
Teixeira, I., da Silva, P. C., de Sousa, S. L., & da Silva, V. C. (2019). NOMOFOBIA: os
impactos psíquicos do uso abusivo das tecnologias digitais em jovens
universitários. Revista Observatório, 5(5), 209-240. doi: 10.20873/uft.2447-
4266.2019v5n5p209
Vidal, Priscila V. C., & Dantas, E. B. (2016). Dependência mobile: a relação da nova geração
com os gadgets móveis digitais. Signos do Consumo, 8(2), 67-84.
GRATITUDE QUESTIONNAIRE (GQ-6): EVIDÊNCIAS PSICOMÉTRICAS NO

458
INTERIOR DO PIAUÍ

Laís Renata Lopes da Cunha


Tamires Almeida da Costa Lima
Lorena Mota Reis
Gabriel Cavalcante Bezerra Ribeiro
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Emerson Diógenes de Medeiros

Introdução

O estudo da gratidão é considerado um campo recente dentro da Psicologia, uma vez


que o interesse neste construto surgiu em meados dos anos 2000. Esta conjuntura pode ser
atribuída ao fato de que a princípio os interesses da Psicologia estavam voltados ao estudo das
patologias e a compreensão dos sofrimentos psíquicos (Freire, Nascimento & Roazzi, 2019).
A Psicologia Positiva se constitui como uma das vertentes que se contrapunha a visão
patologizante. Por essa perspectiva, os indivíduos são beneficiados de forças de caráter e
virtudes pessoais. As forças de caráter são definidas como características positivas que estão
presentes em todos os indivíduos (Park, Peterson, & Seligman, 2006), favorecem os aspectos
saudáveis do ser humanos (cognitivo, social e emocional), mesmo diante das adversidades
(Fonsêca, Silva, Couto, Silva, & Santos, 2020). As virtudes por sua vez, podem ser definidas
como qualidades pessoais que guiam os comportamentos visando o bem-estar comum (Cunha
& Rego, 2015). Desta forma, para alguns autores não se nasce com a gratidão, bem como ela
também não se manifesta de forma espontânea, é um comportamento aprendido culturalmente
(Freire, et al., 2019), entretanto, a perspectiva mais aceita entre pesquisadores ressalta a
característica inata da gratidão, no qual ela pode ser estimulada (McCoullough (200).
Devido a esta pluralidade conceitual e de entendimento, a gratidão é um construto de
difícil definição (Emmos e McCoullough, 2003), permitindo distintas classificações como um
estado emocional e uma ação perante a vida, sendo estas, um reforçador de bem estar pessoal e
relações pessoais (Emmos & Crumpler, 2000). A gratidão pode ser conceitualizada como uma
emoção, atitude, virtude moral, hábito, um traço de personalidade ou uma resposta de coping
(Emmos & McCoullough, 2003).
De acordo com Viana, Oliveira, Rodrigues, Bastos e Argimon (2017), a gratidão é
considerada uma das principais características do ser humano, pois ela possibilita que se
vivencie sentimentos como amor e alegria, incentivando os sujeitos a se tornarem proativos em
relação às pessoas ao seu redor e a sociedade como um todo. A gratidão representa um processo
afetivo que leva a empatia, simpatia, culpa e vergonha, corroborando com a reciprocidade social
positiva (Kini, Wong, McInnis, Gabana & Brown, 2016).
Conforme salienta Freire et al., (2017), a gratidão relaciona-se a personalidade e a traços
emocionais positivos. Assim, é necessário que haja uma estimulação para que ela seja
internalizada no homem, de modo a contribuir para a apreciação da vida. A gratidão propicia a
apreciação e contemplação de pequenas dádivas cotidianas, embora possa ser facilmente

459
confundida com educação, deve-se salientar que a gratidão vai além de dizer “obrigado”, é uma
virtude que possui uma complexidade muito maior, visto que, parte do âmago do indivíduo.
Diante da relevância e complexidade do construto apresentado, faz-se notória a
importância de compreender melhor os aspectos que envolvem a gratidão. Freitas, Silveira e
Pieta (2009) pontuaram a ampla variedade de contextos que envolvem a gratidão, assim como,
o fato dela não está tão somente presente entre os indivíduos, como também entre nações gratas.
Para além disso, Rava e Freitas (2013) ressaltam que diversos autores das áreas do
conhecimento elencaram a gratidão como um importante recurso na manutenção dos vínculos
sociais, em virtude do seu carácter cíclico que envolve três aspectos: o dom ou dádiva, a reação
diante do recebimento do benefício e a retribuição.
Neste sentido, por meio de uma busca é observar na literatura algumas medidas que
avaliam a gratidão, por diferentes perspectivas da gratidão, exemplo da Gratitude o Gratitude,
Resentment and Appreciation Test (Watkins et al., 2003), o Cuestionario de Gratitud (Alarcón,
2014), The Trnspesonal Gratitude Scale (Hlava, Elfers, & Offringa, 2014), além do
Cuestionario de Gratitud - 20 (G-20; Valero, Alandete, & Pérez, 2014), essa última inclusive,
foi adaptada para no contexto brasileiro por Medeiros et al., (submetido), que visa avaliar a
gratidão por uma perspectiva mais abrangem e humanista, que reconhece que a gratidão pode
ser manifestada por quatro diferentes manifestações, que são interpessoal frente ao sofrimento,
reconhecimento das dádivas e expressão de gratidão. Para além desta, verifica-se que apenas o
Gratitude Questionnaire (GQ-6; McCullough et al., 2002) possui versão brasileira (Gouveia et
al., 20219), com seus parâmetros psicométricos averiguados em uma amostra de 986
universitários de seis capitais brasileiras, sendo reunidas evidências de validade convergente
com proposito de vida e intenção de cometer suicídio.
A QG6 compreende a gratidão como um traço de personalidade no qual as pessoas
apresentam a disposição para ser gratos, havendo uma predisposição para se sentirem
agradecidos, independente dos eventos e situações especificas (McCullough, Tsang &
Emmons, 2004). A medida supracitada se configura como instrumento mais utilizados em
diferentes pesquisas transculturais, o que possibilitou conhecer diferentes antecedentes e
consequentes da gratidão em diferentes faixas etárias, por exemplo, Taiwan (Chen, Chen, Kee,
& Tsai, 2009), Chile (Carmona-Hally, Marín-Gutierrez, & Belmar-Saavedra, 2015), (Balgiu,
2020), Equador (Cabrera-Vélez, Lima-Castro, Peña-Contreras, & Aguilar-Sizer, 2020).
Assim, podem-se citar estudos que consideram QGU o realizado por Carmona-Hally et
al., (2015), verificou-se que a gratidão estava associada a satisfação com a vida, afetos positivos
e otimismo. Já o estudo experimental levado a cabo por Toussaint et al., (2017), em contexto
estadunidense sugeriu que a gratidão é um traço psicológico positivo na manutenção da
qualidade de vida das pessoas com fibromialgia. Além disso, a medida tem sido utilizada em
amostras clínicas, prevendo por exemplo que a gratidão pode ajudar a reduzir a depressão em
pessoas com sequelas físicas e psicossociais (Sherman et al., 2019).
Especificamente no Brasil, as evidências psicométricas da medida foram reunidas
apenas em amostras com universitários oriundos de capitais, impossibilita a generalização dos
seus resultados; carecendo que o QG6 replicado e avaliado em diferentes contextos (Gouveia
et al., 2019). Tal fato motivou a realização desse estudo, que tem como principal objetivo
averiguar as propriedades psicométricas do Gratitude Questionnaire (GQ-6) para o interior do
Piauí, especificamente na cidade de Parnaíba.
Método

460
Amostra
Contou-se com uma amostra não-probabilística (por conveniência) de 216 pessoas da
população geral da cidade de Parnaíba, (Midade = 22,84; DP = 6,65; amplitude 18 a 54 anos),
sendo a maioria mulheres (69%), solteiros (90,7%) e com ensino superior incompleto (69,4%).

Instrumentos
Gratitude Questionnaire (GQ-6; McCullough et al., 2002). Adaptado para o Brasil por
Gouveia et al., (2019). Esse instrumento é composto por seis itens, com escala de resposta de
sete pontos, que variam de 1 (Discordo Totalmente) a 7 (Concordo Totalmente), que avaliam
de forma global a disposição para ser grato. Os itens 03 e 06 são redigidos de maneira inversa.
Além disso, os participantes responderam perguntas de caráter sociodemográfico visando
caracterizar a amostra: sexo, idade, estado civil, grau de escolaridade.

Procedimentos
As pessoas foram convidadas a participar da pesquisa de maneira individual. Estes eram
abordados em locais públicos (praças e universidades) da cidade de Parnaíba. Todos que
concordaram participar do estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE), sendo explicado o caráter voluntário e que a pesquisa não lhe traria danos ou ônus aos
participantes, também foi esclarecido a todos que não existiam respostas certas ou erradas e que
ao assinalar a primeira afirmação eles estariam concordando com a participação na pesquisa, e
que somente os pesquisadores responsáveis teriam acesso às informações. Ressalta-se, que
todos os procedimentos éticos para pesquisas com seres humanos foram tomados, baseados nas
Resoluções nº 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, sendo necessários em média,
5 minutos para o seu preenchimento e conclusão na participação da pesquisa.

Análise dos dados


Os dados foram analisados através do pacote estatístico SPSS versão 26. Realizaram-se
as Estatísticas Descritivas (medidas de tendência central e dispersão). Foi empregada uma
análise multivariada da variância (MANOVA) para verificar o poder discriminativo dos itens,
além do índice KMO e do Teste de esfericidade de Bartlett, que foram realizados com o objetivo
de decidir acerca da adequabilidade de se empregar uma análise fatorial. Realizou-se o método
de fatoração dos eixos principais (principal axis factoring, PAF), com o objetivo de verificar a
estrutura fatorial da medida, em seguida foram calculados os índices de consistência interna
(precisão; [Alfa de Cronbach e homogeneidade; correlação média inter-itens/ ri.i]).

Resultados
Os resultados estão apresentados em subtópicos, sendo considerada a sequência que
cada análise estatística foi empregada. Portanto, inicialmente foi analisado o poder
discriminativo dos itens, e, em seguida, procedeu-se a Análise Fatorial Exploratória, para
verificar a estrutura fatorial e consistência interna (precisão) do QG6.
461
Poder discriminativo dos itens
Inicialmente, procurou-se verificar o poder discriminativo dos itens, que se refere a
qualidade métrica dos itens, ou seja, se os itens do Gratitude Questionnaire (GQ-6) conseguem
diferenciar participantes com magnitudes (pontuações) próximas. Para tanto, foi empregada
uma MANOVA, sendo considerado somatório dos itens que compõe a medida, estabelecendo
dois grupos-critérios internos (inferior e superior), tendo como embasada na mediana empírica.
Os resultados podem ser observados na Tabela 1.

Tabela 1.
Poder discriminativos dos itens do Gratitude Questionnaire (GQ-6).
GQ6 Inferior (119) Superior (124) Contraste

Itens M DP M DP F p ɳ²p
1 1,34 0,55 2,87 1,35 121,429 0,001 0,37
2 1,35 0,64 3,06 1,25 162,638 0,001 0,44
3 1,61 0,71 3,37 1,17 177,978 0,001 0,47
4 2,12 1,11 3,46 1,11 74,352 0,001 0,27
5 2,25 1,06 3,74 1,04 104,245 0,001 0,34
6 2,71 1,12 4,40 0,66 173,266 0,001 0,46

Nota: Item discriminativo (p<0,01).

Considerando os resultados apresentados na Tabela 1, é possível observar que a Escala


de Gratidão apresenta um poder discriminativo dos itens satisfatório, com todos os itens
conseguindo diferenciar a média das pontuações de maneira adequada, ou seja, p < 0,01.
Especificamente os seis itens da medida discriminaram na direção esperada [Lambda de Wilks
= 0,25, F (6, 207) = 105,935; p < 0,001, ² = 0,75]., com o tamanho de efeito (ɳ²p) variando de
0,20 (item 4, Estou agradecido(a) a muitas pessoas diferentes.) a 0,39 (item 02, Se tivesse que
fazer uma lista por tudo que me sinto agradecido(a), seria uma lista muito longa.), sendo esse
último, o item com o melhor poder discriminativo. Assim, com o poder discriminativo de todos
os itens da medida assegurado, prosseguiu-se para a etapa de verificação da estrutura fatorial
da Escala de Gratidão, visando conhecer evidências de validade da medida.

Análise Fatorial Exploratória do Gratitude Questionnaire (GQ-6)


Inicialmente, foi realizada uma análise fatorial exploratória, tendo como finalidade
conhecer a estrutura fatorial da matriz de correlações entre os seis itens do instrumento. Assim,
por meio dos resultados é possível observar os valores do índice de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO
= 0,72) e Teste de Esfericidade de Bartlett 𝑥 2 (15) = 195, 243; p < 0,001. Inicialmente, realizou-
se essa análise sem fixar o número de fatores a serem extraídos, e a rotação. Assim, foi possível
identificar a possibilidade de extração de um fator com valores próprio (eigenvalue) superior a
1 (Critério de Kaiser). Em relação a representação gráfica dos valores próprios (Critério de
Cattell), observou-se que era mais adequada a retenção de dois fatores, como pode ser

462
observado na Tabela 1.

Figura. 1. Representação Gráfica do Valores Próprios (Critério de Cattell)

É possível observar na distribuição gráfica dos valores próprios (Critério de Cattell) na


figura 1 acima, que dois fatores se discrepam dos demais, ficando evidenciado que os demais
valores próprios quase não se diferem uns dos outros, demonstrando assim, uma estrutura
unifatorial. Posteriormente, realizou-se uma Análise Fatorial Exploratória assumindo como
critério de saturação cargas fatoriais com valores mínimos iguais ou superiores a |0,30|. Os
resultados dessa análise podem ser observados na Tabela 2.

Tabela 2.
Estrutura fatorial do Gratitude Questionnaire.
Conteúdo dos itens Gratidão h²

02. Se tivesse que listar tudo pelo que sou grato(a), esta seria uma lista muito 0,83 0,68
longa.
01. Sou grato(a) por muitas coisas na vida 0,55 0,30
05. À medida que fico mais velho, sinto-me mais capaz de agradecer as 0,48 0,23
pessoas, os eventos e as situações que têm feito parte da minha história
de vida.
04. Sou grato(a) a muitas pessoas. 0,47 0,22
03. Quando olho para o mundo, não vejo muita coisa para ser grato(a). 0,44 0,19
06. Pode passar um longo tempo antes que me sinta grato(a) a alguma coisa 0,34 0,11

463
ou a alguém
Número de itens 6

Valor próprio 2,36

Variância explicada (%) 39,31


Alfa de Cronbach 0,70
Homogeneidade 0,27

Nota: carga fatorial considerada satisfatória, isto é, > |0,30|; h² = comunalidade.

Dessa forma, como pode ser observado na Tabela 2, a medida ficou composta por um
fator geral da gratidão, que permitiu explicar 39,31% da variância total. Os itens apresentaram
cargas fatoriais que variaram entre 0,34, (item 06, “Pode passar um longo tempo antes que me
sinta grato(a) a alguma coisa ou a alguém”) e 0,83, (item 02, “Se tivesse que listar tudo pelo
que sou grato(a), esta seria uma lista muito longa”). O índice de consistência interna foi
medido através do coeficiente alfa de Cronbach (α), que apresentou um valor de 0,70, que é
considerável aceitável. Além disso, visando assegurar mais evidências de consistência interna,
verificou-se o índice de homogeneidade (correlação média inter-itens/ ri.i), que apresentou uma
média de 0,27, variando de 0,17 (Itens 1 e 4) a 0,51 (Itens 1 e 2).

Discussão

O presente estudo objetivou validar o Gratitude Questionnaire (GQ-6; McCullough et


al., 2002), adaptado para o contexto brasileiro por Gouveia et al., (2019). Estima-se que o
principal objetivo tenha sido alcançado. Os resultados demonstram que no conjunto, foram
apresentadas qualidades métricas satisfatórias do QG6. Os principais achados serão discutidos
a seguir.

Assim, no que tange a validade fatorial, a QG6 apresentou uma estrutura unifatorial, corroborando com
estudos prévios em outras culturas (Carmona-Hally et al., 2015), Chile (Balgiu, 2020; Cabrera-Vélez et al., 2020;
Carmona-Hally et al., 2015; Chen et al., 2009; McCullough et al., 2002) e em contexto brasileiro (Gouveia et al.,
2020). Referente ao índice de consistência interna (precisão), foi considerado adequado, pois figurou-se no ponto
de corte que é comumente admitido (≥ 0,70; Marôco, 2014). Além disso, também foram reunidas evidências
empíricas complementares de validade, por meio da homogeneidade ficou acima do admitido pela literatura (0,20;
Clark & Watson, 1995)

Apesar dos resultados satisfatórios, este, como todo empreendimento científico não se
isenta de limitações, fazendo-se importante elencar algumas, além de serem indicadas possíveis
direções futuras. Assim, cita-se inicialmente a amostra como uma que foi constituída apenas
por pessoas da cidade de Parnaíba. Além disso, esses foram angariados de forma não-
probabilística (por conveniência), impossibilitando a generalização dos resultados para além da
amostra considerada. Entretanto, deve-se considerar que essa pesquisa não pretendeu
generalizações, mas apresentar uma medida com boas qualidades métricas no interior piauiense.
Outra limitação, refere-se ao fato do QG6 ser uma medida de autorrelato, o que permite que o

464
participante falseie a resposta, em função da desejabilidade social (Gouveia et al., 2019).
Apresentadas as possíveis limitações, visando diminui-las, recomenda-se que a QG6
seja aplicada em outros contextos, diversificando as amostras, tornando-as mais representativas.
Isto posto, seria interessante contar com diferentes grupos, tais como o gênero, diferentes faixas
etárias. Nessa direção, também é importante a realização de análises mais robustas, a exemplo
da Análise Fatorial Confirmatória (AFC), averiguando inclusive a invariância em diferentes
grupos ou testando modelos alternativos (uni e bifatorial; da medida com cinco ou seis itens;
Balgiu, 2020; Cabrera-Vélez et al., 2020; Chen et al., 2009; McCullough et al., 2002). Além
disso, seria igualmente interessante reunir evidências complementares de validade convergente
(Gouveia et al., 2019), por exemplo, com outras medidas que avaliam a gratidão, ou com
construtos relacionados a exemplo da personalidade, satisfação com a vida, otimismo, proposito
de vida e afetos (Carmona-Hally et al., 2015); isto possibilitaria um maior entendimento dos
antecedentes e consequentes da gratidão no cenário nacional.
Em suma, os resultados encontrados são promissores, mostrando que modelo teórico da
disposição de ser grato, como previsto, apresentou evidências psicométricas adequadas, sendo
considerado unifatorial, o que justifica utilização da medida em estudos que elejam a gratidão
como variável de interesse, auxiliando na compreensão de fenômenos psicossociais que
promovam um maior bem estar para o ser humano.

Referências

Alarcón, R. (2014). Construcción y Valores Psicométricos de una Escala Para Medir la


Gratitud. Acta de investigación psicológica, 4(2), 1520-1534. Recuperado de
http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2007-
48322014000200006&lng=es&tlng=es.
Balgiu, B. A. (2020). The reliability and the construct validity of the Gratitude Questionnaire
(GQ-6) in a sample of Romanian undergraduates. Journal of Educational Sciences and
Psychology, 10(1), 101-109. Recuperado de
https://www.researchgate.net/publication/341444122
Bernabé-Valero, G., García-Alandete, J., & Gallego-Pérez, J. F. (2014). Construcción de um
cuestionario para la evaluación de la gratitud: el Cuestionario de Gratitud-20 ítems (G-
20). Anales de Psicología, 30, 1, 278-286. doi: 10.6018/analesps.30.1.135511
Cabrera-Vélez, M., Lima-Castro, S., Peña-Contreras, E., Aguilar-Sizer, M., Bueno-Pacheco,
A., & Arias-Medina, P. (2020). Adaptation and Validation of the Gratitude
Questionnaire GQ-6 for the Ecuadorian Context. Avaliação Psicológica, 18(2), 129-
137. doi: 10.15689/ap.2019.1802.15689.03.
Carmona-Hally, M. A., Marín-Gutierrez, M & Belmar-Saavedra, F. (2015). Análisis
psicométrico del Gratitude Questionnaire 6 (GQ-6) en población chilena. Universitas
Psychologica, 14(3), 881-888. doi: 10.11144/Javeriana.upsy14-3.apgq
Chen, L., Chen, M., Kee, Y., & Tsai, Y. (2009). Validation of the gratitude questionnaire (GQ)
in Taiwanese undergraduate students. Journal of Happiness Studies, 10(6), 655-664.
Clark, L. A., & Watson, D. (1995). Constructing validity: Basic issues in objective scale

465
development. Psychological Assessment, 7(3), 309-319.
http://www.personal.kent.edu/~dfresco/CRM_Readings/Clark_and_Watson_1995.pdf
Cunha, M. P & Rego, A., (2015). As virtudes nas organizações. Análise Psicológica, 33(4),
349-359. https://dx.doi.org/10.14417/ap.1022
Emmons, R. A., & Crumpler, C. A. (2000). Gratitude as a human strength: Appraising the
evidence. Journal of Social and Clinical Psychology, 19(1), 56-
69. https://doi.org/10.1521/jscp.2000.19.1.56
Emmons, R. A., & McCullough, M. E. (2003). Counting blessings versus burdens: An
experimental investigation of gratitude and subjective well-being in daily life. Journal
of Personality and Social Psychology, 84(2), 377-389. https://doi.org/10.1037/0022-
3514.84.2.377
Fonsêca, P. N., Silva, M. C., Neves, R. Couto, Silva, P. G. N., & Santos, J. L F. (2020).
Engajamento escolar e sua relação com as forças de caráter dos adolescentes.
Psicología, Conocimiento y Sociedad, 10(1), 164-183. doi: 10.26864/PCS.v10.n1.8
Freire, M. R. L., Nascimento, A. M., Roazzi, A., (2019). Autogratidão e autoconsciência:
Notas Introdutórias ao estudo do conceito de gratidão autodirigida. Revista
Interdisciplinar de Psicologia e Promoção da Saúde, 23(1), 289-306.
Freitas, L. B. L., Silveira, P. G., & Pieta, M. A. M., (2009). Sentimento de gratidão em crianças
de 5 a 12 anos. Psicologia em Estudo, 14(2), 243-250. https://doi.org/10.1590/S1413-
73722009000200004
Gouveia, V. V., Ribeiro, M.G. C., de Aquino, T. A. A., Loureto, G. D. L., Nascimento, B. S.,
& Rezende, A. T. (2019). Gratitude Questionnarie (GQ-6): Evidence of construct
validity in Brazil. Current Psychology, doi: 10.1007/s12144-019-00197-x
Hlava, P., Elfers, J., &amp; Offringa, R. (2014). A Transcendent View of Gratitude: the
Transpersonal Gratitude Scale. International Journal of Transpersonal Studies, 33(1),
1-14. doi: 10.24972/ijts.2014.33.1.1
Marôco, J. (2014). Análise de equações estruturais: fundamentos teóricos, software e
aplicações (2.ed.). Pêro Pinheiro, Portugal: Report Number.
McCullough, M. E., Emmons, R. A., & Tsang, J. A. (2002). The grateful disposition: A
conceptual and empirical topography. Journal of Personality and Social Psychology,
82(1), 112-127. doi:10.1037/ 0022-3514.82.1.112
Nguyen, S. P., & Gordon, C. L. (2019). The Relationship Between Gratitude and Happiness in
Young Children. Journal of Happiness Studies. doi: 10.1007/s10902-019-00188-6
Park, N., Peterson, C., & Seligman, M. E. P. (2006). Character strengths in fifty-four nations
and the fifty us states. The journal of positive psychology, 1(3), 118-129. doi:
10.1080/17439760600619567
Rava, P. S., & Freitas, L. B. L., (2013). Gratidão e sentimento de obrigatoriedade na infância.
Psico-USF, 18(3), 383-394. https://doi.org/10.1590/S1413-82712013000300005
Sherman, A. C., Simonton-Atchley, S., O’Brien, C. E., Campbell, D., Raghu M. Redd, R. M.,
... & Anderson, P. J. (2019). Longitudinal associations between gratitude and
depression 1 year later among adult cystic fibrosis patients. Journal of Behavioral

466
Medicine, doi: 10.1007/s10865-019-00071-y
Toussaint, L., Sirois, F., Hirsch, J., Weber, A., Vajda, C., Schelling, J., ... Offenbacher, M.
(2017). Gratitude mediates quality of life differences between fibromyalgia patients and
healthy controls. Quality of Life Research, 26(9):2449-2457. doi: 10.1007/s11136-017-
1604-7
Viana, A. R R., Oliveira, C. R., Rodrigues, G. V. A., Bastos, A. S., Argimon, I. I. L.,
(2017). Gratidão como fator de proteção no envelhecimento. Revista Interdisciplinar de
Psicologia e Promoção da Saúde, 50(1-2), 132-142. Recuperado de
http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/aletheia/article/view/4170/2996
Watkins, P. C., Woodward, K., Stone, T., &amp; Kolts, R. L. (2003). Gratitude and happiness:
development of a measure of gratitude, and relationships with subjective well-
being. Social Behavior and Personality: an international journal, 31(5), 431-451. doi:
10.2224/sbp.2003.31.5.431
DESGASTE FÍSICO E PSICOLÓGICO DE MÃES DE CRIANÇAS COM

467
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

Adriana Bomfim Ribeiro


Ana Catarina Correia Mesquita
Patrícia Bomfim Ribeiro
Mateus Cardoso do Amaral

Introdução

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é definido como uma síndrome do


neurodesenvolvimento, com características que comprometem três áreas: a comunicação e o
comportamento, sendo ambos repetitivos e estereotipados e a interação social. A razão/motivo
desse transtorno, ainda, é desconhecida e sua evolução é muito variável, dependendo do grau
(leve, moderado ou severo) de comprometimento do indivíduo (Brito & Vasconcelos, 2016).
Segundo Oliveira (2009), “autos” significa próprio, e “ismo” traduz um estado ou uma
orientação, isto é, uma pessoa trancada, reclusa em si. Diante disso, afirma-se que o autismo é
um estado, uma condição de conhecimento de si mesmo, gerando dificuldades de interação até
mesmo com a família. Nesse caso, a família pode experimentar uma série de emoções quando
o filho tem o diagnóstico do TEA, deparando-se com as limitações dele. Como supracitado
pelos autores, os pais por sua vez fantasiam um filho perfeito e saudável, quando isso não
acontece, atropelam suas expectativas, ficam frustrados, é experienciam sentimentos negativos
de culpa e sofrimento pela perda simbólica do filho idealizado (Kiquio & Gomes, 2018).
Com isso, Faro et al. (2019), através de pesquisas, relata as dificuldades enfrentadas por
famílias que mudaram sua rotina em prol do filho, o que gera uma maior sobrecarga na mãe por
estar em tempo integral com esta criança. Observando os esclarecimentos referidos, algumas
inquietações se fazem necessárias para a construção de conhecimentos a ser investigados, isto
é, como se caracteriza o desgaste físico e psicológico de mães com crianças com TEA?
Esse artigo tem como objetivo demonstrar o desgaste físico e psicológico de mães de
crianças com transtorno do espectro autista (TEA), especificando e identificando as
dificuldades encontradas no âmbito familiar, bem como investigar as vivências das mães em
sua rotina diária, e descrever possíveis fatores que levam a sobrecarga, adoecimento físico e
emocional dessas mães.

Método

O presente artigo trata-se de uma pesquisa qualitativa, com procedência de origem clara,
esta por sua vez, não se utiliza de métodos e técnicas estatísticas, o ambiente é inerente de
origem clara, tendo como principal instrumento o pesquisador. (Prodanov & Freitas, 2013).
Para a construção do artigo, foram utilizadas publicação nos últimos 10 anos (2009 a

468
2019), sendo realizadas através de artigos divulgados nas plataformas científicas, como o
periódico da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Scientific
Eletronic Libraly Online (SIELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da
Saúde (LILACS) e Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PEPSIC), empregando os descritores
correlacionados: autismo, criança, família, fatores estressores e mães.
A pesquisa também foi baseada a partir de revistas das áreas humanas e saúde com
intuito de esclarecer a temática. Após a seleção dos materiais mais abrangentes, foi definido o
critério de inclusão e exclusão voltado à temática. Para a inclusão foram selecionados artigos
que estivessem dentro do lapso temporal delimitado e ainda abordassem temas com palavras
chaves relacionadas: criança com transtorno com espectro autista, maternidade, redes de apoio
e sofrimento psíquico. Para os critérios de exclusão foram desconsiderados materiais que não
abordassem o tema, não tivessem fundamento cientifico e com ano de publicação fora do prazo
delimitado.
Dessa forma, inicialmente foram selecionados 28 artigos, sendo que 18 destes foram
desconsiderados, pois não atendiam aos critérios de inclusão e apenas 10 foram utilizados nesse
estudo.

Resultados e Discussão

O quadro a seguir traz de maneira simplificada, mas sem prejudicar a importância dos
estudos, os principais aspectos das discussões dos trabalhos selecionados para a elaboração
deste artigo.

Quadro 1
Classificação do conjunto selecionado de acordo com o autor, título, revista, ano de publicação e
resultados
Autores/ título Fonte/editora e data de Principais desfechos
plublicação
Elizangela Argenta Zanatta, Revista Baiana. O estudo mostra que conviver com o
Ediane Menegazzo, Andrea autismo, é para a família uma tarefa
Ano: 2014.
Noeremberg Guimaraes, árdua, difícil, cansativo e, no entanto,
Maria da Graça Corso da dolorosa. Apresentou também o longo
Motta e Lucineia Ferraz. caminho percorrido os obstáculos até a
chegada do diagnóstico, por vez
trouxeram à tona o isolamento social
Cotidiano de famílias que que ocorre na família, bem como a
convivem com o autismo sobrecarga materna física, psíquica e
infantil. emocional. Dessa forma o artigo
apresentou, de forma necessária a
revigoração das redes sociais de apoio
as crianças e as famílias, com objetivo
de ofertar, base de sustentação
emocional e técnico para superar os
dias das adversidades impostas pelo

469
autismo.
Rayssa Naftaly Muniz Revista gaúcha O artigo da ênfase ao choque
Pinto, Isolda Maria Barros enfermagem. emocional após a descoberta e o
Torquato, Neusa Collet,
Ano: 2016. processo de aceitação do diagnóstico
Altamira pereira da Silva
para a família, devido à falta de
Reichert, Vinicius Lino de
informação necessária sobre o
Souza Neto e Alynne
transtorno, além disso a mudança nas
Mendonça Saraiva.
relações familiares.
Contudo os autores também pontuaram
Autismo infantil: impacto a sobrecarga materna, onde há um
no diagnóstico e repercussão rompimento da vida profissional e
nas relações familiares social para se dedicar a casa, filhos e o
marido.
Mediante a esses fatores, mostra a
importância de um profissional da área
de saúde, com habilidade em
comunicar o transtorno e saber
preparar a família para encarar os
obstáculos exigido pelo transtorno e
para obtenção da independência do
cuidado ao autista
Michele Christmann, Cadernos de Pós-Graduação O artigo teve como objetivo avaliar o
Mariana Amaro de Andrade em Distúrbios do nível de estresse da mãe de criança
Marques, Marina Monzani Desenvolvimento. com transtorno do espectro autista, e
da Rocha, Luiz Renato como verificar a percepção que as
Ano: 2017.
Rodrigues Carreiro. mães possuem sobre o estresse
experienciado e a necessidade de
cuidados da criança. Através da
Estresse materno e pesquisa foi identificado a relação
necessidade de cuidado com direta aos cuidados necessários em
os filhos com TEA na torno do filho. Ressaltou-se sobre a
perspectiva das mães. importância de uma rede social de
apoio para uma condição favorável de
vida das mães.

Teresinha Cid Psico-USF. Os resultados corroboram dados da


Constantinidis, Laila literatura quanto ao choque emocional
Ano: 2018.
Cristina da Silva e Maria na vida diária das genitoras, aos
Cristina Cardoso Ribeiro. encargos enfrentados por elas, a
importância da rede social de apoio.
Destaca-se como achados deste estudo
Todo mundo quer ter um a importância do diagnóstico como
filho perfeito. Vivências de norteador das ações das genitoras, e a
mães de crianças com resistência dos profissionais em
autismo informá-los sobre o transtorno. Além
disso há um outro fator, a dificuldade
que o pai tende a enfrentar de aceitar a
condição do filho, em contrapartida a

470
busca pela identidade feminina da mãe.
Mônica Sperb Machado, Unisinos: Contextos O artigo mostra que após o
Angélica Dotto Londero, clínicos. diagnóstico, há mudanças bruscas na
Caroline Rossato Pereira. rotina diária e na dinâmica e nas
Ano: 2018
relações com a família, relata sobre o
isolamento do convívio social, mostra
Tornar-se família de uma a ausência de apoio e dificuldade no
criança com transtorno do acesso aos tratamentos, além desses
espectro autista. fatores a preocupação e concepções
diferentes em relação a outras famílias,
reconhecendo como família com uma
aproximação maior, estas dispõem de
apreensão e bem como de expectativa
não parecidas com outras famílias, se
certificando como famílias vinculadas
numa dicotomia entre alegria e tristeza.

Francidalma Soares S. Revista cientifica Sena Este artigo refere-se de uma pesquisa
Carvalho-filha. Hilma Aires. qualitativa exploratória, de estudo de
Mirella Costa e Silva, caso. Teve como objetivo verificar
Ano: 2018
Raimunda de Paula de como ocorria o cotidiano de pais,
Castro, Le Marciano de cuidadores de crianças e pessoas com
Moraes Filho, Franc-Lane transtorno do espectro autista.
Sousa C. do Nascimento. Demonstrou então que a vida diária se
adequa aos cuidados destas.
Notou-se ainda que uma das maiores
Coping e estresse familiar e
dificuldades encontradas pelos pais e
enfrentamento na
cuidadores foi a alimentação e a
perspectiva do transtorno do
comunicação. Dentre isso a uma
espectro autista
necessidade de valorização de uma
rede de suporte, com objetivo de
incentivar o progresso dessas pessoas a
buscar se integrar em outros âmbitos,
para que se tenha uma vivencia
próximo possível não atípica.

Marilise Ferreira e Luciane Psicologia em revista. Este artigo tem objetivo conhecer mães
Najar Smeha. de criança com transtorno do espectro
Ano: 2018.
autista no contexto da
A experiência de ser mãe de
monoparentalidade. Resultados
um filho com autismo no
revelaram que os sentimentos e
contexto da
desafios são semelhantes aos de mães
monoparentalidade.
que não vivem no contexto
monoparental. Além desse fator o
artigo reflete sobre a importância de
A experiência de ser mãe de uma rede de apoio emocional, em
um filho com autismo no especial, na questão da sobrecarga
contexto da
monoparentalidade. advinda pelo cuidado excessivo do
filho, já que este se encontra com a
responsabilidade só para mãe. A

471
pesquisa também evidenciou uma
valorização do trabalho de um
psicólogo voltado para estas, promover
a ampliação e o fortalecimento da rede
que elas percebem com fundamental, o
apoio emocional, dos quais estas
pudessem compartilhar suas
conversas, angustias, desabafos e
momentos de preocupação.

Thais Cunha de Kiquio e UNESC: Revista de A proposta do artigo foi identificar o


Karin Martins Gomes. iniciação cientifica. estresse da família de criança com
transtorno do espectro autista, e a
Ano: 2018.
relação da família com outros filhos do
O estresse familiar de qual não apresenta o transtorno. Os
crianças com transtorno do resultados constataram que mães
espectro autista- TEA. apresentam o maior risco de crise de
estresse em relação aos pais, em
virtude de fatores sociais exigirem
mais da figura feminina os cuidados do
filho com TEA.
Por meio disso, salienta a relevância de
estratégias advinda de análise com
proposta de investigar a personalidade
dessas famílias, e por conseguinte criar
redes de apoio como forma de
prevenção com intuito de assessorar na
prevenção de fatores estressores.
Kátia Carvalho Amaral Revista Original. Psico. O artigo mostra que mães com estresse
Faro, Rosita Barral Santos, tiveram quase o dobro de percepção de
Ano: 2019.
Cleonice Alves Bosa, sobrecarga, enquanto as sem estresse
Adriana Wagner e Simone perceberam maior suporte familiar,
Souza da Costa Silva. principalmente nos aspectos de
afetividades e autonomia. Tendo as
genitoras com apoio familiar o respeito
Autismo e mães com e sem pela liberdade e tomada de decisão.
estresse: análise da Nesse sentido, os resultados apontaram
sobrecarga materna. a importância do suporte familiar no
convívio de mães de crianças com
TEA.
Hiara de Bodas Lopes, Revista Cereus. O artigo teve por objetivo as
Ildaiane Cristine de, repercussões emocionais vivenciadas
Ano: 2019.
Meneses, Ellen Fernanda pelas mães. Foram realizadas
Klinger e Jaqueline Suzuki. entrevistas semiestruturadas e
aplicadas aos inventários Beck de
Depressão. O resultado destacou como
Transtorno do espectro sentimento mais presente durante a
autista: ressonâncias investigação e após o diagnóstico.
emocionais e Após o choque inicial do diagnóstico e

472
ressignificação da relação o luto diante da nova perspectiva, a
mãe-filho necessidade de ressignificação da
relação com o filho. Desse modo,
percebe-se a necessidade de um
acompanhamento e suporte
profissional, durante a suspeita e o
fechamento do diagnóstico,
imprescindível tanto para as crianças
autistas quanto para a família, em
especial, para a mãe.
Fonte: Lilacs, Scielo e Pepsic.

Com análise dos dados do Quadro 1, foi possível observar que as mães são as principais
cuidadoras da criança com transtorno autista (Zanatta et al., 2014; Christmann et al., 2017), por
essa razão, são mais sobrecarregadas em sua saúde física e psicológica (Kiquio et al., 2018;
Pinto et. al., 2016). Muitas perspectivas surgem mediante o nascimento da criança, os pais, por
sua vez, idealizam o filho como algo que fracassaram, porém quando percebem a criança com
comportamento atípico, não esperado pela sociedade, impõem-se ao luto e a adequação do novo
(Ferreira & Smeha, 2018).
Para a família, defrontar com os limites da criança, é encarar o desconhecido, o que gera
sentimentos embaralhados, frustações, medo e desorganização das emoções, dessa forma o
momento do diagnóstico para ela é atravessado por aglomerado de sentimentos e sensações de
responsabilidade, insegurança e negação (Pinto et al., 2016). Entretanto, após o diagnóstico as
genitoras vivenciam um período conturbado de sofrimento, porém para outras mães, a
comprovação do diagnóstico é positiva, pois há uma facilidade no processo de como agir com
seu filho, assim realizar estratégia mais eficaz para ele (Lopes et al., 2019), geralmente a família
busca na negação artifícios para não entrar em contato com a realidade. Apesar da confirmação
do diagnóstico, surge a partir deste, sentimento de culpa ao prevalecer a perspectiva da perda
permanente.
Christmann et al. (2017), menciona que mães de criança com autismo têm uma rotina
diária acometida de várias tarefas, tais como: a dedicação integral voltada ao filho,
responsabilidade com a família e com o empenho em casa, elas relatas que há uma necessidade
de modificar a dinâmica do seu cotidiano, abrir mão de seu trabalho e dedicar por tempo
integral, sem tempo para si mesma.
Pinto et al. (2016), ratifica que a concentração e a dedicação integral do cuidado
assumido pela genitora, está interligada não somente ao filho com o transtorno do espectro
autista (TEA), mas também aos afazeres diários, de se submeter a abdicar da carreira
profissional e dividir seu tempo, acarretando prejuízos físicos e mentais. Faro et al. (2019),
através de pesquisa quantitativa, com amostra de trinta mães, nas quais evidenciaram sem o
apoio familiar, tiveram mais que o dobro de percepção de sobrecarga comparada com outras
mães, as quais tiveram suporte familiar. Além disso, foi observado durante uma pesquisa com
vinte e três mães, onde foi constatado através do inventário de sintomas de estresse para adultos
(ISSL), que há uma elevada prevalência de quase 74% de estresse, tornando-se a maior parte
no comprometimento psicológico com 64,7% (Christmann, 2017).
Sobre isso, nota-se que também em comparação de mães com estresse e sem estresse,

473
há uma diferença relacionada com a sobrecarga materna. Essa pesquisa é de natureza
quantitativa e descritiva com trinta genitoras de crianças com transtorno do espectro autista. Foi
certificado que o maior gatilho para o estresse é na comunicação, um fator que causa maior
estresse nas cuidadoras, quando se referem às genitoras sem estresse é de quase 78%, sendo nas
mães com estresse 85,7% (Faro et al., 2019). Autores como Ferreira e Smeha (2018), revelam
que essa sobrecarga se gera devido ao cuidado monoparental, não havendo cumplicidade ou
ajuda aos demais membros familiares. Sendo assim, a primordialidade da dedicação com o
filho, geralmente mantém-se ao longo da vida, o que pode interferir nas suas necessidades
pessoais.
Na sociedade, a mulher apresenta a função de cuidadora principal, a própria cultura
social estabelecida pela construção da história reserva a mãe o papel de cuidadora primária,
devido a esse respectivo olhar da sociedade, acaba intensificando ao processo de uma
sobrecarga materna (Christmann et al., 2017), além da falta de apoio familiar as mães se veem
angustiadas e desgastadas com os cuidados diários com o filho, tensões ocasionadas por
comportamentos de birras e agressividade, dificuldade de comunicação na alimentação,
dependência básica, muitas vezes, gerando impotência mediante as mães (Carvalho-filha et al.,
2018; Ferreira & Smeha, 2018).
Nesse sentido, o cotidiano dessas genitoras é modificado para possibilitar um suporte
indispensável para seu filho, já que elas se mantêm em posição de exigência e frequente
dependência da criança com TEA (Constantinidis et al., 2018; Lopes et al., 2019). Zanatta et
al. (2014) e Machado et al. (2018), pontuaram sobre o isolamento que ocorre na família de
criança com espectro autista, sendo que ela evita ir para lugares onde percebem que seu filho
não tem o comportamento esperado pela sociedade. Ademais, corroborando com os outros
autores supracitados, compreende-se que o isolamento social se dá através da reação do filho
com autismo que é imprevisível seu comportamento em um outro ambiente, pois algumas
mudanças na rotina ou lugares pode gerar uma crise, o que leva a uma quebra de padrão na
sociedade.
Lopes et al. (2019), Ferreira e Smeha (2018) e Pinto et al. (2016) trazem um aspecto
fundamental para as mães de crianças com TEA, para redução de sobrecarga da genitora é
necessário o apoio familiar, como o suporte profissional afim de proporcioná-la bem estar, visto
que a vida cotidiana dela é exaustiva, dedicando aos afazeres de casa, marido e filhos, tendo
uma rotina atribulada de tarefas.

Considerações finais
O transtorno do espectro autista tem sido determinado com uma desordem em três
alterações presente: na comunicação, no comportamento atípico do indivíduo e nas dificuldades
de interação social. Diante disso, a mãe é solicitada a se mobilizar em prol das necessidades de
seu filho, muitas mães abdicam seus desejos para viver em função da maternidade, no que diz
respeito à sociedade, vivem em ruptura quase que de imediato, ausência de um apoio familiar,
o que de fato dá uma existência de exaustão emocional e física pelos cuidados excessivos pela
criança.
Por meio da análise do conjunto de dados incluídos nesta pesquisa, acredita-se que este
trabalho tenha contribuído para ampliação da literatura e elucidação de dúvidas que circundam
atenção à mãe da criança com transtorno do espectro autista. Observou-se que as mães
geralmente apresentam uma sobrecarga gerada pelos afazeres diários, além da omissão do
suporte profissional por insuficiência das informações, atrelado a esse sentimento, percebe-se

474
ainda em muitos casos a negação dos familiares, caracterizando logo após o diagnóstico, o que
de fato amplifica o momento de dificuldade e torna um gatilho a sobrecarga emocional.
Diante disso, fica clara a necessidade do suporte familiar e da rede de apoio antes, após
o diagnóstico, que além de informar, devam auxiliar afim de que as mães possam de forma
satisfatória trabalhar com seu filho e ampliarem as etapas de desenvolvimento dele.
Além das informações necessárias, deve-se ter também o auxílio, não só as mães, mas
toda a família da criança com transtorno do espectro autista, visto que, diante da identificação
de uma doença e sua aceitação, a forma que é encarada, as dificuldades dela, pode ser dada com
o aumento do conhecimento sobre ela, o que vem ao encontro com a busca de formas de
tratamento e com perspectivas no prognóstico.
Ademais, implica-se que esse estudo contribua para um dimensionamento dos saberes
das mães de crianças com TEA, porém, não só sobre as peculiaridades do transtorno do autismo
em si, mas sobre seu reflexo no seio familiar, que ainda, proporcione uma reflexão sobre o
importante papel incumbido às equipes multiprofissionais.
Espera-se que tenha sido possível perceber o quão é impactante o diagnóstico do TEA
para a família, que muitas dificuldades existem até se chegar a um diagnóstico, todos os
envolvidos possam entender o transtorno da melhor maneira, e o quanto isso sobrecarrega a
mãe, pois é notório que muito ainda se tem a conhecer sobre esse tema. A chave para o
diagnóstico precoce e um prognóstico adequado é a informação, o que traz à tona a necessidade
de novas discussões sobre o tema.

Referências

American Psychiatric Association (APA). (2014). Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais [recurso eletrônico]: DSM-5 / 5. ed. – Dados eletrônicos. – Porto
Alegre: Artmed.
Brito, A. R. & Vasconcelos, M. M. de. (2016). Conversando sobre autismo-reconhecimento
precoce e possibilidades terapêuticas. In: V. Caminha, J. Huguenin, L. M. Assis & P. P.
Alves. Autismo Vivências e Caminhos. São Paulo: Blucher.
Carvalho-filha et al. (2018). Coping e estresse familiar e enfretamento na perspectiva do
transtorno do espectro autista. Revista Cientifica Sena Aires. Disponível em:
file:///C:/Users/mateu/Downloads/300-663-2-PB.pdf. Acessado em: 12 set. 2019.
Constantinidis, T. C., Silva, L. C. da. & Ribeiro, M. C. C. (2018). “Todo Mundo Quer Ter um
Filho Perfeito”: Vivências de Mães de Crianças com Autismo. Psico-USF, Campinas.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
82712018000100047&lng=en&nrm=iso. Acessado em: 18 Mar. 2020.
Christmann, M. et al. (2017). Estresse materno e necessidade de cuidado dos filhos com tea na
perspectiva das mães. Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-
03072017000200002. Acesso em: 29 mar. 2019.
Faro, K. C. A. et al. (2019). Autismo e mães com e sem estresse: análise da sobrecarga materna
e do suporte familiar. Psico. Disponível em:
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/30080.

475
Acessado em 11 set. 2019.
Ferreira, M. & Smeha, L. N. (2018). A experiência de ser mãe de um filho com autismo no
contexto da monoparentalidade. Psicologia em Revista. Disponível em:
http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/9303.
Acessado em: 09 mai. 2019.
Grael, P. M. (2007). Expressão de afeto em genitores masculinos de crianças autistas. In F. B.
Assumpção Júnior & E. Kuczynski, E. (Eds.), Autismo infantil: novas tendências e
perspectivas. São Paulo: Atheneu.
Kiquio.T. C. O; Gomes.K.M. (2018). O estresse familiar de crianças com transtorno do espectro
autismo – tea | kiquio | revista de iniciação científica. Disponível em:
http://periodicos.unesc.net/iniciacaocientifica/article/view/4270/4048. Acesso em: 3
nov. 2019.
Lopes. H. Meneses. I. C., Klinger. E. F. & Suzuki. J. (2019). Transtorno do espectro autista:
ressonâncias emocionais e ressignificação da relação mãe-filho. Revista Cereus, v. 11,
n. 2. Disponível em: http://ojs.unirg.edu.br/index.php/1/article/view/2028/808. Acesso
em: 3 nov. 2019.
Machado, M. S. et al. (2018). Tornar-se família de uma criança com Transtorno do Espectro
Autista Becoming the Family of a child with Autistic Spectrum Disorder. Contextos
Clínicos. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cclin/v11n3/v11n3a06.pdf.
Acesso em: 15 ago. 2019.
Oliveira, A. M. B. C. de. (2009). Perturbação do espectro de autismo: a comunicação. Porto:
ed. Porto.
Pinto, R. N. M. et al. (2016). Autismo infantil: impacto do diagnóstico e repercussões nas
relações familiares. Revista Gaúcha Enfermagem. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rgenf/v37n3/0102-6933-rgenf-1983-144720160361572.pdf.
Acesso em: 08 out. 2019.
Prodanov, C.C. & Freitas, E.C. (2013). Metodologia do trabalho cientifico [recurso eletrônico]:
métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2.ed., Novo Hamburgo;
Feevale. RS-Brasil.
Ribeiro. J. L. P & Rodrigues. A.P. (2004). Questões acerca do coping: a propósito do estudo
de adaptação do Brief Cope. Psicologia, saúde e doenças. Instituto Superior de
Psicologia Aplicada.
Smeha. L. N & Cezar.P.K. (2011). A vivência da maternidade de criança com autismo.
Psicologia em Estudo, Maringá v.16, n.1 p.4-50.
World health organization: who. (2019). International classification of diseases, 11th revision
(ICD-11). Disponível em: https://www.who.int/classifications/icd/en/. Acessado em: 29
Nov. 2019.
Zanatta, E. A. et al. (2014). Cotidiano de famílias que convivem com o Autismo infantil. Revista
Baiana de Enfermagem, v. 28, n. 3, p. 271–282, Disponível em:
http://ezproxybib.pucp.edu.pe:2048/login?url=http://search.ebscohost.com/login.aspx?
direct=true&db=zbh&AN=108762904&lang=es&site=eds-live. Acesso em: 3 nov.
2019.
VERSATILIDADE E SALTO ALTO: UM ESTUDO SOBRE A RESILIÊNCIA

476
FEMININA

Anne Graça de Sousa Andrade


Maria Teresa Sales Lira
Georgia Maria Melo Feijão

Introdução

O palco mercadológico nos últimos séculos vem sofrendo significativas mudanças nas
atividades laborais, dentre elas a transformação no que cerne a abertura de portas ao público
feminino, reverberando assim na versatilidade e polivalência feminina, passando a ser
configurada como um tema, cada vez mais, debatido no meio social. Medeiros et al (2017)
afirmam que a mulher com sua participação social no mercado de trabalho, ganha espaço e
empoderamento em suas tomadas de decisões, e que isso vem a repercutir em todos os âmbitos
que permeia.
Segundo Oliveira (2007) no século XX com a inserção das mulheres no mercado de
trabalho, houve uma grande contribuição com notáveis mudanças em seu comportamento social
e familiar, onde a mulher que exercia atividades laborais nas quais o desempenho maior era a
subserviência familiar, passa a exercer e conquistar o espaço de mulher autônoma e com
independência financeira. A autora sintetiza que, com essa conquista houveram também
mudanças significativas relacionadas a sobrecarga de trabalho, passando a ser mãe, esposa e
cuidadora profissional, tendo que abarcar muitos desafios pela multiplicidade de papéis que
desempenha. Diante disso, a pergunta norteadora dessa pesquisa é: Como se processa a
resiliência da mulher polivalente na atualidade?

Objetivos

Geral: Conhecer como se dá a resiliência de mulheres polivalentes em interface a


dinâmica de vida em que estão inseridas.

Específicos: a) conhecer os aspectos subjetivos de mulheres polivalentes; b) descrever


as dificuldades e enfrentamentos de mulheres mediante as demandas familiares, sociais e
profissionais e; c) compreender quais aspectos psicológicos as influenciam diante da
polivalência vivida.

Método
Esta Pesquisa trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva e exploratória, executada

477
no Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF) da cidade Varjota – Ceará. O NASF é uma
estratégia inovadora que tem por objetivo apoiar, ampliar, aperfeiçoar a atenção e a gestão da
saúde na Atenção Básica/Saúde da Família.
Participaram da pesquisa 10 mulheres casadas, com filhos e que trabalham fora de seus
lares. A seleção da amostra aconteceu através do método de conveniência. O critério de inclusão
foi: sexo feminino, casadas por no mínimo cinco anos (independente do tipo de união) e que se
encontram inseridas no mercado de trabalho externo. Os instrumentos para a coleta de dados
foram: questionário sociodemográfico, entrevista semiestruturada, e a Escala de Pilares da
Resiliência – EPR (Martins & Cardoso, 2013) que avalia as características que favorecem uma
conduta resiliente e quais delas uma pessoa tem em maior ou menor grau de desenvolvimento,
verificando os atributos pessoais que favorecem uma conduta resiliente diante das adversidades.
A escala conta com 90 itens subdivididos em 11 subescalas: Aceitação Positiva de Mudança
(APM), Autoconfiança (AC), Autoeficácia (AE), Bom Humor (BH), Controle Emocional (CE),
Empatia (E), Independência (I), Orientação Positiva para o Futuro (OPF), Reflexão (R),
Sociabilidade (S) e Valores Positivos (VP).
Para análise dos dados foi utilizada a Análise Temática de Conteúdo de Bardin (1977),
que consiste, operacionalmente, nas seguintes etapas: leitura flutuante (pré-análise), análise
temática e tratamento dos resultados. A leitura exaustiva das entrevistas permitiu a elaboração
de núcleos comuns de respostas. As entrevistas foram gravadas com a devida permissão das
participantes, posteriormente foram transcritas e analisadas. Com relação a EPR, foi utilizado
o manual de correção e análise da referida escala.
A pesquisa atendeu às recomendações bioéticas para pesquisas com seres humanos no
que diz respeito à Resolução 466/2012 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). As
participantes foram informadas sobre os princípios bioéticos, também sobre os objetivos e
procedimentos do estudo, foram convidadas para participar voluntariamente da pesquisa, e
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – (TCLE).

Resultados e Discussões

A Tabela 1 apresenta a caracterização dos participantes da entrevista, etapa qualitativa


da pesquisa, de acordo com o sexo, idade, religião, escolaridade, ocupação e estado civil.

Tabela 1 - Caracterização das entrevistadas da pesquisa qualitativa


Mulheres Idade Religião Escolaridade Estado Ocupação
Civil
1 33 Católica Ens. Superior Casada Assitente Social
Completo
2 26 Católica Ens. Médio Casada Empregada
Completo Doméstica
3 38 Evangélica Ens. Superior Casada Professora
Completo
4 32 Católica Ens. Superior Casada Enfermeira

478
Completo
5 41 Evangélica Ens. Superior Casada Professora
Completo
6 37 Católico Ens. Médio Casada Atendente
Completo

7 36 Católica Ens. Superior Casada Nutricionista


Completo
8 47 Evangélica Ens. Superior Casada Atendente
Completo

9 40 Evangélica Ens. Superior Casada Professora


Completo

10 46 Evangélica Ens. Médio Casada Secretária Escolar


Completo

Fonte: Autoria própria

Mediante ao quadro acima com os dados das participantes obtidos através da entrevista
semiestruturada, as participantes tem idade entre 27 e 46 anos, são casadas, com ensino a partir
do ensino médio, e trabalham fora de casa.

Resiliência Feminina
Essa categoria foi construída a partir da Escala dos Pilares de Resiliência (EPR) com o
objetivo de conhecer sobre a resiliência das participantes. A tabela abaixo apresenta os
resultados obtidos no teste como: Percentil e classificação.

Tabela 2 - Resultado do teste EPR.


Participante APM AC AE BH CE E I OPF R S VP CLASS
s .
P1 90 90 60 40 50 1 80 40 60 80 60 M.B
P2 40 1 90 80 50 80 80 99 20 80 99 A/MA
P3 1 40 1 30 40 20 40 10 50 10 30 B/MB
P4 99 90 1 20 30 99 90 60 30 99 99 A/MA
P5 10 99 1 1 60 60 1 30 60 20 40 B/MB
P6 80 1 1 30 10 60 1 99 10 1 20 B/MB

479
P7 80 80 99 30 40 80 99 70 70 90 80 A/MA
P8 10 1 10 10 30 20 70 1 70 10 40 B/MB
P9 40 20 10 20 10 20 30 20 20 10 20 B/MB
P10 99 90 99 90 99 99 99 99 80 90 90 M/MA
Fonte: Autoria própria

Conforme nos mostra a tabela 2, das dez (10) participantes entrevistadas, seis (6)
obtiveram a classificação do nível de resiliência Baixa (B) ou Muito Baixa (MB), sendo que (4)
quatro têm a classificação de nível de estado de resiliência Alta (A) ou Muito Alta (MA).
Podemos então considerar através dos resultados no teste EPR e discursos das
participantes na entrevista estruturada, que a resiliência feminina se dá de modo subjetivo, ou
seja, de acordo com a vivência pessoal e modo de vida de cada uma das participantes.
Corroborando Benzono et al (2011), a resiliência se dá de uma forma subjetiva à
percepção da adversidade, como fonte de ameaça ou fonte de proteção. Isso vai depender da
forma em que estamos nos relacionando ou da forma em que as situações de adversidade se
apresentam para nós, podendo esse obstáculo então, vir ou não vir a se transformar em uma
fonte traumática. Isso irá depender do atributo que cada pessoa internaliza e da simbologia que
ela vem a considerar sobre os acontecimentos que possam lhe advir.
Podemos observar que o resultado do teste dialoga com o relato das participantes,
quando a análise das entrevistas demonstram unanimidade ao fato de ter sido uma grande
conquista para as mulheres a sua independência financeira oriunda do trabalho fora de casa, e
isso pode ser considerado um atributo que eleva a sua autoestima. Com relação ao aumento de
sua sobrecarga de trabalho, somando-se os afazeres domésticos, a desenvoltura familiar em ter
que muitas vezes sozinha, cuidar da casa e dos filhos e ainda trabalhar fora, pode levá-las ao
adoecimento e/ ou diminuição da sua capacidade em lidar com as situações adversas que
possivelmente possam surgir em suas vidas.

Cotidiano e família
Para esta categoria, selecionamos os escores de duas participantes com classificação
média e baixa através de três subesclas do teste EPR: Independência (I), Sociabilidade (S) e
Valores positivos (VP), após isso, relacionarmos com algumas de suas falas referente ao seu
cotidiano e vivência familiar.

Tabela 4: Escores das participantes 5 e 8 nas subescalas do teste EPR Independência(I),


Sociabilidade(S) e Valores positivos (VP):
Participante 5
(I) (S) (VP)
1 20 40
MB MB ME

480
Participante 8
(I) (S) (VP)
70 10 40
A MB ME

Diante da classificação das participantes 5 e participante 8, podemos observar que


ambas têm o percentual de média e baixa nos quesitos Independência, Valores positivos, e
Sociabilidade, fazemos então referência com seus relatos, que podem estar associados com seu
cotidiano e vivências familiares, observamos quando elas relatam sentirem-se afetadas nesses
âmbitos.

“... em relação ao ter família a questão financeira é que pesa para nós mulheres casadas,
muitas vezes é que me pergunto: “Como certas pessoas conseguem manter um padrão de vida
elevado”. (participante 5)

“Vejo como ponto negativo a grande exigência que o mercado de trabalho tem sobre nós e não
nos sobra tempo, tive que abandonar um dos empregos que tinha porque não tinha tempo para
a minha família e vi que o meu casamento era mais importante”. (Participante 8)”

As entrevistadas relataram sentirem-se muitas vezes felizes por poder trabalhar, mas
percebem ter pouco tempo para suas famílias e para si. A multitarefas é algo que a mulher atual
já conquistou, mas que isso também demanda tempo, e que o mesmo acaba ficando escasso.
Relatam também cansaço extremo, muitas vezes com uma sensação de impossibilidade de dar
conta da demanda apresentada a elas.
Para Filho (2014), a resiliência pode ser trabalhada no âmbito pessoal e também no
contexto familiar, e é importante ser compreendida, pois ela traz a possibilidade de
fortalecimento de potencialidades e recursos às famílias para a superação das crises e desafios
futuros podendo auxiliar no desenvolvimento. A terapia familiar é uma fonte de auxílio e
fortalecimento tanto do indivíduo quanto da família como um todo. Trabalhando a resiliência
pessoal e familiar, poderá então, haver sucesso no enfrentamento das adversidades, com isso
pode-se observar que há situações de dificuldades, mas também de potencialidades que podem
ser alavancadas como fonte de crescimento.
A maioria das entrevistadas apontam sobre as suas vivências familiares, que a mulher
ainda nos dias atuais trabalha mais que os homens, tal fato mediado pela cultura de cuidar na
maioria das vezes sozinha dos afazeres domésticos, dente outras responsabilidades que não são
compartilhadas com seus companheiros.

Polivalência, autoestima e saúde mental.


Na última categoria tivemos como objetivo conhecer como se dá os requisitos,

481
autoestima e saúde mental das participantes, avaliando através das subescalas: Bom humor
(BH), Autoconfiança (AC), Controle emocional (CE), Autoeficácia (AE) e da entrevista.
Obtivemos os seguintes resultados.

Tabela 5: Escores das participantes 5 e 8 nas subescalas do teste EPR: Bom humor (BH),
Autoconfiança (AC), Controle emocional (CE) e Autoeficácia (AE)
P5
BH AC CE AE
1 99 60 1
MB MA ME MB

P8
BH AC CE AE
10 10 30 10
MB MB ME MB

Como exemplo, utilizamos os dados da participante número 5 e da participante número


8, que a maioria dos requisitos trouxe uma classificação muito baixa.
Dialogando com os dados da escala EPR, podemos observar esses requisitos nas
seguintes falas:

“Com tantas coisas para fazer me sinto muito preocupada as vezes com uma pressão
psicológica”. P5 (Participante 5)

“Tenho um esgotamento físico e mental. Eu sou uma pessoa agitada se eu pudesse me dar um
presente dormiria um dia inteiro”. P5 (Participante 5)

“O tempo que reservo para mim é pouquíssimo tenho muito pouco tempo para mim e me sinto
muito triste com isso, quando vou fazer o cabelo eu digo “faça depressa” porque eu tenho que
voltar logo”. P8 (Participante 8)

Diante do que foi trazido pelas participantes podemos observar que há uma afetação
emocional e psicológica que pode reverberar na autoconfiança, no humor entre outros aspectos
psicológicos de suas vidas, chegando a ocasionar desconforto emocional e também psicológico.
Podemos assim fazer um comparativo com o percentual obtido, onde fica visível tanto nas falas
das mesmas, quanto no percentual do teste EPR que há impacto na saúde mental das candidatas.
Parra (2014) destaca que estresse laboral atinge duramente a vida da mulher atual. Para ela o

482
seu ambiente de trabalho e a dupla jornada pode influenciar significativamente suas vidas,
trazendo sérias consequências psicossociais. Diante disso é possível se chegar a compreensão
de que a polivalência feminina pode trazer consequências tanto positivas no quesito satisfação
pessoal, quanto negativas quando essa satisfação não é alcançada.

Conclusão
Expomos neste estudo a vivência de mulheres que obtêm em silêncio um enfrentamento
diário de grandes desafios e mesmo assim lutam para se manterem resilientes, nesse sentido
através da obtenção dos dados, das experiências das vidas das participantes e com a aplicação
da escola dos Pilares de Resiliência pudemos alcançar os objetivos propostos.
Podemos destacar que cada uma tem uma realidade de vida diferente e que a dificuldade
financeira também pode cooperar para que isso ocorra, visto que as mulheres que tem o poder
aquisitivo maior, tem uma propensão ao maior estado de resiliência, pelo fato de poderem ter
um maior descanso e tempo para si, para seus familiares e para sua vida social. Em
contrapartida, mesmo permeado por uma minoria, também obtivemos dados durante esta
pesquisa, de pessoas que obtém o poder aquisitivo mais baixo e obtiveram escores altos no teste
de resiliência. Podemos observar que essas mulheres mesmo com dificuldades, no quesito
polivalência, conseguem se manter resilientes, mas que demandam grande esforço para que isso
ocorra.
Deste modo, as entrevistadas tanto as de percentual mais elevado no teste EPR quanto
as de percentual mais baixo, reconhecem que a polivalência feminina as dá maior possibilidade
de autonomia, mas que ao mesmo tempo, a grande demanda que enfrentam as limita no quesito
qualidade de vida, e expõem que há uma grande necessidade de serem trabalhadas no quesito
autocuidado.
Para a realização desse trabalho, foram encontradas dificuldades no que cerne a escassez
de material, mesmo sendo temática atual, poucos trabalhos recentes foram publicados no que
se refere a resiliência feminina no âmbito de polivalência, contribuindo para que a sociedade
conheça um pouco mais sobre a temática e para a comunidade científica, por ser mais uma fonte
de pesquisa.
Ao finalizar este trabalho, foi possível obter a compreensão do sofrimento velado pelas
mulheres em suas múltiplas tarefas, onde a mulher pôde fazer de sua existência uma autonomia
eficaz, mas que muitas vezes também velada de sofrimento, em função da relação de sujeição,
de dominação podendo até chegar à desestruturação da própria vida e de suas famílias,
culminando na necessidade de manter-se resiliente.
Podemos elencar que através dos diálogos existentes de nossa pesquisa houveram
despertamento nas mulheres participantes trazendo a elas o desejo de romper com o ciclo da
subordinação dando a elas o despertamento ao autocuidado. Dessa forma recomenda-se mais
pesquisas sobre o tema, dando voz a essas mulheres.

Referências
Braga, L. A. V. (2010). Terapia Comunitária e resiliência: história das mulheres. Dissertação

483
de Mestrado em Enfermagem, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa- PB,
Brasil.
Cardoso, T & Martins, M. do C. (2013). Escalas dos Pilares da Resiliência. São Paulo- SP,
Vetor.
Cardoso, T. (2013). Construção e validação de uma escala dos atributos pessoais da
resiliência. Dissertação de Mestrado em Psicologia da Saúde. Universidade Metodista
de São Paulo, São Paulo, Brasil.
Camurça, S. (2007). Nós mulheres e nossa experiência comum. Cadernos de Crítica Feminista
(0), I, Recife: SOS CORPO.
Filho, J. A. R. (2014). A resiliência e seus desdobramentos: A resiliência familiar, Psicologia
O Portal dos Psicólogos, Salvador.BA- ISSN-6977.
Gil, A. C. (2008). Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas.
Labronici, L. M. (2012). Processo de Resiliência na mulher vítima de violência doméstica: Um
olhar fenomenológico. Texto Contexto Enferm, Florianópolis, Jul-Set; 21(3): 625-32.
Medeiros, F. de A. da S. & Pinheiro, G. K. de O. (2017). Empreendedorismo feminino e
resiliência: Perfil comportamental na atualidade. Congresso internacional de Adm-
Ponta grossa, Paraná, ISSN: 2175-7623
Miller, B. (2006). A mulher Vulnerável: 12 qualidades para desenvolver resiliência.1° Ed. São
Paulo: Editora Melhoramentos.
Muniz, D. D; Bacha, F. B. & Pinto, J. M. (2015). Participação feminina no mercado de trabalho.
Rev. Científica Eletrônica UNISEB, Ribeirão Preto, v.6, n.6, p.82-97.
Oliveira, V.C. (2007), Vida de mulher: gênero, Pobreza, Saúde Mental e Resiliência,
Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica e Cultura, Universidade de Brasília,
Brasília-DF, Brasil.
Pastore, J.(2002). A mulher dos anos 2000. Revista Promoção da saúde, v.3, n.6 p.8-10.
Parra, E.; Chagas, L. X. & Camargo, R. D. de A. (2019). A Doença do Século: Estresse
Ocupacional na Mulher Moderna. Psicologado. Edição 08/2014.
Santos, S. M. de M. & Oliveira, L.(2010). Igualdade nas relações de gênero na sociedade do
Capital: limites, contradições e avanços. Rev.Katal. Florianópolis v.13 n.1 p.11-19
jan/jun
Walsh F. (2009). Fortalecendo a resiliência familiar. São Paulo (SP): Roca.
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NO CONTEXTO HOSPITALAR

484
Antonia Fonseca Gomes da Cruz
Amanda Cunha de Sá
Joycilane Oliveira Aguiar
Ana Karine Sousa Cavalcante
Carla Nágila Ripardo Sales
Natanaele Alcântara Moreira

1. Introdução

Ao falar do profissional de Psicologia muitos remetem aos atendimentos psicológicos


em uma clínica atendendo os seus pacientes, mas não desconsideram a sua importância dentro
dos diversos contextos e sua evolução dentro da história, pois a mesma inicialmente com a
clínica foi obtendo novos espaços se aperfeiçoando em diversos ambientes. Demostraremos no
presente artigo a importância da Psicologia no contexto hospitalar e sua relação com a avaliação
psicológica.
Contudo, antes de compreender a questão acima é importante ressaltar o trabalho do
psicólogo no hospital e conhecer a história da psicologia hospitalar. Inicialmente a Psicologia
Hospitalar se desenvolveu durante o século XX dentro do contexto médico. A partir do
movimento psicossomático que fez com que tanto os psiquiatras e em seguida os psicólogos
pudessem intervir no adoecimento da pessoa (Gorayeb & Guerrelhas, 2003).
O ambiente hospitalar para as pessoas que se encontram em situação de adoecimento é
um ambiente desafiador, pois parte da cultura do sujeito a ideia de que seja um local ruim, além
de ser maldosa para aqueles que se encontram no estado de adoecimento ainda não é aprovado
para aqueles que visualizam um parente em estado de internação. Consequentemente, o
comportamento do paciente irá modificar junto às suas condições psicológicas.
O ambiente hospitalar passa a ser visto como aversivo em que não existe um reforço
positivo para o paciente. Assim, o psicólogo será um cooperador ao proporcionar reforçadores
positivos para o paciente enfrentar a situação (Gorayeb & Guerrelhas, 2003).
A psicologia hospitalar visa à minimização do sofrimento provocado pela
hospitalização, olhando o homem como o todo não se limitando simplesmente ao seu estado
físico, mas contribuindo com uma análise biopsicossocial (Simonetti, 2004). E está além do
conceito de normal e patológico, pois o homem não se encontra em um estado de saúde apenas
em seu estado físico. A psicologia hospitalar é responsável pelo paciente dentro de diferentes
contextos acolhendo e abordando o sujeito.
O objetivo da psicologia hospitalar é a particularidade do ser humano, ou seja, olhando
esse ser como um todo não simplesmente para a sua doença. Ela ajuda o paciente a passar pelo
processo de adoecimento não esclarecendo para essa pessoa onde irá findar a sua doença ou
qual caminho ela irá tomar, mas lhe propondo uma escuta qualificada (Simonetti, 2004).
O contexto hospitalar em que a psicologia está inserida faz uso da avaliação psicológica

485
como um dos mecanismos para obtenção dos seus resultados. Partindo do conhecimento obtido
sobre a avaliação psicológica é possível perceber sua importância dentro de diversos contextos.
Analisando precisamente esses aspectos é necessário compreender sua relevância dentro desse
contexto hospitalar e é imprescindível ainda entender o que se trata de uma avaliação
psicológica e qual a sua importância e os problemas que se desenvolveram quando remetem a
essa.
A avaliação psicológica é um procedimento que inclui técnicas que permitem conhecer
o seu paciente e compreender o seu funcionamento. É procurar informações desse sujeito
partindo da demanda que ali chegou. A mesma consiste em técnicas, processos e uma utilização
de instrumentos. Pode ser aplicada em qualquer contexto, porém é restrita aos psicólogos e
adequada aos princípios éticos. Portanto, o psicólogo deve agir de maneira crítica e ética na
utilização da avaliação psicológica (Pellini & Leme, 2011).
Devido aos problemas que acontecem dentro das situações em que é utilizada a
avaliação psicológica muitos deixam de compreender sua relevância e acabam confundindo o
que é uma avaliação psicológica e o que seria um teste psicológico. A primeira engloba a
utilização de instrumentos em que estão inseridos os testes psicológicos, ou seja, falamos que
os testes psicológicos fazem parte e é um instrumento da avaliação psicológica. Uma avaliação
psicológica envolve diferentes técnicas como: entrevistas observações, testagens e dentre
outras. Sendo que necessita de um tempo maior para uma análise em que o seu maior objetivo
é a particularidade da pessoa em que tomar uma decisão sobre um determinado problema é a
sua forma mais precisa (Urbina, 2007).
De acordo com as ideais supracitadas é relevante compreender qual o papel da
psicologia hospitalar e um pouco sobre a diferença entre a testagem e a avaliação psicológica.
Além disso, é importante ainda entender a relação da avaliação psicológica dentro do contexto
hospitalar visto que essa é um instrumento de uso do profissional de psicologia e qualificado
para ser aplicado dentro desse contexto.
Apesar da importância da utilização desses instrumentos dentro do contexto hospitalar
o Brasil apresenta poucas pesquisas que estejam voltadas para esse assunto. O ambiente
hospitalar se destaca como um dos mais propícios para a prática da avaliação psicológica, pois
nesse contexto as informações que são obtidas através da avaliação psicológica auxiliarão que
os outros profissionais do hospital façam uma intervenção mais precisa. Portanto, o profissional
deve estar seguro de suas responsabilidades vendo as circunstâncias do paciente como um todo,
assim vendo também o que aconteceu para que este chegasse até o seu estado de adoecimento
(Santos & Okino, 2007).
Dessa forma, compreendemos que o psicólogo utilizando seus instrumentos como a
avaliação psicológica será um mediador entre o paciente e o contexto hospitalar verificando a
situação do paciente com mais precisão, indo além da doença, compreendendo esse homem
como um todo, sendo que avaliação psicológica o ajudará a obter todas as informações que lhes
serão necessárias.
A avaliação psicológica facilita nessa obtenção de dados sobre o paciente que ajudará
tanto ao psicólogo quanto a equipe médica. De acordo com Fongaro e Sebastiani (2013), os
objetivos da avaliação psicológica são: O roteiro de exame e avaliação psicológica do paciente
internado propõe as seguintes funções: diagnóstico, orientação de foco, fornecimento de dados
sobre a estrutura psicodinâmica da personalidade da pessoa, avaliação continuada do processo
evolutivo da relação do paciente com sua doença e tratamento, conhecimento da história da
pessoa, diagnóstico diferencial e estabelecimento das condições de relação da pessoa com seu

486
prognóstico.
O processo de avaliação psicológica ajudará no diagnóstico do paciente compreendendo
ainda suas funções psicológicas, visto que quando uma pessoa se encontra em estado de
adoecimento essa pessoa tem uma família, tem um contexto e tem uma história, ela
consequentemente será a mãe, pai, irmã, irmão, amigo de outra pessoa, então entender o
diagnóstico através da avaliação psicológica é importante, pois contribuirá para entender o
paciente além da doença, ou seja, não apenas sua condição física.
Dias e Radomile (2006) descreveram uma sugestão para os psicólogos utilizarem no
hospital geral. A proposta se desenvolveria em alguns procedimentos e entre destes
procedimentos envolveria a avaliação psicológica. Os procedimentos se estruturariam da
seguinte forma: Triagem Psicológica Hospitalar em que visitariam os leitos dos pacientes,
avaliação psicológica e acompanhamento psicológico hospitalar.
Com a avaliação psicológica, o psicólogo terá o primeiro contato com o paciente no
hospital possibilitando que toda a equipe profissional conheça o estado do paciente. Porém, em
muitos casos a realidade é outra e desconhecem o fazer do psicólogo e a cooperação que seus
instrumentos têm dentro da demanda. Portanto, a avaliação psicológica ajudará no
conhecimento do paciente.
Além de ajudar a entender a situação do paciente e todas as suas condições esses
procedimentos auxiliarão em algumas situações específicas, como é o caso de pacientes que
irão se submeter a uma cirurgia bariátrica. A importância dessa análise por meio da avaliação
psicológica será importante para compreender como o paciente se encontra naquela situação
antes de passar por cirurgia e como ele estará após essa cirurgia, pois o seu corpo ganhará uma
nova forma e saber como lidar com a situação de mudança é essencial. Além de que o paciente
deverá estar consciente da situação em que o mesmo irá se submeter e da situação de risco. “A
elevada prevalência da obesidade no Brasil impulsionou o crescimento no número de
procedimentos bariátricos, o que representa ampliação da atuação do psicólogo, no campo da
avaliação pré-operatória” (Flores, 2014, p. 60).
Para analisar se um paciente está apto para passar por essa cirurgia o psicólogo irá
analisar o histórico de vida do paciente e qual o estado que o mesmo se encontra. Ele vai avaliar
ainda as emoções e o cognitivo que podem alterar o resultado da cirurgia. Para tal intuito, a
avaliação psicológica é a mais importante, fazendo o uso de suas técnicas como a entrevista e
a testagem psicológica para obtenção de informações sobre esse paciente (Flores, 2014).
A utilização da avaliação psicológica dentro do contexto hospitalar se insere tanto para
o conhecimento do paciente como foi descrito anteriormente, quanto no auxílio de cirurgias,
além de intervir em pacientes que estão em um quadro oncológico, e daqueles pacientes em
hemodiálise.
O presente trabalho tem o objetivo de descrever, analisar, apresentando a importância
da avaliação psicológica no contexto hospitalar descrevendo seu valor. Especificamente,
através dos conhecimentos obtidos na disciplina de psicometria junto com as pesquisas feitas
com outros autores, sendo possível analisar em quais áreas hospitalares mais se utiliza a
avaliação psicológica e as técnicas utilizadas por essa.

2. Metodologia
487
O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica com o intuito de mostrar a
presença da avaliação psicológica dentro do contexto hospitalar designadamente nos contextos
que se inserem as cirurgias bariátricas, pacientes que estão no tratamento de hemodiálise e
oncologia.
Para a obtenção dos objetivos alcançados, foi realizada uma pesquisa aprofundada sobre
o tema proposto nas seguintes plataformas: SCIELO, PEPSIC e Google Acadêmico no período
de Novembro de 2019. Usamos para essa finalidade os descritores: psicometria, oncologia,
cirurgia bariátrica, psicologia hospitalar, hemodiálise e avaliação psicológica.
Especificamente, na plataforma SCIELO encontramos 47 artigos, portanto foram
escolhidos aqueles que se aprofundavam na temática estabelecida do nosso tema e aqueles que
estavam em português, após uma leitura aprofundada dos artigos, filtramos dessa plataforma 3
artigos e um livro. Os mesmos têm os seguintes temas: Avaliação psicológica de depressão em
pacientes internados em enfermaria de hospital geral, Avaliação psicológica no pré-operatório
para cirurgia bariátrica: uma revisão sistemática e Avaliação psicológica para cirurgia
bariátrica: práticas atuais. Além desses artigos no SCIELO foi encontrado um link para um livro
com o seguinte tema: E a psicologia entrou no hospital.
Em seguida no Google Acadêmico encontramos 5 artigos e um livro que foram
escolhidos através do tema que os mesmos tratavam. Os artigos escolhidos foram: Técnicas
projetivas no contexto hospitalar: Relato de uma experiência com o House-Tree-Person (HTP),
Sistematização da prática psicológica em ambientes médicos, A implantação do serviço de
psicologia no hospital geral: uma proposta de desenvolvimento de instrumentos e
procedimentos de atuação, A depressão em pacientes com câncer: uma revisão, Qualidades de
vida de pacientes renais crônicos em hemodiálise. Nessa plataforma usamos como referência o
livro: Manual de psicologia hospitalar.
Além desses, usamos como fonte bibliográfica o PePSIC que através da relação com o
tema do artigo filtramos artigos com os seguintes temas: O papel do psicólogo na equipe de
cuidados paliativos junto ao paciente com câncer e A importância da assistência psicológica
junto ao paciente em hemodiálise.
Por fim, foram usadas duas fontes para o embasamento desse artigo em que as mesmas
já teriam sido trabalhadas na disciplina de psicometria. Sendo os dois livros: Fundamentos da
testagem psicológica e Avaliação psicológica: guia de consulta para estudantes e profissionais
de psicologia.
Os artigos descritos, além dos livros mencionados, foram importantes para escrever
sobre o tema em destaque e alcançar os objetivos desse artigo.

3. Resultados e Discussões

Conforme a revisão bibliográfica percebe-se as diferentes situações que o psicólogo


atua no âmbito da avaliação psicológica dentro do cenário hospitalar. Dentre estas situações
adentra-se, a Cirurgia Bariátrica, Hemodiálise e Oncologia. Dessa forma, serão apresentados
respectivamente.
3.1 Cirurgia bariátrica

488
Considerando os diferentes fenômenos relacionados à obesidade, algumas pessoas
buscam por diversos tipos de tratamento, que venham reduzir o excesso de peso, e
presumivelmente devolver a elas sua autoestima, uma vida mais ativa e saudável. De modo
geral, denota-se que o paciente que busca pelo procedimento bariátrico, na maior parte das
vezes, sente-se excluído em situações sociais, ocorrendo um desejo da perda de peso rápida e
sem sofrimento (Flores, 2014).
Dentre essas soluções buscadas destacam-se em última análise: a Cirurgia Bariátrica. A
presença do psicólogo na equipe de cirurgia bariátrica é fundamental. O psicólogo, durante o
processo de avaliação investiga todo o contexto do paciente, provenientes de diversas fontes,
cumprindo com os princípios éticos na avaliação psicológica, buscando avaliar seus aspectos
emocionais, psiquiátricos e cognitivos que podem influenciar na cirurgia. Tendo em vista, que
a cirurgia irá afetar a percepção do paciente de si mesmo, logo, sua imagem corporal poderá
acarretar mudanças comportamentais e sentimentais (Silva et al., 2019). Assim, verifica-se a
necessidade da avaliação psicológica nessa perspectiva do sujeito com relação ao
procedimento, bem como lidar com seu novo repertório, buscando diminuir os possíveis riscos
do pós-cirúrgico. Além de ajudar o paciente a reorganizar seus hábitos alimentares. Por tanto,
a avaliação psicológica no pré-operatório e pós-operatório são imprescindíveis.
Sobre a obtenção de informações se o paciente estará apto ou não para submeter-se ao
procedimento cirúrgico podemos afirmar que:

Para determinar a aptidão de um candidato à cirurgia bariátrica,


diferentes aspectos da vida do paciente são avaliados pelos psicólogos.
Dentre os fatores psicossociais merecedores de atenção, os mais citados
nas publicações foram: compreensão do paciente quanto à operação e
as mudanças de estilo de vida necessárias; expectativas quando aos
resultados; habilidade de aderir às recomendações operatórias;
comportamento alimentar (histórico de peso, dietas, exercício físico);
comorbidades psiquiátricas (atuais e prévias); motivos para realizar o
procedimento cirúrgico; suporte social; uso de substâncias; status
socioeconômico; satisfação conjugal; funcionamento cognitivo;
autoestima; histórico de trauma/abuso; qualidade de vida e ideação
suicida (Flores, 2014, p. 60).

Na avaliação psicológica é importante avaliar as perspectivas dos candidatos em relação


à cirurgia, pois é possível que a cirurgia não atenda a todas as exigências e demandas do
paciente, principalmente que ocorra essa avaliação no pré-operatório pelo fato de
supostamente vir a ocorrer um fracasso e riscos no pós-cirúrgico. Utiliza-se ainda a testagem
Psicológica objetivando identificar em qual estado o paciente se encontra para cirurgia.
A avaliação psicológica inclui: Entrevista inicial, atividades de psicoeducação,
aplicação de testes, devolutiva e entrega de relatório. Para reduzir o risco de uma avaliação
fragilizada que apresente resultados ineficaz, é de suma importância que sejam utilizados testes
projetivos/expressivos, pois reduzem o controle do paciente sobre os resultados, reduzindo o
índice de manipulação nas respostas; para isso, é necessário que o procedimento seja feito
unicamente pelo psicólogo, por serem os profissionais mais adequados para avaliar a

489
personalidade e aptos para fazer uma análise holística do sujeito (Silva et al., 2019).

3.2 Hemodiálise

Partindo para o contexto da avaliação psicológica em relação aos pacientes que se


submetem a hemodiálise, o portador de Doença Renal Crônica (DRC) lida com uma doença
sem cura que o obriga a sujeitar-se a um tratamento dolorido, e de tempo prolongado, que causa
uma série de restrições, visto que ocorrem várias alterações físicas, emocionais e sociais que
modificam sua rotina. A doença renal crônica acomete indivíduos de diversas faixas etárias e
algumas causas da perda da função renal são doenças sistêmicas que afetam diretamente os rins
como diabetes, doenças congênitas e hipertensão (Coutinho et al., 2010).
Quando a função renal se atinge menos que 10%, encontra-se em estágio terminal, sendo
necessário alguns tratamentos dialíticos ou transplante, Doença Renal Crônica Terminal
(DRCT), é considerada hoje uma das doenças mais graves na saúde pública, pois atinge grande
parte da população e os índices, na maioria das vezes em busca de transplantes, passando anos
e anos na fila de espera, dentre os tratamentos dialíticos está a hemodiálise (Coutinho et al.,
2010).
Como consequências destas restrições que o paciente é submetido desencadeia-se
sentimentos de medo, inferioridade, raiva e baixa-autoestima, tendo em vista que estes
pacientes passam maior parte do seu dia dentro do hospital. Além de se sentirem fadigados
quanto à prática de atividades físicas, se tornando fracassada e por muitas vezes não veem
resultados, pois entre uma seção e outra de hemodiálise ganham peso, devido à retenção de
líquido, e onde sentem muitas câimbras e náuseas (Coutinho et al., 2010).
Além dos resultados das práticas de atividades físicas fracassadas, pacientes que se
encontram no processo de hemodiálise, se sentem desmotivados, desvalorizados, em estado de
depressão e com sentimento de fardo para família, pois necessitam de um apoio por parte dela.
Além disso, chegam a passar a maior parte do seu dia no ambiente hospitalar. Por tanto é
importante à intervenção do psicólogo para com o paciente no estágio de adaptação que surge
de forma gradativa com a aceitação do paciente as suas restrições, deficiências e complicações
inerentes à hemodiálise, pois ao mesmo tempo em que a hemodiálise melhora alguns sintomas
clínicos também provoca desordens emocionais, como o estresse da duração do tratamento e
depressão.
De acordo com Zaborowski e Herzog (1989), a função do psicólogo dentro de uma
unidade de hemodiálise abrange várias condições, como a relação entre paciente e unidade de
diálise, a relação entre equipe e paciente, a relação entre pacientes, seu tratamento e doença,
relação entre paciente, família e equipe, etc. Para um trabalho eficaz é necessária essa interação.
Assim, o psicólogo que trabalha dentro de uma unidade de hemodiálise, atendendo pacientes
com insuficiência renal crônica (IRC), colabora com seu conhecimento específico e ajudam os
pacientes com assuntos que envolvem o seu emocional presentes na descoberta da doença e
tratamento, além de proporcionar aos demais profissionais um desempenho mais condizente
com a proposta de atendimento ao paciente nefropata, que é possibilitar uma melhora na sua
qualidade de vida (Pascoal et al.,2009).
O psicólogo tem papel fundamental dentro desse contexto atuando juntamente com a
equipe multidisciplinar. Segundo Coutinho et al. (2010), pacientes com Doença Renal, além de
afetar seu estilo de vida pessoal, bem como suas atividades profissionais, sua qualidade de vida,

490
suas funções emocionais, física e sexuais também afeta as atividades de sua família, ficando
preocupados com o estado de vida e a qualidade de vida do seu ente querido que sofre com essa
sobrecarga da Doença Renal.

3.3 Oncologia

Sabemos que o Câncer é um dos grandes problemas da Saúde Pública. E esses pacientes
oncológicos, por mais que a Medicina tenha avançado em termos de tecnologias e inovações e
vários meios de viabilizar esse sofrimento, muitos remetem o diagnóstico à ideia de morte. O
câncer é uma doença que além da dor, causa outros desconfortos físicos, impactando tanto na
área psíquica, social, econômica como nas condições favoráveis para a vida do indivíduo
diminuindo sua perspectiva de sobrevivência e levando os familiares do paciente ao estado de
tristeza, sendo o responsável por 13% das mortes em todo o mundo e com tendência a aumentar
essa estimativa, por existir pessoas cada vez mais expostas a esses fatores de risco (Ferreira,
Lopes & Melo, 2011).
Muitos após o diagnóstico têm dificuldades em aceitar o tratamento, trazendo como
inúmeras respostas: mágoas, tristeza, depressão, sem perspectiva de vida, sem ânimo, a
autoestima baixa, não dar continuidade ao tratamento por achar que não faz sentido, pois
querendo ou não seu destino é a morte. Segundo Garcia et al (2012), pacientes que se submetem
ao tratamento de psicoterapia e quimioterapia tem efeito maior sobre a vida, com efeito mais
longo, do que aqueles que recusaram qualquer tipo de tratamento. Podemos perceber que
pacientes que aceitam esse tratamento como medida de intervenção tem sua autoestima elevada
e índices de sobrevivência mais eficaz.
É de suma importância à avaliação psicológica no âmbito de pacientes oncológicos,
tendo em vista, que se trata de uma doença delicada e que muitos infelizmente são
diagnosticados em casos terminais, levando assim o paciente a cuidados paliativos. Cuidados
paliativos é a prática multiprofissional que procura proporcionar ao paciente uma possibilidade
de cura, visando atingir o sujeito a partir de uma visão holística proporcionando uma melhor
forma de enfrentar o sofrimento, vivenciando e aceitando lidar com a doença, visando atingir
uma melhor qualidade de vida para o doente e sua família (Ferreira, Lopes & Melo, 2011).
Neste contexto o profissional de psicologia irá trabalhar em relação a qualidade de vida
do doente e família, promovendo a escuta e apoio, de forma que possibilite o doente e a família
enfrentar e lidar com essa enfermidade. Trabalhando de forma que valorize todo seu contexto
histórico de vida, caracterizando o indivíduo como biopsicossocial.

4. Conclusão

Em virtude dos fatos mencionados, este trabalho proporcionou entender como a


psicologia age no contexto hospitalar e como ela é de extrema importância, não apenas para os
pacientes que estão internados, mas para os seus familiares e também para os próprios
funcionários do hospital. Além disso, possibilitou um maior entendimento sobre a avaliação
psicológica no âmbito hospitalar e como é necessária, pois é a partir dessas avaliações
psicológicas que se identifica como o indivíduo está em relação ao seu processo de internação
naquele ambiente. Como relatado anteriormente, a avaliação psicológica no contexto hospitalar

491
possibilita uma ação mais eficaz tanto por parte do psicólogo quanto de outros profissionais.
A avaliação psicológica no contexto hospitalar é uma forma de dar um reforço maior
aos indivíduos que estão inseridos naquele espaço, além de ajudar na obtenção de decisões que
se fazem necessárias no momento. A demanda de pacientes no hospital é enorme, mas devido
à grande alternância de indivíduos nesse contexto não é possível fazer uma psicoterapia devida
e é nesse momento que a avaliação psicológica é de suma importância. A sua eficácia é visível
e necessária, pois com ela o fazer do psicólogo hospitalar é garantir que o paciente seja visto
como um todo, em todos os seus aspectos e não apenas em sua condição física.
Nesse sentido, vale ressaltar mais uma vez a importância da avaliação psicológica no
contexto hospitalar para os pacientes e familiares que normalmente se encontram em estado de
sofrimento, pois se encontram em um momento vulnerável e precisam superar esses obstáculos
para poderem se recuperar do dano emocional causado.

Referências

Coutinho, N. P. S., Vasconcelos, G. M., Lopes, M. L. H., Wadie, W. C. A., & Tavares, M. C.
H. (2011). Qualidade de vida de pacientes renais crônicos em hemodiálise/quality of
life in hemodialysis patients. Revista de Pesquisa em Saúde, 11(1).
Dias, N. M., & Radomile, M. E. S. (2006). A implantação do serviço de psicologia no hospital
geral: uma proposta de desenvolvimento de instrumentos e procedimentos de
atuação. Revista da SBPH, 9(2), 114-132.
Ferreira, A. P. D. Q., Lopes, L. Q. F., & Melo, M. C. B. D. (2011). O papel do psicólogo na
equipe de cuidados paliativos junto ao paciente com câncer. Revista da SBPH, 14(2),
85-98.
Fongaro, M. L. H., & Sebastiani, R. W. (1996). Roteiro de avaliação psicológica aplicada ao
hospital geral. E a psicologia entrou no hospital, 5-64.
Flores, C. A. (2014). Avaliação psicológica para cirurgia bariátrica: práticas atuais. Abcd.
Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva (são Paulo), 27, 59-62.
Garcia, M. A. A., Tafuri, M. J., de Carvalho Nogueira, R., & Carcinoni, T. M. (2012). A
depressão em pacientes com câncer: Uma revisão. Revista de Ciências Médicas, 9(2).
Gorayeb, R., & Guerrelhas, F. (2003). Sistematização da prática psicológica em ambientes
médicos. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 5(1), 11-19.
Pascoal, M., Kioroglo, P. D. S., Bruscato, W. L., Miorin, L. A., Santos Sens, Y. A. D., & Jabur,
P. (2009). A importância da assistência psicológica junto ao paciente em
hemodiálise. Revista da SBPH, 12(2), 2-11.
Pelini, M. C. B. M., & Leme, I. F. A. S. (2011). A ética no uso de testes no processo de avaliação
psicológica. Ambiel RAM et al. Avaliação psicológica: guia de consulta para estudantes
e profissionais de psicologia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 163-180.
Pérez, R. S., Dos Santos, M. A., Rodrigues, A. M., & Okino, É. T. K. (2007). Técnicas
projetivas no contexto hospitalar: relato de uma experiência com o House-Tree-Person
(HTP). Revista Iberoamericana de Diagnóstico y Evaluación-e Avaliação

492
Psicológica, 1(23), 41-62.
Silva, F. G., Soares da Silva, T. C., Rocha Nunes, I. F., De Lucena Costa, L. O., & Carneiro, E.
B. (2019). Avaliação Psicológica no Pré-operatório para Cirurgia Bariátrica: Uma
Revisão Sistemática. Psicologia & Conexões, 2.
Simonetti, A. (2004). Manual de psicologia hospitalar. Casa do psicólogo.
Urbina, S. (2007). Introdução aos testes psicológicos e seus usos. Fundamentos da testagem
moderna, 11-41.
CORRELATOS VALORATIVOS DA PERPRETAÇÃO DO BULLYING: UM

493
ESTUDO COM ADOLESCENTES DO INTERIOR PERNAMBUCANO

Brenda Caroline Belforte Pereira


Mariana do Socorro Silva Araújo
Tamíris da Costa Brasileiro
Ícaro Macedo Sousa
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros

Introdução

Apesar de toda a relevância positiva que a escola tem para com as crianças e
adolescentes, nas últimas décadas um novo tipo de violência escolar ganha maiores proporções
nos veículos de informação, causando aflição aos pais, professores e população em geral. Essa
forma de violência denominada de bullying, se manifesta nos grupos sociais há muito tempo,
especialmente nas escolas, apesar das pesquisas sistematizadas datarem do final da década de
70, o bullying ainda se configura como um fenômeno recentemente estudado (Freire & Aires,
2012). Dan Olweus foi um dos primeiros a pesquisar sobre bullying. A princípio o pesquisador
empreendia suas pesquisas no comportamento de jovens suicidas na Noruega. A partir de seus
achados, descobriu-se que os adolescentes que apresentavam a tendência suicida vivenciaram
algum tipo de violência na escola, que logo mais viera a ser denominada de bullying (Araújo &
Gomes, 2014).
As pesquisas elucidaram a compreensão sobre bullying, tratando como um fenômeno
complexo, presente e recorrente em diversos países do mundo (Malta et al., 2014; Antoniadou
& Kokkinos, 2015). Diante disso, é importante elucidar as características do fenômeno para
melhor entendimento. A literatura explica o bullying, de maneira geral, como uma agressão
física ou psicológica entre uma ou mais pessoas, que de um lado há dominação e de outra
submissão. As ações ocorrem de diferentes maneiras, como apelidar, xingar, discriminar pela
cor da pele, ou orientação sexual, bater, excluir socialmente, propagar comentários ofensivos
em redes sociais dentre outros. De maneira específica, o bullying se caracteriza por ser um
comportamento de agressão intencional, direcionado a outrem, repetidamente e havendo-se
disparidade de forças entre quem agride e quem é agredido (Olweus, 2003, 2011; Volk, Dane,
& Marini, 2014).
Quanto a sua manifestação, o bullying, de acordo com Olweus (1993, 2003), é
compreendido de duas maneiras; a saber, a forma indireta, que pelo fato das ações não serem
explicitamente observáveis, tal manifestação pode ser de ordem relacional e pode ser
exemplificada através das atitudes de exclusão de grupo, propagação de mentiras, insultos; e a
forma direta, que se subdivide em duas: agressão física (ex.: puxões de cabelo, bater, roubar
objetos) e agressão verbal (ex.: apelidos difamatórios, xingamentos e piadas de mal gosto). As
formas do bullying direto são mais fáceis de serem identificadas pelos professores, pais e afins
e por isso mesmo são mais conhecidas do que as manifestações do bullying indireto.
Com o advento das tecnologias da informação, vem se destacando uma nova forma de

494
expressão, o Cyberbullying. A partir do conceito tradicional de bullying, pode-se definir o
cyberbullying como um comportamento ou ato que utiliza meios eletrônicos (smartphones,
computadores, através de redes sociais) para ferir um indivíduo ou grupo repetidamente e ao
longo do tempo (Smith et al., 2008). Desta forma, o cyberbullying se configura como uma
violência sistemática de poder propiciada pelas novas tecnologias de informação e comunicação
(Slonje, Smith & Frisén, 2013).
Em relação aos atores sociais envolvidos na situação de bullying, Olweus (2003) destaca
que são quatro os tipos de grupos envolvidos nessa prática: vítimas, agressores,
agressores/vítimas e testemunhas. As vítimas de bullying, eventualmente, não conseguem
reagir ou cessar o ato de violência, seus recursos são escassos e dificilmente consegue se sair
da situação. Estes sujeitos geralmente são retraídos, pouco sociáveis, passivos e ansiosos
(Alckmin-Carvalho, Izbicki, & Melo, 2014). Há evidências de que sofrer bullying na infância
e na adolescência pode configurar-se em fator de risco para o desenvolvimento de problemas
comportamentais futuros, quer seja interno ao próprio sujeito - isolamento, depressão, e
ansiedade – ou externo – agressividade, decréscimo em habilidades sociais (Vaillancourt,
Brittain, McDougall, & Duku, 2013). Na maioria das vezes as vítimas passam a ter perdas no
desempenho escolar, recusam ir à escola ou abandonam os estudos, tudo isso por medo de sofrer
retaliações (Lopes Neto & Saavedra, 2003).
Por outro lado, os agressores tentam assumir a liderança em grupos através de agressões,
exercendo superioridade física e psicologicamente sobre os mais frágeis (Ferraz, 2011). Estes
podem apresentar, à medida que aumentam de idade, distúrbios psiquiátricos, como déficit de
atenção, depressão e conduta de desordem (Kokkinos & Panayiotou, 2004) ou ainda
desenvolver problemas escolares, consumo de drogas e comportamentos violentos (Méndez &
Cerezo, 2010; Bender & Lösel, 2011). Os agressores, comumente, são indivíduos que sentem
dificuldade de se adaptar a escola e de obedecer às regras. Muito embora, os agressores sejam
rejeitados pelos colegas, dificilmente são sujeitos isolados socialmente, muitas vezes eles são
populares e bem quistos. Em relação aos ataques, geralmente há um autor principal, que
manipula e determina as ações do grupo para com aqueles que sofrem a violência (Ristum,
2010).
De acordo com Neto (2005) cerca de 20% das crianças que sofrem o bullying, também
praticam a violência, estes são denominados vítimas/agressores. Esses sujeitos sofrem bullying
praticado pelos mais poderosos, e eles próprios realizam a violência procurando pessoas mais
frágeis e vulneráveis. Tais indivíduos atacam suas vítimas afim de prevenir que sejam
vitimadas, bem como para fortalecer sua própria imagem no meio social que convive.
Comumente estas crianças têm atitudes agressivas e possuem baixa autoestima, elas ainda
podem ser depressivas, inseguras, inconvenientes, buscando menosprezar o colega para
esconder suas limitações (Lyznicki, McCaffree, & Robinowitz, 2004). Diferenciam-se em
relação com os demais alvos, pois são impopulares e têm altos índices de rejeição entre seus
colegas (Kumpulainen, Räsänen, & Puura, 2001).
Por fim, as testemunhas, não têm ligação direta com a prática de bullying, no entanto
são fundamentais no processo, quer seja na manutenção ou na redução das ações (Fosse, 2006).
Existe as testemunhas passivas, que presenciam as cenas de bullying e omitem pelo fato de não
ser alvo ou temer possíveis retaliações, ou por pensar que aquilo não diz respeito a ela – que é
um problema do outro. E há as testemunhas ativas que surgem como incentivadores e
apoiadores do bullying, manifestado pelo desejo de pertencer ao grupo mais forte (Salmivalli,
2010; Volk, Dane, & Marini, 2014), ou como interventores, ajudando e apoiando o colega. A
caracterização desses papéis evidencia que todos são importantes para a composição do cenário
do bullying, consequentemente, para o pensar em como elaborar estratégias de enfrentamento

495
(Ristum, 2010).
Em resumo, pode-se afirmar que as vítimas, os agressores, os expectadores
(testemunhas) encaram consequências fisiológicas e afetivas tanto a curto, como a longo prazo.
Essa forma de agressão ocasiona consequências negativas e desta forma sua mensuração é
complexa e dificultosa. Contudo, o presente estudo busca correlacionar esse fenômeno aos
valores humanos, visto que esses são guias para atitudes e comportamentos sociais (Cachoeira,
Zwierewicz, Silva, Soares, & Santos, 2015) e estão associados a diversos construtos (Bardi &
Schwartz, 2003) como o comportamento de bullying (Knafo & Galansky, 2008).
Nesse sentido, os valores humanos referem-se a construtos produtivos de mecanismo
analítico que explicam as semelhanças e distinções entre indivíduos, grupos, costumes e
hábitos, visto que ao adotar algum valor, ele torna-se, de maneira consciente ou não, um modelo
que direciona o comportamento do sujeito. De maneira geral, é visto um grande auxílio teórico
sobre valores, dividindo-se em dois aspectos, um sociológico e outro psicológico. Entretanto,
neste estudo adotou-se a perspectiva psicológica ressaltada pela Teoria Funcionalista dos
Valores Humanos (TFVH; Fonsêca et al., 2016).
A propósito, a TFVH compreende os valores como categorias de orientação, pautadas
nas necessidades humanas e nas pré-condições para satisfazê-las, funcionando como princípios
que guiam os comportamentos das pessoas e explicam como as pessoas agem, sentem e pensam
cotidianamente (Gouveia, 2016). Além disso, uma característica inovadora dessa teoria refere-
se as funções atribuídas aos valores, de maneira específica, duas parecem consensuais: 1) Tipo
orientação, referente aos padrões que guiam os comportamentos e ações humanas e divididos
em valores pessoais, centrais e sociais; 2) Tipo de motivador, referente a expressão cognitiva
das necessidades humanas, que é delineada pelos valores materialistas e idealistas. As duas
principais funções são combinadas para formar o espaço axiológico (Gouveia, 2013).
Estas funcionalidades criam dois eixos, estruturados com três categorias de orientação:
pessoal, social, central e duas categorias de motivadores: humanitário e materialista.
Formando seis categorias: social-humanitário, pessoal-materialista, central-materialista,
central-humanitário, pessoal-humanitário, social-materialista (Gouveia, 2013). Assim, forma-
se um modelo 3 x 2 que gera e organiza espacialmente as seis subfunções valorativas (valores
básicos), que são subdivididas entre três critérios de orientação: social (interativa e normativa),
central (suprapessoal e experimentação) e pessoal (experimentação e realização); e dois tipos
de motivadores: idealistas (interativa, suprapessoal e experimentação) e materialista
(normativo, existência e realização) (Gouveia, Fonsêca, Milfont, & Fischer, 2011).
A estruturação do sistema valorativo se desenvolve por valores pessoal, central e social.
Nos valores pessoais, as pessoas que possuem esses valores buscam privilégios, vantagens, e
escolhem o que é favorável para si. Estes valores podem ser divididos pela subfunção
experimentação, que se refere a apreciação de novos estímulos e a busca de satisfazer os desejos
sexuais, além da subfunção realização, atribuída a indivíduos que cobiçam o sucesso, o poder,
prestígio e autodireção (Formiga, 2009).
Os valores centrais dividem-se em dois tipos, como o de valor de existência: no qual o
maior interesse é a existência em si, cujo destaque não é a particularidade de cada um, mas sim
no existir do sujeito, principalmente na saúde; e o valor suprapessoal que se refere aos que
procuram alcançar os objetivos livremente da circunstância social, tratando-se de pessoas
maduras, desapegadas do materialismo (Formiga, 2009).
Formiga (2009) também afirma que valores sociais são reconhecidos em pessoas

496
direcionadas a companhia de outros, buscando a aceitação e mantimento da harmonia em
qualquer contexto e podem ser divididos em valores normativos (em que focam no bom
convívio social, na cultura e principalmente na ordem, tradição e obediência) e em valores de
interação (que enfatizam a benevolência; são pessoas que apreciam uma boa convivência
coletiva, apoio, amizade e afetividade).
Especificamente, estudos que considerem a TFVH e a população de adolescentes ainda
são escassos. Entretanto, pode-se citar o estudo de Monteiro e Godoy (2015) com 453
estudantes do ensino fundamental e médio da baixada paulista, foi observado o predomínio de
valores de experimentação, principalmente em meninos de escolas privadas. Já a investigação
realizada por Fonsêca et al. (2016), com 338 estudantes do ensino fundamental da cidade João
Pessoa, demonstrou que adolescentes que dão ênfase aos valores centrais (suprapessoal e
existência) tendem a ter mais engajamento escolar. Além disso, no estudo levado a cabo por
Monteiro et al. (2017), com 300 escolares entre 8 e 17 anos, da cidade de Parnaíba, no Piauí,
indicaram que as subfunções interativa e realização predisseram comportamentos de bullying.
Dessa forma, a partir do exposto e visando aumentar o escopo de estudos que
possibilitem um maior conhecimento sobre bullying e valores humanos em adolescentes, pois
sabendo que os valores funcionam como guias de comportamentos, pretende-se, neste estudo,
conhecer quais valores se relacionam com comportamentos de bullying em uma amostra de
estudantes de ensino médio no interior pernambucano.

Método

Participantes
Contou-se com 180 alunos de uma escola pública de nível médio da cidade de São
José do Egito, no interior de Pernambuco, A amostra foi não probabilística (por conveniência)
acidental (Midade = 16,06; DP= 0,71; amplitude 15 a 18 anos), em maioria do sexo feminino
(53,9%). Adotou-se como critério de inclusão adolescentes que estudassem no primeiro e
segundo ano do ensino médio e como critérios de exclusão alunos que não cursassem as séries
de primeiro e segundo ano do ensino médio e que fossem maiores de 18 anos.

Instrumentos
Escala de Comportamento de Bullying (ECB; Medeiros et al., 2015). Instrumento
composto por16 itens, distribuídos em quatro fatores (bullying verbal, físico, relacional e
cyberbullying), respondida em uma escala Likert de cinco pontos referentes a frequência de
comportamentos de bullying na última semana (0 = nunca, 1 = uma vez por semana, 2 = duas
vezes por semana, 3 = três vezes por semana, 4 = quatro vezes por semana).
Questionário de Valores Básicos – Infantil validada por Gouveia, Milfont, Soares,
Andrade e Lauer-Leite (2011) com base na de adultos proposto por Gouveia (2003), esta
medida é composta por 18 itens. Para responder, cada participante deve indicar o grau de
importância de cada item, distribuído em uma escala variando de 1 = totalmente não importante
a 7 = extremamente importante.
Questionário Sociodemográfico com fins de caracterizar a amostra, neste questionário

497
conteve perguntas do tipo sexo, idade, ano escolar e renda econômica.

Procedimento
Inicialmente, foi apresentada a carta de anuência a instituição de ensino médio
solicitando participação na pesquisa. Após essa apresentação, o projeto foi submetido ao
Comitê de Ética da Faculdade Integrada de Patos. Ao obter o parecer do comitê de Ética (nº
2957174), posteriormente, seguiu-se com as visitas na instituição de ensino para pleitear a
coleta de dados. Inicialmente, os pesquisadores comunicaram o que tratava a pesquisa para os
participantes; após a explicação, foi entregue os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido
para que eles levassem para os pais assinarem. Depois da assinatura dos pais e respectiva
devolutiva para os pesquisadores, os adolescentes tiveram de assinar o termo de assentimento,
para somente então, efetuarem a participação respondendo as duas escalas e o questionário
sociodemográfico, em média foram necessários 15 a 20 minutos para os participantes
endossarem as questões.

Análise de dados
Os dados obtidos foram analisados por meio do software SPSS (Statistical Package for
the Social Sciences). Procedeu-se com análises de estatística descritiva (medidas de tendência
central e dispersão) e inferencial, (r de Pearson, objetivando verificar a correlação entre os
construtos valores humanos e bullying e o Teste t de Student para verificar a diferença entre
sexo).

Resultados
Visando alcançar o principal objetivo do estudo, isto é, analisar em que medida os
comportamentos de bullying relacionam-se com valores humanos, conduziu-se uma análise de
correlação de Pearson. Dessa forma, como pode ser observado na Tabela 1, apenas dois tipos
de comportamentos de bullying (verbal e cyber) obtiveram correlação com duas subfunções dos
valores humanos (suprapessoal e normativa). Sendo que o relacionamento entre bullying verbal
e a subfunção suprapessoal foi negativo e fraco (r = -0,18; p < 0,01), ou seja, quando aumenta
o comportamento de bullying, diminui-se a ocorrência dos valores suprapessoal. Assim sucede
com a subfunção normativa (r = -0,24; p < 0,05) que apresentou correlação negativa e significa
só que em maior magnitude comparada com os demais valores. A dimensão cyberbullying
correlacionou-se também de maneira negativa significativa com a subfunção normativa (r = -
0,14; p < 0,05) e suprapessoal (r = -0,13; p < 0,05). Quer dizer, quando a prática de bullying
via meio informacionais aumenta, os valores normativos e suprapessoal diminuem.

Tabela 1.
Correlatos dos valores humanos e comportamentos de bullying.
Fatores Físico Verbal Relacional Cyber
Experimentação 0,10 0,03 -0,06 -0,07
Realização 0,11 0,03 -0,01 0,01
Suprapessoal 0,01 -0,18** -0,12 -0,14*

498
Existência 0,03 -0,09 -0,04 -0,11
Interativa -0,09 -0,06** 0,11** -0,07**
Normativa -0,24 -0,16* -0,10 -0,13*
Nota: N= 180; ** p < 0,001; * p < 0,05 (teste unicaudal);

Nota-se também que a prática de bullying relacional correlacionou-se de forma positiva


e significativa com a subfunção interativa (r=0,11; p<0,001). Isso mostra que o comportamento,
por exemplo de excluir de um grupo em função de alguma característica física, pensando em
uma manifestação de bullying, correlacionou-se com valores do tipo interativa. Ou melhor,
quando ocorre o aumento de bullying relacional, aumenta também a pontuação em valores
interativa. Ademais, realizou-se um Teste t de Student para verificar se existe diferença entre
homens e mulheres considerando os comportamentos de bullying, os resultados são descritos
na Tabela 2.

Tabela 2. Diferença das Médias entre Meninos e Meninas (Test T - Student).


Sexo Meninos (n = 83) Meninas (n = 97) CONTANTE
Comportamentos
M DP M DP T P
de bullying
Físico 0,36 0,49 0,15 0,48 2,90 0,05*
Verbal 1,65 1,01 1,48 0,85 1,23 0,17
Relacional 0,21 0,48 0,08 0,17 2,34 0,05*
Cyber 0,17 0,37 0,11 0,25 1,31 0,18
*(p < 0,05).

Percebe-se que em todos os tipos de bullying os estudantes do sexo masculino


apresentaram uma maior média de comportamento em relação as meninas, no entanto, apenas
em dois tipos de bullying esses escores foram significativos, que foi o físico e o bullying
relacional, indicando a existência de diferença entre homens e mulheres quanto a prática de
bullying, considerando especificamente a amostra estudada, observou-se também que homens
tendem a violentar suas vítimas chutando, agredindo fisicamente ou ainda excluindo de grupos
em função de certas características físicas comparado com mulheres, que o fazem de maneira
diferente.

Discussão
Objetivou-se verificar a relação entre bullying e valores humanos a partir de uma
amostra de estudantes do ensino médio do interior pernambucano. Nesse sentido, para se chegar
aos resultados, procedeu-se análises de correlação de Pearson, bem como análise de diferença

499
de dois grupos (mulheres e homens; teste t). Considera-se que os objetivos tenham sido
alcançados, uma vez que houveram correlações significativas entre valores que guiam o
comportamento humano e práticas de bullying, além dos achados demonstrarem diferenças
entre homens e mulheres referentes aos comportamentos de bullying.
Sabe-se que os valores humanos guiam as ações humanas e expressam suas
necessidades (Gouveia, 2003) e o bullying é considerado uma subcategoria do comportamento
violento (Smith, Sleep, Morita, Catalano, Junger-Tas, & Olweus, 1999). Tendo isto em conta,
observou-se em estudos prévios que pessoas que violentam suas vítimas tendem a pontuar
menos em subfunções que prezam o conhecimento, respeito, obediência, afetividade, ou
buscam por uma boa convivência com seus pares (Soares, 2013; Monteiro et al., 2017), o que
foi corroborado no presente estudo.
Considerando o eixo central, especificamente os valores suprapessoais, foi observado
uma relação negativa com a violência verbal e cyberbullying. Corroborando parcialmente com
os achados de Monteiro et al. (2017), que verificaram uma relação negativa dos supracitados
valores com o cyberbullying. Possivelmente, tais divergências podem ser oriundas das
diferenças entre as idades amostrais. Já no eixo social, a subfunção interativa se correlacionou
negativamente com os tipos de bullying verbal, relacional e cyberbullying, ao passo que a
subfunção normativa apresentou correlação negativa com cyberbullying, corroborando com o
que tem sido evidenciado em cenário nacional (Monteiro et al., 2017). Tais resultados sugerem
que pessoas que são guiadas por valores normativos apresentam maior obediência a autoridades
e preservação de normas de uma cultura, enquanto que pessoas que manifestam valores
interativos buscam manutenção das relações interpessoais, e assim tendem a praticar menos
comportamentos de bullying.
Para além disso, pode-se citar os achados de Dilmaç e Aydoğan (2010), que mesmo não
se utilizando da TFVH, somam a presente pesquisa, uma vez que foi possível verificar que os
valores de responsabilidade, tolerância, respeito, honestidade e pacifismo explicam
negativamente o comportamento de bullying, visto que estes apresentam-se ausentes nos jovens
que praticam o cyberbullying, de maneira similar ao achado no presente estudo, sendo
constatado uma relação negativa e significativa entre valores suprapessoal e comportamento de
bullying em meios tecnológicos.
Além das relações entre valores humanos e bullying, observou-se que adolescentes
homens praticam mais bullying do que meninas. Uma possível explicação está no fato de que
meninas demonstram atitudes mais empáticas e positivas do que meninos (Bandeira & Hutz,
2010). Os achados presentes reforçam que independente do sexo, o bullying verbal é
predominante quanto aos outros, o qual sobressaem-se os comportamentos de utilizar de
apelidos pejorativos para vitimar o próximo (Moura, Cruz & Quevedo, 2011; Castela, 2013).
Apesar da relevância da presente pesquisa, esta não está isenta de limitações. A primeira
delas diz respeito ao tipo de amostra utilizada por conveniência (não probabilística), sendo
constituído, essencialmente, por estudantes de uma única instituição e somente pública, o que
excluí alunos da rede privada e implica em uma não representatividade amostral, extinguindo
quaisquer tentativas de generalizações de resultados que estejam ligados aos dados aqui
analisados.
Uma segunda limitação, diz respeito ao instrumento utilizado. Por ser uma medida de
auto relato, possibilita o participante falsear a resposta em função da desejabilidade social, uma
vez que o construto bullying não é socialmente aceito na comunidade, o que pode afetar a
maneira como os respondentes endossaram os itens (Costa & Hauck, 2017). Ademais, o tipo de
delineamento utilizado na pesquisa pode ser considerado como uma limitação também. Por se

500
tratar de uma investigação descritiva e exploratória, não se pode inferir causalidade entre as
variáveis, também como nos estudos de cunho experimental (Dancey & Reidy, 2013).
No entanto, conclui-se que os objetivos foram atingidos, uma vez que se chegou a
resultados que demonstraram relação significativa entre valores humanos e bullying, espera-se
que o presente estudo estimule o desenvolvimento de novas pesquisas acerca da temática e que
outros empreendimentos científicos sejam tomados relacionando valores humanos e bullying,
já que os estudos demostram haver relação e que valores humanos se constitui como preditivo
para comportamentos de bullying (Dilmaç & Aydoğan, 2010). Além disso, tais resultados
possibilitam favorecer e subsidiar intervenções que ajudem a reduzir a prática desse
comportamento agressivo no contexto escolar, pois os valores podem funcionar como um fator
de proteção, ou seja, para inibir, a perpetração do bullying (Monteiro et al., 2017). Deste modo,
parece relevante incentivar a transmissão destes valores por parte de pais e professores, além
de trazer um melhor entendimento desse fenômeno e sua relação com os valores dos
adolescentes.

Referências

Alckmin-Carvalho, F., Izbicki, S., & Melo, M. H. D. S. (2014). Problemas de comportamento


segundo vítimas de bullying e seus professores. Estudos e Pesquisas em Psicologia,
14(3), 834-853. Recuperado de https://www.redalyc.org/pdf/4518/451844509008.pdf
Antoniadou, N., & Kokkinos, C. M. (2015). Cyber and school bullying: Same or different
phenomena? Aggression and violent behavior, 25, 363-372. doi:
10.1016/j.avb.2015.09.013
Araújo, J. B., & Gomes, F. J. C. (2014). A perspectiva do professor diante do bullying no âmbito
escolar. Revista eletrônica do curso de pedagogia do campus Jataí, 1(16), 1-21. doi:
10.5216/rir.v1i16.29457
Bandeira, C. M., & Hutz, C. S. (2010). As implicações do bullying na auto-estima de
adolescentes. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e
Educacional, 14(1), 131-138. doi: 10.1590/S1413-85572010000100014
Bardi, A., & Schwartz, S. H. (2003). Values and behavior: Strength and structure of relations.
Personality and Social Psychology Bullettin, 29, 1207-122. doi:
10.1177/0146167203254602
Cachoeira, R. D., & Zwierewicz, M., &Silva, D. E., & Soares, J. C., Santos, L. B. (2015). O
bullying no contexto escolar: uma sistematização de estudos precedentes. Revista
Electrônica de Investigación y Docencia, 13, 81-100. Recuperado de
https://150.214.170.182/index.php/reid/article/view/2158
Castela, R. I. (2013). Crenças Normativas Sobre a Agressão e Comportamentos de Bullying em
contexto escolar (Mestrado em Psicologia Forense e Criminal). Instituto Superior de
Ciências da Saúde Egas Moniz.
Costa, A. R. L., & Hauck, N, Fº. (2017). Menos desejabilidade social é mais desejável:
Neutralização de instrumentos avaliativos de personalidade. Interação em Psicologia,
21(3), 239-249. doi: 10.5380/psi.v21i3.53054
Dancey, C. P., & Reidy, J. (2013). Estatística sem matemática: para psicologia. Porto Alegre:

501
Penso.
Dilmaç, B., & Aydoğan, D. (2010). Values as a predictor of cyber-bullying among secondary
school students. International Journal of Social Sciences, 5(3), 185-188. doi:
10.1.1.951.6102
Ferraz, S. F. D. S. (2011). Comportamentos de bulllying: estudo numa escola técnico-
profissional. Dissertação de mestrado. Instituto Nacional de Medicina Legal, Faculdade
de Medicina da Universidade do Porto, Porto, PT.
Freire, A. N., & Aires, J. S. (2012). A contribuição da psicologia escolar na prevenção e no
enfrentamento do Bullying. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia
Escolar e Educacional, 16 (1), 55-60. doi: 10.1590/S1413-85572012000100006
Fonsêca, P. N., Lopes, B. J., Palitot, R. M., Estanislau, A. M., Couto, R. N., & Coelho, G. L.
H. (2016). Engajamento escolar: explicação a partir dos valores humanos. Psicologia
Escolar e Educacional, 20(3), 611-620. doi: 10.1590/2175-3539201502031061
Formiga, N. S. (2009). Valores Humanos e hábitos de lazer. Psicologia. Argumento, 27 (56),
23-33. Recuperado de
https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/viewFile/19657/189
89
Godoy, P. B. G., & Oliveira-Monteiro, N. R. (2015). Estudo sobre valores em adolescentes.
Psico-PUCRS, 46(3), 400-408. doi: 10.15448/19808623.2015.3.19426
Gouveia, V. V. (2003). A natureza motivacional dos valores humanos: Evidências acerca de
uma nova tipologia. Estudos de Psicologia (Natal), 8, 431-443. doi: 10.1590/S1413-
294X2003000300010
Gouveia, V. V. (2016). Introdução à teoria funcionalista dos valores. Em V. V. Gouveia (Org.),
Teoria funcionalista dos valores humanos: áreas de estudo e aplicações (pp. 13-28).
São Paulo, SP: Vetor editora.
Gouveia, V. V., Fonsêca, P. N., Milfont, T. L., & Fischer, R. (2011). Valores humanos:
Contribuições e perspectivas teóricas. Em C. V. Torres, & E. R. Neiva (Orgs.), A
psicologia social: Principais temas e vertentes (pp. 278-295). Porto Alegre, RS:
ArtMed.
Gouveia, V. V., Milfont, T. L., Fischer, R., & Coelho,J. A. P. M. (2009). Teoria funcionalista
dos valores humanos: Aplicações para organizações. Revista de Administração
Mackenzie, 10, 34-59. doi: 10.1590/S1678-69712009000300004
Gouveia, V. v., Milfont, T. L., Soares, A. K. S., Andrade, P. R., & Lauer-Leite, I. D. (2011).
Conhecendo valores na infância: Evidencias psicométricas de uma medida. Psico –
Pucrs, 43, 106-115. Recuperado de
http://revistaseletronicas.pucrs.br/revistapsico/ojs/index.php/revistapsico/article/view/
7487
Kokkinos, C. M., & Panayiotou, G. (2004). Predicting bullying and victimization among early
adolescents: Associations with disruptive behavior disorders. Aggressive Behavior:
Official Journal of the International Society for Research on Aggression, 30(6), 520-
533. doi: 10.1002/ab.20055
Knafo, A., & Galansky, N. (2008). The influence of children on their parents’ values. Social
and Personality Psychology Compass, 2, 1143-1161. doi: 10.1111/j.1751-9004.2008.
00097.x
Kumpulainen, K., Räsänen, E., & Puura, K. (2001). Psychiatric disorders and the use of mental

502
health services among children involved in bullying. Aggressive Behavior: Official
Journal of the International Society for Research on Aggression, 27(2), 102-110. doi:
10.1002/ab.3
Lopes Neto, A. A., & Saavedra, L. H. (2003). Diga não para o bullying: programa redução do
comportamento agressivo entre estudantes. In Diga não para o bullying: programa
redução do comportamento agressivo entre estudantes.
Lyznicki, J. M., McCaffree, M. A., & Robinowitz, C. B. (2004). Childhood bullying:
implications for physicians. American family physician, 70(9). Recuperado de
https://www.aafp.org/afp/2004/1101/p1723.html
Malta, D. C., Porto, D. L., Crespo, C. D., Silva, M. M. A., Andrade, S. S. C. D., Mello, F. C.
M. D., ... & Silva, M. A. I. (2014). Bullying in brazilian school children: analysis of the
National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE 2012). Revista Brasileira de
Epidemiologia, 17, 92-105. doi: 10.1590/1809-4503201400050008
Medeiros, E. D. D., Gouveia, V. V., Monteiro, R. P., Silva, P. G. N. D., Lopes, B. D. J.,
Medeiros, P. C. B. D., & Silva, É. S. D. (2015). Escala de Comportamentos de Bullying
(ECB): Elaboração e evidências psicométricas. Psico-USF, 20(3), 385-397. doi:
10.1590/1413-82712015200302
Méndez, I., & Ramírez, F. C. (2010). Bullying y factores de riesgo para la salud en estudiantes
de secundaria. European Journal of Education and Psychology, 3(2), 209-218.
Recuperado de https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3337770
Monteiro, R. P., de Medeiros, E. D., Pimentel, C. E., Soares, A. K. S., de Medeiros, H. A., &
Gouveia, V. V. (2017). Valores humanos e bullying: idade e sexo moderam essa
relação? Temas em Psicologia, 25(3), 1317-1328. doi: 10.9788/TP2017.3-18Pt
Moura, D. R., & Cruz, A. C. N., & Quevedo, L. A. (2011). Prevalência e características de
escolares vítimas de bullying. Journal of pediatric, 87(1). doi: 10.1590/S0021-
75572011000100004
Olweus, D. (1993). Bullying at school: Understanding children’s worlds. Malden, MA:
Blackwell Publishing.
Olweus, D. (2003). A profile of bullying at school. Educational leadership, 60(6), 12-17.
Recuperado de http://www.ascd.org/publications/ educational-
leadership/mar03/vol60/num06/AProfile- of-Bullying-at-School.aspx
Olweus, D. (2011). Bullying at school and later criminality: Findings from three Swedish
community samples of males. Criminal behavior and mental health, 21(2), 151-156.
doi: 10.1002/cbm.806
Ristum, M. (2010). Bullying escolar. In: Assis, S. G., Constatino, P., & Avanci, J. Q., (Orgs).
Impactos da violência na escola: um diálogo com professores. (Pp. 95-119). Rio de
Janeiro: Ministério da Educação/ Editora FIOCRUZ.
Salmivalli, C. (2010). Bullying and the peer group: A review. Aggression and violent behavior,
15(2), 112-120. doi: 10.1016/j.avb.2009.08.007
Slonje, R., Smith, P. K., & Frisén, A. (2013). The nature of cyberbullying, and strategies for
prevention. Computers in human behavior, 29(1), 26-32. doi:
10.1016/j.chb.2012.05.024
Smith, P. K., Mahdavi, J., Carvalho, M., Fisher, S., Russell, S., & Tippett, N. (2008).

503
Cyberbullying: Its nature and impact in secondary school pupils. Journal of child
psychology and psychiatry, 49(4), 376-385. doi: 10.1111/j.1469-7610.2007. 01846.x
Smith, P. K., Slee, P., Morita, Y., Catalano, R., Junger-Tas, J., & Olweus, D. (Eds.). (1999). The
nature of school bullying: A cross-national perspective. Psychology Press.
Soares, A. K. S. (2013). Valores humanos e bullying: Um estudo pautado na congruência entre
pais e filhos. Dissertação de mestrado. Departamento de Psicologia, Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa, PB.
Vaillancourt, T., Brittain, H. L., McDougall, P., & Duku, E. (2013). Longitudinal links between
childhood peer victimization, internalizing and externalizing problems, and academic
functioning: Developmental cascades. Journal of abnormal child psychology, 41(8),
1203-1215. doi: 10.1007/s10802-013-9781-5
Volk, A. A., Dane, A. V., & Marini, Z. A. (2014). What is bullying? A theoretical redefinition.
Developmental Review, 34(4), 327-343. doi: 10.1016/j.dr.2014.09.001
DIFFICULTIES IN EMOTION REGULATION SCALE (DERS): NOVAS EVIDÊNCIAS

504
PSICOMÉTRICAS DE VALIDADE E PRECISÃO

Brenda Caroline Belforte Pereira


Ícaro Macedo Sousa
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Radames Coelho do Nascimento
Ricardo Neves Couto
Emerson Diógenes de Medeiros

Introdução

As emoções são fontes de estudo antes do século XX. Historicamente eram associadas
a falhas, fraqueza moral e desequilíbrio, sendo uma dimensão considerada inferior à cognição.
Diferentes teorias e autores conceituam o construto emoção e estes podem ser divididos em três
grandes grupos: teorias dos sentimentos (James, 1884; Whiting, 2011), Teoria cognitiva das
emoções (Scarantino, 2014) e Teoria cognitiva (Greenspan, 1988; Nussbaum, 2001; Roberts,
2013). No entanto as emoções serão definidas aqui como processo de registro do significado de
um acontecimento físico ou mental, sendo um mecanismo de adaptação que possibilita
identificar o que é favorável ou desfavorável ao bem-estar e funcionamento do organismo. Suas
características envolvem mudanças fisiológicas, cognitivas, experienciais e comportamentais,
que preparam o indivíduo para a ação (Ricarte, 2016).
Autorregulação emocional ou regulação emocional (RE) se refere a um processo
dinâmico ligado a esforços conscientes no controle dos comportamentos, dos sentimentos e das
emoções para que algum objetivo seja alcançado, afetando o psicológico, bem-estar cognitivo
e interação social. É desenvolvida na infância e adolescência, porém a aquisição completa das
competências associadas à regulação emocional acontece apenas no final da adolescência
(Batista & Noronha, 2018; Antunes, Matos, & Costa, 2018; Westerlund & Santtila, 2018).
Ademais, a regulação emocional diz respeito a modulação emocional e a processos intrínsecos
e extrínsecos que são utilizados para realizar metas pessoais. Contudo, nesse modelo a emoção
é visualizada como funcional, sendo usada como motivação para a adaptação no ambiente e nas
situações diárias. Quando há déficit na consciência, compreensão e modulação das emoções, o
indivíduo terá prejuízos em se adaptar e se situar em ambientes e consigo mesmo. Dessa
maneira, a regulação emocional está relacionada com várias psicopatologias e comportamentos
desadaptativos (Bjureberg et al., 2015).
Além disso, o controle das próprias emoções é um aspecto protetivo, pois auxilia no
controle da impulsividade. Inclusive, a impulsividade e o controle emocional são inversamente
proporcionais, o que significa que quanto maior o controle emocional, menor a impulsividade
e vice-versa. Assim, o controle emocional é uma proposta no tratamento de transtornos de
personalidade, como Boderline e usuários de substancias psicoativas. Ser capaz de controlas as
próprias emoções é também foco para idosos que sofrem de alterações neuropsicológicas e no
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) (Batista & Noronha, 2018). A
habilidade de reconhecer o estado emocional, perceber sua influência e conseguir maneja-lo de
forma que suas emoções se tornem aliadas no seu cotidiano é algo que colabora para uma

505
constante evolução pessoal, que, quando dominada, é uma vantagem levada a todos os campos
da vida, seja pessoal, profissional ou social.
O autoconhecimento e uma boa compreensão emocional são habilidades que devem ser
trabalhadas desde os primeiros anos de vida, uma vez que estas permitem regular e controlar as
emoções, além de permitir o reconhecimento do sofrimento do outro (Papalia & Feldman, 2013,
p. 347). Porém, nem sempre é adquirida facilmente, e pode vir apenas depois de um processo
terapêutico, diagnóstico, ou por algum sofrimento psicológico, por exemplo. No caso das
dificuldades quanto a regulação emocional, estão associados vários comportamentos inaptos
para uma regulação emocional eficiente, como automutilação, uso de drogas e comportamento
sexual arriscado. Tais dificuldades também se mostraram associadas também com fatores
biológicos (ativação do córtex cingulado anterior), psicofisiológico (frequência cardíaca),
neurológico e comportamental. Tal modelo de regulação emocional foi utilizado em terapias
em grupo e na terapia dialética comportamental e terapia em grupo, atingindo bons resultados
(Bjureberg et al., 2015).
Sobre psicopatologia e sua relação com a regulação emocional, alguns transtornos se
mostraram correlacionados com desregulação emocional, como a depressão, transtornos de
ansiedade, transtornos alimentares, Transtorno Opositivo-Desafiador, Transtorno de conduta e
de personalidade. Em dada pesquisa, indivíduos com ansiedade generalizada já mostraram uma
menor compreensão e aceitação emocional, maiores níveis de reação emocional negativa e
menor capacidade em regular experiências emocionais negativas. Na fobia social há baixa
expressividade de emoções que são positivas, dificuldade em entender emoções e em descreve-
las. Quanto ao Transtorno de Pânico, também havia dificuldade em nomear emoções e alta
tendência de controlar ansiedade e demais emoções negativas. Estresse pós-traumático e
depressão também são transtornos associados com déficits na regulação emocional (Coutinho,
Ribeiro, Ferreirinha, & Dias, 2009; Shahabi, Hasani, & Bjureberg, 2018).
Há vários estudos que estudam as dificuldades na regulação emocional e seus fatores
constituintes. O modelo pelo qual a escala de Difficulties in Emotion Regulation Scale (DERS)
é baseado na funcionalidade das emoções. As formas adaptativas de lidar com as emoções
incluem: conscientização, compreensão e aceitação das emoções; capacidade de controlar o
comportamento ao experienciar emoções negativas; flexibilidade de estratégias na modulação
da intensidade e duração das respostas emocionais em vez de eliminar a emoção por completo;
aceitação ao experimentar emoções negativas e positivas como sendo parte natural da vida
(Bjureberg et al., 2015).
Com o intuito de verificar a regulação emocional em contexto clínico de uma forma
rápida e eficaz, foi desenvolvida a escala Difficulties in Emotion Regulation Scale: The DERS-
16, Bjureberg et al. (2015). A DERS-16 tem a vantagem de contar com apenas dezesseis itens,
sendo mais parcimoniosa do que a escala original DERS-36, de Gratz e Romer (2004), além
disso facilita aplicação e a análise dos resultados comparada com sua versão preliminar,
principalmente em contexto clínico. A escala DERS-16 já foi validada em países como
Finlândia (Westerlund & Santtila, 2018), Suécia (Bjureberg et al., 2015), Irã (Shahbi, et al.,
2018) e Brasil (Miguel, Giromini, Colombarolli, Zuanazzi, & Zennaro, 2017). Não obstante, o
vigente estudo busca reunir novas evidências psicométricas da DRES-16 no contexto brasileiro,
em específico no litoral piauiense.

Método
506
Participantes

A fim de alcançar os objetivos propostos, a amostra não probabilística (por


conveniência) acidental foi comporta por 200 pessoas com idade média de 23,29 (DP= 7,39;
amplitude 18 a 58 anos), sendo maioria do sexo feminino (63,5%), solteiro (89,3%), cursando
o ensino superior (71,5%), com renda familiar média de R$ 2.354,31 (DP= 1.818,89) e a
maioria fazendo parte da Classe Social Média (50,5%). Adotou-se como critério de inclusão
homens e mulheres da população geral com idade mínima de 18 anos residentes na cidade de
Parnaíba-PI.

Instrumentos

Os participantes responderam um livreto contendo os seguintes instrumentos:


Difficulties in Emotion Regulation Scale (DERS-16; Bjureberg et al., 2016), que é uma medida
de autorrelato composta por 16 itens que mensuram níveis de dificuldade de regulação
emocional. Os itens são respondidos em uma escala Likert de cinco pontos, variando de 1
“quase nunca” a 5 “sempre” e estão agrupados, incialmente, em cinco dimensões (1) Fata de
clareza emocional, (2) Dificuldade de engajamento em comportamentos direcionados a
Objetivos, (3) Dificuldade em controlar impulsos emocionais negativos, (4) Dificuldade de
estratégias de regulação emocional e (5) Negação das respostas emocionais. Além de um
questionário sociodemográfico, contendo perguntas do tipo: sexo, idade, renda familiar e
escolaridade, visando a caracterização da amostra.

Procedimento

Inicialmente, utilizando-se dos procedimentos recomendados por Borsa, Damásio e


Bandeira (2012), procedeu-se a tradução e adaptação da DERS para o contexto brasileiro.
Assim, foi realizado a técnica de tradução reversa (back-translation), que consiste na tradução
da medida no idioma original (inglês) para o português brasileiro através de dois especialistas
independentes e, em seguida, traduzir a versão em português da DERS para o inglês, por meio
de traduções às cegas, isso tudo para verificar a equivalência dos itens nas duas versões
(português e inglês). Os tradutores atentaram aos ajustes semânticos e idiomáticos, fazendo
adequações e correções nos itens, caso necessário.
Posteriormente, a medida passou por um estudo piloto (validação semântica), que
contou com a participação de 15 estudantes universitários, de ambos os sexos, distribuídos entre
o primeiro e último período de seus respectivos cursos. Assim, foram analisadas possíveis
dificuldades dos itens do instrumento, a exemplo: compreensão semântica. O instrumento foi
conduzido em ambiente de grandes circulações de pessoas (e.g. praças públicas, universidades
e shoppings). Os participantes levaram aproximadamente 15 minutos, em média, para
consolidar a participação na pesquisa.
Foi apresentado a todos os participantes o Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido, para que pudessem autorizar sua participação na pesquisa e responder aos
instrumentos. Foi assegurado a todos o caráter anônimo e confidencial das respostas, enfatizado

507
o caráter voluntário da participação na pesquisa e ressaltando que esta não trará quaisquer ônus
ou bônus aos participantes, além esclarecer possibilidade de desistência a qualquer momento
sem prejuízos, ademais todos os procedimentos que assegura a pesquisa com seres humanos
foram devidamente cuidados, como consta nas resoluções do Conselho Nacional de Saúde (Nº
466/2012 e 510/2016).

Análise de dados

Os dados obtidos foram analisados por meio do software SPSS (Statistical Package for
the Social Sciences; versão 25). Procedeu-se com análises de estatística descritiva (medidas de
tendência central e dispersão) com fins de caracterizar a amostra e inferencial, rodando uma
Análise Fatorial Exploratória (AFE), tendo como pressupostos de análises a serem realizados
os Teste de Kaiser-Meyer-Olkin e esfericidade de Bartlett, para verificar se a matriz de dados
é favorável e Kaiser-Guttman (eigenvalue), Cattel e Análise Paralela para verificar a estrutura
fatorial da medida, além executar a análise de consistência interna (precisão) com Alfa de
Cronbach (α).

Resultados

Inicialmente, para verificar se a matriz de correlação de 16 variáveis é favorável a ser


realizada uma AFE, realizou-se o Teste de Esfericidade de Bartlett e KMO, descritos
respectivamente: χ² (120) = 2.128,25, p <0,001 e KMO = 0,91. Neste caso, atestou-se a
realização de uma Análise Fatorial Exploratória, pois o teste de esfericidade de Bartlett deu
significativo (p<0,05) e KMO > 0,70 (Damásio, 2012, Pasquali).
Assim, decidiu-se extrair os fatores a partir dos eixos principais (principal axis
factoring; PAF), seguido de uma rotação promax (obliqua). Os dois procedimentos foram
replicados conforme realizado pelos desenvolvedores da medida (Gratz & Romer, 2004), além
disso, admitir-se que os fatores da medida são correlacionados utilizando-se de um tipo de
rotação oblíqua (Damásio, 2012). Para tanto, observou-se que o critério de Kaiser indicou a
retenção de três possíveis fatores considerando seus autovalores (eigenvalue>1), são eles: Fator
1 (51,13% de variância), Fator 2 (10,17%) e Fator 3 com (6,05% de variância). Entretanto, por
saber que este teste infla os autovalores, optou-se em analisar sua representação gráfica (critério
de Cattel; Figura 1), que por outro lado indicou a existência de dois fatores, considerando o
ponto de inflexão marcado por uma linha em vermelho (Pasquali, 2012).
508
Figura 1. Representação gráfica dos valores próprios.

Como pode ser observado na figura acima, destaca-se dois fatores a partir desta análise,
portanto nota-se uma divergência entre o critério de Kaiser (eingevalue) e Gráfico de Cattel
quanto ao número de fatores. Dessa forma, para eliminar quaisquer dúvidas, decidiu-se realizar
um novo teste, denominada de Análise Paralela (AP), isso devido sua robustez ser maior que
as demais utilizadas (Hayton, Allen, & Scarpello, 2004). Esta análise gera banco de dados
aleatórios a partir do banco de dados real, em sua interpretação, é observado a média dos valores
dos bancos aleatórios e os autovalores do banco real, se este último for maior do que as médias
dos bancos randomizados, apoia-se a existência do fator.
Desse modo, o resultado da AP apoia a extração de dois fatores, uma vez que os
primeiros autovalores da AFE (8,18; 1,62) foram superiores aos equivalentes produzidos pela
Análise Paralela (1,51; 1,40), de forma contrário acontece com o terceiro autor valor (0,96 <
1,31). De acordo com estes resultados e com a literatura, procedeu-se uma nova PAF, só que
agora fixando em dois o número de fatores. Com isso, as dimensões explicaram conjuntamente
61,31 da variância total. Adotou-se como carga fatorial (λ) mínima (0,65) para conservar o item
no fator. (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009). Os resultados podem ser observados
na Tabela 1, apresentado a seguir.

Tabela 1.
Estrutura Fatorial Difficulties in Emotion Regulation Scale (DERS)
Fatores
Itens
F1 F2 h²
14. Quando estou mal começo a me sentir muito mal em 0,89* -0,06 0,19
relação a mim mesmo(a).
13. Quando estou mal fico irritado(a) comigo mesmo(a) 0,87* -0,19 0,38
por me sentir assim.
09. Quando estou mal sinto vergonha de mim mesmo(a) 0,81* -0,16 0,39

509
por me sentir assim.
10. Quando estou mal me sinto como se fosse fraco(a) 0,79* -0,00 0,68
06. Quando estou mal acredito que terminarei me 0,73* 0,10 0,64
sentindo muito deprimido.
05. Quando estou mal acredito que permanecerei assim 0,67* 0,18 0,66
por um longo tempo.
12. Quando estou mal sinto que não tem nada que eu 0,65* 0,16 0,69
possa fazer para me sentir melhor.
16. Quando estou mal minhas emoções parecem 0,60 0,27 0,51
esmagadoras.
02. Eu sou confuso(a) sobre como me sinto. 0,51 0,14 0,61
15. Quando estou mal tenho dificuldades em pensar em 0,49 0,30 0,64
qualquer outra coisa.
01. Eu tenho dificuldade em tirar um sentido dos meus 0,42 0,01 0,59
sentimentos.
04. Quando estou mal fico fora de controle. -0,20 0,95* 0,58
08. Quando eu estou mal eu me sinto fora de controle. -0,08 0,88* 0,72
11. Quando estou mal tenho dificuldades em controlar 0,05 0,76* 0,52
meus comportamentos.
07. Quando estou mal tenho dificuldades em focar em -0,26 -0,50 0,66
outras coisas.
03. Quando estou mal tenho dificuldades em concluir 0,19 0,48 0,50
trabalhos.
Número de itens 7 3
Variância explicada 56,5% 15,1%
Alfa de Cronbach 0,91 0,87
Nota. *item retido no fator; F1 = Estratégias e Não aceitação; F2 = Impulso.

Como pode ser observado na Tabela 1, o Fator 1, correspondeu a aglutinação de dois


fatores da medida original (DRES-16; Bjureberg et al., 2015), foram eles: Estratégias, que diz
respeito ao acesso limitado às estratégias de regulação emocional e Não aceitação que avalia a
tendência as repostas emocionais secundárias negativas, as cargas fatoriais variaram de 0,89
(item 14. Quando estou mal começo a me sentir muito mal em relação a mim mesmo (a)) a 0,65
(item 12. Quando estou mal sinto que não tem nada que eu possa fazer para me sentir melhor).
Já no Fator 2 que equivale a dimensão Impulso, isto é, a dificuldade de controlar os impulsos
comportamentais frente a estados emocionais negativos, as cargas variaram de 0,95 (item 04.
Quando estou mal fico fora de controle) a 0,76 (item 11. Quando estou mal tenho dificuldades

510
em controlar meus comportamentos.). Ademais todos itens que compõem os fatores estão
dispostos na tabela acima em ordem decrescente conforme os valores das cargas fatoriais (λ).
Nessa direção, o primeiro fator ficou composto por sete itens com autovalor igual a 5,65,
sendo explicado por 56,5% da variância total, apresentando uma adequada consistência interna
[Alfa de Cronbach (α=0,91)]. Já o Fator 2 aglutinou três itens com autovalor igual a 1,51,
explicando 15,1% da variância total e sua consistência interna também medida pelo Alfa de
Cronbach foi considerada adequada (α= 0,87).

Discussão

A presente investigação objetivou reunir evidências preliminares de validade e precisão


da Difficulties in Emotion Regulation Scale (DRES-16) para o contexto do litoral piauiense.
Nessa lógica, para que fossem atingidos os objetivos, operacionalizou-se uma Análise Fatorial
Exploratória (PAF e AP) e análises de consistência interna da medida (α; precisão). Em suma,
os objetivos foram alcançados, pois as evidências psicométricas da DRES-16 possibilitaram
verificar a sua adequação para o contexto considerado, proporcionando seu uso na investigação
da dificuldade de regulação emocional.
Tendo em conta os principais achados desta pesquisa, especificamente, o estudo que
visou explorar a estrutura fatorial do instrumento, por meio de uma AFE (PAF e suportado pela
AP), foram reunidas evidências de validade fatorial e precisão da medida, cabendo salientar
altas cargas fatoriais (item 14 com lambda de 0,89, correspondente ao Fator 1 e item 4 com
lambda de 0,95, correspondente ao fator 2, por exemplo) e altos índices de consistência interna
(Fator 1; α=0,91 e Fator 2; α= 0,87), assim sendo constatado uma estrutura de dois fatores para
a medida, agrupando agora 10 itens, sendo sete itens no fator um (estratégias e não aceitação)
e três itens no fator dois (impulso).
Embora os achados desta pesquisa não corroborem com a maioria dos estudos
psicométricos realizados com a DRES-16 (Benfer, Bardeen, Fergus, & Rogers, 2018; Hallion,
Steinman, Tolin, & Diefenbach, 2018; Miguel et al., 2017; Westerlund & Santtila, 2018) um
dos resultados na investigação de Moreira, Gouveia e Canavarro (2020) auxiliam e sustentam
a tomada de decisão dos pesquisadores em aglutinar os itens que correspondem as dimensões
Estratégias e Não aceitação em um único fator. Tendo em conta isso, verificou-se também a
consistência interna do instrumento, sendo alcançado por meio do Alfa de Cronbach adequado
índice conforme recomendado pela literatura (α>0,70; Cohen, Swerdlik, & Sturman, 2014).
Dessa forma, nota-se que a medida estudada nesta investigação possui propriedades
psicométricas consistentes. No que diz respeito ao impacto de validar um instrumento como
esse, considera-se as várias ligações que o construto regulação emocional tem com outras
variáveis, como por exemplo predizer sintomas de estresse pós-traumático em crianças que
sofreram abuso na infância (Barlow, Goldsmitth Turow, & Gerhat, 2017), ou ainda predizer o
apego, ansiedade e depressão pós-parto (Marques, Monteiro, Canavarro, & Fonseca, 2018),
além de estar associada a autolesão não suicida (Kahraman & Çankaya, 2020) e transtornos
alimentares (Brockmeyer, et al., 2014). Ou seja, regulação emocional é uma variável importante
no manejo clínico, e, para tanto, necessária de ser operacionalizada e medida para que assim
possa se conhecer níveis de regulação emocional e elaborar estratégias de enfretamento, como
realizado por exemplo no estudo de Desrosiers, Vine, Klemanski e Nolen-Hoeksema (2013),
onde estes identificaram que o mindfulness ou atenção plena melhoram os níveis de regulação

511
emocional em pessoas com sintomas de ansiedade e depressão.
Como já discutido é inegável a necessidade de se ter medidas que avaliem a regulação
emocional, uma vez que as emoções fazem parte primordialmente da vida das pessoas, tendo
como função adaptativa e orientadora das relações interpessoais (Pereira, 2014). Assim, o
referido estudo contribui como novos achados psicométricos para a Difficulties in Emotion
Regulation Scale (DERS-16).
No entanto, como todo empreendimento científico é passível de limitações, este não
seria diferente. A primeira das limitações, trata-se da amostra utilizada que foi por conveniência
(não probabilística), sendo composta em maioria por estudantes universitários de uma única
instituição pública, o que excluí universitários da rede privada e implica em uma não
representatividade amostral. Porém, não foi objetivo desse estudo atingir generalizações de
resultados. Com isso, encoraja-se a novos estudos com amostras maiores e mais representativas.
Uma segunda limitação que pode ser considerada diz respeito ao instrumento utilizado. As
medidas de auto relato abrem margem para o participante falsear a resposta devido a
desejabilidade social afetando a maneira como os respondentes endossam as questões (Costa &
Hauck, 2017). Sugere-se nesse sentido que seja manejado medidas de desejabilidade social para
minimizar o efeito que esse fenômeno causa (Oliveira, 2013)
Em suma, considera-se que os objetivos foram atingidos, uma vez que os resultados de
validade e precisão da DERS-16 se mostraram adequados psicometricamente. Além disso, tais
resultados favorecem o uso dessa medida como ferramenta de rastreio de regulação emocional,
proporcionando identificar os comportamentos associados ao construto para elaboração de
estratégias de intervenção que visem a manutenção e homeostase das respostas emocionais,
frente por exemplo, a quadros clínicos de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático.

Referências

Antunes, J., Matos, A. P., & Costa, J. P. (2018). Regulação emocional e qualidade do
relacionamento com os pais como preditoras de sintomatologia depressiva em
adolescentes. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, (6), 52-58. doi:
10.19131/rpesm.0213.
Barlow, M. R., Goldsmith Turow, R. E., & Gerhart, J. (2017). Trauma appraisals, emotion
regulation difficulties, and self-compassion predict posttraumatic stress symptoms
following childhood abuse. Child Abuse & Neglect, 65, 37-47. doi:
10.1016/j.chiabu.2017.01.006
Bjureberg, J., Ljótsson, B., Tull, M. T., Hedman, E., Sahlin, H., Lundh, L. G., … & Gratz, K.
L. (2016). Development and validation of a brief version of the difficulties in emotion
regulation scale: the DERS-16. Journal of psychopathology and behavioral
assessment. 38, 284–296. doi: 10.1007/s10862-015-9514-x.
Benfer, N., Bardeen, J. R., Fergus, T. A., & Rogers, T. A. (2018). Factor structure and
incremental validity of the original and modified versions of the difficulties in emotion
regulation scale. Journal of Personality Assessment, 1-11.
doi:10.1080/00223891.2018.1492927.
Borsa, J. C., Damásio, B. F., & Bandeira, D. R. (2012) Adaptação e validação de instrumentos

512
psicológicos entre culturas: algumas considerações. Paidéia, 22(53), 423-432. doi:
10.1590/S0103-863X2012000300014
Brockmeyer, T., Skunde, M., Wu, M., Bresslein, E., Rudofsky, G., Herzog, W., & Friederich,
H.-C. (2014). Difficulties in emotion regulation across the spectrum of eating disorders.
Comprehensive Psychiatry, 55(3), 565–571. doi:10.1016/j.comppsych.2013.12.001
Cohen, R. J., Swerdlik, M. E., & Sturman, E. D. (2014). Testagem e avaliação psicológica:
Introdução a testes e medidas (8º ed.) São Paulo: AMGH.
Costa, A. R. L., & Hauck, N, F. (2017). Menos desejabilidade social é mais desejável:
Neutralização de instrumentos avaliativos de personalidade. Interação em Psicologia,
21(3), 239-249. doi: 10.5380/psi.v21i3.53054
Coutinho, J., Ribeiro, E., Ferreirinha, R., & Dias, P. (2010). Versão portuguesa da Escala de
Dificuldades de Regulação Emocional e sua relação com sintomas
psicopatológicos. Archives of Clinical Psychiatry, 37(4), 145-151. doi:10.1590/S0101-
60832010000400001.
Damásio, B. F. (2012). Uso da análise fatorial exploratória em psicologia. Avaliação
Psicológica: Interamerican Journal of Psychological Assessment, 11(2), 213-228.
Recuperado de https://dialnet.unirioja.es/revista/23351/A/2012
Desrosiers, A., Vine, V., Klemanski, D. H., & Nolen-Hoeksema, S. (2013). Mindfulness and
emotion regulation in depression and anxiety: common and distinct mechanisms of
action. Depression and Anxiety, 30(7), 654–661. doi:10.1002/da.22124
Greenspan, P. (1988). Emotions and Reasons. London: Routledge.
Hair, J. F., Jr., Black, W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise
Multivariada de Dados (6ª ed.) Porto Alegre, RS: Bookman.
Hallion, L. S., Steinman, S. A., Tolin, D. F., & Diefenbach, G. J. (2018). Psychometric
properties of the difficulties in emotion regulation scale (DERS) and its short forms in
adults with emotional disorders. Frontiers in Psychology, 9(539). doi:
10.3389/fpsyg.2018.00539.
Hayton, J. C., Allen, D. G., & Scarpello, V. (2004). Factor retention decisions in exploratory
factor analysis: A tutorial on parallel analysis. Organizational Research Methods, 7,
191-205. Doi: 10.1177/1094428104263675
James, W. (1884). “What Is an Emotion?” Mind. Quarterly Review of Psychology and
Philosophy, 9, 188–205. doi:10.1093/mind/os-IX.34.188
Kahraman, B. B., & Çankaya, P. K. (2020). Childhood traumas, difficulty in emotion regulation
and coping strategies in adult patients with nonsuicidal self-injury. Anatolian Journal
of Psychiatry, 20, 0-0. doi: 10.5455/apd.70047
Marques, R., Monteiro, F., Canavarro, M. C., & Fonseca, A. (2018). The role of emotion
regulation difficulties in the relationship between attachment representations and
depressive and anxiety symptoms in the postpartum period. Journal of Affective
Disorders, 238, 39–46. doi: 10.1016/j.jad.2018.05.013
Miguel, F. K., Giromini, L., Colombarolli, M. S., Zuanazzi, A. C., & Zennaro, A. (2017). A

513
brazilian investigation of the 36- and 16-item difficulties in emotion regulation scales.
Journal of Clinical Psychology, 73(9), 1146–1159. doi:10.1002/jclp.22404.
Moreira, H., Gouveia, M. J., & Canavarro, M. C. (2020). A bifactor analysis of the Difficulties
in Emotion Regulation Scale-Short Form (DERS-SF) in a sample of adolescents and
adults. Current Psychology, 1-26. doi: 10.1007/s12144-019-00602-5
Nussbaum, M. (2001). Upheavals of Thought. Cambridge: Cambridge University Press.
Oliveira, J. F. A. (2013). Estudos de validação da Escala de Desejabilidade Social-DESCA.
Dissertação de mestrado. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da
Universidade de Coimbra, Coimbra, PT. Recuperado de
https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/24861
Pasquali, L. (2012). Análise Fatorial para pesquisadores. Brasília, DF: LabPAM.
Papalia, D. E., & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano. (ed .12). Porto Alegre:
AMGH.
Pereira, J. S. C. (2014). Dificuldades de regulação emocional e estratégias de resolução de
conflitos com indivíduos num relacionamento íntimo. Dissertação de mestrado.
Faculdade de Psicologia e de Ciências da educação do Porto, Porto, PT. Recuperado de
https://repositorio-aberto.up.pt/
Ricarte, M. D. (2016). Construção de um Instrumento para Avaliação da Regulação Emocional
em Crianças e Adolescentes. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em
Psicologia Cognitiva, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE.
Roberts, R. C. (2013). Emotions in the Moral Life. New York: Cambridge University Press.
Scarantino, A. (2014). The Motivational Theory of Emotions. In D. Jacobson and J. D’Arms
(Org.), Moral Psychology and Human Agency (156–185). New York: Oxford
University Press.
Shahabi, M., Hasani, J., & Bjureberg, J. (2018). Psychometric Properties of the Brief Persian
Version of the Difficulties in Emotion Regulation Scale (The DERS-16). Assessment for
Effective Intervention, 45(2), 135-143. doi:10.1177/1534508418800210.
Viana Batista, H. H., & Porto Noronha, A. P. (2018). Instrumentos de Autorregulação
Emocional: uma revisão de literatura. Avaliação Psicológica, 17(3), 389-398. doi:
10.15689/ap.2018.1703.15643.12
Westerlund, M., & Santtila, P. (2018). A Finnish adaptation of the emotion regulation
questionnaire (ERQ) and the difficulties in emotion regulation scale (DERS-16). Nordic
Psychology, 70(4), 304-323. doi:10.1080/19012276.2018.1443279.
Whiting, D. (2011). The Feeling Theory of Emotion and the Object-Directed Emotions.
European Journal of Philosophy, 19(2), 281–303. doi:10.1111/j.1468-
0378.2009.00384.x
USO DE REDES SOCIAIS E A PERCEPÇÃO DA AUTOESTIMA: UM

514
ESTUDO CORRELACIONAL

Brenda Caroline Belforte Pereira


Radames Coelho do Nascimento
Ricardo Neves Couto
Ícaro Macedo Sousa
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Emerson Diógenes de Medeiros

Introdução

O ser humano na atualidade, se encontra em uma fase moderna da evolução, seja pelo
aumento exponencial da tecnologia, ou pela forma de se comunicar, nesse aspecto, as mídias
sociais se tornam uma grande ferramenta para comunicação e criação de conceitos e padrões na
sociedade. A facilidade se expressa na possibilidade de possuir dispositivos móveis, permitindo
assim a exposição de ideias, conceitos, críticas e entretenimentos por qualquer pessoa,
independendo do nível social, idade, sexo e profissão (Da Silva, Pinto, Da Silva, & Teixeira,
2019).
As autoras ainda reforçam a existência de milhares de pessoas que influenciam as
massas através de redes sociais, seja por necessidade de autopromoção e/ou de comunicação,
estas mostram em suas postagens um possível exemplo a ser seguido, ou desejado por aqueles
que as acompanham, trazendo muitas das vezes a distorção da realidade de suas vidas na busca
de se encaixar em determinados padrões estabelecidos pela sociedade atual. Dessa forma,
devido a inclusão em uma sociedade consumista e a crescente expansão das mídias sociais, são
criados ou reforçados padrões de comportamentos, cujo os indivíduos projetam no outro desejos
e sonhos que almejam para suas vidas, mesmo quando isso não condiz com a sua determinada
realidade.
Para demostrar o quanto o uso da internet tem crescido nos últimos anos, um relatório
publicado pela Marktest (2016) informou que o número de usuários aumentou mais de 10 vezes
nos últimos 18 anos, ultrapassando de uma penetração de 6,3% em 1997 para 65,4% em 2016.
Já a nível mundial, mais de 7.500 milhões de pessoas têm acesso à internet, o que representa
49,6% da população mundial, sendo que a Europa fica em segundo lugar na taxa de penetração
de internet, com uma percentagem de 77,4% (Internet World Stats, 2017;
http://www.internetworldstats.com/).
Pensando nesse fato, Turkle (2012), elabora críticas em relação ao longo tempo
disponibilizado para a internet, algo que se tornou comum hoje em dia. De acordo com ela,
atentando-se para as relações constituídas pela rede, o prolongado tempo dentro deste mundo
virtual, traz consigo a “ilusão” de estar sempre sendo observado e ouvido, de ter vários
“amigos”. A tecnologia ofereceria uma sensação de escuta frequente e de refúgio contra a
solidão e o desamparo, com três falsas certezas: a de que podemos direcionar nosso olhar para
o que quisermos; a de que seremos sempre ouvidos; e a de que sempre estaremos em companhia.
Isso leva os usuários, principalmente os adolescentes, a relatarem que para conversar, preferem

515
escrever a falar.
Embora que o uso controlado e sadio da internet por si só não evidencia riscos graves e
seja, de maneira geral, proveitoso para a maioria dos usuários, uma minoria das pessoas
apresenta problemas referentes ao seu uso exagerado, imoderado e irregular (Pontes, Caplan,
& Griffiths, 2016). De maneira geral, a literatura científica informa associações consistentes
entre o uso prejudicial da internet a uma pluralidade de problemas psicossociais, tais como bem-
estar emocional mais pobre (Griffiths, 2015; Piguet, Berchtold, Akre, & Suris, 2015; Pontes,
Caplan, & Griffiths, 2016) ou níveis mais altos de psicopatologias, como a depressão (Cabral,
Pereira, & Teixeira, 2018; Mendes & Silva, 2017; Pontes, Caplan, & Griffiths, 2014; Tokunaga
& Rains, 2016; Mendes & Silva, 2017).
Um possível problema que pode surgir nessa busca de um apoio virtual está ligada aos
padrões estabelecidos da vida perfeita, que pode levar os indivíduos a criarem uma distorção
da própria vida e de si próprios, o que acarreta nas percepções de autoestima de cada um. Muitos
aplicativos de interações sociais se tornam nocivos à saúde mental, pois criam um mundo
utópico onde tudo é possível e maravilhoso, impactando de forma negativa a autoimagem e
criando dúvidas acerca dos próprios modos de vida (Da Silva, Pinto, Da Silva, & Teixeira,
2019). As autoras ainda informam que no sexo feminino esse impacto se torna mais agressivo,
visto que a busca pelo corpo ideal possui determinados padrões e pressões estéticas sobre o
corpo feminino onde imperfeições não são aceitas, o que gera uma insatisfação constante na
busca de uma perfeição inexistente.
Alguns danos psicológicos, fisiológicos e sociais que podem ser causados pelo uso
demasiado de mídias sociais se mostra através de taquicardia, alterações na respiração,
mudanças na postura, tendinite, relações familiares prejudicadas, vulnerabilidade afetiva,
distúrbios alimentares, sedentarismo, obesidade, síndrome do toque fantasma ( sensação que o
celular está tocando sem está), narcisismo, distúrbios de personalidade, distúrbios de
concentração, transtornos de ansiedade, fobias, isolamento social, dependência, vícios,
distúrbios do sono, mudanças na autoestima, depressão e suicídio (Souza & Da Cunha, 2019).
Para complementar esses dados, Palfrey e Gasser (2011, p. 210) veem dizer que a
dependência da internet, a síndrome da exaustão de informações e a sobrecarga de dados fazem
parte dos termos que estão sendo apresentados para informar as novas doenças da era digital.
A substituição do “fluir temporal”, ao que as pessoas estão habituadas, dá reforço a um dos
atributos da atualidade: o desprezo do tempo passado e o não contato com o futuro (Drawin,
2003), que descreve o que Bauman (2001, 2004) nomeia de “modernidade líquida”,
reconhecida, entre outras coisas, pela delicadeza das relações afetivas (“amor líquido”).
Como já visto, um mau uso das redes sociais pode desencadear vários problemas a nível
físico, social e psicológico. Dessa forma, o tema saúde mental mostra grande importância na
sociedade e vem sendo discutido amplamente na atualidade por diversos campos de pesquisa.
Seu valor se expressa pela busca da qualidade de vida dos indivíduos. Uma das variáveis
importante para se estabelecer uma saúde mental é a autoestima, visto que proporciona um bem-
estar psicológico e que independe de idade, sexo, instrução, trabalho e formação cultural
(Nunes, Montibeller, Oliveira, Arrabaca, & Theiss, 2017).
Dolan (2006) descreve que a autoestima é um dos conceitos psicológicos mais usados
atualmente, possivelmente pelo seu sentido funcional na compreensão da busca de felicidade
por parte das pessoas. A inclusão do termo é proposta por William James no ano de 1885,
quando ele desta maneira descreve “o que sentimos por nós mesmos é determinado pela
proporção entre nossas realizações e nossas supostas potencialidades; uma fração cujo
denominador são nossas pretensões e o numerador, os nossos sucessos” (James, Dewey, &

516
Veblen, 1974).
O conceito de autoestima se caracterizava a princípio como um traço estável ligado a
personalidade; em segunda instância, observou-se que ela poderia ser variável, e que poderia
ser manipulada e/ou afetada pelo estado que o sujeito se encontra. Assim, se torna uma estrutura
mental multável que segue as tendências das etapas da vida de cada indivíduo e acompanham
os eventos singulares e marcantes de cada fase da vida (De Castro Sena & Maia, 2017).
No contexto psicanalítico, Freud (1914) escreve que “a autoestima demonstra o tamanho
do ego, tudo o que a pessoa tem ou faz, ajuda-o a melhorar sua autoestima” (p.115). Ele defende
que ela está precisamente associada com o prazer narcisista, o que se deve a relação de que o
amor que cerca o desejo e o suprimi, diminuindo a autoestima e, o inverso, ser amado e ser
retribuído no amor a aumenta. Já conforme Skinner (2006), a percepção sobre si mesmo tem
sua origem social: a pessoa passa a se entender a partir do outro, ou melhor, é a comunidade
verbal que instrui o homem a explicar seus comportamentos e sintomas corporais. Ao mesmo
tempo, aproveita-se de palavras para ensinar as pessoas a nomear suas condições e
manifestações corporais, que advêm do contato entre a pessoa e seu espaço físico ou social. Tal
descrição remete-se aos sentimentos e emoções.
Guilhardi (2002) caracteriza autoestima como sentimento, consequência de
causalidades de reforçamento positivo de princípio social. Dessa forma, sempre que as pessoas
mostram comportamentos que são aprovados pelo ambiente social, isto os reforça
positivamente, ou seja, é ofertado reforço social generalizado positivo. Essa circunstância
possibilita o aumento do sentimento autoestima. Ao contrário disso, os comportamentos do
indivíduo que não são admitidos socialmente geram efeitos negativos ou são punidos e estão
associados à baixa autoestima. Por fim, autoestima se baseia na avaliação do EU, por este
motivo é um estado multável que se constrói e se altera ao logo da vida diante de situações
significantes que ocorrem (Pereira, Lopes, Gonçalves, & Vasconcelos-Raposo, 2017).
As pesquisas realizadas no Brasil, mostram que a autoestima se caracteriza tanto como
um traço psicodinâmico permanente, pois deriva de experiências acumuladas ao passar do
tempo; mas também se caracteriza como um estado psicoemocional, pois nesse contexto se
manifesta como uma condição de satisfação mediante as relações que o indivíduo tem consigo
mesmo e com outras pessoas (De Castro Sena & Maia, 2017).
Em resumo, para essa pesquisa foi adotado o conceito de autoestima baseado em
Pimental et al (2018), afirmando que ela é formada por parâmetros estabelecidos pelo indivíduo
possuindo opostos bem definidos, variando entre auto-aceitação ou auto-rejeição;
reconhecimentos de potencialidade e habilidades pessoais e o fracasso ou sucesso das mesmas.
Dessa forma, seria a capacidade do indivíduo compreender suas potencialidade e limitações e
poder estabelecer um equilíbrio emocional sobre si mesmo.
A relação do indivíduo com o meio que está inserido pode ser afetada pela percepção
da autoestima que cada um tem de si mesmo, visto que pessoas que possuem bons níveis de
autoestima tendem a ser mais persistentes e por consequência ter mais progresso mediante
determinadas tarefas e desafios do dia (De Castro Sena & Maia, 2017). Os autores ainda
reforçam que o bem-estar psicológico ligado a autoestima proporciona eventos significantes
que contribuem positivamente no combate a sintomatologias de depressão e na prevenção ao
suicídio.
Diante do exposto, é possível perceber o quanto as redes sociais podem influenciar o
estado psicológico das pessoas, tanto a nível pessoal quanto social. Dessa forma, sabendo que
autoestima é uma das principais influências em uma boa saúde mental, a presente pesquisa

517
buscou analisar possíveis correlações entre a percepção de autoestima e o uso de redes sociais.

Método

Participantes

A amostra constitui-se a partir da participação de 218 pessoas com idade média de 24


anos, que foram submetidas a um questionário online da plataforma google docs,
disponibilizada através de um link em redes sociais, como WhatsApp, Facebook e Instagram.
A maioria das pessoas que participaram da pesquisa foi do sexo feminino (68,3%), estado civil
predominante de solteiro (78,4%), o qual a maior ocupação se caracterizava por estudantes,
quanto a renda familiar os valores variaram entre R$ 400,00 até R$ 7.500,00, conforme as
respostas coletadas. Para participar do presente estudo foi adotado o seguinte critério de
inclusão: ter acesso à internet, e especificamente, fazer uso de redes sociais.

Instrumentos

Dessa forma, cada participante respondeu aos seguintes instrumentos: CARS,


desenvolvida no idioma espanhol, por Escurra Mayaute e Salas Blas (2014), a ferramenta é
composta por 24 itens, que são devidamente respondidos em uma escala Likert contento cinco
pontos; o instrumento sofreu uma adaptação para o contexto brasileiro feita por Fonsêca et al.
(2018). Esse instrumento busca representar o comportamento dos indivíduos relacionados ao
uso dependente dos smartphones e redes sociais, variando sua escala de resposta de 1 = nunca
a 4 = Sempre. A estrutura fatorial é composta por três fatores: obsessão por redes sociais (α =
0,91); falta de controle pessoal no uso das redes sociais (α = 0,88) e uso excessivo das redes
sociais (α = 0,92) e apresentam um índice satisfatório de precisão geral e fidedignidade (α =
0,95).
Sigle Item Self-Esteem Scale (SISES) Robins, Hendin e Trzesniewski (2001),
construíram e validaram esse instrumento nos Estados Unidos, trata-se de uma escala que é
utilizada para a avaliação da autoestima. A mesma passou por uma adaptação para o contexto
brasileiro feita por Pimentel et al. (2018), esta apresentou índices satisfatórios de evidências de
validade convergente. A escala é formada apenas por um item cujo se define por: “eu tenho
autoestima elevada” e é respondida em uma escala do tipo Likert de 7 pontos, variando de 1 =
Não muito frequente em mim a 7 = Muito frequente em mim.
Por fim, os participantes responderam um Questionário sociodemográfico visando
caracterizar a amostra do presente estudo, contendo perguntas do tipo: idade, sexo, estado civil,
natureza da instituição universitária, renda familiar e horas de acesso diária.

Procedimento
A pesquisa foi realizada no primeiro semestre de 2019, por alunos do curso de

518
Bacharelado em Psicologia, o questionário foi divulgado e explicado em redes sociais, tais
como, WhatsApp, Facebook e Instagram. Os participantes eram informados que a pesquisa
objetivava verificar relação entre o uso exagerado de redes sociais, com a percepção de sua
autoestima, foram orientados a buscarem o máximo de sinceridade possíveis em suas respostas,
relacionadas ao tempo de uso das redes sociais e se esse uso causaria algum tipo de prejuízo na
forma como percebiam sua autoestima. Foi explicado que a pesquisa não prejudicaria quem
participasse, e que estavam livres para abandonar a pesquisa a qualquer momento. Todos os
questionários foram respondidos online através do link de acesso a plataforma do Google docs.
em um prazo de um mês.

Análise de dados

Utilizando o software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), em sua versão
21, foram executadas as estatísticas descritivas para assim caracterizar a amostra e as análises
de correlação r de Pearson a fim de verificar a relação entre os construtos estudados.

Resultados

Mediante os dados coletados da pesquisa foi possível obter correlações significativas


para a psicologia. A princípio foi detectado uma correlação negativa entre uso das redes sociais
e autoestima (r = -0,29; p < 0,01), expressando que quanto maior o uso de redes sociais, menor
a percepção de autoestima, padrão semelhante entre redes sociais e idade, a correlação negativa
observada (r = -0,18; p < 0,01) demonstrou que quanto menor a idade, maior o uso de redes
sociais. Ademais, verificou-se relação positiva quanto a autoestima e idade (r =0,16; p < 0,001).

Tabela 01.
Correlação entre as variáveis: uso de redes sociais, autoestima e idade.
Dimensões 2 3
1-Redes Sociais - 0,29** -0,18**
2-Autoestima 0,16*
3-Idade ---
Nota: ** p < 0,001; * p < 0,05 (teste unicaudal). 1=redes sociais; 2= autoestima; 3=
idade.

Discussão
Com os resultados da pesquisa foi possível alcançar o objetivo inicial de verificar a

519
correlação entre autoestima e o uso exagerado de redes sociais, o que ocorreu através das escalas
(CARS e SISES) dessa forma se faz necessário mencionar que os resultados foram
significativos e a amostra foi em quantidade suficiente para poder realizar a análise, o que será
justificada a seguir.
Pereira e colaboradores (2017) defendem que a autoestima é uma avaliação do nosso
próprio eu, e que se constrói ao longo do tempo, sendo passível de mudanças mediante o meio
onde o indivíduo está inserido, e, se por algum motivo essa avaliação de si mesmo for
comprometida, é possível que se tenha baixa na percepção de autoestima. A sociedade atual
através das redes sociais existe uma massiva criação de vidas perfeitas, que pode influenciar
pessoas a viverem em realidades equivocadas (Da Silva, Pinto, Da Silva, & Teixeira, 2019).
Dessa forma, é possível ver que existe sim uma relação de autoestima e redes sociais como
demonstrado os dados da pesquisa, pois quanto mais as pessoas consomem o exposto nas
mídias, maior a comparação de vidas, e tendem a se sentir insatisfeitas consigo mesmas ou com
as condições atuais que se encontram.
No que diz respeito a idade, segundo De Carvalho Muniz e Da Silva (2019), atualmente
os pais veem na tecnologia um recurso de auxílio na criação dos filhos, visto que passam maior
parte do tempo em funções do cotidiano, impossibilitando assim um contato intenso nas mídias
sociais comparados a jovens e adolescentes. Assim as redes sociais se tornam mais presentes
nas vidas das pessoas desde muito cedo, porém, o grande risco é a forma como os conteúdos
acessados são interpretados, pois segundos os autores a interpretação dos conteúdos variam de
acordo com a idade. Com isso, jovens e adolescentes tendem a serem mais vulneráveis a
influência que a mídia pode trazer, se tornando mais suscetíveis a terem percepções de baixa
autoestima.
Mediante o exposto é possível perceber que baixos níveis de autoestima são
extremamente prejudiciais à saúde, e desempenha papéis fundamentais tanto no sexo masculino
quanto feminino. Todavia, no presente estudo não foi possível detectar uma correlação entre a
variável sexo, autoestima e redes sociais, o que colabora com a pesquisa realizada por Paixão,
Patias e Dell'aglio (2018), onde afirmam não terem encontrado valores significativos na relação
de autoestima e sexo. Contudo, em outra pesquisa realizada por Sánchez-Queija, Oliva e Parra
(2017), demostrou-se que existia uma diferença, porém ela só ocorria na adolescência média, e
em sua maioria no sexo masculino, porém desapareciam ao chegar na idade adulta.
Nesse sentido, a presente pesquisa se mostrou de grande importância, pois através de
dados científicos foi comprovado que na amostra estudada existia uma correlação entre
autoestima e uso de redes sociais. É de suma importância mencionar que os dados aqui
apresentados não se manifestam como causa e efeito. Diante da construção do estudo se pode
encontrar alguns entraves dos quais serão apresentados a seguir: a desejabilidade social, pois
pode ser que ao responder os itens da pesquisa os indivíduos não foram totalmente sinceros por
medo de uma possível reprovação social de suas respostas. Outra dificuldade é a dispersão
geográfica, pois como se tratou de uma pesquisa online, obteve repostas de estados diferentes,
o que configura a amostra por conveniência, não sendo possível fazer uso de generalização dos
resultados.
Para tanto, o estudo empreendido possibilitou refletir sobre o impacto das redes sociais
nos indivíduos na atualidade, visto que podem ter sua saúde mental comprometida devido a
baixas nas percepções de autoestima. Diante disso, o estudo se mostra de grande importância
para a psicologia, pois gera discussões acerca do impacto que as redes sociais proporcionam a
autoestima, sendo que este pode ser evitado ou reduzido por meio de estratégias de
enfrentamento e controle de autoestima. Contudo, tais assuntos não abarcavam o proposito

520
inicial da pesquisa, o que abre grandes possibilidades de novos trabalhos com a temática.

Referências

Bauman, Z. (2001). Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar.


Bauman, Z. (2004). Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar.
Cabral, F., Pereira, M., & Teixeira, C. M. (2018). Internet, physical activity, depression, anxiety
and stress. PsychTech & Health Journal, 2(1), 15-27. doi: 10.26580/PTHJ.art10-2018
Da Silva, A. V., Pinto, F. S., Da Silva, M. L. B., & Teixeira, J. F. (2019). A Influência do
Instagram no cotidiano: Possíveis Impactos do Aplicativo em seus usuários. Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. São Luís – MA. Recuperado
de http://portalintercom.org.br/anais/nordeste2019/resumos/R67-0490-1.pdf
De Carvalho Muniz, M., & Da Silva, S. P. (2019). A influência das mídias no comportamento
de jovens e crianças. In Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais 2019, 16(1).
Recuperado de http://broseguini.bonino.com.br/ojs/index.php/CBAS/article/view/338
De Castro Sena, R. M., & Maia, E. M. C. (2017). A utilização do constructo da autoestima nas
pesquisas em saúde no Brasil: contribuições conceituais à prática clínica. Humanidades
Médicas, 17(2), 383-395. Recuperado de
http://www.humanidadesmedicas.sld.cu/index.php/hm/article/view/1043
Drawin, C. R. (2003). O futuro da Psicologia: compromisso ético no pluralismo. Psicologia e
o compromisso social, 55-72.
Dolan, S. (2006). Estresse, auto-estima, saúde e trabalho. Qualitymark Editora Ltda.
Escurra Mayaute, M., & Salas Blas, E. (2014). Construção e validação do questionário de
dependência de redes sociais (ARS). Liberabit , 20 (1), 73-91. Recuperado de
http://www.scielo.org.pe/scielo.php?pid=S172948272014000100007&script=sci_artte
xt&tlng=pt
Freud, S. (1914). Sobre o narcisismo: uma introdução. Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud, 14, 83-119.
Griffiths, M. D. (2015). Classification and treatment of behavioural addictions. Nursing in
Practice, (82), 44-46.
Guilhardi, H. J. (2002). Interação entre a história de contingências e contingências presentes na
determinação de comportamentos e sentimentos atuais. In Guilhardi, H. J. & De
Aguirre, N. C. (Org.). Sobre Comportamento e Cognição: Expondo a variabilidade.
Vol. 15. (pp. 226-247). Santo André: ESETec.
James, W., Dewey, J., & Veblen, T. (1974). Pragmatismo: textos selecionados. Abril Cultural.
Marktest, G. (2016). 5, 6 milhões de utilizadores da Internet em Portugal. Acedido em, 16.
Mendes, I., & Silva, A. I. (2017). Uso Problemático da Internet em Adultos: Que relação com

521
sintomas clínicos?. Revista de estudios e investigación en psicología y educación, (13),
129-133. Recuperado de https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6348983
Nunes, M. R. M., Montibeller, C., de Oliveira, K., Arrabaca, R. D. C. B., & Theiss, S. M. M.
B. (2017). Autoestima e saúde mental: Relato de experiência de um projeto de extensão.
Psicologia Argumento, 31(73).
Paixão, R. F., Patias, N. D., & Dell'Aglio, D. D. (2018). Autoestima e Sintomas de Transtornos
Mentais na Adolescência: Variáveis Associadas. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 34. doi:
10.1590/0102.3772e34436
Palfrey, J., & Gasser, U. (2011). Nascidos na era digital: entendendo a primeira geração de
nativos digitais. Penso Editora.
Pereira, H. P., Lopes, D. G., Gonçalves, M. C., & Vasconcelos-Raposo, J. J. (2017). Bem-estar
Psicológico e autoestima em estudantes universitários. Revista Iberoamericana de
Psicología del Ejercicio y el Deporte, 12(2), 297-305. Recuperado de
https://www.redalyc.org/pdf/3111/311151242013.pdf
Piguet, C., Berchtold, A., Akre, C., & Suris, J. C. (2015). What keeps female problematic
internet users busy online?. European journal of pediatrics, 174(8), 1053-1059. doi:
10.1007/s00431-015-2503-y
Pimentel, C. E., Silva, F. M. D. S. M., Santos, J. L. F. D., Oliveira, K. G., Freitas, N. B. C.,
Couto, R. N., & Brito, T. R. D. S. (2018). Single-item self-esteem scale: Brazilian
adaptation and relationship with personality and prosocial behavior. Psico-USF, 23(1),
1-11. doi: 10.1590/1413-82712018230101
Pontes, H. M., Caplan, S. E., & Griffiths, M. D. (2016). Psychometric validation of the
generalized problematic internet use scale 2 in a Portuguese sample. Computers in
Human Behavior, 63, 823-833. doi: 10.1016/j.chb.2016.06.015
Robins, R. W., Hendin, H. M., & Trzesniewski, K. H. (2001). Measuring global self-esteem:
Construct validation of a single-item measure and the Rosenberg Self-Esteem Scale.
Personality and social psychology bulletin, 27(2), 151-161. doi:
10.1177/0146167201272002
Sánchez-Queija, I., Oliva, A., & Parra, Á. (2017). Stability, change, and determinants of self-
esteem during adolescence and emerging adulthood. Journal of Social and Personal
Relationships, 34(8), 1277-1294. doi: 10.1177/0265407516674831
Skinner, B. F. (2006). Sobre o behaviorismo. Tradução de M. da P. Villalobos.
Souza, K., & da Cunha, M. X. C. (2019). Impactos do uso das redes sociais virtuais na saúde
mental dos adolescentes: uma revisão sistemática da literatura. Revista Educação,
Psicologia e Interfaces, 3(3), 204-2017. doi: 10.37444/issn-2594-5343.v3i3.156
Tokunaga, R. S., & Rains, S. A. (2016). A review and meta-analysis examining conceptual and
operational definitions of problematic Internet use. Human Communication Research,
42(2), 165-199. doi: 10.1111/hcre.1 10.1111/hcre.120752075
Turkle, S. (2012). Connected, but alone?. [Arquivo de vídeo]. Recuperado de
http://www.youtube.com/watch?v=t7Xr3AsBEK4
O USO DE INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA EM CASOS DE

522
ANOREXIA NERVOSA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Bruna Letícia Pinho Rodrigues


Ana Karine Sousa Cavalcante
Socorro Thaynara Araújo Carvalho
Lorena Kelly Moreira Lira

Introdução

Transtornos alimentares (TAs) são quadros psicopatológicos marcados por grave


comprometimento do comportamento alimentar que, na maioria das vezes, afetam adolescentes
e adultos jovens do sexo feminino (Andrade & Santos, 2009; Associação Americana de
Psiquiatria, 2003; Borges, Sichieri, Ribeiro, Marchini & Santos, 2006), sendo que a anorexia
nervosa (AN) e bulimia nervosa (BN) constituem os tipos mais prevalentes (Doyle & Bryant-
Waugh, 2000).
De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria (2003), os critérios diagnósticos
para AN são: significativa perda de peso e recusa em mantê-lo dentro da faixa de normalidade,
medo mórbido de engordar, a despeito de estar claramente abaixo do peso, perturbação na forma
de vivenciar o baixo peso, influência indevida do peso sobre a autoavaliação, com negação do
baixo peso e amenorreia por três ciclos consecutivos.
Segundo Critérios Diagnósticos para Transtornos Alimentares do DSM-5, anorexia
nervosa é definida como restrição da ingestão de energia levando a um significante baixo peso
corporal no contexto de idade, sexo, trajetória de desenvolvimento e saúde física. Significante
baixo peso é definido como menor do que o minimamente normal ou para crianças e
adolescentes, menor do que minimamente esperado.
Diversos fatores contribuem para a instalação e manutenção dos transtornos alimentares,
tais como: o contexto familiar, o ambiente social no qual essa pessoa está inserida, além de
questões da própria personalidade do acometido. Os aspectos emocionais de pacientes com TAs
traça um perfil de pessoa bastante abalada emocionalmente, além de caracterizar graves e
intensas perturbações alimentares, das quais são associadas aos sentimentos de culpa,
ansiedade, rejeição e medo.
Como traços característicos das pessoas que desenvolvem algum tipo de TA, figuram:
tendência à segregação e ao isolamento social, implicando na deterioração da qualidade e
regularidade das relações sociais, humor depressivo, invasão dos afetos – que desorganizam o
funcionamento intelectual, com prejuízos marcantes na adaptação individual e depreciação da
qualidade de vida (Oliveira & Santos, 2006), bem como dificuldade em identificar as próprias
emoções ou em ser empático em relação à emoção do outro (Bydlowski e cols., 2005).
Observa-se, na literatura, um número expressivo de estudos que utilizam escalas e
inventários para avaliação dos aspectos emocionais dos pacientes com anorexia nervosa, porém
são poucos os estudos que utilizam testes psicológicos (Peres & Santos, 2011) que são
instrumentos validados e padronizados que avaliam processos psicológicos, segundo um
determinado referencial teórico (Werlang, Villemor-Amaral & Nascimento, 2010).
No cenário nacional, tendo como perspectiva a pouca produção sobre o assunto, pode-

523
se perceber que os testes mais utilizados comumente na identificação de pacientes com TA, em
específico de anorexia nervosa, são os testes de o Desenho da Figura Humana, o Teste de
Apercepção Temática e o Psicodiagnóstico de Rorschach, todos se configuram como testes
projetivos.
Diante do exposto, esta pesquisa justifica-se pela relevância do tema no contexto atual,
principalmente após o intenso uso e valorização da imagem corporal sob a óptica das redes
sociais e dos filtros dos aplicativos, que destoam a imagem real. Muitas vezes, as pessoas,
tentadas pelo ideal de beleza impostos pela mídia e pelos grandes veículos de massa,
desenvolvem tal transtorno e mudam por completo sua lógica de funcionamento corpóreo, além
de tornarem-se emocionalmente frágeis; emanando dessa forma, cuidados e atendimento do
profissional de psicologia, aonde irá se utilizar dos melhores caminhos dentro da avaliação
psicológica, levando em consideração os traços característicos de pessoas que convivem com
este transtorno alimentar e de imagem.
Portanto, o presente trabalho tem como objetivo fazer um estudo de como a literatura
aborda o tema da anorexia nervosa e quais testes são utilizados na avaliação psicológica de
pessoas acometidas por tal transtorno.

Método

Para a elaboração do referido estudo, fez-se uma revisão bibliográfica para identificar
quais artigos estão disponíveis no Brasil que tratem do tema anorexia nervosas associadas ao
processo de avaliação psicológica e utilização de testagens. Foi consultada a base de dados BVS
(Biblioteca Virtual em Saúde) com as combinações de descritores: avaliação psicológica e
anorexia. Na consulta foram estipulados limites de datas, utilizando como critérios:
bibliografias que foram produzidas nos últimos cinco anos e estudos atuais sobre o tema.
Como critérios de inclusão, estabeleceu-se que: os instrumentos deveriam ter sido
criados no Brasil, informações recentes do tema e que os estudos tivessem priorizado a
avaliação psicológica com a utilização de testes. Além disso, estabeleceu-se: retirar desta
revisão os instrumentos que tivessem sido produzidos em outra língua, bem como, os que
contivessem em sua constituição outras doenças que pouco contribui para análise do tema em
questão.
Ao final da pesquisa, os textos resultaram em 4 artigos, são eles:

AUTORES TEXTO TEMA CENTRAL


01 Érika Arantes de Oliveira- Psicodinâmico dos transtornos Pirâmides Coloridas
Cardoso; Manoel Antônio alimentares: indicadores do Teste de Pfister;
dos Santos das Pirâmides Coloridas de transtornos
Pfister alimentares.
02 Érika Arantes Oliveira- Avaliação psicológica de Método de
Cardoso; Manoel Antônio pacientes com anorexia e bulimia Rorschach; anorexia
dos Santos e bulimia.
nervosas: indicadores do Método

524
de Rorschach
03 Angela Nogueira Neves Escalas para avaliação da imagem Escalas de avaliação
Betanho Campana; Mateus corporal nos transtornos da imagem
Betanho Campana; Maria da alimentares no Brasil corporal; anorexia
Consolação G. Cunha nervosa.
Fernandes Tavares.
● 04● Rodrigo Sanches Peres; Contribuições do desenho da Desenho da figura
Manoel Antônio Santos figura humana para a avaliação da humana; anorexia
imagem corporal na anorexia nervosa.
nervosa

Resultados e Discussões

Foi analisado mediante os resultados da pesquisa como os TAs se configuram, em


especial a anorexia nervosa, em contexto brasileiro. Além disso, foi investigado também como
a utilização de tais testes contribuem para o processo da avaliação psicológica, e como estes
são aplicados no contexto da clínica. Conforme relata o Conselho Federal de Psicologia, um
dos testes muito utilizados atualmente para este tipo de transtorno é o Teste das Pirâmides
Coloridas de Pfister, que consiste em um método projetivo, criado por Max Pfister, na década
de 1950, na Suíça. É um instrumento que avalia aspectos da personalidade, destacando
principalmente a dinâmica afetiva e indicadores relativos a habilidades cognitivas do indivíduo.
Pfister não se baseou apenas na relação entre cores e emoção para desenvolver sua técnica, mas
utilizou, deliberadamente, a forma geométrica de uma pirâmide, por julgar que assim
possibilitaria a composição de variadas configurações, que propiciam uma melhor expressão da
dinâmica emocional e o nível de estruturação da personalidade (Conselho Federal de
Psicologia, 2010).
O Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister de Max Pfister é uma técnica projetiva que
propicia a avaliação dos aspectos de natureza afetivo-emocionais da personalidade de um
indivíduo. Sua utilização é extremamente útil em diversas áreas da psicologia como: clínica
organizacional educacional e pesquisa (Conselho Federal de Psicologia, 2010).
Segundo Torres (2010), o Método de Rorschach foi elaborado por Hermann Rorschach,
psiquiatra suíço, foi publicado pela primeira vez em 1921, um ano antes da morte de seu autor
em 1922, com o título de PSYCHODIAGNOSTIK e tem como objetivo do teste de Rorschach
é informar sobre a estrutura de personalidade. Sua aplicação é extensiva tanto para crianças,
como para adolescentes e adultos.
É composto de dez lâminas ou pranchas que apresentam cada uma, borrões de tinta de
contorno não muito definido e de textura variável, mas com perfeita simetria, tendo como
referência um eixo vertical. Cinco dessas dez lâminas têm manchas em branco e preto. Duas
apresentam também a cor vermelha e três outras são policromadas. Na situação de prova, as
lâminas são apresentadas ao examinando em ordem determinada pela sequência de um a dez.
A instrução passada ao examinando é a de que ele deve responder a cada uma lâmina, indicando
o que a mancha lhe parece (Torres, 2010).
Ainda de acordo com Torres (2010), no processo de interpretação, cada resposta que o

525
examinando dá às manchas, é avaliada em função de três elementos: a) a localização, que é
caracterizada como a porção da mancha visualizada pelo examinando e denota a maneira como
percebe e faz contato com a realidade, e como se relaciona com o mundo; b) os determinantes
são caracterizados pela qualidade perceptiva que condicionou a resposta (se a forma, se a cor,
se o sombreamento, se o movimento); e c) o conteúdo (se animal, humano, anatômico, etc.).
A escala para avaliação da imagem corporal baseada no Desenho da Figura Humana
(DFH) é uma das técnicas de avaliação psicológicas mais conhecidas e utilizadas no Brasil,
podendo informar sobre características da imagem corporal do indivíduo (Saur, Pasian, &
Loureiro, 2010).
Um importante pressuposto sobre a interpretação psicodinâmica do DFH, formulado
originalmente por Machover (1949), é sua possibilidade de informar sobre a imagem que o
indivíduo desenvolve sobre seu próprio corpo. A propósito de como a imagem corporal se
projeta no DFH, Machover (1949) e Van Kolck (1984) ressaltaram que, quando alguém se
dispõe a desenhar uma pessoa, acaba se baseando nas imagens de si próprio e de outras pessoas
presentes ao seu redor. Desta forma, pode-se inferir que a representação psíquica alcançada
com o DFH estará intimamente relacionada ao autoconceito deste indivíduo (Saur, Pasian, &
Loureiro, 2010).
Por imagem corporal entende-se a figuração do corpo do ser humano formada em sua
mente, ou seja, o modo como o corpo se apresenta para os indivíduos e o modo como este corpo
é vivenciado psicologicamente. Assim a imagem corporal constitui-se como um importante e
integrado fenômeno psicológico, focado nas atitudes e nos sentimentos a respeito do próprio
corpo e na maneira como essas sensações são organizadas internamente (Schilder, 1935/1980).
O que se pode concluir a partir das pesquisas realizadas tendo como tema o transtorno
de imagem anorexia nervosas e a utilização de testes e avaliação é que os métodos projetivos
são majoritariamente utilizados, onde foi apresentado os mais conhecidos e utilizados
atualmente.
Em 1939, Frank lança o termo método projetivo para designar o estudo da personalidade
baseando-se no teste de associação de palavras de Jung, testes de manchas de tinta de Rorschach
em 1920 e T.A.T. (Teste de Apercepção Temática) de Murray em 1935. Frank aborda nestes
testes uma dinâmica holística da personalidade, uma estrutura evolutiva onde os elementos se
interagem e a pessoa expressa em uma atividade construtiva e interpretativa a fantasia interior
(Formiga & Mello, 2000).
Na medida em que os estímulos pouco ou nada estruturados são apresentados diante do
sujeito sua resposta é sempre projetiva, reveladora de sua maneira particular de ver a situação,
de sentir e interpretar (Formiga & Mello, 2000). Tais estímulos provocam projeções em
condições ótimas, economizando tempo e esforço, que situações menos ambíguas e indefinidas
(Van Kolck, 1975; Anzieu, 1981; Alves, 1998).
Como observado, os métodos projetivos possuem uma base muito forte ligada à
psicanálise, tanto de Jung quanto de Freud. Estes são utilizados em contextos em que a
autoimagem do sujeito encontra- se afetada, apontando para um possível desequilíbrio entre o
que os outros observam e o que esse sujeito vivencia como imagem de si.
Pessoas com transtornos de imagem possuem uma percepção alterada de si e nesse tipo
de situação os testes psicométricos não seriam recomendados, pelo fato de ao responder
questões sobre si e como o sujeito se avalia, estas respostas têm grande possibilidade de não
condizem com a realidade. A lógica dos testes psicométricos diferem da organização dos
projetivos, pois os primeiros são instrumentos padronizados por pesquisas científicas com a

526
finalidade de mensuração de determinados construtos, como por exemplo, fator de inteligência,
atenção, memória e ansiedade.
Os testes psicométricos se baseiam na teoria da medida e, mais especificamente, na
psicometria, usam números para descrever os fenômenos psicológicos, enquanto os testes
impressionistas, ainda que utilizem números, se fundamentam da descrição linguística. Usam a
técnica da escolha forçada, escalas em que o sujeito deve simplesmente marcar suas respostas.
Primam pela objetividade: tarefas padronizadas. A correção ou apuração é mecânica, portanto,
sem ambiguidade por parte do avaliador. Os testes impressionistas requerem respostas livres,
sua apuração é ambígua, sujeita aos vieses de interpretação do avaliador. (Silva, 2008).

Considerações finais

O referido estudo possibilitou acesso a um conhecimento mais aprofundado a respeito


da anorexia nervosa, doença que acomete milhares. Além disso, foi possível conhecer mais o
universo dos testes psicométricos, que embasam a identificação de tal transtorno. Sendo,
portanto, atingido o objetivo inicial do presente estudo.
Ao longo da pesquisa, alguns entraves foram observados, tais como: a ausência de
literatura que discute de maneira enfática o tema em questão. Dessa forma, a partir do exposto,
foi possível concluir que em meio a uma literatura escassa, ressalta-se a urgência de novas
produções e o incremento das pesquisas na área, utilizando mais o contexto dos estudos
psicométricos.

Referências

Andrade, T. F., & Santos, M. A. (2009). A experiência corporal de um adolescente com


transtorno alimentar. Revista Latino Americana de Psicopatologia Fundamental, 12(3),
454-468.
Associação Americana de Psiquiatria (2003). DSM-IV- -TRTM – Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais: texto revisado (C. O. Dornelles, Trad.; 4ª. ed. rev.).
Porto Alegre, RS: Artmed.
Borges, N. J. B. G., Sichieri, J. M. F., Ribeiro, R. P. P., Marchini, J. S., & Santos, J. E. (2006).
Transtornos alimentares: quadro clínico. Medicina (Ribeirão Preto), 39(3), 340-348.
Bydlowski, S., Corços, M., Jeammet, P., Paterniti, S., Berthoz, S., Laurier, C., Chambry, J., &
Consoli, S. M. (2005). Emotion-processing deficits in eating disorders. International
Journal of Eating Disorders, 37, 321–329.
Campana, M. Tavares, B. M. C. G.(2009). Escalas para avaliação da imagem corporal nos
transtornos alimentares no Brasil. Aval. Psicol. v.8 n.3. Recuperado de:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1677-
04712009000300015&lng=pt&nrm=iso
Conselho Federal de Psicologia. Teste pirâmides de Pfister da personalidade em adultos

527
(2010). Cfp.org. br. https://site.cfp.org.br/?evento=teste-piramides-de-pfister-na-
avaliacao-da personalidade adultos (acessado em 13 de novembro de 2019).
Doyle, J., & Bryant-Waugh, R. (2000). Epidemiology. Em Lask, B. & Bryant-Waugh, R. (Eds.),
Anorexia nervosa and related eating disorders in childhood and adolescence (pp. 41-
61). East Sussex: Psychology Press.
Formiga, N. S& Mello, I. (2000). Testes psicológicos e técnicas projetivas: uma integração para
um desenvolvimento da interação interpretativa indivíduo-psicólogo. Psicologia
Ciência e Profissão. vol.20 n 2. Recuperado
de:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
98932000000200004. doi: 10.1590/S1414-98932000000200004.
Oliveira-Cardoso, E. A.& Santos, M. A.(2014). Psicodinâmica dos transtornos alimentares:
indicadores do Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister. Psico-USF.
vol.19 no.2.Recuperadoem:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1
413-82712014000200004.doi:10.1590/1413-82712014019002006.
Oliveira, E. A., & Santos, M. A. (2006). Perfil psicológico de pacientes com anorexia e bulimia
nervosas: a ótica do psicodiagnóstico. Medicina (Ribeirão Preto), 39(3), 353-360.
Peres, R., & Santos, M. A. (2006). Contribuições do desenho da figura humana para a avaliação
da imagem corporal na anorexia nervosa. Medicina (Ribeirão Preto Online), 39(3),
361-370. https://doi.org/10.11606/issn.2176-7262.v39i3p361-370
Pinto, E. (2014). Conceitos fundamentais dos métodos projetivos. Ágora (Rio
J.) vol.17 no.1.Recuperadoem:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S1516-14982014000100009.doi: 10.1590/S1516-14982014000100009.
Saur, A. M., Pasian, S. R., Loureiro, S. R. Desenho da figura humana e a avaliação da imagem
corporal. Psicol. estud. vol.15 no.3. Recuperado em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722010000300007.
doi: 10.1590/S1413-73722010000300007.
Schilder, P. (1980). A imagem do corpo (R. Wertman, Trad.). São Paulo: Martins Fontes.
(Original publicado em 1935).
Silva, V. G. (2008). Os testes psicológicos e suas práticas. Portal da Psicologia. pt 5(21)
Recuperadoem:https://www.psicologia.pt/artigos/ver_artigo.php?codigo=A0448.).
Torres, J. M. A., O Teste Rorschach na história da avaliação psicológica. Rev. NUFEN (São
Paulo) vol.2 no. 1. Recuperado em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-
25912010000100006
Van Kolck, O. L. (1975). Técnicas de exames Psicológicos e suas Aplicações no Brasil: Teste
de Personalidade. Petrópolis. Ed. Vozes. Volume 2.
Werlang, B. S. G., Villemor-Amaral, A. E. , & Nascimento, S. R. G. F. (2010). Avaliação
psicológica, testes e possibilidade de uso. Em Conselho Federal de Psicologia
(Org). Avaliação psicológica: diretrizes na regulamentação da profissão (pp. 87-100).
Brasília: Conselho Federal de Psicologia.
TESTE DE RESSENTIMENTO E APRECIAÇÃO DA GRATIDÃO (GRAT):

528
EVIDÊNCIAS DE VALIDADE EM UM CONTEXTO BRASILEIRO

Tallys Natan Feitosa Lira


Iris Lorrane Albuquerque Silva
Taynara Pontes Paixão

1 Introdução

Tradicionalmente, a gratidão tem sido percebida como uma característica desejável no


âmbito social (Pieta & Freitas, 2009). Possuindo um aspecto valorativo em diversas culturas,
pois contribui de forma significativa para as relações humanas (Tudge, Freitas, Mokrova,
Wang, & O’Brien, 2015). Além de influenciar na saúde física e mental (Froh, Kashdan,
Ozimkowski, & Miller, 2009).
O ato de gratidão pode ser compreendido como uma “virtude” ou “estado emocional”
(Froh, Sefick, & Emmons, 2008). Surgindo diante de situações em que há o ganho de algum
benefício concreto, ou ainda, a vivência de um momento de apreciação genuína de algo belo
(Peterson & Seligman, 2004). Causando no indivíduo uma maior consciência das coisas
positivas que acontecem (Seligman, Steen, Park, & Peterson, 2005).
Considerando os aspectos encontrados na literatura, que ratificam o ato de estar grato
sob um viés positivo, Mathews e Green (2010) atentam para a diferença existente entre a
gratidão e o endividamento. O último entendido por Greenberg (1980) como a condição de
retribuir ao outro por algum benefício recebido. E quando não há uma reciprocidade, pode
interferir nas relações sociais, pois o indivíduo passa a ser visto como alguém ingrato (Komter,
2004).
No que tange aos benefícios da gratidão, Emmons e McCullough (2003) apontam que
pessoas com sentimento de gratidão tendem aumentar a resiliência, saúde física e a qualidade
de vida diária, além de serem mais generosas com o próximo. Com a melhoria nesses aspectos,
pesquisas indicam que a gratidão está intrinsecamente ligada à longevidade (Mengarda, 2002).
Além do mais, acredita-se que a vida desses indivíduos torna-se mais produtiva e significativa
(Emmons & Crumpler, 2000).
Sob o mesmo ponto de vista, Fredrickson (1998) denota que a gratidão é relevante para
o bem-estar, proporcionando o desenvolvimento social que ajudam a manter o enlevo durante
episódios estressantes. O ato de reconhecer também propicia o sentimento de sentirem-se
amadas e cuidadas pelas outras pessoas (Andersson, Giacalone, & Jurkiewicz, 2007).
Assim, os autores Wood, Joseph e Linley (2007) apresentam indicativos que pessoas
mais gratas estão mais propícias a buscar apoio emocional e a abordar problemas com a
estratégia de coping em vez de evitá-los. O coping, segundo Antoniazzi, Dell’Aglio e Bandeira
(1998) é idealizado como o agrupamento de estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-
se a situações adversas. A gratidão utilizaria desse instrumento como uma forma de aumentar
a resiliência do indivíduo (Paludo e Koller, 2007).
No campo afetivo, McCullough e Tsang (2002) pontuam que pessoas que marcam altos

529
escores na medida de gratidão tendem aexpressar afetos positivos como felicidade, esperança e
vitalidade. Desse modo, compreendendo a importância da gratidão nas relações interpessoais e
atitudes positivas frente à vida, justifica-se o uso dos instrumentos psicométricos para medir o
construto, sendo apresentado no artigo três das principais medidas encontradas na literatura.

2 Metodologia

Participantes

Os participantes foram selecionados através de uma amostra por conveniência (não


probabilística), sem apresentar critérios de inclusão. Inicialmente, a amostra contou com 480
participantes, porém, seis foram descartados por não se encaixarem no critério de idade,
restando 474 participantes (idade de 18 a 65 anos de idade, M= 22,60, DP= 6,18). Dentre os
participantes, 261 foram mulheres (55,1%) e 213 homens (44,9%), com a maioria sendo de
solteiros (91,5%) com o ensino superior incompleto (77,6%).
Instrumentos
O GRAT (Watkins et al., 2003) foi utilizado para medir a gratidão dos participantes.
Depois de feita uma análise fatorial, os 44 itens originais foram reduzidos para uma escala de
18 itens, reunindo três dimensões: senso de abundância,apreciação pelos outros e apreciação
simples. (Lin & Huang, 2015). Os itens foram classificados em uma escala do tipo Likert de 5
pontos (1= discordo totalmente e 5=Concordo totalmente). O livreto também contou com
questões sócias demográficas (sexo, idade, estado civil, renda familiar, grau de religiosidade,
religião, orientação sexual e escolaridade), a fim de caracterizar a amostra.

Procedimentos

A coleta de dados foi realizada em sua maior parte em uma instituição acadêmica. Os
participantes foram abordados em uma sala, bem como nas outras dependências da
universidade. Um total de aproximadamente 66 pessoas responderam o teste online, criado por
meio da plataforma Google Docs e disponibilizado por meio de links. Em ambas as coletas os
participantes atestaram o seu consentimento através do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE). Presencialmente, os aplicadores explicaram o objetivo geral do estudo e
garantiram o anonimato. Ademais, os instrumentos foram respondidos de forma individual, em
que sempre esteve presente um ou dois aplicadores para dirigir eventuais dúvidas dos
participantes.

Análise de dados

Para análise de dados, utilizou-se o programa estatístico SPSS 21. Realizaram-se


análises descritivas (média e desvio padrão) para qualificar a amostra, test t para verificar o
poder discriminativo dos itens, e análise fatorial exploratória e alfa de Cronbach para analisar

530
a validade e confiabilidade dos itens.

3 Medidas

Na busca por medidas psicométricas que avaliem a gratidão, foram encontrados três
instrumentos indicados por Lin e Huang (2015) como aptos para essa finalidade, são eles: O
modelo de seis itens (GQ-6) do McCullough, Emmons & Tsang (2002); a escala de adjetivos
relacionados à gratidão criado por McCullough et al. (2002) e o GRAT (Teste de Ressentimento
e Apreciação da Gratidão) formulado por Watkins, Woodward, Stone e Kolts (2003).
O GQ-6 é um questionário composto por seis itens, refletindo quatro facetas que
buscam medir a intensidade da gratidão, a sua frequência, amplitude e densidade (McCullough
et al., 2002). McCullough. et al. (2002) optaram por correlacionar a gratidão com características
ligadas à personalidade, como o afeto positivo, bem-estar e a religião, encontrando resultados
positivos. Outros estudos fizeram uso do GQ-6, como o elaborado por Chen, Chen, Kee e Tsai
(2009), mostrando bons resultados após adaptarem a medida para o seu contexto.
A outra versão de McCullough et al. (2002), apontado como estudo 2, usou uma escala
do tipo Likert (níveis de concordância de 1 a 9). Os pesquisadores correlacionaram o GQ-6 com
a escala de adjetivos (gratos, agradecidos e apreciativos), obtendo relação positiva entre os dois.
Froh, Yurkewicze Kashdan (2009) descobriram que os sintomas físicos podem diminuir com o
aumento da gratidão, mas o mesmo não ocorreu com os afetos negativos. Além disso, para
seguir os estudos com jovens, os autores recomendaram o uso do GQ-6 e do GRAT.
Por último, Watkins etal. (2003), com o intuito de conhecerem sobre as características
da gratidão, bem como sua associação com o bem-estar, formularam o Teste de ressentimento
e apreciação da gratidão. Watkins et al. (2003) propôs três categorias, que eles nomearam como
senso de abundância, apreciação simples e apreciação dos outros. Os autores iniciaram o estudo
com 54 itens, e após uma análise fatorial, terminaram com 44 itens. Paralelamente, Diessner e
Lewis (2007) testaram a validade da escala curta do GRAT, verificando que a gratidão se
relaciona de forma positiva com a transcendência espiritual, e de forma negativa com o
materialismo.
Desse modo, o principal objetivo do artigo é validar uma escala de gratidão aplicada
com estudantes de Taiwan e testar a sua aplicabilidade para um contexto brasileiro. Assim como
o estudo de Lin e Huang (2015) será utilizado o Teste de ressentimento e apreciação da gratidão
(GRAT) com 18 itens.

4 Resultados e Discussões

Os resultados são apresentados em subtópicos organizados seguindo a ordem em que as


análises foram realizadas. Assim, a primeira subseção trata-se da análise do poder
discriminativo dos itens, seguido da verificação da estrutura fatorial e consistência interna da
medida.
4.1 Poder discriminativo dos itens-Test T

531
O Test T foi utilizado com o intuito de discriminar sujeitos com pontuações próximas.
Após o cálculo da mediana, dividiu-se a soma total dos itens em dois grupos critérios (inferior
e superior). A partir dos novos dados foi feito o test t - student para amostras independentes.
Na tabela 1 são ilustrados os valores para cada fator.

Tabela 1. Poder discriminativo dos itens


Grupos-Critério
Itens Contraste
Inferior Superior
M DP M DP T P
Senso de abundância
3 1,98 1,10 3,29 1,27 -10,60 ,0001
8 2,36 1,13 3,74 1,06 -12,14 ,0001
11 2,18 1,15 3,51 1,21 -10,88 ,0001
12 2,32 1,18 3,61 1,19 -10,45 ,0001
13 2,16 1,16 3,59 1,22 -11,54 0001
15 2,07 1.08 3,38 1,20 -11,08 ,0001

Apreciação pelos outros


2 4,13 4,73 0,92 0,53 -7,75 ,0001
4 4,08 4,69 0,95 0,62 -7,35 ,0001
6 4,10 4,62 1,07 0,71 -5,54 ,0001
10 4,04 4,67 0,90 0,63 -7,79 ,0001
14 4,20 4,66 0,90 0,63 -5,72 ,0001
17 4,05 4,67 0,93 0,52 -8,03 ,0001
18 4,23 4,73 0,80 0,51 -7,20 ,0001

Apreciação simples
1 4,36 0,78 0,87 0,52 -5,59 ,0001
5 4,13 4.83 0,98 0,48 -8,72 ,0001
7 3,27 4,37 1,03 0,80 -11,34 ,0001
9 3,49 4,61 1,19 0,65 -11,26 ,0001
16 3,13 4,21 1,11 0,93 -10,09 ,0001
Na tabela 1 é ilustrado o fator da medida, indicando um poder discriminativo satisfatório

532
para todos os itens. Após os itens apresentarem um poder discriminativo eficaz (p<0,05), todos
serão submetidos à análise fatorial exploratória (AFE).

4.2 Análise fatorial exploratória

A análise fatorial exploratória (AFE) foi realizada com a finalidade de descrever a


estrutura fatorial da medida através do teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e Teste de
esfericidade de Bartlett. Foram obtidos os seguintes resultados: KMO= 0,83 e Bartlett
χ²=2244,784; p < 0,0001, o qual se mostraram satisfatórios. Em relação ao método de extração
e a rotação, foram utilizados a fatoração de eixos principais e o oblíqua (promax),
respectivamente. Os critérios de Kaiser (ver tabela 1) apontaram para a existência de três
fatores com valores acima de um (51,94% da variância explicada), e os critérios de Cattell (ver
figura 1) corroboraram com os resultados.

Figura 1. Representação gráfica dos valores próprios.

Na Tabela 1 a seguir são detalhados os dados sobre a estrutura fatorial do Questionário


de Gratidão, apresentando o número de itens e as cargas fatoriais.
533
Itens Fatores

13. Nunca parece que tenho o suficiente para ir além, e eu estou sempre F1 F2 F3 h²

distante. ,731 ,040 - ,053 ,524

12. Realmente acho que não recebi todas as coisas boas que eu mereço ,731 ,036 -,071 ,522

na vida.

08. Por algum motivo, eu nunca pareço que tenho as vantagens que os ,691 ,096 -,052 ,469

outros conseguem ter

11. Têm acontecido coisas ruins na minha vida mais do que eu mereço ,685 -,035 ,021 ,476

15. Nunca acho que tenho as folgas que os outros têm. ,623 -,073 ,082 ,413

03. Por causa do que eu já passei por na minha vida, eu realmente sinto ,599 -,065 ,134 ,398

como se o mundo me devesse alguma coisa.

18. Sinto-me profundamente agradecido (a) pelas coisas que os outros -,028 ,706 -,005 ,499

fizeram por mim durante minha vida.

17. Embora ache que seja importante se sentir bem com suas próprias ,080 ,655 -,005 ,427

realizações, acho que também é importante lembrar como outros contribuíram

para minhas realizações.

04. Não poderia ter chegado a onde estou hoje sem a ajuda de algumas pessoas ,080 ,651 -,102 ,378

02. Embora eu esteja basicamente no controle de minha vida, não posso deixar ,061 ,601 026 ,376

de pensar em todos aqueles que me apoiaram e me ajudaram ao longo do

caminho.

10. Muitas pessoas têm me dado sabedoria valiosa ao longo de minha vida ,030 579 ,053 ,374

que tem sido importante para o meu sucesso.

14. Sou muito grato pelos meus amigos e família. -,126 ,556 ,074 ,369

06. Sou essencialmente muito agradecido (a) pelos pais que eu tenho. -,140 ,506 ,051 ,305

16. Gosto de apreciar as características de cada estação. ,029 -,104 ,789 ,571

07. Eu realmente gosto de ver a mudança das estações. -,004 -,022 ,784 ,599

09. Eu gosto de sentar e olhar/ assistir a chuva cair. ,055 ,016 ,619 ,403

05. Muitas vezes, fico impressionado com a beleza do pôr do sol. ,010 ,217 ,488 ,375

01. Muitas vezes, fiquei impressionado com a beleza da natureza. -,064 ,113 ,425 ,231
Número de itens 6 7 5

534
Valores próprios 4,16 3,42 1,76

Variância explicada 19,90% 16,03% 6,85%

Alfa de Cronbach 0,83 0,80 0,77.

Nota. F1(Senso de abundância); F2 (Apreciação pelos outros); F3 (Apreciação Simples).

O primeiro fator denominado Senso de Abundância ficou composto por seis itens (3, 8,
11, 12, 13, 15). Os itens apresentaram cargas fatoriais que variam de 0,599 (03. Por causa do
que eu já passei por na minha vida, eu realmente sinto como se o mundo me devesse alguma
coisa) a 0,731 nos itens 13 e 12 (13. Nunca parece que tenho o suficiente para ir além, e eu
estou sempre distante e 12. Realmente acho que não recebi todas as coisas boas que eu mereço
na vida). Este componente apresentou valor próprio de (4,16), explicando (19,90%) da variância
total. Quanto à consistência interna, teve-se em conta o alfa de Cronbach (α = 0,83).
O segundo componente Apreciação pelos outros ficou composto por sete itens (2, 4, 6,
10, 14, 17, 18). As cargas fatoriais variaram de 0,506 (06. Sou essencialmente muito agradecido
(a) pelos pais que eu tenho) a 0,706 (18. Sinto-me profundamente agradecido (a) pelas coisas
que os outros fizeram por mim durante minha vida). Este componente apresentou valor próprio
de (3,42), explicando (16,03%) da variância total. Esta dimensão apresentou um índice de
consistência interna (α) = 0,80.
O terceiro fator (apreciação simples) ficou composto por cinco itens (16, 7, 9, 5, 1). As
cargas fatoriais variaram de 0,425 (01. Muitas vezes, fiquei impressionado com a beleza da
natureza) a 0,789 (16. Gosto de apreciar as características de cada estação). Este componente
apresentou valor próprio de (1,76), explicando (6,85%) da variância total. A consistência
interna foi de α= 0,77.

5 Considerações finais

O objetivo do artigo foi validar o Questionário de Gratidão (GRAT) aplicada com


estudantes de Taiwan e testar a sua aplicabilidade para um contexto brasileiro. Supõe-se que
tal finalidade tenha sido alcançada, pois os resultados encontrados nesta pesquisa apontaram
propriedades psicométricas válidas para o contexto. Além disso, o apoio teórico indicou à
pertinência de se considerar a gratidão como um construto formado por três dimensões (Lin &
Huang, 2015; Watkins et al, 2003). No presente artigo, os resultados corroboraram com os três
fatores pesquisados (Senso de Abundância, Apreciação pelos Outros e Apreciação Simples).
Inicialmente, foi verificado o poder discriminativo dos itens através de um teste t para
amostras independentes. Nos resultados evidenciados foi notado que os itens mostraram poder
discriminativo, sendo analisada a diferença entre as médias obtidas (Pasquali, 2003). Assim, a
significância obtida foi de p < 0,001, sendo considerado satisfatório (Dancey & Reidy, 2006).
Para avaliar a validade do instrumento psicométrico foi utilizada a análise fatorial
exploratória. Segundo Damásio (2012), esse tipo de análise precisa ter sustentação teórica para
a obtenção mais verossímil possível dos fatores. Nesse sentido, a AFE mostrou uma
concordância entre os critérios de Kaiser e de Cattell, sustentando a extração de três fatores,
bem como defendido por Lin e Huang (2015). Concomitante a isso, os critérios de KMO e o

535
Teste de esfericidade de Bartlett também se mostraram favoráveis. O primeiro indicou um valor
resultante de 0,83, considerado pertinente (Hongyu, 2018). E o segundo indicou um p < 0,05,
apontando para uma matriz passível de fatoração (Damásio, 2012).
Por último, a confiabilidade do instrumento foi avaliada através do alfa de Cronbach.
Sendo responsável por verificar a consistência interna dos itens (Pasquali, 2003). A literatura
sugere um alfa de Cronbach de 0,70, embora até 0,60 seja aceitável em pesquisas (Hair, Black,
Babin, Anderson & Tatham, 2009). O valor encontrado para o alfa foi de 0,78, apresentando-
se dentro da adequação indicada.
Assim,considerando a importância da gratidão para relações humanas e qualidade de
vida (Watkins, 2013), acredita-se que o estudo mostrou-se pertinente na medida em que
contribuiu positivamente para dar continuidade às pesquisas já existente. Principalmente em
relação aos estudos nacionais sobre gratidão, que ainda são bastante escassos (Pieta & Freitas,
2009; Rava, 2014; Freitas, Tudge, Palhares & Prestes, 2016).
Apontamos como limitação o fato da amostra ser por conveniência (não probabilística),
não sendo permitidas generalizações, embora esse não tenha sido o intuito da pesquisa. Dessa
forma, no caso de estudos futuros, recomendam-se investigações com amostras mais
abrangentes e diversificadas. Também sugerimos que a escala de gratidão seja relacionada com
o gênero (Kashdan, Mishra, Breen, & Froh, 2009). E com a idade, para fins de averiguar o
desenvolvimento da gratidão ainda na infância (Castro, Rava, Hoefelmann, Pieta, & Freitas,
2011). Além disso, faz-se importante verificar sua correlação com outros construtos, como a
depressão e satisfação com a vida, por exemplo.

6 Referências

Andersson, L. M., Giacalone, R. A., & Jurkiewicz, C. L. (2007).On the relationship of hope
and gratitude to corporate social responsibility.Journal of Business Ethics, 70, 401-409.
Antoniazzi, A.S., Aglio D.D., Bandeira D.R. (1998). O conceito de coping: uma revisão teórica.
Estudos de Psicologia, 3 (2), 273-294.
Castro, F.M.P., Rava, P.G.S., Hoefelmann, T.B., Pieta, M.A.M., & Freitas, L.B.L. (2011).
Deve-se retribuir? Gratidão e dívida simbólica na infância. Estudos de Psicologia,
16(1), 75-82.
Chen, L. H., Chen, M.-Y., Kee, Y. H., & Tsai, Y.-M.(2009). Validation of the Gratitude
Questionnaire (GQ) in Taiwanese Undergraduate Students.Journal of Happiness
Studies, 10(6), 655–664.
Damásio, B. F. (2012). Uso da análise fatorial exploratória em Psicologia. Avaliação
Psicológica, 11(2), 213-228.
Dancey, C.P., Reidy, J. (2006).Estatística sem matemática para psicologia. (3ª Ed). Porto
Alegre: Artmed.
Diessner, R. & Lewis, G. (2007).Further Validation of the Gratitude, Resentment, and
Appreciation Test (GRAT).The Journal of Social Psychology, 147(4), 445-447.
Emmons, R. Crumpler, C.A. (2000). Gratitude as a Human Strength: Appraising the Evidence.

536
Journal of Social and Clinical Psychology. 19 (1), 56-69.
Emmons, R.A., & McCullough, M. E (2003).Counting blessings versus burdens: An
experimental investigation of gratitude and subjective well-being in daily life.Journal
of Personality and Social Psychology, 84 (2), 377-389.
Fredrickson, B. L. (1998). What good are positive emotions?. Review of General Psychology,
2, 300-319.
Freitas, L.B.L., Tudge, J.R.H., Palhares, F., & Prestes, A.C. (2016). Relações entre
Desenvolvimento da Gratidão e Tipos de Valores em Jovens. Psico-USF, 21(1), 13-24.
Froh, J. J., Sefick, W. J., & Emmons, R. A. (2008). Counting blessings in early adolescents: An
experimental study of gratitude and subjective well-being.Journal of School
Psychology, 46(2), 213–233.
Froh, J. J., Yurkewicz, C., & Kashdan, T. B. (2009). Gratitude and subjective well-being in
early adolescence: Examining gender differences. Journal of Adolescence, 32(3), 633–
650.
Froh, J.J., Kashdan, T.B., Ozimkowski, K.M., & Miller, N. (2009). Who benefits the most from
a gratitude intervention in children and adolescents? Examining positive affect as a
moderator.The Journal of Positive Psychology, 4(5), 408-422.
Greenberg, M. S. (1980). A Theory of Indebtedness. Social Exchange, 3–26.
Hair, J.F., Black, W.C., Babin, B.J., Anderson, R.E., & Tatham, R.L. (2009). Análise
multivariada de dados (6ª Ed). Porto Alegre: Bookman.
Hongyu, K. Análise Fatorial Exploratória: resumo teórico, aplicação e interpretação. (2018).
Engineering and Science, 7(4), 88-103.
Kashdan, T. B., Mishra, A., Breen, W. E., & Froh, J. J. (2009). Gender Differences in Gratitude:
Examining Appraisals, Narratives, the Willingness to Express Emotions, and Changes
in Psychological Needs. Journal of Personality, 77(3), 691–730.
Komter, A. E. (2004). Gratitude and gift exchange. In, R. A. Emmons & M. E. McCullough
(Eds.), The psychology of gratitude. New York: Oxford University Press.
Lin, S.-H.& Huang, Y.-C. (2015) Psychometric properties and factorial structure of the Chinese
version of the Gratitude Resentment and Appreciation Test. British Journal of Guidance
& Counselling, 44(3), 347–361.
Mathews, M. A., & Green, J. D. (2010).Looking at me, appreciating you: Self-focused attention
distinguishes between gratitude and indebtedness.Cognition & Emotion, 24(4), 710–
718.
McCullough, M. E., & Tsang, J. (2002).Parent of the virtues?The prosocial contours of
gratitude. In R. A. Emmons & M. E. McCullough (Eds.), The psychology of gratitude.
New York: Oxford University Press.
McCullough, M.E., Emmons, R.A., & Tsang, J-.A. (2002). The Grateful Disposition: A
Conceptual and Empirical Topography. Journal of Personality and Social Psychology,
82(1), 112-127.
Mengarda, C.F. (2002). Homens que ultrapassam os obstáculos da idade: A vida além da

537
expectativa de vida. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo.
Paludo, S. S. & Koller, S. H. (2007) Psicologia Positiva: uma nova abordagem para antigas
questões. Paidéia, 17(36), 9-20.
Pasquali, L. (2003). Psicometria: Teoria dos testes na psicologia e na educação. Petrópolis,
RJ: Vozes.
Peterson, C., & Seligman, M.E.P. (2004).Character Strengths and Virtues: A Handbook and
Classification. New York: Oxford University Press.
Pieta, M.A.A. & Freitas, L.B. (2009). Sobre gratidão. Arquivos Brasileiros de Psicologia,
61(1), 100-108.
Rava, P.G.S. (2014). Sentimento de Gratidão na Infância: Algumas Considerações Teóricas.
Psicologia: Ciência e Profissão, 34 (2), 376-389.
Seligman, M.E.P., Steen, T.A., Park, N., & Peterson, C. (2005).Positive Psychology
Progress.American Psychological Association, 60(5), 410-421.
Tudge, J.R.H., Freitas, L.B.L., Mokrova, I.L., Wang, Y.C., & O’Brien, M. (2015).The Wishes
and Expression of Gratitude of Youth.Paideia, 25(62), 281-288.
Watkins, P. C. (2013). Gratitude and the good life: Toward a psychology of
appreciation.Springer Dordrecht Heidelberg: New York.
Watkins, P.C., Woodward, K., Stone, T., & Kolts, R.L. (2003). Gratitude and Happiness:
Development of a Measure of Gratitude, and Relationships With Subjective Well-
Being. Social Behavior and Personality, 31(5), 431-452.
Wood, A.M, Joseph, S P. Alex Linley, P.L (2007). Coping Style as a Psychological Resource
of Grateful People.Journal of Social and Clinical Psychology, 26 (9), 1076-1093.
INSTRUMENTOS PARA AVALIAÇÃO DA (HIPO)MANIA INFANTO-JUVENIL:

538
UM PANORAMA INTERNACIONAL E BRASILEIRO

Tharso de Souza Meyer,


Luciano Dias de Mattos Souza,
Vera Lúcia Marques de Figueiredo,
Jaciana Marlova Gonçalves Araújo,
Camila Cunha Freitas

O desenvolvimento na infância e na adolescência é resultante da interação de diversos


fatores, genéticos e ambientais (Papalia & Feldman, 2013). Estes são períodos de grande
vulnerabilidade, sendo que a presença de eventos adversos (como transtornos mentais, por
exemplo) pode acarretar graves prejuízos em curto, médio e longo prazo; tanto para o indivíduo,
quanto para a sua família e sociedade. Estimativas indicam que entre 10-30% das crianças e
adolescentes brasileiros apresentam algum transtorno mental – dependendo da sensibilidade do
método utilizado para a avaliação (Bordin & Paula, 2007; Lopes & cols., 2016).
Os transtornos bipolares (TB) se caracterizam pela grave oscilação do humor – variando
entre episódios (hipo)maníacos e depressivos – além de incluir outros sintomas, como
diminuição da necessidade de sono, pressão para falar, pensamentos acelerados, entre outros
(APA, 2014). Na infância e adolescência, os transtornos bipolares tendem a se apresentar de
modo distinto àquele apresentado por adultos (Horwitz & cols., 2010; Fu-I & cols., 2010;
Escamilla & cols., 2011; Moraes, Gon & Zazula, 2016; Dalgalarrondo, 2019). Diferentemente
dos adultos, em crianças e adolescentes são frequentes características como: episódios mais
breves (ciclagem rápida ou ultrarrápida), estados de (hipo)mania puros, irritabilidade crônica e
disforia, remissão menos completa (menos períodos eutímicos), características mistas, alto risco
de conduta suicida e maior prevalência de comorbidades psiquiátricas, assemelhando-se às
formas mais graves e/ou resistentes do transtorno em adultos (Horwitz & cols., 2010; Escamilla
& cols., 2011; Angst, 2013; Serra & cols., 2017).
Embora tenham sido historicamente negligenciados pela literatura científica
(Youngstrom, Jenkins, Jensen-Doss & Youngstrom, 2012) e, até hoje por muitos profissionais
da saúde (Fu-I & cols., 2010; Waugh, Meyer, Youngstrom & Scott, 2014), estima-se que a
prevalência do transtorno bipolar infanto-juvenil (TB-IJ) é de 3,9% (Van Meter, Moreira &
Youngstrom, 2019). Além disso, em torno de 5,7% dos adolescentes têm sintomas
subsindrômicos de mania (Horwitz & cols., 2010) que, mesmo não atendendo aos critérios para
os TB, apresentam comprometimento funcional (Ferreira-Maia & cols., 2016).
A presença de um TB-IJ representa um prejuízo significativo nas relações familiares e
sociais, no desempenho acadêmico e na qualidade de vida em geral (Kapczinski & cols., 2016).
Podem ser identificados na literatura diferentes desfechos associados aos TB-IJ, como: fracasso
escolar, agressões, alta taxa de suicídio, engajamento em comportamentos de alto risco,
promiscuidade sexual, problemas legais, encarceramento, abuso de substâncias e prejuízo da
maturação emocional e desenvolvimental (Marchand, Clark, Wirth & Simon, 2005; Pavuluri &
cols., 2006; Henry, Pavuluri, Youngstrom & Birmaher, 2008; Youngstrom, Joseph & Greene,
2008; Fu-I & cols., 2010; Pendergast & cols., 2015; Kapczinski & cols., 2016; Ong & cols.,
2017). Quando não identificado e tratado adequadamente, o TB-IJ pode apresentar danos

539
neurológicos e cognitivos importantes (Kapczinski & cols., 2016).
Um diagnóstico precoce e assertivo pode favorecer muito o prognóstico e a escolha da
melhor intervenção terapêutica nos casos de TB-IJ (Pavuluri & cols., 2006; Waugh, Meyer,
Youngstrom & Scott, 2014), minimizar prejuízos causados por um diagnóstico equivocado
(Escamilla & cols., 2011; Van Meter, Burke, Kowatch, Findling & Youngstrom, 2016;
Kapczinski & cols., 2016; Mesman & cols., 2017), diminuir o tempo para a remissão de
sintomas (Ferreira-Maia & cols., 2016), além de reduzir o sofrimento para o indivíduo e sua
família.
Algumas entrevistas clínicas são recomendadas na literatura (como a Schedule for
Affective Disorders and Schizophrenia for School-Age Children – Present and Lifetime Version
– K-SADS-PL), assim como os instrumentos baseados no Sistema Achenbach de Avaliação
Empiricamente Baseada – ASEBA (como o Child Behavior Checklist – CBCL e o Youth Self
Report – YRS), apesar da necessidade de treinamento prévio do aplicador e do tempo extenso
requerido para a administração desses instrumentos (Youngstrom, Freeman & Jenkins, 2009;
Fu-I & cols., 2010; Kapczinski & cols., 2016). Alguns autores referem que são ferramentas
menos prováveis de serem utilizadas no contexto clínico, tendo em vista a sua extensão e a
restrição da autonomia do profissional (Youngstrom, Genzlinger, Egerton & Van Meter, 2015).
Além disso, cabe ressaltar a influência da subjetividade do aplicador nas entrevistas, por
exemplo: indivíduos negros com os mesmos sintomas de brancos tendem a ser
subdiagnosticados com TB e superdiagnosticados com esquizofrenia ou transtorno de
personalidade antissocial – diferença inexistente quando a informação sobre a cor da pele é
omitida (Youngstrom & cols., 2005; Pendergast & cols., 2015).
Encontram-se também, instrumentos longos, como o Child Bipolar Questionnaire
(CBQ) – patrocinado pela Fundação de Pesquisa sobre a Bipolaridade Juvenil (Juvenile Bipolar
Research Foundation) e baseado no modelo do General Behavior Inventory (GBI).
Desenvolvido para avaliação de sintomas comportamentais e características temperamentais
associadas ao TB-IJ, é uma escala de autorrelato, destinada aos pais que respondem sobre
crianças e adolescentes com idades entre 05 e 17 anos. Composto por 65 itens, mensurados por
uma escala do tipo Likert de quatro pontos, pode ser administrado pela internet (versão
americana: https://bpchildresearch.org/cbq/cbq_survey.cfm) ou por um clínico (Papolos &
cols., 2006). Além de excelente consistência interna (=0,92), estabilidade temporal (três dias;
r=0,86) e concordância interavaliadores (r=0,52-0,54), o CBQ apresentou 97% de
especificidade e 76% de sensibilidade, comparado ao K-SADS (Papolos & cols., 2006; Papolos,
Hennen, Cockerham & Lachman, 2007).
Por outro lado, o uso de instrumentos breves e específicos para a avaliação do TB-IJ,
apresentam maior objetividade em relação aos instrumentos longos, reduzindo a influência do
julgamento clínico (Youngstrom & cols., 2005). Além disso, esses instrumentos eliminam sub-
testes/itens desnecessários, melhoram as decisões e os resultados de tratamento, minimizando
o excesso de informações e fornecendo dados mais específicos para o caso (Youngstrom,
Freeman & Jenkins, 2009). Envolvem baixos custos, geralmente não necessitam de
treinamentos prévios, além de serem de fácil correção (Youngstrom & cols., 2008; Youngstrom,
Freeman & Jenkins, 2009).
Assim, o objetivo dessa revisão é identificar os instrumentos breves utilizados na
avaliação dos transtornos bipolares em crianças e adolescentes no cenário internacional,
analisando e contrastando com a realidade brasileira atual.
Método

540
Foi conduzida uma revisão integrativa da literatura, buscando identificar os
instrumentos breves utilizados para a avaliação de transtornos bipolares em crianças e
adolescentes. As estratégias de busca envolveram dispositivos como o Scientific Electronic
Library Online (SciELO), Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC), PubMed, além do
Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior
(CAPES), por meio da utilização dos seguintes descritores: “bipolar”, “mania”, “pediátrico”,
“escala”, “avaliação” e seus correspondentes em inglês.
Os critérios de inclusão e exclusão estipulados para essa revisão estão relacionados ao
tema; à população; à natureza e extensão do instrumento; ao período de publicação dos
trabalhos e ao idioma da publicação. Assim, foram incluídos os trabalhos sobre instrumentos
de avaliação do transtorno bipolar, direcionados às crianças e adolescentes (menores de 18
anos), caracterizados como instrumentos breves de natureza psicométrica/epidemiológica,
publicados no período entre janeiro de 2000 e dezembro de 2019, em português, inglês ou
espanhol. Adicionalmente, foi realizada busca manual nas referências dos artigos identificados
(snowball sample technique).
Depois de identificados e triados conforme os critérios de inclusão, os trabalhos foram
lidos na íntegra para identificar os principais instrumentos utilizados na avaliação de sintomas
(hipo)maníacos em crianças e adolescentes.

Resultados e Discussão

Os instrumentos mais referenciados na literatura internacional para a avaliação dos


transtornos bipolares em crianças e adolescentes – mais especificamente os sintomas
(hipo)maníacos – são: General Behavior Inventory (GBI); Child Mania Rating Scale (CMRS);
Young Mania Rating Scale (YMRS) e Mood Disorder Questionnaire (MDQ) – em suas
diferentes versões (Waugh & cols., 2013; Ratheesh & cols., 2015; Youngstrom, Genzlinger,
Egerton, & Van Meter, 2015; Stevanovic & cols., 2017). Para essa revisão, foram incluídos em
torno de 15 instrumentos/recursos, considerando as suas diferentes versões, utilizados para a
avaliação da (hipo)mania infanto-juvenil.
Desenvolvido na década de 80, nos EUA, o General Behavior Inventory (GBI) foi
concebido para a avaliação de sintomas depressivos, hipomaníacos e bifásicos (mistos) na
população adulta. É um instrumento de autorrelato, composto por 73 itens, mensurados por uma
escala do tipo Likert de quatro pontos; possui uma estrutura bidimensional, formada pelas
dimensões depressiva e hipomaníaca/bifásica (Youngstrom, Murray, Jhonson & Findling,
2013). Os seus itens foram elaborados com base nos critérios da terceira edição do Manual de
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III) e do Research Diagnostic Criteria
(RDC) para transtorno bipolar (Pendergast & cols., 2015). Para essa versão, foram realizadas
investigações com amostras de adultos e adolescentes, demonstrando a mesma estrutura
dimensional e com boas características psicométricas em ambos os casos (Youngstrom,
Murray, Jhonson & Findling, 2013). Assim, o GBI é considerado um instrumento relevante
para triagens em ambientes clínicos e comunitários (Waugh, Meyer, Youngstrom & Scott,
2014).
Uma versão de autorrelato para adolescentes também foi desenvolvida a partir do GBI

541
(Adolescent self-report on the General Behavior Inventory – A-GBI; Danielson, Youngstrom,
Findling & Calabrese, 2003; Youngstrom & cols., 2005), assim como uma versão para
professores (General Behavior Inventory – Teacher – T-GBI; Youngstrom, Joseph & Greene,
2008). Ambas as versões permaneceram com o mesmo número de itens da versão original,
sendo somente alterada a construção dos itens. A versão de professores é destinada à avaliação
de crianças e adolescentes com idades entre 05 e 18 anos (Youngstrom, Joseph & Greene,
2008).
O Parent General Behavior Inventory – PGBI (Youngstrom, Findling, Danielson &
Calabrese, 2001; Youngstrom & cols., 2005) consiste em uma versão derivada do instrumento
original, direcionada aos pais de crianças e adolescentes com idades entre 05 e 17 anos. Possui
o mesmo número de itens, formato de resposta e estrutura fatorial da escala original; houve
apenas uma adequação semântica na estrutura dos itens, nessa versão, referindo-se aos pais. Os
autores conduziram diferentes estudos de validade, tomando como padrão-ouro a entrevista K-
SADS (Youngstrom, Findling, Danielson & Calabrese, 2001).
Diferentes versões reduzidas foram desenvolvidas a partir do PGBI, tanto focando os
sintomas depressivos, quanto os sintomas (hipo)maníacos. O Parent General Behavior
Inventory – 10 item Mania Scale – PGBI-10M (Youngstrom & cols., 2008) é uma versão
reduzida destinada aos pais de crianças e adolescentes com idades entre 05 e 17 anos,
desenvolvida a partir dos 10 itens mais discriminativos para o TB. Segundo os autores, além de
excelente consistência interna (α=0,92), a eficiência diagnóstica da versão reduzida excedeu
significativamente o desempenho da escala completa (Youngstrom & cols., 2008; Horwitz e
cols., 2010).
O Seven Up Seven Down Inventory (7U7D; Youngstrom, Murray, Johnson & Findling,
2013) foi desenvolvido a partir do GBI aplicado a nove amostras que incluíram adolescentes
(N=738) e adultos (N=1756) norte-americanos, sendo projetado e validado para faixa etária
entre 11 e 86 anos. Os autores relataram propriedades psicométricas adequadas, com coeficiente
de consistência interna superior a 0,80 e bons índices de validade de construto e discriminante
(Youngstrom, Murray, Johnson & Findling, 2013). Apesar disso, um estudo com bipolares
holandeses (Dutch Bipolar Offspring Study) sugeriu utilidade limitada do 7U7D como
instrumento de triagem (Mesman & cols., 2017).
A Young Mania Rating Scale – YMRS é considerado referência para a validação
concorrente de novas medidas de avaliação de construtos relacionados (Sajatovic, Chen &
Young, 2015; Gorenstein, Wang & Hungerbühler, 2016). Construída com base no modelo da
Escala de Depressão de Hamilton, é administrada na forma de entrevista semiestruturada,
composta por 11 itens graduados em uma escala ordinal, em níveis crescentes de gravidade
(Yáñez & García, 2013; Sajatovic, Chen & Young, 2015; Gorenstein, Wang & Hungerbühler,
2016). Algumas investigações sobre o desempenho dessa versão em crianças/adolescentes já
foram realizadas, sugerindo ser um instrumento útil na identificação de mania em indivíduos
com TDAH (Youngstrom, Danielson, Findling, Gracious & Calabrese, 2002; Youngstrom,
Gracious, Danielson, Findling & Calabrese, 2003; Matson & Burns, 2018).
A Parent Young Mania Rating Scale (P-YMRS; Gracious & cols., 2002), desenvolvida
a partir da YMRS, é uma versão de autorrelato destinada aos pais/responsáveis de crianças e
adolescentes com idades entre 05 e 17 anos. Possui a mesma estrutura da versão original
(número de itens, opções de respostas, estrutura dimensional) e apresentou consistência interna
de =0,72. Uma forma reduzida de oito itens também foi analisada (excluindo-se os itens sobre
interesse sexual, conteúdo e insight), apresentando bons parâmetros psicométricos (Gracious &
cols., 2002). Alguns autores sugerem que é possível utilizá-la para classificar os sintomas

542
retrospectivamente ou para avaliar os níveis atuais de sintomatologia (Marchand, Clark, Wirth
& Simon, 2005). No Brasil, foi conduzido um estudo para avaliar a eficiência diagnóstica da P-
YMRS na triagem de TB-IJ comórbido com TDAH, identificando alta precisão para predizer o
diagnóstico de TB-IJ (Cordeiro & cols., 2015) – embora não tenha sido mencionada qualquer
adaptação transcultural nesse estudo, sendo somente referenciados os trabalhos americanos.
Outra versão desenvolvida da YMRS, destinada aos adolescentes (autorrelato), é a Adolescent
self-report Young Mania Rating Scale (A-YMRS; Youngstrom & cols., 2005). Contudo, cabe
destacar que as principais limitações das escalas YMRS referem-se à ausência de investigação
de sintomas, como a grandiosidade e a ameaça de dano a si mesmo e, além disso, dois itens
(ausência de insight e aparência bizarra) apresentam baixa validade, sendo que a sua inclusão
provavelmente dilui a sensibilidade do instrumento (Youngstrom, Freeman & Jenkins, 2009;
Yáñez & García, 2013).
A Child Mania Rating Scale – Parent Version – CRMS-P (Pavuluri & cols., 2006) foi
a primeira medida de autorrelato desenvolvida para pais, especificamente para avaliar a mania
infanto-juvenil, sendo composta por 21 itens, mensurados em uma escala do tipo Likert de
quatro pontos (Pavuluri & cols., 2006; Henry & cols., 2008; Yáñez & García, 2013). Foi
elaborada com base nos critérios do DSM-IV e, além disso, inclui itens específicos que refletem
os principais sintomas do TB-IJ (Pavuluri & cols., 2006; Henry & cols., 2008; Sajatovic, Chen
& Young, 2015). Os autores indicaram um modelo unidimensional, com excelente consistência
interna (=0,96) e estabilidade temporal (uma semana; r=0,96; Pavuluri & cols., 2006). Além
disso, foram realizados estudos de validade externa e de eficiência diagnóstica, apresentando
bons resultados (Pavuluri & cols., 2006). Uma forma reduzida da CMRS-P foi elaborada por
meio de análises da Teoria de Resposta ao Item – TRI (CMRS-10; Henry, Pavuluri,
Youngstrom & Birmaher, 2008), demonstrando excelente consistência interna (=0,91) e
estabilidade temporal (uma semana; r=0,97), além de excelente correlação com a versão
completa (r=0,98) (Henry, Pavuluri, Youngstrom & Birmaher, 2008).
O Mood Disorder Questionnaire (MDQ) é um instrumento de autoavaliação
desenvolvido para o rastreio de sintomas (hipo)maníacos em adultos, sendo um dos mais
utilizados em pesquisas epidemiológicas (Gorenstein, Wang & Hungerbühler, 2016). Consiste
em 13 itens dicotômicos (referente aos critérios do DSM-IV), além de avaliar a ocorrência dos
sintomas e o prejuízo funcional (Gorenstein, Wang & Hungerbühler, 2016). Foram elaboradas
outras versões, a partir do modelo original, como a versão para adolescentes (Mood Disorder
Questionnaire – Adolescent Version –MDQ-A; Youngstrom & cols., 2005; Wagner & cols.,
2006; Hirschfeld, 2007; Waugh, Meyer, Youngstrom & Scott, 2014; Fonseca-Pedrero, Ortuño-
Sierra, Paino & Muñiz, 2016) e a versão para pais (Mood Disorder Questionnaire-Parent report
about youth – P-MDQ; Wagner & cols., 2006), sugerindo parâmetros psicométricos adequados.
A versão reduzida de 10 itens do MDQ, embora possa contribuir na elaboração do diagnóstico,
não captura informações sobre a gravidade dos problemas de humor atuais e, em função disso,
não é recomendada (Youngstrom, Freeman & Jenkins, 2009).
Outros instrumentos referidos na literatura para a avaliação de crianças e adolescentes
são: Hypomanic Personality Scale– HPS e o Temperament Evaluation of Memphis, Pisa, Paris,
and San Diego Auto questionnaire – TEMPS-A. Ambos referem-se a medidas de autorrelato,
que mensuram traços de personalidade hipomaníacos, ciclotímicos, distímicos, irritáveis e
hipertímicos (Sperry, Walsh & Kwapil, 2015). Recentemente, foi divulgado o Bipolar
Prodrome Symptom Scale – Abbreviated Screen for Patients (BPSS-AS-P; Van Meter & cols.,
2019), um instrumento de autorrelato, composto por 11 itens mensurados por uma escala do
tipo Likert de quatro pontos, inquiridos tanto para a severidade quanto para a frequência dos
sintomas. É destinada para a avaliação dos sintomas pródromos ao TB, em indivíduos com

543
idades entre 12 e 18 anos. Os autores referem qualidades psicométricas adequadas, indicando-
a como instrumento de triagem para indivíduos com risco para TB (Van Meter & cols., 2019).
Outros recursos estão sendo desenvolvidos para a avaliação de TB-IJ. Uma ‘calculadora
de risco’ (http://www.cabsresearch.pitt.edu/bpriskcalculator/) foi criada para prever o início de
TB em crianças e adolescentes (08-17 anos) com risco familiar para TB, baseada em um modelo
que inclui: idade da criança/adolescente, sintomas de humor e ansiedade, funcionamento
psicossocial geral e idade dos pais no início do transtorno de humor. Essa calculadora
apresentou bons parâmetros quanto à consistência interna e eficiência diagnóstica (Hafeman &
cols., 2017; Birmaher & cols., 2018). Entretanto, para utilizar essa ferramenta, é necessária a
administração de outros instrumentos, concomitantemente. Outro recurso refere-se aos critérios
de “alto risco” para o TB, denominado BAR, validado em uma amostra de jovens, com idades
entre 15 e 24 anos. Esses critérios correspondem a três grupos de risco: (1) mania subliminar;
(2) depressão e características ciclotímicas e (3) depressão e risco genético. Segundo os autores,
esses critérios podem possibilitar a identificação precoce de indivíduos; antes do inicio de um
episódio (hipo)maníaco (Bechdolf & cols., 2014). Ainda, os nomogramas (gráficos com níveis
graduais de sintomas ou de severidade) funcionam como uma régua para o cálculo da
probabilidade de apresentar TB, sendo úteis para a tomada de decisão clínica – baseada em
evidências, combinando as informações disponíveis em cada caso (via Teorema de Bayes)
(Youngstrom, Freeman & Jenkins, 2009; Youngstrom, Halverson, Youngstrom, Lindhiem &
Findling, 2018).
Em relação a realidade brasileira, até o momento, não foram identificados instrumentos
de avaliação de transtornos bipolares infanto-juvenis, criados ou adaptados para o Brasil. São
utilizados com essa população, no contexto clínico ou de pesquisa, instrumentos desenvolvidos
para adultos ou instrumentos criados para crianças/adolescentes que foram apenas traduzidos,
sem os estudos psicométricos necessários. Conforme refere a literatura, os instrumentos de
avaliação de TB costumam ser traduzidos e aplicados em diferentes populações, sem o devido
processo de adaptação transcultural (APA, 2014), ou os pesquisadores alteram apenas o ponto
de corte dos escores dos instrumentos (Waugh, Meyer, Youngstrom & Scott, 2014). Entretanto,
os estudos indicam diferenças de desempenho dos instrumentos com relação às suas
propriedades psicométricas, quando administrados em amostras de crianças e adolescentes ou
de adultos (Waugh, Meyer, Youngstrom & Scott, 2014; Mesman & cols., 2017).
Entre os instrumentos que vem sendo utilizados nacionalmente, pode-se citar a CMRS-
P que foi traduzida e retrotraduzida para o português brasileiro (Tramontina, 2008) para
utilização num ensaio clínico farmacológico. Entretanto, ela foi considerada uma medida
terciária e não foram realizadas análises psicométricas. Essa versão está disponível no site da
autora do instrumento original (https://brainandwellness.com/). Também, o PGBI-10M vêm
sendo empregado em estudos conduzidos no Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (HCFMUSP), embora não tenham sido divulgados, até o momento,
estudos de equivalência psicométrica.
Entretanto, conforme as recomendações nacionais e internacionais, os aspectos
socioculturais representam uma dimensão fundamental da saúde mental que deve ser
considerada nos instrumentos de avaliação (APA, 2014; Gorenstein, Wang & Hungerbüler,
2016; International Test Commission – ITC, 2017; Dalgalarrondo, 2019). Assim, torna-se
imprescindível a condução de estudos de adaptação transcultural dos instrumentos para o Brasil
quando eles são desenvolvidos em outros países, populações e culturas. Dessa forma, é
importante alertar aos profissionais da área da saúde que o uso indiscriminado de instrumentos
não aferidos para o contexto brasileiro, tendem a produzir resultados distorcidos/enviesados.
Conforme referem Gorenstein, Wang e Hungerbühler (2016, p.02), não é a necessidade de atuar

544
de forma competitiva que justifica o uso de instrumentos ainda não validados em nosso meio.

Considerações Finais

A revisão realizada apresenta uma série de instrumentos estrangeiros para avaliação do


TB-IJ, priorizando aqueles de estrutura reduzida. É interessante ressaltar que à exceção da
versão reduzida da escala MDQ, e de um relato de que a escala 7U7D teria sido pouco
discriminante, todos os demais instrumentos apresentaram características psicométricas que
garantem seu uso de forma segura e confiável. Esse dado indica que a preocupação em avaliar
o TB-IJ de maneira eficaz tem impulsionado esforços exitosos em diferentes centros de
pesquisa estrangeiros nas últimas décadas.
Indo ao encontro dos resultados apresentados, a literatura indica que os informantes
mais apropriados para a avaliação dos TB em crianças e adolescentes são os pais/responsáveis
(Youngstrom & cols., 2004; Youngstrom & cols., 2005; Youngstrom, Joseph & Greene, 2008;
Youngstrom, Genzlinger, Egerton & Van Meter, 2015; Ong & cols., 2017), sendo mais
capacitados para fornecer informações válidas e precisas sobre um maior número de
situações/sintomas relevantes para um diagnóstico de transtorno bipolar.
Conforme os resultados, a realidade brasileira demonstra um panorama bastante diverso
do internacional. Apesar do uso de algumas escalas traduzidas, não foram encontrados
instrumentos adaptados ao contexto nacional. Essa escassez de ferramentas pode dificultar ou
mesmo prolongar os processos diagnósticos. Já o uso de escalas não adaptadas pode
comprometer os resultados em função das discrepâncias socioculturais que interferem nos
resultados das avaliações, o que tem sido amplamente demonstrado pela psicometria nas
últimas décadas. Assim, é possível evidenciar a lacuna que existe na produção científica
brasileira no que diz respeito a instrumentos para avaliação de TB-IJ e indica-se a necessidade
do desenvolvimento/adaptação de instrumentos que estejam alinhados com realidade local e
atendam às suas necessidades.

Referências

American Psychiatric Association – APA. (2014). DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed.
Angst, J. (2013). Bipolar disorders in DSM-5: strengths, problems and perspectives.
International journal of bipolar disorders, 1(1), 12.
Bechdolf, A. & cols. (2014). The predictive validity of bipolar at‐risk (prodromal) criteria in
help‐seeking adolescents and young adults: a prospective study. Bipolar disorders,
16(5), 493-504.
Birmaher, B. & cols. (2018). A Risk Calculator to Predict the Individual Risk of Conversion
From Subthreshold Bipolar Symptoms to Bipolar Disorder I or II in Youth. Journal of
the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 57(10), 755–763.
Bordin, I. A. S. & Paula, C. V. (2007). Estudos populacionais sobre saúde mental de crianças e

545
adolescentes brasileiros. In: Mello MF, Mello AA, Kohn R,
organizadores. Epidemiologia da saúde mental no Brasil. Porto Alegre: Artmed. p.101-
117.
Cordeiro, M. L. & cols. (2015). Receiver Operating Characteristic Curve Analysis of Screening
Tools for Bipolar Disorder Comorbid With ADHD in Schoolchildren. Journal of
attention disorders (https://doi.org/10.1177/1087054715620897).
Dalgalarrondo, P. (2019). Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3. Ed. Porto
Alegre: Artmed.
Danielson, C. K., Youngstrom, E. A., Findling, R. L., & Calabrese, J. R. (2003). Discriminative
validity of the General Behavior Inventory using youth report. Journal of Abnormal
Child Psychology, 31(1), 29-39.
Escamilla, I., Wozniak, J., Soutullo, C. A., Gamazo-Garrán, P., Figueroa-Quintana, A., &
Biederman, J. (2011). Pediatric bipolar disorder in a Spanish sample: results after 2.6
years of follow-up. Journal of affective disorders, 132(1-2), 270-274.
Ferreira-Maia, A. P., Boronat, A. C., Boarati, M. A., Fu-I, L., & Wang, Y. P. (2016). Evaluation
of bipolar disorder in children and adolescents referred to a mood service: diagnostic
pathways and manic dimensions. Journal of psychiatricpractice, 22(6), 429-441.
Fonseca-Pedrero, E., Ortuno-Sierra, J., Paino, M., &Muniz, J. (2016). Detección del riesgo para
los trastornos del espectro bipolar: Evidencias de validez del
MoodDisorderQuestionnaire en adolescentes y adultos jóvenes. Revista de Psiquiatría
Y Salud Mental, 9(1), 4-12.
Fu-I, L. & cols. (2010). Transtorno Bipolar na Infância e Adolescência: aspectos clínicos e
comorbidades. Porto Alegre: Artmed.
Goldstein, B. I. & cols. (2017). The International Society for Bipolar Disorders Task Force
report on pediatric bipolar disorder: Knowledge to date and directions for future
research. Bipolar disorders, 19(7), 524-543.
Gorenstein, C.; Wang, Y-P.; Hungerbühler, I. (2016). Instrumentos de avaliação em saúde
mental. Porto Alegre: Artmed.
Hafeman, D. M. & cols. (2017). Assessment of a Person-Level Risk Calculator to Predict New-
Onset Bipolar Spectrum Disorder in Youth at Familial Risk. JAMA psychiatry, 74(8),
841.
Henry, D. B., Pavuluri, M. N., Youngstrom, E., & Birmaher, B. (2008). Accuracy of brief and
full forms of the Child Mania Rating Scale. Journal of clinical psychology, 64(4), 368-
381.
Horwitz, S. M. & cols. (2010). Longitudinal Assessment of Manic Symptoms (LAMS) Study:
background, design and initial screening results. The Journal of clinical psychiatry,
71(11), 1511-1517.
International Test Commission. (2017). The ITC Guidelines for Translating and Adapting
Testes (Second edition). https://www.intestcom.org/. Translation authorized by Instituto
Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP). Disponível em: http://www.ibapnet.org.br/,
acessado em maio de 2019.
Kapczinski, F. & cols. (2016). Transtorno Bipolar: teoria e clínica. 2ªed. Porto Alegre: Artmed.

546
Lopes, C. S. & cols. (2016). ERICA: prevalência de transtornos mentais comuns em
adolescentes brasileiros. Rev. Saúde Pública, 50(suppl 1).
Marchand, W. R., Clark, S. C., Wirth, L., & Simon, C. (2005).Validity of the parent young
mania rating scale in a community mental health setting. Psychiatry (Edgmont), 2(3),
31.
Mesman, E., Youngstrom, E. A., Juliana, N. K., Nolen, W. A., & Hillegers, M. H. J. (2017).
Validation of the Seven Up Seven Down Inventory in bipolar offspring: screening and
prediction of mood disorders. Findings from the Dutch Bipolar Offspring Study.
Journal of Affective Disorders, 207, 95-101.
Moraes, R. G. D. A., Gon, M. C. C., & Zazula, R. (2016). Transtorno bipolar em crianças e
adolescentes: critérios para diagnóstico e revisão de intervenções psicossociais. Psico,
47(1), 77-87.
Ong, M. L. & cols. (2017). Comparing the CASI-4R and the PGBI-10 M for differentiating
bipolar spectrum disorders from other outpatient diagnoses in youth. Journal of
abnormal child psychology, 45(3), 611-623.
Papalia, D. E. & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento Humano. 12. Ed. Porto Alegre:
AMGH.
Pavuluri, M. N., Henry, D. B., Devineni, B., Carbray, J. A., & Birmaher, B. (2006). Child mania
rating scale: development, reliability, and validity. Journal of the American Academy of
Child & Adolescent Psychiatry, 45(5), 550-560.
Pendergast, L. L., Youngstrom, E. A., Brown, C., Jensen, D., Abramson, L. Y., & Alloy, L. B.
(2015). Structural invariance of General Behavior Inventory (GBI) scores in Black and
White young adults. Psychological assessment, 27(1), 21-30.
Sajatovic, M., Chen, P., & Young, R. C. (2015). Rating scales in bipolar disorder. In: Clinical
trial design challenges in mood disorders (pp. 105-136). Academic Press.
Serra, G., Uchida, M., Battaglia, C., Casinia, M. P., De Chiara, L., Biederman, J., Vicari, S. &
Wozniak, J. (2017). Pediatric Mania: the controversy between Euphoria and irritability.
Current neuropharmacology, 15(3), 386-393.
Sperry, S. H., Walsh, M. A., & Kwapil, T. R. (2015). Measuring the validity and psychometric
properties of a short form of the Hypomanic Personality Scale. Personality and
Individual Differences, 82, 52-57.
Stevanovic, D., Jafari, P., Knez, R., Franic, T., Atilola, O., Davidovic, N., Bagheri, Z. & Lakic,
A. (2017). Can we really use available scales for child and adolescent psychopathology
across cultures? A systematic review of cross-cultural measurement invariance
data. Transcultural psychiatry, 54(1), 125.
Tramontina, S., Schmitz, M., Polanczyk, G., & Rohde, L. A. (2003). Juvenile bipolar disorder
in Brazil: clinical and treatment findings. Biological Psychiatry, 53(11), 1043-1049.
Van Meter, A. R., Burke, C., Kowatch, R. A., Findling, R. L., & Youngstrom, E. A. (2016).
Ten‐year updated meta‐analysis of the clinical characteristics of pediatric mania and
hypomania. Bipolar disorders, 18(1), 19-32.
Van Meter, A., Moreira, A. L. R., & Youngstrom, E. (2019). Updated Meta-Analysis of

547
Epidemiologic Studies of Pediatric Bipolar Disorder. The Journal of clinical psychiatry,
80(3).
Waugh, M. J., Meyer, T. D., Youngstrom, E. A., & Scott, J. (2014). A review of self-rating
instruments to identify young people at risk of bipolar spectrum disorders. Journal of
Affective Disorders, 160, 113-121.
Yáñez, C., & García, R. (2013). Instrumentos actuales para la medición de la bipolaridad en la
infancia y adolescencia: análisis de sus aspectos metodológicos. Revista chilena de
neuro-psiquiatría, 51(3), 211-220.
Youngstrom, E. A. & cols. (2005). Comparing diagnostic checklists for pediatric bipolar
disorder in academic and community mental health settings. Bipolar Disorders, 7(6),
507-517.
Youngstrom, E. A., Findling, R. L., Calabrese, J. R., Gracious, B. L., Demeter, C., Bedoya, D.
D., & Price, M. (2004). Comparing the diagnostic accuracy of six potential screening
instruments for bipolar disorder in youths aged 5 to 17 years. Journal of the American
Academy of Child & Adolescent Psychiatry, 43(7), 847-858.
Youngstrom, E. A., Frazier, T. W., Demeter, C., Calabrese, J. R., & Findling, R. L. (2008).
Developing a ten item mania scale from the Parent General Behavior Inventory for
children and adolescents. The Journal of clinical psychiatry, 69(5), 831.
Youngstrom, E. A., Freeman, A. J., & Jenkins, M. M. (2009). The assessment of children and
adolescents with bipolar disorder. Child and Adolescent Psychiatric Clinics, 18(2), 353-
390.
Youngstrom, E. A., Genzlinger, J. E., Egerton, G. A., & Van Meter, A. R. (2015). Multivariate
meta-analysis of the discriminative validity of caregiver, youth, and teacher rating scales
for pediatric bipolar disorder: Mother knows best about mania. Archives of Scientific
Psychology, 3(1), 112.
Youngstrom, E. A., Halverson, T. F., Youngstrom, J. K., Lindhiem, O., & Findling, R. L.
(2018). Evidence-Based Assessment From Simple Clinical Judgments to Statistical
Learning: Evaluating a Range of Options Using Pediatric Bipolar Disorder as a
Diagnostic Challenge. Clinical Psychological Science, 6(2), 243-265.
Youngstrom, E. A., Jenkins, M. M., Jensen-Doss, A., & Youngstrom, J. K. (2012). Evidence-
based assessment strategies for pediatric bipolar disorder. The Israel journal of
psychiatry and related sciences, 49(1), 15.
Youngstrom, E. A., Joseph, M. F., & Greene, J. (2008). Comparing the psychometric properties
of multiple teacher report instruments as predictors of bipolar disorder in children and
adolescents. Journal of Clinical Psychology, 64(4), 382-401.
Youngstrom, E. A., Murray, G., Johnson, S. L., & Findling, R. L. (2013). The 7 Up 7 Down
Inventory: A 14-item measure of manic and depressive tendencies carved from the
General Behavior Inventory. Psychological assessment, 25(4), 1377.
COMPRAS POR IMPULSO EM AMBIENTE ONLINE

548
Maria Aurelina Machado de Oliveira
Rickson Nunes de Santana
Welyton Paraíba da Silva Sousa

1. Introdução

Ao longo dos anos a internet tem se transformado gradualmente. Estas transformações


não se mantêm fechadas apenas para o mundo digital, mas uma vez que algum processo
cibernético muda, isso causa algum impacto no mundo real, tomando como exemplo as
compras, que se tornaram mais rápidas e mais fáceis de serem realizadas. (Moreira, Oliveira, &
Drummond, 2018). Se continuarmos nesse raciocínio, perceberemos que essa comodidade que
a internet proporciona favorece as compras por impulso, principalmente quando há forte
influência de fatores externos – relacionados ao ambiente ou pessoas que estimulam o próximo
a fazer algo – e internos – relacionados à percepção individual de cada um (CNDL, SPC, 2015).
A impulsividade, segundo Tavares e Alarcão (2011) é marcada por comportamentos não
planejados e com reações rápidas, sem reflexão prévia das possíveis consequências do ato, ou
às vezes com uma reflexão bastante superficial, que uma hora ou outra acaba sendo dominada
pelo desejo do consumo imediato, desconsiderando os efeitos de longo prazo resultantes desta
ação.
Normalmente confunde-se impulsividade com compulsividade, mas ambas são
distintas. Em relação a impulsividade, Tavares e Alarcão ressaltam (2011, p. 8): “Por vezes,
impulsos e desejos não apresentam alterações mórbidas, nem de intensidade, mas as inibições
são pobremente estruturadas, ocasionando perda de controle periódica”. Isso significa dizer que
os impulsos são mais fortes quando o indivíduo não exercita autocontrole e autocensura ao
comprar, tornando-lhe cada vez mais apto a deixar-se levar pelos seus desejos. Já a
compulsividade segundo Alves (2008), é de cunho patológico, e diferentemente da
impulsividade que é impensada, ela é uma espécie de vício, com presença de tensão constante,
atenuada somente pela satisfação imediata do desejo.
Outro fator importante a ser definido são os motivos que levam o cliente impulsivo ou
não a realizar uma compra pela internet. Cobra (2015) ressalta que dentre os fatores
determinantes de compra destacam-se as características do mercado, o contexto do mercado, o
contexto pessoal e as características pessoais de cada comprador ou usuário. Já a perspectiva
da área médica e da saúde, Dalgalarrondo (2019) introduz a ideia de vontade ou volição
associada a aspectos instintivos, afetivos e intelectivos que atuam em um comportamento.
Com isso, torna-se importante estudar os determinantes das compras por impulso em
ambiente online, essencialmente para que possamos compreender as causas que levam os
consumidores a efetuarem compras por impulsão, observando se estes têm alguma consciência
de seus atos bem como das possíveis consequências destes. A partir dessa perspectiva a
pesquisa teve como objetivo geral relacionar o comportamento dos consumidores virtuais com
fatores internos e externos que podem influenciar a compra por impulso.
2. Método

549
Para o alcance dos objetivos propostos, inicialmente foi realizado um estudo descritivo,
sobre a temática compras por impulsão e os fatores decisivos que levam o consumidor a realizá-
las. O estudo descritivo segundo Gil (2008) tem como objetivo descrever as características
referentes a uma determinada população, fenômeno ou analisar o relacionamento entre certas
variáveis, com técnicas padronizadas para coleta de dados.
A pesquisa de campo aplicada é do tipo quantitativa. Segundo Creswell (2007) uma
técnica quantitativa é aquela em que há o uso de raciocínios de causa e efeito, uso de variáveis,
hipóteses e teorias, coleta e análise de dados estatísticos para a obtenção dos resultados
propostos no trabalho.

1. Participantes

O campo de pesquisa não teve restrição de localidade, uma vez que a técnica de
amostragem utilizada foi o método bola de neve que consistiu no compartilhamento do
formulário pelos informantes-chaves online, que são comparados a sementes, uma vez que o
objetivo da técnica é que os mesmos semeiem a pesquisa em seus grupos sociais de forma que
este ato se repita para localizar algumas pessoas com o perfil necessário para a pesquisa.
(Vinuto, 2014). Após a aplicação do formulário obteve-se um total de 129 respondentes válidos.

2. Critérios de inclusão e exclusão

Como critérios de inclusão definiu-se que apenas pessoas que tivessem acesso à internet
e idade igual ou maior a 18 anos pudessem responder o formulário. Os critérios de exclusão
foram: a participação de menores de 18 anos e pessoas que não tenham realizado compras via
internet.

3. Instrumento de coleta de dados

Para a coleta de dados utilizou-se um formulário online, construído na plataforma do


Google Forms, no geral este constava 2 itens abertos e 20 itens fechados. O formulário foi
estruturado em quatro partes, sendo que as 3 primeiras se referiram a dados sociodemográficos,
as práticas sociais e hábitos online, e a consciência financeira, todas baseadas na literatura.
(Lins, 2013). E a quarta parte consistiu na Escala de Compra por Impulso (ECI), de Rook e
Fisher, validada para o contexto brasileiro por Souza, Lins e Féres-Carneiro (2015).
A ECI é constituída por 9 itens, com respostas do tipo Likert de 7 pontos que variam de
(1) Discordo totalmente a (7) Concordo totalmente. Esta escala apresentou índices de
ajustamento adequados conforme Análise Fatorial Confirmatória indicando um único fator, e
também confiabilidade satisfatória com valores de coeficiente alfa Cronbach e coeficiente
Ômega Total de 0,88 (Aquino, Natividade, & Lins, 2020).
4. Procedimentos técnicos para coleta de dados

550
A pesquisa foi realizada através de um Formulário online distribuído através do e-mail
e weblinks postados em redes sociais. Sobre o método de coleta dados, utilizou-se o método
bola de neve (Snow Ball). Conforme Vinuto (2014) a amostragem em bola de neve é
caracterizada por ser não probabilística, de forma que o instrumento de coleta de dados seja
compartilhado entre cadeias de pessoal, com a intenção de que o ato se repita e vice-versa.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), da Universidade
Federal do Piauí do Campus Amílcar Ferreira Sobral e foi conduzida para saber se atendia o
que está disposto nas Resoluções 466/12, 510/16 e 580/18 do Conselho Nacional de Saúde.
Estas resoluções, norteiam as pesquisas com seres humanos e constam com parâmetros de
aceitabilidade dentre eles obter mais benefícios do que riscos aos sujeitos a serem pesquisados,
que devem contribuir para intervenções sociais, respeitar a dignidade humana e os resultados
da pesquisa devem ser divulgados aos participantes.
A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética, tendo parecer favorável com número
2.977.459 e CAAE 00778918.4.0000.5660. Os sujeitos que manifestaram disponibilidade em
participar da pesquisa responderam ao formulário somente após tomarem conhecimento, por
meio da leitura do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” atendendo aos requisitos
dispostos nas resoluções 466/12, 510/2016 e 580/2018 do Conselho Nacional de Saúde.

5. Organização e análise dos dados

Após a coleta e posse dos dados obtidos, utilizou-se um banco de dados eletrônico do
software Microsoft Office Excel 2016 (versão 16.0) para Windows, com a finalidade de
agrupamento de categorias e organização dos dados. Em seguida, os dados foram analisados
estatisticamente através do software Statistical Package for Social Science for Windows (SPSS)
(versão 25.0) para o cálculo das estatísticas descritivas (Média aritmética, desvio padrão e
frequência relativa) e das estatísticas inferenciais (dados da escala).
Para a interpretação da escala foi utilizado o cálculo do escore Z que segundo Stevenson,
(1981, p. 140-141): “(...) equivale a tomar a média como ponto de referência (origem) e o desvio
padrão como medida de afastamento a contar daquele ponto (unidade de medida)”. O Escore Z
classifica os respondentes de acordo com o desvio padrão 1 de afastamento da média para a
obtenção da relação dos mais impulsivos aos menos impulsivos.

3. Resultados

1. Variáveis Sociodemográficas

No que diz respeito às variáveis sociodemográficas, a média de idade dos respondentes


foi 26 anos (Desvio Padrão: ± 8,558), prevalecendo sujeitos do sexo feminino (58,1%). Em
relação à ocupação, a maioria foi composta por estudantes (64,3%), em sua maioria da UFPI, e
a renda mensal perfaz a média de 1963,57 (Desvio Padrão: ± 2928,018).
2. Práticas Sociais e Hábitos Online

551
1. Sobre o uso da Internet

Em relação ao uso da internet, a convergência de acessos por turno ocorreu da seguinte


forma: manhã (35,7%); tarde (33,3%); noite (37,2%). Quanto aos dispositivos mais utilizados
para o acesso, notou-se que o uso de smartphones (57,4%) superou o uso dos próprios
computadores que foram indicados como quase nunca utilizados (27,1%) e dos tablets, nunca
usados por boa parte dos pesquisados (86%).
Sobre a utilização de redes sociais, das que foram listadas, o WhatsApp foi a rede social mais
acessada (66,7%). Na sequência teve-se o Instagram (42,6%), o Youtube (26,4%) e o Facebook
(22,5%).

2. Sobre compras online

No que tange à interatividade dos usuários pesquisados nas redes sociais e e-mail, temos
as maiores porcentagens de 5 questões relacionadas: Compras online mensais (quase nunca:
34,9%); Recebimento de e-mails promocionais semanalmente (sempre: 38%); Leitura de e-
mails promocionais (quase nunca: 29,5%); Visita a anúncios de redes sociais (quase nunca:
31,8%); e compras através de links de redes sociais (nenhuma: 36,4%).

3. Sobre a Impulsividade

A Tabela 1 demonstra que dos sujeitos pesquisados a maioria (35,7%), não efetuou
compras online sem planejamento, enquanto a minoria (1,6%) afirma ter realizado este tipo de
compra. Como a porcentagem decresce à medida que as opções avançam de nunca até sempre,
nota-se que há baixa tendência de haver comportamento impulsivo em compras online.

Tabela 1: Você já fez compras não planejadas pela internet?

Opções Porcentagem Frequência


Nunca 35,7% 46
1 17,8% 23
2 16,3% 21
3 10,9% 14
4 10,9% 14
5 7,0% 9
Sempre 1,6% 2

552
Fonte: Elaboração dos autores, 2019.

3. Consciência Financeira

As formas de pagamento mais utilizadas foram cartões de crédito e boletos bancários


(7%). Embora a Tabela 2 pareça ter a mesma premissa da Tabela 1 elas se diferem no sentido
de que uma compra planejada está sujeita a situações não planejadas, dessa forma, os resultados
obtidos nesta tabela demonstram que a tendência de compra por impulso dos participantes no
questionário mostra-se novamente baixa uma vez que boa parte deles (35,7%) realizou
planejamento de compras.

Tabela 2: Você costuma fazer algum planejamento antes de comprar?


Resposta Porcentagem Frequência
Nunca 7% 9
1 10,9% 14
2 10,1% 13
3 8,5% 11
4 16,3% 21
5 11,6% 15
Sempre 35,7% 46
Fonte: Elaboração dos autores, 2019.

4. Escala de Compra por Impulso (ECI)

A Tabela 3 apresenta os resultados dos itens da Escala de Compra por Impulso, sendo o
escore Z (Z Score), usado para analisar a impulsividade dos indivíduos testados. Apenas a
questão 8 (Questão com predominância de respostas) aborda a temática “planejamento” na
escala, enquanto as demais desenvolvem a atuação da impulsão em situações diferentes, e
conforme os resultados obtidos abaixo, conclui-se que boa parte dos participantes tem baixa
impulsividade ao comprar na internet.

Tabela 3: Porcentagem das respostas obtidas em cada item da Escala de Compra por Impulso
(ECI)
Discordo Discordo Discordo Indiferente Concordo Concordo Concordo
Item
totalmente pouco muito totalmente
muito pouco

553
49 23 18 10 14 8 7
1
(38,0%) (17,8%) (14,0%) (7,8%) (10,9%) (6,2%) (5,4%)
71 20 10 14 7 5 2
2
(55,0%) (15,5%) (7,8%) (10,9%) (5,4%) (3,9%) (1,6%)
69 24 15 7 9 3 2
3
(53,5%) (18,6%) (11,6%) (5,4%) (7,0%) (2,3%) (1,6%)
76 24 12 10 3 2 2
4
(58,9%) (18,6%) (9,3%) (7,8%) (2,3%) (1,6%) (1,6%)
30 24 12 10 23 17 13
5
(23,3%) (18,6%) (9,3%) (7,8%) (17,8%) (13,2%) (10,1%)
62 18 18 10 13 1 7
6
(48,1%) (14%) (14%) (7,8%) (10,1%) (0,8%) (5,4%)
55 22 9 13 14 10 6
7
(42,6%) (17,1%) (7%) (10,1%) (10,9%) (7,8%) (4,7%)
14 18 9 11 11 28 38
8
(10,9%) (14%) (7%) (8,5%) (8,5%) (21,7%) (29,5%)
46 28 15 10 14 9 7
9
(35,7%) (21,7%) (11,6%) (7,8%) (10,9%) (7%) (5,4%)
Fonte: Elaboração dos autores, 2019.

Para o cálculo do Escore Z na ECI a amplitude de pontuação geral foi constituída do


intervalo de confiança 50, com ponto mínimo 9 e máximo 59, e média de 25,07 com desvio
padrão de aproximadamente 10,762. No Gráfico 1 os sujeitos mais impulsivos (24%)
localizam-se a +1 desvio padrão da média e os menos impulsivos (21%) a -1 desvio padrão da
média, constatando-se que 55% dos sujeitos não demonstraram tendência a comprar por
impulso.
Gráfico 1: Escore Z dos dados obtidos com a Escala de Compra por Impulso (ECI)

554
Fonte: Elaboração dos autores, 2019.

4. Discussão

1. Variáveis Sociodemográficas

Com base nos resultados apresentados no item anterior, em relação a média de idade de
26 anos dos respondentes, há certa divergência desses dados com os dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística. De forma que tem sido observando que a população
brasileira tem aumentado a taxa de envelhecimento com a queda do percentual de jovens de 15
a 29 anos de idade, de 27,4% em 2005 para 23,6% em 2015 e aumentado o percentual de adultos
de 30 a 59 anos de 36,2% para 41,0% no mesmo período de tempo, e de idosos de 60 anos ou
mais de idade que subiram de 9,8% para 14,3%. (IBGE, 2016).
No quesito gênero os resultados obtidos estão em conformidade com os do IBGE com
predomínio da população feminina (51,5% de mulheres e 48,5% de homens). (IBGE, 2016).
Quanto a ocupação, como há mais estudantes, segundo o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais INEP em 2017 houve 8,3 milhões de matrículas em cursos de
graduação foram feitas em 2017 com variação positiva de 3,0% em relação a 2016 aumentando
anualmente em 4,6%. (INEP, 2017). Em relação à renda, a renda média da população brasileira
até 2015 era de R$ 1270,00 conforme o IBGE (2016), dado diferente do obtido na pesquisa,
dado diferente do obtido neste estudo, talvez devido ao tamanho da amostra da pesquisa em
relação à população geral brasileira.

2. Práticas Sociais e Hábitos Online


1. Sobre o uso da internet

555
Como houve maior destaque de estudantes na pesquisa, a convergência de acessos em
período noturno pode ser entendida como sendo resultante do fato da maioria deles estudar em
períodos diurnos. Segundo um Censo de Educação Superior realizado pelo INEP (2018), as
Universidades Federais (70%) e estaduais (59%) do Brasil apresentam maior quantidade de
cursos diurnos, sendo que maior parte dos respondentes do questionário foram da UFPI, dando
maior disponibilidade de acesso à internet à noite.
Sobre os dispositivos usados os Smartphones se configuram como os mais usados
devido às suas inúmeras funcionalidades que agregam maior interesse de uso no consumidor.
Conforme Almeida (2016, p. 34) estes dispositivos dispõem de várias funções em um único
aparelho, como “...telefone, máquina fotográfica, filmadora, fonte de informação, envio e
recebimento de e-mails, chat, localização via GPS, tocador de música, transações financeiras
através de aplicativos, dentre outras.” Desta forma podemos interpretar que a preferência pelos
Smartphones ocorre devido à soma dos fatores multifuncionalidade com portabilidade.

2. Sobre compras online

Considerando o e-mail e os anúncios das redes sociais como veículos para a propagação
das ofertas de compras, como a maioria dos respondentes pontuou que essas mídias não os
afetaram, podemos entender isso como presença de disciplina de compras por parte dos
mesmos, uma vez que o CNDL e SPC (2017) apontam que propaganda por e-mail e posts no
facebook são os maiores ativadores do consumo impulsivo online. Apelo dos preços baixos e
senso de oportunidade motivam este comportamento. Essa mesma pesquisa confirma a
veracidade dos dados aqui apresentados indicando que boa parte dos brasileiros que
participaram da pesquisa tem um planejamento na hora de comprar na internet.
Em relação ao WhatsApp como rede social mais utilizada, podemos notar que como o
aplicativo foi desenvolvido primeiramente para os smartphones, a aceitação dos usuários foi
grande especialmente por ele ser um aplicativo prático de envio de mensagens instantâneas e
outras mídias, e gratuito, facilitando a vida de seus usuários em relação à utilização dos serviços
das operadoras de telefonia móvel (Ferreira, Luz, & Maciel, 2015).

3. Sobre a impulsividade

Conforme Parcias et al. (2014, p. 37) “a impulsividade pode ser percebida como uma
decisão adotada sem avaliar todas as suas implicações e as possíveis consequências do
comportamento impulsivo”. Observando-se este conceito, pode-se inferir que os resultados
obtidos na Tabela 1 talvez tenham ocorrido devido a maioria dos respondentes ter controle e
plena consciência de seus atos ao efetuarem uma compra pela internet.

3. Consciência Financeira
No quesito pagamento o destaque para a utilização de cartão de crédito pode ser

556
entendido conforme a afirmação do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor PROCON
(2018, p.03): “Muitos consumidores deixaram de utilizar dinheiro e cheque preferindo o cartão
de crédito pela comodidade e agilidade”. Pode-se então afirmar que o cartão de crédito parece
ser mais eficiente para a realização de compras, permitindo aos usuários maior velocidade e
menos esforço para realizar uma compra online. O CNDL e SPC (2017) também afirmam que
os meios de compras mais utilizados na internet são cartão de crédito e boletos bancários.
Na Tabela 2 os resultados obtidos convergem com os do CNDL e SPC (2017), que
mostram que 83,3% dos consumidores online costumam planejar suas compras. A pesquisa do
SPC justifica esse fato pela razão dos consumidores virtuais procurarem se conter diante dos
apelos do marketing digital, evitando assim as compras por impulso.

4. Escala de Compra por Impulso (ECI)

Os resultados obtidos na ECI para o cálculo do Escore Z, indicam oficialmente que na


amostra não há predominância de compras por impulso. Esses dados são semelhantes ao dos
autores Siqueira et. al. (2012), que utilizaram o cálculo de um escore de impulsividade em 210
estudantes, sendo que a variação do escore usado foi de no mínimo 11 e máximo 77, com média
de 24,84, significando que o comportamento dos mesmos é de orientação predominantemente
não impulsiva. Logo, observou-se que a maior parte dos indivíduos não são impulsivos ao
comprarem através da internet. Desta forma a pesquisa de Siqueira et al. (2012) corrobora os
resultados informados neste trabalho observando-se que há poucos trabalhos na literatura que
indiquem o mesmo resultado aqui apresentado em relação ao baixo consumo impulsivo em
processos de compra online.

5. Considerações finais

Com base nos resultados obtidos, foi possível atender os objetivos propostos. Constatou-
se, através da demonstração das variáveis no formulário, que a interação dos sujeitos
pesquisados com as redes sociais não tendeu a contribuir para a realização das compras por
impulso. Em relação à impulsividade dos indivíduos, segundo o cálculo do Escore Z, a maioria
não apresentou tendências a comprar por impulso.
Sobre as limitações do estudo, a amostragem ser não probabilística com a aplicação do
método bola de neve, visto que a intenção inicial era que o envio do formulário aos
respondentes, gerasse uma reação em cadeia de compartilhamentos dos mesmos com seus
principais grupos sociais, de modo que o ato se repetisse até o alcance da quantidade de
respostas necessárias. Uma outra limitação, foi o fato de alguns sujeitos responderam o
formulário de forma inadequada juntamente à presença de erros técnicos no formulário em si,
que resultaram na invalidação de uma parte considerável das respostas ao longo do período da
coleta de dados. Outro quesito a ser destacado é o fato dos sujeitos da pesquisa terem sido
predominantemente da cidade na qual o estudo foi realizado, embora o formulário tenha sido
disponibilizado sem restrição de localidade para o preenchimento.
Em função das variáveis sociodemográficas, os respondentes foram em sua maioria
jovens com idade média próxima de 26 anos, com predominância de respondentes do sexo
feminino. Quanto à ocupação a maior parte da amostra foi constituída por estudantes e a renda

557
mensal média foi equivalente a um salário mínimo e meio.
Sobre a variável práticas sociais e hábitos online, a utilização da internet se concentrou
no período noturno, com maior frequência de uso através de smartphones, para a utilização
principalmente do WhatsApp. Predominou a não realização de compras mensais via internet e
o não uso links provenientes de redes sociais para comprar, da mesma forma que não liam e-
mails promocionais. No quesito impulsividade, a frequência de realização de compras não
planejadas foi baixa com os fatores externos mais representativos: preço atraente, promoções e
marca.
Em relação à variável consciência financeira as formas de pagamento mais utilizadas
foram o cartão de crédito e o boleto bancário, com realização de planejamento antes da compra,
visto que todos esses dados indicaram que a maioria dos consumidores pesquisados não eram
impulsivos. Tais dados foram ratificados com os dados obtidos na Escala de Compra por
Impulso, com o auxílio do escore Z.
Em relação aos impactos causados no meio acadêmico e social, esta pesquisa auxilia na
desmistificação da percepção criada pela sociedade que as pesquisas mercadológicas e suas
medidas para induzir o consumidor ao processo de compra são as maiores influentes para tal
ocorrência. Já que os resultados deste estudo apontaram que poucos respondentes gastam tempo
acessando propagandas na internet, mostrando que nem sempre as propagandas promovidas
pelo Marketing digital influciam diretamente no consumo online.
Apesar do resultado ter sido positivo, como sugestão para pesquisas futuras, seria
interessante analisar o efeito de outras pesquisas com um grupo com um número maior de
pessoas, como também com predominância de pessoas que já possuem alguma formação
acadêmica e que atuam diretamente no mercado de trabalho. Como também estudos que
contemplem sujeitos com renda mais elevada, no intuito de averiguar se estes apresenteariam
maior tendência a compras impulsivas.

6. Referências

Almeida, N. M. (2016). Comportamento do consumidor: A influência do Smartphone no


processo de decisão de compra do consumidor. Salvador. Recuperado de
https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/23848/1/Nayane%20Monteiro.pdf. Acesso
em: 22 Abr 2019.
Alves, P. (2008). Comprador compulsivo ou impulsivo: qual a diferença entre eles?
Recuperado de http://www.administradores.com.br/noticias/negocios/comprador-
compulsivo-ou-impulsivo-qual-a-diferenca-entre-eles/15017/ Acesso em: 17 Out 2018.
Aquino, S. D., Natividade, J. C., & Lins, S. L. B. (2020). Validity evidences of the Buying
Impulsiveness Scale in the Brazilian Context. Psico-USF, 25(1), 15-25. Epub May 29,
2020.https://doi.org/10.1590/1413-82712020250102
Cobra, M. Administração de Marketing no Brasil. 5ª ed. São Paulo: Editora Elsevier LTDA,
2015.
Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, Serviço de Proteção ao Crédito. (2017).
Comportamento de compra do consumidor online. Recuperado em
https://www.spcbrasil.org.br/wpimprensa/wpcontent/uploads/2017/07/An%C3%A1lis
e-Consumo-Online-_-Processos-de-Compras-e-Impulsividade.pdf Acesso em: 10 Mai

558
2017.
Confederação Nacional Dirigentes Lojistas, Serviço de Proteção ao Crédito. (2015). Os
influenciadores das compras por impulso. Recuperado de
https://www.spcbrasil.org.br/uploads/st_imprensa/analise_os_influenciadores_das_co
mpras_por_impulso.pdf. Acesso em: 08 Mai 2017
Creswell, J. W. (2007). Projeto de pesquisa. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed.
Dalgalarrondo, P. (2019). Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre,
RS: Artmed, 2019.
Ferreira, P. A., Luz, C. R., & Maciel, I. M. (2015) As redes sociais como fonte de informação:
Uso do app como ferramenta de apuração da notícia. Rio de Janeiro, Intercom.
Recuperado em http://portalintercom.org.br/anais/nacional2015/resumos/R10-3508-
1.pdf Acesso em: 30 Abr 2019.
Gil, A. C. (2008). Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6ª ed. São Paulo: Atlas.
Instituto Brasileito de Georgrafia e Estatística (2016). Estudos & Pesquisas: Informação
demográfica e socioeconômica. Rio de Janeiro. Recuperado de
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf. Acesso em: 30 Abr de
2019.
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. (2017). Censo da educação superior: Notas
estatísticas. Recuperado de http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2018-
pdf/97041-apresentac-a-o-censo-superior-u-ltimo/file. Acesso em: 30 Abr de 2019.
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. (2018). Censo da Educação Superior: Divulgação
dos principais resultados. Brasília. Recuperado de
http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2018/cens
o_da_educacao_superior_2017-notas_estatisticas2.pdf. Acesso em: 30 Abr 2019
Lins, S. L. (2013). Consumo, contexto socioeconómico e compra por impulso em adolescentes
brasileiros e portugueses. 298f. Tese de doutorado (Psicologia) – Universidade do
Porto, Portugal. Recuperado de https://core.ac.uk/download/pdf/143398671.pdf.
Acesso em: 15 Out 2017
Moreira, R. A., Oliveira, P. T., & Drummond, L. R. Comércio eletrônico: Fatores que
influenciam o comportamento de compra dos consumidores em uma empresa de
acessórios. Temática, Pernambuco, n. 05, 2018. Recuperado de:
http://www.periodicos.ufpb.br/index.php/tematica/article/download/39933/20069
Acesso em: 18 Mar 2019.
Parcias, S. R., Sombrio, L. S., Flügel, N. T., Rosario, M. J. P., Souza, M. C., & Parcias, A. C.
A. G.. (2014). Comportamento impulsivo: estudo em uma população de universitários.
Revista de Atenção à Saúde, 12(42), 36-41. Recuperado de:
https://doi.org/10.13037/rbcs.vol12n42.2176
Programa de Proteção e Defesa do Consumidor. (2018). Guia Cartão de Crédito. São Paulo.
Recuperado de http://www.procon.sp.gov.br/pdf/GuiaCartaodeCredito.pdf. Acesso em:
30 Abr 2019
Siqueira, L. D., Castro, A. D., Carvalho, J. D., & Farina, M. C. (2012). A impulsividade nas
compras pela internet. Estratégia & Negócios, 5(1), 253-278. Recuperado de
http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/EeN/article/view/786/932. Acesso

559
em: 20 Out 2018.
Souza, M. A., Lins, S. L., & Féres-Carneiro, T. (2015). Adaptação da Escala de Compra por
Impulso de Rook e Fisher para o contexto brasileiro. Belo Horizonte. Recuperado de
https://www.researchgate.net/publication/283515032_Adaptacao_da_Escala_de_Com
pra_por_impulso_de_Rook_e_Fisher_para_o_contexto_brasileiro. Acesso em: 21 Ago
2018.
Stevenson, W. J. (1981). Estatística Aplicada à Administração. [S.I] São Paulo: Editora Harbra.
Tavares. H.; Alarcão. G. Psicopatologia da impulsivdade. Porto Alegre, 2011. Disponível em:
<https://www.larpsi.com.br/media/mconnect_uploadfiles/c/a/cap_01_10_.pdf> Acesso
em: 04 Mai 2018
Vinuto, J. (2014). A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto.
Campinas. Recuperado de
https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/tematicas/article/download/2144/1637
Acesso em: 12 Mai 2018.
WHY WORRY? QUESTIONNAIRE: EVIDÊNCIAS DE VALIDADE E PRECISÃO NO

560
CONTEXTO BRASILEIRO

Geice Maria Pereira dos Santos


Paulo Gregório Nascimento da Silva
Kairon Pereira de Araújo Sousa
Ricardo Neves Couto
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Ádilo Lages Vieira Passos

Introdução

As exigências do mundo moderno contribuem para que os indivíduos desenvolvam


preocupações constantes em relação ao trabalho, a formação acadêmica, a vida familiar,
conjugal e social, levando-o, em certos casos, a desenvolver um transtorno de ansiedade
generalizada. Segundo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V;
2013), no Transtorno de Ansiedade Generalizado (TAG), é difícil controlar suas preocupações,
apresentando sintomas característicos, tais como a fadiga, inquietação, dificuldade de
concentrar-se, tensão muscular, irritabilidade e perturbação do sono. Dessa forma, a
preocupação pode ser vista como um comportamento de esquiva (Roemer & Borkovec, 1993),
que geralmente envolve uma expectativa apreensiva sobre algum tipo de comando de atividades
ou eventos, por exemplo: Família, saúde, finanças, escola (Doverspike 2008).
Assim como outras reações emocionais, a preocupação tem dupla faceta, podendo ser
vista como positiva ou negativa (Rovella, González, Peñate, Ibáñez, 2011). Disto isto, entende-
se que de forma positiva, a preocupação melhora o desempenho nas tarefas, sendo útil para
motivar, estimular, ajudar a resolver problemas ou permitir que os perigos sejam evitados. Deste
modo, apesar de não ser muito agradável, ela é fundamental, influenciando na performance em
situações cotidianas.
Por outro lado, quando excessiva (negativa), é prejudicial à saúde, provocando uma série
de problemas (Prados, 2007), tais como o desenvolvimento de crenças rígidas, inflexíveis,
negativas e incontroláveis, que são características da ansiedade generalizada (Wells, 1994).
De acordo como o DSM-V, a preocupação patológica não está presente apenas no
Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). Ela, é encontra também em transtornos
psiquiátricos como: o Transtorno Obsessivo-compulsivo, Transtornos Psicóticos, Transtorno
Esquizoafetivos, Transtorno Bipolar, Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humor,
Transtorno Depressivo, Transtorno Depressivo Maior, Transtorno de Ansiedade, Transtorno de
Ansiedade de Separação, Mutismo Seletivo, Transtorno de Ansiedade Social (Fobia Social),
Transtorno de Pânico, entre outros (citar). Além disso, níveis patológicos de preocupação estão
associados ao neuroticismo (Barlow, Ellard, Sauer-Zavala, Bullis, & Carl, 2014) e a
intolerância à incerteza (Dugus, Buhr, & Ladouceur, 2004).
Apesar de haver um consenso quanto aos níveis de preocupação nas diferentes fases da
vida, com a suposição de que a preocupação é experimentada de forma semelhante em adultos
mais velhos e mais jovens, evidências contrarias a este argumento estão crescendo ((Davey,

561
1994). Nessa direção, Person e Borkovec (1995) descobriram preocupações distintas, onde
adultos mais velhos relataram preocupações mais frequentes sobre a saúde e os mais jovens
demonstraram preocupações com a família e finanças,
Na literatura é possível encontrar algumas medidas que se propõem a avaliar a
preocupação por diferentes perspectivas, além de considerar participantes em contextos clínicos
e não clínicos: Penn State Worry Questionnaire (PSWQ; Meyer, Miller, Metzeger, &
Borkovec, 1990); Consequences of Worry Scale (COWS; Davey, Tallis, & Capuzzo, 1996);
Worry and Anxiety Questionnaire (WAQ; Dugas, Freeston, Provencher, & Lachance, 2001);
Meta-Worry Questionnaire (QMP; Wells & Cartwright-Hatton, 2004); e finalmente a Why
Worry? questionnaire, (WWQ; Freeston, Rhéaume, Letarte, Dugas, & Ladouceur, 1994),
desenvolvida partir da experiência clínica dos autores com pacientes com TAG e indivíduos
com grandes preocupações. Originalmente, era composta por 30 item, que por meio da análise
exploratória, foram reduzidos para a 20 itens, distribuídos igualmente em dois fatores, o
primeiro refere-se a consequências positivas das preocupações, e o segundo as causas, como
uma forma de evitar consequências negativas das preocupações, (González, Bethencourt, &
Fernández, 2006).
Assim, o fator I é denominado de Estratégia de Enfrentamento, referindo-se a avaliação
de uma série de razões para se preocupar, onde a preocupação é vista como um meio que evita
ou distrai o medo. O fator II, refere-se ao Perfeccionismo Positivo, onde a preocupação tem um
papel ativo e positivo (aumenta o autocontrole, facilita a resolução de situações de conciliação,
etc.), e a pessoa acredita que pode melhorar e aprender (Rovella, & González, 2006).
Segundo Papageorgiou (2006), níveis patológicos ou crônicos de preocupação são
compreendidos como um processo cognitivo que é comum em outros distúrbios psicológicos.
Por exemplo, pessoas com a síndrome do pânico preocupam-se com consequências
catastróficas mentais de ter um ataque de pânico; fobia social, existindo uma preocupação em
está em situações embaraçosas ou humilhantes em público, ou em indivíduos com transtorno
obsessivo-compulsivo podem se preocupar com contaminação por germes.
Atualmente uma variável etiológica central e determinante para o desenvolvimento da
preocupação patológica é intolerância à incerteza (Dugus, Buhr, & Ladouceur, 2004). Pesquisas
tem sugerido que indivíduos com maiores níveis de preocupação e a ansiedade generalizada
tende a ter uma crença negativa para o que considera desconhecido, o que sugere que a
intolerância à incerteza pode levar ao desenvolvimento e manutenção da preocupação
patológica (Papageorgiou, 2006).
Sendo assim, compreender o fenômeno da preocupação pode ajudar no estabelecimento
de estratégias de intervenção. Nessa direção, pode-se citar estudos que associam a preocupação
e a ruminação, que podem ser vistas como pensamentos repetitivos negativos que estão envoltos
na etiologia e manutenção de distúrbios emocionais e são utilizados excessivamente na presença
de déficit em estratégias de regulação emocional, melhorados em função da psicoterapia
(Ietsugu et al., 2015).
A partir do previamente exposto essa pesquisa tem por objetivo adaptar para o contexto
brasileiro Why Worry? questionnaire (Freeston et al., 1994), além de verificar a sua validade
fatorial e a consistência interna (precisão) da medida.

Método
562
Participantes

Contou-se com a participação de 253 estudantes universitários oriundos de uma


instituição pública de ensino superior do município de Parnaíba, Piauí. Trata-se de uma amostra
não probabilística (por conveniência). A maioria dos estudantes eram do sexo feminino
(71,1%), solteiros (80,2%), de etnia parda (54,1 %), com idade variando de 16 a 50 anos22,69
anos (DP =5,82).

Instrumentos

Os participantes responderam a um livreto composto por duas partes. A primeira parte


continha a medida de preocupação nomeada de Why Worry?, elaborada por Freeston et al.
(1994),composta por 20 itens divididos em dois fatores: Perfeccionismo Positivo e Estratégia
Negativa de Enfrentamento. Essa medida é respondida por meio de uma escala do tipo likert
com cinco alternativas de respostas, que variam de 1 (Nada característico em mim) a 5
(Extremamente característico em mim). A segunda parte continha as perguntas de cunho
sociodemográfico: idade, sexo, etnia, estado civil, etc.

Procedimento

Inicialmente, procedeu-se a tradução da medida para o português brasileiro, por meio


de dois tradutores bilíngues, pela técnica back translation, que realizaram a tradução para o
português seguida da retradução para o inglês; todos os itens apresentaram-se coerentes e
equivalente entre as duas versões. A validade semântica foi realizada por dez estudantes
universitários do primeiro ano de psicologia de uma instituição pública de Parnaíba, como
recomenda a literatura (Pasquali, 2016). A coleta de dados ocorreu de duas maneiras: presencial
e online. Para a primeira situação, foi solicitada previamente a autorização do coordenador
pedagógico da universidade, para a aplicação dos questionários.
Após o consentimento da coordenação, os estudantes foram abordados em ambiente
coletivo de sala de aula, embora a aplicação dos instrumentos ter ocorrido coletivamente, cada
participante respondeu, de forma individual, aos questionários. A todos foi informado o caráter
voluntário e confidencial da pesquisa, respeitando-se os procedimentos éticos em pesquisa,
seguindo as Resoluções nº 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Foram
necessários 20 minutos para a participação dos voluntários.

Análise de Dados

Os dados foram analisados através do pacote estatístico SPSS, em sua versão 21.
Realizaram-se as Estatísticas Descritivas (medidas de tendência central e dispersão), o índice
Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o Teste de esfericidade de Bartlett, objetivando verificar a
adequabilidade de realizar a análise fatorial. Realizou-se a análise dos Eixos Principais, para

563
verificar a estrutura fatorial da medida. Ademais, procedeu-se a Análise paralela, sendo
calculados os índices de consistência interna (precisão, Alfa de Cronbach).

Resultados

Inicialmente, procurou-se conhecer o poder discriminativo dos 20 itens. Para tanto,


formou-se dois grupos, partindo da mediana da pontuação total dos fatores da Why Worry?
Questionnaire. Considerando as pontuações abaixo e acima da mediana, formou-se os grupos
critério inferior e superior, respectivamente. Por meio da MANOVA, verificou-se os itens que
discriminavam pessoas com pontuações próximas, para se decidir sobre a permanência destes
na medida.
Os resultados demostraram que os dois fatores da WWQ apresentam um poder
discriminativo dos itens satisfatório, com 19 itens conseguindo diferenciar a média das
pontuações, de maneira adequada (p < 0,05).
No fator Estratégia Negativa de Enfrentamento, averiguou-se que todos os quatro itens
discriminaram na direção esperada Lambda de Wilks = 0,73, F (10, 235) = 8,867; p < 0,001,
ɳ²p= 0,27], com o tamanho de efeito (ɳ²p) variando de 0,06 (itens, 02, Me preocupar com coisas
pouco importantes me distrai de outros problemas emocionais, nos quais não quero pensar;
05, Me preocupo por que estou acostumado a esperar sempre o pior; 17, Me preocupo com
muitas coisas sem importância, e assim deixo de pensar em coisas mais importantes.) a 0,18
(itens 10 e não me preocupo e o pior acontece, me sentiria culpado; 19, Mesmo que eu saiba
que não é verdade, eu sinto que me preocupar ajuda a diminuir a probabilidade de que o pior
vai acontecer.), sendo este último o item com o melhor poder discriminativo.
No fator Perfeccionismo Positivo, os dez itens demonstraram um poder discriminativo
adequado [Lambda de Wilks = 0,33, F (10, 232) = 47,081; p < 0,001, ɳ²p= 0,67]., com o tamanho
de efeito (ɳ²p) variando de 0,06 (itens 13, Me preocupo para tentar ter mais controle sobre
minha vida; 16, Quando eu me preocupo, digo a mim mesmo que sempre deve haver uma
solução para cada problema.) a 0,35 (item 18, Preocupando-me posso impedir que coisas ruins
aconteçam). Assim, tendo a qualidade métrica de 19 itens garantida, procedeu-se com os
mesmos para a realização da Analise Fatorial Exploratória (AFE), que será descrita a seguir.

Análise Fatorial Exploratória

Por meio do índice de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,85) e do Teste de Esfericidade de


Bartlett [χ² (171) = 1.218, 403; p < 0,001], comprovou-se a pertinência de se realizar uma
análise exploratória dos Eixos Principais. Primeiro, foi efetuada a análise sem fixar o número
de fatores a serem extraídos, e fixando a rotação promax,identificou-se quatro fatores com
valores próprios (autovalores) superior a 1 (Critério de Kaiser, 5,21; 1,79; 1,10 e 1,03), que
explicaram conjuntamente 36,85% da variância total.
Na figura 1, distribuição gráfica dos valores próprios (Critério de Cattell), observa-se
que dois fatores se destacaram dos demais, fato que é corroborado ao ser traçada uma linha,
evidenciando uma estrutura bifatorial. Ademais, devido às diferenças acerca do número de
fatores a serem extraídos entre os critérios de kaiser e Cattell, optou-se por um terceiro critério

564
mais robusto, conhecido como Análise Paralela. (AP; Hayton, Allen, & Scarpello, 2004).

Figura. 1. Representação Gráfica do Valores Próprios (Critério de Cattell).

Nessa direção, procedeu-se uma AP, que é tido como um procedimento adequado para
determinar o número de fatores a serem retidos ((Lorenzo-Seva, Timmerman, & Kiers, 2011).
Esse foi realizado com o objetivo de comparar os valores próprios encontrados no banco de
dados empírico, ou seja, os 253 participantes, para os 19 itens da medida, com os valores
próprios que foram gerados aleatoriamente por meio de 1.000 bancos que apresentam
características similares ao do banco empírico.
Dessa forma, quando o valor próprio observado obtiver um valor maior que o simulado,
apoia-se a existência do fator. Dito isto, observou-se que o terceiro valor gerado pela análise
paralela foi de 1,34, superior ao terceiro valor verificado na análise dos Eixos Principais, que
atingiu o valor de 1,10.
Assim, foi considerado que era mais adequado ter em conta uma estrutura constituída
por dois fatores, pois os dois primeiros valores próprios encontrados na análise fatorial
exploratória foram superiores aos evidenciados na AP, tendo em conta que a solução
representada por dois fatores foi adequada em dois critérios diferentes (Teoria e Análise
Paralela).
Dessa forma, posteriormente, procedeu-se uma nova análise exploratória, com método
de extração dos Eixos Principais, forçando a extração de dois fatores, com rotação promax,
forçando a extração de dois fatores, como teoricamente proposto (Freeston et al., 1994). Os
resultados estão sumarizados na Tabela 1.
Tabela 1.

565
Estrutura Fatorial do Why Worry? Questionnaire.
Why Worry? questionnaire Fatores
Itens F1 F2 h²
05. Me preocupo por que estou acostumado a esperar sempre o
0,72* -0,32 0,37
pior.
06. Eu me preocupo porque se o pior acontecer, eu me sentiria
0,66* 0,14 0,56
culpado por não estar preocupado.
14. Me preocupo por que se o pior acontecer não seria capaz de
0,58* -0,07 0,29
enfrenta-lo.
19. Mesmo que eu saiba que não é verdade, eu sinto que me
preocupar ajuda a diminuir a probabilidade de que o pior 0,51* 0,26 0,47
vai acontecer.
15. Preocupo-me para evitar decepções. 0,50 0,12 0,33
20. Mesmo que eu saiba que não é verdade, eu sinto que me
preocupar ajuda a diminuir a probabilidade de que o pior 0,49 0,16 0,35
vai acontecer
17. Me preocupo com muitas coisas sem importância, e assim
0,48* -0,12 0,18
deixo de pensar em coisas mais importantes.
12. Quando me preocupo, acho que a vida parece muito mais
0,48* -0,06 0,20
fácil para os outros do que para mim.
10. Se não me preocupo e o pior acontece, me sentiria culpado. 0,46* 0,26 0,42
04. Me preocupo por que estou acostumado com isso. 0,44* 0,13 0,27
08. Se eu me preocupo, posso encontrar uma maneira melhor
-0,12 0,75* 0,47
de fazer as coisas.
09. Me preocupo para tentar me proteger melhor. 0,09 0,55* 0,36
16. Quando eu me preocupo, digo a mim mesmo que sempre
-0,39 0,53* 0,20
deve haver uma solução para cada problema.
03. Se me preocupar, posso encontrar uma maneira de me
-0,11 0,51* 0,21
melhorar como pessoa.
11. Preocupo-me com o passado para aprender com os meus
0,14 0,39* 0,23
erros.
18. Preocupando-me posso impedir que coisas ruins
0,26 0,38* 0,32
aconteçam.
07. Me preocupo em tentar proteger o mundo. 0,12 0,34* 0,18
02. Me preocupar com coisas pouco importantes me distrai de
0,16 0,25 0,13
outros problemas emocionais, nos quais não quero pensar.
13. Me preocupo para tentar ter mais controle sobre minha

566
0,18 0,21 0,12
vida.
Número de itens 08 07
Valor próprio 4,57 1,09
Variância explicada % 24,03 5,76
Alfa de Cronbach 0,78 0,68
Homogeneidade 0,31 0,23
Nota: * Item retido no fator; F1= Estratégia de Enfrentamento; F2 = Perfeccionismo Positivo;
h²= Comunalidade.

Segundo se observa na Tabela 1, a estrutura fatorial corrobora a teoria que fundamenta


a medida. Dessa forma, o conjunto dos dois fatores explicou 29,79% da variância. Ademais,
foram eliminados 4 itens, por divergência teórica ao fator que foi agrupado (itens 15 e 20) ou
por um peso fatorial inferior ao estabelecida de 0,30, como sugere Pasquali (2016), sendo
eliminados os itens 02 e 13.
Ressalta-se que o item 05 apresentou carga fatorial alta em mais de um fator. Entretanto,
manteve-se o item, por apresentar maior carga fatorial no fator que mantinha correspondência
teórica, fato que é justificável pela rotação utilizada (Oblíqua/Promax), que admite a saturação
dos itens em mais de um fator, pois se supõe que os fatores se correlacionam (Damásio, 2012).
Em seguida serão descritos separadamente os resultados dos dois fatores.
Fator I. Denominado de Estratégia de Enfrentamento, que ficou composto por oito itens
(4, 5, 6, 10, 12, 14, 17 e 19), com um valor próprio de 4,57, que explicou 24,03% da variância
total. As cargas fatoriais variaram de 0,44 (Item 04, Me preocupo por que estou acostumado
com isso.) a 0,72, (Item 05, Me preocupo por que estou acostumado a esperar sempre o pior).
A confiabilidade (α) foi 0,78 e a homogeneidade, correlação média inter-itens, (ri.i)= 0,31,
variando de 0,12 (Itens 10 e 17) a 0,62 (Item 06 e 10).
Fator II. Nomeado de Perfeccionismo Positivo, que agrupou sete itens (03, 07, 08, 09,
11, 16 e 18). O valor próprio de 1,09, que explicou 5,76% da variância total. Ademais, os itens
apresentaram saturações das cargas fatoriais, variando de 0,34 (Item 07. Me preocupo em tentar
proteger o mundo.) a 0,75 (Item 08. Se eu me preocupo, posso encontrar uma maneira melhor
de fazer as coisas). Quanto à sua consistência interna, calculou-se os valores de alfa de
Cronbach (α= 0,68) e a homogeneidade, correlação média inter-itens, ri.i = 0,23, variando de
0,05 (Itens 07 e 16) a 0,44 (Itens 03 e 08).

Discussão

Essa pesquisa teve como propósito adaptar para o contexto brasileiro o Why Worry?
Questionnaire e verificar evidências de validade fatorial e precisão. Acredita-se que o objetivo
foi alcançado ao final deste estudo, pois partindo-se da AFE, verificou-se que a mesma
apresentou evidências favoráveis de validade e precisão (consistência interna). Entretanto, faz-
se necessário pontuar eventuais limitações, uma vez que não se pode dispensar a ideia de que
como qualquer outro estudo, existem limitações potenciais, que restringem a generalização

567
desses achados para outros grupos amostrais.
Assim, pode-se citar o viés dos participantes (somente estudantes universitários),
constituindo-se uma amostra específica e obtidos por conveniência (não probabilística), mas
que, em número, pode ser considerada satisfatória, ou seja, (> 200, Pasquali, 2016). No entanto,
assevera-se que não se pretendeu generalizar tais resultados, mas somente identificar se o
instrumento apresentava indícios de validade e precisão.
Outra possível limitação refere-se ao fato de não ter havido um equilíbrio amostral
quanto ao gênero dos participantes, ou ao que tange considerar amostras clínicas e não clínicas,
para verificar possíveis diferenças entre os grupos, com o intuito de uma melhor compreensão
e intervenção, frente ao fenômeno da preocupação.
Em suma, referente à validade fatorial, realizou-se uma análise exploratória dos dados
considerando os 19 itens restantes, por meio da rotação Oblímin Promax, que possibilitou
identificar uma estrutura composta por dois fatores, como teoricamente proposto e
corroborando com outros estudos (Freeston et al., 1994; González; Bethencourt, & Fernández,
2006; Rovella & González, 2006). Entretanto, ressalta-se que na presente pesquisa, tais
evidências possibilitaram propor uma medida abreviada, composta por 15 itens.
Além disso, no que tange os índices de consistência interna (precisão) e homogeneidade
da medida. Acredita-se que os achados tenham sido promissores, uma vez que a consistência
interna (Alfa de Cronbach) média do instrumento ficou situada em valores que são
recomendáveis (> 0,50 para pesquisas e 0,70 para diagnóstico; Pasquali, 2016). No que diz
respeito ao índice de homogeneidade da medida, que é verificada levando em consideração a
correlação inter-itens, o mesmo foi considerado adequado, pois apresentou valores acima de
0,20, como recomendado (Clark & Watson, 1995).
Ademais, referente aos resultados, aqui relatados e discutidos, os mesmos indicam a
necessidade de serem realizados outros estudos, que visem alcançar amostras maiores, mais
heterogêneas, quiçá, de outras regiões do Brasil. Assim, visando a possibilidade de estudos
futuros, sugere-se a utilização de estatísticas mais robustas e sofisticadas, a exemplo da análise
Fatorial Confirmatória (AFC), para testar a estrutura de 15 itens, proposta no presente estudo.
Seria igualmente interessante testar outros tipos de validade de construto (e.g. convergente e
discriminante), além de reunir indícios complementares de confiabilidade, tais como a
Confiabilidade Composta (CC), que supera a limitação do alfa, não sendo influenciado pela
quantidade de itens da medida. Ademais, deve-se ter em conta amostras da população geral,
uma vez que o estudo contou apenas com estudantes universitários.
Em suma, esses resultados demonstram adequação de uma estrutura constituída por dois
fatores do Why Worry? Questionnaire, coerente com a versão proposta originalmente.
Entretanto, ressalta-se que se apresenta em contexto brasileiro um instrumento reduzido,
composto por 15 itens, seguindo o critério da parcimônia. Tais resultados apresentados
justificam o emprego da medida em questão no contexto brasileiro, quando o propósito for
avaliar a preocupação, além de seus antecedentes e consequentes, sendo com isso de suma
importância para compreender não somente os universitários, mas também o contexto onde
estão inseridos.

Referências
Adrian Wells (1994) A multi-dimensional measure of worry: Development and preliminary

568
validation of the anxious thoughts inventory. Anxiety, Stress, & Coping An International
Journal, 6(4), 289-299. doi: 10.1080/10615809408248803
American Psychiatric Association (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders (5ª Ed.). Washington, DC: APA.
Barlow, D. H. (2002). Anxiety and its disorders: The nature and treatment of anxiety and panic
(2nd ed.). New York: Guilford Press.
Clark, L. A., & Watson, D. (1995). Constructing validity: Basic issues in objective scale
development. Psychological Assessment, 7(3), 309-319. doi: 10.1037/1040-
3590.7.3.309
Damásio, B., F. (2012). Uso da análise fatorial exploratória em Psicologia. Avaliação
Psicológica, 11(2), 213-227. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-
04712012000200007&lng=pt&tlng=pt
Davey, G. (1994). Worrying, social problem-solving abilities, and problem-solving confidence.
Behaviour Research and Therapy, 32, 327-330. doi: 10.1016/0005-7967(94)90130-9
Davey, G. C. L., Tallis, F., & Capuzzo, N. (1996). Beliefs about the consequences of worrying.
Cognitive Therapy and Research, 20(5), 499-520. doi: 10.1007/BF02227910
Dugas, M., Freeston, M., Provencher, M., Lachance, S., Ladouceur, R., & Gosselin, P. (2001).
Le questionnaire sur l’inquiétude et l’anxiété. Validation dans des échantillons non
cliniques et cliniques. Journal de thérapie comportementale et cognitive, 11(1), 31-36.
Recuperado de http://psycnet.apa.org/record/2002-02565-005
Freeston, M. H., Rhéaume, J., Letarte, H., Dugas, M. J., & Ladouceur, R. (1994). Why do
people worry? Personality and Individual Differences, 17(6), 791-802. doi:
10.1016/0191-8869(94)90048-5
González. M.; Bethencourt. A. F., & Fernández. A. (2006). Adaptación española del
cuestionario "¿Por que preocuparse?". Psicothema, 18(2), 313-318. Recuperado de
http://www.psicothema.com/psicothema.asp?id=3216
Hayton, J. C., Allen, D. G., &amp; Scarpello, V. (2004). Factor retention decisions in
exploratory factor analysis: a tutorial on parallel analysis. Organizational Research
Methods, 7(2), 191-205.
Hirsch, C. R., Mathews, A., Lequertier, B., Perman, G., & Hayes, S. (2013). Characteristics of
worry in Generalized Anxiety Disorder. Journal of Behavior Therapy and Experimental
Psychiatry, 44(4), 388-395. doi: 10.1016/j.jbtep.2013.03.004
Ietsugu T, Crane C, Hackmann A, Brennan K, Gross M, Crane R.S. (2015). Gradually getting
better: Trajectories of change in rumination and anxious worry in mindfulness- based
cognitive therapy for prevention of relapse to recurrent depression. Mindfulness, 6(5),
1088-94. doi: 10.1007/s1267
Lorenzo-Seva, U., Timmerman, M. E., &amp; Kiers, H. A. L. (2011). The Hull Method for
Selecting the Number of Common Factors. Multivariate Behavioral Research, 46(2),
340-364. doi:10.1080/00273171.2011.564527
Meyer, T.J., Miller, M.L., Metzger, R.L. y Borkovec, T.D. (1990). Development and validation

569
of the Penn State Worry Questionnaire. Behavior Research and Therapy, 28(6), 487-
495. doi: 10.1016/0005-7967(90)90135-6
Papageorgiou, C. (2006). Worry and rumination: styles of persistent negative thinking in
anxiety and depression. In G. C. L. Davey & A. Wells (Eds.), Worry and its
psychological disorders: theory, assessment and treatment. (pp. 21–40). Chichester,
England: Wiley.
Pasquali, L. (2016). TEP - Técnicas de Exame Psicológico: Os Fundamentos. 2ª ed. São Paulo,
SP: Vetor editora.
Roemer, L. y Borkovec, T. (1993). Worry: undwanted cognitive activity that controls unwanted
somatic experience. In D. Wegner y J. Pennebaker (eds.): Handbook of mental control.
Englewood Cliffs, Nueva Jersey: Prentice-Hall.
Rovella, A. T., & González, M. (2006). Datos preliminares: validación del cuestionario por qué
preocuparse. XIII Jornadas de Investigación y Segundo Encuentro de Investigadores en
Psicología del Mercosur. Facultad de Psicología - Universidad de Buenos Aires,
Buenos Aires.
Ruscio, A. M., & Borkovec, T. D. (2004). Experience and appraisal of worry among high
worriers with and without generalized anxiety disorder. Behavior Research and
Therapy, 42(12), 1469-1482. doi: 10.1016/j.brat.2003.10.007
Wells, A., & Cartwright-Hatton, S. (2004). A short form of the metacognitions questionnaire:
Properties of the MCQ-30. Behaviour Research and Therapy, 42(4), 385-396. doi:
10.1016/S0005-7967(03)00147-5
DEPENDÊNCIA DE SMARTPHONE POSSUI ALGUMA RELAÇÃO COM

570
ESTRESSE E BEM-ESTAR SUBJETIVO?

Iara Sampaio Cerqueira


Bruna de Jesus Lopes

Introdução

A evolução tecnológica ao longo dos anos possibilitou o surgimento de vários


dispositivos tecnológicos, os quais tinham como objetivo facilitar a vida das pessoas (Araújo,
2014). Segundo o mesmo autor, o telefone, criado por Alexander Graham Bel, no ano de 1876,
foi um desses avanços tecnológicos, sendo o mesmo reflexo de esforços para facilitar a
comunicação à longa distância a qual era realizada pelo telégrafo (Lima, 2017).
Contudo, com o passar dos anos esse dispositivo passou a não mais suprir as
necessidades dos seus usuários o que resultou em esforços para o desenvolvimento de um
dispositivo móvel, o qual ficou conhecido como telefone celular (Souza, 2014; Streck, 2019).
Recebeu este nome pois visava transmitir informações que cobrissem grandes células através
de torres de ondas eletromagnéticas fixadas em locais altos. O primeiro celular foi o DynaTAC
8000X, criado em 1973, apresentando dimensões expressivas, com 33 cm de altura, 4,5 cm de
largura e 8,9 cm de espessura pesava 794 g e possuía um design meio “encaixotado”.
Memorizava até 30 números, tela de LED, bateria com duração de apenas uma hora e 8 horas
em modo de espera, e sua função principal era efetuar chamadas de voz (Moura,2014).
No Brasil, essa era do celular, chegou apenas em 1990, mais especificamente na cidade
do Rio de Janeiro, quando houve a implementação de um novo sistema de alto custo que
privilegiou apenas uma parcela da população (Santos, Bastos e Gabriel, 2018). O autor pontua
ainda que esta realidade mudou apenas em 1922, quando o mercado brasileiro passou a ofertar
um número maior de dispositivos, possibilitando que mais pessoas tivessem acesso a tal
aparelho. Os avanços não pararam, e nos anos 2000 chega ao Brasil aparelhos inteligentes ou
smartphones. O primeiro dispositivo foi construído em 1997, o qual recebeu o nome de Simon
e já possuía quase todas as funções dos smartphones atuais (Araújo, 2014).
Gradualmente os smartphones tornaram-se mais modernos e inteligentes, a ponto de
facilitar a vida de seus usuários através do uso de aplicativos, como: de acesso a serviços de
instituições financeiras, instituições de educação e redes sociais (Silva & Santos, 2014; Araújo,
2017). De modo geral, o smartphone é um celular com tecnologia avançada que possui um
sistema operacional identificável de diversos aplicativos e alta capacidade de processamento
(Coutinho, 2014). Portanto, as funções de entretenimento, acesso a informação e solução de
problemas do smartphone, o tornou um aliado do cotidiano das pessoas (Daltio, Santos e Prata,
2017).
Porém, entende-se, que seu uso de forma exagerada pode causar consequências
negativas para seus usuários, por exemplo, interferência negativa nas relações interpessoais e
saúde envolvendo o bem estar subjetivo e estresse percebido. De modo geral, o uso em excesso
de smartphone pode estar articulado com a elevação do Estresse e diminuição do Bem-estar
Subjetivo, e ainda num contexto de ensino-aprendizagem, pode interferir no rendimento dos
alunos, pois interfere direta ou indiretamente no modo de ser e se identificar no mundo (D’
água, 2017). Diante disso, o objetivo geral do presente trabalho é verificar se o comportamento

571
dependente do uso do smartphone se relaciona com o estresse percebido e bem-estar subjetivo.

Objetivo
Verificar se o comportamento dependente do uso do smartphone se correlaciona com
estresse e bem-estar subjetivo.

Método

Tipo de estudo
Trata-se de um estudo correlacional, de natureza ex post facto.

Participantes
Contou-se com uma amostra não probabilística composta por 250 estudantes de ensino
superior de uma cidade do interior do Piauí. Os mesmos faziam parte do corpo discente de
instituições públicas (50%) e privadas (50%). A média de idade dos participantes foi de 23,62
anos (DP = 6,47), variando entre 18 e 60 anos; sendo a maioria do sexo feminino (54%), solteiro
(82,4) e com ensino superior incompleto (94%).

Instrumentos
Para coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos:
Escala de Dependência de Smartphone (EDS): Este instrumento foi obtido por Sales,
Silva, Lopes e Lima (2017) a partir da Escala de Uso Compulsivo da Internet (CIUS), uma
medida desenvolvida por Meerkerk et al. (2009) e adaptada para o contexto nacional por
Medeiros et al. (no prelo). A EDS é composta por 14 itens respondida em uma escala do tipo
Likert de 5 pontos, que varia de 0 a 4, sendo 0 (nunca), 1 (raramente), 2 (às vezes) 3
(frequentemente) e 4 (muito frequentemente). O índice de consistência interna da medida foi
acima do sugerido pela literatura, sendo 0,91 no primeiro estudo e 0,94 no segundo estudo que
visou confirmar a estrutura unifatorial encontrada na análise exploratória do primeiro estudo.
Escala de Estresse Percebido (Perceived Stress Scale- PSS): Este instrumento foi
elaborado por Cohen et al. (1983) e adaptada ao contexto brasileiro por Luft, Sanches, Mazo e
Andrade (2007). Essa escala possui 14 itens respondidos em uma escala que variam de zero a
quatro (0 = nunca; 1 = quase nunca; 2 = às vezes; 3 = quase sempre; 4 = sempre), apresentando
conotações positivas (Você tem tratado com sucesso dos problemas difíceis da vida?) e
negativas (Você tem ficado triste por causa de algo que aconteceu inesperadamente?). Este
instrumento apresenta fidedignidade no contexto brasileiro (α = 0,82).
Escala de Bem-Estar Subjetivo (EBES): Instrumento criado por Lawrence e Liang
(1988), Diener et al. (1985), Watson et al. (1988), e validado para o Brasil por Albuquerque e
Troccóli a partir da junção de itens retirados de escalas já existentes no exterior, além desse
processo outros itens foram elaborados e analisados em grupos de validação semântica. A EBES
é composta de 69 itens sendo a mesma seccionada em duas partes. Na primeira, os itens vão do
número 1 ao 54 e descrevem afetos positivos e negativos, devendo o sujeito responder como
tem se sentido ultimamente numa escala Likert de 5 pontos (1- nem um pouco e 5-

572
extremamente). Na segunda parte da escala, os itens vão do número 1 ao 15 e descrevem
julgamentos relativos à avaliação de satisfação ou insatisfação com a vida, devendo ser
respondidos numa escala em que 1 significa discordo plenamente e 5 concordo plenamente, o
índice de fidedignidade (alfa de Cronbach) é de 0,86.
Questionário Sociodemográfico. Este contém questões que visaram caracterizar a
amostra, a exemplo de: sexo, idade, caráter da instituição de ensino superior, estado civil,
atividade profissional, religiosidade e classe socioeconômica.

Procedimento
Primeiramente o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, após receber
aprovação (CAAE 03752818.0.0000.5214), houve o contato com os diretores das instituições
de ensino superior pública e privada, informando o objetivo da pesquisa e solicitando permissão
para a coleta de dados. Após a autorização, os questionários foram aplicados em sala de aula,
de forma coletiva, com a presença do pesquisador, contudo as respostas foram emitidas de
forma individuais. No início da aplicação foi entregue o Termo de Consentimento Livre
Esclarecido (TCLE), visando informar sobre o caráter voluntário, o sigilo das respostas, o
objetivo da pesquisa, danos, benefícios leves e, ainda, que os sujeitos poderiam desistir a
qualquer momento sem nenhum prejuízo. Foram necessários 20 minutos, em média, para
aplicação do instrumento.

Aspectos éticos
Para realização da pesquisa o projeto foi enviado para apreciação do Comitê de Ética
em Pesquisa (CEP). Os preceitos éticos contidos na Resolução 510/16 do Conselho Nacional
de saúde foram respeitados. Nela estão dispostas as diretrizes e normas regulamentadoras da
pesquisa com envolvimento de seres humanos. É importante elucidar que a coleta de dados da
pesquisa só teve início após a autorização do CEP.

Análise de dados
Para a análise de dados foi utilizado o programa estatístico SPSS-IBM na sua versão 21,
com a finalidade de realizar análises descritivas (e.g., média e desvio padrão), teste t de Student,
para comparar as pontuações de homem e mulher, e o caráter a instituições de ensino superior
quanto ao uso de smartphones, e Correlação (r de Pearson), visando conhecer o relacionamento
entre os construtos Dependência de Smartphone, Estresse e Bem-Estar Subjetivo.

Resultados

Para verificar se há relação entre dependência de smartphone com bem-estar subjetivo


e estresse percebido executou-se análises de correlação (r de Pearson). O resultado pode ser
visualizado na Tabela 1.

Tabela 1. Correlações entre dependência de smartphone, bem-estar subjetivo e estresse


percebido.
DS AP AN SAS

573
DS

AP -0,34*

AN 0,36* -0,49*

SAS -0,51* 0,58* -0,73*

EP 0,48* -0,68* 0,69* -0,64*

Nota. *p < 0,001. DS- Dependência de Smartphone/ AP- Afeto positivo/ AN- Afeto Negativo/ EP- Estresse
Percebido.

Os achados apontaram correlações significativas da dependência de smartphone com as


três dimensões do bem-estar subjetivo sendo positiva com afetos negativos e inversa com afetos
positivos e satisfação. Já com o estresse percebido percebeu-se uma correlação positiva e
significativa com o uso exagerado dos aparelhos telefônicos inteligentes.
Por fim, realizou-se test t de Student visando constatar se havia diferença de
dependência de smartphones quanto ao sexo e caráter da instituição. Os resultados revelaram
não haver diferenças significativas entre homens e mulheres [t (237) = -0,59, p = 0,55], e entre
as instituições públicas e privadas de ensino superior [t (238) = - 0,42, p = 0,67] quanto a
dependência de smartphones (ver Tabela 2).

Tabela 2. Comparação entre sexo e o caráter das IES quanto a Dependência de Smartphone.
Sexo

Mulheres Homens Estatísticas

M DP M DP t gl p

Dependência de 1,78 0,86 1,71 0,84 -0,59 237 0,55

Smartphone

IES

Pública Privada Estatísticas

M DP M DP t gl p

Dependência de 1,73 0,87 1,78 0,84 -0,42 238 0,67

Smartphone
Discussão

574
O presente estudo teve como objetivo geral verificar se o comportamento dependente
do uso do smartphone se relaciona com bem-estar subjetivo e estresse percebido, bem como,
verificar se há diferença entre pessoas do sexo masculino e feminino e entre instituições
públicas e privadas quanto à dependência de smartphone.
Os resultados através do Teste t, no que se refere à dependência de smartphone,
apontaram que não houve diferença significativa entre pessoas do sexo feminino e masculino
nem quanto ao caráter da instituição. No Brasil, de acordo com pesquisa realizada pela entidade
Interactive Advertising Bureauos, pessoas do sexo masculino tendem a utilizar mais o
smartphone que as do sexo feminino, enquanto Ferreira (2015), afirma que a tecnologia dos
smartphones afeta simbolicamente seus usuários de diferentes formas, independente do sexo de
cada um, como corrobora a pesquisa em discussão.
Em relação aos dados não apresentarem diferenciação entre instituições de ensino
superior pública e privada, é possível problematizar o acesso ao smartphone atualmente, ele se
popularizou nas diferentes classes socioeconômicas a tal ponto em que não necessariamente
será encontrada diferença significativa quanto a sua dependência (Pombeiro, Morães, &
Bertolazo, 2018).
Já em relação ao BES, a dependência de smartphone se correlacionou
significativamente com todas as dimensões, mais especificamente de forma positiva com a
dimensão dos afetos negativos da EBES e de forma negativa com a dimensão dos afetos
positivos e satisfação com a vida. Tal resultado já era esperado, uma vez que estudos apontam
que sujeitos que fazem uso excessivo de smartphone, conhecido como Nomofobia, sofrem
prejuízos semelhantes a outros tipos de dependência como dependência química, bem como,
sintomas semelhantes, entre eles: abstinência, ansiedade, irritabilidade e desconforto. (Picon et
al., 2015). Portanto, o uso em excesso do smartphone pode provocar a ausência ou diminuição
do Bem-Estar Subjetivo.
O resultado de os afetos negativos apresentarem correlação positiva com a dependência
de smartphone pode ser explicado pelo processo de uso dependente do smartphone em si, pela
sua constante verificação, bem como, pela necessidade de uso em situações de sua falta. O uso
exacerbado ou a abstinência tende a ativar os afetos negativos que compõem a escala de BES,
alguns deles são: agitado, preocupado, irritado, entediado, nervoso, triste (Cunha & Souza,
2018).
Já as dimensões positivas da EBES e a dependência de smartphone se correlacionaram
inversamente. Este resultado pode ser reflexo da compreensão dada pelos usuários a tal
dispositivo, sendo percebido como uma extensão do corpo humano, o qual permite realizar
várias ações funcionais (e.g., pagar contas, recreativas (e.g., jogar) e interativa (e.g., conversar
com seus pares por meio de aplicativos e redes sociais (Rodrigues, 2009), estas funções podem
gerar em emoções positivas como entusiasmo e empolgação (Oliveira, Ubal, & Corso, 2014).
No que diz respeito ao estresse e dependência de smartphone, os resultados apontaram
uma correlação significativamente positiva. Camelo e Angerami (2004) afirmam os sinais e
sintomas do estresse tendem a emergirem com intensidade quando os dependentes de
smartphones se encontram em situações de privação do uso (e.g., lugares e situações em que
seu uso não é permitido, furto do aparelho) e falta de internet.
Diante dos resultados apresentados é possível constatar que a amostra apresentada

575
possui uma presença significativa de Nomofobia, sendo tal posicionamento embasada
principalmente nas correlações positivas encontradas entre o fator dependência de Smartphone
com a dimensão de Afeto Negativo (EBES) e Estresse. A Nomofobia se refere ao medo e/ou
nervosismo de estar ou permanecer sem contato com o smartphone ou outras tecnologias. Tal
comportamento ativa o neurotransmissor dopamina responsável pela produção de prazer,
sensação essa vivenciada pelo usuário de smartphone ao utiliza-lo (Rosa, Monteiro, & Brisola,
2019).
Nesse sentido, a partir dessa perspectiva, Souza e Cunha (2018) apontam que o uso de
smartphone considerado normal é aquele proveitoso para o usuário e em nível
excessivo/patológico é considerado prejudicial a uma ou mais esferas da vida da pessoa. No
entanto, é válido ressaltar, que se faz necessário considerar o contexto geral do usuário e do uso
exacerbado de smartphone para evitar a rotulação de comportamentos como normal ou
patológico sem respaldo teórico/clínico.
Com base nisso, é sugerido à amostra estudada, em que predominantemente houve
valorização do uso dependente de smartphone, o acompanhamento terapêutico de profissionais
da Psicologia e/ou grupo focal nas instituições onde foram coletados os dados, direcionado para
promoção de saúde, visto os impactos biopsicosociais do uso abusivo do smartphone em suas
vidas (Souza & Cunha, 2018; Bueno & Lucena, 2016).

Conclusão

O presente trabalho se propôs investigar a dependência de smartphone em uma amostra


equitativa de estudantes de universidade pública e privada da cidade de Parnaíba com a hipótese
que a Dependência de Smartphone se correlacionaria com o Bem-Estar Subjetivo e Estresse
Percebido. Dado o exposto, pode-se afirmar que os objetivos deste trabalho foram alcançados
satisfatoriamente, ao passo em que se ressalta a importância do tema estudado com relevância
acadêmica e social.

Referências

Albuquerque, A. S., & Tróccoli, B. T. (2004). Desenvolvimento de uma escala de bem-estar


subjetivo. Psicologia: teoria e pesquisa, 20(2), 153-164. doi:
https://doi.org/10.1590/S0102-37722004000200008
Araújo, B. B. D. (2017). A utilização de ferramentas dos smartphones: um estudo com os alunos
do curso de Administração do campus da UFRN em Currais Novos. (Trabalho de
Conclusão de Curso, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Rio Grande do
Norte). Disponível em http://monografias.ufrn.br/handle/123456789/4077
Bueno, G. R., & Lucena, T. F. R. (2016). Geração cabeça-baixa: saúde e comportamento dos
jovens no uso das tecnologias móveis. Simpósio Nacional ABCiber, 9, 573-578.
Disponível em http://abciber.org.br/publicacoes/livro3/textos/geracao_cabeca-
baixa_saude_e_comportamento_dos_jovens_no_uso_das_tecnologias_moveis_glauku
s_regiani_bueno.pdf
Camelo, S. H. H., & Angerami, E. L. S. (2004). Síntomas de estrés en los trabajadores de los

576
núcleos de salud de la familia. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 12(1), 14-
21. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-11692004000100003
Cunha, M. F. (2017). Caracterização do perfil de uso de smartphones por estudantes de
graduação. (Trabalho de Conclusão de Curso).
D’água, J. R. M. B. (2017). Relação entre a dependência do smartphone, os traços de
personalidade e a satisfação na relação amorosa (Doctoral dissertation). Disponível
em http://hdl.handle.net/10400.12/6018
Daltio, E. S., dos Santos, G. F., & Prata, D. N. (2017). Reflexões sobre o uso dos smartphones
com fins educacionais nas escolas. Linkscienceplace-Interdisciplinary Scientific
Journal, 4(2). doi: http://dx.doi.org/10.17115/2358-8411/v4n2a7
De Oliveira, M. O. R., Ubal, D. D. N., & Corso, K. B. (2014). Meu smartphone, uma extensão
de mim: Self estendido e os paradoxos tecnológicos. SemeAd-Seminários em
Administração, 17. Disponível em
http://sistema.semead.com.br/17semead/resultado/trabalhosPDF/671.pdf
Lima, C. C. B. D. (2017). Aplicativos móveis de interesse público: limites e possibilidades para
a cidadania no Brasil. Disponível em https://repositorio.unb.br/handle/10482/23699
Luft, C. D. B., Sanches, S. D. O., Mazo, G. Z., & Andrade, A. (2007). Versão brasileira
da Escala de Estresse Percebido: tradução e validação para idosos. Revista de Saúde
Pública, 41, 606-615. https://doi.org/10.1590/S0034-89102007000400015
Moura, D. C. D. (2014). Meio e mensagem: usos e apropriações do smartphone nas interações
cotidianas de jovens universitários.
Picon, F., Karam, R., Breda, V., Restano, A., Silveira, A., & Spritzer, D. (2015). Precisamos
falar sobre tecnologia: caracterizando clinicamente os subtipos de dependência de
tecnologia. Revista brasileira de psicoterapia, 17(2), 44-60. Disponível em https://s3-
sa-east-1.amazonaws.com/publisher.gn1.com.br/rbp.celg.org.br/pdf/v17n2a06.pdf
Pombeiro, O. J., Morães, M. J. F., & Bertolazo, M. (2018). A influência no rendimento
acadêmico dos alunos pelo uso do celular no horário de aula. Anais do evinci
unibrasil, 3(2), 1091-1106. Disponível em
https://portaldeperiodicos.unibrasil.com.br/index.php/anaisevinci/article/view/3585/30
61
Rodrigues, G. R. (2009). Smartphones e suas tecnologias. São Paulo.
Sales, H. F. S., Silva, F. M. D. S. M., Lopes, B. J., & Lima, C., F. (2017). Adaptação da escala
de uso compulsivo de Internet para avaliar dependência de smartphone. Avances en
Psicología Latinoamericana, 36(1), 155-166.
doi: http://dx.doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.4649.
Souza, K. N. M., & da Cunha, M. R. S. (2018). Nomofobia: o vazio existencial. Disponível em
https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1166.pdf
EIXO 10

577
Neuropsicologia e Neurociência: práxis e perspectivas na
contemporaneidade

O USO DA TÉCNICA DO ELETROENCEFALOGRAMA NO ESTUDO DA


PSICOPATIA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA
Ernandes Barbosa Gomes
Pedro Lucas dos Santos
Alessandro Teixeira Rezende
Hysla Magalhães de Moura
Camilla Vieira de Figueiredo
Heloísa Bárbara Cunha Moizéis

Introdução

É possível observar uma diversidade de definições teóricas acerca do construto


personalidade, mas pode-se dizer que é consensual considerar a personalidade como o conjunto
das características mais importantes e relativamente estáveis de uma pessoa, as quais
constituem padrões de comportamento consistentes (Palma & Horta, 2016). Neste campo
destacam-se os transtornos da personalidade, dentre os quais está a psicopatia, que apesar de
ser estudada há um longo período de tempo, continua sendo objeto de interesse em todo o
mundo, sobretudo na esfera acadêmica. Os estudos sobre psicopatia despertam curiosidade
tanto da psicologia forense e psiquiatria quanto da sociedade em geral, uma vez que esse
transtorno pode estar associado a realização de comportamentos antissociais e delitivos
(Weidacker, O’Farrell, Gray, Johnston, & Snowden, 2017).
A psicopatia se apresenta desde a infância, caracterizando-se basicamente pela
motivação para realizar comportamentos antissociais, pelo estabelecimento de relações
interpessoais exploradoras (Brinkley et al., 2001), por uma alta impulsividade e busca de
emoção (Ortega-Noriega, Pérez-López, & Ostrosky-Shejet, 2015), assim como baixa empatia
(Paulhus & Williams, 2002) e ansiedade (Venables, Hall, Yancey, & Patrick, 2015). A
psicopatia consiste em um transtorno de personalidade grave, no qual é possível observar uma
relutância na inibição de comportamentos considerados reprováveis, assim como de
compreender e apresentar determinadas emoções (Vasconcellos, Salvador-Silva, Dias,
Davóglio, & Gauer, 2014). Embora seja um transtorno bastante comentado e estudado, alguns
aspectos ainda tornam evidentes a necessidade de pesquisas que possibilitem um melhor
entendimento desta temática, bem como a identificação de possíveis fatores que possam estar
relacionados a esse transtorno.
Dentre as áreas que investigam o fenômeno da psicopatia, destacam-se a psicologia

578
social, a psicologia da personalidade, a psicologia clínica, a avaliação psicológica e a
neurociência. Nessa ocasião, destacar-se-á um panorama a partir do campo da neurociência,
considerando, especificamente, o uso da técnica neuronal de eletroencefalograma (EEG) no
estudo da psicopatia. Investigar a psicopatia e seus correlatos neurais no âmbito das
neurociências se faz importante porque a psicopatia apresenta especificidades sociais e
neurobiológicas, apresentando anormalidades funcionais e estruturais no cérebro, a exemplo de
uma reduzida massa cinzenta na região frontal e temporal, como também danos no córtex pré-
frontal (Almela, Alcaraz-Mármol, & Cantos, 2015). É possível encontrar na literatura estudos
e revisões sistemáticas envolvendo personalidade psicopática na idade adulta e o uso da
ressonância magnética, a qual consiste em uma técnica de neuroimagem utilizada para medir
as atividades do cérebro (e.g., Seara-Cardoso & Viding, 2015). No presente estudo, nós
pretendemos realizar uma revisão da literatura considerando o uso de uma outra técnica, o
eletroencefalograma (EEG).
O EEG se constitui de uma maneira de estudar o cérebro, de modo que a atividade
elétrica cortical é gravada em eletrodos dispostos no couro cabeludo (Ortega et al., 2015). Ele
é utilizado para monitorização das atividades cerebrais, de maneira que o paciente permanece
acordado, mas em estado de repouso. Trata-se de uma metodologia ideal tendo em conta o seu
baixo custo, o fato de não se constituir como uma técnica invasiva, além de ser um recurso
aceitável pela maioria dos pacientes e que pode ser encontrado em qualquer país (Ianof et al.,
2017). A interpretação clínica do EEG baseia-se na interpretação de paroxismos e na avaliação
da atividade de fundo, a qual abrange os ritmos dominantes do couro cabeludo, amplitude,
frequência, topografia e morfologia do cérebro (Luccas, Bártolo, Silva, & Cavenaghi, 2016).
Alguns estudos tem demonstrado a utilização do EEG em uma variedade de condições clínicas,
tais como com pacientes com Alzheimer (Ianof et al., 2017), epilepsia (Leach, Stephen, Salveta,
& Brodie, 2006), autismo (Murias, Webb, Greenson, & Dawson, 2007), dentre outras.
Considerando o panorama acima delineado, o presente estudo objetivou apresentar uma revisão
sistemática da literatura acerca da caracterização neuronal e derivantes do transtorno da
psicopatia com base na técnica do EEG.

Método

Para a revisão da literatura, realizou-se uma busca nas seguintes bases de dados:
SciELO, PePSIC, Springer, PsycInfo e PubMed. Considerou-se os termos
“eletroencefalography” OR “EEG” e “psychopathy” OR “psicopatia” com a finalidade de
identificar o maior número possível de publicações acerca do referido fenômeno. Em todos os
casos, utilizou-se o operador boleano AND. Ademais, os critérios de inclusão foram baseados
em quatro pontos: (1) consistir em um artigo científico, (2) consistir em artigo de natureza
empírica, (3) ter sido publicado nos últimos cinco anos, (4) estar escrito em língua portuguesa,
inglesa ou espanhola, (5) utilizar a técnica de eletroencefalograma (EEG), (6) ter como objeto
de estudo a psicopatia e (7) estar completo e disponível gratuitamente.
Finalizada a etapa de buscas em todas as bases de dados, foram encontrados 576
registros cujos títulos, resumos e texto completo foram analisados individualmente. Em um
primeiro momento, foram excluídos aqueles materiais que não faziam qualquer referência (i.e.,

579
no título e/ou resumo) ao construto da psicopatia ou eram estudos de revisão bibliográfica. Em
um segundo momento, excluíram-se os artigos que abordavam apenas o Transtorno de
Personalidade Antissocial (TPA). Por fim, foram desconsiderados artigos científicos que não
haviam aplicado o EEG em alguma das etapas de investigações dos estudos. Dessa forma, a
busca resultou na seleção de 13 artigos que atenderam aos critérios de inclusão. O diagrama de
sistematização da revisão é apresentado na Figura 1.

Figura 1. Diagrama da Sistematização da Revisão.

Resultados e Discussão
Considerou-se os seguintes componentes dos artigos selecionados: objetivos,
instrumentos utilizados, variáveis correlatas, método (i.e., amostra, características e
informações fornecidas acerca do EEG) e principais resultados. Tais componentes são
sinteticamente apresentados na Tabela 1.

Tabela 1.
Estudos sobre psicopatia analisados que envolvem o EEG (N = 13).
Autores Instrumento(s Variáveis Método/ Principais
Objetivo(s) EEG
(ano) ) relacionadas amostra resultados

Os componentes
Psychopathy Eletrodo: da psicopatia
checklist – Investigar a N = 139 exercem
Venables revised relação entre Processos sujeitos Ag-AgCl
importante papel
et al. psicopativa e neurofisiológic
Sexo = Extração/dado na manifestação
(2015) (Hare, 2003) respostas os
masculino s: de -1,000 a de
eletrocorticais.
2,000 ms comportamentos
externalizantes.
Impedância:

580
< 10 kΩ

Examinar as Número de Níveis mais


Levenson respostas canais: 64 elevados de
Decety neurodinâmicas N = 39 psicopatia estão
Self-Report
espaciotemporai sujeitos Extração/dado inversamente
et al. Psychopathy Preocupação
s (contextos: s: de 800 a associados ao
(2015) Scale empática/afeto Sexo =
compartilhament 3,000 ms compartilhament
masculino e
(Levenson et o afetivo e o afetivo e
feminino Impedância:
al., 1995) preocupação preocupação
empática). < 10 kΩ empática.

Psicopatas do
Psychopathy N = 121 sexo feminino
Avaliar a relação Número de
checklist – sujeitos possuem
Maurer entre a canais: 64
revised Cognição/ encarcerado padrões
psicopatia e
et al. processamento s Extração/dado semelhantes de
erros em tarefas
(2015) (Hare, 2003) de informações s: de 1000 a processamento
de natureza Sexo =
2,000 ms de erros a
cognitiva. feminino amostras
masculinas.

Eletrodo:
Indivíduos com
Psychopathy Avaliar a relação N = 117 psicopatia
Ag-AgCl
checklist – entre psicopatia sujeitos apresentam
Hamilton revised Atenção/ encarcerado Extração/dado
e anormalidades anormalidades
et al. processamento s s: de 500 a
atencionais no nos estágios
(2015) (Hare, 2003) de informações 1200 ms
processamento Sexo = iniciais do
de informações. Impedância: processamento
masculino
de informações.
< 10 kΩ

Verificar Eletrodo: Existe uma


relações entre a correlação
baixa excitação Não consta genética
Child N = 900
de ondas alfas e pequena, mas
Niv Behavior gêmeos Extração/dado
o significativa,
Checklist s:
et al. comportamento Hereditariedade Sexo = entre o poder
(CBCL)
(2015) antissocial masculino e Não consta alfa frontal na
(Achenbach,
agressivo e não feminino infância e o
1991)
agressivo em Impedância: comportamento
crianças e agressivo na
adolescentes. < 10 kΩ adolescência.

Eletrodo: Indivíduos com


altos níveis de
Ag-AgCl psicopatia
Avaliar
apresentam
diferencas em Número de
Psychopathy N = 93 déficits de
Steele processamento canais: 64
checklist – de informações
Cognição/ sujeitos processamento
et al. revised processamento Extração/dado de informação
entre sujeitos Sexo =
(2016) de informações s: 1000 a 2,000 quando
(Hare, 2003) com níveis alto e masculino
ms comparados com
baixo de
aqueles com
psicopatia.
Impedância: escores mais
baixos no
10 kΩ construto.
Eletrodo:

581
Examinar se os Ag-AgCl Não observou-se
escores de N = 142 correlação
Psychopathy
psicopatia dos adolescente Número de significativa
checklist:
Maurer adolescentes Cognição/ s canais: 64 entre amplitude
Youth
estão associados processamento encarcerado de
et al. Version Extração/
à redução da de informações s processamento
(2016) dados: de 1000
(Forth et al., amplitude de posterior e
Sexo = a 2,000 ms
2003) processamento escores de
masculino
posterior. Impedância: psicopatia.

< 10 kΩ

Social Diferentes tipos


Eletrodo:
Responsivene de alterações no
ss Scale – Comparar traços Não consta processamento
Adult Version autistas versus N = 31 de feedback
Leno (SRS-A; sujeitos Extração/
psicopáticos na Autismo/ podem estar
Austin, 2005); dados:
et al. resposta neural processamento Sexo = subjacentes a
Self-Report informações
(2016) ao feedback de informações masculino e dificuldades
Psychopathy imprecisas
social e não feminino semelhantes no
Scale-Short social. comportamento
Impedância:
Form social do TEA e
< 40 kΩ da psicopatia.
(SRP-4-SF)

Os resultados
Eletrodo: indicaram
diferenças
Avaliar N = 99 Ag-AgCl relacionadas à
Psychopathy alterações sujeitos
Tillem psicopatia na
checklist – neurais no Cognição/ encarcerado Extração/
resposta teta, um
et al. revised processamento processamento s dados: de
índice de
(2016) com base nas de informações
(Hare, 2003) Sexo = -500 a 1000 ms prontidão para
demandas
masculino perceber e
perceptivas.
Impedância: < integrar
10 kΩ informações
sensoriais.

O
Investigar a Eletrodo: processamento e
empatia e a a resposta da dor
Self-Report sensibilidade da N = 60 Ag-AgCl em si mesmo e
van Heck Psychopathy dor, medindo os Atenção/ sujeitos no outro é
et al. Short Form Extração/
potenciais processamento Sexo = dados: de 1500 modulado pelo
(SRP-SF) relacionados a de informações contexto social,
(2017) masculino e ms
(Hare, 1985) eventos (ERPs) feminino pelos traços de
extraídos do Impedância: < atenção e traços
EEG. 20 kΩ de
personalidade.

Eletrodo: A psicopatia está


N = 70 associada a
Investigar a Ag-AgCl alterações na
Psychopathy sujeitos
Krusemar checklist – relação entre Atenção/ encarcerado Extração/ atenção seletiva
k et al. revised atenção seletiva processamento s dados: de 1500 durante os
(2018) e índices de de informações ms estágios iniciais
(Hare, 2003) psicopatia. Sexo = do
masculino Impedância: < processamento
10 kΩ de informação.
Eletrodo:

582
Avaliar a
Psychopathy Ag-AgCl Diferenças
estrutura de
checklist – N = 39 significativas
Ramos personalidade e
revised Cognição/ sujeitos Extração/ nos níveis de
a predisposição
et al. processamento dados: de 1000 psicopatia entre
ao Sexo =
(2018) (Hare, 2003) de informações a 2,000 ms o grupo de ex
comportamento masculino combatentes e o
violento em ex Impedância: grupo controle.
combatentes.
10 kΩ

Comparar A falta de
características Número de empatia em
TriPM
de falta de canais: 64 adultos está
(Drislane et al., N = 288
empatia em associada a
Brislin 2014); Preocupação sujeitos Extração/
crianças e déficits
MPQBF empática/ dados: de 1000
et al. adolescentes Sexo = comportamentai
(Patrick, processamento a 2,000 ms
(2019) com as masculino e s e fisiológicos
2002); ESI de Informações
características feminino Impedância: no
(Krueger et al.,
de falta de processamento
2007)
empatia em Não consta de rostos com
adultos. medo.

Em relação ao idioma de escrita dos artigos, não foi encontrado nenhum artigo escrito
em português, apenas um escrito em espanhol e todos os demais redigidos em língua inglesa.
Inicialmente, considerando o recorte cronológico adotado na presente ocasião (cinco últimos
anos), identificaram-se estudos que abrangeram todo esse período, fato que denota o interesse
crescente por partes dos pesquisadores frente à referida temática. Ademais, quanto às
características da utilização do EEG, observou-se o emprego predominante de eletrodos do tipo
Ag-AgCl (N = 08), com variadas faixas de tempo quanto à extração dos dados analisados.
Quanto ao sinal de impedância, a maior encontrada foi a de < 40 kΩ (Leno et al., 2016), tendo
a maioria dos estudos (N = 09) adotado a impedância < 10 kΩ.
Quantos aos instrumentos empregados, o Psychopathy checklist – revised (Hare, 2003)
foi utilizado na maior parte dos estudos analisados (N = 09), uma vez que consiste no principal
instrumento para mensurar a psicopatia em amostras de sujeitos compostas por infratores. De
igual modo, outras quatro escalas que dimensionam tal construto foram encontradas, tais como
o Levenson Self-Report Psychopathy Scale (Levenson, Kiehl, & Fitzpatrick, 1995) (N = 1),
Child Behavior Checklist (CBCL) (Achenbach, 1991) (N = 1), Social Responsiveness Scale –
Adult Version (SRS-A) (Austin, 2005) (N = 1) e o Triarchic Psychopathy Measure (TriPM)
(Drislane, Patrick, & Arsal, 2014) (N = 1), empregadas principalmente para amostras não-
clínicas. Tal cenário indica certa tendência de investigação do construto da psicopatia em
amostras não-clínicas.
No que tange à composição dos participantes dos estudos analisados, sete estudos
apresentaram amostra exclusivamente masculina (i.e., Hamilton, Baskin-Sommers, &
Newman, 2015; Krusemark, Kiehl, & Newman, 2018; Maurer et al., 2016; Ramos et al., 2018;
Steele, Maurer, Bernat, Calhoun, & Kiehl, 2016; Tillem et al., 2016; Venables et al., 2015),
cinco estudos foram compostos por amostras mistas (i.e., Brislin et al., 2019; Decety, Lewis, &
Cowell, 2015; Leno et al., 2016; Niv et al., 2015; van Heck et al., 2017) e apenas um estudo
trouxe uma amostra exclusivamente feminina (i.e., Maurer et al., 2015). A grande
predominância de estudos com amostras masculinas é parcialmente explicada em razão da
maior prevalência do transtorno em homens. Outro fator que pode contribuir para esse cenário

583
são os estereótipos em torno dos papéis de gênero, bem como as explicações evolucionistas
(e.g., traços agressivos são evolutivamente mais presentes nos homens do que nas mulheres)
(Patrick, 2010; Verona & Vitale, 2006). Dessa forma, deve-se ter em conta uma possível
subnotificação de casos de psicopatia em pessoas do sexo feminino e estimar esforços na
avaliação de tal amostra (Dolan & Völlm, 2009).
No que se refere à idade, constatou-se a presença de três estudos com menores de 18
anos, sendo dois com amostras não-clínicas (i.e., Brislin et al., 2019; Niv et al., 2015) e um com
amostras de adolescentes em conflito com a lei (i.e., Maurer et al., 2016). Esse fato demonstra
que a psicopatia também vem sendo estudada com fins preventivos, tendo em vista que o
transtorno de conduta que se manifesta no final da infância e início da adolescência costuma
ser um preditivo do transtorno de personalidade antissocial, quando o adolescente alcança a
fase adulta (Niv et al., 2015).
Já em relação aos objetivos, identifica-se forte similaridade entre os estudos analisados,
tendo em vista a forma de mapeamento cerebral empregadea, o procedimento do EEG.
Majoritariamente, os estudos analisados voltaram-se a análises de processamentos envolvendo
atenção e elementos de emoção (N = 3 e 2, respectivamente), tendo a maioria dos estudos dado
ênfase ao processamento de informações (N = 10). Não obstante, tais ênfases de estudos
constituem heranças de hipóteses já levantadas e testadas em décadas passadas que,
essencialmente, postulavam padrões de déficits cognitivos e afetivos em psicopatas frente a
estímulos aversivos (Patrick, Bradley, & Lang, 1993), assim como a identificação de expressões
faciais (Kosson, Suchy, Mayer, & Libby, 2002). Sobre esse último objeto, identificou-se um
estudo realizado por pesquisadores brasileiros (Vasconcellos et al., 2014) que, no entanto, não
cumpria os critérios de inclusão para a presente revisão. Ainda ressalta-se que dois estudos
trataram da identificação de sofisticados processos neurofisiológicos relacionados ao controle
da impulsividade em psicopatas (Newman, 1987), o que já foi apontado há algum tempo na
literatura e é passível de ser caracterizado em razão dos avanços das técnicas de neuroimagem.
Quanto aos resultados analisados nos artigos, considerou-se aqueles que, de algum
modo, trazem evidências empíricas importantes sobre a psicopatia, possibilitadas a partir de
dados passíveis de serem acessados via EEG. Observaram-se estudos voltados especificamente
ao impacto do processamento de informação nesse construto. Dentro do campo da psicologia
cognitiva, o processamento da informação é uma abordagem que tem como objetivo entender
como as pessoas solucionam tarefas mentais através das funções neuropsicológicas (e.g.,
atenção, memória, percepção) (Weaver & Shannon, 1963). Concretamente, confirmaram-se
que indivíduos com altos níveis de psicopatia apresentam déficits de processamento de
informação (Hamilton et al., 2015; Krusemark et al., 2018; Leno et al., 2016; Steele et al., 2016;
Tillem et al., 2016). Ratificou-se que o nível de psicopatia dos indivíduos impacta
equitativamente em déficits específicos de processamento de informação (Steele et al., 2016).
Tal fato indica que os estudos no campo das neurociências têm investigado a hipótese
dimensional da psicopatia, isto é, a concepção de que tal construto é um continuum ao longo do
qual todos os indivíduos podem ser classificados (Guay, Ruscio, Knight, & Hare, 2007).
Destaca-se, ainda, achados como o de Niv et al. (2015) que se utilizou de 900 gêmeos
para averiguar aspectos genéticos entre o poder alfa frontal na infância e o comportamento
agressivo na adolescência, o estudo de Maurer et al. (2015) que observou que psicopatas do
sexo feminino e masculino possuem padrões semelhantes de processamento de erros, o estudo

584
de Leno et al. (2016) que identificou que diferentes tipos de alterações no processamento de
feedback podem estar subjacentes a dificuldades semelhantes no comportamento social do TEA
e da psicopatia, e o estudo de Ramos et al. (2018), único estudo escrito em língua espanhola,
que encontrou diferenças significativas nos níveis de psicopatia entre o grupo de ex
combatentes do conflito armado na Colômbia e um grupo controle. Tais estudos merecem
destaque porque trouxeram achados inovadores para o estudo da psicopatia com o uso da
ferramenta do EEG.

Conclusão

De maneira geral, esta revisão sistemática teve como objetivo avaliar o uso da técnica
do EEG em estudos de psicopatia. Não foi surpresa notar que não foram encontrados artigos
escritos em português, apenas um escrito em espanhol e os demais escritos em língua inglesa.
Soma-se a isso o fato de que só foi encontrado um artigo na base de dados SciELO e os demais
nos periódicos científicos de âmbito internacional (i.e., Springer, PsycInfo e PubMed),
revelando uma maior interface entre construtos de cunho social e as neurociências em contexto
internacional. Observa-se que no contexto brasileiro há uma incipiência de estudos embasados
na articulação de processos sociais e neurobiológicos, fomentando de tal forma a necessidade
de pesquisas na área da neurociência social. A esse respeito, por exemplo, poder-se-ia levar a
cabo estudos sobre psicopatia e EEG em amostras brasileiras, clínicas e não-clínicas, fazendo
uso de medidas de autorrelato, bem como de medidas implícitas.
Cabe salientar que foram considerados apenas artigos dos últimos cinco anos,
priorizando-se a literatura recente acerca da temática. Não obstante, objetivando elaborar um
panorama mais amplo da literatura da área, poder-se-ia considerar todos os artigos já
publicados, incluindo-se artigos, teses e livros em variadas línguas. Para além disso, é possível
que os descritores utilizados não abranjam alguns trabalhos. Alguns estudos no campo da
psicopatia podem ter versado sobre o tema sem necessariamente mencionar as palavras
utilizadas na busca e, nesse caso, não terem sido identificados no presente empreendimento.
Não obstante, entende-se que estas limitações não diminuem a relevância do estudo. Ao
identificar o foco que estudos da psicologia têm adotado para investigar a psicopatia, espera-se
que essa revisão seja uma contribuição para aqueles que estão planejando o desenvolvimento
de novas pesquisas nesta área.

Referências
Achenbach, T. M. (1991). Child behavior checklist for ages 4-18. TM Achenbach.
Almela, Á., Alcaraz-Mármol, G., & Cantos, P. (2015). Analysing deception in a psychopath’s
speech: A quantitative approach. DELTA: Documentação de Estudos em Linguística
Teórica e Aplicada, 31(2), 559-572.
Austin, E. J. (2005). Personality correlates of the broader autism phenotype as assessed by the
autism spectrum quotient (AQ). Personality and Individual Differences, 38(2), 451-460.
Brinkley, C. A., Schmitt, W. A., Smith, S. S., & Newman, J. P. (2001). Construct validation of

585
a self-report psychopathy scale: does Levenson’s self-report psychopathy scale measure
the same constructs as Hare’s psychopathy checklist-revised?. Personality and Individual
Differences, 31(7), 1021-1038.
Brislin, S. J., Yancey, J. R., Perkins, E. R., Palumbo, I. M., Drislane, L. E., Salekin, R. T., ... &
Patrick, C. J. (2018). Callousness and affective face processing in adults: Behavioral and
brain-potential indicators. Personality Disorders: Theory, Research, and
Treatment, 9(2), 122.
Decety, J., Lewis, K. L., & Cowell, J. M. (2015). Specific electrophysiological components
disentangle affective sharing and empathic concern in psychopathy. Journal of
Neurophysiology, 114(1), 493-504.
Dolan, M., & Völlm, B. (2009). Antisocial personality disorder and psychopathy in women: A
literature review on the reliability and validity of assessment instruments. International
Journal of Law and Psychiatry, 32(1), 2-9.
Drislane, L. E., Patrick, C. J., & Arsal, G. (2014). Clarifying the content coverage of differing
psychopathy inventories through reference to the Triarchic Psychopathy
Measure. Psychological assessment, 26(2), 350.
Guay, J. P., Ruscio, J., Knight, R. A., & Hare, R. D. (2007). A taxometric analysis of the latent
structure of psychopathy: Evidence for dimensionality. Journal of Abnormal
Psychology, 116(4), 701.
Hamilton, R. K. B., Baskin-Sommers, A. R., & Newman, J. P. (2014). Relation of frontal N100
to psychopathy-related differences in selective attention. Biological Psychology, 103,
107-116.
Hare, R. D. (2003). The Hare Psychopathy Checklist-Revised. 2 ed. Multi-Health Syst. Toronto,
Canadá.
Ianof, J. N., Fraga, F. J., Ferreira, L. A., Ramos, R. T., Demario, J. L. C., Baratho, R., ... &
Anghinah, R. (2017). Comparative analysis of the electroencephalogram in patients with
Alzheimer's disease, diffuse axonal injury patients and healthy controls using LORETA
analysis. Dementia & Neuropsychologia, 11(2), 176-185.
Kosson, D. S., Suchy, Y., Mayer, A. R., & Libby, J. (2002). Facial affect recognition in criminal
psychopaths. Emotion, 2(4), 398.
Krusemark, E. A., Kiehl, K. A., & Newman, J. P. (2016). Endogenous attention modulates early
selective attention in psychopathy: An ERP investigation. Cognitive, affective, &
behavioral neuroscience, 16(5), 779-788.
Leach, J. P., Stephen, L. J., Salveta, C., & Brodie, M. J. (2006). Which electroencephalography
(EEG) for epilepsy? The relative usefulness of different EEG protocols in patients with
possible epilepsy. Journal of Neurology, Neurosurgery & Psychiatry, 77(9), 1040-1042.
Leno, V. C., Naples, A., Cox, A., Rutherford, H., & McPartland, J. C. (2016). Common and
distinct modulation of electrophysiological indices of feedback processing by autistic and
psychopathic traits. Social neuroscience, 11(4), 455-466.
Levenson, M. R., Kiehl, K. A., & Fitzpatrick, C. M. (1995). Assessing psychopathic attributes

586
in a noninstitutionalized population. Journal of Personality and Social
Psychology, 68(1), 151-158.
Luccas, F. J. C., Bártolo, T., Silva, N. L. D., & Cavenaghi, B. (2016). Clinical
electroencephalogram (EEG) evaluation is improved by the amplitude asymmetry
index. Arquivos de Neuro-psiquiatria, 74(7), 536-543.
Maurer, J. M., Steele, V. R., Cope, L. M., Vincent, G. M., Stephen, J. M., Calhoun, V. D., &
Kiehl, K. A. (2016). Dysfunctional error-related processing in incarcerated youth with
elevated psychopathic traits. Developmental cognitive neuroscience, 19, 70-77.
Maurer, J. M., Steele, V. R., Edwards, B. G., Bernat, E. M., Calhoun, V. D., & Kiehl, K. A.
(2015). Dysfunctional error-related processing in female psychopathy. Social cognitive
and affective neuroscience, 11(7), 1059-1068.
Murias, M., Webb, S. J., Greenson, J., & Dawson, G. (2007). Resting state cortical connectivity
reflected in EEG coherence in individuals with autism. Biological psychiatry, 62(3), 270-
273.
Newman, J. P. (1987). Reaction to punishment in extraverts and psychopaths: Implications for
the impulsive behavior of disinhibited individuals. Journal of Research in
Personality, 21(4), 464-480.
Niv, S., Ashrafulla, S., Tuvblad, C., Joshi, A., Raine, A., Leahy, R., & Baker, L. A. (2015).
Childhood EEG frontal alpha power as a predictor of adolescent antisocial behavior: A
twin heritability study. Biological psychology, 105, 72-76.
Ortega-Noriega, O., Pérez-López, M. L., & Ostrosky-Shejet, F. (2015). Quantitative
Electroencephalogram and psychopathy. A case study report. Revista Médica del
Hospital General del México, 78(1), 43-46.
Palma, B. H., & Horta, E. (2016). Aportes sobre el correlato neuroanatómico de la
personalidad. Revista Chilena de Neuro-psiquiatría, 54(3), 215-227.
Patrick, C. J. (2010). Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia. In W. O’Donohue,
K. A. Fowler, & S. O. Lilienfeld (Eds.), Transtornos de personalidade: Em direção ao
DSM-V, (pp. 415-436), São Paulo, Roca.
Patrick, C. J., Bradley, M. M., & Lang, P. J. (1993). Emotion in the criminal psychopath: startle
reflex modulation. Journal of Abnormal Psychology, 102(1), 82.
Paulhus, D. L., & Williams, K. M. (2002). The dark triad of personality: Narcissism,
Machiavellianism, and psychopathy. Journal of Research in Personality, 36(6), 556-563.
Ramos, C., Duque-Grajales, J., Rendón, J., Montoya-Betancur, A., Baena, A., Pineda, D., &
Tobón, C. (2018). Cambios en el EEG en reposo de exparticipantes en el conflicto armado
colombiano con trastorno de personalidad antisocial. Revista Colombiana de
Psiquiatría, 47(2), 90-97.
Seara‐Cardoso, A., & Viding, E. (2015). Functional neuroscience of psychopathic personality
in adults. Journal of Personality, 83(6), 723-737.
Steele, V. R., Maurer, J. M., Bernat, E. M., Calhoun, V. D., & Kiehl, K. A. (2016). Error-related

587
processing in adult males with elevated psychopathic traits. Personality Disorders:
Theory, Research, and Treatment, 7(1), 80.
Tillem, S., Ryan, J., Wu, J., Crowley, M. J., Mayes, L. C., & Baskin-Sommers, A. (2016). Theta
phase coherence in affective picture processing reveals dysfunctional sensory integration
in psychopathic offenders. Biological psychology, 119, 42-45.
van Heck, C. H., Driessen, J., Amato, M., van den Berg, M. N., Bhandari, P., Bilbao-Broch, L.,
... & Schöchl, C. (2017). Pain Processing in a Social Context and the Link with
Psychopathic Personality Traits – An Event-Related Potential Study. Frontiers in
behavioral neuroscience, 11, 180.
Vasconcellos, S. J. L., Salvador-Silva, R., Dias, A. C., Davóglio, T. R., & Gauer, G. (2014).
Psicopatia e reconhecimento de expressões faciais de emoções: uma revisão
sistemática. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 30(2), 125-134.
Venables, N. C., Hall, J. R., Yancey, J. R., & Patrick, C. J. (2015). Factors of psychopathy and
electrocortical response to emotional pictures: Further evidence for a two-process
theory. Journal of Abnormal Psychology, 124(2), 319.
Verona, E., & Vitale, J. E. (2006). Psychopathy in women: Assessment, manifestations, and
etiology. In C. J. Patrick (Ed.), Handbook of psychopathy (pp. 415-436), New York, The
Guilford Press.
Weaver, W., & Shannon, C. E. (1963). The Mathematical Theory of Communication. Urbana,
IL, University of Illinois Press.
Weidacker, K., O’Farrell, K. R., Gray, N. S., Johnston, S. J., & Snowden, R. J. (2017).
Psychopathy and impulsivity: The relationship of the triarchic model of psychopathy to
different forms of impulsivity in offenders and community participants. Personality and
Individual Differences, 114, 134-139.
NÍVEIS DE ANSIEDADE EM ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS DA ÁREA DA

588
SAÚDE: UMA REVISÃO DA LITERATURA
Ana Beatriz Damasceno Alves,
Aline Martins Diolindo Meneses,
Andressa Fabianny de Sousa Araújo,
Regina Lúcia dos Reis e Silva,
Iarlla Dias Rodrigues

Introdução

A ansiedade configura-se como uma emoção própria da existência humana, conceituada


como uma reação orgânica e de fundamental importância para a autopreservação, ainda que
originando sensações de aflição e alterações físicas embaraçosas (Alves, 2015 & Claudino,
2016). Como uma resposta natural, a ansiedade possui potencial para gerar medo, apreensão,
dúvida ou espera, trazendo sofrimento e prejuízo a vida social, profissional e acadêmica do
indivíduo ao causar dores no peito, fadiga, palpitações e distúrbios do sono (Karino e Laros,
2014 e Shamsuddin et al., 2013).
Ansiedade define-se como um estado de humor icômodo que acarreta manifestações
somáticas e fisiológicas em que existe uma quadro apreensivo negativo no que tange o futuro,
uma inquietação interna impertinente; destingue-se da angústia por relacionar-se ao passado e
do medo que concerne a um objeto mais ou menos exato e presente (Dalgalarrondo, 2018).
A cassificação sistemática dos transtornos de ansiedade surgem na literatura com
Sigmundo Freud, através dos estudos dos sintomas de crise aguda de angustia, neurose e
expectativa ansiosa, porém as primeiras descrições de ansiedade de modo a configurar-se uma
disfunção ocorreram por volta do século XIX, definindo-as como crises de cunho emocional e
reações fisiológicas (Vianna, Campos & Landreira, 2010 & Landreira & Cruz, 2007).
Transtornos de ansiedade possuem uma espantosa interação entre fatores genéticos e
ambientais. Há poucas dúvidas de que genes anômalos predeterminam estados de ansiedade
patológica; porém existem indícios com claras indicações que acontecimentos traumáticos
durante a vida e estresse possuem uma importância etiológica. Desse modo, a pesquisa a cerca
desse transtorno mostra-se como uma oportunidade para entender a relação entre criação e
natureza para os fundamentos dos transtornos mentais (Ruiz & Sadok, 2017).
São transtornos emocionais iniciados especificamente na fase da infância, sendo
decorrentes de disfunção cerebral, lesão ou doença física. A simples perspectiva de entrar de
entrar em uma situação considerada como fóbica provoca ansiedade antecipatória (Organização
mundia de saúde- OMS, 1997) Os quadros ansiosos, geralmente encontram-se associados à
expressão facial preocupada, tensa ou amedrontada e tensão muscular, com ênfase nos
músculos cervicais e da face (Dagalarrondo, 2018).
Os principais sintomas podem estar focados em sintomas individuais, tais como

589
palpitações, sudorese nas mão, rubor facial, tontura, sensação de desmaio, frequentemente
relacionado a medos secundários: medo da morte, perda do controle ou enloquecimento, não
tornando-se aliviada pelo entendimento de que as demais pessoas não classificam a situação em
questão como ameaçadora, entre outros, sendo a própria ansiedade um sintoma constantemente
exibido nos inumeráveis transtornos mentais descritos no atual Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) (OMS, 1997 e Greenberguer & Padesky, 2016).
O problema não está em experienciar a ansiedade, pois ela conforme as demais
emoções, ajuda ao indivíduo a pensar em suas necessidades, frustações e direitos, levando-o a
fugir de situações consideradas custosas, a entender a insatisfeitos e a realizar mudanças. Mas
para que haja a tipificação do papel de cada emoção, especialmente o da ansiedade, é necessário
ser capacitado para reconhecê-las, aceitá-las e usá-las sempre que possível, além de saber como
manter as atividades diárias com elas (Leahy, Tirch & Napolitano 2013).
A saúde mental dos estudantes universitário tornou-se objeto de preocupação nos
últimos anos, sendo uma amostra populacional em que a ansiedade é investigada e
correlacionada ao contexto experienciado, apontando para a associação de sintomas como
cefaléia, insônia, dor muscular, sudorese, taquardia, irritabilidade, tontura, angústia e
formigamento (Moura et al.,2018 & Iunes et al., 2017 & Vale, 2019). Há uma associação
universalmente conhecida sobre ser estudante da área da saúde e estar em situação de estresse
crônico (Serra et al., 2015).
Discentes universitários encaram não apenas desafios relacionados à vida pessoal, mas
também desafios acadêmicos. Desse modo predispõe-se à depressão, ansiedade e estresse, que
são bastante comuns (Shamsuddin et al., 2013). Em crises geradas pela transição de um período
de desenvolvimento para o seguinte, alguns indivíduos podem experienciar mais ansiedade do
que outros durante o momento de elaborar estratégias que viabilizem a superação desse período
de crise, conforme sua tendência para encarar situações como ansiogênicas (Almondes &
Araújo, 2003).
O período final da adolescência e iniciação à fase adulta constitui um estágio
caracterizado por transformações psicossociais significativas, entre as quais está a trajetória do
ensino médio para o ensino universitário. O ingresso no ensino superior configura-se como um
evento, que coexiste com o período de desenvolvimento significativo na vida dos jovens,
definido por mudanças relevantes. Em tal transição, os estudantes encaram desafios de ordem
relacionais, vocacionais, acadêmicos, entre outros (Brandtner e Bardagi, 2009 & Regina, 2016).
Durante situação de crise, em decorrência da transição de um período de
desenvolvimento para outro, enquanto traçam estratégias que viabilezem a superação de tal
crise, alguns sujeitos podem experienciar em ansiedade maior níveis que outros, a depender de
sua tendência para encarar situações como ansiogênicas (Correia, 2018).
O ambiente universitário requer um conjunto de interações sociais e competências
acadêmicas. Tais exigências podem tornar-se nocivas à saúde mental ou fazer com que o
discente adquira determinados transtornos emocionais, a partir de carga excessiva de estudos,
pressão em trabalhos e provas, morar com pessoas desconhecidas, fazer novas amizades e
trabalho para o sustento próprio. Com a apresentação dessas novas condições os universitários
requerem mudanças diferentes, com a tentativa de adaptação (Bolsoni-Silva, e Guerra, 2014).
É nesse percurso, localizado entre ensino médio e ensino superior a fase em que os

590
jovens compõem sua identidade, estabelecendo-se como uma jornada de desenvolvimento que
requer modificações nos âmbitos sociais, físicos, afetivo e familiar, desencadeando níveis de
ansiedade maiores, aumentando o risco de problemas de cunho emocional, como ideação
suicída e sintomas depressivos (Vale, 2019).
A existência e intensidade de tais sintomas carregam consigo conseqüências negativas
às condições de saúde e vida, levando em consideração que níveis excessivos de ansiedade
podem acarretar percepções ruins quanto às habilidades intelctuais e motoras do sujeito, sendo
considerada como ansiedade patológica a partir da sensação dos sinais neurofisiológicos como
dolorosos (Figueredo & Barbosa, 2008 & Goyatá et al.,2016).
Apesar da enorme prevalência de sofrimento psíquico, seguidos de transtornos mentais
entre os estudantes, uma minoria busca suporte psicológico, e isso ocorre por conta de fatores
variados como falta de tempo, dificuldades de acesso aos profissionais de saúde mental, estigma
em relação à doença mental e alto custo do tratamento (Malajovich et al., 2017).
O objetivo do presente trabalho é analisar os níveis de ansiedade de estudantes da área
da saúde relacionando-os com idade e gênero.

Método
Refere-se a um estudo de revisão bibliográfica integrativa, no que diz respeito a
prevalência de sintomas de ansiedade em estudantes da área da saúde, utilizando-se de artigos
identificados nas seguintes bases de dados científicos: Pubmed, Scielo e Biblioteca Virtual de
Saúde.
Para a realização do levantamento bibliográfico foram utilizados os seguintes
descritores simples e combinados: ansiedade, estudantes universitários, área da saúde,
utilizando uma categoria analítica: níveis de ansiedade nos estudantes da área da saúde,
relacionado a gênero e idade.
Com base nos descritores foram identificados 15 artigos, que após um refinamento,
atendendo aos critérios de inclusão elencados na pesquisa, resultou em 9 artigos. Após a
seleção foi realizada a leitura dos artigos com sucessivo fichamento dos resultados encontrados,
construiu-se os resultados com base nas conclusões dos autores e realizou-se comparações, com
concordâncias e discordâncias sobre o tema proposto.
No que concerne aos critérios de inclusão, buscou-se artigos publicados na integra, em
língua portuguesa, inglesa e espanhola; estudos com dados teóricos resultantes de artigos
publicados entre anos de 2009 a 2020, com a utilização do Inventário de ansiedade de Beck -
BAI.

Resultados
Dentre os 9 artigos revisados, com a participação de 1816 estudantes da área de saúde
houve o predomínio do sexo feminino, com a média de idade de 25,2 anos com prevalência de
ansiedade em 51% , em sua maioria encontrando se no grau mínimo de ansiedade de acordo

591
com Inventário de ansiedade de Beck.
Constatou-se que 44,45% dos autores apontaram que a existe a maior prevalência de
grau mínimo de ansiedade dentre os estudantes universitários da saúde, seguido de 11,11%,
33,33% e 11,11% respectivamente para grau leve, moderado e grave.
A tabela ilustra o resultado encontrado pelos referidos autores, no que diz respeito a níveis de
ansiedade em estudantes da área de saúde.

Tabela 1- Níveis de ansiedade em universitários da área da saúde %


Autores Mínima Leve Moderada Grave
Brandtner & 55,90 24 12,6 7,5
Bardagi, 2009

Benevides & 0 0 81,8 18,2


Gonçalves, 2009

Bezerra et al., 18,70 0 40,7 40,6


2012
Medeiros & 62,7 27,3 3,6 6,4
Bittencourt, 2017

Alves, 2019 15,02 27 29,08 28

Ferreira et al., 28 26 26 20
2019
Santos, 2019 43,4 10,6 19,5 26,5

FSG & Alves, 20 28,1 22,9 29


2019
Santos & 18,5 34,2 34,0 13,3
Simões, 2020
Fontes: dados da pesquisa

Discussão
Este estudou buscou avaliar o nível de ansiedade em estudantes universitários da área
da saúde, por meio de uma revisão da literatura, para estabelecimento de relação com gênero e
idade. O estudo aponta que mulheres com média de idade de 25,2 anos possuem prevalência de
ansiedade no nível mínimo, segundo o BAI.
Apresentando resultados semelhantes, Abrão et al. (2008), Medeiros e Bittencourt

592
(2017) e Souza (2010) apontam o gênero feminino como preponderante no ensino superior
colocando que ser do sexo feminino mostra-se não só um fator de risco, mas também o ambiente
em sua inserção social em termos culturais, tornando a ansiedade o transtorno de saúde mental
mais comum entre os universitários.
Na contramão dos resultados encontrados nesta revisão de literatura, Pereira (2012)
relaciona ao sexo os resultados encontrados, evidenciando a existência de sintomas de
ansiedade maior nos homens que nas mulheres, onde a ansiedade mínima encontrada foi 39,1%
nos homens e 52% nas mulheres, a ansiedade leve 31,9% nos homens e 27,4% nas mulheres, a
ansiedade moderada 19,2% nos homens e 13,9% nas mulheres, e a ansiedade grave 9,8% nos
homens e 6,7% nas mulheres.
No que diz respeito aos resultado obtidos, indicam que a prevalência de ansiedade em
discentes da área da saúde são superiores aos das demais áreas e população brasileira (Leão et.
Al, 2018 e Lantyer et al., 2016). Cunha (2011) e Ferreira, Silva e Costa (2019) em desacordo
com o presente estudo, em que apresentou a predominância do grau mínimo nos estudantes da
área de saúde, revelam maior prevalência de grau moderado nos participantes.
Pesquisas apontam uma alta prevalência nesses transtorno dentro do ambiente
universitário, com previsão de entre 15% e 20% destes deverão apresentar um certo tipo de
transtorno no decorrer da graduação (Vasconcelos et al., 2015 e Victoria et. al., 2013)
Os estudos descritivos e epistemológicos relacionados à ansiedade social que estendem-
se a universitários, os consideram como um dos grupos de maior vulnerabilidade, em resposta
à submissão do estudante à grande carga de estresse, em decorrência ás horas dedicadas aos
estudos, e cobranças nas esferas emocional e social (Black et al., 2015, Cárdenas, Castillo e
Camargo, 2011, Cejudo e Fernandéz, 2015, Iunes, 2017).
Exigências acadêmicas são elementos característicos da vida na universidade, tais como
excessiva carga horária de estudo, competência em relação ao processo de formação, ajuste ao
novo contexto , menor rotina de sono, necessidade de estruturação dos horários e esquemas de
estudo, entre outros; tais aspectos são estressores em potencial, pois pedem um maior repertório
comportamental, com o intuito de organizar-se e confrontar as exigências (Ariño e Bardagi,
2018).
De acordo com Alves (2019), em decorrência dos resultados analisados, os estudantes
com ansiedade mínima possuem uma prevalência de 15,2%, enquanto que os graus moderado
e grave possuem respectivamente uma prevalência de 29,8% e 28%, indicando um grau
significativo de ansidade, sendo alarmante, com possibilidade de afetar o desempenho
acadêmico e as habilidades sociais.
Segundo Szpak e Kameg (2013) apontam que aproximadamente 12% da população do
ensino superior apresentem graus semelhantes de ansiedade, acarretando a perda de interesse
no processo de aprendizagem e consequentes baixo desempenhos em avaliações.
Em pesquisas realizadas por Basnet, Jaiswal, Adhikari, e Shyangwa (2013) a área da
saúde encontra-se como uma carreira que possui demandas características e expõe seus
pretendentes à enumeras situações estressantes, e que muitos não possuem condições de
enfrentamento, como falta de preparo, características pessoais ou por diversos motivos, muitas

593
vezes pertencentes ao próprio curso.
FSG & Sousa (2019) em estudos sobre a prevalência de sintomas de depressão,
ansiedade e estresse nos estudantes de graduação, apontam que 28,3%, 22,9% e 29%,
respectivamente, estavam na faixa considerada moderado a severo, sugerindo a prevalência de
mais sintomas avaliados na escala, estando em consonância ao que foi encontrado por Cavestro
& Rocha (2006).
Lima et al. (2019) utilizou-se de uma análise individual dos cursos de saúde, apontando
que enfermagem possui a prevalência de 71,02% de ansiedade, seguido de Odontologia com
60,64% e Medicina possuindo 22,73% e apontou a escassez na literatura o estudo comparativo
e individual dentre os cursos de saúde, pela heterogeneidade de instrumentos empregados nas
pesquisas já existentes. Em pesquisa de Serra, Dinato e Caseiro (2015), obteve percentual
próximo, com amostra de 657 alunos de Medicina, realizada na cidade de Santos, ao
constatar que 21% dos estudantes apresentaram ansiedade.
Baptista (2006), investigou em um estudo o transtorno da ansiedade em estudantes
universitários brasileiros das mais diversas áreas, e constatou prevalência de 11,6% de
transtorno nos alunos universitários, sendo considerado como um índice elevado.
Segundo Cardozo et. al. (2016) comumente a ansiedade encontra-se dentre os estudantes
universitários, pois relaciona-se com inúmeros elementos biopsicológicos, tendo a
responsabilidade do ato de preparar o indivíduo a lidar com situações ameaçadoras, associadas
ao medo, e com envolvimento de fatores comportamentais, fisiológicos, cognitivos,
neurológicos e afetivos, quem modulam a capacidade perceptiva do estudante em relação ao
ambiente, tendo resposta específicas.
Maltoni e Neufeld (2014) apontam em um estudo sobre depressão e ansiedade entre
estudantes de universidades da área da saúde de públicas e privadas de Ribeirão Preto-SP, que
utilizou-se da escala de Beck para em uma amostra de 558 alunos, mostrou que 36% dos
estudantes apresentavam sintomas de ansiedade, 10,8% ansiedade moderada/grave, e 22,1%
desses estudantes sintomas depressivos. Pacheco et al. (2017) em um recente estudo relacionado
a problemas de saúde mental em estudantes de Medicina no Brasil identificou a prevalência de
49,9% para estresse, 32,9% para ansiedade e 30,6% para depressão.
Chaves e Wagner (2016) enfatizam a importância de haver investimento em ações de
prevenção e promoção da saúde mental para estudantes de psicologia, tendo em vista o quadro
de vulnerabilidade dos mesmos em relação a indícios de ansiedade, apontando também para a
urgência em uma investigação mais detalhada de tal sintomatologia.

Conclusão
Mediante aos resultados do presente estudo, conclui-se a prevalência geral de ansiedade
em estudantes universitários, sendo as mulheres mais acometidas, com maioria apresentando
grau mínimo. Tal estudo também evidenciou a necessidade de maior número de pesquisas sobre
a atuação da ansiedade em estudantes universitário da área da saúde, sejam feitas em cursos
separadamente ou comparativamente, e estudos comparativos sobre a perspectiva desse
acometimento em instituição e provada e pública, tendo como objetivo a transformação do

594
ambiente universitário em um espaço mais acolhedor e menos adoecedor.

Referências
Abrão, Carolina Borges, Coelho, Ediane Palma, & Passos, Liliane Barbosa da Silva. (2008).
Prevalência de sintomas depressivos entre estudantes de medicina da Universidade Federal de
Uberlândia. Revista Brasileira de Educação Médica, 32(3), 315-
323. https://doi.org/10.1590/S0100-55022008000300006.
Almeida, L. S. & Soares, A. P. (2003). Os estudantes universitários: Sucesso escolar e
desenvolvimento psicossocial. In E. Mercuri & S. A. J. Polydoro (Orgs.), Estudante
universitário: Características e experiências de formação (pp.15-40). Taubaté, SP: Cabral.
Almondes, K. M. D., & Araújo, J. F. D. (2003). Padrão do ciclo sono-vigília e sua relação com
a ansiedade em estudantes universitários. Estudos de Psicologia (Natal), 8(1), 37-43.
Alves, Júlia Vasconcelos de Sá. (2019). Prevalência e fatores associados à ansiedade em
estudantes dos cursos da área de saúde da UFOP.
Alves TCdTF. Depressão e ansiedade entre estudantes da área de saúde. Revista de Medicina.
2015;93(3):101-5.
Arrieta Vergara, K. M., Díaz Cárdenas, S. & González Martínez, F. (2014). Síntomas de
depresión y ansiedad en jóvenes universitarios: prevalencia y factores relacionados. Revista
Clínica de Medicina de Familia, 7(1), 14-22.
Ariño, Daniela Ornellas & Bardagi, MarúciaPatta. Relação entre Fatores Acadêmicos e a Saúde
Mental de Estudantes Universitários. Revista Psicologia em Pesquisa, v. 12, n. 3, 2018
Serra, R. D., Dinato, S. L. M., e Caseiro M. M. (2015). Prevalence of depressive and anxiety
symptoms in medical students in the city of Santos. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 64(3), 213-
220. https://doi.org/10.1590/0047- 208500000008.
Baptista, C. A. (2007). Estudo da prevalência do transtorno de ansiedade social em estudantes
universitários (Doctoral dissertation, Dissertação de mestrado. Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo).
Barreto, Leidilene Rodrigues et al. Avaliação da escala de ansiedade, depressão e estresse em
universitários do sertão central cearense. Mostra de Fisioterapia da Unicatólica, [S.l.], v. 4,
n. 1, feb. 2020. ISSN 2526-4915. Disponível
em:<http://publicacoesacademicas.unicatolicaquixada.edu.br/index.php/mostrafisioterapia/article/vie
w/3973>. Acesso em: 17 Mar. 2020.

Basnet, B., Jaiswal, M., Adhikari, B., & Shyangwa P. M. (2013). Depression among
undergraduate medical students. Kathmandu University Medical Journal, 10(39), 56-59.
Benevides-Pereira, Ana Maria T., & Gonçalves, Maria Bernadete. (2009). Transtornos
emocionais e a formação em Medicina: um estudo longitudinal. Revista Brasileira de Educação
Médica, 33(1), 10-23. https://doi.org/10.1590/S0100-55022009000100003.
Bezerra, Berta Priscilla Nogueira, Ribeiro, Ana Isabella Arruda Meira, Farias, Alcione Barbosa

595
Lira de, Farias, Alan Bruno Lira de, Fontes, Luciana de Barros Correia, Nascimento, Silvio
Romero do, Nascimento, Armiliana Soares & Adriano, Maria Soraya Pereira Franco. (2012).
Prevalência da disfunção temporomandibular e de diferentes níveis de ansiedade em estudantes
universitários. Revista Dor, 13(3), 235-242. https://doi.org/10.1590/S1806-00132012000300008.
Black, J. J., Clark, D. B., Martin, C. S., Kim, K. H., Blaze, T. J. & Chung, T. (2015). Course of
alcohol symptoms and social anxiety disorder from adolescence to young adulthood.
Alcoholism: Clinical and Experimental Research, 39(6), 1008-1015.
Bolsoni-Silva, A.T. e Guerra, B.T. (2014). O impacto da depressão para as interações sociais
de universitários. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 14(2), 429-452. Disponível em:
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index. php/revispsi/article/view/12649/9823
Brandtner, Maríndia, & Bardagi, Marucia. (2009). Sintomatologia de depressão e ansiedade em
estudantes de uma universidade privada do Rio Grande do Sul. Gerais : Revista
Interinstitucional de Psicologia, 2(2), 81-91. Recuperado em 29 de mar•o de 2020, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-
82202009000200004&lng=pt&tlng=pt.

Cárdenas, M. T. C., Castillo, C. A. G., & Camargo, Y. S. (2011). Relación entre niveles de
ansiedad y estrategias de afrontamiento en practicantes de psicología de una universidad
colombiana. International Journal of Psychological Research, 4(1), 50-57.
Cardozo, M. Q., Gomes, K. M., Fan, L. G., & Soratto, M. T. (2016). Fatores associados à
ocorrência de ansiedade dos acadêmicos de Biomedicina. Saúde e Pesquisa, 9(2), 251-262.
Cejudo, R., & Fernández, A. (2015). Fobia social: Un fenómeno incapacitante. Revista
Electrónica de Psicologia, 18(2), 836-851.
Figueredo, L. Z. P. & Barbosa, R. V. (2008). Fobia social em estudantes
universitários. Conscientia e Saúde, 7(1),109-115.
Chaves, C. E., & Wagner, M. F. (2016). Sintomas Depressivos e de Ansiedade em Acadêmicos
de Psicologia. Mostra de Iniciação Cientifica IMED.
Claudino J, Cordeiro R. Níveis de ansiedade e depressão nos alunos do curso de licenciatura
em enfermagem. O caso particular dos alunos da Escola Superior de Saúde de Portalegre.
Millenium-Journal of Education, Technologies, and Health. 2016 (32):197-210.
Corrêa, Y. J. C. (2018). Ansiedade e depressão: dificuldades e caminhos a serem
descobertos. CEP, 37130, 000.
Dalgalarrondo, P. (2018). Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Artmed
Editora.
Dominguez-Lara, Sergio Alexis, Calderón-De la Cruz, Gustavo, Alarcón-Parco, Danitsa, &
Navarro-Loli, Jhonatan S. (2017). Relación entre ansiedad ante exámenes y rendimiento en
exámenes en universitarios: análisis preliminar de la diferencia según asignatura. Revista
Digital de Investigación en Docencia Universitaria, 11(1), 166
176. https://dx.doi.org/10.19083/ridu.11.492.
dos Santos, R. M., & da Silva Simões, M. O. (2020). Níveis de ansiedade em alunos concluintes

596
de cursos de saúde. Revista Eletrônica de Farmácia, 17(1).
Ferreira, Bruno Castro, Silva, Sirlon Martins & Costa, Betânia Vieira. (2019). Verificação de
ansiedade em Acadêmicos dos cursos de saúde de uma Universidade Privada da Zona da Mata
mineira. Linkscienceplace-Interdisciplinary Scientific Journal, 6(5)
FSG, J. B., & Alves, C. F. SAÚDE MENTAL EM ESTUDANTES DE PSICOLOGIA.
Greenberger, D., & Padesky, C. A. (2016). A mente vencendo o humor: mude como você se
sente, mudando o modo como você pensa. Artmed Editora.
Goyatá, Sueli Leiko Takamatsu et al. Effects from acupuncture in treating anxiety: integrative
review. Revistabrasileira de enfermagem, v. 69, n. 3, p. 602-609, 2016..
Hooven, C., Snedker, K. A. & Thompson, E. A. (2012). Suicide risk at young adulthood:
continuities and discontinuities from adolescence. International Sociological Association,
44(4), 524-547. doi: 10.1177/0044118X11407526.
Iunes, D. H. et al. Predictors of Anxiety in College Students. Nurse Care Open Acces J, v. 3, n.
6, p. 00089, 2017.
Karino, C.A., e Laros, J. A. (2014). Ansiedade em situações de prova: evidências de validade
de duas escalas. Psico-USF, 19(1), 23-36. doi: 10.1590/S1413- 82712014000100004.
Landeira-Fernandez, J., & Cruz, A. P. M. (2007). Medo e dor e a origem da ansiedade e do
pânico. Intersecções entre psicologia e neurociências, 217-239.
Lantyer, A. S., Varanda, C. C., de Souza, F. G., da Costa Padovani, R., & de Barros Viana, M.
(2016). Ansiedade e qualidade de vida entre estudantes universitários ingressantes: avaliação e
intervenção. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 18(2), 4-19.
Leahy, R. L., Tirch, D., & Napolitano, L. A. (2013). Regulação emocional em psicoterapia: um
guia para o terapeuta cognitivo-comportamental. Artmed Editora.
Leão, A. M., Gomes, I. P., Ferreira, M. J. M., & de Góes Cavalcanti, L. P. (2018). Prevalência
e Fatores Associados à Depressão e Ansiedade entre Estudantes Universitários da Área da
Saúde de um Grande Centro Urbano do Nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Educação
Médica, 42(4), 55-65.
Lima, Sonia Oliveira, Lima, Aline Melo Sentges, Barros, Erica Silva, Varjão, Renato Leal,
Santos, Vivian Fernandes dos, Varjão, Lucas Leal, Mendonça, Ana Karina Rocha Hora,
Nogueira, Matheus de Souza, Deda, Arthur Valido, Jesus, Larissa Keylla Almeida de, &
Santana, Vanessa Rocha de. (2019). Prevalência da Depressão nos Acadêmicos da Área de
Saúde. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, e187530. Epub December 20,
2019.https://doi.org/10.1590/1982-3703003187530
Malajovich, N., Vilanova, A., Frederico, C., Cavalcanti, M. T., & Velasco, L. B. (2017). A
juventude universitária na contemporaneidade: a construção de um serviço de atenção em saúde
mental para estudantes. Mental, 11(21), 356-377.
Medeiros, Palloma Prates & Bittencourt, Felipe Oliveira. (2017). Fatores associados à

597
Ansiedade em Estudantes de uma Faculdade Particular. Id on Line Revista Multidisciplinar e
de Psicologia, 10(33), 42-55.
Moura, Inara Moreno et al. A terapia cognitivo-comportamental no tratamento do transtorno de
ansiedade generalizada. Revista Científica da Faculdade de Educação e Meio Ambiente, v. 9,
n. 1, p. 423-441, 2018;
Organização Mundial da Saúde. CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados à Saúde. 10a rev. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1997. vol.1.
Osse, C. M. C. & Costa, I. I. (2011). Saúde mental e qualidade de vida na moradia estudantil
da Universidade de Brasília. Campinas: Estudos de Psicologia, 28(1), 115-122.
Pacheco J.P. , Giacomin H.T., Tam W.W., Ribeiro T.B., Arab C, Bezerra I.M. , et al. Mental
health problems among medical students in Brazil: a systematic review and meta-analysis. Braz.
J. Psychiatry. 2017;39(4):369-78.
Pereira, S. M., & Lourenço, L. M. (2012). O estudo bibliométrico do transtorno de ansiedade
social em universitários. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 64(1), 47-62
Regina, Pinho. Caracterização da clientela de um programa de atendimento psicológico a
estudantes universitários. Psicol. Conoc. Soc., Montevideo , v. 6, n. 1, p. 114-
130, mayo 2016 . Disponible en
<http://www.scielo.edu.uy/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1688-
70262016000100006&lng=es&nrm=iso>. accedido en 17 marzo 2020.
Santos, G. Wieczorek. Pinto dos. (2019). Análise da saúde mental em estudantes do Instituto
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Shamsuddin, K., Fadzil, F., Ismail, W. S., Shah, S. A., Omar, K., Muhammad, N. A., Jaffar, A.,
Ismail, A., & Mahadevan, R. (2013). Correlates of depression, anxiety and stress among
Malaysian university students. Asian journal of psychiatry, 6(4), 318–323.
https://doi.org/10.1016/j.ajp.2013.01.014
Souza, L. (2010). Prevalência de sintomas depressivos, ansiosos e estresse em acadêmicos de
medicina (Doctoral dissertation, Universidade de São Paulo).
Szpak, J. L. & Kameg, K. M. (2013). Simulation decreases nursing student anxiety prior to
communication with mentally ill patients. Clinical Simulation in Nursing, 9(1), e13-e19.
Tosevski, D. L., Milovancevi, M. P., & Gajic, S. D. (2010). Personality and psychopathology
of university students. Institute of Mental Health, 23, 48-52.
Vale, Ana Carina de Castro. Ansiedade social e ideação e comportamento suicida em estudantes
universitários. 2019. 46f . Dissertação de mestrado (Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde)
– Universidade Católica Portuguesa, Braga, 2020.
Vasconcelos, Tatheane Couto de, Dias, Bruno Rafael Tavares, Andrade, Larissa Rocha, Melo,
Gabriela Figueirôa, Barbosa, Leopoldo, & Souza, Edvaldo. (2015). Prevalência de Sintomas de
Ansiedade e Depressão em Estudantes de Medicina. Revista Brasileira de Educação
Médica, 39(1), 135-142. https://doi.org/10.1590/1981-52712015v39n1e00042014.
Vianna, R. B., Campos, A. A., & Landeira-Fernandez, J. (2010). Histórico, diagnóstico e

598
epidemiologia da ansiedade infanto-juvenil. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 6(2),
37-
NEUROPSICOLOGIA NA REABILITAÇÃO COGNITIVA: A IMPORTÂNCIA DO

599
NEUROPSICÓLOGO NO TRATAMENTO DE REABILITAÇÃO COGNITIVA EM
CRIANÇAS
Stheffane Carine Cantanhede Novais
Tainara Pereira Silva

1. Introdução
O artigo presente tem o intuito de apresentar através da neuropsicologia fatores que
intervém no processo de reabilitação cognitiva, e a importância do neuropsicologo no
desenvolvimento dessa reabilitação voltada para crianças. Atualmente nossa saúde mental é
trabalhada com mais ênfase, e por consequência há mais sucesso nesses tratamentos. O artigo
proporciona e verifica a relação entre a neuropsicologia e a reabilitação cognitiva. A
reabilitação cognitiva será evidenciada, em questão de ser um tratamento, que influência a
evolução de contextos, sociais, biológico, culturais e outros.
A reabilitação cognitiva é um tipo de tratamento que tem o intuito de melhorar as
funções cognitivas, através dela muitos casos de cognição podem ser resolvidos, nessa
reabilitação é trabalhado a parte de aprendizagem, de linguagem, percepção, sensações,
pensamentos e outros, além da melhora da autoestima, melhora da socialização e outros âmbitos
da vida. Através da reabilitação cognitiva podem ser desenvolvidos vários estudos para a
melhoria de casos ainda não identificados, e pode contribuir para outras áreas da saúde, que
trabalham esses fatores e que precisam de uma resposta da cognição.
A pesquisa foca em compreender, como é trabalhada a reabilitação cognitiva no público
infantil. A ênfase nesse publico é devido a importância da cognição ser trabalhada o mais cedo,
enquanto é necessário de acordo com a demanda, e estimulada para melhor resultado. Por
conseguinte a pesquisa visa a importância do neuropsicologo no desenvolver do tratamento da
reabilitação com crianças. Esse tratamento muda a vida de milhões de pessoas que sofrem com
problemas cognitivos, em todas as idades, e principalmente na fase infantil. Pois quanto mais
cedo for desenvolvido esse tratamento nas crianças, melhor será o futuro delas. Por tanto
melhora a convivência em sociedade, a convivência no lar, as tarefas de auto responsabilidade,
além de elevar a autoestima, a autoconfiança e até mesmo adaptar-se com o ambiente.
Nesse artigo a neuropsicologia se destaca como área que atua em mediação do
tratamento da reabilitação cognitiva, envolvendo seus métodos e técnicas usadas para o
mesmo, além de enfatizar outras parcerias usadas no desenvolver do tratamento que é a equipe
multidisciplinar também citada no decorrer do artigo, e que tem sua extrema importância em
tratamentos como a reabilitação cognitiva. De acordo com Thais Bertazone etal. (“2016) p.145,
A multidisciplinaridade é o conjunto de disciplinas que simultaneamente tratam de uma dada
questão, sem que os profissionais implicados estabeleçam entre si efetivas relações no campo
técnico ou científico.” A reabilitação quando tratada com a equipe multidisciplinar tem contato
com todas as áreas que participam dessa equipe, porém, os profissionais envolvidos não tem
completa relação entre si, em prol do caso. O contato de cada profissional com o tratamento,
acontece de forma individual, diferentemente da interdisciplinar, onde profissionais entram em
contato e juntos iniciam o tratamento.
De acordo com o parágrafo acima, o artigo apresenta a questão do tratamento da
reabilitação cognitiva, precisamente coma equipe multiprofissional que é o mais comum
atualmente, em relação a esse tratamento. A neuropsicologia vai realçar todo seu entendimento
e relevância em prol desse tratamento, e será de grande utilidade nesse artigo, revelar a
significância dessa área especifica da psicologia, possibilitando futuramente compreensão à
sociedade, de que a reabilitação cognitiva pode ser tratada, e a neuropsicologia se coloca a

600
disposição para essa realidade.

2. Método
Trata se de uma pesquisa exploratória, de acordo com Pioversan e Temporini
(1995),Pesquisa exploratória, define-se como uma qualidade de uma pesquisa principal , ou
seja a pesquisa exploratória ou estudo exploratório tem como objetivo obter significados e
conhecer as variáveis do estudo na qual se apresenta. A pesquisa tem como tema a
neuropsicologia na reabilitação cognitiva, e saber como o neuropsicologo intervém nesse
tratamento. O estudo tem o intuito de compreender a relevância do profissional de
neuropsicologia para as funções cognitivas. Nesse trabalho serão usadas fontes primárias como
entrevista, aplicação de questionário, voltados para profissionais da área neuropsicológica , foi
usada fontes secundarias através de uma pesquisa literária com fontes bibliográficas de livros,
e artigos que falam sobre a reabilitação cognitiva, sobre a neuropsicologia, profissionais que
atuam juntamente com o neuropsicologo, o contexto histórico de ambos os assuntos e sobre a
atuação desse tratamento em crianças. As fontes bibliográficas foram usadas tanto de forma
física quanto virtual.
A entrevista foi feita pessoalmenteno Centro integrado de reabilitação (CEIR), em
Teresina, PI ,Brasil. A entrevista foi de forma gravada, em audio, com autorização através de
um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), a autorização do profissional foi
anexada ao corpo da pesquisa constando informações usadas de forma legal.

3. Resultado e discussões

Os resultados obtidos foram possíveis através de uma entrevista semiestruturada, feita


com uma especialista em neuropsicologia. Segundo Trivinus (1987) citado por Lima e
Pereira(1999), A entrevista semiestruturada é quando o informante tem a possibilidade de
discorrer sobre suas experiências ,porém, seguido pela direção das perguntas do entrevistador,
a partir do objetivo que é proposto pelo pesquisador. “A entrevista foi gravada em áudio com
auxilio de um gravador móvel, e permitido legalmente pelo profissional entrevistado. As
informações obtidas através da analise dos materiais coletados, indicam que as demandas em
crianças, como dificuldade de aprendizagem, associação, problemas psicomotor,
impulsividade, sensibilidade extrema entre outros, tem resultados significativos e promissor
com o uso do tratamento da reabilitação cognitiva, o tratamento também ajuda na evolução do
autoconhecimento e na interação do paciente como o meio.
A partir das informações coletadas, também foi possível identificar a estimulação
cognitiva como uma chave para uma boa reabilitação, pois quanto mais for estimulado o
cérebro, a função que já existiu e se perdeu, ou ainda não foi aprendida, mais chance a demanda
terá com resultados positivos no decorrer do tratamento. Como afirma, Flavia Santos (2005), A
queixa de crianças que precisam da estimulação, nem sempre está relacionada a uma grave
lesão no cérebro, mas pode surgir de crianças com excepcionalidade da deficiência mental a
super. dotação , ou em crianças com problemas de aprendizagem, o que é comum em
escolas.” Essa estimulação acontece de varias formas, é necessário entrar em contato com a
demanda na qual será tratada, e dessa maneira buscar a melhor forma de estimulação para tal
função. A estimulação acontece mais em demandas onde ainda não existe a função cujo o
objetivo é o desenvolver , como um exemplo clássico em crianças com paralisia cerebral, que
ao invés de substituir uma nova aprendizagem, a função que ela tinha anteriormente, apenas
será estimulada afunção na qual nunca tinha ocorrido, ou seja a estimulação é usada para mediar

601
a evolução de alguma função que estava esperando para ser densenvolvida.

3.1 Dificuldade em Atividades Sociais


A reabilitação cognitiva é um tratamento que cresceu muito com o decorrer do tempo,
aumentando a possibilidade de melhoras em muitas pessoas, e devido a esse crescimento, a
chance de condições de vidas melhorou bastante, o que é de grande relevância na área da
psicologia, por ser uma área que valoriza as condições humanas e a neuropsicologia como área
que atua diretamente nas funções cerebrais, se envolve de forma abrangedora no tratamento da
reabilitação cognitiva.
Devido aos fatos, as pessoas com dificuldades ou deficiências na cognição,
acabamtendo dificuldades no contexto social, por exemplos crianças com TDAH, que além da
dificuldade coma atenção, também encontra dificuldades sociais, por não controlar seus
impulsos, ou seja, tem um controle inibitório pobre. Então o objetivo do Neuropsicologo no
contexto social é entender a dificuldade daquela demanda e montar estratégias para melhor
desempenho daquele paciente, para que ele possa ser o mais independente possível e disfrutar
dos prazeres em sociedade.

3.2 Autoconhecimento
A neuropsicologia é de fato umas das maiores mediadoras da reabilitação cognitiva, por
capitar as dificuldades de tal demanda, compreender de que forma deve ser trabalhada uma
delas e umas das principais técnicas utilizadas no decorrer do tratamento da reabilitação é o
autoconhecimento, quetem como principal propósito fazer com a pessoa com deficiência se
enxergue como ela realmente é, e interaja de forma saudável com a sociedade.
A criança é um dos maiores focos para realização do autoconhecimento, pois a mesma
em fase de desenvolvimento, está ainda se reconhecendo como pessoa, e é necessário esse
auxilio profissional para que ela entenda e se aceite como de fato é, e que suas limitações podem
ser trabalhadas dentro do tratamento da reabilitaçãocognitiva,proporcionando umfuturo melhor.
A criança convive em vários âmbitos sociais, e não deve receber esse auxilio de
autoconhecimento apenas dos profissionais envolvidos em seu tratamento, mas também de
todas pessoas que á cercam, possibilitando assim uma melhora rápida no tratamento.

4. Conclusão
Essa pesquisa teve como objetivo apresentar o trabalho do neuropsicológo no tratamento
da reabilitação cognitiva, mediante a esse objetivo foi mostrado através de pesquisas literárias
como ocorre esse tratamento nos dias atuais, além de enfatizar os principais contribuintes para
que esse tratamento evolua, como a equipe multiprofissional, que atua junto com o
neuropsicólogo, foi discorrido sobre como é a vida de pessoas com dificuldades no cognitivo,
como as mesmas se adaptam a suas vidas e reconhece seu valor.
A partir dos resultados evidenciados, foi possível observar o quão de fato da
neuropsicologia interage nesse tratamento, mudando vidas, e possibilitando futuros brilhantes
independente de algumas limitações, além de ter total resiliência por cada demanda emontar
estratégias para melhor desenvolvimento. a pesquisa possibilitou ao profissional da saúde, a
sociedade, a importância de refletir, sobre a pessoas com deficiência, e compreender que cada
pessoa tem sua essência, e que seu potencial é muito maior do que se possa imaginar. Através
dessa pesquisa, é possível olhar de maneira humanizado a luta pela inclusão.
Na entrevista na qual foi feita pessoalmente no Centro integrado de Reabilitação

602
(CEIR), foi possível notar a realização da profissional entrevistada, por conciliar com seu
trabalho a humanização e o prazer ali envolvidos, de fato, ajudar a explorar um campo tão
carente de atenção, de apoio, para sobreviver e vencer cada obstáculo, é de imensa gratidão,
pois quanto mais pesquisado e mais notado for esse tipo de tratamento, mais chances de ajudar
esse trabalho a crescer e ajudar muitas outras pessoas que não tem a compreensão de que viver
independente de limitações e se aceitar como é de fato, pode ser sonho realizado.
Através dessa pesquisa foi possível entender sobre o que é aneuropsicologia como ela
atua e sua importância dentro da psicologia, compreender seu contexto histórico, sua história e
o percurso do seu caminho até agora na atualidade, foi possível ter a perspectiva da
neuropsicologia de quando tudo começou, e tudo que conquistou. Uma ciência que estuda a
parte mais profunda do ser humano, a cognição, a sensação, a percepção, as emoções, a
aprendizagem e tudo aquilo pelo poderoso cérebro.
Na pesquisa foi apresentado as relações entre a neuropsicologia e a reabilitação
cognitiva, atendendo as estimativas dos objetivos específicos, assim como foimostrato a pratica
do profissional da neuropsicologia atuando diretamente no público infantil, que por sua vez é
uma das maiores demandas. Além de trazer as discursões cientificas, através das fontes
bibliográficas, para uma compreensão literária do tema. Em finalização, concluo que melhor
que ajudar a evolução da inclusão através da ciência, é de fato sentir prazer pela sua história de
luta.

Referências
Bertazone, T. M. A., Ducatti, M., Camargo, H. P. M. D., Batista, J. M. F., Kusumota, L., &
Marques, S. (2015). Multidisciplinary/interdisciplinary actions in the care of elderly with
Alzheimer’s Disease.
Santos, F. H. D. (2005). Reabilitação neuropsicológica pediátrica. Psicologia: ciência e
profissão, 25(3), 450-461.
Pereira, G. A., & Lima, M. A. D. D. S. (2002). Relato de experiência com grupo na assistência
de enfermagem a diabéticos. Revista Gaúcha de Enfermagem. Porto Alegre. Vol. 23, n. 2
(jul. 2002), p. 142-157.
Piovesan, A., & Temporini, E. R. (1995). Pesquisa exploratória: procedimento metodológico
para o estudo de fatores humanos no campo da saúde pública. Revista de Saúde Pública,
29(4), 318-325.
NEUROPSICOLOGIA NA APRENDIZAGEM: A ATUAÇÃO DO

603
NEUROPSICÓLOGO NA IDENTIFICAÇÃO E NO TRATAMENTO DE
ALTERAÇÕES NEURAIS COGNITIVAS EM CRIANÇAS COM TDAH

Tainara Pereira Silva


Stheffane Carine Cantanhede Novais

1. Introdução

O artigo apresenta as principais práticas do Neuropsicólogo no exercício da


aprendizagem de crianças com TDAH. A pesquisa tem como foco principal entender, relacionar
e explanar concepções a respeito da práxis neuropsicológica direcionada ao TDAH. Tais
questionamentos podem contribuir tanto no esclarecimento de informações, quanto no
direcionamento de tratamentos, além de compor o acervo bibliográfico da área de atuação.
Em sequência, pretende-se expor a importância de ficarmos atentos às crianças,
identificar quando precisam de ajuda interpessoal por parte dos responsáveis ou
acompanhamento profissional, e intervir quando existirem problemas nas relações sociais ou
mesmo quando houver reconhecimento de distúrbios cognitivos, como o TDAH, para que no
futuro, as mesmas se desenvolvam da melhor forma possível e conseguinte, se tornem adultos
saudáveis mental e fisicamente e que possam contribuirde forma positivana sociedade.
Este estudo propõe-se a servir de apoio no que diz respeito à atuação e a importância
do Neuropsicólogo, a identificação do TDAH em crianças e a intervenções possíveis dentro da
prática citada. Desta forma, contribuindo na exposição de ideias e técnicas de execução, uma
vez que, em muitos casos, crianças com TDAH são excluídas do meio social. Segundo as
concepções de Hamdanet al.(2011) neuropsicologia investiga as conexões entre cérebro e
comportamento mediante alterações cognitivas inatas ou adquiridas. Essa prática foi constituída
a partir dos campos de atuação que compõem a neurociência (neuroanatomia, neurofisiologia,
neuroquímica e neurofarmacologia). A Neuropsicologia se firma principalmente dentro de duas
práxis, a avaliação e a reabilitação neuropsicológica. A função da avaliação neuropsicológica é
observar o rendimento cognitivo funcional, avaliando especificamente as funções cognitivas
superiores, como percepção, atenção, linguagem, resolução de problemas, memória, raciocínio,
e identificar possíveis danos neurais e/ou comportamentais.
Ao Neuropsicólogo, cabe investigar todos esses processos utilizando métodos e
protocolos já estabelecidos, buscando alcançar resultados que propiciem um grau de
funcionalidade satisfatório. Alterações cerebrais podem causar prejuízos no processo de
aprendizagem de uma criança, por exemplo, a curto e em longo prazo, desta maneira, podendo
trazer problemas subsequentes. A Neuropsicologia cria hipóteses diagnósticas e constitui um
plano de tratamento baseado em avaliações e investigações, a partir disto é feito um relatório
do perfil neuropsiocológico do paciente, constatando suas habilidades e dificuldades.
Para Rohde (2004), as causas exatas do TDAH ainda não são conhecidas, no entanto,
fatores genéticos e ambientais são os aspectos mais aceitos na literatura. As condições genéticas
prevalecem em relação às causas ambientais, como na maioria dos transtornos psiquiátricos.
Pressupõe-se que alguns genes com pequenos defeitos sejam responsáveis pela fragilidade
genética ao distúrbio. Portanto, a manifestação do TDAH resulta de genes suscetíveis ao
transtorno que agem no indivíduo e sua interação com o ambiente. O transtorno se manifesta
na infância e frequentemente acompanha o sujeito durante toda a sua vida. Na grande maioria
dos casos, no período da vida adulta, alguns sintomas se tornam menos agressivos. O TDAH é
o transtorno mais comum entre crianças e adolescentes e se caracteriza por sintomas de
desatenção, hiperatividade e impulsividade.
O diagnóstico de TDAH é essencialmente clínico e constituído em critérios bem

604
estabelecidos e fundamentados. Para ser classificado como um indivíduo com TDAH é
necessário que os sintomas se apresentem antes dos sete anos de idade, persistem no mínimo
por seis meses em grau desadaptativo, e se manifestarem pelo menos em dois contextos da vida,
familiar ou escolar, por exemplo. Hoje em dia, com a utilização dos exames de neuroimagem,
diferenças mínimas são encontradas na estrutura e também na funcionalidade cerebral, porém
restringindo-se apenas a pesquisa, e não a tratamentos. Durante o tratamento pode ser utilizado,
se necessário, substancias psicotrópicas que atuam em alguns sistemas da criança (Capovilla,
et all.2007).
No tratamento do TDAH, o Neuropsicólogo faz toda uma avaliação para observar o
funcionamento cognitivo e como isso reflete na vida do indivíduo. É importante ressaltar que o
tratamento é um processo multiprofissional. A atuação direta dos pais no decorrer do tratamento
é imprescindível, afinal de contas, são eles que convivem diariamente com o paciente, portanto,
podem aplicar técnicas básicas recomendadas pelo profissional e corrigir adequadamente
comportamentos inadequados. A rotina de uma criança com TDAH precisa necessariamente
ser bem estruturada, para facilitar a execução de suas atividades diárias. Por serem os meios de
convívio mais intensos da criança, a família e a escola precisam ao máximo estabelecer uma
relação de parceria, objetivando sempre diminuir as dificuldades enfrentadas pelo aluno, e
facilitar o seu desenvolvimento de aprendizagem e as relações interpessoais. , a reabilitação
neuropsicológica assume um papel importantíssimo relacionado ao treinamento cognitivo
potencializando a memória operacional, o controle inibitório e a flexibilidade cognitiva. Desta
forma, exercitando o controle cognitivo sobre estímulos externos e auto-regulando sua atenção.
Essa técnica é chamada de controle adaptativo.

2. Método

O levantamento bibliográfico inicial é de cunho exploratório e aborda temas como


Neuropsicologia, TDAH e aprendizagem. Após a escolha do tema, fontes bibliográficas, livros,
artigos, suporte virtual, publicações avulsas e anotações foram utilizadas para a coleta de dados
inicial. A segunda etapa ocorreu em campo. Além de ser um método qualitativo exploratório
utilizou-se também uma entrevista técnica semi-estruturada que foi gravada e posteriormente
utilizada como recurso na obtenção de resultados e levantamento de hipóteses. A coleta de
dados teve a participação de uma Neuropsicóloga como entrevistada. “A pesquisa científica é
uma atividade voltada para a solução de problemas. Pretende dar resposta a perguntas, através
dos processos do método científico.” (Santos & Parra Filho, 2012).
O projeto se desenvolve direcionado aos profissionais da Neuropsicologia com enfoque
na aprendizagem de crianças com TDAH. Para a apresentação dos resultados, a técnica de
Minayo foi à utilizada. Segundo Minayo (2012, p.5), pesquisas estão abertas a diversas
interpretações no decorrer do tempo “(...) A interpretação nunca será a última palavra sobre o
objeto estudado, pois o sentido de uma mensagem ou de uma realidade está sempre aberto em
várias direções. Em sequência foi aplicado à entrevista com o profissional da área pesquisada,
com a utilização da gravação como suporte na obtenção das informações.

3. Resultados e Discussões

Neste capítulo abordaremos o conteúdo obtido a partir da entrevista concedida pela


Neuropsicóloga. Os dados extraídos na entrevista indicam que dificuldades em obedecer a
comandos simples, atraso acadêmico, inquietação, agitação e dispersão são os principais sinais
que devem observados em crianças com hipótese diagnóstica de TDAH. Além desses
indicativos, o desempenho escolar faz parte das características diagnósticas tanto para o TDAH

605
quanto para outros transtornos do desenvolvimento, como a Deficiência Intelectual, o
Transtorno do Espectro Autista ou algumas alterações comportamentais ou transtornos de
aprendizagem. O diagnóstico para o TDAH é dado através de uma equipe multidisciplinar e do
professor que colabora aplicando o teste SNAP IV e avalia em sala de aula o comportamento e
as dificuldades de cada criança.

O manejo de uma criança com TDAH em sala de aula não é uma tarefa fácil.O estilo de
trabalho do professor, além de características pessoais deste profissional,tem importante
impacto sobre ocomportamento em classe e sobre o desempenho acadêmico de crianças
com TDAH. (Desidério& De Os Miyazaki, 2007, p.10).

Desta forma, são propostas atividades do interesse de cada criança, objetivando o


reforço de comportamentos positivos e colocando-os em local onde não há distratores para que
as técnicas sejam melhoresabsorvidas. Constatando-se o TDAH, através da avaliação
neuropsicológica planeja-se o projeto terapêutico individual de cada criança buscando
estratégias que contribuam com o seu desenvolvimento e diminuam a ocorrência de aspectos
negativos nas relações da criança.
Apesar de a Neuropsicologia ser bastante utilizada nesse tipo de tratamento, a mesma
não é a principal técnica empregada quando se fala em Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade. O diagnóstico é extremamente clínico, dado pelo médico através de hipóteses
diagnósticas levantadas pela equipe dentro do relatório. As intervenções são bem mais amplas
do que a especialidade da Neuropsicologia pode contemplar sozinha, por isso, é extremamente
necessário o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, ressaltando a presença da parte
médica para o uso ou não de medicamentos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, terapeuta
ocupacional e a parte esportiva é profundamente importante no desenvolvimento de crianças
com TDAH. Não menos importante, a equipe também precisa da colaboração da família através
de treinamento parental ou mesmo estando próximos, dando apoio nesse processo.
Para Benczik e Casella (2015),“(...) entre as habilidades pessoais que os pais deveriam
adquirir para melhor lidar com seus filhos, cita-se as de comunicação, as de civilidade e as
assertivas”. No processo de aprendizagem de crianças com TDAH, primeiramente a
participação da família na escola traz grandes contribuições para o desenvolvimento e o
acompanhamento da equipe multidisciplinar notratamento são as medidas iniciais que auxiliam
nesse processo de aprendizagem. É fundamental que crianças com esse transtorno não sejam
isoladas, descriminadas ou tratadas com indiferença em relação aos seus coleguinhas ou as
pessoas em geral, pois esses comportamentos dificultam ainda mais o seu desempenho nas
interações sociais. É papel da equipe multidisciplinar, dos professores e da família reforçar
aspectos comportamentais positivos, trabalhar melhor as habilidades socioemocionais e papel
da escola proporcionar adaptação de atividades que apresentem dificuldades, inerentes ao
projeto terapêutico singular que é traçado para cada criança.
Contudo, no geral a Neuropsicologia se faz necessária quando falamos em
aprendizagem de crianças com TDAH. É uma ciência que entende os vários aspectos do
desenvolvimento infantil, independendo se a criança tem ou não atrasos no desenvolvimento se
são crianças típicas ou atípicas ou crianças com dificuldades de aprendizagem. Ressaltando
sempre a imprescindível participação de outros profissionais no diagnóstico e durante a
aplicação de técnicas que visem à diminuição dos prejuízos causados pelo transtorno. A
Neuropsicologia estuda os processos mentais as funções neuropsicológicas envolvidas nesses
diversos transtornos e também avalia de acordo com o desenvolvimento global da criança.
4. Considerações Finais

606
Este artigo teve como objetivo expor questões como as características do TDAH,
intervenções adequadas para a demanda, parcerias estabelecidas entre os diversos profissionais
necessários no processo e principalmente apresentar as principais práticas do Neuropsicólogo
no exercício da aprendizagem de crianças com TDAH.
A partir dos dados coletados na entrevista, entende-se que o tratamento de uma criança
com TDAH em seus aspectos gerais e também no que se refere ao processo de aprendizagem,
necessita da presença de uma equipe multidisciplinar para que as intervenções sejam realmente
efetivas. É fundamental que se investigue mais sobre o Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade, e se conheça de forma mais ampla e abrangente os prejuízos que esse transtorno
pode causar para que consequentemente as intervenções sejam eficazes.

Referências

Benczik, E. B. P., Casella, E. B. (2015) Compreendendo oimpacto do TDAH na dinâmica


familiar e as possibilidades de intervenção. Revista Psicopedagogia, v. 32, n. 97, p. 93-
103.

Capovilla, A. G. S., Dos Santos Assef E. C., Cozza, H. F. P. (2007) Avaliação neuropsicológica
das funções executivas e relação com desatenção e hiperatividade. Avaliação psicológica,
v. 6, n. 1, p. 51-60.

Desidério, R. CS., De Os Miyazaki, M. C. (2007) Transtorno de Déficit de


Atenção/Hiperatividade (TDAH): orientações para a família. Psicologia Escolar e
Educacional, v. 11, n. 1, p. 165-176.

Hamdan, A. C., De Pereira, A. P. A., De Sá Riechi, T.I.J.(2011)Avaliação e reabilitação


neuropsicológica: desenvolvimento histórico e perspectivas atuais. Interação em
Psicologia, v. 15.

Minayo, M. C. de S. (2012) Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & saúde
coletiva, v. 17, p. 621-626.

Rohde, L. A., Halpern, R.(2004) Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade:


atualização. Jornal de Pediatria, v. 80, n. 2, p. 61-70.

Santos, J. A., Parra Filho D. (2012). Metodologia científica. Cengage Learning.


AVALIAÇÃO DA MEMÓRIA DE CURTO PRAZO EM IDOSOS PRATICANTES DE

607
ATIVIDADES FÍSICAS

Iolene Alves Silva de Araujo


Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Lucas Pereira dos Santos
Bruno de Araújo Cardoso
Emerson Diógenes de Medeiros
Paulo Gregório Nascimento da Silva

Introdução
A população mundial de idosos tem apresentado crescimento exponencial nas últimas
décadas, com maior evidência nos países em desenvolvimento, dados os avanços da medicina
que corroboram para o aumento dessa expectativa de vida, a exemplo do Brasil em que essa
população cresceu 18% em cinco anos (Paradella- IBGE, 2018). Esse processo natural de
envelhecimento traz consigo alterações nas funções fisiológicas e cognitivas, que diminuem
a qualidade de vida da pessoa idosa (Papaléo Netto, 2002).
Entre as principais mudanças fisiológicas na velhice, estão as alterações no córtex
frontal, parietal e temporal, devido a densidade de tecidos neuronais, no qual limita a
plasticidade neuronal, que está relacionado a flexibilidade do sistema nervoso central e esse
desequilíbrio dificulta a relação entre organismo- ambiente (Ball, & Birge, 2002). Neste
sentido, dentre às alterações cognitivas, a memória está entre as principais relatadas por idosos
(Ball, & Birge, 2002).
A memória se caracteriza enquanto processos que envolvem a formação e aquisição
de informações, bem como a conservação e evocação de conteúdo (Izquierdo 2014). A
literatura aponta para diferentes tipos de memórias, com classificações que variam entre
diferentes autores. Squire, (1987) define as memórias com relação ao tipo de informação que
está sendo tratada, podendo ser declarativa e de procedimentos, semântica e episódica. Já
Izquierdo (2013) defende que memória é classificada de acordo com o tempo em que a
informação foi adquirida e quando foi evocada, podendo ser memória imediata, recente ou
remota. Outra forma de classificação é concernente ao tempo de permanência das
informações, indicada em curto prazo, que possui retenção mínima em um determinado tempo
e a de longo prazo, no qual as quantidades de informações armazenadas são maiores e mais
prolongadas (Atkinson & Shiffrin, 1971).
Conforme Izquierdo (2011), as memórias de curto prazo são de natureza bioquímica,
no qual o fenômeno abrange a plasticidade sináptica, responsável pelo fortalecimento ou
enfraquecimento das sinapses, que ocorre entre os neurônios ao longo do tempo, como
também está relacionada a condição de existência de memórias de longo prazo. Para Baddeley
(2007) as memórias de curta duração são episódios de natureza elétrica, e não de formação
bioquímica e são resumidamente o armazenamento de poucas informações em um período de
pouca duração.
No decurso do envelhecimento, muitas atividades que eram facilmente feitas, podem
se mostrar com elevado grau de dificuldade ao serem realizadas por idosos, considerando ser
um público mais vulnerável. Tais atividades manifestam-se fortemente ao serem associadas,
principalmente ao aspecto cognitivo, seja por motivos patológicos, como o aparecimento da
demência ou outros fatores relacionados à cognição, tais como a diminuição da velocidade de
processamento das informações, atenção, e memória operacional (Campos, Gomes &
Markoski, 2019).
Nas últimas décadas foram criadas várias hipóteses com o objetivo de explicar o

608
baixo desempenho de idosos em atividades que envolvem a memória, com duas delas bem
evidenciadas. A primeira, hipótese do desuso, se baseia no estilo de vida pacato dos idosos
com a chegada da aposentadoria, no qual os papéis sociais são modificados e as atividades
não geram uma estimulação necessária para o funcionamento integral da memória. Já a
segunda hipótese se relaciona ao declínio a partir do envelhecimento biológico cerebral e teria
causa na perda de neurônios ou na redução de suas sinapses, também devido a insuficiência
de estímulos (Carvalho, Neri, & Yassuda, 2005).
Um estudo conduzido por Hashimoto e outros (2017), demonstrou que a inatividade
física, isto é o sedentarismo pode trazer uma atrofia hipocampal, que seria responsável pela
causa da disfunção da memória. A partir disso, conduziram um estudo com 213 idosos
saudáveis, tendo como instrumento o MEEM (Mini Exame do Estado Mental). As atividades
físicas foram observadas a partir de um questionário que envolvia componentes como lazer,
trabalho e atividades esportivas. Os resultados deste estudo convergem com achados
anteriores de (Erickson et al., 2014) em que a atividade física no lazer possui muitos
benefícios, por exemplo, melhora as funções da memória e aumenta o volume do hipocampo
em idosos sem demência.
Pesquisas evidenciam (Jara, 2019; Wang et al., 2013; Dias & Lima, 2012; Chiari,
Mello, Rezeak & Antunes, 2010) que a prática de atividades físicas pode retardar o
aparecimento de alguns declínios cognitivos, bem como facilitar o processo de evocação de
memórias. Dessa forma, reforça-se que a aquisição de hábitos saudáveis durante o
desenvolvimento humano, de suma importância para diminuir os impactos cognitivos na
terceira idade (Murnan, 2015).
Com isso, o objetivo do presente estudo foi verificar os benefícios da atividade física
para a memória de curto prazo de idosos atendidos na atenção básica da cidade de Parnaíba-
PI.

Método
Delineamento
Caracteriza-se por uma pesquisa quantitativa, quase experimental, com delineamento
ex-post facto.

Participantes
Contou-se com uma amostra de 202 idosos de Unidades Básicas de Saúde (UBS)
localizadas na cidade de Parnaíba-PI, maioria do sexo feminino (n = 142) com idades entre
60 e 95 anos (M = 68,82; DP = 6,27). Participaram da pesquisa idosos que atendiam aos
critérios de inclusão: idade superior a 60 anos que frequentam Unidades Básica de Saúde.
Critérios de exclusão: idosos que não conseguiam estabelecer comunicação; fosse
diagnosticado com algum transtorno neuropsiquiátrico; fizesse uso abusivo de drogas e os que
se recusassem a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Instrumentos
Teste Pictórico de Memória (TEPIC-M) de Rueda e Sisto (2007). Foi aplicado de
forma individual, e objetivou avaliar a capacidade do sujeito de recuperar informação de
estímulos (figuras) que representam substantivos concretos, em um reduzido período de
tempo. Este teste se caracteriza como uma medida de memória de curta duração. Também foi
aplicado um questionário sociodemográfico, composto de perguntas levantando aspectos
sobre os participantes a exemplo de idade, sexo, estado civil, e perguntas sobre variáveis que
pudessem interferir nos resultados deste trabalho a exemplo do nível de escolaridade. Para

609
responder o teste o sujeito deve visualizar a figura durante um minuto e, em seguida, deve
lembrar a maior quantidade de desenhos e detalhes possíveis e escrevê-los na folha de resposta
do teste. A pontuação pode variar de 0 a 55, sendo que é atribuído 1 ponto para cada item
lembrado pelo indivíduo.

Procedimentos
Primeiramente foi realizado o contato com as Unidades Básicas de Saúde, que
autorizaram recrutamento dos idosos que lá se faziam presentes. Em seguida os idosos foram
convidados a participar da pesquisa e aqueles que concordaram assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que os garantiu sobre sua segurança na
participação e forneceu o esclarecimento de que eles poderiam abandonar a pesquisa no
momento em que desejassem e explicado sobre todos os direitos éticos necessários. Feito isso,
os participantes responderam ao questionário sociodemográfico e em seguida deu-se início a
aplicação do TEPIC-M. Os dados coletados foram analisados conforme o manual do teste. As
análises estatísticas foram realizadas através do software PASW 21.

Resultados
Os resultados dos testes foram corrigidos segundo o manual dos instrumentos e
plotados no software. Inicialmente será apresentado um quadro geral sobre aspectos
cognitivos e saúde mental de idosos, por conseguinte serão apresentadas as análises realizadas
comparando o grupo e idosos que fazem atividade física e aqueles que não praticam.
No geral participaram da pesquisa 202 idosos. De acordo com os dados coletados
através do questionário sócio demográfico a maioria dos idosos (45%) apontaram ir a UBS
pelo menos uma vez ao mês. E são dois os maiores motivos dessas visitas, são eles: consulta
médica (22%) e pegar prescrição de tratamento (28%).
Em relação à escolaridade a maioria dos idosos (n = 66,3%) têm entre zero e quatro
anos de escolaridade. A renda familiar da maioria (90,6%) encontra-se entre zero e dois
salários mínimos. Quando lhes foi indagado sobre sua ocupação a maioria respondeu ser
aposentado (n = 135). Quanto ao estado civil, a maioria (n=107), responderam serem casados.
Em relação a cidade de origem, 55,4% dos participantes é natural de Parnaíba - Piauí.
Quando indagados sobre algum diagnóstico dado por um especialista a maioria (90%)
afirmou não possuir nenhum diagnóstico. Dentre aqueles que receberam um diagnóstico, a
depressão é o mais comum (7%). Embora poucos tenham sido diagnosticados com algum
transtorno/patologia, verifica-se na resposta ao item sobre consumo de medicamentos, um alto
índice de ingestão dos mesmos, onde a maioria (43%) aponta tomar mais de um medicamento,
e apenas 16% não tomam.
Ainda foi perguntado aos participantes como eles classificam o atendimento recebido
na unidade básica de saúde que frequenta. Em uma escala de 5 pontos (onde 1 representa
muito insatisfatória e 5 muito satisfatória) a maioria (50,5%) assinalou a opção 4,
considerando o atendimento satisfatório. Após a análise das respostas aos questionários sócio
demográficos, passou-se a análise do teste cognitivo.
Passando para análise dos dados do Teste Pictórico de Memória, que avaliava a
memória visual de curto prazo, pôde-se visualizar que a média alcançada pelos idosos foi de
5,24 (DP = 3,1), identificando assim dificuldade de recuperação de informações visuais.
Considerando as respostas dadas pelos participantes sobre sua prática de atividades
físicas, foi considerada uma amostra de 144 participantes, os quais formaram grupo de igual
número, que praticam e não praticam atividades. As mulheres são maioria tanto no grupo que
não pratica atividades (70%) como no grupo que pratica (68,8%).
No que se refere à condição experimental (idosos ativos), foram investigados aspectos

610
específicos correspondentes às atividades físicas que praticam. Salienta-se que existem
diferentes categorias de atividade física, a exemplo de atividades de lazer, exercício, esporte
(Aversan & Munster, 2012) e todas estas foram consideradas nesta pesquisa.
Ressalta-se que oito atividades foram relatadas, são elas: caminhada, ginástica,
hidroginástica, Costura, crochê, bordado, pedalar, e tocar instrumento musical. Dentre essas
a mais praticada pelos idosos é a caminhada (63,6%). É pertinente destacar que as atividades
físicas independentes de sua categoria trazem benefícios para redução da incapacidade
funcional, e ainda melhoram a autoestima, bem como o humor (Benedetti et al., 2008).
Neste sentido, passou-se a análise dos testes cognitivos por condição de prática ou não
de atividade física. Na tarefa que exigiu o uso da memória visual de curto prazo, realizada
através do TEPIC, verificou-se que os participantes da condição experimental apresentaram
maior pontuação que os da condição controle (ver Tabela 1).

Tabela 1. Média e desvio padrão de cada grupo na tarefa de memória visual


Teste Grupos / Classificação

CE* (n = 72) CC** (n = 72)


TEPIC-M M = 5,94; DP = 3,74 M = 4,43; DP = 2,32
Nota: *Condição Experimental; **Condição Controle; TEPIC-M: Teste Pictórico de Memória; M = média; DP = desvio
padrão.

Discussão
O presente estudo teve como objetivo avaliar aspecto cognitivo memória dos idosos
atendidos pelas Unidades Básicas de Saúde da cidade de Parnaíba considerando ainda se estes
eram sujeitos ativos, praticantes de atividade, ou sedentários, não praticantes. Com base nos
resultados obtidos assegura-se que o objetivo do estudo foi alcançado e apontam de forma
sutil que a atividade física influencia na memória de curto prazo de idosos.
Os dados no teste de memória visual, de um modo geral, apontam para um declínio
nesse processo cognitivo nos idosos avaliados, o que sugere uma maior atenção dos
cuidadores dessa população para buscar formas de intervir eficaz, como o início da prática de
atividade física. Diante dessa realidade, também se ressalta, o papel do cuidador, na lembrança
nos horários e remédios a serem consumidos, evitando que doenças crônico-degenerativas
possam se agravar.
No entanto, outras avaliações devem ser realizadas para tirar conclusões mais precisas
quanto a este declínio ser ou não patológico. Considerando a variável escolaridade, e o ponto
de corte indicado para as mesmas, verifica-se que apenas as pessoas com baixa escolaridade
é que estejam passando por um processo de envelhecimento sem grandes perdas. Salienta-se
que no presente estudo a maioria das pessoas praticantes de atividades físicas são aqueles de
escolaridade entre zero e quatro anos, o que pode implicar nessa melhor performance
cognitiva como indicado na literatura por aqueles que praticam atividade física (Antunes et.
al. 2001; Caixeta & Ferreira, 2009). Entretanto não se pode concluir que o declínio
apresentado pelos participantes acima de 5 anos de escolaridade não seja um déficit natural
da idade já que as pontuações não se distanciam muito do ponto de corte.
Analisando o resultado alcançado na medida de memória de trabalho pôde-se verificar
de forma geral o efeito benéfico da atividade física, nesse aspecto cognitivo, uma vez que
foram os participantes ativos quem se saíram melhor na atividade proposta. Estes resultados
corroboram com o que defende Hashimoto et al., (2017) quando defende que os efeitos do
envelhecimento podem ser amplamente diminuídos com a prática de atividade física, como o
comprometimento progressivo da memória causada pelo atrofia hipocampal. Outros estudos

611
tiveram resultados semelhantes a essa pesquisa como o de Wang et.al (2013), que mostraram
a relação e os efeitos em idosos que praticavam e os não praticantes de atividades de lazer.
Os resultados elencados na literatura, bem como os alcançados neste trabalho reforçam
o que fundamenta a Política Nacional de Saúde a Pessoa Idosa, se faz necessário promover à
saúde e bem-estar na velhice; proporcionar criação de ambientes propícios e favoráveis ao
envelhecimento; além de recursos sócio - educativos e de saúde direcionados ao atendimento
ao idoso. Ainda é possível pensar como investimento a qualificação e educação permanente
em saúde das pessoas idosas, renovando a qualificação dos profissionais da instituição de
saúde.
Observou-se ainda neste estudo o alto número de prescrições de medicamentos para
os idosos, que estão relacionados principalmente com o tratamento de pressão arterial 90%.
Este dado se relaciona com o baixo índice de promoção de saúde para os idosos, visto que das
10 UBS visitadas, em apenas duas são ofertadas atividades físicas, que podem ser paliativos
a doença tratada com medicamento. A realidade é que o perfil demográfico, nos países em
desenvolvimento, mudou rapidamente para mais envelhecido, o que acarreta necessidade
urgente de adaptação dos serviços de saúde as novas realidades.
As evidências apresentadas por meio dos resultados do presente estudo, bem como na
revisão de literatura realizada por Aversan e Munster (2012) sugerem que a atividade física,
ou seja, a adoção de um estilo de vida ativo é necessária para a promoção da saúde e qualidade
de vida durante o envelhecimento, e que a participação em programas de condicionamento
físico pode ser vista como uma alternativa não medicamentosa para a melhora cognitiva em
idosos.
Neste sentido torna-se necessário a formação de profissionais capazes de compreender
o envelhecimento e de atuar clinicamente com idosos, para assim, fornece um atendimento de
qualidade e eficaz. Para tanto, é imprescindível, a reformulação dos currículos universitários
para que disciplinas relacionadas ao envelhecer possam ser incluídas, tais como: Psicologia
do Envelhecimento, Psicoterapia na Velhice, Gerontologia. Contudo este trabalho não está
isento de possíveis limitações, como qualquer outro empreendimento científico.
É importante frisar que o trabalho aqui apresentado constitui um estudo exploratório e
não pretende ser conclusivo. No entanto, foi um passo inicial, e sugestivo para implantação
de locais que forneçam qualidade de vida aos idosos. As futuras pesquisas, sugere-se que
suprir limitações como: (1) do viés da amostragem, pois esta foi do tipo acidental, não
probabilística, logo não se pode considerar a composição real da população, não podendo
generalizar os resultados. Nem mesmo realizada com um número relativamente grande da
amostra permite transpor tal limitação, mas que é importante ser realizada com amostras
maiores e heterogêneas; (2) da coleta de dados ter sido realizada durante a espera por
atendimento, ou seja, em filas, muitas vezes em posição desconfortável, bem como na
presença de outras pessoas, o que pode levar a um efeito de desejabilidade social; (3) Pelos
pesquisadores não terem tido controle sobre as atividades físicas (tempo de execução, e vezes
na semana) auto relatadas pelos participantes; bem como pelo pequeno tamanho amostral
daqueles que diziam fazer atividade física. Desse modo possam ser pesquisas mais criteriosas
quanto às características do exercício físico executado (tempo de duração, dentre outras), ou
mesmo propondo e executando o controle dessa tarefa.
No entanto, mesmo com as limitações os resultados alcançados nesta pesquisa são
plausíveis diante da extensa literatura consultada, por terem sido encontradas diferenças
significativas relativas aos idosos praticantes de atividade física, bem mesmo por traçar um
perfil do idoso atendidos nas UBS da cidade de Parnaíba.

Conclusão
Diante do exposto, nota-se a eficácia das atividades físicas no desempenho cognitivo,

612
especificamente nas funções da memória em idosos, apresentadas também nos resultados da
presente pesquisa. As discussões supracitadas trouxeram muitos indícios quanto a necessidade
de mais estudos dessa temática para idosos. Dessa forma reforça-se que novas pesquisas sejam
feitas a fim de diminuir limitações apresentadas em estudos já realizados, das quais este não
se isenta, a exemplo do controle de prática de atividade física e tamanho amostral. O reforço
para a prática de atividades físicas deve ser constantemente realizado, com suporte em todos
os setores da saúde para a execução de diferentes atividades, a fim de que problemas
cognitivos, como o declínio de memória, dentre outros fatores, sejam diminuídos.

Referências

Antunes, H. K. M., Santos, R. F., Heredia, R. A. G., Bueno, O. F. A., & Mello, M. D. (2001).
Alterações cognitivas em idosas decorrentes do exercício físico sistematizado.
Revista da Sobama, 6(1), 27-
33. https://www.researchgate.net/publication/255621779_Alteracoes_Cogniti
vas_em _Idosas_Decorrentes_do_Exercicio_Fisico_Sistematizado/citation/download

Atkinson, R. C., & Shiffrin, R. M. (1971). The control of short-term memory.


Scientific American, 225(2), 82-91.
https://www.jstor.org/stable/24922803

Aversan, T., & Munster, M. A. V. (2012). Influência da prática de atividade física


na qualidade de vida do idoso: uma revisão bibliográfica. Revista Digital.

Baddeley, A. (2007). Working memory, thought and action. New York: Oxford University
Press.

Ball, L. J., & Birge, S. J. (2002). Prevention of brain aging and dementia. Clinics in geriatric
medicine, 18(3), 485-503. Buenos Aires. Recuperado
de https://www.efdeportes.com/efd165/atividade-fisica-na vida-do-idoso.htm

Caixeta, G. C. dos S., & Ferreira, A. (2019). Desempenho cognitivo e equilíbrio funcional
em idosos. Revista Neurociências, 17(3), 202-
208. https://periodicos.unifesp.br/index.php/neurociencias/article/view/8542

Campos, J. M. S., Gomes, M. C., & Markoski, T. N. (2019). Fatores


psicológicos associados à falta de memória em idosos. Revista Científica
Faculdade Unimed, 1(2), 21-31.

Carvalho, F. C. R., Neri, A. L., & Yassuda, M. S. (2010). Treino de memória episódica com
ênfase em categorização para idosos sem demência e depressão. Psicologia:
Reflexão e Crítica, 23(2), 317-323. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
79722010000200014

Cordeiro, J., Del Castillo, B. L., Freitas, C. S. D., & Gonçalves, M. P. (2014). Efeitos
da atividade física na memória declarativa, capacidade funcional e qualidade de vida
em idosos. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 17(3), 541-
552. http://dx.doi.org/10.1590/S1809-98232012000200015
Chiari, H., de Mello, M. T., Rezeak, P., & Antunes, H. K. M. (2010). Exercício

613
físico, atividade física e os benefícios sobre a memória de idosos. Revista Psicologia
e Saúde, 2(1).
DOI: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v2i1.34

Erickson, K. I., Leckie, R. L., & Weinstein, A. M. (2014). Physical activity, fitness, and gray
matter volume. Neurobiology of Aging, 35(Suppl 2), S20–S28. DOI:
https://doi.org/10.1016/j.neurobiolaging.2014.03.034.

Forlenza, O. V. (2007). Psiquiatria geriátrica do diagnóstico precoce à reabilitação. São Paulo:


Atheneu.

Ferreira, O. G. L., Maciel, S. C., Silva, A. O., Santos, W. S. D., & Moreira, M. A. S. P. (2010).
O envelhecimento ativo sob o olhar de idosos funcionalmente independentes. Revista da
Escola de Enfermagem da USP, 44(4), 1065-1069.
http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342010000400030

Gajewski, P. D., Falkenstein, M. (2016). Physical activity and neurocognitive functioning in


aging - a condensed updated review. Eur Rev Aging Phys Act 13,1 DOI:10.1186/s11556-
016-0161-3.

Hashimoto, M., Araki, Y., Takashima, Y., Nogami, K., Uchino, A., Yuzuriha, T., Yao, H.
(2017). Hippocampal atrophy and memory dysfunction associated with physical
inactivity in community-dwelling elderly subjects. Brain and Behavior, 7 (2). DOI:
10.1002/brb3.620.

Izquierdo, I. A., de Carvalho Myskiw, J., Benetti, F., & Furini, C. R. G. (2013). Memória: tipos
e mecanismos–achados recentes. Revista USP, (98), 9-16.

Izquierdo. I. (2014). Memória. Porto Alegre: Artmed.

Jara, C., Torres, K. A. Olesen, M. A., & Tapia-Rojas, C. (2019). Disfunção mitocondrial como
evento chave durante o envelhecimento: da falha sináptica à perda de memória.
IntechOpen. DOI: 10.5772 / intechopen.88445.

Marín Rueda, Fabián Javier, Sisto, Fermino Fernandes, Cunha, Cláudia Araújo da, Machado,
Fernanda, Moraes Júnior, Rui de, Vitorino, Fabiana Cândida, & Sousa, Vanessa Coelho
de. (2007). Evidências de validade para o Teste Pictórico de Memória: relação com a
inteligência. Psicologia: teoria e prática, 9(1), 14-26. Recuperado em 31 de janeiro de
2020, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
36872007000100002&lng=pt&tlng=.

Netto, P., & Gerontologia, M. (2002). A velhice e o envelhecimento em visão globalizada. São
Paulo: Atheneu.

Rabelo, D.F. Comprometimento Cognitivo Leve em Idosos: avaliação, fatores associados


e possibilidades de intervenção. (2009). Kairós Gerontologia, 12. DOI:
https://doi.org/10.23925/2176-901X.2009v12i2p%25p

Papaléo Netto M. Gerontologia. São Paulo: Atheneu; 2002.


Paradella, R. (2018, abril 26). Número de idosos cresce 18% em 5 anos e ultrapassa

614
30 milhões em 2017. Estatísticas Sociais. [Web page]. Retirado
de: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-
de- noticias/noticia/20980-numero-de-idosos-cresce-18-em-5-anos-e-ultrapassa-
30- milhoes-em-2017

Saraulli, D., Constanzi, M., Mastrorilli, V., & Farioli-Vecchioli, S. (2017). The Long Run:
Neuroprotective Effects of Physical Exercise on Adult Neurogenesis from Youth to
Old Age. Curr Neuropharmacol, 15(4), 519–533.
DOI: 10.2174/1570159X14666160412150223.

Stillman, C. M., Cohen, J., Lehman, M. E., & Erickson, K. I. (2016). Mediators of physical
activity on neurocognitive function: a review at multiple levels of analysis. Frontiers in
human neuroscience, 10 (626). DOI: 10.3389/fnhum.2016.00626. Disponível em:
https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fnhum.2016.00626/full
Varna, R. V., Chuang, Y., Harris, C. G., Tan J. E., Carlson, C. M. (2014). Low‐intensity daily
walking activity is associated with hippocampal volume in older adults. Hippocampus,
25, 605–615. DOI: org/10.1002/hipo.22397. Disponível em:
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/hipo.22397
Wang, H. X., Jin, Y., Hendrie, H. C., Liang, C., Yang, L., Cheng, Y., Gao, S. (2013). Late life
leisure activities and risk of cognitive decline. The journals of gerontology, 68(2), 205–
213. DOI:10.1093/gerona/gls153.

Yassuda, M. S.; Lasca, V. B.; Neri, A. L. Meta-memória e auto-eficácia: Um estudo de


validação de instrumentos de pesquisa sobre memória e envelhecimento. Psicologia:
Reflexão e Crítica, v. 18, n. 1, p. 78-90, 2005.
EIXO 11

615
Psicologia Organizacional do Trabalho e Psicologia Social do
Trabalho
A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO EM PROGRAMA DE READAPTAÇÃO
FUNCIONAL EM UMA IFES
Mônica Alves Silva de Araujo,
Alynne Virginya de Queiroz Lima

1 Introdução

Este trabalho tem por objetivo apresentar a atuação de psicólogas junto aos servidores
da Universidade Federal do Maranhão-UFMA em processo de readaptação funcional. Adiante
serão abordados alguns conceitos sobre esta forma de provimento de cargos (Readaptação),
seus impactos na vida desses servidores e o Programa de Readaptação responsável por
acompanhar os trabalhadores dessa Instituição Federal de Ensino Superior.
O instituto da readaptação previsto na Lei 8112/1990 (Regime Jurídico Único dos
servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais) surgiu
para amparar o trabalhador acometido por uma limitação de saúde de modo que ele continue a
desenvolver atividades na instituição sem prejuízos para sua saúde e evitando a sua
aposentadoria precoce. Deste modo, a readaptação funcional do servidor público federal ocorre
com a mudança de um cargo para outro em virtude de seu adoecimento por uma patologia
limitante. O novo cargo deve ser adequado às limitações de saúde do servidor.
De acordo com o Manual do Subsistema Integrado de Atenção a Saúde do Servidor
(2017), a indicação de readaptação do servidor se dá por meio de avaliação por junta médica
oficial, após averiguação de laudos e exames de médico assistente. Caso o servidor esteja apto
para realizar mais de 70% das atribuições de seu cargo a junta médica indica apenas restrições
de atividades, ou seja, atividades que o servidor não poderá exercer em face de sua doença,
permanecendo em seu cargo. Se o servidor não puder exercer mais que 70% das atribuições de
seu cargo, opta-se pela readaptação e o servidor deverá assumir outro cargo compatível com
suas limitações de saúde. O novo cargo deve ser indicado mediante interações entre perícia
médica e o setor de recursos humanos.
Se por um lado a readaptação garante a continuidade do servidor no seu trabalho,
evitando a antecipação da sua aposentadoria, por outro lado ela demanda de fato uma adaptação
do trabalhador ao seu novo contexto. Neste contexto, o real da doença se contrapõe aos anseios
e projeções anteriormente lançados a seu futuro, sua carreira, suas aspirações. Como bem
destaca Vivan (2018, p. 29) “o adoecimento no trabalho representa limitações para o
trabalhador, marcado pelo sofrimento, inutilidade e incapacidade, quando o indivíduo está
afastado do trabalho”. Nesse contexto, a readaptação implica em uma reorganização do
trabalhador após uma situação de perdas de capacidades que envolve aspectos físicos,
psicológicos e sociais (Schimidt e Barbosa, 2014). Esse processo desencadeia uma gama de
emoções e sentimentos que incluem o luto pela perda de sua saúde, pela perda da capacidade
de realizar seu trabalho integralmente, envolvendo manifestações de frustração, insegurança e
medos diversos.
Além dos aspectos individuais relacionados à dimensão psíquica e conflitos vivenciados

616
internamente, Schimidt e Barbosa (2014) apontam também para aspectos relativos ao trabalho,
ao sentido que as atividades proporcionam a cada pessoa bem como o apoio social vivenciado.
Retornar ao trabalho depois de um período de afastamento, principalmente quando envolve uma
mudança de setor, demanda um novo modo de agir pela necessidade de adaptação às novas
atribuições, aos limites a serem incorporados, novas relações interpessoais e intergrupais que
se estabelecem após a formação de uma nova configuração do ambiente de trabalho: gerências,
colegas de trabalho e organização. Por essas razões, o apoio psicológico a estes trabalhadores
mostra-se necessário e deve auxiliá-los neste processo de reconfiguração do sentido do trabalho
e até mesmo da própria vida.
Na Universidade Federal do Maranhão-UFMA, uma Instituição Federal de Ensino
Superior, o acompanhamento de servidores em processo de readaptação é feito pela Divisão de
Qualidade de Vida (DQV), a qual está inserida na Coordenação de Atenção à Saúde do
Trabalhador (CAST). O corpo de servidores da UFMA é formado por docentes e técnicos-
administrativos em educação (estes podem ser profissionais de nível fundamental, médio ou
superior). Esse acompanhamento é realizado pelas psicólogas do setor por meio do Programa
Readaptar, em parceria com as profissionais que compõem a equipe multiprofissional da DQV
e em constante interação com os profissionais da Divisão de Perícia Médica.
O Programa Readaptar surgiu mediante a necessidade de acompanhamento dos
servidores, visto a frequência dos afastamentos para tratamento de saúde, a dificuldade dos
servidores com o retorno às suas atividades tanto por condições impostas pela sua doença
quanto pela dificuldade de aceitação de sua equipe de trabalho, incluindo chefes e pares. Como
observou Costa (2015) em pesquisa realizada com servidores readaptados desta mesma IFES,
no processo de readaptação o sujeito adoecido muitas vezes passa a ser considerado como
“protegido”, ou que está “fazendo corpo mole”, que não quer trabalhar. Os colegas por sua vez
se acham injustiçados por se sentirem sobrecarregados com as atividades que o colega adoecido
não pode executar.
Essa situação vai se configurando em um processo de estigmatização do servidor
adoecido, que passa a ser visto pelos pares e chefias como alguém inútil, incapaz,
fraco, que não pode produzir e que só atrapalha. Muitas vezes fica desacreditado pela
equipe, que tende a excluí-lo de toda a rotina, deixando-o à margem do trabalho. Os
afastamentos frequentemente são vistos com desconfiança tanto pelos colegas de trabalho
quanto pela própria perícia médica. Além do sofrimento provocado pela doença, o servidor
sofre ainda mais com humilhações e constrangimentos frutos da dinâmica da instituição (Costa,
2015).
Por essas razões, as profissionais da qualidade de vida atuam no acolhimento do
servidor, bem como na sensibilização das chefias. Esse acolhimento busca proporcionar um
espaço de fala, de ressignificação e de promoção de um resgate no sentido do trabalho que por
vezes fica perdido em meio a licenças recorrentes. Nesse contato é possível identificar os
aspectos emocionais desse momento da vida do trabalhador, os recursos de enfrentamento que
têm sido utilizados, o nível de engajamento em seu tratamento e até mesmo alguns
comportamentos de risco. Algumas situações exigem que o servidor mude de lotação pois sua
nova configuração de saúde não permite realizar tarefas próprias daquele setor. Isso exige uma
capacidade de adaptação a muitas mudanças, por essa razão a abordagem da equipe da DQV
também buscar obter do servidor informações que possam ajudá-lo a ser lotado em um setor
apropriado a sua saúde e que lhe traga satisfação.
Nos próximos tópicos são apresentadas as formas com que esses servidores são

617
abordados, o apoio fornecido por meio do acompanhamento, os principais motivos de
adoecimento, as percepções das profissionais acerca desses atendimentos e os resultados
obtidos com as intervenções, entre outras informações.

2 Método

Este trabalho trata-se de Relato de Experiência Profissional visto que buscar apresentar
o resultado de intervenções realizadas em campo, neste caso, na área da psicologia
organizacional. A prática apresentada é desenvolvida na Divisão de Qualidade de Vida da
UFMA. Esta divisão possui diversos programas voltados a promoção da saúde do servidor,
dentre elas o Programa Readaptar que acompanha servidores em readaptação funcional.
Os servidores em processo de readaptação chegam a equipe da Divisão de Qualidade de
Vida de duas formas: demanda espontânea ou encaminhamento pela Divisão de Perícia Médica.
O servidor é então acolhido pela equipe que apresenta o Programa Readaptar e sua forma de
funcionamento. A partir daí são realizadas entrevistas com esses servidores buscando
informações detalhadas sobre sua demanda. Essas entrevistas ocorrem na sala da Divisão de
Qualidade de Vida com a equipe de psicólogas do setor e eventualmente com outras técnicas
da equipe multiprofissional, a saber: assistente social, terapeuta ocupacional ou fonoaudióloga.
Em um outro momento, quando necessário é realizada reunião junto a chefia desses servidores
nos seus respectivos setores de lotação.
As entrevistas conduzidas ao servidor são constituídas por perguntas abertas e versam
sobre os seguintes aspectos: história de vida e profissional, motivo do afastamento, surgimento
da doença e principais sintomas, descrição das atividades realizadas no atual ambiente de
trabalho, atividades que podem ser realizadas ou não a partir do adoecimento, sentimentos em
relação ao adoecimento e a readaptação, tratamentos e acompanhamento de profissionais,
expectativas em relação a um novo ambiente de trabalho, observações em relação à
receptividade dos pares e chefias frente à readaptação. Nas reuniões com as chefias busca-se
primeiramente compreender os impactos daquela readaptação para a dinâmica da equipe de
trabalho e em seguida sensibilizar essas chefias para que possam auxiliar na adaptação do
servidor ao ambiente de trabalho com suas devidas restrições.
Após a readaptação formal do servidor, que consiste geralmente na mudança de lotação
ou na retirada de algumas atribuições do cargo (restrição de atividades) a equipe entra em
contato com o mesmo para verificar como tem sido sua adaptação. Outro encontro é proposto
ao servidor dois anos depois de sua readaptação formal para identificar mudanças do quadro de
saúde, se existe necessidade de reavaliação da sua capacidade laborativa, ou se houve outras
mudanças importantes na sua saúde no decorrer do tempo.
Para facilitar esse acompanhamento ao servidor readaptado foi desenvolvido um
programa de computador que mantém registrados os dados principais de cada sujeito. Através
desse programa as datas das reavaliações são notificadas por e-mail às profissionais
responsáveis. Foi desenvolvido também um aplicativo para celular que contém as informações
mais básicas do programa matriz e fornece os alertas de proximidade das reavaliações. O
referido programa foi registrado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial sob Processo
de Nº: BR512018052052-9.
Adiante são apresentados os resultados obtidos com as intervenções realizadas pelo
Programa Readaptar desde sua criação até o momento, bem como a discussão desses resultados
tomando por base a literatura vigente e as percepções das autoras.
3 Resultados e Discussão da experiência

618
Desde que foi instituído o Programa Readaptar na Universidade Federal do Maranhão
já foram atendidos 53 servidores no período de 2009 a 2019. Em relação ao perfil dos servidores
integrantes do referido programa elaborou-se o Quadro 01.

PERFIL DOS ATENDIDOS QUANTIDADE PERCENTUAL

SEXO Feminino 39 74%

Masculino 14 26%

CATEGORIA Técnico-administrativos 41 78%

Docentes 12 22%

LOCALIDADE Hospital Universitário 35 67%

Cidade Universitária 18 33%

MOTIVO DA Saúde Física 35 66%


READAPTAÇÃO
Saúde Mental 13 25%

Misto 05 9%

Fonte: Dados do Programa Readaptar (2009-2019)

Em relação ao cargo da categoria dos técnicos-administrativos, dentre os 41


servidores acompanhados, têm-se os seguintes profissionais:
1) Auxiliar de Enfermagem com 11 servidores readaptados;
2) Enfermeiro com 11 servidores readaptados;
3) Técnico de Enfermagem com 08 servidores readaptados;
4) Cozinheiro, Intérprete de Sinais, Médico e Técnico de Laboratório com
02 servidores readaptados cada;
5) Auxiliar de Laboratório, Motorista e Terapeuta Ocupacional com 01
servidor readaptado cada.
Observa-se que a maior parte dos servidores em readaptação são do sexo feminino
(74%), pertencentes à categoria de técnico-administrativos (78%) do Hospital Universitário
(67%), sendo os mais atingidos os auxiliares de enfermagem e os enfermeiros. Em relação ao
motivo do adoecimento destacam-se aqueles que adoeceram por patologias que afetaram a
saúde física (66%), seguido dos que adoeceram por transtornos que afetaram a sua saúde mental
(25%) ou de forma mista (9%).
No Quadro 02 detalham-se as patologias que culminaram na readaptação dos servidores.
É importante ressaltar que às vezes um servidor apresentava mais de uma patologia.

Motivo Patologia Quantitativo

Saúde Física Doenças osteomusculares e ortopédicas 25


Distúrbios relacionados à voz 03
Doenças respiratórias 02

619
Lesões 02
Doenças coronárias 01
Doenças oftalmológicas 01
Doenças Metabólicas 01
Doenças do Aparelho Digestivo 01
Outras doenças não classificadas 01

Saúde Mental Depressão 09


Síndrome do Pânico 03
Transtorno de Ansiedade 03
Síndrome de Burnout 03
Transtorno Afetivo Bipolar 01
Esquizofrenia 01
Estresse 01

Misto Doença Ortopédica e Osteomuscular + 05


Transtorno Mental

Fonte: Dados do Programa Readaptar (2009-2019)

Partindo desses dados é possível tecer algumas considerações. Primeiramente destacar


o alto índice de adoecimento e consequentemente de readaptação de profissionais da saúde
lotados no Hospital Universitário. Os principais motivos de adoecimentos desses servidores
estão relacionados às Doenças Osteomusculares e Ortopédicas e alguns Transtornos Mentais,
como Depressão e Estresse. Dentre os fatores que têm contribuído para esse adoecimento pode-
se observar ao longo dos anos, por meio das entrevistas, questões relacionadas à gestão,
diversificação dos vínculos trabalhistas havendo diferenças de salários, benefícios e carga
horária, gerando sentimentos de injustiça organizacional, trabalhos noturnos e em regime de
plantão, mais de um vínculo de trabalho.
No contexto da Cidade Universitária destaca-se o adoecimento do docente. Dentre os
principais motivos de afastamento do docente estão os Distúrbios relacionados à Voz e
Síndrome de Burnout. No que se refere à readaptação do docente este geralmente é afastado de
sala de aula, passando a desenvolver apenas atividades relacionadas à pesquisa e extensão. Essa
mudança é vista como fonte de sofrimento para esses docentes. Como já afirmavam Arbex, et
al. (2013, p. 275) “é urgente o reconhecimento do fato de que o adoecimento dos docentes
acontece no âmbito (visceral) da própria dinâmica do trabalho universitário”. Na readaptação
funcional a mudança dessa dinâmica impõe-se como necessária.
Durante as entrevistas realizadas com estes profissionais observa-se um sentimento de
ambivalência com a restrição de atividades de sala de aula. Se por um lado o docente se
reconhece como tal ao atuar na área do ensino, tendo o lecionar um grande significado na vida
laboral deste profissional, por outro lado a maioria das patologias irão impactar no desempenho
em sala de aula, podendo essa atividade piorar o seu quadro de adoecimento. No entanto,
observa-se que existe certa dificuldade do docente em se visualizar fora deste ambiente e aceitar

620
essa mudança. Outro aspecto observado trata-se da interação com os pares, pois os estes tendem
a culpá-lo pelo seu adoecimento, desconsiderando o contexto no qual esse docente se encontra
inserido, o que aumenta o seu sofrimento.
Assim, durante as entrevistas realizadas pelo Programa Readaptar tem sido possível
contribuir para que o docente visualize a readaptação como um momento de cuidado com a
saúde, sendo o afastamento de sala de aula necessário para a melhoria das suas condições de
saúde e qualidade de vida. Nesses momentos as psicólogas buscam também favorecer ao
professor uma reinvenção da sua atuação em áreas ligadas à pesquisa e extensão.
Essas intervenções feitas pelas psicólogas da equipe de qualidade de vida são pautadas
nas atribuições do psicólogo na área organizacional e tem buscado auxiliar o servidor em
readaptação a transpor os obstáculos psíquicos e também administrativos apresentados no
percurso. Dentre as atribuições do Psicólogo do Trabalho sinalizadas pelo Conselho Federal de
Psicologia tem-se que este profissional:

desenvolve e analisa, diagnostica e orienta casos na área da saúde observando níveis


de prevenção e reabilitação, participando de programas e/ou atividades na área da
saúde e segurança de trabalho, subsidiando-os quanto a aspectos psicossociais para
proporcionar melhores condições ao trabalhador (CFP, 2008, p. 02).

Em relação à readaptação funcional de servidores públicos Vivan (2014) enfatiza que o


acolhimento destes deve ocorrer por meio da escuta qualificada realizada por uma equipe
multiprofissional da Instituição. Deve ser feita a partir do levantamento de informações sobre
competências e experiência profissional dos servidores para facilitar sua lotação em um
ambiente adequado com as condições de saúde apresentadas, sem que haja novos agravamentos.
Ainda segundo a autora a readaptação não deve ser feita pelo próprio servidor como ocorre em
alguns locais.
Deste modo, destaca-se que a atuação das psicólogas no processo de readaptação
funcional foi de fundamental importância, visto que alguns servidores fragilizados em virtude
do seu adoecimento viam-se sem nenhuma perspectiva de retorno ao trabalho. A partir das
entrevistas e do suporte profissional foi possível um novo olhar de si mesmo, proporcionando
uma reinvenção do indivíduo enquanto trabalhador. Conforme destaca Costa (2015) a
readaptação funcional permite a reinserção do trabalhador na Universidade a partir da
mobilização subjetiva diante de um novo contexto de trabalho.
As entrevistas com as psicólogas do setor de qualidade de vida propiciam uma
oportunidade de escuta sobre o adoecimento desses profissionais que apresentam algumas
dificuldades em relação a uma nova lotação que seja compatível com sua condição de saúde.
No geral, os servidores se sentem acolhidos e fortalecidos após a escuta pelo psicólogo para
reivindicar a mudança de ambiente ou permanecer no seu setor desenvolvendo apenas
atividades recomendadas pela Perícia Médica.
A intervenção do psicólogo dá-se ainda junto às chefias que muitas das vezes são
insensíveis ao adoecimento do servidor. A partir de reuniões com as mesmas é possível explicar
o contexto pelo qual o servidor adoeceu, tirar dúvidas acerca de como proceder com o servidor
adoecido, suporte organizacional, dentre outras demandas que surgem. Corroborando com tal
afirmação Costa (2015) ressalta a importância dos diferentes profissionais envolvidos na
readaptação funcional de servidores que envolve a equipe de profissionais que atuam na
prevenção e na intervenção dos casos de adoecimento, bem como na receptividade das chefias

621
imediatas e pares, facilitando a reinserção laboral.
Diante do exposto, enfatiza-se a relevância do Programa de Readaptação desenvolvido
pelo setor de qualidade de vida da UFMA no que se refere ao acompanhamento pelo psicólogo,
visto que sua atuação torna-se um diferencial na vida produtiva dos trabalhadores,
principalmente, entre aqueles em situação de vulnerabilidade pelo adoecimento apresentado e
também no âmbito institucional. O espaço de escuta fornecido pela Divisão de Qualidade de
Vida a esses servidores se configura como um lugar de ressignificação do sentido do trabalho
e de resiliência.

Referências

Arbex, A. P. S., Katia, R. S., Mendonça, A. L. O. (2013). Trabalho docente, readaptação e


saúde: a experiência dos professores de uma universidade pública. Physis Revista de
Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, 23 [ 1 ]: 263-284.
Conselho Federal de Psicologia. (2008). Atribuições profissionais do psicólogo no Brasil.
Recuperado de https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/atr_prof_psicologo.pdf.
Costa, A. F. M. (2015). As Repercussões do Adoecimento na Subjetividade de Servidores
em Readaptação Funcional de uma Universidade Federal de Ensino Superior.
(Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Maranhão, São Luís, p.108.
Lei nº 8112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos
civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Recuperado de
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm.
Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal. (2017). Subsistema
Integrado de Atenção a Saúde do Servidor. Ministério do Planejamento. Brasília.
Schmidt, M. L. G., Barbosa, W. F. (2014). Ação Interdisciplinar na Readaptação ao Trabalho:
caminhos e desafios. In. M. L. G. Schmidt, & M. C .S. Del-Masso (Orgs) Readaptação
Profissional: da Teoria à Prática. São Paulo: Cultura Acadêmica.
Vivan, C. A. (2014). Acolhimento de Servidores Públicos Readaptados: Uma Questão de
Saúde do Trabalhador. Especialização. Curso MBA em Gestão de Pessoas da Pós-
Graduação lato sensu do Programa FGV in company. p.51.
VALORES HUMANOS, DESEJABILIDADE SOCIAL E PRECONCEITO FRENTE

622
ÀS MINORIAS: UMA ANÁLISE DAS TRABALHADORAS.

Juliana Vitória Galeno da Silva


Carla Fernanda de Lima
Lerlieny de Araújo Silva
Karina Alves de Oliveira
Priscilla Aparecida Gomes de Oliveira
Brunno Ewerton de Magalhães Lima

1 Introdução
O trabalho se constitui como um importante componente na vida das pessoas em geral.
Além de ser uma forma de ganho monetário para a garantia de sobrevivência e qualidade de
vida, também representa um espaço para realizações profissionais do indivíduo,
independentemente das áreas de trabalho em que atue (Morin, 2001). Dessa forma, por sua
relevância social, tem sido alvo de estudos ao longo da história, sendo foco de interesse de
diversas áreas, como as ciências sociais, administração, economia e psicologia organizacional.
As organizações e a interferência da dinâmica laboral na vida dos indivíduos constituem o
eixo de conhecimento da psicologia organizacional. As relações entre subjetividade e trabalho
são abordadas por Dejours (2004) quanto ele aponta que o trabalho é um processo de reforma
pessoal, onde o sujeito tem a oportunidade de se satisfazer ao realizar atividades profissionais.
Essa assertiva corrobora com a ideia de que o trabalho é parte essencial na vida do indivíduo,
ocupando um espaço que transcende a área financeira.
Diogo (2007) destaca a atuação do trabalho na estruturação do psiquismo humano, já que
o indivíduo se constrói diretamente no contato com as atividades que realiza, sendo a maneira
como a pessoa enxerga sua função um fator de destaque na construção de um conceito sobre si
mesmo. Essa afirmação evidencia a importância do trabalho na formação de uma identidade,
onde quem está inserido no mercado de trabalho tem uma concepção diferenciada sobre si,
sendo essa ideia atravessada pela posição social que é oferecida pela realização de uma
atividade laboral.
O entendimento do trabalho como um agente que atua na composição social lhe confere
um status diferente do habitual, pois é possível identificar a posição social ocupada por um
indivíduo através de características como um linguajar próprio ou vestimentas que remetem a
profissões específicas (Dejours, Dessors & Desriaux, 1993). Essa segunda função atribuída ao
trabalho também evidencia o caráter excludente que ele possui, característica essa que se
manifesta em relação a alguns grupos minoritários como os negros, a população LGBTQ+ e as
mulheres.
Essas desigualdades e as mais variadas formas de discriminação que ocorrem, não só no
ambiente de trabalho mas em todas as áreas sociais, é nutrida pelo preconceito, que criou raízes
profundas na sociedade. O preconceito se encontra no campo dos afetos, sendo demonstrado
simpatia por um grupo e rejeição por outro (Sacco, de Paula Couto & Koller, 2016). Assim é
possível compreender que mesmo aqueles que sofrem preconceito também podem assumir
posturas preconceituosas direcionadas a outros grupos, criando-se assim um círculo vicioso de

623
reprodução de preconceitos.
A realização desse estudo se mostra de grande importância para entender como a sociedade
manifesta o preconceito frente a grupos minoritários, analisando os valores humanos que
norteiam a vida das trabalhadoras, bem como a influência da desejabilidade social nas respostas
emitidas, possibilitando compreender como esse preconceito é emitido pelas próprias minorias.
A partir dos resultados encontrados será possível obter um retrato da realidade que possibilitará
o desenvolvimento de estratégias que possam combater o preconceito e as desigualdades que
ainda persistem em nossa sociedade.

2 Objetivos
Diante dessa realidade social, o presente estudo visa compreender como são constituídas as
respostas de preconceito emitidas pelas mulheres frente às minorias, avaliando a influência que
ações desejáveis socialmente possuem na constituição dessas respostas e quais valores humanos
são priorizados pelas trabalhadoras no contexto da cidade de Parnaíba-PI.

3 Metodologia

3.1 Participantes
A pesquisa contou com uma amostra selecionada por conveniência, com as mulheres que
apresentaram disponibilidade em responder o instrumento de forma voluntária. Os critérios de
seleção das entrevistadas foram ter maioridade (a partir dos 18 anos) e serem alfabetizadas.
Para tanto contou-se com uma amostra não probabilística de 200 mulheres trabalhadoras da
cidade de Parnaíba-PI, variando de 18 a 66 anos (m= 29,6), sendo composta em sua maioria
por mulheres pardas (46,7%), solteiras (63,9%), heterossexuais (87,1%) e com o ensino médio
completo (38,9%). A renda média apresentada pelas participantes foi de 1 salário mínimo
(23,1%), sendo que a maioria declarou não estar trabalhando no momento em que o estudo foi
realizado (41,5%). Quanto a classe social a maioria respondeu que em comparação com as
pessoas do seu país considera-se pertencente à classe média (28,3%).

3.2 Instrumentos
As participantes da pesquisa receberam um livreto contendo os seguintes instrumentos:
- Escala de Desejabilidade Social: Essa escala foi elaborada por Crowne e Marlowe (1960) e
objetiva demonstrar que participantes de pesquisas psicológicas estão mais propensos a emitir
respostas socialmente aceitas, evitando assim a emissão de respostas que seriam reprovadas no
meio social. Tal escala é formada por 21 itens retirados da escala de personalidade, onde a
trabalhadora deve assinalar verdadeiro (1) ou falso (2), segundo descreve seu comportamento
cotidiano (Gouveia, Guerra, de Sousa, Santos & de Mesquita Costa, 2009).
- Escala de Motivação Interna e Externa para Responder sem Preconceito: Essa escala foi
criada por Plant e Devine (1998) e é composta por 10 itens distribuídos equitativamente em
dois fatores de motivação: interna e externa que avaliam em que medida as pessoas respondem
não preconceituosamente em relação a exogrupos. As participantes respondem o instrumento
considerando uma escala de nove pontos, com os seguintes extremos: 1 (Discordo totalmente)
e 9 (Concordo totalmente) (Gouveia, de Souza Filho, de Araújo, Guerra & de Sousa, 2006).
- Questionário de Valores Humanos Básicos (QVB): É um instrumento composto por 18

624
questões, cada uma representada por um valor, sendo três valores para cada uma das seis
subfunções (existência, realização, normativa, suprapessoal, experimentação e interacional).
Nesse questionário cada valor é avaliado de maneira independente como um princípio que guia
a vida do indivíduo, baseando-se em uma escala de resposta com sete pontos, variando de 1
(Totalmente não importante) a 7 (Extremamente importante), sendo que a participante precisa
indicar o quanto o considera importante na escala (Gouveia, Milfont, Fischer & Santos, 2008).
- Questionário de Caracterização da Amostra: Todas as participantes responderam a um
conjunto de perguntas de caráter sócio demográfico que levantavam questões envolvendo sexo,
idade, estado civil, filhos, escolaridade, cor/raça, orientação sexual, classe social, tempo de
serviço, cargo/setor que atua, ocupação de cargo de chefia e média salarial.

3.3 Procedimentos
A aplicação dos instrumentos se deu de forma individual, sendo as participantes
abordadas em locais públicos da cidade de Parnaíba-PI, tais como feiras, praças, ruas e centros
comerciais. Inicialmente as mulheres que concordaram em participar da pesquisa assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias, sendo que uma ficava com
a participante e a outra via era entregue à pesquisadora. Salienta-se que antes da aplicação dos
instrumentos procurou-se enfatizar que a colaboração com a pesquisa não acarretaria em
nenhum encargo as participantes e que sua participação seria voluntaria, podendo desistir de
participar da pesquisa a qualquer momento sem prejuízos, esclarecendo também que não
existiam respostas certas ou erradas.
Foi esclarecido às participantes que o sigilo e o anonimato estariam garantidos e que em
momento nenhum as participantes seriam identificadas no projeto. Todos os procedimentos
éticos para a realização de pesquisas com seres humanos foram cuidadosamente adotados,
baseando-se nos princípios da Resolução 510/16, que regulamenta através de diretrizes e
normas as pesquisas envolvendo seres humanos.

3.4 Análise dos dados


A análise de dados foi de cunho quantitativo, sendo que para a análise das escalas e do
questionário sócio demográfico utilizou-se o software SPSS versão 21.0. Foram realizadas
estatísticas descritivas (medidas de tendência central e dispersão) com o objetivo de descrever
os participantes do estudo, além de análises de correlação, a fim de avaliar a relação entre os
construtos investigados e o teste T de Student.

4 Resultados e Discussão
O presente estudo objetivou compreender a relação entre os valores humanos básicos
priorizados pelas mulheres trabalhadoras de Parnaíba e a desejabilidade social com as
motivações interna e externa para responder sem preconceito frente às minorias. Buscou-se
também verificar se havia diferença na emissão dessas respostas quanto ao nível educacional e
a situação socioeconômica das trabalhadoras.
Com o objetivo de verificar a relação entre os valores humanos básicos, a desejabilidade

625
social e a motivação interna e externa para responder sem preconceito, foram realizadas análises
de correlação (r de Pearson). Os resultados podem ser observados na Tabela 1.

Tabela 1
Correlações: valores humanos básicos, desejabilidade social e motivação interna e
externa para responder sem preconceito.
EXI RLZ NOR SPP EXP INT DSJ TEM MTI

EXI

RLZ 0,26**

NOR 0,38** 0,19**

SPP 0,34** 0,28** 0,30**


Conclusão
EXP 0,12 0,25** -0,04 0,21** Continua

INT 0,31** 0,22** 0,28** 0,23** 0,13

DSJ -0,00 -0,04 0,17* -0,00 -0,03 -0,02

TEM -0,00 0,02 0,04 0,02 0,06 0,00 -0,20**

MTI 0,15* -0,10 -0,03 0,12 0,00 0,15* -0,13 0,34**

Nota. ** p < 0,01/ *p < 0,05. EXI = existência; RLZ = realização; NOR = normativa; SPP = suprapessoal; EXP =
experimentação; INT = interativa; DSJ = desejabilidade social; MTE = motivação externa para responder sem
preconceito; MTI = motivação interna para responder sem preconceito.

Os resultados apontaram que a desejabilidade social apresentou correlação positiva e


significativa apenas com a subfunção normativa. A motivação externa expressou correlação
negativa com a desejabilidade social e a motivação interna revelou correlações positivas com a
subfunção existência, interativa e com a motivação externa.
Ressalte-se que a subfunção normativa apresenta um aspecto materialista que é
direcionado pelo aspecto social (Gouveia, Milfont, Fischer & Santos, 2009). Isso possibilita o
entendimento da correlação entre essa subfunção e a desejabilidade social, uma vez que é
priorizado o que é desejável socialmente, como seguir normas e tradições.
Assim é possível destacar que a desejabilidade social se constitui como um fator que
influencia as pessoas a seguir regras e leis, uma vez que o não seguimento destas não é o
comportamento esperado pelo meio social. Diante disso é possível que as participantes da
pesquisa tenham apresentado os valores normativos como prioridade, mesmo que isso não
represente a verdade, por não querer apresentar um comportamento que seria reprovado
socialmente. Almiro (2017) corrobora com essa afirmação ao apontar que a pessoa responde
direcionada pelo modelo que ela acreditar ser o ideal e não de acordo com sua autoavaliação.
A motivação externa para responder sem preconceito apresentou uma correlação
negativa com a desejabilidade social, corroborando com o que é apresentado pela literatura, que
presume uma relação entre os construtos. Santos (2017) destaca que esses dois construtos se

626
aproximam, uma vez que ambos lidam com a aprovação de outras pessoas. Por ser uma
correlação negativa é possível inferir que quanto maior a motivação externa menor a
desejabilidade social e vice versa.
Essa correlação negativa encontrada nos resultados pode ter sido afetada pelo atual
contexto histórico, social, econômico e político onde há uma crescente onda conservadora no
Brasil e no mundo. De Carvalho (2015) destaca que no cenário brasileiro há um embate entre
duas forças com objetivos distintos, uma de caráter neoconservador e neoliberal; e a outra que
busca consolidação da democracia e a conquista de direitos, refletida nos movimentos sociais.
Diante disso entende-se que esse resultado pode se justificar pelo fato do meio social
não estar mais assumindo um papel tão expressivo no comportamento de emitir respostas não
preconceituosas em relação a grupos minoritários e seus membros, ou seja, o julgamento de
terceiros já não é tão determinante para barrar respostas preconceituosas. É importante destacar
também que o preconceito, em muitas situações, se manifesta de uma forma mais sutil,
adquirindo uma aparência que pode passar despercebida pelas demais pessoas. Outro fator que
pode ter influenciado nesse dado foi o fato das participantes responderem o questionário de
forma anônima, o que pode ter contribuído para que elas não se preocupassem com a
desejabilidade social, situação essa que poderia ser diferente se as respostas fossem emitidas
em público, como destaca Santos (2017) em seu estudo acerca das motivações para uma
alimentação não saudável.
Foi encontrada também uma correlação significativa entre a motivação interna e a
subfunção existência, que refere-se a satisfação de necessidades básicas como comer, dormir e
também a necessidade de segurança, ou seja, quem prioriza essa subfunção está voltado para a
manutenção da vida (Formiga, 2017). A motivação interna por sua vez se caracteriza como o
conjunto de crenças e valores intrínsecos aos indivíduos, constituindo características do sujeito
que o motivam a responder de forma não preconceituosa (Gouveia, Athayde, Soares, Araújo &
Andrade, 2012). Sendo assim é possível compreender que no contexto em que o estudo foi
aplicado a existência se mostra extremamente importante para as participantes, sendo um valor
que pode influenciar na motivação interna para responder sem preconceito, uma vez que essa
subfunção busca certificar que o indivíduo terá as condições necessárias para seu bem estar
físico e psicológico, como aponta Gouveia et al. (2009).
A motivação interna também apresentou correlação com a subfunção interativa, que
representa a importância de criar e manter as relações entre os sujeitos, contribuindo para sanar
a necessidade de pertença e amor dos indivíduos (Leite et al., 2014). Essa correlação pode
indicar que as participantes tenham se identificado como minoria, criando assim um sentimento
de pertença ao grupo, sendo esse valor um forte componente na motivação interna das
participantes para responder sem preconceito.
As motivações internas e externas também apresentaram uma forte correlação entre si,
fato esse que corrobora com o que é apresentado na teoria. Dos Santos Paim e Pereira (2018)
destacam em seu estudo que ambas as motivações norteiam os indivíduos na emissão de
respostas sem preconceito. Diante disso é possível compreender que as pessoas respondem sem
preconceito baseadas em motivações externas e em motivações internas, mas uma delas assume
o papel principal no direcionamento de respostas não preconceituosas.
Com o objetivo de constatar se havia diferenças quanto ao nível educacional e a situação
socioeconômica das participantes acerca dos valores humanos básicos priorizados, da
desejabilidade social e das motivações internas e externas para responder sem preconceito
realizou-se o teste T de Student. Os resultados podem ser encontrados nas Tabelas 2 e 3.
627
Tabela 2
Comparação dos valores humanos básicos, desejabilidade social e motivação interna e
externa para responder sem preconceito quanto ao nível educacional.
Dimensões Amostra Nível educacional Estatísticas

Total Básico Superior


M (DP) M (DP) M (DP) t gl p
Existência 6,12 6,06 6,21 -1,33 196 0,18
(0,74) (0,79) (0,67)
Realização 4,86 4,82 4,91 -0,64 196 0,51
(0,97) (0,99) (0,95)
Continua
Normativa 5,57 5,66 5,46 1,38 196 0,16
(1,00) (0,98) (1,03)
Suprapessoal 5,71 5,55 5,91 -3,71 195 0,00
(0,71) (0,76) (0,58)
Experimentação 4,68 4,61 4,78 -1,26 196 0,20
(0,93) (0,96) (0,90)
Interativa 5,41 5,27 5,60 -2,41 196 0,01
(0,95) (1,03) (0,80)
Desejabilidade 1,47 1,47 1,47 0,04 194 0,96
(0,10) (0,10) (0,11)
Motivação externa 2,57 2,69 2,37 1,66 196 0,09
(1,35) (1,34) (1,32)
Motivação interna 4,29 4,07 4,55 -3,20 186 0,00
(1,11) (1,27) (0,79) Conclusão
Nota. M = média; DP = desvio padrão.

Tabela 3
Comparação dos valores humanos básicos, desejabilidade social e motivação interna e
externa para responder sem preconceito quanto a situação socioeconômica.
Dimensões Amostra Situação Socioeconômica Estatísticas

Total Empregadas Desempregadas

M (DP) M (DP) M(DP) t gl p

Existência 6,12 6,16 6,07 0,81 196 0,41


(0,74) (0,73) (0,75)
Realização 4,86 5,00 4,66 2,50 178 0,42
(0,97) (0,94) (0,97)
Normativa 5,57 5,74 5,35 2,58 150 0,01

628
(1,00) (0,85) (1,14)
Suprapessoal 5,71 5,73 5,67 0,58 196 0,55
(0,71) (0,65) (0,78) Conclusão
Experimentação 4,68 4,72 4,61 0,78 196 0,43
(0,93) (0,91) (0,96)
Interativa 5,41 5,38 5,45 -0,47 196 0,43
(0,95) (0,97) (0,93)
Desejabilidade 1,47 1,48 1,46 1,00 194 0,31
(0,10) (0,11) (0,10)
Motivação externa 2,57 2,52 2,61 -0,48 196 0,62
(1,35) (1,38) (1,32)
Motivação interna 4,29 4,21 4,39 -1,10 195 0,26
(1,11) (1,16) (1,04)

Nota. M = média; DP = desvio padrão.

Os resultados demonstraram a existência de diferenças significativas na subfunção


suprapessoal [t (195) = -3,71, p= 0,00] e na motivação interna [t (186) = -3,20, p= 0,00] quanto
ao nível educacional. Quanto a situação socioeconômica, foram encontradas diferenças
significativas apenas na subfunção normativa [t (150) = 2,58, p= 0,01]. Esses resultados podem
ser observados nas Tabelas 2 e 3.
O teste apresentou uma diferença significativa entre os grupos quanto a subfunção
suprapessoal dos valores humanos básicos, que se caracteriza pela satisfação das necessidades
de auto realização e de conhecimento do indivíduo, incluindo valores como beleza e maturidade
(Gouveia et al., 2012). O grupo com nível superior (M= 5,91) apresentou uma média maior que
o grupo com nível educacional básico (M= 5,55). Gouveia, Santos, Athayde, de Souza e da
Silva Gusmão (2014) em seu estudo sobre valores, altruísmo e comportamentos de ajuda entre
doadores e não doadores de sangue aponta que a subfunção suprapessoal em conjunto com a
subfunção interativa se orientam para uma dimensão mais humanitária. Os autores destacam
ainda que as pessoas que priorizam valores suprapessoais emitem comportamentos mais
voltados para o social, ou seja, comportamentos que podem ser benéficos à sociedade. Na
pesquisa em questão as mulheres com nível superior priorizaram mais esses valores, procurando
não emitir respostas de preconceito frente às minorias.
Foram encontradas também diferenças significativas em relação à motivação interna
para responder sem preconceito. As trabalhadoras com ensino superior apresentaram uma
média (M= 4,55) maior do que as trabalhadoras com ensino básico (M=4,07), o que nos permite
compreender que na presente amostra as trabalhadoras que possuem ensino superior são mais
motivadas por suas crenças e valores para responder sem preconceito frente às minorias.
Priorizar a busca por conhecimento e assumir comportamentos humanitários
constituem-se como fatores importantes na concepção de princípios próprios do indivíduo para
não exprimir preconceito frente às minorias. Galinkin e Bertoni (2015) afirmam que a educação
pode ser reconhecida como um dos sustentáculos da sociedade, podendo assumir o papel de

629
exterminadora de estereótipos e preconceitos arraigados no meio social.
Posto tal é possível deduzir que as participantes da presente pesquisa que possuem nível
superior possam ter adquirido uma maior gama de conhecimentos que as trabalhadoras que
possuem o nível básico, sendo este um fator que influencia na emissão de respostas não
preconceituosas frente às minorias. É importante destacar que as trabalhadoras com uma maior
escolaridade estão mais propensas a responder sem preconceito mesmo sem a presença de
terceiros que poderiam julgar suas atitudes, sendo motivadas por suas próprias crenças de que
emitir respostas preconceituosas não é algo bom.
A motivação externa não apresentou diferenças significativas entre os grupos de
trabalhadoras quanto ao nível educacional. Isso demonstra que ambos os grupos estão expostos
ao mesmo nível de pressão social para responder sem preconceito, já que é esperado que todas
as pessoas apresentem comportamentos não preconceituosos, não importando o seu nível de
escolaridade.
Posteriormente comparou-se a situação socioeconômica das participantes, gerando dois
grupos distintos: um grupo com trabalhadoras empregadas e um segundo grupo com
trabalhadoras desempregadas. Os resultados obtidos demonstraram a existência de diferenças
significativas somente na subfunção normativa dos valores humanos básicos. As trabalhadoras
empregadas apresentaram uma média maior (M= 5,74) do que as trabalhadoras desempregadas
(M= 5,35).
Esse resultado pode estar relacionado ao fato das trabalhadoras empregadas estarem
inseridas em organizações onde devem seguir normas, respeitar hierarquias e se comprometer
com a política da organização. Esse fator não se apresenta com a mesma importância para as
trabalhadoras desempregadas, que não necessitam lidar com regras e normas organizacionais
para a manutenção do emprego. Góes (2006) em seu estudo sobre os valores no trabalho destaca
que o trabalhador que prioriza os valores normativos dentro da organização demonstra ser mais
comprometido com suas obrigações. Esse comprometimento não se restringe ao âmbito do
trabalho, sendo apresentado em outras áreas da vida da pessoa.
Priorizar os valores normativos pressupõe que seguir normas e leis é parte importante
da vida das pessoas guiadas por essa subfunção. Diante disso é possível inferir através dos
dados obtidos na pesquisa que muitas mulheres não respondem de forma preconceituosa frente
às minorias por saber que existem leis direcionadas às práticas preconceituosas. Assim ao emitir
comportamentos preconceituosos a pessoa pode ser penalizada, podendo responder
criminalmente por seus atos.
Nunes (2010) destaca o conflito existente entre ideias racistas e as leis criadas para punir
essas atitudes que resulta em um preconceito que se manifesta sutilmente. Assim é possível
depreender da presente pesquisa que as mulheres também reproduzem um preconceito que se
encontra enraizado na sociedade, sendo que esse preconceito muitas vezes não se manifesta de
forma flagrante, sendo emitido de forma sutil. As mulheres se caracterizam como minorias, mas
esse fato não as exime de exprimir respostas preconceituosas frente a outros grupos minoritários
como negros e LGBTs.

5 Conclusão
Apesar dos avanços sociais, conquistados através da luta por direitos, as mulheres ainda

630
se configuram como minoria, visto que ainda possuem pouca representação política em uma
sociedade ainda patriarcal e impregnada de preconceitos. O presente estudo procurou investigar
os valores humanos básicos priorizados pelas trabalhadoras empregadas e desempregadas da
cidade de Parnaíba-PI, bem como as motivações internas e externas para responder sem
preconceito frente às minorias e o grau de desejabilidade social presente nessas respostas.
Os resultados indicaram que as mulheres emitem respostas preconceituosas frente a
membros de outros grupos minoritários mesmo sendo uma minoria, denotando que elas se
encontram centradas em sua própria vulnerabilidade não conseguindo enxergar a
vulnerabilidade de outros grupos. Essas respostas sofrem influências de valores normativos e
suprapessoais relacionados com as motivações externas e as motivações internas dos
indivíduos, sendo influenciadas em maior ou menor grau pela desejabilidade social.
É importante apresentar como limitação da pesquisa a fadiga das participantes em
responder ao questionário que apresentava escalas com um número considerável de itens,
podendo esse fator ter interferido nos resultados encontrados. É importante ressaltar a
necessidade da replicação do estudo, aplicando-o em outros contextos e com uma amostra maior
para que seja possível comparar os resultados, os quais podem variar dependendo do lugar em
que a pesquisa será realizada.
Dado o exposto é possível afirmar que os objetivos propostos foram alcançados,
evidenciando a importância da realização da presente pesquisa, visto que o tema apresenta uma
grande relevância social. Espera-se que a pesquisa possa fornecer dados e informações que
possam subsidiar a criação de políticas públicas que tenham como objetivo combater o
preconceito e todas as formas de discriminação.

6 Referências

Almiro, P. A. (2017). Uma nota sobre a Desejabilidade Social e o Enviesamento de


Respostas. Avaliação Psicológica, 16(3).

Crowne, D. P., & Marlowe, D. (1960). A new scale of social desirability independent of
psychopathology. Journal of consulting psychology, 24(4), 349.

Dejours, C. (2004). Subjetividade, trabalho e ação. Revista produção, 14(3), 27-34.

Dejours, C., Dessors, D., & Desriaux, F. (1993). Por um trabalho, fator de equilíbrio. Revista
de Administração de empresas, 33(3), 98-104.

Diogo, M. F. (2007). Os sentidos do trabalho de limpeza e conservação. Psicologia em


estudo, 12(3), 483-492.

de Carvalho, A. M. P. (2015). Radicalizar a democracia: o desafio da reinvenção da política em


tempos de ajuste. Revista de Políticas Públicas, 8(2), 7-26.

dos Santos Paim, A., & Pereira, M. E. (2018). Judging good appearance in personnel
selection. Organizações & Sociedade, 25(87), 656-675.

Formiga, N. S. (2017). Valores humanos e hábitos de lazer: Um estudo correlacional em


jovens. Psicologia argumento, 27(56), 23-33.
Galinkin, A. L., & Bertoni, L. M. (2015). Gênero e educação: um caminho para a igualdade. Em

631
Aberto, 27(92).

Góes, A. M. D. M. (2006). Valores relativos ao trabalho como antecedentes do


comprometimento organizacional.

Gouveia, V. V., Guerra, V. M., de Sousa, D. M. F., Santos, W. S., & de Mesquita Costa, J.
(2009). Escala de Desejabilidade Social de Marlowe-Crowne: evidências de sua validade
fatorial e consistência interna. Avaliação Psicológica, 8(1), 87-98.

Gouveia, V. V., Milfont, T. L., Fischer, R. D., & Santos, W. S. (2008). Teoria funcionalista dos
valores humanos. In Valores humanos & gestão: Novas perspectivas (p. 47).

Gouveia, V. V., Milfont, T. L., Fischer, R., & COELHO, J. A. P. D. M. (2009). Teoria
funcionalista dos valores humanos: Aplicações para organizações. RAM. Revista de
Administração Mackenzie, 10(3), 34-59.

Gouveia, V. V., Athayde, R. A. A., Soares, A. K. S., Araújo, R. D. C. R., & Andrade, J. M. D.
(2012). Valores e motivações para responder sem preconceito frente a
homossexuais. Psicologia em Estudo, 17(2), 215-225.

Gouveia, V. V., Santos, W. S., Athayde, R. A. A., de Souza, R. V. L., & da Silva Gusmão, E.
É. (2014). Valores, altruísmo e comportamentos de ajuda: comparando doadores e não
doadores de sangue. Psico, 45(2), 209-218.

Gouveia, V. V., de Souza Filho, M. L., de Araújo, A. G. T., Guerra, V. M., & de Sousa, D. F.
M. (2006). Correlatos valorativos das motivações para responder sem
preconceito. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19(3), 422-432.

Leite, I. L., Magalhães, C. M. C., Gouveia, R. S., da Fonseca, P. N., de Sousa, D. M. F., &
Soares, A. K. S. (2014). Valores humanos e significado do dinheiro: um estudo
correlacional. Psico, 45(1), 15-25.

Morin, E. M. (2001). Os sentidos do trabalho. Revista de administração de empresas, 41(3),


08-19.

Nunes, S. D. S. (2010). Racismo contra negros: um estudo sobre o preconceito sutil (Doctoral
dissertation, Universidade de São Paulo).

Plant, E. A., & Devine, P. G. (1998). Internal and external motivation to respond without
prejudice. Journal of personality and social psychology, 75(3), 811.

Sacco, A. M., de Paula Couto, M. C. P., & Koller, S. H. (2016). Revisão sistemática de estudos
da psicologia brasileira sobre preconceito racial. Temas em Psicologia, 24(1), 233-250.

Santos, L. C. D. O. (2017). Motivações para alimentação (não) saudável: contribuições dos


valores humanos, imagem corporal e autocontrole.
É SÓ POR DINHEIRO QUE OS SERVIDORES APOSENTADOS DE UMA

632
IFES RETORNAM AO TRABALHO?

Alynne Virginya de Queiroz Lima


Ana Flávia Moniz Costa
Ana Gabrielle Sousa Costa
Carla Vaz dos Santos Ribeiro
Caroline Serra Soares
Josimar de Oliveira Mendonça
Introdução
Este estudo integra um projeto maior, em andamento, desenvolvido por um grupo de
pesquisa, que tem como tema central o retorno ao trabalho de servidores aposentados, técnicos
e docentes, de uma IFES. O objetivo geral deste ensaio é investigar os aspectos motivadores
de servidores aposentados de uma instituição federal de ensino superior em retornar à atividade
laboral de forma remunerada. Tem como objetivos específicos: compreender como foi o
processo de aposentadoria para esses servidores; identificar o sentido que eles atribuem ao
trabalho e a aposentadoria; investigar as razões de retorno ao trabalho e as fontes de prazer no
trabalho pós-aposentadoria.
Para Aquino (2015) foi com o surgimento da sociedade industrial que o trabalho passou
a ser de extrema importância, tendo um papel central na vida dos sujeitos, que são educados
desde a infância para serem futuros profissionais. Enquanto atividade dominante, o trabalho
ocupa um lugar de valorização, de prioridade em relação a outras atividades que são
consideradas como secundárias ou de menor valor, tais como esporte, lazer, ócio, consideradas
como atividades livres do tempo do trabalho.
Para Bentes, Pedroso e Cruz (2016), o trabalho é lugar de pertencimento e desta
maneira, a atividade laboral é internalizada desde cedo, na vida do ser humano. Dessa forma,
o sujeito inserido no trabalho ocupa um lugar de valorização, de alguém que está sendo útil
para a sociedade. Além do sentimento de contribuir socialmente, por meio do trabalho o sujeito
vivencia trocas materiais e afetivas, bem como possibilidades de confronto entre o mundo
externo e o interno. O labor comparece como o mediador central da construção, do
desenvolvimento, da complementação da identidade e da composição da vida psíquica. No
que se refere à função psíquica, o trabalho possibilita vivências de reconhecimento,
gratificação e mobilização da inteligência, aspectos que estão atrelados à constituição da
subjetividade (Lancman, 2008). Para a Psicodinâmica do Trabalho a subjetividade se constitui
na relação com o outro, na cultura, ou seja, os fatores sócio-históricos influenciam na formação
do sujeito, determinando formas e padrões de subjetivação (Martins, 2013).
Nesse cenário, o trabalho e a subjetividade possuem uma relação dialética relevante,
sendo que o trabalhador é uma categoria valorizada na sociedade contemporânea em
detrimento da categoria de aposentado concebida “nos registros formais como inativa. O que
significa não estar em atividade, não manifestar qualquer tipo de ação, inoperante ou não
funcionando” (Zanelli, Silva & Soares, 2010, p. 31). Por isso, quando ocorre o rompimento da
interação do sujeito com a organização, como acontece na aposentadoria, o trabalhador tende

633
a vivenciar momentos de angústias e incertezas.
Diante desse fato, a aposentadoria pode ser vivida como uma fase de mudança,
estando diante da inutilidade, do “não fazer” e da desvalorização social. Desse modo, o
processo de aposentadoria pode fazer com que os sujeitos experimentem sentimentos
ambivalentes e contraditórios, como: euforia, felicidade e liberdade em relação à ausência de
compromisso com horários rígidos e, ao mesmo tempo, receio, ansiedade e dúvidas em como
lidar com uma rotina sem as obrigações do trabalho.Batista e Codo (2002) afirmam que o
sujeito vivencia seu próprio desenvolvimento biológico entrelaçado com as transformações na
carreira profissional até o momento da aposentadoria, que impõe ao trabalhador a sua saída do
trabalho, indicando, no futuro, a retirada da vida também. Compreende-se, então, a relevância
de analisar o fenômeno aposentadoria, considerando a individualidade de cada sujeito
juntamente com o seu contexto sócio-histórico.
A interrupção da trajetória profissional e a perda de um cotidiano delineado pela rotina
laboral, propiciam aos aposentados sentimentos de saudosismo das demandas profissionais e
da sujeição ao tempo do trabalho. Diante deste cenário, os aposentados tendem buscar
atividades remuneradas ou não, preferencialmente em instituições formais, com o objetivo de
obter reconhecimento social também (Carlos, Jacques, Larratéa & Heredia, 1999).
Ressalta-se que a decisão pela aposentadoria envolve três situações: saída definitiva da
organização e do mercado de trabalho; aposentadoria adiada e permanência na organização até
se sentir apto para se aposentar; opção de se aposentar e retornar ao mercado de trabalho em
outro emprego ou na mesma organização (Menezes & França, 2012), sendo a última situação
foco deste estudo.

Método

Optou-se pelo uso do referencial teórico da Psicodinâmica do Trabalho em articulação


com o Materialismo Histórico-dialético. A análise dos dados foi realizada à luz da Teoria
Social do Discurso proposta por Fairclough (2001), uma vez que possibilita a reflexão do
discurso social e cultural, convergindo com a abordagem epistemológica desse estudo.
Tomando como base fundamentos teóricos, partiu-se para a pesquisa empírica com a
utilização de dois instrumentos: questionário e entrevista semiestruturada, os quais abordaram
as categorias: Sentido do Trabalho, Subjetividade e Aposentadoria. Os participantes foram
escolhidos mediante indicação, visto que alguns dos aposentados desenvolviam suas
atividades remuneradas na própria instituição. As entrevistas foram previamente agendadas
via telefone e realizadas em local combinado com o participante e entrevistador, obtendo-se o
consentimento livre e esclarecido para realização da pesquisa.
Foram entrevistados 07 servidores aposentados que retornaram ao trabalho. Dentre
estes, 03 mulheres e 04 homens. A idade variou de 62 até 77 anos, sendo 04 técnico-
administrativos e 03 docentes. As atividades profissionais exercidas foram 03 em cargos
comissionados e 04 como terceirizados. O tempo que já estavam aposentados variou de 04 a
22 anos.
Para apresentação das falas dos participantes adotou-se a nomenclatura dos
participantes de E1 a E7 com vistas à preservação da identidade dos mesmos. A letra E refere-
se à palavra Entrevistado e os números 1 a 7 foram escolhidos de acordo com a ordem das

634
entrevistas realizadas. A seguir são apresentados os resultados e discussão, optou-se por
apresentar tais informações na mesma sessão.

Resultados e discussões

Para análise e discussão dos resultados foram priorizadas as seguintes categorias:


sentido do trabalho, sentido da aposentadoria, razões de retorno ao trabalho e prazer no
trabalho pós-aposentadoria. Visando o aprofundamento e o enriquecimento da análise, buscou-
se articular a fundamentação teórica com algumas falas dos participantes da pesquisa para
exemplificar os resultados obtidos abaixo apresentados.

Sentido do trabalho

Nessa categoria investigou-se a importância do trabalho para cada participante. Muitos


autores têm defendido a centralidade do trabalho na vida do homem. O trabalho pode ser
concebido conceitualmente como “esforço físico ou intelectual, gratuito ou oneroso, em
proveito próprio ou de terceiros, como objetivo de produzir ou desenvolver algum bem ou
serviço” (Carneiro, Silva & Ramos, 2018, p. 78). Ainda de acordo com os autores (2018) o
sentido do trabalho contém dimensões que ultrapassam o conceito puramente do trabalho
como categoria. O sentido do trabalho refere-se a “uma produção pessoal em função da
apreensão individual dos significados coletivos nas experiências do cotidiano” (Tolfo &
Piccinini, 2007, p. 44). Dessa forma, diz respeito à auto realização que o sujeito sente ao se
envolver com alguma atividade.
Algumas falas dos entrevistados ilustram o sentido atribuído ao trabalho. Tem-se o
trabalho como algo vital, que às vezes se confunde com a própria vida como retratado pela
participante E1: “o [nome do setor] é o meu oxigênio, [...] com tanto amor que eu faço isso,
então a minha vida toda é dedicada a isso”, assim como para o E6 que vê o trabalho como um
mantenedor para a existência humana: “[...] é uma manutenção de vida”.
O E7, por exemplo, traz uma dimensão social quando perguntado sobre essa
importância diz: “O trabalho é uma coisa que nos motiva a [...] ajudar o próximo”. A
participante E4 amplia sua visão trazendo várias conotações que podem ser dadas ao trabalho:
“Tem vários significados, né? Tem o significado do ponto de vista econômico, precisamos
para sobreviver, necessidades humanas, saúde, lazer, e, por outro lado, a realização
profissional”.
Percebe-se então que, sentido e significado do trabalho adquirem uma conotação
diferente, porém entrelaçadas, na medida em que este último se refere à representação social
que determinada atividade realizada possui. Os significados seriam as construções elaboradas
coletivamente e inseridas em um contexto histórico, econômico e social; e os sentidos seriam
as produções pessoais de apreensão individual dos significados coletivos (Tolfo & Piccinini;
2007). Logo, entende-se que o sentido do trabalho pode adquirir tanto um caráter de
reconhecimento ou desvalorização, ao estar atrelado à esfera da realização social, quanto a um
caráter de subsistência, atrelado assim à questão econômica.
635
Sentido da Aposentadoria

Alguns autores elencam as diversas noções em torno da aposentadoria, como destaca


no levantamento realizado por Roesler (2014) e descrito a seguir:

[...] a aposentar-se é o ato de cessar as atividades profissionais e liberar-se das


obrigações e dos direitos ditados por um contrato de trabalho. É simplesmente deixar
uma carreira [...] e passar a receber um benefício pecuniário mensal [...]. É usufruir seu
tempo da maneira que lhe prouver. Pode ser também perder o “sobrenome” da empresa
na qual trabalha há anos. Ou ainda deparar-se com a transformação de sua identidade
construída no e pelo trabalho, no exercício de um métier. Pode representar a morte
social, a perda dos vínculos com outras pessoas. E, por fim, pode ser o momento de
viver um recomeço, de liberar-se dos limites impostos pelos outros. (Roesler, 2014, p.
52).

Assim, a aposentadoria representa inúmeros sentidos que vão desde a concessão de um


direito como bem explica E4 ao afirmar que “A aposentadoria é um direito do cidadão [...]
parte do seu trabalho é recolhido, para quando você não poder contribuir mais você continue
a receber um valor x para te manter, atender tuas necessidades como ser humano [...]” até a
uma questão mais pessoal de como cada um usufruirá do seu tempo livre, conforme destacou
E5:
Olha eu me dediquei um pouco pras coisas de casa... não gosto muito de viajar...
é uma coisa que meus filhos sempre reclamaram, mas as poucas vezes que eu tive
oportunidade eu viajei com eles de férias, sempre dando tudo pra eles se
divertirem.(E5)

Segundo Borges e Tamayo (2001, p. 13) “o trabalho é rico de sentido individual e


social. É o meio de produção da vida de cada um, criando sentidos existenciais ou contribuindo
na estruturação da personalidade e da identidade”. O trabalho promove um sentido da vida por
meio da inclusão social. Sendo assim, a produção de sentido do trabalho, enquanto possuidor
de valor central na ordem social, dá-se tanto no âmbito da formação da sociabilidade quanto
na construção subjetiva dos membros (Aquino, 2008).
Dessa forma, partindo da noção acima acerca da aposentadoria, a perda desse lugar
social que é o trabalho, contribui para a perda destes outros sentidos adquiridos conjuntamente
a ele, seja o da sociabilidade, seja o da subjetividade. Portanto, como bem colocado, a
aposentadoria pode comparecer enquanto uma morte social, no entanto, para além disso, é uma
possibilidade de ressignificação de novos sentidos e ocupações no viver para além do trabalho.
Isso é bem explícito na fala da E1, ao se referir sobre a possibilidade de ficar em casa como
aposentada: “não me vejo [em casa]. Eu digo que quando sair daqui, morreu [cita o próprio
nome] (risos). Já é o final, por causa da idade mesmo”.
O E2 demonstra em sua fala a falta de sentido e de objetivo que a aposentadoria traz:
636
Mas eu não tenho esse problema com ocupação, não, porque ocupação sempre
tem, eu gosto muito de ler [...] Às vezes a gente [...] fica pensando, vou ler isso para
que? Realmente tem esses problemas, mas é a falta de objetivo, porque sempre quando
a gente é professor aquilo é passado para os estudantes e quando a gente está
aposentado não tem mais, [...] porque a gente não tem mais para quem repassar isso.
(E2).

O E6 não se afastou do trabalho após a aposentadoria e a vê em duas situações: “uma,


para aquelas pessoas que se acomodam [...] e para aquelas pessoas que continuaram no
mercado de trabalho”, e continua explicitando que, para quem continua trabalhando é uma
forma de pensar que um dia vão ter que sair do mercado de trabalho e que “eles devem
aproveitar [...]esse pequeno tempo que ele ainda terá pra procurar, pra saber o que ele vai fazer
depois, um hobby, alguma coisa assim, mas é muito importante atividade pós aposentadoria”.
Até mesmo o E7 que acreditava estar preparado para a aposentadoria quando
questionado sobre o seu sentido, relatou:
Ah, aposentadoria [...] estou aberto sempre para voltar a trabalhar, mas eu
sempre me programei pra isso [...] mentalmente eu sabia que no dia X eu estaria me
aposentando e a partir dali eu iria viver uma vida de aposentado tranquilamente, mas
eu tinha um outro trabalho para que isso satisfizesse a minha vontade de trabalhar, eu
nunca ficaria ocioso. (E7).
Percebe-se o caráter pejorativo que aposentadoria tem para os entrevistados, revelando
a ideia do aposentado como alguém que não tem nada para fazer, sem objetivos, que fica em
casa, como sinônimo de acomodação, ocupando um lugar de desvalorização. Segundo Soares
e Costa (2011) a aposentadoria não é vista como um espaço socialmente reconhecido e no
geral os aposentados ocupam lugares inexistentes na sociedade. Zanelli (2015, p. 64) também
explica que “o reconhecimento pelo que alguém produz ou pelos serviços que presta,
representa, para muitos, vigorosa fonte de respeito por si próprio – às vezes, respeito que não
é obtido fora do trabalho”.
Apesar dos diversos sentidos dados em torno do termo, há a preferência em tratar a
aposentadoria como um processo, que se inicia antes da concessão de um benefício legal, e
muitas vezes, interminável. Além disso, é trazido a importância de se estudar a aposentadoria
a partir das relações do sujeito com seu trabalho e em sua trajetória sócio-histórica (Roesler,
2014). Em virtude da ênfase dada ao trabalho na nossa sociedade muitos sujeitos apresentam
dificuldades para se adaptar à aposentadoria (Soares & Costa, 2011).

Razões de retorno ao trabalho remunerado

É comum o retorno do aposentado ao mercado de trabalho ser interpretado pela via da


necessidade de complementação de renda. Todavia, para Khoury, Ferreira, Souza, Matos &
Barbagelata-Góes (2010, p. 149), as razões de ordem subjetiva são mais fortes para os
aposentados se manterem no mercado de trabalho, principalmente, pela busca do
reconhecimento e da necessidade de se sentir útil em uma sociedade que valoriza o ser

637
produtivo.
Algumas falas exemplificam as razões de ordem econômica como o caso da
participante E4 que aposentou com intenção de voltar ao mercado de trabalho “Já me aposentei
decidida a voltar para o espaço de trabalho, com esse projeto na cabeça ‘eu vou me aposentar,
mas vou retornar para o mercado’”. Entretanto, observam-se outras questões mais de ordem
psicológica como a obtenção de reconhecimento pelo trabalho realizado anteriormente quando
a participante E1 afirma que o retorno ao trabalho deu-se “[...] por uma necessidade da própria
instituição de me manter, porque tinha que funcionar a cadeira” ou ainda como afirma E3:
“Principalmente que eu tenho experiência...” e também por uma sensação de se sentir
produtivo, útil e até vivo como diz E6 que optou uma atividade remunerada para “[...] evitar
ficar numa posição de acomodação, então eu nunca tive essa maneira de ser, então é por causa
disso. Continuar vivo”.
Ainda sobre o retorno ao trabalho dos entrevistados, o prazer no trabalho compareceu
como um fator de retorno do aposentado ao labor, tal como expressam estas falas: “Eu preciso
fazer algo que complemente a minha renda, preciso, mas eu posso fazer algo que me dê prazer
de fazer”(E4) ou ainda “Agora eu faço o que eu acho que vale a pena ser feito”(E2). Para o E6
é o contato com os alunos que o faz sentir prazer de continuar trabalhando: “é o contato com
as novas gerações [...] você se renova, você se rejuvenesce”. O E7 destaca, também, que são
as relações com as pessoas e a solução de conflitos que o satisfaz no trabalho: “encontrar e
fazer encontro de pessoas para que a gente encontre soluções, isso me agrada”. Observa-se
que estes participantes ao retornarem para atividade laborativa remunerada reconhecem os
aspectos mais geradores de prazer no trabalho, preferindo as atividades que propiciem essa
vivência.
O prazer no trabalho diz respeito “as possibilidades de trabalho livremente organizado
pelo sujeito trabalhador, individual ou coletivamente, e na adaptação do conteúdo da tarefa às
competências reais do profissional” (Carneiro, et. al, 2018, p. 82). O sujeito quando
desenvolve uma atividade laboral espera obter reconhecimento pelos seus esforços, gerando
uma sensação de prazer no trabalho. Soares e Costa (2011) destacam que a aposentadoria
precisa ser encarada como um novo começo, como a reestruturação da identidade. Faz-se
necessário “resgatar outras atividades, capazes de propiciar mais prazer do que as anteriores,
estabelecer novos laços afetivos, descobrir ou redescobrir desejos, enfim, ter novos projetos
futuros” (p. 39).
Para a o E1, é o reconhecimento do seu trabalho o que dá mais prazer de continuar
nessa atividade: “reconhecimento de pessoas que me encontram e dizem “eu fui curada” [...]
reconhecimento da comunidade toda, isso é muito gratificante”. O trabalhador, através do
reconhecimento, sente-se valorizado e útil para as pessoas e para as organizações. Isso
representa a realização do sujeito no ambiente laboral (Bendassolli, 2012). Portanto, o
reconhecimento social e a utilidade favorecem o elo dos aposentados com o trabalho.
Assim, o trabalho não é a única alternativa de atividade para o sujeito quando se
aposenta, mas é uma das opções. Alguns sujeitos optam por retornarem ao mercado de trabalho
após aposentadoria não apenas com objetivos financeiros visando à complementação de uma
renda, mas porque o labor pode ter diversas funções na vida do sujeito aposentado, a atividade
laboral pode ser fonte de sustento financeiro, meio de realização dos sonhos consumistas,
propiciador de status social, favorecedor de saúde e socialização, bem como promotor do
desenvolvimento pessoal e formador da identidade do sujeito. Ressalta-se que os sentidos que

638
o trabalho tem na vida do aposentado devem ser analisados na singularidade de sua vida.
Nessa direção, a aposentadoria é um processo que acontece de modo peculiar para cada
sujeito, à medida que decorre de diversos fatores, tais como dinâmica social, personalidade,
história pessoal, sentido do trabalho, dentre outros (Roesler, 2014). Cabe apontar que, sendo
um processo, a aposentadoria é uma questão educacional que deve estar presente sempre nos
contextos laborais e interligada ao projeto de futuro, enquanto os trabalhadores estão na ativa
também, e não exclusivamente quando estiverem diante da assinatura dos papéis formais para
a sua oficialização. O projeto de futuro é relevante às pessoas de todas as idades, tanto para o
jovem que está entrando no mercado de trabalho, quanto para aquele que está se desligando
da organização (França, 2009).

Considerações finais

Devido à valorização do trabalho a aposentadoria torna-se sinônimo de inatividade,


inutilidade e ineficiência, o “ex-trabalhador” absorve o rótulo de improdutivo, a euforia
vivenciada no início da aposentadoria muitas vezes pode ceder lugar ao desejo de retornar ao
mercado de trabalho para resgatar o enaltecimento por meio da interação sujeito-produção-
organização, sendo um processo intersubjetivo com inúmeras implicações no bem-estar do
trabalhador, em que pese o reconhecimento ao sentir-se valorizado e útil para as pessoas e
organizações.
Ao falar sobre sentido do trabalho, os entrevistados associaram o trabalho à vida,
utilizando palavras como manutenção de vida, continuar vivo, o ar que respira, em
contraposição com a aposentadoria, que trouxe palavras como morte, falta de objetivo, falta
de sentido, falta do que fazer, acomodação. Os entrevistados também apontaram a importância
econômica, social e psicológica das suas atividades laborais, tendo em vista ser um dos
determinantes da saúde e do bem estar do trabalhador e da sua família. A renda viabiliza as
condições materiais de vida, mas ressaltamos a dimensão humanizadora que permite a inclusão
social de quem trabalha, favorecendo a formação de redes sociais de apoio que proporciona
um conjunto de fenômenos afetivos desenvolvidos ao longo dos anos no período no qual o
sujeito permanece nas instituições (Brasil, 2018).
Partimos do pressuposto estabelecido na literatura acadêmica que no afastamento do
trabalhador pela aposentadoria existe uma quebra do vínculo emocional com o ambiente
laboral e consequente perda do reconhecimento, podendo abalar as estruturas psicológicas e
levar a sentimentos que comprometem a saúde do sujeito (Khoury, et. al, 2010). Diante do
exposto, constatou-se nas entrevistas que a premência dos argumentos do retorno ao trabalho
remunerado deve-se não somente ao viés econômico, ou seja, aumento da renda familiar, mas
também existe a natureza psicossocial, tais como: importância do reconhecimento, as questões
pertinentes ao prazer de participar do coletivo de trabalho, a manutenção da identidade,
utilização das capacidades intelectuais dada a psicodinâmica construtiva da existência
humana.
O estudo aponta que o sentido da aposentadoria está relacionado com o direito
adquirido devido a longas jornadas de um período da vida dedicado ao trabalho, abrindo mão
muitas vezes de outros projetos e até mesmo de ficar mais tempo junto à família. Essa
dedicação sustenta um sentimento de dever cumprido e a conquista de um merecido descanso.
Com a aposentadoria tem-se a percepção que surgirá a possibilidade de vivências de atividades

639
consideradas secundárias se comparadas a primazia do tempo dedicado ao trabalho, tais como:
estar mais tempo com a família, atividades de lazer, viagens, resgate dos projetos e sonhos
malogrados do passado. Estes aspectos estão atrelados a um ideário que geralmente não se
confirmam em sua totalidade, resultando na remissão aos caminhos do trabalho.
Observamos que os aposentados retornam ao trabalho após a aposentadoria para
continuar com atividades que consideravam mais prazerosas no cotidiano laboral antes de se
aposentar, mostrando que agora, com menos cobranças e com mais tempo livre podem
escolher fazer o que realmente gostam, alternando melhor o tempo dedicado ao trabalho com
o tempo dedicado a outras atividades, como se fosse um desligamento que estivesse sendo
realizado aos poucos, gradual, do ritmo ditado pelo trabalho, de certo que cedo ou tarde
culminará numa aposentadoria definitiva, dada à impossibilidade de se viver permanentemente
a rotina do trabalho. Quando esse momento chegar a retórica da trajetória profissional será
preterida, restando apenas o saudosismo do tempo dedicado ao trabalho.
Assim, a relevância de analisar o fenômeno aposentadoria e o concomitante retorno ao
trabalho sustenta-se nas iniciativas que fortalecem as individualidades dos sujeitos, nas
influências marcantes do contexto sócio-histórico e nas vivências do desenvolvimento
biológico entrelaçado com as transformações na carreira profissional. Esta conjuntura indica
a necessidade do estudo das questões psíquicas pertinentes à aposentadoria, seja para conferir
sentido ao vivido pela retirada do sujeito da vida laboral ou para reparar danos oriundos de
frustrações da perda de vínculo.
Embora haja uma preparação desde a infância, por meio da educação, para serem
profissionais e, portanto, fazer parte do mundo do trabalho, não há uma preocupação em
preparar os sujeitos para sair desse mundo do trabalho, o que torna essa ruptura ainda mais
difícil de ser vivida, pois, como pensar em uma vida sem trabalho se o investimento de toda
uma vida foi voltado para essa atividade?
Destaca-se a importância de programas de preparação para aposentadoria ao longo da
carreira, para que as pessoas possam planejar melhor o seu presente, adotando, também, outras
atividades que dão sentido à vida, e planejar seu futuro a fim de que essa transição entre tempo
dedicado ao trabalho para o tempo de rompimento com o trabalho seja realizada de uma forma
menos abrupta, favorecendo o estabelecimento de novas diretrizes de uma vida para além do
trabalho.

Referências

Aquino, C. A. B. (2008). O processo de precarização laboral e a produção subjetiva: um


olhar desde a Psicologia Social. O Público e o Privado, 11, 169-178. Recuperado em 2
de outubro de 2019, de
https://revistas.uece.br/index.php/opublicoeoprivado/article/view/2383
Aquino, C. A. B. (2015). Ócio e trabalho. In: P. F. Bendassolli & J. Borges- Andrade, (Orgs.).
Dicionário de psicologia do trabalho e das organizações, (pp. 483 – 489).
Batista, A. S., & Codo, W. (2002). O trabalho e o tempo. In: M. G. Jacques & W. Codo,
(Orgs.) Saúde mental e trabalho: leituras, (pp. 401-420). Petrópolis, RJ: Vozes.
Bendassolli, P. (2012). Reconhecimento no trabalho: perspectivas e questões

640
contemporâneas. Psicologia em Estudo, 17(1), 37-46. Recuperado em 5 de outubro de
2018, de http://www.redalyc.org/html/2871/287123554005/
Bock, A. M. B. (2015). A Psicologia Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia.
In: A. M. B. Bock, M. G. M. Gonçalves & O. Furtado, (Orgs.). Psicologia Sócio-
Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia, (6 ed., pp. 21-46). São Paulo: Cortez.
Borges, L. O., & Tamayo, A. (2001). A estrutura cognitiva do significado do trabalho. Rev.
Psicol., Organ. Trab., 1 (2), 11-44, dez. Recuperado em 2 de outubro de 2019, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-
66572001000200002 &lng=pt&nrm=iso
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departameto de Atenção
Básica. Área Técnica de Saúde do Trabalhador Saúde do trabalhador / Ministério da
Saúde, Departamento de Atenção Básica, Departamento de Ações Programáticas e
Estratégicas, Área Técnica de Saúde do Trabalhador. - Brasília: Ministério da Saúde,
2018
Carlos, S. A, Jacques, M. da G. C., Larratéa, S. V., & Heredia, O. C. (1999) Identidade,
aposentadoria e terceira idade. Estud Interdiscip Envelhec. 1(1), 77-89.
Carneiro, C. M. S., Silva, G. C., & Ramos, L. De F. C (2018). Relações Sustentáveis de
Trabalho: Dialogando entre o Direito e a Psicodinâmica do Trabalho, LTr.
Fairclough, Norman. (2001). Discurso e mudança social . Brasília: Editora da Universidade
de Brasília.
França, L. H. F. (2009) Aposentadoria ativa: o papel das organizações. In: R.P. Veras, J. C.
Barros Júnior, (Orgs.). Empreendedorismo, trabalho e qualidade de vida na terceira
idade., 329-346, São Paulo: Edicon.
Menezes, G. S., & França, L. H. (2012). Preditores da decisão da aposentadoria por
servidores públicos federais. Psicologia: Organizações e Trabalho, 12(3), 49-62.
Khoury, H. T. T.; Ferreira, A. DE J. C.; Souza, E. A. DE; Matos, A. P. DE; Basrbagelata-
Goés, S. (2010). Por que os aposentados retornam ao trabalho? O papel dos fatores
psicossociais. Revista Kairós Gerontologia., 147-165.
Lancman, S. (2008). O mundo do trabalho e a psicodinâmica do trabalho. In: S. Lancman; L.
I. Sznelwar., (Org.). Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho,
(pp. 25-36), Rio de Janeiro: Fiocruz.
Mancebo, D. (2003). Contemporaneidade e efeitos de subjetivação. In A. M. B. Bock (Org.),
Psicologia e o Compromisso Social, 75-92, São Paulo: Cortez.
Martins, S. R. (2013). Subjetividade (Intersubjetividade). In: F. O. VIEIRA, A. M.
MENDES, & A. R. C. MERLO., (Orgs). Dicionário Crítico de Gestão e Psicodinâmica
do Trabalho., (pp. 433-438), Curitiba: Juruá.
Roesler, V. R. (2014). Vou me Aposentar “de Verdade”. E Agora? Contradições e
ambiguidades no processo de aposentadoria. Curitiba: Alteridade.
Soares, D. H. P., & Costa, A. B. (2011). APOSENTAÇÃO: aposentadoria para ação., 1.ed,

641
São Paulo: Vetor.
Tolfo, S., & Piccinini, V. (2007). Sentidos e significados do trabalho: explorando conceitos,
variáveis e estudos empíricos brasileiros. Psicologia & Sociedade., 19, 38-46, Porto
Alegre.
Zanelli, J. C., Silva, N. & Soares, D. H. (2010). Orientação para Aposentadoria nas
Organizações de Trabalho: Construção de Projetos para O Pós-Carreira. Porto Alegre:
Artmed.
Zanelli, J. C. (2015). Aposentadoria e pós-carreira. In: P. F. Bendassolli & J. E. Borges-
Andrade., (Orgs.). Dicionário de Psicologia do Trabalho e das Organizações. São
Paulo: Casa do Psicólogo.
RECONHECIMENTO E TRABALHO: O CASO DOS ADOECIDOS PELO

642
TRABALHO PELO OLHAR DA PSICODINÂMICA

Dinara das Graças Carvalho Costa


Paulo César Zambroni de Souza

1 Introdução
As pessoas ainda adoecem, e alguns morrem, em decorrência das condições e/ou da
organização do trabalho vigente nas empresas (Lacaz, 2016) e se embasando nessa perspectiva
a Psicopatologia do Trabalho, em seus primórdios, considerava o trabalho como um bloco
rígido e/ou opressor que concebia o trabalhador como um ser passivo e, portanto, sujeito a,
incondicionalmente, adoecer frente às exigências do meio, mas a Psicodinâmica do trabalho
defende a visão de que os trabalhadores anseiam pelo (re)conhecimento de seu trabalho, assim
como elaboram, individual e/ou coletivamente, estratégias defensivas que objetivam o não
adoecer e, mais que isso, conquistar o prazer no trabalho (Dejours, 1993b).
Na atualidade quando se pensa em trabalho levanta-se primeiramente a questão da sua
obrigatoriedade para a sociedade (o autosustento), mas se esquece que esse mesmo trabalho é
fonte tanto de sofrimento quanto de prazer e formação da identidade dos sujeitos que o
executam (Dejours, 2009). Com isso, defende-se que a ausência do reconhecimento contribui
para o adoecer dos trabalhadores e, por outro lado, que a sua presença é fonte de bem-estar e
saúde – e nesse sentido o trabalho, segundo Garcia et al. (2012), deve ser fonte de atenção por
estar intimamente ligado aos fatores de equilíbrio, saúde e doença dos indivíduos.
Concomitantemente, para Dejours, Dessors & Desriaux (1984), o trabalho não é apenas
uma maneira de sustentar a si e aos seus, mas uma forma de inserção social (criação e
manutenção de relações sociais) ao mesmo tempo em que é fonte de exposição a um ambiente
que tanto pode ser patogênico (mentais e/ou físicos) quanto de prazer e satisfação pessoal
(possibilitando a construção de uma identidade e o sentimento de ser útil) – logo, o trabalho é
ambivalente (Dejours, 2011).

1.2 Trabalho e o Cotidiano


A saúde não pode ser entendida como um estado definitivo (estático), pois ela é uma
busca constante, um objetivo sempre remanejado, que exige estratégias e ações singulares.
Ainda assim, sabe-se que não é possível atingir esse estado de completo bem estar físico, mental
e social, concepção de saúde consagrada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pois a
saúde é definida de forma mais real como um ideal, um objetivo a se alcançar, consciente de
que jamais será obtida de forma plena (Dejours Dessors & Desriaux, 1984).
Assim, é necessário lembrar que o contexto laboral atual ainda é o de um país
subdesenvolvido e vivencia uma forte tradição escravocrata, de meados do séc. XIX (Rivero,
2009), na qual as leis são impostas pelas engrenagens do neoliberalismo e acentuam a diferença
entre ricos e pobres através das precarizações das relações de trabalho que apenas visa o lucro
e de ações a uma mão de obra sem rosto, desconsiderando o humano que realiza o trabalho –
além de sustentar a bandeira da flexibilização como uma otimização coletiva, mas omitindo as
regras impostas unilateralmente (Heloani & Proni, 2016).
Dessa forma, mesmo se tendo a conscientização da ambivalência que o trabalho é, a

643
angústia e o sofrimento, mesmo que oscilantes conforme as circunstancias, estão presentes em
cada trabalhador, mas isso não necessariamente indica adoecimento. O que pode haver é uma
luta contra a incongruência, com o objetivo de encontrar uma resolução, mesmo que
momentânea e, assim, mudar um modus operandi num ambiente de trabalho pode proporcionar
a saúde frente à monotonia constante (Dejours, Dessors & Desriaux, 1984).
No entanto, quando o trabalhador está inserido em um contexto no qual predominam
metas de produtividade intangíveis e condições opressivas, as normas passam a ser cegamente
executadas, pois é a tarefa (aquilo que é prescrito) que se destaca, tornando o trabalhar rígido
e sem espaço para a engenhosidade (Dejours, Dessors & Desriaux, 1984). Nesse caso, são as
ordens de caráter hierárquicos (arbitragem53), que predominam no meio laboral, atuando sob o
risco da dissolução do coletivo, mas com a possibilidade de remover os obstáculos que
impedem o desenvolvimento do grupo e contribuir efetivamente para a busca de soluções
(Dejours, 2012).
Com isso, mesmo que não exista um perfeito estado de equilíbrio, há uma busca
constante para enfrentar aquilo que se mostra nocivo à saúde e nesse contexto a normalidade é
considerada produto de uma busca constante em se defender do sofrimento proveniente de
contextos e situações que desestabilizam a saúde mental do trabalhador (Dejours, 1993b) –
nesse caso, o termo correto seria normopatia, pois é utópico pensar no equilíbrio total que
proporcione o amplo bem estar (Dejours, 2012).
Pode-se afirmar, inclusive, que o sofrimento ligado ao trabalho é proveniente de uma
constante luta cujos polos são o adoecimento e o se manter saudável e esse contexto de disputa,
interna ao trabalhador, acaba sendo refletido nos relacionamentos com colegas e superiores
(Machado & Merlo, 2008), o que acaba sendo percebido na organização, pois o coletivo é
sempre um reflexo da contribuição de cada sujeito – o que se denominada de cooperação, pois
está é uma consequência da liberdade dos trabalhadores em serem e agirem de acordo com
aquilo que consideram adequado a sua função, mas de forma coordenada (Dejours & Molinier,
1994).
Dessa forma, o trabalhador é identificado como sendo um sujeito ativo frente ao seu
trabalhar, mas com responsabilidades sobre as suas atitudes de engenhosidade e criatividade no
tocante a aquilo que lhe é prescrito. Com essa perspectiva Dejours, Dessors e Desriaux (1984)
afirmam que o trabalho pode ser fonte de satisfação pessoal, pois é ele que permite a cada
sujeito atingir suas “necessidades físicas e o desejo de executar a tarefa” (p. 01), assim como é
por ele que o sujeito passa a ater inclusão produtiva na sociedade (Pinho, Pereira & Lussi,
2019).

53
A arbitragem se faz presente quando há necessidade de discussões que possibilitem o consenso e se evidencia
que o papel de árbitro só possa ser exercido por aqueles que detêm legitimidade perante o grupo (os lideres), pois
é preciso intervir dentro dos coletivos – o que se denomina de cooperação vertical. Todavia, quando a arbitragem
possui uma vinculação direta com a autoridade hierárquica (os chefes), configura-se uma autoridade de arbitragem
e em ambas as situações são gerados acordos normativos e estáveis que valerá para todos os membros de um
coletivo, abrangendo os modos operatórios e o trabalho coletivo, que quando repassadas às novas gerações passam
a ser denominadas de regras de oficio, mas que com o tempo acabam também sofrendo renovações e atualizações
(Dejours, 2012).
2 Objetivos

644
2.1 Objetivo Geral:
Compreender a dinâmica psíquica de trabalhadores que foram afastados do seu
emprego/trabalho regular em decorrência de doença surgida ou agravada durante a atividade.

2.2 Objetivos Específicos


✔ Entender como era a relação do trabalhador com o coletivo de trabalho e os sistemas de
defesa coletivamente trazidos à tona;
✔ Identificar os recursos que os trabalhadores utilizavam para manter-se no campo da
normalidade e em que momento esses recursos se mostraram insuficientes;
✔ Identificar as formas de reconhecimento, ou da falta dele;
✔ Compreender a relação sofrimento/prazer;

Método
2.1 Caracterização e lócus da pesquisa
Essa pesquisa visa à perspectiva não experimental, de caráter descritivo e exploratório,
e é parte dos resultados da dissertação da primeira autora, focalizando a questão do
reconhecimento (ou da falta dele) junto a trabalhadores afastados por doenças surgidas ou
agravadas durante a atividade de trabalho, que buscam o Centro de Referência Estadual em
Saúde do Trabalhador (CEREST) Regional de João Pessoa – PB objetivando atenção à sua
saúde e/ou de apoio jurídico-previdenciário.

2.2 Participantes
Contou-se com a participação voluntária de 14 trabalhadores, sendo nove mulheres e
cinco homens. Identificou-se que: as idades variaram de 33 a 64 anos, com uma média de 44
anos e Desvio padrão (DP) de 9.7; o tempo de trabalho flutuou de seis a 52 anos, com uma
média de 20 anos de trabalho e DP de 13.4; 11 estavam afastados (quatro afirmaram que não
era seu primeiro afastamento), sendo que desses: sete estavam afastados pelo INSS; dois
estavam demitidos; e um estava dando entrada no afastamento – os tempos de afastamentos
variavam entre três meses a quatro anos.
Desses trabalhadores: o estado civil predominante foi o casado, com nove sujeitos; a
renda individual mais frequente foi à compreendida entre um e dois salários mínimos, mas a
renda familiar em destaque situou-se acima de quatro salários mínimos; oito afirmaram ter casa
própria, sendo que um disse que a casa em que reside é cedida e os demais alugam; e,
finalmente, 13 têm filhos, média de dois filhos por trabalhador.

2.3 Instrumentos
Utilizou-se um roteiro de entrevista semiestruturado dividido em duas partes. Na
primeira, a sóciodemográfica, questionava-se: gênero; idade, tempo de trabalho e de
afastamento, assim como se era o primeiro afastamento ou não; nível de escolaridade; formação
profissional; último cargo ocupado; atual situação laboral; estado civil; renda individual e

645
familiar; situação da moradia; e se tinha filhos.
Na segunda parte, seis eixos continham perguntas para os entrevistados sobre: a história
de adoecimento no trabalho; os aspectos do reconhecimento dentro do ambiente laboral; as
estratégias para se manter na normalidade; aspectos de sofrimento e prazer no trabalho; relato
dos adoecimentos laborais; e as perspectivas futuras. No entanto, nesse artigo pretende-se
enfatizar apenas o Eixo II (O reconhecimento).

2.4 Procedimentos
Inicialmente entrou-se em contato com o CEREST para solicitar sua autorização para
realização da presente pesquisa e com a concordância iniciou-se o contato com os trabalhadores
que se encontravam na instituição, aos quais se efetuou o convite para participar de uma
pesquisa enquanto aguardavam seus atendimentos. Após a adesão dos entrevistados apresentou-
se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e se realizou as entrevistas, cuja
duração oscilou entre 20 e 60 minutos.

2.5 Análise dos Dados


É importante frisar que a Psicodinâmica do trabalho privilegia os encontros ad hoc como
seu instrumento mais adequado, mas em determinadas circunstâncias, utiliza-se de entrevistas
(Dejours e Bègue, 2010). No caso da presente pesquisa, utilizou-se as entrevistas pelo fato dos
trabalhadores estarem em condição de adoecimento que impossibilitava alguns deles de se
deslocar, seja por dores ou estados emocionais. Assim, através de Análise de Conteúdo proposta
por Laville e Dionne (1999), interpretou-se as falas dos entrevistados de forma hermenêutica e
se objetivou a criação de eixos de análise.

3 Resultados e Discussão
Diante dos resultados produzidos, pode-se evidenciar o quanto o reconhecimento, e sua
ausência, afetam o trabalhador, respectivamente de formas positivas e negativas. Assim, fica
evidente que a atividade do trabalho exige do humano criatividade, habilidade,
desenvolvimento de coletivos e da cooperação, assim como de confiança e lealdade, mas
segundo Dejours (2012), esses fatores estão cada vez mais ausentes do cotidiano e a insegurança
provocada pelo esfacelamento os coletivos (Castel, 2001) afeta diretamente sua saúde.
Na Categoria I (Reconhecimento no ambiente de trabalho), por exemplo, a perspectiva
do reconhecimento apontou para a não cooperação, pois apontaram a necessidade de se sentirem
ressarcidos emocionalmente, tendo seus esforços no trabalho cotidiano, com problemas ou não,
valorizados: “Você fazer um bom trabalho e não ser bajulado por isso, mas eles darem valor a
você como pessoa” (P2); e “O reconhecimento é seu esforço, porque muitas vezes você vai
trabalhar até sem poder, deixa filho em casa com problema de saúde, você se esforça pra não
faltar” (P12).
Essa perspectiva de caráter simbólico do reconhecimento é evidenciada por meio de
expressões como muito obrigado e/ou parabéns, pois os trabalhadores não precisam ser
bajulados e sim respeitados, porque é esse fator que evidencia a sensação de reconhecidos –
uma perspectiva exigida pelo trabalhador para que suas iniciativas não sejam frustradas e suas

646
contribuições para com a instituição tenham um propósito (Dejours, 2012).
O caráter material do reconhecimento também surgiu, apontando o aspecto financeiro
como importante: “Você fazer o seu trabalho corretamente e ser, (...) ressarcido de alguma
forma pelo seu trabalho, isso é um tipo de reconhecimento. Pode ser em beneficio, em dinheiro,
em promoção” (P3). Para Castel (2001), a massa populacional industrial agrega sujeitos que,
por vezes, têm pouca instrução e estão em situações socioeconômicas paupérrimas, uma
instabilidade laboral que visa o financeiro em detrimento de qualquer outra forma de
reconhecimento.
No entanto, o reconhecimento material pode também ser caracterizado como simbólico,
pois configura uma forma do empregador mostrar que o trabalhador ocupa um lugar importante
e que merece ser ressarcido. Desse modo, o reconhecimento frente ao trabalho executado é
transferido para quem o executa – uma forma exclusivamente abstrata e subjetiva de representar
simbolicamente o reconhecimento (Dejours, 2009).
Outra perspectiva dos entrevistados apontou que o reconhecimento poderia ser de
responsabilidade compartilhada, pautado em uma via de mão dupla, pois para alguns, para que
a empresa reconheça o trabalhador é necessário que o mesmo se esforce e mostre
disponibilidade de fazer parte dela.

O reconhecimento do trabalho vai depender da pessoa, porque se a


pessoa se dedica, como eu me dediquei à empresa, ele só vai ter bons
frutos e vai ter o reconhecimento, como eu graças a Deus tive meu
reconhecimento! (P4);

Depende de mim também, né?! (...) eu fazer o meu trabalho correto, no


meu período de horário, trabalhar normal, fazer o que os encarregados
pede (...) e a gente fazendo, trabalhando normal (...) fazer de tudo um
pouco, pra você ser reconhecida, entendeu? (P5);

Avaliar o trabalho é algo absolutamente complexo (Dejours, 2015), pois a


engenhosidade que o trabalhador emprega para transformar a tarefa que recebe (aquilo que está
prescrito nas normas e/ou instruções) em atividade (o que realmente ele faz para preencher as
lacunas da prescrição) é invisível ao outro e passa efetivamente pelo real (Dejours, 2012).
Assim, o enfrentamento do real, não é observável e com metas cada vez mais elevadas tal
objetivo pode mostrar-se impossível (Dejours, 2015).
Outro aspecto levantado pelos entrevistados foi o fato de que o reconhecimento deveria
decorrer da contribuição que se faz à empresa, mas isso não acontece e o trabalhador é apenas
questionado quando não consegue exercer suas funções: “Ninguém nunca chegou pra mim pra
dá pelo menos parabéns, pra desejar que acontecesse mais vezes (P5); e

Geralmente, mulher, nesses cantos eles num (...) vê isso não, sabia?
Geralmente eles não vê não, a capacidade da gente não. Num chega e
diz assim: ‘Você deu uma boa produção! Você fez isso bem’; não! Num
chega assim pra dizer isso aí. Quer que dê produção, porque eles tão

647
ganhando (P7).

Para a Psicodinâmica do Trabalho, enganam-se aqueles que pensam que a robotização


ou automatização são formas de eliminar o humano das funções, pois o trabalho é “por definição
humano” (Dejours, 1993a, p. 79) e visualizar os trabalhadores que como uma máquina que deve
funcionar de forma ininterrupta e só é esquecer que mesmo as máquinas apresentam limites e
quando isso acontece são os seres humanos que as consertam em num ambiente de trabalho por
natureza perigoso e complexo.
Assim, a cada invisibilidade a que o trabalhador é submetido cria-se uma nova
necessidade de saber-fazer, pois trabalhadores que se veem como uma máquina que deve
funcionar de forma ininterrupta precisam sigularizar seu saber-fazer, mas essa perspectiva
tecnicista é perigosa, pois pode levar à alienação, pois mesmo que se trabalhe como maquinário,
ainda é a sua subjetividade que prevalece – o próprio, a consequência de seus atos, seus
comandos psíquicos (Ferreira, 2015).
Por fim, alguns trabalhadores simplesmente não acreditam que possa existir o
reconhecimento no ambiente de trabalho e evidenciaram que há uma prática para tal: “Acho que
não existe reconhecimento no ambiente de trabalho não. Existe determinação e obrigação.
Quer dizer (...) reconhecimento não existe! Nenhum deles [dos trabalhos] que eu passei até
hoje nunca existiu [reconhecimento]!” (P8).
Nessa perspectiva nem colegas, nem superiores, nem subordinados reconhecem
qualquer atividade executada e com esse esfacelamento dos coletivos cada vez mais os
trabalhadores se isolam uns dos outros, inviabilizando formas de interação e transformando os
coletivos em uma palavra sem condição de existência no universo das organizações e essas
transformações industriais criaram o individualismo negativo, que implica no isolamento do
trabalhador e na sua perspectiva de independência sóciomental dentro do grupo, desafiando os
enquadramentos que isso possa provocar (Castel, 2001).
Na Categoria II (a importância do reconhecimento no ambiente de trabalho)
evidenciou-se uma dicotomia, pois enquanto para alguns trabalhadores o reconhecimento é algo
essencial ao ambiente labora, para outros ele simplesmente é dispensável. No primeiro caso as
falas voltam-se para um acumulo de energia, como segue: “No momento que a gente é
reconhecido, a gente trabalha muito satisfeito” (P4); e que: “o funcionário termina trabalhando
com mais disposição e desempenha melhor a função dele, né?!” (P5).
Nesse caso pode-se visualizar o que Dejours (2009) apontou como uma transferência do
registro do fazer para o registro do ser, pois a valorização (simbólica ou material) oriunda da
organização é processada como um elogio pessoal que reverte, por sua vez, para a identidade
do trabalhador.
No segundo caso, existiram os que afirmaram que não percebiam o reconhecimento
como algo importante: “não necessariamente é obrigado você ser reconhecido. No trabalho
não preciso de reconhecimento não. Eu fazendo meu trabalho, o trabalho tando certo eu não
quero que ninguém fique... Não precisa não” (P2).
Nesse caso, é a própria autonomia, a possibilidade de realizar corretamente o trabalho,
que constitui a fonte de reconhecimento, corroborando a perspectiva de Castel (2001) sobre as
novas formas de individualização. Esse processo possui aspectos ambivalentes, pois ao mesmo
tempo em que cria situações de desamparo do coletivo e de fragilidade de compartilhar, também

648
gera autoproteção através de métodos privados e singulares.
Na Categoria III (Reconhecimento e Hierarquia) evidenciou que os entrevistados
afirmaram que se utilizavam de elogios e de ensinamentos para reconhecer o trabalho do outro,
pois a percepção da necessidade do outro para realizar o seu trabalho sempre estava presente,
como segue: “Se você faz o seu corretamente, o meu vai ficar bem mais fácil e isso a gente
agradecia, (...) porque uma máquina depende de outra. É bom quando tem esse conjunto, né?!
Porque é muito difícil o caba trabalhar” (P3); “Se eu acho que eu tenho que ser reconhecida
então todos devem ser” (P12).

Elogiando (...) e quando eu via que a pessoa era bom de serviço, puxava
mais pra perto de mim, pra (...) ensinar mais pra ele também (...) E
também a gente não faz só ensinar, (...) a gente aprende muito também,
né?! (P2);

Eu sou uma pessoa que eu só procurei fazer só amizade com o pessoal,


não tinha problema de inimizade não. Era todo mundo amigo e (...) era
um por todos e todos por um, porque eu via o esforço de cada um. Num
bastava ele tá na minha frente não. No momento que a gente via aquele
esforço, era só agradecer. O momento que eles me ajudavam, que
colaboravam com a empresa, era só agradecimento e reconhecimento
(P4).

Finalmente a Categoria IV (Relação com o Público) foi unanimemente definida como


positiva: “Eles falam (...) que recebem bem, trabalham bem, conversa. (...) Porque dá um ‘bom
dia’, um ‘boa tarde; você ir passando uma mercadoria ali, você também vai conversando”
(P5); “Muito boa, muito boa mesmo (...) eu tinha um bom relacionamento com todos os meus
clientes” (P14); e

Todos gostavam muito de mim, pela forma da gente conversar, de


interagir, pelo convívio. Porque, queira ou não queira, tem cliente que
vai todos os dias na agencia. Graças a Deus até hoje sou reconhecido
(...) meu círculo de amizade aqui é muito grande” (P2);

Para Heloani e Barreto (2010) essa espontaneidade e positividade na relação com o


público esconde um cenário de (o)pressão frente às avaliações de resultados, pois a máxima de
que o cliente tem sempre razão e que deve ser atendido nas suas demandas sem
questionamentos corrobora a postura que deseduca o cliente, pois este não encontra limites para
muitos comportamentos inadequados diante do prestador de serviços. Contudo, pra Heloani e
Proni (2016) e Macêdo e Heloani (2018), esse cenário é algo compulsório ao qual o trabalhador
tem que se adequar, sob pena de demissão, pois na atualidade a redução de efetivos é algo que
amedronta o trabalhador e mesmo acaba por sobrecarregar os remanescentes, configurando uma
tendência ao adoecimento, que por vezes se esconde na negação do sofrimento e em uma
normalidade forçada.
No entanto, houve quem visualizasse falhas e impotências nessa relação, pois levavam

649
em consideração, também, a questão da exigência de se manter uma boa relação com o público
para se manter trabalhando, como segue: “eu acho que eles [público] querem mais, né?! Eles
cobram mais e eu não tenho pra dá o mais, aí acaba ficando falha, né?!” (P8) e “Me dou bem
com muitos deles, (...) Até porque eu trabalho numa empresa que tem que lidar com público e
eu não posso fazer com que aquela pessoa saia com raiva de mim” (P5).
Essa perspectiva corrobora com a perspectiva de Borges (2010), que aponta que a
obrigatoriedade da relação harmônica com o público aponta para uma conscientização das
necessidades que o cargo exige, apontando para uma maior relação de sociabilidade, uma
negociação do trabalhador com seus limites e mesmo deste com os clientes. Para Dejours (2012)
essa perspectiva também é entendida por como uma forma de coletivo, pois da interação entre
trabalhador e cliente surgem os objetivos predeterminados e as metas são alcançadas.
Assim, esse contato diário e limitado proporciona um vínculo com o clienteque muitas
são as formas que o trabalhador utiliza para sublimar o sofrimento e atingir uma satisfação pelo
que faz (Dejours, 1993b). Para Dejours (1999), banaliza-se o sofrimento do trabalhador quando
este demonstra querer fazer mais (principalmente em órgãos públicos), mas não se pode, pois
existem pressões reais frente a metas e a lucratividade das empresas, que está sempre em
primeiro plano.

5 Conclusão
Diante do material evidencia-se que o trabalho ainda é fonte de grande nocividade, como
apontado por Dejours (2012; 2013; 2015), Lacaz (2016) e mesmo por Castel (2001) e que os
trabalhadores, em muitos casos, ainda vivenciam, cotidianamente, uma relação de
sofrimento/prazer em suas organizações; ainda adoecem, agravam problemáticas e mesmo são
mutilados em suas jornadas; e ainda constituem um subproletariado que, por vezes, beira a
miséria.
O reconhecimento, pode-se sustentar, teve um peso importante no processo de
ambivalência laboral (prazer e sofrimento) dos entrevistados, pois nas falas pode-se constatar
que: seu valor é visto tanto simbólica quanto financeiramente; ele viria a ser uma via de mão
dupla entre empresa e funcionário; seria dado como recompensa da produção; e finalmente é
visto como algo raro, ou mesmo que não exista. Com isso, evidenciou-se também que ele é
atribuído hierarquicamente de forma vertical, no qual apenas os superiores o emitem ou deixam
de fazê-lo, faltando muitas vezes à participação dos pares, sucumbidos pela concorrência
desenfreada e individualista.
Verifica-se, com o exposto, que a Psicodinâmica do trabalho permite uma análise do
contexto laboral atual, assim como da vida desses trabalhadores, pois as estratégias defensivas
frente às adversidades e pressões das metas a serem atingidas existem e quando elas falham os
trabalhadores tendem a procurar ajuda, seja física, emocional ou jurídica para amenizar seus
sofrimentos. Isso implica diretamente em seus sensos de autoproteção e mesmo na constatação
de que não são passivos e vulneráveis frente ao trabalho e suas condições adversas.
Infelizmente aponta-se para a preocupação com o atual momento laboral do Brasil, pois
como aponta Heloani e Proni (2016), a previdência não é mais padrão de proteção e muito
menos de cuidados, mas se sustenta aqui que ninguém conhece mais o cotidiano laboral do que
o trabalhador e somente ele pode apontar o que precisa ser modificado, pois como diz Ferreira
(2015): quer ver, escuta!
650
6 Referências
Borges, L. H. (2010) Trabalho de Caixa Bancário, Saúde Mental e Lesão por Esforço
Repetitivo. In Saúde Mental no Trabalho: Da Teoria a Prática. Glina, D. M. R. & Rocha,
L. E. (Org). São Paulo: Roca (pp. 271-301).
Castel, R. (2001) Conclusão: O Individualismo Negativo. In As metamorfoses da questão
social: uma crônica do salário. (I. D. Poteli, Trad.). Petrópolis, RJ: Vozes (pp. 593-611).
Dejours, C. (1993a) Addendum: Da psicopatologia a psicodinâmica do trabalho. In Lancman,
S. & Sznelwar, L. I (Org.), (2011) Cristophe Dejours: Da Psicopatologia à Psicodinâmica
do Trabalho. (F. Soudant, Trad.) (pp. 57-123) Brasília: Paralelo 15; Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz.
Dejours, C. (1993b). Para uma clínica da meditação entre Psicanálise e Política: A
Psicodinâmica do Trabalho. In Lancman, S. & Sznelwar, L. I (Org.), (2011) Cristophe
Dejours: Da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho. (F. Soudant, Trad.) (pp. 217-
251) Brasília: Paralelo 15; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
Dejours, C. (1999) A banalização da Injustiça Social. (Monjardim, L. A., Trad.) Rio de Janeiro:
Editora Fundação Getúlio Vargas.
Dejours, C. (2009) Entre o desespero e a esperança: como reencantar o trabalho? Revista
CULT, São Paulo, v. 139 (pp. 49-53).
Dejours, C (2011) Psicopatoligia del trabajo – Psicodinámica del trabajo (Texto Introductorio).
Laboreal (pp. 13-16). Acesso em http://laboreal.up.pt/files/articles/13_16f2_1.pdf.
Dejours, C. (2012) Trabalho Vivo: Trabalho e Emancipação. Tomo II (Soudant, F., Trad)
Brasília: Paralelo 15.
Dejours, C. (2015). Le choix, Souffrir au travail n'est pas une fatalité. Paris: Bayard.
Dejours, C., Dessors, D. & Desriaux, F. (1984) Por um trabalho, fator de equilíbrio. (Betiol,
M. I. S., Trad.). (1993) Revista de administração de empresas. São Paulo – SP, 33(3) (pp.
98-104).
Dejours, C. & Bègue, F. (2010). Suicídio e trabalho: o que fazer? Brasília: Paralelo 15.
Dejours, C. & Molinier, P. (1994). O Trabalho como enigma. In Lancman, S. & Sznelwar, L. I
(Org.), (2011) Cristophe Dejours: Da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho. (F.
Soudant, Trad.) (pp. 151-166) Brasília: Paralelo 15; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
Ferreira, L. L. (2015) Análise Coletiva do Trabalho: quer ver? Escuta. Revista Ciências do
Trabalho – Nº 4 (pp. 125-137). Acesso em
https://rct.dieese.org.br/index.php/rct/article/view/60/pdf.
Garcia A. B., Dellaroza M. S. G, Haddad M. C. L. & Pachemshy L. R. (2012) Prazer no
trabalho de técnicos de enfermagem do pronto-socorro de um hospital universitário
público. Revista Gaúcha de Enfermagem. Porto Alegre (RS) jun;33(2) (pp. 153-159).
Guida, H. F. S., Brito, J. & Alvarez, D. (2013) Gestão do trabalho, saúde e segurança dos
trabalhadores de termelétricas: um olhar sob o ponto de vista da atividade. Ciência &
Saúde Coletiva, 18(11) (pp. 3125-3136).
Heloani, J. R. M. & Barreto, M. (2010) Aspectos do Trabalho Relacionados À Saúde Mental:

651
Assédio Moral e Violência Psicológica. In Saúde Mental no Trabalho: Da Teoria a
Prática. Glina, D. M. R. & Rocha, L. E. (Org). São Paulo: Roca (pp. 31-48).
Heloani, J. R. M. & Proni, T. R. (2016) A “minirreforma previdenciária” e a redução da
proteção social no Brasil. Carta Social e do Trabalho – Campinas, Nº 33 (pp. 69-), jan./jun.
Artigo apresentado no XIV Encontro Nacional da ABET – Campinas, (pp. 15-18) em
Setembro de 2015.
Lacaz, F. A. C. (2016) Continuam a adoecer e morrer os trabalhadores: as relações, entraves
e desafios para o campo Saúde do Trabalhador. (Ensaio) Revista Brasileira de Saúde
Ocupacional – RBSO. ISSN: 2317-6369 (online).
Laville, C. & Dionne, J. (1999) A Construção do saber: Manual de Metodologia da Pesquisa
em Ciências Humanas. (Trad.) Monteiro, H. & Settineri, F. Porto Algre: ArtMed; Belo
Horizonte: Editora UFMG.
Macêdo, K. B & Heloani, J. R. M. (2018) A arqueologia da psicodinâmica do trabalho no Brasil.
Cadernos de Psicologia Social do Trabalho – Volume 21, Nº 1 (pp. 45-59) (DOI)
10.11606/issn.1981-0490.v21i1p45-59.
Machado, A. G. & Merlo, Á. R. C. (2008) “Cuidadores: seus amores e suas dores”. Psicologia
& Sociedade, 20(3) (pp. 444-452).
Pinho, R. J., Pereira, A. P. F. B. & Lussi, I. A. O. (2019) População em situação de rua, mundo
do trabalho e os centros de referência especializados para população em situação de rua
(centro pop): perspectivas acerca das ações para inclusão produtiva1. Caderno Brasileiro
de Terapia Ocupacional – São Carlos, Volume 27, Nº 3 (pp. 480-495) ISSN 2526-8910
(doi) https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1842.
Rivero, P. S. (2009) Trabalho: opção ou necessidade?: Um século de informalidade no Rio de
Janeiro. Coleção Trabalho & Desigualdade. Belo Horizonte: Argvmentvm.
REVISÃO DE LITERATURA: QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO(QVT),

652
JUNTO ÀS INTERFACES LABORAIS DO CONTADOR

Brunno Ewerton de Magalhães Lima


Dinara das Graças Carvalho Costa
Sabrina Costa Pereira

1 Introdução
A palavra ciência advém do latim scientĭa, que significa conhecimento, e evidencia a
compreensão de algo que é antes de tudo uma arte da constante busca pela sabedoria do
conhecimento. Assim, a pesquisa tem em seu seio a análise e a investigação de fenômenos de
cunho experimental, social e individual que visa compreender uma realidade (Subirats & Morin,
1987).
Adentrando a perspectiva de compreensão de um fenômeno social, a Ciência Contábil
(englobada no plural de seu nome de Ciências Contábeis), evidencia-se por sua prática de
pesquisa e intervenção, frente à junção entre ciência e profissão, tornando a contabilidade um
campo de dispersão de saberes de uma ciência social aplicada ao meio sócio histórico, político,
econômico e cultural para guiar sua práxis (Heissler, Vendrusculo, & Sallaberry, 2018).
A Ciência Contábil, em sua epistemologia enquanto ciência, surge no século XII como
método de racionalização dos bens, dos processos econômicos, organização e racionalização
financeira, tendo impacto no trabalho humano e assumindo o contabilista o papel de ator social
preponderante em processos financeiros, empresariais, tributários, organizacionais e gerenciais,
entre outras funções (Marion, 2005).
Assim, é possível afirmar que a perspectiva da contabilidade moderna nasce com o
intuito de atender as demandas dos estados italianos (ainda no século XII) com o método de
partilhas dobradas da creditação e debitação, que Frei Franciscano Luca Pacioli elaborou em
1494 (Hansen, 2002). No Brasil a profissão contábil nasceu oficialmente no período Imperial
em 1770 com o nome de Guarda Livros da Corte, por meio do decreto nº 4475, que estabelecia
a obrigatoriedade do registro desses profissionais na junta comercial (Ferreira & Cruz, 2019;
Heissler et al., 2018).
Partindo disto, ao longo dos séculos, com o advento das Grandes Navegações, do
processo colonizador europeu e das Revoluções Industriais (e mais recentemente das
Tecnologias das operações financeiras e empresariais), a contabilidade globalizou-se e se
democratizou através de uma conjuntura atual que promoveu ao contador sua democratização,
ocupando inúmeros espaços e prestando serviços diversos de ordem jurídica e para pessoas
físicas (Hansen, 2015).
Deste modo, após séculos de desenvolvimento civilizacional a área contábil toca e gera
um impacto social imensurável, sendo está categorizada como pertencente às ciências sociais
aplicadas e não exatas, revelando que a contabilidade antes de cálculos é atravessada e serve ao
contexto social nela inserida (Ferreira & Cruz, 2019). Segundo Marion (2005), o contexto social
moderno de globalização amplia os campos de atuação do contador junto a sua práxis em vista
disto.
Em levantamento realizado no ano de 2019 pelo Conselho Federal de Contabilidade

653
(CFC), apontou que existem 352.572 profissionais regulamente registrados no país e estes
prestam serviços à sociedade de ordem fiscal, econômica, em recursos humanos e de relações
interpessoais – em instituições públicas e/ou privadas (CFC, 2019).
Logo, o trabalho ocupa papel central na cadeia das necessidades humanas, como
Maslow, Stephens e Heil (1998) enumeram, pois desde as necessidades fisiológicas básicas até
o bem-estar, qualidade de vida e autorrealização do sujeito passam por essa esfera social e
identitária e por essa razão a perspectiva da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), é a junção
harmônica entre o sentimento de bem-estar e satisfação – na qual o sujeito relaciona-se com as
funções profissionais e existenciais no cumprimento de suas tarefas culminando em um estado
de saúde mental saudável ao trabalhador (Rodrigues, 1994; Couto & Paschoal, 2017).
Sabe-se que áreas e campos profissionais variam segundo o tipo de função exercida e
características e nesse contexto o contador é um dos profissionais que estão mais expostos a
processos de adoecimentos psicológicos advindos do labor diário, porém os estudos sobre o
assunto são escassos e a temática tem pouco interesse na área (Treter & Moura, 2019).
Corroborando a isto, em estudos realizados nos escritórios de contabilidade do país, o estresse
e a ansiedade foram agravantes psicológicos constantes na prática laboral diária e na QVT de
contadores (Peixoto, 2018; Ferreira & Cruz, 2019).
Neste sentido, tal conjuntura de adoecimento pesquisada nos escritórios foi
correlacionada a variáveis como o constante crescimento de novos profissionais, fazendo o
mercado cada vez mais competitivo e com altas taxas de desemprego, aliado à crise econômica
que assola o país fechando cada vez mais empresas e diminuindo a clientela. Essa realidade
proporciona aos profissionais uma exposição estressora diária, por meio da clientela de
empresas e empreendedores, a uma adversidade macro e microeconômica do aspecto laboral
no país (Rodrigues, 1994; Ribeiro, 2006; Peixoto, 2018; Ferreira & Cruz, 2019).
Em consonância com essa preocupação, e pela pouca visibilidade de tal conjuntura na
saúde do trabalhador, a contabilidade para William e Cooper (1998) é o tipo de função dinâmica
(de contato ou atendimento ao público), com atravessamentos cotidianos que interferem nas
relações interpessoais do ambiente dos escritórios e/ou repartições públicas e o fator financeiro
(fiscal e econômico, entre outros). Assim, impondo uma responsabilidade ao labor contábil na
constante pressão frente aos resultados e otimização da gestão de despesas e lucros (Couto &
Paschoal, 2017; Treter & Moura, 2019).
Como traz Figueirêdo (2016), os profissionais de contabilidade têm aspectos
intrínsecos, além da sua atuação de contato com a clientela, pois muitas vezes o trabalho do
profissional contábil é solitário sendo restrito a horas de cálculos e burocracias. Posto tal,
estressores como exposição a possíveis fiscalizações, cobrança de resultados, competitividade
e busca por autoatualização são aspectos que interferem direta ou indiretamente nos diferentes
âmbitos da vida do profissional, como o familiar, ciclo de amizades e social (Marion & Müller,
2016; Ayres, 2017).
Acerca disto o supracitado ainda elucida que que a inserção dos contadores nas
organizações públicas e privadas (com fatores e realidades socioculturais distintas), apontam
que as organizações de cunho privado possuem uma maior sobrecarga de trabalho do que na
máquina pública. Além disso, a esfera privada impõe uma falta de estabilidade no cargo a longo
prazo junto a um retorno financeiro variável (Figueirêdo, 2016; Ayres, 2017).
Em estudo realizado em escritórios privados acerca da satisfação do profissional
contábil no emprego, evidenciou-se que quanto mais alto o cargo (hierarquicamente) maiores
os níveis de estresse a que o contador pode estar exposto. O mesmo estudo analisou que

654
contadores dentro das organizações que exercem função na área fiscal tendem a ser mais
pressionados por gestores e responsáveis de empresas e questões como carga horária e aspectos
discriminatórios (como gênero, raça, classe e aparência física) são presentes no cotidiano
(Peixoto, 2018; Treter & Moura, 2019).
Como elucida Treter e Moura (2019), na área contábil tais estudos no Brasil ainda são
pequenos e de pouca visibilidade, tanto na formação do futuro profissional contador como na
prática laboral. Assim, pode-se afirmar que independente da área ou campo de atuação o
contexto do mercado de trabalho dimensiona possíveis impactos na saúde física e metal do
trabalhador, que muitas vezes convive com tal conjuntura de prejuízo a sua saúde por
necessidades de subsistência – pois ambientes insalubres (compostos por possíveis ocupações
estressoras, alta carga de responsabilidades, acumulo de funções...) - adentram as esferas do
viver do funcionário, podendo desencadear processos de adoecimentos tanto físicos como
psíquicos, mas sustentam o trabalhador e os seus familiares (Lacaz, 2000; Dejours, 2004;
Gomez & Lacaz, 2005).
Segundo Chiavenato (2008), o campo de gestão de pessoas e do comportamento humano
dentro das organizações (privadas e públicas) pode gerar conflitos e entraves que extrapolam o
campo físico e nessa perspectiva, quem trabalha cotidianamente com as relações interpessoais
(como uma imposição laboral), como ocorre na área dos contabilistas, possui uma maior
probabilidade ao adoecimento. Dimensionando tal conjuntura contemporânea de adoecimento
(mental) na esfera do trabalho, no ano de 2019 a Organização Mundial da Saúde (OMS), incluiu
pela primeira vez a Síndrome Burnout no manual de Classificação Internacional de Doenças
(CID-11) (Who, 2019).
Isto posto, no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) a
Síndrome de Burnout (em inglês o termo significa esgotamento), é concebida como uma
psicopatologia de exaustão psicológica e física que tem origem no ato laboral, descoberta pelo
psicólogo Freudenberger (1975), um dos primeiros pesquisadores a descobrir e estudar as
causas e efeitos da doença (Apa, 2014). Como traz Peixoto (2018), a perspectiva da saúde e do
adoecimento mental do trabalhador pode ocorrer em qualquer instituição porém a temática
ainda é pouco explorada no lócus do meio contábil e administrativo das instituições.
Dessa forma, a preocupação com o ambiente organizacional e suas consequências para
com o trabalhador, ainda em 1950, passou a ser uma inquietação que fomentou estudos e
pesquisas acerca da QVT. Essa perspectiva diz respeito ao modo como a organização constitui-
se, tanto nos aspectos físicos, quanto nas condições de trabalho, demandas sociais e nas
consequências na vida familiar do funcionário (Rodrigues, 1994; Ferreira & Cruz, 2019; Treter
& Moura, 2019). Assim, se aloca a importância do presente estudo em se compreender a
conjuntura de adoecimento, da QVT e saúde mental no campo contábil se constituição no
profissional contador.

2 Metodologia
2.1 Delineamento
O estudo tem como fim analisar, através de uma análise sistemática bibliográfica, os
atravessamentos entre a qualidade de vida no trabalho (QVT), o estresse ocupacional e as
condições sociais e organizacionais que culminam na saúde ou adoecimento mental, tendo
como categoria de análise o profissional contábil.
2.2 Procedimentos

655
A pesquisa de levantamento bibliográfico foi realizada nos dias 22 a 30 de Agosto de
2019 sobre a QVT e estressores que possam culminar em adoecimento laboral do profissional
contador. Tendo o levantamento ocorrido nas bases de dados: Periódicos da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Scientific Electronic Library Online
(Scielo) e Google Acadêmico, sendo as mesmas escolhidas visando sua inserção e abrangência
na busca e divulgação de pesquisas no país.

2.3 Análise de dados


Para a seleção desta pesquisa, como critérios de inclusão e exclusão fora elencados: 1 –
Artigos que se encontram no estado da arte, publicados nos os últimos cinco (5) anos, de 2015
a 2019; 2 – Estudos sem duplicidade em bancos de dados diferentes, mas sendo o mesmo
conteúdo e autores; 3 – Seleção apenas de artigos que se enquadrassem nas temáticas do
cotidiano do trabalho de contabilidade e sobre sua saúde mental; 4 – Utilizou-se apenas estudos
publicados em português; 5 – Somente artigos completos (excluindo resumos, manuais e
livros).
As palavras chaves utilizadas na pesquisa foram: Saúde Mental do Contador; Condições
de Trabalho do Contador; Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) do profissional Contador; e
Aspectos Organizacionais do Trabalho do Contador. Deste modo foram encontrados 20 artigos,
sendo 02 do periódico CAPES, 18 no Google Acadêmico e nenhum na Scielo. Visto tal, para o
presente trabalho foram utilizados apenas alguns dos dados da pesquisa realizada.

3 Resultados e Discussão
Como levantamento e análise realizada encontrou-se um total de 20 artigos que se
relacionam ao objeto e temática da presente pesquisa – Os quais foram categorizados nas
plataformas de pesquisa apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos artigos de acordo com o periódico.
PERIÓDICO N %
CAPES 02 10%
Scielo 0 0%
Google Acadêmico 18 90%
Total 20 100%

Verificando os dados obtidos segundo o número de artigos publicados nos últimos cinco
(5) anos nas principais plataformas de pesquisa no Brasil, o Google Acadêmico e o Periódico
CAPES foram as únicas plataformas de busca acadêmicas que apresentaram resultados
Fonte: dados da pesquisa.
referentes à temática, sendo o Google Acadêmico a plataforma que mais apresenta o número

656
de trabalhos relacionados à Saúde Mental Relacionada ao Trabalho na Área Contábil.
Em vista disto, acredita-se que tais resultados constituem-se em parte pelo mecanismo
de busca mais abrangente a que a plataforma do Google Acadêmico propõe-se, colhe buscas
em todos os sites e plataformas de busca disponível na Internet enquanto a plataforma de
Periódicos da CAPES permite apenas a visualização de revistas associadas ou pagas para
apresentar os resultados – a falta de pesquisas na plataforma da Scielo demostra a inexistência
de trabalhos na área da Saúde Mental nas revistas e periódicos que a plataforma oferece.
Evidenciou-se que na área contábil existe pouca investigação acerca da temática da
saúde do trabalhador contábil, pois o baixo número de pesquisas feitas no contexto brasileiro
nos últimos cinco anos oferece um panorama que Figueirêdo (2016) elucida na práxis do
profissional contábil, ligada em sua maioria em aspectos financeiros e tributários.
Segundo explicita Treter e Moura (2019), a saúde mental ainda é vista como algo que
está em segundo plano nos contextos organizacionais, nos quais o contador aloca-se
laboralmente mesmo tendo manifestações e casos de adoecimentos psíquicos graves. Acerca
disto a inclusão da Síndrome de Burnout no rol das doenças na CID-11 demostra como o
trabalho na modernidade afeta as diferentes esferas vivenciais, sendo de grande importância
compreender o fenômeno no âmbito contábil (Who, 2019; Lacaz, 2000).

Tabela 2
Caracterização dos artigos de acordo com o ano de publicação.
ANO DE PUBLICAÇÃO N %
2015 01 5%
2016 06 30%
2017 05 25%
2018 06 30%
2019 02 10%
Total 20 100%

Já analisando a Tabela 2 acima representando os últimos cinco (5) anos a produção, tem
uma distribuição equânime nos anos de 2016 até 2018, sendo baixa em 2015 e até o presente
momento de 2019 estando no total de dois trabalhos. Partindo destes dados leva-se em conta o
tempo de análise prolongado no qual as revistas brasileiras utilizam para correção até a
publicação dos trabalhos, gerando um efeito de pouca difusão e discussão das temáticas
Fonte: dados
relativas da pesquisa.
à saúde e adoecimento do profissional contador.
Já na Tabela 3 traz informações sobre as temáticas centrais em que os artigos focam nos
estudos.
Tabela 3
Caracterização dos artigos de acordo com a temática investigada.

657
TEMÁTICA INVESTIGADA N %
Saúde Mental 05 25%
Condições de Trabalho 04 20%
Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) 07 35%
Aspectos Organizacionais do Trabalho 04 20%
Outros* 0 0%
Total 20 100%

Deste modo, observando os temas de pesquisas de como a Saúde Mental é atravessada


por aspectos sociais, organizacionais e condições laborais evidenciou-se que este conjunto de
fatores (em cada subgrupo especificado na Tabela 3) conta com inúmeras variáveis subjacentes,
como QVT, por exemplo, que conta com relações interpessoais no seio familiar e na
organização.
Assim a grande maioria dos trabalhos gira entorno de aspectos organizacionais e como
isto pode
Fonte: afetar
dados o desempenho do funcionário, como Chiavenato (2008) exemplifica como
da pesquisa.
aspecto bastante estudado no âmbito das instituições. Deste modo tais temáticas (como um
ambiente laboral insalubre, estressante, problemas familiares e etc) podem culminar no
desencadeamento do adoecimento mental em diferentes tipos de organizações e funções
laborais (Dejours, 2004; Zanelli, 2009; Gomez & Lacaz, 2005 Couto & Paschoal, 2017).
Na Tabela 4 encontramos dados dos tipos de pesquisa e quais abordagens metodológicas
utilizadas nos artigos.

Tabela 4
Caracterização dos artigos de acordo com o tipo de pesquisa e enfoque metodológico.
TIPO DE PESQUISA N % ENFOQUE N %
METODOLÓGICO
Exploratória-descritiva 06 30% Quantitativo 06 30%
Descritiva 08 40% Qualitativo 09 45%
Exploratória- 02 10% Quali-Quanti 02 10%
Bibliográfica
Estudo de caso 0 0% Não especificado 03 15%
Não especificado 04 20% Total 20 100%
Total 20 100%
658
Verificando a Tabela quatro, observou-se que a maioria dos estudos enquadram-se
como pesquisas descritivas, tendo como características a definição de características tanto de
um fenômeno quanto de uma temática. Já no enfoque metodológico, a maioria configura-se
como estudo qualitativo, no qual, segundo Martins e Theóphilo (2009), caracteriza-se um
enfoque maisdasubjetivo
Fonte: dados pesquisa. e individualizado de grupos de sujeitos.
Assim, a temática de Saúde Mental de trabalhadores da área contábil requer, para uma
análise mais minuciosa, aspectos individuais e de história de vida dos sujeitos da pesquisa, algo
que na pesquisa quantitativa pode ser realizado, mas tem maior eficiência no método de coleta
qualitativo (Raupp & Beuren, 2006).

4 Conclusão

Tendo em vista as temáticas apresentadas e discutidas no presente estudo, verificou-se


que a produção de trabalhos acerca da saúde mental e QVT dos profissionais contábeis no Brasil
ainda é pequena. Os dados do estudo dimensionam como campo da saúde e adoecimento mental
do trabalhador contador é deixado em segundo plano tanto no exercício profissional e até
mesmo nas graduações da área conforme elucida autores da temática (Rodrigues, 1994; Ribeiro,
2006; Peixoto, 2018; Ferreira & Cruz, 2019).
Foi observado por meio da revisão sistemática, nas bases de dados com maior inserção
no país, como os estudos sobre a saúde mental do contador tem predomínio em uma plataforma
o Google Acadêmico. Assim, mostrando a pouca difusão do tema na dinâmica acadêmica e
profissional e consequentemente na baixa produção e divulgação científica em diferentes meios
de pesquisa brasileiros.
Deste modo, sabendo que inúmeros fatores podem influenciar a vida e saúde do
trabalhador, e as peculiaridades e individualidades da práxis do contabilista carrega. Logo o
presente estudo sugere uma maior aproximação e divulgação de tais trabalhos, tanto no meio
acadêmico dos estudantes de contabilidade como para profissionais autônomos,
administradores e servidores.
Portanto, o referido estudo buscou contribuir com futuras pesquisas que venham a ser
realizadas na área visando um movimento de instigação dos profissionais ou futuros contadores,
para além de tentarem investigar e compreender, busquem formas eficientes de promover a
QVT culminando em uma saúde física e mental saudável nos ambientes em que a contabilidade
se aloca.

5 Referências
Ayres, R. M., Nascimento, J. C. H. B. D., & Macedo, M. Á. D. S. (2017). Satisfação do
Profissional de Contabilidade do Estado do Rio de Janeiro quanto à Qualidade de Vida no
Trabalho–QVT (2014-2015): Uma Análise por PLS-SEM com base no Modelo Dimensional
de Walton. Pensar Contábil, 18(67).
American Psychiatric Association. (2014). DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de

659
transtornos mentais. Artmed Editora.

Bezerra, M. L. S., & Neves, E. B. (2010). Perfil da produção científica em saúde do


trabalhador. Saúde e sociedade, 19(2), 384-394.

Chiavenato, I. (2008). Gestão de pessoas. Elsevier Brasil.

Conselho Federal de Contabilidade. (2019). Carreira Contábil está entre as que mais geraram
empregos em 2018 e promete crescimento para 2019. Brasília-DF. Recuperado em 27
março 2020, de https://cfc.org.br/noticias/%EF%BB%BFcarreira-contabil-esta-entre-as-
que-mais-geraram-empregos-em-2018-e-promete-crescimento-para-2019/

Couto, P. R., & Paschoal, T. (2017). Relação entre ações de qualidade de vida no trabalho e
bem-estar laboral. Psicologia Argumento, 30(70).

Dejours, C. (2004). Subjetividade, trabalho e ação. Production, 14(3), 27-34.

Ferreira, F. S., & Da Cruz, T. S. (2019). Estresse ocupacional nos escritórios de contabilidade:
uma análise no município de Feira de Santana–Ba. Revista de Administração e
Contabilidade da FAT, v. 10, n. 3.

Figueirêdo, T. S. D. (2016). Burnout: Uma análise da presença da síndrome nos profissionais


da contabilidade da cidade de Campina Grande-PB.

Freudenberger, H. J. (1975). The staff burn-out syndrome in alternative


institutions. Psychotherapy: Theory, Research & Practice, 12(1), 73.

Gomez, C. M., & Lacaz, F. A. D. C. (2005). Saúde do trabalhador: novas-velhas


questões. Ciência & Saúde Coletiva, 10, 797-807.

Heissler, I. P., Vendrusculo, M. I., & Sallaberry, J. D. (2018). A Evolução da Contabilidade ao


Longo da História do Brasil. Revista de Administração e Contabilidade, Santo
Ângelo, 17(34), 04-25.

Hansen, J. E. (2015). A evolução da Contabilidade: da Idade Média à regulamentação


americana. Pensar Contábil, 4(13).

Lacaz, F. A. D. C. (2000). Qualidade de vida no trabalho e saúde/doença. Ciência & Saúde


Coletiva, 5(1), 151-161.

Maslow, A. H., Stephens, D. C., & Heil, G. (1998). Maslow on management. New York: John
Wiley.

Martins, G. D. A., & Theóphilo, C. R. (2009). Metodologia da investigação cientifica. São


Paulo: Atlas, 143-164.

Marion, J. C. (2005). Contabilidade empresarial. Atlas.

Marion, J. C., & Müller, A. N. (2016). Qual o futuro da Contabilidade na nova


economia?. Revista Mineira de Contabilidade, 2(7), 34-37.
Peixoto, B. M. P. (2018). A relação da síndrome de burnout com o comprometimento

660
organizacional nos contabilistas certificados (Doctoral dissertation). Recuperado de
https://recipp.ipp.pt/bitstream/10400.22/11787/1/Bruna_Peixoto_MGO_2018GEST%c3
%83O%20EMPRESAS_.pdf

Ribeiro, J. S. (2006). Qualidade De Vida Dos Contabilistas De Campo Grande, MS (Doctoral


dissertation, Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Psicologia
da Universidade da Universidade de São Paulo, São Paulo).

Rodrigues, M. V. C. (1994). Qualidade de vida no trabalho: evoluçäo e análise no nível


gerencial. In Qualidade de vida no trabalho: evoluçäo e análise no nível gerencial.

Raupp, F. M., & Beuren, I. M. (2006). Metodologia da Pesquisa Aplicável às Ciências. Como
elaborar trabalhos monográficos em contabilidade: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 76-
97.

Subirats, E., & Morin, E. (1987). Ciencia con consciencia. Anàlisi: quaderns de comunicació i
cultura, (10), 325-327.

Treter, J., & de Moura, L. A. (2019). Saúde emocional do profissional da contabilidade: mitos
ou verdades?. Revista Brasileira de Contabilidade, 235, 36-49.

World Health Organization. (2019). Síndrome de burnout é detalhada em classificação


internacional da OMS. Recuperado de https://nacoesunidas.org/sindrome-de-burnout-e-
detalhada-em-classificacao-internacional-da-oms/

Williams, S., & Cooper, C. L. (1998). Measuring occupational stress: development of the
pressure management indicator. Journal of occupational health psychology, 3(4), 306.

Zanelli, J. C. (2009). Estresse nas organizações de trabalho: compreensão e intervenção


baseadas em evidências. Artmed Editora.
AS NOVAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE:

661
INTERFACES DOS SERVIÇOS EM PLATAFORMAS DIGITAIS

Brunno Ewerton de Magalhães Lima


Ítalo Fábio Viana da Silva
Maria Antonia da Silva Oliveira
Matheus Barroso Ferreira
Dinara das Graças Carvalho Costa
Carla Fernanda de Lima

1 Introdução
Ao longo da história o trabalho assumiu diversos aspectos e percepções nas sociedades
ocidentais e orientais, contudo com o percurso civilizatório e o advento da I Revolução
Industrial, no século XVIII, o labor passou a ter centralidade na vida humana, além do aspecto
de subsistência, culminando na racionalização e organização de cargos e ocupações
empregatícias da modernidade (Ramos, 2009).
No final do século XX e começo do XXI, com trajetos de (re)invenções trabalhistas e
mercadológicas (Ramos, 2009), tem crescido e se potencializado o surgimento das Tecnologias
Digitais de Informação e Comunicação (TDICs), oportunizando a IV Revolução Industrial e
Tecnológica, como postula Castells & Espanha (1999) e Schwab (2019).
Tal conjuntura de inovação tecnológica no mercado laboral reelabora uma nova lógica
vivencial na chamada sociedade da informação (Werthein, 2000), estando pautada em uma
racionalidade capitalística de subjetividade interligada às novas tecnologias digitais e suas
potencialidades múltiplas (mesmo que falseadas) de maior liberdade econômica e se voltando
a uma lógica neoliberalista e de oportunidades igualitárias (Bauman, 2013; Rolnik, 1997;
Antunes, 2001).
Tendo em vista que as novas tecnologias interligam sujeitos, reelaboram ocupações e
campos de trabalhos, ao mesmo tempo também diminuem postos de trabalho tendo como
resultado a flexibilização e precarização das relações empregatícias (Antunes, 2018). Outro
atravessamento disto como postula Antunes e Praun (2015), é como a flexibilização oportuniza
uma conjuntura de adoecimentos físicos e mentais, por meio da falta de vínculos formais e a
partir disto o trabalhador passa a está desamparado em ocupações insalubres e resguardado em
acidentes futuros.
No Brasil, segundo pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), entre os
anos de 2001 a 2014 com 119 companhias brasileiras, o investimento de 1% em Tecnologias
da Informação (TI) como aplicativos de serviços e produtos, ocasionou um crescimento de 7%
nos seus resultados operacionais das empresas (OIT, 2017; Souza, 2017). Nesse contexto, os
aparelhos móveis conectados à internet potencializaram a criação de um novo mercado
empregatício de aplicativos de oferta de serviços de mobilidade urbana, vendas online e delivery
(pedido de comidas por meio de aplicativos com pronta entrega em casa), entre outros nichos.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2019 o mercado de
serviços por meio de plataformas online, chegou a quatro (4) milhões de trabalhadores (Brasil,
2019).
Por conseguinte, segundo Toffler (1973), o uso exagerado de tecnologias podem

662
ocasionar mudanças negativas no cotidiano e comportamento de pessoas. O uso do celular, por
exemplo, facilita a comunicação organizacional e profissional. Porém, seu uso excessivo pode
induzir o trabalhador a carregar suas obrigações empregatícias a diferentes âmbitos da sua vida
podendo, em casos mais extremos, desenvolver o transtorno de Nomofobia (Oliveira, Barreto,
El-Aouar, Souza, & Pinheiro, 2017) – que é a angustia gerada pela dependência do não uso do
telefone celular junto a sensação de estar desconectado de acontecimentos e relações (Dsm-5,
2014).
Os serviços em plataformas digitais são tratadas pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT), em relatório, como aliadas ao trabalho, elucidando as potencialidades que tais
tecnologia podem dimensionar: como globalização de mercadorias e maior dinâmica de
serviços prestados. Contudo, também são levantados os riscos do desamparo jurídico-
trabalhista de funções autônomas para plataformas digitais (Oit, 2017). Logo, este novo tipo de
ocupação laboral fornece riscos principalmente pela falta de amparo na legislação como elucida
Oliveira et al. (2017) e um estudo de 2019 feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), sobre as características do mercado laboral no Brasil.
Para os pesquisadores, a conjuntura de ocupações autônomas sem vínculos jurídicos
cresce de forma acelerada no país (Brasil, 2019) e, segundo o IPEA, o crescimento deve-se não
apenas pelo cenário de alto desemprego e crise econômica, mas é movido também por uma
mudança na concepção das relações de trabalho como elucida Antunes (2011), provocando
precarização e flexibilização jurídico-trabalhista - pautada na lógica de diminuir encargos para
empregadores e menos direitos para trabalhadores - por uma narrativa de falseamento e na busca
pela perca de direitos (Antunes, 1995; Antunes, 2001; Antunes, 2008).
Assim, tais fatores fazem do mercado de trabalho na contemporaneidade um ambiente
cada vez mais adverso para a saúde física e mental do trabalhador como trata Antunes e Praun
(2015), fazendo com que pela primeira vez um transtorno mental de decorrência laboral entre
na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) em 2018: a Síndrome de Burnout. Na
revisão da ICD-11, (2019) esta é posta de forma mais detalhada no rol de doenças assim
caracterizando de maneira mais detalhada o Burnout como esgotamento mental e físico
decorrente de um ambiente laboral adverso, podendo gerar quadros de ansiedade, depressão,
entre outros agravos na saúde do trabalhador (Freudenberger, 1974).
Desta forma, há uma percepção na modernidade que trabalhadores que prestam serviços
autônomos a plataformas digitais gozam de um cenário laboral benéfico com maior
flexibilidade de carga horária, não subordinação a patrões entre outros aspectos que tornam tais
serviços atraentes (Gorender, 1997). Todavia, as novas tecnologias podem favorecer o capital
de empresas e companhias. Porém, não é tido o mesmo retorno aos prestadores dos serviços
por meios digitais tornando a nova classe proletária na modernidade de infoproletários como
nomeia Antunes e Braga (2015) e Antunes (2015) na análise sobre a nova alienação
contemporânea. A falta de vínculos trabalhistas formais provoca desamparo em casos como
Acidentes de Trabalho (AT), benefício por auxílio doença, aposentadoria, seguro desemprego
– entre outros direitos que o trabalhador autônomo não goza como funcionários formais
(Franco, Druck, & Seligmann-Silva, 2010).
Por conseguinte, verificando a conjuntura e entraves no meio social que adentram
campo jurídico, o presente estudo visa compreender como as novas relações de prestação de
serviços da contemporaneidade podem impactar na dinâmica de vida dos trabalhadores, assim
como na sua saúde física e mental, tendo como categoria de análise indivíduos que exerçam
ocupações como motoristas de aplicativos de mobilidade urbana e delivery na cidade de

663
Parnaíba, Piauí.

2 Objetivos
2.1 Objetivo Geral
Investigar os fatores biopsicossociais sobre a saúde dos trabalhadores dos aplicativos de
serviços de mobilidade urbana, venda de produtos online e delivery, assim como sua
consolidação como nova categoria de ocupação laboral na contemporaneidade, na cidade de
Parnaíba-PI.
2.2 Objetivos Específicos:
● Compreender os atravessamentos que os aplicativos de serviços de mobilidade,
delivery e vendas online podem gerar na carga horária laboral dos sujeitos;
● Analisar as reverberações no fazer laboral diário dos indivíduos que prestam
serviços a companhias de tecnologia do terceiro setor, assim como os efeitos na
saúde desse trabalhador;
● Conceber quais direitos trabalhistas os prestadores de serviços são resguardados
pelas normas trabalhistas brasileiras;
● Entender por meio dos serviços em plataformas digitais se constituem na dinâmica
do mercado de trabalho na contemporaneidade.
3 Metodologia:
3.1Caracterização da Pesquisa
O estudo tem um delineamento não experimental, de caráter exploratório-descritivo
com uma amostragem não-probabilística e se buscou conhecer a realidade dos trabalhadores
que exerçam função laboral de vínculo jurídico-empregatício em aplicativos de mobilidade
urbana, vendas online e delivery na cidade de Parnaíba-PI.
3.2 Participantes
Na pesquisa contou-se com a participação de seis indivíduos, que representaram,
simbolicamente, cada aplicativo e serviço intermediado pelas redes sociais disponibilizado na
cidade. Nos dados sociodemográficos a maioria dos participantes da pesquisa foi do gênero
masculino de 83,3%, no tocante a etnia 66,7% se auto declararam negros, pardos ou morenos e
33,3 % brancos. Tendo os sujeitos média de idade de 25 anos (33,3%).
Adentrando aos aspectos escolares, 66,7% declararam que frequentaram o ensino
superior, porém apenas 33,3 % terminaram a graduação. Visto tal, nos tópicos socioeconômicos
50% da amostra respondeu pertencer à classe média, tendo 50% dos trabalhadores da pesquisa
o rendimento mensal de um salário mínimo. Nas questões laborais, 83,3% dos entrevistados
relataram que antes da função laboral atual de mobilidade, delivery ou venda de produtos por
meio dos aplicativos, já trabalharam em empresas ou ocupações autônoma, porém com uma
rotina e obrigações de relações trabalhistas formais.
3.3 Instrumentos
Os sujeitos que se dispuseram a participar do trabalho preencheram um Questionário
Sociodemográfico que tratou de aspectos etnográficos (como gênero, cor/raça, ocupação
laboral, renda, escolaridade e histórico empregatício), tendo como intuito conhecer e entender
os atravessamentos como classe e aspectos psicossociais na concepção da realidade individual
de cada sujeito.
Posteriormente foi realizada uma entrevista semiestruturada composta por doze

664
perguntas que versavam sobre características de ocupação trabalhista, dinâmica do serviço,
vínculos e direitos trabalhistas e atravessamentos e impactos da ocupação exercida nos
diferentes campos da vida dos sujeitos.
3.4 Procedimentos
Para a realização do presente trabalho os indivíduos foram convidados por conveniência
(pois participaram apenas aqueles que aceitarem voluntariamente) sendo informados do teor da
pesquisa, seus riscos e benefícios e tendo a concordância em participar da mesma, foi agendado
o dia, local e horário para os participantes da pesquisa – o Núcleo de Estudos sobre Gênero,
Raça, Classe e Trabalho (NEGRACT).
Deste modo, nos dias respectivos das entrevistas, foram entregues aos sujeitos da
pesquisa o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) – entendido como o
comprometimento ético através da pesquisa – para que pudesse ser lido e assinado ou marcado
com a impressão digital da pessoa (caso o (a) participante não possa assinar), em suas duas vias
(uma que ficará com a pessoa e outra com o pesquisador).
Nesse momento os sujeitos foram informados da gravação das respostas e o uso dos
dados para fins acadêmicos, assim como do resguardo do sigilo do estudo. Visto tal, foi
entregue uma folha contendo o Questionário Sociodemográfico, respondido individualmente
pelo participante, e em seguida foi feita a entrevista semiestruturada gravada.
3.5 Análise dos dados
Para a análise do questionário sociodemográfico, foi utilizado o software SPSS versão
21.0 – sendo realizadas estatísticas descritivas (medidas de tendência central e dispersão) com
o objetivo de descrever os participantes do estudo.
Logo após as entrevistas serem gravadas as mesmas foram transcritas e analisadas.
Assim, a análise dos dados foi de cunho qualitativo, versando sobre os conteúdos obtidos das
entrevistas semiestruturadas dos participantes, através da Análise de Conteúdo de Bardin
(1977).

4 Resultados e discussão
Para a maior compreensão as análises das entrevistas foram organizadas na Tabela 1, como
pode ser conferido a seguir:
Tabela 1
Atravessamentos entre a prestação de serviços em plataformas digitais

Eixos Categoria f

Rendimento financeiro 23

Flexibilidade 16
Mercado de trabalho
Trabalhos anteriores 9
Empreendedorismo 9
Entrada no serviço 8

665
Inovação 6

Novas oportunidades 5

Outras ocupações 4

Autorealização vs Satisfação no trabalho 12

Riscos do trabalho: Vulnerabilidade 3


Saúde Mental do Trabalhador
Adoecimento 7

Dedicação constante para o serviço 8

Acúmulo de funções 6

Estratégia de enfrentamento 2

Para melhor compreensão do leitor optou-se aqui por apresentar os eixos temáticos
seguidos de suas categorias e subcategorias, quando houver. No Eixo Temáticos I (Mercado de
Trabalho), foram identificadas oito (8) categorias, como segue:
Na categoria de Rendimentos financeiros os entrevistados demonstraram diferentes
representações associadas ao fator de remuneração de suas atividades. Nesse sentido, observa-
se um cenário laboral que não fornece uma segurança financeira e/ou seguridade de direitos e
aspectos oriundos da flexibilização (Antunes, 1995. Antunes, 2011). Corrobora-se isto na fala
do E5: “Então varia muito de mês pra mês, né? Tem mês que é muito bom e tem mês que... que
não é. Então não tem como eu te definir isso... é muito complexo né? É inconstante pra gente”.
Acerca disto a fala do E.5 traz uma característica dos serviços nas plataformas digitais, ao
cenário que a tecnologia reinventa o sistema do mercado as empresas/aplicativos digitais
fornecem poucas garantias aos seus parceiros (Antunes, 2018).
No tocante a categoria Flexibilidade, essa perspectiva é identificada na fala dos
entrevistados como algo positivo, havendo uma percepção (mesmo que falseada) de autonomia
e liberdade de horário e benefícios de não haver vínculos formais, percepção bastante estudada
por Antunes (2011). Contudo, em eixos subjacentes (Eixo II) a flexibilidade atravessa-se como
um dos desencadeadores de extensas cargas horárias e adoecimentos. Sobre esta conjuntura o
E1: “A questão da flexibilidade. O benefício do motorista é que ele pode ganhar mais, só que
é aquela história, tu vai precisar vender o teu tempo’’. A liberdade e a autonomia descrita pelos
entrevistados estão condicionadas a um ambiente de incertezas financeiras, instabilidades
empregatícias e relacionadas ao tempo, mas que são mascaradas por um discurso de
empreendedor-de-si do sistema capitalista neoliberal que culpabiliza o trabalhador frente a
maiores resultados (Antunes & Braga, 2015; André & Nascimento, 2019).
Acerca do Empreendedorismo, segundo os entrevistados as plataformas
proporcionaram o surgimento de oportunidades pela nova dinâmica do mercado, conforme
postula o E2: “A gente tinha uma empresa de bijuterias, bolsas e acessórios (...) Foi aí, aonde
nós enxergamos a oportunidade, surgindo a oportunidade nesse mercado” Deste modo a fala
do E2 corrobora com o movimento de infoproretários neoliberalista das relações trabalhistas na
contemporaneidade, que reformula e produz uma mudança no modo de vínculos laborais e

666
jurídicos (Antunes, 2018; Antunes & Braga, 2015; Antunes, 2001; Antunes, 2015).
Já a categoria Entrada no serviço correlaciona-se diretamente com a categoria a de
Inovação, pois ambas versam sobre o aspecto de como as plataformas digitais impactaram tanto
nas vidas dos entrevistados como na oferta de serviços na cidade para os clientes, como postula
a fala do E3: “Eu já tinha vindo de cidade grande, vim de Goiânia, e lá eu já conhecia muitos
aplicativos de mobilidade da cidade. (...) É algo diferente, ainda mais na cidade de Parnaíba.
Uma cidade que precisava realmente desse serviço” A linha de pensamento das falas dos
sujeitos correlaciona-se com o que Castells e Espanha (1999) tratam sobre a revolução em que
as tecnologias proporcionam na otimização do mercado de serviços entre outros aspectos.
No tocante as categorias de Novas oportunidades e Outras ocupações presentes no Eixo
I, os discursos giram em torno de como a os serviços em plataformas conforme relato o E1: “Já
trabalhei em loja de peças de moto e atendimento [...] sou fotógrafo e estudante também”.’ É
notória a partir da análise das entrevistas uma mudança na relação do vínculo empregatício,
como atravessamento do acúmulo de funções por parte destes trabalhadores junto a nova
alienação destes infoproletários (Antunes & Braga, 2015).
No Eixo Temático II (Saúde Mental do Trabalhador), engloba seis (6) categorias que
se correlacionam. A primeira Autorealização vs Satisfação no trabalho, corresponde a questões
de satisfação pessoal dos entrevistados com o serviço atual pautado em uma lógica neoliberal
de empreendedorismo e flexibilização do sujeito (Antunes, 2015). Acerca disto o entrevistado
E3 relata: “já cheguei a trabalhar em serviços que eu não me senti tão realizado assim, dentro
da empresa. Às vezes trabalhava com coisa que eu não gostava, não me sentia tão satisfeito”.
Como postula Antunes (2018), o trabalho em plataforma digitais oportuniza uma flexibilização
de carga horária pela falta de relações jurídico-trabalhistas, situação que o autor nomeia
uberização, nas novas relações trabalhistas no século XXI provocam inúmeros atravessamentos
como podem ser vistos na Tabela 1.
Nos diálogos os trabalhadores expuseram como o serviço em plataformas digitais
promovem uma Flexibilidade (Eixo I), tal categoria atravessa-se com a categoria de Dedicação
constante para o serviço (Eixo II). Conforme o relato da E1: “Imagina você ficar de seis da
manhã até onze da noite com o celular na mão sem poder largar” ou no E6 “Quem trabalha
com aplicativo; quem trabalha vendendo online, tem que ficar online o mais de tempo
possível”. O efeito prático dessa flexibilização é uma busca constante por maiores cargas
horárias, necessidades financeiras e por falta de oportunidades empregatícias formais, junto as
taxas altas de desemprego no país, oportunizando o adoecimento físico e mental destes
trabalhadores (Antunes & Praun, 2015; Antunes, 2018).
Já na categoria de Riscos do trabalho houve duas subcategorias (Vulnerabilidade e
Adoecimento), presentes nas falas dos trabalhadores. Para tal, o percurso do adoecimento
psíquico no meio laboral perpassa por ambientes e situações que inicialmente vulnerabilizam
estes sujeitos os levando a resignificar estratégias próprias de defesa (como alienação entre
outros fatores no processo de engendramento) até a manifestação do adoecimento físico ou
mental deste sujeito (Dejours, Abdoucheli, & Jayet, 1994), como segue:

Eu acho estressora [a ocupação laboral do momento]. Já foi mais, eu


estou na terapia faz algum tempo, eu levo e dá legal, mas eu acho bem
chato...E não é só o celular, tem o computador também que tem que
olhar algumas coisas, eu tenho que tá ligado (E1)”.
667
Tal relato corrobora com o que Oliveira et al. (2017) dimensiona sobre os riscos em
que trabalhadores estão expostos ao constante uso do celular (algo obrigatório para exercício
de serviços nas plataformas digitais) e ao perigo no desenvolvimento de transtornos como a
Nomofobia (Dsm-5, 2014). Todavia a falta de amparo jurídico-trabalhista e regulamentação das
relações laborais nas plataformas de serviços, tornam estes prestadores de funções mediadas
pelas TDICs expostos a processos de adoecimento e sem uma real dimensão a reverberações
futura a saúde do trabalhador (Franco, Druck, & Seligmann-Silva, 2010; Antunes & Praun,
2015).
Visto tal esta necessidade imediatista de resoluções de demandas rapidamente vem de
uma dinâmica subjetiva (Bauman, 2013; Rolnik, 1997), no qual tal comportamento psicossocial
atravessa a categoria de Inovação, em que a rápida dinâmica deste mercado requer uma grande
capacidade de reinvenção e inovação conforme relato do
Por quê o cliente das redes sociais é um cliente imediato. Na hora que
ele te manda um contato pelo Instagram, pelo Facebook, pelo a
Whatzapp ele quer uma resposta imediato. Se eu pudesse dizer o
horário que eu dedico ao trabalho, seria o dia todo.”.(E6)

Acerca disto os chamados nativos digitais, geração que nasce alocada no uso extensivo
das TDICs, tem como umas das características a exigência por um transito rápido entre recursos
na ecologia da modernidade (Castells & Espanha, 1999).
Na classe de Estratégia de enfrentamento os trabalhadores explicitaram o que fazem
para desestressar do serviço e manter seu bem-estar no contexto diário (Eixo II). Na fala do E3:
“...Procuro outras coisas pra fazer. academia, passar um tempo com a família, vendo televisão,
cuidar do cachorro”. Tais estratégias são válvulas nas quais o trabalhador ampara-se para
manter sua sanidade, como elucida Dejours et al. (1994), o agravante à serviços prestados para
aplicativos é tanto a prevenção junto a falta medidas de apoio jurídico-trabalhistas para
trabalhadores doentes sem direito a auxílios ou remuneração por afastamento (Antunes &
Praun, 2015).
Já na categoria de Acúmulo de funções os participantes evidenciaram como os serviços
ofertados a aplicativos, mesmo denotando grande dedicação de tempo como explicitado
anteriormente, muitas vezes propiciam baixo rendimento e acumulam serviços. O E4 relata:
“Já trabalhei como vendedor, já trabalhei como pintor e trabalho ainda, se você precisar
reformar sua casa e precisar de um pintor, pode me chamar”. Acerca disto, como resultado
das altas taxas de desemprego no país junto a precarização, cada vez mais trabalhadores
recorrem a plataformas digitais como meio de sobrevivência em todo o globo como dimensiona
a OIT (Oit, 2019). Contudo, mesmo com cargas horárias e dedicação quase exclusiva que os
serviços digitais demandam, fatores como baixo rendimento, variabilidade do mercado, alto
acúmulo de diferentes funções para sua sobrevivência. Assim tendo impactos biopsicossociais
negativos à saúde destes trabalhadores (Antunes, 2018; Werthein, 2000; Antunes & Praun,
2015).

5 Conclusão
O presente estudo teve como intuito compreender e analisar a nova conjuntura laboral

668
na contemporaneidade, os serviços mediados por TDICs, juntamente com suas reverberações
tanto em aspectos como comportamento, mercado, saúde do trabalhador entre outras interfaces.
Foi relatado pelos participantes os aspectos positivos das ocupações mediadas pelas
tecnologias, como o caráter liberal, flexibilidade, rendimento financeiro entre outras categorias.
Contudo, nas análises os atravessados de categorias tidas como benéficas travestem
reverberações negativas a dinâmica psicossocial e afetações a saúde do trabalhador, tais como
altas cargas de trabalho, duplas jornadas trabalhistas, estresse, desamparo jurídico entre outros.
Partindo disto, os resultados obtidos demostram como os prestadores de serviços em aplicativos
estão em situação de desamparo jurídico, previdenciário e em casos de acidentes entre outros
atravessamentos.
Segundo Antunes (2018), tal conjuntura de busca por ocupações informais em
plataformas digitais aloca-se pelo momento de incertezas no Brasil junto a precariedade laboral,
desmonte de leis e direitos trabalhistas, crise econômica, alto desemprego, informalidade e falta
de oportunidades formais, levando estes trabalhadores a serem expostos a um movimento de
flexibilização que oportuniza altas cargas horárias, acumulo de ocupações, desamparo jurídico-
trabalhista e previdenciário e ao adoecimento mental (Antunes & Praun, 2015).
Portanto, a presente pesquisa buscou contribuir investigando temáticas inerentes a
modernidade e ao contexto trabalhista e psicossocial do país. Recomenda-se maiores estudos
visando um movimento de compreensão e elaboração de ações e políticas públicas de amparo
a esta nova classe laboral. Para assim promover ocupações que respeitem e transformem a
realidade dos seus atores laborais, sem vieses de culpabilização e alienação, sendo pautados na
equidade de oportunidades e amparo a estes trabalhadores.

6 Referências

Antunes, R. (2018). O privilégio da servidão: O novo proletariado de serviço na era digital.


Boitempo editorial.

Antunes, R., & Praun, L. (2015). A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social &
Sociedade, (123), 407-427.

Antunes, R. (2011). Os modos de ser da informalidade: rumo a uma nova era da precarização
estrutural do trabalho?. Serviço Social & Sociedade, (107), 405-419.

Antunes, R. (1995). Adeus ao trabalho. Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do


mundo do trabalho, 7.

Antunes, R., & Braga, R. (2015). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual.
Boitempo Editorial.

Antunes, R. (2015). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do


trabalho. Boitempo Editorial.

Antunes, R. (2001). Trabalho e precarização numa ordem neoliberal. A cidadania negada:


políticas de exclusão na educação e no trabalho. São Paulo: Cortez, 35-48.
Antunes, R. (2008). Desenhando a nova morfologia do trabalho: As múltiplas formas de

669
degradação do trabalho. Revista Crítica de Ciências Sociais, (83), 19-34.

American Psychiatric Association. (2014). DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais. Artmed Editora.

André, R. G.; Da Silva, R. O.; Nascimento, R. P. (2019). “Precário não é, mas eu acho que é
escravo”: Análise do Trabalho dos Motoristas da Uber sob o Enfoque da Precarização.
Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, [S.l.], v. 18, n. 1, p. 7-34, ISSN 1677-7387.
Recuperado de http://www.periodicosibepes.org.br/index.php/recadm/article/view/2544

Brasil. (2019). Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: Trabalho. Brasília: IBGE.


Recuperado de https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho.html

Brasil. (2019). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: IPEA. Recuperado de


http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35239

Bauman, Z. (2013). Liquid modernity. John Wiley & Sons.

Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: edições, 70, 225.

Castells, M., & Espanha, R. (1999). A era da informação: economia, sociedade e cultura (Vol.
1). Paz e terra.

de Souza Meirelles, F., & Longo, L. (2017). Gestão da informação-O impacto da tecnologia
nos resultados financeiros da indústria brasileira. Anuário de Pesquisa GVPesquisa.

Dejours, C., Abdoucheli, E., & Jayet, C. (1994). Psicodinâmica do trabalho: contribuições da
escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho.

Figueiredo, J. M.; Alevato, H. M. R. A. (2013). A visão de prazer e sofrimento na


Psicodinâmica do trabalho ante a precarização e a intensificação do trabalho-breve
reflexão. Salvador: Bahia. Recuperado de
http://www.abepro.org.br/biblioteca/enegep2013_TN_STO_180_026_23218.pdf.

Freudenberger, H. J. (1974). Staff burn‐out. Journal of social issues, 30(1), 159-165.

Franco, T., Druck, G., & Seligmann-Silva, E. (2010). As novas relações de trabalho, o desgaste
mental do trabalhador e os transtornos mentais no trabalho precarizado. Revista Brasileira
de Saúde Ocupacional, 35(122), 229-248.

Gorender, J. (1997). Globalização, tecnologia e relações de trabalho. Estudos


avançados, 11(29), 311-361.

ICD-11 (2019). International Classification of Diseases 11th Revision. Recuperado de <


https://icd.who.int/en>

OIT. (2017). Novo relatório destaca oportunidades e desafios na expansão do trabalho a


distância. Brasil: OIT. Recuperado de
<https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_544296/lang--pt/index.htm>
Oliveira, T. S., Barreto, L. K. D. S., El-Aouar, W. A., Souza, L. A. D., & Pinheiro, L. V. D. S.

670
(2017). Cadê meu celular? Uma análise da nomofobia no ambiente organizacional. Revista
de Administração de Empresas, 57(6), 634-635.

Rolnik, S. (1997). Toxicômanos de identidade: subjetividade em tempo de


globalização. Cultura e subjetividade: saberes nômades. Campinas: Papirus, 19-24.

Schwab, K. (2019). A quarta revolução industrial. Edipro.

Toffler, A. (1973). O choque do futuro. Rio de Janeiro: Artenova.

Werthein, J. (2000). A sociedade da informação e seus desafios. Ci. Inf., Brasília, 29(2), 71-77.
OS IMPACTOS QUE INFLUENCIAM NO PROCESSO DA APOSENTADORIA DO

671
TRABALHADOR RURAL NO BRASIL
Wellington da Rocha Almeida
Fabiana Regina da Silva Grossi
Heloísa Jansen Alves Nascimento
Laís Bertunes dos Santos

Introdução
Desde os primórdios da colonização do país, o trabalhador rural demonstrou
continuamente a sua importância econômica; porém, nem sempre teve a visibilidade política e
social merecida. No Brasil, os trabalhos acadêmicos sobre o contexto rural têm crescido, devido
a necessidade de compreender e lidar com as transformações que se assemelham com o mundo
urbano. Nesse sentido, a Psicologia é uma das ciências que também está contribuindo para esses
estudos; entretanto, ainda se destaca a escassez de pesquisas relacionadas ao tema (Scopinho,
2017). Segundo Tavares, Santos, Dias, Ferreira e Oliveira et al (2015), os trabalhadores e idosos
da zona rural estão afastados das pesquisas como também de aspectos fundamentais para sua
qualidade de vida, e isso se justifica pela dificuldade de acesso.
Bayer (2016), traz dados afirmando que a atividade agrícola corresponde a 20,6% dos
empregos no Brasil, sendo aproximadamente 9 milhões de trabalhadores rurais. Já Garbaccio,
Tonaco, Estevão e Barcelos (2018), referem-se à população idosa rural brasileira numa
estimativa entre 15,7% da zona rural, contra os 84,3% da zona urbana.
Relacionado a isso, sabe-se que o bem-estar social é um compromisso do Estado, e que
este tem o dever de promover segurança a sociedade e crescimento econômico. Uma das formas
de manter essa relação é através da previdência social, a qual tem o objetivo de assegurar a
classe trabalhadora auxílio devido à idade avançada, quando afastada do emprego, ou por
invalidez (Freitas, 2017). A previdência é tida como uma das principais políticas públicas da
área social no Brasil, desde 1930, sendo ela semelhante a países como da Alemanha, França,
Japão e Estados Unidos, no qual os mais jovens contribuintes financiam os mais velhos (Reis,
Silveira, Braga & Costa, 2015).
A previdência social é dividida em dois subsistemas no Brasil, sendo o primeiro
desenvolvido pela previdência social básica, administrada pelo Poder Público e criada pelo
Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Estes, funcionam como seguro social para o
trabalhador e sua família, através da restituição da renda do contribuinte quando não exerce
mais condições de trabalhar. Os Regimes Próprios da Previdência Social (RPPS), são
exclusivamente destinados aos servidores públicos. Já o segundo subsistema, relaciona a
previdência privada, sendo de caráter facultativo e complementar ao regime de previdência, é
constituída pela Entidade Aberta de Previdência Complementar (EAPC) e pelas Entidades
Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) (Reis et al, 2015).
É importante ressaltar que atualmente a previdência social passa por mais uma reforma,

672
segundo o Ministério da Economia (2019), o relatório já foi aprovado pela Câmara dos
Deputados. Ademais, o benefício da aposentadoria é destinado ao cidadão rural ainda com idade
mínima de 60 anos de idade para os homens, e 55 anos para as mulheres, além da comprovação
de no mínimo 180 meses trabalhados na atividade rural. Segundo Maciel, Estevan, Salvaro e
Bussarello (2014), o benefício previdenciário tem uma conotação positiva para as famílias da
zona rural, podendo ser identificada como renda regular na própria composição da renda,
sustento familiar, possibilitando a diminuição da pobreza; maior acesso aos serviços privados
de saúde; maior aquisição de medicamentos; aperfeiçoamento das próprias moradias; entre
outros.
Além disso, existe outra fonte de renda disponível para aqueles que não alcançaram o
tempo de contribuição, que é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um
salário mínimo. Este, é entendido como um regime assistencial não contributivo, sendo
direcionado especificamente para idosos maiores de 65 anos e pessoas com deficiência, tendo
a família uma renda per capita de até ¼ do salário mínimo para ser beneficiário (Camarano,
Kanso & Fernandes, 2013). Segundo Vaitsman e Lobato (2017), o BPC chegou a alcançar em
2015, cerca de 4 milhões de pessoas. Ademais, a sua implementação envolve a previdência
social, a assistência social e a saúde, sendo o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário
(MDSA), o responsável pela gestão, coordenação, regulação, financiamento, monitoramento e
avaliação do Benefício, enquanto o Instituto Nacional de Seguro Nacional (INSS) faz a
operacionalização, ou seja, o reconhecimento do direito e a concessão, com base nas avaliações
médica e social.
Nesse sentido, o objetivo desse estudo foi investigar os aspectos que influenciam no
processo da aposentadoria do trabalhador rural no Brasil. Ressalta-se a necessidade de
compreender o cenário atual do trabalhador rural em relação a aposentadoria e pós
aposentadoria, é indispensável para o campo do saber da psicologia, a partir dessa compreensão
poder trabalhar para amenizar possíveis impactos que possam interferir negativamente na vida
desses indivíduos, dessa forma contribuindo para a promoção do bem-estar e qualidade de vida
para os trabalhadores do meio rural.

Método
O presente estudo trata-se de uma Revisão Sistemática da Literatura (RSL), com o
objetivo de investigar os aspectos que influenciam no processo da aposentadoria do trabalhador
rural no Brasil. A partir disso, se criou o seguinte problema: quais os aspectos que influenciam
na aposentadoria do trabalhador rural no Brasil? O delineamento de estudo foi feito por meio
de revisão da literatura com a utilização de métodos explícitos e sistematizados para busca na
bibliografia científica, esta foi realizada mediante uma busca eletrônica de artigos ordenados
pelo Portal Capes. Os artigos foram selecionados criteriosamente, devido a sua relevância para
o tema, visando contribuir para uma melhor visibilidade, tendo em vista que poucos trabalhos
são realizados sobre o assunto. Os descritores foram utilizados em português foram
“aposentadoria” e “trabalhador rural”, enquanto a consulta às bases de dados foi realizada no
período de agosto de 2019. Foram definidos os seguintes critérios de inclusão: estar inserido no
Portal Capes; somente formato de artigos e de qualquer ano. A análise se deu a partir da leitura
dos resumos e verificação dos que se encaixava nos critérios de exclusão: artigos não empíricos,
não estar disponível como artigo completo, artigos que não estavam de acordo com os objetivos
da pesquisa, repetidos e artigos não realizados no Brasil.
Resultados

673
A tabela 1 mostra a quantidade de artigos selecionados no Portal Capes utilizando as
palavras-chave, a quantidade de artigos descartados por se encaixarem nos critérios de exclusão
e ainda a quantidade de artigos selecionados para a revisão sistemática da literatura.
Após busca avançada no Portal Capes, com a palavra-chave “trabalhador rural”
combinada com “aposentadoria”, foram encontrados 184 artigos. Desses 184 artigos, foram
lidos os abstracts/resumos e 172 atenderam os critérios de exclusão, sendo não disponíveis na
íntegra, não empíricos, não de acordo com os objetivos da pesquisa, não realizados no Brasil
ou repetidos. Em seguida, foram pré-selecionados seis artigos que atendiam os critérios de
inclusão.
No entanto, após a leitura desses seis artigos na íntegra todos eles foram selecionados
para a revisão sistemática da literatura.

Publicações encontradas no Portal Capes, a partir das palavras-


TABELA 1 chave selecionadas; descrição das publicações descartadas e
selecionadas para este estudo

Palavras- Publicações Publicações


Publicações selecionadas
chave encontradas descartadas

Atendiam Artigos pré- Artigos


Trabalhador aos critérios Atendiam selecionados selecionados
rural / de exclusão aos
aposentadoria critérios
de
inclusão

184 172 6 6 6
6 Artigos selecionados para
o estudo
Fonte: elaborado pelos autores

O quadro 1 expõe a descrição dos artigos segundo a referência, objetivos, tema central
e regiões do Brasil onde as pesquisas foram realizadas.
Informações dos artigos selecionados para o estudo referente a
QUADRO
aposentadoria do trabalhador rural no Brasil, considerando o contexto
1.
de aposentadoria do trabalhador rural e objetivo do estudo
Artigo Objetivos Tema Central Região

Jorge e Compreender as possibilidades Aposentadoria rural, São João da Ponte


Brandão. de acesso das mulheres idosas (BPC) Benefício de - MG
(2012) da comunidade negra de Prestação
Agreste - MG a cobertura Continuada,

674
previdenciária rural. vulnerabilidade

Verificar os impactos sócio


ambientais trazidos a partir do
Pereira, E. uso da caatinga no Saúde, agricultura
D. G. et al assentamento Hipólito, no sustentável, Mossoró – RN
(2005) arrendamento
município de Mossoró, no
Oeste do RN.
Investigar a incidência de
Transtornos Mentais Comuns
em assentamentos rurais dos Condições de vida e
Leite et al Assentamentos
estados de Rio Grande do qualidade da saúde
(2017) Rurais do RN e PI
Norte e Piauí, as mental
vulnerabilidades psicossociais
e o apoio social dos moradores.
Identificar a
presença de problemas de
saúde e outros agravos
Riquinho, Em uma
e seus significados para
D. L e localidade rural do
agricultores do tabaco, Saúde do trabalhador
Hennington, RS (pesquisadores
representantes rural
E. A. mantiveram sigilo
(2014) do Estado, da sociedade civil, do município).
da indústria
do tabaco e estratégias de
enfrentamento.
Conhecer e compreender as
necessidades em saúde, por
Riquinho,
meio das concepções de
D., & Rincão dos Maia,
doença, considerando as Saúde
Gerhardt, T. Canguçu-RS.
desigualdades sociais presentes
E (2010)
na localidade rural do Rincão
dos Maia, Canguçu-RS.
Compreender como as
exigências sociais e de saúde Saúde, aposentadoria
Burile. A.,
podem contribuir para e processo de
& Gerhardt, Vale da luz - RS
situações de cuidado ou de envelhecimento do
T. E (2018)
saúde no processo de homem
envelhecimento dos homens.
Fonte: elaborado pelos autores, 2019.
De acordo com o quadro um, pode-se observar que referente ao ano de publicação dos

675
artigos, foi identificado que os estudos empíricos relacionados à temática são recentes,
publicados entre os anos de 2005 e 2018. Dentre as regiões do Brasil pesquisadas, estão em
evidência pesquisas em municípios no estado de Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Rio
Grande do Sul, sendo que este último fica em destaque o estado com mais pesquisas realizadas,
resultando em três municípios.
Quanto aos objetivos nota-se que há uma maior prevalência de uma preocupação com
as questões de saúde e adoecimento e aposentadoria do trabalhador rural. Além disso, foi
possível observar que atrelada a temática, a presença de determinantes sociais da saúde, como
fatores que propiciam a doença, qualidade de vida, segurança e de gênero estão bastante
relacionados com o processo de envelhecimento e consequentemente com a aposentadoria do
trabalhador rural (Jorge e Brandão, 2012; Leite, Dimentein, Dantas, Silva, Macedo, Sousa et
al, 2017; Pereira, Lima, Souza, Paulino, Santos, Silva, e Marins 2005; Riquinho & Hennington,
2014; Riquinho & Gerhardt, 2010; Burile & Gerhardt 2018).
Dessa forma, dentre os resultados dos estudos, Jorge e Brandão (2012), identificaram
dificuldades no que se refere ao processo da aposentadoria rural das mulheres trabalhadoras
rurais da comunidade de Agreste (MG), devido a exigência da apresentação de documentos
específicos que ficam fora de seu acesso. Tais documentos ficam em poder dos homens, pelo
fato de que todas as atividades laborais realizadas no campo ficam registradas em seus
respectivos nomes. Além disso, o artigo ainda evidencia a classificação do trabalho feminino
no campo com uma “ajuda” ao esforço o homem sendo a mulher direcionada de forma
abrangente a um conjunto de atividades de trabalho agrícola. Esse fator também colabora para
que as mulheres tenham dificuldade de dar entrada ao processo de aposentadoria rural por não
gerar nenhum tipo de registro. Sendo assim, as mulheres que não conseguem o acesso a
aposentadoria rural são orientadas a recorrer ao benefício BPC (Benefício de Prestação
Continuada), que segundo os pesquisadores, reforça a vulnerabilidade das mulheres da
comunidade pesquisada e sustenta situações que dificultam seus direitos previdenciários.
Outro aspecto evidenciado por Jorge e Brandão (2012), são os benefícios que tanto a
aposentadoria quanto o BPC proporcionam as mulheres da comunidade pesquisada. Estes, são
vistos como suporte para a sobrevivência o que inclui compra de alimentos, pagamento de
contas, despesa com remédios e auxílio nas despesas com viagens. Semelhante a isso, Pereira,
et al (2005) conclui em um dos seus estudos realizados em assentamentos rurais do Nordeste,
que os moradores que recebem a aposentadoria também conseguem sobreviver melhor, por ser
um complemento na renda.
Contudo, Burille e Gerhardt (2018) em sua pesquisa com homens aposentados rurais,
perceberam que a aposentadoria é vista como uma conquista, em especial por demarcar as
lembranças que os agricultores tinham de não receber os mesmos direitos que a população
urbana. Assim, o benefício recebido tem grande apreço e faz enorme diferença para vida de
muitos entrevistados, principalmente aqueles que carecem de recursos materiais. Estes desfrum
de melhores condições de vida, sendo a aposentadoria vista como um merecimento pela vida
dedicada ao trabalho. Muitas vezes, quando os medicamentos não estão disponíveis pela
Relação Nacional de Medicamentos distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), devido a
especificidade clínica ou pela condição individual de tolerância, o benefício é utilizado, assim
como para realização de exames, cuja espera ao serviço de saúde pública é incompatível. Logo,
no cenário da pesquisa, a aposentadoria foi identificada como mantenedora da própria
sociedade rural e da permanência de pessoas no campo. Entretanto, também foi encontrado
pontos negativos acerca da aposentadoria neste contexto, sendo ao contrário das mulheres, nos
quais o benefício auxiliava na sua independência, os homens se envolviam mais a negociações,
o que facilita na consignação de empréstimos e acarreta em um grande comprometimento da

676
renda.
Pode-se observar que as pesquisas realizadas por Pereira et al (2005) e Riquinho e
Hennington (2014), demonstram que determinados comportamentos dos trabalhadores rurais
no exercício de suas atividades laborais como o mau uso ou não utilização do Equipamento de
Proteção Individual (EPI), resultam em consequências negativas para a saúde. Nessa
perspectiva, as pesquisas de Burille e Gerhardt (2018) e Riquinho e Gerdhart (2010), apontam
que as condições do ambiente de trabalho também podem ocasionar danos à saúde do
trabalhador rural. Nesse sentido, Riquinho e Hennington (2014), chamam atenção para os
problemas de saúde entre os agricultores que sofrem intoxicação por agrotóxicos, acarretando
doenças como a depressão.
Ademais, Leite et al (2017), relatam dentre os resultados encontrados nos seus estudos,
que os assentamentos do Rio Grande do Norte que mais enfrentam problemas relacionados à
saúde mental, sobrevivem economicamente com a renda por meio da agricultura familiar,
prestação de serviços e programas de transferência de renda, como o Bolsa família e
significativa contribuição da aposentadoria. Já no Piauí, um dos assentamentos também
demostrava maior fonte de renda através da agricultura familiar, benefícios como o Bolsa
Família e aposentadoria, entretanto, o assentamento com menos problemas relacionados a saúde
mental, tinha a aposentadoria como principal fonte de renda.
Ademais, Riquinho e Gerdhart (2010), destacam a relevância do trabalho na identidade
do trabalhador rural, entretanto, quando se encontram com alguma enfermidade, estes acabam
sofrendo, seja pela própria falta de locomoção ou por não exercer a função que tinham
anteriormente. Logo, o processo de adoecimento, acaba sendo visto como um atraso de vida.
Assim, mesmo as pessoas recebendo um benefício pela condição, estas não conseguem ver
como um ganho prazeroso. Entretanto, sabe-se que a aposentadoria por idade ou por condições
de doença é considerada um direito pleno de toda população, mas estes não são vistos como
desprezíveis pelos entrevistados da comunidade rural de Canguçu-RS, mas sim a situação que
desencadeia a doença, e posteriormente, a limitação ou o não poder trabalhar.
Dentre as conclusões referentes aos artigos, os pesquisadores Jorge e Brandão (2012),
contribuíram com uma crítica em relação a lei da aposentadoria rural existente, que afirma a
universalidade, porém percebe-se uma contradição quando se traz em evidência a situação
vivenciada pelas mulheres da comunidade de Agreste, assim caracterizada como injustiça de
acesso. Os autores ainda concluem estendendo esta problemática a outras comunidades
quilombolas existentes no país e apontam como uma das soluções para tal injustiça:
modificações legislativas que reconheçam as diferenças de gênero e suas implicações na vida
social. Semelhante a isso, Burille e Gerhardt (2018), ressaltaram a importância da
aposentadoria, e o quanto é fundamental o papel do Estado na sua regulação, uma vez que pode
repercutir nas relações dos idosos. Já Leite et al (2017), sugeriram ampliar o debate com a
população e a importância de trabalhar de forma articulada com a rede sócio assistencial,
buscando agir perante ao combate das desigualdades sociais.
Riquinho e Hennington (2014), também sugerem estratégias coletivas de intervenção
que incluam os trabalhadores rurais e suas famílias em ações e práticas de proteção e promoção
da saúde e no planejamento e implementação de formas viáveis de reprodução física e social.
Ademais, Riquinho e Gerdhart (2010) consideram a relevância de compreender o meio
rural, assim como todos que convivem nesse meio, sendo que as concepções de saúde e doença
é fundamental para o próprio exercício profissional e para a efetivação de políticas públicas de
saúde. Nesse sentido, as concepções podem ser consideradas como auxilio para explicar os

677
comportamentos individuais e coletivos, considerando as situações sócio históricas.

Discussão
Tratando-se da aposentadoria, as percepções do indivíduo sobre essa nova condição,
apresenta um impacto significativo na preparação financeira, de estilo de vida e psicossocial
(Noone, Stephens & Alpass, 2010). Em relação a preparação financeira do aposentado rural,
vimos que a aposentadoria e o BPC são associados a complementos das despesas (Jorge &
Brandão, 2012, Pereira, et al 2005). No entanto, é notável que há problemáticas quando o
arrendamento acarreta em consequências como o endividamento (Burille & Gerhardt, 2018).
Para tanto, o planejamento é recomendável como a melhor estratégia para reduzir riscos e
aprender a lidar com os estressores advindos da aposentadoria (França, 1992; Zanelli & Silva,
1996; Zanelli, Silva e Soares, 2010).
Compreender os possíveis fatores que desencadeiam o adoecimento físico e mental nos
trabalhadores rurais é um fator importante, pois dessa forma é possível pensar e agir de forma
prevencionista, além de que esses fatores exercem grande influência de como estará a vida dos
trabalhadores rurais no momento de sua aposentadoria, no qual pode-se relacionar com o acesso
a qualidade de vida e bem-estar. Nesse sentido, França (2014), descreve que a promoção da
saúde das pessoas em transição para a aposentadoria deve estar baseada em um modelo
integrativo de prevenção ao surgimento de transtornos e de promoção de competências,
considerando os recursos de ordem pessoal, psicossocial e organizacional.
Em relação ao fator adoecimento, uma problemática bastante preocupante no contexto
do trabalho rural é o uso de produtos agrotóxicos e as consequências à saúde desse trabalhador.
Conforme justifica Porto e Soares (2012), os trabalhadores rurais podem adquirir doenças:
cardiovasculares, respiratórias, neurológicas, gastrointestinais, cutâneas, oculares, oncológicas
e psiquiátricas e que essas doenças estão relacionadas à frequente exposição aos agrotóxicos, o
que ocasiona acúmulo de substâncias tóxicas no organismo, podendo desenvolver problemas
de saúde. Nessa perspectiva, Araújo, Greggio e Pinheiro (2013), pontuam que nessa população
os transtornos mentais, muitas vezes são decorrentes de intoxicação por produtos agrotóxicos.
Porém, em contrapartida, os autores chamam a atenção para fatores associados a acidentes de
trabalho leves ou graves, bem como a organização e às condições precárias do trabalho no
campo, considerando também que os problemas psicológicos têm relação com a singularidade
de cada trabalhador, que costuma se manifestar ou agravar devido a condições adversas do
trabalho rural.
No entanto, quando o assunto é realização de monitoramento das condições de trabalho
pelos setores responsáveis, ao que se refere ao trabalho rural, nota-se certa dificuldade. A partir
disso, pode-se colocar em evidência que as ações intersetoriais no que se refere à fiscalização
dos ambientes de trabalho e a promoção de novas alternativas que vão contribuir para o
rompimento de fatores causadores de doenças ainda são obstáculos para uma atenção integral
ao trabalhador (Dias, Silva, Chiavegatto, Reis e Campos et al 2011). Juntamente ao processo
de monitoramento caberiam ações com diferentes profissionais da saúde, pois entende-se que
são extremamente importantes para repassar informações sobre a prevenção de agravos a saúde
(Almeida, Zimmernn, Gonçalves, Grden, Maciel, Bail e Ito et al 2011). Diante disso, Brasil
(2006) e Neri e Freire (2000), salientam que no campo da saúde há a iniciativa de implementar
espaços para estimular a participação dos idosos em suas comunidades, dentre os quais estão
os centros de convivência, que propiciam o acesso a práticas de atividades físicas, culturais,
educativas, sociais e de lazer, promovendo melhora na qualidade de vida.
O auxílio no reconhecimento e ampliação das redes de apoio é uma sugestão funcional

678
que contribui de forma positiva nas relações sociais desses indivíduos. Nessa perspectiva,
Vasconcelos (2013), pontua que as cooperativas comunitárias e associações de trabalhadores
rurais, os movimentos sociais do campo ou ainda grupos de base religiosa e rodas de vizinhança
podem se caracterizar como grupo de ajuda e suporte mútuo, uma vez que reúne troca de
vivências, o compartilhamento de histórias de vida, apoio emocional, aconselhamento e
discussão de estratégias para enfrentar os problemas do cotidiano, juntamente a isso, ações de
cuidado e suporte concreto. Assim, o relacionamento com os membros da família, vizinhos e
amigos quando é consciente e valorizado, de modo a tornar um objetivo agradável de vida, tem
impactos positivos no bem-estar do aposentado (Zanelli, 2012).

Conclusão
A partir da base de dados pesquisada, foi identificado que há poucas publicações de
artigos referente a temática no geral, ausência de pesquisas publicadas na região norte do país
e que as pesquisas publicadas nesse contexto são recentes. No entanto, observou-se que os
artigos encontrados na base de dados pesquisada têm grande relação com o processo saúde-
doença dos trabalhadores rurais. Portanto, pode-se afirmar que a partir desse estudo não há
possibilidade de desvincular o processo de aposentadoria dos fatores saúde-doença.
Contudo, chegou-se à conclusão de que aspectos como: saúde, doença, estilo de vida
nos anos anteriores a aposentadoria, redes de apoio, relações familiares, singularidade do
indivíduo, ausência de planejamento pós a aposentadoria por idade além de igualdade ao acesso
perante a lei da aposentadoria rural e leis trabalhistas interferem no processo da aposentadoria
do trabalhador rural. Desse modo, os aspectos investigados nesse estudo podem vir a exercer
influências de forma direta nas experiências, na qualidade de vida e na convivência em
sociedade dessas pessoas.
Todavia, é importante ressaltar que a intenção desse estudo não é patologizar as
atividades laborais no campo, mas sim identificar fatores insalubres e desigualdades que podem
impactar negativamente na vivência dos trabalhadores rurais pós aposentadoria e dessa forma,
mobilizar os meios responsáveis a pensar e agir de forma prevencionista quanto as
problemáticas de pesquisas relacionadas a temática. A partir do ponto vista de Riquinho e
Gerdhart (2010) pode-se dizer que o trabalho em si tem grande relevância para o trabalhador
rural. A partir daí, podemos supor que há a possibilidade de que esses indivíduos não pensam
no adoecimento ocupacional a longo prazo devido a questões comportamentais e do ambiente
de trabalho em que estão expostos.
Ademais, as pesquisas encontradas na base de dados pesquisada de Riquinho e
Hennington, (2014) e Leite et al (2017), trazem algumas informações sobre o contexto de saúde
mental entre os trabalhadores rurais. No entanto, sugere-se que no campo da psicologia sejam
realizadas mais pesquisas sobre a saúde mental do trabalhador rural dentro e fora do ambiente
de trabalho. Nesse sentido, Araújo, Greggio e Pinheiro (2013) apontam que a psicologia do
trabalho tem o objetivo de investigar a relação entre sofrimento, os transtornos mentais e as
atividades laborais, incluindo as condições, a organização e as relações de trabalho.
Portanto, foi identificada a necessidade de maiores publicações empíricas de estudos
sobre os aspectos identificados dentro da temática pesquisada pela área de psicologia. Além
disso, recomenda-se a qualificação voltada para o contexto rural assim como, estimular
reflexões e ações das equipes de saúde que interagem com o trabalhador no meio rural e
interação das equipes de saúde com os sindicatos.
679
Referências

Almeida, E. A., Zimmernn, M. H., Gonçalves, C. S., Grden, C. R. B., Maciel, M. A. S., Bail,
L., & Ito, C. A. S et al (2011). Agrotóxicos e o risco de saúde entre os fumicultores. Publ
UEPG Ciênc Biol Saúde, 17(2), 134-139.
Araújo, J. N. G., Greggio, M. R., & Pinheiro, T. M. M. (2013). Agrotóxicos: a semente plantada
no corpo e na mente dos trabalhadores rurais. Psicologia em Revista; 19(3).389-406.
Brasil. (2006). Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: MS.
Bayer, L. J. Z. (2016). Os agravos à saúde do trabalhador rural. Monografia. Universidade do
Estado do Rio de janeiro (UERJ). Rio de Janeiro- RJ, Brasil.
Burile. A., & Gerhardt, T. E. (2018). Experienci(a)ções de reconhecimento e de cuidado no
cotidiano de homens idosos rurais. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 28(3), 1-19.
Camarano, A. A., Kanso, S., & Fernandes, D. (2013). Envelhecimento populacional, perda de
capacidade laborativa e políticas públicas. Mercado de trabalho. 54, 21- 29.
Dias, E. C., Silva, T. L., Chiavegatto, C. V., Reis, J. C., & Campos, A. S. (2011)
Desenvolvimento de ações de Saúde do Trabalhador no SUS: a estratégias da rede
nacional de atenção integral à saúde do trabalhador (Renast). In: Minayo-Gomes C,
Machado JMH, Pena PGL, organizadores. Saúde do trabalhador na sociedade brasileira
contemporânea. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
França, L. H. (1992). Terceira idade: o trabalho social com idosos no SESC e os programas de
preparação para aposentadoria nas empresas. Revista de Administração Pública, 26(3),
174-181.
França, C. L. (2014). Prevenção e promoção da saúde mental, políticas públicas sobre
envelhecimento ativo e educação para aposentadoria. In: Murta, S. G., Leandro, C.,
França & Seidl. J. (orgs). Programas de educação para a aposentadoria: como planejar,
implementar e avaliar, Novo Hamburgo: Sinopsys.
Freitas, N. C. (2017). A influência da aposentadoria rural no habitus da mulher idosa em um
pequeno município da zona da mata mineira. Dissertação. Universidade Federal de
Viçosa. Viçosa-MG, Brasil.
Garbaccio, J. L., Tonaco, L. A. B., Estevão, W. G., & Barcelos B. J. (2018) Envelhecimento e
qualidade de vida de idosos residentes da zona rural. Rev. Bras. Enferm. 71(1), 724-732.
Jorge, A. L. & Brandão, A. A. P. (2012). Androcentrismo institucional e acesso a aposentadoria
rural entre mulheres quilombolas da comunidade de Agreste-MG. Revista Ártemis, 13,
161-173.
Leite, J. F., Dimentein, M., Dantas, C.B., Silva, E. L., Macedo, J. P. S., & Sousa, A. P. (2017).
Condições de vida, saúde mental e gênero em contextos rurais: um estudo a partir de
assentamentos de reforma agrária do nordeste brasileiro. Avances en Psicología
Latinoamericana, 35(2), 301-316.
Maciel, R. O., Estevan, D. O., Salvaro, J. I. J., & Bussarello, C. S. (2014) A relação entre a

680
previdência social rural e a permanência dos idosos no campo em municípios do extremo
sul catarinense. Estud. interdiscipl. envelhec, 19(3), 621-638.
Ministério da Economia (2019). Aposentadoria por Idade Rural. Disponível em:
https://www.inss.gov.br/beneficios/aposentadoria-por-idade-rural/. Recuperado em 19 de
agosto de 2019.
Ministério da Economia (2019). Secretaria de previdência. Disponível em:
http://www.previdencia.gov.br/. Recuperado em: 19 de agosto de 2019.
Neri, A. L., & Freire, A. S. (2000). E por falar em boa velhice. São Paulo: Papirus.

Noone, J. H., Stephens, C., & Alpass, F. (2010). The process of retirement planning scale
(PRePS): Development and validation. Psychol Assess, 22(3), 520-531.
Pereira, E. D. G., Lima, E. L. A., Souza, F. C. S., Paulino, M. S. M., Santos, J. B., Silva, W. G.,
& Marins, J. C. V. (2005). Desenvolvimento local e manejo da caatinga no assentamento
Hipólito em, Mossoró/RN. Holos. 1, 85-96.
Porto, M. F., & Soares, W. L. (2012). Modelo de desenvolvimento, agrotóxicos e saúde: um
panorama da realidade agrícola brasileira e propostas para uma agenda de pesquisa
inovadora. Rev. Bras e Saúde Ocup; 37(125),17-50.
Reis, P. R. C., Silveira, S. F. R., Braga, M. J., & Costa, T. M. T. (2015). Impactos das
aposentadorias e pensões nos níveis de bem-estar social dos domicílios de Minas Gerais.
Rev. cont. fim. 26(67), 106-118.
Riquinho, D. L., & Gerhardt. T. E. (2010). Doença e incapacidade: dimensões subjetivas e
identidade social do trabalhador rural. Revista Soc. Clínica, 19(2), 320-332.
Riquinho, D. L., & Hennington, E. A. (2014). Cultivo do tabaco no sul do Brasil: doença da
folha verde e outros agravos à saúde. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 19(12), 4797-
4808.
Scopinho, R. A. (2017). A psicologia social do trabalho e os trabalhadores das ruralidades.
In: Coutinho, M. C., Bernardo, M. H., & Sato, L. (orgs). Psicologia Social do Trabalho.
Petrópolis: editora vozes.
Tavares, D. M. S., et al (2015). Qualidade de vida de idosos rurais e fatores associados. Rev.
Enferm. v. 9, n. 11, Recife.
Vaitsman, J., & Lobato, L. V. C. (2017). Benefício de Prestação Continuada (BPC) para pessoas
com deficiência: barreiras de acesso e lacunas intersetoriais. Ciência & Saúde Coletiva,
22(11), p. 3527-3536. Rio de Janeiro.
Vasconcelos, E. M. (2013). Manual de ajuda e suporte mútuos em saúde mental: Para
facilitadores, trabalhadores e profissionais de saúde e saúde mental. Rio de Janeiro, RJ:
Escola do Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Zanelli, J. C., & Silva, N. (1996). Programa de preparação para aposentadoria. Florianópolis:
Editora Insular.
Zanelli, J. C. (2012). Processos psicossociais, bem-estar e estresse na aposentadoria. Revista
Psicologia: Organizações e Trabalho, 12(3), 329-340.
Zanelli, J. C., Silva, N., & Soares, D. H. (2010). Orientação para aposentadoria nas

681
organizações de trabalho: construção de projetos para o pós-carreira. Porto Alegre:
Artmed.
“O TRABALHO SIGNIFICA TUDO PRA MIM”: ESTUDO DA SUBJETIVIDADE DE

682
PROFESSORES DIANTE DA APOSENTADORIA

Luiza Mariana de Sousa


Carla Vaz dos Santos Ribeiro

Introdução
Discorrer sobre a aposentadoria implica no questionamento acerca da centralidade do
trabalho na vida dos sujeitos. Imersos numa sociedade capitalista que atribui ao trabalho ideias
de dignificação humana, utilidade e produtividade, os trabalhadores podem traçar imagens da
aposentadoria como um momento de perdas e reestruturações.
França et. al (2013, p. 551) reconhecem a aposentadoria como “[...] um fenômeno
complexo multideterminado e dinâmico” e também como um processo. Diante de tal afirmativa,
é possível admitir que a vivência da aposentadoria é influenciada por vários fatores presentes
na vida dos indivíduos, como por exemplo a família, questões socioeconômicas, culturais e
também, como afirma Roesler (2014), pela relação estabelecida entre o sujeito e o seu trabalho.
Tais discussões acerca do mundo do trabalho, aposentadoria e subjetividade, fazem
surgir questionamentos, como: Quais são os sentidos atribuídos ao trabalho e à aposentadoria
por parte dos trabalhadores que estão diante da iminência de afastamento do ambiente laboral?
Que aspectos estão envolvidos na escolha em permanecer ou não no mundo do trabalho? Quais
são as vivências de prazer e sofrimento ocasionadas pela possibilidade de afastar-se da atividade
laboral?
Retornando à análise do processo de aposentadoria, especificamente remetendo-se à
categoria docente na Educação Básica em uma Escola de Aplicação, objeto de estudo desta
pesquisa, pode-se pensar em inúmeros fatores que influenciam essa vivência, como: o sentido
deste trabalho para os professores, a relação destes com seus alunos, o reconhecimento da
sociedade e dos pares quanto ao seu trabalho, o trabalhar constante em conjunto com
estagiários, dentre outros. Corroborando com a discussão de Roesler (2014), o sentido atribuído
ao processo de aposentadoria é marcado pela relação estabelecida entre o sujeito e o seu
trabalho.
Outro fator importante considerado na pesquisa em questão, trata sobre a importância
da história de vida dos sujeitos e a influência da mesma nas suas escolhas profissionais,
inclusive na decisão de aposentar-se ou continuar trabalhando. Concordando com as
considerações da autora supracitada, entende-se que há uma articulação de cada história
individual com os aspectos relacionados aos sentidos atribuídos ao trabalho e à aposentadoria.
Propõe-se um espaço de reflexão sobre a aposentadoria como um processo que pode
assumir um papel de suma importância na história de vida dos trabalhadores, no qual
reestruturações significativas podem ser elencadas. A aposentadoria pode ser vivida como a
perda do sentido da vida, visto que há uma valorização daqueles que produzem em detrimento
da depreciação do sujeito aposentado (Moreira, 2011).
Diante de tais questionamentos comparece ainda mais a necessidade de realizar estudos
que analisem a temática, a fim de encontrar alternativas de ressignificação da aposentadoria. É
nesse objetivo que a Psicologia tem a possibilidade de apropriar-se dessa investigação, visto
que tem como um de seus princípios a responsabilidade social, a promoção da atenuação do

683
sofrimento humano e a busca de transformação da realidade em que os sujeitos estão inseridos,
gerando saúde e qualidade de vida.

Objetivos
Geral
Analisar as repercussões do processo de aposentadoria na subjetividade de docentes de
uma Escola de Aplicação.

Específicos
a) Investigar o sentido do trabalho e da aposentadoria para docentes de uma Escola
de Aplicação
b) Identificar os aspectos relacionados à escolha em permanecer no mundo do
trabalho por parte dos docentes de uma Escola de Aplicação
c) Identificar as vivências de prazer e sofrimento diante da proximidade de
afastamento do trabalho para docentes de uma Escola de Aplicação.

Metodologia
A pesquisa apropria-se da Psicodinâmica do Trabalho como abordagem teórica, que tem
como base investigar as relações “[...] entre organização do trabalho e processos de
subjetivação, que se manifestam nas vivências de prazer-sofrimento, nas estratégias de ação
para mediar contradições da organização do trabalho, nas patologias sociais, na saúde e no
adoecimento” (Mendes, 2007, p. 30).
Traçou-se um diálogo com a abordagem sócio histórica, como forma de alargar a
compreensão dos fatores sociais que perpassam as relações laborais. Como afirma Freitas
(2002), a sócio histórica, partindo dos princípios do materialismo histórico-dialético, percebe a
historicidade dos sujeitos, sendo estes marcados pela cultura, e considera-os como atravessados
e atravessadores de sua realidade social. A articulação com a referida abordagem permitiu uma
melhor orientação em relação à pesquisa de campo, utilizando sua metodologia para descrição
e compreensão do fenômeno estudado.
Em relação à natureza da pesquisa, escolheu-se a qualitativa, visto que empreende uma
investigação de questões mais específicas, relacionando-se a aspectos da realidade que não
podem ser quantificados, fatores estes que estão ligados a fenômenos multideterminados e
genuinamente próprios da subjetividade humana, como bem discute Minayo (2010).
A pesquisa foi realizada em uma Escola de Aplicação do município de São Luís –
Maranhão. A escolha desse campo de pesquisa deveu-se à acessibilidade a essa instituição, bem
como a sua vinculação à universidade na qual a pesquisadora graduou-se. Além disso, o campo
escolhido traz em si especificidades em relação à categoria docente estudada, o que enriquece
o processo de pesquisa. Utilizou-se como critérios de inclusão que o participante ainda estivesse
trabalhando como docente da referida Escola de Aplicação, apesar de já ter adquirido o direito
à aposentadoria. Quanto aos critérios de exclusão, considerou-se os docentes já aposentados ou
que ainda não recebem o abono permanência.
Os instrumentos e materiais utilizados na pesquisa foram: a) Termo de Consentimento

684
Livre e Esclarecido (TCLE): conforme os parâmetros da Resolução nº 510/2016 do Conselho
Nacional de Saúde/ Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (CNS/CONEP); b) Roteiro de
entrevista semiestruturado; c) Gravador de voz. Vale ressaltar que todo o procedimento da
pesquisa se pautou no Código de Ética do Psicólogo e na Resolução nº 510/2016 do
CNS/CONESP, prezando pelo sigilo e anonimato dos participantes.
Para a análise dos dados coletados foi utilizada a Análise Crítica do Discurso (ACD)
teorizada por Fairclought, que considera o discurso como uma prática social modificadora da
realidade. Através desse atravessamento pelo social, há um favorecimento da investigação de
práticas sociais como práticas ideológicas, atravessadas em suas condições materiais sócio
históricas de manifestação da subjetividade. (Fairclought, 2008)
Tal metodologia considera o discurso como algo que ultrapassa a fala, a língua e outras
ferramentas, é necessário observar todo o contexto no qual esse discurso se desenvolve. O
discurso é influenciado pelas ideologias presentes nesse contexto, que por sua vez são
responsáveis pela construção da realidade, bem como em transformar as relações de dominação.
A escolha por esse referencial de análise dos dados foi extremamente coerente com as teorias
propostas como bases metodológicas da pesquisa, visto que considera os sujeitos em sua
totalidade, envolvendo questões sociais, culturais e econômicas. Dessa forma, reconhecer o
discurso como prática social corrobora com a visão de homem proposta pela abordagem Sócio-
histórica e também pela Psicodinâmica do Trabalho.
A pesquisa contou com a participação de quatro entrevistados, com idades entre 49 e 67
anos, com média de 59 anos, sendo dois do sexo feminino e dois do sexo masculino. A seguir
serão detalhadas algumas informações acerca de cada participante. Vale ressaltar que os nomes
adotados para cada entrevistado são fictícios a fim de preservar o anonimato.
Docente 1 – João: 60 anos, sexo masculino.
Docente 2 – Rosa: 49 anos, sexo feminino.
Docente 3 – Tereza: 67 anos, sexo feminino.
Docente 4 – Carlos: 60 anos, sexo masculino.

Resultados e discussão
A partir das transcrições das entrevistas, foi possível categorizar informações que
compareceram de modo recorrente nos relatos dos docentes, facilitando assim a compreensão
das temáticas abordadas e a análise dos resultados obtidos através da pesquisa. Definiu-se três
categorias para análise das entrevistas: 1. Visões acerca do trabalho, 2. Vivências de prazer e
sofrimento no trabalho e 3. Dilemas diante da proximidade de afastamento do trabalho.
A análise e discussão dos dados coletados fundamentaram-se nas abordagens que foram
adotadas como embasamento teórico da pesquisa. É importante reconhecer que os pontos
discutidos nessas análises não desconsideram o contexto das falas dos docentes, além de
empreender cuidado em não atribuir erroneamente interpretações acerca desses discursos.
Cabe ressaltar que as entrevistas realizadas proporcionaram conteúdos bastante
significativos para a pesquisa, corroborando com as reflexões propostas e exemplificando na
prática as teorias acerca do trabalho e da aposentadoria, além de evidenciar aspectos peculiares

685
do trabalho docente.
Sobre a primeira categoria “Visões acerca do trabalho”, considera-se que a compreensão
sobre o sentido do trabalho, como discutem Bitencourt et. al (2011) parte do entendimento do
que é o trabalho para os indivíduos e consequentemente da percepção do quanto ele é central
na vida dessas pessoas. A fala da entrevistada Tereza, de 67 anos a partir da pergunta “O que o
trabalho significa pra você?”, expõe claramente como o trabalho ocupa um lugar central na sua
vida, a mesma afirma: “[...] o trabalho significa tudo pra mim.”
Por sua vez, Rosa (49 anos) atribui uma grande importância ao trabalho em sua vida:
“Pra mim é uma realização pessoal, o trabalho, ele dá vida pra gente, a gente se sente útil,
fazendo alguma coisa pelo outro, colaborando pro desenvolvimento.” Dejours (2012, p. 34)
afirma que “Trabalhar não é apenas produzir, mas ainda transformar-se a si próprio”, dessa
maneira, o trabalho permite à subjetividade provar-se a si. Rosa (49 anos) expõe claramente o
quanto se constituiu através do trabalho e o quanto o mesmo lhe foi doador de sentidos e
significados.
Um outro aspecto importante elencado nessa categoria se refere à escolha pelo trabalho
docente, a maioria dos participantes trouxe em suas falas questões importantes acerca dessa
decisão, e como isso se deu em conjunto com sonhos pessoais e identificações com esse tipo de
trabalho. João (60 anos) conta como começou sua história com a área da Educação Física: “[...]
eu comecei como aluno do Liceu Maranhense, era atleta na época, fazia parte da turma da grade
esportiva e tomei gosto pela Educação Física”. Ao falar sobre isso relata com fervor o quanto
essa escolha foi permeada pela afetividade, visto que ser atleta marcou sua história de vida,
permanecendo na sua história profissional.
Carlos (60 anos), também professor de Educação Física, expõe também o quanto foi
marcado pela Educação Física, mas por vias diferentes das que João (60 anos) teve acesso.
Carlos estudou em escolas que não lhe proporcionaram um contato direto com a Educação
Física, dessa forma ele afirma: “[...] sempre tive curiosidade pelo esporte.”. Foi através da
ausência da oportunidade de ser atleta que ele impulsionou sua curiosidade e fez da Educação
Física sua escolha profissional.
Percebe-se então que apesar das contradições envolvidas, as quais a Psicodinâmica
reconhece enquanto próprias do trabalhar, os entrevistados expõem o quanto o trabalho possui
importância em suas vidas, corroborando então com a discussão empreendida pela pesquisa
acerca da centralidade do trabalho. Partindo para a categoria 2, “Vivências de prazer e
sofrimento no trabalho”, buscou-se investigar com a pesquisa tais vivências dos docentes
entrevistados, que acabam de diversas maneiras influenciando na escolha de aposentar-se ou
não.
O entrevistado João (60 anos) responde à indagação “Discuta sobre os desafios e as
satisfações vividas no seu trabalho”, da seguinte forma:
[...] eu acho que educar é um desafio [...]educar e mostrar uma qualidade, e repassar aos
alunos uma qualidade, eu acho que pro professor é um desafio. Quer dizer, eu acho que
sempre tem que tá se qualificando pra poder estar transmitindo aos alunos as inovações
tecnológicas, o desenvolvimento de cada disciplina do que está acontecendo. Eu acho
que a educação é um processo de evolução o tempo todo. Sempre estar procurando

686
evoluir. (João, 60 anos, grifo da autora)
Ainda sobre as vivências de sofrimento no trabalho, compareceram falas acerca do
relacionamento com os outros professores, ressaltando uma provável fragilidade enfrentada
pelo coletivo de trabalho no momento atual:
Tá aí uma certeza absoluta, o quadro de professores pra trás era muito mais unido que
o nosso atual [...] nosso quadro é excelente, mas eu sinto saudade do quadro anterior,
pela união que nós tínhamos. Alguns já se foram, outros estão aí doentes, infelizmente.
(João, 60 anos)
Além das condições adversas de trabalho, os professores também encaram dificuldades
no relacionamento com os alunos e familiares, visto que a sociedade – e consequentemente as
relações entre as pessoas – mudaram significativamente nos últimos anos. Na fala a seguir da
professora Tereza (67 anos) comparece bastante essa questão: “Eu sinto muita falta daquela
simplicidade dos alunos de antes. Daquele companheirismo da família [..] Hoje a gente tem que
ser mais retraído, e saber até como fala e como olha pros alunos”
A compreensão da existência da dinâmica “prazer/sofrimento” inerente ao trabalho e a
sua constatação na prática através dos dados advindos da pesquisa de campo, permite reafirmar
o engajamento da subjetividade na ação do trabalhar, visto que os sujeitos através de suas
mobilizações modificam a realidade do seu trabalho por meio da transformação do sofrimento.
As vivências de prazer e sofrimento não estão desvinculadas do processo de aposentadoria. Os
trabalhadores, diante da iminência da possibilidade de afastamento do mundo do trabalho, criam
seus modos de enfrentamento a partir do engajamento de suas subjetividades com a atividade
laboral, podendo experimentar momentos de ansiedade e dúvidas.
Por fim, sobre a terceira categoria: “Dilemas diante da proximidade de afastamento do
trabalho”, foi marcada pela fala da participante Rosa (49 anos): “O quê que eu vou fazer quando
me aposentar? ”, que demonstra com clareza o que afirma Selig e Valore (2010) acerca da
consideração do trabalho como organizador da vida e da identidade dos indivíduos.
“Eu me sinto bem, me sinto útil ainda na sala de aula.” (Tereza, 67 anos). A entrevistada
relata com clareza o quanto trabalhar significa para ela uma forma de manter-se útil. Tal fala
corrobora com a sua postura em relação à aposentadoria, afirmando com veemência que não
pretende agora e nem tem um planejamento de quando irá se aposentar:
[...] Era setenta anos, eu disse que ia trabalhar até com setenta, mas o ministro lá, o
Supremo, elevou até setenta e cinco, aí eu digo agora eu trabalho até setenta e cinco
(risos). Eu acho que ainda tenho que contribuir, quando eu achar que eu não tenho mais
força, mais condição de trabalhar aí ... eu ainda não pensei em me aposentar, meus filhos
me cobram muito, eu não posso, eu não quero ainda me aposentar. (Tereza, 67 anos,
grifo da autora)
João (60 anos) demonstra claramente o quanto atribui à aposentadoria uma ideia de
perdas e cessação da vida ativa, ele afirma que através do trabalho: “[...] você tem como manter,
principalmente a sua mente, em atividade, você quando deixa de fazer alguma atividade
automaticamente você vai parar. Em movimentos, em pensamentos, em ideias, em tentar
inovar.”
Já o professor Carlos (60 anos) traz algumas questões específicas da sua situação, visto

687
que ele já passou por uma experiência anterior de afastamento do trabalho devido ao
adoecimento, e também pelo fato de sua readaptação ter apresentado falhas segundo o seu ponto
de vista. Carlos expõe o seu interesse em se aposentar, principalmente após o falecimento do
ex-diretor da escola que havia contribuído muito no seu retorno à escola e às atividades.
Na época desse diretor eu falei que ficaria até uns 2 ou 3 anos a mais, enquanto ele
estivesse por aqui, porque eu gostava dele, me sentia bem. Ele sempre fez com que o
profissional se sentisse gente na instituição. Ele faleceu, aí eu disse que ficaria só um
ano, mas acho que não vou ficar mais não. (Carlos, 60 anos)
Diante de tais análises acerca das visões sobre a aposentadoria apresentadas pelos
participantes, é possível afirmar que as discussões teóricas acerca desse processo que julgam a
aposentadoria como um processo complexo e multideterminado corroboram com os resultados
da presente pesquisa. Fatores econômicos, culturais, sociais e principalmente os que dizem
respeito à relação dos indivíduos com o seu trabalho influenciam diretamente no modo como
se encara a escolha de continuar trabalhando ou aposentar-se. Para encerrar, vale considerar a
fala da professora Rosa (49 anos) sobre a aposentadoria, que corrobora com tal prerrogativa:
“[...] é uma coisa que é de cada um. Cada um tem sua própria perspectiva.”

Considerações finais
O objetivo principal levantado pela pesquisa foi analisar as repercussões do processo de
aposentadoria na subjetividade de docentes de uma Escola de Aplicação, a partir disso foi
possível investigar aspectos como: o que o trabalho significa para cada um dos entrevistados e
o resgate de suas trajetórias profissionais, suas vivências de prazer e sofrimento relacionadas
ao trabalho, compreender como se constrói a visão acerca da aposentadoria e as repercussões
ocasionadas pela perspectiva de afastamento do mundo laboral na subjetividade desses
trabalhadores.
As entrevistas realizadas corroboraram com a tese proposta acerca da centralidade
ocupada pelo trabalho na sociedade contemporânea e a respeito da vinculação de ideias
relacionadas à improdutividade, inutilidade e perda do sentido da vida aos indivíduos que não
trabalham. A concepção de aposentadoria, apesar das mudanças que estão sendo empreendidas
atualmente, ainda é permeada por esses sentidos negativos. Dessa maneira, percebeu-se nos
discursos da maioria dos docentes, falas que demarcam ansiedade e medo das reestruturações
que a aposentadoria pode causar nas suas vidas.
Dentre os quatro participantes, apenas uma professora demonstra preocupações acerca
das possibilidades dispostas com a aposentadoria e expõe o interesse em se preparar para tal
fase da sua vida, apesar de não afirmar já ter escolhido afastar-se do trabalho. Já outro
participante demonstra maior interesse em se aposentar no momento, não impulsionado por um
planejamento, mas sim por questões que lhe causaram sofrimento no ambiente laboral, sendo a
maior parte delas advindas do seu processo de readaptação no trabalho após um período de
afastamento por adoecimento. Os outros dois docentes recusam com firmeza a possibilidade de
se aposentar no momento e demonstram relações muito imbricadas com o trabalho durante o
seu percurso profissional.
Um aspecto importante constatado com a pesquisa foi como o relato da história

688
profissional dos entrevistados se entrelaça à história da constituição da Escola de Aplicação
pesquisada. Três dos quatro professores entrevistados participaram efetivamente do início da
história da escola e enfrentaram várias dificuldades relativas à não formalização dos vínculos
empregatícios, às mudanças do espaço físico ocupado pela escola e às próprias dificuldades da
época em relação aos investimentos em educação e formação de professores.
Percebeu-se então como a realização das entrevistas proporcionou a esses docentes um
espaço de fala e escuta de questões que lhes são valiosas e que precisam ser compartilhadas.
Apesar de não se tratar de um momento formal de intervenção, foi notável o quanto essa
oportunidade de falar sobre esse tema mobilizou os entrevistados no sentido de refletir e
elaborar ideias acerca do trabalho deles e consequentemente sobre a aposentadoria como uma
escolha a ser analisada.
Partindo dessa constatação é válido ressaltar a importância dos Programas de Preparação
para a Aposentadoria nas organizações como possibilidade de espaços de fala e escuta acerca
do sofrimento vivenciado pelos trabalhadores em relação à sua atividade laboral, como propõe
a Psicodinâmica do Trabalho. Pois é através da ressignificação do lugar ocupado pelo trabalho
na vida das pessoas que se pode pensar no enfrentamento saudável do processo de
aposentadoria.

Referências
Bitencourt, B., Gallon, S., Batista, M., & Piccinini, V. (2011). Para além do tempo de emprego:
o sentido do trabalho no processo de aposentadoria. Revista de Ciências da Administração,
13(31), 30-57. doi: https://doi.org/10.5007/2175-8077.2011v13n31p30

Dejours, C. (2011). Addendum – Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In: S.


Lancman; L. I. Sznelwar (Orgs.). Cristophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica
do trabalho. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz.

Dejours, C. (2012). Trabalho e emancipação (F. Soudant, Trad.). Brasília: Editora Paralelo.

Fairclough, N. (2008). Discurso e mudança social. Brasília: Editora da Universidade de


Brasília.

França, L. H. F. P., Menezes, G. S., Bendassolli, P. F., & Macedo, L. S. S.. (2013). Aposentar-
se ou continuar trabalhando? o que influencia essa decisão? Psicologia: Ciência e
Profissão, 33(3), 548-563. https://doi.org/10.1590/S1414-98932013000300004

Freitas, M. T. A. (2002). A abordagem sócio-histórica como orientadora da pesquisa


qualitativa. Cadernos de Pesquisa, (116), 21-39. https://doi.org/10.1590/S0100-
15742002000200002

Mendes, A. M. (2007) Da psicodinâmica à psicopatologia do trabalho. In A. M. Mendes. (Ed.)


Psicodinâmica do Trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Roesler, V. R. (2014). Posso me aposentar de verdade. E agora?: Contradições e ambiguidades


vividas no processo de aposentadoria. Curitiba: Alteridade.
Roesler, V. R. (2014). Quando o trabalho é essencial, a aposentadoria parece impossível: o caso

689
de docentes universitários franceses. In: X Reunião Científica Regional da Associação
Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, Anais do Congresso, Florianópolis,
SC, Brasil.

Selig, G. A., & Valore, L. A.. (2010). Imagens da aposentadoria no discurso de pré-
aposentados: subsídios para a orientação profissional. Cadernos de Psicologia Social do
Trabalho, 13(1), 73-87. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
37172010000100007&lng=pt&tlng=pt.
O RETORNO AO TRABALHO DE SERVIDORES APOSENTADOS COMO

690
VOLUNTÁRIOS EM UMA IFES

Luiza Mariana de Sousa


Carla Vaz dos Santos Ribeiro
Ana Flávia Moura Carvalho
Fabiana Moreira Lima Freire
Lícia Calvet Araújo
Marcela Lobão Oliveira

Introdução
O presente estudo está vinculado a um projeto de pesquisa maior, desenvolvido pelo
“Grupo de estudos e pesquisas sobre o trabalho, aposentadoria e subjetividade” da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA). Trata-se de um estudo qualitativo, fruto de pesquisa
bibliográfica e de campo. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas
semiestruturadas, totalizando sete entrevistas com servidores inativos, técnicos e docentes, que
retornaram ao trabalho na IFES como voluntários.
Considera-se o trabalho essencial na construção da subjetividade e na realização do
contexto social através de convivências, relacionamentos e reconhecimento (DEJOURS, 2011).
Reflete-se sobre a possibilidade da contribuição do trabalho voluntário como possibilidade de
ressignificação das ideias de inutilidade, decrepitude e afastamento do convívio social atreladas
à aposentadoria.
Busca-se entender quais seriam as principais razões para o retorno do aposentado ao
trabalho de forma voluntária. Foram consideradas como trabalhos voluntários, distintas
possibilidades de labor, não restritas aos vínculos formais de emprego e ao trabalho assalariado.
Tem-se o trabalho voluntário conforme a definição pela Lei 9.608/1998, atividade não
remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição
privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos,
recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade.
Segundo informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PNAD Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano
de 2019, o Brasil possuía 6.925 pessoas em trabalhos voluntários. O Estado de São Paulo tem
o maior número de pessoas em trabalho voluntário e o Maranhão ocupava a 15ª posição nesse
ranking. A nível nacional, o maior percentual desse tipo de trabalho ocorre no grupo de idade
de 50 anos ou mais, o que pode estar relacionado ao processo de aposentadoria.
A partir das entrevistas e das discussões realizadas no grupo de estudos e pesquisa, pode-
se considerar o trabalho voluntário como uma das maneiras saudáveis de viver a aposentadoria,
pois possibilita recriar o presente, efetivando um novo projeto de vida, além de estimular a
cidadania e contribuir para desqualificar preconceitos em relação aos aposentados e velhos.

Objetivo
Destaca-se como objetivo geral desta pesquisa analisar as repercussões do retorno ao
trabalho como voluntários na subjetividade de servidores aposentados de uma IFES. Para tanto,
buscou-se investigar o sentido do trabalho e da aposentadoria, bem como os aspectos que

691
influenciaram na decisão de retornar ao trabalho como voluntários. Assim como identificar
elementos que se constituem como fonte de sofrimento e de prazer e as estratégias de mediação
utilizadas no enfrentamento de adversidades no cotidiano de trabalho.

Método
O referencial teórico-metodológico para o desenvolvimento da pesquisa se apoia na
abordagem conceitual da Psicodinâmica do Trabalho em articulação com a Psicologia Sócio-
histórica, com base no referencial do materialismo histórico e dialético. Conceitos da
Psicossociologia do Trabalho também foram articulados na fundamentação teórica.
O método dialético, na perspectiva materialista proposto por Marx, representa uma
superação da dicotomia subjetividade-objetividade, apresentando o sujeito ativo e racional,
coletivo e histórico. O sujeito proposto pelo materialismo histórico é um sujeito ativo, possui
um papel fundamental em sua materialidade. (Marcondes & Toledo, 2012, p. 80).
Utilizou-se, neste estudo a Psicodinâmica do Trabalho, abordagem científica
desenvolvida por Christophe Dejours, uma vez que esta apresenta grande contribuição à análise
de vivências de prazer e sofrimento relacionados ao trabalho, e que estão diretamente
relacionados com a saúde do trabalhador. Em um mundo laboral, atualmente marcado pela
precarização, desigualdade e individualismo, revela-se extremamente importante compreender
os aspectos relacionados às vivências de prazer e sofrimento no trabalho.
A pesquisa empírica se deu com a utilização de dois instrumentos: questionário e
entrevista semiestruturada, que abordou as categorias: sentido do trabalho, subjetividade e
aposentadoria. Foram entrevistados durante o ano de 2019 dois técnicos e cinco docentes. Os
pesquisados foram informados de que a participação seria voluntária, e que os conteúdos das
entrevistas seriam analisados e publicados, mas suas identidades seriam preservadas.
Para análise dos dados foi utilizada a Análise Crítica do Discurso de Fairclough (2001)
que propõe estudar a linguagem como prática social, procurando situar a relação dialética entre
o discurso, o contexto e estrutura social, demonstrando assim coerência com o percurso teórico-
metodológico que fundamenta a presente pesquisa.

Resultados e discussão
As análises das sete entrevistas possibilitaram identificar elementos como o sentido do
trabalho e da aposentadoria, fontes de prazer e sofrimento, razões para a permanência no mundo
do trabalho, bem como estratégias de mediação e modos de enfrentamento do processo de
afastamento do trabalho.

Sentido do trabalho e da aposentadoria


Para Costa (2013), o sentido do trabalho:
[...] é conceituado como uma representação individual e coletiva do ato de trabalhar
desenvolvida por meio de um processo de percepção e reprodução de sentido, onde se
apreciam as situações vivenciadas no ambiente de trabalho a representatividade dessas
para o trabalhador (Costa, 2013, p. 376).
Vive-se numa sociedade marcada pela centralidade do trabalho, a qual abarca não só a
importância de produção e status social, mas também repercussões na socialização e na
subjetividade do homem. Exemplifica-se a função do trabalho na fala da entrevistada D5 “O

692
trabalho é importante, por conta da produção, de se sentir produtivo, das relações com as
pessoas”.
Dessa forma, a centralidade do trabalho refere-se ao grau de importância conferido ao
trabalho durante a vida (Bitencourt et al., 2011). Assim, de acordo com cada realidade e objetivo
de cada trabalhador, o trabalho passa a ter diversos sentidos e significados. É, portanto, nessa
concepção de homem que ao longo da história transforma e é transformado, que o trabalho
passa a ser constituinte da subjetividade (Antunes, 2009).
Ratifica-se a amplitude de sentido atribuída ao trabalhar não apenas como ofício e a
busca de renda, mas um objetivo de vida, um propósito, nas falas das entrevistadas D7 e T3:
O trabalho, o saber, aquilo que a gente reflete. Tem que ser algo que se direciona a
uma causa, um propósito. Então isso define vínculos realmente para além dessa
questão do trabalho ... como se o trabalho fosse mais que isso. (D7)
O trabalho dá sentido para a vida da gente. Eu tenho que horror à aposentadoria. A
minha aposentadoria é só no papel porque me deram, né? É isso ai. [...] Estou há 10
anos como voluntária aqui [...] Eu não sai nenhum dia daqui, apenas tomei
conhecimento e assinei que eu estava aposentada. A carga horária continua a mesma,
8 horas, rigorosamente. Nem férias eu tirei! (T3)
Os entrevistados reconhecem o trabalho como lugar de identificação, fonte de
reconhecimento e de realização. Relatam dificuldade em se desligar das atividades laborais,
encarando o trabalho voluntário na aposentadoria como uma continuidade da trajetória
profissional.

Fontes de Prazer e Sofrimento no Trabalho na IFES


A abordagem Psicodinâmica do Trabalho afirma que o trabalho propicia para o homem
uma relação dialética de prazer e sofrimento (Oliveira, 2018). Considerando-se as situações
experimentadas no labor, Dejours (2011), sinaliza que é, através do sentido dado ao trabalho,
que se vivencia o prazer e sofrimento no ambiente laboral.
Nesse contexto, o grande destaque são as fontes de prazer e sofrimento dos servidores
que apesar de possuírem direito para aposentadoria, continuam trabalhando como voluntários.
Nesse sentido, Roesler (2014, p. 6) traz a fala do sociólogo Robert Castel, na docência, que
reafirma a centralidade do trabalho como um dos fatores de permanência, visto ser fonte de
realização “[...] sem universidade, os alunos, os cursos, as conferências, os livros e as trocas
intelectuais, sua vida não teria sentido”. O entrevistado D8 exemplifica essas sensações ao
discorrer sobre as atividades que desenvolve: “O hábito de tá preparando aula, de tá corrigindo
prova é ruim, né? (risos). Mas até isso é bom porque tem as leituras e tal [...]”.
No que diz respeito ao trabalho docente, é comum uma rotina de trabalho que envolvem
atividades que vão além da sala de aula, como a elaboração de plano de ensino, construção de
metodologia de avaliações, grupo de estudos e/ou pesquisa, produção de artigos e apresentação
de trabalhos em eventos científicos. Desta forma, o percurso do docente é marcado por inúmeras
demandas e responsabilidades, sendo por meio dessa execução de atividades que este professor
busca reconhecimento (Ribeiro & Smeha, 2009).
A entrevistada D5 aborda as suas atribuições rotineiras que muitas vezes extrapolam a
jornada de trabalho: “Todos os dias eu tenho alguma coisa pra fazer, às vezes me encontrar com
orientando, preparar aula da pós, quando eu não estou aqui, eu estou trabalhando em casa,

693
porque professor trabalha muito em casa”.
Foi notório o impacto da relação com os alunos na permanência e vivências de prazer
desses docentes. O entrevistado D4 aborda o contato com os alunos enquanto uma motivação
para a permanência: “Dar aula, discutir com aluno, conversar, trocar ideia, colocar a experiência
que a gente tem, que é positiva, uma experiência que foi positiva, é essa a motivação”. A
entrevistada D7, por sua vez, enfatiza o prazer que tem com a sua contribuição para esses
alunos, principalmente quando esses retornam à Universidade enquanto mestres ou docentes.
Eu tenho prazer quando eu vejo alguém, por exemplo, essa minha aluna vem da
graduação, ela foi, trabalhou comigo como bolsista de iniciação científica, e veio e tá
no mestrado ... é um prazer você acompanhar a formação . . . é como se a gente tivesse
agregado algo. . . é claro, essa coisa, formar quadros, que a gente diz, formar
professores, e nós somos muito recompensadas de algum modo [...]. (D7)
Considerando-se, ainda, as inúmeras exigências, o dia a dia do docente é caracterizado
por aceleração. Assim, para entregar todos os resultados que são esperados, o trabalho ganha
ainda mais centralidade na vida desse professor, o qual tende a priorizá-lo.
A supervalorização do trabalho, como um instrumento de alcance do sucesso, coloca
em planos secundários, outras esferas da vida como a familiar e a social, pois o
mercado exige dedicação total à carreira profissional, seja para admissão ou
permanência nos empregos (França, 2015, p. 12)
A centralidade do trabalho, ainda mais para o docente, pode estar relacionada a todo um
percurso de dedicação ao labor, incluindo desde a criação de cursos a realização de eventos, o
que intensifica ainda mais o vínculo com a Instituição. O entrevistado D6 enfatiza “eu sou um
dos professores criadores do curso de Educação Física. Nós criamos o curso aqui na
universidade.” Os entrevistados D4 e D7, por sua vez, relatam suas contribuições a partir das
funções que exerceram e ainda exercem como voluntários nos seus respectivos cursos.
Fui chefe de departamento por dois mandatos. No período que eu fui chefe de
departamento, foi um momento em que eu pontuo que eu contribuí nessa universidade,
que eu amo e faço tudo pra contribuir e continuo. É o compromisso com a sociedade
de melhorar a pesquisa e o compromisso da gente ser um país independente[...]. (D4)
Eu integro a coordenação da jornada de políticas públicas, que é um evento que consta
no cronograma do programa, ele se repete a cada ano, nós fizemos um agora
recentemente em agosto já a oitava edição do programa. Como eu já trabalhei nesse
evento desde a primeira edição, acho que foi quase uma relação afetiva (risos). (D7)
Como resultado, têm-se uma maior dificuldade de afastamento do trabalho por meio da
aposentadoria (Freire, 2018). Como afirma a entrevistada D7, “[...] o trabalho docente
efetivamente tem uma dificuldade de rompimento”. A entrevistada D5 compara a docência
como uma espécie de vício, e, portanto, de difícil desvinculação: “Eu costumo dizer que a
docência é uma cachaça, porque ela é viciante. A docência não é como qualquer trabalho, como
os outros trabalhos em que as pessoas se desvinculam mais rápido”.
Portanto, os aspectos envolvidos no ambiente de trabalho poderão ser propiciadores ou
bloqueadoras de cada uma dessas sensações, tanto positiva quanto negativa. Comparece essa
dialética no trabalho docente nas falas da entrevistada D5 e entrevistada D7, respectivamente,
ao abordarem o prazer e sofrimento de um mesmo ponto.
O que traz prazer hoje no meu trabalho é o contato com os colegas e com os alunos, é

694
continuar sendo produtiva, contribuindo. O desprazer vem do aluno também, antes de
passar na pós o aluno promete várias coisas, é como se fosse um namoro, e depois que
passa, esse sujeito dá ... tem uns que dão tanto trabalho, as vezes não entende o papel
da pós, que é formar pesquisadores. (D5)
[...] prazer eu ver a revista publicada, a revista bem avaliada, bem classificada, eu
participar de um programa que tem uma avaliação que é um trabalho coletivo, do qual
eu me sinto bem fazer parte, de um trabalho que tem um coletivo forte. Eu acho um
desprazer, eu digo tá relacionado a isso. Porque esse produtivismo acelera disputas,
incentiva vaidades, eu penso que são coisas difíceis para a atividade de pesquisa. (D7)
Percebe-se também na fala de alguns técnicos as fontes de prazer revelando o afeto com
a IFES. Como, por exemplo a entrevistada T2:
Eu acho que o amor é muito grande a esse trabalho [...] Eu acho que a UFMA é muito
amada, acho que a UFMA nem sabe o quanto ela é amada... porque tem muita gente
apaixonada por ela. [...] sobre fonte de prazer: É a gente saber que está contribuindo
para a Instituição, é você ter aquela certeza que você dá o melhor de si. É o que eu
estou dando em 48 anos. (T2)
Com foco nas relações, um dos temas de maior destaque é a presença e importância de
reconhecimento no ambiente de trabalho. Bendassolli (2012), estabelece reconhecimento como
uma consciência e, só é consciência, quando reconhecida pelo outro. O reconhecimento é uma
fonte de prazer no ambiente de labor, visto que “[...] pela mediação do outro e pela inscrição
do sujeito numa história coletiva permite a passagem do sofrimento, inerente ao confronto com
o real, ao prazer, uma vez que dá sentido a este confronto” (Bendassolli, 2012, p.42). Nesse
sentido o reconhecimento se mostra enquanto um dos motivos de orgulho e permanência de D6
e T3 ainda trabalhando como voluntários na IFES:
O fato de ele ter me reconhecido [...] ele me chamou de professor. Então é uma coisa
que eu convivo muito em São Luís, já são frutos das passagens que você teve dentro
da instituição. (D6)
Pra mim a importância disso tudo é a gente ser útil para a sociedade, servir as pessoas,
para a vida ter sentido, se não, não tem [...]. (T3).
Percebe-se assim, que como fator de prazer no trabalho e permanência na vida laboral,
mesmo depois da aposentadoria, tem-se o reconhecimento. É através do reconhecimento que o
aposentado mantém um seguimento de empenho e comprometimento a uma continuidade, o
que possibilita consequentemente a manutenção da saúde e diminuição do sentimento de
inutilidade trazido socialmente pela aposentadoria (Oliveira, 2018).

Razões para a permanência no mundo do trabalho como voluntários


Falar de permanência no mundo do trabalho é falar da centralidade do trabalho na
sociedade contemporânea. Compreender a centralidade é entender que “a organização real do
trabalho é um produto das relações sociais” (Dejours, 2004, p. 33) e que, portanto, repercute na
subjetividade de cada trabalhador visto o papel do trabalho na constituição da subjetividade e
na própria realização pessoal. O trabalho é influenciado pelas convivências, relacionamentos e
reconhecimento (Dejours, 2011).
Uma ilustração da importância do trabalho para si, enquanto subjetividade e valor e
realização pessoal está nas falas das entrevistadas D3 e T3:
Eles não entendem [...] eu tenho ganhos, eu continuo contribuindo, continuo

695
produzindo. (D3)
[...] se eu me jogar em uma cama e dormir até dez horas, [...] então a vida vai ficando
sem sentido, e a gente tem que dar sentido para a vida. [...] Deus não vai me deixar
parar, o dia que eu parar, ele vai me levar [...] Que Deus me conceda a graça de tá
sempre em atividade, de poder ser útil para a sociedade, de que eu possa prestar um
serviço de qualidade. (T3)
Assim, considerando-se a aposentadoria como o marco da saída do mercado de trabalho,
esta resulta na ideia de anulação de alguns dos fatores de prazer no trabalhar, a exemplo a
coletividade e o sentir-se útil. Dessa forma, a chegada da aposentadoria se torna uma vivência
de sofrimento para alguns trabalhadores visto que:
[...] o trabalho sempre coloca à prova a subjetividade, da qual esta última sai
acrescentada, enaltecida, ao contrário, diminuída, mortificada. Trabalhar constitui,
para a subjetividade, uma provação que a transforma. Trabalhar não é somente
produzir; é, também, transformar a si mesmo e, no melhor dos casos, é uma ocasião
oferecida à subjetividade para se testar, até mesmo para se realizar (Dejours, 2004, p.
30)
Na análise das principais motivações para o retorno ao labor, identificou-se: os
sentimentos de vitalidade e utilidade, o compromisso, sobretudo social, com a Instituição e o
receio de interromper uma vida, ainda produtiva.

Estratégias de mediação e modos de enfrentamento do processo de afastamento do trabalho


A aposentadoria é um dos mais relevantes momentos de transição da vida, sendo
considerada ainda, o marco de saída do mercado de trabalho, das atividades esperadas e exigidas
pela sociedade. Por ser um momento vivenciado por cada (futuro) aposentado de maneira
singular, pode ser visto como momento positivo marcado pela desaceleração ou como momento
negativo, marcado por sofrimento pelo surgimento de um sentimento de inutilidade. A visão da
aposentadoria é diversificada, vivenciada e explicada a partir da história do trabalho, da história
de vida de cada trabalhador (Oliveira, 2018).
Diante do papel sustentador do trabalho na constituição dessa subjetividade, Bitencourt
et al. (2011), enfatizam a necessidade de os aposentados realizarem alguma atividade, apesar
de destacarem também a importância do tempo livre decorrente da aposentadoria. Ressalta-se
aqui, a importância do “fazer algo” para se sentir útil, comprovando a centralidade do trabalho.
Relativo à relação de aposentadoria enquanto noção de velhice e, ainda, inutilidade, o
entrevistado D6 afirma:
Porque a velhice, que vem junto com a aposentadoria, ela atrai essas coisas, porque
você pressupõe que você está completamente sem sentido na vida. Você passa a ser o
quê quando você se aposentar? Você não vai ser psicóloga aposentada, não, você é
uma aposentada. Aí fica como se fosse um carimbo na tua testa. Fulano de tal é
aposentado, o quê que é o aposentado? Ninguém sabe o que faz com o aposentado,
mas aí o aposentado, às vezes, não concorda muito com essa nomeação que a sociedade
impõe, que a aposentadoria só acaba na ociosidade.(D6)
O entrevistado D6 ratifica então que se aposentar e deixar de ser ativo é uma escolha

696
“Porque você tá aposentado, você tá ativo, você não tá enterrado. Agora você pode querer se
enterrar também, é simples isso, é só querer ficar em casa”.
O período de transição para aposentadoria, portanto, diversificar-se-á a depender da
subjetividade e relação do servidor com o trabalho. A entrevistada D5 discorre sobre sua
tentativa de desmame, entretanto se contradiz ao afirmar que mantém o máximo de atividades
de orientação ainda:
Eu só estou na pós-graduação, em 3 programas, eu vejo isso como um desmame, onde
eu vou me afastando aos poucos do trabalho. O máximo que um professor pode ter de
orientandos são 8, e vocês não vão acreditar, eu tenho 8 [...]. Eu devo muito à UFMA.
(D5)

No discurso do entrevistado D7 comparece a dificuldade de desligamento do trabalho,


bem como a importância do tempo de preparo para:
É algo internalizado, então pra você tirar tudo isso você tem que tirar com muita calma,
senão você pode até se desagregar, desagregação pessoal. Meu Deus, e agora, o que
eu faço? Você se vê sem sentido. Eu acho que eu confesso um pouco de medo disso,
em função das características do meu trabalho e da minha história [...]. Acho que é um
tempo de preparo pessoal, emocional pra eu fechar todas essas coisas que fazem parte
de você. (D7)
As vivências de prazer e realização obtidas através do trabalho ratificam a centralidade
e sentido do trabalho para aqueles que dão continuidade na trajetória profissional após
aposentados.

Considerações finais
A presente pesquisa analisou as possíveis repercussões na subjetividade de servidores
aposentados de uma IFES que retornaram ao mundo do trabalho como voluntários. A partir da
investigação acerca dos sentidos dados ao trabalho e à aposentadoria; dos fatores que
influenciaram a escolha por retornar ao labor; dos elementos presentes na organização do
trabalho que funcionam como fonte de prazer e sofrimento, bem como, das estratégias de
mediação utilizadas por esses trabalhadores, foi possível sustentar um estudo detalhado sobre a
temática. Buscou-se compreender as questões envolvidas no retorno ao trabalho pós-
aposentadoria, considerando as especificidades do trabalho voluntário.
A discussão empreendida acerca da centralidade do trabalho na sociedade
contemporânea foi ratificada com as informações obtidas nas entrevistas. O trabalho comparece
para os entrevistados como uma maneira de se sentir produtivo, obter status social e, além disso,
é responsável por proporcionar espaços férteis para a socialização e construção da identidade.
Foi possível, através da análise das entrevistas, compreender também as especificidades
do trabalho em uma instituição federal de ensino superior e o quanto estas podem influenciar
no enfrentamento do processo de aposentadoria. Percebeu-se que, apesar das longas rotinas de
trabalho e das diversas demandas e responsabilidades, é comum que muitos optem por continuar
inseridos no contexto laboral.
Diante de todas essas questões, foi possível ainda analisar as estratégias de mediação e
formas de enfrentamento da aposentadoria, atentando também às razões pelas quais esses
sujeitos decidiram permanecer trabalhando. É evidente que para os participantes a decisão de

697
continuar no exercício laboral independe de ganhos materiais, visto que exercem um trabalho
voluntário. Identifica-se a função do trabalho como oportunidade de realização pessoal, de fonte
de reconhecimento e status social, além de comparecer como uma forma de continuar
contribuindo com a sociedade.
Considera-se, então, a importância de incentivar mais espaços de discussão acerca do
processo de aposentadoria. É necessário pensar em planejamento e implantação de intervenções
que possam proporcionar aos trabalhadores melhores estratégias de mediação frente a um
acontecimento tão relevante que demanda novos arranjos sociais e modos de viver.
Através da busca de novas possibilidades de trabalho, como no estudo aqui discutido, a
partir do trabalho voluntário, podem ser pensadas estratégias para vivenciar a aposentadoria
como um momento de reestruturação positiva através da continuidade de sentido de pertença e
utilidade, mantendo um lugar de referência social. Portanto, permanecer ativo na aposentadoria
é ponto crucial para busca de saúde e de prazer

Referências
Azevedo, Beatriz Marcondes & Bolomé, Sílvio Paulo. (2001). Psicólogo Organizacional
Aplicador de Técnicas e Procedimentos ou Agente de Mudanças e de Intervenção nos
Processos Decisórios Organizacionais? Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 01.

Antunes, Ricardo (2009). O Sentido no Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do


trabalho. 2 ed. São Paulo: Boitempo

Bendassolli, Pedro Fernando (2012). Reconhecimento no trabalho: perspectivas e questões


contemporâneas. Psicologia em Estudo, 17(1), 37-46. Recuperado de:
<http://www.redalyc.org/html/2871/287123554005/>.

Bitencourt, Betina Magalhães, et al. (2011). Para além do tempo de emprego: o sentido do
trabalho no processo de aposentadoria. Revista de Ciências da Administração, 13(31), 30-
57. Recuperado de: <http://www.redalyc.org/html/2735/273522105003/>.

Costa, Sérgio Henrique Barroca (2013). Sentido do trabalho (pp. 376-379). In: Vieira,
Fernando de Oliveira (Org.). Dicionário crítico de gestão e psicodinâmica do trabalho.
Curitiba: Juruá.

Dejours, Christophe & Abdoucheli, Elizabeth (2004). Itinerário teórico em psicopatologia do


trabalho. In: C. Dejours; E. Abdoucheli; C. Jayet. (Orgs.) Psicodinâmica do Trabalho:
contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho (15
ed. reimpr., pp. 119-145). São Paulo: Atlas.

Dejours, Christophe. Addendum: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho (2011). In: S.


Lancman; L. I. Sznelwar (Orgs.). Christophe Dejours. Da psicopatologia à psicodinâmica
do trabalho (3 ed., pp. 57-123). Brasília: Paralelo 15.

Fairclough, Norman. (2001). Discurso e mudança social. Brasília: Editora da Universidade de


Brasília.
França, Polyana Imolesi Silveira (2015). A precarização do trabalho docente no ensino

698
superior: o processo de mercantilização da educação e a desprofissionalização docente.
Minas Gerais: UFMG.

Freire, Fabiana Moreira Lima (2018). “Não vejo a vida sem trabalho”: repercussões do
trabalho e do processo de aposentadoria na subjetividade de docentes de uma instituição
federal de ensino superior (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Maranhão,
São Luís, MA, Brasil

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019). Pesquisa Nacional por Amostra
Domiciliar Contínua Anual. Disponível em:
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/17270-pnad-
continua.html?edicao=27762&t=resultados.

Marcondes, Nilsen Aparecida Vieira & Toledo, Maria Fátima de Melo (2012). Materialismo
histórico e método de pesquisa: uma proposta de revisão de literatura. UNOPAR Cient.,
Ciênc. Human. Educ., 13(2), 71-80. Recuperado de:
<http://pgsskroton.com.br/seer/index.php/ensino/article/view/711>.

Oliveira, Marcela Lobão de (2018). “Você está acostumado a uma rotina e de repente aquilo é
cortado”: Repercussões da Aposentadoria na Subjetividade de Professores da
Universidade Federal do Maranhão. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do
Maranhão, São Luís, MA, Brasil.

Ribeiro, Leda Jurema Borba & Smeha, Luciane Najar (2009). O que me leva a continuar? A
permanência do professor universitário aposentado no exercício de sua profissão. Revista
Disc. Scientia, 10 (1). Recuperado de:
http://sites.unifra.br/Portals/36/Artigos%202009%20CH/13.pdf.

Roesler, Vera Regina (2014). Quando o trabalho é essencial, a aposentadoria parece impossível:
o caso de docentes universitários franceses. In X Anped Sul, Anais do evento, Florianópolis,
SC.
DINAMISMOS ENTRE ORGANIZAÇÕES E LGBT’s NESSES ESPAÇOS:

699
CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Helen Emanuele Pereira Sousa


Wesley Alves Veras
José Victor de Oliveira Santos
Mateus Egilson da Silva Alves

Introdução
Uma organização é um sistema formado por elementos internos e externos; o ambiente
interno das organizações é formado por pessoas, tarefas e recursos; esse sistema sofre influência
do ambiente externo (Schultz, 2016). As organizações são sistemas abertos e fazem parte de
um conjunto societal e recebem influência do ambiente em que estão inseridas (Cesar, Silvio &
Murillo, 2008). De acordo com (Chiavenato, 2005) organização é uma entidade social, na qual
as pessoas que a compõem possuem objetivos em comum e interagem entre si com o intuito de
alcançar os objetivos da organização.
Uma reunião de esforços para o alcance de um objetivo, para a administração, esse tipo
de organização possui normas e regras, e é classificada como organização formal, onde os
colaboradores recebem incentivos para que trabalhem em prol do objetivo organizacional (Blau
& Scot, 1970). Os autores utilizam como exemplo uma fábrica que produz mercadorias para
venda objetivando o lucro, onde é necessária a colaboração de todos para que o objetivo seja
atingido.
Em síntese, a partir desses conceitos é possível descrever a organização como um
sistema aberto, formado por pessoas, que sofre influências do ambiente complexo e mutável
onde estão inseridas e, as pessoas que a compõem buscam atingir os objetivos organizacionais,
através da união do esforço coletivo, além de cada colaborador possuir seus objetivos
individuais.
Uma das organizações constantemente atravessadas por mudanças são os ambientes
corporativos, com as empresas obrigadas a responderem rapidamente às mudanças, sendo
necessárias estruturas organizacionais, bem como, profissionais eficientes e flexíveis que
possam adaptar e moldar a organização (Moreira, 2014). Neste cenário, as empresas buscam
obter vantagem competitiva dentre as demais, pois em um ambiente altamente competitivo é
necessário se adaptar rapidamente às mudanças que ocorrem, buscando e atraindo profissionais
cada vez mais qualificados e flexíveis para que possam sobreviver neste ambiente complexo e
instável (Murad, 2017).
Com a escalada de momentos de recessão que atravessam o país, muitos postos de
trabalhos diminuíram e, as vagas de emprego que surgem, possuem um grande problema que é
a alta quantidade de candidatos. Com o excesso de candidatos concorrendo uma mesma vaga,
as organizações são mais rigorosas na seleção, fazem pouco investimento no recrutamento e os
salários tendem a ser menores (Debortoli, 2016). Para contornar a situação, a autora ressalta
que as empresas buscam profissionais cada vez mais especializados e que busquem a constante
qualificação para que possam estar aptos às organizações, suas novas tecnologias e na resolução
dos problemas organizacionais; ainda, em alguns casos, candidatos também optam por cargos
inferiores, com salários menores para conquistarem a vaga de emprego. Além de que fatores

700
intervenientes como preconceito e desigualdades exercem influência considerável para novas
as contratações.
Nesse sentido a segregação ocupacional praticada contra LGBT’s (Lésbicas, Gays,
Bissexuais e Transgêneros) de acordo com (Moura & Lopes, 2014) é uma das grandes
problemáticas para a inserção dessa e outras minorias no mercado de trabalho, pois a segregação
ocupacional ainda direciona o comportamento das organizações. A orientação sexual sempre
foi vista pelas instituições como algo que serve para classificar e normalizar, aquilo que pode
ser feito e aquilo que não. Durante muito tempo coube a igreja católica, condenar certas práticas
como homossexualidade, pois era pregado que iriam contra a leis de Deus, as leis da natureza
e tais atos traziam vergonha para a sociedade (Barros, 2014).
Historicamente, esta minoria foi marginalizada e sofreu preconceitos. No entanto,
mesmo com modernização, os avanços da ciência e diversos direitos conquistados, atualmente,
ainda se faz presente o preconceito com esta categoria. Diante de vários preconceitos, essas
pessoas não viram outra alternativa, a não ser se unir como movimentos para lutar pela vida,
pelos seus direitos de existir e serem tratados de forma igualitária. A partir de 1978, em São
Paulo, iniciou-se o primeiro grupo na luta pela politização da questão da homossexualidade
chamado “Somos”, e a partir disto, surgiram outros grupos espalhados pelo país; na região
Nordeste, começaram a surgir alguns ativistas, como: João Antônio Mascarenhas e Luiz Mott;
com o fim da Ditadura, ocorreu a ascensão destes e de outros movimentos sociais (Facchini &
França, 2009).
Foi em 1980 que ocorreu o surto da AIDS, e um dos grupos mais afetados foram os
gays, que em sua maioria dos casos começaram a morrer devido complicações da doença. Tal
fato despertou um forte sentimento em outro grupos, não ficando mais restrito aos gays, como
também lésbicas, bissexuais e outras pessoas que não se identificavam com os padrões
heteronormativos e passavam pelo mesmo sentimento de preconceito e exclusão, solidarizando-
se em torno de uma causa comum, o movimento LGBT (Canabarro, 2013). Um movimento que
além da luta pelos direitos, agora também tinha como objetivo a busca por políticas públicas,
como a saúde que era o foco naquele momento.
Atualmente, entre as demandas a que o movimento luta está em uma das áreas onde se
cotidianamente pode se verificar as consequências do preconceito praticado contra o grupo
LGBT, o mercado de trabalho. Além de toda a discriminação que possui raiz religiosa, também
existe um viés econômico, pois o sistema capitalista é conhecido pelo modo de produção e
exploração, que são baseados em conceitos racista-patriarcal-heteronormativo-capitalista,
sendo predominante as relações de classe, “raça”, gênero e sexualidade (Menezes, Oliveira
& Nascimento, 2013). Devido a essas razões existe um grande preconceito em contratar
LGBT’s como funcionários.

Segundo pesquisas realizadas pelo Plantão Plomo no Brasil, uma em cada cinco
empresas se recusa a contratar homossexuais com medo de que a imagem da companhia
fique associada àquele funcionário, fazendo com que essas empresas percam seus
clientes. Enquanto isso, a mesma pesquisa mostra que 68% das pessoas já presenciaram
algum tipo de homo e transfobia no ambiente de trabalho (Lucena e Santos, 2019, p.
147).
A vista disso, é de consenso em estudos que processos de inclusão e exclusão sociais

701
são perpassados por representações sobre grupos e pessoas. A Teoria das Representações
Sociais se dedica a aprofundar esse viés nos modos de organizar o mundo, a partir de aglomerar
certas características que possam explicar, relacionar, lembrar determinado objeto, pessoas ou
fenômenos. Segundo Jodelet (1979) as representações são importantes para nomear e definir
um conjunto de características diferentes, para que possamos interpretá-los e, se necessário,
tomar uma decisão sobre eles. Entretanto, as representações sociais possuem matrizes de estudo
variadas, como a de destaque neste trabalho proposta por Jean Claude Abric (1998), a Teoria
do Núcleo Central (TNC).
Nesta teoria, as representações sociais estão estruturadas a partir de dois esquemas
principais: o núcleo central e os elementos periféricos, que poderiam ser representados
respectivamente com a visão do social e a visão do indivíduo (Machado & Aniceto, 2010). O
núcleo central são as representações sociais mais enraizadas e rígidas que servem de guia e
norteamento e são apreendidas em grupo, no senso comum verdades ou princípios do grupo.
As representações sociais periféricas correspondem aos grupos de pertença e servem de suporte
para núcleo central geralmente aprendidas no convívio do dia-dia, por ser influenciadas pelos
contextos e cotidianos estão mais passíveis de mudanças (Berga, Bursztyn, Santos & Tura,
2009).
As representações sociais têm um papel de estratégia no grupo e também de justificar
certos comportamentos grupais (Cabecinhas, 2004). Por ser algo tão convicto e tão ligado aos
ideais e a identidade do grupo, ela é também muito difícil de mudar e se reorganizar. Segundo
Abric: A teoria da Representações Sociais, busca construir um conceito levando em
consideração que o ser humano não está em uma bolha isolada e, que apesar de possuir
conceitos próprios eles estão a todo momento sendo influenciados e influenciando os grupos
no qual se está inserido (Arruda, 2002).
Por isto, as representações sociais são bastante utilizadas quando se estuda
comportamentos sociais, atitudes e opiniões de determinados grupos, pois as representações são
formadas a partir do conjunto de informações, estereótipos e características que aquele grupo
tem sobre determinado assunto. Estas representações sociais podem ser construídas de forma
positiva, com características do fenômeno ou também podem virar preconceitos com objetivo
de menosprezar ou segregar.
Segundo Lacerda, Pereira e Camino (2002), o preconceito, a partir das perspectivas da
teoria da representação social se constrói nas diferentes identidades que diferentes grupos de
um mesmo local possui e atribui estereótipos negativos e a práticas ou crenças ao outro grupo,
inferiorizando este e colocando a si como um núcleo central melhor. Todavia, os mesmos
autores ressaltam que devido à desejabilidade social, as formas de discriminação e preconceitos
mudaram, com isso tornaram-se mais velados, no entanto, ainda é perceptível o favoritismo de
certos grupos. Um exemplo prático disto é o racismo e como tem mudado com o tempo, porém
ainda é possível ver o preconceito e discriminação que os negros ainda sofrem.
Outro grupo que sofre bastante com esses estereótipos criados por representações
sociais negativas é a população LGBT, onde o núcleo central com estereótipos negativos está
enraizado em questões morais e religiosas que criam séries de comportamentos discriminatórios
com as pessoas LGBT’s, por exemplo: exclusão, violência física e mental, que são reforçados
pelos ideais e senso comum compartilhado pelo grupo.
Diante do exposto, este estudo visa averiguar como se estruturam as representações
sociais sobre pessoas LGBT’s nas organizações trabalhistas. Quando justifica-se adentrar
nessas questões diante das dificuldades encontradas por esse público de acesso no mercado de
trabalho por preconceitos e discriminações, bem como representações estabelecidas nesses

702
preceitos influenciam nas atividades exercidas por esses indivíduos nessas organizações.

Método
Este estudo tem como objetivo fazer uma Revisão Integrativa dos últimos 10 anos sobre
representações sociais de pessoas LGBT’s que integram organizações trabalhistas. A busca de
artigos foi feita em banco de dados: Google acadêmico, Scielo e LILACS. Teve como foco e
critério de escolhas títulos e palavras chaves. A revisão integrativa de literatura é um método
que tem como objetivo realizar uma síntese dos resultados encontrados em
pesquisas experimentais ou semi-experimentais sobre um tema, de maneira sistemática,
ordenada e abrangente (Ercole, Melo & Alfocorado, 2014).
Esta pesquisa teve como descritores iniciais as palavras: representação social, mercado
de trabalho e LGBT. A partir das leituras dos títulos e também dos resumos foram excluídos
aqueles trabalhos que não tinham relação com o tema proposto, sendo lido na integra os artigos
selecionados para embasamento deste trabalho.

Resultados e Discussão

Após concluída a busca e selecionados os artigos, iniciou-se o processo das análises dos
artigos. Todos os artigos selecionados envolveram a temática abordada quanto as
representações sociais de LGBT’s em organizações. Os resultados dos artigos reproduzem as
representações sociais por meio da teoria do núcleo central, de forma que pode-se agrupar as
principais impressões decorrentes das falas apresentadas. Dessa forma, as falas das
representações encontradas retratam tanto falas de heterossexuais, como também de LGBT’s
quanto ao tema que era verificado.
Foram encontrados 5 artigos, como descritos na tabela 1, sendo os mesmos discutidos
conforme apreendeu-se de seus resultados: sobre como LGBT’s percebem suas participações
no mercado de trabalho, pessoas heterossexuais absorvem essa realidade e de forma
comparativa como ambas as visões contribuem para esclarecimento desse tema. Devido a essa
pluralidade que o trabalho apresenta, procura-se ampliar as discussões sobre como as
representações sociais vigentes afetam o público LGBT diante do dinamismo que incorre nas
organizações.

Tabela 1. Resultados com nome, autores e resumo dos artigos.

Nome do Artigo e Autores Resumo


703
Souza, E. D. J. (2015). Trabalho de cunho qualitativo onde 17 educadores escolhidos
Diversidade sexual e aleatoriamente que trabalhavam na rede fundamental e
homofobia na escola: as Ensino médio. Os instrumentos utilizados foram a associação
representações sociais de livre e um questionário com entrevista que forneceram
educadores/as da educação informações para a análise das representações sociais acerca
básica. da diversidade sexual e da homofobia foram divididas em
representações acerca da Diversidade sexual e Homofobia. A
diversidade Sexual foi dividida em subclasses: Preconceito
Manifesto, Pré-conceitos. E este último foi dividido em
estereótipos e o preconceito sutil.

Juliani, R. P. (2017). LGBT Desta dissertação participaram 7 pessoas LGBT que residiam
Trabalhadores: trajetórias de no estado de São Paulo, que já estivessem em uma empresa e
vida e representações sociais que atuassem em cargos importantes e de determinada
sobre trabalho. Juliani, R. P. relevância para empresa. Os instrumentos utilizados foram
(2017). entrevistas que tinham como objetivo que os participantes
relatassem suas histórias de vida e a partir desses relatos
construir as representações sociais desde escola e o ambiente
de trabalho. As Representações Sociais divididas
em representações sociais nas escolas e representações
percebidas no trabalho.

Porto, K. S., Cibrão, V., & Trabalho realizado com um grupo focal onde com pessoas
Tavares, H. N. (2016). autodeclaradas, participantes do grupo LGBT. Foi realizado
Processos De (Des) uma entrevista semiestruturada como objetivo analisar os
Construção Da Identidade processos organizacionais de desconstrução/construção da
Lgbt Nas Organizações. identidade LGBT nas organizações. 1-Detectar a existência de
mecanismos de discriminação da identidade LGBT dentro das
organizações. 2- Detectar a presença de uma tendência de
homogeneização e/ou heteronormatização dentro das
organizações. 3-Verificar a existência de diferenças de
tratamento do empregado, a partir da percepção de sua
identidade de gênero ou orientação sexual.
704
Irigaray, H. A. R.; Saraiva, Este trabalho de caráter exploratório teve como objetivo
L. A. S.; Carrieri, A. P. levantar representações sociais sobre humores
Humor e discriminação por discriminatórios com homossexuais através de entrevistas
orientação sexual no com roteiros semi estruturada de histórico de vida das pessoas
ambiente organizacional. entrevistadas. Os sujeitos foram selecionados por
Revista de Administração conveniência. A amostra foi composta, no final, por 14 gays
Contemporânea, v.14, n. 5, e 24 heterossexuais. Dos sujeitos homossexuais, metade
2010 reside em São Paulo e a outra no Rio de Janeiro. As
representações foram divididas entre heterossexuais que riem
de homossexuais e de homossexuais que riem de
homossexuais.

Representações sociais da Participaram da pesquisa 111 servidores do Órgão público do


homossexualidade no poder judiciário de uma capital brasileira. Em relação a
ambiente de trabalho: Um orientação sexual, 85 sujeitos declararam-se heterossexuais,
estudo da zona muda / Lislly 17 homossexuais e 5 bissexuais. O presente estudo teve como
Telles de Barros – 2015. objetivo geral verificar as representações sociais acerca do
trabalho com homossexuais, elaborado pelos colegas que
. atuam neste contexto. O instrumento utilizados foram técnicas
de associação livre. Foram reveladas as seguintes palavras,
que, provavelmente, constituem o núcleo organizador das
representações sociais: respeito, normal, preconceito,
diversidade, igualdade, competência e tranquilo. e foram
separadas em duas categorias centrais: um referente aos
termos de possível conotação positiva, tais como respeito,
normal, tranquilo, competência, igualdade e diversidade; e
outra formada por palavras de possível conotação negativa,
tais como preconceito.

Criação Própria

Visão de pessoas Heterossexuais sobre LGBT’s em organizações trabalhistas


Considerado a escola como uma importante organização, contexto onde ocorre a
primeira pesquisa, devido ao fato da importância do trabalho de professores na inclusão e o
aprofundamento dessas temáticas com os alunos, é de suma importância entender como
funciona a representação social destes profissionais de pessoas LGBT. Os resultados das
representações dos professores foram categorizados em diversidade sexual e homofobia que foi
dividida em dividido em três subclasses: O preconceito manifesto: onde foram colocadas as
impressões que as pessoas tiveram estranhamento, com comportamentos de afastamento, por
exemplo (Souza, 2015).
A subclasse de pré-conceitos e estereótipos: é representada por diversas razões com
desconhecimento e influência religiosa. Geralmente ele está ligado a comportamentos, formas
de se expressar e normas por não serem iguais aos heterossexuais consideram estranho,
exagerado errado e “querendo chamar atenção. E a última subcategoria, o preconceito sutil: que
se mostra em representações incoerentes reducionista e ambíguas que procura causa uma
impressão positiva, porém camuflam crenças e práticas negativas é uma nova forma de

705
expressão de julgamentos, pode ser identificado como “não tenho preconceito, mas não gosto
de homossexuais”. Na classe homofobia: foram encontradas normatizações e conceitos pré-
estabelecidos, normais em comportamentos homofóbicos, mas também um olhar mais atento e
abrangente onde algumas pessoas procuravam entender, mesmo com crenças moralistas
e religiosas.

Visão de pessoas LGBT’s como partícipes nas organizações trabalhistas


Durante a análise foi percebido como as representações sociais construídas nas escolas
tinha um grande fator de impacto nas representações futuras nas organizações. As
representações encontradas, foram construídas a partir dos relatos de 7 pessoas LGBT’s que
residiam no estado de São Paulo que já estivessem em uma empresa e que atuavam em cargos
importantes e de determinada relevância para empresa.
Segundo Juliani (2017) os participantes do grupo LGBT relataram suas histórias de vida
e a partir desses relatos foram agrupadas as representações sociais, desde a escola e os
tratamentos que receberam como alunos e o no cotidiano atual do ambiente de trabalho. Através
das entrevistas constatou-se que durante a época da escola eles sofreram discriminação de
professores e alunos no geral, mesmo que atualmente as escolas e universidades estão
mais abertas a entrada de pessoas LGBT. De acordo com o mesmo autor, o uso de nome social
e uso do banheiro ainda é um problema com Transgêneros e Travestis.
Todos os entrevistados reconheceram que o modo como o acesso à educação acontece,
possui uma relação direta ao mercado de trabalho formal. O trabalho para eles é importante para
manutenção de vida e que também é uma forma deles se sentirem autossuficiente e de alguma
forma ter respeito das outras pessoas. No entanto, foi percebido também representações como
necessidade/obrigação, local de constrangimento humilhação, de desespero, provação de
valores reconhecidos e de forma geral os entrevistados avaliaram positivamente as suas
trajetórias de trabalho.
Em um grupo focal com pessoas LGBT as análises das representações foram
distribuídas em categorias. O resultados do estudo de Porto, Cibrão e Tavares(2016) , a
primeira foi detectar a existência de mecanismos de discriminação da identidade LGBT dentro
das organizações: foi relatado no grupo, que para eles uma das formas mais cruéis de
discriminação é a exclusão do mercado de trabalho, e assim o grupo LGBT é obrigado a
procurar outras formas de trabalho. E mesmo quando estas pessoas conseguem, ainda estão
propícias a passar por situações de preconceito que podem ter como consequência a demissão
voluntária.
Outra categoria foi detectar a presença de uma tendência de homogeneização e/ou
heteronormatização dentro das organizações, pois foi percebido nas organizações que os
indivíduos trabalhavam uma tendência a constituir um padrão de comportamento e que na
maioria das vezes por não debater identidade de gênero, comportamentos e valores, certos
comportamentos são reforçados, por exemplo a ausência de políticas afirmativas que tenham
como objetivo impedir práticas de violência com LGBT. Por isso estas pessoas preferem manter
o anonimato por nenhum tipo de proteção ou garantia. E a última categoria verificar a existência
de diferenças de tratamento do empregado, a partir da percepção de sua identidade de gênero
ou orientação sexual; nesta categoria os trabalhadores relataram suas inseguranças em revelar
sua identidade, o medo de serem julgados, questionados e pressionados.
Isso tem relação direta com indicações para promoções, salário recebido pois eles

706
recebem menos recompensas e menos oportunidades de crescimento, pois apesar das
capacidades dos trabalhadores serem importantes, o modo como as pessoas veem orientação
sexual e identidade de gênero influencia a adequação do colaborador aos cargos ofertados. Um
exemplo de preconceito indireto são as atitudes de indiferença que podem serem apresentadas
como práticas aparentemente neutras, mas que possui sérias consequências nas pessoas LGBT
das organizações.

Visão de LGBT’s e Heterossexuais sobre LGBT’s em organizações


O trabalho tratava sobre representações sociais onde os participantes estavam inseridos
no público gay e heterossexual, e possuía como objetivo verificar o porquê do humor (piadas)
que os gays criavam direcionada as pessoas heterossexuais e em outros gays, e organizar os
relatos, os transformando em representações sociais para a análise. Segundo o estudo de
Irigaray, Saraiva e Carrieri (2010), a primeira categoria refletiu estereótipos de como os gays
são divertidos e engraçados, que se certa forma são representações sociais positivas e que por
isso aparentam ser bem aceitos na sociedade, no entanto, os gays são motivos de piadas também
por ser o contrário da representação dos homens heterossexuais normativos que são associados
a insensíveis e frios e por fugirem do padrão tornam se alvos de preconceitos “bem humorados”.
Na categoria onde os gays riam dos outros gays, foram levantadas as representações sociais de
humor discriminatórios, onde é apresentado nas falas que ser gay gera diferentes significados
nas pessoas e sobre a questão do gay afeminado e o gay heteronormativo.
No Órgão judiciário foram entrevistados heterossexuais e o grupo LGBT, de forma que
as representações sociais foram divididas em duas categorias centrais de uma conotação
positiva como respeito, normal, tranquilo, competência, diversidade e igualdade e outra por
palavras de conotação negativa como preconceito, (Barros, 2015).
Após a análises dos discursos das pessoas que trabalhavam na organização, percebeu-
se que o mais importante era o trabalho e não a orientação sexual dos empregados, ou seja,
desde que o trabalho fosse realizado por um bom profissional responsável este merece o
respeito, entretanto, as pessoas ao se referir apenas ao trabalhos realizados não atribuem
importância a “quem” era o profissional, ou seja uma aceitação restrita. Isso pode ser
encontrado e muitos organizações atualmente, pois desejabilidade social tem um alto fator de
impacto na imagem da empresa, então um preconceito velado com atitudes como não se
posicionar e dizer que tais aspectos não tem importância são comuns. Devido a esse não
posicionamento de indiferença, neutralidade e uma aceitação restrita, causa um sentimento de
insegurança e medo como consequência muitas pessoas tinham medo de revelar sua orientação
sexual.

Conclusão
Através da análise, foi percebido que o público LGBT em situação de desemprego
percebiam certa dificuldade em conseguir se alocar nos postos de trabalho, visto que apesar de
maior aceitação, o preconceito ainda é praticado de forma velada nas organizações. Com
relação aos LGBT empregados, foi constatado nas entrevistas o grupo de pessoas que já
estavam no trabalho e optaram por não revelar sua sexualidade, pois percebiam o preconceito
de seus colegas com relação às pessoas LGBT’s e, por este motivo, mesmo estabilizados em
seus empregos, estas pessoas preferem manter sua sexualidade escondida.
Ao fazer o comparativo, foram encontrados estereótipos com homossexuais que não

707
eram heteronormativos e que não seguiam os padrões e regras de ser homem e de ser mulher,
foi percebido que estes grupos sofrem com preconceito de orientação sexual e identidade, pois
não são aceitos. Além disso, foi percebido que o preconceito com determinado público era feito
através de piadas, visando, de certa forma, amenizar o que era dito pelos profissionais com o
público LGBT.
Portanto, é possível concluir que LGBT’s sofrem certa exclusão no ambiente de
trabalho, desde o momento em que estão em busca de vagas de emprego e até mesmo depois
de estabilizados. Enfatiza-se que mesmo com certa aceitação, o preconceito ainda é praticado
e, de acordo com as entrevistas analisadas, o público LGBT percebe os comentários como
negativos e prejudiciais, tanto para o clima organizacional como para si enquanto colaborador
da organização.
Assim, pessoas LGBT’s estão associadas mais comumente a representações no
ambiente de trabalho em momentos como femininos, em outros como engraçados ou até mesmo
foram recebidos como apenas colaboradores da organização. No entanto, é importante salientar
que o reconhecimento do trabalho bem feito por LGBT’s, assim como com qualquer outro
indivíduo é fundamental no processo de motivação do colaborador, pois foi percebido que
alguns realizavam bons trabalhos que eram recebidos com indiferença por seus colegas. Foi
notado em certo ponto que os entrevistados, ao relatarem as representações sociais, voltavam
até o momento em que estudavam em escolas e criticavam a maneira como eram recebidos e
tratados, demonstrando que a representação construída de maneira adequada nas escolas é
fundamental para o indivíduo e que isso pode afetar seu desempenho no local de trabalho.
Tais representações podem afetar a maneira como as pessoas enxergam as atividades
desenvolvidas por LGBT’s, diminuindo assim a motivação, reconhecimento e respeito dos
mesmos nas organizações, com isso é possível destacar que embora a comunidade seja aceita
nas organizações, essa aceitação vem acompanhada de limitações que poderão afetar a maneira
como os mesmos percebem-se, visto que o preconceito velado existe e ainda é praticado.
Ademais, espera-se com esse trabalho contribuir acerca da temática da presença de pessoas
LGBT’s em organizações por meio do escopo das representações sociais das quais já se tem
conhecimento, ainda que com a limitada incipiência da literatura, ressaltando-se que urge
maiores investigações sobre a temática.

Referências
Arruda, A. (2002) Teoria das representações sociais e teorias de gênero. Cadernos de Pesquisa
, (117), 127-147.7
Barros, A. K. (2014). Repressão social e religiosa e a emergência do movimento LGBT no
Brasil. Revista Uniabeu, 7(17), 203-217.
Blau, P Bergan, C., Bursztyn, I., Santos, M. C. D. O., & Tura, L. F. R. (2009). Humanização:
representações sociais do hospital pediátrico. Revista Gaúcha de Enfermagem, 30(4),
656-661.
M., & Scott, W. R. (1970). Organizações formais uma abordagem comparativa. Atlas.
Cabecinhas, Rosa. (2004). Representações sociais, relações intergrupais e cognição social.
Paidéia (Ribeirão Preto), 14(28), 125-137.
Campos de Lucena, Suênio; Vileno Conceição Santos, Cristiano. (2019). Diversidade e

708
Mercado de Trabalho no Brasil. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano.
Campinas, v. 2, n. 2.
Canabarro R. (2013). História e direitos sexuais no brasil: o movimento LGBT e a discussão
sobre a cidadania. Anais Eletrônicos do Ii Congresso Internacional de História
Regional; Jun 1-15; Rio Grande do Sul, Brasil.
Chiavenato, Idalberto. (2005). Administração nos novos tempos. 8. ed. Rio de Janeiro: Campus.
Debortoli, S. (2017). Análise do mercado de trabalho a partir da percepção de pessoas
desempregadas.
Dieese. (2018). Trabalho por conta própria cresce na crise, mas em piores condições. Boletim
Emprego em Pauta. Número 08 ,
Ercole, F. F., Melo, L. S. D., & Alcoforado, C. L. G. C. (2014). Revisão integrativa versus
revisão sistemática. Revista Mineira de Enfermagem, 18(1), 9-12.
Facchini, R., & França, I. L. (2009). De cores e matizes: sujeitos, conexões e desafios no
Movimento LGBT brasileiro. Sexualidad, Salud y Sociedad-Revista Latinoamericana,
(3), 54-81.
Facco, Lúcia,(2009). Era Uma Vez Um Casal Diferente: A Temática Homossexual Na
Educação Literária infanto-juvenil. São Paulo: Summus.
Franco, Maria Laura Puglisi Barbosa. (2004). Representações sociais, ideologia e
desenvolvimento da consciência. Cadernos de Pesquisa , 34 (121), 169-186.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios. PNAD Contínua. Mercado de Trabalho Brasileiro 2º trimestre de 2019. 30
de agosto de 2019. Disponibilidade em: acesso em: 02 set. 2019.
Jodelet, D. (1989). Folie et représentations sociales. Paris: PUF.
Lacerda, M., Pereira, C., & Camino, L. (2002). Um estudo sobre as formas de preconceito
contra homossexuais na perspectiva das representações sociais. Psicologia: reflexão e
crítica, 15(1), 165-178.
Machado, Laêda Bezerra, & Aniceto, Rosimere de Almeida. (2010). Núcleo central e periferia
das representações sociais de ciclos de aprendizagem entre professores. Ensaio:
Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 18(67), 345-363.
Menezes, Moisés Santos de; Oliveira, Antonio Carlos de & Nascimento, Ana Paula Leite.
(Abril de 2013). LGBT E Mercado de Trabalho: Uma Trajetória de Preconceitos e
Discriminação. Conqueer – Conferência Internacional de Estudos Queer. Rio de
Janeiro.
Milani, n. C., Mosquin, e. S., & Michel, m. (2008). Uma breve análise sobre os conceitos de
organização e cultura organizacional. Revista científica eletrônica de administração–
ISSN, 1676-6822.
Moreira, F. M.; Queiroz, T. R. ; Macini, N. & Campeão, G. H. (2014) Os alunos de
administração estão em sintonia com o mercado de trabalho?. Avaliação (UNICAMP),
v. 19, p. 61-88.
Moura, Renan Gomes de & Lopes, P. L.(2014),. O preconceito e a discriminação de

709
transgêneros no processo de Recrutamento e Seleção de Pessoal. In: XI SEGeT -
Simpósio de Excelência e Gestão em Tecnologia, Resende. Anais XI SEGeT
Murad, I, (2017.) O mercado de trabalho na Área de Administração: analisando a formação
profissional e as demandas das organizações. Foco (Faculdade Novo Milênio), v. 10, p.
82-97.
Natividade, Marcelo e Oliveira, Leandro (2009). Sexualidades ameaçadoras: religião e
homofobia (s) em discursos evangélicos conservadores. Sexualidad, Salud y Sociedad -
Revista Latinoamericana, (2), 121-161.
Neves, Diana Rebello et al, (2018). Sentido e significado do trabalho: uma análise dos artigos
publicados em periódicos associados à Scientific Periodicals Electronic Library. Cad.
EBAPE.BR. vol.16, n.2, pp.318-330.
Ribeiro, R. C.. (2017).. A Influência e a Importância do Trabalho Para a Sociedade e suas
Diferentes Concepções. In: VII Jornada Internacional de Políticas Públicas, 2017, São
Luís-MA. Um Século de Reforma e Revolução.
Schultz, G. (2016). Introdução à Gestão de Organizações. 1. ed. Porto Alegre: Editora da
Ufrgs, v. 1. 94p .
A SÍNDROME DE BURNOUT COMO DESENCADEANTE DA DEPRESSÃO NO

710
AMBIENTE DE TRABALHO

Johnathan Jaderson Folha de Souza


Khalina Assunção Bezerra Fontenele
Roselle Lima do Nascimento
Leidiane Alves Feitosa
Elane Cristina da Costa Freitas

Introdução

De acordo com Benevides-Pereira e Carlotto (2018), para o surgimento da Síndrome de


Burnout é necessário um conjunto de fatores, que podem ser características organizacionais e
pessoais. Segundo Maslach, Schaufeli e Leitter (2018), quanto as sociais, se destaca o baixo
suporte familiar e social.
O decreto de lei nº. 3.048, Anexo II, de 06 de maio de 1999, enviado pela Secretaria da
Previdência Social, adere a síndrome de Burnout como uma doença laboral, sendo qualificada
como síndrome do esgotamento profissional (Brasil, 1999).
Uma definição mais consentida na literatura declara o Burnout como uma síndrome com
três proporções, que são: a exaustão emocional, expressada como um esgotamento físico e
mental, e uma perda progressiva de energia para a realização das atividades no seu ambiente de
trabalho. Para Trigo et al. (2017), além dessa perda de energia, é gerado sentimentos de
irritabilidade, falta da empatia, desesperança, depressão etc.; a despersonalização que é pautada
pelo indivíduo sustentar atitudes de frieza e indiferença com os demais colegas de trabalho e ao
trabalho, apresentando dificuldades no cumprimento de metas, e por fim, temos a diminuição
da realização pessoal, que se sustenta pelo fato do trabalhador se identificar incapaz, possuir
um pensamento negativo de suas próprias capacidades diante de uma meta a ser cumprida, com
autoconfiança e sua autoestima prejudicadas (Maslach & Jackson, 2018).
Dentre as suas características temos os aspectos comportamentais e psicológicos, como:
tensão muscular, irritabilidade, dores de cabeça, distúrbio do sono e etc., podendo gerar uma
emoção negativa, que irá atingir a convivência familiar e a vida como um todo (Benevides-
Pereira et al., 2018).
Ainda, os mesmos autores, averiguaram as associações do modelo cognitivo depressivo
com a do Burnout e explicaram que indivíduos com essa síndrome possuem características
semelhantes com a depressão, visualizando-a, como uma síndrome depressiva. Nesse sentindo
para o DSM-V (2014), a depressão tem como sintomas comuns a apatia, diminuição ou aumento
do sono, redução da motivação e etc. além da autoestima prejudicada.
O termo depressão é muito usado nas redes sociais, na mídia e etc. Contudo, a forma
que é abordado tal termo é equivocada, pois se baseia no senso comum. Quando o indivíduo
está desanimado, triste, angustiado, já se classifica e são considerados como pessoas
depressivas. A tristeza vem sendo definida como um sinônimo da depressão, portanto, pelo
preconceito ou vergonha, acabam se afastando de seu ambiente de trabalho e até mesmo
deixando sua vida social (Ferreira, et al., 2014).
A depressão é delineada como um transtorno do humor, definida pelo rebaixamento do

711
mesmo e a falta do interesse pelas atividades. Possuem sintomas de caráter emocional, físico e
cognitivo, apresentando os mais comuns como a apatia, distúrbio do sono, sensação de
inutilidade etc. (Ariskal, 2017; OMS, 2005). Contudo, de acordo com Furlanetto (2005), alguns
fatores de risco de mortalidade relacionam-se com sintomas da depressão como, por exemplo,
a baixa autoestima, indecisão, anedonia, desesperança, pensamento e planejamento de morte.
Segundo Soares (2015), por meio do trabalho, o homem constroi o mundo e se constroi,
ou seja, já faz parte da natureza humana, com subjetividades e identidades próprias. Ainda, de
acordo com Soares (2015), execução do trabalho pode ser percebida como algo prazeroso,
entretanto, em muitas situações, ainda, é visto como sacrifício e desencadeante de sofrimento e
adoecimento, não somente pelo trabalho, mas pelo clima emocional e organizacional que
existem no ambiente laboral cansativo.
As mudanças que ocorreram no mundo de trabalho, como o processo da globalização
da economia, as competições no mercado de trabalho, as tecnologias, as exigências para se
produzir mais rápido entre outras circunstâncias, acaba constituindo um esgotamento físico e
emocional nos trabalhadores. Dessa forma, com os novos aspectos institucionais são exigidas
novas competências e qualificações dos trabalhadores e, em decorrência dessas mudanças,
surgem novos adoecimentos (Carlotto & Gobbi, 2015).
Estudos no Brasil relacionados a depressão e ambiente de trabalho apresentam as
variantes que são determinantes para os índice de depressões (Jardim, 2017).
Entretanto, para um diagnóstico diferencial um dos destaques de definição desta
síndrome é que ela está relacionada apenas no ambiente de trabalho, podendo afetar a vida
social do indivíduo. Nesse caso, como a síndrome de Burnout pode ser um fator desencadeante
da depressão no ambiente de trabalho?
O presente trabalho busca identificar como a síndrome de Burnout desencadeia a
depressão no ambiente de trabalho, assim como descrever o ambiente de trabalho
contemporâneo e os seus processos de adoecimento, compreender a síndrome de Burnout como
uma psicopatologia no ambiente de trabalho e apontar como a síndrome funciona, enquanto
desencadeante da depressão.
A escolha pelo tema surgiu a partir de experiência pessoal de um dos autores, ao refletir
sobre as características desta síndrome e ao se identificar com algumas delas, a partir do seu
ambiente de trabalho. Então, muitos profissionais desenvolvem a síndrome sem ter o
conhecimento da mesma, possuindo todas as suas características e afetando seu desempenho
profissional, ou seja, sente-se esgotado pelo trabalho, cansado, podendo afetar, também, toda
sua vida social, prejudicando-o em todas as esferas de sua vida tendo, assim, uma maior
probabilidade de desenvolver a depressão.
Neste contexto, percebe-se que a síndrome de Burnout está afetando muitos
profissionais, o que se faz importante abordar o tema, para um esclarecimento maior da mesma.
Uma pesquisa realizada no Rio Grande do Norte, teve como resultado que 93% dos
participantes de três hospitais universitários possuem nível moderado do Burnout. Outra
profissão muito estudada quando o assunto é Burnout são os professores, 26% da amostra
estudada tem exaustão pelo trabalho. No Ceará e Minas Gerais o índice é de 17%, e no Rio
Grande do Sul chegou a 39% (Trigo et al., 2016). Um estudo realizado por Mesquita et al.
(2018) com 357 professores da rede pública de São Luis-MA, identificaram Burnout com níveis
moderados para exaustão emocional apresentando como resultado um índice de 81,22% e da
despersonalização 62,71%.
Método

712
O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica, realizada através de um
levantamento de artigos científicos publicados nos últimos anos. Segundo Gil (2015), a revisão
bibliográfica é produzida com base em materiais já desenvolvidos, constituídos particularmente
de artigos científicos e livros.
Essa pesquisa de natureza aplicada, a qual procura produzir conhecimentos para
aplicação prática dirigidos a solução de problemas específicos, e objetivo explicativo, que
procura identificar os fatores que causam um determinado fenômeno, aprofundando o
conhecimento da realidade (Pradanov & Freitas, 2013, pp. 126 e 127).
Foi realizada a partir de artigos científicos pesquisados em plataformas científicas,
como: Scientific Eletronic Library Online (SCIELO) e Literatura Latino Americana e do Caribe
em ciências da Saúde (LILACS), publicados nos últimos 10 anos (2010 a 2019).
Para a busca das publicações foram utilizados os seguintes descritores: Síndrome de
Burnout; Burnout e depressão; Depressão e trabalho; estresse e trabalho; trabalho e
adoecimento; e saúde mental no trabalho. Por fim, como critérios de inclusão foram utilizadas
publicações em português que apresentassem no mínimo dois descritores pesquisados e aqueles
de suma importância para a temática abordada. E, foram excluídos dissertações de mestrado,
monografias e produções cientificas não publicadas.

Resultados e Discussão

Na atualidade, enfocar nas competências esperadas do trabalhador está na expansão do


seu tempo, em superar seus limites, no êxito do impossível: trabalhar constantemente, doar-se
inteiramente. Assim, se sente domado por essa conquista de uma liberdade falsa de se organizar,
empregando ao trabalho toda sua força. Neste empenho de ter que dar conta de tudo para manter
o seu emprego, o trabalhador na contemporaneidade se coloca à disposição do serviço,
renunciando sua intimidade e autorizando que sua privacidade seja ocupada por crescentes
imposições dos ambientes laborais. Dessa forma, há uma constante invasão do trabalho em
todas as esferas de sua vida, renunciando à está pelas intensas exigências do trabalho (Merlo et
al., 2011).
Segundo Merlo, Traesel e Bairele (2011), na atual situação organizacional e econômica,
as antigas e novas exigências somam-se, colocando o trabalhador a frente de desafios e metas
inconquistáveis, com o intuito de responder a concorrência das empresas em um mundo
globalizado. Essas modificações não deixam a saúde dos trabalhadores imune, apresentando
um índice elevado de morbidade e causando incerteza em relação aos planos e projetos para o
futuro, o que gera uma crise de identidade, levando em consideração que a partir disso, o
empregado não consegue se sentir reconhecido pelo seu trabalho. Contudo, ser reconhecido é
de suma importância para a estabilidade de sua saúde, pois age como intercessor do equilíbrio
entre o esgotamento vivenciado no trabalho e as probabilidades de retribuição, proporcionando
realização e prazer ao modificar o sofrimento. Sendo assim, o reconhecimento dá sentido aos
empenhos operados ao trabalho, proporcionando, em consequência disto, saúde mental
(Dejours, 2011).
Os trabalhadores nos dias atuais são impostos a muitas atividades extenuantes,
investindo ali todo o seu desempenho profissional e se dedicando ao máximo, em busca de um
“falso” reconhecimento, pois o mesmo necessita manter-se em seu emprego, muitas vezes,
renunciando a sua vida social. Bauman (2015), cita uma série de mudanças que estão ocorrendo
na sociedade no que tange aos ambientes laborais. Na modernidade sólida e/ou pesada, o
emprego apresentava uma relação moderadamente regular com o capital de forma que os dois

713
possuíam uma relação de dependência, onde o trabalhador precisava do seu emprego, do mesmo
modo que a organização admitia primordialidade de sua mão de obra ainda que explorável e
descartável para a preservação da produção.
Vale ressaltar, ainda, que para o autor o trabalho necessita ser algo prazeroso para o
sujeito. Mas ao invés disso, o empregado sente-se acuado, pois com tantas exigências acaba
levando-o ao estresse emocional, ocasionado por pressões diárias dentro do seu ambiente de
trabalho, local esse que deveria trazer para si um prazer diário e cotidiano.
O trabalho passou por muitas mudanças no âmbito da atualidade, diferentemente da
modernidade pesada, onde as organizações contemporâneas vem investindo não unicamente na
habilidade técnica dos seus empregados, mas, especialmente, no âmbito subjetivo. As empresas
tem que se mostrar mais interessadas no sujeito como um todo, em seus atributos, habilidades,
temperamento, motivações e conhecimentos. Este processo se deu através de uma imposição
em vista das alterações decorrentes da globalização do capital que possibilitou o aumento da
concorrência decorrente das condições de desemprego e do desenvolvimento das novas
tecnologias (Bauman & May, 2015).
Segundo Silva, Bernardo e Souza (2016), na contemporaneidade o trabalho constituiu
consequências relevantes na saúde física e mental dos empregados. As inúmeras
transformações ocasionadas pela globalização financeira, pelas novas formas de gestão e pelas
atualidades tecnológicas influenciam diretamente na saúde dos trabalhadores, de como
trabalhar e até mesmo, do modo de se organizarem coletivamente. Essas transformações
caracterizadas pela globalização geram concorrência entre as empresas no mercado de trabalho,
exigindo maior produtividade.
Para Kadoaka et al. (2013), diante das mudanças na contemporaneidade há um aumento
na produção e uma necessidade de se obter mais lucros e gerar um acumulo de capital para a
empresa ser uma diferenciação no mercado, ou seja, esses trabalhadores são obrigados a se
ajustar rapidamente a essas novas condições institucionais e tecnológicas, o que gera uma
jornada de trabalho prolongada e pressões, em decorrência disso leva a eles uma baixa
autoestima, sentimento de impotência e uma perda de identidade.
De acordo com Dejours (2013), as pressões nos ambientes laborais influenciam na
estabilidade psíquica e na saúde mental dos empregados, ou seja, ao mesmo tempo que as
empresas atuam no psíquico, as situações de trabalho afeta a saúde do corpo.
O trabalho hoje é destacado pela flexibilização e pela precarização social, os dois
apresentam vários fatores que refletem negativamente na subjetividade do trabalhador. A
desestabilização no mundo do trabalho é definida por ritmos intensos e um aumento na
competividade, falta de valorização e reconhecimento, falha na prevenção aos acidentes de
trabalho entre outros fatores que degeneram as condições de trabalho e causa adoecimento
físico e mental no trabalhador (Franco et al., 2016).
Dessa forma, o trabalho, a partir da globalização, tornou-se rápido, ou seja, uma
aceleração para produzir mais e mais, com essa auto exigência de produção o indivíduo tem
que se adaptar rapidamente a ritmos intensos de trabalho, chegando a doar-se, permitindo que
abandone sua vida social e mesmo se doando por completo há por muitas vezes uma falta de
reconhecimento, gerando um esgotamento físico e mental o que torna seu ambiente de trabalho
adoecedor.
Segundo Seligmann-Silva et al. (2016), as circunstâncias da flexibilização e
precarização tem feito os sujeitos experimentarem empregos com insegurança, competitividade
e individualização, isto é, uma permanente tensão e a ocorrência de situações dentro do

714
ambiente laboral causando adoecimento mental, como a síndrome de burnout, abuso de álcool
e drogas, depressão e suicídio.
Diante disto, porque a síndrome de burnout é considerada uma psicopatologia do
trabalho? E quais são os fatores dentro dos ambientes laborais que produzem essa síndrome?
O decreto n° 3.048, anexo II, de 06 de Maio de 1999 declara a síndrome de burnout
como uma doença do trabalho, sendo caracterizada por um esgotamento físico e emocional.
Tem sido constatado nos últimos anos, uma estatística significativa de transtornos em
trabalhadores, sendo listados uma série de fatores, que são: o acréscimo de tarefas e novas
responsabilidades, aumento do ritmo de trabalho e uma cobrança excessiva (Assunção &
Oliveira, 2018).
De acordo com Candido e Souza (2016), uma pessoa que possui esta síndrome é porque
já chegou ao seu limite e se sente esgotada. Diante disto, a síndrome de Burnout se caracteriza
como uma psicopatologia do trabalho por uma série de fatores que acomete o trabalhador e
afeta diretamente em seu ambiente laboral.
Em relação as novas formas de trabalho e depressão, um estudo realizado por Moreira,
Maciel e Araújo (2017), é uma ocorrência que contribui para o aumento na competividade em
decorrência da globalização. Em concordância dos fatores psicossociais apontados por Ariskal
(2017) que são fatores onde contribuem para um quadro depressivo que são: a falta de apoio
interpessoal, mudança no seu estilo de vida, significado simbólico de perdas etc.
O que diz a respeito à discussão entre Burnout e depressão, é um questionamento com
muitas controvérsias (Silva et al., 2018).
Pocinho et al. (2018), afirmam a dificuldade na síndrome de burnout muito marcante é
que se afeta apenas a vida profissional, podendo, assim, não serem afetadas a vida pessoal e
social, no caso da depressão há um comprometimento em toda a vida do trabalhador.
Segundo Pocinho e Perestelo (2018), o sentimento de culpa é comum na depressão, e
no burnout a fúria é a mais comum frente a incapacidade profissional.
Gil-Monte (2018), realizou um estudo com 700 trabalhadores, o mesmo afirmou que o
fator da culpa é um indicador de suma importância para se considerar a discriminação de
sujeitos com a síndrome de burnout.
Para os autores citados acima, depressão e síndrome de Burnout tratam-se a estados
distintos, mais com características peculiares. Portanto, Bianchi, Schonfeld e Laurent (2018),
consideraram está diferenciação frágil na literatura, contendo pouco esclarecimento se o estágio
final do Burnout é diferente do estágio da depressão clínica, sendo questionado a definição
sobre a síndrome de burnout. Ainda, de acordo com Bianchi, Schonfeld e Laurent (2018)
levaram em conta que a despersonalização e a exaustão emocional podem ser bem mais definida
como uma conclusão depressiva a ambientes de trabalho inapropriados.
De acordo com Bianchi e Schonfeld (2018), as associações do Burnout avaliados com
o estilo cognitivo da depressão, foram averiguados 1.386 professores das escolas públicas dos
Estados Unidos, e concluíram que sujeitos com a síndrome de burnout possuem particularidades
que se aproximam com a do modelo cognitivo da depressão, chegando à conclusão que o
Burnout é uma síndrome depressiva.
Considerações Finais

715
Há poucas evidências na literatura que trazem uma concepção concreta de que síndrome
de Burnout possa ser desencadeante da depressão. Contudo, pelo que foi percebido, Burnout
pode ser vista como uma depressão especifica do contexto laboral, acrescida de outros sintomas,
pois a síndrome de Burnout afeta o trabalhador apenas em seu ambiente de trabalho, trazendo
consigo todos os sintomas físicos e psicológicos que se assemelham com os da depressão. Para
exemplificar, um fator de grande destaque seria a mudança no estilo de vida, pois com a
globalização o mercado de trabalho está exigindo mais, provocando um aumento significativo
na carga-horária laboral, que se torna fator de adoecimento físico e mental.
O trabalho ocupa muito o tempo do indivíduo, por conta disso deveria ser um ambiente
prazeroso, o que nem sempre se concretiza. Por esse motivo acaba sendo um local adoecedor,
pois há muitas exigências para uma maior produção, carga-horária excessiva, e em muitos
ambientes laborais há falta de reconhecimento, pois o trabalhador por conta dessas cobranças
acaba se doando para seu trabalho havendo assim uma mudança em seu estilo de vida, ou seja,
afetando sua vida social e seu ambiente laboral se torna um ambiente adoecedor.
Vale ressaltar que com essas exigências o empregado já pode ir ao trabalho esgotado,
fazendo apenas o necessário, sem motivação, gerando uma dúvida até mesmo de sua capacidade
profissional, prejudicando, também, sua relação social com os demais colegas de trabalho, tudo
isso causa um esgotamento físico e mental no indivíduo, que são alguns dos sintomas da
síndrome de Burnout ao qual o trabalhador já pode estar desencadeando em seu ambiente de
trabalho.
O trabalhador, por vezes, não tem conhecimento dessa síndrome, e passa a não se
importar, já que os seus sintomas só surgem dentro de seu local de trabalho, ao mesmo tempo
que o sujeito pode levar para sua vida fora do ambiente laboral, pois com a globalização tudo
passou a ser mais rápido e flexível, deixando que sua atividade laboral invada a vida social,
podendo desencadear uma depressão.
Um dos maiores desafios encontrados foi achar autores e artigos que correlacionavam e
apontavam a síndrome de Burnout enquanto desencadeante da depressão, pois muitos afirmam
que os sintomas da mesma afeta apenas em seu ambiente de trabalho não comprometendo todas
as esferas de sua vida, porém, poucos foram os artigos encontrados que provassem o contrário.
No decorrer da elaboração desse trabalho foi perceptível a nível de informação que o
trabalho na contemporaneidade, muitas vezes, é um ambiente que não traz prazer para o
indivíduo e que por esse motivo desencadeia a síndrome de Burnout podendo, a partir disto,
gerar uma depressão já que muitos acometidos pela síndrome não possuem o devido
conhecimento da mesma. Pretende-se, ainda, fazer com que este referido estudo seja algo
informativo tanto para os empregados como contratantes, pois ambos sofrem com esta síndrome
e que possa, assim, estar contribuindo para o aprimoramento do conhecimento da referente
síndrome estudada e que este referido trabalho seja disponibilizado para pesquisas futuras.

Referências
Alvarenga, R. Z., & Marchiori, F. M. (2014). Saúde mental e qualidade de vida no trabalho.
Revista de Direito e Sustentabilidade.

American Psychiatric Association. (2014). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos


mentais: DSM-5. Artmed.
Baptista, M. N., Soares, T.F. P., Raad, A. J., & Santos, L. M. (2018, de janeiro a março).

716
Burnout, estresse, depressão e suporte laboral em professores universitários. Revista
Psicologia: organização e trabalho.

Cândido, J., & Souza, L. R. (2016). Síndrome de burnout: As novas formas de trabalho que
adoecem. Revista Eletrônica do Psicologia.pt.

Corrêa, C. R., & Rodrigues, C. M. L (2017). Depressão e trabalho: Revisão da literatura


nacional de 2010 e 2014. 8Vol, Nº.1, Revista Uni projeção.

Ferreira, R. C., Gonçalves, C. M., & Mendes1, P. G. (2014). Depressão: do transtorno ao


sintoma. Revista Eletrônica do Psicologia.pt.

Garcia, E. (2015). Pesquisa Bibliográfica versus Revisão Bibliográfica- Uma discussão


necessária. 17Vol, Nº.35. Revista Línguas e Letras,

Kadooka, A., Evangelista, V.M.A., Schimidt, M.L.G., & LUCCA, S.R. (2013, Abril). Mundo
contemporâneo do trabalho e adoecimento: Considerações sobre as LER/DORT. 2Vol,
Nº.1, 15-26, Revista Laborativa.

Merlo, A.R.C., Traesel, E.S., & Baierle, T. C. (2011). Trabalho imaterial e


contemporaneidade: Um estudo na perspectiva da psicodinâmica do trabalho. Arquivos
Brasileiros de Psicologia, 1-104.

Pêgo, F. P. L., & Pêgo1, D. R. (2015). Síndrome de burnout. 14Vol, Nº.2, Revista Brasileira
de Medicina.

Prodanov, C. C., & Freitas, E. C. (2013). Metodologia do trabalho cientifico: Métodos e


técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. Ed. Feevale.

Silva, M. P., Bernardo, M. H., & Souza, H. A. (2016). Relação entre saúde mental e trabalho:
a concepção de sindicalistas e possíveis formas de enfrentamento. 41Vol, Nº.23, Revista
Brasileira de saúde Ocupacional.

Silva, R. B., Mandelli, J. P., & Dias, D. M. T. (2015. De julho a dezembro). Sobre a relação
homem-trabalho no contexto da sociedade liquido-moderna: Reflexões a partir de
Zygmunt Bauman. Nº.45, 293-309. Revista do Departamento de Ciências Humanas.

Silva, N. R., Silva, A. T. B., & Loureiro, S. R. (2018). Burnout e depressão em professores do
ensino fundamental: Um estudo correlacional. 23Vol, Revista Brasileira de educação.

Souza, L. R., & Cândido, J. (2016, janeiro). Síndrome de burnout: as novas formas de
trabalho que adoecem. Revista Eletrônica do Psicologia.pt.

Teng, C. T., Humes, E. C., & Demétrio, F. N. (2005) Depressão e comorbidades clínicas.
32Vol, Nº. 3, 149-159.. Revista de Psíquiatria Clínica.
ANÁLISE DOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DE UMA POUSADA: RELATO

717
DE EXPERIÊNCIA
Sara Moreno Costa
Adalia Maria Santos da Silveira
Macdllany Fernandes Melo de Lima
Beatriz Alves de Oliveira
Claudiana Pinheiro da Silva
Raquel Pereira Belo

Introdução
A organização em questão atua no mercado desde 2010 e faz parte dos ramos de
prestação de serviços, hospedagem e turismo. Antes da aquisição por parte da atual
administração, o estabelecimento já era uma pousada de pequena estrutura contando com
poucos apartamentos e após ser adquirida, passou por uma reestruturação, contando com a
compra de terrenos arredores para ampliação do espaço, dispondo atualmente com o triplo de
apartamentos, alas sociais, área de jardim, área de piscina e estacionamento. Atualmente está
entre as melhores quanto a avaliações internas, por meio da qualidade do serviço prestado,
estrutura e público atendido. Faz parte de um grupo de empresas familiares, possui um quadro
de treze funcionários devidamente empregados, contando com recepcionistas, cozinheiros,
camareiros, jardineiro, vigilante, financeiro, reserva, administrativo. A pousada recebe uma
ampla variação de público, de diversas partes do país, contando também, com uma porcentagem
de turistas vindos de outros países.
O presente levantamento buscou conhecer como são desenvolvidos os processos de
Recrutamento, Seleção, Treinamento e Avaliação de Desempenho dentro da organização, a fim
de ressaltar as potencialidades já existentes nestes processos e sugerir formas de ampliação,
visando a potencialização do trabalho organizacional e serviços prestados pela empresa.

Método
Trata-se de um relato de experiência, elaborada no contexto da disciplina de Relações
de Trabalho II, ministrada no sétimo período da graduação de Psicologia. Caracteriza-se como
uma atividade avaliativa da disciplina, a fim de conhecer processos administrativos de
Recrutamento, Seleção, Treinamento e Avaliação de Desempenho, para isto foi realizada uma
entrevista não estruturada pontuando cada um dos processos elencados acima.
A partir dos dados coletados foi realizada uma busca na literatura para elencar os
conceitos sobre o tema e fazer uma discussão com os dados captados, respeitando os termos da
Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde que dispõe sobre normas aplicáveis a
pesquisas em ciências humanas e sociais, mais especificamente em relação ao proposto sobre
“atividade realizada com o intuito exclusivamente de educação, ensino ou treinamento sem
finalidade de pesquisa científica, de alunos de graduação, de curso técnico, ou de profissionais
em especialização”.
Resultados e discussão

718
O recrutamento é a junção dos processos e práticas utilizadas em uma empresa na
procura de candidatos que estejam interessados na vaga existente ou em potencial
disponibilizada pela organização. Recrutar é um recurso que visa buscar candidatos habilitados
ou com possíveis competências de assumir um cargo em determinada instituição (Chiavenato,
1999).
Na empresa visitada, o recrutamento é feito através das redes sociais, veículo no qual
são disponibilizados os critérios para seleção dos possíveis candidatos. Para Rangel (2007),
através da internet é possível atingir um número maior de candidatos e a empresa muitas vezes
pode fazer a divulgação de forma gratuita, facilitando as inscrições dos candidatos
eletronicamente na vaga desejada.
Para Araújo (1996), o recrutamento pode ser realizado de duas maneiras, sendo ele
interno e externo. O recrutamento interno ocorre quando a divulgação da vaga em aberto para
os próprios trabalhadores do local e desta forma busca-se preenchê-la a partir da recolocação
de um colaborador da própria empresa: a realocação pode ser feita por uma promoção,
transferência de função, plano de carreira ou mesmo através de entrevistas e testes (Chiavenato,
1999; Pontes, 2014). Já o recrutamento externo ocorre em uma empresa quando há a
necessidade de preencher determinada vaga e então se dá início a busca por profissionais
disponíveis no mercado de trabalho e que estão fora da organização: tais profissionais serão
atraídos pelas estratégias de recrutamento (Chiavenato, 1999).
Na organização pesquisada utiliza-se do método de recrutamento externo, antes, feito
por meio das redes sociais, no entanto, hoje em dia esse método passou a ser inviável, pois a
grande quantidade de candidatos tornou o processo demorado em decorrência de vários
currículos para analisar. Desta maneira, passou-se a utilizar um banco de dados no qual é
armazenado os currículos deixados e no momento do recrutamento estes são considerados, não
havendo mais a necessidade de utilizar de ferramentas digitais. Outra forma de recrutamento
utilizado é o contato direto com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC,
que realiza a indicação de pessoas qualificadas para o cargo aberto.
De uma maneira geral, independente do tipo de recrutamento, é necessário que a
empresa faça uma avaliação das suas necessidades levando sempre em consideração a suas
condições de contratar, remanejar e manter seus funcionários, pois um recrutamento bem
planejado resulta na otimização do processo de seleção e no bom desenvolvimento da
instituição (Chiavenato,1999).
Após o recrutamento, o procedimento realizado pela organização é o que Tadaiesky
(2008) denomina de pré-seleção – momento no qual que acontece a triagem dos currículos
através de uma análise técnica, nesta etapa, os currículos que não possuem os requisitos
fundamentais exigidos para o cargo a disposição são eliminados. Assim como acontece com os
critérios utilizados na pousada (experiência anterior na função, formação educacional, tempo
de permanência em trabalhos anteriores e ideais de futuro – todos considerados neste processo
como importantes para o preenchimento de vagas) é feita a seleção.
Na organização em questão os processos de entrevista são realizados individualmente
com cada um dos candidatos através de questionamentos baseados no currículo deste, tem
duração de 15 a 20 minutos sem um roteiro pré-estabelecido e considerando critérios para
preenchimento da vaga, como formação educacional, experiências anteriores no cargo e
perspectivas de permanência no trabalho.
Estabelecer um critério é de extrema importância para qualquer organização, de acordo

719
com Spector (2012), é por meio destes que a contratação deve ser baseada, juntamente com o
fator preditivo – elemento diretamente relacionado ao critério, pois busca saber
antecipadamente como será o desenvolvimento do profissional no cargo em questão. Em
conjunto, tais processos poderão aumentar a possibilidade de previsão do candidato alcançar
êxito no trabalho. Na pesquisa, o entrevistado ao ser questionado se o processo de seleção
realizado pela organização é capaz de prever o desempenho futuro do selecionado, foi relatado
que, apesar da eficácia da forma de se fazer seleção quando é realizada, esta apresenta um nível
baixo de predição.
É válido ressaltar a importância de uma seleção bem estruturada feita da melhor forma,
afinal, quanto mais seletiva uma organização consegue ser, maior a probabilidade de poder
prever o êxito da atuação profissional (Spector, 2012). Na instituição a entrevista é a única
ferramenta utilizada no processo de seleção da organização. Neste sentido, Machado, Martins,
Melo Negrelli e Almeida (2019) revelam que apesar da entrevista ser considerada a ação mais
importante para um processo de seleção, é importante que ocorra uma seleção estruturada com
técnicas que forneçam subsídios suficientes para a melhor avaliação dos candidatos.
Para isso, considerou-se importante potencializar a entrevista enquanto ferramenta de
levantamento de informações, além de sugerir outras ferramentas que apresentam utilidades no
momento de seleção, de modo a obter êxito na contratação de um funcionário: tudo isto ajudaria
na otimização do processo, a fim de evitar desperdício de tempo ou a contratação de algum
candidato com poucas características adequadas ao cargo, e como consequência uma grande
rotatividade somada à repetição do processo seletivo em um curto espaço de tempo.
Quanto à entrevista, o roteiro pode ser: estruturada, semiestruturada ou abertas. Por se
tratar de um instrumento técnico, pode ser utilizada de diferentes formas, como, por exemplo,
a entrevista comportamental (investigação de características comportamentais), entrevista
situacional (investigação de possíveis comportamentos futuros frente a situações hipotéticas) e
entrevista por competência (investigação de habilidades específicas com base no relato de
experiências anteriores) (Machado et al., 2019).
A importância de estabelecer o modo de se entrevistar deve ser adaptada à realidade da
organização e ao cargo em aberto, pois entrevistar é uma investigação sobre o candidato, que
tem por finalidade identificar suas habilidades, conhecimentos, competências e limitações,
sendo a única ação indispensável para qualquer processo seletivo, funcionando como a base
fundamental para contratar ou não um novo colaborador (Bohlander; Snell; Sherman, 2003;
Coradini; Murini, 2009).
De forma a complementar as informações alcançadas por meio das entrevistas, podem
ser realizadas dinâmicas de grupo, definidas por Coradini e Murini (2009) como uma
ferramenta que pode oferecer o acesso a informações quanto ao perfil do candidato. A dinâmica
de grupo se mostra adequada para a avaliação de muitas características dos candidatos, como:
liderança; sociabilidade; iniciativa; comunicabilidade; criatividade; espontaneidade;
capacidade de análise; capacidade de julgamento; capacidade de argumentação; capacidade
para atuar sob pressão; controle das tensões e da ansiedade; tomada de decisões; habilidade para
lidar com situações de conflito. Trata-se, para Almeida (2004, p.76), de “vivências realizadas
com grupos de pessoas que através de exercícios orientados, para atingir objetivos específicos,
experimentam e refletem sobre a experiência”. Com a utilização desta ferramenta espera-se que
exista observação sobre as posturas, atitudes e habilidades dos candidatos e, quando somadas
às demais informações obtidas por outros instrumentos de seleção, estima-se a realização de
um prognóstico sobre a atuação futura dos candidatos (Coradini; Murini, 2009).
De acordo com Guimarães e Oliveira Arieira (2005) o processo de seleção necessita ser

720
compreendido como uma ferramenta de marketing interno e externo no qual a empresa pode
utilizar a seu favor, dependendo da maneira como é realizado: não termina com a contratação
do profissional, pois o mesmo precisa ser apresentado, integrado e acompanhado nos seus
primeiros dias ou meses após sua contratação.
As organizações estão cada dia mais se especializando, tendo em vista a pressão do
mercado de trabalho. Nesta dinâmica, a capacitação dos funcionários, buscando seu
desenvolvimento e aperfeiçoamento, é fundamental (Carlos; Bazon; Oliveira, 2012).
Por meio da entrevista realizada foi possível ter acesso à informação a respeito do
processo de treinamento: este ocorre no momento da contratação, quando ocorre a adaptação
do funcionário à forma de funcionamento da empresa, seus valores e visão, além de serem
inteirados de suas funções no respectivo setor. Segundo Carlos, Bazon e Oliveira (2012), o TES
– Treinamento em Serviço é executado no próprio local de trabalho do colaborador e tem a
finalidade de promover a aquisição de conhecimento em níveis prático ou habilidade
específicas.
Na organização em questão os funcionários vivenciam ações de treinamento no Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC: este tipo de visão de treinamento é bastante
comum, segundo Borges-Andrade, Abbad e Mourão (2013), quando se faz o planejamento e a
execução dos processos de treinamento, sem olhar as necessidades individuais, muitas das vezes
essas ações recaem nas ofertas de capacitação que surgem. Os cursos ofertados pelo Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC são em formato de treinamento presencial, ou
seja, treinamento feito na presença física do instrutor (Carlos; Bazon; Oliveira, 2012). Por meio
da entrevista realizada foi identificada ausência de um plano de treinamento, sendo este uma
ação de grande potencialidade.
Portanto o processo de Treinamento e Desenvolvimento – T&D deve ser acompanhado
de diversas categorias de capacitação, que são produto de uma análise cuidadosa das
necessidades da empresa (Meneses; Zerbini 2009). Quando não existe a análise, as ações de
treinamento podem impossibilitar a avaliação de resultados destes, desta forma, a verificação
das necessidades é essencial tendo em vista a distância entre o desempenho real e o desempenho
esperado. A partir da análise pode-se ter uma ideia das necessidades de treinamento (Borges-
Andrade;Abbad;Mourão, 2013) e traçar o planejamento e a execução por meio dos métodos de
instrução, levando em consideração a fundamentação teórica-conceitual. Por fim é feita a
avaliação de resultados, que identifica as lacunas nos processos aplicados para promover
melhorias (Borges-Andrade;Abbad;Mourão, 2013).
Segundo Pfister (2009), o desempenho resulta de uma conjunção de fatores que
transcendem a competência, o esforço e a motivação de uma pessoa, de uma vontade, de um
recurso ou ação similar. Em detrimento disso, o processo de avaliação de desempenho pode ser
caracterizado como uma atividade que visa identificar e mensurar as atitudes que os
trabalhadores de uma empresa desempenham em um dito espaço de tempo. Na pesquisa em
questão obteve-se a informação a respeito das mudanças ocorridas ao analisar as competências
e o modo de se comportar dos funcionários, uma vez que a avaliação é realizada para saber se
os funcionários atendem aos requisitos do cargo prestado na organização. Os resultados
desencadeados em tal processo de avaliar são úteis como um aparato que viabiliza a tomada de
decisão, a ascensão de funções, os aumentos salariais, o treinamento, como também as
destituições de cargos (Amaral; Abreu; Silva, 2010).
Apesar dos benefícios que uma boa avaliação de desempenho pode trazer para uma
empresa é preciso ressaltar que a mesma deve ser bem executada, entretanto, muitas avaliações
acontecem sem uma base consistente, sem critérios claros e delimitados (Reifschneider, 2008).

721
Portanto, o processo de avaliação de desempenho deve ser bem organizado, uma vez que é
essencial e tão importante quanto os resultados que são gerados a partir do processo (Fontenele,
2010).
Durante a entrevista realizada foi informado que a avaliação de desempenho é realizada
através de acompanhamento, executada principalmente com os novos funcionários, sendo
observada a forma como está sendo desenvolvido o trabalho. Além disso, o Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE presta consultoria para a organização.
Neste sentido foi relatado por parte do entrevistado que, por meio das consultas ao SEBRAE já
foi solicitada orientação em relação: 1) ao desperdício de comida, que estava gerando gastos;
2) ao tempo de atendimento das recepcionistas; 3) ao tempo que os camareiros gastam para
completar suas funções.
Através da entrevista, pôde-se perceber que a empresa não possui um sistema de
avaliação de desempenho definido, portanto, foi sugerido que a avaliação passe a ocorrer de
forma padronizada. Neste sentido, Amaral, Abreu e Silva (2010), argumentam que qualquer
instituição tem a necessidade de se submeter à avaliação por intermédio de um processo
sistemático a fim de reavaliar suas estratégias e metodologias de trabalho, de modo a minimizar
os impactos da propensão à entropia e aperfeiçoar os seus vínculos. Assim, ela se reinventa e
se capacita para se sustentar em meio às possíveis atmosferas turbulentas.
É importante destacar também que o processo para avaliar o desempenho dos
funcionários deve ser adequado à realidade da organização, uma vez que o esse processo é
influenciado pela estrutura da empresa, seu ambiente e sistemas de recompensa (Crispim;
Lugoboni, 2012). A avaliação de desempenho deve ser ainda um momento confortável para os
funcionários, uma vez que a visão deles acerca desse processo costuma ser diferente da visão
dos empregadores, pois os funcionários costumam perceber a avaliação de desempenho como
um instrumento de pressão (Philadelpho; Macêdo, 2007).
Conclui-se assim que, a partir da presente experiência foi possível uma melhor
compreensão a respeito dos processos internos à dinâmica organizacional.

Referências Bibliográficas
Almeida, Walnice. (2004). Captação e seleção de talentos. São Paulo: Atlas.
Amaral, F., Silva, M., & Abreu, M. (2010). Avaliação de desempenho: Um estudo sobre a
importância do feedback como efetivo resultado na comunicação. Anuário da Produção
Acadêmica Docente, 4(9), 27 – 43.
https://repositorio.pgsskroton.com.br/bitstream/123456789/1413/1/Artigo%202.pdf
Araújo, L. C. G. (1996). Gestão de Pessoas (3rd ed.). São Paulo; Atlas.
Bohlander, G., Snell, S., & Sherman (2003). Administração de recursos humanos. Tradução:
Maria Lucia G. Leite Rosa. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.
Borges-Andrade, J.E., Abbad, G. S., & Mourão, L. (2013). Treinamento, desenvolvimento e
educação: um modelo para sua gestão, Em Borges, L. D. O., & Mourão, L. O trabalho e
as organizações: atuações a partir da psicologia (pp. 466-492). Porto Alegre: Artmed.
Carlos, C. M. G., Bazon, S., & de Oliveira, W. (2012). A importância do treinamento e
desenvolvimento de empresa de pequeno porte na cidade de Araras. Revista Científica do
Centro Universitário de Araras “Dr. Edmundo Ulson”, 6(1), 15 – 30. Disponível em

722
http://revistaunar.com.br/cientifica/documentos/vol6n12012/2aimportanciadotreinament
o.pdf
Chiavenato, I. (1999). Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas
organizações. Rio de Janeiro: Campus.
Coradini, J. R., & Murini, L. T. (2009). RECRUTAMENTO E SELEÇÃO DE PESSOAL:
COMO AGREGAR TALENTOS À EMPRESA. Disciplinarum Scientia, 5(1), 55 – 78.
Crispim, Sérgio & Lugoboni, Leonardo (2012). Avaliação de desempenho organizacional:
Análise comparativa dos modelos teóricos e pesquisa de aplicação nas Instituições de
Ensino Superior da Região Metropolitana de São Paulo. Revista de Gestão dos Países de
Língua Portuguesa, 11(1), 41-54. Recuperado em 17 de maro de 2020, de
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-
44642012000100005&lng=pt&tlng=pt.
Fontenele, Maria de Fátima Marrocos. (2010). Gestão do desempenho humano: um estudo de
caso em um Hospital Geral de Fortaleza (CE). Ciência & Saúde Coletiva, 15(Suppl. 1),
1315-1324. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000700040
Guimarães, M. F., & de Oliveira Arieira, J. (2005). O processo de recrutamento e seleção como
uma ferramenta de gestão. Revista Ciências Empresariais da UNIPAR, 6(2).
Machado, P. G. B., Martins, P. C. P., de Melo Negrelli, T. B., & de Almeida, L.
(2019). Atuação do Psicólogo no recrutamento e na seleção de pessoas sob a
ótica da Análise do Comportamento. Psicologia Argumento, 36(91), 16 – 30.
Disponível em
https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/viewFile/25847/
Meneses, P. P. M., & Zerbini, T. (2009). Levantamento de necessidade de treinamento:
reflexões atuais. Análise: Revista de Administração da PUCRS, 20(2), 50 – 64.
Pfister, E. (2009) Avaliação de Desempenho: quem está sendo avaliado.
Disponível em https://administradores.com.br/artigos/avaliacao-de-desempenho-quem-
esta-sendo-av
Philadelpho, P. B. G., & Macêdo, K. B. (2007). Avaliação de desempenho como um
instrumento de poder na gestão de pessoas. Aletheia, 1(26), 27 – 40.
Pontes. B. R. (2014). Planejamento, recrutamento e seleção de pessoal (7th ed.). São Paulo,
SP. LTr.
Rangel J. V. (2007). Recrutamento e seleção: uma abordagem sistêmica nas organizações. Rio
de Janeiro: Universidade Cândido Mendes. Disponível em: <http: //ucam.com.br>
Reifschneider, Marina Becker. (2008). Considerações sobre avaliação de desempenho. Ensaio:
Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 16(58), 47-58.
https://doi.org/10.1590/S0104-40362008000100004
Spector, Paul E. (2012); tradução Cristina Yamagami. Psicologia nas organizações- 4. ed. São
Paulo: Saraiva.
Tadaiesky, Liany Tavares (2008). Métodos de seleção de pessoal: discussões preliminares sob
o enfoque do behaviorismo radical. Psicologia: Ciência e Profissão, 28(1), 122-137.
https://doi.org/10.1590/S1414-98932008000100010
EIXO 12

723
Psicologia Jurídica e Ciências Forenses

O MAU-USO DO TERMO PSICOPATA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Bianca Silva Neves


Marisa Carla Silveira Alves
Talia Machado Freire
Mônica Fortes Sampaio
Jessica Maria da Conceição
Khalina Assunção Bezerra Fontenele

Introdução
As primeiras abordagens do conceito psicopatia datam do século XIX, no entanto eram
arbitrariamente utilizadas para designar toda e qualquer doença mental (Cantero-Sánchez,
1993; Henriques, 2009). Contudo, Philippe Pinel (1801) definiu psicopatia como ‘mania sem
delírio’, associando essa doença da mente a pacientes que, apesar de se envolver em quadros
de extrema violência agindo de forma impulsiva e irresponsável para com os outros ou consigo,
tinham o perfeito entendimento do caráter irracional de suas ações (Arrigo & Shipley, 2001).
Dessa forma, houve um certo impedimento para poder definir os limites de desempenho da
psicopatia, o que também fez surgir questões acerca da legitimidade do construto.
Em meados do século XX, Hervey Cleckley em seu trabalho a Máscara de Sanidade
(1941) designa como características principais de um indivíduo Psicopata, a inteligência com
racionalidade acima da média, sinais de desonestidade e ausência de remorsos, portanto, pode-
se apresentar um caráter antissocial (Cleckley, 1988). Este termo foi categorizado em
indivíduos sintomáticos (agressivo-predador) e ideopáticos (passivo-parasito), no qual o
primeiro se refere a indivíduos com comportamentos agressivos, insensíveis e ambiciosos;
enquanto o segundo possui uma aparente necessidade de ajuda, simpatia para alcançar seus
propósitos de forma parasitária (Karpman, 1941, 1955 citado por Gonçalves, 1999).
Segundo o dicionário Aurélio, o termo ‘psicopata’ refere-se a pessoa que apresenta
desvios de personalidade ou de caráter como a ausência de sentimentos, de compaixão ou de
culpa, que levam a um comportamento antissocial. Já ‘psicopatia’ é definido como um
transtorno mental patológico que acarreta em comportamentos antissociais (Ferreira, 1999).
Todavia, o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V) não tem um
conceito único de psicopatia porque categoriza o termo de acordo com níveis e casos do
psicopata. Cabendo dentro dos Transtornos Dissociativos tendo como característica principal a
perturbação ou descontinuidade da integração normal da consciência.
Atualmente o termo psicopata tem sido associado aos crimes bárbaros e de extrema
violência, confundindo com atos impulsivos da própria natureza humana. Como o caso “Elize
Matsunaga” que surpreendeu a população brasileira quando esquartejou o marido e o guardou

724
em uma mala, cometendo um crime considerado passional e não como caso de psicopatia, já
que Elize, após o ato demonstrou arrependimento e emoções, tal qual sentimentos que um
psicopata não é capaz de ter (Henrique, 2019) O que leva ao belo exemplo da dificuldade de se
conceituar a psicopatia em casos criminais, já que nunca se sabe se o sujeito está atuando ou
com de fato boas intenções. O caso popular de Suzane von Richthofen (Buosi & Marra, 2002)
que assassinou os pais a sangue frio, com esquemas e planejamento, utilizou recursos como
persuasão e manipulação para com os dois parceiros de crime, tornando seu namorado e
cunhado como cumplices, se modificando a um claro caso de crime decorrido por um psicopata.
Com base nos fatos mencionados, quais fatores que dificultam a unicidade do termo Psicopata
na sociedade contemporânea?
Tendo em vista os questionamentos levantados, acredita-se que a fácil confusão do
termo seja compreensível já que mesmo existindo manuais classificatórios de doenças mentais,
não se tem ao certo um significado único sobre o conceito do termo fazendo a população, de
modo geral, se apropriar de textos digitais e relatos populares, onde muitas vezes, as
informações são repassadas de forma errônea. É importante mencionar também a ocorrência de
que existem inúmeros posicionamentos teóricos e práticas clínicas que atuam com conceitos
particulares acerca da psicopatia e do psicopata. Além disso, é considerável ressaltar que o tema
se tornou mais visível após filmes, seriados de televisão ou novelas transmitidas nas mídias
digitais que abordam como seria alguém com o transtorno de psicopatia, fazendo com que as
pessoas do senso comum se adaptassem a esse tema e atribuíssem um significado popular.
Tomando como base os conceitos mencionados, a escolha dessa temática formulou-se
através da curiosidade dos integrantes a partir de pesquisas que evidenciavam o mau-uso do
termo, como alguns livros, documentários e seriados de televisão. A relevância se dá uma vez
que a personalidade psicopática vira um risco à população em geral, sendo necessário conhecê-
la.
A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva em seu livro ‘Mentes Perigosas’, o Psicopata
Mora ao Lado’’ afirma que o mesmo tem ausência de consciência genuína frente às demais
pessoas, sendo assim um forte indício de comportamentos voltados a criminalidade no adulto e
no adolescente portador do transtorno (Silva, 2008).
Portanto, devido à falta de acurácia na definição de psicopatia nos diversos campos da
sociedade, o presente estudo pretende analisar o mau-uso do termo Psicopata na sociedade
contemporânea, isto é, como a população reconhece a psicopatia e o que leva este mau-uso
ressaltando principalmente a definição do mesmo com suas características para uma
compreensão autentica voltada a psicopatia.

Método
Nesta revisão bibliográfica histórica, de natureza aplicada, foi utilizado o método-
dedutivo, que tem por conceito principal leis e teorias gerais que buscam explicar fenômenos
particulares de um determinado assunto. Proposto por Descartes, tem como fundamento
explicar uma terceira proposição a partir de outras já existentes (Prodanov & Freitas, 2009)
Os critérios de inclusão utilizados para selecionar o material a ser analisado nesta
pesquisa qualitativa, foram jornais nacionais e internacionais, livros, artigos científicos e
monografias que se tratassem de pesquisas descritivas, documental e revisão bibliográfica,
nacionais e em português do Brasil. Empregando obras desde os conceitos antigos até 2019,
ressaltando as concepções mais utilizadas e as menos conhecidas. Os critérios de exclusão
detinham-se, principalmente, a artigos resultantes de pesquisa de campo, pesquisas

725
quantitativas, pesquisas experimentais, pesquisas exploratórias, filmes e pesquisa-ação, tais que
não contribuiriam para a revisão bibliográfica do artigo em questão. Esta pesquisa teve também
como descritores as seguintes palavras chave: psicopatia, transtorno de personalidade
antissocial, traços do psicopata.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Conhecendo a Psicopatia
Historicamente o termo psicopata foi estruturado a partir de diversos conceitos e
influências, sendo mesclado por autores distintos e categorizado a partir de casos registrados.
A primeira definição científica de psicopatia foi formulada pelo médico psiquiatra Phillipe
Pinel, em 1809, não com o termo psicopatia em si, mas como “mania sem delírio” para
conceituar os indivíduos que possuíam atitudes perversas, e que não tinham ligação com um
delírio, pois eram atitudes conscientes (Arrigo & Shipley, 2001).
Avançando acerca do conceito, em 1835, o psiquiatra Pritchard formulou o termo de
“insanidade moral” em seu livro Treatise On Insanity and Other Disorders Affecting the
Mind relacionou com indivíduos que apresentavam um caráter com princípios maldosos e um
grau de comportamentos antissociais (Cantero-Sánchez, 1993).
Apenas entre 1896 e 1915 que Kraepelin surgiu com conceito “personalidade
psicopática” termo que é usado nos dias de hoje, incluindo na condição uma inibição do
desenvolvimento da personalidade. A personalidade psicopática para Kreapelin seria no caso
uma etapa pré-psicótica. Para acrescentar a teoria de Kraepelin, Kurt Schneider propagou como
“aquelas personalidades anormais que sofrem por anormalidade, ou por ela, fazem sofrer a
sociedade”, vendo-o como um distúrbio da personalidade que não interfere a estrutura do
indivíduo, nem a inteligência, mas sim, afeta o meio em que se vive (Shine, 2000)
Décadas após, este termo foi categorizado como “Loucura dos degenerados”, pois
acreditava que fatores como o álcool e tóxicos eram uma causa para degenerar os indivíduos
possibilitando maus comportamentos (Morel, 1857). Subsequente, Valentim Magnan
amplificou este conceito de degeneração formulando a ideia de desequilíbrio mental, que está
vinculado a neurologia. Magnan definiu que havia algo diferenciado nos centros nervosos,
ocasionando um desequilíbrio no indivíduo (Shine, 2000).
Em 1988 a psicopatia foi conceituada por Cleckley como uma doença mental sem os
sintomas “normais” normalmente vistos em transtornos mentais. Colocou-se como o fator
principal a demência semântica, ou seja, a carência dos sentimentos humanos, embora na
persona parece compreende-los. Ao analisar 15 pacientes, Cleckley procedeu algumas
principais características para o transtorno: (1) sedutores e inteligentes; (2) Ausência de
alterações patológicas; (3) Ausência de alterações de humor; (4) não confiável; (5) Desprezo
para com a verdade; (6) Falta de remorso; (7) Conduta antissocial; (8) Julgamento pobre e não
aprende através de experiências; (9) Egocentrismo patológico; (10) Pobreza no afetivo; (11)
Perda do insight; (12) Não reatividade afetiva; (13) Comportamento extravagante; (14) Suicídio
raramente praticado; (15) Vida sexual impessoal; (16) Falha em seguir planos de vida.
(Cleckley, 1988).
Psicopatas assumem qualquer tipo de persona pelo fato de terem extrema inteligência,
são capazes de tudo para conseguirem o que querem, são providos de uma condição impulsiva,
são fortes manipuladores, vivendo em favor da sua própria satisfação. Os psicopatas não apenas
ignoram normas sociais como também não conseguem evoluir após seus próprios erros. Além

726
disto, o psicopata não consegue se pôr no lugar do outro de forma natural e espontânea, ele lida
com as emoções da forma que lhe cai bem, e de como ele precisa (Silva, 2010)

Classificações atuais do DSM


O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) foi formulado
por um grupo de psiquiatras com o objetivo de categorizar as diversas doenças mentais
existentes. Na sua primeira versão (DSM-APA), ainda no ano de 1952, o mesmo utilizou o
termo transtorno sociopático de personalidade, uma reação antissocial, reação dissocial e desvio
sexual e vício, com uma percepção social depreciativa. Já na versão de 1987 (DSM-III-R) a
nomenclatura se concretizou em transtorno de personalidade antissocial, tendo em vista um
transtorno de conduta. Na sua última versão o (DSM-V) consumou o termo psicopata como
transtorno da personalidade antissocial, que se define por um padrão invasivo de desrespeito e
violação dos direitos dos outros (Alvarenga, Mendoza & Gontijo, 2009)

Um padrão difuso de desconsideração e violação dos direitos das outras pessoas que
ocorre desde os 15 anos de idade, conforme indicado por três (ou mais) dos seguintes:
Para diagnóstico o indivíduo tem que ter no mínimo 18 anos de idade; há evidências de
transtorno da conduta com surgimento anterior aos 15 anos de idade; A ocorrência de
comportamento antissocial não se dá exclusivamente durante o curso de esquizofrenia
ou transtorno bipolar (DSM-V pg. 659)

Transgressões relacionadas a Psicopatia


O psicopata com sua personalidade desvairada e imprevisível apresenta um grande risco
para a população como um todo, a partir de que não se sabe qual será o seu próximo passo ou
que face irá mostrar. Psicopatas de nível leve são mais difíceis de serem percebidos e
diagnosticados passando-se ausentes pela população. Os de níveis mais avançados, moderado
ou grave são mais notados em vista de suas características agressivas, mentirosas, sádicas e
impulsivas, autores dos grandes crimes hediondos já conhecidos, não deixaram passar
despercebidos (Silva, 2019).
Destaca-se abaixo alguns casos famosos sobre psicopatas em diversos cenários de
crimes:
John Meehan, que passou anos de sua vida aterrorizando e manipulando mulheres para
conseguir o que queria. John era egoísta, articuloso, inteligente e preparado, e mesmo sem matar
ninguém, arruinou a vida de muita gente. O golpista ganhou uma série de televisão em 2018
chamada ‘’dirty john’’ onde conta um pouco da história de uma de suas vítimas, Debra Newell
(Karlamangla, 2017).
Publicado no The York Times, em 1979, Gary Krist, articulou o sequestro de Barbara
Jane Mackie, filha de um milionário de Atlanta, no intuito de extorquir dinheiro. Juntamente a
sua namorada, enterrou Barbara em uma caixa de vidro por três dias, sem o objetivo de matá-
la, mas deixou a garota a mercê da morte, agindo de maneira apática se algo acontecesse. Gary
não demonstrou tanta violência com o caso, deixando na caixa comida, ventilador e lanterna
(Raines, 1979).
Ted Bundy, um dos mais famosos serial killers do mundo, mentiu a vida toda sobre

727
quem era, assassinou 30 mulheres de diferentes regiões. Bundy foi condenado a pena de morte
por cadeira elétrica, morreu em 1989 (Goldstein, 1989) publicado no The New York Times
com informações de que a euforia por detrás das grades pela população era imensa pedindo a
morte de Bundy.

Conceito contemporâneo
Em virtude da contemporaneidade, o termo psicopata e suas atribuições tiveram um
avanço significativo no contexto social. A tecnologia é a principal estrutura que proporciona
esse avanço, uma vez que transmite informações sobre o tema de modo global. Entretanto, tais
mudanças ainda são insuficientes para o entendimento autêntico do termo na sociedade, visto
que muitos dados são repassados de maneira errônea.
De acordo com Kerry Deynes (2015), ao decorrer da vida, o indivíduo encontrará
alguém com traços principais de um psicopata, podendo ser um amigo, um namorado, ou o
chefe do próprio trabalho, tendo a única coisa em comum a quantidade de problemas
emocionais e desprovidos de qualquer empatia.

De fato, cientistas calculam que 1% e 3% da população em geral seja psicopata.


Portanto, se você tem cem amigos no facebook, um deles pode ser um psicopata.
Parece ser assustador- e talvez seja, mas os psicólogos sabem que existem vários
graus de psicopatia. (Daynes, 2015, pag. 6)

O conceito atualmente dado a psicopatia refere-se a um transtorno determinado por atos


antissociais frequentes sem sinônimo de criminalidade, mas com tendências. Focado
principalmente por uma inabilidade de seguir normas sociais em muitos fatores do
desenvolvimento da adolescência e da vida adulta. Os portadores dessa personalidade não
apresentam quaisquer sinais de anormalidade mental como alucinações, delírios e ansiedade
excessiva, o que torna o reconhecimento desta condição muito duvidosa (Saldanha, 2014).

Tabus relacionados a psicopatia na contemporaneidade


É notório no contexto social que o mal-uso do termo psicopata é um impasse pertinente
em vários setores atuais, principalmente para o público de senso comum. Segundo Sorensen
(2014, p. 31-33) existem alguns mitos referentes ao termo, alguns exemplos são:
1: Todos os psicopatas são violentos, os seriais killers são psicopatas. Embora a psicopatia seja
um significativo fator de risco quando analisamos a probabilidade de violência, muitos
psicopatas não são violentos.
2: Psicopatas são psicóticos ou loucos. Psicopatas raramente são psicóticos, psicopatas estão
sempre no controle, e sabem exatamente o que estão fazendo. Eles não têm alucinações, ou
ilusões sobre o mundo real.
3: Os psicopatas estão todos na prisão. Apenas 20% da população prisional está diagnosticada
como psicopata.
4: Todos os psicopatas são homens. A maioria de fato é masculina, mas também existem

728
psicopatas mulheres.
5: Todos conseguem reconhecer um psicopata quando cruzar com um. A maioria dos
psicopatas não são percebíveis, e provavelmente você conheceu um psicopata ao longo da sua
vida e não teve ideia, as vezes nem ele sabe que é um psicopata.
Nesse contexto, evidencia-se também um alto índice de falhas na identificação de um
indivíduo psicopata, fato que ocorre principalmente pela falta de conhecimento fundamentado
sobre o termo. Alguns casos que foram classificados de maneira incorreta relacionados a
psicopatia são: o acontecimento declarado como ‘’O Incidente do Gato na Lixeira’’ aconteceu
em 2010, a britânica Mary Bale, foi vista jogando a gata do vizinho chamada Lola, em uma
lixeira. O caso repercutiu em todo o mundo, pois o ato foi comprovado em vídeos e divulgado
tanto na internet como em canais de televisão. O público em geral atacou Mary, ameaçando-a
de morte e muitos classificaram como uma psicopata, visto que a mesma discursou que achou
divertido jogar o animal na lata de lixo, frase que demonstra total falta de empatia. O ato
exemplifica que nem todos os casos que promovem crueldades são de psicopatas, e que é
necessário analisar em âmbitos mais amplos o histórico e as características de cada indivíduo
em questão (Daynes, 2015).
Um caso que do mesmo modo se causa alvoroço na confusão do termo é o conhecido
como ‘’O Massacre de Columbine’’ (1999) onde a maior parte da população acredita que os
dois meninos eram psicopatas, quando na verdade, era apenas um com transtorno antissocial
influenciando outro. O caso conhecido como “Massacre de Columbine” foi sediado por Dylan
e Eric, em que o psiquiatra clínico professor da PUC afirmou que os jovens se mataram por
razões diversas. Conforme o médico Carlos Von Hüber, Eric tinha um comportamento similar
ao de um psicopata, não demonstrando emoções, fazendo atitudes articuladas e bem pensadas
ao praticar o crime, além da manipulação em cima do seu amigo Dylan que sofria de um caso
grave de depressão. Após o massacre, se mataram na mesma escola, com tiros na cabeça na
biblioteca, onde ocorreu o maior número de mortes dos jovens estudantes durante a carnificina
(Teodoro, 2009).
Um quadro que também origina conflito é o do Pedrinho Matador, mas diferente dos
outros citados acima, as pessoas são sabem se o próprio é portador por conta de ser um indivíduo
popular, que sabe conversar e seria aparentemente simpático, porém Pedrinho Matador,
conhecido assim pela maioria, é um Serial Killer e declara com orgulho que já teria matado
mais de 100 pessoas, sendo 47 delas na cadeia, incluindo também na quantidade, seu próprio
pai onde mastigou o próprio coração do mesmo. Pedro Rodrigo matou a primeira vez aos 14
anos de idade, sendo preso com 18. Ana Beatriz Barbosa afirma em seu livro que “Pedrinho”
matava por prazer, e em cada morte sentia que havia feito um trabalho “bem-sucedido” O
próprio tatuou em seu braço “mato por prazer” afirmando a fala de Ana Beatriz. Pedro tinha
ausência de empatia, sendo essa uma das principais características do psicopata (Silva, 2008)

Considerações Finais
O que se pode apurar a partir de todas estas colocações, é que embora se referindo
basicamente a psicopatia a uma origem constitucional, os entendimentos divergem quanto à
conceituação da natureza do problema, partilhando em três linhas principais: a degeneração
constitucional, a variação em relação à norma (com ênfase seja no caráter, seja no
comportamento antissocial); e finalmente, a aproximação da psicose. Foi a partir destas
inconformidades que pôde, durante muito tempo, perdurar a grande desordem em relação ao
conceito do termo de psicopatia (Mayer-Gross, 1954 citado por Bittencourt, 1981). A

729
dificuldade principal ao realizar este artigo científico se deu em primeiro lugar pelo impasse de
encontrar artigos, livros e monografias que se desmistificassem do senso comum, já que até
então seria o principal intuito da pesquisa. O estorvo também se deu ao notar-se que a grande
maioria de pesquisas realizadas sobre o tema não seriam tão atuais quando se desejava, mas
entendível já que o termo ‘psicopata’ é antigo e concebido por diversas traduções e significados
ao longo dos anos. A recomendação que se dá a futuros trabalhos sobre essa temática é que
utilizem métodos envolvendo a prática da pesquisa, como por exemplo, a coleta de dados
através de levantamentos/questionários/formulários e entrevistas acerca do conhecimento atual
da população sobre o tema, com o objetivo de evidenciar e desvincular a variação de ideologias
que se destaca ao senso comum em relação a psicopatia. Desse modo, propõe-se também, que
as pesquisas tenham fontes de informações além da área da informática, se apropriando da
pesquisa de campo e fornecendo a sociedade de modo geral, uma aprendizagem fundamentada
para melhor compreensão do assunto.

Referências Bibliográficas
Alvarenga, M.A.S.; Flores-Mendoza, C.E.; Gontijo, D.F. 2009. Evolução do DSM quanto ao
critério categorial de diagnóstico para o distúrbio da personalidade antissocial. Jornal
brasileiro de psiquiatria 58(4): 258-266.
Arrigo, B.A.; Shipley, S. 2001. The confusion over psychopathy (I): Historical considerations.
International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology 45(3): 325-344.
Cantero-Sánchez, F. 1993. Quién es el psicópata. Psicópata: Perfil psicológico y reeducación
del delicuente más peligroso, p. 16-46.
Bittencourt, M.I.G.F. 1981. Conceito de psicopatia: elementos para uma definição. Arquivos
Brasileiros de Psicologia 33(4): 20-34.
Buosi, M. & Marra, L. 2002. Filha confessa participação em assassinato dos pais, diz polícia.
Folha de S.Paulo, São Paulo. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u62496.shtml. Acesso em: 15 de nov.
de 2019.
Cleckley, H.M. 1988. The Mask of Sanity: An Attempt to Clarify Some Issues About the So-
Called Psychopathic Personality. Fifth Edition. Augusta, Georgia: Emily S. Cleckley, 485
p.
Daynes, K. 2015. Como identificar um psicopata. Editora Cultrix.
Ferreira, A.B.H. 1999. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. rev.
e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2128 p.
Goldstein, A.I. 1989. Ted Bundy's Last Lie. The New Work Times. Disponível em:
https://www.nytimes.com/1989/02/18/opinion/ted-bundys-last-lie.html. Acesso em: 15 de
nov. de 2019.
Gonçalves, R.A. 1999. Psicopatia e processos adaptativos à prisão: Da intervenção para a
prevenção.
Henriques, R.P.H. 2009. Cleckley ao DSM-IV-TR: a evolução do conceito de psicopatia rumo
à medicalização da delinquência. Rev. Latinoam. Psicopatol. Fundam. 12(2).
Henrique, A. 2019. Condenada por matar e esquartejar o marido, Elize Matsunaga vai para o

730
semiaberto. Folha de S.Paulo, São Paulo, 2019. Disponível em:
https://agora.folha.uol.com.br/sao-paulo/2019/08/condenada-por-matar-e-esquartejar-o-
marido-elize-matsunaga-vai-para-o-semiaberto.shtml. Acesso em: 15 de nov. de 2019.
Karlamangla, S. 2019. Women victimized by John Meehan share stage, discuss domestic abuse
issues raised by ‘Dirty John’ series. Los Angeles Times. California, 12 de Dez. 2017.
Disponível em: https://www.latimes.com/local/california/la-me-dirty-john-event-
20171212-story.html. Acesso em: 15 de nov. de 2019.
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais [recurso eletrônico]: DSM-5/[American
Psychiatric Association ; tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento ... et al.]; revisão técnica:
Aristides Volpato Cordioli ... [et al.]. – 5. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: Artmed,
2014.
Morel, B.A. 1857. Traite des degenerescences physiques, intellectuelles et morales de l'espece
humaine et des causes qui produisent ces varietes maladives par le Docteur BA Morel. chez
J.-B. Bailliere.
Prodanov, C.C. & Freitas, E.C. 2009. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas
da pesquisa e do trabalho acadêmico. Novo Hamburgo: Feevale.
Raines, H. 1979. Parole of a Kidnapper Angers Atlanta. The New Work Times. 14 de março.
de 1979. Disponível em: https://www.nytimes.com/1979/05/14/archives/parole-of-a-
kidnapper-angers-atlanta-a-very-devious-mind.html. Acesso em: 15 de nov. de 2019.
Saldanha, L.C.B. 2014. O comportamento do paciente psicopata e suas consequências perante
a sociedade. Florianópolis. Monografia (Especialização em linhas de cuidado em
Enfermagem-Atenção Psicossocial) –Universidade Federal de Santa Catarina.
Silva, A.B.B. 2008. Mentes Perigosas - O Psicopata Mora ao Lado. 1 ed. Editora Fontanar, 213
p.
Silva, N.V.M. 2010. Psicopatia e traços da personalidade em estudantes universitários (Master's
thesis, Dissertação de Mestrado). Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.
Silva, M.L.R.L. et al. 2019. O psicopata e suas características no crime de homicídio.
Shine, S.K. 2000. Psicopatia. Casa do Psicólogo.
Sorensen, P. 2014. Inside the mind of a psychopath. Sam Bernardino: Hill tech Ventures.
Teodoro. 2009. Psiquiatra traça perfil dos atiradores do massacre de Columbine. Folha online.
Disponívelem:https://www1.folha.uol.com.br/paywall/login.shtml?https://www1.folha.uo
l.com.br/multimidia/podcasts/2009/04/552304-psiquiatra-traca-perfil-dos-atiradores-do-
massacre-de-columbine.shtml. Acessado em: 18 de março 2020.
ALIENAÇÃO PARENTAL: REFLEXÕES SOBRE UMA ATUAÇÃO CRÍTICA DA

731
PSICOLOGIA NO CAMPO JURÍDICO

Suzane Macedo Souza Pereira


Ana Letícia Barbosa Lima

1 Introdução
A discussão proposta neste artigo surgiu da necessidade de refletir sobre o lugar do
psicólogo jurídico em casos de alienação parental. A partir da promulgação da lei nº
12.318/2010, a temática de alienação parental tornou-se frequente na justiça brasileira e desde
então surgiram várias reportagens, relatos, documentários que fazem alusão a ações alienadoras
e seus impactos, e os psicólogos que atuam, principalmente nas varas de família, passaram a
ser solicitados para produzirem laudos psicológicos ou pareceres indicando a ocorrência ou não
da alienação parental.
Porém, tanto a lei quanto a apropriação desse conceito pela psicologia nunca foram
unânimes. De um lado, críticos que levantam questionamentos sobre a funcionalidade da lei,
dada a complexidade da instituição familiar; e de outro, apoiadores que justificam a
legitimidade da lei a partir de sua promessa de garantir o direito de convívio familiar saudável
à criança e ao adolescente. Como reflexo dessas variadas concepções, estão em discussão no
Senado projetos de lei que propõe revogar a lei de alienação parental54.
Sobre isso, não objetivamos apresentar um posicionamento em relação a revogação ou
não da lei, mas analisar criticamente a atuação do psicólogo jurídico frente a essas demandas.
Em um artigo, Oliveira e Brito (2016) se perguntam se estamos diante de uma humanização da
justiça ou uma judicialização do humano. Essa indagação nos leva a uma encruzilhada, pois ao
mesmo tempo em que direitos são reconhecidos e garantidos via implementação de leis e
políticas públicas, observa-se que os modos de vida também acabam sendo capturados por essa
normalização jurídica.

2 Psicólogo nas Varas de Família


A psicologia jurídica ainda é considerada uma área emergente na psicologia brasileira.
Os primeiros trabalhos desenvolvidos nessa área datam da 1ª metade do século XX e estavam
voltados para a compreensão de temas relacionados a questões criminais, mais especificamente
a compreensão do comportamento criminoso (Rovinski, 2009). Com o passar do tempo, esses
trabalhos saíram da esfera acadêmica e foi ficando frequente a inserção de psicólogos em
diversas instituições que, de alguma forma, estavam relacionadas com a esfera judicial, e essa
atuação não ficou restrita em âmbito criminal, mas ampliou-se para a esfera cível.
Bernardi (1999, citado por Rovinski, 2009) explica que no Tribunal de Justiça de São
Paulo, essa inserção, inicialmente, se deu em forma de voluntariado e posteriormente esses
profissionais foram contratados efetivados. A autora acrescenta ainda que o trabalho era

54
Projeto de Lei do Senado nº498 de 2018 que propõe revogar a lei de Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010),
por considerar que tem propiciado o desvirtuamento do propósito protetivo da criança ou adolescente, submetendo-
os aos abusadores; Projeto de Lei nº 6371/2019 proposto pela deputada Iracema Portella.
desenvolvido em uma perspectiva de apoio às famílias, visando sua reestruturação, a fim de que

732
a criança não fosse retirada do lar e enviada a um abrigo.
A atuação desse profissional nessa esfera vem sendo fortalecida com a promulgação de
algumas legislações como Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), o Código Civil
Brasileiro (2002), as leis sobre guarda compartilhada (2008 e 2014) e a Lei de Alienação
Parental (2010). E uma alteração percebida ao longo dos anos, é que além das atividades
originariamente desenvolvidas, o psicólogo passa a ser demandado a realizar perícias.
Para Brandão (2011), o conhecimento dessas legislações é necessário, não somente para
assimilar os limites jurídicos da atuação do psicólogo, mas também de problematizar o seu fazer
e evidenciar os mecanismos de poder que estão envolvidos nesse enredo.
As perícias psicológicas comumente são solicitadas em processos de separação judicial
que envolvam disputas de guarda dos filhos, visto que as decisões judiciais devem se pautar no
interesse da criança, ressaltando que o melhor interesse da criança é o princípio no qual se
fundamentam as decisões judiciais que as envolvam. Entretanto, esse melhor interesse não está
descriminado nas normas jurídicas, fazendo com que os magistrados recorram às equipes
interprofissionais para auxiliarem na indicação do que poderia configurar esse melhor interesse,
subsidiando suas decisões.
Nos processos de guarda, segundo Brandão (2011, p. 90), o psicólogo vê-se diante de
um impasse: “é comum o psicólogo ser requisitado a responder à difícil demanda judicial de
analisar o impedimento de visitas de um dos genitores ou apontar o genitor mais qualificado
para o exercício da guarda”. Reduzindo a uma escolha polarizada, uma situação que é bem
mais complexa do que isso.
A possibilidade de determinação da guarda compartilhada minimiza essa divisão entre
os genitores, diminui a tensão imposta pela lógica adversarial inerente ao processo judicial.
Porém, não devemos nos assegurar na guarda compartilhada como viável para todas as
dinâmicas familiares e nem como resposta para todos os conflitos.
A guarda compartilhada privilegia a manutenção das relações da criança com os dois
genitores, ainda que um deles fique com a guarda física da criança, as responsabilidades e o
cuidado com a criança devem ser partilhados entre os dois e a criança não precisa ficar restrita
aos contatos apenas no final de semana com o outro genitor. Cabe aos profissionais da equipe
interprofissional, orientar o magistrado a respeito das atribuições parentais e sobre os períodos
de convivência sob a guarda compartilhada (Brandão, 2011).
Junto aos processos de separação judicial e de guarda, um outro fenômeno que passou
a ser constantemente discutido nas varas de família foi a alienação parental, que, mais uma vez,
coloca o profissional da psicologia frente a decisões maniqueístas: de um lado, alienados; de
outro, alienadores. Nesse sentido, torna-se cada vez mais urgente que o psicólogo tome
conhecimento não somente das leis, como também da teia complexa que envolve cada relação
familiar.

1 Alienação Parental
O conceito de Alienação Parental, enquanto síndrome (SAP - Síndrome da Alienação
Parental), foi desenvolvido pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner, como apontam
Sousa e Bolognini (2017). As autoras revelam que, para ele, a SAP seria um distúrbio infantil,
cujos sintomas consistiriam na difamação de filhos em relação a um dos genitores, a partir da
construção negativa que um dos pais construiria sobre o outro. Somada às elaborações da

733
própria criança, o psiquiatra apontava para uma série de argumentos inconsistentes que se
faziam presentes, sobretudo, no processo de litígio conjugal.
Desconsiderando a complexidade das relações familiares e despindo-se de uma análise
crítica, Gardner utiliza a descrição dos sintomas para fazer a seguinte classificação: um dos
genitores é o alienador; o outro e as crianças são os alienados. Sousa e Bolognini (2017)
apresentam diversas descrições de Gardner sobre a figura do alienador, dentre elas, aponta para
um excesso de raiva, vingança, ciúmes, etc. Além disso, o psiquiatra chama atenção, ainda, para
a possibilidade de a prática de alienação estar integrada à estrutura psíquica do genitor, cujos
transtornos psiquiátricos poderiam ser acionados pela ruptura do casamento (Gardner, 1991
citado por Sousa & Bolognini, 2017).
Sousa e Bolognini (2017) citam Escudeiro, Aguilar e Cruz (2008) para marcarem a
aliança do direito ao conhecimento psi sugerido por Gardner na chamada “terapia da ameaça”.
Essa intervenção sugere que o alienador seja submetido judicialmente a um tratamento
psiquiátrico e, caso haja alguma recusa, o genitor pode sofrer sanções que variam de pagamento
de multa à suspensão de qualquer contato com os filhos, ou até mesmo a prisão.
No Brasil, como pontuam Sousa e Bolognini (2017), as proposições de Gardner foram
utilizadas como base para o debate sobre alienação parental, sem considerar a sua inconsistência
teórica. Desse modo, em 2010, o presidente da república sanciona a Lei nº 12.318,
considerando:

Ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da


criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores,
pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua
autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause
prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este (Lei
n. 12.318, 2010).

A lei mencionada exemplifica alguns atos que podem ser declarados pelo juiz ou
constatados por perícia como alienação parental: desqualificar a prática materna ou paterna do
genitor; promover obstáculos para a prática da autoridade parental; prejudicar a convivência
familiar, seja omitindo intencionalmente informações importantes - como escolares, médicas,
de endereço - sobre a criança e o adolescente, ou mudando para um domicílio distante sem
justificativa, ou, ainda, prestando falsas denúncias contra o genitor, parentes destes e avós. Esse
atos de alienação parental, segundo a lei, impedem a consolidação do direito fundamental da
criança e do adolescente de convivência familiar saudável - assegurado pelo ECA -, além de
prejudicar a promoção de afeto nas relações com o genitor com o grupo familiar, constituindo,
assim, abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes
à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda55.
Para inibir ou atenuar os efeitos dos atos de alienação parental, a lei 12.318 apresenta
diversos instrumentos processuais que podem ser utilizados pelo juiz a depender da gravidade
do caso: advertir o alienador; favorecer o genitor alienado, ampliando o regime de convivência
familiar; estabelecer multa ao alienador; determinar acompanhamento psicológico ou

55
Para conhecer os deveres da autoridade parental, verificar artigo 1.634 do Código Civil brasileiro.
biopsicossocial; inverter a guarda unilateral ou alterá-la para guarda compartilhada, dando

734
preferência para o genitor que não dificulta o exercício da maternidade/ paternidade do outro
genitor; determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou do adolescente; suspender a
autoridade parental; suspender a autoridade parental.

4 Problematizações da Atuação do Psicólogo Jurídico em Casos de Alienação Parental


O artigo 9º da Lei de Alienação Parental, n. 12.318, que abriria a possibilidade das partes
utilizarem o procedimento da mediação para a solução do litígio, antes ou durante o processo
judicial, foi vetado pelo presidente da república em 2010. Ele considerou que o caráter
indisponível do direito da criança e do adolescente à convivência familiar não permite nenhum
mecanismo extrajudicial na solução de conflitos. Além disso, utilizou também para o veto o
princípio da intervenção mínima56, ou seja, somente autoridades e instituições cuja ação é
indispensável estão autorizadas a exercer a função de proteção a crianças e adolescentes.
Assim sendo, cabe somente ao juiz as determinações do processo e, para averiguar os
indícios de alienação parental, ele pode solicitar perícia psicológica ou biopsicossocial,
realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, como promulgou a referida
lei. Embora legalmente seja exigido uma ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial que
sustente o laudo pericial - entrevista pessoal com as partes; histórico do relacionamento do casal
e da separação, exame de como a criança ou o adolescente se expressa frente à acusação contra
o genitor, etc. -, as práticas judiciais ainda comportam os resquícios da teoria de Gardner sobre
Alienação Parental enquanto síndrome.
Sobre isso, Sousa e Bolognini (2010) pontuam que a lei de Alienação Parental, de caráter
punitivo, fundamenta-se numa visão que relaciona a alienação parental a abuso e tortura
psicológica contra menores de idade, fazendo emergir de forma simplista duas figuras nesse
cenário: as vítimas que sofrem (as crianças e um dos genitores) e o agressor que causa
sofrimento (o genitor que provoca a alienação parental). Essa forma maniqueísta de conceber
as relações sufoca o debate sobre a contextualização social, histórica e política que sustenta a
manutenção da instituição familiar, apontando para a judicialização da família como único
recurso de resolução de conflitos.
Partindo dessa discussão, Oliveira (2010) atenta-se para uma reflexão crítica sobre a
atuação do Psicólogo Jurídico na avaliação de alienação parental. É imprescindível, segundo a
autora, que o profissional da psicologia se desfaça da relação verticalizada que o coloca como
único detentor do saber em relação às famílias. Assim, diferente de como o Direito concebe a
figura do sujeito, a Psicologia deve considerá-lo enquanto um componente ativo, cuja narrativa
deve ser considerada na construção da sua verdade.
Além disso, o Código de Ética que regulamenta a profissão do psicólogo preconiza,
ainda, que a atuação do profissional deve ser sustentada num olhar crítico e contextualizado
historicamente com a realidade política, econômica, social e cultural. (Conselho Federal de
Psicologia [CFP], 2005). Dessa forma, como pontua Oliveira (2010), o compromisso da
Psicologia ultrapassa o campo jurídico ao priorizar a qualidade técnica junto à precisão ética.

56
O princípio da intervenção mínima está disposto na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
Apesar desses impasses, Oliveira (2010) chama atenção para a crescente requisição de

735
psicólogos no processo de avaliação de alienação parental, considerando que o seu objeto de
estudo também se concentra nos conflitos relacionais. No entanto, a autora destaca que, à
medida que são inseridos nesse campo jurídico, esses profissionais devem sustentar a análise
dessas demandas no Código de Ética da profissão, no sentido de direcionar a concepção dos
sujeitos a partir de suas determinações históricas, sociais, econômicas e políticas.
Assim, a avaliação da alienação parental deve superar a visão dicotômica entre culpados
e inocentes. É necessário considerar, por exemplo, os impactos do rompimento conjugal nas
relações entre pais e filhos, pois considerando a teia que envolve a instituição familiar,
compreende-se a dificuldade de dissociar vínculos parentais e conjugais, conforme aponta a
pesquisa de Sousa (2009, citado por Oliveira, 2010). Partindo disso, é preconizado um manejo
profissional do psicólogo, pois, ainda que esses aspectos sejam considerados, a relação familiar
entre filhos e progenitores não pode ser rompida a partir da dissolução do matrimônio (Brito,
2007 - citado por Oliveira, 2010).
Oliveira (2010) direciona o debate citando Brito (2007) e Sousa (2007), apontando para
outro ponto que deve ser considerado nos casos de alienação parental: a guarda unilateral. A
autora descreve que no Brasil a decisão judicial volta-se, de forma majoritária, para a guarda
unilateral, o que estabelece uma relação mais próxima da criança com o genitor guardião, que
geralmente é a mãe. Essa aliança fortalecida, pode desencadear o enfraquecimento de vínculo
com o outro pai, o que propicia a construção a culpabilização do alienador. Dessa forma,
Oliveira (2010) sugere que a análise da demanda judicial, além de ser sustentada numa
contextualização histórica e sociocultural, deve considerar, também, as implicações do atual
ordenamento jurídico legal.
É indiscutível que devem ser tomadas medidas que garantam os direitos dos menores de
idade e rompam com qualquer ato violento que seja investido contra eles. Todavia, é
fundamental considerar que as relações familiares são compostas por sujeitos históricos que
devem ser escutados antes de serem categorizados em alienadores ou alienados.

5 Conclusão
A inserção da psicologia no campo jurídico se deu de forma lenta e gradual, sendo
fortalecida pela promulgação de leis que solicitam um constante diálogo entre o direito e o saber
psi. Embora seja de suma importância o conhecimento do psicólogo sobre a legislação vigente,
ressalta-se a necessidade de analisá-la sob uma ótica crítica, considerando as diferentes nuances
que constituem as relações humanas.
Nesse sentido, a atuação do psicólogo nas Varas de Família requer que seu
conhecimento técnico atue juntamente à sensibilidade de reconhecer as singularidades de cada
processo, pois entende-se que as leis, de forma isolada, não apresentam recurso suficiente para
a tomada de decisão frente a complexidade inerente à instituição familiar, uma vez que cada
núcleo é formado por uma combinação de sujeitos e suas histórias.
O fenômeno da alienação parental, no entanto, unindo a sua concepção de síndrome ao
campo jurídico, parece solicitar da equipe interdisciplinar de perícia um posicionamento
simplista que determine vítimas e culpados diante de todas as dimensões humanas manifestadas
durante os conflitos familiares. Enfatiza-se aqui que, para além das ações nocivas, existem
sujeitos com estratégias de enfrentamento escassas para uma separação conjugal, por exemplo,
dificuldade de separar os sentimentos do cônjuge do exercício da maternidade/paternidade, e
até mesmo a própria determinação de guarda unilateral que pode corroborar com ações

736
alienadoras, além de tantas outras facetas que podem estar por trás da cortina judicial.
Por outro lado, não é retirada a importância de assegurar aos pais o direito de um
convívio saudável com os filhos, independente da relação com o outro genitor, assim como a
garantia à criança e ao adolescente de convivência com ambos os genitores, como estabelece o
ECA. Entende-se a gravidade dos prejuízos causados pela alienação parental a todos os atores
do processo e a urgência das medidas a serem tomadas para contorná-los.
Assim, enfatiza-se que a prática do psicólogo jurídico deve atender às demandas
judiciais, sem desvincular-se do que preconiza o código de ética da profissão, no sentido de
contextualizar historicamente a realidade política, econômica e cultural dos sujeitos. Desse
modo, é importante que as análises sobre alienação parental superem o maniqueísmo entre
alienados e alienadores que sustenta o objetivo punitivista da lei. Para além disso, é necessário
não somente interpretar e aplicar a lei de forma generalista, mas escutar as singularidades dos
conflitos.

Referências
Brandão, E.P. (2011). A interlocução com o direito à luz das práticas psicológicas em varas de
família. In: H.S. Gonçalves e E.P Brandão. (orgs). Psicologia Jurídica no Brasil (pp. 73-
139). Rio de Janeiro: Nau.
Conselho Federal De Psicologia (2005). Código de Ética Profissional do Psicólogo. Brasília:
Autor. Recuperado de http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-
psicologia.pdf.
Lei nº 12318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da
Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Recuperado de
http://www.crpsp.org.br/interjustica/pdfs/Lei-12318_10-Alienacao-Parental.pdf.
Oliveira, C.F.B. de, & Brito, L.M.T. de. (2016) Humanização da Justiça ou Judicialização do
Humano?. Psicologia Clínica, 28 (2),149-171. Recuperado em 13 de junho de 2020, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S01036652016000200009&l
ng=pt&tlng=pt.
Oliveira, C. F. B. de (2017). (Im)Possibilidades de atuação da psicologia jurídica em meio à
judicialização das famílias. In: Therense, M., Oliveira, C. F. B., Das Neves, A. L. M., Levi,
M. C. H. (orgs.). Psicologia Jurídica e Direito de Família: para além da perícia
psicológica (pp. 60-81). Manaus: Uea Edições.
Rovinski, S.L.R. Psicologia Jurídica no Brasil e na América Latina: dados históricos e suas
repercussões quanto à avaliação psicológica. In: S.L.R. Rovinski e R.M. Cruz (orgs).
Psicologia Jurídica: perspectivas teóricas e processos de intervenção. São Paulo: Vetor.
Sousa, A. M. de, & Bolognini, A. L. (2017). Pedidos de avaliação de alienação parental no
contexto das disputas de guarda de filhos. In: Therense, M., Oliveira, C. F. B., Das Neves,
A. L. M., Levi, M. C. H. (orgs.). Psicologia Jurídica e Direito de Família: para além da
perícia psicológica (pp. 169 – 203). Manaus: Uea Edições.
OS IMPACTOS DO PROCESSO DE DIVÓRCIO NO DESENVOLVIMENTO

737
INFANTIL
Gabriel Campelo Sotero
Ayra Audry de Lima Souza
Mirela Dantas Ricarte
Introdução
Segundos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano de
2017, no Brasil, um a cada três casamentos acaba em divórcio, sendo observado assim um
aumento gradativo de divórcios através das décadas. A pesquisa também demonstra que casais
com filhos menores de idade representam a maioria dos divórcios (48,5%). Sobre a questão da
guarda compartilhada, em pesquisa realizada no mesmo ano pelo instituto, notou-se um
aumento no número de concessões para esse tipo de guarda, triplicando entre o período de 2014
e 2017. Hoje, mais de 20% dos pais no Brasil possuem guarda compartilhada. Boa parte desse
aumento se deve por conta da lei 13.058/2014, que passou a estabelecer obrigatoriedade em
tentar se buscar a guarda compartilhada, prevendo que o tempo de custódia física dos filhos
deve ser dividido de forma equilibrada entre o casal, sempre tendo em vista as condições
individuais de cada um e levando em conta os interesses dos filhos.
Um breve adendo na história do divórcio mostra que esse teve sua ascensão devido a
diversas transformações sociais. As compreensões do que se entendia como família mudaram
e as mulheres também conseguiram ter direito e voz para pedir separação ao se sentirem
insatisfeitas com o casamento (Oliveira, 1999). Ao longo da história fica também evidente a
autoridade paterna como mandante absoluta dos processos conjugais. E não só o interesse das
mulheres, mas também dos filhos eram ignorados ou subjugados. Segundo Toloi (2006),
antigamente os reais interesses dos filhos e da mãe eram administrados pela figura paterna, que,
baseada nos valores religiosos e patrimoniais, decidia de forma absoluta o destino desses. Além
do que, em casos de separações, era sempre o pai que ficava com a guarda do filho.
Sobre desenvolvimento infantil, esse se caracteriza como um processo de mudança
contínua na cognição, comportamento e emoções de crianças, tendo impacto ao longo da vida
em aspectos que vão desde os físicos aos sociais (Bee & Boyd, 2013; Papalia, 2006). No que
se refere a desenvolvimento infantil e relações conjugais, Newcombe (1999), afirma que o
desenvolvimento dos filhos está totalmente ligado com que tipo de relação os pais estão tendo,
como se encontra o relacionamento dos dois e se está havendo a promoção de competências
emocionais e segurança para a criança nesta relação.
Os primeiros estudos da psicologia sobre conflitos conjugais surgiram na década de
1920, já tentando compreender quais seriam os impactos negativos no desenvolvimento dos
filhos. Já os propriamente relacionados a divórcio ou separação e desenvolvimento infantil,
iniciaram na década de 1940, buscando entender como a ausência de um dos genitores ou a
quebra do convívio influenciavam as crianças (Toloi, 2006). Hoje, a literatura já revela que uma
separação conflituosa pode acarretar problemas como ansiedade, dificuldades de aprendizagem,
comportamento antissocial, dentre outros (Grzybowski, 2010; Raposo et al., 2011; Souza,
2000).
Logo, visando compreender como ocorre o processo de divórcio numa perspectiva da
criança e como se encontram os novos mecanismos legais e as novas configurações familiares
diante desse processo, o presente estudo objetivou entender quais são os principais impactos do
divórcio ao longo do desenvolvimento infantil e quais meios e recursos podem estar se
demonstrando mais eficazes para amenizar o sofrimento psíquico da criança diante de tal

738
situação.

Desenvolvimento
Um breve histórico do divórcio no Brasil e seus novos mecanismos de conciliação
A priori, faz-se necessário pontuar a partir do ordenamento jurídico brasileiro, o
conceito de divórcio, que se caracteriza pela dissolução do vínculo matrimonial completo.
Nessa perspectiva, constata-se uma diferença da noção presente no senso comum para a
concepção da lei promulgada, ao utilizar divórcio e separação como termos análogos.
Entretanto, a jurisprudência brasileira atribui que antes do processo de divórcio completar-se
os cônjuges estão passando por uma separação judicial, ou seja, ela é apenas uma etapa e até a
sua conclusão o homem ou a mulher não podem casar-se novamente, mas já não necessitam
manter os direitos e os deveres matrimoniais (Jesus & Cotta, 2016).
Ademais, para alcançar os princípios utilizados na atualidade, o Brasil passou por um
longo histórico legislativo divorcista, até que essa prática fosse constitucionalmente
reformulada na Lei de nº 6.515/1977. Diante desse cenário, é importante salientar personagens
fundamentais presentes na dissolução conjugal, os filhos. O artigo 27 da lei citada anteriormente
já enunciava “O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos”.
E em seu parágrafo único descreve: “O novo casamento de qualquer dos pais ou de ambos
também não importará restrição a esses direitos e deveres” (Brasil, 1977. Capítulo II, art. 27).
Concomitantemente, observa-se que casar é um ato jurídico que confere obrigações não
apenas entre si, mas principalmente com seus descendentes. Em pesquisa realizada com casais
divorciados, a equipe multiprofissional presente na Vara da Família sustenta a ideia de que o
divórcio separa marido e mulher, mas não anula os laços que unem pais e filhos, ou seja, a
ruptura do vínculo conjugal não implica na ruptura do vínculo parental (Alexandre & Vieira,
2009). Nesse contexto, que entram em cena os diferentes tipos de guarda, decididas em acordo
com os pais e em conjunto com um juiz, destacam-se a: guarda exclusiva, guarda alternada,
guarda por terceiro e guarda compartilhada.
A guarda exclusiva (também chamada de unilateral) se configura quando apenas um
dos genitores obtém a guarda da criança, podendo permitir ou não que o outro genitor faça
visitas ao infante. A alternada se caracteriza quando cada um dos genitores exerce sua
responsabilidade e cuidado exclusivo sob a criança, porém de forma alternada mediante
combinado entre os mesmos. A guarda por terceiros tem o objetivo de regularizar a
responsabilidade da criança a parentes próximos ou até mesmo a não parentes. Costuma ser
implementada de forma legal quando nenhum dos genitores possui capacidade para assumir a
guarda do determinado infante (Costa, 2011).
Já a guarda compartilhada configura-se como uma nova forma de encarar a educação e
a convivência com os filhos após uma separação, sendo defendida como um caminho menos
impactante para todos. Historicamente, a primeira aplicação da guarda compartilhada ocorreu
na Inglaterra, nos anos 70, posteriormente essa modalidade foi difundida e ganhou
jurisprudência pelas Américas, até chegar no Brasil e promover mudanças significativas nas
decisões da custódia do menor (Delgado, 2009). Tendo em vista, que antes dessa medida, a
tutela dos infantes era deferida em favor da mãe, exceto se essa deliberação trouxesse prejuízos
para as crianças, conforme enunciado no art. 16 da Lei 5.582 (Brasil, 1970) e ao pai cabia a
pensão alimentícia e o direito a visitas. No entanto, essa aplicação concentra a autoridade
parental em apenas um genitor, trazendo assim, possivelmente, mais desarmonia entre os ex-

739
cônjuges, ao discordarem com alguma decisão ou conduta do outro sob o filho.
Dessa forma, Silveira (2014) apresenta como uma das principais vantagens da guarda
compartilhada para os pais, a igualdade de direitos e obrigações entre os genitores, aliviando o
exercício da parentalidade de apenas um e dando-o mais espaço para reconstruir sua vida
pessoal e seus aspectos psicológicos após um processo de divórcio. Diante dessa perspectiva,
constata-se que apesar dessa modalidade de tutela conjunta constituir-se como um processo
mais “suave”, ainda assim houve uma alteração na configuração familiar, que exigiu dos
guardiões consenso para permanecer em concordância na criação dos filhos, apesar dos seus
conflitos conjugais e, assim, obter resultados efetivos com a guarda combinada.

Os impactos do divórcio no desenvolvimento infantil


Como citado anteriormente, o número de divórcios cresceu muito nas últimas décadas,
para Barreto (2013), este é um processo legal que visa amenizar conflitos e proteger o casal em
questões de ordem financeira, porém, na maioria das vezes é uma ação que se demonstra difícil
de lidar e que altera as emoções e o bem-estar dos envolvidos. Nesse processo, ao se ter crianças
envolvidas, os sentimentos provocados durante a ação legal tornam-se mais expressivos e é algo
que pode gerar confusão e mudança de forma efetiva à vivência da criança. Assim como a
legislação brasileira já tenta resguardar e é algo externalizado pelos diversos profissionais
envolvidos na ação: a prioridade deve ser sempre o bem-estar da criança durante e pós divórcio
– saber quais são as melhores possibilidades de convivência que menos irão afetar o seu
desenvolvimento (Hack & Ramires, 2010).
De maneira análoga, o divórcio é naturalmente associado a ressentimento ou a disputa,
ou seja, algo marcado por comportamentos que podem ser utilizados com o objetivo de gerar
vinganças conjugais. Essa é uma concepção histórica que se concretizou pelo entendimento de
que todo divórcio é responsabilidade de uma das partes que cometeu algum erro ou foi culpada
pelo fim da separação. Nesse sentido, o entendimento de que a separação pode ser algo
acordado pelas duas partes é algo recente. Em conjunto, observa-se, principalmente no início
da ação, que alguns parentes próximos pressionem a criança para tomar partido sobre com quem
ela deve escolher ficar ou que ela aponte quem dos pais foi responsável pelo término, o que
pode confundi-la ainda mais nesse novo momento de sua vida (Clare-Stewart & Bentrano,
2006; Greene et al., 2016).
Dessa forma, o divórcio é marcado por uma mistura de emoções intensas e complexas
que os filhos nunca haviam experimentado. Em vista disso, podem ocorrer mudanças no seu
comportamento e nas suas relações próximas, além do início de um possível sentimento de
culpa, ao se perguntarem se são culpados pelo o que está acontecendo no seu lar. Há ainda
aquelas situações em que a criança pode não apresentar de forma pública os seus sentimentos,
o que leva muitos pais a acreditarem que ela está sabendo lidar com tal situação, acarretando
muitas vezes fatores negativos que somente serão observados a longo prazo ou em outros
ambientes específicos (Santos, 2013; Melo & Miccione, 2014; Raposo et al., 2011).
No que se refere às concepções iniciais que os filhos têm sobre o processo de divórcio,
Melo e Miccione (2014) colocam que a chegada da crise familiar é sentida pela criança como
uma perda. Também segundo as autoras, por mais que a criança consiga se adaptar as situações
mais adversas de conflito familiar, é inevitável que passe por uma mistura de sentimentos, e, se
caracterizando como pessoa sempre muito atentas ao ambiente familiar e clima de tensão entre
os pais, nessas situações é melhor para a criança ter pais separados do que em conflito. Há
também uma predominância no início dos conflitos entre pais em que as crianças atribuem a

740
responsabilidade de tudo que está acontecendo como culpa delas ou selecionam no seu
imaginário um dos pais como culpado por tal situação.
Ademais, Silva e Gonçalves (2016) afirmam que a saída repentina de um dos genitores
do ambiente familiar faz com que a criança sinta como se tivesse perdido uma parte de si,
ficando muitas vezes quase privada do convívio com esse genitor que foi embora, daí a
importância de manter a guarda compartilhada da forma correta. Além disso, os autores
salientam a ideia da perda de confiança nos vínculos familiares e sociais que as crianças podem
ter ao ver a partida de um dos genitores, já que ela pode interpretar que as relações e afeto que
concretizar com alguém pode acabar a qualquer momento, gerando assim comportamentos
excessivos de insegurança e medo.
Paralelamente, alguns estudos evidenciam que, de modo geral, as primeiras grandes
mudanças apresentadas pelas crianças e relacionadas a separação dos pais ocorrem após um
ano, sendo estas principalmente evidenciadas no âmbito escolar e familiar. Dentre as mudanças
citadas estão o chamado comportamento desajustado (caracterizado por o isolamento em locais
com muitas pessoas, insegurança e às vezes associados com sintomas de depressão), uma
diferente interação social e falta de interesse em novas socializações, sentimento de tristeza e
dificuldades na aprendizagem, que, consequentemente, acarretam queda no desempenho
escolar (Barreto, 2013; Ferriolli, Marturano & Puntel, 2007).
Por outro lado, Grzybowski (2010) e Barreto (2013) citam que as mudanças a longo
prazo podem ser observadas em problemas no desenvolvimento que interferem desde a pré-
adolescência à fase adulta, sendo estas mudanças investigadas sob diferentes perspectivas e
contextos na literatura em geral. Em síntese, alguns autores apontam que em um intervalo a
partir de cinco anos após a separação dos genitores, comportamentos do tipo agressivo e do tipo
desafiador, além de diferentes níveis de ansiedade, são observados com mais frequência em
crianças ou pré-adolescentes que passaram por situação de divórcio que não prezou pelo seu
bem-estar ou que conviveram com uma relação de separação que foi conflituosa aos longos dos
anos (Bee & Boyd, 2011; Costa, 2011; Rodrigues, 2010).
Mediante o exposto, Vidale (2019) cita um estudo da University College London,
publicado no mesmo ano, que destaca que os pré-adolescentes são mais impactados pela
separação dos pais do que crianças mais novas, o que acaba levando em conta que a fase na
qual a criança se encontra no momento da separação também é um fator importante. Segundo
este mesmo estudo (realizado com crianças entre 3 e 14 anos), as crianças e pré-adolescentes
com idade entre 7 e 14 anos apresentaram 16% a mais um risco de sofrerem com fatores de
alteração emocional como ansiedade e depressão, e 8% maior probabilidade de apresentarem
comportamentos de birra ou desobediência. Contudo, ao mesmo tempo que o estudo também
salienta a maior frequência de processos como a alienação parental nas crianças menores.
Outrossim, se os impactos da separação (mesmo aquelas não conflituosas) após o
divórcio, por si só já impactam de forma negativa o desenvolvimento infantil e saúde da criança,
há ainda aquelas situações em que os pais estão a todo momento tentando interferir na
percepção do filho em relação ao outro genitor, ou usando o filho como instrumento para
desestabilizar o antigo companheiro(a) durante a ação. Tais situações se configuram como
práticas de alienação parental, ocasionada pela imaturidade de uma parte ou ambas, quando não
conseguem separar conjugalidade e parentalidade. Em circunstâncias nas quais a criança fica
exposta muito tempo a conflitos de interesses dos pais, a mesma poderá repetir discursos de
determinado genitor e até mesmo apresentar características negativas na sua personalidade e
comportamento, como mentiras excessivas e agressividade constante (Barbosa & Zandonadi,

741
2018; Greene et al., 2016).
Logo, ao submeterem seus filhos a alienação parental os genitores estão cometendo um
ato de violência psicológica que a curto prazo não costuma ser bem evidente, mas com o passar
do tempo pode apresentar problemas graves. Esse tipo de situação também interfere
completamente no que atualmente juristas, psicólogos, dentre outros profissionais, consideram
como essencial na concretização da separação que envolve filhos, isto é, a guarda
compartilhada. A guarda compartilhada consegue cumprir o papel de continuar mantendo o
contato da criança com aquelas pessoas que eram próximas e importantes para o seu
desenvolvimento, além de dividir a responsabilidade mútua entre os genitores para com o filho.
Inclusive, também possibilita diminuir os sentimentos excessivos de culpa e falta que a criança
tem, além de amenizar uma possível concepção infantil de que o divórcio é uma tragédia e,
portanto, o convívio com os dois pais estaria perdido (Delgado, 2009; Jesus & Cotta; 2016).
Em contraste, são evidenciados também pontos negativos ou desvantagens no que se
refere a guarda compartilhada, como por exemplo, o embate entre os genitores no processo de
educação dos filhos e a ausência de um lar estável. Por isso, é importante manter um diálogo
claro e efetivo entre as duas partes e ter acesso a orientações profissionais corretas antes de
iniciar a guarda compartilhada, que apesar das desvantagens citadas, é apontada como sendo a
melhor opção para o convívio dos pais e desenvolvimento dos filhos após o divórcio (Barbosa
& Zandonadi, 2018; Lima & Pelajo, 2016; Silveira, 2014).
Sob este ponto de vista da busca por orientações adequadas pertinentes a criança nos
processos de conflitos conjugais, vale ressaltar que a psicologia se qualifica como uma das
disciplinas e profissões que mais desenvolveu suas práticas ao longo dos anos, tendo como
fonte de objeto de estudo a infância, do desenvolvimento à aprendizagem, perpassando por
Freud a Skinner. Durante a segunda metade do século XX, começou a ser evidenciada a
importância que o profissional de psicologia tinha em diversos ambientes, e sendo tanto a
psicoterapia quanto as ferramentas que avaliam comportamentos e personalidades cada vez
mais seguras cientificamente. Assim, o psicólogo jurídico se efetivou como uma peça
fundamental nos conflitos conjugais que envolvem crianças (Levy, Ayres & Aranha; 2014;
Brito, 2012).
Por conseguinte, nos processos judiciais dessa categoria, o psicólogo atuará não a
serviço de uma das partes ou com o intuito de fazer com que uma se sobressaia diante de outra.
Pelo contrário, o profissional deve prezar pelo bem-estar e saúde da criança, algo que também
será levado em conta pelo juiz, sendo o psicólogo responsável para esclarecer com suas
ferramentas, quais são as melhores possibilidades para aquela criança. Em vista disso, para o
judiciário o psicólogo será o interlocutor entre a instituição para qual presta serviço e a criança,
estando também numa situação de complementaridade com os profissionais do direito, e não
uma das partes tentando se impor sobre a outra (Trindade, 2009; Miranda, 2010).

Conclusão
Diante do cenário supracitado, compreende-se o divórcio como o rompimento legal da
primeira instituição social que a criança tem contato e mesmo que não seja uma separação
marcada por desentendimentos, ainda se configura como uma ruptura da estrutura familiar antes
estabelecida. Entretanto, como foi pontuado, essa é uma decisão que rompe vínculos conjugais,
mas não vínculos parentais, estando o menor resguardado por leis, que sempre buscam analisar
a melhor alternativa de guarda ou de acordo entre os genitores, para tornar esse processo menos

742
emocionalmente conturbado.
Concomitantemente, observa-se que a saúde mental do infante está diretamente
associada à dinâmica do seu seio familiar, ou seja, a qualidade e o bem-estar do relacionamento
dos genitores promove impactos na criança. Em vista disso, pontua-se ainda que independente
do status dos pais, casados ou divorciados, para os filhos o mais benéfico é vê-los bem
resolvidos, ao invés de vivenciar um eterno conflito. Nesse ínterim, observa-se que a decisão
dos cônjuges de manter-se juntos em matrimônio pelos filhos, por exemplo, não se configura
como a melhor saída, pois crescer junto de pais em conflitos pode desenvolver muito mais
complicações psicossociais para os filhos do que a separação em si.
Por fim, evidenciou-se como o (a) profissional de psicologia possui função primordial
nas equipes multiprofissionais que compõem os processos de conflitos conjugais que envolvem
menores, principalmente na intermediação em conjunto com os genitores e a concretização do
divórcio da maneira mais prudente e mais proveitosa, possuindo como objetivo final a
minimização dos impactos decorrentes dessa decisão na vida e na saúde física e mental dos
filhos. Dessa forma, aponta-se que a psicologia jurídica se torna um campo de estudos
promissor e fundamental no que se refere às discussões sobre os direitos da criança de
desenvolver-se em um ambiente seguro e propício.

Referências
Alexandre, D. T. & Vieira, M. L. (2009). A influência da guarda exclusiva e compartilhada no
relacionamento entre pais e filhos. Psicologia em Pesquisa, 3(2), 52-65.
Barbosa, C. W. & Zandonadi, A. C. (2018). Alienação parental e seus impactos no
desenvolvimento psicológico da criança e do adolescente. Revista Farol, 7(7), 58-72.
Barreto, F. (2013). Análise Psicológica do Divórcio: Uma perspectiva masculina. Monográfica
não publicada. Curso Grau de Licenciatura. Universidade Jean Piaget de Cabo Verde.
Cidade da Praia, Santiago Cabo Verde.
Bee, H., & Boyd, D. (2011). A criança em desenvolvimento. 12 ed. Porto Alegre: Artmed.
Brasil. (1970). Lei n° 5582, de 16 de junho de 1970. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/l5582.htm.
Brasil. (1977). Lei nº 6.515, de 26 de Dezembro de 1977. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6515.htm.
Brito, L. M. T. (2012). Anotações sobre a Psicologia Jurídica. In: Psicologia Ciência e
Profissão. CFP: Brasília, v. 32.
Clarke-Stewart, A., & Brentano, C. (2006). A Review of “Divorce: Causes and
Consequences. New Haven, CT: Yale University Press, 347 pp.
https://doi.org/10.1080/01926180902945988.
Costa, F. (2011). O divórcio destrutivo na perspectiva de filhos com menos de 12 anos. Estilos
clin., 16(1), 222-245. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
71282011000100013&lng=pt&nrm=iso>.
Delgado, M. Guarda compartilhada. São Paulo: Método, 2009.

743
Ferriolli, S. H., Marturano, E. M., & Puntel, L. P., (2007). Contexto familiar e problemas de
saúde mental infantil no Programa Saúde da Família. Rev. Saúde Pública, São Paulo.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102006005000017.
Greene, S. M., Anderson, E. R., Forgatch, M. S., DeGarmo, D. S., & Hetherington, E. M.
(2016). Risco e resiliência pós-divórcio. In F. Walsh, Processos normativos da família:
Diversidade e complexidade (4ª ed.). (pp. 375-398). Porto Alegre: Artmed.
Grzybowski, L. S. (2010). O envolvimento parental após a separação/divórcio. Psicologia:
Reflexão e Crítica, 23(2), 289-298. https://doi.org/10.1590/S0102-79722010000200011.
Hack, S. M. P. K., & Ramires, V. (2010). Adolescência e divórcio parental: continuidades e
rupturas dos relacionamentos. Psicologia Clínica, 22(1), 85-97.
https://doi.org/10.1590/S0103-56652010000100006.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2017). Estatísticas do Registro Civil em
2017. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/135/rc_2017_v44_informativo.pdf.
Jesus, J. A., & Cotta, M. G. (2016). Alienação parental e relações escolares: a atuação do
psicólogo. Psicologia Escolar e Educacional, 20(2), 285-
290. https://doi.org/10.1590/2175-353920150202966.
Levy, L., Ayres, L. S., & Aranha, S. (2014). Livro didático de psicologia aplicada ao direito.
1ª sessão, editora Seses, Rio de Janeiro.
Lima, E. S., & Pelajo, S. (2016). A mediação nas ações de família. In: A mediação no novo
código de processo civil. Almeida, Diogo Assumpção Rezende de; Pantona, Fernanda
Medina; Pelajo, Samantha (Coord.). 2. ed. Rio de Janeiro: Forense.
Melo, N. S., & Miccione, M. M. (2014). As consequências do divórcio dos pais sobre o
desenvolvimento infantil: contribuições da abordagem congnitivo comportamental.
Disponível em: <https://portal.estacio.br/docs%5Crevista_estacao_cientifica/03.pdf>.
Miranda, J. R., (2010). Um psicólogo no Tribunal de Família: A prática na interface Direito e
Psicanálise. Belo Horizonte: Artesã.
Newcombe, N. (1999). Desenvolvimento Infantil: abordagens de Mussen. 8º ed. Porto Alegre.
Artmed.
Oliveira, N. F. (1999). Representações e práticas de gênero em distratos de casamento –
Salvador, 1890-1920. Dissertação de Mestrado em História Social da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Mestrado Interinstitucional
PUCSP/UCSal/UNEB/UESC.
Papalia, D. (2006). Desenvolvimento Humano. 8 ª Ed. Artmed.
Raposo, H. S., Figueiredo, B. C., Lamela, D. J. P. V., Nunes-Costa, R. A., Castro, M. C., &
Prego, J. (2011). Ajustamento da criança à separação ou divórcio dos pais. Archives of
Clinical Psychiatry (São Paulo), 38(1), 29-33. https://doi.org/10.1590/S0101-
60832011000100007.
Rodrigues, C. O. (2009). O desenvolvimento de competência psicossociais como fator de
proteção ao desenvolvimento infantil. Ed. Artmed, Porto Alegre.
Santos, S. M. (2013). Os efeitos no divorcio na família com filhos pequenos. Salvador, Bahia.

744
Disponível em < http://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0342.pdf>.
Silva, T. I., & Gonçalves, C. M., (2016). Os efeitos do divórcio na criança. O portal dos
psicólogos. Vilhena, RO. Disponível em:
<https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1042.pdf>.
Silveira, S. F. (2014). Os reflexos da guarda compartilhada na formação da
criança. Disponível em: <http://tmp.mpce.mp.br/esmp/publicacoes/Edital-02-2014/6-
Sandra-Fatima-Josete-Camargosil-Silveira.pdf.
Souza, R. M. (2000). Depois que papai e mamãe se separaram: um relato dos filhos. Psicologia:
Teoria e Pesquisa, 16, 203-211.
Toloi, C. (2006). Como compreendem e enfrentam conflitos conjugais no casamento e na
separação. Disponível em: < https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/15540>.
Trindade, J. (2009). Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. Porto Alegre:
Livraria do Advogado.
Vidale, G. (2019). Pré-adolescentes são mais afetados por separação dos pais do que crianças.
Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/pre-adolescentes-sao-mais-afetados-com-
separacao-dos-pais-do-que-criancas/.
EIXO 13

745
Psicologia Social: Decolonialidade, Brasilidades e pensamento
contemporâneo

A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA NO PROCESSO DE ADOÇÃO DE


CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO

Anne Graça de Sousa Andrade


Leonice Abreu Pereira
Introdução
A presente pesquisa possui como foco a contribuição da psicologia no processo de
adoção, na qual requer uma atenção especial ao vínculo entre adotado e seus adotantes, entende-
se que a construção desse vínculo é progressiva e necessita de um apoio profissional, buscando
o equilíbrio psicológico aos sujeitos envolvidos nesse processo adaptativo. O acolhimento
institucional torna-se o lar das crianças/adolescentes, onde é oferecida formação sócio-afetiva
fundamental para a apreensão de valores familiares, comunitários e morais, com características
que transmitem afetividade e proteção.
A mudança do adotado para outro lar pode causar impactos psicológicos, visto que o
ambiente familiar, até então, era representado pela família do acolhimento institucional. De
modo que , o trabalho do psicólogo pode ser indispensável para a mútua adaptação entre os
membros da nova família, em uma nova casa, haja vista a imposição de uma nova dinâmica
familiar a todos os seus componentes e para que minimize sofrimentos.
Nesse bojo, o Estatuto da criança e adolescente - ECA (Brasil,1990) afirma que o
processo de adoção, no Brasil, envolve uma série de etapas, iniciando pela procura à Vara da
Infância e Adolescência local; expressão da intenção em adotar uma ou mais crianças e;
conclui-se com a adoção legal. Esse primeiro contato pode ser feito através de uma entrevista
com um psicólogo que compõe a equipe do judiciário, com a função de compor o relatório que
integrará o processo que será aberto. A atuação do psicólogo, portanto, é extremamente
decisiva, pois além de emitir um parecer favorável ou desfavorável sobre a habilitação no
processo de adoção daquela pessoa ou casal, sua contribuição também é necessária para
subsidiar todas as etapas do processo, visando a redução de danos psicossociais e a garantia dos
direitos da criança adotada”. Dessa forma, a presente pesquisa possui como pergunta
norteadora: Como a Psicologia contribui para a transição “abrigo-novo lar” de adotantes e
adotados?
De acordo com Mariano e Ferreira (2007), a adoção se configura em termos legais, o
procedimento que uma criança ou um adolescente são inseridos em uma nova família e assim,
garantindo-lhes um novo lar, um contexto familiar com segurança, afeto e proteção. Dessa
forma, entende-se que a criança é um sujeito em formação, cuja personalidade é construída no
dia a dia, logo, o ambiente familiar influencia diretamente na construção de sua história de vida.
A inserção da criança nesse novo lar impõe consequências naturais de mútua estranheza entre
os conviventes, os quais, naturalmente submetem-se a formação e a adequação a uma nova
família. Esse fato requer o trabalho de um profissional da psicologia, cuja finalidade é a
consecução de meios que propiciem o equilíbrio na superação dos impactos causados pelas

746
mudanças estruturais e sócio afetivas, visando o bem-estar na nova formação familiar.

Objetivo
Compreender a contribuição da Psicologia no processo de adoção de crianças em
situação de acolhimento, a partir da percepção dos adotantes e dos próprios profissionais de
psicologia.

Método
Foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa de tipo exploratória. A pesquisa qualitativa
é um modelo de pesquisa que procura aprofundar a compreensão de problemas, de pessoas e de
relacionamentos, abrindo perspectivas para estudos posteriores (Minayo & Sanches, 1993). No
que tange a pesquisa exploratória, Gil (2006) destaca que essa modalidade tem como objetivo
proporcionar maior familiaridade com o problema. Desse modo, o cenário da pesquisa foi a
“Casa São Francisco” que atende crianças em situação de acolhimento provisório ou destituídas
do poder familiar, localizada na cidade de Sobral- CE.
A Casa São Francisco acolhe crianças de 0 a 6 que são encaminhadas pelo Conselho
Tutelar, 3ª Vara da Infância e Juventude e por Comarcas vizinhas. É uma instituição
administrada pela comunidade Católica Shalom, que autorizou a realização da pesquisa no seu
âmbito. Logo, a pesquisadora possui aproximação e realiza atividades na instituição, assim a
abordagem aos psicólogos e famílias foi realizada mediada pelo serviço, respeitando a ética
profissional e os interesses e disponibilidade em participar da pesquisa.
A pesquisa foi realizada com quatro (4) famílias que passaram pelo processo de adoção.
A seleção da amostra se deu a partir da técnica de “snowball” (Wha, 1994), uma técnica
conhecida como “Bola de Neve”, que funciona como uma espécie rede, que prevê a partir da
identificação de um participante, a indicação de outros membros da população de interesse.
Como critério de inclusão para amostra optamos por selecionar famílias de qualquer
configuração e que tenha experiência com adoção legal, isto é, adoção que teve um
acompanhamento de técnicos de referência como o Psicólogo(a) e Assistente Social. Como
critério de exclusão, foram levados em considerações: famílias com adoção “a brasileira”, que
não passaram pelo processo formal de adoção e nem tiveram a participação do profissional de
psicologia.
No que tange aos profissionais, foram selecionados três (3) psicólogos que trabalham
ou já trabalharam por no mínimo um ano em equipamentos das Políticas públicas que
atendem/atenderam famílias em processo de adoção. Para critério de seleção da amostra, foram
utilizados o critério de conveniência de profissionais do ciclo social da pesquisadora e indicação
da equipe da Casa São Francisco. No que se refere aos instrumentos de coleta de dados, foram
utilizadas duas entrevistas do tipo semi-estruturada (Manzini, 1990; 1991), uma com as famílias
e outra para os psicólogos.
Para a análise de dados, foi utilizado procedimento de análise de temática de conteúdo.
Segundo Bardin (1979), esse tipo de procedimento se desenvolve de acordo com as seguintes
etapas: a) pré-análise; b) exploração do material e c) tratamento dos dados, inferência e
interpretação. Foram levados em consideração na pesquisa os seguintes requisitos éticos do
Conselho Nacional de Saúde (CNS) regido pela Resolução Nº 466/2012 e Nº 510/16 do CNS,
que normatiza as pesquisas com seres humanos e utilizado o TCLE-Termo de Consentimento

747
Livre e Esclarecido com os familiares e psicólogos.

Resultados & Discussões


As entrevistas foram realizadas com quatro famílias que passaram pelo processo formal
de adoção, tivemos a participação de diferentes configurações familiares, como: duas nucleares,
uma homoafetiva e uma monoparental. Durante as entrevistas somente as mulheres estavam
presentes, pois os cônjuges (para as famílias nucleares) estavam no trabalho. De acordo com as
entrevistas realizadas com as famílias, majoritariamente, foram relatadas dificuldades referente
a demora do judiciário na questão da destituição da criança/adolescente do poder familiar, assim
como, na decisão da guarda provisória e definitiva, ou seja, em todo o processo de adoção,
dificultando o início da transição da instituição de acolhimento para o novo lar: “abrigo-novo
lar”. Apesar de entenderem que o período é importante e necessário, a agilidade por parte da
justiça, segundo as famílias entrevistadas, deixa a desejar, fazendo com que o processo seja
angustiante, causando incerteza, demora e espera.
As famílias relataram que, mesmo contando com os técnicos de referência, que sempre
estavam à disposição para atendê-las, tirar as dúvidas, orientá-las, foram momentos muito
difíceis, pois as mesmas dependem da análise e posicionamento final da justiça. Na perspectiva
de Alvarenga e Bittencourt (2013), o abrigamento das crianças e adolescentes deveria ser
temporário, uma vez que se pretende inseri-lo à reintegração familiar ou encaminhá-los para
uma família substituta, no caso de destituição do poder familiar. Os adotantes trouxeram a
participação da psicologia em todas as etapas do processo de adoção: no seminário, na
habilitação, na construção e fortalecimento dos vínculos com o adotado, na guarda provisória e
definitiva, isto é, antes, durante e posteriormente.
Na percepção de três famílias, o acompanhamento das psicólogas, depois da adoção,
seria importante por um ou dois meses para fechar o ciclo, no entanto, na percepção de uma
família que está sob acompanhamento atualmente, afirma que um mês já é suficiente, pois
mesmo que traga sempre contribuições, não acha que seja necessário por um longo período. A
família afirma que depois da guarda definitiva, não vê a necessidade de tanto tempo de
acompanhamento. Podemos entender essa última percepção, como uma forma da família se
proteger de um possível retrocesso no processo ou medo de perder a guarda da criança.
Na perspectiva Rech et al. (2017), a atuação do psicólogo é preponderante, na qual, dá
início antes do processo, participando durante e após a adoção, através de visitas domiciliares,
orientações, escutas, pelo apoio disponibilizado durante a ansiedade e angústia da demora do
processo, sempre dando feedback sobre o andamento do processo. As famílias relataram a
participação do profissional de psicologia como um dos aspectos facilitadores, pela atenção,
cuidado, respeito, destacando sua atuação como um dos pontos positivos.
Mesmo diante da demora, espera e angústia, as famílias avaliam a experiência da adoção
como algo inexplicável e única, que viveriam novamente, pois “tudo valeu a pena”. Hoje,
depois do processo finalizado, elas conseguem perceber o quanto esse período de adaptação e
acompanhamento é, e foi de muito sofrimento por causa da demora, no entanto, de suma
importância para o fortalecimento do vínculo e a facilitação na transição “abrigo-novo lar”. Elas
conseguem perceber que a participação do profissional de psicologia se mostra como positivo
em todos os momentos e que faz a diferença em todas as etapas do processo, onde puderam
expressar suas emoções durante as entrevistas. Nesse sentido, podemos perceber que
independentemente das configurações familiares, o processo de adoção se constrói como uma

748
oportunidade de construir um lar, uma família e que apesar de exaustivo é bastante gratificante.
Em relação, as entrevistas realizadas com os psicólogos (as), foi relatado que o âmbito
da adoção é um campo que despertaram interesse quando o conheceram, mesmo sendo algo
novo, trouxeram a importância do trabalho com as crianças/adolescentes que estão em
acolhimento, desde a adaptação, na destituição do poder familiar, no fortalecimento de vínculos
e no acompanhamento anterior e posterior à adoção em si.
Segundo Reis et al. (2017), o trabalho do psicólogo é importante para os candidatos a
pais adotivos, dando apoio em assuntos atuais, objetivando as questões presente como: luto,
infertilidade, sentimentos ambivalentes, medos, ansiedades, desejos e as fantasias em quanto
família idealizada, dessa maneira, o psicólogo busca focar em todos os desafios e possibilidades
do processo de adoção.
Diante desta colocação, dois psicólogos (as) apontam que o judiciário demora na
questão da destituição da criança/adolescente do poder familiar, e dessa forma, os mesmos
passam mais tempo institucionalizados, ponto que corrobora ao relatado pelos adotantes. No
entanto, na visão de apenas um profissional, a destituição é realizada de maneira apressada, sem
fazer um trabalho e acompanhamento correto com as famílias antes da destituição.
Segundo o ECA (2018), o processo da adoção deverá ter um estágio de convivência com
a criança/adolescente de no máximo 90 dias, observando sempre a idade e peculiaridade do
caso, explícito no art.46, § 4º. “O estágio de convivência será acompanhado pela equipe
interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio
dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência
familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da
medida” (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).
Siqueira (2011) afirma que é importante o acompanhamento da equipe técnica nas
instituições de acolhimento e todo processo de adoção, por terem capacitação no âmbito
familiar e da criança/adolescente. Também coloca a relevância da atuação do psicólogo (a) no
âmbito da adoção e para todos envolvidos no processo. Com o apoio psicológico torna-se mais
fácil criar vínculos, para que o final do processo seja positivo, priorizando o bem estar da
criança ou adolescente.
Nas concepções dos profissionais de psicologia, as técnicas utilizadas no decorrer do
processo de adoção, são específicas para que cada etapa, e são realizadas no intuito de assegurar
os direitos das crianças/adolescentes. Inicia-se no fórum através de um seminário, na qual
realizam uma apresentação sobre o processo de adoção. Trabalham com “estudos de casos” que
trazem exemplos do que pode acontecer durante o processo, buscando com que as famílias
reflitam sobre o real desejo de adotar e se estão preparadas para lidar com esse contexto,
também é explicado cada passo que irão vivenciar depois de habilitados. Também utilizam
técnicas como visitas domiciliares, na qual não vão visualizar somente a questão financeira,
mas o contexto familiar e se estão preparados emocionalmente para receber uma
criança/adolescente na casa. Outros tipos de metodologias utilizadas no acompanhamento
citadas durante as entrevistas foram: escuta, observação, entrevista com as famílias e
criança/adolescente.
De acordo com o ECA (2018), a equipe interprofissional tem a competência de fornecer
laudo por escrito ou verbalmente em audiência do acompanhamento feito com a
criança/adolescente e família adotante, assim como desenvolver outras atividades como:
aconselhamento, orientação e fortalecimento de vínculos.
Uma das dificuldades apresentadas pelos psicólogos (as) foi a questão da burocracia

749
judicial, da família entender e aceitar a demora da destituição do poder familiar, que em muitos
casos, tem o trabalho sistemático com as famílias de origem para que essas crianças/adolescente
sejam inseridas novamente no convívio familiar, quando não, elas são destituídas. Outra
dificuldade é a falta de transporte para fazer as visitas e acompanhamentos e as potencialidades
do trabalho.
De acordo com o que foi exposto sobre as percepções das famílias e dos profissionais
de psicologia, sobre a atuação e contribuição dos psicólogos (as) no processo de adoção, fica
claro que a presença do profissional são pontos importantes e necessários, pois a forma com
que eles conduzem cada etapa, o olhar e o manejo desses profissionais, trazem contribuições
para todos os envolvidos.

Conclusão
A presente pesquisa possibilitou ouvir as famílias e dar a elas a oportunidade de falar
sobre o processo de adoção, seus sentimentos e angústias. Nesse sentido, através dos relatos
das famílias adotantes e dos profissionais de psicologia, os objetivos da pesquisa foram
atingidos. A pesquisa possibilitou conhecer como se dá a transição dos adotados que se
encontram institucionalizados para uma nova família, em um novo lar, além das atividades e
técnicas utilizadas como recursos pelo (a) psicólogo (a) para a efetivação da adoção.
No decorrer da pesquisa, alguns percalços sobre os cadastros de adoção foram
identificados, pois a maioria das famílias repassadas pelas as famílias inicialmente
entrevistadas, foram realizadas antes do Cadastro Nacional de adoção, na qual as mesmas não
tiveram a contribuição do (a) psicólogo (a) junto a equipe, mas relataram que hoje o
acompanhamento é completo, pois só tiveram a participação da assistente social e judiciário,
que na visão delas, são mais técnicos, o que possibilitou mais angústia e ansiedade durante o
processo, que é difícil e longo.
A pesquisa trouxe um leque de conhecimentos sobre nosso fazer enquanto profissional
dentro da instituição de acolhimento, assim como, em todas as etapas do processo de adoção.
Ainda nos deparamos com a dificuldade de material teórico sobre o tema trabalhado,
principalmente no que tange à visão dos adotantes, mas as entrevistas com as famílias e com os
profissionais que já atuaram e atuam nesse contexto de acolhimento contribuiu, para entender
a perspectiva de cada um, podendo ouvir os dois lados, como realmente funciona e o que
corrobora ou não a teoria
É difícil mensurar a transformação e crescimento pessoal e profissional diante de cada
relato, história, vivenciado e experienciado durante toda pesquisa e na construção da escrita.
Pôde-se verificar que é um tema que precisa de mais pesquisas, ampliando para ouvir também
os adotados, o judiciário sobre o processo de adoção, destituição do poder familiar e a percepção
da contribuição do profissional de psicologia inserido nesse processo. Há urgente necessidade
de falar mais sobre essa temática para que as mudanças aconteçam e se tenha mais agilidade na
resolução de cada caso, priorizando o bem-estar das crianças e adolescentes, para que seus
direitos sejam protegidos e assegurados.
No decorrer da realização da pesquisa, foi vívida a afetação da pesquisadora com os
participantes em seus relatos e histórias. E foi através de cada etapa na construção desse trabalho
que posso colocar que a pesquisa é relevante não só para a nossa formação como profissional
de psicologia, vai muito além, perceber que a atuação do psicólogo dentro desse contexto faz a
diferença e que trazem contribuições positivas para todos os envolvidos antes do processo,

750
assim como em todas as etapas.

Referências
Alvarenga, L. L. & Bittencourt, M. I. F (2013). A delicada construção de um vínculo de filiação:
o papel do psicólogo em processos de adoção. Pensando famílias(17),1, p.41-53, Porto
Alegre.
Bardin, L. (1979). Análise de conteúdo (L. A. Reto, e A. Pinheiro, trad.) São Paulo, SP Edições
70.
Brasil (2017). Estatuto da Criança e Adolescente: Lei n.8.069 de 13 de junho de 1990.
Brasil (2018). Estatuto da Criança e Adolescente: Lei n.8.069 de 13 de junho de 1990.
Legislação Pertinente – Revisto e atualizado.
Conselho Federal De Psicologia- CFP (2008). Adoção: um direito de todos e todas. Brasília.
Gil, A. C. (2006). Como elaborar projetos de pesquisa. ed 4. Atlas - São Paulo: Saraiva.
Manzini, E. J. (1990/1991). A entrevista na pesquisa social. Didática, São Paulo, v. 26/27,
p.149-159.
Mariano, F. N. & Rossetti-Ferreira, M. C. (2008) Que perfil da família biológica e adotante e
da criança adotada revelam os processos judiciais? Psicologia Reflexão e Crítica(21),1,
p.11-19.
Minayo, M. C. S & Sanches, O. (1993). Quantitativo-qualitativo: oposição ou
complementaridade? Cadernos de saúde pública(9), p. 237-248.
Reis, A. M., Da Silva Leite, C. M. & Mendanha, É. C. C (2017). A importância do psicólogo
jurídico nas práticas de adoção. Revista de Magistro de Filosofia(X), 22, p 28-43.
Siqueira, A. C. & Dell’aglio, D. D. (2011). Políticas públicas de garantia do direito à
convivência familiar e comunitária. Psicologia & Sociedade(23), p. 262-271.
World Health Association (1994). Division of Mental Health. Qualitative Research for Health
Programmes. Geneva: WHA.
GRUPO DE ESTUDOS, FORMAÇÃO E PSICOLOGIA SOCIAL DOS SERTÕES DE

751
CRATEÚS: TERRITORIALIDADES EM PRODUÇÃO.

Kevin Samuel Alves Batista


Thaís Felix Cruz

Introdução
O Grupo de Estudos em Psicologia(s) Social(is) – GEPS, surge da demanda
institucional de dar corpo a busca por continuidade nos estudos em Psicologia Social iniciados
nas disciplinas Psicologia Social I; Psicologia Social II; Psicologia Comunitária e Prática
Integrativa II do curso de Bacharelado em Psicologia da Faculdade Princesa do Oeste, Crateús-
CE. A partir dos diálogos entre as envolvidas, visualizamos a possibilidade de formalização de
um grupo de estudos que abrangesse as várias estudantes e profissionais da região em suas
temáticas de interesse dentro do escopo da Psicologia Social contemporânea.
Deste modo, a proposta surge como um dispositivo de ensino-aprendizagem com
prospecções políticas, possibilitando inserções junto aos movimentos de lutas nas realidades da
região do Sertão de Crateús. Os estudos foram desenvolvidos em alinhamento à Psicologia
Social Crítica (Lima & Lara, 2014). Com um intento emancipador das tradições positivistas e
objetivistas das ciências, esta perspectiva privilegia as dimensões políticas e subjetivas como
processos históricos, dialogando, no Brasil, com as contribuições de Silvia Lane (1984) e
Antônio da Costa Ciampa (1984; 1987), para assim, atuar em processos de emancipação
humana e lutas por transformações individuais e sociais.
De acordo com Lima, Ciampa e Almeida (2009), trabalhar com a Psicologia Social
criticamente orientada é, a partir da inspiração materialista histórico-dialético, questionar os
discursos dominantes. É assumir uma posição política frente a desigualdades, opressão e
controle humano. A partir desse referencial de práxis, as pesquisadoras adotam uma atitude
teórico-prática e ética, entendendo-as como instâncias indissociáveis. Promovendo, então,
produções acadêmicas como propostas de releitura, reinterpretação e revolução possíveis da
sociedade.
Diante do exposto, buscamos fomentar um espaço de estudos e pesquisas que esteja
engajado com as lutas da Psicologia Social criticamente orientada. Neste sentido, o GEPS, se
constitui com os objetivos de formar espaço de discussões e estudos aprofundados nas diversas
temáticas da Psicologia social contemporânea; apresentar a Psicologia Social como campo de
estudos e pesquisas com caráter de engajamento político e comprometimento com a
transformação social; propiciar discussões sobre temáticas contemporâneas transversais
importantes para o cenário social da região dos Sertões de Crateús, possibilitando o desenvolver
de uma “Psicologia Social Crateuense”, engajada com as questões contextuais da região.
O grupo de estudo emerge como ferramenta institucional e para-institucional de
ampliação da atuação da psicologia social emergente na região e da própria psicologia como
saber em construção em um raio de aproximadamente 218 km no Sertão Oeste do Ceará.
Propiciando que estudantes envolvidas possam mergulhar em uma temática que lhes motiva,
foram levantadas discussões a fim de realizar posteriores pesquisas aprofundadas. Com seu
início no dia 18 de março de 2019, começamos uma discussão a respeito do papel da/o
psicóloga/o junto às lutas das maiorias populares invisibilizadas (Martín-Baró, 1997; 2017)
crateuenses. Neste contexto, foi necessário o contato com os movimentos de luta e da sociedade

752
civil organizada, como a Cáritas Diocesana de Crateús, o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST); com as aldeias indígenas das etnias Kariri, Calabaça, Potyguara e Tabajara,
abordando questões de suas identidades e territórios - urbanos e rurais - no município de
Crateús. Também, adentramos à discussão da precarização do trabalho e ausência de
reconhecimento da identidade de pescadoras e pescadores artesanais de açudes, bem como, a
pauta improrrogável da luta de comunidades em processo de desterritorialização face a
construção do empreendimento federal e estadual denominado “Barragem Fronteiras” em
andamento desde 2010 sobre o rio Poti, cerca de 27 km da cidade de Crateús.
Diante do anteposto, este relato de experiência tem como objetivos discorrer a respeito
do percurso do grupo de estudos GEPS, e debater sua importância na produção de saberes nos
âmbitos de formação das discentes de Psicologia do município de Crateús, e de transformação
social via engajamento às práticas de psicologia transformadora. Desse modo, a partir dos
estudos e atividades desenvolvidas ao longo de seu desenvolvimento, buscaremos demonstrar
a importância da atuação da psicologia social junto às populações urbanas e rurais
invisibilizadas do município de Crateús é uma atuação interdisciplinar e para-disciplinar na
lutas dessas populações.
O Conselho Federal de Psicologia (2019), em sua cartilha denominada “Referências
técnicas para atuação de psicólogas (os) em questões relativas à terra”, pontua que a psicologia
deve agir ao lado dos indivíduos que resistem aos retrocessos estruturais e sociais, estes
conquistados com muito confronto e sofrimento pelas maiorias populares oprimidas. Desta
forma, torna-se fundamental denunciar as lutas dessas classes e participar das lutas, para assim,
tornar possível superar a visão elitista que gira em torno da profissão e de suas práticas,
fortificando a ideia de uma Psicologia comprometida e transformadora.
Neste sentido, a Psicologia como profissão vem se engajando e estabelecendo
compromissos e articulações com a ideias, interesses e movimentos de luta e questões sociais
existentes nos territórios brasileiros, como o Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), demonstrando que a Psicologia pode colaborar com a luta desse movimento,
com questões relacionadas a saúde mental e bem estar, mas também em pontos voltados a
resolução de conflitos, cooperativismo e avaliação de política públicas, por exemplo. Nestes
contextos, o profissional psicólogo deve buscar promover um espaço propício para a luta ao
lado das populações conhecidas como minorias, auxiliando o povo na luta pela garantia de seus
direitos, pleno exercício de cidadania, se colocando contra toda e qualquer injustiça
(Albuquerque, 2002). E este movimento se evidencia quando o código de ética profissional
estabelece um princípio fundamental para a atuação que “O psicólogo baseará o seu trabalho
no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser
humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos”
(CFP, 2005. p.7).
Ximenes e Junior (2013) destacam ainda esses estudos como um desafio, haja vista que,
trata-se de um processo complexo de desconstrução dos paradigmas. Partem de um rompimento
com uma psicologia elitista utilizada aos moldes urbanocêntricos, para assim produzir uma
aproximação com os modos de vida e realidades interioranas. A realidade vivenciada nesses
contextos aponta a necessidade de mais estudos e práticas contextualizadas, para assim,
desenvolver teorias e práticas em contextos rurais salutares e consolidadas. Corroborando com
esta discussões, Dantas, Dimenstein, Leite, Torquato e Macedo (2017) denunciam as pesquisas
em contextos rurais ainda como precárias e que não englobam as necessidades e precariedades
dessas realidades. Faz-se, então, urgente a construção de produções acadêmicas acerca dessas
ruralidades.
753
Método
Este escrito trata de um relato de experiência das atividades desenvolvidas no grupo de
estudos em Psicologia(s) Social(is) (GEPS) durante o período 2019.1 e 2019.2 e em curso no
período de 2020.1. Utilizando o formato de rodas de discussão para operacionalização dos
textos nas atividades anteriormente predefinidas em planejamento semestral, cada encontro
contou com três facilitadores responsáveis, os quais orientavam a discussão e ficavam
responsáveis pelo manejo do encontro.
Acerca do levantamento de dados, seguimos os seguintes passos: (1) análise e estudo do
projeto de criação do grupo; (2) desenvolvimento de visitas à campo em comunidades
invisibilizadas indígenas e de localidades em situação de retirada de terras. Pautamos as
práticas na observação participante, que segundo Abib e Hayashi Junior (2013) não consiste
apenas em observar as ações do grupo ou comunidade em questão. Mas ao se valer dessa
metodologia, o observador compartilha experiências e participa das atividades desenvolvidas,
ou seja, o observador é ativo na investigação social.
FalsBorda (2015) entende a observação-participante como uma maneira de melhor
compreender o contexto histórico e social de grupos. Já que o pesquisador começa a fazer parte
do processo grupal, compartilhando das mesmas experiências que os demais, atuando de
maneira sensível e compreensiva, desta forma o investigador conseguirá desenvolver
percepções fieis e realizar descrições condizentes com a realidade estudada; (3) e coleta da
opinião dos participantes a respeito das atividades desenvolvidas ao longo do semestre
acadêmico.
E ao analisar dos dados recorremos a uma revisão bibliográfica de cunho narrativo que
consiste em discutir e descrever a respeito da temática escolhida, na perspectiva teórica ou
contextual, abordando a questão de forma sucinta. Com isso, essa categoria possui um papel
importante na educação continuada já que permite aos indivíduos uma possibilidade de
atualizar e adquirir novos conhecimentos a respeito da área de interesse em um curto espaço de
tempo (Rother, 2007).
Para tanto, foi realizada uma análise na literatura com base em capítulos de livros,
artigos de revistas eletrônicas, manuais, matérias de jornal e sites, utilizando a perspectiva da
Psicologia Social Crítica como lente de análise e no desenvolvimento de um solo teórico para
o embasamento das discussões.

Resultados e Discussões
O grupo de estudo em psicologia(s) social(is) – GEPS, surge com a proposta de
compreender e discutir temas emergentes em psicologia social. E nesse viés, busca de forma
provocativa e insurgente construir uma “psicologia social crateuense”, psicologia esta
implicada com as questões da região dos sertões de Crateús e Inhamuns, suas produções de
subjetividade, seus povos e lutas em seus territórios. Crateús é uma cidade cearense, localizada
a 350 km da capital com cerca de 76.000 habitantes (IBGE, 2019).
Como proposta inicial e primeiro movimento, os estudos giraram em torno da leitura
básica dos textos de Sílvia Lane e Codo (1984). Contudo, durante esse processo dialógico-
formativo do grupo, percebemos a importância em discutir sobre os contextos rurais, seus
aspectos constitutivos, produção de subjetividade, e como a psicologia social conversa com

754
essas realidades socioespaciais.
Neste contexto, a partir da utilização da metodologia ativa Roda de discussão,
mensalmente é elaborado um cronograma com os textos, seguindo as temáticas de interesse dos
integrantes, e a cada encontro semanal três participantes ficam responsáveis para facilitar as
discussões, proporcionando um ambiente de construção coletiva, gerando um movimento de
reflexão crítica, e auxiliando na compreensão das realidades através dos olhares da Psicologia
Social. Neste sentido, a metodologia ativa possibilita o retorno ao cenário e uma transformação
em suas ações acerca de uma determinada temática (Paranhos & Mendes, 2010).
Em um segundo movimento, o grupo vem ocorrendo em constante metamorfose, com o
intuito de produzir conhecimentos contextualizados, e não apenas importar produções de outros
territórios de conhecimento. Para essas reflexões, utilizamos como fonte primordial o livro
“Psicologia e contextos rurais” de Jáder Ferreira Leite e Magda Dimenstein (2013),
especificamente utilizamos o capítulo de Jáder Ferreira Leite, João Paulo Sales Macedo, Magda
Dimenstein e Cândida Dantas (2013) conversando a respeito da formação em Psicologia para a
atuação em contextos rurais e o capítulo de Verônica Morais Ximenes e James Ferreira Moura
Júnior (2013) relacionado a psicologia comunitária e comunidades rurais do Ceará: caminhos,
práticas e vivências em extensão universitária. Para uma aproximação com as realidades
comunitárias específicas da região.
Recorremos também em terceiro momento a escritos que narrassem o contexto histórico
do município de Crateús utilizando como base teórica o texto “Arquiteto da memória: Uma
memória de Crateús” de Antônio Torres Montenegro (2004) e “Paróquia e diocese de Crateús”
de Flávio Machado e Silva (2012) estes discorrem a respeito da chegada, percursos e
contribuições do líder religioso da igreja católica popular Dom Fragoso. Este atuou em diálogo
a teologia da libertação e perspectiva das comunidades eclesiais de base e junto às populações
oprimidas de Crateús, realizando trabalhos de base com agricultoras e agricultores, acolhendo
e convidando com prostitutas em um movimento de enfrentamento a estigmatização. Ainda,
lutou pela reforma agrária e questões étnicas da região. O livro de Flávio Machado e Silva
(2012) denominado “Crateús, lembranças que marcaram história” trouxe grandes contribuições
para as discussões sobre o contexto histórico do município com os textos “Crateús e a revolução
de 1964”, bem como nesta mesma linha, “Os revoltosos em Crateús”.
Este mergulho nas narrativas de Crateús possibilitou uma aproximação com as
realidades dos assentamentos, movimentos sociais, militâncias, etnias questões raciais e
comunidades tradicionais dos territórios.
Como recurso complementar, também acessamos mídias audiovisuais como estratégia
para melhor compreensão dos fenômenos estudados. Um dos documentários utilizados como
referencial foi o de Francis Vale (2011) denominado “Dom Fragoso” o cineasta realizou
entrevistas com Dom Fragoso e com pessoas que com ele conviviam, com o objetivo de
compreender o caminho percorrido pelo 1° Bispo Diocesano de Crateús, o qual ganhou
destaque por lutar arduamente pelos direitos dos excluídos socialmente em meio a uma ditadura
militar no Brasil. O documentário demonstra o papel da igreja popular no processo
enfrentamento à colonização nacional e o quanto os líderes religiosos que possuíam ideais
semelhantes as de Dom Fragoso sofriam fortes repressões por se colocarem contra o sistema.
Esse documentário possibilitou uma visão detalhada da atuação do Bispo em Crateús no período
de 1964 a 1994 e evidenciando a importância de suas ações para essa população interiorana que
repercutem até hoje.
Também recorremos ao documentário “Ciampa: A construção de uma teoria” produzido

755
pelo Conselho Regional de Psicologia SP (2019) que apresenta a vida e história de Antônio da
Costa Ciampa e todo o percurso da criação de sua teoria da identidade. Esse material faz parte
do projeto História e memória da psicologia em São Paulo. Com esse momento, buscamos
compreender o conceito de identidade exposto por Ciampa com o objetivo de visualizar a
influência do meio para a formação social do sujeito, levando em consideração nossos estudos
relacionado ao empreendimento “Barragem lago de Fronteiras”.
Para além da formação em grupo de estudos, o GEPS teve incursão extensionista, tendo
em vista a complexidade do território e as possibilidades de aproximação com os movimentos
de luta do território. Neste percurso, nos aproximamos da Cáritas Diocesana de Crateús,
entidade regida junto a igreja Católica que seguem o legado de Dom Fragoso, objetivando
defender o bem-viver, promovendo uma solidariedade libertadora, trabalhando com o
empoderamento da comunidade, principalmente junto a pessoas em situação de exclusão social
e assim, auxiliando na promoção de novas perspectivas de vida (Cáritas Diocesana de Crateús,
online, 2020). Aqui podemos destacar o projeto “Pescadoras e pescadores artesanais
construindo o bem viver” responsável por proporcionar um espaço de discussão e formação
capacitando jovens e mulheres, empenhando-se consolidar implicação e desempenho das
mesmas nesta atividade (Cáritas Diocesana de Crateús, online, 2020).
Os Sertões de Crateús nas últimas décadas vêm sofrendo arduamente com o problema
da seca. O empreendimento Barragem de Fronteiras é promovido como uma “solução” para
amenização do problema. A região escolhida para a construção do lago artificial atinge em sua
maioria as populações rurais, comunidades camponesas historicamente construídas a partir de
sucessivas lutas pelo direito à terra. Diante desse cenário, houve uma aproximação ao Grupo de
Estudos e práticas interdisciplinares em Agroecologia – GEPIA vinculado ao curso de
Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Ceará, campus Crateús e ao curso de
Geografia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE, campus
Crateús. Com isso, foi possível ao grupo engajar-se nas pautas de luta pelo direito à terra pela
via da mobilização social. Esta articulação possibilitou visitas às comunidades atingidas,
diálogos e reuniões periódicas com as lideranças locais, buscando observar como e em que
dimensões as subjetividades sertanejas estão sendo afetadas diante da remoção das
comunidades, desterritorialização das famílias.
A aproximação com os contextos rurais ampliou reflexões e aprofundamentos nos
estudos sobre produção de subjetividade em contextos rurais. As realidades de sujeitos
camponeses em situação de retirada de suas terras, efeitos da construção da Barragem de
Fronteiras, requerem, portanto, maior aproximação da prática profissional, uma vez que esta
propicia às/aos acadêmicas/os aprendizagens significativas, construção de conhecimentos de
acordo com a realidade estudada, auxiliando no desenvolvimento de habilidades e atitudes, com
responsabilidade e autonomia (Paranhos & Mendes, 2010).
Quando a discussão é transformação social, logo remete-se a Sílvia Lane (1984). Esta
professora, símbolo da construção da psicologia social Crítica no Brasil é responsável por
desenvolver uma Psicologia associada com as realidades locais, comprometida com interesses
dos sujeitos invisibilizados, e propõe uma psicologia eminentemente brasileira, questionadora
do modelo hegemônico norte-americano eurocentrado, fragmentado e ideológico. Silvia Lane
desenvolve que é necessário trabalhar a transformação da realidade social através da formação
de novos pesquisadores, formas de fazer psicologia, assim como, novas formas de ensino e
pesquisa, provocando psicólogas e psicólogos sociais e se implicarem enquanto agentes
transformadores, promotores de emancipação social (Lane & Codo, 1984; Lane, 2006). E neste
veio, seguimos o caminhar da construção de uma psicologia social dos Sertões de Crateús,
fazendo valer a concepção de homem em movimento, produto e produtor histórico. Uma

756
atuação em psicologia social percebendo-a como construto teórico-prático implicado com as
realidades locais, suscitando o exercício de pesquisa-ação e revisão teórico-metodológica
constantes.
A exemplo deste exercício, foram desenvolvidos os trabalhos “Implicações de uma
proposta de “Psicologia Social Crateuense” e seus desdobramentos nos contextos dos Sertões”
(2019); “O Grupo de Estudos em Psicologia(s) Social(is), seus rumos e percursos no ensino
superior dos sertões de Crateús: uma pesquisa de satisfação” (2019); “Uma aproximação da
Psicologia com a realidade de construção da Barragem de Fronteiras nos Sertões de Crateús:
um relato de experiência” (2019); “Movimento dos trabalhadores rurais sem terra em Crateús:
Assentamentos, acampamentos e suas pautas de luta sob a ótica da Psicologia Social” (2019);
“Precisamos falar ‘About Chicos’: Narrativas de homens gays, corpos contra hegemônicos e
homoafetividade em um projeto fotográfico” (2019); “Projeto Pescadoras e pescadores
artesanais construindo o bem viver: Uma analíse da promoção de saúde mental, através do bem
viver e da afirmação social” (2019); e “As possibilidades de atuação da/o psicóloga/o
comunitária/o: Processos, ferramentas e fundamentos teórico-práticos da psicologia
comunitária” (2019).
Nestas discussões, obtivemos reflexões pertinentes ao exercício de uma psicologia
orientada por um que fazer desideologizador. Fazer este engajado com o processo
revolucionário e com intento emancipador das maiorias populares invisibilidades. Com isso,
buscamos desconstruir princípios impostos aos povos oprimidos, e afirma que fazer Psicologia
social é assumir a perspectiva do povo, trabalhar com este, em um diálogo constante com suas
demandas e necessidades (Martin-Baró, 2007). Assim, intentamos romper com os conceitos pré
estabelecidos sobre essas maiorias invisibilizadas, para provocar estudos sistemáticos a respeito
destas realidades, comprometendo-se com o processo de emancipação desses indivíduos.
Silveira, Freitas e Coutinho (2012) afirmam que a criação de um grupo de estudos surge
como uma estratégia de ensino que busca facilitar a compreensão de temáticas de interesse
comuns aos indivíduos. Este ambiente possibilita às membras uma nova perspectiva diante dos
fenômenos estudados, a partir do estudo coletivo e o compartilhamento de pontos de vista,
fortalecendo o processo de aprendizagem. Com a ampliação dos saberes científicos na área de
interesse dos participantes, o grupo inicia um movimento de (des)construção de um saber antes
pré estabelecido, tornando-se capaz de opinar e ressignificá-los. Nesta perspectiva, a psicologia
social desenvolvida no e através do GEPS se tornou ponto de tensionamento acerca da produção
da psicologia social desenvolvida diante do cenário de lutas populacionais de Crateús,
provocando a uma reflexão de Psicologia Social eminentemente “crateuense”.
A conexão entre teoria e prática surge como uma forma de analisar criticamente o saber
psicossocial e repensar articulações que possam proporcionar o desenvolvimento de pesquisas
que promovam a elaboração e aperfeiçoamento de novas teorias e que essas possam contribuir
com as mudanças sociais (Ciampa, Ardans & Satow, 1996, como citado em Lima, Ciampa &
Almeida, 2009, p. 227). A partir desta Práxis da Psicologia social, há indissociabilidade entre
estudos e realidades, “a prática é o fundamento da teoria e a teoria é a reflexão da prática, . . . a
reflexão teórica careceria de possibilidade transformadora” (Lima, Ciampa & Almeida, 2009.
p.230).
Nestes termos, compreendemos que produção da subjetividade está diretamente ligada
a raízes afetivas com o espaço em que esses indivíduos habitam, de forma a produzir vínculos
emocionais entre os moradores (Dimenstein & Leite, 2013). No entanto, ao mesmo tempo em
que esse espaço é um ambiente de produção de subjetividade, também é um lugar que padece
as opressões, seja por caráter de ausência de aprofundamento reflexivo e problematização da

757
realidade, seja por construções culturais e históricas silenciadoras. Nesta reflexão, os membros
do GEPS, após o movimento de inserção ao campo, ressaltaram que este aprofundamento gerou
um movimento de desconstrução das ideias pré-estabelecidas sobre os sertões e as
subjetividades sertanejas e construção de desejo por aproximação e reconstrução de sentidos
sobre territórios tão próximos, mas paradoxalmente distantes.
Esse movimento de troca de percepções e experiências traz um avanço ao processo de
ensino/aprendizagem, para que os participantes não absorvam apenas o conhecimento cultura
acerca da temática abordada, mas, também desenvolva opiniões e críticas, iniciando o processo
de compreensão de seu papel como ator social, ou seja, transformador de sua história (Pinto,
2014).

Considerações finais
A psicologia ainda limita-se a poucas produções e estudos voltados às ruralidades. Foi
a partir da interiorização dos cursos de psicologia que se fez necessário pensar em um novo
fazer da profissão seguindo o contexto dos territórios e populações. O exercício profissional da
Psicologia no meio rural comprometido com maiorias populares invisibilizadas torna-se uma
tarefa necessária para o avanço da profissão relacionado a contribuir com a transformação
social. Desta forma, a inserção da psicologia social nesse contexto é imprescindível, tendo em
vista que retrata um ambiente em situação de agravamento dos problemas sociais estruturais.
A inserção nas comunidades juntamente com as teorias relacionadas a essa temática
possibilitaram compreender que a profissional psicóloga não deve limita-se ao espaço da
clínica. Além disso, proporcionou às estudantes uma compreensão a respeito da construção das
subjetividades na dialética urbano-rural, possibilitando um olhar diferenciado para as realidades
camponesas, a partir de um lugar de práxis e implicação, a Psicologia passa a ser uma prática
comprometida, orientada por um que fazer ético de lutas pela resistência e emancipação de
populações oprimidas. Desta forma, as inserções comunitárias junto aos estudos voltados às
ruralidades e realidades Crateuenses, possibilitam às discente uma nova perspectiva relacionada
à atuação no campo da psicologia, desconstruindo e construindo novas ideias.
Assim, articulando, as temáticas debatidas e os frutos do percurso grupal com
pressupostos teóricos sobre a práxis da psicologia social e o desempenho acadêmico,
consideramos este componente importante para uma profissional crítica.

Referências
Abib, G. H. N. & Hayashi Junior, P. (2013). Observação participante em estudos de
administração da informação no Brasil. Revista de Administração de Empresas, 53(6), 604-
616. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0034-759020130608 acesso em 10 de Março
de 2020.
Albuquerque, F. J. B. D. (2002). Social psychology and rural life in Brazil. Psicologia: Teoria
e Pesquisa, 18(1), 37-42. Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
37722002000100005&script=sci_arttext acesso em 19 set 2019.
Cáritas Diocesana de Crateús (2020 fevereiro 20). Projeto Pescadoras e pescadores artesanais
[site]. Recuperado em https://ww2.caritasdecrateus.org/pescadoras-e-pescadores-
artesanais/.
Cáritas Diocesana de Crateús (2020 fevereiro 20). Quem somos? [site]. Recuperado em

758
https://ww2.caritasdecrateus.org/quem-somos/.
Conselho Federal de Psicologia. (2005). Código de ética profissional de psicólogo. Brasília:
Conselho Federal de Psicologia.
Conselho Federal de Psicologia. (2019). Referências técnicas para atuação de psicólogas
(os) em questões relativas à terra. Brasília: Conselho Federal de Psicologia.
Dantas, C. M. B., Dimenstein, M., Leite, J, F., Torquato, J, & Macedo, J, P. (2017). A
Pesquisa Em Contextos Rurais: Desafios Éticos E Metodológicos Para A Psicologia.
Psicologia & Sociedade, 30, e165477. Recuperado em 12 de jan 2020.
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2018v30165477.
FalsBorda, O (2015) Cómo investigar la realidad para transformar. In O, Fals Borda. Una
sociología sentipensante para América Latina. México, Siglo XXI Editores ; Buenos Aires
: CLACSO. P. 253 - 302
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019). População de Crateús: estimativa
em 2019. Recuperado em 12 de dezembro de 2019 de
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/crateus/panorama.
Lane, S. T. M., & Codo, W. (Orgs.) (1984). Psicologia Social: O homem em movimento. São
Paulo: Brasiliense.
Lane, S, T, M. (2006). O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense.
Leite, J. F., Macedo, J. P.S., Dimenstein, M., Dantas, C. (2013). Formação em Psicologia
para a atuação em contextos rurais. In Leite, J, F; Dimenstein, M (ORG).Psicologia e
Contextos rurais. Natal. EDUFRN – Editora da UFRN. p. 453 – 476.
Leite, J. R & Dimenstein, M. (Orgs.). (2013). Psicologia e contextos rurais. Natal. Editora
UFRN.
Lima, A. F de. (org.) (2013). Psicologia Social Crítica: paralaxe do contemporâneo. Porto
Alegre: Sulina.
Lima, A. F. de., Ciampa, A. C. & Almeida., J. A. M. de. (2009). Psicologia social como
psicologia política?: A proposta de psicologia social crítica de Sílvia Lane. Revista
Psicologia Política, 9(18), 223-236. Recuperado em 22 de feveiro de 2020, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-
549X2009000200004&lng=pt&tlng=pt.
Lima, A. F. de & Lara, J. (2014) Metodologias de pesquisa em psicologia social crítica. Porto
Alegre: Sulina.
Martin-Baró, I. (2017) A desideologização como contribuição da Psicologia Social para o
desenvolvimento da democracia na America Latina. In Crítica e Libertação na
Psicologia: Estudos Psicossociais. Petrópolis, Vozes. 25-29.
Montenegro, A. T. (S/d) Arquitetos da Memória: Uma memória de Crateús. Pernambuco.
Paranhos, V. D. & Mendes, M. M. R. (2010). Currículo por competência e metodologia ativa:
percepção de estudantes de enfermagem. Revista Latino-Americana de Enfermagem,
18(1), 109-115. https://doi.org/10.1590/S0104-11692010000100017
Pinto, M. F. R (2014). As relações interpessoais e a Aprendizagem. p. 1 – 31. Monografia

759
(Curso de Especialização Fundamentos da educação: Práticas pedagogicas
Interdisciplinares) – Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Paraíba. Recuperado em
20 de dezembro de 2020 de
http://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/10249/1/PDF%20-
%20MARIA%20DE%20F%C3%81TIMA%20ROQUE%20PINTO.pdf
Psicologia, Conselho regional SP (2019 fevereiro 20). Ciampa: Construção de uma Teoria
[Arquivo de vídeo]. Recuperado de https://www.youtube.com/watch?v=-
B50a0fa7IE&t=56s
Rother, E, T. (2007). Revisão sistemática X revisão narrativa. Acta Paulista de Enfermagem,
20(2), v-vi. https://doi.org/10.1590/S0103-21002007000200001
Silva, F, M e (2012). Crateús e a Revolução de 1964. In F, M e Silva (2012). Crateús,
lembranças que marcaram a história. Fortaleza. Ed. Premius. 53 - 56.
Silva, F, M e (2012). Os Revoltosos em Crateús. In F, M e Silva (2012) Crateús, lembranças
que marcaram a história. Fortaleza. Ed. Premius. 9-14.
Silva, F, M e (2012). Paróquia e Diocese de Crateús. In F, M e Silva (2012). Crateús,
lembranças que marcaram a história. Fortaleza. Ed. Premius. 71 - 74.
Silveira, B. R., Freiras, F. L & Coutinho, L. L. (2012). Grupos de Estudos em comunicação:
uma experiência de formação discente - GEISC. Sessões Do Imaginário, 17(28), 94–100.
Recuperado em 22 de fevereiro de 2020, de
http://web.a.ebscohost.com/ehost/pdfviewer/pdfviewer?vid=14&sid=9ef21310-1653-
465a-998e-1c2fc0e474e8%40sessionmgr4007.
Sousa, E. A. de (2009). Silvia Lane: uma contribuição aos estudos sobre a Psicologia Social
no Brasil. Temas em Psicologia, 17(1), 225-245. Recuperado em 22 de feveiro de 2020,
de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
389X2009000100018&lng=pt&tlng=pt.
Vale, F (2012). Dom Fragoso [Arquivo de video]. Recuperado de
https://www.youtube.com/watch?v=bZjMbxNRfDw.
Ximenes, V. N. & Junior, J. F. M. (Orgs.). (2013). Psicologia Comunitária e Comunidade
rurais do Ceará: Caminhos, Práticas e vivências e extensão universitária. In: J, F, Leite;
M, Dimenstein. Psicologia e Contextos rurais. Natal. EDUFRN – Editora da UFRN. 453
– 476.
EXPROPRIAÇÃO E EXTERMÍNIO: UMA ANÁLISE SOBRE OS LIMITES E AS

760
IMPLICAÇÕES DA PSICOLOGIA NO CONTEMPORÂNEO

Marcos Antonio de Sousa Rodrigues Moura


Adria Miranda de Abreu

Introdução
A História oficial da Psicologia faz questão de ressaltar seu nascimento em um contexto
de aproximação com as Ciências Naturais, baseada no paradigma positivista. Tal aproximação
pode ser vista como uma tentativa de garantir seu enquadramento nos critérios de cientificidade
de sua época. Tentativa essa que ainda hoje algumas vertentes de Psicologia se esforçam para
conseguir. Foucault (2010a) traça uma análise dos primeiros 100 anos de Psicologia – de 1850
a 1950 – e busca apresentar e problematizar suas principais influências e derivações. A
Psicologia, principalmente na segunda metade deste século de existência, como fala o autor,
tenta se afirmar enquanto ciência que procura sentidos para as faltas, as patologias e os
esquecimentos, mesclando-se com Ciências Naturais como Física, Química e Biologia.
De 1950 para cá, muitas transformações aconteceram, tanto no mundo quanto nas
formas de conceber e atuar em Psicologia. Algumas vertentes da Psicologia mais alinhadas às
matrizes cartesianas e transcendentais de produção de saber, ligadas às Ciências Naturais,
continuaram a prosperar. Surgiram também outras vertentes, menos aproximadas a estas, que
se voltaram para o campo social e comunitário.
Este cenário evidencia a pluralidade da Psicologia, e partindo dele é bastante
interessante a discussão que Figueiredo (1993) traz a respeito da multiplicidade de vertentes
desta ciência e profissão. O autor traz tal problematização para pensar possibilidades – ou a
impossibilidade – de criação de uma identidade profissional e de representação enquanto
categoria em meio à pluralidade de referenciais teórico-metodológicos e de práticas em
Psicologia.
Em nosso trabalho, partimos da trilha que Figueiredo apontou para pensar não a
identidade profissional da Psicologia, mas sim as suas implicações frente a problemáticas que
se colocam para nós, enquanto profissionais, no contemporâneo. Entendendo aqui
contemporâneo enquanto intempestivo, na trilha do que propõe Agambem (2009), enquanto
atitude de estranhamento frente aos problemas que nos aparecem.
É nesse sentido, que intentamos ampliar as discussões feitas a respeito das implicações
da Psicologia no contemporâneo e também fazer circular textos com esta proposta de
problematização em tempos de avanço de políticas de extermínio e que visam expropriar e
devastar ainda mais a vida e a diversidade. Entendemos que a Psicologia produz técnicas e
condições de inteligibilidade que podem servir ao governo, em seu sentido de condução das
condutas (Rose, 2001), e que rumam no sentido da expropriação e do controle. Mas que, por
outro lado, pode servir também para a produção de linhas de ruptura (Deleuze & Parnet, 1998),
que abrem para a construção de outros sentidos e possibilidades de atuação frente aos problemas
que nos são contemporâneos.
Assim, objetivamos discutir e problematizar as implicações da Psicologia frente às
questões suscitadas no contemporâneo. Para tanto, abordamos questões relativas a povos e
comunidades tradicionais (PCT) e também ao bio e necropoder na contemporaneidade enquanto
intercessores (Deleuze, 1992) para a atuação em Psicologia. A partir disso, percorremos uma
linha narrativa onde problematizamos as matrizes que constituem alguns dos referenciais

761
teórico-metodológicos da Psicologia e como o acionamento de uma ou outra matriz reverbera
em suas possibilidades de atuação e intervenção. A fim de dar corpo à discussão, utilizamos a
produção da literatura que é pertinente ao assunto e também produções musicais, para disparar
algumas questões.

Desenvolvimento

- A expropriação e os povos e comunidades tradicionais


Inicialmente, falaremos um pouco sobre os povos e comunidades tradicionais (PCT). A
seu respeito é interessante trazermos uma explanação breve sobre seus modos de vida e também
uma definição, que não deve ser entendida como modelo ou ideal de PCT, mas tão somente
uma forma provisória de caracterização destes.
Em relação a tal definição do que seriam os PCT, Carvalho e Macedo (2018), na linha
do que propõe o Decreto 6040/2007, vão dizer que tais povos podem ser caracterizados como
grupos que mantêm uma relação culturalmente diferenciada, possuem relações próprias com o
território, relações estas que estão diretamente ligadas à sua reprodução cultural, social,
religiosa, ancestral e, dessa maneira, mantêm condições econômicas, sociais e culturais
particulares. É importante ressaltar também que outro elemento que os caracteriza são suas
tradições, que são transmitidas de geração em geração. A distinção dos modos de ser e de estar
no espaço caracterizam os povos e comunidades tradicionais, conferindo a eles direitos e
identidades próprias (Minas Gerais, 2014).
Em relação a seus modos de vida, no que se refere à noção de território, ele é visto como
algo além do espaço físico, chegando a uma dimensão simbólica, uma vez que tal noção é
permeada de momentos ou fatos históricos presentes na memória grupal. Pensar os sistemas de
produção dos povos e comunidades tradicionais é pensar em relações de troca e solidariedade
entre famílias, sendo assim relações de parentesco e companheirismo. Eles operam segundo
princípios de liberdade e autonomia. Sua produção, seja através do plantio, criação, coleta,
artesanato, pesca, entre outros, é reconhecida por lógica e ritmo próprio (Minas Gerais, 2014).
Tais povos estabelecem profunda relação com o território de modo a vivenciar e
apreender os saberes locais, construindo assim seus modos de vida com visão de homem e de
mundo próprios. É válido ainda destacar a importância dos saberes tradicionais, dos recursos
materiais e imateriais, e também da maneira que acontece o uso dos recursos naturais. Nesse
sentido, a luta por reconhecimento e garantia de direitos toma forma para reduzir as
desigualdades sociais que assolam tais povos (Minas Gerais, 2014).
No que tangue a garantia de direitos referentes aos PCT, é possível perceber que seus
modos de vida e a maneira como conduzem a sua convivência com o território são distintos dos
modelos econômicos e de desenvolvimento em vigor na sociedade moderna e capitalística. A
situação enfrentada por muitas comunidades e povos tradicionais vai justamente de encontro a
uma lógica disciplinar e de homogeneização.
Como aponta Krenak (2019), grandes batalhas são encampadas a fim de
desterritorializar tais comunidades, tanto no sentido de direitos civis como de direito sobre a
terra. No caso de algumas comunidades indígenas brasileiras, por exemplo, para se ter acesso a
algum direito civil é necessário passar por um processo de homogeneização que não reconhece
as particularidades de cada etnia, desrespeitando assim sua memória.
Neste aspecto, o que se articula como um grande vetor de desterritorialização destes

762
povos são os discursos e as práticas desenvolvimentistas, que podem não ser significativos para
determinada comunidade, para determinado povo, visto que tais povos e comunidades operam
segundo outras formas de relação com o território e com a produção material e simbólica,
diferente da propagada pelo discurso modernizador. Em seus estudos, Carvalho e Macedo
(2018) apontam para quatro situações, das quais falaremos de apenas duas, onde se pode ver os
impactos destes discursos e práticas desenvolvimentistas na vida dos PCT.
Em um primeiro caso, no estado de São Paulo, vemos que as próprias leis de proteção
ambiental, por partirem de uma premissa de que a interação homem-natureza é sempre
catastrófica, acabam restringindo os modos de vida de comunidades tradicionais que lá viviam
há gerações e coabitavam o local com sua fauna e flora de maneira não predatória, em suma,
não catastrófica. No Espírito Santo, por sua vez, as práticas desenvolvimentistas acabam por
promover um avanço da monocultura e do agronegócio, o que afeta frontalmente a alimentação,
produção material e habitação dos PCT que lá vivem.
Por fim, Carvalho e Macedo (2018), ao analisar a produção acadêmica que trata da
interface entre povos e comunidades tradicionais e Psicologia, identificam alguns pontos a
serem levados em consideração. Em primeiro lugar, eles sinalizam que há poucos estudos que
tratam desta interface e os poucos que existem apresentam confusões conceituais e
metodológicas a respeito do que seriam os PCT e também não apresentam caminhos
metodológicos bem delimitados sobre como aprender com tais povos. Um segundo ponto a ser
observado é que, para algumas vertentes da Psicologia, entrar em contato com estes povos é um
exercício considerado difícil, que provoca grande estranhamento. Um último ponto que
ressaltamos é o fato de nossa ciência e profissão ainda ser predominantemente urbana, lançando
olhares tímidos para outras realidades.

- Extermínio, biopoder e necropoder


Nesse segundo momento, valemo-nos de produções musicais e também de textos da
literatura que versem sobre o assunto para trazer pontos de discussão pertinentes sobre
necropoder e o extermínio de determinadas populações. Escolhemos as músicas Tiro de
Misericórdia, Haiti e Boca de Lobo, de João Bosco, Caetano e Criolo, respectivamente, como
disparadoras de análises a respeito do bio e necropoder e do extermínio das populações negras
e pobres no Brasil.
Em relação às músicas, ambas pertencem a autores e épocas distintas, e foram
compostas em locais sociais diferentes. Mas o que converge nas denúncias que elas trazem?
Violência, morte e injustiça social. Mas essa tal injustiça, violência e barbaridade – como
cantam João Bosco e Caetano – não se aplica a todas as pessoas, a todos os contextos, a todas
as situações. Em especial o que tanto João Bosco, como Caetano e Criolo denunciam, em épocas
diferentes, apresentando fragmentos diferentes, é a violência contra o povo negro, às pessoas
que vivem nas favelas, aos pobres, e não só a eles. Tal violência se espalha para toda a sorte de
pessoas que possa ser considerada estranha, ociosa e perigosa. E o que se faz com essas pessoas?
Barbariza-se com mais de 100 tiros, afinal de contas “todos sabem como se tratam os pretos”
(Caetano). “Essa é a máquina de matar pobre” (Criolo).
As denúncias desses cantores podem nos fazer abrir o olhar para uma dimensão de
normalização, mas também de extermínio dos indesejáveis de uma sociedade, endossada,
formalizada e posta em prática pela “máquina de matar pobre”, de que fala Criolo. Tal máquina,
se seguirmos a linha de raciocínio de autores como Foucault (2010b) e depois Mbembe (2016),
pode ser entendida como o próprio Estado, que a partir de dispositivos de bio e necropoder

763
seleciona os estratos da população que devem ou não vingar, tanto deixando como fazendo
morrer. Em especial o Estado brasileiro é especializado em fazer girar tal máquina, na medida
em que mata, normaliza e exclui toda a sorte de pessoas que são consideradas ou fabricadas
para serem indesejáveis e abjetas.
Em seu estudo a respeito da lei em conflito com adolescentes, Jimenez e Frasseto (2015,
p. 405) são bastante elucidativos e categóricos em relação a isso ao afirmar que “o perfil
socioeconômico e demográfico deste grupo converge com aquele que vem sendo dizimado pelo
homicídio: são jovens, pobres, pardos/negros, de baixa escolaridade, vivendo nas franjas das
grandes metrópoles”. O grupo ao qual se referem os autores é o dos adolescentes que cumprem
algum tipo de medida socioeducativa. Vemos, com isso, que uma parte destes pretos, pobres,
periféricos e de baixa escolaridade está sendo morta e a outra encarcerada, disciplinada e
controlada de perto nos regimes de ressocialização.
Vemos ressoar essa problemática também nos estudos de Barros, Nunes, Sousa e
Cavalcante (2019), que tratam da criminalização, extermínio e encarceramento de jovens no
Brasil e, mais especificamente, no estado do Ceará. Nesse estudo, os/as autores/as, ao falarem
sobre o extermínio dos jovens e adolescentes negros, entendem e apresentam o termo
“envolvido”, bastante comum no vocabulário criminal e policial, como uma forma de
atualização e caracterização, no cenário em que realizam seu estudo, da figura do inimigo
ficcional, que vai ser construído enquanto ser perigoso, abjeto e matável. Atrelado a isso, dá-se
um processo de naturalização da morte de alguns segmentos da população em detrimento de
outros.
Assim, constrói-se a trama do bio e necropoder, tanto na medida em que são negados
ou é dificultado o acesso a direitos sociais como também na medida em que são construídos
estes espantalhos, como fala Mbembe, que servem para assustar as pessoas e que são
insistentemente tratados como pessoas sem importância, que podem ser mortos a qualquer
instante e por qualquer motivo.
Neste ponto, Barros, Nunes, Sousa e Cavalcante (2019) lançam a questão: como a
Psicologia poderia entrar neste debate? Os/as autores/as entendem que seria necessário, em
primeiro lugar, a realização de uma análise de suas implicações frente a questões como estas.
Além disso, frente ao que é suscitado seria pertinente também a realização de uma análise dos
referenciais da Psicologia, bem como do seu lugar de saber-poder, para assim, poder intervir de
maneira adequada nestas situações.

- Implicações e inquietações da e com a Psicologia no Contemporâneo


Tanto nas dificuldades pelas quais passam os PCT como no extermínio das populações
negras (bio e necropoder) o que pulsa, em um primeiro momento, é a questão do encontro com
outros modos de vidas. Pulsa aí também a questão da expropriação e negação de condições
básicas e mínimas para existir. Em um caso, o direito a uma relação digna com o território, que
para além de fazer parte da cultura dos PCT, faz parte do que eles são enquanto pessoas, é um
dos centros de gravidade de sua existência. No outro caso, o próprio direito à vida é que é
negado e sistematicamente apagado e retirado. Esbarramos nestes dois casos em situações
limítrofes.
Tais situações costumam ser bastante embaraçadoras para a Psicologia oficial na medida
em que esta se ampara em critérios de cientificidade para pautar suas formas de atuação. Estas
situações limítrofes, por seu turno, para serem pensadas de uma maneira mais produtiva,

764
carecem de um outro tipo de racionalidade, que não leve em consideração apenas tais critérios
de cientificidade, mas tragam para a discussão problematizações sobre a própria vida, suas
condições de constituição, de preservação e de valoração.
Nesse sentido, é que entendemos a necessidade de analisar e problematizar, na esteira
do que propõe Barros, Nunes, Sousa e Cavalcante (2019) e também Guareschi e Hüning (2007),
as implicações da Psicologia, e apresentar algumas considerações a este respeito.
De saída, partindo dos estudos de Guareschi e Hüning (2007), vemos como as autoras
apontam para o fato de que, desde uma perspectiva cientificista cartesiana, a Psicologia pouco
tem a tratar em relação a estes problemas. Esta Psicologia e seus adeptos, desse modo,
dificilmente poderão observar e estranhar o contato com o que seriam manifestações do bio e
necropoder, ou tendem a considerar um empecilho esse tal estranhamento, como no caso do
contato com povos e comunidades tradicionais.
Mas o que seria estranhar, questionar e inquietar-se sobre, com e a partir destes
problemas e campos de atuação? Em linhas gerais, seria analisa-los, buscar entender que lógicas
os sustentam, evidenciar tais processos não como naturais, mas como produzidos, como
fabricados por nossa sociedade, pelas relações que são construídas nela.
Diante deste entendimento, podemos tanto naturalizar e cristalizar tais relações, como
acompanhar e problematizar as linhas de força que as compõe. O caminho da naturalização e
do não estranhamento é mais comumente seguido. Contudo, é possível observar tais problemas
a partir da perspectiva das suas forças de constituição, o que requer um reposicionamento da
forma a partir da qual pensamos e construímos as possibilidades de atuação em Psicologia.
Assim, como a Psicologia poderia se implicar com as questões do extermínio de
populações ou com as situações vivenciadas pelos PCT? Ou antes: as matrizes de constituição
das diferentes vertentes de Psicologias possibilitariam uma implicação de suas vertentes com
tais questões? Uma questão que pulsa nestas indagações é uma questão de constituição de
referenciais e métodos. Referenciais e métodos de pesquisa e também de atuação. Em termos
de saber-poder, de construção de saberes e práticas, entendemos que para dar de conta de
questões como as que foram colocadas acima, tanto matrizes transcendentes como imanentes
de produção de conhecimento (Soares & Miranda, 2009) são acionadas e produzem estratégias
de atuação. Vejamos, então, algumas possibilidades de ver e intervir sobre estes problemas que
podem ser produzidas por diferentes abordagens da Psicologia, influenciadas por cada uma das
matrizes supracitadas.
Desde uma perspectiva metodológica transcendente, baseada em pressupostos
racionalistas e cartesianos, que cindem sujeito e objeto, a Psicologia deveria adotar uma postura
de neutralidade em relação aos problemas sobre os quais se debruça. A neutralidade deste
método não é passiva visto que requer um afastamento progressivo, sistemático e insistente de
seu objeto. Decorre daí uma separação entre sujeito e objeto e o que temos é uma pessoa que
se entende como sujeito de conhecimento, que acessa a verdade, e, do outro lado, outra pessoa,
que passa a ser tida como objeto, ou seja, ponto de aplicação do conhecimento e da verdade do
sujeito.
A maneira racionalista cartesiana de pensar naturaliza os fatos que são produzidos,
fabricados e atualizados constantemente pelas forças, codificações e sobrecodificações. O que
acontece, por detrás disso, na realidade, é uma forma de dominação na construção do saber, que
cria saberes válidos e outros menos válidos, descartáveis. Sujeitos aptos e, por outro lado,
sujeito inaptos e, em alguns casos, matáveis. Em suma, o que ocorre quando seguimos por esta
matriz é uma dominação das condições de produção de saber por quem é considerado sujeito e

765
operação do raciocínio por binarismos.
Contudo, esta vertente de produção de saber vem sendo criticada. Propõe-se, em seu
lugar, uma maneira de produzir saber a partir da imanência, rizomática. Um saber que se espalha
e se alastra, não se verticalizando. Um saber que deixa de separar sujeito e objeto e admite, ao
invés de sua separação, uma inseparabilidade entre ambos (Deleuze & Guattari, 1995).
Em resumo, desde um ponto de vista metodológico, as vertentes da Psicologia de
orientação transcendente tendem a implicar-se principalmente com comportamentos, condutas,
sensações, percepções, consciência, pensamentos, crenças, em suma, com o que se relaciona
com uma interioridade psíquica ou com o que se relaciona com condutas, que se materializam
nos comportamentos. Desde uma perspectiva rizomática, por outro lado, alinhada à noção de
produção das relações a partir das forças, entende-se que, para além destes construtos
infrapessoais, há também forças sociais, políticas, culturais, econômicas e artísticas que
constroem e modulam as formas de produzir e consumir subjetividades. Como vemos,
dependendo do referencial e do método escolhido, há diferentes formas e possibilidades de
implicação da Psicologia com os problemas que lhe são colocados.
A questão é que para dar de conta dos problemas que nos aparecem agora como
contemporâneos e que suscitamos acima, parece-nos insuficiente uma implicação apenas com
a interioridade psíquica e com os comportamentos, como sugeriria uma formulação cartesiana
e transcendente. Caso adotemos uma ética contemporânea, como propõe Agambem (2009), é
necessário ampliar o ponto de visão para além do infrapessoal ou mesmo do interpessoal, do
dentro e do fora da pessoa. É necessário olhar para a relação que se estabelece entre dentro e
fora, entre infra e interpessoal, entre as forças que circulam e que nos produzem.
O método, como diz Guareschi e Hüning (2007), reverbera na clínica, isto é, na atuação,
no fazer psicológico. Desde um ponto de vista ético e clínico, de estilo de clínica, a
racionalidade cartesiana nos encomenda que atuemos como agentes de normalização,
implicados com a neutralidade e a normatividade. Desde uma perspectiva rizomática, por outro
lado, o que a clínica nos exige é uma postura cartográfica, de avaliar e reavaliar constantemente
nosso trabalho, o caminho que está sendo percorrido, de acompanhar as linhas de força que
compõe e atravessam a ou as pessoas com as quais temos contato.
Assim, partindo da inquietação acerca de quais seriam as implicações e como a
Psicologia se implicaria com as questões contemporâneas que sinalizamos, é possível concluir
que há diferentes matrizes que sugerem distintas formas de implicação. Ambas dizem de formas
de construir saberes, construções estas que reverberam diretamente no fazer profissional.
Em relação às possibilidades de intervenção frente às problemáticas do contemporâneo
exemplificadas acima, entendemos então que interessa mais perceber qual matriz de construção
de saber será acionada e escolhida para direcionar as possibilidades de atuação do que saber
qual referencial de abordagem é melhor ou pior.
Desse modo, é necessário abandonar uma postura de clínica individualista e
normalizadora, e optar por um direcionamento no qual a Psicologia e o fazer psicológico
estejam ligados a processos expressivos e de singularização, que possibilitem a produção de
brechas, rupturas, linhas de fissura, que possibilitem a produção de devires outros, que recusem
a modelagem da subjetivação capitalística (Guattari & Rolnik, 2011).
É o que Lancetti (2004) vai chamar de clínica cartográfica e o que Costa-Rosa (2013)
vai apresentar como uma clínica crítica dos processos de subjetivação. Operacionalizando estes
conceitos e estas formulações de clínica, Guareschi e Hüning (2007) apontam para a construção
de um plano de produção da Psicologia que lide com outras materialidades discursivas, que não

766
apenas as da interioridade psíquica. Em outras palavras, isso significa construir uma atuação
que busque como alvo e foco de intervenção não a identidade interiorizada das pessoas, mas os
processos de subjetivação que as produzem, observar e acompanhar as linhas de forças que
compõe tais processos. Problematizá-los buscando a singularização em detrimento de uma
produção serializada de formas de consumir subjetividades e também de produzir desejos.
Enquanto isso, Silva (2005) sinaliza para a necessidade de ficarmos atentos/as a que tipo
de atuação desenvolvemos em nossas práticas. Esta autora nos instiga a observarmos as ações
que realizamos e direcioná-las para uma retomada da clínica enquanto o lugar em que o vivente
que sofre enuncia seu próprio sofrimento e apresenta suas próprias formulações a respeito do
que lhe causa mal-estar.
Em todo caso, vemos que a condição de possibilidade para a construção desta outra
modalidade de fazer profissional é justamente o estranhamento, o olhar inquieto para o presente
para nele ver suas frestas e suas brechas, e assim, poder observar as trevas deste presente, isto
é, aquilo que é produzido para que nem todos vejam. Adotando esta ética do estranhamento,
abrimos as possibilidades de intervenção para ações voltadas para as relações da ordem das
intensidades e dos coletivos indetermináveis, isto é, para uma atuação que extrapole as noções
de identidade e de interioridade psíquica, em se tratando de possibilidades de intervenção.
Desse modo, passaremos a pensar não o indivíduo em seu contexto solitário e sua
responsabilidade intransferível pelo seu sofrimento, mas sim este sofrimento como sendo
produzido pelas forças (sociais, políticas, econômicos, culturais) e relações de poder. Relações
estas que também produzem desigualdades, dominação, expropriação, morte, e que, por
conseguinte, geram sofrimento.
Atuar frente aos problemas e acontecimentos contemporâneos apresentados acima não
se trata apenas de estar presente em contextos de vulnerabilidade, mas sim de direcionar a
atenção para as condições que produzem estes contextos, bem como para perceber as formas
de enfrentamento que já existem e potencializa-las. Singularizar, criar, possibilitar a
expressividade, embaralhar os códigos, subverter e transgredir os dispositivos de disciplina e
normalização: eis algumas das possibilidades de intervenção da Psicologia frente aos problemas
e acontecimentos contemporâneos.

Conclusão
Escolhemos os temas dos povos e comunidades tradicionais e também do extermínio de
jovens negros, como uma das manifestações do bio e necropoder, por estes funcionarem
exatamente como intercessores para a Psicologia. São temas que interpelam a Psicologia oficial,
que chamam a atenção, que desestabilizam os referenciais e métodos dela, e trazem o
questionamento a respeito de uma renovação, de mutações dentro da Psicologia.
Entendemos que, para além ou aquém de pensar uma identidade profissional, talvez
fosse mais interessante, primeiramente, pensar em como a Psicologia, com seus múltiplos
referenciais e métodos, poderia se implicar com estas questões. Ademais, vemos e ressaltamos
que o próprio termo implicação é tão provocador quanto os intercessores que apresentamos, na
medida em que a ideia de implicação é radicalmente oposta à de neutralidade, que é uma das
pedras de toque da matriz transcendente da qual falamos e que serviu e serve de base
constitutiva de algumas abordagens da Psicologia.
Haja vista as implicações da Psicologia com as questões decorrentes do contemporâneo

767
é apropriado frisar, uma vez mais, que saberes e poderes relacionam-se. Como aponta Guareschi
e Hüning (2007, p.22) precisamos levar em consideração “o reconhecimento de que todo saber
é político, [e está] imbricado com a concepção de sociedade de cada época e constituinte de
práticas culturais [...], portanto, constituinte de sujeitos”.
Nesse sentido, reconhecendo tais condições de produção dos saberes e poderes, em
relação aos povos e comunidades tradicionais, entendemos que este é um campo que necessita
ser pensado de maneira sensível, para que assim seja possível perceber os processos de
construção dos aspectos históricos, dos modos de vida, bem como dos meios de produção de
sujeitos, construindo assim uma atuação coerente com a realidade em questão.
Já no caso dos extermínios de jovens adolescentes negros, seriam necessários processos
de desmontagem das configurações que os constituem enquanto seres abjetos e matáveis, que
poderiam ser operacionalizados desde um plano de desconstrução imagética individual, e que
ganharia ainda mais intensidade caso as lutas que já existem neste campo fossem fortalecidas.
Em suma, para além de rever os referenciais da Psicologia, vemos a necessidade de
potencializar os movimentos de denúncia já existentes referentes a esta problemática.
Por fim, voltamos ao início de nosso ensaio, trazendo novamente Figueiredo (1993). Em
seu texto ele lança a ideia, um pouco como quem blefa, de se poder enxergar a Psicologia
enquanto profissão do encontro, longe de romantizar o termo, mas tomando-o com todas as
suas desestabilizações, conflitos e dificuldades. Um encontro que se dá com a alteridade, para
que seja possível com ela aprender algo, produzir diferenciações, produzir outros e novos
sentidos, produzir linhas de fuga. Um encontro com a alteridade pautado numa ética do
estranhamento, tomando alteridade e estranhamento em sua face produtiva, para que
estranhando, tanto o mesmo como o outro, possamos cultivar a disponibilidade de nos
implicarmos com as questões que nos interpelam no contemporâneo

Referências
Agambem, G. (2009). O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó, SC: Argos.
Barros, J. P. P., Nunes, L. S., Sousa, I. S., & Cavalcante, C. O. B. (2019). Criminalização,
extermínio e encarceramento: expressões necropolíticas no Ceará. Revista Psicologia
Política, 19(46). Recuperado em 30 de janeiro de 2020, de:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-
549X2019000300008.
Carvalho. A. V., & Macedo, J. S. M. (2018). Povos e comunidades tradicionais: revisão
sistemática da produção de conhecimento em Psicologia. Revista Psicologia Teoria e
Prática, 20(3), São Paulo. http://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n3p198-
215.
Costa-Rosa, A. (2013). Atenção Psicossocial além da Reforma Psiquiátrica: contribuição a
uma Clínica Crítica dos Processos de Subjetivação na Saúde Coletiva. São Paulo: UNESP.
Deleuze, G. (1992). Conversações. São Paulo: Ed. 34.
Deleuze, G., & Guattari, F. (1995). Introdução: rizoma. In: Deleuze, G., & Guattari, F (orgs).
Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, vol. 1. São Paulo: Editora 34.
Deleuze, G., & Parnet, C. (1998). Diálogos. São Paulo: Escuta.
Figueiredo, L. C. (1993). Sob o signo da multiplicidade. Cadernos de Subjetividade, 89-95.

768
Foucault, M. (2010a). Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanálise (Ditos
e Escritos I). Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Foucault, M. (2010b). Em defesa da sociedade: curso no College de France (1975-1976). São
Paulo: Editora WMF Martins Fontes.
Guareschi, N., & Hüning, S. (2007). Implicações da Psicologia no contemporâneo. Porto
Alegre: Edpucs.
Guattari, F., & Rolnik, S. (2011). Micropolítica: cartografias do desejo. 11. ed. Petrópolis:
Vozes.
Jimenez, L., & Frasseto, F. A. (2015). Face da morte: a lei em conflito com o adolescente.
Psicologia & Sociedade, 27(2). http://dx.doi.org/10.1590/1807-03102015v27n2p404.
Krenak, A. (2019). Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras.
Lancetti, A. (2004). Notas sobre clínica e política. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., 7(3).
http://dx.doi.org/10.1590/1415-47142004003006.
Mbembe, A. (2016). Necropolítica. Arte & Ensaios, n. 32. Recuperado em 30 de janeiro de
2020, de: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993.

Minas Gerais. (2014). Ministério Público. Direitos dos povos e comunidades tradicionais.
Minas Gerais.

Rose, N. (2001). Como se deve fazer a história do eu?. Educação e Realidade, 26(1), jan/jul.
Recuperado em 30 de janeiro de 2020, de:
https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/41313.

Silva, L. B. C. (2005). A psicologia na saúde: entre a clínica e a política. Rev. do Dep. de


Psicologia – UFF, 17(1), jan/jun. Recuperado em 30 de janeiro de 2020, de:
http://www.scielo.br/pdf/rdpsi/v17n1/v17n1a06.pdf.

Soares, L. B., & Miranda, L. L. (2009). Produzir subjetividades: o que significa?. Estudos e
Pesquisas em Psicologia, 9(2), p. 408-24. Recuperado em 30 de janeiro de 2020, de:
http://www.revispsi.uerj.br/v9n2/artigos/pdf/v9n2a10.pdf.
PROCESSOS DE SOCIALIZAÇÃO: DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO

769
FENÔMENO
Matheus Victor Vieira da Silva
Ana Karla Silva Soares
Alessandro Teixeira Rezende
Maria Gabriela Costa Ribeiro
Bruna de Jesus Lopes
Mateus Egilson da Silva Alves
Introdução
A socialização pode ocorrer por diversas formas, devendo-se destacar a influência dos
agentes de socialização e de fatores biológicos e socioculturais que interagem nas fases do
processo. Diante dessa diversidade de fatores, nos últimos anos as pesquisas nesta área têm
avançado no campo da psicologia, possivelmente devido ao desenvolvimento de técnicas
metodológicas e estatísticas, avanços conceituais mais robustos e das pesquisas realizadas
segundo diferentes perspectivas teóricas, a exemplo dos avanços na genética comportamental
(Kesebir, Uttal & Gardner, 2010).
Dentre as pesquisas realizadas neste campo, destacam-se aquelas cujo foco está na
compreensão da maneira pela qual ocorre a internalização de fatores mais sociopsicológicos,
tais como as normas, as crenças e os valores. Estes últimos, no processo de socialização,
constituem um tema que ainda requer atenção por parte dos pesquisadores, embora se observe,
nas últimas décadas, um aumento no número de pesquisas que analisam como ocorre o processo
de transmissão de valores entre pais e filhos.
1. Definições de Socialização
Existem diferentes formas de abordar o tema socialização. Na literatura são encontrados
estudos a respeito em diversas áreas, como Sociologia, Filosofia, Antropologia e, por suposto,
na Psicologia. De modo geral, a socialização é definida como a maneira pela qual os indivíduos
são auxiliados a se tornarem membros de um ou mais grupos sociais (Maccoby, 2007).
Segundo Morawski e Martin (2011), as primeiras pesquisas sobre socialização foram
desenvolvidas por volta do século XIX, e referiam-se a atividades e processos sociais, sendo
estudada em termos de processos psicológicos somente no início do século XX, após a Segunda
Guerra Mundial. Estes autores desenvolveram um estudo com o objetivo de analisar a evolução
de vocabulários nas ciências sociais, especificamente, o termo socialização. A
interdisciplinaridade do conceito de socialização gerou um desacordo entre os pesquisadores
na área, que a denominaram de formas variadas, quer seja como um processo ou teoria, sistema
ou modelo.
Na perspectiva sociológica, o termo socialização tem como objetivo explicar como os
grupos se ajustam comportamentalmente e mantém uma ordem social, explicando as
similaridades e distinções entre os indivíduos a nível individual e grupal. Nesta perspectiva, a
socialização é definida como os processos responsáveis por direcionar os indivíduos para
adoção de padrões comportamentais, normativos, valorativos e rígidos do contexto social
(Andrade, Camino & Dias, 2008).
Por sua vez, no âmbito da psicologia, a socialização envolve diversos aspectos, tais

770
como: a aquisição de regras, tomada de papéis, padrões valorativos e direcionamento para os
aspectos cognitivos, emocionais e pessoais. Além disso, pode ser considerado um processo
bidirecional, evidenciado pela análise das interações estabelecidas, por exemplo, entre os pais
e os filhos. Portanto, a socialização se configura como um processo interacional complexo que
pode sofrer a influência dos fatores ambientais, sociais e genéticos (Grusec & Hastings, 2007).
As duas visões de socialização, embora sejam derivadas de áreas de conhecimento que
apresentam uma visão independente do que vem a ser o social e o individual, compartilham
entre si ideias relativas ao tema. Ambas entendem que o processo de socialização tem caráter
contínuo, visto que se inicia na infância e prossegue ao longo da vida adulta. Ademais,
enfatizam a ideia de aprendizagem, destacada na literatura pelos estudos de transmissão de
valores, promovendo a manutenção e organização da estrutura social, e a noção de que a
socialização é um fenômeno prospectivo, ou seja, baseado na temporalidade atribuída a
aquisição de comportamentos, normas, emoções e crenças (França, 2011).
De acordo com Grusec e Davidov (2010), uma maneira de estudar essas diversas
abordagens baseia-se na proposta de analisar as perspectivas de acordo com o seu domínio,
caracterizando cada um por apresentar uma forma particular de interação social entre o objeto
e o agente socializador. Deste modo, baseado nestes princípios teóricos, faz-se necessário uma
repartição das esferas envolvidas no processo, visando compreender a temática de maneira mais
específica e objetiva. A seguir, são apresentados os elementos mais explorados nas pesquisas
desenvolvidas na área, com destaque para os estudos relacionados à dimensão valorativa, visto
que a literatura indica a maneira pela qual as crianças internalizam os valores dos pais, os quais
contribuem para efetivação da socialização, sendo este o foco da presente dissertação.

2. Teorias Psicológicas da Socialização


2.1. Teoria da Aprendizagem Social
As teorias de aprendizagem social têm sua origem no comportamentalismo e nos
estudos levados a cabo por Miller, Dollard, Mowrer e Sears, na Universidade de Yale nos anos
de 1940, cujo objetivo consistia em compreender como se processava o desenvolvimento
infantil partindo da perspectiva teórica do S-R e relacionando-a com a teoria psicanalítica
(Freire, 2009).
Freire (2009) afirma que na perspectiva da aprendizagem social, o ambiente é
responsável por propiciar à criança a aquisição de habilidades cognitivas e comportamentais
com foco nas alterações de suas crenças e seus hábitos, partindo de padrões de recompensa e
punição.
A Teoria Social Cognitiva, proposta por Albert Bandura, uma versão expandida da
teoria da aprendizagem social, considera o indivíduo um integrante de um grupo, no qual recebe
e exerce influência (Bandura, Azzi & Polydoro, 2008; Torisu & Ferreira, 2009). Assim, a
aprendizagem pode ser compreendida como uma atividade de processamento de informações,
possibilitando transformar condutas e eventos ambientais em representações simbólicas que
servem como guias de ação (Vasconcelos, Praia & Almeida, 2003)
Neste sentido, considera-se que a aprendizagem pode ocorrer por imitação, sem a
necessidade de ser reforçada para ser adquirida, podendo o indivíduo aprender por meio da
observação das outras pessoas em seu ambiente. No caso, o processo de socialização da criança
ocorreria na medida em que esta conseguisse se comportar em seu contexto segundo os padrões
culturais esperados, por meio da observação da conduta de seus pais e/ou de outras pessoas do
seu convívio social com as quais mantivessem identificação e por quem tivessem respeito

771
(Freire, 2009).

2.2. Teoria Psicanalítica


A teoria psicanalítica tem como grande expoente Sigmund Freud, que inaugurou a
psicanálise com a publicação do livro “A interpretação dos sonhos”, em 1900. Neste livro, o
autor se refere basicamente à divisão do aparelho psíquico em três instâncias: inconsciente
(conteúdos que não se encontram na consciência), pré-consciente (conteúdos acessíveis à
consciência) e consciente (recebe informações simultâneas do exterior e interior). Em seguida,
reformula sua teoria do aparelho psíquico e introduz os conceitos de Id, Ego, Superego,
trazendo consigo as questões relacionadas à superação do Complexo de Édipo, que consiste no
momento em que a criança começa a controlar seu comportamento com base nas normas
estabelecidas por seus pais.
Os teóricos da socialização consideram que a psicanálise contribui com os estudos na
área na medida em que visa explicar como a criança aprende a regular suas necessidades
pessoais de acordo com as exigências externas, utilizando o mecanismo de internalização.
Assim, o controle dos impulsos das crianças ocorre por meio do superego, que leva à
internalização da representação de controle do pai (Maccoby, 2007).
Freud descreve a socialização como o processo por meio do qual, na criança, os extintos
erótico e agressivo são gradualmente controlados pelo superego. Além disso, ele considera que
os padrões característicos do superego que influenciam o comportamento são formados muito
cedo na vida, e permanecem substancialmente inalterados durante toda a vida (Richters &
Waters, 1991).
No entanto, a contribuição da psicanálise neste campo não se restringe unicamente aos
trabalhos de Freud, pois em meados do século XX, Erick Erikson modifica o enfoque da teoria
psicanalítica e constrói sua teoria psicossocial do desenvolvimento humano, refletindo sobre
diversos conceitos freudianos e considerando o ser humano como um ser social, que vive em
grupo e recebe influência e sofre pressão do mesmo (Richters & Waters, 1991).
Enquanto Freud considerava que as experiências da infância moldavam a personalidade
permanentemente, Erikson defendia que o desenvolvimento do ego era vitalício e se dava em
oito estágios (Confiança básica x Desconfiança básica; Autonomia x Vergonha e Dúvida;
Iniciativa x Culpa; Diligência x Inferioridade; (Identidade x Confusão de Identidade;
Intimidade x Isolamento; Generatividade x Estagnação; e Integridade x Desespero), que são
denominados de Estágios Psicossociais e correspondem às oito crises vivenciadas pelo ego.
Neste sentido, pode-se considerar que a principal contribuição que a psicanálise
incorpora nos estudos de socialização consiste no fato desta ter atribuído aos pais um papel
fundamental no desenvolvimento da personalidade das crianças (Freire, 2009; Hoffman, 1970).

2.3. Teoria Evolucionista/Sociobiológica


John Bowlby publicou em 1969 o primeiro livro de uma série de três volumes (Apego
e Perda), no qual apresenta as bases da Teoria do Apego. São estudadas as relações de apego
entre a criança e a mãe (presença e ausência) desde o nascimento até os seis anos de idade e a
influência deste relacionamento na compreensão da personalidade, sendo esta uma perspectiva
fortemente evolutiva (Tinoco & Franco, 2011).
Bowlby (1995) observou que o comportamento de apego de um bebê humano se

772
desenvolve de maneira mais lenta em comparação com outros primatas, embora sejam
identificadas semelhanças entre as espécies quanto à natureza do comportamento, as condições
eliciadoras e sua evolução temporal em relação a questões específicas de maturidade. Além
disso, foram identificadas modificações comportamentais das mães primatas em sincronia com
o estado de desenvolvimento da criança, e mesmo quando o jovem animal já era independente,
mãe e filho buscavam ficar próximos na presença de ameaças (Maccoby, 2007).
No entanto, devido ao afastamento de Bowlby da Sociedade Britânica de Psicanálise e
sua aproximação da Psicologia Acadêmica, observou-se um crescimento do interesse pela área
por parte de teóricos e pesquisadores psicanalistas, com destaque para as contribuições de Mary
Ainsworth. Suas pesquisas visavam avaliar a qualidade do apego a partir da observação de
modelos sobre a maneira como as crianças reagiam a uma situação de separação, tendo em
conta as fases indicadas por Bowlby e configurando-se como um dos grandes nomes na área
(Ramires & Schneider, 2010).
Ainsworth desenvolveu um procedimento de laboratório denominado de Situação
Estranha, que resultou no sistema de classificação da organização do apego do bebê com
respeito às figuras parentais ou cuidadores substitutos (seguro, inseguro evitativo e inseguro
ambivalente ou resistente) (Ramires & Schneider, 2010).
Assim, segundo a perspectiva sociobiológica da teoria do apego, os seres humanos
possuem mecanismos adaptativos para sobreviver em que os períodos considerados críticos ou
sensíveis são enfatizados, ressaltando a relevância das bases evolucionistas e biológicas do
comportamento e a predisposição para aprendizagem influenciando diretamente no processo de
socialização.

2.4. Perspectiva Bioecológica/Contextual


A abordagem ecológica do desenvolvimento humano, proposta por Bronfenbrenner
(1979/1996), é um modelo teórico e metodológico que privilegia o estudo contextual do
desenvolvimento. Este modelo pressupõe que toda experiência individual ocorre em ambientes
“concebidos como uma série de estruturas encaixadas, uma dentro da outra, como um conjunto
de bonecas russas”. Ressaltando-se que “os aspectos do meio ambiente mais importantes no
curso do crescimento psicológico são, de forma esmagadora, aqueles que têm significado para
a pessoa numa dada situação” (Bronfenbrenner, 1996, p.9).
De acordo com esta perspectiva, o desenvolvimento de crianças e adolescentes pode ser
compreendido por meio de um modelo que abrange quatro núcleos inter-relacionados de
maneira dinâmica: a pessoa, o processo, o contexto e o tempo. A verificação da pessoa ocorre
por meio das características individuais, psicológicas, biológicas e físicas. Já o processo pode
ser definido a partir da maneira como a pessoa se desenvolve, como atribui significado às suas
experiências e na forma como interpreta o ambiente, ou seja, atenta-se aos papéis, às atividades
cotidianas e inter-relações. Neste sentido, Bronfenbrenner e Morris (1998) buscaram ampliar o
conceito de “meio ambiente ecológico” ou contexto, visto que este é formado por
microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema.
O microssistema está relacionado a atividades, papéis e a uma complexa relação
interpessoal empregada para indicar o meio como as pessoas percebem as propriedades
ambientais. Como exemplo, tem-se a família, que é considerada uma unidade funcional com
um padrão de papéis, atividades e relacionamentos interfamiliares. Já o mesossistema inclui as
inter-relações entre dois ou mais ambientes nos quais a pessoa/família em desenvolvimento
participa ativamente, como exemplo, tem-se as relações familiares em casa, na escola, com os

773
pares, no trabalho dos pais e nos relacionamentos sociais. Com respeito ao exossistema, este é
observado em um ou mais ambientes nos quais a família não interage diretamente, mas
acontecem situações que, indiretamente, influenciam as relações familiares. Por fim, tem-se o
macrossistema, que é o sistema mais amplo e abrange os demais (Martins & Szymanski, 2004).
Nesta abordagem são analisadas as mudanças ocorridas no contexto a partir do papel
desempenhado pelo indivíduo no cotidiano e as alterações psicológicas que ocorrem com o
passar do tempo direta ou indiretamente nas pessoas e/ou família e no meio ambiente. Quando
uma pessoa modifica-se de contexto, alterando seu papel e/ou ambiente, considera-se que
ocorreu uma transição ecológica, que pode ocorrer de duas formas: (a) transição normativa:
referente a eventos esperados que ocorrem na vida do indivíduo (e.g., início da vida escolar ou
da puberdade) e (b) transição não – normativa: relacionada a acontecimentos inesperados que
ocasionam estresse ao indivíduo ou a família, sendo descritos como situações de risco (e.g.,
mudança de domicílio, morte ou doença grave e divórcio).
Portanto, apesar de conceitos e pressupostos científicos sobre o desenvolvimento
humano serem objeto de estudo desde a última década do século XX, as contribuições da
abordagem bioecológica são notórias, possibilitando a proposição de novos conceitos e ideias
sobre os fenômenos relativos ao desenvolvimento humano em diversos contextos, tais como,
por exemplo, a família e a escola.

3. Elementos dos estudos de socialização


O processo de socialização está ligado à atribuição de significado que os indivíduos
realizam ao longo da vida, não podendo ser visto sem levar em consideração o indivíduo,
tampouco sem considerar seu contexto social. Neste sentido, alguns psicólogos do
desenvolvimento têm se interessado pela temática, em particular pela relação estabelecida entre
os valores e o processo de socialização das crianças, bem como na maneira pela qual os valores
são internalizados (Grusec, 1997).
Nas últimas décadas estes temas tornaram-se foco de pesquisas relevantes (Kagitçibaşi
& Ataca, 2005), nas quais a socialização é analisada em função das modificações ocorridas nas
prioridades valorativas da sociedade que, por sua vez, possuem causas multifatoriais, a saber:
o contexto histórico (Kagitçibaşi, 1996), a relação entre grupos minoritários e majoritários
(Citlak, Leyendecker, Schoelmerich, Driessen, & Harwood, 2008) e alterações demográficas e
econômicas da sociedade (Keller & Greenfield, 2000). De acordo com Kohn (1983), a
transmissão de valores deveria ser uma das principais preocupações de orientações políticas,
crenças religiosas e estilos de vida.
Partindo da compreensão de que o processo de socialização corresponde ao mecanismo
que permite ao indivíduo se fazer membro dos diferentes elementos que compõe o sistema
social (Ortega, 1997), incluíram-se a esses elementos construtos como a aprendizagem, a
apreensão de padrões, os sentimentos próprios da sociedade e os valores. De acordo com França
(2011), as interações estabelecidas nos anos iniciais de vida favorecem a aprendizagem de um
conjunto de valores específicos da sociedade, configurando-se como o processo denominado
socialização. Este processo é extremamente complexo e dinâmico, sendo de suma importância
para o ambiente social, uma vez que abrange o desenvolvimento humano, o ajustamento
individual aos contextos e as formas de manter uma ordem na estrutura social.
Recentemente, os trabalhos desenvolvidos no campo da socialização estão dedicados ao
estudo dos estilos parentais e dos valores, focando como os pais controlariam seus filhos a fim
de alcançar resultados positivos de socialização, bem como qual seria a participação dos valores

774
nestas alterações (Martins et al., 2010; Schneider, 2001). Não obstante, apesar dos estudos na
área destacarem que o início do processo de socialização ocorre nos primeiros anos de vida,
pesquisadores de diversos campos (Elkin, 1968; Ortega, 1997), tais como a Psicologia e
Sociologia, consideram possível estabelecer uma divisão da socialização em fases ou períodos.
A seguir, são apresentadas cada uma das fases com suas peculiaridades que englobam as
diversas fases da vida, desde a infância até a velhice (Schneider, 2001).

4. Fases de socialização
Como destacado por Sousa, Vione e Soares (2013), mesmo que a maioria das pesquisas
ressaltem os anos iniciais de vida como o início do processo de socialização, pesquisadores de
diferentes áreas do conhecimento, a exemplo da Psicologia e Sociologia, apresentaram
diferentes fases no processo de socialização, com destaque para o modelo proposto por Ortega
(1997):

“Socialização Primária. Esta consiste na fase inicial da socialização, ocorrendo no


período da infância, momento no qual a criança não possui experiência de vida e está
sujeita ao processo de aprendizagem por imitação. É nesta etapa que a criança inicia
sua vida como um membro da sociedade, com uma personalidade ainda em
formação/construção (escolhe o que ficar melhor). Destaca-se a interferência dos
agentes socializadores, ressaltando a participação da família e da escola na construção
das bases sociais da personalidade. Tais agentes constituem os pilares necessários aos
agentes socializadores subsequentes. Socialização Secundária. Esta fase ocorre
durante a adolescência e idade adulta, sendo marcada por uma relativa estabilidade.
Tal estabilidade se dá por causa de duas premissas básicas: (a) a personalidade do
indivíduo encontra-se formada; e (b) o conhecimento não afeta por completo todas as
informações anteriormente adquiridas. Deste modo, este fator não impossibilita a
aprendizagem de novos construtos, havendo assim uma verdadeira integração entre
os conhecimentos prévios e os adquiridos atualmente. Devido a estas características,
pode-se considerá-la a fase do “por quê?”, “quando” e “como”, uma vez que este
período é marcado por novas experiências. Assim, esse momento seria compreendido
como qualquer processo subsequente que insere um indivíduo socializado em novos
setores sociais, acarretando um contínuo processo de transformação da realidade
subjetiva, possibilitando a criação de um mundo particular (Carvalho, Borges, &
Rêgo, 2010). Socialização Terciária. Acontece durante a velhice, tendo como
característica principal a monotonia na vida social do indivíduo, podendo dar origem
a crise pessoal. O problema principal proveniente desta fase está na possibilidade do
indivíduo sofrer uma dessocialização, ou seja, passar a abrir mão de comportamentos
outrora aprendidos, excluindo-se dos grupos sociais dos quais era participante. Este
indivíduo deixa de compor o mundo social anterior e inicia uma nova etapa de
aprendizagem e adaptação, processo esse denominado de ressocialização” (Sousa,
Vione & Soares, 2013, p. 36).

Destacam-se como diferenças entre as fases o fato de a primeira ser marcada por poucos
agentes, cuja atuação é extremamente importante para formação do indivíduo. A segunda,
contrariamente, caracteriza-se pela pluralidade grupal experimentada pelos indivíduos,
permitindo o contato com diversos grupos sociais e a influência de múltiplos agentes
socializadores, apesar de maneira menos imponente que a vivenciada na fase anterior. Por fim,
na última fase ressalta-se o caráter de reaprendizagem de conteúdos e formas de convivência
inerentes ao contexto e ao cotidiano do indivíduo (Schneider, 2001).
5. Agentes de socialização

775
O processo de socialização é mediado por diversos atores sociais, sendo o pai e a mãe,
na maioria das vezes, as pessoas que, junto com a instituição familiar, ocupam o papel de
primeiro socializador, seguidos pela escola. Deste modo, compreende-se que é de suma
relevância mencionar as principais instâncias socializadoras, pois é nestes grupos que a
aprendizagem dos comportamentos, que são próprios de cada cultura, é aceita pelos indivíduos
que compõem estas instâncias. Não obstante, cada um socializa a criança em seus padrões e
valores próprios. A família possui rituais que são passados aos filhos e a escola possui suas
regras de ordem que pretendem aplicar aos seus alunos (Elkin, 1968).

5.1. Família
A família é considerada um dos agentes mais importantes para ocorrência da
socialização (Parsons, 1964), destacando-se, particularmente, a influência dos pais (Toyokawa
& Mcloyd, 2011). É o primeiro grupo social do qual a criança recebe uma série de influências
decisivas, as quais permitirão, ou não, um desenvolvimento normal de sua socialização. Ela
funciona como um veículo de modelos sociais, trabalhando como um instrumento socializador
responsável pela inserção do indivíduo no seu contexto social.
Assim, o contexto familiar é tido como a estrutura na qual a criança estabelece as
primeiras trocas na constituição de seus valores, crenças, práticas e contato com a cultura. Esta
influência parece ser exercida de acordo com a classe social a que pertence os pais. De acordo
Knafo (2001), as formas de aprender e de internalizar as normas e os valores vigentes da
sociedade são distintas, dependendo do nível sócio-profissional, econômico e cultural da
família.
Kohn (1977) analisou a influência destes fatores socioeconômicos e contextuais nos
valores, indicando que os pais geralmente almejam para seus filhos coisas positivas, a exemplo
de felicidade e sucesso escolar. Destacou ainda que pais com trabalhos rudimentares, sem curso
superior, estão mais propensos a desejar que seus filhos obedeçam às regras e se conformem
com padrões externos da sociedade, enquanto pais que ocupam cargos mais importantes e
possuem curso superior apreciam que seus filhos se comportem de forma autodirigida. Portanto,
observa-se que é a família onde costumam ocorrer suas primeiras experiências sociais, onde a
criança, internaliza, por intermédio de seus membros, os valores, os sentimentos e as
expectativas com relação a sua posição na estrutura familiar (Elkin, 1968).
O resultado das interações estabelecidas entre pais e filhos é importante para o processo
de formação da personalidade, das capacidades e do senso de responsabilidade que o indivíduo
levará ao longo da vida. Durante a socialização das crianças, o papel exercido pelos pais é
estendido a todas as esferas da vida social dos filhos, quer seja pela forma de agir diante de
questões sociais, religiosas, afetivas, etc., ou quanto ao envolvimento com as crenças e os
valores absorvidos para si (França, 2011).

5.2. Escola
Diferentemente do sistema familiar, a escola é constituída como uma estrutura mais
ampla, com organização própria, cujas relações interpessoais se mantêm com maior
formalidade, composta de um conjunto de regras disciplinares que devem ser apreendidas e
obedecidas por todos os membros do grupo. É na escola que as crianças se submetem às
primeiras avaliações públicas e formais de desempenho (Michener, Delamater & Myers, 2005).
Semelhante ao modo como a família se estrutura, a escola representa a autoridade adulta

776
da sociedade, exercendo o papel de instância socializadora capaz de transmitir os
conhecimentos básicos relativos à sua cultura, quer seja intelectual ou artística. Além disso,
desempenha a função de auxiliar a criança a alcançar independência emocional com respeito a
sua família (Schneider, 2001).
Na escola, o professor representa a autoridade e a necessidade de ordem e disciplina; e
ainda os valores de conhecimento e realização educacional, empregando, praticamente, os
mesmos mecanismos de socialização da família: recompensas ou punições, que são efetuadas
de acordo com o comportamento e o desempenho das crianças (Elkin, 1968). Com isto,
confirma-se que agentes socializadores externos ao contexto familiar, tal como os funcionários
de instituições educacionais, também podem desempenhar uma função importante na formação
de crianças e adolescentes.

Conclusão
Diante do previamente exposto, observa-se que os amigos, os colegas de estudo/trabalho
e os meios de comunicação podem exercer influência sobre as pessoas, sobretudo no que diz
respeito aos adolescentes e jovens adultos (Ortega, 1997). É na idade escolar que as crianças
convivem com colegas da mesma faixa etária, considerados importantes agentes do processo.
Durante a interação, é provável que ocorra a apreensão de habilidades específicas da idade,
dificilmente apreendidas em outros ambientes (Thomassim, 2009; Wenetz, 2007).
Um exemplo deste alcance foi analisado no estudo desenvolvido por Kremer-Sadlik e
Kim (2007), no qual os autores propõem demonstrar que estudantes que praticam atividades
esportivas apresentam uma redução de comportamentos antissociais e uma melhoria no
desempenho acadêmico. No entanto, os resultados da pesquisa mostraram além desta relação,
visto que a presença dos pais nas atividades esportivas potencializava os comportamentos pró-
social dos alunos, ressaltando a importância do esporte, uma atividade desenvolvida com os
pares da escola, promotora das atividades e dos pais como ferramentas mediadores importantes
na vida dos indivíduos durante o processo de socialização.
Visto que o processo de socialização ocorre com os indivíduos em diferentes momentos
da vida e com base em múltiplos fatores, a exemplo dos agentes socializadores (família, pais,
escola, pares) mencionados anteriormente. Diante do apresentado, compreende-se que o estudo
da socialização ocorre de maneira fragmentada, comprovada a partir da observação dos estudos
desenvolvidos sobre o tema, dentre os quais há o predomínio de uma divisão quanto ao aspecto
empregado para descrever ou explicar a socialização, podendo ser dividido quanto ao tipo de
agente socializador, a teoria fundamental em questão e/ou o aspecto do relacionamento
colocado como central.

Referências
Andrade, M. W. C. L., Camino, C., & Dias, M. G. B. B. (2008). O desenvolvimento de valores
humanos dos cinco aos 14 anos de idade: Um estudo exploratório. Revista Interamericana
de Psicologia, 42, 19-27.
Bandura, A.; Azzi, R. G. & Polydoro, S. (2008). Teoria social cognitiva: Conceitos básicos.
Porto Alegre, RS: Artmed.
Bowlby, J. (1995). Teoría del apego. Lebovici, Weil-HalpernF.
Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e

777
planejados. Porto Alegre: Artes Médicas.
Bronfenbrenner, U. & Morris, P. (1998). The ecology of developmental processes. Em W.
Damon (Org.), Handbook of child psychology V.1 (pp. 993-1027). New York, NY: John
Wiley & Sons.
Carvalho, V. D., Borges, L. O., & Rego, D. P. (2010). Interacionismo simbólico: origens,
pressupostos e contribuições aos estudos em Psicologia Social. Psicologia Ciência e
Profissão, 30, 146-161.
Citlak, B., Leyendecker, B., Schoelmerich, A., Driessen, R., & Harwood, R. L. (2008).
Socialization goals among first- and second-generation migrant Turkish and German
mothers. International Journal of Behavioral Development, 32, 56-65.
Elkin, F. (1968). A criança e a sociedade: o processo de socialização. Rio de Janeiro, RJ: Bloch
Editores S.A.
França, D. X. (2011). A socialização e as relações interétinicas. Em L. Camino, A. R. R. Torres,
O. E. M. Lima, & M. E. Pereira (2011). Psicologia Social: temas e teorias. (pp. 401-449).
Brasília: Techbopolitik.
Freire, S. E. A. (2009). A relação entre a percepção dos estilos parentais de socialização e o
posicionamento moral de adolescentes. Dissertação de Mestrado. Departamento de
Psicologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB.
Grusec, J. E., & Hastings, P. D. (2007). Handbook of socialization: Theory and research. New
York, NY: Guilford Press.
Grusec, J. E., & Davidov, M. (2010). Integrating different perspectives on socialization theory
and research: a domain-specific approach. Child Development, 81, 687-709.
Grusec, J. E. (1997). A history of research on parenting strategies and children’s internalization
of values. Em J. E. Grusec & L. Kuczynski (Eds.), Parenting and children’s internalization
of values: A handbook of contemporary theory. (pp. 3-22). Nova York: Wiley.
Hoffman, M. L. (1970). Moral Development. Em: M. P. Hussen (Org.), Carmichael’s handbook
of child psychology (pp. 261 – 359). Nova York: Wiley.
Kagitcibasi, C., & Ataca, B. (2005). Value of children and family change: A three-decade
portrait from Turkey. Applied Psychology: An International Review, 54, 317-337.
Kagitcibasi, C. (1996). Family and human development across cultures. Mahwah, NJ:
Lawrence Erlbaum.
Keller, H., & Greenfield, P. M. (2000). The history and future of development in cross-cultural
psychology. Journal of Cross-Cultural Psychology, 31(1), 52–62.
Kesebir, S., Uttal, D. H., & Gardner, W. (2010). Socialization: Insights from social
cognition. Social and Personality Psychology Compass, 4(2), 93-106.
Knafo, A., & Schwartz, S. H. (2001). Value socialization in families of Israeli-born and Soviet-
born adolescents in Israel. Journal of Cross-Cultural Psychology, 32, 213-228.
Kohn, M. L. (1969 / 1977). Class and conformity: A study in values. Chicago, CA: The
University of Chicago Press.
Kohn, M. L. (1983). On the transmission of values in the family: A preliminary formulation.

778
Research in Sociology of Education and Socialization, 4, 3 – 12.
Kremer-Sadlik, T., & Kim, J. L. (2007). Lessons from sports: children’s socialization to values
through family interaction during sports activities. Discourse & Society, 18, 35-52.
Maccoby, E. E. (2007). Historical overview of socialization research and theory. Em J. E.
Grusec & P. D. Hastings (Eds.), Handbook of socialization: Theory and research (pp. 13-
41). New York: Guilford Press.
Martins, E., & Szymanski, H. (2004). A abordagem ecológica de Urie Bronfenbrenner em
estudos com famílias. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 1, 63 – 77.
Martins, G. D. F., Macarini, S. M., Vieira, M. L., Seidlde-Moura, M. L., Bussab, V. S. R., &
Cruz, R. M. (2010). Construção e validação da Escala de Crenças Parentais e Práticas de
Cuidado (E-CPPC) na primeira infância. Psico-USF, 15(1), 23-34.
Morawski, J. G., & St Martin, J. (2011). The evolving vocabulary of the social sciences: The
case of “socialization”. History of psychology, 14(1), 1-15.
Ortega, G. (1997). Socialización. Em: L. Jacinto & J. Ortiz (Eds.), Psicologia social (pp. 109-
114). Madrid: Editora Pirámide.
Parsons, T. (1964). Social structure and personality. New York: Free Press.
Ramires, V. R. R., & Schneider, M. S. (2010). Revisitando alguns conceitos da teoria do apego:
Comportamento versus representação? Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26 (1), 25-33.
Richters, J., & Waters, E. (1991). Attachment and socialization: The positive side of social
influence. Em Lewis, M. & Feinman, S. (Eds), Social influences and socialization in
infancy (pp. 185-214). Nova York: Plenum Press.
Schneider, J. O. (2001). Transmissão de valores de pais para filhos: dimensões do desejável e
do perceptível. Dissertação de mestrado. Departamento de Psicologia, Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa, PB.
Sousa, D. M. F., Vione, K. C., & Soares, A. K. S. (2013). Valores Humanos: Socialização,
desenvolvimento e estabilidade. In: Ronald Taveira da Cruz, Estefânea Élida da Silva
Gusmão. (Org.). Psicologia: Conceitos, técnicas e pesquisas. 1ed.Curitiba: CRV, 2013, v.
2, p. 25-55.
Thomassim, L. E. C. (2009). Oferta e participação em projetos sociais esportivos: Pesquisa
com crianças do bairro Bom Jesus. Relatório parcial. Porto Alegre, RS: GESEF.
Tinoco, V., & Franco, M. H. P. (2011). O luto em instituições de abrigamento de crianças.
Estudos de Psicologia (Campinas), 28 (4), 427-434.
Torisu, E. M., & Ferreira, A. C. (2009). A teoria social cognitiva e o ensino-aprendizagem da
matemática: considerações sobre as crenças de autoeficácia matemática. Ciência &
Cognição, 14 (3), 168 - 177.
Toyokawa, T., & Mcloyd, V. (2011). Work socialization and adolescents' work-related values
in single-mother African American families. Journal of Career Development, 23, 1-19.
Vasconcelos, C., Praia, J. F., & Almeida, L. S. (2003). Teorias de Aprendizagem e o
Ensino/Aprendizagem das Ciências: Da Instrução à Aprendizagem. Psicologia Escolar e
Educacional, 7 (1), 11 – 19.
Wenetz, I. (2007). Sociabilidades e gênero: Negociações/imposições no espaço do recreio. Em:

779
M. P. Stigger, F. J. González, & R. Silveira (Eds). O esporte na cidade: Estudos
etnográficos sobre sociabilidades em espaços urbanos (pp. 117-132). Porto Alegre, RS:
Editora da UFRGS.
FORTALECENDO VÍNCULOS ATRAVÉS DA CONVIVÊNCIA: ATUAÇÃO DO

780
PSICÓLOGO FRENTE AOS SENTIMENTOS DE IDENTIDADE DO IDOSO

Jessyca Rodrigues Melo


Amanda de Oliveira Lima
Louanne Sousa Silva
Valéria Sena Carvalho
Introdução
O Brasil está passando por um processo de envelhecimento de sua população. Os dados
de projeções do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelam que em 2042, a
população brasileira atinja 232,5 milhões de habitantes, sendo 57 milhões de idosos (24,5%).
Em 2031, o número de idosos (43,2 milhões) vai superar pela primeira vez o número de crianças
e adolescentes, de 0 a 14 anos (42,3 milhões). Antes de 2050, os idosos já serão um grupo maior
do que a parcela da população com idade entre 40 e 59 anos (Instituto Brasileiro de geografia e
Estatística - IBGE).
Pode-se perceber diante desses números, que o governo precisa pensar em políticas
públicas que atendam de forma adequada e eficaz essa parcela numerosa da população. Visto
que segundo Zimerman (2000) o processo de envelhecimento acarreta mudanças físicas,
psicológicas e sociais no indivíduo.
Nesse sentido, evidencia-se a importância de garantir aos idosos não só uma sobrevida
maior, mas também uma boa qualidade de vida. Qualidade de vida é compreendida através de
quatro grandes dimensões, a saber: (1) física – percepção do indivíduo sobre sua condição
física; (2) psicológica – percepção do indivíduo sobre sua condição afetiva e cognitiva; (3) do
relacionamento social – percepção do indivíduo sobre os relacionamentos sociais e os papéis
sociais adotados na vida; (4) do ambiente – percepção do indivíduo sobre aspectos diversos
relacionados ao ambiente onde vive (Whooql, 1998).
Além disso, entre as mudanças psicológicas mais frequentes que acometem os idosos
está a Depressão. Segundo Zimerman (2000), a depressão em idosos está relacionada às
mudanças sociais que acometem os idosos como a aposentadoria, as perdas diversas (perda de
parentes e amigos, perda da independência e da autonomia), diminuição dos contatos sociais,
entre outros aspectos.
Em face dessas mudanças biopsicossociais, o processo de envelhecimento se torna uma
etapa estressora e ansiogênica do desenvolvimento. O idoso tem que se adaptar a novos papéis,
novas configurações, tem que efetivar uma mudança no estilo de vida, aprender novos
conteúdos e compensar suas perdas (Araújo, 2006).
Ampliam-se deste modo o que traz Salgado (1979), em que a marginalização social do
idoso é traduzida, especialmente, pela falta de participação no processo de integração na
sociedade, sendo que a marginalização se caracteriza como uma situação oposta à integração
social. Portanto, os programas e projetos para a terceira idade, lançados no meio social, podem
representar um reengajamento social para receber e atender o idoso desengajado na sociedade
devido à ausência de preparação para a aposentadoria.
Um desses serviços de grupos de idosos são os Serviços de Convivência e

781
Fortalecimento de Vínculos descrito segundo Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais (2013) como:

Serviço realizado em grupos, organizado a partir de percursos, de modo a garantir


aquisições progressivas aos seus usuários, de acordo com o seu ciclo de vida, a fim de
complementar o trabalho social com famílias e prevenir a ocorrência de situações de
risco social. Possui caráter preventivo e proativo, pautado na defesa e afirmação dos
direitos e no desenvolvimento de capacidades e potencialidades, com vistas ao alcance
de alternativas emancipatórias para o enfrentamento da vulnerabilidade social. O
serviço para idosos tem por foco o desenvolvimento de atividades que contribuam no
processo de envelhecimento saudável, no desenvolvimento da autonomia e de
sociabilidades, no fortalecimento dos vínculos familiares e do convívio comunitário e
na prevenção de situações de risco social. A intervenção social deve estar pautada nas
características, interesses e demandas dessa faixa etária e considerar que a vivência
em grupo, as experimentações artísticas, culturais, esportivas e de lazer e a valorização
das experiências vividas constituem formas privilegiadas de expressão, interação e
proteção social. [...] (p.16)

Todos estes pontos elencados são de suma importância para o psicólogo trabalhar na
construção psicossocial do envelhecimento, levando em conta a articulação entre a
subjetividade, situações sociais, políticas, econômicas, históricas e culturais para atuar de forma
adequada.
O presente artigo tem como objetivo relatar a experiência de estágio supervisionado em
psicologia comunitária com um grupo de idosos com o propósito de fortalecer vínculos através
de convivência.

Método
Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de experiência elaborado a partir das
experiências do estágio de Psicologia Comunitária em um CRAS na cidade de Teresina-PI,
realizado pelos acadêmicos de Psicologia da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). O
projeto teve como público alvo 25 idosos em um centro de convivência da cidade de Teresina.
Onde foram realizadas dinâmicas que abordaram temáticas com o propósito de fortalecer
vínculos através de convivência por meio de trocas culturais e de vivências, desenvolvendo o
sentimento de pertença e de identidade, fortalecendo vínculos familiares e incentivando a
socialização e a convivência comunitária por meio de alternativas emancipatórias para o
enfrentamento da vulnerabilidade social.
O projeto foi realizado em cinco encontros com 1 hora e 30 minutos de duração cada,
quinzenalmente. As temáticas foram organizadas a partir da demanda dos participantes do
serviço, da seguinte forma:
1º Acolhida através de atividades voltadas à motricidade lateralidade e socialização
através do estímulo neurocognitivos voltados para memória e fortalecimento de vínculo e
sentimentos de pertencimento. Além de coleta de demandas de assuntos dos quais os idosos
gostariam que se fosse trabalhado nos encontros seguintes.
2º Acolhida com balão direcionado para a coordenação motora. Além do papel da
família na antiguidade e contemporaneidade em especial o papel da mulher no seio familiar
metodologia roda de conversa com intuito reflexivo e dramatização de organizações familiares

782
e papel da mulher ao longo do tempo no sentido de visualizar as conquistas e desafios
percebidos pelo serviço.
3º Acolhida a partir de atividades motoras e reconhecimento de qualidades dos
integrantes do serviço no intuito de fortalecer vínculos. Além de um trabalho voltado para a
identificação de emoções bem como experiências relacionadas a elas através de autorrelato.
4º Acolhida com balões com objetivo de integração do grupo e a importância da
cooperação. Além de trabalho voltado para a garantia de direitos e deveres da pessoa idosa.
5º Encerramento com linha do tempo e feedback dos participantes.

Resultados
O grupo pode ser descrito como um espaço de convivência, de construção e
desconstrução de temas relacionados à realidade da pessoa idosa através da reflexão, da fala e
da escuta de histórias subjetivas de cada um. Durante a intervenção com os idosos, houve a
preocupação de ampará-los e acolhê-los diante dos mais diversos comportamentos que eles
apresentassem, conforme o conteúdo trabalhado no grupo. Para melhor compreensão das
intervenções realizadas no grupo, elas serão descritas separadamente, de acordo com os cinco
encontros realizados. Há de se ressaltar que os encontros foram planejados a partir das
demandas que o grupo trouxe as estagiárias e dos apontamentos realizados pelos profissionais
que acompanharam o grupo.

Encontro 1º- Construção do vínculo inicial e integração


Nesse primeiro encontro, abordou-se a formação da identidade do grupo, procurou-se a
construção de vínculo através de uma dinâmica de apresentação e integração. A dinâmica
consistia em ter em posse um único material, um rolo de lã, além de um espaço que comportasse
todos os participantes posicionados em um grande círculo. Para dar início à dinâmica, uma
pessoa pegou a ponta do barbante e enrolou em seu dedo indicador, apresentando-se ao grupo,
dizendo seu nome, e uma característica pessoal que lhe definisse- as palavras citadas foram
“extrovertida”; “organizada”; “namoradeira”; “mimosa”; “preocupada”, dentre outras.
Após apresentar-se, a lã era jogada para qualquer outra pessoa e esta também enrolava
a lã em seu dedo e fazia sua apresentação pessoal. Em seguida, a lã era jogada para outra pessoa,
que seguia a realizar a dinâmica da mesma forma das demais. Tendo todos terminados as
apresentações, formou-se uma teia com a lã no centro do círculo.
E então, foi pedido para que todos observassem o emaranhado de conexões formadas,
refletindo nesse momento a importância da comunicação e união do grupo, e em seguida, foi
pedido para que a última pessoa a se apresentar desenrolasse a lã de seu dedo e devolvesse a lã
para quem jogou pra ele na primeira etapa da dinâmica, repetindo o nome dessa pessoa e sua
característica pessoal, trabalhando desta forma à memória de curto prazo destes como também
o fortalecimento de vínculo entre eles.
A dinâmica deu vazão a muitos sentimentos dos participantes, pois se observou que para
a escolha da característica que os definiam, houve comportamentos de reflexão de
autoconhecimento, como também de aprovação e desaprovação das características
apresentadas, por parte das outras pessoas do grupo, levando em consideração que muitos são

783
da mesma região então já possuíam um conhecimento prévio das características de cada um.
A posteriori, foi separado um tempo para colher às demandas que o grupo gostaria que
fosse trabalhado nos próximos encontros, o grupo foi dividido em duplas, onde tiveram alguns
minutos para conversar sobre os temas e atividades que eles iriam sugerir e explanar para todos,
a fim de que todos do grupo pudessem concordar ou não com a atividade sugerida por seus
colegas.

Encontro 2º- A família na antiguidade e na contemporaneidade e o papel da mulher


Nesse encontro, a acolhida foi feita a partir de uma dinâmica de quebra gelo, com balão
direcionado para a coordenação motora. A dinâmica consistia em equilibrar o balão enquanto
dançava-se em dupla com outra pessoa.
No segundo momento, iniciou-se uma roda de conversa acerca do papel da família na
antiguidade e contemporaneidade e em especial o papel da mulher no seio familiar. O tema foi
mediado com intuito reflexivo e de fala e escuta das vivências subjetivas de cada um. Foi
interessante observar que muitas mulheres viveram o empoderamento da mulher no seio
familiar, quando elas relataram que a mulher de antigamente só se restringia ao lar, e a de hoje
já ocupa espaços de trabalhos diversos.
Além disso, a fim de ampliar a discussão acerca da família de antes e a família de hoje,
o grupo foi dividido em dois grandes grupos, e foi realizada uma peça teatral de organizações
familiares e papel da mulher ao longo do tempo a partir da realidade cotidiana vivenciados por
eles. O planejamento das dramatizações dos grupos foi mediado por fotografias de famílias de
diversas variações. Um dos grupos, que dramatizou a família de antigamente, dramatizou um
fato real da vida de um das idosas do grupo, desta forma foi interessante observar que a peça
teatral serviu com forma de expressão de subjetividade e dos idosos que estavam atuando.
No outro grupo, foi dramatizada a família da atualidade, que diferente do outro grupo
na atuação deste foi observado à realidade de convívio, de relações interpessoais, e da dinâmica
familiar atual dos idosos que estavam encenando.

Encontro 3º- Trabalhando as emoções


Nesse terceiro encontro, a acolhida foi feita a partir de atividades motoras e
reconhecimento de qualidades dos integrantes do serviço no intuito de fortalecer vínculos. A
dinâmica consistiu em formaram-se dois círculos, um dentro do outro, ambos com o mesmo
número de pessoas. Quando começava a tocar a música, cada círculo giraria para um lado.
Quando a música parava de tocar, as pessoas falavam alguma qualidade que elas observavam
nas pessoas a sua frente. Ao final, formava-se um único círculo, que continuava a girar, agora
todos no mesmo círculo, ao som da música.
A posteriori, o tema do encontro foi voltado para a identificação de emoções bem como
experiências relacionadas a elas através de autorrelato. A mediação realizada para trabalhar o
tema proposto foi através do “dado das emoções”, que consistia em uma dado que em seus
lados possuíam sentimentos de: alegria, raiva, tristeza, nojo, medo e surpresa. Então cada um,
em sua vez, jogava o dado e falava através de sua história e vivência pessoal, da emoção que
caia na parte de cima do dado.
Foi bastante significativo à dinâmica, visto que ela fez com que muitas emoções

784
traumáticas fossem acolhidas de maneira empática a fim de uma construção ressignificativa
dessas vivências a partir de uma nova visão de enfrentamento delas. Houve também o
fortalecimento de memórias positivas.

Encontro 4º- Direitos e deveres da pessoa idosa


Nesse encontro foi realizada uma dinâmica de integração com balões com objetivo de
integração do grupo e a importância cooperação, onde cada um tinham a missão de não deixar
em primeiro momento o seu balão cair, e a posteriori em ajudar a não deixar o balão do outro
cair.
No segundo momento, foi realizado um grupo de discussão voltado para a garantia de
direitos e deveres da pessoa idosa. A mediação do tema foi realizada após uma reflexão de uma
dinâmica que consistia em selecionar duas pessoas do grupo e elas teriam o objetivo de estourar
dois balões que estavam espalhados pela sala. Uma tinha seus olhos vendados e a outra também
no primeiro momento, porém logo teve retirada a venda de seus olhos, fazendo assim que ela
alcançasse o objetivo de estourar os balões mais rápido do que a outra pessoa que estava com
os olhos vendados.
Sendo assim, através desta atividade foi levantado um paralelo acerca da dinâmica
realizada e os direitos e deveres da pessoa idosa, onde foi equiparada a pessoa com os olhos
vendados com um idoso que não conhece os seus direitos e deveres, e a pessoa sem venda nos
olhos como um idoso que tem conhecimento de seus direitos e deveres, tendo ele assim maior
facilidade de alcançar seus objetivos.
Desta forma, a reflexão acerca de conhecer ou não seus direitos foi bastante produtiva
como tema, pois eles relataram que ampliaram a visão deles como cidadão de direito e deveres,
como também serviu de empoderamento deles em relação a exercer e cobrar respeito de seus
direitos na sociedade.
Encontro 5º- Linha do tempo como feedback
Neste encontro foi realizado o desligamento com o grupo, através de uma linha do
tempo. A linha do tempo consistiu em um cartaz que possuía fotografias de todos os encontros
realizados com o grupo. Então cada fotografia era mostrada e de maneira espontânea cada
pessoa do grupo falava um pouco sobre o tema trabalhado naquele encontro, as atividades
realizadas e uma avaliação de maneira geral das intervenções realizadas.
Por fim, o feedback que os idosos trouxeram foram bastantes positivos, afirmando eles
terem gostado muito das atividades realizadas. As estagiárias também, deram seu feedback na
sua relação com o grupo, afirmando ter tido um aprendizado muito significativo não só teórica
e prática, mas também de vivências e visões de mundo.

Discussão
O presente artigo teve como objetivo descrever as experiências realizadas em um grupo
de Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), com idosos. Ao longo das
atividades foram perceptíveis como os idosos tiveram no grupo um espaço de socialização,
vivências e demonstração de emoção e sentimentos o que estava em falta visto que o centro
estava desativado até as estagiárias chegarem.
Muitos relataram a importância de espaços como este para se sentirem acolhidos e

785
legitimados em suas histórias, pois segundo a fala dos idosos a rotina diária deles não lhes dá
oportunidade de ter uma companhia para conversar e socializar, muitos relatando ainda
sentimentos de solidão, tristeza e sintomas depressivos.
Por isso, faz-se necessário mais estudo e intervenções de fortalecimentos sócio afetivos
nesse faixa etária de grupo levando em consideração que expectativa de vida média no Brasil
segundo o IBGE, subiu de 3,6 anos de 2000 a 2010, tendo em 2018 a média de 75 anos de vida
o brasileiro. Sendo assim é muito importante proporcionar um processo de envelhecimento
ativo, saudável e com qualidade de vida aos idosos, que não seja ligada somente às questões
físicas mais também emocionais, psicológicas e sociais.
Não esgotando o tema, deseja-se que esse trabalho possa ajudar em uma melhor
compreensão acerca das discussões acerca do público idoso em centros de convivências e
formas de atuar em práticas ativas, como também destacamos a necessidade de continuidade de
atividades a serem desenvolvidas no serviço de convivência da pesquisa, como também de mais
estudos e pesquisas que permeiam essa temática nesta área, visto que ainda são poucos.

Referências
Araújo, M. R. (2006). Velhice e Stress: desafios contemporâneos. In Falcão, D.V.S. & Dias,
M.C.B. (orgs). Maturidade e Velhice: pesquisas e intervenções psicológicas (vol I). São
Paulo: Casa do Psicólogo.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2018). Projeção da população do Brasil e das
Unidades da Federação. Rio de Janeiro: IBGE. Recuperado a partir de
https://www.ibge.gov.br/apps//populacao/projecao/.
Brasil. (2013). Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Secretaria Nacional de
Assistência Social – SNAS. Brasília: MDS. 2013.
Kroef, L. R. (1999). As mudanças psicossociais do indivíduo na terceira idade sob a influência
das relações interpessoais. Estud. psicol. (Campinas) [online]. 16(2), 37-44. doi:
10.1590/S0103-166X1999000200004.
Salgado, M. A. (1979). Gerontologia social. nº 150. Rio de Janeiro: CBCISS (cadernos verde).
Whoqol Group. (1998). The World Health Organization quality of life assessment (WHOQOL):
development and general psychometric properties. Social science & medicine, 46, 1569-
85.
Zimerman, G. I. (2000). Velhice – aspectos biopsicossociais. Porto Alegre: ArtMed.
EIXO 14

786
Psicologia Hospitalar e Atuação Multiprofissional

CONDIÇÃO HOSPITALAR: UMA PERSPECTIVA DE CUIDADO QUE VAI ALÉM


DO PACIENTE, COM ENFOQUE FAMILIAR E PROFISSIONAL

Larissa Teixeira Rocha


Alanna Sávia Marques Alves
Davi de Sousa Araujo
Gabriel Campelo Sotero
Bruna de Jesus Lopes
Introdução

A hospitalização, em sua maioria das vezes, pode ser vista como uma situação de grande
instabilidade e perturbação para a vida do ser humano (Quirino, Collet & Neves, 2010), sendo
compreendida, portanto, pelas pessoas envolvidas como uma conjuntura difícil e geradora de
ansiedade (Faquinello, Higarashi & Marcon, 2007). Além dessas consequências, o paciente
hospitalizado acaba sendo submetido ao processo de despersonalização, o qual é caracterizado
pela ausência do conhecimento da história de vida e do próprio nome, sendo ele referido, em
muitas ocasiões como um número de um leito (Angerami-Camon, 2010).
Segundo Honicky e Silva (2009) a fase que a patologia se encontra, o apoio familiar e
dos amigos, a maneira de agir diante de uma crise, a forma de lidar com o sofrimento causado
pela doença, sua história de vida e os aspectos que envolve a doença e seu tratamento,
influenciam de forma direta no impacto do processo de hospitalização para o indivíduo.
Dessa forma, Farias et al. (2018) abordam que o processo de hospitalização influência
os aspectos emocionais do paciente e de sua família, uma vez que essa se envolve no processo
do adoecer. Cabe frisar que a família como cuidadora, se torna uma fonte de apoio emocional
ao paciente hospitalizado, considerando a comunicação, o afeto, segurança, os quais favorecem
a minimização do sofrimento decorrente da situação que o indivíduo se encontra, além disso, o
processo de hospitalização ainda influi no desencadeamento de esgotamento físico e emocional
da família, pela assistência continua ao paciente, vínculo emocional e a reorganização diária
(Dázio et al., 2015).
Considerando essa perspectiva de contato e convívio hospitalar, vale ressaltar a condição do
profissional de saúde, o qual se encontra diariamente em contato com o paciente e seus
acompanhantes, que em consequência dessa relação, envolve-se emocionalmente com os
mesmos, apresentando elevados níveis de empatia e sofrimento frente a história de vida e
doença dos internados, em contraponto a essa perspectiva, se encontra sua própria história de
vida e condições frente a rotina de atendimento e cuidado (Farias et al., 2018)
Tendo em vista que a condição hospitalar pode interferir na forma de atendimento,

787
convívio e funcionamento de um hospital e no âmbito familiar, o presente artigo traz como
pergunta de partida: Quais as consequências do contexto hospitalar para: (1) pacientes; (2)
familiares; (3) profissionais?
Em suma, o presente artigo tem como objetivo geral compreender as consequências do
processo de hospitalização na experiência dos pacientes, familiares e os profissionais da saúde.
Justifica-se a escolha do respectivo tema, baseando-se na real proporção que o contexto e
condições hospitalares implicam na vida de seus usuários e colaboradores. A partir disto, notou-
se a viabilidade em elaborar o presente artigo comtemplando a ideia das consequências e do
impacto que o âmbito hospitalar proporciona aos seus envolvidos.
No que tange a relevância social desse estudo, baseia-se na importância de tornar à luz
da sociedade, os aspectos das consequências do contexto hospitalar aos seus envolvidos
(paciente, família, profissional da saúde), de modo que haja uma compreensão desses fatores
não somente dos profissionais da área da saúde, mas de toda comunidade participativa, visando
a melhoria de qualidade de vida frente as consequências identificadas. Como relevância
cientifica, compreende-se o enriquecimento ao âmbito da pesquisa, favorecendo discussões a
respeito da temática apresentada, consequentemente seu aprofundamento, gerando novas
indagações, e ainda, juntando-se a conhecimentos e estudos já existentes.
Tendo em vista, compreende-se o processo de hospitalização como aspecto de
influência significativa na experiência vital tanto do paciente como da família e profissional de
saúde. Desse modo, o presente estudo se desvela nessa temática, identificando os fatores
contribuintes das consequências dessa condição necessária frente ao ambiente hospitalar.

Método
O presente trabalho contempla uma pesquisa de revisão bibliográfica, utilizando o
levantamento de artigos científicos, livros e revistas publicados nos últimos anos, tornando
dispensável à coleta de dados em campo. Treinta et al. (2012) enfatizam que o autor, por meio
da pesquisa bibliográfica, busca auxiliar a identificação de trabalhos, assegurando a capacidade
de ordenar fronteiras do conhecimento, em decorrência dos achados científicos.
A pesquisa foi produzida a partir de artigos científicos encontrados em plataformas
internacionais como o portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PEPSIC), Biblioteca
Eletrônica Científica Online (sciELO), e a Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências
da Saúde (LILACs), contendo os anos 2012 a 2019, nas línguas portuguesa e inglesa. Aplicou-
se vocabulário controlado (descritores), como: condições hospitalares, contexto hospitalar,
profissionais de saúde e acompanhante familiar, com objetivo de melhorar a busca dos trabalhos
necessários
Foram utilizados critérios de inclusão: artigos escritos em português, um dos descritores
existentes no título do trabalho, ano de publicação e critérios de exclusão: estudos identificados
como resenhas, comentários, teses e dissertações que fogem da temática proposta, seguindo
outra perspectiva. Em suma, indagações como de que forma pode ocorrer a humanização no
âmbito hospitalar, quem são os envolvidos e quais os benefícios da introdução da humanização
dentro do ambiente hospitalar foram essenciais para fundamentar o objetivo do trabalho,

788
possibilitando estudos de materiais selecionados criteriosamente.

Resultados
Para aquisição dos dados, a princípio foram escolhidos os trabalhos que se
correlacionavam amplamente com a temática proposta. Posteriormente, foram eliminadas obras
consideradas como comentários, dissertações, teses e resenhas, apenas mantendo publicações
em revistas e artigos de cunho científico, por abrangerem em especifico, os descritores
indicados. Levou-se em consideração a temática do estudo, conforme cada título e as palavras-
chave para a seleção das obras, com a perspectiva de confirmar se convergiam com as perguntas
norteadoras da presente pesquisa e se abrangiam aos critérios inclusivos e exclusivos pré-
estabelecidos. No total foram selecionados 05 artigos científicos dos últimos 08 anos, elencados
com a temática do estudo. Por fim, os artigos escolhidos foram estruturados mediante a pergunta
a ser comtemplada, ou seja, primeiro os estudos envolvendo os pacientes, segundo o
acompanhante familiar, e terceiro os profissionais da saúde. Em seguida considerou a data de
publicação, exibidos em conformidade com os objetivos deste trabalho.
A atual pesquisa ainda que contenha dados humanos, trabalha somente com
averiguações que possam ser utilizados. De acordo com a resolução de nº 510/2016, pelo qual
aborda a necessidade de submissão de trabalhos junto ao Comitê de Ética em Pesquisa
(Conselho Nacional de Saúde [CNS], 2016), as revisões de literatura não exigem esse
procedimento. Na Figura 1 é possível observar o gráfico com a organização de produções
selecionadas.

Quantidade de artigos
selecionados
2,5
2
1,5 Quantidade de
1 artigos
0,5 selecionados
0
2012 2014 2015 2019
Figura 1. Quantidade de artigos selecionados

No intuito de possibilitar ao leitor uma compressão sobre os estudos, serão apresentadas


na tabela 1 as obras de acordo com a pergunta a ser contemplada.
Tabela 1
Classificação do acervo selecionados de acordo com título, autores, revista, ano, resumo
Título Autores Revista/Ano Resumo

Concepções de Goidanich e Revista da O estudo foi desenvolvido através de uma vivência em


vida e sentimentos Guzzo Sociedade um Estágio Profissionalizante na área de Psicologia
vivenciados por Brasileira de Clínica no Hospital de Caridade, na ala cirúrgica,
pacientes frente ao Psicologia situado na cidade de Erechim- RS. Os autores enfatizam

789
processo de Hospitalar/ a experiência dos pacientes em meio ao processo de
hospitalização: o 2012 hospitalização, bem como os sentimentos que surgem
paciente cirúrgico perante a doença e a intervenção cirúrgica. Perceberam-
se nas falas de alguns pacientes, assuntos voltados a
crenças religiosas que influenciam em grande proporção
na reação frente ao cenário de desamparo vivido.
Conclui-se que o psicólogo hospitalar nesse meio
proporciona espaço para que o indivíduo possa ser visto
além da patologia e de um corpo objetal onde ocorreu
uma intervenção cirúrgica.

O paciente Sousa, Psicologia O objetivo do artigo foi verificar os aspectos cognitivos,


hospitalizado à luz Scherer e Hospitalar/ emocionais e comportamentais que afloram no processo
da teoria cognitivo- Baião 2015 de hospitalização, demonstrados pelos pacientes
comportamental internados no ambiente hospitalar a partir da Teoria
Cognitivo- Comportamental. Como instrumento
investigativo, utilizou-se a entrevista semiestruturada,
ligado ao adoecimento e hospitalização. Ao todo, sete
pacientes hospitalizados fizeram pare da pesquisa em
um Hospital Geral localizado em Florianópolis- SC.
Como resultado, verificou-se que a distorção cognitiva
foi a mais frequente. Em relação às emoções, a tristeza e
a ansiedade estavam presentes no momento do
diagnóstico e no procedimento de hospitalização. Como
estratégia de enfrentamento, percebeu-se benefícios em
refletir acerca da doença e colaborar com a equipe de
saúde, e ao se tratar da emoção, destacou-se a procura
por suporte familiar e religioso.

Enfrentamento da Arruda, Revista de A pesquisa teve como objetivo entender a respeito do


internação Gomes, Enfermagem- familiar cuidador perante a internação hospitalar do
hospitalar do Nicoletti, UFSM/ 2019 paciente na fase adulta. Trata-se de um estudo descritivo
paciente adulto Tarouco, e exploratório de caráter qualitativo, desenvolvido em
pelo familiar Souza e 2018, na região Sul do Brasil em um determinado
cuidador Grehs Hospital Universitário. Para sua elaboração colaboraram
20 familiares acompanhantes. Como resultado, os
sentimentos manifestados em conexão á internação
foram o de preocupação, de ansiedade, de temor à morte
e de tranquilidade por estar ajudando alguém. Concluiu-
se que é de extrema relevância conduzir o familiar
cuidador, considerando a humanização, a formação de
vínculo e o diálogo.

Estresse hospitalar Borine, Revista da A obra teve como objetivo, verificar os índices de
em equipe Assis, Sociedade estresse dos profissionais que realizam plantões em uma
multidisciplinar de Lopes e Brasileira de Unidade de Saúde. Refere-se a uma pesquisa
hospital público do Santini Psicologia quantitativa, descritiva com uma amostra de 28
interior de Hospitalar/ plantonistas, através da execução do instrumento Job
Rondônia 2012 Sacale Stress, no qual foi adaptado para o português,
contendo 17 questões para averiguar as dimensões:
demanda psicológica, controle e apoio social.
Obtiveram-se como resultado, altos scores para a
categoria “demanda psicológica” e score inferior para as
categorias “controle” e “apoio social”, indicando
sofrimento psicológico e estresse. Concluiu-se a
importância em averiguar o estresse ocupacional nos
profissionais em unidades de saúde que lidam direta e

790
indiretamente com pacientes, e que costumam receber
pressão no ambiente de trabalho.

Qualidade de vida Santana, Revista de O artigo teve como objetivo a sistematização do


dos profissionais Feitosa, Pesquisa em conhecimento envolvendo a Qualidade de Vida (QV)
de saúde em Guedes e Fisioterapia/ dos profissionais na área de saúde no âmbito hospitalar.
ambiente Sales 2014 Refere-se a uma revisão de literatura que utilizou a base
hospitalar de dados Medline e a plataforma PubMed para seu
desenvolvimento. Para a realização dos resultados,
foram escolhidos 16 artigos que se enquadraram nos
critérios de inclusão. Concluiu-se através dos estudos
que fatores físicos e mentais apresentaram
consequências diretas na QV de tais profissionais no
ambiente hospitalar, pela qual causaram vários danos à
saúde dos mesmos que obtiveram desempenho negativo
em suas atividades cotidianas.

Discussão
Conforme apresentado anteriormente na tabela 1, o primeiro estudo selecionado foi o
“Concepções de vida e sentimentos vivenciados por pacientes frente ao processo de
hospitalização: o paciente cirúrgico”, de Goidanich e Guzzo (2012), através do qual tenciona
responder o primeiro questionamento do atual estudo: Quais são as consequências do contexto
hospitalar para os pacientes?
De acordo com Goidanich e Guzzo (2012), ao adoecer e precisar de hospitalização,
diversas modificações são impostas à rotina do indivíduo, independentemente de sua vontade.
O paciente acaba perdendo o comando de sua vida, sem saber ao certo o que vai acontecer, e
nesse período a equipe de saúde, em especial o médico, acaba direcionando suas ações.
Entretanto, por diversas vezes é criado um vínculo de dependência com o médico por acreditar
ser uma espécie de curandeiro moderno.
Em específico, os pacientes cirúrgicos tendem a sofrer um intenso desconforto
emocional em virtude da incerteza do futuro, desenvolvendo sensações de impotência, medo da
dor, da morte, de ficar incapaz, e das transformações corporais. Ou seja, ao necessitar a
realização de algum procedimento cirúrgico, o sujeito se sente ameaçado perante sua plenitude
física e psicológica.
Um dos fatores que desencadeia a ansiedade perante a cirurgia é a separação de casa,
das coisas, dos familiares, o medo em virtude da vida, e a situação de assumir a função de
doente. A doença como fator desencadeador provoca desordem do habitual, a urgência do
confronto do duvidoso, dentre outros aspectos. Logo, na maioria das vezes é instalada uma
crise, direcionando um momento atribulado na vida de qualquer pessoa.
Em seguida, o segundo estudo cujo título é “O paciente hospitalizado à luz da teoria
cognitivo-comportamental” de Sousa et al (2015), que também propõe responder a primeira
pergunta desta pesquisa, acrescenta que independente do diagnóstico é comum o paciente ser
acometido por sentimentos como tristeza, ansiedade e aceitação.
Ao receber o diagnóstico, o funcionamento cognitivo do paciente influência em seu

791
comportamento e em suas emoções, levando ao desenvolvimento de determinados transtornos
psicológicos decorrentes das distorções criadas. A doença física então é interligada com a
manifestação psíquica, ocasionando inclusive, modificações na interação social. Diante do
contexto hospitalar o paciente passa pelo processo de despersonalização, ou seja, perca de
identidade e autonomia. Além disso, a maneira como a pessoa compreende a doença, os
sintomas, o tratamento e o seu prognóstico acaba influenciando na reação comportamental.
Compreendeu-se também a supervalorização negativa sobre os acontecimentos, dificultando os
investimentos pessoais para lidar com a crise, denominada como catastrofização.
Indo ao encontro, Pereira et al (2018), elencam as mesmas perspectivas citadas
anteriormente, porém tendo em vista os pacientes que enfrentam o Acidente Vascular
Encefálico (AVE). Verificou-se a presença do medo, tristeza, surpresa perante o aparecimento
da doença, e a vontade de mudança. Entretendo, ao conhecer o diagnóstico, o processo de
internação acabou sendo mais participativo por parte do internado, enfatizando assim, a
importância do contato entre o paciente e os profissionais da saúde.
Em sequência, a terceira pesquisa tem como intuito favorecer o segundo questionamento
do vigente estudo: Quais são as consequências do contexto hospitalar para os familiares? Cujo
título é “Enfrentamento da internação hospitalar do paciente adulto pelo familiar cuidador” dos
autores Arruda et al. (2019), os quais discorrem sobre a família do paciente adulto que vivência
a internação hospitalar, com base em dados de pesquisas realizadas com 20 familiares
(acompanhantes) em um determinado Hospital Universitário, localizado na região Sul do
Brasil. Foi possível compreender aspectos ligados a tal fator, como o desenvolvimento da
preocupação, a ansiedade, o medo de morrer e ao mesmo tempo, a tranquilidade.
Na maioria das vezes os familiares entram em acordo elegendo um membro como
cuidador principal ou a realização de revezamento. O acompanhante então acaba abrindo mão
de sua vida, família e casa para se empenhar totalmente ao cuidado no ambiente hospitalar. Em
destaque, uma das maiores preocupações do cuidador familiar era se o mesmo estaria cuidando
de forma adequada. Percebeu-se também que muitas instituições acabam motivando a
aproximação da família no período em que o paciente é internado, por acreditar que tal aspecto
contribui no tratamento e potencializa a recuperação, promovendo conforto e apoio emocional.
Outro aspecto abordado pelos autores elenca a importância da comunicação e do
vínculo, como ferramenta primordial entre os diversos profissionais da saúde e o familiar
cuidador. A família ao se comunicar com a equipe de enfermeiros busca dividir sentimentos
acerca da vida e os pontos fracos do familiar internado. Dessa forma, entendeu-se a grande
relevância de possibilitar assistência ao familiar cuidador.
De maneira complementar, Montefusco, Bachion e Nakatani (2008), através de um
estudo descritivo com 12 famílias que acompanhavam pacientes hospitalizados para tratar
doenças crônicas de nível não transmissível em um determinado Hospital Escola do Estado de
Goiás, verificou a presença de tensão devido ao papel de cuidar, comunicação familiar e
manutenção do lar prejudicado, interação social perdida (surgindo à falta em manter
comunicação), processos familiares estagnados, dentre outros. Diante disso, articula-se acerca
de ampliar tecnologias de intervenções que proporcionem aumentar as forças do cuidador
familiar como um todo.
Dando continuidade, os trabalhos a seguir visam contemplar o terceiro questionamento

792
levantado no presente estudo: Quais são as consequências do contexto hospitalar para os
profissionais? O quarto artigo selecionado foi “Estresse hospitalar em equipe multidisciplinar
de hospital público do interior de Rondônia” de autoria de Borine et al. (2012).
Através de uma pesquisa de cunho descritivo realizada com 28 profissionais plantonistas
em uma Unidade Hospitalar, dentre eles destacaram-se os médicos, enfermeiros e técnicos em
enfermagem, os autores compreenderam que os mesmos obtinham uma média maior de estresse
comparado com demais funcionários, como os cozinheiros e a recepcionista, por exemplo. À
medida que as demandas psicológicas possuíam uma carga elevada sobre o trabalho, prejuízos
na saúde acabaram sendo manifestados em decorrência da pressão para alcançar os resultados
exigidos, que por diversas vezes, estaria fora de alcance.
Outro ponto prejudicial discutido foi que grandes demandas e baixo controle sobre elas
acabaram gerando falta de agilidade e desinteresse do profissional, tendo dificuldades para
controlar suas tomadas de decisões ou fazer uso de suas habilidades mentais. A escassez de
diálogo entre os colegas e o chefe também demonstrou ser um dos aspectos negativos à saúde,
compreendendo que para ter níveis de estresses menores é preciso que haja uma boa
convivência, pois se acredita que a maneira como o sujeito é tratado no ambiente de trabalho
contribui na sua maneira de agir.
Por fim, o último estudo intitulado como “Qualidade de vida dos profissionais de saúde
em ambiente hospitalar”, escrito por Santana et al. (2014), buscam discorrer sobre a Qualidade
de Vida (QV) dos profissionais de saúde, fazendo uso de uma revisão de literatura. Os autores
apontaram que os profissionais expostos a riscos ligados ao trabalho hospitalar como carga
horária extensa e local insalubre, tendem a sofrer um decréscimo na QV. Verificou-se que
trabalhadores de nível técnico em comparação com os médicos, apresentam maiores níveis de
incômodo físico e emocional.
Outro ponto retratado envolveu o tempo, assinalando que os profissionais com mais
experiência, quando comparados com aqueles de menos vivência, possuem maior decréscimo
na QV. O desgaste físico tem envolvimento direto com a sobrecarga laboral, resultando em
fadiga, diminuição das atividades do cotidiano externo e interno ao serviço, e insônia. De
maneira geral, a exposição a vários riscos comprometem a assistência fornecida pelo
profissional.
Para validar tal perspectiva, Santos et al (2017) revela que o ambiente hospitalar auxilia
para aumentar o adoecimento dos profissionais de saúde devido às condições do espaço físico
(como a infraestrutura), o lado emocional e psicológico desgastante pelos quais vivenciam
diariamente. Existem ainda, os riscos acidentais e enfermidades físicas, já que trabalham
constantemente com doenças transmissíveis. Em relação ao sofrimento psíquico, o mesmo
advém geralmente das pressões pelas quais os especialistas são submetidos. Os autores ainda
exibem que esses profissionais são acometidos pela depressão e ansiedade, que acaba levando
ao envolvimento com álcool e outras drogas.

Considerações Finais
Percebeu-se diante do presente estudo, que as consequências da condição hospitalar

793
vivenciada pelo paciente hospitalizado, a família cuidadora e o profissional de saúde presente
no âmbito hospitalar, apresentam variados aspectos e características.
Dessa forma, fora possível verificar diante das discussões, que o processo de
hospitalização, influi nos aspectos físicos, psicológicos, sociais, sentimentais, comportamentais
e emocionais do paciente, desde o recebimento do diagnóstico até a forma de como o mesmo
compreende sua condição, seu olhar sobre ela e seu pensamento e comportamento diante de sua
vivência.
Notou-se o papel e representatividade da família cuidadora, a importância do vínculo e
apoio emocional doado ao paciente e o quanto isso pode ser benéfico ao seu processo de
hospitalização, além de sua entrega ao cuidado do outro e a relevância da assistência
direcionada a família como cuidadora. Por fim, a sobrecarga laboral, insônia, ambiente de
trabalho insalubre, a exposição aos riscos pelo local de trabalho, fadiga, exaustão física e
psicológica, são fatores encontrados nos impactos e consequências da condição hospitalar para
os profissionais de saúde.
Em suma, que o atual estudo sirva como base e incentivo para a realização de futuras
pesquisas referente a temática apresentada, tendo em vista, a importância do aprofundamento e
discussão das condições hospitalares e suas consequências e impactos, diante dos três aspectos
e atores envolvidos, desse modo, cabe frisar a relevância da visão geral dos indivíduos mais
presentes e influenciados pelo âmbito hospitalar.

Referências
Angerami-Camon, V. A (2010). Psicologia Hospitalar: Teoria e pratica. (2ª ed.). São Paulo:
Cengage Learning.
Arruda, C.P., Gomes, G. C., Nicoletti, M.C., Tarouco, V. S., Souza, C. C. S., & Grehs, A. N.
(2019). Enfrentamento da internação hospitalar do paciente adulto pelo familiar do
cuidador. Revista de Enfermagem UFSM, 9, 1-19. Recuperado em 12 de julho de
2020, de
http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/viewFile/7510/pdf_1.
Borine, B., Assis, C. L., Lopes, M. S. & Santini, T. O. (2012). Estresse hospitalar em equipe
multidisciplinar de hospital público do interior de Rondônia. Revista SBPH, 15, 22-40.
Recuperado em 12 de julho de 2020, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
08582012000100003.
Conselho Nacional de Saúde. (2016, 07 de abril). Resolução /] 510/2016. Ética na pesquisa.
Recuperado em 12 de julho de 2020, de
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/reso510.pdf.
Dázio, E. M. R., Alves, C. A. M., Rosado, S. R., Filipini, C. B., Fava, S. M. C. L., Lima, R. S.
L., & Souza, A. M. (2014). Vivências de familiares frente à situação de hospitalização.
Enfermagem Brasil, 14, 53-59. Recuperado em 12 de julho de 2020, de
https://portalatlanticaeditora.com.br/index.php/enfermagembrasil/article/download/37

794
10/5717.
Farias, C., Maders, D., Duarte, M., & Lopes, M. (2018). Cuidado humanizado: Do foco na
doença para o foco no sujeito. Actas, 175-180. Recuperado em 12 de julho de 2020, de
http://repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/6178/1/12CongNacSaude175.pdf.
Faquinelo, P., Higarashi, I. H., & Marcon, S. S. (2007). O atendimento humanizado em
unidade pediátrica: percepção do acompanhante da criança hospitalizada. Texto
Contexto Enfermagem, 16, 609-616. Recuperado em 12 de julho de 2020, em
https://www.scielo.br/pdf/tce/v16n4/a04v16n4.pdf.
Goidanich, M., & Guzzo, F. (2012). Concepções de vida e sentimentos vivenciados por
pacientes frente ao processo de hospitalização: o paciente cirúrgico. Revista SBPH, 15,
232-348. Recuperado em 12 de julho de 2020, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
08582012000100013.
Honicky, M., & Silva, R. R. (2009). O adolescente e o processo de hospitalização: percepção,
privação e elaboração. Psicologia Hospitalar, 7, 44-67. Recuperado em 12 de julho de
2020, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-
74092009000100004.
Montefusco, S. R., Bachion, M. M., & Nakatani, A. Y. K. (2008). Avaliação de famílias no
contexto hospitalar: uma aproximação entre o modelo Calgary e a taxonomia da
NANDA. Texto contexto – Enfermagem, 17, 72-80. Recuperado em 12 de julho de
2020, de https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
07072008000100008&lng=en&nrm=iso&tlng=pt.
Pereira, M. M., Rezende, K. T. A., Santos, I. F., & Tonhon, S. F. R. (2018). Compreensão do
paciente sobre o seu processo de hospitalização. Investigação Qualitativa em Saúde, 2,
828-837. Recuperado em 12 de julho de 2020, em
https://proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2018/article/view/1853/1803.
Quirino, D. D., Collet, N., & Neves, A. F. G. B. (2010). Hospitalização infantil: concepções
da enfermagem acerca da mãe acompanhante. Revista Gaúcha Enferm, 31, 300-306.
Recuperado em 12 de julho de 2020, de
https://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/11795.
Santana, V. S., Feitosa, A. G., Guedes, L. B. A., & Sales, N. B. B. (2014). Qualidade de vida
dos profissionais de saúde em ambiente hospitalar. Revista Pesquisa em Fisioterapia,
4, 35-46. Recuperado em 12 de julho de 2020, de https://www. Bahiana.edu.br.
Santos, A. S., Monteiro, J. K., Dilélio, A. S., Sobrosa, G. M. R., & Borowski, S. B. V. (2017).
Contexto hospitalar público e privado: impacto no adoecimento mental de
trabalhadores da saúde. Trab. educ. saúde, 15, 421-438. Recuperado em 12 de julho
de 2020, de https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1981-
77462017000200421&script=sci_arttext.
Sousa, M. E., Scherer, A. D., Ramos, F. L., & Baião, V. B. U. (2015). O paciente
hospitalizado à luz da teoria cognitivo-comportamental. Psicologia hospitalar, 13, 19-
41. Recuperado em 12 de julho de 2020, de

795
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-
74092015000100003.
Treinta, F. T., Filho, J. R. F., Sant’Annac, A. P., & Rabelo, L. M. (2014). Metodologia de
pesquisa bibliográfica com a utilização de método multicritério de apoio à decisão.
Production, 24, 508-520. Recuperado em 12 de julho de 2020, de
https://www.scielo.br/pdf/prod/v24n3/aop_prod0312.pdf.
ÊNFASE NA FALA DO SUJEITO: EXPERIÊNCIA DE INTERVENÇÃO CLÍNICA

796
EM UM HOSPITAL GERAL

Marília Albuquerque de Sousa


Kemylle Mesquita Brito
Beatriz Alves Viana
Luís Achilles Rodrigues Furtado
Introdução
O presente trabalho surgiu de uma experiência de intervenção feita a partir da
apresentação clínica de pacientes no Hospital Geral de Sobral – CE, fruto de uma disciplina de
Estágio Básico I e II do curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará – Campus Sobral.
Temos como objetivo demonstrar como dispositivo chamado Apresentação Clínica de
Pacientes pode proporcionar uma terapêutica capaz de produzir a circulação da palavra dentro
de uma instituição hospitalar, demonstrando a importância da fala do paciente como uma via
eficaz na condução de seu tratamento, além de servir como forma de colher informações do
caso para orientar o tratamento.
A realização desta intervenção se deu por demanda dos profissionais de psiquiatria da
instituição hospitalar que procurou o curso de psicologia da Universidade supracitada com
objetivo de desenvolver tal atividade, a fim de possibilitar outra perspectiva direcionada aos
casos que se mostravam desafiadores para os profissionais. Foi percebida a necessidade de uma
forma alternativa de cuidado e de tratamento do sujeito em surto dentro de um hospital geral,
visto que a lógica medicalizante, por si só, não dá conta do sujeito e de todo o sofrimento que
ele carrega. Dessa forma, consideramos que, nesse contexto, a palavra constitui-se como uma
importante ferramenta no que se refere à possibilidade de novas alternativas para o sujeito, para
além da abordagem medicamentosa.
Portanto, pretende-se discutir como a Apresentação Clínica de Pacientes pode ser
utilizada no hospital, enfatizando os efeitos dessa experiência, bem como a relevância desse
trabalho para a condução do tratamento e para a criação do Projeto Terapêutico Singular (PTS)
do paciente, que é um instrumento do campo da Saúde Mental e tem como objetivo construir
propostas e condutas terapêuticas para os sujeitos tanto de forma individual, quanto coletiva
(Brasil, 2004). No PTS da paciente, buscamos articular todos os dispositivos em que a paciente
circulava para realizar um trabalho interdisciplinar.

Método
Foi utilizado como instrumento dessa intervenção a Apresentação Clínica de Pacientes,
através de uma orientação psicanalítica dentro de um Hospital Geral de Sobral – CE. A
Apresentação Clínica de Pacientes é uma metodologia de prática e ensino que tem origem na
psiquiatria, mas que a partir de Lacan é subvertida.
Para a psiquiatria, a Apresentação de pacientes tem um teor mais demonstrativo de
sintomas e das possibilidades diagnósticas, ou seja, consiste em demonstrar o caso para os
demais profissionais e/ou estudantes, apontando os fenômenos existentes e fazendo uma

797
entrevista com o paciente. Assim, no campo psiquiátrico, “a apresentação de pacientes é
eminentemente didática, sendo caracterizada pela exibição do saber do mestre, sustentado na
exposição pública do paciente” (Ferreira, 2007, p. 300).
A apresentação de pacientes foi também uma metodologia conhecida e próxima de
Freud no início da psicanálise, muito utilizada por Charcot com os pacientes histéricos, em que
o mesmo produzia sintomas a partir da sugestionabilidade e da hipnose para demonstrar quadros
clínicos, ensinar e produzir conhecimento científico. A prática se mostrou bastante útil para a
descrição e catalogação de doenças, sintomas e enfermidades, porém houve um declínio
mediante os movimentos antimanicomiais, da antipsiquiatria e a ascensão da indústria
farmacêutica (Ferreira, 2007).
Por isso, a apresentação de pacientes foi perdendo lugar e deixando de ser necessária
para a condução dos casos clínicos, sendo mais utilizada para estudos de casos. Com o advento
da indústria farmacêutica, a fala do sujeito foi cada vez mais deixada de lado e a medicalização
foi ficando crescente como a forma de tratamento mais eficaz, “porque não há mais interesse
nos detalhes fornecidos pela fala do paciente, o uso da apresentação permaneceu, mas ficou
reduzida a um dispositivo universitário, demonstrativo” (Ferreira, 2007, p. 302).
Segundo Quinet (2006), o trabalho de Lacan com a clínica da psicose exigiu novas
estratégias clínicas para além das já conhecidas com a clínica da neurose, incluindo uma
redefinição da prática de apresentações clínicas. O rompimento em relação à apresentação de
pacientes produziu um redirecionamento em relação ao saber que a mesma estava ancorada.
O que antes se apresentava por meio de um médico em posição de mestre que impunha
um saber sobre o paciente e seu sintoma, transforma-se, com Lacan, em uma proposta clínica
que segue a ética da psicanálise, ou seja, um direcionamento que enfatiza o saber do próprio
sujeito em relação ao seu sofrimento e o coloca no centro da condução do tratamento. Escutar
o discurso da loucura no hospital é escutar o sujeito, sem tentar enquadrá-lo na norma a qualquer
custo, mas entender que “o louco como avesso dos discursos, interroga sobre a forma como o
homem se relaciona com os outros. Ele tem uma função interpretante para nós” (Quinet, 2006,
p, 52).
O que Lacan fez, enquanto psicanalista, foi acolher o paciente, durante a entrevista,
deste mesmo lugar proposto por Freud. E se ele acolhe o sujeito, ele o faz por supor
que haja ali algo a ser escutado. Não é por ter um saber a mais — um saber sobre o
paciente e sobre sua doença —, mas ao contrário, é por reconhecer que algo lhe
escapa e que sobre isso só o sujeito pode dizer, e ele, Lacan, escuta. (Ferreira, 2007,
p. 304).

Dessa forma, o foco da entrevista é que o sujeito possa direcioná-la de acordo com o
que se mostra importante para ele, tendo um papel principal no processo. Para que isso se
configure, o papel do analista na Apresentação Clínica de Pacientes não deverá ser de detentor
de saber como a figura do mestre de outrora. Este partirá da aposta no saber que o sujeito possa
construir sobre seu sofrimento e os seus delírios.
A partir das discussões supracitadas, é importante destacar que a escolha por esse
manejo clínico para a intervenção no Hospital Geral se deu a partir de estudos e pesquisas
bibliográficas, com referencial psicanalítico, que apresentam propostas de intervenções
semelhantes e já publicadas, que demonstram como a Apresentação Clínica pode ser uma
terapêutica que possibilita a circulação da fala dentro da instituição e coloca o saber do sujeito

798
com valor de verdade, subvertendo a lógica medicalizante.
Para isso, foram feitas apresentações clínicas dentro de um Hospital Geral de Sobral
juntamente com os profissionais da residência médica em psiquiatria, professores de psicanálise
da Universidade Federal do Ceará e estudantes de graduação de psicologia. Um analista
conduziu as entrevistas com os pacientes da instituição, assistida por todos os presentes na sala.
A partir da apresentação clínica, foi possível que durante a entrevista a fala do paciente
norteasse o processo, não mais sendo submissa à fala dos profissionais.

Discussão
Tendo em vista o que foi apresentado sobre o dispositivo de Apresentação Clínica de
Pacientes, podemos perceber como essa atividade foi de grande importância dentro de um
Hospital Geral, levando em consideração todas as características dessa instituição que opera
com uma lógica universalizante e silenciadora (Ferreira, 2007).
Assim, a partir da nossa experiência, podemos afirmar que existia uma demanda de fala
que, muitas vezes, era silenciada dentro desse hospital, mas que, a partir do trabalho de
apresentação clínica, ela pode circular dentro daquele espaço, percebendo novos mecanismos
de cuidado e de terapêutica.
Uma das falas da paciente que participou da apresentação clínica nos aponta essa
ausência de circulação da fala, que muitas vezes, os procedimentos médicos são engessados e
não oferecem a possibilidade de os pacientes narrarem a sua história ou falar sobre o seu
sofrimento. Durante a fala da paciente, que relatava a sua história com desenvoltura e com
muitos detalhes, um dos residentes brincou, dizendo que ela não falava tantas coisas durante as
consultas diárias que ele realizava. A paciente, com certo sarcasmo, o respondeu: “Você só vem
me perguntar que dia é hoje, qual o meu nome… só pergunta besta! Eu nem me dou ao
trabalho.”.
Essa situação causou riso naquele momento, porém podemos refletir sobre como ela nos
denuncia uma postura histórica recorrente quando se trata de atendimentos pautados no saber
médico, em que o paciente é tomado como objeto e como destituído de saber. Essas técnicas e
esses procedimentos são atravessados pelo discurso do mestre, “que produz um objeto que não
está articulado com o sujeito” (Ferreira & Santiago, 2019, p. 114), portanto, nesse tipo de
configuração ao realizar uma entrevista de rotina, “o diálogo é com a doença e não com o
sujeito” (p. 114).
Percebemos a partir desse relato, a importância que a própria paciente dá ao
posicionamento do analista em escutar a sua história, isto é, deslocar-se da posição de saber
sobre a doença para a posição de escuta do sofrimento. Ao longo de toda a sessão, a paciente
narrou a sua história delirante enquanto o analista o escutava sem contestá-la, diferentemente
da prática dos psiquiatras clássicos que tinham como objetivo provocar o surto do paciente para
apontar os sintomas e os diagnósticos para os seus alunos, pois entendiam que a ideia de tratar
a loucura era adequar o louco à realidade (Ferreira, 2007).
Além disso, um ponto a ser tratado como relevante refere-se ao envolvimento de outros
profissionais do Hospital (psiquiatras e residentes de psiquiatria), que perceberam a importância
dessa atividade e a necessidade da oferta de espaço para que os sujeitos possam se expressar e,

799
assim, elaborar o sofrimento, para além do tratamento medicamentoso.
Nossa experiência de estágio não se resumiu apenas à apresentação clínica de pacientes,
pois a partir dessa atividade, foi possível ouvir relatos importantes da paciente para o
encaminhamento do tratamento, tendo em vista que o trabalho com a psicose não se resume à
internação nem ao momento de apresentação clínica. Como nos afirma Quinet (2006, p. 158):

O saber que se deposita e se constrói a partir de uma apresentação de pacientes deve


servir para orientar a direção do tratamento fora e dentro do hospital psiquiátrico.
Pois, a loucura, se soubermos ouvi-la, traz em si sua própria cura.

Apostando nessa possibilidade de construção do tratamento da paciente, tivemos como


objetivo orientar a nossa intervenção a partir da fala da paciente, isto é, investir naquilo que a
paciente nos demonstrou apreço: o seu interesse de ocupar posições de ensino e a sua
aproximação com a arte. Realizamos, então, dentro do próprio hospital em que ela estava
internada, uma oficina de arte em que a paciente pôde nos ensinar e nos orientar na produção
de um quadro artístico. Ao final da oficina, ela quis expor o quadro e se mostrou bastante feliz,
contando pontos da sua história e relativos ao seu surto que auxiliaram na construção do caso
posteriormente.
Em decorrência dessas intervenções realizadas com a paciente do Hospital Geral, fomos
convidados pelo psiquiatra que a acompanhava no hospital para realizar uma Construção de
Caso Clínico com os profissionais da rede. Uma vez que a paciente havia tido alta, tentamos
organizar alguns encaminhamentos com a equipe. Foi realizada uma reunião com a Rede de
Saúde Mental de Sobral para a elaboração do Projeto Terapêutico Singular (PTS).
Nessa reunião, estavam presentes os estudantes de psicologia – que levaram uma prévia
da construção de caso -, profissionais que acompanharam a paciente no CAPS (Centro de
Atenção Psicossocial) II, profissionais do Hospital em que ela frequentemente era internada e
os residentes de psiquiatria que também estiveram presentes na apresentação clínica. A partir
dessa reunião foram elaboradas estratégias para uma aproximação da paciente, uma vez que
quando a mesma recebia alta das internações, não conseguia sustentar um vínculo com o CAPS
nem com nenhum dispositivo de saúde, até ser internada novamente.

Conclusão

Inicialmente, diante da nossa experiência, podemos concluir que foi de grande impacto
em nossa formação como estudantes de psicologia, tendo em vista que permitiu uma maior
compreensão das vastas possibilidades de atuação dentro de um Hospital Geral, percebendo
como são necessários espaços para que os sujeitos possam se expressar e, principalmente, serem
escutados.
Além da contribuição para os estudantes de psicologia participantes do Estágio Básico,
foi possível perceber uma mudança na perspectiva médica institucional, já que existe uma
demanda por parte dos profissionais do hospital de uma maior atuação dentro desses espaços.

800
Percebemos, assim, levando em consideração seu caráter terapêutico, a necessidade de
ampliação dessa técnica de apresentação clínica e de um maior incentivo para a elaboração de
PTS e de espaços para a discussão de casos clínicos.
Por fim, um último ponto a ser apresentado são os efeitos das nossas intervenções,
principalmente no caso supracitado que foi realizada a apresentação clínica, a oficina de
artesanato e a construção do PTS. A paciente que frequentemente retornava ao hospital para
internações passou cerca de cinco meses sem retornar, e os profissionais da rede atribuíram esse
interstício às intervenções feitas pelos estudantes e pelo professor tutor do estágio.

Referências

Brasil, Ministério da Saúde. (2004) Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial.
Brasília (DF).
Ferreira, C. M. R. (2007) Apresentação de pacientes: (re)descobrindo a dimensão clínica.
Ágora, Rio de Janeiro, v. X, n. 2.
Ferreira, C. M. R., & Santiago, J. (2019). As apresentações de paciente sob a lógica dos
discursos. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 22(1), 111-122.
Quinet, A. (2006) Psicose e laço social: esquizofrenia, paranóia e melancolia. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar.
O LÚDICO COMO SUPORTE PSICOLÓGICO A CRIANÇA COM CÂNCER: UMA

801
EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO

Jaiane Celeste dos Santos Nascimento


Wallyson de Sousa Lopes
Laís de Meneses Carvalho Arilo

Introdução
Para fazer o atendimento psicológico de crianças em tratamento do câncer é necessário
começar falando sobre o diagnóstico oncológico uma vez que “O câncer é uma doença cujo
significado é ameaçador para a maioria das pessoas, pois está associado ao risco de morte e
possibilidade de interrupção da trajetória existencial.” (Werebe, 2000). A partir do diagnóstico
os cuidadores da criança começam a enfrentar vários desafios e as crianças passam a ter algumas
mudanças na vida, desde hábitos alimentares, até o fato de ter que parar de exercer suas
atividades escolares. Essas alterações poderiam acontecer em qualquer momento da vida de
alguém sem gerar nenhum adoecimento psíquico, mas no caso de pacientes oncológicos podem
ser comprometedoras para a saúde mental e seguimento do tratamento do câncer
independentemente da idade.
A criança hospitalizada passa por conflitos incomuns a idade, que podem produzir
ferramentas importantes para enfrentar outras situações ao longo da vida. Mesquita, Silva e
Junior (2013) acrescenta que durante o desenvolvimento da criança, ao passar por esse tipo de
experiência, ela precisará de apoio para enfrentar possíveis efeitos negativos dos eventos
traumáticos, como os sentimentos de insegurança, medo intenso, falta de ajuda e ansiedade.
Além disso, para conseguir alcançar essas ferramentas de enfrentamento da doença,
as crianças precisam lidar com os conflitos que são incomuns no dia a dia de uma criança
saudável, que conforme Altamira (2011 como citado em Mesquita, 2013, p. 90) são o
afastamento do lar, dos pais, dos objetos de estimação, bem como lidar com a tensão emocional,
o medo do abandono, o medo de perder afeto dos pais, o ambiente hostil do hospital, e inúmeras
experiências, que caso não sejam bem direcionadas, podem repercutir de forma negativa na
experiência de hospitalização infantil.
Assim, torna-se importante abordar o uso da psicologia hospitalar como área de
atuação do psicólogo. De acordo com o CFP (Conselho Federal de Psicologia), o psicólogo
especialista em Psicologia Hospitalar atua com o foco na prevenção secundária e terciária da
atenção à saúde, e tem como práticas: a psicoterapia, avaliação, psicodiagnóstico, grupos
psicoterapêuticos, atendimento em enfermarias, UTIs, dentre outros locais nas instituições de
saúde. Esse profissional é muito importante para o tratamento do câncer, visto que seus
pacientes estão mais sensíveis tanto fisicamente como emocionalmente ao adoecimento mental.
Azevêdo e Crepaldi (2016) fala da contribuição do psicólogo hospitalar para a compreensão dos
sentimentos e pensamentos do paciente, como o luto decorrente do surgimento da patologia,
acompanhando assim a evolução do paciente por meio da fala. Com as crianças não é diferente,
porém de uma maneira mais especial, através do brincar, visto que de acordo com Azevêdo
(2011) o hospital pode trazer um espaço que seja destinado para o brincar, e que mesmo com as

802
mudanças causadas pela doença esse lugar representa a valorização da vida física e psíquica.
As crianças geralmente apresentam dificuldades para falar sobre seus sentimentos e
pensamentos comparadas com os adultos, por isso que a intervenção psicológica com elas se
faz de uma forma lúdica. As atividades lúdicas expressadas pelo brincar despertam a
criatividade, ajuda na comunicação, socialização e desenvolvimento infantil. De acordo com
Mesquita et al. (2013) quando o processo de internação está voltado à criança, o psicólogo
hospitalar deve sempre ter por objetivo desenvolver técnicas de atendimento que traga esse
paciente para o tratamento de uma forma lúdica. Além disso é direito da criança de acordo com
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) art.16 p. IV ter a liberdade que compreende os
aspectos de brincar, praticar esportes e divertir-se.
Através da elaboração de algumas intervenções é possível compreender a importância
e os benefícios do brincar para a criança hospitalizada. Assim essa criança pode responder
melhor ao tratamento, vivendo com bem estar e aprendendo a lidar com seus sentimentos que
na maioria das vezes desconhecem. Azevêdo (2011) demonstra a importância do brincar para a
melhora desse período de hospitalização, diminuindo tanto adoecimento físico como o psíquico,
causados pelo rompimento do contexto sóciofamiliar da criança.
O relato dessa experiência de estágio supervisionado com crianças em tratamento
oncológico traz, a descrição das atividades realizadas, as propostas e objetivos de cada
intervenção, e expõe as conclusões da prática em campo. Contém uma discussão acerca das
atividades, realizadas em uma instituição filantrópica que ajuda no combate e na prevenção do
câncer e que tem como objetivo prestar ajuda social à pacientes em tratamento oncológico.

Método
Esse trabalho consiste em um relato de experiências que busca disseminar a prática de
estágio supervisionado em psicologia social da saúde. Entende-se por relato de experiência o
trabalho científico que descreve uma experiência que contribui de forma relevante para a área
de interesse. Foi utilizado a modalidade de grupo terapêutico, que se utiliza formas terapêuticas
auxiliando no autoconhecimento e desenvolvimento pessoal como alívio ou eliminação de
sintomas.
O estágio supervisionado aconteceu nas dependências de uma instituição filantrópica
responsável pela brinquedoteca de um hospital referência no tratamento oncológico de crianças
no âmbito do SUS.
Na brinquedoteca além das voluntárias do local, também observou-se a necessidade
de ter o profissional da psicologia para desenvolver com as crianças intervenções lúdicas que
trabalhem as emoções, a criatividade, os sentimentos, a interação social e a comunicação, bem
como qualquer repercussão decorrente do processo de hospitalização.
O estágio no local durou dois meses com a periodicidade de duas vezes por semana.
Durante esse período de estágio as intervenções grupais e atendimentos individuais na
instituição foram realizados com 10 crianças de 2 a 10 anos. Alguns desafios podem ser
encontrados nos casos das crianças hospitalizadas como questões sobre a queda de cabelos
devido a quimioterapia e radioterapia, alteração de humor por ter que enfrentar algumas
limitações, a mudança no contexto familiar por estar internado e nem sempre vê alguns

803
familiares, sentimentos com relação aos amigos da escola, em alguns casos a distância da sua
cidade de origem e dificuldades para se aproximar das outras crianças.
O propósito principal do estágio foi prestar assistência psicológica às crianças que
estão em tratamento oncológico. Foi estabelecido um período de dois meses para realizar as
atividades lúdicas na sala principal da instituição que é o espaço que acolhe as crianças, na qual
é servido um lanche e elas têm a oportunidade interagir com o outro, com o ambiente e expressar
e ressignificar emoções por meio da leitura de uma história, do desenho, podendo assistir
desenhos na televisão, jogar vídeo game e pintar. As atividades foram previamente elaboradas
e apresentadas para a psicóloga do local e ao supervisor da disciplina de estágio supervisionado.

Resultados & Discussões


O primeiro momento da experiência consistiu em uma visita técnica para apresentação
e conhecimento do local e os objetivos da instituição e com o propósito de realizar um
diagnóstico institucional. Essa etapa foi importante para traçar as estratégias de uma forma mais
adequada, compreendendo e elaborando atividades de acordo com a realidade institucional.
Assim, nesse momento de apresentação ao local, também foi realizado a aproximação
com o público alvo (crianças), utilizando a estratégia do "brincar livre” com crianças de 2 a 10
anos. De acordo com Oliveira (2012) entende-se por “brincar livre” uma técnica de brincar com
caráter voluntário e espontâneo, no brincar a criança pode entrar e sair a qualquer momento sem
intervenção de um adulto.
Através do "brincar livre" foi possível uma maior aproximação com as crianças, visto
que assim podiam brincar livremente com os brinquedos que estivessem disponíveis no local.
Esse momento de conhecimento da instituição e aproximação com o público alvo foi dividido
em dois dias. Optou-se por utilizar grupos abertos, pois a todo momento chegavam novos
participantes no local e tal estratégia contribuiu para contemplar o maior número de crianças.
O segundo momento teve como proposta de trabalho a aproximação e socialização
entre as crianças, para isso utilizou-se um jogo eletrônico. É importante trabalhar a socialização
e cooperação nas crianças com câncer, porque a partir da hospitalização, os amigos passam a
ser aqueles que convivem com o mesmo adoecimento que eles. De acordo com Silva, Cabral e
Christoffel (2010) às crianças com câncer, algumas vezes são levadas a romper suas relações,
com os amigos que não estão doentes, pelo fato das brincadeiras não se adequarem ao seu novo
estilo de vida, e isso favorece o isolamento e a dificuldade de interagir com seus pares, e até
mesmo com quem elas mantinham contato antes do adoecimento.
No terceiro momento foi realizada a técnica de contação de história com as crianças
presentes na brinquedoteca, com o objetivo trabalhar as reações emocionais diante de situações
difíceis. A atividade despertou curiosidade e proporcionou um momento de livre expressão de
sentimentos, além do desenvolvimento da empatia perante os personagens da história contada.
Assim as crianças demonstraram compreender as experiências que vivenciam no hospital e
atribuir significados a elas, gerando ferramentas para a superação das dificuldades
corroborando com o pensamento de Almeida (2005 como citado em Azevêdo, 2011, p.568)
Essa atividade também foi dividida em dois dias, com histórias diferentes que traziam

804
aproximação com situações da realidade das crianças presentes. Na conclusão da intervenção,
aconteceu uma reflexão sobre o tema principal e elas falaram livremente sobre o assunto.
Azevêdo (2016) fala da importância desse tipo de intervenção dizendo que além da equipe
multiprofissional a criança com câncer necessita de um espaço para falar sobre suas emoções,
e que as atividades lúdicas auxiliam na promoção de saúde e a compreender a sua experiência
nesse momento que ela está passando.
O último momento teve como proposta trabalhar motivação e as habilidades das
crianças com colagem e criatividade, abrindo possibilidades para criar desenhos ou figuras que
desejassem utilizando quadradinhos coloridos para o “mosaico divertido”. Nesse momento
houve a participação dos pais. De acordo com Silva 2006 (como citado Azevedo 2011, p.567)

[...] o brincar estimula o desempenho criativo e, para compreender a


vivência da criança com câncer, torna-se necessário identificar suas
características pessoais e a dinâmica estabelecida nas relações
intergrupais, o que contribui para a valorização da pessoa humana.
Assim, a criança sente-se acolhida e respeitada pelas outras pessoas
enquanto brinca, quando no ambiente hospitalar existe a possibilidade
de desenvolver suas potencialidades (p. 571).

Essa atividade proporcionou desenvolver a criatividade, elemento importante para o


crescimento da criança. Mesmo hospitalizada a criança não deixa de crescer e desenvolver suas
capacidades cognitivas. Por isso, a última atividade foi oferecida como recurso livre sem
objetivos concretos, proporcionando associações livres tanto da criança como dos pais que
participaram, favorecendo expressões e sentimentos frente a enfermidade, foi executada apenas
pelo fator da diversão e visando a finalização do processo (Oliveira 2012)

Considerações Finais
A infância hospitalizada é repleta de situações difíceis. Quando se trata de pacientes
oncológicos o enfrentamento desse processo perpassa por medo, angústia, ansiedade e
isolamento. O projeto relatado neste trabalho teve como proposta promover saúde mental
através do lúdico com as crianças oncológicas em uma instituição de combate ao câncer. Foi
possível considerar as demandas específicas e peculiares da condição vivenciada pelo público
alvo e fazer a intervenções por meio do acolhimento, do vínculo e da troca de saberes. Se há
relação de confiança e diálogo entre as pessoas envolvidas, há aceitação da proposta de caráter
educativo, informativo e cuidador.
O lúdico no contexto hospitalar trata-se de uma iniciativa inovadora que vem se
aprimorando a cada dia, por esse motivo faz-se necessário que tal recurso seja mais explorado
nesse ambiente. Por ser um instrumento de alcance às necessidades infantis mais eficaz que a
comunicação verbal, optou-se pela utilização de estratégias lúdicas nesse trabalho. Observa-se
que ações psicoeducativas em saúde mental e atividades preventivas pautadas no lúdico sejam
cada vez mais presentes nas instituições de tratamento oncológico, sejam elas hospitais,
clínicas, casas de apoio e redes de acolhimento, permitindo assim que os pacientes se adaptem

805
a condição de tratamento e enfrentam o processo de adoecimento com mais qualidade de vida
e recursos adaptativos mais saudáveis.
Os principais pontos para esse relato de experiência foram compreender a dinâmica do apoio
psicológico pautado no lúdico para as crianças em tratamento oncológico e cumprir os objetivos
da institucionais do estágio, tais como: desenvolver atividades assistenciais e preventivas, ações
educativas e promoção da saúde que permitam a melhoria da recuperação da autoestima e
valorização da saúde mental e qualidade vida.

Referências
Azevêdo, A., V., S. & Crepaldi, M., A., (2016). A Psicologia no hospital geral: aspectos
históricos, conceituais e práticos. Estud. psicol. (Campinas), Campinas , v. 33, n. 4, p.
573-585, Dec.
Azevêdo, A., V., S., (2011). O brincar da criança com câncer no hospital: análise da produção
científica. Estudos de Psicologia, Campinas, v 28(4) p.565-572.
Affonso, R., M., L., (2012). Ludodiagnóstico. investigação clínica através do brinquedo
[recurso eletrônico] Dados eletrônicos. – Porto Alegre: Artmed. (Pág 193).
Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) Brasília,. BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho
de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 jul.
1990. Recuperado em 31 de Janeiro de 2020, de
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm#art16 >.
Mesquita, D., A., Silva, E., P., & Júnior, J., R., R., (2013). O psicólogo atuando junto à
criança hospitalizada, Cadernos de Graduação - Ciências Biológicas e da Saúde Fits
Maceió v. 1 n.2 p. 89-96.
Silva L., F., Cabral I., E., & Christoffel M., M., (2010) Conhecendo a interação social nas
brincadeiras das crianças com câncer Em tratamento ambulatorial: subsídios para o
cuidado de enfermagem. R. pesq.: cuid. fundam. online. out/dez. 2(Ed. Supl.):63-67
64.
Oliveira, R., S., (2012) A Importância do Brincar no Ambiente Hospitalar: da Recreação ao
Instrumento Terapêutico. Psicologado. Edição 06/2012. Recuperado em 31 Janeiro de
2020, de <https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-hospitalar/a-
importancia-do-brincar-no-ambiente-hospitalar-da-recreacao-ao-instrumento-
terapeutico >.
Oliveira, S., (2012) A interação de crianças entre 5 a 6 anos de idade no contexto de brincar
livre, brincar orientado e atividade dirigida. Universidade Federal do Rio Grande do
Sul Escola de Educação Física. Porto Alegre.
Werebe, D., M., (2000). Depressão no câncer. Em R. Fráguas Jr. & J. A. B. Figueiró (Orgs.).
Depressão em medicina interna e em outras condições médicas: depressões
secundárias (pp. 159-164). São Paulo: Atheneu.
FATORES RESTRITIVOS E FACILITADORES DO TRABALHO DO PSICÓLOGO

806
HOSPITALAR JUNTO AO FAMILIAR DE PACIENTES EM MORTE
ENCEFÁLICA

Jessyca Rodrigues Melo


Louanne Sousa Silva
Patrícia Melo Monte
Maysa Milena e Silva Almeida
Introdução
No que diz respeito à Morte Encefálica (ME) ela é estabelecida pela perda definitiva e
irreversível das funções do encéfalo por causa conhecida, comprovada e capaz de provocar o
quadro clínico. O diagnóstico de ME é fundamentado na ausência de função do tronco
encefálico confirmado pela falta de seus reflexos ao exame clínico e de movimentos
respiratórios ao teste de apneia (Resolução nº 2.173, 2017). É de suma importância o psicólogo
ter conhecimentos acerca desta resolução e de outras que envolvem a temática, para atuar no
campo hospitalar mais preparado com as decorrências deste campo.
No que concerne ao campo de estudos acerca da temática é relevante explorar os objetivos
que o psicólogo hospitalar possui e tarefas básicas de atuação. “A Psicologia Hospitalar tem
como objetivo principal a minimização do sofrimento provocado pela hospitalização, como
também as sequelas e decorrências emocionais dessa hospitalização” (Angerami-Camon 2010,
p. 10).
Por esse motivo, o psicólogo adentrou ao hospital ganhando espaço em diversas equipes.
Pois o “psicólogo hospitalar começou a ser indispensável a partir do momento em que as
doenças psicossomáticas começaram a ser aceitas como plausíveis de existência pela medicina”
(Silva, 2013, p. 02).
O presente estudo mostra-se relevante, pois leva em consideração a atuação do psicólogo
nos casos de morte encefálica. Conforme demonstra o estudo de Santos, Corral-Mulato e Bueno
(2014), falar sobre a morte tornou-se um desafio no cotidiano de trabalho, uma vez que ela é
inerente ao ambiente hospitalar, exigindo dos profissionais um preparo para lidar com a
temática. Uma formação específica sobre o tema possibilita ao profissional da saúde lidar com
situações de morte em que se faz necessário analisar e refletir sobre a finitude, o processo de
luto, visando intervenções que auxiliam na manutenção da saúde mental dos mesmos.
É inegável, porém, que este profissional possui habilidades e competências levando em
consideração aspectos emocionais sem desatender aos aspectos físicos em suas intervenções no
âmbito da saúde. Em uma unidade hospitalar, o psicólogo da saúde pode prestar assistência no
ambulatório clínico, nas unidades de emergência ou pronto-socorro, unidades de internação ou
enfermarias e nas unidades e centros de terapia intensiva - UTI e CTI (Almeida & Malagris,
2011).
Pelo exposto, vimos que o psicólogo se insere dentro da equipe de saúde no contexto
hospitalar, para isso este deve desenvolver habilidades e atribuições como, por exemplo, em
aspectos de acolhida, compreensão do sofrimento com enfoque no processo de hospitalização,

807
como também nas relações com a tríade equipe-família-paciente, dentre outros. Também se faz
necessário que este profissional compreenda fatores tanto psicológicos, como físicos e sociais.
A partir desse cenário, o presente trabalho tem como objetivo principal realizar uma
pesquisa bibliográfica acerca dos fatores restritivos e facilitadores do trabalho do psicólogo
hospitalar junto ao familiar de pacientes em morte encefálica.

Método
O presente estudo foi realizado em uma abordagem qualitativa do tipo pesquisa
bibliográfica, de natureza exploratória e sistemática. A revisão sistemática de literatura
realizada neste estudo utilizou as seguintes bases de dados consagradas pela literatura da área:
Lilacs (Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências Sociais e da Saúde); Scielo
(Scientific Eletronic Library OnLine); Medline (Literatura Internacional em Ciências da
Saúde); Pubmed (Public Medline or Publisher Medline) e Google Acadêmico. As bases de
dados selecionadas foram escolhidas em acordo com a relevância para a área trabalhada nesta
pesquisa.
Inicialmente foram consultados os descritores na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)
como meio de fundamentar cientificamente a pesquisa. Após a consulta a revisão foi
operacionalizada por meio do cruzamento de palavras-chave selecionadas a partir da
terminologia e da base de Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). A busca dos artigos
pautou-se por meio de três conjuntos de palavras-chave, sendo esses: Morte Encefálica (Brain
Death); Psicologia (Psychology) e Cuidador Familiar (Caregivers).
Os procedimentos de coleta e análise de dados seguirão a seguinte ordem:
Primeira Etapa: Identificação e seleção dos documentos onde serão cruzados de dois
a três descritores em acordo com os seguintes descritores: Morte Encefálica (Brain Death);
Psicologia (Psychology) e Cuidador Familiar (Caregivers).
Segunda Etapa: A seleção das produções foi realizada mediante a leitura e a análise
dos títulos e resumos de todos os artigos identificados.
Terceira etapa: Após essa triagem inicial procedeu-se à leitura dos estudos
selecionados, a qual possibilitou que outros textos também fossem excluídos por não atenderem
à proposta da revisão.
Quarta Etapa: Elaboração de roteiro de estudo.
Quinta etapa: Análise do material coletado e categorização dos temas considerados
mais relevantes para as finalidades desse estudo. A relevância considerou:
1) Aproximação com o tema;
2) Aproximação com os objetivos propostos no trabalho;
3) Citação nos textos coletados.
Foram incluídos nesta busca todos os estudos que continham os seguintes critérios de
inclusão: 1. Publicações em periódicos indexados nas bases selecionadas, 2. idioma português
ou inglês e 3. Deu-se preferência por publicações mais atuais, referentes aos últimos dez anos

808
(2008 a 2018). Foram excluídos documentos que estivessem apresentados em duplicata entre
as bases, cujo tema não contemplasse o objetivo proposto neste estudo, que estivessem em
outros idiomas como espanhol, alemão e francês ou que não estivessem completos ou
disponíveis no meio digital. O levantamento dos dados bibliográficos ocorreu setembro de 2018
a dezembro de 2018 com base nos critérios de inclusão estabelecidos. A análise das publicações
incluídas nesta revisão levou em consideração a natureza (e.g., trabalho empírico, teórico, etc.)
e o tema do estudo, a base teórica, o método, e os resultados encontrados.
O aumento, nos últimos anos, do número de informações disponíveis no meio digital
demonstra que os pesquisadores precisam encontrar formas rápidas e eficientes para gerenciar
esses dados. Dessa forma, Duong (2010) destaca que a utilização de programas computacionais
- que auxiliem neste gerenciamento - tornou-se um fator importante para facilitar o trabalho de
usuários que precisam, frequentemente, buscar dados na literatura. Consequentemente, diversos
programas computacionais vêm sendo desenvolvidos para este fim.
Optou-se pelo Zotero como gerenciador bibliográfico utilizado como um gerenciador
de referência bibliográfica de código aberto, arquivador de documentos, gerenciador de citações
e uma ferramenta de colaboração compatível com diversas bases de dados. Por meio de um
clique no ícone de navegação localizada na barra do navegador as informações bibliográficas
como autor, título, periódico, volume, número de páginas etc., são salvas criando um arquivo
com todas as referências. As referências também podem ser inseridas manualmente tendo
também como ferramenta a opção de visualização de referências duplicadas (Yamakawa et al.,
2014).
A análise de dados seguiu uma abordagem qualitativa, discutindo os dados de forma
descritiva e caracterizando-os em acordo com a análise da literatura da área.
O processo de revisão sistemática dos dados seguiu a proposta do percurso de análise
adotado por Bardin, tomado como referência no Brasil em pesquisas que adotam a análise de
conteúdo como técnica de análise de dados. Com isso, priorizou-se elencar as etapas da técnica
Bardin (2006), que as organiza em três fases: 1) pré-análise, 2) exploração do material e 3)
tratamento dos resultados, inferência e interpretação.
É oportuno lembrar que “A intenção da análise de conteúdo é a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção (ou eventualmente, de recepção), inferência
esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não)” (Bardin, 2006, p. 38).

Resultados
Quanto à caracterização dos dados a busca inicial nas bases de dados gerou um total de
1.471 artigos (Lilacs: 40; Scielo: 06; Medline: 103; Pubmed: 609 e Google Acadêmico: 710).
Na primeira triagem com o auxílio do gerenciador bibliográfico Zotero, foram excluídos 72
trabalhos duplicados entre as bases. Dos 1.399 artigos restantes, 901 não atenderam aos critérios
de inclusão e 489 atenderam ao critério de exclusão, ou seja, cujo tema não contemplasse o
objetivo proposto neste estudo. As temáticas que mais apareceram que contribuíram para essa
exclusão foram: apoios aos cuidadores de doenças amiotrófica esclerose lateral; câncer
avançado; transplante renal; resumos de congressos, artigos que estivessem em outros idiomas
como espanhol, alemão, francês dentre outros; artigos que não estavam completos ou

809
disponíveis no meio digital, citações e/ou temáticas diferentes do objeto desta investigação.
Assim, o banco final incluído na análise deste estudo foi constituído por 09 artigos (Pubmed:
00; Scielo: 03; Lilacs: 01; Pepsic: 01; Medline: 00 e Google Acadêmico: 04).
Os resultados serão apresentados de forma descritiva, tendo como base a análise de
elementos relativos ao ano de publicação dos trabalhos, periódicos responsáveis pelas
publicações, natureza dos estudos, aspectos metodológicos e temáticas abordadas.

Tabela da categoria 01 - Discussão dos Fatores restritivos e facilitadores do trabalho do psicólogo


hospitalar em contexto de morte encefálica

Descrição Ocorrência
Formação inicial e continuada 4
Experiências do dia-a-dia 3
Restrições técnicas e estruturais 2
Excesso de carga horária 1
Fonte: Dados organizados pela pesquisadora, 2019.

(1) Formação inicial e continuada

A formação inicial e continuada se enquadra tanto nos fatores restritivos como nos
facilitadores do trabalho do psicólogo hospitalar. Sendo que nesse contexto se tornam
facilitadores, pois se enquadram, por exemplo, no manejo de más notícias e suas variáveis e
restritivos no sentido das atualizações de conceitos, capacitações, análise e trocas de
experiências. Nos artigos selecionados esse ponto foi recorrente em 4/9, ou seja, 44,44 %.
Nos fatores facilitadores, Castelli (2017) identifica que a formação continuada, por meio
de capacitações e treinamento, favorece uma comunicação adequada refletindo sobre uma
maior obtenção de consentimentos à doação de órgãos e tecidos. Uma vez que o psicólogo,
integrante da equipe, tenha acesso à amplitude de motivos de recusa familiar, poderia elaborar
propostas de treinamento de colegas, auxiliando, com técnicas de manejo comportamental e
cognitivo, para a obtenção de um processo de comunicação mais efetivo com os familiares.
Nos fatores restritivos, Pessoa (2013) discute que não há cursos, discussões de casos e
ou trocas de experiências entre os próprios profissionais que atuam nesta área. A criação de
grupos e cursos para capacitar os profissionais minimizaria os erros e facilitaria o aprendizado
prático.

(2) Experiências do dia-a-dia/ trajetória informal


A experiência do dia a dia ou trajetória informal repercute nos fatores restritivos e
facilitadores do trabalho do psicólogo hospitalar nesse contexto através de vivências de
tentativa e erro executados pelos profissionais em sua prática. Nos artigos selecionados esse

810
ponto foi recorrente em 3/9, ou seja, 33,33%.
Nesta categoria, os profissionais destacaram que a aquisição de suas habilidades para
comunicação com os familiares ocorre a partir de procedimentos de tentativa e erro, bem como
de observação e imitação de colegas (Castelli, 2017).

(3) Restrições técnicas e estruturais


As restrições técnicas e estruturais se enquadram nos aspetos restritivos do trabalho do
psicólogo hospitalar nesse contexto. Nos artigos selecionados esse ponto foi recorrente em 2/9,
ou seja, 22,22%. As restrições técnicas e estruturais profissionais referem-se aos entraves
técnico-estruturais (dificuldade na obtenção de leitos, falta de material) e limites assistenciais
que dificultam o pleno exercício da equipe ou a execução de atividades específicas (Castelli,
2017).

(4) Excesso de carga horária


O excesso de carga horária se enquadra nos aspetos restritivos do trabalho do psicólogo
hospitalar nesse contexto. Nos artigos selecionados esse ponto foi recorrente em 1/9, ou seja,
11,11%. No excesso de carga horária, o profissional refere entraves pessoais que dificultam o
pleno exercício da equipe ou a execução de atividades específicas, sendo uma das barreiras à
plena execução das tarefas (Castelli, 2017).

Discussão & Conclusão


Ao longo do estudo, buscou-se atender aos objetivos explicitados inicialmente. Às
discussões dos fatores restritivos e facilitadores do trabalho do psicólogo hospitalar nesse
contexto hospitalar. Foram encontrados a importância da formação inicial e da formação
continuada, por meio de capacitações para que o profissional se sinta mais atualizado e mais
preparado para lidar com a temática e demandas que surgem a partir dela. Outro ponto são as
experiências do dia-a-dia como restritivas e facilitadores em questão de tentativa e erro, o que
pode ser positivo pela riqueza de ter na experiência na prática e pode ser negativo pela má
condução do processo. Outro fator restritivo é de ordem técnica e estrutural como, por exemplo,
o psicólogo não ter o ambiente adequado para dar suporte a família nesse momento difícil e
fazer suas intervenções. E por último o fator restritivo excesso de carga horária que compromete
a eficácia do trabalho do psicólogo.
Fazendo um comparativo deste aspecto com o estudo de Sá (2005) com relação, ainda,
ao aperfeiçoamento, foi possível observar que 90% dos entrevistados consideram a formação
acadêmica insuficiente para atuar em hospital, enquanto apenas 10% a considera suficiente.
Com relação aos setores do hospital onde o atendimento é realizado com maior frequência,
constatou-se que o setor de maior prevalência de atendimento psicológico no hospital é o da
enfermaria individual, com 84% das respostas, vindo, em seguida, o ambulatório individual,
com 74%, e, posteriormente, os setores da enfermaria em grupo e da UTI, com 34% ambos,
bem como do ambulatório em grupo e do setor da emergência, com 30% das respostas.
Através desta pesquisa pôde-se perceber a importância de se trabalhar com a morte

811
encefálica dentro da psicologia, bem como iniciar esse estudo dentro das graduações incluindo-
os nas grades curriculares o que não ocorre atualmente. Com isso, os profissionais iriam entrar
na prática do campo hospitalar mais preparados com as decorrências que surgirem.
Configurando-se também a importância de uma formação continuada ao psicólogo trazendo
uma maior segurança acerca do tema morte encefálica em seu campo, bem como as resoluções
que se atualizam em longo prazo.
Não esgotando o tema, deseja-se que esse trabalho possa ajudar em uma melhor
compreensão acerca das discussões dos fatores restritivos e facilitadores do trabalho do
psicólogo hospitalar nesse contexto como também destacamos a necessidade de serem
desenvolvidas mais pesquisas nesta linha, visto que os estudos que permeiam essa temática
nesta área são poucos.

Referências
Almeida, R. A. & Malagris, L. E. N. (2011). A prática da psicologia da saúde. Revista da
SBPH, 14(2), 183-202. Recuperado em 11 de março de 2019, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
08582011000200012&lng=pt&tlng=pt.
Angerami-Camon, W. A. (2010). Psicologia Hospitalar: teoria e prática (2. Ed.). São Paulo:
Cengage Learning.
Bardin, L. (2006). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. (Obra original publicada em
1977).
Castelli, I. (2017). Comunicação de más notícias: a distância entre morte encefálica e a
doação de órgãos. (Dissertação Mestrado). Curso de Instituto de Psicologia, Programa
de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura, Universidade de Brasília, Brasília.
Duong, K. (2010). Rolling Out Zotero Across Campus as a Part of a Science Librarian's
Outreach Efforts. Science & Technology Libraries, 29(4), 315-324. doi:
10.1080/0194262x.2010.523309.
Pessoa, J. L. E., Schirmer, J., & Roza, B. de A. (2013). Avaliação das causas de recusa
familiar a doação de órgãos e tecidos. Acta Paulista de Enfermagem, 26(4), 323-
330. https://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002013000400005.
Resolução nº 2.173 (2017). Conselho Federal de Medicina (Brasil) que define os critérios do
diagnóstico de morte encefálica. Diário Oficial da União, Brasília, 15 dez 2017, Seção
I, p. 274-6. Recuperado a partir de
http://www.saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20171205/19140504-resolucao-do-
conselho-federal-de-medicina-2173-2017.pdf.
Sá, A. K. J. M. de, Lima, A. E. N., Santos, Í. M. da S. M. dos, & Clemente, L. (2005).
Psicólogo hospitalar da cidade de Recife - PE formação e atuação. Psicologia: Ciência
e Profissão, 25(3), 384-397. https://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932005000300005.
Santos, J. L. dos; Corral-Mulato, S.; Bueno, S. M. V. (2014). Morte e luto: a importância da

812
educação para o profissional de saúde. Arq. Cienc. Saúde UNIPAR, Umuarama, 18(3),
199-203. doi: 10.25110/arqsaude.v18i3.2014.5196.
Silva, D.B. Psicologia Hospitalar. (2013). Psicologia.com.pt. Recuperado a partir de
http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0705.pdf. Acesso em: 10 Mar. 2019.
Yamakawa, E. K., Kubota, F. I., Beuren, F. H., Scalvenzi, L., & Miguel, P. A. C. (2014).
Comparativo dos softwares de gerenciamento de referências bibliográficas: Mendeley,
EndNote e Zotero. Transinformação, 26(2), 167-176. https://dx.doi.org/10.1590/0103-
37862014000200006.
O LUGAR DA ÉTICA NAS PRÁTICAS PSICOLÓGICAS EM UM HOSPITAL DE

813
DOENÇAS CARDIORRESPIRATÓRIAS EM FORTALEZA-CE

Sara Farias Santiago Araújo


Bruna Rodrigues Nunes
Ingrid Gomes Guimarães
Marina Machado Alves Dias
Luis Fernando de Souza Benício
Introdução

Pensa-se trabalho como qualquer atividade desenvolvida pela pessoa individualmente


ou coletivamente, que possui uma finalidade (Neves et al., 2018). Como tal, é importante que
este seja norteado por algumas bases, destacando-se a ética. Desta forma, pensa-se na ética
como uma ação proveniente da interpretação, consciente ou não, do vivido pelo ser humano,
que faz com que ele se posicione, fazendo e refazendo suas atitudes e ações (Rolnik, 1995). O
ser ético é ser criativo na equilibração entre o caos e a ordem, produzindo o ser e o existir no
mundo a partir das escolhas, do que é apropriado em seu viver, um exemplo disso aparece ao
pensar-se nas normas que regem o social. Considerando o lugar da ética nos diversos campos
de atuação do profissional em psicologia, pretende-se debater, a partir de um relato de
experiência em um hospital, como essa discussão se atualiza nesse cotidiano experimentado.
Isto é feito a partir das suas reverberações no cuidado institucional, quanto com as
possibilidades de atuação e suas linhas de fuga. Contudo, para que se possa pensar na atuação
deste no espaço hospitalar na atualidade, é importante entender como esta profissão surge no
âmbito das políticas públicas no Brasil.
Existem alguns pontos que se destacaram na atuação da psicologia no campo hospitalar,
no Brasil. Dentre eles, faz-se importante citar a década de 1930, a qual foi marcada pelo fazer
psicológico e psiquiátrico nas atividades de higiene mental. Esse movimento consistiu em
excluir e isolar do convívio social os indivíduos que não se encaixassem nos parâmetros
normatizadores da época (CFP, 2019). Essas condutas de exclusão se perpetuaram durante
décadas e, infelizmente, ainda são práticas muito frequentes. Ao se pensar na história da
psicologia hospitalar no Brasil, é importante destacar que a inserção da ciência psicológica em
hospitais ocorreu antes da sua inserção na saúde pública no Brasil. Esse fato diferencia o
histórico da psicologia hospitalar no País do resto do mundo, que apresentou o histórico inverso.
Assim, apesar de na década de 1930 terem sido dados os primeiros passos da psicologia
hospitalar, apenas no final da década de 1970 foi observada a busca da psicologia pelo seu
espaço na área da saúde pública no Brasil. Segundo Dimenstein (1998), o País, nessa época,
sofreu diversas transformações, crises econômicas e sociais. Meio a essa situação, a assistência
oferecida à população nos serviços de saúde foi deteriorando-se. O cuidado tinha como base o
modelo hospitalocêntrico, que, por sua vez, continuava a ser de cunho higienista e excludente,
por retirar da sociedade todos aqueles que não faziam parte do considerado “normal” para a
época, destacando-se o intenso sofrimento e punições acentuadas àqueles que possuíam
demandas ligadas à saúde mental. Nesse momento, intensificaram-se as críticas ao padrão de

814
asilar os assistidos e ao fato das equipes de saúde ser formada predominantemente por médicos.
Diante disso, ocorreram alguns movimentos, dentre eles, o “Programa de Reorientação
Psiquiátrica Previdenciária”, em 1982, que tinha o intuito de proporcionar um padrão
assistencial mais humanizado. Surgindo essas novas políticas públicas de saúde, que
orientavam sobre o princípio de integração da equipe multiprofissional, a(o) psicóloga(o)
passou a ser membro da mesma e começou a assumir responsabilidades que antes eram restritas
apenas aos médicos. Vale ressaltar que o tempo de inserção das/dos psicólogas(os) na Atenção
Primária à Saúde, e em instituições públicas de saúde, é relativamente pequeno. Assim, esses
profissionais encontram algumas dificuldades em sua atuação, por questões de ordem estrutural,
financeira e de gestão, que muitas vezes podem ser conflitantes devido às relações de poder
indo contra o que é ético (Dimenstein, 1998). Somente nos anos 2000, segundo o Conselho
Federal de Psicologia - CFP (2019), a atuação hospitalar foi reconhecida e regulamentada.
A partir desse processo, surgem as tensões sobre a atuação da psicologia no espaço
hospitalar, até então, respaldado fortemente pelo poder biomédico. Contudo, independente do
ambiente em que esse profissional está inserido, a ética deve acompanhar-lhe. “O psicólogo
baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da
integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos
Direitos Humanos” (CFP, 2005). Ainda que o conselho respalde as bases éticas da atuação
psicológica no ambiente hospitalar, ressalta-se que as nuances profissionais nesse meio são
mais amplas.
O saber e o fazer da psicologia nesse campo vai ser marcado pela tentativa de equilibrar
o que é demanda da instituição e do paciente. Tal balanceio também será transpassado pelas
limitações enfrentadas na atuação hospitalar, tais como: o setting a beira-leito, sem a
possibilidade de assegurar o sigilo, a dinâmica no contexto hospitalar, que acaba por exigir um
atendimento focalizado e direto, as inúmeras interrupções no processo, tais como exames e
transferência para outro espaço e, por fim, a própria rotina do tratamento, que muitas vezes
promove a docilização dos corpos por meio de um processo de ajustamento. Além disso, faz-
se necessário que os profissionais de psicologia demarquem sua atuação, para que, a partir
disso, como integrantes da equipe, possam auxiliar na compreensão do processo de adoecer do
paciente e de sua família, favorecendo uma compreensão da subjetividade ao processo de
padecimento (CFP, 2019). Até porque, a(o) psicóloga(o) não deve compor a equipe
multidisciplinar como ajudante do médico, mas como um profissional da saúde com uma outra
visão, que vai ajudar a compor o cuidado desse indivíduo em sua totalidade.
Diante desse campo-tema, é importante questionar-se sobre o exercício ético da (o)
profissional de psicologia no contexto hospitalar. Visto que, algumas das demandas dos
pacientes irão de encontro às regras institucionais estabelecidas, em contrapartida,
determinados procedimentos, horários e rotinas do hospital são hostis à saúde mental dos
pacientes. O relato aqui exposto propõe-se a refletir sobre a atuação ética em psicologia
hospitalar, a partir das fundamentações teóricas e das vivências das autoras em um hospital de
doenças cardiorrespiratórias em Fortaleza. Para isso, serão apresentados, inicialmente, os
percursos metodológicos que produziram o estudo e, depois, a temática aqui proposta será
dividida em dois tópicos. No primeiro, serão debatidas as dificuldades éticas vivenciadas
pela(o) profissional da psicologia no campo hospitalar, e no segundo promovem-se reflexões
sobre como a prática psicológica pode resistir frente aos limites institucionais dos hospitais. Por

815
fim, serão feitas considerações sobre o ser e o fazer psicológico na saúde.

Método

O método de pesquisa deve considerar a práxis da vida cotidiana (Montero, 2006). As


pesquisas qualitativas são frutos de uma inserção no real, que consideram a análise de casos
factuais em sua temporalidade e localização, manifestando-se por meio de significados dados
às suas experiências e vivências. Elas consideram a subjetividade das relações e as trazem para
suas análises, ressaltando o imbricamento entre sujeito e objeto, fatos e significados, estruturas
e relações (Minayo, 2017). Dentre as técnicas utilizadas na pesquisa qualitativa, denota-se a
Observação Participante, em que os investigadores inserem-se no campo como membros do
grupo, sendo levados a partilhar os seus papéis, participando ativamente. Dessa forma, os
investigadores ocupam um lugar privilegiado para observar situações que, provavelmente,
seriam alteradas na presença de pessoas externas ao grupo (Mónico et al., 2017).
Sabendo que, conforme Foucault (1977), a instituição hospital é uma representação da
sociedade, sendo composta pelos seus problemas e potenciais, o presente capítulo consiste em
um relato de experiência realizado em um hospital público de doenças cardiorrespiratórias em
Fortaleza, devido a uma disciplina de Estágio Institucional em Saúde, do curso de Psicologia
da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Para a discussão sobre o lugar da ética dentro da
instituição, bem como a respeito das práticas de resistência, serão utilizados exemplos reais de
atendimentos realizados pelas estagiárias.
Durante a experiência, as alunas compareciam à instituição duas vezes por semana,
sendo que uma atuava na enfermaria e outra na emergência cardiológica. Cada setor contava
com suas especificidades de trabalho. Na enfermaria, os usuários já estavam internados há mais
tempo, seja dias ou até meses, sendo possível realizar um acompanhamento longitudinal.
Muitas vezes, os pacientes já haviam passado por outros espaços do hospital, de forma que
demonstravam ansiedade para sair desse ambiente. Nesse meio, era notório que o foco da
psicologia direcionava-se para o pré e para o pós-operatório de cada paciente, proporcionando
a livre expressão dos sentimentos e orientações sobre os procedimentos hospitalares. Ademais,
o ambiente de trabalho, por ter uma equipe bem delimitada, fazia com que os profissionais da
unidade tivessem maior convívio, o que auxiliava na integração da equipe.
Já na emergência, por apresentar um cenário mais crítico, as questões psicológicas
consistiam em demandas de insegurança, angústias sobre incerteza do diagnóstico, além da
negação do processo de adoecimento, tendo em vista o modo súbito que ele costumava surgir.
Ademais, o setting era composto por maior movimento de usuários, de profissionais, e de
estagiários, de forma que os atendimentos da psicologia eram frequentemente interrompidos
por estas interferências externas. Além disso, eles não costumavam passar muitos dias na
emergência, pois muitos já eram encaminhados para fazer os procedimentos médicos
necessários para, a partir daí, ir para enfermaria ou receber alta. Por isso, a maioria dos usuários
atendidos pela estagiária neste setor, teve apenas um atendimento.
A partir das experiências, foi possível problematizar a prática da (do) psicóloga (o) na

816
instituição, considerando o papel da ética profissional, a possibilidade de resistência à rigidez
institucional, que envolvia relações interpessoais com a equipe multiprofissional e entre esta e
os usuários, de modo a pôr em prática as linhas de fuga à uma atuação historicamente voltada
para corroborar com o biopoder. Para isso, foram necessários estudos bibliográficos,
principalmente a respeito das políticas do Sistema Único de Saúde (SUS), a fim de embasar
teoricamente os tensionamentos entre teoria e prática em psicologia hospitalar.

Desafio no/para o exercício ético da Psicologia Hospitalar

Como discutido anteriormente, a psicologia no espaço hospitalar preocupa-se com o


sofrimento e suas reverberações na vida de pacientes, familiares e profissionais da saúde. Tendo
tais princípios em vista, as pessoas que estão inseridas nesses ambientes são submetidas a um
funcionamento cotidiano destoante do vivido fora desse espaço. Assim, o planejamento dos
procedimentos e o estabelecimento dos horários de medicações e de atividades ocorrem em
função da rotina dos funcionários do hospital e das suas respectivas funções para com a doença
em questão (CFP, 2019). Nesse sentido, as rotinas particulares e os processos subjetivos são
colocados em segundo plano, causando desconforto.
Esses fatores apresentados são conceituados por Goffman (2001) como características
comuns de instituições totais, que consistem em ambientes nos quais ocorrem repetições de
padrões de dominação dos corpos que os habitam. Dentre estes, ressalta-se a locomoção restrita
das pessoas institucionalizadas e a proibição de saída sem autorização. Além das atividades
propostas, que precisam ser realizadas no mesmo espaço e com horários delimitados. Quando
se observa essa ruptura no viver, pode-se colocar esse espaço como um local de disciplina, já
pontuado por Foucault (1999) em sua obra “Vigiar e Punir”. Onde se tem um controle e uma
docilização sobre o corpo que está sob responsabilidade da instituição. Assim, muitos corpos
são expostos e manipulados, sem ao menos um aviso por parte do profissional. As expressões
de desconforto, muitas vezes, são ignoradas e a pessoa torna-se um número de leito, sendo
desapropriada do próprio corpo. Este processo de perda de individualidade é chamado de
despersonalização (Santos, Foger & Silva, 2019).
Essas limitações de rotina e invasões corporais também são fatores de sofrimento para
o usuário em questão. Todavia, tais processos são ocasionados pela própria instituição que cuida
desses usuários adoecidos. Sabendo-se da importância de tais procedimentos, para o tratamento
da enfermidade e das limitações institucionais para modificá-las, como atuar eticamente
considerando os processos da instituição e as demandas das/os usuárias/os?
Faz-se necessário para a (o) psicóloga responsável assegurar, dentro do possível, a
privacidade daquele indivíduo e, além disso, sensibilizar a equipe para o fato de aquele corpo
possuir um nome e uma história para além do prontuário. Como discutido pelo Conselho
Federal de Psicologia (2019), o corpo é isolado institucionalmente, mas não se pode disciplinar
a doença que adoece esse corpo. Surgem então as situações-problemas, nas quais a psicologia
vai direcionar o seu olhar e suas atuações a favor deste usuário e da sua totalidade. Diante da
relação do poder institucional sobre o adoecer e do fato de a psicologia hospitalar estar
regulamentada pelo CFP há 20 anos, busca-se uma atuação ética de afirmação e de

817
reconhecimento nesse espaço.
Simonetti (2018), ao delimitar a função da psicologia dentro de instituições hospitalares,
ressalta a importância da não cisão entre causas orgânicas e causas psicológicas, apontando para
a relação dialética e inseparável deste corpo que, além do adoecimento, carrega a historicidade
contextual e simbólica sobre esse adoecer, trazendo aspectos que perpassam e transbordam os
limites hospitalares. Reflete-se, a partir disso, sobre a importância de questionar o
posicionamento ético e profissional da psicologia nesse ambiente. Contudo, tal lógica ética não
é tão simples de ser exercida dentro do contexto hospitalar, ao relembrar que existe a
necessidade de balancear as reivindicações da equipe, do paciente, da família e, por fim,
adequá-las à instituição, que é majoritariamente regida por uma lógica biomédica.
Após 30 anos da promulgação da Lei Orgânica da Saúde nº 8080, de 19 de setembro de
1990, foi possível perceber alguns esforços de enfrentamento de relações de poder no SUS.
Uma delas foi a criação da Política Nacional de Humanização (PNH), em 2003, que propunha
o cumprimento dos princípios do SUS por meio da inclusão das diferenças no cuidado e na
gestão. Visando ao rompimento com o paradigma hospitalocêntrico, que tinha o médico como
referência, o hospital como único lugar em que era possível produzir saúde e um sujeito
denominado “paciente” reduzido à sua doença no sentido biológico, a PNH preconiza a Clínica
Ampliada como uma de suas diretrizes (Brasil, 2013; Silva, 2016). Diferente do modelo
anterior, este novo fazer clínico propõe o reposicionamento do sujeito, relacionando sua saúde
com os demais contextos que compõem a experiência subjetiva humana, a saber, o biológico,
o psicológico e o social. Nesse sentido, o sujeito é visto de forma multifacetada com contextos
de saúde e doença complexos (Brasil, 2009). Diante disso, torna-se necessária a articulação
entre atenção e gestão. Desta maneira, trabalhadores, usuários e gestão devem participar do
processo de decisão, pois eles são corresponsáveis na produção de saúde. Por essa razão,
promover uma clínica ampliada envolve também o diálogo tanto entre os profissionais de saúde,
quanto entre estes e o usuário.
A clínica ampliada aparece como estratégia aliada para um fazer ético adequado para a
psicologia, mas será que o ato psicológico dentro dos ambientes hospitalares está seguindo tal
lógica proposta? Soares & Macedo (2020) trazem dados que indicam que diversos profissionais
de psicologia inseridos em ambientes de saúde corroboram com o modelo biomédico de
catalogar os indivíduos por seus diagnósticos e de não inserir o conteúdo histórico, social e
econômico em seus discursos.
O caráter multiprofissional das equipes objetiva romper com a noção fragmentada do
cuidado e promover múltiplas possibilidades de intervenção e articulação de ações promotoras
de saúde (Brasil, 2013; Silva, 2016). Apesar disso, a lógica hospitalar ainda é regida pela
fragmentação orgânica e de funções. Nesse sentido, o profissional da psicologia aparece como
resistência à esse modelo. Fator que amplia a discussão sobre o fazer ético da psicologia, tendo
em vista que o hospital ainda é regido pelo poder biomédico e que diversos profissionais são
subservientes a ele.
Portanto, em algumas experiências de encontros multiprofissionais presentes nas
vivências das autoras, observaram-se profissionais de psicologia que se adequam ao modelo
imposto sem questionar sobre possibilidades alternativas de cuidado, responsabilizando-se
apenas pelo caráter psicológico dos atendimentos, sem olhar para as outras possibilidades de
atuação ou ampliação do olhar sobre o outro. Contudo, a inserção de estagiárias mobilizou

818
diversas reflexões nos preceptores, sobre outros vieses de olhar e diferentes formas de atuação,
o que fomenta a possibilidade de mudança de novos tipos de intervenções psicológicas.
A dificuldade de exercer uma psicologia com olhar mais particularizado e amplo advém
majoritariamente do fato de a subjetividade possuir, para o modelo biomédico, pouco valor
científico. Nesse sentido, ela é vista como ameaça à objetividade de seu trabalho enquanto
ciência positivista, visto que está além do seu controle. Trazendo este fato ao contexto
hospitalar, espera-se que o sujeito “paciente” assuma o lugar de objeto de trabalho do médico,
como portador de uma doença, vista como entidade externa ao corpo. Por isso, demandas
psicológicas referentes à hospitalização, ao adoecimento, ou à vida fora do hospital escapam da
alçada objetiva do médico. É neste momento que a equipe costuma acionar a psicologia, já que
durante anos ela foi vista como “auxiliar” do médico, trabalhando em prol da adaptação e da
aceitação pelo paciente das normas institucionais e do biopoder. Além disso, vale ressaltar que
uma prática psicológica, que acredita na fragmentação entre as dimensões biológica e
psicológica, está fadada ao fracasso, pois uma tem participação na outra (Simonetti, 2018;
Brasil, 2009).
No entanto, ao que tange à (o) psicóloga (o) em sua prática hospitalar, ainda há uma
dificuldade em saber o seu modus operandi, visto que o lugar da psicologia consolidou-se na
clínica tradicional, mas ainda sofre desafios para se consolidar no hospital (Ribeiro & Dacal
2012). Ainda hoje, chegando nesta instituição, a (o) psicóloga (o) vai encontrar uma série de
adversidades que vão subverter a ideia de clínica tradicional, pois o saber/fazer psicológico será
mais orientado para os afazeres e procedimentos das demais equipes profissionais dentro da
instituição (CFP, 2019).
Por essa razão, há dificuldades em construir uma prática psicológica exitosa em uma
instituição permeada por burocracias, conflitos de poder, conflitos éticos, visto que é difícil a
manutenção do sigilo em atendimentos à beira-leito, além da dificuldade de conciliar a sua
prática ética com a dos demais profissionais, tendo em vista que cada profissão tem seu código
de ética. É válido destacar que ainda que cada profissão deva seguir seu código de ética, todos
os profissionais precisam seguir os mesmos princípios doutrinários e organizativos do SUS e
buscar aprender uns com os outros para que seja ofertada uma saúde mais integral, eficaz,
comprometida com a transformação social e assim, atuar de maneira interprofissional.
Outras especificidades são decorrentes do pouco tempo para atender muitos usuários,
da dificuldade de realizar um acompanhamento prolongado, principalmente em setores como a
emergência, em que os pacientes permanecem poucos dias nos leitos, além dos demais
problemas de infraestrutura, como falta de recursos para grupos.
Diante das dificuldades envolvendo dilemas éticos e institucionais, é exigida
criatividade por parte do profissional, no intuito de criar ações desestabilizadoras que fomentem
o surgimento de novas possibilidades de atuação. Estas brechas criadas em um campo que
estava estagnado são as linhas de fuga, que envolvem um inventar-se por meio dos múltiplos
fatores que atravessam o mundo, utilizando-os como aliados na subversão do fazer clínico
tradicional limitado por condições de tempo e espaço que, muitas vezes, enrijecem as relações,
restringindo a produção de subjetividade (Londero & Paulon, 2012).
Possibilidades de resistência à instituição hospitalar

819
Para materializar esses dilemas discutidos anteriormente, serão utilizadas cenas do
cotidiano do estágio. Um dos atendimentos, por exemplo, ocorreu durante uma caminhada,
tendo em vista que o usuário em questão sentia-se mais confortável com essa dinâmica de
atendimento. Trata-se de uma prática de resistência porque o esperado era atender à beira-leito,
como faziam os demais profissionais. No entanto, como forma de prestar uma melhor
assistência, considerando a vontade de um indivíduo que já estava há dias em processo de
despersonalização, a estagiária propôs a realização de um atendimento durante uma caminhada
pelo hospital. Assim, esta prática evidenciou uma linha de fuga diante da tradição do
atendimento beira-leito.
Conforme as discussões de Deleuze & Guattari (1995), a linha de fuga é conceituada
como rizoma. No conceito literal, da Botânica, trata-se de uma raiz que cresce de forma
horizontal, polimorfa e sem direção definida. Deleuze & Guattari (1995) tomam emprestada
esta definição para falar de rizoma como um modelo de resistência estético-ético-político, que
se trata de linhas e não de formas. “Todo rizoma compreende linhas de segmentaridade segundo
as quais ele é estratificado, territorializado, organizado, significado, atribuído, etc; mas
compreende também linhas de desterritorialização pelas quais foge sem parar.” (Deleuze &
Guattari, 1995, p. 26). À vista disso, a ruptura do rizoma dá-se quando as linhas explodem em
uma linha de fuga, que irá fazer contato com outras raízes, mas continuará fazendo parte deste.
Pensando em instituições como o hospital, o rizoma, como forma de resistência, não se
deixa aprisionar, sendo aberto a experimentações e se deixando encontrar com outras linhas
(Deleuze & Guattari, 1995). Nesse sentido, por mais que a instituição tivesse os próprios
protocolos de atendimento, no caso do paciente que foi atendido no caminhar, foi possível traçar
linhas de fuga, sendo preservada a autonomia de escolha do usuário em ser atendido da melhor
forma para ele. Também é possível relacionar esta fuga ao conceito de clínica peripatética, cujo
setting terapêutico dá-se no pôr de pé, no caminhar e no conversar neste intervalo. Trata-se de
um fazer marcado por ousadia, criatividade e promoção de potência de transformação
terapêutica (Lancetti, 2008).
Outro exemplo que mostra que é possível subverter protocolos institucionais limitantes
de produção de saúde é o caso da estagiária de psicologia que realizava atendimentos com um
usuário idoso em uma local arborizado em frente ao setor da emergência. Isso porque ele não
se sentia confortável em estar em seu leito em virtude do relacionamento conflituoso que tinha
com equipe médica do setor. Este fazer também faz parte da clínica peripatética, pois ela
entende experiências clínicas fora do setting convencional (Lancetti, 2008). Caso a psicóloga
não tivesse se disposto construir essa linha de fuga, muitas demandas psicológicas do paciente
talvez não tivessem sido trabalhadas pelo fato de ele não se sentir confortável em verbalizá-las
no leito, e a relação teria ficado mais enrijecida.
Desse modo, o setting aberto convida a uma ruptura não apenas de uma clínica beira-
leito, mas também de lugares e ações previamente sobrepostos, a saber, o da (o) psicóloga (o)
e o do paciente, dando possibilidade de emergência do desigual (Londero & Paulon, 2012).
Nesse sentido, a resistência dá-se nessas linhas de fuga que visam subverter o modelo
tradicional, psiquiátrico nem sempre promotor de subjetividade.
Outra cena para pensar, refere-se a outro atendimento, que foi prestado por uma

820
estagiária de psicologia a um senhor de 81 anos internado na emergência. Ele tinha grave perda
auditiva, sendo necessário, segundo a acompanhante, chegar bem perto e gritar em seu ouvido
para que ele conseguisse ouvir. Por isso, ele que se envergonhava de sua quase surdez, tentava
interagir com a equipe falando sobre seu estado, mesmo que não conseguisse ouvir o que lhe
era perguntado. Para não deixar que o usuário ficasse desassistido, e prezando minimamente
pelo sigilo, a estagiária informou-se a respeito do seu grau de instrução, e ao saber que ele era
alfabetizado, utilizou a escrita para facilitar a comunicação. Desta maneira, foi possível prestar
atendimento, sendo trabalhadas questões de internação, adoecimento e família. Essa situação
também se configurou como uma prática de resistência, pois enquanto ele não estava
conseguindo comunicar-se com a equipe, de forma a depender da acompanhante para isso, a
estagiária, com o objetivo de acolher uma demanda de fala, dispôs-se a pôr em prática o seu
potencial criativo, desconsiderando momentaneamente os espaços de tempo das emergências
hospitalares e as práticas de atendimento previamente protocoladas.
Atitudes como as de caminhar e desenvolver formas alternativas de comunicação
pressupõem uma disposição de se colocar frente ao inesperado que cada relação clínica oferta.
Trata-se de um fazer inventivo, por meio da fuga de padrões previamente estabelecidos e da
aposta no que o sujeito tem de ímpar. Este fazer consiste em práticas de resistência propulsora
de expressão do singular dentro de um seio burocrático anestesiador (Londero & Paulon, 2012).

Considerações Finais

Levando-se em conta o que foi observado, as estagiárias que aqui escrevem puderam
vivenciar diferentes realidades no campo da saúde pública, além de compreender o SUS, não
apenas na formalidade da legislação, mas também como um cenário vivo. Ao olhar de perto,
enxergam-se as falhas das práticas cotidianas do fazer em saúde, mas, principalmente,
vislumbram-se as possibilidades de tornar o trabalho cotidiano mais humanizado, acolhedor,
criativo e dinâmico, pois o SUS toma forma por meio dos usuários, profissionais e gestores,
bem como nas inter relações entre esses atores.
Dessa forma, destaca-se que a humanização em saúde é indissociável do princípio da
integralidade, visto que o ser humano transcende as questões puramente orgânicas. Ele é muito
mais que um órgão adoecido. Nesse sentido, a psicologia hospitalar colabora com os demais
profissionais de saúde da equipe, sensibilizando-os para o cuidado integral, sem esquecer os
valores éticos, uma vez que no hospital diversos desafios se impõem. Então, ressalta-se o
comprometimento ético da psicologia pautada na reafirmação da autonomia do sujeito e, com
isso, almeja-se o rompimento do processo de despersonalização advindo da hospitalização.
A(o) psicóloga(o) através da intervenção pelo discurso pode convocar o sujeito a repensar as
possibilidades e impossibilidades que compõem o espaço hospitalar, possibilitando que o
sujeito elabore seu desejo e realize um questionamento das representações, o que contribui para
um redimensionamento da mesma.
Destarte, a(o) psicóloga(o) hospitalar necessita refletir sobre sua práxis de modo
permanente para que não perpetue visões reducionistas sobre o indivíduo que passa por uma
internação.
Espera-se que este trabalho tenha viabilizado novas reflexões no campo da psicologia

821
hospitalar e entende-se que as possibilidades de interpretações são muitas e, portanto, o debate
está longe de se extinguir. Assim, considera-se que novos estudos possam ser realizados no
âmbito hospitalar, visto que é uma área a ser conquistada cada vez mais pela psicologia.

Referências

Brasil (2009). Clínica Ampliada e compartilhada. Ministério da Saúde, 1-64. doi: 978-85-
334-1582-9.
Brasil (2013). Política Nacional de Humanização. Ministério da Saúde, 1-16.
Conselho Federal de Psicologia - CFP (2005). Código de Ética Profissional do Psicólogo.
Conselho Federal de Psicologia – CFP (2019). Referências técnicas para a atuação de
psicólogas (os) hospitalares no SUS. Centro de Referência Técnica em Psicologia e
Políticas Públicas – CREPOP, 1-128. doi: 978-65-5069-008-3.
Deleuze, G., & Guattari, F. (1995). Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro:
Editora 34.
Dimenstein, M. D. B. (1998). O psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde: desafios para a
formação e atuação profissionais. Estudos de Psicologia (Natal), 3(1), 53-81.
https://doi.org/10.1590/S1413-294X1998000100004.
Foucault, M. (1977). A lição dos hospitais. In Foucault, M., O nascimento da clínica (pp.71-
98). Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Foucault, M. (1999). Vigiar e punir: a história da violência nas prisões. Petrópolis, RJ:
Vozes.
Goffman, E. (2001). Manicômios, prisões e conventos. Tradução de Dante Moreira. Leite. 7ª
edição. São Paulo: Editora Perspectiva.
Lancetti, A. (2008). Fontes da clínica peripatética. In Lancetti, A., Clínica peripatética
(pp.19-37). São Paulo: Hucitec.
Londero, M.F.P., & Paulon, S.M. (2012). Intermitências no cotidiano: criação e resistência
na clínica. Revista latinoamericana de psicopatologia fundamental, 15(4), 812-824.
Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid= S1415-
47142012000400005&script= sci_abstract&tlng=pt.
Minayo, M.C.S. (2017). Cientificidade, generalização e divulgação de estudos qualitativos.
Ciência & Saúde Coletiva, 22(1), 16-17. doi: https://doi.org/10.1590/1413-
81232017221.30302016.
Mónico, L.S., Alferes, V.R., Castro, P.A., & Parreira, P.M. (2017). A Observação
Participante enquanto metodologia de investigação qualitativa. Investigação
qualitativa em Ciências Sociais, (3), 724-733. Recuperado de:
https://www.researchgate.net/publication/3187
02823_A_Observacao_Participante_enquanto_metodologia_de_investigacao_qualitati

822
va.
Montero, M. (2006). Hacer para transformar: el método em la psicologia comunitária.
Buenos Aires: Paidós.
Neves, D. R., Nascimento, R. P., Felix Jr, M. S., Silva, F. A., & Andrade, R. O. B. (2018).
Sentido e significado do trabalho: uma análise dos artigos publicados em periódicos
associados à Scientific Periodicals Electronic Library. Cadernos EBAPE.BR, 16(2),
318-330. https://doi.org/10.1590/1679-395159388.
Ribeiro, J.C.S., & Dacal, M.D.P.O. (2012). A instituição hospitalar e as práticas psicológicas
no contexto de saúde pública: notas para reflexão. Sociedade brasileira de psicologia
hospitalar, 15(2), 65-84. Recuperado de:
pepsic.bvsalud.org/pdf/rsbph/v15n2/v15n2a06.pdf.
Rolnik, S. (1995). À sombra da cidadania: alteridade, homem da ética e reinvenção da
democracia. In Magalhães, M. C. R. (org.). Na sombra da cidade (pp. 141-170). São
Paulo: Escuta.
Silva, M. D. (2016). O cuidado na saúde pública: potencialidades de uma clínica em
movimento. Estudos contemporâneos da subjetividade, 6(1), 64-76. Recuperado de:
http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/1843/1286.
Silva, T., Foger, D., & Santos, P. (2019). Despersonalização do paciente oncológico: uma
revisão integrativa. Psicologia, Saúde & Doenças, 20(3), 651-658 ISSN - 2182-8407
Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde. doi:
http://dx.doi.org/10.15309/19psd200308.
Simonetti, A. (2018). A cena hospitalar: psicologia médica e psicanálise. Artesã.
Soares, F. B. P., & Macedo, J. P. S. (2020). Intersecções entre psicologia da saúde e saúde
coletiva: uma revisão integrativa. Revista Psicologia e Saúde, 12(1), 33-47.
https://dx.doi.org/10.20435/pssa.v12i1.741
A PSICOLOGIA HOSPITALAR EM UM HOSPITAL GERAL: DESAFIOS PARA A

823
FORMAÇÃO NOS DIAS ATUAIS

Sara Farias Santiago Araújo


Gustavo Cavalcante Cruz de Almeida
Vinícius dos Santos Lima
Lidiane Barbosa Santiago Leite Vasconcelos
Luis Fernando de Souza Benício

Introdução

Compreender os processos de saúde-doença em sua dimensão biopsicossocial é estar


alerta à multifatorialidade presente na constituição psíquica de cada sujeito, cujo adoecimento
altera em diferentes níveis sua relação com o ambiente ao qual faz parte. Assim, um dos papéis
da(o) psicóloga(o) diante do processo de adoecimento está na atribuição do valor dado à
tentativa de impedir a desvinculação do papel de sujeito do enfermo, de forma que este possa
transpor a experiência do adoecer. Para que isso aconteça, é necessário que a(o) profissional
considere o orgânico e o psíquico, ou ainda, como se dá a resposta psíquica em decorrência da
alteração do corpo, percebendo como o indivíduo reage quando descobre sua estrutura física
sujeita à enfermidade (Simonetti, 2004).
Na área da saúde, as práticas psicológicas ainda encontram diversos desafios que
permeiam a atuação da(o) psicóloga(o) nos campos de ação, considerando o seu trabalho na
mediação entre paciente e sintoma. Tomando como exemplo o hospital, a(o) profissional
precisa construir o atendimento ao paciente a partir das ferramentas que lhe são dispostas, além
de conhecer as diretrizes e os princípios da instituição, que atravessam desde a dimensão ético-
política do seu papel nesse campo à construção da relação com os demais membros da equipe
do hospital.
“A psicologia hospitalar define como objeto de trabalho não só a dor do paciente, mas
também a angústia declarada da família, a angústia disfarçada da equipe e a angústia geralmente
negada dos médicos” (Simonetti, 2004). Nesse contexto, a Psicologia precisa definir seu papel
levando em consideração as variáveis presentes, entendendo que sua atuação se dará em função
dos processos de subjetivação e das possíveis marcas deixadas pela hospitalização.
Atuando no Hospital Geral, a(o) psicóloga(o) encontra-se diante de uma rotina
específica do ambiente, que podem fomentar dilemas ético-estético-políticos presentes desde
sua formação. Seu trabalho nesse campo acontece nos serviços de atenção terciária ou
secundária, envolvendo intervenções em ambulatórios, enfermarias, Unidades de Terapia
Intensiva, centros de atenção especializados, entre outros (CFP, 2019). Essa complexidade na
oferta de serviços e na manobra de atendimentos é um dos grandes desafios da(o) profissional
de psicologia no hospital, que muitas vezes se encontra em meio aos processos de desmonte do
sistema de saúde público, possuindo o dever de trabalhar na promoção e recuperação da saúde

824
garantindo os direitos da população sem se desvincular da ética do trabalho em psicologia.
Historicamente, o papel da psicologia não cabia dentro da instituição hospitalar, que era
associada ao poder religioso e desvinculada do saber médico (Ribeiro & Dacal, 2012).
Transformações nos séculos XIX e XX, como o surgimento do National Health Service no
Reino Unido na década de 1940 e do Sistema Único de Saúde no Brasil na década de 1980, por
exemplo, abrangeram mudanças no financiamento, na assistência, na oferta de serviços e na
integralidade do cuidado, oferecendo outro panorama no cuidado à saúde (Padilha et al., 2019).
A partir disso, a Psicologia Hospitalar surgiu diante de um modelo de atenção
preocupado com a humanização, “com a atenção qualificada e eficiente e enfatizando que a
Atenção Hospitalar deve se organizar de forma regionalizada, articulada e integrada com a Rede
de Atenção à Saúde” (CFP, 2019). Além disso, a(o) psicóloga(o) precisa agir de acordo com a
Política Nacional de Humanização (PNH), que baseia suas ações no acolhimento, destinado à
escuta dos usuários; na alteridade, em função da experiência das relações intersubjetivas de
cada indivíduo; e na ambiência, no cuidado com outros componentes ligados ao espaço
geográfico e afetivo (CFP, 2019). Para além das diretrizes e políticas que baseiam a atuação da
psicologia no âmbito hospitalar, a(o) psicóloga(o) precisa lidar com os desafios que surgem no
cotidiano da profissão, que possuem ligação direta com a hierarquia vigente no hospital, a
formação profissional de si e da equipe, a precarização do serviço, além dos dilemas éticos que
se interligam com os demais pontos já citados.
Tomando como exemplo o setting terapêutico no contexto hospitalar, geralmente a(o)
psicóloga(o) precisa se adequar a locais avulsos do hospital, pois nem sempre ele possui uma
sala própria para a atuação. Além disso, seu exercício é realizado muitas vezes no período mais
movimentado do ambiente: o turno da manhã. Então, cabe à(ao) profissional aprender a prestar
o serviço em meio à dinâmica hospitalar, “criando, na medida do possível, condições adequadas
de silêncio e privacidade para o trabalho psicológico” (Simonetti, 2004). O trabalho se torna,
assim, um grande desafio, pois envolve a ética do(a) profissional, o sigilo do paciente e o
cuidado na escuta.
É importante destacar também as particularidades da relação do(a) psicólogo(a) com a
equipe multidisciplinar. Gazotti e Cury (2019) realizaram um estudo analisando a experiência
de profissionais de psicologia em hospitais de São Paulo, no que se refere às vivências deles(as)
com a equipe do hospital. O estudo mostrou as dificuldades que os profissionais encontram na
atuação com outros colegas de diferentes profissões, que muitas vezes não reconhecem o papel
da(o) psicóloga(o) e sua importância. Ainda, segundo os autores, os participantes relataram a
existência de diferentes obstáculos que necessitam serem ultrapassados para que as(os)
psicólogas(os) consigam estabelecer um seguimento diante das demandas presentes e tornar
possível o exercício da psicologia aliada à equipe no hospital.
Considerando tais questões para a formação da(o) psicóloga(o) hospitalar, perguntamos,
a partir da experiência coletiva de estagiários em um Hospital Geral da capital do Ceará, quais
desafios formativos se colocam nos dias atuais para a psicologia hospitalar? Para tanto, o
presente capítulo visa refletir sobre as atividades realizadas em Psicologia Hospitalar, os
desafios de atuação e as múltiplas possibilidades de trabalho. No primeiro tópico serão
debatidos os saberes e fazeres da psicologia hospitalar, na qual será discutido o (des)uso de
técnicas, como a Psicoterapia Breve, e outras possibilidades de atuação psicológica, que
possibilitem o exercício ético e cuidadoso dentro de hospitais. Em seguida, o segundo tópico

825
complementa a discussão ao apresentar as propostas da PNH, refletindo sobre o processo
histórico de sua criação e as lutas para sua execução. Faz-se, assim, um paralelo com a realidade
das vivências de humanização em hospitais e analisa-se o papel da psicologia hospitalar diante
disso.
As atividades relatadas foram realizadas em um Hospital Geral da capital do Ceará,
entre janeiro e abril de 2020, como parte da disciplina de Estágio Institucional do curso de
Psicologia da Universidade Estadual do Ceará (UECE). A metodologia utilizada foi a da
observação participante, que é um processo no qual o pesquisador está imerso no campo
observado, sendo instrumento da própria pesquisa. Tal busca metodológica visa identificar os
problemas do local, entender os conceitos que perpassam o ambiente, bem como analisar as
dinâmicas relacionais que se estabelecem no mesmo, buscando não permitir de aspectos
subjetivos influenciem na exploração (Mònico et al, 2017). Os estudantes acompanharam a
atuação de diversos profissionais de Psicologia, realizaram ações de acolhimento em
ambulatório, acompanhamento em leitos de enfermaria e UTI, entrevistas de anamnese e
evolução de prontuário. Tais processos foram orientados pelas psicólogas do referido hospital
e o conteúdo redigido baseia-se nas vivências e leituras teóricas dos (as) estagiários(as).

Saberes e fazeres da Psicologia Hospitalar: a técnica, a ética e o cuidado

As funções da Psicologia Hospitalar, segundo os profissionais que atuam no campo,


incluem: minimizar os sofrimentos ali presentes, acolher demandas relacionadas ao contexto de
hospitalização, à saúde e aos processos de adoecimento. Ademais, os encargos para a(o)
profissional de psicologia também incluem mediar e facilitar as relações entre equipe, pacientes
e familiares (Separovich et al., 2020). Pautando o exercício profissional às designações éticas
indicadas nas referências técnicas fornecida pelo CFP (2019), que incita a compreensão dos
sujeitos adoecidos a partir do conjunto complexo de fatores que os compõem e não apenas pela
enfermidade que os levou ao ambiente hospitalar.
Contudo, percebe-se aspectos particulares do fazer ético da psicologia nesse âmbito,
tendo em vista que as normas estabelecidas pelo CFP (2019) incluem algumas alternativas de
atuação dentro desses ambientes, mas não engloba todas as especificidades do hospital,
principalmente se forem consideradas as imprevisibilidades e as dinâmicas complexa das
múltiplas áreas de atuação. O que é compreensível, tendo em vista que tal atuação não foi
pensada a partir da estrutura de fragmentação do modelo biomédico. Tal fato pode ser percebido
como potente ao compreender que as viabilidades criativas para o trabalho em hospitais são
igualmente abundantes. Todavia, faz-se necessário refletir que tal vastidão profissional também
acarreta em significativas lacunas epistemológicas e técnicas para o embasamento da prática
psicológica em hospitais.
A Psicoterapia Breve Focal aparece, portanto, como uma alternativa técnica muito
promissora. Considerando que supre a necessidade de um instrumento embasado por pesquisas
teóricas, bem como fornece um direcionamento para a atuação profissional. Essa ferramenta,
consequentemente, sustenta o exercício de grande parte das(os) psicólogas(os) hospitalares e foi
fortemente indicada pelas(os) preceptoras(es) para ser a referência de atuação das(os)
estagiárias(os) em campo. Essa ferramenta consiste em focalizar as demandas do usuário em

826
pontos de urgência, que buscam trabalhar separadamente os aspectos relacionados à
hospitalização do sujeito, a partir de uma ordem prioritária de demanda (Sampaio & Holanda,
2012). Tal técnica apresenta aspectos promissores, que facilitam o trabalho dos profissionais,
apesar das vantagens, a PB também possui alguns vieses que contribuem para os desafios
observados no campo.
Dentre as potencialidades observadas no uso da PB, situa-se a segurança técnica do
instrumento como um dos principais aspectos favoráveis para seu uso, pois credibiliza o
exercício terapêutico e delimita, para os outros profissionais, as atividades realizadas em cada
atendimento. O uso dela também possibilita agilizar e direcionar o serviço, permitindo que um
maior números de indivíduos sejam acolhidos pela psicologia. Ademais, ainda fornece
instruções dos passos a serem seguidos e denomina estratégias para diversas situações
encontradas em hospitais, fator que reforça o resguardo científico que a Psicoterapia Breve
Focal, propõe, bem como direciona o fazer da(o) profissional responsável pelo atendimento
(Baechtold & Trois, 2019).
Faz-se necessário, entretanto, questionar o uso exclusivo da PB em ambientes
hospitalares, tendo em vista que nem sempre dará conta das questões emergentes encontradas,
principalmente no que tange às necessidades de escutas psicológicas mais prolongadas.
Constatou-se durante o campo, portanto, que o principal lapso para o uso do instrumento, ocorre
em situações de demandas intensas de fala, a linha tênue entre insensibilidade e focalização nos
pontos de urgência é algo que carece ser debatido. Tendo em vista que, o uso da PB durante
essas situações, direciona a escuta das dores emergentes do usuário às demandas hospitalares,
que visam a docilização dos corpos internados para que os comportamentos dos, ditos, pacientes
sejam ajustados aos padrões institucionais impostos a eles.
Partindo desses questionamentos sobre o uso da PB, reflete-se sobre a importância de
pensar o exercício psicológico de forma mais abrangente, sem comprometer a qualidade dos
atendimentos e respeitando as subjetividades ali encontradas. Percebeu-se, no cotidiano vivido
pelos estagiários, no entanto, a adequação dos profissionais ao sistema institucional, como
forma de manutenção da saúde mental do próprio psicólogo, tendo em vista a dificuldade de
modificação, mesmo que sutil, de hábitos, práticas e visões dentro de uma instituição total. Essa
definição é advinda da teoria de Goffman (2001), que, denomina assim, as estruturas totalitárias
seculares, que apresentam características similares e bem delimitadas de domínio e controle
sobre os corpos institucionalizados. Além disso, o hospital como instituição total também
influencia na experiência dos pacientes em serem dóceis durante a internação, pois produz o
ideal de que o profissional de saúde sabe mais sobre seu corpo e sobre a saúde dele. Assim, foi
observada durante a experiência em hospitais, a naturalização e perpetuação da lógica
biomédica: de enxergar os pacientes como seres passivos de cuidados dos profissionais de
saúde, com corpos disponíveis e suscetíveis à procedimentos que a equipe médica julgar
necessários.
Desse modo, por ser muito dificultoso o enfrentamento contra esse sistema, muitos dos
profissionais do Hospital Geral em questão, adequam seu fazer à lógica biomédica
preponderante e comungam de práticas típicas desse modelo, para buscar legitimidade
profissional frente à ele. Contudo, como atuar de maneira a enxergar o indivíduo como ser
integral e indissociável, em um ambiente que opera em um regime fragmentado de atuação e de
setores? Neto (2019) não só questiona a imparcialidade da atuação de uma(o) psicóloga(o)

827
hospitalar, como ressalta a importância do posicionamento ético-político da(o) profissional, a
partir das vivências pessoais de cada psicóloga(o), e como isso compõe o fazer de cada uma
delas(es) dentro de sua área de atuação.
Diante disso, dentro do próprio hospital, os profissionais da psicologia também se
dividem e se especificam em cada setor, encontrando maneiras criativas de lidar com as
demandas particulares que emergem em seu cotidiano. Conjuntamente com a particularização
do cuidado, existe o risco de fragmentar também a atuação terapêutica, ao selecionar a escuta
apenas aos conteúdos relacionados ao hospital e ao setor em questão, correndo o risco de afastar-
se do princípio da integralidade (Pinheiro, 2014), que é regido pelo entendimento que o ser
humano e seus cuidados na rede pública devem ser considerados em sua totalidade de existir.
Na maioria das vezes, as práticas profissionais adaptam o olhar terapêutico para
responder às demandas médicas sobre o estado psicológico do paciente, buscando compreender
como tais aspectos podem influenciar no procedimento que será realizado. Nem sempre tais
investigações buscam a precaução para repercussão psicológica no indivíduo, em vez disso,
visam responder ao funcionamento de seccionar a máquina corporal que está ali disposta, ou
seja, o objetivo torna-se averiguar se a parte psicológica do corpo não irá comprometer o
trabalho médico no órgão adoentado.
Percebeu-se, por sua vez, que essa resignação faz parte de uma ponderação por parte dos
profissionais da psicologia hospitalar sobre em quais situações são válidas uma psicoeducação
com a equipe e em quais em quais momentos o silêncio é mais vantajoso, minimizando-se,
assim, possíveis desgastes relacionais com os colegas de trabalho sem anular os
questionamentos psicológicos diante da lógica institucional. Dentro dessas possibilidades de
intervenções mencionadas, observou-se, de uma das preceptoras, a argumentação sobre a
influência psicológica e a importância de enxergar os processos corporais do indivíduo como
um todo, tendo em vista que o comprometimento psicológico causa o adoecimento corporal ao
mesmo tempo que o adoecimento corporal provoca comprometimento psicológico. Outra sutil
sensibilização a favor da resistência à instituição, deu-se quando foi argumentado com as
profissionais presente no posto, que algumas repercussões emocionais e comportamentais são
esperadas dentro da forma de existir daquele outro, ainda mais, diante do seu contexto de vida
dele e de sofrimento hospitalar daquele momento.
Pondera-se portanto, que a prática psicológica dentro de um hospital ainda não foi
estudada e teorizada de forma a refletir fidedignamente sobre as sutilezas complexas do
cotidiano hospitalar em si. Por isso, faz-se necessário discutir outras formas de pensar a atuação
da psicologia em hospitais, que considere as subjetividades apresentadas e, na medida do
possível, adapte os atendimentos à elas. Enfatizando, a importância de particularizar, na medida
do possível, o atendimento ao usuário e não restringir os cuidados oferecidos à métodos e
técnicas.

A humanização do cuidado no hospital


A partir do que foi visto, percebe-se que a subjetividade é o principal objeto de estudo

828
e trabalho que a(ao) profissional de Psicologia tem dentro do hospital, abarcando desde a tríade
paciente-equipe-família, assim como a gestão. Vale ressaltar, que esses processos subjetivos
podem acentuar-se ou atenuar-se, haja vista estarem envoltos por uma realidade de
hospitalização e adoecimento, somadas a suas próprias realidades sociais. Além disso, é
necessário se levar em conta que todos esses sujeitos, mesmo ocupando lugares diferentes na
lógica institucional do hospital, estão diretamente implicados no fazer saúde. Tornou-se
imperativo então, não só a(ao) profissional de Psicologia, mas a todos esses atores, lidar com
as diferenças que se apresentam nesse espaço, trabalhando as relações, para que assim, se possa
lançar mão de uma nova lógica transversal de cuidado.
Com isso, essa nova forma de pensar os processos de saúde insere-se dentro de um
saber-fazer pautado naquilo que se entende por práticas ditas humanizadoras. Deste modo, Cid
et al. (2019) entende a humanização como um processo de valorização dos diferentes sujeitos
presentes na produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores; de forma que esses
indivíduos tenham voz nesse processo. A partir disso, o diálogo resultante desta interação
possibilitará tanto a promoção da saúde, quanto a construção desses atores como sujeitos e
protagonistas de seu fazer.
Dessa forma, pode-se dizer que a humanização em saúde não refere-se apenas a relação
psicólogo-paciente ou psicólogo-equipe. Essa proposta implica, antes de tudo, reconhecimento
das diferenças e estreitamento de relações, seja entre os próprios profissionais, possibilitando a
compreensão da interdependência e complementaridade de suas ações (Backes, 2005), ou até
mesmo entre os usuários e equipe, promovendo o desenvolvimento de um novo olhar para o
cuidado que deve ser integral e que abarque tudo aquilo que perpassa o âmbito biológico,
psicológico, social e espiritual.
No que se refere mais especificamente ao fazer da Psicologia dentro do hospital, o
processo de humanização deve partir do princípio da compreensão do sujeito em seus diferentes
estados emocionais e em suas formas de interação social. Diante disso, é importante lembrar
que a própria inserção da(o) psicóloga(o) no hospital se deu exatamente para integrar as equipes
de saúde hospitalares também com o objetivo de humanizar os processos de trabalho e de
assistência (CFP, 2019).
Nesse contexto, o debate acerca da humanização do ambiente hospitalar passou a ganhar
força a partir da criação da Política Nacional de Humanização (PNH), esta que é uma política
transversal do Sistema Único de Saúde (SUS) e que é um reflexo de uma luta recorrente,
sobretudo nos tempos atuais, por um SUS mais humanizado, com uma participação cidadã em
sua construção e que possa disponibilizar um serviço de qualidade que promova a saúde para
toda a população (CFP, 2019).
Tal política estabelece princípios que norteiam a sua condução, tendo como exemplo a
valorização da dimensão subjetiva e social do usuário e dos profissionais em saúde, o
fortalecimento do trabalho em equipe, a construção de autonomia, valorização do protagonismo
e corresponsabilidade; gestão e atenção corresponsável, construção de redes de cooperação e a
participação coletiva no processo de gestão, compromisso com a democratização das relações
de trabalho e valorização dos profissionais de saúde, além da educação permanente (Brasil,
2004).
A partir disso, será que as instituições hospitalares desde a promulgação da PNH vêm

829
adotando este modelo de atuação mais humanizado? O próprio cotidiano dentro do Hospital
Geral, têm mostrado que vem se tentando criar uma cultura humanizadora dentro da instituição
e a inserção da Psicologia vem sendo de fundamental importância nesses avanços. Além disso,
outro fato que favorece o desenvolvimento desse processo é a Educação Permanente em Saúde.
Esta prática tem sido de grande relevância em um contexto que está para além de um Hospital
Geral e afins: um sistema de saúde; este que preza cada vez mais por uma atuação
interprofissional, possibilitando, assim, a troca de conhecimentos e experiências entre saberes
que muitas vezes se encontram distantes, mas que se complementam com eficácia quando
usados em conjunto.
Sabe-se que o SUS é um sistema de redes complexas, no sentido da vastidão dos campos
de saberes nele presente. Entretanto, como exposto anteriormente, vive-se ainda hoje a
hegemonia do saber e do poder biomédico, este que como um todo não é ruim, mas em vista da
cultura perpetuada, se tem promovido sérios processos disciplinadores, individualizantes e
reducionistas, que cada vez mais esquecem o lado humano da população que faz parte do SUS.
Tal população pode ser identificada desde aquele paciente que espera numa fila por atendimento
em uma emergência de hospital até aquele funcionário gestor que é responsável por uma
secretaria de saúde, por exemplo.
Devido a isso, mesmo com a PNH e com o processo de humanização por ela preconizada
tendo conseguido avanços ao longo dos anos, percebe-se que os entraves com o poder
hegemônico dificultam ainda em muito seu desenvolvimento e efetivação. Isso se reflete não
só na forma do tratamento existente entre equipe-usuário e equipe-gestão, mas é algo que vem
sendo refletido nas origens: as formações profissionais. A presença dessa cultura nas próprias
formações universitárias é ainda uma realidade preocupante que sustenta o aumento de
“especialismos”, tutelam e não validam saberes e fazeres, e ainda potencializam os processos
hierarquizadores (Cid et al., 2019).
Formam-se profissionais para a saúde pautados em uma assistência tecnicista e
fragmentada no modelo biomédico, apresentando uma concepção de saúde voltada apenas ao
cuidado do órgão doente. Por consequência disso, há uma falta de desenvolvimento de
habilidades e competências que preparem esses futuros profissionais para as relações pessoais,
as formações de vínculos e a convivência humanizada com pacientes e equipes (Gonzé & Silva,
2011).
Dito isso, depreende-se, em um primeiro olhar, que todo trabalho de humanização é sim
um trabalho benéfico para os usuários, equipes e gestores. No entanto, analisando esse conceito-
processo mais criticamente, pode-se pensar que podem existir situações em que esse humanizar,
sobretudo, dentro do âmbito hospitalar, seja apenas mais uma forma atual de controle e
disciplinarização dos corpos dentro de uma instituição. Então, será que tais medidas ditas
humanizadoras não estão ainda inseridas dentro de uma lógica pautada no saber biomédico,
perpetuando assim, formas de poder sobre aquilo que é único do sujeito: seus processos
subjetivos e sua vida?
O fato é que essas novas práticas como palhaçoterapia, musicoterapia, PET-terapia
dentre outras, podem ser consideradas humanizadoras e vem se tornando cada vez mais
presentes não só no Hospital Geral, mas nas instituições hospitalares como um todo, como
forma de promover essa humanização na contemporaneidade. Ainda que apresentem os efeitos
promissores na redução de ansiedades, aderência a tratamentos e que contribuam com melhorias

830
de quadros clínico de forma geral (Catapan, Oliveira & Rotta, 2019; Bergold & Chagas, 2016;
Nobre et al., 2017), algumas delas podem desconsiderar a subjetividade dos usuários. Diante
disso, será que realmente essas práticas poderão ser consideradas como tais? E sendo
humanizada para um, será também para todos presentes em uma enfermaria, por exemplo?
Algumas pessoas têm medo de palhaço, outras não se importam em ouvir músicas diante
do nível de sofrimento de uma hospitalização, já outras possuem alergias e/ou até mesmo não
gostam de animais. Assim, essas pessoas também apresentam o direito de não quererem realizar
as atividades propostas, contudo, por vezes são submetidas às mesmas abordagens por
compartilharem a enfermaria com outros.
A partir disso, deve-se considerar que a linha entre aquilo que humaniza e aquilo que
desumaniza pode ser muito tênue. Por isso, todas essas práticas, se não realizadas com
responsabilidade e baseadas naquilo que de fato se construiu como humanização no Brasil com
a PNH, se terá uma prática vazia, pautada em uma hipocrisia de discursos que colocará não só
o usuários, mas também equipes e gestores, em um esquema de poder que gerará o sofrimento
dentro de determinados padrões de controle na atenção à saúde (Moraes, 2013).
Dessa forma, pode-se dizer que pensar em humanização não é apenas possibilitar que o
cuidado se torne algo universal, que vai da gestão aos pacientes, mas é, sobretudo, atentar-se
ao potencial criativo das pessoas em seu ato de cuidar, assim como em receber os cuidados. Por
isso, é necessário voltar-se a essa prática humanizadora responsável, para que assim, haja um
distanciamento cada vez maior de formas de atuação baseadas em fórmulas prontas de
compreensão e cuidado do outro.

Considerações Finais

Diante disso, percebe-se que, no exercício da Psicologia Hospitalar, é necessário muita


cautela e atenção. Pois, não ponderar constantemente sobre o trabalho que está sendo
desenvolvido, pode resultar em uma conduta robotizada, na qual a(o) profissional generaliza os
atendimentos e não considera as questões subjetivas que perpassam cada um deles. Podendo,
assim, facilmente cair na lógica institucional de atuação.
De forma geral, as(os) psicólogas(os) hospitalares utilizam a Psicoterapia Breve como
técnica para embasar seus trabalhos diários, devido às inúmeras potencialidades desse
instrumento para o ambiente hospitalar. Entretanto, é válido questionar se o uso exclusivo dessa
técnica contempla o atendimento de todos os indivíduos hospitalizados, tendo em vistas as
limitações e restrições às subjetividades e particularidades de alguns casos. Constata-se,
portanto, que a escuta qualificada e a disponibilização maior de tempo, em casos de alta
demanda de fala, pode ser mais eficiente em minimizar o sofrimento do paciente em questão
do que o uso exclusivo da PB.
Assim sendo, para que o trabalho seja desenvolvido da melhor forma possível, é preciso
que as(os) psicólogas(os) busquem aprimoramento profissional, especificamente para o
trabalho hospitalar, em cursos e especializações. Bem como visem experienciar outras formas
de atuação em seu cotidiano, visto que as formações acadêmicas de graduação não conseguem
abranger plenamente um trabalho tão singular. Além disso, o trabalho em sincronia de toda a

831
equipe multidisciplinar resulta em atendimentos com melhor aproveitamento para os pacientes.
O que se apresenta ainda como grande dificuldade, assim como muitas coisas no País, são as
práticas basilares, em que as formações profissionais e/ou universitárias das áreas da saúde
ainda se encontram incipientes e pouco estimuladoras de um processo educacional
problematizador, além de não conseguirem promover o desenvolvimento de profissionais que
prezem pela construção de vínculos e pela manutenção das relações e que cuidem também da
saúde mental de si, para poder potencializar o cuidado com o outro.
Diante do que foi exposto, pode-se dizer que o processo de humanização no País tem
apresentado uma trajetória de muita luta, sobretudo, dentro dos espaços hospitalares, que ainda
hoje são permeados por uma prática biomédica. Essa lógica captura tais serviços e faz com que
corroborem com as práticas de despersonalização e passividade dos corpos institucionalizados,
sem que a verdadeira finalidade das propostas seja alcançada. Dessa maneira, faz-se necessário
reinventar esse campo e repensar as práticas denominadas humanizadoras. Com isso, os
atendimentos propostos pelos estagiários no Hospital Geral, que objetivavam respeitar as
subjetividades escutadas, são apenas um micro-reflexo da macro-realidade presente no Brasil.
Entretanto, há de se considerar que, a partir da inserção da Psicologia dentro do Hospital e da
criação da PNH, passos largos têm sido dados até os dias atuais.
Conclui-se, portanto, que é colocado para a sociedade, como um todo, esse desafio de
lutar não só por hospitais mais humanizados, mas por UBSs, UPAs e CAPSs e por uma
Educação Permanente em Saúde mais eficazes, no que se refere não apenas ao seu
funcionamento, mas no sentido de possibilitar a conscientização de todos os seus atores acerca
dos direitos e responsabilidades necessários para a construção de um Sistema Único de Saúde
(SUS) mais humano e de maior excelência.

Referências
Araujo, V. B. et al. (2019). SensibilizArte: Relato de experiência de arteterapia na
humanização hospitalar. Interfaces - Revista de Extensão da UFMG, 7(1), 01-591.
Recuperado de
https://www.ufmg.br/proex/revistainterfaces/index.php/IREXT/article/view/370/pdf.
Backes, D. S., Filho, W. D. L. & Lunardi, V. L. (2006). O processo de humanização do
ambiente hospitalar centrado no trabalhador. Revista Escola de Enfermagem USP,
40(2), 221-227. Recuperado de
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342006000200010.
Baechtold. R & Trois. J. (2019). Psicoterapia de apoio no contexto do atendimento do
psicólogo em ambiente hospitalar. Diaphora, 19(1), 44-52. Recuperado de
http://www.sprgs.org.br/diaphora/ojs/index.php/diaphora/article/view/171/169.
Bergold, L. B., Chagas. M., Alvim, N. A. T. & Backes, D. S. (2016). A Utilização da Música
na Humanização do Ambiente Hospitalar: Interfaces da Musicoterapia e Enfermagem.
Revista de Musicoterapia. Recuperado de
http://www.revistademusicoterapia.mus.br/wp-content/uploads/2016/11/4-A-
utiliza%C3%A7%C3%A3o-da-m%C3%BAsica-na-humaniza%C3%A7%C3%A3o-

832
do-ambiente-hospitalar-interfaces-da-Musicoterapia-e-Enfermagem.pdf.
Brasil (2004). Humaniza SUS: política nacional de humanização - documento base para
gestores e trabalhadores do SUS. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Núcleo
Técnico da Política Nacional de Humanização. Recuperado de http://
bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizaSus_doc_base.pdf.
Catapan, S. C., Oliveira, W. F. & Rotta, T. (2019) Palhaçoterapia em ambiente hospitalar:
uma revisão de literatura. Ciência & saúde coletiva, 24(9), 3417-3429. Recuperado de
http://www.scielo.br/pdf/csc/v24n9/1413-8123-csc-24-09-3417.pdf. doi:
10.1590/1413-81232018249.22832017.
Cid, D. P. T., Dias, M., Benincasa, M. & Martins, M. C. F. (2019). Elos entre a psicologia e o
trabalho humanizado na saúde: compreensão, formação e práticas. Semina: Ciências
Sociais e Humanas, 40(1), 5-24. Recuperado de
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/seminasoc/article/view/34813/25392. doi:
10.5433/1679-0383.2019v40n1p5.
Conselho Federal de Psicologia - CFP (2019). Referências técnicas para a atuação de
psicólogas (os) hospitalares no SUS. Centro de Referência Técnica em Psicologia e
Políticas Públicas, 1-128.
Gazotti, T. C. & Cury, V. E. (2019). Vivências de psicólogos como integrantes de equipes
multidisciplinares em hospital. Psicologia Clínica e Psicanálise, 19(3). Recuperado de
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/46917/31305.
Goffman, Erwin. (2001). Manicômios, prisões e conventos (7a ed.). São Paulo: Editora
Perspectiva.
Gonze, G. G. & Silva, G. A. da (2011). A integralidade na formação dos profissionais de
saúde: tecendo valores. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 21(1), 129-146.
Recuperado de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
73312011000100008.
Mónico, L. S., Alferes V. R., Castro, P. A. & Parreira, P. M. (2017) Observação Participante
enquanto metodologia de investigação qualitativa. Recuperado de
https://www.researchgate.net/publication/318702823_A_Observacao_Participante_en
quanto_metodologia_de_investigacao_qualitativa.
Moraes, M. S. (2013). Princípios da humanização através de Foucault com a ética do cuidado
em si. XI Congresso Nacional de Educação, CTBA, Brasil, 26982-26993. Recuperado
de https://educere.bruc.com.br/anais2013/pdf/9798_7018.pdf.
Neto, A. B. A. (2019). A Clínica e a experiência do fora: sobre o posicionamento ético-
político do psicólogo no hospital geral. Mnemosine, 15(2), 3-10. Recuperado de
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/mnemosine/article/view/48312/32240.
Nobre M.O. et al (2017). Projeto Pet Terapia: Intervenções Assistidas por Animais: uma
prática para o Benefício da Saúde e Educação Humana. Expressa Extensão, 22(1), 78-
89. Recuperado de
https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/expressaextensao/article/view/10921/74

833
7.
Padilha, R. Q. et al. (2018). Princípios para a gestão da clínica: conectando gestão, atenção à
saúde e educação na saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 23(12), 4249-4257.
Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/csc/v23n12/1413-8123-csc-23-12-4249.pdf.
doi: 10.1590/1413-812320182312.32262016.
Pinheiro, R. (2014). Integralidade. Dicionário da Educação Profissional em Saúde.
Recuperado de https://pensesus.fiocruz.br/integralidade.
Ribeiro, J. C. S. & Dacal, M. D. P. O. (2012). A instituição hospitalar e as práticas
psicológicas no contexto da Saúde Pública: notas para reflexão. Revista SBPH, 15(2),
65-84. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
08582012000200006&lng=pt&nrm=iso>.
Sampaio, P. P. & Holanda, T. C. (2012) Temas em Psicologia II: Psicoterapia Breve-Focal -
Teoria, técnica e casos clínicos. Fortaleza: Universidade de Fortaleza.
Separovich L. A.; Arroyo, C. A.; Nascimento, E. L. & Rodrigues, S. J. (2020). Psicologia
Hospitalar e equipe multiprofissional: uma revisão integrativa com vistas à conduta
profissional. Revista Científica UMC, 5(1). Recuperado de
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:sLdzDh3rfQwJ:seer.umc.br/i
ndex.php/revistaumc/article/download/676/744+&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br.
Simonetti, A. (2004). Manual de psicologia hospitalar: o mapa da doença. São Paulo: Casa
do Psicólogo.
A IMPORTÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE COMO ESTRATÉGIA DE

834
ENFRENTAMENTO EM PACIENTES ONCOLÓGICOS

Marcia Alves Gomes


Andréa Nara Lopes Henriques de Sousa

Introdução

O câncer é uma doença que afeta milhares de pessoas a cada ano, atinge altos índices de
incidência, constituindo-se a segunda causa de mortalidade no Brasil (mais de 200 mil por ano)
só é menor que o provocado por doenças cardiovasculares, como infarto e derrame (AVC).
Consequentemente, com o envelhecimento da população, a incidência de câncer vem
aumentando, o Inca (Inca Instituto Nacional de Câncer) estima um total de 600 mil novos casos
por ano (Pronin, 2019).
No agravamento da doença a dimensão espiritual possibilita ao indivíduo o
desenvolvimento da esperança, com o objetivo de dar um sentido para a sua vida, propiciando
um olhar positivo para o enfrentamento, ainda que reconheçam a eventualidade da própria
morte. O bem estar físico e a fé espiritual se apresentam como esperança diante do impossível,
a cura, e revelam um estado de transitoriedade da realidade vivenciada (Prado et al., 2020).
Nesta concepção, os pacientes e os familiares, diante da desesperança e do sofrimento
causado pela descoberta da doença, buscam na espiritualidade um sentido positivo ou negativo
a essa nova experiência. Assim, a espiritualidade constitui uma estratégia de enfrentamento
importante diante de situações consideradas difíceis, como é o caso do diagnóstico do câncer
que produz um forte impacto na vida do indivíduo e cujo tratamento é permeado de eventos
estressores (Oliveira & Queluz,2016).
Portanto, este trabalho apresenta como sujeito a ser estudado, a variável espiritualidade,
um modo de enfrentamento pautado na emoção, e tendo como principal contextualização os
pacientes oncológicos. Ao mesmo tempo, utiliza-se da seguinte pergunta norteadora: qual a
importância da espiritualidade como estratégia de enfrentamento para os pacientes com câncer?
Para responder tal questionamento, este trabalho tem por objetivo geral, analisar a
importância da espiritualidade como estratégia de enfrentamento no tratamento de pacientes
oncológicos, seguindo como especificações: compreender o processo de humanização dos
profissionais com os pacientes oncológicos; apresentar as principais estratégias de
enfrentamentos dos pacientes oncológicos; e, problematizar a importância da espiritualidade
para pacientes com câncer.
Nesta trajetória, o presente estudo tem como relevância trazer a relação da
espiritualidade no cuidado de pacientes oncológicos, buscando compreender como ela pode
contribuir no manejo do bem-estar desses pacientes e de seus familiares; trazendo como base
as principais estratégias que contribui de forma significativa na ampliação do campo perceptivo
do tratamento, não só dos pacientes e de seus familiares, como também da sociedade como um
todo, ampliando também a sua visão perante a doença. Logo, compreender que a espiritualidade
afeta a saúde e a resiliência dos pacientes é um passo importante para incorporá-la à prática da

835
Psicologia.
Todavia, o intuito é tentar levar a reflexão sobre a Espiritualidade nos cuidados de
pacientes oncológicos e a sua importância para o exercício a um plano mais amplo e abrangente.
Uma vez que, a presente pesquisa obedecerá as seguintes ordens: no primeiro momento
apresenta-se a parte introdutória. No segundo tópico, é desenvolvido o marco teórico,
subdividido em dois subtópicos: (1) “Câncer: a doença na perspectiva do diagnóstico”, ao se
fazer um breve histórico sobre a doença sob a perspectiva do diagnóstico na identificação das
ferramentas para auxiliar no tratamento do paciente; e (2) “A espiritualidade como estratégia
de enfrentamento”, traçando um panorama sobre a presença da espiritualidade no contexto
psicoterapêutico e sua relação com o bem-estar psicológico do paciente. No terceiro tópico,
aborda-se as questões do método, no quarto tópico, o objetivo foi apresentar os resultados; logo
em sequência, em um quinto tópico análise e discussão dos resultados, em um último ponto,
insere-se as considerações finais.

Marco Teórico

Câncer: a doença na perspectiva do diagnóstico

O câncer é um grave problema de saúde pública, especialmente nos países em


desenvolvimento. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que para o ano de 2025,
uma incidência de 20 milhões de casos em todo o mundo. O instituto nacional do câncer (INCA)
estima que o câncer ganha uma relevância para o Brasil, cerca de aproximadamente 625 mil
novos casos de câncer para cada ano do triênio de 2020-2022 (Silva, 2019).
É uma doença existente desde muito tempo, os relatos sobre sua existência remontam
desde a antiguidade, do qual é vinculada a ideia de sofrimento e morte. Ao longo da sua história,
o câncer foi observado pelos médicos como um mal que atingia todo o corpo do indivíduo, em
decorrência de um desequilíbrio orgânico, de fatores ambientais e hereditários. A doença no
decorrer do tempo foi associada a sortilégios divinos, sendo temida atualmente como uma
enfermidade incurável, uma verdadeira sentença de morte para aqueles que por ela são afetados
(Teixeira et al., 2012).
Convém ressaltar que o câncer não é uma doença nova, o fato de ter sido identificado
em múmias egípcias, comprova que ele já afetava o homem há mais de 3 mil a.c. A palavra
câncer vem do grego karkínos, que significa caranguejo, e foi empregado pela primeira vez por
Hipócrates, o pai da medicina que teve sua existência entre 460 a 377 a.c (Inca, 2020).
Partindo desses pressupostos, o câncer é entendido como uma doença crônica que
ocasiona problemas e demandas específicas frequentes e mutáveis para o paciente e seus
familiares. O ciclo da doença é uma das etapas evolutivas fundamentais a serem levadas em
consideração, para que se compreenda o desdobramento e o impacto na vida do indivíduo e da
sua família (Farinhas et al., 2013).
Essa patologia é classificada ao grupo de mais de 100 doenças que tem como aspectos
comum um aumento desenfreado de modificações celulares, que atinge tecidos e órgãos do
corpo, havendo possibilidades de se espalhar para outras áreas, além de possuir na sua
classificação determinados tipos da doença, causando modificações diferentes em cada
indivíduo. No caráter multifatorial da sua etiologia ocorre uma constante interação entre os

836
diversos fatores biológicos e psicológicos que ao serem associados podem favorecer o processo
de adoecimento (Freitas et al., 2018).
De certa forma, ainda que seja uma doença que tenha tido evoluções científicas e
tecnológicas ao longo do tempo, é preciso acentuar que ainda é conhecida como uma doença
estigmatizada e relacionada à morte, pois, configura-se não somente em aspectos físicos e
biológicos, mas também em sociais, psicológicos e espirituais (Medeiros, 2019).
Torna-se evidente que o diagnóstico de câncer acaba gerando nas pessoas um
sentimento de estarem mais próximos da morte, uma vez que os tratamentos utilizados são
vistos como dolorosos que causam grande fragilidade ao corpo. Pois embora, haja inúmeras
formas de tratamento, em vários casos ainda é considerada uma doença incurável, podendo
causar influências diretas e indiretas não só ao paciente, como também aos que estão no seu
entorno, como amigos e familiares (Cardoso et al., 2019).
Isso permite destacar que o diagnóstico do câncer se dá, tanto pelo envolvimento do
indivíduo, como dos seus familiares, gerando diversos sentimentos e emoções, desde um forte
sentimento de angustia até a perspectiva de mutilação ou de morte pertinente, pois, ocasionado
pelo processo de descoberta, a sobrecarga emocional decorrente dessa patologia pode
desencadear desajustamentos e acarretar o desenvolvimento de distúrbios emocionais como
Depressão e/ou Transtornos de Ansiedade (Pires et al., 2019).
Dada à relevância desse diagnóstico, dar-se seguimento a um longo processo de
tratamento e mudanças na rotina do paciente, isso permite ressaltar que pode ser ocasionado
pela correlação de diversos fatores, que variam desde causas internas e externas, como também
predisposições genéticas, fatores sociais, políticos, econômicos e ambientais, podendo ser
suscitado em qualquer fase do desenvolvimento (Nicolli et al., 2019).
Na medida em que o indivíduo vivencia o quadro de sofrimento em ter essa patologia,
ele passa a sofrer por diversos motivos, e começa a vivenciar sentimentos de ameaça a sua
integridade física, a perda do controle, e o medo ocasionado tanto pela expectativa da morte
iminente, como pela dor, ele passa a perceber o seu sofrimento não só como finitude, mas
também como incompletude (Mendonça, 2019).
No entanto, cabe frisar que no aspecto psicossocial, os pacientes com câncer apresentam
mudanças significativas nas emoções, e também níveis elevados de ansiedade e depressão,
ademais, no aspecto espiritual apresenta falta de esperança, medo da morte, e perda do sentido
da vida. É lícito supor que essa patologia transforma a vida das pessoas, trazendo muitos
questionamentos sobre o propósito da vida, pois, a angústia pode se revelar de diversas formas,
acarretando sintomas depressivos, perda do bem- estar espiritual, angústia existencial e desejo
de morte próxima (Medeiros, 2019).
Em termos de humanizar os cuidados dos pacientes, os profissionais da saúde no ato do
seu exercício profissional, necessitam acolher as angústias e os questionamentos dos
indivíduos, diante das suas fragilidades tanto físicas, como emocionais e espirituais, e diante de
um cotidiano desafiador pela indiferença crescente, a solidariedade e o acolhimento digno com
calor humano são essenciais na assistência humanizada aos pacientes. Ademais, o cuidar de um
paciente oncológico exige da equipe de saúde um olhar existencial de empatia, uma
aproximação diária, e um compartilhamento de angústias e sofrimentos da qual fazem parte do

837
cotidiano diário do indivíduo que vivencia esse tipo de patologia (Nascimento, 2019).
Consequentemente, com todas essas mudanças, há algumas fases pelas quais uma
pessoa que acaba de descobrir o câncer pode passar e que pode contribuir em longo prazo, no
seu processo de aceitação. As fases são: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. No
entanto, para chegar ao estágio de aceitação, alguns pacientes necessitam de ajuda e de maior
compreensão daqueles que estão a sua volta, enquanto outros chegam sem quase nenhuma
ajuda. É importante ressaltar também, que nem todos passam por todas as fases e elas podem
ocorrer em diferente ordem, ou seja, há pessoas que não chegam sequer a aceitar sua doença e
outras que aceitam rapidamente. Pelo fato de que nem todos os pacientes passam por todas as
fases e nem pela ordem descrita, algumas pessoas podem nunca aceitar a doença e estacionar
em uma delas (Kubler-Ross, 2008).
Diante disso, percebe-se a necessidade de estudar estratégias as quais auxiliem
pacientes oncológicos a conhecerem, compreenderem e aceitarem sua doença e a lidarem com
ela da forma menos dolorosa possível. Uma das formas de trabalhar a adaptação destas pessoas
é mobilizando seus recursos pessoais (Lazarus & Folkman, 1991). Os autores relatam que o
enfrentamento inclui tantos comportamentos de tentativas de dominar o ambiente, de evitar, ou
de aceitação da situação estressante, através de formas “Acomodativa” ou “Manipulativa”.
Na “Manipulativa” o indivíduo procura modificar sua relação com o acontecimento
estressante, o que poderia constituir-se na modificação do contexto, afastar-se ou ausentar-se
na presença do estressor, ou ainda buscar informações a respeito da situação, como um meio
que possa entender e prever os acontecimentos frente ao fenômeno apresentado.
Já na “Acomodativa” acontece um bloqueio da ação diante do evento, inibindo o
indivíduo de superar a adversidade frente à situação estressante, por intermédio de uma
reavaliação, modificando o ambiente interno por meio de medicamentos, álcool, relaxamento,
mecanismos de defesa, meditação, entre outros. Tais estratégias dispõem de um potencial capaz
de acometer a saúde física e mental dos indivíduos, tanto de forma positiva como negativa, com
capacidade de alterar a evolução do estresse, seja esquivando-se da situação estressora ou
confrontando-a (Lazarus & Folkman, 1991).
Do mesmo modo, para Guedea et al. (2006), o enfrentamento pode ser “Focado no
problema” (pautado na resolução de problemas) ou “Focado na emoção” (mudar pensamentos
para lidar com a situação estressante). Um exemplo de enfrentamento focado no problema é
quando o paciente se vê diante da doença e decide seguir toda a rotina de tratamento sugerida
pelos médicos. Já o enfrentamento focado na emoção é uma avaliação situacional, que permite
certo controle emocional sobre o contexto estressante (o adoecimento), nesse tipo de
enfrentamento o paciente pode dizer a si mesmo palavras de encorajamento (“vou ficar bem”,
“o tratamento vai dar certo”), pode ir à igreja para sentir algum conforto espiritual ou procurar
por Deus sem necessariamente participar de nenhuma religião.
O enfrentamento é avaliado como positivo ou negativo, dependendo da situação de cada
paciente. Percebe-se então que utilizar-se de estratégias de enfrentamento positivas pode
garantir uma melhor qualidade de vida e bem-estar psicológico, de forma geral, para quem
consegue fazê-lo. Dentre essas estratégias, uma altamente utilizada por pessoas com doenças
crônicas e doenças terminais é a estratégia de enfrentamento voltada para a “Espiritualidade”

838
(Guedes et al., 2006).
A atenção à espiritualidade está ganhando espaço em centros oncológicos e
proporcionando benefícios aos pacientes já observados, como diminuição de índices de
depressão, maior controle da ansiedade e mais comprometimento com o tratamento. E o
paciente não precisa ter necessariamente uma religião para trabalhar sua espiritualidade. Mesmo
nas pessoas que não têm religião, a espiritualidade pode e deve ser alimentada. Existem formas
de acessar a espiritualidade através da música, da arte, através da meditação entre outros
(Guedea et al., 2006; Kubler-Ross, 2008).
Os autores ainda destacam, que a partir de tais colocações pode-se compreender o
significado dos processos de enfrentamento em relação ao bem-estar físico e psíquico do
indivíduo, transformando-os em conceitos bastantes úteis para se ampliar os conhecimentos
sobre a qualidade de vida de pessoas que vivenciam o estresse intenso, especialmente, pacientes
oncológicos.
Nesse sentido, balizado nos conceitos e vivências pertencentes à dimensão da
espiritualidade, o apartado a seguir, reúne definições que podem contribuir para a compreensão
do construto e planejamento de uma intervenção psicossocial com o objetivo de conduzir a
promoção da saúde.

A Espiritualidade como estratégia de enfrentamento

O termo espiritualidade vem do latim spiritus ou spirituali que significa sopro,


respiração, ar ou vento, retrata a busca de significados e concepções que ultrapassam o visível,
num sentido de ligação com algo maior que si próprio, contendo ou não a participação religiosa
(Silva & Silva, 2014).
Os questionamentos sobre espiritualidade têm aumentado nos últimos anos; os pacientes
que estão enfrentando um câncer, muito comumente, diante de uma situação difícil como essa,
levantam questionamentos sobre seu próprio sentido de vida e o propósito pelo qual estão aqui.
Isso, por vezes, pode ser fonte de sofrimento espiritual, ou pode ser fonte de uma perda da
esperança em algo que faz, que dê um valor maior e mais amplo a sua própria vida. Nesse
sentido, trabalhar e explorar a espiritualidade permite muitas vezes que se encontre um novo
significado daquilo que se está vivendo, tornando a espiritualidade uma forte aliada no
enfrentamento de doenças, especialmente, os terminais como o câncer (Junior & Teixeira,
2019).
Partindo desses pressupostos, o enfrentamento dentro do contexto oncológico requer
maior resiliência dos indivíduos e dos seus familiares, nesse sentido é frequente alguns
buscarem na espiritualidade, maiores recursos de enfrentamento para suas experiências
vivenciais, trazendo em si maior sensação de bem-estar e diminuição da ansiedade, da qual
requer uma atenção mais individualizada, e que também inclua aspectos subjetivos de
interpretação de cada indivíduo que vivencia o enfrentamento da doença, podendo ir em busca
de um novo sentido para a sua existência (Sousa et al., 2017).
É preciso acentuar, que ter conhecimento dos aspectos religiosos e espirituais significa
compreender as percepções mais profundas dos indivíduos, relacionadas ao seu modo de ser e
existir no mundo, permitindo a ampliação de suas percepções e necessidades, e também para
entender seus valores e crenças religiosas e espirituais, no sentido de promover uma assistência

839
mais individualizada durante o tratamento (Costa et al., 2019).
Presume-se que no adoecimento causado pelo câncer, a espiritualidade vem fornecer ao
paciente, desenvolver atitudes positivas, e a esperança no sentido de dar um novo significado
para o enfrentamento da patologia, assim como buscar um novo sentido de vida, favorecendo o
seu amadurecimento pessoal, além de influenciar no modo de percepção do paciente ao
enfrentar o seu processo de adoecimento (Benites et al., 2017).
Convém ressaltar que espiritualidade e religiosidade apesar de estarem relacionadas,
não apresentam as mesmas características. A religiosidade pode ser compreendida como sendo
um conjunto de crenças e práticas que estão relacionadas a doutrinas compartilhadas e seguidas
por um grupo de pessoas, que pode envolver cultos ou rituais ligados a fé do indivíduo. Na
medida em que passamos a observá-la podemos analisá-la em dois aspectos, a intrínseca e a
extrínseca. Na religiosidade intrínseca o indivíduo apresenta a sua fé de uma maneira mais
amadurecida, no sentido de vivenciar e estar de acordo com os princípios doutrinários em que
ele acredita; já na religiosidade extrínseca, ela é utilizada como meio para se atingir algo, como
para conseguir benefícios próprios para o indivíduo (Melo et al., 2015).
A espiritualidade engloba aspectos pessoais e existenciais, ao passo que ela está menos
ligada a instituições, rituais ou dogmas que se aplicam mais a religiosidade, entretanto, ela é
entendida como uma relação com o sagrado e o transcendente, pode estar vinculada ou não a
uma religião, já que ela vai a busca de algo que é inerente a espécie humana, que vai ao sentido
de algo que agregue sentido a sua existência (Raddatz et al., 2019).
A espiritualidade é bem mais ampla e pessoal, está ligada a valores mais íntimos do
indivíduo, fazendo-o entrar em harmonia consigo e com o outro, gerando assim um despertar
de interesse por si, pela natureza e pelo universo, ela em si produz capacidade de suportar a dor
e o sofrimento que causa raiva e ansiedade, além de gerar energias positivas diante do
sofrimento, melhorando assim a qualidade de vida dos pacientes (Guerrero et al., 2011).
Destaca-se que a espiritualidade é inerente ao ser humano, dessa forma ela vai
estabelecer uma preparação mais subjetiva, visto que o paciente vai começar a construir de
forma mais simbólica a sua maneira de enxergar e dar sentido as suas vivências, isso faz crer
que ela pode ser uma estratégia significativa no enfrentamento do câncer, levando o indivíduo
a conceder um significado no seu processo de cura- doença, colocando a fé como um escudo
de alivio para suas angústias e sofrimentos (Pinto et al., 2015).
Com relação a espiritualidade existem três tipos de classificações que as especificam,
(1) a espiritualidade religiosa; (2) a espiritualidade ligada à natureza; (3) espiritualidade
humanista, visto que, ainda se defende uma quarta que seria a espiritualidade cósmica. A
primeira abrange um sentido de proximidade e ligação ao sagrado, do mesmo modo que é
descrito por qualquer religião, sendo (Cristianismo, Islamismo, Budismo) entre outras,
resultando em uma proximidade a um Deus particular, ou a um poder superior.
A segunda traz um sentido de proximidade e correlação ao meio ambiente e a natureza;
a terceira está voltada para a humanidade, expandindo-se no sentido de associação a um grupo
geral de pessoas, abarcando normalmente sentimentos de amor, altruísmo ou reflexão, e a quarta
refere-se á conexão com toda a natureza, ou seja, uma espiritualidade que é vivenciada não só
através da meditação, mas também através da magnificência da criação (Catré et al. 2016).
Convém ressaltar que a interligação entre espiritualidade/religiosidade e saúde, tem

840
origem nos primórdios da história, nos quais se atribuía a recuperação do indivíduo, há aspectos
ligados ao espírito, ou seja a causa da doença ou a sua cura, e, partindo desse pressuposto
observamos que a espiritualidade se constrói através de contextos culturais e históricos,
fornecendo significado a valores, comportamentos e experiências humanas, que se manifesta
na prática, através do credo religioso ou espiritual que se faz parte (Santos & Byk, 2019).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a resolução da emenda da
constituição de 7 de abril de 1999, foi agregado ao conceito de saúde a variável Espiritualidade.
Isso demonstra que a saúde passa a ser estipulada como estado de completo bem-estar físico,
espiritual e social, e não apenas como ausência de doenças ou enfermidades. Isso permite
afirmar que atualmente no Brasil a política nacional de humanização está pautada no princípio
da integralidade ao atendimento do indivíduo, levando em conta todas as suas dimensões e
subjetividades (Lemos, 2019).
A Associação Mundial de Psiquiatria (WPA) afirma que, o campo da saúde atribui a
religiosidade/espiritualidade importantes ligações significativas para a prevalência do
diagnóstico, tratamento, desfechos clínicos e prevenção de doenças. Partindo desse pressuposto
alguns profissionais da saúde reconhecem a importância da espiritualidade/religiosidade para a
saúde e bem-estar do indivíduo, e da mesma forma alguns trabalhos vem reforçar essa ideia ao
demonstrar o quanto essa espiritualidade/religiosidade eleva o nível de motivação para o
enfrentamento e superação das crises (Forti et al., 2018).
É preciso entender que a dificuldade de avaliar a espiritualidade de forma específica,
acaba diferenciando-a de conceitos utilizados no que diz respeito à saúde, como satisfação com
a vida, bem-estar subjetivo e otimismo. A religiosidade/espiritualidade também é uma aliada
importante na área dos cuidados paliativos, evitando ou diminuindo o sofrimento independente
do estágio da doença (Tavares et al., 2016).
A espiritualidade representa um fator importante dentro do contexto da saúde, fazendo
o indivíduo ir em busca de possibilidades de melhora e bem-estar para a sua vida, isso
demonstra que ela impulsiona para que ele busque formas e hábitos de vida que sejam mais
saudáveis, por tanto, sendo um argumento aprovado cientificamente. Dentro desse contexto das
experiências vividas, ela é um fator de fortalecimento ao indivíduo em situações difíceis (Junior
& Teixeira, 2019).
A relação entre espiritualidade e saúde vem se tornando um paradigma dentro da prática
diária do profissional de saúde, e destaca-se que tanto a religiosidade como a espiritualidade
vem ganhando cada vez mais atenção dentro do âmbito assistencial de cuidados. O campo
relacionado à qualidade de vida chega a se tornar um mediador entre saúde e questões
religiosas/espirituais, favorecendo o desenvolvimento de mediações espiritualmente embasadas
(Fornazari & Ferreira, 2010).
De certa forma as necessidades espirituais ligadas ao contexto oncológico, faz o
indivíduo pensar sobre o processo de finitude, e à medida que a patologia vai aumentando
algumas vezes os sentimentos de desesperança, traz ao paciente a percepção de que a cura pode
se tornar impossível, surgindo assim muitos questionamentos acerca do seu existir. É nesse
momento que a espiritualidade e a fé são vistos como fundamentais no tratamento, é a
espiritualidade que promove aos pacientes um sentido mais amplo sobre a vida, e alguns dos
seus questionamentos começam a fazer sentido. Ademais a prática de atividades como a oração

841
ou meditação ou qualquer outra atividade ligada à espiritualidade acaba trazendo alívio para o
sofrimento diante da doença (Guedes et al., 2019).
Partindo desses pressupostos, pesquisas com pacientes apontam que a espiritualidade é
importante para que eles possam ter uma compreensão e maior aceitação da sua patologia, isso
permite afirmar que as crenças espirituais, religiosas e culturais podem ser fortes aliados nos
cuidados dentro do âmbito da saúde, podendo ser uma rede de apoio no enfrentamento da
doença. É preciso ressaltar que o mais apropriado, é que dentro do contexto espiritual e religioso
o profissional da saúde deve buscar a melhor forma de trazer conforto aos pacientes
oncológicos, respeitando sempre a sua subjetividade e as suas convicções espirituais, como
também sua forma de enxergar o mundo (Abuchaim, 2018).
Para tanto, autores Sousa Junior & Teixeira (2019), Guedes et al. (2019) e Lemos (2019)
mostram que reconhecer a espiritualidade ou a religiosidade como estratégias de enfrentamento,
como também, identificar as lacunas espirituais do indivíduo fazem com que o profissional de
saúde possa planejar e promover uma assistência integral ao paciente, destacando a importância
dos profissionais compreenderem os pacientes e o modo como lidam com a doença, suas
crenças e valores, e entendam a influência dessas relações no bem-estar desse indivíduo. Ainda
segundo os autores, a preocupação, enquanto profissionais da saúde, deve ser de que as pessoas
enfermas sejam compreendidas em suas formas singulares de lidar com a doença, como também
entender a influência dessas relações no processo de qualidade de vida desses pacientes.

Método

O presente artigo apresenta uma pesquisa de revisão bibliográfica integrativa, de


natureza aplicada. Quanto ao seu objetivo é descritivo, contendo em sua classificação uma
abordagem qualitativa, que tem como método aplicado o dedutivo, ou seja, aquele que concede
ao pesquisador colocar hipótese sobre si mesmo, a respeito de um conjunto de acontecimentos,
do qual, pode vir a ocorrer em um caso específico que pela experimentação, sob a perspectiva
de leis e teorias, que tem como pensamento lógico a ideia que parte de uma base geral para o
particular (Silva, 2014).
Portanto, para se chegar aos conceitos e resultados da pesquisa, foram analisados artigos
científicos, dissertações, revistas eletrônicas, portais e sites encontrados nas plataformas digitais
Google Scholar/Acadêmico, Scielo, Revista Pistis Prax Teol Pastor, Revista Brasileira de
Enfermagem, Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior de Saúde (CEDESS), Revista
Eletrônica de Saúde Mental. Foram selecionados materiais científicos publicados entre os anos
de 2013 a 2020. Para a busca dos dados foram utilizados como descritores: Câncer, Diagnóstico,
Pacientes, Religiosidade, Espiritualidade e Saúde.
Como critérios de inclusão, foram utilizados publicações em idioma português, que se
conectam ao assunto abordado na pesquisa, publicados em diversos periódicos eletrônicos. Os
estudos foram lidos integralmente e analisados a partir de seus objetivos, variáveis investigadas,
perfil da amostra e evidências obtidas nos estudos. Quanto aos critérios de exclusão, não foram
utilizadas publicações que não fossem condizentes com o tema em estudo. Portanto, foram
lidos, selecionados e categorizados 10 artigos científicos ao final da pesquisa, no qual, o período
de busca, foram entre os meses de setembro a outubro de 2020. Dada a relevância dos estudos,
procurou-se fazer um levantamento de dados que se aplicassem ao tema da pesquisa e mostrar

842
a importância da mesma para a atualidade.

Resultados

Após selecionado o material a partir dos descritores, de submeter os trabalhos ao crivo


de inclusão e exclusão, foram selecionadas 10 (dez) produções pertinentes ao foco estudado,
organizadas e exibidas na sequência da temática abordada.

Quadro 1 – Classificação do acervo selecionado de acordo com título, autores, revista, ano e
resumo:
TÍTULO AUTORES REVISTA/ANO RESUMO
Comunicação de Maria Revista de Este estudo buscou
uma má notícia: o Cláudia Maia enfermagem UFPE entender o olhar do
diagnóstico de Costa, Cynthia de On Line, Recife, paciente oncológico, e
câncer na Freitas Melo, 11(Supl. 8): 3214-21, dos profissionais da
perspectiva de Darli Chahine ago., 2017. saúde sobre o
pacientes e Baião, Ana diagnóstico de câncer e
profissionais. Karine Sousa sua relação com a
Cavalcante. morte, assim como
trazer uma explicação
do diagnóstico do
processo de aceitação
da doença e no seu
tratamento.
Considerações e Diego da Silva. Faculdade Sant’Ana O artigo analisa
reflexões sobre o em Revista, Ponta considerações e
psicodiagnóstico de Grossa, v. 5, nº 1, p. reflexões sobre o
stress em pacientes 21 35, 1 . Sem. 2019. processo de
com câncer. psicodiagnóstico do
stress em pacientes
oncológicos, assim
como explana sobre o
câncer e suas
vicissitudes
psicossociais, como o
stress e suas
características.
Religiosidade e Marta Helena de Revista Pistis Prax., Este estudo buscou uma
saúde: experiência Freitas. Teol. Pastor., comparação entre
dos pacientes e Curitiba, v. 6, n. 1, p. pacientes, estudos
percepções dos 89-105, jan./abr. realizados, e as
profissionais. 2014. observações dos
estudantes e
profissionais da saúde
em relação à

843
importância da
assistência da
religiosidade e
espiritualidade como
forma de acolhimento e
humanização de saúde.
Religiosidade e Caroline Amado Psicologia USP, São O presente trabalho teve
Espiritualidade em Gobatto, Tereza Paulo, 24(1), 11-34, como objetivo uma
Oncologia: Cristina 2013. investigação na
concepções de Cavalcante identificação de
profissionais de Ferreira de influências positivas e
saúde. Araújo. negativas de crenças
espirituais e religiosas
no enfrentamento do
câncer.
A influência da Scarlet Monteiro Investigação O estudo buscou
espiritualidade no G. da Silva, Elza Qualitativa em analisar a dimensão da
cuidado de Fátima R. Saúde//Investigación espiritualidade em
oncológico. Higa, Márcia Cualitativa en relação aos profissionais
Aparecida P. Salud//Volume 2, de saúde que trabalham
Otani, Márcia R. Atas CIAIQ, 2019. na área da oncologia, e
Rodrigues, especificar como ela
Monike A. influência na assistência
Lemes. aos pacientes.

Espiritualidade no Hedi Crencencia Revista de O presente artigo


processo saúde - Heckler de enfermagem UFPE propõe investigar a
doença-cuidado do Siqueira, Diana On Line., Recife, espiritualidade no seu
usuário oncologico: Cecagno, Adriane 11(8):2996-3004, contexto
olhar do Cavalcantti de ago, 2017. multidimensional,
enfermeiro. Medeiros, Aurélia voltado para analisar o
Danda Sampaio, processo saúde –
Rosiane Filipin doença, e o cuidado do
Rangel. usuário oncológico,
assim como trazer o
olhar do enfermeiro
dentro desse processo.
Espiritualidade, Nilvete Soares Revista de Psicologia O presente artigo
Religiosidade e Gomes, Marianne da IMED, 6(2): 107- explora os termos
Religião: Reflexões Farina, Cristiano 112, ISSN 2175- espiritualidade,
de conceitos Dal Forno. 5027, 2014. religiosidade e religião,
psicológicos. a fim de explicar os
seus significados,
pretende entender a
influência destes nas

844
intervenções
psicológicas, e traz
como objetivo,
reflexões sobre suas
diferenciações.
A influência da Patricia dos Psicologia. PT/ O Esse estudo tem como
Religiosidade e Santos Silveira, portal dos psicólogos, objetivo investigar a
Espiritualidade no Luciana ISSN 1646-6977, influência e o
enfrentamento da Schermann jun., 2018. desenvolvimento da
Doença. Azambuja. espiritualidade e o papel
da religiosidade no
enfrentamento de
situações difíceis, assim
como as diferenças
entre espiritualidade e
religiosidade, na sua
relação com a saúde.
Influência da Nataniele Silva GEPNEWS, Maceió, O estudo tem a
Espiritualidade no Canuto, Amanda a.3, v.2, n.2, p.410- finalidade de especificar
restabelecimento da Cavalcanti de 430, abr./jun. 2019. a influência da
condição de saúde Macêdo. espiritualidade no
humana: uma restabelecimento da
revisão de saúde humana, assim
literatura. como refletir sobre a
religião, a ligação entre
fé e ciência, no intuito
de promover
intervenções na
assistência em saúde.
A influência da Laura Fernandes Revista Brasileira de O estudo estudo procura
espiritualidade e da Ferreira, Alyssa Cancerologia; 66(2): avaliar a influência
Religiosidade na de Pinho Freire, e-07422, 2020. exercida pela
aceitação da doença Ana Luiza Cunha espiritualidade e
e no tratamento de Silveira, Anthony religiosidade em
pacientes Pereira Martins pacientes oncológicos
oncológicos: Silva, Hermon acerca da aceitação
revisão integrativa Corrêa de Sá, Igor diagnóstica de câncer.
da literatura. Soares Souza,
Lohane Stefany
Araújo Garcia,
Rafael Silva
Peralta, Lais
Moreira Borges

845
Araújo.
Fonte: autoria própria,2021.

Dada a importância para o presente estudo das variáveis espiritualidade, enfrentamento,


câncer e saúde, será exposto no tópico a seguir as temáticas que emergiram da análise de dados.

Análise & Discussão dos Resultados

Com base nas informações apresentadas no quadro 1 acima, no primeiro artigo,


“Comunicação de uma má notícia: o diagnóstico de câncer na perspectiva de pacientes e
profissionais”, as autoras Maria Cláudia Maia Costa et al. (2017), apresentam a comunicação
do diagnóstico do câncer como um momento muito sofrido para o paciente, seus familiares e
para o profissional. No que concerne o estudo, destaca-se a importância para que o cuidado da
equipe interdisciplinar de saúde seja compenetrado sobre os aspectos subjetivos do paciente e
da relação equipe-paciente-família.
Identifica-se, portanto, que uma comunicação efetiva entre profissional-paciente,
realizada desde o diagnóstico e durante todo o processo de tratamento e perdas, pois, auxilia no
reconhecimento das dúvidas e dos sentimentos associados a doença, assim como evidencia a
oportunidade de proporcionar informações e apoio ao paciente e seus familiares. As autoras
ainda destacam que para além do suporte técnico-diagnóstico, os profissionais precisam ter
sensibilidade para adentrar a realidade do paciente, ouvir suas queixas e descobrir junto com
eles estratégias que auxiliem na sua adaptação ao estilo de vida influenciado pela doença.
Silva (2019) traz em seu estudo que, o diagnóstico de câncer é carregado de
estigmatizações, concepções e idealizações pelos pacientes e seus familiares, assim como pela
equipe multidisciplinar que conduz os mesmos. As pessoas que são diagnosticadas com câncer
enfrentam vários níveis de angústias e ansiedades, por consequência da doença carregam o
estigma de uma época que não haviam tratamentos disponíveis, trazendo a possibilidade de
morte iminente, o medo de morrer, a paralisação dos afazeres cotidianos, a interrupção de
planos futuros, mudanças físicas e psíquicas, o medo da dor, medo dos efeitos adversos dos
remédios, as incertezas do tratamento.
Logo, todos esses fatores são considerados psicossociais na vida de pacientes
oncológicos, que também estão relacionados ao estresse enfrentado durante a descoberta da
doença e durante o seu tratamento. O estresse, por sua vez, significa “pressão”, “persistência”,
que se apresenta através de sintomas físicos, psicológicos ou mistos. Por outro lado, o estresse
físico está associado a uma série de elementos que causam alterações fisiológicas e pode
manifestar consequências emocionais como a dor. Já o psicológico está relacionado a
consequências que afetam o sujeito, de uma forma psíquica ou emocional, como a mudança de
domicilio, de oficio, dilemas no casamento, mortes, etc. Contudo, o misto é a junção do
encontro dos dois já mencionados, o estresse ainda é categorizado como agudo ou crônico. O
agudo termina logo depois da ausência do agente estressor, e o crônico provém de um período
de tempo maior que o indivíduo está sob a influência do estressor.
A autora Marta Helena de Freitas (2014), vem mostrando em seus estudos a influência
que a religiosidade tem dentro da saúde, e fazendo uma comparação entre esses estudos, ela
vem trazendo que algumas pesquisas mostram os efeitos positivos da religiosidade à saúde e

846
bem- estar, na observação das pessoas, principalmente em situações críticas que ocasionam o
estresse ou preocupações específicas, como doenças, violência ou perdas, entre outras.
No que concerne esse estudo, mostra quais os meios em que a religiosidade influencia
positivamente a vida e a saúde das pessoas, tendo o suporte social como um indicador de um
estilo de vida mais saudável, muitas vezes atuando como fator de proteção, direcionando um
sentido para a dor e para o sofrimento, reavivando assim a fé, o consolo e a esperança diante do
sofrimento.
Nessa mesma perspectiva, a pesquisa “Religiosidade e Espiritualidade em Oncologia:
concepções de profissionais de saúde”, elaborada pelas autoras Cavalcante &Araújo (2013) traz
a definição da religiosidade como características comportamentais, sociais e doutrinárias
especificas, partilhadas em grupos e efetuadas pelo indivíduo; já a espiritualidade caracteriza-
se ao transcendente e ao direcionamento de questões sobre o sentido da vida, não
necessariamente relacionadas a crenças e práticas religiosas.
Quanto aos aspectos relacionados ao enfrentamento, normalmente caracterizam-se por
um conjunto de esforços cognitivos e comportamentais, atribuídos ao manejo de situações
externas e internas que ultrapassam os recursos pessoais do indivíduo, resultando assim em uma
sobrecarga. As autoras também ressaltam, que quando o indivíduo usa a religião ou a fé como
estratégia do manejo do estresse, identificam o enfrentamento religioso/espiritual na qual as
estratégias de enfrentamento podem ser agrupadas em positivas e negativas. No enfrentamento
religioso espiritual positivo, costuma-se aludir sentimentos de segurança e conforto, conexão
com os outros e crença no sentido da vida, já no sentido enfrentamento religiosos espiritual
negativo faz alusão a uma visão pessimista do mundo e pouca autoconfiança.
Entre os aspectos destacados, pode-se observar nos estudos de Silva et al. (2019) no que
concerne a dimensão espiritual dentro da área da saúde nas últimas décadas que a
espiritualidade é vista como algo que passa por todas as culturas, e o seu reconhecimento
colabora para a melhoria da saúde e qualidade de vida, influenciando a forma como os pacientes
e profissionais percebem o processo saúde-doença. Os autores salientam, que quando se recebe
o diagnóstico de câncer é esperado que o paciente e sua família passem por períodos de
preocupação, angústia, medo e revolta. A espiritualidade surge como apoio, proporcionando
força e conforto durante o período e estágios da doença, para suportar os sofrimentos
acarretados pela patologia, sejam eles físicos ou psicológicos. No entanto, é necessário que os
profissionais da saúde estejam preparados para identificar pensamentos e sentimentos que
auxiliem a encorajar e motivar a vivência do paciente durante o tratamento.
Nesse sentido, os estudos realizados por Siqueira & colaboradores (2017), analisam a
necessidade de mudança de paradigmas na atenção em saúde, trazendo novas configurações
sobre o processo doença-saúde-cuidado, avaliando assim a compreensão do indivíduo em sua
multidimensionalidade nos aspectos biológicos, sociais, psicológicos e espirituais, construindo
a sua integralidade e respeitando sua subjetividade, seus valores e suas crenças pessoais. Não
obstante é importante que os profissionais de saúde possam entender, conhecer e reconhecer as
complexas interações entre as dimensões humanas, e possam proporcionar um cuidado integral
e efetivo ao usuário oncológico.
Por outro lado, na pesquisa “Espiritualidade, Religiosidade e Religião: Reflexões de

847
conceitos Psicológicos”, elaborada por Gomes et al. (2014) foi percebido que normalmente é
encontrado pouca clareza e distinção no emprego dos conceitos sobre espiritualidade,
religiosidade e religião, demandando maior assimilação e compreensão de suas diferenças e
relações. Uma vez que os autores propõem que a espiritualidade é tida como um aspecto
peculiar de todo ser humano e o conduz na busca do sagrado que transcende a experiência, na
tentativa de dar significado e respostas aos aspectos fundamentais da vida, é a dimensão que
leva a pessoa para além do seu universo e a põe a frente das suas questões mais profundas, que
são originadas através da sua inferioridade no anseio de achar respostas a perguntas existenciais.
A religiosidade por sua vez, é entendida através da dimensão pessoal, ou seja, é a
representação ou pratica do crente, que está associada a uma instituição religiosa que permite
ao indivíduo experiências místicas, mágicas e esotéricas. Portanto, a religiosidade é a própria
expressão da espiritualidade, que auxilia na convicção de que existe uma dimensão maior que
é encarregada pelo controle sobre as contingências presentes na vida, capacitando o sujeito a
encarar os acontecimentos de forma mais tranquila e confiante, diminuindo assim o estresse e
ansiedade.
Todavia, a palavra religião vem do latim “religio” e “ligare” que quer dizer ligar de
novo, compreendendo a procura por Deus por parte das pessoas, logo, a religião é composta
por determinadas crenças e ritos, entendida como meios que levam a salvação do transcendente,
e está mais ligada ao conceito institucional e doutrinário, que está interligado a forma da
vivencia religiosa. Dessa forma a espiritualidade e a religiosidade possuem uma dimensão
essencialmente experiencial, já a religião engloba aspectos mais institucionais e doutrinários
(Gomes et al., 2014).
Contudo, de acordo com Silveira & Azambuja (2018) as relações entre espiritualidade,
religiosidade e saúde vem sendo cada vez mais investigadas, e seus indícios tem mostrado uma
relação habitualmente positiva, através dos indicadores na ligação entre religiosos e saúde
mental, ademais, os resultados positivos dentro da abordagem espiritual com os pacientes,
normalmente são manifestados através de enfermidades que ocasionam maiores níveis de
estresse, dessa forma a oração distancia da mente a dor e eleva o pensamento para outro nível.
A fé é tida como uma força poderosa que auxilia o indivíduo a passar por fases difíceis
da doença, reforçando assim, a sua autoconfiança, a sua energia e o propósito da sua existência,
além de possibilitar melhores resultados no tratamento médico, os pacientes encontram na fé o
otimismo, a esperança e a motivação estimulando-os assim na sua recuperação e no seu
tratamento.
Corroborando Canuto & Macêdo (2019) trazem em sua pesquisa, a influência que a
espiritualidade tem dentro do restabelecimento da saúde humana, ou seja, observa-se a
interligação entre ciência e espiritualidade como uma aproximação que está sendo cada vez
mais comum no processo de resgate aos valores culturais e religiosos, que se aplicam ao
processo saúde-doença.
Os autores ainda evidenciam nos estudos elaborados sobre o processo de saúde e
espiritualidade que é necessário ressaltar a importância dos aspectos espirituais no processo de
cura e reabilitação de doenças crônicas, dessa forma o enfrentamento dentro do contexto saúde-
doença em pacientes sob cuidados paliativos, a espiritualidade tem a finalidade de dar sentido
a continuidade, mostrando que a vida não termina com a morte do corpo, mas como uma

848
passagem para outro lugar.
Nesse sentido é importante que os profissionais de saúde estejam atentos a conhecer de
uma forma mais profunda, a espiritualidade e possam utilizá-la como ferramenta valiosa dentro
do seu trabalho de reabilitação, junto aos pacientes e seus familiares, estando aptos a usar a
espiritualidade/religiosidade como estratégias de enfrentamento no cotidiano do cuidado
assistencial mais humanizado.
Com um olhar mais geral, Pinho e colaboradores (2020) discorrem a respeito da
espiritualidade como algo além de influenciar na qualidade de vida, ou melhor, como algo que
auxilia na redução da depressão, na falta de esperança, assim como na ansiedade causada pelo
câncer. Portanto, a prática religiosa vivenciada pelos pacientes, cria estratégias que legitíma e
ameniza as incertezas, diante de questões de caráter moral, pessoal e social referente a condição
oncológica crônica. Uma vez que, a espiritualidade e o bem-estar espiritual tem demonstrado
efeito positivo em pacientes com câncer, analisando-o como elemento importante de saúde e
contentamento. Dessa forma o paciente oncológico busca a espiritualidade com o intuito de
minimizar o seu sofrimento ou para atingir maior esperança sobre a sua cura, possibilitando
uma maior ressignificação da doença e tendo essa espiritualidade como fonte de apoio e
motivação.
Diante dos estudos analisados e discutidos acima percebe-se quase uma unanimidade ao
afirmar uma relação positiva para os processos de cura, entre religião, espiritualidade e saúde.
Podemos nos perguntar por que a religião e a espiritualidade apresentam tal potencial? Uma
das possíveis respostas dadas a essa questão é que a concepção de saúde está intimamente
relacionada com uma compreensão religiosa do corpo e da vida. Nessa concepção, a
espiritualidade, no processo saúde-doença, se tornou fundamental para o enfrentamento de
problemas físicos e mentais, uma vez que é utilizada como uma das alternativas para sanar
problemas advindos de qualquer área, levando aos pacientes um acalento e uma paz espiritual
que a ciência não conseguiu oferecer.

Considerações Finais
O diagnóstico de câncer oferece um grande número de significados aos pacientes. Essa
notícia impacta não só o indivíduo assim como todas as pessoas que possuem algum tipo de
afetividade ligada a ela. Uma das estratégias mais utilizadas que se observou nessa pesquisa foi
a maneira como eles buscam enfrentar a doença. É neste momento de crise desencadeada pelo
diagnóstico que a doença produz uma ressignificação por meio da busca da espiritualidade
como fator protetor.
O presente trabalho buscou analisar a importância da espiritualidade como estratégia de
enfrentamento em pacientes oncológicos, destacando a sua importância na assistência e cuidado
da equipe multidisciplinar aos pacientes e seus familiares.
De modo geral, os trabalhos que se referiram à espiritualidade dos pacientes destacam,
que a espiritualidade do doente muitas vezes influencia na adesão ao tratamento, no
enfrentamento da dor, na busca por uma explicação para a experiência atual, além de atuar na
diminuição da ansiedade e estresse advindos do contexto de doença. Para a maioria das
pesquisas encontradas, os resultados demonstraram que a espiritualidade pode ser uma forma

849
de estratégia de enfrentamento do paciente perante o câncer, atribuindo significado ao processo
de adoecimento e sofrimento. Assim, a espiritualidade pode ser definida como aquilo que traz
significado e propósito e sentido da vida das pessoas, sendo reconhecida como um fator que
contribui para a saúde e a qualidade de vida.
Também observado, no caso dos profissionais da saúde, na maioria dos estudos
analisados, o envolvimento espiritualista como uma experiência positiva para a população em
geral e, de modo especial, para aqueles que passam por algum tipo de enfermidade física ou
mental. No entanto, segundo esses mesmos estudos, é raro a presença do assunto nas
universidades, cursos de pós-graduação e como forma de educação continuada nas unidades de
saúde. Percebe-se, uma postura reservada e insegura por parte dos profissionais diante de
questões que envolvem o tema.
Contudo, a realização dessa pesquisa permitiu conhecer a riqueza dos dados coletados,
bem como sua importância. Ainda poucos estudos versam acerca dessa temática, porém, os já
existentes vêm corroborar com os resultados obtidos na investigação da categoria e subcategoria
selecionada para o presente artigo.
Tendo em vista a importância identificada na pesquisa, com relação à espiritualidade no
tratamento do usuário oncológico no olhar do profissional de saúde, faz-se necessária a
discussão dessa questão entre os profissionais de saúde para que não se continue uma assistência
fragmentada ao paciente. Neste sentido, fica clara a relevância desta revisão e sugere-se que
esses dados sejam utilizados para permear possíveis intervenções com esses resultados, além
de sensibilizar profissionais e acadêmicos da área da saúde para o cuidado espiritual envolvido
no atendimento a pacientes com câncer, contribuindo para a construção de estratégias que visem
à humanização da assistência nesse setor.
Assim, a relação entre a espiritualidade no tratamento do usuário oncológico e a
Psicologia mostra um vasto campo a ser estudado, e deve ser explorado com dedicação e
cuidado. Espera-se, por meio desta pesquisa, incentivar novos pesquisadores e contribuir com
o conhecimento já construído sobre o tema.

Referências
Abuchaim, S. C. B. (2018) Espiritualidade como recurso terapêutico na prática clínica:
concepção dos estudantes de graduação em medicina da Escola Paulista de Medicina
– Universidade Federal de São Paulo. 174f. Dissertação (Mestrado Profissional em
Ensino em Ciências da Saúde) – Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em
Saúde (CEDESS), Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São
Paulo, São Paulo, 2018.
Benites, A. C., Neme, C. M. B. & Santos; M. A. (2017) Significados da espiritualidade para
pacientes com câncer em cuidados paliativos. Estudos de Psicologia, Campinas,
vol.34, nº. 02, maio - junho Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-
02752017000200008. Acesso em: 20 de maio de 2020.
Canuto, N. S.; Macêdo, A. C. (2019). Influência da Espiritualidade no Restabelecimento da

850
condição de saúde humana: uma revisão de literatura. GEPNEWS, Maceió, a.3, v.2,
n.2, p.410-430, abr./jun.
Cardoso, E. M. R.; Monção, G. F. R.; Gomes, M. F. P.; Reticena, K. O.; Fracolli, L. A.
(2019). Enfrentamento da Doença por Pacientes com Câncer e Percepções sobre a
Assistência da Equipe de Saúde. v.22, n.2, Disponível em:
file:///C:/Users/Cliente/Downloads/21078-Texto%20do%20artigo-75947-1-10-
20190829.pdf . Acesso em: 14 de maio de 2020.
Catré, M. N. C.; Ferreira, J. A.; Pessoa, T.; Catré, A.; Catré, M. C. (2016) Espiritualidade:
contributos para uma clarificação do conceito. Análise Psicológica, p. 31-46.
Costa, D.T.; Silva, D. M. R.; Cavalcanti, I. D. L.; Gomes, E.T. Vasconcelos, J. L. A.;
Carvalho, M. V. G. (2019) Coping religioso/espiritual e nível de esperança em
pacientes com câncer em quimioterapia. Rev. Bras. Enferm. vol.72, nº. 3, Brasília,
Mai/Jun. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0358 . Acesso em
18 de maio de 2020.
Costa, M. C. M.; Melo, C. F.; Baião, D. C.; Cavalcante, A. K. S. Comunicação de uma má
notícia: o diagnóstico de câncer na perspectiva de pacientes e profissionais. (2017)
Revista de enfermagem UFPE On Line, Recife, 11(Supl. 8):3214-21, ago.
Do Nascimento, C, C, N. (2019) Influências sociais e emocionais da humanização a
assistência ao paciente oncológico. Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales,.
Disponível em: https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/07/assistencia-paciente-
oncologico.html . Acesso em: 17 de maio de 2019.
Farinhas, G. V.; Wendling, M. I.; Dellazzana-Zanon, L. L. (2013). Impacto Psicológico do
Diagnóstico de Câncer na Família: Um Estudo de Caso a Partir da Percepção do
Cuidador. Pensando Famílias, dez.
Ferreira, L. F.; Freire, A. P.; Silveira, A. L. C.; Silva, A. P. M.; De sá, H. C.; Souza, I. S.;
Garcia, L. S. A.; Peralta, R. S.; Araújo, L. M. B. (2020). A influência da
espiritualidade e da religiosidade na aceitação da doença e no tratamento de
pacientes oncológicos: revisão integrativa da Literatura. Revista Brasileira de
Cancerologia; 66(2): e-07422.
Fornazari; S. A; Ferreira; R. E, R. (2010) Religiosidade/Espiritualidade em pacientes
oncológicos: qualidade de vida e saúde. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Vol. 26 n. 2, pp.
265-272, Abr-Jun.
Forti, S.; Serbena, C. A.; Scaduto, A. A. (2020) Mensuração da espiritualidade/religiosidade
em saúde no Brasil: uma revisão sistemática. Ciência & Saúde Coletiva, 25(4):1463-
1474.
Freitas, J. C. A.; Guerra, K. C. M.; Yano, L. P. (2018) Retroflexão e Câncer de Mama:
Predisponências e Relações com os cinco Grandes Fatores da Personalidade. Rev.
Nufen: Phenom. Interd. | Belém, 10(2), 40-56, mai. – ago.
Freitas, M. H. (2014) Religiosidade e saúde: experiência dos pacientes e percepções dos

851
profissionais. Revista Pistis Prax., Teol. Pastor., Curitiba, v. 6, n. 1, p. 89-105,
jan./abr.
Gobatto, C. A.; Araújo, T. C. C. F. (2013) Religiosidade e Espiritualidade em Oncologia:
concepções de profissionais de saúde. Psicologia USP, São Paulo, 24(1), 11-34.
Gomes, N. S.; Farina, M.; Dal forno, C. (2014). Espiritualidade, Religiosidade e Religião:
Reflexões de conceitos psicológicos. Revista de Psicologia da IMED, 6(2): 107-112,
ISSN 2175-5027.
Guedea, M. T. D.; Albuquerque, F. J. B.; Tróccoli, B. T.; Noriega, J. A. V.; Seabra, M. A. B.;
& Guedea, R. L. D. (2006).Relação do bem-estar subjetivo, estratégias de
enfrentamento e apoio social em idosos. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19, 301-308.
Guedes, A. K. C.; Pedrosa, A. P. A.; Pedrosa, T. F. (2019). Cuidados paliativos em oncologia
pediátrica: perspectivas de profissionais de saúde. Rev. SBPH vol. 22 no. 2, Rio de
Janeiro – Jul./Dez.
Guerrero, G. P.; Zago, M. M. F.; Sawada, N. O.; Pinto, M. H. (2011) Relação entre
espiritualidade e câncer: perspectiva do paciente. Rev. bras. enferm. vol.64 no.1
Brasília Jan./Feb. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-71672011000100008
. Acesso em: 20 de maio de 2020.
Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva - INCA. ABC do câncer: (2020)
Abordagens básicas para o controle do câncer. Instituto Nacional de Câncer José
Alencar Gomes da Silva. 6. ed. rev. atual. – Rio de Janeiro: INCA.
Kubler-Ross, E. (2008) Sobre a morte e o morrer. São Paulo, SP: Editora Martins Fontes.
Lazarus, R. S., & Folkman, S. (1991). The concept of coping. In: A. Monart, & R.S. Lazarus,
(Edts). Stress and coping: An anthology. (3th ed., pp.127-148) New York: Columbia
University Press.
Lemos; C. T. (2019).Espiritualidade, Religiosidade e Saúde: Uma Análise Literária. Rev.
Caminhos, Goiânia, v. 17, n. 2, p. 688-708, maio/ago.
Medeiros, A.Y. B. B. V. (2019) A Percepção do Sentido da vida para o Paciente com
Câncer: Um Olhar Logoterapêutico. 142 f. Dissertação (Mestrado em Ciências do
Cuidado em Saúde) - Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2019.
Melo, C. F.; Sampaio, I. S.; Souza, D. L. A.; Pinto, N. S. (2015) Correlação entre
religiosidade, espiritualidade e qualidade de vida: uma revisão de literatura. Estudos
e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 447-464.
Mendonça, A. B. O Sofrimento e Espiritualidade de Pacientes com Câncer em Tratamento
Quimioterápico: Sistematização da Assistência de Enfermagem na Dimensão
Espiritual. 2019, 396 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem Assistencial) - Escola
de Enfermagem Aurora Afonso Costa, Universidade Federal Fluminense, Niterói,
2019.
Nicolli, L,T, ; Nunes, J.A; Melo, A, G. (2019) Cuidados Paliativos em Pacientes

852
Oncológicos à Luz da Bioética. Revista Faculdades do Saber, 04 (7): 485-495.
Oliveira; P. F & Queluz, F, N, F, R. (2016). A Espiritualidade no Enfrentamento do Câncer.
Revista de Psicologia da IMED, 8(2): 142-155, Disponível em:
file:///C:/Users/Cliente/Downloads/Dialnet-
AEspiritualidadeNoEnfrentamentoDoCancer-5763217%20(2).pdf. Acesso em: 14 de
maio de 2020.
Pinto, A. C.; Marchesini, S. M.; Zugno, P. I.; Zimmermann, K. G. Dagostin, V. S. Soratto, M.
T. (2015). A Importância da Espiritualidade em Pacientes com Câncer.
Rev.Saúde.Com.
Pires, R. A.; Souza, I. C. S.; Pereira, J. M.; Lima, R. S. G. S.; Quintana, R.; Souza, M. C.
(2019).A psicologia no contexto de produção do cuidado segundo a percepção de
pessoas com doença oncológica. Rev. SBPH vol. 22 no. 1, Rio de Janeiro – Jan./Jun.
Prado, E.; Sales, C. A.; Girardon-Perlini, N. M. O.; Matsuda, L. M.; BenedettI, G. M. S.;
Marcon, S. S. (2020) Vivência de pessoas com câncer em estágio avançado ante a
impossibilidade de cura: análise fenomenológica. Esc Anna Nery, 24(2).
Pronin, T,. (2019) Câncer: o que é, sintomas, diagnóstico, tratamentos e prevenção. Portal
UOL VivaBem, jun.. Disponível em:
https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2019/06/25/cancer-o-que-e-
sintomas-diagnostico-tratamentos-e-prevencao.htm?cmpid=copiaecola . Acesso em:
14 de maio de 2020.
Raddatz, J. S. Motta, R. F. Alminhana, L. O. (2019) Religiosidade/Espiritualidade na Prática
Clínica: Círculo Vicioso entre Demanda e Ausência de Treinamento. Psico-USF,
Bragança Paulista, v. 24, n. 4, p. 699-709, out./dez.
Santos, V, N, & Byk, J, (2019) Assistência Espiritual/Religiosa a Pacientes Hospitalizados:
Revisão Narrativa. Psicologia, Saúde & Doenças, 20(2), 348-357,. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.15309/19psd200206 . Acesso em: 23 de maio de 2020.
Silva, J. B. & SIlva, L. B. (2014) Relação entre Religião, Espiritualidade e Sentido da Vida.
Revista da Associação Brasileira de Logoterapia e Análise Existencial, p. 203-215.
Silva, D (2019) Considerações e reflexões sobre o psicodiagnóstico de stress em pacientes
com câncer. Faculdade Sant’Ana em Revista, Ponta Grossa, v. 5, nº 1, p. 21 35, 1.
Sem.
Silva, J, A, G. (2020) Estimativa 2014: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro:
Instituto Nacional de Câncer (INCA), 2019, 25p. Disponível em:
https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/estimativa-2020-
incidencia-de-cancer-no-brasil.pdf . Acesso em: 27 de mar. 2020.
Silva, J. (2014) Os Métodos Científicos da Origem ás Aplicações Gerais. Revista de
Administração & Ciências Contábeis, v. 8, n. 1.
Silva, S. M. G.; Higa, E. F. R.; Otani, M. A. P.; Rodrigues, M. R.; Lemes, M. A. A influência

853
da espiritualidade no cuidado oncológico. (2019). Investigação Qualitativa em Saúde
- Investigación Cualitativa en Salud, Volume 2, Atas CIAIQ.
Silveira, P. S.; Azambuja, L. S. (2018) A influência da Religiosidade e Espiritualidade no
Enfrentamento da Doença. Psicologia.PT/ O portal dos psicólogos, ISSN 1646-
6977, jun.
Siqueira, H. C. H.; Cecagno, D.; Medeiros, A. C.; Sampaio, A. D.; Rangel, R. F. (2017)
Espiritualidade no processo saúde-doença-cuidado do usuário oncológico: olhar do
enfermeiro. Revista de enfermagem UFPE On Line, Recife, 11(8):2996-3004, ago.
Sousa, J, P, T, X; Teixeira, S, M, O. (2019) A importância da espiritualidade no tratamento
de pacientes oncológicos: uma revisão de literatura. Rev. Interdisciplin. Promoç.
Saúde - RIPS, Santa Cruz do Sul, 2(1):61-69, jan/mar.
Sousa, F. F. P. R. D.; Freitas, S. M. F. M.; Farias, A. G. S.; Cunha, M. C. S. O.; Araújo, M. F.
M.; Veras, V. S. (2017) Enfrentamento religioso/espiritual em pessoas com câncer em
quimioterapia: revisão integrativa da literatura. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde
Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.13 no.1 Ribeirão Preto, Disponível em:
http://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v13i1p45-51 . Acesso em: 18 de maio de
2020.
Tavares, C. Q.; Valente, T. C. O.; Cavalcanti, A. P. R.; CARMOS, H. O. (2016).
Espiritualidade, Religiosidade e Saúde: Velhos Debates, Novas Perspectivas. Cultura
e Comunidade, Belo Horizonte, v.11, n.20, p. 85-97, Jul./Dez.
Teixeira, L A; Porto, M, A.; Noronha, C, P. (2012) O câncer no Brasil: passado e presente.
Rio de Janeiro: Outras Letras.
A PSICOLOGIA E MULTIDISCIPLINARIDADE NA SAÚDE: UMA REVISÃO

854
INTEGRATIVA

Maria Aparecida De Paulo Gomes


Isadora Lima De Souza
André Luís De Oliveira Pedroso
Manoel Rodrigues De Souza Neto
Antonio Jonh Lennon Da Costa Marques

Introdução
O movimento histórico de produção do conhecimento que formou diversas disciplinas
se refletiu no campo da saúde e influenciou a conformação de diversos núcleos profissionais.
As diversas profissões de saúde têm um objeto de trabalho comum que é o ser humano com
carências de cuidado em saúde. Este objeto complexo e multidimensional demanda uma
abordagem multiprofissional e interdisciplinar, no entanto, contraditoriamente, cada profissão
se estrutura com paradigmas e experiências específicas que vão compor modos distintos e
fragmentares de atuar (Pires, 2008).
Quando se fala em saúde, este tema apresenta uma certa complexidade ao ser discutido,
pois este conceito precisa de olhares e adequações em olhares diferentes, sendo importante
debater, discutir propostas, intervenções ou práticas que vem agregar este tema. Diante disso,
faz-se necessário falar de equipe multidisciplinar, encaixando-se como esse olhar diferenciado
citado acima, ressaltando a importância que cada classe profissional traz como contribuição à
saúde dos indivíduos.
A complexidade do processo saúde doença e a necessidade de uma abordagem
interdisciplinar têm sido debatidas por diversos autores. A natureza multidimensional do ser
humano requer práticas profissionais interdisciplinares que possam engendrar “formas mais
abrangentes e totalizadoras de aproximar-se da realidade”, coerentes com os princípios da
universalidade, equidade e integralidade da atenção que norteiam o Sistema Único de Saúde
(SUS) brasileiro (Borges, 2010).
Diversos autores conceituam a multidisciplinaridade de forma semelhante, segundo
Vasconcelos (2000) é uma gama de disciplinas propostas simultaneamente, mas sem relações
entre si, como por exemplo, nas práticas ambulatoriais convencionais, onde diferentes áreas
trabalham sem cooperação e troca de informações.
Vasconcelos (2002) conceitua a multidisciplinaridade como a justaposição de
disciplinas que não se comunicam. De acordo com Spink (2003), as equipes multidisciplinares
reproduzem a atuação isolada e hierarquizada das diversas profissões, o que se evidencia através
da hegemonia médica. “Frequentemente, portanto, as equipes acabam por perpetuar a
fragmentação do atendimento prestado ao paciente, adotando uma divisão tácita de
competências e práticas”.
A psicologia tem papel importante em todas as áreas da vida humana, seja no trabalho,

855
na família, nas relações sociais e principalmente em relação a saúde. De acordo com Campos
(1995), o psicólogo como profissional em promoção de saúde, “atua tanto na prevenção como
no tratamento”. (p.62)
Embora este promissor campo de atuação do psicólogo em hospitais tenha crescido a
partir dos anos 1990, ainda há uma carência de pesquisas que discutem o papel do psicólogo e
a relação com as equipes multidisciplinares. O psicólogo, enquanto membro da equipe de saúde
da instituição hospitalar atua como mediador do vínculo entre paciente e demais profissionais
que executam os procedimentos técnicos. Todavia, em prol do bem-estar dos pacientes, é
necessária a integração dos membros da equipe, através do diálogo e da troca informações. É
importante estar atento as demandas do paciente para que se defina o profissional De referência
para o atendimento (Saldanha et al., 2013).
Felício (2012) ressalta muito bem quando fala que, sendo assim a entrada do psicólogo
na equipe multiprofissional visa auxiliar a transformação cultural dos profissionais da saúde e
usuários do serviço. A partir de uma psicologia da saúde, o Psicólogo é capaz de agregar e
compartilhar saberes em busca da visão integral do sujeito, auxiliando na mudança do foco –
da doença para o indivíduo – focalizando a promoção e a promoção da saúde, para atingir
qualidade de vida. Porém é necessário resgatar as múltiplas dimensões de saúde e reformular a
postura da intervenção profissional, além de incorporar outros saberes para compor a produção
do cuidado com a saúde.
Toda a equipe de saúde acaba por ouvir as angústias e medos do paciente, porém é o
psicólogo que tem o olhar e atenção na escuta, desfazendo-se apenas da preocupação com o
quadro orgânico. A Psicologia Hospitalar, para Angermani- Camon (1996), “é o renovar da
esperança de que a dor seja entendida de uma forma mais humana”, de modo que se aprenda a
escutar os sentimentos trazidos frente às situações de dor física e sofrimento, da família que
sofre junto ao paciente, aos profissionais que se envolvem com a dor e também sofrem por
conta desse envolvimento.
Diante de todo o exposto, o presente estudo tem como objetivo analisar a produção
científica sobre a Psicologia na equipe multidisciplinar de saúde. Os objetivos específicos
voltam-se à análise da atuação da Psicologia com ênfase no atendimento clínico verificando a
articulação de sua práxis com a dinâmica de outras áreas de atendimento em saúde evidenciando
os aspectos intrínsecos à relação profissional.

Método
O presente trabalho trata-se de uma pesquisa de revisão integrativa da literatura, sendo
assim, não necessária à coleta de dados em campo. Trata-se de uma revisão integrativa, cujo
método de pesquisa constitui ferramenta importante, pois permite a análise de subsídios na
literatura de forma ampla e sistemática, além de divulgar dados científicos produzidos por
outros autores (Moon & Calabrese, 2008).
A revisão integrativa consiste no cumprimento das etapas: identificação do tema e
seleção da questão de pesquisa; estabelecimento dos critérios de elegibilidade; identificação
dos estudos nas bases científicas; avaliação dos estudos selecionados e análise crítica;
categorização dos estudos; avaliação e interpretação dos resultados e apresentação dos dados

856
na estrutura da revisão integrativa.
A operacionalização desta pesquisa iniciou-se com uma consulta aos Descritores em
Ciências da Saúde (DeCS), por meio da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), para conhecimento
dos descritores universais. Foram, portanto, utilizados os descritores controlados, em
português: “psicologia” e “equipe multidisciplinar”.
Para a realização das etapas seguintes desse trabalho, foram selecionados somente
artigos. Elencaram-se critérios de inclusão e exclusão. Como critérios de inclusão utilizaram-
se: artigos somente em português e como critérios de exclusão foram: artigos em línguas
estrangeiras que. Tudo isto, objetivando refinar a procura e detectar trabalhos publicados dentro
dos critérios estabelecidos, para assim obter resultados satisfatórios.
Por se tratar de um artigo de revisão de literatura, de acordo com a resolução de no
510/2016não houve necessidade de submissão do presente estudo ao Comitê de Ética em
Pesquisa (Conselho Nacional de Saúde, 2016).

Resultados e Discussão
Para a análise dos dados, foram encontrados 10 artigos a base de dados SCIELO, e 4
artigos no LILACS a partir dos critérios de inclusão e exclusão, produzindo uma amostra final
de 5 artigos. Após as leituras optou-se em organizar as informações dos artigos selecionados,
conforme mostra a tabela 1 a seguir:

Tabela 1
Classificação dos artigos selecionados de acordo com o título, autor, revista/ano objetivo
e resultados.
Título Autor Revista/ ano Objetivo Resultados
Atuação da Abordar o Foi observado
psicologia acompanhamen que a psicologia
hospitalar: o to ao paciente, no ambiente
cuidado com Oliveira, B. UNIFACS / família e hospitalar é de
crianças com D et al 2018 equipe de saúde extrema
a partir uma
Câncer, família e importância,
revisão
equipe atuando com o
narrativa da
multidiscipli-nar paciente, sua
literatura sobre
família e equipe
a atuação da
de saúde,
psicologia no
trabalhando o
contexto da
processo de
onco-pediatria,
aceitação do
adoecimento e,

857
em alguns casos,
o luto.
A Analisar a Encontramos as
multidisciplinarida produção seguintes
Mahmud, I. PAJAR/ 2018
de na visita científica da publicações: 22
C. et al
domiciliar a atuação do na Enfermagem,
idosos: enfermeiro, do 19 em Medicina
médico e do e 12 em
o olhar da
psicólogo na Psicologia. Após
Enfermagem,
visita a leitura completa
Medicina e
dos artigos
Psicologia domiciliar de
selecionados e,
idosos na
destes, optou-se
Atenção Básica
pela análise de 10
no Brasil.
estudos da área
da Enfermagem,
8 da Medicina e 4
da Psicologia.
Conhecer a Os resultados
percepção dos obtidos apontam
A percepção sobre Anjos Filho COMUNICAÇ
profissionais que, embora o
o trabalho em NC, Souza ÃO SAÚDE
integrantes da trabalho
equipe AMP EDUCAÇÃO /
equipe sobre o multiprofissional
2017
Multiprofissio-nal trabalho se apresente
dos trabalhadores multiprofission predominanteme
de um Centro al, nte valorizado,
especialmente ocorrem
de Atenção no que problemas de
Psicossocial em concerne aos conceituação e
Salvador, Bahia, aspectos que prática no interior
Brasil facilitam e da equipe, bem
dificultam esta como a
atuação. emergência de
críticas relativas
às condições de
planejamento e
gestão e ao
padrão de
investimento nas
estruturas físicas
do CAPS diante
da elevada
demanda do
público por este

858
serviço de saúde.
Contribuições da CORDEIRO Rev. Polis e Relatar a Neste contexto
Psicologia à , S.N, et al. Psique, / 2017 experiência da destacamos os
Residência inserção do desafios e as
Multiprofissional psicólogo em contribuições da
em Saúde da um programa participação do
Mulher: Relato de de Residência Psicólogo na
Experiência Multiprofission equipe
al em Saúde da multiprofissional,
Mulher. especialmente
quanto no
atendimento às
especificidades
da saúde da
mulher.
O Psicólogo SALDANH Rev. SBPH ( Investigar O estudo mostrou
Clínico e a equipe A, S. V. Sociedade como os que as equipes
multidisciplinar no Brasileira de profissionais da consideram o
Et al
Hospital Santa Psicologia saúde trabalho do
Hospitalar.) / entendem a psicólogo
Cruz
2013 atuação e as fundamental
funções do
para o
psicólogo no
entendimento do
hospital, bem processo saúde-
como conhecer doença, bem
o papel e a como para o
importância pacientes e seus
deste
familiares.
profissional na
composição da
equipe
multiprofission
al.

A partir do estudo dos artigos citados na tabela 1 Percebe-se que a primeira definição
acerca do trabalho multiprofissional caracteriza-se pela existência de uma
multidisciplinaridade, mas que, em alguns momentos, faz referência à pluridisciplinaridade pela
ocorrência de troca entre os integrantes da equipe. Quanto à segunda concepção, pode-se pensar
em características tanto da pluridisciplinaridade quanto da interdisciplinaridade, embora não
seja explicitado, nos relatos dos entrevistados, o nível de interação e integração entre as
disciplinas e novas produções a partir delas. Com relação ao desenvolvimento do trabalho
multiprofissional no serviço, dos 21 entrevistados, 15 avaliam o trabalho da equipe de modo
positivo e seis de modo negativo. Os profissionais que percebem positivamente relataram que

859
o trabalho multiprofissional acontece de forma integrada no cotidiano do CAPS, sendo mais
perceptível em momentos pontuais quando realizam atividades em que mais de um profissional
participa, tais como: visitas domiciliares, reuniões da equipe técnica e de miniequipe de
referência, acolhimento, grupos e oficinas terapêuticas, entre outros. (Filho &Souza, 2017).
Salienta-se que há uma dificuldade em trabalhar em equipe, porém, é importante ver o
quanto um completa o outro. Diante disso, vê-se o quanto é importante que cada profissional
da equipe busque essa compreensão, de trabalhar em equipe, para somar e contribuir para a
melhoria do atendimento na saúde.
Cordeiro et al, (2017) traz em seu estudo que o programa multiprofissional desenvolvido
nos dois primeiros anos foi o projeto Na Medida, que teve o objetivo de atender mulheres em
idade reprodutiva com doenças cardiovasculares e metabólicas, para que tivessem mudanças
significativas na qualidade de vida, que seriam advindas da reeducação alimentar, prática de
exercícios físicos e aspectos gerais da saúde da mulher. Houve uma preocupação especial das
residentes de Psicologia em acompanhar as mulheres durante a realização do programa e
considerar os aspectos afetivo-emocionais que estão presentes nesses casos. A intervenção da
psicologia foi relevante para esse trabalho pois pôde contribuir no processo de ressignificação
de como a obesidade e a relação desses sujeitos com o mundo, e ainda levar aos outros
profissionais a preocupação com os aspectos emocionais envolvidos no processo almejado
(Gromowski, Cordeiro, Naves, & Carreira, 2016).
O psicólogo hospitalar contribui no processo de humanização dos pacientes internados,
assim como no processo de evolução do quadro clínico e emocional, verificando suas condições
e de seus familiares. Enquanto membro da equipe de saúde desta instituição, também faz parte
de seu papel mediar o vínculo entre paciente e demais profissionais que executam os
procedimentos técnicos, porém é preciso tomar cuidado neste lugar para não posicionar-se a
favor de alguém, pois seu objetivo é entender os processos psíquicos e sociais dos pacientes. O
psicólogo está em constante desafio e aprendizado fazendo parte desta equipe, ele deve ser
respeitado dentro da equipe e sua presença tem de ser solicitada adequadamente e sua opinião
considerada (Waisberg, et al. 2008).
Já no âmbito de unidade básica, o psicólogo enquanto equipe multidisciplinar, é uma
ferramenta indispensável no cuidado. Mahmud et al, (2018) complementa que O objetivo do
psicólogo durante a atenção domiciliar é capacitar as famílias a utilizarem seus recursos para a
resolução dos problemas enfrentados, garantindo maior autonomia aos sujeitos envolvidos.
Entretanto, tal modalidade não é tradicionalmente ensinada nos cursos de psicologia, o que traz
mais dúvidas e insegurança para a prática profissional.
Não podemos partir do pressuposto de que todos os pacientes com doenças crônicas e
dependentes necessitem de tratamento psicológico, assim como seus cuidadores e demais
familiares, visto que muitos se valem de mecanismos de defesa eficazes para lidar com a
situação em que se encontram. Percebe- se com frequência a racionalização em relação ao que
é vivenciado e observa-se o importante papel suportivo desempenhado pela religião na vida
dessas pessoas. Além disso, nem sempre a presença do psicólogo na casa é requerida pelo
próprio paciente.
Assim, Cordeiro et al, (2017) conclui que observou-se que na formação acadêmica dos

860
profissionais da área de saúde o conhecimento sobre a atuação em equipe multiprofissional era
superficial. Entretanto, o contato, diário e intenso, com os diferentes profissionais possibilitou
conhecer melhor a função de cada área e apreenderem um fazer multiprofissional singular. Por
outro lado, o curto período de tempo em cada setor hospitalar não favoreceu maior interação
com os profissionais já estabelecidos nesses locais.

Considerações Finais
Observa-se que a atuação do psicólogo no hospital é de extrema importância para a
tríade paciente-família-equipe. A psicologia tem um olhar diferenciado, auxiliando no processo
de adoecimento, oferecendo suporte necessário para a criança adoecida, seus
familiares/responsáveis e equipe de saúde, favorecendo maior conforto e segurança para
enfrentamento da doença e suas repercussões. Vale salientar que o acolhimento psicológico
envolve compreender o adoecimento e os impactos causados pela doença.
Foi possível compreender o que a equipe multiprofissional entende o papel da psicologia
tanto no hospital quanto na unidade básica de saúde, verificar como os profissionais se reportam
a este serviço na instituição. No acesso aos profissionais, foi possível observar que a equipe
está em constante transformação, modificando-se, disposta a receber novos instrumentos que
possam aprimorar o ambiente de trabalho e principalmente visando o bem-estar dos pacientes
e seus familiares.
O estudo mostrou o quanto o psicólogo vem somar nessa equipe, com um olhar
diferenciado, visando o paciente como um todo, e não apenas sua patologia, estendendo o
cuidado e atendimento, quando necessário, à família. Vê-se que existe a necessidade da inclusão
desse profissional na equipe, seja na Unidade básica, ou hospital.
A escuta qualificada e o olhar holístico, configuram o tratamento diferenciado, a busca
pela cura do indivíduo, não só física, mas psíquica, buscando compreendê-lo como um todo.
Por isso foi possível identificar a importância do trabalho do psicólogo junto a equipe
multiprofissional. A flexibilidade e o amadurecimento profissional conquistado nessa
experiência favoreceu o trabalho das diferentes áreas, de modo a aumentar a qualidade dos
atendimentos as pacientes, bem como melhorar as relações existentes entre residentes e
profissionais dos serviços de saúde. Desta maneira, como apresentado neste estudo, a formação
multiprofissional contribui para o desenvolvimento de profissionais que operam no referencial
científico utilizando o recurso do pensamento crítico, com atitudes interdisciplinares e
humanizadas, contribuindo para o atendimento integral, universal e humanizado preconizado
pelo SUS.
Enfim, evidencia-se a importância de novas pesquisas, tendo em vista a
multidisciplinaridade, as quais discutem a importância da visita familiar no processo dos
serviços de saúde.
Referências

861
Anjos Filho, N.C. & Souza A. (2017). The workers’ perceptions about the multiprofessional
team work at a Psychosocial Care Center in Salvador, Bahia, Brazil. Interface
(Botucatu). 21(60):63-76.
Argemani-Camon, Valdemar Augusto, Chiattone, Heloísa Benevides de Carvalho &
Nicoletti, Edela Aparecida. (1996). O Doente, a Psicologia e o Hospital. 3º ed. São
Paulo: Pioneira.
Campos, Terezinha. (1995). Psicologia Hospitalar: a atuação do psicólogo em hospitais.
São Paulo:EPU.
Conselho Nacional de Saúde. (2016). Resolução no510/2016. Ética na pesquisa.Disponível
em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/reso510.pdf. Acesso em 20 de
fevereiro de 2020
Cordeiro, S., Reis, M., Spagiari, N. & Adamowski, W. (1995). Contribuições da Psicologia
à Residência Multiprofissional em Saúde da Mulher: Relato de Experiência.
Disponível em: https://seer.ufrgs.br/PolisePsique/article/view/72447. Acesso em 20
fevereiro de 2020.
Mahmud I. C et al. (2018). – A multidisciplinaridade na visita domiciliar a idosos. Pajar v
6 n 2 pp.72-84
Moon R. Y., Calabrese T, Aird L. (2008).Reducing the risk of sudden infant death syndrome
in child care and changing provider practices: lessons learned from a demonstration
project. Pediatrics [Internet]. [cited 2014 Jul 15];122(4):788-98. Available from:
http:// pediatrics.aappublications.org/content/122/4/788
Oliveira, B. D, Rosa, R. F. & Marback, R. F.(1996). Atuação da psicologia hospitalar: o
cuidado com crianças com Câncer, família e equipe multidisciplinar. Pioneira.
Pires D. (2008). Reestruturação produtiva e trabalho em saúde. 2ª Edição. São Paulo:
Annablume; 2008. Scherer MDA, Pires D, Schwartz Y. Trabalho coletivo: um desafio
para a gestão em saúde. Rev Saude Publica 2009; 43(4):721-725.Rev. Polis e Psique,
2017; 7(3): 100 – 115|
Shirlei De Vargas Saldanha, S. V. Aline Badch Rosa, A. B. & Cruz, L. R. (2013). 1 O
Psicólogo Clínico e a equipe multidisciplinar no Hospital Santa Cruz. Rev. SBPH
vol.16 no.1, Rio de Janeiro – Jan./Jun.
SPink, M. J. P. (2003). Saúde: um campo transdisciplinar. Petrópolis. Vozes.
Vasconcelos M. J. E. (2002). Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência.
Campinas: Papiros
Vasconcelos, E.M. (2008). Serviço social e interdisciplinaridade: o exemplo da saúde
mental. São Paulo: Cortez
XVII Sepa - Seminário Estudantil de Produção Acadêmica (2018). UNIFACS.
EIXO 15

862
Psicologia Escolar e Educacional: os diversos fazeres educativos no
contexto brasileiro e latino
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO ESCOLAR E ADOLESCÊNCIA ATÍPICA:
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA.
Louanne Sousa Silva
Jessyca Rodrigues Melo
Introdução
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), de acordo com o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtorno Mentais (DSM-V), é caracterizado pelo prejuízo persistente na
comunicação e interação social em diversos contextos, podendo estar presente no
desenvolvimento das habilidades sociais em diversas maneiras. Ou seja, pessoas com o TEA
podem manifestar dificuldades persistentes nos aspectos que envolvem o comportamento
verbal ou não verbal bem como na compreensão, no desenvolvimento e na manutenção das
habilidades sociais que são fundamentais para a interação e comunicação social. Além disso, o
diagnóstico para este transtorno exige a presença de padrões restritos e repetitivos de
comportamentos, interesses e atividades. Seja manifesto pelo hiperfoco em determinado
assunto ou pela repetição de um som, movimento ou ação.
Neste sentido, com o advento da reforma psiquiátrica e a intensificação da luta
antimanicomial profissionais como psiquiatras, psicólogos, psicopedagogos entre outros,
buscam alternativas que possam inserir cada vez mais as crianças neuro-atípicas no contexto
educacional inclusivo, como promoção de saúde e inserção social. Pitiá e Furegato (2009)
apontam a principal mudança no contexto da atenção psicossocial, bem como na atuação destes
profissionais, em que a doença deixa de ser o fator preponderante no que diz respeito às
prescrições de remédios e terapias degradantes. Direcionando a prática profissional para os
cuidados na qualidade do tratamento oferecido, bem como o cotidiano, do espaço, trabalho,
lazer e espaço que logo seriam ocupados por pessoas em sofrimento mental.
As diretrizes e estratégias de atuação na área de assistência à saúde mental no Brasil
envolvem o Governo Federal, Estados e Municípios. Os principais atendimentos em saúde
mental são realizados nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), onde o usuário recebe
atendimento próximo da família, através da assistência multiprofissional e do cuidado
terapêutico conforme seu quadro de saúde. Nesses locais também há possibilidade de
acolhimento noturno ou cuidado contínuo em situações de maior complexidade.
O acolhimento de usuários e familiares é uma estratégia de atenção fundamental para a
identificação das necessidades assistenciais, alívio do sofrimento e planejamento de
intervenções medicamentosas e terapêuticas, que garantam a integridade física, mental e social
dos mesmos. Os indivíduos em situações de crise podem ser atendidos em qualquer serviço da
Rede de Atenção Psicossocial, formada por várias unidades com finalidades distintas, de forma
integral e gratuita, pela rede pública de saúde. Atualmente essas unidades são divididas em:
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); Urgência e emergência: SAMU 192, sala de
estabilização, UPA 24h e pronto socorro; Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); Unidades

863
de Acolhimento (UA); Ambulatórios Multiprofissionais de Saúde Mental; Comunidades
Terapêuticas; Hospital-Dia e Enfermarias Especializadas em Hospital Geral.
O Acompanhante Terapêutico (AT), considerado como o agente de assistência intensiva
para a inserção de pessoas com deficiência ou neuro-atípicas, destina sua atuação a casos em
que ocorrem instabilidades nas relações sociais, dificuldades no manejo de atividades rotineiras,
isolamento ou exclusão (Vasconcelos, Machado & Mendonça Filho, 2013). Ou seja, o contexto
do tratamento deixa o caráter institucionalizado e passa a incorporar o ambiente que interage
constantemente com paciente.
No âmbito educacional, Fraguas e Berlink (2001) elencam a inserção do AT no
ambiente escolar com o objetivo de integrar a criança nos grupos sociais e envolver nas
atividades propostas pela escola, não obstando da adaptação para cada incapacidade e limitação.
Este acompanhamento deve ser realizado tanto na escola como em outros espaços que
envolvam o aluno. Os autores expõem também que inicialmente as escolas consideravam as
atividades dos ATs como adaptativas para a aprendizagem atípica, e não necessariamente
terapêutica, o que evidentemente foi dissociado, pois logo puderam ser observadas claras
mudanças no quadro clínico das crianças que tiveram acompanhamento terapêutico escolar.
Araújo (2005) por sua vez traça um percurso histórico na nomenclatura dessa atividade
de acompanhamento terapêutico, que se inicia a partir das contribuições da obra de Mauer e
Resnizky (1985): Acompanhamento Terapêutico e pacientes psicóticos, que traz consigo os
primeiros registros a respeito do AT. Intitulado inicialmente como “amigo qualificado” a
nomenclatura é bastante discutida pelo autor e as implicações sobre o vínculo que se constrói
entre acompanhante e paciente. O presente relato visa, portanto, estabelecer as discussões
vivenciadas por uma acompanhante terapêutica de uma criança de 12 anos, em uma escola
particular de educação regular no Estado do Piauí. Evidenciando as transformações inerentes a
idade de transição (infância-adolescência), bem como ao processo educacional e no
comportamento social observados durante um ano de acompanhamento.

Método
O presente trabalho trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência
realizado a partir da atividade de acompanhante terapêutico com um adolescente de doze anos,
diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista, em uma escola privada na cidade de
Teresina. Durante o tempo de acompanhamento escolar foi utilizado o diário de campo e tabelas
com os comportamentos mais frequentes, visando o controle dos dados para uma maior eficácia
do trabalho realizado. Os diários tiveram por objetivo registrar os acontecimentos e informações
coletadas, como palavrões utilizados, assunto ou atividade que recebeu o foco de atenção do
aluno, interação com colegas, nível de atenção nas aulas e execução de atividades e trabalhos
propostos.
Já as tabelas foram desenvolvidas após três meses de convívio e trabalho com a criança,
elencando os padrões comportamentais: xingar, ameaçar ou brigar com colegas, interagir
assertivamente com colegas, isolar, responder atividades de classe, interagir com professores e
com o conteúdo ministrado.
Portanto, após a análise dos documentos utilizados foi observada a evolução nos padrões

864
comportamentais no que diz respeito a sociabilidade, habilidades sociais e comportamento
assertivo na interação entre pares. Por outro lado, foi observado um acentuado desinteresse
pelas atividades realizadas em sala de aula, principalmente em copiar resumos e responder
atividades, embora o aluno estivesse atento em algumas partes da explicação do conteúdo.
Outro aspecto observado foi que o principal foco do aluno estava em desenhar durante as aulas.

Resultados e Discussão da experiência


O trabalho realizado para a evolução do referido aluno, foi pautado e embasado pela
Análise Experimental do Comportamento. B. F. Skinner (1979) quando conceitua o
condicionamento como o fortalecimento de um comportamento resultante de um reforço,
transmite a importância da utilização da ciência comportamental para atingir um
comportamento alvo. Desse modo, todos os comportamentos alvos estabelecidos após a análise
foram refinados para que recebessem o reforço correto no momento adequado, para posterior
aumento de frequência.
Trabalhar com este aluno inicialmente parecia um desafio, ele apresentava um repertório
alto de violência verbal. Na primeira semana como AT ouvi por diversas vezes a seguinte
expressão “Eu vou morder ele e assim ele não vai aguentar, porque na minha babá tem o vírus
da raiva e eu transmito raiva”. Junto com essa verbalização de possuir o vírus da raiva, o aluno
apresentava brincadeiras e comportamentos anti-higiênicos com a própria saliva. Cuspia na
mesa, mastigava borracha e papel para cuspir e interagir ou chamar a atenção dos colegas que
observavam.
Vale ressaltar a fixação que observei em que toda borda de papel que ele destacava do
caderno, era levado até a boca para mastigar e posteriormente ser interagida com a saliva. A
interação mais frequente com o papel era em jogar a bola feita com a saliva na parede, porta ou
teto da sala; a consequência desse comportamento era de chamar a atenção dos amigos que ao
perceberem a ação reforçavam socialmente com comentários, sorrisos e burburinhos.
As evoluções aconteceram de maneira gradual, inicialmente estabeleci uma relação
mútua de respeito com o aluno, procurei construir um vínculo para que os reforços utilizados
tivessem notória importância e significância para obter os objetivos traçados. No primeiro dia
de trabalho, estive em sala com a AT anterior e todos os alunos. No final da sala, em um local
que eu pudesse observar seus comportamentos, me posicionei e me preparava para abordá-lo.
Após o intervalo a antiga AT se retirou e continuei a observação no mesmo local que estava no
início da aula. O aluno já tinha conhecimento que seria eu a substituta da sua AT e como já
previa ele apresentou resistência no primeiro contato, mas não deixou de manifestar
curiosidade, olhando repetidas vezes para o final da sala no intuito de me ver.
Em um determinado momento, por espontânea vontade o aluno se aproximou de mim e
pediu para sentar-se no fundo, onde eu estava. Eu confirmei que sim e perguntei se poderia me
juntar ao seu lado. Aproveitei a oportunidade e me aproximei do aluno tentando captar ao
máximo seu universo, demonstrei interesse pleno nos assuntos que ele tocava, perguntei e
envolvi na sua realidade. Ao final do dia já iniciávamos nosso vínculo, que foi construído por
uma interação lúdica sobre músicas, animes e jogos.
Dentre as principais evoluções notáveis que participei diretamente, elenco três:

865
explicação e dissociação da doença da raiva e mordida, dissociação com a interação papel e
saliva e por fim comportamentos assertivos em grupos de interesse comum. A partir disso,
observei durante quatro semanas que o aluno persistia na história de morder e transmitir a raiva,
para intervir nesse comportamento me informei sobre a doença, estudei os pontos principais e
na oportunidade em que ele expressasse novamente, eu instigaria. Na primeira oportunidade
em que ele manifestou a verbalização de querer morder um colega, logo expliquei o que era a
raiva e que ele não apresentava nenhum dos sintomas e complicações existentes em casos
diagnosticados, como as alterações no Sistema Nervoso Central, febre, ansiedade e
hiperexcitablidade.
Com argumentos válidos, paciência e persistência a mudança comportamental pôde ser
atingida, pois nenhuma intervenção fora eficaz de tal maneira que desconstruísse a ideia
fantasiosa de um humano carregar o vírus e não possuir nenhum dos sintomas que são
característicos da doença. A extinção desse repertório se deu por completa, pois a cada
manifestação eu relembrava das evidências contrárias à afirmação. A segunda intervenção
realizada foi um treino de repetidas vezes, que consistia em pegar antes dele as bordas
destacáveis da folha de caderno ou todo pedaço de papel que estivesse próximo, antecipando
com as ações de amassar e jogar no cesto de lixo. Quando eu não conseguia pegar antes o papel,
direcionava a ordem “Ei XX o papel é no lixo”, “Amassa e joga no lixo”. Após cada reprodução
do comportamento alvo, eu elogiava e no intervalo presenteava com um chocolate. Em seguida
os comandos foram reduzidos à palavra “Lixo” e seguido do gesto do meu indicador para o
lixo. Após algumas intervenções eu já não verbalizava, apenas olhava para ele e para o papel e
assim ele completava a ação.
Por fim, um dos aspectos trabalhados com a criança estava na assertividade ao se
comunicar e se relacionar com alguns colegas. Observei que a AT anterior trabalhou este
quesito, conversando com os colegas em que o aluno demonstrava interesse, para que os
mesmos interagissem e acolhessem mais nos assuntos e nas brincadeiras. Ainda assim, percebi
que não tinha sido efetivamente uma medida resolutiva, pois o aluno ainda se sentia excluído
do grupo, o que era visivelmente percebido por mim. Então, aproveitando um momento
oportuno em que ele manifestou indignação conversei sobre amizade e sobre respeito. A
reflexão baseava-se na proposta que os amigos são atraídos por assuntos em comum, mas
também por respeito nas diferenças de cada um. Além disso, precisávamos saber se os amigos
estavam sendo legais e se nós estávamos sendo legais com os amigos. Alguns comportamentos
afastavam, outros aproximavam. Simulei uma situação com duas ações: Um amigo seu chega
e fala que não está bem e aconteceu algo chato. Um bom amigo apoiaria e diria coisas legais
como “eu posso ajudar você, você não está sozinho”, um amigo descuidado não ligaria para
situação e apenas ignorava a tristeza do amigo.
As seguintes situações puderam ser atingidas com sucesso, pois muito mais do que
comandos repetitivos, a relação entre terapeuta e aluno foi pautada no respeito e no vínculo de
amizade construído, transmitindo segurança, confiança e carinho. Aspectos importantes para
que, um comando, um reforço ou uma contingência sejam, efetivamente influentes no processo
de mudança comportamental. Principalmente quando os ganhos ou consequências atingem os
interesses da criança diretamente. Estar com amigos era algo que ele desejava, por isso foi
importante a resposta positiva para alguns comandos. Manter uma boa relação com a AT que
entendia boa parte do seu universo, respeitava seus limites e seu espaço era um fato notável que
despertava interesse, do contrário jamais teria tido respostas tão satisfatórias na mudança de

866
alguns comportamentos.
A partir disso, o presente relato reflete no compromisso em que o AT escolar possui
dentro da relação terapêutica com seu aluno. Construir uma boa relação, um vínculo de
confiança e respeito é crucial para a obtenção de resultados positivos e benéficos para o
desenvolvimento de crianças atípicas. Repetir figuras autoritárias e punitivas, não poderão
assegurar totalmente o trabalho eficaz de um acompanhante que atua prioritariamente na
evolução do aluno dentro do contexto da aprendizagem, da sociabilidade, do comportamento
verbal, pró-estudo ou qualquer que seja a demanda observada e solicitada.

Referências
Araújo, F. (2005). Do amigo qualificado à política da amizade. Estilos da Clínica, 10(19), 84-
105. Recuperado em 22 de janeiro de 2020, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415128200500020000
5&lng=pt&tlng=pt.
Fraguas, V. & Berlinck, M. (2001). Entre o pedagógico e o terapêutico:Algumas questões
sobre o acompanhamento terapêutico dentro da escola. Estilos Da Clinica, 6(11), 7-16.
https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v6i11p7-16.
Pitiá, A. C. A., Furegato, A. R. F. (2009). O Acompanhamento Terapêutico (AT): dispositivo
de atenção psicossocial em saúde mental. Interface - Comunic., Saúde,
Educ.,13(n.30),67-77,jul./set. 2009.
Skinner, B. F. (1970). Ciência e Comportamento Humano. Brasília: Ed. UnB/FUNBEC,
1970.
Vasconcelos, M. F. F., Machado, D. O. & Mendonça Filho, M. (2013). Acompanhamento
terapêutico e reforma psiquiátrica: questões, tensões e experimentações de uma clínica
antimanicomial. Psicologia & Sociedade, 25(spe2), 95-107.
https://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822013000600013.
ESTRESSE EM ADOLESCENTES: UM OLHAR PARA O PROCESSO DE

867
APRENDIZAGEM EM ALUNOS DA 2ª SÉRIE “E" DO ENSINO MÉDIO

Julia da Luz Veloso


Emille Gabrielle Neves Sousa
Fany Valentim de Matos
Cynthia Raquel Oliveira de Araújo Chaves
Gabrielly Silva dos Santos
Maiule Gonçalves de Oliveira

Introdução
O presente trabalho relata a experiência de um projeto de extensão realizado por
acadêmicos do 5° período de Psicologia da Unisulma/IESMA, este denomina-se como ADDA
(Aprender para Desenvolver/Desenvolver para Aprender) e buscou a compreensão do
processo de aprendizagem em relação às situações emergenciais apresentadas pelas turmas de
ensino médio escolhidas do Centro Educacional Graça Aranha em Imperatriz-MA.
Como percurso metodológico foram feitas observações em campo e entrevistas com
gestor e professores. A partir dessas informações coletadas junto aos protagonistas do
ambiente escolar, foi identificada a necessidade de um olhar voltado para o estresse nos
estudantes da 2ª série “E’’. Isso porque foi percebido que os adolescentes estavam passando
por um processo de crescimento e solicitações no âmbito social e escolar atenuantes,
agregados a fase mutacional da adolescência e somados a uma antecipada preocupação com
o vestibular no ano posterior. Assim, tornou-se necessário a abordagem da temática com o
objetivo geral de discutir sobre o estresse na adolescência e a interferência no processo de
aprendizagem escolar dos alunos.
Mediante a esse contexto, se tratando do adolescente contemporâneo, o próprio
encontra-se em um período de diversas mudanças, os quais engloba o físico, cognitivo e
psicossocial, constituindo-se como a fase que oferece ao adolescente oportunidades de
crescimento e o expõe, de maior forma, a fatores estressores (Papalia & Feldman, 2013).
Dessa forma, o estresse é uma interação entre o indivíduo e o mundo em que ele está inserido,
constituindo-se em casos mais brandos como fator protetivo. Portanto, o estresse envolve
componentes físicos, mentais, hormonais, psicológicos em qualquer situação que produza
desgaste (Lipp & Tricoli, 2014).

Este preparo fisiológico para agir contra o estressor de modo físico é altamente
negativo para o homem do século XXI, pois, devido à sofisticação atual, torna-se
necessário enfrentar nossos oponentes com habilidades sociais. A ênfase é na
competência social, na assertividade, e não mais na força física, portanto é
importante aprender a reduzir a excitabilidade orgânica originada do stress e
desenvolver técnicas ou estratégias mais atuais e socialmente aceitas para lidar com

868
os embates da vida (Lipp & Tricoli, 2014, p.16).

A partir dessa compreensão, os objetivos específicos para o prosseguimento com as


intervenções foram: promover conhecimento sobre os fatores estressores na vida do adolescente
por meio de dinâmicas e rodas de conversas; a estimulação da empatia e a ajuda ao próximo
como forma de acolhimento mútuo; proporcionar reflexões acerca da relação entre estresse e a
influência nos processos de aprendizagem e por fim trabalhar técnicas de relaxamento que
auxiliem em situações estressoras.
Sendo assim, foi possível realizar uma reflexão com base na abordagem da
Aprendizagem Transformadora de Freire (1979) ao pontuar que o homem quando compreende
sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções.
Dessa forma, o papel da escola deve ser o de promoção de educação e de mudança social. Por
meio das atividades interventivas do Projeto ADDA, foi possível mediar esse processo de
mudança social, ao levar a psicoeducação da temática estresse em adolescentes e atrelá-la aos
processos de aprendizagem.

Método
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, tipo relato de experiência, onde se utilizou da
metodologia da problematização para verificar a demanda emergencial para atendimento dos
participantes. Tal proposta propiciou aos alunos de Psicologia a observação e análise da
realidade educacional no Centro Educacional Graça Aranha, a partir de instrumentos como
entrevista semiestruturada com os gestores e professores, análise do Projeto Político
Pedagógico (PPP), observação do espaço escolar e sala de aula para levantamento de dados e
por fim, sugestão dos alunos sobre as demandas emergentes da turma da 2ª série “E”,
constituída por 40 adolescentes. A partir das informações levantadas foi elaborado o Plano de
Ação com objetivos e metodologias que viessem colaborar diretamente no alcance de resultados
satisfatórios junto aos alunos. Feito isso, o tema escolhido foi Estresse em Adolescentes: Um
olhar para o processo de aprendizagem.
O Projeto ADDA ocorreu no Centro de Ensino Graça localizado na Rua 13 de Maio, s/n
– Centro, cidade de Imperatriz-MA, às quintas - feiras pelo turno matutino, das 07h30min ás
11h00min entre os meses de setembro e novembro, totalizando sete visitas ao total, com início
no dia 5 de Setembro de 2019 ao dia 21 de Novembro de 2019. Dessa forma, após três visitas
técnicas, os quatros dias de intervenção foram distribuídos em rodas de conversa sobre a
temática, dinâmicas com o objetivo de reflexão sobre fatores sociais estressores, atividades com
promoção de empatia e exercícios de relaxamento.

Resultados e Discussão

A primeira intervenção realizada no dia 31 de Outubro de 2019, teve como objetivo


apresentar aos estudantes da 2ª série “E” a temática a ser trabalhada: estresse em adolescentes.
Para isso, foi utilizado o formato roda de conversa e de maneira dinâmica circulou entre os

869
estudantes uma caixa com perguntas norteadoras que envolviam: Definição de estresse,
sintomas físicos e mentais, agravamento do estresse, fatores externos e internos, como
prevenir e como lidar com o estresse na adolescência. Dessa forma, os alunos tiveram a
oportunidade de tirar uma pergunta norteadora de dentro da caixinha e falar, de acordo com
seu entendimento, sobre o assunto em questão. Vale lembrar que ao final de cada
questionamento havia o esclarecimento da temática feita por algum integrante ADDA.
Foi possível perceber a identificação da turma com o tema. Mostraram-se muito
interessados e participativos, compartilhando exemplos vividos por eles. Ganhou destaque
nas discussões, os fatores externos causadores de estresse, definidos por Lipp e Tricoli (2014)
como provenientes:

De relações mal resolvidas, perdas (sentimentais, de emprego, de dinheiro, de


prestígio, etc.), dificuldades financeiras, excesso de trabalho, expectativas da
sociedade, preconceitos, tratamento desigual, responsabilidades em demasia ou
aposentadoria. Podem ser provenientes também de eventos positivos que exijam
uma grande adaptação, como nascimento de filho, casamento, promoção e, até, ser
sorteado na loteria (Lipp & Tricoli, 2014, p. 23).

Na condição de adolescentes, explicaram que se sentem pressionados pela família por


terem que escolher uma profissão a seguir, por serem comparados a terceiros ou por serem
induzidos a uma escolha com base em retorno financeiro. Além disso, também mencionaram
como fator estressor a própria escola, ressaltando que se sentem sobrecarregados com muitas
atividades extracurriculares.
A realidade familiar como propulsora de estresse também foi evidenciada nos estudos
de Schermann et al. (2014) onde a maior prevalência de estresse consistia em jovens que
julgaram o ambiente familiar e o relacionamento com o pai ou mãe como “regular/ruim”,
comparativamente aqueles que os julgaram “bom”. Dessa forma, tem-se o ambiente familiar
como importante modulador do nível de estresse dos adolescentes.
A segunda intervenção ocorreu no dia 07 de Novembro de 2019, objetivou-se a
promoção de reflexões e explicações sobre a relação entre o estresse e sua interferência na
aprendizagem, bem como uma análise crítica de possíveis causas e fatores estressores por meio
de uma atividade chamada “corrida dos privilégios”.
A atividade ocorreu na quadra por demandar de um espaço maior. Lado a lado cada
aluno teria que avançar dois passos caso se enquadrasse nas instruções dada pelo grupo ADDA,
caso contrário deveria permanecer no lugar. As instruções envolviam relação familiar,
orientação sexual, discriminação, apoio social, desestimulo nos estudos e situações de saúde
física e mental. Nesse sentido, as questões acompanhavam os raciocínios: “dê dois passos à
frente se você nunca teve problemas com sua autoestima e sempre aceitou seu corpo, cabelo,
cor, raça ou religião.” e “Dê dois passos à frente se seu ambiente familiar lhe apoia nas suas
escolhas”.
Portanto, quem se encontrasse a frente estaria numa posição de privilégio a quem
estivesse atrás, pois “nunca”, por exemplo, passou por uma situação de discriminação. A fim
de refletirem, foi pedido que quem estivesse na frente olhasse para trás, observando quais de

870
seus amigos estava em uma posição diferente. Por fim, todos teriam a oportunidade de correr
para pegar o prêmio que se encontrava a frente, no entanto, era claro que uns teriam mais
privilégios que outros por conta de sua posição. Ao ser dada a largada, alguns correram, outros
se sentiram desestimulados e permaneceram no lugar e outros por estarem muito atrás, não
conseguiram chegar a tempo.
Sentados e em círculo, o segundo momento foi uma roda de conversa atrelado ao
feedback da atividade. O fato de a dinâmica trabalhar aspectos muito íntimos deixou grande
parte deles introspectivos e pensativos em primeiro momento. No entanto, refletiram sobre
meritocracia, entenderam os inúmeros desafios sociais, econômicos, familiares e orgânicos que
excedem ao contexto de sala de aula e que possuem forte relação com o processo de
aprendizagem.
Sobre questões sociais e a influência na aprendizagem, é preconizado nos estudos de
Ferreira & Marturano (2002, p. 39) que “crianças provenientes de famílias que vivem com
dificuldades econômicas e habitam em comunidades vulneráveis, tendem a apresentar mais
problemas de desempenho escolar e de comportamento”.
Ainda sobre a influência do meio no desenvolvimento e na aprendizagem, é importante
pontuar os estudos de Vygotsky ao mencionar que o sujeito e o ambiente influenciam-se
mutuamente (Vygotsky, 1991). Tendo em vista a importância do contexto na formação do
indivíduo, é relevante que a escola assuma responsabilidades que vão além do ensino. Quanto
a isso, Brito, Arruda & Contreras (2015) discutem sobre “inclusão excludente” presente em
muitas escolas quando se é colocado todos os alunos no mesmo patamar avaliativo,
desconsiderando as desigualdades sociais e favorecendo aqueles que possuem mais méritos e
que são mais bem “dotados” intelectualmente. Dessa forma, a escola deve adotar uma posição
importante de mediação ao formar alunos com criticidade e autonomia para transformar sua
condição social.
No dia 14 de Novembro de 2019, a terceira intervenção teve como objetivo trabalhar o
desenvolvimento de habilidades que envolvessem a compreensão do próximo, empatia e
acolhimento nos momentos de estresse. Para isso, a atividade proposta foi a “troca de um
segredo” em que os alunos, anonimamente, colocaram em um papel uma dificuldade ou desafio
que estavam passando, a fim de outro colega oferecer um conselho.
Os alunos foram extremamente participativos, sendo assertivos nas falas e quando
necessário recebiam uma complementação de um integrante ADDA. Foi possível perceber que
muitos desabafos presentes nos papeis eram decorrentes de problemas de dentro da própria
turma. Dessa forma, haviam queixas de brincadeiras com a aparência física, pessoas revelando
que se sentiam sozinhas e outros confessando medo em revelar a opção sexual para os colegas
de turma. Também houve recados inesperados, como revelação de gravidez, dificuldades com
drogas, problemas familiares graves e situações depressivas.
Essa atividade teve uma proporção que exigiu um manejo minucioso do grupo ADDA,
uma vez que os próprios alunos se surpreenderam com os problemas vivenciados pelos colegas
de sala mesmo convivendo diariamente. Além disso, puderam refletir sobre problemas na turma
que estavam mascarados, como bullying, medo de discriminação, insegurança e solidão.
Em suma, ao final da dinâmica, alguns alunos demonstraram-se solidários, afirmando

871
que podiam contar uns com os outros e propondo melhores formas de relacionamento. Dessa
forma, puderam perceber o impacto que as brincadeiras mal pensadas e as ações, sejam
vivenciadas por eles, sejam ocasionadas por eles, afetam nas relações, bem como interferem na
elevação do nível de estresse, nas escolhas e nos processos de aprendizagem.
Vygotsky (1991) em seus estudos conceituou sobre a Zona de desenvolvimento
proximal, enfatizando sobre as aprendizagens do indivíduo serem sempre mediadas pelo outro.
Nesse sentido, não há como aprender sem a influência de outro mediador. Sobre essa relação,
Vygotsky pontuou como Desenvolvimento Potencial as atividades que o sujeito consegue
desenvolver com a ajuda seja do professor, seja de outro colega mais habilidoso. Portanto, em
sala de aula é necessário uma relação aluno-professor e, sobretudo, aluno-aluno de harmonia e
cooperação.
A última intervenção do Projeto ADDA ocorreu no dia 21 de Novembro de 2019 e foi
dividida em três momentos. O primeiro objetivou-se um momento de relaxamento, em que foi
apresentado a eles a técnica mindfulness, definido por Kabat-Zinn (1990) como citado em
Vandenberghe & Sousa (2006) como uma forma específica de atenção plena – concentração no
momento atual, intencional, e sem julgamento. Dessa forma, é uma técnica muito utilizada para
redução de estresse e ansiedade, sobretudo, na área clínica, pois trabalha também a respiração
por meio do diafragma.
Sentados no chão e em círculo, os alunos foram convidados a fecharem os olhos e a
seguirem as instruções. Foi colocada uma música instrumental em volume baixo e parte das
luzes foram apagadas a fim de relaxarem. Por conseguinte, os alunos seguiram instruções como
“coloque a mão sobre o abdômen para sentir a movimentação abdominal durante a respiração”,
“evoque lembranças ou expectativas positivas quanto ao futuro” e “concentrem-se no seu corpo
e nas emoções presentes nele”. A turma participou prontamente de todos os comandos e ao ser
finalizado afirmaram que se sentiram relaxados e com vontade de dormir.
O segundo momento consistiu na entrega de folder explicativo sobre estresse na
adolescência, em que sintetizava definição de estresse, fatores externos e internos, como lidar,
como prevenir e a relação com o processo de aprendizagem. Em seguida, foi feita uma leitura
dinâmica em que um iniciava e o outro prosseguia. Mesmo sendo uma breve revisão, os alunos
mostraram-se ativos, relembrando as explicações e os exemplos dados.
O terceiro momento consistiu em um feedback oral com a turma sobre os dias de
intervenção. Revelaram que a temática foi crucial para a compreensão de muitas situações que
aconteciam com eles e por meio das atividades passaram a compreender também os colegas de
turma. Um ponto importante que foi possível notar na fala de muitos deles é que ao chegar em
casa ficavam pensativos, pois algumas dinâmicas os incomodaram, positivamente, de forma
profunda.
Por fim, para celebrar a finalização das intervenções, o último momento consistiu em
um café da manhã organizado pelo grupo ADDA em colaboração com a turma. Foi uma ocasião
memorável, todos felizes e demonstrando a todo instante agradecimento e carinho pelas
integrantes do projeto.
Considerações Finais

872
Diante do que foi observado em campo, é necessário que se tenha um olhar mais atento
e humanizado aos adolescentes dentro do âmbito escolar, uma vez que estão passando por um
processo de crescimento social, autoconhecimento, desenvolvimento físico e cognitivo e por
uma intensa preparação para vestibular. Dessa forma, há de se considerar fatores estressantes
tais como cobrança excessiva, conflitos em relacionamentos, medos e outras condições que
podem causar adoecimento mental. Em face a essa realidade, o âmbito escolar deve ser um
ambiente acolhedor, abrindo espaço para que os alunos tenham uma participação mais ativa,
trabalhando suas percepções de mundo, seus sentimentos e essencialmente sua saúde mental.
Vale ressaltar também, a importância da experiência do Projeto ADDA para a formação
do profissional em psicologia, contribuindo com conhecimentos de técnicas diferenciadas e
dinâmicas, tendo contato com a subjetividade de cada um, escuta e empatia, pondo em prática
conhecimentos científicos adquiridos ao longo da vida acadêmica.

Referências
Brito, M.H.P., Arruda, N.A.O., Contreras, H. S. H (2015). Escola, Pobreza e Aprendizagem:
Reflexões Sobre A Educabilidade. EDUCERE, XII Congresso Nacional de Educação.
Recuperado de: https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/21930_10055.pdf.
Ferreira, M. C. T., Marturano, E. M. (2002) Ambiente familiar e os problemas do
comportamento apresentados por crianças com baixo desempenho escolar. Psicologia:
Reflexão e Crítica, 15(1), 35-44. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/S0102-
79722002000100005
Freire, P. (1979) Educação e Mudança. (12ª Ed). Rio de Janeiro: Paz e Terra. Recuperado de:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.p
df
Lipp, M. & Tricolli, V (2014). Relacionamentos interpessoais no século XXI e o stress
emocional – Novo Hamburgo: Sinopsys.
Papalia, D. E., & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano (12ª ed). Porto Alegre:
Artmed.
Schermann, L. B., Béria, J. U., Jacob, M. H. V. M., Arossi, G., Benchaya, M. C., Bisch, N.
K, Rieth, S. (2014). Estresse em adolescentes: estudo com escolares de uma cidade do sul
do Brasil. Aletheia, (43-44), 160-173. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
03942014000100012&lng=pt&tlng=pt
Vandenberghe, L., & Sousa, A.C. A. (2006). Mindfulness nas terapias cognitivas e
comportamentais. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 2(1), 35-44. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-
56872006000100004&lng=pt&tlng=pt.
Vygotsky, L. S. (1991). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes.
FACES E INTERFACES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: O TRANSTORNO DO

873
ESPECTRO AUTISTA (TEA) ENTRE CRIANÇAS ESCOLARES

Alana Vasconcelos Castro Araújo


Fabiana Maria Santos Da Silva
Bruna de Jesus Lopes
Mateus Egilson da Silva Alves
Gabriela Oliveira Lira Rodrigues

Introdução
O psiquiatra austríaco Leo Kanner (1943), com o artigo “Autistic disturbances of
affective contact", na revista Nervous Children, apresentou uma nova síndrome a que chamou
de “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo”, para descrever relacionamentos de infantes com
peculiaridades de comunicação oral frágil ou inexistente, além de comportamentos inadequados
e repetitivos. Kanner, assim, foi responsável por associar o Transtorno do Espectro Autista
(TEA) as psicopatologias do desenvolvimento, quando incialmente a considerava como uma
doença relacional, com o foco na relação mãe e bebê, originando a expressão “mãe geladeira”.
Porém, esta ideia foi descartada após evidências de que o autismo se origina de uma ordem
multifatorial, com etiologias variáveis e de origem neurológica (Cunha, 2012; Moreira, 2005).
O Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders), o DSM-V (APA,2013), apresenta o autismo como um
transtorno neurológico com caraterísticas de dificuldades na comunicação e socialização; além
de comportamento repetido e considerado inadequado. Com isso as pessoas com autismo
demostram limitações na perspectiva cognitiva de funções executivas, principalmente, em um
conjunto neurológico que dificulta as ações pessoais de organização e planejamento, em que há
uma continência dessas pessoas, para começar uma atividade, continuar e finalizar alguma
situação. De modo que as crianças portadoras do TEA, não apresentam diferenças físicas
quando comparadas com as demais; entretanto exibem algumas diferenças quanto ao
comportamento, como chamar a atenção das pessoas as quais se relacionam (exemplo,
familiares e professores), ou podendo isolar-se “dentro do seu próprio mundo”, indo de
hiperativas a muito passivas, com uma personalidade inconstante (Brasil, 2003; Silva, 2012).
Assim, acabam por apresentar-se com diferenças de funcionamento social e pessoal, que
por conseguinte afetam a adequação ao ambiente escolar, quando há déficits de memória,
linguagem e percepção. Apesar de reconhecidas essas limitações, as crianças autistas
enquadram-se na Declaração de Salamanca (1994) que reforça que toda criança tem direito
fundamental à educação, abordando também aqueles, com necessidades educacionais especiais,
proporcionando o direito e acesso à escola regular, constituindo os meios mais eficazes de
combater atitudes discriminatórias; construindo, assim uma sociedade inclusiva e alcançando a
educação para todos. Nesse intuito, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva, portaria nº 555/2007, prorrogada pela portaria 948/2007, “tem como
objetivo assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação [...]” (Brasil, 2008, p.15). A vista que Hattge

874
e Klaus (2014, p.330) abordam que os processos inclusivos vinculados à socialização estão
intrinsicamente vinculados ao papel da escola,
No Brasil, de acordo com Bragin (2011), a integração dos alunos com autismo, assim
como outras deficiências, foi ofertado, a princípio, a partir da educação especial, através de
instituições especializadas decorrentes das transformações nas políticas educacionais.
Atualmente, a Lei nº 12.764/2012 - Lei Berenice Piana, reforça a Política Nacional de Proteção
dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, assegurando o acesso a um sistema
de educação inclusiva em todos os níveis de ensino e assistência por profissionais capacitados
no desenvolvimento de atividades inclusivas.
Entretanto, de acordo com Mello (2007), é provável que muitos alunos com autismo,
vivenciem inúmeras dificuldades e diferenças no ambiente escolar, sendo, por vezes, rotuladas
como indisciplinadas, desorganizados, sem limites e lentas. Dessa forma o aluno autista,
conforme Baptista e Bosa (2002), pode acabar apresentando ausência de respostas e
compreensões, ocasionando uma atitude de isolamento e recuo proposital, evidenciando a falta
de compreensão do que está a sua volta e que influencia a interação com outras crianças, virando
uma ação rotineira.
Fatos a que Bereohff (1991) já reforça que cabem atenção durante o processo de
educação de uma criança autista, devendo-se levar em consideração a falta de interação com os
outros colegas, comunicação precária, dificuldades na fala e as mudanças de comportamento.
De forma que o educador, assim, tem uma importância significativa para o aluno, afinal serão
eles os responsáveis por desenvolver oportunidades e habilidades para as crianças, assim elas
se sentirão mais seguras e com confiança no professor, o que recai sobre a escola promover a
inclusão do autista por meio de educadores com formação especializada, para que possam
reconhecer as características e as possibilidades de atuação destas crianças (Silva &
Brotherhood, 2009).
Dessa forma, o ambiente apropriado, ou sejam com uma boa estrutura física e
profissional proporciona uma condição adequada à inclusão, possibilitando um rendimento
maior no desenvolvimento, melhorando o ambiente para todas as crianças (Camargo & Bosa,
2009). Assim, os sistemas de ensino devem organizar as condições de acesso aos espaços, aos
recursos pedagógicos e a comunicação que favoreçam a promoção da aprendizagem e a
valorização das diferenças, de forma a atender as necessidades educacionais de todos os alunos,
ainda que com falta de recursos, podendo o educador utilizar de recursos simples (por exemplo,
materiais recicláveis) para garantir o acesso do aluno à aprendizagem (Brasil, 2012).
O professor, assim, de acordo com Mello (2007), pode melhorar o desempenho da
criança com autismo, quando esta percebe e sente uma aproximação do educador. Além disso,
pode promover atividades em grupo, que os permitam aprender, por exemplo, a esperar a vez,
pedir ajuda, e dialogar na hora do recreio. Em virtude disso, Silva (2012) afirma que o educador,
em sua prática pedagógica, exerce uma fundamental contribuição no desenvolvimento social
de alunos com autismo através de utilização de todos os recursos disponíveis relacionados à
socialização, aquisição de linguagem e comunicação, e adequação de comportamentos, para
possibilitar o desenvolvimento desse aluno. O professor promove a socialização das crianças
de maneira estimuladora promovendo a linguagem e comunicação.
De acordo com Carothers e Taylor (2004) existem algumas técnicas que têm certa

875
eficácia para a aprendizagem de crianças autistas. As técnicas de aprendizagem se utilizadas de
maneira adequada podem fazer muita diferença na vida dessas crianças, como modelagem
através de gravação de vídeo, rotina de atividades pictográficas, participação e orientação de
Colegas. Assim, é relevante que o educador seja realista quanto às dificuldades de seu aluno
especial, quando um dos maiores problemas, em geral, é a dificuldade de envolvimento desse
aluno com os colegas. Este envolvimento não deve ser obrigatório, mas deve ser estimulado, e
incentivado, por meio de algumas estratégias. Desse modo, Vygotsky (1991) afirma que uma
criança portadora de deficiência não é, portanto, uma criança menos desenvolvida que outras,
consequentemente ela se desenvolve de maneira diferente. Nesta mesma perspectiva, Cruz
(2014) ressalta a importância de não expor apenas às dificuldades, ou seja, as falhas no ensino
e aprendizagem é preciso evidenciar os fatos, considerando os casos como fonte de amostra
para novas ideias, possibilitando caminhos alternativos; propiciando, assim, possibilidades que
supram a ausência de aprendizagem dos alunos com autismo na busca coletiva por meios
eficazes; renovando a prática educativa para facilitar aprendizagem de maneira prazerosa na
qual o aluno sinta se à vontade, além de desperta o interesse nele.
Diante do exposto acima, espera-se com o presente trabalho aprofundar a literatura
vigente quanto a educação inclusiva à crianças com TEA. Diante que a escola não restringe-se
apenas ao ambiente físico, mas enquanto meio de transformação psicossocial, principalmente
quando trata-se dos diferentes atores que nela habitam. Sendo um espaço com escopo para
estudo de disciplinas diversas, inclusive a Psicologia, a vista do imbricamento entre
desenvolvimento e aprendizagem, bem como ante a necessidade de maiores subsídios teóricos
e metodológicos aos profissionais inseridos nesse ambiente.

Método
O presente trabalho tem por objetivo realizar uma busca sistemática de artigos
indexados na base de dados Scielo, entre os anos de 2014 a 2019, sobre o tema Educação
Inclusiva de crianças Autistas; para isso usou-se como descritores: Autist* e Educação. Essa
análise permite verificar a realização da inclusão de crianças autistas nas escolas e as principais
dificuldades enfrentadas pelos professores no que se refere à inclusão desses alunos na
instituição de ensino. As publicações de artigos indexadas para a amostra passaram por uma
leitura prévia, sendo analisados fazendo uso dos seguintes critérios de inclusão: I) Idioma de
publicação: os artigos publicados em língua portuguesa na íntegra; II) Artigos com ano de
publicação a partir de 2014 a 2019; III) A produção científica deve se encaixar no tema da
pesquisa, tendo como direcionamento a educação das crianças autistas; IV) modalidade de
produção científica relatando aspectos do processo de ensino e aprendizagem de alunos autistas.

Resultados

Inicialmente, foram verificados os artigos mediante o cruzamento das palavras chaves:


Autist* e Educação, permitindo encontrar na base de dados Scielo o total de 59 artigos, destes
resultados foram selecionados 11 artigos científicos. Os outros 48 artigos foram eliminados por
não se encaixarem nos critérios de inclusão. Destes artigos excluídos 3 estavam em língua

876
inglesa, 2 em espanhol, além disso, 29 estavam fora do período da pesquisa, vale salientar que
10 artigos fugiam do tema proposto e 1 artigo estava repetido. Portanto, a busca bibliográfica
realizada em novembro de 2019 possibilitou reter 11 artigos que enfatizam o contexto educativo
de crianças autistas. As buscas indicaram maior quantidade de artigos no de 2014 e 2017, como
observado no gráfico 1.

1900ral 1900ral 1900ral


1900ral
1900ral 1900ral
1900ral
1900ral
1905ral 1905ral 1905ral 1905ral 1905ral 1905ral
Gráfico 1. Distribuição dos artigos por ano de publicação

Bem como visando ao leitor uma descrição detalhada da pesquisa, segue a tabela 1, com
informações quanto ao ano, revista, autores, título do artigo e resumo de cada produção
científica retida. De forma que após uma leitura detalhada dos artigos selecionados, buscou-se
categorizá-los para melhor apresentação dos resultados e discussão dos mesmos. Sendo as
categorias criadas: Características dos alunos autistas; Dificuldades e desafios da inclusão de
crianças autistas na escola; e Prática docente e trabalho dos professores.

TABELA 1. Informações gerais dos artigos selecionados

Ano Revista Autores Título Do Artigo Resumo

Saúde e Wuo Educação de pessoas com Este estudo objetivou analisar o


Sociedade transtorno do espectro do estado do conhecimento sobre
2019 autismo: estado do educação de pessoas com
conhecimento em teses e “transtorno do espectro
dissertações nas regiões Sul e autista”, a partir de teses e
Sudeste do Brasil (2008-2016) dissertações produzidas nas
regiões Sul e Sudeste do Brasil.

Revista Correa, Metas de Socialização e Este estudo tem o intuito de


Brasileira de Simas, & Estratégias de Ação de Mães de proporcionar o repensar sobre
2018 Educação Portes Crianças com Suspeita de as estratégias que possibilitam
Especial Transtorno do Espectro Autista qualidade de vida à criança
com suspeita de Transtorno do
Métricas Espectro Autista (TEA).
Revista Aporta Estudo de Caso sobre Este artigo tem como intuito

877
Brasileira de & Lacerda Atividades Desenvolvidas para apresentar atividades propostas
Educação um Aluno com Autismo no para um aluno com Transtornos
2018 Especial Ensino Fundamental I do Espectro Autista (TEA)

Educação e Kupfer Tratar e educar o autismo: O objetivo principal dessa


Pesquisa & cenário político atual – entrevista é colocar em relevo
2017 Voltolini entrevista com Pierre Delion os elementos fundamentais
para compreender o autismo e
o trabalho com ele, partindo de
uma experiência consolidada
por meio de pesquisas e de
trabalho diário em instituição.

Educação Cabral Inclusão escolar de crianças Este estudo teve como objetivo
em Revista & Marin com transtorno do espectro realizar uma revisão
2017 autista: uma revisão sistemática sistemática da literatura
da literatura nacional e internacional quanto
a artigos de periódicos
científicos sobre a inclusão
escolar de crianças com
Transtorno do Espectro Autista
(TEA)

Silva, O objetivo da pesquisa foi


Gomes, & identificar quais os desafios da
2017 Educación Lira Narrativas sobre a inclusão de prática docente no
uma criança autista: desafios à acompanhamento de uma
prática docente criança autista e em que
condições a sua inclusão
ocorreu.

Lourenço Práticas de Inclusão de Alunos O estudo objetivou identificar


& Leite com Perturbações do Espetro as Necessidades de Formação
2015 Da Investigação do Autismo dos Docentes de Ensino
às Práticas Regular e de Educação
Especial para a inclusão de
alunos com Perturbações do
Espetro do Autismo (PEA) nas
escolas do ensino regular.
Revista CEFAC Misquiatti, Comunicação e transtornos do O trabalho analisou o

878
Brito, espectro do autismo: análise do conhecimento de professores
2014 Ceron, conhecimento de professores de ensino fundamental sobre a
Carboni & em fases pré e pós-intervenção comunicação de pessoas com
Olivati transtornos do espectro do
autismo, em dois momentos
distintos, pré e pós-intervenção.

Audiology Pimentel A perspectiva de professores O presente trabalho identificar


Communication & quanto ao trabalho com e descrever as dificuldades e o
2014 Research Miranda. crianças com autismo valor atribuído ao trabalho com
Métricas crianças com autismo, por
professores.

2014 Revista Lemos, Inclusão de crianças autistas: O presente estudo tem como
Brasileira de Salomão, um estudo sobre interações objetivo analisar as interações
Educação & sociais no contexto escolar sociais de crianças com
Especial Agripino- espectro autista nos contextos
Ramos de escolas regulares,
considerando a mediação das
professoras.

Características do aluno autista


Na primeira categoria foram selecionados os artigos que descrevem as características
dos alunos com autismo, os autores destacados foram: Misquiatti e Brito (2014, Comunicação
e transtornos do espectro do autismo: análise do conhecimento de professores em fases pré e
pós-intervenção); Aporta e Lacerda (2018, Estudo de Caso sobre Atividades Desenvolvidas
para um Aluno com Autismo no Ensino Fundamental I); Wuo (2019, Educação de pessoas com
transtorno do espectro do autismo: estado do conhecimento em teses e dissertações nas regiões
Sul e Sudeste do Brasil).
De acordo com Misquiatti, Brito e Ceron (2014) as crianças com autismo possuem
características específicas, com suas próprias particularidades e dificuldades no aprendizado.
Apresentando como fator principal a dificuldade na comunicação, assim, o aluno com autismo
consequentemente é destacado por esta caraterística. No entanto para Aporta e Lacerda (2018)
o aluno teria dificuldades de aprendizagem, além disso, afirma que a deficiência não está
efetivada apenas no caráter biológico, mas também no meio social. Assim, o autor define a
importância de um aprendizado em procedimento especial, para o melhor desempenho do aluno
autista. Nesta mesma perspectiva Wuo (2019) Afirma que os alunos com autismo são
caraterizados pela deficiência de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, derivando
barreiras que os impedem de socializarem-se de imediato, além de possuírem aspectos físicos
diferenciados das outras pessoas.

Dificuldades e desafios da inclusão de crianças autista na escola


Na segunda categoria os artigos que prevaleceram foram os que evidenciaram as
dificuldades e desafios da inclusão de crianças autistas na escola, a saber: Lourenço e Leite
(2015, Práticas de Inclusão de Alunos com Perturbações do Espetro do Autismo); Cabral e

879
Marin (2017, Inclusão escolar de crianças com transtorno do espectro autista: uma revisão
sistemática da literatura); e Correa, Simas e Portes (2018, Metas de Socialização e Estratégias
de Ação de Mães de Crianças com Suspeita de Transtorno do Espectro Autista).
Segundo Lourenço e Leite (2015) as dificuldade no processo de inclusão de crianças
autistas derivam da problemática de baixa frequência; abordando, ainda, as suas adequações,
cujo ambiente não está preparado para receber o aluno para aprendizagem. Afinal, os alunos
autistas precisam de uma escola organizada, onde eles possam participar, sendo fatores
essenciais para que a inclusão aconteça de fato. Para Cabral e Marin (2017) o processo inclusivo
ocorre mundialmente, porém ainda é um desafio a ser superado pelos educadores, pois os
autores identificaram as dificuldades de comunicação entre a criança autista e o professor. Além
de falta de conhecimento das caraterísticas do aluno autista por parte do professor, remetendo
a resultados pedagógicos insatisfatórios, deixando evidente a falta de inclusão destes educandos
no contexto educativo.
Porém, Correa, Simas e Portes (2018) evidenciam que para ocorrer à inclusão é
necessário que as crianças autistas tenham valores relacionados à autonomia e à independência.
Conforme os autores, o desenvolvimento dos alunos está diretamente ligado as habilidades de
comunicação; portanto, essas qualidades logo interferem na interação social e independência
do indivíduo, afirmando que essas características ainda são consideradas como um desafio a ser
superado.

Prática docente e trabalho dos professores


Os artigos da terceira categoria, enfatizam a prática docente e o trabalho dos professores,
são eles: Lemos, Salomão, e Agripino-Ramos (2014, Inclusão de crianças autistas: um estudo
sobre interações sociais no contexto escolar); Pimentel e Fernandes (2014, A perspectiva de
professores quanto ao trabalho com crianças com autismo); Silva, Gomes, e Lira (2017,
Narrativas sobre a inclusão de uma criança autista: desafios à prática docente); Kupfer e
Voltolini (2017, Tratar e educar o autismo: cenário político atual – entrevista com Pierre
Delion).
Segundo Lemos, Salomão e Agripino-Ramos (2014) a prática docente é fundamental,
para o convívio das crianças com demais e socialização, o professor influência os alunos de
acordo com as situações e interações diferentes, possibilitando o desenvolvimento, podendo,
ajudar em seu processo de aprendizagem. Nesse sentido, Pimentel e Fernandes (2014)
enfatizam que a prática docente está acontecendo por professores despreparados para ensinar
alunos com autismo, necessitando de melhores instruções e diálogos com outros profissionais,
para que haja uma educação de melhor e de qualidade para essas crianças. Para Silva, Gomes e
Lira (2017) a inclusão educacional surgiu com intuito de eliminar a exclusão social, porém os
autores afirmam em seu artigo que para desenvolver um trabalho de inclusão é necessário haver
preparação para atuar com crianças com necessidades educativas especiais.
Assim, a prática educativa esta pautada na formação do profissional para o desempenho.
Dessa forma Kupfer e Voltolini (2017) afirmam que o caminho intelectual e profissional do
trabalho docente com crianças autistas está associado a orientações teóricas, da educação e de
outros campos, exigindo do profissional uma vasta experiência com autistas; e além disso, saber

880
lida com as diferentes características dos alunos.

Discussão
Goméz e Terán (2014) reforçam a primeira categoria apontando algumas características
do aluno autista, como: interação social limitada, e problemas com a comunicação verbal e não
verbal; ocorrendo assim, dificuldades em manter uma conversação. Além disso, a limitação
existente no cérebro do autista restringe a elaboração das suas respostas, afetando a
aprendizagem, dificultando os mecanismos de comunicação e manifestação verbal,
atrapalhando a percepção do que está acontecendo a sua volta (Cavaco, 2014). Seguindo essa
linha de pensamento Fonseca (2014) pontua que algumas crianças autistas podem exibir
inteligência e fala perfeita, no entanto outras apresentam uma enorme dificuldade na
comunicação, por conseguinte parecerem isolados e distantes, recursando-se a socialização com
outros. Dessa forma a esses alunos autistas Orrú (2012) diz que há uma inexistência de interesse
para se relacionar com as pessoas, sendo ocasionada pelos atrasos e alterações na linguagem,
assim, havendo uma tendência à repetição, além de uma sequência limitada de atividades.
Diante do exposto, a segunda categoria faz referência às dificuldades e desafios da
inclusão de crianças autista na escola, para Sanchez (2005) os sistemas de ensino precisam ser
organizados e programados para a aplicação educacional especializada, podendo, assim,
atender a todos, independentemente de suas características e necessidades educativas. Para ele
a escola é o local mais eficaz para combater o preconceito e discriminação, dessa maneira pode
se integrar e alcançar uma escola inclusiva a todos. A inclusão garante a redução do preconceito
da sociedade e situa as políticas de formação, além de reconhecer as práticas que efetivam os
educandos com necessidades educacionais especiais, como os autistas e outros. Assim os
profissionais de ensino precisam está em constante processo de formação, preparados para lidar
com as necessidades específicas dos alunos, para formar uma escola inclusiva (Booth &
Ainscow, 2002).
De acordo com Marchesi (2004, p. 03) as necessidades educacionais especiais enfatizam
a relevância da escola se adaptar às necessidades de seus alunos. Desta forma, o autor faz
referência a criança autista, dando ênfase na adaptação escolar, evidenciando a precariedade do
espaço educativo para receber e desempenhar o projeto pedagógico. Neste sentido, Vasques
(2008) reforça a escola inclusiva como um local para a socialização e adaptação, para o
desempenho dos objetivos curriculares, sendo possível constatar corretamente as necessidades
específicas de cada aluno com autismo. Booth e Ainscow (2002) reafirmam a inclusão destes
alunos, neste sentido acarretaria a redução do preconceito da sociedade, ainda enfatiza as
políticas de formação, priorizando novas fontes de capacitação pedagógica e prática para a
excursão das atividades com os alunos com necessidades educacionais específicas, como
autistas e outros, visando uma educação de qualidade.
A terceira categoria refere-se à prática docente e trabalho dos professores, nesse sentido
a pesquisa bibliográfica revelou a necessidade de uma melhoria na formação de professores.
Segundo Silva (2009), ainda existe uma precariedade com relação ao preparo dos profissionais
de ensino, evidenciando necessidades de capacitação e preparação para a prática docente com
crianças autistas, fato primordial para o atendimento das dificuldades desses alunos. Além
disso, o autor afirma que há a necessidade de capacitação profissional, afinal a falta de

881
conhecimento acerca do assunto interfere no processo educativo; sendo, portanto, fundamental
conhecer e aperfeiçoar o conhecimento sobre educação inclusiva. Dessa forma, Camargo e
Bosa (2009) apontam a inclusão da criança autista, na escola regular, como um meio de fornecer
um vasto enriquecimento para a experiência social, além de subsidiar as capacidades cognitivas
e um meio de auxiliar a socialização.
Destarte, o presente trabalho analisou e permitiu verificar a realização da inclusão de
crianças autistas nas escolas e as principais dificuldades enfrentadas pelos professores no que
se refere a inclusão desses alunos na instituição de ensino. Após analisar os artigos
selecionados, conclui-se que, diante da complexidade educacional, a criança com autismo
apresenta comportamentos que interferem na aprendizagem, devido ao transtorno. Os sistemas
de ensino garantem a realização do ensino-aprendizagem do aluno com autismo, porém, o
educador encontra desafios diários para garantir a aprendizagem; sendo necessário que outros
estudos sejam realizados nessa área por tratar-se de campo amplo.
Desta forma, a inclusão de autistas precisa está sempre em busca de implementações,
ações e estratégias inclusivas facilitando a permanência e construção da educação destes; assim
torna-se relevante que o tema seja investigado por outros pesquisadores interdisciplinarmente,
quando acredita-se que é possível desenvolver-se e aprender na escola mesmo diante dos
desafios e dificuldades no processo inclusivo.

Referências
American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders, Fifth Edition (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric Association.
Aporta, A. P., & Lacerda, C. B. F. (2018). Estudo De Caso Sobre Atividades Desenvolvidas
Para Um Aluno Com Autismo. Revista Brasileira De Educação Especial, Bauru,
(24)1, 1-14. https://doi.org/10.1590/s1413-65382418000100005.
Batista, C. R., & Bosa, C. (2002). Autismo E Educação: Reflexões E Propostas De
Intervenção. Porto Alegre: Artmed.
Bereohff, A. M. P. (1991). Autismo, Uma Visão Multidisciplinar. São Paulo: Gepapi.
Bootht & Ainscow, M. (2002). Transtornos Globais Do Desenvolvimento Como
Desencadeadores De Possíveis Soluções Para Os Transtornos Globais Da Educação.
Disponível Em:
Http://Www.Lapeade.Com.Br/Publicacoes/Pesquisas/Relat%C3%93rio%20final%
20projeto%20jannuzzi.Pdf.
Bragin, J. (2011). Antecedente Da Educação De Autistas No Brasil: Teorias Políticas E Suas
Influências Nas Práticas Pedagógicas Em Centros De Atendimento Educacional
Especializado. Revista Digital. Disponível Em:
http://Www.Fermentario.Fhuce.Edu.Uy/Index.Php/Fermentario/Article/View/60/17.
Brasil. (2003). Saberes E Práticas Da Inclusão: Dificuldades Acentuadas De Aprendizagem
Autismo. Brasília: SEESP.
Brasil. (2008). Política Nacional De Educação Especial Na Perspectiva Da Educação

882
Inclusiva. Brasília: DF.
Brasil. (2012). Política Nacional De Proteção Dos Direitos Da Pessoa Com Transtorno Do
Espectro Autista. Brasília: DF.
Cabral, C. S. & Marin, Â. H. (2017). Inclusão Escolar De Crianças Com Transtorno Do
Espectro Autista: Uma Revisão Sistemática Da Literatura. Belo Horizonte: Educ. Ver,
(33). https://doi.org/10.1590/0102-4698142079.
Carothers, D. E. & Taylor, R. L. (2004). Como Pais E Educadores Podem Trabalhar Juntos
Para Ensinar Habilidades Básicas De Vida Diária Para Crianças Com Autismo.
Disponível Em: Http://Www.Ama.Org.Br/Html/Apre_Arti.Php? Cod=64.
Cavaco, N. (2014). Minha Criança É Diferente? Diagnóstico, Prevenção E Estratégia De
Intervenção E Inclusão Das Crianças Autistas E Com Necessidades Educacionais
Especiais. Rio De Janeiro: Wak.
Camargo, S. P. H. & Bosa, C. A. (2009). Competência Social, Inclusão Escolar E Autismo:
Revisão Crítica Da Literatura. São Paulo: Revista Psicologia & Sociedade, (21).
Disponível Em: <Http://Www.Redalyc.Org/Articulo.Oa?Id=309326582008>.
Correa, B., Simas, F., & Portes, J. R. M. (2018). Metas de Socialização e Estratégias de Ação
de Mães de Crianças com Suspeita de Transtorno do Espectro Autista. Revista
Brasileira De Educação Especial Métricas, (24)2.
Cunha, E. (2012). Autismo E Inclusão: Psicopedagogia E Práticas Educativas Na Escola E
Na Família. 4 Ed. Rio De Janeiro: Wak.
Cruz, T. (2014). Autismo E Inclusão: Experiências No Ensino Regular. Jundiaí: Paco
Editorial.
Declaração De Salamanca. (1994). Sobre Princípios, Política E Práticas Em Educação
Especial. Disponível Em: Http://Portal.Mec.Gov.Br/Seesp/Arquivos/Pdf/
Salamanca.Pdf.
Fonseca, B. (2014). Mediação Escolar E Autismo: A Prática Pedagógica Intermediada Na
Sala De Aula. Rio De Janeiro: Wak.
Gómez, A. M. S., & Terán, N. E. (2014). Transtornos De Aprendizagem E Autismo. São
Paulo: Grupo Cultural.
Hattge, M. D., Klaus, V. A. (2014). Importância Da Pedagogia Nos Processos Inclusivos.
Revista Educação. Especial, (27)49, 327-340.
http://dx.doi.org/10.5902/1984686x7641.
Kupfer, M. C. M., & Voltolini, R. (2017). Tratar E Educar O Autismo: Cenário Político
Atual. Educ. Pesquisa, 43(3). http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022017430300201.
Lemos, E. L. M. D., Salomão, N. M. R., & Agripino-Ramos, C. S. (2014). Inclusão De
Crianças Autistas: Um Estudo Sobre Interações Sociais No Contexto Escolar. Marília:
Rev. Bras. Educ. Espec., (20)1. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-65382014000100009.
Lourenço, D., & Leite, T. (2015). Práticas De Inclusão De Alunos Com Perturbações Do

883
Espetro Do Autismo. Lisboa: Invest. Práticas, (5)2. Disponível em:
http://hdl.handle.net/10400.21/5207.
Marchesi, Á. (2004). Educação Inclusiva: Um Desafio Na Formação Do Professor.
Disponível Em: Http://Midia.Unit.Br/Enfope/2013/Gt8/ Educacao_ Inclusiva_
Desafio_Formacao_Professor.Pdf.
Mello, A. M. S. R. (2007). Autismo: Guia Prático. São Paulo: Ama.
Misquiatti, A. R. N., Brito, M. C., & Ceron, J. S. (2014). Comunicação E Transtornos Do
Espectro Do Autismo: Análise Do Conhecimento De Professores Em Fases Pré E Pós-
Intervenção. Rev. Cefac, 16(2). https://doi.org/10.1590/1982-0216201418712.
Moreira, P. S. T. (2005). Autismo: A Difícil Arte De Educar. Universidade Luterana Do
Brasil. São Paulo: Guaíba.
Orrú, E. S. Autismo, Linguagem E Educação: Interação Social No Cotidiano Escolar. Rio De
Janeiro: Wak, 2012.
Silva, M. C. B. L., & Brotherhood, R. M. (2009). Autismo E Inclusão: Da Teoria À Prática.
In. Anais Encontro Internacional De Produção Científica Cesumar. Maringá: Paraná.
Silva, A. (2012). Mundo Singular: Entenda O Autismo. Rio De Janeiro: Editora Objetiva.
Silva, L. M. H., Gomes, C. A. & Lira, A. (2017). Narrativas Sobre A Inclusão De Uma
Criança Autista: Desafios À Prática Docente. Lima: Educación, (26)50.
http://dx.doi.org/http://doi.org/1018800/educacion.201701.007.
Pimentel, A. G. L., & Fernandes, F. D. A. (2014). Perspectiva De Professores Quanto Ao
Trabalho Com Crianças Com Autismo. Commun, 19(2).
https://doi.org/10.1590/S2317-64312014000200012.
Vasques, C. K. (2008). Autismo Na Perspectiva Inclusiva: Caminhos Da Inclusão: Possíveis
Percursos Da Escolarização Da Criança Com Autismo. Disponível Em:
Http://Www.Abrapee.Psc.Br/Xconpe/Trabalhos/1/63.Pdf.
Wuo, A. S. (2019). Educação De Pessoas Com Transtorno Do Espectro Do Autismo: Estado
Do Conhecimento Em Teses E Dissertações Nas Regiões Sul E Sudeste Do Brasil.
Saúde E Sociedade, (28)3. https://doi.org/10.1590/s0104-12902019170783.
Vygotsky, L.S. (1991). Aprendizagem E Desenvolvimento Intelectual Na Idade Escolar. In:
Psicologia E Pedagogia: Bases Psicológicas Da Aprendizagem E Do
Desenvolvimento. São Paulo: Moraes.
Sánchez, P. A. (2005). A Educação Inclusiva: Um Meio De Construir Escolas Para Todos No
Século XXI. Inclusão – Revista Da Educação Especial. Disponível Em: Https:
<//Institutoconsciencia.Websiteseguro.Com/Pdf/Aee/Revistainclusao1.Pdf#Page=7>.
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA ESCOLAR: ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL

884
PARA ALUNOS DO NÍVEL MÉDIO DE UM IF.

Anna Karoline Gomes Dourado


Noélia Catarina Monteiro de Lima

Introdução
O seguinte relato de experiência decorre das experiências vivenciadas durante o Estágio
Supervisionado em Psicologia Escolar Educacional do curso de Psicologia da Universidade
Estadual do Piauí – UESPI, que tem por objetivo fazer uma articulação entre teoria e prática
através das experiências vivenciadas pelos estagiários em campo, o que é de grande relevância
para a formação dos graduandos, já que o estágio é um momento de construção da prática
profissional.
O estágio foi realizado em um Instituto Federal e possui duas características singulares,
a primeira é que se trata de uma instituição pública federal onde se concentram diversos níveis
de ensino: Médio Integrado ao Técnico; Técnico Subsequente; Tecnólogo e Ensino Superior
(Bacharelado e Licenciatura). É uma instituição multicampi e pluricurricular. Outra
particularidade da instituição reside no fato de que ela oferece serviço de psicologia clínica,
além da psicologia escolar. Tendo em vista esses níveis de ensino, o público-alvo que foi
escolhido para o projeto de intervenção inicial que esteve voltado para a orientação profissional
são os estudantes de 3º e 4º Ano do Ensino Médio, que correspondem aos alunos que realizaram
o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) a fim de tentar uma vaga em uma instituição de
formação superior. Ribeiro (2003) explica o processo de Orientação Profissional da seguinte
maneira:

Orientação Profissional é um processo de ajuda, de caráter mediador e cooperativo


entre um profissional preparado teórica e tecnicamente e um sujeito ou grupo de
sujeitos, que necessitem auxílio quanto à elaboração e consecução do seu projeto de
vida profissional com todos os aspectos envolvidos do seu comportamento vocacional
(conhecimento do seu processo de escolha; autoconhecimento, conhecimento do
mundo do trabalho e modelos de elaboração de projetos) (Ribeiro, 2003, p. 149).

Nesse sentido, a Psicologia Escolar Educacional se coloca como um auxílio


fundamental em frente a essas demandas e procura ver o estudante como um agente ativo e
protagonista do processo educacional, levando em consideração que cada um traz consigo uma
cultura, uma história e uma visão de mundo. Portanto, o Psicólogo Escolar deve trabalhar numa
perspectiva de inclusão, pois é um agente de transformação social. Para isso, faz-se necessário
um olhar amplo do fenômeno educacional, um olhar não-individualizante, que possa
transcender as fronteiras da escola.
Sabe-se que a Psicologia Escolar está passando por uma mudança de paradigma, apesar
de ser uma das áreas mais tradicionais da Psicologia. Desse modo, não cabe mais um
profissional que desconsidere os fenômenos externos à realidade escolar, uma vez que todos os

885
aspectos atuam em conjunto.
Apesar de a Psicologia Escolar ser uma das primeiras áreas da Psicologia a ser
difundida, sua prática passou muito tempo voltada para os moldes tradicionais, baseando-se
principalmente, nos estudos psicométricos, consistindo em uma prática individualizante e
excludente. Entretanto, com a ressignificação dessa prática, percebeu-se a necessidade de voltar
o olhar do psicólogo para as questões além-sala de aula. Nesse sentido, exigiu-se do Psicólogo
Escolar, uma postura mais crítica e voltada para as demandas sociais, visto que sua prática deve
ser pautada, principalmente, na inclusão, como aborda Koehler (2017).
Sabe-se que a escolha do curso superior e da profissão é um momento de grandes tensões
e questionamentos na vida do adolescente, tendo em vista que ele está passando por uma série
de mudanças tanto físicas, quanto psicológicas, além da mudança de papeis. Além desses
fenômenos que acometem o adolescente, existe ainda a ideia de que a adolescência não constitui
uma fase, mas apenas um período de transição. Nesse sentido, o adolescente já traz consigo,
além das questões de mudança, um forte estigma de uma construção social acerca dessa fase
vivenciada por ele. Para Aberastury (1980) a adolescência se constitui como um momento que
é definitivo na vida do ser humano e constitui a etapa decisiva de um processo de
desprendimento e afirmação de sua autonomia.
Segundo Barreto e Valsberg (2007) historicamente, o fenômeno do trabalho assumiu
grande complexidade e um fator determinante nas relações humanas, o que o torna fator de
desenvolvimento e mantenedor da saúde humana. Portanto, a escolha da profissão é, em sua
essência, um momento decisivo na vida do ser humano, já que a importância do trabalho traz
consigo uma pressão social muito forte, gerando uma série de questionamentos na vida do
adolescente/jovem. Nesse sentido, para Lisboa (2002) as práticas atuais de orientação
profissional no Brasil e se concentram no sujeito que escolhe, buscando auxiliar na escolha de
uma profissão que concilie desejos pessoais e mercado de trabalho. Todavia, ao se trabalhar
com orientação profissional, deve-se salientar que condições sociais, econômicas, culturais,
entre outras, influenciam diretamente nesse processo de escolha e não podem ser vistos como
aspectos alheios ao processo.
De acordo com Ribeiro (2003), alguns fatores contribuem para que a demanda em
orientação profissional seja muito significativa. Alguns desses fatores, são: o fato de o curso
superior não apresentar um fator de ascensão para esses alunos, devido a sua cultura familiar;
a escola, muitas vezes, não cumpre seu papel de espaço de reflexão, representando um auxílio
na construção da carreira dos alunos e a falta de informação acerca do mundo do trabalho. Para
isso, é necessário que a orientação profissional seja um trabalho voltado não apenas para o
mercado de trabalho, mas principalmente, para o autoconhecimento, a fim de que se construa
uma carreira onde o foco não seja apenas as questões financeiras, mas as questões de desejos e
aptidões.
Existe uma demanda muito grande que se contrapõe ao número de profissionais de
Psicologia, que é reduzido nos Institutos Federais, o que constitui um grande desafio quando se
trata de elaborar intervenções que possam abranger todos os níveis de ensino.
Sendo assim, faz-se necessário que o Psicólogo Escolar veja além da visão tradicional
e individualizante, os modelos de orientação profissional mais usados no Brasil são voltados
para classe média e alta, ou seja, não correspondem à realidade dos alunos do Ensino Público.

886
Entretanto, como a função do Psicólogo Escolar é atuar na construção dessa autonomia do
estudante a partir de uma perspectiva de inclusão, não cabe mais trabalhar com a informação
somente, mas com a informação carregada de reflexão e criticidade. E para que ocorra essa
autocrítica é fundamental que haja o processo de autoconhecimento por parte do aluno.
Desse modo será utilizado o método POPI – Programa de Orientação Profissional
Intensivo, que se propõe a trabalhar tal demanda numa perspectiva de grupos psicodinâmicos
convidando os adolescentes para um encontro consigo mesmo na busca pela escolha. Nesse
sentido, a atuação do Psicólogo Escolar deve pautar-se em minimizar os efeitos gerados por
esse processo, como a ansiedade causada pela pressão sofrida tanto pelo social, como pela
família e escola, de modo a atuar em conjunto com toda a equipe pedagógica e corpo docente.

Método
Para a realização deste projeto fez-se inicialmente uma Avaliação Institucional a fim de
compreender a dinâmica de funcionamento do Instituto bem como se davam as relações neste
espaço. Para tanto foram realizadas visitas nas turmas de Ensino Médio Integrado para
apresentação e levantamento de demandas, entrevistas semiestruturadas com alguns professores
e articulação com o Setor Pedagógico e o serviço de Psicologia, que se encontra dentro deste,
para comunicação entre os setores.
Após a Avaliação, dentre outras demandas, identificou-se a emergência acerca do
assunto Orientação Profissional. Muitos alunos relataram a dificuldade que sentem frente a
escolha do curso no vestibular como também a ansiedade gerada pela pressão em serem
aprovados.
Assim, abrimos inscrições para a 2º Oficina de Orientação Profissional do Instituto. Vale
ressaltar que a primeira foi realizada também por estagiárias da UESPI. Inicialmente, o projeto
de Intervenção foi escrito como um programa de oito encontros com 1 hora, que ocorreriam
semanalmente, a partir de atividades propostas em um grupo psicodinâmico.
No entanto, a partir de observações do psicólogo supervisor de campo, fomos instruídas
a diminuir este programa para uma menor quantidade de encontros a fim de evitar possíveis
evasões. A divulgação das inscrições foi realizada a partir de avisos nas salas de aula e colagem
de cartazes nos murais.
Duas turmas foram formadas com média de 21 inscritos em cada. Os encontros
aconteciam em dias e horários diferentes, com duração de 2h diárias. O programa foi organizado
baseado no método POPI, adaptado para o tempo e espaço disponibilizados dentro do estágio:
1º Encontro – Apresentação, Integração e Autoconhecimento (Medos e Desejos e
Autobiografia). Levantou-se os medos e desejos acerca da escolha profissional em subgrupos,
depois no grupo maior. Os alunos também escreveram sua autobiografia quanto os gostos e
conquistas ao longo da vida, depois a apresentaram em duplas.
2º Encontro – ENEM e Ansiedade (Significado do ENEM e Atividade de Relaxamento).
Fichas foram distribuídas para que os alunos pudessem colocar palavras que representassem os
significados do ENEM, depois discutiu-se as representações acerca destas palavras e por fim
elencou-se três principais dentre todas. Foi também realizado uma atividade de relaxamento

887
guiado, tendo em vista a proximidade da prova.
3º Encontro – Papel Profissional, Escolhas e Feedback (Técnica das Atividades
Profissionais e Role Playing). A partir de uma consigna a respeito das atividades que poderiam
desempenhar sentindo-se bem, os alunos puderam refletir sobre seus interesses, depois realizou-
se um role playing em que eles representaram algumas profissões que haviam citados. Ao fim
coletou-se um feedback do projeto até ali por meio da fala.
4º Encontro – Aberto a toda a comunidade do Instituto. Convidados de diversas áreas
profissionais falaram sobre suas experiências e sobre suas áreas de trabalho, os alunos puderam
tirar dúvidas e participar das discussões.

Resultados e Discussão
Inicialmente o campo se mostrou gigante, tanto em questão de espaço, de pessoal, de
níveis de ensino, como em demandas. Elencamos o Ensino Médio Integrado como público do
projeto por conta das demandas da adolescência e angústia gerada pela escolha do curso
superior, percebida como principal demanda elencada entre estes estudantes.
No entanto, encontramos vários desafios neste trabalho, o primeiro deles foi a
dificuldade em conciliar um horário para a Oficina em que os alunos de diferentes turmas, que
realizaram suas inscrições, não tivessem suas aulas prejudicadas. O choque de horários era
inevitável e diante disso contatamos professores e setor pedagógico numa tentativa de
negociação de horários para não prejudicar os alunos inscritos. A negociação ocorreu ainda com
o próprio grupo, de modo que pudéssemos encontrar o melhor dia para todos nos encontros
seguintes.
Diferente das perspectivas tradicionais, o Psicólogo Escolar de hoje não atua de maneira
isolada, a exemplo de atividades, como: avaliação, diagnóstico, atendimento de alunos e
encaminhamento. O Psicólogo Escolar deve atuar, principalmente, de maneira conjunta com as
outras instâncias escolares, de modo que uma dificuldade em uma dessas partes acaba por afetar
o todo. Nesse sentido, Martinez (2010) aborda como as relações que ocorrem entre os membros
da instituição, compreendem fatores que exercem influência não apenas nos modos de agir dos
atores do processo educacional, como também em seus estados emocionais, na sua satisfação
com a instituição e na motivação com a qual exercem as atividades.
No meio do projeto houve uma evasão significativa dos participantes, de modo que nos
últimos encontros apenas uma média de 4 alunos compareceram em cada turma. Após uma
avaliação do grupo e a partir de falas dos próprios alunos atribuímos como possíveis causas:
não adequação à proposta do projeto, uma vez que este não se propunha a oferecer respostas
prontas sobre que curso “deviam” fazer; a própria dinâmica de funcionamento da Instituição,
sua rotina e falta de tempo dos estudantes para atividades que não fossem rápidas e diretas;
Serviço de psicologia escolar ainda pouco estruturado, construção da prática no espaço e falta
de profissionais, uma vez que apenas 1 psicólogo escolar é responsável por toda a Instituição,
com seus 5970 alunos com matrículas efetuadas de acordo com a Plataforma Nilo Peçanha (9).
Vale ressaltar que a “OP brasileira nasceu sob forte influência da Psicometria, por volta
da década de 1920, em institutos de Psicologia Aplicada” (Carvalho e Marinho-Araújo, 2002,
p.222) Assim, as outras práticas na área, como a orientação profissional sob uma perspectiva

888
psicodinâmica, ainda constitui algo recente. Ou seja, ainda existe um imaginário que concebe
a orientação profissional apenas como aplicação de testes psicométricos, não envolvendo
também questões fundamentais como o autoconhecimento. Isso pode ser exemplificado por
algumas falas de alunos ao serem questionados sobre suas expectativas quanto à oficina:

Aluno 01: O que eu espero é poder esclarecer um pouco as minhas dúvidas em relação
ao curso que devo escolher saindo daqui com algo certo;

Aluno 02: A nossa rotina é muito puxada, não sobra tempo pra nada, se eu escolher o
curso errado vai ser mais tempo perdido, quero ganhar dinheiro logo.

Enquanto estagiárias, tivemos que lidar com o sentimento de frustração diante da evasão
dos alunos, questionamos nossa prática e tentamos o contato com os alunos para entender
melhor o que estava acontecendo. É necessário salientar que o momento ainda é de mudança
de paradigma no que diz respeito às práticas do Psicólogo Escolar, sendo assim, antes de tudo,
é necessário que todos os atores escolares tenham consciência do trabalho do Psicólogo Escolar,
principalmente os alunos. Eles atribuíram as faltas às revisões e proximidade do vestibular,
inclusive adiamos o encontro seguinte tendo em vista esta demanda, mas as faltas continuaram.
O problema era de fato mais profundo, falava de uma dinâmica da Instituição, onde o trabalho
da Psicologia Escolar ainda está se constituindo.
O feedback de quem permaneceu até o fim foi produtivo, os alunos falaram sobre o
lugar de fala, diálogo com o grupo e retorno para refletir sobre si e suas escolhas, o que mostra
como a proposta do projeto chegou em pelo menos alguns dos alunos:

Aluno 03: Eu gostei de parar um pouco para pensar sobre os meus interesses, poder
falar aqui faz a gente se aproximar disso.

Aluno 04: Foi bom estar aqui para organizar minhas opções, eram tantas que eu ficava
perdida, risos.

Aluno 05: O que eu mais gostei foi a parte do autoconhecimento, no dia a dia a gente
nunca para pra pensar em nós mesmos, nossas vontades, pude perceber como é
importante.

No último encontro fizemos novamente contatos com outros setores. Pudemos conhecer
uma Oficina de fanzine mediada por outro servidor da Instituição, sua proposta era sobre
promover um espaço artístico, político, mas também de fala. Diante disso, entendendo a relação
de escolhas profissionais, espaço político e lugar de fala, fizemos uma parceria, de modo que o
último encontro ocorreu para as duas oficinas e também foi aberto para demais alunos.
Neste encontro, convidados de diversas áreas profissionais, como Direito, Jornalismo,
Arquitetura, Medicina, Psicologia, Artes Visuais, Ciências Contábeis, Administração e
Engenharia, falaram sobre suas experiências, oportunidades na graduação e mercado.
Promoveu-se uma roda de conversa, alunos e convidados trocaram desejos, tiraram dúvidas e
sobretudo trocaram experiências. Foi um momento importante dentro do projeto no qual sua

889
proposta foi expandida para além do próprio grupo da Oficina de Orientação Profissional.

Considerações Finais
A Psicologia Escolar apresenta, no cenário atual, uma mudança de perspectiva tanto no
sentido teórico quanto no sentido prático. Sendo assim, não cabe mais ao Psicólogo Escolar um
fazer individualizante, que esteja voltado somente para o diagnóstico. Exige-se do Psicólogo
Escolar na atualidade, uma postura crítica, política, voltada principalmente para a inclusão de
todos os atores no processo educacional. Para tanto, faz-se necessário que, ao adentrar em um
campo de atuação, a prática desse profissional seja difundida e esclarecida dentro desse
contexto institucional.
Portanto, esse relato de experiência sobre um projeto de Orientação Profissional visa
explicitar as vivências dentro de um campo de atuação, cuja prática ainda está em construção.
Já que se trata de uma Instituição Federal, com uma demanda de alunos significativa que conta
apenas com 1 psicólogo escolar. Assim, conclui-se que por este ser um campo da Psicologia
ainda em expansão, existem ainda algumas dificuldades de atuação, já que a Psicologia Escolar
não acontece de maneira isolada, mas a partir da contribuição de todos os que fazem parte do
contexto educacional.

Referências
Aberastury, A. Adolescência. (1980). Porto Alegre: Artes Médicas.
Barreto, M. A. & Aiello-Vaisberg, T. (2007). Escolha profissional e dramática do viver
adolescente. Psicologia & Sociedade, 19(1), 107-114.
Carvalho, T. O. & Marinho-Araujo, C. M. (2010). Psicologia escolar e orientação
profissional: fortalecendo as convergências. Revista Brasileira de Orientação
Profissional, 11(2), 219-228.
Dazzani, M. V., & Souza, V. D. (2016). Psicologia Escolar Crítica: Teoria e prática nos
contextos educacionais. Campinas, SP: Alínea.
Koehler S. E. & Mata L. (2017) História da Psicologia Escolar e a Rede Federal de Ensino
Profissional e Tecnológica In Práticas em psicologia escolar: do ensino técnico ao
superior / Negreiros, F. & Souza, M. P. R. S [Organizadores] – 1 v. (pp. 16 – 34).
Teresina: EDUFPI.
Lisboa, M. D. (2002). Orientação profissional e mundo do trabalho: reflexões sobre uma nova
proposta frente a um novo cenário. In Jacquemin, A., Melo-Silva, L. L., Pasian, S. R.,
Levenfus, R. S., Soares, D. H. P., LEVENFUS, R., ... & KRAWULSKI, E. Orientação
vocacional ocupacional: Novos achados teóricos, técnicos e instrumentais para a clínica, a
escola e a empresa (pp. 33 - 49).
Martinez, A. M. (2010). O que pode fazer o psicólogo na escola?. Em aberto, 23(83).
Nunes, M. F. O. (2005). POPI-programa de orientação profissional intensivo: outra forma de

890
fazer orientação profissional. Avaliação Psicológica, 4(2), 205-208.
Peçanha, P. N. Available from: https://www.plataformanilopecanha.org/.
Ribeiro, M. A. (2003). Demandas em orientação profissional: um estudo exploratório em
escolas públicas. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 4(1-2), 141-151.
A ANSIEDADE E SEUS TRÊS PRINCIPAIS TRANSTORNOS QUE AFETAM O

891
DESEMPENHO ESCOLAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES.

Tallys Natan Feitosa Lira


Introdução

Allen, Leonard e Swedo (1995) afirmam que a ansiedade é um sentimento vago e


desagradável de medo e apreensão, caracterizado por tensão ou desconforto derivado de
antecipação de perigo, de algo desconhecido ou estranho. Quase 20 anos depois, Santos (2012)
caracteriza esse conceito como sentimento de constante nervosismo e com preocupações com
as circunstâncias da vida. Seja nos anos 1990 ou 2000, a ansiedade é um transtorno que vem
acometendo a população mundial cada vez mais. Segundo a Organização Mundial da saúde
(OMS) esse índice no ano de 1995 representava que 7,5% da população brasileira era ansiosa,
mas em 2015, 20 anos depois, os números subiram 1,8%, atingindo 9,3% da população, o que
colocou o Brasil como o país com maior número de indivíduos ansiosos no mundo.
Outro fator que impulsiona ainda mais para o aumento de casos de transtorno de
ansiedade, segundo a OMS (2015) são as condições socioeconômicas como: a pobreza, o
desemprego e o estilo de vida em grandes cidades. A América é o continente com mais casos,
destacando que as mulheres tendem a manifestar mais os sintomas do transtorno do que os
homens — quase o dobro do número de casos.
Nas crianças e adolescentes a ansiedade é um dos transtornos mentais mais frequentes,
segundo Asbahr (2004), só perde para o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade
(TDAH) e o Transtorno de Conduta. Um estudo populacional realizado no Brasil encontrou a
prevalência dos transtornos de ansiedade em crianças e adolescentes, respectivamente, de 4,6%
e 5,8% (Marchi et al., 2013), o que os coloca como um grupo de alerta de sujeitos ansiosos no
qual na maioria das vezes o transtorno é desenvolvido no ambiente escolar e Vianna, Campos
e Fernandez (2009) apontam que a avaliação por meio de notas pode despertar nos sujeitos que
estão sendo avaliado o lado competitivo, pois seria uma forma de ser aceito na sociedade, mas
quando não tem o êxito desejado esses sujeitos passam a viver em sofrimento.
Assim, esse artigo tem como objetivo explanar sobre a ansiedade em suas nuance,
passando de um transtorno mental a um desencadeador de problemas sociais e de aprendizagem
que pode afetar crianças e adolescentes, principalmente no período escolar com uma revisão
bibliográfica versando sobre o que os principais autores apresentam sobre o tema. Além do
exposto pretende-se analisar a relação da ansiedade com a dificuldade de aprendizagem de
alunos em idade escolar, buscando contribuir com intervenções que proporcionam a melhoria
de tal situação, mas, para tanto pretende-se abordar três quadros ansiosos específicos da
infância: O transtorno de ansiedade de separação na infância, transtorno de ansiedade
generalizada e o transtorno de ansiedade social na infância. Destaca-se a relevância da pesquisa
pelos números alarmantes que foram apontados anteriormente, demonstrando uma preocupação
necessária quanto à saúde mental, o que faz sentido quando se pensa que a discussão sobre
saúde mental e as políticas públicas para a mesma ainda precisam evoluir bastante no Brasil.
Métodos

892
A pesquisa a ser realizada neste trabalho pode ser classificada como uma revisão
bibliográfica, isto porque se vale de publicações científicas em periódicos e livros. A coleta de
dados para a construção do mesmo se deu pelas plataformas de pesquisa Scielo e Pubmed além
de livros de cunho psicopedagógico. Os critérios de inclusão foram: artigos em inglês e
português que tivesse como temática a ansiedade e problemas de aprendizagem.
Foi realizado pesquisas a partir das palavras-chave: ansiedade, aprendizagem e escola
onde não houve restrição quanto ao período de publicação dos artigos para que houvesse mais
abrangência quanto o que os autores apresentam sobre os três tipos de ansiedade abordados no
trabalho. Além de dar mais ênfase nos artigos que relacionava a ansiedade com problemas de
aprendizagem.

Resultados & Discussões

Transtorno de Ansiedade de Separação – TAS


O Transtorno de Ansiedade de Separação (TAS) é um dos principais fatores que afetam
crianças e adolescentes e Sylvester (2000) caracteriza-o como uma forma de ansiedade
excessiva em relação ao afastamento dos pais ou seus substitutos e há o sofrimento intensivo
que causa prejuízos significativos em diferentes áreas da vida da criança ou adolescente, pois
quando esses sujeitos estão sozinhos temem que algo possa acontecer como: sequestro, assalto
ou doenças que os afastem definitivamente dos seus pais ou responsável.
O TAS pode causar prejuízo ao indivíduo e a American Psychological Association -
APA (2000) diz que a ansiedade patológica pode levar o paciente ao desenvolvimento de
estratégias compensatórias para evitar o contato com aquilo que lhe causa temor. As
implicações de médio e longo prazo possíveis são a diminuição de autoestima e o desinteresse
pela vida e como consequência, March (1995) diz que esses sujeitos demonstram um
comportamento de apego excessivo a seus pais (não permitem o afastamento dos mesmos, para
dormir necessitam de companhia e resistem ao sono, pois “Com frequência mencionam
pesadelos que versam sobre seus amores de separação”. Recusa escolar também é comum
nesses pacientes (Last et al., 1996, p. 36).
Angold, Costello e Erkanli (1999) dizem que esse transtorno ainda pode apresentar
sintomas físicos como dores de cabeça, dor abdominal, desmaios, vertigens, tonturas, náuseas
e vômito. Por causa destes sintomas físicos, TAS é uma causa frequente de abstinência escolar
e de múltiplas visitas ao médico da família ou pediatra para descartar um problema clínico. Os
sintomas aparecem apenas em dias de escola e usualmente desaparecem assim que os pais
decidem que a criança ficará em casa.
Isso explica, segundo Anthony et al. (2002) a recusa escolar nos primeiros anos, em que
crianças na idade entre três e quatro anos têm o primeiro contato com a escola e
consequentemente o primeiro ato de separação dos pais ou responsáveis. Com isso a criança
manifesta pelo choro o desespero de ficar por um determinado tempo longe dos progenitores
fazendo com que ela não queira voltar para a escola e também que não haja interesse pelas as

893
atividades de aprendizagem e a interação em grupo.
Last (1996) afirma que embora o transtorno de ansiedade de separação possa ocorrer em
qualquer idade antes dos 18 anos, existe uma maior frequência deste transtorno na faixa etária
que vai dos sete aos nove anos de idade. Porém os sintomas são manifestados de acordo com a
idade e Francis (1987) diz que preocupações e pensamentos trágicos sobre os pais parecem estar
associados a crianças com idade entre cinco e oito anos.
A respeito da prevalência entre gêneros, Costello (1989) diz que há uma ocorrência
maior no sexo feminino e Francis (1987) relata uma associação entre condições
socioeconômicas desfavoráveis e transtorno de ansiedade sugerindo que 50% a 70% segundo
Vélez, Jhonson e Cohen (1989) ocorra em crianças com famílias de baixa renda.
Berg (1980) diz que as intervenções no âmbito escolar devem ser recomendadas para
que os professores iniciem um plano para promover o retorno da criança para a escola o mais
rápido possível, promovendo reuniões com os pais para facilitar a colaboração em estratégias
que ajudem a criança a normalizar a escolarização, avaliar as causa da recusa escolar da criança
e a tratar, fiscalizando a chegada da criança à escola, de preferência a mesma pessoa o tempo
todo.
Biederman, Rosenbaum e Bolduc-Murphy (1993) reforçam que no primeiro momento
deve-se permitir um dia escolar mais curto e depois prolongar gradualmente, conforme a criança
for amenizando os sintomas, assim como aponta a necessidade de que se identifique um lugar
seguro onde a criança possa ir para reduzir a ansiedade durante períodos de estresse,
identifiquem, também, um adulto seguro para quem a criança possa pedir conforto em todos os
momentos, sobretudo durante os períodos estressantes, promovam a prática de técnicas de
relaxamento desenvolvidas em casa e fornecer atividades alternativas para distrair a criança de
sintomas físicos.
Segundo Albano e Chorpita (1995) existem algumas evidências que a abordagem
cognitivo-comportamental e a psicoterapia dinâmica breve no Transtorno de Estresse Pós-
Traumático - TEPT em crianças e adolescentes têm eficácia. Em crianças mais jovens, a terapia
deve utilizar objetos intermediários como brinquedos ou desenhos para facilitar a comunicação,
evitando interpretações sem confirmação concretas sobre o que ocorreu, mas fornecendo
subsídios que permitem a elaboração da experiência traumática.

Transtorno de Ansiedade Generalizada – TAG

Outro transtorno comum em crianças e adolescentes é o Transtorno de Ansiedade


Generalizada, no qual segundo Bernstein, Borchardt e Perwien (1996) os indivíduos apresentam
medo excessivo, preocupações ou sentimento exagerados e irracionais a respeito de várias
situações, ficando constantemente tensos e dando a impressão de que qualquer situação é ou
pode ser provocadora de ansiedade.
Essas crianças normalmente estão muito preocupadas com os julgamentos dos demais
em relação a seu desempenho e precisam que pessoas do seu convívio reafirmem seu potencial
para que possam ficar tranquilas. Bernstein e Shaw (1997) afirmam que as crianças podem
apresentar dificuldade para relaxar, queixas somáticas e sinais de hiperatividade autônoma

894
como, por exemplo, palidez e tensão muscular, além de terem tendência a serem autoritárias.
Perwien (1997) ressalta que os pais devem ficar atentos a algumas características dos
sintomas de TAG em crianças como: indagações se os pais ou pessoas do seu convívio estão
falando a verdade, recusa a iniciar qualquer atividade nova, insegurança com o que executa,
irritabilidade quando alguém diz que ela está mentindo, preocupação e ansiedade constante.
March (1995) classifica essas crianças como difíceis, pois mantém o ambiente ao seu
redor tenso, provocam irritação nas pessoas de seu convívio pelo absurdo da situação, sendo
difícil acalmá-las e ter atividades rotineiras ou de lazer com elas. Bernstein (1997) fala que de
inicio o transtorno costuma ser insidioso, muitas vezes os pais têm dificuldades em precisar
quando começou e referem que foi se agravando até se tornar intolerável, normalmente é nessa
época que procuram atendimento.
Porém, mesmo sem muitos estudos a respeito disso alguns autores indicam a Terapia
Cognitiva Comportamental - TCC como um caminho para tratar o Transtorno de Ansiedade
Generalizada, afirmando que a abordagem cognitivo-comportamental tem se focando nos
principais sintomas com o objetivo de reverter o condicionamento de reação ansiosa. Essa
reversão se daria pela habituação ao estímulo, fazendo com que a criança ou adolescente
enfrente o objetivo temido, falando sobre o evento traumático (Amaya & March, 1995).

Transtorno de Ansiedade Social – TAS

Outra vertente da ansiedade em crianças e adolescentes é o Transtorno de Ansiedade


Social ou Fobia Social, muito comum, pode ser entendido como uma vivência exagerada e
persistente a estranhos. Chavira e Stein (2005) dizem que crianças com até dois anos e meio
tendem a não se sentir confortáveis perto de pessoas não familiares (estranhos) e esse
comportamento é esperado para a idade e deve ser entendido como normal quanto ao
desenvolvimento da criança.
Porém, passado essa fase, caso a criança continue persistindo na não construção de uma
vida social é possível que esse desconforto tenha se tornado patológico. O Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders – IV da APA (2000) apresenta alguns critérios para o
diagnóstico do TAS: medo persistente, excessivo ou irracional em situação que envolvam o
convívio social ou a exposição de pessoas estranhas ou possível gozação de terceiro,
demonstração de ansiedade imediata, assim como possível ataque de pânico resultado da
antecipação do contato com a situação social temida.
Crianças e adultos podem manifestar sintomas do TAS, mas as respostas nas crianças
são diferentes. Asbahr (2004) diz que a criança procura se afastar do ambiente com pessoas
estranhas e tendem a buscar proteção e segurança no ambiente familiar, pois além dos já
conhecidos ataques de pânico e choro, a criança pode ficar imóvel durante a situação. Na
adolescência, o sofrimento psíquico torna-se maior, pois a convivência passa a englobar outras
esferas sociais.
Segundo Beidel (1999) a escola é o ambiente onde 60% dos eventos estressadores
ocorrem e na lista das situações que são mais temidas consta: conversa com outras crianças,
fazer provas, apresentações artísticas e leitura em voz alta. Hofmann (1999) destaca escrever

895
no quadro negro e a realização de atividades esportivas.
O transtorno de ansiedade social só pode ser em crianças que apresentem habilidades
sociais adequadas a sua idade, com pessoas que lhe são familiares, segundo a APA (2000) é
necessário a presença de ansiedade em situações social não só com adultos, mas com crianças
da mesma idade, os indivíduos com TAS não precisam reconhecer o medo que sentem como
irracional, mas como sintomas que devem ter duração mínima de seis meses, esses critérios é
exclusivo por infanto-juvenis.
Novas tecnologias têm sido cada vez mais aceitas e incorporadas como recursos úteis
na área da psicologia, tanto no meio científico quanto na prestação de serviços como a clínica.
Barbosa (2013) diz que a utilização de recursos tecnológicos pode contribuir para a agilidade
do processo terapêutico e para o desenvolvimento de formas cada vez mais criativas e
produtivas de ação, uma delas é a tecnologia de Realidade Virtual (RV) que possibilita uma
atuação dinâmica e ativa.
Os estudos sobre terapia com uso de RV começaram a ganhar força, segundo Morina,
Brinkman e Hartanto (2014) visto que o recurso facilitador da técnica de exposição, como um
ambiente controlado para imersão de indivíduos com transtorno de ansiedade social (fobia
social) e, possibilitando a modelagem de comportamento social, assim passou a ser considerada
uma ferramenta promissora no processo da intervenção psicológica.
Segundo Zacarin (2017) um dos aspectos a ser considerado nas intervenções com RV
consiste na capacidade de o simulador promover senso de presença, que pode ser definido como
“o sentimento de ‘estar lá’ no ambiente virtual”, o qual envolve respostas públicas e privadas
provocadas por estímulos discriminativos e mantidas por consequência que o ambiente produz,
o autor chama de comportamento operante e respostas eliciadas por estímulos do ambiente
virtual.
De acordo com Qu, Brinkman e Ling (2014) senso de presença já é utilizada e se mostra
bastante relevante em técnicas terapêuticas como a exposição com prevenção de respostas e a
dessensibilização sistemática, visto que para a utilização da RV nessas técnicas é necessário
que o simulador apresente um conjunto de situações que provoquem desconforto ou ansiedade.
Além da exposição dessas situações de forma que podem ser programadas para ocorrer de modo
gradual, aumentando o nível de aversão conforme a tolerância do indivíduo.

Conclusão

O objetivo principal do presente trabalho de discorrer os principais transtornos de


ansiedade que afetam a aprendizagem de crianças e adolescentes foi cumprido ao longo do
estudo. Em síntese, esse trabalho se faz relevante justamente por informar a respeito do impacto
na aprendizagem causados a partir de um transtorno de difícil diagnóstico e até de certa
resistência por parte da sociedade de considerar que transtornos psíquicos são tão graves como
qualquer doença física, pois a princípio as pessoas esperam que os sintomas passem e que com
o tempo a aprendizagem normalize-se conforme a idade vai aumentando.
Porém, sabe-se que como qualquer outra doença, se não for diagnosticada e tratada os

896
sintomas tendem a piorar e o dano na criança pode ser ainda maior – o que reitera a importância
de falar sobre a saúde mental na escola e a quebra desse tabu na sociedade, mas, na prática,
ainda se esta distante de uma política pública de saúde mental com ênfase na psicopedagogia
que abranja as necessidades de milhares de alunos que sofrem não só com o transtorno de
ansiedade, mas também com vários outros que dificultem o processo de aprendizagem.
Com isso, é de conhecimento que o ensino de qualidade não é de total responsabilidade
do pedagogo, mas sim de um conjunto de profissionais que devem trabalhar em prol do
conhecimento e bem estar do aluno e cabe ao psicopedagogo contribuir para que essas metas
sejam alcançadas – Logo nos primeiros anos de vida escolar e progredindo por todo ensino.
Tira-se de lição com a conclusão desse artigo a importância do diagnóstico, tratamento
e intervenção em quaisquer casos de transtorno de ansiedade, pois, como mostraram os dados
podem ser mais comuns do que se imagina. A investigação em casos de dificuldade de
aprendizagem deve ser feita com rapidez por parte do psicopedagogo para que o problema seja
sanado, mas se destaca ainda, o papel da família como primordial para a progressão da criança
tanto no processo de aprendizagem quanto na resolutiva do transtorno.

Referências

Allen, A.J., Leonard, H., Swedo, S.E. (1995). Current know of medications for the treatment
of childhood anxiety disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry, 34, 976-986.
Albano, A.M., Chorpita B.F. (1995). Treatment of anxiety disordears of childhood. Psychiatr
Clin North Am, 18, 767-784.
Amaya-Jackson, L., March J.S. (1995). Posttraumatic stress disorder. Anxiety disorders in
children and adolescents, 276-300.
Bernstein, G.A., Borchardt, C.M., Perwien, A.R. (1996). Anxiety disorders in children and
adolescents: a review of the past 10 years. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry, 35,
1119-11120.nstein, G.A., Shaw, K. (1997). Practice parameters for the assessment and
treatment of children and adolescents with anxiety disorders. J Am Acad Child Adolesc
Psychiatry, 36,69-84.
Santos, M.A., Rossi, L.A., Paiva, L., Dantas R.A.S., Pompeo, D.A., Machado, E.C.B. (2012).
Measure of anxiety and depression in postoperative patients undergoing elective
surgeries, REE, 14,4, 922-927.
Qu, C., Brinkman, W., Ling, Y., Wiggers, P., & Heynderickx, I. (2014). Conversation with a
virtual human: Synthetic emotions and human responses. Computers in Human
Behavior, 34, 58-68.
Zacarin, M. R. J., Borloti, E., Santos, A., Perandré, Y. H. T., Melo, C. M. & Haydu, V. B.
(2017). Senso de presença: Proposta de uma definição analítico-comportamental. Acta
Comportamentalia. 25(2), 249-263.
Morina, N., Brinkman, W-P., Hartanto, D., & Emmelkamp, P. M. G. (2014). Sense of

897
presence and anxiety during virtual social interactions between a human and virtual
humans. Acta comportamentalia, 18, 37-39.
Barbosa, J. I. C. (2013). Terapia por realidade virtual (VRET): Uma leitura analítico-
comportamental. Boletim Contexto - ABPMC, 38, 113-132.
APA. (2000) American Psychiatric Association. Practice guideline for the treatment of
pacients with schizophrenia.
American Psychiatric Association. (1994) DSM IV Diagnostic and Statistical Manual for
Mental Disorders, 4th version.
Amaya-Jackson L., March J.M.(1995). Posttraumatic stress disorder. Anxiety disorders in
children and adolescents, 276-300.
Asbahr, F. (2004). Transtornos ansiosos na infância e adolescência: aspectos clínicos e
neurobiológicos. Jornal de Pediatria, 80 (2), 28-34.
Chavira, D. A. & Stein, M. B. (2005). Childhood social anxiety disorder: from understanding
to treatment. Child & Adolescent Psychiatric Clinics of North America, 14 (4), 797-
818.
Francis, G.; Last, C. G. & Strauss, C. C. (1987). Expression of separation anxiety disorder:
The roles of age and gender. Child Psychiatry and Human Development, 18, 82-89.
Hofmann, S. G.; Albano, A. M.; Heimberg, R. G.; Tracey, S.; Chorpita, B. F. & Barlow, D.
H. (1999). Subtypes of social phobia in adolescents. Depression and Anxiety, 9, 15-18.
Last, C. G.; Perrin, S.; Hersen, M. & Kazdin, A. E. (1996). A prospective study of childhood
anxiety disorders. Journal of American Academy of Child and Adolescent Psychiatry,
35, 1502-1510.
Organização Mundial de Saúde (1995). Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados à Saúde. Porto Alegre (RS): Editora Artmed.
O PSICÓLOGO ESCOLAR FRENTE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS NA ESCOLA

898
Esthela Sá Cunha
Introdução
O trabalho do psicólogo na educação básica se apresenta como um campo de desafios e
dificuldades inerentes à prática do saber do profissional de psicologia e também à complexidade
do espaço em que está atuando. A escola como lócus de múltiplas singularidades que se
conectam, atravessada por diferentes atores sociais, realidades sociais e econômicas diversas
que se propõem às mesmas condições no processo de ensinar e aprender, requer desse
profissional uma formação embasada, além dos princípios éticos e políticos da profissão, numa
formação social comprometida com o contexto em que a escola está inserida. Tal formação
social se mostra necessária principalmente quando falamos em escolas públicas que enfrentam
complexos problemas estruturais, principalmente no que diz respeito à oferta de recursos
necessários a uma educação de qualidade: baixos salários dos professores, decadência
estrutural, falta de materiais e merenda, ausência de laboratórios e superlotação das salas, etc.
Além disso, quando essa escola atende a uma população economicamente desfavorecida ou está
inserida em contextos de violência e desigualdades, esta formação se torna essencial para a
efetividade do trabalho do psicólogo naquele espaço. De acordo com Bock (2016), embora o
Brasil se coloque entre as nações campeãs de desigualdade social, a Psicologia tem
desvalorizado ou ignorado essa desigualdade como um aspecto determinante da constituição
das subjetividades.
Segundo as Referências Técnicas Para Atuação de Psicólogas(os) na Educação Básica
do Concelho Federal de Psicologia (2103), não se pode compreender a Educação sem inseri-la
no contexto das políticas econômicas, das políticas públicas, assim como das políticas sociais
que lhes dão suporte, sendo de suma importância um cuidado especial para que essas
terminologias não sejam incorporadas ao cotidiano de trabalho desses profissionais, em
diferentes áreas, sem serem bem compreendidas, analisadas e debatidas. Nesse sentido, uma
formação voltada para o entendimento e enfrentamento das desigualdades é imprescindível para
a compreensão das dificuldades e dos desafios propostos diariamente aos profissionais de
psicologia no cotidiano escolar, ademais, é importante apontar que essa formação não se reduz
somente a esse profissional, mas requer que qualquer outro envolvido de forma direta ou
indireta com a educação esteja sujeito.
O trabalho da psicologia no contexto da Educação Básica também consiste em
contribuir para a transformação social, na medida em que elenca um papel de desconstrução de
certas práticas institucionais que tendem a enxergar os discentes como iguais no processo de
aprendizagem, favorecendo a construção de um olhar diferenciado em face da pluralidade de
singularidades que emergem nesse espaço. De acordo com Sawaia (2009), embora por trás da
desigualdade social haja sofrimento, medo, humilhação, há também o extraordinário milagre
humano da vontade de ser feliz e de recomeçar onde qualquer esperança parece morta.

A escola como um campo de desigualdades


Embora a educação possua um papel importante na diminuição das desigualdades

899
sociais, é inconteste que o sistema educacional elicia certas práticas que, de forma direta, acaba
por agravar ainda mais a situação das desigualdades entre seus constituintes. Nesse sentido, a
consideração da heterogeneidade é fundamental para que as práticas educativas sejam
realmente efetivas, visto que nem todos os sujeitos apresentam condições igualitárias no
processo de aprendizagem.
Uma tendência muito forte na área da educação, que prejudica a obtenção de
conhecimento, está alicerçada no fato de o sistema educacional possuir uma grade curricular
demasiadamente voltada para o indivíduo enquanto sujeito universal, que possui um mesmo
substrato cognitivo para a aprendizagem, desconsiderando as histórias de vida diferentes de
cada sujeito. Tal deficiência é verificada quando a escola propõe atividades padronizadas, não
dá suporte necessário às condições de aprendizado de cada um e/ou exige um desempenho meta
para todos os indivíduos sem exceção.
Lane (2006), ao falar sobre um certo caráter seletivo da escola, aponta para a tendência
de maior rendimento escolar àquelas crianças e adolescentes que possuem uma “visão de
mundo” semelhante ao do professor ou àquele que é esperado e valorizado pela escola. Nesse
sentido, é desse modo que aquelas crianças cujo ambiente familiar pouca coisa tem em comum
com aquele que é visado e trabalhado na escola, se sentem estranhas e marginalizadas, visto
que sempre que alguns alunos forem capazes de atender às expectativas do professor, é o
bastante para que se estabeleça um padrão de "bom" e "mau" aluno, que vai sendo reforçado ao
longo dos anos e assim selecionando, não os mais aptos, mas os que se aproximam mais da
visão de mundo inerente aos padrões dominantes (Lane, 2006).
Essa problemática se agrava quando os professores, os núcleos gestores e as secretarias
de educação municipais e estaduais reforçam uma ideologia voltada ao desempenho nas
inúmeras áreas de conhecimento, privilegiando os objetivos e metas mais significativas
alcançadas, em detrimento daquilo que poderia melhorar, das transformações mais sutis ou até
mesmo daquilo que se constitui como uma barreira no processo de aprendizagem. Nesse
sentido, a escola compreendida enquanto instituição que produz e reproduz as contradições da
sociedade na qual está inserida, nem sempre está assegurando o exercício de uma cidadania
ativa (CFP-2013).
As histórias de vida de cada sujeito são negligenciadas a favor do cumprimento de um
sistema quantitativo, que ver no aumento da estatística, números e índices a melhoria na
qualidade do ensino, quando, sabemos, não ser totalmente eficaz para medir a qualidade e a
melhoria no ensino, pelo contrário, pode se tornar uma forma inapropriada de mensurar o
conhecimento daqueles que estão sendo testados.
Nesse sentido, é necessário aos profissionais de psicologia, assim como outros
profissionais na área da educação, atentar-se à realidade de institucionalização de certas práticas
que contribuem para o aumento das contradições entre os discentes, assim como na proposição
de atividades e práticas que privilegiem a atenção aos sujeitos em situação de negligência, em
dificuldades econômicas, violência e conflitos familiares; assim como qualquer fenômeno que
tenha implicância direta ou indireta com o processo de formação educacional. Assim, uma
formação voltada para o campo do estudo das desigualdades se faz necessária ao profissional
psicólogo para a devida compreensão dos conflitos que perpassam e atravessam a educação dos
discentes.
900
A formação do psicólogo
A profissão de psicólogo no Brasil foi regulamentada em março de 1962, desde então,
a psicologia foi conquistando espaços de promoção da saúde mental e inserindo-se em múltiplos
campos de atuação. A educação é um desses campos que se constitui como uma área
interessante e contextualizada onde o profissional de psicologia pode atuar com êxito,
dependendo de uma adequada formação para tal.
A maioria dos sistemas educacionais, ao requerem a atuação dos profissionais de
psicologia na educação básica, dão ênfase numa formação voltada para o campo da psicologia
do desenvolvimento e a autores que elencam as teorias do desenvolvimento humano.
Evidentemente, tal campo é imprescindível para uma atuação eficaz dos psicólogos na área
educacional e, sem ela, muito provavelmente o trabalho desses profissionais não daria conta da
tentativa de compreender os sujeitos emergentes nesses espaços. No entanto, é necessário que
o currículo do psicólogo escolar ou os profissionais que trabalham em outras áreas da educação
tenha uma formação voltada também para a área social e comunitária. De acordo com Santos e
Toassa (2015), O ensino de psicologia escolar deve ser mais comprometido com a realidade
social, articulando essas duas esferas de modo a proporcionar uma identidade para a área.
Segundo Gonçalves (1999) apud Joly (2001), as áreas de estudo a seguir foram
destacadas como prioritárias para a atuação do psicólogo no campo escolar: Aprendizagem e
Desenvolvimento Humano, Educação Especial, Avaliação Psicoeducacional, Organização e
Funcionamento Escolar, Técnicas de Aconselhamento, Técnicas de Modificação do
Comportamento e Organização e Administração de Serviços. Nota-se que várias outras áreas,
que não deixam de ser essenciais, são bastante privilegiadas; uma formação social não foi
mencionada como essencial para essa atuação e tampouco foi considerada.
A literatura e prática da psicologia social e da psicologia comunitária tem muito a
contribuir para um trabalho efetivo dos psicólogos no contexto educacional, uma vez que
elencam os modos de inserção dos diferentes sujeitos nos mais diferentes ambientes, além de
proporcionarem uma compreensão dialética dos fenômenos sociais que emergem nesses
espaços. De acordo com Silva (2004), o social não se reduz à mera noção de sociabilidade, mas
elenca certas problemáticas, como um objeto construído e produzido a partir das mais diversas
práticas humanas e que não deixa de se transformar ao longo do tempo.
Nesse sentido, ao deixarmos de conceber um campo social, como o ambiente escolar,
como natural e passarmos a problematiza-lo, no sentido de considerarmos certas práticas como
construídas dentro de um campo de conflitos e não dadas naturalmente, certamente estaremos
propondo um campo de indagações que é essencial à transformação e à desnaturalização de
práticas excludentes e negligenciadas.
Quando falamos em educação, principalmente em educação pública, devemos pensar,
em primeiro lugar, que as instituições escolares não se limitam somente ao processo de ensinar
e aprender, mas que elencam inúmeros fenômenos na formação dos indivíduos. O ensino não
se reduz apenas ao conhecimento das disciplinas necessárias ao currículo acadêmico, mas
implica, sobretudo, uma formação voltada à cidadania e à criticidade dos sujeitos, pois são eles
que futuramente atuarão como agentes participativos na transmissão do conhecimento e dos
valores éticos e políticos à próxima geração.
Nesse sentido, para que o trabalho do psicólogo seja efetivado é necessária uma

901
formação que considere os indivíduos emersos em diferentes contextos de contradições. Não é
possível, por exemplo, propor práticas de intervenções padronizadas, no processo de ensino e
aprendizagem, para alunos que vivem em contexto de violência negligenciando ou ignorando
essa condição que, de forma muito direta tem implicações sérias no desenvolvimento do
indivíduo.
Dessa mesma forma, pobreza, conflitos familiares, exclusão social, violência,
criminalidade, uso de substâncias psicoativas, entre outros, são contextos que o psicólogo
escolar deve estar preparado para atuar efetivamente no campo educacional, são situações que,
uma vez negligenciadas, podem trazer inúmeras consequências sócio-emocionais para os
educandos. Além disso, é de suma importância fomentar a autonomia dos alunos frente a essas
dificuldades vivenciadas por cada um, incentivando a participação e integração de cada sujeito
num processo que vai muito mais além do ensinar e aprender.
De fato, a comunidade escolar pode se apresentar ao psicólogo(a) como carregado de
conflitos e dificuldades, deixando margem para a sensação de que este profissional nada pode
fazer diante desse campo de contradições, haja vista que, não raro, há uma demanda muito
grande nesse ambiente pelo fato da escola, quando possui, ter apenas um psicólogo disponível
para escuta qualificada, acolhimento e acompanhamento psicopedagógico. No entanto, é
necessário a completa interseção com os fenômenos que acontecem diante de nossos olhos,
assim, uma formação que compreende os estudos de fenômenos como a desigualdade,
violência, exclusão e criminalidade é essencial para um trabalho efetivo da psicologia no
ambiente escolar.
Segundo o Concelho Federal de Psicologia (2013), o resultado da aprendizagem, em
uma perspectiva crítica, é entendido como resultado das práticas sociais e escolares que a
produz. Nessa perspectiva, a (o) psicóloga (o) avança na compreensão desse processo quando
a analisa a partir de condições histórico-sociais determinadas. Sua superação depende de ação
que envolva os diferentes aspectos do processo de escolarização como as relações familiares,
grupos de amigos, práticas institucionais e contexto social. A complexidade do processo de
escolarização, numa sociedade marcada pela desigualdade, é refletida nas condições de acesso
e permanência nas escolas.

Conclusão
O campo educacional se apresenta ao profissional de psicologia, e a qualquer outro,
como uma área de relações permeada por contradições, desigualdades e diferenças individuais.
É muito mais do que um espaço de aprendizagem e formação, a escola se apresenta como um
ambiente de relações interpessoais, não se limitando à dimensão objetiva do processo de ensinar
e aprender, mas emergindo como campo de relações afetivas entre seus agentes formativos,
visto ser um espaço de socialização e de constituições de subjetividades.
Aos profissionais de psicologia e até mesmo os professores e gestores da educação
básica é importante elencar práticas educativas que considerem os modos de inserção de cada
indivíduo no processo educativo, levando em conta as dificuldades e potencialidades dos
sujeitos em face das diferenças individuais e sociais apresentadas por cada um. Diante de um
contexto plural, é necessário propor um campo de indagações que possibilite a reflexão acerca
da efetividade e finalidade do psicólogo escolar, e o que a psicologia tem a contribuir para

902
promover um processo de aprendizagem que proporcione o desenvolvimento das
potencialidades humanas, sem negligenciar ou excluir os múltiplos fatores que estão implicados
no desenvolvimento individual, embasando-se nos preceitos éticos e políticos implicados na
prática de sua profissão. Do ponto de vista da educação, é importante atentar sobre como essas
práticas impactam o modo como os diferentes sujeitos atuam no campo da socialização,
adquirindo uma postura crítica e reflexiva frente aos problemas sociais pertinentes.

Referências
Bock, A. M. B (2016). Psicologia e Desigualdade Social. Revista Psicologia, Diversidade e
Saúde.5(2) 255-262. http://dx.doi.10.17267/2317-3394rpds.v5i2.1112.
Conselho Federal de Psicologia - CFP. (2013). Referências técnicas para Atuação de
Psicólogas(os) na Educação Básica/Conselho Federal de Psicologia. - Brasília: CFP.
Recuperado em 10 de dezembro de 2018 de: https://site.cfp.org.br/wp-
content/uploads/2013/04/Refer%C3%AAncias-T%C3%A9cnicas-
paraAtua%C3%A7%C3%A3o-de-Psicologas-os-na-educa%C3%A7%C3%A3o-
b%C3%A1sica.pdf.
Joly, M. C. R. A. (2001). A formação do psicólogo escolar e a educação no terceiro milênio.
Psicologia Escolar e Educacional. 4(2) 51-55. Recuperado em 10 de dezembro de
2018 de:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-
85572000000200006&script=sci_arttext.
Lane, S. T. M. (2006). O que é psicologia social / Silvia T. Maurer Lane. — São Paulo:
Brasiliense. — (Coleção primeiros passos; 39). Recuperado em 18 de dezembro de
2018 de: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/139985/mod_resource/content/1/O-
que-%C3%A9-Psicologia-Social.pdf.
Santos, F. O., & Toassa, G. A. (2015). formação de Psicólogos sociais no Brasil: uma revisão
bibliográfica. Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar
e Educacional. (19)2 279-288. http://dx.doi.org/10.1590/2175-3539/2015/0192836.
Sawaia, B. B. (2009). Psicologia e desigualdade social: uma reflexão sobre liberdade e
transformação social. Psicologia & Sociedade. 21(3) 364-372.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822009000300010.
Silva, R. N. (2004). Notas para uma genealogia da psicologia social. Psicologia & Sociedade;
16(2) 12-19. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822004000200003.
A RELEVÂNCIA DA EMPATIA NA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO

903
Livia Gomes Viana-Meireles
Jonathan Silva de Araújo
Introdução
No cotidiano do ensino superior é exigido do jovem estudante um repertório de
conhecimentos e de habilidades sociais, que muitas vezes não estão completamente
desenvolvidas, mas que, se bem trabalhadas, irão contribuir para seu desempenho satisfatório
nas experiências deste ambiente (Soares & Del Prette, 2015). Na academia, aluno e professor
interferem e influenciam no comportamento um do outro, fato que torna importante que os
profissionais da educação tenham consciência de seu papel na formação de seus alunos (Pires,
Almeida & Jesus, 2013).
A motivação representa uma das dimensões psicológicas primordiais para a integração,
aprendizagem e sucesso acadêmico dentro do ambiente universitário (Ruiz, 2005). Há
influência do contexto socioeconômico em que os graduandos se inserem e de questões
oriundas do ambiente da sala de aula e do processo de ensino-aprendizagem onde a relação
professor-aluno é capaz de contribuir no processo motivacional tanto como elemento promotor
quanto como barreira nesse processo (Pereira, Nogueira & Cabette, 2017).
Outro fator importante na relação professor-aluno é a empatia. A empatia pode ser
definida como a habilidade de inferir o que o outro sente e pensa (De Waal, 2010), ou seja, seria
a capacidade de se colocar no lugar do outro e tal característica pode desempenhar papel
fundamental para o estabelecimento e manutenção de relações sociais (Barret, Dunbar & Lycett,
2002). Recomenda-se que as instituições de ensino superior conheçam e avaliem as
expectativas dos seus estudantes objetivando torná-las mais compatíveis com a realidade da
universidade e criar um ambiente acolhedor capaz de reduzir os índices de evasão e os custos
financeiros e sociais desta (Gomes & Soares, 2013).
Supõe-se que a empatia presente nas relações acadêmicas, seja importante na relação
entre professor e aluno. Em função disso, o presente trabalho possui como tema norteador o
estudo das habilidades empáticas de professores e a relação com a motivação de estudantes de
Psicologia para permanência no curso. No curso de Psicologia almeja-se formar profissionais
que possuam não somente um arcabouço teórico, mas também habilidades e competências úteis
ao desempenho da profissão, principalmente por esta se configurar como profissão em que as
relações interpessoais possuem um grande papel para uma boa relação terapêutica. A empatia
faz-se necessária como uma habilidade do psicólogo tanto no estabelecimento de vínculo
quanto na condução de terapia entre outras atividades.
Levando em conta que a empatia tem se demonstrado como uma característica comum
entre aqueles que escolhem a Psicologia como curso superior e profissão (Menezes, 2014)
formula-se a seguinte questão de pesquisa: Que relação pode ser encontrada entre os níveis de
empatia dos professores e o comprometimento dos acadêmicos com o Curso de Psicologia?
Este estudo busca compreender, de forma exploratória, como jovens universitários percebem a
importância das habilidades empáticas dos professores e a relação com o seu desenvolvimento
no contexto acadêmico.
904
Método
Participantes
A amostra foi selecionada por conveniência obedecendo aos seguintes critérios de
inclusão: estudantes regularmente matriculados no Curso de Graduação em Psicologia, com
idade de 18 a 24 anos, que estavam no mínimo no segundo período e que aceitaram participar
da pesquisa. Inicialmente a amostra seria definida a partir da técnica de “alocação proporcional”
(Cochran, 1977). Para assegurar que o número de estudantes fosse representativo da população
total de alunos de psicologia que no período de 2017.2 era de 420 alunos. Neste cálculo, a
amostra seria de 201 estudantes, no entanto, a idade de corte e a exclusão do primeiro semestre
diminuiu o número total de estudantes, sendo a amostra final de 43 alunos.
A amostra de professores igualmente selecionada por conveniência levou em
consideração o número total de professores que lecionam no segundo semestre do ano de 2017.
Foi verificado que uma amostra significativa seria quase a totalidade dos professores quando
se calcula a partir de 25 docentes efetivos, pois a amostra deveria possuir 22 professores do
Curso de Psicologia. Dessa forma, todos os professores foram contatados para participar, no
entanto apenas nove dos docentes confirmaram sua participação, receberam e retornaram os
questionários da pesquisa. Considerando que esta amostra poderia ser de difícil acesso e devido
ao tempo reduzido para coleta de dados, a amostra final ficou com nove professores
respondentes.

Procedimentos
A coleta de dados foi realizada de forma individual nas dependências do campus. A
aplicação dos questionários com os alunos foi realizada em conjunto com duas outras escalas
(Inventário de Habilidades sociais e Escala de Estratégias de Enfrentamento), que não serão
levados em conta nessa pesquisa, mas fazem parte de um projeto maior.
Inicialmente foram enviados e-mails para os professores do curso a fim de saber sobre
sua disponibilidade em participar da pesquisa. Anteriormente à aplicação do Inventario de
Empatia, foram informados sobre os objetivos da pesquisa, os riscos e benefícios e aqueles que
aceitarem participar terão acesso ao Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e aos
instrumentos da pesquisa. Os professores que confirmaram sua participação foram procurados
pelo pesquisador para entrega dos instrumentos, termo de consentimento e para explicações
sobre as respostas.

Instrumentos

Para amostra de alunos aplicou-se o “Questionário de avaliação da motivação em


atividades acadêmicas – Versão aluno” criado para esta pesquisa (em apêndice). O questionário
possui questões abertas em que o aluno deve responder sobre fatores motivadores,
desmotivadores para continuar cursando psicologia, assim como sobre o relacionamento
professor-aluno e características esperadas de um professor do curso. Para amostra de

905
professores, foi aplicado o “Questionário de avaliação da motivação em atividades acadêmicas
– Versão professor” (em apêndice), também criado para esse trabalho, que possui três itens
semelhantes aos três primeiros da versão para os alunos, mas voltado para a investigação da
percepção dos professores como lecionadores.
Optou-se por um questionário de perguntas abertas no intuito de explorar as percepções
dos alunos e dos professores e assim identificar a acurácia empática envolvendo a relação
professo-aluno. A acurácia empática diz respeito à concordância dos sentimentos entre duas
pessoas, ou seja, identifica-se se cada um compreende de maneira efetiva o que o outro pode
estar sentindo e pensando no momento da investigação (Lorimer & Jowett, 2010). No caso desta
pesquisa, pretende-se relacionar a percepção do aluno e do professor acerca da motivação para
o curso e do relacionamento entre professor e aluno.

Análise dos dados


O Inventário de Empatia (IE) aplicado com os professores foi analisado conforme os
dados normativos do artigo de validação (Falcone et al, 2008), dessa forma, foram calculados
os valores de médias aritméticas e desvios padrão dos quatro fatores: 1) Tomada de perspectiva
(TP), 2) Flexibilidade Interpessoal (FI), 3) Altruísmo (Al) e 4) Sensibilidade Afetiva (SA), com
valores do Teste t de Student e sua significância. Os resultados do IE foram relacionados, por
meio do teste de correlação de Pearson, aos dados sociodemográficos da amostra, a fim de
identificar quais variáveis sociodemográficas podem afetar os escores nos diferentes fatores do
IE.
O questionário dos professores e dos alunos foram analisados a partir da análise de
conteúdo de acordo com o modelo proposto por Bardin (2009) composto por categorias, a fim
de analisar as respostas aos questionários. A escolha deste tipo de análise se deu objetivando
compreender, criticamente, o sentido e o conteúdo das respostas aos questionários e assim
responder os objetivos da pesquisa.

Resultados
A amostra final dos professores contou com nove participantes, destes 77,8% eram
mulheres, enquanto que 22% eram homens. A porcentagem de professores efetivos foi de
66,7% enquanto a de professores substitutos foi de 33,3%. A média de idade foi de 35,2 anos
(± 8,1). Entre os participantes 33,3% têm mestrado, 33,3% têm doutorado, 22,2% têm
especialização e 11,2% têm pós-doutorado.
A amostra final de alunos foi composta por 43 estudantes. O maior percentual
apresentado em relação ao sexo foi o de mulheres, 76,7%. Os períodos que aparecem com maior
frequência foram o segundo (14%), o quarto (30,2%) e o décimo (20,9%) períodos. A maior
parte, 93% dos alunos não trabalham. Dos participantes, 79,1% não nasceram na cidade em que
se localiza o curso e 69,8% vieram apenas para cursar Psicologia. 67,4% dos discentes que
participaram da pesquisa já fizeram algum tipo de uso do Serviço Escola de Psicologia (SEP).
Inventário de Empatia – amostra de professores

906
Para análise do IE foi levado em consideração os dados normativos do estudo de
validação do instrumento (Falcone et al, 2008) que apresenta os seguintes números para cada
fator na Tabela 1.

Tabela 1: Dados normativos do IE, conforme artigo de validação Falcone (2008)

Fator Valor Mínimo Média Valor Máximo

Tomada de 33,56 40,92 48,28


perspectiva (TP)

Flexibilidade 24,68 31,08 37,48


Interpessoal (FI)

Sensibilidade 30,08 34,92 39,76


Afetiva (SA)

Altruísmo (AL) 16,51 22,46 28,41

Fonte: Autores

Para os professores participantes desta amostra a média para os fatores TP foi de 41,57
(DP 5,2), para FI 31,86 (DP 3,4), para SA 33,45 (DP 2,1) e para AL foi 28,13 (DP 2,1). Esses
resultados apontam que os professores tiveram escores compatíveis com as médias dos dados
normativos do IE, tendo o Altruísmo um resultado acima da média, aproximando-se do valor
máximo encontrado na amostra normativa.
Os resultados demonstram que os professores têm uma capacidade mediana de colocar-
se no lugar do outro, reconhecendo e compreendendo seu modo de pensar e agir, sendo flexível
e aceitando sem julgamento as crenças e valores do outro. Em um dos componentes afetivos da
empatia, o altruísmo, o grupo de professores respondentes apresentou um escore acima da
média o que sugere que, para esses professores, fica em destaque a característica de suspender
temporariamente as próprias necessidades para atender as demandas alheias, o que parece ser
especialmente importante no processo de ensino. Não houve relação estatisticamente
significativa entre os itens TP, SA, FI e AL e os dados sociodemográficos levantados (sexo,
idade, ser professor efetivo ou substituto) quando analisados pelo Teste t de Student.

Questionário de avaliação da motivação em atividades acadêmicas – Versão professor

As respostas dos participantes geraram duas categorias principais de fatores


motivadores que foram denominadas respectivamente de “Prazer e amor pela profissão” e
“Responsabilidade pela formação”.
Relacionado o conteúdo referente à primeira categoria, “Prazer e amor pela profissão”,
observa-se fatores que apontam a motivação intrínseca, guiada pela satisfação própria quando
alguns professores apresentam o amor e o prazer pelo trabalho como um dos principais motivos
para continuar lecionando. A segunda categoria demonstra a existência de um prazer em seu

907
papel social como formador de profissionais. Foram encontradas três respostas que
exemplificam a motivação dos professores como “poder estar ajudando a formar novos
profissionais”, “poder contribuir na formação de psicólogos mais comprometidos consigo
próprio” e “o sentimento de utilidade frente à vida profissional do outro”.
Por outro lado, sobre os fatores que são considerados como desmotivadores surgiram
respostas variando de “Situação social e política atual” e a “Sobrecarga de atividades”. No
entanto, para alguns professores participantes eles consideraram não haver nada que o
desmotive e para outros o maior desmotivador está relacionado à relação professor-aluno
quando eles citam o desinteresse do aluno pelo processo de aprendizagem.
As principais respostas sobre como os professores enxergam a relação entre discente e
docente giram em torno de afirmar haver importância. Essa relação também é vista com a “base
do processo de ensino-aprendizagem” por um dos participantes. Outro participante acredita que
o professor é um “modelo [que] pode ser positivo ou negativo e [que] irá influir na relação com
o aluno”. A importância desta relação para a motivação do aluno também é encontrada na
reposta de outro professor: “fundamental para a motivação e desenvolvimento de uma atividade
docente com afetividade”.

Questionário de avaliação da motivação acadêmica - versão Aluno


A análise dos questionários dos alunos gerou algumas categorias de análises. Em relação
aos fatores apontados como motivadores pelos alunos categorizamos as respostas em: “Relação
com professores”, “Finalizar o curso” e “Fatores intrínsecos”. Os fatores intrínsecos que
motivam a continuar cursando psicologia tiveram maior frequência nas respostas dos
participantes. A relação com os professores foi considerada importante para a vontade dos
alunos de continuar a formação. Os resultados também demonstram que a necessidade de
terminar o curso que já começaram aparece não somente nos últimos períodos.
Os dados apresentados como motivadores para finalizar o curso podem estar
relacionados com as expectativas que os pais têm sobre seus filhos no que diz respeito a possuir
uma graduação, tal como evidenciado na fala de um dos participantes: “fazer a vontade de meus
pais e ter uma graduação...”. Esse fator apesar de ser motivador, pode estar relacionado a
frustrações e um frágil comprometimento com as atividades exigidas.
Em relação as respostas dos alunos sobre os fatores que cooperam na desmotivação para
continuar cursando Psicologia obteve-se mais três categorias: “Carga horária do curso”, “Grade
curricular” e “Problemas ocasionais”.
Com relação à carga horária, isso se explica devido à natureza integral do curso que
exige disponibilidade de comparecer às aulas por vezes pela manhã e por vezes a tarde. Essa
situação talvez explique o grande número de participantes que não possui emprego fixo e, por
consequência, renda própria, já que o período disponível para trabalho regular (de segunda a
sexta) seria a noite, que em geral também é utilizado para a execução de trabalhos acadêmicos.
A saudade de casa e os problemas da distância da cidade natal esperados de uma amostra
quase majoritária de alunos que migraram apenas para fazer a graduação não chegaram a ser
representativos. No entanto, alguns participantes evidenciaram esse fenômeno nos trechos: “o
fato de morar longe de casa” e “às vezes a distância da cidade onde fica localizada o campus

908
para a minha cidade onde minha família mora”.
Quando foram diretamente questionados sobre a importância do relacionamento entre
professores e alunos, muitos estudantes citaram ser um fator indispensável e a “Importância do
respeito mútuo no processo de ensino”. Para os respondentes, em sua maioria, um bom
relacionamento entre docente e discente são fundamentais para que se possa desenvolver um
ambiente de ensino de qualidade e de troca de saberes. Alguns respondentes citaram como
fatores desmotivadores “a metodologia de alguns professores”, “professores que não
demonstram amor no que fazem” e “a falta de empatia de alguns professores”.
Um dos participantes aponta o respeito como algo que contribui para um “sentimento
de igualdade contra a autoridade excessiva dos professores”. O respeito também aparece nas
características que um professor de Psicologia deveria ter relacionado às “opiniões
divergentes”. As respostas apontam o valor que os alunos dão a relações onde eles sentem que
são valorizados e como essa relação é benéfica para seus processos. No entanto o papel do
professor representa uma autoridade em sala e isso implica em uma desigualdade necessária
onde os direitos e deveres são diferenciados.
Dentre as características apontadas pelos alunos como importantes em um professor de
Psicologia, alguns respondentes citaram “empatia na relação com os alunos” e “características
técnicas” tais como didática e postura ética.

Discussão
Os resultados apontam que os professores participantes dessa pesquisa tem um
repertório de empatia correspondente com a média da amostra normativa, sendo o altruísmo o
fator mais relevante. Levando em conta o contexto geral caracterizado pelo individualismo
contemporâneo (Perrusi, 2015) e o contexto de sala de aula onde os professores se encontram
submetidos às pressões institucionais como pressão por publicação, por rendimento na
formação dos alunos, aprendizagem de novos recursos tecnológicos, além de submissão a
normas técnicas tanto da instituição em que trabalham e as governamentais (Garcia &
Benevides-Pereira, 2003), percebe-se que alguns professores ainda mantêm a capacidade de
deixar essas dificuldades de lado e, eventualmente, atender aos interesses dos alunos.
Miranda (2017) evidencia a atual necessidade de preocupação, por parte dos sistemas
educativos, com a criação de mecanismos que favoreçam o altruísmo em detrimento do
individualismo recorrente na modernidade. Os dados sobre este fator se aproximam dos
resultados de Seno, Borges e Valadão Júnior (2014) no qual o professor na educação superior
fora caracterizado como um sujeito altruísta devido suas escolhas em prol dos outros. Os
resultados obtidos na análise dos questionários apontam valores considerados altruístas como
motivadores do trabalho dos professores na academia.
O fato do professor se sentir motivado a continuar lecionando pela necessidade de
contribuir para a formação dos alunos apontam a relação entre professor-aluno como um
importante motivador dos docentes. O ambiente da universidade permite não somente
encontros e trocas de conhecimentos, experiências, mas também a análise sobre prática da
docência que está relacionada tanto à empatia como o amor pelo trabalho de promover a
aprendizagem (Alfing & Boff, 2017). Para Santos (2010), o entusiasmo e o amor do professor

909
para com a ciência e os alunos podem e devem ser utilizados para motivar os alunos na
realização dos próprios esforços necessários à aprendizagem.
Apesar dos fatores que mantêm os professores motivados, por vezes os professores se
deparam com realidades e situações desmotivadoras como a falta de interesse dos alunos,
citados por parte dos professores participantes como fator desmotivador. As mudanças pelas
quais a sociedade e a universidade passam levam docentes e discentes a aflição em frente ao
desinteresse de alguns alunos, podendo relacionar esse problema com a imobilidade do sistema
educativo que às vezes atua pautado nos velhos valores antes instituídos, outras se desenvolve
em acordo com novas diretrizes, interesses e formas de construir identidade (Vasconcelos &
Gomes, 2015).
É possível que o desinteresse esteja relacionado com diversos fatores como a não
identificação com o curso, problemas pessoais e até a dificuldade de adaptação com modelos
de ensino participativos, levando em conta que o modelo anterior (do ensino médio) que é
tradicionalmente menos participativo. Teixeira, Castro e Piccolo (2007) indicam a possibilidade
de que alunos que enfrentam alterações de humor, dificuldades de concentração e ansiedade
podem evitar contatos sociais e acabar por não participar com os professores de forma informal.
Os autores sugerem que frente a alunos que demonstrem desinteresse pelo aprendizado há a
possibilidade de que os professores acabem por se mostrar menos disponíveis no atendimento
dos estudantes, o que reforçaria a desadaptação dos alunos ao ambiente acadêmico.
É possível inferir que ao se preocupar com a situação dos alunos e buscar entender a
perspectiva destes, as habilidades empáticas do professor de tomada de perspectiva e
sensibilidade afetiva poderiam ser contributivas para a identificação e resolução destas
dificuldades. Estas contribuições só seriam possíveis através da busca de estabelecer uma
relação com os discentes.
Quando analisadas as respostas dos alunos, os resultados apontam que a relação
professor-aluno é fundamental. A relação docente-discente tem seu clima determinado por seus
dois principais protagonistas, porém cada um desempenha um papel diferenciado dentro de sala
aonde o professor conduz e toma a maior parte das iniciativas já que suas atitudes influenciam
a aprendizagem. O comportamento do educador por sua vez fundamenta-se na sua própria
concepção sobre seu papel que é, em geral, uma representação da sociedade e de aspectos
culturais e políticos (Santos, 2010). Percebe-se a posição do professor como convidador e guia
para um processo de ensino-aprendizagem que busque pela autonomia dos alunos, cujos
aspectos que norteiam a motivação dos alunos a se manterem no curso de Psicologia são
analisados na sequência.
Evidenciou-se haver uma grande variedade de fatores desmotivadores e que a maioria
deles são ocasionais, ou seja, ocorrem uma vez ou outra. No entanto, os problemas relacionados
à estrutura do curso de Psicologia se fazem bastante expressivo. É possível que os fatores que
desmotivam os alunos estejam ligados à grade curricular e se relacionem com o histórico da
criação do curso, além da inexistência de matérias pertinentes às demandas da atualidade,
(como a tanatologia, psicologia positiva e as neurociências) ou mesmo matérias específicas de
algumas abordagens psicológicas. A oferta de matérias optativas, que no curso estudado atual
se reduz a três disciplinas (o exato número mínimo de matérias necessárias para a formação).
Levando em consideração os fatores levantados pelos participantes destaca-se a

910
importância de uma discussão para reformulação do Projeto Político Pedagógico dos cursos de
Psicologia, que deve acontecer de tempos em tempos. Segundo Bardagi, Bizarro, Andrade,
Audibert e Lassance (2008), as discussões sobre reforma curricular iniciaram em 1962 com a
crítica ao Currículo Mínimo de Psicologia, e em 2001 novas diretrizes para os cursos de
Psicologia foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação e instituiu que o currículo
deve ser baseado em competências e habilidades profissionais. Nesse sentido, a ampliação de
experiências práticas durante a graduação ajudaria no desenvolvimento de maturidade pessoal
e identidade profissional necessárias para a atuação do psicólogo (Bardagi et al., 2008). Nesse
sentido, os fatores desmotivadores citados pelos alunos podem indicar uma necessidade de
reformulação curricular do curso pesquisado. Vale ressaltar que após a coleta dos dados, deu-
se início a reforma curricular do referido curso, tendo inclusive contribuição dos alunos nessa
discussão.
A categoria “Finalizar o curso” aparece nos resultados dos fatores que motivam os
estudantes na graduação, parece ter sido associada a uma pressão ou obrigação de ter um curso
superior. Bardagi e Hutz (2008) sugerem que os alunos tendem a esconder suas insatisfações,
inseguranças e suspender o abandono do curso, pois se sentem incapazes de não concluir sua
formação ao levar em conta o investimento emocional, financeiro, as aspirações profissionais
e as expectativas da família. Sendo assim as expectativas sociais incluindo a familiar funcionam
como um fator que contribui para que os alunos continuem compromissados a concluir seu
curso.
Esses resultados parecem ser contrários aos encontrados nos estudos de Graciola, Olea
e Macke (2015) apontaram que apenas a promessa futura de um diploma não sustenta o
interesse para os alunos a continuarem o curso. No entanto, os autores colocam que esperar a
formação para só depois compreender o sentido da aplicação teórica na prática e a
multidisciplinaridade da atuação no mercado de trabalho pode ter relação causal com o
desinteresse, o que parece ser o caso dos participantes da atual pesquisa, pois o desinteresse dos
alunos foi apontado pelos professores como um dos desmotivadores a continuar lecionando no
curso.
Nota-se nos resultados que o relacionamento com os professores emerge como um fator
motivador a continuar cursando Psicologia para os alunos e se divide em dois campos
diferentes: acadêmico e pessoal. Sendo o professor universitário como profissional frente a um
público heterogêneo, possui o desafio de se adaptar frente contextos díspares (Graciola, Olea
& Macke, 2015) e levando em conta que a empatia é uma ferramenta que favorece as relações
ao capacitar a percepção e a reação apropriada à vivência do outro (Kirst-Conceição &
Martinelli, 2014), é possível supor que as habilidades empáticas tenham o que oferecer no
sentido de buscar resoluções e estratégias de ensino que façam sentido aos alunos e não acabem
sendo desmotivadoras.
Jasmi & Hin (2014) relacionam a motivação acadêmica dos alunos com os professores
que demonstram cuidado genuíno, confiança e apoio além de serem acessíveis e terem altas
expectativas, desde que complementadas com suporte. A função motivadora dessa relação
também foi constatada nas respostas dos professores que reconhecem seu papel como
facilitadores de processos. Esses resultados corroboram com o estudo de Cândido, Assis,
Ferreira e Sousa (2014) sobre a representatividade do professor do ensino superior de diversos
cursos (Psicologia não incluso), as respostas se dividem em um grupo mais acentuado que

911
valoriza características técnicas (ser didático, motivado, compromissado e profissional) e um
grupo menor que dá destaque ao lado pessoal do professor como indivíduo que se relaciona
com os alunos.

Considerações finais
Constatou-se que fatores intrínsecos foram mais presentes na motivação tanto nas
respostas dos professores em relação ao seu trabalho em docência quanto nas respostas dos
alunos em relação aos seus estudos. O amor e prazer em psicologia são compartilhados por
ambos mesmo que vivenciado de formas distintas a partir de seu papel no ensino-aprendizagem.
Os dois grupos identificam, apesar disso, vários elementos que enfraquecem sua motivação.
No que diz respeito a isso o desinteresse dos alunos em sua formação figura nas
respostas dos professores ao passo que o descontentamento com a grade curricular e com a
carga horária de estudos emerge nas respostas dos educandos, o que pode explicar tal
desinteresse para com as disciplinas e a formação. Quanto à relação entre alunos e professores,
em ambos os casos foram identificados uma relação com a motivação para os estudos. Entre as
características do professor trazidas pelos alunos houve proeminência das habilidades
empáticas e a bagagem técnica dos professores.
O presente trabalho confirma a importância de um bom relacionamento entre alunos e
os professores para a motivação não só dos estudos e compromisso com a formação por parte
dos discentes, mas também para a motivação e compromisso no ensino por parte dos docentes.
Além disso, fornece dados de que a empatia tem um papel expressivo dentro das expectativas
dos alunos de psicologia para esta relação. Essa pesquisa ajuda a visualizar a importância desta
temática tão pouco explorada no contexto do ensino superior.
No entanto, entre as limitações deste estudo está o número reduzido da amostra que não
permite que os resultados sejam generalizados. Também não foram observadas respostas que
correlacionassem diretamente a empatia do professor e a motivação para o compromisso como
os estudos. Houve dificuldades quanto à participação mais representativa da amostra de
professores que poderiam ser ampliadas em pesquisas futuras. Propõe-se que futuras pesquisas
investiguem de forma mais aprofunda a importância que aspectos diretamente relacionados à
empatia (pautados nas dimensões de TP, FI, AL e AS) possuem na motivação para uma amostra
ampliada de alunos. Também se propõe que sejam realizados estudos qualitativos com
entrevista com alunos e professores que possibilitem respostas mais específicas e ricas sobre o
valor e conceito de empatia. Seria proveitoso também comparar os resultados dessa importância
com diferentes cursos de psicologia, tanto públicos quanto privados.

Referências
Alfing, C. E. S. & Boff, E. T. O. (2017). Docência superior. Anais do Seminário de
Educação, Cruz Alta, RS, Brasil, 5(1), 259-262.
Bardagi, M. P., Bizarro, L., Andrade, A. M. J., Audibert, A. & Lassance, M. C. P. (2008).

912
Avaliação da formação e trajetória profissional na perspectiva de egressos de um curso
de Psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão, 28(2), 304-315.
Bardagi, M. P. & Hutz, C. S. (2008). Apoio parental percebido no contexto da escolha inicial
e da evasão de curso universitário. Revista Brasileira de Orientação Profissional,
9(2). 31-44.
Bardin, L. (2009) Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições.
Barret, L., Dubar, R. & Lycett, J. (2002). Human Evolutionary Psychology. Princeton:
Princeton University Press.
Cândido, C. M., Assis, M. R., Ferreira, N. T. & Souza, M. A. (2014). A representação social
do “bom professor” no ensino superior. Psicologia & Sociedade, 26(2).
Camargo, B. V. & Justo, A. M. (2013). IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de
dados textuais. Temas em Psicologia, 21(2), 513-518.
Carvalho, L. V. L. S. (2017). Respeito na relação professor-aluno: representações culturais
de alunos do 6º ano do ensino fundamental de uma escola pública de Porto Alegre-
RS. Trabalho de conclusão do curso de Pedagogia. Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil.
Cochran, W. G. (1977) Sampling techniques. New York: Wiley.
De Waal, F. (2010). A era da empatia: lições da natureza para uma sociedade mais gentil.
São Paulo: Companhia das letras.
Falcone, E. M. O., Ferreira, M. C., Luz, R. C. M., Fernandes, C. S., Faria, C. A., D’Augustin,
J.F., Sardinha, A. & Pinho, V. D. (2008). Inventário de Empatia (I.E.):
desenvolvimento e validação de uma medida brasileira. Avaliação Psicológica, 7(3),
321-334.
Garcia, L. P. & Benevides-Pereira, A. M. T. (2003). Investigando o burnout em professores
universitários. Revista Eletrônica InterAção Psy, 1(1), 76-89.
Gomes, G. & Soares, A. B. (2013). Inteligência, habilidades sociais e expectativas acadêmicas
no desempenho de estudantes universitários. Psicologia: Reflexão e Crítica, 26(4),
780-789.
Graciola, A. P., Bebber, S., Olea, P. M. & Macke, J. (2015). Prática reflexiva, envolvimento
crítico e inteligências múltiplas: Um estudo comparativo das competências de
professores universitários. Espacios, 36(19).
Jasmi, A. N. & Hin, L. C. (2014). Student-Teacher Relationship and student Academic
Motivation. Journal for Interdisciplinary Research in Education (JIRE), 4(1), 75-82.
Lahlou, S. (2012). Text mining methods: An answer to Chartier and Meunier. Papers on
Social Representations, 20(38),1-7.
Menezes, R. C. R. (2014). Perspectiva profissional em psicologia: um estudo sobre formação,
autoeficácia e empatia. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Sergipe,
São Cristovão, SE, Brasil.
Miranda, K. P. F. (2017). Ética, educação e docência no ensino superior: o professor em

913
perspectiva. Facit Business and Technology Journal, 1(3).
Pereira, A. A., Nogueira, A. B. L. & Cabette, R. E. S. (2017). Motivação em universitários:
análises de teses e dissertações entre 2000 e 2011. Psicologia Escolar e
Educacional, 21(2), 323-331.
Perrusi, A. (2015). Sofrimento psíquico, individualismo e uso de psicotrópicos: saúde mental
e individualidade contemporânea. Tempo Social, 27(1), 139-159.
Pires, B. P. D. E., Almeida, N. M. C. D. & Jesus, C. D. (2013). Docência universitária - o
olhar do aluno: um estudo das representações sociais de estudantes universitários
sobre o bom professor. Práxis Educacional Vitória da Conquista, 9(15), 187-208.
Ruiz, V. M. (2005). Aprendizagem em universitários: variáveis motivacionais (Tese de
Doutorado). Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
São Paulo.
Santos, S. C. D. (2010). O processo de ensino-aprendizagem e a relação professor-aluno:
aplicação dos" sete princípios para a boa prática na educação de Ensino
Superior". REGE Revista de Gestão, 8(1).
Soares, A. B. & Del Prette, Z. A. P. (2015). Habilidades sociais e adaptação à universidade:
Convergências e divergências dos construtos. Análise Psicológica, 33(2), 139-151.
Teixeira, M. A. P., Castro, G. D. & Piccolo, L. R., (2007). Adaptação à universidade em
estudantes universitários: um estudo correlacional. Interação em Psicologia, 11(2).
Vasconcelos, I. C. O. & Gomes, C. A. C. (2016). Jovens estudantes e seus professores:
Interação social e currículo dialógico. Psicoperspectivas, 15(1), 117-129.
EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO CONTEXTO ESCOLAR: HABILIDADES

914
SOCIOEMOCIONAIS NA PROMOÇÃO DE SAÚDE MENTAL

Callanda de Moura Matos


Karolinny Marques de Abreu Sales Rego
Nathan da Silva Cunha
Introdução

A importância da Educação em Saúde no âmbito pedagógico se faz presente, por ser


uma temática que envolve um pensar crítico e reflexivo sobre a prevenção e promoção de saúde
no cotidiano dos alunos. O presente artigo tem como objetivo geral compreender como a
Educação em Saúde aplicada em escolas públicas pode promover saúde mental. Dentre os
específicos estão: incentivar um olhar para si e para o outro; facilitar o reconhecimento e
desenvolvimento de habilidade interpessoais; investigar o papel do psicólogo escolar
educacional na promoção de saúde mental.
Dazzani (2010) sobre a importância de se refletir sobre a contribuição da psicologia para
o desenvolvimento de uma educação democrática, com o intuito de promover qualidade de vida
e trabalhe com os aspectos de saúde e cidadania dos educandos. Assim, o psicólogo no contexto
escolar deve proporcionar ações para promoção da saúde e do bem-estar.
Através da proposta de educação em saúde, Minto et al (2006), Quevedo e Conte (2016)
e Rodrigues et al (2010) comentam que a escola deve influenciar de modo positivo o
desenvolvimento dos estudantes, favorecendo o enfrentamento de adversidades e a construção
de soluções criativas para os problemas da vida, através de intervenções preventivas e de
promoção ao desenvolvimento de habilidades sociais. Nesse sentido, enfatiza-se que
habilidades de resolução de problemas interpessoais podem se constituir em fator de proteção,
na direção de fomentar um desenvolvimento saudável, com maior autonomia dos estudantes,
no que tange aos aspectos afetivos, sociais, cognitivos e interpessoais. Considerando-os assim,
sujeitos de ação-reflexão, em variadas dimensões: política, histórica e cultural.
O conceito de saúde, hoje mais holístico e global, onde envolve um “bem-estar físico,
mental e social” segundo a OMS (1946), é resultado de uma variedade de contextos e
experiências históricas e sociais, onde estar saudável é muito mais do que não estar doente.
Junto a isso, o conceito e prática em Educação em Saúde também tem se adequado às novas
realidades.
Segundo Brasil (2007, p.13), a Educação em Saúde é uma prática na qual existe a
participação ativa da comunidade, que proporciona informação, educação sanitária e aperfeiçoa
as atitudes indispensáveis para a vida. Com isso, considera-se importante atividades e projetos
dessa área em instituições de ensino, buscando propor mudanças e reflexões. A Educação em
Saúde deve provocar questionamento nos indivíduos, proporcionando questionamentos e novos
olhares para a realidade vivida, promovendo um sujeito crítico e capaz de transformar sua
realidade.
A Educação em Saúde ultrapassa os muros da escola e busca fomentar formas coletivas

915
de aperfeiçoar o olhar crítico em relação à realidade opressora e construir possibilidades de
enfrentamento, através da participação popular, o que pode ser iniciado dentro da escola e
expandido para toda a comunidade. Essa prática vai além de projetos e intervenções de
promoção à saúde, como cita Salci et al. (2013, p. 2), “é imprescindível a associação dessa
prática à comunicação, informação, educação e escuta qualificada”. Ou seja, é o
desenvolvimento de habilidades pessoais e ações comunitárias em que seja possível construir
ambientes com discussões sobre o sistema de saúde.
A implantação da Educação em Saúde em espaços públicos, como escolas, depende da
participação dos profissionais da saúde, assim como dos atores do ambiente escolar. Segundo
Taddei et al (2006), o professor tem importante papel na disseminação de práticas saudáveis,
por ser referência tanto para os indivíduos quanto de forma grupal. Com isso, é exigido desse
profissional maior informação e uma visão ampla e atualizada dos processos de saúde do
ambiente em que está inserido. Crivari e Berbel (como citado em Villardi, Cyrino & Berbel,
2015) corroboram que:

A formação do docente precisa centrar-se na promoção da saúde, entendida como


qualidade de vida; no processo de trabalho; na interdisciplinaridade; no
desenvolvimento de habilidades para ação social e na capacitação na educação em
saúde, a fim de formar bons cidadãos (p.17).

Observa-se, assim, a importância da formação completa do educador e da constante


atualização sobre os temas que ensina, assim como métodos de melhor transmissão desse
conhecimento.
No que tange a atuação do profissional de psicologia na área da Educação em Saúde,
engloba o aspecto, dentre outros, mais geral que é a Saúde Mental, que segundo Almeida (1998,
p. 4) “envolve os campos intra-individual, interrelacional ou intersubjetivo e, ainda o cultural,
enquanto expressão de conhecimentos, valores e ideais postos pela civilização humana”. Isso
significa o desenvolvimento de ações que promovam informação sobre transtornos mentais,
desenvolvimento de habilidades socioemocionais e esclarecimento sobre temas recorrentes no
contexto dos alunos; possibilitando, assim contemplar o enriquecimento de campos individual,
social e interacionais dos sujeitos.
A Saúde Mental de uma pessoa está relacionada a vários fatores que se interagem e
afetam entre si, com isso o modo com que ela reage às exigências ao seu redor e o modo como
ajustar-se suas emoções, pensamentos, percepções, habilidades, ideias, expectativas e
sociabilidade, dirá sobre a sua qualidade de vida. Não há uma definição oficial sobre saúde
mental. Sabemos que aspectos como: cultura, historicidade, genética, cognição, emocional,
dentre outros, contribuem para a saúde mental de um indivíduo. E a busca por esse equilíbrio e
os esforços para atingir a resiliência psicológica de forma contínua e constante pode nos
elucidar sobre esse fenômeno.
Com isso, o conceito de Saúde Mental é mais amplo que a ausência de “transtornos
mentais". Porém, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2003, p. 1) há uma
preocupação gradativa com o aumento nos últimos anos com as chamadas doenças crônicas no
mundo inteiro, dentre as quais estão os transtornos mentais:
916
Os problemas de saúde mental ocupam cinco posições no ranking das 10 principais
causas de incapacidade no mundo, totalizando 12% da carga global de doenças.
Atualmente, mais de 400 milhões de pessoas são acometidas por distúrbios mentais
ou comportamentais e, em virtude do envelhecimento populacional e do agravamento
dos problemas sociais, há probabilidade de o número de diagnósticos ser ainda maior.
Esse progressivo aumento na carga de doenças irá gerar um custo substancial em
termos de sofrimento, incapacidade e perda econômica.

Observa-se, portanto, que a incorporação das ações de saúde mental na atenção básica
é uma prioridade no cenário atual. Se tratando da saúde mental na adolescência, que já é
tradicionalmente conhecida como uma fase de instabilidade emocional e de explosão de
crescimento, com mudanças físicas e psicossociais. Baggio et al (2009) cita alguns fatores que
agravam o risco à para saúde mental, tais como: uso de álcool e drogas, dificuldades nas
relações familiares, baixa autoestima, exposição à violência, sentimentos depressivos, que
podem levar ao comportamento suicida que ocorre, muitas vezes, como reflexo de conflitos
internos, sentimentos de depressão e ansiedade que acompanham a profunda reorganização
física, psíquica e social que ocorre nessa fase da vida.
Visto a maior vulnerabilidade de adolescentes, principalmente em situação de risco,
nota-se a importância de trabalhar em cima de alguns fatores desfavoráveis, utilizando-se da
comunicação em saúde, que, conforme Loureiro et al. (2012) afirma, diz respeito ao estudo e
utilização de estratégias de comunicação para informar e para influenciar as decisões dos
indivíduos e das comunidades no sentido de promoverem a sua saúde.
A prevenção e o tratamento de transtornos mentais na infância e na adolescência têm
impacto concreto no futuro dos jovens, favorecendo a diminuição da criminalidade, do abuso
de substâncias, do fracasso, do abandono escolar, do desenvolvimento de transtornos de
personalidade e de transtornos mentais na vida adulta, além de propiciar que se desenvolvam
com maior capacidade de atuar como pais, como comenta Fleitlich e Goodman (2002). Dessa
forma é possível constatar que o adolescente quando tem seu desenvolvimento pautado em
estratégias para fortalecer sua saúde mental, torna-se um adulto que lida de forma mais assertiva
com as dificuldades que encontra durante a vida.
Tendo como uma estratégia de fortalecimento de saúde mental é através do
desenvolvimento das habilidades sociais. O comportamento do indivíduo deve permitir sua
inclusão ao meio, e seu desenvolvimento como um adulto confiante e seguro com maiores
probabilidades de uma boa saúde mental, conforme Lucca (2004). O que implica que a saúde
mental e habilidades interpessoais são influenciadas mutuamente e ambas impactam positiva
ou negativamente a vida do sujeito.
O desenvolvimento interpessoal é entendido como a capacidade para estabelecer e
manter interações sociais simultaneamente produtivas e satisfatórias diante de diferentes
interlocutores, situações e demandas. Essa habilidade cognitiva que envolve definir uma
situação humana interpessoal, identificar a existência de um problema, imaginar o maior
número de decisões alternativas de solução, prever as consequências e percebê-las com base na
perspectiva do outro, como afirma Dell Prette (1998, 2005). Sendo assim, tudo o que o
indivíduo provoca em relação a outro é manifestação de suas habilidades sociais e interpessoais,

917
ao mesmo tempo que aprende constantemente em suas relações.
As classes de habilidades sociais incluem, por exemplo, assertividade, empatia,
resolução de problemas interpessoais e comunicação, que podem ser utilizadas e combinadas
em um desempenho mais amplo e sujeito a critérios de avaliação em termos de competência
social, falado por Murta & Cols (2012). Essas habilidades podem tanto ajudar como atrapalhar
o adolescente na escola, tanto em relação à formação de vínculos quanto em seu desempenho
acadêmico, favorecendo ou desfavorecendo sua saúde mental.
Ciarrochi (como citado em Bolsoni-Silva et al 2010) encontraram correlação positiva
entre autorregulação e saúde mental, sobretudo estresse. (p. 63) Dessa forma, o desenvolver de
habilidades sociais implica em uma medida preventiva de saúde mental. Segundo Dell Prette
(1999), essas habilidades ajudam a favorecer as relações sociais positivas, além de auxiliarem
o indivíduo em situações como discriminação entre objetos, situações ou estímulos, aplicação
de regras, identificação, construção e resolução de problemas, constituindo-se em elementos
fundamentais para a competência social.
Dessa forma, é necessária uma preocupação dos educadores em relação a competência
social de seus alunos, pois o trabalho com habilidades sociais pode implicar em superação de
problemas tanto de aprendizagem, como de criação de vínculo com o outro, que é um fator
protetivo em saúde mental. A preocupação da escola em relação a essas habilidades vai além
do que o que já foi dito, também com a preparação da criança para a vida em sociedade.
Com isso, busca-se na Psicologia Escolar e Educacional, sendo uma subárea da
Psicologia definida por Martinez (como citado em Oliveira, 2009) como a “utilização da
Psicologia no contexto escolar, com o objetivo de contribuir para otimizar o processo educativo,
entendido este como completo processo de transmissão de cultura e de espaço de
desenvolvimento e subjetividade.” (p. 651)
A atuação do Psicólogo Escolar Educacional é compreendida por ações
preferencialmente coletivas, de caráter preventivo, multidisciplinar e visando a maior
integração dos sujeitos alvos das intervenções na comunidade escolar. Com isso, a presença do
Psicólogo Escolar Educacional em instituições de ensino como escolas públicas reforça a ideia
de que o sujeito tem que ser compreendido em todos os seus âmbitos; intelectual, social e
individual. É através desse profissional que é possível relacionar, de forma eficiente, aspectos
como aprendizagem e subjetividade, promovendo um desenvolvimento integral desse sujeito.
Conforme afirma Marinho-Araújo e Almeida (como citado em Oliveira, 2009):

A ação preventiva deve ser redirecionada para a compreensão e intervenção nas


relações interpessoais que permeiam a construção do conhecimento e da ação
pedagógica, sendo preciso que o psicólogo escolar instrumentalize-se para estudar e
entender as relações interpessoais como sendo sua unidade de análise, isto é, seu foco
de atenção e de intervenção (p. 07).

De acordo com Fonseca (como citado em dos Santos & Gonçalves, 2016) a
aprendizagem humana é um processo interativo, em que, portanto, vários componentes
genéticos, neurológicos, psicológicos, educacionais e sociais se interacionam. O Psicólogo
Escolar e Educacional investiga e intervém em todos esses fatores, englobando além do aluno,

918
a família, professores e equipe escolar; assegurando uma aprendizagem livre de variáveis que
possam diminuir a eficácia do trabalho realizado no âmbito escolar.
Levando em consideração a participação do Psicólogo Escolar e Educacional no âmbito
da Educação em Saúde é a partir da criação de projetos multidisciplinares sobre temas colhidos
no levantamento das demandas, que geralmente envolvem drogadição, sexualidade, identidade,
bullying, entre outros aspectos específicos de cada contexto. É importante esse profissional
saber interligar os temas com redes de apoio em saúde, não centralizando as ações apenas no
ambiente escolar, mas como expõe Brasil (2006, p. 5) “compondo redes de compromisso e
corresponsabilidades quanto à qualidade de vida, em que todos sejam partícipes no cuidado
com a saúde”. A partir disso entende-se que educação e saúde são assuntos que estão
intimamente correlacionados e o Psicólogo Escolar ajuda no encontro e desenvolvimento das
duas áreas.

Método
Tendo em vista o propósito deste estudo, optou-se por realizar uma pesquisa
exploratória descritiva, com um sistema de análise qualitativo. A pesquisa foi desenvolvida em
uma escola pública estadual, na cidade de Teresina/PI, situada na zona leste da cidade. As
atividades foram realizadas em formas de vivências, interativas e dinâmicas, em 5 turmas, do
7º, 8º e 9º anos. Os critérios para seleção foram: as observações das demandas de cada classe.
As técnicas utilizadas foram: observações sistemáticas; entrevista semiestruturada com
a equipe de professores e a coordenadora, para a coleta dos dados. As demandas observadas
foram: falta de respeito entre alunos e professores, bullying, saúde mental, drogadição. As
intervenções aconteceram através do método de pesquisa-ação, para Fonseca (2002, p. 34-35):

A pesquisa-ação pressupõe uma participação planejada do pesquisador na situação problemática a ser


investigada. O processo de pesquisa recorre a uma metodologia sistemática, no sentido de transformar as
realidades observadas, a partir da sua compreensão, conhecimento e compromisso para a ação dos
elementos envolvidos na pesquisa . . . O investigador abandona o papel de observador em proveito de
uma atitude participativa e de uma relação sujeito a sujeito com os outros parceiros. O pesquisador quando
participa na ação traz consigo uma série de conhecimentos que serão o substrato para a realização da sua
análise reflexiva sobre a realidade e os elementos que a integram. A reflexão sobre a prática implica em
modificações no conhecimento do pesquisador.

Pretende-se com esse método de pesquisa, uma reflexão e discussão dos temas
abordados, a fim de germinar uma mudança social naqueles participantes, como seres ativos e
reflexivos no processo, através da compreensão de aprendizagem coletiva e dialogada. E o
pesquisador contribui ao facilitar esse momento, ao possibilitar um lugar de fala e agregando
informações complementares sobre os assuntos.
As atividades foram planejadas pelas estagiárias de Psicologia, sob supervisão da
professora da Universidade Estadual do Piauí responsável pelo estágio em Educação em Saúde;
a psicóloga da Gerência Regional de Educação (GRE); e um psicólogo escolar educacional
externo. Escolheu-se trabalhar esses assuntos através de dinâmicas, vivências e roda de

919
conversa, com o intuito de promover a participação dos alunos.
A análise dos dados deu-se através da análise de conteúdo. Segundo Bardin (1979), ela
representa um conjunto de técnicas de análise das comunicações que visam a obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores
que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção
dessas mensagens. Com ela, podemos relacionar estruturas semânticas, sociológicas,
emocionais, psicossociais, contexto cultural, tudo como processos de produção de mensagem.
O projeto foi aprovado pelo Conselho de Ética da Universidade de origem. No momento
da entrevista e das intervenções, foram relidas as informações sobre a pesquisa, ressaltando o
caráter sigiloso da identidade, assegurando confidencialidade e apresentado o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, solicitando a assinatura do depoente e responsável pela
Instituição.

Resultados & Discussões

O objetivo das intervenções foi incentivar o olhar crítico dos alunos a respeito das
demandas encontradas, através de ações diferentes de aula expositiva, pois foi algo que eles
relataram que não gostavam. Como também possibilitar aos estudantes uma ampliação dos
assuntos que eles conheciam, como foi no caso da drogadição, cooperação e saúde mental.
Os temas que foram discutidos foram escolhidos baseado nos dados colhidos com a
coordenação, professores, alunos e observações, onde foi percebido alguns assuntos citados
com maior frequência e a necessidade de uma discussão a respeito deles, com o intuito de
diminuir conceitos errôneos e acrescentar outros pontos de vista.
Com isso, acreditamos na proposta de Yozo (1996), que fala sobre o trabalho em grupo
que deve evoluir do conhecimento pessoal para a interação com o outro. Afim, de uma
integração, troca de conhecimento, experiência e fortalecimento enquanto turma. Então foi
proposto atividades no formato de roda de conversa, para discussão coletiva de alguns temas,
de forma vivencial e com produção de material. Sendo dividido da seguinte forma para análise
e discussões: Integração do grupo; Valorização à Vida; Depressão; Cooperação;
Autoconhecimento; Drogas; Respeito e empatia.

Integração do grupo

Intervenção realizada com turma do 7° ano. Ao iniciarmos as intervenções, foi feito com
a dinâmica da teia, onde cada aluno, ao receber o novelo de lã, iria enrolar um pouco no dedo
e se apresentar falando nome e idade, depois iria jogar o novelo para alguém do círculo e falar
uma qualidade dessa pessoa. A pessoa que receberá faria o mesmo e isso iria acontecer até todas
as pessoas terem se apresentado. Ao final da dinâmica foi explicado sobre como a participação
de cada um no grupo foi essencial para a teia manter-se coesa e era isso que queríamos deles a
partir dali, que cada estudante se mobilizasse, participasse das atividades que iríamos levar mais

920
pra frente.
A utilização de dinâmicas de apresentação e integração do grupo se faz importante pois
segundo Perpétuo e Gonçalves (2005, p.2):

A dinâmica de grupo constitui um valioso instrumento educacional que pode ser


utilizado para trabalhar o ensino-aprendizagem quando opta-se por uma concepção de
educação que valoriza tanto a teoria quanto a prática e considera todos os envolvidos
neste processo como sujeitos.

Dessa forma, promove-se uma aprendizagem de forma significativa e criativa para os


alunos, além de inseri-los em um novo contexto, onde se há maior interação interpessoal e
possibilidade de contatos.

Valorização à Vida
A temática foi abordada com os alunos das duas turmas do oitavo e nono ano. Foi
desenvolvida com essas salas a dinâmica dos ciclos abertos e fechados, nessa atividade eles
ganharam dois pedaços de papel, no qual colocariam sobre o que perderam, por exemplo, podia
ser um cachorro ou algum objeto que eles gostavam e não tinham mais. Alguma perda
simbólica. Depois pedimos para escrever o que gostavam de fazer e o que esperavam para o
futuro. Em seguida, foi sugerido para rasgassem o papel que falava sobre suas perdas. Na roda
de conversa foi comentado sobre as perdas, o luto vivido, o acolhimento de momento difícil
vivido, os sentimentos que emergiram e os aprendizados obtidos a partir dessa experiência. Na
segunda parte da discussão foi focado em suas perspectivas, sonhos e desejos para o futuro,
uma forma de projeção de vida, sendo discutido o que cada um está fazendo hoje e o que poderia
ser feito, para alcançar os objetivos traçados. Havendo adesão da maioria dos participantes.
Essa atividade proporcionou aos jovens, primeiramente, um local de fala, em que
poderiam expressar seus sentimentos e pensamentos, algo que Melo et al (2005) consideram
fator de proteção para os riscos no período da adolescência. Todavia, as intervenções
psicológicas têm estimulado a troca, favorece a construção de diálogos e relações mais
espontâneas por meio do autoconhecimento e da autotransformação.

Depressão

Esse tema foi retratado em forma de roda de conversa com os alunos do 9º ano. Foi
iniciado com a exibição do vídeo do “cachorro preto chamado depressão”, como disparador
para discussão, onde foi capturado o que os alunos e a professora titular entendiam de
depressão, expuseram suas opiniões, e como facilitadoras fomos costurando o bate-papo,
desmitificando alguns mitos, trazendo informações relevantes para o conhecimento dos
mesmos, sintomas, sinais, tratamento, medidas protetivas, números de apoio, com o objetivo de

921
promoção de saúde. A maioria dos alunos participou desse momento.
Boa parte dos alunos dessa turma estão na fase da adolescência, momento em que muitas
mudanças acontecem, desde corporal, mental e social. O sujeito se vê em ambientes em que
precisa se integrar mais, como na escola, onde já é mais independente que na fase da infância.
Com isso, acontecem muitos conflitos que podem acarretar em alto nível de ansiedade e
depressão, para Levy 2007 (como citado em Biazus; Ramires, 2012) o período da adolescência
pode se tornar traumático e patológico, na medida em que o sujeito não consiga recriar um
sistema de representações que sustente sua nova experiência subjetiva, nem ligar os afetos por
ela suscitados. (p. 85) A partir disso, configura-se importante a explanação e esclarecimento
sobre a depressão, seus sinais e sintomas, tratamento, fatores de proteção, a fim de levantar a
discussão nos participantes sobre sua saúde mental, dos colegas, pessoas próximas com o intuito
de desmitificar, acolher, saber reconhecer e pedir ajuda nos dispositivos especializados.

Cooperação
Através da dinâmica da ilha, onde foi colocada uma folha de jornal aberta em uma
extremidade da sala com uma caixa de bombons em cima. Na outra extremidade foi colocada
uma folha de jornal para cada dupla de participantes, lado a lado. Cada dupla tinha que ficar de
pé sobre seus jornais, o objetivo era chegar ao outro lado da sala e se salvar na ilha, sem tocar
os pés no chão (o mar). O jornal poderia ser movido, mas não ser rasgado ao meio. Quem
tocasse no chão propositalmente seria desclassificado, e se dois grupos chegassem na ilha, eles
dividiriam o prêmio. Após a realização da prática iniciou-se a reflexão e aproximação com
sobre a temática. Foi escolhido um jogo cooperativo, pois umas das demandas observadas, na
turma do 7° ano, foi a falta de união entre os alunos e segundo Barreto (como citado em Soler
2006):

Jogos cooperativos são dinâmicas de grupo que têm por objetivo, em primeiro lugar,
despertar a consciência de cooperação, isto é, mostrar que a cooperação é uma
alternativa possível e saudável no campo das relações sociais; em segundo lugar,
promover efetivamente a cooperação entre as pessoas, na exata medida em que os
jogos são, eles próprios, experiências cooperativas (p. 21).

Sendo assim, nos jogos cooperativos uns jogam com os outros, ou seja, o mais
importante é com quem e como se joga, promovendo, assim, a união entre os alunos. Na
atividade desenvolvida na dinâmica da ilha, os alunos não buscaram a cooperação como
instrumento de alcançar objetivo, que era chegar até os bombons, porém, após a realização da
dinâmica houve uma discussão e reflexão entre alunos e facilitadoras sobre a importância da
cooperação para objetivos serem alcançados. Foi explicado como seria a resolução cooperativa
da dinâmica, onde todos os alunos se unissem e cada um fizesse sua parte, ou seja, utilizando
cada todas as folhas de jornal para se fazer uma ponte e todos os alunos ganhariam. Com isso,
foi discutido como era a cooperação na sala de aula, e alguns alunos comentaram acerca de eles
terem dificuldade em ajudar ao outro, por vários motivos, dentre eles, medo, receio, timidez,
egoísmo, prepotência. Os mesmos reconheceram que não eram atitudes assertivas e sugeriram
melhorias para a convivência cotidiana. A participação dos alunos demostrou uma reflexão

922
sobre cooperação, respeito e empatia.

Autoconhecimento
A atividade curtograma, que consiste em dar para os alunos papéis para que eles
exponham o que eles gostam e fazem; gostam e não fazem; não gostam e fazem e o que não
gostam e não fazem; e depois de feito isso, há uma discussão do que foi escrito. A atividade foi
desenvolvida na turma do 7° ano, com intuito de conhecer melhor os alunos da classe, e fazer
com que eles refletissem sobre si mesmos, sobre atividades escolares e familiares. Os alunos
foram bem participativos e se propuseram a escrever o que deveria ser feito de forma reflexiva,
ativos e conscientes.
Durante a adolescência surge a necessidade de desenvolver um senso de identidade, que
se desdobraria durante a juventude em uma maior necessidade de intimidade e individualidade,
conforme cita Ferreira (2003). A intervenção pautada em autoconhecimento proporciona ao
jovem a construção dessa identidade, e a consequência disso, por exemplo, pode ser a elevação
da autoestima, fazendo com que um dos fatores de risco à saúde mental seja abrandado.

Drogadição
Outra demanda observada no contexto escolar da turma do 7º ano foi a drogadição.
Considerando que o âmbito escolar tem o objetivo de formar cidadãos, a escola é um espaço
propício para discussão e prevenção sobre o uso de drogas. De acordo com Souza (2015, p. 70),
deve-se “abordar a temática das drogas priorizando discussões que apostem na capacidade dos
jovens de intervirem concretamente nos espaços sociais em que estão inseridos”. A proposta
foi de explanar esse assunto através de uma roda de conversa, onde foi proporcionado um
momento em que os alunos puderam falar o quanto sabiam sobre o tema, se conheciam os tipos
de drogas, as consequências do uso, junto a isso foi proporcionado uma desconstrução de
opiniões equivocadas sobre os usuários de drogas ao ser debatido os diversos fatores que
influenciam alguém a iniciar o uso e como preconceitos em relação aos usuários dificultam a
mudança do quadro, junto a isso houve o espaço para dúvidas ou comentários, como foi o caso;
surgiram relatos particulares em que presenciaram uso de droga por parte de alguém da família
ou amigos, sendo questionado quais efeitos/consequências poderia ter para a saúde dos
usuários, quais os tratamentos mais adequados para cada caso, informação sobre os locais; ao
final da discussão houve a confecção de cartazes pelos alunos sobre o que foi discutido, os quais
foram expostos nas paredes da escola, dando a possibilidade aos alunos de intervir no próprio
espaço escolar.
Como aponta Souza (2015, p. 1), que “para pensar a relação entre o uso de drogas e a
juventude, é necessário que se considere os vários contextos de vulnerabilidade e os marcadores
sociais que permeiam essa relação”. Com isso, levando em conta o contexto da escola em que
o projeto aconteceu, as queixas e demandas levantadas relacionadas a pouco acompanhamento
familiar, alto índice de criminalidade e falta de políticas de assistência social, nota-se a
importância de intervenções que tenham o tema de drogas como pauta, para que seja debatido,
combatido e prevenido.
923
Respeito e Empatia
Foi observado atitudes em relação ao bullying e desrespeitos dos alunos do 7° ano,
contra professores, estagiários e outros profissionais. Para tal, foi escolhida a atividade do balão,
onde foi entregue para cada aluno e dito que deveriam enchê-lo e esperar pelas instruções. Em
seguida foi dito que precisariam protegê-los e aquele que ficasse sem ser estourado ganharia
um prêmio simbólico, além disso também foi dado a eles palitos de dentes. Essa dinâmica tem
o intuito de adentrar nos temas de respeito e empatia. É sabido pela literatura segundo
Carvalhosa et al, (2001, p. 523) que:

Situações de violência que ocorrem, nas escolas, entre os jovens . . . está a ser motivo
de preocupação e interesse para os próprios alunos, pais, profissionais da educação e
da saúde, e comunicação social. As agora conhecidas e divulgadas consequências e
efeitos negativos destes comportamentos para o desenvolvimento e para a saúde
mental dos jovens envolvidos e para todo o público em geral.

Dessa forma, as facilitadoras interviram com intenção de educação para saúde mental
dos adolescentes. Durante a atividade desenvolvida, foi possível perceber que ao invés de
protegerem seus balões, que era a forma mais eficaz de receber o prêmio, a maioria dos alunos,
com exceção de uma aluna, preferiram furar o balão dos outros, além disso, foi percebida a falta
de respeito deles com as facilitadoras enquanto explicavam a atividade, pois começaram a furar
o balão do outro antes de ser sinalizado o início do jogo. Com a discussão posterior a atividade
falamos sobre respeito e empatia, e perguntamos se houve empatia naquela atividade visto que
todos eles furaram os balões uns dos outros, a maioria ficou em silêncio, e alguns alunos
concordaram, além disso, foi questionado como a atividade refletia no dia a dia deles na escola,
em suas relações com os colegas e professores.
Em seguida, foi dado uma segunda oportunidade para que eles exercitassem o respeito
pelo qual havíamos discutido. Propusemos uma outra tarefa, a dinâmica das diferenças. Para
essa dinâmica, precisou-se de folha de papel. Foi dada a instrução de que eles deveriam pegar
uma caneta e esperar. A comanda era para desenhar um rosto sem tirar a caneta do papel, e
tinham que escutar passo a passo do rosto de acordo com a instrução dada. Primeiro foi instruído
para que fizessem o nariz, depois os olhos, a boca e as orelhas, tudo sem tirar a caneta do papel.
Nessa atividade, todos prestaram atenção e fizeram cada passo como havia sido dito. Depois da
atividade extra foi perguntado a opinião deles, um dos alunos disse que a segunda atividade foi
melhor porque eles escutaram as instruções. Logo em seguida, foram instigados a discutir sobre
os desenhos, sendo falado que cada desenho estava diferente, alguns brincaram dizendo que o
desenho do outro era feio, e foi levado para a discussão essa diferenciação e estética de cada
trabalho, conversando que cada pessoa tem um traço diferente, percebia de forma diferente,
tinha um tempo diferente, porém todos deveriam ser respeitados, sem classificação e
julgamento.
Dessa forma, foi percebido o cumprimento dos nosso objetivos, que era promover
reflexão sobre respeito e empatia, pois além da mudança que eles apresentaram em relação à
seguir as instruções dadas pelas facilitadoras, ao final de todas as atividades recebemos um
feedback de um dos alunos participantes, ao qual dizia, sobre a dinâmica do balão: “gostei

924
porque fez eu perceber que tenho que respeitar o meu colega”. Percebeu-se que atividade gerou
reflexão, discussão e empatia sobre a temática, no qual as diferenças devem ser aceitas, pois o
ser humano é global, não podendo se resumir a uma única característica.

Referências
Almeida, S. F. C. (1998). O papel da escola na educação e prevenção em saúde mental.
Estilos da Clínica, 3(4), 112-119. Recuperado em 15 de outubro de 2019, de:
http://www.periodicos.usp.br/estic/article/view/60757.
Baggio, L., Palazzo, L. S. & Aerts, D. R. G. D. C. (2009). Planejamento suicida entre
adolescentes escolares: prevalência e fatores associados. Cadernos de Saúde Pública,
25(1), 142-150. Recuperado em 13 de outbro de 2019, de
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2009000100015&script=sci_arttext.
Bardin, L. (1979). Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70.
Biazus, C. B. & Ramires, V. R. R. (2012). Depressão na adolescência: uma problemática dos
vínculos. Psicologia estudos, Maringá, v. 17, n. 1, p. 83-91. Recuperado em 12 de
setembro de 2019, de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
73722012000100010&lng=en&nrm=iso.
Bolsoni-silva, A. T., Loureiro, S. R., Rosa, C. F. & Oliveira, M. C. F. A. (2010).
Caracterização das habilidades sociais de universitários. Contextos Clínicos, 3(1), 62-
75. Recuperado em 13 de março de 2020, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-
34822010000100007&lng=pt&tlng=pt.
Brasil. (2007). Ministério da Saúde. Caderno de Educação Popular e Saúde. Brasília.
Brasil. (2006). Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília.
Carvalhosa, S. F., Lima, L. M. & Margarida, G. (2001). Bullying: a provocação/vitimação
entre pares no contexto escolar português. Análise Psicológica, v.19, n.4, pp.523-537.
Recuperado em 12 de setembro de 2019, de:
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-
82312001000400004.
Dazzani, M. V. M. (2010). A psicologia escolar e a educação inclusiva: Uma leitura crítica.
Psicologia: ciência e profissão, v. 30, n. 2, pp. 362-375. Recuperado em 12 de
setembro de 2019, de:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
98932010000200011.
Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância:
teoria e prática. Editora Vozes Limitada.
Del Prette, A., Del Prette, Z. A. & Barreto, M. C. M. (1999). Habilidades sociales en la
formación profesional del psicólogo: análisis de un programa de intervención.
Psicología conductual, 7(1), 27-47. Recuperado em 22 de novembro de 2019, de:
https://www.researchgate.net/profile/Zilda_Del_Prette/publication/221931618_Social

925
_skills_in_the_training_of_psychologists_analysis_of_an_intervention_program_Habi
lidades_sociales_en_la_formacion_profesional_del_psicologo_analisis_de_un_progra
ma_de_intervencion/links/0912f511014a26617a000000.pdf.
Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (1998). Desenvolvimento interpessoal e educação
escolar: o enfoque das habilidades sociais. Temas psicologia, vol.6, n.3, pp. 217-229.
Recuperado em 23 de novembro de 2019, de:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1413-
389X1998000300005&script=sci_abstract&tlng=es.
Santos, J. V. & Gonçalves, C. M. (2016). Psicologia Educacional: Importância do Psicólogo
na Escola. Psicologia.pt:o portal dos psicólogos. Recuperado em 12 de setembro de
2019 de: https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1045.pdf.
Ferreira, D. T. (2003). Biblioterapia: Uma prática para o desenvolvimento pessoal. ETD –
Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 4, n. 2, pp. 35-47. Recuperado em 12 de
setembro de 2019 de
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/620.
Fleitlich, B. W; Goodman, R. (2002). Implantação e implementação de serviços de saúde
mental comunitários para crianças e adolescentes. Revista Brasileira Psiquiatria, São
Paulo, v. 24, n. 1, pp. 2. Recuperado em 07 de setembro de 2019 de
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151644462002000100002&l
ng=en&nrm=iso.
Fonseca, J. J. S. (2002). Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, Apostila.
Lucca, E. (2004). Habilidade Social: uma questão de qualidade de vida. In: Psicologia.pt:o
portal dos psicólogos. Recuperado em 06 de setembro de 2019 de:
http://www.psicologia.com.pt/artigos/textos/A0224.pdf.
Loureiro, L. M. J., Mendes, A. M. O. C., Barroso, T. M. M. D. A., Santos, J. C. P., Oliveira,
R. A. & Ferreira, R. O. Literacia em saúde mental de adolescentes e jovens: conceitos
e desafios. Revista de Enfermagem Referência, n. 6, pp. 157-166. Recuperado em 06
de dezembro de 2019 de:
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0874-
02832012000100015.
Melo, E. M.; Faria, H. P.; Melo, M. A. M.; Chaves, A. B.; Machado, G. P. (2005). Projeto
Meninos do Rio: mundo da vida, adolescência e riscos de saúde. Cadernos de Saúde
Pública, v. 21, n. 1, pp. 39-48. Recuperado em 06 de setembro de 2019 de:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2005000100005.
Minto, E. C., Pedro, C. P., Netto, J. R. C., Bugliani, M. A. P. & Gorayeb, R. (2006). Ensino
de habilidades de vida na escola: uma experiência com adolescentes. Psicologia em
Estudo, v. 11, n. 3, pp. 561-568. Recuperado em 06 de setembro de 2019 de:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-
73722006000300012&script=sci_abstract&tlng=pt.
Murta, S. G., Ribeiro, D. C., Rosa, I. O., Menezes, J. C. L., Ribeiro, M. R. S., Borges, O. S.,

926
Paulo, S. G., Oliveira, V., Miranda, V. H., Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. P. (2012).
Programa de Habilidades Interpessoais e Direitos para Adolescentes. Psico-USF, v.
17, n. 1, pp. 21-32. Recuperado em 06 de setembro de 2019, de:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141382712012000100004&script=sci_abstract
&tlng=pt.
Oliveira, C. B E.; Marinho-Araujo, C. M. (2009). Psicologia escolar: cenários atuais. Estudos
pesquisa psicologia, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3. Recuperado em 06 de setembro de 2019
de:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808428120090003000
07&lng=pt&nrm=iso.
Organização Mundial da Saúde - OMS (2003). Cuidados inovadores para condições
crônicas: componentes estruturais de ação. Brasília, DF.
Perpétuo, S. C. & Gonçalvez, A. M. (2005). Dinâmicas de grupos na formação de lideranças.
Rio de Janeiro: DP&A.
Quevedo, R. F. D. & Conte, R. F. (2016). Projeto defesa à vida: a psicologia na escola de
ensino fundamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(2). Recuperado em 07 de
setembro de 2019, de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
37722016000200208&script=sci_arttext.
Rodrigues, M. C., Dias, J. P. & Freitas, M. F. R. L. (2010). Resolução de problemas
interpessoais: promovendo o desenvolvimento sociocognitivo na escola. Psicologia
em Estudo, v. 15, n. 4, pp. 831-839. Recuperado em 06 de setembro de 2019 de:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1413-
73722010000400019&lng=pt&nrm=iso.
Salci, M. A.; Maceno, P.; Rozza, S. G.; Silva, D. M. G. V.; Boehs, A. E.; Heidemann, I. T. S.
B. (2013). Educação em Saúde e suas Perspectivas Teóricas: algumas reflexões.
Revista Texto e Contexto, Florianopolis, v. 22, n. 1, pp.224-230. Recuperado em 06 de
setembro de 2019 de http://scielo.br/scielo.php?pid=S0104-
07072013000100027&script=sci_abstract&tlng=pt.
Soler, R. (2006). Educação física: uma abordagem cooperativa. Rio de Janeiro: Sprint.
Souza, M. R., Souza, C. R., Daher, C. M. S. & Calais, L. B. (2015). Juventude e drogas: uma
intervenção sob a perspectiva da Psicologia Social. Pesquisas práticas psicossociais,
São João del-Rei, v. 10, n. 1, p. 66-78. Recuperado em 12 de dezembro de 2019 de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
89082015000100006&lng=pt&nrm=iso.
Taddei, J. A. A. C., Brasil, A. L. D., Palma, D., Moraes, D. E. B., Ribeiro, L. C. & Lopez, F.
A. (2006). Manual crechEficiente: guia prático para educadores e gerentes. São Paulo:
Manole.
Villardi, M. L., Cyrino, E. G. & Berbel, N. A. N. (2015). A problematização em educação em
saúde: percepções dos professores tutores e alunos [versão eletronica]. São Paulo:
Cultura Acadêmica. 118p. Recuperado em 12 de dezembro de 2019 de

927
http://books.scielo.org/id/dgjm7/pdf/villardi-9788579836626.pdf.
Yozo, R. Y. (1996). 100 Jogos para Grupos: Uma Abordagem Psicodramática para
Empresas, Escolas e Clínicas. 10a Ed. São Paulo: Agora.
RELATO DE EXPERIÊNCIA: INTERFACES E PERSPECTIVAS DA ATUAÇÃO

928
MULTIDISCIPLINAR NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Brunno Ewerton de Magalhães Lima


Juliana Vitória Galeno da Silva
Lerlieny de Araújo Silva
Hallisson Eduardo dos Santos Pinho
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Introdução

O presente trabalho parte das vivências realizadas na disciplina de Estágio Básico II que
integra a matriz curricular do curso de Psicologia, em que foram realizadas atividades de campo
em uma escola de Ensino Fundamental da rede pública estadual localizada na cidade de
Parnaíba, Piauí. Entre os propósitos da disciplina situa-se a ideia de possibilitar o diálogo entre
o aprofundamento teórico e a observação de processos de desenvolvimento e aprendizagem que
ocorrem em contextos educativos. Nesse sentido, o relato tem como objetivo compartilhar
experiências discentes no âmbito das atividades realizadas durante o estágio, tendo em vista o
desenvolvimento de competências para o uso de estratégias que possibilitaram o levantamento
de demandas e articulação de uma proposta de intervenção frente às necessidades da escola,
sob o olhar da Psicologia Educacional e Escolar.
Adentrando o desenvolvimento e inserção tanto de serviços psicopedagógicos e
psicológicos no ensino no Brasil, a história da Psicologia Escolar e Educacional no país se
desenvolve inicialmente em contextos de disciplinas curriculares nos cursos de licenciaturas e
de pedagogia nas universidades brasileiras no começo do século XX. Tendo como advento a
regulamentação no Brasil da profissão do Psicólogo em 1962, profissionais psicólogos passam
a atender à crescente demanda nas organizações escolares brasileiras (Patto, 1997).
Com a expansão de queixas escolares que adentram o âmbito psicológico formou-se
uma luta contínua por políticas públicas que promovessem a inserção do psicólogo escolar na
educação pública brasileira, sendo elaborada no ano 2000 a PL 3.688/2000 na Câmara Federal
que possibilitou a inserção de serviços de Psicologia e Serviço Social na rede pública. Contudo,
só no ano de 2019 houve um marco histórico na luta pela inserção do profissional psicólogo e
do assistente social no contexto de escolas públicas brasileiras. Assim, a regulamentação da Lei
13.935/2019, postula que colégios de educação básica deverão contar com serviços de
Psicologia e Serviço Social, no qual devem atuar de forma conjunta, multiprofissional e
interdisciplinar (Lei n. 13.935, 2019).
Diante disso Barbosa e Marinho-Araújo (2010) apontam que a forma como o modelo
educacional brasileiro foi construído teve grande influência dos modelos educacionais da
França e Estados Unidos. Logo posto, foram replicados modelos estrangeiros na formação
curricular, organizacional, teórica e prática brasileira no século XX sem uma elaboração crítica
e participativa, não levando em consideração as características regionais que o Brasil possui.
Deste modo, causando distorções, dilemas e desafios na aprendizagem que perduram até hoje

929
no sistema educacional brasileiro (Vidal & Faria-Filho, 2003).
A práxis dos psicólogos inseridos nestas instituições, em grande maioria de contexto
privado, seguiam tendências de avaliação psicológica e clínica na escola, buscando melhores
rendimentos de alunos conforme trata Patto (1997). Para Lima (2017) essa prática profissional
do psicólogo escolar que Patto (1997) elucida no século XX ainda é presente na atuação
profissional do psicólogo escolar voltado a um modelo clínico, alocando o indivíduo com
dificuldades de aprendizagem como sujeito que necessita de ajustamento. Diante disso, a culpa
acaba sendo direcionada ao educando, faltando por parte do profissional uma visão holística da
problemática, não levando em conta o ambiente de aprendizagem, o contexto sociocultural e
familiar vivenciado pelo aluno (Barbosa & Marinho, 2010).
Observando as demandas apresentadas, Guardou e Develay (2005) subentendem que os
psicólogos escolares devem abandonar esses parâmetros calcados apenas em atuações clínicas.
Segundo os autores a função do Psicólogo Escolar Educacional é de promover uma educação
inclusiva, com uma rede de atuação interdisciplinar e multidisciplinar, promovendo assim a
saúde física e mental no corpo organizacional da instituição e incentivando a criação de um
espaço de aprendizado com desenvolvimento de potencialidades.
Assim, em virtude das funções atribuídas ao psicólogo escolar, é importante ressaltar
que esse profissional tem papel de destaque na implementação de políticas públicas -
principalmente com a nova regulamentação da Lei 13.935/2019 - que insere na política
educacional novos profissionais na rede pública de ensino. Por conseguinte, outra política muito
importante implementada foi a criação da Política Nacional de Educação Especial na
perspectiva da Educação Inclusiva, lançada no dia 17 de setembro do ano de 2008 por meio do
decreto constitucional de nº 6.571, que posteriormente foi revogado pelo decreto de nº 7.611 de
17 de novembro de 2011 (Brasil, 2008).
Esse decreto lança as diretrizes que orientam e disciplinam a educação especial no país,
evidenciando o compromisso do Estado em garantir que o sistema educacional seja inclusivo
em todos os seus níveis, não havendo separação de escolas específicas para atendimento a este
público. Posto tal, a lei assegura apoio às instituições de ensino do país, promovendo a
capacitação para os profissionais da área da educação (Brasil, 2008). Uma das estratégias
criadas por essa legislação para promover a inclusão dos alunos é o chamado Atendimento
Educacional Especializado (AEE), que visa a identificação, elaboração e organização dos mais
variados recursos pedagógicos para eliminar as barreiras e potencializar a aprendizagem dos
alunos que apresentam algum tipo de necessidade especial (SEESP/MEC, 2008). Esse trabalho
deve contar com uma sala multifuncional, que deve ser bem equipada com materiais lúdicos
que vão auxiliar no trabalho deste profissional com os alunos que apresentam algum tipo de
especificidade.
Dentre os diversos tipos de necessidades especiais que as escolas devem estar
preparadas para lidar, podemos destacar os alunos que apresentam o Transtorno de Espectro
Autista. A Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista, foi criada pela Lei de nº 12.764/2012 e além de assegurar os direitos à pessoa com esse
transtorno também veda a recusa de matrícula à pessoa com qualquer tipo de deficiência,
prevendo punição ao gestor que praticar tal ato (Lei n. 12.746, 2012). Tal lei ganhou o nome de
Lei Berenice Piana, fazendo uma homenagem a essa militante brasileira que é co-autora dessa

930
legislação.
A partir da criação dessa política, a figura do Acompanhante Terapêutico (AT) passou
a possuir um papel de destaque na integração de estudantes com Transtorno do Espectro Autista
nas escolas regulares. Esse profissional tem como função facilitar a aprendizagem desse aluno,
trabalhando em conjunto com os demais responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem
no âmbito escolar. A figura do AT dentro das escolas públicas faz parte do compromisso
assumido pelo Estado de transformar a instituição escolar em um lugar onde os alunos poderão
se desenvolver plenamente, tendo suas necessidades atendidas de maneira eficaz.
O AT deve trabalhar em conjunto aos professores do atendimento educacional
especializado, aos demais docentes e funcionários da escola, visando promover a ambientação,
a integração e autonomia dos alunos que apresentam esse tipo de transtorno, transpondo assim
as barreiras que impedem a aprendizagem (Gardou, 2011).
Em vista disto, a prática escolar deve contar com a participação dos responsáveis e/ou
familiares do educando, assumindo assim um papel de vetor no processo de ensino-
aprendizagem. Assim, as instituições de ensino devem repassar os conteúdos ensinados através
de um alicerce formativo e intelectual respeitando as individualidades de cada aluno. Visto tal,
a família ocupa um papel essencial na integração do aluno, contribuindo para o
desenvolvimento da afeição, cognição e socialização no espaço vivenciado. Nesse sentido, a
escola e seio familiar se apresentam como construtores e responsáveis pelo educando em uma
visão vertical como promoção da inclusão na realidade de unidades pedagógicas (Dessen &
Polonia, 2007).
Acerca disto, as unidades escolares não devem usar o modelo de atenção e auxílio para
alunos especiais calcados em perspectivas de deficiências e vulnerabilidades no educando. Ao
contrário, as potencialidades dos sujeitos e suas histórias devem vir em primeiro lugar, não
reduzindo o estudante ao diagnóstico que lhe foi dado (Gardou, 2011). É importante também
que a escola esteja preparada para promover a integração entre todos os alunos, evitando
situações de exclusão e trabalhando fortemente ações que visam atuar no combate ao bullying
e a violência escolar.
Neste sentido, a prática do Psicólogo Escolar na contemporaneidade passa por um
momento de reinvenção e construção de atuações mais integrativas, junto a democratização dos
serviços na rede pública de educação brasileira. Isto posto, a nova práxis do psicólogo junto ao
assistente social no contexto educacional carrega desafios de integração com serviços já
existentes para alunos com necessidades educativas especiais como AEE, e os profissionais
como os AT, em uma atuação multiprofissional e transdisciplinar.

Metodologia

Caracterização do campo
O estágio básico supervisionado desenvolveu-se em uma escola de Ensino
Fundamental da rede estadual localizada na cidade de Parnaíba, PI. A escola foi fundada em
1964, possui um total de 319 alunos matriculados, 16 professores efetivos e 17 contratados. O

931
funcionamento é dividido nos turnos da manhã e tarde, com turmas do sexto ao nono ano do
ensino fundamental e contando também com duas salas de Educação de Jovens e Adultos no
turno vespertino.
No tocante à estrutura física, o colégio é composto por dois prédios, divididos em 4
blocos, sendo 3 deles destinados a salas de aulas e 1 bloco onde se localiza a parte administrativa
e o refeitório. A unidade escolar possui 6 salas de aula, 1 biblioteca, 1 sala de Atendimento
Especializado, 2 banheiros, 1 pátio, 1 quadra e uma casa que outrora servia de moradia para o
caseiro, estando atualmente em completo abandono. O colégio é cercado por muros e conta com
um portão principal como entrada.

Procedimentos utilizados
Foram realizadas visitas técnicas ao longo do semestre letivo para levantamento de
demandas educacionais sob a visão da Psicologia Escolar e Educacional, utilizando técnicas de
observação sistemática, observação participante e entrevistas semiestruturadas. Tal
metodologia possibilita a convivência do pesquisador com os indivíduos ou grupos investigados
oportunizando condições que facilitem que o processo de observação guiado a uma
compreensão da rotina cotidiana do ambiente (André, 1997; Martins, 1996).
Além dos aspectos gerais que caracterizam o contexto escolar, as observações e coleta
de dados acerca das demandas educacionais foram realizadas de maneira específica junto ao
AEE da escola. Assim, foram acompanhadas atividades realizadas junto a cinco estudantes que
apresentam Transtorno do Espectro Autista (TEA), nos mais variados níveis, sendo um dos
educandos apresentando também a Síndrome de Tourette, que segundo o Manual diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), consiste em um distúrbio neuropsiquiátrico
caracterizado por tiques múltiplos, motores ou vocais, que se apresentam desde a infância
(APA, 2014).
As atividades do AEE são realizadas em uma sala, que conta com 2 computadores, 1
banheiro privativo, mesas e cadeiras para estudo. O recinto é equipado com jogos lúdicos,
educativos, esquemas corporais, jogos de memória, dentre outros materiais que são utilizados
para potencializar a aprendizagem dos estudantes. No que diz respeito ao funcionamento,
existem duas profissionais que são responsáveis pelo atendimento especializado na escola em
turnos alternados. Os atendimentos se dão de forma individual nos contra turnos em que os
educandos estudam e têm como foco apoiar a realização de atividades e avaliações, bem como
oferecer suporte aos professores da escola e aos AT em relação às atividades pedagógicas
realizadas em sala de aula.
Desse modo, foram realizadas observações da interação entre os alunos contemplando
os diversos ambientes da instituição, como na sala de aula nas relações entre colegas e
professores, alguns atendimentos no serviço de AEE, a interação entre os alunos durante o
recreio, entre outros aspectos. Para isto foi utilizado um diário individual de observações que
ao final de cada visita a escola, eram transcritos os aspectos que mais chamaram atenção dos
estagiários, levando em consideração o aprofundamento teórico que fundamenta o trabalho.
Em complemento às observações e para maior entendimento do ambiente escolar foram

932
realizadas entrevistas semiestruturadas com os diversos atores da comunidade escolar, entre
eles: a diretora; dois professores, uma bibliotecária, uma AT e uma professora responsável pelo
AEE. O roteiro de entrevista semiestruturada dispunha de 12 perguntas acerca de aspectos como
gestão escolar, relação escola-família, o cotidiano na sala de aula de alunos com necessidades
educativas especiais, o processo avaliativo e o papel do profissional AT e do serviço de AEE
no âmbito educacional e inclusivo.
No processo de análise dos dados obtidos da observação participante, foi utilizado os
diários como guia de levantamento de demandas para categorização e organização das
necessidades e queixas escolares mais recorrentes percebidas pela dupla de estagiários no
colégio. Assim, a discussão ativa e participativa entre as experiências e afetações individuais e
as concepções que atravessaram ambos foi fundamental para a compreensão e construção da
experiência desenvolvida na prática educacional e o papel do psicólogo neste contexto.
Em vista disto, para a análise das entrevistas semiestruturadas realizadas foi utilizado
como método a análise de conteúdo proposta por Laville e Dionne (1999). Considera-se que
esse prisma metodológico qualitativo de tratamento de dados possibilita a interpretação das
falas dos entrevistados e agrupamento por eixos. Deste modo, a busca pela utilização dos
referidos métodos de tratamentos de dados coletados, visou contemplar os diferentes locais de
fala e atuação, em que os profissionais de educação se constituem diariamente na escola, tendo
como objetivo assim uma visão holística sobre o processo educacional e protagonismo entorno
dos diferentes atores da educação inclusiva.

Resultados e Discussão
Após as observações realizadas e o término da coleta de dados, foi possível identificar
as principais demandas da instituição no que concerne à inclusão, levando em conta não apenas
os estudantes isoladamente, mas considerando todo o contexto em que estão inseridos. Partindo
disso, os resultados são apresentados e discutidos em torno de eixos temáticos nos quais foram
agrupadas as demandas observadas.
O eixo 1 representa os desafios da educação inclusiva, que foram identificados a partir
das observações realizadas na referida instituição de ensino, sendo possível inferir que a
implementação da educação inclusiva na escola enfrenta importantes desafios. A maior
dificuldade se dá em relação a inserção dos AT e o seu papel nessa rede de apoio aos estudantes
com necessidades especiais. Durante a realização do estágio foi observado que apenas um dos
quatro alunos com transtorno do espectro autista estava sendo acompanhado pelo AT, o que
configura um problema, já que todos os alunos com necessidades especiais deveriam ter esse
acompanhamento, que é garantido por direito.
A relação entre o AT e os professores das diversas disciplinas também poderia ser
potencializada, uma vez que não se observa o desenvolvimento de um trabalho conjunto com o
corpo docente e os demais funcionários da escola. De acordo com Nascimento, Teixeira, Spada
e Dazzani (2019) o AT se constitui como um sujeito que vai mediar a relação do estudante com
os colegas de turma, professores e demais funcionários para, assim, realizar atividades que
promovam a inclusão dos estudantes com necessidades especiais.
Todas essas questões evidenciam a necessidade de formação desses profissionais, tendo

933
em vista ampliar o conhecimento acerca de seu papel junto ao processo de desenvolvimento e
aprendizagem do estudante autista, assim como a necessidade de trabalho conjunto com os
demais educadores. Esse aspecto também pode ser evidenciado através do relato de um dos AT
que foi entrevistado, uma vez que não ficou muito clara a descrição de suas atribuições, sendo
que possui formação universitária em Biologia, havendo realizado um curso online sobre a
função do AT.
Conforme relatado anteriormente, a escola apresenta uma boa estrutura, já que conta
com uma sala de AEE totalmente equipada e com uma funcionária em cada turno, as quais,
segundo os relatos, mantém uma boa relação entre si, os docentes e demais funcionários da
escola, criando uma boa atmosfera de trabalho, demonstrando-se como um elo entre todo o
corpo escolar.
Diante disso, a escola se mostra disposta a promover uma verdadeira inclusão entre seus
alunos, mas entraves ligados a dificuldades enfrentadas pela gestão e a própria formação dos
profissionais estão impossibilitando que a inclusão ocorra de modo eficaz dentro desse espaço
educacional. Portanto, a inclusão escolar é um processo que demanda a integração e a
participação da escola e da família, além da constante atualização e renovação das práticas
necessárias para a promoção de uma inclusão efetiva (Carvalho, Mira & Santos, 2018).
O eixo 2 corresponde à integração escola e família, sendo possível identificar algumas
demandas e potencialidades pertinentes à unidade escolar em questão. De acordo com os relatos
dos educadores, boa parte das famílias possui uma participação restrita no processo de
escolarização dos filhos, sendo comum a ausência dos pais ou responsáveis nas reuniões
coletivas e também quando convocados, fazendo-se uma estimativa de que menos da metade
comparecem. Como se pode perceber, a pouca participação da família no processo de
escolarização importante dos filhos não é uma dificuldade exclusiva dessa escola, tendo em
vista que demarca uma realidade que assola quase todas as escolas do país. Entretanto, é
importante estabelecer vínculos fortes de parceria entre a escola e a família, tendo em vista
desmistificar a ideia de que a escola é construída apenas por alunos e professores, onde os pais
e familiares não exercem um papel significativo na educação dos estudantes.
A participação efetiva do núcleo familiar desses estudantes é de grande valia como a
integração do estudante especial no ensino regular, sendo a família uma aliada muito importante
no processo de ensino e aprendizagem dos alunos como postulam Dessen e Polonia (2007). A
família também representa uma grande parceira no que diz respeito à educação em valores e ao
abordar temas complexos como sexualidade, uso de drogas, violência, assim, como explicita
Patto (1997), a família e colégio devem compreender o desafio de tratar de temas simples ou
complexos de maneira unida, esta parceria entre essas instituições educacional e familiar é
primordial para trabalhar-se a questão nos diferentes contextos em que o jovem vivencia.
Diante disto, percebe-se que esses temas necessitam ser abordados, tendo em vista que
essa é uma realidade que perpassa a vida de todos os alunos da instituição de forma direta ou
transversal, não retirando desse processo os alunos com necessidades educativas especiais.
Concebendo assim que essa também é a realidade de todos os atores educacionais da
organização e devendo ser trabalhada de forma que possibilite a compreensão e formação deles
acerca da temática e suas implicações.
O eixo 3 diz respeito à atuação multiprofissional e interdisciplinar, ressaltando-se

934
escola possui uma equipe multidisciplinar composta por professores das mais diversas
disciplinas, acompanhantes terapêuticos e professoras do atendimento educacional
especializado, conforme as diretrizes da educação inclusiva indicam. Observamos que a rede
de profissionais na escola é bem preparada e articulada, no entanto algumas barreiras foram
encontradas, o que pode consistir em um entrave para que o trabalho seja exercido da melhor
forma possível.
Conforme as falas dos entrevistados, foram identificadas questões que giram em torno
da necessidade de formação continuada, sobretudo para promover processos de inclusão, além
de haver limitação das funções de alguns dos profissionais que compõem a equipe da escola e
desconhecimento do papel que desempenham por parte dos companheiros de trabalho. Esse
desconhecimento fica evidente nas falas das professoras entrevistadas, quando elas relatam não
possuir conhecimento acerca das funções que os ATs realizam o que pode dificultar o trabalho
em equipe.
O próprio AT, muitas vezes não tem clareza sobre a sua função no cenário escolar, sendo
que, muitas vezes, limita-se a traduzir os conteúdos ministrados em sala para o aluno, de forma
a promover o entendimento do estudante acerca do assunto estudado. O AT tem a função
também de educador e profissional integrado ao ambiente e seus adventos na construção da
evolução biopsicossocial do aluno com necessidades especiais.
Quanto maior a integração entre esses profissionais, melhor será a inclusão do aluno ao
ambiente escolar e maior será a sua evolução, sendo essa equipe muito importante nos debates
e ações acerca de questões como sexualidade e uso de drogas, que estão presentes no contexto
escolar. É importante que todos estejam integrados e trabalhando em um objetivo comum, que
é o de promover a autonomia a esse estudante, ultrapassando as barreiras que dificultam o
processo de aprendizagem do mesmo.
Acerca disto, com a regulamentação da Lei 13.935/2019, que insere o psicólogo e
assistente social no contexto das escolas públicas brasileiras gera novos desafios e
potencialidades. Fica o desafio em como as políticas públicas educacionais vão guiar os
profissionais psicólogos em escolas, evitando uma práxis reducionista apenas ao modelo
clínico. Visto tal, a orientação escolar individual junto a uma escuta qualificada ou
aconselhamento pontal - atendendo uma prática clínica no ambiente escolar - muitas vezes é
necessária dependendo dos casos, porém, apenas essa ferramenta do psicólogo escolar não é
capaz trabalhar questões tão complexas do âmbito sociocultural como trata Lima (2017).
Deste modo, a escola na contemporaneidade, muitas vezes, ocupa o espaço dedicado
ao ensino-aprendizagem e obtenção de resultados, pondo em segundo plano seu papel
fundamental no desenvolvimento humano e das relações interpessoais, sendo um ambiente
desafiador para crianças e adolescentes que possuem algum tipo de necessidade educativa
especial. No presente relato, foi perceptível a importância fundamental da união entre família e
escola no sucesso de ensino-aprendizagem dos alunos com necessidades educativas especiais.
A oferta de um serviço de AEE bem estruturado, com profissionais capacitados e uma
interlocução com professores e gestão, potencializam totalmente a relação dos educandos com
necessidades especiais.
Por fim, o presente relato buscou levantar como experiências pré-profissionais na

935
Educação Inclusiva são fundamentais no âmbito da graduação para o desenvolvimento de
competências enquanto profissional e componente de equipes multiprofissionais. Acerca disto,
é necessário repensar e discutir práticas que vão além do levantamento de demandas e fujam de
um olhar reducionista de questões tão complexas como expostas neste trabalho. Portanto, é
imprescindível a elaboração de políticas públicas de promoção de formação profissional
continuada, melhor remuneração dos agentes escolares, estrutura escolar adequada e atividades
educacionais voltadas à temática.

Referências
André, M. E. D. A. D. (1997). Tendências atuais da pesquisa na escola. Cadernos Cedes,
18(43), 46-57.
American Psychiatric Association – APA. (2014). DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico
de transtornos mentais. Artmed Editora.
Barbosa, R. M., & Marinho-Araújo, C. M. (2010). Psicologia escolar no Brasil: considerações
e reflexões históricas. Estudos de Psicologia, 27(3), 393-402.
Brasil. (2008). Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Inclusão: revista da
educação especial, v. 4, n 1, janeiro/junho 2008.
Carvalho, V. C. A., Mira, A. P. & Santos, G. M. T. (2018). Gestão Escolar Inclusiva:
Desafios e Possibilidades para a Educação Humanizadora. Revista Educação em
Debate, 40(77).
Dessen, M. A. & Polonia, A. C. (2007). A família e a escola como contextos de
desenvolvimento humano. Paidéia, 17(36).
Lima, A. O. M. N. (2017). Breve histórico da psicologia escolar no Brasil. Psicologia
argumento, 23(42), 17-23.
Gardou, C., & Develay, M. (2005). O que as situações de deficiência e a educação inclusiva"
dizem" às Ciências da Educação. Revista Lusófona de Educação, (6), 31-45.
Gardou, C. (2011). Pensar a deficiência numa perspectiva inclusiva. Revista Lusófona de
Educação, (19), 13-23.
Lei Federal nº 12.764/2012, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de
Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3o
do art. 98 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Recuperado de
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm>
Lei n. 13.935, de 11 de dezembro de 2019. Dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia
e de serviço social nas redes públicas de educação básica. Recuperado de
<http://www.in.gov.br/web/dou/-/lei-n-13.935-de-11-de-dezembro-de-2019-
232942408?inheritRedirect=true&redirect=%2Fweb%2Fguest%2Fsearch%3FqSearch
%3DLei%252013.935%25202019>
Laville, C. & Dionne, J. (1999) A Construção do saber: Manual de Metodologia da Pesquisa

936
em Ciências Humanas. Porto Alegre: ArtMed; Belo Horizonte: Editora UFMG.
Martins, J. B. (1996). Observação participante: uma abordagem metodológica para a
psicologia escolar. Semina: Ciências, Sociedade e Humanidade, 17(3), 266-273.
Nascimento, V. G., Teixeira, A. D. M. B., Spada, A. D. A. S., & Dazzani, M. V. M. (2019).
Acompanhamento Terapêutico Escolar: uma atuação caracterizada pelo “entre”.
Estilos Da Clinica, 24(3), 445-457.
Patto, M. H. S. (1997). Introdução à psicologia escolar. Casa do Psicólogo.
Vidal, D. G. & Faria Filho, L. M. D. (2003). História da educação no Brasil: a constituição
histórica do campo (1880-1970). Revista Brasileira de História, 23(45), 37-70.
MOTIVOS DE EVASÃO EM ACADÊMICOS DE ADMINISTRAÇÃO E

937
ENFERMAGEM DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA

Maria Aurelina Machado de Oliveira


Beatriz Nascimento dos Santos Alencar
Marcia Andreia da Conceição de Jesus
Thalia Alves Oliveira
Raires Maria da Conceição Menezes
Isabella Cristina Sousa Rocha

Introdução
No cenário atual marcado pela globalização (novo mercado, competitividade, novas
matérias-primas, procedimentos e produtos) e a expansão do Ensino Superior as formas de
produção foram afetadas, de forma que passaram a se centrar na prestação de serviços e a exigir
alterações nas relações laborais, sociais, informais, além de melhoria na qualidade dos contatos
interpessoais. De maneira que somente a competência técnica e o esforço não são suficientes
para lidar com essas demandas, destacando-se a necessidade de desenvolvimento de novas
competências, principalmente, as interpessoais e sociais cada vez mais requeridas dos discentes
do Ensino Superior (Moreno-Jimenez & Camacho, 2014).
Assim no contexto do Ensino Superior algumas competências contribuem para uma
atuação eficaz em diferentes situações do ambiente profissional, no contexto globalizado,
dentre as quais se sobressaem: a capacidade de trabalho em equipe, a responsabilidade e a
comunicação. Portanto, segundo Lopes et al. (2017) para além de habilidades técnicas, têm sido
requerido dos discentes competências para trabalhar em equipe, falar em público, resolver
problemas, tomar decisões, comunicar-se de forma empática e assertiva, que constituem classes
de habilidades sociais, tornaram-se mais valorizadas. Daí a importância de se buscar na
formação de graduandos conhecer aspectos relacionados ao processo de adaptação ao contexto
universitário, para buscar identificar elementos relativos à evasão.
Assim é importante destacar o processo de expansão do Ensino Superior no Brasil, que
começa a expandir-se na década de 1960 devido a reforma universitária que proporcionou uma
divulgação acentuada; enquanto na década de 1970 observa-se a ampliação tanto de
ingressantes em Instituições de Ensino Superior (IES) como também no número de cursos e
instituições; e a partir da década de 2000, observou-se um incremento ainda mais significativo
nesse processo de expansão. Contudo, em conjunto com o processo de expansão também houve
o aumento de casos de pessoas que iniciam, e não concluem a graduação, fenômeno
denominado evasão do Ensino Superior (Bardagi & Hutz, 2009; Brasil, 1996; Lobo, 2012;).
Logo discorrer sobre o tema da evasão no Ensino Superior significa abordar o baixo
desempenho acadêmico associado à má integração social e acadêmica que influenciam de forma
significativa na desistência do curso. De forma que o passar dos anos no contexto do Ensino
Superior, implica na necessidade de alargar a relevância de aspectos relativos à integração e
envolvimento acadêmico, que geralmente são mais evidentes no 1º ano do curso (Tinto, 1975;

938
2007).
No Brasil os estudos acerca da evasão são recentes e ainda com quantidades ainda
consideradas baixas. Evidenciam-se os estudos realizados por Ambiel (2016), cujas pesquisas
na área culminaram na construção de instrumento que aborda especificamente a evasão, a
Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior. Tal autor ainda pontua que as intervenções
com o intuito de diminuir os índices de evasão devem ser realizadas ainda no 1º ano do curso,
período que requer do(a) discente adaptação não somente ao contexto universitário, mas
também à nova realidade de convivência social, como morar longe da família, assumir
responsabilidades financeiras e sociais em manter um lar. Pelas razões citadas, neste projeto
pretende-se focar em estudantes de graduação do 1º e 4º blocos dos cursos de Administração e
Enfermagem do CAFS/UFPI.
Assim alguns graduandos tendem a apresentar dificuldades em transpor características
e habilidades que tinham antes de adentrar ao contexto universitário, especialmente, no que
concerne aos objetivos, compromissos e expectativas em relação à carreira. Ou seja, para
compreender se o discente irá persistir ou evadir do curso, é necessário compreender que a
universidade enquanto contexto social e institucional requer que o estudante se adapte às
características do curso e apresente integração acadêmica e social, sendo que tais aspectos são
influenciados tanto pelos fatores do próprio estudante (objetivos e compromissos) como por
fatores externos (por exemplo, desempenho acadêmico).
A partir dessa perspectiva, elencou-se como objetivo geral avaliar a força de motivos
potenciais de evasão de discentes dos cursos de Administração e Enfermagem do CAFS/UFPI,
e como objetivo específico evidenciar o percentil dos componentes (institucionais, vocacionais,
falta de suporte, carreira, desempenho acadêmico, interpessoais ou autonomia) relacionados aos
riscos de evasão em discentes dos cursos de graduação em Administração e Enfermagem do
CAFS/UFPI. Ressalta-se que os dados apresentados nesse trabalho se referem a uma parte dos
dados parciais de projeto de pesquisa vinculado ao Edital PIBIC/UFPI 2019-2020.

Aspectos Metodológicos
O presente estudo consiste em uma pesquisa de abordagem quantitativa descritiva de
corte transversal. Conforme Marconi e Lakatos (2014) essa modalidade de pesquisa possibilita
analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento
humano. Assim pode-se obter análises mais detalhadas sobre as investigações, hábitos,
atitudes, tendências de comportamentos dentre outros.

Sujeitos e Local de Pesquisa

A pesquisa foi realizada no Campus Amílcar Ferreira Sobral (CAFS/UFPI) com 99


acadêmicos do 1º e 4º blocos, sendo 61 discentes do Curso de Administração e 38 do Curso de
Enfermagem. A quantidade de participantes foi feita através de um cálculo amostral, conforme
Santos (2019) usando o número de alunos matriculados em 2018.2.
939
Instrumentos
Os instrumentos utilizados para coletar os dados foram: um questionário estruturado e
a Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior (M-ES). O questionário estruturado
contemplou dados pessoais e acadêmicos, sendo usado com a finalidade de traçar o perfil
sociodemográfico e profissional dos participantes da pesquisa, bem como buscar alcançar os
objetivos propostos. Optou-se pelo questionário estruturado por ser um instrumento, no qual
contém indagações escritas, podendo-se ser tanto abertas como fechadas (Andrade, 2007;
Marconi & Lakatos, 2014).
Também foi usada a Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior (M-ES). A M-
ES é uma escala que avalia a força dos motivos potenciais para evasão em estudantes ativos. É
composta por 53 itens com possibilidades de respostas em uma escala Likert que varia de 1-
Muito fraco, 2- Fraco, 3- Médio, 4-Forte e 5- Muito forte. Os itens dessa escala estão
organizados em 7 componentes: motivos institucionais, motivos vocacionais, motivos
relacionados à falta de suporte, motivos relacionados ao desempenho acadêmico, motivos
interpessoais, motivos relacionados à carreira e motivos relacionados à autonomia. De forma
que ao aplicar o instrumento serão obtidos escores de cada um dos 7 componentes indicados,
sendo possível identificar quais áreas necessitam de uma atenção mais cuidadosa em cada
discente. A escala foi elaborada por Ambiel (2015; 2016) sendo publicada e comercializada
pela Editora Hogrefe e requer um tempo de aplicação de 20 minutos.

Procedimentos de coleta dos dados


A coleta de dados foi realizada após a aprovação da pesquisa por Comitê de Ética em
Pesquisa da UFPI (Nº do Parecer: 3.169.650; CAAE 06661119.4.0000.5214). A coleta de
dados foi realizada através de contato prévio com as coordenações dos cursos de graduação
que já disponibilizaram a autorização institucional para a realização da pesquisa.
Posteriormente, foi feito contato com as coordenações de cada curso de graduação para agendar
horários semanais para obter os dados, de forma que anteriormente foi informado a cada
participante a explicação sobre os objetivos e informações básicas da pesquisa, e após tais
esclarecimentos e em caso de aceitação em participar o sujeito registrou seu consentimento
através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em 2 vias.
Posteriormente foram fornecidos a cada discente o Questionário Estruturado e a M-ES
para que cada um responda aos instrumentos, por serem instrumentos autoaplicáveis. Ressalta-
se que a aplicação dos instrumentos da pesquisa ocorreu majoritariamente na forma de
aplicação coletiva em sala de aula, conforme as orientações dispostas no manual da M-ES para
tal modalidade de aplicação.

Análise dos dados


Acerca da análise dos dados obtidos utilizou-se medidas de tendência central (média e
desvio padrão) e estatísticas descritivas (frequência simples e relativa). Ressalta-se que em
relação à interpretação dos dados obtidos com a M-ES, estes foram analisados conforme
orientações dispostas no manual do instrumento, no qual consta os escores que podem ser

940
utilizados como parâmetros (Ambiel, 2016).

Resultados
Acerca dos dados obtidos com a aplicação do questionário estruturado e com a aplicação
da M-ES, primeiramente são apresentados os dados referentes a algumas variáveis que
caracterizam os acadêmicos, em seguida, os dados relativos aos motivos potenciais de evasão.
Assim na Tabela 1 constam os resultados referentes aos dados sociodemográficos e dados sobre
curso dos discentes que participaram da pesquisa.

Tabela 1: Dados sociodemográficos e da graduação dos discentes que participaram da pesquisa, Floriano-PI,
2019.

Variáveis Dados

Idade 20,88 anos (média) (±4,291)

Sexo 56% Feminino

Estado Civil 69% Solteiro(a)

Curso de Graduação 61% Administração, 38 % Enfermagem.

Período do Curso 56% 1º período; 43% 4° período

Turno 44% Integral, 36 % Noite.

Benefício 68,7% Não recebem;

31,3% Recebem benefício, sendo que 22% têm BAE (Bolsa de Assistência
Estudantil)

Fonte: elaborada pelas autoras.

A seguir, na Tabela 2 estão apresentados os dados relacionados aos motivos potenciais que
podem levar os discentes dos cursos supracitados a evadirem.

Tabela 2: Motivos potenciais de evasão dos discentes da pesquisa, Floriano-PI, 2019.

Frequência Classificação
Componentes
Relativa

Motivos Institucionais 27% Médio

Motivos Vocacionais 41% Muito Fraco

Motivos de Falta de Suporte 32% Muito Fraco

Motivos Relacionados ao Desempenho Acadêmico 33% Médio

Motivos Interpessoais 36% Médio


Motivos Relacionados à Carreira 36% Fraco

941
Motivos Relacionados à Autonomia 29% Forte

Fonte: elaborada pelas autoras.

Discussão
No que concerne às variáveis sociodemográficas dos acadêmicos dispostos na Tabela 1,
observou-se maior porcentagem para o sexo feminino, tais resultados foram coerentes aos do
Fonaprace (2018), que indicaram que em 2018, o sexo predominante nas instituições de ensino
superior (IES) foi o feminino, com valor de 54,6% desse público a nível nacional e 50,6% na
região Nordeste. Com relação à média de idade neste estudo ela foi um pouco abaixo do valor
obtido na pesquisa do Fonaprace (2018) que foi de 24 anos, todavia em termos de porcentagem
49% dos acadêmicos se encontravam na faixa etária de 20 a 24 anos, portanto os dados deste
estudo foram semelhantes neste aspecto aos da pesquisa sobre o perfil dos estudantes de
graduação (Fonaprace, 2018). Em relação ao estado civil, a frequência maior foi de acadêmicos
solteiros, dado também semelhante ao do Fonaprace (2018).
Em relação aos cursos, destaca-se que os cursos de Administração e Enfermagem estão
entre os 10 cursos mais preferidos conforme o Censo de Educação Superior. Os dados acerca
da quantidade de alunos por período, embora tenham sido convidados todos os alunos do
período a participar da pesquisa, pôde-se observar que a quantidade de discentes tem diminuído
com o avançar dos períodos, existindo casos de evasão. E quanto ao turno, o curso de
Enfermagem funciona em turno integral e o de Administração em turnos alternados vespertino
e noturno, sendo que o 1º período pesquisado foi noturno. Frisa-se que a quantidade de alunos
matriculados no curso de Administração também é maior, por ser disponibilizada 50 vagas por
semestre, enquanto no de Enfermagem são ofertadas apenas 30.
No quesito receber algum benefício da instituição, a maioria indicou não receber, neste
tópico destaca-se que o MEC libera uma verba para ser aplicada em políticas de assistência
estudantil, a exemplo a Bolsa de Assistência Estudantil (BAE) que segundo a Tabela 1, apenas
22% dos estudantes recebem esse auxílio, porcentagem baixa quando levado em consideração
que 70,2% dos discentes de nível superior possuem uma renda mensal familiar de até 1,5
salários mínimos, esse fator pode levar o acadêmico a evadir do curso por não ter condições
financeiras de se manter (Fonaprace, 2018).
Acerca dos dados obtidos dos motivos potenciais de evasão destacados na Tabela 2, é
pertinente esclarecer cada grupo de motivo (ou fator) proposto por Ambiel (2016). Os Motivos
Institucionais são aqueles relativos à interação dos alunos com os professores e com os
funcionários da instituição, além disso, contempla a parte estrutural e os serviços oferecidos.
Os Vocacionais correspondem aos motivos ligados a dúvidas dos estudantes sobre
permanecerem no curso e a vontade de ingressar em outros cursos superiores. Já os Motivos de
Falta de Suporte dizem respeito à dificuldade em conciliar o trabalho e o curso, lidar com a
carga excessiva, assim como avalia as dificuldades financeiras (Ambiel, 2016).
Os Motivos Relacionados ao Desempenho Acadêmico referem-se às notas baixas,
reprovações e dificuldades de compreensão do conteúdo. O componente Motivos Interpessoais
faz referência às dificuldades na convivência dos estudantes com os colegas, e a falta de amparo
deles quando surgem dificuldades pessoais ou acadêmicas. Enquanto os Motivos Relacionados

942
à Carreira referem-se à ansiedade dos estudantes a respeito da profissão que vão exercer
futuramente, quanto às atividades correspondentes a profissão. Os Motivos Relacionados à
Autonomia avaliam questões como morar longe dos familiares, adquirir responsabilidades na
rotina doméstica e acadêmica (Ambiel, 2016).
Uma boa comunicação entre o corpo docente da instituição com os discentes pode
possibilitar que os acadêmicos se sintam seguros e falem a respeito de seus medos, dúvidas, e
anseios sobre o curso. Como visto na Tabela 2, os motivos institucionais apresentaram
classificação média, tendo assim um motivo potencial para possível evasão dos alunos.
Conforme a pesquisa de Mello e Santos (2012), realizada com estudantes de administração foi
identificado que 100% dos entrevistados não falaram a respeito da decisão de evadir com o
coordenador do curso e professores. Isso pode implicar que não existe uma boa relação
comunicativa entre os alunos e a instituição, logo não há como fazer a identificação dos
problemas e, consequentemente, como realizar intervenções para identificar os motivos dos
alunos para evadir dos cursos superiores.
Segundo a Tabela 2, os Motivos Vocacionais receberam a classificação “muito fraco”,
ou seja, não é um fator que apresenta influência significativa na decisão dos acadêmicos dos
cursos de Administração e Enfermagem a evadirem. Já no estudo de Barlem et al. (2012), esses
motivos foram expressivos para os estudantes que evadiram do curso de Enfermagem, de forma
que os autores citaram como motivos para a evasão: a não identificação com a profissão após
as práticas, falta de conhecimento a respeito do trabalho do enfermeiro, e a desvalorização da
profissão, portanto tais dados foram contrários aos obtidos nesse estudo.
Além dos Motivos Vocacionais, os Motivos de Falta de Suporte e os Relacionados à
Carreira, foram classificados, respectivamente, como “Muito Fraco” e “Fraco”, de forma que
nos acadêmicos pesquisados tais componentes não exercem influência considerável para a
evasão. Em um trabalho realizado por Ambiel (2015) indicou como principais motivos de
evasão dos entrevistados a carga excessiva do trabalho, as exigências do curso superior, ter que
deixar de trabalhar para fazer estágios e não ter tempo para participar de atividades
extracurriculares. Estes motivos condizem nesta pesquisa com os relacionados à Falta de
Suporte que teve frequência baixa e classificação “muito fraco”, de tal modo os dados deste
estudo foram diferentes dos obtidos no estudo de Ambiel (2015).
Em relação ao fator Motivos Relacionados à Carreira os dados desse estudo não foram
tão influenciadores para a evasão para os universitários estudados, como no estudo de Barlem
et al. (2012), no qual a evasão do curso pode estar implicada com o reconhecimento da
desvalorização da profissão, quebra das expectativas e perda do entusiasmo em relação ao
futuro profissional.
Contudo, Ambiel (2015) ao abordar os motivos de falta de suporte frisa que este
componente gera consequentemente dificuldade no componente relativo ao desempenho
acadêmico que neste estudo apresentou uma classificação “média”, exibindo neste quesito
semelhanças com a pesquisa citada. Assim é importante frisar que Ambiel (2015) já sinalizava
que o desempenho acadêmico pode ser influenciado por diversos fatores, um deles é a falta de
suporte, mas também outros como os que se destacaram nesse estudo, como os interpessoais e
relacionados à autonomia, e isso pode resultar em um desempenho acadêmico baixo,
caracterizado por reprovações e trancamento de disciplinas, conforme o Fonaprace (2011).
Outro aspecto a ser ressaltado é o fato de boa parte dos acadêmicos ser oriunda de outras

943
cidades, sendo necessário ficar meses longe de suas famílias, e começar a ter inúmeras
responsabilidades tanto nas obrigações que a universidade requer como também em afazeres
domésticos. Este fator foi percebido nesta pesquisa, já que os motivos relacionados a autonomia
contempla questões como morar longe dos familiares, adquirir responsabilidades na rotina
doméstica e acadêmica, que apresentou classificação ”forte” na Tabela 2, mostrando que tais
aspectos podem contribuir para o acadêmico evadir, tal como foi observado nos estudos de
Barlem et al. (2012) e Ambiel, Santos e Dalbosco (2016).
Em relação aos Motivos Interpessoais expostos na Tabela 2 com classificação “média”,
é pertinente alertar sobre a probabilidade deste dado levar os estudantes a evadir do curso, dessa
forma os resultados obtidos na pesquisa convergem com os Ambiel & Barros (2018) e Soares
et al. (2014) que informaram que discentes que estão envolvidos na formação de vínculos
afetivos tendem a apresentar uma melhor adaptação ao contexto. De forma, que é necessário
refletir acerca das possíveis razões que para os pesquisados este componente está influenciando
sua probabilidade de evadir, como por exemplo, como tem sido o relacionamento com colegas
de turma, com outras pessoas fora do ambiente universitário, considerando que a maioria é
originaria de cidade diferente da qual está estudando no momento.

Considerações finais
Os objetivos traçados foram alcançados, sendo possível perceber com base nos
resultados as contribuições futuras da pesquisa para elaborar estratégias que venham diminuir
a taxa de evasão, possibilitando que tanto o grupo responsável pela pesquisa, quanto todos que
compõem a instituição sejam discentes, professores, coordenadores e gestores, para que possam
trabalhar em busca de melhores relacionamentos entre todos do núcleo universitário, uma vez
que, os motivos institucionais indicaram estar influenciando a evasão dos pesquisados.
Com base nos resultados desse estudo é possível que a instituição trace caminhos e
torne-se mais preparada para assumir o tema evasão, atuando de forma preventiva com todos
os envolvidos e ampliando a atuação e estrutura psicopedagógica oferecida ao discentes bem
como o suporte. De forma que trabalhar nessa perspectiva, pode contribuir para que os
acadêmicos tenham uma maior adaptabilidade acadêmica, por conseguinte, maior engajamento
em sua carreira, além de buscar proporcionar mais informação e espaços para reflexão e
discursão a respeito.
A maioria dos acadêmicos de nível superior é advinda de outros Estados e municípios,
tendo assim que se adaptar a vida em outra cidade longe dos familiares, enfrentando uma
jornada acadêmica que não estão acostumados, o que pode ser um grande desafio. Essa
mudança pode acarretar problemas financeiros para estudantes que não tem uma boa estrutura
econômica, o que pode levar a um ingresso precoce no mercado de trabalho para tentar se
manter no curso, este por consequência, pode prejudicar a vida acadêmica, pois o estudante
acaba por não conseguir conciliar os estudos e a jornada de trabalho, a assiduidade pode também
ser afetada, como também o desempenho em trabalhos e provas, e por fim, resultar em
reprovações nos componentes curriculares.
Por isso é importante estar atento a essas questões, como também desenvolver maneiras
para diminuir a evasão por conta dos motivos relacionados a autonomia, pois quando o
estudante recebe algum tipo de suporte da universidade seja benefício ou bolsas de projetos de

944
pesquisa e/ou extensão, esses estudantes terão mais chances de permanecer no curso. Também
é necessário que os docentes estejam mais cuidadosos e abertos ao diálogo com os estudantes
que trabalham e precisam se dedicar também a universidade, para que o estudante tenha uma
flexibilidade nos horários não prejudicando assim a assiduidade do mesmo. Nesse momento é
importante ainda o apoio e ajuda dos colegas, pois quando o estudante possui lanços afetivos
dentro da universidade ele passa a não se sentir tão sozinho, pois a ausência da família e a
saudade de casa podem afetar a vivência no curso e nas atividades acadêmicas.
Dentre as limitações ressalta-se que tantos os resultados como as sugestões apresentadas
estão pautadas em dados preliminares de um projeto de pesquisa em andamento, que está
coletando esses dados nos cursos de graduação presenciais regulares em um campus do interior,
de tal modo que algumas análises ainda estão em fase de processamento. Todavia, com os
resultados completos propostas poderão ser sugeridas e realizadas visando contribuir com
atividades ou estratégias interventivas que visem a diminuir os índices de evasão tanto para os
estudantes pesquisados, especialmente, focando motivos institucionais, relacionados ao
desempenho acadêmico, interpessoais e relacionados à autonomia.

Referências
Ambiel, R. A. M. (2015). Construtores da escala de motivos para evasão do ensino superior.
Avaliação Psicológica: 14(1), 41-52. Recuperado em 20 de fevereiro de 2020 de
https://www.redalyc.org/pdf/3350/335042985006.
Ambiel, R. A. M. (2016). M-ES escala de motivos para evasão do ensino superior. 1. Ed. São
Paulo: Hogrefe.
Ambiel, R. A. M., Santos, A. A. A. & Dalbosco, S. N. P. (2016) Motivos para evasão,
vivências acadêmicas e adaptabilidade de carreira em universitários. Porto Alegre:
Psico, 47(4), 288-297. Recuperado em 20 de fevereiro de 2020 de
https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5772086.
Ambiel, R.A.M. & Barros, L.O. (2018). Relações entre evasão, satisfação com escolha
profissional, renda e adaptação de universitários. Revista Psicologia - Teoria e
Prática. 20(2), 254-267. https://dx.doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n2p254-
267.
Andrade, R. M. (2007). Pesquisa Acadêmica: como facilitar o processo de preparação de suas
etapas. São Paulo: Atlas.
Bardagi, M. P. & Hutz, C. S. (2009) “Não havia outra saída”: percepções de alunos evadidos
sobre o abandono do curso superior. Psico-USF (Impr.), 14(1), 95-105. Recuperado
em 12 de fevereiro de 2019 de http://www.scielo.br/scielo.php?script=
sci_arttext&pid=S1413-82712009000100010 &lng=en&nrm=iso.
Barlem, J. G. T., Lunardi, V.L., Bordignon, S. S., Barlem, E. L. D., Filho, W. D. L., Silveira,
R. S. & Zacarias, C. C. (2012). Opção e evasão de um curso de graduação em
enfermagem: percepção de estudantes evadidos. Porto Alegre: Revista Gaúcha de
Enfermagem, 33(2), 132-138. https://doi.org/10.1590/S1983-14472012000200019.
Brasil (1996). Ministério de Educação e Cultura. Secretaria de Ensino Superior. Comissão

945
Especial de Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras.
Andifes/ABRUEM, SESu, MEC, Brasília, 134 p.
Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace). (2011).
Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Universidades
Federais Brasileiras. Brasília, DF: Andifes.
Fórum Nacional de Pró-reitores e Assuntos Comunitários e Estudantis. (Fonaprace). (2018).
V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos (as) Graduandos (as)
das IFES – 2018, Uberlândia, MG: Andifes.
Lobo, M. B. C. M. (2012). Panorama da evasão no Ensino Superior Brasileiro: aspectos
gerais das causas e soluções. Brasília, DF: Associação Brasileira de Mantenedoras de
Ensino Superior, (Cadernos, vol. 25).
Lopes, D. C., Dascanio, D., Ferreira, B. C., Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2017).
Treinamento de habilidades sociais: avaliação de um programa de desenvolvimento
interpessoal profissional para universitários de ciências exatas. Interação em
Psicologia (Online), 21(1), 55-65. http://dx.doi.org/10.5380/psi.v21i1.36210.
Marconi, M. A. & Lakatos, E. M. (2011). Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de
pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de
dados. 7. ed. 4. reimpr.- São Paulo: Atlas.
Mello, S. P. T. & Santos, E. G. (2012). Diagnóstico e alternativas de contenção da evasão no
curso de administração em uma universidade pública no sul do Brasil. Revista Gestão
Universitária na América Latina – GUALV, 5(3), 67-73. https://doi.org/10.5007/1983-
4535.2012v5n3p67.
Moreno-Jiménez, B., & Camacho, A. A. (2014). Habilidades sociales para las nuevas
organizaciones. Behavioral Psychology. Psicología Conductual, 22(3), 587-604.
Santos, G. E. O. (2019). Cálculo amostral: calculadora on-line. Disponível em:
<http://www.calculoamostral.vai.la>. Acesso em: 10 de janeiro de 2019.
Soares, A. B., Francischetto, V., Dutra, B. M., Miranda, J. M. D., Nogueira, C. C. D. C.,
Leme, V. R., & Almeida, L. S. (2014). O impacto das expectativas na adaptação
acadêmica dos estudantes no ensino superior. Psico-USF, 19(1),49-60. Recuperado em
21 janeiro, 2020, de http://www.redalyc.org/pdf/4010/401041441006.pdf.
Tinto, V. (1975). Dropout from higher education: a theoretical synthesis of recent research.
Review of Educational Research, Washington, 45(1), 89-125.
Tinto, V. (2007). Research and practice of student retention: What next? Journal of College
Student Retention: Research, Theory & Practice, 8(1), 1-19,
PREVALÊNCIA DE ESTRESSE EM ACADÊMICOS DE ADMINISTRAÇÃO DE UMA

946
UNIVERSIDADE PÚBLICA

Maria Aurelina Machado de Oliveira


Raissa de Sousa Silva
Welyton Paraíba da Silva Sousa

Introdução
O estresse é decorrente de fatores ligados ao cotidiano das pessoas, que em alguns
momentos de sua vida há a necessidade de adaptação, decorrente de mudanças por estímulos
que provocam uma alteração psicológica ou física. No senso comum é definido como qualquer
tensão ou cansaço que ocorre em virtude do trabalho e atividades do dia-a-dia. Para a psicologia,
o estresse foi definido por Hans Selye (1936) como o processo de adaptação que ocorre no
organismo do ser humano, tanto psicológico, físico e hormonal em virtude de uma situação
nova ou importante em que ele se encontra.
No ambiente acadêmico, o estresse é realidade, especialmente, pela necessidade do
sujeito em adaptar-se ao ambiente acadêmico, por possuir características diferentes e
responsabilidades maiores, por se tratar do ambiente responsável por sua formação profissional.
Uma vez que tal adaptação é requerida como um passo para que ele alcance sua excelência
profissional, torna-o mais propício a adquirir estresse ao longo dos períodos em virtude das
atividades e trabalhos atrelados a sua rotina universitária, de forma que estes vão ganhando um
“peso” maior e tornando-se mais exaustivos.
Chiavenato (2014) e Silva e Sales (2016) sancionam que o estresse é resultado de
estímulos ou de agentes estressores que podem ser encontrados no ambiente, capazes de
desencadear um desequilíbrio no funcionamento global do ser humano, deixando-o mais
vulnerável a adquirir doenças. Neste contexto, percebe-se que o estresse pode interferir no
comportamento e qualidade de vida das pessoas.
Selye (1956) propôs que o estresse desenvolve-se em três fases: Alerta, Resistência e
Exaustão. Embora Selye (1956) tenha identificado essas três fases, Lipp (2005) identificou a
fase quase-exaustão, que se encontra entre a fase Resistência e a fase Exaustão. A fase Alerta
segundo os autores corresponde ao momento que o organismo se prepara para lutar ou fugir da
situação estressora, a Resistência é fase em que o sujeito tenta manter um equilíbrio interno,
porém quando há a quebra dessa resistência ele passa para fase Quase-exaustão identificada por
Lipp (2005), sendo o momento que o indivíduo não consegue se adaptar aos estímulos do
estressor, surgindo os primeiros sintomas de adoecimento - e por fim a fase Exaustão que ocorre
o surgimento de doenças decorrentes do estresse.
O estresse se faz presente no cotidiano das pessoas, podendo estar atrelado à vida
pessoal ou profissional do indivíduo, que dependendo do tempo de exposição ao fator causador
de estresse, pode trazer danos a qualidade de vida desses indivíduos, podendo afetar tanto a
saúde física quanto psicológica das pessoas. Tendo em vista tais aspectos é de suma importância
que tal temática seja abordada no ambiente acadêmico, uma vez que as metas e as pressões
sofridas nos últimos períodos do curso afetam a vida do(a) acadêmico(a) e incidem diretamente
no comportamento, fazendo com que ele responda de forma adequada ou não às diversas

947
demandas requeridas nesse contexto.
Por essa razão, esta pesquisa teve como objetivo geral avaliar a prevalência de estresse
em estudantes do 6º ao 8º período do curso de Administração de um campus de uma
universidade federal pública, destacando-se como objetivos específicos apresentar os sintomas
físicos e psicológicos de estresse citados pelos discentes; e por fim, indicar a fase do estresse
predominante nos discentes pesquisados.
Atualmente, as pessoas estão a cada dia em busca de suas realizações como profissional
e diante do caminho a ser percorrido para alcançar tais conquistas o indivíduo se depara com
situações estressoras, que podem vir a ocasionar um adoecimento tanto físico quanto mental,
em virtude do estresse que o sujeito pode adquirir no trajeto da busca por essa excelência como
profissional, e ter como consequências um adoecimento físico ou psicológico que interfere no
desempenho de suas atividades decorrente do estresse que pode ser desenvolvido durante esta
trajetória (Araújo, 2011).
Na graduação esse cenário se repete, uma vez que é um passo para que o indivíduo
alcance sua excelência profissional. Sendo assim, nos últimos períodos de curso, as metas, as
atividades e trabalhos solicitados tendem a serem em maiores quantidades e mais exaustivos.
Podem ser citados como possíveis causadores de estresse no período final de graduação, a
pressão que o indivíduo sofre para que consiga atingir as metas como TCC, estágio, trabalhos
em grupos que são estabelecidas durante sua formação. Diante desta percepção surge a seguinte
problemática: Graduandos do 6°, 7° e 8° períodos do curso de Administração podem estar
estressados em decorrência das atividades acadêmicas?

Aspectos Metodológicos
Caracterizou-se como uma investigação de abordagem quantitativa, pois, teve como
finalidade mensurar a frequência de pessoas que apresentavam estresse, assim como ver o
percentual das fases de estresse predominante. De natureza descritiva, pois descreve o
entendimento de estresse e os sintomas da fase predominante conforme os resultados da
pesquisa (Gil, 2019; Martins & Theóphilo, 2009). Quanto ao aspecto temporal foi de corte
transversal, pois os dados foram coletados apenas em um encontro no período de Agosto a
Outubro de 2019.

Participantes e local de pesquisa


Participaram 65 discentes que estavam cursando o 6º, 7º ou 8º período do curso de
Administração de um campus de uma universidade federal pública. O cálculo da quantidade de
participantes foi realizado tendo por base o número de alunos que foi fornecido pela
coordenação do curso de Administração do campus, que estavam devidamente matriculados no
6°, 7º e 8° período do curso de Administração no período letivo de 2019.1. Segundo tal
levantamento, foram constados 103 alunos matriculados nesses três períodos do curso de
Administração, tal valor foi usado para o cálculo de amostra. Considerando o erro amostral de
5% e o nível de confiança de 95%, obteve-se uma amostra de acordo com a seguinte fórmula,
conforme Barbetta (2010), sendo uma amostra do tipo probabilística aleatória.
948
Critérios de inclusão e exclusão
A priori, para a inclusão de alunos nesta pesquisa, foi quem tivesse a partir de 18 anos,
alunos e pertencesse ao 6º, 7° e 8º período do Curso de Administração, que se deu pelo
entendimento de que estes períodos são os que possuem número maior de atividades, como
disciplinas com carga horária maiores, o cumprimento de estágio obrigatório I e II e a iniciação
ao trabalho de conclusão de curso. Além de atividades complementares como monitoria,
projetos de extensão, atividades extracurriculares para melhoria do currículo profissional, que
também são desenvolvidas durante esses períodos do curso, podendo sobrecarregar os alunos.
Logo, foram excluídos os discentes do 1° ao 5° período do curso de Administração,
assim como também os discentes de outros cursos de graduação existentes na instituição, por
não se encaixarem nos requisitos que incluem os alunos nesta pesquisa.

Instrumentos da pesquisa
Os instrumentos de pesquisa utilizados foram um questionário estruturado para colher
dados sociodemográficos como idade, sexo e estado civil, período da graduação, entre outras
variáveis pertinentes ao estudo. Além desse questionário estruturado, foi aplicado o Inventário
de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL) (2005). O inventário é formado por três
quadros que se referem às fases de estresse, além de quadros que indicam a percentagem de
sintomas físicos e/ou psicológicos (Lipp, 2005).

Procedimentos de coleta de dados


A aplicação foi feita mediante aprovação do projeto do Comitê de Ética. Posteriormente,
entrou-se em contato com os docentes dos períodos indicados solicitando autorização para
aplicar os instrumentos da pesquisa. Em seguida, foram prestadas as informações sobre o estudo
aos prováveis participantes, e ao concordar em participar eles registraram através da assinatura
em 2 vias do termo de consentimento como voluntário desta pesquisa.
Em seguida, responderam ao Questionário Estruturado da pesquisa para colhimento de
informações sociodemográficas. Após responder ao questionário estruturado, foi aplicado o
Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (2005). Ambos os instrumentos foram
respondidos pelos participantes, tendo sido aplicados de forma coletiva em sala de aula nas
turmas de Administração dos períodos indicados (6°, 7° e 8°), tendo sido requerido em média
10 minutos para responder aos 2 instrumentos.

Análise dos dados


Os dados sociodemográficos obtidos no questionário estruturado, foram analisados
através de estatísticas descritivas por meio de frequência relativa simples onde os dados
adquiridos para se tornarem mais significativos foram distribuídos em tabelas para uma melhor
apreciação, onde se pode ter um melhor entendimento das respostas da pesquisa, pois os
elementos foram retratados em forma de percentual, adquirido por meio da razão entre a
frequência relativa e medidas de tendência central (média), assim como dispersão (Desvio

949
Padrão). Disto tira-se a média que é dada pela soma de todos os dados percentuais dividido pelo
número de dados somados (Reis & Reis, 2002).
A análise dos dados referente ao ISSL foi feita de acordo com as instruções que consta
no manual do inventário Lipp, no qual explica passo a passo como se deve realizar a correção
desses dados, que se baseia na soma dos resultados brutos obtidos dos itens marcados nos
quadros pelo participante da pesquisa e em seguida, usando os parâmetros indicados no Manual
do ISSL (Lipp, 2005). De forma geral, os resultados obtidos possibilitam indicar se o sujeito
tem estresse ou não, se tem em qual fase o sujeito se encontra, e por fim, conforme a fase
sinaliza a porcentagem de sintomas físicos ou psicológicos (Lipp, 2005).

Aspectos éticos
Esta pesquisa obedeceu aos critérios éticos das resoluções 466/12, 510/16, 580/2018
que assegura os participantes voluntários desta pesquisa, respeitando em sua dignidade e
autonomia, assegurando a sua vontade de contribuir e permanecer, ou não, na pesquisa. Obteve
parecer favorável do CEP/UFPI – CAAE 16262019.0.0000.5214.

Resultados
Os dados apresentados têm como itens dispostos no Questionário e ISSL. De forma que
primeiramente são apresentados os dados do perfil, indicando maior porcentagem, e em
seguida, os resultados obtidos da aplicação do ISSL.

Perfil sociodemográfico
Na Tabela 1 estão apresentados os dados referentes ao perfil sociodemográfico e profissionais
dos participantes da pesquisa.

Tabela 1:Dados sociodemográficos dos participantes

Variável Resposta Resultado

Idade 22,83 anos (média) ±4,574 (DP)

Gênero Feminino 60%

Escolaridade (anos) 19 anos 43,1%

Estado civil Solteiro 90,8%

Vínculo empregatício Não 80%

Faz estágio Sim 56,9%

Estágio obrigatório Não 58,5%

Obrigatório remunerado Não 96,9%


Estágio extracurricular Não 84,6%

950
Extracurricular remunerado Não 84,6%

Dados oriundos do inventário de sintomas de stress para adultos (ISSL)

Acerca dos dados obtidos com a aplicação do Inventário Lipp, é possível visualizar os
resultados na Tabela 2, que mostra o resultado geral da avaliação da pesquisa dos alunos que
apresentaram ou não estresse.

Tabela 2: Frequência de estudantes que apresentaram estresse

Frequência Simples Frequência Relativa

Estudantes sem estresse 15 23,1

Estudantes com estresse 50 76,9

Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

Após a identificação da presença de estresse, como mostra a Tabela 2, foi indicado a


porcentagem de alunos que se encontram nas fases de estresse, a fase resistência houve uma
predominância em relação às outras fases, isso pode ser observado na Tabela 3.

Tabela 3: Dados sobre as fases de estresse dos participantes

Fases do estresse Frequência Simples Porcentagem

Sem estresse 15 23,1

Alerta 0 0

Resistência 45 69,2

Quase-exaustão 2 3,1

Exaustão 3 4,6

TOTAL 65 100

Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

Em relação aos sintomas que prevaleceu entre os participantes da pesquisa, a Tabela 4


mostra o percentual de cada sintoma, onde é possível ver os sintomas psicológicos como
predominantes.

Tabela 4: Sintomas Físicos e Psicológicos predominantes

Sintomas Frequência Simples Porcentagem


Sem estresse 15 23,1

951
Físicos 6 9,2

Psicológicos 40 61,5

Físicos e Psicológicos 4 6,2

TOTAL 65 100

Fonte: Dados da pesquisa, 2019.

Discussão
Dos 65 estudantes que participaram desta pesquisa, predominou o gênero feminino,
esses dados são semelhantes ao do Inep (2018), que mostrou que as mulheres predominaram
no ensino superior, assim como também em outras pesquisas com esse público (estudantes), o
sexo feminino contempla um número maior em relação aos homens. Conforme a Tabela 1 a
maioria dos participantes são solteiros, não possui vínculo empregatício e foi preponderante
nos resultados a realização de estágio não remunerado, por ser o estágio obrigatório, dos que
fazem estágio obrigatório somente 3,1% que corresponde ao total de 2 alunos recebem
remuneração pelo estágio, no estágio extracurricular 15,4% são remunerados, houve a
predominância de alunos que possuem mais de 21 anos de idade e em relação ao tempo de
escolaridade em anos, a maioria possui 19 anos de escolaridade.
No que tange aos dados referentes ao ensino superior, destaca-se que o ingresso ao
ensino superior muda o comportamento do indivíduo à medida que ele sente a necessidade de
produzir mais, buscar novos conhecimentos, e maior abrangência na sua ação, sacrificando-se
pela excelência exigida pelo meio no qual se insere (Assis et al., 2014).
Conforme os dados da Tabela 2 pode-se observar que quase 77% dos universitários
apresentaram estresse. Neste tópico é relevante ressaltar que o estresse está presente na
sociedade contemporânea e isso ocorre pela dificuldade que o indivíduo tem em lidar com as
emoções positivas e negativas e isso, por sua vez, resulta em avançados níveis de estresse seja
no trabalho, nas relações sociais e no âmbito acadêmico (Campos et al., 2016).
Fazendo a comparação deste resultado, com um estudo realizado por Pellegrini, Calais
e Salgado (2012) em que realizaram uma pesquisa com estudantes de Psicologia, Biologia e
Engenharia, a porcentagem de alunos que apresentaram estresse correspondeu a 48,19%. Diante
desses dados, é perceptível a diferença que houve entre as pesquisas, utilizando pessoas de
diferentes áreas, tendo assim, os estudantes de Administração deste estudo uma porcentagem
maior de alunos com estresse, esses dados foram semelhantes aos obtidos por Mondardo e
Pedon (2005), que obtiveram a representação de 74% de estudantes universitários com estresse.
Vale ressaltar que as áreas de curso não foram citadas pelos autores.
A prevalência de estresse em mais de 70% dos estudantes pesquisados, pode causar
preocupação no que diz respeito à qualidade de vida do estudante como também o seu
comportamento. Segundo Sadir, Bignotto e Lipp (2010), o estresse excessivo e contínuo não
prejudica somente a saúde do indivíduo, pois o estresse além de desenvolver diversas doenças,
ainda propicia um dano à qualidade de vida do sujeito, afetando, assim, o seu desempenho de
suas tarefas, e consequentemente, na sua produtividade.
O comportamento que é adquirido e modificado através de vivências é mantido

952
mediante utilidade biológica, ou seja, por meio de uma sobrevivência e valor adaptativo. Por
isso, o estresse também pode influenciar no comportamento dos estudantes à medida que ele
sente a necessidade em se adaptar a algum acontecimento do seu dia-a-dia que agiu de forma
negativa e lhe causando estresse (Matos, 1999).
Após ter identificado se os estudantes estavam ou não com estresse, foi apontado, como
demonstrado na Tabela 3, a predominância de alunos com estresse nas fases de alerta,
resistência, quase-exaustão, exaustão e sem estresse, nesta tabela é possível visualizar a fase de
estresse que predominou neste estudo. Considerando os dados de toda amostra, pode-se
visualizar a presença de estresse em 76,9% dos alunos participantes da pesquisa. Dentre eles,
69,2% encontram-se na segunda fase do estresse, a fase da resistência e 23,1% não
apresentaram estresse.
Esses dados são parecidos com os resultados que Pellegrini, Calais e Salgado (2012)
obtiveram na sua pesquisa que foi mencionada na discussão referente à Tabela 2, que foi
realizada com estudos dos cursos de Psicologia, Biologia e Engenharia, no qual teve como fase
de estresse predominante a fase resistência com 43,37%. A diferença entre os dois estudos está
relacionada a fase de alerta e exaustão, no qual o presente estudo - com alunos do curso de
Administração - a fase de Alerta não houve a prevalência de discentes, enquanto na pesquisa
Pellegrini, Calais e Salgado (2012) houve uma porcentagem de 1,2% de acadêmicos nesta fase;
porém o mesmo não houve a presença de alunos que se encontram na fase da exaustão, enquanto
neste estudo houve 4,6% de discentes que se encontram nessa última fase do estresse . Esta fase
é denominada como resistência, e também foi preponderante em estudo realizado com pós-
graduandos em odontologia, a porcentagem dessa fase foi superior a 50%. (Souza, Fadel &
Ferracioli, 2016).
Com relação à fase predominante nas duas pesquisas (a fase de Resistência), Lipp
(2005) destaca que esta fase corresponde ao momento em que o sujeito tenta lidar com os
agentes estressores, tentando manter a sua homeostase, mas caso ocorra à incidência desses
agentes estressores com muita frequência ou intensidade, pode haver uma ruptura na resistência
que o indivíduo está tendo em relação ao estresse e assim, este passar para a fase exaustão, na
qual o sujeito pode desenvolver doenças graves em decorrência do estresse, como úlceras,
infarte, depressão entre outros.
A fase resistência segundo Lipp (2005) é preocupante pelo fato do indivíduo tentar
manter esse equilíbrio diante do agente estressor, pois requer muita utilização de energia para
lidar com as situações estressoras e por conta disso é perceptível os sintomas que o sujeito
apresenta durante esta fase, como o cansaço, mal-estar generalizado, tontura e problemas com
a memória. E caso o sujeito não consiga manter a resistência diante das situações estressoras,
ocorre a ruptura da resistência, e o sujeito entra na última fase do estresse, que é quando ocorre
os primeiros sinais de adoecimentos decorrentes do estresse.
Feito a identificação da fase de estresse que predominou entre os alunos do curso de
Administração, a Tabela 4 apresenta os sintomas físicos e psicológicos dos participantes. Em
relação aos sintomas que os discentes manifestaram decorrentes do estresse, observa-se, que a
maioria apresentou sintomas psicológicos, com menores porcentagens de sintomas físicos, e
simultaneamente para ambos os sintomas. As sintomatologias manifestadas nessa pesquisa têm
uma porcentagem inferior à pesquisa realizada de Mondardo e Pedon (2005), com estudantes
universitários ingressantes, é válido ressaltar que não foi informado as áreas de curso dos

953
estudantes da pesquisa, porém é visível nos resultados relacionados aos sintomas, que os
psicológicos tiveram predominância de 74%, os físicos de 19% e ambos os sintomas de 7%.
Diante desses resultados, por mais que exista uma diferença de porcentagem em mais
de 10%, ambas possuem sintomas psicológicos como prevalência na pesquisa, seguida pelos
sintomas físicos. A presença desses sintomas pode afetar o desempenho dos estudantes, pois
sintomas como ansiedade, decorrentes da pressão que o sujeito tem para cumprir suas
obrigações para se formar faz sentir-se sobrecarregado gerando um baixo desempenho, assim
como as pressões que o mesmo por parte dos familiares, professores, pelas avaliações das
disciplinas, atividade referentes ao TCC, além da expectativa por parte do indivíduo para
ingressar no mercado trabalho. Tais aspectos podem afetar a vida pessoal do acadêmico,
podendo o mesmo não saber lidar com todas essas situações e o seu grau de produtividade
decair (Campos et al., 2016).
Lipp (2005) diz que para se proteger do estresse é necessário ter uma boa alimentação
para repor as energias, vitaminas e nutrientes, como também relaxar, pois quando existe a
tensão é necessário descansar, para se livrar das tensões ocasionadas pelo estresse do dia-a-dia.
Esse relaxamento pode ser realizado através de exercícios de respiração profunda, relaxamento
muscular, música, filme, entre outras atividades que para cada sujeito possibilite o relaxamento.
Também é necessário que se pratique exercícios, procure manter atitudes positivas
perante a vida para que se mantenha uma estabilidade emocional, é necessário que procure viver
bem nas áreas social, afetiva, profissional e a que se refere à saúde, para que se possa ter
qualidade de vida. Pois qualidade de vida significa mais do que viver, pois para a autora viver
bem significa ter um equilíbrio em todas essas áreas (Lipp, 2005).

Considerações Finais
Este trabalho possibilitou estudar a prevalência do estresse nos estudantes do Campus
Amílcar Ferreira sobral, do curso de Administração do 6°, 7° e 8° período, sendo possível
indicar que nos sujeitos pesquisados houve prevalência de estresse, sendo que destes a maioria
estava na fase de resistência. Acerca dos sintomas, preponderaram os sintomas psicológicos
entre os participantes.
Segundo Lipp (2005), está fase requer cuidados, pois, é o momento em que o organismo
tenta manter um equilíbrio interno diante dos agentes estressores, porém se ocorre a incidência
com muita frequência ou por tempo prolongado desses agentes estressores, pode haver uma
ruptura na resistência que o sujeito está apresentando e o mesmo ser direcionado para a fase
exaustão.
Logo essa pesquisa possui importância para a sociedade, por proporcionar
conhecimento acerca das tensões excessivas que ocorrem diariamente na vida de discentes de
graduação, possibilitando uma maior compreensão sobre a realidade do universo acadêmico,
como também aos discentes para terem conhecimento das fases de estresse, a fim de que
conheçam tais aspectos fornecendo assim subsídios para que aprendam a lidar com os desafios
que irão encontrar durante sua formação acadêmica e profissional.
Referências

954
Araújo, A. M. (2011). Metas x Stress no ambiente de trabalho: um estudo de caso da Itaí
estudos, projetos e perfurações LTDA. Faculdade São Luís de França, 2011.
Assis, P, Y, S., Pereira, D, L., Vieira, M, A., & Costa, M. (2014). Qualidade de vida de
estudantes da graduação em enfermagem: revisão de literatura. Revista Eletrônica
Gestão & Saúde. 5(3), 2115-36.
Barbetta, P. A. (2010). Estatística Aplicada às Ciências Sociais. 7. ed. Florianópolis: UFSC.
Campos, E. A. R., Kuhl, M. R., Andrade, S. M., & Steafno, S. R. (2016). Gestão &
Conexões: Management and Connections Journal, 5(1), 121-140.
Chiavenato, I. (2014). O novo papel dos recursos humanos organizações. 4.ed. Barueri:
Manole.
Gil, A.C. (2019). Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas S.A.
Brasil (2018). Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo
da educação superior 2017: divulgação dos primeiros resultados. Diretoria de
Estatísticas Educacionais - Deed. Brasilia, set., 2018.
Lipp, M. E. N. (2005). Manual do Inventario de Stress para Adultos de Lipp (ISSL). 6.ed. São
Paulo: Pearson Clinical Brasil.
Martins, G. A. & Theóphilo, C. R. (2009). Metodologia da investigação científica para
ciências sociais aplicadas. 2.ed. São Paulo: Atlas.
Matos, M. A. (1999). Análise funcional do comportamento. Revista Estudos de Psicologia,
16(3), 8-18.
Mondardo, A. H. & Pedon, E. A. (2005). Estresse e desempenho acadêmico em estudantes
universitários. Revista de Ciências Humanas, 6(6), p. s.n.
Pellegrini, C. F. S., Calais, S. L., & Salgado, M. H. (2012). Habilidades sociais e
administração de tempo no manejo do estresse. Arquivos Brasileiros de Psicologia,
64(3), 110-129.
Reis, E. A. & Reis, A. I. N. Análise descritiva de dados – relatório técnico do comportamento
de estatística da UFMG. 1.ed. 2002. Disponível em: <www.est.ufmg.br>. Acesso em
28 de maio de 2019.
Sadir, M. A., Bignotto, M. M., & Lipp, M. E. N. (2010). Stress e qualidade de vida: influência
de algumas variáveis pessoais. Paideia, 20(45), 73-81.
Selye, H. (1936). The syndrome produced by diverse noxeousagentes. Nature. 138, 32-34,
1936.
Selye, H. (1956). The stress of life. New York: McGraw-Hill.
Souza, J. A., Fadel, C. B., & Ferracioli, M. U. (2016). Estresse no cotidiano acadêmico: um
estudo com pós-graduandos em Odontologia. Revista da ABENO, 16(1), 50-60.
A RELAÇÃO ENTRE MOTIVAÇÃO E DESEMPENHO ACADÊMICO

955
Helen Emanuele Pereira Sousa
Ricardo Neves Couto
Idália Medeiros Guerra
Thalita Maria Gomes de Santana
Introdução

Este estudo aborda a temática da motivação acadêmica e sua eventual relação com o
desempenho acadêmico no meio universitário. O presente estudo foi construído a partir de uma
revisão narrativa, buscando embasamento na literatura já existente.
De acordo com Davoglio, Santos e Lettnin (2016), motivação e desempenho acadêmico
são construtos importantes para o ambiente educacional. Sendo fundamentais para compreender
questões como permanência no curso e evasão escolar. Dessa forma, estudos foram feitos ao
longo dos anos acerca do assunto, com destaque para a teoria da autodeterminação de Deci e
Ryan (1985), sendo eles responsáveis por dividir o conceito de motivação em extrínseca e
intrínseca. Na motivação intrínseca, o fazer estar mais relacionado ao prazer em si, da própria
atividade, sem restrições e cobranças. Enquanto na motivação extrínseca a consequência da
ação é um dos principais motivadores do comportamento que busca efeitos desejáveis e evita
os indesejáveis (Joly & Prates, 2011).
Os fenômenos expostos acontecem dentro do cotidiano do estudante universitário, por
isso é importante contextualizar o meio de aprendizagem construído por esse estudante ao longo
de suas experiências, que marcam a vida acadêmica, variando de acordo com perfil do
estudante, sua instituição e curso como descreve Santos et al. (2011). Ainda de acordo com os
autores citados, esse ambiente é formado de forma multifacetada, composto pelas relações entre
o indivíduo e sua instituição de ensino.
Assim, é importante que pesquisas sobre o assunto sejam realizadas, como forma de
conhecer a motivação e a sua relação com o desempenho acadêmico. Pois, o conhecimento dos
construtos ligados ao processo de motivação pode construir caminhos que levem a adequação
de políticas públicas direcionadas ao ensino superior, proporcionando ações que fortaleçam
tanto o aproveitamento como a permanência do estudante universitário em seu curso (Davoglio,
Santos & Lettnin, 2016). Logo, o presente estudo exposto propõe trazer contribuições sobre a
relação entre os assuntos apresentados e para a discussão existente acerca da motivação e o
desempenho acadêmico.

Motivação

De acordo com Oliveira e Alves (2005), a motivação é uma energia que leva alguém a
uma direção, para a realização de algo. Remetendo a uma característica muito importante da
motivação, que é a sua subjetividade e o ambiente. Apesar das motivações carregarem aspectos
de desejos do indivíduo, ressalta-se a importância que a influência do meio possui no

956
desenvolvimento do ser. Pessoas que estão em diferentes classes sociais e/ou diferentes
culturas, terão suas individualidades atravessadas pelas desejabilidade das normas sociais que
os direcionam.
Essa divisão afeta parte diferentes do indivíduo, enquanto as motivações internas
possuem uma carga de valorização individual, interessante ou agradável, substancial para o
indivíduo, as motivações externas possuem um valor mais instrumental, que é associado a um
objetivo ou a um resultado (Lopes et al., 2015). É importante ressaltar que as motivações
internas possuem um maior peso que as externas. Pois, apesar da motivação ter sua parcela
cultural, não é possível induzi-lo a se sentir motivado, é algo intrínseco, não sendo possível
transferir motivação para alguém. A motivação é biológica, cultural e subjetiva, sendo
construída a partir das interações destes três campos. Manifesta-se de forma diferente em vários
aspectos da vida, visto que há motivação para estudar, motivação para trabalhar, para se divertir,
existem diferentes tipos de motivações, que nos levam a querer ou não algo.
Como dito anteriormente, é possível identificar dois tipos de motivação na
aprendizagem, a intrínseca e a extrínseca. A intrínseca está voltada para os objetivos pessoais
e individuais, motivação para aprender, estudar e a superar obstáculos; a motivação extrínseca
relaciona-se com os ganhos obtidos através do meio, recebimento de recompensas e
reconhecimento a partir da demonstração de capacidades e habilidades (Martinelli &
Bartholomeu, 2007).
Ao estudar a motivação, é possível entender os indivíduos, os contextos acerca do
fenômeno e produzir políticas para potencializar certas instituições, como o trabalho e a
universidade, produzindo melhorias através de como as pessoas se sentem confortáveis e
realizadas naquele local e de que modo isso pode ser potencializado para aperfeiçoar o
desempenho no local (Davoglio, Santos & Lettnin, 2016).
De acordo com Zenorini, Santos e Bueno (2003), o interesse dos pesquisadores em
estudar motivação e sua relação com a aprendizagem mostra-se crescente, principalmente entre
a área da psicologia educacional e escolar. Dessa forma, muitos estudos e hipóteses com
diferentes ênfases contribuíram para a discussão do assunto.
A partir desses estudos torna-se compreensível que o processo de aprendizagem parte
do conhecimento prévio do estudante, assim como sua motivação tanto em termos de emoções
quanto pensamentos (Zenorini et al., 2003). Assim, é importante entender como o fator
motivação afeta a aprendizagem, consequentemente, compreender como esse fenômeno atrela-
se ao contexto acadêmico. Para Accorsi, Bzuneck e Guimarães (2007), o desempenho
acadêmico relaciona-se na qualidade de menor ou maior estudo em relação às estratégias que
os acadêmicos costumam usar.
Além que, tais preferências de estratégias estão interligadas à determinada orientação
motivacional ou meta de realização. A concepção do ambiente da sala de aula é um fator
importante para adoção de cada meta e assim, de acordo com os mesmos autores, a motivação
é sempre contextualizada. Uma pesquisa realizada por Porto e Gonçalves (2017), verificou que
os estudantes dos primeiros períodos da graduação tendem a ser mais motivados que os
graduandos dos últimos períodos, fator que dá-se devido à expectativa positiva dos iniciantes.
São variados os fatores que são capazes de influenciar na motivação acadêmica dos

957
alunos, fatores esses que podem ser intrínsecos e/ou extrínseco. Soares, Poubel e Mello (2009)
trazem que a motivação intrínseca envolve relacionamento com a família, autonomia pessoal,
bem-estar físico e psicológico, autoconfiança e percepção pessoal de competência. Já a
extrínseca está relacionada à adaptação do estudante ao contexto educacional e possui as
subescalas de adaptação à instituição, gestão dos recursos econômicos, relacionamentos com
os colegas e o envolvimento em atividades extracurriculares.
Para Schmitt (2016), o apoio familiar é um dos principais fatores para a permanência
estudantil, não apenas pela assistência financeira, o apoio e o incentivo quanto às escolhas com
relação ao curso são tão relevantes quanto. Assim como o encorajamento parental é uma
variável de influência motivacional, o desencorajamento ou a falta de apoio, faz com que os
estudantes vivenciem a angústia.
A principal causa do ingresso no ensino superior se dá por causa da motivação intrínseca
ao saber, ou seja, os estudantes se inscrevem pelo prazer e satisfação que possuem de aprender
Ramos (2013). No entanto, Ramos traz também que, bem como as razões relacionadas à
motivação extrínseca, as intrínsecas estão interligadas com algum tipo de pressão, seja externa,
de pessoas do seu meio social ou mesmo a pressão sob si próprio.
Miranda et al. (2015), defendem que diversas medidas vêm sendo usadas com o intuito
de mensurar o desempenho acadêmico, os objetivos pretendem determinar se tais medidas serão
mais simples ou mais complexas. Dentre essas medidas, destaca-se as notas de uma prova, nota
de uma disciplina, média geral acumulada, como por exemplo o Índice de Rendimento
Acadêmico (IRA), sendo a sigla usada por algumas instituições. Além das avaliações aplicadas
de forma externa à universidade. Ainda de acordo os autores, medidas possuem uma
mensuração mais fácil quando aplicadas a uma atividade específica, como a nota de uma
disciplina. Assim, a aplicação de uma avaliação específica dá-se como forma de investigação
ao aproveitamento do estudante, quase que de forma investigativa.
Todavia, Fagundes, Luce e Espinar (2014) entendem o desempenho acadêmico como a
relação existente entre o potencial do aluno e o resultado obtido, ou seja, o profundo final do
processo do ensino que é a aprendizagem. Assim, diz respeito ao conhecimento obtido, não
necessariamente é uma nota que será o resultante do processo, mas sim o conhecimento
adquirido nessa relação. Ademais, Jiménez (2000) citado por Fagundes, Luce e Espinar (2014),
afirma que o desempenho acadêmico contempla também constructos como aspectos do
professor, a relação entre discente e docente, o ambiente de sala de aula, a família, entre outras
variáveis que vão além somente do comportamento e motivação do estudante. Desse modo, o
desempenho acadêmico tem fatores que vão além da nota para definir o que seja um
desempenho bom, regular ou ruim.
O sucesso acadêmico é intimamente relacionado ao desempenho acadêmico, porém o
sucesso acadêmico não se manifesta apenas por notas. Ter um bom desempenho acadêmico e
ter um sucesso acadêmico são propostas distintas. Segundo Cunha e Carrilho (2005), o sucesso
acadêmico abrange muito mais fatores e uma dimensão que sai da aula, das provas e notas, está
relacionado ao indivíduo e aos objetivos individuais propostos. O sucesso na academia passa
pelos fatores intelectuais, acadêmicos e pessoais. Por isso a importância de, ao estudar o
desempenho acadêmico, entendê-lo apenas como mais uma das partes do que caracteriza o
indivíduo na universidade.
Considerando as problemáticas apresentadas e a relevância de serem contextualizadas,

958
este artigo tem como objetivo descrever, a partir da literatura, as influências entre motivação e
o desempenho acadêmico dos estudantes de graduação. Como os aspectos sociais, culturais e
individuais podem agir como potencializadores da motivação e consequentemente no
aprendizado, atentando para o aprendizado enquanto construção entre vários fatores que se
relacionam de forma dinâmica e única para cada indivíduo.

Método

Essa produção trata-se de uma revisão narrativa, na qual o objetivo principal é uma
discussão teórica com base em artigos, revistas eletrônicas ou impressas que foram escolhidos
com base em títulos e palavras chaves para poder discutir sobre o assunto (Maria, Sallum &
Garcia, 2010). Esse trabalho busca compreender a influência entre motivação e desempenho
acadêmico dos estudantes, o que pode influenciar de forma positiva o aumento da motivação.
Os descritores desta pesquisa foram: Motivação, Motivação Acadêmica, Desempenho
Acadêmico, utilizados nas seguintes plataformas, Scielo, Google acadêmico e Periódico Capes.
O Período da pesquisa foram os meses de Janeiro a Julho de 2020. Após a análise de resumo e
dos artigos foram escolhidos alguns trabalhos que se encaixavam nas proposta de discussão
deste artigo.

Resultados & Análise

Tabela 1. Título dos artigos, autores e objetivos.


Título Autores Objetivo do estudo

Atividades Júnior, V. F. S., Madruga, L. R. Definir o nível de conhecimento e de


extracurriculares e o D. R. G., Kneipp, J. M. & envolvimento dos acadêmicos do Curso de
processo de formação de Corrêa, A. C(2011) Administração da Universidade Federal de
administradores. Santa Maria (UFSM) em atividades
extracurriculares, tendo em vista as exigências
do mercado de trabalho.

Atividades Peres, C. M., Andrade, A. D. S. Investigar as concepções de estudantes de


Extracurriculares: & Garcia, S. B. (2007) Medicina sobre as vivências e papéis das
Multiplicidade e atividades extracurriculares.

Diferenciação
Necessárias ao Currículo

Política de ações Bello, L. ( 2011). Analisar o processo de resiliência em


afirmativas na UFRGS: o estudantes cotistas de escolas públicas
processo de resiliência na autodeclarado negros com bom desempenho
trajetória de vida de Acadêmico.
estudantes cotistas
negros com bom
desempenho acadêmico.

959
Habilidades básicas e Primi, R., Santos, A. A. & Verificar a possível relação entre a habilidade
desempenho acadêmico Vendramini, C. M. (2002). cognitiva requerida e a área de conhecimento,
em universitários este estudo foi proposto com o objetivo de
ingressantes. investigar as correlações entre medidas de
inteligência fluida e cristalizada com
desempenho acadêmico em 960 alunos
ingressantes dos cursos de Medicina,
Odontologia,

Engenharia Civil, Matemática, Psicologia,


Pedagogia, Letras e Administração.

Atividades Margarido, M. R. (2013). Neste artigo de ponto de vista, as atividades


extracurriculares, uma extracurriculares seriam principalmente
opinião ferramentas de construção do currículo
paralelo e informal, a fim de suprir eventuais
falhas e necessidades não contempladas no
currículo formal.

Análise comparativa das Osti, A. & Brenelli, R. P. Identificar e comparar as representações de


relações entre ensino e (2013). professores e alunos sobre o processo de
aprendizagem por ensino e aprendizagem. Objetivou-se verificar
professores e alunos em quais aspectos as representações desses
sujeitos se correspondem e se elas se
diferenciam entre alunos com alto e baixo
desempenho acadêmico.

Fonte: Criação Própria

Dentre os artigos coletados, que continham como tema o desempenho acadêmico e a


motivação, foram encontrado alguns motivos sobre como eles se relacionam e se influenciam.
Motivos que envolvem causas sociais, pessoais e financeiras. Neste trabalho, após a análise do
material coletado, organizou-se os resultados de forma a apresentar aspectos importantes,
considerados relevantes e de influência direta ou indireta no desempenho acadêmico e na
motivação.
A graduação é um período onde as mudanças e a preparação requerida afetam
fundamentalmente o profissional que sairá dela futuramente, porém nas esferas sociais e
pessoais também ocorrem mudanças. Diante do quadro geral de mudanças na vida do indivíduo,
quando se fala em aluno, motivação e universidade, ressalta-se o conjunto de variáveis que
influenciam a experiência, na universidade não é somente a realização académica que motiva,
afinidades com as pessoas do ambiente, com os local e até mesmo as atividades da universidade
que são realizadas em outros campos podem servir de motivação, algumas das variadas
influências serão apresentadas e discutidas a seguir. (Santos et al., 2011).
No artigo com o título Atividades Extracurriculares: Multiplicidade e Diferenciação
Necessárias ao Currículo, as atividades extracurriculares são expostas como parte dessas
influências. Importante considerar que atividades extracurriculares têm um papel fundamental
no desenvolvimento psicossocial e cognitivo do universitário (Peres, Andrade & Garcia, 2007).

960
Além da teoria trabalhada na maior parte da carga horária da universidade, é valioso se trabalhar
a prática em diferentes contextos.
Entende-se que nas atividades extracurriculares são trabalhadas outras habilidades, por
ser um contexto diferente das sala de aula permitem que aspectos como trabalho em grupo,
velocidade nas respostas à situações críticas, comunicação, calma e liderança, são alguns dos
comportamentos que podem ser aprendidos ou aprimorados durante o decorrer das atividades
(Margarido, 2013). Um aluno, por exemplo, que não tenha facilidade com trabalhos escritos,
pode se destacar em uma atividade extracurricular ao trabalhar suas habilidades mais
aprimoradas, afetando diretamente a sua autoestima e seu desempenho acadêmico. Dado que,
as avaliações escritas são mais utilizadas no contexto de avaliação acadêmica, que por meio das
notas associadas a essas, caracterizam o aluno dentro de uma escala hipotética que varia entre
“melhor” (nota mais alta) para o “pior” (menor nota), como foi destacado no trabalho
Atividades extracurriculares, uma opinião.
Apesar de atividades extracurriculares serem de grande relevância, a má elaboração da
atividade e um desenvolvimento confuso, com situações problemáticas sem resolução, onde
não haja experiência com as informações obtidas em aula, faz com que possua vantagens e
desvantagens para a formação do futuro profissional (Júnior, Madruga, Kneipp, & Corrêa,
2011). No estudo Atividades extracurriculares e o processo de formação de administradores
outra variável é a relação aluno-professor, em uma relação considerada positiva pode-se ter um
melhor aproveitamento do conteúdo por parte do estudante, assim como potencializar a
desenvoltura esperada por parte do docente, o vínculo de afeto e identificação podem ajudar
os alunos a se sentirem motivados a estudar, se espelharem nos bons professores e aumentar
suas notas e dedicação nas disciplinas, consequentemente refletindo no desempenho
acadêmico.
Ao ter um convívio com relações positivas, os indivíduos podem se sentir mais seguros
e confiantes na sala de aula. Ao analisar os artigo Análise comparativa das relações entre ensino
e aprendizagem por professores e alunos, verificou-se que a relação entre aluno e professor
pode servir de incentivo e que a mesma facilita a aprendizagem do conteúdo. Porém, ambos
estão sujeitos à influência das notas resultantes dos processos de avaliação, os discentes devem
demonstrar que aprenderam e o professor deve apresentar algum resultado, sejam positivos ou
negativos são relacionados ao professor e a matéria, afetando a motivação em geral (Osti &
Brenelli, 2013).
A última variável a ser apresentada é o apoio familiar. Na pesquisa sobre Política de
ações afirmativas na UFRGS: o processo de resiliência na trajetória de vida de estudantes
cotistas negros com bom desempenho acadêmico a presença de apoio familiar influencia no
desempenho acadêmico, assim como sua ausência, não só financeiramente, mas auxilia também
na autoestima do universitário. É importante pontuar que as raízes familiares não são
determinantes e apesar de constituírem um grande fator de impacto, o desempenho depende
também do foco do aluno. Como destacado, espera-se que um universitário com família estável
e boa situação social ostente um rendimento acima dos que trabalham e estudam, todavia, o
desempenho acadêmico é multifatorial, corroborando com as possíveis divergências que
possam existir dentro dessa lógica (Bello, 2011).
Cada curso possui suas especificidades, fazendo com que o universitário tenha que se

961
adaptar ao manejo de cada graduação, entretanto a afinidade com os assuntos abordados no
curso e algumas habilidades podem facilitar este processo de adaptação para cada curso. Primi,
Santos e Vendrami (2002) apresentam o conceito da inteligência cristalizada e inteligência
fluida, qual cada curso valorizava mais. A inteligência fluida representa capacidade de
adaptação, relacionar ideias complexas, mudar e enfrentar situações com novos meios e outras
possibilidades. A inteligência cristalizada pode ser definida como a capacidade de absorver e
armazenar grandes quantidades de informações.
Os resultados da pesquisa Habilidades básicas e desempenho acadêmico em
universitários ingressantes apresentada variaram entre os diferentes cursos, por exemplo, os
estudantes de Engenharia Civil, Matemática e Medicina demonstraram uma tendência maior
para a inteligência fluida. Nos cursos de Letras e Pedagogia apresentaram maiores relações com
a inteligência cristalizada. Nos cursos de Administração e Psicologia a tendência é dupla, os
discentes associam-se aos dois tipo de inteligência. Desse modo, quanto maior a afinidade com
as necessidades do curso, maior possibilidade de apresentar um desempenho acadêmico
considerado bom.

Conclusão

Após as análises dos resultados obtidos, conclui-se que o desempenho acadêmico


durante o período da graduação se dá de forma multifatorial, onde agentes de ordens diversas,
de dentro e fora da faculdade, podem influenciar na motivação, apesar de estar atrelado à
motivação do indivíduo, durante o processo de desenvolvimento do mesmo, somente o
desempenho não implica um caráter determinista.
Estudantes com apoio familiar, social e com um ambiente acadêmico favorável com
relações aluno-aluno e aluno-professor de qualidade, possuem maior probabilidade de, ao final
do curso, apresentarem um desempenho acadêmico maior, dentro das medições
institucionalizadas, maior que os discentes que não possuem tais elos. O mesmo se dá com a
participação em atividades extracurriculares de qualidade, onde se desenvolve habilidades e
aumenta o índice de motivação.
Percebe-se o desempenho acadêmico enquanto conjunto de ações a serem desenvolvidas
e/ou vivenciadas durante o período em que é requerido, para além da motivação em si, a
presença de uma atmosfera agradável em sala de aula, a realização de atividades de extensão e
pesquisa fora das disciplinas obrigatórias, uma boa relação aluno-professor e apoio familiar e
de amigos são fatores fundamentais para a efetivação de uma atuação acadêmica satisfatória,
tanto para o indivíduo quanto para o sistema vigente.
Neste trabalho, teve-se como um dos objetivos discutir e contextualizar como essas
influências ocorrem, como forma de entender e contribuir com as motivações. Sendo uma
oportunidade, apesar de suas limitações, de trazer algumas informações relevantes de análise
para os estudos sobre motivação e desempenho acadêmico.

Referências
962
Accorsi, D. M. P., Bzuneck, J. A. & Guimarães, S. É. R. (2007). Envolvimento cognitivo de
universitários em relação à motivação contextualizada. Psico-USF, 12(2), 291-300.
Bello, L. (2011). Política de Ações Afirmativas na UFRGS: O Processo de Resiliência na
Trajetória de Vida de Estudantes Cotistas Negros com Bom Desempenho Acadêmico.
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Porto Alegre:
UFRGS.
Cunha, S. M. & Carrilho, D. M. (2005). O processo de adaptação ao ensino superior e o
rendimento acadêmico. Psicologia escolar e educacional, 9(2), 215-224.
Davoglio, T. R., Santos, B. S. & Conceição Lettnin, C. (2016). Validação da Escala de
Motivação Acadêmica em universitários brasileiros. Ensaio: Avaliação e Políticas
Públicas em Educação.
Deci, E. L. & Ryan, R. M. (1985). Self-determination and intrinsic motivation in human
behavior. EL Deci, RM Ryan.–1985.24(92), 522-545.
Fagundes, C. V., Luce, M. B. & Espinar, S. R. (2014). O desempenho acadêmico como
indicador de qualidade da transição Ensino Médio-Educação Superior. Ensaio:
Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 22(84), 635-669.
Joly, M. C. R. A. & Prates, E. A. R. (2011). Avaliação da escala de motivação acadêmica em
estudantes paulistas: propriedades psicométricas. Psico-USF, 16(2), 175-184.
Júnior, V. F. S., Madruga, L. R. D. R. G., Kneipp, J. M. & Corrêa, A. C. (2011). Atividades
extracurriculares e o processo de formação de administradores. Revista Sociais e
Humanas, 24(1), 31-40.
Lopes, L. M. S., Pinheiro, F. M. G., Silva, A. C. R. D. & Abreu, E. S. D. (2015). Aspectos da
motivação intrínseca e extrínseca: uma análise com discentes de Ciências Contábeis da
Bahia na perspectiva da Teoria da Autodeterminação. Revista de Gestão, Finanças e
Contabilidade, 1(1), 21-39.
Margarido, M. R. (2013). Atividades extracurriculares, uma opinião. Medicina (Ribeirão
Preto. Online), 46(1), 56-58.
Maria, A., Sallum, C., Garcia, D. M. & Sanches, M. (2010). Dor aguda e crônica: Revisão
narrativa da literatura. Acta Paulista de Enfermagem, 25(Esp.), 150–154. doi:
10.1590/S0103-21002012000800023.
Martinelli, S. C. & Bartholomeu, D. (2007). Escala de motivação acadêmica: uma medida de
motivação extrínseca e intrínseca. Avaliação Psicológica 6(1), 21-31.
Miranda, G. J., Lemos, K. C. S., Oliveira, A. S. & Ferreira, M. A. (2015). Determinantes do
desempenho acadêmico na área de negócios. Meta: Avaliação, 7(20), 175-209.
Oliveira, C. B. E. D. & Alves, P. B. (2005). Ensino fundamental: papel do professor,
motivação e estimulação no contexto escolar. Paidéia (Ribeirão Preto), 15(31), 227-
238.
Osti, A. & Brenelli, R. P. (2013). Análise comparativa das relações entre ensino e

963
aprendizagem por professores e alunos. Psicologia Escolar e Educacional, 17(1), 55-
63.
Peres, C. M., Andrade, A. D. S. & Garcia, S. B. (2007). Atividades extracurriculares:
multiplicidade e diferenciação necessárias ao currícu. Revista Brasileira de Educação
Médica, 31(3), 203-211.
Porto, R. C. & Gonçalves, M. P. (2017). Motivação e envolvimento acadêmico: um estudo
com estudantes universitários. Psicologia Escolar e Educacional, 21(3), 515-522.
Primi, R., Santos, A. A. & Vendramini, C. M. (2002). Habilidades básicas e desempenho
acadêmico em universitários ingressantes. Estudos de psicologia (Natal), 7(1), 47-55.
Ramos, S. I. V. (2013). Motivação académica dos alunos do ensino superior. Psicologia, 1-
15. Retrieved.
Santos, A. A. A., Mognon, J. F., Lima, T. H. & Cunha, N. B. (2011). A relação entre vida
acadêmica e a motivação para aprender em universitários. Revista Semestral da
Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, 15(2), 283-290.
Schmitt, R E. (2016). A permanência na universidade analisada sob a perspectiva
bioecológica: integração entre teorias, variáveis e percepções estudantis. Tese
(Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul / Escola de
Humanidades / Programa de Pós-Graduação em Educação, Porto Alegre.
Soares, A. B., Poubel, L. N. & dos Santos Mello, T. V. (2009). Habilidades sociais e
adaptação acadêmica: um estudo comparativo em instituições de ensino público e
privado. Aletheia, (29), 27-42.
Zenorini, R. D. P. C., Santos, A. A. A. & Bueno, J. M. H. (2003). Escala de avaliação das
metas de realização: estudo preliminar de validação. Avaliaçao Psicologica:
Interamerican Journal of Psychological Assessment, 2(2), 165-173.
TRABALHANDO AGRESSIVIDADE NA ESCOLA DE APLICAÇÃO MINISTRO

964
REIS VELLOSO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Rafaela Oliveira dos Santos


Sara Moreno Costa
Maria Karoline Braga de Sousa
Beatriz Alves de Oliveira
Gabriela Elys de Araújo Silva
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo relatar a experiência de um Estágio Básico III
que consiste na observação de grupos e suas interações cogitando intervenções no campo de
atuação. O campo escolhido foi na Escola de Aplicação Ministro Reis Veloso, que fica
localizada na Rua Coronel Antônio Souza, Bairro Reis Veloso, Parnaíba – PI. A escola foi
fundada em 1989 e atualmente funciona através da parceria entre a prefeitura e a Universidade
Federal do Piauí. As demandas que emergiram do campo nos conduziram a analisar os
processos de desenvolvimento social das crianças, principalmente em relação à agressividade e
violência.
A agressividade pode ser definida como comportamento que é realizado a fim de
machucar e/ou provocar outra pessoa, motivada por competitividade, raiva e hostilidade; além
disso, é caracterizada como uma tendência para dominação social e comportamento ameaçador.
A agressividade pode provocar mudanças de forma temporária no comportamento de um
indivíduo para destruir ou causar danos ao outro, sendo que esse comportamento pode ser
notado nas crianças através de condutas como xingar, bater em coleguinhas, pais ou professores,
destruir brinquedos, chutar, maltratar animais, entre outros (Shaffer, 2005; Costa, 1986). Tais
atitudes foram muito observadas no campo no momento do intervalo no qual as crianças
brincavam de forma violenta, jogando sapatos, chinelos nos colegas, ou derrubavam um amigo
no chão e começavam a bater.
Os atos agressivos são de dois tipos: físico ou verbal. O primeiro caracterizado pelo uso
da força física como empurrar, bater, puxar o cabelo, ou machucar outra pessoa fisicamente. Já
o segundo, parte do uso verbal como xingamentos, expressões ofensivas, desrespeito, uso da
voz elevada entre outros (Abramovay, 2006).
É válido destacar que a agressividade não é um fator isolado envolvendo apenas uma
criança, assim como também não pode ser explicada separadamente de outros fenômenos, pois
ocorre através de influências pessoais, familiares, normativas, de idade, culturais e relacionais
(Collette, 1971). Com isso, ela indica que alguma coisa que está acontecendo de forma
desacertada em alguns ambientes como a família, a escola, com os amigos ou nos demais meios
sociais que a criança frequenta, uma vez que os pares marcam a vida dessas crianças seja de
forma negativa ou positiva (Goetz & Vieira, 2009). Logo, o olhar e o manejo para com tais
demandas devem ser exercitados pelos profissionais que estão em contato com essas crianças.
No entanto, também não se deve negar que a agressividade é inerente ao ser humano e

965
que se trata de um comportamento adaptativo em que há utilização de força verbal e/ou física
a partir do momento em que o indivíduo se sente ameaçado ou frustrado com algo (Filliozat,
1997; Gagliotto, Berté & Vale, 2012). Com isso, Vilhena (2002) afirma que a agressividade é
um movimento natural que não possui intencionalidade agressiva, diferente da violência que é
a aplicação desejada de força, e percebida como agressiva pois possui intencionalidade.
No mais, é um comportamento exposto a contingências aversivas e influenciado por
algo também externo à criança, como jogos violentos, família, escola, amizades, entre outros
(Duque, 2009; Bolsoni-Silva; Del Prette, 2003; Barbosa et al, 2011). Tais atravessamentos
foram percebidos durante toda a realização do estágio a partir da fala das crianças e observação
de seus comportamentos.

Método
O estágio ocorreu em um dos campos elena Escola de Aplicação Ministro Reis Veloso,
que fica localizada na Rua Coronel Antônio Souza, Bairro Reis Veloso, Parnaíba – PI, um dos
campos elencados para a disciplina de Estágio Básico III. Foram realizadas visitas semanais ao
estabelecimento no período da tarde, com início em abril e finalização em junho de 2019. Cada
uma contou com duração de uma a duas horas, totalizando três meses em campo com o total
integralizado de dez visitas, incluindo observação e realização de atividades interventivas.
Antes do ingresso no campo de estágio, foram apresentadas informações sobre a
Escolinha de Aplicação em reunião com a supervisora do Estágio Básico III; posteriormente,
na primeira visita, também houve uma reunião com a supervisora e o estagiário de Estágio
Profissional, que também ocorre no mesmo campo.
Nas conversas realizadas antes da entrada no campo destacou-se a existência de
vulnerabilidades do público da escolinha como queixas de abuso infantil e violência doméstica,
que é refletida na agressividade das crianças, inversão de papéis entre as crianças e seus pais,
situações questões de gênero e raciais. Não houve pontuação sobre bullying na escola. Também
existem alunos com diagnósticos de autismo e síndrome de Down.
Na visita inicial também foi possível conhecer o espaço da escola, incluindo a sala do
Serviço Escola utilizada pelos estagiários do campo para organização de atividades e
atendimento, além do funcionamento do mesmo.
Após a introdução na escola, iniciaram-se as visitas observacionais que ocorreram de
forma participante, a qual supõe uma participação maior do pesquisador que interage, questiona
e faz uso da escuta para apreender sobre a realidade do campo que está inserido (Valladares,
2007). O objetivo inicial dessa observação foi identificar possíveis demandas a partir dos olhos
das estagiárias, mas, ao mesmo tempo, considerando as demandas anteriormente elencadas
pelos supervisores.
Também foi possível a participação das estagiárias no auxílio ao estagiário profissional
em suas atividades, momento esse em que foi possível realizar uma pesquisa mais aprofundada
das questões presentes no campo. Essas intervenções ocorreram com as turmas de segundo e
quarto ano e versaram sobre tópicos de gênero e jogos de violência, além da naturalização dessa
violência no dia a dia das crianças. Também foi possível acompanhar algumas vezes a hora do

966
recreio, momento esse em que as crianças estão mais livres para se manifestarem.
Tais questões foram discutidas em supervisão e, a partir disso, foi possível o
delineamento de uma demanda principal a ser trabalhada durante as intervenções, qual seja,
violência e agressividade das crianças. Diante do pouco período de tempo disponível para a
realização das atividades, foi escolhido como público-alvo os alunos do primeiro ano, tendo em
vista ser a série inicial da escola e cujo aprendizado com as intervenções poderiam levar para
os anos posteriores.
Escolhida a demanda, foi criado um plano de intervenção, no qual cada estagiária ficou
responsável por delinear uma atividade. Após a aprovação da supervisora, as ações foram
realizadas semanalmente às terças-feiras com os alunos do primeiro ano os quais apresentaram
interesse em participar das atividades propostas.
Ao final das cinco atividades, houve um momento de feedback com os mesmos para
apresentação dos resultados e despedida das estagiárias.

Resultados e discussão da experiência


Observou-se, no local de estágio, manifestações físicas e emocionais durante as
brincadeiras na hora do intervalo. Sendo as manifestações físicas: chutar, bater em colegas,
jogar objetos no outro. As manifestações emocionais foram: praticar bullying (palavras
ofensivas, brincadeiras de “mal gosto”), expressão facial de raiva. Os comportamentos
observados foram escolhidos de acordo com os comportamentos apresentados com maior
intensidade durante as observações. Logo, as atividades a seguir foram propostas com o
objetivo de trabalhar a agressividade de nível verbal e emocional, e consequentemente a questão
física:

Data Atividade realizada

07.05.2019 A primeira atividade realizada foi a dinâmica da maçã e a apresentação de um vídeo sobre
violência, primeiramente as estagiárias fizeram o convite na sala de aula para os alunos que
quisessem participar da atividade de forma voluntária. De início colocamos as crianças em
círculo e começamos a dinâmica que consistia na apresentação para as crianças de duas
maçãs, na qual foi pedido que falassem coisas boas para uma maça e coisas ruins para a
outra maçã. Ao fim das falas as duas maçãs foram cortadas ao meio e apresentada às
crianças, a maçã que tinha recebido somente elogio estava limpa e saudável, já a que
recebeu só palavras ruins estava toda machucada por dentro. A partir disso iniciamos uma
discussão sobre o poder das palavras e como elas podem machucar as pessoas por dentro.
Logo após, colocamos o vídeo sobre violência e discutimos sobre os pontos que as crianças
observaram.
14.05.2019 Para a realização da segunda atividade, após ser feito o convite para os alunos em sala de

967
aula e esclarecido que seria para quem quisesse participar e não algo obrigatório, maior
parte da turma compareceu e participou. A atividade foi realizada na sala do quinto ano que
fica livre no turno da tarde, com ela propomos de uma forma lúdica falar sobre atitudes que
fazem mal e machuca o outro tanto física como verbalmente, pois levamos fotos impressas
de cenas de desenhos animados (Tom e Jerry, Os Simpsons, Turma da Mônica, Pica-Pau,
entre outros) onde os personagens demonstravam atitudes violentas contra o outro, com
isso as crianças iam observando as imagens e falando sobre o que elas representavam para
eles e como eles se sentiam diante das ações dos personagens trazendo para o cotidiano
deles, em seguida terminando essa discussão pedimos para que eles desenhassem atitudes
diferentes das figuras, algo que para eles era a forma correta de tratar o coleguinha ou
qualquer outra pessoa. Contudo, ao receber os desenhos e perguntar o que tinha sido
desenhado maioria respondia que era dando uma flor pra mãe, ajudando um coleguinha a
levantar do chão, brincando com o irmão, dentre outras formas de se relacionar
agradavelmente com o próximo.

21.05.2019 Para a realização da terceira atividade, foi feito o convite prévio aos alunos para que
aqueles que tivessem interesse se dirigissem à brinquedoteca e a maioria compareceu. Com
isso, foi trabalhado questões voltadas à identificação de sentimentos, eles participaram
ativamente da explicação da atividade em que houve apresentação emojis e seus
significados (sentimentos). Logo após, eles escolheram o emoji que mais se identificavam,
sendo os mais escolhidos: apaixonado, feliz e sorridente. Após a escolha e um breve relato
de “porquê escolheram esse emoji?”por parte de alguns alunos, foram dadas algumas
folhas, lápis de cor e pincéis para que eles pudessem desenhar o que deixa eles
apaixonados, felizes e sorridentes. Em seguida, guardamos os desenhos para montar os
painéis no momento de feedback.

28.05.2019 De acordo com o plano de trabalho, foi realizada uma atividade de apresentação do livro
Desculpe-me da coleção Pequenas Lições (Soler Editora) com o objetivo de proporcionar
tomada de consciência às crianças acerca da intencionalidade de atos que podem causar mal
a outra pessoa. A história do livro é sobre uma criança que sempre realiza maldades e todas
as vezes pede desculpas por ser o que é certo, não por se arrepender de seus atos. Após
maltratar uma colega de turma, a professora do protagonista o convida para a dinâmica de
amassar o papel, fazendo alusão ao coração da outra pessoa quando é machucada física ou
emocionalmente. Para tanto foram utilizados os fantoches da brinquedoteca como forma
lúdica de trabalho. Primeiramente foi chamada a atenção das crianças sobre as últimas
atividades realizadas e sobre o que elas tinham percebido que estávamos falando. Após, foi
contada a história, sempre tentando dialogar com as crianças sobre o comportamento do
protagonista. Em seguida foram dadas folhas de papel para que as crianças amassassem o
máximo que pudessem e lhes foi explicado que, assim como aconteceu com a maçã que
estava feia da primeira dinâmica, os atos que realizamos deixam marcas nas outras pessoas.
Ao final, foi realizada a dinâmica da música com abraço com uma música que pedia com
que as crianças se abraçassem ao final. A letra é “levante um braço, levante o outro, faz
bamboleio, mexe o pescoço, olha para cima, olha para baixo, escolhe um amigo e dá um
abraço”!
04.06.2019 Para a realização da quinta atividade, o feito o convite prévio aos alunos para que aqueles

968
que tivessem interesse se dirigissem à brinquedoteca. No início da atividade foi
questionado se eles se lembravam das intervenções passadas e o que elas tinham em
comum. Aqui, os alunos afirmaram que todas falavam sobre violência. Posteriormente, foi
feita a leitura do livro “As mãos não são para bater”. De acordo com a leitura do livro,
pedia-se que os alunos realizassem algumas ações com as mãos (bater palma, acenar,
cumprimentar), de forma que a leitura se tornou interativa e dinâmica. Depois da leitura do
livro, foi pedido para as crianças ficarem em dupla. Após foi feita uma brincadeira na qual
foram mostradas algumas imagens de boas ações que poderiam ser feitas com as mãos,
como apertá-las, cumprimentar o colega, abraçar, etc. Pediu-se então que eles escolhessem
uma dessas ações para realizar com o colega.

11.06.2019 No último encontro ocorreu um feedback que foi realizado com as crianças em sala de aula
um momento antes do recreio. Foram levados os desenhos que elas realizaram nas
primeiras atividades. Primeiramente foram feitas perguntas sobre todas as atividades
realizadas e se eles lembravam o que fazer ou não fazer com as mãos. Em seguida, os
desenhos foram apresentados e foi montado com eles o mural na parede externa da sala de
aula. Em seguida houve um momento de brincadeiras com a repetição da dinâmica do
abraço com música e um momento de brincadeira de estátua. Por fim antes da saída, foram
entregues a eles as lembrancinhas criadas pelas estagiárias (mãos em papel cartão com o
nome da criança e a mensagem “as mãos não são para bater!”, junto de um pirulito).

Durante as atividades realizadas em estágio foi questionado às crianças o que era


violência e agressividade e elas citaram que era apenas bater ou machucar fisicamente o
coleguinha, foi possível perceber que elas excluíam o fator verbal como forma de violência.
O objetivo das atividades foi fazer com que as crianças percebessem que
comportamentos violentos são prejudiciais para suas relações. Foi possível notar com o passar
das intervenções que, quando indagadas sobre as atitudes prejudiciais aos outros, as crianças
passaram a citar situações para além de gestos físicos, como também que as palavras podem
machucar o outro.
É interessante também notar o processo de discernimento das mesmas em relação ao
aprendizado de gestos violentos para contra o outro. Por exemplo, muitas das crianças
apresentaram consciência e percepção de que é um comportamento que pode ser aprendido
tanto na escola como em casa. Nesse sentido, pode-se perceber um reflexo positivo nas ações
propostas.
As atividades interventivas realizadas na escola buscaram fazer com que as crianças
percebessem e pensassem acerca dos atos agressivos realizados em seu dia-a-dia, bem como a
valorização de comportamentos amigáveis não só para com os colegas, mas para todos aqueles
que convivem. A escola possui um papel importante diante de comportamentos agressivos,
definido como o local em que a criança expressa e transforma sua agressividade (Winnicott,
1987). Considerando esse aspecto, as atividades foram realizadas com o intuito de repensar a
agressividade e fortalecer a relações saudáveis entre as crianças.
Foi percebido durante as semanas do estágio a modificação dos discursos das crianças
sobre a agressividade, destacando-se o reconhecimento da forma verbal da agressividade,
trabalhada na primeira atividade. Além disso, verificamos que as intervenções abrangeram

969
outras questões, como a empatia e cultura da paz, caracterizada pela rejeição no âmbito coletivo
e individual das diferentes formas de violência e pela busca de respeito (Dupret, 2012)
Percebemos, assim, que a observação e intervenção em grupos, propostas pelo estágio,
foram realizadas. As atividades referentes ao estágio, realizadas ao longo das semanas
constituíram uma via de mão dupla: possibilitou aos alunos da instituição uma reflexão, embora
de forma lúdica, acerca das agressões físicas e verbais sofridas e praticadas pelos mesmos, ao
mesmo tempo em que possibilitou às estagiárias um aprendizado acerca da observação
participante e das intervenções grupais, incluindo como organizar, realizar e adequar as
intervenções de acordo com as características do grupo.

Referências bibliográficas
Abramovay, M., & Oliveira, H. (2006). O bê-á-bá da intolerância e da discriminação. In:
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Direitos negados: a violência
contra a criança e do adolescente no Brasil, pp. 28- 53.
Barbosa, A. J. G., Santos, A. A. A., Rodrigues, M. C., Furtado. A. V., & Brito, N. M. (2011).
Agressividade na infância e contextos de desenvolvimento: família e escola. PSICO,
42 (2), pp. 228-235.
Bolsoni-Silva, A. T., & Del Prette, A. (2003). Problemas de comportamento: um panorama da
área. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 5(2), 91-103.
Collette, A. (1971). Introdução à psicologia dinâmica: das teorias psicanalíticas à psicologia
moderna. São Paulo, Brasil: Companhia Editora Nacional.
Costa, J. F. (1986). Violência e psicanálise. Rio de Janeiro, Brasil: Graal.
Dupret, L. (2002). Cultura de paz e ações sócio-educativas: desafios para a escola
contemporânea. Psicologia Escolar e Educacional, 6(1), 91-96.
https://doi.org/10.1590/S1413-85572002000100013
Duque, G. B. S. (2009). Agressividade infantil (Tese de mestrado). Recuperado de:
http://www.avm.edu.br/docpdf/monografias_publicadas/graduacao/P00120.pdf.
Filliozat, I. (1997). A Inteligência do Coração, Rudimentos de Gramática Emocional. Lisboa,
Portugal: Edição Pergaminho.
Gagliotto. O, G., Berté, R., & Vale, G. (2012). Agressividade da Criança no Espaço Escolar:
Uma abordagem psicanalítica. Revista Reflexo e Ação, 20 (1), pp. 144-160.
Goetz, E. R., & Veira, M. L. (2009). Percepções dos filhos sobre aspectos reais e ideais do
cuidado parental. Estudos de Psicologia, 26, pp. 195- 203.
Shaffer, David R. (2005). Psicologia do Desenvolvimento-Infância e adolescência. São Paulo,
Brasil: Thomson Pioneira.
Valladares, L. (2007). Os dez mandamentos da observação participante. Revista Brasileira de
Ciências Sociais, 22(63), 153-155. https://doi.org/10.1590/S0102-
69092007000100012.
Vilhena, J., & Maia, M. V. (2002). Agressividade e violência: reflexões acerca do

970
comportamento anti-social e sua inscrição na cultura contemporânea. Revista Mal
Estar e Subjetividade, 2(2), 27-58.
Winnicott, D. W. (1987). Privação e delinqüência. São Paulo, Brasil: Martins Fontes.
ESCUTA QUALIFICADA NA ADOLESCÊNCIA - UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

971
DE PRÁTICA DE ESTÁGIO EM PSICOLOGIA ESCOLAR

Rebeca Caroline Oliveira Ferreira


Irandy Braga Lima Melo
Jaiane Celeste dos Santos Nascimento
Mayara Carneiro Alves Pereira

Introdução
Este trabalho acompanha a experiência de um grupo de acadêmicas do sexto período de
psicologia, em uma prática de estágio em psicologia escolar. Aqui são relatados os passos
seguidos durante a experiência que teve em foco alunos do terceiro ano do ensino médio de um
centro de ensino de tempo integral, desde o diagnóstico institucional inicial, as intervenções
realizadas e os resultados das mesmas, até os desafios encontrados durante a prática. Dentre
esses tópicos é ressaltada a importância de uma escuta qualificada, e de estar atento a
subjetividade e a necessidade do outro. Maynard et al. (2014), revela os vários benefícios
trazidos por uma escuta qualificada, apresentando esta como ferramenta terapêutica que
valoriza o sujeito, o faz se sentir aliviado, acolhido e compreendido em suas demandas, e o
ajuda a clarificar questões para que este caminhe para uma resolução, entre outros benefícios.
A adolescência se encaixa como um fenômeno cultural e biológico, onde as mudanças corporais
e sociais ocorridas nessa etapa comumente geram crises, que ao contrário da visão adotada pela
sociedade atual, não são crises de conotação negativa, mas movimentos internos que buscam o
desenvolvimento do adolescente para que haja adaptação a todas essas mudanças trazidas nessa
fase do desenvolvimento (Souza e Silva, 2018). Uma função é gerada pela escuta qualificada
que se destaca nesse momento da vida e mais especificamente no ambiente escolar, a promoção
do desenvolvimento de uma interação que gera coesão social, e auxilia cada pessoa a se
reconhecer e reconhecer o outro no espaço social (Raimundo e Cadete, 2018). Por isso, através
desse tema encontramos a importância de se manter em foco os conceitos bases da atuação
psicológica que fazem do futuro profissional uma ferramenta viva durante esse processo. E que
não são necessários muitos recursos, nem atividades mirabolantes para mostrar a eficácia da
psicologia no trabalho que se realiza.

Metodologia
Esta experiência se deu em um centro de ensino de tempo integral (cujo nome não será
exposto visando a preservação dos sujeitos envolvidos), localizado na cidade de Teresina,
estado do Piauí, durante o segundo semestre do ano de 2018, ocorrendo intervenções com foco
numa turma do terceiro ano do ensino médio. O objetivo dessa experiência tratava-se de fazer
um diagnóstico do local em busca de possíveis demandas sobre as quais pudessem ser realizadas
intervenções pertinentes. Para a realização do diagnóstico institucional que serviria de guia para
a realização de um plano de ação abrangendo as intervenções escolhidas, de acordo com as
demandas encontradas, foram utilizadas diferentes ferramentas. O primeiro passo envolve o
primeiro encontro com a coordenação e diretoria do local, nesse momento foram explicados

972
por parte das acadêmicas os objetivos que se pretendíam alcançar através da prática de estágio
em questão e os melhores dias e horários, e por parte da coordenação e direção foi explicado o
funcionamento da escola, recursos disponíveis e também reveladas demandas percebidas. Após
este primeiro passo, o diagnóstico seguiu através de observações feitas no local, leitura e análise
da proposta pedagógica e histórico da instituição. Em seguida a essas primeiras entrevistas,
observações e análises foi marcado um encontro com os professores responsáveis pelas matérias
do terceiro ano. Neste momento foi aplicada uma rápida dinâmica, de acordo com o tempo
disponível, e mais uma vez, explicou-se o papel e objetivos que se buscavam alcançar através
daquela prática de estágio. Alguns tópicos foram caracterizados em busca de um
aprofundamento sobre a demanda que seria trabalhada, os tópicos eram estes: se conheciam a
proposta pedagógica, qualificação, relação professor-aluno, dificuldades, motivação, relação
com a escola/funcionários e metodologia usada em sala de aula. Após acolhermos as falas dos
professores fomos para última parte da pesquisa, que ressalta os avanços da psicologia escolar
através de um olhar holístico. Preparamos um momento com os alunos do terceiro ano do ensino
médio em busca da compreensão de suas experiências e visões a respeito da escola,
coordenação, professores e seus pares. Para a realização da coleta de dados com os alunos, foi
planejada a seguinte intervenção: uma dinâmica de grupo para deixar os alunos mais a vontade
e incentivar a fala, seguida de uma roda de conversa e outra dinâmica de grupo para fechamento
e reflexão sobre o tema. Participaram 14 alunos do terceiro ano do ensino médio escolhidos
aleatoriamente através do número da chamada, o número fechado de alunos se deu em busca
do não comprometimento da qualidade da intervenção, levando em conta que esta seria a
primeira experiência de campo na psicologia escolar das acadêmicas em questão, uma grande
quantidade de alunos seria um desafio de maior coordenação. O local utilizado foi a sala de
Atendimento Educacional Especializado (AEE), um espaço climatizado e com o espaço
suficiente para que todos pudessem se sentar no chão, formando um círculo. Após a formação
do círculo deu-se início a dinâmica.

Dinâmica 1 - Dinâmica do desafio


Nessa dinâmica uma caixa de bombons é colocada dentro de outra caixa que a esconde.
Os participantes são divididos em dois grupos, os participantes do grupo 1 precisam se sentar
na roda intercalando-se com os participantes do grupo 2. Para eles é dito que dentro da caixa
existe um desafio muito importante. Então coloca-se uma música animada para tocar enquanto
a caixa passa de mão em mão. Quando a música para, o participante que ficou com a caixa
precisa escolher entre três opções: cumprir o desafio, passar a caixa para um membro de sua
equipe ou passar a caixa para um membro da equipe adversária. Caso a pessoa aceite o desafio
sua equipe ganha pontos, caso contrário sua equipe perde e pontos e o participante terá que
realizar uma prenda. Cada grupo só tem 3 chances de passar a caixa adiante. Caso o participante
decida aceitar o desafio, ao abrir a caixa irá encontrar bombons deliciosos com o desafio: coma
a vontade! Essa dinâmica tem o objetivo de incentivar seus participantes a aceitarem novos
desafios em sua vida.
Após esse momento de descontração realizou-se uma reflexão em busca de deixar os
participantes mais a vontade e mais abertos a compartilharem seus pontos de vista. Deu-se
início então a roda de conversa onde os alunos foram convidados a dar suas opiniões e
compreensões a respeito dos mesmos assuntos abordados com os professores. Em seguida todos

973
foram convidados a escrever, em pedaços de papéis que haviam lhe sido entregues, as
dificuldades dos alunos da turma as quais percebiam que deveriam ser trabalhadas. Então para
fechamento, foi realizado a segunda dinâmica.

Dinâmica 2 - Dinâmica do elogio


Nessa dinâmica eles ficaram de mãos dadas em duas rodas, uma dentro da outra. Ao
som de uma música, as duas rodas giravam, uma no sentido horário e a outra no sentido
antihorário, ao parar a música eles foram orientados a elogiar o seu colega da frente.

Resultados & Discussões


São abordados nesse momento os resultados obtidos em cada etapa descrita no método,
e como cada uma destas influenciou na realização de uma visão que dá voz aos alunos e se abre
para ouvi-los e acolhê-los através de uma escuta qualificada.
Entende-se a importância de compreender os sujeitos e o contexto antes de realizar
qualquer intervenção. O psicólogo escolar não chega com uma lista de tarefas e intervenções
pré programadas a serem realizadas, pois isso não só anularia a subjetividade do local e dos
sujeitos que ali se encontram, como também não alcançaria o ponto de suas verdadeiras
necessidades. Resume-se a transformação que a psicologia escolar sofreu ao longo dos anos, o
que no início trouxe o foco a adaptação do aluno aos padrões esperados pela escola, hoje abre
um espaço cada vez maior para uma visão holística, que não só considera a importância do
sujeito e do meio, mas leva em conta também a sua conexão (Ulup e Barbosa 2012). No
primeiro momento revelou-se importante estar preparado para possíveis reações negativas ou
expectativas errôneas sobre o que um psicólogo deve fazer na escola por parte da gerência,
reações estas ligadas ao conhecimento sobre a profissão e o seu papel que ainda é escasso na
sociedade atual. Uma pesquisa realizada por Gonçalves e Veras, em 2019, sobre o estágio
supervisionado na área da psicologia escolar, revela que um dos principais desafios nesse
contexto ainda é a falta de conhecimento sobre o papel do psicólogo, e mesmo quando o
estagiário compreende essa questão, reconhece as variadas limitações que ocasionalmente
surgem em sua prática por conta do tema. Por isso, mesmo que haja uma boa recepção, é
possível que se faça necessária o constante relembrar, de forma compreensiva e clara, o papel
da psicologia na escola, dentro das possibilidades oferecidas. Nesse caso, houve uma recepção
positiva por parte da gerência, e por parte das acadêmicas uma constante cordialidade em busca
de acordos sobre as atividades que se realizariam, e disposição para clarificar o papel do
psicólogo a cada vez que a oportunidade surgia. Buscando seguimento do trabalho da melhor
forma possível diante das limitações, sem fazer exigências grandiosas as quais não tinham
espaço no momento. De acordo com os dados levantados através desse primeiro momento com
a coordenação pedagógica e a direção havia uma necessidade de intervenção premente na turma
do terceiro ano do ensino médio por causa de uma situação de bullying entre os alunos da
referida turma e desmotivação para participação no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio)
que já se aproximava.
No primeiro encontro realizado com o corpo docente foram reveladas algumas reações,

974
adversas na sua maioria. Os que estavam presentes não demonstraram interesse no encontro,
alguns decidiram não comparecer mas mais tarde tiveram que o fazer por conta do chamado da
coordenação. Ao serem apresentados os tópicos houve pouca participação. Na prática notou-se
as questões desenvolvidas acima sobre a falta de conhecimento do papel do psicólogo, trazendo
nos primeiros momentos resistência da parte dos professores em relação ao trabalho que se
pretendia realizar, o que durante o processo exigiu paciência e compreensão da importância de
cada pequeno passo que revelasse a verdadeira função do psicólogo e como deve ser o seu
relacionamento com o professor dentro da escola. Abaixo segue uma tabela com os tópicos
apresentados aos docentes, quais abrangeram demandas e que demandas eram estas.

Tópicos Conhecime Qualificaçã Relação Dificulda Motivaç Relação com a Metodolo


nto da o professor- des ão escola/funcion gia
proposta aluno ários utilizada
pedagógica em sala
de aula

Deman Pelo motivo Foram Carga


das das apresentada horária
atividades s diversas extensa,
propostas situações número
para um que eles intenso de
centro de chamaram aulas,
educação de de conteúdo
tempo “caóticas” curricular
integral não referente atrasado,
funcionare aos alunos. ea
m como Além do dificuldad
deveria a desinteresse e de
adaptação e realizar
se desmotivaç atividades
apresentou ão por parte novas
como uma de um devido a
dificuldade, número falta de
os consideráve tempo.
professores l de alunos
caracterizar foi relatado Outro
am-se como também a ponto
não falta de trazido foi
preparados respeito e a falta de
para lidar xingamento comunica
com tal s tanto com ção eficaz
situação. os colegas entre os
de sala professore
quanto com s.
os
professores,
por parte de
alguns de
forma
pontual.
Mas no
geral havia
um bom

975
relacionam
ento com os
alunos.

No encontro com a amostragem de 14 alunos do terceiro ano do ensino médio buscou-


se deixá-los o mais a vontade possível através de ações simples que facilitam uma identificação
e uma relação horizontal com a qual estes revelaram não estar acostumados, uma dessas ações
foi o movimento simples de sentar lado a lado com eles no chão para fazer uma reflexão sobre
a primeira dinâmica realizada e incentivá-los a falar sobre o assunto. Foi lhes explicado, logo
após a identificação das acadêmicas, quais eram os objetivos da prática de estágio que estavam
realizando, e que gostariam de saber mais sobre sua turma e sobre suas dificuldades na escola.
Ressaltamos que estávamos passando por um processo de reconhecimento do local e de suas
necessidades e da mesma forma que a coordenação, direção e corpo docente haviam sido
ouvidos, seriam consideradas também suas colocações, e que se tratava de um momento para
conhecê-los melhor. Eles se sentiram a vontade para expor sua visão da situação de bullying e
pediram socorro pois os mesmos já não aguentavam mais viver constantemente esse "drama",
refletido em agressões verbais e separatismo na sala de aula. Admitiram quem havia desrespeito
da parte deles com alguns professores mas, alegaram serem desreipeitados por eles também.
Afirmaram se sentir coagidos e acusados de situações das quais não eram culpados, além de ser
rotulados de forma pejorativa e em alguns casos xingados por eles e por profissionais da
coordenação. Muito a vontade eles esboçaram sua visão geral da escola, dos profissionais que
lá trabalham e do alunado em geral, chegando a um ponto onde muitos se abriram sobre
conflitos pessoais vivenciados no ambiente familiar, muitos se emocionaram ao falar das
dificuldades enfrentadas. Logo após foi solicitado que eles escrevessem seus objetivos e anseios
ou até mesmo queixas, no geral, assunto que eles gostariam que fossem trabalhados com a
turma, o que eles fizeram sem muitas dificuldades. A segunda dinâmica também se revelou
como ação muito produtiva pois os alunos emocionaram com o que ouviram dos pares e com a
forma como foi feita a dinâmica, alguns choraram alegando não imaginar que seu colega
pensava tão bem a respeito dele. Todos ficaram visivelmente satisfeitos e muito esperançosos
com o retorno da equipe para a finalização da intervenção. Enquanto saíam da sala de AEE
alguns esboçaram que se sentiam aliviados e leves, e que a partir daquele momento até seus
estudos naquele dia fluíriam com mais facilidade. O que mais uma vez remete aos resultados
de uma pesquisa qualitativa sobre escuta qualificada e acolhimento realizada em 2014:

Esta escuta fortalece os laços vinculares, na medida em que valoriza e permite a


expressão do sofrimento, das necessidades, das dúvidas e dos afetos. Também
produz alívio e a sensação de resolutividade diante das demandas, essencial no
trabalho em saúde, particularmente em saúde mental, quando se dá voz ao sofrimento
do outro, propondo-se a auxiliá-lo na busca da resolução de seu problema (Maynart
et al., 2014, p. 303).

No geral, através de todas as informações colhidas nos momentos citados acima,


chegou-se a conclusão que o centro de educação, por ser de tempo integral, cria naturalmente
laços afetivos entre seus atores pedagógicos levando-se a uma aproximação das relações
familiares. Apesar de durante as observações realizadas os dados demonstraram os alunos sendo
bem recebidos e serem tratados com respeito, na roda de conversa com os alunos alguns
demonstraram sentir-se desreipeitados, alegando que por parte de alguns são taxados de

976
vagabundos, relaxados, desinteressados e que isso leva a desmotivação e a um certo
distanciamento entre eles. Além da desmotivação desencadeada a partir de uma prática
tradicional sem reflexão que leva os alunos a impaciência e desinteresse. Havia uma queixa,
por parte da coordenação e direção, de bullying em algumas turmas, em especial no terceiro
ano do ensino médio. Na roda de conversa os alunos se expressaram e reconheceram fazer
bullying, porém percebeu-se que na verdade havia uma inimizade mal resolvida na turma por
parte da gestão. Após a dinamica realizada entre eles alguns choraram e se prontificaram a
deixar a indiferença e procurar ter uma relação mais amigável. Na fala de todos os alunos
participantes da roda de conversa ficou claro que não existe um acompanhamento de perto e
que os alunos se sentem hostilizados por parte de alguns participantes da gestão e que isso
aumenta o distanciamento e indisciplina.
Com todos os dados colhidos após todos os passos citados o próximo passo seria dar
continuidade as intervenções na turma do terceiro ano do ensino médio com foco nas relações
entre os pares e a desmotivação, mas por questões burocráticas e direcionamentos das
psicólogas da 20a Gerência Regional de Educação, sobre a alegação de já haver sido realizado
um planejamento para a turma em questão, o plano de ação realizado não pode ter sido
continuado. Mas apesar de não haver a possibilidade de dar continuidade ao que havia sido
planejado, tamanha surpresa da equipe de acadêmicas ao ouvir algumas semanas depois mais
feedbacks positivos sobre a intervenção que havia sido realizada, com intuito inicial de
acolhimento de informações, e que agora revelava-se como poderoso instrumento de
acolhimento de angústias e resoluções de conflitos. Uma pesquisa realizada por Souza et al.
(2017), revela os resultados positivos de uma escuta qualificada que valoriza o adolescente tem
a dizer, como a busca da resolução de conflitos e tomada de novas decisões, e que para isso não
é necessário ter respostas prontas, mas apenas estar presente naquele momento e aberto para o
que se ouve. A turma não só estava esperando o retorno das acadêmicas, como havia sido
completamente impactada com o resultado daquela roda de conversa, e que a postura dos alunos
na turma haviam mudado, estavam leves e conseguindo conversar, a equipe se emocionou mas
alegou a impossibilidade de continuar o trabalho. Para o fechamento do compromisso que havia
se firmado com a turma foi realizada uma palestra motivacional em decorrência do ENEM que
aconteceria na semana seguinte. E para que fossem alcançados os objetivos iniciais da prática
de estágio seguiu-se um plano de ação para o corpo docente, de acordo com as demandas
detectadas através dos dados colhidos inicialmente, tornando esta uma experiência bem
sucedida no ambiente escolar em questão.

Considerações Finais
A experiência mostrou que os objetivos propostos pela prática de estágio, nos moldes
da visão holística, foram alcançados e deixaram um impacto positivo no centro educacional em
questão. Também foi observado que a escuta qualificada e o acolhimento realizado por esta, é
uma ferramenta extremamente eficaz durante o fase do desenvolvimento da adolescência e suas
relações no ambiente escolar. Os auxiliando a obter um desenvolvimento saudável, melhores
relações interpessoais, e maior autonomia de sua inteligência emocional. Conclui-se ainda a
importância de seguir os passos que exige uma escuta qualificada de qualidade, e que não é
necessário realizar ações extraordinárias para se alcançar bons resultados, revelou-se que o fato
de estar presente, disposto a ouvir e compreender o que realmente está sendo dito gera um

977
movimento positivo e restaurador para aquele que está sendo ouvido. Como foi percebido pelas
acadêmicas, em sua primeira experiência no ambiente escolar, com surpresa e comoção, que a
simples colocação de um relacionamento horizontal onde há presença que se caracteriza no fato
de se importar com o outro, respeito e igualdade, pode gerar muitos benefícios. As acadêmicas
ficaram impactadas com os resultados, daquilo que deveria ser uma simples coleta de dados. E
mesmo meses depois, ao retornarem ao centro acadêmico, o feedback positivo da parte de
coordenação, direção e corpo docente continuou, e ainda haviam bons reflexos da intervenção
que havia sido realizada.

Referências
Gonçalves, M. O. & Veras, R. M. (2019). Os desafios dos estágios supervisionados
específicos em psicologia escolar. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 71(1), 85-102.
Recuperado em 14 de março de 2020, de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
52672019000100007&lng=pt&tlng=pt.
Maynart, W. H. C., Albuquerque, M. C. S., Brêda, M. Z. & Jorge, J. S. (2014). A escuta
qualificada e o acolhimento na atenção psicossocial. Acta Paulista de Enfermagem,
27(4), 300-304. https://doi.org/10.1590/1982-0194201400051.
Raimundo, J. S. & Cadete, M. M. M. (2012). Escuta qualificada e gestão social entre os
profissionais de saúde. Acta Paulista de Enfermagem, 25(spe2), 61-67.
https://doi.org/10.1590/S0103-21002012000900010.
Silva Neto, W. M. F., Oliveira, W. A. & Guzzo, R. S. L. (2017). Discutindo a formação em
Psicologia: a atividade de supervisão e suas diversidades. Psicologia Escolar e
Educacional, 21(3), 573-582. https://doi.org/10.1590/2175-353920170213111111.
Souza, C. & Silva, D. N. H. (2018). Adolescência em debate:contribuições teóricas à luz da
perspectiva histórico-cultural. Psicologia em Estudo, 23, e2303. Epub October 14,
2019.https://doi.org/10.4025/psicolestud.v23.e35751.
Souza, J. A., Darwich Filho, R. Z., Souza, J. R., Silva, K. C. O., Azevedo, J. M. & Ferreira,
Y. M. (2018). Escuta qualificada com adolescentes estudantes de uma escola pública
em Betim/MG. Extensão PUC Minas: encontros e diálogos. Belo Horizonte, (3), 58-
67. Recuperado em 16 de março de 2020, de http://portal.pucminas.br/proex/index-
link.php?arquivo=publicacao&nucleo=0&codigo=43&pagina=4949.
Souza, J. A., Silva, K. C. O., Santos, C. R., Farias, H. C. M., Darwich Filho, R. Z. &
Azevedo, J. M. (2017). Escuta qualificada com adolescentes: relato de experiência.
Sinapse Múltipla, Belo Horizonte, 6(2),199-202. Recuperado em 16 de março de
2020, de
http://periodicos.pucminas.br/index.php/sinapsemultipla/article/view/16493/12683.
Ulup, L. & Barbosa, R. B. (2012). A formação profissional e a ressignificação do papel do
Psicólogo no cenário escolar: uma proposta de atuação - de estagiários a psicólogos
escolares. Psicologia: Ciência e Profissão, 32(1), 250-263.
https://doi.org/10.1590/S1414-98932012000100018.
A IMPORTÂNCIA DE DESENVOLVER HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA

978
INFÂNCIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA

Roberta Brito Cunha


Maurício Castro Leite Dourado Guerra
Letícia Pereira Louzeiro
Mirela Dantas Ricarte
Introdução
À luz das diversas revoluções que marcam os últimos séculos, desde a industrial até a
tecnológica, o contemporâneo é demarcado por um constante processo de atualização e
renovação, em uma incessante procura pelo novo e pela modernização. Tal agilidade cobrada
no nosso modelo de sociedade não deixa de ser percebida nas relações sociais. Os meios de
comunicação se tornaram instantâneos, troca de informações que antes demorariam semanas
para se concretizarem, hoje são feitas na velocidade de um click, impactando as mais diversas
esferas da vida: familiar, escolar, laboral.
Em um projeto de sociedade em que a obsolescência se mostra como um “vir a ser” que
ronda e atravessa constantemente o contexto e os elementos que a formam, pensar no processo
de subjetivação dos indivíduos que a constituem se mostra de relevância ímpar. Subsidiar as
pessoas em seu processo de formação para lidar com tamanha transitoriedade é de grande valia
para fomentar seu sucesso acadêmico, profissional e pessoal. Todavia as instituições a que são
atribuídas tal processo formativo não se mostram preparadas para fomentar habilidades em um
contexto mais amplo, que para além do cognitivo também contemple o social e o afetivo (Abed,
2016).
Em um estudo produzido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO) (Delors et al., 1999), percebeu-se que o modelo de escola
cultivado até então era centrada no objetivismo, na razão enquanto marco absoluto de produção
de sentidos e em uma visão imutável de mundo, uma clara visão pós-iluminista de se conceber
e fazer educação, produzindo um lugar unicamente pautado em transmitir conhecimentos
sistematizados do detentor do saber (professor) para aquele que ainda não sabe (aluno) em uma
clara hierarquia, pouco considerando a escola como ambiente de formação de cidadãos
preparados para lidar com demandas advindas de relações sociais e de caráter afetivo (Abed,
2016). Em vista dessa carência, ao longo das últimas décadas tem-se produzido mais estudos
acerca das habilidades socioemocionais (HSEs), o que são e como elas podem impactar a vida
em sociedade.
As HSEs podem ser compreendidas a partir de duas perspectivas: 1) uma que enfatiza
as características de personalidade e 2) outra que aborda temas como habilidades sociais e
emocionais, valores, atitudes, crenças, etc. (Abed, 2016; Lipnevich & Roberts, 2012; Ottmar,
2019). Na primeira perspectiva, tem-se que o modelo de características de Personalidade mais
investigado e que encontra evidência de sua universalidade em diversos países do mundo é o
denominado de Modelo dos Cinco Grandes Fatores - CGF ou BIG-5. Para o modelo dos CGF
a personalidade é explicada por meio de 5 dimensões ou fatores que são denominados de:
Extroversão, Socialização (ou Amabilidade), Realização (ou Conscienciosidade), Neuroticismo

979
e Abertura e verifica em que posição entre os pólos extremos dessas dimensões as pessoas se
encontram (Nunes, Zanon & Hutz, 2019).
Considerando a segunda perspectiva das HSE, existem inúmeras variáveis que são
também indicadas como HSE, tais como valores, atitudes, crenças, habilidades sociais. No
entanto, ainda não há um consenso de quais e quantas seriam essas habilidades (Santos & Primi,
2014). Se considerarmos a definição de HSE, pode-se entender que o psicólogo na sua atuação
a todo o momento está avaliando, compreendendo as forças e dificuldades e/ou intervindo nas
HSE de seus clientes.
A Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning (CASEL), entidade sem
fins lucrativos formada por pesquisadores, define as habilidades socioemocionais como
aquisição e aplicação de um repertório de competências cognitivas, afetivas e comportamentais
para a compreensão e manejo das emoções em situações sociais, a fim de atingir objetivos
positivos, estabelecer e manter relacionamentos saudáveis e tomar decisões responsáveis
(CASEL, 2013). Através de extensas pesquisas feitas ao longo dos anos, a CASEL delineou
cinco competências inter-relacionadas que compõem as habilidades socioemocionais:
autoconsciência, que se refere à capacidade de reconhecer emoções e pensamentos e como elas
podem influenciar o comportamento; autogestão, definida como a capacidade de regular os
próprios pensamentos, emoções e comportamentos de forma centrada a fim de atingir objetivos
pessoais; consciência social, referente à capacidade de ser empático, saber se colocar na
perspectiva do outro a fim de melhor compreendê-lo até em situações que esse outro seja de
cultura distinta ou que tenha uma formação diferente da sua, e também de conseguir identificar
fontes de apoio social, como na família ou na escola; habilidades relacionais, que
correspondem à capacidade de se construir e manter relacionamentos saudáveis e gratificantes
com os mais diversos perfis socioculturais, de forma a se comunicar claramente, ouvir o outro
com atenção, saber cooperar, negociar de forma construtiva e saber oferecer ou buscar ajuda
quando preciso; e tomada de decisões responsáveis, referente à capacidade de saber fazer
escolhas de forma proativa, ética, construtiva e realista acerca de seu próprio comportamento e
em suas interações sociais (Weissberg & Cascarino, 2013).
Na literatura já são encontrados diversos estudos que apontam os benefícios do cultivo
das habilidades socioemocionais na infância. Dentre eles, um dos primeiros e mais importantes
estudos acerca da temática foi conduzido pelo economista, que futuramente viria a ser laureado
pelo prêmio Nobel de Economia, James Heckman, no estado de Michigan, nos Estados Unidos.
O estudo consistiu em uma pesquisa longitudinal com famílias de baixa renda, em que parte
dos indivíduos participou de um programa voltado para o desenvolvimento socioemocional,
enquanto a outra parte da amostra serviu de grupo controle. Ambos os grupos tinham as mesmas
características sociodemográficas, incluindo a pertença à mesma faixa etária (crianças entre 3
e 5 anos). Ao verificar os participantes na vida adulta, percebeu-se que o grupo que participou
do projeto de desenvolvimento socioemocional apresentou diferenças significativas em
aspectos importantes considerados como não cognitivos, incluindo quesitos como menor
evasão escolar, menos desemprego e menor incidência de participação em crimes (Heckman,
2006, 2008).
Em território nacional, a relevância das habilidades socioemocionais também vem sido
demonstrada empiricamente. Em um estudo realizado em larga escala no Ceará, aplicou-se em
mais de 100 mil estudantes o Social and Emotional or Non-cognitive Nationwide Assessment

980
(SENNA), instrumento desenvolvido pelo Instituto Ayrton Senna (IAS), em parceria com a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o governo do Rio
de Janeiro, a partir de diversos instrumentos internacionais de avaliação psicológica de auto
relato já consagrados, a fim de se construir um instrumento nacional de avaliação
socioemocional. Tal questionário tem seus itens pautados nos cinco domínios de personalidade
elencados no Big Five Inventory, domínios estes obtidos através da análise fatorial de diversos
questionários que versaram por abarcar os comportamentos representativos de todas as
características relativamente estáveis de personalidade que poderiam ser encontrados em um
indivíduo. Como resultado, foi encontrada correlação entre características nitidamente
socioafetivas com bom rendimento acadêmico. Os domínios da “amabilidade” e “abertura ao
novo” se mostraram correlatos ao processo de aprendizagem do português, enquanto os
domínios da “consciensiosidade” e “estabilidade emocional” se mostraram relacionados ao
aprendizado de matemática (Santos, Berlingeri & Castilho, 2017).
Assim, em vista a necessidade de incluir o desenvolvimento das competências
socioemocionais no âmbito escolar para um melhor enfrentamento dos desafios postos pela
dinâmica do novo milênio e para um desenvolvimento mais global das potencialidades dessas
crianças, foi-se proposto a realização de oficina com crianças do ensino fundamental I para se
trabalhar tais competências durante um evento literário ocorrido em uma universidade pública
no interior do Piauí.

Metodologia
Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo, na modalidade relato de experiência.
Retrata a aplicação de um protocolo de desenvolvimento de habilidades socioemocionais com
crianças, adaptado para uma Feira de Livros, ocorrido durante três dias.
Inicialmente, foi realizada uma preparação teórico-metodológica, na qual um professor
supervisor explicou e exemplificou a aplicação do protocolo por etapas em uma reunião de
aproximadamente três horas de duração, com a presença de todos os monitores que iriam
participar da oficina. Após a reunião, foram definidos os dias da atividade e as equipes de
trabalho por cada dia. Durante a Feira do livro, foram realizadas, ao todo, quatro oficinas de
desenvolvimento de habilidades socioemocionais, com duas horas de duração cada, divididas
em três dias de evento. Cada oficina contou com aproximadamente vinte crianças, entre cinco
e doze anos de idade, sendo que, o critério para seleção dos grupos foi a turma em que estavam
inseridas no contexto escolar. Portanto, a diferença de idade entre os participantes não variou
mais do que dois anos por grupo, fato que colaborou para a coesão grupal.
O protocolo utilizado durante as oficinas se trata de uma adaptação de um protocolo
baseado na abordagem The RULER Approach que, em português, se refere ao conhecimento
das habilidades associadas a: 1. Reconhecimento; 2. Compreensão; 3. Nomeação; 4. Expressão;
e 5. Regulação das emoções (Brackett & Kremenitzer, 2011). O propósito desse modelo de
intervenção é fazer com que as pessoas tenham comportamentos mais assertivos, contribuindo
para a melhora do convívio social a partir do aumento no repertório de habilidades sociais e
emocionais.
A partir disso e da necessidade de se trabalhar o desenvolvimento dessas habilidades

981
ainda na infância, foi desenvolvido o protocolo intitulado Currículo de Alfabetização
Emocional. Esta intervenção consiste em uma sequência de cinco passos para discutir e
informar sobre emoções e estados afetivos, envolvendo crianças, famílias e as atividades
escolares e/ou eventos cotidianos. O protocolo, desenvolvido para ser aplicado em escolas, tem
como ponto de partida a palavra-emocional, que pode ser uma emoção (como a tristeza, por
exemplo) ou um estado afetivo (como o empoderamento). Cada palavra-emocional é trabalhada
numa sequência de cinco passos (1. conexão pessoal; 2. conexão com o mundo; 3. parceria
escola-família; 4. conexão criativa e; 5. estratégias de enfrentamento) por um período de 2 a 3
semanas (Brackett & Kremenitzer, 2011; Ricarte, 2019). Esses passos são descritos a seguir.
O primeiro passo, conexão pessoal, se refere a uma apresentação informal da emoção
para as crianças, sem nomear, a partir de uma história ou situação em que a emoção é sentida.
Dessa forma, espera-se que as crianças identifiquem e descrevam algo semelhante e em seguida,
o significado formal é apresentado para as crianças. No segundo passo, conexão com o mundo,
o professor irá explorar a emoção-foco e relacioná-la com algum conteúdo escolar ou algum
evento do qual as crianças tenham conhecimento. A partir disso, as crianças escrevem
individualmente sobre o conteúdo abordado, seguido de uma discussão em grupo. No terceiro
passo, parceria escola-família, as crianças devem explicar a emoção-foco e as atividades
desenvolvidas nas fases anteriores para um adulto e, em seguida, entrevistá-lo, pedindo que ele
conte uma situação em que experimentou aquela emoção. Após isso, a criança deve escrever
um parágrafo sobre a conversa que posteriormente será discutido em grupo, na sala de aula. No
quarto passo, conexão criativa, os alunos devem fazer uma representação artística (desenhos,
pinturas, colagem) sobre a emoção-foco. Em seguida, realiza-se uma discussão em grupo sobre
o material produzido. Por fim, no quinto passo, estratégias de enfrentamento, o professor irá
estimular o aluno a pensar, através do acrônimo IMPAR (Iniciar, Manter, Prevenir, Aumentar
e Reduzir), em estratégias para lidar com a emoção-foco, quando for necessário (Brackett &
Kremenitzer, 2011; Ricarte, 2019).
Para a intervenção do presente estudo, foram utilizados apenas três dos cinco passos,
são eles: conexão pessoal (primeiro passo), conexão criativa (quarto passo) e estratégias de
enfrentamento (quinto passo). O objetivo foi realizar oficinas com duas horas de duração cada,
tendo como foco apresentar uma emoção por grupo. Com isso, as crianças eram recebidas em
uma sala, acomodadas e após a apresentação de cada um, escutavam uma história sobre a
emoção-foco, sem que o nome desta fosse mencionado. Em seguida, tentavam adivinhar ou
relacionar essa emoção com suas próprias experiências. Após isso, a emoção-foco (e as demais
que surgissem na discussão em grupo) era(m) apresentada(s) de maneira formal (conexão
pessoal). Posteriormente, as crianças eram convidadas a fazer um desenho ou pintura,
individualmente, sobre a emoção trabalhada. Ao final do tempo estipulado para essa fase, todos
voltavam aos seus lugares e apresentavam para o grupo o que haviam feito, um a um, e qual a
história por trás daquele desenho ou pintura (conexão criativa). Por fim, as crianças eram
convidadas a pensar em estratégias para ajudá-las a lidar com situações que envolvessem a
emoção-foco, em discussão com todo o grupo (estratégias de enfrentamento). Ressalta-se que
as estratégias começam a ser pensadas a partir do momento em que surge no discurso do grupo
uma situação que requer o enfrentamento da emoção, portanto, as fases não são lineares, nem
limitantes, são fluidas.
Durante as oficinas, também foram utilizadas técnicas e materiais lúdicos para facilitar

982
a interação e o processo de aprendizagem das crianças, tais quais: giz de cera, lápis de cor,
canetinhas coloridas, massas de modelar, folhas de papel A4, tinta guache, música ambiente,
desenhos, pinturas e rodas de conversa. A descrição dos resultados foi organizada a partir da
exposição das principais possibilidades e desafios envolvidos na aplicação da atividade,
conforme apresentado a seguir.

Resultados e Discussão

Principais possibilidades e desafios envolvidos na realização da atividade


A partir dessa intervenção foi possível observar que as crianças com idades entre quatro
e seis anos tiveram mais dificuldade de identificar e associar emoções mais complexas,
percebendo apenas emoções básicas como a tristeza e a alegria. Já as crianças com idades entre
sete e doze anos, tiveram maior facilidade em compreender e acessar memórias de situações de
emoções básicas e complexas, especialmente após a explicação e exemplificação de cada uma.
De fato, pesquisas têm mostrado que as emoções são difundidas na vida cotidiana e afetam
como as crianças e os adultos pensam, aprendem, sentem e agem (Damásio, 1994). Estudos
apontam que em qualquer período de tempo, as salas de aula estão repletas de experiências
diárias carregadas de emoções como frustração, solidão, prazer e interesse, tanto dos alunos,
quanto de seus professores, diretores e familiares (Abed, 2016; Brackett & Kremenitzer, 2011).
Em um estudo realizado com estudantes do 2º ao 5º ano do ensino fundamental I, Ricarte
(2019) identificou que crianças do último ano, quando comparadas às do 2º ano escolar,
reconhecem emoções em si mesmo e em outras pessoas, entendem as causas e consequências
de uma ampla gama de emoções, usam um vocabulário sofisticado, expressam emoções em
formas socialmente apropriadas e regulam as emoções de forma eficaz. Tais resultados
referiram-se a aspectos relacionados a uma evolução gradativa, ao longo dos anos letivos,
acerca da compreensão das emoções, o que levou a utilização de estratégias, por parte das
crianças mais velhas, para lidar com questões presentes no contexto escolar. Nesse sentido, o
avanço dos anos escolares propicia a capacidade de ampliação do repertório emocional. Por
exemplo, perceber que não existe somente a tristeza e a alegria, mas existem outras emoções
que permeiam o cotidiano escolar e ajudam a lidar com as situações.
Ao lado disso, as crianças que participaram das oficinas relataram algumas situações
que chamam atenção e requerem cuidado, tais quais: automutilação; situação de abuso; situação
de vulnerabilidade e violência intrafamiliar; pensamentos e tentativas de suicídio. Tais
conteúdos foram observados nos discursos de três dos quatro grupos realizados, com exceção
do grupo mais jovem, de crianças com idades entre 4 e 6 anos. Essas manifestações nos
convidam a pensar sobre as necessidades desse público, provocando os psicólogos, monitores,
professores e diretores presentes a observar com mais cautela os comportamentos destas
crianças dentro do contexto escolar. Nesse sentido, Achenbach e Rescorla (2001) pontuam que
os problemas de comportamento na infância podem ser classificados como externalizantes
(relacionados à agressividade e à desobediência, por exemplo) e internalizantes (relacionados
ao retraimento, à ansiedade e à depressão). Sendo assim, os problemas de comportamento,
independentemente de sua classificação, exercem funções na interação criança-ambiente e, por
essa razão, são adquiridos e se mantém no repertório comportamental infantil. Além disso, outro

983
fator relevante (que extrapola os limites deste relato de experiência), presente nos relatos das
crianças está relacionado ao aumento nos últimos 10 anos na taxa de suicídio e automutilação
entre crianças de 10 a 14 anos de idade. Estes dados tornam-se ainda mais agravantes quando
se trata de adolescentes, fato que motivou o Ministério da Saúde a criar um Plano Nacional de
Prevenção do Suicídio (Brasil, 2019).
Em relação às atividades propriamente ditas, pode-se destacar a flexibilidade como uma
característica extremamente necessária, visto que muitas vezes, surgem demandas diferentes do
que foi proposto no momento da tarefa. As atividades promoveram, ainda, um movimento de
pensar sobre a necessidade de se criar mais espaços interventivos dentro e fora das escolas.
Friedberg e McClure (2004) acrescentam que o adulto responsável por auxiliar as crianças na
tarefa de identificar emoções aja de modo criativo, a fim de estimulá-las a pensar acerca do que
sentem. A partir das vivências relatadas, torna-se clara a importância de se trabalhar no âmbito
escolar visando o desenvolvimento da expressividade emocional e autocontrole entre as
crianças, visto que estão diretamente ligadas a outras habilidades de competência social, como
por exemplo, a empatia. Desta forma, é possível que a escola atue prevenindo problemas e
promovendo saúde, favorecendo o desenvolvimento pleno dos seus alunos.
De modo geral, pode-se considerar que as habilidades socioemocionais são um
construto observável e que se desenvolve na população infantil. Nesse sentido, habilidades
como empatia, autogestão, consciência social, e capacidade de resolver problemas são
aprendidas pelas crianças desde os anos escolares iniciais e, portanto, devem ser ensinadas
como forma de prevenção, em vez de esperar até que elas apresentem problemas para, em
seguida, realizar uma atividade de intervenção.

Considerações Finais
Perante o que foi exposto no presente relato, é possível observar que as habilidades
socioemocionais fazem-se necessárias na sociedade moderna e principalmente em escolas,
proporcionando ao público infantil um contato prévio com tais aptidões. Além disso, as HSEs
se constituem no cerne de diversas demandas que emergiram no decorrer do processo de
execução da intervenção realizada, evidenciando a relevância do trabalho de tais questões ainda
na idade escolar como forma de melhoria da qualidade de vida e precaução de danos
futuramente.
Destaca-se o fato do modelo de intervenção realizado configurar-se como uma
ferramenta potente e prática que pode proporcionar além da melhoria do convívio em sociedade,
o trabalho com êxito de temas (em que o bom desenvolvimento das HSEs é fundamental) por
muitas vezes ainda delicados quando surgem na infância/adolescência e que requerem maior
atenção tanto da família, quanto da escola e profissionais de saúde e educação, levando estes a
se atentarem para tais questões e se engajarem com a saúde mental, principalmente das crianças.
Ademais, a vivência da oficina provocou sentimentos de desafio, instigou a criatividade
e imaginação e propiciou momentos grupais em que estiveram presentes situações de empatia,
autodescoberta e resolução de problemas, além da potencialização e incentivo a
comportamentos de autocuidado e bem-estar.
É preciso considerar ainda a importância da continuidade de intervenções como a

984
relatada no presente trabalho, sendo realizadas de forma ética, responsável e profissional, a fim
de proporcionar um retorno para a sociedade do conhecimento produzido no meio acadêmico,
através de pesquisas e estudos transformados em ações que contemplem tanto os mediadores
do processo, como também a comunidade participante, sendo esta última a que mais se
beneficia pelo saber se transformar em prática.

Referências
Abed, A. L. Z. (2016). O desenvolvimento das habilidades socioemocionais como caminho
para a aprendizagem e o sucesso escolar de alunos da educação básica. Construção
psicopedagógica, 24(25), 8-27.
Achenbach, T. M., & Rescorla, L. A. (2001). Manual for the ASEBA School-Age Forms &
Profiles. Burlington, VT: University of Vermont, Research Center for Children,
Youth, & Families.
Brackett, M. A., & Kremenitzer, J. P. (2011). Creating emotionally literate classrooms: An
introduction to the RULER approach to Social and Emotional Learning, Nova Iorque:
Dude Publishing.
Brasil. Ministério da Saúde. (2019). Guia Intersetorial de Prevenção do Comportamento
Suicida em Crianças e Adolescentes. Brasília: Secretaria da Saúde. Disponível em:
https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20190837/26173730-guia-intersetorial-
de-prevencao-do-comportamento-suicida-em-criancas-e-adolescentes-2019.pdf.
Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (2013). CASEL schoolkit: A
guide for implementing schoolwide academic, social, and emotional learning.
Chicago, IL: Author.
Damásio, A. R. (1994). O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo:
Companhia das Letras.
Delors, J., Chung, F., Geremek, B., Gorham, W., Kornhauser, A., Manley, M., et al. (1999).
Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século
XXI. In: Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: UNESCO.
Friedberg, R. & McClure, J. (2004). A prática clínica de terapia cognitiva com crianças e
adolescentes. Porto Alegre: Artmed.
Heckman, J. J. (2006). Investing in disadvantaged young children is an economically efcient
policy. Forum on “Building the economic case for investing in preschool”. Nova
York, 10 jan.
Heckman, J. J. (2008). Schools, skills and synapses. Economic Inquiry, 46(3), 298-324. doi:
10.1111/j.1465-7295.2008.00163.x.
Lipnevich, A. A. & Roberts, R. D. (2012). Noncognitive Skills in Education: Emerging
Research and Applications in a Variety of International Contexts. Journal of
Psychology and Education, 2(2), 173-177. doi: 10.1016/j.lindif.2011.11.016.
Nunes, C. H. S., Zanon, C. & Hutz, C. S. (2019). Avaliação da personalidade a partir de

985
teorias fatoriais de personalidade. In: C. S. Hutz, D. R. Bandeira, C. M. Trentini.
(Org.). Avaliação Psicológica da Inteligência e da Personalidade (217-232) 1ed.
Porto Alegre: Artmed Editora.
Ottmar, E. (2019). The effects of deeper learning opportunities on student achievement:
Examining differential pathways. Psychology in the Schools. 56(5), 840-855. doi:
doi.org/10.1002/pits.22237.
Ricarte, M. D. (2019). Estudo exploratório sobre a implantação de um programa de
desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Tese de Doutorado (não publicada).
Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Cognitiva, Recife.
Santos, D. D., Berlingeri, M. M. & Castilho, R. B. (2017). Habilidades socioemocionais e
aprendizado escolar: evidências a partir de um estudo em larga escala. 45º Encontro
Nacional de Economia. ANPEC, 45, p. 1-16.
Santos, D. & Primi, R. (2014). Desenvolvimento socioemocional e aprendizado escolar: Uma
proposta de mensuração para apoiar políticas públicas. São Paulo: MEC/IAS/OCDE.
Stelko-Pereira, A. C., Oliveira, K. S. & Primi, R. (2019). Avaliação das habilidades
socioemocionais e traços de personalidade em crianças. In Baptista, M. N. et al.
Compêndio de avaliação psicológica (pp. 483-493). Petrópolis: Editora Vozes.
Weissberg, R. P. & Cascarino, J. (2013). Academic learning + social-emotional learning=
national priority. Phi Delta Kappan, 95(2), 8-13.
AS INTELIGÊNCIAS INTRAPESSOAL E INTERPESSOAL: UMA RELAÇÃO COM

986
OS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO
Samira Taveira dos Santos
Mayara Oliveira da Silva da Cunha
Lucas Muniz Liandro
Nicolly Sousa Nunes
Fany Valentim de Matos
Introdução
Cada ser é único e social, e possui inteligências e habilidades diferentes, que se
desenvolvem de acordo com as estimulações do meio em que está inserida. Em virtude disso,
as inteligências interpessoal e intrapessoal envolvem autoconhecimento, capacidade de lidar
com suas emoções, e relacionar-se com as pessoas de maneira assertiva. Estas duas citadas
acima fazem parte das teorias das inteligências múltiplas de Gardner, que mostra que os
indivíduos não possuem apenas inteligências nas áreas de matemática ou português. Indo contra
a visão de ensino e aprendizagem tradicionalista, onde o professor é detentor de todo
conhecimento e os alunos apenas devem armazenar tudo que é dito por ele (Travassos, 2001).
A inteligência interpessoal é a habilidade de compreender as outras pessoas, assim
como entender como trabalham, o que as motivam e como se relacionam com a sociedade. Esse
tipo de inteligência é a que avulta nos indivíduos que possuem facilidade para se relacionar com
o outro, tais como professores, terapeutas e líderes políticos (Smole, 1999, p.13).
No entanto, a inteligência intrapessoal é a competência de uma pessoa para se
autoconhecer e estar bem consigo mesma, administrando seus sentimentos e emoções a favor
de seus projetos. Assim, dimensionando suas próprias qualidades de trabalho de maneira efetiva
e eficaz, a partir de um conhecimento apurado de si próprio, ou seja, reconhecer seus próprios
limites, aspirações e medos, e utilizar esse conhecimento para ser eficiente no mundo (Smole,
1999).
Dessa forma, a motivação em relação à escolha do tema “As inteligências intrapessoal
e interpessoal e sua relação com o processo de aprendizagem”, se deu a partir das observações
em sala de aula, notando que a boa parte dos adolescentes da 3ª série “D” do Centro de Ensino
Graça Aranha não mantinham relacionamentos interpessoais, os alunos em sala de aula eram
muito limitados a um grupo de preferência, onde relacionavam-se somente em prol desse grupo
fechado, haviam também alguns que eram mais isolados, não havendo assim uma interação
entre alunos como um todo.
Em vista disso, essa temática se fará bastante relevante para os alunos, devido à
possibilidade de desenvolver aptidões, através da interação com o outro, no qual segundo
Vygotsky (2007), o desenvolvimento cognitivo do aluno se dá por meio da interação social, ou
seja, de sua relação com outros indivíduos e com o meio, a aprendizagem segundo ele é uma
atividade conjunta, em que relações colaborativas entre alunos podem e devem ter espaço, a
partir disso, podendo favorecer seu processo de aprendizagem relacionado ao conteúdo de
estudo, onde os alunos poderão ajudar uns aos outros, ter conhecimento de suas capacidades e
limitações, assim possibilitando uma abertura para as mudanças na sua compreensão intelectual

987
e enriquecendo suas inteligências.
A partir das observações em campo, surgiu a necessidade de um olhar atento às relações
entre as inteligências intrapessoal e interpessoal, e como influenciam os processos de
aprendizagem, visto que as mesmas estão relacionadas, ou seja, a partir do momento que o
indivíduo, se autoconhece, sabe suas capacidades e limites, aprende com seus erros e elabora
comportamentos que o permitem se relacionar de maneira mais assertiva com o grupo em que
está inserido. Com base nisso, buscou-se promover aprendizagens mais significativas para os
alunos da 3ª série “D” do Centro de Ensino Graça Aranha.
Com isso foram criados alguns objetivos tendo como objetivo geral, Averiguar como as
relações entre as inteligências intrapessoal e interpessoal influenciam ou afetam os processos
de aprendizagem, no intuito de promover aprendizagens mais significativas para os alunos da
3° série “D” do CEGA - Centro de Ensino Graça Aranha.
Assim como os objetivos específicos: discutir sobre os aspectos específicos das
inteligências interpessoal e intrapessoal relacionando-os com os processos de aprendizagem
formal e informal; estimular as habilidades intrapessoais, promovendo atividades que
desenvolvam o autoconceito e elevem a autoestima; desenvolver relações interpessoais,
estimulando a empatia e comunicação assertiva, promovendo relações saudáveis, facilitando o
processo de aprendizagem escolar; utilizando mecanismos para auxiliar no desenvolvimento
escolar, trabalhando a importância de suas relações.

Método
O presente estudo classifica-se quanto aos objetivos como explicativo, segundo Gil
(2008) refere-se a uma pesquisa que busca identificar fatores que determinam ou contribuem
para a ocorrência de outros, também busca explicar determinados fenômenos. Refere-se a
uma pesquisa de natureza qualitativa, tipo relato de experiência, onde utilizou-se da
metodologia da problematização para verificar a demanda emergencial para atendimento dos
participantes.
Segundo Berbel (1998a, p. 144), a metodologia da problematização segue etapas que
surge a partir de um problema percebido na realidade, selecionando variadas técnicas,
métodos e atividades que se relacionem com o problema encontrado e as condições dos
participantes, propondo transformação e conscientização. A partir disso, foi analisada as
relações entre as inteligências intrapessoal e interpessoal e como as mesmas podem afetar os
processos de aprendizagem
O Projeto ADDA foi desenvolvido no Centro de Ensino Graça Aranha, que se localiza
na Rua Treze de Maio, S/N, centro de Imperatriz - MA. Foi selecionada a 3° série “D”, que
possui 43 alunos, com faixa etária de 16 a 19 anos. O projeto teve início no dia 05 de setembro
de 2019, finalizando no dia 21 de novembro de 2019.
O estudo foi embasado por recomendações éticas, por ser realizado com seres
humanos. A direção da escola autorizou todas as ações. Os professores e gestores foram
esclarecidos sobre os objetivos das observações e assinaram o termo de consentimento livre
e esclarecido – TCLE, autorizando a coleta de informações.
Tal disposto propiciou aos alunos de Psicologia a observação da realidade

988
educacional, a partir dos seguintes instrumentos de coletas de dados: Observação do espaço
escolar, sua estrutura, sua dinâmica, observação em sala de aula, análise do Projeto Político
Pedagógico, entrevista semiestruturada com professores e gestores. Em consonância com as
informações levantadas e observadas foi elaborado o Plano de Ação com objetivos e
metodologias que viessem colaborar diretamente no alcance de resultados mais significativos
junto aos alunos.
As observações foram realizadas no período de três dias, e após a análise dos dados,
iniciaram-se os quatro dias de intervenções, utilizando-se de rodas de conversa, dinâmicas, e
mini palestra, que tiveram o intuito de abarcar a demanda vigente.

Resultados e Discussão
A primeira intervenção foi realizada no dia 31 de outubro de 2019, teve como objetivo
discutir com os alunos da 3° série “D” os aspectos que envolvem as inteligências interpessoal
e intrapessoal relacionadas com os processos de aprendizagem. Foi apresentado o contrato da
boa convivência e explicado como era importante a participação dos mesmos, dentre outras
cláusulas.
Posteriormente, foi feita uma breve explanação sobre o que são essas inteligências e
como desenvolvê-las. Durante as explicações surgiram algumas dúvidas, como por exemplo,
quem desenvolveu essas inteligências? (Sic.), também comentários sobre como elas estão
presentes em vários contextos.
Em seguida, foi aplicada uma dinâmica de quebra-gelo, na qual o coordenador da
dinâmica diria uma frase e cada aluno teria que dar continuidade criando uma frase a partir
da última palavra da anterior, de forma que fizesse sentido. Os objetivos eram a comunicação,
criatividade, iniciativa, dinamismo e relacionamento interpessoal. Houve participação ativa
dos alunos, eles reagiram bem, ao final os instigamos a refletir sobre todos os aspectos
trabalhados e como podem influenciar seus processos de aprendizagem e desenvolvimento.
A seguir, propomos a eles outra atividade, envolvendo o reconhecimento das
qualidades dos colegas, foi pedido para que colocassem em uma folha de papel apenas seu
nome, em seguida os papéis seriam recolhidos, então distribuídos novamente, de forma que
ninguém soubesse quem o colega ao lado tirou, após a entrega foi explicado que cada
participante deveria falar as qualidades do colega que havia tirado, para que os demais
pudessem adivinhar de quem eram as qualidades.
O feedback foi muito positivo, houve boas emoções dos alunos, percebeu-se que eles
realmente se envolveram na atividade, ao relatarem suas percepções reconheceram que
possuíam muitas qualidades e que eram vistas pelas pessoas que estavam ao seu redor.
Notou-se durante a intervenção uma demanda muito grande por parte dos alunos
quanto a dificuldade de concentração devido às conversas paralelas ocasionada pelos grupos
fechados, seus relacionamentos interpessoais estavam fragilizados, havia muitas interrupções
quando alguém estava falando, assim, dificultando as relações, que tinham como
consequência uma sala bem dividida.
Os alunos se mostraram bastante agitados e conversavam muito, apesar do grupo

989
ADDA ter apresentado a importância do contrato da boa convivência, por consequência em
alguns momentos houve a necessidade de serem chamados atenção e assim pudessem estar
totalmente envolvidos com o projeto.
Alguns alunos relataram o quanto trabalhar o dinamismo, diálogo e comunicação entre
os colegas da turma foram importantes. Sendo possível elencar a teoria de Gardner (1995),
em que o indivíduo através da interação com o meio no qual está inserido se desenvolvi com
maior potencialidades. Ao contrário do que se entendia por aprendizagem em sua época, ele
dizia que a aprendizagem deve ocorrer em uma via de mão dupla, em que o professor é
mediador desse conhecimento e o aluno um sujeito ativo no seu processo de aquisição de
conhecimento (Rego, 2012).
Apesar das dificuldades encontradas no primeiro dia de intervenção, percebeu-se
resultados bastante satisfatórios, os alunos reconheceram as qualidades de colegas que até
então não eram tão próximos, reconheceram a importância do diálogo saudável entre a turma,
para que assim pudessem se relacionar e criar vínculos. A intervenção foi de bastante valia
para o grupo, pois já se observava impactos nesse primeiro momento.
Santos (2013) enfatiza que ambas as inteligências assumem um papel extremamente
importante na escola, visto que, enquanto a interpessoal envolve a habilidade de trabalhar
cooperativamente em grupo, entender e interagir de maneira assertiva, a intrapessoal ajuda o
aluno a sentir-se melhor e mais seguro, vencendo as barreiras da comunicação e do ato de
aprender. Sendo importantes no processo de mudança do indivíduo.
O segundo dia de intervenção, foi realizado dia 07 de novembro de 2019, teve como
objetivo estimular o desenvolvimento das habilidades intrapessoais, favorecendo o
autoconhecimento e elevando a autoestima dos alunos.
De início, falou-se sobre a temática e foi estimulada a participação de todos. A primeira
atividade foi a “dinâmica dos balões”, onde todos receberam um balão e um barbante no qual
deveriam encher o balão e posteriormente amarar com ajuda do barbante em seus tornozelos,
em seguida, o facilitador da dinâmica afirma que todos devem apresentar o balão cheio após
dois minutos, enquanto rodavam na sala sem deixar que seu balão seja estourado. Ao final, foi
feito questionamentos sobre quantos balões sobraram e como cada um protegeu o seu balão,
assim, promovendo uma reflexão acerca da temática.
Em seguida, utilizou-se recursos audiovisuais, com cenas de alguns filmes populares
para sua faixa etária, os escolhidos foram “Megarromântico” e “Sexy por acidente”,
despertando nos alunos possíveis sugestões práticas para melhorar a autoestima dos
personagens, buscando se colocar no lugar deles ou verificar quais as qualidades as
protagonistas tinham, mas não conseguiam enxergar.
Após essa atividade de provocação, foi aplicada outra dinâmica, no qual o objetivo foi
mostrar que todos possuem algo de valor ou alguma qualidade que podem oferecer ao outro,
para que ninguém se sentisse inferiorizado. A dinâmica se chama “feira das qualidades”, onde
foi pedido aos alunos que escrevessem algumas qualidades e talentos que acreditavam possuir
e dividirem as folhas, colocando o valor 50 ou 100 para o que acreditam que cada um vale, pois
venderiam suas qualidades na feira.
Observou-se que os alunos ficaram bem atentos quanto à temática e às dinâmicas

990
aplicadas, pois se refletia nas falas de cada um, mostrando a importância do indivíduo ser ele
mesmo, não importando a opinião dos outros e o quanto essa característica é importante para a
sua autoestima e conquistas futuras. Os alunos conseguiram perceber e até ajudar nas
pontuações sobre a importância da conquista sem afetar o próximo. Houve um reconhecimento
quanto às qualidades de cada um, inclusive de alunos que não eram tão próximos, até poderiam
ter essa visão do colega antes, no entanto, não tinham oportunidade de expressar, e nesse
momento foi possível essa interação.
Segundo Gardner (1995), uma pessoa com boa inteligência intrapessoal possui um
modelo viável e efetivo de si mesma (Brennand & Vasconcelos, 2005), com isso, reforçamos o
nosso objetivo, que está alicerçado nas habilidades voltadas para os próprios alunos, que foram
submetidos a essas práticas.
De acordo com Smole (1999), a importância do autoconceito bem definido e a
autoestima elevada impulsionam o processo de aprendizagem escolar, pois o aluno entende seus
limites, qualidades e defeitos.
O terceiro dia de intervenção foi realizado em 14 de novembro de 2019, teve como
objetivo favorecer uma melhor relação interpessoal, promovendo uma comunicação assertiva e
empática facilitando o processo de aprendizagem.
A atividade realizada foi por vivências interpessoais, que divididas em quatro fases
propunham atividades diferentes. Para passar pelas fases que aconteceriam de forma
simultânea, a turma foi dividida em quatro grupos e cada integrante do projeto ficou responsável
por coordenar uma atividade.
A primeira vivência foi a “dança das cadeiras diferente”, na qual foi utilizado um
número de cadeiras referente à quantidade de pessoas da equipe, só que com uma a menos.
Cada vez que a música parasse os alunos deveriam criar estratégias para que todos ficassem
sentados nas cadeiras, logo era retirado uma cadeira e dava início à uma nova rodada, assim
sucessivamente até que ficou apenas uma cadeira. Os que não conseguiram ficar sentados foram
saindo, ao final, foi ouvido a visão deles sobre a atividade e discutimos a importância da união.
Os alunos foram extremamente participativos, sendo assertivos em suas falas, assim
percebeu-se o quão recorrente é o apelo que os adolescentes fazem quanto a esses aspectos
referentes à cooperação, assim como relações de ajuda mútua mais saudáveis. Relataram a
importância de se trabalhar as relações interpessoais e como isso pode contribuir para
desenvolvimento das aprendizagens.
A segunda vivência foi a “dinâmica das diferenças”, na qual o orientador distribuiu
pedaços de papel e informou ao grupo que eles teriam que fazer um desenho, seguindo as
instruções que seriam dadas. Pediu-se que não olhassem para o do colega e nem mostrasse o
seu. O grupo estava atento, foram participativos.
Ao finalizar foi pedido que todos mostrassem seus desenhos e foi perguntado o que eles
puderam perceber com essa dinâmica, alguns disseram que seria o fato de que alguns desenhos
eram melhores que outros. Apesar de ser passada as mesmas instruções, nenhum desenho ficou
igual. Foi questionado o porquê disso haver acontecido, alguns relataram que seria por conta
que cada um sabe fazer de um jeito, uns têm mais facilidades, outros não.
Aplicando ao contexto de sala de aula, deve-se buscar ouvir o colega, ajudá-los nas

991
dificuldades, respeitar a opinião do outro, seu jeito, interagindo não apenas com aqueles que
têm as mesmas ideias, cada pessoa tem sua maneira de perceber o mundo, pode-se aprender
muitas coisas com elas. Percebeu-se que os grupos compreenderam a mensagem passada,
relataram que gostaram bastante da dinâmica.
Foi feita uma reflexão acerca das diferenças, segundo Del Prette (2012) o respeito às
diferenças é base para uma sociedade mais saudável e inclusiva, qualquer contexto que lida
com diferenças é potencialmente educativo para a promoção desses valores ou para a promoção
de valores contrários.
A terceira vivência foi “fazendo arte com massinha”, onde o grupo deveria fazer uma
construção conjunta da arte. Durante a dinâmica observou-se a articulação da equipe e o
trabalho em conjunto, ao fazer uma escultura utilizando massa de modelar, cada um queria
contribuir de alguma forma, havia empatia e reciprocidade entre ambos, alguns não tiveram
uma ideia de imediato, então pediam ajuda ao colega e assim todos ajudaram na escolha da
escultura, no final, pediu-se que verbalizassem sobre a importância do trabalho em equipe e
todos falaram sem receio, sendo assertivos em suas falas.
Na quarta vivência foi a dinâmica “feitiço contra o feiticeiro”, onde cada um escreveu
algo que gostaria que o colega da direita fizesse, algo que fosse dentro do bom senso e respeito,
quando todos os participantes escreveram eles leram o que estava escrito, mas ao invés do
colega fazer, ele próprio é que iria fazer a atividade que propôs.
Os alunos interagiram bastante, ficaram surpresos, mas não hesitaram em fazer aquilo
que desejaram aos colegas, aquilo que foi pedido aos colegas foram coisas legais, empáticas,
nada que os colocassem para baixo. Além disso, notou-se o entusiasmo deles perante a
dinâmica, sem contar no feedback positivo que foi recebido no final da dinâmica.
Ao final das vivências foi feita uma roda de conversa com a turma, ampliando as
perspectivas deles a respeito das relações interpessoais, os alunos expuseram suas opiniões a
respeito das vivências, o que ela proporcionou para cada um e quais sentimentos
experimentaram.
Houve um envolvimento completo dos alunos, todos participaram, relataram que aquele
momento estava sendo especial. Pode-se perceber que os alunos foram impactados pelo projeto,
captaram a importância da união, todos se mostraram mais conectados, trabalhando em equipe,
guardaram a reflexão de não desejar para o próximo aquilo que não gostaria que acontecesse
consigo mesmo, bem como respeitar as diferenças e a subjetividade de cada um.
O educar se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e,
ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se
faz progressivamente mais congruente com o do outro no espaço de convivência (Maturana,
1998, p. 29). Ao comparar com o primeiro dia de intervenção, foi notória a transformação dos
alunos, que começaram a interagir mais entre si, não apenas com um grupo de preferência, mas
com um todo, pois antes não conversavam mesmo estando no mesmo âmbito físico. Também
desenvolveram um autoconhecimento, acreditando mais em si mesmos e suas capacidades,
assim aumentando a autoestima.
A última intervenção do Projeto ADDA ocorreu no dia 21 de novembro de 2019, teve

992
como objetivo relembrar os conceitos trabalhados, enfatizando a importância das relações,
comunicação assertiva e autoconhecimento.
A princípio foi realizada uma roda de conversa e de maneira dinâmica circulou entre os
alunos uma caixa contendo palavras-chave relacionadas ao tema trabalhado ao longo do projeto,
assim, todos tiveram a oportunidade de tirar um dos papéis da caixa e falar o que aquela palavra
representava, ou o que haviam aprendido a partir da temática, de acordo com o seu
entendimento.
Foi possível perceber que alguns alunos se mostraram receosos em responder, porém
após um tempo foram respondendo e assim todos participaram e quando não conseguiam falar
algo, os demais auxiliavam, falando sua opinião ou comentando sobre alguma intervenção que
se encaixava. Vygotsky (2007) nos fala que a internalização envolve uma atividade externa que
deve ser modificada para tornar-se interna, ou seja, interpessoal se torna intrapessoal. Dessa
forma, trabalhá-las em conjunto pode trazer melhores resultados ao desenvolvimento escolar.
Em seguida, foi realizado um feedback com a turma sobre os dias de intervenção. Os
alunos revelaram que a temática foi de suma importância para seu desenvolvimento, pode-se
perceber que haviam realmente internalizado os conceitos trabalhados, informando que houve
uma melhora significativa na autoestima, autoconhecimento, nos relacionamentos, pois a turma
interagia como um todo, passaram a compreender melhor o colega, ouvir mais e ter uma
comunicação assertiva.
Posteriormente, foi distribuído um folder contendo informações sobre o tema trabalhado
e algumas dicas de como desenvolvê-lo. Por fim, foi deixada uma mensagem de motivação e
reflexão, para que os alunos pudessem repassar o que aprenderam para seus familiares e amigos,
não detendo o conhecimento somente à sala de aula.

Considerações Finais
Diante de todas essas informações, percebe-se a importância de se trabalhar as
inteligências intrapessoal e interpessoal no âmbito escolar, buscando obter um olhar mais
direcionado para as questões de autoconhecimento e relações pessoais, proporcionando
conhecimentos aos alunos, fazendo-os perceber e entender que não são apenas alunos, sendo
assim, suas questões subjetivas afetam as coletivas e vice-versa, uma vez compreendido isso,
podem buscar compreender e se colocar no lugar dos colegas, professores e pais.
Deve-se trabalhar formas de envolver todos os aspectos, tanto subjetivos quanto
coletivos, pois o indivíduo influencia o meio e também é influenciado por ele, como nos lembra
Freire (1997), quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Assim,
buscar formas mais assertivas de lidar com essas questões, pode proporcionar aprendizagens
mais significativas aos alunos.
A experiência do projeto foi enriquecedora, proporcionou a oportunidade de conhecer
na prática quais as demandas recorrentes referentes ao contexto escolar e aos processos de
aprendizagem, propiciando uma maior aquisição de conhecimentos, inspirando a busca de
novos recursos para trabalhar a singularidade humana, assim como para desenvolver a
observação, escuta e empatia profissional, dessa forma, ter um novo olhar quanto a essas
questões, contribuindo para a formação acadêmica e profissional, e agregando mais

993
conhecimentos científicos através das pesquisas estudadas e realizadas.

Referências
Berbel, N. A. N. (Org.). Metodologia da problematização: fundamentos e aplicações.
Londrina: UEL; Comped; Inep, 1999.
Brennand, E. G. G. & Vasconcelos, G. C. (2005). O conceito de potencial múltiplo da
inteligência de Howard Gardner para pensar dispositivos pedagógicos
multimidiáticos. Ciências & Cognição. Vol. 05, p.19-35.
Del Prette, Z. A. P. (2012) et al. Tolerância e respeito às diferenças: efeitos de uma atividade
educativa na escola (v. 14, n.1). São Paulo, v. 14, n.1.
Freire, P. (1997). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa (9 ed.).
São Paulo: Paz e Terra.
Gardner, H. (1995). Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas.
Gil, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
Maturana. R.H.(1998). Emoções e linguagem na educação e na política. tradução:
José Fernando Campos Fortes. – (p.29) Belo Horizonte: Ed. UFMG, 98 p.
Rego, T. C. (2012). Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis,
RJ: Vozes – (Educação e conhecimento).
Santos, R. L. S. (2013). Desenvolvendo relações Intrapessoais e Interpessoais através de
dinâmicas de grupo. Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR.
Smole, K. C. S. (1999). Múltiplas Inteligências na Prática Escolar. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação a Distância, 1999. 80 p.13; 16 cm - [Cadernos da
TV Escola] Inteligências Múltiplas, ISSN 1517-2341 n.1).
Travassos, L. C. P. (2001). Inteligências Múltiplas. Revista de Biologia e Ciências da Terra,
vol. 1, núm. 2, 2001, p. 0. Universidade Estadual da Paraíba, Brasil.
Vygotsky. L. S. (2007). A formação social da mente. Martins Fontes. São Paulo.
PERFIL LEITOR E MOTIVAÇÃO PARA LEITURA NO ENSINO MÉDIO: RELATO

994
DE PESQUISA EM SALVADOR-BA

Ísis Fabiana de Souza Oliveira


Liliana Liviano Wahba
Introdução
Paulo Freire (2011) postula o ato de ler como transformador para a vida do indivíduo e
do mundo. Explica que para que o texto seja verdadeiramente lido, é preciso que o leitor conecte
o seu universo particular, que o autor chama de leitura do mundo, à leitura da palavra. Essa
conexão acolhe as inquietações internas e fornece a dinâmica transformadora da realidade. Os
últimos levantamentos da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil realizado pelo Instituto Pró-
Livro IPL (2020), com mais de 5 mil entrevistados em todo Brasil mostrou um decréscimo de
4% no número de leitores brasileiros desde o levantamento de 2015, constituído atualmente por
52% de leitores. Esse dado indica que 4,6 milhões de brasileiros perderam o hábito da leitura
entre 2015 e 2019. Trata-se de informação relevante para reflexão acerca da crescente
desmotivação para leitura nos jovens e adultos ao longo dos anos.
O estudo aqui apresentado deriva da tese de Doutorado em Psicologia Clínica da autora,
pela PUCSP, em andamento, que tem por objetivo avaliar o recurso de oficinas desenvolvidas
para a pesquisa para motivar a leitura de jovens do Ensino Médio. Antes de realizar as oficinas,
foi aplicado em duas escolas públicas de Salvador-Bahia um Questionário do Perfil Leitor cujo
objetivo e resultados serão aqui apresentados.
Optou-se por realizar a pesquisa com jovens do Ensino Médio devido a identificação da
autora enquanto leitora assídua nessa fase da vida que lhe suscitou o interesse de apresentar
para o adolescente atual a possibilidade da leitura prazerosa e ressoante. Além disso, constata-
se a diversidade de pesquisas e projetos de incentivo e de intervenções com a leitura existentes
para o público da Pré-Escola e do Ensino Fundamental.
Justifica-se o estudo por creditar à leitura papel relevante na formação de jovens,
alicerçando sua capacidade de reflexão e crítica. Desse modo, compreende-se que a leitura pode
dinamizar no indivíduo a aquisição de conhecimentos gerais, desenvolvimento criativo,
compreensão do mundo e de si mesmo, incentivando a autorreflexão e atuação na sociedade.
Nesse sentido, a pesquisa se faz relevante para a comunidade científica e para a Psicologia em
geral uma vez que a ampliação da consciência por meio da leitura é favorável ao
desenvolvimento da personalidade do jovem e à sua participação mais efetiva na escola e
comunidade.

Objetivo
Identificar a preferência literária e a motivação para leitura do estudante do Ensino
Médio.

Método
A presente pesquisa apresenta uma exploração quantitativa preliminar dos hábitos de

995
leitura por meio do Questionário do Perfil Leitor, adaptado por Schardosim (2015) de outros
autores para uso em sua tese e cujo uso no presente trabalho foi autorizado pela autora. O
instrumento sofreu nova adaptação para adequar ao tempo disponível com os alunos e ser
utilizado como instrumento de mapeamento preliminar. A aplicação do questionário foi
autorizada pelas escolas como um instrumento pedagógico que auxiliará na identificação dos
hábitos de leitura dos estudantes do Ensino Médio.
O questionário não se caracteriza como um teste ou escala, ele fornece dados
quantitativos ao constar de perguntas como a preferência literária do estudante, a preferência
do material para a leitura (em papel ou por meio digital), o tempo estimado de leitura diária
para estudo e lazer, a influência da família no hábito da leitura.
Antes da aplicação da pesquisa, apresentou-se o Projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo para avaliação de sua conformidade com os
critérios da Resolução no 466 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde do
Ministério da Saúde, com a Resolução CNS/MS 510/2016 e com o Regimento dos Comitês de
Ética em Pesquisa da PUC-SP. O Projeto foi aprovado e considerado em sua relevância social
e na concordância do seu método com os critérios de ética e respeito para com os participantes
da pesquisa.
Em seguida, entrou-se em contato com duas escolas públicas de Salvador-Bahia, que
autorizaram a aplicação da pesquisa e do Questionário nos alunos do Ensino Médio. A amostra
total nas duas escolas foi de 386 alunos e a aplicação ocorreu no ano 2019 em uma escola e no
início de 2020 na outra, com duração de uma semana de aplicação nas turmas no Ensino Médio.

Resultados
Os resultados indicaram as seguintes informações conforme tabelas e quadros a seguir:

Tabela 1 – Distribuição da amostra por gênero

Gênero N Porcentagem

Masculino 161 41,7%

Feminino 225 58,3%

Total 386 100,0%

Tabela 2 – Distribuição da amostra por idade

Idade N Porcentagem

15 a 19
368 95,3%
anos

20 a 29
18 4,7%
anos
Total 386 100,0%

996
Tabela 3 – Distribuição da amostra por região de nascimento

Região N Porcentagem

Nordeste 384 99,5%

Sudeste 2 0,5%

Total 386 100,0%

Tabela 4 – Conhecimento de outro idioma além do nativo

Idioma N Porcentagem

Nenhum 193 50,0%

Inglês / Espanhol 168 43,5%

Outros 19 4,9%

Não respondeu 15 1,6%

Total 386 100,0%

Tabela 5 – Escolaridade dos responsáveis

Escolaridade N Porcentagem

Alfabetizados 17 4,4%

Ensino
38 9;8%
fundamental

Ensino médio 216 56,0%

Ensino superior 40 10,4%

Não respondeu 75 19,4%

Total 386 100,0%

Tabela 6 – Local de nascimento dos responsáveis

Região N Porcentagem

Nordeste 375 97,2%

Sudeste 10 2,6%

Outro
1 0,3%
país

Total 386 100,0%


Quadro 1 – Hábitos de leitura dos participantes

997
Pergunta Total
Sim Não
(N=386)

Antes de entrar para a escola, ouvia histórias e lia


67% 33% 100%
sozinho(a)?

Antes de entrar para a escola, frequentou a educação


77,3% 22,7% 100%
infantil?

Quando entrou para a escola, sabia ler e/ou escrever? 54,5% 45,5% 100%

Quadro 2 – Hábitos de leitura dos participantes – leitura espontânea

Sim
Pergunta Total
História em Não
Tudo quadrinhos / Livros (N=386)
contos

Depois de entrar para a


escola, você lia 25% 25,5% 100,0%
13,9% 35,6%
espontaneamente? O quê?

Quadro 3 – Hábitos de leitura dos participantes – tempo diário para leitura

Muito /
0 a 10 10 a 50 1a3 4a7 Pouco /
Tipo de leitura N O dia Total
minutos minutos horas horas Não sei
todo

Estudos (em papel) 386 9% 22,3% 42,9% 2,1% 1,3% 22,3% 100,0%

Lazer (em papel) 386 10,3% 31,8% 4,7% 1,7% 29,2% 100,0%
22,3%

Estudos
(computador ou 386 5,2% 4,7% 14,6% 100,0%
22,3% 46,4% 6,9%
celular)

Lazer (computador
386 0,4% 2,1% 61,8% 1,7% 100,0%
ou celular) 19,3% 14,6%

Tabela 7 – Quantidade de livros na residência dos participantes

Quantidade de livros N Porcentagem

0 54 14,0%

1a5 94 24,4%
6 a 10 70 18,1%

998
11 a 20 62 16,0%

Mais de 20 /
71 18,4%
Muitos

Não sei / Pouco 35 9,1%

Total 386 100,0%

Tabela 8 – Ambiente de leitura dos participantes

Ambiente Porcentagem

Casa 65%

Escola 10,2%

Casa / escola 9,3%

Outros 7%

Nenhum 8,5%

Total 100,0%

Quadro 4 – Comportamento de leitor dos participantes

Resposta Total
Afirmação
Sim Não (N=386)

Leio somente se é necessário 40,8% 59,2% 100,0%

A leitura é uma das minhas atividades favoritas 34,3% 65,7% 100,0%

Gosto de conversar sobre livros 53,6% 46,4% 100,0%

Tenho dificuldade em terminar um livro 55,8% 44,2% 100,0%

Gosto de receber livros como presente 57,5% 42,5% 100,0%

Gosto de ir a livrarias e/ou bibliotecas 57,1% 42,9% 100,0%

Tenho dificuldade em me concentrar para ler 51,5% 48,5% 100,0%

Leio para ampliar meus conhecimentos 75,5% 24,5% 100,0%

Leio para conhecer outras culturas 64,8% 35,2% 100,0%

Leio para me divertir 59,7% 40,3% 100,0%

Leio para estudar 88% 12% 100,0%


Leio para ter melhor desempenho na escola 78,1% 21,9% 100,0%

999
A partir dos resultados percebe-se que, apesar de 59,2% afirmar ler somente quando
necessário, a maioria dos alunos lê para se divertir (59,7%), gosta de conversar sobre livros
(53,6%) e de frequentar bibliotecas (57,1%). A leitura online para estudos e lazer é mais
predominante do que a leitura em papel. E chama atenção que o hábito de ler online por lazer
ocupa muitas horas do dia para a maioria dos jovens (61,8%).
Os dados apontam ainda que a leitura com finalidade estudantil teve destaque indicando
a influência da escola no hábito leitor dos alunos, fato presente na literatura e pesquisas atuais.

Discussão
O IPL (2020) considera como leitora a pessoa que leu ao menos 1 livro inteiro nos
últimos 3 meses. No Questionário, o indicativo de 55,8% dos respondentes com dificuldade em
terminar um livro e 51,5% com dificuldade em se concentrar para ler corresponde ao resultado
do IPL (2020) que mostra um decréscimo de leitores no Brasil de 56% para 52% entre 2015 e
2019.
O IPL (2020) aponta ainda que para os adolescentes do EM a indicação de livros pelo(a)
professor(a) tem mais influência do que outros meios (68%). Provável similaridade no
Questionário nos dados que mostram o interesse pela leitura, em ampliar os conhecimentos
(75,5%), estudar (88%) e melhorar na escola (78,1%).
Luft e Fischer (2015) observaram que o hábito da leitura dos adolescentes que estão no
Ensino Médio é diretamente influenciado pelos exames de seleção para as universidades, que
acontece no formato do vestibular tradicional, com listas de obras literárias para a prova, ou do
Enem, que não indica leituras específicas. Objetivo das autoras foi verificar qualitativamente
os impactos das leituras obrigatórias sobre a formação leitora de alunos do Ensino Médio por
meio de uma pesquisa de campo em salas de aula de cinco escolas do Rio Grande do Sul (duas
da rede pública e três da rede particular). Foram entrevistados 184 alunos a respeito das
seguintes questões: origem das obras literárias lidas, obras literárias das quais gostaram muito,
reação em relação às leituras indicadas pela escola.
Os resultados apontaram o professor como a principal influência para a leitura ou a falta
dela, de modo que se não é recomendada a leitura de determinada obra, ela por vezes não será
lida espontaneamente pelo aluno. Outro dado percebido pelos autores ao analisarem as
respostas dos entrevistados foi que as provas do vestibular são determinantes para a efetivação
das leituras nos jovens e formação do gosto literário. Os autores concluem que a obrigatoriedade
das obras literárias para o vestibular induz os alunos à leitura e, consequentemente, conforme
observado, desenvolve neles o apreço pelos livros indicados. Luft e Fischer (2015) constatam
a influência positiva do vestibular tradicional no incentivo à leitura nos jovens, desfavorecida,
por sua vez, pelo caráter generalista da literatura no Enem.
Marendino (2014) chama atenção para o cultivo da imaginação e da base poética da
mente no cotidiano escolar, afirmando haver uma crise no campo educacional ao preconizar o
paradigma da racionalidade. A autora propõe a retomada da “função educativa da imaginação”
(p. 42) elementar ao desenvolvimento da identidade dos alunos e docentes. E em concordância

1000
com a psicologia que envolve o exercício da leitura apresentada pela referida autora, Tzvetan
Todorov, em A Literatura em perigo (2009, p. 24) discorre sobre a importância da literatura:
“Mais densa e mais eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, a literatura
amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo.”.
Porcacchia (2016) complementa esse pensamento ao destacar a importância terapêutica
da literatura uma vez que permite a expressão de sensações e emoções no universo ficcional
que seriam inomináveis e incompreensíveis na realidade. De acordo com a autora, por meio de
um enredo que reflete as peculiaridades da existência humana, a literatura dá forma aos
sentimentos e organiza a experiência psíquica.
Compreende-se que a leitura pode dinamizar no indivíduo a aquisição de conhecimentos
gerais, desenvolvimento criativo, compreensão do mundo e de si mesmo, incentivando a
autorreflexão e atuação na sociedade

Conclusão
Percebe-se que a motivação para leitura suscita interesse enquanto objeto de estudos em
nível global e muitas são as variáveis internas e externas que influenciam na vivência engajada
do aluno com a leitura.
Observa-se que a motivação extrínseca para leitura, característica da leitura para
aprovação externa, pode se tornar mais dominante no aluno ao longo da sua vida escolar,
desfavorecendo o desenvolvimento da motivação intrínseca, da leitura mais prazerosa e
autônoma. Esta, por sua vez, aparece nas pesquisas como mais evidente nas meninas, apesar
dos estudos apontarem também que ela é passível de ser estimulada no jovem, independente do
gênero, idade e características socioeconômicas.
De modo geral, denota-se a relevância de atividades escolares que promovam o
incentivo à leitura não apenas pela avaliação quantitativa da nota, mas pelo estímulo à
autonomia e despertar do interesse do aluno. No entanto, cabe ressaltar que apesar de a escola
ser um espaço de potencial incentivo à leitura e acesso aos livros físicos, a motivação para ler
pode ser estimulada de igual modo no meio familiar, entre a comunidade, em espaços públicos
por meio de contação de histórias e acesso livre a qualquer tipo de material favorável à leitura.

Referências
Freire. P. (2011). A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo:
Cortez.
Luft, G. F. C.; Fischer, L. (2015). A Literatura, leitura e ensino: o Enem e os impactos das
leituras obrigatórias dos exames vestibulares para a formação de leitores. Contexto,
Vitória, v.25. Disponível em:
<periodicos.ufes.br/contexto/article/download/10418/7350>. Acesso em: 10 dez.
2018.
Instituto Pró-Livro - IPL. Retratos da leitura no Brasil. 5ª ed. 2020.
Marendino, R. B. Re-vendo a presença da psicologia na escola através do cultivo da alma.

1001
Cadernos Junguianos, São Paulo, n.10, p.33-49, 2014.
Porcacchia, S. S. Literatura e cura: oficina da leitura como intervenção psicopedagógica.
Curitiba: Appris, 2016.
Todorov, T. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.
A TENDA DO CONTO COMO METODOLOGIA DE TRABALHO COM

1002
QUESTÕES SOBRE GÊNERO NO ENSINO FUNDAMENTAL

Maurício Castro Leite Dourado Guerra


Lucas Pereira dos Santos
Thayná de Souza Rocha
Pamela Lara Souza Marques
Sara Marreiros do Nascimento
Monalisa Pontes Xavier
Introdução
É possível afirmar que somente após a infância emergir como um problema na
sociedade, foi possível tratá-la de maneira científica, criando assim um ramo da ciência que lhe
estudasse, compreendesse e explicasse. A infância como categoria psicossocial precisou ser
inventada para então ser discursada e diversos saberes dela se ocuparem (Ariès, 1981).
Apesar de ter um foco nas práticas educativas formais, inevitavelmente o espaço escolar
oferece ao educando de forma mais pedagógica e estruturada uma grande gama de estímulos
psicológicos, sociais e culturais, que impulsionam o desenvolvimento infantil, atuando
juntamente com a família, visto que as fases do desenvolvimento dos diversos atores presentes
tanto na escola como em casa provocam mudanças nos papéis da criança em desenvolvimento.
(Dessen & Polonia, 2007).
Dentre as questões potencializadas pela escola, pode-se destacar as múltiplas relações
interpessoais. Del Prette e Del Prette (1998) afirmam que a sala de aula é um ambiente rico em
possíveis interações sociais. Os autores apontam ainda que déficits de habilidades sociais
podem ocasionar não somente dificuldades acadêmicas, como também outras dificuldades no
desenvolvimento.
É na relação com pares que a criança consegue aprender a empatia nas relações, bem
como desenvolver a moral de forma autônoma, aprendendo o que pode ser considerado
adequado ou inadequado, os valores sociais. Na escola, a criança encontra diversas pessoas
diferentes, são diversas subjetividades e multiplicidades, o que resulta em uma enorme
modificação no seu processo de socialização. Portanto a escola exerce um importante papel na
consolidação desse processo que se inicia desde o nascimento da criança: a socialização (Borsa,
2007).
Assim, a escola figura como um ambiente multicultural (Oliveira, 2000), um
microssistema que reflete as transformações atuais e lida com as diversas demandas do mundo
globalizado, tendo como principal tarefa o complicado papel de preparar tanto alunos como
professores e pais para lidarem com as dificuldades de um mundo em rápidas mudanças e
conflitos interpessoais diversos (Dessen & Polônia, 2007).
Dessa forma, é de suma importância compreender a perspectiva de crianças e
adolescentes acerca das relações de gênero e sexualidade no âmbito escolar, reconhecendo-os
como produtores de cultura, representações sociais, posicionamentos e, consequentemente,

1003
(re)produtores desses dentro desse espaço escolar. Apesar das pautas supracitadas serem pouco
discutidas no âmbito escolar em geral e em torno delas haver, no contexto brasileiro, todo uma
pauta ideológica atravessando-as, a sexualidade é um tópico inerente ao ser humano e as
relações de gênero estão assiduamente presentes na sociedade.
Gênero refere-se, segundo Louro (1997), ao modo como as chamadas “diferenças
sexuais” são representadas ou valorizadas; concerne àquilo que se diz ou se pensa sobre tais
diferenças, na égide de uma dada sociedade, em um determinado grupo, em determinado
contexto. A partir de suas reflexões, toma como preceito a construção de gênero como
referência cultural, ao tornamos homens e mulheres na cultura. Não obstante, na perspectiva da
autora, o conceito de gênero não possui uma “essência” masculina ou feminina; pelo contrário,
aprendemos a ser um e outro e, a partir de então, vamos construindo o gênero com o qual nos
identificamos.
Segundo Viana e Unbehaum (2004), durante o governo Lula as organizações não-
governamentais passaram a receber mais incentivos para a produção de pesquisas voltadas para
a diversidade sexual e para as desigualdades de gênero. Ampliou-se a adoção de mecanismos
de participação de movimentos sociais organizados, por meio de fóruns, seminários,
conferências e outros espaços organizados para mobilizar atores e temas considerados
relevantes para o desenvolvimento de políticas para a inclusão e a diversidade. Participaram
desse movimento gestores dos sistemas de ensino, autoridades locais, representantes de
movimentos e organizações sociais e dos segmentos que possuem interesses comuns no que se
refere ao progresso dessa agenda.
Todavia, mesmo com avanços, as temáticas de gênero e sexualidade continuam tendo
alcance incipiente no ensino formal brasileiro. Ao analisar os materiais de ensino das escolas
públicas, Costa (2011) apontou que não há nem menção à discussão de gênero nos livros
didáticos utilizados na disciplina de geografia. Madureira e Branco (2015) também constatam
essa incipiência em sua pesquisa com professores de ensino fundamental do Distrito Federal,
onde os docentes confirmam que há uma grande distância entre o que se preconiza sobre gênero
e sexualidade no Parâmetro Curricular Nacional e a realidade das escolas, onde se percebeu
pouca formação e espaço para tocar nos mencionados temas por parte dos professores.
Tal demanda não deixou de ser percebida durante o estágio básico realizado em 2019
pelos autores do presente trabalho em uma escola do interior nordestino. Foi percebida uma
nítida separação por gênero nos relacionamentos das crianças, em especial durante o horário do
recreio, com a pouca interação entre meninos e meninas e quase sempre exercendo atividades
historicamente enquadradas para seus respectivos gêneros, com meninos jogando bola e outras
atividades que exija mais fisicalidade, enquanto as meninas tendem a ficar mais quietas, em
rodas e nos pontos mais periféricos do espaço destinado ao intervalo. O exercício em si desses
comportamentos não nos chega como uma demanda, mas sim o questionamento de que até que
ponto tais comportamentos tão sistemáticos ocorrem por serem consideradas “coisas de
menino” ou “coisas de menina”.
Dessa forma, o presente trabalho apresenta uma pesquisa-intervenção realizada em uma
escola de ensino fundamental durante um estágio básico supervisionado do curso de Psicologia
que objetivou trabalhar questões relativas ao gênero com crianças do 1º ao 4º ano a partir da
“tenda do conto.”
1004
Metodologia
Adotamos como desenho metodológico a pesquisa de caráter qualitativo, já que esta
abrange um aspecto da realidade dificilmente mensurável quantitativamente quando busca
conhecer acontecimentos, invenções, situações, possibilidades e singularidades (Xavier, 2014).
A partir da decisão do caráter metodológico, optou-se pela cartografia que se configura uma
estratégia metodológica ou um modo de fazer pesquisa que propõe transformar-se para
conhecer. Ou seja, é preciso deixar-se afetar pela experiência do conhecimento ao invés de
agarrar-se a perspectivas já preestabelecidas (Passos & Barros, 2010).
Enquanto estratégia metodológica de pesquisa-intervenção, a cartografia subverte o
conceito clássico de ciência, não mais se prendendo a regras e objetivos pré-estabelecidos
(Passos & Barros, 2010). Em um rompimento com o dualismo cartesiano, o modelo cartográfico
prima pela quebra de uma lógica em que o observador está distanciado e supostamente neutro
em relação ao seu objeto. A partir do momento em que o pesquisador adentra em campo,
entende-se que esse já está afetando e sendo afetado por aqueles que ele se propôs a construir
sua pesquisa, a pesquisarCOM, sendo o produto dessas afetações a matéria prima para o objeto
e para o delineamento da intervenção da pesquisa.
-É interessante salientar que existem tantas diferentes cartografias possíveis quanto
existem campos a serem cartografados, o que coloca a necessidade de uma proposta
metodológica estratégica em consonância com o contexto a ser observado, elencando o que há
nessa perspectiva em que método e objeto são signos singulares e correlatos ao passo tático, e
que se trata de metodologia como conjunto de regras e ferramentas estabelecidas, porém como
estratégia permeável à criticidade (Marconi, 2017).
Para tanto, foi escolhido como campo de estágio e imersão no território existencial para
práticas de pesquisa junto a uma escola localizada na planície litorânea piauiense. A imersão
na escola foi o principal meio de aproximação dos processos e das dinâmicas que ocorrem
naquele território, processos esses que serviram de guia para nossas práticas, ao passo em que
foi construído a todo momento com os atores sociais implicados. Assim, deu-se vida à entrada
pelo meio, levando em consideração que ao se adentrar em um território, este já é permeado e
marcado por diversos processos de subjetivação e assujeitamentos. Considerando isso, nossa
entrada se deu a partir de conversas informais, observações livre e construção de atividades
junto ao corpo escolar.
Tivemos como contribuintes e participantes do processo a ser descrito no presente
trabalho estudantes do primeiro ao quarto ano do ensino fundamental, com faixa etária média
de 5 a 6 anos, quando iniciam no 1º ano a 12 anos de idade ao encerramento do 4º ano, os quais
frequentam a presente escola.
Como intervenção, foi utilizada a tenda do conto, dinâmica na qual é pedido para que
cada pessoa participante leve um objeto pessoal para uma conversa circular baseada na
historicidade dos objetos ali reunidos pelo grupo. Esse recurso foi escolhido devido a suas
características que prezam pela autonomia do sujeito e circularidade de discursos, além dos
elementos afetivos envolvidos, permitindo com que, ao mesmo tempo em que haja uma ação
profissional, as pessoas ali não priorizam o papel de protagonistas de suas próprias narrativas,
produzindo significados a partir de suas próprias construções simbólicas e subjetivas (Félix-

1005
Silva et al., 2014).
Para a realização da atividade da tenda do conto, os estagiários pediram, por meio de
um aviso na agenda de estudantes, para trazerem de suas casas um objeto que tenha uma
representação afetiva para eles. Nos dias de atividades, os estagiários organizaram a sala de
forma a todos estarem em círculo e no meio deste, estava a toalha em formato de arena com os
objetos trazidos pelos participantes e uma cadeira no centro ou na frente. Neste ponto, os
estagiários explicaram previamente do que se trata a atividade, dizendo também sobre a regra
do silêncio, para que todos possam ser ouvidos genuinamente enquanto estiverem contando
suas histórias. Quando pegaram os objetos, cada criança contou a história objeto, para que e
para quem serve, discutindo que coisas de meninos e meninas são construções sociais de gênero
e que alguns objetos possuem usos diferenciados para meninos e meninas, a exemplo da roupa
íntima.

Resultados & Discussões


A tenda do conto foi realizada com cada uma das 4 turmas da escola, com o objetivo de
empreender uma ampla gama de construções e desconstruções acerca de gênero com as
crianças. A interação e discussão entre as crianças funciona como instrumento privilegiado de
construção e aprendizado, pois, conforme consta na leitura de Lima et al (2018), Deleuze afirma
que após um encontro com o outro, tornamo-nos como uma massa incansavelmente batida, que
já não é igual ao início do processo.
Na atividade da tenda do conto foram obtidos relatos acerca dos objetos trazidos pelas
crianças, os quais não seriam somente fonte de identificação e importância, mas também
contavam um pouco de sua história, revelando assim suas peculiaridades e bagagem de
experiências ao longo de sua trajetória de vida. Criou-se um espaço de entretenimento,
socialização, diversão e aproximação entre as crianças. O intento da intervenção seria o de
identificar demandas relacionadas à sexualidade e gênero, a partir dos relatos acerca dos objetos,
observar brinquedos, adereços e objetos os quais as crianças utilizam-se comumente em seu
cotidiano.
Contudo, houveram algumas limitações porque muitas vezes não se fazia possível
estabelecer nenhuma relação entre gênero e o objeto trazido, devido ao fato de que muitas vezes
a escolha do objeto teria se dado a partir de memórias afetivas oriundas de tê-lo ganhado em uma
data comemorativa, sido presente de aniversário, de alguém especial, o primeiro brinquedo ganho
e justificativas similares.
A tenda do conto, que figura como prática integrativa dessa experimentação cartográfica,
emerge como dispositivo de articulação de arte, cultura e saúde mental. Nesse sentido,
consideramos os objetos de afecções da tenda do conto, por meio dos quais os participantes fazem
seus contos, como objetos relacionais (Rolnik, 2005, apud Lima et al., 2018). Nesse panorama,
adaptou-se essa ferramenta pedagógica de construção de sentido tendo em vista os objetivos a
serem alcançados. Os estagiários atuaram como mediadores, fazendo questionamentos que
tencionam as questões de gênero.
A partir das narrativas construídas e respostas emitidas pelas crianças, em parte, foi

1006
percebido pouca tendência ao sexismo, pois majoritariamente as crianças não faziam distinção
entre objetos considerados de ‘’ menino’’ e de ‘’ menina’’, todavia apareceram algumas
disparidades, tendo em vista que diversas crianças apresentavam rejeição a determinadas cores
com base em normativas de gênero. Apesar das contradições, em suma, as atitudes mostradas
pelas crianças durante a vivência convergiam bastante com os nossos interesses ao realizar a
atividade.
Mesmo com os avanços, cabe destacar entraves presentes durante a execução dessa
atividade, pois embora as crianças pudessem manter uma postura que ia de encontro a perspectiva
sexista e polarizada, algumas poucas retrataram isso com veemência ao afirmar categoricamente
que não se poderia brincar com determinado objeto, pois tratava-se apenas de coisa de mulher ou
de homem. Optamos por criar um espaço de diálogo em que as próprias crianças pudessem ter
voz ativa nesse processo e, assim, as mesmas responderem a questões como essas. Assim, quando
posto algo dessa natureza e no contexto da narrativa construída de forma coletiva, algumas
afirmavam que brincavam com determinado objeto e que podiam sim, apontando para uma
indistinção de objetos por gênero. Outros, a exemplo, mencionaram que menino poderia brincar
com boneca, pois poderia aprender a ser um bom pai, isso de forma a expor frente a posição
contrária de alguns colegas.

Considerações Finais
A instituição escolar é um dos ambientes mais fecundos para o processo de socialização
dentro da nossa sociedade, propiciando uma experiência social que vai além do processo de
aprendizado formal. Todavia a educação versada nesse ambiente ainda se vê marcada por
paradigmas que muitas vezes não contemplam diversas temáticas que atravessam a vida dos
indivíduos ali presentes, velando tópicos que permeiam todo o tecido social ali formado, não
aproveitando todo o potencial de aprendizado que esse local poderia proporcionar.
Como focado no presente estudo, as temáticas de gênero e sexualidade estão entre tais
tópicos que são marcados mais pelo não dito do que qualquer diálogo aberto. Nos propomos a
tensionar tais tópicos quando esses se mostraram aparecendo na fala e na vivência dos alunos.
Assim, construímos um diálogo capaz de provocar uma reflexão nos alunos ali
presentes, mas que fugisse de um modelo pastoral de transmissão de conhecimentos, buscando
a circularização de saberes e que esse assunto pudesse ser, enfim, verbalizado e discutido a fim
de que se possa construir um ambiente de maior equidade e bem estar social, bem como de
enfrentamento às violências de gênero e consequente promoção de saúde mental.
Mais do que tentar ensinar algo a alguém, tal intervenção fica como uma provocação
para que essas temáticas possam emergir e serem questionadas, corroborando com a construção
de uma concepção mais ampla de escola enquanto espaço de promoção de cidadania.

Referências
Ariès, P. (1981). História social da infância e da família. Rio de Janeiro: LTC.
Borsa, J. C. (2007). O papel da escola no processo de socialização infantil. Psicoglobal-

1007
Psicologia. (142)1-5.
Costa, C. L. (2011). A presença e ausencia do debate de genero na geografía do ensino
fundamental e médio. Revista Latino-Americana de Geografia e Gênero, 2(2), 76-84.
Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (1998). Desenvolvimento interpessoal e educação
escolar: o enfoque das habilidades sociais. Temas em psicologia, 6(3), 217-229.
Dessen, M. A. & Polonia, A. D. C. (2007). A família e a escola como contextos de
desenvolvimento humano. Paidéia, 17(36).
Félix-Silva, A. V., Nascimento, M. V. N., Albuquerque, M. M. R., Cunha, M. S. G. &
Gadelha, M. J. A. (2014). A tenda do conto como prática integrativa de cuidado na
atenção básica. Natal: Edunp.
Lima, M. S. S., Bezerra, L. L. S., Félix-Silva, A. V., Farias, T. A., Alves, C. S., Soares, D. G.
& Silva, J. R. (2018). A Tenda do Conto como possibilidade de encontro entre
serviço, ensino e comunidade. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian
Journal of Mental Health, 10(26), 101-114.
Louro, G. L. (1997). Gênero, sexualidade e educação. Petrópolis: vozes.
Madureira, A. F. M. & Branco, Â. U. (2015). Gênero, sexualidade e diversidade na escola a
partir da perspectiva de professores/as. Temas em Psicologia, 23(3), 577-591.
Marconi, M. A. (2017). Técnicas de pesquisa. In: Marconi, M. A. & Lakatos, F. A. (Orgs.)
Fundamentos de metodologia científica. p. 157-168.
Oliveira, Z. M. R. (2000). Interações sociais desenvolvimento: A perspectiva sociohistórica.
Caderno do CEDES, 20, 62-77.
Passos, E. & Barros R. B. (2010). A cartografia como método de pesquisa-intervenção. In
Passos, E., Kastrup, V. & Escóssia, L. (Orgs.). Pistas do modo da cartografia:
pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina. Pp. 17-31.
Vianna, C. P., & Unbehaum, S. (2004). O gênero nas políticas públicas de educação no
Brasil: 1988-2002. Cadernos de Pesquisa, 34(121), 77-104.
Xavier, M. P. (2014). A Consulta transformada: experimentações de dispositivos
interacionais “psi” na sociedade em midiatização. Tese de doutorado.
ARTE E MEMÓRIA COLETIVA NO ENSINO DE PSICOLOGIA: RELATO DE

1008
EXPERIÊNCIA EM CURSO DE LICENCIATURA NO CEARÁ

Cleide Maria Amorim dos Santos

Introdução
Este relato propõe-se a apresentar uma experiência profissional envolvendo arte e o
ensino de psicologia no contexto de formação de professores no Sertão Central cearense,
refletindo sobre a relação entre o fazer artístico e a memória coletiva como mediadores na
construção do conhecimento. A experiência ocorreu na disciplina de Psicologia da
Aprendizagem, que é conteúdo obrigatório nos currículos dos cursos brasileiros de
Licenciatura. Nesta disciplina prevê-se o estudo das diversas abordagens do processo ensino-
aprendizagem elaboradas a partir das teorias psicológicas sobre o desenvolvimento humano,
inteligência, emoções, representações, entre outros, como contraponto às práticas educativas
ditas tradicionais, constituídas de um apanhado didático-metodológico que se reproduz ao
longo do tempo amparado em visões conservadoras da educação. O saber psicológico participa
da produção de conhecimento neste domínio a partir de referências teórico-metodológicas
diversas, considerando as divisões internas clássicas e contemporâneas que dão forma às
diferentes psicologias.
Apesar dos diversos pontos de vista, é possível articular uma compreensão do processo
de ensino-aprendizagem como sendo: biopsicossocial, pois que mobiliza todos os aspectos
humanos; dinâmico e pessoal, implicando em um sujeito ativo que mobiliza sua experiência e
a transforma; cumulativo e gradativo, posto que impulsionado por desafios organizados em
níveis ascendentes de complexidade. Assim, aprender e ensinar são processos que relacionam
o lugar seguro das experiências vividas com o risco das novidades, e cujo resultado é a
renovação do olhar sobre o mundo e sobre si mesmo.
Para além de uma dinâmica subjetiva, o ensino de psicologia, afinado com o
compromisso dos psicólogos com a transformação dos processos educativos (Martinez, 2009),
acrescenta novas visões de mundo, de homem, de conhecimento e de educação ao debate, e
assim o fazendo, inspira reflexões e aponta para outras possibilidades metodológicas.

“Ao adentrarmos ao campo do Ensino da Psicologia, estamos possibilitando estudar


a complexidade da formação do ser humano, do que nos permite construir a cultura,
os valores, os sentimentos, os sentidos e os significados, que nos permitem interpretar
o mundo que está a nossa volta, desnaturalizando o estabelecido, mostrando sua
dimensão histórico-social, analisando as relações de poder, de constituição das
instituições, incluindo a escola e as relações sociais que nela se estabelecem” (Souza,
2009, p.181).

Tal concepção incentiva a busca por outros recursos didáticos, além dos textos, das aulas
expositivas e da sala de aula. A arte pareceu-nos um mediador de aprendizagem possível, ainda
que seja necessário reconhecer as dificuldades de acessá-la em determinados contextos. Nos
endereços mais remotos deste país faltam museus, galerias, cinemas, teatros, ou mesmo centros

1009
culturais- espaços legitimados e legitimadores (Bourdieu, 2015) do fazer artístico. Associações,
coletivos e escolas de arte, em atividade, também não são evidentes. A tendência é
encontrarmos os artistas e interessados em arte em trajetórias individuais, entrecortadas por
incursões na internet como recurso solitário ao desenvolvimento do gosto e da imaginação. Na
ausência do campo artístico estabelecido, a arte e seus iniciados adquirem ares de uma elite
aparentemente distanciada dos interesses comuns e da vida cotidiana. Neste caso, trazer o fazer
artístico para o universo da aprendizagem escolar é uma maneira de desencantá-lo, de revigorar
a sua potência provocativa.
A arte apresenta-se como capaz de sintetizar, avaliar e comunicar uma série de
experiências que dizem respeito à vida coletiva, mediante uma interrogação do mundo vivido,
dando forma às intensidades criativas humanas ao mesmo tempo em que as exercita (Da Rolt,
2010). Ela reúne vivências reais e imaginárias do mundo e provoca novas representações no
contato com as expectativas e experiências subjetivas dos observadores. No processo artístico
todos criam. Assim, reunimos nesta experiência o processo criativo do campo artístico e a
aprendizagem de conteúdo para refletir acerca das diversas abordagens em Psicologia como
contraponto à concepção dita Aprendizagem Tradicional. Ainda que os recursos virtuais sejam
possibilidades didáticas válidas e até mesmo incontornáveis, como têm se mostrado ao longo
do atual quadro pandêmico, este relato pretende inspirar práticas de inserção direta nas
interações entre arte, educação e psicologia, configuradas na elaboração coletiva e presencial
de uma obra a partir dos elementos fornecidos pelo conteúdo da disciplina.
Por definição, a educação tradicional caracteriza-se por metodologias rígidas, por papéis
hierarquizados de professor e aluno, pela ênfase no controle dos corpos e na reprodução
mecânica do conhecimento e pela visão da escola como estratégica na conservação dos padrões
sociais (Mizukami,1992). Sabe-se também que o modelo tradicional de ensino-aprendizagem,
embora contestado, resiste na memória coletiva como exemplar do “bom comportamento” dos
estudantes, do “bom desempenho dos professores” ou simplesmente da “verdadeira escola”.
Então, procuramos dialogar com esta memória por meio da exposição de alguns vestígios
materiais e de maneira interativa para que, posicionando-a em um lugar de reflexão e nos
permitindo nos colocarmos dentro dela, pudéssemos pensá-la criativamente.
A linguagem artística escolhida foi a Instalação Artística que, vinculada às artes visuais,
explora a relação da obra com o espaço construído, inserindo o espectador em certo ambiente
ou cena (Instalação, 2020). Escolhemos a Instalação pela dinâmica inclusiva do público, e pelo
potencial de produzir diferentes experiências interpretativas uma vez que o movimento da obra
é dado pela relação entre objetos, construções, o ponto de vista e o corpo do observador. Neste
sentido, a apreensão da obra implica em percorrer os caminhos construídos, vivenciando suas
aberturas e obstáculos, e em se integrar à cena através do toque ou do uso dos objetos dispostos.
Assim, no segundo semestre de 2009, vinte e cinco estudantes do Curso de Licenciatura
em Ciências Biológicas da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central
(FECLESC), Campus da Universidade Estadual do Ceará (UECE) no Município de Quixadá-
CE, inscritos na disciplina de Psicologia da Aprendizagem experimentaram, como parte das
atividades da referida disciplina, as diferentes etapas da organização de uma Instalação
Artística, a qual foi aberta ao público no dia e noite de 09 de dezembro, e recebeu o nome de
“Uma Sala de Aula Antiga”. Por meio da disposição singular de objetos escolhidos esperava-
se conduzir os observadores ao contato com suas próprias representações e/ou experiências com

1010
a educação tradicional, motivando, entre eles e entre nós, reflexões sobre modelos estabelecidos
e alternativos de concepção do processo de ensino aprendizagem.

Método
Uma vez lançado o desafio, ao longo do semestre letivo algumas etapas foram
cumpridas na realização da Instalação, a saber, concepção, curadoria, montagem, recepção dos
visitantes e análise da experiência. À exceção da professora, nenhum outro elemento do grupo
tinha experiência prévia com uma Instalação Artística, entretanto muitos se identificavam como
tendo tido experiências com a educação tradicional na infância.
Concepção: Partiu-se da busca pelas representações preexistentes, quer imagens
estereotipadas, quer lembranças do vivido em torno da educação tradicional. Para imaginar
“como era uma sala de aula antigamente” procuramos responder à pergunta “o que temos nesta
sala que seria impensável antigamente?”. A busca pelo anacrônico apontou imediatamente os
acessórios eletrônicos (computadores, celulares, data show etc.). Retirando-se os aparatos
contemporâneos, restou a questão de “como se fazia antes?”. Definiu-se assim a orientação pela
busca de objetos “educacionais” manuais ou mecânicos inscritos na memória coletiva, a qual
seria interpelada entre familiares, vizinhos e antigos professores.
Curadoria: A partir desta provocação, objetos de memória emergiram (sinetas, diários
de classe, réguas de madeira, máquina de escrever, mimeógrafo a álcool). Associadas aos
objetos vieram também lembranças de pessoas, lugares, costumes (a sineta do colégio tal, a
postura do professor tal, o respeito etc.). Emoções diversas acompanhavam os relatos (saudade,
medo, prazer). Onde estão estes objetos? Procurou-se nas gavetas das casas, nos depósitos das
escolas, nos espaços de memória da cidade e na própria Faculdade. Por fim, foram selecionados
objetos cedidos pelo Museu Histórico Jacinto de Souza; pela FECLESC; pela Unidade de
Ensino Fundamental José Jucá (a primeira Escola da cidade); pelo Labomática (Projeto de
Extensão da FECLESC), além de objetos pessoais de professores. Dentre os objetos
encontravam-se diários de classe e livro de ponto do início e de meados do século XX,
palmatória, sinetas de mão, anel de doutor do ABC, fotografias, máquina de escrever, projetor
de slides, livros, ábaco, compasso, réguas e microscópio. A eles foram acrescentados pequenos
textos e fragmentos de poesias selecionados pela turma.
Montagem: Após a escolha de uma sala de aula da Faculdade (Sala 05), deu-se o
planejamento do espaço e da disposição dos objetos, reproduzindo o modelo tradicional de sala
de aula e antevendo o movimento dos visitantes no seu interior. A perspectiva tradicional da
aprendizagem (Mizukami, 2009) norteou o processo de montagem da instalação. Ela baseia-se
na manutenção de relações sociais de poder hierárquicas, forjadas, sobretudo, na relação
professor-autoritário/aluno-passivo, o que visa reproduzir modelos sociais estabelecidos,
mantendo-os, o mais possível, intactos às críticas e à inovação. O Aluno Tradicional é
considerado um receptor passivo de informações, que se decidiu serem as mais importantes e
úteis para ele. Decidiu-se também que por si só, ele não manifesta nenhum interesse em
aprender. Ele deve, portanto, submeter-se à educação, sendo obediente, silente, quieto. Todo
desvio desta conduta ideal deve ser contido. A educação tradicional prevê a transmissão de
informações em sala de aula. Para tanto, ela constrói um ambiente onde o aluno não pode se
distrair. Cada um conhece o seu lugar, a sua sala, a sua turma, a sua carteira, o seu nível. Deve-

1011
se respeitar também o tempo de trabalho e de recreio. Nada se mistura, pois mistura é sinal de
confusão e confusão é sinal de ausência de disciplina e de autoridade. O professor é um
mediador entre o aluno e os modelos pré-estabelecidos pela escola e pela sociedade. Trata-se,
portanto, de uma autoridade e deve ter “domínio de classe”: Ele é o detentor de toda a
informação julgada necessária no processo ensino-aprendizagem. Não pode ser contestado pelo
aluno. Entre os dois cria-se uma significativa distância: uma hierarquia de poder. O exercício
deste poder variou de uma disciplina aplicada diretamente sobre o corpo – O Castigo - para um
disciplinamento simbólico – A Ameaça de ficar reprovado, de ser excluído do mundo e das
oportunidades das pessoas educadas.
A sala em questão não havia passado por reforma estrutural e mantinha em uso o
mobiliário de madeira e um quadro de giz fixado na parede. As cadeiras (carteiras) foram
posicionadas em filas de modo a permitir a visão direcionada da mesa do professor, a qual
estava centralizada e de costas para o quadro de giz. Ao longo das paredes alguns objetos foram
expostos e na mesa do professor foram dispostos os seus instrumentos de trabalho (diário de
classe, caixa de giz e apagador em madeira, sineta de mão e uma palmatória). Com a proposta
interativa, os visitantes poderiam circular pela sala, interagir com os objetos e se sentar nas
carteiras, posicionando-se enquanto alunos tradicionais. A partir deste lugar poderiam ler os
textos, visualizar as fotografias ali fixadas e perceber a sala. Além disso, no canto direito da
sala, próximo ao quadro de giz, foi instalado o “castigo do milho”, um suplício de ajoelhar-se
sobre caroços com a cabeça voltada para a parede, recorrente nas memórias evocadas. Uma
carteira pendurada lembrava outro castigo comum na região, utilizado para conter a
hiperatividade dos alunos.
Recepção: O grupo foi dividido assumindo a permanência na sala, por turnos, ao longo
do dia e noite da exposição. A sala foi visitada por estudantes da Universidade e de Instituições
de Ensino Médio, por professores e funcionários da FECLESC e pela comunidade. Por ali
passaram pais, que levaram seus filhos para ver como era a Escola que eles estudaram,
professores e funcionários aposentados revendo seus artefatos de trabalho, bem como
professores contemporâneos religando as Escolas que os formaram e aquelas onde atuam. A
presença da equipe na sala, além da salvaguarda dos objetos cedidos, cumpria a função de
orientação dos visitantes, desde que lhes fosse demandada. Além disso, resolvemos realizar um
registro em áudio das impressões dos visitantes no “calor dos acontecimentos”, ou seja, logo
após concluída a visitação.
Análise da Experiência: Cada etapa da experiência foi objeto de reflexão ao longo do
processo, o que permitiu ajustes no projeto e uma compreensão mais profunda do exercício. Ao
final, alguns elementos se sobressaíram e deles nos ocuparemos em seguida.

Resultados e Discussão da experiência


Diversos aspectos chamaram a nossa atenção quando da análise desta experiência.
Inicialmente, o alto envolvimento da turma em todas as etapas de execução, propondo
discussões, demandando referências bibliográficas e sugerindo filmes sobre o tema. Familiares
e amigos também foram envolvidos na busca pela memória, operando como informantes
privilegiados no campo. A cada contato que se estabelecia, um novo elo era construído. Os
questionamentos da comunidade alimentaram nossos encontros: Por que você está buscando

1012
essas coisas do passado? Qual o sentido de coisas que não têm mais uso? O que isso tem a ver
com Psicologia? Construir respostas fez parte da construção da instalação. Não sobre os objetos
propriamente ditos, mas sobre o que eles representam no contexto da educação que é o contexto
social, e sobretudo como aquilo que simbolizavam na sua época está configurado hoje nas
coisas, nas práticas e nas pessoas.
Outro ponto foi o processo de escolhas criativas inerentes ao ato de montagem da
Instalação. A definição do lugar de cada coisa envolveu a antecipação do olhar dos outros,
oferecendo-lhes caminhos, perspectivas de apreensão da obra. Diretividade e não-diretividade
foram postas em jogo, na expectativa de dizer algo no lugar de impor. Queríamos que os
visitantes fossem coautores de uma sala de aula aberta, vazada, por onde os significados
fluíssem.
As impressões colhidas no dia da exposição acrescentaram outros elementos ao debate.
Primeiro a impossibilidade de controlar o processo de significação a despeito do planejamento,
das revisões nas etapas prévias e do estabelecimento de um conceito apriorístico. Dentre um
conjunto de visitantes, cuja faixa etária variou entre 20 e 70 anos, e de origens diversas, a saber,
América Central, São Paulo, Pernambuco, Fortaleza-CE, Sertão Central-CE e Região Norte
Cearense, portanto de diferentes experiências educacionais, um objeto foi, inesperadamente,
alvo do máximo interesse: a palmatória.
Trata-se de um artefato de madeira com cabo alongado e base redonda. Normalmente
ela é confeccionada por marceneiros, sob medida dos interesses do cliente, para o único fim de
dar palmadas. A base redonda é a superfície de choque usada contra a palma da mão do
supliciado, para aumentar sua eficiência na produção de dor pode-se requerer que seja
perfurada. Ordena-se que a criança estenda a sua mão para receber as palmadas. A criança deve
então aceitar que vai apanhar. Daí a expressão “dar a mão à palmatória”, significando que o
erro foi reconhecido. Caso contrário, diante da relutância em aceitar o erro, o golpe será
efetuado sobre os ossos dos dedos, infligindo dor maior. Seu tamanho deve corresponder ao das
mãos que vão recebê-la. Se for muito maior ou muito pequena não surtirá o efeito desejado,
qual seja, a ardência e o inchaço do interior das mãos. Assim, cada Família/Professor manda
fazer a sua. Por isso, um dos relatos refere-se a ela como parte do cenário da aula, enquanto
outro refere-se à palmatória da sua mãe. Outro ponto interessante é que a pancada da palmatória
se chama “bolo” (linguagem infantil), designando dessa maneira o universo ao qual ela estava
destinada, a infância e/ou a condição infantil de quem apanha e que se ganha o bolo,
reafirmando tratar-se de algo merecido.
Em torno da palmatória, a perspectiva tradicional da educação tornou-se memórias de
uma pedagogia da dor. Lembravam-se dela maior, mais clara, mais nova. Lembravam-se dela
como crianças, quando ela era redondinha, furadinha, clarinha. Imagens intactas saltaram de
vinte, trinta, quarenta, sessenta anos atrás. Lembranças carregadas de emoção, contando
histórias de impotência e medo. Mas também de conformismo: era assim!
A professora (sempre é uma mulher na memória) bate com a palmatória, com a régua,
belisca, puxa a orelha, agride verbalmente, manda ficar de joelhos sobre o milho, de costas para
a turma, manda usar um chapéu de burro, ameaça, enclausura no quarto escuro, no quarto do
terror, no quarto do esqueleto, manda trabalhar na cozinha, pendura na parede. São muitas as
possibilidades de castigo. Sabemos com Foucault (1991) que essas modalidades funcionam
como espetáculos públicos que possuem a função de punir o “culpado” e de fazer ver, aos

1013
outros, o sofrimento que pode lhes ser supliciado. Quanto maior o show, maior o efeito de medo
na platéia e o subsequente respeito ao poder autoritário do dominante: eu apanhava, mas
aprendia! Eu era danado, merecia!
Dominar pela dor física ou pelo medo parece ter sido uma prática, até bem pouco tempo,
no interior das escolas brasileiras. Os relatos fazem referência, e esse é outro ponto que nos fez
refletir, a espaços educativos públicos e privados, grandes e pequenos, leigos e religiosos,
institucionalizados e informais (reforço), onde, a despeito de suas muitas diferenças, encontra-
se o núcleo gerador de tantas memórias de terror. Foucault (1979) nos lembra, entretanto, que
as relações sociais de poder não estão restritas a uma única instituição social. E, de fato,
observamos nos relatos a confluência de métodos escolares e familiares, no que se refere à
punição da criança. Chamamos à atenção para a complexidade das relações público-privado na
sociedade brasileira (Barbosa, 1992; Damatta, 1979, 1985) que nos permite, por exemplo,
denominar a professora de tia, transformando em parentesco uma relação originalmente
profissional. O que contribui para que esta sala de aula extensão do lar custe a se ajustar às
novas regras de sociabilidade que emergiram no Brasil durante o século XX.
O ajuste da técnica tradicional de ensino aos novos tempos, revela-se como outro
elemento abstraído da experiência. Sabemos que as relações sociais de poder não servem apenas
para punir a ação do homem, mas, sobretudo, para controlá-la, discipliná-la. Foucault (1991)
nos explica que a disciplina outrora exercida diretamente sobre o corpo (castigo físico),
espetáculo mórbido perante uma assembleia, visava produzir dor e medo, assim como afirmar
diretamente um lugar soberano para aquele que exercia o poder. As técnicas disciplinares
modernas, ao contrário, fazem desaparecer da cena o tirano e enfatizam o indivíduo. Elas são
construídas a partir da organização do espaço (ênfase no individual), do controle do tempo
(produzir o máximo de rapidez e eficácia do indivíduo) e da vigilância contínua e discreta
(saber-se permanentemente avaliado), criando a sugestão de que no silêncio da nossa
individualidade - utilidade nos autocontrolamos: “(...) o próprio indivíduo coloca-se no espaço
possível de vigilância, que é o lugar da submissão...” (Lima, 2003, p.52). Dessa maneira
internalizamos as relações cotidianas de poder e as naturalizamos: é assim porque é! Isto
dificulta novas perspectivas, pois cria-se uma consciência conservadora que resiste às
mudanças e tende a se repetir nas gerações seguintes como forma única, inabalável,
incontestável, impreterível.
O processo de construção coletiva da Instalação nos permitiu ainda, nas suas diversas
etapas, dialogar com o aporte psicológico humanista, cognitivista, sociocultural e behaviorista,
redimensionando as questões postas pelo modelo tradicional de ensino-aprendizagem. Tal
diálogo se mostrou fundamental, por exemplo, na compreensão dos professores enquanto
pessoas cuja formação não se inicia nas licenciaturas, mas sim no conjunto de experiências,
crenças e expectativas relativas à educação que lhes foram significativas. E ao nos
perguntarmos em qual quarto escuro ficaram guardadas todas aquelas técnicas de tortura, aquele
superpoder do professor, a obediência dos alunos, a cumplicidade com a Família tão enfatizada
pela memória dos nossos interlocutores, pareceu-nos importante ouvir nossas memórias de
educação, nossas mágoas e anseios de poder, nossos sonhos.
Para finalizar, a experiência da instalação cumpriu os objetivos de mostrar a eficácia da
arte como recurso de aprendizagem de conteúdos e de técnicas na formação de professores; de
contribuir para a ampliação da visão de homem e do processo ensino-aprendizagem; de

1014
aproximar os estudantes da linguagem artística; e de propiciar reflexões sobre a educação a
partir de uma experiência prática e coletiva. Sobretudo, ela provocou sentidos/significados,
emoções e pensamentos dentro e fora da sala, sobre o ontem, o hoje e o amanhã, sobre o material
e o imaterial, e sobre o teórico e a prática. Em especial, algumas janelas foram abertas
reafirmando a necessidade de mais diálogos entre os campos científico e artístico que
possibilitem encontros frutíferos entre certezas e imprevistos.

Referências
Barbosa, L. (1992). O Jeitinho Brasileiro: A Arte de Ser Mais Igual que os Outros. Rio de
Janeiro: Editora Campus.
Bourdieu, P. (2015). A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens
simbólicos. Porto Alegre: Zouk.
Damatta, R. (1979). Carnavais, Malandros e Heróis: Para uma Sociologia do Dilema
Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Guanabara.
__________ (1985). A Casa & A Rua: Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil. Rio de
Janeiro: Editora Guanabara.
Da Rolt, C. (2010). Intertextualidades: identidade e arte na pós-modernidade. In: Cultura
Visual, n. 13. Salvador: EDUFBA, p. 39-54.
Instalação. (2021). In Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú
Cultural. Recuperado de:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3648/instalacao>.
Foucault, M. A Microfísica do Poder. (1979). Rio de Janeiro: Edições Graal.
______________ Vigiar e Punir. (1991). Petrópolis: Editora Vozes.
Lima, A.F.S.O (2003). Fazer Escola: A Gestão de Uma Escola Piagetiana (Construtivista).
Petrópolis: Editora Vozes.
Martinez, A. M. (2009). Psicologia Escolar e Educacional: compromissos com a educação
brasileira. Psicologia Escolar e Educacional, 13(1), 169-177. Recuperado de:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
85572009000100020&lng=pt&tlng=pt.
Mauss, M. (1974). Sociologia e Antropologia. São Paulo: Editora Pedagógica e Editora da
Universidade de São Paulo.
Mizukami, M.G.N. (2009). Ensino: As Abordagens do Processo. São Paulo: EPU.
Patto, M. H. S. (2010). Exercícios de indignação: escritos de indignação e psicologia. São
Paulo: Casa do Psicólogo.
Souza, M. P. R. de. (2009). Psicologia Escolar e Educacional em busca de novas perspectivas.
Psicologia Escolar e Educacional, 13(1), 179-182. Recuperado de:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
85572009000100021&lng=pt&tlng=pt.
O BEM-ESTAR PSICOLÓGICO: UMA PERSPECTIVA DOS ACADÊMICOS DE

1015
PSICOLOGIA

José Carlos Souza Costa Mendes


Laura Nascimento Caetano da Silva
Luana Fontenele Cardoso
Ana Carla Pereira dos Santos
Bruna de Jesus Lopes
Introdução
O processo de formação acadêmica é perpassado por grandes desafios (Dourado &
Oliveira, 2009). As transições vivenciadas pelos alunos, a exemplo, do ensino médio para o
ensino superior, são marcadas por esforços excessivos de adaptação aos novos conteúdos e
cobranças provenientes desse novo espaço (Zago, 2006).
Esse processo de adaptação pode ser potencializado por meio do suporte de seus grupos
sociais, a exemplo da família, pares e professores (Rezende, 2021). Contudo, por vezes, mesmo
detendo tal suporte, os novos frequentadores das instituições de ensino superior podem não se
adaptar com facilidade ao ritmo da mesma, ocasionando sentimentos de incapacidade,
insegurança e falta de bem-estar (Albuquerque, 2016).
Esta última variável, dentro do âmbito acadêmico, tem despertado interesse por parte de
diversos autores (Daraei, 2013; Klainin-yobas et al., 2016; Smith & Yang, 2017) os quais têm
voltado suas discussões para os fatores potencializadores deste estado, mas também para
aqueles desencadeadores do contrário, visando elaborar intervenções e prevenções que
busquem dirimir o adoecimento psíquico dos alunos de ensino superior. Diante disso, este
trabalho tem como objetivo investigar o bem-estar psicológico dos acadêmicos de Psicologia,
além de comparar se há diferença entre aqueles que cursam o primeiro e os últimos períodos do
curso.

Ensino Superior e seus Desafios


No contexto geral, as instituições de educação são estruturadas para proporcionar um
ensino padrão, com argumentos comuns para todos os alunos, sem pensar nas diferenças que
existem entre eles, uma vez que o ser humano vai se desenvolvendo no decorrer das suas
experiências pessoais, sendo elas socioculturais, familiares e, principalmente, educacional
(Santos, 2008).
Joly, Santos e Sisto (2005) ressaltam que a educação superior vem sendo motivos de
discussões e debates decorrentes das mudanças as quais vem enfrentando, principalmente pela
sua abrangência em relação às oportunidades de ingresso no ensino superior que ocorreu em
todo o mundo a partir da década de 50. Nesse período, existia cerca de sete milhões de
acadêmicos no mundo, passando para 64 milhões na década de 90, o que declara um
crescimento considerável.
Tal crescimento da população de alunos do ensino superior reflete sobre as demandas

1016
que surgiram, tanto pela heterogeneidade em relação às características dos acadêmicos, como
classe social, gênero, idade, situação de trabalho, objetivos e expectativas, assim como também
pelas necessidades expostas pelos acadêmicos, sejam essas de ordem acadêmica ou
psicossociais (Joly et al., 2005; Schleich, 2006).
A entrada dos indivíduos no ensino superior requer que os mesmos se adaptem aos
novos ritmos e responsabilidades, uma vez que tal espaço exige mais do que aquele recém
abandonado (Basso, 2018). Esse processo de ajustamento, vivenciado no primeiro período, é
geralmente descrito como difícil, pois os estudantes se deparam com novos espaços, conteúdos,
grupos, e afastamento, por vezes, de amigos, familiares e cidade (Santos et al.,1992).
Outra consequência dessa mudança escolar consiste no estilo de vida de estudantes
universitários, a qual pode ser marcado por uma maior emissão de comportamentos de risco e
pouco saudáveis que podem comprometer tanto a saúde quanto a qualidade de vida, a exemplo
de consumo de comidas não saudáveis (fastfood), sono desregulado, ausência de práticas de
exercícios físicos, consumo elevado de álcool, tabaco e até mesmo de outras drogas (Martins,
Pacheco & Jesus, 2008). Segundo Schleich, (2006) essa nova fase pode também gerar
ansiedades e até mesmo afetar no desempenho acadêmico.
Entretanto, essas consequências podem ser minimizadas quando os sujeitos
desenvolvem rapidamente o sentimento de pertença ao grupo e ao espaço, além de tomar
conhecimento das mais variadas oportunidades oferecidas pelas instituições, as quais instigam
e abrem espaços para o seu crescimento profissional (Teixeira et al., 2008), proporcionando
assim, suporte social aos estudantes e vivências acadêmicas satisfatórias (Pinheiro & Ferreira,
2005). Frente a isso, entende-se que o apoio não só da família, pares, mas como da instituição
de ensino superior tornam esse processo de transição mais suave, facilitando a adaptação a nível
pessoal e interpessoal (Costa & Leal, 2008).

Bem-estar Psicológico
Segundo Paúl (2005) o bem-estar psicológico trata-se de uma variável a qual incorpora
competências do self, sendo ela relacionada com a satisfação e afeto, na qual tem o objetivo de
buscar encontrar a excelência pessoal ou até mesmo uma autorrealização. Já Chiuzi (2006)
define o bem-estar como uma autoavaliação onde afetos positivos se sobressaem aos negativos,
sendo que as emoções correlacionadas ao entusiasmo, prazer e conforto estão ligadas ao afeto
positivo, na qual é correlacionado a um estado de alto bem-estar.
No que concerne ao bem-estar psicológico em alunos do ensino superior, Cooke et al.
(2006) declara que as tarefas, o ambiente acadêmico e o representar social do estudante do
ensino superior são fatores de risco para o seu bem-estar. O ingressar nesses espaços relevam
um mundo marcado por expectativas e obrigações, as quais podem gerar sérios danos ao bem-
estar de cada um. Outros autores (Oliveira et al., 2016; Ibrahim et al., 2013; Rezende, 2021)
ratificam esse posicionamento ao apontarem uma crescente taxa de sinais e sintomas de
ansiedade e depressão entre os estudantes universitários.
Diante disso, pode-se concluir que o processo de adentrar e se adaptar ao ensino
superior acarretam desafios, os quais podem colocar em risco o bem-estar do estudante, lhe
gerando ansiedade e comprometimento no seu rendimento acadêmico (Silva & Heleno, 2012).

1017
Sendo assim, segundo Figueiras (2017) pode-se afirmar que o bem-estar de estudantes de ensino
superior tem dependência de diversos fatores ligados ao adaptar-se do estudante em relação ao
novo meio e também aos fatores de natureza intrínseca, como as estratégias que os mesmos irão
criar para lidar com seu cotidiano. Tendo como base os aspectos aqui apresentados o presente
trabalho voltar-se-á sua discussão para o bem-estar deste grupo, a seguir será apresentado a
operacionalização do mesmo.

Método
Participantes
O estudo contou com uma amostra não probabilística, composta por 6 graduandos de
psicologia de uma universidade pública do interior do Piauí. Os mesmos tinham em média 22
anos, variando entre 18 à 28 anos. O grupo foi formado por 3 homens e 4 mulheres, distribuidos
nos períodos da seguinte forma: três alunos do primeiro período e os outros três foram
distribuídos equitativamente, nos últimos períodos (8º, 9º e 10º).

Instrumentos
Para a coleta de dados foi utilizado uma entrevista semi-estruturada, a qual consiste em
uma técnica em que, segundo Manzini (1990) consiste em um roteiro com perguntas bases para
servir de norte para o pesquisador, não limitando-o as mesmas, dando assim liberdade para o
investigador realizar novas questões durante a coleta dos dados.

Procedimento
A princípio a pesquisa passou por um processo de sistematização, permitindo delimitar
qual seria o foco do estudo, bem como quais seriam os seus objetivos. Após definir, portanto,
que a mesma teria um caráter exploratório e objetivo tomar conhecimento do bem estar de
estudantes de graduação de Psicologia, do primeiro e últimos períodos, por meios de uma
entrevista semiestruturada, deu-se início a elaboração do instrumento.
Depois da finalização das perguntas, os pesquisadores foram à campo para realizar as
entrevistas. Ao abordar o potencial amostral, era apresentado a pesquisa e seu objetivo,
questionando logo em seguida se os mesmos poderiam colaborar. Após a confirmação, foi
informado ainda sobre o caráter sigiloso da pesquisa e que não havia respostas certas ou erradas,
pois se tratava apenas de uma coleta de impressões subjetivas e que os tais alunos poderiam
desistir da pesquisa a qualquer momento sem nenhum prejuízo.
Além disso, foi solicitado a gravação das entrevistas, respeitando o posicionamento do
colaborador. Por fim, informa-se que o tempo médio de gravação de cada entrevista foi de
aproximadamente 10 minutos.

Análise de dados
Para a análise dos dados coletados, por meio da entrevista semi-estruturada, fez-se da

1018
técnica Análise de Conteúdos (AC). Segundo Bardin (2011) a mesma se trata de um conjunto
de técnicas que analisa as comunicações, a qual faz uso de procedimentos sistemáticos e
objetivos para a explicação de conteúdo das mensagens ou amostras (qualitativas ou
quantitativas) que ajudam na conclusão de conhecimentos inerentes às situações de
produção/recepção (possíveis conclusões) destas mensagens.

Resultados e Discussão
Os resultados foram alcançados após uma análise minuciosa das falas dos participantes,
as mesmas foram categorizadas visando facilitar a explanação das ideias dos sujeitos acerca do
bem-estar. Para facilitar a compreensão do leitor ao longo desta sessão informa-se que os
Participantes A, B e C, cursam o primeiro período, já os Participantes D, C e E, são dos últimos
períodos. Tendo em mentes tais esclarecimento a seguir serão apresentadas as quatro categorias
encontradas.

Categoria 1: Identificação com o Curso


Essa categoria surgiu com base na necessidade de adquirir conhecimento a respeito de
até que ponto a identificação ou não, dos sujeitos, com o curso de Psicologia irá influenciar no
seu bem-estar psicológico. Desta maneira, se reconheceu a importância de elaborar uma
pergunta com essa temática.
A pergunta embasada para esta categoria foi: “Você se identifica com o curso de
Psicologia?” As respostas dos participantes foram, no geral, curtas e diretivas, sem nenhuma
dúvida acerca do questionamento. Os mesmos relataram que a identificação como o curso
facilitava a vida acadêmica, contribuindo assim, para a manutenção do bem-estar psicológico.
Essa ideia pode ser vista na fala do Participante C: “a partir do momento que você está fazendo
uma coisa que você gosta, que você tem interesse, aquilo vai te trazer uma sensação de
felicidade e de bem-estar”.
Conseguimos, portanto, identificar semelhanças e diferenças nas falas dos indivíduos
do primeiro e últimos períodos. A semelhança está pautada na identificação do curso o qual
escolheram, sem exceção alguma, relatando que a mesma se deu em virtude de sua afinidade,
como é possível constatar nos discursos do Participante B: “desde o segundo ano do ensino
médio eu me identifiquei com uma matéria de um curso técnico que eu fazia que era de saúde
mental, eu sempre senti que eu tinha aptidão para o curso de Psicologia” , e Participante D:
“era o único curso que eu me encaixava dentro dos afazeres da vida”
A diferença, contudo, está centrada na percepção quanto à atuação do profissional de
Psicologia. Os calouros por estarem no processo inicial de formação fundamentam sua
identificação tendo como base os seus conhecimentos fora do âmbito acadêmico, como aqueles
provenientes de espaços de orientação profissional e leituras, como expresso na fala da
participante A: “na minha escola, eles sempre ofertavam oficinas de profissões. A gente teve
contato com algumas profissões, e aí foi moldando mais minha vontade”. Já os mais experientes
voltam-se seus discursos para os seus conhecimentos adquiridos ao longo de sua formação,
deixando claro os seus ideais e quais serão seus futuros campos de atuação, como é possível
verificar no seguinte trecho do participante D: “Sim, com a saúde coletiva mais precisamente,

1019
eu não gosto muito da clínica, da psicologia clínica de fato, entre quatro paredes”.
Segundo Hey et al. (2015), o primeiro desafio dos jovens ao terminar o ensino médio é
a escolha do curso superior para chegar na sua futura profissão. Essa escolha não é nada simples,
pois modificará a vida do indivíduo a tornando muito complexa. Segundo os mesmos autores
os indivíduos procuram basearem-se em suas próprias expectativas, informações que possam
ter recebido do meio ambiente ou mesmo recompensas. Portanto, compreende-se, com base
nisso, que escolhas errôneas de cursos de formação, tende a acarretar batalhas internas ao longo
do curso de formação, e por consequência o adoecimento psíquico.

Categoria 2: Perspectivas Futuras


Esta categoria surgiu decorrente da seguinte pergunta: Quais são as suas expectativas
quanto ao seu futuro profissional? Uma análise acurada das respostas, percebeu-se que os
alunos do primeiro período têm uma visão centrada no querer ajudar as outras pessoas, contudo,
as mesmas apresentam uma visão ampliada quanto a sua futura atuação, almejando fazer
especialização, mestrado e doutorado, para ir além da prática clínica, por meio do exercício da
docência dentro das universidades. Essa visão pode ser vista na fala do Participante B: “no
momento eu tenho muita coisa em mente, eu já entrei com muita coisa predestinada, que
pretendo clinicar, pretendo me especializar em psicologia clínica, quero ir em busca do meu
mestrado, doutorado e pretendo dar aulas em universidades também”.
Tal resultado vai ao encontro da literatura Sanches (1999, citado por Lins, Silva & Assis,
2015), a qual aponta que os alunos dos primeiros períodos do curso de Psicologia, voltam-se
suas expectativas para o processo de compreender e ajudar o outro, refletindo assim, sua
realização pessoal. Patton (2008) ratifica os demais resultados ao apontar que os recém
chegados ao ambiente acadêmico se assemelham a um sistema aberto, o qual interage
constantemente com o ambiente procurando se construir em meio às diversas informações que
os perpassam, permitindo assim, compreender a amplitude de sua perspectiva futura.
Tal realidade não se faz mais presente na fala daqueles alunos que cursam os últimos
períodos. Os mesmos já apresentam uma visão mais delineada, além de se mostrarem mais
ansiosos, com dúvidas, preocupados e incertos quanto à sua carreira profissional. Essa perspectiva
pode ser corroborada na fala do Participante D:

“Eu tenho medo de ser só mais um desempregado com curso superior, como todo
mundo que conheço, raramente a gente ver alguém trabalhando onde queria, eu estou
tentando fazer o meu melhor pra que eu saia daqui e alguém me olhe e me der
emprego, mas expectativas mesmo eu não tenho, e se não der vou vender arte na
praia”.

Teixeira e Gomes (2004) corrobora tais achados ao afirmarem que apesar de um


otimismo, nos períodos finais de formação é possível constatar uma insegurança por parte dos
acadêmicos, uma vez que os mesmos vivenciam uma expectativa de inserção no mercado de
trabalho e consequentemente a tomada de consciência quanto a limitação das oportunidades.
1020
Categoria 3: Suporte Familiar
A escolha do curso sempre é um grande impasse na vida dos jovens, pois é a partir dela
que a pessoa construirá uma perspectiva do seu futuro (Nunes, 2014). Nesse percurso, a família
pode ser compreendida como um fator de grande influência nas escolhas de formação, além de
serem importante suporte para os novos e experientes acadêmicos (Aléssio, Domingues &
scarpin, 2010).
A partir dessa visão sentiu-se a necessidade de inserir na entrevista uma pergunta que
abarcasse essa questão, a saber: Os seus familiares apoiaram e apoiam a escolha do seu curso?
A partir da fala dos entrevistados foi possível constatar que todos atribuíram importância a tal
apoio. O participante C ratifica essa ideia ao afirmar que a mãe forneceu tal suporte, em sua
fala: “ela apoia demais, porque inclusive era um curso que ela gostaria muito de fazer, apesar
de já ser formada”. Contudo, foi possível constatar que as escolhas nem sempre foram
comemoradas, alguns pais manifestaram resistências frente às escolhas dos seus filhos, em
decorrência do baixo retorno financeiro. Não obstante, após os relatos de sua prole, aqueles
passaram a dirimir seu posicionamento contrário e elevar a emissão de apoio.
Já os discentes dos últimos períodos pode-se observar que esse apoio é importante não
só na hora da escolha, mas também durante o percurso da graduação, vejamos um exemplo na
fala da participante E:

sim, minha mãe gosta muito né, ela sempre disse, eu não lembrava disso, mas ela disse
que quando eu era menorzinha dizia que eu ia ser psicóloga, eu não lembro de jeito
nenhum, eu disse: mãe talvez o processo tenha sido tão adoecedor que eu sublimei
isso ai e ficou em outro lugar, mas é... ela gosta muito do fato, então... ela tanto que
algumas vezes durante a graduação eu quis trancar, porque eu queria trabalhar, queria
fazer outras coisas e ela: olha está terminando, não tranca, continua que vai dar certo.
Então meio que ela me incentivou a ficar aqui dentro né, se não fosse por isso talvez
eu já teria fechado o curso.

A partir dessa pauta podemos averiguar que o suporte familiar exerce muita influência na
prevenção do mal-estar nos universitários. Gonçalves (2007) corrobora essa ideia ao apontar a
família como um fator instigador do crescimento acadêmico daqueles que se encontram imersos
nesse contexto. Porém, Lucchiari (1992) traz outras questões para o centro dessa discussão, ao
apontar que esse sistema por vezes exercem muita pressão sobre os seus estudantes, imprimindo
nos mesmos suas realizações pessoais ou profissionais, acarretando por vezes um conflito entre
os jovens sobre os seus desejos e aqueles de seus familiares.

Categoria 4: Vivência Acadêmica


A chegada as universidades são marcadas por intensas relações interpessoais, novos
conteúdos e formas de trabalhos, exigindo dos novos egressos uma adaptação à nova rotina,
diante disso, entende-se que tal rotina afeta diretamente o bem-estar dos acadêmicos (Iturra et
al., 2012; Rezende, 2021). Ao analisar o assunto sentiu-se o desejo de verificar como seriam as
relações interpessoais entre aluno-aluno e aluno-professor. Daí fez-se as seguintes indagações:

1021
Como é a sua relação com os colegas de sala? Você mantém um bom relacionamento aluno-
professor?
Os posicionamentos dos estudantes do primeiro e último período foram divergentes. Os
calouros afirmaram que as suas relações com os professores e colegas de sala são amigáveis e
harmoniosas; aqueles mais experientes, relataram que suas salas são subdivididas em
subgrupos, revelando interações mais conflituosas, já as interações com os professores são
marcadas por esforços maiores em manter as relações saudáveis.
As interações conflituosas já existem desde o início da existência humana e está
presente em diversas relações, se originando a partir dos pontos de vistas individuais, da
pluralidade de interesses, necessidades e expectativas, das diferentes maneiras de agir e pensar.
Quando essas individualidades entram em choque, ocorre a indicação de que algo está errado e
precisa de uma intervenção, pois pode causar mal-estar entre os “colegas de sala” levando ao
adoecimento psicológico e prejudicando de forma geral o desempenho acadêmico e pessoal,
pois causam tensão excessiva nos indivíduos, desmotivação e incertezas (Aninger, 2007).

Considerações Finais
Neste trabalho abordamos o tema bem-estar psicológico em alunos do curso de
psicologia do ensino superior, do qual falou-se em específico o que é o bem-estar, quais são os
fatores que interferem no mesmo, e se havia diferença entre os acadêmicos do primeiro e do
último período de Psicologia. Tal investigação permite compreender quais são os fatores
potencializadores adoecimento durante a vida acadêmica, sugerindo assim, intervenções, como,
sessões de relaxamento, dinâmicas de grupos direcionadas aos diversos tipos de vínculos
objetivando diminuir conflitos e melhorar as interações sociais, e fornecimento de espaços de
partilha e escuta. Diante disso, acredita-se que os objetivos foram alcançados uma vez que foi
realizada a entrevista semi-estruturada, pesquisas bibliográficas foram feitas com excelência e
assim a obtenção dos resultados que já imaginado diante da realidade acadêmica que os
estudantes enfrentam em sua rotina

Referências
Aninger, L. (2007). Gerenciando conflitos. São Paulo, 79-80.
Aléssio, S. C., DOMINGUES, M., & Scarpin, J. E. (2010). Fatores determinantes na escolha
por uma Instituição de Ensino Superior do Sul do Brasil. VII Simpósio de Excelência
em Gestão e Tecnologia, Rio de Janeiro, RJ.
Albuquerque, T. (2016). Do abandono à permanência num curso de ensino superior. Sísifo,
(7), 19-28.
Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo: Laurence Bardin. Tradução Luís Antero Reto,
Augusto Pinheiro. São Paulo: Edições, 70.
Basso, F. D. C. R. (2018). Percepções de professores universitários sobre seu papel na
adaptação de alunos ao ensino superior.
Cooke, R., Bewick, B. M., Barkham, M., Bradley, M. & Audin, K. (2006). Measuring,

1022
monitoring and managing the psychological well-being of first year university
students. British Journal of Guidance & Counselling, 34(4), 505-517.
Chiuzi, R. M. (2006). As dimensões da organização positiva e seus impactos sobre o bemestar
dos trabalhadores.
Costa, E. & Leal, I. (2008). Um olhar sobre a saúde psicológica dos estudantes do ensino
superior–avaliar para intervir. In Actas do 7º congresso Nacional de Psicologia da
Saúde (pp. 213-216).
Daraei, M. (2013). Social correlates of psychological well-being among undergraduate
students in Mysore City. Social Indicators Research, 114(2), 567-590.
Dourado, L. F. & Oliveira, J. F. D. (2009). A qualidade da educação: perspectivas e
desafios. Cadernos Cedes, 29, 201-215.
Figueiras, M. M. (2017). A Relação entre Bem-Estar Psicológico, Autoestima e Felicidade:
Diferenças entre alunos do ensino superior privado e alunos do ensino superior
público em Portugal (Doctoral dissertation).
Gonçalves, M. M. B. (2007). Educação, Trabalho e Família: Trajectórias de diplomados
universitários. Universidade de Aveiro (Portugal).
Hey, I. R., Castro, J., Morozini, J. F. & Kuhl, M. R. (2015). Fatores que influenciam na
escolha do acadêmico pelo curso de ciências contábeis: um estudo quantitativo
aplicado aos acadêmicos de uma Universidade Estadual do Paraná. In Anais do
Congresso Universidade Federal de Santa Catarina de Controladoria e Finanças,
Florianópolis, SC, Brasil (Vol. 6).
Iturra, G. O., Astete, E. P. & Jara, M. O. (2012). Habilidades sociales y rendimiento
académico: una mirada desde el género. Acta colombiana de psicología, 15(2), 21-28.
Ibrahim, A. K., Kelly, S. J., Adams, C. E., & Glazebrook, C. (2013). A systematic review of
studies of depression prevalence in university students. Journal of psychiatric
research, 47(3), 391-400.
Joly, M. C., Santos, A. A. A. & Sisto, F. F. (2005). Questões do cotidiano universitário. São
Paulo: Casa do Psicólogo.
Klainin-Yobas, P., Ramirez, D., Fernandez, Z., Sarmiento, J., Thanoi, W., Ignacio, J. & Lau,
Y. (2016). examining the predicting effect of mindfulness on psychological well-being
among undergraduate students: A structural equation modelling approach. Personality
and individual differences, 91, 63-68.
Lucchiari, D. H. P. S. (1992). Pensando e vivendo a orientação profissional. Grupo Editorial
Summus.
Lins, L. F. T., Silva, L. G. D. & Assis, C. L. D. (2015). Formação em Psicologia: perfil e
expectativas de concluintes do interior do Estado de Rondônia. Gerais: Revista
Interinstitucional de Psicologia, 8(1), 49-62.
Manzini, E. J. (1990). A entrevista na pesquisa social. Didática, 26, 149-158.
Nunes, C. D. A. (2014). Fatores determinantes na escolha pelo curso de ciências contábeis em

1023
IES particulares da cidade de São Paulo.
Oliveira, C. T. D., Carlotto, R. C., Vasconcelos, S. J. L. & Dias, A. C. G. (2014). Adaptação
acadêmica e coping em estudantes universitários brasileiros: uma revisão de
literatura. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 15(2), 177-186.
Patton, W. (2008). Recent developments in career theories: The influences of constructivism
and convergence. In International handbook of career guidance (pp. 133-156).
Springer, Dordrecht.
Pinheiro, M. & Ferreira, J. (2005). A perceção do suporte social da família e dos amigos como
elementos facilitadores da transição para o ensino superior. In Actas do VIII congresso
galaico português de psicopedagogia (pp. 467-485). Braga: Instituto de Educação e
Psicologia/Centro de Investigação em Educação.
Rezende, C. W F. (2021). A saúde mental dos discentes: a relação entre prazer e sofrimento
na pós-graduação (doctoral dissertation, Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul).
Schleich, A. L. R. (2006). Integração na educação superior e satisfação acadêmica de
estudantes ingressantes e concluintes.
Santos, I. A. D. (2008). Educação para a diversidade: uma prática a ser construída na
Educação Básica. Universidade Estadual do Norte do Paraná. Campus de Cornélio
Procópio. Cornélio Procópio, 2346-6.
Silva, É. C. & Heleno, M. G. V. (2012). Qualidade de vida e bem-estar subjetivo de
estudantes universitários. Revista Psicologia e Saúde.
Smith, G. D. & Yang, F. (2017). Stress, resilience and psychological well-being in Chinese
undergraduate nursing students. Nurse education today, 49, 90-95.
Teixeira, M. A. P. & Gomes, W. B. (2004). Estou me formando... e agora?: Reflexões e
perspectivas de jovens formandos universitários. Revista Brasileira de Orientação
Profissional, 5(1), 47-62.
Teixeira, M. A. P., Dias, A. C. G., Wottrich, S. H. & Oliveira, A. M. (2008). Adaptação à
universidade em jovens calouros. Psicologia escolar e educacional, 12, 185-202.
Zago, N. (2006). Do acesso à permanência no ensino superior: percursos de estudantes
universitários de camadas populares. Revista brasileira de educação, 11, 226-237.
EDUCAÇÃO, ENSINO FORMAL E AFETIVIDADE: POSSÍVEIS CONSIDERAÇÕES

1024
Milena Assunção Procópio Barbosa
Georgia Bezerra Gomes
Thamila Cristina dos Santos da Silva

Introdução
Segundo Brandão (2007, p. 07), “ninguém escapa da educação”. Uma das possíveis
interpretações para essa afirmação seria a de que ninguém poderia escapar do ambiente escolar,
pois há uma certa tendência em associar educação a este lugar. Contudo, não é apenas nos
ambientes institucionais, como por exemplo a escola, que devemos atrelar a educação. Nenhum
sujeito existe sem ser tocado pela educação, pois ela é, antes de tudo, a arte do encontro, da
relação que se estabelece no ato de construir saberes. É importante saber, nesse sentido, que
“a educação existe onde não há escola e por toda parte pode haver redes e estruturas sociais de
transferência de saber” (Brandão, 2007, p. 13).
Se educação não é um conceito necessariamente correspondente ao espaço escolar, é
possível compreender que antes do contato com a escola, os sujeitos já acessaram outras formas
de educação, que podem advir das relações familiares, dos saberes culturais, sociais e religiosos,
ou seja, nos diversos encontros com outros sujeitos e espaços. E ao se afirmar que educação é
encontro, é impossível pensar um encontro com o outro sem afetação, sem afetividade. Em
termos semânticos, quando se busca por uma definição de educação, é possível encontrar
compreensões que compartilham a ideia de que a educação é construção e aperfeiçoamento,
tanto cognitivo quanto social. Sendo uma ação, um direito (Bechara, 2011; Caldas, 2011).
No que se refere às significações em torno da educação, enquanto garantia social, pode-
se citar a Constituição Federal de 1988, que coloca a educação enquanto um direito de todos e
esta deve ser assegurada pelo Estado e pela família (Brasil, 2016). A Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB), concebe a educação como algo processual, que pode ocorrer em diversos
espaços e reafirma a responsabilidade do Estado e da família (Brasil, 2017).
Considerando as diferentes perspectivas em relação a educação formal, percebe-se que
na contemporaneidade há uma tendência neoliberal, em que a educação tem se ocupado de
resultados, índices e aprovações, garantindo assim a “qualidade no produto ofertado”, nesse
sentido, tem se a educação como uma mercadoria (Laval, 2004). Patto (1984) ressalta a
importância da dimensão cognitiva na educação, mas sobretudo da importância do sentido que
a educação deve ter para os sujeitos envolvidos, que possa tensionar as amarras sociais que
contribuem para a exclusão das camadas populares a uma educação de qualidade.
À vista disso, a presente escrita propõe-se a discutir a relação entre educação, ensino
formal e afetividade. Justificando-se pela possibilidade de configurar-se enquanto um fazer
potente, que proporciona uma visão mais ampla e crítica sobre educação e de como muitas
vezes a afetividade é esquecida nos espaços formais onde ela (educação) acontece.
Método

1025
A presente pesquisa caracteriza-se enquanto um estudo exploratório. Segundo Gil
(2002, p. 41), esse tipo de pesquisa “tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com
o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses.” Diante das
possibilidades, ainda segundo o autor, é possível que o estudo preocupa-se em realizar uma
curadoria sobre textos que falem sobre o tema escolhido.
À vista disso, houve um cuidado acadêmico em construir um texto trazendo um diálogo
entre referências importantes como: Brandão (2007), Masschelein e Simons (2019), Brandão
(2012), Romanelli (2014), Gomes (2015) sobre o tema abordado. Há a clara compreensão de
que esta produção não irá abordar todos os possíveis aspectos que envolvem o tema escolhido.
No entanto, o que objetiva-se é que a presente escrita possa contribuir com as discussões sobre
a temática e que venha tecer e construir uma compreensão que tenciona as compreensões acerca
do campo educacional.

Resultados & Discussões


Compreender educação enquanto algo inevitável, do qual ninguém escapa é, antes de
tudo, um posicionamento filosófico, há por assim dizer uma radicalidade nessa construção.
Como também relacional, algo que não se faz só, sem implicações, logo, sem ser afetado. Ao
compreender isto, o olhar passa a vislumbrar uma infinidade de educações, tendo em todas, em
alguma medida, afetividade. Em suma, as pessoas de forma alguma “crescem a esmo e
aprendem ao acaso” (Brandão, 2007, p. 23).
Faz-se necessário também abordar que a educação, enquanto categoria geral, não é
preexistente ao homem. Ela é criação do homem e finda por criar tipos de homens. Ela é um
fazer, uma prática social. Como bem aponta Brandão (2007):

Educação é uma prática social cujo fim é o desenvolvimento do que na pessoa humana
pode ser apreendido entre os tipos de saber existentes em uma cultura, para a formação
de tipos de sujeitos, de acordo com as necessidades e exigências de seu próprio
desenvolvimento. (Brandão, 2007, p. 74).

À vista disso, guiando-se por Brandão (2007), chegamos à possível conclusão de que a
educação é uma criação humana, relacional, colocando-se para a sociedade enquanto uma
prática construtora de homens. Existindo sobre inúmeros modos, nomes e possibilidades.
Assim, pode-se afirmar que a “educação é uma invenção humana e, se em algum lugar foi feita
um dia de um modo, pode ser mais adiante refeita de outro” (Brandão, 2007, p. 99).
Tendo feito as devidas considerações, de forma geral, podemos pensar agora uma das
suas possibilidades: o ensino formal, mais especificamente a educação escolar. E para tal ação
um breve resgate histórico torna-se importante. Somos seres históricos, e ao se pretender
compreender algo se faz importante que a história, suas construções e modificações sejam
consideradas. Pois, toda construção seja ela afetiva, pedagógica e até mesmo curricular é
atravessada pelo tempo.
Segundo Masschelein e Simons (2019), a escola surgiu na Grécia Antiga enquanto um

1026
espaço dialógico. Ao propor um espaço para todos, ela desde os seus primórdios tensiona as
divisões classistas, as quais reservavam o ensino para os sujeitos mais afortunados. Contudo,
como já apontamos, não é porque existiu de uma dada forma que sempre será assim.
A própria educação formal brasileira é uma prova disso. Se na Grécia foi uma forma de
questionar a quem o ensino direcionava-se, no Brasil tivemos um ensino muito bem definido,
como público-alvo certo. O primeiro modelo desenvolvido no Brasil colonial, segundo
Romanelli (2014), tinha como público alvo filhos de senhores de engenho e donos de terra. O
ensino era ministrado pelos padres jesuítas e não tinha a preocupação de pensar a realidade
colonial ou até mesmo os afetos. Era um ensino colonizado, trazido de uma realidade.
De acordo com Romanelli (2014), outro marco do ensino jesuíta é que, além de não
considerar o contexto histórico social de forma evidente, também não possuía utilidade prática.
Em resumo, o ensino ministrado pelos padres era uma ocupação para a alma/mente dos filhos
dos senhores. Esse modelo de ensino sustentou-se no Brasil por um longo período, de forma
mais específica por mais de três séculos, tendo respingo ainda nos dias atuais.
Outro momento histórico diz respeito ao século XIX. A burguesia brasileira passou a
convocar e visualizar na educação formal uma forma de ascensão social. Como bem coloca
Romanelli (2014):

Assim, o período que se seguiu à independência política viu também diversificar-se


um pouco da demanda escolar: a parte da população que não procurava a escola já
não era apenas pertencente à classe oligárquico-rural. A esta, aos poucos, se somava
a pequena camada intermediária, que desde cedo, percebeu o valor da escola como
instrumento de ascensão social. Desde muito antes, o título de doutor valia tanto
quanto o de proprietário de terras, como garantia para a conquista de prestígio social
e de poder político (Romanelli, 2014, p.37).

Esses são breves recortes temporais, os quais visam demonstrar o quanto educação não
é algo fixo, já dado. A história nos relata os diversos passos que nos trouxeram a educação que
temos hoje. Não caberia todos os passos, mas acreditamos que ao jogar uma luz nos primeiros
passos somos capazes de tecer algumas considerações. Por exemplo, tivemos a Constituição de
1891 que resultou em uma descentralização do ensino, reformas educacionais até chegar à
compreensão que é empregada na Constituição de 1988. Documento este que coloca a educação
enquanto um direito de cada cidadão. A narrativa histórica construída acerca da educação
aponta que o Brasil vivenciou ao longo dos anos um cenário de mudanças, trazendo questões
econômicas, sociais e culturais.
À vista disso, analisando os passos da educação formal brasileira, é possível afirmar que
o ensino não se colocou enquanto uma possibilidade para todos. Era algo para os mais
favorecidos. Também não cabia ao ensino inquietações sociais, o corpo e muito menos os
afetos. Não havia, por parte da organização pedagógica, curricular, o desejo de questionar a
lógica social, como também não havia lugar evidente para os afetos. No início tupiniquim, o
ensino era uma mercadoria, dada a poucos, sem grandes pretensões, findando por ser uma
ocupação, um acalento para o intelecto/alma dos mais favorecidos. Depois foi ferramenta que
potencializou a ascensão social de uma classe, depois foi luta, direito, esquecimento.

1027
(Romanelli, 2014).
É óbvio que tivemos mudanças na estrutura educacional. Tivemos avanços e vitórias. A
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – Lei 9394/96 e a Constituição de 1988 são provas
reais de que mudanças aconteceram. Se antes a educação era uma mercadoria da qual poucos
usufruíam, hoje ela é um direito garantido por diversas instâncias jurídicas. Mas, ao voltar às
origens, é possível compreender como a educação, mesmo sendo um direito, ainda possui tantas
fragilidades. O quanto faz sentido que hoje tenhamos uma educação que preza os conteúdos e
esquece-se do social. Uma educação marcada por questões dogmáticas e que em inúmeras vezes
não se lembra do corpo, nem dos afetos.
Por mais que a LDB tenha trazido avanços no que diz respeito à oferta educacional em
termos quantitativos, ou seja, em criação e manutenção de escolas, ofertas de vagas e toda uma
rede de ações de cunho administrativo, no que diz respeito à consideração da afetividade nos
espaços educacionais ainda é pouco visualizado. Há prevalência dos conteúdos, de uma
educação dissociada das questões sociais, dos afetos. Mesmo não sendo possível fazer uma
escola sem afeto e sem ligações sociais, em certa medida, ela é pensada e gerida para isso.
E por falar em afetividade, o presente conceito em termos de definição é compreendido
enquanto um “conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções,
sentimentos e paixões” (Ferreira, 1986). Assim, podemos pensar afetividade enquanto coletivo
de afetos, daquilo que produz sentido e afetação para com algo ou alguém. Não sendo possível
estar no mundo sem ser afetado, sem produzir sentido, sem afetividade. Isso implica que o
habitar educacional sempre se faz com afetos, mesmo que haja um direcionamento para negar
essa “parte”.
O que finda-se por criar é uma educação que visa o domínio de certos conteúdos,
produzindo sujeitos dóceis e preparados para o mercado (Brandão, 2012). Essa educação sem
empecilhos, não consegue sustentar uma educação enquanto práxis, onde as “pessoas são
verdadeiramente afetadas, de tal modo que precisam repensar o seu modo de ser, sentir e fazer”
(Brandão, 2012, P.62). Dito isso, se faz importante pensar que fatores filosóficos e
epistemológicos chegam ao ensino, seja de forma direta ou indireta, e de como isso se relaciona
com o lugar (ou não lugar) dos afetos no ensino formal, institucional, o qual é legitimado por
placas, como bem apontou Brandão (2007).
É sabido que inúmeras influências chegam ao campo educacional, e que não seria viável,
nem possível, contemplar todas. Diante disso, ao tocante ao estudo dessa escrita, foi feita uma
escolha de duas influências que saltam aos olhos e que provocam maiores questionamentos no
momento, a saber, a influência do pensamento cartesiano e positivista.
Em relação a primeira, Gomes (2015) compartilha que estudar ensino formal e
sensibilidade, e, com isso, a afetividade, na contemporaneidade é pensar nas influências
modernas. Mesmo ao fazer esse recorte há uma voz que ganha mais destaque: a do filósofo
René Descartes, que em seu desejo de conhecer e de criar um método, findou por deixar marcas
para além do seu reduto filosófico, marcas que alcançam o pensar educacional.
Um dos atravessamentos em seus estudos é pensar na "falibilidade dos sentidos, o
engano que deles provém (ou pode vir)” (Gomes, 2015, p. 200). Ou seja, como os sentidos são
passíveis de erros, podem ser enganados, eles não são confiáveis. Tem-se um pensamento que
exalta o que é calculável, exato, neutro e passível de medição, não sendo “estranho que as

1028
experiências sejam de menor importância” (Gomes, 2015, p. 201).
Ainda, segundo Gomes (2015), há na filosofia cartesiana uma clara superioridade do
pensamento em detrimento do sentir. Temos uma filosofia que finda por criar:

Um humano sem corpo, um sentir sem órgãos dos sentidos, um mundo interno
despregado de uma exterioridade. Por mais que Descartes não esteja afirmando que
não há corpo, órgãos dos sentidos ou mundo exterior, a cisão provocada por seu
método para sustentar a ciência moderna é tão radical que todas as pontes para unir
os “dois lados” parecem ser insuficientes. O corpo e todos os sentidos a ele atrelados
são dispensáveis para o exercício do pensamento (Gomes, 2015, p.203).

Ora, tal proceder filosófico chega e atravessa o ensino formal na contemporaneidade.


Seu pensamento está presente no ambiente educacional. Temos a máxima do conhecimento. A
valorização aos conteúdos e o esquecimento dos afetos. Temos um corpo que adentra o
ambiente levando o que há de mais importante: um cérebro racional.
Mas nos esquecemos que este cérebro antes de emitir uma resposta racional, é afetado
pelo externo que o circunda (seja corpo, seja ambiente). O pensamento é tão importante quanto
os afetos, mas isso não é unânime para todos. O dualismo que o pensamento cartesiano ratifica
e fortalece permanece nos dias atuais. É como se fosse necessário escolher. Ou seja, ou se
ofertar um ensino de qualidade ou um ensino dos afetos. E caso tente-se trazer um pouco de
afetividade é possível que se perca o foco. Afinal de contas, as pessoas que se encontram no
ambiente formal estão ali para aprender. Trazer algo além do pensamento racional para o ensino
é possível que se perca o objetivo central.
Não é exequível uma educação sem afetos, pensamento e afetos coexistem. Mas é real
uma educação que nega e que tenta afastar ao máximo a afetividade no ensino. Pois, dentro
dessa concepção formal de ensino, o lugar de aprender deve ser organizado, controlado, medido
e avaliável, algo que definitivamente os afetos não são. Dessa forma, a filosofia cartesiana
afetou e permanece afetando as bases do ensino. Temos uma educação dualista, que ainda
enxerga o sujeito por partes e escolhe qual deve ser alimentada. Como se fosse possível um
lugar ou um ensino sem sentimentos, afetos e corpo.
A segunda influência diz respeito ao positivismo. O pensamento filosófico,
desenvolvido por Augusto Comte, tem como máxima “a superioridade da razão científica sobre
todas as outras formas de conhecimento” (Duarte, 2000). Ora tem-se um pensamento que se
coloca superior aos demais trazendo como base a razão, aquilo que é da ordem do científico.
Podendo ser pesado, analisado, manipulado, dessecado. E em um pensamento onde a ciência
implica em razão, controle, definitivamente não há lugar para os afetos.
É evidente que esse pensamento científico diz respeito a um tipo de ciência. Existem
várias possibilidades, formas de se conhecer algo. E ao isolar a razão científica como guia
superior, se perde diversos elementos. É um caminhar que se faz com passos já dados antes
mesmo do início. Contudo, os afetos são da ordem do encontro, do processo. É um caminho
que se faz ao caminhar, é da ordem do singular. Eles não são passíveis do pleno domínio que
se deseja, e por tal sentido não apenas não são lembrados, como também negados. Não há lugar
para algo que não se dobra aos passos rigorosos do controle.

1029
Considerações Finais
Pensar a educação de forma plural, vislumbrando no ato de aprender o encontro com o
outro é uma possível forma de enxergar um homem que se faz inteiro. Uma relação que não diz
respeito apenas ao conteúdo que é aprendido, algo técnico. Há, antes de tudo, um tecer
simbólico. É evidente que uma percepção como esta tem um posicionamento teórico e vivencial
bem explícito, ou pelo menos, deseja.
Ora, como retromencionado, a educação antecede a escola, ela é da ordem do encontro
e não é possível compreendê-la sem considerar as relações. E se isso não é possível, significa
que também não é possível pensar educação sem afetos, sem implicações.
Contudo, os passos históricos da educação formal brasileira revelam uma educação
marcada por esquecimentos, seja de classe, lugares ou afetos. Temos um sistema educacional
quantitativo, que atende a população, visto que é um direito, mas que oferta um atender dentro
de limitações. Leva-se um corpo para o ambiente escolar sem que ele seja considerado. Tecem-
se relações sem que elas impliquem em afetações.
Deseja-se e finda-se por produzir sujeitos aptos a responder sobre questões numéricas e
classes gramaticais, mas que, em certa medida, possuem dificuldades de abordarem os afetos
que os atravessam. Não se trata aqui de uma negação, ou rejeição do conhecimento produzido,
da sabedoria racional. O que se problematiza aqui é o esquecimento dos afetos.
Não é possível um espaço sem afetos, mas também há de se saber que quando eles não
são considerados o singular se perde nesse caminhar. Ir além dos conteúdos implica em
perceber- se enquanto sujeito participante de uma sociedade. Quando o sensível é considerado
no fazer educacional há um direcionamento ao encontro com o outro. E isso pode reverberar no
estudante a percepção dos afetos, dos elementos nutritivos e destrutivos, isso tanto para ele,
quanto para o outro.
Mas não se trata apenas de um encontro com o outro que é próximo, com o colega de
sala, é algo mais amplo. Ao estimular um sujeito sensível que enxerga para além do que é
repassado em atividades, temos algo que incomoda. Um sujeito que enxerga o outro pode ser
algo revolucionário, algo que balance as tão bem estruturas amarras sociais. Pois, ao estimular
o encontro e valorização do singular, com também do coletivo, um ensino formal atravessado
pelos afetos não pode fazer-se neutro, distante e cego sobre o que o circula.
Olhar e dar lugar evidente para o que é da ordem do sensível, dos afetos, é defender e
sustentar uma visão de mundo e de sujeitos potentes. Onde o lugar é também sensível. Não é
esquecer ou colocar os conteúdos como menos valia, mas sim, saber que todo saber é um saber
situado. Não levamos o pensamento à escola, é o sujeito que vai, e vai com todas as afetações
que o atravessam, incluindo a afetividade para e sobre as relações escolares.
Pensar e defender um ambiente onde os afetos são constituintes do fazer educacional
implica em um desvelamento político. Não se é possível dar lugar aos afetos sem compreender
o que circunda o ambiente, como também não é possível fechar os olhos para não ver, não
sentir. Um estudante tocado e estimulado por um fazer que considera a sociedade, que
compreende o singular, que valoriza o coletivo, a afetividade, coloca-se enquanto um sujeito

1030
potente, revolucionário. Ou seja, um fazer afetivo também é um fazer político.

Referências
Bechara, E. C. (2011). Dicionário escolar da Academia Brasileira de Letras. 3ª ed. São
Paulo: Editora Nacional.
Brandão, C. R. (2007). O que é educação. 49ª reimpr. 1ª ed. de 1981. São Paulo: Brasiliense.
Brandão, I. R. Afetividade e transformação social: sentido e potência dos afetos na
construção do processo emancipatório. Sobral: Edições Universitárias, 2012.
Brasil. (2017). LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Senado
Federal; Coordenação de Edições Técnicas.
Brasil. (2016). Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional
promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações determinadas pelas
Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais nos
1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo no 186/2008. Brasília: Senado Federal;
Coordenação de Edições Técnicas.
Caldas, A. (2011). Minidicionário contemporâneo da Língua Portuguesa. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Lexikon.
Laval, C. A Escola não é uma empresa: o neo-liberalismo em ataque ao ensino público.
Londrina: Editora Planta, 2004.
Duarte Júnior, J. F. (2000). O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Tese de
Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas,
SP.
Ferreira, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira, 1986.
Gil, A.C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas.
Gomes, R. H. S. F. (2015). Sensível, eu?! Reflexões sobre o (não) lugar da sensibilidade na
educação. In Albuquerque, L. B., Rogério, P. & Nascimento, M. A. T. (Org.).
Educação Musical: Reflexões, experiências e inovações. Fortaleza: Edições UFC.
Masschelein, J. & Simons, M. (2019). Em defesa da escola: Uma questão pública. Belo
Horizonte: Autêntica.
Patto, M. H. S. (1984). Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar.
1ª ed. São Paulo: T. A. Queiroz.
Romanelli, O. O. (2015). História da educação no Brasil. 40ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes.
A FORMAÇÃO DO LICENCIADO EM PSICOLOGIA PARA ENSINAR ALUNOS

1031
PÚBLICO ALVO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

Aurielly dos santos gomes


Nadja Carolina de Sousa Pinheiro Caetano

Introdução
A Educação Especial e seu o público alvo
A Normalização, enquanto princípio da proposta de Integração, surgiu nos países
escandinavos e apresentou forte aceitação na América do Norte e Europa. Segundo esse
princípio, todas as pessoas com deficiência têm direito a experienciar ambientes menos
restritivos e mais desafiadores integrando-se à vida em comunidade. Para alcançar esse objetivo
seria necessário a consolidação de estratégias que permitissem a promoção e manutenção de
experiências e comportamentos “tão normais quanto possíveis” através da identificação do
serviço desejado para o usuários e dos meios com os quais isso seria atingido (Omote, 1999;
Mendes, 2006).
Esse princípio orientou o processo de desinstitucionalização e reinserção das pessoas
com deficiência na comunidade, além de políticas voltadas para a melhoria da qualidade de
vida dessa população. Omote (2006) discute que frequentemente expressões e termos
relacionados ao contexto da deficiência são interpretados de forma parcial. O princípio de
normalização recebeu muitas críticas pela difusão da crença que o mesmo aplicava-se à
normalização de pessoas quando na verdade referia-se à normalização de serviços. Esses
serviços deveriam ser desenvolvidos de modo a garantir que a pessoa com deficiência
participasse ativamente da vida em comunidade e desempenhasse um papel ativo nela
considerando as experiências próprias da faixa etária e a aquisição de habilidades que
garantissem a ela qualidade de vida e autonomia (Mendes, 2006).
Apesar de amplamente difundido nas décadas de 70 e 80 as estratégias de
operacionalização do mesmo ainda não eram claras. As propostas de integração escolar mais
frequentes relacionadas à oferta de serviços com diferentes níveis de ensino e interação aliados
à manutenção dos serviços já existentes refletiam a tendência de operacionalização do princípio
considerando uma proposta menos ampliada, mesmo que o foco fosse a escolarização na escola
comum e preferencialmente na sala comum (Mendes, 2006). Além disso, as propostas de
integração escolar focavam exclusivamente nas habilidades que o aluno deveria adquirir para
garantir a progressão para um nível menos restritivo dentro do sistema, progressão que
dificilmente ocorria, o que gerou descontentamento.
Segundo Mendes (2006) os avanços nos estudos e discussões sobre o acesso à
escolarização de pessoas com deficiência preferencialmente na sala comum ocorridos nos
Estados Unidos promoveram, em meados dos anos 90, a substituição do termo “integração”
pelo termo “inclusão” na literatura publicada no país. Para a autora os movimentos de reforma
política ocorridos no sistema educacional norte americano, preocupados com os dados
negativos do sistema educacional americano, foram difundidos mundialmente devido ao poder

1032
de penetração que a cultura desse país possui.
Uma vez reconhecido que a educação é a principal responsável pela melhoria da
qualidade de vida da população, os Estados Unidos mobilizaram movimentos de reforma
baseados em avaliações de desempenho e pesquisas sobre indicadores de qualidade com o
objetivo de garantir a qualidade do ensino e consequentes avanços sociais. Porém essas medidas
beneficiaram os estudantes que acompanhavam os critérios do sistema, mas não a outra metade
da população escolar do país à época (Mendes, 2006). Ao passo que a inclusão se propôs a
atender essa demanda era necessário reconhecer o papel da escola na garantia desses direitos,
inclusive suas potencialidades e limitações.
Para Omote (2006) as diferenças entre os alunos tanto podem advir da variedade de
experiências pré-escolares (culturais, linguísticas e psicossociais) e diferenças individuais
(interesses, motivações, habilidades e competências), consideradas como uma variação da
normalidade estatística e cuja incidência e prevalência estão diretamente associadas à
variabilidade de condições sociais de um grupo, quanto das resultantes de deficiências
(provocadas por patologias congênitas, doenças e traumas).

E quais as implicações práticas dessas discussões?


Esse cenário demonstra a importância das discussões na área da educação para a
produção de conhecimento sobre as garantias de direitos das pessoas com deficiência, bem
como para a promoção de melhorias tanto nas concepções sobre a deficiência quanto nas
práticas junto a esse público.
As diretrizes apresentadas pela Política Nacional de Educação Especial na perspectiva
da Educação Inclusiva (2008) asseguram a inclusão escolar de alunos público alvo da educação
especial, a saber: alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação. Orienta também os sistemas de ensino para garantir o acesso ao
ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do
ensino. Também apontam para a transversalidade da modalidade de educação especial desde a
educação infantil até a educação superior, para a oferta do atendimento educacional
especializado, para a necessidade de investimentos em formação de professores para o
atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão, para
a necessidade de participação da família e da comunidade e para a garantia da acessibilidade
arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação, a partir da
articulação intersetorial na implementação das políticas públicas.
Segundo essa política, a educação especial passa a constituir a proposta pedagógica da
escola, definindo como seu público-alvo os alunos com deficiência, transtornos globais de
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que implicam em
transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino
comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos.
A educação especial é então reconhecida como uma modalidade de ensino que perpassa
todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o atendimento educacional especializado,
disponibiliza os serviços e recursos próprios desse atendimento e orienta os alunos e seus

1033
professores quanto a sua utilização nas turmas comuns do ensino regular (Brasil, 2008).
Recentemente a lei 12.796 alterou a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
9394/1996 ampliando a garantia de acesso à escola para alunos de quatro (4) à 17 (dezessete)
anos introduzindo a obrigatoriedade da educação pré-escolar. Discrimina também quem é o
aluno que deve receber o atendimento educacional especializado gratuito, a saber, alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Essa
modalidade de ensino é descrita na lei como transversal a todos os níveis, etapas e modalidades,
preferencialmente na rede regular de ensino (Brasil, 2013).
Algumas alterações relevantes e que direta ou indiretamente contemplam os alunos alvo
da educação especial. A garantia para os alunos em distorção idade/série do acesso público e
gratuito tanto ao ensino fundamental como ao ensino médio; a extensão aos alunos da pré-
escola e ensino médio dos serviços de suporte (programas suplementares de material didático
escolar, transporte, alimentação, assistência à saúde); ampliação do recenseamento anual
obrigatório à faixa etária da educação básica e jovens e adultos que não concluíram essa
educação, reitera a EC 59 que estabelece o ensino obrigatório para crianças à partir dos 4
(quatro) anos; ampliação do currículo base nacional também para a educação infantil, a ser
complementado em acordo com a especificidades regionais e culturais.
No cenário atual temos as legislações que orientam sobre a atuação dos professores junto
aos alunos público alvo. E aí temos a figura do Licenciado em Psicologia, uma vez que a
Educação Básica, no nosso caso o Ensino Médio, é um grande desafio para a atuação dos
Licenciados como um todo, em especial do Licenciado em Psicologia uma vez que é uma
profissão tão enraizada na prática biomédica e diferencial.

A Psicologia em Construção
Os estudiosos da história da psicologia no brasil reconhecem que os saberes
psicológicos estão em terras brasileiras desde o período colonial, com estudos acerca da criança,
do desenvolvimento infantil e educação, porém, a psicologia enquanto ciência surgiu no início
do século XX, dentro do contexto educacional. Essa ciência historicamente se vinculou a dois
campos do conhecimento, medicina e educação, e nesse contexto se consolidou. Os laboratórios
de Psicologia Experimental em 1923, representou um marco para a criação de um núcleo de
pesquisas científicas e um centro de formação para psicólogos. E no campo da educação, no
contexto em que se buscavam mudanças sociais no Brasil, a psicologia passa a ser uma ciência
considerada importante no processo de modernização e reorganização social.
A psicologia ganhou espaço dentro do ambiente educacional, seus saberes ajudaram a
compreensão do processo de aprendizagem, e nas dificuldades nos processos de escolarização.
Essa ciência antes de sua institucionalização, ocupava cadeira nos cursos de filosofia, dessa
forma, possibilitaram mais a aproximação da ciência psicológica com o campo educacional,
além de que já se evidenciava como uma ciência básica e instrumental para a pedagogia.
Segundo Antunes (2014), “a psicologia tornou-se necessária como ciência básica e instrumental
para a Pedagogia, o que acarretou seu desenvolvimento, quer no plano teórico, quer no plano
prático”.
A psicologia não tinha um caráter profissionalizante, mas sim um interesse formador,

1034
nesse caso, sendo procurada para atuar na formação de professores, enquanto agente de
qualificação. Nesse caso, ao ocupar esse lugar, o lugar da psicologia foi se construindo como
uma especialidade, um espaço para atuação. Com o decreto de n° 21. 173/1932, surge a
primeira proposta de institucionalização da psicologia, um decreto que apresenta a atuação do
profissional como professor, ainda não formalizado como “psicólogo” (Vicente, 2019). Logo
adiante, a regulamentação da profissão ocorreu no ano de 1962, com a lei de n° 4.119.
A oficialização da psicologia como profissão potencializou a inserção da psicologia em
outras áreas, além do âmbito educacional. É importante destacar que a LDB de 1961, teve
significativas contribuições dentro dos projetos que estavam tramitando para a automatização
da psicologia e sua regulamentação. Essa LDB, além de direcionar os conteúdos do ensino
básico, modifica alguns pontos sobre as licenciaturas, no que se refere a formação dos
professores para o ensino médio, que deve se dar nas faculdades de filosofia, ciências e letras
(Brasil,1961).
Com a regulamentação da profissão de psicólogo, o bacharelado, a licenciatura e a
formação em psicólogo representam as 3 modalidades possíveis para atuação desse
profissional. O curso se firmou em conformidade com os documentos oficiais sobre os cursos
de graduação daquele período, em especial a LDB de 1961, diminuindo a centralização do
Ministério da Educação e Cultura (MEC), possibilitando uma maior flexibilidade nos cursos
superiores do país. O curso de graduação de psicologia desde sua institucionalização considerou
a escola como campo de práticas psicológicas, conforme já visto anteriormente. A modalidade
de licenciatura já era uma modalidade possível, e ganhou mais força naquele período em razão
do próprio percurso histórico, marcado pelo processo de inserção dos psicólogos dentro das
escolas, e dentro das faculdades de educação, com conhecimentos necessários para ajudar na
formação dos professores, reafirmando as aproximações existentes entre o campo da educação
e a psicologia.
A relação entre a Psicologia e as diversas áreas do conhecimento foi construída a partir
da necessidade de atender a uma conjuntura social, na qual as descobertas e pesquisas em
Psicologia que aconteciam no mundo foram aqui incorporadas, especialmente pela Pedagogia
e Medicina, de modo a transformar a Psicologia em uma ciência legitimadora do diagnóstico
diferencial. O diagnóstico diferencial foi e continua sendo utilizado para determinar quem é o
diferente, quem foge à regra, quais os indivíduos que não podem acompanhar o
desenvolvimento dos que atingem índices considerados regulares (Michels, 2005).

Formação do Psicólogo para atuar com o aluno Público Alvo da Educação Especial
A formação do psicólogo ocorreu em meio ao processo histórico construído a partir das
influências de áreas afins, mas se consolidou com as discussões iniciadas na construção dos
pressupostos necessários à mesma. As pesquisas sobre formação geralmente buscam averiguar
se as práticas psicológicas aprendidas na universidade ou em cursos de capacitação são
realmente eficazes para atender as demandas sociais. Há uma preocupação também em
compreender como esse estudante percebe o momento de tal formação, como ele lida com as
dificuldades e, principalmente, se ele se percebe preparado para enfrentar os desafios que se
apresentam nessa nova realidade. Um dos temas mais encontrados nas pesquisas sobre
formação é a formação em avaliação psicológica. Esse dado nos remete a discussão sobre a

1035
construção histórica da Psicologia pautada na premissa do diagnóstico.
Especificamente em relação ao atendimento psicológico à pessoa em situação de
deficiência, diversas pesquisas nas décadas de 80 e 90 evidenciaram a preocupação de
pesquisadores em estudar esse tema. Nesse momento histórico, as discussões se concentram na
procura por uma Psicologia mais generalista, que prepare o psicólogo para desenvolver práticas
psicológicas em vários contextos, além de orientar adequadamente o público por ele atendido.
Esses dados remontam a uma clara tentativa de superar a fase vivida com a consolidação da
profissão, que exigiu um profissional cada vez mais especialista.
Não há pesquisas específicas sobre o estudante de licenciatura em Psicologia, o que nos
orienta são as pesquisas sobre a área da Psicologia Escolar ou da Formação como um todo. O
estudo de Pio et al (2008) revelou que a maioria dos psicólogos escolares entrevistados avaliou
a formação recebida para o atendimento à pessoa em situação de deficiência como insuficiente.
A superficialidade no conteúdo sobre o tema e falta de oportunidade de execução prática foram
justificativas apontadas pelos participantes para tais opiniões. No caso dos psicólogos clínicos
a percepção sobre a graduação divergiu entre adequado, devido à presença de matérias práticas
e teóricas na área, e inadequado em decorrência da falta de embasamento teórico e pela
brevidade com que aconteceram os estágios. Os psicólogos da área da saúde afirmaram que sua
formação na graduação não lhes deu subsídios suficientes para realizar o trabalho junto a
pessoas em situação de deficiência.
Marques et al (2007) analisaram o discurso sobre inclusão nos cursos de Psicologia das
Instituições Federais de Ensino Superior de Minas Gerais. Os resultados apontaram problemas
graves na formação do estudante de Psicologia, como conhecimentos presos na determinação
da normalidade versus anormalidade, onde o discurso de professores, coordenadores e alunos
pautou-se ainda no ideal de tratamento e cura. Os resultados também demonstram que não há
um reconhecimento dos envolvidos sobre a importância do tema para o currículo. A proposta
dos pesquisadores frente aos resultados encontrados é garantir que a formação do psicólogo
seja pautada na diversidade de pensamentos e concepções, atendendo a premissas discutidas há
bastante tempo.
Outros estudos avaliaram não diretamente a formação do psicólogo, mas a percepção
que grupos sociais possuem dele. Souza Filho et al (2006) pesquisaram as concepções de três
grupos (pessoas da população geral, estudantes de enfermagem, estudantes de Psicologia)
acerca do psicólogo. Os dados demonstraram que o psicólogo é considerado pela maioria como
um profissional promotor de saúde mental e proporcionador de auxílio psicológico. Na
população geral houve pessoas que nada souberam declarar. Os estudantes de enfermagem
apresentaram concepções mais próximas à realidade, percebendo o psicólogo como profissional
que presta serviços de suporte psicológico, porém ainda apresentaram concepções de senso
comum, associando-o a palavras como “cuidar”, “conversa”, “conselheiro”. Somente os
estudantes de Psicologia apresentaram concepções associadas à prática psicológica,
apresentando clara noção dos aspectos técnicos, humanitários e de suporte psicológico
associados à profissão.
Conforme encontrado nas Diretrizes Curriculares para o curso de Psicologia (DCNs),
na formação do Psicólogo os princípios e compromissos devem estar voltados para uma
compreensão crítica dos fenômenos sociais, bem como, formar para uma atuação em diferentes
contextos, considerando as necessidades sociais e os direitos humanos. O segundo referencial

1036
a se considerar, dentro da discussão sobre como ocorre a formação do Psicólogo para prestar
serviços psicológicos a pessoas em situação de deficiência, é o Código de Ética do Psicólogo.
Para discutir a formação do psicólogo, e especialmente a formação objeto desse estudo, é
necessário abordar a importância da consolidação da profissão, com o crescimento do número
de profissionais cadastrados e com a presença mais frequente do Código de Ética na orientação
da prática psicológica (Carvalho, 2008).
Um dos principais dilemas encontrados nas discussões sobre ética profissional e pessoas
em situação de deficiência é o fato que muitas vezes, para o profissional, o estabelecido em lei
não é necessariamente o mais adequado a fazer. A lei e a ética não são distintas, porém não
coincidem obrigatoriamente. O conflito ético resultante desse impasse pode levar esse
profissional a se desiludir com a prática e evitar envolver-se com essa discussão. Por exemplo,
quando se estabelece no código o princípio ético do encaminhamento quando não há formação
adequada do psicólogo para prestar o serviço, o que fazer se não existir o profissional
preparado? Deixar o cliente sem quaisquer tipos de atendimento? E se esse profissional existir,
mas apenas na rede particular de atendimento? Como garantir que um serviço seja oferecido
gratuitamente a quem dele necessita? Além disso, não há um acordo geral na literatura sobre
quais procedimentos são corretos ou inadequados, e assim as discussões se tornam cada vez
mais específicas, de modo a tentar conciliar o que é eticamente correto com o que está previsto
em lei.
O Código de Ética do Psicólogo pode ser considerado um alicerce para orientar a prática
do profissional na prestação do serviço ao público em situação de deficiência. A edição de 2005
reproduz a preocupação em formar um profissional generalista, que em casos em que não
domine o procedimento, ao menos reconheça sua função de encaminhar e orientar quem o
procura, de modo a garantir e respeitar o direito do usuário do serviço. Ele aborda os novos
desafios da profissão como questões relativas às novas tecnologias, a ampliação dos locais de
trabalho do psicólogo, a inclusão dos problemas profissionais (envolvendo preconceitos e
discriminações), novas formulações para o sigilo profissional, dentre outros assuntos (Mattos,
2008). Apresentado alguns do pressupostos teóricos que baseiam a prática do profissional de
psicologia para atuar com pessoas público alvo da educação especial, objetivou investigar em
documentos oficiais a formação em licenciatura em psicologia para atuar com esse público alvo,
afim de contribuir para uma atuação sólida desse campo de atuação.

Metodologia
A pesquisa foi realizada na abordagem qualitativa do tipo documental que resgata
legislações e outros documentos oficiais da área de licenciatura em psicologia. Para o
desenvolvimento da pesquisa, coletou-se as informações sobre as regulamentações nos campos
de estudo já citado, coletando nos arquivos localizados nos sítios da internet como, nos sítios
do Ministério da Educação, do Congresso Nacional, além de documentos oficiais dentro do
sítio da internet do Conselho Federal de Psicologia. Selecionou-se os materiais que discutem
sobre a formação e atuação do profissional de psicologia, com foco nos artigos que regem sobre
a formação e atuação da licenciatura em psicologia. A análise de dados seguiu uma abordagem
qualitativa, discutindo os dados de forma descritiva e caracterizando-os em acordo com a
análise da literatura da área. Os dados foram analisados e compilados de forma descritiva,
analisando os artigos específicos que versam sobre a formação em licenciatura em psicologia

1037
presentes.

Resultado e discussão
Os dados coletados possibilitaram compreender a formação e atuação do licenciado em
psicologia para ensinar alunos com deficiência. Ao analisar os documentos sobre a
regulamentação da psicologia como ciência, percebe-se um caminho relacionado com práticas
em ambientes pedagógicos, levando a compreender que desde sua constituição, o ambiente
educacional representa uma área de atuação de grande potência para os profissionais da área de
psicologia.
Coletou-se as DCNs para o curso de Psicologia, sendo este um dos principais
documentos que orientam sobre a formação em psicologia, e o principal documento que
trabalha a Licenciatura em Psicologia, sendo está uma formação que se dá em um projeto
político-pedagógico complementar. Além dessas diretrizes, coletou-se o documento emitido
pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), sobre as orientações técnicas para a atuação do
psicólogo na educação básica, com o intuito de encontrar orientações para a prática do
Licenciado em Psicologia, sendo este na função de docente lecionar sobre psicologia nas
escolas, dentro da educação básica
Em 1962 com a regulamentação da profissão de psicólogo, com a lei de n°4.119, muitas
mudanças aconteceram para a consolidação dessa nova disponibilidade de um curso superior,
caracterizando lutas para ocupação de espaços, campos de atuação, porém, essas lutas foram
retardadas com o golpe militar de 1964. Anos se passaram e em 1971, com a lei de n° 5.766,
criou-se o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia, responsáveis pelas
orientações na área, e representando uma força maior para a ciência psicológica no país. Em
1977, essa lei foi regulamentada.
Com a LDB de 1996, com o artigo IV orientam sobre como serão os cursos de ensino
superior no Brasil. Em 1999 um documento é produzido pela Comissão Especialista em
Psicologia, sobre a proposta de Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em
Psicologia. A primeira Diretrizes foi publicada no ano de 2011, e desde então, até o ano de
2019, o curso já teve 3 DCNs, representando documentos importantes que regem e orientam
sobre a formação e atuação do profissional de psicologia nos ambientes educativos, como em
outros que autorizam sua prática. A de 2019 aguarda homologação.
Dentro das DCNs é possível identificar que a formação em Licenciatura em psicologia
deve conter em seu currículo disciplinas que versem sobre a uma educação inclusiva. Porém,
percebe-se uma ausência de mais direcionamentos sobre essa formação e atuação.Com a Lei de
Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB), de n° 9394/96, que regulamenta o sistema
educacional brasileiro tanto na educação básica, como no ensino superior, para os cursos de
graduação essa lei estabeleceu essas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), que
representam orientações no planejamento curricular. Nos períodos em que há alterações nas
DCNs para os cursos de psicologia, surgem diversos questionamentos relacionados à formação
e a oferta da modalidade de licenciatura nos cursos de graduação no país.
No final de 2019, foi publicado um parecer que a prova a revisão das DCNs em

1038
psicologia, e aprovado em fevereiro de 2020, nesse documento consta além de princípios
orientadores fundamentais, como: formação presencial e generalista, inclusão, direitos
humanos, bem como, possui direcionamentos para a formação e atuação do professor em
psicologia. Segundo a DCN de 2011, a formação em licenciatura em psicologia deve estar em
consonância com a legislação que regulamenta a formação de professores do país, nesse
sentido, visa uma formação que possibilite formar professores que estejam comprometidos com
as transformações político-sociais, atendendo as exigências de uma educação inclusiva.
Nos documentos oficiais não há um detalhamento da atuação do Licenciado em
psicologia para atuar com pessoas públicas alvo da educação especial. Percebe-se que a
orientação da prática desse profissional para uma educação deve seguir pressuposto sobre o que
se orienta para a formação geral do profissional como psicólogo, com o desenvolvimento de
competências e habilidades específicas da profissão. Desse modo, dentro dos documentos
oficiais, não é possível detalhar essa formação no que tange a formação de professores em
psicologia, os artigos que abordam sobre a educação inclusiva não apresenta mais informações
sobre esse campo, sendo preciso, dessa maneira, analisar posteriormente as grades curriculares
dos cursos de licenciatura em psicologia no brasil para entender com maior aprofundamento a
prática, a partir do que se preconiza dentro dos documentos oficiais da área.

Conclusão
Os saberes da psicologia e da educação se encontram historicamente desde o período
colonial, e pensar nessas relações existentes se faz necessário para compreender pressupostos
sobre a formação e atuação dos profissionais nessas áreas. Com base nas análises dos
documentos oficiais do curso de licenciatura em psicologia, pode-se perceber pouco
direcionamentos sobre a formação e atuação desses profissionais na área de ensino para alunos
público alvo da educação especial, precisando que mais estudos sejam feitos para embasar
melhor a atuação.
A literatura apresenta pressupostos para atuação do psicólogo para atuar com esse
público, apresentando competências e habilidades necessárias. Desse modo, para a formação
em Licenciatura em Psicologia se orienta considerar os documentos que orientam a formação
de professores no país, além dos conteúdos ofertados dentro do curso de Bacharelado em
psicologia, junto a isso, a formação de professores de psicologia poderá desenvolver um
trabalho educativo que se adeque aos pressupostos trazidos pelo referencial para a atuação do
profissional de psicologia para atuar junto aos alunos público alvo da educação especial.
Para uma compreensão mais detalhada do profissional licenciado em psicologia para
atuar com esse público, é preciso expandir os estudos para o conhecimento das práticas desse
profissional, sendo possível uma investigação das grades curriculares do curso de Licenciatura
em psicologia no país. Desse modo, espera-se que essa pesquisa possa contribuir para estudos
futuros que possam investigar sobre mais apontamentos nesses campos de atuação, além de
ressaltar que mais do que um contato histórico entre psicologia e educação, há um desejo em
contribuir para a formação humana, com práticas psicológicas no ambiente educacional, seja
em escolas, seja em outros ambientes educativos.
Referências bibliográficas

1039
Antunes, M. A. M. (2014). A psicologia no Brasil: leitura histórica de sua constituição. 5. ed.
São Paulo: Educ.
Brasil. Congresso Nacional. Lei n. 4.024 de 20 de dezembro de 1961. Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Recuperado:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4024.htm.
Brasil. Congresso Nacional. Lei n. 4.024 de 20 de dezembro de 1971. Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Recuperado:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5692.htm.
Brasil. Congresso Nacional. Lei n. 4.024 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Recuperado:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm.
Brasil. Congresso Nacional. Lei n° 4.119. (1962, 27 de agosto). Dispõe sobre os cursos de
formação em psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Brasília, DF:
Presidência da República. Recuperado: em:
https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=4119&ano=1962&ato=
72eEzY61kMVRVT56e.
Brasil. Câmara dos deputados. Lei nº 3.688, de 2000. Dispõe sobre a prestação de Serviços
de psicologia e de serviço social nas redes públicas de Educação básica.
Recuperado:https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposic
ao=20050.
Brasil. Câmara dos deputados. Lei nº 13.935, de 11 de dezembro de 2019.Dispõe sobre a
prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de
educação básica. Recuperado: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.935-de-
11-de-dezembro-de-2019.
Carvalho, L. R. P. S. Escolarização inclusiva de alunos com necessidades educacionais
especiais: um estudo de caso de um município paulista. (2008). Tese (Doutorado em
Educação), Marília - Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual
Paulista.
Conselho federal de psicologia: Referências Técnicas para a atuação do psicólogo na
educação básica. Recuperado: https://site.cfp.org.br/publicacao/referencias-tecnicas-
para-atuacao-de-psicologasos-na-educacao-basica/.
Heitor, Abadio Vicente. (2019). A Licenciatura em Psicologia: análise a partir dos
documentos oficiais. Catalão. Recuperado:
:https://repositorio.bc.ufg.br/tede/bitstream/tede/9785/5/Disserta%C3%A7%C3%A3o
%20-%20Heitor%20Abadio%20Vicente%20-%202019.pdf. Acesso: 10/02/2021.
Mattos, G. G.; shimizu, A. M. Bervique, J. A.(2008). A sensibilidade ética e o julgamento
moral de estudantes de Psicologia. Arquivos Brasileiros de Psicologia, n. 3, v. 60.
2008.
Mendes, E. G. (2006). A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Revista

1040
Brasileira de Educação. v. 11 n. 33 set./dez.
Michels, M. H. (2005). Paradoxos da formação de professores para a educação especial: o
currículo como expressão da reiteração do modelo médico-psicológico. Revista
Brasileira de Educação Especial, Marília, n.2, v.11, p.255-272. Mai.-Ago.
Omote, S. (2006). Inclusão e a questão das diferenças na educação. Perspectiva,
Florianópolis, v. 24, n. Especial, p. 251-272, jul./dez.
Omote, S. Deficiência: da diferença ao desvio. In: MANZINI, E. J. (Org.). (1999) Educação
Especial e estigma: corporeidade, sexualidade e expressão artística. Marília: UNESP.
Pio, L. M. et al. (2008). Atuação de psicólogos com pessoas em situação de deficiência em
idade escolar. Anais eletrônicos do III Congresso Brasileiro de Educação Especial,
Universidade Federal de São Carlos.
A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA

1041
REVISÃO NARRATIVA DA LITERATURA

Antonio Guilherme Martins


Maria Alice Alves
Maria Eduarda Silva Siqueira da Luz
Maria Andhiara Kaele Feitosa Silva
Lívia Cibelly Rodrigues de Melo

Introdução
No Brasil, somente após a promulgação da Constituição Cidadã de 1988 a saúde passou
a ser um direito universal e dever do Estado. Entretanto, somente no ano de 1990 o SUS é
oficialmente regulamentado, instituindo-se a lei 8.080/1990, abrangendo desde procedimentos
simples, por meio da Atenção Básica, até os procedimentos mais complexos, garantindo acesso
integral, universal e gratuito para toda a população do país (Ministério da saúde, 2019).
Dessa forma, a atenção primária à saúde foi inserida ao modelo de atenção à saúde,
graças a implantação do SUS, havendo assim a reformulação da espécie supracitada, tendo
como objetivo de reorientar o sistema e valorizar as ações individuais e coletivas, envolvendo
promoção, prevenção de agravos, recuperação e reabilitação da saúde. (Neves & Aciole, 2011).
Nesta perspectiva, alguns autores como Dimenstein (1998), Ronzani e Rodrigues (2006)
discutem a inserção do psicólogo na APS, apontando para as dificuldades encontradas por este
profissional e enfatizam que a mera transposição do modelo clínico tradicional nesse contexto
e a formação deficitária para o trabalho na saúde pública são graves entraves que limitam sua
atuação nesta área.
A inserção do psicólogo na APS deve estar pautada nos princípios da saúde coletiva, na
qual conceitos como integralidade, interdisciplinaridade e intersetorialidade ganham
importância (Cecílio, 2001). Ademais, segundo Alverga e Dimenstein (2005), a dimensão
ampliada da compreensão do processo saúde-doença possibilitou a inserção de outros
profissionais na área da saúde como os psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas,
fisioterapeutas e educadores físicos, condição esta, regulamentada em 1997 pela Resolução 218
do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 1997).
Com o passar dos anos, observa-se a ampliação do campo de atuação dos profissionais
da Psicologia, para assegurar atendimento populacional evitando problemáticas ainda maiores
no contexto da saúde mental, e com isso, o repertório de estratégias promove o diagnóstico
sucinto, além de ocasionar a criação de ações destinadas na qualidade de vida e bem-estar dos
usuários.
Diante disso, compreende-se que a saúde mental é um dos elementos mais importantes
na vida do ser humano, pois, de certo modo, os transtornos mentais e comportamentais podem
resultar de uma interação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Segundo Machado e
Calais (2018), a contribuição da Psicologia na atenção básica, assegura a compreensão de que
a saúde relaciona-se com a produção de vida, de acordo com espaço e tempo.
Nesse viés, o presente estudo tem como objetivo compreender e analisar a importância

1042
da Psicologia nas ações de saúde da atenção primária, tendo como intuito apresentar a evolução,
práticas e potencialidades do profissional da Psicologia em atuação nesse contexto.

Método
O referido estudo trata-se de uma revisão narrativa. De acordo com Atallah e Castro
(1998) revisões narrativas são amplas apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento
ou o “estado da arte” de um assunto constituem, basicamente, de análise da literatura publicada
em livros, artigos de revistas impressas e ou eletrônicas, na interpretação e análise crítica
pessoal dos autores. Esse tipo de artigo tem papel fundamental para a educação continuada,
pois permite ao leitor adquirir e atualizar o conhecimento sobre uma temática específica em
curto espaço de tempo.
A despeito de sua força de evidência científica se constitui com capacidade baixa devido
à impossibilidade de reprodução de sua metodologia, no entanto, as revisões narrativas podem
contribuir no debate de determinadas temáticas, levantando questões e colaborando na
aquisição e atualização do conhecimento em curto espaço de tempo (Costa, Mota, Paiva &
Ronzani, 2015).
Para a elaboração deste trabalho, utilizou-se pesquisa bibliográfica, com estudo
descritivo que analisou teses, dissertações e artigos científicos sobre o tema. Para a sondagem
dos artigos, utilizaram-se os descritores "psicólogo" e “atenção primária à saúde”. O
processo de coleta do material foi realizado de forma não sistemática no período de Julho a
Agosto de 2021. Os critérios utilizados para a seleção da amostra foram: artigos publicados
em português e inglês, com textos completos e disponíveis gratuitamente nas bases de
dados supracitadas e artigos originais e que abordassem a temática atuação do psicólogo na
atenção primária. Foram excluídos artigos publicados em outros idiomas, repetidos nas bases
e/ou que não abordassem o tema proposto e estudos de revisão.
O levantamento de dados foram pesquisados em quatro bases científicas, tais como:
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific
Electronic Library Online (SciELO), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Google Acadêmico.
Após o procedimento da busca eletrônica nas bases de dados mencionadas, as publicações
foram pré-selecionadas com base na leitura do título e resumo. Posteriormente, foi realizada a
leitura na íntegra dos artigos previamente selecionados, categorizados e analisados
criticamente, resultando em dois eixos de discussão: o processo de inserção da Psicologia na
Aps; multiprofissionalidade na prática psi.

Resultados e Discussão

O processo de inserção da Psicologia na APS

Historicamente, a Psicologia tem sido inserida nas políticas de saúde a partir do


processo de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), que está dividido em três níveis
de atenção, apresentados, aqui, da maior para a menor complexidade: o nível terciário (que
envolve procedimentos de alta complexidade, tecnologia e custo); o nível secundário (que
visam atender agravos à saúde que demandem profissionais especialistas ou recursos mais

1043
avançados que o nível primário) e o nível primário, lócus da pesquisa aqui apresentada, em que
são realizados os procedimentos que necessitam de menos tecnologia e equipamentos, capazes
de dar resolutividade à maioria dos problemas comuns à população. Conhecida como Atenção
Básica, esse nível é a porta de entrada do usuário no sistema de saúde, onde acontece a
referência e contra referência para demais serviços especializados (Brasil, 2007).
No Brasil, a APS tem por objetivo, possibilitar o primeiro acesso das pessoas ao sistema
de saúde, oferecendo um conjunto de ações no âmbito individual e coletivo, que agrega a
promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a
reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde, de forma a prover atenção integral,
com impactos relevantes na situação de saúde e autonomia dos usuários, bem como nos
determinantes e condicionantes de saúde das coletividades (Ministério Da Saúde, 2012). No
mesmo entendimento, de acordo com o Ministério da Saúde (2012), através dos princípios
organizativos do SUS de descentralização e territorialização, a APS, por meio da Estratégia de
Saúde da Família (ESF), localiza-se na comunidade, próxima do cotidiano e da vida das
pessoas. As práticas desenvolvidas na APS são fundamentadas na análise das necessidades e
no acompanhamento longitudinal da população, direcionadas para a promoção, manutenção e
melhoria da saúde (Starfield, 2002).
A implementação da Psicologia na atenção básica se deu no Brasil a partir da década de
1980, resultado, sobretudo, dos movimentos sociais no campo da saúde e pelos princípios da
reforma psiquiátrica. Ainda que alguns estudos apontem para a importância da Psicologia na
Atenção Primária (Jimenez, 2011; Sundfeld, 2010), a inserção neste campo ainda é principiante,
visto que a equipe mínima da ESF não contempla o psicólogo e quando a inserção acontece é
em forma de apoio via Núcleo de Saúde da Família (NASF), (Conselho Federal De Psicologia,
2010). Mais de trinta anos se passaram desde a aprovação do SUS, e nesse período vários
estudos foram realizados sobre a Psicologia na atenção primária, apontando a necessidade de
modificação e revisão da formação profissional no nível da graduação e do aperfeiçoamento, e
para a adoção de um modelo de atuação mais coerente com a realidade e necessidades da saúde
pública no Brasil, principalmente, da população por ela atendida (Conselho Federal De
Psicologia, 1988; Silva, 1992; Dimenstein, 1998, 2000).
Nesse viés de problemática, surge a indagação do papel e da atuação do psicólogo na
APS. Diante disso, como afirmado por Campos e Guarido (2007), mesmo com um grande
repertório de ações que podem ser desenvolvidas, como atividades em grupo, visitas
domiciliares e oficinas, por exemplo, a maioria dos psicólogos ainda se volta para os
atendimentos clínicos individuais, nos moldes dos consultórios particulares. Em virtude do
processo histórico da inserção da Psicologia, que de acordo com Dimenstein (1998), foi a partir
da crise instaurada nos anos 1970 e 1980 e o crescente número de psicólogos se formando nas
faculdades do Brasil afora, que a saúde pública mostrou-se como uma “nova” possibilidade
para os profissionais, sem, contudo, ser acompanhado do devido preparo na sua formação
acadêmica. Dentro do exposto, Oliveira e cols. (2005) investigaram como as práticas
psicológicas são registradas no SUS e constataram que o Sistema de Informações Ambulatoriais
(SIA-SUS) reproduz o modelo tradicional da Psicologia com ênfase nas psicoterapias. Assim,
fica evidente que o próprio serviço de saúde limita a possibilidade de ampliação das práticas
psicológicas na APS.
Neste sentido e pautando-se pela preocupação com a formação do psicólogo para

1044
atuação na saúde pública, o ano de 2006 foi definido pelo Conselho Federal de Psicologia como
o ano da Psicologia e da Saúde Pública. Durante todo o período, foram realizadas discussões,
mesas-redondas, debates, palestras, entre outras atividades que culminaram na realização do I
Fórum Nacional de Psicologia e Saúde Pública, em Brasília, no final do mesmo ano, e na
pesquisa em parceria com a Associação Brasileira para o Ensino de Psicologia (ABEP) (Spink,
2006). De acordo com os organizadores, o evento representou uma possibilidade de “acerto de
contas” de várias pendências produzidas ao longo da inserção da Psicologia como profissão na
área da Saúde, relativas aos aspectos políticos, administrativos e técnicos.
Com a realização dessas discussões, o incentivo do Governo Federal foi pautado em
relação à formação de profissionais de todas as áreas da saúde para atuar na estratégia saúde da
família (fundamental para operacionalização da atenção primária à saúde no Brasil), a partir da
residência multiprofissional. Clemente, Matos, Grejanin, Santos, Quevedo, & Massa (2008)
avaliaram tal experiência na cidade de São Paulo pela ótica da formação de psicólogos e
constataram que este tipo de formação em serviço permite o desenvolvimento de práticas
interdisciplinares e a experimentação e autonomia nos novos fazeres psicológicos, a partir da
concepção mais ampliada do processo saúde-doença. No entanto, estes fazeres são limitados
pelos códigos SIA-SUS que, para os autores, se fundamentam em outro paradigma de
conhecimento, baseado no modelo hegemônico da Psicologia.
No contexto da década de 1980 iniciou um movimento de percepção sobre o
compromisso social da psicologia e a partir da Constituição Federal de 1988, a psicologia
passou a ampliar suas práticas de atuação junto a grupos mais vulneráveis. Com isso, na década
de 1990, o núcleo percebeu a necessidade em desenvolver uma nova postura, que implicasse na
formação, pesquisa e nos demais espaços de produção do psicólogo. Em síntese, para a
psicologia não bastava permanecer apenas nas intervenções clínicas, em seu campo tradicional,
era necessário investir em novos locais de trabalho bem como em novas formas de atuação,
pois o movimento da sociedade convocava para maiores investimentos na profissão, permitindo
o protagonismo dos profissionais (Brandolt & Cezar, 2018).
É importante destacar que a busca por um outro modelo de atuação foi um dos motivos
pelos quais outros psicólogos que teciam críticas ao modelo de saúde dessa época escolheram
esse campo de trabalho, e que de acordo com Ronzani e Rodrigues (2006), essa postura
individualista para tratar dos usuários vai na contramão do que seria uma atuação comprometida
com a comunidade, além de também se contrapor ao conceito de saúde que norteia o SUS – que
inclui os aspectos sociais nos cuidados.

Multiprofissionalidade na prática psi

Nos últimos anos vem sendo evidenciado a importância da equipe multidisciplinar no


contexto de atenção básica, visto que é essencial ter uma variedade de ferramentas teóricas para
promover atendimentos integrados aos usuários. Nessa perspectiva, as “ciências de condutas”
como a sociologia, antropologia e psicologia podem contribuir com seus conhecimentos sobre
aspectos socioculturais e psicossociais para ensejar a relação entre médico e paciente, bem
como inserir a equipe de saúde junto à comunidade (Rozani & Rodrigues, 2006).
A perspectiva multiprofissional aponta para relações independentes entre diferentes
áreas do conhecimento ou de práticas. Com isso, podemos destacá-la como uma prática que sai
do isolamento e promove uma participação integrada no conjunto de ações que constroem o

1045
cotidiano do serviço na atenção básica, de maneira que há a complementação de vários saberes
entre diversos campos de conhecimento, permitindo a ampliação do que é entendido por
processos de doença e saúde (Cantele & Arpini, 2016).
A prática da Psicologia na atenção básica, bem como sua inserção nas equipes
multiprofissionais, expande sua área de atuação, possibilitando novas perspectivas teóricas,
novos aportes instrumentais, novas relações entre técnicos trabalhadores da área e uma
organização do sistema de atendimento, de maneira que não se mantém restrita apenas ao
desempenho em consultórios, mostra a pluralidade de ações que define o fazer do psicólogo e
também a mudança que o leva a não ser identificado unicamente como um profissional que faz
atendimento individual (Cantele & Arpini, 2016).
O psicólogo que a atua na atenção básica favorece a compreensão dos aspectos
psicossociais, histórico-culturais, políticos que envolvem os processos de saúde /doença e dessa
forma vão conhecer os fatores que desencadeia adoecimento e sofrimento daquela
comunidade, essa ampla visão facilita a atuação da equipe multidisciplinar que vai promover
ações para erradicar a problemática que afligem aquela população (Souza, 2009).
Outra forma que os psicólogos auxiliam nos serviços prestados pela atenção básica é
promoção à saúde, tendo em vista que esses profissionais promovem ações preventivas e
educativas. Rotineiramente os psicólogos realizam palestras informativas para grupos de
adolescentes, idosos, gestantes, hipertensos e diabéticos sobre as temáticas presentes do
cotidiano daquela comunidade, além disso eles realizam visitas domiciliares aos moradores que
estão em processo de adoecimento mental e que não podem se deslocarem a unidade básica de
saúde, com isso, eles pretendem atender as demandas específicas e emergências daquele usuário
(De Antoni & Parise, 2014).
Outro importante serviço que o psicólogo oferece ao contexto de atenção básica é a
realização de ações na fila de espera, que tem como objetivo amenizar ansiedade do usuário
que aguarda o seu atendimento médico em enorme filas de espera, além do mais essas essas
ações são tentativas de alcançar o maior número de usuários da unidade básica para participar
de palestras educativas e das atividades terapêuticas que visam a promover o relaxamento,
como também essa ações pretendem fortalecer o vínculo entre os profissionais da saúde e os
usuários e assim dispor um espaço de acolhimento e troca de vivências sobre práticas de saúde
entre os usuários, profissionais (Becker & Rocha, 2017).
Outrossim, o psicólogo ocupa um lugar essencial na equipe multiprofissional, o qual
está ligado à escuta profissional. Esse instrumento poderá compor momentos de subjetivação,
ampliando a percepção da equipe e da família em torno dos problemas levantados. Ademais,
poderá contribuir com um apanhado técnico e teórico que pode auxiliar na pluralidade de ações
que os profissionais poderão desenvolver (Cantele & Arpini, 2016).
Entretanto, o trabalho do psicólogo na atenção básica pode apresentar dificuldades,
uma vez que compor as equipes multiprofissionais não é uma tarefa fácil. Isso porque, há uma
resistência por parte de profissionais que não entendem ou aceitam a função conferida aos
membros da equipe. Além disso, há ainda uma carência de conhecimentos teóricos e práticos
importantes para a construção de uma nova prática integral, a qual se distancia dos
conhecimentos tradicionais, que se mostram insuficientes para atender as demandas atuais

1046
(Cantele & Arpini, 2016).

Considerações finais
A inserção do profissional de psicologia na atenção básica assegura a compreensão das
mudanças no cenário brasileiro, no que diz respeito às pessoas que procuram por esse serviço
de saúde na PSF, principalmente em analisar a porcentagem de usuários com problemáticas de
saúde mental no cotidiano e os desafios da intervenção e prática do Psicólogo. Nesse sentido,
o Psicólogo tem contribuído de forma significativa na atenção básica, obtendo como referência
o cuidado humanizado e a organização da rede dentro dos recursos disponíveis para promoção
da saúde mental do público atendido na PSF. Para tanto, o Psicólogo inserido na atenção básica
deve conhecer a demanda atendida nesse local, além de trabalhar de forma direta com a
participação da comunidade.
Pois, o processo de construção assegurado pelo sistema único de saúde destaca a
articulação de campos diversos a fim de não restringir o saber médico, visto que este
profissional possui habilitação para atuar de forma direta com os usuários da atenção básica
fornecendo conhecimentos e intervenções efetivas.
Nesse contexto, o campo da psicologia introduzido na atenção básica, assegura o
posicionamento ético e político em decorrência da prática de compreender o usuário inserido
em seu cotidiano, a fim de desenvolver ações de caráter comprometido com a transformação
social, no desenvolvimento de bem-estar aos seus pacientes.
Assim, a pesquisa respondeu aos objetivos propostos, elencando que o exercício
profissional na atenção básica, permite compreender as subjetividades presentes nesse campo,
para que o Psicólogo possa se basear nos princípios e compromissos da profissão, tornando
capaz de enfrentar as problemáticas das relações entre usuário e sociedade.

Referências
Alverga, A. R., & Dimenstein, M. (2005). Salud mental en la atención básica: Construyendo
la integralidad en el Sistema Unico de Salud en Brasil. Revista Altenativas en
Psicologia, 10(12), 67-77.
Atallah, N.A., & Castro A.A. (1997). Revisões sistemáticas da literatura e metanálise: a
melhor forma de evidência para tomada de decisão em saúde e a maneira mais rápida
de atualização terapêutica. Diagnóstico & Tratamento. 2(2), 12-15.
Becker, A. P. S., & Rocha, N. L. D. (2017). Ações de promoção de saúde em sala de espera:
contribuições da Psicologia. Mental, 11(21), 339-355.
Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. (2007). Assistência de Média e Alta
Complexidade no SUS. Brasília, DF : CONASS.
Campos, F. C. B., & Guarido, E. L. (2007). O psicólogo no SUS: suas práticas e as
necessidades de quem o procura. In: M. J. P. Spink, A psicologia em diálogo com o
SUS: prática profissional e produção acadêmica, 81-103. São Paulo, SP: Casa do
Psicólogo.
Cantele, J. & Arpini, D. M. (2017). Ressignificando a Prática Psicológica: o Olhar da Equipe

1047
Multiprofissional dos Centros de Atenção Psicossocial. Psicologia: Ciência e
Profissão, 37(1), 78-89. https://doi.org/10.1590/1982-3703001542014.
Cecílio, L. C. O. (2001). As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela
integralidade e eqüidade na atenção em saúde. In: Pinheiro, R., & Mattos, R. A. Os
sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro, RJ: IMS-
UERJ/ABRASCO, 113-126.
Cezár, P. K., & Brandolt, C.R. (2018). Práticas coletivas da Psicologia na Atenção Primária à
Saúde. Tempus, actas de saúde colet, Brasília, D.F, 12(1), 191-205.
Clemente, A., Matos, D. R., Grejanin, D. K. M., Santos, H. E., Quevedo, M. P., & Massa, P.
A. (2008). Residência multiprofissional em saúde da família e a formação do
psicólogo para a atuação na atenção básica. Saúde e Sociedade, 17(1), 176-184.
Conselho Federal de Psicologia. (1988). Quem é o psicólogo brasileiro. São Paulo, SP:
Edicon.
Conselho Federal de Psicologia. (2010). A prática da psicologia e o núcleo de apoio à saúde
da família. Brasília, DF: CFP.
Costa, P. H. A., Mota, D. C. B., Paiva, F. S & Ronzani, T. M. (2015). Unravelling the skein
of care networks on drugs: a narrative review of the literature. Ciência & Saúde
Coletiva, 20(2), 395-406. Recuperado em 10 julho, 2020, de
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232015000200395&lng=en

De Oliveira, I. F., de Oliveira Amorim, K. M., dos Anjos Paiva, R., de Oliveira, K. S. A., do
Nascimento, M. N. C., & Araújo, R. L. (2017). A atuação do psicólogo nos NASF:
Desafios e perspectivas na atenção básica. Trends in Psychology, 25(1), 291-304.
Dimenstein, M. D. B. (1998). O psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde: desafios para a
formação e atuação de profissionais. Estudos de Psicologia, 3(1), 53-81.
Dimenstein, M. D. B. (2000). A cultura profissional do psicólogo e o ideário individualista:
Implicações para a prática no campo da assistência pública à saúde. Estudos de
Psicologia, 5, 95-121.
Jimenez, L. (2011). Psicologia na atenção básica à saúde: demanda, território e integralidade.
Psicologia & Sociedade, 23(s.i.), 129-139.
Machado, C. B. Calais, L. B. (2018). Entrelaçando (im) possibilidades: reflexões sobre a
atuação da psicologia social comunitária na atenção primária à saúde. Pesquisas e
Práticas psicossociais, 13(4), 1-15. http://www.seer.ufsj.edu.br/index.php/revista_ppp
Ministério da Saúde. (1997). Resolução 218 - 97 - Regulamentação das profissões de Saúde.
Brasília: DF: Ministério da Saúde.
Ministério da Saúde. (2012). Portaria Nº 1.823 - Política Nacional de Saúde do Trabalhador
e da Trabalhadora. Brasília, DF: Ministério da Saúde.
Ministério da Saúde. (2019). Sistema Único de Saúde (SUS): estrutura, princípios e como
funciona. Brasília, DF: Ministério da Saúde.
Neves, L.M. T., & Aciole, G.G. (2011). Desafios da integralidade: revisitando as concepções

1048
sobre o papel do fisioterapeuta na equipe de Saúde da Família. Interface-Comun,
Saúde, Educ. 15(37), 551-64.
Oliveira, I. F., Dantas, C. M. B., Costa, A. L. F., Gadelha, T. M. S., Ribeiro, E. M. P. C., &
Yamamoto, O. H. (2005). A psicologia, o Sistema Único de Saúde e o Sistema de
Informações Ambulatoriais: Inovações, propostas e desvirtuamentos. Interação em
Psicologia, 9, 273-283.
Parise, L. F., & De Antoni, C. (2014). A psicologia na atenção primária à saúde: Práticas
psicossociais, interdisciplinaridade e intersetorialidade. Clínica & Cultura, 3(1), 71-
85.
Ronzani, T. M., & Rodrigues, M. C. (2006). O psicólogo na atenção primária à saúde:
contribuições, desafios e redirecionamentos. Psicologia: Ciência e Profissão. 26(1),
132-143. Recuperado em 20 junho, 2020, de <https://doi.org/10.1590/S1414-
98932006000100012>

Ronzani, T. M., & Rodrigues, M. C. (2006). O psicólogo na atenção primária à saúde:


contribuições, desafios e redirecionamentos. Psicologia: ciência e profissão, 26, 132-
143.
Ronzani, T. M., & Rodrigues, M. C. (2006). O psicólogo na atenção primária à saúde:
contribuições, desafios e redirecionamentos. Psicologia: Ciência e Profissão, 26(1),
132-143.
Silva, R. C. (1992). A formação em psicologia para o trabalho na saúde pública. In F. C. B.
Campos, Psicologia e saúde: Repensando práticas, 25-40. São Paulo, SP: Hucitec.
Spink, M. J. P. (2006). A Psicologia em diálogo com o SUS: Prática profissional e produção
acadêmica. Relatório Final Projeto Coletivo de Cooperação Técnica da Associação
Brasileira de Ensino de Psicologia: Mudança na Formação em Psicologia e Pesquisa e
Sistematização de Experiências. Recuperado em 25 agosto, 2020, de
http://www.abepsi.org.br/web/Relatorio_pesquisa_ABEP.pdf

Starfield, B. (2002). Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e


tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde.
Sundfeld, A. C. (2010). Clínica ampliada na atenção básica e processos de subjetivação: relato
de uma experiência. Physis Revista de Saúde Coletiva, 20(4) , 1079-1097.
EIXO 16

1049
Psicologia DO ESPORTE

COMPREENDENDO A PSICOLOGIA DO ESPORTE: CAMPOS DE ATUAÇÃO E


SEUS DESAFIOS NA ATUALIDADE

Zabelle Cabral dos Santos


Laurany Barbosa Santos
Ingrid Lorena Ramos Sousa
Carla Fernanda de Lima

Introdução
A Psicologia abrange diversas áreas, destacando-se o crescimento de uma destas, a
Psicologia do Esporte. Para compreender seu desenvolvimento faz-se necessário o
conhecimento acerca de seu conceito, origem, percurso histórico e estado atual adjunto aos seus
campos de atuação e desafios (Vieira et al., 2010).
Enquanto ciência que estuda pessoas em contexto esportivo (Valle, 2007) os
profissionais desse âmbito buscam analisar os aspectos emocionais dos atletas através dos
fatores psicológicos que podem influenciar a prática esportiva e afetar a saúde mental dos
mesmos, visando identificar todo o contexto dessas pessoas e suas relações pessoais e
profissionais, uma vez que, o estado emocional é um dos principais fatores que interferem no
resultado do jogo (Weinberg & Gould, 2017).
De acordo com a Associação Americana de Psicologia (APA) a Psicologia do Esporte
é uma “proficiência que utiliza conhecimentos e habilidades psicológicas para abordar o
desempenho ideal e o bem-estar de atletas, aspectos sociais e de desenvolvimento da
participação esportiva e questões sistêmicas associadas a ambientes e organizações esportiva”
(APA, 2018).
Nesta área, a relação entre o corpo e a mente retoma durante o seu desenvolvimento à
discussão dos filósofos na Grécia Antiga frente a essa dualidade, incluindo a relação da saúde
mental e física (Epiphanio, 1999). Os filósofos como Platão e Aristóteles já discutiam sobre o
movimento a partir dos conceitos de alma e corpo e referiam-se à prática esportiva como
contribuinte para o bem-estar mental (Barreto, 2003).
Conforme Weinberg e Gould (2017) o percurso histórico para o crescimento e
desenvolvimento da Psicologia do Esporte compreende seis períodos: os primeiros anos (1895-
1920); a era Griffith (1921-1938); preparação para o futuro (1939-1965); o estabelecimento da
Psicologia do Esporte como disciplina acadêmica (1966-1977); ciência e prática
multidisciplinar na Psicologia do exercício e do esporte (1978-2000), e Psicologia do exercício

1050
e do esporte contemporâneo (2000 até o presente).
Em meados do final do século XVII várias questões relacionadas aos processos
fisiológicos, motores e emocionais começaram a ser indagadas pelo campo da Psicologia
aplicada ao esporte (Davis, Huss & Becker, 1995). Essas indagações são evidenciadas quando
no período descrito por Weinberg e Gould (2017), os primeiros anos, o psicólogo Norman
Triplett em 1897 procurava entender o porquê de ciclistas pedalarem mais rápido em grupos do
que quando estavam sozinhos. Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018) corroboram a
influência dos grupos no comportamento individual, já que diante destes o indivíduo sente o
desejo de ser bom frente ao grupo, geralmente melhorando seu desempenho.
Posteriormente, Coleman Griffith cria o primeiro laboratório na área da Psicologia do
Esporte, em 1925, objetivando investigar elementos psicológicos que afetavam o rendimento
esportivo, marcando dessa forma o período de desenvolvimento e a pesquisa na prática desse
domínio (Vieira et al., 2010).
O período de preparação para o futuro definido por Weinberg e Gould (2008), marcou
segundo Silva (1984) o início da Psicologia do Esporte no Brasil em 1954, com a seleção de
juízes da Federação Paulista de Futebol, em que seguindo este evento, segundo Epiphanio
(1999) no time São Paulo Futebol Clube, o psicólogo João Carvalhaes iniciou o
acompanhamento psicológicos dos jogadores.
Como característica de uma área emergente, a Psicologia do Esporte foi ganhando o
status acadêmico e foi estabelecida como disciplina acadêmica do curso superior de Educação
Física. Além disso, com o decorrer dos anos os eventos e publicações científicas a respeito de
tal área foram aumentando e contribuindo para uma ciência e prática com viés multidisciplinar
(Pires, 2013).
Essa grande ampliação nos horizontes da Psicologia, enquanto ciência e profissão,
colaboraram ao longo das últimas décadas para a divisão de espaços em áreas exclusivas de
outros profissionais (Rubio, 1999). No Brasil este processo foi e continua a se evidenciar com
a integração dos psicólogos em equipes olímpicas e paraolímpicas, e no âmbito mundial pela
crescente ênfase dada às pesquisas sobre a Psicologia do Esporte e exercício em razão dos
benefícios que o esporte traz para a saúde mental e física (Pires, 2013).
Diante desses processos de integração e expansão, Rubio (2003) apontou três
possibilidades de atuação para os psicólogos do esporte: como educador, a nível acadêmico
lecionando a disciplina de Psicologia do Esporte; pesquisador, cujo estuda e pesquisa sobre
algo do ramo, mas sem intervenção direta com o atleta; e clínico, o qual atua com equipes e/ou
atletas para diagnosticar, avaliar e intervir em preparações específicas.
Ademais, Samulski (1992, citado por Rubio, 1999) destacou quatros campos de atuação
para aplicação da Psicologia do Esporte, a saber: (1) o esporte de rendimento, em que o
psicólogo analisa e transforma os determinantes psicológicos que interferem no rendimento do
atleta; (2) esporte escolar, na qual se analisam os processos de ensino, socialização e
aprendizagem e seu reflexo no praticante; (3) esporte recreativo, cujo psicólogo avalia dentro
das diferentes classes socioeconômicas, faixas etárias e atuações profissionais os motivos, as
atitudes e os interesses; (4) esporte de reabilitação, onde o trabalho é realizado na prevenção e
intervenção em atletas lesionados e deficientes físicos ou mentais.
No entanto, apesar da vasta área para atuação, há ainda uma ampla carência de

1051
profissionais para exercer os papéis nos diferentes campos (Vieira et al., 2010), em razão como
bem afirma Machado (1997), da dificuldade de encontrar cursos específicos para sua formação,
comprometendo, assim, a qualificação destes profissionais. Salienta-se, portanto, a importância
de estudos que englobem a Psicologia do Esporte, diante da necessidade de preparação
psicológica dos atletas e equipes, para promoção da saúde mental e bem-estar (Rubio, 2007).
A partir do que foi apresentado, o presente relato de pesquisa tem como objetivo geral
compreender a atuação profissional do psicólogo na área do esporte. Como objetivos
específicos busca entender a percepção do profissional acerca da importância de seu trabalho,
assim como as limitações existentes e, identificar tanto as técnicas e métodos, como também a
intervenção realizada pelo psicólogo do esporte.

Método
Participantes
Foram entrevistados dois profissionais especializados na área do esporte, ambos do sexo
masculino e residentes no estado do Piauí. Ressalte-se que a entrevista foi realizada com apenas
dois participantes, devido à dificuldade em encontrar profissionais atuando nessa área no estado
do Piauí.

Instrumentos
Foi realizada uma entrevista semiestruturada, composta por dez questões previamente
formuladas. Nesta entrevista constavam perguntas relacionadas à percepção dos profissionais
acerca da importância do seu trabalho, os campos de atuação, técnicas e métodos e sua eficácia
na aplicação da Psicologia do Esporte, sobre a intervenção do psicólogo do esporte e as
limitações e desafios enfrentados.

Procedimentos
Os entrevistados foram contatados e após a aceitação foi enviado um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com uma breve descrição dos objetivos do estudo.
O roteiro de perguntas foi respondido por um dos participantes através de áudio via WhatsApp,
em decorrência de não residir na cidade em que a pesquisa foi realizada e o outro através da
entrevista presencial. Ressalta-se a preocupação com aspectos éticos, uma vez que todos os
procedimentos éticos em pesquisas realizadas com seres humanos foram salvaguardados, de
acordo com a Resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, o que inclui participação
voluntária e anônima, o direito ao sigilo e a informação de que a pesquisa não oferecia risco ao
respondente.
Todos estavam cientes que poderiam interromper sua participação na pesquisa a
qualquer momento, sem que isso acarretasse prejuízo, e que os resultados da pesquisa seriam
usados unicamente para fins acadêmicos e científicos. Deve-se salientar que a entrevista
presencial foi gravada, a fim de que fosse transcrita e analisada posteriormente, assim como

1052
feito com os áudios recebidos de um dos participantes.

Análise de dados
Foi realizada através da Análise de Conteúdo de Bardin, a qual compreende um conjunto
de técnicas da análise de comunicações que adota mecanismos minuciosos e objetivos para
descrever o conteúdo das mensagens (Bardin, 2006).

Resultados e Discussão
Os resultados obtidos foram organizados em eixos temáticos para a explanação das
categorias que surgiram, a saber:

Eixo 1 – A percepção do profissional acerca da importância do seu trabalho


De acordo com a entrevista realizada com os psicólogos do esporte foi possível
compreender a percepção dos mesmos sobre sua importância e a relevância de seus trabalhos
atuando nessa área.

Tabela 1: Percepção sobre a importância do Psicólogo do Esporte

Importância do profissional

Identificar fatores que influenciam a performance do atleta (1)

Constituir a equipe multiprofissional (2)

Conhecimento específico na área (2)

Propiciar melhor desempenho para o atleta e sua equipe (1)

Salienta-se, a partir dos dados obtidos, a importância de tal profissional atuando tanto
com atletas como com toda a equipe de treino e suporte. Pinho (2016) destacou que a Psicologia
do Esporte tem crescido como campo da ciência possibilitando a ampliação das áreas de
atuação, visto que ela está sendo aplicada em distintos campos, como academias, centros de
treinamentos, escolas e outros. Além do que, está sendo aplicada com atletas de todos os níveis.
Verifica-se a necessidade de ter um olhar psicológico, com conhecimentos específicos
na área do esporte, com intuito de avaliar comportamentos que serão de grande relevância para
o atleta e também para o contexto no qual ele está inserido, possibilitando uma intervenção
mais eficaz.
A atuação do psicólogo do esporte ajuda a assimilar conceitos pertinentes à saúde e as
possíveis estratégias de intervenção. Conforme o Entrevistado A “é muito importante a
presença de um psicólogo no contexto esportivo, da mesma maneira que tem um treinador, que
tem o pessoal da fisioterapia, que tem os profissionais que constituem uma equipe de saúde”.
Compreende- se que o psicólogo do esporte deve ter uma visão ampliada do sujeito

1053
(Pinho, 2016) tendo em vista que esse profissional pode trabalhar aspectos psicológicos e
subjetivos do indivíduo, identificando nestes os fatores que estejam influenciando a
performance do atleta e propiciando-o um melhor desempenho, conforme apontou o
Entrevistado B. O Entrevistado A complementou essa ideia trazendo à tona a importância de se
trabalhar com toda a equipe de profissionais envolvidos com o atleta de determinada
modalidade.

Eixo 2 – Os campos de atuação do profissional


Os campos de atuação do psicólogo do esporte inicialmente podem estar ligados à área
acadêmica, cujo interesse diz respeito à pesquisa e ao conhecimento da disciplina “Psicologia
do Esporte”. Noutro giro, se debruça sobre a prática sendo aplicada de forma direta em seu
campo de atuação e intervenção (Rubio, 1999).
De acordo com os entrevistados os campos de atuação se dividem da seguinte forma:

Tabela 2: Os campos de atuação da Psicologia do Esporte

Campos de Esporte de Esporte Educacional Esportes de Alto Iniciação


atuação Reabilitação (2) (1) Rendimento (2) Esportiva (2)

Com atletas com Fatores de


Basquete
deficiências aprendizagem

Com atletas Estimulação


Futebol
lesionados psicomotora

Aspectos do
Subcategorias
comportamento e Ginástica
interação

Esporte como
Luta
qualidade de vida

Vôlei

Os campos de atuação citados foram: o Esporte de Reabilitação, o Esporte Educacional,


o Esporte de Alto Rendimento, a Iniciação Esportiva e as categorias de base (Entrevistado A),
sendo que as categorias de base se incluem tanto nos Esportes de Alto Rendimento, como nos
de Iniciação Esportiva, por esse motivo não entraram como campo de atuação em separado na
tabela acima.
Quanto à categoria Esporte de Reabilitação, este se desdobra em duas vertentes: trabalho
com atletas que tenham algum tipo de deficiência e trabalho com atletas lesionados oriundo da
prática esportiva (Entrevistado A).
Na categoria de Esporte Educacional a ideia é levar para o contexto acadêmico a
relevância do esporte, principalmente relacionada aos fatores de aprendizagem, estimulação
psicomotora, aspectos relacionados ao comportamento e interação, que contribuem diretamente

1054
na melhora da qualidade de vida, proporcionando cuidados com a saúde física e, sobretudo,
mental (Entrevistado A).
Como bem evidenciou Alves (2008, p. 87) "a evolução psicomotora vai ser dirigida pela
sucessiva integração dos seguintes fatores: precisão, rapidez e força muscular", corroborando
com o que foi explanado pelo Entrevistado A acerca da influência da Psicologia do Esporte no
trabalho da estimulação psicomotora e da aprendizagem, uma vez que o desenvolvimento
envolve todas as áreas do organismo e personalidade, de forma regular, ordenada e contínua
(Alves, 2008), principalmente quando voltado a crianças e/ou principiantes em alguma
modalidade esportiva.
A categoria do Esporte de Alto Rendimento é a que abrange maior grau de conhecimento
e embasamento, haja vista dispor de uma grande quantidade de pesquisas desenvolvidas nesse
campo (Entrevistado A). O psicólogo dessa área pode atuar, por exemplo, em clubes de futebol,
vôlei ou basquete (Entrevistado B), desde categorias de base até as mais avançadas até a
aposentadoria.
A categoria de Iniciação Esportiva engloba as categorias de base, nas quais atletas
iniciantes de determinada modalidade passam, por exemplo, do sub-12 ao sub-13, para o sub-
14 seguindo até o sub-16, podendo chegar à categoria principal (adulto) e, posteriormente,
outras categorias, bem como alcançar para eventual aposentadoria (Entrevistado A).
O Entrevistado B destacou ainda a atuação do profissional na prática de esportes
individuais. Por exemplo, na ginástica e na luta, onde são trabalhados os aspectos motivacionais
e de autoestima, provocando no atleta uma ativação de seu corpo fazendo-o sentir-se pleno e
concentrado na atividade a ser por ele exercida. Em suma, Oliveira, Laurentino e Cruz (2017)
ressaltam a diversidade existente dos campos de atuação do psicólogo do esporte.

Eixo 3 - Técnicas e métodos e sua eficácia na aplicação da Psicologia do Esporte


Este eixo apresenta questões acerca das técnicas e métodos utilizados pelo psicólogo do
esporte e a eficácia destes, ademais a importância das atividades de testagem e a necessidade
de classificação dos atletas.

Tabela 3: Técnicas e métodos utilizados pelo psicólogo do esporte

Técnicas Métodos

Ativação (2) Anamnese (2)

Auto-fala (1) Atividade individual (1)

Biofeedback (1) Dinâmicas de grupo (1)

Mentalização (4) Testes psicológicos (2)

Neurofeedback (1) Treino mental (1)

Relaxamento (3) Triagem (3)


Respiração diafragmática (1)

1055
Visualização mental (1)

Existem inúmeras técnicas e métodos que podem ser utilizados como intervenção no
desempenho do atleta, que passam primeiramente pela anamnese ou triagem para que se possam
desenvolver atividades individuais ou dinâmicas de grupo, usadas principalmente para trabalhar
a coesão grupal, comunicação, desenvolvimento de liderança e a resolução de problemas.
Como exemplo se dão as atividades de relaxamento por meio da respiração
diafragmática, da mentalização, ativação e da auto-fala trabalhando pensamentos positivos e a
visualização mental, na qual faz com que o atleta imagine situações que já ocorreram ou podem
ocorrer com o objetivo de estimular sua mente e provocar um impacto positivo (Entrevistado
A). O desenvolvimento de métodos específicos de psicodiagnóstico e intervenção consideram
as particularidades das modalidades e de seus praticantes (Garcia & Borsa, 2016).
Nas modalidades individuais segundo Rubio (2004) as atividades focam na
concentração, controle de ansiedade, técnicas corporais, de visualização, relaxamento e
inversão de papéis. Enquanto que nas modalidades coletivas, conforme Dobránszky (2007),
foca-se nas relações, no vínculo e na organização das lideranças, podendo ser utilizados jogos
dramáticos, técnicas de senso-percepção e outros processos verbais de origem na psicanálise de
grupos.
Com os avanços tecnológicos outras técnicas como o neurofeedback e o biofeedback
surgiram para trabalhar o desempenho do atleta e a estimulação cognitiva (Entrevistado A).
Segundo Dias (2010) o neurofeedback visa o aumento da performance e sensação de bem-estar,
englobando um conjunto de treinamentos de dimensões fisiológicos que compõem o
biofeedback.
Autores como Silva, Foch, Guimarães e Enumo (2014), constataram métodos utilizados
nessa área, tais quais entrevistas, observações, testes e leitura de relatório feito pelos
treinadores, que possibilitam uma avaliação psicológica. As atividades de testagem ou testes
psicológicos estimam o nível do indivíduo, se ele já se encaixa ou se está entrando no alto
rendimento, ou se simplesmente está iniciando uma modalidade esportiva e pretende dar
continuidade a ela, além de analisar como o indivíduo se encontra no momento antecedente,
durante e após uma competição ou exercício (Entrevistado A). Os dados obtidos nesta operação
dão suporte para que sejam feitas mudanças no trabalho do psicólogo, se adequando
dinamicamente às necessidades dos atletas envolvidos (Vieira, Vissoci & Oliveira, 2009).
A partir dos testes psicológicos o psicólogo do esporte pode nortear possíveis
intervenções para serem trabalhadas no indivíduo e que favoreçam que ele exerça potencial
melhora em seu desempenho (Entrevistado B). Ações de treinamento mental e preparo
psicológico com aconselhamento e acompanhamento dos atletas podem ser implementadas para
atingir esse resultado (Vieira et al., 2009).

Eixo 4 - A intervenção do psicólogo do esporte


O processo de intervenção se inicia previamente com a observação, se utilizando de um

1056
olhar clínico, visando identificar pontos que podem afetar o psicológico dos atletas e em
paralelo interferir nos aspectos físicos e desempenho dos mesmos (Entrevistado A).

Tabela 4: Intervenções e efeitos da atuação do psicólogo do esporte

Intervenções Efeitos na/no:

Conversas em grupo (1) Autoconsciência corporal (1)

Discursos inflamados (2) Autoconsciência do espaço (1)

Escuta qualificada (1) Autoestima (2)

Observação (1) Emocional (2)

Olhar clínico (3) Motivação (2)

Palestras motivacionais (2) Poder de concentração (1)

Psicológicos (2)

Tais técnicas, por sua vez, se fazem de instrumentos para que, após o olhar clínico e a
escuta qualificada, auxiliem o profissional a trabalhar os aspectos psicológicos, emocionais,
motivacionais, de estima, a autoconsciência corporal e de espaço, o poder de concentração e
ajudar o atleta a conhecer seus limites (Entrevistado B).
O psicólogo dotado de suas técnicas pode intervir nos aspectos psicológicos e
emocionais conduzindo o atleta a utilizar a técnica de auto-fala durante a realização na prática
esportiva, visando que ele adquira a capacidade de pensar positivo durante o seu desempenho
esportivo e na execução da sua manobra (Scala, 2000). A motivação pode ser trabalhada
também mediante a fixação de metas exigentes e reais, com o desenvolvimento da
automotivação e com técnicas de ativação (Samulski, 1988).
O poder de concentração é outro importante aspecto que o psicólogo do esporte realiza
intervenção, pois o atleta pode sentir-se bastante pressionado e pensamentos bombardearem sua
cabeça podendo ocorrer a seguinte situação citada pelo Entrevistado B:

O indivíduo, por exemplo, vá bater um pênalti, e comece a vir pensamentos na cabeça de que você vai
errar. Se você errar quer dizer que você não é um bom jogador. Se você errar todo mundo vai pegar no
seu pé (Entrevistado B).

Essa série de pensamentos implica diretamente na concentração e na autoconfiança


desse indivíduo. Dessa forma, o poder de concentração é algo muito trabalhado em esportes de
alto rendimento, tornando propício que o indivíduo em momentos como o da situação anterior
esqueça-se de tudo que está a sua volta e assim consiga ter um ótimo desempenho a partir do
foco em estímulos relevantes (Santos, 2010). Podem ser realizadas, nesses casos, intervenções
com técnicas específicas de relaxamento e a mentalização.
Em equipe podem ser realizadas intervenções com palestras motivacionais e conversas

1057
em grupo que podem ser realizadas de forma individual também com discursos inflamados
visando motivar os jogadores antes da realização de atividades (Entrevistado B).
Além disso, o psicólogo do esporte também percebendo um desgaste mental no atleta,
devido a sobrecarga de treino ou alguma desmotivação provocada durante o treinamento, pode
também intervir articulando com o treinador e/ou preparador físico para alertar sobre o desgaste
mental do atleta e assim elaborar estratégias de acordo com os limites do mesmo fazendo com
que o atleta também conheça seus próprios limites (Entrevistado B).

Eixo 5 – Limitações no exercício da profissão


Devido ser uma área ainda em difusão, o psicólogo do esporte enfrenta diversas
dificuldades, principalmente na região nordeste do país, pois, nessa localidade ainda não se
encontra um mercado de trabalho consolidado para este profissional, fazendo com que haja a
mudança de localidade para poder atuar nesse campo.
De acordo com pesquisas feitas e das entrevistas realizadas foi possível entender o
quadro com os principais fatores que dificultam a atuação do psicólogo do esporte e seu impacto
quando não se entende a aplicabilidade desse profissional, que serão destacadas a seguir:

Tabela 5: Limitações na atuação do psicólogo do esporte

O que falta Causas oriundas do mercado

Apoio financeiro às instituições (1) Conhecimento vago acerca da profissão (1)

Capacitações (1) Psicólogo visto como um luxo desnecessário (1)

Congressos (1) Em corte de gastos o psicólogo é retirado (2)

Cursos (1)

Eventos (1)

Ferramentas necessárias (1)

Pós-graduações (1)

Conforme relatado pelos dois entrevistados um dos principais problemas é a falta de


cursos, eventos, congressos, capacitações e pós-graduações, alegando que apesar de ser um
mercado de trabalho emergente ainda faltam oportunidades de aperfeiçoamento na região,
havendo a necessidade de os mesmos terem que viajar para conseguirem se aprimorar e
conhecer locais de atuação, como por exemplo, clubes de futebol (Entrevistados A e B).
Outra grande dificuldade é relacionada ainda o desconhecimento da importância da
atuação desse psicólogo em conjunto com atletas, equipe de treinamento e equipe de saúde,
agravando na falta de investimento nesse profissional, como relatado pelo Entrevistado A
“outra dificuldade também é o apoio financeiro das instituições ou dos clubes que pegam ou
querem ainda muito trabalho de parceria com a troca de divulgar o trabalho, mas não ter retorno
financeiro”. Ademais, o Entrevistado B afirma que “se houver um corte de algum profissional

1058
e o psicólogo estiver entre eles, geralmente ele é um dos primeiros a sair, se não for o primeiro”
Reiterou Pinho (2016) que o processo para se tornar um profissional especializado na
área não está ligado somente ao conhecimento teórico adquirido por meio de livros, artigos,
entre outros, mas com a atuação em si desse psicólogo possibilitando-o de exercer seus
conhecimentos prévios e tornando-o mais confiante no que é capaz de realizar.0
Como exposto anteriormente apesar de ser uma área em crescimento ainda existem
preconceitos acerca de sua necessidade, sendo muitas vezes taxado como um luxo
desnecessário. Ainda há muito que se evoluir para que o psicólogo do esporte consiga abranger
seu público de forma efetiva (Entrevistado B).

Considerações finais
De acordo com a investigação realizada, esta pesquisa verificou os campos de atuação
e o exercício do profissional psicólogo do esporte, como também os desafios enfrentados por
este na atualidade e concluiu que apesar da multiplicidade de categorias para atuação do
psicólogo do esporte, mesmo este com domínio em técnicas e métodos para potencializar a
performance do atleta, ainda há pouca oferta no mercado de trabalho e desconhecimento da
importância desse profissional para integrar as equipes de treinos e suportes.
Os resultados foram coerentes nos eixos abordados pois, por meio do levantamento
realizado, conclui-se que há a necessidade de o psicólogo especializado na área do esporte
acompanhar o esportista, visando o bem-estar psíquico deste, utilizando-se das técnicas e
métodos apresentados no trabalho. De tal modo, sendo possível a compreensão da sua atuação
na área do esporte.
Apesar de cumpridos os objetivos desta pesquisa é necessário ponderar a respeito de
suas limitações potenciais. O principal aspecto que interferiu para uma melhor resolução do
estudo apresentado foi a dificuldade de acesso a profissionais psicólogos especializados na área
do esporte e também a disponibilidade precária que alguns apresentaram em exercer na mesma.
É importante que se continue a pesquisar a respeito da Psicologia do Esporte a fim de
que esta seja cada vez mais expandida, difundindo a sua relevância perante o meio esportivo
em seus diferentes campos de atuação. Espera-se que possam ser realizados estudos futuros que
contribuam para o melhor entendimento desse âmbito da Psicologia, além de colaborar para
que essa área possa vir a ser mais valorizada, possibilitando a consolidação nos diversos meios
sociais a quais se aplicam a prática esportiva.

Referências Bibliográficas
Alves, F. (2008). Psicomotricidade: corpo, ação e emoção (4º Ed, p. 87). Rio de Janeiro:
Wak Editora.
American Psychological Association (APA). [2018]. Psicologia do Esporte. Recuperado de:
https://www.apa.org/ed/graduate/specialize/sports.aspx. Acesso em: 03 de nov. 2018.

Bardin, L. (2006). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.


Barreto, J. A. (2003). Psicologia do Esporte para o atleta de alto rendimento. Rio de Janeiro:

1059
Shape.
Davis, S. F., Huss, M. T., & Becker, A. H. (1995). Norman Triplett and the dawning of sport
psychology. The Sport Psychologist, 9(4), 366-375.
Dias, A. M. (2010). Tendências do neurofeedback em Psicologia: revisão sistemática.
Psicologia em Estudo, 15(4), 811-820.
Dobránszky, I. A. (2007). Subjetividade no esporte: o impacto da subjetividade do técnico na
constituição de uma equipe de triatlo (Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade
Católica de Campinas, Campinas). Recuperado de: http://tede.bibliotecadigital.puc-
campinas.edu.br:8080/jspui/handle/tede/381. Acesso em: 02 de nov. 2018.

Epiphanio, E. H. (1999). Psicologia do Esporte: Apropriando a desapropriação. Psicologia


Ciência e Profissão, 19(3), 70-73.
Garcia, R. P., & Borsa, J. C. (2016) A prática da avaliação psicológica em contextos
esportivos. Temas em Psicologia, 24(4), 1549-1560.
Gazzaniga, M., Heatherton, T., & Halpern, D. (2018). Ciência Psicológica (5º Ed). Porto
Alegre: Artmed.
Machado, A. A. (1997). Psicologia do Esporte: temas emergentes I. São Paulo: Ápice
Editora.
Oliveira, D. L. G., Laurentino, M. C. S., & Cruz, V. B. M. (2017). A Intervenção do
Psicólogo do Esporte: Rendimento dos Atletas de Futebol de Base [online].
Psicologado. Recuperado de: https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-do-esporte/a-
intervencao-do-psicologo-do-esporte-rendimento-dos-atletas-de-futebol-de-base. Acesso em:
01 de jun. 2020.
Pinho, H. (2016). A Psicologia e psicólogo do esporte: uma formação necessária
(Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília). Recuperado de:
https://repositorio.unb.br/handle/10482/20801. Acesso em: 05 de nov. 2018.

Pires, D. A. (2013). Caderno de Referência de Esporte: Psicologia do Esporte (Vol. 6).


Brasília: Fundação Vale e UNESCO.
Rubio, K. A. (1999). Psicologia do Esporte: histórico e áreas de atuação e pesquisa.
Psicologia Ciência e Profissão, 19(3), 60-69.
Rubio, K. A. (2004). Entre a Psicologia e o esporte: as matrizes teóricas da Psicologia e sua
aplicação ao esporte. Temas em Psicologia, 12(2), 93-104.
Rubio, K. A. (2007). Da Psicologia do Esporte que temos à Psicologia do Esporte que
queremos. Revista Brasileira de Psicologia do Esporte, 1(1), 1-13.
Rubio, K. A. (Org.). (2003). Psicologia do Esporte: Teoria e Prática (2º Ed). São Paulo: Casa
do Psicólogo.
Samulski, D. (1988). Psicologia do Esporte: intervenção prática. Revista Paulista de
Educação Física, 2(3), 35-37.
Santos, F. G. (2010). Análise da Atenção e Concentração para Atletas de Ginastica Aeróbica

1060
Esportiva através de um Referencial Teórico (Monografia, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte). Recuperado de: www.eeffto.ufmg.br/biblioteca/1807.pdf.
Acesso em: 27 de mar. 2020.
Scala, C. T. (2000). Proposta de intervenção em Psicologia do Esporte. Revista Brasileira de
Terapia Comportamental e Cognitiva, 2(1), 53-59.
Silva, A. M. B., Foch, G. F. L., Guimarães, C. A., & Enumo, S. R. F. (2014). Instrumentos
aplicados em estudos brasileiros em Psicologia do Esporte. Estudos Interdisciplinares
em Psicologia, 5(2), 77-95.
Silva, A. R. (1984). Alguns temas de Psicologia do Esporte revisitados. Arquivos brasileiros
de Psicologia, 36(1), 113-120.
Valle, M. P. (2007). Dinâmica de Grupo Aplicada à Psicologia do Esporte. São Paulo: Casa
do Psicólogo.
Vieira, L. F., Vissoci, J. R. N., & Oliveira, L. P. A. (2009). Avaliação Psicológica no Esporte.
In: Anais, I encontro regional de psicologia Cesumar, v. 1, p. 35-37, Maringá:
Unicesumar.
Vieira, L. F., Vissoci, J. R. N., Oliveira, L. P., & Vieira, J. L. L. (2010). Psicologia do
Esporte: Uma área emergente da Psicologia. Psicologia em Estudo, 15(2), 391-399.
Weinberg, R., & Gould, D. (2017). Fundamentos da Psicologia do Esporte e do Exercício (6º
Ed). Porto Alegre: Artmed.
APARÊNCIA MUSCULAR E VALORES HUMANOS: UM ESTUDO

1061
CORRELACIONAL

Samara Eduarda Martins


Bruna de Jesus Lopes
Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva
Alessandro Teixeira Rezende

Introdução
Valores Humanos
Há tempos os valores humanos se encontram dentro das discussões realizadas pela
Psicologia Social, mas só foram considerados de fato objeto de estudo das ciências socias em
meados do século XIX (Rokeach, 1973). Isso implica dizer que os valores possuem uma
natureza relativa e universal, ou seja, sua essência é mantida mesmo que algumas prioridades
axiológicas sejam rearranjadas (Cunningham & Reich, 2002).
Segundo Gouveia (1998, 2003; 2013), os valores humanos são uma espécie de guia das
ações humanas, ou seja, aspectos psicológicos que regem o comportamento, e expressam as
necessidades básicas do indivíduo. O autor propõe a Teoria Funcionalista dos Valores Humanos
a qual se baseia em cinco pressupostos teóricos.
O primeiro deles são os princípios guias individuais que define os valores de forma mais
generalista para a orientação dos comportamentos humanos, sem se basear em situações ou
objetos específicos. O segundo é a base motivacional que remete às necessidades básicas e
entende os valores humanos como representações cognitivas dessas necessidades, não só
individuais, mas também de forma coletiva. Logo em seguida se tem o caráter terminal o qual
considera os valores como terminais, ou seja, expressam seus propósitos em si mesmos (e.g.,
Rokeach 1973).
O quarto pressuposto é a natureza humana no qual se admite apenas a bondade do ser
humano, levando em conta apenas valores positivos (Maslow 1954). E por último, encontra-se
a condição perene a qual supõe que os valores ou as subfunções valorativas estão presentes em
todas as culturas (Gouveia et al., 2008). Contudo, é possível que alguns se sobressaiam aos
outros (Inglehart, 1991), mas sem fazer com que outros deixem de existir (Gouveia, 2013).
Considerando que o principal objetivo dessa teoria são as funções dos valores, sua
definição também pode ser baseada a partir dessa perspectiva (Gouveia, 1998, 2003). Diante
disso, Gouveia et al. (2008), baseados em uma revisão bibliográfica, identificaram duas funções
consensuais acerca dos valores humanos, mais especificamente: (1) guiar as ações humanas
(tipo de orientação) (Rokeach, 1973; Schwartz, 1992) e (2) expressar suas necessidades (tipo
de motivador) (Inglehart, 1977; Maslow, 1954).
Segundo Gouveia (2003) há três critérios de orientação, cada um subdivido em duas
funções psicossociais. O primeiro, orientação pessoal, na qual se percebe uma preponderância
do ego, visando benefícios a si mesmo, sempre pleiteando o êxito para o eu. Neste critério

1062
encaixam-se os valores de experimentação, os quais estão relacionados a busca por novas
experiências, satisfação sexual e a capacidade de enfrentar situações arriscadas, e os valores de
realização que se referem a necessidade de auto-promoção, visando ter poder e ser um indivíduo
importante.
O segundo, Social, na qual há uma primazia pela convivência com os demais membros,
buscando a harmonia com o coletivo e o bem comum. Neste critério encaixam-se os valores
normativos, que fazem menção a necessidade do bem estar social, convivência grupal e respeito
a cultura e símbolos, visando a ordem; e os valores interacionais que enfatizam a especificidade
do interesse em ser amado, ter companheiros, vida social ativa, assumindo, assim, um
compromisso com os demais.
E o terceiro, o tipo de orientação central, o qual é compatível tanto com valores pessoais
quanto sociais, havendo uma convergência entre o pessoal e o social. Nele encontram-se os
valores de existência, relacionados à sobrevivência individual, que visa garantir a própria
existência orgânica, e os valores suprapessoais, que fazem jus aos indivíduos que buscam
alcançar suas metas independente do contexto, ou grupo, no qual estejam inserido. Estes valores
podem se apresentar em qualquer ser humano, entretanto sua emersão dependerá da realidade
social, cultural e histórica do indivíduo, havendo assim a possibilidade de ocultação de
determinados valores em algumas fases da vida.
Este modelo tem se mostrado psicometricamente adequado, refletindo o seu uso em
vários estudos (e.g., Araújo, 2013; Freire, 2015; Melo, 2014; Monteiro, 2014; Nascimento,
2015; Soares, 2013). A partir dos estudos de Gouveia a respeito dos valores humanos, o presente
trabalho tem o intuito investigar a relação entre os valores humanos e aparência muscular, tema
o qual tem sido pertinente nas últimas décadas (Monteiro et al., 2003).

Aparência Muscular
Atualmente, a sociedade tem sido caracterizada por uma cultura que elege o corpo como
uma fonte de identidade (Beleli, I., 2007). Essa construção é instigada em todas as fases do
desenvolvimento, sendo a mesma fomentada pela a mídia, a qual veicula nas propagandas,
programas e novelas a perspectiva do que seja o corpo ideal; esse movimento atinge,
principalmente, os adolescentes, os quais começam, desde cedo, a buscar se encaixar dentro
desse padrão (Serra & Santos, 2003).
Os jovens, também são perpassados pelas propagações dessas ideias. Eles passam a
acreditar que, para serem aceitos pelos outros, é preciso que a sua imagem corporal esteja de
acordo com os padrões estabelecidos, gerando uma insatisfação com o seu próprio corpo, além
de acarretar alterações na percepção da imagem corporal (Andrade & Bosi, 2003; Conti,
Gambardella & Frutuoso, 2005).
Entretanto, segundo Zawadski e Vagetti (2007), não são apenas os jovens que estão a
mercê dessa busca incessante da saúde e definição física; os adultos e idosos também se
encontram nessa jornada pela satisfação muscular, buscando uma melhoria de vida. Uma
pesquisa realizada no Brasil, mais especificamente no Nordeste e Sudeste, no final da década
de 90, aponta que a musculação é a terceira atividade física mais exercida por pessoas maiores

1063
de 20 anos (Monteiro, et al., 2003)
Segundo Leite (2000) a atividade física torna o idoso mais disposto e apto, e ainda com
menos disposição a determinadas doenças (Leite, 1990). Assim sendo, é cabível afirmar a
positividade e a necessidade da atividade física, que muitas vezes acaba por ser exacerbada pela
idealização do corpo perfeito, e a disposição de muitos indivíduos em tomar medidas drásticas,
como o uso de anabolizantes, para alcançá-lo devido a uma ideologia que prega a necessidade
em se ter o corpo ideal (Iriart, Chaves & Orleans, 2009).
Chauí (2001, p. 86 ) afirma que “a ideologia não é um processo subjetivo consciente,
mas um fenômeno objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da
existência social dos indivíduos”, ou seja, dentro da ideologia do corpo ideal, os indivíduos
inseridos neste meio podem não se perceber como dependentes da busca por músculos mais
volumosos, partes do corpo definidas e afins, o que os tornam alienados a cultura da beleza.
O corpo e a beleza foram transformados em objetos de desejo, e a partir disso muitos
estão dispostos a fazer e o que for necessário para alcançar o ideal de beleza (Chauí, 2001).
Com isso, muitas pessoas se pegam cada vez mais insatisfeitas com seu próprio corpo, visto
que a beleza ideal é inatingível estas se dispõem a práticas como uso de anabolizantes, cirurgias,
exagero na musculação e outros métodos drásticos, na esperança de atingir o corpo perfeito
(Iriart et al., 2009).
Esse desejo acaba resultando na prática, exacerbada, de atividade física; tal fato pode
desencadear alguns transtornos para o indivíduo, entre eles pode-se citar a dismorfia muscular,
a qual pode ser caracterizada: se olhar no espelho constantemente, ter sua autoestima baseada
no tamanho do seu músculo e ter o pensamento voltado para isto, buscar certezas, fazer treinos
mais intensos com pesos, camuflar-se através de roupas volumosas e ainda, fazer o uso de
substâncias que auxiliem no aumento dos músculos (Junior, Souza & Silva, 2008).
Com base nisto, Junior Souza e Silva (2008) trazem a tradução de uma escala de
satisfação muscular baseada em quatro fatores, a saber: (1) Dependência em malhar, que se
baseia no exagero do levantamento de peso, visando o aumento da massa muscular. (2)
Checagem, voltado para a necessidade de mensuração e averiguação constante de massa e
volume muscular, tanto com fitas métricas, quanto em espelhos e afins. (3) Satisfação Muscular,
que está ligado a satisfação em relação ao tamanho e a definição dos músculos. E por último o
(4) Uso de substâncias, que descreve a disposição para o uso de esteróides e outras substâncias
que auxiliem no ganho de massa muscular (Mayville et al, 2002).
Então, pode-se perceber que a linha entre cuidar da saúde a partir da prática de atividade
física e estar à mercê de uma dismorfia muscular por se encontrar em uma busca incansável
pela beleza ideal, é tênue e deve ser analisada com cautela. Diante das ideias apresentadas, um
questionamento surgiu, há relacionamento entre a satisfação com a aparência muscular e a
Teoria Funcionalista dos Valores Humanos?

Método
Participantes
A amostra não-probabilística foi composta por 258 pessoas que frequentam academias

1064
diariamente. Com média de idade de 27,12 (DP = 8,97), variando entre 18 a 74 anos. Destaca-
se ainda que a maioria é do sexo feminino (47,7 %), solteiro (62,8 %), com Ensino Superior
Incompleto (35,3 %), de classe média (71,7 %), com renda entre 789,00- 1.576,00 reais (32,2
%).

Instrumentos
Para coleta de dados foi utilizado um caderninho de resposta contendo os instrumentos:
Escala de Satisfação com a Aparência Muscular (ESAM): Tal instrumento foi
desenvolvido por Mayville et al. (2002) e adaptado para o contexto brasileiro por Junior, Souza
e Silva (2008). O mesmo é composto por 19 itens que buscam investigar as características dos
indivíduos que fazem musculação, a exemplo do Item 1. Eu frequentemente pergunto a amigos
e/ou parentes se estou musculoso, e Item 9. Eu faria qualquer coisa para o meu músculo crescer.
Os itens foram respondidos fazendo-se uso de uma escala do tipo Likert variando entre
1(Discordo Completamente) e 5 (Concordo Completamente). Tal instrumento tem reunido
evidências de confiabilidade, apresentando alfas de Cronbach variando entre 0,89 - 0,76, para
a versão americana (Mayville et al., 2002) e 0,70 – 0,77 (Junior et al., 2008) para a versão
brasileira.
Questionário de Valores Básicos (QVB-18): composto por 18 itens ou valores
específicos, desenvolvidos por Gouveia (1998, 2003, 2013). Estes são respondidos em uma
escala de sete pontos variando de 1 (Totalmente não importante) a 7 (Totalmente importante).
O instrumento tem apresentando alfas variando de 0,48 (interativa) a 0,63 (normativa), e o
índice de homogeneidade (r.m.i) com amplitude de 0,24 (interativa) a 0,38 (normativa) para o
contexto brasileiro; além de apresentar bons indicadores de ajustes [χ²= 949,75, GFI=0,92,
CFI= 0,81; RMSEA= 0,07 (90% IC= 0,07-0,08)] (Medeiros, 2011).
Questionário Sociodemográfico: buscando levantar informações de cunho
sociodemográfico dos participantes, a exemplo de: idade, sexo, estado civil, escolaridade,
renda, entre outras.

Procedimentos
A coleta se deu em locais públicos, a exemplo de praças, parques e shopping. Neste
momento era solicitado, ao potencial participante, que respondessem o caderno composto pelas
escalas, apresentando o objetivo geral do estudo e esclarecendo o caráter voluntário da pesquisa,
além de informar que a participação não traria nenhum tipo de benefício ou dano, podendo, o
respondente, desistir da pesquisa a qualquer momento sem nenhum tipo de prejuízo. O tempo
médio de resposta foi de aproximadamente 20 minutos.

Análise dos dados


Para tabulação e análise dos dados, foi utilizado o pacote estatístico SPSS, versão 20, o

1065
qual foi empregado para execução de estatísticas descritivas (e.g., mediana, média e desvio
padrão) e Correlações (r de Pearson).

Resultados
Visando verificar a relação entre as seis subfunções valorativas com os quatros fatores
e o fator geral da Escala de Satisfação com a Aparência Muscular, foram realizadas análises de
correlação (r de Pearson). Os resultados provenientes destas podem ser visualizados na Tabela
1.
Tabela 1. Correlações entre QVB e ESAM.

Interativa Normativa Suprapessoal Existência Experimentação Realização

Fator I -0,03 -0,07 -0,01 -0,06 0,01 0,11

Fator II -0,01 -0,13* 0,04 -0,04 -0,05 0,12

Fator III 0,07 0,11 0,06 0,02 -0,01 0,06

Fator IV -0,02 -0,04 -0,06 0,01 0,03 0,09

Fator Geral 0,01 -0,04 0,05 -0,01 0,02 0,16*

Nota. Fator I. Dependência em Malhar; Fator II. Checagem; Fator III. Satisfação; Fator IV. Uso de substância; *
p < 0,05.

Com base na Tabela 1 é possível verificar que dos quatro fatores da ESAM, apenas o
Fator II, denominado de checagem, apresentou uma correlação significativa e negativa com a
subfunção Normativa (r = -0,13; p = 0,04). Já o fator geral exibiu correlação positiva e
significativa, somente, com a subfunção Realização (r = 0,16; p = 0,019).

Discussão
O estudo aqui apresentado tem o intuito de buscar uma relação entre os valores humanos
e a Escala de Satisfação com a Aparência Muscular (ESAM), investigando mais
especificamente a interação entre as subfunções valorativas, da Teoria Funcionalista dos
Valores Humanos, com o fator geral e os quatro fatores da ESAM.
Os resultados apontaram correlação negativa e significativa entre o fator Checagem e a
subfunção Normativa. Tal resultado vai de encontro ao esperado, uma vez que as pessoas que
priorizam os valores normativos tendem a seguir regras, padrões e normas propostas pelo
contexto social no qual ela está inserida (Gouveia, 1998). Na atualidade, segundo Jacobi e Cash
(1994) o padrão de corpo ideal divulgado e imposto, sutilmente ou não, é aquele musculoso,
influenciando diretamente nas condutas de ambos os sexos; os homens, por exemplo, buscam
corpos maiores, mais pesados e musculosos, e as mulheres desejam um corpo com menor peso,
pouca gordura e com músculos. Tal fato conduz, portanto, as pessoas normativas a seguirem os
padrões socialmente aceitáveis.
Cohane e Pope Jr. (2001) contribuem com essa discussão ao pontuarem que essa busca

1066
pelo corpo ideal é reflexo de uma pressão social para o enquadramento do indivíduo. Esse
processo tem a contribuição intensa das grandes mídias/ meios de comunicação social, os quais
são responsáveis pela difusão das informações (Gomes, 2001). A mídia, portanto, conduz os
receptores das informações a buscarem uma anatomia corporal semelhante àquela exibida nos
meios de comunicação, o qual tem se apresentado como belo, um corpo definido e malhado
(Labre, 2002).
Vale destacar, que essa busca incessante tem acarretado algumas consequências, a
exemplo de altos níveis de insatisfação corporal e desordens alimentares (e.g., bulimia e
anorexia; Antfolk et al., 2017; Yang et al., 2017), ansiedade (Forghieri et al., 2016; Goossens
et al., 2017) e depressão (Murray, Rieger & Byrne, 2018; Ward & Hay, 2015). Ou seja, o não
alcance dos padrões estéticos e corporais acarretam desconforto e angústia (Schmitt, 2013),
podendo as pessoas utilizarem como estratégia para minimizarem tal sofrimento a não
checagem, mas sem deixarem de cuidar do corpo.
Outro fator que pode ter influenciado tal achado se refere a satisfação da amostra acerca
de seu corpo; ou seja, as pessoas as quais colaboraram com a pesquisa podem ter a percepção
positiva acerca de seu corpo; ou seja, estão satisfeitos com o que possuem, levando-os a não se
preocupar com o aumento da massa muscular, mas em mantê-la, reduzindo a checagem.
Por último, encontrou uma correlação positiva e significativa entre o fator geral e a
subfunção Realização. Este valor está relacionado à busca de sucesso pessoal e competência
segundo os padrões sociais (Schwartz, 2006), compreendendo nela as necessidades de auto-
estima (Gouveia, 2003). Tal resultado era esperado em virtude dos frequentadores das
academias buscarem aceitação e prestígio, por meio da exposição de corpo musculoso e
definido, padrão propagado.
A interação social, portanto, consiste em um contexto que permite as pessoas receberem
das demais um feedback acerca da aparência física, caso este venha a ser positivo a mesma
sente-se realizada pelas suas aquisições (Fredrickson & Roberts, 1997). Porém, vale destacar
que se o retorno for negativo o mesmo tende a desencadear no receptor da mensagem o
sentimento de insatisfação corporal, vergonha e tendências de comparação corporal (Colautti
et al., 2011; Leahey, Crowther, & Ciesla, 2011).
Corroborando essa ideia, Maphis et al., (2013), realizou um estudo transversal visando
investigar a insatisfação corporal, fazendo uso de uma amostra composta por homens e
mulheres. Os resultados revelaram que aqueles que pontuavam alto em insatisfação corporal
eram menos propensos a se envolverem em interações sociais, quando comparados com as
pessoas que se encontravam relativamente satisfeitos com sua aparência física. Tal fato se dá
por que os indivíduos que possuem satisfação com o seu corpo sente-se realizados.

Conclusão
No trabalho teve como objetivo investigar a correlação entre a satisfação com a
aparência muscular e os valores humanos. Com o levantamento de dados apontados acima,
pode-se inferir que não existe uma correlação relevante entre todos os fatores, contudo, as
correlações encontradas entre o fator Checagem e a subfunção Normativa, e entre o fator Geral
da ESAM e a subfunção Realização deixa claro que existe uma relação entre os construtos

1067
investigados, que merecem atenção por parte dos pesquisadores que trabalham com tais
variáveis.
Algumas limitações podem ser destacadas ao longo do desenvolvimento do trabalho,
dentre elas pode-se enfatizar a desejabilidade social, cuja é inerente a toda medida de
autorrelato, interferindo diretamente nos resultados. Além dessa, enfatiza-se o caráter da
amostra, que é por conveniência ou não probabilística, não havendo, assim, a possibilidade de
expansão dos resultados para a comunidade de maneira geral, nem mesmo para a população na
qual a amostra foi extraída.
Entretanto, tais fatos não retiram a importância dos achados aqui descritos, uma vez que
há uma escassez de trabalhos empíricos no campo da satisfação muscular fazendo uso de
amostra específica, como aquela utilizada aqui, ou seja, pessoas que treinam em academias.
Além dos valores humanos acredita-se que outras variáveis podem ajudar a compreender
melhor a percepção quanto a satisfação muscular, sugerindo-se para estudos futuros inserir nas
análises variáveis como personalidade, aceitação social, e insatisfação corporal.

Referências
Andrade, A. & Bosi, M. L. M. (2003). Mídia e subjetividade: impacto no comportamento
alimentar feminino. Revista de Nutrição, 16(1), 117-125.
Antfolk, J., Ålgars, M., Holmgård, L. & Santtila, P. (2017). Body dissatisfaction and
disordered eating in androphilic and gynephilic men and women. Personality and
Individual Differences, 117, 6-10.
Beleli, I. (2007). Corpo e identidade na propaganda. Revista Estudos Feministas, 15(1), 193-
215.
Chauí, M. (2017). O que é ideologia. Brasiliense.
Cohane, G. H., & Pope Jr, H. G. (2001). Body image in boys: A review of the
literature. International Journal of Eating Disorders, 29(4), 373-379.
Colautti, L. A., Fuller-Tyszkiewicz, M., Skouteris, H., McCabe, M., Blackburn, S. & Wyett,
E. (2011). Accounting for fluctuations in body dissatisfaction. Body Image, 8, 315-
321.
Conti, M. A., Gambardella, A. M. & Frutuoso, M. F. (2005). Insatisfação com a imagem
corporal em adolescentes e sua relação com a maturação sexual. Journal of Human
Growth and Development, 15(2), 36-44.
Cunningham, L. & Reich, J. (1982). Culture and Values-A Survey of the Western
Humanities. Vol II.
Fonseca Martins, D., Nunes, M. F. O. & Noronha, A. P. P. (2008). Satisfação com a imagem
corporal e autoconceito em adolescentes. Psicologia: teoria e prática, 10(2), 94-105.
Silva Junior, S. H. A., Souza, M. A. & da Silva, E. J. H. A. (2008). Tradução, adaptação e

1068
validação da escala de satisfação com a aparência muscular (MASS). Revista Digital-
Buenos Aires, 13(120).
Azevedo, S. N. (2007). Em busca do corpo perfeito: Um estudo do narcisismo.
Forghieri, M., Monzani, D., Mackinnon, A., Ferrari, S., Gherpelli, C. & Galeazzi, G. M.
(2016). Posturographic destabilization in eating disorders in female patients exposed
to body image related phobic stimuli. Neuroscience letters, 629, 155-159.
Fredrickson, B. L. & Roberts, T. (1997). Objectification theory: Toward understanding
women’s lived experiences and mental health risks. Psychology of Women Quarterly,
21, 173–206.
Gomes, P. B. M. B. (2001). Mídia, imaginário de consumo e educação. Educação &
sociedade, 22(74), 191-207.
Goossens, L., Van Durme, K., Van Beveren, M. L. & Claes, L. (2017). Do changes in affect
moderate the association between attachment anxiety and body dissatisfaction in
children? Na experimental study by means of the Trier Social Stress Test. Eating
behaviors, 26, 83-88.
Gouveia, V. V. (1998). La naturaleza de los valores descriptores del individualismo e del
colectivismo: Una comparación intra e intercultural. Tese de Doutorado.
Departamento de Psicologia Social, Universidade Complutense de Madri, Espanha.
Gouveia, V. V. (2003). A natureza motivacional dos valores humanos: Evidências acerca de
uma nova tipologia. Estudos de Psicologia (Natal), 8 (3), 431-443.
Gouveia, V. V. (2013). Teoria Funcionalista dos Valores Humanos: Fundamentos, Aplicações
e Perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo. Hansen, R., & Vaz, A. F. (2004).
Treino, culto e embelezamento do corpo: um estudo em academias de ginástica e
musculação. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 26(1).
Iriart, J. A. B., Chaves, J. C. & Orleans, R. G. D. (2009). Culto ao corpo e uso de
anabolizantes entre praticantes de musculação. Cadernos de Saúde Pública, 25, 773-
782.
Jacobi, L. & Cash, T. F. (1994). In Pursuit of the Perfect Appearance: Discrepancies Among
Self‐Ideal Percepts of Multiple Physical Attributes 1. Journal of applied social
psychology, 24(5), 379-396.
Jodelet, D. (1994). Le corps, la persone et autrui. Psychologie sociale dês relations à autrui,
41-68.
Justo, A. M. & Vizeu Camargo, B. (2013). Corpo e cognições sociais. Liberabit, 19(1), 21-32.
Labre, M. P. (2002). Adolescent boys and the muscular male body ideal. Journal of
adolescent health, 30, 233-242.
Leahey, T. M., Crowther, J. H. & Ciesla, J. A. (2011). An ecological momentary assessment
of the effects of weight and shape social comparisons on women with eating
pathology, high body dissatisfaction, and low body dissatisfaction. Behaviour

1069
Therapy, 42, 197–210.
Leite, P. F. (1990). Aptidão física: esporte e saúde. Robe.
Maphis, L. E., Martz, D. M., Bergman, S. S., Curtin, L. A. & Webb, R. M. (2013). Body size
dissatisfaction and avoidance behavior: How gender, age, ethnicity, and relative
clothing size predict what some won’t try. Body image, 10(3), 361-368.
Mayville, S. B., Williamson, D. A., White, M. A., Netemeyer, R. G., & Drab, D. L. (2002).
Development of the Muscle Appearance Satisfaction Scale: A self-report measure for
the assessment of muscle dysmorphia symptoms. Assessment, 9(4), 351-360.
Medeiros, E. D. (2011). Teoria Funcionalista dos Valores Humanos: Testando sua
adequação intra e interculturalmente. Tese de Doutorado. Departamento de
Psicologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB.
Monteiro, C. A., Conde, W. L., Matsudo, S. M., Matsudo, V. R., Bonseñor, I. M. & Lotufo, P.
A. (2003). A descriptive epidemiology of leisure-time physical activity in Brazil,
1996-1997. Revista Panamericana de Salud Publica, 14, 246-254.
Murray, K., Rieger, E., & Byrne, D. (2018). Body image predictors of depressive symptoms
in adolescence. Journal of adolescence, 69, 130-139.
Pinheiro, K. C., Silva, D. A. S. & Petroski, E. L. (2010). Barreiras percebidas para prática de
musculação em adultos desistentes da modalidade. Revista Brasileira de Atividade
Física & Saúde, 15(3), 157-162.
Rokeach, M. (1973). The nature of human values. Free press.
Santos, J. L. (2012). O que é cultura. Brasiliense.
Schmitt, S. (2013). A mídia e a ilusão do tão desejado “corpo perfeito”. Psicologia. pt, ISSN,
1646-6977.
Schwartz, S. H. (2006). Há aspectos universais na estrutura e no conteúdo dos valores
humanos? Em M. Ros & V. V. Gouveia (Orgs.). Psicologia social dos valores
humanos: Desenvolvimentos teóricos, metodológicos e aplicados, (pp. 55-85), São
Paulo: Editora Senac.
Serra, G. M. A. & Santos, E. M. D. (2003). Saúde e mídia na construção da obesidade e do
corpo perfeito. Ciência & saúde coletiva, 8, 691-701.
Vasconcelos, T. C., Gouveia, V. V., Souza Filho, M. L. D., Sousa, D. M. F. D. & Jesus, G. R.
D. (2004). Preconceito e intenção em manter contato social: Evidências acerca dos
valores humanos. PsicoUSF, 9(2), 147-154.
Zawadski, A. B. R. & Vagetti, G. C. (2007). Motivos que levam idosas a frequentarem as
salas de musculação. Movimento e Percepção, 7(10), 45-60.
Ward, R. M. & Hay, M. C. (2015). Depression, coping, hassles, and body dissatisfaction:
Factors associated with disordered eating. Eating behaviors, 17, 14-18.
Yang, H., Yang, Y., Xu, L., Wu, Q., Xu, J., Weng, E., ... & Cai, S. (2017). The relation of

1070
physical appearance perfectionism with body dissatisfaction among school students 9–
18 years of age. Personality and Individual Differences, 116, 399-404.
EIXO 17

1071
Psicologia DO TRÂNSITO

PERÍCIA PSICOLÓGICA DO TRÂNSITO NO CONTEXTO DO LITORAL


PIAUIENSE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Maurício Castro Leite Dourado Guerra


Mateus Egilson da Silva Alves
Leticia Pereira Louzeiro
Kamilla Maria Adrião Youssef
1 Introdução
O trânsito se apresenta como uma problemática social que em muito desafia tanto as
ciências sociais quanto as autoridades públicas, pelo seu potencial como local para acidentes e
fatalidades alinhado com as dificuldades em formular medidas protetivas para os cidadãos que
o compõe, devido a enorme complexidade que permeia esse ambiente. No âmbito da ciência
psicológica, tais dificuldades se mostram ainda mais palpáveis, em vista a quantia de variáveis
que podem vir a influenciar comportamentos de risco na população: capacidades cognitivas,
emocionais e comportamentais de cada indivíduo; uso de substâncias psicoativas;
peculiaridades culturais, tal como a pressa inerente ao modelo capitalista de sociedade; ou o
conflito de interesses entre pedestres e motoristas (Oliveira et al, 2015).
Versando por tentar atenuar o risco no trânsito, o Conselho Nacional do Trânsito
(Contran) tornou obrigatória a avaliação psicológica para obtenção ou renovação da Carteira
Nacional de Habilitação (CNH) a fim de se averiguar variáveis biopsicossociais, como as já
mencionadas anteriormente, que possam prover evidências acerca da suscetibilidade dos
candidatos a motorista em se envolver em acidentes.
O presente capítulo versa por apresentar a avaliação psicológica no contexto do trânsito
em um panorama tanto geral quanto específico da realidade do interior nordestino. A princípio,
serão apresentados aspectos históricos importantes dessa modalidade de avaliação para melhor
situar e caracterizar essa atuação do psicólogo e ao final, nos resultados, apresentar como
ocorreu e o que pôde ser percebido dessa prática no processo de estágio em avaliação
psicológica em uma clínica cadastrada no Detran localizada no interior do Piauí.
Como já aponta Rueda (2019), no Brasil, a história da avaliação psicológica no contexto
do transito em muito se confunde com a história da própria psicologia do trânsito devido a essa
segunda ter surgido no Brasil no contexto da avaliação, tal peculiaridade pode ser percebida no
que Silva (2012) considera como um dos marcos iniciais da psicologia do trânsito nacional: a
instauração, a partir do Código Nacional de Trânsito (CNT) de 1941, de verificações periódicos
de aspectos biológicos e psíquicos dos indivíduos que trabalham na função de motorista, para
poder se traçar um perfil desses profissionais.
Em 1953, conforme resolução do Contran, se instaura o então denominado “Exame

1072
Psicotécnico” como quesito obrigatório para poder exercer cargo profissional de motorista,
sendo tal obrigatoriedade estendida a todos os candidatos a CNH em 1963 (Rueda, 2019).
Desde a instauração do exame psicotécnico até meados do final do século XX, a
avaliação pouco se alterou, tendo a atenção e a personalidade como construtos a serem
mensurados para a emissão de um parecer (Rueda & Mognon, 2017). Após quatro décadas de
intenso debate e criticismo dentre profissionais e pesquisadores da área, em 1998, através da
Resolução Contran 80/98, houve uma ampliação e maior maturação dos requisitos exigidos no
processo avaliativo, além de determinar uma qualificação específica para exercer essa
modalidade de avaliação e de abandonar a nomenclatura de exame psicotécnico e adotar
avaliação pericial do trânsito como novo termo.
Se previamente apenas se mensurava dois construtos para definir o parecer, a partir de
então se exige a avaliação de áreas amplas do psiquismo, sendo elas a Área percepto-racional,
motora e nível mental; área de equilíbrio psíquico; e habilidades específicas. Rueda (2019)
ainda aponta a relevância da cobrança de uma qualificação específica e da mudança de
nomenclatura, sendo a primeira para garantir uma maior atualização e aprofundamento de uma
área que até então se via com uma prática estagnada por mais de 40 anos, e a segunda pela
necessidade de se pontuar que não se trata apenas de uma aplicação de testes, mas de um
processo amplo e complexo, denotando a importância de outros aspectos como observação
clínica, entrevista, rapport e devolutiva.
Uma década depois, houve mais uma grande modificação na legislação dessa prática do
psicólogo, com a resolução n. 267 do Contran sendo publicada em 2008 substituindo a
Resolução 80/98. Nessa nova resolução, buscou-se por ampliar mais ainda o processo
avaliativo, tendo os aspectos exigidos em 1998 substituídas por 6 blocos de avaliação: tomada
de informação, processamento de informação, tomada de decisão, comportamento, auto-
avaliação do comportamento e traços da personalidade. Em 2012, o Contran publicou a
resolução 425, substituindo a 267, todavia no que tange o processo avaliativo, foi mantido o
proposto em 2008.
Seguido da resolução 267 do Contran, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou
a resolução n. 007/2009 onde elenca normas e procedimentos que devem ser seguidos no
processo avaliativo pericial do trânsito, incluindo orientações de quais construtos a serem
avaliados em determinados blocos, como no de tomada de informação, sendo instruída a
avaliação da atenção em seus diversos aspectos, ou no processamento de informação e tomada
de decisão, que se instrui que se avalie inteligência, memória, orientação espacial e juízo crítico.
A resolução n. 007/2009 viria a ser revogada 10 anos depois após o CFP publicar a
resolução n. 01/2019. Tal resolução viria como fruto de diversos debates e discussões entre
representantes do CFP, do Contran, da Associação Brasileira de Psicologia do Tráfego
(ABRAPSIT), dos Detrans e pesquisadores da área, ocorridas entre 2017 e 2018, a fim de se
obter um maior alinhamento entre normas do CFP e do Contran (CFP, 2019, fevereiro 19).
Agora o processo avaliativo passa a ser referido como perícia psicológica, sendo definida na
resolução como um processo avaliativo que versa por responder a uma demanda legal em
específico, e apresenta habilidades que o candidato à CNH precisa demonstrar resultados
mínimos para ser considerado apto a dirigir, sendo elas os aspectos cognitivos, habilidades de
juízo crítico ou comportamental e traços de personalidade.
Ao longo das quase 8 décadas de avaliação psicológica no contexto do trânsito, vários
foram os esforços para se garantir um processo avaliativo mais amplo e fidedigno quanto a
aptidão dos candidatos a CNH, todavia, como foi apontado por Rueda e Mognon (2017), ainda
há muitas divergências quanto ao que se ocorre dentro das clínicas nas mais diversas regiões

1073
do país, como por exemplo no que tange a duração da entrevista.
Assim, o relato a ser descrito a seguir no presente capítulo versa por apresentar como
vem ocorrendo, qual a dinâmica e quais dificuldades foram encontradas no processo pericial
psicológico para a obtenção ou renovação da CNH no contexto do interior piauiense.

2 Método
A presente pesquisa se configura como um relato de experiência, tratando-se de um
estudo qualitativo e descritivo advindo do vivenciado por estagiários estudantes de psicologia.
O estágio ocorreu no período entre junho de 2019 e janeiro de 2020, em uma clínica cadastrada
no Detran-PI localizada no litoral piauiense, possuindo salas específicas para o processo de
entrevista individual, para a aplicação grupal dos testes e para devolutiva individual do
resultado da avaliação.
O estágio ocorria em dias semanais específicos, normalmente ocorrendo três vezes
(segunda e quarta pela tarde, sexta pela manhã) ou, em casos excepcionais, duas vezes (terça e
quinta pela manhã), tendo como limite de dez candidatos por dia. Os candidatos normalmente
eram nativos da própria cidade da clínica ou de cidades próximas, tendo faixa etária diversa,
desde jovens de 18 anos até idosos com mais de 70 anos.
O estágio contou com uma psicóloga perita do trânsito que, além de conduzir os
processos avaliativos que ali ocorriam, atuava como orientadora e supervisora do estágio. Ao
ser aprovado para o estágio, o estagiário primeiro passava por experiências de apenas
observação e supervisão antes de participar ativamente no processo. Após esse processo, era
acordado os dias de estágio entre os próprios estagiários, tendo como exigência limite de 5
estagiários em um mesmo dia e mínimo de 3, a fim de se manter a organização.
A avaliação pericial ocorria em procedimentos de ordem previamente estabelecida:
entrevista individual; aplicação coletiva de testes; correção dos testes e discussão acerca da
integração de informações; e devolutiva.
Como instrumentos, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas e testes psicológicos
variados de acordo com o construto que se desejou avaliar, sendo eles atenção, personalidade,
memória e inteligência.

3 Resultados e Discussão
No que se refere às atividades realizadas durante o estágio supervisionado em avaliação
pericial do trânsito, descreve-se a seguir como desenvolveram-se as atividades junto à psicóloga
especialista em Psicologia do trânsito. Nesse sentido, seguiu-se o processo pericial conforme
exposto na Resolução 1/2019 do CFP, sendo abordados, respectivamente, três etapas básicas: a
entrevista psicológica, a testagem psicológica e o feedback dos resultados.
No que tange a entrevista psicológica, esta deve ocorrer de forma individual, durante
uma média de 30 minutos e funciona como uma técnica de complementação aos resultados
obtidos com a aplicação dos testes, e vice-versa (Detran, 2015). Na práxis de estágio a entrevista
é por algumas vezes realizada de forma breve, e essa conjuntura quando não devidamente
dominada pode vir a ser algo prejudicial à avaliação pelo tempo escasso limitar a visão
profissional (quando esta visão não é sensibilizada pelo rapport durante o processo avaliativo)
obstruindo aspectos importantes do processo como filtrar candidatos que evidenciam estar

1074
despreparados e poucos engajados para boas práticas no trânsito (Grillo & Carvalho, 2017).
Por meio da entrevista pode-se inicialmente denotar percepções do entrevistado para
com o contexto do trânsito, como em discursos que enfatizam a fiscalização e a punição
rigorosas, ainda que se observe contradições com a prática em que, falando-se de multas e
punições no trânsito, se observa a resistência, indignação e contestação (Brito, 2016),
mostrando a relevância de uma entrevista consistente. A desejabilidade social em muito
atravessa as falas do candidato, ciente que pode ser prejudicado pela sua fala, acaba por tender
a omitir informações relevantes, que normalmente só são verbalizadas após um certo tempo,
seja pela construção mínima de vínculo com o entrevistador ou pela dificuldade de manter um
discurso consistente por um período maior de tempo.
Tendo isso em vista, na prática de estágio é indicado ao entrevistador que faça o
planejamento e sistematização da conversação adequadamente a partir de indicadores objetivos
e obedeça outras premissas apontadas pela Resolução 1/2019, a fim de alcançar o bom êxito da
análise. Bezerra et al. (2017) apontam que para uma boa entrevista, o avaliador deve estar livre
de preocupações e se colocar no momento presente, escutando o outro de forma que focalize
sua atenção no entrevistando, dessa forma a entrevista se configura como uma situação de
contato social se tornando mais que uma simples técnica.
Seguindo-se as etapas básicas citadas, a mais laboriosa dá-se com a testagem
psicológica, e comumente a que denota-se apresentar maiores discussões entre os candidatos.
Nesse sentido, a essa dimensão da avaliação psicológica durante o processo pericial, apreende-
se correlações com dados apontados pela literatura, principalmente quanto ao pouco
conhecimento ante aos testes e as aplicações posteriores da avaliação psicológica para a
obtenção da CNH, de modo que pode se apreender, que os candidatos corroboram o
entendimento que a avaliação médica e psicológica são processos onerosos e dificultosos
(Carvalho et al., 2016; Rehbein & Zacharias, 2012).
Assim, visando dirimir as dificuldades de absorção da aplicabilidade da avaliação
psicológica, implementou-se no estágio que as dúvidas existentes antes da aplicação dos testes
sejam exaustivamente retiradas coletivamente e individualmente, de modo que a atuação da
equipe presente possa agir como reforçador do rapport como mecanismo de apoio às reações
dos candidatos nos procedimentos da avaliação psicológica. Bem como se desenvolvem formas
psicoeducativas diante da aplicação dos testes psicológicos que possam ampliar a correlação
entre os fatores psíquicos obtidos nos testes e sua aplicabilidade, visando o que se preconiza
com ações que facilitem a formação de motoristas conscientes de uma condução mais segura
(Carvalho et al., 2016; Chies & Meazza, 2016).
Dessa forma, observa-se que torna-se menos ansiogênica a testagem e não se
negligenciam as recomendações para o uso dos testes, sendo utilizados aqueles que apontem
dados cognitivos e de personalidade conforme as normas vigentes (CFP, 2019). Assim, sendo
investigados os processos psíquicos atuantes entre condutores e pertinentes às ações no trânsito:
a tomada de informação, o processamento de informação, comportamento e a personalidade
(Bianchi, 2016).
Para tanto, diversos testes buscam medir esses traços, no entanto alguns testes são
apontados como os mais utilizados, e igualmente são evidenciados no campo de estágio, como
o teste AC e TEACO-FF (atenção), o teste R-1 (inteligência), o teste Palográfico
(personalidade) (Silva, Alves & Rosa, 2015), além de outros para avaliação de memória, como
o teste MVR (Memória Visual de Rosto).
Segundo Bezerra et al. (2017) o teste de Atenção Concentrada - AC tem por objetivo

1075
avaliar a capacidade do sujeito em manter a sua atenção concentrada no trabalho durante um
período determinado. Pode ser utilizado desde analfabetos até o nível superior e é aplicado
individual ou coletivamente com tempo limitado de 05 minutos.
Marín (2017) coloca que o Teste de Atenção Concentrada - TEACO-FF fornece uma
medida da atenção concentrada, que é obtida pelo resultado dos estímulos que a pessoa deveria
marcar e marcou, subtraídos os erros e as omissões e seu tempo de aplicação é de 4 minutos.
Ao longo do estágio, a utilização do TEACO-FF acabou sendo mais adotada no processo
avaliativo da atenção concentrada, em vista que tanto em situações em que candidatos eram
submetidos tanto a ele como ao AC, como quando se comparou grupos que responderam apenas
a um deles, foi notado uma maior facilidade em compreender o TEACO-FF, em muito devido
ao fato de que nesse último precisava-se localizar apenas um estímulo. Todavia, estudos
sistematizados são necessários para averiguar tal hipótese.
Para a avaliação da inteligência, foi predominantemente usado o R-1, teste não verbal
de inteligência, que envolve diferentes raciocínios para a resolução de itens de complementação
de figuras, alternância de elementos, progressão numérica e etc. É aplicado individual ou
coletivamente com limite de tempo de 30 minutos (Bezerra et al., 2017).
Aparecida, Mendes e Silva (2018) afirmam que o teste Palográfico consiste na
reprodução de traços de acordo um modelo já impresso na folha de aplicação pelo tempo
estipulado, devendo ser executado com qualidade e rapidez. Neste teste é possível analisar:
emotividade, agressividade, impulsividade e entre outros aspectos da personalidade. O
Palográfico se mostrou bastante viável e pertinente para avaliar o construto personalidade em
um contexto interiorano, devido a simplicidade do teste, o baixo custo e por prover um grande
leque de evidências para o raciocínio clínico desenvolvido ao longo da avaliação.
Quanto à memória, foi utilizado o teste de Memória Visual de Rostos (MVR) que é um
instrumento que avalia a memória de curto prazo e a capacidade da pessoa recordar rostos e
informações associadas a eles (Ferreira-Rodrigues, 2012).
Seguindo a execução das etapas básicas de avaliação pericial, após a aplicação dos
testes, unem-se as informações obtidas no decorrer do processo e são finalmente distintos os
candidatos em: aptos (em que o avaliando apresentou-se apto para prosseguir com o contínuo
do processo de habilitação), inapto temporariamente (em que o avaliando apresentou déficits
que podem ser revistos oportunamente ou com maior apreciação) e inapto (em que o avaliando
não apresenta condições mínimas para prosseguir com o processo de habilitação), em acordo
com o preconizado em literatura segundo Fontana e Fegadolli (2016).
Aparecida, Mendes e Silva (2018) explanam que ao final da avaliação psicológica, deve
ser elaborado o laudo psicológico, nele deve conter: a identificação do candidato, os
instrumentos utilizados, a conclusão e o motivo da avaliação. Entretanto, a resolução 006/2019
já dispõe que sejam priorizados atestados como documentos probatórios da avaliação
psicológica de aptidão do CNH. Dessa forma ambos os documentos são despendidos na prática
de estágio conforme propício ao avaliando, a vista que as informações necessárias sobre o
resultado do processo, assim como outras devolutivas que possam ser exigidas, são repassadas
ao candidato no momento do feedback.
Ao longo dos meses de estágio, pode-se perceber certa indiferença ao feedback por parte
de muitos candidatos, a exceção de candidatos reprovados. Os candidatos acabam
demonstrando pouco interesse em receber seu direito à devolutiva. A importância da entrevista
devolutiva acaba por ser um ponto que deve ser melhor enfatizado, tanto por ser um direito,
quanto pela sua importância, como enfatizado por Rueda e Mognon (2017), por prover

1076
informações que fomentem auto percepção, identificação de pontos fortes e de pontos que
podem ser melhor trabalhados por parte do candidato.
Ainda assim, não obstante ao desenvolvimento com excelência das distintas etapas, vale
ressaltar que apesar do processo amplo de verificação de habilidades psicossociais para
concessão de CNH, os dados do trânsito brasileiro apontam que a avaliação psicológica para
esse contexto deva ser constantemente discutido, quando o país desponta como um dos que
possuem um dos piores e mais perigosos trânsitos do mundo, a vista de seus elevados índices
de acidentes (Bianchi, 2016).
Estas disparidades segundo Brito (2016) se revelam também quando em vários
momentos do processo de avaliação psicológica pericial de obtenção da CNH, ou em sua
renovação, muito se ouve sobre as responsabilidades advinda da obtenção da CNH, ou do
esmero em preservar a vida diante dos perigos da condução, como também do respeito às boas
práticas e aos demais atores do trânsito. Entretanto, observa-se que o comportamento dos
condutores brasileiros assume características que esbarram nos próprios discursos, de forma
que ao se deparar com o cotidiano caótico de comportamentos e ações no trânsito, pode-se
fomentar os estudos em personalidade que assumem que o trânsito não altera a personalidade,
mas produzem comportamentos e emoções que cabem mais esforços para sua compreensão
nesse ambiente (Bianchi, 2016; Brito, 2016).
Ainda, para as autoras supracitadas, é por meio da avaliação psicológica compulsória
no processo de concessão da CNH, que se desenvolve uma das ferramentas de apoio da
Psicologia para a construção de um processo mais amplo e perspicaz sobre os avaliando. Bem
como se assume um papel de prevenção quando se evidencia a relevância e preconiza-se que
devam ser avaliados aspectos psíquicos associados com a condução, sendo eles: a tomada de
informação, o processamento de informação, tomada de decisão, o comportamento e a
personalidade.
Assim, denota-se que a Psicologia do trânsito atua como um dos campos emergentes da
Psicologia que fornece subsídios para a eficácia da formação de condutores. Ainda que não seja
possível alcançar um perfil ideal de condutor, sabe-se que os processos psíquicos ocupam
demasiado papel no elaboração de comportamentos observáveis no trânsito, que reafirmam a
necessidade de formação adequada dos peritos psicológicos do trânsito, mais estudos que se
voltem para a avaliação psicológica no trânsito e maior interface com outras ciências, quando
o trânsito revela-se um fenômeno complexo, de modo que o alinhamento de conhecimentos
quanto a manutenção e preservação da qualidade de vida nesse contexto vão além da avaliação
psicológica.

4 Considerações finais
Diante do que foi exposto no presente trabalho, evidencia-se que a perícia psicológica
se mostra como uma medida relevante pela sua possibilidade de captar nuances do indivíduo
que pode vir a possuir um comportamento nocivo no trânsito, contribuindo para um trânsito
mais saudável e menos perigoso. Todavia vale-se ressaltar que a prática ainda encontra suas
dificuldades, tanto por certas fragilidades teóricas como pouco referencial teórico acerca do
perfil do motorista, seja para apontar a existência de um, seja para apontar com maior precisão
a multidirecionalidade desse perfil, quanto por aspectos socioculturais, como a visão da
avaliação psicológica como empecilho, dificultando um melhor rapport, e pela pouca
importância dada à devolutiva, que possui potencial para ser uma importante contribuição social
da área da psicologia do trânsito para com a população, dando orientações que possam vir a

1077
contribuir com o desenvolvimento do cidadão enquanto motorista.
A experiência de estágio descrita no presente relato proporciona a formação acadêmica
habilidade neste campo de atuação, como também incentivo à prática, estudos e atualizações.
Além disso, esta vivência se configura como um ensejo à extensão do conhecimento para fora
dos muros universitários contribuindo tanto com a comunidade científica quanto social já que
a psicologia do trânsito é um das áreas responsáveis pela liberação da permissão para dirigir do
cidadão, tendo o papel de conscientizar sobre a redução de acidentes no trânsito
Dessa forma, observa-se a importância ética e disciplinar do profissional nesta área de
atuação que exige o comprometimento com as etapas da avaliação, as executando de forma
rigorosa e adequada. Ratifica-se ainda que desde a formação acadêmica até o exercício
profissional do perito avaliador do trânsito é preciso constante atualização quanto a estudos e
publicações sobre comportamento, utilização de medicamentos, comprometimentos e
distúrbios psicológicos que interfiram na direção automotiva, indo de acordo as orientações das
resoluções vigentes que abordam o assunto.

Referências
Silva, J. A., Mendes, D. F. & Silva, L. A. M. (2018). Contribuições dos testes para a avaliação
psicológica no trânsito. Psicologia e Saúde em debate, 4(1), 9-43. Disponível em:
http://psicodebate.dpgpsifpm.com.br/index.php/periodico/article/view/179/122.
Bezerra, A. S., Silva, C. R. D. S., Brito, D. A. S. & da Silva, H. F. (2017). Avaliação psicológica
no trânsito. Recuperado de: https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1159.pdf.
Bianchi, A. S. (2016). Comportamentos de Risco: desafios para a avaliação para carteira
nacional de habilitação. In Conselho Federal de Psicologia. Psicologia do Tráfego:
Características e desafios no contexto do MERCOSUL. Conselho Federal de Psicologia.
Brasília: CFP.
Brito, A. P. M. D. (2016). Avaliação Psicológica Como Medid A De Prevenção. In. Conselho
Federal de Psicologia. Psicologia do Tráfego: Características e desafios no contexto do
MERCOSUL. Conselho Federal de Psicologia. Brasília: CFP.
Carvalho, T. A., Sandri, P., Schmitz, A. R. & Alchieri, J. C. (2016). Aspectos históricos da
avaliação psicológica do trânsito no Brasil. In. Conselho Federal de Psicologia. Psicologia
do Tráfego: Características e desafios no contexto do MERCOSUL. Conselho Federal de
Psicologia. Brasília: CFP.
Chies, S. M. F. & Meazza, E. (2016). Avaliação psicológica do trânsito: Processo de trabalho
dos psicólogos peritos examinadores de trânsito. In. E. T. K. Okino ... et al. (orgs). Métodos
projetivos e suas demandas na Psicologia contemporânea. São Paulo: ASBRo. Disponível
em: http://newpsi.bvs-
psi.org.br/livros/Metodos_projetivos_demandas_psicologia_contemporanea.pdf.
Conselho Federal de Psicologia (2009). Resolução n. 007/2009. Brasília: CFP.
Conselho Federal de Psicologia (2019). Resolução n. 01/2019. Brasília: CFP.
Conselho Federal de Psicologia (2019, fevereiro 19). CFP publica Resolução sobre perícia
psicológica no contexto do trânsito [CFP]. Recuperado de: https://site.cfp.org.br/cfp-
publica-resolucao-sobre-pericia-psicologica-no-contexto-do-transito/.
Conselho Nacional do Trânsito (2012a). Resolução n. 80/1998. Brasília: Contran.

1078
Conselho Nacional do Trânsito (2012b). Resolução n. 267/2008. Brasília: Contran.
Conselho Nacional do Trânsito (2012c). Resolução n. 425/2012. Brasília: Contran.
Costa, B. L. R. & Alchieri, J. C. (2016). Aspectos históricos da avaliação psicológica do trânsito
no Brasil. Conselho Federal de Psicologia. Psicologia do Tráfego: Características e
desafios no contexto do MERCOSUL. Conselho Federal de Psicologia. Brasília: CFP.
Departamento Estadual de Trânsito–DETRAN/PR. (2015). Avaliação psicológica no trânsito.
Disponível em:
http://www.detran.pr.gov.br/arquivos/File/habilitacao/dmp/avaliacao_psicologica_transit
o.pdf.
Ferreira-Rodrigues, C. F. (2012). Avaliando a memória por meio da visualização da imagem
de rostos. Psico-USF, 17(3), 507-508. Recuperado de:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-
82712012000300017&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso em: 31/01/2020.
Fontana, M. A. & Fegadolli, C. (2016). Avaliação psicológica no contexto do trânsito: estudo
de caso de motorista com acidente vascular. Boletim de Psicologia, 66(144), 37-46.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-
59432016000100005&lng=pt&tlng=pt.
Grillo, P. F. & Carvalho, E. A. (2017). A validade da entrevista como complemento na
avaliação psicológica no trânsito. Revista Uningá Review, 29(1). Disponível em:
http://34.233.57.254/index.php/uningareviews/article/view/1912/1509.
Rueda, F. M. (2017). Relação entre os Testes de Atenção Concentrada (TEACO-FF) e de
Atenção Dividida (AD). Psicologia Argumento, 28(62). Recuperado de
https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/19801/19107.
Oliveira, G. F., Batista, H. M. T., de Oliveira Rufato, D., Maranhão, T. L. G., Braga, I. B. &
Guedes, J. D. (2015). Psicologia do trânsito: uma revisão sistemática. Cadernos de Cultura
e Ciência, 13(2), 124-145.
Rehbein, R.M. & Zacharias, D. G. (2012). A percepção dos candidatos a carteira nacional de
habilitação a respeito da avaliação psicológica no trânsito. In. Areosa, S. V. C., & Silva, R.
B. F. D. Avaliação psicológica: desafios e possibilidades para a psicologia
contemporânea. Santa Cruz do Sul: EDUNISC.
Rueda, F. J. M. & Mognon, J. F. (2017). Avaliação psicológica no contexto do trânsito. In Lins,
M. R. C. & Borsa, J. C. Avaliação psicológica: aspectos práticos e teóricos (pp. 381-397).
Petrópolis: Editora Vozes.
Rueda, F. (2019). Avaliação psicológica no contexto do trânsito. In Baptista, M. N. et al.
Compêndio de avaliação psicológica (pp. 299-310). Petrópolis: Editora Vozes.
Silva, F. H. V. D. C. (2012). A Psicologia do trânsito e os 50 anos de profissão no Brasil.
Psicologia: Ciência e Profissão, 32 (n. esp.), 176-193.
EIXO 18

1079
Psicologia Clínica: olhares e perspectivas do fazer clínico no
contemporâneo

TEM O ALTRUÍSMO UM LADO SOMBRIO? CONTRIBUIÇÕES PARA


ENTENDER O ALTRUÍSMO PATOLÓGICO

Laurentino Gonçalo Ferreira Filho


Hysla Magalhães de Moura
Camilla Vieira de Figueiredo
Alessandro Teixeira Rezende
Roberta Pereira Curvello
Ítalo de Oliveira Guedes
1 Introdução
A investigação sobre o comportamento humano tem ganhado atenção da comunidade
científica (Eisenberg, 1982), em especial diante da evitação de ajuda nos casos de reconhecida
necessidade, que se traduzem como sérios problemas sociais (Stürmer & Siem, 2017). Por outro
lado, também se pode observar que em diferentes situações os seres humanos têm demonstrado
um potencial para agir prossocialmente, podendo realizar doações financeiras à instituições de
caridade, arriscar suas vidas em condutas heroicas (Andreoni, Justin & Trachtman, 2017), e
auxiliar pessoas, ainda que desconhecidas, mesmo que tal ação não traga favorecimento para o
benfeitor (Warneken & Tomasello, 2006). Destaca-se assim, o papel do altruísmo, como um
comportamento que ganha especial importância em meio às outras modalidades de conduta
social, tendo em vista sua raridade e/ou atipicidade (Batson & Powell, 2003).
O altruísmo é um construto complexo, podendo ser compreendido a partir de diferentes
concepções. Por exemplo, de acordo com Rodrigues, Assmar e Jablonski (2009), o mesmo
refere-se a uma ação que contempla um comportamento de ajuda em prol de outrem, sem
almejar uma contrapartida, demandando então mais auto sacrifício do que benefícios para quem
o pratica, podendo, assim, envolver comportamentos em que o benfeitor pode inclusive colocar
em risco a própria vida. Na visão de Goldstein (1983), o altruísmo conota uma conduta que
abarca três fatores, a saber: comportamento, atitude e motivação. Todos direcionados para
ajudar outra pessoa. Segundo este autor, o altruísmo se parece com uma atitude ao se observar
sua especificidade, efemeridade e situacionalidade, não podendo ser compreendido como uma
característica de um indivíduo. Não obstante, existe outro debate que em razão das
peculiaridades do altruísmo, o concebe como um traço de personalidade (Gouveia et al., 2010).
Segundo a perspectiva de Rodrigues et al. (2009), o altruísmo possui três características
principais: I) o ato de ajudar consiste em um fim em si mesmo, não visando ganhos para si; II)
é praticado de maneira voluntária; III) está voltado para beneficiar outros indivíduos
(Cavalcante et al., 2012; Gouveia et al., 2014). O altruísmo é um fenômeno psicológico de suma

1080
relevância por sua relação com comportamentos pró-ambientais (Guéguen & Stefan, 2014) e
comportamento de ajuda (Cantor & Jin, 2019). Ademais, o altruísmo se relaciona com
comportamentos cooperativos (Lencastre, 2013), em especial, quando esta colaboração se
apresenta de maneira estável e consistente (Gintis et al., 2007). Por fim, o altruísmo também
apresenta vinculações com o desenvolvimento da personalidade, dado que a literatura tem
indicado a presença de traços virtuosos e positivos em pessoas altruístas (e.g., empatia,
resiliência; Ferguson et al., 2014), estando atrelado a diferentes tipos de comportamentos pró-
sociais, além da auto-atualização (Oakley, Knafo & McGrath, 2012).
Apesar das inúmeras vantagens que o altruísmo pode trazer, tanto no plano individual
como societal, o mesmo pode acarretar sérios danos tanto para o benfeitor como para o
beneficiado em sua modalidade disfuncional, sendo este último o foco do presente estudo. Neste
passo, propõe-se um debate sobre o altruísmo patológico e/ou disfuncional, explorando suas
principais características e desdobramentos sobre a saúde dos indivíduos.

2 Desenvolvimento
2.1 Altruísmo patológico
O altruísmo patológico pode ser compreendido como aquela conduta que está
verdadeiramente voltada para beneficiar outra pessoa, mesmo que isso acarrete em danos para
o agente da ação ou mesmo para o beneficiado (Oakley & Madhavan, 2011; Rubin, 2014). Em
outras palavras, pode-se dizer que um indivíduo patologicamente altruísta é àquele que se
dedica a desenvolver comportamentos que acredita ser genuinamente altruístas, contudo,
prejudica a quem pretende ajudar de forma inusitada ou mesmo acaba por tornar-se vítima de
seus próprios comportamentos (Oakley et al., 2012). Vale dizer que o termo patotólógico,
sombrio ou disfuncional aqui empregado faz menção ao caráter excessivo e anormal que esta
modalidade de comportamento pode assumir, sem necessariamente evidenciar um quadro
clínico.
Pesquisas têm apontado que o altruísmo, em sua versão disfuncional, pode se expressar
ainda na primeira infância, a partir de distorções e/ou perturbações na conduta empática
(McGrath & Oakley, 2012; Nathanson & Patronek, 2012), assim como em ambientes
demasiadamente moralistas (O’Connor et al., 2007), ou mesmo em contextos relativos à
socialização disfuncional (Gleichgerrcht & Decety, 2013). Em verdade, nas ações direcionadas
em prol de outrem é atribuído grande valor a bondade, empatia e altruísmo. Não obstante, por
vezes, isso pode guiar certos indivíduos a desenvolver comportamentos equivocados e culminar
em um autoengano no que tange às consequências destas ações (Fine 2006; Tavris & Aronson,
2008). Assim, a pessoa acaba por não avaliar corretamente as situações ou as variáveis
envolvidas e apresenta ações que pouco/nada contribuem, ou mesmo acaba por agravar a
situação que pretendia amenizar/resolver. Os resultados indesejados decorrentes de motivações
empáticas e altruístas, expressas em adultos e infantes devem-se à hipersensibilidade
sobressalente frente às dificuldades de identificar e agir de maneira adequada em relação ao
sofrimento e/ou necessidade alheia (Churchland, 2011).
De fato, os sentimentos empáticos, o contágio emocional, o raciocínio motivado e a
crença de que se sabe o que é melhor para os outros, podem levar a ilusões a respeito de uma
poderosa ajuda, ocasionalmente irracional (Batson, 2012). Assim, no altruísmo patológico há
um anseio pela aceitação, além da necessidade de reforçar sua inserção em um grupo de
pertença (Oakley, 2013). Pode-se dizer que o altruísmo patológico é marcado por vieses
cognitivos. Nesse sentido, as distorções cognitivas estão no cerne da questão do altruísmo

1081
patológico, derivando-se do acesso incompleto ou da impossibilidade de processar uma gama
de informações necessárias para que a tomada de decisão ocorra de forma prudente e alinhada
com os valores culturais relacionados a esta modalidade de conduta pró-social (Oakley, 2013).
Contudo, há de se ponderar que estas deformidades cognitivas podem provir de indivíduos que
tratam o altruísmo de maneira demasiadamente valorizada ou mesmo sagrada (Haidt, 2012).
Assim, diferentes vieses e/ou pré-concepções psicológicas, religiosas, biológicas ou ideológicas
propiciam uma interpretação errônea ou uma desconsideração de relevantes aspectos da
situação (Oakley, 2013). Logo, ações bem-intencionadas associadas com o mal processamento
das informações, podem levar ao mascaramento de seus desfechos negativos.
Vale dizer que, por vezes, pode-se verificar associações entre o lado sombrio do
altruísmo com diferentes enfermidades ou contextos adversos. Não obstante, este cenário ainda
tem recebido pouca atenção dos pesquisadores (Oakley, 2013). Por exemplo, há evidência de
que o altruísmo patológico pode ser observado em diferentes casos de abuso, ou mesmo na co-
dependência expressa pelo apoio a pessoas que são dependentes químicos (Oakley &
Madhavan, 2011). Destaca-se ainda que o altruísmo patológico, seja em sua versão psicótica
ou não, mostra-se vinculado ainda com o familicídio57 ou infanticídio58, assim como com a
personalidade depressiva melancólica59 (Oakley, 2014). Neste sentido, há relatos de
cometimento destas modalidades de assassinato tendo em conta, por exemplo, que a situação
de extrema pobreza enfrentada pela família, afetaria o desenvolvimento do infante. Desse
modo, tais condutas seriam realizadas no intuito de proteger as vítimas de passar por estas
situações adversas (Mundt, 2009).
Outro exemplo de altruísmo patológico pode ser verificado quando uma pessoa entra
em um quadro de inanição, negando suas próprias demandas alimentares, no intuito de sanar as
necessidades de outras pessoas necessitadas (Oakley & Madhavan, 2011), o que poderia ser
verificado em contexto de extrema escassez e/ou de guerra. Evidências acenam que esta conduta
se relaciona com o transtorno de personalidade dependente60. Ademais, o altruísmo patológico
tem se vinculado com problemas de conduta, assim como com problemas emocionais, tais como
sintomatologização ou mesmo infelicidade (Oakley et al., 2012).
É importante frisar que as mais diferentes formas de personalidade estão sujeitas ao
desenvolvimento de condutas patologicamente altruístas, indo desde pessoas que possuem uma
hipersensibilidade diante do sofrimento ou demanda de terceiros, até mesmo pessoas
narcisistas. Todavia, em meio às diferenças existentes entre todos os perfis de personalidade
tem-se em comum o real desejo de ajudar terceiros (Oakley, 2013). Tendo em conta o exposto,
é fundamental conhecer este continuum estabelecido entre as consequências positivas e
negativas do altruísmo. Isto pode configurar como um relevante aspecto a ser considerado no
entendimento dos traços de personalidade, bem como pode ser um primeiro passo para se
propor um modelo que avalia os impactos em larga escala, a nível societal (Rubin, 2014).
Sumariamente, pode-se dizer que apesar do potencial benefício que o altruísmo pode
causar, esta modalidade de conduta pode se desdobrar em consequências penosas, a exemplo
de culpa, desgaste, depressão e níveis alarmantes de estresse quando se trata de cuidados à
longo prazo e com excessivos custos para o benfeitor (Eisenberg & Eggum, 2009). Neste

57
Refere-se ao assassinato em massa de membros da própria família;
58
Denota o assassinato de uma criança ou recém-nascido;
59
Uma modalidade de transtorno de personalidade, apresentando sintomas depressivos;
60
Este transtorno é caracterizado por uma necessidade exacerbada e generalizada de cuidados, levando a
comportamentos submissos, dependentes, além de elevado medo de separação.
sentido, é de fundamental importância haver uma avaliação crítica do contexto e da demanda

1082
nos quais as ações altruístas são requeridas, no anseio de salvaguardar que as mesmas se
apresentem de maneira adaptativa e funcional, não afetando, então, a saúde ou os recursos
básicos do benfeitor.

3 Conclusão
Efetivamente, os ganhos oriundos do altruísmo funcional são indiscutíveis. Não
obstante, quando uma ação voltada para ajudar outras pessoas está carregada de vieses
cognitivos e não leva em consideração relevantes aspectos da situação, essa tentativa de ajudar
pode ocasionar consequências nefastas para todos os envolvidos. Ademais, a literatura tem
indicado a associação do altruísmo sombrio com diferentes patologias, a exemplo da co-
dependência (Oakley, 2014), dos distúrbios alimentares (Oakley & Madhavan, 2011) e do
transtorno de personalidade dependente (Oakley et al., 2012). Mesmo diante deste quadro, ainda
são poucos os estudos voltados para investigar o altruísmo patológico, tanto no cenário
internacional, quanto no cenário nacional. Isso pode ter relação ao receio de que este
conhecimento possa gerar um descrédito ou até mesmo reduzir a importância dada ao
comportamento altruísta (Oakley, 2013). Por conseguinte, verifica-se a redução dos esforços
no aprofundamento e extensão da clareza sobre as implicações do altruísmo patológico (Haidt,
2012).
Ao que parece, desconsiderar ponderações de aspectos emocionais e racionais relativos
ao ato de ajudar pode levar a interpretações enviesadas das informações. Há de se pontuar que
ao compreender as ações humanas apenas em termos aparentes e superficiais, corre-se o risco
de considerar o cuidado com o outro como algo tão sagrado, óbvio e automático que qualquer
indício de discordância em realizar tal ação pode ser tomada como má, ofensiva ou hostil
(Oakley, 2014). Frente a isto, pode-se dizer que diante de qualquer situação que demande ajudar
terceiros é fundamental analisar os prós e os contras desta ação (Oakley & Madhavan, 2011).

Referências
Andreoni, J., Justin, M. R. & Trachtmann, H. (2017). Avoiding the ask: a field experiment on
altruism, empathy, and charitable giving. Journal of Political Economy, 125, 1-29.
Batson, C. D. (2012). The empathy-altruism hypothesis: Issues and aplications. In J. Decety
(Ed.), Empathy: from bench to bedside. Cambridge, MA: The MIT Press.
Batson, C. D. & Powell, A. A. (2003). Altruism and prosocial behavior. In T. Millon, & M. J.
Lemer (Eds.), Handbook of psychology: personality and social psychology (Vol. 5, pp.
463-484). New York: John Wiley & Sons.
Cantor, D. E. & Jin, Y. (2019). Theoretical and empirical evidence of behavioral and production
line factors that influence helping behavior. Journal of Operations Management, 65, 312-
332.
Cavalcante, C. E., Souza, W. J. de, Cunha, A. S. R. da, Nascimento, M. A. de A., Fernandes,
L. T. (2012). "Por que sou voluntário?": etapa de construção de escala. Pretexto, 13, 76-
90.
Churchland, P. S. (2011). Braintrust. Princeton. NJ: Princeton University Press.
Eisenberg, N. (1982). The development of prosocial behavior. New York: Academic Press.
Eisenberg, N. & Eggum, N. D. (2009). Empathic responding. In J. Decety, &W.J. Ickes (Eds.),

1083
The Social Neuroscience of Empathy (pp 71-83). Cambridge, MA: MIT Press.
Ferguson, E., Semper, H., Yates, J. Fitzgerald, J. E., Skatova, A. & James, D. (2014). The ‘dark
side’ and ‘bright side’ of personality: When too much conscientiousness and too little
anxiety are detrimental with respect to the acquisition of medical knowledge and skill. PloS
One, 9, 1-11.
Fine, C. (2006). A Mind of Its Own. New York: W. W. Norton.
Gintis, H., Bowles, S., Boyd, R. & Fehr, E. (2007). Explaining altruistic behavior in humans.
In R. I. M., Dunbar & L. Barrett, The Oxford Handbook of Evolutionary Psychology (pp.
605-619). USA, Oxford.
Gleichgerrcht, E., & Decety, J. (2013). Empathy in clinical practice: how individual
dispositions, gender, and experience moderate empathic concern, burnout, and emotional
distress in physicans. PLoS One, 8, 1-10.
Goldstein, J. (1983). Psicologia Social. Rio de Janeiro: Guanabara.
Gouveia, V. V., Athayde, R. A. A., Gouveia, R. S. V., Gomes, A. I. A. S. de B. & Souza, R. V.
L. de (2010). Escala de altruísmo autoinformado: evidências de validade de construto.
Aletheia, 33, 30-44.
Gouveia, V. V., Milfont, T. L. & Guerra, V. M. (2014). Functionaltheory of humanvalues:
Testing its content and structurehypotheses. Personality and Individual Differences, 60,
41-47.
Guéguen, N. & Stefan, J. (2014). “Green Altruism”. Environment and Behavior, 48, 324–342.
Haidt, J. (2012). The Righteous Mind. New York: Pantheon Books.
Lencastre, M. P. A. (2013). Evolução do altruísmo e da cooperação nos grupos humanos. In P.
Cunha et al. (Eds.). Construir a paz: visões interdisciplinar e internacionais sobre
conhecimentos e práticas (pp. 59-62). Portugal: e-book UFP.
McGrath, M. & Oakley, B. (2012). Codependency and pathological altruism. In: Oakley B,
Knafo A, Madhavan G, Wilson DS (Eds.). Pathological altruism (pp. 49-74). USA: Oxford
University Press.
Mundt, C (2009). Pathologischer Altruismus, Narzissmus und Dissoziation als
Vorbedingungen für Infantizid. Forens Psychiatr Psychol Kriminol, 3, 16-21.
Nathanson, J. N. & Patronek, G. J. (2012). Animal hoarding: how the semblance of a benevolent
mission becomes actualized as egoism and cruelty. In B. Oakley, A. Knafo, G. Madhavan,
& D. S. Wilson, Pathological altruism. New York: Oxford University Press.
O’Connor, L., Berry, J. W., Lewis, T., Mulherin, K. & Crisostomo, P. S. (2007).Empathy and
depression: the moral system on overdrive. Symposium conducted at the 34th Annual
Conference of the Society for Cross-Cultural Research, Santa Fe, New Mexico.
Oakley, B. (2013). Conceptos e implicaciones del altruismo sesgado y el altruismo patológico.
Ludus Vitallis, 21, 221-247.
Oakley, B. (2014). Empathy in academe: on the origins of pathological altruism. Academic
questions, 27, 48-64.
Oakley, B. & Madhavan, G. (2011). The dark side of altruism. New Scientist, 211, 30-31.

1084
Oakley, B., Knafo, A. & McGrath, M. (2012). Pathological altruism - an introduction. In B.
Oakley, A. Knafo, G. Madhavan, & D. S. (Eds). Wilson. Pathological Altruism. New York:
Oxford University Press.
Rodrigues, A., Assmar, E. M. L. & Jablonski, B. (2009). Psicologia Social. Vozes: Rio de
Janeiro.
Rubin, P. H. (2014). Pathological altruism and photological regulation. Cato jornal, 34, 171-
183.
Stürmer, S. & Siem, B. (2017). A group-level theory of helping and altruism within and across
group boundaries. In Intergroup helping (pp. 103-127). Springer, Cham.
Tavris, C. & Aronson, E. (2008). Mistakes were made (but not by me): Why we justify foolish
beliefs, bad decisions, and hurtful acts. Houghton Mifflin Harcourt.
Warneken, F. & Tomaselo, M (2006). Altruistic Helping in Human Infants and Young
Chimpanzees. Science, 311, 1301-1303.
O CASO ESTAMIRA: UM OLHAR DE “MÚLTIPLOS CONTORNOS” SOB A

1085
PERSPECTIVA DA PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA

Maria Aparecida de Paulo Gomes


Juscislayne Bianca Tavares de Morais
Hivana Raelcia Rosa da Fonseca
1 Introdução
O presente artigo trata-se de uma análise teórica de um caso de esquizofrenia sob a
perspectiva da psicopatologia fenomenológica. Partindo da análise do documentário “Estamira”
lançado no ano de 2002 e que retrata a história de uma mulher, idosa e negra que vivencia a
esquizofrenia e reside em um lixão, pretende-se nesta produção teórica, lançar reflexões sobre
essa condição psicopatológica, mas acima de tudo, refletir sobre as diretrizes norteadoras para
realização do entendimento crítico da manifestação de adoecimento.
Para tal, utiliza-se no referencial teórico autores que versam sobre o diagnóstico em
psicopatologia fenomenológica, a partir de uma perspectiva crítica. Acrescenta-se que apesar
do uso do referencial de um autor clássico Jaspers (2005/2015), essa produção teórica tem sido
ricamente elaborada nos últimos anos por autores como Moreira (2002), Moreira e Bloc (2013),
Tenório (2008), Messas (2018) e Karwowski (2015). Estes autores, versam sobre uma
perspectiva da psicologia do adoecimento, aproximando-a das correntes fenomenológicas e
existenciais.
Parte-se de pressupostos que salientam a importância da compreensão histórica e
ideológica do adoecimento, pois, é impossível entender o sujeito em condição de adoecimento
desvinculado do mundo. Concordar-se, assim, com Heidegger que diz que o homem é ser no
mundo, em processo de constante vir-a-ser. Tem-se, portanto, uma proposta diagnóstica não
fechada e que deverá ser entendida em sua transitoriedade.
Desta forma, trabalhos como estes são relevantes para Psicologia, na medida que se
propõe a promover uma reflexão contextualizada do adoecimento, além de colaborar para a
ampliação de elaborações teóricas neste campo, uma vez que, apesar do aumento de publicações
sobre a psicopatologia fenomenológica na última década, ainda se tem poucos livros e
discussões na área.
Para tal, este artigo é estruturado em introdução que disserta sobre os principais
elementos do trabalho, uma discussão do caso Estamira e por fim, as considerações finais das
autoras.

2. Psicopatologia Fenomenológica e sua História


A obra de Karl Jaspers em 1913, Psicopatologia Geral, marcou o início da história da
psicopatologia como área de saber. Na obra de Tatossian tem-se uma síntese dos clássicos da
psicopatologia fenomenológica. A psicopatologia de Arthur Tattosian aborda duas vertentes
que representam grande contribuição para a história da psicopatologia fenomenológica. De um
lado realiza uma síntese de autores essenciais para essa linha de estudo e de outro lado atualiza
a Psicopatologia fenomenológica, por meio da abordagem do Lebenswelt (Moreira, 2011)
De acordo com Moreira (2016), a psicopatologia fenomenológica começa no início dos

1086
anos 1920, com os trabalhos de Minkowski, Biswanger, Strauss e Von Gebsattel. O marco
inicial deu-se em 1922, na 63ª sessão da Sociedade Suíça de Psiquiatria de Zurique. A partir da
referência de fenomenologia enquanto a consideração de seu aspecto relativo ao que é
realmente vivenciado, a sua relação com a psicopatologia advém de uma inquietação a partir
da necessidade de se abordar o tema das patologias sob a perspectiva de um novo olhar, que
destina-se a perceber além do que é verificável.
Biswanger também contribuiu nessa perspectiva psicopatológica fenomenológica a
partir da obra “Ser e Tempo” de Heidegger, que foi publicada em 1927. Binswanger
desenvolveu da ampliação do olhar da psiquiatria que mostrava que um fundamento
antropológico não se restringiria à compreensão do homem a categorias biológico-naturalistas.
Neste contexto, o homem passou a ser visto a partir de seu Ser mais íntimo. A doença mental
deveria ser vista não apenas no campo natural mas compreendida a partir das possibilidades
originais do homem (Giovanneti, 1990)
De acordo com Romero, (1997), faz-se necessário considerar o caráter intencional do
fenômeno psíquico. O mental não é algo que ocorre somente dentro da cabeça, sem relação
como mundo. O mental está inteiramente direcionado para o mundo; o mundo é refletido de
certa maneira, numa determinada pessoa. Uma vivência não é uma experiência puramente
objetiva; toda vivência é uma forma de relação que o sujeito estabelece com os diversos objetos
que constituem o mundo. Buscar compreender o significado desse mundo particular para cada
sujeito, por meio da descrição minuciosa de suas vivências, é portanto, o principal objetivo do
método fenomenológico.

3. O caso Estamira: “Múltiplos Contornos” para o entendimento da experiência


psicopatológica.
O que vem a ser o entendimento compreensivo de uma pessoa diagnosticada com
esquizofrenia sob as lentes de uma psicopatologia fenomenológica? Esse artigo propõe desvelar
essa resposta através da discussão do caso Estamira. Para tal, inicialmente, esmiúça-se o
conceito de psicopatologia fenomenológica, em seguida, traz-se a discussão do caso Estamira,
para que, ao final, seja proposto um caminho para realização de um diagnóstico crítico e
compreensivo nessa perspectiva.
A psicopatologia fenomenológica é um campo de estudos ainda considerado impreciso,
e que recebe muitas críticas por sua elaboração não rigorosa. Todavia, embora seu emprego
seja controverso, ela vem sem dúvida se materializa no esforço de direcionar suas elaborações
teóricas a uma crítica ao modelo biomédico de compreensão do adoecimento enquanto estrutura
ontológica de manifestação do sintoma.
Para Kawowski (2015), a terminologia psicopatologia fenomenológica está diretamente
ligada a qualquer referência a doença mental, tratando-se de uma releitura dos fenômenos
psiquiátricos sob uma perspectiva de desvelamento das estruturas ontológicas da existência,
sendo diretamente implicada na compreensão da experiência do adoecimento. Conforme
Tatossian (2006, citado por Kawowski, 2015), o campo de estudos supracitado, teria o objetivo
de clarificar a experiência psiquiátrica e revelar a essência dos fenômenos psicopatológicos,
não como causa, mas como condição de manifestação da existência humana.
Jaspers (2005), autor que inaugura a psicopatologia fenomenológica enquanto campo
de estudos, revela o esforço em compreender a manifestação de adoecimento enquanto um
fenômeno que o paciente descreve e que nos torna acessível indiretamente, através das
inferências lançadas sobre a exposição do próprio paciente. Seu texto “A abordagem

1087
fenomenológica em psicopatologia”, desvela um esforço histórico que a psicologia vem
lançando para compreensão do paciente psiquiátrico para além do que pode ser registrável e
mensurável (reflexos, atividade motora, produção escrita, etc.), que seria uma Psicologia
objetiva, em contraponto a investigação dos sintomas de adoecimento enquanto fenômeno, em
direção a compreensão da experiência de adoecimento do paciente, o que seria uma Psicologia
subjetiva.
Compreender a doença enquanto fenômeno é lançar o olhar para o adoecimento para
além das manifestações psicopatológicas aparentes, desvelar a “aparência” é ir além das
descrições morfológicas e reducionistas das manifestações do adoecer. Para tal, a
fenomenologia será o caminho metodológico para entender o adoecimento enquanto expressão
do sujeito no mundo em sua “essência”. Neste sentido, Jaspers (2005), propõe três caminhos
para análise fenomenológica do paciente: 1) a “imersão”, por assim dizer, nos gestos,
comportamentos, e movimentos expressivos deste; 2) a exploração da fala da pessoa através do
questionamento direto e 3) através das auto descrições escritas. O intuito destes caminhos é
propor uma aproximação fenomenológica em direção a experiência psíquica subjetiva e não as
manifestações objetivas, aproximando-se ao máximo da experiência da pessoa atendida.
Moreira e Bloc (2013), discorrem sobre as críticas lançadas ao modelo inferencial
proposto pela psiquiatria, balizado unicamente na apreensão do sintoma na atividade clínica.
Para eles, os sintomas são uma parte minoritária da grande quantidade de informações
apresentadas pelo paciente, sendo este, apenas um indício de um problema. Faz-se necessário,
converter a experiência do sintoma em fenômeno, ou seja, desvelar o que está encoberto pelo
sintoma e compreender a expressão existencial da pessoa atendida, muito antes de qualquer tipo
de enquadramento em uma categoria nosológica.
Para Tenório (2008), a aplicação do método fenomenológico exige uma atenção aos
fenômenos tais como se mostram, ao mesmo tempo que exige a suspensão apriorística de
qualquer pressuposto ou ideia preconcebida. Segundo a autora, a preocupação de ater-se aos
fenômenos,

tenta captar o acontecer experiencial tal como o sujeito manifesta por sua expressão
verbal ou escrita, objetiva ou subjetiva. Pela fenomenologia tentamos indagar os
modos de manifestar-se de um determinado fenômeno, examinando em seguida o
significado e o sentido de um determinado fenômeno, examinando em seguida o
significado e sentido que esse fenômeno possa comportar, tal como é apreendido pela
análise reflexiva (Tenório, 2008, p. 32).

Para o entendimento do homem sob a luz de uma perspectiva fenomenológica, torna-se


fundamental compreender este enquanto sujeito no mundo, um homem antropológico e
culturalmente produzido. Por isso, utilizou-se no título deste texto, a terminologia “múltiplos
contornos” para análise do caso do documentário Estamira a partir de uma ótica
desideologizadora e crítica. Através da visão de Edmund Husserl e Merleau-Ponty, entende-se
nesta produção teórica, que a experiência vivida do adoecimento só poderá ser compreendida a
partir da perspectiva de múltiplos contornos, ou seja, a luz do seu significado biológico, cultural,
psicológico, ideológico entre outros (Moreira,2004).
Estamira, um documentário nacional produzido no ano de 2006, localiza a construção
do pensamento patológico e seu contexto natural com foco na estrutura capitalista. O curta
metragem conta a história de uma mulher de 62 anos, que reside e trabalha por mais de 20 anos
em um aterro sanitário no estado do Rio de Janeiro. Estamira, uma mulher negra, idosa e que

1088
mora na periferia, vivenciando quadro de esquizofrenia. Ela diz: “Eu sou Estamira mesmo e tá
acabado. Eu sou a beira. Eu tô lá, eu tô cá, eu to em tudo quanto é lugar. E todo dependem de
mim. Todos dependem de mim. Todos dependem de mim, de Estamira, Todos!”.
O documentário faz um esforço para que o telespectador visualize a manifestação da
personagem principal, para além, das manifestações dos sintomas sob a perspectiva do Manual
de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM IV), ao mostrar a realidade e os
vínculos sociais de Estamira. É importante, ao assistir o documentário, realizar um exercício
em torno do olhar que estamos lançando a personagem. Afinal, até que ponto nosso olhar
enquanto espectador está impregnado pelo modelo biomédico e nos impedindo de ver Estamira
em sua totalidade? Tal olhar eliciado ao homem enquadrado em uma categoria diagnóstica é
explicado por Jaspers (2015, p. 98)

No viver cotidiano ninguém pensa em fenômenos anímicos isolados de si mesmo ou


de outros. Nós somos direcionados interiormente sempre para aquilo por causa do
que nós vivenciamos, não para os nossos processos anímicos no vivenciar. Nós
compreendemos os outros não através de observação e análise da vida anímica, mas
à medida que nós vivemos com eles no contexto dos eventos, destinos e ações. E caso
nós uma vez realmente observemos as vivências anímicas mesmas, costumamos então
fazê-lo sempre somente no contexto das ocasiões e das consequências por nós
compreendidas, ou nós costumamos classificar personalidades em categorias
caracterológicas. Nós nunca temos a oportunidade de observar isoladamente
fenômenos anímicos, uma percepção por si mesma, um sentimento, e de descrevê-los
em sua manifestação, em seu modo de ocorrer, em sua datidade. Do mesmo
modo pode o psiquiatra se comportar em face a um doente. Ele pode vivenciar junto,
sempre na medida em que tal coisa imediatamente acontece, sem que uma reflexão
seja necessária; ele pode, nisso, obter uma compreensão totalmente pessoal, não
formalizável e imediata, que, entretanto, permanece também para ele mesmo um puro
vivenciar, que não se torna um conhecimento consciente. Ele ganha provavelmente
exercício no compreender, mas não obtém nenhuma recolha de experiências
conscientes, que ele possa comparar de modo mais claro do que em impressões vagas
e "sentimentos", que ele ordene, fixe, ponha à prova.

Jaspers (2015) relata que é usual a investigação de pessoas que vivem com transtornos
mentais, diferenciando sintomas objetivos e subjetivos. Pensando sob esse olhar, qual seria a
manifestação de sintomas objetivos de Estamira? Entendendo-se por sintoma objetivo, a
manifestação do que é visualmente e quantitativamente perceptível, temos no caso Estamira, a
manifestação de um conjunto de sintomas que se manifestam por pelo menos um mês:
alucinações visuais, delírios persecutórios, sintomas depressivos, catatonia, fala desorganizada,
enquadrando-a na condição de esquizofrênica.
Contudo, apesar da apresentação destes sintomas, verifica-se que Estamira não rompe
com seus vínculos sociais e com sua realidade. Ela consegue ser proativa no trabalho, apesar
de apresentar momentos de oscilação, agressividade e apatia. Já enquanto sintomas subjetivos,
pode-se entender enquanto a exploração da vivência de adoecimento sob a luz do doente e suas
autodescrições. Assim, algumas falas de Estamira podem ser coletadas como expressões de seus
sintomas subjetivos “todos precisam de Estamira”, “Só eu consigo descrever as coisas, por sou
a Estamira”, “Desgovernada, eu estou desgovernada. Sabe o que é uma pessoa desgovernada?
É uma pessoa nervosa, assim, querendo falar sem poder, agoniada”. Conforme Messas e Fukuda
(2018), na esquizofrenia há uma desproporcional participação do espaço na temporalidade
existencial, ou da introversão em relação a participação no mundo, havendo uma ainda uma
dificuldade deste de se conectar com o outro, mais focado em si, dificilmente se conectando

1089
com o psipatologista.
Estamira apesar de oscilar momentos de crise, no qual há o afastamento das suas
atividades sociais e retraimento social, nunca apresenta longo períodos de tempo expressando
um rompimento total com a realidade. Neste sentido, Tatossian (1993) revela que um distúrbio
psicopatológico não pode ser totalmente heteronômico, ou seja, jamais existe loucura integral,
o louco permanece sujeito, há uma parte da sua autonomia, liberdade, que persiste. Nisto,
percebe-se que Estamira explora seu livre direito de ir e vir e assume um posicionamento
perante sua manifestação psicopatológica, ela se reconhece doente e compreende os efeitos da
terapêutica medicamentosa sobre sua psiqué. Tal como expressa um dos trechos do
documentário “Vocês são comum ... Eu não sou comum, só o formato que é comum. Vou
explicar para vocês tudinho agora, pro mundo inteiro. É cegar o cérebro... o gravador
sanguíneo... de você. É o meu eles não conseguiro... porque eu sou formato gente, carne,
sangue, formato homem, par... eles não conseguiram. É... a broca deles é essa”.
No início do documentário, é possível verificar um excesso de fala desorganizada de
Estamira, momento esse, no qual ela está livre da terapêutica medicamentosa. Depois, de um
momento de exposição de sequências de imagens de Estamira no lixão, com foco das câmeras
na situação de sujeira, fome e miséria vivenciada pela personagem, é verificado o momento que
a personagem questiona sua lucidez e logo em seguida, a câmera a acompanha na fila de
acompanhamento de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Mostra um processo
diagnóstico rápido, frio e com pouca coleta de informações sobre a história de vida da paciente,
logo ao final, sendo mostrado o receituário médico, expressando a hegemonia da lógica
biomédica.
Nesta linha de pensamento, pode-se tecer uma crítica a esse modelo diagnóstico a partir
do dito por Romero (1997), segundo o qual, o mundo mental não pode ser compreendido sem
relação com o mundo externo, ou seja, uma vivência não é uma experiência unicamente
objetiva, pois, todo modo de existir é resultando da relação que o sujeito estabelece com os
objetos que lhe chegam a consciência e que constituem seu mundo. Buscar o significado das
relações que o sujeito estabelece com o mundo é o principal objetivo de um entendimento
fenomenológico das manifestações psicopatológicas.
Propõe-se, neste momento, alguns caminhos para uma compreensão crítica e
fenomenológica do caso Estamira. Para tal, serão discutidos os fundamentos para uma
psicopatologia crítica conforme proposto por Moreira (2002).
O primeiro ponto é a necessidade de entender a perspectiva do doente mental sob
múltiplos contornos, ou seja, ele não possui uma vivência estacionada. No caso de Estamira,
pode-se dizer que ela é uma mulher, mãe, que reside num contexto permeado por desigualdades,
que é sujeito no mundo, resiste e questiona sua condição. Possui fala ativa e é sujeito relacional
com e no mundo. É necessário superar a visão dualista e dicotomizada para o entendimento
para psicopatologia. O estar doente e sadio é uma característica inerente ao ser e não se excluem
mutuamente.
Um segundo ponto, é que a psicopatologia precisa ser não individualista, fazendo-se
necessário, lançar os olhares para uma compreensão cultural e histórica para vivência de
Estamira. Quais as formas de violência que a personagem sofre, quais as situações de injustiça
e desigualdade social ela vivência, inclusive no próprio acesso as políticas públicas de saúde
no documentário? Para uma psicopatologia crítica é preciso romper radicalmente com os
modelos de psicopatologia que buscam a responsabilizar o indivíduo por sua doença mental, o
que a acaba por submetê-lo a um modelo individualista.
O terceiro ponto, é que o tratamento dos sintomas sem o estudo das origens é apenas um

1090
paliativo. No caso de Estamira, verifica-se que a mesma apresenta um passado marcado de
violências que repercute e é constantemente rememorada na sua experiência atual. As
lembranças do pai e da mãe sempre são relacionadas a ternura e perda, bem como a duplicidade
de sentido presente logo em sua vida sofrida. Em determinado momento, Estamira rememora,
que pediu a seu avô para presenteá-la, porém, seu avô, segundo ela, só queria lhe dar as coisas
se deitasse com ele. A mãe de Estamira também possuía histórico de vivência de abuso sexual
do pai, o que indica a transgeracionalidade da violência.
A psicopatologia deve lançar seus olhares a uma perspectiva de múltiplos contornos,
uma visão desideologizadora do fenômeno de adoecimento, entendendo-a como culturalmente
produzida e resultante de processos sociais e ideológicos (Moreira, 2002).
Tenório (2008) e Romero (1997) ainda propõem alguns elementos para compreensão da
experiência de adoecimento em uma perspectiva compreensiva, entre as quais estão: observar
e escutar a pessoa por inteiro, buscar entender o homem como ser-no-mundo, compreender a
pessoa enquanto inserida em um contexto social e interpessoal, considerar a dimensão afetiva
e espaço temporal, descrever cada experiência significativa do sujeito, buscar as relações de
sentido entre as diversas experiências e fazer uma leitura diagnóstica com base na significação
dada pelo próprio sujeito.
A perspectiva da análise da psicopatologia fenomenológica precisa então considerar a
multiplicidade de vivências e expressões do ser, não apenas um conjunto de sintomas
caracterizados como patológicos. Essa é uma forma de análise e apresenta-se também como
uma crítica a práticas que dualizem o processo de saúde e doença ou ainda que descolem a
pessoa de sua vida e contexto. O sujeito precisa ser entendido em uma visão holística, inserido
em uma sociedade medicalizada e que pouco se atém ao entendimento do sujeito diagnosticado
enquanto relacional e que constrói os significados de si e do mundo ao seu redor.

4. Conclusões
O entendimento de uma psicopatologia sob as lentes fenomenológicas, propõe-se,
enquanto caminho metodológico para a compreensão dos sintomas do adoecimento psíquico,
sob as lentes culturais, sociais e ideológicas, que lançam as possibilidades de desvelamento do
sintoma não apenas como uma manifestação de uma doença, mas enquanto “ fenômeno” que
só pode ser compreendido quando pensamos o homem enquanto sujeito intersubjetivo.
Ao localizar Estamira enquanto sujeito histórico, realizamos neste artigo uma tentativa
de trazer elementos que permitam desvelar sua experiência e vivência enquanto pessoa que
convive com a esquizofrenia. A partir do momento que se concebe a personagem enquanto
sujeito relacional no mundo e em contato com diferentes personagens em seu cotidiano,
verifica-se que uma condição de adoecimento como a esquizofrenia é despotencializadora, mas
não, inibidora/ barreira no processo de (sobre)viver.
A Psicologia tem muito a contribuir com seu olhar diferenciado sobre a experiência de
adoecimento e ao lançar seu olhar para reflexão sobre a vivencia de Estamira, permite
(re)pensar e refletir sobre como as diferentes tecnologias em saúde mental vem sendo
empregadas. Será que a pessoa atendida, pessoas como Estamira, está efetivamente sendo vista
e considerada nos diferentes espaços dispositivos de cuidado, seja na clínica ou nas diferentes
políticas públicas? Estamira é um documentário, que se expressa enquanto convite para que o
psicólogo e demais profissionais que compõem os espaços de saúde mental (re)vejam e
(re)pensem suas práticas de modo a desnaturalizar abordagens consideradas habituais, mas que
coíbem a livre expressão do sujeito e o entendimento total da sua história. É um convite a entrar

1091
em contato com a pessoa enquanto ser no mundo e um retorno aos fenômenos desse ser.

Referências
Bloc, L. & Moreira, V. (2013). Sintoma e fenômeno na psicopatologia fenomenológica de
Arthur Tatossian. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 16(1), pp. 28-
41.
Giovanetti, J. P. (1990). O existir humano na obra de Ludwig Binswanger. Síntese Nova Fase,
50, 87-99.
Jaspers, K. (2005). A subjetividade dos eventos psíquicos. Revista latino-americana de
Psicopatologia, VIII, 4, pp. 769-787.
Jaspers, K. (2015). A direção de pesquisa fenomenológica na psicopatologia. Revista da
Abordagem Gestáltica, 21(1), pp. 97-105.
Karwowski, L. (2015). Por um entendimento do que se chama psicopatologia fenomenológica.
Revista da Abordagem Gestáltica, 21(1), pp. 62-73.
Messas, G. & Fukuda, L. (2018). O diagnóstico psicopatológico fenomenológico da perspectiva
dialético- essencialista. Revista Pesquisa Qualitativa, 11 (6), pp. 169-191.
Moreira, V. (2002). Psicopatologia Crítica. Conferência proferida na Universidade Federal do
Ceará. Disponível em:
https://hp.unifor.br/hp/pos/mps/docs/semanapsicfederaljulho2002.pdf. Acesso em 20 de
fevereiro de 2020.
Moreira, V.. (2004). O método fenomenológico de Merleau-Ponty como ferramenta crítica na
pesquisa em psicopatologia. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17(3), pp. 447-456.
Romeno, E. (1997). O inquilino imaginário: Formas de Alienação e Psicopatologia, São Paulo:
Lemos Editorial.
Tenório, C. M. D. (2008). A psicopatologia e o diagnóstico numa abordagem fenomenológica-
existencial. Universitas Ciências da Saúde, 1 (1), 31-44.
PLANTÃO PSICOLÓGICO NO CENTRO UNIVERSITÁRIO INTA-UNINTA:

1092
POSSIBILITANDO ESPAÇOS DE ESCUTA E ACOLHIMENTO

Maria Aparecida de Paulo Gomes


Marcelo Franco e Souza
Isadora Lima de Souza
André Luís de Oliveira Pedroso
Manoel Rodrigues de Souza Neto
1 Introdução

O Plantão Psicológico é uma modalidade de atendimento terapêutico e cuidado em


Saúde Mental que se propõe a oferecer ao paciente acesso à escuta clínica qualificada no
momento da sua urgência. De acordo com Souza e Souza (2011) essa modalidade é exercida
por psicólogos que ficam à disposição de quem procura espontaneamente o serviço psicológico
em local, dias e horários preestabelecidos, e pode ocorrer em espaços variados como escolas,
clínica- escola de cursos de Psicologia, hospitais, instituições da área jurídica e esportiva,
clínicas psicológicas privadas, dentre outros.
A singularidade desse modelo de atendimento é percebida dentre outros aspectos pela
característica de configuração de atendimento breve, tratando- se assim de um
acompanhamento de curto prazo. Tassinari e Durange (2012) conceituam essa prática no campo
da proposta de trabalho terapêutico como um atendimento fundamentado em um encontro
radical de curta duração entre o terapeuta e o cliente.
Em Sobral, no Ceará, o Centro Universitário INTA-UNINTA foi um dos centros
acadêmicos precursores a implantarem essa modalidade de atendimento psicológico. Sua ênfase
dá-se na oportunidade de oferecer acesso à população local ao atendimento gratuito prezando
pela excelência do serviço prestado pelos estagiários. Nesse contexto, este trabalho objetiva
relatar a experiência do Plantão Psicológico neste centro universitário, detalhando as
especificidades na execução dos atendimentos, relacionando-as aos autores que basearam a
fundamentação teórica da práxis.
Nesta instituição acadêmica, os atendimentos clínicos são disponibilizados para
colaboradores, alunos regularmente matriculados e comunidade em geral. As sessões clínicas
acontecem no espaço do Núcleo de Atendimento e Práticas Integradas (NAPI). Este setor é
disponibilizado para atuação de profissionais e de estagiários dos cursos que oferecem práticas
dos variados cursos deste centro.
Foi criado com o objetivo de promover acompanhamento interdisciplinar de pacientes
que compõem o público interno e externo desta instituição de ensino, proporcionando,
sobretudo, campo de práxis para os alunos. Variados serviços são disponibilizados no NAPI,
dentre alguns dos principais citam-se: Acompanhamento Nutricional, Atendimento
Psicológico, Orientação Psicopedagógica, Ginástica Laboral, Ligas Interdisciplinares
compostas pelos cursos de Medicina, Enfermagem, Fisioterapia e Psicologia, Mesa de
Atendimento Multiprofissional, dentre outros serviços.
O curso de Psicologia, nesta instituição, tem, ao longo dos anos, ampliado suas

1093
possibilidades de atuação, fomentando em parceria com o crescente número de alunos, a
mobilização para participação ativa e inserção nos campos sociais que possibilitam a aplicação
do conhecimento produzido na academia.
Neste contexto, o Projeto de Extensão Plantão Psicológico tem oferecido, neste espaço,
uma possibilidade de cuidado em Saúde Mental, favorecendo acesso ao atendimento
psicológico de urgência. O público que busca atendimento é identificado principalmente por
alunos ligados à instituição e comunidade. A maioria dos pacientes trazem queixas relacionadas
às hipóteses diagnósticas relacionadas à alta ansiedade e depressão. De forma ampla, os
pacientes têm apresentado relatos sobre consequências favoráveis que o espaço de escuta
qualificada tem proporcionado por meio das sessões terapêuticas.
Espaços de escuta autêntica representam importante aspecto no processo de
ressignificação para as pessoas que estão em sofrimento psíquico. Para Stefanelli, (2012), a
prática da escuta significa o reconhecimento do sofrimento do paciente. Assim, o ato de ouvir
no contexto da escuta qualificada assume que há uma demanda psíquica que se propõe a emergir
em condições que favorecem esse processo.
A escuta possibilita o contato com a experiência do outro na perspectiva trazida por
meio do significado expressado pela fala do cliente. Ao declarar os motivos de sua disposição
para buscar acompanhamento psicológico, o paciente traz preciosas informações que
representam sua maneira de sentir, de pensar e de perceber o mundo. O reconhecimento da sua
potencialidade para validação desses aspectos são importantes meios para uma autorreflexão
de seu processo de adoecimento.
A fala pode ser percebida como a produção de sentidos. O paciente escuta-se e percebe-
se na medida em que suas angústias vão sendo externalizadas. Ao seu encontro tem-se a escuta
atenciosa que, no contexto terapêutico, tem um poder transformador. Essa se alicerça na
confiança e no desenvolvimento das potencialidades da pessoa que ali se apresenta, na
facilitação do ambiente, na interlocução diferenciada com o plantonista que se presentifica,
proporcionando ao cliente, mesmo quando ocorre um único encontro, a escuta de si, autodireção
em momentos de grandes dificuldades ou de urgências subjetivas (Souza, Francisco &
Montenegro, 2015).
Desse processo se percebe o caráter terapêutico da escuta qualificada, que através do
acolhimento incondicional promove condições para que o paciente se escute e por meio desse
movimento ele exercite o autocuidado e autorreflexão acerca de suas queixas que são
constituídas de sofrimento e incompreensões.
Neste processo de abertura em que o cliente pode expressar sua dor e ser ouvido sem
julgamentos, ele pode a partir desse desprendimento ouvir-se e identificar nessa fala os aspectos
que envolvem suas questões vivenciadas. “Fundamentado nessas perspectivas, o plantonista
tem a responsabilidade de facilitar condições que permitam ao cliente a elaboração de sua
demanda, de modo a aproximar-se da experiência do outro conduzindo-o a uma tomada de
decisão” (Mahfoud, 2013, p. 20).
Como não se trata de uma aplicação pontual e determinista a um problema
externalizado, Bezerra (2014) enfatiza que a perspectiva fenomenológica no contexto da
demanda apresentada ocorre na possibilidade de devolver ao outro o sentido que esta demanda
tem para ele. Estabelece que não é função do plantonista entender o problema trazido pelo
cliente de modo lógico para a partir disso encontrar soluções consideravelmente lógicas. Assim,
o sentido, portanto, não é estabelecido a partir do plantonista, mas sim surge da relação
intersubjetiva entre este e o cliente. Quando o cliente se apropria do sentido para si, dá-se conta

1094
das possibilidades de sua queixa ou demanda. A partir da relação dialética entre cliente e
terapeuta.
Esse contato com o sofrimento do paciente leva em consideração a constituição
completa desse indivíduo implicado na relação terapêutica. Pois ele enquanto ser não somente
psíquico, mas também social e biológico, apresenta necessidades elencadas neste contexto do
indivíduo em sua totalidade. Assim, faz-se importante um reconhecimento dessas bases para
que se possa favorecer condições para a concretização de um processo.
De acordo com a corrente filosófica humanista, a “auto- realização é um processo de
plena missão, como um conhecimento mais completo e a aceitação da própria natureza
intrínseca da pessoa, como uma tendência incessante para a unidade, a integração ou sinergia
dentro da própria pessoa” (Maslow, 1954, p. 91).
Além da base humanista do Plantão Psicológico, outras abordagens como a Terapia
Cognitivo-Comportamental (TCC) contribuem significativamente nesse processo ao favorecer
a possibilidade de um olhar amplo sobre a condição do cliente. De acordo com Beck (1976) a
TCC fundamenta-se numa base teórica subjacente, que afirma que o afeto e o comportamento
de um indivíduo são amplamente determinados pelo modo como ele percebe a realidade. A
possibilidade de oferecer ao cliente a avaliação dessa perspectiva subjetiva sob a vertente da
abordagem psicológica cognitiva e comportamental é um importante meio para facilitar seu
processo de ressignificação e reestruturação cognitiva.
O sofrimento psíquico, na contemporaneidade, é representativo dos modelos de
existência humana constituídos ao longo dos processos históricos. As formas de acesso desse
âmbito existencial humano têm demandado o desenvolvimento de habilidades voltadas ao
cuidado do paciente em sofrimento iminente. Assim, o projeto Plantão Psicológico: Escuta,
Acolhimento e Intervenção em Situações de Crise, nessa instituição, vem delineando ao longo
de seu processo estratégias para acessar e acolher a experiência trazida pelo paciente em seu
sofrimento psíquico. Objetivando-se, dessa forma, promover a consciência de si e da realidade,
levando a pessoa a discriminar os diferentes recursos de que dispõe para lidar com as situações
que a levam à procura de ajuda.

2 Metodologia
O projeto de extensão Plantão Psicológico: Escuta, Acolhimento e Intervenção em
Situações de Crise, no Centro Universitário INTA-UNINTA, teve início em agosto de 2018,
através de estudos centrados na Psicologia Humanista e posteriormente ampliando-se para a
Terapia Cognitivo- Comportamental a partir de 2019.1. A preparação teórica dos acadêmicos
acontece em período quinzenal mediante a revisão de literatura indicada pelo professor
orientador do projeto que contempla autores como Mahfoud (2013); Rogers (1986) Beck (1967;
1976), dentre outros relevantes autores nacionais e internacionais.
A partir de fevereiro de 2019, as atividades práticas deram início, partindo de uma visão
pautada no atendimento clínico em situações de crise, que ocorrem no Núcleo de Atendimento
e Práticas Integradas (NAPI), sob demanda espontânea de pacientes. O projeto, atualmente, é
constituído por quinze acadêmicos do curso de Psicologia e um professor supervisor.
Os atendimentos ocorrem mediante a divisão dos alunos por dias de plantão, em média
cada aluno faz até dois acompanhamentos semanais. No primeiro contato do paciente com o
serviço, os plantonistas realizam escuta qualificada e o preenchimento de instrumentos clínicos
de registro de primeira seção. Os pacientes são agendados previamente e os casos de maior

1095
urgência são priorizados. As idades variam entre 15 a 55 anos e a maior parte dos pacientes são
alunos da própria instituição. Nos encontros semanais, pós-atendimentos são realizadas as
supervisões para acompanhamento dos casos e atendimentos sob orientação do professor
orientador do projeto na instituição.
Prioriza-se para composição do quadro de estagiários no projeto, alunos dos semestres
mais avançados do curso que estejam regularmente matriculados nesta instituição e tenham sido
aprovados em processo seletivo. Os estagiários fazem atendimento integral, desde a primeira
sessão até encerramento ou encaminhamento com duração total de uma a cinco sessões. Segue-
se a sequência de um atendimento inicial, até três retornos e uma consulta de avaliação após
um mês.
No UNINTA, o projeto também se insere em atividades promovidas em espaços
externos à sala de atendimento clínico. Dentre as atividades promovidas externamente
realizaram-se ações de Prevenção ao Suicídio, na campanha do movimento Setembro Amarelo
e intervenções pontuais em dias comemorativos em empresas localizadas na cidade de Sobral
e também em escolas públicas parceiras.
Abaixo (Tabela 1) apresentamos os dados que caracterizam o perfil inicial dos primeiros
pacientes atendidos pelo projeto de extensão no Centro Universitário INTA-UNINTA. Foram
registrados 30 casos ao longo de quatro meses de atendimentos realizados pelos extensionistas
até o final do semestre 2019.1. As idades variaram entre 15 a 55 anos. O percentual maior de
pacientes foi caracterizado como alunos da Instituição. Observa-se que Transtornos de
Ansiedade e de humor como a depressão, são identificadas como hipóteses diagnósticas mais
prevalentes entre os pacientes.

Tabela 1- Caracterização do público atendido pelo Plantão Psicológico

Idade Quantidade

15 a 19 anos 7

20 a 24 anos 11

25 a 28 anos 4

33 a 35 anos 2

42 a 44 anos 2

50 a 55 anos 4

Sexo Quantidade

Feminino 21

Masculino 9

Origem Quantidade

Aluno Uninta 17

Colaborador Uninta -

Comunidade 13
Estado civil Quantidade

1096
Solteiro 22

Casado 6

Não informado 2

Cidade Quantidade

Sobral 20

Cidades circunvizinhas 10

Hipótese diagnóstica Quantidade

Ansiedade/Depressão 16

Conflito familiar 2

Transtorno de Estresse Pós-traumático 2

Ideação suicida 3

Outros (disfunção sexual, trauma/abuso 3


sexual)

Sem hipótese 2

Fonte: Autoria própria

4 Discussão e Análise dos Resultados


O Plantão Psicológico consiste em uma modalidade de atendimento emergencial
direcionado à comunidade, e busca atender à demanda emocional imediata do cliente. Tassinari
(2011) diz que é um tipo de atendimento psicológico que se completa em si mesmo, realizado
em uma ou mais consultas sem duração predeterminada, objetivando receber qualquer pessoa
no momento exato de sua necessidade e, quando necessário, encaminhá-la a outros serviços. O
tempo da consulta e os retornos dependem de decisões feitas em consenso entre o plantonista e
o cliente que são concretizadas no decorrer da consulta.
O movimento espontâneo da fala permeado por relatos de sofrimento, solidão ou
angústia psíquica é trazido em cada sessão por pacientes que mencionam o anseio por suporte
emocional ou até mesmo busca de respostas ou soluções de problemas. Ao final dos
atendimentos, alguns clientes surpreendem-se encontrando na própria manifestação livre e sem
julgamentos de seus relatos, possíveis caminhos a serem percorridos.
Trata-se consideravelmente da relevância de uma escuta de si. Ou uma percepção de um
dado aspecto de suas vidas sob outras perspectivas. Nem todas as pessoas encontram nesse
processo as soluções desejadas, mas é perceptível que a fala, muitas vezes, é envolvida em
lágrimas, incertezas e ideias confusas revelam uma clarificação de suas vivências que lhes
proporciona novas percepções acerca do vivido. O plantonista, neste processo, disponibiliza-se
para oferecer apoio emocional e a estar junto ao cliente sem julgá-lo.
Nesta perspectiva, a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) inseriu-se como base teórica
no desenvolvimento do Plantão Psicológico quando iniciou no Brasil (Sousa et al., 2015).
Rogers (1986) propôs três condições de grande relevância para promover um ambiente de

1097
facilitação o qual poderia fomentar processos como crescimento pessoal, mudança e autonomia.
A primeira condição é autenticidade. Quanto mais o terapeuta apresenta-se congruente,
significa que está vivenciando abertamente os sentimentos e atitudes que estão fluindo naquele
momento. A segunda é a aceitação. Ou consideração incondicional positiva. Envolve a boa
vontade do terapeuta para vivenciar qualquer sentimento que emerja na relação terapêutica. E
a terceira é a compreensão empática. O terapeuta sente os sentimentos e significados do cliente
e lhe comunica compreensão. (Rogers, 1986).
As condições facilitadoras apresentadas são de grande importância no processo de
construção de uma relação terapêutica, sendo ela um meio necessário para consolidação de um
espaço favorável em que o cliente se expresse e sinta acolhido. Nesse processo, cada paciente
apresenta o relato de sua história de vida sob a perspectiva de sua visão subjetiva de mundo.
Dessa forma, as experiências trazidas mediante representativa condição de inquietação,
angústias e sofrimento psíquico são formas de comunicação acerca da percepção do indivíduo
sobre o seu contexto.
Com a ampla aceitação da modalidade Plantão Psicológico por todo o Brasil, outras
abordagens foram se tornando base para os atendimentos nessa modalidade clínica, como a
Terapia Cognitivo-Comportamental, utilizada no Plantão Psicológico do UNINTA. O modelo
cognitivo que é a teoria que é subjacente à TCC propõe que o pensamento disfuncional (que
influencia o humor e o pensamento do paciente) é comum a todos os transtornos psicológicos
(Beck, 2013). Assim, verifica-se que é possível aprender a avaliar o próprio pensamento por
outras perspectivas. Essa estratégia é um relevante recurso no processo de autoconhecimento e
reabilitação cognitiva.
Neste contexto, os princípios da ativação comportamental e da reestruturação cognitiva
abordadas por Beck (1967), na perspectiva da TCC, trazem direcionamentos para a atuação do
estagiário. “A reestruturação cognitiva busca promover motivação para a mudança” (Neufeld,
2017, p. 259).
O modelo cognitivo da depressão propõe que os sintomas cognitivos e motivacionais da
depressão podem ser causados e mantidos por distorções nos três níveis de cognição:
pensamentos automáticos, crenças subjacentes e crenças nucleareas (esquemas) (Beck, 2014).
Essas expressões cognitivas representam grande influência no processo de adoecimento
psíquico, sendo elas conceituações fundamentais a serem consideradas na análise dos relatos
trazidos. A ficha de atendimento da primeira sessão é composta por essas três perguntas que
nos mostram qual a percepção do indivíduo em relação a estes aspectos.
Além disso, o recurso da ativação comportamental favorece condições para que o
paciente verifique em sua rotina quais as possibilidades de atividades existentes que facilitem
seu processo de enfrentamento aos comportamentos disfuncionais vivenciados. Segundo Beck
(2014), a ativação comportamental combina programação de atividades e de gratificações,
visando a mobilização inicial do paciente deprimido em direção à motivação para mudanças
comportamentais.
O plantonista é atravessado, acima de tudo, pela inteira disponibilidade em servir,
voltando a sua atenção para os sentidos que são construídos nesse encontro e não para o
problema ou possível transtorno apresentado. Assim, o Plantão Psicológico caracteriza-se pela
oferta de um espaço de acolhimento e escuta clínica, valorizando o encontro dialógico entre
plantonista e usuário, na perspectiva de promover a construção de outras possibilidades de
sentido a partir da experiência vivida. Dessa forma, “a eficácia do plantão psicológico não está
relacionada à solução de problemas ou se resume a uma possível oferta de respostas que o

1098
usuário espera receber para sanar suas dúvidas ou inquietações” (Dantas, 2016, p. 234).
A validação da condição humana e do potencial do indivíduo têm sido aspectos
constantemente observados. Na medida em que se promove espaços de escuta e acolhimento
incondicional se percebe a eficácia que o ambiente de apoio psicológico com essas
características promove ao indivíduo. Sobretudo na valorização da subjetividade do indivíduo
considerando-o um ser capaz.
Desse modo, atenção e cuidado não buscam ser disponibilizados como instrumentos
disciplinares de supostos especialistas detentores de saberes técnicos claros e precisos sobre o
bem-estar e a saúde do indivíduo. De acordo com Nunes e Morato (2013) o espaço de escuta e
acolhimento destina-se a esclarecer que aquele que é alvo do cuidado e atenção não deve ser
visto como alguém subjugado, inferiorizado ou mesmo objetificado, mas um ser que possui
recursos para lidar com as situações de crise e com a própria existência. Esses recursos podem
ser desvelados e constituídos, muitas vezes, no espaço de contato com o plantonista durante o
atendimento em Plantão Psicológico.
Acredito que ser plantonista neste projeto é, sobretudo, estar disponível para conhecer
a diversidade dos modos de existência possíveis. É desenvolver disponibilidade para ouvir
histórias variadas e experiências de vida. É compartilhar da dor do outro e assim desenvolver a
capacidade de suspender julgamentos e pré- concepções. É reconhecer as próprias limitações e
presenciar a mudança de perspectiva e de postura diante do que o paciente traz. Nesse
acolhimento incondicional, ampliar a própria visão acerca do que se vive. É o exercício de
acessar a vulnerabilidade do indivíduo carregada no seu sofrimento e assim possibilitar
processos de empatia, tão essencial no desenvolvimento das potencialidades humanas. É estar
disposto a acolher a dor psíquica trazida e colocar-se disponível para ser suporte e auxílio
emocional, sob qualquer circunstância.
O significativo papel do plantonista participante de forma comprometida exerce forte
influência na dinâmica terapêutica, pois, neste contexto, ele atua por meio da dialética da
ciência conceitual em consonância com a experiência vivencial. É na dinâmica das relações do
eu com o outro que se torna possível acessar com responsabilidade a experiência do sofrimento
psíquico do paciente em um processo terapêutico. Favorecendo condições para que nesse
espaço o terapeuta não seja um mero espectador da experiência trazida pelo paciente, mas
destine total interesse e atenção ao processo de facilitação da condição existencial de seu
cliente.
O plantonista na relação terapêutica também adquire experiências de grande valor.
Tenho percebido que cada paciente traz aprendizados, são perspectivas de sentido diferentes
que promovem uma ampliação na capacidade de perceber os aspectos envolvidos em cada
vivência. É um exercício que possibilita deparar-se com o inesperado e confrontar-se com as
variadas formas de sofrimento psíquico. São momentos únicos que esse projeto tem
representado para a formação acadêmica pautada no comprometimento humano e social.

Referências
Barreto, C.L.B., Morato, H.T., Caldas, M. (Orgs) (2013). Prática psicológica na Perspectiva
Fenomenológica. Curitiba: Juruá.
Beck, A.T. (1976). Cognitive therapy and the emotional disorders. New York: International
Universities Press.
Beck, S. J. (2014)Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. Trad. Sandra Mallmann

1099
da Rosa; revisão técnica: Paulo Knapp, Elizabeth Meyer. 2 ed. Porto Alegre: Artmed.
Bezerra, E. N. (2014). Plantão psicológico como modalidade de atendimento em psicoterapia
em psicologia escolar: limites e possibilidades. Estudos e pesquisa em Psicologia, 14
(1), p.129-143. Disponível em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-
42812014000100008. Acesso em 20 de Fevereiro de 2020.
Dantas, J. B., Dutra, A.B., Alves, A. C., Benigno, G.G., Brito, L.S. & Barreto, R. (2016) Plantão
Psicológico: Ampliando possibilidades de escuta. Revista de Psicologia. v.7 n.1, p.232-
241, jan/jun. Fortaleza. http://www.periodicos.ufc.br/psicologiaufc/article/view/5597.
Acesso em 25 de Fevereiro de 2020.
Mahfoud, M. (2013). Desafios sempre renovados: plantão psicológico. Em M. A.
Maslow, A. (1954) Motivation and Personality. New York. Herper and Brothers-Publishers.
Neufeld, C. B., & Rangé, B. P. (Eds. Ou Orgs.) (2017) Terapia Cognitivo-Comportamental em
grupos: evidências à prática. 1 ed. 599 pp. Porto Alegre: Artmed.
Nunes, A. P., & Morato, H. T. (2013). Plantão Psicológico no Departamento Jurídico: relato
de plantonistas. In Barreto, C. L. T., Morato, H. T. P. & Caldas.
Roger, C. (1986) Sobre o poder pessoal. Trad. Wilma Millian Alves Penteado. Rev. Estela dos
Santos Abreu. São Paulo: Martins Fontes
Souza, B. N., & Souza, A. M. (2011). Plantão psicológico no Brasil (1997-2009): saberes e
práticas compartilhados. Estudos de Psicologia, 28 (2),241-249. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v28n2/11.pdf. Acesso em 26 de Fevereiro 2020.
Souza, S., Filho Francisco, F.; Montenegro, Liana. (2015). Plantão Psicológico:
Ressignificando o humano na experiência da escuta e acolhimento. 1ª ed. Curitiba: CRV
Stefanelli, M., C. (2012). Estratégias de comunicação terapêutica. In: Stefanelli MC, Carvalho
EC. A comunicação nos diferentes contextos da Enfermagem. 2ª ed. Barueri: Manole;
77-109.
Tassinari, Marcia & Durange Wagner. (2011). Plantão Psicológico e sua inserção na
contemporaneidade. Revista NUFEN. v.3 n.1 São Paulo. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-
25912011000100004. Acesso em: 26 de Fevereiro de 2020
Tassinari, Marcia & Durange, Wagner. (2012). Plantão psicológico o florescimento da
psicologia pós-moderna: o drama da transmutação. Revista enfoque humanístico,
(21),1-20. Disponível em:
http://media.wix.com/ugdu/b33ce8_2ac4eId4a55621690afc300cc9c4efdb.pdf. Acesso
em 26 de Fevereiro de 2020
Tassinari, Marcia, Cordeiro, A. P. S. & Durange, W. T (Orgs.) (2013) Revisitando o Plantão
Psicológico centrado na Pessoa (pp. 33-50). Curitiba: CRV.
ARTE E O CUIDADO PSI: APROXIMAÇÕES TEÓRICAS SOBRE A CLÍNICA

1100
PSICOLÓGICA NA CONTEMPORANEIDADE

Maria Clara de Carvalho e Silva Moura Carvalho


Pedro Victor Cerqueira Paiva
1 Introdução
Além do fazer ciência e ser profissão, A Psicologia avalia a necessidade de pensa sobre
uma terceira característica identitário: o Cuidar. Com esse, eis que são vislumbradas as
implicações que, por exemplo, refletem sobre uma legitimação do cuidado da psique. Esse, por
sua vez, tende a ser para além dos moldes engessados do antigo modelo hospitalocêntrico que
caracteriza um passado recente da Psicologia. Com isso, hoje, apesar de ainda ser necessário se
utilizar de um arcabouço conceitual sintomático – o que é de notória valia, vale ressaltar – o
usuário do serviço de Psicologia começa a ser observado em sua relação com o seu sofrimento
voltado para os sintomas, mas também com o significado que o mesmo atribui a essa relação.
Nesse contexto, a Psicologia enquanto cuidado se pauta em perceber as formas com as
quais os viventes tentam transformar suas dores em uma tonalidade, de certa forma, menos
impactante. Sim, nesse momento cabe não um contraste, mas uma razão proporcional entre
prazer e sofrimento. Ao tocar nesse assunto, dentre essas tentativas, é natural que, de alguma
forma, o leitor lembre da Arte como meio de expressão. Obviamente, tal raciocínio é salutar.
Ora, não se faz demasiado o esforço em recapitular as pinturas preservadas em sítios
arqueológicos ao redor do mundo, passando pelos movimentos artísticos promovidos, por
exemplo, por alguns movimentos históricos – tais como o Barroco, Cubismo, Renascimento e
Surrealismo – culminando nos formatos artísticos que se remontam uma era de intensa
globalização. Tudo isso, por assim dizer, compactua com o reconhecimento dos mais variados
meios de representações pessoais do mundo em que cada vivente experimenta.
Por isso, eis que, mais uma vez, a Psicologia se coloca em um ponto de tensionamento
epistemológico, culminando em sua prática clínica – essa que não se restringe ao ambiente
geográfico de um consultório. A pergunta atribuída à essa reflexão se fundamenta na seguinte
perspectiva: “até que ponto a Psicologia pode cuidar do sujeito levando em consideração a Arte
como expressão identitária do usuário?”. Com essa pergunta, logo se levanta o norte discursivo
deste trabalho, de tal sorte a remontar um referencial teórico que tente abranger um breve
percurso histórico da arte como via de expressão do sujeito, culminando em sua importância a
ser percebida pelo cuidado da prática clínica em Psicologia.
Destarte, o porquê deste trabalho se constitui na necessidade de refletir acerca de uma
Psicologia que tente se atualizar conforme as nuances emblemáticas de sujeito que emergem
com o passar do tempo. Além disso, nesse processo, o ato de reconhecer o crédito das
transformações dos meios de expressões subjetivas que, para este trabalho, se pautam no âmbito
artístico. Ao partir desse pressuposto, enquanto relevância social, esse labor – por ora se
mostrando de caráter teórico – entende que essa prática reflexiva tende ao aprimoramento da
Psicologia tanto em seu arcabouço técnico, mas também em sua sensibilidade para com as
subjetividades, que se fazem como objetos de seu trabalho. O objetivo do presente trabalho é
analisar, a partir da produção científica em Psicologia como a Arte pode servir como potência
para o psicólogo em sua atuação – partindo de uma perspectiva de um clínica que vai para além
dos consultórios.
2 Método

1101
No plano metodológico deste trabalho, foi pensado um Artigo de Revisão Sistemática,
de natureza Integrativa. Adiante, ao pensar nas estratégias para atender às demandas que o
próprio artigo veio a se propor, foram seguidos os passos propostos pelo Instituto Cochrane
(Cochrane Handbook), na leitura de Gomes e Caminha (2014), a saber: 1 – Questionamento
sobre o tema; 2 – Identificação dos estudos e suas respectivas bases; 3 – Seleção dos estudos
que são consonantes com o propósito do trabalho; 4 – Coleta dos dados; 5 – Análise dos dados;
6 – Interpretação dos dados levantados61 e 7 – Atualização científica com base em todos os
processos anteriores. Nesta seção (Metodologia), serão abarcados os itens 1, 2 e 3. Nas seções
seguintes, por conseguinte, serão atendidos os demais itens.

2.1 Questões norteadoras do estudo e base de referências


A fim de esclarecer os rumos deste labor e, por assim dizer, contribuir com a
comunidade científica, o norte desse percurso se dá pelo questionamento “até que ponto a
Psicologia pode cuidar do sujeito levando em consideração a Arte como expressão identitária
do usuário?”. Para uma possível resposta, os estudos selecionados tiveram a base da Scientific
Eletronic Library Online – SciELO como sítio de busca. Além disso, foram utilizados os
descritores “ARTE AND PSICOLOGIA” e “ARTETERAPIA AND PSICOLOGIA” para o
início das pesquisas.

2.2 Seleção dos referencias e Coleta de dados


Nessa fase, além dos descritores postos na base de dados, os elaboradores deste artigo
usaram as pontuações a seguir como critérios de referência para a inclusão e/ou exclusão dos
trabalhos pesquisados: 1 – Periódicos: Todos; 2 – Idioma: Português (brasileiro); 3 – Área
temática: Todas; 4 – Tipo de Literatura: Artigos (exceto de revisões); 5 – Coleção: Brasil. Após
a aplicação dos filtros, os autores seguiram os seguintes passos: 1º fase – leitura dos resumos;
2º fase – leitura dos textos previamente selecionados na fase anterior; 3º fase – seleção dos
artigos que restaram. O critério de exclusão nos estágios citados se deu pela afinidade com o
objetivo deste artigo. Por fim, o foco na leitura dos artigos esteve para os objetivos e achados
de cada título selecionado.

3 Resultados
Em uma Revisão Sistemática, faz-se presente a organização de todo o procedimento de
pesquisa rumo ao objetivo proposto. Sendo assim, as consequências das pesquisas realizadas
são dispostas nas subseções a seguir:

3.1 Organização do material encontrado


Para uma análise minimamente salutar, os autores deste trabalho organizaram os dados
de acordo com os descritores e, por conseguinte, datas de publicações. Além disso, é válido

61
A interpretação dos dados, no formato deste trabalho, se mostrará pela interação entre os dados obtidos rumo à
tentativa de responder a pergunta norteadora desta empreitada.
destacar a demarcação da quantidade de estudos encontrados por ano, bem como o número de

1102
estudos que foram descartados pelo critério de exclusão (abordado na proposta metodológica
deste artigo). Todo esse processo pode ser visto na Tabela 1, que tem seu enforque nos
descritores “PSICOLOGIA AND ARTE”, com 58 resultados.

Tabela 1: Resultados para os descritores “PSICOLOGIA AND ARTE”

Descritores: PSICOLOGIA AND ARTE

Ano de Publicação 2016 2017 2018 2019

Quantidade Encontrada 11 15 16 16

Quantidade Descartada 9 9 8 10

Já para os descritores “ARTETERAPIA AND PSICOLOGIA” foi encontrado apenas 1


trabalho, como demonstrado na Tabela 2.

Tabela 2: Resultados para os descritores “ARTETERAPIA AND PSICOLOGIA”

Descritores: ARTETERAPIA AND PSICOLOGIA

Ano de Publicação 2016

Quantidade Encontrada 1

Quantidade Descartada 0

3.2 Análise de Dados


Com base na organização exposta, para a leitura das informações obtidas, optou-se pela
seguinte representação para cada grupo de descritores: 1 – Ano de publicação; 2 – Autores; 3 –
Objetivo do estudo e 4 – Dados encontrados pelos respectivos estudos. O motivo de tal
organização se dá, por assim dizer, por um melhor esclarecimento do objeto de pesquisa deste
artigo (e futura consistência argumentativa), bem como clareza para os possíveis leitores. Sendo
assim, o resultado de tal empreitada pode ser observada na Tabela 3.
1103
Tabela 3: Resultado das pesquisa com os descritores

PSICOLOGIA AND ARTE

2016

Autores (as) Objetivo Achados

Félix-Silva, Trata-se de um recorte de uma pesquisa-intervenção - Utilização da arte como meio de


Sales & Soares realizada por meio de cartografias nômades, sobrevivência;
objetivando analisar processos de subjetivação em
saúde mental que se configuram na produção desse - Arte como resistência política.
modo de existência.

Costa, Zannela Partindo do mapeamento das produções acadêmicas - Crescente foco da Psicologia Social
& Fonseca publicadas na revista Psicologia & Sociedade no nas nuances artísticas (Arte em
curso dos últimos 30 anos relativas às interlocuções Foco); Diversas áreas do saber
da psicologia social com o campo das artes, o podem discutir sobre arte (Arte como
objetivo deste artigo é o de visibilizar as principais Foco)
características dessa produção.
- Arte como ferramenta de
intervenção pelo (a) profissional
psicólogo (a); Arte como processo de
subjetivação.

2017

Autores (as) Objetivo Achados

Silva & Viana (...) tem por objetivo caracterizar como a Arte vem - Ano com maior produção
sendo utilizada por profissionais de Psicologia no acadêmica sobre Psicologia e Arte:
país. 2008

- Entre 2004 e 2014: maioria dos


trabalhos são naturezas reflexiva e
teórica;

- Nesse intervalo, a maioria dos


estudos estão no âmbito
psicanalítico;

- Maior parte das discussões situadas


no campo literário.

Delfin, (...) objetiva apresentar a pesquisa de iniciação - Arte percebida próximo da


Almeida & científica, fomentada pela FAPESP, que investigou realidade de seus protagonistas, os
Imbrizi os entrecruzamentos entre as artes e os regimes de ajudando, assim, a enfrentar suas
visibilidade entre 2014 e 2015 na cidade de Santos vivências do cotidiano.
(SP).

Vivar & Nosso objetivo foi o de pensar, juntamente com - Para além do estético-palpável, a
Kawahala Deleuze, na arte como uma potência de viver, isto é, trama artística causa estranhamento
um modo específico de tentar compreender os crítico em relação aos dispositivos de
efeitos produzidos pelos objetos estéticos cujos poder, estratégias de saber, meios de
impactos refletem em formas de subjetividade que agenciamento e os processos de
não cessam de proliferar linhas de fuga responsáveis subjetivação.
por escapar da normatividade dos dispositivos.
Pacheco, Lobo, Nosso projeto O corpo sem álibi, pesquisa aberta ao - Através das dinâmicas artísticas as

1104
Gomes & Mata convívio acadêmico da Universidade Federal quais o trabalho se propõe, eis que o
Fluminense em Campos dos Goytacazes, consiste corpo como potência artística
em compartilhar nossos corpos, seu poder de afetar expressa, em seus gestos, traços
e contrair memoria, apostando no corpo cultivo da afetivos, do psiquismo dos atores.
arte como dispositivo micro político de resistência.

Inforsato, A experiência aqui apresentada investe em - À medida em que se dispõe de


Castro, Buelau, estratégias de atenção e formação em Terapia narrativas sobre as tensões
Valent, Silva & Ocupacional, pautadas nos conceitos e práticas do vivenciadas no cotidianos no projeto
Lima corpo, das artes, da produção de subjetividade e da em questão, é posto que tais traços
participação social; em diálogo com as políticas podem se transformar em potência
públicas de saúde e cultura, a partir da construção de literária e cultural, de tal forma a se
redes, agenciamentos territoriais e circulação de constituírem como estratégias
estudantes e da população atendida pela cidade. clínicas.

Martineli & Este estudo analisa a concepção de arte desenvolvida - Em Vygotsky, é possível
Almeida por L. S. Vigotski (1896-1934) e suas contribuições correlacionar a Arte como elemento
para o ensino da cultura corporal, na educação física fundamental e correlacionado com os
escolar. moldes imaginativos e criativos,
desde a tenra infância.

2018

Autores (as) Objetivo Achados

Zanetti O presente artigo é parte de uma pesquisa que - Crescente auxílio das teorias
problematiza o encontro da arte com a educação, no psicológicas sobre a importância da
Brasil, nas últimas duas décadas e o papel da arte no processo educacional;
psicologia nesse processo.
- Por meio da arte, instrumentos para
a Psicologia e o Homem pensarem
sobre si.

Yonezawa & (...) objetivamos compartilhar a experiência de - Pela máxima do projeto, verificou-
Cuevas atuarmos como pesquisadores-interventores junto a se o delineamento artístico como
uma escola municipal de Educação de Jovens e fomentador de um sujeito que se
Adultos da cidade de Vitória (ES), onde estivemos incomoda com seu entorno, de tal
realizando oficinas corporais-artísticas inspiradas forma a elaborar sua própria
nas obras de Lygia Clark e Hélio Oiticica. habilidade crítica, se tornando
sensível ao mundo.

Alves & (...) o texto afirma que a acessibilidade é efetivada - A partir do relato, evidencia-se a
Moraes também nos encontros com as pessoas com importância de perceber as pessoas
deficiência, afirmando-se por seu caráter com algum tipo de “deficiência”
experimental, o qual não se define no sentido de ser como protagonistas de suas próprias
provisório, mas sim naquele proposto por Hélio experiências sensoriais artísticas,
Oiticica: uma obra de arte é para ser dançada, legitimando uma arte com e para
encarnada, vivida, experimentada. todos e todas.

Andrade O presente artigo é composto de parte de minha - Lia (moça que tem a Surdocegueira
pesquisa de doutorado, cujo propósito foi buscar como uma de suas caraterísticas) se
interfaces entre os campos da Surdocegueira e da expressa artisticamente por meio do
Arte. bordar.

Marques O artigo apresenta alguns dos resultados de uma - Uma das proposições de Vygotski
pesquisa acerca da produção de L. S. Vygótski até foi o do papel da Arte na elaboração
1923, isto é, antes de suas publicações mais das emoções humanas, a saber em
conhecidas no campo da educação e da psicologia. sua obra “Sobre o teatro infantil”
Trata-se de um vasto conjunto de textos, composto (1923). Nessa obra, por exemplo, o

1105
por resenhas teatrais (publicadas em jornais locais de teatro infantil deve ser encarado com
Gomel), incursões em crítica literária, ensaios sobre seriedade, uma vez que expressa a
drama e artes plásticas. forma com as quais as crianças
refletem seus afetos.

Colonnes & O artigo, após apresentar brevemente o campo da - Ao contemplar um obra de arte,
Freitas Estética da Recepção, destaca os escritos de Jung segundo a Estética da Recepção, o
que se referem aos espectadores de arte, para, então, receptor rompe com seu campo de
estabelecer bases para um diálogo entre tais textos e sentido atual, transcendendo rumo à
essa disciplina que ainda permanece pouco reflexão sobre a sua própria dinâmica
conhecida. subjetiva.

Capucci & Para os fins deste artigo, serão analisadas as - Vygotski, foca no social, vai para
Silva seguintes dimensões do conceito, conforme além de um conjunto de pessoas, pois
estudado por Vigotski: a perejivanie estética e o ruma à própria individualidade.
efeito catártico experimentado pelo público diante Sendo assim, Arte se mostra como
da obra; a perejivanie e na vida e sua ocorrência a social, pois ela dispõe de ferramentas
partir do tensionamento dos papéis na experiência elaborativas tanto para um único
concreta, dando especial ênfase à perejivanie do sujeito quanto para o conjunto deste.
ator, que traduz a interrelação das dimensões da arte
e da vida.

Souza, Dugnani O presente artigo destaca a arte, em sua dimensão - Linguagem artística (para o uso do
& Reis humanizadora e potencial para afetar o sujeito, como profissional psicólogo) é
instrumento de trabalho do psicólogo no Mediatizada (pois atua como norte
favorecimento da constituição de formas mais para a investigação profissional) e
elaboradas de o sujeito ser, estar, pensar e agir no Mediatizante (pois o psicólogo pode
mundo. auxiliar na elaboração emocional do
sujeito que procura ajuda,

2019

Autores (as) Objetivo Achados

Karlo-Gomes Seguindo uma descrição detalhada dos últimos - Os símbolos literários remontam às
capítulos de Assunção de Salviano, de Antonio estratégias que seus autores (mesmo
Callado, o intuito principal desta investigação é que em tempos remotos)
mostrar como a arte literária institui e renova as encontraram para refletir sobre suas
imagens do sagrado, sobretudo dos arquétipos do ambivalências. Sendo assim, esses
Cristo e do Anticristo. signos se tornaram (e se tornam)
compartilhados com os demais
sujeitos que se identificam com os
mesmos.

Barbosa O objetivo deste texto pode ser, então, formulado: - Ao traçar um paralelo entre as
toma-se como fundamento a concepção de arte premissas de Vygotski e o ensino de
elaborada por Vigotski, buscando elucidar questões música, esta pode ser compreendida
do campo didático-metodológico em educação em seu potencial catártico.
musical:

Alvim, Reis, Este artigo apresenta um ensaio poético-fotográfico - A partir das percepções sensoriais
Gutmacher & sobre o Laboratório Sensorial, um dispositivo do dos participantes acerca dos
Silva projeto de extensão universitária Expressão e estímulos experimentados, os
Transformação, vinculado ao Instituto de Psicologia sujeitos do estudo puderam se
da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil expressar por meio de rabiscos, de tal
(UFRJ). Inspirado na Fenomenologia e na Arte forma a registrar as suas sensações.
Contemporânea, o laboratório é uma proposta de Ademais, a proposta do projeto
sensibilização corporal que busca desnaturalizar a elucidou a importância dos
percepção e os modos cotidianos automatizados de participantes focalizarem mais em

1106
estar no mundo. seus campos sensoriais, ideia
contrária à rapidez da
contemporaneidade.

Asbahr O objetivo deste trabalho é investigar como ocorre o - Dentre os achados, pôde-se
processo de atribuição de sentido pessoal à atividade verificar a predominância de dois
de estudo de estudantes do ensino básico público, sentidos ligados à Arte: Pragmático
especificamente o sentido atribuído às atividades (Arte como meio para recursos
educativas desenvolvidas na disciplina educação imediatos, como uma competição de
artística desenhos) e como Liberdade (Arte
como forma de liberdade de
expressão).

Martins, (...) procura refletir sobre como a Psicologia, - O cinema pode ser utilizado como
Navarrete, entendida como ciência e profissão, pode contribuir uma ferramenta fomentadora de
Oliveira & com seus aportes sobre a dimensão subjetiva, por discussões. Afinal de contas, na Arte
Imbrizi meio da escuta do sofrimento sociopolítico, e como Cinematográfica, por vezes podem
os materiais audiovisuais contribuem com este ser achados ícones representativos
trabalho de acolhimento e construção de estratégias dos cotidianos das pessoas que, nesse
de enfrentamento de situações sociais críticas por caso, se utilizam dos dispositivos de
parte dos sujeitos a elas submetidas. assistência social.

Takeiti & (...) evidenciar que o engajamento da juventude na - A produção artística presente na
Vicentin produção estética na periferia tem operado como periferia lhe declara como espaço
estratégia de luta contra os estados de dominação territorial, lançando a importância de
hegemônicos e de estigmatização aí presentes. ser reconhecida de tal forma a romper
com as correntes estigmatizadoras e
de cunho excludente.

ARTETERAPIA AND PSICOLOGIA

2016

Autores (as) Objetivo Achados

Farah Este estudo apresenta as noções de corpo e - A dança em questão pôde ser
movimento presentes na dança de Mary Starks utilizada por Carl Gustav Jung para
Whitehouse, conhecida como Authentic Movement fins terapêuticos à medida em que
- Movimento Autêntico. Ela foi pioneira dentro da este, por sua vez, via que no estilo
construção do sentido terapêutico da dança a utilizar artístico proposto existia uma
os princípios da teoria da psique de Carl Gustav consciência do corpo, do movimento
Jung. e, porque não, maior elaboração
afetiva.

4 Discussão
Ao fazer uma leitura superficial dos dados expostos, é possivel declarar certa correlação
entre os mesmos. Sendo assim, a validade argumentativa será evidenciada de acordo com os
campos semânticos – representados pelas subseções ademais – que os dados podem revelar.

4.1 Inegável aproximação entre Psicologia e Arte


Como ponto de partida discursivo, apreende-se um cenário em que a Psicologia legitima

1107
o campo artístico como via de fazer do profissional psicólogo. Primeiramente, o elemento que
pode representar esse quadro é a contribuição de Silva e Viana (2017), que demonstram as
variações de estudos em Psicologia sobre arte entre os anos de 2004 e 2014, tendo ápice
produtivo em 2008, com estudos (nessa escala de análise) de naturezas reflexivas e teóricas. A
análise desses colaboradores remotam também para a parcela significativa dos estudos estarem
situados no campo psicanalítico. Nesse prisma, com os achados não é possível destacar o porquê
dessa predominância (uma limitação desse estudo).

4.2 Arte e Estratégias Psi


Apesar das limitações acerca da diferença quantitativa da Psicanálise e os estudos sobre
as artes, não se faz redutível a abertura para que se converse sobre as dimensões artísticas como
ferramenta da prática psi, a exemplo dos achados de Costa, Zannela e Fonseca (2016). O motivo
disso se dá porque, segundo esses autores, a arte pode ser vista como expressão de um processo
de subjetivação – também sustentado por Vivar e Kawahala (2017) – que passa a ser cada vez
mais estudado, por exemplo, pela Psicologia Social. Tais caminhos de atuação encontram
reforços nas premissas propostas por Souza, Dugnani e Reis (2018), que admitem a linguagem
artística – que pode ser utilizada pelos sujeitos que buscam o auxílio psicológico – em suas
formas Mediatizada (podem atuar como norte das estratégias clínicas) e Mediatizante (se
mostram como elementos de potenciais elaborativos emocionais que podem ser utilizadas pelo
profissional rumo ao cuidado do sujeito).

4.3 Arte e seu caráter social


Ao seguir a linha de raciocínio já proposta na subseção anterior, Capucci e Silva (2018)
ressalta seus achados em Vygotski, que rumam para um caráter social da Arte. Entretanto, é
peculiar esse termo (social) nessa leitura, pois este se faz não como um coletivo, e sim como
uma característica intrínseca do ser humano. Por isso, eis a habilidade de compartilhamento, de
conexão com o “semelhante”, envolvendo os campos linguísticos. Nesse entendimento, até
mesmo na individualidade, por assim dizer, existe um social. Concomitantemente, traz-se a
Arte, também, como forma de linguagem e, portanto, social, pois afeta tanto o criador da obra,
quanto seus contempladores.
No caminho apresentado, Karlo-Gomes (2019) presenteia a comunidade psi com sua
proposição psicológica focalizada na obra Assunção de Salviano, de Antonio Callado. Segundo
a essência de seu percurso, o pesquisador elucida os antagonismos próprios dos mitos, dos
contos (tais como “Bem” e “Mal”, “Trevas” e “Luz”) como elementos constituintes dos
Arquétipos; signos inseridos em um campo semântico e afetivo por outros sujeitos da história
humana que ecoam na contemporaneidade. Ou seja, são utilizados para pensar os conflitos
eminentemente humanos.
Barbosa (2019) sustenta essas premissas em seus estudos, acrescentando ao campo
musical (foco de sua atuação) um potencial catártico; um movimento contrário, em que o
expressar-se tanto encontra uma forma de descarga tensional, mas também de
autoconhecimento, resultados que são reforçados por Alvim, Reis, Gutmacher e Silva (2019).
Esses elementos conversam diretamente com Farah (2016), que traz a leitura do psicólogo Carl
Gustav Jung sobre a dança de Mary Starks Whitehouse, esta como veículo terapêutico voltado
para a consciência do corpo, tempo, espaço e toda a carga afetiva vinculada a esses termos.
Os referidos achados corroboram com a contribuição de Inforsato, Castro, Buelau,

1108
Valent, Silva e Lima (2017), Pacheco, Lobo, Gomes e Mata (2017) e Marques (2018); esta
última, respectivamente, trazendo a passagem de Vygotski sobre o teatro infantil e a
importância deste para a leitura das formas com as quais as crianças lidam com seus conflitos,
conversando, assim, com Martineli e Almeida (2017) – que complementa afirmando sobre o
potencial criativo que a Arte proporciona à criança.

4.4 Arte, Política e (R)Existência


Colonnes e Freitas (2018), ao se referirem à Psicologia da Arte, mencionam que no
contato com uma obra de arte, é quebrada uma barreira temporal e de sentido vulgar, fazendo
o sujeito pensar em uma realidade passada e, também, do esperado para o futuro. Com base
nisso, admite-se uma Arte que remonta tanto um Homem que pensa sobre si (crítico de
formação), quanto uma Psicologia que pensa sua epistemologia, como visto por Zanetti (2018).
Essa sensibilidade faz aparecer ao campo perceptível, no referencial de Félix-Silva, Sales e
Soares (2016), pessoas que se utilizam do meio artístico para garantir a existência de seus
corpos (pois nela encontram um meio de obtenção financeira) – como uma estratégia de
sobrevivência. Além disso, pessoas que depositam em seu universo artístico as representações
das realidades de seus cotidianos – muitas vezes repletos de conflitos sociais – como trazido
por Delfin, Almeida e Imbrizi (2017).
Nessa esteira, Vivar e Kawahala (2017) constatam que esse estranhamento para com
eventos da contemporaneidade – conteúdo complementado por Yonezawa e Cuevas (2018) –
faz emergir um sujeito artístico-político, que se importa com a engrenagem fundamental dos
dispositivos de poder, bem como as diversas formas com as quais são modeladas as estratégias
de saber, meios de agenciamento e os processos de subjetivação. Ou seja, esse prisma faz pensar
em uma Arte como política mais inclusiva, uma vez que valoriza os traços culturais
característicos de comunidades postas às margens das atenções das grandes cidades, como
evidenciado por Takeiti e Vicentin (2019). Além disso, inclusiva porque não visa presença ou
não de deficiências físicas ou de qualquer outra ordem, e sim do protagonismo dessas pessoas
em suas experiências sensíveis em fazerem o que, para elas, são consideradas como suas artes
– o que é provocado de forma salutar por Alves e Moraes (2018) e Andrade (2018).
Paralelo ao supracitado, no que se refere à crítica aos dispositivos de Assistência Social,
as evidências postas pelo projeto de Martins, Navarrete, Oliveira e Imbrizi (2019) convergem
para o uso do cinema como forma de proporcionar rodas de conversa sobre temáticas do dia-a-
dia dos participantes do projeto em questão. Por outro lado, essa tão mencionada críticidade por
formação artística finaliza na consideração desta como elemento da construção humana e
dotado de seriedade, e não como uma disciplina escolar desprovida de sentido, pontual ou até
mesmo como um veículo de distração, como denunciado por Asbahr (2019).

5 Conclusão
Com a presente pesquisa, pode-se dizer que a pretendida resposta foi alcançada. Afinal
de contas, diversos autores demonstram que a Arte pode de provocar discussões, tecer vínculos,
aumentar repertórios, causa estranhamento ao presente, bem como fazer emergir os conteúdos
psíquicos mais profundos e autênticos do sujeito. Assim, a Arte atrelada à clínica psicológica
pode ser uma prática coadjuvante no cuidado com o usuário, servindo como instrumento de
intervenção voltada ao enfrentamento e à diminuição do sofrimento psíquico. Além disso, com
base nos recortes deste artigo, ela se mostra como mais um caminho para o sujeito perceber as
outras possibilidades de expressão, construção e reconstrução de seus imbróglios no campo

1109
consciente. Por fim, ao elucidar a significativa aproximação da clínica psicológica
contemporânea rumo ao meio artístico, acredita-se que mais questionamentos sejam lançados,
fazendo deste artigo apenas um projeto inacabado.

Referências
Alves, C. A. & Moraes, M. (2018). Entre Histórias e Mediações: um Caminho para
Acessibilidade Estética em Espaços Culturais. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(3), 584-
594. https://dx.doi.org/10.1590/1982-3703000042018.
Alvim, M. B., Reis, A. V., Gutmacher, L. & Silva, A. C. M. (2019). Laboratório Sensorial: uma
proposta de ativação do corpo. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 23, e180367.
Epub September 12, 2019.https://dx.doi.org/10.1590/interface.180367.
Andrade, A. F. (2018). Surdocegueira, Cartografia e Decolonialidade. Psicologia: Ciência e
Profissão, 38(3), 595-610. https://dx.doi.org/10.1590/1982-3703000082018.
Asbahr, F. S. F. (2019). Sentido pessoal, atividade de estudo e educação artística: um estudo de
caso. Psicologia Escolar e Educacional, 23, e192457. Epub December 09,
2019.https://dx.doi.org/10.1590/2175-35392019012457.
Barbosa, M. F. S. (2019). Vigotski e Psicologia da arte: horizontes para a educação musical.
Cadernos CEDES, 39(107), 31-44. Epub May 30, 2019.https://dx.doi.org/10.1590/cc0101-
32622019213310.
Capucci, R. R. & Silva, D. N. H. (2018). “Ser ou não ser”: a perejivanie do ator nos estudos de
L.S. Vigotski. Estudos de Psicologia (Campinas), 35(4), 351-362.
https://dx.doi.org/10.1590/1982-02752018000400003.
Colonnese, L. R. & Freitas, L. V. (2018). Psicologia Analítica e Estética da Recepção: diálogos
possíveis. Psicologia USP, 29(3), 354-362. https://dx.doi.org/10.1590/0103-
656420170152.
Costa, L. A., Zanella, A. V. & Fonseca, T. M. G. (2016). Psicologia Social e Arte: contribuições
da revista psicologia & sociedade ao campo social. Psicologia & Sociedade, 28(3), 604-
615. https://dx.doi.org/10.1590/1807-03102016v28n3p604.
Delfin, L., Almeida, L. A. M. & Imbrizi, J. M. (2017). A rua como palco: arte e (in)visibilidade
social. Psicologia & Sociedade, 29, e158583. Epub July 10,
2017.https://dx.doi.org/10.1590/1807-0310/2017v29158583.
Gomes, I. S., Caminha, I. O. (2014). Guia para estudos de revisão sistemática: uma opção
metodológica para as Ciências do Movimento Humano. Movimento, 20(1), 395-411.
https://seer.ufrgs.br/Movimento/article/viewFile/41542/28358.
Farah, M. H. S. (2016). A imaginação ativa junguiana na Dança de Whitehouse: noções de
corpo e movimento. Psicologia USP, 27(3), 542-552. https://dx.doi.org/10.1590/0103-
656420150121.
Félix-Silva, A. V., Sales, R. C. M. & Soares, G. P. (2016). Modos de viver e fazer arte de
pessoas em situação de rua. Estudos de Psicologia (Natal), 21(1), 46-57.
https://dx.doi.org/10.5935/1678-4669.20160006.
Inforsato, E. A., Castro, E. D., Buelau, R. M., Valent, I. U., Silva, C. M. & Lima, E. M. F. A.

1110
(2017). Arte, corpo, saúde e cultura num território de fazer junto. Fractal: Revista de
Psicologia, 29(2), 110-117. https://dx.doi.org/10.22409/1984-0292/v29i2/2160.
Karlo-Gomes, G. (2019). O conflito apocalíptico em Assunção de Salviano, de Antonio
Callado. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, (57), e579. Epub May 20,
2019.https://dx.doi.org/10.1590/2316-40185719.
Marques, P. N. (2018). O “jovem” Vygótski: inéditos sobre arte e o papel da criação artística
no desenvolvimento infantil. Educação e Pesquisa, 44, e183267. Epub November 14,
2018.https://dx.doi.org/10.1590/s1678-4634201844183267.
Martineli, T. A. P. & Almeida, E. M. (2017). Contribuições da concepção vigotskiana de arte
para o ensino da cultura corporal. Psicologia Escolar e Educacional, 21(3), 523-531.
https://dx.doi.org/10.1590/2175-35392017021311194.
Martins, E. C., Navarrette, J. V., Oliveira, S. M. S. G. & Imbrizi, J. M. (2019). Cinema Perto
da Gente: Arte como Estratégia de Atuação do Psicólogo no CRAS. Psicologia: Ciência e
Profissão, 39, e188206. Epub December 13, 2019.https://dx.doi.org/10.1590/1982-
3703003188206.
Pacheco, E. M., Lobo, T. P., Gomes, G. B. & Mata, K. J. (2017). O corpo cultivo da arte.
Fractal: Revista de Psicologia, 29(2), 152-157. https://dx.doi.org/10.22409/1984-
0292/v29i2/2204.
Silva, A. L. P. & Viana, T. C. (2017). Caracterização da Produção Brasileira em Artigos
Científicos sobre Arte e Psicologia (2004-2014). Psico-USF, 22(1), 109-120.
https://dx.doi.org/10.1590/1413-82712017220110.
Souza, V. L. T., Dugnani, L. A. C. & Reis, E. C. G. (2018). Psicologia da Arte: fundamentos e
práticas para uma ação transformadora. Estudos de Psicologia (Campinas), 35(4), 375-388.
https://dx.doi.org/10.1590/1982-02752018000400005.
Takeiti, B. A. & Vicentin, M. C. G. (2019). Juventude(s) periférica(s) e subjetivações:
narrativas de (re)existência juvenil em territórios culturais. Fractal: Revista de Psicologia,
31(spe), 256-262. Epub December 20, 2019.https://dx.doi.org/10.22409/1984-
0292/v31i_esp/29028.
Vivar, R. D. & Kawahala, S. E. (2017). a potência de viver: deleuze e a arte. Psicologia &
Sociedade, 29, e157570. Epub July 10, 2017.https://dx.doi.org/10.1590/1807-
0310/2017v29157570.
Yonezawa, F. & Cuevas, M. (2018). Educação Antiniilista: corpo e arte produzindo sentido na
escola. Educação & Realidade, 43(4), 1515-1535. Epub August 06,
2018.https://dx.doi.org/10.1590/2175-623675528.
Zanetti, F. L. (2018). o encontro da arte com a educação: o papel do saber psicológico.
Educação em Revista, 34, e168370. Epub January 18,
2018.https://dx.doi.org/10.1590/0102-4698168370.
A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO DA

1111
COMPULSÃO ALIMENTAR

Maria Fernanda Lima Silva


Thaysa Maria Dantas Gonçalo
Alessandro Teixeira Rezende
Ramon Dutra Diniz
Bruna de Jesus Lopes
Mateus Egilson da Silva Alves
1 Introdução
A refeição geralmente oferece momentos de alegrias, porém, para pessoas com traumas
enraizados na falta de vínculos sociais a tradição de se reunir em volta de uma mesa trás um
enorme sofrimento. Tais fatores quando interagem entre si, desencadeiam transtornos
alimentares (TAs) entre eles está a compulsão alimentar. Dentre as características mais
frequentes da compulsão alimentar são comer sem fome, por frustração ou por ansiedade, comer
exageradamente por um curto período de tempo, sensação de perda do controle sobre a própria
ingestão alimentar, comer até sentir-se inconfortavelmente cheio (Bacaltchuk & Hay, 2004).
Dessa forma, a pessoa acometida pela compulsão alimentar não acha que esses padrões
desregulares de alimentação sejam uma ameaça para a sua saúde. Dentre os casos de compulsão
alimentar existem pessoas que podem comer initerruptamente por mais de duas horas, com
forma de punição (inconsciente ou consciente) por ter agido de certa forma. Assim, a Terapia
Cognitivo Comportamental (TCC) tem papel importante no tratamento da compulsão alimentar,
e também dos demais TAs. Nesses casos a TCC é até mais eficaz do que tratamentos
farmacológicos, pois, em sua essência essa abordagem terapêutica considera que: o principal
influenciador do afeto, e consequentemente, dos comportamentos físicos é o pensamento (Vaz
et al., 2009).
Ainda de acordo com os autores supracitados, o psicólogo deve conhecer o ambiente do
paciente, para que assim possa identificar os estímulos que levam este sujeito a esse padrão
compulsivo de ingestão alimentar. Feito isso, o próximo passo é definir a abordagem mais
adequada para se trabalhar o processo cognitivo do sujeito compulsivo. Apenas assim,
trabalhando o processo cognitivo da pessoa, o terapeuta conseguirá por um freio na conduta
compulsiva de alimentação. Em outras palavras, o processo cognitivo da pessoa será
reprogramado, o sujeito compulsivo aprenderá novas maneiras (que não seja a ingestão
compulsiva de alimentos) de lidar com seus sentimentos e encarar os problemas (Vaz et al.,
2009).
Assim, dentro do escopo da TCC a terapia do esquema vai romper com padrões antigos
de comportamento, fazendo com que o paciente não se sinta mais obrigado a reproduzir
sensações negativas ligadas às suas relações negativas. Pacientes muito compulsivos para a
alimentação, possuem tendência a resistir a disciplina necessária para se fazer uma dieta
alimentar ou se manter num exercício físico necessário para o equilíbrio entre ingestão e gasto
calórico. (Bacaltchuk & Hay, 2004).
Segundo Segal (2002) a TCC vai reestruturar a composição cognitiva do sujeito, e esta
reestruturação cognitiva aliada a exercícios físicos leva a novos padrões de pensamento,
desvinculado dos antigos sentimentos e crenças destrutivos que levavam o sujeito a se alimentar

1112
compulsivamente. Dessa maneira o paciente aos poucos passa a ser mais gentil consigo mesmo,
com relação aos seus sentimentos, pensamentos, crenças e atitudes negativas. As técnicas de
relaxamento da TCC farão que o paciente acesse pensamentos relaxantes e tranquilos na hora
em que se sentirem ameaçados, além de evitar que o gatilho da compulsão seja disparado. De
acordo com o autor, a TCC ainda pode garantir que em seis meses aproximadamente o paciente
apresente uma evolução significativa no quadro compulsivo, com queda na reincidência de
crises compulsivas.
O Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) estima-se que atinge entre 1,5
e 5% da população mundial, e nesse ínterim a TCC tem se tornado cada vez mais indicada para
o tratamento do TCAP. Ensaios clínicos apontam sua eficácia na remissão ou diminuição da
frequência de episódios de compulsão alimentar, assim como também dos comportamentos
purgativos e restritivos. Proporcionando, além disso, melhora do humor, do funcionamento
social e diminuição da preocupação com peso e formato corporal. Bastante usadas, as técnicas
cognitivas e comportamentais vêm sendo aplicadas, avaliadas e ganhando seu devido
reconhecimento como estratégias ativas na melhora dos quadros clínicos da compulsão
alimentar (Duchesne et. Al., 2007).
Ainda para os referidos autores, a compulsão alimentar, assim como todos os outros
transtornos incluídos no grupo de Transtornos Alimentares (TA) são determinados por vários
fatores inter-relacionados tais como biológicos, culturais e pessoais. Por esse motivo as técnicas
da TCC visam identificar e modificar a estrutura cognitiva, emocional e comportamental dos
pacientes. Assim, estas técnicas da TCC quando usadas no tratamento da compulsão alimentar,
buscam proporcionar aos pacientes uma melhora no seu quadro clínico por meio do aumento
da autoestima, aumento do autocontrole e autoconhecimento e ainda modificação dos hábitos
alimentares e sistema de crenças e a redução da ansiedade ligada à aparência. Tais técnicas
ainda auxiliam no incremento de táticas para a adesão ao exercício físico e a redução gradual
do peso (Duchesne et. al., 2007).
Hoje a prevalência do Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) que gira
no mundo inteiro entre 1,5 e 5%, pode chegar até 15% em pacientes que se submetem a
tratamentos para chegar ao emagrecimento, e é exatamente por esse motivo que esse estudo se
faz relevante, por esse transtorno atingir uma alta taxa de pessoas no mundo. Para a APA no
DSM-IV os critérios clínicos para se diagnosticar um episódio do TCAP devem se enquadrar
nas seguintes características:

1. Ingestão, em um curto período de tempo (por exemplo, cerca de duas horas), de


uma quantidade de comida nitidamente maior do que a maioria das pessoas pode
consumir em um período semelhante e em circunstâncias idênticas 2. Sensação de
perda de controle sobre a ingestão durante o episódio (por exemplo, sentimento de
que não pode parar de comer ou controlar o que ou quanto está a comer). B. Os
episódios de ingestão compulsiva estão associados com três (ou mais) dos seguintes
sintomas: 1. Comer muito mais rápido que o habitual 2. Comer até se sentir
inconfortavelmente cheio 3. Comer grandes quantidades de comida apesar de não
sentir fome 4. Comer sozinho para esconder sua voracidade 5. Sentir-se desgostoso
consigo próprio, deprimido ou muito culpabilizado depois da ingestão compulsiva. C.
Profundo mal-estar marcado em relação às ingestões compulsivas. D. As ingestões
compulsivas ocorrem, em média, pelo menos dois dias por semana durante seis meses
(DSM-IV [APA], 1994).
Para Duchesne et al. (2007) pessoas portadoras do Transtorno da Compulsão Alimentar

1113
Periódica apresentam altos níveis de psicopatologia relacionada ao comportamento alimentar
ou até mesmo em comorbidade com outras psicopatologias. A relação entre a TCAP e outros
transtornos psiquiátricos como transtornos do humor, depressivos, ansiosos, de personalidade,
de abuso de substâncias é muito frequente. Todos esses transtornos podem tornar o paciente
mais propenso a desenvolver o TCAP.
O tratamento do TCAP existe por duas vias que são: o farmacológico e o não
farmacológico, de forma geral o primeiro baseia-se no uso de antidepressivos e
anticonvulsivantes, todos com eficácia já comprovada para tais casos. Já o tratamento não
farmacológico se baseia nos três principais elementos do quadro clínico do TCAP que são eles:
o comportamento alimentar alterado, o excesso de peso e a psicopatologia associada,
principalmente a depressão e a falta de controle dos impulsos, sendo os dois últimos os
principais fatores causadores do comportamento alimentar alterado (Petribu et. al., 2006).
Por existir uma alta taxa de comorbidade entre o TCAP e a depressão, a terapia
Interpessoal (TIP) assim como TCC já tiveram suas eficácias no tratamento muito bem
comprovadas. A TCC - objeto do nosso estudo – trouxe uma redução significativa na compulsão
alimentar e uma baixa redução no controle do peso corporal em pacientes com o TCAP
(Oliveira, 2004).
Bahls e Navolar (2004) afirmam que, de forma geral, a prática clínica da TCC faz o uso
de uma ampla diversidade de técnicas, a fim de abordar as dificuldades interpessoais das
pessoas e ao mesmo tempo proporcionar estratégias que levem o paciente a regular os seus
afetos disfuncionais. Para os autores em questão a TCC foi uma das primeiras abordagens
terapêuticas a reconhecer a influência do pensamento sobre o afeto, o comportamento, a
biologia e o ambiente.
De forma mais específica, o programa da TCC direcionado para o tratamento do
Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) se desenvolveu partindo do modelo de
intervenção da TCC para a Bulimia Nervosa, que também é um transtorno alimentar. Os
objetivos psicoterápicos almejados pela TCC no tratamento da TACP são a busca de estratégias
que controlem o comportamento compulsivo de alimentação, mude os hábitos alimentares e
também estratégias que levem a adesão do paciente ao exercício físico e redução gradual do
peso corporal (nesse último caso apenas quando existe obesidade ou sobrepeso associada ao
TACP).
A modificação dos hábitos alimentares deve ser feita gradativamente, pois uma dieta
bastante restritiva e repentina não repercute em efeitos positivos para o tratamento. Tal processo
é realizado através da psicoeducação e outras técnicas da TCC. Dessa forma, são fornecidas ao
paciente informações sobre nutrição para que ele saiba escolher melhor os alimentos, essas
escolhas devem ser flexíveis para que ele ao mesmo tempo consiga evitar o pensamento
disfuncional de “tudo ou nada”, assim são associadas a técnica da psicoeducação, técnicas de
controle dos impulsos e registros e mudança dos pensamentos disfuncionais como o citado
acima (Petribu et. al., 2006).
As técnicas de controle dos impulsos nas práticas devem levar o paciente a diminuir sua
exposição a fatores que levam a perca do controle dos impulsos alimentares. Um exemplo
prático da aplicação dessa técnica seria deixar de comprar alimentos que devem ser ingeridos
com baixa ou nenhuma frequência. Quando é necessária a adesão desse paciente a atividades
físicas, a TCC irá usar técnicas reforçadoras, tais como se dá um prêmio qualquer após realizar
uma semana de exercício. Outro ponto que deve ser considerado pela TCC no tratamento do
TCAP é a abordagem da autoestima, pois a nossa autoestima está intimamente relacionada à
nossa imagem corporal, tanto a imagem que temos do nosso próprio corpo quanto a imagem

1114
que os demais possuem do nosso corpo (Bahls & Navolar 2004).
Quando a nossa autoestima relacionada à imagem corporal está baixa então surgem em
nós sentimentos de vergonha, inferioridade. A partir disso, a TCC deve abranger também esse
aspecto cognitivo do paciente, ajudando o mesmo a manter equilíbrio em suas crenças
disfuncionais associadas ao peso e a imagem corporal. A esse respeito, Melo (2011) pontua
que é necessário um equilíbrio entre a auto aceitação do corpo e as mudanças que devemos
buscar para mudar a imagem corporal.
Além das técnicas cognitivas, a TCC também aplica no tratamento do TCAP técnicas
comportamentais, que contribuem para a alteração dos hábitos alimentares, dentre elas podemos
citar a automonitoração, onde o paciente deve observar e registrar o seu consumo alimentar e
as circunstâncias em que ele se encontrava no momento do consumo. A TCC ainda emprega
várias técnicas de controle dos estímulos, estas devem ser associadas a situações (gatilhos) que
disparam a recorrência de um episódio de compulsão alimentar. Além de oferecer ainda como
técnica o treinamento de resolução de problemas, este que por sua vez ajuda o paciente a
desenvolver estratégias que o auxiliem a enfrentar os problemas da vida sem precisar recorrer
à alimentação inadequada. Para finalizar, a TCC ainda foca no uso de estratégias que previnem
as recaídas, por esse motivo os resultados trazidos por ela para o tratamento da TCAP são
eficazes, pois permanecem ao longo do tempo (Oliveira, 2004).
Ao se resolver tratar o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica por meio do
programa da Terapia Cognitivo Comportamental, esta busca como objetivos terapêuticos: a
remissão de episódios compulsivos alimentares, o aumento da autoestima do paciente, o
desenvolvimento de habilidades interpessoais, a redução da ansiedade associada ao transtorno,
a modificação das crenças disfuncionais do paciente que por sua vez favorecem o surgimento
ou manutenção do transtorno, a redução do peso corporal quando a obesidade está associada ao
TCAP e por fim a prevenção de recaídas como já vimos anteriormente.
Cordioli (2008) afirma que a TCC criou inicialmente um programa específico para o
tratamento da bulimia nervosa, este programa de tratamento teve sua eficácia comprovada e a
partir dele a TCC adaptou esse programa para o Transtorno da Compulsão Alimentar periódica.
Dessa forma foi observado que pacientes tanto com a Bulimia nervosa quanto com o TCAP
possuíam um sistema disfuncional de crenças com altos padrões de crenças centrais que
supervalorizam a imagem do “corpo perfeito” associando essas crenças a sua autoestima, por
isso, pacientes com o TCAP raciocinam de forma dicotômica, extrema e muito radical em
relação à sua alimentação, a sua imagem corporal e em relação ao que os outros vão pensar
sobre o seu corpo. Atrelada a essa ideia, Cordioli (2008) afirma:

Um modo “tudo ou nada” de pensar contribui para a ocorrência dos episódios de


compulsão alimentar. Certos alimentos (os de alta densidade calórica) são
considerados absolutamente “proibidos”, devendo ser sempre evitados. Por outro
lado, se ocorre um pequeno lapso na dieta rígida auto imposta, este favorece o
abandono total da tentativa de manter o controle sobre a alimentação. Por exemplo, o
paciente pode pensar: “já que saí da dieta, falhei completamente. Vou comer tudo que
eu puder porque amanhã começarei um regime bem rígido, sem lapsos” (Cordioli, p.
540).

Dessa forma, a frequência dos episódios de compulsão alimentar só será diminuída caso
esse pensamento “tudo ou nada” seja modificado no paciente. Como também já vimos antes ,
uma série de fatores podem favorecer o desenvolvimento da Compulsão Alimentar como: o

1115
prazer que existe em ingerir alimentos, ingestão de alimentos como uma forma de fugir dos
problemas, o alívio passageiro de sentimentos desconfortáveis como ansiedade, tristeza e
angústia. Um episódio compulsivo alimentar neutraliza mesmo que temporariamente tais
sentimentos ou emoções desagradáveis, porém a consequência vem quando o sujeito passa a
usar a alimentação desregrada rotineiramente para amenizar as sensações ruins causadas pelas
emoções ou sentimentos que buscamos evitar e não enfrentar. Assim o paciente precisa
aprender a lidar com suas emoções adquirindo na terapia, meios alternativos para o trabalho
com elas (Duchesne, 2006).
O programa da TCC específico para o tratamento da Compulsão Alimentar é aplicado
em três estágios, que são eles: 1- técnicas comportamentais, 2- técnicas cognitivas e o 3-
estratégias para a prevenção de recaídas. Na fase 1 usamos técnicas comportamentais que
buscam reduzir a frequência dos episódios de compulsão alimentar além de despertar uma
mudança nos hábitos alimentares do paciente. Nessa fase é preciso que o paciente assuma o
compromisso com a modificação dos seus hábitos alimentares ao longo da vida. Para isso são
aplicadas técnicas de automonitoração da alimentação, técnicas para o controle dos estímulos
(para que o paciente evite comer para aliviar a tensão) e também técnicas para a adesão ou
melhora da prática de atividade física do paciente (Gabbard, Beck & Holmes, 2005).
Ainda para os autores acima no Manual de psicoterapia de Oxford, na fase 2 do
tratamento as técnicas cognitivas enfatizam a mudança dos pensamentos e crenças centrais que
colaboram para a manutenção do TCAP. Inicialmente o modelo cognitivo é explicado ao
paciente (psicoeducação) e depois disso ele é treinado pelo terapeuta para identificar e mudar
tais pensamentos/crenças. O aspecto chave de todo o tratamento do TCAP pela TCC está nessa
fase que é o estabelecimento de um equilíbrio entre autoaceitação e mudança uma vez que é
necessário aceitar o nosso corpo da forma como ele é sem que se enquadre 100% a imagem
corporal desejada. Dessa forma, técnicas de habilidades sociais são incluídas a fim de que a
pessoa aprenda a lidar com críticas associadas à aparência e situações interpessoais ligadas à
alimentação (Gabbard, Beck & Holmes, 2005).
Já na última fase do programa que enfatiza a prevenção de recaídas, os pacientes são
treinados para identificar situações de alto risco que podem dificultar o controle da alimentação.
Assim os dois em conjunto elaboram estratégias para que o paciente possa lidar com tais
situações de alto risco a fim de diminuir a probabilidade de ocorrências de episódios
compulsivos alimentares, para isso também é organizado um plano de manutenção. Neste são
listadas todas as técnicas usadas e que geraram resultados durante o tratamento e possíveis
situações desencadeadoras de risco e suas possíveis soluções. Esse plano de manutenção ajuda
a manter o foco nas estratégias aprendidas durante o tratamento (Cordioli, 2008).
Diante do exposto acima e diante da alta taxa de prevalência do TCAP, o presente
trabalho se faz importante, pois busca analisar a eficácia da TCC no tratamento do TCAP,
partindo da seguinte problemática: analisar a eficácia da TCC no tratamento da Compulsão
Alimentar. Essa problemática se faz importante de ser mais estudada devido esse transtorno
psicológico ser bastante recorrente hoje em dia, assim é preciso que haja métodos que levem a
resultados favoráveis e como a TCC é uma das abordagens mais utilizadas no tratamento do
TCAP, resolveu-se analisar se ela traz de fato efeito e quais os resultados para o tratamento
advindos dessa intervenção psicológica.

2 Método
O presente estudo foi desenvolvido a partir de uma busca bibliográfica de artigos

1116
científicos em bases de dados eletrônicas. De acordo com Brasileiro (2013) uma pesquisa de
revisão bibliográfica ou também denominada de revisão de literatura é aquela que se vale de
publicações científicas em diversas fontes como: periódicos, livros, anais de congressos, entre
outras. A pesquisa de revisão bibliográfica não se dedica à coleta de dados in natura, mas,
também não é uma simples transcrição de ideias.
Uma revisão bibliográfica não se caracteriza apenas pela simples descrição de ideias,
porque nela o pesquisador busca e indaga as informações sobre um determinado assunto, por
meio de um levantamento dos estudos existentes tanto em bases de dados nacionais quanto
estrangeiras (no nosso caso a busca foi apenas em bases de dados nacionais). De forma geral
pode se dizer que o objetivo de uma pesquisa de revisão bibliográfica é detectar o que existe de
consenso e de polêmico na literatura, a respeito do assunto escolhido para objeto de estudo
(Silva & Menezes, 2005).
Ainda para os referidos autores pode-se dizer que esse objetivo geral da revisão
bibliográfica ocorre pelo alcance dos dois propósitos desse tipo de pesquisa, que são: a
contextualização do problema escolhido e a análise das possibilidades mostradas na literatura,
para que o problema seja solucionado. Ao seguir esses dois propósitos, ao final da pesquisa
consegue-se apontar o que existe de consenso e de polêmico na literatura estudada a respeito
do assunto escolhido para a abordagem (Silva & Menezes, 2005).
Diante disso, a pesquisa buscou como objetivo geral investigar a importância do
programa da TCC no tratamento do Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP),
bem como especificamente: avaliar a eficácia do programa da TCC utilizado no tratamento do
TCAP; verificar os benefícios do programa da TCC para o tratamento do TCAP; conhecer mais
profundamente o programa da TCC (seu passo a passo e as técnicas que o compõem) aplicado
ao tratamento do Transtorno da Compulsão Alimentar.
Para isso se consultou as bases: SciELO, PubMed, Google Acadêmico e PsycInfo,
usando como palavras-chave os seguintes descritores: “Compulsão Alimentar, tratamento e
Terapia Cognitivo Comportamental”. A princípio seriam considerados apenas artigos
publicados nos últimos cinco anos, a partir de 2015, porém esse critério não pôde ser utilizado
pois foi encontrado apenas um artigo. Tomando em consideração esse aspecto, optou-se por
não restringir o limite cronológico de publicação, a fim de abranger o maior número de artigos.

3 Resultados e Discussão
No total foram encontrados 15 artigos em quatro bases de dados (como mostra o quadro
1) através dos descritores: Compulsão Alimentar, Tratamento e Terapia Cognitivo-
Comportamental; e um capítulo de livro físico e um manual encontrado na internet.

Quadro 1: Caracterização do acervo inicial de busca

Base de dados Quantidade de Estudos

SciElo 2 Artigos e 1 Dissertação

PsycINFO 3 Artigos e 1 Dissertação

PubMed 5 Artigos e 1 Dissertação


Google acadêmico 2 Artigos

1117
Livro físico 1 Capítulo

Internet 1 manual

Para a apreciação dos artigos, foram ponderados alguns critérios de inclusão e de


exclusão. No que concerne aos critérios de inclusão foram levados em consideração apenas
artigos que tratavam a intervenção em Compulsão Alimentar utilizando algum tipo de terapia
cognitivo-comportamental; e critérios de exclusão: artigos que não enfatizavam o tratamento
da Compulsão Alimentar com a terapia cognitivo-comportamental (2 foram excluídos), artigos
duplicados (2 excluídos) e artigos que não deixavam claro qual transtorno alimentar estava
sendo tratado (mais 3 artigos não serviam para o objetivo da nossa pesquisa).
Assim inicialmente tínhamos no total 17 estudos (artigos, dissertações, manual e
capítulo de livro) como vimos no quadro acima, depois de passar pelos critérios de exclusão e
inclusão seguindo os seguintes passos: leitura dos títulos dos estudos científicos; depois de
selecioná-los pelos títulos a próxima fase foi ler os seus resumos.
Após estas etapas foram analisadas 10 publicações e por fim o terceiro passo foi, a
leitura na íntegra de todos eles. A fim de complementar a revisão literária foi realizada a busca
de capítulos de livros de interesse sobre o tema, objetivando a localização de textos importantes,
mas que não haviam sido encontrados por meio da busca eletrônica e dessa maneira foi incluído
no nosso estudo um capítulo de livro e um manual.
Dessa maneira o nosso estudo foi realizado em cima de 8 artigos científicos mais 1
capítulo de livro e 1 manual acerca do tema. Os artigos, dissertações, manual e capítulo de livro
usados estão descritos no quadro 2 a seguir:

Quadro 2: Caracterização do acervo, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão

Título Autor/Ano Base Tipo de


Estudo

1)Transtorno da compulsão alimentar periódica e a Nunes, 2012 SciElo Ensaio


abordagem da terapia cognitiva comportamental teórico
2)Avaliação e tratamento da compulsão alimentar no Coutinho,2006 SciElo Estudo
paciente obeso qualitativo
3)Terapia cognitivo-comportamental dos transtornos Bacaltchuk & SciElo Estudo
alimentares Hay,2004 teórico
4)Terapia cognitivo-comportamental em grupo para Duchesne,2006 PsycINFO Estudo
pacientes obesos com transtorno da compulsão alimentar qualitativo
periódica
5)Evidências sobre a terapia cognitivo-comportamental Duchesne,et. PsycINFO Estudo
no tratamento de obesos com transtorno da compulsão Al,2007 qualitativo
alimentar periódica.
6)Compulsão alimentar, imagem corporal e qualidade de Melo,2011 PubMed Estudo
vida em crianças e adolescentes obesos. qualitativo
7)Transtorno da Petribu e PubMed Estudo
cols.,2006 qualitativo
Compulsão Alimentar Periódica em Uma População de

1118
Obesos Mórbidos
Candidatos a Cirurgia Bariátrica do Hospital
Universitário Oswaldo Cruz, em
Recife – PE
8)Técnicas de modificação de comportamento do Segal,2002 Internet Manual
paciente obeso: psicoterapia cognitivo-comportamental.
9)A abordagem cognitivo-comportamental no tratamento Vaz, et.Al,2009 Google Revisão
das perturbações do comportamento alimentar. acadêmico
10)Abordagens psicoterápicas nos transtornos Duchesne & Livro físico Estudo
alimentares: terapia Cognitiva Comportamental Nunes,2008 qualitativo
(cap,29.P, 530 em Psicoterapias. Abordagens atuais-3.ed.
Porto Alegre: Artes Médicas,2008).

Diante da extensa literatura pesquisada até aqui, o tratamento psicológico do Transtorno


da Compulsão Alimentar Periódica, mais especificamente embasado pelo programa da TCC
tem se mostrado fundamental. O fato da TCC considerar a função psicológica dos sintomas
alimentares e o fato de acessar as emoções e sentimentos que se relacionam com o
comportamento compulsivo alimentar é o que fundamenta a relevância da intervenção com a
TCC para o sucesso do tratamento através de uma abordagem multidimensional.
Para TCC a base do comportamento das pessoas são as significações que elas próprias
atribuem aos acontecimentos pessoais, aos sentimentos e demais aspectos das suas vidas,
baseados nisso elas irão se comportar de determinada maneira e a partir daí construir diferentes
hipóteses sobre o futuro e sobre sua própria identidade, como as pessoas reagem das mais
diversas formas a uma situação específica elas também irão chegar a conclusões diversas acerca
dessa mesma situação, (Bahls & Navolar, 2004).
Duchesne et al. (2007) relatam estudos a respeito de pacientes com o TCAP que a TCC
no formato de grupo favorece uma redução da frequência da compulsão alimentar, variando
entre 80 e 91%, os mesmos ainda relatam que a TCC associada à TIP e ao tratamento
farmacológico não gera uma melhora adicional da compulsão no tratamento do TCAP. Por
outro lado, apenas a associação TCC – fármacos mostrou uma redução dos episódios de TCAP
em 55% dos casos estudados. Existem ainda estudos comprovando que a associação da TCC
com o efeito placebo gera uma melhora ainda maior, mostrando resultados significativos em
73% dos casos analisados.
Duchesne et. al. (2007) mostram ainda em relação ao TCAP que a TCC gera uma
melhora significativa nos níveis de depressão, diminuição da insatisfação com a imagem
corporal, redução dos níveis de ansiedade, melhora nas dificuldades interpessoais, melhora na
autoestima e no funcionamento social, melhora do sentimento de bem-estar subjetivo avaliado
pelo Well Being Questionnaire, melhora da percepção da qualidade de vida, melhora
significativa na auto eficácia, reduções significativas no peso corporal (nesses últimos casos
quando associado à TCC com Terapia Nutricional e atividade física). Os mesmos autores ainda
descrevem que em um período curto de seis meses em média de terapia com TCC, os indivíduos
melhoram da sintomatologia do TCAP, já programas mais longos com aproximadamente um
ano permitem um aumento favorável ainda maior na reestruturação cognitiva, diminuindo a
incidência de retorno de eventos compulsivos alimentares.
A Terapia Cognitivo-Comportamental ao compreender a Compulsão Alimentar,

1119
considera tanto a sua determinação como o seu tratamento de forma “biopsicossocial”, mas
fundamenta-se como uma abordagem que enfatiza a mudança das estruturas cognitivas da
psicopatologia. Por esse motivo a TCC vem se mostrando em pesquisas científicas rigorosas,
cada vez mais eficaz e uma opção viável para o tratamento do TCAP.
Duchesne, et al. (2007) sugerem em seus estudos que o programa da TCC no tratamento
do TCAP tenha uma abordagem interdisciplinar que enfatize junto ao paciente a compreensão
do funcionamento biopsicossocial dos quais o paciente faz parte. Eles lembram ainda que nem
todos os pacientes submetidos ao programa da TCC vão responder satisfatoriamente ao
programa, para isso é preciso adaptar alguns protocolos a fim de aumentar a resposta satisfatória
dos pacientes ao programa.
O tratamento do TCAP deve ser realizado em equipe multiprofissional, ou seja, quando
o psicólogo se associa a outros profissionais como nutricionistas, médicos, psiquiatras, etc., o
tratamento psicológico surte muito mais efeito. É necessário ainda envolver a família, criando
assim uma estrutura de colaboração para o paciente, que facilitará as mudanças necessárias para
o tratamento do transtorno. Outro fator que a TCC considera fundamental ainda, é a relação
terapêutica onde o psicólogo deve se manter empático quanto às necessidades do paciente. O
psicólogo ainda deve apresentar o processo terapêutico como um processo colaborativo, onde
os dois terão uma participação ativa na detecção de causas das dificuldades e na seleção das
estratégias utilizadas no tratamento (Duchesne, et. Al, 2007).
Como vimos o processo é bastante complexo, por esse motivo todos esses fatores devem
ser levados em conta, pois se constituem em fortes agentes promotores ou impeditivos das
mudanças cognitivas do sujeito. Como o transtorno se mostra multifatorial, assim também deve
ser o seu tratamento: incluindo o tratamento farmacológico dentre outros, caso seja necessário,
para os autores citados a eficácia da TCC se potencializa quando associada ao tratamento
farmacológico. A autora citada ainda enfatiza que a combinação entre TCC e medicamentos
parece representar um campo promissor de pesquisa (Duchesne, 2006).

4 Considerações finais

Ao término deste estudo, podemos destacar que os objetivos sugeridos foram


alcançados, ao realizar a nossa pesquisa bibliográfica, pôde-se aceitar a hipótese de que as
técnicas cognitivas e comportamentais estão sendo empregadas como estratégias eficazes no
tratamento e gerando melhoras significativas nos quadros clínicos do Transtorno da Compulsão
Alimentar Periódica. A presente pesquisa não pretendeu concluir definitivamente inferências a
respeito do tema, tendo em vista que a aplicabilidade da TCC no tratamento do TCAP é
complexa e uma pesquisa de revisão bibliográfica não consegue abordar todas as
particularidades do assunto.
O tratamento por meio da TCC permite ainda que os sujeitos acometidos pela compulsão
alimentar em comorbidade com a obesidade possam resgatar uma convivência social saudável,
a sua autoestima depois do tratamento psicoterápico com a TCC é elevada para os que a tinham
baixa e restaurada para os que a tinham perdido completamente, tudo isso em decorrência dos
benefícios advindos do tratamento. Todos os transtornos alimentares, incluindo-se aqui a
compulsão alimentar, já podem ser considerados um problema de saúde pública que deveria ser
priorizado pelos órgãos responsáveis, com campanhas de esclarecimento e orientação (Petribu,
et al., 2006).
Vale relembrar aqui, como já visto anteriormente no desenvolvimento do presente

1120
trabalho, que no tratamento do TCAP diversas abordagens podem ser usadas, como a integração
entre os métodos psicoterápicos e farmacológicos. A abordagem psicoterápica da compulsão
alimentar pode ser individual, em grupo, familiar. E é importante ressaltar ainda que
independente da abordagem psicoterápica escolhida, sendo a TCC ou outra qualquer, o paciente
deve ter um acompanhamento clínico adequado (Duchesne, et al., 2007).
De certa forma podemos concluir que o programa da TCC traz resultados significativos
nos sintomas psicopatológicos característicos do TCAP. Além de uma significativa melhora na
autoestima, nas dificuldades interpessoais, no humor e na qualidade de vida, além de um
aumento do sentimento subjetivo de bem-estar. Entretanto, percebemos também que existem
pacientes que não apresentam boa resposta à TCC (Vaz, et. Al., 2009).
Os estudos sobre esse tema ainda não deixam claro aspectos como o número ideal de
sessões que o programa deve possuir, a sequência em que as técnicas do programa devem ser
aplicadas, quantas sessões devem ser dedicadas para estratégias cognitivas e quantas para
estratégias comportamentais. Adicionalmente, ainda se faz necessária a identificação de fatores
preditivos de sucesso no tratamento.
Dentre todos os modelos de terapia propostos para o TCAP, a TCC é o modelo com
resultados mais bem documentados. De modo geral, a TCC é um método eficaz de tratamento
para o TCAP, e nenhum outro modelo terapêutico com o qual tenha sido comparada mostrou
ser significativamente mais eficaz. Para finalizar, pode-se destacar que os estudos sobre a
aplicabilidade da TCC no tratamento da compulsão alimentar estão sob contínuos
aprimoramentos. Logo, deveriam ser mais explorados e compõem um campo fértil para futuras
pesquisas. O presente estudo pode servir como fonte de referência e consulta para o
prosseguimento de outros estudos, que venham suscitar novos debates sobre este tema.
Em um futuro próximo, achados como este, talvez nos desponte uma abordagem mais
positiva no tratamento de indivíduos, mostrando a obrigação de cuidar do indivíduo, ao invés
de cuidar da sua doença, e a importância de uma equipe de multiprofissionais, em um nível
igualitário de condições de trabalho e da tomada de decisão sobre a melhor abordagem clínica
em conjunto para um melhor prognóstico do indivíduo em tratamento.

Referências
American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4th
ed. Washington: American Psychiatric Association;1994.
Bacaltchuk, J., Hay, P.J. (2004). Terapia cognitivo-comportamental dos transtornos
alimentares. In: Knapp, P. et al. Terapia cognitivo-comportamental na prática
psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed.
Bahls, S. C., Navolar, A. B. B. (2004). Terapia cognitivo-comportamentais: conceitos e
pressupostos teóricos. Psico UTP – Revista Eletrônica de Psicologia, 4 (1): 1-11. Acesso
em 06 de Novembro de 2019. disponível em:
www.utp.br/psico.utp.online/site4/terapia_cog.pdf
Brasileiro, A. M. M. (2013). Manual de produção de textos acadêmicos e científicos. São Paulo:
Atlas.
Cordioli, A.V. Psicoterapias. Abordagens atuais-3.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2008.
Duchesne M. Terapia cognitivo-comportamental em grupo para pacientes obesos com

1121
transtorno da compulsão alimentar periódica [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade
Federal do Rio de Janeiro; 2006.
Duchesne, M., Appolinário, J. C., Rangé, B. P., Freitas, S., Papelbaum, M. & Coutinho, W.
(2007). Evidências sobre a terapia cognitivo-comportamental no tratamento de obesos
com transtorno da compulsão alimentar periódica. Revista de Psiquiatria do Rio Grande
do Sul, 29, 80-92.
Gabbard, G. O., Beck, J. S. & Holmes, J. (2005). Oxford textbook of psychotherapy. New York:
Oxford University.
Melo, M. M. O. (2011). Compulsão alimentar, imagem corporal e qualidade de vida em
crianças e adolescentes obesos. Dissertação de mestrado apresentada á Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Oliveira, L. L. (2004). Padrões disfuncionais de interação em famílias de adolescentes com
anorexia nervosa. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação Em Psicologia
do Desenvolvimento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS.
Petribu, K., Ribeiro, E. S., Oliveira, F. M. F., Braz, C. I. A., Gomes, M. L. M., Araujo, D. E.,
Almeida, N. C. N., Albuquerque, P. C., Ferreira, M. N. L. (2006). Transtorno da
Compulsão Alimentar Periódica em Uma População de Obesos Mórbidos Candidatos a
Cirurgia Bariátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em Recife – PE. Arquivos
Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia, 50, 901-908.
Segal, A. (2002) Técnicas de modificação de comportamento do paciente obeso: psicoterapia
cognitivo-comportamental. in: Halpern, a.& Mancini, M.C. – manual de obesidade para
o clínico. São Paulo, Roca, p. 121-41.
Silva, E. L.; Menezes, E. M. Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. 4º edição.
Florianópolis: UFSC, 2005.
Vaz, A. R., Conceição, E. M. & Machado, P. P. (2009). A abordagem cognitivo-
comportamental no tratamento das perturbações do comportamento alimentar. Análise
Psicológica, 27, 189-197.
A CLÍNICA PSICOTERÁPICA A PARTIR DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-

1122
CULTURAL: UM ESTUDO DE CASO

Marinara Nobre Paiva


Janailson Monteiro Clarindo
1 Introdução
A Psicologia Histórico-Cultural ou Psicologia Sócio-Histórica é uma abordagem que
teve como precursor Lev Semionovich Vygotsky (1896-1934), o qual teve formação em
Psicologia, Direito, Literatura e História da Arte na antiga União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS). O contexto de criação da Psicologia Histórico-Cultural ocorreu em meio a
Revolução Russa, fortalecendo assim as bases de pensamento do autor a partir do materialismo
histórico dialético de Karl Marx (Lima & Carvalho, 2013). O materialismo histórico dialético
corrobora com a ideia de que o sujeito apenas se constitui como sujeito porque ele é social e
histórico (Gonçalves, 2007).
A Psicologia Histórico-Cultural é uma linha teórica recente no Brasil que data no início
da década de 1980, mais especificamente em 1984, conforme Delari Junior (2012), tornando-
se conhecida devido aos estudos de Silvia Lane na área da Psicologia Social Crítica. Os estudos
da autora supracitada tiveram base da Psicologia Histórico-Cultural por compreender o
psiquismo de forma dialética e contextualizada, superando a “visão liberal e objetivista do
sujeito” (Gonçalves, 2007, p. 51). Desta forma, a Psicologia Sócio-Histórica tem como
premissa compreender o sujeito a partir de seu contexto sócio-histórico-cultural e considera que
o indivíduo constitui e é constituído pelo seu meio, atribuindo sentidos pessoais e significados
sociais à sua experiência.
Assim, ao ter uma experiência vivida pelo sujeito, é atribuído a ela um sentido pessoal,
localizado em uma determinada cultura. Tal sentido se manifesta de forma emocional e
simbólica, materializando-se por meio da linguagem (Ferreira & Roldão, 2018). Já o significado
social é a generalização; o que é partilhado socialmente.
Deste modo, considerando que a subjetividade do sujeito é o conjunto de experiências
vividas, construída por meio das relações entre e com outros indivíduos (Gonçalves, 2007),
pode-se relacionar tais aspectos com a prática clínica em Psicologia Histórico-Cultural. A
psicoterapia em tal abordagem, para Marangoni (2007), “passa a ser um espaço de construção
de significados e sentidos e de ressignificação, bem como de criação de condições para que
ocorram as transformações psicológicas possíveis de acordo com as instrumentalidades
históricas” (p. 42).
Portanto, este artigo deriva de um estudo de caso clínico vivenciado pela autora na
disciplina de Estágio Clínico Supervisionado II do curso de Psicologia em uma instituição
privada sob supervisão do coautor. Tem por objetivo descrever o processo psicoterápico da
paciente Maria62 e suas respectivas evoluções e ressignificações. A justificativa do trabalho se
dá em decorrência da escassez de estudos de caso a partir da prática clínica à luz da psicologia
histórico-cultural. Também se justifica pela contribuição acadêmica para o desenvolvimento da
teoria, visto que Vygotsky veio a óbito de modo precoce, permitindo que seus estudiosos
dessem continuidade à abordagem histórico-cultural.

62
Nome fictício da paciente com vistas à preservação de sua identidade.
1123
2 Método
Pode-se considerar que o presente trabalho é um estudo de caso clínico. Essa
modalidade se caracteriza por ser um “subtipo de pesquisa de caso único, que constitui uma
investigação naturalística e flexível, mediante a utilização de múltiplos métodos” (Serralta,
Nunes & Eizirik, 2011, p. 504). Tais métodos podem ser quantitativos ou qualitativos e pode
haver diferentes fontes de dados e evidências para descrever um ou mais casos individuais,
como abordar os pacientes, a relação paciente-terapeuta, o processo psicoterápico etc, focando
na dimensão temporal.
Desta forma, a paciente é Maria, 39 anos, sexo feminino, solteira e pedagoga. Sua queixa
inicial refere-se à depressão, angústia, tristeza e vazio existencial. Entretanto, no decorrer do
processo, foi percebido que seus sintomas não constituíam um quadro de depressão, mas
estavam atrelados ao relacionamento abusivo no qual se encontrava há 11 anos.
Os procedimentos da avaliação da paciente foram realizados por meio da ficha de
triagem da clínica-escola que continham perguntas norteadoras com a finalidade de investigar
dados referentes ao desenvolvimento cognitivo, social e afetivo, e à saúde geral da paciente;
informações da vida profissional e escolar; dados acerca da vida familiar; e realizar hipótese
diagnóstica. Todos esses informes eram compartilhados com o supervisor.
Os dados coletados tiveram o objetivo de compreender o funcionamento psíquico e
social de Maria. Outros instrumentos de coleta de dados foram escuta qualificada e atenta,
técnica do eco emocional – será explicada na discussão do caso - e observação, advindos do
processo psicoterápico. Assim, o processo psicoterapêutico foi espontâneo, intervindo sob o
que emergia nas sessões e no que precisava ser melhor trabalhado.
Como é sabido, o estágio em clínica-escola nos cursos de Psicologia tem a duração de
01 (um) ano e, caso o/a paciente não tenha alta, é preciso que um/a novo/a estagiário/a dê
continuidade ao acompanhamento. Nesse caso em específico, a autora era a primeira estagiária
que teve contato com Maria, passando seis (06) meses em acompanhamento psicológico com a
paciente. Os encontros tinham a frequência semanal. Não foi possível completar o período anual
devido ao auto desligamento de Maria.
A análise de dados baseia-se na perspectiva dos estudos de Vygotsky (1995, 2007), no
que tange à análise do processo e à busca de encontrar explicações sobre o objeto de estudo e
não em sua mera descrição. É uma análise interpretativa de cunho vygotskyano que se baseia
nos princípios de seu método genético: analisar processos, e não objetos; explicação versus
descrição; atentar para o problema do comportamento fossilizado. Usando tais princípios como
base, escolhemos algumas categorias de análise a partir do estudo de caso, são elas: funções
psicológicas superiores, significado social, sentido pessoal, emoções, consciência e Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP).
Foi apresentado à paciente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
oriundo da clínica-escola para que houvesse a permissão do uso de dados do seu percurso
terapêutico. Ao assinar o termo, ela consente que as informações do seu processo terapêutico
possam ser apresentadas e compartilhadas em eventos científicos, com sua identidade
preservada. Como exemplos de eventos científicos, citam-se os seminários, congressos
nacionais e internacionais, simpósios, jornadas, conferências etc. Deste modo, o intuito do
estudo de caso com as suas respectivas apresentações em tais eventos é promover ciência e
desenvolvimento da psicologia.
1124
3 Resultados
Como citado anteriormente, Maria é uma mulher de 39 anos, solteira e formada em
Pedagogia. Sua queixa inicial se refere à depressão, angústia, tristeza e vazio existencial. Porém,
no decorrer do processo, percebeu-se que seus sintomas não constituíam um quadro de
depressão, porém estavam atrelados ao relacionamento abusivo no qual se encontrava há 11
anos.
Foi percebido no processo psicoterapêutico que o relacionamento abusivo de Maria não
permitia que ela fosse assertiva e não possibilitava seu posicionamento diante de situações
decisivas. As experiências que ela tinha com o companheiro impediam a abertura ao seu
autoconhecimento e ela passou a viver a vida a partir dos desejos e vontades dele durante 11
anos, assumindo uma posição de resignação. Isso também era refletido na esfera profissional e
interpessoal.
Outro ponto que vale ser ressaltado é a relação da paciente com a maternidade. Durante
a psicoterapia, ela percebeu que estar diante de outras mulheres que eram mães lhe causava mal
estar e uma tristeza profunda. O companheiro não pensava na possibilidade de ser pai e ela se
frustrava com frequência, pois um dos seus maiores desejos era gerar um filho e vivenciar a
maternidade. Com o decorrer do processo, em uma das sessões, a paciente lembrou que sofreu
um aborto espontâneo há 06 (seis) anos e na época não elaborou o luto pela perda da criança.
Após trabalhar sobre essa questão, mergulhada em meio a lágrimas e sofrimento, Maria pôde
compreender que esse desejo estava atrelado ao seu consumismo, pois a paciente comprava em
demasia para ter algo para “chamar de seu” (sic).
O consumismo e a aprovação social eram aspectos que estavam interligados na vida de
Maria. Ela comprava em excesso para, segundo a paciente, “organizar mais a casa e [se] arrumar
melhor” (sic), aceitando opiniões de outras pessoas sem problematizar tais sugestões com o
intuito de ser aprovada socialmente.
Em suma, Maria passou a ter consciência de processos psicossociais os quais estava
imersa e que antes não percebia. Entendeu que vivia um relacionamento abusivo e que não
superara o aborto pelo qual sofreu. Além disso, compreendeu, também, que seu consumismo
exagerado tinha relação com o sofrimento psicológico proveniente do desamparo social.

4 Discussão
De acordo com Ferreira e Roldão (2018), a prática da psicoterapia por meio da
Psicologia Histórico Cultural admite que a

relação terapêutica [tenha] como objetivo possibilitar o desenvolvimento da pessoa de


forma que suas ações possam ser reelaboradas por meio de interpretações,
esclarecimentos, confrontos, ressignificações entre outras possibilidades, que tem
como função facilitar a reconstrução e elaboração dos significados culturais numa
dimensão individual e social (p. 393).

É através do diálogo que o indivíduo pode atribuir novos sentidos e significados em suas
diferentes relações, ressignificando a experiência (Ferreira & Roldão, 2018). Nesse sentido,
será ilustrado o processo terapêutico de Maria, relacionando-a à teoria histórica-cultural.
O relacionamento abusivo que Maria vivenciava configurava à paciente uma posição de

1125
submissão ao companheiro. Ela demonstrava passividade diante dele por uma ausência de
assertividade e por estabelecer uma relação de dependência afetiva. Maria tentou terminar
algumas vezes, mas não teve sucesso. Em uma das tentativas, o namorado ameaçou que tiraria
a própria vida na frente da paciente e, após esse fato, ele emagreceu 10 quilos. Toda discussão
ou divergência de opiniões que eles tinham o companheiro rememorava esse fato e a
responsabilizava, fomentando um sentimento de culpa e receio de fazê-lo sofrer.
Vygotski (2004) afirmava que as emoções têm o potencial de organizar internamente as
reações de si mesmo (como citado em Faria & Camargo, 2019, p. 51) e essas emoções de culpa
e medo foram maneiras que Maria encontrou para lidar com a condição que se encontrava. O
companheiro a persuadia. Fazia inúmeras promessas para mantê-la no relacionamento e
conseguia, pois a paciente possibilitava outras chances a fim de que houvesse mudança, mesmo
que a história se repetisse durante 11 anos. Porém, a paciente tomou consciência quando
materializou esses acontecimentos por meio da linguagem em psicoterapia e percebeu que não
haveria mudança se ela não desse o primeiro passo.
A consciência é construída por meio de mediações sociais, tendo como elementos
chaves o pensamento e a linguagem (Gonçalves, 2007; Lima & Carvalho, 2013). Deste modo,
a paciente, através do processo de conscientização, agiu no seu contexto e terminou o
relacionamento. Assim, “é nesse sentido, em sua duplicidade de ser linguagem e sintoma, que
[Vygotski] compreende a emoção como expressão organizadora do comportamento humano”
(Faria & Camargo, 2019, p. 61). Foi necessário que Maria vivesse tal emaranhado de emoções
para materializá-las por meio da linguagem e ressignificar sua experiência.
Ao tratar do assunto sobre maternidade, a paciente sempre chorava em demasia e não
entendia os motivos do lamento. Conforme as sessões passavam, Maria lembrou de um aborto
espontâneo que sofreu há seis (06) anos, afirmando que na época não conseguiu chorar durante
e depois do ocorrido. Faltava uma elaboração do luto de maneira mais consciente e, conforme
a paciente falava sobre o fato, ela ficava muito sensibilizada e mergulhada em lágrimas.
Através da escuta atenta, da realização de perguntas problematizadoras e da
compreensão empática, tentava-se entender os motivos pelos quais Maria gostaria de ser mãe.
Ela se questionava se realmente precisava ou se tinha algo para chamar de seu, e percebeu que
essas dúvidas se relacionavam ao seu consumismo exacerbado. Assim, utilizou-se a técnica do
eco emocional, que tem o objetivo de auxiliar o sujeito a nomear as emoções quando ele/a tem
dificuldade de fazê-la, de acordo com Aires (2006).
Compreendeu-se que o ato de consumir em excesso possibilitava a Maria ter algo
materializado a fim de satisfazer seu desejo. A relação com o ex-companheiro também tinha o
mesmo funcionamento, não no sentido de ela o comprar, mas de permanecer em uma relação
por ter algo e/ou alguém. Com o filho seguiria a mesma lógica, só que em um viés de domínio,
pois já que ela não teria o namorado por inteiro, haveria a criança a suprir sua necessidade de
ter. A linguagem possibilitou à paciente uma sistematização da percepção (Aires, 2006),
proporcionando a passagem dos aspectos sensoriais, nesse caso a emoção, para o pensamento,
através de abstrações e generalizações.
Maria construiu essas elaborações e sentidos após o término de relacionamento com o
companheiro. Compreendeu-se que o consumismo e a aprovação social eram aspectos que
estavam interligados na vida da paciente, seja no âmbito afetivo-relacional, social e individual.
Como exemplo, Maria comprava em excesso para “organizar mais a casa e [se] arrumar
melhor” (sic), aceitando opiniões de outras pessoas sem problematizar tais sugestões com o
intuito de ser aprovada socialmente. Muitas vezes comprava presentes para sobrinhos de
maneira compulsiva e desnecessária, pois acreditava que se desse para um, os demais ficariam

1126
chateados ou com raiva. Isso também tinha relação com a resignação, pois Maria se submetia à
vontade de outros a fim de ser aceita nos grupos.
Outro acontecimento após o término com o companheiro vale ser ressaltado. Maria
percebeu que não sabia identificar suas preferências pessoais no que se refere a gosto, frutas,
cores e comidas favoritas e viagens, pois o namorado decidia por ela. Em psicoterapia, foram
feitas sugestões para ela se atentar às suas vontades e ela se permitiu olhar de volta para si.
Desta forma, ao considerar a abordagem Histórico-Cultural, pode-se afirmar que “a função do
psicoterapeuta é interferir na zona de desenvolvimento potencial dos pacientes, agindo como
facilitador dos processos psíquicos sobre os quais o paciente não conseguiria atuar de maneira
autônoma” (Ferreira & Roldão, 2019, p. 393)
Como resultado, durante algumas sessões, Maria reconheceu os seus desejos,
percebendo que foi necessária a interação com outras pessoas para saber o que deseja e o que
não deseja, como ilustrado anteriormente. Deste modo, entende-se o que Aires (2006) afirma
que, se interação externa dos sujeitos com outros sujeitos for modificada, será alterada também
a consciência, a atitude do indivíduo com o contexto, consigo mesmo e com os outros.
A paciente fez o autodesligamento quando completou seis (06) meses de
acompanhamento psicológico. Houve o período de férias e carnaval, contabilizando 03 (três)
meses sem ir aos encontros. Na última sessão, ela foi bastante objetiva ratificando que não via
mais a necessidade de dar continuidade à psicoterapia, visto que o período que ficou ausente
foi importante para ela entender as questões que a atravessavam, tais como a necessidade de
maior autoconhecimento, a maternidade, a ansiedade, os relacionamentos amorosos e
profissionais.
Disse estar bem resolvida em todas essas esferas e afirmou que a psicoterapia foi o
pontapé inicial para a compreensão de si mesma e essencial para a elaboração de todos os
processos psíquicos. A aprovação social que ela visualizava como necessária não importou
mais, pois Maria passou por um processo de autoconhecimento e identificou o que lhe agrada
e o que não agrada, quais são seus limites e possibilidades, bem como deixou de aceitar opiniões
de terceiros e parou de satisfazer os desejos do outro para manter uma relação, haja vista que
tais desejos são as expectativas do outro.
Afirmou que trazer seus problemas para o campo do real foi transformador, pois
anteriormente ela não estabelecia diálogo com os sujeitos que tinham algumas adversidades,
não resolvia os conflitos e comprometia sua qualidade de vida. Maria também relatava seus
problemas para outras pessoas e parou de fazer tal comportamento devido à compreensão de
que os posicionamentos dos outros são feitos a partir das suas histórias de vida.
Faria e Camargo (2019) atestam que “as emoções humanas são processos dinâmicos em
constante (re)elaboração e desenvolvimento” (p. 63), constituindo funções psicológicas
superiores63 para mediar a relação com o seu contexto, possibilitando que tal funcionamento
revele elementos do psiquismo. Assim, foi necessário que Maria entrasse em contato com a sua
dimensão emocional e subjetiva e alterasse a consciência diante de acontecimentos que lhe
causavam um intenso sofrimento psíquico. Deste modo, o processo psicoterapêutico

63
Para o desenvolvimento de funções psicológicas superiores, faz-se necessário a relação com as funções
psicológicas elementares, em que estas se referem ao aspecto biológico do sujeito. Dito isso, as funções
psicológicas superiores se desenvolvem, a priori, nas relações sociais, nas atividades coletivas, tornando-se
interpsíquicas; a posteriori, tais funções atuam no funcionamento individual, como elementos internos do
indivíduo, atuando num plano intrapsíquico (Vygotsky, 2017).
demonstrou que a dinamicidade das emoções é essencial para que haja atribuição de novos

1127
sentidos.
O/A psicoterapeuta histórico-cultural atua na zona de desenvolvimento proximal,
auxiliando o/a paciente realizar mudanças significativas que não conseguiria atingir de modo
independente. Para que isso ocorra, há a necessidade de que haja uma relação dialógica entre
terapeuta e paciente, colaborando para um processo de ressignificação da experiência de modo
fluído, dinâmico e ativo. Deste modo, o papel do/da psicoterapeuta é ser um agente de
mudanças, de maneira externa, realizando a mediação a relação entre o sujeito e a sua realidade.

5 Conclusão
Descrever o processo psicoterápico de Maria, enfatizando suas evoluções e
ressignificações, ajudou-nos a atingir o objetivo deste artigo, uma vez que a descrição do caso
se deu a partir de um processo analítico tendo como base alguns dos principais conceitos da
Psicologia Histórico-Cultural.
Nota-se que a psicoterapia foi uma ferramenta potente de transformação social e
subjetiva para a paciente Maria, demonstrando a importância primordial da linguagem na
formação da consciência nesse processo. Nesse sentido, a palavra permitiu à paciente se
desligar da experiência direta a assegurou a emergência da imaginação de um processo que
auxilia, como fundamento, o fomento da criatividade orientada e governada, conforme afirma
Gonçalves (2007).
Vale ressaltar a importância do caráter indissociável sobre a ação terapêutica e o
contexto social do sujeito, permitindo entender que são nas relações sociais que o indivíduo
torna-se consciente de si mesmo (Ferreira & Roldão, 2018; Delari Júnior, 2012). A prática
clínica permite refletir, de modo mais específico e aprofundado, sobre a subjetividade do
paciente e de seu contexto sócio-histórico-cultural.
Reconhece-se a necessidade de maiores produções empíricas e bibliográficas acerca da
psicoterapia na linha histórico-cultural para possibilitar compreensões sobre os fundamentos
teóricos que demonstrem o desempenho possível e concreto da abordagem.

Referências Bibliográficas
Aires, J. M. Q. (2006). A abordagem sócio-histórica na psicoterapia com adultos. Psicologia
para América Latina, México, n. 5, fev.
Delari Júnior. A. (2012). O sujeito e a clínica na psicologia histórico-cultural: diretrizes
iniciais. Umuarama-PR: Mimeo.
Faria, P. M. F. & Camargo, D. (2019). O papel das emoções no desenvolvimento humano:
revisão do conceito de emoção em Vygotski. In: M. S. M. Dias (Org) Introdução às leituras
de Lev Vygotski: debates e atualidades na pesquisa. Porto Alegre, RS: Editora Fi.
Ferreira, T. R. S. & Roldão, F. D. (2018). A prática clínica na psicologia histórico cultura.
(v.4, n.1) Curitiba: Anais do EVINCI – UniBrasil.
Gonçalves, M. G. M. (2007). A Psicologia como ciência do sujeito e da subjetividade: a
historicidade como noção básica. In: A. M. B. Bock, M. G. M. Gonçalves, O. Furtado
(Orgs). Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. (3a ed). São

1128
Paulo: Cortez.
Lima, P. M. & Carvalho, C. F. C. (2013). A psicoterapia Sócio-Histórica. Psicologia: Ciência
e Profissão, (vol. 33, núm. esp.), 154-163.
Marangoni, S. F. S. (2007). A Mediação da Palavra e do Brincar na Psicoterapia com Crianças
[Dissertação]. São Paulo: Universidade São Marcos.
Serralta, F. B., Nunes, M. L. T. & Eizirik, C. L. (2011). Considerações metodológicas sobre o
estudo de caso na pesquisa em psicoterapia. Estudos de Psicologia, (vol. 28, núm. 4, pp.
501-510). Campinas, Brasil: Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Vygotsky, L. S. A. (1995). Obras Escogidas – III. Madri: Visor Distribuciones, S. A., 1995.
Vygotsky, L. S. A. (2007) Formação Social da Mente. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes.
Vygotski, L. S. (2017). Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: L. S.
Vygotski, A. R. Luria. & A. N. Leontiev (Orgs.), Linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem (15a ed., pp. 103-117). São Paulo: Ícone.
A PRÁTICA DO PSICÓLOGO E O PROCESSO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA:

1129
UM ESTUDO NOS CONSULTÓRIOS DE PSICOLOGIA

Jefferson da Silva Rodrigues


Antonia Mávilla Sales da Cunha
Juliana Maria Trajano da Silva
Bruna Costa Gonçalves da Cruz
André Sousa Rocha
Caroline Mauriz de Moura Costa Feitosa Aragão
1 Introdução
A Avaliação Psicológica é uma função importante no trabalho da(o) psicóloga(o), sendo
de uso privativo para profissionais desta área conforme a Lei nº 4.119/62 que reconhece e
regulamenta a profissão no país. No seu Art.13, §1º afirma que constitui função privativa do
Psicólogo a utilização de métodos e técnicas psicológicas com os seguintes objetivos: a)
diagnóstico psicológico; b) orientação e seleção profissional; c) orientação psicopedagógica; d)
solução de problemas de ajustamento (Brasil, 1962).
A Cartilha de Avaliação Psicológica lançada em 2003 pelo Conselho Federal de
Psicologia (2013) define a Avaliação Psicológica como um processo amplamente utilizado para
fins de investigação, em que se busca conhecer o avaliado e sua demanda, a fim de programar
a tomada de decisão mais oportuna do psicólogo, utilizando-se de diversas fontes de
informações, sendo algumas delas consideradas imprescindíveis, a saber: entrevistas,
observações e testes psicológicos.
Recentemente, a Avaliação Psicológica passou a ser reconhecida como uma
especialidade da psicologia, através da resolução nº 18 de 5 de setembro de 2019. Esse
reconhecimento é uma luta antiga da categoria e parte do pressuposto de que a AP congrega
um conjunto de métodos, técnicas e instrumentos que a sustentam como uma especialidade.
(Resolução CFP, nº 18 de 5 de setembro de 2019).
Tais capacidades estão ligadas a compreensão mais necessária para AP, como o
conhecimento do histórico do paciente, questões éticas e legislação envolvida, assim como as
questões mais técnicas do processo como planejamento, entrevistas, estabelecimento de
rapport, fundamentação de resultados, elaboração de laudos, comunicação de resultados além
da realização ou sugestões de intervenção (Hutz et al., 2016).
Entre os termos de usos da AP que existe no Código de Ética os princípios básicos para
utilização da avaliação psicológica sem ferir os direitos e sigilo do paciente, assim como
utilizado para evitar a aplicação de métodos fundamentais não aprovados ou vencidos,
podendo-se citá-los: (1) o psicólogo deve atuar de forma responsável, buscando o contínuo
aprimoramento profissional, para que, dessa forma, possa contribuir com o desenvolvimento
da psicologia enquanto ciência do conhecimento e prática; (2) utilizar, no contexto profissional,
somente testes que tenham parecer favorável do CFP, estando por isso, listados no Sistema de
Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI); (3) utilizar apenas instrumentos psicológicos
para os quais tenha qualificação; (4) realizar a avaliação psicológica em ambientes adequados,
com o objetivo de assegurar a qualidade e sigilo das informações obtidas; (5) guardar os
documentos referentes à avaliação psicológica em arquivos seguros e de acesso controlado

1130
(CFP, 2013).
É notório que mesmo com todos os instrumentos de regulamentação, investigação e
padronização ainda possuem diversas críticas e problemas referentes ao uso de AP que são:
testes elaborados, administrados e interpretados por profissionais com formação acadêmica
deficiente, uso inapropriado dos testes, instrumentos desatualizados com pouca clareza das
propriedades psicométricas (validade, precisão e normas) e falta de mentores adequados (Hutz
et al., 2016).
O psicólogo utiliza em seu âmbito profissional estratégias de Avaliação Psicológica, “o
elenco de instrumentos é bastante variado, incluindo testes psicológicos, questionários,
entrevistas, observações situacionais, técnicas de dinâmicas em grupo, dentre outros”
(Resolução CFP Nº 012/00) com objetivos bem definidos para encontrar respostas com o intuito
de solucionar problemas. Esses instrumentos contribuem com o plano de trabalho e eficácia na
intervenção profissional.
Tão importante quanto conhecer ou ter o domínio de técnicas e práticas terapêuticas de
tratamentos clínicos psicológicos, é saber para quem essas práticas devem ser aplicadas. Não
raro, os casos de ineficácia de alguns métodos de tratamento devem-se à ocorrência de
diagnósticos imprecisos feitos por profissionais incapacitados (Noronha, 2002).
Diante disso, a AP se apresenta como o elo do profissional de psicologia não apenas
com o seu paciente, mas também e principalmente com o cerne de cada caso que se apresenta,
a fim de que haja maior segurança e eficiência no tratamento. Nesse sentido, o trabalho de
identificação desse profissional bem como a sua aproximação do público alvo se apresenta
como um desafio a ser superado, uma vez que nem todos os psicólogos estão habilitados
técnicas e eticamente para fazer AP.
Tendo em vista a relevância da AP na atuação do psicólogo, este estudo tem por objetivo
identificar a proporção de profissionais que atendem na rede particular de Tianguá e utilizam
da AP em sua atuação profissional. Busca-se também investigar o grau de importância dada a
AP, relatadas por eles, a fim de mostrar não somente AP como uma área ou especialidade
adscrito com o desígnio em si mesma. Todavia, apresentar também como o processo é o suporte
fundamental para tomada de decisões do especialista em suas ações e intervenções em sua
atividade profissional.

2 Método
Este estudo de caráter exploratório e descritivo foi desenvolvido por meio de uma
amostra por conveniência com os profissionais que atuam nas clínicas particulares do município
de Tianguá/CE, visando obter informações necessárias que atendam aos objetivos propostos.
As pesquisas exploratórias proporcionam maior compreensão de um determinado tema e a
pesquisa descritiva por apresentar, no referido trabalho, as características dos psicólogos
(Acevedo & Nohara, 2007).
Quanto à abordagem do problema a pesquisa caracteriza-se em quantitativa e
qualitativa, na qual procurou-se entender o fenômeno em questão, através de descrições,
comparações, interpretações, dando a possibilidade em investigar valores, crenças, hábitos,
atitudes e opiniões individuais ou de grupos (Martins & Theóphilos, 2007).
O material utilizado no presente estudo constituiu-se de um questionário contendo 10

1131
questões abertas, contemplando informações relativas à caracterização do sujeito, no que se
refere ao tempo de atuação na prática da psicologia clínica, pós-graduação, cursos direcionados
à área de avaliação psicológica e atuação profissional, abordagem psicológica, público-alvo,
instituição de conclusão da graduação e se haviam disciplinas de AP na mesma, a utilização de
testes psicológicos na prática profissional, os testes utilizados e motivos pelos quais não os
utiliza.
O material foi entregue no local de trabalho dos respectivos psicológicos, juntamente
com um envelope etiquetado para facilitar a devolução; foram enviados 18 questionários e,
dentro do período aprazado, foram devolvidos 10 questionários que compõe a amostra final.
Após a coleta de dados, a etapa seguinte da pesquisa é o processamento e análise dos
dados. Segundo Gil (2008) a análise dos dados tem como finalidade organizar e sumariar as
informações de tal forma que possibilitem o fornecimento de respostas ao problema proposto
para investigação. Sendo assim, ao término da coleta de dados foi realizada a tabulação. Para
esse procedimento foi necessária a utilização do programa computacional Microsoft Excel.
Ressalta-se que essa proposta surgiu com a necessidade de conhecer melhor o perfil dos
profissionais respondentes na região foco do estudo.

3 Resultados
Nessa pesquisa foi estimada a aplicação do questionário a 18 psicólogos clínicos que
atendem em Tianguá-CE, inscritos no Conselho Regional de Psicologia CRP/11ª região,
representando 100% do universo de profissionais da região. Todavia participaram da pesquisa
10 psicólogos, assim os questionários foram aplicados a uma amostra de conveniência de 10
psicólogos, representando 55,55% do universo de profissionais da região.

Tabela 1: Distribuição dos dados de identificação dos participantes

Dados de Identificação TOTA %


Masculino 1 10,00%
Sexo
Feminino 9 90,00%

21 - 30 4 40,00%
31 - 40 4 40,00%
Idade
41- 50 1 10,00%

51> 1 10,00%
Graduação 4 40,00%

Titulação Especialização 4 40,00%

Mestrado 2 20,00%
FACID 1 10,00%

Instituição LUCIANO FEIJÃO 4 40,00%

PUC-RIO 1 10,00%
UFC 2 20,00%

1132
UFPI 1 10,00%

UNIFOR 1 10,00%

Fonte: Dados elaborados pelos autores deste trabalho.

Participaram predominantemente mulheres 90%, equiparando-se ao majoritário número


de mulheres psicólogas no Brasil, uma vez que dos 334.491 profissionais, um total de 98% dos
342.335 psicólogos inscritos nos 23 conselhos regionais, que informaram seu sexo, 87%,
290.107 são mulheres segundo os dados do Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2019).
Já a idade dos participantes variou entre 22 a 51 anos ( M = 33, 2; DP = 8,35) o que se
assemelha, também, com os estudos realizados pelo (CFP, 2016) na qual a maioria dos
psicólogos em âmbito nacional encontram-se na faixa-etária de 30 anos. Observa-se ainda que
60% dos psicólogos que responderam à pesquisa, possuem algum curso de pós-graduação seja
especialização, mestrado ou doutorado, o que confirma o crescente número de pesquisas de
pós-graduação no país (Tourinho & Bastos, 2010). Outro fator diz respeito ao número de
profissionais que advém de Instituições de ensino privadas, totalizando sete psicólogos,
enquadrando-se nos estudos de (Honorato & Heringer, 2015; Santos, 2011; Catani et al., 2006)
em que mostram que há uma oferta maior de acesso ao ensino superior por essas instituições.

Tabela 2: Tempo de Atuação na Clínica

Tempo em meses e anos N %


01 mês - 01 ano 2 20,00%
1 ano e 1 mês - 02 anos 3 30,00%
2 anos e 1 mês - 03 anos 1 10,00%
3 anos e 1 mês - 05 anos 1 10,00%
5 anos e 1 mês - 07 anos 1 10,00%
7 anos e 1 mês - 10 anos 1 10,00%
10 anos e 1 mês > 1 10,00%

Fonte: Dados elaborados pelos autores deste trabalho

De acordo com a tabela 2, a maioria dos profissionais estão até três anos na atuação
clínica 60% e comparando com a titulação, presente na Tabela 1.Pode-se aferir que os
resultados dessas duas variáveis se deu em virtude da recente formação dos psicólogos.

Tabela 3: Utilização da Avaliação Psicológica

Sim 8 80%
Utilização da Avaliação Psicológica
Não 2 20%
Fonte: Dados elaborados pelos autores deste trabalho

Quando perguntados sobre aspectos relacionados à importância da AP no campo de


atuação (tabela 3), 20% dos psicólogos não utilizam a avaliação psicológica, porém a
consideram importante na prática clínica “Não utilizo, porém, vejo que é importante e faço

1133
encaminhamentos” disse P1. Os motivos pelos quais a AP não é utilizada, foi relatado apenas
por um deles, em que atribuiu a formação deficitária e técnica.
Os participantes entendem a AP como um processo contínuo “ela não morre ali no
primeiro atendimento ou nos cinco primeiros” afirmou P8, e fundamental ”Que tem norteado
toda a minha atuação” segundo o participante P5. Que visa “acolher o sujeito em sua
integralidade” como relatou a participante P3, “ identifica as demandas do sujeito” disse P9,
“além de permitir acessar aspectos subjetivos que o cliente não aborda por vergonha ou mesmo
porque ainda nãos os acessou” afirmou P6, que é de uso exclusivo da categoria, como relatou
P2 “que pertence só a nossa categoria” e não se restringe somente ao uso da testagem.
Quanto aos aspectos formativos em Avaliação Psicológica todos os participantes
afirmaram que na sua graduação houve, em algum momento, disciplinas voltadas à AP, com
uma média de duas disciplinas durante o curso e que na sua grande parte atendiam às exigências
das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação em Psicologia,
voltadas a AP, salvo o relato de P1 “Sim, haviam duas disciplinas que falaram sobre Avaliação
Psicológica e explicaram sobre alguns testes, porém por vários contratempos pessoais da
docente em questão, não abarcaram todo o conteúdo proposto pela ementa e não foram
suficientes para um conhecimento que ultrapasse a teoria e fosse para o campo prático”, e o
de P5 “Tinha sim ! Mas não com essa denominação. Fiz Psicodiagnóstico, Laudo e um tópico
especial tem técnicas projetivas no caso o TAT (Técnicas de Apercepção Temática). Por que o
curso não tinha uma matriz curricular fechada. O discente quem construía// sua matriz
curricular, ou seja, escolhia suas disciplinas”, devido que P5 terminou sua graduação há 18
anos.
Perguntas relacionadas entre os conceitos de Avaliação Psicológica e Testagem
Psicológica foram adicionadas com a finalidade de compreender a percepção dos profissionais.
Assim, com base nas respostas obtidas, pode-se observar três visões a respeito da diferença no
processo de avaliação psicológica quando há utilização de testes. Dos 10 psicólogos, três
possuem uma percepção mais positiva e consideram importante a utilização do teste conforme
relata P4 “Faz todo a diferença o cunho científico, é um instrumental fidedigno”, “A avaliação
psicológica sem o uso dos testes não é completa e embasada” deixa claro P1, bem como disse
P7” Considero importante”. Quatro participantes com uma visão mais neutra destacam que é
importante a utilização dos testes psicológicos, no entanto, afirma que “há prós e contras em
relação a esta decisão de uso ou não” P5, argumenta“ a AP sem uso de testes também é
satisfatória” P6, da mesma forma “o teste é um instrumento opcional, mas a utilização deles
ainda é fundamental em muitos casos” P2, “Nem sempre a utilização do teste é necessária”
destaca P10.
Os 3 restantes com uma visão mais negativa, ressaltam que os testes “Por serem de
natureza empírica, é comum que seja introduzido um processo de rotulação a partir dos seus
resultados. ” P3. Já P8 mesmo que tenha dito “usava mais os testes de personalidade e alguns
palograficos” disse “eu prefiro não usar tanto os testes”. Já P9 afirmou: “Considero que os
testes são descontextualizados e não identifica a real necessidade do sujeito, a avaliação
funcional é o instrumento mais poderoso por ser contextualizado, não utilizo testagem” e
completou dizendo “já fiz o uso de testagem por muito tempo (5 anos), porém não utilizo mais”.
Em relação a quais métodos, técnicas e instrumentos são utilizados nos atendimentos
dos psicólogos, depreende-se que a maioria faz uso de entrevista e anamnese, mas também se
identificou uma semelhança entre os psicólogos com a mesma abordagem listadas abaixo.
Gestalt/terapia: método fenomenológico/existencial, “utilizo principalmente a escuta,

1134
técnicas de respiração e relaxamento, experimentos gestálticos como cadeira vazia, ampliação
da consciência, fronteiras de contato, entre outros” relata P1, complementando disse P2 “uma
observação dessa relação terapeuta/cliente/social” da mesma forma P3 afirma “fiz uso de
testes psicológicos e, recorri também ao recurso lúdico” assim como P6 também relata que
“uso entrevistas, protocolos, escalas, testes”
Análise do Comportamento: Avaliação funcional “onde são identificados repertórios do sujeito
e comportamento inadequados assim como as causas” descreve P9, complementando “utilizo
muitas atividades que vou vendo que podem ser interessantes, que podem ser funcionais dentro
de um determinado contexto” P8, dentro desta mesma abordagem P7 relata que utiliza “testes
neuropsicológicos, testes de orientação profissional, projetivos ou psicométricos”.
Histórico Cultural: Utiliza “escuta, anamnese, entrevista, observação e o teste
psicológico HTP” relata P10.
Psicanálise: nesta abordagem P5 relata que faz uso de “Entrevista clínica, observação,
uso de testes e escalas como de depressão, ansiedade, estresse, suporte familiar e social,
significados atribuídos ao trabalho, a escala fatorial de neuroticismo (EFN), os testes de
inteligência, projetivos como HTP, TAT e CAT.
Terapia Cognitiva Comportamental-TCC: “Psicoeducação, anamnese, plano de
tratamento com técnicas da terapia cognitivo comportamental”.
Informações sobre as principais demandas utilizadas na Avaliação Psicológica podem
ser consultadas na Tabela 4.

Tabela 4
Público Atendido

Só Crianças 1 10,00%

Adolescentes e Adultos 4 40,00%


Público atendido
Adolescentes, Adultos e Idosos 2 20,00%

Crianças, Adolescentes e Adultos 3 30,00%

Fonte: Dados elaborados pelos autores deste trabalho

A maior parte dos psicólogos, um total de 40% atende público de adolescentes e adultos,
observa-se que a minoria trabalha somente com crianças o que representa 10%, das quais as
principais demandas observadas estão representadas em palavras chave:
Diagnóstico, citado por 6 psicólogos; Escola, citado por 4 psicólogos; Trabalho, citado
por 4 psicólogos; Psicologia do Trânsito, citado por 2 psicólogos e por fim Neuropsicologia,
hospitalar, jurídica, seleção de pessoas, citado por 1 psicólogo.

4 Considerações Finais
Este trabalho teve como principal objetivo identificar a proporção de profissionais que
atendem na rede particular de Tianguá e utilizam da AP em sua atuação profissional. Buscou-
se também investigar o grau de importância dada a AP, relatadas por eles, a fim de mostrar não
somente AP como uma área ou especialidade adscrito com o desígnio em si mesma. Pode-se

1135
observar com os dados levantados que mais de 80% dos profissionais avaliados, fazem uso da
AP, e aqueles que não a utilizam, revelam sua importância na prática profissional por ser de
uso privativo dos psicólogos. Pode-se visualizar também que 40% dos participantes possuem
apenas graduação, resultante do pouco tempo de formação, 40% tem especialização em áreas
diversas e apenas 20% possuem mestrado.
Estudos dessa natureza permitem conhecer e mapear como vem se construindo o
conhecimento e a prática, sobretudo da AP, foco do presente trabalho, numa determinada
região. Sabe-se que o número de profissionais que atuam em clínicas particulares é
relativamente pequeno e que alguns não fazem uso da AP, por não considerá-la contextualizada
para a localidade ou por simplesmente não ter uma formação capacitada que conceda condições
adequadas para a realização oportuna do processo. Foi perceptível que alguns profissionais
ainda carregam a visão estereotipada de que os testes psicológicos por trabalharem na
perspectiva empírica, podem propor rótulos. No entanto, os avanços promovidos na área são
inegáveis a ponto de afirmativas dessa natureza serem desaprovadas.
Este estudo contribui para um prisma sob a atuação clínica de profissionais na região de
Tianguá, com o intuito de revelar quais técnicas, métodos e instrumentos estão sendo mais
empregados além da diversidade das abordagens utilizadas no processo de AP, expressando a
flexibilidade e adaptação do processo.
As limitações envolvidas neste trabalho estão relacionadas a consulta de uma região e a
amostra de profissionais que atendem em consultórios particulares. Sugere-se para futuros
estudos a ampliação da localidade, bem como adote-se metodologias que consigam abarcar os
psicólogos atuantes da rede pública além de investigar outras categorias de análise para ampliar
princípios da avaliação psicológica.

Referências
Acevedo, C. R. & Nohara. J. J. (2007) Monografia no curso de administração: guia completo
de conteúdo e forma: incluem normas atualizadas da ABNT, TCC, TGI, trabalhos de
estagio, MBA, dissertações, teses. Atlas.
Brasil (1962). Lei nº 4.119 de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre os cursos de formação em
psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Brasília, DF.
Catani, A. M. et al. (2006) Prouni: democratização do acesso às instituições de Ensino
Superior? Educar, (28): 125-140.
Conselho Federal de Psicologia (2019). A Psicologia brasileira apresentada em números. 2019.
Página inicial. Brasília, DF.
Conselho Federal de Psicologia (2016) Projeto 2 – Levantamento de informações sobre a
inserção dos psicólogos no mercado de trabalho brasileiro. Brasília, DF.
Conselho Federal de Psicologia (2013). Cartilha de Avaliação Psicológica. Brasília, DF.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. Ed. Atlas, 2008.
Hutz, C. S., Bandeira, D. R., Trentini, C. & Krug, J. (2016). Psicodiagnóstico. Artmed.
Martins, G. D. A. & Theophilo, C. R. (2007) Metodologia da Investigação científica para
ciências socias aplicadas.Atlas.
Noronha, A. P. P (2002). Os problemas mais graves e mais frequentes no uso dos testes

1136
psicológicos. Psicologia: Reflexão e Crítica. 15 (1), 135-142.
Resolução Nº 018, de 5 de setembro de 2019. Reconhece a Avaliação Psicológica como
especialidade da Psicologia e altera a Resolução CFP nº 13, de 14 de setembro de 2007.
Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia.
Resolução Nº 012, de 20 de dezembro de 2000. Institui o Manual para Avaliação Psicológica
de candidatos à Carteira Nacional de Habilitação e condutores de veículos automotores.
Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia.
Santos, C. T. (2011) A chegada ao Ensino Superior: o caso dos bolsistas do Prouni da Puc-
Rio. Rio de Janeiro, dissertação de mestrado, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Tourinho, E. Z; Bastos, A. V. B. (2010) Desafios da pós-graduação em Psicologia no Brasil.
Psicol Reflexo. Crit., v. 23 (1) p. 35-46.
O BRINCAR PARA A CRIANÇA NA CONTEMPORANEIDADE

1137
Rafaela Vasconcelos Tahim,
Aurea Souza Aguiar Santos

1 Introdução
A infância, até o século XII, não era uma fase do desenvolvimento reconhecida pela
sociedade como na contemporaneidade, Ariès (1981) afirma que até esse momento não havia
um sentimento específico em relação à infância. Foi durante o século XIII que o sentimento em
relação à infância foi se desvelando. Em seu estudo iconográfico o autor supracitado descreve
que os primeiros sentimentos em relação à infância estavam relacionados às figuras angelicais,
retratadas como anjos que tinham o dever de ajudar na missa, como os “coroinhas” que auxiliam
os padres nas missas de hoje.
Durante o período medieval, não existia nenhum conceito sobre o desenvolvimento
infantil, nenhuma concepção acerca da aprendizagem sequencial e preparação escolar para o
mundo adulto. Para Ariès (1981), nos séculos XIV, XV e XVI, a criança era vista como um
adulto em miniatura, onde eram tratadas iguais aos adultos, pois brevemente se uniam aos mais
velhos. O importante era essas crianças amadurecerem para colaborarem no trabalho e
atividades dos adultos. Sua aprendizagem era voltada para a prática, e a forma de educação era
atribuída através dos trabalhos domésticos.
Nesse contexto, a presença da criança no meio dos adultos era frequente, não havia um
espaço destinado apenas ao público infantil, logo que ela deixava de necessitar dos cuidados de
sua mãe ou da ama, eram inseridas nas mesmas atividades que os adultos. Muitas delas
acabavam vivendo situações de abandono e negligência; enquanto outras eram consideradas
como uma folha em branco, que necessitava de todos os cuidados para seu crescimento, que
seria de responsabilidade dos adultos, ensinar cada uma a desenvolver seu caráter para o
desenvolvimento da razão (JÁCOME, 2018). Cortez (2011) acrescenta que após o desmame,
por volta dos seis anos, a criança passava a coabitar com os adultos, participando de suas rodas
de conversas, orgias e realizavam os mesmos afazeres que eles no trabalho.
Segundo Maciel, Baptista e Monteiro (2009), foi pelo final do século XVII e início do
século XVIII que a infância se constituiu como etapa do desenvolvimento humano que,
inclusive, era papel da família instrui-la, torná-la moralizada. Ariès (1981) constatou em seus
estudos algumas atitudes morais tradicionais que se relacionavam às brincadeiras, com os jogos
e divertimentos, os quais ocupavam um lugar importante na sociedade antiga. Os jogos eram
aceitos pela maioria sem discriminação. Contudo, para os moralistas da época, eles condenavam
os jogos e o descreviam como imorais. Coexistiram por muito tempo, a indiferença moral e a
intolerância de uma elite educadora, pois para uns as crianças despertavam sentimentos de
gracejos, enquanto para os moralistas, elas despertavam exasperação pelas suas ações, cada
grupo julgando os jogos e brincadeiras conforme seus critérios.
Assim sendo, surgiram novas atitudes quanto aos jogos, buscando avaliar quais seriam
adequados a educação e quais deveriam ser proibidos. Mefano (2005) afirma que com as
discussões realizadas pelos estudiosos, os jogos e brinquedos se tornaram uma característica do
mundo infantil, deixando de ser apenas um simbolismo religioso. Assim, as transformações
políticas, históricas e sociais contribuíram para que a infância se tornasse alvo dos debates das

1138
diversas áreas das ciências.
Brincar é uma característica do público infantil e tem sua relevância ao passo que
contribui para o desenvolvimento da criança tanto em aspectos cognitivos e emocionais, quanto
no desenvolvimento físico e motor. É na brincadeira, também, que a criança tem chance de
experiências socializadas com seus pares (ROLIM; GUERRA; TASSIGNY, 2008). De acordo
com Siaulys (2006), a brincadeira é parte da vida da criança, pois irá se movimentar, obter sua
independência, além de aperfeiçoar seus sentidos e habilidades. Santos (1999), afirma que a
brincadeira acontece pois há o prazer, além de expelir sentimentos de angústia, a sua ausência
pode ocorrer por não estar saudável.
Ser criança é estar em constante descoberta, devido ao contato com o meio em que está
inserida, alçando também o domínio sobre o mundo com o decorrer do tempo. O ser humano
nasceu para adquirir conhecimentos, encontrar e garantir a sobrevivência e interação social,
formado de identidade, desejos e opiniões que vão surgindo no processo de desenvolvimento.
Hoje, a criança é vista como um ser que questiona que escolhe e exige seu espaço na sociedade
(TEIXEIRA e VOLPINI, 2014).
Atentar-se à fase da infância, bem como a brincadeira, se deve ter um olhar crítico para
as experiências vividas, pois cada vez mais as crianças têm se tornado alvo da mídia e da
publicidade marketing. Souza e Salgado (2008) chamam atenção para as formas e a velocidade
como as informações se propagam no meio, que vai além de relações entre pessoas, e faz surgir
uma cultura lúdica diferenciada.
Segundo Paiva e Costa (2015), as crianças estão invertendo as amizades reais, pelas
virtuais e optam por se divertirem através de jogos eletrônicos do que correr, jogar bola ou
outras brincadeiras tradicionais. Inclusive, é possível observar que hoje um certo número de
crianças, tem “brincado” de assistir outras crianças brincando em seus canais de youtubers
mirins.
Mefano (2005) relata que a mídia tem ocupado um espaço significativo na socialização
das crianças, concorrendo com a família e com a escola. As propagandas televisivas (e que
agora estão no youtube – grifo nosso) se baseiam em símbolos voltados para as atividades
lúdicas infantis, para objetos que agucem nas crianças o desejo de possuí-los; o público infantil
é pivô em audiência dos desenhos animados, e hoje esse público tem se voltado para ser
seguidor dos youtubers, ou mesmo tem se tornado um. As crianças, na contemporaneidade,
acessam suas atividades escolares e se divertem sem sair de suas casas, através de computadores
ou tablets, elas cumprem suas tarefas escolares e constroem amizades, sem a necessidade de
estabelecer um contato físico com outra criança, esse fenômeno, portanto, têm gerado grande
interesse dos estudiosos da infância e têm gerado críticas (PAIVA e COSTA, 2015).
Nesse interim, o conteúdo tratado neste artigo, surgiu da curiosidade de compreender
os modos de brincar da criança na contemporaneidade, como ela se percebe e encontra seu
espaço no mundo. Tendo em vista que o modo de brincar tem se transformado ao longo dos
anos e que, na contemporaneidade, se encontram em um movimento acelerado e repleto de
tecnologias.
Brincadeiras de amarelinha, pega-pega, pique-esconde, de acordo com Paiva e Costa
(2015), são ocupações recreativas que estão cada vez mais escassas, assim como bola, bonecas,
bicicleta não são os brinquedos favoritos da das crianças na contemporaneidade. A sociedade
moderna e o modo como esta tem utilizado a tecnologia como meio de lazer, conhecimento e
trabalho; faz com que os computadores, celulares e outros dispositivos eletrônicos, estejam
presentes cada vez mais nas relações. E, quando se trata do público infantil, esse evento afeta

1139
diretamente a maturação da criança, no contexto afetivo, cognitivo e social, além do
sedentarismo ligado à automação causado pela tecnologia.
Diante desta temática, o presente trabalho, por meio de uma revisão sistemática da
literatura, tem como ponto de partida a seguinte problemática: o que os estudos dos últimos 05
anos revelam sobre o brincar e a infância na contemporaneidade? Para então, compreender o
brincar para a criança na contemporaneidade.

2 Método
O presente artigo trata-se de uma revisão sistemática, que se dá por meio de um
levantamento da literatura sobre um tema previamente escolhido. Segundo Fontelles et al.
(2009), nesse tipo de estudo o pesquisador fará uma busca do que já foi publicado, quem
escreveu, quais perspectivas foram abordadas sobre a temática proposta, para em seguida
sistematizar os resultados em uma nova publicação científica. Este estudo tem caráter descritivo
e exploratório, pois visa descrever as implicações do brincar para a criança na
contemporaneidade.
Para o levantamento dos dados foram pesquisados artigos nas plataformas científicas:
Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC), Scientific Electronic Library Online (SciELO)
e Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Utilizou-se o
operador booleano AND e os seguintes descritores para busca: “brincar AND
contemporaneidade” e “criança AND contemporaneidade”.
Como critérios de inclusão foram selecionados apenas artigos publicados no intervalo
temporal de 05 anos (2015 a 2019); apenas estudos em língua portuguesa (Brasil); e artigos que
abordassem o brincar na infância contemporânea. Os critérios de exclusão foram: trabalhos em
outros formatos científicos (teses, dissertações, monografias, ensaios, resenhas, etc.); língua
estrangeira; artigos fora do intervalo temporal de 05 anos e artigos que não abordassem o
brincar na infância contemporânea.

3 Resultados
O fluxograma (figura 1) apresenta os procedimentos adotados no levantamento dos
dados.
1140
Figura 1: Fluxograma do levantamento dos dados

Foi realizado a busca nas plataformas científicas, através dos descritores “brincar and
contemporaneidade” e “criança and contemporaneidade”, sendo 119 artigos encontrados no
total, distribuídos entre Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC) com 19 artigos,
Scientific Electronic Library Online (SciELO) com 26 artigos e Literatura Latino-americana e
do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) com 74 artigos.
Diante a primeira análise, foram excluídos 77 artigos, sendo 44 destes pertencentes à
plataforma LILACS, 20 à plataforma SciELO e 13 à plataforma PePSIC, por estarem fora do
intervalo temporal e em outro idioma, que não o português (Brasil), resultando em 42 artigos.
Foi realizado um segundo rastreio, no qual foram eliminados 15 artigos pela duplicidade, destes,
foram eliminados 3 artigos da plataforma LILACS, 6 artigos na SciELO e 6 também
encontrados no PePSIC, sucedendo em 27 produções científicas para leitura do título e resumo,
todas referentes a plataforma LILACS.
Após a leitura, 20 artigos não se relacionavam diretamente à temática do brincar na
contemporaneidade, assim 7 artigos foram selecionados para análise completa e após a leitura
do artigo completo, 2 foram eliminados por citar a infância contemporânea relacionando-a a
questões da alienação parental e outro que discutia sobre o processo de complexo de Édipo,
resultando em 5 artigos para análise final.
A Tabela 1 expõe os artigos selecionados após rastreio diante os critérios de
inclusão/exclusão, apresentando título, autor, ano, área de estudo e seus resultados.

Nº TÍTULO AUTOR ÁREA DE RESULTADOS


ESTUDO
/ANO
1 “Ele foi orçado, mas não Vectore et al (2018); Psicologia O artigo reflete o modo
planejado!": a infância na como a criança tem sido
contemporaneidade tratada na
contemporaneidade.
Relaciona a escassez de

1141
tempo livre para as
brincadeiras, o consumo
e a mídia que
influenciam na
adultização,
sedentarismo e na
patologização da
infância.
2 O que se passa na infância Vilhena et al Psicologia Considera as relações de
não fica na infância: sobre (2017); alteridade e reconhece
o respeito pelo outro nas de forma subjetiva os
relações sociais sentimentos que surgem
em uma sociedade.
Aponta que o respeito é
importante na relação
sociais, que confiar no
afeto do outro, contribui
para que a criança se
sinta no direito de
expressar suas opiniões
e afetos.
3 Modos de subjetivação e a Barros e Abrão Psicologia Os autores apontam o
fragmentação do saber (2017); deslocamento do lugar
sobre a criança que a criança ocupa no
mundo contemporâneo,
discutindo o mal-estar
de um período em que
ela ocupa o lugar de
objeto, por meio de um
discurso tecnocientífico
que elabora uma
mercantilização de
subjetividades e
influencia os pais nesse
contexto, dificultando a
relação dos pais com as
crianças.
4 Reflexões acerca do Bernardi (2016); Psicologia Explora a relação da
brincar e seu lugar no criança e do brincar na
infantil contemporaneidade e as
influências da
tecnologia nesse
universo que provoca
muitas mudanças nos
tipos de brincadeiras e
de novas relações.
5 Infância e sofrimento Rosa, Veras e Psicologia O artigo destaca a

1142
psíquico: medicalização, Vilhena (2015); tentativa de redução do
mercantilização e sofrimento da criança,
judicialização relacionando-o com
mercantilização das
crianças, seja como
consumidoras ou como
produtos; aponta a
medicalização, como
respostas individuais e
médicas a questões
sociais, e a
judicialização, se
referindo ao processo de
institucionalização da
criança. Trata também
das experiências infantis
não vividas e
acomodadas às normas
estabelecidas.
Tabela 1: Resultados dos artigos incluídos

4 Discussão
4.1 A criança e a família na contemporaneidade

No passado, de acordo com Barros e Abrão (2017), as crianças eram educadas de


forma rigorosa, baseado em crenças e penalidades. Viviam separadas dos adultos e
aparentavam ter medo de seus pais, em que qualquer atitude ou olhar, era suficiente para
repreendê-las, sem a oportunidade de voz ativa dentro de casa.
Rosa, Veras e Vilhena (2015) apontam que hoje os pais projetam nas crianças, a
felicidade que talvez eles não tenham tido. Eles esperam que os filhos sejam imensamente
felizes, afinal, a infância frente aos estereótipos, é vista como um paraíso. Por menor que seja
o sinal de infelicidade manifestado por eles, os adultos recorrem ao metilfenidato e
antidepressivos como forma de reestabelecimento do que é visto como “normal” na infância,
compensando também a educação que deveria ser ofertada pelos pais e cuidadores.
Bernadi (2016), em sua pesquisa, fala que atualmente, a criança é dominada pelas
esferas culturais e desde muito cedo, tem que exercer um papel, seja de telespectadora,
consumidora ou colecionadora. Isso se relaciona bem com a colocação de Rosa, Veras e Vilhena
(2015), que apontam a mercantilização da infância, com duas ideias principais: a criança alvo
dos produtos do mercado e a criança produto do mercado. Dessa forma, os autores ressaltam
que o cotidiano impõe regras e vestimentas que influenciam no desaparecimento do eu através
da anulação dos valores individuais e culturais. Que espaço então a criança tem ocupado e em
que momento ela pode se expressar como criança? É importante observarmos a forma como o
consumismo tem invadido o universo infantil, ao ponto de distanciar os vínculos afetivos.
Os sintomas que definem a criança como sujeito (tristeza, hiperatividade,

1143
agressividade), são desconsiderados e cobertos por rótulos e medicamentos e passam a ser vistas
como sintoma da organização social e psíquica dos pais e das instituições que elas deveriam
ocupar. É importante considerar a mudança histórica que atravessa a ordem familiar, em que
nas figuras parentais há uma desordem entre a singularidade existencial e o cuidado com os
filhos (ROSA, VERAS E VILHENA, 2015).
Essa desordem, afeta também na maneira de interpretar a educação pelos próprios
educadores, que passaram a crer que toda repressão gera trauma e prejuízos às crianças e que a
liberdade, seja a solução para o sucesso na educação e manter crianças saudáveis. Diante disso,
segundo Barros e Abrão (2017), os pais têm receio de frustrar e determinar limites aos filhos,
pois se afligem diante do ato de repreender, que os filhos se revoltem contra eles, preferindo
construir uma relação amigável, com educação embasada no afeto e amor, do que se colocarem
como autoridade.
Outro fator que mantêm esse receio dos educadores, conforme Barros e Abrão (2017)
é a grande valorização da infância, com a crença de que uma infância bem cuidada, garante à
sociedade um futuro de adultos bem-sucedidos. Há então um deslocamento de posição que a
criança ocupa na sociedade contemporânea, ela se tornou “objeto” para investimentos, pois o
futuro precisa que o seu desenvolvimento seja saudável. Havendo, assim, exigências para
desenvolver habilidades, competências, autonomia e independência, com o intuito de promover
um adulto de sucesso.
A preocupação e a necessidade de intensificar as qualificações dos filhos, se construiu
através da sociedade altamente competitivas e preparadas (Vectore et al, 2018). Podemos
perceber este fato trazido pelos autores, a quantidade de atividades que as crianças estão sendo
inseridas, seja na natação, no inglês, na dança, na informática, no ballet, na escolinha de futsal...
Os pais alegam que estas atividades são importantes para o desenvolvimento dos filhos,
portanto o exagero delas diminuem o tempo da criança ter o direito de ser criança (brincar livre,
por exemplo), por ser tão atarefadas com atividades que lhes são propostas a fazer e cumprir.
Esta afirmação contribui no processo de formação e aceitação de si da criança. É
necessário o respeito da criança para com os pais, assim como os pais para com os filhos,
favorecendo o vínculo familiar, bem como sua construção como pessoa. Barros e Abrão (2017)
descrevem que tem sido imposto às crianças um ideal de perfeição no qual a sociedade espera
que não falhe em nenhum momento. Ou seja, enquadra a criança como um ideal de perfeição,
e é visível o quanto as crianças vão desaparecendo num discurso social revestido de felicidade
e sucesso na infância.
Contudo, essa busca pelo ideal atravessa as vontades dos pais que atribuem às crianças
a busca pela perfeição, gerando anseios nelas e aprisionando-as às expectativas de não falharem
e não ferirem a projeção de seus pais. Assim, é perceptível o quanto a família contemporânea é
afetada pelo discurso científico, em que muitas vezes buscam soluções nos profissionais com o
objetivo de potencializar a eficiência das crianças, e também para aprenderem a educar os filhos
e compreender cada fase do desenvolvimento infantil, em prol de uma “boa educação”.

4.2 O brincar e seu espaço na contemporaneidade


A ludicidade estimula a criança em vários aspectos, sendo favorecida a sua
criatividade, autonomia e conhecimento de si e do mundo. No brincar, a criança é solicitada a
esperar sua vez, a dividir, a vivenciar regras e a ceder, aprendendo assim a lidar com o seu
tempo e o tempo do outro. Bernardi (2016) faz uma observação sobre o espaço que é ofertado
às crianças para brincar, pois observa-se nos contextos que elas estão inseridas a redução de

1144
momentos designados às brincadeiras, como exemplo, nas escolas. E que para manter o
currículo escolar atualizado, “a hora do brincar” é a primeira a ser eliminada do dia da criança.
A formação da socialização, conhecimento e aprendizado começam através do brincar,
portanto na atualidade foi notado que as brincadeiras não têm sido exploradas no meio em que
a criança se encontra. Bernardi (2016) discute que a ludicidade no contexto infantil tem se
apresentado apenas como entretenimento e não como um recurso favorecedor do
desenvolvimento infantil. Além do ambiente escolar, a autora aponta que o público infantil se
encontra tão preso aos aparelhos eletrônicos, que parecem que eles substituíram os brinquedos,
sendo o computador, a televisão e o videogame, os brinquedos de hoje.
Um dos responsáveis por este cenário é o marketing que por meio de suas propagandas
anuncia sempre novidades para atrair as necessidades das crianças, como diversos modelos de
objetos tecnológicos que anulam os brinquedos tradicionais, como bola, boneca e pião. E os
brinquedos oferecidos às crianças na contemporaneidade são praticamente descartáveis e pouco
interessantes, o que incita sua substituição por brinquedos modernizados que englobam
tecnologia (BERNARDI, 2016).
É visível que o espaço para a criança brincar tem sido reduzido. A tecnologia invade a
rotina da criança e, devidos a tantos recursos modernos disponíveis, as brincadeiras tradicionais
estão desaparecidas. Como estagiária de Psicologia na clínica, percebo ao longo dos
atendimentos infantis a forma como as crianças usufruem do tempo no setting terapêutico para
brincar: um momento marcado pela dificuldade de escolher um brinquedo específico; tentativa
de controlar o tempo e suas angústias como fazem com os equipamentos eletrônicos. Ao mesmo
tempo em que é visível, na recepção da clínica, os responsáveis disponibilizando os “celulares”
para as crianças para que fiquem comportadas enquanto esperam sua vez. Esse é um fenômeno
possível de ser visualizado no nosso contexto, assim como aponta a literatura.
Devido sua importância para o desenvolvimento salutar da criança, o brincar é visto
também como uma atividade terapêutica, que permite a criança expor situações traumáticas. De
acordo com Bernardi (2016), a criança fala ou sinaliza conteúdos que a perturbam e não envolve
somente a situação presente, ela se posiciona com relação ao seu passado e ao futuro. Nesse
ensejo, é válido sinalizar a importância do atendimento infantil como oportunidade para a
criança brincar e expressar seus sentimentos, pois muitas vezes, estão sem tempo livre para si
diante tantos papéis que tem que ocupar. Vectore et al (2018) discutem que as áreas sociais e
políticas, pais, educadores, psicólogos e outros, precisam reconhecer as necessidades das
crianças, ouvi-las e dá a elas a possibilidade de terem seus direitos respeitados, pois a infância
é uma fase essencial para o desenvolvimento de todo ser, inclusive preservando seu tempo de
brincar, que é essencial para seu desenvolvimento.
Para Bernardi (2016) através da brincadeira a criança experimenta liderança,
espontaneidade, seu próprio mundo, sendo capaz de criar soluções para seus conflitos. O brincar
proporciona também interação social com outras crianças, e dá à criança que brinca
oportunidade de conhecer seus limites, elaborar sentimentos e emoções.
Segundo Vectore (2018), há uma troca de relações, em que as crianças se apegam ao
uso tecnológico de aparelhos eletrônicos e se desapegam da afetividade humana, se
distanciando do contato com o mundo real, tendo também como consequência o sedentarismo.
Elencando a ideia de Bernardi (2016), o brincar está marcado pela “era” tecnológica. As
crianças se mantêm mais tempo focada na TV, em games ou navegando na internet, perdendo
o contato com as brincadeiras tradicionais. Os programas televisivos expandiram a sua atenção
para o cotidiano das pessoas e principalmente das crianças, havendo programas exclusivos para

1145
atrair o público infantil.
Assim, é válido discutir o quanto as crianças estão construindo relações sociais mais
distantes e dispersas, evitando brincadeiras coletivas e permanecendo mais tempo no celular ou
televisão, inclusive, assistindo outras crianças brincarem.
Os brinquedos atuais provocam nas crianças um ritmo acelerado e programado com
regras preestabelecidas, sem espaço para pensar e sem tempo para exercitar o conhecimento
(BERNARDI, 2016). Numa visão do que é ser criança na contemporaneidade, o enfoque vai
desde o tempo livre que ela tem para brincar, até a necessidade futura. O tempo presente é
desconsiderado, elas passam a ser preparadas para o futuro, para uma longa etapa, porém
vivenciando o presente implicado pela mídia, pelo consumo e até mesmo pelas doenças que há
um tempo eram consideradas “doenças de adultos” (obesidade, diabetes, hipertensão)
(VECTORE et al, 2018).

5 Considerações finais
O ato de brincar é apresentado pelos autores como parte do desenvolvimento infantil,
como um dos recursos com benefícios para a criança. Hoje pode ser observada uma
transformação neste cenário lúdico, cujas brincadeiras, antes socializada no contato com o
outro, se tornam brincadeiras individualizadas, ou por contatos virtuais apontando para novos
modos de relacionamentos entre os pares. No que tange aos movimentos corporais, as
brincadeiras na rua, de correr, que estimulavam coordenação motora global, com elevado gasto
energético, passam a brincadeiras passivas diante das telas, culminando, também, em crianças
sedentárias e no aumento da obesidade infantil e outras enfermidades que há um tempo só se
via em adultos.
Na contemporaneidade as brincadeiras das crianças são atravessadas pelo universo
midiático e consumidas através das normas propostas pelo mercado. Os estudos apontam que
num processo histórico e cultural os brinquedos e brincadeiras se inseriram no desenvolvimento
infantil como recurso auxiliar na moralização da criança, para facilitar sua aprendizagem,
relações sociais, contudo, diante do cenário atual é preciso discutir de que forma essas novas
brincadeiras tecnológicas e midiáticas contribuem ou possam ser complicadores ao
desenvolvimento da criança.
Pois como foi sinalizado nos estudos encontrados, a expectativa dos pais sobre os
filhos e filhas para que deem certo, tenham sucesso em seus empreendimentos, também
diminuem o tempo do livre brincar e colocam as crianças em rotinas de verdadeiros executivos.
Essas circunstâncias somadas às novas formas de brincar numa sociedade que busca explicação
para todos os comportamentos humanos acabam por disseminar uma cultura de medicalização
da infância caso o projeto de criança feliz, quieta e de bom rendimento acadêmico não seja
alcançado.
Diante do exposto verifica-se com esse estudo que diante de um tema que atravessa a
Medicina, a Pedagogia, a Psicologia e a Sociologia, ainda são poucas as publicações nesta área,
seguindo os critérios de inclusão e exclusão que utilizamos. E que os artigos que encontramos
são da Psicologia, mais especificamente, discutidos por psicanalistas.
Assim, pretende-se que este estudo, possa instigar novas investigações acerca desta
temática que além de interdisciplinar, também é do interesse da família e visa contribuir para
um olhar crítico para as formas de brincar da criança na contemporaneidade.
1146
6 Referências bibliográficas

ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1986.
BERNARDI, Denise. Reflexões acerca do brincar e seu lugar no infantil. Rev. Bras.
Psicoter. (Online), v. 18, n. 1, p. 82-92, 2016.
CORTEZ, Clarice Zamonaro. As representações da infância na idade média. Anais da X
Jornada de Estudos Antigos e Medievais, p. 1-10, 2011.
DE BARROS, Juliana Fernanda; ABRAÃO, Jorge Luís Ferreira. Modos de subjetivação e a
fragmentação do saber sobre a criança. Interação em Psicologia, v. 21, n. 2, 2017.
DE VILHENA, Junia et al. O que se passa na infância não fica na infância. Sobre o respeito
pelo outro nas relações sociais. Estilos da Clínica, v. 22, n. 2, p 339-353, 2017.
FONTELLES, Mauro José et al. Metodologia da pesquisa científica: diretrizes para a
elaboração de um protocolo de pesquisa. Revista Paraense de Medicina, v. 23, n. 3, p.
1-8, 2009.
JÁCOME, Paloma da Silva. Criança e infância: uma construção histórica. 2018. Trabalho
de Conclusão de Curso. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
MACIEL, Francisca Izabel Pereira; BAPTISTA, Mônica Correia; MONTEIRO, Sara Mourão.
A criança de 6 anos, a linguagem escrita e o ensino fundamental de nove anos:
orientações para o trabalho com a linguagem escrita em turmas de crianças de seis anos
de idade. Belo Horizonte: UFMG/FaE/CEALE, p. 95-109, 2009.
MEFANO, Ligia. O design dos brinquedos no Brasil: Uma arqueologia do projeto e suas
origens. 2005. 231 f. 2005. Tese de Doutorado. Dissertação de Mestrado. Programa de
Pós-Graduação em Design, Departamento de Artes & Design, PUC, Rio de Janeiro.
PAIVA, N. M.; COSTA, J. S. A influência da tecnologia na infância: desenvolvimento ou
ameaça. Psicol PT [Internet]. 2015 [cited 2016 Dec 29].
ROLIM, A. A. M; GUERRA, S. S. F; TASSIGNY, Mônica Mota. Uma leitura de Vygotsky
sobre o brincar na aprendizagem e no desenvolvimento infantil. Revista
Humanidades, v. 23, n. 2, p. 176-180, 2008.
ROSA, Carlos Mendes; VERAS, Lana; VILHENAS, Junia. Infância e sofrimento psíquico:
medicalização, mercantilização e judicialização. Estilos da Clínica. Revista sobre a
infância com problemas, v. 20, n. 2, p. 226-245, 2015.
SANTOS, Santa Marli Pires dos. Brinquedo e infância: um guia para pais e educadores. Rio
de Janeiro: Vozes, 1999.
SIAULYS, M. O. C. Brincar para todos. Brasília: MEC/SEESP, 2006.
SOUZA, Solange Jobim e; SALGADO, Raquel Gonçalves. A criança na idade mídia:
reflexões sobre cultura lúdica, capitalismo e educação. In: SARMENTO, Manuel;
DE GOUVEA, Maria Cristina Soares. Estudos da Infância: Educação e Práticas Sociais.
Petrópolis, Rio Janeiro: Vozes. 2008.
TEIXEIRA, Hélita Carla; VOLPINI, Maria Néli. A importância do brincar no contexto da

1147
Educação Infantil: creche e pré-escola, 2014. Acesso em 23 , v. 10, 2018.
VECTORE, Celia et al. "Ele foi orçado, mas não planejado!": a infância na
contemporaneidade. CES Psicología, v. 11, n. 2, p. 37-52, 2018.
TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E A RESISTÊNCIA FRENTE AO

1148
PROCESSO TERAPÊUTICO: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

Samara Eduarda Martins


Bruna de Jesus Lopes
Thaysa Maria Dantas Gonçalo
Alessandro Teixeira Rezende
Ramon Dutra Diniz

1 Introdução
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), originalmente denominada de “Terapia
Cognitiva”, é um modelo de psicoterapia desenvolvido na década de 1960 por Aaron Beck na
Universidade da Pensilvânia (Beck, 2013), inicialmente empregado no tratamento da depressão,
cuja ideia principal é o papel do processamento desadaptativo de informações, referentes a um
estilo de pensamento negativo sobre si mesmo, o mundo e o futuro, presentes na maioria dos
transtornos psicológicos (Wright et al., 2018).
Este modelo de psicoterapia tem sido adaptado e ampliado ao longo dos anos, sendo
atualmente um tratamento com eficácia estabelecida, seja como uso principal ou em conjunto
com outros tipos de terapia, em transtornos como depressão, ansiedade, compulsão alimentar,
uso de substâncias, dentre outros (Cordioli & Grevet, 2018). Ao demonstrar as interrelações
entre o pensamento, a emoção e o comportamento, bem como a forma em que eles atuam
reciprocamente, Knapp (2004) afirma que “a mudança em qualquer um desses componentes
pode iniciar modificações nos demais” (p. 21).
Por ser uma abordagem embasada cientificamente, é possível constatar estudos clínicos
controlados que validam sua eficácia. Nessa direção, a Terapia Cognitivo Comportamental é
constituída de alguns princípios fundamentais. Alguns destes princípios são: (1) ênfase na
colaboração e participação ativa do paciente; (2) desenvolvimento de uma aliança terapêutica
sólida; (3) estruturação das sessões e (4) o uso de uma variedade de técnicas (Beck, 2013).
Entretanto, nem sempre o paciente consegue adequar-se a estes princípios, o que leva à
resistência no tratamento.
Resistência é um termo que possui diversos significados diferentes a depender de onde
o mesmo é aplicado, sendo que na Psicologia, este termo foi amplamente utilizado em toda a
obra de Freud no desenvolvimento da Psicanálise, para se referir a tudo que se manifesta contra
a mudança e que funciona como um obstáculo no tratamento (Ventura, 2009), e é encontrada
em praticamente todas as abordagens terapêuticas. Especificamente no âmbito da TCC, alguns
problemas que podem surgir que indicam resistência são a falta de envolvimento e de progresso
na terapia, o não entendimento ou incapacidade de utilizar das técnicas e também o forte apego
pelas cognições distorcidas, que dificultam na reestruturação para cognições mais adaptativas
que levariam à consequente melhora (Beck, 2007).
Diante do que foi exposto, o objetivo do presente trabalho é analisar como ocorre a
resistência do paciente que está em tratamento na Terapia Cognitivo-Comportamental e quais
são os métodos que o terapeuta nesta abordagem pode utilizar para trabalhar essa resistência,
sendo para isso adotado o método de revisão sistemática, a partir de artigos científicos

1149
publicados nos últimos anos.

2 Fundamentação Teórica
2.1 Comportamentalismo versus Cognitivismo
A corrente comportamentalista, na Psicologia, surgiu com o advento do Behaviorismo
proposto por John Watson em 1913, o qual afirmava que o comportamento decorria dos
estímulos ambientais e apenas o comportamento observável de forma direta se configura como
um objeto possível de ser estudado pelo método científico, o que não era possível com os
fenômenos internos aos indivíduos (Furtado, 2018). Por sua vez, o movimento cognitivo surge
como uma crítica à simplificação trazida pelo behaviorismo, tratando-se de uma perspectiva
que engloba também os processos que acontecem dentro da mente humana, como o raciocínio,
a tomada de decisão, o planejamento e a comunicação, trazendo a importância do pensamento
sobre o comportamento humano (Coelho & Dutra, 2018).
Em seu desenvolvimento histórico, a Terapia Cognitivo-Comportamental, conforme
explanam Barbosa, Terroso e Argimon (2013), pode ser dividida em três grandes ondas. A
primeira onda foi predominantemente comportamentalista, baseada nos modelos de
condicionamento reflexo, desenvolvido por Ivan Pavlov, modelo este que por sua vez serviu de
inspiração a Watson no desenvolvimento do Behaviorismo Metodológico (Paradigma Estímulo
– Resposta, ou S–R); e do Behaviorismo Radical, proposto por Burrhus Frederic Skinner, com
foco no comportamento e condicionamento operante (Paradigma Estímulo – Comportamento –
Consequência, ou Sd–R–Sr).
Com o advento da Psicologia Cognitiva, surge a segunda onda da Terapia Cognitivo
Comportamental, focada na importância do estudo dos processos cognitivos, sendo esta um
ponto de partida do desenvolvimento da Terapia Cognitiva de Aaron Beck, bem como de outros
modelos psicoterápicos, como a Terapia Racional Emotiva de Albert Ellis e a Terapia Centrada
nos Esquemas de Jeffrey Young, além de inúmeras publicações na área. Já a terceira onda, mais
atual, traz uma diversidade de modelos de intervenção pós-modernos e pós estruturalistas na
visão do sujeito, que é visto como em constante movimento e transformação a nível
experiencial, contextual e social. São exemplos destes modelos de psicoterapias: a Terapia
Cognitiva Baseada em Mindfulness, a Terapia Comportamental Dialética (BDT), a Psicoterapia
Analítica Funcional (FAP) e a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) (Barbosa, Terroso
& Argimon, 2013).

2.2. O Modelo Cognitivo de Aaron Beck


Aaron Beck desenvolveu o modelo cognitivo com base nas suas pesquisas e observações
clínicas em pacientes depressivos, originalmente com o intuito de provar o modelo psicanalítico
da depressão. Porém, o que foi observado nesses pacientes foi a presença de um padrão de
sentimentos negativos, como fracasso e perda, ao invés da hostilidade e raiva preconizadas pela
teoria freudiana. Os resultados de suas pesquisas, juntamente com as contribuições de escolas
filosóficas como o estoicismo, o qual afirmava que não são os fatos por si só que perturbam os
seres humanos, e sim os significados atribuídos a eles; assim como de várias outras abordagens
psicológicas, a exemplo da fenomenológica-humanista e da psicologia cognitiva, possibilitaram
a construção da estrutura teórica do que viria a ser chamada Terapia Cognitiva (Knapp & Beck,
2008).
A explicação para os transtornos psicológicos, à luz do modelo cognitivo, foca no papel

1150
dos “erros no processamento de informação como fatores de vulnerabilidade cognitiva, os
quais, associados a fatores genéticos, neurobiológicos e ambientais, interagem no
desenvolvimento e manutenção dos sintomas” (Cordioli & Knapp, 2008, p. 51). Esse
processamento cognitivo ocorre nos níveis de pensamentos automáticos, que são aqueles que
surgem espontaneamente após um evento sem necessidade de invocá-los, levam a uma resposta
emocional e posteriormente a um comportamento e são de difícil identificação; e das crenças
centrais ou esquemas, ideias mais rígidas e mais enraizadas, desenvolvidas sobre si mesmo, o
mundo e o futuro, de onde derivam os pensamentos automáticos (Hofmann, 2014). A presença
de pensamentos automáticos distorcidos e de crenças centrais desestruturadas acarreta em uma
avaliação desadaptativa das situações.
Dessa forma, o terapeuta cognitivo e o paciente se engajam num processo de testagem
dos seus pensamentos e crenças de forma científica e racional, principalmente avaliando a
validade destes e utilizando de uma série de técnicas que visam o exame das evidências que
levam a determinadas conclusões, a fim de gerar novas conclusões mais adaptativas e colocá-
las em prática na forma de experimentos comportamentais, com o intuito de aproximar suas
cognições da realidade. É também essencial nesse tratamento o trabalho com as emoções, as
motivações e as respostas racionais (Leahy, 2007).

2.3 Quando o Paciente não Adere ao Tratamento


A relação terapêutica é um componente de suma importância no tratamento
psicoterápico independentemente da abordagem utilizada e é uma das variáveis que mais está
relacionada à adesão e ao sucesso no tratamento, sendo que seu conceito e importância de
estudo ocorreram inicialmente na Psicanálise, através dos estudos sobre o que Freud nomeou
de transferência (Oliveira & Benetti, 2015). Dessa forma, uma ruptura na relação terapêutica é
um dos vários fatores que podem ocasionar problemas durante o processo, como a resistência.
Muitas vezes, durante o processo psicoterápico, é comum que os pacientes apresentem
o comportamento de dificuldade ou até mesmo ausência de adesão ao tratamento. “A punição
pela apresentação ou pela revelação de comportamentos-queixa ao terapeuta, a perda de
controle sobre o seu ambiente e sobre si mesma, bem como a perda de reforçadores gerados por
sua conduta inadequada” (Conte & Brandão, 2008, p. 20) são alguns exemplos de contingências
que levam os pacientes ao comportamento de resistência, que na maioria dos casos, resultam
no abandono do tratamento.
Pureza, Oliveira e Andretta (2013) trazem uma série de estudos que demonstram
algumas variáveis ligadas ao abandono terapêutico, variáveis estas que podem ser tanto do
paciente, quanto do terapeuta, da técnica e do setting de trabalho, tais como a raça, o nível
educacional e socioeconômico, a renda, o estado civil, a idade, a ocupação, a presença de um
diagnóstico ou comorbidade psiquiátrica, a ausência de um tratamento combinado, o alto
número de faltas, dentre outros.
Falcone (2011), baseado na perspectiva de que os padrões de comportamento
disfuncionais são baseados nos esquemas/crenças centrais desadaptativos(as) dos pacientes,
descreve uma sequência de passos sobre como lidar com essa resistência, começando pela
avaliação de experiências do passado que influenciaram a construção de esquemas negativos,
seguido pelo reconhecimento da resistência como manifestação coerente aos esquemas,
discussão de como esses esquemas interferem nas relações interpessoal e terapêutica, a
expressão dos sentimentos do terapeuta frente ao comportamento do cliente e, por último, o

1151
agir de forma a não complementar seus esquemas.

3 Método
Foi adotado o método de revisão sistemática, portanto trata-se de um estudo qualitativo,
descritivo e interpretativo. A revisão sistemática “trata-se de um tipo de investigação focada
em questão bem definida, que visa identificar, selecionar, avaliar e sintetizar as evidências
relevantes disponíveis” (Galvão & Pereira, 2014, p. 183). Ou seja, dada uma determinada
temática, os dados científicos sobre esta são reunidos e analisados de forma abrangente, o que
permite um alto nível de evidência para tomadas de decisão.
Sendo assim, foi realizada uma busca dos dados na literatura das seguintes bases de
dados eletrônicas: SciELO, PePSIC, IndexPsi e LILACS, durante o mês de novembro de 2019,
não tendo sido estabelecido inicialmente um intervalo de anos de publicação. Foram
estabelecidos os seguintes critérios de inclusão dos estudos: a) abordar relação e relevância com
o tema proposto; b) ter sido publicado em português; e c) ser artigo publicado em revistas
cientificas. Os critérios de exclusão foram: a) não estar relacionado ao tema proposto (Terapia
Cognitivo Comportamental e Resistência/Transferência/Contratransferência); b) ter sido
publicado em outro idioma e c) livros, dissertações, teses, relatórios, resumos ou publicações
não disponíveis na internet.
Devido a maioria das pesquisas apresentarem limites na padronização dos termos
utilizados, estratégias complementares têm sido utilizadas nas revisões sistemáticas com o
objetivo de englobar de forma mais completa a busca e obter uma melhor compreensão dos
resultados. (e.g., Sacco, Couto & Koller, 2016; Zoltowski et al., 2014). Dessa forma, a consulta
ao Google Acadêmico foi utilizada neste estudo como uma estratégia complementar de forma
a ampliar o alcance da presente revisão sistemática, acrescentando-se juntamente aos demais
critérios de inclusão estabelecidos: a) ter sido publicado entre 2015 a 2019.

4 Resultados
Foi realizada uma seleção para definir adequadamente a literatura (ver Figura 1). Após
a leitura dos materiais, foi construída uma tabela com os principais estudos a fim de resumir as
principais ideias contidas nestes que mais se destacaram entre os pesquisados. De cada estudo,
foram extraídas as seguintes informações: autores, ano, título do artigo, objetivo, tipo de
pesquisa e resultados.
A busca inicial nas bases de dados, usando os descritores “Terapia Cognitivo AND
Resistência”, “Terapia Cognitivo AND Transferência” e “Terapia Cognitivo AND
Contratransferência”, gerou um total de 23 resultados [SciElo (n= 11), LILACS (n= 8), Index
Psi (n= 3), PePSIC (n= 1). Com a aplicação dos critérios de inclusão e de exclusão, restaram 6,
que foram selecionados para a análise.
No que diz respeito às estratégias complementares, as buscas no Google Acadêmico,
com o uso das palavras-chave “Terapia Cognitivo Comportamental”, “Resistência”,
“Transferência” e “Contratransferência”, de forma combinada, obtiveram 131 resultados. Após
a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, selecionou-se 8 artigos que foram incluídos no
estudo.
5 Discussão

1152
O presente estudo tratou-se de uma revisão sistemática acerca de como ocorre a
resistência do paciente na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e quais são os métodos
que podem ser utilizados para trabalhá-la. Todos os estudos encontrados pertenciam à área da
Psicologia, sendo que 8 deles abordavam diretamente a TCC, enquanto que os outros 6 também
traziam ou focavam outras abordagens terapêuticas. As pesquisas apresentaram dados
relevantes e até complementares em sua maioria, e vários temas em comum surgiram durante a
leitura dos artigos. Nota-se ainda uma escassez de estudos ligados à temática abordada, ao
mesmo tempo em que esta é citada como de absoluta importância. Os dados encontrados são
discutidos a seguir.
Ao considerar a necessidade de uma relação colaborativa entre paciente-terapeuta e o
desenvolvimento de uma relação terapêutica sólida como alguns dos princípios fundamentais
que embasam a Terapia Cognitivo-Comportamental, foi unânime em todos os estudos
analisados que os comportamentos de resistência, durante o tratamento, ocorrem
principalmente nos contextos em que a relação terapêutica não está desenvolvida ou que
apresenta falhas. De tal forma, sugere-se que seja de extrema necessidade que esta relação seja
analisada, melhorada e reforçada, de maneira a facilitar o engajamento do paciente no processo
terapêutico e, consequentemente, a obter resultados significativos e desejados.
De acordo com os resultados encontrados, os estudos também apresentam diferentes
maneiras pelas quais a resistência terapêutica se manifesta, tanto no paciente, quanto no
terapeuta, variando conforme a faixa etária, o sexo, a etapa do processo terapêutico em que se
encontra, os elementos abordados na terapia, dentre outros fatores. Nos pacientes, a resistência
pode começar em relação à própria ideia de fazer psicoterapia e à sua procura (Souza, 2017);
complementando essa afirmação, infere-se a existência de fatores que podem levar a isso, a
exemplo da presença de algum transtorno psicótico ou até mesmo a cultura, como o fato de
haver no sexo masculino uma tendência a não externalizar as emoções, sendo que muitas vezes
os homens acabam não buscando ajuda devido estas serem uma das variáveis abordadas no
processo terapêutico (Costa, Alves & Eizirik, 2018). Schmidt, Gastaud e Ramires (2018)
demonstram que alguns dos meios pelos quais os pacientes resistem durante o tratamento são
através da expressão de raiva, agressividade, distanciamento e rejeição em relação ao terapeuta
ou aos métodos utilizados, e culpabilização do terapeuta ou aos outros devido a tentativas de
exploração dos pensamentos e sentimentos.
Corroborando com esses dados, Pureza, Oliveira e Andretta (2013) afirmam que o
conjunto de falhas no estabelecimento e manutenção da relação terapêutica, associado a fatores
sociodemográficos, avaliações inadequadas e outros envolvidos no conjunto, se não tratados,
podem acarretar no abandono da psicoterapia. É interessante observar que em alguns casos a
resistência também pode ocorrer não diretamente pelo paciente, mas a partir de outros sujeitos
indiretamente envolvidos no processo, principalmente a família. Isso é evidenciado no estudo
de Oliveira e Gastaud (2018), no qual foi identificado resistência nos pais de crianças
submetidas a psicoterapia, já descritas anteriormente.
Em casos como esse, da mesma forma que nos demais, se torna necessário um
treinamento dos pais ou responsáveis, assim como deve ser apontado como um dos problemas
que serão avaliados e corrigidos durante a terapia, visto que o andamento do processo também
se torna comprometido e os resultados prejudicados. Em virtude de a psicoterapia abarcar
sujeitos envoltos de subjetividades, experiências e histórias de vida, dentre eles o terapeuta, não
é incomum que também ocorrem comportamentos de resistência partindo deste para com o
paciente.
Osório et al. (2017) trazem o conceito de “Contratransferência”, criado na abordagem

1153
psicanalítica, para se referir àquelas reações que o analista tem, de forma inconsciente, em
relação ao analisando, que podem ser positivas ou negativas. Adicionalmente, os achados de
Lima e Oliveira (2015) trazem a importância da análise dessa contratransferência, referentes
aos fatores negativos, tais como seus preconceitos, crenças, e afins, tendo em vista que eles
fomentam resistências em relação aos pacientes, com o intuito destes fatores não interferirem
no processo e o impedirem de ajudar os pacientes a se desenvolverem.
Por outro lado, pode-se perceber também que a expressão de comportamentos de
resistência em relação à terapia ou ao terapeuta, por parte do paciente, diz muito sobre as suas
próprias crenças desadaptativas, conforme evidenciado por Rocha, Oliveira e Kappler (2017),
o que fornece ao terapeuta um rico arsenal de informações acerca do padrão de funcionamento
cognitivo e comportamental dos pacientes, possibilitando-o compreendê-los melhor e manejar
o tratamento da forma mais adequada possível para cada caso em questão.
Ribeiro et al. (2011) falam sobre a possibilidade de incorporá-la na agenda terapêutica,
pois como apontado por Alves (2017), até mesmo técnicas da própria TCC utilizadas no
tratamento das queixas dos pacientes, como a identificação das crenças e a resolução de
problemas, também podem ser utilizadas para trabalhar a resistência dos mesmos. É notório
que a ocorrência dos comportamentos de resistência dos pacientes vai além dos modelos de
tratamento embasados na TCC ou em outras abordagens terapêuticas do campo da Psicologia,
podendo acontecer em praticamente todas as formas de tratamento existentes nos mais variados
campos de atuação, como é exemplificado nos estudos de Elkis e Meltzer (2007), Faustino e
Seild (2010) e Lages et al. (2011), nos quais a resistência ocorreu em relação ao tratamento
farmacológico.
Cabe salientar aqui que, nos estudos acima citados, foi demonstrado que a TCC pode
ser utilizada como um meio de reduzir os comportamentos de resistência em relação ao
tratamento farmacológico e na adesão do paciente a este, mais uma vez comprovando a sua
eficácia, evidenciada nos estudos acima relatados, bem como no de Oliveira e Silva (2011), no
qual a mesma foi aplicada com sucesso no tratamento do luto, e no de Osório et al. (2017),
quando citam a constante evolução conceitual e teórica dessa abordagem que teve justamente
como um dos objetivos o aumento da eficácia do tratamento embasado nesse método.

6 Considerações Finais
Os objetivos do estudo foram atingidos, e seus resultados apresentaram dados
relevantes. Foi possível observar que o comportamento de resistência do paciente ocorre nos
mais variados tipos de tratamento, e dentro da Psicologia, mais especificamente no tratamento
baseado na Terapia Cognitivo-Comportamental, foco deste estudo, ele está ligado
principalmente aos problemas na relação terapêutica, mas também às crenças disfuncionais, as
mudanças desencadeadas pela terapia, a presença de outras patologias, até mesmo fatores
sociodemográficos, dentre outros.
Dessa forma, espera-se que esse estudo ofereça uma contribuição no enriquecimento do
campo acadêmico e científico ligado à temática, tendo em vista a escassez de pesquisas que a
abordam e, por outro lado, a importância de ser estudada, devido a resistência ao processo
terapêutico poder ser expressa de diferentes formas e atrapalhar significativamente o progresso
da terapia, levando a estagnação dos problemas para os quais foi buscada ajuda e, em alguns
casos, ao abandono do processo, devendo, portanto, ser trabalhada juntamente com os
problemas expressos pelos pacientes, com o intuito de reduzi-la.
Cabe destacar aqui algumas limitações do estudo, tais como a utilização de poucos

1154
descritores durante a busca e a pequena quantidade de artigos encontrados que abordassem a
temática proposta, bem como ser uma pesquisa estritamente teórica e não possuir objetivo de
desenvolver uma proposta prática de intervenção em campo. Por fim, espera-se que esse estudo
possibilite o desenvolvimento de novas pesquisas que tratem da temática destacada, a exemplo
da construção de um protocolo de intervenção a pacientes resistentes ao tratamento, o
desenvolvimento de técnicas que possibilitem o engajamento do paciente no processo, tal como
a flexibilização da estrutura técnica de abordagens terapêuticas como a TCC, adaptando-a a
cada caso em questão.

Referências
Alves, D. L. (2017). O vínculo terapêutico nas terapias cognitivas. Revista Brasileira de
Psicoterapia, 19, 55-71.
Barbosa, A. S., Terroso, L. B. & Argimon, I. I. L. (2013). Epistemologia da terapia cognitivo
comportamental: casamento, amizade ou separação entre as teorias?. Boletim – Academia
Paulista de Psicologia, São Paulo, 34, 63-79.
Beck, J. (2013). Terapia Cognitivo-Comportamental: Teoria e Prática. Porto Alegre: Artmed.
Beck, J. (2007). Terapia Cognitiva para desafios clínicos: o que fazer quando o básico não
funciona. Porto Alegre: Artmed.
Coelho, M. A. & Dutra, L. R. (2018). Behaviorismo, cognitivismo e construtivismo: confronto
entre teorias remotas com a teoria conectivista. Caderno de Educação, 1, 51-76.
Conte, F. C. S. & Brandão, M. Z. S. (2008). Psicoterapia funcional-analítica: o potencial de
análise da relação terapêutica no tratamento de ansiedade e de personalidade. In Rangé, B.
(Org.). Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria. Porto
Alegre: Artmed.
Cordioli, A. V. & Grevet, E. H. (2018). Psicoterapias: Abordagens Atuais. Porto Alegre:
Artmed.
Cordioli, A. V. & Knapp, P. (2008). A terapia cognitivo-comportamental no tratamento dos
transtornos mentais. Revista Brasileira de Psiquiatria, 30, 51-53.
Costa, C. P., Alves, C. P. & Eizirik, C. L. (2018). Fatores associados à percepção de aliança
terapêutica por pacientes em psicoterapia psicanalítica. Revista Brasileira de Psicoterapia,
20, 19-35.
Elkis, H. & Meltzer, H. Y. (2007). Esquizofrenia refratária. Revista Brasileira de Psiquiatria,
29, 41-47.
Falcone, E. M. O. (2011). Relação terapêutica como ingrediente ativo de mudança. In Rangé,
B. P. (Org.). Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria.
Porto Alegre: Artmed.
Faustino, Q. M. & Seidl, E. M. F. (2010). Intervenção Cognitivo-Comportamental e adesão ao
tratamento em pessoas com HIV/Aids. Psicologia, Teoria e Pesquisa, 26, 121-130.
Furtado, R. N. (2018). Do comportamento à cognição: transformações epistêmicas no
pensamento behaviorista do século XX. Revista Contemplação, 172-183.
Galvão, T. F. & Pereira, M. G. (2014). Revisões sistemáticas da literatura: passos para sua

1155
elaboração. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 23, 183-184.
Hofmann, S. G. (2014). Introdução à terapia cognitivo-comportamental contemporânea. Porto
Alegre: Artmed.
Knapp, P. (2004). Terapia Cognitivo Comportamental na prática psiquiátrica. Porto Alegre:
Artmed.
Knapp, P. & Beck, A. T. (2008). Fundamentos, modelos conceituais, aplicações e pesquisa da
terapia cognitiva. Revista Brasileira de Psiquiatria, 30, 54-64.
Lages, A. C., Nórte, C. E., Pedrozo, A. L., Gonçalves, R. M., Marques-Portella, C., Souza, G.
G. L., Mendonça-de-Souza, A. C. & Ventura, P. R. (2011). Marcadores neurobiológicos e
psicométricos da eficácia da terapia cognitivo-comportamental no transtorno de estresse
pós-traumático associado a sintomas dissociativos: relato de caso. Revista de Psiquiatria
do Rio Grande do Sul, 33, 63-67.
Leahy, R. L. (2007). Técnicas de terapia cognitiva: manual do terapeuta. Porto Alegre: Artmed.
Lima, M. P. & Oliveira, A. L. (2015). Intervenção em grupo com pessoas de idade avançada: a
importância da relação. Revista E-Psi, 5, 23-39.
Silva, A. C. O. & Nardi, A. E. (2011). Terapia Cognitivo-Comportamental para luto pela morte
súbita de cônjuge. Revista de Psiquiatria Clínica, 38, 213-215.
Oliveira, L. R. F. & Gastaud, M. B. (2018). Participação dos pais na psicoterapia da criança:
práticas dos psicoterapeutas. Psicologia: Ciência e Profissão, 38, 36-49.
Oliveira, N. H. & Benetti, S. P. C. (2015). Aliança terapêutica: estabelecimento, manutenção e
rupturas da relação. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 67, 125-138.
Osório, F. L., Mendes, A. I. F., Pavan-Cândido, C. C. & Silva, U. C. A. (2017). Psicoterapias:
conceitos introdutórios para estudantes da área da saúde. Medicina (Ribeirão Preto,
Online.), 50, 3-21.
Pureza, J. R., Oliveira, M. S. & Andretta, I. (2013). Abandono terapêutico na terapia cognitivo
comportamental. Psicologia Argumento, 31, 561-568.
Ribeiro, E., Coutinho, J., Sousa, Z. & Machado, C. (2011). Rupturas na aliança terapêutica e
expressão verbal de necessidades do cliente: um estudo de caso. Revista Brasileira de
Terapia Comportamental e Cognitiva, 13, 71-86.
Rocha, L. F. D., Oliveira, E. R. & Kappler, S. R. (2017). A contratransferência na terapia
cognitivo-comportamental: uma revisão da literatura brasileira. Revista Brasileira de
Terapias Cognitivas, 13, 104-112.
Sacco, A. M., Couto, M. C. P. P. & Koller, S. H. (2016). Revisão sistemática de estudos da
psicologia brasileira sobre preconceito racial. Temas em Psicologia, 24, 233-250.
Schmidt, F. M. D., Gastaud, M. B. & Ramires, V. R. R. (2018). Estruturas de interação na
psicoterapia psicodinâmica de uma menina com transtorno de adaptação. Temas em
Psicologia, 26, 703-718.
Souza, H. S. (2017). A robô Eurekka: desenvolvendo um chatbot de psicoeducação para o
Messenger do Facebook. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.
Ventura, R. (2009). Os paradoxos do conceito de resistência: do mesmo à diferença. Estudos

1156
de Psicanálise, 32, 153-162.
Wright, J. H., Brown, G. K., Thase, M. E. & Basco, M. R. (2018). Aprendendo a terapia
cognitivo-comportamental: um guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed.
Zoltowski, A. P. C., Costa, A. B., Teixeira, M. A. P. & Koller, S. H. (2014). Qualidade
metodológica das revisões sistemáticas em periódicos de psicologia brasileira. Psicologia:
Teoria e Pesquisa, 30, 97-104.
EIXO 19

1157
Saúde Pública e Políticas Sociais: atuação multiprofissional nos
diversos contextos de saúde no Brasil e na América Latina

O PAPEL DO PSICÓLOGO NO NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMILIA


(NASF): POTENCIALIDADES E DESAFIOS

Julia da Luz Veloso;


Maria dos Remédios Brito Viana;
Cynthia Raquel Oliveira de Araújo Chaves

1 Introdução
O Sistema Único de Saúde (SUS) desde 1988 vem mostrando significativos avanços,
sobretudo, na ampliação do número de Equipes de Saúde da Família na população brasileira.
Isso porque a Estratégia de Saúde da Família tem provocado o reordenamento do modelo de
atenção no SUS, valorizando o princípio da integralidade do Sistema Único e reorganizando
a prática da atenção à saúde ao levar o atendimento para mais perto das famílias. (Ministério
da Saúde, 2010).
Acerca da definição de políticas públicas, Dias & Matos (2017, p. 12) sintetizam da
seguinte maneira: “ações empreendidas ou não pelos governos que deveriam estabelecer
relações de equidade no convívio social, tendo por objetivo dar condições para uma melhoria
na qualidade de vida”. No atual cenário social, a psicologia encontra-se cada vez mais inserida
no âmbito das politicas públicas. A exemplo, cerca de 10% do total dos psicólogos registrados
no país possui algum tipo de vínculo com o SUS (Spink, 2007).
Dentre as políticas de saúde do SUS, o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)
é uma política “porta de entrada” para a atuação no campo social do profissional de psicologia,
em função do apoio financeiro dado pelo Governo Federal para implementação e manutenção
das equipes de saúde, conforme explicita o Conselho Federal de Psicologia [CFP] (2019).
Além disso, é relativamente nova, posto que sua criação se deu por meio da Portaria nº 154,
de 24 de Janeiro de 2008, segundo o Ministério da Saúde (2014). Tendo em vista isso, foi
despertado o interesse pelo conhecimento dessa política pública, bem como a reflexão sobre
as potencialidades e desafios dessa atuação.
É válido destacar que a política pública do NASF, não possui um espaço físico
característico, uma vez que os núcleos fazem parte da Atenção Básica (AB). Dessa forma, as
Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos territórios de referência são os espaços onde são
desenvolvidas as atividades. Isso porque o NASF, em suas missões delimitadas, “não se
constitui porta de entrada do sistema para os usuários, mas apoio às equipes de Saúde da
Família” (Ministério da Saúde, 2014, p. 16).
Sobre a realidade maranhense, Pereira & Gama (2016) realizaram uma avaliação dos
Núcleos de Apoio à Saúde da Família no estado. Ganhou destaque no estudo a cidade de
Imperatriz, que dos 108 municípios maranhenses inclusos na pesquisa, o munícipio
imperatrizense imperou com o maior número de NASF no Maranhão, sendo cinco
distribuídos pela cidade. Além disso, Imperatriz também possui o maior número de Equipes

1158
de Saúde da Família vinculadas, totalizando quarenta e uma equipes.
Sendo assim, o presente trabalho trata-se de um relato de experiência desenvolvido
por acadêmicas de Psicologia do 5º período por meio da disciplina de Políticas Públicas e
Avaliação de Programas Sociais, realizado no Núcleo de Apoio à Saúde da Família em
Imperatriz-MA, com o objetivo de compreender o lugar do psicólogo na política pública de
saúde do NASF.
A partir dessa experiência foi possível perceber a relevância do psicólogo na saúde
pública, posto que a população é necessita de informações básicas, e de cuidados, justificando
a grande demanda na procura por esse profissional. Foi tida a compreensão das modalidades
de atendimento, a qual foge do modelo tradicional clínico, revelando potencialidade e
coerência com as diretrizes do NASF. Além disso, desafios foram notados, especialmente, no
que se refere à grande demanda para um único profissional da saúde mental.

2 Método
O presente trabalho possui configuração qualitativa, transversal e exploratória. O
objetivo geral pautou-se em conhecer a política pública do NASF, bem como a compreensão
de suas potencialidades e desafios. Para isso, foram realizadas quatro visitas nos respectivos
dias do ano de 2019: 25 de Outubro, 12, 13 e 28 de Novembro, em três Unidades Básicas de
Saúde (UBS) localizadas nos bairros: Bom Sucesso, Planalto e Santa Rita no município de
Imperatriz-MA.
Em tais visitas, foram feitas observações acerca da estrutura e dinâmica das UBS,
participações em atividades grupais, entrevista semiestruturada com a psicóloga do NASF
referente às Unidades Básicas visitadas e, por último, uma participação interventiva com
funcionários e paciente. Tais resultados observados foram comparados com a teoria a fim de
refletir sobre as potencialidades e desafios encontrados.

3 Resultados e Discussão
A primeira visita foi realizada no Núcleo de Apoio à Saúde da Família referente ao
bairro Bom Sucesso, no qual foi realizada uma entrevista com a psicóloga do NASF. Por meio
da entrevista, foi possível perceber a importância do profissional da psicologia na política de
saúde da família que, segundo relatado, tem como objetivo trabalhar aspectos da saúde
mental, prevenção e principalmente psicoeducação, “pois assuntos simples a população
desconhece”. Portanto, a missão do psicólogo em uma Politica Pública, consiste também na
disseminação de conhecimento.
Quanto a isso, Martin-Baró (1997) explana sobre a atuação do psicólogo no trabalho às
maiorias populares. Para ele, dentre os papeis do psicólogo a ser desenvolvido, está o da
conscientização, isto é, o de ajudar as pessoas a superarem sua identidade alienada, pessoal e
social, ao transformar as condições opressivas do seu contexto por meio do conhecimento.
Por conseguinte, foi discutido sobre as fragilidades na atuação dentro do NASF. A
priori, a maior queixa pautada pela psicóloga, é que “é um absurdo um psicólogo para nove
postos de saúde”. Segundo ela, a inserção de psicólogos nos postos de saúde deveria ser maior,
pois possibilitaria um trabalho mais abrangente, bem como facilitaria a criação de vínculos
com as equipes, já que trabalhar cada dia em um lugar diferente dificulta essa criação.
Realidade semelhante também foi evidenciada no estudo de Klein & d’Oliveira (2017), ao

1159
apontarem que há um número grande de Equipes de Saúde da Família e UBS para apoiar e
uma oferta assistencial de psicólogos insuficiente para abarcar a necessidade da população,
logo, a articulação fica comprometida.
É importante refletir que a partir do final da década de 70 o contingente de psicólogos
trabalhando nas politicas públicas aumentou. Apesar disso o quantitativo ainda constitui
pouca expressão comparada aos outros profissionais da saúde (Dimenstein, 1998; Spink,
2007).
Semelhante fragilidade foi evidenciada por Furtado & Carvalho (2015) ao concluírem
que a própria organização do NASF denuncia a impossibilidade de efetivação na prática do
que institui sua portaria. Isso porque é notória a sobrecarga do número de equipes de saúde
da família ao qual uma única equipe NASF deve estar vinculada. Dessa forma, segundo o
estudo, ainda que as ações sejam regidas sob o prisma do matriciamento, é pouco provável
que o profissional de psicologia possa implementar ações e funcionar como apoiador
matricial.
Ao ser analisado o percentual de profissionais vinculados ao NASF no estado do
Maranhão, é possível notar a desproporcionalidade. A fisioterapia é a categoria com o maior
número de profissionais (24,96%), seguida de nutricionista (13,30%) e assistente social
(12,89%). A psicologia ocupa a quarta posição (11,93%), constituindo 87 psicólogos em todo
o Maranhão (Pereira & Gama, 2016).
Em relação às modalidades de atendimento presentes no NASF, foi relatado sobre os
atendimentos domiciliares, terapia em grupo, campanhas preventivas e PSE (Programa Saúde
na Escola). Quanto aos grupos, foi reconhecido um desafio: os usuários preferem atendimento
individual e possuem resistência ao atendimento grupal.
Ainda sob esse raciocínio, os atendimentos que são feitos individualmente não são
necessários reagendar e os que são necessários são feitos de dois em dois meses ou são feitos
encaminhamentos. A partir de alguns atendimentos nessa modalidade, também são feitas
indicações para as terapias em grupo do NASF, uma vez que o atendimento individual não é
o foco do núcleo. Além disso, uma ferramenta muito importante nos atendimentos é a
Psicoterapia Breve, pois em uma Politica Pública não é possível fazer terapia analítica, logo,
o profissional deve ser o mais diretivo, recomendativo e utilizar-se da psicoeducação e,
segundo a profissional, têm surgido efeitos positivos.

O desafio que se coloca aos psicólogos é como prestar assistência qualificada e


integral sem reproduzir o modelo tradicional fragmentado da psicoterapia e sem
negligenciar cuidados que exigem um olhar especializado. Existem casos que são
pertinentes à atenção primária à saúde, porém não conseguem ser atendidos de forma
resolutiva apenas pela equipe de saúde da família, seja por falta de saber específico,
seja por questão de agenda/tempo. (Klein & d’Oliveira, 2017, p.8).

Foi discutido ainda sobre o processo do trabalho em equipe dentro das UBS, e foi
respondido que nas Politicas Públicas não há um trabalho isolado e sozinho, posto que os
profissionais trabalham em conjunto em visitas, pactuações e ações. Em visitas domiciliares,
por exemplo, a psicóloga relata que já aconteceu de ir a equipe toda a uma visita, cada um
com sua visão profissional fazendo um atendimento ampliado. E quando há demanda
psicológica, geralmente os outros profissionais também atuam, como em um caso de
obesidade que envolve o psicólogo, nutricionista e educador físico.
Tal relato condiz com os instrumentos de apoio do NASF, como Apoio Matricial,

1160
Clinica Ampliada e Projeto Terapêutico Singular (PTS). Portanto, a existência do NASF é
uma forte contribuição para o usufruto da interdisciplinaridade, pois é um trabalho em que as
ações, saberes, práticas se complementam (Ministério da Saúde, 2010).
Sobre a procura da população pelo psicólogo, a profissional da psicologia reconheceu
que o Psicólogo e o Fonoaudiólogo são os profissionais mais procurados. Em relação há
psicologia, muitos vão atrás de psicoterapia, no entanto, é informado a eles como funciona e
lhes são explicados que há outras modalidades de atendimentos que também são eficazes. O
Ministério da Saúde (2014) explana que há uma pressão para que o NASF trabalhe em uma
lógica ambulatorial, feita não só pela população, mas também pelas equipes da atenção básica,
pela gestão e pelos profissionais dos núcleos.

No que tange à Psicologia, sublinha-se a importância de considerar que o trabalho no


SUS não pode ser uma mera adaptação de práticas clínicas individuais à rotina desse
sistema, mas exige uma grande rotação da maneira como se constrói esse processo de
trabalho, o modelo de atendimento aos sujeitos e a postura da Psicologia diante de si
— inserida numa equipe NASF AB — e das Equipes de Saúde da Família EqSF) que
matricia. (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2019, p. 12).

A segunda visita foi realizada no NASF referente à UBS do bairro Santa Rita. Foi
possível presenciar e conhecer um grupoterapia de adultos assistidos pela psicóloga. Nesse
grupo, também havia a presença de uma enfermeira, fonoaudióloga e de uma coterapeuta
estudante de psicologia. O grupo dirigido por essas profissionais foi nomeado como
“Renascer”. O trabalho desenvolvido com eles ao longo da tarde envolviam músicas, pintura
e relaxamento.
A terceira visita foi realizada na UBS do bairro Bom Sucesso com o objetivo de
presenciar e conhecer as crianças acompanhadas pelo NASF, bem como o trabalho de
grupoterapia infantil desenvolvido com elas. Nesse dia a programação definida pela psicóloga
consistia em atividades entre mães e filhos. A profissional organizou o material que iria ser
utilizado, bem como os lanches para o fim da visita. No entanto, infelizmente, não houve a
realização da atividade expectada pela psicóloga devido ao não comparecimento das crianças
e das mães. A profissional relatou que no início de cada grupo terapêutico é repassado um
cronograma dos dias de encontro. Além disso, no dia anterior a cada encontro é sempre feito
um aviso. Portanto, pode-se perceber um desafio, posto que ao contrário do grupo visitado na
UBS Santa Rita, nem todos os usuários do NASF são adeptos ao modelo de terapia em grupo.
A última visita foi uma intervenção realizada no NASF referente à UBS do bairro
Planalto. Foi tido como objetivo a interação e a conscientização dos pacientes acerca de
aspectos positivos de sua personalidade, por meio de uma dinâmica chamada “Feira das
Qualidades”. Ao longo da intervenção foi possível verificar as demandas que a paciente ali
presente poderia estar passando e também perceber o olhar diferenciado da psicóloga nas
reflexões sobre a dinâmica.

4 Considerações Finais
Mediante a experiência apresentada foi possível refletir sobre os desafios do psicólogo
na atuação no NASF. A exemplo, a alta demanda de atendimentos para um só psicólogo,
revela um desafio latente, uma vez vem prejudicando, especialmente, a articulação com as
Equipes de Saúde da Família.
Diante dessa reflexão, foi inevitável a comparação com o estudo de Pereira & Gama

1161
(2016), como já explicitado, ao destacar Imperatriz como o município detentor do maior
número de Núcleos de Apoio à Saúde da Família do Maranhão. Portanto, se na cidade
imperatrizense é possível identificar esses desafios, suponha-se que em cidades de semelhante
porte em que a quantidade de núcleos é inferior, as dificuldades são comprometedoras.
A análise do trabalho do psicólogo na prática revelou um contexto com uma
organização de trabalho bastante coerente, conforme as referências técnicas para a atuação de
psicólogas (os) na atenção básica, regido pelo Conselho Federal de Psicologia [CFP] (2019)
e pelas diretrizes que sustentam o NASF, Ministério da Saúde (2010), consolidando-se, assim,
como uma potencialidade no atendimento público.
Dessa forma, os trabalhos feitos em equipe, os grupos de terapia realizados nas UBS,
a psicoeducação realizada nas unidades básicas ou nas escolas por meio do Programa Saúde
na Escola, como também os acolhimentos individuais, revelam uma mudança de postura desse
profissional na atenção primária em saúde, contrariando uma lógica clínica criticada em
muitas obras, dentre elas, Dimenstein (1998) e Neto (2011).
Por fim, esse relato de experiência proporcionou o conhecimento do papel do
psicólogo na prática, bem como constantes reflexões acerca de como deve ser essa atuação,
especialmente, em relação às modalidades de atendimento e à articulação com as equipes de
saúde da família. Nesse sentindo, é essencial que o psicólogo no contexto da saúde pública,
sobretudo, no NASF, assim como evidenciado, assuma seu papel de profissional de referência
em saúde mental, respeitando a saúde pública ao não adotar práticas meramente
assistencialistas ou de recorte clínico ao tornar esse o seu foco de atendimento.
Também foi possível pensar na necessidade que os estudantes de graduação,
sobretudo, Psicologia, estejam mais familiarizados com as políticas públicas, uma vez que ir
a campo consolidou-se como uma experiência enriquecedora para o conhecimento prático.

Referências

Conselho Federal de Psicologia (2019). Referências técnicas para atuação de psicólogas (os)
na atenção básica à saúde. Recuperado de: http://crepop.pol.org.br/6784_referencias-
tecnicas-para-atuacao-de-psicologasos-na-atencao-basica-a-saude-2019.

Dias, R. & Matos, F. (2017). Politicas públicas: princípios, propósitos e processos. São
Paulo: atlas

Dimenstein, M. D. B. (1998). O psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde: Desafios para a


formação e atuação profissionais. Estudos de Psicologia, 3(1), 53-81. doi: S1413-
294X1998000100004.

Furtado, M. E. M. F., & Carvalho, L. B. (2015). O psicólogo no NASF: potencialidades e


desafios de um profissional de referência. Revista Psicologia e Saúde, 7(1), 9-17.
Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-
093X2015000100003&lng=pt&tlng=pt.

Klein, A. P., & D'Oliveira, A. F. P. L. (2017). O "cabo de força" da assistência: concepção e


prática de psicólogos sobre o Apoio Matricial no Núcleo de Apoio à Saúde da
Família. Cadernos de Saúde Pública, 33(1), e00158815.

1162
https://doi.org/10.1590/0102-311x00158815

Martín-Baró, I. (1997). O papel do psicólogo. Estudos de Psicologia (Natal), 2 (1), 7-


27. https://doi.org/10.1590/S1413-294X1997000100002

Ministério da Saúde. (2010). Cadernos de Atenção Básica. Diretrizes do NASF – Núcleo de


Apoio à Saúde da Família.

Ministério da Saúde. (2014). Cadernos de Atenção Básica. Núcleo de apoio à saúde da


família– volume 1: ferramentas para gestão e para o trabalho cotidiano.

Neto, J. L. F. (2011). Psicologia, Políticas Públicas e o SUS. Belo horizonte: fapemig.

Pereira, N. C. S. & Gama, M. E. A. (2016). Análise dos núcleos de apoio à saúde da família
no estado do maranhão. Rev. Pesq. Saúde, 17(2): 112-115, Recuperado de:
http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/revistahuufma/article/download/
6091/3671.

Spink, M. J. (2007). A psicologia em diálogo com o SUS: prática e produção acadêmica.


São Paulo: casa do psicólogo,
A EQUIPE MULTIPROFISSIONAL NA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA

1163
André Luiz De Oliveira Pedroso
Isadora Lima De Souza
Manoel Rodrigues De Souza Neto
Maria Aparecida De Paulo Gomes
Beatriz Marques Barbosa
1 Introdução
O Sistema Único de Saúde (SUS) estrutura a atenção a saúde em três níveis, a saber:
primário, secundário e terciário. Esses níveis são organizados de maneira articulada e ordenada,
tendo em vista o oferecimento de uma atenção em saúde integral, proporcionando promoção,
prevenção, recuperação e reabilitação dos indivíduos. Nessa perspectiva, a Atenção Primaria a
Saúde (APS) e reconhecida como campo privilegiado para o desenvolvimento dessas ações
(AITH, 2014).
Em decorrência das suas potencialidades, o PSF passou a ser reconhecido como
Estratégia Saúde da Família (ESF) pela sua capacidade em orientar a organização do sistema
de saúde, buscar respostas para todas as necessidades de saúde da população e contribuir na
mudança do modelo assistencial vigente. Para isso, a ESF baseia-se em princípios norteadores
para o desenvolvimento das práticas de saúde, como a centralidade na pessoa/família, o vínculo
com o usuário, a integralidade e a coordenação da atenção, a articulação à rede assistencial, a
participação social e a atuação intersetoria (Giovanela, 2009).
A Estratégia Saúde da Família (ESF) é o modelo preferencial de organização da Atenção
Primária à Saúde (APS) no Brasil, e espera-se que ela seja capaz de abordar o processo de
saúde-doença dos indivíduos de modo singular e articulado ao contexto familiar e comunitário.
Nas últimas duas décadas, a ESF ampliou significativamente o acesso aos serviços de atenção
à saúde. Para dimensionalizarmos essa questão, cabe citar que, em janeiro de 2000, havia 4.563
Equipes Saúde da Família (ESF) implantadas, assistindo a 8,8% da população brasileira, e, em
fevereiro de 2015, esse percentual de cobertura era de 57% (Brasil, 2015).
Porém, para além da ampliação em números e da melhoria de indicadores de saúde,
espera-se que a ESF impulsione, também, um movimento de mudança no modo de se produzir
o cuidado em saúde. Nesse sentido, demanda das ESF envolvidas uma nova organização da
dinâmica de trabalho. Cabe à ESF a desafiadora missão de transformar o modelo brasileiro
tradicional de assistência à saúde – caracterizado pela centralidade da figura do médico,
medicamentoso, curativo, individual e hospitalocêntrico –, em um modelo de assistência
coletivo, multi e interdimultiprofissional e baseado na família e no contexto social onde os
indivíduos vivem e trabalham. Trata-se de mudar o foco do procedimento para o do sujeito, e
de enfrentar o desafio de construir novas práticas sanitárias que levarão a uma assistência à
saúde solidária, acolhedora e, consequentemente, mais efetiva e resolutiva. (Costa et al., 2009).
A organização de trabalho, proposta pela ESF, aponta para a necessidade de um trabalho
em equipe, uma vez que a junção dos olhares de diferentes categorias profissionais favorece a
interdisciplinaridade, o que interfere positivamente na resolubilidade dos problemas de saúde
existentes na comunidade assistida, além de proporcionar uma atenção integral aos indivíduos
(Viegas, 2013).
O modelo proposto para a ESF é constituído por equipes multiprofissionais, compostas

1164
por enfermeiro e médico, generalistas ou especialistas em saúde da família, técnico de
enfermagem, ACS e profissionais de saúde bucal (cirurgião dentista generalista, técnico e/ou
auxiliar em saúde bucal).Esses profissionais têm como alicerce fundamental de sua atuação,os
princípios da integralidade e multidisciplinaridade, um dos principais percalços para a atenção
primária, já que a não incorporação de ações em conjunto resulta em uma assistência em saúde
fragmentada, centrada na doença e não no indivíduo. Além disso, a própria formação dos
profissionais pode constituir barreira para o bom desenvolvimento do trabalho em equipe, uma
vez que a graduação nem sempre consegue preparar os graduandos para o desenvolvimento de
habilidadesde interação com outros profissionais (Silva et al., 2015).
Diante dessa definição de Estratégia de Saúde da Família cabe ressaltar que para um
cuidado de qualidade, contínuo e eficaz, é necessário uma equipe que esteja comprometida com
os valores do SUS, buscando sempre melhorias no atendimento e práticas de melhorias para o
serviço. Nisto, entra a equipe multiprofissional, que vem somar a todos os objetivos do SUS,
onde cada profissional de cada classe se completa, formando uma rede no atendimento.
O trabalho em equipe multiprofissional tem sido definido como aquele que envolve
diferentes profissionais, não apenas da saúde, que juntos compartilham o senso de
pertencimento à equipe e trabalham juntos de maneira integrada e interdependente para atender
às necessidades de saúde. Constituir-se como uma equipe requer trabalho – é uma construção,
um processo dinâmico no qual os profissionais se conhecem e aprendem a trabalhar juntos para
reconhecer o trabalho, conhecimentos e papéis de cada profissão; conhecer o perfil da
população adscrita, ou seja, as características, demandas e necessidades de saúde dos usuários
e população; definir de forma compartilhada os objetivos comuns da equipe; e realizar –
também de forma compartilhada – o planejamento das ações e dos cuidados de saúde, tal como
a construção compartilhada de projetos terapêuticos singulares para usuários e famílias em
situações de saúde de maior complexidade. O trabalho em equipe interprofissional envolve
elementos do contexto social, político e econômico (Fox, 2017).
Para Araújo e Rocha (2007), a influência acerca dos diversos aspectos que compõem o
processo de saúde-doença é uma consequência do trabalho em equipe. A probabilidade de um
profissional se reconstruir na atividade do outro, em efeitos mútuos, é uma pressuposição das
práticas interdisciplinares, tendo, assim, a finalidade de uma intervenção efetiva no contexto
em que atuam. Ou seja, a prática integral ganha um conjunto de visões diverso pelos
profissionais variados que formam o quadro de funcionários daquele estabelecimento de saúde.
Deve ser ressaltado na proposta da Estratégia de Saúde da Família (ESF) que o trabalho
em equipe tem como elementos centrais o trabalho com adscricao de clientela, o acolhimento
como porta de entrada para as Unidades Básicas de Saúde, a visita domiciliar, a integralidade
das praticas e a equipe multiprofissional (Sousa, 2009)
Na proposta da ESF, o trabalho em equipe constitui uma pratica na qual a comunicação
entre os atores deve fazer parte do exercício cotidiano. E necessária uma abordagem
multiprofissional, assim como processos diagnósticos de realidade, planejamento das ações,
organização horizontal do trabalho, compartilhamento do processo decisório, estimulo ao
exercício do controle social e, principalmente, a atuação sincronizada de todos os integrantes
da equipe (Ribeiro, 2004).
Somando-se a isso, este trabalho objetiva investigar através da literatura a importância
da equipe multiprofissional na Estratégia de Saúde da Família.
2 Método

1165
O presente trabalho trata-se de uma pesquisa de revisão integrativa da literatura, sendo
assim, não necessária à coleta de dados em campo. Trata-se de uma revisão integrativa, cujo
método de pesquisa constitui ferramenta importante, pois permite a análise de subsídios na
literatura de forma ampla e sistemática, além de divulgar dados científicos produzidos por
outros autores (Moon; Calabrese, 2008).
A revisão integrativa consiste no cumprimento das etapas: identificação do tema e
seleção da questão de pesquisa; estabelecimento dos critérios de elegibilidade; identificação
dos estudos nas bases científicas; avaliação dos estudos selecionados e análise crítica;
categorização dos estudos; avaliação e interpretação dos resultados e apresentação dos dados
na estrutura da revisão integrativa.
A operacionalização desta pesquisa iniciou-se com uma consulta aos Descritores em
Ciências da Saúde (DeCS), por meio da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), para conhecimento
dos descritores universais. Foram, portanto, utilizados os descritores controlados, em
português: “equipe multiprofissional” e “estratégia de saúde da familia”.
Para a realização das etapas seguintes desse trabalho, foram selecionados somente
artigos. Elencaram-se critérios de inclusão e exclusão. Como critérios de inclusão utilizaram-
se: artigos somente em português e como critérios de exclusão foram: artigos em línguas
estrangeiras que. Tudo isto, objetivando refinar a procura e detectar trabalhos publicados dentro
dos critérios estabelecidos, para assim obter resultados satisfatórios.
Por se tratar de um artigo de revisão de literatura, de acordo com a resolução de no
510/2016 não houve necessidade de submissão do presente estudo ao Comitê de Ética em
Pesquisa (Conselho Nacional de Saúde, 2016).

3 Resultados

A partir da busca na Biblioteca Virtual de Saúde, foram selecionados 20 artigos, das


bases de dados Lilacs e Scielo, onde foram lidos na íntegra, e após filtrados, restaram 4 para a
análise e discussão dos resultados, descritos no Quadro 1.

Quadro 1 - Classificação dos artigos selecionados de acordo com o título, autor,


revista/ano objetivo e resultados.
Título Autor Revista/ano Objetivo Resultados
Os desafios de Peruzzo Escola Anna Apreender as Da análise emergiram
se trabalhar em H.E. et Nery 2018 percepções e três categorias temáticas:
equipe na al vivências dos O trabalho em
estratégia saúde profissionais
equipe na perspectiva
quanto ao trabalho
da família dos profissionais da
em equipe na
ESF; Estratégias para a
Estratégia Saúde
manutenção do trabalho
da Família
(ESF) em um em equipe no cotidiano;

1166
município de e Percalços
médio porte no Sul
da inserção da Saúde
do Brasil.
Bucal na ESF.
Percepção da Barreto, Rev. Bras Compreender a Emergiram três
equipe A. C.O. Enferm 2019 percepção da categorias: Percepção
multiprofissional et al. equipe
da equipe
da multiprofissional
multiprofissional sobre
da Atenção
Atenção educação em saúde;
Primaria
Primária sobre Práticas educativas na
educação em a Saúde sobre as Atenção
saúde praticas de
Primária à Saúde: tarefa
educação em
de todos?; e O papel do
saúde e sobre o
enfermeiro na educação
papel do
em saúde.
enfermeiro no
desempenho das
atividades
educativas.
Trabalho em Navarro, Rev Min Compreender o Os resultados
equipe: o A. S. S. Enfermagem, significado do
possibilitaram reflexões
significado et al 2013. trabalho em
sobre a complexidade do
atribuído por equipe para os
trabalho em equipe e a
profissionais da profissionais da
necessidade de
estratégia de Estratégia de
capacitação para o
saúde da família Saúde da Família
desenvolvimento de
(ESF). competências
interpessoais e de
trabalho em grupo.
O trabalho Pereria, Artigo Responder às Os resultados apontam
multiprofissional R. C. A. Original, complexidades do para características mais
na Estratégia 2011 processo de saúde- próximas da equipe
Saúde da doença-cuidado a interação, em que há a
Família: estudo articulações das ações e
partir de novas
sobre relações, mais a comunicação é
modalidades de democráticas, entendida e utilizada
equipes entre população e como um meio de
profissionais e integração social.
trabalhadores
entre si.
3 Discussão

1167
Ribeiro et al (2004), ressalta que deve-se considerar, que uma equipe é composta por
pessoas que trazem especificidades próprias, como: gênero, inserção social, tempo e vinculo de
trabalho, experiências profissionais e de vida, formação e capacitação, visão de mundo,
diferenças salariais e, por fim, interesses próprios. Essas diferenças exercem influencia sobre
esse processo de trabalho, uma vez que estão presentes no agir de cada profissional, mas não
inviabilizam o exercício do trabalho em equipe.
Para que o trabalho em equipe aconteça é necessário que haja colaboração entre seus
membros, que exista troca entre os diferentes saberes e a complementaridade nas atividades,
conforme relatado pelos participantes deste estudo. Pressupõe ainda relações que promovam a
colaboração e a comunicação a fim de contribuir para o desenvolvimento do trabalho, pautando
nas relações dialógicas e horizontalizadas. Essa colaboração interprofissional e
multiprofissional caracteriza aspecto importante na realização de melhorias na qualidade da
assistência oferecida aos pacientes (Silva & Moreira, 2015).
Nesse sentido, a possibilidade de agregar diferentes saberes, a fim de oferecer
assistência às necessidades da população, é um dos principais pressupostos da ESF. Nos
processos de gestão da promoção e prevenção da saúde, espera-se que os profissionais
envolvidos no modelo proposto pela atenção primária pensem em estratégias de maneira
conjunta, com participação e envolvimento de todos os seus membros. Desse modo, para que
os resultados possam ser alcançados é imprescindível a existência de diálogo e contato contínuo
das equipes (Peruzzo et al., 2018).
Nesta perspectiva, ao estudar o trabalho em equipe multiprofissional em saúde, é
possível identificar no cotidiano do trabalho coletivo diferentes formas de conexões existentes
entre as ações técnicas executadas e a interação entre os agentes.
Na equipe multiprofissional de agrupamento ocorreria a justaposição das ações no cerne
da aplicação sobre a necessidade do usuário de técnicas complementares. Isto pode ser
exemplificado quando o profissional médico que esteja cuidado de um paciente diabético, em
nível ambulatorial, lhe dê um encaminhamento para o nutricionista, que por sua vez também
pode encaminhar a mesma pessoa para um educador físico. No entanto, pode não haver
articulação das ações se os sujeitos envolvidos nem ao menos colocarem em evidência ativa e
conscientemente as conexões entre os trabalhos(Pereira, 2011).
Frente a junção dos profissionais de diversas áreas, vale ressaltar também que há uma
pluralidade de ideias, que, quando somadas, podem desenvolver um trabalho significativo.
Como por exemplo a educação e saúde, quando pensada em diversas esferas, na equipe
multiprofissional, traz um resultado significativo e um maior publico de abrangência, além de
diversos assuntos que podem ser trabalhados
Barreto et al, (2019) vem falar sobre a contribuição da educação e saúde na prática do
trabalho da equipe multidisciplinar. Segundo ele, Considerando a importância de se identificar
o conhecimento dos profissionais da APS sobre a educação em saúde, essa categoria analisou
as considerações dos participantes acerca dessa temática. Segundo relatos, a educação em saúde
pode ser identificada como uma estratégia que tem como finalidade prevenir e promover a saúde
da população assistida.
Pereira (2011), fala ainda que na concepção dos profissionais a cooperação e
colaboração é uma característica fortemente associada ao trabalho em equipe, em menor grau
também se referem à dimensão comunicativa intrínseca deste trabalho. Não há discrepâncias
significativas entre as representações sobre o trabalho em equipe e as situações objetivas de

1168
trabalho analisadas.
A equipe na ESF, vai de encontro a diretriz do HumanizaSUS que preconiza a
ampliação do diálogo entre os profissionais e a promoção de gestão participativa para a
qualificação da assistência em saúde. Destarte, a existência de conflitos pessoais são os
principais propulsores para a não realização do trabalho em equipe. Estes podem estar
associados ao individualismo, à falta de cooperação, de comprometimento, de respeito e de
corresponsabilização. Por outro lado, a manutenção de relacionamentos interpessoais saudáveis
no ambiente de trabalho, pode ser facilitada por diálogo aberto e transparente, respeito e
confiança entre os membros, espaços para discussão de ideias por meio de reuniões de equipe,
gerenciamento de conflitos e, principalmente, valorização do trabalho em equipe (Fernandes,
2015).
Como toda relação há os desafios, a relação da equipe multiprofissional também pode
existir atritos, seja pela forma como seja conduzida, ou até mesmo a troca de ideias, que as
vezes causa isso.
Navarro, Guimarães e Garanhani ( 2013) falam que as diferenças individuais, como
temperamento, caráter e personalidade, podem ser consideradas possíveis entraves para o
relacionamento interpessoal e, consequentemente, poderão interferir na forma de
desenvolvimento do trabalho na equipe. Condições adversas, encontradas no ambiente de
trabalho, podem produzir a alienação, a impotência, ao estresse, aos conflitos, a disputa por
poder e sentimentos de medo, a insegurança e a baixa autoestima, dificultando, assim, qualquer
iniciativa de mudanças e implementações, no intuito de garantir uma assistência integral e mais
bem qualificada.
Peruzzo et al, (2018), complementa que Além disso, outros aspectos também podem
interferir na harmonia e cooperação entre os profissionais da equipe. Conforme relatado por
uma das enfermeiras, a idade do profissional e o tempo de atuação, por exemplo, exercem
influência na maneira como eles percebem o trabalho em suas equipes. Ou seja, trabalhadores
com até 30 anos ou com até um ano de atuação na ESF, tendem a possuir uma perspectiva sobre
o desenvolvimento do trabalho em equipe menos positiva do que os profissionais mais velhos
e com mais tempo de trabalho. Isto se deve principalmente pelo fato de eles estarem vivenciado
o processo de inserção na equipe, o que envolve aceitação pelos demais e apropriação adequada
da rotina de trabalho
É preciso que a equipe esteja ciente de que esses eventos podem acontecer e afetar o
desenvolvimento do trabalho, as que estejam cientes de colocar o atendimento em primeiro
lugar, buscando meios de mediar sempre coisas desse tipo, afim, de que assim, possam
desenvolver um convívio fácil e comum a todos da equipe.
Mas também vale ressaltar que a equipe, quando unida, traz resultados significativos.
Navarro et al, (2013) exemplifica quando fala que Os significados de “trabalho em equipe” para
os participantes da pesquisa foram associados ao trabalho familiar e idealizado, a uma relação
de ajuda, a um trabalho hierárquico; e a um trabalho coletivo. Ao participarem da entrevista
sobre o trabalho em equipe, os profissionais também puderam refletir sobre o próprio processo
de trabalho e o desenvolvimento de ações que visam a mudanças nas praticas de saúde,
buscando maior autonomia e integralidade. Caracterizaram a equipe como um espaço onde cada
membro tem seu papel especifico, e desempenha-lo com dedicação torna o trabalho mais
gratificante e reconhecido pela equipe. Destacaram a importância do reconhecimento de que
todos os participantes da equipe necessitam e que deveria estar mais presente tanto em equipes
novas quanto nas mais experientes.
Assim, o viver e um constante desafio, tanto intelectual quanto emocional, sendo

1169
constituído por ambiguidades e incertezas em relação as mudanças, as quais ocorrem cada vez
mais velozes e continuamente. A defasagem existente entre o progresso tecnológico e humano
e amplamente reconhecida nos sentimentos de perplexidade, inadequação, alienação e
despersonalização do homem contemporâneo (Larraguivel, 2003).
O presente estudo trouxe como limitações estudos que tragam especificamente ideias
que complementem o papel da equipe multiprofissional, como meios de melhorias,
principalmente nas relações interpessoais dos profissionais. Espera-se que este estudo possa
somar a pesquisas futuras sobre o assunto, além de poder servir como base teórica para futuras
pesquisas.

4 Considerações finais
O presente estudo trouxe a proposta de investigar através da literatura o trabalho da
equipe multiprofissional na Estratégia de saúde da Família, onde pontua as atividades da equipe
e o relacionamento interpessoal da equipe.
Os profissionais da ESF enfrentam vários desafios para realizar o trabalho em equipe,
principalmente no tocante às relações interpessoais, como a presença de conflito e
distanciamento entre os membros. Lidar com pontos de vista, cultura, crenças e personalidades
diferentes não é tarefa fácil. Acresce-se a isto as mudanças ocorridas no âmbito da Atenção
Primária à Saúde como, por exemplo, a incorporação da equipe de saúde bucal. Esses desafios
podem ser superados a partir da incorporação de estratégias diversas, tais como: realização de
reuniões periódicas da equipe, conhecimento e valorização do papel de cada um de seus
integrantes e estímulo ao estreitamento do vínculo entre os profissionais, para além do ambiente
de trabalho.
Os resultados mostram que os profissionais da ESF percebem a importância do trabalho
em equipe no atual modelo da atenção primária e, que alguns aspectos, como comunicação,
escuta ativa e respeito às particularidades de cada profissão, são essenciais para a manutenção
da harmonia e a implementação de uma prática colaborativa.
Mostrou também as dificuldades encontradas pela equipe, onde deixou claro que não é
fácil o trabalho em equipe, há desavenças, estresse, etc. Porém é possível remediar essas ações
negativas e transformá-las em positivas.
Quando unida, a equipe multiprofissional soma significativamente no atendimento,
dessa forma, torna-se muito importante, visto que, a pluralidade das distintas profissões, agrega
positivamente no cuidado holístico.

Referências
Mendes. E;V. (2012.)A APS no Brasil. In: Mendes EV. O cuidado das condições crônicas na
Atenção Primária à Saúde: o imperativo da consolidação da Estratégia da Saúde da
Família. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; p. 71-137
Giovanela, L, et al. (2009). Saúde da família: limites e possibilidades para uma abordagem
integral de atenção primária à saúde no Brasil. Cien Saude Colet ; 14(3):783-794
Ministério da Saúde (BR).(2015) Sistema de Informação da Atenção Básica: SIAB. Brasília;

1170
[citado 27 Ago 2015]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/SIAB/index.php.
Costa, G. D, Cotta, R. M. M, Ferreira, L. S. M, Reis, J. R, Franceschini S. C. C. (2009) Saúde
da família: desafios no processo de reorientação do modelo assistencial. Rev Bras
Enferm. 62(1):113-8.
Fox A, Reeves S. (2015). Interprofessional collaborative patient-centred care: a critical
exploration of two related discourses. J Interprof Care. 29(2):113-8.
Araújo, M. B. S, Rocha, P. M. (2007). Trabalho em equipe: um desafio para a consolidação da
estratégia de saúde da família. Cienc Saude Colet [Internet]. [acesso 2015 Abr 27];
12(2):455-64. Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1413-81232007000200022&lng=em
Sousa, M. F, Hamann, E. M. (2009). Programa Saude da Familia no Brasil: uma agenda
incompleta? Cienc Saude Coletiva,, 14(Supl1)1325-35.
Ribeiro, E. M, Pires, D, Blank, V. L. G. A. (2004). teorização sobre processo de trabalho em
saúde como instrumental para análise do trabalho no Programa Saúde da
Familia. Cad. Saúde Pública, 20(2). [Citado em: 2011 set 23] Disponivel em:
http://www.scielo.org.
Viegas, S. M. F, Penna, C. M.M. A (2013). Construção da integralidade no trabalho cotidiano
da equipe de saúde da família. Esc Anna Nery Rev
Enferm [Internet]. [cited 2017 May 22]; 17(1):133-41. Available from:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S1414-81452013000100019
Macedo, L.M, Martin, S. T. F. (2014). Interdependencia entre os niveis de atencao do Sistema
Unico de Saude (SUS): significado de integralidade
apresentado por trabalhadores da Atencao Primaria. Interface (Botucatu) [Internet]. [cited 2018
Abr 22]; 18(51): 647-60. Available from:
http://www.scielo.br/pdf/icse/v18n51/1807-5762-icse-1807-576220140597.pdf
Silva, J. A. M, Peduzzi, M, Orchard, C, Leonello V. M. (2015). Educação interprofissional e
prática colaborativa na Atenção Primária à Saúde. Rev Esc Enferm USP [Internet]. [cited
2018 Mar 6]; 49(no.esp2):16-24. Available from: http://www
Silva, S. E . M, Moreira, M. C. N. (2015). Equipe de saúde: negociações e limites da autonomia,
pertencimento e reconhecimento do outro. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. [cited 2018
Mar 3]; 20(10):3033-42. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n10/1413-
8123-csc-20-10-3033.pdf
Larraguivel, B. E, Pavaric, T. (2003). Nivel de satisfação laboral em enfermeras de hospitales
publicos y privados de La Provincia de Concepcion. Rev Cienc Enferm. 9(2):57-66.
Navarro, A. S. S, Guimaraes, R. L. S. Garanhani, M. L. (2013). Trabalho em equipe: o
significado atribuído por profissionais da estrategia de saude da familia. Rev Min
Enferm. jan/mar; 17(1): 61-68
Barreto, A. C. O, et al.(2019). Percepção da equipe multiprofissional da Atenção Primária
sobre educação em saúde . Rev Bras Enferm [Internet].;72(Suppl 1):278-85
Peruzzo, H. E, et al, (2018) Os desafios de se trabalhar em equipe. Escola Anna Nery 22(4)

1171
Pereira, R. C. A. (2011). O trabalho multiprofissional na Estratégia Saúde da Família: estudo
sobre modalidades de equipes. Renata Cristina Arthou Pereira. Rio de Janeiro: s.n.
PRONTUÁRIO DO SISTEMA ÚNICO DO ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) –

1172
ASPECTOS TÉCNICOS, ÉTICOS E JURÍDICOS SOBRE A TEMÁTICA.

Diego Mendonça Viana


1 Introdução
A utilização do documento Prontuário do Sistema Único do Assistência Social (SUAS)
é objeto de debate técnico, ético e jurídico dentro da política de Assistência Social de longa
data. Nesta seara, estão envolvidos aspectos operativos e de processos de trabalho da respectiva
política pública, sobretudo as discussões sobre como podem ocorrer os registros
compartilhados.
No cenário citado, é relevante que sejam avaliados diversos aspectos que serão
abordados nas seções posteriores deste trabalho, tais como: quais são os profissionais que
podem utilizar o Prontuário SUAS, como são asseguradas as questões relativas ao sigilo
profissional; possíveis diferença entre servidores estáveis, temporários, terceirizados ou de
função delegada em relação às obrigações de guarda de sigilo ou em relação às
responsabilidades com a administração pública e outras questões centrais.
Este texto é resultado derivado de um levantamento de dados documentais e uma
reflexão técnica a respeito do assunto do Prontuários SUAS. O estudo que embasou esta
produção foi realizado junto ao Conselho Regional de Psicologia da 11ª Região (CRP 11), com
vistas à elucidar as dúvidas mais frequentes dos profissionais de Psicologia que atuam no
contexto da Assistência Social.

2 Método
Este estudo se configura no campo da pesquisa qualitativa em termos de abordagem,
possuindo caráter documental quanto à sua natureza, exploratório quanto aos objetivos e de
caráter transversal quanto ao tempo. Destaca-se, ainda, que o estudo possuiu características de
pesquisa documental com foco em dados secundários quanto aos seus procedimentos de acordo
com os entendimentos consolidados nos estudos metodológicos de Silveira e Córdova (2009).
Ainda a respeito das questões relativas à metodologia necessária para realização da pesquisa, é
de fundamental importância destacar que este trabalho se situa no campo da pesquisa qualitativa
com foco na interface políticas sociais, com especial vinculação aos estudos de Bosi (2012).
A coleta de dados foi feita por meio de análise de documentos públicos pertinentes sobre
a matéria de competência estadual e federal (normativas, protocolos, recomendações, notas
técnicas e demais documentos relevantes), bem como de análise de dados trazidos por estudos
acadêmicos que versam sobre esta temática.
Para a análise de dados, foi utilizado o referencial da Análise de Conteúdo de Bardin
(1977). A escolha deste referencial de análise permitiu a construção de critérios para
categorização e subcategorização dos conteúdos oriundos do material. Em substância, a Análise
de Conteúdo de Bardin (1977) se configura como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por


procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

1173
(p 35).

O resultado das análises serviu de substrato para realização do confronto comparativo


das possíveis diferentes compreensões sobre a temática. Também foi feito o confronto das
referidas compreensões com o prescrito nas políticas oficiais e governamentais que versam
sobre o tema.

2 Resultados e Discussão
2.1 Categoria: quais os profissionais que podem utilizar o Prontuário SUAS?
Esta é uma questão bastante controversa e por diversos fatores. Neste documento, serão
listadas e comentadas cada uma das problemáticas deste debate da forma como se segue. O
documento MANUAL DE INSTRUÇÕES PARA UTILIZAÇÃO DO PRONTUÁRIO SUAS
estabeleceu algumas orientações e fundamentações a este respeito no ano de 2014 que merecem
reprodução na íntegra:

PROFISSIONAIS RESPONSÁVEIS PELO USO DO PRONTUÁRIO SUAS


O Prontuário SUAS deve ser utilizado pelos(as) profissionais de nível superior
da equipe técnica de referência das unidades de CRAS e de CREAS, que são
registrados em conselhos profissionais, cuja atuação esteja regulada por
Códigos de Ética Profissional e que são responsáveis, respectivamente, pelo
trabalho social com famílias no âmbito do PAIF e do PAEFI, considerando os
princípios éticos e as atribuições privativas das categorias profissionais.
A Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de
Assistência Social (NOB-RH/SUAS), aprovada por meio da Resolução CNAS
Nº 269, de 13 de dezembro de 2006, aponta os profissionais que devem
compor, obrigatoriamente, as equipes de referência da PSB e PSE,
considerando o “número de famílias e indivíduos referenciados, o tipo de
atendimento e as aquisições que devem ser garantidas aos usuários” (Brasil,
2011, p. 19): Proteção Social Básica: Assistente Social e Psicólogo; Proteção
Social Especial de Média Complexidade: Assistente Social, Psicólogo e
Advogado e Proteção Social Especial de Alta Complexidade: Assistente
Social e Psicólogo.
A Resolução CNAS Nº 17, de 20 de junho de 2011, ratificar a equipe de
referência definida pela NOB-RH/SUAS e reconhece outras categorias
profissionais de nível superior que possuem formação e habilidades para o
desenvolvimento de atividades específicas para atender as especificidades dos
serviços socioassistenciais e das funções essenciais da gestão do SUAS.
Assim, além das(os) Assistentes Sociais, Psicólogas(os) e Advogado(a) que
compõem obrigatoriamente as equipes de referência do CRAS e CREAS, os
profissionais de nível superior que, preferencialmente, poderão atender as
especificidades dos serviços socioassistenciais são: Antropólogo, Economista
Doméstico, Pedagogo, Sociólogo, Terapeuta ocupacional e Musicoterapeuta.
Entretanto, quanto ao uso do Prontuário SUAS os profissionais precisam estar
atentos à regulamentação da sua profissão e aos valores e princípios
preconizados no seu Código de Ética Profissional quanto ao exercício da

1174
profissão.
As Orientações Técnicas sobre o PAIF orientam que “todos os atendimentos
que foram registrados precisam ser datados e identificados: é preciso que
contenham carimbos (com identificação e número do registro em conselho de
classe) e assinaturas do(s) profissional(is) responsável(is) pelo registro dos
dados. Todas as etapas do trabalho são de domínio de todos os técnicos de
nível superior, o que caracteriza o trabalho interdisciplinar. No entanto, deve-
se preservar a questão ética e as atribuições específicas de cada profissão”
(2012, p. 51). (grifos do parecerista)

Restou evidenciado na redação do citado manual que apenas as profissões


regulamentadas, que estejam sob o controle de Conselhos Profissionais de Fiscalização, bem
como regidos pelos respectivos códigos de ética podem utilizar o Prontuário SUAS. No manual
em questão, há referência às duas normativas reguladoras do trabalho dos recursos humanos no
SUAS, a saber, a Resolução CNAS Nº 269, de 13 de dezembro de 2006 – NOB/RH SUAS e a
Resolução CNAS Nº 17, de 20 de junho de 2011. Esta última normativa acrescentou um rol de
diversas profissões que podem compor as equipes profissionais de referência, complementando
os profissionais essenciais, da Política de Assistência Social. Dito isto, ao analisar a redação da
Resolução CNAS Nº 17, de 20 de junho de 2011, em especial os termos dispostos, nota-se o
seguinte:

Art. 4º Os profissionais de nível superior que integram as equipes de referência


e gestão do SUAS deverão possuir:
I - Diploma de curso de graduação emitido por instituição de ensino superior
devidamente credenciada pelo Ministério da Educação – MEC;
II – Registro profissional no respectivo Conselho Regional, quando houver.
(grifos do parecerista).

É de fácil percepção que a Resolução nº17/2011 editada pelo Conselho Nacional de


Assistência Social (CNAS) deixou facultado a existência ou não de registro em Conselho
Regional de Profissão para que os profissionais integrem as equipes de referência. Sendo o
CNAS instância máxima de deliberação sobre a Política de Assistência Social, com
prerrogativas conferidas por Lei (LEI Nº 8.742, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1993 -LOAS), os
seus atos oficiais são a referência de regulação do Sistema Único de Assistência Social.
Para que não restem dúvidas sobre o caráter deliberativo do CNAS no ordenamento do
SUAS, cito abaixo os poderes conferidos pelo Congresso Nacional e ratificados pelo Chefe do
Executivo na aludida Lei acima mencionada:

Art. 16. As instâncias deliberativas do Suas, de caráter permanente e composição


paritária entre governo e sociedade civil, são: (Redação dada pela Lei nº 12.435, de
2011)
I - o Conselho Nacional de Assistência Social;
II - os Conselhos Estaduais de Assistência Social;
III - o Conselho de Assistência Social do Distrito Federal;

1175
IV - os Conselhos Municipais de Assistência Social.
Art. 17. Fica instituído o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), órgão
superior de deliberação colegiada, vinculado à estrutura do órgão da Administração
Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência
Social, cujos membros, nomeados pelo Presidente da República, têm mandato de 2
(dois) anos, permitida uma única recondução por igual período. (grifos do
parecerista).

Os elementos fáticos aqui provados são suficientes para fundamentar que o documento
MANUAL DE INSTRUÇÕES PARA UTILIZAÇÃO DO PRONTUÁRIO SUAS não poderia
ter restrito o uso de um documento essencial para o desenvolvimento do trabalho técnico no
SUAS, quando a norma superior não impôs este tipo de condicionalidade. Um documento de
orientação técnica elaborado pelo órgão do executivo federal (MDS) tal como o é o referido
manual e os manuais correlatos não possui autorização legal para impor orientações que são
frontalmente conflitantes com a hierarquia normativa que embasam a legalidade da
Administração Pública.
Portanto, todos os profissionais de nível superior listados na Resolução CNAS Nº 17,
de 20 de junho de 2011 e que estejam compondo equipes técnicas de referência (sendo
devidamente fundamentada a necessidade de composição dos profissionais), gozam das
prerrogativas do trabalho técnico pleno a ser desenvolvido com os indivíduos e famílias,
inclusive para o uso do Prontuário SUAS, respeitadas as disposições legais previstas em
vigência.

2.2 Categoria: Como Ficarão Asseguradas as Questões Relativas ao Sigilo Profissional?


É importante destacar que todos os profissionais estão obrigados a guardar sigilo sobre
informações sensíveis, da intimidade e da privacidade na prestação de serviços. O dever de
assim proceder em relação ao sigilo está previsto no código penal brasileiro (DECRETO-LEI
Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940):

SEÇÃO IV
DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DOS SEGREDOS
Divulgação de segredo
Art. 153 - Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento
particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou
detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.


§ 1º Somente se procede mediante representação. (Parágrafo único
renumerado pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 1º-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim
definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de
dados da Administração Pública: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº

1176
9.983, de 2000)
§ 2º Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será
incondicionada. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Violação do segredo profissional


Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em
razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa
produzir dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação

O arcabouço legal citado traz consigo a fundamentação de que os agentes públicos e


privados têm por dever guardar sigilo das informações das quais tenham acesso no exercício de
suas funções. Esta obrigação não está condicionada a existência de regulamentação de
profissões ou a existência de respectivo código de ética profissional específico. As profissões
que são regulamentadas e regidas por códigos de ética são duplamente responsáveis sobre o
manejo do sigilo, respondendo às normas gerais e às específicas de cada ato profissional. A
duplicidade de responsabilidade das profissões regulamentadas não significa que as demais
profissões estejam desobrigadas de guarda de sigilo.
Em todos os casos (de profissões regulamentadas regidas por código de ética e de
profissões não regulamentadas e não regidas por código de ética), os atos ilícitos, inclusive de
quebra de sigilo deverão ser investigados, instruídos, tramitados e julgados por Comissões de
Ética Pública (CEP) em cada esfera administrativa nos moldes das jurisprudências já firmadas
no âmbito federal (DECRETO Nº 1.171, DE 22 DE JUNHO DE 1994 que aprova o Código de
Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal) e no âmbito estadual
do Ceará (DECRETO Nº31.198, de 30 de abril de 2013 que INSTITUI O CÓDIGO DE ÉTICA
E CONDUTA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL, E DÁ OUTRAS
PROVIDÊNCIAS).
Caso o município não disponha deste ordenamento jurídico, deverá instituir o chefe do
executivo, por analogia do mérito legislativo firmado, por ato ordinário para apuração de fatos
eventualmente ocorridos de quebra de sigilo, preservadas as garantias legais e processuais em
vigência. Evidenciados os elementos acima, resta provado que há dispositivos de controle e de
garantias legais para que todas as profissões de nível superior guardem sigilo de seus atos. A
mesma obrigação se estende aos profissionais de nível médio e fundamental, guardadas as
devidas proporções e especificidades de suas atribuições junto à Administração Pública.

2.3 Categoria: Profissionais de Nível Médio Podem Ter Acesso às Informações Sigilosas
Registradas em Prontuário, em especial ao Prontuário SUAS?
Para responder a este questionamento é importante demarcar a função do registro em
prontuário para o cumprimento dos objetivos do cuidado com indivíduos e famílias. Segundo o
Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa a palavra Prontuário significa o seguinte:
Prontuário

1177
pron·tu·á·ri·o
sm
1 Manual que contém informações úteis.
2 Lugar onde se guardam objetos que podem ser necessários a qualquer
momento.
3 Ficha com os antecedentes de uma pessoa.
4 Conteúdo desse documento.

Ou seja, o prontuário é um documento que contém informações sobre os processos pelos


quais uma pessoa foi submetida ao longo de um recorte de sua história de vida. Do ponto de
vista técnico, um prontuário tem por função garantir as seguintes diretrizes:

a) Registrar informações relevantes sobre a pessoa acompanhada;


b) Contextualizar processualmente os procedimentos empregados para
a preservação do cuidado da pessoa acompanhada;
c) Subsidiar a tomada de decisões técnicas dos profissionais envolvidos
diretamente nas intervenções pertinentes com a pessoas acompanhadas

Este é o trinômio Registrar-Contextualizar-Subsidiar as decisões técnicas. Esta é a


função primordial da existência de um prontuário. A função complementar consiste em permitir
a comunicação qualificada entre diferentes profissionais de mesma categoria (uniprofissional)
ou de categorias diferentes (multiprofissional).
Neste sentido, cabe aos profissionais de referência das equipes e os profissionais
consultivos, cuja a exigência de conhecimentos para intervir (legal e técnica) demanda
formação em nível superior, tomar as decisões técnicas sobre os rumos do acompanhamento.
A diferenciação de responsabilidades por nível de complexidade está prevista na Constituição
Federal na forma demonstrada a seguir:

Artigo 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes


da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de
1998)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia
em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a
natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei [...]
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (grifos do
parecerista).

Nestes termos, sendo os profissionais de nível superior das equipes de referência a


última instância de decisão técnica de serviço (inclusive sob o prisma da responsabilização dos
atos), cabe exclusivamente a estes a prerrogativa de acesso, evolução e uso dos prontuários.
Embora na política de saúde, alguns profissionais de nível médio e técnico possam realizar
registros específicos em prontuário, mediados por supervisão de profissional de nível superior,

1178
esta previsão não está tipificada na Política de Assistência Social. Cabe, portanto, aos técnicos
de nível superior a responsabilidade plena do uso de prontuários. A prerrogativa de vistoria de
prontuários por agentes fiscais de mesmo nível também é prevista de acordo com as normativas
em vigência.

2.4 Categoria: Coordenadores Podem Ter Acesso às Informações Sigilosas Registradas


em Prontuário, em especial ao Prontuário SUAS?
Os agentes públicos que exercem função de coordenação devem possuir escolaridade
de nível superior para o exercício de suas atividades de acordo com as previsões da
RESOLUÇÃO Nº 269, DE 13 DE DEZEMBRO DE 2006 – BOB/RH SUAS e da Resolução
CNAS nº 17/ 20011.
Neste sentido, nota-se facilmente que não há previsão para que coordenadores
desempenhem funções técnicas e, portanto, tenham acesso as prerrogativas de sigilo existentes
no Prontuário SUAS. Mesmo que coordenadores possuam profissões de base, inclusive
regulamentadas, as funções de coordenação são funções gerenciais estritas, não devendo o
profissional que exerce a gestão de uma unidade do SUAS confundir suas atribuições do cargo
com a sua profissão de base.

2.5 Categoria: O que Pode ou Não Ser Registrado em Prontuário do SUAS?


No caso específico da Psicologia, a Resolução nº 010/2005 (Código de Ética
Profissional do Psicólogo -CEPP), há as seguintes determinações:

Art. 6º – O psicólogo, no relacionamento com profissionais não psicólogos:


b) Compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço
prestado, resguardando o caráter confidencial das comunicações, assinalando
a responsabilidade, de quem as receber, de preservar o sigilo.

Em caráter complementar a este determinado pelo CEPP, a Resolução CFP 001/2009


que dispõe sobre a obrigatoriedade do registro documental decorrente da prestação de serviços
psicológicos, estabelece o seguinte:

Art. 6º. Quando em serviço multiprofissional, o registro deve ser realizado em


prontuário único.
Parágrafo único. Devem ser registradas apenas as informações necessárias ao
cumprimento dos objetivos do trabalho. (grifos do parecerista)

Entendimento semelhante tem sido adotado pelas diversas profissões regulamentadas e


seus respectivos códigos de ética para atuação em diferentes contextos no campo público e
privado. Desta feita, a manutenção do sigilo é a regra fundamental da atuação profissional e,
em decorrência deste fato, os instrumentos multiprofissionais devem conter apenas o
estritamente necessário para cumprir os objetivos do trabalho, bem como que leve em conta o

1179
benefício do usuário do serviço.
Por analogia do mérito, a mesma orientação é válida para as profissões não
regulamentadas e não regidas por código de ética. A fundamentação de manutenção de sigilo
pelas razões já apresentadas neste parecer estende o dever de registrar apenas o necessário para
todas as profissões que desenvolvam trabalho técnico com indivíduos e famílias.
Importante salientar que o Prontuário SUAS está estruturado para registro de
informações bastante sensíveis sobre a intimidade das famílias, tais como informações
financeiras, de saúde, de educação. Por esta razão, os profissionais devem ter cuidado redobrado
no manejo deste instrumento, bem como atentar para as disposições éticas e legais do uso dais
citadas informações.

2.6 Categoria: A Quem Pertence o Prontuário do SUAS?


O prontuário de qualquer espécie pertence ao usuário em razão de ser documento de
registro de dados pessoais para diversas finalidades. Esta prerrogativa está prevista em Lei (LEI
Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990 – Código de Defesa do Consumidor), no art. 72,
ao tipificar como infração a negativa de acesso como se nota a seguir:

Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele
constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros:
Pena Detenção de seis meses a um ano ou multa.

Embora as relações existentes na Política de Assistência Social não sejam de consumo,


esta normativa serve de base para demonstrar que o sujeito tem direito às cópias de documentos
de seu interesse, incluindo-se os prontuários. Este mesmo entendimento foi consolidado pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 201564. Entendimento semelhante tem sido
consolidado nos tribunais cuja a sentença abaixo ilustra:

Agravo de instrumento. Medida cautelar de busca e apreensão. Prontuário médico-


hospitalar.
O conteúdo do prontuário médico hospitalar não pertence ao estabelecimento
de saúde, mas ao paciente, que deve ter acesso às informações nele contidas.
agravo provido. (RIO GRANDE DO SUL, 2000)

A salvaguarda do prontuário é da instituição pública em que os serviços são prestados e


a responsabilidade (ética, técnica e jurídica) de manejo dos dados é do profissional responsável.

64
Fonte: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80919-cnj-servico-todo-paciente-tem-direito-a-copia-do-prontuario-
medico
3 Considerações Finais:

1180
Nota-se de forma cristalina que se faz necessária a solicitação de revisão do documento
MANUAL DE INSTRUÇÕES PARA UTILIZAÇÃO DO PRONTUÁRIO SUAS de forma que
sua redação fique adequada diante das legislações em vigência. Como desdobramento do
mérito acima fundamentado, qualquer decisão que proíba os profissionais de referência de
equipes (de nível superior), regidos ou não por código de ética, de utilizarem o Prontuário
SUAS não possui sustentação legal.
Este debate deve ser qualificado junto aos Fóruns da Assistência Social, para o Controle
Social, para os (as) Trabalhadores (as), para os (as) Gestores (as) da citada política pública, bem
como para as autoridades competentes para conhecimento e providências cabíveis. Nesta
mesma linha, é razoável sugerir a elaboração de uma Política de Conduta e Ética Geral dos
Trabalhadores do SUAS. Recomenda-se, ainda, a elaboração de notas técnicas a respeito desta
temática para ajustes do trabalho técnico no SUAS.

Referências
Silveira, D.T; Córdova, F.P. (2009). Unidade 2 – A pesquisa científica. IN: GERHARDT, E;
SILVEIRA, D.T (Org). Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS.
Bosi, M.L.M (2012). Pesquisa qualitativa em saúde coletiva: panorama e desafios. Ciência &
Saúde Coletiva, 17(3):575-586.
Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2014). Manual de instruções para
utilização do prontuário Suas. Brasília: MDS.
Resolução CNAS Nº 269, de 13 de dezembro de 2006 – NOB/RH SUAS. (2006, 13 de
dezembro). Aprovar a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema
Único de Assistência Social - NOB-RH/SUAS. Brasília: CNAS, 2006.
Resolução CNAS Nº 17, de 20 de junho de 2011. (2001, 20 de junho) Ratificar a equipe de
referência definida pela Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema
Único de Assistência Social – NOB-RH/SUAS e Reconhecer as categorias profissionais
de nível superior para atender as especificidades dos serviços socioassistenciais e das
funções essenciais de gestão do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Brasília:
CNAS, 2011.
Lei Orgânica da Assistência Social (1993, 7 de dezembro). Dispõe sobre a organização da
Assistência Social e dá outras providências. Brasília: Governo Federal, 1993.
Decreto Nº 1.171 (1994, 22 de junho). Aprova o Código de Ética Profissional do Servidor
Público Civil do Poder Executivo Federal. Brasília: Governo Federal, 1994.
Decreto Nº31.198, (2013, 30 de abril). Institui o Código de Ética e Conduta da Administração
Pública Estadual e dá Outras Providências. Governo do Estado do Ceará, 2013.
Michaelis (2009). Moderno Dicionário da Língua Portuguesa.
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado

1181
Federal: Centro Gráfico, 1988.
Resolução nº 010/2005 (2005) Código de Ética Profissional do Psicólogo. Brasília: CFP, 2005.
Código de Defesa do Consumidor (1990, 11 de setembro). Dispõe sobre a proteção do
consumidor e dá outras providências. Brasília: Governo Federal, 1990.
Agravo de instrumento. Medida cautelar de busca e apreensão. Prontuário médico-hospitalar
(2000). RIO GRANDE DO SUL.
ATENÇÃO À CRISE EM SAÚDE MENTAL: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO

1182
Francisca Daniele Nogueira Albuquerque,
Ana Virgínia Maria Da Silva,
Rafaela Brenda Araújo Da Silva,
Débora Magalhães Araújo,
Francisca Maria Isabel Torres Frota

1 Introdução

O termo crise tem diversos significados, sua origem médica o define como um momento
de decisão entre cura e morte diante de uma doença (Elia, 2013). Tendo como base uma
definição original tão precisa, procurar por esta mesma precisão no significado de crise na saúde
mental acaba por se tornar algo problemático, a possibilidade de encontrar diversos ponto de
vista de diversas abordagens sobre o termo (Martins, 2012) confirma não somente sua
polissemia como palavra, mas também, como termo da saúde mental.
Segundo Foucault (1991), (citado por Martins, 2012, p. 18), falar de loucura remete-se
a crise, e isso foi sendo construído historicamente e culturalmente, de acordo com o contexto
social de cada população. Portanto, ao falar de crise, é preciso entender a construção do conceito
de loucura, caracterizada por desrazão, alienação, alucinações, dentre outras definições. Estes
adjetivos reduziam a pessoa ao sintoma, não se reconhecia o paciente como uma entidade
complexa; portanto a crise acabava sendo o ponto máximo de simplificação (Martins, 2012).
Observe-se que a noção de crise para a sociedade adquiriu uma característica negativa, isso se
explica a partir da construção histórica em torno da loucura e suas significações em diferentes
épocas.
De uma das diferentes definições, pode se compreender uma situação de crise quando
são identificados ao menos três das seguintes condições: grave sintomas psiquiátricos agudos,
rupturas graves de relações tanto sociais como familiares, recusa de intervenções e um contato
negativo com a equipe, recusa de todo tipo de contato e por fim, impossibilidade pessoal de
conseguir lidar com complicações familiares sociais (Campos, 2015).
Caracterizada por uma crise de curso evolutivo, o episódio psicótico divide-se em três
fases, sendo estas prodrômica, aguda e de recuperação. Sendo uma ocasião prévia ao andamento
dos sintomas, este período caracteriza-se por um momento de alerta, onde o indivíduo pode
apresentar ansiedade, alterações no sono e alimentação, irritabilidade, isolamento e deterioração
de suas funções psíquicas. No caso da fase aguda, a mesma ocorre com momentos de
alucinações, delírios e um discurso mal organizado, geralmente é nesta fase que a família vai
em busca de um atendimento especializado, logo em no período dos seis primeiros meses após
o tratamento do período agudo, se dá a recuperação (Carvalho, Costa & Bucher-Maluschke,
2007).
Martins (2012) destaca que geralmente, a crise é aquela que determina as demandas em
saúde mental, que levanta vários questionamentos em meio os profissionais da saúde e por ser
um tema que leva em si as expectativas da sociedade produzindo um sofrimento no indivíduo

1183
que acaba por afetar também todos ao seu redor, deve ser tratada com o devido cuidado.
Dessa forma, por meio deste estudo bibliográfico objetiva-se discutir as nuances da
atenção à crise em saúde mental dado a relevância do tema para a atuação de profissionais da
saúde, assim como para a sociedade de forma geral.

2 Desenvolvimento
2.1 Contextualização em torno da “crise”
Para um melhor entendimento em torno da crise na saúde mental, se faz necessário
entender a crise nos diferentes momentos da história da psiquiatria clássica (vinculada a um
saber biomédico) e da reforma psiquiátrica, o que gera um problema ao definir a crise em saúde
mental, pois apresenta historicamente um vasto campo de discussões e diversas formas de se
entendê-la.
Neste sentido, a “crise psicótica”, como aborda Martins (2012), já foi entendida como
bruxaria, forma de purificação, revolta social, manifestação de sabedoria e, posteriormente, com
o surgimento da psiquiatria, a partir do século XVIII, como doença mental. Além disso, as
formas de lidar com a crise também foram se transformando ao longo do tempo, através do
exorcismo, fogueira, confinamento, tratamento moral, eletrochoque, contenção física e/ou
medicamentosa, até outros recursos psicodinâmicos e psicossociais de tratamento (Martins,
2012). Observe-se que a noção de crise para a sociedade adquiriu uma característica negativa,
isso se explica a partir da construção histórica em torno da loucura e suas significações em
diferentes épocas.
No século XVII, a loucura era encarada como um problema social, onde todos aqueles
ditos fora da ordem social, fora dos modos de produção vigentes, e que por algum motivo causa
desordem, desconforto, ameaça ou prejuízos são colocados dentro de um enclausuramento, com
a intenção apenas de afastar a miséria das cidades. Esses lugares onde eram mandadas essas
pessoas, eram chamados de a Grande Internação ou Hospitais Gerais, considerado um espaço
de exclusão social (Amarante, 1996).
A Revolução Francesa, apoiada aos princípios de liberdade e o surgimento da
Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão, foram peças chaves para aparecimento de uma
nova configuração do que se entendia como loucura e para o surgimento da psiquiatria. Com
esses ideais revolucionário o grande enclausuramento deveria ser abolido, mas a sociedade
ainda via como uma ameaça a presença dos “loucos” nas ruas. De acordo com Amarante (1996),
para resolver esse dilema, o isolamento dos alienados passou a ser visto como algo terapêutico
e legal, onde se acreditava que era a comunidade que gerava a alienação. Neste aspecto, passou
a colocar “loucos” em um mesmo espaço, a fim de tratar e estudar a loucura, isso possibilitou
o nascimento da psiquiatria.
Na psiquiatria clássica destaca-se a figura de Phillippe Pinel, um dos fundadores da
clínica médica, quem mandou desacorrentar os alienados e passou a estudar a loucura na
nosografia médica, como aborda Amarante (1996), o que possibilitou entender a loucura a partir
de determinados sinais, classificando-a e colocado em categorias, de acordo com hábitos, gestos
estranhos e comparando com suas semelhanças e diferenças. Além de Pinel, Esquirol, Morel e
Kraeplin apresentaram formas de pensar e lidar com a doença mental que se resumiam na
descrição de sintomas, delineado por cada um deles à sua maneira (Martins, 2012).
Segundo Martins (2012), durante a psiquiatria clássica, a crise era entendida como o

1184
momento agudo da sintomatologia psiquiátrica, tendo como sinais característicos: delírios,
alucinações visuais e auditivas, agressividade, dentre outros. E o objetivo da psiquiatria seria a
eliminação da sintomatologia, a fim de atingir o equilíbrio, a partir de uma adaptação e
estabilização da crise, através do controle e tutela; uso do espaço físico para contenção da crise
e a internação como recurso predominante (Costa, 2007). Com Pinel, a crise se tornou uma
possibilidade de o paciente poder ser tratado, fato este que nos permite pensar o paradigma de
uma crise como forma de tratamento (Ávila & Berlinck, 2014). Neste sentido, o hospital
psiquiátrico representou o principal instrumento de intervenção em situações de crise.
Observa-se que no desenrolar da história da psiquiatria, o que se entende como crise,
passou por algumas mudanças. Para Ávila e Berlinck (2014), desde uma concepção moral,
pautada em uma limpeza social, até chegar a uma noção ética de tratamento, considerado como
um meio de se alcançar a singularidade do sujeito, como proposto pela psicanálise.
A psiquiatria e a reforma psiquiátrica, tiveram grande participação durante essas
transformações, voltando-se para a crise e sua centralidade, buscaram oferecer respostas
diversas. Na psiquiatria clássica, de modo geral, “as crises” e as tentativas de respostas às
mesmas, poderiam ser resumidas nas seguintes características: noção de periculosidade ligada
à pessoa em crise; a exclusão; isolamento, classificação do que é normal ou anormal; separação
entre a crise e a vida global do sujeito; uso frequente de contenções físicas, da
eletroconvulsoterapia; uso generalizado e padronizado da medicação como recurso terapêutico
prioritário (Costa, 2007).
Contudo, foram surgindo movimentos que passaram a questionar e colocar a psiquiatria
e a eficácia dos asilos em alvos de críticas, denunciando suas práticas e o excessivo poder da
psiquiatria, fortalecendo a ideia de que o hospital psiquiátrico deveria ser transformado ou
abolido (Desviat, 1999). Além disso, pensar a pessoa em crise com amplas possibilidades, com
singularidades e com uma teia de relações que possam ajudar a enfrentar ou lidar com os
sintomas.
Seguindo as ideias propostas por Martins (2012), esses foram os elementos propulsores
dos diferentes movimentos de reforma psiquiátrica, que direcionou políticas de Saúde Mental
divergentes, em diferentes países, desde a desinstitucionalização e psiquiatria comunitária
norte-americana até as políticas de setor e psicoterapia institucional francesa. que buscavam
descentralizar os hospitais psiquiátricos, ampliar as formas e locais de atendimento para pessoas
com alguma doença mental.
Neste aspecto, com a psiquiatria comunitária nos Estados Unidos e a partir da “teoria da
crise” de Gérald Caplan (1964), o termo “crise” ganha novos sentidos e importância, apoiada
nos estudos sobre eventos traumáticos ocorridos a partir das grandes guerras e catástrofes,
fatores que favoreceu a origem do conceito de crise relacionada com a psicose. Essa teoria se
destaca pela atenção a ações preventivas nas situações psiquiátricas agudas e a valorização de
características clínicas anteriores a esses episódios, sendo possível pensar uma terapia
psiquiátrica em termos de adaptação e desadaptação de fatores ligados à emergência clínica e
social do distúrbio. Essas estratégias de atenção à crise tiveram como foco a substituição do
tratamento hospitalar, evitando internações de longa duração, alcançando melhor vínculo e
adesão ao tratamento, controlando a gravidade sintomática e melhoras no funcionamento
psicossocial (Diaz, 2013).
No Brasil, com a redemocratização, levantaram questões sobre a saúde pública e em
saúde mental, levantando denúncias sobre a violação dos direitos humanos, dos trabalhadores,
principalmente dos hospitais psiquiátricos, o que proporcionou o surgimento da reforma
psiquiátrica e o movimento de trabalhadores da Saúde mental. Propondo pensar a saúde em

1185
promoção e prevenção, além disso, descentralizar serviços, ampliar a rede de atendimento,
principalmente em situações de crise. De acordo com Diaz (2013), com a influência italiana e
as visitas de Franco Basaglia ao Brasil, possibilitou a criação do Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) em São Paulo e o Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) em Santos, no final dos
anos de 1980, substituindo a psiquiatria clássica.
Os movimentos de reforma e os novos dispositivos de atenção à saúde proporcionaram
uma ampliação no conceito de crise, ampliando a compreensão do indivíduo, incluindo nele
aspectos do contexto social, familiar e relacional, aprofundando na vivência subjetiva da crise
e na sua singularidade para o sujeito que a vivencia concretamente, como aponta Martins
(2012), fortalecendo a ideia que a intervenção na crise pode ocorrer em qualquer lugar.
Portanto, segundo a autora, a reforma pretendeu romper com o saber biomédico, o que remete
aos tratamentos baseados na contenção medicamentosa, na tentativa de restaurar a normalidade
perdida.

2.3 Manejo da crise


Considerando como princípio da reforma psiquiátrica no Brasil, a
desinstitucionalização, que culminou na consequente desospitalização como um dos pontos
alavancadores desse processo. A partir disso, passa-se para os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS) a responsabilidade ao atendimento de pacientes com transtornos psíquicos graves, que
oferecem atividades terapêuticas, sem limitar-se apenas a clássica farmacoterapia, dessa forma
objetivando evitar internações. Esse modelo substitutivo deve dar conta dos usuários em crise,
e isso representa o principal desafio desses dispositivos (Lima, Jucá, Nunes & Ottoni, 2012).
Conforme Dimenstein et al. (2012), esta substituição da maneira asilar requer uma estruturação
de uma rede articulada e elaborada de serviços que abracem todas as diferentes necessidades
do sujeito em sofrimento psíquico, principalmente nos momentos de crise.
As redes de atenção psicossocial (RAPS), como um todo, acolhem as crises, porém
deve-se atentar que, uma vez que, o indivíduo tem acesso ampliado a esses dispositivos, pode-
se realizar uma espécie de intervenção precoce, evitando assim, que essas crises evoluam para
formas mais graves, podendo ocorrer rupturas familiares ou sociais. As crises definidas como
graves são tidas no modelo médico como urgência e emergência e o sujeito que estar
vivenciando tal crise é denominado como “perigoso” tanto para si como para os outros. Dessa
forma, essas crises mais graves devem ser objetos de uma intervenção mais complexa e
trabalhada, que envolve uma questão de articulação e continuidade dos serviços de urgência e
emergência e os dispositivos das RAPS, que mais comumente é o CAPS (Campos, 2014).
Segundo Martins (2012), nos serviços substitutivos, o psiquiatra não é detentor de uma
posição central no atendimento de determinado paciente, a urgência não trata-se única e
exclusivamente com este profissional, mas sim com à equipe à qual ele pertence. Dessa forma,
percebe-se a descentralização da figura médica e a unificação de uma equipe em prol do
paciente que encontra-se em situação de crise.
Conforme Silva (2013), por meio dos resultados de uma pesquisa realizada em um
Hospital geral sobre o atendimento à crise, traz que o primeiro recurso utilizado para conter a
crise, nessa equipe do referido hospital entrevistada, é o manejo verbal, se esse não for possível,
passa para a medicação, dessa forma, a contenção mecânica é usada apenas como último
recurso.
Ao prestar o primeiro atendimento ao sujeito que encontra-se em situação de crise, que

1186
mais especificamente deve ser alguma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e Pronto-
Socorro, a equipe deve depois de ter realizado o acolhimento, classificado o risco e ter feito a
intervenção de modo imediato, com a finalidade de diminuir os riscos e melhorar o manejo do
paciente, articular-se com outros dispositivos de atenção, visando garantir que aquele indivíduo
terá continuidade do cuidado, a partir da necessidade de cada caso (Campos, 2014). Porém,
contradizendo esta questão, o usuário muitas vezes chega no CAPS na crise aguda. Dessa
forma, Silva e Dimenstein (2014), através de uma pesquisa realizada em um CAPS II, trazem
que o usuário que chega em crise, o primeiro aspecto que olha-se na realização do acolhimento
e no inicio da triagem é o risco que este usuário demanda para si mesmo e para os outros. Tendo
isso em vista, a equipe pode realizar o encaminhamento para outros pontos de Rede. Este
encaminhamento deve ser embasado na necessidade do caso, por exemplo, casos em que o
usuário precisa de uma desintoxicação, ele deve ser remanejado para unidades de
desintoxicação, onde irá receber atendimento que o CAPS não pode oferecer, tendo em vista
seus recursos e finalidades.
Os CAPS são responsáveis por uma série de atividades que devem ser desenvolvidas
com o usuário e até com sua família, dessa forma, o individuo ao adentrar no CAPS tem acesso
a vários recursos terapêuticos. Ao deparar-se com pacientes em situação de crise, o CAPS tem
o acolhimento como ferramenta fundamental para lidar com este indivíduo, pois o paciente que
encontra-se nessa situação não possui condições para acompanhar as atividades costumeiras e
organizadas dos CAPS aos demais pacientes (Lima et al., 2012).
Inicialmente, é importante salientar sobre a postura profissional esperada e necessária
na atenção ao indivíduo em situação de crise, deve-se estar sempre atento ao referido, porém
jamais deixar que o cuidado vire uma questão de tutela e nem muito menos uma paralisação,
em que não se desenvolva nada com o usuário por causa da situação em que ele se encontrava
ou se encontra (Costa, 2007).
Se faz importante no cuidado continuado do paciente em situação de crise, que se
estabeleça um vínculo de confiança e troca entre ele e a equipe ou profissional, que conecta-se
com a questão do sujeito ser ouvido em relação ao seu tratamento, dessa forma, ele pode
começar a reformular questões ligadas à sua crise, resultando consequentemente na criação de
novos posicionamentos, ampliando sua visão de limites e possibilidades (Costa, 2007).
Importa ressaltar que esses serviços substitutivos de tratamento à pessoa em situação de
crise, somente são eficazes, quando existe um trabalho em rede. Os ditos serviços substitutivos
são caracterizados por ter uma rede ampla de assistência e reabilitação que dão suporte aos
projetos terapêuticos de cada usuário em sua comunidade e território, o que inclui a atenção
básica e os recursos existentes nesta comunidade. Toda a rede RAPS tem como função
primordial cuidar e abordar casos de crises, com intuito de evitar seu desenvolvimento para
apresentações mais graves. A integração da rede de serviços dar-se de modo que o atendimento
à crise seja realizado desde a atenção básica, dessa forma, cada nível tem sua capacidade de
intervenção no caso e possibilita assim uma resposta mais qualificada à essas situações. Com
esta integração, os dispositivos puderam ter uma visão dos problemas e disfunções sistêmicas
da rede, e desenvolver parcerias, objetivando chegar na superação dos problemas. Esses
serviços devem apresentar, evidentemente: capacidade resolutiva, maleabilidade e mobilidade,
ofertar atenção contínua e integral, hospitalidade, atendimento domiciliar e de rua e integração
aos demais serviços de urgência e emergência do território, sejam eles hospitalares ou pré-
hospitalares, como o SAMU e a UPA (Campos, 2014).
Segundo Minozzo e Costa (2013), através dos resultados de uma pesquisa que eles

1187
realizaram com integrantes de um SF (Equipes de Saúde da Família), trazem que nas falas deles,
evidenciava-se opiniões que remetiam ao reconhecimento da necessidade e importância da
construção do vínculo e da confiança entre os profissionais e os usuários na realização das ações
de saúde mental. Perceberam também, uma ideia ampliada do processo saúde-doença e o
reconhecimento da necessidade da escuta e da troca entre os usuários. Dessa forma, de acordo
ainda com estes autores, os profissionais participantes da pesquisa, tinha uma visão psicossocial
da atenção em saúde mental, porém percebeu-se também falas relacionadas a concepções e
intervenções asilares, como o encaminhamento para internação psiquiátrica e intervenções que
ignorem a singularidade do sujeito, em casos que o paciente não queira buscar o serviço
indicado.
Conforme Martins (2012), a reforma psiquiátrica como já bem mencionado no texto,
defende novas maneiras de pensar e agir em relação à crise, porém as maneiras que temos
atualmente de encarar a referida, ainda são obsoletamente enraizadas em fazeres clínicos
enrijecidos, dessa forma, tendem a construir suas significações e intervenções não levando em
conta a complexidade subjetiva da crise. Percebe-se, então, que a atenção à crise constitui um
campo da saúde mental marcado por paradoxos.
Dessa forma, devido a extrema necessidade de lidar com este tipo de crise de modo
imediato e também por se tratar de um fenômeno bastante atrelado ao campo biomédico,
pendendo para uma visão de traços patológicos, acaba-se por ocorrer um corte que separa a vida
e a crise do indivíduo naquele momento (Campos, 2015).
Muitos profissionais da saúde acabam por esquecer a potência intrínseca que existe no
momento de crise, da oportunidade de transformação e de desvio que ela oferece, pois mesmo
que seja uma vivência marcada por sofrimento, em proporção de mesmo valor podemos defini-
la também como momento de metamorfose, em que o sujeito pode sair de um local
historicamente dado para um outro local a ser reconstruído (Ferigato, Campos & Ballarin,
2007).

2.4 Psicologia e o atendimento à crise


No contexto da Psicologia frente ao atendimento a crise, como apontam os estudos
desenvolvidos por Ribeiro e Luzio (2008), os psicólogos enfrentam uma dificuldade de
incorporar ao serviço posturas que conversem com as concepções trazidas pela reforma
psiquiátrica o que afeta e dificulta a estabilização do modelo psicossocial de atenção a pessoa
em situação de crise. Entretanto, para uma atuação que se encaixe nesse modelo objetivando a
administração da crise é fundamental ela seja desenvolvida por uma equipe multiprofissional e
que trabalhe de maneira integrada onde os diferentes saberes se interceptam culminando em
uma atuação única (Teixeira, Ribeiro & Neto, 2018).
E como Ferreira Neto (2011) coloca, o psicólogo não tem um papel específico e singular
dentro do sistema de saúde, isto é, todos os profissionais da equipe – psicólogos, psiquiatras,
terapeutas ocupacionais, enfermeiras e assistentes sociais – em tese têm o mesmo encargo, que
se caracteriza por realizar o acolhimento do usuário e planejamento das ações que oferecerão
suporte a pessoa em crise. Contudo, existe ainda uma forte dificuldade em manter evitar a
hierarquização dos conhecimentos onde este lugar de poder máximo do saber costuma ser
dominado pelo médico.
Ainda assim, Cantele (2012) pontua que em razão de uma formação que objetiva, dentre
outras questões, a leitura de processos subjetivos e construídos de maneira coletiva, o psicólogo
– dentro da equipe multiprofissional – tem a possibilidade de facilitar momentos de

1188
subjetivação que possam ampliar a percepção tanto da família quanto do sujeito em torno da
crise vivenciada, ajudando também, na assimilação dos lugares ocupados dentro do contexto
social pelo sujeito em crise, família e equipe assim como as possibilidades de dispor relações
dentro desses contextos visando a suplantação da crise. Entretanto, é imprescindível destacar
que mesmo se ressalte essa especificidade do psicólogo, qualquer profissional que integre a
equipe é habilitado para desempenhar esse papel.
Em se tratando das dificuldades enfrentadas pelo maioria dos psicólogos dentro do
serviço de saúde mental e especificamente em relação a lidar com a crise pode-se ressaltar a
insegurança e medo diante de situações extremas e diante da realidade do serviço. Isso pode
estar atrelado a expectativa de construção de uma perspectiva nova em substituição às práticas
tradicionais amplamente criticadas com a reforma e que fogem da proposta psicossocial. Ou
seja, há a necessidade de se lidar com o não saber e responder a uma demanda que espera por
resultados. Além das próprias dificuldades na formação que ainda está muito atrelada à um
modo tradicional e individual de fazer clínica e por consequência afeta a prática (Sales &
Dimenstein, 2009).

3 Conclusão
Percebe-se que o cenário em relação ao manejo da crise ainda é muito atrelado ao campo
do saber biomédico, ainda que, evidentemente, na história houve uma mudança,
significativamente, notória em relação às perspectivas e concepções de manejo. Passando de
uma visão totalmente voltada para intervenções psiquiátricas para uma concepção mais
psicossocial na atenção em saúde mental.
Dessa forma, com a Reforma Psiquiátrica e as transformações no paradigma de atenção
à saúde – que passou de um modelo assistencialista para um modelo de atuação psicossocial
que culminou na criação do SUS (Sistema Único de Saúde) – o fazer prático da clínica rompe
com o modo tradicional e se configura para uma atuação em perspectiva ampliada, ou seja, há
uma transformação no olhar que se volta para o usuário e que consequentemente configura a
postura da atuação profissional. O sujeito passa a ser considerado em sua totalidade,
considerando-se também, além dos aspectos biológicos e fisiológicos, os aspectos sociais e os
relacionados a subjetividade que o perpassam (Brasil, 2009).
Em relação ao atendimento a crise em Psicologia, aspectos como, a escuta singular do
sujeito, a formação de equipes de referência, a estruturação do Projeto Terapêutico Singular
(PTS) com a participação tanto da equipe quanto do sujeito, a necessidade de trabalho
intersetorial e a corresponsabilização entre equipe e sujeito, constituem-se como pontos
importantes para compreender o papel desenvolvido pelo psicólogo no atendimento a crise em
saúde mental nos serviços de saúde (Teixeira, Ribeiro & Neto, 2018).
Além disso, vale mencionar que o trabalho em rede é de suma importância para a
eficácia do cuidado e manejo da crise em saúde mental, isto é os dispositivos de saúde mental
devem ser articulados entre si, para que assim o cuidado seja dado de forma integral e contínua.
Ademais reitera-se que as compreensões acerca da crise em saúde mental tem profunda
relação com o contexto histórico do qual se fala e ao se pensar no manejo da crise na atual
conjuntura social, histórica e política implica em considerar aspectos como ligação com a
terapêutica estabelecida entre equipe de saúde e o próprio usuário, bem como o usuário e a
instituição na qual está inserido, considerando também seu território, seus vínculos sócio
afetivos e a subjetividade dos próprios operadores. Isso permite que se perceba que o sujeito,
ainda que em crise, pode expressar afeto, criatividade e desejos, por exemplo. Assim, é

1189
fundamental um posicionamento ético para o atendimento à crise mediante questionamentos
como a quem se busca responder por meio da atuação; se ao sujeito em seu processo de
sofrimento ou a padrões sociais e protótipos de normalidade.

Referências

Amarante, P.D.C. (1996). O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a


psiquiatria. Rio de Janeiro: FIOCRUZ.

Ávila, C. &. S Berlinck, M. T. (2014). Reflexões sobre a crise e estabilização em Psicopatologia


Fundamental. Tempo Psicanalítico, 46 (2).

Carvalho, I. S., Costa, I. I., & Bucher-Maluschke, J. S. (2007). Psicose e Sociedade: interseções
necessárias para a compreensão da crise. Revista Mal Estar e Subjetividade, 7(1), 163-189.

Campos, P. J. (2014). Crise e urgência em saúde mental. Ministério da Saúde. Florianopóles/


SC.

Campos, P. J. (2015). Crise e urgência em saúde mental. Ministério da Saúde. Florianopóles/


SC.

Cantele, J., Arpini, M. & Roso, A. (2012). A Psicologia no modelo atual de atenção em saúde
mental. Psicologia: Ciência e Profissão, 32(4), 910-925.
https://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932012000400011

Costa, M. S. (2007). Construções em torno da crise. saberes e práticas na atenção em Saúde


Mental e produção de subjetividades. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 59 (1).

Diaz, A. R. M. G. (2013). Atenção à crise em saúde mental: clínica, planejamento e gestão.


Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil.

Dimenstein, M., Amorim, A. K. A., Leite, J. Siqueira, K., Gruska, V., Vieira, C.,... Bezerril, M.
C. (2012). O atendimento da crise nos diversos componentes da rede de atenção
psicossocial em Natal/RN. Polis e Psique, Vol. 2.

Elia, D. D. S. (2013). O CAPS fora de si: um estudo sobre a atenção à crise no município do
Rio de Janeiro (Doctoral dissertation).

Lima, M., Jucá, V. J. S., Nunes, M. O. & Ottoni, V. E. (2012). Signos, significados e práticas
de manejo da crise em Centros de Atenção Psicossocial*. Interface - Comunic., Saude,
Educ., 16(41).

Martins, A. G. (2012). A noção de crise no campo da saúde mental: saberes e práticas em um


Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Dissertação de mestrado, UNIVERSIDADE
FEDERAL DE MINAS GERAIS, Belo Horizonte, Brasil.

Minozzo, F. & Costa, I. I. (2013). Apoio matricial em saúde mental: fortalecendo a saúde da
família na clínica da crise. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., 16(3), 438-450.
Navarini, V. & Hirdes, A. (2008). A família do portador de transtorno mental: identificando

1190
recursos adaptativos. Texto Contexto Enferm, 17(4): 680-688.

Ferreira Neto, J. L. (2011). Psicologia, Políticas Públicas e o SUS. Belo Horizonte: Fapemig.

Ribeiro, S. L. & Luzio, C. A. (2008). Diretrizes Curriculares e a Formação do Psicólogo para a


Saúde Mental. Psicologia em Revista, 14(2): 203-220.

Sales, A. L. L. de F., & Dimenstein, M. (2009). Psicologia e modos de trabalho no contexto da


reforma psiquiátrica. Psicologia: Ciência e Profissão, 29(4), 812-827.

Silva, M. L. B. & Dimenstein, M. D. B. (2014). Manejo da crise: encaminhamento e internação


psiquiátrica em questão. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 66 (3).

Silva, C.H. (2013). Crise na Saúde Mental: visão da equipe multiprofissional. Monografica,
Centro Universitário UNIVATES.

Teixeira, D., Ribeiro, B., & Neto, J. (2018). Atuação do psicólogo nos serviços substitutivos de
urgência em saúde mental: desafios para a formação. Pretextos - Revista Da Graduação
Em Psicologia Da PUC Minas, 5(1).
ATENÇÃO AO COMPORTAMENTO SUICIDA: UM ESTUDO

1191
BIBLIOGRÁFICO
Gabriela Oliveira Lira Rodrigues,
Francisca Daniele Nogueira Albuquerque,
Claudiana Pinheiro da Silva,
Ana Virgínia Maria da Silva,
Fabiane Araújo de Sousa,
Thainara Andrade Almeida

1 Introdução
A expressão comportamento suicida engloba a tentativa, a ideação suicida sem
tentativas, o risco de suicídio e a planificação da tipologia e da execução do suicídio. A
tentativa de suicídio se refere a comportamento auto lesivo em que a tendência de morrer pode
estar implícita ou explícita, mas é necessário lembrar que nem toda violência autoprovocada se
refere a uma tentativa de suicídio, mas todas necessitam de cuidado em saúde mental. O suicídio
em si é a morte autoprovocada, em que a pessoa tinha a intenção de morrer (WHO, 2014;
Kohlrausch, Lima, Abreu & Soares, 2008).
De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (2014), o suicídio pode ser
definido como “um ato deliberado executado pelo próprio indivíduo, cuja intenção seja a morte,
de forma consciente e intencional, mesmo que ambivalente, usando um meio que ele acredita
ser letal”. É ressaltado, ainda, que o suicídio deve ser considerado como a consequência de
diversos fatores acumulados ao longo da história de vida do sujeito, e não causado por um fator
único e pontual, mas como o resultado final de uma sequência de acontecimentos.
O comportamento suicida ainda é tido como um assunto tabu, pois é um tema que gera
muitos desconfortos, levando em conta a complexidade do gesto que vai de contra ao instinto
de sobrevivência inerente aos seres humanos, colocando em teste o real sentido da vida. Sendo
assim, se torna mais difícil compreender como se dá a idealização e elaboração de planos da
própria morte, escolhendo os meios para isto, até que se concretize de fato, o ato de tirar a
própria vida, que é tida social e moralmente como bem mais precioso (De La Taille & Cortella,
2005).
Em comunicado, as tentativas de suicídios foram reconhecidas pela OPAS/OMS como
uma prioridade na agenda global de saúde, incentivando os países a desenvolver estratégias de
intervenção a fim de amenizar esse problema. Ainda segundo a OMS, o suicídio é responsável
por uma morte a cada 40 segundos no mundo, com mais de 800 mil mortes anuais. Afirma ainda
que o mesmo é a principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos. Este órgão
de saúde alerta que os altos índices de suicídio estão sendo vistos como uma grave crise de
saúde pública (ONU, B. 2016).
Neste sentido, é preciso criar mecanismos para amenizar esse grave problema, assim,
Botega (2015) traz que o primeiro passo para a prevenção é desmistificar muitas crenças
errôneas que giram em torno do tema suicídio. O profissional principalmente deve fugir dos
temores generalizantes, como por exemplo: “Se eu perguntar sobre ideias de suicídio, não
estaria induzindo um paciente a isso? E se ele me responder que sim, não saberei o que fazer e
passarei a me sentir responsável pela vida dele? Essas dentre outras, são modelos de crenças e

1192
preconceitos recorrentes e que precisam ser desconstruídos para que o tabu que o tema se
tornou, estes estigmas impede a procura de ajuda o que poderia evitar mortes (WHO, 2014).
O presente trabalho foi construído a partir de pesquisas bibliográficas, buscando
elucidar questões acerca da atenção ao comportamento suicida, como os fatores de riscos,
manejo e cuidado com o paciente e aspectos relacionados à prevenção e posvenção efetuados
nos dispositivos de saúde.

2 Desenvolvimento

2.1 Fatores de riscos


Botega (2015) coloca os fatores de risco como possuintes de características variáveis.
Como por exemplo, a influência genética, constituintes da história pessoal e familiar da pessoa,
fatores culturais e socioeconômicos, acontecimentos estressantes, entre estes, é preciso levar
em consideração também os traços da personalidade.
Para melhor poder estar intervindo na prevenção é necessário ter clareza sobre os fatores
desencadeantes, de risco, e das características que são próprias do ato. Para Bertolote, Mello-
Santos e Botega (2010) “a tentativa do suicídio tem as mesmas características fenomenológicas
do suicídio, diferindo deste apenas quanto ao desfecho, que é fatal.”
As doenças mentais são alvo de constante atenção como fórmula Silva e Costa (2010),
fatores como as desordens de humor, depressão ou transtornos psicóticos como esquizofrenia
estão enquadradas nos fatores de risco, o que demanda atenção especial. De maneira mais
ampla e abrangente, há muitas características que podem ser confundidas com comportamento
suicida ou com os fatores de risco, estas, por vezes, estão ligados a outros comportamentos
autodestrutivos, que não possuem como determinante a vontade ou a intenção de pôr fim a
própria vida.
Entretanto, dados da OMS (2006) declaram que 90% dos casos de suicídios advieram
de algum transtorno mental que muitas vezes não foram diagnosticados, e nem tratados. A
Organização ainda coloca que a identificação tratamento precoce de determinados transtornos
mentais como a depressão, esquizofrenia e dependência alcoólica são métodos importantes para
a prevenção de acometimentos de suicídios.
Outros aspectos que constantemente configuram riscos e carecem de atenção, estão
voltados para acontecimentos dados ao longo da história pessoal do indivíduo, como no caso
daquelas pessoas que tomam conhecimento de que possuem alguma doença física, ou terminal,
ou que descobriram uma doença incurável como o HIV por exemplo. Estão também incluídas
no grupo de risco, por se encontrarem em um período com um alto grau de vulnerabilidade
emocional, e psicológico (Bertolote et al. 2010).

2.2 Manejo
A crise suicida é uma condição clínica muito grave, em que a segurança do paciente
toma precedência sobre a confidencialidade. Cabe ao profissional que acompanha o indivíduo,
desejavelmente, obter sua anuência e comunicar um familiar ou uma pessoa que lhe seja
significativa. Essa comunicação é feita com o intuito de se criar uma rede de proteção da qual
participam pessoas próximas ao paciente. Entrar em contato com um familiar ou responsável é
mandatório não apenas no caso de adolescentes. Se o paciente não concordar com essa proposta,

1193
ainda assim temos que nos comunicar prontamente com um familiar ou amigo seu e falar sobre
o risco de suicídio (Bertolote et al., 2010; Botega, 2015).
Bertolone et al. (2010) ressalta que o profissional tem de estar bem preparado com
treinamento adequado para abordar estes pacientes, se este for influenciado por atitudes
negativas e crenças errôneas, encontrará dificuldades de compreensão para uma avaliação de
risco de suicídio, e caso seja necessário, dar início a ações terapêuticas. Dessa forma, ao invés
de uma relação empática se estabelece uma dissonância afetiva que dificulta a avaliação e o
manejo, afetando a contribuição da pessoa que vive um momento em que se encontra
enfraquecida, frágil e nem sempre com disposição para colaborar. O mesmo autor traz
ainda, que as três principais de todo o pessoal de saúde, no geral, em relação ao comportamento
suicida, são: 1) identificação do risco; 2) proteção do paciente e 3) remoção ou tratamento dos
fatores de risco.
Por isso, o principal objetivo do manejo de em uma situação de crise suicida deve a
segurança e estabilidade do paciente, sendo o contexto clínico onde providências devem ser
tomadas para proteger a pessoa que apresenta risco agudo de suicídio (Botega, Rapeli & Casi,
2012). Para isso, inicialmente deve-se identificar os indivíduos que se encontram em situação
de risco, utilizando-se de uma avaliação clínica periódica, pois o risco pode mudar rapidamente.
A avaliação clínica consiste em uma entrevista clínica, que em casos de tentativa de suicídio
possui dois objetivos: o semiológico, que é a coleta de várias informações, inclusive de
terceiros; e o de apoio emocional e estabelecimento de vínculo. (Associação Brasileira de
Psiquiatria, 2014; Bertolone, 2010).
O espaço de tempo é limitado e ainda assim, é necessária a obtenção do maior número
de informações possíveis, pois em um segundo momento, a entrevista passará a ser conduzida
por questões diretivas. É importante então, esclarecer os motivos que levaram a tentativa de
suicídio (fator precipitante) e quais as circunstâncias, explorando a existência de estressores
psicossociais, recentes e crônicos, e ainda, a presença ou não de doenças mentais. A busca por
detalhes quanto aos incômodos trazidos pelo paciente e a respeito da intencionalidade suicida
é imprescindível, pois quanto mais determinado, maior o grau de risco de suicídio (Botega,
2012).
Bertolone (2010) conclui que o plano de tratamento deve ser flexível, passando por
revisões periódicas. A disponibilidade e a capacitação da equipe assistencial são tão importantes
quanto às mudanças ambientais implementadas para evitar o suicídio. Discussões regulares
facilitam a capacitação da equipe para lidar com esses casos. Pois mesmo com todo o cuidado
pacientes podem vir a suicidar-se estando sob cuidados médicos, o que pode afetar a equipe e
a família com sentimentos de culpa e ansiedade.
Em casos de tentativa ou de concretização do ato, é exigido da equipe de Atenção
Psicossocial (APS), além da escuta atenta e acolhedora, a efetivação de manejo do caso e
articulação de rede necessária para garantir suporte sólido. Para isso é imprescindível que se
conheça os fluxos pactuados na rede de serviços e que mapeiem as redes de suporte do paciente
(OMS, 2006; Associação Brasileira de Psiquiatria/ABP, 2014).

2.3 Estratégias de prevenção e posvenção


Nas últimas décadas a política de saúde mental passou por diversas transformações
dentre elas evoluiu do modelo centrado nos hospitais passando a centros de referência de base
territorial e comunitária. Na década de 1990, a OMS apresentou o suicídio como um fator de
saúde pública e estimulou a criação de um plano nacional de prevenção ao suicídio (Botega,

1194
2015).
O Ministério da Saúde, no ano de 2005, dedicou-se em criar uma Estratégia Nacional
de Prevenção do Suicídio (ENFS), junto de diversas instituições nacionais que estavam se
dedicando ao tema. Somente em 2006, houve a publicação da PORTARIA Nº 1.876, DE 14 DE
AGOSTO DE 2006, que instituiu diretrizes considerando o problema de saúde que é o suicídio,
em que se sobressaem objetivos, como o desenvolvimento de estratégias de promoção de
qualidade de vida e de prevenção de danos, disseminação de informações e sensibilização da
sociedade de que o suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido,
fomentação e execução de projetos estratégicos fundamentados em estudos de eficácia e
qualidade, bem como em processos de organização da rede de atenção e intervenções nos casos
de tentativas de suicídio e a promoção da educação permanente dos profissionais de saúde de
atenção básica, inclusive do Programa Saúde da Família, dos serviços de saúde mental, das
unidades de urgência e emergência, de acordo com os princípios da integralidade e da
humanização (Botega, 2007, Brasil, 2006 & OMS, 2006).
De acordo com Mattos (2001), a saúde mental deve estar em associação com a atenção
básica de saúde, que pela Constituição de 1988, está voltada para o reconhecimento da
relevância pública em ações e serviços de saúde e de garantir integralidade no atendimento e
participação da comunidade.
A Organização Mundial de Saúde (2006) em respeito a prevenção do suicídio, declara
que devem ser considerado os níveis de intervenção primária, secundária e terciária. Nesse
sentido o nível primário é referido a sujeitos que ainda não mostram sinais a tendência suicida,
ou em casos que os transtornos ainda não oferecem periculosidade a vida do indivíduo.
As precauções a serem tomadas devem estar pautada ao apoio e melhoria do
funcionamento psíquico em relações interpessoais e sociais, bem como em diminuir
o significativamente o contexto das condições de risco emocionais, físicas e económicas. De
acordo com a MBS (Brasil, 2006), as principais redes de apoio são: a família, colegas, membros
da igreja, centros de crise e os profissionais da saúde.
Definir prevenção é lidar com um campo bastante abrangente que engloba a ação dos
profissionais da saúde, que são responsáveis pela ação de atividades preventivas como a
resolução técnica, práticas diretivas e ações educativas. Dado o exposto, prevenção é promover
a manutenção da saúde dos cidadãos, por meio de ações antecipatórias contra doenças
(Cordeiro, Oliveira, Melzer, Ribeiro, & Rigonatti, 2010).
De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (2014), o suicídio é um dos temas
mais difíceis quando o assunto é prevenção, dessa forma a unidade de atenção primária tem
como objetivo criar um vínculo de comunicação territorial entre o paciente e a comunidade
como melhor via de prevenção. A prevenção primária dispõe-se de proteger e evitar fatores ou
causas de riscos que predisponha o sujeitos a doenças. Para eficácia das ações primárias deve
ser executada na comunidade voltando-se tanto para ações individuais, grupais ou a
comunidade em geral. Nesse nível devem ser estabelecidas medidas e ações que previnam
antecipadamente a doença ( Cordeiro et al, 2010).
A prevenção secundária parte da detecção antecipada de questões relacionadas a
problemas assintomáticos com a disposição de interromper a evolução da doença com o intuito
de estabelecer a cura ou reeducação de determinadas consequências. Assim o nível de atenção
secundária visa a prevenção através do conhecimento do histórico da doença, com
levantamentos que na maioria das vezes acontecem, no ambiente clínico (Cordeiro et al, 2010).
Os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) são responsáveis para dar abertura a

1195
atenção a crise, nele deve ser dada preferência na atenção a pessoa que tentou suicídio e fazer
o acompanhamento ao ao pronto socorro em caso de crise. Este setor, objetiva o acolhimento a
pessoa em sofrimento, estimulando a relação social e família e na busca de autonomia, visão a
integração da população a contextos culturais e que evitem o isolamento do indivíduo, através
da reinserção do indivíduo a educação, ao lazer dentre outras atividades que descentralize o
cuidado hospitalocêntrico sem que os usuários saiam do cotidiano ( Silva & Costa, 2010; ABP,
2014).
Em situações de crise a intervenção deve ser de ação imediata, de modo que possa
ser dado apoio na contenção do comportamento de autoextermínio, sendo necessários suportes,
sejam de intervenções médica, psicológica ou social. Em termos de intervenção, o
acompanhamento territorial e compreensão dos ricos naquele local, estratégias como de ações
voltadas a autonomia dos sujeitos e estímulo às redes de saúde devem ser estratégias adotadas
para a prevenção de tentativas de cometer o suicídio (Silva & Costa, 2010)
O nível de prevenção terciária visa evitar ou diminuir complicações e sequelas,
promovendo a adaptação do indivíduo a situações difíceis ou incuráveis de modo que se obtenha
um controle da mesma de maneira devida. Geralmente essa abordagem de saúde é realizada em
setores psiquiátricos especializados, residências asilares e não hospitalares, centros de
reabilitação, dentre outros (Silva & Costa, 2010).
No Brasil, posvenção é um termo ainda pouco conhecido. É uma questão que envolve
ações voltadas para as pessoas enlutadas pelo ente que cometeu suicídio, precisamente às
atividades após esta perda. Torna-se importante medidas de posvenção, uma vez que o ato
suicida envolve questões sociais, individuais, culturais, além do histórico de cada época. Isto
é, se uma morte acontece por suicídio, outras vidas são impactadas por esta perda e ocorrência
(Fukumitsu & Kovács, 2016). Tal inquietação se fundamenta no fato de que pessoas que
vivenciam a perda de um ente querido por suicídio, podem se caracterizar como um grupo
propenso a comportamentos suicidas.
Estudos já apontam que a cada caso de suicídio registrado, uma média de 5 a 10 pessoas
pode ser impactadas pela perda ocasionando consequências emocionais, sociais e até mesmo
econômicas aos enlutados, enternece também na forma de experienciar o processo de luto e em
suas reações emocionais decorrentes do processo. [...] uma criança cujo pai se mata pode sentir
extremamente a perda e, se propensa à depressão, reage de modo desesperado e similar; a
exposição à violência ou ao suicídio pode ter impacto particularmente mortal sobre alguns
membros da família; ou o ato suicida pode ser imitado ou aprendido como a melhor solução
para dor grave, privação ou estresse (Jamison, 2010).
Os grupo de apoio e autoajuda mostram-se indispensáveis por possibilitar a
oportunidade de conversar com outras pessoas enlutadas, ou seja, com pessoas que também
perderam alguém por causas semelhantes pode ajudar. Esses grupos têm se mostrado um lugar
poderoso para esta finalidade, eles objetivam ajudar através da troca de experiências,
oferecendo um lugar de acolhimento e construindo uma rede de conectividade de pessoas
enlutadas ou que de alguma forma foram impactadas pelo suicídio de algum ente querido
(Botega, 2015).
Denota-se que uma família que sofre uma perda por suicídio muda seus padrões de
funcionamento em todos os aspectos, o que acaba por dificultar a elaboração da perda. Dessa
forma, é de suma importância a atenção dos profissionais para esse público que é de alguma
forma afetado pelo acontecimento, visando procurar diminuir os danos causados pelo ocorrido
e ajudar os sujeitos a ressignificar o luto (Melo & Barros, 2017).
1196
3 Conclusões
A falta de conhecimento em relação a como proceder sobre o suicídio, acarreta nas
dificuldades de manejo. É necessária a compreensão de que o comportamento suicida envolve
uma série de fatores e não advém de algo pontual como muitas vezes é colocado, o
conhecimento destes fatores irão nortear a investigação acerca das motivações do sujeito para
tirar a vida, servindo como um apoio para a avaliação de risco e o manejo de casos de crise
suicida. Neste aspecto, é necessário que se discuta mais sobre questões como os fatores de
riscos, que são os indícios e pistas de uma possível tentativa, objetivando que tanto os
profissionais da saúde quanto as pessoas mais próximas, possam identificá-los e ajudar ou
buscar ajuda para o sujeito em sofrimento.
Entretanto, lidar com o assunto de suicídio continua sendo muito difícil e complexo,
pois engloba diversos paradigmas e preconceitos dos sujeitos relacionados às suas crenças.
Dessa forma, considera-se importante que sejam estimuladas e promovidas maiores discussões
a respeito da temática, visando dar uma maior visibilidade ao tema e desmistificar certas
questões que permeiam o comportamento suicida.
Considera-se de suma importância o desenvolvimento de mais políticas preventivas em
relação ao suicídio e que as campanhas e discussões sobre o tema não apareçam apenas em
Setembro, mas sim em todo o ano, visto que é uma questão de saúde pública. E que os
profissionais da saúde que ocupam os dispositivos que são aptos a oferecer serviços de
prevenção, promoção e posvenção em relação ao comportamento suicida, recebam mais
preparação para desenvolver um trabalho mais humano e sensível com os sujeitos que
apresentam esses comportamentos.
Ressalta-se ainda a importância de uma posvenção bem articulada, pois é um trabalho
que atua diretamente no cuidado aos enlutados do suicídio prestando suporte e apoio, buscando
aliviar o sofrimento da perda e promover o enfrentamento da situação. Podendo ser vista até,
quando bem sucedida, como uma eficaz tática de prevenção a futuros casos de suicídio.

Referências
Associação Brasileira de Psiquiatria. (2014). Suicídio: informando para prevenir. Retirado de:
https://subpav.org/download/prot/Guia_Suicidio.pdfhttps://subpav.org/download/prot/Guia_S
uicidio.pdf.
Bertolote, J. M., Mello-Santos, C. D., & Botega, N. J. (2010). Detecção do risco de suicídio
nos serviços de emergência psiquiátrica. Revista Brasileira de Psiquiatria, 32(suppl 2),
87-95.
Botega, N. J. (2007). Suicídio: saindo da sombra em direção a um Plano Nacional de Prevenção.
Revista Brasileira Psiquiatria, 29 (1), 37- 38.
Botega, N. J. (2015). Crise suicida. Artmed Editora.
Botega, N. J., Rapeli, C. B., & Casi, C. F. S. (2012). Comportamento suicida. Prática
psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência, 2, 431-445.
Brasil. Ministério da Saúde. (2006). Prevenção do Suicídio: um manual dirigido a profissionais
das equipes de saúde mental, Brasília.
Brasil. Ministério da Saúde. (2006). Diretrizes brasileiras para um plano nacional de prevenção

1197
do suicídio. Portaria nº 1.876 de 14 de agosto de 2006.
Cordeiro, Q., Oliveira, A. M., Melzer, D., Ribeiro, R. B., & Rigonatti, S. P. (2010). Prevenção
em saúde mental. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito,
7(7), 38-53.
De La Taille, Y. V. E. S., & Cortella, M. S. (2005). Nos labirintos da moral. Papirus Editora.
Fukumitsu, K. O.; Kovács, M. J. (2016). Especificidades sobre processo de luto frente ao
suicídio. Psico, v. 47 (1), 3-12.
Jamison, K. R. (2010). Quando a noite cai: entendendo a depressão e o suicídio. Rio de Janeiro,
RJ: Gryphus.
Kohlrausch, E., da Silva Lima, M. A. D., Abreu, K. P., & Soares, J. S. F. (2008). Atendimento
ao comportamento suicida: concepções de enfermeiras de unidades de saúde. Ciência,
Cuidado e Saúde, 7(4), 468-475.
Mattos, R. A. (2001). Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que
merecem ser defendidos. In Pinheiro, R. & Mattos, R. A. (orgs). Os sentidos da
integralidade na atenção e no cuidado à saúde (pp. 39- 64). Rio de Janeiro, IMS
ABRASCO.
Melo, B. S. S. C. & Barros, J. F. C. L. (2017). Consequências do Suicídio para as Relações
Sócioafetivas dos Familiares na Posvenção. Rev. FSA, 14 (2), 129-145.

ONU, B. (2016). Nações Unidas no Brasil.


Organização Mundial da Saúde (2006). Prevenção do Suicídio Um Recurso Para Conselheiros:
Genebra.
Silva, M. de N. R. M. de O & Costa, I. I. ( 2010). A rede social na intervenção em crise nas
tentativas de suicídio: elos imprescindíveis da atenção. Revista Tempus Actas de Saúde
Coletiva, 4 (1), 19-29.
World Health Organization. (2014). Preventing suicide: a global imperative. World Health
Organization.
REFLEXÕES SOBRE A INSERÇÃO E ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA NO SUS: UMA

1198
ANÁLISE CRÍTICA DO PROCESSO HISTÓRICO

Laís Maria Germano Canuto Sales

1 Introdução
É possível dizer que a Psicologia no Brasil atravessou um longo processo histórico até
que se inserisse no seu sistema de saúde. Alguns autores acreditam que seu inicio se deu a partir
da definição de saúde como “um estado de completo bem estar físico, mental e social e não
somente ausência de afecções e enfermidades”, pela Organização Mundial de Saúde, em 1948.
Apesar de criticada por muitos estudiosos como utópica, ela serve como cenário para a
elaboração de políticas em saúde para os países filiados a essa instituição, como é o caso do
Brasil (Souza, Garbinato & Martins, 2012).
Observamos sua influência no Artigo nº 196 da Constituição Federal de 88, onde: “a
saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (Constituição da
República Federativa do Brasil,1988, artigo 196). E, mais tarde, com a regulamentação do
Sistema Único de Saúde (SUS), a partir da lei nº 8.080/90 (Lei n° 8.080, 1990) e da nº 8.142/90
(Lei n° 8.142, 1990), regido pelos princípios doutrinários da universalidade de acesso,
integralidade de assistência, preservação da autonomia das pessoas, equidade na assistência à
saúde, divulgação de informações, participação da comunidade.
As discussões sobre a inserção da Psicologia no SUS são muito recentes em relação à
data da criação do sistema, porém, alguns autores defendem que o profissional de Psicologia se
destaca neste contexto por entender as questões de saúde em uma relação entre o social e o
coletivo, por seu conhecimento estar diretamente relacionado com o conceito de saúde em vigor
e, principalmente, por representar a superação de enfoques centrados em um indivíduo abstrato
e a-histórico, tão frequentes nas ciências biológicas (Souza et al., 2012). A partir disso, é
importante refletir sobre a construção da interface entre a Psicologia e o Sistema Único de
Saúde. O presente estudo teve como objetivo compreender como se deu a inserção da
Psicologia no SUS, através da descrição do seu processo histórico e das implicações que ele
traz para as perspectivas de sua atuação.

2 Metodologia
O trabalho se trata de uma revisão narrativa. Segundo Rother (2007) “os artigos de
revisão narrativa são publicações amplas, apropriadas para descrever e discutir o
desenvolvimento ou o ‘estado de arte’ de um determinado assunto, sob o ponto de vista teórico
ou contextual”. (p.1). Tal categoria não propõe informar as fontes utilizadas, a metodologia de
busca, nem os critérios utilizados para a seleção dos trabalhos. Apoia-se na análise da literatura
publicada em livros, artigos, na interpretação e análise crítica pessoal do autor. Considerada de
fundamental importância para a educação permanente, contribuindo para a construção de
conhecimento sobre uma temática, em curto espaço de tempo (Rother, 2007).
Para a coleta do material, realizou-se um exame intensivo dos dados, no período de julho

1199
a agosto de 2019. Foram pesquisadas as bases de dados científicos: Scielo, PePSIC, e Biblioteca
Virtual em Saúde do Ministério da Saúde. Os descritores utilizados foram: Psicologia e o
Sistema Único de Saúde. Buscou-se, de início, excluir os resumos que não tivessem relação
com a prática da psicologia no SUS. Em seguida, realizou-se uma análise aprofundada dos
resumos escolhidos, identificando o foco dos estudos a fim de caracterizar a produção
encontrada. O banco de dados foi senso complementado a partir das referências bibliográficas
dos textos selecionados para análise crítica.

3 Resultados e Discussão
3.1 A Saúde Coletiva e o Sistema Único de Saúde
A reforma do setor brasileiro de saúde ocorreu simultaneamente ao processo de
democratização, com a característica fundamental de ter sido conduzida pela sociedade civil, e
não por governos, partidos políticos ou organizações internacionais. Anterior a ela, apenas
trabalhadores com carteira assinada tinham acesso a saúde pública. Hoje, o SUS, instituído pela
Constituição de 1988, baseia-se no principio de saúde como direito de todo cidadão e um dever
do estado (Paim, Travassos, Almeida, Bahia & Macinko, 2011).
A relação entre o desenvolvimento do campo de conhecimento chamado Saúde Coletiva
e os movimentos pela democratização no Brasil, especialmente o da Reforma Sanitária, deve-
se ao fato histórico de que se criou o campo em plena década de agitações sociais e movimentos
reivindicatórios, dentro da luta contra a ditadura brasileira e pela reforma social que
compreende no projeto da Saúde Coletiva uma reforma sanitária. No Brasil, duas instituições
surgem ligadas a esse projeto: o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), em 1976, e a
Associação Brasileira de Programas de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), em 1979,
responsável por elaborar o documento que embasou as discussões da VIII Conferência Nacional
de Saúde, em 1986 (Osmo & Shraiber, 2015).
A VIII Conferência Nacional de Saúde, que aprovou o conceito de saúde como um
direito do cidadão e delineou os fundamentos do SUS, ressaltava que a saúde deveria ser
compreendida como “fruto de um conjunto de condições de vida que vai além do setor dito de
saúde”. (Paim, 2008, p.100). E defendia o controle social na política da saúde. Paim (2008)
afirma que essa compreensão de saúde pode ser creditada à produção teórica sobre
determinação social do processo saúde-doença, realizada por pesquisadores da área de Saúde
Coletiva no Brasil e na América Latina desde a década de 1970. É possível observar o
entrelaçamento das instituições Abrasco e Cebes com a produção teórica em Saúde Coletiva,
no engajamento político em torno da Reforma Sanitária (Osmo & Shraiber, 2015)
Campos (2000) questiona se a Saúde Coletiva, cujas pesquisas, segundo Osmo &
Shraiber (2015) abarcam disciplinas com a Epidemiologia, as Ciências Sociais e Humanas, a
Filosofia, ou a Administração, teria criado um novo paradigma, negando e superando o da
medicina e o da antiga saúde pública. Tendo a característica de ser interdisciplinar possibilita
um conhecimento ampliando da saúde, que durante muito tempo silenciou seu âmbito social
em detrimento do discurso biomédico. “A saúde coletiva teria, justamente, como uma de suas
principais propostas, resgatar o social”. (Osmo & Shraiber, 2015, p. 215). E aqui podemos
observar o início de um entrelaçamento com a Psicologia, que segundo Souza et al. (2012), se
destaca neste contexto por entender as questões de saúde em uma relação entre o social e o
coletivo.
1200
3.2 A inserção da Psicologia no SUS – Reformas Sanitária e Psiquiátrica
Como já citado anteriormente, as discussões sobre a inserção da Psicologia no SUS são
muito recentes. A preocupação com a saúde pública, com a inserção do trabalho do psicólogo
no debate sobre modos de intervenção que se façam para além da atuação autônoma e liberal
em consultórios particulares é ainda pouco encontrada no campo da Psicologia (Benevides,
2005)
Diversos estudos apontam que a inserção crescente dos psicólogos na saúde pública no
Brasil ocorreu a partir da Reforma Psiquiatra, no momento de crítica ao modelo asilar, com a
criação do campo chamado de saúde mental. O que, por vezes, faz com que a reflexão sobre a
atuação do psicólogo na saúde fique reduzida a esse campo, fazendo-se necessário descrever
alguns processos históricos das políticas de saúde entre o final da década de 1970 e durante a
década de 1980, principalmente no que diz respeito à relação entre os movimentos da reforma
psiquiátrica e da reforma sanitária. (Ferreira Neto, 2010).
A relação entre as duas reformas se deu em momentos de conjunção de disjunção. Sua
origem foi disjunta, mas na década de 80 teve sua primeira conjunção a partir da tática
desenvolvida pelo movimento sanitário de ocupação de espaços públicos de poder e de tomada
de decisão, como forma de introduzir mudanças no sistema de saúde. Na chamada Nova
República, o movimento sanitário e o movimento da reforma psiquiátrica se confundiram com
o próprio Estado. Em 1987 se deu uma nova disjunção, determinada pela I Conferência
Nacional de Saúde Mental e pelo II Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental,
em Bauru, no qual foi produzida a consigna por uma sociedade sem manicômios, instituído o
dia 18 de maio como o Dia Nacional da Luta Antimanicomial e elaborada uma pauta de
conceitos para aparelhar a luta pela reforma psiquiátrica, visando a autonomia do movimento
em relação ao Estado, e as alianças com a sociedade civil, movimentos populares, associação
de usuários e familiares, com a busca da rua, da imprensa e da opinião pública. O evento contou
com a presença de vários profissionais não médicos, em sua maioria psicólogos, além de
intelectuais de várias áreas (Ferreira Neto, 2010).
As diretrizes surgidas apontavam para um caminho de alargamento das fronteiras da
luta (antimanicomial) para uma ação no interior da própria cultura, o que Amarante (2007)
descreveu como uma reconstrução das formas como as sociedades lidam com as pessoas com
sofrimento mental, um restabelecimento do lugar social da loucura, que desde Pinel, esta
associada ao erro, ao perigo, a insensatez e a incapacidade.
A atual conjunção se deu a partir das mudanças na legislação advindas das propostas
dos dois movimentos, iniciadas em nível estadual e que culminaram com a promulgação da Lei
federal nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental (Ferreira Neto, 2010).
A partir desse ano, o Ministério da Saúde publica portarias que norteiam progressivamente a
organização do atendimento psiquiátrico no Brasil, bem como o atendimento em Saúde Mental
envolvendo outros profissionais além do médico, como o psicólogo, o assistente social e o
terapeuta ocupacional, determinando, principalmente, a atuação dos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) como serviço estratégico de substituição ao hospital psiquiátrico (Souza
et al, 2012).
Essa conjunção foi incrementada pela ampliação do Programa de Saúde da Família
(PSF), que visa à reorientação do modelo de assistência do SUS, em todos os seus níveis, com
ênfase na atenção básica. Tem operado mudanças na organização do processo de trabalho em
saúde mental, que passou a ser responsável pelo apoio matricial às equipes da atenção básica,

1201
através de trabalho conjunto de cor-responsabilização pela clientela em comum (Ferreira Neto,
2010).

3.3 A atuação da Psicologia no SUS: a necessidade de um posicionamento ético-político


Segundo Ferreira Neto (2010), a inserção e a decorrente atuação dos psicólogos na saúde
pública, a partir da década de 80, trouxeram importantes elementos para o início da
desconstrução do modelo que vinha sendo tido como padrão, apesar de não ter sido feita de
modo definitivo. Ainda hoje, segundo Cintra e Bernardo (2017), a visão que se faz do
profissional de psicologia é majoritariamente clínica – pautado no modelo biomédico – e se
apresenta muito enraizada em discursos de psicólogos e demais trabalhadores. Aparentemente,
para muitos, essa é a principal, senão a única, forma de atender aos preceitos da profissão.
Fazendo-se necessário discutir quais as atividades o Psicólogo atualmente desempenha no
Sistema Único de Saúde.
Nascimento (1999) descreveu uma divisão em três níveis de assistência: primária,
secundária e terciária. Na assistência primária as atividades são direcionadas ao coletivo, em
uma atuação junto a equipes multiprofissionais, enfocando ações direcionadas a problemas de
saúde em geral (não apenas de saúde mental), trabalhos educativos e de acompanhamento, além
da assistência, visam à prevenção e a promoção da saúde, para que se previna a necessidade de
atendimentos ambulatoriais e hospitalares. Na assistência secundária, tradicionalmente
conhecida como de atuação do psicólogo, em ambulatórios e hospitais gerais ou especializados,
as atividades seriam de atendimento clínico psicoterápico, individual ou grupal,
psicodiagnóstico e atuação em equipes multiprofissionais. Na assistência terciária, um trabalho
de reabilitação psicológica, evitando a invalidade social e a reintegração do indivíduo, grupos
psicoterápicos, psicoterapia individual, exploração de casos clínicos para psicodiagnóstico e
orientação a pacientes e familiares.
Ferreira Neto (2010) aponta diferenças entre as práticas desenvolvidas em clínicas
privadas e as desenvolvidas na saúde pública, a partir da análise de novos encontros gerados
pela inserção da Psicologia no SUS. O primeiro deles seria a nova clientela, advinda das classes
populares, até então distante da Psicologia clínica que tinha suas práticas voltadas aos padrões
da classe média. O segundo encontro foi com a condição de trabalho assalariado e seus altos e
baixos, como o horário de trabalho, hierarquias, prestação de contas, produtividade, entre outros
fatores. Dimenstein (2001) descreve que apesar dos profissionais de psicologia estarem
inseridos em uma equipe multiprofissional, que supõe uma relação de igualdade, vivem em uma
condição de submissão de hierarquia no campo, que é dominada pela categoria médica, sendo
esta comprovada pela organização dos processos de trabalho e pelas diferenças salariais. O
terceiro encontro se deu com outros saberes/fazeres que tinham histórico mais antigo na saúde
pública, onde há a necessidade de uma interdependência e até então o psicólogo estava
acostumado a uma atuação solitária (Ferreira Neto, 2010).
Esses encontros nos levam a perceber que, a reprodução de um modelo clínico privado
de atendimento é insuficiente para atender as demandas da atuação na saúde pública brasileira,
“demandando o desenvolvimento de uma articulação necessária entre a prática clínica e o
contexto mais ampliado de saúde coletiva”. (Ferreira Neto, 2010, p.395).
Benevides (2005) descreve como um ponto de partida infelizmente pouco encontrado a
preocupação com a saúde pública no campo da Psicologia, ou mesmo, a preocupação com uma
psicologia social que mantém a separação entre os registros do individual e do social. Para a
autora, no campo das práticas psi, o discurso sobre o sujeito é seguido de um processo de

1202
despolitização, pois “no mesmo movimento que o sujeito é tomado como centro, opera-se uma
dicotomização com o social que se acredita circundá-lo”. (Benvides, 2005, p. 21). Duas
realidades (interna/externa) que estão sempre em constante articulação, mas que são encaradas
de forma separada. Dessa maneira, as práticas psi passam a se ocupar de sujeitos abstraídos de
seus contextos, produzindo certa política: colocando de um lado a macropolítica, e de outro a
micropolítica, de um lado o Sistema Único de Saúde, como dever do Estado e direito dos
cidadãos, e de outro os processos e produção de subjetividade. É a partir da fundação da
Psicologia nestas dicotomias, que para Benevides (2005),

o individual se separou do social, que a clínica se separou da política, que o cuidado com a saúde das
pessoas se separou do cuidado com a saúde das populações, que a clínica se separou da saúde coletiva,
que a Psicologia se colocou a margem de um debate sobre o SUS (p.22).

Segundo Ronzani e Rodrigues (2006), essa postura individualista, para tratar os usuários
do SUS, vai contra o que seria uma atuação comprometida com a comunidade, além de também
se contrapor ao conceito de saúde que norteia esse sistema – que inclui, segundo Osmo e
Shraiber (2015), o resgate dos aspectos sociais no cuidado.
Benevides (2005), ao falar sobre a fundação da Psicologia assentada na separação entre
macro e micropolítica, descreve sobre alguns desvios que tomou como princípios éticos que
possam contribuir sobre o debate sobre as interfaces da Psicologia com o SUS. Segundo a
autora, a contribuição da Psicologia no SUS poderia estar no entrecruzamento do exercício
destes três princípios. São eles:
a) o principio da inseparabilidade: onde pensar a interface da Psicologia com o SUS se dará
por meio do entendimento de que processos de subjetivação se dão em um plano coletivo,
de multiplicidades, em um plano público;
b) o princípio da autonomia e da co-responsabilidade: é impossível pensar as práticas dos
psicólogos que não estejam imediatamente comprometidas com as condições de vida da
população brasileira, com o engajamento da produção de saúde que implique a produção de
sujeitos autônomos e corresponsáveis pelas suas vidas;
c) o princípio da transversalidade: segundo a autora, é no “entre os saberes” (p.23) que a
invenção acontece, no limite dos seus poderes que os saberes têm o que contribuir para um
outro mundo possível, para uma outra saúde possível.
Para Benevides (2005), a pergunta que insiste a partir disso é: “Quais as interfaces da
Psicologia como campo de saber e, mais precisamente, dos psicólogos enquanto trabalhadores,
com o Sistema Único de Saúde?” (p. 22). Para a autora, trata-se de uma discussão ético-política,
pois se não aceitamos as posições abstratas, descoladas de onde a vida se passa, precisamos
trazer para o debate questões sobre o contemporâneo, tanto em sua dimensão transnacional,
mundial, quanto (e principalmente), local, brasileira.
Segundo Cintra e Bernardo (2017), é preciso se libertar das amarras que prendem a
atuação do psicólogo a uma única ação e dar liberdade para que ela se transforme em atividades
necessárias para o contexto em que estão inseridos. Os autores indicam a Psicologia Social
Crítica, desenvolvida na América Latina, como uma das bases para se propiciar uma formação
que ajude os profissionais a seguirem esse caminho sem achar que estão deixando de ser
psicólogos por isso.
Quando falamos sobre a luta dos movimentos sociais, como o direito a saúde, podemos

1203
fazer um entrelaçamento com a Psicologia Social Crítica ao compreender que ela propõe uma
atuação transformadora, que visa à mudança das estruturas de poder, através da conscientização
e empoderamento em uma atuação contextualizada (Cintra & Bernardo, 2017).
Existem várias denominações para falar de perspectivas psicológicas críticas
desenvolvidas no contexto latino americano, mas entendemos que todas as propostas têm em
comum o fato de questionarem as opressões, violências e desigualdades econômicas e/ou
sociais vividas pelos povos latino-americanos e buscarem o empoderamento das comunidades
para o enfrentamento dessas situações. Essas denominações não se configuram como uma área
ou um campo de atuação dentro da Psicologia, mas como um posicionamento ético-político
(Cintra & Bernardo, 2017). Os autores defendem que é possível observar que existe uma
convergência entre os preceitos da Psicologia Social Crítica e os princípios que regem o SUS,
como a historicidade dos processos sociais, a idéia de transformação social e o trabalho
realizado com as coletividades.

4 Considerações Finais
A Psicologia no Brasil atravessou um longo processo histórico até que se inserisse no
sistema de saúde. Uma formação voltada para políticas públicas seria um importante
instrumento para que o psicólogo saísse da graduação com um olhar voltado para essas
questões, e assim, talvez, pudesse ser mais fácil realizar práticas que correspondessem aos
ideais do SUS (Cintra & Bernardo, 2017).
Mas quando se questiona quais as interfaces da Psicologia com o Sistema Único de
Saúde, mais do que fazer uma discussão sobre os conteúdos curriculares, ou recomendar
disciplinas a serem incluídas e/ou excluídos dos cursos de formação, “devemos nos perguntar
sobre quais práticas tais psicólogos têm efetuado, quais compromissos ético-políticos têm
tomado como prioritários em suas ações” (Benevides, 2005, p. 22). Faz-se necessária uma
discussão sobre a tomada de posição do profissional, de atitude, sobre o que se define como
objeto e campo de intervenção psicológica; e fazer isso não exclui os referenciais teórico-
conceituais, que dão suporte a atuação (Benevides, 2005).
A Psicologia Social Crítica surge como resposta a esse questionamento, pois além de
ser fruto de uma concepção de homem como produto histórico e social, que nos remete a
necessidade da interdisciplinaridade como orientadora da atuação (Lima, Ciampa & Almeida,
2009), assim como ocorre na Saúde Coletiva, trata-se de um posicionamento ético-político que
parte do princípio de que a Psicologia é chamada a tomar posição sobre os adventos da vida
cotidiana, da coletividade.
Ao falar sobre “A construção de novos sujeitos e práticas em saúde: em questão o
compromisso social” (p. 58), Dimenstein (2001) denuncia a dificuldade que temos na formação
profissional, organização e gestão, e principalmente no desinteresse profissional que gera um
distanciamento nos trabalhadores entre si e com os usuários dos serviços de saúde. Elenca como
aspectos fundamentais para a transformação dos modos hegemônicos de fazer saúde e para a
construção de um sistema universal, integral e equânime o compromisso do profissional com
as instituições de saúde, com a qualidade e humanização das práticas, com o acolhimento e
vínculo com os usuários.
Queremos ressaltar que “os eixos da universalidade, equidade e integralidade,
constitutivos do SUS, só se efetivam quando conseguimos inventar modos de fazer acontecer
tais eixos” (Benevides, 2005, p. 24). Buscar uma forma de atuar que se oriente por esses eixos

1204
necessita de um posicionamento crítico em relação a sua própria atuação, necessita que se
assuma um compromisso social.
De todo modo, esse estudo não esgota as possibilidades de questionamentos sobre a
atuação da Psicologia no SUS, existem impasses para a atuação que não foram aqui
problematizados. A preocupação com a atuação da Psicologia na Saúde Pública é, ainda, um
tema escasso, havendo a necessidade que mais estudos sejam feitos na área, tendo em vista que
se trata de um tema em constantes transformações no que diz respeito a questões de situação de
saúde da população ou a própria política de saúde.

Referências

Amarante, P. (2007). Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz.


Benevides, R. (2005, agosto) A psicologia e o sistema único de saúde: quais interfaces?
Psicologia & Sociedade, Porto Alegre , 17(2), 21-25.
Constituição da República Federativa do Brasil (1988). (1988). Brasília: Senado Federal.
Campos, Gastão Wagner de Sousa. (2000). Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de
saberes e práticas. Ciência & Saúde Coletiva, 5(2), 219-230.
Cintra, M.S. & Bernardo, M.H (2017, dezembro). Atuação do Psicólogo na Atenção
Básica do SUS e a Psicologia Social. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, 37(4), 883-896.
Dimenstein, M. (2001, dezembro). O psicólogo e o compromisso social no contexto da saúde
coletiva. Psicologia em estudo, Maringá, 6(2), 57-63.
Ferreira Neto, J.L. (2010). A atuação do psicólogo no SUS: análise de alguns
impasses. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, 30 (2), 390-403.
Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (1990, 19 de setembro). Dispõe sobre as condições
para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento
dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília.
Recuperado a partir de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm. Lei nº 8.142, de
28 de dezembro de 1990 (1990, 28 de dezembro). Dispõe sobre a participação da
comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros da área da saúde e dá outras providências.
Brasília. Recuperado a partir de
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm
Lima, A. F. de & Ciampa, A. da C.; Almeida, J. A. M. de (2009). Psicologia social como
psicologia política?: A proposta de psicologia social crítica de Sílvia
Lane. Revista Psicologia Política, São Paulo, 9(18), 223-236.
Nascimento, V. N. A. (1999) A atuação de psicólogos na Saúde Pública do Município de
Campo Grande: aspectos sobre prática e formação profissional. (Dissertação de
Mestrado)– Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Programa de Mestrado em
Saúde Coletiva, Campo Grande.
Osmo, A. & Schraiber, L. (2015, junho). O campo da Saúde Coletiva no Brasil: definições e

1205
debates em sua constituição. Saúde e Sociedade, São Paulo, 24, suppl. 1, 205-218.
Paim, J. S. (2008). Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e crítica.
Salvador: Edufba.
Paim, J., Travassos, C., Almeida, C., Bahia, L. & Macinko, J. (2011) O sistema de saúde
brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet (Série Brasil), 11-31.
Ronzani, T. M. & Rodrigues, M. C. (2006) O psicólogo na atenção primária à saúde:
contribuições, desafios e redirecionamentos. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília,
26(1), 132-143.
Rother, E.T. (2007) Revisão sistemática X revisão narrativa. Acta paulista de Enfermagem,
São Paulo, 10(2), v-vi.
Souza, A. L. M. de, Garbinato, L. R. & Martins, R. P. S. (2012). A atuação do psicólogo no
sistema único de saúde: uma revisão. Interbio, 6(1), 54-66.
A PRÁXIS DA PSICOLOGIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: PARA

1206
ALÉM DA NORMATIZAÇÃO

Laura Cristina Oliveira Magalhães,


Socorro Taynara Araújo Carvalho,
Francisca Liciane Marques,
Antonio Jonh Lennon da Costa Marques,
Marcos Eduardo Azevedo Martins,
Rosymile Andrade de Moura

1 Introdução
O Sistema Único de Saúde(SUS) foi estabelecido no Brasil a partir da constituição de
1988. Desde então a saúde no Brasil é pública, colocada como um direito de todos e um dever
do Estado. É fato que as práticas nesse contexto permanecem sendo moldadas, já que a história
de políticas de saúde pública no Brasil ainda é algo recente.

Em 1990, o SUS é regulamentado, instituindo-se a Lei no 8.080/1990, que visa a


promoção, a proteção e a recuperação em saúde, através de princípios como a
universalidade, a gratuidade, a integralidade e a descentralização. Importante destacar
que esse sistema nasceu da luta de movimentos sociais. (Cintra & Bernardo, 2017,
p.885)
Nesse sentido, o SUS busca fugir do modelo biomédico que compreendia o sujeito como
alguém que precisa de uma “cura” de acordo com sua demanda esquecendo de observar o
contexto biopsicossocial do paciente. Assim a saúde pública atual, remete o paciente a um
sujeito que pode ser ativo em seu processo de atenção continuada. Além disso o SUS, através
da Atenção Primária consegue ter uma proximidade da comunidade, sendo isso um facilitador
no fazer da saúde.
Diante dessa proposta do SUS de um contexto de uma saúde democrática, é que este
visa um fazer transdisciplinar, ou seja com profissionais de diversas ênfases trabalhando em
prol do sujeito. Nesse sentido a Psicologia entra como uma das áreas que atuam nesses espaços.
A Psicologia por muito tempo foi uma área questionada dentro do contexto da saúde
pública. Isso ocorreu pelas velhas práticas que associavam a Psicologia a um fazer clínico,
privado, parecido com o modelo biomédico, que de certa forma patologizava o sujeito e não
conseguia estabelecer um trabalho social, comunitário.
A parti dessas críticas, a Psicologia entra em crise e sofre com os abalos econômicos e
com os questionamentos com relação a eficácia de seu fazer para a sociedade. Já que por muitos
anos a Psicologia era elitizada e tinha como público a classe média e alta. Assim era colocado
em pauta a seguinte questão “Será que o Psicólogo dar conta de outros públicos?”
Esse cenário foi fundamental para ampliar a práxis do Psicólogo, pois foi a parti dessa
crise, que a Psicologia fez uma autocrítica e começou uma revisão e reformulação das diretrizes
curriculares dos cursos de Psicologia, promovendo também momentos de discussões sobre o

1207
fazer ético e político da profissão diante da sociedade, que gerou uma psicologia mais
democrática e preocupada com as questões políticas e sociais.
Até os dias atuais tem sido difícil explicitar qual o fazer do Psicólogo nas políticas
públicas, pois carregamos a velha herança da clínica elitizada, que criou uma “relação
protegida, forjada na clínica particular – onde as normas são definidas pelo próprio psicólogo
– e enfrentar a rede complexa de normas institucionais” (Spink, 2003, p. 137) é uma tarefa
difícil, que ainda está em um processo de superação.
Nessa perspectiva, o nosso questionamento aqui está no fazer do Psicólogo nas Políticas
Públicas de Saúde. Pois a psicologia se respalda em um conhecimento sobre a subjetividade
humana e sua demanda está associada ao sofrimento em diversos contextos. Mas o que o
Psicólogo deve fazer quando a política que se respalda em uma normatividade impede o auxílio
desse sofrimento? Esse é um dos impasses que gostaríamos de ressaltar aqui.
Outra questão é sobre a clínica, acreditamos que esse modelo de clínica elitizada que se
estabeleceu por tanto tempo deve ser superada. Porém a clínica como uma ética, ela deve ser
levada em consideração, afinal a clínica está relacionada a escuta, a acolhida do sofrimento,
fator que é fundamental em qualquer esfera da sociedade inclusive na saúde, afinal a clínica é
só para a elite?
Portanto, o objetivo do presente estudo é compreender o fazer do psicólogo nas políticas
públicas de saúde, explicitando os impasses que esse profissional encontra frente as demandas
presentes nesses espaços e a normatividade institucional da política que por vezes limita o fazer
do profissional.

2 Método
O presente artigo é de cunho qualitativo, no qual foi escolhido como método de coleta
de dados uma revisão narrativa da literatura. Esse tipo de revisão busca fazer estudos amplos,
no âmbito macro, sem muitas especificidades, “apropriadas para descrever e discutir o
desenvolvimento ou o "estado da arte" de um determinado assunto, sob ponto de vista teórico
ou contextual” (Rother, 2007, p.1).

Essa categoria de artigos têm um papel fundamental para a educação continuada pois,
permitem ao leitor adquirir e atualizar o conhecimento sobre uma temática específica
em curto espaço de tempo; porém não possuem metodologia que permitam a reprodução
dos dados e nem fornecem respostas quantitativas para questões específicas. São
considerados artigos de revisão narrativas e são qualitativos. (Rother, 2007, p.1).

No mês de outubro do ano de 2019 realizamos uma revisão na base de dados eletrônica
SciELO, utilizamos os seguinte descritores “Psicologia” and “SUS” sendo a temática de nosso
interesse a atuação crítica da Psicologia no SUS. Na primeira busca encontramos 45 artigos, ao
utilizar os critérios de inclusão ficaram 12 artigos selecionados para análise.
Nesse sentido, os critérios de inclusão utilizados foram: a) artigos em português, b)
artigos que tratem sobre o tema atuação crítica do Psicólogo no SUS, c) artigos com estudos
originais.
1208
3 Resultados e Discussão
A predominância do modelo biomédico na formação e educação nos cursos de
graduação em saúde e afins, incluindo em vários aspectos a Psicologia, impõe a necessidade de
transformações na capacitação dos profissionais, que enfatize as concepções ampliadas de
saúde, ações interdisciplinares e Intersetoriais, valorizando a participação social e a cidadania
nos processos de produção da saúde e do cuidado.
Aqui ressaltamos o fazer da Psicologia dentro da Atenção básica à Saúde que é um dos
locais que o Psicólogo atua no SUS. Suas atividades se remetem a várias formas de
intervenções, dentro das atividades realizadas estão: atendimento individual, visitas
domiciliares, encaminhamentos para a rede de serviços, triagens, orientações, avaliação e
acompanhamento, grupos de intervenção, grupos terapêuticos, oficinas e outros. A Atuação do
psicólogo na realização de ações da Estratégia de Saúde da Família, envolvem uma atuação em
rede com articulação de serviços e matricialmente da equipe.
O Psicólogo está inserido nas políticas públicas em contato com usuários que muitas
vezes se encontram em alguma situação de vulnerabilidade, decorrente de alguma vicissitude
da vida ou resultante da abissal desigualdade social.
Neste ínterim, alguns profissionais assumem a postura de normatização, na tentativa de
(re)adequação da vida dos usuários, patologizando e psicologizando os usuários, esquecendo-
se das complexas questões sociopolíticas envolvidas nessa situação.

3.1 Muitos falam o que não é clínica, mas afinal o que é clínica?
Contrário a essa postura o Conselho Federal de Psicologia abre espaço para que se
problematize as formas de controle social, rompendo determinados padrões normativos,
considerando a dimensão subjetiva e singular dos indivíduos, potencializando nestes a
participação social e o processo de autonomia.
Ao abordar o termo clínica, de imediato associamos em profissionais da saúde, pois no
senso comum a palavra está relacionada ao modelo biomédico, restringindo-se apenas ao um
ambiente fechado e físico, mesmo sendo uma explicação exata e limitante. No entanto, a clínica
está para além disso, pois as pessoas não se limitam às expressões das doenças de que são
portadoras. Nesse sentido, ainda existe um teor que a clínica é para ricos, considerando-a apenas
como privada e individualizante. De acordo com Doron & Parot (p. 143, 1998):

Originariamente, a atividade clínica (do grego klinê - leito) é a do médico que, à


cabeceira do doente, examina as manifestações da doença para fazer um diagnóstico,
um prognóstico e prescrever um tratamento.

Ou seja, o médico exerce a função de observar e entrevistar o sujeito para ter uma análise
do mesmo. De certa forma, esses procedimentos suscitam do saber médico como influenciam
o fazer da psicologia, afinal o saber médico sempre exerceu certo poder sobre as outras
profissões.
Nessa perspectiva, a clínica não é sinônimo apenas de um consultório. A clínica é

1209
exercida em muitas áreas e não se resume à atuação em uma sala fechada, a clínica não é um
lugar, mas uma ética, uma postura, uma forma de intervenção que é eficaz
Dentro do contexto da Psicologia a clínica passou por várias críticas, justamente por ter
esse teor elitizado que atendia públicos de classe média e alta, esquecendo as outras classes
sociais que também demandavam do fazer da Psicologia. Assim por muito tempo a sociedade
e as comunidades estiveram a margem do saber da Psicologia.
Então de certa forma, ficou estigma sobre a clínica, um receio de inserir ela nos espaços
que trabalhem no contexto de Psicologia Social ou da Saúde. Não estamos aqui defendendo a
clínica da elite, mas procuramos mostrar o outro lado do que de fato é a clínica na Psicologia,
que não trata-se dessa velha visão de um “lugar” que remete a patologização do sujeito, mas
um espaço de acolhimento do sofrimento do outro. Afinal pessoas com vulnerabilidade social
não precisam da clínica? Só a classe média e alta deve ter esse privilégio? Acreditamos que
não.
Nesse sentido, a clínica abrange uma dimensão de questões e de áreas de conhecimentos
que estão para além da Psicologia, pois a apropriação do sentido da palavra se dá através das
relações sociais, políticas e culturais que se remete a linguagem. No entanto muitos falam o que
não é clínica, mas afinal o que é clínica?

Clínica, então, é sempre uma interação complexa entre sujeitos. Apesar de todas as
proteções institucionais, a clínica efetivamente é um encontro entre dois Sujeitos
singulares. Um profissional e um "doente", uma equipe e um "doente", uma equipe e
um Sujeito coletivo (uma família ou uma comunidade, etc.). Neste modelo de análise
entendemos a clínica com uma dimensão política e subjetiva muito forte” (Cunha, 2004,
p. 46).

Assim compreendemos a clínica como algo mais abstrato, no qual ocorre uma escuta
qualificada, sem julgamentos, que deve acolher o sujeito para potencializa-lo diante as situações
recorrentes do seu sofrimento. O fazer clínico está ligado a subjetividade, da relação do paciente
e profissional, abrangendo toda uma comunidade junto com seus aspectos que geram angústias.
A psicologia pode proporcionar uma escuta mais afetiva e qualificada para as
necessidades dos dispositivos comunitários que, por consequência, são capazes de provocar
importantes questionamentos e rupturas ao saber-fazer da psicologia. Pensar no cotidiano com
os envolvidos, contribuir para o fortalecimento dos vínculos e a criação de um espaço de
resistência às formas de subordinação que se inserem nos processos de trabalho.
Portanto, entendemos que as críticas feitas no passado sobre a clínica tiveram seus
sentidos e significados que foram importantes para transformar a profissão do Psicólogo. Porém
não podemos deixar que isso se torne um estereótipo sobre o que é o fazer clínico e desqualificar
essa intervenção dentro das políticas públicas.

3.2 Clínica Ampliada e o SUS


A clínica ampliada tem como objetivo a busca de autonomia dos usuários, a mesma
propõe que o profissional de saúde desenvolva a capacidade de ajudar as pessoas, não só a
combater as doenças, mas a transformar-se, de forma que a doença, mesmo sendo um limite,

1210
não a impeça de viver outras coisas na sua vida.
Diante disso, a clínica ampliada surge em contraposição a clínica privada, de modo a
ampliar horizontes para a comunidade com procedimentos diversos, tentando alcançar
pequenos ou grandes grupos.
Assim, a clínica se torna de fato ampliada no sentido literal da palavra, quanto ao seu
foco de intervenção, ao espaço, a população e suas estratégias. Nesta perspectiva, o foco da
clínica ampliada é a promoção, prevenção, recuperação e reabilitação em saúde envolvendo
ações terapêuticas individuais ou coletivas, buscar ajuda em outros setores, reconhecer os
limites dos conhecimentos dos profissionais de saúde.
Nesse contexto, a clínica ampliada é a direção para atuação dos profissionais da saúde,
sendo assim está propaga-se com a política, pois o encontro ocorre entre modos de subjetivação
produzidos no coletivo, no plano social, em que o instituído e o novo são aspectos de
descobertos para que haja luta e resistência para os usuários.
A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) foi de suma importância para a
inserção de psicólogos nos serviços de saúde destinados à atenção primária, nos quais esses
profissionais são responsáveis por atividades preventivas. Constituem-se espaços de promoção
de saúde as Unidades Básicas que são potencialmente capazes de criar mecanismo voltado para
a autonomia e a atividade coletiva de uma cidadania reflexiva e transformadora.
A clínica ampliada prevê, de acordo com a necessidade dos usuários, a articulação entre
os serviços de saúde e outros setores e políticas públicas tidas como recursos para promoção de
saúde, por compreender que está se constitui num agenciamento de vetores sócio-político-
cultural-econômico num mesmo plano de imanência.

4 Considerações Finais
A demanda da psicologia está associada ao lugar de fala do outro, naquilo que é
insuportável, no que é inaudível para o outro, essa é a brecha para a psicologia, o nosso código
de ética coloca que nunca devemos dar as costas a qualquer tipo de sofrimento. Assim não
importa que dentro da política pública sejamos chamados de “técnicos”, antes disso somos
Psicólogos
Não é fácil o trabalho dentro das políticas públicas, pois as normas inseridas nesses
espaços parecem limitar o nosso fazer. Apesar disso, entendemos que não conseguiremos
construir ou desconstruir esses processos através do embate, mas criar formas a partir do que
está dado, pois a Psicologia é um lugar de invenção, e apenas dessa forma conseguiremos
transformar e lutar por intervenções mais democráticas e menos tecnocráticas.
As políticas públicas constituem-se como dispositivos singulares que demandam um
novo modo de pensar a práxis da psicologia, reconstruindo novas perspectivas sobre o que é o
saber-fazer da psicologia neste campo tão complexo. Com efeito, destaca-se que estes caminhos
ainda estão sendo trilhados, mas aponta-se que nesse percurso o psicólogo deve ter como
horizonte ético a potencialização do sujeito e da comunidade na construção da sua própria vida.

Referências
Cintra, M. S., & Bernardo, M. H. (2017). Atuação do Psicólogo na Atenção Básica do SUS e

1211
a Psicologia Social. Psicologia: ciência e profissão, 37(4), 883-896.
Cunha, G. T. (2004). A construção da clínica ampliada na atenção básica.
Doron, R.; Parot, F. (1998) Psicologia Clínica. Dicionário de Psicologia. pp. 144-145. São
Paulo: Ática.
Rother, E. T. (2007). Revisão sistemática X revisão narrativa. Acta paulista de enfermagem,
20(2), v-vi.
Spink, M. J. P. (2017). Psicologia social e saúde: prática, saberes e sentidos. Editora Vozes
Limitada.
O PROJETO “EU POSSO TE OUVIR” EM FOCO: A INTERSETORIALIDADE NO

1212
CUIDADO E NA PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL NA ESCOLA

Luiz Augusto Souza Barbosa,


Paulo Henrique Dias Quinderé,
Fiamma Dárlen Gomes de Souza,
Lycélia da Silva Oliveira,
Antonio Anderson Mota da Silva

1 Introdução

O Sistema Único de Saúde (SUS) se organiza em diferentes níveis de atenção à saúde,


podendo assim disponibilizar instrumentos, equipamentos e tecnologias distintas para cada
demanda da população. Os níveis, denominados de primário, secundário e terciário, possuem
distintos objetivos. A atenção primária à saúde, a partir disso, constitui-se como uma das portas
de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS), presente no cotidiano da população brasileira, e
acessada diretamente através dos serviços que a compõem (Cunha & Campos, 2011).
A partir das vivências no curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal do
Ceará campus Sobral, observamos que a organização e os investimentos feitos na atenção
primária muito se destacam em relação aos outros municípios do interior do estado. Um destes
destaques são as ações desenvolvidas pelo Núcleo de Atenção à Saúde da Família (NASF).
A partir da Portaria GM nº 154, de 24 de janeiro de 2008, compreendemos que o NASF
possui como um dos princípios básicos o apoio à Estratégia de Saúde da Família (ESF) na rede
de serviços de saúde e assistência. Além disso, busca ampliar as possibilidades de atuação da
Atenção Básica, intervindo nos mais diversos dispositivos de saúde disponíveis nos territórios
adscritos.
Assim, tais equipes não devem se limitar aos espaços físicos dos Centros de Saúde da
Família (CSF), devendo estar presentes em outros dispositivos, comunitários e/ou
institucionais, a exemplo de escolas, Academias da Saúde, praça, quadras, dentre outros
equipamentos. Dessa forma, contribui para a consolidação da integralidade dos serviços de
saúde a partir do processo de territorialização e regionalização da saúde. (Brasil, 2009)
O NASF busca contribuir, principalmente, com a atenção primária à saúde, contudo,
também participa de intervenções em conjunto com a rede, seja secundária ou terciária. Além
disso, dialoga com a rede educacional e assistencial na qual está inserido. Devido a sua proposta
multiprofissional, existe uma troca entre os saberes de todos os profissionais que estão inseridos
na equipe.
Os profissionais do NASF podem atuar tanto de forma individual como também
conjunta com outras categorias. Dessa maneira, podem existir tanto atendimentos individuais,
através de encaminhamentos da equipe mínima, como grupais, com o restante da equipe. Além
disso, existe constantemente a busca pelas trocas entre os saberes dos profissionais, já que
alguns ficam imersos em expertises que, muitas vezes, são colocadas como específicas de outras
categorias.
Todavia, alguns desafios estão presentes durante esse percurso de atuação da equipe no

1213
Centro de Saúde da Família e no território de responsabilidade da equipe, já que a inserção e a
criação desse núcleo de apoio são recentes na história no campo da saúde. Assim, alguns
profissionais ainda possuem dificuldades para compreender a operacionalização desse serviço.
Com isso, ainda existem barreiras entre as equipes e em relação à rede de saúde como um todo.
Em Sobral o NASF atua em articulação com escolas municipais junto com o Programa
Saúde na Escola (PSE) sendo um potencializador no fomento à superação do modelo
curativista, pautando-se em ações de promoção da saúde. No município, o PSE desenvolve um
projeto próprio intitulado “Eu Posso Te Ouvir”, contribuindo para promoção de saúde mental
no âmbito escolar.
O Programa Saúde na Escola (PSE) possui particularidades na cidade de Sobral. Este
programa, de fomento federal, atua em todas as escolas municipais, através de apoio sistemático
das Residências em Saúde da Escola de Saúde Pública Visconde de Sabóia, dos Núcleos de
Apoio à Saúde da Família do município e da gerência do próprio PSE de Sobral.
A secretaria municipal desenvolve atividades em diferentes campos: saúde mental,
saúde física e saúde do trabalhador escolar. Dessa maneira, as ações do PSE parecem ir além
das práticas pontuais e descontinuadas, como aponta Figueiredo el al (2010), que
tradicionalmente ocorrem de maneira pontual entre os setores de saúde e educação.
O projeto “Eu Posso Te Ouvir”, criado e apoiado pela Secretaria de Educação de Sobral,
possui como um dos objetivos principais trabalhar os aspectos relacionados à saúde mental dos
estudantes do município. Atualmente, como modelo piloto, são atendidas três escolas
municipais, sendo uma delas no território de responsabilidade do NASF no qual estava inserido.
As três escolas participantes foram escolhidos a partir de uma análise do território que estavam
inseridas e pelos casos já existentes relacionados a queixas de saúde mental, a exemplo de
comportamentos autolesivos e tentativas de suicídios.
O projeto descrito teve início no ano de 2017, a partir de demandas de comportamentos
autolesivos do município de Sobral. Devido a esse cenário, percebeu-se a necessidade de
articulação intersetorial e multiprofissional para o manejo dessas queixas, compreendendo,
assim, que a escola possui um papel essencial e fundamental como um espaço de escuta
acolhedora dessas crianças e adolescentes. Tendo esse espaço como prerrogativa, criou-se o
projeto “Eu Posso Te Ouvir” de responsabilidade, primordialmente, do Programa Saúde na
Escola (Farias et. al 2019).
O projeto é desempenhado pela própria escola e apoiado, principalmente, pelas
Residências em Saúde e pela equipe do NASF responsável pelo território adscrito da escola.
Dessa maneira, a equipe se reúne tanto com os próprios profissionais do PSE, quanto com a
equipe da escola e os residentes vinculados à Escola de Saúde Pública de Sobral. Destaca-se
que a presença de um Orientador Educacional, formado em psicologia, na escola facilitou a
mediação entre a equipe do NASF e o núcleo escolar, pois esse profissional participa das etapas
do projeto, desde seu planejamento até a sua execução.
O projeto “Eu Posso Te Ouvir” é dividido em 7 etapas gerais: planejamento das oficinas,
execução da primeira oficina (objetivo de apresentar o projeto e discutir temas gerais), segunda
oficina (discutir um tema mais específico em saúde mental), devolutivas das oficinas, triagem,
acolhimento e encaminhamento, caso haja necessidade. Durante os meus três meses de estágio
acompanhei seis oficinas, um momento de triagem e acolhimentos.
Anualmente, o PSE planeja as intervenções que serão executadas nas escolas
municipais. Assim, a partir dessas intervenções nota-se a importância de articular com outros
dispositivos disponíveis em Sobral, tanto da própria Secretaria de Educação como da Secretaria

1214
de Saúde. No caso do “Eu Posso Te Ouvir”, mais especificamente, o trabalho multiprofissional
e intersetorial são imprescindíveis para eficiência do projeto, todavia, as interligações existentes
entre esses atores devem estar em constantes reflexões, pois uma unilateralidade pode
prejudicar a realização das intervenções.
Dessa forma, pensarmos em como o planejamento está sendo realizado é fundamental,
analisando as limitações do projeto se torna possível à criação de novas estratégias de
intervenções e, assim, a consolidação do “Eu Posso Te Ouvir”.
A intersetorialidade deve ocorrer de forma transversal e horizontalizada, não havendo
uma unidirecionalidade hierarquizada. Os profissionais do NASF, por exemplo, devem se sentir
pertencentes ao projeto, identificando-se com os princípios e objetivos estabelecidos e
construídos coletivamente. Além disso, a escola e os seus profissionais devem se sentir
pertencentes a esse processo. Um projeto alheio a esses atores pode tornar as intervenções
distantes destes profissionais, dificultando a eficiência do programa.
Corrobora-se, a partir de Gazzinelle et. al (2005), que o processo de educação em saúde
é um processo multifacetado e complexo, que deve ser compreendido a partir das relações entre
educadores/profissionais da saúde e estudantes. Dessa forma, o “Eu Posso Te Ouvir” percebe a
educação em saúde como uma perspectiva que deve ser executada de forma multiprofissional
e intersetorial; no entanto, a forma que esse processo se constrói deve ser motivo de reflexões
múltiplas, tanto da gestão como dos profissionais que a executam.
Desta forma, este estudo relata a experiência em estágio supervisionado no NASF de
Sobral, discutindo mais especificamente as ações no Projeto “Eu Posso Te Ouvir” do Programa
Saúde na Escola. Durante o estágio diversas intervenções foram possíveis de serem vivenciadas
junto à equipe do NASF, sendo estas as seguintes atividades: educação em saúde, Programa
Saúde na Escola (PSE), atendimento/acolhimento em psicoterapia, interconsultas, visitas
domiciliares, matriciamento em saúde mental, rodas de gestão de categoria e de equipe.
Torna-se relevante, inicialmente, a descrição dos profissionais que formam a equipe
mínima em saúde e os profissionais com os quais tive vivências no NASF. Faziam parte da
equipe na qual estava inserido: uma psicóloga, uma profissional de educação física e um
fisioterapeuta.

2 Metodologia
Trata-se de um relato de experiência de estágio supervisionado em saúde no curso de
psicologia. O estudo tem uma abordagem metodológica qualitativa descritiva produzida
através das vivências registradas em diário de campo, do planejamento das atividades junto com
o preceptor psicólogo e das supervisões clínicas grupais semanais, por meio dos quais foi
possível uma reflexão crítica para a confecção do estudo.
O estágio opcional em Processos Psicossociais e Construção da Realidade possibilitou
um conjunto de experiências, tanto no campo teórico como no prático, além disso, as
supervisões possibilitaram reflexões acerca das vivências nos campos de estágios e trocas de
saberes/dificuldades com os estagiários de outros espaços. Em relação à carga horária, o estágio
possui o total de 160hrs, sendo dividido em prática (112hrs), teórico (32hrs) e supervisão
(16hrs). Além disso, o estágio é acompanhado por um professor-supervisor e um preceptor do
serviço no qual estamos alocados (neste caso, uma psicóloga da equipe do NASF).
Este trabalho foi construído a partir da experiência de estágio opcional no Núcleo de

1215
Apoio à Saúde da Família (NASF) no município de Sobral, estado do Ceará. No município,
existem seis equipes de NASF e cada equipe fica responsável por territórios específicos. O
respectivo NASF é responsável por 4 territórios, circunscrevendo quatro bairros da sede do
município, sendo estes: Vila União, Cohab III, Terrenos Novos I e II. Salienta-se que este relato
de experiência busca relatar e discutir as atividades desenvolvidas entre o NASF e o Programa
de Saúde na Escola (PSE) de Sobral, mais precisamente as atividades do projeto “Eu Posso Te
Ouvir”.
Serão foco do relato oito momentos que vivenciados no projeto “eu posso te ouvir”,
descrevendo: os passos, os participantes, a escola e os objetivos das intervenções. Essas
experiências se deram com as crianças das turmas de sexto, sétimo e oitavo anos de ensino
fundamental.
Além da equipe do NASF formada, nessas intervenções, pela profissional de educação
física e de psicologia, também participaram do planejamento e execução o orientador
educacional e a equipe de gerência do PSE de Sobral.

3 Resultados e discussão da experiência


3.1 Etapas do projeto: Planejando e executando as ações
Os entrelaces entre educação e saúde possibilitam intervenções que agregam na
educação em saúde, promovendo saúde e discutindo aspectos cotidianos que estão presentes
nas rotinas dos estudantes. O projeto “Eu Posso Te Ouvir”, criação sobralense, amplia as
atuações dos profissionais de saúde e educação do município, contribuindo para uma
perspectiva integral dos discentes.
A primeira etapa consiste na organização e no planejamento das ações que serão
executadas na escola ao decorrer no semestre. Esse planejamento é realizado, primordialmente,
entre o orientador educacional, a equipe do NASF e os residentes do município. Nessa fase,
pensamos na dinâmica da oficina, por quem elas devem ser realizadas, o objetivo e qual o
público alvo dessas ações.
Na segunda e terceira etapas são realizadas as oficinas. Na primeira visita, apresentamos
a equipe, o projeto “Eu Posso Te Ouvir” e levantamos as queixas iniciais dos alunos, abarcamos
três turmas distintas nessa fase do projeto. Objetivamos, dessa maneira, a apresentação da caixa
do “Eu Posso Te Ouvir”, essa caixa fica localizada na sala do Orientador Educacional e os
estudantes podem escrever, em um papel, suas queixas (situações de conflitos na família ou
escola, bullyng, tristeza recorrente, entre outras) e depositar nessa caixa.
Nesta etapa buscamos utilizar metodologias ativas, através da divisão de subgrupos na
sala, dinâmica dos sentimentos (questionavam-se como estavam se sentindo no momento, a
partir de emoticons comuns em redes sociais) e presença de músicas que buscassem discutir o
tema escolhido. Ao final da oficina, que durou em média 50 minutos, entregamos uma ficha
onde os estudantes poderiam escrever alguma queixa que estivesse presente naquele momento,
após a escrita, de caráter opcional, depositaram esses bilhetes na caixa supracitada.
Na segunda oficina o foco da intervenção se modificou, discutimos, neste momento,
sobre situações que podem causar sofrimento ao indivíduo e como esses estudantes, crianças e
adolescentes, agiam ou poderiam agir ao enfrentar essas situações. Nessas oficinas (realizadas
nas mesmas turmas da primeira oficina) o ponto de discussão girava, principalmente, em torno
de um vídeo65 sobre bullyng, a partir disso ocorria discussões sobre a definição de bullyng e

1216
como eles agiam, e poderiam agir, frente a essas situações.
A etapa devolutiva, feita entre os profissionais, buscar refletir sobre o funcionamento
das oficinas. Discutimos sobre os desafios que são presentes nas intervenções, a partir disso
pensamos modificações na dinâmica de funcionamento das oficinas, buscando alterar e
potencializar essas intervenções. Além disso, realizamos a etapa de triagem, onde retiramos os
bilhetes da caixa do “Eu Posso Te Ouvir”; após isso, analisamos as queixas que mais se
aproximam do objetivo do projeto, já que, pela quantidade de profissionais, não é possível ser
feita uma escuta de todos os estudantes queixosos.
Na etapa de acolhimento, os estudantes que passaram pela triagem são chamados para
um momento de escuta especializada por profissionais voluntários. Todos os profissionais que
participam dessa etapa são voluntários do campo da saúde, são realizados preparos com esses
profissionais para que estejam aptos a manejarem as demandas que podem emergir. A partir
desse momento de acolhimento inicial, de acordo com a gravidade da queixa, são realizados
encaminhamentos, seja para um serviço-escola da cidade, para o CSF do bairro ou para outro
dispositivo especializado.

3.2 Experimentando o campo: o psicólogo e a educação em saúde


A partir do exposto, podemos compreender, de uma maneira mais aprofundada, os
aspectos presentes no projeto do PSE. A partir das vivências, frente ao projeto, pudemos
perceber potencialidades, mas, também, desafios decorrentes desses momentos. Inicia-se pela
própria quantidade de profissionais na equipe em que estávamos inseridos, na maioria das
vezes, apenas estavam presentes nas intervenções a profissional de educação física e eu, já que
os outros profissionais estiveram ausentes por questões pessoais. Dessa forma, as próprias
atividades podem ser prejudicadas por essa sobrecarga que pode existir dentro do próprio
NASF.
Outro ponto perceptível como dificuldade do projeto “Eu Posso Te Ouvir” é a
organização do ambiente escolar. As escolas, muitas vezes, possuem uma organização própria
e, com isso, essas oficinas tiveram uma receptividade negativa entre alguns professores e a
direção. Antes do início das atividades no semestre é apresentado para o núcleo gestor os
objetivos do projeto e todo o seu cronograma, mas, várias vezes, a direção da escola nos recebia
sem saber qual atividade iríamos fazer e até mesmo em qual sala iríamos intervir.
Agrega-se, o fato dos profissionais e do núcleo gestor compreender essas oficinas como
algo à parte da organização escolar, perceber o projeto como algo alheio às disciplinas.
Pudemos perceber isso em algumas oficinas, onde as intervenções eram vistas de formas
impessoais e abstratas ao cotidiano escolar. Percebe-se, portanto, que as ações do “Eu Posso Te
Ouvir” são vistas como desvinculadas do sistema educacional.
As estratégias pensadas pelo PSE, muitas vezes, são compreendidas pelos profissionais
da escola, e do próprio sistema de saúde, como uma tarefa a mais para ser feita, tornando-se,
assim, algo custoso. Por outro lado, uma construção feita conjuntamente com os professores e
pensadas para abarcar os assuntos programáticos para cada turma poderiam, ao menos,

65
O vídeo utilizado se intitula “Bullying não! Ser diferente é legal” que está presente no Canal da Charlotte na
plataforma Youtube.
possibilitar uma aproximação maior com as atividades desenvolvidas pelo projeto “Eu Posso

1217
Te Ouvir”.
Essa perspectiva, corroborada pelo trabalho de Ferreira et. al (2014), que consiste em
uma segregação entre o campo da saúde e da educação demonstra um desafio a ser superado
pelo PSE. A partir disso, podemos compreender um planejamento concentrado pelos
profissionais de saúde e que, muitas vezes, pode dificultar a adesão dos educadores pelos
projetos desenvolvidos pelo PSE.
A partir disso, podemos pensar em estratégias para essa problemática. A partir das
mudanças paradigmáticas entre a clínica tradicional para uma clínica ampliada, devemos
perceber os mais diversos assuntos como transversais em nossas discussões. A saúde mental
não deve ser vista como um assunto somente do psicólogo ou psiquiatra, mas sim percebido
como um assunto transdisciplinar que pode e deve ser discutido nas mais diversas disciplinas.
Dessa maneira, as matérias escolares que são vistas como desnorteantes do objetivo do projeto
poderiam fazer parte da dinâmica das oficinas. A matemática poderia entrar através de
estatística e de somatórios, a história poderia estar presente através da descrição do histórico de
saúde mental no Brasil, o português através de interpretação de textos sobre saúde mental e de
poesias que falassem sobre o tema, e assim por diante. A estratégia encontrada deve ter como
ponto de partida a transversalidade do projeto na escola e a sua integralidade no ambiente
escolar como um todo (Ferreira Neto, 2008).
O projeto “Eu Posso Te Ouvir” contribui para a construção de uma sociedade que
desenvolve a discussão de aspectos psicológicos, sociais e culturais. Através da Educação em
Saúde e da Promoção da Saúde Mental, o projeto desenvolve a intersetorialidade no município,
tornando-se um modelo para outras intervenções. Além disso, cria estratégias que partem do
conhecimento prévio dos estudantes, valorizando os saberes populares. (Carvalho, 2015)
O estágio opcional realizado no Núcleo de Apoio à Saúde da Família acarretou em
crescimento pessoal e profissional. A possibilidade de estar inserido no campo da saúde, mais
especificamente na atenção básica, promoveu mudanças em meu modo de compreender,
perceber e atuar frente às temáticas que emergem nesse campo.
Salienta-se a relevância que foi atuar na atenção básica, que muitas vezes é subestimada
como campo de atuação do psicólogo. Nos Centros de Saúde da Família, na Academia de Saúde
e nas escolas podemos promover saúde mental, além de confirmar esses espaços como
possibilidades de atuação do profissional de psicologia. Ademais, a superação do paradigma
biomédico ainda está em processo nos três níveis de atenção e nós, psicólogos e psicólogas,
devemos atuar considerando as novas perspectivas de atenção à saúde e indo de encontro às
perspectivas que colocam o sujeito como mero objeto de estudo.

Referências
Brasil, Cadernos de Atenção Básica: Diretrizes do NASF. Ministério da Saúde. Secretaria de
Atenção à Saúde. Série A. Normas e Manuais Técnicos Cadernos de Atenção Básica, n.
27. Departamento de Atenção Básica. Saúde na escola / Ministério da Saúde, Secretaria
de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério da Saúde,
2009.
Campos, G. W. D. S., & Domitti, A. C. (2007). Apoio matricial e equipe de referência: uma
metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cadernos de saúde
pública, 23(2), 399-407.
Carvalho, F. F. B. D. (2015). A saúde vai à escola: a promoção da saúde em práticas

1218
pedagógicas. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 25, 1207-1227.
Cunha, G. T., & Campos, G. W. D. S. (2011). Apoio matricial e atenção primária em
saúde. Saúde e Sociedade, 20, 961-970.
Farias, R. L.; Costa, S. S. V.; Pereira, P. T. A.; Da Silva, A. M.; Brito, J. R.; Barreto, M. J. B..
Eu posso te ouvir. Essentia: Revista de Cultura, Ciência e Tecnologia. Sobral, v. 20, n.
1, p. 62-67, 2019.
Ferreira, I. D. R. C., Moysés, S. J., França, B. H. S., de Carvalho, M. L., & Moysés, S. T. (2014).
Percepções de gestores locais sobre a intersetorialidade no Programa Saúde na
Escola. Revista Brasileira de Educação, 19(56), 61-76.
Ferreira Neto, J. L. (2008). Práticas transversalizadas da clínica em saúde mental. Psicologia:
Reflexão e Crítica, 21(1), 110-118.
Figueiredo, T. A. M. D., Machado, V. L. T., & Abreu, M. M. S. D. (2010). A saúde na escola:
um breve resgate histórico. Ciência & Saúde Coletiva, 15, 397-402.
Gazzinelli, M. F., Gazzinelli, A., Reis, D. C. D., & Penna, C. M. D. M. (2005). Educação em
saúde: conhecimentos, representações sociais e experiências da doença. Cadernos de
Saúde Pública, 21, 200-206.
Pinheiro, R., & Mattos, R. A. (2005). Construção social da demanda: direito à saúde, trabalho
em equipe, participação e espaços públicos. In Roseni Pinheiro e Ruben Araujo de
Mattos, organizadores. 2ª ed. – Rio de Janeiro: CEPESC/UERJ: ABRASCO, 2005.
308p. ISBN 978-85-89737-54-8.
RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE NA PRÁXIS EM SAÚDE: DESAFIOS E

1219
POTENCIALIDADES

Madyson Matheus Sousa Mororó,


Roniel Sousa Damasceno,
Rodrigo da Silva Maia,
Ariadsa Mesquita Aragão,
Vitoria Ferreira de Azevedo

1 Introdução
A religiosidade e a espiritualidade são dimensões da vida humana que, hodiernamente,
ainda têm forte presença no cotidiano de grande parte dos brasileiros. Rotineiramente, no campo
da saúde, podemos perceber como as questões de cunho religioso/espiritual se atrelam aos
contextos de saúde e doença, por exemplo. Contudo, quando nos deparamos com as produções
científicas, notamos frequentes dissensos quanto à conceituação dessas.
Desse modo, nosso estudo se baseará nas definições a seguir: a) Religiosidade como
implicação do sujeito em um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos
vinculados à Religião, com características sociais e carregada de valores representando a
dimensão social e cultural da experiência humana (Byrne, 2001 como citado em Murakami &
Campos, 2012), e b) Espiritualidade como atitude de reflexão, ou mesmo, de busca pessoal pelo
significado ou modo de vida, tendo ou não relação com o transcendente, possuindo ou não uma
vinculação com o sagrado (Koening et al., 2001 como citado em Duarte & Wanderley, 2011).
Assim postos, Freitas (2014) explicita que tais dimensões são constitutivas da
subjetividade, não podendo ser desvinculadas dos sujeitos religiosos, tampouco negligenciadas
do cenário acadêmico, da pesquisa e da práxis em saúde. Logo, religiosidade/espiritualidade
devem ser consideradas como objeto privilegiado na interlocução com o processo de saúde e
doença junto à atuação profissional (Corrêa, Batista, & Holanda, 2016). Para tanto, o presente
estudo de revisão de literatura tem como objetivo principal, analisar os artigos que façam
referência à religiosidade e à espiritualidade em interlocução com a atuação em saúde no
contexto brasileiro, especificamente no que tange às práticas dos profissionais de saúde frente
à manifestação de conteúdos de cunho religioso/espiritual.
Nesse sentido, os estudos que versem sobre essa temática são de fundamental relevância
para proposições de cunho contextual no país, pois de acordo com dados dos dois últimos
Censos Demográficos de 2000 e 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE -, o Brasil ainda reflete sua constituição histórica, esta que por sua vez, muito
marcada pela presença e influência das religiões, com altos níveis de adesões a algumas
expressões cristãs, conforme se observa na Figura 1, descrevendo a diversidade religiosa dos
habitantes do país, participantes do Censo.
Figura 1. Distribuição percentual da população, por grupos de religião – Brasil –

1220
2000/2010.
Nota. Fonte: Recuperado de “Religião” de IBGE, 2012, Censo demográfico 2010. Características gerais da
população, religião e pessoas com deficiência, p. 203.

Neste primeiro recenseamento demográfico supracitado, os católicos representavam


73,7% da população, já as expressões evangélicas (pentecostais/neopentecostais, de missão ou
não determinados) chegavam a 15,5%, de modo bem superior às outras religiões ou ao nenhum
vínculo. Já em 2010, o cenário teve pouca mudança, os católicos diminuíram para 65% da
população e a massa evangélica cresceu para 22,4%, nesse rumo, percebeu-se uma maior
pluralidade religiosa no país no qual outras expressões religiosas e/ou não religiosas ganharam
maior visibilidade, a exemplo dos espíritas, umbandistas e candomblecistas.
Essa preponderante vinculação da população brasileira com as religiões denominadas
como cristãs foi historicamente constituída, pois possui raízes que remontam à colonização do
país, constituindo a cultura e a identidade nacional. Tal realidade se exemplifica a partir da
vinda dos jesuítas portugueses, os quais tiveram como pretensão a catequização dos sujeitos
que aqui já viviam. Entretanto, não podemos esquecer que a presença em solo brasileiro de
expressões religiosas de matrizes africanas, indígenas, orientais, dentre outras, também
compõem a totalidade das expressões religiosas do país, confirmando as raízes históricas e
culturais muito antigas (Sousa, 2013).
Dessa maneira, a crescente literatura e este trabalho visa ir muito além da visão
cristocêntrica e europeizada dos modos de construção do conhecimento, investigando a
associação de fatores relativos a esta seara, com interface na saúde do indivíduo em sua
dimensão biopsicossocioespiritual. E é, partindo de tais considerações, que nos propomos a
refletir sobre a atuação profissional em saúde frente ao aparecimento da religiosidade e da
espiritualidade. Em consonância, entenderemos quais são as interconexões dessas dimensões
humanas com os processos de saúde-doença-cuidado. Por fim, considera-se que a atenção de
tais aspectos se torna cada vez mais necessária no tocante à atuação em saúde.

2 Método
Realizou-se uma revisão integrativa de literatura, a qual foi desenvolvida por meio de
buscas em bases teóricas de dados, a saber: Scientific Electronic Library Online – SCIELO - e
no Portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia - PEPSIC, utilizando como palavras-chave:

1221
religiosidade; espiritualidade; saúde.
Partindo disso, encontraram-se 77 artigos, destes, apenas 12 foram incluídos. Os
critérios de inclusão contemplaram as produções brasileiras, escritas em português, disponíveis
online, possuírem interface com a atuação em saúde e publicados em um recorte temporal de
2000 a 2020. Optou-se por esse recorte temporal dada a relevância das produções encontradas
e as aproximações com o objetivo do presente estudo.
Como critérios de exclusão, retiram-se publicações escritas em outros idiomas, que não
utilizassem a temática religiosidade e espiritualidade e que não envolvessem as mesmas nas
implicações do campo da saúde, ou que não dialogassem com o presente estudo. Tais critérios
foram avaliados a partir da leitura acompanhada de análise e verificação de aproximação da
publicação com o objetivo do presente estudo. Ademais, foram excluídas também, as produções
em formato de teses e dissertações, anais de congressos e livros.
Esta revisão de literatura determina o conhecimento atual sobre uma temática específica,
ao mesmo tempo, complexa, dada a heterogeneidade do objeto a ser investigado, como
assinalado anteriormente. Tal pesquisa foi conduzida de modo a identificar, analisar e sintetizar
resultados de estudos independentes, mas com o mesmo assunto, contribuindo, pois, para uma
possível repercussão benéfica na qualidade das condutas assistenciais de atenção e cuidado à
saúde dos pacientes.

Tabela 1
Dados bibliométricos dos artigos revisados, Sobral, Ceará, Brasil, 2019-2020.
TÍTULO DO ARTIGO AUTORIA ANO PERIÓDICO

Religiosidade e saúde:
experiências dos pacientes e Freitas, M. H. 2014 Revista Pistis Práxis.
percepções dos profissionais.
Religiosidade e enfrentamento em
Faria, J. B., & Seidl, E. Psicologia Reflexão
contextos de saúde e doença: 2005
M. F. Crítica.
revisão da literatura.
Religião e espiritualidade de
Duarte, F. M., & Psicologia: Teoria e
idosos internados em uma 2011
Wanderley, K. S. Pesquisa.
enfermaria geriátrica.
Coping religioso/espiritual em
processos de saúde e doença: Revista PsicoFAE:
Corrêa, C.V., Batista, J.
revisão da produção em 2016 Pluralidades em
S., & Holanda, A F.
periódicos brasileiros (2000- Saúde Mental.
2013).
Religião e saúde mental: desafio Revista Brasileira de
Murakami, R., &
de integrar a religiosidade ao 2012 Enfermagem –
Campos, C. J. G.
cuidado com o paciente. REBEn.
Revista Latino-

1222
Religião e Espiritualidade: um Espíndula, J. A., Valle, E.
2010 Americana de
olhar de profissionais de saúde. R. M., & Bello, A. A
Enfermagem.
Journal of the Health
Espiritualidade e/ou religiosidade Inoue, T. M., & Vecina,
2017 Sciences Institute
e saúde: uma revisão de literatura. M. V. A.
(JHSI).
Espiritualidade, Religiosidade e ECOS – Estudos
Subjetividade no Contexto do Paiva, R. 2018 Contemporâneos da
Sofrimento Psíquico Grave. Subjetividade.
Saúde mental e espiritualidade/
Oliveira, M. R., & Junges, Estudos de
religiosidade: a visão de 2012
J. R Psicologia (Natal).
psicólogos.
Religiosidade/ Espiritualidade na
Prática Clínica: Círculo Vicioso Raddatz, J. S., Motta, R.
2019 Psico-USF.
entre Demanda e Ausência de F., & Alminhana, L. O.
Treinamento.
A importância da integração da
Peres, M. F. P., Arantes,
espiritualidade e da religiosidade Revista Psiquiatria
A. C. L. Q., Lessa, P. S., 2007
no manejo da dor e dos cuidados Clínica.
& Caous, C. A.
paliativos.
Mensuração da
espiritualidade/religiosidade em Forti, S., Serbena, C. A., Ciência & Saúde
2020
saúde no Brasil: uma revisão & Scaduto, A. A. Coletiva
sistemática.
Fonte: Elaborado pelos autores.

3 Resultados e Discussão
A Organização Mundial de Saúde (OMS) definia o conceito multidimensional da saúde,
sem a dimensão espiritual. Para tanto, em 1988, esta entidade passou a usá-la remetendo às
questões como, significados e sentido da vida e não se limitando a uma vinculação religiosa ou
crença específica. Desta maneira, o conceito passou a ser definido como sendo a saúde, o estado
completo de bem-estar físico, mental, espiritual e social e não apenas a ausência de doença ou
enfermidade (Dal-farra, 2010 como citado em Inoue & Vecina, 2017 e em Raddatz, Motta, &
Alminhana, 2019; Oliveira & Junges, 2012).
Nesse contexto, após a leitura e análise de todas as obras, que passaram por critérios de
inclusão e exclusão, ambos os processos permitiram um estudo do conteúdo pesquisado,
identificando as implicações da religiosidade e da espiritualidade frente à atuação do
profissional, em especial, no campo da saúde. Ademais, a religião ou a ausência desta aparece
interligada com o tema, para tanto, é importante salientar que este trabalho não teve como foco
a religião, mas a religiosidade/espiritualidade em sua relação com a saúde.
Assim, os trabalhos que estão sendo utilizados para a realização deste estudo foram

1223
inicialmente agrupados em duas categorias: a) Artigos Teóricos: contém oito (8) publicações,
abrangendo tanto revisões de literatura, como textos de reflexão sobre o tema; e, b) Artigos
Empíricos: contém quatro (4) publicações, abrangendo estudos de campo e/ou coleta de dados.
Nesses agrupamentos, nota-se uma ênfase nos estudos teóricos, o que nos mostra a
carência de estudos de campo no tocante à temática em foco. Não obstante, compilando os
textos, é possível agrupar os mesmos em três (03) subcategorias temáticas, a partir da sua
proximidade com o eixo de estudo, que são: a) Perspectivas e manejo profissional (Espíndula,
2010; Freitas, 2014; Oliveira & Junges, 2012; Raddatz et al., 2019); b) Interação
espiritualidade/religiosidade no setting e no processo de saúde e doença (Faria & Seidl, 2005;
Murakami & Campos, 2012; Paiva, 2018; Peres, Arantes, Lessa, & Caous, 2007); e, c)
Estratégias de enfrentamento e prática profissional (Côrrcea et al., 2016; Duarte & Wanderley,
2011; Forti, Serbena, & Scaduto, 2020; Inoue & Vecina, 2017). Ademais, a análise dos
periódicos e das áreas de atuação, relacionadas às publicações, revelam grande diversidade no
campo da saúde, de maneira que a Psicologia, a Enfermagem e a Medicina se mostraram mais
evidentes e em maior número de produções.
Desta forma, segundo Murakami e Campos (2012), a religiosidade e a espiritualidade
podem ser consideradas aspectos constitutivos da subjetividade do sujeito, contribuindo nos
significados que este dá ao sofrimento. Contudo, não se faz necessário assumir qualquer posição
sobre a realidade ontológica ou questões vinculadas ao mundo espiritual (realidades sobre-
humanas, por exemplo), ao estudar a relação que a saúde tem com a
religiosidade/espiritualidade. É possível entender se a crença religiosa está associada ou não ao
contexto de saúde, independente da vinculação explícita desta nos aspectos em investigação.
Em face disso, a totalidade do paciente deve ser compreendida, fazendo-se necessária
uma visão completa da saúde, abordando o sujeito em suas mais diversas dimensões, incluindo
a dimensão religiosa/espiritual. Reconhecer esta dimensão do ser humano não é desqualificar
os demais, pois esses aspectos se entrelaçam para constituir a pessoa, compreendendo-a como
um ser biopsicossocioespiritual. Desse modo, percebe-se os sujeitos como seres que receberão
atenção em todos os aspectos de sua vida, e não apenas como doenças ou seres unidimensionais
(Inoue & Vecina, 2017; Paiva, 2018; Peres et al., 2007).
Expressões referindo-se a representatividades religiosas e espiritualistas, que lhe
atribuem o lócus de controle da saúde ou doença, são muito presentes no cotidiano do país e
apesar de representar apenas uma parcela da população, revela que a
religiosidade/espiritualidade está cada vez mais intrínseca no modo de vida e no processo de
subjetividade dos brasileiros (religiosidade intrínseca), atuando, em alguns casos, religiosidade
e/ou espiritualidade, como aspectos positivos e negativos para a vida do indivíduo (Corrêa et
al., 2016; Duarte & Wanderley, 2011; Freitas, 2014; Oliveira & Junges, 2012; Raddatz et al.,
2019).
No que tange aos aspectos positivos, podemos explicitar o quando a
religiosidade/espiritualidade potencializa no sujeito, por meio de uma rede de apoio social, os
subsídios de fortalecimento pessoal diante das adversidades impostas pelas condições
patológicas, o favorecimento na adesão do tratamento, a diminuição da carga emocional da
doença, o alívio do medo e da incerteza e a maior facilidade de aceitação. Quanto aos aspectos
negativos, notamos quando essas dimensões assumem atitudes que exploram, manipulam e
atrapalham o processo de autonomia do indivíduo, causam sentimentos de culpa, além de
atuarem como causadoras de danos à saúde mental, fonte de conflitos e de sofrimento, a
exemplo do fanatismo, ascetismo, a não adesão às práticas preventivas, visão de punição, dentre
outras (Faria & Seidl, 2005; Inoue & Vecina, 2017; Murakami & Campos, 2012; Oliveira &

1224
Junges, 2012; Raddatz et al., 2019).
Em paralelo, inquestionavelmente, a atuação profissional em saúde frente ao
aparecimento da religiosidade/espiritualidade passa por obstáculos. Dentre estes, destacamos
primeiro, o despreparo teórico-prático para lidar com as demandas dos pacientes, vinculado a
ausência de discussões durante a formação, sobretudo, no que concerne aos aspectos éticos, de
modo a alertar para um grau de silenciamento e a falta de um treinamento para lidar com as
expressões religiosas ou não religiosas, bem como espirituais do paciente, como também as
suas próprias questões nesta seara (Freitas, 2014).
Na maioria dos casos, segundo Raddatz et al. (2019), alguns dos profissionais de saúde
recebem a demanda dos pacientes sobre sua crença por meio de conversas informais ou de
forma implícita, revelando o fato de que esses, até pela carência da formação, não dão atenção
necessária a essa solicitação, tendo em vista esse status informal, expressando falta de
segurança ou até mesmo despreparo para lidar com tais aspectos, os quais não podem ser vistos
como menos importantes na atenção à saúde.
Entretanto, percebe-se que esta relação entre saúde e espiritualidade e/ou religiosidade
do paciente está fortemente associada às características religiosas e espirituais dos próprios
profissionais de saúde. Estes últimos, que por sua vez, no exercício da profissão acreditam que
a espiritualidade e a religiosidade possuem grande influência positiva sobre a saúde do
indivíduo (Inoue & Vecina, 2017).
Contudo, ainda se revela um fenômeno que o autor define como “Círculo Vicioso” que
se estabelece quando a falta de treinamento gera encaminhamentos informais sobre esta
temática, até mesmo a insegurança na prática propriamente dita. E ainda há profissionais que
acreditam que não devem inserir tais questões no meio científico e na formação acadêmica
(Raddatz et al., 2019).
Cabe enfatizar que a experiência religiosa/espiritual não deve ser vista como alheia ou
“estranha” ao ambiente acadêmico e de pesquisa, haja vista a importância desta questão, a
exemplo da utilização do coping religioso/espiritual e seu impacto positivo na condição
patológica, no aumento no nível de bem-estar do paciente, além de proporcionar novas
perspectivas para o enfrentamento do sofrimento e da doença. (Corrêa et al., 2016).
Este conceito anteriormente citado, o coping religioso/espiritual foi desenvolvido por
Kenneth Pargament (1997) e é definido como a utilização da religião, espiritualidade ou a fé
para o manejo do estresse. Nessa direção, há uma tentativa pessoal em administrar exigências
externas ou internas presentes em situações que o indivíduo esteja passando, seja na saúde
física, psíquica ou na vivência de sofrimento (Corrêa et al., 2016). Tornando, desta maneira,
essa questão relevante a ser abordada no acompanhamento dos pacientes por parte dos
profissionais de saúde, devido a se tratar de profissionais que lidam diretamente com o
sofrimento, fazendo-se necessária, uma maior abertura para questões relacionadas à
religiosidade e/ou espiritualidade.
Diante de tal cenário, em muito dos casos, os profissionais se vêem com dificuldades no
manejo de pacientes que trazem consigo seu sistema de crenças e seu estilo de vida com
intrínseca vinculação religiosa/espiritual, dando ao processo saúde-doença-cuidado alguma
compreensão advinda destes contextos. Destaca-se, ainda, a relevância da identificação e
compreensão, por parte dos profissionais de saúde, dos aspectos relacionados à
religiosidade/espiritualidade dos pacientes, apesar da maioria não se sentir confortável
(Murakami & Campos, 2012; Oliveira & Junges, 2012; Raddatz et al., 2019; Faria & Seidl,

1225
2005).
Assim, evidenciando a importância, como destacado por Panzini e Bandeira (2007), do
aprofundamento científico sobre os aspectos que envolvem as expressões religiosa/espirituais,
ou a ausência destas, durante a formação do profissional de saúde, a fim de reconhecer essas
demandas do paciente e quais as possibilidades de utilizar-se estratégias de enfrentamento.
Contudo, existem muitos instrumentos efetivos para identificar tal cenário, porém, ainda há
uma necessidade de uma avaliação mais precisa e amostras mais amplas, uma vez que grande
parte dos estudos utiliza uma amostra pouco representativa do país (Forti et al., 2020).
É de suma relevância, olhar não apenas para o indivíduo como um corpo que adoece,
mas, em sua construção biopsicosocioespiritual, como já explicitamos em proposições
anteriores, compreendendo de maneira empática a sua história de vida, seu modo de agir,
pensar, apreender o mundo e se relacionar com o transcendente ou não. Assim, evitando a
sensação de ser apenas mais um leito ocupado, alguém sem personalidade, identificando
também possíveis estratégias de enfrentamento da doença nas suas potencialidades de cuidado
e também de prejuízo (Corrêa et al., 2016; Faria & Seidl, 2005; Inoue & Vecina, 2017;
Murakami & Campos, 2012; Oliveira & Junges, 2012; Paiva, 2018; Peres et al., 2007).
Uma vez que o processo de cura não é linear, o paciente se encontra em uma montanha
russa, na qual há altos e baixos. Esse indivíduo por sua vez vai apresentar algum grau de
importância desta área em sua vida, inclusive na atribuição do lócus de responsabilidade e do
nível de participação da pessoa na solução do problema, seja atribuindo a responsabilidade pela
resolução dos problemas ao próprio indivíduo, de modo que o transcendente é aquele que
permite à pessoa a conduzir sua própria vida, em sua plena liberdade. Ou ainda, quando a pessoa
transfere tal responsabilidade para o transcendente, mas também ainda existem casos de que há
uma colaboração, na qual a responsabilidade é atribuída tanto ao indivíduo como para o
transcendente, ambos percebidos como participantes ativos na solução de problemas
(Espíndula, 2010; Faria & Seidl 2005; Murakami & Campos, 2012; Oliveira & Junges, 2012;
Raddatz et al., 2019).
Ademais, é válido também ressaltar que a área de estudos e pesquisas relacionada a esta
questão e as demais discussões que trazem esse eixo com interface da saúde, caracteriza-se
fundamentalmente como uma área interdisciplinar, envolvendo múltiplos campos de ação.
Permitindo, deste modo, uma maior troca de conhecimentos e experiências, desde a
formação acadêmica até a própria atuação profissional e aprimoramento da mesma. À vista
disso, percebemos maiores publicações da Enfermagem, Psicologia e Medicina, reafirmando a
possibilidade de um amplo diálogo entre os diversos campos do conhecimento em relação à
religiosidade e à espiritualidade (Freitas, 2014).

4 Considerações finais
Em linhas gerais, é perceptível a grande importância de se desenvolver iniciativas de
instrumentalização sobre a questão da espiritualidade e religiosidade entre psicólogos, médicos,
enfermeiros, fisioterapeutas, dentistas e demais outros profissionais do campo da saúde. Para
assim, oferecer-lhes condições para a atuação condizente com as atuais políticas de assistência
humanizada em saúde no país, as quais estabelecem como direito dos usuários em saúde,
receber atendimento competente, humanizado e acolhedor, devendo os profissionais que lhes
atendem não só respeitar, mas, sobretudo, ater-se a seus valores éticos, culturais e religiosos.
Em um cenário no qual a humanização da atenção à saúde vem ganhando forças, atentar

1226
para aspectos como a religiosidade e espiritualidade é, sim, prestar atendimento humanizado,
apto para amparar a escuta dos doentes e olhar o paciente não como um corpo que adoece e
sim, levar em consideração toda a sua história de vida, hábitos, costumes, cultura e assim, evitar
a sensação de ser apenas mais um leito ocupado, alguém despersonalizado, ou seja, um sujeito
desumanizado.
Dessa maneira, este estudo teve o intuito de mostrar a relevância da compreensão e
abertura no que tange ao aparecimento da religiosidade/espiritualidade na práxis dos
profissionais de saúde no Brasil, mostrando os estudos já produzidos e suas principais
contribuições ao debate aqui suscitado. Esperamos ter contribuído com os estudos da área, de
modo a ter disponibilizado aos profissionais da saúde subsídios para que tenham ciência e
estejam, minimamente, preparados para acolher essas demandas de maneira adequada e saibam
lidar com as mesmas, sem negligência e de maneira eficaz.
Para tanto, sugerimos o desenvolvimento de mais pesquisas acerca do tema, em especial,
no tocante a questões não explanadas neste trabalho, como as envoltas na formação dos
profissionais de saúde, como exemplo de como a religiosidade e espiritualidade são apreendidas
nos cursos de formação, ou mesmo, como aparecem nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP)
desses e se não aparecem, por quais motivos não são contempladas. Ademais, sugerimos a
construção de espaços para escuta dos profissionais de saúde, em uma proposta dialógica, de
modo que esses sujeitos sejam escutados e, assim, construam práticas em saúde que deem
suporte aos pacientes, incluindo o que lhes são de mais importantes em suas vidas, ou seja, suas
expressões de fé. Mas, sobretudo, que sejam espaços de construções de práticas eminentemente
humanas, pois é nesse aspecto que acreditamos quando entendemos a relevância da
religiosidade/espiritualidade na constituição da subjetividade dos sujeitos, como dimensões
intrinsecamente humanas.

Referências

Corrêa, C.V., Batista, J. S., & Holanda, A F. (2016). Coping Religioso/Espiritual em processos
de Saúde e Doença: Revisão da Produção em Periódicos Brasileiros (2000-2013).
Revista PsicoFAE: Pluralidades em Saúde Mental, 5(1), 61-78.

Dal-Farra, R. A., & Geremia, C. (2010). Educação em Saúde e Espiritualidade: proposições


metodológicas. Revista Bras Educ Med, 34(4), 587-597.

Duarte, F. M., & Wanderley, K. S. (2011). Religião e espiritualidade de idosos internados em


uma enfermaria geriátrica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 27(1), 49-53.
https://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722011000100007

Espíndula, J. A., Valle, E. R. M., & Bello, A. A. (2010). Religião e espiritualidade: um olhar
de profissionais de saúde. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 18(6), 1229-1236.
https://dx.doi.org/10.1590/S0104-116920100006000255

Faria, J. B., & Seidl, E. M. F. (2005). Religiosidade e enfrentamento em contextos de saúde e


doença: revisão da literatura. Psicologia: Reflexão e Crítica, 18(3), 381-389.
https://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722005000300012
Forti, S., Serbena, C. A., & Scaduto, A. A. (2020). Mensuração da espiritualidade/religiosidade

1227
em saúde no Brasil: uma revisão sistemática. Ciência & Saúde Coletiva, 25(4), 1463-1474.
Epub April 06, 2020.https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020254.21672018

Freitas, M. H. (2014). Religiosidade e saúde: experiências dos pacientes e percepções dos


profissionais. Revista Pistis Práxis, 6(1), 89-195.
https://dx.doi.org/10.7213/revistapistispraxis.06.001.DS05

Freitas, M. H. (2017). Psicologia religiosa, psicologia da religião/espiritualidade, ou psicologia


e religião/espiritualidade?. Revista Pistis Praxis, 9(1), 89-107.
doi:http://dx.doi.org/10.7213/2175-1838.09.001.DS04

Inoue, T. M., & Vecina, M. V. A. (2017). Espiritualidade e/ou religiosidade e saúde: uma
revisão de literatura. Journal of the Health Sciences Institute (JHSI), 35(2), 127-130.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Atlas do Censo Demográfico


2010 . Recuperado em 1 de julho de 2020, de
https://censo2010.ibge.gov.br/apps/atlas/pdf/Pag_203_Religi%C3%A3o_Evang_miss%C
3%A3o_Evang_pentecostal_Evang_nao%20determinada_Diversidade%20cultural.pdf

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2012). Censo 2010: número de católicos cai e
aumenta o número de evangélicos, espíritas e sem religião. Recuperado em 1 de julho de
2020, de
https://censo2010.ibge.gov.br/noticiascenso.html?view=noticia&id=3&idnoticia=2170&b
usca=1&t=censo-2010-numero-catolicos-cai-aumenta-evangelicos-espiritas-sem-religiao

Inter Psi – Laboratório de Psicologia Anomalístico e Processos Psicossociais Departamento de


Psicologia Social e do Trabalho. (2018). Cartilha Virtual Psicologia & Religião: Histórico,
Subjetividade, Saúde Mental, Manejo, Ética Profissional e Direitos Humanos. São Paulo.

Murakami, R., & Campos, C. J. G. (2012). Religião e saúde mental: desafio de integrar a
religiosidade ao cuidado com o paciente. Revista Brasileira de Enfermagem, 65(2), 361-
367. https://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672012000200024

Oliveira, M. R., & Junges, J. R. (2012). Saúde mental e espiritualidade/religiosidade: a visão


de psicólogos. Estudos de Psicologia (Natal), 17(3), 469-476.
https://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2012000300016

Paiva, R. (2018). Espiritualidade, Religiosidade e Subjetividade no Contexto do Sofrimento


Psíquico Grave. ECOS – Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 8(2), 278-289.

Panzini, R. G., & Bandeira, D. R. (2007). Coping (enfrentamento) religioso/espiritual. Archives


of Clinical Psychiatry (São Paulo), 34(Suppl. 1), 126-135. https://doi.org/10.1590/S0101-
60832007000700016

Pereira, K., & Holanda, A. (2016). Espiritualidade e religiosidade para estudantes de psicologia:
Ambivalências e expressões do vivido. Revista Pistis Praxis, 8(2), 385-413.
doi:http://dx.doi.org/10.7213/revistapistispraxis.08.002.ds07

Peres, M. F. P., Arantes, A. C. L. Q., Lessa, P. S., & Caous, C. A. (2007). A importância da
integração da espiritualidade e da religiosidade no manejo da dor e dos cuidados paliativos.
Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo), 34(Suppl. 1), 82-87.

1228
https://dx.doi.org/10.1590/S0101-60832007000700011

Raddatz, J. S., Motta, R. F., & Alminhana, L. O. (2019). Religiosidade/Espiritualidade na


Prática Clínica: Círculo Vicioso entre Demanda e Ausência de Treinamento. Psico-USF,
24(4), 699-709. Epub 02 de dezembro de 2019.https://dx.doi.org/10.1590/1413-
82712019240408

Ribeiro, J. P. (2008). Reflexões sobre o lugar de uma Psicologia da Religião. Revista da


Abordagem Gestáltica, 14(2), 197-204. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
68672008000200007&lng=pt&tlng=pt.

Sousa, R. F. (2013). Religiosidade no Brasil. Estudos Avançados, 27(79), 285-288.


https://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142013000300022
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE: DESAFIOS SOBRE A ATUAÇÃO DO

1229
PSICÓLOGO NO CAPS IJ DA CIDADE DE IMPERATRIZ-MA

Mayara Oliveira da Silva da Cunha,


Samira Taveira dos Santos,
Maria dos Remédios Brito Viana

1 Introdução

Lançando um olhar sobre a problemática da Saúde Mental, este trabalho tem como
objetivo principal, buscar conhecimentos e reflexões acerca das políticas públicas e sua
importância no CAPS IJ (Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil) da cidade de
Imperatriz-MA. Trata-se de um serviço de atenção diária destinado ao atendimento de crianças
e adolescentes com transtorno ou sofrimento mental, e tem como objetivo oferecer atendimento
multiprofissional e interdisciplinar à população infanto juvenil (o público alvo são crianças e
adolescentes de 0 a 18 anos).
Para tal, buscou-se analisar o papel do psicólogo, onde Martin-Baró (1997) aponta que
“o psicólogo deve despojar-se de pressupostos teóricos adaptacionistas sendo necessária à
elaboração de novas visões conceituais, novos métodos de diagnóstico e de intervenção – a
construção de uma outra Psicologia”. Analisamos com o trabalho, a importância do psicólogo
nas políticas públicas, verificando os desafios e as fragilidades em sua atuação.
Segundo o CREPOP (2007), as políticas públicas são um conjunto de ações coletivas
geridas e implementadas pelo Estado, que devem estar voltadas para a garantia dos direitos
sociais, norteando-se pelos princípios da impessoalidade, universalidade, economia e
racionalidade e tendendo a dialogar com o sujeito cidadão.
Nesse contexto, as políticas públicas ainda podem assumir quatro formatos, a saber:
Distributivas, na qual as decisões tomadas pelo governo, que desconsideram a questão dos
recursos limitados, geram impactos mais individuais do que universais; Regulatórias, que são
mais visíveis ao público, envolvendo burocracia, políticos e grupos de interesse;
Redistributivas, que atinge maior número de pessoas e impõe perdas concretas e no curto prazo
para certos grupos sociais, e ganhos incertos e futuro para outros, é em geral, as políticas sociais
universais, o sistema tributário, o sistema previdenciário e são as de mais difíceis
encaminhamentos e as Constitutivas, que lidam com procedimentos. Cada uma dessas políticas
públicas vai gerar pontos ou grupos de vetos e de apoios diferentes, processando-se, portanto,
dentro do sistema político de forma também diferente (Souza, 2016).
Tendo em vista essa abrangência do campo de atuação nas políticas públicas, o
psicólogo se inseriu na política do CAPS IJ, no qual segundo Scandolara, Rockenbach,
Sgarbossa, Linke e Tonini (2009), é um serviço substitutivo implementado a partir da
transformação da assistência psiquiátrica no Brasil, tem como finalidade atender crianças e
adolescentes portadores de transtorno mental.
Dessa forma, a escolha da política pública CAPS IJ se deu a partir de estudos
bibliográficos, onde podemos constatar a falta de conhecimento da sociedade relacionado à
saúde mental infanto juvenil, o que se torna preocupante, pois a falta de compreensão
compromete o ato de cuidar, acarretando um agravamento no quadro clínico do usuário. Foram
realizadas visitas que visavam conhecer o equipamento social, a equipe e seus usuários.
Diante da problemática, ressaltamos a relevância da temática e do papel do psicólogo

1230
dentro dessa política, permeada por fragilidades, entraves e desafios. A falta de informação e
de conhecimento por parte da população que necessita do serviço é outra limitação visualizada.

2 Método

O estudo foi desenvolvido no serviço de saúde mental CAPS IJ (Centro de Atenção


Psicossocial Infanto Juvenil), que compõe a rede de Atenção Psicossocial da cidade de
Imperatriz-MA, localizado no Bairro Três Poderes, objetivando analisar o papel do psicólogo
nas políticas públicas assim como as fragilidades e desafios encontradas na atuação.
Trata-se de um estudo de campo do tipo relato de experiência, o qual aborda a vivência
de acadêmicos de Psicologia da Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão –
IESMA/UNISULMA, onde procuramos aprofundar a realidade do local por meio de
observações diretas das atividades desenvolvidas e de entrevistas com profissionais da equipe.
As visitas e intervenções foram realizadas entre os meses de outubro e novembro de 2019.
Possui natureza qualitativa, transversal, por se tratar de um estudo em um curto período
de tempo. Utilizamos como instrumento um questionário sociodemográfico a fim de identificar
o perfil da psicóloga entrevistada. Sendo os itens principais do questionário: nome, sexo, idade,
escolaridade, estado civil e ocupação. Em seguida, realizamos a entrevista do tipo
semiestruturada com a psicóloga do serviço, tendo como objetivo identificar quais as principais
dificuldades em trabalhar nas políticas públicas de saúde e no CAPS IJ, qual o seu papel no
serviço e como funciona o trabalho em equipe.
As visitas ao CAPS IJ foram embasadas por recomendações éticas, por ser um estudo
com seres humanos. A participante da entrevista assim como a instituição na qual foram
realizadas as visitas, foram esclarecidas sobre o objetivo das nossas ações, e logo após o
esclarecimento assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

3 Resultados e Discussões
Dos dados coletados nas entrevistas surgiram algumas temáticas: estrutura e
funcionamento da política pública, a caracterização do cuidado em saúde mental prestado pelos
profissionais do CAPS IJ, o cuidado em saúde mental, as dificuldades e limitações encontradas
no serviço e o papel do psicólogo nas políticas publicas.
A entrevista inicial, teve o objetivo de conhecer a política pública, enquanto sua
estrutura e funcionamento, assim como os serviços disponibilizados para a população, onde, de
acordo com Delgado (2008), são serviços territoriais, de natureza pública, financiados
integralmente com recursos do SUS, com a função de prover atenção em saúde mental baseados
na integralidade do cuidado.
A gestora do CAPS IJ apontou que inicialmente ocorre o primeiro acolhimento,
chamado triagem, utilizando-se da anamnese, para o melhor conhecimento da vida do paciente,
destacando ainda que é um serviço de atenção diário destinado ao atendimento de crianças e
adolescentes com sofrimento mental, tem como finalidade oferecer atendimento
multiprofissional à população infanto juvenil, no qual relata a gestora, apontando que a política
em um primeiro contato com o usuário não foca só no transtorno mental, somente a partir da
queixa de transtorno grave e persistente que o mesmo irá permanecer no serviço, o atendimento
então, é direcionado a toda equipe, dependendo de suas necessidades, sempre na perspectiva da

1231
reabilitação psicossocial.
Pitta (2016, pp. 27-28) apresenta a definição clássica de reabilitação psicossocial como
“o processo de facilitar ao indivíduo com limitações, a restauração, no melhor nível possível de
autonomia do exercício de suas funções na comunidade”.
O processo enfatizaria as partes mais sadias e a totalidade de potenciais do indivíduo,
mediante uma abordagem compreensiva e suporte vocacional, residencial, social, recreacional,
educacional, ajustados às demandas singulares de cada indivíduo e cada situação de modo
singularizado.
Sobre a equipe multiprofissional, a profissional relatou que todos fazem um trabalho em
conjunto, apontando a interdisciplinaridade e explanando que todos são técnicos em saúde
mental. Restou evidente a qualificação da equipe ao lidar com o público alvo.
Estes usuários são vistos de forma específica, em suas singularidades, dentro da sua
realidade, sendo acompanhados por um olhar cuidadoso que se faz de grande notoriedade, pois
com a equipe atenta às suas necessidades, os resultados são mais efetivos, dando a eles meios
para que transcenda as suas possíveis “limitações”(Schraiber, Mendes-Gonçalves, 1996).
Demandas como Espectro do autismo, Psicoses, Transtornos de conduta e aqueles que
por sua condição psíquica estão impossibilitados de manter ou estabelecer laços sociais e
afetivos, são as principais demandas existentes no serviço, cujo atendimento ofertado possui as
modalidades: individual, grupal, orientação familiar, oficinas terapêuticas, brinquedoteca,
psicoterapia e acompanhamento psiquiátrico, dependendo das condições e agravos dos sujeitos.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2001), a prevalência mundial dos
distúrbios do desenvolvimento e dos transtornos mentais e comportamentais na infância e
adolescência é de 10% a 20%. Ainda assim, o diagnóstico dos transtornos mentais em crianças
e adolescentes têm sido um grande desafio na prática clínica, dada a heterogeneidade dos
quadros clínicos e as peculiaridades diagnósticas.
Para um primeiro contato com a política obtivemos um diálogo enriquecedor com a
coordenadora, onde recebemos orientações da psicopedagoga, assim, obtendo conhecimento da
estrutura física, onde pudemos observar as divisões organizacionais e funcionais que fazem
parte desta política. Nas divisões físicas do lugar, se fazia necessário ambientes mais espaçosos
para que os profissionais desenvolvessem o seu trabalho proporcionando aos usuários mais
autonomia e liberdade.
No que tange a profissional de Psicologia do serviço em estudo, considera que o cuidado
em saúde mental segue os princípios da integralidade, não fragmentando o cuidado e em
articulação com a rede de apoio do município. Aponta também que o cuidado ocorre de forma
humanizada, com a presença de vínculos fortalecidos entre equipe e usuário, havendo a
responsabilização de ambos pelo cuidado.
Nesse sentido, Mielke et. al. (2009), discorrem que o cuidado ao ser humano é um ato
complexo, que exige do cuidador conhecimento, empatia e sensibilidade. O cuidado também
envolve tarefas como tocar, sentir, escutar e auxiliar o outro nas atividades em que ele apresenta
dificuldade. Durante as observações realizadas no CAPS IJ, percebemos o cuidado acolhedor
por parte da equipe multidisciplinar, que de forma compreensiva e empática se direcionava aos
usuários. Os jovens eram acolhidos e recebidos pela equipe ao adentrarem o serviço.
Em uma de suas falas, a profissional de Psicologia do serviço, afirmou que participou

1232
da elaboração do projeto para para implementação do CAPS IJ, mencionando que na época
trabalhava no Estado e fez um levantamento através de dados estatísticos quanto à quantidade
de adolescentes e crianças na região que apresentavam traços de Transtornos mentais, onde
evidenciou-se a necessidade do serviço no sul maranhense. O projeto foi aprovado e ela
continuou movimentando esforços e parâmetros para que o serviço fosse inaugurado.
Historicamente, a Psicologia sempre esteve míope diante da realidade social, das
necessidades e sofrimento da população, levando os profissionais a cometerem muitas
distorções teóricas, práticas descontextualizadas e etnocêntricas e a uma psicologização dos
problemas sociais, na medida em que não estavam capacitados para perceber as especificidades
culturais dos sujeitos (Dimenstein, 2001, p. 59). Essas características foram apontadas nas falas
da psicóloga, que relatou a subvalorização do campo de trabalho atual, onde a mesma gostaria
que fosse mais valorizado.
No que concerne às informações em torno do tratamento, a família destes usuários são
frequentemente orientados quanto à continuidade do cuidado, corresponsabilização e
compromisso. De forma comum, muitos são vencidos pelo cansaço e falta de informação,
acarretados também por estigmas existentes no imaginário social em torno dos Transtornos
mentais e também nos preconceitos que ainda atravessam a nossa sociedade, colocando a pessoa
em sofrimento psíquico na condição de perigosos, imprevisíveis e incapazes.
De acordo com o Ministério de Saúde (2004), o CAPS IJ deve ter um espaço próprio e
adequado para atender a demanda específica, oferecendo um ambiente continente e estruturado,
com os recursos físicos necessários, sendo estes: consultórios para atividades individuais, salas
para atividades grupais, espaço de convivência, oficinas, refeitório, sanitários e área externa
para oficinas, recreação e esportes.
Quanto à estrutura de funcionamento do CAPS IJ estudado, pôde-se inferir que este
serviço apresentou necessidade de ampliação estrutural do prédio, como salas maiores para
atendimentos individuais e áreas mais amplas para atividades em grupo e oficinas.
No que diz respeito ao papel do psicólogo no CAPS IJ, a psicóloga do serviço afirma
que este possui um papel muito importante como membro da equipe, como um profissional que
contribui com seus saberes no que refere-se à saúde mental, assim como é possibilitado a
adquirir informações e conhecimentos de áreas afins que pode contribuir em sua atuação.
Dessa forma, as políticas sociais públicas requerem a concorrência de diversos atores,
já na sua elaboração e, consequentemente, na sua implementação. O trabalho multiprofissional
e interdisciplinar aparece como um dos elementos básicos, como condição para se ter o
fenômeno em questão compreendido de forma ampla e integral (Gonçalves, 2010, p. 113). O
que reforça a fala da psicóloga, ao nos depararmos com a afirmação de Gonçalves que o trabalho
feito de forma multidisciplinar trará contribuições tanto de forma ampla com integral.
Neste sentido, averiguamos as principais fragilidades e desafios que o psicólogo se
depara ao ser inserido em uma política pública como o CAPS IJ. Conforme relatado pela
psicóloga, ainda falta muito conhecimento da população sobre a saúde mental e seus respectivos
tratamentos. A falta de profissionais de sáude qualificados na área e a falta de investimentos de
saúde mental em prol da comunidade, também se faz como fragilidades nesse campo, o que
deveria estar acontecendo de forma efetiva.
Dessa forma, questionamos quais a articulações que o psicólogo como agente de
mudança, transformação, protagonismo social e empowerment pode adotar para promover a
efetividade dentro das políticas públicas. A profissional elencou que através das práticas e
fazeres psi como palestras em diversos locais, entrevistas, divulgações sobre a rede de cuidado

1233
e apoio em saúde mental do município, de forma a levar informações para a população.
Martin-Baró (1996) explana sobre o “que fazer” do psicólogo no trabalho às maiorias
populares. Para ele, dentre os papéis do psicólogo a ser desenvolvido, está o da conscientização,
isto é, o de ajudar as pessoas a superarem sua identidade alienada, pessoal e social, ao
transformar as condições opressivas do seu contexto por meio do conhecimento.
Visto isso, a psicóloga relata que desenvolvem alguns projetos no CAPSij, trabalhando
a inserção desse usuário na sociedade, informou que as principais demandas do serviço são
crianças com atraso no desenvolvimento, alguns diagnósticos de transtorno do espectro autista
(TEA), crianças e adolescentes com quadros de ansiedade, transtorno de conduta, transtorno
alimentar, transtorno do sono, muitos conflitos familiares, e Depressão, casos de psicoses
principalmente em crianças, e nos adolescentes esquizofrenias.
Diante disso, identificar a prevalência dos transtornos mentais na infância, bem como
fatores de vulnerabilidade e de proteção, auxilia no delineamento de políticas de saúde, na
distribuição de recursos, na prevenção e no tratamento de casos diagnosticados (A-selmi et al.,
2008 como citado em Luiz & Filho, 2014).
No CAPS IJ, foi possível presenciar a movimentação das crianças na brinquedoteca, sob
orientação das psicólogas presentes, na sala da brinquedoteca também havia a presença de uma
fonoaudióloga. Tivemos acesso aos diagnósticos e avaliações de possíveis diagnósticos.
Algumas crianças apresentavam quadro de hiperatividade, outras TEA e algumas estavam em
processo de avaliação.
O lúdico é importante na vida da criança, pois se trata de um recurso metodológico
auxiliar no processo de aprendizagem, onde não pode ser visto somente como algo que
proporciona diversão, mais envolve também o ensino e aprendizagem, ao tempo em que a
criança começa a se expressar melhor, ouvir, e ate discordar de algumas opiniões, nesse
momento é visto o despertar da liderança e o compartilhamento de sua alegria ao brincar.
Carvalho (1992) pontua que desde muito cedo o jogo na vida da criança é de
fundamental importância, pois quando brinca, ela explora e manuseia tudo aquilo que está a sua
volta, através de esforços físicos e mentais e sem sentir-se coagida pelo adulto, começa a ter
sentimentos de liberdade e, portanto, real valor e atenção as atividades vivenciadas naquele
instante.
Em linhas gerais, além de acarretarem prejuízos sobre o funcionamento global da
criança, os transtornos mentais da infância tendem a persistir. Frequentemente não recebem
tratamento adequado ou um diagnóstico preciso, o que aumenta o risco de surgir outros
problemas, como abuso de substâncias, criminalidade, desemprego, mortalidade, dificuldades
na educação dos filhos e transtornos mentais na vida adulta (A-selmi et al., 2008 como citado
em Luiz & Filho, 2014).
Com isso, evidencia-se a importância de um diagnóstico correto, para que possam ser
elaboradas estratégias, discussão de casos em equipe e técnicas de tratamento que auxiliem no
desenvolvimento, estimulação e interação desses usuários, que dependem do suporte
psicossocial para atingir qualidade de vida, se sentindo mais livres e confiantes nesse processo.
A prática de exercícios intelectuais pode ajudar a remodelar as funções cerebrais. O
cérebro muda de acordo com as experiências vivenciadas (Neves, 2017). Como prática
interventiva, foi proporcionado para essas crianças meios para que pudessem interagir entre si,
através da ludicidade e arte literária, ao propormos uma atividade de contação de estórias, onde

1234
tivemos como metodologia livros interativos.

Referências

Almeida, D., Carvalho, B.E. (2007). A atuação do psicólogo no CREAS. São Paulo: CREPOP.

De Campos, J.; Oliveira, V. S.; Cristo, L. M. (1992) Jogos e brincadeiras na educação infantil.

Delgado, P.G.G., Duarte, S. C., Couto, M. C.V. (2008). A saúde mental infantil na Saúde
Pública brasileira: situação atual e desafios. São Paulo: Rev. Bras. Psiquiatra.

Dimenstein, M. (2001). O psicólogo e o compromisso social no contexto da saúde coletiva. São


Paulo: Psicologia em Estudo, 6(2), 57-63.

Martin – Baró, I. (1997). O papel do psicólogo. Estudos de Psicologia, 1, 7-27.

Mielke, F. B., Kantorski, L. P., Jardim, V. M. R., Olschowsky, A., M. S. (2009). O cuidado em
saúde mental no CAPS no entendimento dos profissionais. Porto Alegre: Ciência &
Saúde Coletiva.

Ministério da Saúde. (2004). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações


Programáticas Estratégicas. Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial.
Brasília: Autor

Neves, D. L. F. (2017). Metodologia para o desenvolvimento de habilidades cognitivas de


pessoas com deficiência intelectual com ferramentas digitais.

Pitta, A. M. F. (2016). O que é Reabilitação psicossocial no Brasil, hoje? In A. Pitta


(Org.), Reabilitação psicossocial no Brasil (pp. 27-36). São Paulo: Hucitec

Saúde mental no SUS: (2004). Os centros de atenção psicossocial / Ministério da Saúde,


Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.
Brasília: Ministério da Saúde.

Scandolara, A. S., Rockenbach, A., Sgarbossa, E. A., Linke, L. R., & Tonini, N. S.(2009).
Avaliação do centro de atenção psicossocial infantil de cascavel. Psicologia &
Sociedade.

Schraiber L. B, Nemes MIB, Mendes-Gonçalves RB, organizadores. (1996). Saúde do adulto,


Programas e ações na unidade básica. São Paulo: Hucitec.

Souza, C. (2016). Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Porto Alegre.

World Health Organization.(2001). Mental Health: New Understanding, New Hope. Genebra,
World Health Organization.
FAMÍLIA E SAÚDE PÚBLICA: IMPACTOS EXERCIDOS NA QUALIDADE DE

1235
VIDA DO IDOSO

João Victor Moreira Lima,


Socorro Taynara Araujo Carvalho

1 Introdução

Com o passar do tempo o Brasil tem se tornado um país mais idoso. Alguns fatores
contribuem para isso, como o avanço da tecnologia na área da saúde, saneamento básico, fatores
alimentares e informacionais, investimentos na saúde pública da população através de
vacinação e remédios e demais campanhas de prevenção. Dados do censo do IBGE de 2016
indica que a população idosa brasileira é composta por 29.374 milhões de pessoas, totalizando
14,3% da população total do país. Assim deveria-se dar ênfase na importância do cuidado para
as pessoas nesta etapa da vida.
O envelhecimento é uma temática de relevância social que deve contemplar as políticas
de a saúde pública e essas deveriam contemplar também a família do sujeito idoso. Nesta etapa
do ciclo vital o perfil epidemiológico caracteriza por doenças crônicas adquiridas como:
hipertensão, parkinson, diabetes, artrite e problemas na coluna essas sendo bastante comuns na
vida dos idosos, dados esses retirados pela pesquisa feita pelo Portal da Educação (2015).
Assim podemos ressaltar da importância da família como suporte ao idoso que está em
possível processo adoecimento devido à idade e com ela o adquirir a uma ou mais patologias A
primeira não sendo exclusiva da etapa mais avançada cerca de 63% dos idosos são hipertensos
ligado muito a fatores genéticos, mas em maioria ligado a hábitos alimentares. (Ministério da
Saúde, 2010)
O Parkinson pode-se manifestar aos 35 mas com maior incidência na idade avançada
dos 60 anos sendo um distúrbio cerebral causando uma rigidez muscular e tensores como
principais sintomas aparentes. Quanto ao diabete ocorrem em idosos em razão da perda da
regulagem da glicose sendo uma diminuição em funções orgânicas do corpo e artrose causada
em principal com o desgaste das articulações devido à idade avançada do idoso.
Nesse sentido, questionamos o porquê trazer o termo “possível adoecer”? hoje com o
avanço da tecnologia é possível tratar tais doenças e se ter uma vida sem interromper atividades
regulares na qual a família esteja ao lado destes para prestar apoio, onde é possível até dizer
que a mesma desenvolve uma função digamos terapêutica para este membro em questão já que
a mesma é considerada o primeiro laço social daquele indivíduo/sujeito cujo a mesma exerce
uma influência grande no subjetivo do indivíduo que afeta o social e biológico, mas que é
importante ser ressaltado, nem todos acabam impossibilitados a realização de atividades.
Familiares e cuidadores fora deste eixo que tem uma grande importância para os
cuidados com os mais velhos devido este crescimento da classe, bem como a importância do
estado de ofertar políticas de assistência a sua população, fora a necessidade cada vez maior de
um certo tipo de conhecimento para com seus cuidados que necessitam já que estes possuem
muitas vezes um caráter adoecido. (Figueiredo & Moser, 2013)
Estudo feito por Borges e Telles (2010) já traz a percepção dos profissionais de saúde
na dificuldade de lidar com o público. Foco trazido neste artigo, por algumas questões, uma
delas é que a equipe de atendimento do SUS é incompleta, não tendo um trato holístico com

1236
este “paciente” bem como a falta da estrutura do próprio sistema de saúde.
Além disso, como já mencionado a demanda crescente e “nova” de certa forma do
público, já que o grupo de idosos teve aumento significativo nos últimos anos no Brasil. Dessa
forma, tem-se um certo “despreparo” por ser algo recente a nível da saúde pública, necessitando
de investimento em pesquisa e conhecimento na área dos cuidados profissionais com este grupo.
Logo, considerando o caráter biopsicossocial dos indivíduos vistos hoje pelo
seguimento da saúde pública brasileira. O objetivo do presente trabalhos será: (a) analisar o
contexto familiar da pessoa com idade mais avançada (entre 70 e 80 anos) na família seja ela
morando junto em uma mesma casa ou não; (b) quais os cuidados que seus familiares prestam
para esse integrante; (c) avaliar o contexto da existência de alguma doença crônica devido a
idade e de como ela afeta a relações intrafamiliares.
Assim teremos n a dimensão biológica representado pelos aspectos da idade e doenças
que trazem para a vida dos indivíduos retratados; a dimensão social que seria o contato familiar
e com amigos e, por fim a dimensão psíquica que seria a percepção destes idosos com relação
a família e demais adventos decorrentes da terceira idade.

2 Método

A pesquisa é de cunho qualitativo de caráter exploratório e analítico. O delineamento


foi o descritivo com auxílio de revisão de literatura e estudo de casos. Os participantes foram
escolhidos por amostragem de conveniência pelo autor.
Participaram quatro idosos, três do sexo feminino e um do masculino, mães, pai avós e
avô. Como instrumento utilizou-se uma entrevista semiestruturada para obtenção dos dados
necessários da pesquisa.
Em relação às perguntas da entrevista buscou-se identificar os seguintes aspectos: (a)
aspectos sociodemográficos de idade, se mora ou não com filhos; (b) aspectos da percepção de
bem-estar geral - se tem algum tipo de adoecimento patológico e se este delimita os afazeres do
cotidiano como também se estes recebem auxílio desde programas de saúde pública como dos
familiares.
As entrevistas ocorreram em ambiente neutro, sem interrupções externas e foram
realizadas em um único encontro que durou de uma a duas horas. Todas as entrevistas foram
gravadas, sob autorização, e transcritas.
Foram identificados os temas de experiência, buscando-se caracterizar toda a gama de
vivências descritas, segundo a lógica proposta pelos entrevistados, suas respostas foram usadas
as iniciais de seus nomes para preservação de suas identidades, considerando os padrões éticos
da Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que trata das pesquisas com
seres humanos no âmbito das ciências sociais e que valorizam a dignidade dos referidos
participantes

3 Resultados e Discussões

No decorrer serão discutidas os casos sendo organizado e analisado caso por caso para
melhor entendimento do leitor e, por fim, importante também mencionar, sendo uma entrevista
semiestruturada deixou-se livre que as participantes falassem, mas tentando manter foco nas

1237
perguntas cujo abordaram critérios como sua idade, se tinha filhos e quantos, tem contato com
eles, os filhos ajudavam em seus afazeres e cuidados, se teria um problema de saúde devido à
idade, o mesmo impede de realizar atividades do cotidiano, realização de alguma atividade
física e se a família contribuía para sua saúde.
Caso 1 senhora A: com idade de 78 anos, possui três filhos com netos com idades entre
12 aos 30 anos, ao perguntar sobre os cuidados que seus filhos têm para com ela em suas
palavras “sim meu filho você mesmo sabe, que eles fazem de tudo por mim ave Maria! Se não
fossem eles”
Vale ressaltar que a mesma mora com sua filha e essa presta maioria dos cuidados para
com a mãe. Suas queixas de saúde são hipertensão e uma possível “labirintite” em suas palavras
“vou andando e me dou conta que de repente não estou mais andando em linha reta, será que
estou bêbada?” queixou-se também da sua audição que não é a mesma.
Diante desses problemas ela relata que “faço de tudo, tudo! não me impede de fazer
minhas coisas” sobre as atividades que realiza? Ela pratica alongamento uma vez na semana
com professor e caminhada todos os dias, “frequento grupos de oração e comunidade” uma
forma que tem um contato social fora os familiares, ela fala sobre com relação a família ajudar
na questão da saúde: “Demais!”. Uma observação sobre a atividade física ela relata que em sua
juventude não fazia, “não se tinha muito conhecimento, morava no interior de Jaibaras, e só
indo para Sobral depois na fase adulta que comecei a ficar entendida sobre isso”.
Em discussão com os textos usados como base teórica, Reis e Bonfim (2015) indicam
a importância vista dos laços afetivos entre os familiares e de como eles impactam na saúde e
vitalidade do idoso, em que os familiares têm essa preocupação inserindo o idoso no contexto.
Na questão da saúde faz o acompanhando médico bem como realiza atividades físicas
como a caminhada. Atividades físicas proporcionam bem-estar na vida dos idosos (Braz,
Civinsky & Montebeller, 2011) que no caso da senhora A, fica nítidos tais benefícios em sua
saúde se comparadas aos outros que ainda serão tratados, outro fator seria a manutenção do
contato social com extra-familiares em seus grupos de comunidade. podemos dizer que seja até
terapêutico para ter essas vivências nessa fase do ciclo vital não o fazendo se sentir inválido
que é um sentimento comum nesta fase.
Caso 2 senhora M: idade 79 anos, possui oito filhos 4 homens e 4 mulheres, mantêm
contatos com todos tendo em vista que a maioria moram na mesma rua em casas vizinhas, relata
que seus filhos ajudam em seus afazeres, mas observei que é de parte das suas filhas este feito.
Na questão de algum problema de saúde devido à idade relatou ter adquirido o mal de
Parkinson que discutiremos adiante, bem como apresentava outras comorbidades como,
diabetes, colesterol alto e pressão alta algo que é decorrente da idade e de hábitos diários aliados
ao parkinson formando um quadro maior de adoecimento. Mas mesmo com o
comprometimento na saúde relata não ser um empecilho para realizar atividades.
Atualmente não realiza nenhuma atividade física. Gosta de fazer palavras-cruzadas
como forma passatempo, afirma que em sua juventude saia muito para festas e gostava muito
de dançar. Ao perguntar sobre a família contribuir com a saúde dela, diz que os filhos ajudam
na compra de seus remédios, pois não tem condições de comprar toda a receita médica devido
ao fato de não ser aposentada por não ter pago o INSS.
Assim, a mesma fala que em sua juventude não se tinha preocupação com saúde por
meio de atividades físicas assim como toda essa visão de qualidade de vida que se é propagada
hoje. Relata ter falta de equilíbrio motor na perna esquerda, e frisa que seu parkinson é na mão

1238
e não queixou-se que o impedia de cozinhar ou mover objetos. A senhora M faz
acompanhamento médico e para diminuir os fatores do parkinson. E finalizou seu relato
dizendo “com a idade aparece muita coisa, tem dias que não me pergunte como eu vou e sim
onde doí?”
Ao decorrer deparei-me que a organização de sua família era aquela bem tradicional e
extensa, onde os papéis dos filhos e filhas são bem definidos. As filhas mulheres apresentavam
maior ajuda para com a mãe, já os filhos homens contribuem com os remédios e setores ligados
ao financeiro para custear os medicamentos e nas visitas.
Além disso, grande parte de seus filhos moravam próximos a sua casa, fazendo como
suas casas seriam extensão da casa sua própria mãe cujo muitas vezes a mesma ainda se é
exigida por esses. É importante ressaltar também a falta de atividade física que como vimos no
primeiro caso exerce uma grande influência positiva na promoção da saúde e na sua falta
podemos ver como contribuinte para os fatores de adoecimento, assim como o contato com
pessoas fora do ciclo da família. Se pegarmos o caso um e dois o primeiro este contato
extrafamiliar é presente e bastante benigno para a saúde do idoso e o dois existe essa falta.
De toda forma, a maior queixa verificada foi com relação ao Mal de Parkinson na qual
se caracterizado por um distúrbio cerebral que provoca deterioração progressiva, com rigidez
muscular e tremores involuntários (Clínicas Terapêuticas, 2010) sendo de caráter crônico sendo
uma das patologias mais comuns na idade avançada usando de medicamentos, terapias e
atividade física para amenizar os danos.
Assim a presença neste caso da família se faz bastante necessária para ofertar este
suporte para esta pessoa que está em processo de adoecimento devido à idade que mesmo com
a realização de tratamento medicamentoso e acompanhamento médico necessita sim de atenção
e zelo de seus entes mais queridos filhas, filhos e netos.
Caso 3 senhor V: tendo a idade de 71 anos, possuindo 4 filhos, afirma ter contato com
todos eles. Ao perguntar se os filhos tinham cuidado com sua saúde ele questionou “como assim
?” Repeti a pergunta de uma nova forma e respondeu “sim demais, demais ajudam”. Sobre as
dificuldades adquiridas pela idade falou “problema de coluna, sinusite e pressão alta.” Relatou
que “a coluna o que mais me impede de realizar muitas atividades que fazia antes, como: tirar
leite, capinar, trabalhar de machado serviços que antes fazia sem dificuldade” no quesito
atividades de lazer jogava bola na juventude e esportes, e hoje? “ando por onde eu moro” e
com relação a família e saúde? “contribuem demais, meu filhos, visitam eles me levam ao
médico tem cuidado comigo”.
Mais uma vez podemos notar a contribuição da família no cuidado da pessoa mais idosa,
como a idade avançada traz consigo este estado mais adoecido e da importância de se dar
atenção e zelo para estes indivíduos.
Uma das problemáticas que se teve queixa foi a questão da coluna e como este o impede
de realizar atividades antes feitas sem dificuldades. Estudos feitos por Malta et al. (2017) indica
do desenvolvimento de problemas da coluna e como estes são limitantes para as atividades do
cotidiano, mostraram também que os homens são os que mais desenvolvem principalmente os
que trabalham e moram na zona rural.
Esta problemática causada devido aos serviços que fazem. No caso do senhor V suas
atividades do campo durante sua juventude podem ter deixado marcas a longo prazo tendo
consequências que agora se apresentam na idade mais avançada. Na qual necessita de uma
atenção maior, mudança na vida relação a alimentação e cuidados fisioterapêuticos como forma

1239
de amenizar as dores.
Caso 04 senhora Z: com 70 anos de idade possui quatro filhos mantém contato com
todos, “todos me ajudam e muito”, ao perguntar se possui alguma dificuldade com a idade ela
fala “possuo para andar, devido à artrose”, a mesma fala que consegue fazer as suas atividades
“sentindo muitas dores mas é faço” o que você faz? “almoço , tapioca , bolo as vezes eu lavo
casa e lousa quando minha assistente não está” sobre as atividades físicas ela não realiza mais
pois “me tiraram da fisioterapia e o posto pediu que eu realizasse um raio X e levasse para
renovar as atividades fisioterapêuticas e estou esperando ele chegar” falou de maneira positiva
sobre a família contribuir com a saúde “me faz bem sim ajuda na ansiedade que eu tenho” fala
que “quando mais jovem não fazia muita coisas de atividade de física só afazeres domésticos e
para vendas de comidas típicas”. Ela ressalta que antes não se tinha essa preocupação com a
saúde pública e conhecimento, em que a mesma foi surgir com “uns 20 anos” sendo bem recente
estes serviços prestados ao idoso para com políticas públicas.
Neste caso a maior queixa trazida pela participante foi com relação ao seu problema
ósseo, na qual ainda não chegou a incapacitá-la, mas que a dificulta e limita em atividades.
A Pesquisa realizada por Santos et al (2015) mostrou que a influência do gênero
feminino tem maior incidência neste tipo de agravante no quais problemas relacionados aos
ossos e sua degradação são mais frequentes relacionando isso a idade avançada. Sendo a função
fisioterápica aliada a exercícios de desenvolvimento flexível, muscular e equilíbrio possíveis
atividades para atenuar as dores.
Contudo uma temática a se destacar que pode ser abordada em todos os casos. A
confirmação trazida em seus relatos da falta de informação de certo modo e cuidados durante
sua juventude em questões relacionadas ao coletivo da população por meio da saúde pública do
passado não dar importância para essas temáticas.
Um dos trechos da entrevista com o senhor V na qual foi perguntado sobre: que ponto
a saúde para com idoso foi ser mais divulgada é digna de atenção?, ele fala sobre que esses
temas foram ter relevância “a partir de mais ou menos os anos 2000, que eu me lembre”. Bem
como todos os outros casos relatasse esta falta que antes se tinha.
E de fato este tipo de cuidados em nosso país se deu ainda de maneira prematura e ainda
bem recente se contarmos que. Só foi ganhando relevâncias tais temas com a criação do sus em
1988 na qual “pela Constituição Federal Brasileira, que determina que é dever do Estado
garantir saúde a toda a população brasileira” (Ministério Saúde, 2015).
Propondo assim realizar uma saúde ampla e gratuita, dando preferência ao atendimento
de sujeitos de risco como crianças e idosos, cujo sua medida primordial é a prevenção.

4 Considerações finais
Ao analisar cada caso notou-se que, por mais que se obtivessem o caráter da patologia
na vida dos idosos devido à idade o que é inevitável. Tanto a família como a saúde pública têm
grandes impactos na forma de tratamento e cuidados nas vidas dos idosos e em seu processo de
envelhecer.
Cabendo aos dois: família e instituições de saúde realizar uma espécie de trabalho

1240
conjunto de promover uma qualidade mais favorável nesta fase do ciclo de vida. Respeitando
sempre as limitações que a idade trás para os mesmos e que a família ofereça um espaço que
seja promotor de bem-estar e integre este membro não deixando esquecido como não
pertencimento.
Como foi realizado uma entrevista por conveniência obteve-se uma amostra mais
limitada de entrevistados podendo assim não se generalizar os resultados da pesquisa para
grandes populações. Assim torna-se importante a realização de mais entrevista para coleta de
uma amostra maior de pessoas e organização os dados de uma maneira mais empírica
quantitativa para melhor exposição.

Referências

Borges, M. M. M. D. C., & Telles, J. L. (2010). O cuidado do idoso no contexto familiar:


percepção da equipe de saúde da família. Revista Brasileira de Geriatria e
Gerontologia, 13(3), 349-360.
Civinski, C., Montibeller, A., & de Oliveira, A. L. (2011). A importância do exercício físico no
envelhecimento. Revista da UNIFEBE, 1(09).
Portal da Educação. (2015). Doenças mais comuns na velhice. Recuperado de
https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/idiomas/doencas-mais-comuns-na-
velhice/61570
Figueiredo, T. E., & Moser, L. (2013). Envelhecimento e Família: reflexões sobre a
responsabilização familiar, os desafios às políticas sociais e a regulamentação da profissão de
cuidador de pessoa idosa. In Anais do Congresso Catarinense de Assistentes Sociais (Vol.
22).
dos Reis, L. A., & Trad, L. A. B. (2015). Suporte familiar ao idoso com comprometimento da
funcionalidade: a perspectiva da família. Revista Psicologia-Teoria e Prática, 17(3).
Malta, D. C., Oliveira, M. M. D., Andrade, S. S. C. D. A., Caiaffa, W. T., Souza, M. D. F. M. D.,
& Bernal, R. T. I. (2017). Fatores associados à dor crônica na coluna em adultos no
Brasil. Revista de Saúde Pública, 51, 9s.
Ministério da Saúde. (2019). Saúde da pessoa idosa: prevenção e promoção à saúde integral.
Recuperado de http://saude.gov.br/saude-de-a-z/saude-da-pessoa-idosa
Ministério da Saúde. (2015) SUS 27 anos transformando a história da saúde no Brasil.
Recuperado de http://www.blog.saude.gov.br/35647-sus-27-anos-transformando-a-historia-
da-saude-no-brasil
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas. (2010). Doença de Parkinson. Recuperado de
http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2014/abril/02/pcdt-doenca-parkinson-
republicado-livro-2010.pdf
Santos, J. P. M., Andraus, R. A., Pires-Oliveira, D. A., Fernandes, M. T., Frâncica, M. C., Poli-
Frederico, R. C., & Fernandes, K. B. (2015). Análise da funcionalidade de idosos com
osteoartrite. Fisioterapia e Pesquisa, 22(2), 161-168.
Apendice - I

1241
Entrevista Semi – Estruturada:

Qual sua idade ?


Tem filhos, quantos ?
Tem contato com eles?
Os filhos ajudam em seus cuidados ?
Tem alguma dificuldade devido à idade ex : algum problema de saúde ?
Este problema impede de fazer suas atividades do dia a dia ?
Realiza alguma atividade seja física ou não ?
A família contribui para a sua saúde ?
Apêndice - II

1242
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

Nome da pesquisa: Família e saúde pública: os impactos exercidos na qualidade de vida


do idoso.

Pesquisadora responsável: Amada de Oliveira Falcão Medeiros (CRP 04/42122)


João Victor Moreira Lima –Acadêmico de Psicologia do Centro Universitário Inta-UNINTA

Prezado(a) entrevistado(a) o senhor(a) está sendo convidado(a) a participar de uma pesquisa


qualitativa que tem por objetivo compreender a relação familiar e as questões do
envelhecimento.
A sua participação consistirá em responder uma entrevista previamente estruturada pelos
pesquisadores envolvidos no estudo.
A entrevista será gravada na modalidade áudio e depois transcrita para que seja possível realizar
a análise de conteúdo de forma fidedigna.
Toda a informação de pesquisa será sigilosa de forma a resguardar a identidade dos
entrevistados participantes. Futuramente se alguma informação da entrevista for utilizada em
evento acadêmico ou publicação científica será indicada apenas a inicial do nome dos
participantes nos trabalhos.
Você poderá ficar à vontade para recusar o convite e também desistir de responder a qualquer
tempo da pesquisa.
A pesquisa não traz nenhum risco à saúde física ou mental dos participantes, mas caso venham
a sentir algum desconforto, a entrevista será cessada.

Eu,___________________________________________________________ declaro estar


ciente: (a) do objetivo da pesquisa, risco e benefícios; (b) da segurança de que não seremos
identificados e de que será mantido caráter confidencial das informações relacionadas com a
privacidade dele (a); (c) poderei solicitar qualquer informação ou tirar qualquer dúvida sobre
a pesquisa e em qualquer momento que julgar necessário; (d) de que terei a liberdade de
recusar a participar da pesquisa.
Sobral, ______ de ______________________de 2019.

________________________________________
Assinatura do participante
TRABALHANDO O PROTAGONISMO INFANTO-JUVENIL NO SERVIÇO DE

1243
CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS DO CRAS

Naglla Cristina Vieira Silva,


Luciana Moreira Machado,
Lara Elys de Miranda,
Pedro Wilson Ramos da Conceição,
Maysa Milena e Silva Almeida

1 Introdução
Ainda se discute qual o papel da psicologia dentro dos órgãos de assistência social,
visando compreender que a formação do psicólogo deve abranger bem mais do que uma
abordagem clínica e individualizada, e entendendo o ser humano não apenas como indivíduo
biológico e emocional, mas também histórico, social e cultural. A motivação para esse estudo
resulta do entendimento sobre a importância da Psicologia fazer-se presente dentro da
comunidade social e cultural, que é base na formação e estruturação do sujeito, entendendo-a
enquanto auxílio, juntamente com a ciência da Assistência Social, no atendimento das
demandas sociais e individuais do sujeito enquanto participante de um grupo, comunidade.
Como apontam Lima, Santos e Silva (2016), uma perspectiva importante para o
desenvolvimento infanto-juvenil é possibilitar a compreensão sobre as responsabilidades
resultantes da garantia de seus direitos, caminho que possibilita o sentir-se parte de um todo.
Fala-se em participação ativa dentro da comunidade e o sentir-se valorizado, oportunizando um
olhar sobre si mesmo enquanto agente de construção social.
O trabalho aqui desenvolvido é construção de uma prática da disciplina de Estágio
Básico em Psicologia Social e Comunitária, do curso de Psicologia do Centro Universitário de
Ciências e Tecnologia do Maranhão, UniFacema, objetivando atender e compreender as
demandas da comunidade assistida pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da
cidade de Caxias – MA, mais especificamente, o Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos (SCFV), contribuindo assim, para uma formação dos acadêmicos no que se refere ao
trabalho do profissional psicólogo inserido numa abordagem psicossocial. Para tanto, fora
necessário conhecer as dependências do equipamento, bem como as atividades ali
desenvolvidas.
A função do equipamento se destina a trabalhar para a prevenção de ocorrências de
situações de vulnerabilidade social, evitando assim, que os sujeitos da comunidade tenham seus
direitos violados ou nos casos daqueles que já sofreram alguma violência, cuidar para que o
mesmo não ocorra. Assim, o CRAS vem contribuindo para a garantia dos direitos e cidadania
daqueles que necessitam, como parte integrante do Sistema Único de Assistência Social, e por
isso, devendo estar localizado no centro de áreas consideradas como de maior vulnerabilidade.

2 Método
Como público alvo foram participantes desse projeto os assistidos, com idades entre 5

1244
a 12 anos, integrantes do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) do
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), no turno matutino. O mesmo, localizado
na cidade de Caxias – MA, funcionando de segunda a sexta das 07h30 às 11h e das 13h30 às
16h30.
No desenvolvimento deste projeto utilizou-se técnicas de dinâmicas de grupo, com
enfoque numa abordagem psicossocial, que incentivasse os sujeitos a uma percepção sobre si e
sobre seu espaço de vivência, utilizando-se dos conceitos básicos de Kurt Lewin (1890-1947)
e Levy Moreno apresentados na obra de Ramalho (2010) e pelas concepções de grupo
apresentados por Pichon Rivière (2005). Também foram utilizadas rodas de conversa, para a
exploração e reflexão acerca dos temas abordados e oficinas de produção de desenhos, cartazes
e maquetes, com o intuito de promover medidas de ações compartilhadas, auxílio na interação,
desenvolvimento pessoal e coletivo entre os sujeitos participantes das atividades do SCFV,
contribuindo para sua tomada de consciência enquanto sujeitos ativos e protagonistas dentro de
sua comunidade e meio social, sendo trabalhado por meio de 9 encontros com os participantes
do grupo.
Foram usados como recursos, materiais recicláveis como garrafas pet, papelão, tampas
de garrafas e caixas de fósforos. Também foram utilizados isopor, materiais de pintura como
pincéis, lápis de cor e de cera, tintas, cola isopor, cola branca, blocos de anotação, folhas de
papel A4, além dos recursos humanos, sendo estes a própria equipe de estágio, formada por seis
integrantes, a preceptora responsável pela disciplina e mais 5 estagiárias do curso de psicologia.
Também fizeram parte os funcionários do equipamento, sendo estes as duas
orientadoras sociais do SCFV e o oficineiro de teatro, para realização das atividades e o
psicólogo responsável pelo equipamento, na tomada de consciência e discussões juntamente
com as estagiárias, sobre as necessidades do equipamento e da rede de assistência social. Cada
encontro realizado foi planejado para ser executado numa duração média de 1h30min,
ocorrendo semanalmente, todas as quintas-feiras, durante os meses de março, abril e maio,
alguns entretanto, durando em média 2h30min.
Primeiramente foram feitas duas visitas para conhecer o espaço, sendo um dia dedicado
a brinquedoteca e o outro dedicado a conhecer o Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos para, posteriormente, ser elaborado o projeto e assim aplicado. Ao todo, entre visitas
e intervenções foram realizados 11 encontros. Utilizamo-nos do tópico a seguir, Resultados e
Discussões, para apresentar de forma didática as atividades e resultados adquiridos em cada um
dos encontros elaborados pela equipe durante o período de intervenção.

3 Resultados e Discussão
3.1 Primeiro encontro: Apresentação do projeto e seus objetivos.
Para o primeiro encontro a equipe havia planejado a promoção de uma roda de conversa
com os orientadores e profissionais que atuam no local, na intenção de apresentar como se daria
a realização do projeto, seus objetivos, bem como sua importância para a abordagem
psicossocial, além de possibilitar às estagiárias conhecer as demandas dos sujeitos envolvidos.
Ao chegar ao ambiente de intervenção, a equipe foi surpreendida pela presença de sete
crianças na sala do SCFV. Isso fez com que fosse mudada totalmente a dinâmica do dia, pois
agora havia um novo público. A dinâmica que seria realizada com os orientadores sociais, foi
adaptada para os assistidos do SCFV.
A dinâmica consistia em uma árvore desenhada em papel 40 em que nas folhas deveriam

1245
ser escritos os pontos positivos e nas raízes os pontos negativos do equipamento, bem como o
que gostavam e o que não gostavam de fazer. Logo após, fora feita uma roda de conversa para
conhecer os envolvidos com base nos resultados que apresentaram na atividade da árvore.
Apesar das medidas adaptativas o objetivo que era conhecer melhor as demandas e se aproximar
dos participantes pôde ser alcançado. Como resultado foi possível aprender sobre as vivências,
gostos, sentimentos e preferências dos assistidos.
Também foi trabalhada no dia a brincadeira do jogo da velha, primeiramente com duas
rodadas de um participante contra o outro, em seguida, com formação de equipes. Utilizando-
se de uma simples brincadeira, o jogo da velha, observamos seus comportamentos quanto ao
respeito às regras, a convivência, competitividade, coordenação e trabalho em equipe.

3.2 Roda de conversa: Protagonismo Infanto-Juvenil.


A intenção da equipe para a realização desta atividade foi trabalhar para que as crianças
pudessem pensar sobre suas preocupações e os problemas enfrentados em seu bairro, com
enfoque na conscientização dos mesmos sobre a criança e o adolescente agentes
transformadores do seu meio social e de como podem participar na melhoria de sua
comunidade. Por meio da roda de conversa foi possível o acolhimento dos participantes e, logo
em seguida, a discussão sobre temas relacionados ao bairro, cidade, o cuidado que devemos ter
com cada um desses locais e como os assistidos poderiam ser atuantes dentro de sua
comunidade.
Por meio do desenho, em que puderam desenhar em uma folha, de um lado como é e do
outro como eles gostariam que fosse o bairro deles, foi possível fazer uma reflexão sobre a
realidade de cada sujeito. Tendo em vista que o meio ambiente carece de cuidados, também foi
apresentado o termo reciclagem e da sua importância para a preservação da natureza e dos
espaços de vivência. Ao encerrarmos a atividade, foi solicitado que cada participante levasse
para o próximo encontro materiais recicláveis.
Como resultado desta atividade e, por meio da utilização da técnica de desenho, os
participantes puderam apresentar seu local de vivência de acordo com suas impressões pessoais
e as dificuldades que veem no cotidiano, promovendo uma reflexão sobre a sua participação
dentro da comunidade e desenvolvendo um sentimento de responsabilidade social.

3.3 Oficina: “Meu bairro, minha arte” (trabalhando a reciclagem).


Como combinado do encontro anterior, as crianças levaram caixas de papelão, garrafas
pet e tampinhas, enquanto a equipe de estágio se encarregou do TNT, EVA, cola, lápis, tesoura,
pincéis e lápis de cor. A atividade do dia foi a construção de um mural como forma de promover
a cooperatividade, em que todos tiveram a oportunidade de ajudar na produção do mesmo que
seria usado como decoração do espaço em alusão a páscoa, assim, uns fizeram flores enquanto
outros se ocupavam de desenhar e decorar ovos de páscoa e coelhos.
Ao término da atividade foi trabalhado o cuidado com a preservação do seu espaço de
convivência e do meio ambiente. Observando os materiais trazidos, que oportunizariam a
produção de lembrancinhas, além de conhecer outras finalidades para os materiais que seriam
descartados sem o devido cuidado, esta intervenção, além de reforçar a responsabilidade dos
sujeitos com a preservação do seu espaço de vivência, contribuiu para o sentimento de
cooperatividade entre os membros do grupo e a construção, por parte das próprias crianças, de

1246
algo que seria utilizado para o bem comum. Resultando também no fortalecimento de vínculos
com a própria equipe de estágio.

3.4 Confraternização de páscoa e contação de histórias.


A equipe do Serviço de Convivência realizou uma confraternização em alusão ao dia da
páscoa, como forma de promover uma socialização entre os sujeitos do SCFV. Aproveitando
dos materiais levados pelas crianças, foram feitas lembrancinhas, cestinhas, utilizadas para
guardar os docinhos e decorar a mesa, juntamente com o bolo confeitado, suco e refrigerante.
Além das lembrancinhas, os materiais recicláveis com as tampinhas das garrafas pet e sobras
do EVA usado no mural, serviram para montar graminhas e ajudar na decoração da mesa.
Houve roda de conversa, realizada pontualmente em cada intervenção, que serviu para
o acolhimento de dois novos assistidos e reforçado sobre a importância da reciclagem como
forma de ajudar na preservação do ambiente. Além disso, o momento foi oportuno para
trabalhar também sobre a cultura e diversidade folclórica da cidade, em que as crianças puderam
estar em contato com representações do folclore por meio da contação de histórias.
Foi incentivada a participação de cada membro do grupo para contar as histórias que
conhecia, de forma que compartilhamos um pouco da história de Caxias com lendas locais
trazidas também pelos próprios participantes. Neste dia, estiveram presentes as orientadoras
sociais e um dos oficineiros, que também apresentou boa parte da história que conhecia.

3.5 Roda de conversa (Feedback).


A programação seguiria com uma roda de conversa de feedback, como forma de refletir
junto com os assistidos sobre suas perspectivas acerca do que já fora trabalhado, mas a maioria
dos assistidos não compareceu e tivemos mais dois novos, de modo que se fizeram necessárias
algumas mudanças.
Iniciou-se com uma roda de acolhimento, em que a equipe se apresentou aos novos
assistidos, podendo conhecê-los, para em seguida ser realizada a dinâmica da caixa de
apresentação. Esta consiste em uma caixa contendo objetos variados, onde cada participante
pôde escolher um objeto que melhor lhe representasse e a partir disso explanar o porquê da sua
escolha ou o que o objeto o fez lembrar.
Cada pessoa escolheu um objeto e compartilhou lembranças e sonhos que queriam
realizar. Foi possível promover uma breve discussão sobre metas para alcançar esses objetivos.
A dinâmica consistiu em promover uma apresentação entre os participantes, de modo que
puderam conhecer melhor uns aos outros, além de oportunizar o exercício de verbalização de
seus sentimentos e opiniões. Este resultado foi alcançado, os dois novos integrantes do grupo
tiveram a oportunidade de fazer-se conhecer pelos demais membros, bem como iniciar a
construção de vínculos tanto com seus novos colegas, quanto com a equipe de estagiárias.

3.6 Oficina: “Meu bairro, minha arte” (produção de maquete representativa do bairro).
O objetivo da construção de uma maquete que representasse o bairro e alguns pontos
importantes da cidade de Caxias foi o de promover, além da cooperatividade e proatividade,
uma forma diferenciada das crianças poderem conhecer cada ponto do seu bairro, instituições
essenciais para o exercício da cidadania e trabalhar a criatividade, além do sentimento de sujeito

1247
construtor do seu ambiente.
Para início das atividades do dia formou-se a roda de conversa, prática realizada em
todos os encontros, na qual, além de dar espaço para escutar as vivências diárias dos assistidos,
prepara um ambiente favorável para explanação dos conteúdos levados pela equipe de estágio.
Durante esse momento, neste dia específico, foi falado sobre os locais importantes do bairro, e
de como são necessários para a qualidade de vida do cidadão como, postos de saúde, escolas,
pontos de lazer, o próprio equipamento CRAS e a importância de, como sujeitos ativos em sua
comunidade, estas crianças também deveriam zelar por estes ambientes.
Ao dar início a construção da maquete, em uma folha de papel, foi feito um esboço do
que as crianças queriam que estivesse na maquete. Pôde ser observada muita cooperatividade
entre os membros do grupo e sentimento de responsabilidade para que a maquete pudesse de
fato representar seu espaço de vivência. Todos estavam inteirados para construir a maquete com
os pontos que julgaram importantes e que não poderia faltar em um bom bairro, um campinho
de futebol, a escola, a linha do trem, o mercadinho, o CRAS, a delegacia, um corpo de
bombeiros, a UPA (Unidade de Pronto Atendimento), uma praça no centro, o Morro da
Balaiada (ponto turístico da cidade de Caxias no Maranhão), o rio Itapecurú e as residências
dos cidadãos.
Devido ao tempo, a finalização da maquete ficou para o próximo encontro. As
estagiárias despediram-se após, juntamente com as crianças, limpar todo o ambiente, outro
acordo estabelecido entre o grupo sempre ao final de uma atividade. O objetivo foi alcançado,
todos se inteiraram para a construção da maquete, deram suas opiniões, escolheram
democraticamente quais instituições deveriam estar presentes na mesma e em qual local, foram,
sobretudo proativos e solidários, apesar de uma vez ou outra quererem usar a mesma cor ao
mesmo tempo, oportunidade utilizada pelas estagiárias para relembrar sobre a importância de
respeitar a vez do outro, sendo assim com o objetivo atingido, foram encerradas as atividades
do dia.

3.7 Oficina: “Meu bairro, minha arte” (finalização da maquete)


Para este encontro o objetivo se manteve o mesmo, trabalhar a cooperatividade, senso
de responsabilidade e proatividade com os membros do grupo do SCFV. Foi continuada a
oficina de maquetes que havia sido iniciada na semana anterior, de modo que as crianças mais
velhas ficaram responsáveis pela produção e montagem das peças, enquanto as menores ficaram
com a pintura.
No dia a equipe recebeu outra criança, recém-chegada ao equipamento, que de início
não quis falar seu nome e nem interagir com as outras crianças, sendo assim, foi feito o
acolhimento como de costume e uma das estagiárias a acompanhou durante as atividades.
Ao finalizar a maquete, foi realizada a limpeza da sala juntamente com as crianças, que
tomaram a iniciativa, sendo as primeiras a começar a repor as cadeiras em seus devidos lugares.
Por fim a equipe se despediu reforçando que haveria apenas mais dois encontros para o
encerramento do projeto.
Algumas observações a serem ditas sobre este dia. O fato de as próprias crianças terem
dado início a limpeza da sala logo ao término da atividade, não esperando que a equipe de
estágio lembrasse o acordo, já demonstrou que as intervenções dos encontros anteriores
estavam de fato tendo seus objetivos alcançados. As crianças aos poucos foram construindo um
senso de responsabilidade, cidadania, respeito com o outro e com a preservação do espaço.

1248
Quanto à nova criança que por sua vez possuía idade bem inferior, o maior objetivo para com
ela no dia foi fazer sua interação e acolhimento para participação das atividades do grupo.

3.8 Roda de conversa: Meu corpo, meu tesouro.


A intervenção trouxe uma temática de suma importância a ser trabalhada, o abuso sexual
infantil. O objetivo foi fazer com que as crianças do SCFV percebessem e entendessem sobre
os perigos que traziam as más intenções de estranhos e até conhecidos. O tema foi escolhido
justamente para que a criança reconheça quando por acaso estiver em uma situação
desagradável e que aprenda a importância do cuidado com o seu corpo e reconhecimento de
suas partes íntimas.
Trabalhamos com um vídeo lúdico sobre não se deixar ser tocado por estranhos em suas
partes íntimas e de como se defender em uma possível situação de abuso, além disso, foi
trabalhada uma música intitulada “O seu corpo é um tesourinho” que também é tema da
campanha Faça Bonito, assim como confecção de cartazes onde foram produzidos desenhos e
frases dos próprios assistidos para a conscientização sobre o cuidado e prevenção contra o abuso
e exploração sexual infantil e de como as crianças precisam ser respeitadas.
As atividades foram finalizadas com uma roda de conversa, um feedback, em que
puderam contar suas vivências e de como se sentiram ao produzirem os cartazes, momento
oportuno para mais orientações sobre o assunto. Os cartazes ficaram expostos na parede da sala,
assim podendo ser vistos por outros usuários do equipamento.
A atividade além de colaborar para a educação sobre os cuidados com seu corpo e a
prevenção do abuso, despertou um enorme senso de cuidado e responsabilidade com as
crianças, foi nítido o quão estavam interessadas a produzirem seus cartazes para ajudar outras
crianças e conscientizar os adultos de que abuso sexual é crime e que deve ser evitado. Logo
após encerramos e nos despedimos reforçando que restava apenas um encontro para o término
do projeto.
As rodas de conversa de fato propiciaram muito aprendizado, para ambos os grupos,
assistidos e estagiárias, neste dia as crianças juntamente com uma das orientadoras sociais, que
sempre esteve presente em nossas atividades, relatou-nos um possível caso de tentativa de abuso
ou sequestro, quando as crianças estavam brincando próximo ao equipamento. Foi perceptível
o quanto as crianças se sentiam livres para falar o que pensavam e sentiam, sendo assim tivemos
a certeza de que nosso objetivo foi alcançado.

3.9 Amostra cultural.


A intervenção foi focada em fazer uma linha do tempo onde estariam expostas as ações
realizadas pelos participantes, como forma de mostrar aos mesmos que eles foram os
protagonistas para a criação e troca de conhecimentos acerca do bairro, comunidade, sobre o
próprio CRAS e todas as atividades que puderem ser realizadas. Para isso, a equipe de estágio
levou uma árvore desenhada com as fotos de encontros anteriores em que puderam relembrar
cada atividade e reconhecer tudo o que havia sido produzido, puderam relatar o que aprenderam
e perceberam que cada atividade estava relacionada a atividade seguinte.
Ao entrarmos na sala, as próprias crianças tomaram a iniciativa de organizar as cadeiras

1249
em círculo, para a habitual roda de conversa e demais atividades. É necessário mencionar que
houve a presença e uma nova criança, o que exigiu da equipe fazer o acolhimento e inteirá-la
nas atividades que foram produzidas, logo estava interagindo como se estivesse com a equipe
desde o início.
Fomos surpreendidas com cartinhas produzidas pelas próprias crianças em forma de
agradecimento por estarmos com eles por este período, expostas em forma de mural com
desenhos e os nomes de cada membro do grupo.
Ao final fizemos uma roda de conversa que contou com a presença da preceptora da
disciplina de estágio e de uma das orientadoras do equipamento para assim, encerrar o projeto
e nos despedir dos assistidos. Mesmo trabalhando e reforçando o encerramento do projeto já há
algum tempo, eles não estavam preparados para a despedida. Foi explicado que ali não seria
necessariamente um fim, pois o que havíamos feito eles também poderiam continuar, entre eles
mesmos e com os novos assistidos que chegariam. Eles eram protagonistas.
Foi entendido que o serviço do equipamento visa diminuir a negligência sofrida pelos
assistidos, negligência esta que muitas vezes é global, pois envolve saúde, educação e
integridade física, moral e emocional da criança e do adolescente assistido. Notavelmente, a
experiência se configurou como proveitosa, em que pôde-se perceber os assistidos bastante
participativos e sempre atentos as atividades desenvolvidas, contribuindo para a formação de
um protagonismo no meio em que vivem, bem como promover seu desenvolvimento social,
articulando também para que, como sujeitos participativos e críticos, sejam capazes de
desenvolver autonomia, evitar possíveis situações de abuso e a trabalhar em conjunto com os
demais sujeitos do seu convívio.

4 Considerações Finais
Diante de cada uma das atividades que foram desenvolvidas no estágio básico em
Psicologia Social e Comunitária no SCFV do Centro de Referência de Assistência Social
(CRAS), buscou-se contribuir para uma melhoria das relações interpessoais entre os assistidos
que frequentam o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, oportunizando uma
estratégia que beneficie a todos, numa ação contínua e significativa. Por meio dessas interações,
além do fortalecimento dos vínculos grupais, fazendo com que os indivíduos inseridos se sintam
seguros em se sentir atuantes em sua comunidade, foi possível desenvolver entre os sujeitos
participantes um sentimento de responsabilidade social, cooperatividade e proatividade.
Puderam aprender e trabalhar temas como, reciclagem, solidariedade, regras de
convívio, respeito ao outro e, sobretudo, respeito para consigo. Ao notar a evolução das crianças
do SCFV desde o primeiro dia de estágio, pôde-se perceber real crescimento pessoal e social
destes sujeitos.
Um aprendizado que não permanece apenas dentro do equipamento, mas possibilita que
cada uma destas crianças possa levar para seus demais locais de vivência, escola, família, grupo
de amigos, as aprendizagens adquiridas. Dentre estas, cuidar do meio ambiente, dos patrimônios
da cidade e do seu bairro, além de lembrá-los que é preciso ter respeito com o próximo e cuidado
com seu corpo, seus direitos e sua intimidade.
Compreende-se o quão importante é para proteção e desenvolvimento do indivíduo, uma
tomada de consciência sobre si mesmo e sobre seus direitos e deveres, dando espaço para
apresentar suas ideias e promover o fortalecimento dos vínculos sociais.
A experiência de produção de um projeto de intervenção mostrou-se um desafio,

1250
contudo, gratificante. Observando a construção de autonomia e desenvolvimento pessoal e
profissional para as acadêmicas e estagiárias de Psicologia. Servindo também como um norte
para a produção de novos conhecimentos, sendo um grande apoio para os colegas de profissão
que venham a se deparar com situações semelhantes em que necessita de uma construção de
consciência sobre o protagonismo em seus sujeitos.
Diante disso, nota-se a indubitável importância da inserção da Psicologia no social,
como ciência que compreende os aspectos individuais e suas influências na coletividade de
nossas relações. Com uma abordagem crítica é capaz de auxiliar os sujeitos que necessitam dos
serviços fornecidos pelo CRAS e demais equipamentos, a perceberem seu papel na melhoria de
sua qualidade de vida, bem-estar e participação em sua comunidade.

Referências
Afonso, M. L. (Org.). (2010). Oficinas em dinâmica de grupo: um método de intervenção
psicossocial. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Amaral, Vera Lúcia. (2007). A dinâmica dos grupos e o processo grupal. Natal: EDUFRN
Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. (1990). Estatuto da Criança e do Adolescente. DF:
Brasília.
Brasil. Lei n° 8.742 de 7 de setembro de 1993. (1993). Lei Orgânica da Assistência Social. DF:
Brasília.
Brasil. Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011. (2011). Lei do SUAS. DF: Brasília.
Cardoso, Luiz Felipe Viana; Queiroz e Melo, Maria de Fátima Aranha. (2013). Uma proposta
de intervenção psicossocial em um centro de referência de assistência social de Minas
Gerais. Minas Gerais: Revista Ciência em Extensão, v.9, n.3, p.159-170. ISSN 1679-
4605.
Conselho Federal de Psicologia. (2007). Referências técnicas para atuação do(a) psicólogo(a)
no CRAS/SUAS. Brasília: CFP.
Lane, Silvia Tatiana Maurer. (2006). O que é psicologia social. São Paulo: Brasiliense.
(Coleção primeiros passos; 39) 6ª reimpr. da 22a. ed. de 1994.
Lane, Silvia Tatiana Maurer. (1989). Psicologia Social: O homem em movimento. São Paulo:
Brasiliense.
Lopes, Leidiane Pereira; Nascimento, Adriano Roberto Afonso do. (2015). O que faz uma
psicologia social? Intervenção na psicologia social brasileira. Rev. Psicologia &
Sociedade, ahead of print. Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais: Rev.
Psicologia & Sociedade.
Lima, Ana Paula Soares; Santos, Cora Linhares dos; Silva, Josenildo Tertuliano Santos. (2016).
O desenvolvimento do protagonismo infantil no serviço de convivência e fortalecimento
de vínculos (SCFV) no município de CARMÓPOLIS/SE. In: Anais do 8º Encontro
Internacional de Formação de Professores e 9º Fórum Permanente de Inovação
Educacional. v. 9, n. 1 (2016), Sergipe. ISSN: 2179-0663
Michels, Róger de Souza; Fagundes, Nicole Siqueira. (2014). O Psicólogo na esfera pública e
os desafios oriundos de sua formação acadêmica. II Seminário Regional Políticas
Públicas Intersetorialidade e família: formação e intervenção profissional, 2014.

1251
Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/ serpinf/2014/asset s/27.pdf
Acesso em 22.mar.2019.
Peres, Maria Fernanda Tourinho. (2015). Vitimização fatal de crianças no espaço público em
decorrência da violência interpessoal comunitária: um diagnóstico da magnitude e
contextos de vulnerabilidade na América Latina. São Paulo: Revista brasileira de
segurança pública. v.9, n.2, p.12-48, 2015.
Pichon-Rivière, Enrique. (2005). O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes.
Ramalho, Cybele Maria Rabelo. (2011). Psicodrama e dinâmica de grupo. São Paulo: Iglu.
Schneider, Daniela Ribeiro et al. (2016). A clínica na comunidade: uma experiência de
intervenção intersetorial para adolescentes em situação de vulnerabilidade psicossocial.
Florianópolis: Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, v.8, n.18, p.68- 80. ISSN 1984-
2147.
Souza, Ana Paula Lazzaretti et al. (2010). Participação social e protagonismo: reflexões a partir
das Conferências de Direitos da Criança e do Adolescente no Brasil. Avances en
Psicología Latinoamericana. vol. 28(2), pp. 178-193, Bogotá, Colombia.
INTERSECÇÕES ENTRE ESTÁGIOS BÁSICOS EM PSICOLOGIA E A ATENÇÃO

1252
BÁSICA EM SAÚDE

Nicole Agnes Nunes de Araújo,


Hédina Rodrigues de Sousa

1 Introdução
A princípio, o ensino da Psicologia no Brasil não tinha caráter profissionalizante, senão,
de conhecimento complementar para a formação de outros profissionais, tendo como finalidade
ser apenas objeto de estudo e de ensino para outras áreas, como a Filosofia, Direito e Pedagogia
(Pessotti, 2004). As Escolas Normais, importantes instituições de ensino da época, foram às
primeiras instituições a incorporarem as disciplinas de Psicologia à grade curricular, o que
culminou para a efetivação do modo sistemático de ensino da Psicologia no Brasil (Lisboa &
Barbosa, 2009).
Com base no Decreto-Lei nº 9.092, o lançamento da Portaria nº 272 em 1946, legitima
a formação do psicólogo (Pereira & Pereira Neto, 2003). Assim, para que o profissional
estivesse legalmente habilitado, era preciso cursar os três primeiros anos de Filosofia, Biologia,
Fisiologia, Antropologia ou Estatística e para só então se especializar em alguma área da
Psicologia (Rosas, Rosas & Xavier, 1988). Apesar desses cursos de especialização não
obedecerem a nenhuma regulamentação oficialmente estabelecida, é a partir de então que o
exercício da profissão do psicólogo se inicia.
Essa atuação ainda incipiente do psicólogo resultou em inúmeras críticas referentes ao
processo formativo ser superficial e ausente de políticas que viabilizassem uma formação
adequada e qualificada. Porém, em 1962, a partir da Lei nº 4.119, a profissão e o curso de
formação são oficialmente regulamentados (Rosas et al., 1988). Com isso, o caráter formativo
em psicologia começa a passar por ajustes na estrutura curricular, flexibilizando assim a
possibilidade de práticas articuladas as necessidades sociais dentro dos mais diversos espaços
de atuação.
A posteriori desse contexto, em 2007 é implementado o curso de Psicologia – formação
de psicólogo – na Universidade Federal do Piauí (UFPI) que tem como um dos principais
objetivos proporcionar aos graduandos conhecimentos teóricos e práticos sobre o papel social
desse profissional, a partir de experiências com a realidade regional e nacional. Além disso,
visa ofertar condições para que o estudante opere de forma interdisciplinar ou em equipes
multiprofissionais. A grade curricular busca direcionar a prática profissional através de
atividades práticas previstas nos estágios básicos e profissionalizantes (Universidade Federal
do Piauí [UFPI], 2007).
O Ministério da Educação estabelece uma estrutura comum a qual devem se pautar os
cursos de formação no país. Os cursos de Psicologia estão divididos em dois grandes eixos
formativos: Básico e Específico. Os Estágios Básicos (EB) estão incluídos no primeiro eixo.
Tratam-se de experiências de estágios supervisionados antes dos ditos profissionalizantes com
o intuito de aproximar ainda mais cedo o estudante da graduação da realidade da prática
profissional. O mesmo deve compor-se de práticas integrativas referentes aos conteúdos dos
núcleos comuns de modo que estejam distribuídos ao longo do curso e articuladas com as
demais atividades acadêmicas (Resolução nº 5, 2011).
Assim, os mesmos configuram o processo de formação básica na graduação em

1253
Psicologia, “tendo como objetivo central integrar, através de intervenções numa dada realidade
social, conhecimentos e habilidades básicas desenvolvidas na dinâmica curricular do Curso de
Psicologia” (UFPI, 2007, p. 31). Posto isto, nesse trabalho pretende-se refletir sobre a
experiência de Estágio Básico do segundo bloco do curso de Psicologia no contexto da Atenção
Básica em Saúde (ABS).
Segundo consta no Projeto Político do Curso (PPC) do curso:

A ementa das disciplinas de EB propõe aos graduandos a observação do cotidiano,


acontecimentos e contexto social tanto ao nível individual como institucional - ainda de
forma não sistematiza. O registro de forma crítica de tais acontecimentos, noções de
coletas de dado em psicologia e a elaboração de relatórios técnico-científicos (UFPI,
2007, p.54).

Dessa forma, os EB são tidos como as disciplinas de integração de conhecimentos


teóricos e práticos da etapa de formação básica, seriam elas: teorias psicológicas, metodologias
de construção e validação do conhecimento e técnicas de intervenção psicológica.

2 Método
Os caminhos metodológicos aqui anunciados tratam-se de um relato de experiência,
construído a partir da vivência das autoras durante a disciplina de Estágio Básico I (EBI)
ofertada no segundo semestre do curso de Psicologia da Universidade Federal do Piauí, Campus
Ministro Reis Veloso (UFPI/CMRV). Essa narrativa parte de dois lados da vivência. De um
ponto enquanto estudante de psicologia e de outro enquanto residente de psicologia e egressa
da UFPI. Tal relato refere-se a uma análise crítica baseada nas experiências vividas durante
cinco (05) visitas técnicas realizadas em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do município de
Parnaíba.
A escolha do campo de atuação para o estágio foi feita em parceira entre a coordenação
do curso de Psicologia e a coordenação do programa de Residência Multiprofissional em
Atenção Básica/ Saúde da Família (RMSF), que contava com três profissionais de referência:
Enfermeira, Fisioterapeuta e Psicóloga. As visitas eram feitas quinzenalmente e acompanhadas
semanalmente pela professora supervisora do grupo.
O desenvolvimento do estágio apoiou-se nas seguintes etapas: a) apresentação teórica
que serviu de base para execução da nossa observação participante; b) familiarização com o
local de estágio; c) escolha do professor-supervisor para cada grupo; d) apresentação dos
instrumentos didático-pedagógico, foram eles: diário de campo e relatório final; e) pactuação
referente aos dias, horários e locais de visita para cada equipe.
O uso do diário de campo como estratégia metodológica corrobora com o que Holliday
(2006) nos diz. Para a autora, sistematizar nossas experiências não nos permite apenas descrever
acontecimentos, mas também estarmos atentos a interpretações feitas a partir dessas
experiências, que podem ser elaboradas, compartilhadas e confrontadas para que assim um novo
conhecimento seja produzido. Por isso, o uso dessa ferramenta aliada às supervisões
oportunizou o processo de formação crítica-reflexiva a que se propõe essa primeira modalidade
de estágio que vivenciamos.
Ademais, as supervisões foram espaços de produção de conhecimento, considerando

1254
que elas serviam de mediação entre o que era manifestado nos diários de campo e as reflexões
elaboradas a partir do que foi vivenciado, confrontando-as com o que a teoria nos apresenta.

3 Resultados e Discussão da Experiência


Historicamente o acesso à formação superior no Brasil é destinado às elites. Nos últimos
anos com projetos de interiorização dos cursos superiores – Reuni – e de incentivo a permanecia
– PRAEC/BAE – esse perfil tem sido modificado (Paula, 2017). Rudá, Coutinho e Almeida
Filho (2019) comparam simbolicamente a conquista de um diploma a maiores possibilidades
de acesso a capital econômico, social e cultural. Dessa maneira, ao pensar a formação superior
no Brasil é indispensável refletir sobre quais questões cidadãs essa formação está
comprometida. Ter essa formação apenas como processo de instrução e capacitação é
desconsiderar a necessidade de devolutiva social no contexto de grandes desigualdades do país
(Lopes, Cavalcante, Oliveira & Hypólito, 2014).
Por isso, ao pensarmos o ensino em Psicologia, que factualmente possui uma tradição
de formação clínica, é premente uma composição curricular mais atrelada à atuação nos
contextos das Políticas Públicas (PP), de promoção de saúde e comprometida com a questão
social. Essa mudança de visão é um dos desafios para as formações de ensino de uma maneira
geral no Brasil, uma vez que, a natureza elitista-conservadora laborativa da educação ainda se
sobressai (Rudá et al., 2019).
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) são uma importante ferramenta de
conquista no avanço das questões aqui discutidas. Elas determinam os componentes mínimos
para os currículos e dessa forma, garantem um certo grau de pluralidade de vertentes para a
formação em consonância com uma formação mais generalista defendida pelos estudiosos. Para
aqueles mesmos autores, as DCNs viabilizam certa plasticidade nas estruturas curriculares,
porém, que permaneceram quase que inalterados das estruturas originais, dado que a maioria
dos componentes curriculares dos cursos são compostos por disciplinas teóricas.
Posto isso, a inserção de EB na ABS no segundo bloco de formação em Psicologia
intenta alinhar uma formação em Psicologia com demandas sociais as quais a profissão tem se
voltado nos últimos anos. Ainda assim, cabe destacar que apesar de representar tal avanço para
a formação do psicólogo na instituição em que se desenvolve, essa iniciativa é encabeçada por
um grupo de professores que compreendem essa necessidade formativa.
A disciplina de EBI no curso da UFPI já passou por várias configurações ao longo de
seus treze anos de existência nesse campus. O que acontece devido à abertura compreensiva
que sua ementa oferta. A mesma prevê a “observação do cotidiano, acontecimentos e contexto
social” (UFPI, 2007, p.54), ou seja, não significa que necessariamente o contexto do estágio
seja em alguma PP, por exemplo.
O que se quer destacar aqui não é o fato de ser uma ementa aberta a pluralidade
formativa, mas destacar a inexistência de disciplinas teóricas e práticas específicas nessa área.
Isso quer dizer que os egressos desse curso, por exemplo, não tiveram essa vivência formativa
e que futuras turmas também podem não vivencia-la caso haja mudança de professores no
quadro do programa.
Segundo a Resolução nº 597 de 2018, os EB, de uma forma geral, pretendem a inserção
e participação dos estudantes nos cenários de práticas do psicólogo na variação de contextos e
instituições que a realidade do trabalho possa se apresentar. A mesma reforça ainda que esse
contexto deve privilegiar as PP e os Direitos Humanos (DH) com intuito de fortalecê-los. O que

1255
podemos analisar como o resultado do investimento do sistema público de educação superior
em formações mais interdisciplinares e menos tecnicistas (Rudá et al., 2019).
Tal perspectiva vai ao encontro do que é discutido pela própria Psicologia a respeito do
compromisso ético-político da profissão. A inserção da Psicologia nas PP, apesar de
inicialmente ter sido motivada por uma necessidade de mercado, atualmente é permeada pela
discussão das necessidades sociais e de saúde das populações mais carentes desse país –
principal público atingido pelas PP no Brasil.
A resolução nº 597 de 2018 postula os EB como início adiantado de experiencias
práticas a fim de proporcionar a inserção da (o) graduanda (o) nos campos de atividades
profissionais bem como a integração teórico-prática desde os primeiros períodos do curso
(Resolução nº 597, 2018). O que no caso do curso em questão o primeiro EB é ofertado no
segundo bloco do curso, evidenciando-se, assim, um engajamento na construção formativa
desse estudante.
O contexto social escolhido para a realização das atividades de práxis do EBI nesse caso,
a ABS, pode ser analisado em consonância com o recomendado pela resolução, que preconiza
que os estágios obrigatórios supervisionados contemplem a pluralidade da ciência psicológica
e estejam comprometidos com as necessidades loco-regionais, direitos humanos e estimulem a
articulação de saberes e práticas em face da interprofissionalidade, interdisciplinaridade e
multidisciplinaridade (Resolução nº 597, 2018).
Outra questão a ser abordada na construção desse trabalho é referente a oferta de
professores supervisores. A resolução nº 597/18 orienta que além de ser composto por
psicólogos que fazem parte do corpo docente da instituição de ensino e tenham experiência
profissional específica na área de concentração do estágio. O que na realidade não
necessariamente acontece. Os professores que semestralmente tem sido escalados para a
disciplina de EBI são professores de formação generalista, muitos não pertencem ao quadro de
efetivos (contratados/substitutos) o que acaba apresentando algumas limitações no campo
teórico de supervisão do processo. Característica que não aconteceu no período da vivência do
estágio pelas autoras, mas que é observada a partir do compartilhamento das experiências com
outras turmas.
Por se tratar de um estágio de observação, com visitas técnicas, a instituição formadora
não prevê a exigência de um preceptor de campo. Isto que dizer que não necessariamente a (o)
aluna (o) terá uma outra (o) psicóloga (o) em campo de trabalho para subsidiar as visitas e
orientações a respeito do trabalho desenvolvido, ficando a cargo do professor-supervisor
realizar esse trabalho. O relato dessa experiência parte também da primeira experiência que
temos conhecimento da parceria que proporcionou um profissional de núcleo como referência
no campo de visitas. O que, apesar de muito importante para o processo formativo, não se trata
de um vínculo fixo que necessariamente as demais turmas poderão se beneficiar.
Outro ponto a ser mencionado é que em algumas visitas, as estagiárias ficaram sem
atividades de referência para observação. Isso se deu por as residentes também desenvolverem
atividades além do espaço físico da UBS, como a territorialização, não havendo planejamento
de atividades que contassem com a presença das estagiárias. Esses desencontros foram relatados
durante as supervisões e pôde-se perceber que nas turmas posteriores houve maior atenção no
planejamento dessas visitas. Entretanto, vale ressaltar que mesmo na ausência das profissionais
de referência, tais visitas proporcionaram a oportunidade de presenciar a dinâmica de
funcionamento da UBS, sob a atuação de outros profissionais, como dos Agentes Comunitários
de Saúde (ACS), Médicos, funcionários responsáveis pelos serviços gerais e recepção, assim

1256
como a contribuição de cada um para o funcionamento da UBS.
Esta experiência de estágio possibilitou a estagiária interagir com as mais diversas
realidades, e as residentes, em especial a psicóloga, buscava sempre instigar o
compartilhamento das tensões e problematizações geradas pelas visitas. Dessa forma, a
interação com as residentes a proporcionou sair do lugar de mera observadora para participante
das atividades propostas, desse modo, promovendo uma prática que espelha o ingresso
profissional. A participação nessas atividades oportunizou a vivência da rotina de uma UBS e
assim a compreensão da atuação do psicólogo de modo multiprofissional e no trabalho em rede
que compõe a ABS.
As supervisões das práticas de estágio, além de terem sido um espaço de elaboração de
problematizações sobre os saberes e fazeres da psicologia, também foi espaço de enfrentamento
de dúvidas, medos e ansiedades. Assim, a junção de contribuições da supervisora e das
profissionais de referência no campo de estágio facilitou o rompimento das visões da psicologia
tradicional que é comum de ser observada entre os estudantes dos primeiros períodos.
Bem como refere Souza (2019, p.167) “a inserção dos psicólogos em um determinado
campo guarda uma estreita ligação com a formação acadêmica durante a graduação”. Desse
modo, compreendemos que a escolha por essa aproximação através desse primeiro campo de
estágio, se dá em compasso com o compromisso político que as graduações também têm que
exercer, de formar psicólogos com competência de atuação nessa área.
Outro ponto é que essa vivência também permitiu compreender um pouco mais a
respeito de como se dá o desenvolvimento de um trabalho multiprofissional. Visto que além da
equipe da UBS composta pelos profissionais em questão, houve um acompanhamento um
pouco mais próximo da equipe de residentes. Ao observar suas atividades, com atuação nas
mais diversas formas de cuidado, tais como campanhas de vacinação, visitas domiciliares,
grupo com gestantes, pôde-se compreender melhor as pluralidades que envolvem a atuação do
psicólogo e a importância do trabalho multiprofissional no contexto da saúde pública.
De acordo com Dimenstein e Macedo (2012), a inserção da Psicologia no
contexto da saúde pública é recente e por isso, tem sido permeada de dificuldades e desafios,
desde o processo formativo à atuação destes profissionais. Ainda sobre isso, Silva e Carvalhaes
(2016) apontam a necessidade de construções teóricas e práticas que articulem a atuação “psi”
nas Políticas Públicas desde o início da formação, como forma de reduzir a incidência de ações
padronizadas em um modelo de psicologia clínica/individual.
A vista disso, a experiência do EB I na ABS possibilitou observar a Psicologia
sob diferentes práticas de cuidado. Essa visão ampliada foi relevante para se pensar como
práticas de saúde e produção de conhecimentos, integrados as necessidades e realidade da
população, fortalecem as redes de trabalho multiprofissional em saúde.
Enquanto estudante e, portanto, em processo formativo, as reflexões geradas a partir
dessa experiência têm reverberado no caminho acadêmico que tenho seguido e
consequentemente na profissional que serei. Por isso, ainda na graduação, tenho priorizado
seguir caminhos que estimulem práticas formativas pautadas em um compromisso com o
humano e com a realidade social, como projetos de extensão, congressos e rodas de conversa
que integrem o trabalho de uma equipe multiprofissional, com modos de atuação mais
democráticos e alinhados as diretrizes do SUS.
Dessa forma, ter disciplinas que possibilitem práticas mais próximas da realidade
fortalece a construção do saber-fazer “psi” nos espaços de Políticas Públicas de saúde. A
inclusão de estágios em PP permite a aproximação de acadêmicos com uma proposta de

1257
Psicologia eticamente comprometida com o fortalecimento e o engajamento social para o
exercício e a garantia da cidadania.

Referências

Bernardes, J. S. (2004). O debate atual sobre a formação em psicologia no Brasil: análise de


documentos de domínio público. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 3 (2).

Dimenstein, M., & Macedo, J. P. (2012). Formação em Psicologia: requisitos para atuação na
atenção primária e psicossocial. Psicologia: Ciência e Profissão, 32(SPE), 232-245.

Holliday, O. J. (2006). Sistematização das experiências: Algumas apreciações. Tradução de


Sérgio Herbert. In: C. R. Brandão & D. R. Streck (Orgs.), Pesquisa participante: O saber
da partilha (pp. 227-243). Aparecida, SP: Ideias e Letras.

Lisboa, F. S., & Barbosa, A. J. G. (2009). Formação em Psicologia no Brasil: um perfil dos
cursos de graduação. Psicologia: ciência e profissão, 29(4), 718-737.

Lopes, A., Cavalcante, M., Oliveira, D. A., & Hypólito, Á. (2014). Trabalho Docente e
Formação. Políticas, Práticas e Investigação: Pontes para a mudança. Centro de
Investigação e Intervenção Educativas-CIIE, 347-358.

Paula, Maria de Fátima Costa de. (2017). Políticas de democratização da educação superior
brasileira: limites e desafios para a próxima década. Avaliação: Revista da Avaliação da
Educação Superior (Campinas), 22(2), 301-315. https://dx.doi.org/10.1590/s1414-
40772017000200002

Pereira, F. M., & Pereira Neto, A. P. (2003). O psicólogo no Brasil: notas sobre seu processo
de profissionalização. Psicologia em Estudo, 8 (2), 19-27.

Pessotti, I. (2004). Notas para uma história da psicologia no Brasil (1988). In M. A. M. Antunes,
(Org.), História da psicologia no Brasil: primeiros ensaios (pp. 209-227). Rio de Janeiro:
EdUERJ; Brasília, DF: Conselho Federal de Psicologia.

Resolução nº 5, de 15 de março de 2011. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os


cursos de graduação em Psicologia, estabelecendo normas para o projeto pedagógico
complementar para a Formação de Professores de Psicologia. Recuperado de
https://abmes.org.br/arquivos/legislacoes/Res-CP-005-2011-03-15.pdf

Resolução nº 597, de 13 de setembro de 2018. Aprovar o Parecer Técnico nº 346/2018, que


dispõe sobre as recomendações do Conselho Nacional de Saúde à proposta de Diretrizes
Curriculares Nacionais do curso de graduação em Psicologia, conforme anexo. Recuperado
de http://www.in.gov.br/materia/-
/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/52748594/do1-2018-11-30-resolucao-n-
597-de-13-de-setembro-de-2018-52748138

Rosas, P., Rosas, A., & Xavier, I. B. (1988). Quantos e quem somos. In Conselho Federal de
Psicologia (CFP), Quem é o psicólogo brasileiro? (pp.32-48). São Paulo: EDICON.
Rudá, C., Coutinho, D., & Almeida Filho, N. (2019). Formação em Psicologia: uma análise

1258
curricular de cursos de graduação no brasil. Revista e-Curriculum, 17 (2), 419-440.

Silva, R. B., & Carvalhaes, F. F. D. (2016). Psicologia e políticas públicas: impasses e


reinvenções. Psicologia & Sociedade, 28(2), 247-256.

Souza, L. C. (2019). Estagiar em Psicologia Comunitária: o impacto da realidade social em


acadêmicos de Psicologia. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 71 (3), 166-183.

Universidade Federal do Piauí. (2007). Projeto Pedagógico do Curso de Formação de


Psicólogo- UFPI/Parnaíba. Teresina, Universidade Federal do Piauí, Jan. 2007.
A INFLUÊNCIA DA TERAPIA COGNITIVA COMPORTAMENTAL (TCC) E SUAS

1259
TÉCNICAS NO TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES

Roselle Lima do Nascimento,


Fabiana Cruz Soares,
Johnathan Jaderson Folha de Souza,
Adriana Bomfim Ribeiro,
Mateus Cardoso do Amaral

1 Introdução
Os Transtornos Alimentares (TAs) caracterizam-se, segundo Finger & Oliveira (2016),
como comportamentos e pensamentos recorrentes, persistentes, relacionados a alimentação ou
ao ato de se alimentar, causando danos à saúde e levando ao comprometimento físico e psíquico.
Dentre eles: a anorexia e a bulimia foram caracterizadas a seguir, assim como seguem
caracterizados também o transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP) e a obesidade.
Nos quais não entram como TAs mas serão citadas devido sua grande prevalência.
A anorexia nervosa (AN) caracteriza-se pelo medo excessivo em ganhar peso ou se
tornar gordo, medo este persistente, mesmo a pessoa estando abaixo do peso. Além de uma
perturbação da percepção do peso ou da forma corporal, isto é, que mesmo estando abaixo do
peso esperado, se ver da forma contrária, ou seja, acima do peso. Já a Bulimia Nervosa (BN),
de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos mentais-5 (DSM-5), consiste
em episódios de ingestão compulsiva de relativa quantidade de alimentos seguida de um
sentimento de culpa e falta de controle, levando a estratégias compensatórias como o uso de
laxantes, diuréticos, indução de vômitos e a prática exacerbada de exercício físico (APA, 2014).
Sendo descrito inicialmente, em 1959, por Stunkard, o (TCAP) é bem parecido com os
citados acima, diferindo apenas por não haver episódios de indução de vômito. Neste transtorno,
a pessoa apresenta a compulsão por alimentos, mas sem as estratégias compensatórias
encontradas na BN. O indivíduo com essa patologia tende a ingerir alimentos mais rápido do
que o normal e a comer escondido por vergonha ou receio de julgamento (Cauduro, Pacheco &
Paz, 2018).
Além dos TAs já citados, outra patologia vem crescendo nos últimos ano, a obesidade
também conhecida como sobrepeso, sendo caracterizada pelo excesso de tecido adiposo no
organismo, obtido pelo excesso de ingestão calórica, ocasionando dentre os prejuízos a saúde
as mais variadas doenças crônicas, além dos malefícios psicológicos (Lima & Oliveira, 2016).
Os TAs têm tornado o foco de interesse de muitos estudos, visto que vêm aumentando nos
últimos anos, conforme dados de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
aproximadamente 82 milhões de pessoas apresentaram índice de massa corporal (IMC) igual
ou maior que 25 (sobrepeso ou obesidade), concluindo ainda que a maior prevalência entre as
mulheres com (58,2%) e nos homens com (55,6%) (IBGE, 2019).
Esse fator ocorre possivelmente por conta do modelo corporal imposto pela mídia e pela
sociedade, as mulheres se veem pressionadas a entrar nesse padrão a qualquer custo,
enfrentando dietas absurdas ou por outros meios acabam encontrando um adoecimento não só

1260
físico, mas também psíquico.
Um dos principais tratamentos e que tem expandido cada dia mais é a terapia cognitiva
comportamental (TCC) na qual apresenta como base as crenças disfuncionais e os pensamentos
automáticos, que contribuem com o desenvolvimento e a manutenção dos mais variados
transtornos.
De acordo com as perspectivas atuais da TCC, no tratamento dos transtornos alimentares
o objetivo das técnicas utilizadas consiste em ajudar o paciente a obter um controle
comportamental sobre a alimentação, para que assim possa modificar seus hábitos alimentares
bem como reestruturação de crenças disfuncionais (Willhelm, Fortes & Pergher, 2015).
O objetivo do seguinte trabalho é abordar os principais transtornos alimentares e seus
impactos na vida do paciente, bem como a contribuição da terapia cognitiva comportamental
(TCC) no tratamento destes. Dessa forma, tem-se como principal foco a terapia e as técnicas
que auxiliam na distorção da imagem corporal, adquirida por conta do transtorno, assim como
elas podem ajudar as pessoas a desenvolverem uma alimentação saudável para que possam
chegar a um peso adequado.
Assim, o estudo torna-se relevante por apresentar uma literatura atual e bem objetiva
acerca do tema, proporcionando ao leitor conhecimento na área e o esclarecimento de possíveis
dúvidas. Além disso, outro ponto importante é o fato daqueles que porventura desenvolveram
os TAs terem a possibilidade de obter conhecimento sobre o assunto, para que dessa forma
possa ser mais eficaz ao buscar auxílio necessário para a condução dessa condição de saúde.

2 Método
A presente pesquisa é de cunho bibliográfico, pois advinda de investigações
anteriormente realizadas sobre o tema, é importante ressaltar que se deve estar atento à
fidedignidade do material que será usado (Praça, 2015).
Visando adquirir dados e informações atualizadas a respeito do tema, realizou-se uma
pesquisa nas plataformas digitais: scientific electronic library online (SciELO), medical
literature analysis and retrieval system online (MEDLINE), literatura latino-americana e do
Caribe em ciências da saúde (LILACS), cochrane e web of science, entre os períodos de
setembro a novembro de 2019.
Os descritores utilizados para busca desses materiais foram: transtorno alimentar;
terapia cognitiva comportamental; Psicologia. Foram encontrados oitenta e seis materiais,
entretanto, devido aos critérios de exclusão, descartou-se da pesquisa artigos publicados há mais
de cinco anos, assim como também os que escritos em língua estrangeira e com duplicidade de
conteúdo, compondo a amostra final de vinte e sete artigos aceitos (Tabela 1).

Tabela 1
Delineamento amostral das buscas referentes ao conteúdo teórico-científico
Bases de Dados Artigos
Encontrados Aceitos
Pubmed 28 5
Lilacs 15 3

1261
Scielo 29 17
Medline 14 2
TOTAL 86 27
Fonte: Dados da pesquisa.

Conforme os dados apresentados na respectiva tabela, observa-se que grande parte do


conteúdo utilizado para corroborar sobre os dados explanados no referido artigo, são
documentos disponibilizados pela scielo (dezessete artigos aceitos). Vale elucidar também o
uso de documentos impressos, tais como o livro terapia cognitivo comportamental publicado
em 2013, o qual não se enquadra aos critérios de inclusão, porém foi acrescentado ao estudo
devido a sua relevância sobre a temática, tornou-se essencial a revisão deste documento. Foram
utilizados como material de pesquisa, conteúdos monográficos publicados entre os períodos de
2014 a 2019 com os respectivos temas: anorexia nervosa: conhecer para intervir, contribuições
da terapia cognitiva comportamental no tratamento da anorexia nervosa.

3 Resultados E Discussão
Depois de selecionado o material a partir dos descritores, de submeter os trabalhos ao
crivo de inclusão e exclusão, foi escolhido dez produções pertinentes ao foco estudado, sendo
assim, organizadas e exibidas na sequência da temática abordada.

Tabela 2
Classificação do acervo selecionado de acordo com o título, autor, revista, ano de
publicação e resumo
Título Autores Revista/Ano Resumo
O papel da terapia Nardi & Melere, Revista brasileira de Acredita-se na etiologia
cognitiva 2014. terapia da anorexia e
comportamental na comportamental e multifatorial. A TCC
anorexia nervosa. cognitiva, 2014. tem como foco a adesão
ao tratamento, o
aumento de peso e o
desenvolvimento de um
padrão flexível na
alimentação. A pesquisa
tem o intuito por
atualizar as informações
com relação à
eficácia da TCC no
tratamento da AN.
Transtornos Carmo, Pereira & HU revista, Confirmam que os TAs

1262
alimentares: uma Cândido, 2014. têm uma etiologia
2014.
revisão dos aspectos multifatorial,
etiológicos e das complementando que
principais estes são influenciados
complicações por um conjunto de
clinicas fatores biológicos,
genéticos, psicológicos,
sócio culturais e
familiares. Colocam que
devido à gravidade de tal
doença é importante
salientar seus sinais e
sintomas de modo a
qualificar a prevenção e
o tratamento.
Efetividade de Costa & Einstein (São As autoras nos falam da
intervenções Paulo), importância de uma
Melnik, 2016.
psicossociais em abordagem psicossocial,
2016
transtornos pois abordam fatores
alimentares: um envolvidos no
panorama das surgimento e na
revisões sistemáticas manutenção. A pesquisa
cochrane visa evidenciar a
necessidade de maior
aprofundamento no
conteúdo.
Comportamento Klotz-Silva, Prado, Physis Revista de A pesquisa apresenta
alimentar no campo & Seixas, 2016. saúde coletiva, uma discussão sobre o
da alimentação e comportamento
2016.
nutrição: Do que alimentar em uma visão
estamos falando? psicológica. Buscou-se a
compreensão da relação
entre comportamento e
alimentação.
A atuação do Diniz & Revista de Trabalhou-se a
psicólogo no humanidades2017. importância do
Lima, 2017.
atendimento a atendimento psicológico
pacientes com aos portadores de TAs,
transtorno alimentar especificamente a
de bulimia nervosa terapia grupal, na qual
fornece espaço para a
troca de experiência.
Apresenta como
objetivo informatizar
sobre o transtorno, assim

1263
como a importância do
tratamento.
Qualidade de vida Cardoso, Psicologia: teoria e Com um estudo
com pacientes com pesquisa, quantitativo, avaliou-se
Coimbra & Santos,
anorexia e bulimia a qualidade de vida da
2018. 2018.
nervosa pessoa com TA em
atendimento
multiprofissional. Por
mais que os prejuízos
fossem evidentes, ficou
certo que há um grande
comprometimento
mental.
Estado nutricional de Teixeira, 2016. Faculdade de É um estudo que visa
adolescentes: medicina de São além da pesquisa sobre o
percepção da José do Rio Preto, possível
autoimagem e riscos desenvolvimento de TA
2016.
de transtornos na adolescência, também
alimentares faz uma relação com as
variantes, raça, cor,
idade e IMC.
Transtornos Bueno & Revista fragmentos Discutiu os TAs como
alimentares sob a de cultura-revista comportamentos
Nascimento, 2014.
perspectiva da interdisciplinar de controlados pelas
análise do ciências humanas. consequências, assim, o
comportamento controle ocorre por meio
2014
da modificação do
comportamento.
A atuação do Barbosa, Lima & CIPEEX. Buscou sobre a
psicólogo em Eneterio, 2018. influência dos estudos
2018
paciente com sobre AN e BN dentro da
anorexia e bulimia psicologia, onde a
nervosa família está inclusa
diretamente no
tratamento.
Relação entre Cubrelati, Rigoni, Conexões: Pesquisa realizada com
distorção de imagem Vieira & Belem, Educação Física, adolescentes de uma
corporal e risco de 2014. Esporte e Saúde. escola pública, com o
desenvolvimento de intuito de investigar a
2014.
transtornos relação entre imagem
alimentares em corporal e risco de
adolescentes.
desenvolvimento de

1264
transtornos alimentares.
Fonte: Dados da Pesquisa/Adaptado pelo autor.

Teixeira (2016), em um estudo descritivo transversal e quantitativo concluiu que os


grupos com maior pré-disposição a desenvolver os TAs são os adolescentes, visto que é nessa
fase que a insatisfação corporal é exacerbada, fazendo com que sintam desconforto com as suas
aparências físicas, nesse sentido, algumas variáveis como sexo, massa corporal, atividade física,
meio social, acabam interferindo categoricamente no desenvolvimento de algum TA,
necessitando então de tratamento.
Um dos pilares que influenciam no tratamento, prevenção ou inclusive na manutenção
da AN e BN e a família, pois os portadores do transtorno se tornam pessoas sensíveis e
vulneráveis, ao conviver em um ambiente conturbado e conflituoso, tal situação pode se
agravar, lembrando que esses podem vir em conjunto, com o julgamento social, além de uma
forte influência midiática. O mesmo autor ainda complementa que tais indivíduos comumente
apresentam baixa autoestima e perfeccionismo, além de costumeiramente se autoanalisarem
diante dos conceitos de terceiros, atribuindo assim as imperfeiçoes de seu corpo aos demais
problemas que surjam em sua vida (Bueno & Nascimento, 2014).
Ainda dentro desse âmbito, Carmo, Pereira e Cândido (2014) apontam que as mães, em
especial, têm maior probabilidade em ser um dos fatores predisponentes, pois têm
características mais críticas quando se preocupam como o peso de suas filhas, incentivando-as
a fazer dietas, o que nem sempre se torna um hábito saudável.
Dessa forma, um dos principais sinais de que a pessoa pode desenvolver o transtorno é
justamente ser adepta a dietas radicais, embora o peso esteja proporcional à altura, assim como
a redução gradativa do convívio social, estes são alguns dos fatores de risco (Cubrelati, Rigoni,
Vieira & Belem, 2014). Nesse sentido, a análise do contexto familiar no qual o indivíduo está
inserido se torna de suma importância, principalmente, ao se tratar de criança ou adolescente.
Foi possível observar que apesar de serem necessários tratamentos nutricionais e
farmacológicos, ainda há uma necessidade de intervenção psicológica de forma que a
recuperação se perpetue e não haja recaídas (Costa & Melnik, 2016).
Existe um elo muito grande entre a dinâmica familiar e o surgimento do transtorno. O
indivíduo inserido em uma dinâmica familiar disfuncional pode vir a desencadear crenças,
assim como insatisfação com a própria aparência (Barbosa, Lima & Eneterio, 2018). Terapias
como a psicanálise e a Gestalt por terem foco num processo interno e subjetivo do ser humano,
acabam perdendo espaço, nesse âmbito se destaca as terapias cognitivas comportamentais, onde
os comportamentos e hábitos alimentares ocorrem de forma natural, almejando a alteração no
comportamento por intermédio da adequação aos hábitos alimentares (Klotz-Silva, Prado, &
Seixas, 2016).
Bueno e Nascimento (2014), nos fazem uma reflexão muito importante ao citar que o
comportamento alimentar para ser adequado, precisa suprir nossas necessidades, nutrindo nosso
corpo, caso contrário se torna um transtorno e assimilado como comportamento-problema.
Conforme foi explanado acima da importância da família, Diniz e Lima (2017), em um estudo
bibliográfico e qualitativo, concluiram que para obter êxito no tratamento o terapeuta cognitivo
comportamental necessita também conhecer a família, no sentido de engajá-la no tratamento,
nesse caso grupos de suporte e psicoeducativos se tornam de suma importância para o sucesso
no tratamento.
Já em se tratando do paciente, a TCC trabalha primeiro para que haja uma boa adesão

1265
ao tratamento, seguido do aumento de peso e hábitos alimentares mais flexíveis, além de focar
na imagem corporal e nos padrões de beleza os quais a pessoa tem, o que por conta do transtorno
geralmente estão disfuncionais (Nardi & Melere, 2014). No início do tratamento é preciso ainda
estar atendo à síndrome de realimentação que pode ocorrer diante a introdução da alimentação
adequada em uma pessoa desnutrida, ocasionando um colapso cardiovascular (Carmo, Pereira
& Cândido, 2014).
Cardoso, Coimbra e Santos (2018), afirmam que as estratégias de maior destaque são os
atendimentos, individuais, em grupo e familiar, fazendo parte de um tratamento
multiprofissional, contato inclusive com a terapia medicamentosa, com o engajamento na
psicoterapia ocorre a melhora nos sintomas depressivos e ansiosos, assim como também ganho
significativo de peso.
Por fim, é relevante enfatizar tamanha gravidade das patologias pesquisadas neste
artigo, visto que comumente estão ligadas a outros fatores psiquiátricos e psicológicos,
ressaltando ainda que estima-se que 0,5 a 4% das mulheres apresentem AN e que 1 a 4,2%
apresenta a BN ocorrendo ainda maior incidência em mulheres chegando a aproximadamente
8 por 100 mil e em homens 0,5 por 100mil (Carmo, Pereira & Cândido, 2014).

4 Considerações Finais
É importante explanar aqui a escassez de publicações acerca de uma temática tão
relevante, o que acaba dificultando não só o processo de pesquisa em si, como também a
psicoeducação dos possíveis portadores da patologia. Observa-se que por mais que exista
outras formas de TA, os mais comuns são a AN e BN, apresentando maior prevalência em
adolescentes do sexo feminino, sendo raras no sexo masculino e em pessoas acima de 40 anos,
porém, ainda assim acontece.
Um dos fatores que indica esse acontecimento seria o sociocultural que são aqueles
valores impostos pela sociedade, onde sofrem uma grande influência midiática, pois esta
corriqueiramente apresenta modelos de forma física e boa aparência associada à magreza, nesse
contexto algumas pessoas tentam enquadrar-se a todo custo nesse padrão, entrando num grupo
com maior facilidade. Aqueles que sofrem grande pressão do meio, como atletas, bailarinas e
modelos, o que acaba acarretando os mais variados transtornos (Moreira, et al., 2017).
Já com relação aos fatores predisponentes, observou-se uma junção de meios sociais,
genéticos e políticos, dando ênfase à participação familiar, que pode tanto ser um dos fatores
desencadeadores quanto fonte de auxílio para que o indivíduo acometido com essa patologia
possa buscar auxílio.
Diante das evidências, mostra-se de suma importância o trabalho multidisciplinar,
onde vários profissionais, cada um dentro de sua limitação profissional, busquem auxiliar e
intervir junto ao paciente, assim como também seu meio familiar e social. Desse modo, para
que haja eficácia no tratamento se mostra necessária uma mudança não apenas individual, mas
em todo o meio que o cerca, de maneira a prevenir também recaídas.
Destaca-se a atuação do terapeuta cognitivo comportamental, visto que o indivíduo
mesmo abaixo do peso se ver gordo, dessa forma perder peso se torna uma conquista. O
terapeuta nesse âmbito precisa trabalhar para que a pessoa se perceba diante desse processo,
buscando o ganho de peso adequado, além da prevenção de recaídas.
1266
Referências
American Psychiatric Association (APA). (2014). Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais [recurso eletrônico]: DSM-5 / 5. ed. – Dados eletrônicos. – Porto
Alegre: Artmed.
Barbosa, A., Lima, H. & Eneterio, N. G. P. (2018). A atuação do psicólogo em paciente com
anorexia e bulimia nervosas. Cipeex, 2, 1962-1968.
Bueno, L. N. & Nascimento, N. A. do. (2014). Transtornos alimentares sob a perspectiva da
análise do comportamento. Revista Fragmentos de Cultura-Revista Interdisciplinar de
Ciências Humanas, 24, 37-48.
Cardoso, É. A. O. & Coimbra, A. C. (2018). Qualidade de vida em pacientes com anorexia e
bulimia nervosa. Psicologia: teoria e pesquisa, 34, 1-11.
Carmo, C. C., Pereira, P. M. de. L. & Cândido, A. P. C. (2014). Transtornos Alimentares: uma
revisão dos aspectos etiológicos e das principais complicações clínicas. HU Revista, 40(3).
Cauduro, G. N., Pacheco, J. T. B. & Paz, G. M. (2018). Avaliação e intervenção no transtorno
da compulsão alimentar (tca): uma revisão sistemática. Psico, 49(4), 384-394.
Costa, M. B. & Melnik, T. (2016). Efetividade de intervenções psicossociais em transtornos
alimentares: um panorama das revisões sistemáticas Cochrane. Einstein (São Paulo),
14(2), 235-277.
Cubrelati, B. S., Rigoni, P. A. G., Vieira, L. F., & Belem, I. C. (2014). Relação entre distorção
de imagem corporal e risco de desenvolvimento de transtornos alimentares em
adolescentes. Conexões, 12(1), 1-15.
Diniz, N. O. & Lima, D. M. A. (2017). A atuação do psicólogo no atendimento a pacientes com
transtorno alimentar de bulimia nervosa. Revista de Humanidades, 32(2), 214-222.
Finger, I. R. & Oliveira, M. S. (2016). A prática da Terapia Cognitivo-Comportamental nos
transtornos alimentares e obesidade. Sipopsys editora.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (2019). Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística. Disponível em: http://abeso.org.br/noticia/quase-60-dos-brasileiros-estao-
acima-do-peso-revela-pesquisa-do-ibge. Acesso em: 23 Nov 2019.
Klotz-Silva, J., Prado, S. D. & Seixas, C. M. (2016). Comportamento alimentar no campo da
Alimentação e Nutrição: do que estamos falando? Physis: Revista de Saúde Coletiva, 26,
1103-1123.
Lima, A. C. R. de. & Oliveira, A. B. (2016). Fatores psicológicos da obesidade e alguns
apontamentos sobre a terapia cognitivo-comportamental. Mudanças-Psicologia da Saúde,
24(1), 1-14.
Moreira, D. E., Pinheiro, M. C., Carreiro, D. L., Coutinho, L. T. M., Almeida, K. T. C. L. de,
Santos, C. A., Coutinho, W. L. M., & Ricardo, L. C. de P. (2017). Transtornos alimentares,
percepção da imagem corporal e estado nutricional: estudo comparativo entre estudantes
de Nutrição e Administração. Revista da Associação Brasileira de Nutrição - RASBRAN.
Rasbran, 8(1).
Nardi, H. B. & Melere, C. (2014). O papel da terapia cognitivo comportamental na anorexia

1267
nervosa. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 16(1), 55-66.
Praça, F. S. G. (2015). Metodologia da pesquisa científica: organização estrutural e os desafios
para redigir o trabalho de conclusão. Diálogos Acadêmicos, 8, 72-87.
Teixeira, C. S. (2016). Estado nutricional de adolescentes: percepção da autoimagem e riscos
de transtornos alimentares. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.
Willhelm, A. R., Fortes, P. M. & Pergher, G. K. (2015). Perspectivas atuais da terapia cognitivo-
comportamental no tratamento dos transtornos alimentares: uma revisão sistemática.
Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 17(2), 52-65.
PRÁTICAS DE PROMOÇÃO, PREVENÇÃO E EDUCAÇÃO NO COMBATE À

1268
HANSENÍASE: REVISÃO SISTEMÁTICA

Elivelton Sousa Montelo,


Francisco Irisvan Coelho de Resende Dias,
Alexia Jade Machado Sousa,
Willian dos Santos Souza,
Victor Bruno Barbosa Silva,
Paulo Roberto Milanez Oliveira Junior
1 Introdução

A hanseníase pode ser compreendida como patogenia infectocontagiosa crônica, de


desenvolvimento lento, tendo como agente etiológico o Mycobacterium leprae, atingindo pele
e nervos periféricos, acarretando um quadro de deformidades e incapacidades físicas nos
indivíduos acometidos (Ministério da Saúde, 2019). Segundo dados mais recentes da
Organização Mundial da Saúde (OMS), já no ano de 2016, existiam mais de 210.758 casos
novos de hanseníase no mundo. O Brasil ocupa a segunda posição com mais casos de pessoas
acometidas pela doença, com um percentual de 12,5% (Carregosa, 2017). Dados de 2017
apontam um coeficiente de detecção geral de 12,94 casos por 100 mil habitantes, deixando,
assim, o país dentro de padrões considerados de alta incidência endêmica (da Cunha, Silvestre,
da Silva, do Rosário, & Xavier, 2017).

A hanseníase é considerada uma das doenças mais antigas do mundo, carrega estigmas
e preconceitos, principalmente, devido às deformidades e incapacidades físicas. O diagnóstico
e tratamento de forma tardia são os principais fatores que interferem no controle, perpetuando
na cadeia de transmissão da doença, visto que esta ocorre a partir de pacientes que iniciaram o
tratamento. O grau de comprometimento varia de acordo com a resposta imunológica de cada
indivíduo, com grande potencial incapacitante, contribuindo diretamente a prejuízos
biopsicossociais (Pinheiro & Simpson, 2017). Dessa forma, podem ocorrer, no indivíduo,
conflitos e crises psicossociais devido à alteração na imagem corporal e na autoestima,
comprometendo a construção de sua identidade (Freitas, Duarte, & Garcia, 2017).

Como estratégias para a redução da carga de hanseníase no território nacional incluem-


se ações como investigação epidemiológica para diagnóstico oportuno de casos, tratamento dos
casos diagnosticados, prevenção e tratamento de incapacidades, vigilância de contatos
domiciliares e sociais. Diante disso, para o enfrentamento da doença, deve haver, execução de
práticas de saúde adequadas, que garantam não só a detecção e o tratamento, mas também
práticas contínuas de educação em saúde (Secretaria de Vigilância em Saúde, 2016). De acordo
com a Política Nacional de Educação Popular em Saúde, a educação em saúde pode ser
assimilada como uma “perspectiva teórica orientada para a prática educativa e o trabalho social
emancipatórios, intencionalmente direcionada à promoção da autonomia das pessoas, à
formação da consciência crítica, à cidadania participativa e à superação das desigualdades
sociais” (Kessler et al., 2018).

Com isso, ao reconhecer o risco dos contatos de casos de hanseníase por infecção pelo
agente etiológico e adoecimento, reforça-se que as ações de vigilância devem ser priorizadas
nessa população, ocorrendo de forma contínua e sistemática (Moura et al., 2013). Portanto,
ações de prevenção e tratamento de incapacidades proporcionam, durante o tratamento e após

1269
alta, a manutenção ou melhora da condição física, socioeconômica e emocional, orientando
quanto a auto inspeção diária dos locais afetados e, se necessário, a usar proteção, especialmente
voltada para face, mãos e pés (Secretaria de Vigilância em Saúde, 2017). Diante do exposto,
acredita-se que esta revisão de literatura sobre práticas de saúde em hanseníase, possibilite uma
análise de pesquisas relevantes com essa temática, portanto, o objetivo deste estudo é analisar
as práticas de promoção, prevenção e educação em saúde no controle da hanseníase.

2 Método

O presente estudo constituiu-se de uma revisão sistemática baseada no modelo PRISMA


(Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analyses). A busca de estudos
iniciou-se em abril e maio de 2020, encerrando em maio do mesmo ano por dois revisores em
horários iguais, porém, em locais diferentes, nas bases de dados Scientific Electronic Library
Online (SciELO), Web of Science, National Library of Medicine (PubMed/Medline), Scopus e
Google Acadêmico. Como guia para a indagação norteadora da pesquisa, foi utilizada a
estratégia PICO (P – population; I – intervention; C – comparation; O – outcomes) como base
para associação de Descritores em Ciência da Saúde (DeCS), com os operadores booleanos OR
e AND. Foram considerados para a seleção de artigos os seguintes descritores em combinações
com operadores booleanos: “Leprosy” AND “Health Education” OR “Primary Health Care”
OR “Comprehensive Health Care”.

A estratégia “PICO” para a pesquisa foi: (P): indivíduos que portam ou já foram
portadores de Hanseníase; (I): práticas de promoção e prevenção na Atenção Primária à Saúde
(APS) e educação em saúde; (C): não se enquadra; (O): tipos de estratégias e ações utilizadas
para grupos de atingidos. Com isso, a pergunta norteadora da pesquisa foi: “Qual a contribuição
de práticas de promoção e prevenção na APS e educação em saúde em indivíduos atingidos
pela hanseníase?”. Ressalta-se que o elemento (C) não foi abordado, por não se tratar de um
estudo comparativo.

A seleção dos estudos obedeceu aos critérios de inclusão: estudos que avaliem e/ou
descrevem intervenções de educação em saúde no controle de incapacidades e estigmas
adquiridos devido à hanseníase; estudos com grupos de usuários e/ou cuidadores de dispositivos
de atenção à saúde ou grupos em situação de risco de qualquer ciclo da vida; com data de
publicação de 2015 a 2020; disponíveis na íntegra nos idiomas inglês, espanhol e português. Os
critérios de exclusão adotados foram: artigos com intervenção apenas com profissionais da
saúde graduados, publicações do tipo editorial, cartas ao editor, livros e/ou capítulos de livros,
monografias, dissertações, teses, relatos de experiência com menos de cinco sujeitos, estudos
de caso e de revisões, resumos simples e expandidos. Pontua-se ainda que os artigos
encontrados em mais de uma base de dados foram contabilizados apenas uma vez.

Procedeu-se a seleção por meio de leitura dos títulos, resumos e, quando necessário, a
íntegra dos textos, para observar se os mesmos enquadravam-se nos critérios de inclusão e
exclusão. Nessa fase, os revisores avaliaram independentemente os artigos completos e fizeram
suas seleções, de acordo com os critérios de elegibilidade pré-especificados. Discordâncias
entre os revisores foram resolvidas por consenso. No processo de análise foram coletados dados
referentes ao autor e ano de publicação, tipo de estudo, sujeitos do estudo, intervenção e
resultados. O Software, gerenciador de referências, Mendeley© foi utilizado para excluir artigos

1270
duplicados entre as bases de dados.

3 Resultados

A partir dos critérios de inclusão da pesquisa, permitiu-se identificar inicialmente 46


estudos pelos pesquisadores. Destes, 12 estudos foram excluídos pelo uso do Mendeley© para
remover estudos duplicados. Exclui-se 24 estudos após passarem por uma primeira análise
através da leitura do título, resumo do trabalho e leitura na íntegra, verificando quais
preenchiam os critérios estabelecidos após a leitura do título e resumo do artigo completo, e 2
artigos por apresentarem pouca relevância para o contexto da revisão. Ao final da leitura e
análise, 8 artigos foram considerados relevantes de acordo com os critérios de elegibilidade
estipulados para o desfecho pretendido da presente revisão (Fluxograma 1).

Fluxograma 1
Fluxograma de seleção dos estudos de acordo com as recomendações PRISMA.

Registros identificados nas bases de


Ide dados (n = 46)
ntifi
caç
ão

Registros duplicados removidos Uso do Mendeley


(n = 12) para excluir
duplicados
Tria
gem

Registros selecionados
(n = 34)

Ele
gibi
lida Artigos excluídos com
de justificativa (n = 24)
Artigos completos
selecionados
(n = 8)
Pouca relevância para o contexto
Incl da revisão (n = 2)
uíd
os
Artigos incluídos na síntese
qualitativa (n = 8)

As características dos estudos incluídos encontram-se relatadas na Tabela 1,


apresentando as variáveis da presente revisão sistemática demonstrando o tipo de estudo, os
sujeitos do estudo, a intervenção adotada e os resultados obtidos. Ao final da análise, o tamanho
amostral dos estudos incluídos variou desde um relato de experiência com 10 participantes até
estudos mais robustos, como um de abordagem epidemiológica, com amostra inicial de 827
casos antes das intervenções de educação em saúde. Ademais, dois estudos apenas com
adolescentes e 6 com adultos e/ou idosos, um dos trabalhos abordou apenas mulheres na

1271
intervenção.

Tabela 1

Apresentação da amostra de acordo com autores, tipos de estudo, sujeitos, intervenção e resultados.

Autor/ano Tipo de Estudo Sujeitos do Intervenção Resultados


Estudo

Monteiro et Estudo 560 Identificação do Mostrou o desconhecimento


al. (2015) exploratório e adolescentes conhecimento dos quanto à etiologia, transmissão,
descritivo. ligados ao adolescentes ligados sinais e sintomas, sendo
PNIJ ao PNIJ, sobre temas adquirido após a palestra.
envolvendo a
hanseníase.

Monteiro et Pesquisa-ação 26 Avaliação de método Metodologias ativas capazes de


al. (2015) com abordagem adolescentes de ensino proposto incentivar o envolvimento dos
qualitativa. por Paulo Freire, jovens no fortalecimento da
Círculos de Cultura, comunidade, a fim de
na educação de desenvolver estratégias de ação
adolescentes que envolva a promoção da
multiplicadores sobre saúde no contexto de doenças
a hanseníase. negligenciadas.

Monteiro et Metodologia da Dados do Medição do impacto Os dados comprovaram a


al. (2018) problematização. SINAN e da intervenção do efetividade e potencialidade da
relatórios de projeto Palmas Livre estratégia de intervenção do
capacitações da Hanseníase por projeto para as ações de
(827 casos meio da análise da diagnóstico e controle da
antes da tendência de hanseníase em Palmas.
intervenção) indicadores
prioritários em
Palmas, 2002-2016.

Melo et al. Relato da 10 Prostitutas Educação em saúde Observou-se baixo


(2018) experiência. por abordagem ativa conhecimento sobre a doença,
na prevenção da sinais, sintomas, modos de
hanseníase, e transmissão. Sendo que, o tipo
verificação do nível e ambiente de trabalho são
de conhecimento fatores que as expõem a
sobre medidas situações vulneráveis em
preventivas. relação à hanseníase.

Govindharaj, Estudo 358 pcts com Exploração da Os pcts apresentaram medo


Srinivasan, transversal. hanseníase, gravidade da doença (69%), ansiedade e tristeza
& Darlong acompanhados percebida pelas quando diagnosticados com
(2018) por hospital de pessoas afetadas hanseníase. Significativa
referência na associação presente entre
Índia. homens e mulheres com medo
da hanseníase, sendo a mulher
com mais temor.
Correia et al. Entrevistas 11 pcts e 15 Exploração de Falta de conhecimento sobre a

1272
(2019) semi-diretivas profissionais necessidades doença (origens, prevenção,
de saúde educacionais dos pcts manifestações e tratamento),
afetados pela contribuindo para busca tardia
hanseníase no Nepal de cuidados e altos níveis de
e compará-las às estigma, com estresse
percebidas pelos psicológico e financeiro para
profissionais de os pacientes.
saúde.

Kabir & Amostragem 147 cuidadores Avaliação das Todos demonstraram reduções
Hossain proposital em mudanças no estatisticamente significantes
(2019) dois distritos- conhecimento sobre no conhecimento na linha final
piloto hanseníase e seu em comparação com a linha de
manejo entre base sobre aconselhamento de
cuidadores de saúde suporte.
primários e
comunitários em dois
distritos de
Bangladesh.

Lopes et al. Estudo Cuidadores da Práticas de educação Atividade possibilitou


(2020) descritivo, em UCCI. em saúde realizadas aprimoramento dos
formato de através de uma roda conhecimentos dos cuidadores
relato de de conversa sobre o em relação hanseníase
experiência. tema hanseníase. (sintomas, causas, formas de
tratamento e prevenção),
através do compartilhamento
de experiência entre
profissionais e os cuidadores,
com contribuição significativa
no combate ao preconceito,
estigma, segregação e exclusão
social.

Legenda: PNIJ - Programa Nacional de Inclusão de Jovens; SINAN – Sistema de Informação de Agravos de
Notificação; pcts – pacientes; UCCI – Unidade em Cuidados Continuados Integrados.

Entre os estudos revisados, observa-se: cinco (62,5%) foram publicados na língua


inglesa e três (37,5%) em português. Em relação aos locais de execução dos estudos, cinco
(62,5 %) foram feitos na América Latina (todos no Brasil) e três (37,5%) foram construídos na
Ásia nos seguintes países: Nepal, Bangladesh e Índia.

4 Discussão

O presente estudo de revisão sistemática teve como objetivo analisar as práticas de


promoção, prevenção e educação em saúde no controle da hanseníase. Observou-se que, a
maioria dos estudos incluídos evidencia o desconhecimento sobre causas e medidas de
enfrentamento a hanseníase, com a presença de medo e estigma relacionada à doença. Outro
ponto em comum relatado é a importância dada à educação em saúde como ponte para
compartilhar conhecimentos na promoção de saúde, com impacto positivo na mudança dos
comportamentos de risco. É levantado por vários dos estudos, que a hanseníase é considerada
um grave problema de saúde pública com alto nível de estigma (Lopes et al., 2020; Monteiro
et al., 2015).
Correia et al. (2019) relatam uma grande preocupação com os números de casos em

1273
vários países da África, sudeste da Ásia e na América. Dessa forma, autores apontam para a
importância do diagnóstico em um estágio inicial, absolutamente essencial para o tratamento
precoce, a fim de prevenir as deficiências relacionadas à hanseníase e seus benefícios para o
término ou controle da transmissão (Govindharaj, Srinivasan, & Darlong, 2018). Nesse sentido,
Correia et al. (2019) em um estudo desenvolvido no Nepal, com o intuito de explorar as
necessidades educacionais dos pacientes com hanseníase, evidenciaram um desconhecimento
quanto à origem, prevenção e formas de tratamento. Corroborando para uma busca tardia por
intervenção e alto nível de estigma, apesar de anos de esforços para aumentar a conscientização
sobre a doença pelo programa de controle da hanseníase.

Correia et al. (2019) destacam que a estratégia global para hanseníase criada pela OMS
contém as principais estratégias para a educação abrangente de pacientes e profissionais de
saúde sobre as questões relacionadas à hanseníase. Pesquisas mostram que o treinamento em
educação de pacientes tem um impacto positivo na prática dos profissionais de saúde e na
adesão dos pacientes ao tratamento e ao autocuidado, aspectos cruciais no tratamento da
hanseníase. Por meio da educação popular em saúde, o indivíduo desenvolve o pensamento
crítico, que permiti a sua autonomia e emancipação, nas decisões sobre sua saúde (Lopes et al.,
2020).

No estudo de Lopes e colabores (2020), e, Kabir & Hossain (2019) se utilizam do mesmo
objetivo, de que forma a educação em saúde pode melhorar e mudar o conhecimento acerca da
hanseníase. Ambos os estudos evidenciam o baixo nível de conhecimento dos pacientes, que
acaba prejudicando o tratamento pela busca tardia de intervenção a hanseníase.

No estudo de Monteiro et al. (2015) relata-se a não existência de uma forma específica
de prevenção da hanseníase, mas medidas que impedem novos casos, como diagnóstico e
tratamento precoce, monitoramento de contatos e ações efetivas de educação em saúde. Assim,
destaca-se que as escolas devem investir em atividades que promovam a saúde em parceria com
os serviços de saúde, devido ao seu papel estratégico no desenvolvimento de ações e efetivação
de programas que podem melhorar as condições de saúde.

Dessa forma, torna-se necessário o conhecimento da educação em saúde sobre a


hanseníase, essencial para enfrentar o estigma e o preconceito por estabelecer um olhar humano
no cuidado um do outro e as possibilidades de formação de redes de apoio para promover uma
detecção precoce e o tratamento da hanseníase (Monteiro et al., 2015). Entende-se ainda que a
educação em saúde deva fortalecer e incentivar um tipo de treinamento de forma ampliada, não
só para o manejo da hanseníase, mas para as demais condições e problemas crônicos de saúde
(Monteiro et al., 2018).

Ademais, as práticas educativas de saúde são imprescindíveis também em populações


vulneráveis e já estigmatizadas como grupos ligados à prostituição, por exemplo, visto que, em
seu estudo, Melo et al. (2016) evidenciaram por meio de um relato, com grupo de prostitutas,
que as mesma possuíam poucas informações sobre a patogenia, sobretudo, acerca da
transmissão, sinais e sintomas, e tratamento.

A educação em saúde cumpre seu papel como geradora de conhecimento, considerando


os indivíduos para obterem controle sobre fatores determinantes e comportamentais do processo
saúde/doença, contribuindo para a melhoria da condição de saúde da população.

5 Considerações Finais
A presente revisão sistemática se mostrou uma metodologia eficaz para o tipo de estudo

1274
proposto. Através dela, foi possível quantificar e qualificar os dados em busca de resultados.
Considera-se que os resultados do presente estudo atingem o objetivo traçado, uma vez que
propôs e analisou as práticas de promoção, prevenção e educação em saúde no controle da
hanseníase.

Atividades educativas são essenciais para o esclarecimento sobre a hanseníase,


promovendo conhecimento sobre a transmissão, sintomas, tratamento e prevenção. A educação
em saúde proporciona diagnóstico de forma precoce e uma melhora na qualidade de vida dos
pacientes, bem como a diminuição do preconceito em torno da hanseníase. Baseada nessas
considerações torna-se necessárias novas pesquisas justificando a importância da educação em
saúde no controle da hanseníase, de forma a reforçar a argumentação sobre a efetivação das
mesmas, fornecendo diretrizes que possam estruturar políticas públicas no âmbito promoção,
prevenção e educação em saúde no controle da hanseníase.

Referências

Ministério da Saúde. (2019). Estratégia nacional para o enfrentamento da hanseníase – 2019-


2022. Brasília, DF: author.
Carregosa, E. B. (2017). Desenvolvimento do core set da Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) para hanseníase–etapa do estudo clínico
quantitativo e qualitativo.
da Cunha, M. H. C. M., Silvestre, M. D. P. S. A., da Silva, A. R., do Rosário, D. D. S., &
Xavier, M. B. (2017). Fatores de risco em contatos intradomiciliares de pacientes com
hanseníase utilizando variáveis clínicas, sociodemográficas e laboratoriais. Revista Pan-
Amazônica de Saúde, 8(2), 8-8.
Freitas, L. R. S. D., Duarte, E. C., & Garcia, L. P. (2017). Análise da situação epidemiológica
da hanseníase em uma área endêmica no Brasil: distribuição espacial dos períodos 2001-
2003 e 2010-2012. Revista Brasileira de Epidemiologia, 20, 702-713.
Secretaria de Vigilância em Saúde. (2016). Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da
hanseníase como problema de saúde pública: manual técnico-operacional. Brasília, DF:
Ministério da Saúde.
Pinheiro, M. G. C., & Simpson, C. A. (2017). Preconceito, estigma e exclusão social: trajetória
de familiares influenciada pelo tratamento asilar da hanseníase [Prejudice, stigma and
exclusion: relatives’ lives affected by asylum-based treatment of leprosy]. Revista
Enfermagem UERJ, 25, 13332.
Kessler, M., Thumé, E., Duro, S. M. S., Tomasi, E., Siqueira, F. C. V., Silveira, D. S., ... &
Bender, J. D. (2018). Health education and promotion actions among teams of the National
Primary Care Access and Quality Improvement Program, Rio Grande do Sul state, Brazil.
Epidemiologia e Serviços de Saúde, 27, e2017389.
Moura, M. L., Dupnik, K. M., Sampaio, G. A., Nobrega, P. F., Jeronimo, A. K., do Nascimento-
Filho, J. M., ... & Jeronimo, S. M. (2013). Active surveillance of Hansen's disease
(leprosy): importance for case finding among extra-domiciliary contacts. PLoS Negl Trop
Dis, 7(3), e2093.
Secretaria de Vigilância em Saúde. (2017). Guia prático sobre a hanseaníse. Brasília, DF:

1275
Ministério da Saúde.
Lopes, E. F. B., da Silva, L. S. A., de Sousa Rotta, C., De Oliveira, J. H. M., de Menezes, I. R.,
Nakamura, L., ... & Moreira, L. R. (2020). Educação em saúde: uma troca de saberes no
combate ao estigma da hanseníase/Health education: exchange of knowledge in combat the
stigma of leprosy. Brazilian Journal of Development, 6(2), 5350-5368.
Correia, J. C., Golay, A., Lachat, S., Singh, S. B., Manandhar, V., Jha, N., ... & COHESION
Project. (2019). “If you will counsel properly with love, they will listen”: A qualitative
analysis of leprosy affected patients’ educational needs and caregiver perceptions in
Nepal. PloS one, 14(2), e0210955.
Govindharaj, P., Srinivasan, S., & Darlong, J. (2018). Perception toward the disease of the
people affected by leprosy. International journal of mycobacteriology, 7(3), 247.
Kabir, H., & Hossain, S. (2019). Knowledge on leprosy and its management among primary
healthcare providers in two districts of Bangladesh. BMC health services research, 19(1),
787.
Melo, F. M., Melo, A. B., Nascimento, K. C., Angelo, J. M., Araújo, W. J. S., & Riscado, J. L.
S. (2018). To Bring Health Education through Active Approach in Preventing Leprosy in
Prostitutes. Open Journal of Maternal and Child Health, 1.
Monteiro, B. R., Pinheiro, M. G. C., Isoldi, D. M. R., Cabral, A. M. F., Simpson, C. A., &
Mendes, F. R. P. (2015). Leprosy: focusing on health education for projovem Hanseníase:
enfocando a educação em saúde para o projovem. Revista de Pesquisa: Cuidado é
Fundamental Online, 7(5), 49-55.
Monteiro, E. M. L. M., das Mercês, A. A., de Souza Cavalcanti, A. C. B., de Souza Cavalcanti,
A. M. T., de Lacerda, A. C. T., da Silva, R. D. M., ... & Neto, W. B. (2015). Culture Circle
as a Teaching Approach in the Education of Teenager Health Multipliers on Leprosy
Awareness. Health, 7(14), 1813.

Monteiro, L. D., Lopes, L. S. O., Santos, P. R. D., Rodrigues, A. L. M., Bastos, W. M., &
Barreto, J. A. (2018). Tendências da hanseníase após implementação de um projeto de
intervenção em uma capital da Região Norte do Brasil, 2002-2016. Cadernos de Saúde
Pública, 34, e00007818.
A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UMA

1276
REVISÃO NARRATIVA DA LITERATURA

Antonio Guilherme Martins


Maria Alice Alves
Maria Eduarda Silva Siqueira da Luz
Maria Andhiara Kaele Feitosa Silva
Lívia Cibelly Rodrigues de Melo

1 Introdução
No Brasil, somente após a promulgação da Constituição Cidadã de 1988 a saúde passou
a ser um direito universal e dever do Estado. Entretanto, somente no ano de 1990 o SUS é
oficialmente regulamentado, instituindo-se a lei 8.080/1990, abrangendo desde procedimentos
simples, por meio da Atenção Básica, até os procedimentos mais complexos, garantindo acesso
integral, universal e gratuito para toda a população do país (Ministério da saúde, 2019).
Dessa forma, a atenção primária à saúde foi inserida ao modelo de atenção à saúde,
graças a implantação do SUS, havendo assim a reformulação da espécie supracitada, tendo
como objetivo de reorientar o sistema e valorizar as ações individuais e coletivas, envolvendo
promoção, prevenção de agravos, recuperação e reabilitação da saúde. (Neves & Aciole, 2011).
Nesta perspectiva, alguns autores como Dimenstein (1998), Ronzani e Rodrigues (2006)
discutem a inserção do psicólogo na APS, apontando para as dificuldades encontradas por este
profissional e enfatizam que a mera transposição do modelo clínico tradicional nesse contexto
e a formação deficitária para o trabalho na saúde pública são graves entraves que limitam sua
atuação nesta área.
A inserção do psicólogo na APS deve estar pautada nos princípios da saúde coletiva, na
qual conceitos como integralidade, interdisciplinaridade e intersetorialidade ganham
importância (Cecílio, 2001). Ademais, segundo Alverga e Dimenstein (2005), a dimensão
ampliada da compreensão do processo saúde-doença possibilitou a inserção de outros
profissionais na área da saúde como os psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas,
fisioterapeutas e educadores físicos, condição esta, regulamentada em 1997 pela Resolução 218
do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 1997).
Com o passar dos anos, observa-se a ampliação do campo de atuação dos profissionais
da Psicologia, para assegurar atendimento populacional evitando problemáticas ainda maiores
no contexto da saúde mental, e com isso, o repertório de estratégias promove o diagnóstico
sucinto, além de ocasionar a criação de ações destinadas na qualidade de vida e bem-estar dos
usuários.
Diante disso, compreende-se que a saúde mental é um dos elementos mais importantes
na vida do ser humano, pois, de certo modo, os transtornos mentais e comportamentais podem
resultar de uma interação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Segundo Machado e
Calais (2018), a contribuição da Psicologia na atenção básica, assegura a compreensão de que
a saúde relaciona-se com a produção de vida, de acordo com espaço e tempo.
Nesse viés, o presente estudo tem como objetivo compreender e analisar a importância

1277
da Psicologia nas ações de saúde da atenção primária, tendo como intuito apresentar a evolução,
práticas e potencialidades do profissional da Psicologia em atuação nesse contexto.

2 Método
O referido estudo trata-se de uma revisão narrativa. De acordo com Atallah e Castro
(1998) revisões narrativas são amplas apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento
ou o “estado da arte” de um assunto constituem, basicamente, de análise da literatura publicada
em livros, artigos de revistas impressas e ou eletrônicas, na interpretação e análise crítica
pessoal dos autores. Esse tipo de artigo tem papel fundamental para a educação continuada,
pois permite ao leitor adquirir e atualizar o conhecimento sobre uma temática específica em
curto espaço de tempo.
A despeito de sua força de evidência científica se constitui com capacidade baixa devido
à impossibilidade de reprodução de sua metodologia, no entanto, as revisões narrativas podem
contribuir no debate de determinadas temáticas, levantando questões e colaborando na
aquisição e atualização do conhecimento em curto espaço de tempo (Costa, Mota, Paiva &
Ronzani, 2015).
Para a elaboração deste trabalho, utilizou-se pesquisa bibliográfica, com estudo
descritivo que analisou teses, dissertações e artigos científicos sobre o tema. Para a sondagem
dos artigos, utilizaram-se os descritores "psicólogo" e “atenção primária à saúde”. O
processo de coleta do material foi realizado de forma não sistemática no período de Julho a
Agosto de 2021. Os critérios utilizados para a seleção da amostra foram: artigos publicados
em português e inglês, com textos completos e disponíveis gratuitamente nas bases de
dados supracitadas e artigos originais e que abordassem a temática atuação do psicólogo na
atenção primária. Foram excluídos artigos publicados em outros idiomas, repetidos nas bases
e/ou que não abordassem o tema proposto e estudos de revisão.
O levantamento de dados foram pesquisados em quatro bases científicas, tais como:
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific
Electronic Library Online (SciELO), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Google Acadêmico.
Após o procedimento da busca eletrônica nas bases de dados mencionadas, as publicações
foram pré-selecionadas com base na leitura do título e resumo. Posteriormente, foi realizada a
leitura na íntegra dos artigos previamente selecionados, categorizados e analisados
criticamente, resultando em dois eixos de discussão: o processo de inserção da Psicologia na
Aps; multiprofissionalidade na prática psi.

4 Resultados e Discussão

4.1 O processo de inserção da Psicologia na APS

Historicamente, a Psicologia tem sido inserida nas políticas de saúde a partir do


processo de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), que está dividido em três níveis
de atenção, apresentados, aqui, da maior para a menor complexidade: o nível terciário (que
envolve procedimentos de alta complexidade, tecnologia e custo); o nível secundário (que
visam atender agravos à saúde que demandem profissionais especialistas ou recursos mais

1278
avançados que o nível primário) e o nível primário, lócus da pesquisa aqui apresentada, em que
são realizados os procedimentos que necessitam de menos tecnologia e equipamentos, capazes
de dar resolutividade à maioria dos problemas comuns à população. Conhecida como Atenção
Básica, esse nível é a porta de entrada do usuário no sistema de saúde, onde acontece a
referência e contra referência para demais serviços especializados (Brasil, 2007).
No Brasil, a APS tem por objetivo, possibilitar o primeiro acesso das pessoas ao sistema
de saúde, oferecendo um conjunto de ações no âmbito individual e coletivo, que agrega a
promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a
reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde, de forma a prover atenção integral,
com impactos relevantes na situação de saúde e autonomia dos usuários, bem como nos
determinantes e condicionantes de saúde das coletividades (Ministério Da Saúde, 2012). No
mesmo entendimento, de acordo com o Ministério da Saúde (2012), através dos princípios
organizativos do SUS de descentralização e territorialização, a APS, por meio da Estratégia de
Saúde da Família (ESF), localiza-se na comunidade, próxima do cotidiano e da vida das
pessoas. As práticas desenvolvidas na APS são fundamentadas na análise das necessidades e
no acompanhamento longitudinal da população, direcionadas para a promoção, manutenção e
melhoria da saúde (Starfield, 2002).
A implementação da Psicologia na atenção básica se deu no Brasil a partir da década de
1980, resultado, sobretudo, dos movimentos sociais no campo da saúde e pelos princípios da
reforma psiquiátrica. Ainda que alguns estudos apontem para a importância da Psicologia na
Atenção Primária (Jimenez, 2011; Sundfeld, 2010), a inserção neste campo ainda é principiante,
visto que a equipe mínima da ESF não contempla o psicólogo e quando a inserção acontece é
em forma de apoio via Núcleo de Saúde da Família (NASF), (Conselho Federal De Psicologia,
2010). Mais de trinta anos se passaram desde a aprovação do SUS, e nesse período vários
estudos foram realizados sobre a Psicologia na atenção primária, apontando a necessidade de
modificação e revisão da formação profissional no nível da graduação e do aperfeiçoamento, e
para a adoção de um modelo de atuação mais coerente com a realidade e necessidades da saúde
pública no Brasil, principalmente, da população por ela atendida (Conselho Federal De
Psicologia, 1988; Silva, 1992; Dimenstein, 1998, 2000).
Nesse viés de problemática, surge a indagação do papel e da atuação do psicólogo na
APS. Diante disso, como afirmado por Campos e Guarido (2007), mesmo com um grande
repertório de ações que podem ser desenvolvidas, como atividades em grupo, visitas
domiciliares e oficinas, por exemplo, a maioria dos psicólogos ainda se volta para os
atendimentos clínicos individuais, nos moldes dos consultórios particulares. Em virtude do
processo histórico da inserção da Psicologia, que de acordo com Dimenstein (1998), foi a partir
da crise instaurada nos anos 1970 e 1980 e o crescente número de psicólogos se formando nas
faculdades do Brasil afora, que a saúde pública mostrou-se como uma “nova” possibilidade
para os profissionais, sem, contudo, ser acompanhado do devido preparo na sua formação
acadêmica. Dentro do exposto, Oliveira e cols. (2005) investigaram como as práticas
psicológicas são registradas no SUS e constataram que o Sistema de Informações Ambulatoriais
(SIA-SUS) reproduz o modelo tradicional da Psicologia com ênfase nas psicoterapias. Assim,
fica evidente que o próprio serviço de saúde limita a possibilidade de ampliação das práticas
psicológicas na APS.
Neste sentido e pautando-se pela preocupação com a formação do psicólogo para
atuação na saúde pública, o ano de 2006 foi definido pelo Conselho Federal de Psicologia como
o ano da Psicologia e da Saúde Pública. Durante todo o período, foram realizadas discussões,
mesas-redondas, debates, palestras, entre outras atividades que culminaram na realização do I
Fórum Nacional de Psicologia e Saúde Pública, em Brasília, no final do mesmo ano, e na

1279
pesquisa em parceria com a Associação Brasileira para o Ensino de Psicologia (ABEP) (Spink,
2006). De acordo com os organizadores, o evento representou uma possibilidade de “acerto de
contas” de várias pendências produzidas ao longo da inserção da Psicologia como profissão na
área da Saúde, relativas aos aspectos políticos, administrativos e técnicos.
Com a realização dessas discussões, o incentivo do Governo Federal foi pautado em
relação à formação de profissionais de todas as áreas da saúde para atuar na estratégia saúde da
família (fundamental para operacionalização da atenção primária à saúde no Brasil), a partir da
residência multiprofissional. Clemente, Matos, Grejanin, Santos, Quevedo, & Massa (2008)
avaliaram tal experiência na cidade de São Paulo pela ótica da formação de psicólogos e
constataram que este tipo de formação em serviço permite o desenvolvimento de práticas
interdisciplinares e a experimentação e autonomia nos novos fazeres psicológicos, a partir da
concepção mais ampliada do processo saúde-doença. No entanto, estes fazeres são limitados
pelos códigos SIA-SUS que, para os autores, se fundamentam em outro paradigma de
conhecimento, baseado no modelo hegemônico da Psicologia.
No contexto da década de 1980 iniciou um movimento de percepção sobre o
compromisso social da psicologia e a partir da Constituição Federal de 1988, a psicologia
passou a ampliar suas práticas de atuação junto a grupos mais vulneráveis. Com isso, na década
de 1990, o núcleo percebeu a necessidade em desenvolver uma nova postura, que implicasse na
formação, pesquisa e nos demais espaços de produção do psicólogo. Em síntese, para a
psicologia não bastava permanecer apenas nas intervenções clínicas, em seu campo tradicional,
era necessário investir em novos locais de trabalho bem como em novas formas de atuação,
pois o movimento da sociedade convocava para maiores investimentos na profissão, permitindo
o protagonismo dos profissionais (Brandolt & Cezar, 2018).
É importante destacar que a busca por um outro modelo de atuação foi um dos motivos
pelos quais outros psicólogos que teciam críticas ao modelo de saúde dessa época escolheram
esse campo de trabalho, e que de acordo com Ronzani e Rodrigues (2006), essa postura
individualista para tratar dos usuários vai na contramão do que seria uma atuação comprometida
com a comunidade, além de também se contrapor ao conceito de saúde que norteia o SUS – que
inclui os aspectos sociais nos cuidados.

4.2 Multiprofissionalidade na prática psi

Nos últimos anos vem sendo evidenciado a importância da equipe multidisciplinar no


contexto de atenção básica, visto que é essencial ter uma variedade de ferramentas teóricas para
promover atendimentos integrados aos usuários. Nessa perspectiva, as “ciências de condutas”
como a sociologia, antropologia e psicologia podem contribuir com seus conhecimentos sobre
aspectos socioculturais e psicossociais para ensejar a relação entre médico e paciente, bem
como inserir a equipe de saúde junto à comunidade (Rozani & Rodrigues, 2006).

A perspectiva multiprofissional aponta para relações independentes entre diferentes


áreas do conhecimento ou de práticas. Com isso, podemos destacá-la como uma prática que sai
do isolamento e promove uma participação integrada no conjunto de ações que constroem o
cotidiano do serviço na atenção básica, de maneira que há a complementação de vários saberes
entre diversos campos de conhecimento, permitindo a ampliação do que é entendido por
processos de doença e saúde (Cantele & Arpini, 2016).
A prática da Psicologia na atenção básica, bem como sua inserção nas equipes

1280
multiprofissionais, expande sua área de atuação, possibilitando novas perspectivas teóricas,
novos aportes instrumentais, novas relações entre técnicos trabalhadores da área e uma
organização do sistema de atendimento, de maneira que não se mantém restrita apenas ao
desempenho em consultórios, mostra a pluralidade de ações que define o fazer do psicólogo e
também a mudança que o leva a não ser identificado unicamente como um profissional que faz
atendimento individual (Cantele & Arpini, 2016).
O psicólogo que a atua na atenção básica favorece a compreensão dos aspectos
psicossociais, histórico-culturais, políticos que envolvem os processos de saúde /doença e dessa
forma vão conhecer os fatores que desencadeia adoecimento e sofrimento daquela
comunidade, essa ampla visão facilita a atuação da equipe multidisciplinar que vai promover
ações para erradicar a problemática que afligem aquela população (Souza, 2009).
Outra forma que os psicólogos auxiliam nos serviços prestados pela atenção básica é
promoção à saúde, tendo em vista que esses profissionais promovem ações preventivas e
educativas. Rotineiramente os psicólogos realizam palestras informativas para grupos de
adolescentes, idosos, gestantes, hipertensos e diabéticos sobre as temáticas presentes do
cotidiano daquela comunidade, além disso eles realizam visitas domiciliares aos moradores que
estão em processo de adoecimento mental e que não podem se deslocarem a unidade básica de
saúde, com isso, eles pretendem atender as demandas específicas e emergências daquele usuário
(De Antoni & Parise, 2014).
Outro importante serviço que o psicólogo oferece ao contexto de atenção básica é a
realização de ações na fila de espera, que tem como objetivo amenizar ansiedade do usuário
que aguarda o seu atendimento médico em enorme filas de espera, além do mais essas essas
ações são tentativas de alcançar o maior número de usuários da unidade básica para participar
de palestras educativas e das atividades terapêuticas que visam a promover o relaxamento,
como também essa ações pretendem fortalecer o vínculo entre os profissionais da saúde e os
usuários e assim dispor um espaço de acolhimento e troca de vivências sobre práticas de saúde
entre os usuários, profissionais (Becker & Rocha, 2017).
Outrossim, o psicólogo ocupa um lugar essencial na equipe multiprofissional, o qual
está ligado à escuta profissional. Esse instrumento poderá compor momentos de subjetivação,
ampliando a percepção da equipe e da família em torno dos problemas levantados. Ademais,
poderá contribuir com um apanhado técnico e teórico que pode auxiliar na pluralidade de ações
que os profissionais poderão desenvolver (Cantele & Arpini, 2016).
Entretanto, o trabalho do psicólogo na atenção básica pode apresentar dificuldades,
uma vez que compor as equipes multiprofissionais não é uma tarefa fácil. Isso porque, há uma
resistência por parte de profissionais que não entendem ou aceitam a função conferida aos
membros da equipe. Além disso, há ainda uma carência de conhecimentos teóricos e práticos
importantes para a construção de uma nova prática integral, a qual se distancia dos
conhecimentos tradicionais, que se mostram insuficientes para atender as demandas atuais
(Cantele & Arpini, 2016).

5 Considerações finais

A inserção do profissional de psicologia na atenção básica assegura a compreensão das


mudanças no cenário brasileiro, no que diz respeito às pessoas que procuram por esse serviço
de saúde na PSF, principalmente em analisar a porcentagem de usuários com problemáticas de
saúde mental no cotidiano e os desafios da intervenção e prática do Psicólogo. Nesse sentido,

1281
o Psicólogo tem contribuído de forma significativa na atenção básica, obtendo como referência
o cuidado humanizado e a organização da rede dentro dos recursos disponíveis para promoção
da saúde mental do público atendido na PSF. Para tanto, o Psicólogo inserido na atenção básica
deve conhecer a demanda atendida nesse local, além de trabalhar de forma direta com a
participação da comunidade.
Pois, o processo de construção assegurado pelo sistema único de saúde destaca a
articulação de campos diversos a fim de não restringir o saber médico, visto que este
profissional possui habilitação para atuar de forma direta com os usuários da atenção básica
fornecendo conhecimentos e intervenções efetivas.
Nesse contexto, o campo da psicologia introduzido na atenção básica, assegura o
posicionamento ético e político em decorrência da prática de compreender o usuário inserido
em seu cotidiano, a fim de desenvolver ações de caráter comprometido com a transformação
social, no desenvolvimento de bem-estar aos seus pacientes.
Assim, a pesquisa respondeu aos objetivos propostos, elencando que o exercício
profissional na atenção básica, permite compreender as subjetividades presentes nesse campo,
para que o Psicólogo possa se basear nos princípios e compromissos da profissão, tornando
capaz de enfrentar as problemáticas das relações entre usuário e sociedade.

Referências

Alverga, A. R., & Dimenstein, M. (2005). Salud mental en la atención básica: Construyendo la
integralidad en el Sistema Unico de Salud en Brasil. Revista Altenativas en Psicologia,
10(12), 67-77.

Atallah, N.A., & Castro A.A. (1997). Revisões sistemáticas da literatura e metanálise: a melhor
forma de evidência para tomada de decisão em saúde e a maneira mais rápida de
atualização terapêutica. Diagnóstico & Tratamento. 2(2), 12-15.

Becker, A. P. S., & Rocha, N. L. D. (2017). Ações de promoção de saúde em sala de espera:
contribuições da Psicologia. Mental, 11(21), 339-355.

Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. (2007). Assistência de Média e Alta


Complexidade no SUS. Brasília, DF : CONASS.
Campos, F. C. B., & Guarido, E. L. (2007). O psicólogo no SUS: suas práticas e as necessidades
de quem o procura. In: M. J. P. Spink, A psicologia em diálogo com o SUS: prática
profissional e produção acadêmica, 81-103. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.
Cantele, J. & Arpini, D. M. (2017). Ressignificando a Prática Psicológica: o Olhar da Equipe
Multiprofissional dos Centros de Atenção Psicossocial. Psicologia: Ciência e Profissão,
37(1), 78-89. https://doi.org/10.1590/1982-3703001542014.
Cecílio, L. C. O. (2001). As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela
integralidade e eqüidade na atenção em saúde. In: Pinheiro, R., & Mattos, R. A. Os
sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro, RJ: IMS-
UERJ/ABRASCO, 113-126.
Cezár, P. K., & Brandolt, C.R. (2018). Práticas coletivas da Psicologia na Atenção Primária à

1282
Saúde. Tempus, actas de saúde colet, Brasília, D.F, 12(1), 191-205.
Clemente, A., Matos, D. R., Grejanin, D. K. M., Santos, H. E., Quevedo, M. P., & Massa, P. A.
(2008). Residência multiprofissional em saúde da família e a formação do psicólogo
para a atuação na atenção básica. Saúde e Sociedade, 17(1), 176-184.
Conselho Federal de Psicologia. (1988). Quem é o psicólogo brasileiro. São Paulo, SP: Edicon.
Conselho Federal de Psicologia. (2010). A prática da psicologia e o núcleo de apoio à saúde
da família. Brasília, DF: CFP.
Costa, P. H. A., Mota, D. C. B., Paiva, F. S & Ronzani, T. M. (2015). Unravelling the skein of
care networks on drugs: a narrative review of the literature. Ciência & Saúde Coletiva,
20(2), 395-406. Recuperado em 10 julho, 2020, de
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232015000200395&l
ng=en
De Oliveira, I. F., de Oliveira Amorim, K. M., dos Anjos Paiva, R., de Oliveira, K. S. A., do
Nascimento, M. N. C., & Araújo, R. L. (2017). A atuação do psicólogo nos NASF:
Desafios e perspectivas na atenção básica. Trends in Psychology, 25(1), 291-304.
Dimenstein, M. D. B. (1998). O psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde: desafios para a
formação e atuação de profissionais. Estudos de Psicologia, 3(1), 53-81.
Dimenstein, M. D. B. (2000). A cultura profissional do psicólogo e o ideário individualista:
Implicações para a prática no campo da assistência pública à saúde. Estudos de
Psicologia, 5, 95-121.
Jimenez, L. (2011). Psicologia na atenção básica à saúde: demanda, território e integralidade.
Psicologia & Sociedade, 23(s.i.), 129-139.

Machado, C. B. Calais, L. B. (2018). Entrelaçando (im) possibilidades: reflexões sobre a


atuação da psicologia social comunitária na atenção primária à saúde. Pesquisas e
Práticas psicossociais, 13(4), 1-15. http://www.seer.ufsj.edu.br/index.php/revista_ppp

Ministério da Saúde. (1997). Resolução 218 - 97 - Regulamentação das profissões de Saúde.


Brasília: DF: Ministério da Saúde.
Ministério da Saúde. (2012). Portaria Nº 1.823 - Política Nacional de Saúde do Trabalhador e
da Trabalhadora. Brasília, DF: Ministério da Saúde.
Ministério da Saúde. (2019). Sistema Único de Saúde (SUS): estrutura, princípios e como
funciona. Brasília, DF: Ministério da Saúde.
Neves, L.M. T., & Aciole, G.G. (2011). Desafios da integralidade: revisitando as concepções
sobre o papel do fisioterapeuta na equipe de Saúde da Família. Interface-Comun, Saúde,
Educ. 15(37), 551-64.
Oliveira, I. F., Dantas, C. M. B., Costa, A. L. F., Gadelha, T. M. S., Ribeiro, E. M. P. C., &
Yamamoto, O. H. (2005). A psicologia, o Sistema Único de Saúde e o Sistema de
Informações Ambulatoriais: Inovações, propostas e desvirtuamentos. Interação em
Psicologia, 9, 273-283.
Parise, L. F., & De Antoni, C. (2014). A psicologia na atenção primária à saúde: Práticas
psicossociais, interdisciplinaridade e intersetorialidade. Clínica & Cultura, 3(1), 71-85.
Ronzani, T. M., & Rodrigues, M. C. (2006). O psicólogo na atenção primária à saúde:

1283
contribuições, desafios e redirecionamentos. Psicologia: Ciência e Profissão. 26(1),
132-143. Recuperado em 20 junho, 2020, de <https://doi.org/10.1590/S1414-
98932006000100012>
Ronzani, T. M., & Rodrigues, M. C. (2006). O psicólogo na atenção primária à saúde:
contribuições, desafios e redirecionamentos. Psicologia: ciência e profissão, 26, 132-
143
Ronzani, T. M., & Rodrigues, M. C. (2006). O psicólogo na atenção primária à saúde:
contribuições, desafios e redirecionamentos. Psicologia: Ciência e Profissão, 26(1),
132-143.
Silva, R. C. (1992). A formação em psicologia para o trabalho na saúde pública. In F. C. B.
Campos, Psicologia e saúde: Repensando práticas, 25-40. São Paulo, SP: Hucitec.
Spink, M. J. P. (2006). A Psicologia em diálogo com o SUS: Prática profissional e produção
acadêmica. Relatório Final Projeto Coletivo de Cooperação Técnica da Associação
Brasileira de Ensino de Psicologia: Mudança na Formação em Psicologia e Pesquisa e
Sistematização de Experiências. Recuperado em 25 agosto, 2020, de
http://www.abepsi.org.br/web/Relatorio_pesquisa_ABEP.pdf
Starfield, B. (2002). Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e
tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde.
Sundfeld, A. C. (2010). Clínica ampliada na atenção básica e processos de subjetivação: relato
de uma experiência. Physis Revista de Saúde Coletiva, 20(4) , 1079-1097.
PANDEMIA DE COVID-19 E ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: UM RELATO DE

1284
EXPERIÊNCIA

Suiane Magalhães Tavares,


Érika Layne Gomes Leal,
Walany Fontenele Cerqueira,
Lucélia Soares da Silva
1 Introdução
No início de março de 2020, a vida das pessoas no mundo inteiro de alguma maneira
foi afetada pela notícia emitida pela Organização Mundial da Saúde sobre uma pandemia
desencadeada por um coronavírus (WHO. Word Health Organization, 2020). A doença
ocasionada pela COVID – 19 ( Síndrome Respiratória Aguda Coronavírus 2, SARS-CoV-2) foi
originada na China, mais especificamente, na província de Wuhan e mudou o estilo de vida, a
forma de se relacionar e a saúde de forma geral das pessoas no mundo inteiro (Rawat et al.,
2021).
Notavelmente, o impacto nos sistemas de saúde tornou-se, de maneira imediata, uma
preocupação, e medidas para evitar o contágio do vírus foram adotadas (e.g., quarentena,
isolamento e distanciamento social), bem como o uso de equipamentos de segurança, como
máscaras e álcool, por exemplo. Desde a idade média, época da peste negra, medidas como a
quarentena também foram utilizadas como forma de evitar que doenças se espalhassem, bem
como para tentar diminuir o contágio entre as pessoas (Huremovié, 2019).
No entanto, no cenário de crise sanitária, apesar das medidas adotadas, muitas pessoas
foram afetadas por a doença, bem como famílias e sociedades. Para se ter uma ideia, uma
categoria social especialmente atingida de forma muito impactante, foram as mulheres em
situação de violência doméstica. Exemplo disso é o fato de que, no Brasil, no início da
pandemia, houve um crescimento nas ligações relativas à violência doméstica às polícias
militares, isto é, a cada minuto de 2020, 1,3 chamadas foram para atender mulheres em situação
de violência doméstica, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Ipeia, 2021).
Além das mulheres, os trabalhadores e profissionais da saúde também foram atingidos de forma
intensa, sobretudo em relação ao fardo psicológico decorrente da pandemia. Por exemplo, um
estudo realizado pela Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS e pela Organização
Mundial da Saúde [OMS] mostrou que pelo menos 20% dos agentes de saúde relataram que
sofreram depressão, após o surgimento da pandemia (OMS, 2020).
Considerando o cenário de crise de saúde e social (Viero et al., 2021), pretendemos
refletir acerca das novas possibilidades de promoção da saúde perante a catástrofe
epidemiológica e psicológica decorrente da pandemia da COVID-19 (Mahmud et al., 2021).
Nomeadamente, propomo-nos essa reflexão a partir da apresentação de maneira crítica reflexiva
do processo de territorialização em sáude, com base nos dados de saúde da Unidade Básica de
Saúde Bom Conselho do munícipio de Parnaíba, no Piauí.
A atenção básica é o conjunto de ações de saúde e a principal porta de entrada e centro
de comunicação da Rede de Atenção em Saúde- RAS, sua política nacional tem na saúde da
família a estratégia para a consolidação das ações e a unidade básica de saúde – UBS é o
estabelecimento que presta essas ações e outros serviços da atenção básica no âmbito do
Sistema Único de Saúde – SUS, podendo ser considerada o espaço em que se desenvolve ações,
como educação, formação de recursos humanos, pesquisa, ensino em serviço, entre outras

1285
(Conselho Federal de Psicologia, 2019).
De fato, sabemos que são muitos os fatores que podem impactar na vida das pessoas e,
por sua vez, em sua saúde. Isto significa que aspectos relacionados a desigualdade, exclusão
social ou discriminação, entre outros, parecem ter um efeito na vida e saúde das pessoas, em
especial de grupos mais vulneráveis como mulheres e meninas, pessoas idosas, com deficiência,
entre outras. No entanto, a operacionalização de princípios e diretrizes na Atenção Básica
parecem servir como estratégias que minimizam o impacto desses aspectos negativos na vida
cotidiana em sociedade (Ministério da saúde, 2017).
Dentre as diretrizes que serve como estratégia para minimizar os efeitos de fatores
adversos a saúde das pessoas sobretudo no contexto pandêmico destacamos a territorialização
sem saúde. De acordo com a Portaria 2436, 2017 podemos dizer que é uma ferramenta que
possibiliza o conhecer e o planejar ações, a partir de um território específico. Considerando essa
exposição, podemos observar que conhecer estar associado aos condicionantes e determinantes
da saúde das pessoas e coletividades do espaço que elas habitam. Dito de outra forma, a
territorialização está ligado a questões objetivas e subjetivas de uma população que vive em um
determinado espaço e visa primordialmente a promoção da saúde das pessoas desse espaço.
A territorialização é o processo de se habitar e vivenciar um território, a partir da
obtenção e análise de informações sobre as condições de vida e saúde de populações, resultando
na apropriação e conhecimento do território (Campos & Guerrero,2010). Nesse sentido, é
importante que saibamos quais as concepções de território, para assim podermos abrangê-lo
como um todo e não apenas como espaço geográfico.
Temos então diferentes olhares a respeito do território, e esses modos de ver e entender
esse lugar parecem influenciar diretamente nas ações e modo de produzir saúde. Uma das
formas mais usuais de olhar o território é pela noção do risco probabilístico, que se baseia pela
possibilidade de ocorrer algo indesejado, e esse risco acaba norteando as ações voltadas para a
saúde dentro do território (Campos & Guerrero,2010). No entanto, segundo Ayres (2002, p.29
como citado em Campos & Guerrero, 2010) a saúde não se define apenas pelo monitoramento
e controle daquilo que a pode ameaçar, ou seja, não se trata apenas em agir para que não ocorra
algo que traga riscos para a forma de viver saudável, mas também é sobre traçar objetivos a
serem alcançados no tocante a aquisições positivas do ponto de vista físico, mental, emocional,
cultural, ambiental, resultando numa boa qualidade de vida.
Com base em Santos (2002, p. como citado em Campos & Guerrero, 2010), observa-se,
nomeadamente, o território-processo, em que ele descreve o território como uma resultante de
divisões de trabalho anteriores e de novas divisões em processo, em que a forma como se
organizam as horizontalidades e verticalidades, espaços contíguos e espaços das redes, ordem
global e ordem local, moldam as particularidades de cada território, as características sociais e
de adoecimento das populações e consequentemente as maneiras de produzir saúde.
Com base no exposto, no cenário de atuação, ou seja, nas UBS, é possível observar que
as abordagens citadas anteriormente parecem auxiliar na forma de olharmos o território, bem
como na maneira de intervir junto as pessoas que vivem nele. Porém o cenário de crise sanitária
da COVID-19, atingiu também esses espaços ou territórios, de maneira que nos desafia a uma
nova forma de olhar, bem como uma nova forma de intervir. O reflexo desse cenário pode ser
observado, quando a própria forma de territotialização, as visitas domiciliares, os encontros
presenciais ou atividades coletivas, entre outras, que outrora eram desenvolvidas de forma
presencial, provocou a UBS a pensar um novo fazer no território e para o território de maneira
a pensar principalmente nas categorias mais vulneráveis. Isso significa analisar a demanda que
surge, como ela surge, e como intervir nelas, de forma a pensar nas potencialidades que

1286
contribuem para o processo de territorialização em saúde. Assim, pensar a promoção da saúde
no território para as usuárias e usuários, no contexto pandêmico, torna-se um processo
necessário, sobretudo, para o que pode ser nomeado como o novo normal.
A pandemia da COVID-19 trouxe a necessidade da implementação de inovações na
forma como estratégias de cuidado poderão ser adotadas, no intuito de reduzir taxas de contágio
da COVID-19 e a evitação de que mais pessoas sofram com a doença em curso. Nesse contexto,
a telemedicina enquanto inovação nos serviços de saúde parece ter sido adotada de maneira
mais forte em muitos âmbitos, além de contribuir para o acesso aos serviços de saúde e
qualidade do cuidar de muitas pessoas (WHO, 2016). De fato, a Organização Mundial da Saúde
(2016) aponta que essa modalidade contribui para solucionar desafios que apresentam maiores
demandas de saúde, melhoria na prestação do cuidado de saúde, entre outros.
No entanto, apesar da solucionabilidade da inovação em telemedicina, ainda há alguns
obstáculos que limitam seu uso (WHO, 2016). Por exemplo, a acessibilidade das pessoas em
relação as tecnologias de informação e comunicação (TICs) ou mesmo a inviabilidade de se
aplicar a telemedicina em determinados territórios, como os rurais, por exemplo. Porém, apesar
disso, o contexto de crise sanitária, o qual trouxe outras demandas para as pessoas no mundo
relacionadas a questões econômicas, estresse, violência de gênero, entre outras, permitiu que
estratégias fossem elaboradas para mitigação desses problemas.
Para citar apenas um exemplo, uma revisão recente sobre violência contra a mulher no
contexto da pandemia, apresentou estratégias que estão sendo utilizadas para o manejo da
violência contra a mulher, durante a crise sanitária, as quais envolve o uso da telemedicina
como técnica de aconselhar vítimas, e consultas remotas na atenção primária integradas, como
forma do médico reconhecer sinais de violência (Viero et al., 2021).
Dessa forma, considerando o contexto pandêmico e sua implicação na saúde e no bem-
estar de todas as pessoas, é fundamental salientar o setor da saúde que oferta atenção integral
bem mais perto das pessoas, das famílias e comunidades, isto é, a atenção primaria à saúde ou
atenção básica (OMS, 2020). Nomeadamente, esse setor atende 80% a 90% das carências de
saúde das pessoas no decorrer de suas vidas e com base na (OPAS/OMS) a atenção primária à
saúde:
“está bem-posicionada para poder responder às rápidas mudanças econômicas,
tecnológicas e demográficas, que impactam a saúde e o bem-estar. A atenção primária
à saúde também inclui os principais elementos necessários para melhorar a segurança
sanitária e prevenir ameaças à saúde, como epidemias e resistência antimicrobiana, por
meio de medidas como educação e engajamento comunitário, prescrição racional e um
conjunto básico de funções essenciais de saúde pública, incluindo vigilância.”

Em síntese, o cenário atual parece proporcionar a utilização de novas ferramentas


tecnológicas no âmbito da atenção básica, como uma estratégia de ampliação do cuidado, e
principalmente como forma de garantir o cuidado das pessoas que frequentam a UBS
cotidianamente. Em síntese, faz-se necessário lembrar que a promoção da saúde deve seguir
princípios e diretrizes do sistema único de saúde, de forma a envolver todas as pessoas nessa
política pública.

2 Método
O estudo caracteriza-se por ser do tipo descritivo, qualitativo, na modalidade relato de

1287
experiência. O processo de territorialização ocorreu do mês de março a junho de 2021. Para
tanto contamos com a participação dos trabalhadores e profissionais de saúde da unidade, como
agentes de saúde, bem como com a ferramenta (e-SUS: APS), essa ferramenta reestrutura os
dados da atenção primária em nível nacional. O levantamento dos dados foi filtrado no dia
quinze de abril de 2020 e o processo de territórialização foi realizado por uma equipe de
residentes da residência multiprofissional em atenção básica da cidade de Parnaíba, lotadas na
Unidade Básica de Saúde (UBS) Bom Conselho, Módulo 9, no bairro rodoviária, na cidade de
Parnaíba, Piauí.

3 Resultados e discussão
3.1 Diagnóstico situacional e dados de saúde
A partir dos dados do (e-SUS – APS) da unidade de apoio do bairro rodoviária, módulo
9, foi possível os dados absolutos de saúde dos usuários(a) do territóro, bem como pensar junto
a população em maneiras de intervir nos fatores geradores do mal-estar. Os dados descritivos
mostraram um total de 3703 usuários ativos, sendo seis microáreas cobertas pelas agentes
comunitárias de saúde que trabalham na UBS Bom Conselho. Nessa região, a população é
majoritariamente jovem e feminina e algumas situações de saúde faz-se importantes de serem
destacadas, como, por exemplo, o número de pessoas acamadas (N = 12), fumantes (N= 199),
hipertensos (N = 381) ou mesmo as pessoas acima do peso (N = 304). A análise detalhada
desses dados faz-se essencial para ajudar a pensar por onde começar a intervir ou de quais
formas poderemos pensar a promoção da saúde nos territórios junto aos usuários. Salienta-se a
importância em fortalecer os vínculos com os dispositivos existentes do território que já
realizam determinadas atividades com os usuários (a). A seguir apresentamos a sumarização
dos dados na Figura I.

Figura I. Dados de saúde da UBS Bom Conselho.


Dados de saúde do território Quantidade
0 a 2 anos 67
3 a 9 anos 286
Gestantes 28
Diabéticos 150
Teve AVC/derrame 29
Teve infarto 9
Hipertensos 381
Saúde mental 14
Idosos 444
Acamados 12
Domiciliados 35
Asma/DPOC 8
Covid-19 --
Tabagista 199
Abaixo do peso 67
Acima do peso 304
Mulheres de 25 a 64 anos 1153

1288
Mulheres de 65 a 69 anos 84

Fonte: e-SUS: APS (2020)

3.2 Rodas de conversa e reuniões remotas


No cenário de crise sanitária as atividades das unidades básicas de saúde do munícipio
de Parnaíba foram alteradas, conforme os decretos e protocolos de segurança da COVID-19.
Dessa maneira, os serviços de rotina foram voltados para atender pessoas com sintomas de
COVID-19. Por essa razão, visitas domiciliares, atividades coletivas foram temporariamente
canceladas. Dessa forma, ferramentas como Google meet auxílio no processo de reuniões
remotas com alguns trabalhadores de saúde para levantas os dados de saúde das pessoas do
território. Além disso, dado a flexibilização das medidas restritivas, foi possível realizar
algumas reuniões de forma presencial em espaços abertos com os agentes comunitários de
saúde. O levantamento dos dados do e-SUS: APS e dos trabalhadores de saúde, contribuiu para
pensar o cuidado das pessoas no território pensando de forma integrada, longitudinal e universal
no cenário novo que se apresenta para as equipes de residentes em saúde multiprofissional.
Nesse sentido, pensar em formas de atender as demandas da população de forma integra e com
segurança é essencial.
Em síntese, vale ressaltar que ter saúde vai muito além da ausência de doenças, conceito
este que é puramente biológico e centralizado no tratamento e na prevenção de lesões e doenças.
A saúde é resultante de modos de vida, de organização e de produção em um determinado
contexto histórico, social e cultural. Cabe ao setor saúde tornar visível o processo de saúde-
adoecimento, mas cabe aos demais setores, na criação de suas políticas, fazer com que a saúde
faça parte de todas as políticas públicas, caracterizando a articulação intersetorial. Além disso,
o desenvolvimento de políticas intersetoriais (renda, moradia, economia, emprego, educação
etc.) e o empoderamento da população para participar e contribuir, parece melhorar o nível de
saúde e dá ênfase na valorização dos indivíduos como sujeitos de suas ações. Além disso, faz-
se necessários que novos trabalhos sejam conduzidos, a fim de pensar em propostas de
intervenções a serem realizadas nos territórios, vinculadas aos dispositivos, como CRAS,
CREAS, Igrejas, escolas, entre outras, de maneira a envolver a comunidade e proporcionar
momentos de lazer, bem-estar e principalmente à promoção de saúde em tempos de pandemia
da COVID-19 envolvendo novas formas de atuação a partir de um novo normal.
O objetivo deste relato de experiência foi descrever o processo de trabalho, enquanto
equipe de residentes em atenção básica e estratégias de saúde da família, a partir da
territorialização em saúde, bem como apresentar alguns dados de saúde que ajudam a descrever
o território de atuação, localizado na cidade de Parnaíba, Piauí. Salienta-se que os dados
apresentados ainda não estão atualizados para o ano de 2021, podendo ter outras demandas ou
números absolutos com valores maiores. Faz-se necessário que estudos futuros descrevam os
dados de saúde no contexto da crise sanitária atual.

Referências
Conselho Federal de Psicologia (2019). Referências técnicas para atuação de psicólogas (os) na
atenção básica à saúde. Conselho Federal de Psicologia, vol 2. p 87. Brasília. Disponível
em: https://site.cfp.org.br/publicacao/referencias-tecnicas-para-atuacao-de-psicologasos-

1289
na-atencao-basica-a-saude/
IPEIA. (2021). Atlas da violência. Acessado em 21 de setembro 2021:
https://forumseguranca.org.br/atlas-da-violencia/
Huremovic D, editor. (2019). Psychiatry of Pandemics: A Mental Health Response to Infection
Outbreak Gewerbestrasse: Springer Nature.
Mahmud, M. S., Rahman, M. M., Masud-Ul-Hasan, M., & Islam, M. A. (2021). Does ‘COVID-
19 phobia’ stimulate career anxiety?: Experience from a developing country. Heliyon,
7(3). https://doi.org/10.1016/j.heliyon.2021.e06346
Manual de práticas da atenção básica. saúde ampliada e compartilhada. (2010). Campos GWS,
Guerrero AVP, organizadores. 2ª. 411 pp. Editora Hucitec; São Paulo.
Oliveira, G. Furlan, P.(2008). (2020). Co-produção de projetos coletivos e diferentes olhares
sobre o território. Ministério da Saúde.
OMS. Organização Mundial da Saúde. (2020). Atenção primária à saúde.
https://www.paho.org/pt/topicos/atencao-primaria-saude
Ministério da saúde. Portaria no 2.436, de 21 de setembro de 2017. (2020). Política nacional de
atenção básica. Acessado em 21 de Setembro 2021:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
Rawat, D., Dixit, V., Gulati, S., Gulati, S., & Gulati, A. (2021). Impact of COVID-19 outbreak
on lifestyle behaviour: A review of studies published in India. In Diabetes and Metabolic
Syndrome: Clinical Research and Reviews (Vol. 15, Issue 1, pp. 331–336). Elsevier Ltd.
https://doi.org/10.1016/j.dsx.2020.12.038
Viero, A., Barbara, G., Montisci, M., Kustermann, K., & Cattaneo, C. (2021). Violence against
women in the Covid-19 pandemic: A review of the literature and a call for shared
strategies to tackle health and social emergencies. In Forensic Science International (Vol.
319, p. 110650). Elsevier Ireland Ltd.
WHO. Word Health Organization. (2016). Acessado em 21 de setembro 2021:
https://www.paho.org/pt/brasil
WHO. Word Health Organization. (2020). WHO Director-General’s opening remarks at the
media briefing on COVID-19 – 11 March 2020.
https://www.researchgate.net/publication/345809609_COVID-
19_anxiety_scale_CAS_Development_and_psychometric_properties
EIXO 20

1290
DESENVOLVIMENTO HUMANO

O IDOSO NO PROCESSO DE ADOECIMENTO À MORTE: UMA POSSÍVEL


EXPERIÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO
Willyane Dos Santos Ibiapina
Patrícia Soares Dos Santos
Isabel De Maria Sales Mendes
Introdução
Partindo da compreensão acerca do desenvolvimento humano, enquanto ramo da ciência
da psicologia, é correto defini-la como um processo que inicia-se na gestação e termina com a
morte do indivíduo. Deste modo, baseado no enfrentamento da realidade da morte como
processo inerente ao desenvolvimento humano, o presente trabalho, por sua vez, propõe uma
discussão acerca das experiências que o idoso vivencia com a descoberta de uma doença sem
possibilidade de cura até seu padecer.
Desde o início de sua vida, o ser humano está sujeito ao fim de sua existência, o que
deveras, significa que o homem é um ser fadado à morte. Essa condição, no entanto, fomenta
diversos modos de enfrentamento que variam de um ser para outro. Portanto, é no suceder do
seu entendimento no que concerne à própria existência, que o homem lapida em seu ser o
significado da morte.
Outrossim, no que se refere à percepção do homem sobre a morte, Loureiro (2000), em
A velhice, o tempo e a morte, esclarece que, embora o ser humano se reconheça como mortal,
no mais íntimo, está convencido da própria imortalidade. Basta apenas a perspectiva da morte
para remeter o ser humano a uma reflexão sobre a sua própria existência, levando-o a atravessar
por uma angústia profunda. Logo, a partir da leitura de Kübler-Ross, a morte constitui o maior
medo compartilhado por todos (Cocentino & Viana, 2011). Assim, o homem, com medo da
condição de ser finito, tende a fugir de tal reflexão, categorizando a morte como uma questão
sombria e tenebrosa.
Em contrapartida, evocar pois, sobre o envelhecimento dentro de uma realidade regida
pelo capitalismo é uma experiência que possibilita avistar estigmas, sobretudo pelo fato de
usualmente associar-se à ideia de sofrimento, mal-estar, declínio, fragilidade e perdas (Moreira
& Nogueira, 2008). Assim sendo, porventura a renegação da velhice se deva ao fato de ser a
fase que mais se aproxima da morte. Sua aceitação, sobretudo, leva ao reconhecimento das
próprias restrições bem como da sua finitude.
A senescência, por outro lado, consiste num período marcado por declínios no
funcionamento físico associados ao envelhecimento, que varia de pessoa para pessoa, conforme
fatores genéticos, bem como estilo de vida. Logo, o impacto econômico de uma população que
está envelhecendo depende da proporção de pessoas saudáveis e fisicamente capazes dessa
população. Nesse sentido, muitos problemas que costumavam ser considerados inevitáveis
agora são entendidos como resultantes do estilo de vida ou doenças, e não do envelhecimento
(Papalia & Feldman, 2013).
Com base nisso, o envelhecimento caracteriza-se como um processo gradual e

1291
inevitável de dano físico que começa cedo na vida e perdura ao longo dos anos, independente
do que as pessoas façam para evitá-lo. Nessa perspectiva, é sabido que o envelhecimento é uma
consequência fatal.
À vista disso, considerando as transformações inerentes ao desenvolvimento do sujeito,
tal qual o declínio das capacidades funcionais, fisiológicas e mentais, consequentes do
envelhecimento primário ou secundário, ressaltam-se a manifestação de doenças crônicas,
incapacitantes e/ou sem possibilidade de cura, como por exemplo, Alzheimer, AVC,
hipertensão, diabetes, cânceres etc.
Nessa acepção, os pacientes idosos diagnosticados sobretudo com doenças de difícil ou
até impossibilidade de cura, bem como os familiares destes, considerando a associação da
doença com a morte, dão início a um processo de elaboração da perda, manifestando pois a
angústia despertada pelo medo do desconhecido e da morte, assim como da reflexão existencial
e de suas reminiscências.
Não obstante, no que diz respeito ao idoso enfermo, a referente pesquisa objetiva
teorizar que é possível que o sujeito viva a integridade de uma vida plena, expressando a
vivência do adoecimento até a morte como uma oportunidade de desenvolvimento. O que pode
ser pautado, assim, pelo sucesso do oitavo estágio de Erik Erikson ou pela própria singularidade
do indivíduo na forma de compreender sua existência.

Desenvolvimento
O presente trabalho trata-se de uma revisão teórica que possui como principal objetivo
promover a sintetização das evidências externas entre os múltiplos estudos identificados e
analisados, sendo isso realizado através de critérios adequados e procedimentos explícitos e
transparentes de forma que o leitor possa identificar as características reais dos estudos
revisados. Ademais, a mesma foi realizada seguindo um delineamento sequencial de etapas,
partindo da escolha do tema em questão à organização dos critérios para a seleção da amostra
e por fim, análise e interpretação das pesquisas.
Nessa continuidade, Erik Erikson, afamado psicólogo precursor da concepção de
desenvolvimento humano em estágios psicossociais, dita que a conquista maior da vida adulta
tardia é o senso de integridade, conquista está fundamentada na reflexão sobre a própria vida,
esclarecida no oitavo e último estágio proposto por ele, integridade versus desespero. Nela, os
idosos têm de avaliar e aceitar sua existência, para assim, poderem admitir a morte. Portanto, a
partir dos resultados dos sete estágios do ciclo da vida anteriores, os senis batalham para
conquistar um senso de coerência e totalidade (Lima & Coelho, 2011), em detrimento do ato
de se entregar ao desespero por sua incapacidade de reviver o passado de forma diferente.
Logo, as pessoas bem-sucedidas neste estágio final alcançam o entendimento do
significado de suas vidas de um modo mais amplo. Tendo isso em vista, a virtude de possível
desenvolvimento nessa etapa é a sabedoria, que para Erikson, significa aceitar a vida que se
viveu sem maiores arrependimentos, sem questionamentos sobre o que deveria ter sido feito ou
do que poderia ter sido. Isso, portanto, corresponde a aceitar imperfeições em si próprio, nos
pais, nos filhos e consequentemente, na vida.
Não obstante, considerando a subjetividade dos sujeitos e singularidade das
experiências, é possível compreender que não existe doença, e sim doentes. Portanto,
diagnóstico nenhum de doença poderá expressar a vivência do adoecer pelo sujeito, visto que
o adoecimento corresponde ao modo de como se é experienciado a vida. Assim, a morte

1292
enquanto desenvolvimento humano depende, pois do olhar fenomenológico do idoso para si
mesmo, bem como para sua existência.
No entanto, é fato que alguns aspectos conduzem a forma na qual cada indivíduo lida
com a doença ou a morte, tais como questões sócio históricas do sujeito, crenças, personalidade
ou a própria religiosidade. Esta última, por exemplo, é vista como uma arma ou um recurso de
enfrentamento para aceitar a velhice e a morte. Assim, Golstein e Sommerhalder (2002), em
pesquisa envolvendo velhice e religiosidade, mostram que a força da religião e da
espiritualidade ajuda as pessoas a lidar com as perdas, dando sentido à vida, ajudando a
enfrentar os medos e as angústias do padecer.
A pessoa idosa capaz de dar testemunho da vida é detentora de sabedoria, visto que
percebe o que se eterniza em detrimento, que é fluido e superficial. Tão logo, pode-se afirmar
que, para aqueles que só relacionam o conceito de vida e envelhecimento à integridade física
do corpo, a velhice sempre irá representar decadência, enquanto que para aqueles que valorizam
todas as suas experiências e a integridade de seu envelhecimento, representará a síntese e a
revelação.
Assim sendo, é preciso evidenciar que mesmo o morrer pode ser uma experiência de
desenvolvimento, visto que há coisas a serem ganhas e realizadas no processo de adoecimento
até o dia da morte. O tempo com os familiares ou para com aqueles que são próximos, a maior
demonstração do afeto destes, os cuidados recebidos decorrentes da doença, senso de autovalor,
e estar consciente da mortalidade e/ou perda, são elementos cruciais de uma boa morte.
Norbert Elias, em suas obras A solidão dos moribundos e Envelhecer e morrer, faz uma
análise de como o ser humano se comporta diante da morte, discutindo os principais impasses
vividos ao encarar a finitude da vida enquanto realidade, assim como as mudanças em suas
atitudes, com relação aos outros e a si próprio (Borges, 2015). Uma das cruciais constatações
de Elias ao longo de suas obras baseia-se na ideia de que não é a morte que provoca problemas
ao ser humano, mas sim, a consciência da morte.
Em um tempo de vida limitado, onde a mortalidade é a única certeza da existência
humana, ninguém pode realizar todas as capacidades, satisfazer a todos os desejos, explorar
todos os interesses ou experimentar todas as possibilidades que a vida tem a oferecer. O duelo
existente entre as possibilidades de crescimento e o tempo finito em que ocorre o crescimento,
é o que define a vida humana. Escolhendo pois, as possibilidades das quais vai se ocupar e
dedicando-se a elas o máximo possível, até o último momento cada pessoa contribui para a
história inacabada do desenvolvimento humano (Papalia & Feldman, 2013), e conforme dita o
sociólogo alemão Elias, o que sobrevive é o que foi dado às outras pessoas, ou que permanece
nas memórias alheias.
Portanto, quanto mais significado, propósito e experiências boas a pessoa encontrar e
explorar em sua vida, inclusive nos últimos momentos e em estado de adoecimento, menos ela
tenderá a temer a morte. Com isso, admite-se que até mesmo o morrer possibilita a contribuição
para o desenvolvimento, sobretudo psicossocial, uma vez que a interação com o meio está
relacionada à boa saúde e à satisfação com a vida, assim como o relacionamento familiar entre
as várias gerações, quando estes usufruem dos bons momentos com os seus, considerando mais
os ganhos e menos as perdas.
Em síntese, partindo do contexto no qual o adoecimento seguido da morte contribuem
para o desenvolvimento humano dentro de uma perspectiva otimista, o famigerado Charles
Chaplin debate, de modo assertivo, que a única coisa tão inevitável quanto a morte é a vida.
Tão logo, é no sentido de compreender esta tanto quanto a morte, de desfrutar das oportunidades

1293
que até mesmo a própria finitude humana concebe, bem como de adotar um olhar
fenomenológico para o processo de sofrimento, tendo em vista que o viver precede o morrer,
que a ideia de Chaplin se aplica no enredo do presente trabalho.

Conclusão
As leituras concernentes à temática do morrer trazem pois, uma reflexão construída ao
redor do desenvolvimento intelectual da humanidade, na qual, de acordo com os processos
históricos e culturais, observa-se que a morte deixa de ser um tema vetado do cotidiano para
configurar-se como uma questão imprescindível de ser trabalhada.
Em um mundo capitalista, onde a sociedade se movimenta cada vez mais rápido, o
processo do morrer já não é mais tratado e atribuído como antes, onde os processos de luto eram
mais duradouros. Atualmente, o que se pode perceber é uma tendência cada vez maior de que
a elaboração do processo de luto ocorra antes mesmo que o padecer venha a se tornar realidade,
e que o processo pós-perda seja não menos doloroso, mas menos estendido.
É, então, fundamental encarar de frente o assunto da morte como parte integrante do
processo de desenvolvimento humano. Sendo a certeza da finitude da vida a única realidade a
permitir que o viver seja digno e regado de limites para com as capacidades e oportunidades, é
preciso que as condições de vida sejam levadas de forma mais facilitada, promovendo pois, ao
idoso, em sua totalidade, uma maior qualidade no processo que precede ao fim natural.
No contexto filosófico sobre o processo de adoecimento e morte de um idoso com um
doença sem possibilidade de cura, deve-se considerar todas as perdas que o indivíduo nesse
estágio do desenvolvimento, enfrenta. Os preconceitos, mitos, a antecipação da ideia da morte,
assim como todas as sucessivas adaptações e transformações.
Entende-se pois, que o aumento da idade é inversamente proporcional à perspectiva de
vida, ou seja, à medida que as pessoas envelhecem, passam a orientar-se a partir dos dias que
foram vividos, e não mais por aqueles que ainda virão. Portanto, essa visão de finitude que o
idoso denota, principalmente àqueles com doenças sem possibilidades terapêuticas e de cura, é
característica de uma das justificativas para o isolamento e exclusão destes pela sociedade.
A partir da análise de depoimentos de pacientes com doenças incuráveis, observou-se
que a sensação de medo que é vivenciada, não se dá em sua maioria, pela ideia de morrer, mas
sim, pela possibilidade de sofrer. Assim, o sofrimento em questão não se limita somente à dor
física, mas tudo àquilo que, de acordo com Siqueira e Pessini (2013) intervém na identidade e
subjetividade da pessoa, bem como nos valores socioculturais e religiosos. Portanto, a tendência
em concentrar o tratamento somente aos sintomas físicos da doença, pressupõe a sugestão de
que estes são a única fonte de angústia e sofrimento para o paciente.
Em contrapartida, uma das apurações mais comuns a respeito da terminalidade da vida,
consiste na necessidade de estudos voltados para a forma como cada indivíduo experiencia a
sua relação com a morte. Apesar da subjetividade encontrada, é preciso então, investigar os
fatores sociais e psicológicos de cada paciente, objetivando promover um cuidado adequado
pela equipe de saúde, partindo da humanização no atendimento, suporte à família e garantia do
direito de terminar sua vida de forma digna.
Desse modo, discute-se o conceito de cuidados paliativos bem como sua importância
para garantia desses direitos, devendo ser diferenciado e individualizado, levando em conta toda
a singularidade do paciente. A priorização do respeito e o estímulo da relação entre o idoso e

1294
seus familiares, bem como sua relação com a religião e espiritualidade, são aspectos essenciais
na experiência paliativa.
Em contrapartida, é atentado à importância de chamar atenção a respeito das questões
vividas pelo ser humano em relação à morte, onde a interdependência entre o indivíduo e o
meio no qual se está inserido, denota o quanto podem influenciar de forma substancial o sentido
da vida para os que estão morrendo (Borges, 2015).
À vista disso, o olhar do idoso frente ao adoecimento e a morte configura-se como o
cerne desta produção, de modo a buscar esclarecer o que de bom e enriquecedor pode haver
sido desenvolvido a partir da angústia do idoso e de todos ao seu redor. No entanto, é certo que,
embora ciente da finitude do ciclo da vida, a dor experienciada pelo sofrimento da doença ou
mesmo pela morte de alguém que se ama, apesar de irreparável, pode ser abrandada pelas
lembranças do que foi construído e compartilhado entre os seus.

Referências
Borges, L. D. (janeiro/junho de 2015). A solidão dos moribundos: seguido de envelhecer e
morrer: Alguns problemas sociológicos. Serviço social saúde, pp. 119-122.
Cocentino, J. M. & Viana, T. d. (2011). A Velhice e a Morte: reflexões sobre o processo de
luto. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol, 14(3), 591-600. doi:10.1590/S1809-98232011000300018
Golstein, L. & Sommerhalder, C. (2002). Religiosidade, espiritualidade e significado
existencial na vida adulta e velhice. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro
(RJ): Ed. Guanabara.
Lima, P. M. & Coelho, V. L. (2011). A Arte de Envelhecer: Um Estudo Exploratório Sobre a
História de Vida e o Envelhecimento. Psicologia: Ciência e Profissão [online], 31(1), 4-19.
doi:10.1590/S1414-98932011000100002
Loureiro, A. M. L. (2000). A velhice, o tempo e a morte. Subsídios para possíveis avanços do
estudo. (1ª reimpr.). Brasília (DF): Editora Universidade de Brasília
Moreira, V. & Nogueira, F. N. (2008). Do indesejável ao inevitável: a experiência vivida do
estigma de envelhecer na contemporaneidade. Psicol. USP, 19(1), 59-79.
doi:10.1590/S0103-65642008000100009
Papalia, D. E. & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento Humano (12 ed.). (C. F. Vercesi, D.
Cattunda, J. C. Santos, M. d. Silva, & C. Monteiro, Trads.) Porto Alegre: AMGH.
Pessini, L. & Siqueira, J. E. (2013). Bioética, Envelhecimento Humano e Dignidade no Adeus
à Vida. Em E. V. Freitas, & L. Py, Tratado de Geriatria e Gerontologia (3 ed., pp. 196-208).
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Santos, A. F. (2011). Psicologia do desenvolvimento humano e educação (Trabalho de
conclusão de curso). Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, São
Paulo, SP, Brasil.
Vianna, L. G., Loureiro, A. M. L. & Alves, V. P. (2012). O velho e a morte. Revista Temática
Kairós Gerontologia, 15(4), “Finitude/Morte & Velhice”, pp.117-132. Online ISSN 2176-
901X. Print ISSN 1516-2567. São Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP.
DEPRESSÃO NA TERCEIRA IDADE: UMA PERSPECTIVA

1295
BIOPSICOSSOCIAL
Jordeane Sousa Aroucha
Thayane Cesar Marino
Ana Clara Arraias Rosa
Júlia Camila da Cruz Freitas
Kézia dos Santos Sousa
Monica Oliveira Dominici Godinho
Introdução
Segundo dados do IBGE, o número de idosos (maiores de 60 anos) deve chegar a 25,5%
da população brasileira até 2060. Assim, o Brasil poderá ser um dos países que possui uma das
maiores populações de idosos do mundo, por isso, fomentar conhecimento sobre esse grupo é
substancial. Este trabalho tem como objetivo geral discutir, à luz da perspectiva biopsicossocial,
os fatores de riscos que desencadeiam ou agravam um quadro depressivo na terceira idade.
Dessa forma, é notável a relevância dessa temática na atualidade e para desenvolver esse
estudo serão abordados os fatores que contribuem para depressão em idosos; apontar as
alterações que ocorrem nas relações inter e intrapessoais que afetam de forma significativa nas
vivências do indivíduo idoso e identificar aspectos biológicos que desafiam a qualidade de vida
no processo de envelhecimento.
Sabe-se que vários fatores podem influir no desencadeamento da depressão, assim, para
identificá-los é necessário abandonar o dualismo cartesiano e considerar o indivíduo em sua
totalidade, não se limitando apenas a um dos aspectos do ser, mas buscando compreender o que
ocorre no biológico, psicológico e nas suas relações sociais.
Vale lembrar que na terceira idade, surge a preocupação com a morte, pois é a fase em
que mais se aproxima desse acontecimento. É também o momento em que as mudanças físicas
se acentuam e o vigor se limita, além disso, ocorrem alterações nas relações sociais, emocionais,
funções psicomotoras e sensoriais, que influenciam na vitalidade e fragilidade do idoso (Papalia
& Feldman, 2013).
Este trabalho foi realizado por meio de um levantamento bibliográfico, com base na
visão de Baltes (1987), que apresenta as influências ambientais no processo de envelhecimento
e na Teoria Psicossocial do Desenvolvimento de Erik Erikson, que abrange oito (8) fases, onde
cada uma apresenta uma crise psicossocial (Fontaine, 2010). Assim, serão levadas em
consideração as implicações que ocorrem nesse período da vida e como elas influenciam a
história de vida do sujeito.
Portanto, esse estudo tem o intuito de contribuir de forma significativa para a sociedade,
mostrar a necessidade de ter um olhar holístico para o sujeito no processo de envelhecimento,
romper alguns paradigmas construídos em torno dessa fase da vida do ser humano e enfatizar a
importância do cuidado em saúde mental como forma de prevenir o processo depressivo, bem
como diagnosticar e tratar os idosos que já se encontram em quadro de depressão.

Desenvolvimento
O processo de envelhecimento
Os estudos de Baltes e Baltes (1990) e Erikson (como citado em Lima & Coelho, 2010)

1296
demonstram que o desenvolvimento humano é multidirecional, multidimensional e dinâmico,
balanceando ganhos e perdas. Assim, o envelhecimento é um processo que passa por grandes
mudanças e envolve inúmeros aspectos.
As raízes históricas apontam o envelhecer como sinônimo de doença, no entanto,
associar a vida adulta tardia como a fase do adoecimento, seria reforçar preconceitos e
disseminar o idadismo. Entretanto, o envelhecimento pertence à evolução do ser humano, ou
seja, é algo inerente e inevitável à vida. Esse seguimento envolve mudanças nas esferas
cronológicas, biológicas e psicossociais, sendo assim um acontecimento natural. Logo,
envelhecer é um:

Processo sociovital multifacetado ao longo de todo o curso da vida, a velhice denota


o estado de “ser velho”, condição que resulta do processo de envelhecimento que
gerações vivenciaram e vivenciam dentro de contextos sociais, políticos e individuais
diversos (Lima, Silva & Galhardoni, 2008, p. 2).

De acordo com o Estatuto do Idoso, são consideradas idosas as pessoas com idade igual
ou superior a 60 anos. Essa fase segue padrões diferenciados, sendo classificada em primário e
secundário. Segundo Papalia (2013, p. 573) “o envelhecimento primário é um processo gradual
inevitável de deterioração física ao longo da vida e o secundário resulta de doenças, abusos e
maus hábitos físicos e que pode muitas vezes ser evitado”.
Dessa maneira, o envelhecer está relacionado a alterações físicas, cognitivas e motoras.
A postura corporal se modifica, há perda de agilidade e força, aumento da flacidez, perda de
cálcio nos ossos, diminuição do tônus, os vasos sanguíneos estão menos elásticos e mais
estreitos e o sistema renal já não funciona tão bem como antes (Bueno, 2014). Essas mudanças
podem ocorrer de forma particular e distinta para cada ser humano.
De acordo com Bueno (2014), o idoso fica mais suscetível a infecções físicas e químicas,
com a mudança do clima, restrições alimentares, alterações no sono e na sexualidade. Ocorre
ainda uma diminuição de peso e volume do cérebro que afeta consequentemente o intelectual e
a coordenação sensório motor, a visão e a audição também são prejudicadas.
Para Papalia (2013, p. 594) “de acordo com a sugestão dada pela abordagem
evolucionista do ciclo de vida de Baltes, a idade traz ganhos e perdas”. Logo, envelhecer carrega
uma série de mudanças que afetam de forma negativa ou positiva. Nesse sentido, um dos
legados e virtudes que uma pessoa de idade avançada possui é a sabedoria, segundo Jung e
Erikson, essa sabedoria seria o ápice de uma vida de avanço do ego.

Depressão
A depressão é uma doença que vem ganhando maior notoriedade sendo considerado um
grave problema de saúde, com bastante recorrência na atualidade. De acordo com a
Organização Mundial de Saúde (OMS) a depressão é um distúrbio universal e uma das
principais razões de incapacidade no mundo, sendo que no Brasil 5,76% da população vivencia
essa problemática (Brasil, 2015). Além disso, é uma doença que pode atingir todas as idades,
sexo e classe social.
Dos vários conceitos possíveis, a depressão pode ser definida como uma doença

1297
mental que pode afetar o humor durante longos períodos de tempo, evoluindo de um
conceito caracterizado por um estado de espírito abatido das pessoas que sofrem de
doença. Os sintomas incluem: perda de interesse, tristeza, alterações do apetite e do
sono, sentimentos de culpa e incapacidade, sentimentos de inutilidade, fadiga e perda
de energia, apatia e falta de concentração (Wolpert, 2000 como citado em Vieira &
Macedo, 2015, p. 8).

Na terceira idade, a depressão não é diagnosticada como em pessoas mais jovens e nem
mesmo tratada, já que o idoso costuma apresentar uma série de problemas de saúde e passa
despercebida ou considerada consequência das debilidades já existentes (Pinho, Custódio &
Makdisse, 2009).

A depressão caracteriza-se como um distúrbio de natureza multifatorial da área afetiva


ou do humor, que exerce forte impacto funcional envolvendo inúmeros aspectos de
ordem biológica, psicológica e social. Entre os principais sintomas estão o humor
deprimido e a perda de interesse ou prazer em quase todas as atividades, e, em idosos,
ela se apresenta de forma heterogênea, tanto em relação à sua etiologia quanto aos
aspectos relacionados à sua apresentação e ao seu tratamento (Carreira, Botelho,
Matos & Torres, 2011, p. 2)

Para Baltes (1987), o processo de envelhecimento sofre manifestações de aspectos


coletivos e individual. Assim, ele identifica três esferas de influência: as ligadas ao grupo de
idade, que são um agrupamento de fatores biológicos e ambientais que se conectam com a idade
cronológica; as que estão associadas ao momento histórico, aquelas que o sujeito não tem
domínio, pois é específica de cada fase da história; e as que estão correlacionadas com a história
pessoal, elas são únicas e singulares para cada ser, porque estão sobre a direção do sujeito.
Dessa forma, na perspectiva biológica, a depressão pode ser evidenciada a partir de uma
sucessão de mudanças e mazelas ocorridas no período de envelhecimento. Essas modificações
orgânicas, dependendo da condição de vida e hábitos que o indivíduo possui, podem influenciar
para um estado de instabilidade, visto que o sujeito passa por alterações notáveis por todo o
corpo e alguns possuem dificuldades em aceitar a condição corpórea que se encontram. Nesse
sentido, Fontaine (2010) afirma que na terceira idade pode desencadear doenças genéticas, que
o ser humano não possui controle.

Segundo Vaughan et al., um em cada dez idosos são frágeis ou apresentam sintomas
depressivos, e uma alta porcentagem apresenta as duas condições. Quando avaliada a
coocorrência das condições, observa-se que cerca de 4% a 16% dos idosos frágeis
com 60 anos ou mais apresentam depressão grave, com aumento desse percentual para
35% entre os idosos com mais de 75 anos. Um estudo de meta-análise recente sugeriu
que as pessoas idosas frágeis são quatro vezes mais propensas a ter depressão quando
comparadas as não frágeis ou robustas, com probabilidade semelhante para fragilidade
entre os depressivos em relação aos não depressivos. (Vaughan, Buigues & Soysal
como citado em Nascimento & Batistoni, 2019, p. 2).

Logo, o envelhecer e o estilo de vida em determinados indivíduos, pode desencadear


mazelas nas áreas física, psicomotora e sensorial, expondo esse sujeito a desenvolver possíveis
doenças e viver em estado de comorbidade ou fragilidade. Assim, essas enfermidades podem
desencadear os primeiros indícios referentes a depressão, mas possivelmente são colocadas em

1298
segundo plano, pois de acordo com o Ministério da Saúde (2006, p.104) “cerca de 50 a 60%
dos casos, não são detectados, tornando a depressão subdiagnosticada e sub-tratada”.
Além dos fatores biológicos, os fatores psicossociais também contribuem para o
desencadeamento da depressão. Nessa fase da vida ocorrem mudanças significativas em todo o
contexto do idoso, trazendo modificações no seu papel social. Erik Erikson nomeia essa fase
como Integridade x Desespero, oitavo estágio da sua Teoria Psicossocial.
Para Erikson, cada estágio é constituído por uma crise que envolve o ego e dependendo
do enfrentamento dessa crise, o ego pode se fortalecer ou se fragilizar. Essa crise evolutiva
desenvolve algumas tarefas, tais como “integração dos temas anteriores do desenvolvimento,
autoaceitação, formação de um ponto de vista sobre a morte e preocupação com deixar um
legado espiritual e cultural” (Neri, 2013, p. 28).
Os idosos enfrentam alguns conflitos emergentes como a aproximação da morte, a saída
do trabalho, chegada da aposentadoria ou dificuldades para consegui-la, os relacionamentos
familiares, morte do cônjuge, entre outros, ou seja, uma série de fatores que podem trazer
fragilidade na saúde mental e possibilita duas posturas diante da vida: “procurar novas formas
de estruturar o tempo e utilizar sua experiência de vida em prol de viver bem os últimos anos
ou estagnar diante “do terrível fim”, quando desaparecem pouco a pouco todas as fontes de
carícia se vão e o desespero toma conta da pessoa” (Rabello & Passos, 2008, p. 12).
O contexto e as vivências ajudam o idoso a superar as dificuldades. Assim, o ego será
fortalecido e produzirá aceitação diante do novo cenário de vida ou desesperança na qual
predominam pensamentos que subentendem atitudes negativas frente ao futuro. Entende-se que
para alcançar a autoaceitação, o idoso precisa contar com uma rede de apoio integrativa e
políticas públicas.
A pessoa idosa conta atualmente com a ajuda de algumas esferas políticas que lhe
garante direitos e proteção como o Estatuto do Idoso e Política Nacional do Idoso, ambas uma
conquista inegável e de suma importância, porém os desafios ainda são muitos, entre eles o
alcance e a conscientização desses direitos.

A presença crescente de pessoas idosas na sociedade impõe o desafio de inserir o tema


do envelhecimento populacional na formulação das políticas públicas e de
implementar ações de prevenção e cuidado direcionados às suas necessidades,
subsidiando a organização de uma rede com capacidade para ofertar serviços e ações
no âmbito da proteção social (Miranda, Mendes & Silva, 2016, p. 2).

Outros problemas enfrentados pelo idosos são a saída do trabalho e a chegada da


aposentadoria. Alguns ao alcançar a terceira idade são retirados do mercado de trabalho por não
desempenhar seu papel como antes ou mesmo pelo preconceito, trazendo dificuldades na sua
inserção social e consequentemente no sentimento de perda de utilidade.

A redução dos papéis sociais devido à aposentadoria também fez parte das histórias
de perdas dos idosos. Trabalhar proporciona não somente o sustento financeiro, mas
também a inserção em um contexto social e produtivo, possibilitando a efetiva
participação do sujeito na sociedade (Kleger e Macedo, 2015 como citado em
Almeida, Lorentz & Bertoldo, 2018, p. 13).
1299
Por outro lado existem aqueles que encontram dificuldades para conseguirem a
aposentadoria, vivendo em condições de saúde debilitantes e continuar se mantendo produtivos.
Segundo o site Agência Brasil (2019) “o número de pessoas com 65 anos ou mais em vagas
com carteira assinada aumentou, saindo de 484 mil em 2013 para 649,4 mil em 2017. Foi uma
ampliação de 43% em quatro anos”. Talvez, esse aumento no número de trabalhadores idosos
no mercado de trabalho se deva a forte crise econômica que afetou o nosso país nos últimos
anos, obrigando os idosos a contribuírem com o sustento da família.
A necessidade da promoção da saúde do idoso é nítida, os órgãos governamentais devem
priorizar o bem estar físico e mental, bem como a comunidade e a família, assim “ações de
prevenção são efetivas em qualquer nível, mesmo que realizadas nos momentos mais tardios da
vida” (Miranda et al 2016, p.11).
A família é uma base importante na vida do idoso principalmente no que se refere ao
afeto, no sentido de se sentir amado e valorizado pelos familiares e comunidade. Esse contexto
é primordial também nos cuidados e no bem estar da pessoa idosa, como aponta o Art. 3o
Estatuto do Idoso:

É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao


idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à
dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (Brasil, 2003, p.8).

No entanto, nem sempre a família é o centro de apoio que o idoso necessita. Em muitos
casos, os familiares não assumem a responsabilidade de promover uma vida digna, ao invés
disso são causadores de mais danos, como a violência física e psicológica.

A natureza da violência contra a pessoa idosa pode se manifestar de várias formas,


aqui resumidas: abuso físico, psicológico, sexual, abandono, negligência, abusos
financeiros e autonegligência. Todos esses tipos de ação ou omissão podem provocar
lesões graves físicas, emocionais e morte (Brasil, 2013, p. 39).

Dessa forma, a falta de amparo da rede de apoio coloca o idoso em um estado de


vulnerabilidade, suscetível a doenças, isolamento e problemas generalizados afetando todas as
áreas da vida. Outro aspecto que influencia a saúde mental do idoso são as perdas que podem
surgir, como a morte de um filho ou cônjuge. Sobre isso Stroebe et al (2007) Papalia e Feldman
(como citado em 2013, p. 645) aponta que “a dor da perda também pode trazer problemas de
memória, perda de apetite e dificuldade para se concentrar, além de aumentar os riscos de
ansiedade, depressão, insônia e disfunção social”. O Art. 2º do Estatuto do Idoso demonstra os
direitos que são estabelecidos aos idosos, visando a sua qualidade de vida e dignidade.

O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem


prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde
física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em
condições de liberdade e dignidade (Brasil, 2003, p. 7).
1300
Segundo a OMS (2020), o quadro depressivo “resulta de uma complexa interação de
fatores sociais, psicológicos e biológicos”. Logo, percebe-se que a depressão pode ter muitas
raízes, evidenciando a relevância de um trabalho multidirecional, pois é necessário
compreender o sujeito na sua completude e não apenas isoladamente. No idoso essa visão
biopsicossocial se torna ainda mais importante por se tratar de uma fase de maior
vulnerabilidade.

Conclusão
Esta pesquisa buscou como objetivo geral, discutir em uma visão biopsicossocial os
fatores de risco que desencadeiam ou agravam um quadro depressivo na terceira idade. Assim,
por meio dos estudos teóricos, foi possível identificar que o processo de envelhecimento é uma
etapa do desenvolvimento humano que é inerente ao indivíduo. O idoso vivencia mudanças
orgânicas e alterações nas suas relações inter e intrapessoais, que afetam de forma significativa
o funcionamento do corpo e mente. Dessa forma, como apresentado nos fundamentos de Baltes
(1987), o envelhecer sofre influências de fatores ambientais, tanto coletivos como individual.
Nesse sentido, podem-se chegar a algumas considerações, entre as quais destaca-se que
uma sucessão de alterações biológicas, associadas a possíveis doenças que possam surgir
devido a genética ou a condição de vida nessa etapa, podem ser fatores de risco para
desencadear depressão em idosos. Essa mazela, de acordo com a OMS, é uma das principais
causas de incapacidade no mundo, que indivíduos de qualquer faixa etária podem ser vítimas.
No entanto, em idosos a depressão é difícil de ser identificada e muitas vezes o tratamento é
negligenciado, pois é correlacionada com outras doenças.
Por outro lado, os aspectos psicossociais também podem contribuir para irromper essa
doença, pois os idosos enfrentam alguns conflitos emergentes como a aproximação da morte, a
saída do trabalho, chegada da aposentadoria ou dificuldades para consegui-la, os
relacionamentos familiares, a perda de um ente querido, entre outros. Logo, todos esses fatores
podem fortalecer ou trazer desesperança na vida do idoso, dependendo da forma que é
enfrentada, de acordo com os pressupostos da Teoria Psicossocial do Desenvolvimento de Erik
Erikson.
No Brasil já foram implementadas algumas leis para assegurar os direitos e proteção do
idoso, porém os órgãos responsáveis ainda não garantem efetivamente o cumprimento de tais
leis, pois muitos idosos ainda sofrem com falta de acesso a saúde de qualidade, violência e
preconceito. Chegar na terceira idade é uma conquista, a sociedade deve ter consciência,
respeito e reconhecer o valor do idoso, pois junto aos longos anos trazem experiência e
sabedoria. A União, os Estados e os Municípios, devem promover a saúde física e mental para
que esse grupo tenha qualidade de vida. Portanto, é necessário trabalhar com a prevenção da
depressão por meio de políticas públicas que garantam a disseminação de informação e
conscientização à sociedade, principalmente para as pessoas mais carentes. Além disso, é
essencial contar com diagnósticos precisos e tratamentos para os casos de confirmação da
doença.
É de extrema importância compreender que o ser humano não se resume ao biológico,
pois o psicológico e o contexto tem relevância no desencadeamento da depressão, assim, ter
esse olhar holístico é compreender que os fenômenos devem ser contemplados na sua existência
total para então serem compreendidos, pois o ser humano é sempre maior que suas partes
tomadas isoladamente.
1301
Referências
Agência Brasil. Total de idosos no mercado de trabalho cresce; precariedade aumenta.
Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-05/total-de-
idosos-no-mercado-de-trabalho-cresce-precariedade-aumenta> Acesso em: 15.03.2020.
Almeida, B. L. S., Lorentz, M. & Bertoldo, L. T. M. (2018). Aspectos Psicossociais do Suicídio
em Idosos e Percepções de Sobreviventes. Revista de Psicologia da IMED, 10(1), 21-36.
Baltes, P. B. (1987). Theoretical propositions of life-span developmental psychology: On the
dynamics between growth and decline. Developmental psychology, 23(5), 611.
Brasil. (2003) Estatuto do Idoso. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. Acesso em: 13.03.2020.
_______. World Health Organization - OMS. Disponível em: <https://www.who.int/news-
room/fact-sheets/detail/depression> Acesso em: 12.03.2020
_______. IBGE. Disponível em :<https://www.ibge.gov.br/pt/inicio.html> Acesso em:
25.02.2020.
_______. (2013) Manual de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa. É possível
prevenir. É necessário superar. Disponível em:
<http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/publicacoes/violencia-contra-a-pessoa-
idosa> Acesso em: 17.03.2020.
_______. (2006) Ministério da Saúde (MS). Envelhecimento e saúde da pessoa idosa.
Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/evelhecimento saude
pessoa_idosa.pdf> Acesso em: 18.03.2020.
Bueno, J. M. (2016). Psicomotricidade: teoria e prática: da escola à aquática. Cortez Editora.
Carreira, L., Botelho, M. R., Matos, P. C. B. D., Torres, M. M. & Salci, M. A. (2011).
Prevalência de depressão em idosos institucionalizados. Rev. enferm. UERJ, 268-273.
Fontaine, R. (2010). Psicologia do envelhecimento. (2 ed). São Paulo: Loyola.
Lima, P. M. R. D. & Coelho, V. L. D. (2011). A arte de envelhecer: um estudo exploratório
sobre a história de vida e o envelhecimento. Psicologia: ciência e profissão, 31(1), 4-
19.
Lima, Â. M. M. D., Silva, H. S. D. & Galhardoni, R. (2008). Envelhecimento bem-sucedido:
trajetórias de um constructo e novas fronteiras. Interface-Comunicação, Saúde,
Educação, 12(27), 795-807.
Miranda, G. M. D., Mendes, A. D. C. G. & Silva, A. L. A. D. (2016). O envelhecimento
populacional brasileiro: desafios e consequências sociais atuais e futuras. Revista
Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 19(3), 507-519.
Nascimento, P. P. P. D. & Batistoni, S. S. T. (2019). Depressão e fragilidade na velhice: uma
revisão narrativa das publicações de 2008-2018. Interface-Comunicação, Saúde,
Educação, 23, e180609.
Neri, A. L. (2013). Conceitos e teorias sobre o envelhecimento. Neuropsicologia do
Envelhecimento: Uma abordagem multidimensional, 17-42.
Rabello, E. & PASSOS, J. S. (2008). Erikson e a teoria psicossocial do desenvolvimento.

1302
Papalia, D. E. & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano. Artmed Editora.
Pinho, M. X., Custódio, O. & Makdisse, M. (2009). Incidência de depressão e fatores
associados em idosos residentes na comunidade: revisão de literatura. Revista Brasileira
de Geriatria e Gerontologia, 12(1), 123-140.
Vieira, C. S. P. & Macedo, E. O. (2015). Solidão e Depressão: perspetiva temporal (Master's
thesis, ISMT).
A UTILIZAÇÃO DA INTERNET NUMA PERSPECTIVA BIOECOLÓGICA DO

1303
DESENVOLVIMENTO HUMANO

Natanny Fernandes dos Santos


Andréa Alexandre Vidal
Andreza Mônica Batista da Silva
Stânia Nágila Vasconcelos Carneiro
Elizza Maria Coelho Magalhães
Thiago Costa Alves

Introdução
Em uma sociedade onde a utilização da internet aumenta a cada dia, os pesquisadores
tentam compreender a influência desta tecnologia nos comportamentos e costumes, seja na
forma de se comunicar como também, estudar, se divertir, trabalhar, nas relações interpessoais,
dentre outras. Para Ballone (2003 apud Graeml et al. 2004 pag. 3) a internet é “uma ferramenta
à que se atribuem inúmeras vantagens para a educação, para o comércio, para o entretenimento
e para o desenvolvimento do indivíduo”.
A internet tem o poder de influenciar os hábitos e os costumes no contexto familiar,
como também o modo como os membros se relacionam, nos levando aos seguintes
questionamentos: A internet contribui para o desenvolvimento da pessoa? Qual a percepção que
famílias possuem a respeito dessa tecnologia? O uso da internet diminuiu o tempo dedicado à
convivência familiar? A internet pode ser considerada um microssistema do sujeito?
A internet é um dos meios mais acessados pela população brasileira. Uma pesquisa da
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República sobre os “Hábitos de Consumo
de Mídia pela População Brasileira” (2015) informa que 27% da amostra utiliza a internet todos
os dias da semana, a intensidade média de seu uso é de 04h47min por dia de segunda a sexta-
feira e 04h33min no fim de semana. A pesquisa também informa que 67% da população
utilizam a internet para se divertir como também para se informar.
Outra pesquisa relevante para a elaboração desse trabalho, que também reforça a opção
pela metodologia de Bronfenbrenner, foi a de Prazeres e Leão (2011) sobre um levantamento
bibliográfico nas bases de dados nacionais utilizando os descritores: Inserção Bioecológica,
Teoria Bioecológica e Desenvolvimento Humano. Foi revelada uma escassa utilização da
Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano enquanto recurso metodológico em estudos
e pesquisas sendo encontrando apenas 13 trabalhos sobre crianças e adolescentes, 09 sobre os
contextos bioecológicos, 07 de jovens e adultos, 04 de famílias e 04 com idosos.
Esse foi um estudo de natureza exploratória com 05 (cinco) famílias residentes em
Quixadá, Ceará, que tem como objetivo investigar a influência da internet nos contextos
bioecológicos familiares, como também analisar a internet como instrumento promotor dos
processos proximais de desenvolvimento do sujeito e também, investigar a percepção das
famílias a respeito da internet.
BIOECOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

1304
A teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano tem Urie Bronfenbrenner como
seu principal teórico. Bronfenbrenner nasceu em 1917 em Moscou e se mudou para os Estados
Unidos com 06 anos de idade. Concluiu a graduação em Psicologia em 1938 e em 1942, recebeu
o título de Doutor pela Universidade de Michigan (USA) (Yunes & Juliano, 2010).
Na construção de sua teoria, Bronfenbrenner recebeu grandes influências contextuais.
O trabalho de seu pai ao observar a natureza e a interdependência dos fenômenos, eventos
históricos vivenciados por ele como a Revolução Russa, a imigração de sua família para a
América, a convivência com pessoas de diferentes culturas e religiões, o contato com
pesquisadores da Psicologia como Kurt Lewin e a “Teoria de Campo”, dentre outras
influências. Possibilitando assim, uma perspectiva complexa e sistêmica do desenvolvimento
humano (Yunes & Juliano, 2010).
Sua teoria atualmente chamada de Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano,
inicialmente focava mais nos contextos ecológicos do sujeito. Após várias críticas foi
reformulada e passou enfatizar a pessoa, o processo e o tempo. Dessa forma, atualmente
trabalha no estudo da interação da Pessoa, do Processo, do Contexto e do Tempo, formando
assim o conhecido modelo PPCT.
Para Bronfenbrenner, o desenvolvimento é um fenômeno de constância e mudança das
características da pessoa ao longo do seu ciclo vital. Delgado (2009) relata que a obra ressalta
a relação do ambiente e do desenvolvimento humano, onde por meio da interação entre as
pessoas, objetos, símbolos e sistemas, o sujeito é influenciado pelo meio, podendo ser
condicionado ou potencializado. A inter-relação dos ambientes e como as pessoas interagem,
são características importantes desse modelo.
Prati et al (2008) relatam que Bronfenbrenner (1999) deu importância a cinco aspectos
simultâneos para ocorrer o processo proximal: o primeiro é que a pessoa deve está engajada em
uma atividade; no segundo essa atividade deve acontecer de forma regular em períodos de
tempo; o terceiro aspecto é que a atividade deve ser progressivamente mais complexa; o quarto
é a reciprocidade nas relações interpessoais e os objetos e símbolos do ambiente imediato que
devem estimular a atenção, exploração, manipulação e imaginação da pessoa em
desenvolvimento.
Podemos assim, compreender os processos proximais como as interações do ser humano
com o ambiente durante períodos de tempos estáveis, que promovem o desenvolvimento do
sujeito. Bronfenbrenner (2011) cita em seus estudos exemplos de processos proximais como as
brincadeiras com as crianças, a leitura, as atividades físicas e outras.
Na teoria a pessoa é vista como um ser ativo, com características biológicas e
psicológicas que modificam e são modificadas pelos sistemas. Martins e Szymanski (2004)
discorrem que a abordagem considera as características do indivíduo como temperamento,
convicções, motivações, nível de atividade e outros como importantes aspectos para o
desenvolvimento humano, como também as características físicas como cor de pele e gênero
que podem influenciar o modo como os outros lidam com a pessoa.
Bronfenbrenner ressalta em sua teoria três características da pessoa em
desenvolvimento: disposição, recurso e demanda. As disposições são as características que
podem invocar; manter, impedir, interferir os processos proximais, que tem como exemplos a
impulsividade, timidez, curiosidade, iniciativa para realizar atividades, agressividade e outros.
Os recursos são as características biopsicológicas da pessoa, necessárias em uma determinada
fase do desenvolvimento para efetivação dos processos proximais. E a demanda são as
características que promovem reações do contexto social que influenciam a ocorrência dos

1305
processos proximais (Bronfenbrenner & Morris 1998; apud Martins & Szymanski 2004 p. 65).
Para que os processos proximais sejam efetivos devem ocorrer em ambientes estáveis e
com regularidade, dessa forma o tempo se tornou um importante componente por ele permitir
observar o desenvolvimento humano ao longo do curso de vida, este que é influenciado pelos
eventos históricos e experiências pessoais da pessoa. Martins e Szymanski (2004, p. 66)
discorrem que o tempo “pode ser entendido como o desenvolvimento no sentido histórico ou,
em outras palavras, como ocorrem às mudanças nos eventos no decorrer dos tempos, devido às
pressões sofridas pela pessoa em desenvolvimento”.
O modelo apresenta o contexto ecológico como um conjunto de estruturas encaixadas e
interconectadas (Bronfenbrenner, 2005). Os contextos ocorrem em quatro níveis o
microssistema, o mesossistema, o exossistema e o macrossistema.
O microssistema é o primeiro nível de contexto que o sujeito vive; o ambiente imediato
em que interage diretamente com as pessoas, símbolos e objetos presentes nele, é onde os
processos proximais são produzidos e sustentados. A família, a escola, trabalho, a vizinhança,
grupo de amigos e outros são exemplos desse sistema. “É no contexto dos microssistemas que
operam os processos proximais, que produzem e sustentam o desenvolvimento, mas a sua
eficácia em implementá-lo depende da estrutura e do conteúdo dos mesmos” (Bronfenbrenner
& Morris, 1998 apud Poletto & Koller 2008 pag. 406).
O mesossistema é a relação de interação entre os microssistemas, como por exemplo, a
relação da família com a escola, trabalho ou com a vizinhança. Essas interconexões são tão
decisivas para o desenvolvimento quanto os eventos que ocorrem dentro de um determinado
ambiente. Os processos que ocorrem em um determinado ambiente recebem influência do
contexto imediato como também, pelas influências trazidas pelos outros contextos (Poletto &
Koller, 2008).
O terceiro nível é o exossistema, aonde a pessoa não faz parte diretamente, ativamente,
mas que recebe influência. O desenvolvimento da pessoa é profundamente influenciado pelos
eventos que ocorrem em ambientes nos quais não está presente, como por exemplo, o trabalho
dos pais influenciando no desenvolvimento da criança (Bronfenbrenner, 2005).
O quarto e último nível é o mais abrangente dos contextos, o macrossistema, constituído
por todos os outros níveis, composto pelo “padrão global de ideologias, crenças, valores,
religiões, formas de governo, culturas e subculturas presentes no cotidiano das pessoas que
influenciam seu desenvolvimento” (Bronfenbrenner, 1979/1996 apud Cecconello & Koller,
2003 pag. 518). Como exemplo do macrossistema, podemos falar da cultura de cada país e as
suas políticas públicas.

Metodologia
Esse estudo se caracterizou como exploratório por levantar informações sobre um
determinado objeto (Severino, 2007), Braga (2007, pag. 25) diz que “a pesquisa exploratória
tem o objetivo de reunir dados, informações, padrões, ideias ou hipóteses sobre um problema
ou questão de pesquisa com pouco ou nenhum estudo anterior”.
Teve caráter quantitativo e qualitativo, caracterizado como uma pesquisa descritiva,
onde ambiente natural é fonte direta dos dados e o pesquisador se torna instrumento
fundamental, com a tarefa de tentar compreender os fenômenos a partir da perspectiva dos

1306
participantes, utilizando o enfoque indutivo na análise dos dados (Godoy, 1995).
A pesquisa foi realizada no Município de Quixadá, interior do Estado do Ceará,
localizado a 168 Km da capital do Ceará, Fortaleza, com famílias que possuíam acesso a
internet no ambiente familiar. Primeiramente foi realizada a aplicação de um questionário
(Anexo A) em 41 alunos do 9° ano de uma escola particular do município, com o intuito de
fazer uma triagem das famílias que participaram da segunda parte do estudo. O questionário
deu acesso a informações como quantidade de aparelhos de televisão, computadores,
smartphones, tablets com acesso à internet, tempo de utilização dessas tecnologias, dentre
outros dados pertinentes ao estudo.
Desses 41 alunos foram convidados inicialmente 10 para a entrevista com as famílias,
mas apenas 05 aceitaram participar do estudo. Após a seleção ocorreu à visita domiciliar
realizada pela pesquisadora, aonde foi colhida a autorização e a assinatura através do Termo de
Consentimento e Livre Esclarecimento (Anexo C) e Termo de Autorização dos Responsáveis
(Anexo D).
Em seguida, foi realizada a coleta de dados por meio de um questionário com perguntas
abertas e fechadas (Anexo B), com o auxílio da entrevista para complementar as respostas. A
aplicação ocorreu em conjunto com os membros da família que aceitaram participar. Foram
excluídas do estudo as seguintes famílias: as que não residiam em Quixadá, as que não possuíam
como membro familiar um aluno da escola escolhida, as que não possuíam acesso à internet na
residência e as famílias cujos membros não assinaram o Termo de Consentimento e Livre
Esclarecimento.
A coleta de dados, interpretação e formulação dos resultados ocorreram de agosto a
outubro de 2015. Primeiramente foi realizada a leitura geral do material colhido com o intuito
de realizar uma relação das respostas com a teoria. Destarte, foi realizada a interpretação de
acordo com o referencial teórico do trabalho, ou seja, o Modelo Bioecológico do
Desenvolvimento Humano.
O estudo seguiu as determinações éticas regulamentadas pelas diretrizes da Resolução
466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, onde foi submetido para a apreciação do Comitê de
Ética em pesquisa da FCRS onde foi aprovado com o numero de parecer 1.189.549. (Anexo F)

Resultados e discussão
Para chegarmos à seleção das cinco (05) famílias para a parte mais detalhada da
pesquisa, aplicamos um questionário em quarenta e um (41) alunos de uma escola particular da
cidade de Quixadá, Ceará. Desta quantidade pesquisada, 25 alunos (60,9%) eram do sexo
feminino e 16 (39%) do sexo masculino. 80,4% tinham 14 anos de idade, 17% 15 anos e 2,4%
16 anos, sendo todos estudantes do Ensino Fundamental incompleto.

As Tabelas 1 e 2 revelam as afirmações mais assinaladas pelos adolescentes.

Tabela 1 - Afirmações mais assinaladas

Quantidad
Afirmações mais assinaladas
e
“Eu converso com os meus amigos sobre o que vejo na internet” 34

1307
“Eu sei mais sobre internet que os meus pais” 31

“Eu uso a internet como ferramenta para estudar” 30

“Eu converso com os meus familiares sobre o que vejo na internet” 27

“Meus pais dizem que passo muito tempo na internet” 27

Fonte: Autor, 2015.

Tabela 2 - Afirmações menos assinaladas


Quantidad
Afirmações menos assinaladas
e

“Quando saiu com os meus amigos ou familiares eu fico usando a internet o


7
tempo todo”

“Prefiro conhecer pessoas pela internet do que pessoalmente” 5

“Costumo imitar comportamentos que vejo na internet” 5

“Eu já saí mais cedo da escola para usar a internet” 3

“Eu uso internet na escola” 1

Fonte: Autor, 2015.

Dos 41 participantes do estudo, convidamos 10 deles para participarem da segunda parte


da pesquisa, a qual constou da aplicação de um questionário e da entrevista com os seus
respectivos familiares. Ressaltamos que da quantidade convidada, apenas 5 famílias aceitaram
participar.
A Teoria Bioecológica assegura que a pessoa possui em sua estrutura características
biológicas, físicas e psicológicas as quais influenciam em seu desenvolvimento. Deste modo,
tentamos levantar algumas características dos sujeitos como: idade, demonstração de seus
sentimentos na internet, os sites mais acessados, dentre outros detalhes.
Salientamos que compreendemos a estrutura da família levando em consideração sua
estrutura, dinâmica, interações entre seus membros e entre os subsistemas, e os papéis
desempenhados no sistema familiar. Neste estudo, participaram os seguintes membros: 02
pessoas do sexo masculino exercendo o papel de figura paterna; 03 pessoas do sexo feminino
no papel de figura materna; 01 pessoa do sexo feminino no papel de tia materna; 03 pessoas do
sexo feminino e 02 do sexo masculino no papel de filhos.
Primeiramente questionamos aos sujeitos sobre os locais que mais costumavam acessar
a internet, sendo os mais assinalados: casa, trabalho, casa de amigos ou familiares e
estabelecimentos comerciais que possuíam acesso ao wifi disponível para os clientes.
Os questionamentos sobre a existência de brigas nas famílias por causa internet, a
metade dos participantes (50%) disseram que nunca existem brigas por esta causa. Podemos
assim, supor a internet como um instrumento a qual alguns pais não veem problemas no acesso
prolongado dos filhos, nem nas atividades.
Os dados nos levaram a perceber uma disparidade: metade dos participantes relatou que
nunca tiveram brigas por esse motivo. Já a outra metade respondeu afirmativamente, mudando
apenas a frequência: alguns são “quase sempre” (14,28%), “às vezes” (21,42%) e “raramente”

1308
(14,28%). Um dos motivos das brigas é principalmente, por terem que dividir o aparelho que
dá acesso à internet, conforme vemos no Gráfico 01.

Gráfico 01 - Briga com os familiares por causa da internet

Fonte: Autor, 2015.

Ao analisarmos a internet como um possível provedor de processos proximais,


investigamos a sua influência sobre o indivíduo de forma a contribuir para o seu
desenvolvimento, compreendendo o tempo como um importante papel para o desenvolvimento
da pessoa.
Percebemos através dos dados apresentados nos gráficos 02 tanto os adolescentes
quanto os adultos, compartilham “coisas” na internet, voltadas a assuntos que chamam sua
atenção como informações sobre saúde, frases e pensamento de autores diversos, notícias do
mundo e outros, já no gráfico 03 percebemos que a internet para os adolescentes possui um
papel diferente do que para os adultos, pois tendem a demonstrarem mais como se sentem na
internet de forma a buscar certa reciprocidade em seus sentimentos como também:

Gráfico 02 - Compartilha “coisas” na internet

Fonte: Autor, 2015.

Gráfico 03 – Demonstra o que sente na internet


1309
Fonte: Autor, 2015.

A partir desses dados, questionamos também se a internet era utilizada junto a outros
membros do microssistema familiar em uma mesma atividade, ao que 85,71% disseram que
sim, utilizando-a em conjunto com outros membros familiares quando estão assistindo vídeos
e filmes, compartilhando informações, pesquisa de preços de produtos e fazer compras, como
podemos ver em recortes de alguns relatos: “assisto desenho no youtube com minha prima”;
“quando estamos pesquisando a compra de algum produto.”. Já 14,28% relataram ainda que
não fazem nenhuma atividade na internet em conjunto com os outros membros.
Ao serem questionados se já viram algum comportamento ou alguma atividade na
internet que o repetiram em sua vida, 57,14% disseram que sim, enquanto 42,85% responderam
negativamente. Das atividades que repetiram em sua vida foram citadas: comida, customização
de roupas, alimentação saudável, exercícios físicos. Interessante observarmos que os
comportamentos de atores nas novelas são traços repetidos no cotidiano dos entrevistados,
como observou nos recortes das frases dos participantes: “ioga, receitas culinárias e
meditação”; “sempre busco boas ações que podem ser transmitido a outras pessoas tipo: dicas
de saúde, economia, bem estar” (sic) “a forma que Bianca agia com a Duca em Malhação.”
Verificamos também se os sujeitos já procuraram aprender alguma atividade ou
comportamento na internet. Nas respostas, 85,71% relataram que tentaram aprender alguma
atividade ligada ao trabalho, escola, jogos, receitas e outros como podemos perceber em
algumas falas destacadas: “fiz roupa usando a internet”; “pesquiso sempre vídeos de
penteados ou maquiagens”; “várias vezes principalmente atividades lúdicas, jogos simbólicos,
caça palavras e etc”; “como fazer receitas e pesquisas para escola”; “buscar livros em pdf”;
“sempre visito sites de comportamento em ambiente de trabalho como dicção”.
Com o intuito de descobrirmos sobre a utilização da internet nos contextos escolares e
nos trabalhos, além de percebermos a influência sobre os sujeitos, destacamos as seguintes
percepções. Em relação ao trabalho os participantes relataram a utilização da ferramenta virtual
para fazer propaganda, compra e venda de produtos mercadorias, produção de programas e
sistemas operacionais. Verificamos as redes sociais sendo utilizadas tanto para o trabalho como
entretenimento no ambiente do trabalho.
Há também os sujeitos que não fazem o uso no ambiente de trabalho e ainda, a internet
utilizada de uma forma mais livre, como podemos perceber em alguns discursos: “apresentar
os produtos aos clientes, vendas e compra de mercadorias”; “sempre uso no trabalho para
facebook e whatsapp”; “no trabalho a internet é essencial para o desenvolvimento do mesmo
pois trabalho com programas e sistemas on line”; “usada de forma livre com coerência”; “no
trabalho não preciso de internet.”.
Nas respostas dos adolescentes, a internet é utilizada por eles na escola para fins de

1310
estudos, pesquisas, apresentações e pelos professores em algumas aulas, de acordo com os
relatos: “para apresentações escolares, como por exemplo vídeos, imagens para slides e
outros”; “para trabalhos feitos no contra turno das aulas”; “pra fazer trabalhos. As vezes
algum professor que fazer uma aula diferente (coisa que quase nunca acontece) e outras vezes
para fazer trabalhos mais sempre na parte da tarde”. O incômodo relativo à utilização dessa
ferramenta na escola também foi relatado, devido ao fato de alguns alunos fazerem uso no
horário da aula, deixando de prestar atenção no conteúdo dado pelo professor: “na escola
porque tem aqueles que não querem nada e fica na internet e o professor tá ali explicando e as
pessoas que tão no celular não tão nem aí”.
Verificamos também nas entrevistas com as famílias, de que forma a internet influencia
a vida dos sujeitos de modo positivo ou negativo. A maioria relatou ser de forma positiva, pois
acreditam saber fazer o uso como repasses de informações, auxílio nos estudos e no trabalho,
entretenimento, realização de compras e outras finalidades, de acordo com relatos explicitados
aqui: “mim deixa por dentro das novidades”; “nos meus estudos quando tenho dúvida em
alguma matéria assisto vídeo-aula”; “Quando vejo que meus filhos estão caindo de rendimento
escolar, aí tenho que começar a aplicar medidas, ou seja, tenho que intervir no uso
demasiado”; “positivamente principalmente para fins educativos para falar com amigos e
etc.”; “das duas formas, pois uma maneira positiva é quando a utiliza para trabalhar e
negativa é quando não há interação entre nos da família, estamos todos no mesmo local porem
cada um acessando”; “positiva pois tenho acesso o que eu quiser de uma forma mais fácil e
rápida.”
Através dos relatos e resultados apresentados, percebemos a utilização a internet no
contexto do exossistema quando retratado a fenômenos que não fazem parte do contexto
imediato, mas que influenciam o sujeito. Quando o indivíduo aprende uma receita nova, a
customizar roupas ou vê dicas de saúde e comportamentos, ao utilizarem no ambiente familiar
influenciam os outros membros. No macrossistema o fenômeno da influência também é
registrado, quando relatado com foco nos aspectos culturais como a moda, beleza, status, etc.
O tempo foi uma das variáveis mais importantes nesse estudo, pois maioria dos
participantes, adultos e tiveram o primeiro contato com a internet à pouco tempo, as vezes até
seguindo os ensinamentos dos filhos sobre como manusear a ferramenta.
Sobre o público adolescente, já nasceram na era da internet o que facilitou sua
aprendizagem e a facilidade de utilizar diariamente, em todos os momentos que puderem. A
desenvoltura foi uma marca registrada, evidenciando que sabem onde encontrar o que quiser na
internet utilizam bem mais do que seus pais e sabem da importância que a internet possui em
suas vidas. Muitos adolescentes demonstraram fazer o uso da internet como forma natural e
espontânea de interagir no mundo atual.

Considerações finais
Esse estudo nos proporcionou compreender a internet como uma ferramenta que pode
eliciar os processos proximais do indivíduo na atualidade, que de acordo com Bronfenbrenner
para os processos proximais sejam efetivos precisam de 5 aspectos. O primeiro que está
engajada em uma atividade, percebemos na concentração da pessoa na atividade que està
realizando podendo às vezes esquecer-se de fazer outras “coisas”. O segundo é referente ao
tempo, em que a atividade deve ocorrer de forma relativamente regular de forma que a internet
é utilizada pelos participantes todos os dias podendo às vezes passar horas e horas utilizando.
O terceiro é que a atividade deve ser progressivamente mais completa, nesse caso podemos

1311
relatar como exemplo quando uma pessoa está aprendendo a utilizar a internet, como também
pelos jogos online e aprendizagem de conteúdos para escola e trabalho. O quarto quesito é que
deve haver reciprocidade nas relações interpessoais o que visualizamos nas atividades de
comunicação e nos atos de curtir, compartilhar, comentar e demonstrar sentimentos na internet,
e o último e quinto é que a atividade deve estimular “atenção, exploração, manipulação e
imaginação da pessoa” características essas presentes na utilização da internet.
Se compreendermos a internet como eliciadora dos processos proximais entendemos
também como um microssistema da pessoa, juntamente como ferramenta que interliga os
microssistemas fazendo assim, parte do mesossistema e exossistema como também do
macrossistema por fazer parte atualmente da nossa cultura.Outro ponto que vale a pena ser
destacado na pesquisa é utilização da internet e o tempo, que se caracteriza enquanto um
processo fundamental para compreender a evolução do uso dessa tecnologia ao longo dos anos,
como também os modos de relacionamentos estabelecidos entre as pessoas. Os participantes da
pesquisa demonstraram ter que fazer o uso da internet da forma mais positiva para si.
O estudo nos proporcionou ainda, a contribuição acadêmica tanto para a Teoria
Bioecológica do Desenvolvimento Humano como também para os fenômenos que influenciam
a utilização da internet, servindo assim, como referência para futuras pesquisas na área.

Referências
Barros, C. T. G., Nazário, P. M. (2015). Discussão da classificação indicativa: televisão,
cidadania e educação para os media no
Brasil.<http://revistacomsoc.pt/index.php/cecs_ebooks/article/viewFile/1698/1635>.
Braga K. S. (2007). Aspectos relevantes para a escolha de metodologia adequada a pesquisa
social em ciência da informação. In: MUELLER, S. P. M.(Org) Métodos para a pesquisa
em Ciência da Informação Thesaurus Editora, 1a edição.
Brasil. (2015). Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social. Pesquisa
brasileira de mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira.
Brasília: Secom, 2014.
Bronfrenbrenner, U. (2011). Bioecologia do desenvolvimento humano: Tornando os seres
humanos mais humanos. Tradução de André de Carvalho Barreto. Porto Alegre: Artmed,
2011.
Cecconello, A. M.; koller, S. H. (2003). Inserção ecológica na comunidade: uma proposta
metodológica para o estudo de famílias em situação de risco. Psicol. Reflex. Crit., Porto
Alegre, v. 16, n. 3, p. 515
524.<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
79722003000300010&lng=en&nrm=iso>.
Delgado, P. O acolhimento familiar numa perspectiva ecológico-social. Rev. Lusófona de
Educação, Lisboa , n. 14, 2009
<http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-
72502009000200011&lng=pt&nrm=iso>.
Dias, M. O. (2011). Um olhar sobre a família na perspectiva sistémica: o processo de
comunicação no sistema familiar. Gestão e Desenvolvimento, Viseu, n. 19, p. 139-156,
2011.

1312
<http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/9176/1/gestaodesenvolvimento19_139.pdf>
Graeml, K. S.; Volpi, J. H. E, Graeml, A. R. (2004) "O impacto do uso (excessivo) da Internet
no comportamento social das pessoas ". Revista Psicologia Corporal (José Henrique
Volpi e Sandra Mara Volpi, Orgs.). Vol. 5,
2004.<http://www.institutounipac.com.br/aulas/2014/1/UBSOC05N1/001381/006/Unida
de%2001-Impacto%20da%20Tec%20na%20Psic%20Social.pdf>.
Godoy, A. S. (1995). Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de
Administração de Empresas, São Paulo, v. 35, n. 2, p. 57-63, 1995.
<http://www.scielo.br/pdf/rae/v35n2/a08v35n2.pdf>.
Goldberg, L. G.; Yunes, M. A. M.; Freitas, J. V. de. O desenho infantil na ótica da ecologia
do desenvolvimento humano. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 97-106.
<http://www.scielo.br/pdf/pe/v10n1/v10n1a11>.
Martins, E.; Szymanski, H. A. (2004). Abordagem ecológica de Urie Bronfenbrenner em
estudos com famílias. Estudos e Pesquisas em Psicologia, UERJ, RJ, ano 4, n. 1, 1º.
<http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v4n1/v4n1a06.pdf>.
Poletto, M.; Koller,S. H. (2015). Contextos ecológicos: promotores de resiliência, fatores de
risco e de proteção. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 25, n. 3, p. 405-416.
<http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v25n3/a09v25n3>.
Prati, L. E. (2008). Revisando a inserção ecológica: uma proposta de sistematização. Psicol.
Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 21, n. 1, p. 160-169.
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
79722008000100020&lng=en&nrm=iso>.
Prazeres , F. R; Leão, M. A. B. G. (2011). A inserção bioecológica como método de pesquisa
em psicologia: uma revisão da literatura.
<http://www.inicepg.univap.br/cd/INIC_2011/anais/arquivos/0679_0893_01.pdf>.
Senna, S.R.C.M.; Dessen, M. A. (2012). Contribuições das Teorias do Desenvolvimento
Humano para a Concepção Contemporânea da Adolescência. Psicologia: Teoria e
Pesquisa, v. 28, n. 1, p. 101-108.<http://www.scielo.br/pdf/ptp/v28n1/13.pdf> .
Severino, A. J. (2007) Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev. e atual. São Paulo:
Cortez.
Vidal, A. A. (2007). Estrutura e dinâmica da família sertaneja: estudo exploratório das
famílias agricultoras da região do Maciço de Baturité/CE. Dissertação de mestrado,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, CE.
Yunes, M. A. M.; Juliano, M. C. (2010). A Bioecologia do Desenvolvimento Humano e suas
Interfaces com Educação Ambiental. Cadernos de Educação FaE/PPGE/UFPel, Pelotas,
v. 37, p. 347-
37.<http://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/caduc/article/viewFile/1591/1477> .
BULLYING, SAÚDE MENTAL E TREINO DE HABILIDADES SOCIAIS: UMA

1313
REVISÃO SISTEMÁTICA
Ana Carolina Martins Monteiro Silva
Iara sampaio Cerqueira
Fernanda Catarina Pereira de Sousa
Iolene Alves Silva de Araujo
Leiliane Nascimento Nunes
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
1 Introdução
Os estudos sobre bullying começaram a surgir em meados de 1970 (Lowenstein, 1977),
levando alguns anos para que o assunto começasse a ser discutido com profundidade. Já no
Brasil, pesquisadores começaram a desenvolver temáticas acerca do assunto nos anos 2000
(Carvalhosa, Lima & Matos, 2001; Fante, 2003). Atualmente, o bullying pode ser considerado
uma das maiores temáticas no âmbito escolar, dentro e fora da área da Psicologia. A relevância
dessa temática na área da pesquisa é consequência direta dos efeitos significativamente
negativos que o bullying tem no desenvolvimento da criança e do adolescente durante o período
escolar.
O bulying pode ser físico (brigas corporais), verbal (apelidos pejorativos), e relacional
(exclusões e ciberbullying). Ao se tratar dos papéis que podem ser desempenhados dentro do
bullying, diferentes autores fazem a sua definição. A classificação feita por Avilés (2009)
apresenta a divisão em dois pontos. Em (1), os atores principais: agressores, vítimas,
testemunhas, agressores que também são agredidos, e vítimas agressoras; e em (2), atores
secundários: ajudantes do agressor, defensores da vítima e adultos. No entanto, em se tratando
da relação de bullying, os termos mais utilizados seriam: vítima, agressor, agressor/vítima e
testemunhas.
Dois estudos procuraram da melhor maneira encontrar dados acerca da quantidade de
alunos que praticam e/ou são vítimas de bullying. O estudo transversal de Mello et al. (2017)
teve o objetivo de verificar as associações entre a prática de bullying com variáveis
sociodemográficas e variáveis de saúde mental e comportamento de risco escolares e procurou
analisar os dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE 2015) com 124.227 alunos
matriculados no 9° ano do Ensino Fundamental dos 27 Estados e Distrito Federal. O estudo
obteve como resultado que da amostra, 19.8% afirmaram praticar bullying, mostrando ser mais
comum entre o sexo masculino e em escolas privadas. Esse estudo mostrou que o bullying é um
aspecto relevante que interfere tanto no ensino quanto na aprendizagem das crianças que são
vítimas desse fenômeno.
Essa heterogeneidade em resultados mostra que são necessárias pesquisas que
apresentem resultados de amostras locais e específicas, visto que uma generalização não é
possível, dado a diferença entre escolas e amostras. Essa pesquisa também apresentou a
fragilidade dos alunos frente a essas situações de maus tratos, ao que junto a falta de suporte
social vinda da situação de vulnerabilidade, os alunos apontaram que professores ainda são
omissos perante comportamentos violentos (Mello et. al 2017). Dessa forma, mostra-se
necessário que escolas discutam acerca de investimentos em estratégias para a prevenção do
bullying escolar.
Muitos estudos foram feitos com o objetivo de examinar a saúde mental de crianças que

1314
sofrem com bullying. Uma investigação feita por Salmon, James e Smith (1998) aplicaram
quatro questionários em duas escolas de ensino fundamental dos Estados Unidos, a pesquisa
trouxe como resultados que garotos com altos níveis de ansiedade tinham mais chances de
sofrerem bullying, enquanto garotas com altos níveis de ansiedade eram mais frequentemente
praticantes de bullying. Esse estudo apesar de breve e não poder ser generalizado, foi um marco
importante para o início de estudos sobre como o bullying afeta as crianças.
Em contrapartida, o estudo quantitativo transversal realizado mais de 20 anos após o
estudo supracitado que possui como amostra adolescentes de escolas brasileiras procurou a
relação entre ser vítima de bullying e apresentação de idealização suicida, ansiedade e outros
transtornos mentais. Os resultados apresentaram uma correlação moderada, significativa e
positiva entre ansiedade e vitimização de bullying e idealização suicida, além de que 48,71%
da amostra apresentaram idealização suicida. Os autores concluem que esses números são
preocupantes e que levar o bullying como uma “brincadeirinha” pode ser um fator de risco,
além de representar que durante essas duas décadas, intervenções são tão necessárias,
atualmente, quanto antes (Pimentel, Della Méa & Patias, 2020).
Dado o contexto social, o ambiente digital deve ser considerado ao se discutir bullying,
visto que crianças estão a cada dia entrando mais cedo em ambientes virtuais, com e sem a
supervisão dos pais ou responsável. Em relação ao cyberbullying, diversos estudos falam acerca
dessa associação. Apesar de alguns autores colocarem o cyberbullying apenas como o bullying
ocorrente no ambiente virtual, é necessário que seja levado em consideração que as redes sociais
em si já se mostram como uma ferramenta que pode agravar a ansiedade ou causar o
desenvolvimento de transtornos mentais, podendo assim causar também um déficit no
desenvolvimento das habilidades sociais de crianças e adolescentes (Caplan, 2006; Thatcher,
2007; Younes et. al., 2016).
As habilidades sociais (HS) são atitudes e comportamentos pró-sociais utilizados para
proporcionar interações sociais satisfatórias, desse modo, um conjunto de diversas HS forma
um repertório pessoal de HS, no qual começa a ser desenvolvido desde o nascimento com
continuação ao longo de toda a vida. Quanto mais HS agregadas ao repertório individual, mas
socialmente habilidosa a pessoa é, bem como, possui mais possibilidades de interagir
habilidosamente, proporcionando bons resultados à qualidade das relações interpessoais
(Bolsoni-Silva & Del Prette, 2003).
As classes de habilidades sociais, elaboradas por Del Prette e Del Prette, (2017) segue:
(1) autocontrole e expressividade emocional que se refere a apresentar comportamentos que
demonstram ajustamento emocional, como controlar o humor e a ansiedade e respeitar o seu
próprio limite e o das outras pessoas. (2) civilidade que se refere a tratar com cordialidade as
pessoas, saber o horário de falar, usar as expressões de “por favor, com licença, desculpe e
obrigado”. (3) empatia que é saber observar, ouvir e reconhecer os sentimentos dos outros,
compreender e demonstrar respeito a experiência alheia. (4) assertividade, como se expressar
conforme o que está sentindo, seja a raiva ou desamor, como sentimentos negativos. (5) fazer
amizades: apresentar-se, fazer perguntas, ajudar com a dificuldade de outras pessoas,
cumprimentar, saber receber e dar elogios. (6) solução de problemas interpessoais, a exemplo
de saber acalmar-se diante da ocorrência de algum conflito, analisar e reconhecer a possível
falha de comportamento e pensar em alternativas que diminuam a consequência do problema.
(7) habilidades sociais acadêmicas que corresponde a observar e copiar comportamentos
competentes dos colegas, ignorar as distrações e contribuir com as atividades propostas.
Existe uma necessidade de intervenção para o déficit em habilidades sociais, dado que

1315
gera uma série de consequências, ainda apresentam um forte risco para o bullying (Bejerot,
Edgar & Humble, 2011). O treinamento em habilidades sociais tem se mostrado uma estratégia
eficaz, pois funciona como uma ferramenta contínua usada para o indivíduo e para o grupo, que
se destina a garantir um melhor experiência e efetividade dos relacionamentos interpessoais e
uma maior qualidade de vida, em todos os âmbitos da vida, pois são utilizados certos
procedimentos com a finalidade de melhorar diversos comportamentos em diferentes situações
(Gonçalves, 2015). Segundo esse mesmo autor, o treino de habilidades sociais por ter um
objetivo bem específico, sistemático e contínuo, participa do aprimoramento e desenvolvimento
das relações sociais, já que melhora a competência social do indivíduo.
Um estudo feito por Terroso et al. (2016) descreveu a relação entre habilidades
sociais e bullying, e trouxe resultados que consideram que um bom repertório em habilidades
sociais podem ser um fator de proteção ao bullying, pois a incidência de ser vítima ou agressor
são consideravelmente diminuídas. Ainda sobre os resultados encontrados, obtiveram que os
praticantes de bullying também demonstraram maior dificuldade nas práticas de empatia e
condutas que envolvam uma desenvoltura social, ou seja, os escolares praticantes de bullying
apresentam um baixo repertório de habilidades sociais. Outros estudos também constataram
que os praticantes de bullying apresentam déficit habilidades sociais, e que no geral está
associado a capacidades empáticas e a dificuldade de resolver conflitos (Smångs, 2010; Silva
et al., 2016; Stan, & Beldean, 2014).
É visível a importância da aprendizagem das HS como fator de proteção contra
transtornos e problemas psicológicos (Campos, Del Prette & Del Prette, 2000; Gresham, 2009),
e sinaliza que déficits de habilidades sociais possuem uma correlação significativa com
problemas de comportamento e de aprendizagem, como preconiza a literatura (Casali-
Robalinho, 2012; Feitosa, Del Prette & Del Prette, 2012). Dessa forma, HS são alternativas
viáveis para lidar com bullying e saúde mental a fim de que se possam encontrar estratégias
para o combate ao bullying e preservação da saúde mental, com base nisso objetivou-se realizar
uma revisão sistemática da literatura acerca desses construtos.

2 Método
O processo de revisão sistemática ocorreu com o auxílio do software Covidence, que é
citado como um instrumento adequado para revisões sistemáticas rigorosas, onde a metodologia
deve ser documentada a cada etapa (Kellermeyer, Harnke & Knight, 2018). Essa qualidade
permitiu que todos os artigos fossem analisados de forma online para diminuir o risco de viés
de seleção. As bases de dados citadas previamente identificaram 505 artigos (100%). Em
seguida, seguindo o procedimento escolhido, foi feita a eliminação dos artigos duplicados, que
excluiu um total de 179 artigos, restando 326 (64,5%). A segunda etapa, que foi a etapa de
rastreio, se deu pela análise do título e análise dos resumos. A análise de títulos e de resumos
excluiu 294 artigos por conta da ausência dos critérios de elegibilidade, tanto no título quanto
no resumo do estudo. Dessa forma, restando apenas 32 estudos (6,3%) do total encontrado para
serem analisados na íntegra.
A terceira etapa foi a de elegibilidade, onde foram analisados os estudos na íntegra, de
forma duplo-cega por dois pesquisadores, a fim de verificar se os artigos se enquadram dentro
dos critérios de elegibilidade pré-estabelecidos para a revisão sistemática. Esses critérios foram:
(1) Estar escrito em língua inglesa, espanhola ou portuguesa; (2) Poder ser acessado na íntegra
(full text); (3) Participantes crianças e adolescentes abaixo de 18 anos; (4) Intervenção com
treino em Habilidades Sociais; (5) Design de estudo delineamento experimental e quase
experimental; (6) Qualquer grupo controle e sem grupo controle. (7) Possuir bullying como

1316
desfecho; (8) Desde o primeiro estudo publicado em cada base até o dia 08 de Abril do ano de
2021.
Adicionalmente, foi pré-estabelecido critérios de exclusão: (1) Participantes acima de
18 anos; (2) Treino de habilidades aplicado a outros tipos de bullying que não o escolar; (3)
Intervenções no bullying escolar, mas que não seja treino de Habilidades Sociais; (4)
Delineamentos diferentes de experimental e quase experimental; (5) Não possuir comparação
de antes e depois da intervenção; (6) Estudos de prevenção ao bullying e estudos que não
associam a saúde mental ao bullying.

3 Resultados e Discussão
Após a análise dos 32 estudos, 30 foram eliminados por não cumprirem atenderem a
todos os critérios de elegibilidade, os motivos foram: publicações privadas (n = 20); resultados
divergentes (n = 4); não houve intervenção em habilidades sociais (n = 3); indicador divergente
(n = 1); prevenção de bullying (n = 1); não houve intervenção (n = 1). Assim, para a análise
final apenas dois estudos (0,3%) Ambos os estudos se encontravam em língua inglesa. O estudo
de Bonell et al. (2018) foi publicado em 2018 pela revista The Lancet e é original do Reino
Unido. O segundo estudo de Kimber, Sandell e Bremberg é uma produção sueca publicada em
2008, dez anos de diferença em relação ao outro artigo encontrado para revisão, e foi publicado
pela Health Promotion International.
O primeiro estudo encontrado foi o de Bonell et al. (2018), é um estudo randomizado
do tipo cluster feito em 40 escolas do sudeste da Inglaterra entre 2014 e 2017. Esse estudo foi
feito com alunos de idade entre 11 e 12 anos e após a aplicação da intervenção em habilidades
sociais foi feito um follow-up em 24 e 36 meses, os estudantes, pelo tempo do último follow-
up, tinham a idade entre 14 e 15 anos. O instrumento de intervenção foi o Learning Together,
uma intervenção criada pelos mesmos autores do artigo encontrando, na qual tem como objetivo
geral fazer com que jovens escolham comportamentos mais saudáveis por meio da promoção
da autonomia, motivação e capacidade de raciocínio, dessa forma promovendo relacionamentos
entre estudantes e professores. Das 40 escolas escolhidas, 20 participaram do grupo
experimental e receberam a intervenção, enquanto as outras 20 escolas permaneceram com suas
atividades normalmente como grupo controle.
A intervenção foi dada pela própria equipe da escola após serem treinados para as
atividades da intervenção, além de uma reunião duas vezes por semestre para certificar que a
intervenção estava coordenada com o protocolo. Os estudantes receberam lições de cinco a dez
horas por ano sobre habilidades emocionais e sociais. Para medir os efeitos dessa intervenção
em relação ao bullying foi usado como instrumento o Gatehouse Bullying Scale (GBS) para
nível de vitimização de bullying e para medir a perpetração de comportamento agressivo, foi
usado o Edinburgh Study of Youth Transitions and Crime (ESYTC). Também foi usado no
follow-up de 36 meses o Quality of Life Inventory para qualidade de vida; o Short Warwick-
Edinburgh Mental Well-Being Scale para bem-estar emocional e por fim o Strengths and
Difficulties Questionnaire para encontrar problemas emocionais, comportamentais e problemas
entre pares entre adolescentes; o Modified Aggression Scale, Bullying Subscale para
perpetração de bullying.
Os principais resultados mostraram que Learning Together conseguiu diminuir os
níveis de vitimização por bullying em comparação às escolas controle, no entanto não foi
encontrado redução dos relatos de agressão por anos. De forma geral, foi relatado que a
intervenção apresentou melhores resultados secundários, favorecendo aspectos psicológicos e

1317
de bem-estar. Também em relação ao bullying, os resultados apresentam efeito maior em
escolas de níveis maiores de bullying, mostrando assim que Learning Together colaborou tanto
para reduzir o bullying existente, como também prevenir novos relatos de bullying. Por fim, os
resultados apresentaram maiores efeitos em meninos do que meninas.
O segundo estudo encontrado, foi o artigo de Kimber, Sandell e Bremberg (2008), esse
estudo consiste em um design quase-experimental longitudinal que iniciou em agosto de 2000
e de acordo com os autores, a intervenção continuava a ser aplicada durante o período da
publicação do artigo, em Janeiro de 2008. Os dados de base foram coletados em Maio e os dois
follow-ups foram mensurados respectivamente em Maio de 2001 e Maio de 2002. A população
se deu em duas escolas com alunos de idade variando de 7 a 16 anos.
A intervenção foi por meio do programa SET, que assim como o estudo anterior foi
criado previamente pelos mesmos autores do artigo aqui citado. O programa foi aplicado
durante o horário das aulas, cinco turmas com os alunos mais novos receberam duas sessões
por semana de 45 minutos e as outras turmas receberam 45 minutos uma vez por semana. Os
autores colocam que o objetivo principal do programa SET é desenvolver em cinco funções
essenciais dos estudantes: autoconhecimento, gerenciamento de emoções, empatia, motivação
e competência social.
Como instrumento de medições tanto no dados de base quanto no follow-up foram
usados instrumentos como o I Think I Am (ITIA) para autoimagem e a autoestima, duas versões
foram usadas levando em consideração a idade dos participantes; Youth Self-Report para
mensurar problemas de saúde mental; Mastery para mensurar sentimentos de autoeficácia e
desespero; níveis de bullying foram reportados em uma escala de três itens e por fim foi usado
o The Social Skills Rating System (SSRS), para mensurar o nível de habilidades sociais nos
alunos. Foram usadas versões traduzidas e validadas para sueco para todas as escalas.
Nos principais resultados, foi encontrado que o programa SET possuiu efeitos
favoráveis de níveis pequeno e médio na saúde mental e comportamento relacionados à saúde,
os autores colocam esse resultado como encorajador, visto que a aplicação desse método foi
por meio dos professores e equipe escolar. De forma geral, o estudo não apresentou resultados
significativos em diversos aspectos quando comparado ao grupo controle, não mostrando
resultados favoráveis em aspectos sociais e emocionais. Esse resultado positivo do programa
SET em questões de saúde mental, ao mesmo tempo que não encontra diferença significativa
na área de habilidades sociais, coloca o SET em uma posição de um bom ou moderado
instrumento para promoção de saúde mental, mas não em outros aspectos mais específicos.
Em resumo, na tabela abaixo é possível ver os dados sobre os estudos como objetivos,
design, amostra, instrumentos utilizados e principais resultados.

Estudo (Ano, Objetivos Características Principais


País) Resultados

Design/Protocolo Amostra Instrumentos


Utilizados
1. Bonell et. al. Reduzir o nível Estudo 40 escolas (20 Programa de Learning

1318
(2018, Reino de bullying e controlado em controle e habilidades Together trouxe
Unido) agressão randomizado 20 em sociais Learning maiores
usando uma por cluster com experimental) Together benefícios para
intervenção um processo de muitos resultados
que procura avaliação em No total, 7. Gatehouse secundários, de
desenvolver 40 escolas do 121 Bullying Scale; função
habilidades sudeste da estudantes. GBS psicológica
sociais e Inglaterra. Edinburgh Study melhorada, bem-
emocionais of Youth estar, e qualidade
Transitions and de vida, à redução
Crime (ESYTC) do contato
policial,
tabagismo e uso
de álcool e drogas.

2. Kimber, B.; Analisar os Estudo quase- Nove turmas Programa SET Foi descoberto
Sandell, R. & efeitos do SET experimental escolares que o treinamento
Bremberg, S em problemas longitudinal diferentes, o Think I Am social e emocional
(2008, Suecia) interlizantes e com quatro número total (ITIA) tinha alguns
externalizantes escolas da de estudantes Youth Self-Report efeitos favoráveis
durante os Suécia em não foi de pequeno a
primeiros dois agosto de 2000, divulgado. Mastery médio saúde
anos da duas controles mental e
The Social Skills
implementação e dois comportamentos
Rating System
do programa. experimental. relacionados à
(SSRS)
saúde.

Fonte: dados da pesquisa

Visto acima as informações em detalhes sobre os dois artigos selecionados, é possível


ver que apesar dos dois estudos fazerem uso de um instrumento de intervenção diferente e
instrumentos de medição distintos, ainda é possível ver semelhanças entre eles em seus
resultados.
Embora os estudos não tenham apresentado melhorias significativas em todas as áreas
que procurou aprimorar, ambos os estudos conseguiram ter resultados significativos na área da
saúde mental e bem-estar, mostrando que apesar de serem ferramentas que precisam de
alterações para abordar de forma mais significativa questões de bullying e agressão, ainda
continuam a ser um bom instrumento em questão de saúde mental do estudante que sofre ou
pratica bullying.
Esses resultados corroboram com o estudo de Peixoto, Santos e Meneses (2018), onde
as habilidades sociais se mostraram eficazes na promoção de saúde mental para estudantes do
ensino superior. Nesse estudo, buscou-se averiguar o quão eficaz são as habilidades sociais
frente às relações entre pares e sua predição de saúde mental. Além disso, os autores mencionam
que a pertinência do treino de habilidades sociais é fundamental para garantir melhores
resultados.
Vale reforçar que níveis deficientes de HS estão relacionados a prejuízos em saúde
mental e baixa competência social (Fernandes, Falcone & Sardinha, 2012; Peixoto, Santos &
Meneses, 2018), dessa forma o treino de HS tem como objetivo enriquecer o repertório de
sociabilidade e consequentemente auxiliar na melhoria dos relacionamentos entre pares,
prevenindo conflitos.
Os estudos apresentaram pontos que valem a serem identificados como relevantes. O

1319
estudo de Bunell et al. (2018) se coloca como o primeiro ensaio clínico randomizado que usa a
abordagem íntegra, envolvendo os alunos nas decisões escolares com o objetivo de fornecer
habilidades sociais. Enquanto isso, o estudo de Kimber, Sandell e Bremberg (2008), foi um
estudo longitudinal que cobria todas as séries escolares, dessa forma dando um parâmetro maior
aos resultados encontrados. Assim como relevâncias, também foi encontrado em ambos os
estudos limitações. Questões como: número de participantes na análise final, grandes números
de resultados secundários e também no caso do estudo dois, um estudo quase experimental.
Em relação a essa revisão sistemática, as limitações se encontram em relação à
comparação entre os estudos. Ambos se utilizam de instrumentos de intervenção e instrumentos
de medida diferentes, esse fato vem a causar uma diferença nos resultados encontrados. O
design de caDa estudo também é um fator, visto que enquanto o estudo de Bunell et. al. (2018)
é um estudo experimental do tipo cluster, o estudo de Kimber, Sandell e Bremberg (2008) é um
ensaio quase-experimental longitudinal. Outra questão também pode ser referida a data das
aplicações das intervenções, levando em consideração as datas das intervenções informadas nos
artigos, é encontrada uma distância de 14 anos entre as duas, é impossível não mencionar que
durante esses anos os estudos acerca de intervenções de habilidades sociais foram atualizados
nesta diferença de tempo.

4 Considerações Finais
O presente trabalho visou realizar uma revisão sistemática da literatura acerca dos
construtos bullying, saúde mental e HS, e assim gerou dados que contribuem com o
conhecimento de tais construtos, e que para além da teoria, possibilitam práticas interventivas
pautadas na ciência. Dessa forma, é possível observar que apesar de os resultados com suas
diferenças próprias apontam evidências de uma associação entre a vitimação de bullying e
problemas à saúde mental, sejam elas apresentadas como preditores ou como consequências do
próprio bullying. A diferenciação entre as características dos estudos incluídos pode ser
explicada pelo fato de que as amostras se diferenciam em questões sóciogeográficas. Em
síntese, entender o papel moderador das habilidades sociais no bullying e na saúde mental
através de pesquisas empíricas se faz necessário, e urgente para um período pós-pandemia.

5 Referências
Bejerot, S., Edgar, J., & Humble, M. B. (2011). Poor performance in physical education–A risk
factor for bully victimization. A case‐control study. Acta paediatrica, 100(3), 413-419.
https://doi.org/10.1111/j.1651-2227.2010.02016.x.
Bolsoni-Silva, A. T. & Del Prette, A. (2003). Problemas de comportamento: um panorama da
área. Revista Brasileira de Terapia comportamental e cognitiva, 5(2), 91-103.
https://doi.org/10.31505/rbtcc.v5i2.74.
Bonell, C. et al. (2018). Effects of the Learning Together intervention on bullying and
aggression in English secondary schools (INCLUSIVE): a cluster randomised controlled
trial. The Lancet, 392(10163), 2452-2464. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)31782-
3.
Campos, T. N., Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2000). (Sobre) vivendo nas ruas:

1320
habilidades sociais e valores de crianças e adolescentes. Psicologia: reflexão e crítica, 13,
517-527. https://doi.org/10.1590/S0102-79722000000300019.
Caplan, S. E. (2006). Relations among loneliness, social anxiety, and problematic Internet use.
CyberPsychology & behavior, 10(2), 234-242. https://doi.org/10.1089/cpb.2006.9963.
Carvalhosa, S. F., Lima, L. & de Matos, M. G. (2001). Bullying: a provocação/vitimação entre
pares no contexto escolar português. Análise psicológica, 19(4), 523-537.
https://doi.org/10.14417/ap.384.
Casali-Robalinho, I. G., Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2015). Habilidades Sociais como
Preditoras de Problemas de Comportamento em Escolares. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
31, 321-330. https://doi.org/10.1590/0102-37722015032110321330.
Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria
e prática. Editora Vozes Limitada.
Del Prette, Z. A. P., Paiva, M. L. M. F. & Del Prette, A. (2005). Contribuições do referencial
das habilidades sociais para uma abordagem sistêmica na compreensão do processo de
ensino-aprendizagem. Interações, 10(20), 57-72.
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=35402005.
Del Prette, Z. A. & Del Prette, A. (2003). Light, camera, action: developing a multimedia
system to evaluate children social skills. Avaliação Psicológica, 2(2), 155-164.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/avp/v2n2/v2n2a06.pdf.
Fante, C. A. Z. (2003). Fenômeno bullying: Estratégias de intervenção e prevenção entre
escolares (uma proposta de educar para a paz). São José do Rio Preto, SP: Ativa.
Fernandes, C. S., Falcone, E. M. D. O., & Sardinha, A. (2012). Social skills deficts in
depression: a comparative study. Psicologia: teoria e prática, 14(1), 183-196.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v14n1/v14n1a14.pdf.
Feitosa, F. B., Del Prette, Z. A., & Del Prette, A. (2012). Social skills and academic
achievement: The mediating function of cognitive competence. Temas em Psicologia,
20(1), 61-70. http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=513751439006.
Gonçalves, F. G. (2015). Bullying em adolescentes: validade de constructo do questionário de
bullying de olweus e associação com habilidades sociais.
http://hdl.handle.net/10183/118329.
Gresham, F. M. (2009). Análise do comportamento aplicada às habilidades sociais. Psicologia
das habilidades sociais: Diversidade teórica e suas implicações, 17-66.
Hinshaw, S. P. (1992). Intervention for social competence and social skill. Child and Adolescent
Psychiatric Clinics, 1(2), 539-552. https://doi.org/10.1016/S1056-4993 (18)30602-3.
James, A. (2010). School bullying. Res briefing Nedlastet fra www nspcc org uk/inform, 26,
2012.
Kellermeyer, L., Harnke, B. & Knight, S. (2018). Covidence and Rayyan. Journal of the
Medical Library Association: JMLA, 106(4), 580. 10.5195/jmla.2018.513.
Kimber, B., Sandell, R. & Bremberg, S. (2008). Social and emotional training in Swedish
classrooms for the promotion of mental health: results from an effectiveness study in
Sweden. Health Promotion International, 23(2), 134-143.

1321
https://doi.org/10.1093/heapro/dam046.
Lowenstein, L. F. (1977). Who is the bully?. Home & School.
Martinez, J. M. A. (2009). Victimización percibida y bullying: factores diferenciales entre
víctimas. Boletín de Psicología, 95, 7-28
https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2933569.
Mello, F. C. M. et al (2017). A prática de bullying entre escolares brasileiros e fatores
associados, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2015. Ciência & Saúde Coletiva, 22,
2939-2948. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.12762017.
Olweus, D. (2011). Bullying at school and later criminality: Findings from three Swedish
community samples of males. Criminal behaviour and mental health, 21(2), 151-156.
https://doi.org/10.1002/cbm.806.
Peixoto, A. C., Santos, C. B. & Meneses, R. F. (2018). Habilidades sociais na promoção de
saúde: preditoras da saúde mental e sexual. Psicologia, saúde & doenças, 19(1), 11-17.
http://dx.doi.org/10.15309/18psd190103.
Pimentel, F. D. O., Della Méa, C. P. & Patias, N. D. (2020). Vítimas de bullying, sintomas
depressivos, ansiedade, estresse e ideação suicida em adolescentes. Acta colombiana de
psicología, 23(2), 205-240. http://www.doi.org/10.14718/ACP.2020.23.2.9.
Salmon, G., James, A. & Smith, D. M. (1998). Bullying in schools: self reported anxiety,
depression, and self esteem in secondary school children. BMj, 317(7163), 924-925.
https://doi.org/10.1136/bmj.317.7163.924.
Silva, J. L. D. et al. (2018). Intervention in social skills and bullying. Revista Brasileira de
Enfermagem, 71, 1085-1091. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0151.
Silva, J. L. et al (2016). The effects of a skill-based intervention for victims of bullying in
Brazil. International journal of environmental research and public health, 13(11), 1042.
https://doi.org/10.3390/ijerph13111042.
Smångs, M. (2010). Delinquency, social skills and the structure of peer relations: Assessing
criminological theories by social network theory. Social Forces, 89(2), 609-631.
https://doi.org/10.1353/sof.2010.0069.
Stan, C. & Beldean, I. G. (2014). The development of social and emotional skills of students-
ways to reduce the frequency of bullying-type events. Experimental results. Procedia-
social and behavioral sciences, 114, 735-743.
https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2013.12.777.
Terroso, L. B. et al. (2016). Habilidades sociais e bullying em adolescentes. Temas em
psicologia 24(1), 251-259. http://dx.doi.org/10.9788/TP2016.1-17.
Thatcher, J. B et al. (2007). Internet anxiety: An empirical study of the effects of personality,
beliefs, and social support. Information & Management, 44(4), 353-363.Younes, F. et al.
(2016). Internet addiction and relationships with insomnia, anxiety, depression, stress and
self-esteem in university students: A cross-sectional designed study. PloS one, 11(9),
e0161126. https://doi.org/10.1016/j.im.2006.11.007.
EIXO 21

1322
TEMAS TRANSVERSAIS

ESTRATÉGIAS LÚDICAS NA ABORDAGEM COGNITIVO-COMPORTAMENTAL:


RELATO DE EXPERIÊNCIA
Letícia Pereira Louzeiro
Mateus Egilson da Silva Alves
Edivaldo Alves Leal Filho
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros

Introdução
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) foi desenvolvida por Aaron T. Beck em
1960, e é caracterizada principalmente por ser uma terapia de curto prazo com orientação
direcionada para a solução de problemas através de estratégias e técnicas específicas (Beck,
2013; Santos, 2017). A TCC postula que as emoções, os comportamentos e as reações físicas
do indivíduo são influenciados pela interpretação e significação que o mesmo faz de uma
determinada situação. Esse entendimento é um dos pressupostos básicos do trabalho formulado
por Beck, chamado de modelo cognitivo, neste modelo é levado em consideração que as
experiências anteriores vividas pelo indivíduo, o direciona a determinadas formas de pensar
fixas e rígidas que vão gerir seu comportamento, emoções e reações físicas, diante de situações
e/ou eventos (Stallard, 2009; Beck, 2013).
A abordagem Cognitivo-Comportamental enquanto prática direcionada para o manejo
do público infantil teve seu surgimento na década de 70, porém mesmo sendo uma terapia
diretiva e estruturada, deve ser adaptada para ajustar-se às características individuais do
desenvolvimento infantil como é apontado por Silva e Rocha (2016). Dessa forma nem todos
os procedimentos que fazem parte da conjectura da TCC utilizados em adultos irão também ser
utilizados em crianças, mas também há estratégias que podem e devem ser adaptadas para o
trabalho com o público infantil, como é o caso da psicoeducação e da mudança comportamental.
Essa primeira, a psicoeducação, se constitui como uma forma de aprendizagem capaz de
proporcionar ao indivíduo o desenvolvimento de pensamentos, ideias e reflexões sobre si, as
pessoas e o mundo e quais comportamentos deve emitir diante das situações e/ou eventos, isto
ocorre através de atividades que podem colaborar justamente na reflexão e obtenção de valores
e consequente mudanças dos mesmos (Nogueira et al., 2017).
As ferramentas supracitadas são consideradas como mais pertinentes e eficazes no
trabalho com crianças do que outras ações como a exploração dos pensamentos automáticos
que estão relacionadas a um nível de cognição e maturação mais elevado (Heinen et al., 2019).
Assim, alguns conceitos presentes no modelo cognitivo da TCC como os de emoções,
sentimentos, pensamentos, problemas e etc., precisam de representações concretas para serem
trabalhados e se tornem mais fáceis de serem compreendidos pelas crianças (Paula & Mognon,
2017). Nesses aspectos, a terapia cognitiva se baseia em capacidades verbalmente cognitivas e
deve-se considerar cuidadosamente as idades das crianças bem como suas habilidades
cognitivas, além de adaptar o nível de intervenção referente a idade da criança em relação ao

1323
seu desenvolvimento. As crianças tendem a aprender com mais facilidade ao se usar técnicas
cognitivas simples, com autoinstrução e intervenções comportamentais, ao passo que os adultos
e adolescentes se beneficiam com técnicas mais elaboradas que exigirá maior atenção e análise
racional (Friedberg & McClure, 2019).
Para isto, devem ser utilizados diversos artifícios lúdicos com o público infantil, como,
por exemplo, os balões de pensamentos que consistem em uma técnica da TCC de abordagem
não verbal onde são apresentadas figuras ou quadrinhos à criança e é pedido para ela sugerir o
que os personagens da figura estão pensando. Outra ferramenta que também ganha destaque
são os fantoches ou peças de teatro, que se tornam relevantes quando a criança tem dificuldades
de se expressar, pois a auxilia no processo de supor o que os fantoches e marionetes estão
imaginando durante a encenação, assim esses bonecos podem ser uma forma delas perceberem
a si mesma diante de várias situações e pensarem formas alternativas diante desses
acontecimentos (Stallard, 2009).
Outra ferramenta que possibilita uma maneira lúdica de contribuir para o
desenvolvimento cognitivo da criança é a música, pois é por meio de atividades como: jogos,
brincadeiras, cantar, tocar e escutar que o indivíduo se torna capaz de identificar e reconhecer
as propriedades do som e da música (timbre, melodia, ritmo e harmonia), o que propicia a
aprendizagem de regras e as dimensões de tempo, espaço e altura. Atividades que envolvem
música têm o benefício de estimular a criatividade, promover afetividade com o próximo e
estimular além do desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento motor (Santos, 2018). Tendo
a música como ferramenta lúdica a criança pode desenvolver suas habilidades em busca de
soluções de problemas, potencializando a capacidade de memória e percepção, sendo possível
observar aspectos da subjetividade (Lodi & Souza, 2018).
Logo, estas técnicas visam estimular, complementar e fortalecer diversas competências
em crianças que se constituem nas habilidades socioemocionais, sendo estas o conjunto de
capacidades de lidar e reconhecer emoções, definir e cumprir metas, estabelecer e manter
relações positivas e tomar decisões de forma responsável, ou seja, consistem no
desenvolvimento das inteligências interpessoais e intrapessoais, as quais todos nós
apresentamos e podemos potencializar, assim como os estilos cognitivo-afetivos que estão
presentes em maior ou menor intensidade (Almeida et al., 2018; Abed, 2016).
Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo relatar a experiência da
execução de uma oficina realizada com crianças, que visou estimular o desenvolvimento de
habilidades socioemocionais através da ludicidade e do emprego de técnicas da Terapia
Cognitivo-Comportamental, considerando-se primordialmente as emoções primárias (alegria,
amor, tristeza, medo, raiva e nojo), visto limitações de tempo e espaço apropriados.

Método
Local
A oficina fez parte de atividades relacionadas a um evento satélite que pretendia
envolver crianças à prática da leitura, em conjunto com outros aspectos de seu desenvolvimento
intelectual e sócio emocional. O referido evento ocorreu nas dependências de uma universidade
pública na cidade de Parnaíba-PI.
Participantes

1324
A proposta aconteceu em dois momentos, cada um com duração média de 1h15min com
participação, em média, de 25 alunos (faixa etária entre 9 a 11 anos) do ensino fundamental de
uma escola da rede pública de ensino da cidade de Parnaíba – Piauí. As atividades da oficina
foram coordenadas e supervisionadas por uma professora do curso de Psicologia com atuação
na ênfase da TCC, contando com facilitadores, que foram seus alunos de estágio profissional
do referido curso.

Instrumentos
Foram utilizados para a realização da oficina Datashow, caixa de som e computador,
que facilitaram a exibição de vídeos. Imagens impressas para uso nas atividades. Violão para
momento lúdico musical. Fantoches feitos com feltro, representando personagens diversos
utilizados para contar história e folders com resumo da temática abordada na oficina como
informativo para os participantes, e seus respectivos familiares e educadores.

Procedimentos
Inicialmente, a orientadora e os facilitadores da intervenção foram responsáveis por
estipular o cronograma com as ações a serem realizadas com as crianças, buscando otimizá-las
para que a aplicação das dinâmicas envolvessem teoria e prática dentro do espaço curto de cada
momento da oficina. Sendo desenvolvidas, então, três fases em cada turno da oficina, que
abarcaram atividades com todo o grupo de alunos presentes no momento.
- 1º fase
A primeira fase da oficina se dedicou a apresentação da proposta aos alunos
participantes, de seus facilitadores e da orientadora. Logo após, havendo o estabelecimento de
regras de funcionamento das atividades em grupo, para que ocorressem de forma co-
participativa, sendo destacadas o respeito às opiniões e sigilo das informações dentro do grupo.
Nesse momento, também se dividiu sete subgrupos entre as crianças, com a presença de um
aluno facilitador em cada um deles, com a intenção de que cada grupo posteriormente
representasse uma emoção (alegria, raiva, tristeza, alegria, amor, medo e nojo), bem como para
que facilitasse a atenção das crianças caso se dispersassem, sendo em seguida já iniciadas as
atividades da oficina.
- 2º fase
Para a segunda fase, com as crianças já divididas em pequenos grupos, se iniciou a
primeira atividade, em que estes foram postos a assistir e acompanhar o clipe da música “Onde
se fabrica o pensamento” do grupo infantil “Mundo Bita”, como forma inicial de trazer a
atenção para a temática abordada, quando o clipe retrata sobre as emoções e pensamentos. Com
a música, logo em seguida, sendo cantada com voz e violão por um dos facilitadores, com todos
os demais o acompanhando, para a fixação das emoções básicas que podemos sentir. Após esse
espaço musical, foi exibido o trailer do filme “Divertidamente” que reforçava os exemplos das
emoções presentes no clipe da música, a partir dos pensamentos de uma menina, para que daí
pudéssemos relacionar as emoções aos pensamentos, que viriam a ser aprofundados nas
atividades de reconhecimento das emoções e pensamentos a partir de imagens.
Assim, as atividades nomeadas de “reconhecimento do papel do pensamento nas
emoções” e “reconhecendo as emoções” decorreram em seguida, respectivamente. A primeira
acontecendo em cada subgrupo que abordava sobre como as crianças conseguiam entender que

1325
as emoções estavam ligadas essencialmente ao pensamento, a situação e ao comportamento. E
a segunda, ocorrendo com cada facilitador que já estava com uma emoção designada
anteriormente, instruiu seu grupo a encenar para os demais adivinharem qual emoção estava
sendo representada. Com isso, logo em seguida, um dos integrantes colou em um quadro a
expressão da imagem correspondente a cada uma das emoções. De modo que ambas as
atividades, objetivavam auxiliar as crianças a reconhecerem em que consiste cada emoção
básica, como costuma-se expressar essas emoções e como estão ligadas a seus pensamentos e
interpretações das situações.
- 3º fase
Para essa fase, e já finalizando as atividades da oficina, buscou-se reforçar a capacidade
das crianças de associação do que foi apresentado, agora por meio do uso de objetos lúdicos.
Para tanto, os facilitadores ainda em seus subgrupos, se utilizavam de fantoches para criar uma
pequena história, em que os personagens passavam por situações envolvendo empatia e o uso
das emoções. Após a criação das histórias por cada subgrupo, estas foram contadas e explicadas
pelas próprias crianças, em que falaram como entendiam quais emoções envolviam os
personagens e o que poderia os ter levado a se sentirem desse modo.
Tais conclusões, impulsionaram para a realização da última atividade, agora em forma
de roda de conversa com todas as crianças e a equipe da oficina, de modo que “desenvolvendo
a empatia” acabou por ser o tema de discussão, buscando-se, sobretudo ressaltar a compreensão
e desenvolvimento desta habilidade social nessa fase da vida. Finalmente, como forma de
encerramento, foram distribuídos às crianças os folders com um breve resumo sobre a TCC,
onde foi resumido a retroalimentação existente entre as emoções, pensamentos,
comportamentos e situações para que pudessem retomar as mensagens trazidas durante a
oficina, posteriormente com os pais, colegas e educadores.

Resultados e Discussão
As intervenções tiveram como base a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC),
especificamente utilizou-se da psicoeducação que tem por objetivo orientar o sujeito em relação
a aspectos da vida, tais como as consequências de um comportamento, a construção de crenças,
valores, sentimentos e a repercussão destes na vida do indivíduo e na dos outros (Nogueira et
al., 2017). Dentro da técnica foram trabalhados três temas: reconhecimento de pensamentos:
controlando as emoções, e reconhecimento e expressão dessas emoções, assim como a empatia.
Para cada tema, atividades foram executadas a fim de alcançar os objetivos propostos.
Na segunda fase da oficina, através da música que é vista por Barros, Batista e Silva
(2017) como um método facilitador no processo de desenvolvimento da criança, a atividade
executada foi capaz de desenvolver a concentração, memorização de conteúdos e habilidades
psicomotoras em seus participantes. Dessa forma, fez-se uso dessa prática a fim de captar a
atenção para o conteúdo abordado e explorar as emoções, já que a música favorece a eliciação
de respostas emocionais (Moura, 2016). Foi possível perceber que as crianças interagiram muito
mais e ficaram mais desinibidas, ao acompanhar a letra da música e cantar, pela presença do
instrumento e pela dinâmica dos facilitadores.
O recurso da música teve sua utilidade alcançada por permitir que as crianças
aprendessem sobre os conceitos brincando, sorrindo e cantando, pois decoravam a letra da
música e ao pedir para que sintetizassem o que haviam compreendido da letra, conseguiam
fazer sem grandes dificuldades, além de conseguirem assimilar com situações do dia a dia
quando interrogadas sobre exemplos de emoções. Algumas se sentiram retraídas ou

1326
envergonhadas de início, mas no decorrer da atividade iam se soltando e tendo mais
participação na dinâmica. Assim, o processo de aprendizagem se constituiu como facilitador e
agradável, estimulando cada vez mais a interação e interesse das crianças em participarem,
tornando a atividade lúdica um potencial para desenvolver a criatividade e a capacidade de
pensar, criar e fazer (Lodi & Souza, 2018).
Além disso, a música pôde contribuir em vários âmbitos na atividade, ela levou as
crianças a significação e representação das tarefas, sendo uma forma de quebrar atividades
totalmente mecânicas que não são atrativas, nesses aspectos subtende-se que a música como
recurso lúdico contribui para estimular o prazer no sujeito bem como seus processos cognitivos,
emocionais e afetivos (Santos, 2018).
Por conseguinte, houve a apresentação do trailer do filme “Divertidamente” que
mostrou a sala de comando de cinco sentimentos (alegria, amor, tristeza, medo, raiva e nojo)
da personagem “Riley”, buscando representar a mente de uma pessoa com seus pensamentos,
sentimentos, emoções e memórias, como também de que maneira esses diferentes aspectos
influenciam no que Riley faz. Dessa forma, através das cenas do filme foi possível abrir espaço
para uma reflexão de como estão envolvidas: a nossa maneira de pensar, como nos sentimos e
o que fazemos, já que o longa-metragem aborda lições importantes como o reconhecimento de
que não existe sentimento melhor ou pior, de que a alegria é ótima, mas a tristeza, o medo, o
nojo e a raiva também são necessários, de que o segredo para uma vida saudável está em
equilibrar as emoções e de que as emoções e sentimentos marcam nossas memórias, pois nós
temos um verdadeiro arquivo de memórias que é a nossa mente.
Nesta atividade, as crianças se mostraram bastante empolgadas ao identificar as
emoções e associar com reações e comportamentos que os personagens do filme emitiam.
Muitas explanaram para o grupo sobre situações parecidas que ocorriam consigo mesmo, com
os colegas ou com pessoas conhecidas, falaram sobre emoções que gostavam e não gostavam
de sentir. Relataram também sobre o que faziam no dia a dia, em casa e na escola para afastar
as emoções ruins e aproximar as emoções boas como estratégia para se sentirem melhores e
terem bons relacionamentos com quem conviviam.
Na segunda fase da oficina foram desenvolvidas as atividades “reconhecimento do papel
do pensamento nas emoções” e “reconhecendo as emoções”. Na primeira atividade, onde foram
discutidos sobre a ligação existente entre as emoções, os pensamentos, os comportamentos e as
situações, as crianças foram capazes de reconhecer as diferentes emoções. Indo de encontro ao
que Aguiar et al. (2016) apontam, afirmando que a capacidade de reconhecer emoções é
essencial para a interação humana e ocorre desde a infância.
Nesta etapa, as crianças também foram capazes de compreender que todas as emoções
são importantes, apesar de algumas serem desagradáveis de sentir. Aprenderam que, diante de
uma emoção, temos um comportamento construtivo ou destrutivo e que precisamos saber lidar
com tudo isso para não gerar problemas. Santos e Franco (2018), afirmam que
existem evidências empíricas apontando a compreensão emocional como um dos fatores para
o ajustamento social e a promoção de saúde mental, dessa forma o reconhecimento das
emoções, a compreensão das causas externas que levaram a tais emoções e a influência da
lembrança nas emoções é algo importante para ajudar no desenvolvimento saudável da criança.
Ainda nessa fase, os participantes da oficina também foram instruídos a perceber que a
forma como as situações são analisadas nos fazem identificar e sentir diferentes emoções, como
corrobora Del Prette e Del Prette (2017) ao afirmarem que quando a criança identifica e
expressa suas emoções e sentimentos em determinada situação, ela fornece pistas sobre seu
comportamento e as condições em que ele ocorreu, além de sinalizar quanto a prováveis

1327
condições relacionadas ao seu comportamento atual e futuro.
Na segunda atividade desta etapa, que consistiu na encenação das emoções, as crianças
de cada grupo que se sentiu mais a vontade de participar, fizeram uma atuação da emoção
designada anteriormente correspondente ao seu grupo. Foi perceptível que muitas crianças
apresentavam a emoção por meio de situações do dia a dia, gestos e expressões faciais. Na
raiva, por exemplo, a expressão corporal e ruborizada da face foi algo marcante, já no medo,
utilizaram um papel para representar um bicho e a criança efetuou um salto para longe do objeto,
como forma de retratar o afastamento do que lhe causa temor. Durante as encenações, o restante
do grupo tentava adivinhar qual emoção estava sendo expressa, o que fez com que houvesse a
interação da equipe como um todo.
A literatura aponta através de Zappa e Santos (2019), que é por meio do fazer teatral
que as crianças têm a oportunidade de se desenvolverem fisicamente, biologicamente,
cognitivamente e socialmente, pois através da interação com o outro e com o meio há a
construção de uma ação participativa e efetiva com valores que visam à representação e gestão
de suas próprias emoções, proporcionando assim mais qualidade de vida e sentimento de
interdependência. Del Prette e Del Prette (2017) também trazem a encenação das emoções
juntamente com o acompanhamento do profissional psicólogo, como uma atividade facilitadora
capaz de auxiliar a criança a identificar suas emoções, pois exige dela principalmente, a
habilidade de se expressar emocionalmente.
Na terceira fase da oficina, que contou com a utilização de histórias narradas por meio
de fantoches, pode-se perceber que essa intervenção lúdica, a partir de seus elementos de
formulação, é tida como uma proposta onde o espaço do brincar possibilita a interação entre o
lúdico e o real e se relaciona com as experiências dos participantes (Reis, Silva & Santos, 2017).
No caso da história utilizada, foi trazida uma vivência de uma garotinha que se excluía dos
demais colegas por conta de seus pensamentos automáticos que a faziam se afastar de situações
que a remetesse outra situação ruim ocorrida anteriormente. Dessa forma, foi abordado tanto
sobre os conceitos da TCC presentes na história como também sobre a empatia e a importância
do diálogo com o outro para solucionar problemas.
As crianças identificaram na história: a situação, os pensamentos, as emoções e os
comportamentos dos personagens, e relataram sobre o que poderia ser feito para amenizar o
problema e ajudar os personagens. Nesse momento, foi estimulado o desenvolvimento da
empatia e percebeu-se que os participantes da oficina além de criar situações alternativas do
que a personagem poderia ter feito também se colocaram na posição dela, relatando como se
sentiam e quais atitudes poderiam tomar se aquilo tivesse ocorrido com os mesmos. Assim, a
partir da utilização dos fantoches, as crianças puderam associar concepções entre o real e o
imaginário a partir de seus sonhos e pensamentos, prolongando a visão inventiva e curiosa sobre
si mesmos, os outros e o mundo (Alencar Reis et al., 2017).
A aplicação destes diferentes elementos e instrumentos para a execução das atividades
corrobora ao que já vem sendo apontado pela literatura no que tange às vantagens do emprego
de diferentes linguagens e formas de trabalho pedagógico a fim de desenvolver habilidades
socioemocionais em crianças. Algumas dessas vantagens estão presentes no fato de que todas
as crianças são contempladas em suas preferências em algum momento e todos os envolvidos
na dinâmica podem tanto fortalecer seus pontos fortes quanto desenvolver seus pontos fracos
(Abed, 2016).
Considerações Finais

1328
Diante do presente relato de trabalho desenvolvido com crianças por meio da oficina
aqui apresentada, é possível conceber que experiências teórico-práticas referentes à abordagem
cognitivo-comportamental, podem ser adotadas enquanto metodologia para um projeto
introdutório e dinâmico, observando-se o tempo de execução e o público ao qual se direciona.
No caso em questão, deve-se considerar a ampliação e o aprofundamento da intervenção, pois
houve limitações quanto ao tempo e espaço que não foram totalmente adequadas por se tratar
de um ajuste ao evento satélite. Todavia, isso não impossibilitou que a ação se mostrasse uma
ferramenta potente e significativa quanto ao desenvolvimento dos objetivos do projeto e da
programação traçada.
Ademais, a prática abordada, respaldada na TCC, teve pressupostos importantes como
o modelo cognitivo, a psicoeducação e o desenvolvimento das habilidades socioemocionais
adaptados ao manejo desde os primeiros anos de vida. Tendo isso em vista é preciso observar
que atualmente emergem diversas questões no contexto em que vivemos, onde mudanças
ocorrem rapidamente, a tecnologia avança a todo o momento e capta cada vez a atenção da
criança que por sua vez possui necessidades, vontades e dinâmicas específicas. Dessa forma, o
fazer psicológico tem de estar atento a essas diversas mudanças e transformações, a fim de
acompanhá-las com o objetivo de proporcionar qualidade de vida e potencializar as habilidades
e competências infantis.
Portanto, o presente relato representa uma forte contribuição ao conhecimento teórico
e prático do profissional psicólogo, o proporcionando pensar, criar e executar estratégias lúdicas
com o público infantil, agregando na inovação, adaptação e atualização no campo da
psicologia.
Por fim, é fundamental a continuidade de práticas conforme as versadas no presente
relato, assim ressalta-se como indicação para as próximas oficinas o envolvimento de pais e
educadores juntamente com as crianças e facilitadores no processo de execução da dinâmica.
Dessa forma, a intervenção contempla não só a Terapia Cognitivo-Comportamental e a
academia, como também a comunidade, em especial o público infantil que são os mais
beneficiados por fazeres éticos, respaldados em teorias e compostos por devolutivas.

Referências
Abed, A. L. Z. (2016). O desenvolvimento das habilidades socioemocionais como caminho
para a aprendizagem e o sucesso escolar de alunos da educação básica. Construção
psicopedagógica, 24(25), 8-27. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
69542016000100002&lng=pt&tlng=pt.
Aguiar, J. S. R., Silva, A. I., Aguiar, C. S. R., Torro-Alves, N. & Souza, W. C. (2016). A
influência da intensidade emocional no reconhecimento de emoções em faces por crianças
brasileiras. Universitas Psychologica, 15(5), 1-9. Disponível em:
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=64750042025.
Alencar Reis, A. C., Silva, T. P. & Santos, E. I. (2017). Leitura animada: articulando contação
de história e teatro de fantoches na concepção de um espaço lúdico-interativo para a
abordagem de temáticas científicas. Anais III Seminário Luso-Brasileiro de Educação
Infantil, Alagoas, Brasil. Disponível em: https://www.slbei.com/anais-iiislbei.
Almeida, Á., Pereira, A. P. P., Zauza, G., Batista, L. S., Seabra, A. G. & Dias, N. M. (2018).

1329
Educação infantil e desempenho cognitivo e socioemocional. Revista Psicopedagogia,
35(108), 281-295. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
84862018000300004&lng=pt&tlng=pt.
Barros, L. J. F. B. D., Batista, M. M. & Silva, S. L. S. M. D. (2017). A importância da música
como meio facilitador no processo de desenvolvimento da criança. Revista Científica
UNAR, 15(2), 126-141. Disponível em:
http://revistaunar.com.br/cientifica/documentos/vol15_n2_2017/09_MUSICALIZA%C3
%87%C3%83O_NO_PROCESSO.pdf.
Beck, J. S. (2013). Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed:
Artmed Editora.
Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. (2017). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria
e prática. São Paulo: Editora Vozes Limitada.
Friedberg, R. D. & McClure, J. M. (2019). A Prática Clínica da Terapia Cognitiva com Crianças
e Adolescentes. São Paulo: Artmed Editora.
Heinen, M., Fonseca, C. C. R., Guarisse, V. & Silva Oliveira, M. (2019). Intervenção baseada
em um protocolo de terapia cognitivo comportamental: um relato de experiência com
crianças no ambiente escolar. Aletheia, 52(2), 192-204. Disponível em:
http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/aletheia/article/view/5591.
Lodi, I. G. & Souza, L. M. (2018). A música como instrumento lúdico pedagógico na Educação
Infantil. Revista Evidência, 14(15). 27-41. Disponível em:
https://www.uniaraxa.edu.br/ojs/index.php/evidencia/article/view/592.
Moura, A. K. G. D. (2016). A música como terapia no desenvolvimento da criança autista.
Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal da Paraíba, UFPB, Paraíba, Brasil.
Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/1212.
Nogueira, C. A., Crisostomo, K. N., Santos Souza, R. & Prado, J. D. M. (2017). A importância
da psicoeducação na terapia cognitivo-comportamental: uma revisão sistemática. Hígia-
revista de ciências da saúde e sociais aplicadas do oeste baiano, 2(1), 1-12. Disponível
em: http://noar.fasb.edu.br/revista/index.php/higia/article/view/190
Paula, C. & Mognon, J. F. (2017). Aplicabilidade da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)
no tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) na infância:
revisão integrativa. Cadernos da Escola de Saúde, 17(1), 76-88. Disponível em:
https://portaldeperiodicos.unibrasil.com.br/index.php/cadernossaude/article/view/3080.
Santos, C. E. M. & Assis Medeiros, F. (2017). A relevância da técnica de questionamento
socrático na prática Cognitivo-Comportamental. Archives Of Health Investigation, 6(5),
204-208. Disponível em:
https://pdfs.semanticscholar.org/0964/70478bf6cdade61f743253ddcd8e3726533d.pdf.
Santos, G. F. S. (2018). Oficinas de música como um recurso do psicopedagogo para o
desenvolvimento da aprendizagem de crianças com e sem deficiências. Dissertação,
Universidade Santo Amaro, São Paulo, Brasil. Disponível em:
http://dspace.unisa.br/handle/123456789/266.
Santos, N. N. & Franco, G. (2018). Fatores que Influenciam o Desenvolvimento da

1330
Compreensão Emocional. Amazônica-Revista de Psicopedagogia, Psicologia escolar e
Educação, 21(1), 25-55. Disponível em:
http://periodicos.ufam.edu.br/index.php/amazonica/article/view/4705.
Silva, A. V. & Rocha, A. C. (2016). Ludoterapia no tratamento terapêutico da depressão
infantil: um estudo a partir do pensamento cognitivo-comportamental. Revista Uningá
Review, 28(1), 61-69. Disponível em:
http://revista.uninga.br/index.php/uningareviews/article/view/1856.
Stallard, P. (2009). Guia do terapeuta para os bons-pensamentos, bons-sentimentos. São Paulo:
Artmed Editora.
Zappa, P. & Santos, B. L. D. (2019). Jogos teatrais na escola: uma possibilidade de auxílio no
desenvolvimento biopsicossocial e cognitivo da criança. Educação, Cultura e
Comunicação, 10(19), 149-162. Disponível em:
http://unifatea.com.br/seer3/index.php/ECCOM/article/view/958.
REDES SOCIAIS E USO DA INTERNET: DA INTERAÇÃO À ANSIEDADE E

1331
INSATISFAÇÃO COM A IMAGEM CORPORAL
Karina Alves de Oliveira
Thayz Costa Mesquita
Marcilene Araújo Dias
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Introdução
O presente trabalho parte de uma pesquisa de aprofundamento teórico para o
desenvolvimento de atividades formativas no âmbito do projeto de extensão universitária
intitulado de “Interfaces entre Psicologia e Inovação Educativa”, realizado pelo Núcleo de
Estudos em Psicologia e Inovação Educativa (NEPSIN). Entre as ações do projeto foram
oferecidos minicursos abertos para a comunidade em geral, voltados tanto para estudantes e
educadores de vários níveis de ensino como para o público interessado pelo assunto. As
temáticas dos minicursos se voltam para a interface psicologia e inovação educativa, com
objetivo de promover o desenvolvimento de competências para uso estratégico, produtivo,
seguro, responsável e ético das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC).
Neste sentido, o presente trabalho é parte da capacitação teórica para a oficina “Redes
Sociais e o Uso Seguro da Internet” levada a cabo no âmbito do minicurso “Cyberbullying e
uso seguro da internet”, no qual foi abordado a relação entre as TDIC e a saúde mental,
evidenciando-se os pontos positivos e negativos das redes, bem como seus meios de proteção e
segurança.
Como ponto de partida, podemos dizer que o mundo está e sempre esteve em constante
mudança, principalmente no que se refere ao aspecto social e cultural. Entretanto, este processo
ganha características peculiares com o advento da internet e acelerado desenvolvimento e uso
das TDIC nos diversos setores sociais. A partir de então, o mundo e as relações tornam-se cada
vez mais virtualizadas, acarretando inúmeras mudanças no modo de interação social, afetando
e influenciando diretamente as pessoas tanto na vida pessoal, como profissional, social e
psicológica (Sousa & Rodrigues, 2016).
De acordo com Sousa (2019), tendo em vista todas as mudanças ocorridas a partir do
surgimento das TDIC, é necessário atentar-se para uma problemática em específico, que é o
acentuado crescimento dos padrões e estereótipos de beleza impostos pela mídia. Nesse aspecto,
o apelo ao corpo perfeito está constantemente presente nas redes sociais, o que faz com que seu
uso se torne um fator gerador ou potencializador de ansiedade em adolescentes e jovens.
A intensificação da ansiedade está associada à constante exposição nas mídias sociais,
que muitas vezes podem causar um sentimento de não estar aproveitando a vida, levando o
sujeito a ter atitudes de comparar a sua vivência pessoal com a vida virtual representada nas
redes sociais (Royal Society for Public Health, 2017).
Diante da relevância dessa temática na atualidade, a realização de estudos e pesquisas
na área são importantes para compreender as implicações que advêm do uso excessivo das
TDIC. Desse modo, este trabalho tem o objetivo de discutir os aspectos positivos e negativos
acerca do uso da internet e das redes sociais, especialmente no que diz respeito à influência
desses aparatos tecnológicos sobre a ansiedade e imagem corporal de adolescentes e jovens.
Dessa maneira, partimos da ideia de que se, por um lado, as tecnologias digitais e as

1332
redes sociais constituem importantes ferramentas para ampliar o horizonte de acesso à
informação e comunicação, por outro, seu uso problemático pode desencadear danos à saúde
mental. Nesse sentido, as discussões levadas a cabo no presente trabalho serão enriquecidas
pela reflexão e sugestão de condutas e posicionamentos de segurança para a utilização dos
referidos artefatos de maneira mais segura e favorável ao bem-estar integral do sujeito.

O uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação no atual contexto


De acordo com os dados oficiais do Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br, 2019),
cerca de 70% da população brasileira possui acesso à internet, o que significa 126,9 milhões de
pessoas, das quais 89% fazem uso diariamente, sendo as principais atividades o envio de
mensagens instantâneas (92%) e o uso das redes sociais (75%).
Dessa forma, não é exagero afirmar que existe um amplo uso das mídias digitais, de tal
forma que penetram no cotidiano da população, se tornando um espaço de influência
significativa na formação pessoal, na construção dos relacionamentos interpessoais e até
mesmo na elaboração da própria identidade, todas fortemente ligadas a saúde mental (Royal
Society for Public Health, 2017).
Nesse sentido, a emergência das redes sociais impôs um câmbio na forma como as
relações são compreendidas, tendo importante papel na disseminação de valores, permitindo o
compartilhamento de imagens e elementos simbólicos capazes de influenciar a construção
subjetiva (Santos, 2018; Sousa, 2019). No âmbito dessa influência, as redes sociais propiciam
o acesso a um número infinito de imagens e textos que estão continuamente disciplinando
nossos corpos e impondo padrões estéticos irreais, vendidos como necessários e belos (Rigoni,
Nunes & Fonseca, 2017). É importante destacar que, historicamente, essa influência sempre se
deu através dos meios de comunicação em massa, como a televisão, no entanto, consideramos
que as redes sociais podem ter efeito devastador dado ao alcance quase ilimitado no tempo e
no espaço.
Assim, como acentua Sousa (2019), os estereótipos e os padrões de beleza sempre
existiram, sendo alimentados pelo cinema, televisão e arte, embora de forma menos
emblemática como ocorre atualmente. A autora salienta que o surgimento da internet trouxe
consigo diversos meios para a disseminação de imagens, padrões e culto ao corpo perfeito que
atingem especialmente as mulheres, causando-lhes alterações na saúde e bem-estar.
A relação abusiva da mídia para com os corpos, a partir da exposição ininterrupta
de “imagens perfeitas” pode resultar em danos à autoimagem daqueles que não conseguem se
adequar aos padrões, os quais, na verdade, são inalcançáveis. Assim, embora a imagem corporal
seja entendida como uma construção individual a começar desde o nascimento com as próprias
experiências, esta também perpassa pelas definições do outro e da mídia à medida que o sujeito
vai atribuindo significado a seu corpo com base nas referências que lhes são apresentadas
(Frois, Moreira & Stengel, 2011).
A pesquisa realizada por Rosen et al. (2013) aponta os impactos do uso problemático
das redes sociais e internet, dentre eles, destaca-se a ansiedade que pode se manifestar quando
os usuários passam mais tempo do que o habitual desconectados dos aparelhos tecnológicos,
tendo a sensação de que estão perdendo informações importantes nas redes. Os autores também
relacionam estas plataformas ao narcisismo, pelas incontáveis imagens e representações de si
mesmo que são publicadas todos os dias. É justamente nessa vasta quantidade de imagens
manipuladas que os adolescentes e jovens se espelham na busca incessante pelo
perfeccionismo, podendo corroborar com o aumento da ansiedade nos usuários (Royal Society

1333
for Public Health, 2017).
Para Frois et al. (2011), historicamente, a sociedade sempre utilizou modelos para
basear sua organização, entretanto, nos dias atuais, a problemática situa-se na exacerbação das
exigências fantasiosas quanto ao corpo, ou seja, em um perfil ilusório e idealizado difundido
pela mídia que leva as pessoas a buscarem concretizá-lo. Este corpo projetado e disseminado,
sendo comumente associado à ideia de felicidade, é inatingível para uma boa parte da população
por diversos fatores, gerando um inacabável, doloroso e decepcionante processo de
modificação e reconstrução de si mesmo (Silva-Nogueira-Barbosa & Vieira-da-Silva, 2017).
Achados da pesquisa de Lira et al. (2017) corroboram com este posicionamento, uma
vez que a frequência de uso das mídias associou-se a maior probabilidade de insatisfação
corporal entre adolescentes. Neste sentido, a beleza virtual manipulada por aplicativos e ao
mesmo tempo disseminada pelas redes sociais tem contribuído expressivamente com a
valorização da imagem de felicidade e perfeição, negando os aspectos reais e imperfeitos da
vida e do corpo (Romero, 2018; Hage & Kublicovski, 2019; Lopes & Mendonça, 2016).
Todavia, o que se deseja não é apresentar as redes sociais e internet como vilãs do bem-
estar físico e psíquico, mas compreender o perigo acerca do uso problemático e mal gerenciado
das mídias, ressaltando, inclusive, a importância de desenvolver ações educativas que
promovam a reflexão e conscientização. Pensando nisso, se faz necessário uma utilização mais
responsável das redes sociais e meios de informação e comunicação, como também uma
filtragem, ressignificação e criticidade dos conteúdos que chegam diariamente (Rigoni et al.,
2017).
Apesar de ser importante refletir sobre os riscos do mau uso da internet e a forma
irresponsável como as mídias digitais impõem padrões, é também importante ressaltar o poder
positivo da internet e reconhecer que seus resultados dependem da forma como ela é
manuseada. Assim sendo, se de um lado ela pode exercer uma função negativa e coercitiva, por
outro, ela pode favorecer o acesso à informação e a interação entre pares, de modo que, quando
utilizada de forma assertiva é capaz de ampliar os horizontes de seus usuários (Rigoni et al.,
2017).

Benefícios e malefícios do uso das redes sociais: duas faces da mesma moeda
Diante do avanço das TDIC, é possível perceber os impactos das redes sociais no dia
a dia das pessoas, alterando não só as formas de comunicação e relações sociais, mas também
ampliando as possibilidades de acesso à informação e conexão com todo o mundo. Contudo,
ainda que tais mudanças marquem a era dos avanços tecnológicos, é necessário estar atento
aos dois lados destas transformações.
Para Prychodco e Bitencourt (2019), a internet e as redes sociais realmente podem
propiciar armadilhas para seus usuários, por meio do consumo acrítico dos conteúdos e
imagens que são veiculadas, todavia, elas também possibilitam muitas interações, troca de
experiências e socialização, o que potencializa a busca e aquisição de conhecimentos.
Segundo o relatório da Royal Society for Public Health (2017), o lado positivo da
internet e redes sociais vai muito além do acesso à informação, uma vez que ela fornece
meios para a construção do senso de comunidade e apoio emocional; permite a autoexpressão
que possibilita construir e manter relacionamentos interpessoais mesmo com pessoas
distantes, o que em outras circunstâncias a comunicação não seria possível; além de viabilizar

1334
o acesso a diversos serviços especializados na modalidade on-line.
Por esse ângulo, as redes sociais podem se configurar em um espaço de acolhimento
e aproximação entre as pessoas com algum sofrimento psíquico, uma vez que podem manter
conexões com aqueles com os quais se identificam, permitindo uma reafirmação da sua
identidade social, bem como dividir suas histórias de vida (Barros & Serpa, 2017).
Logo, a internet e redes sociais também podem ser consideradas importantes
ferramentas para a construção de uma rede de apoio, uma vez que possibilitam a formação
de comunidades virtuais, reunindo pessoas com objetivos em comum ou que buscam discutir
um determinado assunto de interesse coletivo, como por exemplo, a ansiedade e insatisfação
com a autoimagem, permitindo a conexão e o compartilhamento de experiências entre os
membros, que podem ser de qualquer parte do mundo (Royal Society for Public Health,
2017). Desse modo, a partir destas redes, é possível que haja um cuidado ou ajuda mútua
entre os participantes.
Outrossim, é importante ressaltar que o acesso à informação nunca foi tão fácil e
prático, já que o mundo praticamente cabe dentro do smartphone. O compartilhamento de
dados e notícias de qualquer parte do mundo permite que as pessoas tomem conhecimento e
realizem coisas que antes não seria possível. Portanto, a multifuncionalidade e alcance global
da internet e das redes sociais podem ser incrivelmente positivos em diversos aspectos ou
adverso quando usando de maneira irresponsável.
O relatório da Royal Society for Public Health (2017) aponta alguns dos efeitos
negativos que as mídias sociais podem trazer para a saúde mental, dentre eles estão
problemas relacionados à insônia; o cyberbullying; o medo de estar perdendo momentos
importantes na internet quando não se está on-line; além de depressão, ansiedade e impactos
na autoimagem, gerados pelo sentimento de inadequação frente ao padrão proposto pelas
mídias sociais. Ademais, o estudo de Aguiar et al. (2018) apontam para o risco de
sedentarismo, uma vez que muitas atividades do cotidiano podem ser resolvidas em apenas
alguns cliques, sem a necessidade de muito esforço.
A partir do exposto, é possível se questionar como uma mesma ferramenta pode ter
lados tão antagônicos. Um lado compreendido como um potencial ambiente para a promoção
de bem-estar psíquico, tendo como exemplo a possibilidade de formação de comunidades e
rede de apoio. Ao passo em que, o uso problemático e acrítico pode ocasionar justamente o
oposto, levando a um sofrimento psíquico que pode ser alimentado por diversos motivos,
dentre eles, a ansiedade e a insatisfação com a autoimagem (Fernandes, Maia & Pontes,
2019), que serão abordados de maneira mais aprofundada no tópico que se segue.
O que se percebe, na verdade, é que os efeitos do uso de internet e redes sociais na
saúde mental podem estar muito mais associados à postura que o usuário adota frente a estas
mídias do que à própria internet em si. Por isso, é importante que pais, educadores e
profissionais como psicólogos e outros, estimulem a ação consciente dos usuários de
diferentes faixas etárias.

Redes sociais, ansiedade e autoimagem: Qual a relação?


A internet e as redes sociais entraram de tal forma no cotidiano das pessoas que o
mundo real e o virtual facilmente se confundem. Devido a tanto engajamento, o mundo que
se vê representado nas telas passa a ter significativa influência na vida da população. Assim,
essas mídias digitais têm a capacidade de persuadir os gostos e comportamentos dos

1335
indivíduos por meio da disseminação de padrões estéticos explicitados pelo excesso de
imagens e representações conduzindo as pessoas para a busca de um corpo perfeito (Rigoni
et al., 2017).
Segundo dados do Instagram (2016), 80 milhões de fotos e vídeos são lançados na
rede todos os dias. Contudo, é importante ressaltar que quando este dado foi divulgado a
plataforma contava com 400 milhões de usuários, já no ano de 2017 o número de usuários
havia dobrado devido à grande adesão do aplicativo (Instagram, 2015; Instagram, 2017).
Paralelamente a isso, houve o crescimento significativo das publicações de fotos e vídeos, de
modo que somente o Instagram já compõe um potencial quase infinito de imagens e
exemplares que servirão como parâmetro para comparar a própria vida e a aparência.
A problemática não está na quantidade de fotos compartilhadas, mas na imagem que
se quer repassar, muitas vezes manipuladas por aplicativos que transmitem a cena de uma
vida perfeita e de uma aparência impecável. A pesquisa realizada por Hage e Kublikovski
(2019) demonstra que a atração dos participantes por imagens remetendo à felicidade, como
viagens, praias e aquelas relacionadas à valorização da aparência são as que causam maior
impacto para serem reproduzidas e curtidas.
Em conformidade, a contínua exposição a esses conteúdos imagéticos filtrados e
manipulados levam as pessoas a aceitarem tais representações como reais, almejando
aproximar seus corpos, estilos de vida e aparência com aquelas que vêem estampados nas
mídias. A forte disseminação de padrões estéticos por meio dos digital influencers gera,
principalmente nas mulheres, um sentimento de insatisfação em relação a sua autoimagem
(Hage & Kublikovski, 2019).
É neste ínterim que o corpo deixa de ser um atributo individual para tornar-se um
espelho do que é repassado pela mídia, construindo de forma não consciente um ideal de
corpo que têm influenciado de maneira cruel a autoimagem e a autoestima das pessoas (Neto
& Campos, 2010).
A quantidade quase inacabável de fotos serve de base para a autocomparação e a
busca destes padrões, que pode ser uma jornada frustrante e insaciável, uma vez que se
reinventam continuamente. Neste contexto, Silva-Nogueira-Barbosa e Vieira-da-Silva
(2017) enfatizam que é frequente encontrar mulheres que se percebem fora do que é
esteticamente imposto, questionando a realidade do próprio corpo. Dessa forma, os modelos
irreais estabelecidos pela internet e especificamente pelas redes sociais intensificam o
sentimento de insatisfação com a imagem corporal, potencializando a baixa autoestima e a
busca pelo perfeccionismo que podem se manifestar em forma de ansiedade (Royal Society
for Public Health, 2017).
Nesse sentido, a ação de se comparar reflete em uma grande problemática, pois os
indivíduos podem construir uma falsa narrativa de si próprio nas redes sociais sendo comum
transformarem e organizarem momentos do cotidiano em função do mundo virtual. Um
exemplo disso é quando deixam de experimentar os momentos especiais para se resumir a
uma busca obstinada pelo registro da foto perfeita, por meio de performances e uso de filtros
como o photoshop em busca de “corrigir” as insatisfações com relação à própria imagem.
Nestes casos, verifica-se uma abdicação da experiência do contato e do sentido em
detrimento da possibilidade de exibir uma foto que fantasiosamente demonstra o momento
pleno.
O indivíduo que se considera fora dos padrões impostos, possivelmente, também se

1336
sentirá fora do convívio harmonioso em sociedade, uma vez que pode se sentir insatisfeito
com a própria imagem corporal (Sousa, 2019). É neste sentido que os exemplares vendidos
como ideal de beleza nas redes sociais podem acabar tornando-se produtores de mal-estar,
como ansiedades e insatisfação com o próprio corpo.
Nesse âmbito, nota-se que internalizar indiscriminadamente todas as imagens e
significantes que se vê representado nas redes sociais como um todo, podem se configurar
como uma possibilidade de não aceitação de si, tornando-se necessário entender que a vida
on-line não pode ser entendida como parâmetro da vida real, já que esta não é passível de
manipulação ou embelezamento como ocorre no meio virtual.
Dentro desse contexto, vale ressaltar que os pré-adolescentes e adolescentes,
especialmente do sexo feminino, estão entre os grupos de maior vulnerabilidade, tendo em
vista que é nessas fases da vida que os questionamentos podem surgir de forma mais intensa,
assim como a percepção sobre o não enquadramento nos padrões, podendo desencadear
sofrimento psíquico (Lira et al., 2017; Neto & Campos, 2010). Soma-se isso ao fato de ainda
estarem em processo de desenvolvimento e, desse modo, os efeitos podem acarretar
implicações ao longo da vida.
A partir do exposto, percebe-se que muito do que se vê nas redes sociais, são na
verdade, representações momentâneas e ilusórias, porém esse fato não é o único problema,
já que também envolve a ausência de uma posição ponderada e reflexiva sobre o seu
consumo, sendo preciso responsabilidade ao absorver os conteúdos virtuais como exemplos
a serem seguidos na vida real.

Uso seguro da internet: reconhecendo comportamentos de risco, como e porque evitá-


los
Com o aumento do número de internautas conectados na web nos últimos anos
chegando a 2,5 bilhões de pessoas no mundo, sendo que a maioria é adolescentes e jovens
adultos, se faz necessário pensar na problemática do uso da internet e os riscos que ela pode
causar, dentre eles, a pesquisa realizada por Moromizato et al. (2017) destaca a Adicção por
Internet (AI).
A AI é caracterizada pelo padrão desadaptativo de uso e pode ser descrito como uma
preocupação excessiva de estar conectado; passar um tempo além do moderado de forma a
atrapalhar a realização de outras atividades; considerar a vida real desinteressante e se irritar
facilmente quando é forçado a parar de usar a internet, podendo causar prejuízos nas relações
interpessoais e também deficiência no desempenho acadêmico ou profissional (Moromizato et
al., 2017).
No mundo virtual tudo toma uma proporção maior, pois a circulação de informações
alcança um grande número de pessoas em pouco tempo, tornando difícil deter a sua propagação.
Deste modo, uma foto ou vídeo pode ser manipulado sem o consentimento do proprietário,
estando as pessoas mais propensas a sofrerem cyberbullying, já que os agressores se sentem
mais protegidos, como também têm mais facilidades em cometer outros crimes como pedofilia
e estelionato, além de manifestações preconceituosas contra as minorias (Silva Barbosa et al.,
2014). Para os autores, esses riscos podem causar nas vítimas sérios problemas, como afetar
suas relações interpessoais, problemas psicológicos, perda da credibilidade, entre outros.
Todavia, apesar das tecnologias trazerem esses perigos para os usuários, também

1337
oferecem muitos serviços que os auxiliam na proteção e privacidade dos dados através de suas
políticas de uso. Alguns exemplos disso, são a criptografia dos dados e a escolha de quais
informações serão expostas ao público em geral, a amigos ou somente para si (Silva Barbosa et
al., 2014).
No entanto, nem todas as pessoas têm conhecimento dos riscos que correm ao acessarem
a internet e exporem sua privacidade sem saber como proteger-se de sites não confiáveis ou
identificá-los, além de não terem clareza de quais dados estão sendo coletados e para quais
finalidades eles serão utilizados (Silva Barbosa et al., 2014).
Em face disso, o Brasil tornou-se destaque ao aprovar o Marco Civil da Internet (Lei nº
12.965, de 23 de abril de 2014), que pode ser considerado um tipo de “constituição da internet”
que dispõe de princípios, garantias, direitos e deveres do uso da web no país. Essa ação contou
com a participação de diversos segmentos da sociedade civil, tendo por principal objetivo
garantir os direitos dos usuários (Segurado, Lima & Ameni, 2015).
Outro ponto de destaque acerca dos comportamentos de risco é o excesso de tempo
gasto na internet, principalmente em redes sociais, que vem atrapalhando a vida off-line das
pessoas, a ponto da vida virtual torna-se mais atrativa do que o mundo real. Com isso, entra em
cena alguns aplicativos que podem ajudar no monitoramento e controle do uso diário das
mídias.
São vários os aplicativos que permitem o monitoramento e administração dos hábitos
on-line. Alguns permitem limitar o tempo de uso de cada rede social, fornecendo informações
sobre a quantidade de horas que o usuário passou conectado. Já outros colaboram para a
diminuição dos efeitos negativos do excesso de exposição à luz de LED (Light Emitting Diode),
dentre eles, a insônia, ao permitir ativar no próprio aparelho celular o modo noturno, que
geralmente modifica o tom das cores da tela e facilita a higiene do sono.

Conclusão
Diante do exposto, é inegável a importância do avanço tecnológico para o
desenvolvimento mundial, marcado pelas mudanças no dia a dia da população, trazendo
consigo facilidade, rapidez e acesso à informação. Contudo, à medida que esses benefícios se
estendem, os riscos também aumentam, uma vez que a tecnologia, em especial a internet e
redes sociais são manuseadas por seres humanos e, portanto, passíveis de deturpação.
Se por um lado as redes sociais modificaram as formas de se relacionar possibilitando
criar espaços de troca de informações, redes de apoio e novas maneiras de laços afetivos que
anteriormente à revolução tecnológica não seriam possíveis sem a ajuda da internet, por outro,
elas podem alimentar a insatisfação com a autoimagem e aumentam os índices de ansiedade,
depressão e outros transtornos psíquicos prejudicando a saúde mental e bem-estar dos seus
usuários, visto que isso irá depender do modo como serão utilizadas.
Perante essa dualidade, é indispensável uma postura crítica frente aos conteúdos que
são compartilhados, como também averiguar os comportamentos que são potencialmente de
risco tanto para o próprio usuário como para os demais seguidores. Pensando em uma forma de
amenizar os danos causados por ferramentas digitais, existem aplicativos capazes de monitorar
os hábitos on-line como mecanismos de apoio a quem precisar.
Neste sentido, um dos principais argumentos do presente trabalho é que os efeitos do

1338
uso da internet estão potencialmente relacionados à postura individual de cuidado de si e do
outro frente ao que lhes é apresentado, apesar de compreender a influência do contexto
sociocultural na construção desse posicionamento frente às tecnologias. Assim, ressaltamos a
importância de que sejam desenvolvidas ações educativas voltadas para a conscientização da
população em geral, levando à adoção de uma atitude crítica e reflexiva sobre as imagens e
conteúdos consumidos e disseminados através das redes sociais, especialmente os que
alimentam a crença em informações e padrões irreais.
Conforme mencionado no início do texto, este trabalho parte das ações educativas
realizadas ao longo do ano pelo NEPSIN, através de minicursos ofertados para a comunidade
por meio de um projeto de extensão. Nesse seguimento, reafirmamos a importância de levantar
tais discussões com os professores, gestores, pais e alunos. Dessa forma, espera-se que este
artigo possa contribuir com as instituições que se dispõem a realizar atividades semelhantes.

Referências
Aguiar, A. C. L. D., Guimarães, J. M. X., Ferreira, H. S., Almeida, K. T. C. D., Ribeiro, T. F.
S., Anchieta, T. M. D. & Silva, B. C. D. (2018). Blog como ferramenta educacional:
contribuições para o processo interdisciplinar de educação em saúde. Reciis – Revista
Eletronica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, 12(2), 220-31. doi:
http://dx.doi.org/10.29397/reciis.v12i2.1301.
Barros, O. C. & Serpa Jr, O. D. D. (2017). Ouvir vozes: um estudo netnográfico de ambientes
virtuais para ajuda mútua. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 27(4), 867-888. doi:
https://doi.org/10.1590/s0103-73312017000400002.
Comitê Gestor de Internet no Brasil [CGI.br]. (2019). Pesquisa sobre o uso das tecnologias de
informação e comunicação nos domicílios brasileiros: TIC domicílios 2018. São Paulo:
CGI.br. Retirado de https://www.cgi.br/publicacao/pesquisa-sobre-o-uso-das-tecnologias-
de-informacao-e-comunicacao-nos-domicilios-brasileiros-tic-domicilios-2018/.
Fernandes, B., Maia, B. R. & Pontes, H. M.. (2019). Adição à internet ou uso problemático da
internet? Qual dos termos usar?. Psicologia USP, 30, e190020. Epub October 07, 2019.
doi: https://doi.org/10.1590/0103-6564e190020.
Frois, E., Moreira, J. & Stengel, M. (2011). Mídias e a imagem corporal na adolescência: o
corpo em discussão. Psicologia em estudo, 16(1), 71-77. Retirado de
https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=287122137009.
Hage, Z. C. M. & Kublikowski, I. (2019). Estilos de uso e significados dos autorretratos no
Instagram: Identidades narrativas de adultos jovens brasileiros. Estudos e Pesquisas em
Psicologia, 19(2), 522-539. doi: https://doi.org/10.12957/epp.2019.44285.
Instagram (2015). Celebrating a Community of 400 Million. [Post blog]. Retirado de
https://instagram-press.com/blog/2015/09/22/celebrating-a-community-of-400-million/.
Instagram (2016). A new look for Instagram. [Post blog]. Retirado de https://instagram-
press.com/blog/2016/05/11/a-new-look-for-instagram/.
Instagram (2017). Strengthening Our Commitment to Safety and Kindness for 800 Million [Post

1339
blog]. Retirado de https://instagram-press.com/blog/2017/11/30/celebrating-a-
community-of-25-million-businesses/.
Lira, A. G., Ganen, A. D. P., Lodi, A. S. & Alvarenga, M. D. S. (2017). Uso de redes sociais,
influência da mídia e insatisfação com a imagem corporal de adolescentes brasileiras.
Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 66(3), 164-71. doi: https://doi.org/10.1590/0047-
2085000000166.
Lopes, A. F. & Mendonça, É. de S. (2016). Ser jovem, ser belo: a juventude sob holofotes na
sociedade contemporânea. Revista Subjetividades, 16(2), 20-33. doi:
https://dx.doi.org/10.5020/23590777.16.2.20-33
Moromizato, M. S., Ferreira, D. B. B., Souza, L. S. M. de, Leite, R. F., Macedo, F. N. &
Pimentel, D. (2017). O Uso de Internet e Redes Sociais e a Relação com Indícios de
Ansiedade e Depressão em Estudantes de Medicina. Revista Brasileira de Educação
Médica, 41(4), 497-504. doi: https://doi.org/10.1590/1981-52712015v41n4rb20160118
Neto, I. B. & de Campos, I. G. (2010). A influência da mídia sobre o ser humano na relação
com o corpo e a auto-imagem de adolescentes. Caderno de Educação Física e Esporte,
9(17), 87-99. Retirado de
http://saber.unioeste.br/index.php/cadernoedfisica/article/view/4531/3854
Prychodco, R. C. & de Camargo Bittencourt, Z. Z. L. (2019). Redes sociais sobre Transtorno
do Espectro Autista no Facebook como suporte interpessoal: implicações nos processos de
governança em saúde. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em
Saúde, 13(4), 803-816. doi: http://dx.doi.org/10.29397/reciis.v13i4.1670
Rigoni, A. C. C., Nunes, F. G. B. & das Mercês Fonseca, K. (2017). O culto ao corpo e suas
formas de propagação na rede social Facebook: implicações para a Educação Física
escolar. Motrivivência, 29, 126-143. doi: https://doi.org/10.5007/2175-
8042.2017v29nespp126
Romero, F. G. G. (2018). #Lifestyle: a imagem do corpo fitness feminino como produto de
consumo no instagram (Tese de Doutorado). Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. Retirado de
https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/26649
Rosen, L. D., Whaling, K., Rab, S., Carrier, L. M. & Cheever, N. A. (2013). Is Facebook
creating “iDisorders”? The link between clinical symptoms of psychiatric disorders and
technology use, attitudes and anxiety. Computers in Human Behavior, 29(3), 1243-1254.
doi: https://doi.org/10.1016/j.chb.2012.11.012.
Royal Society for Public Health. (2017). #StatusOfMind: social media and young people’s
mental health and wellbeing. Retirado de https://www.rsph.org.uk/our-
work/campaigns/status-of-mind.html.
Santos, G. P. D. (2018). Da distinção à democratização? um estudo sobre o consumo de moda
e beleza nas redes sociais da internet (Monografia). Departamento de Sociologia,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Retirado de
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/173698.
Segurado, R., Lima, C. S. M. & Ameni, C. S.. (2015). Regulamentação da internet: perspectiva
comparada entre Brasil, Chile, Espanha, EUA e França. História, Ciências, Saúde-
Manguinhos, 22(Suppl. ), 1551-1571. Epub August 13, 2014. doi:

1340
https://doi.org/10.1590/S0104-59702014005000015.
Silva Barbosa, A., Roger Ferrari, M., Narriman Silva de Oliveira Boery, R. & Gomes Filho, D.
L. (2014). Relações Humanas e Privacidade na Internet: implicações Bioéticas. Revista de
Bioética y Derecho, (30), 109-124. doi: https://dx.doi.org/10.4321/S1886-
58872014000100008.
Silva-Nogueira-Barbosa, B. & Vieira-da-Silva, L. (2017). A mídia como instrumento
modelador de corpos: Um estudo sobre gênero, padrões de beleza e hábitos alimentares.
Razón y Palabra, 20(94), 672-687. Retirado de
http://www.revistarazonypalabra.org/index.php/ryp/article/view/732.
Sousa, L. S. & Rodrigues, A. M. S. (2016) O Instagram da Fashion Blogger Camila Coelho:
um estudo sobre as estratégias de produção de sentidos sobre Beleza Feminina, Moda E
Consumo. Comunicon. Retirado de http://anais-
comunicon2016.espm.br/GTs/GTGRAD/GT9/GT09-LUMARYA_SOUSA.pdf
Sousa, R. C. (2019). Toda trabalhada no carão: estéticas e padrões na era do instagram
(Monografia). Universidade Federal do Maranhão. Retirado de
https://monografias.ufma.br/jspui/bitstream/123456789/4105/1/RAYRANI-SOUSA.pdf.
RELATÓRIO DO ESTÁGIO BÁSICO III

1341
Alana Maria Gomes da Silva
Gabrielly Oliveira Silva
Lucas Pereira dos Santos
Carolina Alcântara Teixeira
Isabele Linhares Santos
Raul Vasconcelos Neres
Introdução
O relatório em questão abrange as atividades práticas desempenhadas pelos estagiários
do sexto período de psicologia da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar). O
Estágio Básico III possibilita a desenvoltura do conjunto de competências básicas no
envolvimento de práticas articuladoras do saber teórico- prático psicológico englobando o aluno
a sua realidade social, política e profissional.
O estágio mencionado desenvolveu-se em torno de um projeto denominado ‘cuidando
do cuidador’ por meio de uma colaboração entre a Universidade Federal do Delta do Parnaíba
e o Centro de Referência Especializada e Saúde do trabalhador (CEREST) sendo os encontros
realizados na universidade citada e trabalhado com o público alvo: Agentes de Saúde
Comunitários (ACS) do município de Parnaíba- Piauí.
Visando trabalhar com grupos comunitários o projeto surge com o interesse de uma
intervenção utilizando uma metodologia de investigação que abarca o campo psicológico
analisando o contexto dos cuidadores, suas demandas e possíveis intervenções que podem ser
trabalhadas tensionando a melhora na qualidade de vida desses trabalhadores.
Assim sendo, o estágio nesse campo permitiu a integração do estudante de psicologia à
realidade da comunidade por meio da atividade com grupos buscando identificar os fenômenos
sociais em conectividade com as políticas públicas em que esses trabalhadores estão inseridos.
A partir de então foram desenvolvidos exercícios com base nas demandas apresentadas pelo
ACS tais como: desvalorização da profissão, falta de contribuição dos moradores do entorno da
população acadêmica, queixas físicas causadas pela sobrecarga de trabalho e etc.
Baseado nisso, os estagiários promoveram exercícios de relaxamento por meio de
técnicas e oficina de mandalas, momento com uma fisioterapeuta com o intuito de esclarecer
dúvidas a respeito das dores físicas e determinadas posturas que deveriam ser evitadas causadas
pelo exercício da profissão e oficina com cartazes de conscientização elaborados por eles
espalhados pela UFDPar a respeito da utilização do cartão do SUS.
Nos primórdios da saúde pública brasileira, quando não se tinha o Sistema Único de
Saúde (SUS), a mesma era vinculada às atividades previdenciárias. Ou seja, somente eram
assistidas pela saúde pública as pessoas que tinham carteira assinada e os seus dependentes. O
órgão responsável pelo gerenciamento dos atendimentos era o Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (INAMPS) que tinha o objetivo de prestar assistência médico-
hospitalar aos contribuintes. Com exceção de um pequeno número de pessoas que tinha acesso
à saúde pela alternativa privada, uma grande parte da população que não era contribuinte ficava
à margem do sistema (Brasil, 2003).
A população que não era previdenciária tinha um acesso restrito à saúde, se limitando a

1342
serviços prestados por entidades de cunho filantrópico e poucas intervenções públicas. Como
principal exemplo temos as Santas Casas de Misericórdia, que eram instituições caritativas que
promoviam à assistência às pessoas que não podiam pagar pelos serviços médico-hospitalares
e também não trabalhavam formalmente. A ação governamental era insuficiente com relação a
essa parcela da população restringindo-se apenas a promover ações com objetivos de prevenção
de doenças, campanhas de vacinação e controle de endemias (Brasil, 2003).
Cordeiro (2004) aponta que posteriormente houve uma crise no sistema previdenciário
que desarticulou a organização do modelo de assistência à saúde vigente na época. Com isso
emergiram as dificuldades que este trazia, e começou-se a pensar em uma Reforma Sanitária.
Dentro de tal reforma a carteira do INAMPS deixa ser o critério para a obtenção de serviços de
saúde pública. Mudanças mais radicais começaram a acontecer com a implantação do Sistema
Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), que previa o início de uma universalização do
sistema de saúde brasileiro (Brasil, 2003).
Porém a instalação do SUDS se dava por meio de uma aliança do INAMPS com as
Secretarias de Saúde Estaduais. Sendo assim, a aderência de cada estado a essa política era
opcional. Caso um determinado Estado se recusasse, o INAMPS continuaria com as suas
funcionalidades normais, conforme já vinha desempenhando-as (Cordeiro, 2004).
Em seguida esse processo culminou na criação do SUS, que foi implementado através
da Constituição Federal de 1998 e regulamentado pelas Leis n.º 8080/90 (Lei Orgânica da
Saúde) e n.º 8.142/90, após muitas lutas envolvendo o movimento da Reforma Sanitária para
garantir a saúde a todos os brasileiros. Partindo de uma mobilização nacional que propunha
renovações políticas e de paradigmas de estruturação do sistema, serviços e práticas de saúde
(Cavalcante Filho, 2009; Vasconcelos et al., 2009; Londero, 2010).
O SUS desde a época da sua construção busca efetivar os seguintes princípios:
universalidade do acesso em todos os níveis de assistência, equidade e integralidade da atenção
à saúde, descentralização da gestão setorial, regionalização e hierarquização da rede de serviços
e participação popular com papel de controle social (Cavalcante Filho et a.l, 2009). Dessa forma
o SUS se configura como uma política de Estado salvaguardada constitucionalmente e que
pretende expandir o acesso ao cuidado à saúde de maneira democrática satisfazendo as
necessidades da população por meio de programas de atenção à saúde (Tesser, Poli Neto &
Campos, 2010).
Nesse sentido, uma das estratégias pensadas para efetivar essas mudanças foi o
Programa Saúde da Família, que tem início no ano de 1991 através da formulação do Programa
de Agentes Comunitários de Saúde que visava diminuir as taxas de mortalidade infantil e
materna do país, sobretudo no Nordeste. Por conta dos resultados positivos obtidos, o Ministério
da Saúde percebeu a contribuição dos agentes para os serviços básicos de saúde e começaram
a priorizar a família como unidade de ação. Indo de encontro ao modelo hospitalocêntrico e
tecnicista que dantes vigorava, esse modelo de atenção em saúde propõe uma intervenção que
vai ao encontro da população em seu território, incluindo a família e a comunidade no processo
de cuidado e não apenas do indivíduo doente (Rosa & Labate, 2005).
O início da profissão de agente comunitário de saúde, os ACS, desdobrou-se no estado
do Ceará durante a década de 80 como uma estratégia de saúde pública organizada com a
disposição de diminuir as taxas de mortalidade infantil, bem como desenvolver campos
trabalhistas para as mulheres que residiam em região de seca. O projeto realizou-se com grande
êxito, desta forma, o Estado promoveu sua expansão para as demais regiões e cidades do país
(Tomaz, 2002).
Atualmente o ACS atua como integrante de uma equipe multiprofissional que compõe

1343
o chamado Programa de Saúde da Família (PSF) que pode ser compreendido como:

“...um modelo de atenção em saúde, pautado no paradigma da vigilância à saúde que


busca articular a ação programática em saúde com as políticas públicas setoriais e
transetoriais. Além disso, o PSF propõe uma ampliação do lócus de intervenção em
saúde, incorporando na sua prática o domicílio e espaços comunitários diversos. Tal
característica vem contribuindo para o fortalecimento do vínculo entre profissionais
das equipes e a comunidade local” (Nunes et al, 2002, p. 01).

Nesta perspectiva, um dos principais fundamentos para atuação do profissional (ACS)


baseia-se na questão do vínculo supracitado, pois como aborda a Política Nacional de Atenção
Básica (2012) uma de suas atribuições é desenvolver ações que busquem a integração entre a
equipe de saúde e a população adscrita à UBS. O agente atua como um mediador ou facilitador
entre os grupos, promovendo uma ligação de confiabilidade, respeito e saúde (Nunes et al.,
2002).
Entretanto, a função do ACS não se restringe apenas a este ponto. Há demais
responsabilidades abordadas pela Política Nacional de Atenção Básica tais como:
I - Trabalhar com adscrição de famílias em base geográfica definida, a micro área;
II - Cadastrar todas as pessoas de sua microárea e manter os cadastros atualizados;
III - Orientar as famílias quanto à utilização dos serviços de saúde disponíveis;
IV - Realizar atividades programadas e de atenção à demanda espontânea;
V - Acompanhar, por meio de visita domiciliar, todas as famílias e indivíduos sob sua
responsabilidade.
O trabalho do ACS está intrinsecamente direcionado à população, com todas as suas
pluralidades e especificidades regionais, desta forma as queixas e demandas de uma microárea
são depositadas primordialmente em apenas um profissional. Sendo este, a ponte para resolução
ou não destas questões. Além disso, há também o fato de que o ACS deve residir em sua área
de atuação proporcionando uma situação ainda mais desgastante física e psicologicamente
tendo em vista tamanha responsabilidade para com os moradores (Nunes et al., 2002).
De acordo com Godoy Silva e Mendes (2011), os ACS são expostos a diversas situações
em sua grande maioria estressoras gerando consequências no bem-estar físico e emocional dos
agentes, um deles é a sobrecarga de trabalho enfrentado por muitos. Para Frutuoso e Cruz
(2005), a sobrecarga de trabalho apresenta-se no contexto organizacional como um amontoado
de tarefas e funções podendo afetar o trabalhador de forma individual ou toda uma equipe
dentro de um contexto. Esta estabelece-se de maneira sutil e gera um ciclo vicioso dentro da
organização. A pior consequência dessa situação é que, sem notar substituímos a qualidade pela
quantidade de trabalho, prejudicando o colaborador e a organização no sentido em que um
trabalhador sobrecarregado exerce maior esforço e demanda maior quantidade de energia para
a realização de múltiplas tarefas, e deixa de colaborar mais especificamente em suas
potencialidades.
A sobrecarga no trabalho engloba todo o contexto do trabalho e os estímulos
estressores que a eles estão inseridos, e na maioria dos casos geram também comorbidades que
possam estar intrinsecamente ligados a elas. De acordo com Wai e Carvalho (2009), quando o
indivíduo percebe as demandas do trabalho como estímulos e práticas estressoras e aversivas,

1344
ao ponto de exceder a estratégias de enfrentamento presentes em seu repertório
comportamental. Nesse momento consideramos que o indivíduo passa por uma situação de
estresse, já que suas habilidades não são eficazes para lidar com os estímulos estressores do
ambiente gerando assim uma condição aversiva.
Dessa forma, é natural que todo indivíduo diante de situações estressantes adota formas
de enfrentamento no intuito de diminuir o sofrimento, estratégias de enfrentamento (coping).
Segundo Carlotto e Camara (2008) definem coping como esforços cognitivos e
comportamentais dos indivíduos em lidar com estressores, no sentido de diminuir ou controlar
danos. Ainda segundo os autores, dois tipos de estratégias podem ser tomadas, focando no
problema geralmente estas estratégias são mais adaptativas, e aumentam o sucesso na resolução
do problema, ou estratégias focadas nas emoções envolvem atitudes maiores de afastamento,
padrões maiores de esquiva do problema, mas que exibem função de diminuir o sofrimento.

Metodologia
Participantes
O estágio contou com a participação de aproximadamente 50 ACS, oriundos dos 45
módulos presentes na cidade de Parnaíba-PI, os encontros ocorreram na Universidade Federal
do Delta do Parnaíba nos dias 23/10, 30/10, 06/11, 13/11 e 20/11 das 14h às 17h. O número de
pessoas variou durante os encontros, contando com 27 ACS no primeiro encontro, no segundo
25, no terceiro 12, no quarto 11 e no quinto 16. Mas, de acordo com o CEREST, existem cerca
de 300 ACS ativos na cidade. O grupo de estagiários foi composto por 7 estudantes, os mesmos
foram divididos em subgrupos para primeiramente visitarem 4 UBS da cidade de Parnaíba, após
as visitas deu-se início as atividades realizadas na Universidade. Nesta etapa, os alunos atuaram
de maneira conjunta nas intervenções.

Instrumentos
No primeiro encontro foi realizado uma escuta com os ACS, a fim de conhecer acerca
da realidade do trabalho destes profissionais; no segundo encontro realizou-se uma atividade
de relaxamento e uma dinâmica de cuidado com o próximo, onde foram utilizadas mantas e
caixa de som; no terceiro encontro foi elaborada uma oficina de confecção de cartazes, para tal
foram usados cartolinas, pincéis e folha A4; no quarto encontro, a ferramenta utilizada foi o
diálogo entre uma fisioterapeuta e os ACS e no último encontro foram confeccionadas mandalas
e para isso necessitou-se de CD’s, pincéis, tintas, esmaltes, folhas A4, linha náilon, miçangas,
tesoura e estilete.

Procedimentos
A princípio fomos em uma reunião de capacitação dos ACS na Universidade Estadual
do Piauí (UESPI), na qual a coordenadora dos mesmos nos apresentou aos profissionais para
relatar que daríamos continuidade ao projeto “Cuidando do Cuidador” que teve seu início no
ano letivo de 2019.1. Os alunos elaboraram um plano de estágio (ANEXO 1) com base nas
visitas às UBS e o Relatório construído pelos alunos do período anterior, de acordo com as
demandas que surgiram. O primeiro encontro foi realizado na sala 765, o segundo na 764 e os
demais na sala 766, totalizando 5 encontros ao todo.
O primeiro encontro aconteceu no dia 23 de outubro, realizou-se um processo de escuta

1345
para conhecer a realidade dos ACS, sua dinâmica de trabalho, bem como as principais queixas
e potencialidades que os mesmos observavam em sua área de atuação.
No dia 30 de outubro, aconteceu o segundo encontro, onde os alunos realizaram
atividades de alongamento, relaxamento e cuidado uns com os outros. Visto que, o estresse no
trabalho é uma das principais demandas observadas.
No dia 06 de novembro, foi realizado o terceiro encontro com a confecção de cartazes
com a finalidade de atingir a comunidade acadêmica, pois de acordo com os ACS, é um grupo
de difícil acesso visto a incompatibilidade de horários das visitas realizadas pelos profissionais
e desconhecimento por parte de muitos universitários da importância do cadastro do SUS.
No dia 13 de novembro, contou-se com a presença de uma fisioterapeuta, que mediou o
diálogo com os profissionais, ouvindo suas demandas físicas e a partir delas desenvolvendo
estratégias para que estes pudessem ter melhor qualidade de vida.
Por fim, o último encontro aconteceu dia 20 de novembro, no primeiro momento se fez
presente um representante do CEREST, posteriormente a fisioterapeuta, em seguida foi
realizada uma oficina de confecção de mandalas e para finalizar houve um momento de
confraternização, com a finalidade de receber o feedback dos ACS.

Resultados e Discussão
No primeiro encontro, inicialmente os estagiários se apresentaram para os ACS e logo
após iniciou-se um momento de escuta em que eles citaram as principais demandas que
possuem no espaço de trabalho, como por exemplo, falta de material, pressão dos
administradores, desmotivação por parte deles pois as queixas não são ouvidas pela prefeitura
e desenvolvimento de doenças físicas por conta do ambiente de trabalho e das atividades que
eles têm que realizar. Os ACS também destacaram os pontos positivos de trabalharem nas
Unidades Básicas de Saúde, como por exemplo, a identificação que eles têm com o trabalho e
que apesar das dificuldades eles tentam dar o melhor de si para a comunidade.
No segundo encontro, as atividades foram voltadas para a diminuição do estresse e
proporcionar um momento de alívio, para isso realizou-se um primeiro momento de
alongamento e ensino da respiração diafragmática, logo em seguida foi criado um ambiente
ameno, através de sons relaxantes, foram dispostas mantas pelo chão para que os ACS
pudessem se acomodar da melhor maneira.
Deu-se início a técnica de Relaxamento progressivo que consiste no relaxamento de
vários conjuntos de músculos, primeiramente é necessário explicar ao paciente como será
realizada a técnica, fazendo uma breve demonstração dos processos de tensão e relaxamento
que ele passará, cada grupo muscular deverá ser tensionado por aproximadamente 10 segundos,
dando atenção especial às sensações experienciadas, em seguida realiza-se o relaxamento dos
músculos, a técnica permite que o indivíduo perceba o movimento de tensão e relaxamento que
o seu corpo vivencia (Willhelm, Andretta & Ungaretti, 2015). A técnica foi realizada em torno
de 30 minutos.
Posteriormente, foi realizada outra atividade que consistia na interação dos ACS uns
com os outros, que tinha por objetivo propor o cuidado mútuo entre eles. Eles foram dispostos
em duas fileiras paralelas em que cada integrante passava pelo meio com os olhos fechados e
recebia gestos afetuosos dos demais ACS. Por fim, nós pedimos um feedback das atividades e
eles nos relataram que se sentiram bastante acolhidos, protegidos e em segurança, como

1346
também mais relaxados e calmos, a não ser uma participante que relatou sentir angústia com as
atividades e não se sentiu à vontade por conta dos toques e por ter ficado com os olhos fechados,
os demais participantes relataram experiências positivas.
No terceiro encontro a intervenção foi pautada na demanda que os ACS elencaram
acerca do cadastro dos universitários onde as principais dificuldades relatadas pelos estudantes
eram: falta de tempo, já possuírem plano de saúde, afirmando que só irão passar cinco anos na
cidade e não verem necessidade de fazer o cadastro e choque de horários. Para isso foi realizada
uma oficina com a confecção de cartazes e a construção de um email a ser enviado pelas
coordenações dos cursos aos alunos e a partir das informações que eles consideraram
importantes construímos uma arte gráfica para serem divulgadas pelos centros acadêmicos dos
cursos presentes na universidade. Neste dia o debate foi bem caloroso visto que havia
discordância entre eles sobre as informações mais necessárias a serem divulgadas, isto
enriqueceu muito o debate já que foi possível ver as diferentes opiniões e eles chegarem a um
consenso, nesse sentido, vale ressaltar a importância do poder de criação que os profissionais
possuem e que na maioria das vezes não é dado voz.
O quarto encontro foi mediado por uma fisioterapeuta, pois, uma das demandas trazidas
pelos ACS dizia respeito à saúde física desses profissionais. As principais queixas foram: lesões
por esforço repetitivo (LER) nas mãos devido ao preenchimento de fichas, dor nas costas,
coluna, ombros e nas pernas devido às caminhadas. No primeiro momento ela escutou as
principais queixas deles e os perguntou se eles praticavam algum exercício, a maioria não tem
o hábito de praticar diariamente, apenas esporadicamente e por conta disso a profissional passou
uma série de exercícios simplificados que podiam ser realizados sem demandar muito tempo já
que esse era um dos principais motivos da não realização de exercícios. Ela também ensinou
estratégias para o alívio de dores musculares, destacou a importância de uma postura correta e
também o uso correto da mochila, pediu para que os ACS levassem apenas o necessário
evitando o excesso de peso e consequentemente futuras dores. Por fim os ACS relataram ter
gostado muito da intervenção e foi observado por parte dos estagiários um grande engajamento
dos mesmos durante o encontro.
No quinto e último encontro, foi realizado três momentos. O primeiro, um representante
do CEREST foi convidado para dar alguns esclarecimentos em relação ao relatório passado
encaminhado pelos alunos com as queixas dos ACS o mesmo relatou que a entrega de crachás
que foi solicitado pelos profissionais já havia sido realizada, entretanto, nem todos receberam
e os que receberam relataram ser de má qualidade. Em relação a segurança, o representante
falou que não havia maneira de interferir, pois, é de responsabilidade do Estado e algo que não
acomete apenas a cidade de Parnaíba. O segundo momento foi mediado pela fisioterapeuta que
deu instruções e dicas de objetos que podem ser fabricados em casa para a realização dos
exercícios, como por exemplo garrafas pet como pesos, elástico de cabelo para fortalecer os
músculos da mão e pedaços de elástico para fazer exercício com o braço.
Em seguida, se deu início à confecção de mandalas mediada por uma convidada, o
momento serviu para relaxamento e criação a partir dos sentimentos que surgiam ou que já
estavam postos. Foi observado um grande engajamento dos ACS na realização da atividade, no
final da confecção alguns relataram a experiência e falaram sobre o seu desenho, uma das ACS
apresentou sua mandala que representa o amor que ela sentia pela família, pelos amigos e por
ela mesma, outra relatou que o momento foi bastante relaxante e prazeroso pois a experiência
de sentar no chão, desenhar e pintar levou a sua infância e por isso foi um momento bastante
especial.
Ao final da oficina houve um momento de confraternização em que foram ofertados

1347
alguns lanches, assim como também o recebimento do feedback que foram bastante positivos,
relatando até mesmo que iriam sentir falta dos encontros pois sentiam-se bem e acolhidos nesses
momentos, já que eram destinados ao seu cuidado.

Conclusão
Tendo em vista o exposto acima conclui-se que se faz necessário atentar para os
cuidados com aqueles que trabalham com o cuidar do outro. Os ACSs são uma classe exposta
ao estresse de demandas complexas diariamente, em que muitas vezes estão impossibilitados
de resolver devido a interferências superiores, como a gestão governamental, por exemplo.
Emergidos de uma reforma do próprio sistema de saúde brasileiro, eles tornaram-se peça
fundamental no bom funcionamento dessa grande estrutura. Sua atuação direta na família e
comunidade o torna uma ponte entre o serviço ofertado e as demandas da população. Mesmo
ante a invisibilidade do seu trabalho eles afirmam estar realizados na profissão, pois
compreendem a relevância social que ela tem.
Nesse sentido, sugerimos a continuidade do projeto “Cuidando do Cuidador” aos
futuros acadêmicos da disciplina de Estágio Básico III, com o intuito de avaliar o progresso das
intervenções realizadas bem como o levantamento de novas demandas e novas estratégias de
enfrentamento para elas.
O bem-estar físico e mental daqueles que são base e alicerce de um grande sistema como
o SUS é imprescindível para uma melhor qualidade de serviços ofertados. Como foi bem
exposto em uma das falas colhidas em nossos encontros por uma agente comunitária de saúde:
“Colabore com um ACS para melhorar o serviço do SUS.”

Referências
Brasil. Ministério da Saúde. (2003) Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Para entender
a gestão do SUS / Conselho Nacional de Secretários de Saúde. - Brasília: CONASS.
Carlotto, M.S., Câmara, S. G. síndrome de burnout estratégias de enfrentamento em professores
de escolas publicas e privadas. Psicologia da educação. 2008
Cavalcante Filho, J. B. Vasconcelos, E. M. S. Ceccim, R. B. Gomes, L. B. (2009).
"Acolhimento coletivo: um desafio instituinte de novas formas de produzir o cuidado."
Interface: comunicação, saúde, educação. Botucatú. Vol. 13, n. 31 (out./dez. 2009), p. 315-
328
Cordeiro, H. (2004). Instituto de Medicina Social e a luta pela reforma sanitária: contribuição
à história do SUS. Physis, v. 14, n. 2, p. 343-362.
Frutuoso, J. T. & Cruz R. M. (2005) mensuração da carga de trabalho e sua relação com a
saúde do trabalhador (vol. 3, pp. 29-36). Belo horizonte: revista Bras Med. Trab.
Godoy Maia, L. D., Silva, N. D. & Mendes, P. H. C. (2011). Síndrome de Burnout em agentes
comunitários de saúde: aspectos de sua formação e prática. Revista Brasileira de Saúde
Ocupacional, 36(123), 93-102.
Nunes, M. D. O., Trad, L. B., Almeida, B. D. A., Homem, C. R. & Melo, M. C. I. D. C. (2002).

1348
O agente comunitário de saúde: construção da identidade desse personagem híbrido e
polifônico. Cadernos de Saúde Pública, 18, 1639-1646.
Rosa, W. A. G & Labate R. C. (2005). Programa Saúde da Família: a construção de um novo
modelo de assistência. Rev. Latino-am Enfermagem, novembro/dezembro
Tesser, C. D. Neto, P. P. Campos, G. W. S. (2010) Acolhimento e (des)medicalização social:
um desafio para as equipes de saúde da família. Ciência & Saúde coletiva, 15(Supl.3):3615-
3624.
Tomaz, J. B. C. (2002). O agente comunitário de saúde não deve ser um" super-herói".
Interface-Comunicação, Saúde, Educação, 6, 84-87. Política Nacional de Atenção Básica:
Wai, M. F. P. & Carvalho, A. M. P. (2009). O trabalho do agente comunitário de saúde: fatores
de sobrecarga e estratégias de enfrentamento. Rev. enferm. UERJ, 17(4), 563-568.
Willhelm, A. R., Andretta, I. & Ungaretti, M. S. (2015). Importância das técnicas de
relaxamento na terapia cognitiva para ansiedade. Contextos Clínicos, 8(1), 79-86.
A ADOLESCÊNCIA E AS CONSEQUÊNCIAS DAS RELAÇÕES LÍQUIDAS

1349
NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE
Andréa Aparecida Fernandes
Alexandre Flud Glaeser
Introdução
A contemporaneidade apresenta um avanço tecnológico surpreendente e o homem que
até pouco tempo deslumbrava-se com as estórias de ficção científica, dentre elas a viagem a
lua, hoje se prepara para habitar marte. Robôs que recentemente só existiam no imaginário
cinematográfico, agora faxinam casas pelo mundo. Pessoas que passavam anos sem se ver
devido às grandes distâncias, com o implemento da internet e das redes sociais agora se
encontram apenas com um clique no mouse ou o teclar de um smartphone.
Entretanto, apesar de todo esse avanço da tecnologia e a consequente extinção das
fronteiras físicas, a contemporaneidade também apresenta o que talvez seja a causa maior da
incidência de males como a ansiedade, as fobias e a depressão (este último considerado o mal
do século), sendo ela a liquidez das relações sócio afetivas impulsionadas pelo capitalismo,
através de um consumismo desenfreado e fortalecimento do egoísmo narcísico (Bauman, 2004).
Essas relações líquidas, descritas pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-
2017), são, basicamente, relações superficiais nas quais tudo se transforma, a todo instante,
onde é proibido a construção de vínculos afetivos e relações sólidas. Essa liquidez, seja afetiva
ou de consumo, tem transformado o ser humano, principalmente os jovens, em seres
emocionalmente fragilizados, com imensa dificuldade de interagir e se relacionar com os altos
e baixos das relações interpessoais e sociais, tornando-se susceptíveis ao acometimento de
distúrbios psicológicos (Bauman, 2004).
Sobre essa perspectiva, o presente artigo visa a discussão sobre possíveis consequências
para a construção/formação da identidade de adolescentes bem como o aumento da incidência
de transtornos psicológicos (ansiedade e depressão) em adolescentes.

Desenvolvimento
Tem-se a adolescência como a fase sociocultural, não biológica, em regra pertinente às
culturas ocidentais, onde o indivíduo vivencia a transição da infância para a fase adulta. O
marco inicial é a puberdade, essa sim uma fase biológica a qual todo indivíduo,
independentemente a qual cultura pertença, irá vivenciá-la. Nessa fase há o desenvolvimento
da capacidade de racionalização e aprimoramento cognitivo e o indivíduo passa a perceber o
mundo e a si mesmo bem como a questionar a forma/maneira como interage com o mesmo,
agora de maneira mais complexa (Papalia, Feldman & Martorelli, 2013).
Surgem, nesse momento, diversos questionamentos acerca do ser do existir e do compor
e esse indivíduo jovem começa a buscar novas interações sociais, novos laços afetivos, procura
pertencer a um grupo com o qual se identifique e se torna questionador acerca de valores e
crenças até então impostos pelo círculo familiar como normas a serem seguidas (Tiba, 1986).

...é um ser humano em crescimento, em evolução para atingir a maturidade


biopsicossocial. É nesta fase que ele tem mais necessidade de pôr em prática a sua
criatividade. Para ser criativo, precisa ser espontâneo. Para ser espontâneo, precisa
tomar conhecimento de si mesmo, de seus potenciais, dos seus próprios sentimentos,

1350
das suas dificuldades, enfim, objetivar a si mesmo. É também nesta fase que ele tem
mais necessidade de se relacionar com outras pessoas, promover encontros, produtos
de relações télicas. Isto é possível, à medida que diminuem as relações transferenciais.
Assim, além de objetivar-se, ele objetiva o outro (Tiba, 1986, pp. 37-38).

Nessa fase de descobrimentos e de frustrações o adolescente está mais susceptível às


influências externas (amigos, grupos sociais) e segundo estudos é nessa fase que o adolescente
torna-se vulnerável ao uso de drogas e álcool, bem como a apresentar comportamentos
delinquentes, podendo adquirir com isso distúrbios psíquico cognitivos que irão afetar o seu
desenvolvimento e vida adulta além, disso, sua sexualidade e a forma como a enxerga também
passam a compor e interferir no seu imaginário (Papalia, Feldman & Martorelli, 2013).
Essas novas interações sociais passam a ter influência na vida do adolescente no que diz
respeito à formação de sua identidade, de maneira positiva através do fortalecimento psíquico
e social, mas, também, podem representar um risco a seu desenvolvimento psicológico e
cognitivo. É na adolescência que o indivíduo construirá sua identidade, e toda a bagagem
emocional trazida do convívio com sua família lhe servirá de sustentáculo para que, através da
experimentação de sentimentos, desejos e interações sociais com outros indivíduos e com o
meio, ele construa sua autonomia (Papalia, Feldman & Martorelli, 2013).

O alcance da independência individual exige que a pessoa saiba quem ela é. Tornar-
se autônomo significa conseguir posicionar-se enquanto pessoa distinta, com seus
próprios gostos, valores, conhecimentos e esperanças. Para ser um “indivíduo” de
pleno direito, o jovem deve destacar-se dos outros e considerar-se como uma unidade
composta por características, forças, hábitos e formas de agir. Para reconhecer-se e
ser reconhecido, é preciso demonstrar certa constância ao longo do tempo: “Dentre
todas as fachadas que eu posso exibir, qual delas é a minha verdadeira?” (Cloutier &
Drapeau, 2012, p. 206).

Ao adquirir as capacidades de abstração e interpretação o adolescente passa a


racionalizar de maneira complexa as questões que o cercam. Sexo e sexualidade,
relacionamentos sociais, posicionamentos sobre si mesmo (como ser, estar e pertencer), passam
a fazer parte de seu cotidiano e de sua construção psicossocial (Papalia, Feldman & Martorelli,
2013).
Um bom relacionamento familiar, boas amizades, frequência e aproveitamento escolar
são fatores positivos no desenvolvimento da identidade, mas (frente a uma pluralidade de
expressões sociais existentes na contemporaneidade constituídas a partir de questões políticas,
ideológicas e de classes) acreditar que as coisas acontecerão sempre de maneira uniforme é um
posicionamento ingênuo (Cloutier & Drapeau, 2012).
Esse momento se apresenta como um espaço de equilíbrio e reequilíbrio de sentimentos
e emoções e até que o adolescente consiga se reorganizar, acontecendo de forma brusca, pode
gerar crises que devem ser avaliadas segundo à intensidade de sofrimento, à durabilidade e ao
espaço ocupado pelo adolescente (sentimento, tempo, espaço), pois vários são os fatores que
irão incidir no desenvolvimento da identidade do adolescente (Tiba, 1986).
Um desses fatores diz respeito ao fato de que jovens oriundos de lares equilibrados (pais
participativos, amorosos e com bom relacionamento familiar) costumam, em regra, apresentar
um desenvolvimento psíquico e social mais equilibrado. De maneira inversa, adolescentes
filhos de lares desequilibrados (pais ausentes, violência doméstica, abuso de álcool e drogas)

1351
costumam, também em regra, apresentar um desenvolvimento identitário mais desequilibrado
(Cloutier & Drapeau, 2012).
Importante atentar para o fato de que a Família, como instituição social, tem se
transformado/mudado e isso é um avanço relevante para o desenvolvimento do adolescente e
da sociedade como um todo. Famílias monoparentais e homoafetivas, que antes eram
criminalizadas pelo tradicionalismo religioso e Estatal, hoje, devido às transformações sociais
da contemporaneidade, equiparam-se, por força do Direito, às famílias ditas tradicionais (Dias,
2016). Agora, priorizam-se os laços afetivos e de respeito entre seus membros e não mais a
configuração de sua constituição, pois quando uma família é constituída através de relações de
respeito e amor as relações familiares tornam-se democráticas e, consequentemente, a formação
psicológica e social de crianças e adolescentes torna-se, em regra, mais sólida, saudável
(Quadros, 2017).
Assim, superados os preconceitos e tradicionalismos sociais, a vivência tem
demonstrado que famílias nas quais as relações são permeadas por confiança e afinidade entre
seus membros, não havendo controle excessivo ou autoritarismo desmedido por parte dos pais,
costumam saudáveis (democráticas) e, dessa maneira, há menor incidência de sintomatologia
ansiosa e/ou depressiva em relação ao desenvolvimento psicossocial de adolescentes e,
consequentemente, o jovem se sente mais seguro em relação a si mesmo e sua interação com o
meio (Quadros, 2017).
Por outro lado, relações familiares líquidas, com pais ausentes ou autoritários não
havendo a facilitação para a construção da autonomia e independência do adolescente poderá
levar o mesmo a se tornar vulnerável e sujeito a sofrer/vivenciar patologias como ansiedade e
depressão, além de uma série de tipos de fobias. Essa fragilidade emocional normalmente irá
refletir em suas relações afetivas e sociais, bem como do futuro adulto, em suas relações sociais
(Tiba, 1986).
Por essa razão, pode-se afirmar que a família desempenha papel relevante no
desenvolvimento psicológico e no fortalecimento da identidade e autonomia de adolescentes,
pois uma base familiar sólida proporcionará ao jovem a assistência e amparo necessários para
que ele possa interagir de maneira saudável com esse novo imaginário que se inicia a partir da
puberdade (Papalia, Feldman & Martorelli, 2013).
Outro fator importante são os novos relacionamentos sociais vivenciados pelo
adolescente, pois quando este entra na puberdade tende a se distanciar da influência e dos
relacionamentos familiares, passando a integrar grupos com os quais se identifica e, assim,
inicia seu próprio processo de aquisição de experiências e, consequentemente, a construção de
sua identidade. Os relacionamentos amorosos, no que tange aos novos relacionamentos sociais,
importantes e relevantes no desenvolvimento da identidade e é nessa fase, em regra, que o
adolescente irá descobrir o sexo e construir a sua sexualidade (Cloutier & Drapeau, 2012).
Nessa fase pode-se instaurar um conflito pessoal e social estressante para o jovem,
implicando na vivência de sentimentos que podem variar entre angústia, prazer, raiva, desilusão
ou euforia. É importante que o adolescente vivencie todas essas experiências psíquicas, pois a
identidade constrói-se em função de pressões ou tendências que aproximam o indivíduo de
certos estados desejáveis e afastam-no de outros, não desejáveis (Cloutier & Drapeau, 2012).
Na contemporaneidade, o avanço tecnológico e as redes sociais marcam o surgimento
de novas formas de se relacionar com o outro e assim negócios, amizades, relacionamentos
amorosos e as redes sociais passaram a integrar o cotidiano da juventude, tornando as relações
superficiais, líquidas. A preocupação em manter amizades, refazer laços, reconstruir relações

1352
já não faz mais sentido, pois tudo é efêmero, passageiro, descartável e dinâmico (Bauman,
2007).
Com o implemento das redes sociais os relacionamentos passaram a ser constituídas
sem que haja um contato físico ou trocas físicas entre as partes. Aquela preocupação em manter
amizades, refazer laços, reconstruir relações já não faz mais sentido. Tudo é efêmero,
passageiro, descartável (Bauman & Leoncini, 2018). Para a juventude contemporânea tudo tem
que ser agora, pois o adolescente não pode desligar um minuto sequer ou ficará para trás,
obsoleto e assim não se pode vivenciar uma formação de laços nas relações, pois a todo instante
tem-se que estar atentos ao novo e não há mais tempo para sonhar (Bauman, 2007).
Como decorrência dessa liquidez relacional, percebe-se um certo aumento da
fragilização na formação da identidade do adolescente e as relações pessoais e interpessoais
deixaram de se pautar no fortalecimento dos vínculos afetivos e passaram a se constituir através
das relações de consumo (Bauman, 2004). A solução dos dilemas passou a ser oferecido nas
prateleiras do comércio (Dantas, 2009).
O adolescente deixa de vivenciar relacionamentos capazes de lhe fortalecer
psiquicamente (pois um desenvolvimento intelectual sadio constrói-se através da vivência de
experiências como alegria e frustação, ganho e perda, resignação e resiliência) e o prazer
momentâneo torna-se a tônica das relações pessoais, pois o outro, que antes possuía importância
socioafetiva, torna-se mais um objeto de consumo descartável – cuja a única função é a
satisfação de um desejo egoísta (Bauman, 2007).
Bauman (1925-2017), soube retratar e diagnosticar essa sociedade pós-moderna,
consumista, narcísica e psicologicamente fragilizada como ninguém. Para ele, a sociedade pós-
moderna impõe ao indivíduo a necessidade de busca constante pela próxima experiência, sob o
risco de ficar para trás, de sair de moda.
Essa falta de experiências sólidas na formação psicossocial de adolescentes tem
contribuído para o aumento do surgimento de transtornos psicológicos, dentre eles a depressão.
Há um aumento significativo, na contemporaneidade, de jovens buscando auxílio através de
acompanhamento clínico ou através do uso de medicamentos psiquiátricos e a retomada de
relações sólidas, familiares ou sociais mostram-se fatores importantes para a construção e o
fortalecimento da identidade dos jovens consequentemente, a construção e o fortalecimento
dessa identidade irão fomentar a consolidação de sua autonomia (Silva, 2016).

Na sociedade de consumo, a noção de felicidade se atrela ao mito da igualdade. Para


tanto, a ideia de bem-estar precisa, necessariamente, ser mensurável através da posse
de certos objetos e signos, a fim de que seja comparável. Com decorrência da
manipulação da noção de felicidade, a partir de sua mensuração através dos objetos
consumidos e da uniformização de destinos, surgem problemas na esfera da
individualidade e da identidade, pois a cultura de consumo impele o sujeito à condição
de portador de um permanente sentimento de vazio desesperançado, sentimento este
que contribui para desencorajar as pessoas a prover as suas próprias necessidades e,
consequentemente, alimentar a crença de que o “remédio” para a cura de todos seus
males pode ser adquirido, comprado, ingerido ou incorporado (Dantas, 2009, p. 136).

Na adolescência, em detrimento dessas relações líquidas, dessa busca incessante pela


próxima experiência, tem-se revelado um aumento substancial na incidência de transtornos
psicológicos, principalmente em detrimento da falta de vivência/experimentação de relações
sólidas, muitos adolescentes não conseguem lidar/superar situações reais de estresse e angústia

1353
pertencentes e normais a essa fase de seu desenvolvimento (como por exemplo a mudança do
corpo, sexo e sexualidade, relacionamentos afetivos, dentre outros) e, consequentemente, tem
apresentado um aumento dos quadros clínicos depressivos. Essa liquidez toda tem contribuído,
então, para a formação de uma sociedade fraca, fragilizada emocionalmente e incapaz de
interagir com uma gama de sentimentos que antes eram considerados comuns e agora passam
a serem vistos como intransponíveis (Silva, 2016).
A depressão, dentre os transtornos psicológicos que acometem a juventude
contemporânea, é considerada o mal do século, estimando-se que grande parte da população
mundial já tenha vivenciado, de maneira branda ou crônica, a experiência de uma depressão.
São vários os fatores que levam um indivíduo a manifestar esse tipo de transtorno psíquico,
podendo ser biológicos, psicológicos e, ainda, sociais. A depressão atinge a sociedade como
um todo (brancos, negros, homens, mulheres, crianças, adolescentes, adultos ou idosos) não
tendo hora nem lugar para se manifestar (Solomon, 2014).
No caso da adolescência, como forma de prevenção e tratamento, é importante a atenção
para uma mudança de hábitos, uma mudança de postura em relação ao estilo de vida consumista
(nas quais as relações deixam de ter importância emocional constituindo-se apenas no ter e
possuir) e à liquidez das relações pessoais. A participação da família bem como o
resgate/percepção para a valorização das relações afetivas, pessoais e interpessoais, é, dessa
maneira, fator primordial para se reverter esse quadro de fragilização emocional e
consequentemente a redução de casos de suicídio na juventude (Silva, 2016).

Conclusão
Fazendo uma breve analogia com a construção civil, toda edificação depende de uma
base sólida que a sustente, de uma fundação que suporte as intempéries do meio, evitando o seu
desabamento ao menor sinal de adversidades. Pois bem, a família é essa base sólida, é essa
fundação que irá, em regra, dar o suporte necessário para o desenvolvimento/crescimento
psicossocial do adolescente nessa fase de descobertas e desvendamentos chamada adolescência.
Assim, observou-se que uma vivência familiar sadia, consubstanciada por relações
democráticas, mostra-se como fator essencial na formação de uma identidade autônoma e
equilibrada nos jovens. As experiências, as vivências, os conceitos e princípios éticos
familiares, mesmo que o adolescente busque suas próprias experiências e vivências, irão
auxiliá-lo por toda sua caminhada, fortalecendo sua identidade e autonomia.
Por outro lado, uma mudança na postura consumista e líquida em relação às relações
pessoais e interpessoais vivenciadas pelo adolescente também possui peso na luta contra o
aumento da incidência de transtornos psicológicos. Uma vivência baseada apenas no ter e no
possuir, sem formação de laços sólidos, seja através do consumo ou das relações pessoais e
sociais, tem contribuído apenas para enriquecer cada vez mais àqueles que fomentam esse tipo
de sociedade consumista, favorecendo uma fragilização emocional cada vez mais preocupante
da sociedade.
Famílias estruturadas e equilibradas emocionalmente e a substituição das relações
líquidas de viés consumista por relações sólidas e afetivas mostram-se, de acordo com o
presente conteúdo, questões necessárias no que diz respeito à manutenção da saúde mental de
adolescentes.
Referências

1354
Bauman, Z. (2004). Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar.
Bauman, Z. (2007). Tempos líquidos. tradução Medeiros, C., A., (1ª ed.). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar.
Bauman, Z. & Leoncini, T. (2018). Nascidos em tempos líquidos: transformações no terceiro
milênio, tradução Melo, J. A. D. (1ª ed.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Cloutier, R. & Drapeau, S. (2012). Psicologia da adolescência. Tradução de Matousek, S. (3ª
ed.). Petrópolis: Vozes.
Dantas, M. A. (2009). Sofrimento Psíquico: modalidades contemporâneas de representação e
expressão. (1ª ed.). Curitiba: Juruá.
Dias, M. B. (2016). Manual de direito das famílias. (11ª ed.). São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais.
Papaglia, D. E., Feldman, R. D. & Martorelli, G. (2013). Desenvolvimento humano, Tradução:
Vercesi, C. F. M., P. ... (et al). (12ª ed.). Porto Alegre: AMGH.
Quadros, E. A. (2017). Psicologia e desenvolvimento humano (1ª ed.). Petrópolis: Vozes.
Silva, A. B. B. (2016). Mentes depressivas - As três dimensões da doença do século. (1ª ed.).
Rio de Janeiro: Epub.
Solomon, A. (2014). O demônio do meio-dia. Tradução: Campello, M., (2ª ed.). São Paulo:
Companhia das Letras.
Tiba, I. (1986). Puberdade e adolescência: desenvolvimento biopsicossocial. (3ª ed.). São
Paulo: Ágora.
EVASÃO ESCOLAR: O FANTASMA QUE ASSOMBRA AS INSTITUIÇÕES DE

1355
ENSINO SUPERIOR
Andréa Aparecida Fernandes
Darlei Barbosa Dias
Gabriel Martins Croch de Jesus
Jéssica Cecília Moura Machado
Wanda Mendes de Oliveira
Introdução
Esse estudo tem como objetivo compreender a evasão universitária brasileira, bem como
suas motivações. Para tal foi utilizado, pesquisa realizada com alunos de um Centro
Universitário de uma cidade do interior de Minas Gerais, interrogando-os sobre possíveis razões
de desistirem do curso que hoje estão integrados.
As possibilidades de interpretar a evasão universitária podem acontecer por amplos
aspectos que envolvem a vida pessoal e profissional do aluno, como aspectos financeiros,
sociais, hierárquicos, morais e, até mesmo, psicológicos. Segundo Feitosa (2016), não somente
questões voltadas à vida pessoal dos alunos interferem na condição de permanecer ou não
cursando alguma graduação na faculdade, como também a relação deste aluno para com a IES.
Isso, segundo a autora, está ligado diretamente com a satisfação do discente para com as normas
do ambiente universitário, bem como o suporte que está recebendo para continuar com sua
graduação em progresso.
A evasão é conceituada de acordo com Costa (1991) e Souza (1999) como a saída do
estudante de um dos cursos, ou da instituição de ensino, de maneira temporária ou definitiva,
seja por motivos financeiros, econômicos ou sociais. Ela é considerada uma ameaça à situação
educacional do país, afinal em salas preparadas para receber 40 alunos, se só estudam 20 alunos,
o prejuízo é imenso, pois o custo com infraestrutura e professores é o mesmo se tratando de 20
ou 40 alunos. Lobo (2012) e Costa, Bispo e Pereira (2018) entendem que a evasão na instituição
de ensino superior ocorre quando o estudante troca a IES por outra.
O conceito de evasão escolar possui algumas diferenciações: para Ristoff (1995), a
mobilidade, ou seja, a saída de um aluno de um curso para entrada em outro, não deve ser
considerada como evasão; enquanto a Comissão Especial de Estudos sobre Evasão do MEC,
delimita o conceito de evasão como sendo uma decisão ativa do aluno que decide desligar-se
de seu curso superior atual por sua própria responsabilidade. Segundo a Comissão Especial de
Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras, a evasão escolar ocorre em três
níveis diferentes que são: evasão do curso, seja por abandono ou transferência; evasão da
instituição, que implica a saída do aluno da instituição atual; e evasão do sistema, relativo ao
abandono, temporário ou definitivo, do ensino superior.
Entretanto, tendo em vista o recorte específico dessa pesquisa, bem como as limitações
de tempo e finalidade, não é intenção realizar uma investigação completa, ou mesmo, esgotar
as possibilidades de compreensão do fenômeno de pesquisa. Além disso, cabe ressaltar que a
pesquisa voltada à evasão universitária em uma determinada instituição de ensino superior
(IES), não conseguirá abarcar todas as possibilidades de compreender inteiramente o assunto,
uma vez que “a primeira visão empírica não oferece nem o desenho exato dos fenômenos, nem
ao menos a descrição bem ordenada e hierarquizada dos fenômenos” (Bachelard, 1996, p. 37).
1356
Método
O presente estudo se enquadra como uma pesquisa quantitativa, foram considerados
elegíveis e convidados para a participação do presente estudo os estudantes de um Centro
Universitário do interior de Minas Gerais. A amostra foi constituída por 92 alunos da faculdade,
pertencentes à dez cursos da instituição, dentre eles, psicologia, pedagogia, administração,
direito etc. Destes 26 eram do sexo masculino e 66 do sexo feminino, e idade entre 18 a 46
anos.
Para o levantamento de dados, foram elaborados questionários com perguntas que
tinham como propósito auxiliar na captação de dados para avaliação dos motivos que levaram
o graduando a escolher o curso; avaliação do grau de satisfação dos graduandos para com a
instituição; percepção das razões que levariam os graduandos a abandonar a faculdade;
descrição das dificuldades que o graduando enfrenta na faculdade; e avaliação das perspectivas
dos graduandos quanto à sua atuação na profissão escolhida. Os questionários foram aplicados
de forma individual, pelos próprios pesquisadores, durante os intervalos de aulas.
O procedimento de análise foi organizado em função do objetivo específico do presente
estudo. Portanto, em um primeiro momento, foi tabulado as respostas das questões, em seguida
houve uma discussão sobre os resultados entre os pesquisadores visando o aproveitamento
máximo do conteúdo da pesquisa.

Resultados e Discussão
A escolha de uma profissão é a construção de um projeto de vida, por isso é de extrema
importância que o jovem investigue sua vocação para que decida conscientemente o que deseja
para si. Uma pesquisa feita pelo Centro de Integração Empresa Escola (CIEE), revelou que 36%
dos jovens tem como maior medo descobrir que fizeram a escolha errada da profissão. Quando
o jovem escolhe de forma equivocada a sua profissão, ou se baseando apenas em dados que
restrinjam sua escolha, como escolher apenas entre cursos disponíveis na cidade onde mora ou
segue apenas a influência dos pais sem considerar suas próprias escolhas, a possibilidade de
troca de curso ou de abandono da faculdade aumenta.
A pesquisa realizada mostrou que os participantes que responderam ao questionário
72% têm como principal motivo de escolha do curso o interesse pessoal. Logo, a possibilidade
de evasão pode ser considerada menor se tomado como base os estudos apresentados
anteriormente que apresentam como um dos fatores que influenciam na evasão são escolhas
baseadas em “conveniências”.
O segundo ponto investigado foi a satisfação dos graduandos com o curso escolhido, o
que é de extrema importância porque é no espaço acadêmico que o graduando adquire
experiências que serão o alicerce para sua vida profissional. Dentre os fatores que influenciam
positivamente a satisfação dos estudantes estão: amigos do grupo (Kanan & Baker, 2006);
identificação pessoal com área e aspectos externos ao aluno, como mercado de trabalho e boa
estrutura do curso (Bardagi, Lassance & Paradiso, 2003); boa resposta às necessidades e
expectativas em geral (Appleton-Knapp;Krentler, 2006; Petruzzellis; D’Uggento; Romanazzi,
2006); habilidades, conhecimentos, estratégias, postura e interação do professor com a turma
(Camargos, Camargos & Machado, 2006; Douglas, Douglas & Barnes, 2006); e percepção do
ensino como algo proveitoso (Douglas, McClelland & Davies, 2008).
Dentre os fatores que influenciam negativamente a satisfação, estão: desapontamento

1357
com a má organização e falha geral em atender expectativas (Petruzzellis, D’Uggento &
Romanazzi, 2006); despreparo e pouco compromisso com as turmas por parte do corpo docente
(Castillo & Lopes, 1996); e falta de disponibilidade e prontidão para responder por parte do
corpo docente (Douglas, Douglas & Barnes, 2006).
Os fatores de satisfação podem variar consideravelmente, dependendo do modo pelo
qual o estudante vê a si mesmo e seu ambiente. Trata-se da percepção em relação ao ensino,
que pode ser entendida como a forma do aluno visualizar a realidade no cotidiano e formar
juízo de valor baseado na sua leitura de ações, gestos, discursos, normas e nas atitudes dos
funcionários, direção e professores (Camargos, Camargos & Machado, 2006).
Na pesquisa realizada, o grau de satisfação dos graduandos é positivo uma vez que
apenas 1% respondeu não estar satisfeito com o curso, o restante variou entre bom, ótimo e
excelente. E esta realidade é muito importante porque motiva o aluno a se desenvolver,
buscando atividades que agreguem valor e conhecimento ao que é ensinado em sala de aula. E
a reciprocidade da instituição para com o interesse do aluno também é fundamental, porque
através de ações inovadoras que venham acrescentar saberes aos alunos, lhes proporcionando
um diferencial em seu aprendizado, é que a instituição se fortalece, tendo neles um exemplo
concreto dos profissionais de alto nível que se formaram ali.
O terceiro ponto investigado foi quanto ao motivo que levaria o aluno a abandonar o
curso, um aspecto importante para falar desse ponto é se atentar a realidade do país nesse
momento: O país apresentou um total de 12,6 milhões de desempregados no trimestre encerrado
em julho/2019 e o número de trabalhadores por conta própria atingiu 24,2 milhões, conforme
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 30 de agosto de
2019.
Alguns alunos têm acesso aos programas de financiamento do governo: o FIES (Fundo
de Financiamento Estudantil) e o PROUNI (Programa Universidade Para Todos), mas eles
estão disponíveis conforme o desempenho do estudante no ENEM (Exame Nacional do Ensino
Médio), então grande parte dos estudantes não têm esta opção, cabe às instituições de ensino
superior buscar linhas de crédito que atendam a essa grande maioria, pois a demanda cada vez
mais exigente do mercado de trabalho impulsiona os jovens a buscarem se capacitar por meio
de um curso superior.
Vários fatores podem contribuir para a desmotivação do graduando, citamos como
exemplos: despreparo do graduando em se adaptar à vida acadêmica, quando surgem matérias
que não foram aprofundadas no ensino médio e são essenciais para o seguimento do curso,
causando uma defasagem no conteúdo passado pelo professor; falta de criatividade nas aulas,
cada aluno tem sua maneira de aprender, por isso é tão importante estudar a grade curricular e
métodos que despertem o interesse do aluno, de forma que ele consiga apreender o conteúdo;
dificuldade de conciliar trabalho e estudo; a desmotivação também pode ter origem na não
identificação do aluno com o curso escolhido. Talvez porque os primeiros períodos apresentem
conteúdos mais básicos ou por o estudante não ter certeza de qual área deseja seguir, além de
motivos pessoais como gravidez, doenças ou problemas familiares.
Nesta pesquisa foram observados outros fatores que levariam o aluno a abandonar o
curso, tais como: relacionamento com colegas; relacionamento com professores; falta de tempo
com a família; filhos, enfim, relacionamentos em geral. Na pesquisa realizada os fatores mais
citados como motivos para abandonar o curso foram os fatores financeiros com 55,43% das
respostas, seguidos por desmotivação 18%, como apresentado anteriormente o que é uma
situação realmente preocupante pensando no momento que o país se encontra.
O quarto ponto investigado foi sobre as dificuldades encontradas na faculdade, estudos

1358
apontam que as dificuldades podem estar relacionadas ao fato de que os alunos não conseguem
cumprir com as atividades que são destinadas fora do horário de aula, como leituras
preliminares, trabalhos, preparação de seminários, pesquisas, estudos para avaliações dentre
outras (Marques & Silva, 2017). Quanto aos graduandos mais jovens, podem ser considerados
outros aspectos, como apontam Santos e Silva (2011), onde o trabalho, buscado por esses jovens
como um fator de autonomia e/ou independência econômica em relação a suas famílias,
concorre fortemente com a obtenção de um diploma, fragilizando suas trajetórias universitárias
e os tornando perdedores nessa corrida.
Bardagi et al. (2006) em uma pesquisa com alunos da UFRGS (Universidade Federal
do Rio Grande do Sul), mencionam a presença de alunos que exercem atividades remuneradas
concomitantemente aos estudos. A partir disso elas afirmam que: “O aluno que necessita
contribuir para a renda familiar, por exemplo, provavelmente irá priorizar a obtenção de um
emprego e se envolverá menos com as atividades do curso.” (Bardagi et al., 2006). Marques e
Silva (2017), em um trabalho de pesquisa, obtiveram como resultados, a percepção da
importância de políticas públicas que possibilitem o acesso a uma IES por parte das populações
menos favorecidas, bem como as leis que auxiliam os trabalhadores-alunos.
Não obstante, os autores dão destaque ao fato de que é preciso, acima de todas as
atividades, colocar a saúde e o bem-estar de todos os indivíduos em primeiro lugar, horários de
descanso, atividades físicas, apreciação de suas relações sociais, são passos que inevitavelmente
devem estar presentes no calendário, como condição para o sucesso acadêmico. Outra
dificuldade apontada foi o bullying, que traz inúmeras consequências negativas psicossociais
às pessoas vítimas deste. Para Oliveira e Lima (2018), no ensino superior, o bullying costuma
retratar a discriminação e o preconceito que existem na sociedade. Os resultados apurados na
pesquisa vão de encontro aos estudos apresentados onde conciliar trabalho e estudos mostrou-
se como a principal dificuldade apontada pelos alunos da instituição com 67% das respostas.
O quinto ponto analisado foi quanto a perspectiva de atuação na área para Teixeira e
Gomes (2004), a percepção de mercado desfavorável está associada a um menor grau de decisão
de carreira e a percepção de mercado favorável a um maior otimismo quanto à inserção e
obtenção de resultados. Otimismo este, que pode estar relacionado à satisfação com a escolha
profissional. Bardagi et al. (2006) citam Super, Savickas e Super (1996) que definem que a
satisfação profissional do indivíduo resulta da percepção de que o trabalho é uma expressão do
seu autoconceito, ou seja, de que é possível, através do exercício profissional, expressar os
próprios valores, interesses e características de personalidade. No que diz respeito a um campo
social, Oliveira, Detomini e Melo-Silva (2013), citam Koivisto, Vuori e Nykyri (2007);
Teixeira e Gomes, (2004), onde

“à conclusão do curso universitário, para muitos jovens, não significa apenas a


formação profissional e a inserção no mundo do trabalho; implica também a adoção
de novos papéis sociais que possibilitem a independência financeira e familiar e a
adoção de novos padrões de relacionamentos que possibilitarão a construção de uma
família, ou seja, essa transição coincide tradicionalmente com o estabelecimento na
vida adulta.” (Koivisto, Vuori & Nykyri, (2007); Teixeira & Gomes, 2004).)

Fato que, muitas vezes, não traduz os objetivos dos estudantes já socialmente
considerados como adultos, pois estes já estão inseridos no mercado de trabalho e, ao
ingressarem no ensino superior podem estar buscando melhores condições de vida, por meio de
uma mudança de profissão, ou ainda o aperfeiçoamento ou agregação de conhecimentos. No

1359
geral a perspectiva de atuação na área é boa com 78,26% das respostas. Porém notou-se durante
a realização da pesquisa, questionamentos dos próprios alunos acerca de suas transições entre
faculdade e mercado de trabalho. Alguns afirmaram ter apenas uma noção superficial, ou seja,
nunca chegaram a pesquisar profundamente como se dá a demanda atual de vagas de emprego
nas áreas em que estão se graduando.

Considerações finais
Diante da pesquisa realizada, a maioria dos alunos escolheu o curso por interesse pessoal
desmistificando o fato de que a maioria escolhe o curso pela influência da família, fazendo com
que a evasão e a desmotivação com a faculdade e o curso se tornem algo resultante de outros
fatores. Esse ponto se destacou diante dos feedbacks à pesquisa feita pelos alunos em relação
ao nível de satisfação com o curso onde 98,92% se dizem satisfeitos, pretendem continuar até
a conclusão e atuar na carreira, pois é algo que partiu de si.
A pesquisa mostra que 78,26% dos entrevistados estão otimistas quanto a conseguir
atuar e focar em tal área, sendo possível torná-la rentável e criar um renome, ficando novamente
para segundo plano a desistência por fatores externos. Porém deve se considerar que 21,74%
dos entrevistados têm dúvidas quanto à possibilidade de atuação na área, o que merece atenção
especial da IES.
É fato que dentre os vários motivos que levaria os graduandos a deixar seu curso está
em destaque a questão financeira com 55,43% dos entrevistados, esse fator requer uma ação
concreta da instituição quanto às opções de financiamento, porque a maioria dos graduandos
não se enquadram nas políticas do governo que são o FIES (Fundo de Financiamento
Estudantil) e o PROUNI (Programa Universidade Para Todos), ambas vinculadas ao resultado
do ENEM para que sejam concedidas , necessitando assim de outra forma de crédito para que
não interrompam seu curso e seus projetos de vida.
O segundo fator em destaque é a desmotivação apresentada diante de fatores como:
aulas menos intuitivas, poucas aulas dinâmicas, poucas aulas práticas e falta até mesmo de
professores. Diante de vários fatores apresentados no referido trabalho é notório que entre os
principais motivos de desistência da faculdade está conciliar o trabalho com o referido curso.
Pelo exposto essa pesquisa trouxe resultados que contribuem para a qualidade na
permanência dos estudantes na instituição uma vez que conseguiu mapear os principais motivos
da evasão, dessa forma a atenção precisa contemplar: fatores externos à instituição como,
mercado de trabalho (problemas financeiros); desvalorização da profissão gerando
desmotivação para conclusão do curso; conciliar trabalho-estudo. Fatores internos à instituição
como relacionamento com professores; baixo nível do curso; desunião da turma; falta de
investimento em inovações acadêmicas; aulas com conteúdo repetitivo. Assim como fatores
pessoais do estudante, tais como a escolha precoce da profissão (não gosta do curso escolhido);
dificuldade de adaptação à vida acadêmica; isolamento e bullying.

Referências
Ambiel, R. A. M. (2015). Construção da Escola de Motivos para Evasão do Ensino Superior.
Avaliação Psicológica (em linha). 14 (1), 41-52. Recuperado em 24 novembro de 2019 de:
https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=335042985006.
Appleton-Knapp, S. L. & Krentler, K. A. (2006). Measuring student expectations and their

1360
effects on satisfacion: the importance of managing student expectations. Journal Marketing
Education. Newbury Park, v.28, p. 254-264.
Bachelard, G. A. (1996). Formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do
conhecimento. Rio de Janeiro: ed. Contraponto.
Bardagi, M. P., Lassance, M. C. P. & Paradiso, Â. C. (2003). Trajetória acadêmica e satisfação
com a escolha profissional de universitários em meio de curso. Revista Brasileira de
Orientação Profissional, Ribeirão Preto, v.4, n. 1-2, p. 153-166.
Camargos, M. A., Camargos, M. C. S. & Machado, C. J. (2006). Análise das preferências de
ensino de um curso superior de administração de Minas Gerais. Revista de Gestão da USP,
São Paulo, v. 13, n. 2, p. 1-14.
Bardagi, M. P. et al. (2006). Escolha profissional e inserção no mercado de trabalho: percepções
de estudantes formandos. Psicol. Esc. Educ. (Impr.), Campinas, v. 10, n. 1, pp. 69-82, June
2006. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
85572006000100007&lng=en&nrm=iso>. Access on 26 Nov. 2019.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-85572006000100007.
Cunha, J. V. A., Nascimento, E. M. & Durso, S. O. (2014). Razões e influências para a evasão
universitária: um estudo com estudantes ingressantes nos cursos de Ciências Contábeis de
instituições públicas federais da Região Sudeste. Novas Perspectivas na Pesquisa Contábil,
São Paulo, v. 2, n. 5, p.01-17, jul. 2014.
David, L. M. L. & Chaym, C. D. (2019). Evasão Universitária: Um Modelo para Diagnóstico e
Gerenciamento de Instituições de Ensino Superior. Revista de Administração IMED. Passo
Fundo, v 9, n 1, p 167-186, jun 2019 ISSN 2237-7956. Disponível em
https://seer.imed.edu.br/index.php/raimed/article/view/3198. Acesso em 24 nov 2019
doi:https://doi.org/10. 18256/2237-7956.2019.v911.3198.
Douglas, J., Dougas, A. & Barnes, B. (2006). Measuring student satisfaction at a UK university,
Quality Assurance in Education. Bingley, v. 14, n. 3, p. 251-267.
Douglas, J., McClelland, R. & Davies, J. (2008). The development of a conceptual modelo f
student satisfaction with their experience in higher education. Quality Assurance in
Education. Bingley, v.16, n. 1, p. 19-35.
Feitosa, J. M. (2016). Análise de evasão no ensino superior: uma proposta de diagnóstico para
o campus de laranjeiras. 2016. 82 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Administração
Pública, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão.
Koivisto, P., Vuori, J. & Nykyri, E. (2007). Effects of the school-to-work group method among
Young people. Journal of Vocational Behavior, 70 (2), 277-296.
Loiola, C. (2019). Taxa volta a cair mas desemprego atinge 12,6 milhões de brasileiros. Correio
Braziliense, Brasília, 30 de ago. de 2019. Disponível em:
<correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/08/30/internas_economia.779944/
taxa-volta-a-cair-mas-desemprego-atinge-12-6-milhoes-de-brasileiros.shtml. Acesso em:
29 de nov. de 2019.
Marques, B. S. & Silva, M. A. C. (2017). TRABALHADORES-ALUNOS: motivações e
desafios que configuram um cenário de luta I EIGEDIN - Encontro Internacional de
Gestão, Desenvolvimento e Inovação. (Congresso).
Oliveira, V. L. R. & Lima, T. L. (2018). O Bullying no Ensino Superior. (Artigo).

1361
Santos, G.G. & Silva, L. C. (2011). A evasão na educação superior: entre debate social e objeto
de pesquisa. In: SAMPAIO, SMR., org. Observatório da vida estudantil: primeiros estudos
[online]. Salvador: EDUFBA, 2011, pp. 249-262. ISBN 978-85-232-1211-7. Available
from SciELO Books.
Souza, S. A. & Reinert, J. N. (2010). Avaliação de um curso de ensino superior através da
satisfação/insatisfação discente. Avaliação (Campinas), Sorocaba, v.15, n.1, p.159-176,
2010. Available from: http://www.cielo.br/ scielo.php? script=sci_arttex&pid=S1414-
40772010000100009&Ing=en&nrm=iso. Acess on 25 Nov. 2019.
http://dx.doi.org/10.1590/S1414-40772010000100009.
Super, D. E., Savickas, M. L. & Super, C. M. (1996). The lifespan, life-space approach to
careers. Em: D. Brown & L. Brooks (Orgs), Career choice and development. (pp. 121-
178). San Francisco, CA: Jossey-Bass.
Teixeira, M. A. P. & Gomes, W. B. (2004). Estou me formando...e agora? Reflexões e
perspectivas de jovens formandos universitários. Revista Brasileira de Orientação
Profissional, 5(1), 47-62.
Vianna, C. T. (2013). Classificação das Pesquisas Científicas. Notas para os alunos.
Florianópolis, 2013, 2p. Disponível em pt.slideshare.net/cleversontabajara1/metodologia-
cientfica-tipos-de-pesquisa-ultimate. Acesso em 24 Nov. 2019.
PESQUISAS PSICANALÍTICAS SOBRE O IMAGINÁRIO COLETIVO:

1362
TENDÊNCIAS E INDICADORES DE CONSISTÊNCIA METODOLÓGICA
Andréa Aparecida Fernandes
Rodrigo Sanches Peres
Introdução
À luz da Psicanálise contemporânea, o conceito de imaginário coletivo, como resultado
de um paulatino processo de depuração, vem sendo utilizado desde os anos 2000 no país para
designar, conforme Tachibana (2011), o conjunto de ideias, crenças e emoções que se associam,
sobretudo de forma não-consciente, às ações de um determinado público em relação a um certo
fenômeno. E a autora acrescenta que este entendimento foi pautado em formulações teóricas
acerca do substrato afetivo-emocional das manifestações humanas propostas pela psicanalista
brasileira Tânia Maria José Aiello-Vaisberg, docente e pesquisadora na Universidade de São
Paulo e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Ressalte-se que a perspectiva epistemológica que sustenta o conceito de imaginário
coletivo em sua acepção psicanalítica não aborda o homem como uma entidade totalmente
abstrata, ao mesmo tempo que não consente com sua qualificação como um ser exclusivamente
racional. Nesse sentido, Aiello-Vaisberg e Machado (2008) afirmam que o imaginário coletivo
pode ser psicanaliticamente compreendido como uma posição existencial ocupada
inconscientemente em um dado momento. E tal posição existencial tem como pano de fundo as
interações cotidianas. Logo, as autoras sublinham que, como a vivência de novos ambientes
humanos é capaz de promover amadurecimento, o imaginário coletivo é relativamente flexível.
Vale destacar que, para Simões (2012), o imaginário coletivo se constitui como uma
espécie de cultura de um grupo social, pois inclui valores e costumes que, com algumas
variações pessoais, são compartilhados pelo mesmo. Portanto, ao menos quando concebido
psicanaliticamente, o imaginário coletivo deve ser considerado, ao mesmo tempo, individual e
social. Ainda que em outros termos, Tachibana (2011) defende essa linha de raciocínio ao
propor que o imaginário coletivo é marcado tanto pela realidade objetiva quanto pela realidade
subjetiva do indivíduo. E, em complemento, Gonçalves (2008) sustenta que o imaginário
coletivo sempre se manifesta em um período histórico e pessoal específico, sendo que cada
sujeito, além de um produto de sua época, é co-criador do meio em que vive.
Diante do exposto, evidencia-se que o conceito de imaginário coletivo em sua acepção
psicanalítica é capaz de nortear pesquisas voltadas ao exame das subjetividades grupais em face
de uma multiplicidade de fenômenos. E de fato isso já se observa no país. Desse modo, o
presente estudo teve como objetivo geral estabelecer, mediante uma revisão da literatura, um
panorama da produção científica nacional relativa à exploração psicanalítica do imaginário
coletivo. Os objetivos específicos foram, no tocante às publicações com tal temática veiculadas
no formato de artigo empírico: (1) identificar as principais tendências quanto a seus objetivos,
participantes e procedimentos de coleta de dados e (2) avaliar indicadores de consistência
metodológica concernentes a relevância, adequação, transparência e solidez.

Método
O presente estudo se enquadra como uma revisão integrativa, modalidade de revisão da
literatura indicada não apenas para a determinação do conhecimento científico atual sobre um
assunto específico (Souza, Silva & Carvalho, 2010), mas, também, para a discussão de
conceitos emergentes (Soares et al., 2014), como é o caso do conceito de imaginário coletivo

1363
em sua acepção psicanalítica. É importante esclarecer que as revisões da literatura, para além
de sintetizarem pesquisas prévias, estabelecem novas relações entre as mesmas a partir de
critérios fundamentais e, como consequência, geram contribuições originais (Mancini &
Sampaio, 2006).
As revisões integrativas, adicionalmente, contribuem para o mapeamento dos métodos
empregados em pesquisas consagradas a um determinado tópico, de modo que proporcionam
indicações importantes para futuras investigações. Para tanto, contudo, as revisões integrativas
devem ser desenvolvidas em conformidade com procedimentos metodológicos próprios,
referentes à localização, à seleção e à avaliação das referências (Ercole, Melo & Alcoforado,
2014). Como será detalhado a seguir, tais procedimentos foram adotados no presente estudo, a
fim de assegurar sua reprodutibilidade e confiabilidade.
Quanto aos procedimentos metodológicos de localização das referências, ressalte-se
que, para viabilizar um levantamento bibliográfico abrangente, foram consultadas três bases de
dados: (1) Scientific Electronic Library Online-Brasil (SciELO-Brasil), (2) Periódicos
Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) e (3) Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências
da Saúde (LILACS). Em cada uma dessas bases de dados foram empreendidas buscas através
do cruzamento dos termos “imaginário” e “coletivo”, sempre no campo “resumo”, uma vez que
tal estratégia, em consultas prévias, se revelou a mais produtiva. Vale destacar ainda que as
buscas foram concluídas no dia 22 de maio de 2019 e não envolveram a utilização de quaisquer
limites – em relação à data de publicação ou idioma, por exemplo – oferecidos pelas bases de
dados.
A respeito dos procedimentos metodológicos de seleção das referências, deve-se
esclarecer que se optou pelo emprego de um único critério de inclusão, a saber: enquadrar-se
como artigo empírico voltado à exploração psicanalítica do imaginário coletivo. Esse critério
foi aplicado de forma independente por dois pesquisadores mediante a leitura dos resumos das
referências, sendo que, pontualmente, se recorreu à leitura dos textos completos quando
considerado necessário para esclarecer dúvidas. As duplicidades identificadas entre as
referências selecionadas foram descartadas e, assim, foi definido o corpus de análise em sua
versão final. Procedeu-se a recuperação de todas as referências que constituíram o corpus de
análise e os textos completos foram, então, submetidos a uma leitura exaustiva, também
realizada de modo independente por dois pesquisadores.
Já os procedimentos de avaliação das referências foram organizados em função dos dois
objetivos específicos do presente estudo. Portanto, em um primeiro momento, foram
identificados e sumarizados os objetivos, os participantes e os procedimentos de coleta de dados
das referências selecionadas. Em um segundo momento, as mesmas foram avaliadas com base
em indicadores de consistência metodológica concernentes a relevância, adequação,
transparência e solidez. Para isso foi adotada a adaptação do Guia RATS proposta por Taquette
e Minayo (2016). Por fim, ainda acompanhando as autoras em questão, foi efetuada a
classificação de cada uma das referências selecionadas em três categorias quanto à consistência
metodológica: (1) “consistente”, quando apresentava de 12 a 15 indicadores; (2) “pouco
consistente”, quando apresentava de 8 a 11 indicadores e (3) “inconsistente”, quando
apresentava 7 indicadores ou menos.
É válido informar que o Guia RATS, originalmente formulado por Clark (2003),
estabelece um conjunto de indicadores que se prestam à avaliação da consistência metodológica
de pesquisas qualitativas e vem sendo amplamente utilizado, sobretudo a nível internacional.
No presente estudo, considerou-se pertinente empregá-lo levando-se em conta que o contato
prévio com pesquisas psicanalíticas sobre o imaginário coletivo revelou que todas elas são de

1364
natureza qualitativa.

Resultados e Discussão
As buscas realizadas junto às bases de dados subsidiaram, no total, a localização de 99
referências. Após a aplicação do critério de inclusão e o descarte de duplicidades, restaram 23
referências, a saber: Manna, Leite e Aiello-Vaisberg (2018); Visintin e Aiello-Vaisberg, (2017);
Ferreira-Teixeira e Aiello-Vaisberg (2017); Silva e Peres (2016); Granato e Aiello-Vaisberg
(2016); Alves e Peres (2015); Simões, Ferreira-Teixeira e Aiello-Vaisberg (2014); Tachibana,
Ambrosio, Beaune e Aiello-Vaisberg (2014); Fialho, Montezi, Ambrosio e Aiello-Vaisberg
(2014); Cambuí e Neme (2014); Corbett, Ambrosio, Gallo-Belluzzo e Aiello-Vaisberg (2014);
Assis, Fernandes e Aiello-Vaisberg (2014); Gallo-Belluzzo, Corbett e Aiello-Vaisberg (2013);
Miranda, Serafini e Baracat (2012); Montezi, Zia, Tachibana e Aiello-Vaisberg (2011);
Granato, Tachibana e Aiello-Vaisberg (2011); Pontes, Barcelos, Tachibana e Aiello-Vaisberg
(2010); Barreto e Aiello-Vaisberg (2010); Russo, Couto e Aiello-Vaisberg (2009); Martins e
Aiello-Vaisberg (2009); Ribeiro, Tachibana e Aiello-Vaisberg (2008); Pontes, Cabrera,
Ferreira e Aiello-Vaisberg (2008); e Ávila, Tachibana e Aiello-Vaisberg (2008).
Considerando-se o corpus de análise como um todo, observou-se uma significativa
diversificação quanto aos objetivos das referências selecionadas, pois as mesmas examinaram
psicanaliticamente o imaginário coletivo acerca de uma ampla gama de fenômenos, como a
inclusão escolar (Ávila, Tachibana & Aiello-Vaisberg, 2008), as dificuldades sexuais (Corbett
et al., 2014), o envelhecimento (Manna, Leite & Aiello-Vaisberg (2018), a maternidade
(Visintin & Aiello-Vaisberg, 2017) e o abandono infantil (Ferreira-Teixeira & Aiello-Vaisberg,
2017), dentre outros. Além disso, os participantes foram constituídos por uma pluralidade de
grupos sociais – com destaque para estudantes universitários e profissionais de saúde ou
educação – que vivenciavam pessoalmente ou não o fenômeno investigado. Parece razoável
propor que esse conjunto de características das referências selecionadas realça a versatilidade
do conceito de imaginário coletivo, pois aponta que o mesmo pode nortear pesquisas com
propósitos e públicos variados.
Quanto aos procedimentos de coleta de dados, destacou-se a utilização – em entrevistas
individuais ou coletivas – do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema (PDE-T) em 16
referências selecionadas (69,6%). Trata-se de uma estratégia de investigação dialógica criada
por Aiello-Vaisberg (1999) para facilitar a expressão subjetiva de maneira lúdica e articulada
ao viver coexistencial. É preciso esclarecer que o PDE-T abrange processos expressivo-motores
e aperceptivo-dinâmicos, assim como possui uma identidade gráfico-verbal, pois a tarefa
proposta consiste em solicitar ao sujeito a produção de um desenho sobre o assunto em pauta,
a criação de uma estória a respeito do desenho e a elaboração de um título para a estória, sendo
que, ao final, o pesquisador pode realizar perguntas para esclarecer aspectos que considerar
necessários sobre o desenho ou a estória. Não obstante, nas referências assinadas por Manna,
Leite e Aiello-Vaisberg (2018) e Visintin e Aiello-Vaisberg (2017) os procedimentos de coleta
de dados envolveram o levantamento e a seleção de postagens em blogs e sites,
respectivamente, o que evidencia que pesquisas psicanalíticas sobre o imaginário coletivo
também podem se valer de material previamente disponível on-line.
Já de acordo com a avaliação dos indicadores de consistência metodológica
estabelecidos pelo Guia RATS, 17 referências selecionadas (73,9%) foram classificadas como
“consistentes”, sobretudo porque identificou-se que apresentavam: (1) clareza quanto à
definição do objetivo e do referencial teórico, (2) descrição apropriada dos procedimentos de
coleta de dados e aspectos éticos, e (3) adequação no que diz respeito ao instrumento utilizado

1365
e ao diálogo estabelecido entre os resultados reportados e a literatura especializada. Em
contrapartida, muitas das referências que obtiveram tal classificação não informaram como se
deu a entrada do pesquisador no campo, o que é considerado uma fragilidade do ponto de vista
da transparência.
Nenhuma referência selecionada foi considerada “inconsistente”. Mas 6 referências
(26,1%) foram classificadas como “pouco consistentes”, em consonância com os indicadores
elencados no Guia RATS, pois apresentaram, principalmente, os seguintes problemas: (1) o
método escolhido não se encontrava devidamente justificado, (2) os critérios de inclusão dos
participantes não foram explicitados, (3) a entrada do pesquisador no campo não foi discutida,
(4) os dados sobre o cenário do estudo prescindiam de maiores detalhes, (5) a menção aos
aspectos éticos foi superficial e (6) a articulação entre as interpretações e o material empírico
não se encontrava suficientemente estabelecida. Portanto, as referências em questão deixaram
a desejar no tocante a indicadores de adequação e transparência, sobretudo.
Cumpre assinalar que, em qualquer pesquisa, é recomendável que a escolha do método
empregado se encontre justificada, pois o mesmo abrange todas as etapas do caminho trilhado
pelo pesquisador para atingir o objetivo visado e, consequentemente, deve se coadunar com a
natureza daquilo que se pretende conhecer e com o tipo de respostas que se espera obter, como
bem observou Augusto (2014). Para tanto, conforme acrescenta a autora, faz-se necessário
evitar a naturalização dos “hábitos de pesquisa”, uma vez que a opção por um determinado
método – traduzindo-se na utilização de um certo procedimento para a coleta de dados em
detrimento de outro possível, por exemplo – não pode ser reduzida a uma questão de preferência
do pesquisador. É possível ainda propor que uma estratégia proveitosa no sentido de colocar
em relevo a pertinência do método empregado – qualitativo, via de regra – em pesquisas
psicanalíticas futuras sobre o imaginário coletivo é a enunciação dos atributos do objeto de
estudo, a julgar pelo fato de que o mesmo passou a ser tematizado recentemente no âmbito de
tal referencial teórico-metodológico.
Seria igualmente interessante se, nessas pesquisas futuras, fosse conferida atenção
especial à apresentação dos critérios de inclusão dos participantes, ou, mais precisamente, de
informações detalhadas sobre os mesmos enquanto grupo social. Tachibana (2011) esclarece
que, partindo do princípio de que o homem é um ser gregário, em investigações sobre o
imaginário coletivo em sua acepção psicanalítica os participantes devem ser tomados como uma
pessoalidade coletiva, e não examinados como uma singularidade individual. Mas parece
razoável concluir que isso é possível quando os participantes de fato possuem as características
definidas como essenciais para que os objetivos estabelecidos pelo pesquisador possam ser
atingidos, o que, portanto, deve ficar claro para o leitor. Ademais, ressalte-se que as pesquisas
psicanalíticas em geral se distanciam das premissas positivistas ao reconhecerem que o
pesquisador e os participantes de sua pesquisa são entidades dependentes uma da outra66 (Silva,
1993).
Por essa mesma razão, sugere-se que a entrada do pesquisador no campo seja discutida
– se possível em articulação com os cuidados éticos observados nesse processo – e se descreva
pormenorizadamente o cenário do estudo. Afinal, como asseverou Minayo (2012), o principal
verbo a ser conjugado em uma pesquisa qualitativa – independentemente de seu tema – é
compreender, o que exige do pesquisador a capacidade de colocar-se no lugar do outro. E, para
tanto, há que se levar em conta o fato de que as experiências e as vivências dos participantes

66
O mesmo, a propósito, se aplica a qualquer pesquisa qualitativa, como salienta Augusto (2014).
são atravessadas pela cultura do grupo social de que fazem parte. Igualmente é preciso, ainda

1366
conforme a autora, que a aproximação do pesquisador em relação ao campo seja pautada por
um olhar analítico capaz de preservar sua abertura a novas informações, as quais, inclusive,
podem revelar a necessidade de revisão de suas hipóteses iniciais.
Por fim, recomenda-se que, em novas pesquisas psicanalíticas sobre o imaginário
coletivo, a conexão entre as interpretações do pesquisador e o material empírico seja
estabelecida de maneira consistente, em contraste com o que ocorreu em parte das referências
selecionadas. Em primeiro lugar, porque, à luz da Psicanálise, reconhece-se que ao pesquisador
compete promover uma interlocução entre os níveis mais subjetivos e mais objetivos do
material empírico, lembrando que, de qualquer modo, a relatividade se afigura como uma
característica inerente ao conhecimento científico (Silva, 1993). Em segundo lugar, porque, em
pesquisas qualitativas, o pesquisador deve impregnar-se das informações provenientes do
campo para que se possa conferir o devido espaço e tempo ao material empírico e, como
consequência, não seja contaminado com interpretações precipitadas e tampouco pela pretensão
de atingir a última palavra acerca de seu objeto de estudo (Minayo, 2012).

Considerações finais
O presente estudo viabiliza um mapeamento dos artigos empíricos que se prestaram à
exploração psicanalítica do imaginário coletivo e foram localizados nas bases de dados
consultadas. Em síntese, constatou-se, a partir da identificação de suas principais tendências,
que a produção científica nacional consagrada ao assunto proporciona, em diferentes públicos,
a demarcação do cerne não-consciente das subjetividades grupais no tocante a uma variedade
de fenômenos. Observou-se também que têm sido explorados tanto dados coletados em
“ambientes reais”, constituídos presencialmente a partir da relação estabelecida pelo
pesquisador com os participantes, quanto material previamente veiculado em “ambientes
virtuais”, ou seja, em diferentes espaços de socialização mediados por computador via internet.
Verificou-se ainda que, de forma geral, as referências selecionadas podem ser consideradas
consistentes do ponto de vista metodológico. Não obstante, foram sinalizados alguns cuidados
a serem observados em pesquisas futuras, para que as mesmas possam auxiliar a consolidar o
conceito de imaginário coletivo no vocabulário psicanalítico contemporâneo. O presente
estudo, assim, também fornece indicações pertinentes para novas investigações.

Referências
Aiello-Vaisberg, T. M. J. (1999). Encontro com a loucura: transicionalidade e ensino de
Psicopatologia (Tese de livre-docência). Universidade de São Paulo, São Paulo.
Aiello-Vaisberg, T. M. J. & Machado, M. C. L. (2008). Pesquisa psicanalítica de imaginários
coletivos à luz da Teoria dos Campos. In J. Monzani, & L. R. Monzani (Orgs.), Olhar:
Fábio Herrmann – uma viagem psicanalítica (pp. 311-324). São Carlos: Pedro & João
Editores.
Alves, A. F. & Peres, R. S. (2015). Imaginário coletivo de agentes comunitárias de saúde sobre
álcool e outras drogas. Psicologia em Estudo, 20(2) 225-234. doi:
10.4025/psicolestud.v20i2.25051
Augusto, A. (2014). Metodologias quantitativas/metodologias qualitativas: mais do que uma
questão de preferência. Forum Sociológico, 24, 1-8.
Assis, N. D. P., Aiello-Fernandes, R. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2016). “Problemáticos ou

1367
invisíveis”: o imaginário coletivo de idosos sobre adolescentes. Memorandum, 31, 259-
275.
Ávila, C. F., Tachibana, M. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2008). Qual é o lugar do aluno com
deficiência? O imaginário coletivo de professores sobre a inclusão escolar. Paidéia, 18(39),
155-164. doi: 10.1590/S0103-863X2008000100014
Barreto, M. A. M. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2010). O tornar-se adulto no imaginário coletivo
de adolescentes interioranos. Psicologia em Revista, 16(2), 310-329.
Cambuí, H. A. & Neme, C. M. B. (2014). O sofrimento psíquico contemporâneo no imaginário
de estudantes de psicologia. Psicologia: Teoria e Prática, 16(2), 75-88.
Clark, J. P. (2003). How to peer review a qualitative manuscript. In F. Godlee, & T. Jefferson
(Orgs.), Peer review in Health Sciences (pp. 219-235). London: BMJ Books.
Corbett, E., Ambrosio, F. F., Gallo-Belluzzo, S. R. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2014).
Produções imaginativas sobre dificuldades sexuais: um estudo psicanalítico. Psicologia &
Sociedade, 26(3), 756-765. doi: 10.1590/S0102-71822014000300024
Ercole, F. F., Melo, L. S. & Alcoforado, C. L. G. C. (2014). Revisão integrativa versus revisão
sistemática. Revista Mineira de Enfermagem, 18(1), 9-11. doi: 10.5935/1415-
2762.20140001.
Ferreira-Teixeira, M. C. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2017). Maldade, drogas ou desespero: o
imaginário sobre a mãe que abandona seu bebê. Memorandum, 33, 128-141.
Fialho, A., Montezi, A. V. M., Ambrosio, F. F. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2014). O
imaginário de estudantes de educação física sobre vida saudável. Revista Brasileira de
Ciências do Esporte, 36(3), 626-631. doi: 10.1590/2179-325520143630005
Gallo-Belluzo, S. R., Corbett, E. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2013). O primeiro atendimento
clínico no imaginário de estudantes de psicologia. Paidéia, 23(56), 389-396. doi:
10.1590/1982-43272356201313
Gonçalves, M. (2008). O imaginário coletivo de professores de ioga brasileiros: um estudo
sobre campos psicológicos (Tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, Campinas.
Granato, T. M. M. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2016). Narrativas interativas na investigação
do imaginário coletivo sobre a maternidade. Estudos de Psicologia (Campinas), 33(1), 25-
35. doi: 10.1590/S0102-71822011000400011
Granato, T. M. M., Tachibana, M. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2011). Narrativas interativas na
investigação do imaginário coletivo de enfermeiras obstétricas sobre o cuidado materno.
Psicologia & Sociedade, 23(n. spe.), 81-89. doi: 10.1590/S0102-71822011000400011.
Mancini, M. C. & Sampaio, R. F. (2006). Quando o objeto de estudo é a literatura: estudos de
revisão. Revista Brasileira de Fisioterapia, 10(4), 361-472. doi: 10.1590/S1413-
35552006000400001
Manna, R. E., Leite, J. C. A. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2018). Imaginário coletivo de idosos
participantes da Rede de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa. Saúde e Sociedade, 27(4),
987-996. doi: 10.1590/s0104-12902018180888
Martins, P. C. R. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2009). Dificuldades sexuais masculinas e

1368
imaginário coletivo de universitários: um estudo psicanalítico. Barbarói, 31(2), 18-35.
Minayo, M. C. S. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde
Coletiva, 17(3), 621-626. doi: 10.1590/S1413-81232012000300007
Miranda, K. L., Serafini, P. C. & Baracat, E. C. (2012). O cuidado psicológico em reprodução
assistida: um enquadre diferenciado. Estudos de Psicologia (Campinas), 29(1), 71-79. doi:
10.1590/S0103-166X2012000100008
Montezi, A. V., Zia, K. O., Tachibana, M. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2011). Imaginário
coletivo de professores sobre o adolescente contemporâneo. Psicologia em Estudo, 16(2),
299-305. doi: 10.1590/S1413-73722011000200013
Pontes, M. L. S., Barcelos, T. F., Tachibana, M. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2010). A gravidez
precoce no imaginário coletivo de adolescentes. Psicologia: Teoria e Prática, 12(1), 85-
96.
Pontes, M. L. S., Cabrera, J. C., Ferreira, M. C. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2008). Adoção e
exclusão insidiosa: o imaginário de professores sobre a criança adotiva. Psicologia em
Estudo, 13(3), 495-502. doi: 10.1590/S1413-73722008000300010
Ribeiro, D. P. S. A., Tachibana, M. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2008). A experiência
emocional do estudante de psicologia frente à primeira entrevista clínica. Aletheia, 28, 135-
145.
Russo, R. C. T., Couto, T. H. A. M. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2009). O imaginário coletivo
de estudantes de educação física sobre pessoas com deficiência. Psicologia & Sociedade,
21(2), 250-255. doi: 10.1590/S0102-71822009000200012
Silva, M. A. B. P. & Peres, R. S. (2016). O imaginário coletivo de agentes comunitários de
saúde em relação a usuários de saúde mental. Vínculo, 13(2), 55-65.
Silva, M. E. L. (1993). Pensar em Psicanálise. In M. E. L. Silva (Org.), Investigação e
Psicanálise (pp. 11-25). Campinas: Papirus.
Simões, C. H. D. (2012). Sofredores, impostores e vítimas da sociedade: imaginário de uma
equipe de saúde mental sobre o paciente psiquiátrico (Tese de doutorado). Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, Campinas.
Simões, C. H. D., Ferreira-Teixeira, M. C. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2014). Imaginário
coletivo de profissionais de saúde mental sobre o envelhecimento. Boletim de Psicologia,
64(140), 65-77.
Soares, C. B., Hoga, L. A. K., Peduzzi, M., Sangaleti, C., Yonekura, T. & Silva, D. R. A. D.
(2014). Revisão integrativa: conceitos e métodos utilizados na Enfermagem. Revista da
Escola de Enfermagem da USP, 48(2), 335-345. doi: 10.1590/S0080-
6234201400002000020
Souza, M. T., Silva, M. D. & Carvalho, R. (2010). Revisão integrativa: o que é e como fazer.
Einstein, 8(1), 1, 102-106. doi: 10.1590/s1679-45082010rw1134
Tachibana, M. (2011). Fim do mundo: o imaginário coletivo da equipe de enfermagem sobre a
gestação interrompida (Tese de doutorado). Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, Campinas.
Tachibana, M., Ambrosio, F. F., Beaune, D. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2014). O imaginário

1369
coletivo da equipe de enfermagem sobre a interrupção da gestação. Ágora: Estudos em
Teoria Psicanalítica, 17(2), 285-297. doi: 10.1590/S1516-14982014000200009.
Taquette, S. R. & Minayo, M. C. S. (2016). Análise de estudos qualitativos conduzidos por
médicos publicados em periódicos científicos brasileiros entre 2004 e 2013. Physis:
Revista de Saúde Coletiva, 26(2) 417-434. doi: 10.1590/S0103-73312016000200005
Visintin, C. D. N. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2017). Maternidade e sofrimento social em
mommy blogs brasileiros. Psicologia: Teoria e Prática, 19(2), 98-107. doi: 10.5935/1980-
6906/psicologia.v19n2p98-107
AS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E O

1370
CYBERBULLYING: PAPEL DA FAMÍLIA E DA ESCOLA
Beatriz Alves de Oliveira
Marcilene Araújo Dias
Thayz Costa Mesquita
Karina Alves de Oliveira
Maria Eduarda Laís de Sousa França
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
Introdução
As reflexões teóricas que constam no presente trabalho partem da prática extensionista
referente ao projeto de extensão “Interfaces entre Psicologia e Inovação Educativa”, que
repensando as práticas psicológicas no âmbito educativo diante do novo contexto sociocultural
marcado pela presença das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), tem o
objetivo de promover ações que envolvam a realização de atividades educativas inovadoras
através da oferta de serviços junto à comunidade acadêmica em seus diversos níveis de ensino
e ao público em geral.
Logo, a elaboração deste artigo advém de um amplo aprofundamento teórico em função
do minicurso “Cyberbullying e o Uso Seguro da Internet”, que foi uma das ações desenvolvidas
pelo projeto supracitado, no qual integrou a oficina “Papel da escola e da família em situações
de cyberbullying” que explanou desde características e impactos do bullying virtual até
estratégias de como identificar, intervir e prevenir nessas situações.
Partindo dessa perspectiva, a literatura mostra que uma das consequências do avanço
tecnológico que vem ocorrendo nos últimos anos é o surgimento de novos meios de
comunicação mediados pela internet. Com a internet, é possível comunicar-se as redes de
conexão no mundo todo. Entretanto, por facilitar o acesso à comunicação, esses dispositivos
acabam proporcionando uma grande exposição da vida privada, por partes dos usuários, por
meio de fotos, vídeos ou textos. Através dessa exposição, o sujeito disponibiliza suas
preferências, o que facilita a conexão com outros grupos (Amaral, 2015; Carvalho et al, 2017).
Considerando essa realidade, observa-se que o uso indiscriminado das TDIC pode
deixar as pessoas em uma situação de vulnerabilidade, correndo o risco de sofrerem violência
devido a essa exposição. Isso ocorre uma vez que esse ambiente proporciona uma grande
liberdade acerca do uso da internet, em que as normas quanto a esse uso ficam implícitas.
Assim, o uso das tecnologias está associado a diversas questões como a privacidade de quem
as utiliza, a liberdade de expressão, a segurança e podendo até mesmo influenciar no processo
educacional (Ferreira, 2014; Silva, Davi & Silva, 2018; Weiss, 2019).
Nesse sentido, se por um lado a exposição gera likes, seguidores e comentários, o que
muita gente busca, inclusive por ganharem dinheiro com isso, por outro, surgem muitas críticas,
as quais podem configurar situações de agressão como o cyberbullying, um dos problemas que
permeiam na sociedade atualmente e se caracteriza como uma violência virtual e intencional
entre pares, que visa prejudicar alguém por meio do uso de dispositivos com acesso à internet
(Bozza & Vinha, 2017). Dessa forma, é um fenômeno que envolve comportamentos agressivos
direcionados a alguém que dificilmente poderá se defender, já que ocorre em um ambiente no
qual essas condutas são facilmente reproduzidas (Rondina, Moura & Carvalho, 2016).
Para combater os casos de cyberbullying, a família e a escola exercem um papel

1371
fundamental. Os pais ou responsáveis podem de forma prática evitar que os(as) filhos(as)
passem por situações de violência virtual, com passos simples como monitorar os sites que
os(as) filhos(as) utilizam, observar o círculo de amizades virtuais, aconselhar sobre a exposição
e incentivar outras atividades fora da internet (Hannouche, 2018).
Quanto ao papel da escola, a mesma também precisa estar preparada para lidar com
casos de violência virtual, uma vez que essas situações também refletem nesse ambiente, seja
pelo amplo uso de smartphones, por exemplo, ou sendo reproduzida no espaço escolar. É
importante que as escolas trabalhem não só para resolver esses conflitos, mas também forneçam
projetos eficientes de prevenção ao cyberbullying (Bozza & Vinha, 2017). E, nesse aspecto,
ressalta-se a atuação do(a) psicólogo(a) educacional e escolar como profissional que auxilia a
escola a oferecer uma educação integral aos estudantes.
Diante disso, percebe-se que é inegável o uso em massa dos meios digitais, inclusive
entre crianças e adolescentes, seja como uma forma de comunicação ou para auxiliar na
realização das diferentes atividades do dia a dia. Esse fato corrobora para a importância de
refletir sobre essa temática, principalmente quando o uso indevido e a exposição exacerbada
pode trazer riscos aos usuários, como situações de cyberbullying, um problema virtual muito
presente na atualidade, podendo causar muitas consequências para as vítimas, dentre elas,
consequências psicológicas (Maidel, 2009; Rondina et al., 2016).
Considerando isso e destacando a relevância do tema na contemporaneidade, o presente
trabalho tem como objetivo discutir acerca do uso indiscriminado das TDIC como
potencializador do cyberbullying, evidenciando-se o papel da família e da escola frente à
prevenção.

As Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação e a superexposição dos usuários


Observando o cenário atual, percebe-se que houve profundas transformações no modo
de organização da sociedade, especialmente, em virtude do surgimento das TDIC, que
possibilitaram novos modos de socialização nos diferentes setores da atividade humana (Weiss,
2019). Assim, a inovação tecnológica redefiniu os dispositivos eletrônicos e o acesso à
informação, permitindo maior praticidade aos usuários, que podem exercer diversas atividades
com diferentes finalidades de forma rápida e em tempo real, inclusive, comunicar-se com
pessoas de vários lugares do mundo (Silva et al., 2018).
Essa interação se dá por meio das redes sociais como o Facebook, Messenger,
WhatsApp, Instagram, Twitter, Snapchat, Skype, entre outras, mediadas por aparatos
tecnológicos com acesso à internet. No Brasil, por exemplo, 70% dos brasileiros conectaram-
se à internet no ano de 2018, sendo 92% do uso destinado ao envio de mensagens instantâneas,
75% às redes sociais e 70% para conversas por chamadas de voz ou vídeo (Comitê Gestor da
Internet no Brasil [CGI.br], 2019). Isso mostra o quanto as pessoas, independente das faixas
etárias, estão cada vez mais conectadas, trocando as relações presenciais pelas relações virtuais,
na qual a amizade pode ser feita ou desfeita a qualquer momento por um simples clique; e como
as redes sociais estão sendo bastante utilizadas para criar perfis de interação e compartilhamento
de informações (Souza, Freitas & Biagi, 2017).
Nesse sentido, as redes sociais são artefatos de entretenimento, em que os usuários
trocam mensagens e publicam cotidianamente fotos, vídeos e outros conteúdos que interessam
a si e aos demais usuários da rede, favorecendo a exposição instantânea de diferentes momentos
e aspectos da vida dos indivíduos no ciberespaço, seja de modo restrito ou não (Amaral, 2016;
Souza et al., 2017). Amaral (2015) enfatiza que a exposição nas redes sociais é resultado da

1372
sociedade do espetáculo e do consumismo que reforça e naturaliza o comportamento de se
exibir e ser exibido a todo instante e a qualquer custo para que os usuários alcancem o maior
número de pessoas possíveis em seus perfis sociais.
Em vista disso, compreende-se que quanto mais os usuários se conectam com outros,
maior é a visibilidade de suas publicações, o que os motivam a permanecerem se expondo cada
vez mais. Logo, os usuários das redes sociais podem criar, escolher e controlar as suas relações
virtuais a partir de interesses pessoais ou coletivos, de modo que os conteúdos compartilhados
podem intensificar ou distanciar os laços entre os usuários, uma vez que esses conteúdos podem
ir ao encontro ou não do que o público espectador quer consumir (Carvalho et al., 2017).
Assim, para serem aceitos ou bem visto nas mídias digitais, muitos usuários acabam
postando somente aquilo que quer que os demais vejam de si, em muitos casos, substituindo a
vida real pela vida virtual baseada na edição frequente das suas identidades para agradar os seus
espectadores (Ávila, 2014). Diante disso, percebe-se que o perfil social na internet só tem
sucesso quando expõe muitos conteúdos, opiniões e obtém um retorno das pessoas, já que a
superexposição necessita da interação e da atenção do público alvo para se manter constante
(Carvalho et al., 2017; Ciribeli & Paiva, 2011).
Uma pesquisa realizada por Silva, Ballerini e Galhardi (2015) aponta que geralmente os
usuários utilizam as redes sociais para compartilhar bons momentos e expressar suas opiniões,
sendo que o principal retorno que esperam receber a partir de suas publicações é o apoio dos
amigos virtuais, indicando poucas evidências dos fatores reconhecimento e autopromoção. O
que se opõe a ideia de que a utilização das redes e a superexposição nas mesmas é basicamente
para mostrar bens materiais, conquistas pessoais e boas ações.
Em contrapartida, Midori, Santos e Giudice (2016) ressaltam que embora nem todos os
indivíduos conectados às redes sociais busquem a ostentação, a autopromoção e
reconhecimento, uma boa parte dos internautas ainda se empenham para isso, nem que percam
a sua privacidade, expondo a maioria das atividades que desenvolvem no dia a dia em troca de
muitos seguidores, curtidas, comentários positivos, repercussões e compartilhamentos de suas
ações nas mídias sociais, e por conseguinte, a tão almejada fama. Afinal, tais atitudes
exibicionistas além de serem prazerosas, podem gerar renda, como é o caso de youtubers,
blogueiros, cantores, digital influencers e lojas virtuais (Souza et al., 2017).
É importante destacar que, em alguns casos, quando os usuários não conseguem receber
aprovação ou um bom retorno do público espectador acerca de seus conteúdos nas mídias
sociais, podem entrar em conflito interno, tendo crises de identidade, autoimagem, autoestima,
ansiedade e até depressão (Brunelli, Amaral & Silva, 2019). Por outro lado, Carvalho et al.
(2017) ressaltam que há internautas que mesmo não obtendo tanta notoriedade nas suas
publicações, permanecem postando normalmente; enquanto outros preferem deletar suas contas
nas redes sociais quando não conseguem acompanhar seus contatos virtuais e as constantes
atualizações de conteúdo.
Em face a essa realidade, nota-se que o uso das TDIC e a superexposição nas redes
sociais pode acontecer por diversos motivos e finalidades, trazendo consequências positivas ou
negativas para a vida do usuário. No entanto, além dos impactos negativos à saúde mental, o
excesso de exposição sem nenhum critério do que realmente é necessário ou não compartilhar,
pode tornar os usuários vulneráveis a situações de ciberviolência, já que muitos internautas
usam as redes sociais com más intenções, usufruindo de perfis fakes para cometer crimes de
racismo, homofobia, pedofilia, cyberbullying, entre outros (Amaral, 2015; Ferreira, 2014;
Souza et al., 2017).
Somando-se a isso, Ferreira (2014) salienta quatro fatores que podem anteceder e até

1373
mesmo contribuir para uma superexposição de risco e atos criminosos e/ou violentos no mundo
virtual. São eles: a exibição ingênua da vida pessoal; a busca por conhecer novas pessoas que
correspondam às expectativas pessoais e ajude a superar a solidão e o vazio existencial; a
liberdade sexual expressa na facilidade em se relacionar intimamente e registrar, expor ou
acessar conteúdos de teor sexual; e, por fim, a ideia equivocada de total anonimato e
impunidade por parte dos agressores virtuais.
Diante do exposto, constata-se que na era digital existe um limite tênue entre o espaço
privado e o público, posto que, o que é de domínio particular pode tornar-se popular em fração
de segundos (Koehler & Carvalho, 2013). Portanto, é crucial fazer uso do ambiente virtual de
forma ética e segura, tendo cautela ao compartilhar e reagir aos conteúdos on-line para não ferir
direitos e até mesmo evitar ser vítima ou praticante de cibercrimes (Silva et al., 2018), como o
cyberbullying, foco deste trabalho.

O uso indevido das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação e o cyberbullying


Com a revolução das tecnologias da informação, nasce uma nova forma de cultura, a
virtual. Nesse modelo, a sociedade estabelece conexões com todo o planeta, passando a se
aproximar de muitas pessoas e a propagar informações em alta velocidade, no entanto,
juntamente com os benefícios, vêm também as consequências dessa nova maneira de interação
global, por exemplo, a falta de distinção por parte das pessoas acerca do que é público e privado,
uma vez que publicam tudo sobre todos, deixando de preservar a privacidade e intimidade
(Neves et al., 2015; Pereira, 2015).
Nesse sentido, percebe-se que o aumento do uso da internet e a inclusão digital tem
facilitado a comunicação entre pares, fazendo das redes sociais algo muito presente no cotidiano
da sociedade em geral, principalmente de crianças e adolescentes, que nessas fases da vida
buscam incessantemente uma identidade, e ao mesmo tempo, construir novas relações. Desse
modo, é inevitável que determinados hábitos e valores da cultura de seus pais e avós também
se modifiquem por influência dessa nova cultura digital (Neves et al., 2015).
Assim, Pereira (2015) pontua que a nova geração carece de um limite de exposição nas
redes sociais, tanto do conteúdo acessado como do conteúdo publicado, visto que na internet a
vida íntima se torna cada vez mais pública e compartilhar momentos felizes acaba se
transformando em uma necessidade. Dependendo do que for postado, pode ocasionar uma crise
de identidade que está em construção, como também, torná-los propensos a serem vítimas de
pedofilia e cyberbullying, já que o material compartilhado nas redes não é somente exposto,
mas também interativo, sendo capaz de promover diversas situações positivas ou negativas
(Pereira, 2015).
Por esse ângulo, a internet tornou-se mais um veículo para o crime, na qual a ideia de
anonimato contribui para que as pessoas possam assumir uma identidade fake, e tenham fácil
acesso a vítima sem ser identificado de imediato. Sendo assim, a falsa sensação do anonimato
dá ao agressor coragem para cometer o crime, o que torna possível qualquer pessoa com
conhecimento básico de informática assumir o papel de agressor (Lacerda, Padilha & Amaral,
2018).
O cyberbullying, muitas vezes, é considerado uma simples brincadeira, no entanto, ele
é o oposto disso. A literatura aponta que esse fenômeno pode ter diversas definições, entretanto,
partindo da perspectiva de Escur et al., (2017), o cyberbullying é definido como um tipo de
violência em que é inexistente o contato face a face, pois é realizado no âmbito das relações
interpessoais criadas a nível virtual por meio do uso de aparatos tecnológicos com acesso à

1374
internet.
Dentre os motivos que levam crianças e adolescentes a praticarem esse tipo de violência,
destacam-se os impulsos de prazer e diversão; não gostar do outro; sentir inveja, raiva ou
ciúmes; rompimento dos laços de amizade; sentimento de superioridade sobre o outro; e, por
fim, a falta de respeito pelo outro ou a ideia de vingança por um acontecido (Caetano et al.,
2017).
Nesse contexto, o cyberbullying se caracteriza por condutas como envio de e-mails,
mensagens ou comentários desagradáveis; insultos, assédios ou ameaças on-line; uso de dados
privados ou publicações de outrem sem autorização; entre outros. Portanto, esses atos on-line
apresentam consequências mais amplas, uma vez que nesse espaço virtual não há tanto controle
sobre as postagens, já que a transmissão e a viralização dos conteúdos e informações se dão de
forma instantânea, durando mais tempo e sendo difíceis de serem totalmente excluídas do
ciberespaço (Escur et al., 2017).
Dessa forma, percebe-se que o cyberbullying ultrapassa o ambiente físico, não se
limitando as fronteiras, podendo ser mais cruel que o próprio bullying por ser feito em qualquer
ambiente e a exposição alcançar um maior número de pessoas (Lacerda, et al., 2018; Rondina
et al., 2016). Assim, conforme os mesmos autores, esse fenômeno tornou-se uma forma de
agressão ou assédio moral por intermédio das novas tecnologias e meios de comunicação
digital, podendo trazer muitos impactos psicológicos para a vítima como ansiedade, fobia,
depressão, baixa autoestima, isolamento social, ideação ou ações suicidas, entre outros.
A partir dos riscos que as novas tecnologias podem oferecer ao público infanto-juvenil,
faz-se necessário tomar medidas que os protejam, já que o acesso às redes sociais pode ser
burlado facilmente pelos usuários e/ou responsáveis. Apesar de muitos pais fiscalizarem o uso
da internet de seus(uas) filhos(as), isso ainda não é muito eficaz. Pensando nisso, torna-se
necessário a participação do Estado para contribuir em ações preventivas por meio de políticas
públicas, como também normas regulamentadoras, filtragem de conteúdo e sites, dentre outras
intervenções (Pereira, 2015).
Devido aos crimes virtuais terem ganhado força com o surgimento das redes sociais e a
sua popularização, as autoridades passaram a pensar na criação de leis que pudessem dar
suporte às vítimas, que pode vir a ser qualquer indivíduo que muitas vezes usa a internet sem o
cuidado necessário. A Lei Antibullying (nº 13.185/15), por exemplo, visa a prevenção através
do intuito de ensinar os jovens nas escolas a reprimir qualquer ação que remeta a violência em
vários âmbitos, incluindo a virtual (Lacerda et al., 2018).
Diante disso, nota-se que se por um lado as mídias sociais podem ser negativas como
veículo através do qual se propaga o cyberbullying e outras tipos de ciberviolências, por outro,
as diversas redes também têm desenvolvido mecanismos de combate aos crimes virtuais por
meio de anúncios de conscientização aos usuários e suporte para fazer denúncias quando
necessário (Lacerda, et al., 2018). Um exemplo disso, é a rede social Facebook que criou uma
Central de Prevenção ao Bullying no Brasil com o objetivo de orientar e auxiliar pais,
educadores e adolescentes acerca desse problema.

Papel da família e da escola em situações de cyberbullying


O momento histórico atual entendido por alguns teóricos como pós-modernidade
carrega consigo algumas peculiaridades que resultam em modificações na vivência humana,
tais como a globalização e as tecnologias, marcadas, dentre tantas outras coisas, pelo

1375
imediatismo, individualismo e liquefação das relações (Bozza & Vinha, 2017). De acordo com
as mesmas autoras, ao passo em que essas plataformas possibilitam o acesso à informação e a
conectividade, elas também permitem o anonimato e aguçam o alcance de informações que são
difundidas na rede, tornando-a um ambiente vulnerável para riscos de exposição e ataques.
É nesse contexto no qual as tecnologias digitais constituem parte da realidade cotidiana
e das relações que as mesmas podem facilmente se transformar em armas cibernéticas quando
manuseadas por indivíduos que se isentam de sua responsabilidade e se julgam no direito de
atacar a outrem, seja por meio do envio de mensagens, e-mails ou comentários de cunho
ofensivo ou de ameaça, invasão de contas nas redes sociais ou compartilhamentos de conteúdos
sem o consentimento da pessoa, entre outros ações (Arcie et al, 2016; Rodina et al., 2016).
Isto posto, compreende-se que apenas saber manusear as tecnologias não é o suficiente,
é necessário que haja um posicionamento e desenvolvimento de uma análise crítica, pois
construindo essas habilidades, os usuários estarão mais aptos para lidarem com as diversas
ocasiões apresentadas pelo meio virtual (Bozza & Vinha, 2017; Pereira & Alves, 2015). E a
aquisição dessas habilidades e posicionamentos críticos podem ser imensamente desenvolvidas
por meio do diálogo e orientações realizados pela família, escola e também pela Psicologia da
Educação que cumpre uma importante função no âmbito tanto da formação dessa consciência
crítica para o uso das TDIC como também no desenvolvimento de projetos que envolvem ações
preventivas.
Em contrapartida, uma pesquisa realizada por Fialho e Sousa (2019) mostra que por
mais que os pais participantes do estudo reconheçam os perigos gerados pela exposição na
internet, boa parte deles não constroem diálogos sobre esta problemática com os(as) filhos(as).
Ademais, diante do que foi citado pelos entrevistados, a ausência de orientação, ou orientação
superficial da escola também foi um dos resultados preocupantes da pesquisa. E longe do olhar
dos pais, os adolescentes sentem-se livres para expressar seu comportamento, e isso nem
sempre é feito de uma forma crítica e responsável, como expressam os autores.
Neste sentido, é papel dos pais estarem atentos às reações, aos hábitos e as atividades
dos(as) filhos(as) na internet, bem como promover um ambiente acolhedor dentro do lar para
que a criança ou adolescente sinta-se seguro para compartilhar seus problemas, medos e
inseguranças (Fante & Pedra, 2008). Somando-se a isso, é crucial que os pais da vítima sejam
empáticos e não julguem as ações do(a) filho(a) para que este não se sinta culpado(a), além de
bloquear, recolher provas, denunciar o agressor e procurar o auxílio de profissionais e
autoridades competentes para solucionar o caso (Hannouche, 2018). A depender do histórico
familiar, os pais do agressor também devem adotar providências necessárias para com os
seus(uas) filhos(as).
Certamente, nenhuma outra geração experienciou tantas mudanças tecnológicas,
relacionais e comunicativas como a geração atual está vivendo e é por este motivo que a família
e escola enquanto instituições que contribuem para a educação e formação têm papel crucial na
educação digital e prevenção do cyberbullying, orientando quanto aos limites da liberdade
individual, limites entre o público e o privado, riscos, benefícios e uso responsável das TDIC
(Fichtner, 2015).
Contudo, Bozza e Vinha (2017) elucidam que as escolas frequentemente usam
ferramentas pouco eficazes no enfrentamento do cyberbullying, atuando apenas no pós
ocorrido, e não na prevenção e combate às agressões virtuais. Ainda para as autoras, as
atividades que são desenvolvidas, geralmente não são um programa da instituição, mas apenas
atividades pouco sistematizadas e pontuais, como palestras e afins, que pouco contribuem para

1376
a resolução do problema, tendo em vista o curto espaço de tempo no qual são realizadas.
Nesta perspectiva, é importante que se concentrem forças na prevenção, por meio da
formação, que se faz de forma contínua, seja por meio de programas, disciplinas ou atividades
afins. E para isso, é necessário que haja a formação de professores e também de familiares
acerca dos riscos do meio digital, para que as crianças, adolescentes e jovens sejam devidamente
orientados, já que a casa, o colégio e a universidade são os principais ambientes de socialização
em que estes passam a maior parte do seu tempo.
Diante disso, o papel principal da escola é o de promotora de conhecimento, já que deve
ensinar os(as) alunos(as) a respeito do uso responsável das tecnologias e dos perigos que a
envolvem; orientá-los a não compartilharem fotos pessoais e de familiares com estranhos; não
expor endereços, senhas, conta bancária ou cartão de crédito; não marcar encontros com pessoas
conhecidas unicamente por meio das redes sociais, e em caso positivo, que seja em locais
públicos e que outras pessoas saibam desse encontro; conscientizá-los sobre os crimes virtuais
e atentar para o fato de que a menoridade e o anonimato não são capazes de acobertar alguém
das punições previstas em lei (Fante & Pedra, 2008).
Além disso, também é papel da escola formular meios para informar e envolver os pais
na prevenção do cyberbullying por meio de palestras, encontros, entre outros (Fante & Pedra,
2008). Tendo em vista que muitos pais não possuem familiaridade com o meio virtual, é
importante que a escola proporcione momentos de instrução aos mesmos, tanto em relação ao
manuseio, quanto ao uso consciente e outras informações importantes para que os responsáveis
possam orientar os(as) filhos(as), como a apresentação da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei
n° 13.709/18), e a Lei n° 13.185/15, que institui o Programa de Combate à Intimidação
Sistemática (Bullying) (Arcie et al., 2016).
Por fim, a escola deve investir em atividades de caráter reflexivo e contínuo para pais e
alunos(as), assumindo sua responsabilidade enquanto instituição formadora frente as TDIC e a
educação on-line, tendo em vista a construção de sujeitos éticos não só no mundo real, mas
também no mundo virtual (Bozza & Vinha, 2017). Diante disso, nota-se o quanto é crucial a
parceria da família e da escola na prevenção e posvenção de situações de cyberbullying, de
modo que ambos fiquem sempre atentos para que os(as) filhos(as) e alunos(as) não sejam as
vítimas e nem os agressores.

Conclusão
Diante do que foi apresentado, constata-se que a revolução tecnológica e o crescente
uso das TDIC ampliaram os meios de comunicação, diminuíram as fronteiras entre as pessoas
e, de forma paralela corroborou para o surgimento de novos contextos de violência, dentre eles
o cyberbullying. Nesse sentido, nota-se que a funcionalidade desses instrumentos tecnológicos
também podem vir a ser um fator de risco para usuários das mais diversas faixas etárias, tendo
em vista que a exposição excessiva pode levar os sujeitos a se tornarem vítimas desse novo tipo
de violência que é facilmente reproduzida.
Os crimes de natureza virtual, como o cyberbullying, podem predispor riscos à saúde
mental das pessoas que sofrem essa categoria de agressão. Além dos sentimentos de
comparações e busca incessante por aceitação de seus seguidores, que em troca de curtidas são
capazes de expor conteúdos íntimos, muitas vezes de forma precipitada e irresponsável, o que
leva estes indivíduos não só a perderem sua privacidade e autenticidade, mas também
desenvolverem problemas de autoestima e outros de origem psicológica.
Portanto, tendo em consideração que as tecnologias fazem parte da moderna conjuntura

1377
e que o cyberbullying é um de seus perigos iminentes, a família e as instituições de ensino,
como primeiras esferas sociais nas quais os indivíduos têm contato, devem desenvolver
estratégias em conjunto para instruir as crianças, adolescentes e jovens a fazerem uso
responsável das TDIC, visando resguardá-los de se tornarem vítimas ou agressores.
No âmbito da necessidade de se desenvolverem ditas estratégias, uma das dificuldades
encontradas consiste no despreparo de pais e professores para lidarem com assuntos
relacionados ao cyberbullying e a realidade virtual. Diante disso, ressalta-se a importância da
inserção e atuação do(a) psicólogo(a) escolar e educacional, bem como dos demais profissionais
que zelam pela saúde mental nos espaços escolares para que possam abordar tais temas, no
intuito de promover e prevenir saúde, bem como realizarem planos de intervenção de forma
contínua com todos os atores desse cenário.
Em função disso, salienta-se a relevância das ações que foram realizadas no âmbito da
extensão, do qual o presente texto constitui reflexões teóricas, tendo em vista que a oficina
ministrada foi aberta para professores e alunos(as) dos diferentes cursos de graduação e níveis
de ensino, e aos demais públicos interessados, levando os reunidos a debaterem acerca do
cyberbullying e as questões sociais e psicológicas que perpassam esse assunto, bem como gerar
conhecimento sobre estratégias de identificação, intervenção e prevenção em situações de
bullying virtual e, de modo em geral, auxiliar os participantes a desenvolverem competências
de como fazer o uso da internet de forma positiva e segura.
Considerando todos os aspectos mencionados, espera-se que as reflexões apresentadas
no presente estudo possam contribuir com outras pesquisas, debates e intervenções sobre o
cyberbullying, pois é uma temática contemporânea que pode trazer muitas indagações futuras
já que as TDIC estão em constante processo de inovação, o que pode levar a aparecer novos
desdobramentos ou modalidades desse tipo de agressão e até mesmo de outras ciberviolências.

Referências
Amaral, R. (2015). Exposição da vida privada em redes sociais: motivações e consequências.
Colloquium Humanarum, 12, 475-483. doi: 10.5747/ch.2015.v12.nesp.000651
Amaral, R. (2016). Exposição privada nas redes sociais: uma análise sobre o Facebook na
sociedade contemporânea. (Tese de doutorado em Educação, Universidade Estadual
Paulista). Recuperado de https://repositorio.unesp.br/handle/11449/143853
Arcie, J. B., Arita, C. M., Herman, J., Castro, V. R. & Contreras, H. S. H. (2016).
Cyberbullying: ações pedagógicas de caráter preventivo no contexto escolar. PsicoFAE,
5(1), 89-98. Recuperado de https://revistapsicofae.fae.edu/psico/article/view/84
Ávila, J. T. M. (2014). O lugar das redes sociais na construção das identidades: Quando as
fronteiras entre o real e o imaginário se diluem. ARTEFACTUN, 8(1), 1-7. Recuperado de
http://artefactum.rafrom.com.br/index.php/artefactum/article/view/357/309
Bozza, T. C. L. & Vinha, T. P. (2017). Quando a violência virtual nos atinge: os programas de
educação para a superação do cyberbullying e outras agressões virtuais. RIAEE – Revista
Ibero-Americana de Estudos em Educação, 12(3), 1919-1939. doi:
http://dx.doi.org/10.21723/riaee.v12.n.3.2017.10369
Brunelli, P. B., Amaral, S. C. S. & Silva, P. A. I. F. (2019). Autoestima alimentada por “likes”:
uma análise sobre a influência da indústria cultural na busca pela beleza e o protagonismo
da imagem nas redes sociais. Revista Philologus - Círculo Fluminense de Estudos

1378
Filológicos e Linguísticos (CiFEFiL), Ano 25, (73), 226-236. Recuperado de
http://www.filologia.org.br/rph/ANO25/73supl/19.pdf
Caetano, A. P., Amado, J., Martins, M. J. D., Simão, A. M. V., Freire, I. & Pessôa, M. T. R.
(2017). Cyberbullying: motivos da agressão na perspectiva de jovens portugueses. Educ.
Soc., 38(141), 1017-1034. doi: https://doi.org/10.1590/es0101-73302017139852
Carvalho, T. G, Santos, B. M., Silva, D. S. & Gomes, V. J. B. M. (2017). Elementos, finalidades
e consequências da superexposição de usuários nas redes sociais. Revista Científica de
Comunicação Social da UniBH, 10(2), 16-30. Recuperado de
https://revistas.unibh.br/ecom/article/view/2279/1248
Ciribeli, J. P. & Paiva, V. H. P. (2011). Redes e mídias sociais na internet: realidades e
perspectivas de um mundo conectado. Revista Mediação, 13(12), 58-74. Recuperado de
http://www.fumec.br/revistas/mediacao/article/view/509/504
Comitê Gestor da Internet no Brasil [CGI.br]. (2019). Pesquisa sobre o uso das tecnologias de
informação e comunicação nos domicílios brasileiros: TIC domicílios 2018. São Paulo:
CGI.br. Recuperado de https://www.cgi.br/publicacao/pesquisa-sobre-o-uso-das-
tecnologias-de-informacao-e-comunicacao-nos-domicilios-brasileiros-tic-domicilios-
2018/
Escur, S. A., Durán, C. A., Mira, M. & Lemus, P. V. (2017). Yo a eso no juego: guía de
actuación frente al acoso y el ciberacoso para padres y madres. Edita: Save the Children
España. Recuperado de
https://www.observatoriodelainfancia.es/oia/esp/documentos_ficha.aspx?id=5463
Fante, C. & Pedra, J. A. (2008). Bullying escolar: perguntas e respostas. Artmed.
Ferreira, R. S. (2014). Perigos e riscos da superexposição na sociedade da informação: reflexões
sobre ciberviolência. Rev. digit. bibliotecon. cienc. inf., 12(3), 42-58. doi:
https://doi.org/10.20396/rdbci.v12i3.1593
Fialho, L. M. F. & Sousa, F. G. A. (2019). Juventudes e redes sociais: interações e orientações
educacionais. Revista Exitus, 9(1), 202-231. doi: http://dx.doi.org/10.24065/2237-
9460.2019v9n1ID721
Fichtner, B. (2015) Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) como prática cultural de
adolescentes e jovens: uma perspectiva filosófica e epistemológica. In: Sousa, C. A. M.
(Org.). Juventudes e tecnologias sociabilidades e aprendizagens. Brasília: Liber Livro.
Recuperado de
https://www.researchgate.net/publication/330097599_Juventudes_e_redes_sociais_intera
coes_e_orientacoes_educacionais
Hannouche, A. (2018). Cartilha Internet sem bullying: o uso seguro da internet para pais e/ou
responsáveis. Abrace Programas Preventivos - Copel telecom. Recuperado de
https://abraceprogramaspreventivos.com.br/
Koehler, C. & Carvalho, M. (2013). O público e o privado nas redes sociais: algumas reflexões
segundo Zygmunt Bauman. Revista Espaço Pedagógico, 20(2), 275-285. Recuperado de
http://seer.upf.br/index.php/rep/article/view/3555
Lacerda, I. M., Padilha, M. F. & Amaral, P. S. P. do (2018). Cyberbullying: Violência virtual e

1379
a tipificação penal no Brasil. InterSciencePlace, 13(2), 169-184. doi:
http://dx.doi.org/10.6020/1679-9844/v13n2a10
Maidel, S. (2009). Cyberbullying: um novo risco advindo das tecnologias digitais. Revista
Electrónica de Investigación Y Docencia (REID), (2), 113-119. Recuperado de
https://revistaselectronicas.ujaen.es/index.php/reid/article/view/1158
Midori, C., Santos, J. O. & Giudice, R. F. L. (2016). A internet como ferramenta de exposição:
por que as pessoas consomem o exibicionismo nas redes sociais?. Revista Conexão
Eletrônica, 13(1), 1-7. Recuperado de http://revistaconexao.aems.edu.br/edicoes-
anteriores/2016/ciencias-sociais-aplicadas-e-ciencias-humanas-
5/?queries[search]=a+internet
Neves, K. S. S. M., Fosse, L. O. S., Torres, T. R. & Napolitano M. A. (2015). Da infância à
adolescência: o uso indiscriminado das redes sociais. Revista Ambiente Acadêmico, 1(2),
119-139. Recuperado de https://multivix.edu.br/pesquisa-e-extensao/revista-cientifica-
ambiente-academico/revista-cientifica-ambiente-academico-volume-01-numero-02-2015/
Pereira, D. T. S. & Alves, E. (2015). O cyberbullying no contexto escolar e os desafios para
promoção de uma cultura da paz. CINTED-UFRGS, 13(2), 1-12. doi:
https://doi.org/10.22456/1679-1916.61451
Pereira, M. N. (2015). A superexposição de crianças e adolescentes nas redes sociais: necessária
cautela no uso das novas tecnologias para a formação de identidade. In: Anais do 3º
Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade: mídias e direitos da sociedade
em rede. Universidade Federal Santa Maria, Rio Grande do Sul. Recuperado de
https://www.ufsm.br/cursos/pos-graduacao/santa-maria/ppgd/congresso-direito-anais/
Rondina, J. M., Moura, J. L. & Carvalho, M. D. (2016). Cyberbullying: o complexo bullying
da era digital. Re. Saúd. Digi. Tec. Edu., 1(1), 20-41. Recuperado de
http://www.periodicos.ufc.br/resdite/article/view/4682
Silva N., C., Ballerini, A. P. & Galhardi, A. C. (2015). Redes sociais: a era do exibicionismo
digital. RETEC, 8(1), 17-35. Recuperado de
https://www.fatecourinhos.edu.br/retec/index.php/retec/article/view/186
Silva, L. F., Davi, M. C. & Silva, K. V. (2018). Sociedade da informação e conhecimento: a
liberdade diante da ética na atualidade. Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação e
Biblioteconomia, 13(1), 307-309. doi: https://doi.org/10.22478/ufpb.1981-
0695.2018v13n1.39564
Souza, G. de, Freitas, T. G. & Biagi, C. R. (2017). A relação das mídias sociais na construção
da autoimagem na contemporaneidade. Akrópolis, 25(2), 117-128. doi:
10.25110/akropolis.v25i2.6426
Weiss, M. C. (2019). Sociedade sensoriada: a sociedade da transformação digital. Estudos
Avançados, 33(95), 203-214. Recuperado de
http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/159485
TEORIA DO GERENCIAMENTO DO TERROR: CONTRIBUIÇÕES E

1380
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Ernandes Barbosa Gomes
Hysla Magalhães de Moura
Anderson Mesquita do Nascimento
Alessandro Teixeira Rezende
Camilla Vieira de Figueiredo
Roberta Pereira Curvello
Introdução
O homem é o único animal racional existente no planeta Terra. Esta capacidade o torna
dominante sobre as outras espécies de animais e vegetais e o torna consciente de sua própria
existência. No entanto, esta habilidade ao mesmo tempo em que determina sua dominância na
natureza também o torna consciente de complexas questões existenciais. No ponto central
destas questões encontra-se a morte e seus desdobramentos, já que é a única certeza inerente a
todos os seres existentes. Não por acaso, as ciências, as artes, a filosofia e as religiões, desde os
tempos mais remotos das civilizações, tentam responder a inquietante pergunta: “para onde
vamos após a morte?”.
Há um longo debate sobre como definir o que seria o fim da vida, sendo que esta noção
vai mudar de acordo com o enfoque dado sobre ela, ou seja, se médico, filosófico religioso ou
jurídico. Por exemplo, quando se fala em morte do corpo humano, a noção do fim da vida
concentra-se na perspectiva biológica que se dá pela morte cerebral, isto é, a irreversibilidade
do funcionamento do tronco cerebral, bem como a parada irreversível das funções respiratórias
e circulatórias (Kind, 2008). Com o fim do corpo biológico, as explicações médicas saem de
cena e dão lugar a filosofia e a religião, que tentam responder as questões mais básicas da
existência humana (Morais, 2015).
Muitos estudiosos têm demonstrado que a morte é um evento capaz de trazer medo e
angústia para o indivíduo (Becker, 1973; Kóvacs, 1992). Logo surge a questão relacionada à
forma como as pessoas conseguem certa tranquilidade psicológica diante das evidências de sua
própria mortalidade. Para investigar as possíveis respostas a esta questão, vem sendo
amplamente utilizada uma teoria desenvolvida nos Estados Unidos denominada Teoria do
Gerenciamento do Terror (Terror Management Theory), que tem como uma de suas principais
contribuições ter trazido reflexões existenciais para o campo da Psicologia Social empírica
(Greenberg, Koole & Pyszczynski, 2004). Logo, este trabalho tem como objetivo explicar a
Teoria do Gerenciamento do Terror (TGT), haja visto que se trata de uma abordagem teórica
que tem ganhado cada vez mais notoriedade no cenário internacional, contudo ainda se verifica
uma escassez das produções em território brasileiro.

Teoria do Gerenciamento do Terror


De acordo com o apresentado na página dedicada ao estudo da TGT, esta teoria foi
elaborada pelos psicólogos sociais Jeff Greenberg, Tom Pyszczynski e Sheldon Solomon, em
1986, baseada nos escritos do antropólogo cultural Ernest Becker ao indagar sobre os seguintes
questionamentos: “Por que as pessoas têm uma grande necessidade de se sentir bem consigo
mesmas?”; e “Por que as pessoas têm tanta dificuldade em conviver com aqueles que são
diferentes de si mesmas?”. Becker (1962) sugere que os seres humanos, assim como os demais

1381
animais, possuem um instinto de autopreservação, no entanto, eles também detêm habilidades
cognitivas que os tornam únicos, tais como o autoconhecimento, o pensamento abstrato e a
capacidade de pensar temporalmente.
Embora tais características tornem os seres humanos únicos e os coloque em um patamar
superior em relação às outras espécies, essas mesmas habilidades podem ser perturbadoras, pois
elas produzem temor. Ter a consciência de que o tempo está passando está associada também
à passagem da vida e a certeza inevitável da morte, ou seja, a consciência temporal também
significa a consciência da própria morte (Routledge & Arndt, 2005). Complementando esta
ideia, Becker (1973) afirma que ao mesmo tempo em que o homem possui mecanismos
biológicos que visam a preservação e a continuação da vida, também possui uma inteligência
que o faz ser consciente que um dia virá a morrer.
A TGT foi elaborada no intuito de explicar a necessidade fundamental de encontrar
significado e autoestima, de modo a utilizá-los como mecanismo de proteção contra a
consciência da mortalidade (Burke, Martens & Faucher, 2010). Essencialmente, a TGT é uma
abordagem da Psicologia Social que procura explicar diversos comportamentos sociais por
meio da consciência de inevitabilidade da morte (Greenberg, Pyszczynski & Solomon, 1986).
De acordo com esta perspectiva, as demandas psicológicas são decorrentes do dilema
existencial no qual sujeitos se deparam desde seus primórdios (Becker, 1973), incitando, desta
maneira, a necessidade de gerenciar o terror e a ansiedade ocasionada pela consciência da
inevitável finitude (Greenberg et al, 1986; Solomon, Greenberg & Pyszczynski, 1991).
Segundo os pressuposto da TGT, o medo da morte é abrandado pela fé na visão
de mundo cultural e pela autoestima (Du et al., 2013; Friese & Hofmann, 2008; Hansen,
Winzeler & Topolinski, 2010; Van Den Bos et al., 2005). A visão de mundo cultural é
considerada uma construção simbólica, a qual proporciona ordem e significado, oferecendo
uma explicação às questões existenciais básicas de vida, bem como proteção simbólica contra
o terror eminente da morte (Greenberg, Solomon & Pyszczynski, 1997). Isto possui implicações
nas relações interpessoais diárias, já que as pessoas tendem a responder positivamente àqueles
que apoiam sua visão de mundo cultural, e negativamente àqueles que ameaçam seus inibidores
culturais da ansiedade perante a morte (Rosenblat et al., 1989).
A visão de mundo cultural proporcionaria ainda uma noção de realidade estável, a
delimitação de regras e valores os quais podem fornecer um sentimento de valor para aqueles
que estão em consonância com os mesmos, bem como, uma promessa de transcendência da
finitude. Dito de outro modo, esta pode ser entendida como uma idealização simbólica da
realidade que propicia uma noção de ordem, constância e equilíbrio, bem como um conjunto de
normas e valores por meio dos quais os indivíduos podem lograr um senso de valor pessoal e
uma esperança literal e simbólica de transcendência da morte para aqueles que seguem os
padrões vigentes (Du et al., 2013; Jonas et al., 2002; Hirschberger & Ein-Dor, 2006;
Pyszczynski, Greenberg & Solomon, 1999; Rosenblatt et al., 1989). Neste sentido, este
mecanismo daria um norte diante de questionamentos básicos a despeito do significado e
propósito da vida, elaborando ainda proposições acerca do que aconteceria após a morte
(Florian, Mikulincer & Hirschberger, 2001; Hirschberger, 2010).
Para mais, pode-se dizer que a fé visão de mundo foi desenvolvida em decorrência da
ansiedade e do sofrimento que a consciência da finitude pode trazer, servindo como ferramenta
para reduzir estas implicações no indivíduo (Florian et al., 2001). Desta maneira, a adoção da
visão cultural configurar-se enquanto uma maneira das pessoas sentirem-se pertencentes de
uma conjuntura social maior, de modo superar as limitações da finitude do corpo físico
(Hirschberger & Ein-Dor, 2006). As visões de mundo possibilitam, assim, o desenvolvimento

1382
da concepção simbólica do self, a exemplo das identidades, sejam elas sociais ou mesmo
culturais, que estariam para além das limitações corpóreas (Routledge et al., 2010). A título de
exemplo, os mesmos autores vêm apontar acerca da visão de mundo cristão, alegando que esta
ascende a entidade biológica, de maneira a convertê-la em uma unidade espiritual impregnada
por sua eternidade. Por fim, vale frisar que a visão cultural forneceria uma segurança de duas
maneiras: a) a partir da concepção do mundo como sendo justo, bem como a crença que as
coisas ruins não ocorrem com pessoas boas; b) as culturas fornecem a promessa de imortalidade
simbólica para aqueles que vivem de acordo com as normas e/ou prescrições previstas pelas
mesmas (Hirschberger & Ein-Dor, 2006).
Quanto a autoestima, esta é aqui entendida como a crença em estar seguindo os padrões
e as normas previstas pela sociedade (Pyszczynski et al., 1996; Du et al., 2013; Jonas et al.,
2002; Pyszczynski et al., 1999; Rosenblatt et al., 1989). Dito de outra maneira, a autoestima
pode ser compreendida como a percepção da vida perpassada por um significado e propósito,
bem como a autopercepção como um membro provedor de contribuições fundamentais e
duradoura para a estrutura social (Routledge et al., 2010).
Assim, a autoestima refere-se a uma autoavaliação do self, onde as pessoas são
geralmente motivadas a manter altos índices dela, de modo a oferecer proteção contra o medo
da morte (Pyszczynski et a., 2004). Ela está diretamente ligada a crença na visão de mundo e
sua capacidade de amenizar a ansiedade produzida pela morte. Uma vez que o “tampão
cultural” da ansiedade é humanamente criado, transmitido e mantido, os indivíduos são
altamente dependentes dos demais para a manutenção desta visão e sua consequente avaliação.
Para demonstrar o papel central que a autoestima possui, Harmon-Jones et al. (1996)
conduziram um estudo com três experimentos os quais demonstraram que a autoestima tem a
capacidade de reduzir a defesa da visão de mundo cultural produzida pelo pensamento de morte.
Ao se ter estes dois elementos em conta (visão do mundo cultural e autoestima), a TGT
afirma que uma vasta gama de comportamentos é direcionada para atender a estas duas
estruturas psicológicas (Greenberg et al., 1992). Desta forma, é possível visualizar o papel
fundamental que estas estruturas assumem no afastamento do medo da morte, de forma que
uma substancial quantidade de comportamentos são adotados para sustentá-las e protegê-las de
ameaças (Jonas et al., 2002). Esta teoria propõe, então, que uma vasta quantidade de
comportamentos sociais pode ser entendida como uma tentativa de conseguir tranquilidade
psicológica diante da ansiedade da consciência da própria morte, sendo o controle do medo
gerenciado pela fé na visão cultural e pela autoestima (Rosenblatt et al., 1989).
Vale mencionar que a TGT é gerida pelo “modelo do duplo processamento”, o qual
contempla dispositivos de defesa consciente e inconsciente que atuariam diante do temor da
morte, agindo, assim, em duas linhas de defesa, a saber: defesa proximal e defesa distal. De
acordo com Trémolière, Neys e Bonnefon (2012), este modelo aponta que situações que
interferem na capacidade de raciocínio e nas respostas emocionais automáticas irão, por
conseguinte, interferir no raciocínio, na tomada de decisão e no julgamento moral.
No que concerne ao mecanismo de defesa proximal, o mesmo atuaria na extinção ativa
de pensamento ou distorções cognitivas, lançando a problemática da mortalidade para um
futuro distante de uma maneira aparentemente racional. Assim, pode-se dizer que este
mecanismo é usado de maneira consciente, negando a vulnerabilidade à morte física através do
pensamento sobre um bom estado físico ou a colocando a morte em um futuro distante
(Greenberg et al., 2000).
No tocante ao mecanismo de defesa distal, este utiliza-se de métodos sem qualquer

1383
relação racional ou lógica para o afastamento do medo da morte a partir da interpretação de si
mesmo como um elemento significativo do universo cultural (Pyszczynski, Greenberg &
Solomon, 1999). Desta forma, este mecanismo se dá abaixo da consciência e serve para
defender a pessoa contra o conhecimento implícito inconsciente da inevitabilidade da morte.
São eles a crença na visão de mundo cultural e a autoestima, já apresentados anteriormente
(Greenberg et al., 2000). As defesas proximais são utilizadas em uma tentativa de contrapor ou
dificultar os pensamentos sobre a finitude, ao passo que as defesas distais atuam no sentido de
validar e reforçar as visões de mundo e a autoestima, proporcionando, por sua vez, uma
conotação de significado e apoio à existência (Routledge, Arndt & Goldenberg, 2004).
Há de se frisar ainda que ambos os mecanismos de defesa, proximal e distal, permitiriam
que os indivíduos se deparem com um sentido para a vida e transformem-se em pessoas
produtivas para a sociedade como um todo (Cozzolino et al., 2004). Os mesmos
proporcionariam, assim, um amparo diante da inevitável finitude, bem como a possibilidade de
uma imortalidade simbólica (Hirschberger, 2010; Routledge et al., 2004), transformando o
mundo caótico e inexplicável em uma realidade dotada de uma noção de ordem e estabilidade
(Routledge et al., 2004). Tais mecanismos, atuariam, então, como um “tampão” cultural
(Rosenblatt et al., 1989).
No entanto, frente as diferentes modalidades de visões culturais, assim como a variedade
de normas para a aquisição da autoestima, ambos os mecanismos (proximal e distal) são
interpretados como frágeis construções culturais, demandando validação consensual para se
mostrarem eficazes (Pyszczynski, Greenberg & Solomon, 1999; Rosenblatt et al.,1989). Em
consonância com o exposto, as perspectivas culturais da sociedade se desenvolveram, em
alguma medida, como uma forma de defesa contra a finitude humana (Jonas et al., 2002).
Quanto ao modo de investigação da TGT, a Saliência da Mortalidade (SM) configura-
se enquanto a abordagem mais utilizada por pesquisadores que lançam mão desta abordagem
teórica, a partir de estudos de delineamento experimental. Esta hipótese propõe que
determinadas estruturas, a exemplo das visões de mundo, poderiam proporcionar uma proteção
contra as implicações psicológicas da consciência da morte, através de sua validação
(Routledge et al., 2010).
Grande parte dos estudos que utilizam a SM também fazem o uso de distratores entre a
saliência do pensamento da morte e a mensuração da variável dependente (Burke et al, 2010).
Isso acontece porque a SM dá origem a dois diferentes tipos de mecanismos de defesa para
conter a ansiedade (Pyszczynski, Greenberg & Solomon, 1999). No entanto, alguns indivíduos
não respondem aos primes de SM, de modo que pode-se presumir que os mesmos apresentam
outros recursos que lhes instrumentalizam a lidar com as implicações da ciência da morte ou
mesmo os sujeitos podem possuir uma perspectiva da visão de mundo diferente da visão cultural
predominante (Hirschberger & Ein-Dor, 2006). Consonante com o exposto, por vezes, as
pessoas abandonam sua aderência à visão de mundo cultural quando esta mostra-se ineficaz
diante do temor da morte (por exemplo, Arndt, Greenberg et al., 2002; Dechesne et al., 2000).
A hipótese de SM afirma que relembrar as pessoas de sua mortalidade pode levá-las a
aumentar suas defesas e reforçar sua visão de mundo cultural, resultando no distanciamento
daquelas pessoas que violam padrões culturais importantes e no apoio àqueles indivíduos que
agem em conformidade com as normas e as regras da sociedade em questão (Greenberg et al.,
1986). Neste sentido, as pesquisas têm demonstrado que diante da SM as pessoas aumentariam
suas reações positivas para aqueles indivíduos que defendem e compartilham suas visões de
mundo, ao passo que maximizam suas reações negativas para os transgressores destas visões
(Greenberg et al., 1992; McGregor et al., 1998; Schindler, Reinhard & Stahlberg, 2013). Vale

1384
ressaltar que todas as sociedades forneceriam indicações de valores culturais, de modo que cada
indivíduo irá tentar se esforçar para estar condizente com estes pressupostos, seja se portando
para ser um bom cidadão, atleta profissional, pesquisador ou mesmo um bom marido, de forma
a fortalecer os mecanismos de visão de mundo cultural e autoestima, tornando-se então, para
além de um organismo vivo (Routledge et al., 2010).
Ademais, quando a pessoa se depara com sua própria mortalidade pode-se verificar
ainda a adesão às normas previstas culturalmente (Greenberg et al., 1995), bem como a maior
identificação com o endogrupo67 em comparação com o exogrupo68 (Giannakakis & Fritsche,
2011). Por outro lado, a SM defende que ambos os mecanismos de defesas distais (visão de
mundo cultural e autoestima), agem no combate da ansiedade diante da morte, de modo que
lembranças sobre a finitude humana elevam a necessidade de reafirmação destas estruturas
pelos indivíduos (Hirschberger & Ein-Dor, 2006; Jonas et al., 2002).
Ao que parece, a consciência sobre a finitude aliada ao instinto de autopreservação,
resultariam em tentativas de burlar a mortalidade através dos sistemas culturais padronizados e
simbólicos, como é o caso do capitalismo e do dinheiro, respectivamente. Neste sentido, no
intuito de se eternizarem os sujeitos vão em busca do desenvolvimento e adoção de coisas que
não podem morrer, como as ideologias culturais (Cozzolino et al., 2004). Esta perspectiva está
em consonância com o que foi apontado por Becker (1973, p. 255), ao defender que a visão de
mundo cultural "é mais do que apenas uma perspectiva de vida: é uma fórmula da imortalidade".
Neste sentido, a TGT é fundamental para o entendimento do motivo pelo qual os
indivíduos empregam esforços e/ou delegam tamanha importância na defesa de seu sistema de
crenças e na necessidade de que os mesmos possuem de perceberem-se enquanto valorizados
(Burke et al., 2010). Assim, torna-se possível visualizar o papel fundamental que a fé na visão
cultural e a autoestima assumem no afastamento do medo da morte, de modo que os indivíduos
estão dispostos a arriscar suas próprias vidas ou mesmo morrer, na tentativa de viver de acordo
com a visão valor social (Routledge et al., 2010).

Conclusão
Este trabalho teve como objetivo explanar sobre a TGT. Esta abordagem que apesar de
ter se mostrado cada vez mais proeminente no cenário internacional, apresenta inexpressiva
produção em território brasileiro. Assim, esta pesquisa tem como intuito tentar sanar um pouco
desta lacuna na literatura brasileira, apesar de se reconhecer que esta iniciativa ainda se trata de
um passo inicial. Contudo, confia-se que o objetivo aqui proposto tenha sido alcançado.
De forma geral, esta teoria parte do pressuposto que os seres humanos possuem
mecanismos biológicos que garantem a preservação e a continuação da vida, mas ao mesmo
tempo são dotados de uma inteligência que os fazem ter consciência desses mecanismos e
também de sua própria mortalidade (Becker, 1973). Ademais, a TGT pressupõe que o homem
é um animal cultural e que a cultura serve para atenuar a ansiedade diante do sempre presente
terror potencial da morte, proporcionando uma significativa e ordenada concepção da realidade
que contém um conjunto de normas e valores.
Efetivamente, cada indivíduo possui sua própria representação de morte e esta parece
influenciar na maneira de ser das pessoas e em seus mecanismos de defesa contra o temor da

67
Endogrupo: grupo social no qual a pessoa faz parte e/ou se identifica;
68
Exogrupo: grupo social no qual o indivíduo não participa e/ou se identifica.
finitude, o qual se encontram-se fundamentados no instinto de autopreservação (Becker, 1973;

1385
Van Den Bos et al., 2005). Assim, desde seu nascimento, o ser humano se depara
cotidianamente com a sua finitude, o que é possibilitado devido a capacidade que o mesmo tem
de pensar em aspectos temporais. Apesar desta habilidade propiciar um temor da morte, a
mesma aliada aos potenciais cognitivos pode colaborar para que os sujeitos minimizem os
danos que tal ciência da morte pode trazer (Miller et al., 2014; Routledge et al., 2008).
Com efeito, a literatura tem apontado que os pensamentos de morte estariam imbricados
no engajamento de diferentes comportamentos sociais, no intuito de agirem como atenuadores
da ansiedade despertada diante da inevitável mortalidade humana (Greenberg, et al., 1992).
Neste sentido, a TGT constitui-se enquanto um importante arcabouço teórico na busca pela
compreensão da necessidade fundamental humana de encontrar significado e autoestima na
vida (Burke et al., 2010).

Referências
Arndt, J., Greenberg, J., Schimel, J., Pyszczynski, T. & Solomon, S. (2002). To belong or not
to belong, that is the question: Terror management and identification with gender and
ethnicity. Journal of Personality and Social Psychology, 83, 26-43.
Becker, E. (1962). The birth and death of meaning: A perspective in psychiatry and
anthropology. New York: Free Press.
Becker, E. (1973). The dential of death. New York: Free Press.
Burke, B. L., Martens, A. & Faucher, E. H. (2010). Two decades of terror management theory:
A meta-analysis of mortality salience research. Personality and Social Psychology
Review, 14, 155-195.
Cozzolino, P. J., Staples, A. D., Meyers, L. S. & Samboceti, J. (2004). Greed, death, and values:
From terror management to transcendence management theory. Personality and Social
Psychology Bulletin, 30, 278-292.
Dechesne, M., Greenberg, J., Arndt, J. & Schimel, J. (2000). Terror management and the
vicissitudes of sports fan affiliation: The effects of mortality salience on optimism and
fan identification. European Journal of Social Psychology, 30, 813-835.
Du, H., Jonas, E., Klackl, J., Agroskin, D., Hui, E. K. & Ma, L. (2013). Cultural influences on
terror management: Independent and interdependent self-esteem as anxiety buffers.
Journal of Experimental Social Psychology ,49, 1002-1011.
Florian, V., Mikulincer, M. & Hirschberger, G. (2001). An existentialist view on mortality
salience effects: Personal hardiness, death‐thought accessibility, and cultural worldview
defence. British Journal of Social Psychology, 40, 437-453.
Friese, M. & Hofmann, W. (2008). What would you have as a last supper? Thoughts about
death influence evaluation and consumption of food products. Journal of Experimental
Social Psychology, 44, 1388-1394.
Giannakakis, A. E. & Fritsche, I. (2011). Social identities, group norms, and threat: On the
malleability of ingroup bias. Personality and Social Psychology Bulletin, 37, 82–93.
Greenberg, J., Arndt, J., Simon, L., Pyszczynski, T. & Solomon, S. (2000). Proximal and Distal

1386
Defenses in Response to Reminders of One’s Mortality: Evidence of a Temporal
Sequence. Personality and Social Psychology Bulletin, 26, 91–99.
Greenberg, J., Koole, S. & Pyszczynski, T. (2004). Handbook of experimental existential
psychology. New York: Guilford Press.
Greenberg, J., Porteus, J., Simon, L., Pyszczynski, T. & Solomon, S. (1995). Evidence of a
terror management function of cultural icons: The effects of mortality salience on the
inappropriate use of cherished cultural symbols. Personality and Social Psychology
Bulletin, 21, 1221-1228.
Greenberg, J., Pyszczynski, T. & Solomon, S. (1986). The causes and conseque nces of the
need for self-esteem: A terror management theory. In R. F. Baumeister (Ed.), Public self
and private self (pp. 189-212). New York: Springer-Verlag.
Greenberg, J., Pyszczynski, T., Solomon, S., Pinel, E., Simon, L. & Jordan, K. (1993). Effects
of self-esteem on vulnerability-denying defensive distortions: Further evidence of an
anxiety-buffering function of self-esteem. Journal of Experimental Social Psychology,
29, 229-251.
Greenberg, J., Simon, L., Pyszczynski, T., Solomon, S. & Chatel, D. (1992). Terror
management and tolerance: Does mortality salience always intensify negative reactions
to others who threaten one’s worldview? Journal of Personality and Social Psychology,
63, 212- 220.
Greenberg, J., Solomon, S. & Pyszczynski, T. (1997). Terror Management Theory of Self-
Esteem and Cultural Worldviews: Empirical Assessments and Conceptual Refinements.
Advances in Experimental Social Psychology, 29, 61–139.
Greenberg, J., Solomon, S., Pyszczynski, T., Rosenblatt, A., Burling, J., Lyon, D., .... Pinel, E.
(1992). Why do people need self-esteem? Converging evidence that self-esteem serves
an anxiety-buffering function. Journal of Personality and Social Psychology, 63, 913-
922.
Hansen, J., Winzeler, S. & Topolinski, S. (2010). When the death makes you smoke: A terror
management perspective on the effectiveness of cigarette on-pack warnings. Journal of
Experimental Social Psychology, 46, 226-228.
Harmon-Jones, E., Greenberg, J., Solomon, S. & Simon, L. (1996). The effects of mortality
salience on intergroup bias between minimal groups. European Journal of Social
Psychology, 26, 677–681.
Hirschberger, G. & Ein-Dor, T. (2006). Defenders of a lost cause: Terror management and
violent resistance to the disengagement plan. Personality and Social Psychology Bulletin,
32, 761-769.
Hirschberger, G. (2010). Compassionate callousness: A terror management perspective on
prosocial behavior. Prosocial Motives, Emotions, and Behaviors: The Better Angels of
our Nature. Washington, DC: American Psychological Association, 201-219.
Jonas, E., Schimel, J., Greenberg, J. & Pyszczynski, T. (2002). The Scrooge effect: Evidence
that mortality salience increases prosocial attitudes and behavior. Personality and Social
Psychology Bulletin, 28, 1342-1353.
Kind, L. (2008). Morte e vida tecnológica: a emergência de concepções de ser humano na

1387
história da definição de morte cerebral. Psicologia em Revista, 14, 273-276.
Kovács, M. J. (1992). Representações de morte. In M. J. Kovács. Morte e desenvolvimento
humano. São Paulo: Casa do Psicólogo.
McGregor, H. A., Lieberman, J. D., Greenberg, J., Solomon, S., Arndt, J., Simon, L., et al.
(1998). Terror management and aggression: Evidence that mortality salience motivates
aggression against worldview-threatening others. Journal of Personality and Social
Psychology, 74, 590–605.
Miller, C. H., Ivanov, B., Landau, M. J., Masad, D., Semmler, S. & White, J. A. (2014).
Differences in the Experience and Expression of Sexual Jealousy: A Terror Management
Theory Perspective. Universal Journal of Psychology, 2, 65-75.
Morais. I. M. de (2015). A escolha do lugar onde morrer por estudantes e médicos: valores
humanos e percepção de morte digna. São Carlos: Pedro & João Editores.
Pyszczynski, T., Greenberg, J. & Solomon, S. (1999). A dual-process model of defense against
conscious and unconscious death-related thoughts: an extension of terror management
theory. Psychological review, 106, 835.
Pyszczynski, T., Greenberg, J. & Solomon, S. (1999). A dual-process model of defense against
conscious and unconscious death-related thoughts: An extension of terror management
theory. Psychological Review, 106, 835–845.
Pyszczynski, T., Greenberg, J., Solomon, S., Arndt, J., & Schimel, J. (2004). Why Do People
Need Self-Esteem? A Theoretical and Empirical Review. Psychological Bulletin, 130,
435-468.
Pyszczynski, T., Wicklund, R. A., Floresku, S., Koch, H., Gauch, G., Solomon, S. & Greenberg,
J. (1996). Whistling in the Dark: Exaggerated Consensus Estimates in Response to
Incidental Reminders of Mortality. Psychological Science, 7, 332–336.
Rosenblatt, A., Greenberg, J., Solomon, S., Pyszcynski, T. & Lyon, D. (1989). Evidence for
terror management theory I: The effects of mortality salience on reactions to those who
violate or uphold cultural values. Journal of Personality and Social Psychology, 57, 681-
690.
Routledge, C. & Arndt, J. (2005). Time and Terror: Managing Temporal Consciousness and
the Awareness of Mortality. In A. Strathman & J. Joireman (Eds.), Understanding
behavior in the context of time: Theory, research, and application (p. 59–84). Lawrence
Erlbaum Associates Publishers.
Routledge, C., Arndt, J. & Goldenberg, J. L. (2004). A time to tan: Proximal and distal effects
of mortality salience on sun exposure intentions. Personality and Social Psychology
Bulletin, 30, 1347-1358.
Routledge, C., Arndt, J., Sedikides, C. & Wildschut, T. (2008). A blast from the past: The terror
management function of nostalgia. Journal of Experimental Social Psychology, 44, 132-
140.
Routledge, C., Ostafin, B., Juhl, J., Sedikides, C., Cathey, C. & Liao, J. (2010). Adjusting to
death: the effects of mortality salience and self-esteem on psychological well-being,
growth motivation, and maladaptive behavior. Journal of personality and social
psychology, 99, 897.
Schindler, S., Reinhard, M. A. & Stahlberg, D. (2013). Tit for tat in the face of death: The effect

1388
of mortality salience on reciprocal behavior. Journal of Experimental Social Psychology,
49, 87-92.
Solomon, S., Greenberg, J. & Pyszczynski, T. (1991). A terror management theory of social
behavior: The psychological functions of self-esteem and cultural worldviews. In M. P.
Zanna (Ed.), Advances in experimental social psychology (Vol. 24, pp. 93-159). New
York: Academic Press.
Terror Management Theory (2006). Retrieved from http://www.tmt.missouri.edu
Trémolière, B., Neys, W. D. & Bonnefon, J. F. (2012). Mortality salience and morality:
Thinking about death makes people less utilitarian. Cognition, 124, 379-384.
Van Den Bos, K., Poortvliet, P. M., Maas, M., Miedema, J. & Van Den Ham, E. J. (2005). An
enquiry concerning the principles of cultural norms and values: The impact of uncertainty
and mortality salience on reactions to violations and bolstering of cultural
worldviews. Journal of Experimental Social Psychology, 41, 91-113.
TRANSTORNOS MENTAIS EM UNIVERSITÁRIOS DA ÁREA DA SAÚDE:

1389
PREVALÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS
Esthela Sá Cunha
Introdução
O ambiente acadêmico, por vezes, pode se tornar ansiogênico e contribuir para o
surgimento de transtornos mentais nos universitários. A pressão para obter um rendimento
satisfatório, os prazos para conclusão de trabalhos e o tempo dedicado ao estudo para provas e
avaliações somam-se a poucas horas dedicadas ao sono e às cobranças pessoais e sociais. De
acordo com Silveira et al. (2011), os estudantes enfrentam um período de considerável
vulnerabilidade, visto que estão expostos a fatores estressores, somando-se, ainda, ao fato de
estarem numa faixa etária que surgem muitas das perturbações mentais graves.
Ademais, o processo de escolha pelo curso superior e as longas horas dedicadas à
aprovação na universidade são elementos que podem contribuir para a sobrecarga mental logo
no início do curso. Assim, tais condições contribuem de forma significativa ao
desencadeamento de distúrbios psíquicos.
Segundo Silveira et al. (2011), o ingresso na universidade, muitas vezes, requer o
afastamento do círculo de relacionamentos familiares e sociais, podendo proporcionar situações
de crise. Além disso, as mudanças ensejadas pelo ingresso na universidade, como a necessidade
de morar em outra cidade, também podem favorecer o surgimento de Transtornos Mentais
Comuns, Ansiedade e Depressão.
Os transtornos Mentais Comuns foram definidos por Goldeberg e Huxley (1992), como
a presença de sintomas não psicóticos como esquecimento, irritabilidade, insônia, dificuldade
em se concentrar e somatizações. Segundo Ansolin et al. (2015) a ocorrência de Transtorno
Mental Comum pode influenciar de forma direta e negativa no desempenho acadêmico e na
qualidade de vida.
A ansiedade é definida no Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais
(DSM-V) como um transtorno que prevalece os sintomas como medo e ansiedade excessiva e
perturbações comportamentais relacionados, incluem ainda preocupações persistentes e
excessivas acerca de vários domínios, como por exemplo trabalho e escola, que o indivíduo
encontra dificuldade em controlar.
Já os transtornos depressivos, de acordo com o DSM-V, são caracterizados por presença
de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado, ainda, de somatizações e alterações
cognitivas, dentre outros, que afetam de forma significativa o funcionamento do indivíduo. No
estudo de Leão et al. (2018) a prevalência de depressão nos estudantes da área da saúde foi
superior aos da população em geral.
De acordo com Silva e Costa (2012), tais transtornos podem aparecer logo no período
de ingresso na universidade e são mais frequentes em estudantes da área da saúde, uma vez que
estes necessitam aprender a lidar diariamente com o sofrimento e com a dor. Além disso, os
cursos superiores em saúde são, em sua maioria, ofertados em turno integral, o que pode
favorecer negativamente o surgimento de transtornos mentais, já que há uma maior sobrecarga
devido às horas dedicadas à Universidade.
A presente revisão de literatura tem por objetivo levantar estudos acadêmicos,
publicados entre 2009 e 2019, que abordam a temática da prevalência e fatores associados de
transtornos mentais entre universitários da área da saúde.
1390
Método
Trata-se de um estudo de revisão de literatura a partir de bibliografias empreendidas nas
bases de dados Scielo e Google Acadêmico, por serem plataformas amplamente utilizadas em
pesquisas científicas. Foram utilizados os seguintes descritores para a busca “Transtornos
Mentais” e “Universitários”, conjuntamente. As pesquisas se concentraram em levantar artigos
publicados entre 2009 e 2019. As literaturas foram selecionadas utilizando os seguintes critérios
de inclusão: estudos quantitativos, descritivos, que a amostra era constituída por acadêmicos da
área da saúde e publicados em língua portuguesa. Foram encontrados 47 artigos, desses,
excluíram-se aqueles que não estavam dentro dos critérios de inclusão e aqueles que se tratavam
de revisões de literatura ou de validação de instrumentos. Restaram 21 trabalhos, os quais foram
utilizados para a construção da presente revisão.

Desenvolvimento
Entre os estudantes da área da saúde, foram encontrados uma prevalência de 33,6% a
43,2% de Transtornos Mentais Comuns em estudantes do curso de medicina (Rocha & Sassi,
2013; Fiorotti, Rossoni, Borges, & Miranda, 2010; Silva & Neto, 2014). Quando se consideram
os alunos dos cursos de graduação em Psicologia e Enfermagem, a frequência encontrada desses
transtornos foi de 22,1% a 35,7% (Silva & Neto, 2014; Silva & Costa, 2012; Ansolin, Rocha,
Santos, & Pozzo, 2015), Educação Física 12,6%, farmácia 24,2%, Nutrição 9,5% e Odontologia
14,7% (Silva & Neto, 2014). Já entre os acadêmicos de fisioterapia, foi observada uma
prevalência de 37,76% a 40%, e entre os de Biologia 16,8% a 19% (Torquato et al., 2010; Silva
& Costa, 2012).
No que tange aos estudantes de enfermagem, 46,1% a 28,9% indicaram sintomatologia
relativa a humor depressivo/ansioso, 25% a 31,6% reportaram sofrer de sintomas somáticos
como dores de cabeça e estômago, quanto a decréscimo de “energia vital”, 32,9% reportaram
dificuldade para tomar decisões e 26,3% se cansam com facilidade, já no que diz respeito a
pensamentos depressivos, 9,2% dos discentes afirmaram ter perdido o interesse pelas coisas
(Silva et al., 2014). Maior prevalência foi encontrada entre as mulheres (Fiorotti et al., 2010).
Leão et al. (2018) observaram a presença de transtorno de ansiedade em 36,1% em
estudantes da área da saúde. Já o estudo de Medeiros e Bittencourt (2017) observou uma
prevalência de ansiedade em quase metade dos estudantes que participaram do estudo, sendo
que 27% da amostra apresentou leve nível de ansiedade, 6,4% ansiedade moderada e 3,6%
ansiedade severa. Os estudantes do sexo feminino possuíram índices mais elevados do
transtorno do que os do sexo masculino. Além disso, a ansiedade e preocupação esteve presente
em 65% dos discentes que cursavam enfermagem (Sequeira et al., 2013), nos estudantes de
medicina, este último transtorno foi observado em 19,7% a 90% da amostra (Vasconcelos et
al., 2015; Bruch, Carneiro & Jornada, 2015; Sonda, 2018; Souza, 2010).
No que concerne à depressão, foram observadas prevalência de 28,6% a 41% nos
estudantes universitários da área da saúde (Leão et al., 2018; Mesquita et al., 2016). Neste
mesmo público, o estudo de Coelho et al. (2010) demonstrou que 100% da amostra estudada
foi classificada como “mau dormidor”, sendo que a depressão e a ansiedade estiveram
associadas a estes altos escores.
Quando se observa esses índices por curso, os números se encontram entre 3,6% e
45,7% de estudantes de medicina com sintomatologia relativa à depressão (Silva et al, 2019;
Vasconcelos et al., 2015; Souza, 2010; Bruch, Carneiro & Jornada, 2015; Sonda, 2018;

1391
Oliveira, 2013; Oliveira et al., 2016). Já entre os que cursavam enfermagem, a frequência
encontrada foi de 15,4% a 61,4% entre os discentes deste curso (Furegato, Santos & Silva,
2010; Sequeira et al., 2013). Além disso, maior frequência de sintomas depressivos foi
encontrada entre os estudantes do sexo feminino (Oliveira, 2013; Souza, 2010). Entre os
estudantes de psicologia, a depressão esteve inversamente associada aos motivos para viver
(Cremasco & Baptista, 2017).
No que se refere ao quadro de estresse, 59,9% dos estudantes de medicina prevaleceram
com sintomas estressantes. Nos estudantes do sexo feminino foram encontrados maiores
índices, além disso, a satisfação com o curso esteve positivamente associada ao estresse (Sonda,
2018). Nos acadêmicos de fisioterapia, as mulheres também apresentaram índices mais
elevados de estresse (49,29%) (Torquato et al., 2010).
Variáveis como insatisfação com o curso, relacionamento familiar e com amigos
insatisfatório e quantidade insuficiente de sono foram preditoras de depressão entre os
estudantes da área da saúde. Já a frequência de ansiedade esteve associada ao sexo feminino,
entre os acadêmicos que repostaram insatisfação com o relacionamento com a família, amigos
e colegas. O transtorno esteve associado ainda com insônia, o fato de não realizar atividades
físicas e preocupação com o futuro (Leão et al., 2018).
O estudo de Sonda (2018) observou que não houveram diferenças estatisticamente
significativas entre os tipos de instituição (pública e privada). No que concerne aos preditores
dos Transtornos Mentais Comuns entre os estudantes de medicina, variáveis como ser aluno do
curso básico e do clínico, percepção de pouco apoio emocional, dificuldades em relações
interpessoais (Fiorotti et al., 2010; Rocha & Sassi, 2013), não seguir alguma religião e histórico
familiar de doença psiquiátrica estiveram associados (Rocha & Sassi, 2013). Além disso,
verificou-se que os estudantes do primeiro ano do curso de medicina perdem o sono com mais
frequência e percebem-se mais incapazes de superação quando comparados aos alunos do sexto
ano de graduação, por outro lado, os primeiros são mais confiantes em si mesmos e focam a
atenção mais facilmente quando comparados aos segundos (Araújo et al., 2009). A prática de
exercícios físicos foi fator protetor contra o diagnóstico de depressão (Sonda, 2018) e de
Transtornos Mentais Comuns (Silva & Neto, 2014) entre os universitários.
Oliveira et al. (2016), ao observarem a prevalência de depressão entre os estudantes de
medicina da Universidade Federal do Amapá, constataram maiores índices de sintomas
depressivos em estudantes que apresentavam desejo de mudar de curso, dificuldades em
relacionamentos sociais, que percebiam o ambiente acadêmico com muitos problemas.
Ademais, o estudo de Fiorotti et al. (2010), realizado com estudantes de medicina da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), apontou que variáveis como história de
tratamento psiquiátrico medicamentoso, história de tratamento psicoterapêutico, não possuir
renda própria, não estar satisfeito com a escolha profissional, excesso de carga horária como
fonte de tensão, não praticar atividades de lazer na frequência desejada, sobrecarga de
atividades por diversos motivos, como a busca de novos aprendizados e experiências, a
cobrança pessoal, a pressão dos professores ou profissionais da área e relatar “dificuldade para
tirar dúvidas em sala de aula, por timidez”, durante a infância ou adolescência estiveram
associadas a prevalência de Transtornos Mentais Comuns.
Nos estudantes de licenciatura em enfermagem, a renda está negativamente associada à
depressão, assim, quanto menores os índices de depressão, maior o nível econômico (Furegato,
Santos & Silva, 2010). Ser acadêmico do último ano do curso é um fator de risco relativo ao
estresse nos estudantes de fisioterapia, além disso, ser solteiro é um fator de proteção a níveis
elevados de estresse, sendo esta última variável também associada a uma melhor qualidade de

1392
vida (Torquato et al., 2010).

Conclusão
Os estudos realizados com os universitários da área da saúde observaram maiores
índices de transtornos mentais entre esses acadêmicos quando comparados ao restante da
população. Observou-se que as mulheres estiveram mais propensas à sintomatologia de
transtornos mentais quando comparadas aos homens. Nesse sentido, deve-se levar em conta os
estereótipos e percalços enfrentados pelo gênero feminino em uma sociedade ainda marcada
pelo preconceito.
Além disso, a insatisfação com a escolha profissional foi uma variável preditora
evidente em um significativo número dos estudos encontrados, sugerindo que as cobranças
individuais e sociais para se manter no curso são fatores de riscos que não devem ser
negligenciados.
Os resultados sugerem estratégias de intervenção por parte das universidades, como a
oferta de atendimento psicológico e psicopedagógico a esse público. O conhecimento das
variáveis preditoras assim como os demais fatores que contribuem para o surgimento de
distúrbios psíquicos é importante para identificar os pontos de intervenção. Os estudos acima
mencionados, assim como outros, são importantes para que se possa colocar em discussão a
formação acadêmica e a saúde mental dos futuros profissionais. Uma vez que estes se dedicarão
ao cuidado do restante da população, uma boa qualidade de vida e condições de saúde se fazem
necessários ao desempenho profissional.

Referências
Ansolin, A. G. A., Rocha, D. L. B., Santos, R. P. & Pozzo, V. C. D. (2015). Prevalência de
transtorno mental comum entre estudantes de psicologia e enfermagem. Arq. Ciênc. Saúde;
22(3) 42-45. https://doi.org/10.17696/2318-3691.22.3.2015.83.
Araújo, C. P., Gomes, L. P., Cunha, M. G. C., Cannizza, M. P., Mäder, M. S., Martins, N. M.
L., Framil, U. S. & Anjos, W. C. (2009).Uso de álcool e psicotrópicos e o sofrimento
psíquico em estudantes de medicina da Universidade Estácio de Sá. Adolescência & Saúde.
6(1) 28-32. Recuperado em 18 de janeiro de 2020 de:
http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=38.
Bruch, T. P., Carneiro, E. A. & Jornada, L. K. (2009). Presença de sintomas psiquiátricos em
estudantes de medicina de Universidade do sul do Brasil. Arquivos Catarinenses de
Medicina 38(4) 61-65. Recuperado em 18 de janeiro de 2020 de:
https://www.researchgate.net/profile/Luciano_Jornada/publication/267217907_Presenca_de_sinto
mas_psiquiatricos_em_estudantes_de_medicina_de_Universidade_do_sul_do_Brasil/links/5549e
da90cf26eacd692198f.pdf.
Cremasco, G. S. & Baptista, M.N. (2017). Depressão, motivos para viver e o significado do suicídio
em graduandos do curso de psicologia. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, Londrina,
8(1) 22-37. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2016v8n1p22.
American Psychiatry Association. (2013) Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders
- DSM-5. 5th.ed. Washington: American Psychiatric Association.
Fiorotti, K. P., Rossoni, R. R., Borges, L. H. & Miranda, A. E. (2010). Transtornos mentais

1393
comuns entre os estudantes do curso de medicina: prevalência e fatores associados. J Bras
Psiquiatr. 59(1) 17-23. http://dx.doi.org/10.1590/S0047-20852010000100003.
Furegato, A. R. F., Santos, J. L. F. & Silva, E. C. S. (2010). Depressão entre estudantes de dois
cursos de enfermagem: autoavaliação da saúde e fatores associados. Rev Bras Enferm,
Brasília, 63(4): 509-16. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672010000400002.
Goldberg, D. & Huxley, P. (1992). Common mental disorders: A bio-social model. London:
Tavistock.
Leão, A. M., Gomes, I. P., Ferreira, M. J. M. & Cavalcanti, L. P. G. (2018). Prevalência e
Fatores Associados à Depressão e Ansiedade entre Estudantes Universitários da Área da
Saúde de um Grande Centro Urbano do Nordeste do Brasil. Revista brasileira de educação
médica. 42 (4) 55-65. http://dx.doi.org/10.1590/1981-52712015v42n4RB20180092.
Coelho, A. T., Lorenzini, L. M., Suda, E. Y., Rossini, S. & Reimão, R. (2010). Qualidade de
Sono, Depressão e Ansiedade em Universitários dos Últimos Semestres de Cursos da Área
da Saúde. Neurobiologia, 73 (1) 35-39. Recuperado em 18 de janeiro de 2020 de:
https://www.researchgate.net/profile/Rubens_Reimao/publication/236943130_Sleep_qual
ity_depression_and_anxiety_in_college_students_of_last_semesters_in_health_areas_cou
rses/links/0deec51a4a98ad9d76000000.pdf.
Medeiros, P. P. & Bittencourt, F. O. (2017). Fatores associados à Ansiedade em Estudantes de
uma Faculdade Particular. Id on line Revista Multidisciplinar e de Psicologia. Id on Line
Rev. Psic. 10(33). Recuperado em 18 de janeiro de 2020 de:
https://idonline.emnuvens.com.br/id/article/view/594.
Mesquita, A. M., Lemes, A. G., Carrijo, M. V. N. & Moura, A. A. M., Couto, D. S., Rocha, E.
M., Volpato, R. J. (2016). Depressão entre estudantes de cursos da área da saúde de uma
universidade em mato grosso. Journal Health NPEPS. 1(2) 218-230. Recuperado em 18
de janeiro de 2020 de: https://periodicos.unemat.br/index.php/jhnpeps/article/view/1433.
Oliveira, E. N. (2013). Prevalência de sintomas depressivos em estudantes de Medicina da
Universidade Federal da Bahia. Monografia (Conclusão de curso). Universidade Federal
da Bahia. DOI inexistente.
Rocha, E. S. & Sassi, A. P. (2013). Transtornos Mentais Menores entre Estudantes de Medicina.
Revista brasileira de educação médica. 37 (2). 210-216. Recuperado em 18 de janeiro de
2020 de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-
55022013000200008&script=sci_arttext.
Sequeira, C., Carvalho, J. C., borges, E. & Sousa, C. (2013). Vulnerabilidade mental em
estudantes de enfermagem no ensino superior: estudo exploratório. J Nurs Health.
2013;3(2):170-81. Recuperado em 18 de janeiro de 2020 de:
https://comum.rcaap.pt/handle/10400.26/17856
Silva, R. S. & Costa, L. A. (2012). Prevalência de Transtornos Mentais Comuns entre
universitários da área da saúde. Encontro de Psicologia. 15(23) 1105-112. Recuperado em
18 de janeiro de 2020 de:
https://seer.pgsskroton.com/index.php/renc/article/view/2473/2369.
Silva, A. O. & Neto, J. L. C. (2014). Associação entre níveis de atividade física e transtorno
mental comum em estudantes universitários. Motricidade. 10(1) 49-59.
http://dx.doi.org/10.6063/motricidade.10(1).2125.
Silva, A. M. F. et al (2019). Prevalência de indícios de depressão em estudantes de medicina

1394
em Belém, Pará. Para Res Med J. 3(2) 1-7. http://dx.doi.org/10.4322/prmj.2019.017.
Silva, B. P., Corradi-Webster, Donato, E. C. S. G., Hayashida, M. & Siqueira, M. M. (2014).
Transtornos mentais comuns e consumo de bebida alcoólica e tabaco entre estudantes de
enfermagem de uma universidade pública na Amazônia Ocidental brasileira. Rev.
Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. 10(2) 93-100. http://dx.doi.org/
10.11606/issn.1806-6976.v10i2p93-100.
Silveira, C., Norton, A., Brandão, I., & Roma-Torres, A. (2011). Saúde mental em estudantes
do ensino superior: Experiência da Consulta de Psiquiatria do Centro Hospitalar São João.
Acta Med Port. 24(S2): 247-256. Recuperado em 18 de janeiro de 2020 de:
https://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/download/1504/10
89.
Sonda, M. (2018). Prevalência de sintomas de ansiedade, estresse e depressão em estudantes de
medicina de passo fundo. Monografia (Conclusão de curso). Universidade Federal da
Fronteira Sul. Recuperado em 18 de janeiro de 2020 de:
https://rd.uffs.edu.br/bitstream/prefix/3160/1/MAR%c3%8dLIA%20SONDA.pdf.
Souza, L. (2010). Prevalência de sintomas depressivos, ansiosos e estresse em acadêmicos de
medicina. (Tese de Doutorado). Universidade de São Paulo.
http://dx.doi.org/10.11606/T.5.2011.tde-01022011-181552.
Torquato, J. A., Goulart, A. G., Vicentim, P., & Correa, U. (2010). Avaliação do estresse em
estudantes universitários. Inter Science Place.140-154. Recuperado em 18 de janeiro de
2020 de: http://interscienceplace.org/isp/index.php/isp/article/view/142/141.
Vasconcelos, T. C., Dias, B. R. T., Andrade, L. R., Melo, G. F., Barbosa, L. & Souza, E. (2015).
Prevalência de Sintomas de Ansiedade e Depressão em Estudantes de Medicina. Revista
Brasileira de Educação Médica. 39 (1) 135-142. http://dx.doi.org/10.1590/1981-
52712015v39n1e00042014.
ASPECTOS FAMILIARES ENVOLVIDOS NO DESENVOLVIMENTO DE

1395
CRIANÇAS DIAGNOSTICADAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Francisca Nayane de Sousa Santos


Ana Virgínia Maria da Silva
Débora Magalhães Araújo
Rafaela Brenda Araújo da Silva
Amadeu Antônio Pereira Neto
Mariana da Costa Rocha
Introdução
Para melhor descrever o retardo mental ou deficiência intelectual nos moldes
contemporâneos, faz-se necessário apresentar o conceito de Psicopatologia, já que esta é
considerada uma ciência autônoma, com metodologia própria, a fim de observar e descrever os
distúrbios psíquicos e compreender sua manifestação, além disto, podemos entendê-la como a
ciência dos processos mórbidos da consciência (Fédida, 1992; Störring, 2016). Neste sentido,
para Dalgalarrondo (2008), a psicopatologia não introduz padrões, nem aceita dogmas ou
verdades absolutas, nem busca julgar seu objeto, apenas se preocupa em observar, identificar e
compreender as características da doença mental. Porém, busca ampliar o leque de
possibilidades para a avaliação e entendimento sobre as principais características da dificuldade
vivenciada pelo sujeito.
Dumas (2011) relata que, a psicopatologia da criança e do adolescente tem suas origens
no estudo do retardo mental, o que possibilitou entender e distinguir características próprias da
criança, ou seja, saber reconhecer aspectos próprios do desenvolvimento infantil, tendo como
objetivo observar o desenvolvimento da criança com DI, em relação a suas habilidades e
competências esperadas para a faixa etária que se encontra, quando comparada com
desenvolvimento de outras crianças.
Desde o começo, o nível do Quociente de Inteligência (QI) foi tido como indissociável
quando tratamos sobre deficiência intelectual, pois é através do QI que pode ser avaliado
aspectos relacionados a inteligência geral do ser humano. Desenvolvido por Alfred Binet, o
teste de QI se tornou um meio de análise e relação entre idade cronológica e idade mental,
contribuindo no desenvolvimento de estudos qualitativos referente às pessoas com deficiência
intelectual. Dessa forma, o fundamento “atividade intelectual inferior à média” representa um
QI ≤ 70, que será admitido como uma linha de direcionamento complementar à avaliação
clínica (Belo et al. 2008).
Considerando-se as questões anteriormente colocadas, nota-se que tanto a forma como
se entende a deficiência intelectual quanto os critérios usados para estabelecer seu diagnóstico
se modificam de acordo com o cenário histórico e social de onde esta é observada. Neste
aspecto, o DSM-5 - um instrumento de pesquisa diagnóstica, bastante utilizado atualmente -
coloca que a deficiência intelectual se apresenta com início no período do desenvolvimento que
inclui déficits funcionais, tanto intelectuais quanto adaptativos, nos domínios conceituais, social
e prático. Manifesta-se antes dos 18 anos, geralmente durante a primeira infância ou em etapas
posteriores (APA, 2014; Dumas, 2011).
O termo anteriormente utilizado, era Retardo Mental, que segundo Dumas (2011),

1396
caracteriza-se por um desenvolvimento limitado das faculdades intelectuais e do funcionamento
adaptativo da criança e do adolescente, neste sentido, é mais apropriado falar em deficiência
do que em retardo, pois o último gera a ideia de que as crianças e adolescentes deveriam atingir
um nível de funcionamento igual os outros em sua mesma faixa etária, desconsiderando a
singularidade e contexto de cada sujeito no processo de desenvolvimento.
Deve-se ressaltar, que as pessoas com DI apresentam, geralmente, as capacidades
cognitivas relacionadas à linguagem menos desenvolvidas do que as habilidades visuoespaciais.
Gerando consequências na resolução de problemas, no pensamento abstrato e no julgamento
social, podendo ser classificada, a depender do nível de comprometimento da capacidade
funcional em relação a esses aspectos, em: leve, moderada, grave e profunda (Dalgalarrondo,
2008).
É importante ressaltar que os níveis de gravidade mencionados são definidos a partir do
funcionamento adaptativo, e não nos escores de QI, pois é através do funcionamento adaptativo
que tem-se ideia do nível de apoio necessário. Os indivíduos acometidos com DI leve, possuem
certa dificuldade em aprender habilidades acadêmicas, sendo necessário apoio para acompanhar
o nível do padrão da idade, pensamento abstrato e função executiva prejudicados, o que torna
a comunicação e a linguagem mais imaturas do que o esperado para a idade. Na DI moderada,
percebe-se um grande atraso nas habilidades conceituais individuais, se comparado com os
pares, vê-se que precisam de apoio nas tarefas conceituais cotidianas. O julgamento social e a
capacidade de tomada de decisões também são comprometidos. Porém, ainda que seja
necessário longo período de aprendizagem, o sujeito é capaz de dar conta de suas necessidades
pessoais. Já na DI grave, o alcance é bem limitado de habilidades conceituais, pouca
compreensão da linguagem escrita ou de conceitos que envolvam números, quantidade, tempo
e dinheiro, sendo necessário cuidadores que proporcionam grande apoio para a solução de
problemas ao longo da vida. Na DI grave, a linguagem falada é bastante limitada, por isso
precisa de apoio para todas as atividades cotidianas, inclusive refeições, vestir-se, banhar-se e
eliminação, ou seja, precisa de supervisão em todos os momentos. Na DI profunda, o indivíduo
apresenta entendimento bastante limitado da comunicação simbólica na fala ou nos gestos, o
que acaba tornando a situação mais delicada nesse grau, é a ocorrência concomitante de
prejuízos sensoriais e físicos que podem acabar por impedir muitas atividades sociais, tornando
o indivíduo dependente de outros para todos os aspectos do cuidado físico diário, saúde e
segurança (APA, 2014).
Para o entendimento da DI deve-se ser levado em conta três aspectos: deficiência, que
são as limitações que o sujeito possui; a inteligência, que é a capacidade de aprender, planejar
e resolver situações problemas; comportamento adaptativo, que são as práticas sociais que as
pessoas se utilizam no dia a dia (Vargas et al., 2016).
O funcionamento cognitivo constitui-se como uma das áreas mais exploradas no estudo
e pesquisa acerca da deficiência intelectual; afinal, as principais percepções durante o
desenvolvimento da criança caracterizam-se na pouca habilidade para a realização de atividades
que lhe exijam um maior esforço cognitivo tanto em suas atividades básicas diárias como na
resolução de atividades escolares, por exemplo (Belo et al. 2008).
No entanto, é equivocada a ideia de que o diagnóstico da deficiência intelectual depende
apenas desses níveis pré-estabelecidos sem que seja levado em consideração aspectos como a
arbitrariedade e a origem social do sujeito, a fim de contribuir para um diagnóstico de caráter
biopsicossocial. Isso porque o desempenho da pessoa durante a realização desses testes é
atravessado desde dimensões bastante complexas como pelas especificidades dessa origem e
contexto até por fatos mais simples como os estado emocional ou físico do sujeito avaliado.

1397
Assim, apesar do QI representar um foco de direcionamento para profissionais, é necessário
que estes não deem uma menor importância aos processos intra e interindividuais envolvidos
(Baumeister, 1968, 1987 cit. Por Albuquerque, 1996).
Dessa forma, é imprescindível ter muito cuidado para não anular a subjetividade do
sujeito que estar sob um processo avaliativo, visto que todo processo desse cunho deve
considerada, e perceber ainda que esta interioridade desse indivíduo estar integrada e pautada
na subjetividade social dos entornos dos quais faz parte, como a escola, família e comunidade
(Anache, 2018).
Marcelli (2009), ressalta que a base familiar molda as relações entre os indivíduos, é
através dela que surgem os primeiros laços sociais, sendo o espaço capacitado a fornecer um
ambiente estimulante para o crescimento e desenvolvimento. Visto que cada grupo familiar se
esculpe de modo único, com características distintas, o processo de enfrentamento perante o
nascimento de uma criança com DI se dá de maneira particular.
Segundo Mittler (2003), o impacto emocional nos familiares, em especial nos pais pode
provocar uma perturbação no arranjo familiar, devido as fantasias idealizadas em relação ao
nascimento do filho. Visto que ocorre o luto do filho almejado, pretendido, torna-se necessário
o auxílio psicológico na busca da reestruturação familiar e aceitação do filho real.
Tendo em vista, a suma importância do âmbito familiar no processo de desenvolvimento
de uma criança, este estudo pretende realizar uma revisão bibliográfica visando compreender
quais desdobramentos podem ocorrer nas famílias, cujo o filho é diagnosticado com deficiência
intelectual.

Método
Trata-se de um estudo de revisão descritivo, com abordagem quanti-qualitativa,
utilizando como tática de ação a pesquisa bibliográfica, que busca como finalidade a elucidação
de uma problemática/ hipótese através de referenciais teóricos publicados, investigando e
debatendo as várias colaborações científicas (Boccato, 2006, p. 266).
O estudo foi direcionado pela seguinte pergunta norteadora: Qual o padrão da produção
científica nacional acerca dos aspectos familiares envolvidos no desenvolvimento de crianças
diagnosticadas com Deficiência Intelectual? A coleta de dados foi realizada nas plataformas de
pesquisa: Pepsic, SciELO, Google Acadêmico e Periódico Capes, no ano de 2019. Os
descritores utilizados para tal pesquisa como critério de busca nos títulos foram: deficiência
intelectual, infância, família e desenvolvimento. O procedimento rendeu a organização de um
suporte de dados com 32 documentos, contendo como primeiro critério de inclusão, apenas
textos datados de 2014 a 2019, ou seja 5 anos, cujo idioma fosse o português.
Após a busca, foi realizada a primeira filtragem de seleção dos textos, onde aqueles que
não se encaixaram na modalidade de artigos científicos foram excluídos, em seguida, foram
analisados e selecionados os textos que se ajustavam à pesquisa pela leitura prévia dos resumos.
Ao final dessa sequência, os artigos, avaliados na íntegra, conceberam o corpus do estudo.

Resultados e Discussão
A amostra final utilizada foi constituída por artigos em conformidade com os critérios

1398
de inclusão e exclusão definidos, resultando em 4 artigos que atenderam aos critérios de
seleção. Os referidos artigos abordavam as principais dificuldades vivenciadas pelos
genitores/cuidadores, além da busca por estratégias de enfrentamento e as possíveis
intervenções com as famílias com filhos diagnosticados com DI.
No que se refere às datas de publicação, apurou-se de maneira geral que não ocorreu
concentração em anos específicos, os artigos se apresentam divididos de forma irregular durante
o período de 2015 a 2017, com regularidade de dois artigos no ano de 2016, e um artigo tanto
em 2015 quanto em 2017. Dessa forma, não foram encontradas publicações dos anos de 2018
e 2019. Os textos base foram publicados em três revistas diferentes, com temáticas
multidisciplinares. As informações obtidas nesta pesquisa foram observadas em seu conjunto,
descritas e discutidas de forma a criar reflexões e considerações quanto ao objetivo da pesquisa.

Tabela 1. Distribuição dos temas.

Título dos artigos Autores/ Ano Região Revista Tema Central

Autoras

Experiências vividas por Mércia 2016 Feira de Ciência & Estudo com o objetivo de
mães de crianças com DI Mascarenhas Santana Saúde descrever as experiências
nos itinerários Fernandes Coletiva vividas por mães de
terapêuticos Cerqueira, BA crianças acompanhadas em
uma instituição
Rafanielly de especializada de Feira de
Oliveira Alves Santana (BA) nos seus
& itinerários terapêuticos.
Maria Geralda
Gomes Aguiar

Intervenção com famílias Mayse Itagiba 2017 Fortaleza Revista de Levantamento


de pessoas com Rook, Psicologia bibliográfico das
deficiência intelectual: CE publicações referentes a
análise da produção Bruna Rocha de intervenções com famílias
científica. Almeida & de pessoas com DI no
Cristina âmbito da América Latina,
Fuentes Mejía Espanha e Portugal.

Ajustamento Conjugal: Nara Liana 2015 São Psico-USF Compara o ajustamento


Comparação entre Casais Pereira-Silva, Paulo didático entre casais com
com e sem Filhos com um filho com deficiência
Deficiência Maria SP intelectual e casais com
Auxiliadora filhos com
Intelectual Dessen & desenvolvimento típico,
Altemir José identificando as
Gonçalves associações dessa variável
Barbosa com características do
funcionamento do sistema
familiar.
Estratégias de Manoel 2016 Ribeirão Ciência & O estudo tem com objetivo

1399
enfrentamento adotadas Antônio dos Preto Saúde de investigar as estratégias
por pais de crianças com Santos & Coletiva de enfrentamento adotadas
deficiência intelectual SP por pais de crianças com
Maria Laura de deficiência intelectual (DI).
Paula Lopes
Pereira-Martins

Fonte: Elaboração dos autores.

Os quatro artigos destacados, abordam as principais dificuldades vivenciadas pelos


genitores/cuidadores, além da busca por estratégias de enfrentamento e as possíveis
intervenções com as famílias com filhos diagnosticados com DI.
Foi percebido que cada família vai reagir de forma particular ao receber a notícia que
seu filho tem DI. Vivenciam situações difíceis, desde a descoberta do diagnóstico até as relações
estabelecidas com a sociedade. Essas dificuldades estão permeados por dúvidas, incertezas,
inseguranças e angústias, em razão das especificidades da deficiência e suas consequências.
Neste sentido, destaca-se a importância de um plano de intervenção multiprofissional com as
famílias, para prevenir futuros problemas, remediar os existentes e promover o
desenvolvimento adequado da criança e da sua família a nível físico e mental (Rooke, Almeida
& Mejía, 2017).
A partir do estudo realizado por Cerqueira, Alves e Aguiar (2016) é imprescindível que
a promoção de uma boa assistência tanto para a criança quanto para a família seja vista como
pauta e responsabilidade dos serviços de saúde, formado por uma equipe profissional capacitada
a elucidar e fornecer orientações a respeito dos cuidados necessários nesse primeiro momento.
Entretanto, foi observado que essa rede profissional oferece pouca informação acerca de suas
dúvidas. E tais informações são necessárias para que a família, possuam uma maior clareza na
procura por um tratamento especializado.
Percebeu-se, que a maioria das intervenções são focadas em uma espécie de
“orientação” (por exemplo, palestras) e “grupo de apoio” (exposição e discussão dos
sentimentos, emoções e crenças dos participantes do grupo), baseados respectivamente no
modelo educativo (ensino de comportamentos e habilidades educativas parentais; têm um
caráter preventivo) e comunitário de intervenções. Na maioria das vezes direcionada apenas
para os genitores/cuidadores, especialmente de crianças, deixando de lado os outros membros
da família. Assim, aponta-se para a relevância de considerar o modelo comunitário de
intervenção um dos mais eficaz, pois, busca evidenciar a importância e a eficácia da rede de
apoio social (vizinhos, amigos, escolas, etc.) como estratégia de intervenção, a fim de
reconhecer as potencialidades e capacidades da família, em relação ao seu contexto social
(Rooke, Almeida & Mejía, 2017).
As intervenções devem considerar o convívio familiar e social desta família, desde o
momento do diagnóstico, o encaminhamento, a diferentes terapias e tratamentos, como também
a entrada do filho com DI na escola. De acordo com as pesquisas, a maioria dos temas abordados
nas intervenções, referem-se: promoção de funcionamento familiar saudável; estratégias
educativas; educação sexual; e promoção de desempenho funcional da criança com DI. Tais
intervenções precisam se adequarem às necessidades dessas famílias. Tendo como objetivo
promover habilidades e competências que auxiliem os indivíduos a lidarem de forma mais
adaptativas com os desafios inerentes a todas as etapas de desenvolvimento humano (Rooke,
Almeida & Mejía, 2017).
Conforme Santos e Martins (2016), ao longo da vida da criança com DI, os cuidadores

1400
se veem cercados de eventos estressores que necessitam da criação de meios de enfrentamento
focados no problema, a fim de diminuir os efeitos do estresse sobre sua estabilidade física e
psíquica. O cotidiano das famílias de crianças com DI é influenciado por uma maior precaução
ligada ao cuidado que as mesmas exigem, especialmente na fase de desenvolvimento. E, como
consequência, a maioria das mães não conseguem mais conciliar a nova rotina de cuidados com
o filho e o emprego, optando pela demissão a fim de destinar todo o seu tempo à criança
(Cerqueira, Alves & Aguiar 2016).
De acordo com o estudo realizado por Santos e Martins (2016), a procura por
informações, o aprendizado de novas competências, o controle de ações e decisões dos
profissionais de saúde, a verificação de novos recursos terapêuticos da medicina e a busca por
uma segunda opinião aparecem como principais estratégias de enfrentamento para lidar melhor
com o diagnóstico de DI com o filho. Além de manter a positividade e esperança, a família
busca por apoio social. E muitas se apegam à fé e à religiosidade.
É importante perceber que a relação equilibrada, o compartilhamento de
responsabilidades entre o pai e a mãe, favorece no processo de desenvolvimento biopsicossocial
da criança com DI, pois, entende-se que os genitores são os principais responsáveis pelo
direcionamento do funcionamento familiar. Neste sentido, Pereira-Silva, Dessen e Barbosa
(2015) em suas pesquisas observaram que, nas famílias com filho com DI, quando comparadas
com as famílias de crianças com o desenvolvimento típico, uma elevada porcentagem de “díade
desajustada”, ou seja, um desequilíbrio no relacionamento familiar, especificamente do casal,
como também, em relação a divisão de responsabilidades e atividades com o filho, pois
geralmente, mães de filhos com DI, assumem sozinhas a maior parte das responsabilidades.
Além disso, as pesquisas apontam, que essas mães recebem menos demonstração de afeto dos
seus parceiros, percebeu-se a existência em alguns dos casos correlacionado com a renda
familiar, ou seja, quanto menor a renda, menor a expressão de afeto nos casais com filho com
DI. Assim, o apoio do parceiro no processo de cuidar e dividir responsabilidades com o filho
com DI é importante para uma boa relação conjugal. Entretanto, é preciso deixar claro, que a
deficiência intelectual não é um fator determinante para o desajustamento ou obstáculo para
ajustamento do casal (Pereira-Silva, Dessen & Barbosa, 2015).
Vários estudos destacam as redes sociais de apoio aos familiares como importantes e
significativas para uma boa dinâmica do casal. Tais redes de apoio, como os familiares,
instituições, profissionais e amigos podem contribuir para o bem-estar da família cujos filhos
têm DI. Resumindo, a pesquisa apontou que os casais com filho com DI tinham menor renda
familiar, maior número de filhos e tendiam a perceber seus relacionamentos como menos
ajustados, além de, receberem menos apoio social, seja de não familiares, como também de
instituições, do que as famílias com filhos com o desenvolvimento típico (Pereira-Silva, Dessen
& Barbosa, 2015).
A partir dos achados, nota-se um crescente número de pesquisas sobre a realidade de
crianças diagnosticadas com DI, em relação ao panorama familiar, o processo de inclusão na
escola e sociedade. Mas, a partir do panorama social vivenciado a atualidade, percebe-se que
apesar do crescimento de discussões e estudos voltados para a DI, ainda assim está longe de ser
alcançado o ideal esperado, ou seja, um efetivo preparo e suporte para as famílias, leis e direitos
que garantam que sejam concretizadas as políticas públicas de inclusão escolar e social.
O diagnóstico é a primeira problemática a surgir na vida dessas famílias, pois, muitas
delas, estão na espera de um bebê que apresente um desenvolvimento típico, com isso, vem o
sentimento de angústia e frustração. Esse fator, pode ser amenizado no momento em que os
profissionais dão a notícia para a família, no entanto, percebe-se, em alguns casos, uma falta de

1401
despreparo desses profissionais ao darem os diagnósticos, não dando nenhuma assistência ou
suporte a família.
Apesar, de políticas de inclusão e de redes de apoio serem ditas na teoria como
essenciais na vida da criança com DI e de sua família, observa-se uma defasagem e
desigualdade na oferta desses direitos, em muitos casos, limitando apenas para aquelas famílias
que possuem um nível socioeconômico elevado. Neste sentido, pode-se refletir o quanto a
sociedade é perversa, estabelece normas de condutas, de organização e de padronização, o que
contribui para o processo de exclusão desta criança e sofrimento de sua família.
A busca destas famílias por estratégias de enfrentamento e redes de apoio social são
formas de tentar suavizar as dificuldades e angústias vivenciadas. Muitas das intervenções por
profissionais da saúde pública são restritas a encontros curtos e pontuais, o que desfavorece
ainda mais as famílias de nível socioeconômico baixo. Geralmente, esses estresses estão
ligados ao processo de educativo dessa criança com DI, e a sobrecarga do cuidador, que em
algumas famílias, o parceiro negligência sua participação nas responsabilidades e expressão de
afeto para com o companheiro e a própria criança, gerando, em alguns dos casos, depressão e
culpabilidade desses cuidadores. No entanto, observa-se que quando há uma rede diversificada
de apoio social as dificuldades se tornam menores. Assim, a escola é um dos principais suportes
social para a criança e a família, ou seja, um grande aliado no processo de adaptação da criança
ao meio, neste sentido, a adaptação do meio as dificuldades da criança influenciam e refletem
no seu desenvolvimento de forma positiva (Dumas, 2011).

Considerações Finais
A partir do exposto, percebe-se a indiscutível importância que a família tem na questão
da deficiência intelectual. Infere-se que assim como o sujeito diagnosticado com DI, a família
dele também necessita das redes de apoio. Dessa forma, o cuidado e acolhimento deve ser feito
de uma forma que abarque toda a família.
Além disso reitera-se a importância da criação de espaços para discussões sobre a
deficiência intelectual nos diversos contextos sociais que possibilitem que o surgimento de
reflexões que culminem na constante reavaliação do posicionamento social diante do
fenômeno, das diferenças e diante das pessoas. Essas práticas são necessárias para que se resista
e reverta a lógica dos processos de normatização de comportamentos e da diversidade de formas
de existência.
Para além desses aspectos, é válido pontuar a relevância de estudos e discussão sobre as
diversas realidades sociais, culturais e históricas dos indivíduos que convivem e se relacionam
com a DI, no contexto acadêmico nacional. Para que haja a melhor disseminação do
conhecimento e formação de profissionais com o olhar mais humanizado.
Referências

1402
Aluquerque, M. C. (1996). A criança com deficiência mental ligeira. SNR, nº 17.
American Psychiatric Association (2014). Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios
Mentais DSM-5. Porto Alegre: Artmed.
Anache, A. A. (2018). Avaliação Psicológica na Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 38, 60-73. https://doc.org/10.1590/1982-
3703000208800
Belo, C., Caridade H., Cabral, L. & Sousa, R. (2008). Deficiência Intelectual: terminologia e
conceptualização. Revista Diversidades, nº 22 (Out.-Dez.), pp. 4-9.
Boccato, V. R. C. (2006) Metodologia da pesquisa bibliográfica na área odontológica e o artigo
científico como forma de comunicação. Rev. Odontol. Univ. São Paulo, v. 18, n. 3, p. 265-
274.
Cerqueira, M. M. F., Alves, R. de O. & Aguiar, M. G. G. (2016). Experiências vividas por mães
de crianças com deficiência intelectual nos itinerários terapêuticos. Ciência & Saúde
Coletiva, 21(10), (pp. 3223-3232). https://dx.doi.org/10.1590/1413-
812320152110.17242016.
Dalgalarrondo, P. (2008). Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2ª ed.Porto
Alegre: Artmed.
Dumas, J. E. (2011). Psicopatologia da infância de da adolescência. 3ª ed. Porto Alegre:
Artmed.
Fédida, P. (1998). De uma psicopatologia geral a uma psicopatologia fundamental. Nota sobre
a noção de paradigma. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 1 (3),
107-121. https://dx.doi.org/10.1590/1415-47141998003006.
Marcelli, D. (2009) Infância e psicopatologia. Porto Alegre: Artmed.
Mittler, P. (2003) Educação Inclusiva: Contextos Sociais. Porto Alegre: Artmed.
Pereira-Silva, N. L., Dessen, M. A. & Barbosa, A. J. G. (2015). Ajustamento conjugal:
comparação entre casais com e sem filhos com deficiência intelectual. Psico-USF, 20(2),
297-308.
Rooke, M. I., Almeida, B. R. & Mejía, C. F. (2017). Intervenção com famílias de pessoas com
deficiência intelectual: análise da produção científica. Revista de Psicologia, 8(2), 92-100.
Santos, M. A. & Pereira-Martins, M. L. P. L. (2016). Estratégias de enfrentamento adotadas
por pais de crianças com deficiência intelectual. Ciência & Saúde Coletiva, 21(10), 3233-
3244. https://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152110.14462016.
Störring, G. (2016). Palestras sobre uma psicopatologia e sua importância para uma
psicologia normal. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 19 (2),
311-321. https://dx.doi.org/10.1590/1415-4714.2016v19n2p311.9
ATITUDES DE BULLYING NA ADOLESCÊNCIA: ASPECTOS SOCIAIS E

1403
PSICOLÓGICOS
Francisca Nayane de Sousa Santos
Ana Virgínia Maria da Silva
Lia Almeida Mapurunga
Débora Magalhães Araújo
Rafaela Brenda Araújo da Silva
Ingrid Vale Ataide
Introdução
A violência é um fenômeno que pode ser manifesto de diferentes formas na sociedade,
independente de classe, raça, etnia, orientação religiosa, etc, cabendo considerar o bullying
como uma das suas vias de expressão, o qual pode ser apresentar de diferentes maneiras e
contextos, pois é uma prática considerada comum entre as instituições de ensino e integração
social as quais, naturalmente há predomínio de crianças e adolescentes convivendo e
relacionando-se.
Os estudos a respeito do bullying frequentemente o coloca como um problema típico à
escola, contudo devido sua grande ocorrência é importante que ao abordá-lo, a postura assumida
seja frente a um problema social e não estratégias de enfrentamento individualizadas ou que
sejam consideradas problemáticas relativas ao processo educacional e/ou maturacional.
Também não podemos reduzi-lo simplesmente a um reflexo de uma sociedade que promove
violência - mesmo que ao fazê-lo, a perspectiva social sobre ele se mantenha - não é o bastante
para englobar todo o complexo fenômeno social que é o bullying.
Sendo assim, o bullying é um fenômeno que envolve aspectos como intimidação,
violência, abuso e provocação/vitimização. No âmbito escolar, geralmente refere-se a uma ação
em que um aluno ou um grupo de alunos adotam uma postura desagradável em relação a outro
e estas intimidações podem ocorrer em nível físico ou verbal, como também a agressão indireta.
Com o objetivo de ferir e magoar a vítima. A agressão física envolve ações individuais ou em
grupo contra uma única pessoa, através de agressões com tapas, empurrões, estragos de objetos
e a submissão do outro a atividades servis. Já na agressão verbal envolve ações de insultos em
público, incluindo xingamentos, ameaças, comentários ofensivos ou humilhantes. E a agressão
indireta se dá pelo isolamento e exclusão social dentro do grupo de convivência, dificultando
as relações sociais da vítima (Carvalhosa, Lima & Matos, 2001; Zequinão et al., 2016).
Partindo da certeza de que o ambiente escolar é obviamente um reflexo da sociedade
como um todo, as classificações hierarquias que existem na escola se espelham em padrões
estabelecidos pela massa como ideais ou corretas e resultam em práticas discriminatórias que
podem refletir em vários formas de manifestação de violência, como o abordado nesse trabalho:
o bullying.
As causas e o porquê da predominância de atitudes violentas, mesmo que seja percebido
no contexto geral como algo danoso, tanto nos âmbitos social, jurídico, hospitalar, institucional,
familiar, etc, se refletem de modo direto e indireto. Salgado (2010) enfatiza o aspecto
agregacional do bullying, uma vez que os envolvidos neste processo não necessariamente
assumem papéis de inimigos, sendo que não raramente eles são levados a adotar condutas que
seguem a massa. Ou seja, pode ser usado como um “elemento” que permita que esses sujeitos
se ajustem a determinado grupo. Para alguns o bullying também é encarado como brincadeira,

1404
mesmo entre os envolvidos diretamente. Porém é necessário que se ressalte que essa diferença
entre brincadeira e violência pode não ser tão bem estabelecida e posicionamentos como este
podem endossar comportamentos agressivos que se dão não só a nível físico, mas também
psicológicos.
A violência aqui tratada também pode refletir outras problemáticas que a ela se
relacionam como exemplo, o preconceito sutil que aparece reiteradamente em sua prática por
meio de piadas em relação a negros, deficientes, estrangeiros, entre outros grupos socialmente
marginalizados (Crochík, 2012). Esses meios de formação da atitude podem claramente ser
percebidos na prática do bullying quando se atenta, por exemplo, para pesquisas de Antunes e
Zuin (2008) que apontam que os provocadores não raramente vêm de contextos familiares onde
violência, práticas de intimidação são realidades deste meio; com isto por exemplo é possível
notar a coexistência de todos esses meios anteriormente mencionados originando a atitude.
Além do que não se pode deixar de destacar a significância da família como agente primordial
no processo de socialização. Além dessas questões, a Constituição Federal assegura que é o
dever do Estado, sociedade e família zelar pelo bem estar e garantir o cuidados da criança e do
adolescente. (Brandão & Matiazi, 2017).
A partir das demandas sociais levantadas e apontamentos realizados pela literatura
científica, o presente trabalho busca utilizar as definições e análise dos tipos de bullying, e
apresentar sua relação e características no contexto social, elencando causas, consequências e
as formas de prevenir, de acordo com as referências indicadas. Em sua relevância, o
apontamento dessas relações contribui para uma visão geral das atitudes de bullying e a
reflexões que surgem em um contexto que demanda uma atividade profissional como a
Psicologia, pois é essencial abordar a importância da atenção, suporte da família e intervenção
de profissionais, a fim de amenizar casos de bullying que poderão influenciar negativamente na
vida de um indivíduo. Nesta perspectiva, os três tópicos a seguir possuem relevante importância
para uma visão geral das atitudes de bullying na adolescência, como os sujeitos envolvidos, os
fatores de risco e prejuízos e as possibilidades de prevenção na atuação profissional.

Desenvolvimento
Envolvidos no Bullying – o alvo, os autores e as testemunhas.
O bullying se caracteriza como um dos tipos de violência presentes na relação entre
sujeitos, em especial crianças e adolescentes, sendo uma prática constante nas escolas e demais
instituições de ensino e integração social. Esses comportamentos são considerados espelhos do
convívio extraescolar, ou seja, são crenças, estereótipos e atitudes construídos na sua
comunidade (família, igreja, etc.), e que são refletidos na escola, através da violência, seja
verbal e não verbal, para com as pessoas estereotipadas no ambiente escolar (Silva & Borges,
2018). A criança e adolescente já possuem a cognição social, ou seja, já são capazes de formar
inferências com base nas informações sociais fornecidas pelo ambiente. Através do contato com
o ambiente, passam a perceber as pessoas e as diferenças existentes entre os grupos, coletam
informações e fazem julgamentos (Rodrigues, Assmar & Jablonski, 2009).
Os envolvidos com o bullying podem ser considerados como vítimas, agressores ou
testemunhas/espectadores a partir de sua atitude diante de casos que ocorram bullying (Lemos,
2007). Considera-se alvo a pessoa que sofre frequentemente ações negativas realizadas
diretamente por uma pessoa ou grupo de forma intencional e repetida, causando-lhes danos,
ferindo-os ou incomodando-os. Em geral, as vítimas não dispõe de recursos, status ou
habilidade para reagir ou cessar o bullying. Elas apresentam características que podem torná-

1405
los mais propensos às ações dos autores do bullying, geralmente são pessoas tímidas, pouco
sociáveis, apresentam baixa autoestima, muitas apresentam baixo rendimento escolar, resistem
ao fato de terem que frequentar a escola ou pedem frequentemente para mudar de instituição
(Zequinão et al., 2016).
No entanto, não há um requisito preestabelecido para as vítimas desse tipo de violência,
todos estão sujeitos, bastando demonstrar dificuldades ou possuir alguma característica
diferente dos demais. Assim, é importante evidenciar que ninguém pode se sentir culpado por
ser vítima de bullying, tendo em vista que todo indivíduo possui peculiaridades e devem ser
respeitadas (Zequinão et al., 2016; Silva & Borges, 2018)
O autor do bullying é, geralmente, popular, agressivo, impulsivo, mais forte que seu alvo
e sente prazer em dominar e causar sofrimento em sua vítima. Em muitos casos tem problemas
com a escola e família e apresentam uma tendência maior a envolver-se em comportamentos
relacionados a consumo de drogas. Estas podem ser podem apresentar dificuldades em
administrar os impulsos e prazer em de certa forma, controlar as vítimas por meio das agressões
(Martins & Almario, 2012; Rech et al., 2013).
Têm-se também os adolescentes que tanto são vítimas como autores do bullying, os
alvos-autores se sentem justificados a manter suas ações, sempre partindo da perspectiva de que
também são atingidos, muitas vezes não realizando uma auto reflexão e não se implicando no
processo de mudança de comportamento (Tognetta & Vinha, 2010). Para Costa (2019), os
alvos-autores caracterizam-se como aqueles que agridem, mas também sofrem agressões e
possui um número maior de problemas, como distúrbios de conduta, de relacionamento com
seus colegas, sintomas psicológicos e psicossomáticos simultaneamente, alterações
psiquiátricas, maiores possibilidades de envolvimento persistente em situações de bullying,
porte de armas e maior risco de desenvolverem ideias suicidas. Este grupo é considerado o
grupo de maior risco em relação aos demais, dessa forma, necessitando de maior atenção.
Também podemos destacar uma forma de participação não diretiva, mas que pode estar
relacionada com comportamentos equivalentes aos de uma plateia, que é o caso das
testemunhas. Estas, muitas vezes, se sentem intimidadas pelas atitudes do autor e com receio
de se tornarem alvo se mantém omissas as circunstâncias. Deve-se destacar a influência positiva
que um grupo de testemunhas com um comportamento defensor, pode ocasionar, já que o autor
não estará com o apoio e incentivos que lhe reafirmam como dominador, “o forte”. A
compreensão de que todos são responsáveis pelo cuidado consigo e com o outro e a
desnaturalização dos contextos de bullying, podem ser relacionadas com as formas de
prevenção e conscientização sobre os prejuízos e riscos consequentes a essas relações (Lopes,
2005).

Fatores de risco e prejuízo aos envolvidos


Os fatores de risco e prejuízos relacionados às atitudes de bullying refletem
consequências negativas a todos os envolvidos, nos aspectos físico, psicológico, social e
educacional. A frequência e a duração do bullying são correlacionadas com o agravamento dos
prejuízos e sua forma de manifestação, vai depender da subjetividade de cada um. A exposição
ao bullying agrava problemas relacionados com a saúde e as relações sociais dos indivíduos.
Quando mal resolvido, os problemas decorrentes do bullying podem deixar marcas para o resto
da vida, tanto nos autores-agressores como naqueles que são vítimas. (Lemos et al, 2018).
Geralmente, a autoestima de quem é vítima de bullying, pode estar tão comprometida

1406
que acaba acreditando ser merecedor dos maus-tratos sofridos. Podendo gerar sintomas de
ansiedade, medo, tensão, entre outras consequências para a vida funcional, social e afetiva. As
vítimas que são constantemente abusadas caracterizam-se por um comportamento social
inibido, passivo ou submisso. Estes adolescentes costumam sentir vulnerabilidade, medo ou
vergonha intensos, aumentando a probabilidade de vitimização continuada. Além desses
fatores, podem se apresentarem como efeitos negativos queixas psicossomáticas (por exemplo,
dores de cabeça e dores abdominais), juntamente com níveis mais baixos de realização
acadêmica, que em casos mais extremos poderá acontecer até evasão escolar, além disso, afeta
seu funcionamento social. (Fante, 2005; Middelton-Moz & Zawadski, 2007; Vieira, 2014).
Destaca-se outros prejuízos, além dos já citados sintomas psicossomáticos, pesquisas
apontam como efeitos psicológicos, a possiblidade de desenvolver o transtorno do pânico; a
fobia escolar; uma fobia social; um transtorno de ansiedade generalizada; transtorno de estresse
pós-traumático (TEPT); depressão; anorexia e bulimia; transtorno obsessivo compulsivo. Como
também a esquizofrenia; suicídio e homicídio, mas considerados com menos frequência. Vale
destacar que esses transtornos podem serem deflagrados a partir da relação de fatores genéticos,
ambientais aliados às pressões psicológicas e às pressões de estresse prolongado (Brandão &
Matiazi, 2017).
É possível identificar alguns fatores de risco que podem estar associados à ocorrência
do bullying, como fatores da personalidade, autoestima, dificuldades nas relações sociais, ser
vitimizado na escola ou fora dela, violência na comunidade, desajustes familiares, práticas
educativas parentais, alienação escolar, violência na mídia e percepção do problema. Há ainda,
de acordo com pesquisas, uma possível associação entre a vitimização na escola e variáveis
sociodemográficas, com piores condições socioeconômicas. Contribuem ainda ambiente
familiar desfavorável, como agressão familiar, sem diálogos, sofrimento mental, e escolares
com uso regular do tabaco. Estes dados podem apoiar políticas públicas de proteção. O que
demanda uma atuação integrada de educadores, profissionais de saúde, pais e a comunidade em
geral. (Cantini, 2004; Malta et al., 2019).
As experiências em relação ao bullying se dão de forma diferentes. Para algumas das
vítimas pode ser uma experiência bem menos traumática, para outros ele pode carregar isso
durante toda sua vida, ou seja, deixam estigmas e marcas para o resto da vida. Já para os
agressores muitos podem adotar a violência para seu estilo de vida, chegando até mesmo à
marginalização. Tem também outros envolvidos, os espectadores que podem sofrer
consequências mais tarde, algumas podem ser vistas como pessoas inseguras, baixa autoestima
pela angústia de não ter ajudado, ou seja, acabam não superando os temores de envolvimento
(Melo, 2010, p. 42).
Atos agressivos derivam de influências sociais e afetivas, construídas historicamente e
justificadas por questões familiares e/ou comunitárias. Em alguns casos, os agressores tendem
a vir de famílias que os agridem, assim, em alguns casos podem reproduzir essas agressões no
contexto escolar e social onde estão inseridos. Pode-se pensar em uma possível relação entre a
violência doméstica tanto a violência entre os pais quanto a violência voltada para os filhos
(Antunes & Zuin, 2008; Brandão & Matiazi, 2017; Fante, 2005; Voors, 2006; Pinheiro &
Willians, 2009)

Medidas Preventivas
A partir do cenário atual de prevenção contra o bullying é notório que esse é um quadro

1407
problema que envolve a sociedade em geral, mas que está ligado intrinsecamente ao ambiente
escolar, desta forma, segundo Oliveira e Ardig (2011), torna-se de extrema importância que
haja a participação de pais, alunos e professores nesse contexto, pois a inserção de normas,
diretrizes e ações coerentes dependerá da forma como se estabelece o relacionamento dessas
figuras em conjunto.
Ao voltar-se para o ambiente escolar, compreende-se que a escola como lugar de
transformação intelectual, pessoal e profissional, deve além de ensinar o conteúdo
programático, proporcionar um ambiente propício para que se desenvolvam práticas cidadãs,
justas e eficazes.
Beaudoin e Taylor (2006), afirmam que os educadores estão munidos de um instrumento
poderoso para enfrentar o bullying: a exteriorização. Exteriorizar é definir o problema como
algo diferente da identidade da pessoa. No caso do bullying, seria demonstrar que os problemas
não são indícios da personalidade dos alunos, que passam a odiar o problema, ao invés de odiar
o outro. A opção pela exteriorização pode levar o professor a obter resultados significativos
tanto para o agressor, quanto para a vítima.
Para que haja a solução de forma efetiva e a promoção de um ambiente escolar seguro
e sadio, no quais elementos como amizade, solidariedade e respeito às características
individuais de cada um de seus alunos seja recorrente. De acordo com Oliveira e Ardig (2011),
faz-se necessário que a escola combata esse conflito fazendo o uso das ferramentas exteriores
ao ambiente escolar, assim, o trabalho em equipe com as instituições envolvidas, como os
centros de saúde, conselhos tutelares, redes de apoio social e a família serão de grande ajuda
para a formação das crianças e adolescentes.
A família se configura como provedora de grande influência transformadora na vida de
crianças e adolescentes, por esse motivo, torna-se indispensável que os pais participem
ativamente de suas atividades cotidianas, lhes educando pela e para a afetividade.
Conforme Borges Sousa, Miguel e Lima (2010), adolescentes e crianças:

[...] neurológica e psicologicamente, tem necessidade primordial de segurança


afetiva para realizar a expressão de seu movimento rítmico. É a partir deste
movimento que aprendem a pensar e, com isso, a expressar sua percepção
vivencial. As situações de violência produzem desorganização emocional e afetiva
e desembocam tanto no social, quanto no existencial, portanto, afetam a condição
humana no processo educativo.

Diante do exposto acima, conclui-se que o ambiente familiar e escolar possui grande
potencial como mediador e interventor, pois por mais que medidas repressivas quando aplicadas
sejam eficazes no combate ao bullying, não são suficientes e nem formadoras de seres humanos
empáticos, pois vale ressaltar que, é mais construtivo para a formação individual de cada um,
ter consciência de não praticar tal ato porque irá machucar o próximo, ao invés de evitar fazer
publicamente pelo fato de saber que será repreendido.

Conclusões
As atitudes de bullying são um fenômeno que está presente em toda vida social e

1408
compreendê-la significa conhecer suas características históricas e analisá-la em todos os
contextos nas quais ela está inserida, considerando sua relevância social, moral, psicológica e
institucional em geral.
Essas atitudes, que são formadas por componentes afetivos, cognitivos e
comportamentais, estão diretamente relacionadas às influências e incentivos característicos do
endogrupo, gerando preconceitos, discriminação e consequentemente a violência com o grupo
que representam as minorias e/ou saem dos padrões impostos na sociedade.
Compreende-se que o bullying não está limitado ao ambiente da escola, pois como foi
visto, é resultado das atitudes de preconceitos e discriminação considerados presentes na
sociedade, sendo perpetuados em determinados grupos e também, sofre influências como a
mídia, que de forma banal expõe a violência a todos os grupos e classes sociais, de forma
naturalizada e irresponsável. Mas deve-se considerar que a escola é um meio de fundamental
influência, já que é o local onde as crianças e adolescentes vivenciam as relações, as interações
de grupo, comparam e confrontam com o que aprendem em suas famílias e outros grupos de
referência, como a igreja, por exemplo.
É preciso repensar e as ações educacionais e também refletir sobre as atitudes dos
profissionais que perpassam essas situações, buscando promover o cuidado e incentivar as
experiências positivas para que os componentes que constituem as atitudes possam mudar e
resultar em um ambiente e um convívio social onde o respeito e a cultura de paz prevalecem.

Referências

Aroldo, R, Eveline, M. L. A & Bernardo Jablonski (2009). Psicologia Social. 27. ed. revista e
ampliada. Petrópolis, RJ : Vozes.
Antunes, D. C. & Zuin, A. A. S. (2008). Do Bullying ao Preconceito: Os Desafios da Barbárie
à Educação. Revista Psicologia & Sociedade, v.20, pp.16-32.
Antunes, Deborah C. & Zuin, Antonio A. S. (2008). Do bullying ao preconceito: os desafios da
barbárie à educação. Psicologia & Sociedade, 20(1), pp. 16-32.
Beaudoin, M. N. & Taylor, M. (2006). Bullying e desrespeito: como acabar com essa cultura
na escola. (S. R. Netz, Trad.). Porto Alegre: Artmed, 2006.
Borges de Sousa, A. M., Miguel, D. S. & Lima, P. M. (2010). Módulo 1: Gestão do cuidado e
educação biocêntrica. UFSC – CED – NUVIC. Florianópolis.
Brandão, E. C. & Matiazi, L. D. (2017). Bullying: violência socioeducacional–desafio
permanente. Pedagogia em Ação, 9(1), 17-33.
Cantini, N. (2004). Problematizando o bullying para a realidade brasileira. Tese de Doutorado,
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, São Paulo.
Carvalho, A. (2014). Problema de comportamento segundo vítimas de bullying e seus
professores. Estud. pesqui. Psicol, 14 (3).
Carvalhosa, S. F., Lima, L. & Matos, M. G. (2001). Bullying – A provocação/vitimação entre
pares no contexto escolar português. Análise Psicológica, 4 (XIX), pp. 523-537.
Costa, R. F. D. A. (2019). Características dos agressores de bullying de uma escola pública de

1409
uma região administrativa de Brasília- DF (Trabalho de conclusão de curso). Faculdade de
Ciências da Educação e Saúde, Centro Universitário de Brasília, Brasília, Brasil.
Crochik, J. L. (2012). Fatores psicológicos e sociais associados ao bullying. Rev.
psicol. polít.vol.12, n.24, pp. 211-229.
Fante, C. (2005). Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a
paz. Campinas: Verus.
Lemos, A., Collen, N. L., Sinis, N. E., Teixeira, M., Carvalho, J. V. A. C., Moraes Antunes, R.
M. & Mendes, A. A. (2018). A lei do bullying: instruindo jovens e adolescentes no combate
ao bullying nas escolas. Anais do Seminário Científico do UNIFACIG, (4).
Lemos, A. C. M. (2007). Uma visão psicopedagógica do bullying escolar. Rev. Psicopedagogia,
24 (73), pp. 68-75.
Lopes Neto, A. A. (2005). Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de
Pediatria, v.81, n.5, pp. 164 -172.
Lopes Neto, A. A. (2007). Bullying. Adolescência & Saúde, v. 4, n.3, pp 51-56.
Malta, D. C., Mello, F. C. M., Prado, R. R., Sá, A. C. M. G. N,, Marinho, F., Pinto, I. V., Silva,
M. M. A. & Silva, M. A. I. (2019). Prevalência de bullying e fatores associados em
escolares brasileiros, 2015. Ciência & Saúde Coletiva, 24 (4), p. 1359-68.
Martins, N. V. & Almario, A. (2012). Bullying: uma perspectiva sobre o agressor. Revista da
Universidade Ibirapuera-São Paulo, 4, 17-21.
Melo, J. A. (2010). Bullying na escola. 3ª Ed. Recife: EDUPE.
Middelton-Moz, J. & Zawadski, M. L. (2007). Bullying – estratégia de sobrevivência para
crianças e adultos. Porto Alegre: Armed.
Oliveira, R. L. & Ardig, M. I. F. (2011) Bullying: prevenção, punição e políticas públicas.
Âmbito Jurídico, n. 95.
Pereira, K. K. (2012). Conseqüências e Implicações do Bullying nos Envolvidos e no Ambiente
Escolar. Faculdade Novos Horizontes, Belo Horizonte, Brasil.
Pinheiro, F. M. F. & Willians, L. C. A. (2009). Violência intrafamiliar e intimidação entre
colegas no ensino fundamental. Cadernos de Pesquisa, 39(138), pp. 995-1018.
Salgado, G. M. (2010). O bullying como prática de desrespeito social: Um estudo sobre a
dificuldade lidar com o bullying escolar no contexto do Direito. Âmbito Jurídico, v. 79.
Silva, L. O. & Borges, B. S. (2018). Bullying nas escolas. Direito & Realidade, 6 (5), pp. 27-
40.
Sousa, A. M. B., Miguel, D. S. & Lima, P. M. (2010). Módulo 1: Gestão do cuidado e educação
biocêntrica. UFSC – CED – NUVIC. Florianópolis.
Rech, R. R., Halpern, R., Tedesco, A. & Santos, D. F. (2013). Prevalência e características de
vítimas e agressores de bullying. J. Pediatr, 89 (2).
Rodrigues, A., Assmar, E. M. L. & Jablonski, B. (2005). Cognição Social. In A. Rodrigues, E.
M. L. Assmar & B. Jablonski (Orgs.), Psicologia Social (pp. 67-96). Petrópolis: Vozes.
Tognetta,L. R. P. & Vinha, T. P. (2010). Bullying e intervenção no Brasil: um problema ainda

1410
sem solução. In: Actas do 8º. Congresso Nacional de Psicologia da Saúde: Saúde,
Sexualidade e gênero. ISPA – Instituto Universitário. Lisboa, Portugal. Anais
eletrônicos. ISBN 978-972-8400-97-2.
Viera, I. S. (2014). Experiência de bullying entre alunos de escolas públicas da rede estadual
da grande Acaraju (Dissertação de mestrado). Universidade Tiradentes, Aracaju, Sergipe,
Brasil.
Voors, W. (2006). Bullying: El acoso escolar. Buenos Aires: Oniro.
Zequinão, M. A., Medeiros, P., Pereira, B. & Cardoso, F. L. (2016). Bullying escolar: um
fenômeno multifacetado. Educação e Pesquisa, 42(1), pp. 181-198.
A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA CAPOEIRA E DE SEUS PRATICANTES POR

1411
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS
Dinara das Graças Carvalho Costa
Francisco Márcio Costa da Silva

1 Introdução
A prática da Capoeira no Brasil ainda está voltada para ações esporádicas (através de
grupos/escolas e associações) fazendo com que sua visibilidade seja limitada a duas etapas: sua
literatura (academicamente), que ainda é escassa; e sua oralidade, pois sua difusão ainda ocorre
através das oitivas69 – mantendo uma tradição da cultura negra (Abib, 2004).
Segundo Silva (2006) a ousadia de se investigar sobre a capoeira ainda esbarra em uma
realidade educativa pautada, em sua maioria, em mestres não formais (os mestres de Capoeira)
e minimamente nos formais (academia), pois na tentativa de fazer da Capoeira um problema de
pesquisa, o maior desafio ao qual o pesquisador adentra é a certeza das incertezas, pois as
crenças e doutrinas da Capoeira (assim como sua origem) são vistas como intrínsecas a
construção do senso comum da sociedade – sendo perpassadas pelas gerações e formulando
verdades indubitáveis, proporcionando uma atitude científica por conveniência.
A partir do exposto, é preciso identificar que a Capoeira ainda possui o véu do
misticismo religioso e de classe (Natividade, 2012) e para se falar de uma prática que possui
fundamentos difundidos singularmente, optou-se por trabalhar com a Teoria das
Representações Sociais (TRS) proposta por Serge Moscovici, pois essa perspectiva surgiu
justamente para explicar o porquê de conceitos de grupos particulares e/ou fechados tornarem-
se populares e acabarem sendo difundidos de forma diferente daquela a que realmente se
propunham (Gamas, Santos & Fofonca, 2010).

As Representações Sociais
Para se falar sobre esse tema é necessário retornar aos conceitos de Durkheim sobre
Representações Coletivas, pois esse sociólogo afirmava que havia uma consciência coletiva
(formas de pensar e agir), que era inconsciente e a responsável pela modelagem do sujeito (a
sociedade formava o sujeito) e que geravam representações coletivas. Moscovici, no entanto,
apontou que essas representações coletivas eram, na verdade, mecanismos construtivos da
sociedade e logo as representações passaram a ser um processo (e não uma idealização grupal)
– uma forma de conhecimento e comunicação que se opunha a ideia de representação coletiva
de Durkheim (Álvaro & Garrido, 2006).
Assim, conhecimentos específicos (conceitos e termos particulares) difundiram-se em
uso cotidiano sem a utilização de sua fundamentação original, gerando ideias de senso comum
com significados diferentes do original. Esse conceito de Representações Sociais é um pilar do
conhecimento europeu da Psicologia Social e se distancia do conceito de representação coletiva

69
A oitiva é a comunicação oral que sustenta os conhecimentos e as memórias dos mais sábios e mais antigos,
sendo repassada as gerações e tento a responsabilidade de registro (comum aos livros) – uma experiência pautada
na observação (Abib, 2004).
por esse ser estático, assumindo-se que o de representação social vivenciava a dinâmica da

1412
terminológica da palavra (Marková, 2017).
No entanto, é válido apontar que a Teoria das Representações Sociais (TRS),
perspectiva moscoviciana, não se difundiu imediatamente na Europa, pois na época o
paradigma dominante nas Ciências Sociais era o behaviorismo e pesquisas voltadas para
fenômenos subjetivos não eram encaradas de forma positiva, quiçá cientifica (Arruda, 2002) –
para Álvaro e Garrido (2006) essa teoria surgiu como crítica velada ao conceito de atitude70 e
foi proposta como alternativa para a Psicologia Social Cognitiva, tradicional, o caráter
individualista vigente na época.
Foi somente a partir da década de 1980 que a TRS ganhou força e adeptos, pois se
procurou investigar como o pensar e o interpretar cotidianos, desenvolvidos tanto de forma
individual quanto coletivamente, eram necessários para que as posições em relação a situações
e contextos pudessem ser elaboradas e comunicadas (Sêga, 2000).
Dessa forma, a TRS surgiu como uma perspectiva de mudança nas análises da época,
focando os conhecimentos grupais (aquilo que é socialmente compartilhado e se modela a cada
interação com o outro) e proporcionando uma dimensão simbólica nas conversações cotidianas
(Álvaro & Garrido, 2006). Para Spink (1993) um dos aspectos centrais nessa teoria faz
referência a como a representação do social é formada (os processos de ancoragem71 e
objetivação72) e dessa forma a TRS possui uma estrutura formada por uma diversidade de
conteúdos referentes a imagens, categorias e sistema, tendo como objetivo transformar o não
familiar em familiar (Álvaro & Garrido, 2006).

A Capoeira
Para falar dessa arte-luta (Falcão, 2005) é necessário se fazer um retorno a história da
colonização do Brasil, pois a Capoeira surgiu com os descendentes dos africanos capturados,
seus filhos e netos afrodescendentes. Foram eles que adaptaram/inseriram danças e lutas que
existiam na África, consolidando a perspectiva contemporânea do que hoje é conhecido por
Capoeira (Amorim & Machado, 2018).
Inicialmente é importante frisar que o próprio termo Capoeira73 não é de origem
africana e sim luso-indígena (Lussac, 2015) e mesmo na atualidade é possível encontrar
vegetação específica que corresponda a essa nomenclatura (no Brasil) (Oliveira, 2016). Tal
perspectiva, associada à construção do espaço urbano (século XVIII, ao mesmo tempo em que

70
O conceito de atitude seria de caráter individualista e se diferenciaria das Representações Sociais por se
relacionar a um objeto da realidade social – efeito de uma representação prévia sobre algo (Álvaro & Garrido,
2006).
71
Aquilo que não se conhece, mas que pode ser alocado em categorias previamente existentes. É formado por
duas etapas: classificação e denominação. Isso significa que para se denominar algo primeiro é necessário
encontrar características para efetuar a classificação (Álvaro & Garrido, 2006).
72
Processo no qual o que é abstrato toma forma e se torna familiar. Esse processo também possui etapas: a
transformação icônica e a neutralização. A primeira se refere a processos que ocorrem entre a associação de um
conceito abstrato e uma imagem e cria um núcleo figurativo; e a segunda se refere a como essa imagem torna-se
algo concreto (Álvaro & Garrido, 2006).
73
Segundo Natividade (2012) utiliza-se o “C” maiúsculo para prática e minúsculo referindo-se ao praticante.
as crenças e a culinária afro tomaram territórios), constitui a consolidação de que a Capoeira

1413
em uma prática genuinamente brasileira (Soares, 2004).
Esse fenômeno tem seus primórdios associados a cidades de zonas portuárias como Rio
de Janeiro, Recife e Salvador – ambientes nos quais eram desembarcados os negros
escravizados (IPHAN, 2014). A presença dessa prática nas cidades culminou em ações que
interferiram diretamente na vida dos habitantes, como as distrações proporcionadas pelas rodas
por um lado e as perturbações da ordem pública por outro (Lucena e Trigueiro, 2018), mas
nesse segundo, principalmente nas cidades de Recife e Rio de Janeiro, observou-se a criação
das maltas (gangues) que tinham embates por territórios ou por interesses políticos (Falcão,
2005).
No século XIX o termo Capoeira passou a configurar como ato de contravenção, sendo
inserido no código de 1900 com pena de dois a seis meses, pois ameaçava a ordem escravista
urbana. Essa fase negativa da Capoeira permeou pela segunda metade do século XIX, mas em
um momento histórico conhecido como belle époque74, momento em que se criou uma vertente
nacionalista no país, ocorreu um processo de reconhecimento da Capoeira como manifestação
da cultura brasileira, levando em consideração seu caráter físico e desportivo (IPHAN, 2014).
Todavia, esse processo de desmarginalização da Capoeira só passou a ser real a partir
da década de 1930, quando a Capoeira saiu da perspectiva de ilegalidade e iniciou a construção
das primeiras escolas, valendo destacar aqui a contribuição de líderes como Manuel dos Reis
Machado (o Mestre Bimba) e Vicente Ferreira Pastinha (o Mestre Pastinha), pois nessa época
a Capoeira passou a configurar como atividade física pautada como luta de contato, afastando-
se do embate mortal, mas sem perder sua autodefesa (IPHAN, 2007).
Assim a Capoeira passa a ter adeptos universitários e pessoas de influencias na
sociedade baiana da época e o então Presidente Getúlio Vargas, em reconhecimento ao esforço
em apresentar a Capoeira como esporte, concede ao Mestre Bimba o título de Instrutor de
Educação Física75, permitindo que ele ministrasse suas aulas (Costa, 2007).

2 Objetivos
2.1 Objetivo Geral
Conhecer a Percepção de Professores Universitários sobre a Capoeira e seus Adeptos.

2.2 Objetivos Específicos


● Indagar o que esses formadores de opinião conhecem acerca da Capoeira;

74
Nesse momento sóciohistórico passou-se a cogitar a Capoeira como ginástica nacional e nessas condições a
Capoeira foi praticada não só por negros, mas por brancos e mestiços e devia se fazer presente em escolas e quartéis
como parte das atividades obrigatórias (Soares, 2004). Esta iniciativa chegou a ter votada na câmara dos Deputados
em 1910, mas foi arquivada por se tratar de um jogo que não tinha glamour (argumentos do arquivamento da
iniciativa) e optaram por utilizar uma luta mais elegante com nomenclatura inglês: o box (IPHAN, 2014).
75
A Capoeira Regional teve papel fundamental na retirada dessa atividade do viés obscuro, pois foi pautada em
uma metodologia acadêmica que continha desde teste de admissão até cursos de especialização (Campos, 2009),
mas é preciso pontuar que, se de um lado teve a figura de Mestre Bimba com um novo estilo de Capoeira, do outro
existiu também um responsável pela resistência da Capoeira tradicional, chamada de Angola (IPHAN, 2007) e
esse indivíduo foi o Mestre Pastinha, responsável pela organização e propagação da Capoeira dita primitiva
(Campos, 2009).
● Verificar qual a representação que a Capoeira possui para os entrevistados;

1414
● Conhecer representação que os adeptos da Capoeira possui para os entrevistados;

3 Método
3.1 Caracterização da pesquisa
Essa pesquisa visa à perspectiva não experimental, de caráter descritivo-exploratório, e
foi a conclusão de uma disciplina de mestrado da segunda autora e visou conhecer a
Representação Social que Professores Universitários possuem sobre a Capoeira e seus adeptos.

3.2 Participantes da pesquisa


Optou-se por trabalhar com os professores efetivos do curso de Bacharelado em
Psicologia da Universidade Federal do Piauí (Campus de Parnaíba), por conveniência e por se
levar em consideração que esses são formadores de opinião e sujeitos que possuem uma postura
aberta ao novo e as pesquisas. Esses são um total de 24, mas cinco estavam afastados e dos 19
restantes dois não aceitaram fazer a pesquisa e 11 não foram encontrados para serem
questionados, objetivando um total de seis participantes.
Identificou-se uma média de 36 anos entre os participantes, com Desvio Padrão (DP) de
2,75 e quanto ao tempo em que esses profissionais são efetivos na instituição, observou-se que
um deles possui um ano e dois meses (menos de 5 anos) e os demais possuem cinco anos ou
mais. Evidencia-se também que a maioria (cinco deles, 83% da amostra) possui o título de
doutor(a) e quanto ao aspecto de prática de uma atividade física observou-se que dois dos
entrevistados não efetuam nenhum tipo de atividade física e os demais, quatro dos entrevistados
(67%) efetuam – modalidades como: treino muscular (fortalecimento e perda energética), Yoga,
pedalada, pilates e caminhada.

3.3 Instrumentos
Utilizou-se um questionário sóciodemográfico para identificar a idade e o gênero dos
entrevistados, assim como se perguntou sobre seu tempo de efetividade na instituição e mesmo
suas atuais titulações. Em um segundo momento foi aplicada uma entrevista semiestruturada
contendo seis perguntas que indagavam sobre: o que os entrevistados sabiam sobre a Capoeira;
se já haviam estados presentes (como espectador ou aluno) em uma aula de Capoeira; qual sua
opiniões sobre as pessoas que ministram aulas de Capoeira – e sobre os praticantes de Capoeira;
e se avaliavam essa prática como positiva ou negativa – e por quê.

3.4 Procedimento
Inicialmente entrou-se em contato com a Coordenação de Psicologia da UFPI (Campus
Parnaíba) solicitando a quantidade de professores existentes e destes quantos eram substitutos
(seis) ou eram efetivos, mas estavam afastados (cinco). Ao se chegar ao valor de 19 professores
efetivos e presentes começou-se a entrar em contato pelo processo de bola de neve76, para lhes

76
Snowball ou Bola de Neve é uma técnica de pesquisa qualitativa não probabilística na qual “participantes iniciais
de um estudo indicam novos participantes que por sua vez indicam novos participantes e assim sucessivamente”
(Baldin & Munhoz, 2011, p. 04). Nesse ínterim espera-se chegar a um ponto de saturação, mas como se trata de
apresentar a proposta de participar da pesquisa e atingir o maior número possível de entrevistas

1415
em um tempo pré-determinados de sete dias úteis. Aos que aceitaram participar da pesquisa
utilizou-se um gravador (com a permissão dos entrevistados) com objetivo de posterior
transcrição e construção de eixos e categorias.

3.5 Análise dos dados


Utilizou-se a perspectiva da análise de conteúdo qualitativa, temática, proposta por Bardin
(2004), que consiste na observação do conteúdo das falas obtidas por meio da entrevista, bem
como a identificação daquilo que mais se sobressai.

4 Resultados e Discussões
Através da análise identificou-se a formação de três eixos temáticos: o que é Capoeira;
a visão sobre as pessoas que praticam; e a positividade ou negatividade da prática. Observou-
se no Eixo I (O que é Capoeira) observou-se uma dicotomia entre os entrevistados, pois
enquanto alguns apontavam definições, mesmo que amplas e pautadas em um leque de
conceitos, outros diziam que apenas se poderia apontar aquilo a que a Capoeira não poderia ser
resumida, como segue: “Ela é defesa pessoa e ela é também dança, ela é esporte, ela é arte e
isso é o encanto” (S1); “Não só de interação, porque é um esporte. Não é uma briga como
muita gente pensa, é um esporte. Eu entendo assim e aí é uma forma de você interagir” (S5);
“A Capoeira sempre teve no meu inconsciente coletivo atrelado não somente a um esporte, mas
também a uma manifestação cultural” (S6);

“Sei que hoje [é] considerada uma prática esportiva, mas na verdade vem de uma
cultura afro (...) então não tem apenas a prática da Capoeira no aspecto de luta,
vamos dizer assim, de uma arte ou de um esporte de luta, mas também tem esse outro
aspecto social” (S2);

“O que eu sei é que ela vem de uma cultura afrodescendente, que se desenvolveu
bastante, encontrou uma terra bem fértil para o desenvolvimento dela enquanto
elemento cultural no Brasil. Trabalha bastante a propriocepção e o conhecimento de
ritmo a partir da apropriação minha do corpo e da minha apropriação do ritmo, isso
aliada a movimentos de artes marciais” (S4).

Pode-se verificar que existe uma dificuldade para se definir o que viria a ser a Capoeira
e para Abib (2004) essa confusão em se definir como prática, mecanismo ou aspecto e singular
é o que, de fato, define a Capoeira, pois esta é um leque de ações e crenças, pois ela é tanto arte,
quanto dança, quanto luta e esporte (Barjud et al., 2018) e fazer Capoeira, segundo Castanha
(2019), é adentrar uma realidade rica em cultura, esporte e conhecimentos históricos de um
povo.
No entanto, quanto aos entrevistados a definiram, observou-se que esses conceitos
consistiram em aspectos referentes ao (d)esporte (ou a atividade física) dessa atividade; a

uma perspectiva das ciências sociais verifica-se que se substitui a perspectiva de ponto de saturação por um não
interesse de novos participantes.
prática (ou técnica) que essa atividade simboliza; a cultura; a luta (que já foi proibida) e ao jogo;

1416
a arte marcial; a arte (podendo envolver a dança); a herança africana e a defesa pessoa. Soares
(2001) define a Capoeira enquanto luta, dança, arte, folclore, esporte, lazer e filosofia de vida,
pois a Capoeira é uma prática plural que sua atuação será de acordo com seu propósito (IPHAN,
2014).
Quanto ao Eixo II (a visão sobre as pessoas que praticam Capoeira), observou-se duas
categorias: a dos facilitadores (Mestres, Professores e/ou responsáveis pelos ensinamentos) e a
dos alunos. Na primeira os facilitadores foram identificados positivamente, como segue:

“Olha, os professores que eu tive a oportunidade de conhecer eu percebi que são


pessoas muito abertas ao contato social. São pessoas que tem uma liderança (...);
exercitam de certa forma uma habilidade de autoridade (...). Geralmente (...) os que
eu conheci tem uma didática muito boa” (S4);

“Não é qualquer coisa que você ensina. Não é aquela coisa: “Ah, vamos fazer uma
roda aqui e eu vou te ensinar isso”. A pessoa tem que ter o conhecimento, então, é
alguém que tem que conhecer e é um profissional como todos os outros” (S5).

Souza (2017) argumenta que o saber ancestral manifestado através da prática da


Capoeira é algo encarado com seriedade, profissionalismo e comprometimento e que as
conquistas são obtidas através de um treinamento contínuo, pois existe uma dedicação do
profissional em fazer o aluno aprender. Além disso, é constante eu esses profissionais sejam
educadores como qualquer outro, pois são dedicados, engajadas com a cultura, abertos a
contatos sociais, disciplinados e de trânsito cultural, sendo atletas de nível profissional.
Quando os facilitadores foram apontados negativamente pontuou-se a questão da
Capoeira enquanto agressão física, como segue:

“Agora, isso [de brigas], não é reduzido a Capoeira, tem a ver com outras práticas,
a gente sabe que tem algumas pessoas que estão a frente de alguns grupos que
também, de alguma forma, valorizam esse tipo de atitude, que não é atitude de um
educador” (S2).

Oliveira (2009) aponta que uma índole duvidosa de alguém que representa a Capoeira
não é algo que possa ser associado a um profissionalismo, pois o profissional de Capoeira, de
fato, é um educador e, mesmo este sujeito tendo uma postura compenetrada em disseminar a
arte-luta como tal, existem aqueles que não e, nesse caso específico, reforçam preconceitos e
repressões sobre a Capoeira – que nunca parou de ser ensinada com sua característica de
autodefesa e enquanto luta de resistência.
Evidenciou-se, também, que esses sujeitos foram identificados como morenos ou negros
em sua maioria e que a sensualidade pode ser vista como uma característica desses
profissionais:
“São pessoas que tem um trânsito cultural muito bom (...), geralmente são morenos,

1417
o que os torna para mim muito bonitos. Morenos ou negros os que eu conheci, (...).
São sempre sensuais na forma de se comunicar com o corpo junto com a fala” (S4).

Sobre isso Falcão (2005) evidencia que o negro, em meados do século XX, possuía a
simbologia de biótipo característico da raça (sendo apontado seu aspecto sensual como
pertencente à raça) e, por vezes, as famílias tradicionais da época utilizavam seus cativos de
forma viril e se encantavam com a sedução e a ousadia dos negros. Assim, o estereótipo
associado ao negro no aspecto sensual, sexual e de virilidade, não é algo raro de ser encontrado
no senso comum.
Na segunda categoria (os alunos de Capoeira) a maioria dos entrevistados apontou que
não poderiam defini-los, pois seriam diferentes em cada contexto no qual as aulas venham a ser
aplicadas, assim como não podem ser diferenciados de quem não seja aluno dessa arte-luta, mas
também apontaram que esses sujeitos seriam preocupados com a saúde (física e mental),
podendo ser esportistas amadores. “Tenho visto muito nos grupos de idosos a prática da
Capoterapia que vem ajudando essas pessoas em melhores condições. Vejo como uma prática
salutar para a mente e o corpo” (S6);

“Não tem como distinguir um estudante de Capoeira de um não-estudante da


Capoeira no dia a dia, mas a impressão que eu tenho das pessoas que eu tive a chance
de conhecer, e que praticavam Capoeira, é que eles eram extremamente flexíveis,
preocupados com o bem-estar físico. Parecem ser pessoas, também, tranquilas,
calmas, enfim. Não tenho como distinguir” (S1:);

Acho que varia muito do lugar, do contexto. Eu percebo que a depender do ambiente
em que a aula é ministrada, você vai encontrar perfil de alunos diferentes. Como na
escola, o que eu percebo, na educação infantil, educação de adolescentes, é muito
usado como uma prática cultural, como o lúdico, então há exposição das crianças a
irem mais como algo lúdico. Os adolescentes já têm uma pegada mais sensual, de
envolvimento, de controle de agressividade (S4);

De fato não se pode diferenciar adeptos de não adeptos de Capoeira, mas dependendo
da forma como venham a utilizar essa prática (se para fins somente estéticos ou determinantes
vertentes de cunho ideológico – como a militância em relação ao povo negro), suas
peculiaridades, ideológicas ou não, tornam-se eminentes na fala, no vestuário e mesmo na sua
colocação dentro da atividade (Castro Junior, 2003).
Campos (2001) corrobora essa perspectiva e afirma que o praticante de Capoeira passa
por mudanças que vão desde o âmbito pessoal (com maior disciplina em suas tarefas pessoais)
até sua conduta em meio à sociedade. Além disso, Barroso e Darido (2006), assim como
Agrícola (2010), afirmam que a prática esportiva não é composta somente por atletas, mas sim
de pessoas cada vez mais sabedoras que o esporte é de grande importância para a sensação de
estar completo (ou seja, corpo e mente).
Assim, para Anhas e Casto-Silva (2017) é evidente a predominância do quesito saúde
para o praticante de Capoeira, é importante frisar, como aponta Campos (2001), que atividades
para crianças, para jovens e idosos, não podem ser tidas como a mesma, existem Capoeiras
diferentes, assim as aulas diferenciam-se em aspectos lúdicos, de disciplina e de terapia,
respectivamente, pois a Capoeira se flexiona aos seus praticantes – o que chamaria de

1418
pluralidade dessa prática.
Finalmente, no Eixo III (Positividade e Negatividade da Prática), observou-se que todos
os entrevistados apontam que a Capoeira é uma prática unicamente positiva em sua essência,
pois possibilita promoções (de saúde, de conhecimento, de respeito e mesmo de interação) e
quando surgiram aspectos negativos, relacionou-se com o preconceito frente as suas raízes, ou
mesmo a lesões provocadas pelo esporte, como segue: “Se a pessoa tiver que fazer por
obrigação, ou se não reconhecer que tem alguma lesão, ela pode ser negativa” (S4); “No
entanto, ainda há um preconceito muito intrínseco a este esporte, por todas as questões
históricas e culturais. (...) O Brasil é um país racista, apesar de velado” (S6);
.
“Pela impressão que eu tenho ela é extremamente positiva. Promove primeiro a saúde
do corpo, a forma física, o bem-estar físico. Isso, por si só, já é algo bom, positivo. E
em segundo lugar porque se você esta bem com seu próprio corpo a tendência é que
os outros aspectos entrem em sintonia. Além de tudo tem o aspecto cultural, que mexe
com as nossas raízes, que a gente acaba compreendemos melhor o que (...) somos
como povo. Acaba conhecendo mais, e conhecendo mais a gente tem mais chance de
respeitar” (S1);

“Não vejo um aspecto negativo nisso não. Não sei e se tiver eu tenho que procurar
saber, mas como tem muito essa herança africana e aqui no Brasil todo mundo tem
uma resistência a tudo que vem [da África]. Na nossa colonização nós tivemos três
raízes, mas a herança africana é sempre a mais rechaçada, infelizmente” (S5).

Não percebendo nada que seja negativo na prática em si os entrevistados corroboram a


ideia de Freitas (2006) que aponta que o conhecimento adquirido pelo praticante, pois o torna
um ser apropriado de sua história e defensor de suas raízes, enfatizando a autoconstrução crítica
acerca de sua própria. Para Nestor (2002), Capoeira diminui o desconhecimento acerca da arte
e de raízes genuinamente brasileiras, pois essa visão estereotipada, fruto dos anos de
preconceitos vividos, ainda limita que a cultura proveniente de povos não europeus propague-
se, sendo esquecida ou escondida.

5 Conclusão
Observa-se que mesmo que a Capoeira possua um contexto histórico muito complexo e
intrínseco a construção do Brasil enquanto pais, sua literatura acadêmica é escassa – o que
aponta poucas produções sobre a prática e aqui se aponta a relevância desse trabalho, pois se
verificou que a Capoeira ainda é tida como uma incógnita para a sociedade acadêmica e sua
definição não é clara e deixa uma constante dúvida sobre sua origem. Infelizmente identifica-
se que essa não apropriação das raízes do brasileiro é fruto do não ensino adequado da história
e cultura do Brasil nas escolas de modo geral.
Academicamente, identifica-se esse trabalho como pontapé inicial de uma série de
outros voltados para a temática, pois esse campo é identificado pela autora como rico e ainda
pouco explorado no aspecto da Psicologia Social (além da perspectiva de interesse pela
temática) e socialmente espera-se apresentar a Capoeira como uma prática que não
necessariamente seja vinculada a crenças, mas como esporte, arte, cultura e como herança que
é comum ao brasileiro.
Assim, espera-se apresentar que a apropriação do conhecimento do que seja a Capoeira

1419
acabe por proporcionar o empoderamento daqueles que buscarem o conhecimento de suas
raízes; além de proporcionar ao Capoeirista bases cientificas-acadêmicas que lhe legitimem.

6 Referências

Abib, P. R. J. (2004) Capoeira Angola: Cultura popular no jogo dos saberes na roda. (Tese de
doutorado) Universidade Estadual de Campinas, p. 89. Campinas – SP.
Agrícola, N. P. A. (2010) Esporte, Lazer e Mercado: elementos para se Pensar a Sociedade de
Consumo. Esporte, Lazer e Mercado. Ano 5, Nº 13. Acesso em
http://www.uff.br/esportesociedade/pdf/es1307.pdf.
Álvaro, J. L. & Garrido, A. (2006) Psicologia Social: Perspectivas Psicológicas e Sociológicas,
São Paulo.
Anhas, D. M. & Castro-Silva, C. R. (2017) Sentidos atribuídos por adolescentes e jovens à
saúde: desafios da Saúde da Família em uma comunidade vulnerável de Cubatão, São Paulo.
Saúde & Sociedade, São Paulo – Volume 26; Nº 2 (pp. 484-495) – DOI 10.1590/S0104-
1290201716973.
Amorim, S. S. & Machado, T. T. (2018) “O berimbau me deu o compasso”: a capoeira e suas
manifestações em Sergipe, no século XIX. Revista Brasileira de História da Educação –
Volume 18; e-ISSN: 2238-0094; (DOI) http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v18.2018.e027.
Arruda, A. (2002) Teoria das Representações Sociais e Teorias de Gênero. Cadernos de
Pesquisa, UFRJ: Nº 117.
Baldin, N. & Munhoz, E. M. B. (2011, Novembro) Snowball (Bola De Neve): Uma Técnica
Metodológica Para Pesquisa Em Educação Ambiental Comunitária. X Congresso Nacional
de Educação – EDUCERE: I Seminário Internacional de Representações Sociais,
Subjetividade e Educação – SIRSSE. Pontifícia Universidade Católica do Paraná: Curitiba.
Bardin, L. (1988). Análise de conteúdo. Trad. Reto, L. A. & Pinheiro, A. (2004) 3ª Edição.
Edições 70. Lisboa.
Barjud, R. A, Silva, F. M. C. & Roble, O. J. (2018) Approaches between the roda de capoeira
and the dithyrambic chorus in the dionysian rituals of ancient greece. Journal of Physical
Education, Volume (DOI) 10.4025/jphyseduc.v29i1.2948.
Barroso, A. L. R. & Darido, S. C. (2006) Escola, Educação Física e Esporte. Revista Brasileira
de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança. Volume 1, Nº 4 (pp. 101-114), Rio Claro –
SP. Acesso em
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/EDUCACAO_F
ISICA/artigos/escola_ed_fisica.pdf.
Castanha, T. D. (2019) [Resenha] ZONZON, C. (2017). Nas rodas da capoeira e da vida: corpo,
experiência e tradição. Salvador: EDUFBA (DOI) http://dx.doi.org/10.1590/1678-
49442019v25n3p851. MANA (pp. 851-854).
Castro Junior, L. V. (2003) A Pedagogia da Capoeira: Olhares (ou toques?) Cruzados de
Velhos Mestres et de Professeurs de Educação Física (Mestrado em educação – Memória
apresentada à L'université Du Québec à Chicoutimi); Senhor do Bomfim – BA.
Campos, H. (2001). Capoeira na Universidade: Uma trajetória de resistência. Salvador:

1420
EDUFBA.
Costa, N. L. (2007) Capoeira, trabalho e educação. Dissertação de mestrado – Universidade
Federal da Bahia. Faculdade de Educação.
Falcão, J. L. C. (2005) Fluxos e refluxos da capoeira: Brasil e Portugal gingando na roda.
Análise Social. Volume XL – Centro de Desportos da Universidade Federal de Santa
Catarina, SC.
Freitas, D. (2006). A Prática Pedagógica da Disciplina de Capoeira na Educação Superior e
a sua Contribuição para a Formação do Futuro Docente. Curitiba- PR. Acesso em
http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/3/TDE-2007-03-13T054134Z-
522/Publico/Jorge.pdf.
Gama, A. F.; Santos, A. R. B. & Fofonca, E. (2010) Teoria das representações sociais: uma
análise crítica da comunicação de massa e da mídia. Revista Eletrônica Temática. Ano VI,
Nº 10.
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. (2007) Dossiê: Inventário
para registro e salvaguarda da Capoeira como Patrimônio Cultural do Brasil. Brasília: DF.
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (2014) Dossiê: Roda de
Capoeira e Ofício dos Mestres de Capoeira. Brasília: DF (148 p).
Lussac, R. M. P. (2015) Especulações acerca das possíveis origens indígenas da capoeira e
sobre as contribuições desta matriz cultural no desenvolvimento do jogo-luta. Revista
Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo (pp. 267-78); (DOI)
http://dx.doi.org/10.1590/1807-55092015000200267.
Lucena, R. R. & Trigueiro, N. M. (2018) Educação, jogo de corpo e “mandinga” na Capoeira
de Bimba. Cadernos CEDES, Campinas (Volume 38; Nº 104; pp. 89-102) (DOI)
10.1590/CC0101-32622018179625.
Marková, I. (2017) A fabricação da Teoria de Representações Sociais. Cadernos de Pesquisa,
Volume 47; Nº 163 (pp. 358-375). Acesso em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
15742017000100358&lng=pt&nrm=iso.
Natividade, L. (2012) Capoeirando eu vou: Cultura, memória, patrimônio e política pública
no jogo da capoeira. (Dissertação de mestrado) Programa de Pós-Graduação em Políticas
Públicas e Formação Humana. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro –
RJ.
Nestor, C. (2002) Capoeira: Pequeno Manual do Jogador. 7ª edição. Record: Rio de Janeiro –
RJ.
Oliveira, J. P. (2009) Capoeira, identidade e gênero: ensaios sobre a história social da
capoeira no Brasil. EDUFBA. Salvador – BA.
Oliveira, J. C. Mundos de roças e florestas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências
Humanas; Volume 11; Nº 1 (pp. 115-131) – DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/1981.81222016000100007.
Sêga, R. A. (2000) O Conceito de Representação Social nas obras de Denise Jodelet e Serge
Moscovici. Editora Anos 90, Nº 13; Porto Alegre.
Silva, B. E. S. (2006) Menino qual é teu Mestre? Capoeira pernambucana e as Representações

1421
Sociais dos seus Mestres. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Centro de
desportos – CDS; Mestrado em educação física. Florianópolis.
Soares, C. E. L. (2004) A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro. 2ª
Ed. Campinas: UNICAMP. São Paulo.
Souza, L. G. M. (2017) [Resenha] Varela, S. G. (2017) Power in Practice: the paradigmatic
anthropology of Afro-Brazilian Capoeira. New York: Berghahn, 166 p. DOI
http://dx.doi.org/10.1590/1678-49442018v24n3p286.
Spink, M. J. P. (1993) O Conceito de Representação Social na Abordagem Psicossocial.
Caderno de Saúde Pública. Rio de Janeiro.
AUTOESTIMA, CANSAÇO EMOCIONAL E PROCRASTINAÇÃO: ESTUDO

1422
CORRELACIONAL SOBRE A SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO
UNIVERSITÁRIO
Gabrielly Oliveira Silva
Ana Lúcia Trindade Martins
Maria Isabele Ferreira
Leiliane Nascimento Nunes
Paulo Gregório Nascimento da Silva
Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros
Introdução
Estudos com universitários (Torres, Mohand & Espinosa, 2016; Devine & Hunter, 2017;
Castro-Rodríguez et al., 2018) têm-se voltado para o entendimento da síndrome de Burnout
nesta população. A síndrome de Burnout é definida por Maslach e Jackson (1981), como um
transtorno relacionado ao meio ocupacional caracterizada por um estado de exaustão emocional
e estresse decorridos do trabalho desgastante, trazendo consigo diversos efeitos negativos no
âmbito profissional, individual, familiar e social. Também é considerada multidimensional,
pois além dos sentimentos de esgotamento é constituída pelo aumento do distanciamento
mental do trabalho e a redução da eficácia profissional.
Este transtorno está incluso no grupo 24 (QD85) da Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11) como um dos fatores
que influenciam o estado de saúde, no subgrupo “Exposição ocupacional a fatores de risco”
(OMS, 2019). Castro-Rodríguez et al. (2018) aponta a sobrecarga acadêmica, as tarefas diárias
e o pouco tempo para lazer como fatores predispostos para o esgotamento emocional em
universitários. Neumann, Finaly-Neumann e Reichel, (1990), por sua vez, evidenciaram que a
dimensão cansaço emocional estava associada negativamente com a qualidade da
aprendizagem, empenho, dedicação e esforço do aluno e que os mesmos apresentavam uma
estratégia inadequada de enfrentamento.
Dessa maneira, o cansaço emocional é um dos principais componentes de Burnout, e
tem sido relacionado ao estresse que ocorre em contexto universitário (Ramos, Manga &
Moran, 2005). Assim, entende-se que o cansaço emocional ocorre ao elucidar respostas
acentuadas aos estímulos estressores do meio ocupacional, consistindo na primeira etapa desse
processo, ao gerar um distanciamento emocional e cognitivo do âmbito laboral, como meio de
enfrentamento à sobrecarga de trabalho. Tais sintomas são uma resposta básica ao estresse no
qual o indivíduo está exposto, estes aspectos reverberam-se ainda no ambiente acadêmico
(Anjos & Camelo, 2019).
A literatura elencou outros fatores que colaboram para a exaustão emocional, como por
exemplo a baixa autoestima, compreende-se que o indivíduo nessa condição está propenso a
ser mais vulnerável emocionalmente (Khezerlou, 2017). A autoestima fundamenta-se no
autoconceito, como uma forma de sua avaliação, ou seja, um julgamento realizado sobre si e
seu valor geral. Segundo Papalia e Feldman (2013), trata-se de como o indivíduo pensa e avalia
sobre seus próprios traços, capacidades e descrições. Normalmente, o nível de autoestima varia
com o decorrer do tempo, no entanto apresenta certo nível de estabilidade por um longo período,
uma vez que o autoconceito sofre mudanças de forma gradativa (Rosenberg, 1986).
Nesse sentido, a autoestima tem sido relacionada com distúrbios alimentares (Silva et

1423
al., 2018) e diversos transtornos, tais como depressão (Furegato et al., 2006; Rentz-Fernandes
et al., 2017), ansiedade (Bandeira et al., 2005) e ideação suicida (Silva, 2019). Freire e Tavares
(2011), numa pesquisa com 216 adolescentes, revela que a autoestima relaciona-se
positivamente com a satisfação de vida, além de apresentar poder preditivo para as variáveis de
bem-estar (psicológico e subjetivo). Por sua vez, Marrone e Hutz (2019) discutem sobre
autoestima contingente, a qual é dependente de fatores para seu declínio. Em sua pesquisa
envolvendo 609 universitários, foi constatada relação entre a autoestima fundamentada em
contingências externas e baixa motivação para os estudos. No contexto acadêmico investigado,
a motivação extrínseca abrangeu os domínios de competência acadêmica, competição e
aparência.
Em relação a procrastinação, outro elemento que permeia o ambiente universitário, é
definida como o adiantamento voluntário de uma atividade pretendida, o indivíduo atua por si
mesmo, sem motivo relevante, aparente que o impeça de executar a tarefa (Geara, Filho &
Teixeira, 2017). A procrastinação acadêmica é um fenômeno dinâmico e complexo, envolve
fatores pessoais, comportamentais e ambientais, que contribuem para o comportamento de
adiar, o qual é manifestado no período entre a intenção de estudar e o comportamento de estudo
propriamente dito (Sampaio, Polydoro & Rosário, 2012).
Um estudo realizado por Sampaio e Bariani (2011), com 173 estudantes de uma
universidade particular, do interior do Estado de São Paulo, mostrou que 82% dos respondentes
afirmaram adiar compromissos, atividades e ações, em relação a frequência do comportamento
de procrastinar, 49% dos participantes tinham o hábito de protelar as atividades ao menos uma
vez por semana, enquanto que 26% entre duas ou três vezes por semana, uma ou duas vezes ao
mês 22% dos estudantes, apenas 3% não responderam a questão.
Diante disso, o presente trabalho visa correlacionar o construtos autoestima, cansaço
emocional e procrastinação no contexto universitário, visto que, à carga de estudos, acaba por
afetar o desempenho e a qualidade de vida dos universitários. Nesse sentido, o presente trabalho
busca contribuir com dados para que se pensem estratégias preventivas e de enfrentamento.

Objetivos
Geral
Identificar a relação entre autoestima, cansaço emocional e procrastinação em
universitários.

Específicos
● Conhecer os correlatos da autoestima, cansaço emocional e procrastinação;
● Identificar a influência do sexo nos contrutos em questão.

Método
Delineamento
Trata-se de um estudo correlacional, de natureza predominantemente quantitativa. O
qual fará uso de uma amostragem não-probabilística para a seleção dos participantes.
1424
Participantes
Contou-se com uma amostra por conveniência composta por 138 estudantes
universitários de instituições públicas da cidade de Parnaíba, Piauí, em sua maioria cursando
Psicologia (28,3%), com idade variando entre 18 e 51 anos (M = 21,24; DP= 4,37),
idade

distribuídos equitativamente entre homens e mulheres.

Instrumentos
Os participantes responderam a um livreto contendo os seguintes instrumentos:
Escala de Autoestima de Rosenberg (EAR; Rosenberg, 1965), adaptada para o Brasil
realizado por Hutz e Zanon (2011). Esse instrumento é composto por 10 itens que avaliam a
autoestima de forma global. São respondidos em uma escala tipo Likert de quatro pontos
variando de 1 (Discordo totalmente) a 4 (Concordo totalmente).
Escala de Cansacio Emocional (ECE). Instrumento elaborado por Ramos-Campos et
al. (2005) e adaptada para o contexto brasileiro por Silva, Fonsêca, Bandeira, Macedo e
Medeiros (Submetido). Trata-se de uma medida composta por 10 itens, que avaliam de forma
global o cansaço emocional, considerando os 12 últimos meses da vida estudantil, que são
respondidos em escala de cinco pontos tipo Likert, variando entre 1 “Raramente” a 5 “Sempre”.
Academic Procrastination Scale - Short Form (APS-SF; Yockey, 2016). Adaptada
para o Brasil por Pereira, Silva, Sousa, Valadares e Medeiros (2018). Tem como objetivo medir
a tendência em procrastinar atividades acadêmicas. É composta por 5 itens, que são respondidos
em escala de cinco pontos tipo Likert, variando de 1 "Concordo" a 5 "Discordo". Ademais, os
participantes responderam um questionário sociodemográfico, que compreendia um conjunto
de perguntas acerca do sexo, idade e curso, que foram utilizadas com o objetivo de caracterizar
a amostra.

Procedimento
Inicialmente, com a autorização dos responsáveis de cada curso da instituição de ensino
selecionada para a pesquisa, um aplicador treinado apresentava o Termos de Consentimento
Livre e Esclarecido para que os participantes (estudantes devidamente matriculados na
instituição participante) pudessem autorizar sua participação na pesquisa e responder aos
instrumentos. Aos estudantes que aceitaram participar da pesquisa, foi assegurado a todos o
caráter voluntário, anonimato das respostas e participação na pesquisa que não traria nenhum
prejuízo aos participantes podendo desistir a qualquer momento.
Ressalta-se que todos os procedimentos éticos para pesquisas com seres humanos foram
tomados, baseados nas Resoluções nº 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. A
coleta procedeu-se em ambiente coletivo (sala de aula), entretanto os questionários foram
respondidos individualmente. Um pesquisador, previamente treinado, esteve presente na coleta,
para dirimir eventuais dúvidas. Aproximadamente 10 minutos foram necessários para que os
questionários fossem respondidos.

Análise de dados
Os dados foram tabulados e analisados por meio do software SPSS versão 26. Foram

1425
realizadas estatísticas descritivas (média e desvio padrão) com a finalidade de caracterizar os
participantes da pesquisa. Posteriormente foi verificado as correlações entre as variáveis por
meio do coeficiente de Pearson, além do Teste-t de Student, para amostras independentes
visando verificar se existiam diferenças entre homens e mulheres frente às variáveis em questão,
ou seja, autoestima, cansaço emocional e procrastinação acadêmica.

Resultados
Inicialmente, buscou-se conhecer o padrão de relação entre a autoestima, cansaço
emocional e procrastinação acadêmica. Para tanto, foi utilizado o coeficiente r de Pearson. Os
resultados evidenciaram que a autoestima se correlacionou de maneira negativa e significativa
com o cansaço emocional (r = -0,37; p < 0,01) e a procrastinação acadêmica (r = -0,25; p <
0,01), sugerindo quanto maiores os níveis de autoestima, menores serão os sintomas de cansaço
emocional e os estudantes apresentaram menos comportamentos de procrastinar tarefas
acadêmicas. Os resultados estão descritos na tabela 1.

Tabela 1. Correlatos da autoestima, cansaço emocional e procrastinação acadêmica.

Variáveis M DP 1 2 3

1. Autoestima 2,87 0,72 1

2. Cansaço emocional 3,13 0,88 -0,37** 1

3. Procrastinação acadêmica 3,70 0,93 -0,25** 0,11 1

Nota: ** p < 0,001; 1 = Autoestima; 2 = Cansaço emocional; 3 = Procrastinação acadêmica.

Posteriormente, buscou-se verificar se homens e mulheres se diferem quanto aos níveis


das variáveis em questão. Assim, visando comparar os dois grupos (homens e mulheres),
realizaram-se testes t de student para amostras independentes, considerando a autoestima,
cansaço emocional e procrastinação acadêmica. Os resultados são descritos na tabela 2.

Tabela 2. Diferença das médias entre homens e mulheres (Test t - Student).

Homens (N = 69) Mulheres (N = 69) CONSTANTE


Variáveis
M DP M DP T P

Autoestima 2,97 0,74 2,78 0,70 1,501 0,14

cansaço emocional 2,93 0,94 3,32 0,77 -2,748 0,01*


Procrastinação acadêmica 3,54 1,69 3,87 0,58 -2,121 0,04*

1426
Nota: ** p < 0,05*

Diferenças significativas (p < 0,05).

Os resultados reportados na Tabela 2 indicam que os homens e mulheres não se


diferenciam quando comparados com a variável autoestima. Entretanto, ao se comparar as
demais variáveis, percebe-se diferenças significativas, com mulheres apresentando níveis mais
elevados de cansaço emocional e procrastinação acadêmica em comparação aos homens.

Discussão
Os resultados obtidos pela presente pesquisa evidenciam que quanto maiores os
níveis de autoestima, menores serão os comportamentos de procrastinação acadêmica, bem
como os sintomas de cansaço emocional. Estes achados corroboram com a literatura existente
acerca da contribuição da baixa autoestima no cansaço emocional (Khezerlou, 2017), assim
como, o comportamento de procrastinar está correlacionado a baixa autoestima (Steel, 2007).
A procrastinação enquanto um traço do comportamento, considerado muitas vezes
permanente e crônico (Yockey, 2016), resulta de um conjunto específico de características
pessoais, em parte estáveis, levando o indivíduo a postergar suas atividades nos mais diferentes
contextos (Sampaio & Bariani, 2011). Dessa maneira, o comportamento procrastinador irá
variar, pois diversos fatores estão a influenciar tal postura, como elenca a presente pesquisa, a
autoestima é um deles ao diminuir a frequência da procrastinação. No entanto, quando os níveis
de autoestima estão baixos, esta vem a ser um potencializador da procrastinação acadêmica.
Em relação a procrastinação, o reconhecimento de suas consequências negativas pode
estimular no estudante a motivação para a mudança no comportamento, através do
desenvolvimento da capacidade de avaliar criticamente o ato de procrastinar, antes de seguir
adiante com o comportamento (Geara & Teixeira, 2017). É notório que as crenças que os
estudantes apresentam sobre si mesmos e sobre as tarefas que realizam apresentam forte
influência sobre a sua motivação e por conseguinte, sobre seu comportamento, associadas aos
demais fatores que compõem a vida dos indivíduos. Dessa forma, podem afetar
significativamente o seu bem-estar subjetivo e a qualidade de vida, sendo fundamental o
desenvolvimento de habilidades autorregulatórias por parte dos estudantes, com o objetivo de
assumir maior autonomia e engajamento frente às próprias escolhas (Tonelli, Pessin & Deps,
2019).
O cansaço emocional é uma das dimensões da síndrome de burnout, caracterizado pelo
desgaste vivido no cotidiano do curso, a exemplo, cansaço físico e mental, desânimo, estresse,
irritabilidade, cefaleias, dores musculares e alterações no sono. Alguns fatores influenciam
diretamente no agravo sintomatológico do cansaço emocional, como: não morar com os pais
ou familiares; não praticar atividades físicas ou de lazer; não estar no curso de primeira escolha
(Moura et al., 2019).
Na literatura, alguns estudos têm demonstrado prevalência significativa da dimensão
cansaço emocional em estudantes da área da saúde, como enfermagem (Rísquez et al., 2013),
ainda neste estudo, os pesquisadores analisaram a relação entre a variável idade e cansaço
emocional, a qual foi observaram que estudantes mais velhos apresentavam maior desgaste
emocional. Outra pesquisa restrita ao campo da enfermagem (Tomaschewski-Barlem et al.,
2014) de acordo com as análises descritivas apontou que o fator cansaço emocional apresentou

1427
a maior média, dentre os demais fatores do burnout. Nesse sentido, é necessário compreender
o cansaço emocional, visto que é o elemento central da síndrome de burnout, sendo o item mais
associado ao estresse geral (Boren, 2013).
Como apontou a pesquisa, a autoestima está negativa e significativamente
correlacionada ao cansaço emocional e a procrastinação, ou seja, quanto maior a autoestima do
indivíduo menores serão os níveis de cansaço emocional e procrastinação confirma os estudos
já publicados. Anjos e Camelo (2019), destacam que os estudantes com autoestima elevada
desfrutam de maior satisfação em relação aos estudos, respondem às situações estressoras com
maior eficácia, esta age como um atenuante dos efeitos negativos do estresse, ao passo que
estudantes com baixa autoestima tendem a ser mais vulneráveis emocionalmente. Esse
resultado nos mostra que uma estratégia de enfrentamento pode ser efetuada por meio do
fortalecimento da autoestima dos universitários, como forma de gerar bem-estar e qualidade de
vida.
No tocante às distinções entre homens e mulheres, não há diferença significativa para
variável de autoestima, no entanto, evidenciou-se uma maior tendência à procrastinação e
cansaço emocional entre as respondentes do sexo feminino. Na literatura podemos notar que no
estudo de Torres, Mohand e Espinosa (2016), em que investigaram os construtos cansaço
emocional, satisfação com o estudo e autoestima, apontaram em seus resultados diferenças entre
os gêneros nas escalas “Cansancio Emocional” e “Satisfacción com el estudio”, em que as
mulheres obtiveram pontuação mais elevada.
Nessa perspectiva, faz-se necessário o investimento de estratégias que reduzam
comportamentos procrastinadores e, desse modo, amenizem os impactos produzidos na vida
acadêmica e profissional dos estudantes. De acordo com Brito e Bakos (2013), pesquisas que
abordam sobre procrastinação e terapia cognitivo-comportamental no contexto universitário
sugerem abordagens terapêuticas como a terapia racional emotiva e a terapia de atenção plena
(mindfulness). Esta última auxilia no reconhecimento e numa maior consciência de
pensamentos e sentimentos complexos, visto que a baixa atenção plena estaria associada ao
bem-estar emocional e físico prejudicados (Brito & Bakos, 2013).
A pesquisa de Silva et al (2020), por sua vez, sugere programas que priorizem a
autopercepção acadêmica, isto é, a percepção do indivíduo enquanto aluno, buscando
desfavorecer a motivação controlada. Os resultados desse estudo apontaram que a motivação
controlada por fatores extrínsecos (ganho de recompensas, evitação de punições e sentimento
de culpa) tem relação positiva com atos procrastinadores, a autopercepção acadêmica está
negativamente relacionada com a procrastinação, estudantes de escolas públicas procrastinam
mais que aqueles de instituições privadas, além de que universitários com motivação intrínseca
para o hábito da leitura procrastinam menos em atividades acadêmicas. Metodologias como
oficinas de organização de tarefas, gestão do tempo, técnicas que envolvam e favoreçam a
motivação e autoestima.
O presente estudo apresenta como limitação, o número da amostra, uma vez
que demonstra ser razoavelmente pequeno e restrito. Além dos resultados obtidos, que apontam
para a impossibilidade de identificar a existência de outros fatores que podem estar associados
à baixa autoestima e ao cansaço emocional como causas, uma vez que a procrastinação trata-se
de um fenômeno dinâmico e complexo que envolve elementos cognitivos, metacognitivos e
motivacionais (Steel, 2007).
Desse modo, pesquisas futuras podem aumentar o número da amostra para a obtenção
de resultados mais abrangentes e conclusivos, incluir outras variáveis, como a motivação, bem
como compreender melhor a complexidade da variável exaustão que pode está sendo

1428
correlacionada com outras variáveis, além das já envolvidas na presente pesquisa. Além disso,
sugere que estudos posteriores investiguem os eventuais efeitos que a procrastinação pode
suscitar, como também avaliar as consequências do cansaço emocional.

Conclusão
Diante do contexto universitário pode-se notar que os estudantes se deparam com
vários fatores estressantes no decorrer do curso em que estão matriculados, entre eles: a carga
horária, as atividades diárias, os estágios e pouco tempo para o lazer. Dessa maneira, pode
acarretar uma sobrecarga emocional e física, consequentemente, interfere de forma negativa a
saúde mental desse público, inclusive ocasionando a síndrome de Burnout.
Conclui-se que o presente estudo atingiu seu objetivo, isto é, buscou correlacionar
autoestima, cansaço emocional e procrastinação acadêmica. Desse modo, os resultados
evidenciaram que quanto maior a autoestima menor serão os níveis de cansaço emocional e
procrastinação. Além disso, quanto a diferença entre os gêneros nota-se que as diferenças são
significativas em relação ao cansaço emocional e procrastinação acadêmica, em que as
mulheres pontuaram mais do que os homens. A partir dessas evidências percebe-se a
necessidade de uma maior atenção para essa questão, pois afeta negativamente a vida dos
universitários e, assim, é importante elaborar estratégias preventivas e de enfrentamento para
que eles possam saber lidar diante das exigências acadêmicas.

Referências
Anjos, E. M. & Camelo, M. D. R. (2019). Satisfação com os estudos, cansaço emocional e
estratégias de enfretamento em estudantes universitários em manaus-brasil. Revista
INFAD de Psicología. International Journal of Developmental and Educational
Psychology., 4(1), 127-138.
Bandeira, M., Quaglia, M. A. C., Bachetti, L. S., Ferreira, T. L. & Souza, G. G. (2005).
Comportamento assertivo e sua relação com ansiedade, locus de controle e auto-estima em
estudantes universitários. Estudos de Psicologia, Campinas, 22(2), 111-121. Recuperado
de https://doi.org/10.1590/S0103-166X2005000200001.
Brito, F. S. & Bakos, D. G. S. (2013). Procrastinação e terapia cognitivo-comportamental: uma
revisão integrativa. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 9(1), 34-41.
https://dx.doi.org/10.5935/1808-5687.20130006.
Boren, J. P. (2013). Co-rumination partially mediates the relationship between social support
and emotional exhaustion among graduate students. Communication Quarterly, 61(3), 253-
267.
Castro-Rodríguez, Y., Valenzuela-Torres, O., Hinojosa-Añorga, M. & Piscoche-Rodríguez, C.
(2019). Agotamiento emocional en estudiantes de Odontología de la Universidad Nacional
Mayor de San Marcos. Revista Habanera de Ciencias Médicas, 18(1), 150-163.
Recuperado de: http://www.revhabanera.sld.cu/index.php/rhab/article/view/2427.
Devine, K. & Hunter, K. H. (2017). PhD student emotional exhaustion: The role of supportive
supervision and self-presentation behaviours. Innovations in Education and Teaching
International, 54(4), 335-344. doi: 10.1080/14703297.2016.1174143.
Freire, T. & Tavares, D. (2011). Influência da autoestima, da regulação emocional e do gênero

1429
no bem-estar subjetivo e psicológico de adolescentes. Archives of Clinical Psychiatry,
São Paulo, 38(5), 184-188. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0101-
60832011000500003.
Geara, G. B., Hauck Filho, N. & Teixeira, M. A. P. (2017). Construção da escala de motivos
da procrastinação acadêmica. Psico, 48(2), 140-151.
Geara, G. B. & Teixeira, M. A. P. (2017). Questionário de Procrastinação Acadêmica–
Consequências negativas: propriedades psicométricas e evidências de validade.
Avaliação Psicológica, 16(1), 59-69.
Hutz, C. S. & Zanon, C. (2011). Revisão da adaptação, validação e normatização da escala de
autoestima de Rosenberg. Avaliação Psicológica, 10(1), 41-49. Recuperado de
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/avp/v10n1/v10n1a05.pdf
Khezerlou, E. (2017). Professional self-esteem as a predictor of teacher burnout across Iranian
and Turkish EFL teachers. Iranian Journal of Language Teaching Research, 5(1), 113-
130.
Marrone, D. B. D. & Hutz, C. S. (2019). Motivação Acadêmica e Autoestima Contingente:
Relação com Satisfação de Vida, Esperança e Otimismo. Avaliação Psicológica, 18(4),
419-428. Recuperado de https://dx.doi.org/10.15689/ap.2019.1804.18868.10
Maslach C. & Jackson S.E. (1981). The Measurement of Experienced Burnout. Journal of
Occupational Behaviour, 2(2), 99 – 113. Recuperado de:
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/job.4030020205
Moura, G., Brito, M., Pinho, L., Reis, V., Souza, L. & Magalhães, T. (2019). Prevalência e
fatores associados à síndrome de burnout entre universitários: revisão de literatura.
Psicologia, Saúde & Doenças, 20(2), 300-318.
Neumann, Y., Finaly-Neumann, E. & Reichel, A. (1990). Determinants and Consequences of
Students' Burnout in Universities. The Journal of Higher Education, 61(1), 20-31. doi:
10.2307 / 1982032.
Organização Mundial de Saúde - OMS. (2019). Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11). Recuperado de
http://id.who.int/icd/entity/129180281
Papalia, D. E. & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano. 12. ed. Porto Alegre:
AMGH.
Pereira, B. C. B., Silva, P. G. N., Sousa, I. M., Valadares, M. V. C. & Medeiros, E. D. (2018,
abril) Academic Procrastination Scale, Short Form: evidências de Suas qualidades
psicométricas no contexto brasileiro. Trabalho apresentado no I Congresso de Psicologia
brasileira, Universidade Federal do Piauí, Parnaíba, Brasil.
Rosenberg, M. (1965). Society and the adolescent self-image. Princeton: Princeton University
Press.
Rosenberg, M. (1986). Self-concept from middle childhood through adolescence.
Psychological perspectives on the self, 2.
Rísquez, M. I. R., García, C. C., Tébar, S., Los Ángeles, E. & García, C. I. G. (2013).

1430
Agotamiento emocional y síntomas de malestar psíquico en alumnos de enfermería. Rev.
iberoam. educ. invest. enferm.(Internet), 7-13.
Sampaio, R. K. N., Polydoro, S. A. J. & Rosário, P. (2012). Autorregulação da aprendizagem
e a procrastinação acadêmica em estudantes universitários.
Sampaio, R. K. N. & Bariani, I. C. D. (2011). Procrastinação acadêmica: um estudo
exploratório. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 2(2), 242-262. Recuperado em 18
de maro de 2020, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-
64072011000200008&lng=pt&tlng=pt.
Silva, D. A. (2019). A autoestima e o comportamento suicida em estudantes universitários:
uma revisão da literatura. Revista Eletrônica Acervo Saúde, 23. Recuperado de
https://doi.org/10.25248/reas.e422.2019
Silva, P. G. N., Machado, M. O. S., Couto, R. N., Oliveira, L. B. S. & Fonsêca, P. N. (2020)
Motivação para leitura e variáveis sociodemográficas como preditoras da procrastinação
acadêmica. Psicología, Conocimiento y Sociedad, 9(1), mayo-octubre. ISSN: 1688-7026
Silva, P. G. N., Fonsêca, P. N., Santos, J. B., Sousa., I. M. & Medeiros, E. D. (Submetido).
Escala de Cansancio Emocional: propriedades psicométricas no contexto brasileiro.
Manuscrito submetido para publicação.
Steel, P. (2007). The nature of procrastination: A meta-analytic and theoretical review of
quintessential self-regulatory failure. Psychological Bulletin, 133(1), 65-94.
doi:10.1037/0033-2909.133.1.65.
Somers, P. (2008). Gênero e outras variáveis que influenciam na procrastinação acadêmica.
Educação, 31(1), 54-60.
Torres, L. H., Mohand, L. M. & Espinosa, S. C. (2016). Cansancio emocional en estudiantes
universitarios. Dedica. Revista de Educação e Humanidades, 9, 173-191. Recuperado de:
https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5429381
Tonelli, E., Pessin, G. & Deps, V. L. (2019). Revisão Bibliográfica dos Impactos Negativos
da Procastinação Acadêmica no Bem Estar Subjetivo. LINKSCIENCEPLACE-
Interdisciplinary Scientific Journal, 6(5).
Yockey, R. D. (2016). Validation of the Short Form of the Academic Procrastination Scale.
Psychological Reports, 118(1), 171-179. doi:10.1177/0033294115626825.
VIVER OU POSTAR: UM ENSAIO TEÓRICO-REFLEXIVO SOBRE

1431
CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE NAS REDES SOCIAIS E A BUSCA PELO
SELF IDEAL
Karla Waldienia Alves Pinto
Juscislayne Bianca Tavares De Morais
1. Introdução
No mundo moderno o uso das redes sociais77 já está incorporado no cotidiano das
pessoas; no centro dessa transformação social estão os jovens entre 15 e 29 anos que foram
dominados por esse novo conceito de “Comunidade Virtual”78. Bauman (2003, p. 07) explica
que a idéia que se tem de comunidade, é de um lugar cálido e aconchegante; onde todos são
aceitos como realmente são; sem julgamentos e sem críticas. Refletindo sobre essa definição é
possível identificar que esse não é o cenário encontrado nas “Comunidades Virtuais”, onde a
luta por likes e visualizações, em alguns casos, ultrapassa os limites da ética, segurança e do
bom senso.
Neste escopo, verificou-se recentemente que os usuários da rede social Instagram79,
aplicativo desenvolvido para compartilhamento de fotos, tiveram que se adaptar a uma mudança
significativa feita na plataforma, onde o número de curtidas (likes) não fica mais visível a todos;
permitindo somente a cada usuário saber o número de curtidas que recebeu em uma foto ou
vídeo. Essa medida se deu devido ao entendimento coletivo de que a rede social estava se
transformando em uma batalha por popularidade, além disso, algumas pessoas estavam
ultrapassando os limites da própria segurança em busca da foto perfeita que alcançaria os mais
altos números de curtidas.
Essa importante alteração na plataforma levantou inúmeros questionamentos sobre o
comportamento dos usuários de redes sociais e trouxe uma reflexão sobre o modo como a
subjetividade dos usuários está sendo construída a partir da vivência nesse mundo virtual.
Diante de uma sociedade em que a popularidade é medida pelo número de seguidores (amigos
virtuais), as “relações individuais e coletivas, particularmente no ciberespaço, têm despertado
o interesse dos estudiosos de redes sociais, dos sociólogos, etnógrafos virtuais e dos
ciberteóricos” (Costa, 2005, p. 236). Analisando o cenário atual, o que se vê são pessoas que
estão mais preocupadas em “provar que estão vivendo a vida” e o que era uma brincadeira de
compartilhamento de fotos e se transformou em um problema social.
Considerando o exposto, esse artigo propõe verificar as implicações da rede social
Instagram, na busca do self ideal e consequentemente, na constituição da subjetividade. A
escolha pelo Instagram como ambiente de pesquisa para estudar afetos, pensamentos, ações e
reações emocionais pode ser justificada por se tratar de um dos aplicativos atuais mais
importantes em termos de redes sociais. Os usuários, através de seus "perfis", postam fotos e
vídeos em que podemos ver a simbologia da busca pelo self ideal e padrões estéticos perfeitos
(Aprobato, 2018).

77
Na visão de Recuero (2009) as redes sociais são grupos de atores que se constituem através da interação medida
pelo computador.
78
A internet marca o nascimento de um novo tipo de comunidade, uma comunidade virtual, que reúne pessoas
online ao redor de interesses e valores partilhados (Recuero, 2009).
79
O Instagram pode ser catalogado como uma plataforma que funciona como uma rede social online que possibilita
aos seus usuários o compartilhamento de fotos e vídeos com outros usuários com interesses similares ou não
(Aprobato, 2018).
A definição de subjetividade elencada neste trabalho, refere-se a maneira que as pessoas

1432
se sentem e pensam com base no que elas experienciam através das redes sociais, ou seja, abarca
os significados atribuídos pelo sujeito no contato com a rede social Instagram. Já pelo conceito
de self, entende-se que “inclui um corpo físico, processos de pensamento e uma experiência
consciente de que alguém é único e se diferencia dos outros, o que envolve uma representação
mental das experiências pessoais” (Macedo & Silveira, 2012, p. 281).
As redes sociais, entre as quais está o Instagram, permitem a criação de perfis que,
apesar de serem geridos pelo sujeito, muitas vezes não expressam a sua “identidade real”, ou
melhor “quem a pessoa é”. Neste contexto, Rosa e Santos (2015), discorrem que a exposição
através desses espaços virtuais, refletem um mal-estar que acomete as pessoas na modernidade,
fazendo com que elas se comuniquem e compartilhem o que expõem nas redes sociais na
procura de uma suposta realização das necessidades Humanas.
Essa pesquisa propõe desvelar enquanto objeto de estudo as relações estabelecidas entre
os sujeitos e as redes sociais, com especial foco, na repercussão do uso dessas redes na
constituição do self dos sujeitos. Desta forma, o objetivo deste trabalho é refletir e provocar um
debate sobre essas questões no sentido de auxiliar os indivíduos no processo de formação da
subjetividade humana, de forma com que cada indivíduo possa mostrar-se como realmente é,
com isso, parte-se do princípio que vivemos em sua sociedade permeada por uma cultura do
consumo, na qual o ter é valorizado em primeiro plano, comparado ao ser, o que acaba por gerar
inúmeras situações de sofrimento psíquico.

Metodologia
A motivação pessoal para realização do estudo, advêm do interesse pelo estudo do self
em uma perspectiva fenomenológica na trajetória acadêmica da pesquisadora. Sentiu-se ainda,
a necessidade de discutir o tema considerando as contribuições do olhar do campo da Psicologia
para o entendimento da construção da autoimagem nas redes sociais. Dito isto, a pesquisa
justifica-se teoricamente por ampliar as discussões em torno da repercussão das redes sociais
na constituição da subjetividade humana na contemporaneidade, tendo em vista que essas
mídias digitais têm sido um espaço de socialização dos sujeitos e consequentemente
incorporam-se enquanto espaços de socialização e construção da identidade.
Acrescenta-se que, esse artigo trata-se de um ensaio teórico reflexivo que propõe uma
reflexão em torno temática da construção do self ideal e na relação sujeito e rede social
Instagram. Na compilação bibliográfica, foram selecionados artigos e livros de autores clássicos
e contemporâneos que versam sobre a relação sujeito e sociedade na liquidez contemporânea,
assim como, o entendimento da constituição do self dos sujeitos sob o olhar da Psicologia.
Desta forma, o debate da temática foi realizado através dos seguintes itens a serem
explanados: “Self ideal e a construção da autoimagem através das redes sociais”, “O
desempenho dos papéis sociais e a construção do Eu através das redes sociais”. Por fim, as
autoras tecem suas considerações sobre o estudo, constatando que existe uma forte repercussão
das redes sociais na constituição do self através das redes sociais. Torna-se, imprescindível a
discussão da temática, uma vez que a dissonância entre “aquilo que se é” e “aquilo que se
gostaria de ser” acaba por gerar adoecimento e sofrimento psíquico para muitos daqueles que
fazem o uso abusivo das redes sociais.

Self Ideal e a Construção da Autoimagem através das Redes Sociais


Reconhecendo a complexidade do termo self e a variedade de interpretações referentes

1433
a essa noção tão fundamental no desenvolvimento da psicologia e das ciências humanas em
geral, no primeiro tópico deste ensaio teórico reflexivo, pretendemos relacionar a exposição da
imagem através das redes sociais, com os processos de constituição do eu e desenvolvimento
do self na atualidade.
Inicialmente, destaca-se a importância dos processos sociais enquanto constituintes do
self e a importância de evitarmos concepções que propõem uma oposição entre o sujeito e a
sociedade como elementos independentes. Desta maneira, entendemos que a apropriação de
tecnologias digitais, como o Instagram, enquanto mediadores dos relacionamentos, e os
contextos digitais como arenas para exposição e apresentação de si, precisam ser entendidos no
cenário mais amplo das sociedades contemporâneas, cenários que pressupõe ampla liberdade
de escolha dos aspectos de si que serão apresentados, expostos e atualizados “através e nas”
interações sociais virtuais.
Segundo Rose (2011 apud Nejm, 2016), desde o século XX herdamos um entendimento
romântico de self, associado à profundeza das características pessoais, contudo, a partir do
século XX, temos uma mudança nesta perspectiva romântica, em detrimento de uma concepção
racional balizada na exaltação da liberdade atrelada a ideia de consumo, seria uma liberdade
para as escolhas dos bens materiais e dos referenciais identitários. Portanto, as definições de
self se alteram conforme as mudanças sociais, políticas e econômicas de cada contexto
histórico.
Neste cenário, a internet possibilitou a criação de novos espaços de interação social que
foram implementados na arena das experimentações sociais e de construção da autoimagem.
Conforme Souza, Freitas e Biagi (2017), a sociedade contemporânea que passou pelo processo
de globalização, está vivenciando a era digital, onde todos estão em constante movimentação
mesmo que estejam parados frente a uma tela de computador, pois, as pessoas podem estar em
qualquer lugar com apenas um clique.
Desse modo, a construção da autoimagem nas redes se transformou em um método para
se mostrar, não como a pessoa é, mas como ela gostaria que as outras pessoas o vissem. “O
mundo virtual tomou conta do mundo real, estar conectado à Internet passou a fazer parte da
rotina de muitas pessoas” (Souza, Freitas & Biagi, 2017, p. 119) as quais tem se mostrado cada
vez mais dependentes do mundo digital.
A construção do self através das redes sociais está constantemente passando por
adequações e nessa perspectiva, “o homem moderno então precisa significar suas vivências se
relacionando com essa sociedade atual e com as novas tecnologias que surgem a cada instante”
(ouza, Freitas & Biagi, 2017, p. 126). Dessa forma, a geração atual presencia a ressignificação
sociais e a maneira como os indivíduos estão se relacionando de modo a transformar e ser
transformado por esse novo contexto cultural.
Conforme Nunes (1997, p. 46), no contexto da abordagem rogeriana, o conceito de self
é definido como “uma estrutura ou uma configuração perceptual que são vivenciadas por cada
pessoa e estão em constante mutação”. O self de cada indivíduo é construído ao longo da vida
e é fortemente influenciado pela cultura em que o ser humano está inserido. Em outras palavras,
o Self é a construção de si, como a pessoa é enquanto pessoa, como se comporta, como pensa,
como age, como sente, como encara o mundo.... Definindo a personalidade de cada ser humano.
Um outro conceito referido por Rogers é o de “Self Ideal” o qual significa o conjunto
de atributos ou de características que o indivíduo desejaria poder enunciar como suas pois
quanto maior for o grau de discrepância vivenciado pela pessoa entre o Self e Self Ideal maior
é o sofrimento. De acordo com Nunes (1997, p. 47) “esta autopercepção leva-a a vivenciar

1434
sentimentos de baixa autoestima, sentimentos de desvalorização e, por vezes, é fonte de uma
certa inadequação social”.
Na tentativa de aceitação social é possível observar uma sociedade cada vez mais
dependente de atenção e na busca por expandir o número de seguidores (amigos virtuais) o que
se vê são pessoas construindo personagens de si mesmas, montando a sua autoimagem a partir
da perspectiva de um Self Ideal “que surge como uma identidade artificial produzida com vistas
à adaptação do sujeito a um ambiente ou grupo” (Silva, Peixoto & Pereira, 2011, p. 5). Nesse
sentido, é possível dizer que o homem constrói uma fachada fantasiosa onde ele molda a sua
vida seguindo padrões que, na perspectiva dele, é o de perfeição.
No entanto, para Campanhole e Moura (2013) o que se pode perceber analisando os
perfis de redes sociais, de pessoas que você conhece na vida real, a conclusão que se vai chegar,
na maioria dos casos, é de que as pessoas não são tão bem sucedidas como mostram; não são
tão positivas como mostram; não acordam de bom humor; não estão tão felizes em seus
relacionamentos; não gostam de suco verde nem de comidas naturais; não se importam tanto
com animais abandonados e com o meio ambiente. Para os referidos autores, “a construção de
identidade nas redes sociais, potencializou a constituição de identidades múltiplas, nesse
sentido, torna-se um desafio o processo de percepção do Outro” (Campanhole & Moura, 2013,
p. 42)
Segundo Goffman (1985, p. 27), a relação com o coletivo nas redes sociais é forjada, e
divulgada, por uma sequência de imagens que conta a história de uma vida em que o
personagem principal é o próprio autor. As plataformas digitais (como Instagram, Facebook e
Twitter) servem como expositores da vida que a pessoa gostaria de ter.
No contexto atual da sociedade pós-moderna, é possível afirmar que likes e comentários
em fotos postadas nas redes sociais, servem como impulso para se manter a autoestima; mesmo
que seja criando uma imagem falsa de si mesmo. Nesse sentido, não há como negar que as redes
sociais mudaram o sentido de interação social na sociedade pós-moderna. De acordo com
Goffman (1985, p. 41) “quando um indivíduo se apresenta diante dos outros, seu desempenho
tenderá a incorporar e exemplificar os valores oficialmente reconhecidos pela sociedade”. Com
essa observação entende-se, portanto, que as pessoas estão invertendo valores de forma a
construir uma identidade que reflita uma falsa personalidade de si mesmos.

O desempenho de papéis sociais e a construção do Eu (Self) através das redes sociais


Este segundo item do ensaio teórico, discorremos sobre a importância dos papéis sociais
na constituição do conceito do Eu (self). Neste ínterim, os papéis sociais estão diretamente
relacionados às expectativas sociais da sociedade em torno da expressão do sujeito em suas
relações sociais, ou seja, repercutem diretamente na constituição do self. Quando pensamos na
rede social Instagram, partimos do pressuposto que o sujeito busca suprir a expectativa social
de exercer os papéis sociais esperados por um grupo social quando constitui seu perfil na
referida rede social.
Ao pensar no termo "Papéis Sociais80” é importante entender que dentro de uma
sociedade as pessoas desempenham papéis onde eles estabelecem os direitos e deveres de cada

80
Os papéis sociais permitem-nos compreender a situação social, pois são referências para a nossa percepção do
outro, ao mesmo tempo que são referências para o nosso próprio comportamento. Se no encontro social nos
apresentamos como ocupantes da posição de professores ou autores de um livro, sabemos como nos comportar,
indivíduo a partir da posição que este esteja ocupando ou da imagem que quer transmitir ao

1435
outro. Um exemplo disso, é quando uma mulher tem um filho e, culturalmente, em nossa
sociedade se evidencia que a maternidade é o melhor presente que uma mulher poderia receber.
Existem "papéis" que devem ser cumpridos, por essa mulher, para que a mesma seja
“encaixada” na categoria de “boa mãe”.
Analisando situações como essa é possível observar, conforme Goffman (1985, p. 28),
que o indivíduo pode tentar induzir as outras pessoas a julgá-lo de um ponto particular, mesmo
que não mereça a avaliação por ele almejada.
É válido ressaltar que há uma grande pressão da sociedade para que as pessoas cumpram
o papel social que é estabelecido pela cultura em que o indivíduo está inserido, pois, é
fundamental que o sujeito se adapte às normas de comportamento que vão dizer como se
comportar em diferentes ambientes. “Neste ponto de vista, esse processo de expressão de si
mesmo advém de maneira recíproca entre os utilizadores que tendem a expor ou não
determinados traços e características próprias” (Rosa & Santos, 2015, p. 922).
Diante de uma sociedade que não consegue mais viver sem a internet é preciso adaptar-
se às regras do mundo e das comunidades virtuais. No entanto, é relevante destacar que não é
o intuito deste trabalho apresentar as redes sociais com uma plataforma que só trouxe prejuízos
ao processo de socialização. Pois, fazer tal afirmação não seria verdade. De acordo com Dias
et al. (2019, p. 2) o ambiente virtual introduz mudanças em praticamente todos os setores sociais
e culturais, possibilitando diferentes modalidades de relação entre as pessoas; o que pode, em
alguns casos, ser visto como um fato positivo no processo de aproximação entre os indivíduos.
O ser humano tem a necessidade de se relacionar e essas ferramentas foram criadas no
intuito de facilitar esse processo; entretanto, além de comunicação, as redes sociais passaram a
ser usadas como vitrines onde as pessoas expõem suas vidas, e constroem uma autoimagem
que, em alguns casos, não condiz com a sua realidade. “Conquistar a estima, o respeito e a
confiança de um estranho significa trabalhar na construção de um laço afetivo mais amplo que
aquele de nossas parcialidades” (Costa, 2005, p. 242) e assim, as redes sociais fazem surgir
novos valores que despertam o interesse dos usuários e faz a cada dia crescer o número de
adeptos a esse modelo de interação social.
No mundo da internet as pessoas sentem como se vivessem em um mundo paralelo
onde é possível ter a vida que almejam e exibi-la através do compartilhamento de fotos, que
serve como fachada onde a sua real personalidade pode ficar oculta. Nesse processo de
socialização sabe-se que a subjetividade é construída através das relações sociais; é fluida e
pode ser transformada ao longo da vida do indivíduo. “Os vários questionamentos que emergem
acerca das subjetividades nas redes sociais estão atrelados às identidades múltiplas que o
cibernauta tem a possibilidade de constituir” (Campanhole & Moura, 2013, p. 42). Nesta
perspectiva, um estudo publicado por Recuero (2014), expõe sobre o impacto das ferramentas:
curtir, compartilhar e comentar da rede social Facebook, apresentou o impacto que essa
plataforma digital estava causando na construção da subjetividade dos indivíduos.
É primordial destacar que esse processo de comunicação é o que faz a concepção de
homem enquanto pessoa. “O homem só se torna homem, só se humaniza, enquanto se apropria
dos mediadores construídos culturalmente, dos conhecimentos construídos pela humanidade ao
longo de seu desenvolvimento sócio histórico”. (Aita & Facci, 2011, p. 32). Nesse contexto, é

porque aprendemos no decorrer de nossa socialização o que está prescrito para os ocupantes dessas posições. Se
formos convidados a proferir uma palestra na sua escola, não iremos vestidos como se estivéssemos indo para o
clube (Bock, Furtado & Teixeira, 1999).
preciso salientar que para Rogers (p. 37) o ser humano “progride na identificação dos agentes

1436
primários que provocam uma alteração que facilita a evolução da personalidade e do
comportamento no sentido de um desenvolvimento da pessoa.
É evidente a influência que as redes sociais trouxeram para formação do “Eu”; é nítido
que “além de propiciar o compartilhamento de ideias e de vivências, produz certo senso de
pertencimento e de identidade entre os usuários (Rosa & Santos, 2015, p. 917). Entretanto, a
escolha das fotos que serão publicadas, nas páginas dos usuários de redes sociais, pode ser
conceituada como a demonstração, não de como a pessoa é, mas, de como ela gostaria de ser
reconhecida.
É nítido que o comportamento das pessoas em redes sociais é estimulado pelo número
de curtidas em uma publicação e a quantidade de likes é o que vai dar sentido a sua vida. “As
características das pessoas fazem parte do significado que elas vão dando as coisas, ao sentido
que elas dão ao mundo” (Souza, Freitas & Biagi, 2017, p. 123), desse modo, as imagens que
são compartilhadas em perfis como Instagram, Facebook ou Twitter vão se tornando cada vez
menos realistas e mais artificiais e divulgar sucesso pessoal se transformou em uma “obrigação”
nas plataformas digitais.
No caso do aplicativo Instagram, verifica-se que ele corresponde a um culto da imagem
perfeita, o que pode levar os indivíduos a apresentarem uma distorção da própria vida e de si
mesmos. Assim a pesquisa de Silva et al (2019), mostra que a referida rede social se trata de
uma vitrine permeada de expectativas sociais que fixa seus usuários em padrões de beleza e de
consumo. Consequentemente, essa rede social quando utilizada em excesso, pode acabar por
ser um desencadeador de inseguranças e insatisfação com a própria vida.
Já na pesquisa de Aprobato (2018) identificou-se através da rede social Instagram,
elementos referentes a constituição dos papéis sociais e self relacionados ao "corpo perfeito" e
ao discurso de busca pela "eterna juventude" que pode ser compreendida como um produto de
consumo complexo, composto por dois outros discursos subjacentes: a) o da saúde e bem-estar,
composto por: fórmulas de hábitos saudáveis, incentivo da prática de atividade física e
reeducação alimentar; b) o das promessas de fórmulas e respostas de celebridades sobre
exercícios físicos específicos, alimentos saudáveis e funcionais, recursos estéticos milagrosos
como: maquiagem, cirurgias plásticas, vitaminas, suplementos, cremes e procedimentos
dermatológicos.
Diante do exposto e tendo em vista que o homem está constantemente passando por um
processo de transição, é útil destacar que “os conhecimentos que evidenciam frutos, tanto
negativos quanto positivos do uso das redes sociais, inclinam-se a delimitar o surgimento de
novidades acerca de possibilidades elucidativas” (Ferreira & Amaral, 2017). Isso quer dizer que
a relação desse sujeito com o meio cultural em que está inserido, será afetado podendo provocar
uma subjetividade, que moldada a partir da concepção que este deseja para si, especialmente
quando ele se relaciona às redes sociais.

Discussão e Conclusão
Com o advento da internet, a sociedade pós-moderna está vivenciando um novo conceito
de sociabilização, de modo a considerar indispensável o uso de redes sociais em seu cotidiano.
Desse modo os indivíduos vão adaptando a sua vida de forma a moldá-la de acordo com padrões
que, dependendo do momento, se julguem ser os ideais.
Com o presente estudo, constatou-se que as redes sociais afetam diretamente o

1437
comportamento dos usuários e influenciam fortemente a construção de uma autoimagem (self)
que se distingue da realidade vivenciada pelos usuários. É fato que a utilização das redes sociais
não é de todo um processo prejudicial ao indivíduo, pois, de um certo modo, a utilização das
plataformas digitais tem o intuito de aproximar as pessoas e auxiliar no processo de interação
social. Portanto, vale salientar, que não é o objetivo deste trabalho apontar as redes sociais como
algo que somente implica prejuízo à vida dos indivíduos.
No entanto, a pesquisa busca compreender a constituição do self dos sujeitos na vivência
das redes sociais e problematizar o impacto do uso das redes sociais na constituição do self
(auto-conceito) destes usuários. Nessa perspectiva, o estudo demonstrou que nas redes sociais
os indivíduos querem alcançar um padrão de perfeição que não existe no mundo real e essa
busca pela perfeição pode se transformar em sofrimento e evoluir para um quadro de ansiedade
ou depressão.
Identificou-se a presença de poucos materiais que versam sobre as repercussões do
Instagram na constituição do self. Contudo, a partir das análises feitas com o material
encontrado, observou-se que os perfis de redes sociais não são o reflexo da vida das pessoas; o
que acontece efetivamente é que as pessoas projetam em suas redes sociais, a partir do
compartilhamento de fotos, o estilo de vida que gostariam de ter.
Com base no estudo realizado, surgiram também questionamentos sobre o
desenvolvimento da autoestima que, segundo Carl Rogers, é característica de todo ser humano.
É fato que o processo de construção da autoimagem em redes sociais também está atrelado à
concepção de onde se quer chegar e a internet pode ser utilizada como válvula de escape para
expressar esses desejos. A aceitação social será a recompensa no sentido de elevar a autoestima
do indivíduo, mesmo que o que se deseja para si, seja algo inalcançável.
Em decorrência de todo esse processo de evolução, e entendo que os processos
tecnológicos tendem a progredir, se faz necessário que pesquisas em torno desta temática
estejam sempre em atualização visando acompanhar os impactos que esse novo modo de
interações sociais está causando na vida cotidiana dos indivíduos. Assim, essa pesquisa buscou
problematizar uma temática que tem sido pouco explorada no meio acadêmico e científico,
sendo identificada a necessidade de elaboração de pesquisas empíricas sobre essa temática que
tem muito a dialogar com o campo da psicologia.
É emergente abordar o impacto das redes sociais na constituição da subjetividade dos
sujeitos, uma vez que, abordar sobre esse tema é também entender as formas de sociabilidade
dos sujeitos na contemporaneidade. Sendo também, um caminho para elucidar quem é o sujeito
atual e quais as suas aspirações pessoais em uma sociedade capitalista e marcada pela presença
de padrões de consumo e exposição que podem gerar sofrimento psíquico.

Referências
Aita, E.; Facci, M. (2011). Subjetividade: uma análise pautada na psicologia sócio histórica.
Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 17, n. 1, p. 32-47.
Aprobato, V. (2018). Corpo digital e bem-estar na rede Instagram: um estudo sobre as
subjetividades e afetos na atualidade. Bol. - Acad. Paul. Psicol., São Paulo, v. 38, n. 95, p.
157-164.
Bock, A., Furtado, O. & Teixeira, M. (1999). Psicologias: Uma introdução ao estudo das

1438
psicologias. São Paulo: Saraiva.
Campanhole, S. & Moura, V. (2013). Entre o eu e o outros nas relações de subjetividade nas
redes sociais. Aurora: revista de arte, mídia e política. São Paulo, v.6, n.16, p.41-64.
Carrera, F. (2012). Instagram no Facebook: uma reflexão sobre Ethos, consumo e construção
da subjetividade em sites de redes sociais. Revista Interamericana de Comunicação
Midiática, v. 11, n. 22.
Costa, R. (2005). Por um novo conceito de comunidade: redes sociais, comunidades pessoais e
inteligência coletiva. Interface: comunicação, saúde e educação. São Paulo, v. 9, n. 17, p.
235-248.
Dias, V. et al. (2019). Adolescentes na rede: riscos ou ritos de passagem. Psicologia: Ciência
e Profissão, v. 39, n. 1, p. 1-15.
Ferreira, G. & Amaral, A. (2017) Redes sociais: influências na construção da subjetividade do
indivíduo. In: X semana de psicologia, 3., 2017, Patos de Minas. Resumos. Patos de Minas,
2017, p. 36-37.
Goffman, E. (1985) A representação do eu na vida cotidiana. 10ª ed. Petrópolis. Editora Vozes.
Macedo, L. & Silveira, A. (2012) Self: Um conceito em desenvolvimento. Revista Paidéa, v.
22, n. 52, pp. 281-289.
Nejm, R. (2016) Exposição de si e gerenciamento da privacidade de adolescentes em contextos
digitais. Tese (Doutorado em Psicologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas - Universidade Federal da Bahia. Salvador, p. 280.
Nunes, M. (1997) Valores e reorganização do self: estudo exploratório realizado numa
comunidade terapêutica carismática de toxicodependentes. 1997. 193 f. Dissertação
(Mestrado em psicopatologia e psicologia Clínica) – Instituto Superior de Psicologia
Aplicada, Portugal, 1997.
Rosa, G. & Santos, B. (2015) Repercussão das redes sociais na subjetividade de usuários: uma
revisão crítica de literatura. Temas em Psicologia, v. 23, n. 4, p. 913-927.
Recuero, R. (2009) Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina.
Recuero, R. (2014) Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversão e redes sociais
no Facebook, Verso e reverso, XXVIII. p. 114-124.
Silva, G.; Peixoto, A. & Pereira, R. (2011) Profiles de redes sociais virtuais como extensão do
self: um olhar através das lentes do método arqueológico. In: Anais - XXXV Encontro da
ANPAD, Rio de Janeiro, pp.1- 17.
Silva et al. (2019) A influência do Instagram no cotidiano: Possíveis impactos do aplicativo em
seus usuários. Intercom- Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplines da Comunidade.
Anais: XXI Congresso de Ciências da Comunicação na região Nordeste, São Luís, pp. 1-
17.
Silva, I. & Gunther, I. (2000) Papéis sociais em uma perspectiva de curso de vida. Psicologia:
teoria e pesquisa. Distrito Federal, v. 16, n. 1, p. 031-041.
Souza, G.; Freitas, T, & Biagi, C. (2017) A relação das mídias sociais na construção da
autoimagem na contemporaneidade. Akrópolis Umuarama, v. 25, n. 2, p. 117-128.
UMA VISÃO ANÁLITICO-COMPORTAMENTAL SOBRE O USO E A

1439
DEPENDÊNCIA EM SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
Damares Lima de Sousa
Airles da Silva Ximenes
Antônio Renan Santana
Gutemberg de Sousa Moreira
Francisco Mayckson Felismino Lopes
Renata Vieira de Sousa

1 Introdução

O uso de substâncias psicoativas faz parte da civilização há bastante tempo. Foram


empregadas em diversos contextos, como religiosos, ao proporcionar sentimento de elo com
divindades, em contextos de caráter recreativos, ao proporcionar sentimento de desinibição e
favorecer as relações sociais e para fins terapêuticos, com caráter de tratamento medicamentoso.
A depender de cada época, fatores sociais, econômicos e culturais, bem como motivações para
o uso, assumiam características positivas ou negativas. Tais substâncias são capazes de
modificar as funções do organismo humano, agindo sobre a percepção e expressões do
comportamento (Macrae & Vidal, 2006; Nunes & Jólluskin, 2007).
Nos últimos séculos, essas substâncias foram divididas em lícitas e ilícitas. O uso
compulsivo foi caracterizado como dependência em ambas as definições. No que concerne às
substâncias psicoativas ilícitas, seu uso foi marcado por uma conotação negativa, e a
dependência nelas alçou-as à categoria de problema social e de saúde pública. Muitos governos
adotaram uma perspectiva proibicionista e de combate ao uso dessas substâncias, chamadas
popularmente de “drogas”, traçando planos e modelos de prevenção para o uso das mesmas.
No entanto, é cada vez mais consensual entre os especialistas que proibição e repressão são
medidas ineficazes para lidar com tal problemática. A educação e a informação correta sobre
tais substâncias e seus efeitos se mostraram como caminhos mais eficazes no manejo das
problemáticas suscitadas pelo uso compulsivo (Vargas et al., 2008).
Nesse sentido, a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) (OMS, 1994),
caracteriza a Síndrome de dependência como sendo um conjunto de eventos comportamentais,
cognitivos e de âmbito fisiológico que surge a partir de repetidas exposições ao uso da
substância psicoativa, sendo acompanhado pelo desejo de consumo e dificuldade de controle,
mesmo que o uso contínuo de tal substância acarrete prejuízos ao usuário. Esta classificação
ainda aponta diferenças entre uso nocivo, abuso e dependência. No primeiro caso, o uso nocivo
acarreta danos à saúde física ou mental, sendo percebidos prejuízos reais à saúde dos usuários.
O abuso se caracteriza pelo uso nocivo das substâncias psicoativas. Por fim, a dependência de
substâncias segue critérios mínimos que auxiliam no diagnóstico, como forte compulsão e
desejo de consumo da substância, dificuldade em dirigir o comportamento de consumo,
sentimento de abstinência fisiológica quando da não utilização da substância ou redução do
consumo, ou quando se faz a utilização para evitar a sensação de abstinência, traços de
desenvolvimento de tolerância à substância, sendo então necessário administrar doses mais
altas para atingir os efeitos desejados, abandono de atividades e interesses que proporcionavam
prazer, bem como a insistência no uso da substância em contrapartida a todos os males que este
pode acarretar.
Dessa forma, existe uma padronização de autoadministração repetida, que geralmente

1440
resulta em uma tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de consumo da droga. Os
padrões de consumo de substâncias na contemporaneidade são muito diversos, sendo a
dependência o último estágio. A discussão e cuidado em relação a ela implica encará-la dentro
de um modelo biopsicossocial de saúde, considerando o paciente em sua totalidade e encarando-
o com seu potencial ativo no processo saúde/doença. Dessa maneira, o tratamento do indivíduo
dependente deve abranger tanto ele, quanto o impacto e as consequências que o seu consumo
traz diante das diversas áreas de sua vida (Pratta, 2009).
Sob esse panorama, faz-se relevante a reflexão sobre o comportamento de uso abusivo
e dependência em drogas, podendo, dessa forma, indicar soluções para esta questão que assumiu
contornos de problema de saúde pública. A reflexão que se segue objetiva pensar o
comportamento de uso, abuso e dependência de substâncias sob o ponto de vista da análise
comportamental.

2 Desenvolvimento

A princípio, a tentativa de compreender o comportamento de uso abusivo de drogas é


desafiadora. À luz da análise comportamental, todo comportamento é resultante da interação
do indivíduo com seu ambiente. Nesse sentido, o uso abusivo de drogas, salvo algumas
exceções, é também produto dessa interação, sendo um comportamento como qualquer outro.

A droga é então definida como um estímulo cuja função dependerá das


consequências que produz e/ou do contexto em que é administrada. Por
exemplo, pode funcionar como reforçador positivo, ou seja, aumentar a
probabilidade de resposta do comportamento de autoadministração
pelos efeitos que produz; ou como reforçador negativo, como no caso
da autoadministração gerada pelo alívio dos sintomas de abstinência
(Garcia-Mijares & Silva, 2006, p. 218).

Dessa forma, a dependência em drogas seria o uso abusivo de substâncias em


contrapartida aos prejuízos que podem ser acarretados ao indivíduo. Tais prejuízos e
consequências negativas, no entanto, tenderiam, em tese, a diminuir o comportamento de uso,
mas não é isso que se observa. O que explica, então, o vício? “Por que o comportamento de
autoadministração da droga aumenta mesmo quando suas consequências negativas podem
chegar a superar as positivas?” (Garcia-Mijares & Silva, 2006, p. 219). Há alguma alteração no
organismo que justifique o vício?
Nesse sentido, no decorrer dos anos, várias teorias vieram de encontro para tentar
elucidar essas questões da dependência em drogas. Para a Análise do Comportamento, o abuso
de substâncias é aprendido, possuindo estímulos condicionados que reforçam o comportamento
em detrimento dos graves prejuízos do uso. Apesar de as drogas poderem causar alterações e
danos no organismo humano, apenas um modelo neurofisiológico, que leva em consideração as
reações químicas da droga no organismo, não seria suficiente para explicar por que, por
exemplo, pacientes que recebem doses de morfina como analgésico não desenvolvem
dependência, enquanto aqueles que auto administram a droga manifestam (Ibidem, 2006).
É nesse sentido que outras formas de tentar esclarecer a dependência em drogas, além
de fatores fisiológicos, foram surgindo, como a Teoria Racional Emotiva, que consiste na
existência de padrões de dinâmica cognitiva que explicam o início e a manutenção da

1441
dependência, sendo esses padrões associados a determinadas crenças, que são resultado de um
evento problemático, conduzindo a um mal-estar emocional, desencadeando baixa tolerância à
frustração, conduzindo, assim, ao consumo para obtenção de alívio. Já a Teoria dos Construtos
Pessoais atribui aos contatos iniciais com a droga um fator importante para se instalar a
dependência. Nesse sentido, caso o indivíduo antecipe, de modo satisfatório, aspectos de sua
vida relacionados ao consumo, então a dependência torna-se muito provável. A Teoria
Comportamental da dependência como escolha, de Heyman, defende que os organismos, por
estarem sempre se comportando, acabam elegendo determinados comportamentos a despeito
de outros, o que caracterizaria situações de escolha. Outra teoria é a da Sensibilização do
Incentivo, que caracteriza a dependência em drogas devido a circuitos neurais que são ativados
constantemente quando se dá o contato com a droga. Por fim, a Teoria Neurobiológica da
Dependência como Escolha busca conectar as teorias acima descritas, descrevendo tanto
componentes fisiológicos quanto comportamentais para explicar a dependência em drogas
(Garcia-Mijares & Silva, 2006).
Desse modo, sob o ponto de vista da Análise Comportamental, o uso e a dependência
em drogas não são considerados patologias, tendo em vista que são comportamentos que
seguem as mesmas leis e princípios comportamentais. Tais condutas, no entanto, devem ser
vistas não como conjuntos de determinantes apenas neurofisiológicos, mas também deve-se
levar em consideração o comportamento que é aprendido por meio de um condicionamento
respondente, onde estímulos previamente neutros passam a eliciar respostas. No caso, não
somente a droga, o estímulo antecedente, como outras variáveis que se apresentam durante o
seu uso, a exemplos, o grupo de amigos e o local onde ocorreu o uso, que a priori eram estímulos
neutros, passam a fazer parte do condicionamento do indivíduo por meio de um
emparelhamento de estímulos, tornando-se estímulos eliciadores.
Ademais, um fator que deve ser levado em consideração a respeito desse
comportamento é a tolerância. Esse conceito diz respeito ao fato do organismo, por meio do
processo de homeostase, buscar produzir efeitos contrários aos que são produzidos pela droga,
pouco antes do uso, de forma a manter o equilíbrio do organismo. Sendo assim, uma droga que
produz efeitos de relaxamento, teria o efeito compensatório de agitação do organismo, em uma
forma de compensar os efeitos da droga e na tentativa de reestabelecer o equilíbrio fisiológico
anterior.
Dessa forma, com o organismo produzindo esses efeitos compensatórios ao uso da
droga, o indivíduo passa a apresentar uma tolerância em relação à dosagem tomada
anteriormente, sendo necessário uma quantidade maior da droga para produzir os efeitos
iniciais. Mediante a esta tolerância, nos momentos em que o indivíduo é exposto aos estímulos
condicionados, sem que seja apresentada a droga, o organismo produzirá os efeitos
compensatórios em alta magnitude, gerando a abstinência. Esse estado de abstinência, por sua
vez, pode ser definido pela CID-10 (OMS, 1994) como: “um conjunto de sintomas de
agrupamento e gravidade variáveis, ocorrendo em abstinência absoluta ou relativa de uma
substância, após uso repetido e usualmente prolongado e/ou uso de altas doses daquela
substância” (idem, p. 74).
Esses sintomas de abstinência, ao serem eliciados por estímulos condicionados, como o
ambiente em que a droga era consumida, evocam a resposta de uso da droga. Diante disso, é
notável o porquê de as intervenções realizadas com usuários em clínicas de reabilitação,
internações ou prisões, muitas vezes, não surtirem um resultado prolongado, tendo em vista que
o indivíduo é afastado totalmente da droga, mas ao voltar ao seu ambiente e à sua rotina, ele
entra em contato com os estímulos condicionados que podem eliciar a resposta de usar a droga

1442
novamente.
Todavia, o comportamento de uso de drogas pode ser controlado por inúmeras variáveis,
como os fatores de vulnerabilidade, existindo organismos mais suscetíveis aos efeitos da droga;
os reforços positivos advindos do uso, não somente os efeitos fisiológicos, mas também os
efeitos sociais, como ser aceito ou respeitado em um determinado grupo; os reforços negativos
de uso, na tentativa de aliviar os sintomas de abstinência, e outras. Todas essas variáveis são de
extrema importância na clínica de intervenção da dependência, no momento de realização da
análise funcional desse comportamento, levando em conta as suas contingências. Diante desta
análise funcional, pode-se intervir nesse comportamento por meio de um tratamento.
O papel da terapia comportamental é levar o cliente ao autoconhecimento pessoal,
ampliar as possibilidades de soluções para problemas futuros, ajudando-o a se libertar dos
controles coercitivos, melhorando, assim, a qualidade de vida (Skinner, 1953).
Para a intervenção no uso abusivo de drogas algumas possibilidades podem ser citadas.
A primeira é a extinção respondente, que é um processo de enfraquecimento da função
eliciadora do estímulo condicional (Pavlov, 1980). Quando é apresentado um estímulo
condicional (CS) sem que o estímulo incondicionado (US) seja apresentado junto, o CS para de
evocar a resposta eliciada (CR). A extinção acontece quando deixa de existir uma contingência
que faça relação entre CS e CR. No tratamento de drogas essa extinção poderia ser apresentada
levando o cliente a imaginar e, em alguns casos, vivenciar situações que usava drogas ou que
precedem o uso. A intenção de usar esse estímulo imaginado é promover a extinção
respondente.
O trabalho do psicólogo também é lidar com as situações que promovam o estímulo
correspondente e possibilitar que o ex-usuário possa voltar para situações comuns no dia a dia;
esse é um fator importante no tratamento de dependência química, pois ajuda o terapeuta a
descobrir quais são os repertórios que são necessários e como instalá-los. Outro ponto que pode
ser usado na clínica comportamental é trabalhar as habilidades sociais do ex-usuário, como ele
vai se comportar num ambiente com pessoas que fazem o uso de drogas. Segundo os estudos
de Conklin e Tiffany (2002), o trabalho terapêutico se torna mais eficaz quando acontece no
ambiente natural do dependente.
A estratégia de enfrentamento às drogas até o início da década de 80, se pautava em um
hiato entre a segurança e a saúde pública, sendo basicamente uma guerra às drogas, com redução
da oferta e da demanda. Todavia, foi notório o aumento na variedade e no uso e abuso das
substâncias, principalmente ilícitas. A partir da segunda metade da década de 80, começou-se
a pensar em estratégias que entrecruzassem a segurança e a saúde pública, tendo como fator
desencadeante a epidemia de AIDS da década de 80, e a crescente disseminação da doença
entre os usuários de drogas injetáveis (UDIs). Para Mesquita (1991), a difusão da epidemia
entre essa parcela de usuários, serviu para denunciar os incipientes serviços de saúde pública
na questão referente às drogas, a ineficácia dos tratamentos e a falta de informação sobre a real
proporção do problema.
A tentativa implementada pelo governo brasileiro, entre outros países, com o intuito de
preservar a vida dos usuários de drogas, foram os Programas de Redução de Danos, que se
apresentam em contraposição a lógica da abstinência, e apesar de terem sido criados com o
intuito de possibilitar uma vida mais estável e mais útil em sociedade para os dependentes
químicos (Fonsêca, 2012), sofreram duras críticas populares e sociais. Machado e Boarini
(2013) definem a estratégia de redução de danos como mais uma maneira de se abordar o
usuário de drogas, descentrando o foco do problema da erradicação e da abstinência e
privilegiando o direito à saúde de todos e o respeito à liberdade individual daquele que não

1443
deseja ou não consegue interromper o uso da droga. No Brasil, por exemplo, o Programa de
Redução de Danos foi introduzido no ano de 1989 pontualmente no município de Santos (SP),
para em seguida se expandir como ação dentro da política nacional, de início como uma
estratégia de saúde pública em prevenção ao HIV, através dos PTSs (Programas de Troca de
Seringas).
Durante esse processo, existiram e ainda existem conflitos de alguns segmentos, como
a Igreja Católica e a polícia federal, de que o PRDs incentivam indiscriminadamente o uso de
drogas ilícitas, e consequentemente, o crime. Todavia, é necessário argumentar que os
fundamentos da estratégia não incluem a legalização de drogas, uma vez que enfocam a saúde
e a minimização dos danos decorrentes do uso, do abuso ou da dependência de drogas (Machado
& Boarini, 2013). De algum modo, esses conflitos trazem à tona o debate entre segurança e
saúde pública que existe ainda hoje e a visão moralista do uso de psicoativos.
Nas duas últimas décadas, desde a aprovação da Lei Federal nº 10.216 de 2001 (Brasil,
2001a) que contemplou o movimento da reforma psiquiátrica na área da saúde mental, a
estratégia de redução de danos foi sendo incorporada à legislação brasileira sobre drogas e
coube à saúde pública, especificamente a saúde mental, a responsabilidade sobre os usuários de
drogas, que agora possuem o direito ao tratamento e à reinserção social, por lei (Machado &
Boarini, 2013). Além disso, a Política Nacional Antidrogas (PNAD) aprovada em 2001 com
discurso proibicionista, paradoxalmente apoia o uso de estratégias de redução de danos, no
entanto, sem definir quais e como seriam tais estratégias.
Desde 2003, com a política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de
álcool e de outras drogas, e em 2005, com a transformação da PNAD em Política Nacional
sobre Drogas, além de muitos outros eventos, a estratégia de redução de danos foi ganhando
visibilidade e fomentando críticas às políticas proibicionistas. Atualmente, ainda que hajam
desafios, podemos perceber uma mudança de paradigma e uma ampliação dos discursos
vigentes sobre os PRDs e as suas implicações na saúde pública e na segurança no Brasil.

3 Considerações Finais
Diante do exposto, fica evidenciado que as substâncias psicoativas, por fazerem parte
da civilização desde tempos remotos, admitiram os mais diversificados usos conhecidos e
relatados, sendo atravessadas por vários contextos e situações. É nesse sentido que na
contemporaneidade, elas tornaram-se mais disseminadas, acessíveis e assumiram dimensões de
problema de saúde pública e social. Nessa perspectiva, assiste-se à tentativa de combate às
drogas, buscando-se metodologias diversificadas para enfrentar tal questão, como os programas
que buscam minimizar os riscos de utilização dessas substâncias e, também, formas de
tratamento que não descontinue o uso de forma abrupta.
Desse modo, várias teorias surgiram na tentativa de explicar a questão da dependência
em drogas, explicitando conceitos que levam em consideração os componentes fisiológicos,
como o processo de homeostase e os distúrbios fisiológicos, e componentes comportamentais,
que buscam explicar a abstinência em relação à substância, o processo eliciador de estímulos
condicionados e os reforços positivos advindos de tal uso.
Dessa maneira, conhecendo-se os fatores que suscitam o comportamento do uso e da
dependência em drogas, busca-se melhores metodologias de abordar tais temáticas, priorizando
o indivíduo diante do tratamento. Diante disso, evidencia-se o ponto de vista diferenciado da
Análise do Comportamento no que diz respeito ao usuário ou dependente de drogas, que
diferentemente de outras ciências que classificam o uso de drogas a partir de uma ótica

1444
patologizante, contempla a relação de interação entre indivíduo e meio, na qual o uso abusivo,
ou não, de entorpecentes, é visto como uma relação complexa aprendida e fomentada por
diversas variáveis externas ao sujeito.

Referências
Andrade, T. M. D. (2011). Reflexões sobre políticas de drogas no Brasil. Ciência & Saúde
Coletiva, 16, 4665-4674.
Benvenuti, M. F. (2007). Uso de drogas, recaída e o papel do condicionamento respondente:
Possibilidades do trabalho do psicólogo em ambiente natural. A clínica de portas abertas:
Experiências e fundamentação do acompanhamento terapêutico e da prática clínica em
ambiente extraconsultório, 307-327.
Conklin, C. A. & Tiffany, S. T. (2002). Applying extinction research and theory to cue‐exposure
addiction treatments. Addiction, 97(2), 155-167.
Fonsêca, C. J. B. (2012). Conhecendo a redução de danos enquanto uma proposta ética. Revista
Psicologia & Saberes, 1(1).
Garcia-Mijares, M. & Silva, M. T. A. (2006). Dependência de drogas. Psicologia USP, 17, 213-
240.
Lei nº 10.216, de 04 de junho de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde
mental. Recuperado em 28 de maio, 2020.
Machado, L. V. & Boarini, M. L. (2013). Políticas sobre drogas no Brasil: a estratégia de
redução de danos. Psicologia: ciência e profissão, 33, 580-595.
MacRae, E. & Vidal, S. S. (2006). A Resolução 196/96 e a imposição do modelo biomédico na
pesquisa social: dilemas éticos e metodológicos do antropólogo pesquisando o uso de
substâncias psicoativas. Revista de Antropologia, 49, 645-666.
Mesquita, F. C. (1991). AIDS e drogas injetáveis. In H. Daniel, et al. Saúde & Loucura 3 (2a
ed.). São Paulo: Hucitec.
Nunes, L. M. & Jólluskin, G. (2007). O uso de drogas: breve análise histórica e social.
Organização Mundial da Saúde – OMS. (1994). CID-10: Classificação Estatística
Internacional de Doenças com disquete Vol. 1. Edusp.
Pavlov, I. (1934/1980). O reflexo condicionado. Em I. Pavlov: Textos escolhidos. Os
Pensadores. São Paulo: Abril Cultural.
Pratta, E. M. M. & Santos, M. A. D. (2009). O processo saúde-doença e a dependência química:
interfaces e evolução. Psicologia: Teoria e pesquisa, 25, 203-211.
Skinner, B. F. (1953). Ciência e Comportamento Humano. Trad.: Todorov, J. C. & Azzi, R.
Vargas, E. V., Carneiro, H., Rodrigues, T. & Karam, M. L. (2008). A história do consumo de
drogas e a sua proibição no ocidente. In Drogas e cultura: novas perspectivas (pp. 41-120).
MULHER NEGRA: OS ATRAVESSAMENTOS DE RAÇA E GÊNERO NAS

1445
PRÁTICAS PSICOLÓGICAS BRASILEIRAS
Tatiana de Souza Santos Neves
Geovana Dara Pereira de Oliveira
Introdução

Ao falarmos sobre Psicologia, logo vem à mente questões referentes ao adoecimento


psíquico, saúde e doença mental, transtornos e psicoterapias. A palavra psicologia vem do grego
antigo e refere-se ao termo psyque, relativo ao que é da “alma” ou “mente”, e logia, relacionado
à “estudo” ou “relato”, mostrando para nós desde já, as possibilidades e abrangência de suas
intervenções. (Hermeto & Martins, 2012).
A Psicologia vem a se consolidar enquanto ciência a partir do século XX, tendo como
base epistemológica dois campos do saber distintos, a Fisiologia, e seus estudos sobre anatomia,
cérebro e sistema nervoso, e a Filosofia, mãe de todas as ciências. Os campos de estudos em
Psicologia abrangem várias concepções de mundo e de homem, que resultam em abordagens
distintas de base comportamental, humanista, sistêmica, dentre outras, atuantes nos campos
comunitário, clínico, hospitalar, escolar, ambiental, organizacional, social, estendendo sua
atuação à crianças, adolescentes, adultos e idosos, de forma individual ou grupal.
Ainda conforme os autores citados, ao longo dos anos, várias outras áreas do saber
passaram a colaborar e ampliar os horizontes de sua atuação, tais como a Antropologia, a
Pedagogia, a Genética, a Sociologia, a Economia e a Política, que concorrem para a ampliação
da compreensão das várias expressões da subjetividade e dos elementos que concorrem para a
promoção ou o alívio das mais diversas formas de adoecimento psíquica
Desse modo, observamos que embora a Psicologia seja lembrada sobretudo pelo seu
trabalho frente as questões mais íntimas do sujeito e sobre a promoção da saúde mental, a
Psicologia está profundamente relacionada aos aspectos estruturais da sociedade na qual está
inserida, compartilhando das vicissitudes, dos impasses e das produções dos sujeitos em uma
determinada época e lugar.
Falando sobre a realidade brasileira, Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2017), a
maneira como a Psicologia vem se consolidando ao longo dos anos, guarda profunda influência,
tanto teórica quanto metodológica, de autores e conceitos de origem sobretudo europeia, que,
em que pese a importância das contribuições, não conseguem abarcar a complexidade da nossa
sociedade, profundamente marcada pelas desigualdades econômicas e sociais, pelas
discrepâncias e violência de gênero, e pelo racismo estrutural, conceito compreendido nesse
texto a partir da perspectiva de Almeida (2019), que marca os corpos de homens e mulheres,
que sofrem histórica e diariamente as mazelas sociais e econômicas ligadas diretamente ao
longo processo de escravização dos povos de origem africana em solo brasileiro.
Nesse sentido, ao falarmos sobre as Psicologias atuantes em nossa sociedade, devemos
falar a partir de uma perspectiva interseccional, pois sendo o adoecer psíquico o resultado de
fatores multifacetados, tais como raça, classe e gênero, o saber e o fazer em Psicologia no Brasil,
deve ser capaz de abarcar a multiplicidade de fatores sociais, econômicos, culturais e raciais
que concorrem historicamente para a nossa formação enquanto povo.
Segundo dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010),
o primeiro a investigar a questão da raça a partir de dados da população geral, até então não
considerados nos censos anteriores (1980,1991, 2000), cuja omissão em si já é um dado, 43,1%
da população (82 milhões de pessoas) se auto declararam pardas e 7,6% (15 milhões de pessoas)

1446
se auto declararam pretas, revelando que pela primeira vez, a população brasileira como
declaradamente não branca. Pessoas pardas e negras concentrados nas regiões norte e nordeste,
regiões historicamente marcadas pelas mais diversas formas de vulnerabilidades, a exemplo da
baixa escolaridade e de rendimentos, em relação as demais regiões do país, apontados na
pesquisa. (IBGE, 2011)
Assim, falamos sobre homens e mulheres, pardas (os) e pretas (os), vivendo nas regiões
mais empobrecidas do pais, marcadas pelo processo sistemático de precarização nas áreas da
saúde, educação, moradia, saneamento, emprego e renda, relegados (as) as mais diversas formas
de violência e de abandono, socialmente invisibilizados e fora do alcance das políticas públicas.
Pesquisas recentes também revelaram dados alarmantes sobre a violência contra a
mulher em nosso país e mostraram a importância de um estudo transversal entre gênero e raça,
para uma melhor e maior compreensão desse fenômeno.
Segundo informativo de monitoramento de dados abertos da Artigo 19 (2018), que
combinam os dados do Mapa da Violência de 2015 e os dados do Ministério da Justiça desse
mesmo ano, o Brasil apontava como o 5º país com maior taxa de feminicídio do mundo.
Entretanto, as pesquisas apontaram que 60% das mulheres vítimas de violência doméstica são
pretas e que 68,8% das mulheres mortas por agressão, também são pretas. As pesquisas também
revelaram que embora tivesse havido uma diminuição nos casos de violência generalizada
contra mulheres brancas em 15%, entre os anos de 2006 e 2015, houve nesse mesmo período
um aumento de 22% dos números relativos à violência contra mulheres pretas.
Considerando que o Brasil tenha se constituiu como nação, forjado na escravização dos
povos africanos, que ainda hoje sofrem os efeitos do racismo sobre os seus corpos, e
considerando ainda os dados alarmantes sobre a violência de gênero, como sendo também uma
violência sobretudo de cor, destacamos a mulher negra como um alvo preferencial das mais
diversas formas de violência, real e simbólica, que destroem o seu corpo, negam sua
humanidade, destroem sua autoestima e promovem adoecimento mental e desorganização
psíquica.
Por todos esses motivos, tendo como base o compromisso ético político da Psicologia,
é proposto neste artigo uma discussão sobre: O que a psicologia tem a dizer enquanto um campo
de saber teórico e prático sobre as questões que envolvem a mulher negra em uma país
estruturalmente racista?

Desenvolvimento
O racismo e a herança da escravização no Brasil
Quando falamos sobre o racismo, de pronto o associamos à escravização dos povos de
origem africana em território brasileiro, durante 300 anos, aproximadamente de 1550 a 1888,
entretanto, embora possam parecer evidentes os efeitos desse processo na sociedade, a
escravização por si só não consegue justificar o descaso e a violência praticada contra seus
descendentes até os dias atuais. Afinal, por que o preconceito e a discriminação de cor ainda
persistem? Quão profundas são as marcas do racismo em nossa sociedade?
De acordo com Almeida (2019), racismo é uma forma sistemática de discriminação
fundamentada na raça, logo, trata-se de uma estrutura de poder e dominação de uma raça
considerada superior sobre outra considerada inferior, produtoras de desvantagens para um
grupo e de privilégios para outros; a discriminação racial é a atribuição de tratamento

1447
diferenciando considerando a raça a qual a pessoa ou o grupo pertença; enquanto o preconceito
racial diz respeito à crença, o juízo que se forma a partir de estereótipos atribuídos a
determinado grupo racializado.
Assim, o racismo no Brasil se sustenta pelas e nas instituições, que o produzem e
reproduzem cotidianamente. O racismo nesse sentido é estrutural, pois revela que seus
tentáculos estão muito além de uma opinião ou pensamento individual, ele perpassa todo o
tecido social, ele constitui e subjaz às nossas relações sociais. “O racismo é sempre estrutural,
ou seja, de que ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade”.
(Almeida, 2019, pp. 20-21)
Desse modo, podemos compreender melhor porque os descendentes dos povos
escravizados em solo brasileiro, mesmo 100 anos após a abolição, continuam a compor as
camadas mais empobrecidas e desassistidas do país.

Pensamento Interseccional – os atravessamentos de raça e gênero


Nesse panorama, destacamos a situação em particular da mulher negra, vítima das mais
diversas formas de opressão, alvo das mais diversas formas de violência e preconceito, que
juntos produzem e reproduzem ataques sistemáticos à sua integridade física e emocional, que
minam a sua saúde física e mental e a aviltam em sua humanidade.
Para isso é necessário se pensar a mulher negra, dentro de uma perspectiva
interseccional, pois ela é duplamente oprimida, pela raça e pelo gênero. O termo
interseccionalidade foi cunhado pela feminista negra, estadunidense e intelectual Kimberlé
Crenshaw em 1989, como forma de bem situar o corpo da mulher negra, posto historicamente
numa encruzilhada de “avenidas identitárias”, que promovem uma sobreposição de opressão de
gênero, raça e classe, que o feminismo universalista não contemplava em suas reivindicações.
(Akotirene, 2019) O feminismo negro, nesse sentido, é a resposta para a necessidade de abarcar
as experiências, histórias de vida e de sobrevivência, de mulheres marcadas historicamente
pelas mais diversas formas de violência em nosso país. De acordo com Ribeiro (2018):
O debate, portanto, não é meramente identitário, mas envolve pensar como algumas
identidades são aviltadas, e ressignificar o conceito de humanidade, posto que pessoas negras
em geral e mulheres negras especificamente não são tratadas como humanas. Uma vez que o
conceito de humanidade contempla somente homens brancos, nossa luta é para pensar as bases
de um novo marco civilizatório. (p. 27)
Longe de querer estabelecer uma espécie de hierarquia de opressão ou de estudar como
cada um desses aspectos (raça, gênero e classe) atuam particularmente sobre o corpo da mulher
negra, a Intereseccionalidade trata de compreender como esses aspectos lhe atravessam, e sobre
as estruturas construídas e reconstruídas historicamente, para garantir de um lado o abandono
e de outro a manutenção de privilégios travestidos de meritocracia e encobridores do racismo
que, em primeira e última instância, segue entranhado em nossas relações sociais. As mulheres
negras veem-se unidas aos seus companheiros homens pela exploração econômica e pela
opressão racista que não fazem distinção entre os sexos, embora continuem a sofrer abusos e
violência por parte de seus parceiros. (Davis, 2016).
Falar sobre a mulher negra brasileira, é fundamentalmente expor práticas e discursos,
construídos e reconstruídos historicamente, que promovem dor física e emocional, adoecimento
psíquico, sensação de menos valia, de inadequação e de fracasso diante de um padrão de “bom”
e “belo”, inalcançáveis àqueles sobre os quais pesam os títulos de “exóticos”, “animalescos”,

1448
“sensuais”, “fora dos padrões de beleza”.
O Brasil, país que se auto declara orgulhosamente mestiço, procura tornar invisível à
história, um passado de estrupo e subjugação do corpo da mulher negra, propriedade sexual dos
senhores de escravizados, utilizadas nas lavouras e em ambiente doméstico, sendo
sistematicamente assediadas, perseguidas e violentadas pelos seus donos e descendentes.
Sobre a representação da mulher escravizada retratada pela “história oficial”, Carneiro
(2019) destaca: “A mulher negra será retratada como exótica, sensual, provocativa. Enfim, com
fogo nato; tais características chegam a aproximá-la de uma forma animalesca, destinada
exclusivamente ao prazer sexual”. (p. 153)
Como reagir à uma expectativa social, que ora coloca a mulher negra como alvo
preferencial de investidas sexuais ostensivas e assediadoras, e ao mesmo tempo as tornam
carentes de relacionamentos baseados no afeto e no cuidado? Ainda segundo Carneiro (2019):
Esse fenômeno vem instituindo a mulher negra como a antimusa da sociedade brasileira de tal
forma que os estudos demográficos já identificaram uma acentuada desvantagem das mulheres
negras no mercado afetivo, o que caracterizaria uma situação de “solidão” estrutural motivada
pelo desinteresse dos homens brancos e a deserção de grande parte dos homens negros. (p. 159)

Os fazeres ético-políticos da Psicologia diante do impacto das relações racializadas


Em 2017 , o CFP lançou um documento chamado: Relações Raciais: referências para a
atuação de Psicólogas (os) (2017), onde afirma que historicamente a Psicologia brasileira
posicionou-se como cúmplice do racismo, pois validava e conversava com pensamentos
discriminatórios europeus e assim, tomava como padrão, uma realidade que em nada abarcava
a diversidade brasileira. “Como se sabe, a Escola Nina Rodrigues foi uma das principais
responsáveis pela estruturação do pensamento racial no Brasil, e deu alicerce, entre outros, para
a constituição dos primeiros desenvo19lvimentos da Psicologia no Brasil. ” (p. 75)
Com isso, é necessário traçarmos aqui o percurso do movimento negro na Psicologia.
Conforme o documento do CFP (2017), citado acima, um dos primeiros textos a serem escritos
dissertando acerca da condição das (dos) negras (os) foi a publicação da psicanalista baiana
Neusa Santos Souza, Torna-se Negro - As vicissitudes da Identidade do Negro Brasileiro em
Ascensão Social, em 1983, na qual a autora faz uma leitura a partir da Psicanálise acerca da
constituição psíquica das negras (os) no Brasil.
Podemos também destacar como marco desse movimento, na década de 1990, a criação
de duas organizações não governamentais que foram importantes para direcionar o discurso do
racismo para uma perspectiva política, jurídica e psicológica, são elas: Centro de Estudos das
Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), criado em 1990 e o Instituto AMMA PSIQUE
NEGRITUDE, criado em 1995. Ambos desenvolveram projetos em São Paulo e regiões
próximas, focados na discussão da política sobre a raça.
Em 2000, além do AMMA e do CEERT em São Paulo, os estados de Pernambuco e
Bahia entraram em cena, com a organização Observatório Negro, junto ao Psicólogo Social,
Marcos Vinícius de Oliveira, membro do CFP, institucionalizando a temática do racismo,
preconceito e desigualdade no CFP.
Com essas entidades em ação, começaram a pressionar que o Conselho de Psicologia,

1449
deveria se posicionar frente a uma luta antirracista. Essa luta começa por volta de 2000 e
conseguiu ser institucionalizada em 2001, onde começam a serem criadas Comissões de
Psicologia e relações raciais em diversos conselhos regionais, possibilitando assim, a criação
de estratégias regionalizadas para se trabalhar a temática do racismo. Essas comissões, além de
serem feitas primordialmente por Psicólogas (os) negras (os), também se consolidam como
espaços de resistência e luta política. (CFP- Relações Raciais: referências técnicas para a
atuação de Psicólogas (os), 2017)
Em 2010, organizou-se o I Encontro Nacional de Psicólogas (os) Negras (os) e
Pesquisadoras (es) sobre relações Raciais e Subjetividade, na cidade de São Paulo, o evento
trouxe resultados significativos:
(..)a construção de estratégicas, ações e conhecimentos
acerca do impacto do racismo na construção da
subjetividade dos brasileiros e rompendo com as ideias
superficiais na Psicologia sobre as relações raciais no
Brasil. Deste modo, e dando visibilidade ao papel da
Psicologia para a concretização de uma sociedade justa
democrática e livre do racismo. (CFP-Relações Raciais:
referências técnicas para a atuação de Psicólogas (os), 2017,
p. 72)

Tendo isso em mente, voltemos a pensar nos fazeres da Psicologia e como ela tem lidado
com as questões do racismo e do sexismo. No código de Ética da Psicologia (CFP, 2005), em
seus princípios fundamentais é dito:

II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a


qualidade de vida das pessoas e das coletividades e
contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de
negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
III. O psicólogo atuará com responsabilidade social,
analisando crítica e historicamente a realidade política,
econômica, social e cultural.
E logo depois, no Artigo 2:
Ao psicólogo é vedado:
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que
caracterizam a praticar ou ser conivente com quaisquer atos
que caracterizem negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade ou opressão;
b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais,
ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer
tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções
profissionais;

Vale ressaltar que em 2002, anteriormente a vigência desse código de ética, o CFP
lançou uma resolução de N° 018/2002, que estabeleceu normas de atuação para os Psicólogas
(os), em relação ao preconceito e discriminação racial. No entanto, apesar da vigência desses
documentos, as teorias e as intervenções psicológicas, não adotaram atitudes antirracistas, pois
embora sejam documentos supostamente universais, não consegue abarcar de forma clara as

1450
questões de relações raciais no Brasil.
Em contraponto, a esses documentos normativos, de natureza mais universalista, o CRP
da Bahia, lança o Guia de Referências: Psicologia e Relações Raciais (2013), onde traz em seu
conteúdo, vídeos, filmes, documentários, artigos, teses e livros que vem sendo produzidos sobre
a temática das relações raciais, como fonte de pesquisa para os profissionais que desejam
ampliar o olhar sobre a sua atuação.
Com isso, chegamos ao ano de 2017, com o lançamento de um novo documento do CFP:
Relações raciais: referências técnicas para atuação de Psicólogas (os), já citada anteriormente,
que mais do que um simples documento, ele surge devido à pressão do movimento negro, que
demanda da Psicologia “a produção de teorias que venham a contribuir para a superação do
racismo, do preconceito e das diferentes formas de discriminação” (p. 06)
No documento, é feito um resgate histórico sobre o racismo, sobre o movimento negro,
e a Psicologia junto ao movimento negro. Nele também aparecem publicações e discussões
que vem sendo feitas entre o período de 2012 até 2016, que perpassam os conteúdos de raça,
discriminação, preconceito e desigualdade social. Além disso, dedica-se um tópico para a falar
sobre a formação dos Psicólogos, no qual é feita uma crítica as ementas curriculares dos cursos
de Psicologia do país, que muitas vezes não trazem à tona o racismo, como um tema importante
para pautar nossa atuação.
Ao final documento, é feita uma orientação de passo a passo, para que os psicólogos
possam estar atentos e críticos em ver, compreender e tentar desconstruir o racismo estrutural
nos mais diversos campos de atuação.
O que nos interessa, no entanto, analisar nessa questão, é que mesmo com a Resolução
de 2002, o Código de Ética de 2005, e os Guias de Referência para atuação de Psicólogas (os)
sobre a temática das Relações Raciais, essas iniciativas parecem ser insuficientes para a
promoção de práticas psicológicas realmente comprometidas com a luta antirracista.

E a mulher negra?
Atualmente, das publicações em Psicologia clínica que tratam das relações raciais,
podemos citar, o livro, O racismo e o negro no Brasil-questões para a Psicanálise, cujo os
organizadores são Kon, Silva e Abud. (2017); a tese de mestrado, A beleza negra na
subjetividade das meninas “um caminho para as mariazinhas”: considerações psicanalíticas,
Miranda (2004) e os artigos, Manejo clínico das repercussões do racismo entre mulheres que
se “Tornaram negras” de Tavares e Kuratani (2019); Psicoterapia, Raça e Racismo no contexto
brasileiro: experiências e percepções de mulheres negras de Gouveia e Zanello (2019); os
artigos se tratam de pesquisas que, abordam o sofrimento de mulheres negras e a relação de
suas queixas com o racismo.
Como já sabemos, as teorias eurocêntricas das abordagens psicológicas, não conseguem
abordar as singularidades da sociedade brasileira, ainda mais dentro da perspectiva do racismo.
Com isso, para que Psicólogas (os) possam estar mais preparados para lidar com essa questão
em suas áreas de atuação, é necessário um estudo interdisciplinar e um olhar interseccional,
para que ela/ele entenda como o racismo se dá em várias instâncias da sociedade e em que
medida ele aparece atrelado ao sofrimento psíquico das pessoas. (Gouveia & Zanello, 2019;
Tavares & Kuratani, 2019).
Com isso, é importante localizar nessa discussão, o corpo da mulher negra, que aparece

1451
como alvo primordial de práticas racistas. Na nossa construção histórica, esse corpo é marcado
pela hipersexualidade, e embora possa ser, sob certas circunstâncias, um corpo que é desejável,
ao mesmo tempo não se encontra dentro dos padrões sociais de beleza, por ter “beiço grosso”,
“nariz chato e grosso”, “cabelo ruim”, “bundão”, “primitivismo sexual”, características que
Souza (1983) traz como exemplos de autodescrição dos entrevistados participantes de sua
pesquisa.
De acordo com Miranda (2004), falar sobre constituição de sujeito em Psicologia, é falar
de corpo. A forma como o sujeito se relaciona com o seu corpo, diz de como se dará a sua
constituição psíquica. No caso das mulheres negras, que ao longo da nossa história tiveram seus
corpos marcados pelas mais diversas formas de discriminação, ao se depararem com o racismo,
elas entendem que o seu corpo é o próprio alvo. Nos relatos de Tavares e Kuratani (2019), é
possível perceber na fala das entrevistadas, que em suas histórias, principalmente na vida
escolar e em relacionamentos amorosos, seus traços negros, tais como: cabelo e nariz, eram
usados como critério de desvalorização pessoal, fazendo com muitas vezes essas mulheres,
ainda meninas, buscassem alternativas para mudar seu corpo de forma a melhor se adequarem
aos padrões considerados belos e socialmente valorizados.
“Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade,
confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas.
” (Souza, 1983, p. 18). A autora afirma que o preço que o negro paga para a conquista da
ascensão social, é o massacre de sua identidade, afinal “o negro tomou o branco como modelo
de identificação, como única possibilidade de torna-se gente” (Souza, 1983, p. 18). É importante
perceber, o quanto essas experiências que a negra (o) sofre ao longo de sua vida, gera marcas
profundas em sua constituição enquanto sujeito.
Sentimentos de desesperança, baixa autoestima, auto cobrança, depressão e ideação
suicida, são algumas das queixas apresentadas pelas mulheres negras que vivenciam o racismo
em seu cotidiano. Souza, (1983) e Tavares e Kuratani (2019) e afirmam que o melhor caminho
para lidar com o racismo, começa pela busca de um novo ideal, pautados no resgate das histórias
passadas, origens e militância, como um meio de fortificar uma identidade racial e recuperar a
autoestima.
Uma das entrevistadas de Tavares e Kuratani (2019), afirma que o resgate da negritude
se iniciou com o processo de transição capilar, pois ela alisava o cabelo e durante o processo
psicoterápico estava começando a aceitar o cabelo natural e o vendo como belo.
A mulher negra, embora compartilhe o peso da opressão de gênero, explícitas ou não,
experimenta de outro lado o peso do racismo estrutural, compartilhado conjuntamente com seus
filhos, irmãos, pais, familiares, companheiros e demais referências masculinas. Pois ela e eles
sabem o peso da cor que carregam e as implicações sociais de serem quem são, ao mesmo
tempo em que compartilham com seus companheiros homens da classe trabalhadora, o peso da
exploração e da humilhação por parte das classes historicamente privilegiadas.
E é por esse motivo, que são essas mesmas mulheres que chegam aos atendimentos
extremamente desconfiadas, medrosas e receosas, o que dificulta o estabelecimento de
vínculos. As mulheres negras, apresentam dificuldades em falar sobre as experiências de
racismo, com receio de serem incompreendidas, invalidadas ou universalizadas. Outras
parecem que se dão conta dos processos de racismo sofrido conforme estão vivenciando o
processo de resgate e afirmação da identidade racial, e a (o) Psicóloga (o), precisa estar presente
nessa caminhada, atenta (o) aos desdobramentos dessa identidade racial e sempre buscando
estudos que facilitem o seu entendimento sobre relações raciais e a diversidade do povo

1452
brasileiro. (Gouveia & Zanello, 2019; Tavares & Kuratani, 2019).

Conclusão
Embora sejamos capazes de localizar na história da psicologia brasileira, algumas
iniciativas que tratem o tema do racismo e seus desdobramentos de maneira mais direta e
efetiva, estas ainda são pouco suficientes, não só para que possamos combater o racismo, mas
sobretudo, para que estejamos empenhados em desenvolver práticas psicológicas antirracistas.
Por isso, destacamos a importância e a necessidade de se criar fóruns, encontros, debates e
seminários sobre a temática do racismo, bem como a construção de documentos que orientem
as atuações das (os) Psicólogas (os) que lidam com essa questão de forma direta ou indireta, e
ainda, a necessidade de produção de teorias e práticas que englobem a raça e suas nuances
interseccionais e seus impactos sobre a construção das subjetividades e a produção de
adoecimento psíquico.
O documento, “Relações Raciais: referências para a atuação de Psicólogas (os),
produzida” pelo CFP (2017), convida os profissionais a repensarem acerca do compromisso
ético político da profissão, ao levantar questionamentos tais como: Quem é essa sociedade?
Quais os pactos éticos assumidos pelas (os) psicólogas (os) envolvidos nessa prática com
compromisso social? Você sabe os efeitos psicossociais do racismo na constituição da
subjetividade? Como psicóloga (o), você já pensou em como o racismo pode afetar nas diversas
áreas da vida e do cotidiano de negras e negros brasileiras (os) e, ao mesmo tempo, privilegiar
pessoas brancas? Você já pensou que, como formadora de opinião, é uma pessoa privilegiada
para contribuir com a luta antirracista?
Nesse trabalho, propusemos uma discussão sobre a urgência de se pensar uma
Psicologia Brasileira atenta e atuante sobre as questões estruturais que nos identificam enquanto
povo e que interferem de forma direta na produção de nossas subjetividades. Uma psicologia
que compreenda a importância das teorias psicológicas, até hoje utilizadas nos centros de
formação profissional, de base essencialmente europeia, mas que seja capaz de compreender a
necessidade de produção de outras teorias e práticas que deem conta de nossa multiplicidade,
complexidade e singularidade.
É preciso pensar uma Psicologia atravessada pelo olhar interseccional, como uma forma
de melhor compreender as nuances que envolvem o processo de saúde e de adoecimento
psíquico, entendendo que não se trata de criar uma hierarquização de dores, mas de
compreender, que nossas mazelas sociais, entre elas o racismo, tornam a uns mais vulneráveis
psiquicamente, que a outros, mais privilegiados socialmente.
Assim destacamos a mulher negra, como duplamente vulnerabilizada, pelo abuso
sexista e pela opressão de cor, que a tornam vítima preferencial das mais diversas formas de
violência física, moral e psíquica, que a desumanizam e minam com a sua saúde. Mulheres que
sofrem junto aos seus filhos e companheiros a crueldade que o racismo produz diariamente,
mas que não deixam de ser vítimas, muitas vezes fatais de relacionamentos abusivos.
Pensar uma Psicologia Brasileira, é pensar em um saber/fazer profissional que esteja em
consonância com as questões mais estruturais de nossa sociedade, que promovam discussões
sobre temas que representem as nossas necessidades mais urgentes, tais como racismo e
violência sexista.
Tudo isso precisa ser muito mais do que um esforço de adaptação, deve ser um

1453
compromisso teórico, social e político de defesa dos direitos da pessoa humana, da sua
integridade física e psicológica, do combate a toda e qualquer prática que promova a
desumanização do sujeito e reduza as suas possibilidades de uma vida plena e saudável.

Referências
Akotirene, C. (2019). Interseccionalidade. Coleção Feminismos Plurais. São Paulo: Sueli
Carneiro; Pólen.

Almeida, S. L. (2019) Racismo Estrutural. Coleção Feminismos Plurais. São Paulo: Sueli
Carneiro; Pólen.

Dados sobre o Feminicídio no Brasil. (2018) ARTIGO 19. 2018. São Paulo. Recuperado de:
https://artigo19.org/wp-content/blogs.dir/24/files/2018/03/Dados-Sobre-
Feminic%C3%ADdio-no-Brasil-.pdf.

Carneiro, S. (2019) Gênero e Raça na Sociedade Brasileira. In: Carneiro, Sueli. Escritos de
Uma Vida, 1 ed, 150-184. São Paulo: Pólen Livros.

CFP (2005) Código de Ética Profissional do Psicólogo. Brasília: Conselho Federal de


Psicologia. Recuperado de http://site.cfp.org.br/legislacao/ codigo-de-etica/

CFP (2017). Relações Raciais: referências para a atuação de Psicólogas (os). Centro de
referências técnicas em psicologia e políticas públicas – Crepop, Brasília. Recuperado de:
https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2017/09/relacoes_raciais_baixa.pdf

Conselho Regional de Psicologia da Bahia (2010). Psicologia e Relações raciais: Guia de


Referências. Salvador: Conselho Regional de Psicologia da Bahia. Recuperado de:
https://crp03.org.br/wp-content/uploads/2015/08/Guia-de-Refer%C3%AAncia-
Psicologia-e-Rela%C3%A7%C3%B5es-Raciais.pdf

Davis, A. (2016) Mulheres, Raça e Classe. São Paulo: Boitempo.

Gouveia, M & Zanello, V (2019). Psicoterapia, raça e racismo no contexto brasileiro:


experiências e percepções de mulheres negras. Psicologia em estudo, 24, 1-15. Recuperado
de: https://www.scielo.br/j/pe/a/WLqvt9yG7rmBzz4kvp8TVSL/?lang=pt

Hermeto, C. M. & Martin, A. L. (2012) O Livro da Psicologia, São Paulo: Globo.

Kon, N. M; Abud, C. C. e Silva, M. L. (2017). O racismo e o negro no Brasil: questões para a


Psicanálise. São Paulo: Perspectiva.

Ministério do Planejamento, orçamento e gestão. (2011) Censo Demográfico 2010:


Características da população e dos domicílios. Resultados do Universo, Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE. Rio de Janeiro. Recuperado de:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/93/cd_2010_caracteristicas_populac
ao_domicilios.pdf

Miranda, M. A, (2004). A beleza negra na subjetividade das meninas “um caminho para as
mariazinhas”: considerações psicanalíticas. Dissertação mestrado, USP. São Paulo.
Ribeiro, D. (2018). Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia da Letras.

1454
Souza, N. S. (1983). Tornar-se negro: as vicissitudes de identidade do negro brasileiro em
ascensão social. Rio de Janeiro: Graal.

Tavares, J.S.C e Kuratani, S. M.A (2019). Manejo Clínico das Repercussões do Racismo entre
mulheres que se “Tornaram negras”. Psicologia: Ciência e Profissão,39 .1-13.
Recuperado de: https://www.scielo.br/j/pcp/a/PS556GX8mQ7CgwwzvbVgYts/?lang=pt
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA NO CAMPO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA:

1455
UMA REVISÃO NARRATIVA DE LITERATURA
Victor Bruno Barbosa Silva
Simone Cristina Putrick
Willian dos Santos Souza
Elivelton Sousa Montelo
Introdução
A partir do final do século XX aconteceram muitas transformações na economia global
e na forma das pessoas exercerem suas atividades laborais (Gaiger & Da Silva Corrêa, 2011).
Ocorreu desde do século passado, um processo de descobertas de novas possibilidades de
geração de renda e emprego, que foram surgindo devido a eventos que ocasionaram mudanças
na dinâmica de produção. Por meio da implementação de novas tecnologias nas fábricas no
período da revolução industrial, deu-se a substituição da mão de obra dos artesãos pelas
máquinas, e posteriormente, as crises econômicas fizeram com que o trabalho formal não
possibilitasse um espaço para que todas as pessoas pudessem trabalhar (Lechat, 2002).
Essas mudanças que acontecem continuadamente no cenário da economia contribuíram
para o surgimento de uma alternativa: superar o empobrecimento dos trabalhadores (Singer,
2002b). Dentre as novas formas está a economia solidária, que com o passar do tempo aprimora
e passa a não ser só uma alternativa ao desemprego, mas se apresenta como uma nova forma de
trabalho coletivo, defende que existem questões importantes que vão além da simples geração
de renda ou o lucro em si, mas que também se volta para proporcionar um maior acúmulo de
saberes, tendo em vista o aperfeiçoamento da prática das atividades cooperadas.
Ao tempo que houveram mudanças na relação das pessoas com o trabalho e organização
de movimentos sociais para a melhoria das condições de vida, apresenta-se também Na década
de 70 o surgimento de um novo paradigma para a Psicologia, como a chamada Psicologia
Comunitária na américa latina e Brasil, que surge a partir da necessidade de pensar questões da
realidade local e questionar a psicologia social que era então praticada (Góis, 2003). Neste
cenário de mudanças de paradigmas podemos citar também a Psicologia do Trabalho que
segundo Coutinho et al. (2005) não mais volta seu olhar para o aumento do lucro e potencial
produtivo das empresas, mas começa a se preocupar com o bem estar humano e estudar
demandas associadas às relações entre as pessoas e suas atividades laborais. Esses movimentos
da Psicologia questionam e tem como proposta tensionar debates no que diz respeito às práticas
individuais que eram então adotadas pela Psicologia.
Com a evolução da Psicologia voltada às questões coletivas, criaram-se então
importantes espaços em que o profissional psicólogo pudesse colaborar, não só voltado a
atendimentos clínicos individuais, mas com um pensamento direcionado aos diversos espaços
de atuação comunitário. Fazendo um paralelo entre a Economia Solidária e a Psicologia, e
levando em conta suas respectivas origens, procuramos apontar e discutir os possíveis encontros
entre a Psicologia e a Economia Solidária que embora sejam de áreas distintas, ao mesmo tempo
apresentam similaridades e possibilidade de atuação conjunta, a fim de apontar quais as
potencialidades que surgem por meio da união dessas duas áreas de conhecimento.
Esse trabalho vai se dedicar a abordar alguns pontos sobre as ideias da Economia
Solidária, e em seguida apresentaremos as possibilidades de atuação da Psicologia nesse
contexto, demonstraremos os pontos de encontro entre essas duas áreas de conhecimento. Por
último, apresentaremos algumas considerações a respeito das discussões levantadas, apontando

1456
algumas análises com base no que foi encontrado na literatura sobre o tema.

Método
O presente trabalho é desenvolvido por meio da Revisão Narrativa de Literatura, que se
caracteriza como um método qualitativo de pesquisa objetiva fazer uma análise, organização e
aprofundamento teórico sobre algum tema de investigação presente em livros e artigos de
revista impressos ou eletrônicos (Rother, 2007). Tendo em vista a proposta de Revisão
Narrativa, em um primeiro momento foi realizado um levantamento de artigos científicos com
a palavra-chave “Economia Solidária” com o propósito de entender seus principais conceitos,
em seguida foi realizado a busca com as palavras-chave “Psicologia e Economia Solidária” para
analisar o que a literatura apresenta e qual a relação entre as duas áreas do conhecimento. As
buscas de materiais se deram no período de Fevereiro a Junho do ano de 2020. As bases de
dados utilizadas para a busca de materiais foram: Periódicos Capes, Google Acadêmico e
Scientific Electronic Library Online (SciELO).
Foram incluídos artigos que se enquadraram como Artigos Originais, Dissertação e
Estudos de Caso que abordavam como tema central Economia Solidária e Psicologia. Como
forma de aprofundar o conhecimento sobre a temática, verificou-se também as referências dos
artigos encontrados nas bases de pesquisas para identificar trabalhos que não estivessem nessas
plataformas, mas relevantes para contribuir com a proposta dessa revisão. Após realizado o
levantamento de artigos nas bases de dados, e observado os critérios de inclusão, foi dado início
a leitura seletiva, escolha dos artigos que atendessem os objetivos e por fim uma análise desses
artigos.

Desenvolvimento
Antes do aparecimento do que hoje conhecemos como economia solidária, surgiram as
cooperativas que se organizavam em torno da união de trabalhadores desempregados, como
forma de superar as dificuldades financeiras. A Economia Solidária81 tem seu surgimento ligado
aos movimentos cooperativos surgidos na Europa, com princípios que se aproximam ao
socialismo (Singer, 2002a). Com a chegada da revolução Industrial, muitos funcionários que
antes eram empregados nas fábricas foram substituídos pelos equipamentos e máquinas que
surgiram para suceder a mão de obra humana. Assim, a partir do empobrecimento dos
trabalhadores pensou-se em formas de geração de renda que se sustentasse sem que fosse
necessário a intermediação dos patrões, donos das fabricas (Singer, 2002b). A partir desse
período começou-se a formar as cooperativas de trabalhadores em torno da perspectiva de
democracia e cooperação.
Na Economia Solidária existem os chamados Empreendimentos Econômicos Solidários
(EES) baseados em uma gestão igualitária. Dantas (2013) apresenta os (EES) como iniciativas
onde não existem funcionários ou proprietários da empresa, todo o trabalho e decisões são

81
O conceito de Economia Solidária pode ser entendido como “Diferentes tipos de 'empresas',
associações voluntárias com o fim de proporcionar a seus associados benefícios econômicos.
Estas empresas surgem como reações a carências que o sistema dominante se nega a resolver”
(Singer, 2001, p. 105)
realizados coletivamente. Observado esse contexto histórico de surgimento da Economia

1457
Solidária e do trabalho cooperado, pode-se pensar nos dias atuais, os seguintes
questionamentos: os (EES) continuam sendo uma alternativa às pessoas que não conseguem
empregos no mercado formal de trabalho? Ou ainda, Esses empreendimentos estão fadados ao
fracasso por existirem em um contexto dominado pelo sistema voltado ao capital que se
organizam em torno da figura de um dono ou chefe?
Considerando a perspectiva de ir além da geração de renda, percebe-se que os
empreendimentos solidários surgem a partir da necessidade de mudança de uma realidade
social. Essa mudança é possibilitada por meio da procura por novas formas de trabalho, onde
os trabalhadores são impulsionados a buscarem uma saída frente à exclusão que eles enfrentam
no mercado formal de trabalho. É importante apontar que os (EES) sem dúvida possibilitam a
mudança do quadro de pobreza que se apresenta entre as pessoas, muitas vezes faz com que
esse tipo de empreendimento seja uma solução para o problema que acontece na realidade dos
que participam dele, mas existem outros benefícios no trabalho cooperado, que podem ser
percebidos além do lucro, com benefícios a longo prazo, proporcionados por meio de um
entendimento acerca das causas que operam para a exclusão e empobrecimento dos
trabalhadores e uma reflexão sobre a relação com o trabalho.
Nesse sentido, alguns estudos apontam que a satisfação frente ao trabalho realizado é
um ponto de grande importância na Economia Solidária. Corragio (2001) Como citado em
Guareschi (2009, p. 96) expõe sobre as questões que estão além do ganho financeiro, afirmando
que “a eficiência não pode limitar-se aos benefícios materiais de um empreendimento, mas se
define também como eficiência social, em função da qualidade de vida e da felicidade de seus
membros”. Com base nessas afirmações pode-se pensar a Economia Solidária como uma
ferramenta de trabalho que se esquiva da lógica de produção individual, que não busca somente
benefícios financeiros, mas benefícios relacionados ao bem estar nas mais variadas
necessidades humanas, não resumindo-se a uma simples alternativa ao mercado formal de
trabalho.
Embora o capitalismo seja o modelo hegemônico nas relações de trabalho, não se pode
dizer que é impossível sustentar o modo cooperativo de trabalho. Estudos apontam que o
modelo de empreendimentos solidários tem possibilidade de dar certo se incorporar às práticas
voltadas para as suas próprias convicções, ou seja, aderindo às formas de funcionamento
coletivos e tendo em vista o bem comum. Dentre os estudos Cançado (2004) afirma que é
possível nas empresas solidárias a criação de redes e parcerias que diminuam a interferência do
capitalismo em seus resultados, encontrando por meio dos próprios ideais de cooperação formas
de minimizar a pressão capitalista. Assim, os empreendimentos solidários devem procurar se
organizar em torno de seus próprios princípios de funcionamento, aproximando-se dos
empreendimentos que se organizam na lógica de cooperação entre seus membros, para formar
uma rede entre as empresas solidárias já existentes.
O conceito de rede que é apontado como uma possível solução é o que Mance (2002, p.
1) aponta como as chamadas Redes Solidárias, afirmando que “trata-se de uma estratégia para
conectar empreendimentos solidários de produção, comercialização, financiamento,
consumidores e outras organizações populares (associações, sindicatos, ONGs, etc) em um
movimento de realimentação e crescimento conjunto, auto-sustentável, antagônico ao
capitalismo”. Entende-se por meio dos estudos sobre redes solidárias, que o trabalho dos
empreendimentos solidários que é desenvolvido de forma isolada e individual não tem como se
sustentar. É por meio dos ideais de cooperação, com a formação de redes de apoio mútuo entre
consumidores e os empreendimentos solidários que operam na lógica solidária, que se produz
insumos próprios, sem a necessidade de submissão ao modo de funcionamento do capitalismo.
Assim, entender as formas impostas pelo modelo de produção capitalista é o primeiro

1458
passo para a prática da Economia Solidária. Singer (2000) como citado em Azambuja (2009, p.
284) diz que “a experiência de trabalho autogestionário traz consigo um potencial educativo,
ou seja, a autogestão, através das práticas que a envolvem, permitiria educar e transformar o
comportamento dos sujeitos, no sentido de que suas ações passassem a ser pautadas por valores
ideológicos que não aqueles das relações sociais capitalistas”. Assim é necessária uma
organização na Economia Solidária em vista de contínuas formações para os seus membros na
proposta cooperada de trabalho, para que o empreendimento tenha possibilidade de dar certo e
não ser regido pelas condutas capitalistas.
Um ponto crucial defendido é o desenvolvimento de uma rede de apoio que possa ser
fortalecida sem a necessidade de competir com o capitalismo ou se juntar a ele, ou seja,
entendendo qual a lógica do trabalho solidário e desenvolvendo-se por meio dela. Pode-se
pensar na modificação do pensamento capitalista, a partir da mudança de perspectiva do
trabalho. Assim, no ponto de vista da Economia Solidária, antes de mais nada o
empreendimento deve se atentar que é preciso investimento na formação dos trabalhadores,
priorizando os conhecimentos que dizem respeito à cooperação, para que só depois dessa etapa
os empreendimentos comecem a se desenvolver pelo método solidário de funcionamento.
A Economia Solidária deve ser regida por princípios democráticos, onde não há a
necessidade de um chefe que toma as decisões. Esse aspecto de funcionamento baseado na
gestão do negócio pelos próprios associados é derivado do conceito de Autogestão, ou seja, por
meio da autogestão os rumos e decisões dos empreendimentos são decididos pelo grupo de
associados. O que nos leva a pensar que há um caminho longo a ser percorrido, isso devido
essas iniciativas da Economia Solidária se apresentarem como contrária às relações de trabalhos
dominante, que tem sua prática voltada ao ideal de que existem os que mandam (chefes) e os
que obedecem (empregados).
Quando uma única pessoa toma todas as decisões em nome de todos ocorre a chamada
heterogestão, prática comumente difundidas nas empresas capitalistas (Singer, 2002b). Nesse
sentido, a autogestão se apresenta como um desafio para os empreendimentos solidários, uma
vez que desde sempre as pessoas foram incentivadas a obedecer às ordens, recorrendo
frequentemente a figura de um líder que tome todas as decisões por elas, com isso, dificulta o
processo de cooperação e pode levar essa nova proposta de empreendimento ao fracasso total
(Lechat & Barcelos, 2008)
O conceito de Economia Solidária é bem vasto e está sempre em movimento, abrange
muitas questões que como já foi apresentada aqui vão muito além de uma simples forma de
geração de renda, mas é relacionado principalmente ao fazer humano em suas mais variadas
formas, buscando atuar por meio de princípios democráticos. Nesta perspectiva pode-se pensar
a Economia Solidária como sendo:

Um modo de produção que se caracteriza pela igualdade. Pela igualdade de direitos,


os meios de produção são de posse coletiva dos que trabalham com eles – essa é a
característica central. E a autogestão, ou seja, os empreendimentos de economia
solidária são geridos pelos próprios trabalhadores coletivamente de forma
inteiramente democrática, quer dizer, cada sócio, cada membro do empreendimento
tem direito a um voto (Singer, 2008, p. 289).

Pensando nessa procura por uma nova forma de se relacionar com o trabalho que é
proporcionada pela Economia Solidária e devido o constante crescimento de empreendimentos
que se apoiam no trabalho cooperado, no ano de 2003 foi criada a Secretaria Nacional de

1459
Economia Solidária – SENAES que visa apoiar esses empreendimentos que tem como objetivo
um comércio justo, autogestionado e cooperado (Instituto de Pesquisa Econômicas Aplicadas
[IPEA], 2014). Embora tenha sido um avanço a criação de um órgão governamental específico
para atuar junto aos empreendimentos solidários com a finalidade de fortalecê-los, é importante
perceber que há um caminho longo a se percorrer para consolidar a práxis solidária em
empreendimentos no Brasil.
Recentemente a SENAES foi retirada do extinto Ministério do Trabalho, e por meio da
Lei número 13.844 do ano de 2019 é agora gerida pelo Ministério da Cidadania, o artigo 24
desta lei que discorre sobre a estrutura desse Ministério coloca sob sua responsabilidade o
gerenciamento da Secretaria de Economia Solidária, que deixa de ser uma secretaria e passa a
ser chamada apenas de Conselho de Economia Solidária (Lei n. 13.844, 2019). Apoiando-se na
prática da Economia Solidária, percebe-se essa mudança na lei como um retrocesso no que diz
respeito às políticas implementadas nos anos anteriores, pois a Economia Solidária corre um
sério risco de ser associada somente a questões da assistência social, resumindo-se a ideia de
alternativa ao desemprego e não como uma forma de pensar novos rumos para as questões
relacionadas ao emprego, renda e trabalho.

Discussão
Com base nesse contexto sobre os potenciais da Economia Solidária, pode-se pensar no
processo de transição da Heterogestão para a Autogestão e nesse aspecto a Psicologia tem muito
a contribuir. Guareschi (2009) aponta que a Psicologia em um trabalho conjunto com outras
áreas pode atuar junto aos empreendimentos solidários, com o intuito de desenvolver estratégias
para o conhecimento a respeito do trabalho em equipe e desenvolvimento de conceitos da
autogestão, contribui para que as pessoas participantes desses empreendimentos desenvolvam
uma noção aprofundada sobre as formas alternativas de trabalho.
A Psicologia nos empreendimentos de base solidária se apresenta como uma ferramenta
importante para a conscientização da forma de trabalho cooperado. A Psicologia do Trabalho
nesse contexto, pode, por exemplo, auxiliar nas questões relacionadas à construção de uma
consciência crítica sobre as tarefas laborais, além de proporcionar novas formas de experienciar
o trabalho, possibilita um novo olhar sobre os aspectos de produção excludente do mundo
globalizado, e facilita os processos de ressignificação do que antes era um trabalho individual,
para se pensar em práticas cooperadas (Coutinho et al., 2005).
Além disso, a Psicologia Comunitária também apresenta possibilidades para se inserir
nos empreendimentos solidários. Em seu surgimento a Psicologia Comunitária aparece em um
contexto em que a Psicologia social então praticada não dava conta de resolver as questões que
se apresentavam, em particular no contexto latino-americano, começando-se assim, uma
movimentação de psicólogos apontando para uma Psicologia, que se preocupassem com as
demandas sociais emergentes e proporcionasse algum tipo de mudança, a fim de reduzir as
desigualdades sociais e não somente limitando sua prática em assuntos que não correspondiam
à realidade local (Góis, 2008). Assim, a Psicologia Social passa a ter uma nova ramificação
que foi denominada de Psicologia Social Comunitária com o propósito de abarcar uma realidade
que não era contemplada pela teoria até então desenvolvida.
Na literatura existem inúmeras formas de trabalhar por meio da Psicologia Comunitária,
e vários autores que apresentam características diversas a respeito de seu modo de atuação.
Com o objetivo de não adentrar nessa discussão específica a respeito das múltiplas
possibilidades que a Psicologia Comunitária apresenta, nesta revisão será adotado o conceito

1460
de Psicologia Comunitária no sentido de “Uma aproximação multidisciplinar para a solução de
problemas sociais” (Marin, 1980 citado por Gomes, 1999, p. 72) Assim, apresentaremos a
Psicologia Comunitária como importante no contexto da Economia Solidária pois esta atua com
a finalidade de transformação da realidade social dos trabalhadores inseridos nos
Empreendimentos Solidários.
A Psicologia tem avançado muito em seu campo de atuação, apresentando-se como
necessária em vários contextos. Descobre-se novas oportunidades de atuação nas mais diversas
áreas que antes não existiam ou eram desconhecidas, propiciando novas perspectivas para a sua
prática em contextos que eram pouco ou nada estudados. Assim, Ferreira (2013, p. 20) aponta
que “a partir do século XVI irromperam diversas experiências e práticas que, em seu
emaranhado, conduziram a uma multiplicidade de orientações no campo atual da psicologia”.
Nesse entendimento percebe-se que há inúmeras áreas que se desenvolvem continuamente na
Psicologia. O que antes era uma ciência voltada a aumentar os lucros das empresas, atualmente
se volta a pensar questões relacionadas ao campo da saúde e bem estar do Trabalhador em seu
ambiente de trabalho (Coutinho et al., 2005) nesse sentido, sem dúvida a Psicologia pode e deve
contribuir no fortalecimento das ações relacionadas ao fortalecimento da Economia Solidária,
na perspectiva que Singer (2008) vai chamar de “Outra Economia”.
Com base no que foi debatido até aqui sobre as mudanças de paradigmas nas relações
de trabalho, sendo elas a Cooperação e Autogestão, pode-se perceber a atuação da Psicologia
nos Empreendimentos Econômicos Solidários no auxílio da autonomia, reflexão crítica da
realidade, dos problemas enfrentados, no fortalecimento dos vínculos entre os trabalhadores
cooperados e um enfoque no potencial do que por elas podem ser produzidos, possibilitando
assim, dentre outros benefícios, a ajuda mutua, valorização de seus saberes e a formação de um
discernimento voltado ao comunitário que não se isola ao individual. Nas palavras de Campos
(2012, p. 10) a psicologia apresenta entre as suas várias áreas de atuação “a busca do
desenvolvimento da consciência crítica, da ética da solidariedade e de práticas cooperativas ou
mesmo autogestionárias, a partir da análise dos problemas cotidianos da comunidade”.
Como já exposto acima na Economia Solidária busca-se ir além do lucro e nesse aspecto
a Psicologia pode agir juntamente com os trabalhadores na organização dos EES, no sentido de
facilitar as discussões a respeito da mudança de paradigma da forma de trabalho individual para
a associativa, da capitalista para a solidária. A exercício da Psicologia nesses espaços pode
ocorrer também no âmbito das relações laborais facilitando os processos de diálogo entre esses
trabalhadores seja em reuniões, assembleias, espaços de formação profissional, para que por
meio da difusão de práticas dialógicas entre os trabalhadores possa-se efetivar programas de
formação para autogestão (Veronese & Guareschi, 2005).
Pensando em uma perspectiva contra-hegemônica defendida na Economia Solidária,
Picolotto (2011) destaca que os benefícios da Economia Solidária abrangem além de vantagens
materiais, os da ordem cultural, onde é proporcionado um espaço para a criação de novos
valores e relações com a Economia, possibilitando que os trabalhadores possam desenvolver a
consciência do potencial do trabalho em grupo e da posse coletiva, promovendo novos sentidos
para a produção, o consumo e o trabalho. Assim, a perspectiva dessa forma de trabalho é
possibilitar uma nova relação com o trabalho, procurando experienciar novas possibilidades de
atuação.
Percebe-se que nos (EES) há a inserção das pessoas em uma forma de potencializar suas
aptidões criativas, além do desenvolvimento da satisfação frente ao trabalho realizado. Nessa
forma de trabalho coletivo, é primordial se pensar nos problemas da ordem do social e o
desenvolvimento de um pensamento crítico da realidade, pois sem esses pontos é praticamente

1461
impossível o empreendimento operar na forma solidária de trabalho. Para que o
empreendimento não se torne solidário só de fachada, é preciso que este se apresente com um
fazer em que as pessoas não sejam exploradas, que se sintam bem desempenhando suas funções
laborais. Essa demanda se enquadra nas possibilidades de inserção dos conhecimentos em
Psicologia, uma vez que esta pode auxiliar a pensar essas questões, facilitando esse processo de
transição para o modelo autogestionado.

Considerações Finais
Como demonstrado a Psicologia tem muito a contribuir com os empreendimentos que
utilizam a Economia Solidária como metodologia, uma vez que ela auxilia, por meio da
organização popular, a pensar sobre as potencialidades que a comunidade tem, além de ser
facilitadora dos processos de tomada de consciência, deixando claro que o trabalho não é uma
simples tarefa feita em vista do lucro, mas é também uma iniciativa com benefícios no campo
social. Assim, por meio do que foi discutido nesse trabalho pretendemos não dar uma resposta
definitiva sobre esse assunto, mas apontar alguns aspectos do trabalho cooperativo por meio do
que já está sendo discutido na literatura a respeito da Economia Solidária, além de demonstrar
que a Psicologia pode se inserir nesse tipo de empreendimento com a finalidade de facilitar essa
transição de perspectiva econômica do trabalho.
Percebemos que a cada dia a Economia Solidária vai se consolidando como uma nova
forma de se pensar o trabalho, sendo conhecida e praticada por muitos grupos espalhados por
todo o Brasil, mas apontamos como uma demanda importante o fortalecimento das políticas de
apoio a essas iniciativas, além de uma urgência da organização popular para barrar as alterações
negativas que estão ocorrendo com as políticas relacionadas a Economia Solidária no país. A
exclusão da Secretária Nacional de Economia Solidária - SENAES, por exemplo, se apresenta
como prejudicial ao movimento de trabalho cooperado no país, pois desampara as muitas
iniciativas de incentivo dos Empreendimentos Solidários. As mudanças ocorridas nas
legislações sobre Economia Solidária, não só afeta esses empreendimentos, mas também
desrespeita todas as movimentações e lutas populares que se esforçaram para que a secretaria
nacional de Economia Solidária fosse criada
A Economia Solidária possibilita um benéfico sobre a vida dos trabalhadores, não sendo
uma simples ferramenta que retroalimenta os ideais competitivos, e que subordina as pessoas
as ordens de superiores motivados pela a visão do lucro imediato, mas que aponta para novas
práticas possíveis em vista de promover o bem-viver da coletividade. Nesse ponto é
fundamental a atuação da Psicologia, pois pode-se trabalhar em uma perspectiva voltada a
auxiliar nesse processo de tomada de consciência por parte dos trabalhadores, analisar os
desafios e pensar nas possibilidades de uma forma de trabalho responsável que respeite as
pessoas, que tenha um comprometimento ético e político. Isso nos leva a pensar que somente a
geração de renda proporcionada nesses empreendimentos associativos não pode ser considerada
como Economia Solidária pois este conceito é bem amplo. É preciso que esses espaços possam
auxiliar seus membros a pensarem sobre a realidade social e as formas de enfrentar as
dificuldades que se apresentam, além de investir em uma constante melhoria de suas práxis
enquanto movimento contra hegemônico.

Referências
Azambuja, L. R. (2009). Os valores da economia solidária. Sociologias, (21), 282-317.
Campos, R. H. D. F. (2012). Introdução: a Psicologia Social Comunitária. In Campos, R. H. D.

1462
F. (Org.) Introdução à Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia (17a
ed., pp. 9-13). Petrópolis, RJ: Vozes.
Cançado, A. C. (2004). Autogestão em cooperativas populares: os desafios da prática
(Dissertação de mestrado). Universidade Federal da Bahia - UFBA, Salvador, BA, Brasil.
Recuperado de https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/9969/1/3%2c333333tdtdt.pdf
Coutinho, M. C., Beiras, A., Picinin, D., & Lückmann, G. L. (2005). Novos caminhos,
cooperação e solidariedade: a psicologia em empreendimentos solidários. Psicologia &
Sociedade, 17(1), 7-13.
Dantas, M. E. C. (2013). Empreendimentos Solidários e suas estratégias para o
desenvolvimento local: estudo de caso da comunidade de Ipueira, Severiano Melo-RN
(Dissertação de mestrado). Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA,
Mossoró, RN, Brasil. Recuperado de
https://repositorio.ufersa.edu.br/bitstream/tede/7/1/MarciaECD_DISSERT.pdf
Ferreira, A. A. L (2013). O múltiplo Surgimento da Psicologia. In Jacó-vilela A. M, Ferreira A.
A. L, Portugual F. T (Orgs.), História da Psicologia: Rumos e Percusos (3ª ed., pp 19-54).
Rio de janeiro: NAU.
Gaiger, L. I. & da Silva Corrêa, A. (2011). O diferencial do empreendedorismo
solidário. Ciências Sociais Unisinos, 47(1), 34-43.
Gomes, A. M. A (1999). Psicologia comunitária: uma abordagem conceitual. Revista
Psicologia-Teoria e Prática, 1(2).
Góis, C. W. L (2003). Psicologia comunitária. Universitas: Ciências da Saúde, 1(2), 277-297.
Guareschi, P. A. & Veronese, M. V. (2009). Porque trabalhar com economia solidária na
Psicologia Social. Psico, 40(1), 10.
Ipea (2014). Dez anos de Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes). Paul Singer.
Recuperado de
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3784/1/bmt56_econ02_dez_anos.pdf
Lechat, N. M. & Barcelos, E. D. S. (2008). Autogestão: desafios políticos e metodológicos na
incubação de empreendimentos econômicos solidários. Revista katalysis, 11(1), 96-104.
Lechat, N. M. P. (2002). As raízes históricas da economia solidária e seu aparecimento no
Brasil. Recuperado de
http://www.franciscoqueiroz.com.br/portal/phocadownload/economia/economia%20solid
aria.pdf#page=4
Lei n. 13.844, de 18 de Junho de 2019. Estabelece a organização básica dos órgãos da
Presidência da República e dos Ministérios. Recuperado de
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13844.htm
Mance, E. A. (2002). Redes de colaboração solidária. CATTANI, AD et al.
Picolotto, E. (2011). Novos movimentos sociais econômicos: economia solidária e comércio
justo. Otra Economía, 2(3), 74-92.
Rother, E. T. (2007). Revisão sistemática X revisão narrativa. Acta paulista de
enfermagem, 20(2), v-vi.
Singer, P. (2001). Economia solidária versus economia capitalista. Sociedade e estado, 16(1-

1463
2), 100-112.
Singer, P. (2002a). A recente ressurreição da economia solidária no Brasil. Produzir para viver:
os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2.
Singer, P. (2002b). Introdução à economia solidária. (1a ed.). São Paulo: Fundação Perseu
Abramo.
Singer, P. (2008). Economia solidária. Estudos avançados, 22(62), 289-314.
Veronese, M. V. & Guareschi, P. (2005). Possibilidades solidárias e emancipatórias do
trabalho: campo fértil para a prática da psicologia social crítica. Psicologia &
Sociedade, 17(2), 58-69.
A EDUCAÇÃO INTERPROFISSIONAL EM DISCUSSÃO: UM RELATO DE

1464
EXPERIÊNCIA

Luiz Augusto Souza Barbosa,


Francisca Juliana Rocha Torres,
Gizelle Noronha Almeida,
Cibelly Aliny Siqueira Lima Freitas,
Ricardo Lima dos Santos,
Maria Socorro De Araújo Dias
Introdução
O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) possibilita a
integração entre ensino, pesquisa, serviço e comunidade. Através de ações nos mais diversos
contextos, o programa contribui para a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e para
uma perspectiva de melhoria da atenção à saúde dos usuários do nosso sistema (Almeida et. al,
2019).
Dessa forma, o programa supracitado já trabalhou diversas temáticas de grande
relevância para o campo da saúde, tais como vigilância à saúde, saúde mental, saúde da família,
cursos de graduação da saúde e redes de apoio à saúde. Atualmente, em sua nona versão, o
PET-Saúde foca, primordialmente, a prática colaborativa e a interprofissionalidade.
Salienta-se, portanto, definir que a educação interprofissional deve ser entendida como
“uma intervenção na qual os membros de mais de uma profissão de saúde aprendem juntos,
interativamente, com o propósito explícito de melhorar a colaboração interprofissional ou a
saúde / bem-estar de pacientes / usuários, ou ambos” (Brasil, 2018).
A Secretaria de Saúde de Sobral/Escola de Saúde Pública Visconde de Sabóia, no Ceará,
a Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e a Universidade Federal do Ceará (UFC) são
parceiras na execução do PET-Saúde/Interprofissionalidade nesta cidade. Fazem parte do
programa em Sobral estudantes e professores dos cursos de enfermagem, educação física,
psicologia, medicina e odontologia, sendo os dois primeiros cursos vinculados à UVA e os três
últimos à UFC- campus Sobral. Além desses autores, também participam do programa diversos
preceptores dos mais distintos serviços de saúde da cidade.
Dentre outros objetivos, o PET-Saúde/Interprofissionalidade busca contribuir para
mudanças curriculares dos cursos de graduação da área da saúde, propondo uma perspectiva
baseada na educação interprofissional e na prática colaborativa (Brasil, 2019). Dessa forma, o
PET-Saúde/Interprofissionalidade de Sobral busca traçar propostas e intervir de forma que esse
objetivo seja incentivado e alcançado.
Assim, partindo de uma construção interdisciplinar e interprofissional, os diversos
profissionais e estudantes contribuem com os seus saberes e expertises para que a intervenção
possa ter um caráter colaborativo. Uma construção advinda de debates dentre os participantes
do grupo do PET-Saúde busca contribuir para que os estudantes, que não possuem vínculos
direto com o programa, percebam-se como sujeitos ativos do processo de intervenção, sendo
protagonistas de todo o processo.
Independente do campo de intervenção, graduação ou serviços de saúde, devemos
considerar como ponto de partida, a cultura ali presente, conhecendo as práticas que já são
executadas e as melhores formas de intervirmos, pois, os sujeitos, aqui os discentes, devem ser

1465
compreendidos como autores e atores da sua realidade. Dessa maneira, é a partir dessa
perspectiva que devemos atuar, compreendendo que em cada âmbito já existem representações
pré-estabelecidas em relação aos mais diversos assuntos.
Buscamos, por meio desse relato, debater sobre as ações possibilitadas pelo programa
dentro das universidades. Temos como objetivo, apresentar duas rodas de discussão nos cursos
de enfermagem e educação física da UVA. Propomos agregar discussões sobre a
interprofissionalidade nas graduações, possibilitando reflexões sobre a matriz curricular e as
práticas que são exercidas.

Método
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, sistematizado a partir
das reuniões entre os membros do PET, os quais foram construindo as metodologias das rodas,
levando em consideração a realidade e particularidade de cada curso. Assim, tendo a educação
interprofissional (EIP) como ponto de partida, buscamos construir uma metodologia que
possibilitasse a discussão de aspectos relacionados a essas práticas, tanto de aspectos da própria
matriz curricular como das experiências que os estudantes puderam vivenciar em atividades de
extensões e estágios.
As rodas de discussão aconteceram na própria universidade, sendo mediadas por
monitores do PET-Saúde de Sobral, no período de novembro de 2019 e janeiro de 2020.
Inicialmente, ocorreu a apresentação do programa, tanto o seu histórico como também seus
objetivos, além dos membros que compõem a realidade local.
Após esse momento inicial, para fomentar a discussão, algumas perguntas norteadoras
eram disponibilizadas para os discentes. Em seguida, os estudantes se apresentaram e também
verbalizaram as respostas das questões norteadoras. Os monitores incentivaram a discussão e a
troca de experiência, tanto entre os estudantes dos cursos como também compartilharam as suas
próprias experiências, e estes eram de cursos diferentes daqueles que faziam parte das rodas.
Ao final, com as respostas dos alunos escritas em um papel e entregue aos monitores, foi
construído o “Varal da Interprofissionalidade”, onde ficou registrada as respostas dos
estudantes. Desse modo, as rodas têm o propósito de trazer a discussão em torno do trabalho
interprofissional, relacionando a temática a realidade dos graduandos, e a partir das discussões,
analisar se a interprofissionalidade ocorre na prática.
O “Varal da Interprofissionalidade”, ao final do momento, ficava exposto para todos os
estudantes. Em um barbante, que ligava um lado da sala de aula ao outro, eram colocadas as
respostas dos discentes, exibindo todas as produções.

Resultados E Discussões Da Experiência


Experiências como a relatada neste trabalho contribui, de forma ímpar, na construção
de locais de debates importantes para o incentivo de discussão acerca de um assunto que, muitas
vezes, não é presente no cotidiano curricular dos cursos de graduação da área da saúde.
A promoção das rodas de conversa evidenciou que os currículos acadêmicos dos
respectivos cursos não contemplam a temática interprofissionalidade de forma rotineira, uma
vez que os discentes que participaram da roda já concluíram mais de cinquenta por cento do
curso escolhido, e a partir dos seus relatos, as vivências interprofissionais ou interdisciplinares
eram insuficientes ou não se caracterizavam como trabalho colaborativo, pois não havia um

1466
diálogo entre os profissionais. Salienta-se que, segundo a OMS (2010), as práticas colaborativas
implicam numa interação entre os profissionais que prestam serviços com base na integralidade
da saúde, atribuindo uma centralidade ao usuário.
Por meio de contatos interprofissionais, mesmo breves como nessas rodas, os estudantes
puderam refletir sobre o próprio curso, compreendendo de que forma ele incentiva uma
perspectiva interprofissional e, até mesmo, se ele incentiva essa perspectiva. Além disso, a troca
de experiência possibilita maneiras de intervir nessa realidade, propondo formas de modificar
uma realidade que não se adequa a certas perspectivas. Desse modo, os discentes contribuíram
com possíveis estratégias que pudessem implementar a educação interprofissional na matriz
curricular dos seus cursos.
Dentre as medidas mencionadas pelos estudantes, destacam-se as possíveis mudanças
no Projeto Político Pedagógico das graduações, de modo que estes possam abranger uma
interdisciplinaridade entre os cursos no âmbito da saúde, uma vez que já existem disciplinas em
comum na grade curricular, porém, estas não são compartilhadas ou pensadas de forma
conjunta. Além disso, foi relatado a hierarquização de determinadas profissões, ocasionando
desvalorização dos saberes de outros profissionais, esta percepção se apresenta contrária a
perspectiva da interprofissionalidade, pois, é notório que na presença de atores de áreas de
conhecimentos diferentes, em que há uma centralidade no paciente, a compreensão acerca das
necessidades do mesmo ocorre de modos diversos, portanto a integração e verticalização entre
estes é essencial para uma melhor promoção à saúde e prevenção de enfermidades.
Notamos que, dentre os estudantes de enfermagem e educação física, poucos tiveram
experiências com profissionais ou discentes de outras categorias. Assim, isso demonstra a
necessidade de mais propostas de integrações entre os profissionais/estudantes da área da saúde,
a fragmentação que, infelizmente, ainda está presente nesse campo prejudica a própria práxis,
já que a atuação com o usuário também se torna fragmentado.
De acordo com o que foi discutido, observa-se que os estudantes participantes das rodas
têm pouca interação com outros profissionais, sendo que a interprofissionalidade já deveria
ocorrer de maneira significativa durante a graduação, porém a realidade ainda parece distante.
A educação interprofissional surgiu com a necessidade de formar profissionais de saúde
favoráveis ao trabalho em equipe, desconstruindo a formação uniprofissional e os silos
profissionais que corresponde na formação específica e separada de cada profissão. Dessa
forma, a EIP parte do pressuposto de unir as classes profissionais para trabalharem em conjunto
e assim melhorar a qualidade da atenção, mas nas rodas, com as trocas de experiências dos
graduandos, vimos que ainda não ocorre um efetivo trabalho em equipe. (Freire, 2019)
A experiência nas rodas de discussões, propiciadas pelo PET-
Saúde/Interprofissionalidade, possibilitou modificar as perspectivas dos estudantes
participantes como também dos monitores do PET-Saúde, já que se tornou perceptível que a
Universidade se dá como um espaço para quebrar barreiras construídas socialmente e que
podem ocasionar fortes mudanças nos espaços que serão ocupados por futuros profissionais,
sendo que estes estão trilhando seus caminhos nesses locais. Dessa maneira, é imprescindível
momentos de diálogos que promovam uma reflexão acerca dos seus saberes e atuação, além do
compartilhamento de conhecimentos.
Destarte, o PET-Saúde mostra-se um projeto relevante para difundir tais ideias acerca
da interprofissionalidade e do trabalho colaborativo, pois a educação interprofissional constitui-
se um método para melhorar a qualidade da atenção ao sujeito. As rodas de conversa são
ferramentas para difundir esses conceitos, visto que o discente tem pouca aproximação com
esses assuntos durante a graduação (Viana, 2016). Dessa forma, o objetivo das rodas é a troca

1467
de experiências que os graduandos puderam vivenciar nos estágios e a partir disso desconstruir
a uniprofissionalidade e mostrar o impacto do trabalho interprofissional no processo de cuidado.

Referências
Almeida, R. G. D. S., Teston, E. F., & Medeiros, A. D. A. (2019). A interface entre o PET-
Saúde/Interprofissionalidade e a Política Nacional de Educação Permanente em
Saúde. Saúde em Debate, 43, 97-105.

Costa, M. V. D. (2016). A educação interprofissional no contexto brasileiro: algumas


reflexões. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, 20(56), 197-198.

Freire, J. R., Silva, C. B. G., Costa, M. V. D., & Forster, A. C. (2019). Educação
Interprofissional nas políticas de reorientação da formação profissional em saúde no
Brasil. Saúde em Debate, 43, 86-96.

Ministério da Saúde. Edital n°10, de 23 de julho de 2018. Estabelece a seleção para o


Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde PET-Saúde/Interprofissionalidade -
2018/2019. Recuperado de < http://www.in.gov.br/materia/-
/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/33889041/do3-2018-07-24-edital-n-10-23-
de-julho-2018-selecao-para-o-programa-de-educacao-pelo-trabalho-para-a-saude-pet-
saude-interprofissionalidade-2018-2019-33889037>. Acesso em: 07 mar. 2020.

Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. (2019). PET-


Saúde/Interprofissionalidade inicia atividades da nona edição. Brasília, DF.

Organização Mundial da Saúde (OMS). (2010). Marco para Ação em Educação


Interprofissional e Prática Colaborativa. Genebra: OMS.
MATERNIDADE E GRADUAÇÃO: IMPACTOS PSICOSSOCIAIS E

1468
EDUCACIONAIS NO COTIDIANO DE DISCENTES DE PSICOLOGIA
Mauricia Paz Aguiar,
Maria Áurea Pereira Silva
Introdução
A trajetória da mulher na sociedade brasileira tem sido marcada pela desigualdade de
gênero, por exemplo, o cuidado com os filhos e as tarefas domésticas, majoritariamente são
desempenhadas pelas mulheres, sendo despendida, assim, maior carga horária, principalmente
quando concilia essas atividades com o processo educacional (Custódio & Silva, 2016). Neste
estudo, são discutidas, a partir do século XX, duas categorias – a maternidade 82e a graduação
de modo concomitante.
O ideal de maternidade é construído socialmente, e a inserção feminina no Ensino
Superior (ES) enfrentou, historicamente, percalços para a sua inclusão. Conforme índices
apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2018), a mulher tem a
carga horária dos afazeres domésticos superior (18,1 horas) em comparação aos homens (10,5
horas). Em nosso país, “[...] ao desagregar por região, verifica-se que a maior desigualdade na
distribuição de horas dedicadas a estas atividades está na Região Nordeste, onde as mulheres
dedicam cerca de 80% a mais de horas do que os homens, alcançando 19 horas semanais”
(IBGE, 2018, p. 3).
A diversidade de concepções sobre a maternidade – mitificada pelo amor incondicional
da mãe à prole – foi produzida por discursos sociais e científicos (Resende, 2017). Como
exemplo, temos a Psicanálise, que embora não tenha atribuído somente à mãe a
responsabilidade pelo desenvolvimento emocional da criança, foi sobre os ombros materno que
a “culpa” recaiu (Badinter, 1985; Maldonado, 2005). Na concepção de Beauvoir (1949/2016),
a maternidade estabeleceu-se para a mulher como forma de controle e dominação do corpo
feminino.
Em consonância com este pensamento, Biroli (2018) acrescenta que, para além do
controle social sobre o corpo da mulher, a maternidade é construída com a adição de outras
variáveis, por exemplo, raça, questões socioeconômicas. Nesse sentido, “família e maternidade
são vividas de formas distintas pelas mulheres, segundo sua posição relativa em outros eixos
da opressão nas sociedades, como classe, raça e sexualidade” (Biroli, 2018, p. 100).
Destarte, não se pode discutir a maternidade como único modelo aplicável a todas as
mulheres, visto que a diferença não se dá apenas no gênero, na desigualdade binária entre
homem e mulher, a distinção ocorre na própria construção do ser mulher, ser mãe e em
dissemelhantes vivências de maternidade, uma vez que para cada mulher a maternidade se
constitui de maneira, tempo e vivência diversas (Biroli, 2018).
As mulheres de classe econômica alta podem valer-se da mercantilização nos cuidados
com a casa e com seu(s) filhos(s), podendo utilizar seu tempo com outras atividades (Sorj,
2014). Por outro lado, as mulheres de classe econômica baixa que se dedicam aos zelos da
família e dos filhos de outra mulher, também, incumbem outras mulheres na diligência de seus
filhos (Hirata & Kergoat, 2007). Esses desvelos precisam ser discutidos, posto que remetem à

82
Há distinção entre maternidade e maternagem, a primeira é reconhecida pela relação biológica e a segunda é
identificada pelo afeto e cuidado realizado pela mãe ou por outra pessoa que desempenhe esta função (Gradvohl,
Osis & Makuch, 2014).
ideia do cuidado com a família e com a casa como atividades naturais da mulher, o que pode

1469
causar conformação e engessamento na sua posição social (Freire, 2007).
A responsabilidade com os afazeres domésticos e outros cuidados relativos à família
ainda apresentam entrave para as mulheres que desejam conciliar a maternidade e a graduação
(Custódio & Silva, 2016). Como assinalado anteriormente, a inclusão feminina no ES se
constituiu em meio a obstáculos, no decorrer da História. No século XX, a mulher teve
importante vitória com a conquista do voto feminino e as lutas pela sociedade igualitária,
inspiradas no movimento Sufragista83 (Melo & Thomé, 2018).
Com a busca por seus direitos, principalmente o direito à educação, a escolarização
feminina aumentou (Pereira & Favaro, 2017). Na década de 1960, com a promulgação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 4.024/61, houve a possibilidade das
alunas – que concluíram o Curso Normal – ingressassem no ES. Nas décadas de 70 e 80, foi
ampliado o número de vagas na referida modalidade de ensino, especialmente pela expansão
das universidades privadas (Pereira & Favaro, 2017; Melo & Thomé, 2018). Todavia, apesar
das mulheres nas instituições de ES, não houve novas conquistas por causa da implantação
antidemocrática do Regime Militar.
A partir da década de 90, a inserção da mulher e do homem no ES começou a se igualar.
Entretanto, o ingresso feminino nas Instituições de Ensino Superior (IES) contemplou
predominantemente a população branca e de condição socioeconômica favorecida (Melo &
Thomé, 2018). Nos anos 2000, o sistema de cotas favoreceu à mulher, possibilitando, com a
reserva de vagas, o aumento na inserção de mulheres negras nas IES (Queiroz, 2008). De acordo
com dados da estatística de gênero, na faixa etária entre 25 e 44 anos, 21,5% são a porcentagem
de mulheres que completaram o ensino superior, enquanto a dos homens é de 15,6%. Desse
modo, as mulheres têm maior nível de instrução, chegam e se mantêm no ensino superior,
enquanto que os homens, ao completarem o ensino médio, já ingressam no mercado de trabalho
(IBGE, 2018).
Não obstante, mesmo possuindo maior escolaridade, a mulher aprendeu ações que as
guiam e as instituem desde o seu nascimento sobre o que é feminino e sobre o que é masculino.
Assim, desempenham tarefas relacionadas a seu gênero, seja em casa, seja na escola, seja ainda
em outros lugares. Essas práticas estão entranhadas na sociedade, induzindo que mulheres e
homens tenham seus lugares, até mesmo suas profissões predeterminadas (Ávila & Portes,
2009) – ideias internalizadas são mais fáceis de serem reproduzidas.
O acesso ao Ensino Superior pode oportunizar à mulher, a construção de
posicionamentos críticos sobre os processos históricos e sociais de exclusão que incidem sobre
ela, possibilitando reflexões e análises que conduzam ao enfrentamento e ao fortalecimento da
luta por seus direitos (Biroli, 2018; Melo & Thomé, 2018). Este estudo teve por objetivo
analisar concepções de mulheres sobre as suas duplas jornadas – maternidade e graduação – e
os impactos psicossociais e educacionais em seus cotidianos.

Método

83
O Movimento Sufragista buscou o direito ao voto. No Brasil, o direito das mulheres ao voto só foi obtido em
1932, no governo de Getúlio Vargas, e somente àquelas escolarizadas (Melo & Thomé, 2018).
Esta pesquisa qualitativa seguiu este percurso metodológico: a) Método dialético,

1470
escolhido por considerar as contradições da realidade dos fenômenos, apresentados como
inseparáveis e em permanente transformação (Prodanov & Freitas, 2013). Trata-se de um
método que leva em conta o contexto histórico, político, econômico, social, entre outros (Gil,
2008); b) Local de realização – Instituição Federal de Ensino Superior, em São Luís - MA; c)
Amostra – quatro estudantes regularmente matriculadas no curso de Psicologia, na faixa etária
de 21 a 44 anos, mães com filhos entre 0 a 12 anos de idade incompletos,84 sendo duas casadas,
uma convivente e uma solteira. O acesso à amostra ocorreu por intermédio: de uma lista de
alunos fornecida pela Coordenação do curso de Psicologia, de visitas em salas de aula e por
contato via WhatsApp. Os critérios de exclusão das mães-discentes foram: com os filhos
maiores de 12 anos de idade; àquelas sem trabalho remunerado; e as que estivessem com o
curso de Psicologia trancado no período da pesquisa ou estivessem em exercício domiciliar; d)
Instrumentos utilizados – um Roteiro de entrevista semiestruturado e um Questionário
Sociolaboral; e) Principais procedimentos – submissão na Plataforma Brasil com aprovação do
Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) Nº 94194418.2.0000.5087; na
coleta de dados feita de modo individual foi utilizado o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) e autorizada a gravação de áudio pelas participantes; o registro dos
depoimentos das participantes foi feito com os códigos P1, P2, P3 e P4; e f) Análise dos dados
– o conteúdo das entrevistas foi lido minuciosamente para elegerem-se categorias de análise:
impactos psicossociais e impactos educacionais.

Resultados e Discussões
Os principais resultados encontrados com a dupla jornada das participantes da pesquisa
foram: a) Impasse quanto ao cumprimento de suas atividades acadêmicas concomitante às da
maternidade; b) Em relação ao tempo – leituras feitas no trajeto para a universidade e/ou sala
de aula, carência de tempo para realizar as atividades acadêmicas e para cuidar dos filhos; c)
Prejuízos à saúde mental (angústia, dificuldade para dormir à noite, preocupações, frequente
autocobrança) e física (dores nas costas); d) Rendimentos acadêmicos abaixo de suas
expectativas, e trancamento do Curso; e e) Cobranças feitas pela sociedade.
A dupla jornada acarretou às participantes múltiplas atividades que, para amenizá-las,
contavam com as redes de apoio – familiares, cônjuges e cuidadoras. Contudo, todas relataram
dificuldades para conciliar os estudos com a maternidade, apresentando impactos educacionais
na graduação. A exemplo: “[...] a maternidade é a prioridade para mim, então assim,
independente de qualquer coisa, [...], mesmo se eu tiver que faltar aula, a prioridade é a
criança [...].” (P4). Takahara, Mendes e Rinaldi (2016, p. 610) referem que: “As atuais funções
da mulher exigem que ela se esforce ainda mais para dar conta de todas as funções que exerce,
como dona de casa, esposa, mãe, trabalhadora que ingressa para um curso de graduação”.
Ressalte-se: a mulher que estuda, também responde a outras demandas que podem limitar o seu
tempo quanto à sua participação social, por exemplo, quando deixa de envolver-se nas questões
políticas do país, não exercendo cargo no poder legislativo e/ou participando de movimentos
sociais e sindicatos de classes.

84
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu Art. 2º, considera criança a pessoa até doze anos de
idade incompletos (Brasil, 1990).
Entre os impactos educacionais mais frequentes nas falas das participantes registraram-

1471
se: o reduzido tempo para o cumprimento de suas atividades acadêmicas, de modo que elas
declararam realizá-las com dificuldades:

“Não tenho tempo, [...] no final de semana, para fazer trabalhos é quando a minha
filha vai dormir, aí eu vou fazer o trabalho [...]” (P1). “Eu deixo de fazer outras
atividades para acordar mais cedo e estudar os textos, para fazer as leituras ou então,
eu tento conciliar [o tempo]” (P4).

No que concerne ao tempo – a vivência universitária exige do aluno o desenvolvimento


de estratégias para o cumprimento das atividades propostas no currículo, com o subsídio de
variados meios para concretizá-las, conforme o relato: “[...] é complicado de se cumprir [...]
quando você tem criança em casa. Às vezes me dava vontade de fazer ali [na sala, as atividades
acadêmicas], [...], o que eu tinha em mente, porquê senão, acumulava” (P3). Ávila e Portes
(2012) apontam em seus estudos que graduandas, desempenhando jornadas múltiplas, utilizam-
se do tempo em sala de aula para focar o quanto podem nos estudos, pois não disponibilizam
de tempo fora do ambiente acadêmico.
No que diz respeito à saúde mental das participantes, comenta-se que as aflições
provenientes da dupla jornada exercida revelaram preocupações com a Graduação: “Eu estou
fazendo as coisas empurrando, principalmente a graduação. Eu já me sinto culpada de não
estar com a minha filha, mas a graduação eu fico imaginando, [...] será que eu estou totalmente
preparada?” (P1). O malabarismo despendido na organização e execução de suas jornadas,
para cumprir as tarefas cotidianas, pode deixar-lhes passíveis a distúrbios emocionais (Ávila &
Portes, 2012).
O conjunto das várias atividades realizadas podem ocasionar prejuízos à saúde física e
mental, por conta da carga excessiva de trabalhos realizados em curto tempo, o que não
possibilita descanso e nem lazer, como ilustram os depoimentos a seguir: “Eu me sinto com
muita dor nas costas, eu sempre estou com uma dorzinha de cabeça [...]. É uma dor que eu sei
que é um peso, um cansaço, que é dessa vida corrida [...]” (P1). “Eu sinto preocupação de, de
repente, não dar conta, além do cansaço físico [...], você tem que ir passando de um para o
outro [jornadas], no final do dia você já está super cansada, né? Então, são essas questões, a
angústia, a falta de tempo e o cansaço” (P4).
Com múltiplas tarefas, as participantes relataram: “[...] falei pra ele [marido] que a
gente tem que dividir, continuar dividindo e dividir mais as tarefas porque senão, eu não vou
conseguir, eu vou adoecer” (P2). Para além das soluções caseiras, das estratégias desenvolvidas
individualmente e da rede de apoio que circundam as mulheres, é obrigação do Estado
desenvolver Políticas Públicas que lhes garantam respeito às suas aspirações, bem como a
criação de creches e pré-escolas, para que a inserção das mulheres nos ambientes ensejados
aconteça de maneira digna, sem serem penalizadas (Sorj, Fontes & Machado, 2007; Sorj, 2013).
As obrigações socioculturais impostas à mulher, no que tange aos cuidados e à
participação econômica familiar, ampliam os conflitos internos, muitas vezes imputando- lhe
culpa por desempenhar várias funções, o que pode trazer outros pontos negativos, contudo,
revela, muitas vezes, a superação pessoal de percalços que acompanham a tripla jornada
(Custódio & Silva, 2016).
Não foram apenas sentimentos relacionados à negatividade que acompanharam a rotina
das participantes, amiúde, a efetivação das atividades parece trazer-lhes, também, satisfação,
embora de modo ambíguo: “[...] eu percebo que estou sobrecarregada, mas eu não me sinto

1472
assim [...]. Sinto um peso um pouco maior do que antes, por isso, por estar cuidando dela [a
filha], mas ao mesmo tempo eu estou muito feliz, também” (P2).
Esta fala da participante se coaduna com um estudo feito por Custódio e Silva (2016),
que discorreram sobre a satisfação das mulheres em empreender múltiplas jornadas, inclusive
a realização de um curso superior. A justificativa concedida pela amostra estudada – pelos
citados autores – estaria relacionada com a suposta melhoria de vida pessoal, laboral e familiar,
após a conclusão da graduação.
A divisão do tempo das participantes com outras tarefas indicou que eram conscientes
de que poderiam ter rendimento acadêmico superior ao que apresentavam, entretanto, devido à
rotina entre a dupla jornada, não conseguiram obter os resultados esperados por elas, conforme
os relatos a seguir: “É mais uma questão de que eu sei que eu poderia fazer mais, mas, não
consigo [...] por que eu sei que não trabalhei, e eu não culpo de dizer que é implicância do
professor” (P1). “Gostaria de tirar nove nas disciplinas, tirei cinco, então é muito desanimador
[...]” (P4).
Para além das aspirações sobre seus rendimentos, outros empecilhos, quanto aos
entraves de seus desempenhos, foram revelados, tais como: a necessidade de levar o(s) filho(s)
para a sala de aula – “[...] eu tive que trazer meu filho algumas vezes, ele tava sem ter com
quem ficar [...]” (P3); e dormir durante a aula – “às vezes não presto muita atenção nas aulas
porque eu não consigo dormir à noite, [...] eu fico querendo dormir aqui, eu acabo cochilando
nas aulas” (P1).
Diversos são os obstáculos na vida acadêmica para qualquer aluno, entretanto, para as
mulheres que necessitam conciliar estas jornadas há uma sobrecarga, mesmo possuindo uma
rede de apoio, ainda lhe é atribuída a responsabilidade maior sobre o cuidado com seu(s)
filho(s). A delegação quanto ao cuidado incide de diferentes formas para as mulheres e os
homens. De maneira que a imputação do cuidado em nossa sociedade é estabelecida como da
mulher, e isto a faz desenvolver estratégias e depender, por vezes, de outras pessoas quando
necessita ausentar-se do lar para desenvolver outras atividades (Hirata & Kergoat, 2007; Sorj,
Fontes & Machado, 2007; Sorj, 2013; Hirata, 2015; Biroli, 2018).
Quanto aos impactos educacionais referentes à rotina acadêmica das participantes em
paralelo com outra jornada, pareceu tornar-se muitas vezes uma impossibilidade. Duas
participantes alegaram ter recorrido ao trancamento do Curso em algum momento, para que
pudessem exercer outras funções. Das que não trancaram o Curso: uma relatou já ter cogitado
tal possibilidade – “Eu acho se eu tivesse fazendo todas as cadeiras de um semestre normal, eu
teria que trancar, eu não ia conseguir” (P2); e a outra percebeu que alguns professores e alunos
do Curso, eventualmente, lhes perguntavam sobre o trancamento (por acharem que ela não daria
conta de suas tarefas) – “Não, eu não quero trancar. Eu estou aqui, eu vou dar conta sim [...]”
(P1). Para Custódio e Silva (2016), a situação da mulher, por exercer múltiplas jornadas, que
vão além do cuidado familiar, não lhe deveria custar suas pretensões acadêmicas e/ou
profissionais, ou ainda cercear seus planos.
Faz-se necessária a inclusão, por parte da universidade, para as novas configurações que
a Contemporaneidade tem apresentado. Há de se dispor de acolhimento que englobe a
humanização das relações, abrangendo, além das competências acadêmicas, a perspectiva
psicossocial (Urpia & Sampaio, 2009). Considera-se que um ambiente acolhedor vai além da
disposição de creches dentro dos Campi: perpassa pela criação de projetos e ações que integrem
diferentes públicos.
No que concerne às cobranças feitas pela sociedade às participantes, todas afirmaram

1473
que essas cobranças são relativas às suas capacidades. A exemplo, declararam: 1) Na família:
“Eu me sinto muita cobrada, porque além de mãe e filha, eu sou esposa [...], minha mãe me
cobra coisas como filha, meu marido me cobra como esposa, e minha filha como mãe” (P1); e
2) Na universidade: “[...] na sala de aula, a gente percebe alguns colegas que de primeira
olham e pensam: ‘ah essa aí, não deve saber nada, não deve nem estudar’ [...]” (P4).
As participantes mencionaram em seus relatos que, em nossa sociedade, havia maior
cobrança social para as mulheres: “Nós mulheres, a gente está ali lutando [...], e mesmo assim
você tem que dar uma satisfação [...] a gente sempre recebe cobrança porque parece que a
gente nunca dá o suficiente, as pessoas estão sempre cobrando” (P4). O modelo patriarcal
imposto na sociedade estratifica o lugar da mulher, causando-lhe objeções em ocupar de forma
igualitária as diferentes esferas sociais com que convive (Tokuda, Peres & Andrêo, 2016).
Nesse modelo, as questões de gênero estão estabelecidas com idealizações, e, quando não
cumpridas, há reclamações nos grupos sociais.
Outro aspecto percebido são as exigências por parte da própria mulher em executar o
que lhe é demandado. “A pressão, acho que foi eu que fiz mais. [...]. Eu que sempre me
pressionei [...], talvez isso tenha a ver com a cobrança social, que é um pouco velada” (P2). A
busca pela perfeita harmonia das tarefas e a indigência de suplantação dos obstáculos podem
ocasionar um conjunto de sentimentos ambivalentes, que se exprimem no conflito das próprias
necessidades e no modelo feminino imposto, em que a mulher presume realizar os diferentes
papéis que desempenha (Costa, 2018).
As normas introjetadas no imaginário feminino, muitas vezes, não permitem a
percepção de marcas psicossociais e educacionais, bem como a possibilidade de confrontá-las.
As questões de gênero conferem às mulheres, nas relações estabelecidas pela sociedade, certa
subordinação aos padrões vigentes, tanto no âmbito social em geral, quanto no específico do
processo educacional. “Às mulheres cabem as atribuições no âmbito privado muito mais que
no espaço público. Maternidade e casamento ainda são vistos como etapas quase necessárias da
vida de uma mulher” (Biroli, 2018, p. 88). Contudo, essas etapas imperativas pela sociedade
existem, e originam vários ideais nos quais as mulheres deveriam cumpri-los.

Considerações Finais
Os temas abordados neste estudo, demonstraram dificuldades que as mulheres com esta
dupla jornada podem expressar. Por exemplo: a) Na maternidade, existe a culpa por não
desempenhá-la tal qual a sociedade prescreve. Estudiosas como Badinter (1985), Maldonado
(2005), Beauvoir (1949/2016) e Biroli (2018) discutem sobre a culpa atribuída à maternidade;
e b) No percurso acadêmico, não conseguem cumprir como desejavam as tarefas solicitadas,
ocorrendo prejuízos nos seus desempenhos educacionais. Nesse sentido, Neves (2013) e Biroli
(2018) chamam a atenção que, a dificuldade da mulher para conciliar várias tarefas, a põe em
desvantagem profissional em relação aos homens.
A coexistência dessa dupla jornada, possivelmente, traz danos à saúde mental e física,
como perda de sono, dores no corpo, ansiedade, entre outros. As jornadas exercidas pelas
participantes limitaram seus desenvolvimentos acadêmicos, causando vários impactos na
trajetória educacional. Percebeu-se que há necessidade de implementação de estratégias
dinâmicas que contemplem o processo de ensino-aprendizagem das mulheres com múltiplas
jornadas. Não obstante, essa realidade é relevante para ser discutida por diversos profissionais,
inclusive o profissional de Psicologia.
Referente ao desenvolvimento acadêmico, a Psicologia pode promover práticas para

1474
essa população, assegurando-lhes o bem-estar mental e outros, não reproduzindo em sua prática
ações excludentes. A Psicologia Escolar e Educacional no Ensino Superior tem grande
relevância em relação ao tema desenvolvido nesta pesquisa, pois pode possibilitar o
desenvolvimento de estratagemas, não só no que se refere ao ensino e à aprendizagem, mas
também em discussões, como as questões de gênero, visando prevenir ou minimizar os
impactos para as mulheres.
A dinâmica das rotinas empreendidas demonstrou que os desafios enfrentados pelas
participantes afetavam a sua saúde mental e física. Estas revelações se encontram em
consonância com estudos de Fonseca (2015) e de Biroli (2018), que apontam a desigualdade de
gênero como fenômeno gerador de comprometimento físico e psicológico à saúde da mulher.
A partir do apresentado, as relações da maternidade e da graduação incidem cobranças sociais
que afetam a subjetividade da mulher, visto que, ao mesmo tempo as críticas ocorrem, para que
se dedique integralmente aos cuidados com o(s) filho(s); há pressão social para que não seja
apenas mãe, e desenvolva outras atividades que possam contribuir com a sociedade e dar-lhe,
inclusive, autonomia.
Outrossim, a percepção social da mulher em relação aos papéis que desempenha é
imbuída socialmente de exigências e, por vezes, carregada de preconceito. Concomitante a
essas imposições, a mulher, por vezes, desenvolve autocobrança para com a maternidade, além
de pressões sociais para que obtenha êxito em outros aspectos da vida, com ênfase nos estudos
e outras esferas.
O investimento nos estudos pode proporcionar à mulher a conquista da autonomia,
disseminando, deste modo, práticas que lhe assegurem direitos, como a igualdade nas relações
com os homens e com a sociedade. A implementação de creches poderia favorecer ainda o
aspecto educacional, no qual as mulheres teriam a oportunidade de um local – supostamente
seguro – para deixar seus filhos. Ademais, a falta de creche enseja algumas posturas
profissionais, em sala de aula, que representam mais equívocos que proteção ao(s) filho(s) das
discentes – alguns professores parecem não ter visão crítica quanto à diversidade de contextos
em suas turmas.
Notou-se que as participantes refletiram sobre suas vivências e perceberam as
dificuldades oriundas do cumprimento da dupla jornada, assim como a concepção de que a
sociedade tem acerca dessas atividades desempenhadas. Ainda que houvesse percalços,
demonstraram certo contentamento em suas performances e reconhecimento em alguns
ambientes que atuam.
Observou-se a relevância do estudo em propor a análise sobre a condição feminina que
empreende esta dupla jornada na sociedade. Faz-se urgente falar, também, do protagonismo
feminino na busca pelos seus direitos, em que, mesmo com tempo reduzido para realizar suas
jornadas, ocupam os espaços e demonstram superações quanto às limitações impostas
socialmente.
Propõe-se à Psicologia Escolar e Educacional ações visando à diminuição dos impactos
psicossociais e educacionais, dentre outros, para as mulheres com estas jornadas. Que esse
profissional tenha atuação crítica e com responsabilidade social, inclusive buscando a
promoção de Políticas Públicas justas e pertinentes. Ademais, o cumprimento da
responsabilidade do Estado favorece a entrada e permanência de mulheres em IES. Entretanto,
estas decisões, sobre as Políticas Públicas, estão nas mãos de homens, que são a maioria nos
órgãos gestores, decidindo sobre questões relacionadas à mulher.
A partir desta pesquisa, pretendeu-se contribuir com a sociedade em geral, com

1475
reflexões e análises que possam promover transformações, possibilitando dados para futuros
estudos, melhoria na saúde mental destas mulheres, além disso, fornecer subsídios para
possíveis intervenções no campo da Psicologia Escolar e Educacional. Esta pesquisa aspirou à
discussão sobre os desafios psicossociais e educacionais de mulheres no enfrentamento da dupla
jornada – maternidade e graduação, observando, ainda, as percepções sociais marcadas pelos
contextos.

Referências
Ávila, R. C. & Portes, É. A. (2009). Notas sobre a mulher contemporânea no ensino
superior. Mal-Estar e Sociedade, 2(2), 91-106. Disponível em
https://pdfs.semanticscholar.org/eabf/d88316a5280153a843b96a2d91ccb9ef76f4.pdf.
Badinter, E. (1985). Um Amor Conquistado: o mito do amor materno. (W. Dutra, Trad.) Rio
de Janeiro: Nova Fronteira.
Beauvoir, S. (1949-2016). O Segundo sexo: fatos e mitos (3a ed., Vol. 1). (S. Milliet, Trad.) Rio
de Janeiro: Nova Fronteira.
Biroli, F. (2018). Gênero e desigualdades: os limites da democracia no Brasil. São Paulo:
Boitempo.
Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da criança e do adolescente
e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm.
Costa, F. A. (2018). Mulher, Trabalho e Famílias: os impactos do trabalho na subjetividade da
mulher e em suas relações familiares. Pretextos - Revista de Graduação em Psicologia da
Puc Minas, 3 (6), (pp. 434-452). Fonte:
http://periodicos.pucminas.br/index.php/pretextos/article/view/15986.
Custódio, M. A. C., & Silva, D. P. da. (2016). Trajetória de vida acadêmica de mulheres
maranhenses: um estudo do processo de acesso e permanência no Curso de Pedagogia.
Revista Ártemis, 22(1), (pp. 55-62). Doi: 10.15668/1807-8214/artemis.v22n1p55-62.
Fonseca, M. F. (2015). A inserção das mulheres no mercado de trabalho como uma exigência
do capital e a divisão sexual do trabalho. Revista Extraprensa, 9(1), 90-101.
https://doi.org/10.11606/extraprensa2015.107635.
Freire, N. (2007). Conferência de abertura: seminário Gênero, Família e Trabalho em
perspectiva comparada. In C. Araújo, F. Picanço, & C. Scalon, Novas conciliações e
antigas tensões? Gênero, família e trabalho em perspectiva comparada (2 ed., pp. 11-18).
Bauru-SP: EDUSC.
Gil, A. C. (2008) Métodos e Técnicas de Pesquisa Social (6a ed.). São Paulo: Atlas.
Gradvohl, S. M. O., Osis, M. J. D. & Makuch, M. Y. (2014). Maternidade e formas de
maternagem desde a idade média à atualidade. Pensando famílias, 18(1), 55-62. Disponível
em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-
494X2014000100006&lng=pt&nrm=iso.
Hirata, H. & Kergoat, D. (2007). Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cadernos
de Pesquisa, 37(132), 595-609. https://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742007000300005.
Hirata, H. (2015). Mudanças e permanências nas desigualdades de gênero: divisão sexual do

1476
trabalho numa perspectiva comparativa. Friedrich Ebert Stiftung Brasil, 7, 1-22. Fonte:
http://library.fes.de/pdf-files/bueros/brasilien/12133.pdf.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2018). Estatísticas de gênero:
indicadores sociais das mulheres no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/bibliotecacatalogo?view=detalhes&id=2101551.
Maldonado, M. T. (2005). Psicologia da gravidez: parto e puerpério (17a ed.). São Paulo:
Saraiva.
Melo, H. P., & Thomé, D. (2018). Mulheres e poder: histórias, ideias e indicadores. Rio de
Janeiro: FGV Editora.
Neves, M. A. (2013). Anotações sobre trabalho e gênero. Cadernos de Pesquisa, 43(149), 404-
421. https://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742013000200003.
Pereira, A. C. F. & Favaro, N. A. L. G. (2017) História da mulher no ensino superior e suas
condições atuais de acesso e permanência. In: Congresso Nacional de Educação -
EDUCERE: Formação de Professores - edição internacional, 13, 2017, Curitiba. Anais [...].
Curitiba: PUCPR, p. 5527-5542. Disponível em:
https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/26207_12709.pdf.
Prodanov, C. C. & Freitas. E. C. (2013) Metodologia do trabalho cientifico: métodos e técnicas
da pesquisa e do trabalho acadêmico (2a ed.) Novo Hamburgo: Feevale.
Queiroz, D. M. (2008). Ações afirmativas na universidade brasileira e acesso de mulheres
negras. Revista Ártemis, (8). Recuperado de
https://periodicos.ufpb.br/index.php/artemis/article/view/2312.
Resende, D. K. (2017). Maternidade: uma construção histórica e social. Pretextos – Revista da
Graduação em Psicologia da PUC Minas, 2 (4), 175-191. Fonte:
http://periodicos.pucminas.br/index.php/pretextos/article/view/15251.
Sorj, B., Fontes, A. & Machado, D. C. (2007). Políticas e práticas de conciliação entre família
e trabalho no Brasil: issues and policies in Brazil. Cadernos de Pesquisa, 37 (132), 573-
594. doi:https://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742007000300.
Sorj, B. (2013). Arenas de cuidado nas interseções entre gênero e classe social no Brasil.
Cadernos de Pesquisa, 43(149), 478-491. https://dx.doi.org/10.1590/S0100-
15742013000200006.
Sorj, B. (2014). Socialização do cuidado e desigualdades sociais. Tempo Social, 26 (1), 123-
128. doi:https://dx.doi.org/10.1590/S0103-20702014000100009.
Takahara, A. L., Mendes, A. M. & Rinaldi, G. P. (2016). Mulher na educação superior: alguns
apontamentos para o debate. Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2015-2016,
17 (1), 263-270.
Tokuda, A. M. P., Peres, W. S. & Andrêo, C. (2016). Família, Gênero e Emancipação
Psicossocial. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(4), 921-931. doi:
https://dx.doi.org/10.1590/1982-3703001022014.
Urpia, A. M., & Sampaio, S. M. (2009). Tornar-se mãe no contexto acadêmico: dilemas da
conciliação maternidade – vida universitária. Revista Recôncavos, 3 (2), 30-43. Fonte:
http://www.ufrb.edu.br/reconcavos/pdf/ana-maria-de-oliveira-urpia-sonia-maria-rocha-

1477
sampaio.pdf.
RELAÇÕES INTERPESSOAIS NA CONTEMPORANEIDADE: UMA DISCUSSÃO

1478
SOB O OLHAR DA FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL
Milena Assunção Procópio,
Jurema Barros Dantas,
Adryssa Bringel Dutra,
Catherine Moreira Conrado,
Lucas dos Santos Barbosa
Introdução
Vinícius de Moraes, em sua elegância e sabedoria, nos apresenta a vida como “a arte do
encontro”, contudo ele não exclui os desencontros dessa arte. As relações interpessoais seriam,
justamente, esse andar entre a proximidade e distância, os encontros e os desencontros. Nesse
trabalho, de modo algum nos propomos a esgotar tema de tamanha amplitude, mas
apresentaremos uma visão sobre esse tema. Compreendendo a importância do contexto sócio-
histórico na análise da construção e desenvolvimento dos vínculos relacionais, partimos do
seguinte questionamento: que contexto possibilita que essa demanda emerja e, em certa medida,
a produz?
Ao longo de toda a história humana buscaram-se formas de comunicação e socialização
entre os homens, o que veio a se configurar como fontes geradoras de suprimento de
necessidades básicas, bem como instância para os processos de produção de subjetividades
segundo as condições históricas de cada tempo. Na sociedade contemporânea ocorreram
grandes transformações dos modos de produção e explicitação dessas relações.
No contexto da contemporaneidade, marcado pelo consumismo global, segundo Hall
(2001 apud Rodrigues, 2010), emergem identidades partilhadas, não previamente
estabelecidas, mas construídas em uma história de vida e que se atualizam continuamente.
Ademais, segundo o mesmo autor, há uma fragmentação da identidade dos sujeitos,
caracterizando-a como multifacetada e que, por vezes, se mostra não resolvida ou contraditória.
Tendo em vista a complexidade na qual a identidade se configura atualmente, correntemente
encontramos sujeitos sem autoconhecimento; assim desprovidos de uma relação profunda
consigo, tão pouco a podem estabelecer com o outro. Como bem comenta Rodrigues (2010, p.
30): “são senhores da própria vida, mas não são capazes de criar vínculos profundos, posto que
são donos de gostos e personalidades oscilantes”.
Com essas mudanças, a forma de se relacionar foi profundamente alterada. Houve uma
precarização das relações que passaram a ser marcadas por certa fluidez e flexibilização, à
exemplo das próprias tecnologias. Os sujeitos passaram a coexistir em uma sociedade
imediatista, na qual o consumo desenfreado e a busca pelo prazer são marcas do estilo de vida
contemporâneo. Surge uma forte cultura individualista, caracterizada pela competitividade e
pela objetificação do outro. Segundo Bauman (2001), na modernidade líquida o elo que unia os
sujeitos em grupos e pensamentos coletivos se dissolveu, instalando-se um estado de
insegurança no que se refere aos relacionamentos humanos.
Diante de um cenário de incertezas e identidades instáveis e múltiplas, no qual, como
infere Bauman (2009), não se há sequer garantia de um emprego e estabilidade, instaura-se um
paradoxo decorrente do individualismo emergente numa sociedade na qual só se pode contar
consigo mesmo: os sujeitos desejam relacionar-se, estabelecer laços afetivos satisfatórios e que,
em alguma medida, alivie-os de sua solidão, todavia recuam diante da insegurança e medo

1479
vigentes (Rodrigues, 2010).
Tempos contraditórios são esses nos quais variados são os meios para estarmos
próximos, todavia, jamais estivemos tão distantes e solitários. De acordo com Pinto e Novaes
(2014), a pós-modernidade é marcada pela propagação de informações, de pessoas e de capital.
Como ferramenta participante desse processo podemos citar a internet. Apesar do foco deste
capítulo não ser analisar a ligação entre as relações interpessoais e o uso da internet, podemos
compreender esse uso como mais uma forma de enunciação desse homem contemporâneo. É
possível afirmar que tanto no mundo virtual quanto no real, esse sujeito apresenta diversas
configurações e formas de ser. Assim, no presente momento histórico são apresentadas aos
sujeitos inúmeras possibilidades de ser e de se relacionar. Para Bauman (2004), a proximidade
virtual não contribuiu para uma maior proximidade real, tendo em vista que:

Quanto mais atenção humana e esforço de aprendizagem forem absorvidos pela


variedade virtual de proximidade, menos tempo se dedicará à aquisição e ao exercício
das habilidades que o outro tipo de proximidade, não-virtual, exige. Essas habilidades
caem em desuso – são esquecidas, nem chegam a ser aprendidas, são evitadas ou a
elas se recorre, se isso chega a acontecer, com relutância (Bauman, 2004, p. 84).

A tecnologia que criou as condições de possibilidade para transmissão e


compartilhamento de informações instantâneas, tornou-se marca de uma sociedade que busca
sempre estar conectada a tudo que acontece, em forma de uma infindável rede, que ao mesmo
tempo acolhe e estende complexas estruturas existenciais no horizonte temporal. Pode-se dizer
que a rede deixou de ser uma simples ferramenta de comunicação, trabalho e lazer, e que o
comportamento social por meio dos dispositivos tecnológicos parece estar se configurando
como um (novo) modo de ser e de estabelecer relações.
A partir desses novos modos de ser instaurados com o advento da contemporaneidade,
firma-se a base para o incremento do individualismo de nossos tempos, expresso de infinitos
modos, segundo o qual o esforço individual passa a ser o único meio de se atingir o
desenvolvimento (Dantas & Moura, 2011 apud Figueiredo, 1996, p. 53). Nesse sentido, a época
em que vivemos pode ser compreendida como uma “versão individualizada e privatizada, na
qual a responsabilidade sobre o fracasso ou sobre a vitória recai exclusivamente sobre os
próprios indivíduos” (Bauman, 2001, p. 14).
Qual outro fator pode-se atribuir a essa descrença constante no outro? A presente
competitividade, a qual exige que excluamos até antigos colaboradores, que se tornam
adversários, a partir do momento que se faz necessário garantir a sobrevivência e/ou sucesso,
também contribui para isso, dando às relações um caráter fluído e passageiro, ou como diria
Bauman (2001), líquido. Tão palpável quanto os líquidos, iniciam-se as relações (como um
simples clique na tela) e com a mesma rapidez esvaecem-se. Vemos assim um aumento
quantitativo na rede de contatos estabelecidos pelo sujeito contemporâneo, mas de qualidade
débil e contestável.

Desenvolvimento
Segundo a fenomenologia hermenêutica de Heidegger, pode-se considerar que o ser do
homem é privilegiado, pela sua possibilidade de questionar-se, compreender-se e transformar-
se, assim como de questionar, compreender e transformar o mundo. Esse autor compreende

1480
mundo como horizonte de sentidos, no qual o homem é lançado como um ser privilegiado e os
outros entes são simplesmente dados dentro desse mundo (intramundanos), sem ter o privilégio
de compreendê-lo e transformá-lo. Para denominar esse modo de ser próprio do homem, o
filósofo alemão usa o termo Dasein (ou Presença, segundo alguns tradutores).
Desse modo, o Dasein, segundo Dantas (2011), está em jogo no seu vir a ser no tempo
e aberto aos diversos sentidos que pode ser no mundo em que está lançado, ou seja, nas
possibilidades que lhe estão ao alcance. Assim, o Dasein é abertura, ou “clareira”, por meio do
qual os outros entes passam a ter sentido, segundo Sá e Barreto (2011), o sentido do homem é
voltado para fora, pois é por meio da relação que ele estabelece com “o que está fora” que os
novos sentidos podem ser compreendidos.
Um dos modos constitutivos fundamentais do modo de ser do Dasein abordadas por
Heidegger (1927/2015), é sua condição de ser-no-mundo-com-o-outro, que pode ser melhor
compreendido a partir da apresentação do autor, ao considerar que o mundo é sempre
compartilhado (mitwelt), que, apesar de acontecer de diversas formas, ocorrem sempre
afetações entre os seres lançados no mundo. Desse modo, é condição ontológica do Dasein ser-
com-o-outro. Desse “outro” pode-se compreender:

Outros não significam todo o resto dos demais além de mim, do qual o eu se isolaria.
Os outros, ao contrário, são aqueles dos quais, na maior parte das vezes, não se
consegue propriamente diferenciar, são aqueles entre os quais também se está. [...] À
base desse ser-no-mundo determinado pelo com o mundo é sempre o mundo
compartilhado com os outros. O mundo da Presença é mundo compartilhado. O ser-
em é ser-com os outros. O ser-em-si intramundando desses outros é copresença
(Heidegger, 2015, p. 175).

O autor afirma que inclusive o sentir-se só, o sentimento de solidão, só é possível se


anteriormente for estabelecida uma relação de ser-com-o-outro. É possível que o Dasein se
sinta só mesmo estando em meio a uma multidão de pessoas, quando estabelece com elas uma
relação de seres simplesmente dados, sem considerá-los outros Dasein.
Nesse contexto, adentramos à compreensão da fenomenologia hermenêutica de
Heidegger no que diz respeito à Noção de Cuidado, a qual considera o Cuidado como uma
condição de possibilidade para toda e qualquer relação, que é uma condição ontológica do
Dasein. A palavra ‘Cuidado’ (Sorge) é usada para expressar a característica ontológica do
Dasein de estar sempre referido a outro ente, de estar em consequência, em um processo
constante de desvelamento de possibilidades de sentido (Dantas, 2011, p. 13).
Nesse contexto, pode-se concluir que a Noção de Cuidado apresentada por Heidegger
considera que os entes lançados do mundo estão em constante afetação mútua, e a partir dessas
afetações são estabelecidas as relações, em seus aspectos ônticos e ontológicos. Para
compreender melhor de que forma o Cuidado é constitutivo do ser do homem, Heidegger usa a
Fábula de Higino, abordando de que modo a constituição ontológica do Dasein está
fundamentada no Cuidado.

Certa vez, atravessando um rio, Cura viu um pedaço de terra argilosa: cogitando, tomou
um pedaço e começou a dar-lhe forma. Enquanto refletia sobre o que criara, interveio Júpiter.
A Cura pediu-lhe que desse espírito à forma de argila, o que ele fez de bom grado. Como a Cura
quis então dar seu nome ao que tinha dado forma, Júpiter o proibiu e exigiu que fosse dado o

1481
seu. Enquanto Cura e Júpiter disputavam sobre o nome, surgiu também a Terra (tellus)
querendo dar o seu nome, uma vez que havia fornecido um pedaço de seu corpo. Saturno
pronunciou a seguinte decisão: ‘Tu, Júpiter, por teres dado o espírito, deves receber na morte o
espírito, e tu, Terra, por teres dado o corpo, deves receber o corpo. Como, porém, foi a Cura
quem primeiro o formou, ele deve pertencer à Cura enquanto viver. Como, no entanto, sobre o
nome há uma disputa, ele deve chamar-se Homo, pois foi feito de húmus (Heidegger, 2015, p.
266).
A partir dessa fábula abordada pelo autor para facilitar a compreensão por meio de uma
linguagem mais figurativa, pode-se compreender o quanto o Cuidado é constitutivo do modo
de ser e de viver do homem. Partindo do fato de que o ser-no-mundo é perceber-se enquanto
aberto às possibilidades, ser-no-mundo-com-o-outro é encontrar-se com esse outro, que
também é Abertura e, com ele, fazer escolhas autênticas dentre as diversas possibilidades que
surgem. Portanto, o Cuidado possibilita que as relações sejam estabelecidas pelos Dasein entre
si de modo autêntico e sem “fazer uso um do outro”, como seres simplesmente dados.
Desse modo, partindo da noção apresentada pela fábula de Higino, pode-se considerar que a
existência do homem é Cuidado, ou seja, o Cuidado é condição básica de possibilidade para o
estabelecimento de toda e qualquer relação. O Cuidado é uma dimensão ontológica que
possibilita todas as experiências ônticas dos seres humanos nas relações vivenciadas entre si, e
nas suas relações com as coisas.
Só é possível nos ocuparmos com as coisas e nos preocuparmos com os outros porque
as coisas e os outros já se abriram em seu ser como presenças na abertura de sentido que nos
constitui mais essencialmente do que qualquer identidade positiva. Assim como, para Husserl,
a consciência é sempre intencional, é sempre consciência de algo, para Heidegger, ser homem
é sempre ser-no-mundo-com. Denominar o ser do homem como cuidado exprime essa condição
essencial de abertura em que acontece a doação do sentido (Santos & Sá, 2013, p. 58).
Nesse contexto, a fenomenologia hermenêutica compreende dois modos de Cuidado,
denominados Ocupação (Bersogen) e Preocupação (Fursorge), diferenciados por meio das
relações que são estabelecidas com os diferentes modos de ser dos entes. A Ocupação é a
relação estabelecida com um ente simplesmente dado, uma relação ôntica, de “coisificação”.
Enquanto a Preocupação é a relação estabelecida com os seres em jogo no mundo, com a
dimensão ontológica, caracterizada pelo ser aberto. Segundo Heidegger (2015, p. 181), “a
relação ontológica com os outros torna-se, pois, projeção do próprio ser para si mesmo ‘num
outro’. O outro é um duplo de si mesmo.”
Ademais, o filósofo também estabelece uma diferenciação dos modos de Preocupação,
que podem ser substitutiva ou de antecipação libertadora. Ambas podem ser entendidas,
segundo ele, como “um salto”, sendo o primeiro dominador, posicionando-se no lugar do outro,
e o segundo libertador, antecipando-se e “abrindo espaço para o outro”.
A preocupação substitutiva é um modo de relacionar-se que um ente passa a tomar o
lugar do outro em suas ocupações, e fazer o que deveria ser realizado por ele. Esse modo de
relacionar-se pode acarretar alguma dependência entre os envolvidos de modo que aquele que
se retrai de sua posição, quando volta, já recebe algo pronto e bem definido pelo outro que
ocupou seu espaço. É uma vivência que acontece, muitas vezes, de modo sutil, sem ficar tão
claro para os participantes da relação essa substituição, e pode acarretar também uma
dominação, que “retira do outro o cuidado” (Heidegger, 2015, p. 178).
Por outro lado, a preocupação libertadora possibilita uma relação efetiva entre os

1482
Dasein, permitindo que ambos vivenciem a abertura à existência de modo autêntico e pessoal.
Segundo o autor, em uma relação libertadora, o Dasein abre espaço para o outro com quem se
relaciona, permitindo e facilitando que ele se torne, em sendo Cuidado, “transparente a si
mesmo e livre” (Heidegger, 2015, p. 179). Essa relação se dá quando ambos os envolvidos
reconhecem o modo de ser, as potencialidades e as responsabilidades de cada um, permitindo
que eles sejam exercidos e compartilhando com o outro essas experiências.
Outro modo de vivenciar as relações é caracterizado pela indiferença, por se considerar
o outro como ser simplesmente dado e não se sentir tocado pelas afetações provocadas por esse
outro ente. Vivenciando a cotidianidade nesse modo de ser impessoal, as relações se afastam
do Cuidado e tornam-se, cada vez mais, distantes da característica ontológica dos sujeitos.

O impessoal encontra-se em toda parte, mas no modo sempre ter escapulido quando
a presença exige uma decisão. Porque prescreve todo julgamento e decisão, o
impessoal retira a responsabilidade de cada presença. O impessoal pode, por assim
dizer, permitir que se apoie impessoalmente nele. Pode assumir tudo com a maior
facilidade e responder por tudo, já que não há ninguém que precise responsabilizar-se
por alguma coisa. O impessoal sempre “foi” quem... e, no entanto, pode-se dizer que
não foi “ninguém”. Na cotidianidade da presença, a maioria das coisas é feita por
alguém de quem se deve dizer que não é ninguém (Heidegger, 2015, p. 185).

Diante do exposto, os sujeitos ao centrarem-se em si mesmos, em meio a condições


tecnológicas extremamente favoráveis na contemporaneidade, tornam as relações cada vez mais
fugazes e objetáveis. Assim, os homens se distanciam do seu modo ontológico de ser-com-o-
outro e acabam por constituir modos de ser cada vez mais individualizados e isolados, uma
espécie de ser-sem-o-outro, gerando diversas formas de vivência de sofrimento gestada em uma
existência imprópria. Segundo Lipovetsky e Serroy (2011) vivemos em uma época em que
jamais foram vistas tantas possibilidades de estar conectados uns com os outros pelas redes de
comunicação, assim como, em contrapartida, jamais se viu um sentimento tão forte de
isolamento e solidão. Ainda segundo o autor:

É nesse estado de solidão e de miséria subjetiva que fundamenta, em parte, a escalada


consumista, que permite à pessoa oferecer a si mesma pequenas felicidades como
compensação pela falta de amor, de laços ou de reconhecimento. Quanto mais os laços
sociais e interindividuais se tornam frágeis ou frustrantes, mais triunfa o consumismo
como refúgio, evasão, pequena “aventura” remediando a solidão e as dúvidas sobre si
próprio (Lipovetsky & Serroy 2011 p. 56).

Deparamo-nos com a precarização das relações atuais e com a insegurança nas mesmas.
Ou seja, crescemos em número e em conectividade. E também em solidão. Pode-se perceber na
contemporaneidade, uma dinâmica de relacionamentos cada vez mais associada à conveniência
ou interesses confluentes. A fugacidade é a característica predominante, assim, quanto maior a
facilidade de desvincular-se, menos cansativa é a relação. Os relacionamentos duradouros,
marcados por uma suposta solidez, exigem sacrifícios. É preciso reafirmar o compromisso
diariamente e, dessa forma, em um constante exercício, consolidar a escolha. Porém, como
escolher apenas uma pessoa se eu posso ter todas? Por que irei me sacrificar se eu posso me
manter na relação apenas quando ela é boa para mim?
1483
Conclusão
Todos esses questionamentos nos mostram a contemporaneidade como um cenário, no
qual o prazer torna-se um alvo a ser alcançado a todo custo. As exigências próprias do se
relacionar devem ficar em segundo plano. Assim, as relações, como o mercado, os lazeres e os
objetos vendidos, servem para saciar a nossa sede por prazer. O homem, portanto, está imerso
nesse contexto de lutas travadas contra aquilo que possa desestabilizá-lo de alguma forma e,
para vencê-las, utiliza-se das armas que estiverem ao seu alcance, muitas vezes objetificando o
outro e se utilizando dele como mais um objeto à sua disposição. As relações, seguindo a própria
lógica de mercado, funcionam hoje como objeto de troca, baseadas em um vazio, por vezes
insaciável, de afetos e carinhos e fundamentadas em sentimentos fugazes. Pode-se perceber
uma dinâmica de relacionamentos cada vez mais associados à conveniência. Dessa forma, em
uma sociedade marcada pela fluidez, optar pelo que seria mais longo é contrapor-se à atual
dinâmica de liquidez, na qual se busca prazeres momentâneos desvinculados de compromissos
e relações duradouras.
Trata-se da "era do vazio" (Lipovetsky, 1996), na qual quanto mais a cidade desenvolve
possibilidades de encontro, mais sós se sentem os indivíduos. Quanto mais livres as relações,
mais rara é a possibilidade de encontrar uma relação intensa. “Em toda parte encontramos a
solidão, o vazio, a dificuldade de sentir...” (Lipovetsky, 1996, p. 77).
Segundo Rodrigues (2010), evidencia-se, dessa maneira, uma lógica consumista nos
relacionamentos na qual o outro é uma mercadoria descartável ou que se pode trocar quando
não mais satisfaz. Isso corrobora para uma fragilização das relações que, destituídas de
profundidade e encontro verdadeiro, acabam por emanar nos sujeitos um vazio emocional por
se estar com o outro, mas permanecer sozinho. Nada mais esperado numa sociedade do
espetáculo, termo cunhado por Debord (1997) para referir-se a esse período no qual se
supervaloriza as aparências. O produto desse espetáculo não deixa de perpassar as relações
interpessoais que, baseadas nas aparências e carência de diálogo, tendem a perder seu potencial
benéfico, pela escassez de sentido, e tornam-se campo eminente de sofrimento psíquico como
jamais visto.
Com essa discussão, todavia, não queremos inferir que as dificuldades nas relações
interpessoais são próprias unicamente de nossos tempos. Os relacionamentos são e sempre
serão um campo de conflitos. Dessa forma, partimos da mesma prerrogativa de Lipovetsky
(2004) ao tratar do que ele nomeará de tempos hipermodernos. Hoje presenciamos uma
exacerbação do vivido na modernidade (como o hipermercado, o hiperindividualismo, o
hiperconsumo e o hipercapitalismo). Segundo o autor:

Eleva-se uma segunda modernidade, desregulamentadora e globalizada, sem


contrários, absolutamente moderna, alicerçando-se essencialmente em três axiomas
constitutivos da própria modernidade anterior: o mercado, a eficiência técnica, o
indivíduo. Tínhamos uma modernidade limitada; agora, é chegado o tempo da
modernidade consumada (Lipovetsky, 2004, p. 54).

Dialogar sobre esse leque de possibilidades é perceber o quão contraditório ele pode
ser. Ao mesmo tempo em que há um constante incentivo por um relacionar-se, quase que
ininterrupto, há outro lado, o qual é marcado por uma extrema valorização do individualismo.
Há um culto em torno do que é construído e conquistado sozinho. Ao se pensar a produção de
sofrimento é notório uma prática de não reconhecimento do outro. O outro até existe, mas é

1484
algo que muitas vezes está distante, pouco palpável.
Considerando o que já foi falado sobre a contemporaneidade e a temática relações
interpessoais, é fundamental a percepção do quanto o contato com o outro é atravessado ora por
reconhecimento ora por distanciamento. Pensar o quanto relacionar-se com o outro faz parte do
cotidiano, o quanto esse ato sofre mudanças e transformações é de suma importância. De acordo
com Toni (2015), ao se falar sobre esse sujeito relacional, dentro da perspectiva da
fenomenologia heideggeriana, aborda-se um sujeito lançado ao mundo, que possui um
horizonte de significado e que, ao interagir com o outro, passa a ter contato com outros
horizontes. Ou seja, para Heidegger, o ser é ser-com. É essa característica, de ser-com, que
possibilita que exista uma afetação, um encontro entre horizontes, que em alguma medida, se
dispõem, e aparecem um para o outro.
Ao pensar esse ser que interage com o outro, que compartilha, e que em última instância,
demonstra preocupação para com o outro ser-com que se apresenta, é impossível não
problematizar a categoria apresentada. Considera-se que em uma relação ser-com em que há
uma troca de afetação, o “Dasein não se ocupa, pois com ele se preocupa” (Heidegger, 2012,
p. 351), já em uma relação pautada na ocupação há uma noção de uso, de utilidade. O contato
com o outro é formado a partir de um fim, de um objetivo a se conseguir.
Não seria, pois, uma interação inautêntica, pautada na ocupação do outro, promotora de
sofrimento? Em uma sociedade de relações esgaçadas, de máxima valorização do
individualismo e da competitividade não é de se estranhar que as relações interpessoais sejam
vividas, em muitas situações, como problemáticas. Dessa forma, baseando-se em Toni (2015),
podemos afirmar que grande parte das relações contemporâneas são vividas e guiadas por uma
individualidade impessoal, nas quais o convívio em comunidade, muitas vezes, passa por um
crivo de distanciamento e tentativa de não sofrimento.
Deste modo, dentre as características mais identificáveis da sociedade contemporânea,
compreender como se dão as relações humanas na atualidade, imersas nesse contexto de
imediatismo, individualismo e consumismo, torna-se uma tentativa de também compreender
como essas mesmas relações podem ser geradoras de profundo sofrimento ao sujeito. Parece
que ao centrar-se em si mesmo e tornar as relações cada vez mais fugazes e objetáveis, os
homens se distanciam da sua característica ontológica de ser-com e que acabam por ocasionar
modos de ser cada vez mais individualizados e isolados, baseados em uma existência imprópria,
gerando diversas formas de enunciação de sofrimentos. Trata-se de uma nova forma de
existência, em um novo terreno, com leis e circunstâncias totalmente próprias. Baseados em
uma promessa de onipotência, acabamos por esquecer de olhar para o outro enquanto um
semelhante, percebendo-o apenas como objeto que se torna útil, ou não, para os nossos
interesses.
Parece estar havendo na contemporaneidade um esquecimento de que o homem é um
ser em relação, em convivência, ele está sempre “em relação com”, seja com o mundo, as
pessoas ou consigo mesmo. Essa dimensão trata dos modos que o indivíduo se relaciona e vive
com os outros, é por meio dela que “construímos nosso pertencimento, possibilitando nos
relacionar, atuar, sentir, pensar e viver” (Santos, 2011, p. 112). Assim, considerando que
capacidade do homem de estar em relação é constituinte do seu modo de estar no mundo, ou
seja, da sua capacidade de construir sentidos, deve-se ressaltar que é a partir das inter-relações
humanas que os sujeitos atribuem significado à sua existência e fundamentam seu modo de ser.
Desse modo, a relação com o outro é também um lugar de desvelamento de sentidos, a
partir do encontro humano são constituídas redes de significados e representações que ajudam
o indivíduo a se reconhecer e a se identificar. Para a fenomenologia é no campo da relação que

1485
se dá a intersubjetividade, é se relacionando que o sujeito pode ser aquilo que é e como é, bem
como, pode dizer sobre as coisas e a realidade ao seu redor. Logo, quando tal dimensão parece
estar restrita, à exemplo da cultura contemporânea, a própria identidade do sujeito, como ele se
vê e enxerga os outros, é também afetada.
Desse modo, entende-se que o processo de esfacelamento e precarização das relações
interpessoais, enquanto sofrimento, se dá na medida em que é considerada como uma restrição
existencial, barrando o fluxo de movimento próprio da existência. Assim, é a partir de uma
restrição do ser enquanto ser-com-o-outro, no qual o homem nega o seu projeto existencial, que
o sujeito pode adoecer. O indivíduo hiper, mais autônomo, é também mais frágil do que nunca,
na medida em que as obrigações e as exigências que o definem são mais vastas e mais pesadas.
“A liberdade, o conforto, a qualidade e a expectativa de vida não eliminam o trágico da
existência: pelo contrário, torna mais cruel a contradição” (Tavoillot, 2004, p. 8).
Perceber o quanto o ato de relacionar-se é marcado por diversos atravessamentos
históricos é, antes de tudo, notar que o homem histórico é tempo. Assim, pensar esse homem e
suas relações sem realizar uma ligação com o contexto histórico é no mínimo um erro. Diante
disso, apresentando os modos de vivência de relações do homem na contemporaneidade, este
capítulo buscou articular as contribuições da Fenomenologia Existencial para uma melhor
compreensão do modo de ser do homem e das características predominantes das relações
interpessoais na contemporaneidade que podem gerar sofrimento psíquico.

Referências
Bauman, Z. (2009). A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Zahar,
Rio de Janeiro.
Bauman, Z. (2004). Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Zahar, Rio de
Janeiro.
Bauman, Z. (2001). Modernidade Líquida. Zahar, Rio de Janeiro.
Dantas, J. B. (2011). Angústia e existência na contemporaneidade. Editora Rubio, Rio de
Janeiro.
Dantas, J. & Moura, M. (2011). Depressão: mal da humanidade? Possíveis relações entre
depressão, saber “psi” e modos contemporâneos de subjetivação. Mnemosine, 7(1), 79-97.
Debord, Guy. (1997). A sociedade do espetáculo. Contraponto, Rio de Janeiro.
Figueiredo, L. C. (1996). Revisitando as psicologias: Da epistemologia à ética das práticas e
discursos psicológicos. EDUC, São Paulo; Vozes, Petrópolis.
Heidegger, M. (2015). Ser e Tempo. 10ª ed. Vozes, Petrópolis; Editora Universitária São
Francisco, Bragança Paulista.
Heidegger, M. (2002). Ser e tempo (1927), Partes I e II. Vozes, Petrópolis.
Heidegger, M. (2012). Ser e Tempo. Editorada Unicamp, Campinas; Vozes, Petrópolis.
Publicado originalmente em 1927.
Lipovetsky, G. & Serroy, J. (2011). A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada.
Companhia das Letras, São Paulo.
Lipovetsky, G. (1996). La era del vacío. Anagrama, Barcelona.

1486
Lipovetsky, G. & Charles, S. (2004). Os tempos hipermodernos. Barcarolla, São Paulo.
Pinto, F. N. S. & Novaes. J. V. (2014). Jogar, amar e consumir: considerações sobre as relações
objetais na contemporaneidade. Polêmica, 13(3). http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/11675/9163.
Rodrigues, S. C. (2010). Relações humanas e sofrimento psíquico na pós-modernidade:
reflexões sobre o enfoque da psicologia dialógica. Monografia (Graduação em Psicologia)
- Faculdade de Ciências da Educação e Saúde, Brasília., 2010.
http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/2700/2/20461154.pdf.
Sá, R. N. & Barreto, C. L. (2011, julho a setembro). A noção fenomenológica de existência e
as práticas psicológicas clínicas. Estudos de Psicologia, Campinas,28(3), 389-394.
Santos, D. G. & Sá, R. N. (2013, janeiro a julho). A Existência como “Cuidado”: elaborações
fenomenológicas sobre a psicoterapia na Contemporaneidade. Revista da Abordagem
Gestáltica, 19(1), 53-59.
Santos, J. L. (2011). Depressão do ponto de vista fenomenológico – uma abordagem
compreensiva. In: R. Payá(Org). Intercâmbio das psicoterapias: como cada abordagem
terapêutica compreende os transtornos psiquiátricos. Roca, São Paulo. (pp. 112-127).
Tavoillot, P. H. Prefácio. In: G.Lipovetsky & S. Charles. (2004). Os tempos
hipermodernos. São Paulo. (pp. 8-9).
Tonin, J. (2015, dezembro). A socialidade impessoal do dasein na analítica existencial. Kínesis,
7(15), 60-74.
https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/5_jeantonin.pdf.
MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO E O EMPRESARIAMENTO DA

1487
EDUCAÇÃO: A (RE)PRODUÇÃO DE CORPOS DÓCEIS

Giovanna Nunes Prates


Carlos Matheus Prado de Queiroz
Luis Fernando de Souza Benício

1. Introdução

Buscando suscitar algumas reflexões acerca da relação entre o processo educacional e a


produção de determinados modos de subjetivação e, consequentemente, de relações poder, este
trabalho realizará uma análise crítica das diretrizes propostas pelo Movimento Escola Sem-
Partido em face do atual processo de empresariamento da educação. Para tal, serão utilizados
documentos, entrevistas, depoimentos, documentos e demais fontes de informação
disponibilizados na sua plataforma digital, além do material bibliográfico citado como fonte
normativa para as proposições apresentadas no site.
A problematização realizada no presente trabalho irá se organizar em diálogos com as
concepções da filosofia política, utilizando-se sobretudo da teoria de Michel Foucault, da
filosofia da educação, a partir do pensamento de autores como Jorge Larrosa e Isabel Bujes e,
finalmente, levará em conta a ideia de empresariamento da educação de Christian Laval, além
de outros autores. Nesse sentido, objetiva-se viabilizar um diálogo entre as ideias desses
autores, buscando produzir o que se pode chamar de uma análise ontológica do presente
(Foucault, 1995 apud Furtado, 2015) no que diz respeito ao contexto da educação básica.
Assim, podemos depreender que o Movimento Escola sem Partido se constitui, como
afirma Nagib (2019), enquanto um projeto que preza pela promoção da “liberdade de
pensamento” e do “pluralismo de ideias nas escolas brasileiras”, engendrado em função de se
opor a um suposto abuso da liberdade de cátedra, voltado a uma operacionalização do ensino
para o âmbito político-ideológico. Além disso, os apoiadores do projeto afirmam que os pais
dos alunos deveriam ter voz ativa no que diz respeito aos conteúdos apresentados a seus filhos
em sala de aula, visto que a chamada educação moral seria de cunho exclusivamente familiar
(Nagib, 2019).
Nessa perspectiva, é possível pensar como tais propostas dialogam com uma certa noção
dos pais enquanto clientes da escola, apontando para a introdução de uma lógica mercantilista
neoliberal no ambiente escolar, onde se “considera a educação um bem essencialmente privado,
cujo valor é acima de tudo econômico” (Laval, 2019). Assim, impõe-se que a gerência desse
espaço e, por conseguinte, dos corpos e multiplicidades que o ocupam, seja fundamentada em
uma racionalidade empresarial, em que se busca a formação de um sujeito empregável, flexível
e com capacidade de se adaptar às demandas impostas pelo mercado de trabalho (Gentili, 1999).
Ademais, ao apoiar os ditames de uma pressuposta neutralidade, o Movimento sinaliza
seu apoio à reprodução de um processo educacional conteudista, centrado, em última instância,
na perpetuação de corpos e subjetividades dóceis, ou seja, que podem ser “submetidos,
transformados, aperfeiçoados” (Foucault, 2014). Nesse sentido, são estes corpos, localizados
no cerne de uma maquinaria de poder que viabiliza um imperativo de utilidade econômica e
obediência política, que constituirão o que Laval (2019) caracteriza como capital humano.
1488
2. Método

Buscou-se descrever as implicações do Movimento Escola Sem Partido junto ao


fenômeno do empresariamento da educação e seu possível papel na reprodução de determinadas
modos de subjetivação e relações de poder. Para isso, foi realizada uma análise de cunho
documental, elaborada a partir das diretrizes e objetivos do Movimento disponibilizados em sua
plataforma online, bem como do material bibliográfico citado como fonte para tais informações.
A partir disso, procurou-se promover uma problematização de referencial
majoritariamente foucaultiano desses conteúdos, utilizando-se, para tal, de obras do próprio
autor aliadas a de alguns comentadores. Ademais, foi realizada uma tentativa de aproximação
dessa perspectiva com a teoria de empresariamento de Christian Laval, partindo-se de uma
apropriação da obra deste autor.
Também foi utilizado, a título de aporte teórico para o debate aqui promovido,
elaborações feitas a partir de autores como Jorge Larrosa, Judith Butler, Pablo Gentili e Isabel
Bujes. Além disso, foram utilizados artigos encontrados na plataforma Scielo, de acordo com o
determinante “escola sem partido”, localizados temporalmente entre 2018 e 2019, em virtude
de ter sido buscado um referencial o mais atualizado possível. Foram encontrados 14 artigos,
dos quais foram utilizados dois, sendo o critério de seleção a confluência teórica dos conteúdos
abordados em cada um. Ademais, buscou-se outros artigos por meio de referências cruzadas
dos materiais lidos.
Cabe ressaltar a dificuldade em encontrar materiais relacionados à temática que
envolvam referenciais teóricos da Psicologia, demonstrando a necessidade do aumento de
produções. O presente trabalho se situa na perspectiva de iniciar uma discussão acerca do tema,
suscitando um debate entre as perspectivas do Movimento Escola sem Partido e a ascensão dos
projetos neoliberais de governo, a partir de uma gerência empresarial da educação.

3. Desenvolvimento

Tendo em vista o referencial já apresentado, o presente trabalho se estrutura na discussão


acerca das incursões do Movimento Escola sem Partido (ESP) aliado a crescente tendência do
empresariamento da educação, bem como a produção da subjetividade dos indivíduos
sujeitados a esse fenômeno. Para tanto, partiremos de uma análise das afirmações do veiculadas
pelo ESP.
A partir da leitura da seção intitulada “Deveres do Professor”, no site do Movimento
Escola sem Partido, é possível notar que grande parte dos argumentos do projeto se pautam,
basicamente, na Lei de Diretrizes de Bases da Educação Brasileira (LDB). De fato, um dos
pilares desse Movimento seria a noção de que deve ser garantida a pluralidade de ideias e
concepções pedagógicas, a qual está diretamente vinculada às determinações constitucionais
para o ensino (Lei nº 9.394, 1996). No entanto, diante de uma análise mais atenta das
proposições do Movimento, podemos pontuar algumas incongruências importantes, dentre as
quais se destaca a problemática do que os idealizadores chamam de “doutrina da doutrinação.”
De acordo com os fundadores do Movimento (Nagib, 2019), que se autodenominam
estudantes e pais preocupados com a instrumentalização do ensino para fins políticos, essa
doutrinação seria a expressão máxima do abuso da liberdade cátedra, e se daria a partir de um

1489
movimento dos professores de se aproveitarem da vulnerabilidade intelectual dos alunos com
o intuito de embutir-lhes uma determinada ideologia. Dessa forma, o Movimento exige uma
neutralidade na transmissão do conhecimento que deve estar alinhada com a ausência de um
norteamento ideológico, permitindo um ensino pautado na verdade e na ciência.
Sob essa ótica, podemos suscitar uma reflexão partindo do que Foucault (1988 apud
Benevides, 2013) postula a respeito do conceito de verdade que, segundo o autor, existiria não
de maneira independente como algo de natureza transcendental, mas como algo
operacionalizado na “imanência de um dispositivo” (Benevides, 2013) e indissociado das
relações de poder. Assim, quando se pensa que os contornos desse dispositivo se constituem
por meio de uma série de práticas, dentre as quais se encontra a prática enunciativa, pode-se
afirmar que não há um discurso neutro nem a-político. Dessa maneira, podemos enquadrar o
Escola Sem Partido num movimento que tende à valorização:

da escola do partido absoluto e único: partido da intolerância com as


diferentes ou antagônicas visões de mundo, de conhecimento, de
educação, de justiça, de liberdade; partido, portanto da xenofobia nas
suas diferentes facetas: de gênero, de etnia, da pobreza e dos pobres etc.
Um partido, portanto, que ameaça os fundamentos da liberdade e da
democracia liberal, mesmo que nos seus marcos limitados e mais
formais que reais. Um partido que dissemina o ódio, a intolerância e,
no limite, conduz à eliminação do diferente (Frigotto 2016, p. 12).

Nesse sentido, é possível localizar a prática discursiva em uma função de produção de


regimes de verdade, os quais são atravessados por vieses políticos, que irão conferir ou não
legitimidade a tais dispositivos. Sendo assim, podemos refletir sobre como as propostas do
Movimento Escola Sem Partido, não dizem respeito apenas a uma extinção do processo político
do âmbito educacional, mas à criação empecilhos ao tensionamento de tal processo para uma
formação cidadã dos indivíduos.
Portanto, é possível relacionar esse pensamento com o que traz o Art. 2º da LDB, que
aponta para duas finalidades principais da educação: o preparo do indivíduo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. De acordo com Demo (1995), a cidadania está
atrelada à competência de se fazer sujeito, o que passa necessariamente por um processo de
conscientização política. Ainda nesse sentido, Biesta (2013) corrobora com essa argumentação
ao dizer que questões relativas ao conteúdo e à finalidade da educação são necessariamente
políticas.
A partir dos pontos de vistas desses autores, pode-se dizer que um processo de ensino
que não proporcione condições de possibilidade para a emergência de indivíduos dotados de
uma consciência crítica, cumpre apenas com o objetivo de qualificar esses sujeitos para o
exercício de uma atividade remunerada. Desta feita, compreendemos ainda que uma prática
educacional cujo foco recai exclusivamente sobre a reprodução de conteúdos e técnicas
constituiria uma prática de cunho unicamente disciplinar (Foucault, 2009).
Embora não se pretenda negar que a escola enquanto instituição se configura como um
dispositivo regulador, que produz indivíduos inteligíveis a partir de um referencial disciplinar,
como coloca Foucault (2018), é importante pensar o que traz Bujes (2001) a respeito da
possibilidade de se criar novas formas de inteligibilidade. Ou seja, facilitar as condições de
possibilidade do desenvolvimento de sujeitos mais críticos e que possam ressignificar e resistir

1490
ao modelo neoliberal vigente.
Nesse sentido, podemos aproximar os dois autores da materialidade desta análise à
medida em que tanto Foucault quanto Bujes defendem a produção de novos modos de
subjetivação - que busquem criar “microfocos de resistência” (Rolnik & Guattari, 2013) a um
formato empresarial, competitivo e tecnicista - a partir de uma análise das condições que
viabilizaram as formas vigentes de produção de subjetividade, ou uma certa arqueologia do
presente. Para tal, seria necessária uma dinâmica educacional engendrada no interior de práticas
discursivas que possibilitam questionar as relações de poder, ou seja, uma educação
fundamentalmente política e de orientação essencialmente contrária aos ideais apresentados
pelo Movimento Escola sem Partido.
Podemos ainda relacionar o enfoque na qualificação para o mercado de trabalho com o
processo de empresariamento da educação. Paula Sibilia (2012) apresenta a ideia de uma certa
“capilarização do pensamento empresarial no tecido social”, destacando que o âmbito
educacional não somente não está isento de tal movimento, como se configura enquanto objeto
e instrumento de sua aplicação. A introdução de uma lógica neoliberal de mercado nas
instituições de ensino (Laval, 2019) impõe a necessidade de uma organização e uma gerência
desses espaços - e das multiplicidades inseridas nele - fundamentada em um pensamento
corporativo.
Em virtude dessa configuração, as políticas educacionais passam a ofertar uma
formação que abrange apenas os conteúdos mínimos, que se volta para o desenvolvimento de
um cidadão acrítico, flexível, pacífico e adaptado a um sistema competitivo e meritocrático
(Silva & Bezerra, 2019). A partir dessa ideia, é possível pensar como esse aspecto formativo
permite a emergência de uma prática discursiva que preza pela competência individual do
sujeito empreendedor de si, engendrando a manutenção do status quo e viabilizando a
legitimidade do avanço de práticas neoliberais. Sendo diretamente relacionado com a
proposição de Habermas (1987 apud Oliveira, Storto & Lanza, 2019, p. 474) acerca da crise do
Estado de Bem Estar Social, onde:

Para ele um dos processos típicos desta ascensão neoconservadora


estaria na operação da política cultural em duas frentes: (1) um esforço
em desacreditar intelectuais considerados ameaçadores para a ordem
vigente na sociedade do trabalho; (2) Fomento da cultura tradicional,
do patriotismo, da moralidade convencional e da religião burguesa.

No caso do contexto educacional, essa ideia possibilita que se pense como um discurso
da ordem que o Movimento Escola sem Partido apoia, ou seja, que preza por uma aprendizagem
tecnicista e mecanizada, prescindindo de uma conscientização política a partir da educação,
viabiliza a produção de uma linguagem pautada nas forças do mercado (Biesta, 2013). Por sua
vez, esse fenômeno implica na subjetivação em massa de indivíduos a partir de uma certa
eficácia operativa (Sibilia, 2012), que não requer uma reflexão consciente acerca das condições
materiais e históricas do sujeito e serve a um projeto de governamentalidade neoliberal.
Este conceito, conforme introduzido por Foucault (2008), diz respeito a um conjunto de
técnicas, dispositivos e análises que viabilizam a regulamentação das ações, tanto a nível macro
político e institucional, quanto micropolítico e individual. Dessa maneira, quando se pensa em
uma governamentalidade alinhada a uma racionalidade fundamentada no neoliberalismo, pode-
se falar em um projeto moral, econômico e político (Foucault, 2008), atuando a partir do

1491
dispositivo pedagógico-escolar, engajado nessa produção massiva de futuros trabalhadores
eficientes e não-críticos.
Portanto, considerando o diálogo promovido entre as teorias dos autores utilizados
acima, cabe aqui sugerir a ideia de que o Escola sem Partido, embora tenha suas premissas
tecnicamente fundamentadas em preceitos constitucionais, acaba por se colocar enquanto uma
ferramenta de apoio a uma normatização e uma regulação que criam condições de possibilidade
para o estabelecimento e manutenção dessa governamentalidade (Foucault, 2008) pautada na
produção de corpos e subjetividades docilizados a partir do utilitarismo predominante no
sistema capitalista neoliberal.

4. Conclusão

Com base nas discussões anteriores, podemos trazer o que coloca Larrosa (2010), a
partir de uma leitura das concepções foucaultianas a respeito da produção do sujeito. Esse autor
apresenta a ideia de que a subjetividade seria uma “experiência de si”, que se configura no
interior de dispositivos de produção de saberes e de verdades, além de mecanismos de
submissão ou insubmissão à norma. Assim, podemos pontuar que o processo de subjetivação
se dá em função de agenciamentos enunciativos produzidos no tecido social.
Partindo desse princípio, é possível traçar um paralelo com a ideia de Butler (2019)
quando a autora afirma que a subjetivação se dá também através da resistência ao jugo da lei,
configurando-se enquanto um efeito contrário às relações de poder das quais esta emana. Nesse
sentido, é plausível colocar que a criação de formas de resistência viabiliza a emergência de
novos modos de subjetivação, traçando, como coloca Bujes (2001), novos possíveis.
Alinhando essas ideias ao campo educacional, pode-se dizer que uma educação
direcionada à criticidade e à consciência política é um dos principais mecanismos de invenção
de uma experiência de si voltada ao engendramento de novos modos de dizer-se, ver-se e narrar-
se (Larrosa, 2010), afastando-se da mera perpetuação de um modelo empresarial cuja finalidade
última recai sobre a fabricação de capital humano (Laval, 2019).
Ainda nessa perspectiva, Félix Guattari (2013), apresenta a compreensão de que as
processualidades de subjetivação a nível individual se tornam possíveis apenas a partir da
interação com o coletivo, situando-se, em última instância, no registro social. A partir disso,
podemos pensar como a atuação no campo macropolítico é perpassada, necessariamente, pela
constituição de uma micropolítica que viabilize a emergência de focos de resistência, de modo
a evitar a (re)produção desses corpos docilizados.
Partindo desses conceitos, é cabível que se afirme que as posturas defendidas pelo
Movimento Escola sem Partido se situam em um referencial absolutamente contrário aos aqui
defendidos, podendo-se argumentar que as proposições de tal movimento se configuram como
facilitadoras da manutenção de um status quo que opera em função de governamentalidade
exploratória e produtora de cidadãos disciplinados para um utilitarismo eficiente e acrítico. O
que corrobora com as consequências que Guilherme e Picoli (2018, p.10) apontam ao afirmar
que “a escola pode, se abolir o debate sobre temas éticos e morais, tornar-se mais uma
instituição impositiva de um tipo de identidade incapaz de admitir o direito do “outro” a viver
com dignidade e ter suas escolhas respeitadas”.
5. Referências

1492
Benevides, P. S. (2013). Verdade e Ideologia no pensamento de Michel Foucault. ECOS-
Estudos Contemporâneos da Subjetividade, 3(1), 88-101.

Biesta, G. (2013). Para além da aprendizagem: Educação democrática para um futuro


humano. Belo Horizonte: Autêntica.

Bujes, M. I. E. (2001). Infância e Maquinarias (Tese de Doutorado, Universidade Federal


do Rio Grande do Sul), Disponível em:
https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/1904/000311899.pdf?sequence=1&isAll
owed=y

Butler, J. (2019) Gênero melancólico/identificação recusada. In: J. Butler. A vida psíquica


do poder: teorias da sujeição. (2ª ed.). (pp. 141-169). Belo Horizonte: Autêntica.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (1988). Lei Nº 9.394, de 20 de


Dezembro de 1996: Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Recuperado em: 27 dez.
2019.

Demo, P. (1995). Cidadania Tutelada e Cidadania Assistida. Campinas: Escritos


Associados.

Foucault, M. (2014). Vigiar e Punir: Nascimento da prisão. (42ª ed). Petrópolis: Vozes.

Foucault, M. (2008) Segurança, Território, População. São Paulo: Martins Fontes.

Frigotto, G. (2016). “Escola Sem Partido”: imposição da mordaça aos educadores. E-


mosaicos, 5(9), 11 - 13. doi:https://doi.org/10.12957/e-mosaicos.2016.24722

Furtado, R. N. (2015). A atualidade como questão: ontologia do presente em Michel


Foucault/The actuality as a question: ontology of presente. Michel Foucault. Natureza
Humana-Revista Internacional de Filosofia e Psicanálise, 17(1).

Gentili, P. (1999) Neoliberalismo e educação: manual do usuário. In: Silva, T. T. & Gentili,
P. (Orgs.). Escola S.A.: quem ganha e quem perde no mercado educacional do
neoliberalismo. (2ª ed.). (pp. 9-49). Brasília: CNTE.

Guatari, F. & Rolnik, S. (2013). Micropolítica: cartografias do desejo. 12º ed., Petrópolis:
Vozes.

Guilherme, A. A. & Picoli, B. A. (2018). Escola sem Partido - elementos totalitários em uma
democracia moderna: uma reflexão a partir de Arendt. Revista Brasileira de Educação,
23(26), p.250-265 2018.https://dx.doi.org/10.1590/s1413-24782018230042

Laval, C. (2019) A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público.
1 ed. São Paulo: Boitempo.

Larrosa, J. (2010). Tecnologias do Eu e Educação. In: Oliveira, T. T. O Sujeito da Educação:


Estudos Foucaultianos. (pp. 34-86). Petrópolis: Vozes.
Lira, A. C. M. (2008). Pedagogização da Infância: refletindo sobre poder e regulação..

1493
Revista Inter Ação, 33(2), 317-341. https://doi.org/10.5216/ia.v33i2.5270

Nagib, M. (2019). Quem somos. Escola Sem Partido. Disponível em:


http://escolasempartido.org/quem-somos/

Oliveira, A. C. R., Storto, L. J. & Lanza, F. (2019). A educação básica brasileira em disputa:
doutrinação versus neutralidade. Revista Katálysis, 22(3), 468-478. Epub November
14, 2019. https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22n3p468

Sibilia, P. (2012). Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro:


Contraponto.

Silva, S. V. & Bezerra, J. E. B. (2019). A reforma da educação e as políticas públicas


educacionais: o neoliberalismo dá as cartas. In: Chagas, E. F., Oliveira, R. A. & Jovino,
W. K. M. (Orgs.). Filosofia da educação: Marxismo, Teoria Crítica e Realidade
Social. (pp. 229-242). Curitiba: CRV.
DISCURSOS HISTÓRICOS E CONFLITOS IDEOLÓGICOS À LUZ DA TEORIA DO

1494
DESENGAJAMENTO MORAL NO PERÍODO 2016 A 2018
João Vitor Rodrigues Costa,
Túlio Henrique Pereira,
Leonardo Freire Costa,
Lorena Tracy Barbosa Pelegrini
Introdução
Vimos todo o resultado do caos ideológico que se espalhou pelo país. Atrocidades,
violência, mortes e discurso de ódio, que foram e são cometidos com um alto viés ideológico,
e, mais do que nunca, essa guerra de opiniões tornara-se mais intensa e prejudicial. Sabe-se
também como as questões ideológicas têm um papel primordial na geração desses conflitos,
formando uma dicotomia de opiniões que divide o país em dois lados da mesma moeda, fazendo
com que indivíduos possam se sensibilizar com um evento, e terem total apatia a outro de
mesma significância.
Assim, o objetivo dessa pesquisa, é analisar os conflitos ideológicos que ocorreram no
Brasil, a luz da teoria de desengajamento moral, buscando verificar como as questões
ideológicas se manifestam na mentalidade do brasileiro, e como a teoria de desengajamento
moral se relaciona com os aspectos ideológicos, gerando os conflitos que aconteceram no
Brasil. Será realizada uma pesquisa exploratória, de cunho predominantemente quantitativo,
por meio de revisão bibliográfica, onde traçar-se-á as duas teorias com os principais conflitos
ocorridos no Brasil no período abordado. Será realizado um recorde do período pós-
impeachment, ao período das eleições presidenciais, compreendendo os anos de 2016-2018,
onde os principais acontecimentos serão mesclados com as teorias, e servirão de fundamento
para os resultados da pesquisa.

Desenvolvimento
Teoria de Desengajamento Moral
A teoria de desengajamento moral, foi postulada por Albert Bandura (2015), onde o
mesmo discorre acerca dos aspectos comportamentais do ser humano, em um âmbito cognitivo,
uma espécie de behaviorismo, não tão radical. Ela observa as interações do homem em
sociedade, e se atenta para a importância que os aspectos cognitivos tem em relação a essa
interação entre homem e ambiente.
Segundo a teoria de desengajamento moral, trabalhamos nosso raciocínio moral através
da agência moral, essa agência moral, é como uma gerencia interna, que regula nossos
comportamentos, através de padrões morais e autos sanções. Quando vamos contra nossos
mecanismos morais, por meio de condutas depreciativas, sofremos de autocondenação, e isso
nos atormenta por determinada conduta que vai contra nosso senso moral.

Neste processo auto regulatório, as pessoas monitoram suas condutas e as condições


pelas quais elas ocorrem, as julgam em relação a seus padrões morais e circunstâncias
percebidas, e regulam as suas ações por consequências que aplicam a si mesmas. Elas
fazem coisas que lhe dão satisfação, e constroem seu senso de autovalor. Elas evitam
comportar-se de maneira que violem seus padrões morais, porque tais condutas irão

1495
trazer autocondenação (Bandura, 2015, p. 20).

Tudo isso serve como uma regulação interna de nossa conduta, de modo que, venhamos
a nos comportar sempre de uma maneira que saberemos o que vamos fazer. Analisamos o
ambiente externo, filtramos determinados comportamentos internamente, e, então, agimos de
uma forma que não venha a nos depreciar interna ou externamente. Todo esse processo passa
tanto pela agência moral, como pela observação do meio externo.
Sabe-se que os padrões morais dos indivíduos são variáveis, ou seja, eles não são os
únicos reguladores internos de conduta. Esses mecanismos de auto regulação não agem a não
ser que sejam “ativados” pelos indivíduos, e existem muitas formas de se burlar esses
mecanismos, e agir de forma que traga prejuízos para os outros, sem sofrer de autocondenação.

Bandura propôs o conceito de desengajamento moral para mostrar como as pessoas


podem encontrar justificativas para cometer atos antissociais sem se sentirem
culpadas ou censuradas por isso. Daí o uso do termo ‘desengajamento’, mostrando
que é possível se desprender ou desengajar dos próprios padrões morais para cometer
atos antissociais deliberadamente, sem autocondenação (Iglesias, 2008, p. 165)

A ativação seletiva, ou seja, ativar os mecanismo morais apenas para determinadas


situações, e os mecanismos usados para burlar agência moral, para não sentir culpa por condutas
que trazem prejuízos a outras pessoas, estão também operando na agencia moral humana,
fazendo com que, muitas vezes, condutas extremamente prejudiciais sejam realizadas por
pessoas simples, que tenham comportamentos variados em determinadas situações.
Esses mecanismos usados para burlar a agência moral, tem a função de não trazer
autocondenação para as pessoas que realizam condutas que normalmente deveriam ser
sancionadas, ou que ao serem realizadas, trariam “remorso” aos praticantes. Existem oito
mecanismos de desengajamento moral, que são:
A Justificativa Moral é usada quando o indivíduo legitima sua ação através de,
literalmente, uma “justificativa moral”. Nesse processo, os indivíduos abonam suas ações, pois
os mesmos acreditam que estão agindo em nome da moral, preservando o certo, e extinguindo
o errado. É comum, grupos terroristas justificarem suas ações como sendo “o que tem que se
fazer”, pois tratam os antagonistas como inimigos, sem razão, e que merecem o que estão
sofrendo. Como por exemplo, achar um argumento moral para discursos de ódio, pois, o outro
lado, implica em sérios danos à “moral e os bons costumes”.
No processo de Linguagem Eufemística, medidas, discursos e condutas prejudiciais e
condutas são maquiadas, para parecerem menos perturbadoras para quem está vendo e ouvindo,
dessa forma, ações são mascaradas e suavizadas, tirando o sentido real que elas têm, e
introduzindo-as como necessárias ou menos prejudiciais do que realmente são. Como por
exemplo, os cortes na educação, que são chamados de “contingenciamentos”.
No processo de comparação vantajosa, o comportamento é comparado com outro,
visando diminuir ou reduzir as consequências do comportamento praticado, subjugando-o como
“mais aceitável” que outro comportamento. Nesse processo, compara-se um comportamento a
outro igual ou mais grave, buscando a remissão do comportamento praticado, deixando-o de
lado, pois “existem comportamentos piores”. Um exemplo disso, é quando um governo
compara suas medidas como menos prejudicais que os governos passados, o famoso: “mas e o

1496
PT?”.
O processo de deslocamento de responsabilidade, opera ao grau em que as pessoas não
reconhecem o grau de maldade de suas atitudes, deslocando as consequências de seus atos a
terceiros. Temos esse exemplo bastante especificado, onde diariamente pessoas morrem por
conta da guerra do tráfico, mas ninguém tem uma real responsabilidade sobre isso. Nesse
processo, ocorre uma minimização nos atos do indivíduo, onde o mesmo se vê legitimado a
cometer tal ato, se a responsabilidade não cair sobre ele. A exemplo, novamente, as mortes no
tráfico, afinal, quem são os responsáveis? Os policiais? Os traficantes? Ou o estado? Todos
deslocam a responsabilidade de seus atos.
O processo de difusão de responsabilidade é similar ao de deslocamento, porém nesse,
o operativo é o “trabalho em equipe” realizado, onde um ato nocivo é praticado por um conjunto
de pessoas, que se veem legitimadas para cometer tal ato, porém, a responsabilidade fica difusa
entre o grupo, onde nenhum indivíduo tem consciência dos seus atos, visto que estavam
praticando algo com um conjunto de outros indivíduos. Esse ato é explícito nos casos de
corrupção brasileiros, como o caso do “laranjal” encontrado nos candidatos do PSL.
A partir das considerações do historiador Francisco Iglesias podemos inferir que o
processo de Minimização, ignorância ou distorção das consequências acontece quando as
pessoas acham que estão fazendo o mal pelo bem, minimizando, assim, as consequências das
suas ações (Iglesias, 2008). Esse processo é muito comum nas mortes pelo tráfico, onde a
polícia comete alguns “assassinatos”, e justifica-os, minimizando a consequência da morte em
si, pelo fato da condição do sujeito. A morte tem então, um valor relativizado, e a consequência
da mesma é dissolvida pelo fato de se estar fazendo um “bem-comum”.
Desumanização - esse processo ocorre quando o caráter humano da pessoa é retirado, e
a pessoa é tratada como uma besta, um animal, não é mais humano. E com esses mecanismos,
ações extremamente prejudiciais são executadas sem nenhuma consequência. A exemplo disso,
temos os massacres que ocorrem nas cadeias, onde os detentos que são executados pelos outros
detentos, têm seu caráter humano retirado, e suas mortes são, literalmente, comemoradas.
Atribuição de culpa - esse processo foi bastante comum no Brasil no período de 2018,
e ocorre quando o ato prejudicial é atribuído a própria vítima, tirando a ação do atuante, e
legitimando barbaridades (Iglesias, 2008).Os dois maiores exemplos que podemos destacar,
foram os casos do assassinato da Vereadora Marielle Franco, e a facada no candidato à
presidência, Jair Bolsonaro, onde, os dois atos foram legitimados, culpabilizando as próprias
vítimas dos atentados.

Ideologia
Para entendermos o que é ideologia, faz-se necessário desbravar a origem e simbologia
do termo. Utilizado muito vulgarmente, ideologia é denominada como um conjunto de ideias,
crenças, preceitos, dogmas e cosmovisões, e comportamentos, que regem um indivíduo, e sua
coletividade.

O termo ideologia aparece pela primeira vez em 1801 no livro de Destutt de Tracy,
Eléments d'ldéologie (Elementos de Ideologia). Juntamente com o médico Cabanis,
com De Gérando e Volney, DeStutt de Tracy pretendia elaborar uma ciência da gênese
das ideias, tratando-as como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo
humano, enquanto organismo vivo, com o meio ambiente. Elabora uma teoria sobre

1497
as faculdades sensíveis, responsáveis pela formação de todas as nossas ideias: querer
(vontade), julgar (razão), sentir (percepção) e recordar (memória) (Chauí, 2006, p.
10).

A priori, o termo foi tratado em seu sentido mais biologista, voltado a natureza humana,
como parte do próprio homem, em sua relação com o ambiente, e com ele mesmo. Tratando-a
como uma parte integrada do homem em sua relação com o externo, grande parte desse
pensamento, se dava a ascensão do período positivista, e o desenvolvimento do método
científico de Comte. Por ideologia, podemos compreender, ainda pela autora:
Ainda segundo a autora, esse processo tente a ser passado por uma relação de
dominância, pois ocorre um processo de “universalização imaginária”, onde apenas é repassado
para os indivíduos, algo que já está pronto, generalizando assim, os interesses da classe que tem
o controle social, e consegue impor aos demais, as crenças, dogmas, modos de viver e agir em
uma sociedade (Chauí, 2016).
Vemos que esse processo se relaciona com processos históricos, e está presente na
sociedade, formando a mentalidade dos indivíduos ao serem inseridos nela. Esse é um processo
bem mais complexo do que imaginamos, visto que está presente desde a formação do homem
enquanto homem, e sujeito de uma sociedade.
Ao sermos inseridos em uma sociedade, já entramos com tudo nela formado, um modelo
de crenças, atitudes, organização social e relacionamentos, já formados. E ocorre o processo de
endoculturação, onde o indivíduo vai aprender a socializar, e formar seus laços sociais, e ele
mesmo enquanto indivíduo. E a sociedade já é formada, e sofremos o processo que Durkheim
denominou de coerção social.

Podemos entender a ideologia no sentido Marxista como “[...] a expressão ideal das
relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes apreendidas
como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe
dominante, são as ideias de sua dominação” (Marx & Engels, 2007, p. 47).

Na visão marxista do termo, ideologia é o conjunto de ideias que são postos pela classe
dominante, ou seja, que domina a forma de pensar, de agir, de comprar e de se relacionar de
uma determinada sociedade(capitalista). São as ideias que legitimam a dominação de classe, e
fazem da classe dominante, ser quem ela é. E como podemos entender por Marx, o termo não
pode ser transformado apenas em uma “individualidade”, ou um “óculos de ver o mundo”, visto
que o coletivo tem grande participação nesse processo.
No que diz respeito a esse conceito, Debrun (1983; 1989) divide a ideologia em duas, a
primária, e a secundária. A ideologia primária, seria essa ideologia dominante, que já existe, e
exerce um poder de coerção sobre o dominado. A ideologia secundária, seriam as ideologias
que vem em contrapartida a essas já existentes, que vem com um novo imaginário, de ideias,
conceitos, achismos e etc., para ir contra a ideologia vigente, ou, simplesmente, trazer um novo
pensamento sobre algo. Porém, ao fazermos essa análise do sentido de ideologia, não podemos
nos prender apenas a esse fator de dominação, mas também temos que reconhecer a importância
do termo no que diz respeito aos processos simbólicos, e da cultura nesse processo.
A compreensão da ideologia como algo realmente existente na cultura, e sua atuação

1498
e eficácia, não pretende estabelecer que os indivíduos nada podem e que estes apenas
reproduzem as representações ideológicas da realidade, sem mais, sem acréscimos.
Bem ao contrário, uma teoria da ideologia concebe igualmente o fracasso de parte da
tentativa de toda ideologia em controlar, homogeneizar, impor seus monoteísmos
morais, sociais ou políticos à existência individual ou coletiva. Os indivíduos, embora
sob o domínio do discurso ideológico em todas as culturas e sociedades, e em todas
as épocas históricas, a esse domínio resistem, reinterpretam a realidade, ressignificam
códigos, práticas, tornam-se pontos de resistência às formas da dominação e da
sujeição que a ideologia visa universalizar e naturalizar, resistência, pois, à própria
ideologia enquanto discurso (Filho, 2011, p. 209).

Para analisarmos o processo de ideologia, temos que entendê-la também como um


processo de mudanças, de transformações, principalmente no que se refere ao discurso. Como
as sociedades vão se modificando ao longo do tempo, o mesmo ocorre com suas ideias pré-
formadas, vão se alterando, e por isso, não podemos reduzir os indivíduos como meros
“fantoches” dessa ideias já formadas, pois os homens modificam a sociedade, e a mudança é
movimento, não somos seres estagnados. Ao agirmos no meio, modificamos o mesmo, e somos
modificados por ele, e essa relação sócio histórica, que faz o homem ser quem ele é, um agente
de mudanças e transformação, e por mais que uma sociedade se estagne, uma hora ela tende a
mudar.
Portanto, podemos entender a ideologia como um conjunto de ideias, que já estão postas
para nós, e nos exercem uma função de coerção, onde somos inseridos dentro de uma cultura,
que carrega consigo um conjunto de ideias que fazem essa cultura ser quem ela é. Mas também,
não somos somente “fantoches”, nós atuamos na sociedade, e modificamos nosso pensamento
de acordo com isso, mesmo que seja para algo já formado, visto que tudo já está posto para nós.
O sentido destrutivo das ideologias vem mais à tona nas questões políticas, como esse processo
envolve as crenças, possui um forte poder de convencimento para um indivíduo, que pode
chegar a matar por uma ideologia. As ideologias estão presentes em quase todos os processos
de desengajamento moral, visto que interferem diretamente na forma de um indivíduo enxergar
o mundo, e molda os comportamentos do mesmo.

Conflitos internos brasileiros de 2016-2018


Dentre os principais conflitos internos brasileiros, vamos citar alguns dos que ganharam
mais destaque nacionalmente, sendo manchete para todo o Brasil, por várias semanas. Entre os
casos mais chocantes, temos o caso da adolescente que foi estuprada por sete
homens(identificados). A adolescente foi submetida a uma condição desumana, onde, segunda
a polícia, estava sobre o efeito de drogas e álcool, e foi estuprada diversas vezes, por diversos
homens. Não iremos entrar em detalhes acerca do caso, para mais informações, consultar o link
nas referências (Rodrigues, 2016). Mas esse caso se tornou de grande repercussão Brasil a fora,
e o que mais dividia a opinião dos brasileiros, era acerca da “culpa” e “justificativa” pelo ato
cometido. Aconteceu que o caso foi dividido em dois vieses ideológicos, uns culpabilizando a
vítima (atribuição da culpa) pelo acontecido, e outro culpabilizando todo um espectro
(Deslocamento de responsabilidade).
Temos agora, todo o desenrolar do processo de Impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff, onde o Brasil torna-se novamente dividido, pelos a favor, e pelos contra o
Impeachment, e, dentro dessa onda de caos que beirou os anos de 2015 e 2016, onde inúmeros
processos de Impeachment foram protocolados, temos à tona , novamente, a teoria de
desengajamento moral. (Velasco et al., 2016). É notório os casos de corrupção que se

1499
alastravam pelo Brasil, bem como, a extrema participação do Partido dos Trabalhadores (PT).
O que ocorre, porém, é o processo de deslocamento de responsabilidade, onde todos os casos
de corrupção, foram atribuídos a ex-presidente, e pelos atos de “pedaladas fiscais” e os mesmos
casos, acarretou no processo de Impeachment de Dilma Rousseff.
Outros casos que chocaram o ano de 2017, foram das revoltas penitenciárias que
aconteceram nos estados do Norte e Nordeste, onde detentos executam uns aos outros, queimam
colchões, quebram celas, e, o pior de tudo, imagens extremamente perturbadoras de corpos
mutilados, em pedaços, e torturas, são compartilhados por todo o País (Viana et al., 201?). Esse
caso vem à tona na teoria de desengajamento moral, através de uma ideologia de “cidadão de
bem”, onde pessoas que não se enquadram a esse padrão, ou seja, estão presas, tem sua condição
humana retirada, a culpa pelos atos atribuídas e elas, e a violência contra as mesmas,
legitimadas. Temos uma intrínseca relação em casos assim, com mais da metade dos
mecanismos de desengajamento moral, ou seja, para justificar e moralizar situações como essa,
os indivíduos fazem todo um processo para que não sintam culpa ou remorso por apoiar e
legitimar essas atrocidades.
Podemos citar também, a morte da ex-primeira ministra Marisa Letícia Lula da Silva,
que morreu aos 66 anos, após sofrer um Acidente Vascular Encefálico (AVE) (Viana et al.,
201?). Teve sua morte “comemorada” por simpatizantes da “ideologia direitista”, perpetuando
uma espécie de justificativa moral para se comemorar a sua morte, visto os casos de corrupção
de seu ex-marido, Luís Inácio Lula da Silva. Isso mostra como ninguém é poupado de ter seu
sofrimento, e até sua morte legitimada por indivíduos comuns, através da teoria de
desengajamento moral, e motivados por um viés ideológico.
Outro grande acontecimento, foi a explosão da cantora dragg maranhense Pabllo Vittar,
que obteve muito sucesso, tanto em âmbito nacional, como internacional, tendo uma explosão
em sua carreira, onde o seu videoclipe “Sua Cara” atingiu a marca de quase 18 milhões de
visualizações (Viana et al., 201?). A cantora sofre, frequentemente, de um dos mecanismos de
Desengajamento Moral, o processo de Comparação Vantajosa, onde a cantora é comparada com
outros cantores homossexuais, deslegitimando assim, todo o seu talento, por comparações sem
sentido, e de motivações chulas.
Podemos ressaltar, as intervenções que ocorreram no Rio, a mando no ex-presidente
Michel Temer, que se destacaram casos como o do estudante Marco Vinícius as Silva, de 14
anos, foi baleado na barriga, quando estava indo para a escola, e que acarretou no falecimento
do estudante (Carneiro, 2018). Nesse caso, onde o estudante foi baleado e morto nesse processo
de intervenção militar no Rio, temos à tona os casos de difusão de responsabilidade, onde não
se tem um culpado pelo ato, um autor, de fato, do acontecido, a responsabilidade é repassada
para diversas outras pessoas, e deslegitimando assim, o acontecido.
A vereadora Marielle Franco, do PSOL, e o motorista do carro em que ela estava, foram
assassinados a tiros, enquanto trafegavam pela rua. O caso ganhou grande repercussão Brasil a
fora, e aflorou os movimentos negros e femininos, servindo de combustível para a ascensão a
causa de Marielle. Os assassinos ainda não foram sentenciados. (Vilela, & Corrêa, 2018). Esse
foi um dos principais acontecimentos do ano, e traz à tona outros mecanismos de
Desengajamento Moral, como o de atribuição a Culpa, onde a vítima foi responsabilizada pela
sua própria morte, o processo de difusão de responsabilidade, onde os autores do crime não
foram achados, e houve então uma briga para achar um culpado, bem com, o processo de
Desumanização, onde a ex-vereadora teve diversas Fake News espalhadas com o seu nome.
A policial militar LGBT Juliane dos Santos Duarte, foi encontrada morta, após ter sido

1500
sequestrada por criminosos, em agosto de 2018. A morte foi comparada a de Marielle Franco,
onde supostamente a PM teria sido assassinada por ser policial, o caso ganhou grande
repercussão Brasil a fora (Garcia, 2018). Nesse caso, a PM serviu de viés para a comparação
vantajosa, onde sua morte foi comparada a de Marielle, deslegitimando, novamente, o
assassinato da vereadora. A PM teve uma maior repercussão por ser negra e LGBT, e isso serviu
de embasamento para o argumento usado para comparar os dois casos, embora a PM tenha
supostamente sido morta por ser PM.
Dentre outros casos, temos a facada que o então candidato a presidente sofreu, nesse
caso, ganhando repercussão internacional(Maia et. al.,2018) Nesse caso houveram os processos
de desengajamento moral, movidos por viés ideológicos de: Atribuição da Culpa,
Desumanização, Justificativa Moral, Linguagem Eufemística e Comparação Vantajosa, todos
usados, tanto para legitimar o acontecido, como para tirar proveito por cima dele. Essas foram
algumas das principais notícias, porém, cabe salientar que inúmeras outras ficaram de fora do
estudo, e que, posteriormente, poderão ser agregadas em estudos futuros acerca desse tema, que
se torna cada vez mais relevante, num cenário internacional.

Metodologia
Essa é uma pesquisa exploratória, de cunho predominantemente quantitativo, realizada
na forma de revisão de literatura, baseando-se nas teorias de Desengajamento Moral, de Albert
Bandura, e interpretações acerca da mesma, pelo historiador Francisco Iglesias, para um melhor
embasamento da teoria; nos escritos acerca de ideologia, da filósofa Marilena Chauí, e dos
teóricos Marx, Engels, Filho, Debrun, dentre outros, traçando fontes necessárias para embasar
o estudo do significado da palavra ideologia, e sua conceituação. Foi realizada, então, uma
pesquisa exploratória, onde traçou-se as duas teorias com os principais conflitos ocorridos no
Brasil no período abordado, correlacionando as mesmas com as fontes, e identificando como a
teoria de desengajamento moral, movida por questões ideológicas, se relaciona com as fontes.
Os dados coletados compreenderam o período anterior ao Impeachment, até a corrida
presidencial, um recorte de 2016-2018. Os mesmos foram analisados, mesclados, e
relacionados as duas teorias, dando embasamento para a discussão da pesquisa. Cabe ressaltar,
que todos os dados abordados são de domínio público, ou seja, não trarão nenhum prejuízo ou
ofensa para as pessoas citadas, que também são objetos de estudo do trabalho, e os dados são
legitimados para réplica e estudos acerca dos mesmos.

Resultados e Discussão
Com base nos dados abordados, podemos relacionar as notícias às teorias, notando que
todas se relacionam com a teoria de desengajamento moral, onde as pessoas utilizaram um dos
oito mecanismos para burlar sua agência moral, e cometer atos sem sentirem repulsa ou
autocondenação, e são movidos por um alto viés ideológico, que legitima seus atos.
Relacionando as fontes aos vieses ideológicos presentes no contexto estudado, podemos
relacionar a dicotomia esquerda x direita, que permeou majoritariamente o embate político e o
pensamento da população, que caracterizava-se por essas duas linhas de pensamento.

Quadro I: Relação das fontes com as ideologias no período recortado


Fonte 1 2 3 4 5 6 7 8 9

1501
Ideologia

Direita X X X

Esquerda X X X X X X X
Fonte: Autores da pesquisa, 2019.

Como já mencionado anteriormente, podemos também evidenciar que a ideologia se


relaciona com cada um dos conflitos, seja na forma como eles são praticados ou como são
interpretados, sendo assim, todos tem alguma relação com as ideologias dominantes no Brasil,
como podemos observar no modelo anterior. Os dados se relacionam com os oito mecanismos
de desengajamento moral, abaixo temos uma relação dos mecanismos com os dados.

Tabela 1: Relação das fontes com os mecanismos


Fonte Mecanismo
1 Garota estuprada por 30 homens
Atribuição de Culpa e Deslocamento de
Responsabilidade;
2 Impeachment de Dilma Rousseff Deslocamento de Responsabilidade;
Justificativa Moral, Desumanização, Atribuição de
Culpa, Distorção das consequências e deslocamento de
3 Revoltas Penitenciárias
responsabilidade;
Deslocamento de responsabilidade;
4 Morte da Ex-primeira Ministra Difusão de Responsabilidade;
Atribuição da Culpa, Desumanização e Difusão de
5 Intervenções no Rio Responsabilidade;
Comparação Vantajosa;
6 Assassinato de Marielle Franco Atribuição da Culpa, Desumanização, Justificativa
Moral, Linguagem Eufemística e Comparação
Vantajosa;
7 Assassinato da PM LGBT

Comparação Vantajosa;
8 Facada no Candidato à Presidência

9 Ascenção de Pablo Vittar


Fonte: Autores da pesquisa, 2019.

Como podemos observar, as fontes estudadas se relacionam com ao menos um


mecanismo de Desengajamento Moral, e quanto mais mecanismos um ato se relaciona, maior
é a banalidade de tal ato, como podemos notar no caso das Revoltas Penitenciárias, onde os
indivíduos precisam ativar mais da metade dos mecanismos, para não sofrerem autocensura
com alguns atos.
O diferencial está na relação dos indivíduos com a ideologia, e como os mesmos tem

1502
sua agencia moral influenciada pela ideologia simpatizante. Essa dicotomia entre esquerda e
direita pode se relacionar com todos os casos citados, onde os indivíduos têm sua agencia moral
pendente pela ideologia que o mesmo adequa na sua vida, e daí, podemos tirar a maioria dos
casos, quem praticou algum mecanismo moral.
O mecanismo que teve maior evidência foi o de Atribuição da Culpa, onde a vítima dos
atos é tida como responsável pelo que aconteceu com ela, é comum nos dias de hoje,
principalmente em caso de mortes, bombardeios, estupros, dentre outros casos, a vítima leva o
caráter de agente do acontecido, legitimando qualquer barbaridade que venha a acontecer um
ela, e burlando a agencia moral em favor de quem vê o acontecido.
A nossa agência moral pode ser burlada, é o caso da ativação seletiva, onde os
mecanismos nem precisam ser ativados, apenas usamos nosso “senso crítico” de moral e ética
quando acharmos conveniente. Isso acontece em muitos casos, onde o indivíduo só se
sensibiliza, ou seja, ativa sua agencia moral nos casos onde sua ideologia é simpatizante, por
isso vemos gente comemorando o assassinato de Marielle, mas sofrendo grandemente com a
facada no então candidato à presidência, e vice-versa.

Gráfico 1: Frequência dos Mecanismos

Justificativa Moral

Linguagem Eufemística
20% 15%
Comparação Vantajosa
5%
Deslocamento de Responsabilidade
15% 15%
Difusão de Responsabilidade
5%
15% Minimização, Ignorância ou Distorção das
10%
Consequências
Desumanização

Atribuição da Culpa

Fonte: Autores da pesquisa, 2019.

As ideologias desempenham um papel fundamental na forma como enxergamos o


mundo, onde a mesma molda e influencia diversos aspectos da nossa vida. Assim é, nos casos
mencionados, onde, no Brasil, temos duas ideologias dominantes, as mesmas categorizadas de
direita e esquerda pela visão dos brasileiros, e elas desempenham uma espécie de controle,
como se fossem um óculo por onde os indivíduos enxergam a realidade, de acordo com a sua
ideologia.
Assim, podemos destacar que os indivíduos tem uma relação significativa, tanto com a
questão das ideologias, quanto da teoria de Desengajamento Moral, onde esses dois aspectos
foram evidenciados nas fontes, e suas interações com os indivíduos postas a prova, e foi visto
como as mesmas influenciam diretamente no modo de cada indivíduo enxergar o mundo, e
julgar o que está nele, corroborando assim, com a segunda hipótese da pesquisa.
Como se pode evidenciar através do discurso das notícias, os indivíduos simpatizavam

1503
ou não, com determinados acontecimentos, predominantemente de acordo com a ideologia
simpatizante pelos mesmos, pode-se então, traçar um gráfico com as notícias, e qual das
ideologias sentiam-se ou manifestavam-se em consonância com o acontecido. Vemos então,
essa divisão clara entre direita e esquerda, que marca a dicotomia dos acontecimentos.

Referências
Bandura, A., Azzi, R. G. & Tognetta, L. (2015). Desengajamento Moral: teoria e pesquisa a
partir da teoria social cognitiva. L. Campinas/SP: Mercado de letras.
Carneiro, J. D. (2018). Professores relatam pânico em escola de aluno baleado no Rio: 'Você
está no meio da aula e começa o desespero'. BOL Notícias, São Paulo 22 de jun.2018.
Recuperado de: <https://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-
noticias/brasil/2018/06/22/professores-relatam-panico-em-escola-de-aluno-baleado-no-
rio-voce-esta-no-meio-da-aula-e-comeca-o-desespero>.
Chauí, M. S. (2006) O que é Ideologia. 2ª ed. São Paulo: Ed. Brasiliense
Chauí, M. S. (2016). Ideologia e educação. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 42, n. 1, p. 245-
257, jan./mar. 2016.
Debrun, M. (1983). A conciliação e outras estratégias. São Paulo: Brasiliense.
Debrun, M. (1989). A ocultação ideológica: da “ideologia primária” à “ideologia secundária”.
In: DASCAL, M. Conhecimento, linguagem, ideologia. São Paulo: Perspectiva; EDUSP.
Filho, A. S. (2011) Ideologia e transgressão. Psicologia Política. Vol. 11. Nº 22. p. 207-224.
JUL. – DEZ.
Garcia, J. (2018). Negra, lésbica e periférica, Juliane "morreu por ser policial", dizem ativistas
de direitos humanos. BOL Notícias, São Paulo, 07 de ago. de 2018. Recuperado de:
https://www.bol.uol.com.br/noticias/2018/08/07/negra-lesbica-e-periferica-juliane-
morreu-por-ser-policial-dizem-ativistas-de-direitos-humanos.htm.
Iglesias, F. (2008). Desengajamento moral. In A. Bandura, R. G. Azzi, & S. Polydoro (Org.),
Teoria social cognitiva: conceitos básicos (pp. 165-176). Porto Alegre: Artes Médicas.
Marx, K. & Engels, F. (2007). A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em
seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus
diferentes profetas (1845-1846), São Paulo: Boitempo.
Rodrigues, M. (2016). Polícia conclui inquerido de estupro coletivo no Rio com sete indicados.
G1, Rio de Janeiro, 17 de jun. de 2016. Recuperado de: http://g1.globo.com/rio-de-
janeiro/noticia/2016/06/policia-conclui-inquerito-de-estupro-coletivo-no-rio-com-sete-
indiciados.html.
Velasco, C., D’agostinho, R., Reis, T., Aragão, L., Almeida, K., Jaworski, R., Sousa, J., Rosa,
F. & Banquieri, R. (2016). Da eleição ao Impeachment. G1, Rio de Janeiro. Recuperado
de: http://especiais.g1.globo.com/politica/2016/processo-de-impeachment-de-dilma/da-
eleicao-ao-impeachment
Viana, D., Delgado, M., Barbieri, C., Saito, B. Y., Carro, R., Matias, A. & Junior, V. (201?).
2017 de A a Z: Um dicionário com 100 verbetes que ajudam a entender o momento atual e
a colocar o futuro em perspectiva. Valor econômico. Recuperado de:

1504
https://www.valor.com.br/especial/retrospectiva-2017.
Vilela, P. R. & Corrêa, D. Vereadora do PSOL é assassinada a tiros no centro do Rio. Distrito
Federal; BOL Notícias, São Paulo. 14 de Mar. De 2018. Recuperado de:
https://www.bol.uol.com.br/noticias/2018/03/14/vereadora-do-psol-e-assassinada-a-tiros-
no-centro-do-rio.htm.
RELATO DE ESTÁGIO: CASA DE ACOLHIMENTO INFANTO-JUVENIL

1505
DA CIDADE DE PARNAÍBA-PI
Ryanne Wenecha da Silva Gomes,
Daniele de Carvalho Almirante,
Cíntia Caroline Prado Craveiro
1. Introdução

Os serviços de acolhimentos para crianças e adolescentes com medidas protetivas


judiciais, tem o objetivo de acolher provisoriamente esse público em decorrência de casos de
violação de direitos ocasionados pela família. Para o Ministério da Cidadania (2015), entende-
se que promover a separação da criança ou adolescente de sua família original é uma medida
extraordinária utilizada apenas em casos extremos em que exista grave risco à sua integridade
física e/ou psicológica. Pretende-se promover o retorno da criança e/ou adolescente à família
nuclear ou extensa ou, de forma excepcional, à uma família substituta dentro do menor tempo
possível.
A criança que necessita ser acolhida passa por processo de fragilidade emocional e isso
pode trazer consequências. Nesse sentido pode-se ainda relacionar a essa situação, as sequelas
dos maus-tratos com o desenvolvimento de possíveis transtornos psicológicos. Como
demonstra Barnett (1997) a violência e negligência a que as crianças são submetidas provocam
resultados negativos à sua formação psicológica, podendo causar distúrbios cognitivos, na
linguagem, no desempenho socioemocional, déficits afetivos e de comportamento geral.
O Conselho Tutelar tem função evidente e apresenta importante atuação nesse contexto,
uma vez que, como afirma Maia e Williams (2005), ele é responsável por receber as
notificações em casos de suspeita de maus tratos e dar confirmação após investigação desses
casos, devendo ser habilitado para analisar e identificar os possíveis riscos a que as crianças e
adolescentes estejam expostos e as medidas protetivas aplicáveis em cada um dos casos. Esse
dispositivo municipal tem relação direta com a Casa de Acolhimento Infantojuvenil.
Logo após o encaminhamento da criança, feito do Conselho Tutelar ao acolhimento
institucional deve ser levado em conta aspectos importantes, como formas de acolhida,
alimentação, higiene, cuidados pessoais, interação social e pontos relevantes do
desenvolvimento de cada criança, de acordo com idade de cada acolhido e sua história de vida.
Uma vez que o acolhimento institucional dessas crianças tem como consequência a quebra de
vínculos com a família, pois mesmo que as visitas familiares muitas vezes sejam realizadas
semanalmente, a vivência será muito diferente do que a criança estava habituada.
Os bebês por apresentarem indefesos ao mundo que o cercam, devem ser recebidos no
acolhimento com afetos e cuidados. Segundo Cavalcante e Corrêa (2012) o contato do bebê
com a família ou outro cuidador responsável é fundamental para uma evolução saudável da
criança, pois nessa fase da vida ocorre o desenvolvimento da personalidade e saúde mental,
portanto, os cuidados primários com o bebê são considerados indispensáveis para um
desenvolvimento mental infantil adequado. Além disso, devem-se considerar também as
peculiaridades do ambiente e as fases do crescimento da criança, entendendo que condições
favoráveis com aspectos próprios da infância promovem um melhor desenvolvimento integral.
Diante do exposto pode-se imaginar o quanto é complexo quando um bebê é
institucionalizado e o quanto a equipe da instituição precisa alinhar os esforços para promover
o bom desenvolvimento de cada criança, em especial, os bebês que são totalmente dependentes

1506
de cuidados básicos.
Weber (2012) descreve que a criança tem características específicas em cada fase do seu
desenvolvimento e essas peculiaridades devem ser entendidas como algo marcante de cada
momento. Para a autora o bebê de zero a um ano gosta de passear para conhecer outras pessoas
e estímulos, aguçando assim sua curiosidade. Nesse período dormem a maior parte do dia,
gostam de colo e carinho. A comunicação nessa fase já ocorre, através de muitos estímulos.
De um aos dois anos de idade começam a falar e andar, conhecendo o ambiente ao seu
redor. Fase marcada pelo aprendizado e por mostrar ao outro o que sabe fazer. Corrobora Weber
(2012, p. 48) “Sobe, alcança, pega, puxa, grita, empurra, fala não. Geralmente as pessoas
enfatizam o negativismo, a fase “terrível”, mas também é uma fase maravilhosa, como qualquer
outra”. Também se caracteriza por um momento de treinamento social, onde as emoções são
expostas.
Dos três aos quatro anos é característico da fase escolar, onde devem-se estimular que a
criança se sinta bem nesse ambiente. É o início da aprendizagem das regras, com causas e
consequências. São exploradores do ambiente que o cercam, por isso o local em que vive deve
ser de total segurança. Durante os cinco aos dez anos desenvolvem melhor sua capacidade de
competência e necessitam prioritariamente do apoio e incentivo familiar. Eles carecem saber
de sua importância no mundo, que tem importância para as outras pessoas e que sabem executar
as tarefas (Weber, 2012).
É pertinente colocar nessa análise também a discussão sobre a importância do lúdico
como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento global das crianças. Como bem salienta
Queiroz, Maciel e Branco (2006) nas sociedades contemporâneas o brincar tornou-se uma
característica peculiar na infância. Evidenciou-se a importância da brincadeira conforme indica
os autores a partir das pesquisas voltadas para o desenvolvimento humano, tornando-o o brincar
como uma conquista preponderante tanto no contexto familiar como na área educacional, em
especial na Educação Infantil. Esse lúdico deve existir onde existirem crianças, uma Casa de
Acolhimento sem o lúdico pode colocar em risco o conjunto essencial para o bom
desenvolvimento das crianças institucionalizadas.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998) enfatiza a
brincadeira como um direito da criança, pois é através da brincadeira que esse sujeito explora
e compreende o mundo, aprende a socializar-se e comunicar-se com o outro.
Brougère (1998) afirma que são nos primeiros seis anos de vida que o brincar tornar-se
essencial para o desenvolvimento da criança. Queiroz, Maciel e Branco (2006) corroboram
citando que é o lúdico que permite à criança a experiência com o mundo, com o outro. Contribui
também para a construção de significados e valores.
Ravelli e Motta (2005) enfatizam que é nesse jogo simbólico que a criança elabora e
constrói seu eu. “É brincando e bagunçando o mundo real, por meio de desenhos, danças,
brincadeiras, cantos e jogos, que as crianças apreendem e descobrem todas as possibilidades
que o mundo real proporciona a ela” (2005, p.612). Conforme apresenta Negrine (2000) é na
brincadeira que a criança desenvolve seus aspectos psicomotores, emocionais, sociais,
intelectuais e linguísticos. A história contada, a música na hora do banho, do lanche, os
brinquedos recicláveis são atributos importantes para o desenvolvimento desses aspectos.
A música no contexto da ludicidade pode ser considerada também um aparato essencial
para o desenvolvimento e crescimento infantil, conforme apresentam Ravelli e Motta (2005)
ela é apontada como primordial desde a vida intra-uterina, ao nascer as cantigas de ninar para
o bebê contribuem para um sono mais tranquilo, possibilitam um maior vínculo afetivo entre

1507
os envolvidos e também existe as canções na pré-escola do qual colaboram para a interação
entre os pares, conhecimento sobre o corpo, desenvolvimento da linguagem oral e influenciam
na distração e alegria do ambiente.
Outra característica que pode ser levada em consideração como contribuinte no
desenvolvimento da criança seria o uso da contação de histórias, pois como bem coloca
Rodrigues (2005) esta atividade estimula a imaginação e a criatividade infantil, como também
permite uma maior interação entre o mundo fictício e o real, auxilia no ensinamento de valores
e regras.
Por fim acredita-se assim como identifica Queiroz, Maciel e Branco (2006) que a
brincadeira é sim um fator de suma importância para o desenvolvimento, pensar em práticas
lúdicas é permitir que o crescimento global da criança aconteça de maneira satisfatória, pois a
partir do brincar as crianças elaboram novas competências e habilidades, influenciando deste
modo no seu bem-estar físico, emocional, intelectual e social.
Vale ressaltar também a relevância da formação para os cuidadores (equipe que trabalha
na Casa de Acolhimento), pois como salientam Medeiros e Martins (2018) esta modalidade de
acolhimento necessita de qualificações devidamente planejadas, pois o intuito desses
profissionais é promover um melhor desenvolvimento para os acolhidos, bem como auxiliar
essas crianças e adolescentes na organização do local, na aprendizagem de práticas que
aprimorem a autonomia, consequentemente no rompimento das ações de violência que antes
ocorria. Com uma equipe qualificada e atenta aos aspectos do desenvolvimento das crianças
institucionalizadas a probabilidade de um desenvolvimento saudável é bem maior.
Medeiros e Martins (2018) afirmam que os profissionais que cuidam das crianças e dos
adolescentes precisam ter cautela e atenção quanto a sua função dentro do âmbito da Casa, o
que seria a vinculação afetiva entre acolhidos e acolhedores, promovendo ações que
possibilitem a construção familiar responsável e acolhedora, e principalmente, que esses
profissionais compreendam que seu papel não é ocupar o papel do pai, da mãe ou responsável,
mas sim contribuir para a vinculação dos laços familiares, o que irá favorecer o processo de
restituição familiar.
O presente trabalho tem como objetivo principal apresentar o resultado da experiência
do campo de estágio básico, do curso de Psicologia da Universidade Federal do Piauí que
ocorreu no berçário da Casa de Acolhimento Infantojuvenil, localizada na cidade de Parnaíba
– PI. O estágio teve como perspectiva observar o desenvolvimento infantil das crianças com
idades de 0 a 36 meses, institucionalizadas naquele período, na referida Casa.

2. Método

A experiência de estágio ocorreu no berçário da Casa de Acolhimento Infantojuvenil,


situada na cidade de Parnaíba-PI. Foram realizadas observações sistemáticas, entrevistas e
intervenções no campo de estágio, no sentido de conhecer o funcionamento da instituição, a
composição dos funcionários, os problemas enfrentados, a rotina do local e as atividades
realizadas. Esta experiência ocorreu de forma contínua e dinâmica (de quinze em quinze dias).
As observações ocorreram uma vez por semana, nas segundas-feiras das 14h às 18h, totalizando
sete encontros.
Participaram da pesquisa 05 (cinco) crianças de 10 meses a 04 anos de idade, sendo 04

1508
do sexo masculino e 01 do sexo feminino, foram entrevistados 04 cuidadores, a equipe técnica
que é composta de uma Psicóloga, uma Assistente Social e uma Coordenadora Geral.

3. Resultados e Discussão

O Estágio foi dividido em algumas etapas, observação, realização de entrevistas no


sentido de conhecer a instituição, as crianças do berçário, a rotina de trabalho e a vivência da
equipe de cuidadores. Após essas etapas foram feitas intervenções, para auxiliar no bom
andamento das atividades propostas para impactar positivamente o cotidiano das crianças do
berçário e proporcionar trocas de conhecimentos com a equipe de cuidadores.
No primeiro momento realizou-se a entrevista com a coordenadora da Casa e com a
equipe técnica esta composta por uma psicóloga e uma assistente social, com o intuito de
conhecer o funcionamento da Casa de Acolhimento, essa etapa ocorreu no dia 01 de abril de
2019.
O primeiro questionamento foi direcionado ao histórico da Casa, foi relatado que a
instituição existe há cinco anos, tendo como objetivo proteger as crianças e adolescentes em
risco/vulnerabilidade, residentes no município de Parnaíba. Nesse momento foi possível
identificar o que foi descrito no referencial teórico, que seria o objetivo da casa, a promoção da
segurança e do bem-estar desses sujeitos que sofreram por situações de violência e ou
negligência, subjacente sofrimento psíquico.
No que se refere ao segundo questionamento foram relatados a quantidade de
profissionais que trabalham na Casa, sendo um total de vinte e nove funcionários. Desses, 16
são cuidadores, 3 vigias, 3 motoristas, 3 serviços gerais, 1 psicóloga, 1 assistente social, 1
educador lúdico e 1 coordenadora geral. A equipe também possui uma parceria com a
Universidade Federal do Piauí com o curso de Medicina, onde ocorre anamnese e
acompanhamento de saúde das crianças.
Sobre a função da equipe técnica, foi mencionado que é direcionada para cumprir as
responsabilidades diante da justiça, é a equipe técnica que faz os relatórios judiciais para
encaminhar a Vara da Infância e da Juventude, com o objetivo de reinserção familiar das
crianças ou para a colocação em família substituta. Todos seguem como principal
direcionamento os artigos previstos no ECA, visto a necessidade de proteção das crianças e
adolescentes que tiveram seus direitos violados.
Em seguida foram questionadas sobre a escala de trabalho, as entrevistadas relataram
ser de trinta horas semanais, já os cuidadores têm escala de trabalho 12h por 36h. Sobre os
recursos financeiros, expuseram que recebem financiamento dos órgãos municipais e federal.
Referente à estrutura física da Casa de Acolhimento a equipe informou que a Casa não
foi construída para a finalidade do acolhimento, não está adaptada para receber muitos
acolhidos, mas relataram que atualmente é a melhor estrutura física que já tiveram. Entretanto,
o ambiente ainda necessita de melhorias na acessibilidade.
Quanto ao perfil dos usuários, foi mencionado que no período da entrevista o berçário
acolhia 05 usuários: 01 bebê do sexo masculino de 10 meses, 01 bebê do sexo masculino de 06
meses, 01 criança do sexo feminino de um ano e seis meses, 01 criança do sexo masculino de
três anos e 01 criança do sexo masculino de quatro anos. Todos os acolhidos eram de famílias

1509
de baixa renda.
Com relação ao mencionado sobre as principais demandas encontradas no
contexto do acolhimento, foram citadas a negligência familiar, violência sexual e agressão
física. Diante dessas demandas, Barnett (1997) contribui caracterizando que essas situações
causam problemas de risco psicológico para esses indivíduos, como por exemplo, o déficit
cognitivo e social. A probabilidade de dano psicológico é grande, visto que
A partir dessas demandas são desenvolvidas intervenções como inserção dos acolhidos
em todos os dispositivos do município (CRAS, Pelotão Mirim, Marinha, Aula de Inglês,
Informática no SESC). Ainda mencionaram que trabalham com base no PIA- Plano Individual
de Acompanhamento, que tem função de nortear o trabalho, fazer uma anamnese completa do
indivíduo e encaminhar cada situação específica.
Foram descritos os principais desafios encontrados na Casa, onde foi citada a falta de
políticas públicas setoriais, questões econômicas (desemprego, falta de habitação), ausência de
acompanhamento psicológico, falta de suporte da família após o desligamento do acolhido da
instituição.
Sobre as atividades desenvolvidas com as crianças, foi explanado que a Casa possui um
educador lúdico responsável por fazer brincadeiras dirigidas e auxiliar nas tarefas escolares. A
instituição também recebe voluntários que desenvolvem ações de higiene bucal e cuidados com
o corpo. Vale ressaltar a relevância no âmbito das atividades a ser aplicada com a criança, a
inserção do lúdico, pois como indica Queiroz, Maciel e Branco (2006) é por meio da brincadeira
que bebês e crianças desenvolvem suas habilidades sociais, intelectuais, psicomotoras, sua
linguagem oral, bem como explora seu próprio corpo. Esta experimentação através de jogos,
brinquedos, contação de história e cantigas consequentemente estimulam o crescimento global
dessas crianças.
No que se refere às visitas familiares, relataram que ocorrem dependendo da situação e
observando cada caso, mas geralmente tem visitas semanais, até porque o objetivo principal é
a reinserção familiar, seja na família nuclear ou extensa. A equipe técnica que realiza as vistas
domiciliares, com intuito de buscar compreender todas as partes.
Foi exposto sobre o relacionamento interpessoal entre acolhidos e profissionais, onde
informaram que existem momentos bons e ruins, mas o vínculo é estabelecido. Identificam-se
como grande grupo, e os acolhidos tem uma pessoa como referência, aquela que apresentam
afinidades.
Sobre a capacitação dos cuidadores, foi dito que eles receberam um treinamento, mas
que a formação foi deficitária. Descreveram que a capacitação deveria ocorrer de forma
contínua. Como visto na literatura, Medeiros e Martins (2018) descrevem que é de suma
relevância que esses profissionais estejam qualificados e preparados para o acolhimento dessas
crianças e adolescentes, pois é com o auxílio dos cuidadores que esses sujeitos terão a
possibilidade de desenvolver sua autonomia, do seu direito como indivíduo ressignificando toda
a violência e a negligência sofrida anteriormente.
No que se refere à desvinculação dos acolhidos, foi mencionado que não existem
projetos específicos, porém os acolhidos estão inseridos no Projovem, Pro-estágio, ID jovem e
Bolsa Família. E que os jovens já possuem um direcionamento para após desvincular-se da
instituição.
Explanaram que os maiores problemas enfrentados na Casa de Acolhimento são, a

1510
unidade mista onde atende ampla faixa etária, subjacente a diversas problemáticas e muitas
demandas para uma pequena equipe; com relação aos acolhidos, não existe uma figura
específica de autoridade, a figura de referência é facelada; e a mudança de equipe e sua
rotatividade dificulta o trabalho com as crianças.
O segundo momento do estágio decorreu da entrevista com os cuidadores, no dia 15 de
abril de 2019. Quando indagados sobre as principais dificuldades enfrentadas no contexto da
casa, os cuidadores responderam que a falta de adaptação das crianças, a ausência familiar, os
traumas e sofrimentos que os acolhidos passaram e também a indisciplina de alguns são os
principais enfrentamentos.
Ao que se refere à existência de formação continuada para o auxílio do trabalho dos
cuidadores, uma das cuidadoras relatou que participou de um curso “educar para não punir”, os
outros informaram que participaram de formações, palestras e a coordenadora geral realiza
reuniões de três em três meses.
Sobre o relacionamento entre os cuidadores e acolhidos, todos os cuidadores
entrevistados discorreram que por conta da falta de afeto familiar as crianças e adolescentes
veem neles a figura de pai e mãe. Nesse sentido é preciso bem como descrito por Medeiros e
Martins (2018) o conhecimento e o entendimento por parte dos cuidadores, que sua função
primordial é promover ações que possibilitem o desenvolvimento e autonomia dos acolhidos,
bem como contribuir para o fortalecimento do vínculo familiar e a reintegração das crianças em
seu contexto familiar de origem ou mesmo para uma nova família.
De forma geral as entrevistas proporcionaram um melhor conhecimento do local de
estágio, bem como das relações vivenciadas ali. Percebeu-se que os cuidadores se dedicam ao
trabalho, mas poderiam ter mais formações, principalmente relacionadas ao desenvolvimento
infantil e relações interpessoais. A presença do educador lúdico é de extrema importância e
interfere de forma positiva no desenvolvimento dos acolhidos.
O terceiro momento foi de relevante importância, pois proporcionou observações acerca
do funcionamento e rotina da Casa. Essa etapa ocorreu nos dias 29 de abril, 13 e 27 de maio de
2019.
As observações se deram especificamente com as crianças que ficavam no berçário e as
cuidadoras responsáveis pelo mesmo. De forma geral as duas crianças que estavam naquele
ambiente não participavam de atividades lúdicas, se limitavam a assistir DVDs de desenhos e
musicais. Ficavam a maior parte do tempo no berço ou no colo das cuidadoras e pouco
participavam das atividades gerais da casa, o horário do lanche era o único período da tarde que
as crianças saíam do ambiente interno e tinham contato com as outras áreas da casa. Ficavam a
maior parte do tempo dentro do berçário, que por sua vez não parecia muito atrativo para elas.
Durante as observações presenciou-se alguns desacolhimentos, crianças reinseridas em
família nuclear e também em família substituta. Esse momento foi bem importante, visto que
mexe com o emocional das crianças que ficam na Casa e também com os cuidadores que
mantinham relações próximas com as crianças reinseridas. O acolhimento e desacolhimento
são momentos importantes que mereciam um olhar diferenciado, uma prática mais trabalhada,
a fim de minimizar os danos que pudessem causar. Diante das entrevistas e das observações
realizadas montou-se então o plano de intervenção, focando o que pudesse ser alterado mais
rapidamente e que pudesse trazer retorno positivo para as crianças do berçário.
As intervenções aconteceram nos dias 04 e 05 de junho de 2019. Houve a realização da
atividade de decoração do berçário com imagens lúdicas no sentido de tornar o ambiente
acolhedor e adaptar o meio para estimular aspectos visuais, motores e cognitivos das crianças.

1511
Além disso ocorreu a formação dos cuidadores, abordando assuntos como acolhida de novos
usuários, desenvolvimento infantil, confecção de brinquedos recicláveis e contação de história
com o objetivo de orientar sobre novas maneiras de executar as tarefas e trocar experiências.
Nessa ocasião também foi feita a escuta dos cuidadores e de todos os envolvidos ali presentes,
onde relataram suas vivências da vida pessoal e do ambiente de trabalho. Por fim ocorreu a
confecção de uma caixa contendo objetos (fantasias, máscaras, perucas e livros didáticos) para
serem utilizados durante a acolhida das crianças, no intuito de auxiliar os cuidadores a tornar
esse momento da chegada na instituição menos doloroso e mais acolhedor.
Além dessas atividades, eram feitas também as supervisões juntamente com a
Professora responsável pelo estágio. Nas supervisões foram relatadas as impressões das
experiências de estágio, as dificuldades encontradas, as aprendizagens adquiridas naquele
contexto, e principalmente as demandas e as potencialidades percebidas no ambiente.
Observou-se que a Casa de Acolhimento é para o acolhido um local de apoio, e que as
pessoas que estão inseridas naquele local fazem parte do seu ambiente emocional. Nesse sentido
constatou-se a importância de o ambiente apresentar-se limpo e organizado, com rotinas
específicas, com a inclusão do lúdico para envolver as crianças, onde atividades nos espaços
verdes da casa possam fazer parte da rotina dos acolhidos e as relações entre todos os acolhidos
e profissionais seja harmoniosa.
A formação continuada tanto para a equipe técnica quanto para os cuidadores é
imprescindível para o bom andamento da instituição, pois traz conhecimentos sobre o público
que a Casa atende, e também auxiliam nas formas de intervenção e cuidados; parcerias com
outras instituições são de grande importância, pois agregam novos olhares de outros
profissionais e facilitam o atendimento das questões que existem no local.
Outra ação pertinente para o bom desempenho de todos que atuam na Casa, em especial
os cuidadores, seria a prática de escuta psicológica desses profissionais, pois como bem
observado, os acolhedores necessitam de uma atenção intensificada, a carga afetiva que existe
na instituição, bem como os vínculos estabelecidos entre acolhedores e acolhidos necessitam
de um olhar mais aprofundado de todos os envolvidos daquele ambiente para que dessa maneira
o comprometimento e o trabalho de todos sejam adequados e propícios para o desenvolvimento
e crescimento global das crianças.
Compreende-se que a Casa de Acolhimento é uma medida de proteção provisória para
crianças e adolescentes, por esta razão é importante estabelecer o maior vínculo possível de
cuidado e proporcionar uma boa permanência para o acolhido durante o tempo que estiver lá,
com práticas e atividades que estejam de acordo com o desenvolvimento pleno da criança.
Nesse espaço, as observações feitas levaram a intervenções que pudessem modificar e
auxiliar a rotina de trabalho, com o sentido de transformar o ambiente que tem características
de isolamento, afastamento ou separação do vínculo familiar em um ambiente que possam
transmitir acolhimento, conforto e cuidado. De fato, estar ou ter sido acolhido pode representar
no repertório de vida lembranças que são difíceis de tolerar, mas ações planejadas e reflexivas
podem transformar o espaço e as práticas visando uma permanência mais amena e menos
desagradável nesse local, podendo ser também um espaço onde podem ressignificar suas
experiências.
A experiência de estágio na Casa de Acolhimento proporcionou um conhecimento sobre
a dinâmica de trabalho do local e a importância desse dispositivo para as crianças e adolescentes
em situações de vulnerabilidade. Local de acolhimento provisório com características físicas
que ainda carecem de estruturas mais adequadas, mas com equipe assídua que demonstrou

1512
prezar pelo estabelecimento de vínculos afetivos com os acolhidos e com perspectivas para
novos conhecimentos que possibilite auxiliar o trabalho na instituição.

4 Referências
Barnett, D. (1997). The effects of early intervention on maltreating parents and theirs children.
In: M. J. Guralnick. The effectiveness of early intervention. (pp. 147-170). Baltimore: Paul
Brookes.
Brougère, G. (1998). Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez.
Cavalcante, L. I. C. & Correa, L. da S. (2012). Perfil e trajetória de educadores em instituição
de acolhimento infantil. Cad. Pesqui. vol.42, n.146, pp.494-517. [online].
Maia, J. M. D. & Williams, L. C. de A. (2005). Fatores de risco e fatores de proteção ao
desenvolvimento infantil: uma revisão da área. Temas em Psicologia. vol. 13, n. 2, pp. 91
– 103.
Medeiros, B. C. D. & Martins, J. B. (2018). O estabelecimento de vínculos entre cuidadores e
crianças no contexto das instituições de acolhimento: um estudo teórico. Psicologia:
ciência e profissão, v. 38, n. 1, p.74-87.
Ministério da Cidadania. (2015). Secretaria Especial do Desenvolvimento Social. Serviços de
Acolhimento para Crianças, Adolescentes e Jovens. Disponível em:
http://mds.gov.br/assuntos/assistencia-social/unidades-de-atendimento/unidades-de-
acolhimento/servicos-de-acolhimento-para-criancas-adolescentes-e-jovens. Acesso:
01/06/2019.
Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental (1998).
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC.
Negrine A. (2000). O lúdico no contexto da vida humana: da primeira infância à terceira idade.
In: Santos MP. Brinquedoteca: a criança, o adulto e o lúdico. Petrópolis: Vozes, pp.15-36.
Queiroz, N. L. N., Maciel D. A & Branco, A. U. (2006). Brincadeira e desenvolvimento infantil:
um olhar sociocultural construtivista. Paidéia. vol. 16, n. 34, pp.169-179.
Ravelli, A. P. X. & Motta, M. G. C. (2005). O lúdico e o desenvolvimento infantil: um enfoque
na música e no cuidado de enfermagem. Rev Bras Enferm. vol. 58, n.5, pp.611-663.
Rodrigues, E. B. T. (2005). Cultura, arte e contação de história. Goiânia.
Weber, L. (2012). Eduque com carinho: Lidia Weber./ 4a ed., 11a ti r./ Ilustrações de Benett./
Curitiba: Juruá
PREVENÇÃO AO SUICÍDIO: PROJETO DE EXTENSÃO NA CIDADE DE

1513
DOURADOS MS
Sandro de Toledo,
Ticiana Araujo da Silva
Introdução
O suicídio como fator social nos leva a transcorrer o trabalho de Botega (2014), onde o
mesmo faz ressalvas sobre os índices estatísticos relacionados ao suicídio, pois nem sempre é
possível fazer uma distinção entre uma morte advinda de um suicídio, de uma morte advinda
de origem violenta (homicídio, acidente de trânsito etc.). Porque cada país tem sua legislação
específica para determinar a origem do óbito ocorrido, como também a própria família pode
pressionar para que não se registre a natureza da morte. O autor finaliza esclarecendo que apesar
das ressalvas, a própria OMS criou estratégias de prevenção, conscientização, quebras de tabus
junto a população e treinamentos específicos para os profissionais da área de saúde, porém as
tentativas de suicídio também precisam estar em primeira pauta.
Segundo Brasil (2017) as notificações de lesões autoprovocadas progrediram entre o
período de 2011 a 2016 e o percentual maior ocorreu com indivíduos entre 10 e 39 anos. O
Boletim Epidemiológico informa que nos anos de 2011 a 2015 foram registrados 55.649 óbitos
motivados por suicídio e que os dados apresentados não conseguem representar todas as
Unidades da Federação, mas são suficientes para demonstrar que tanto as lesões autoprovadas
como o suicídio é um problema de saúde pública, sendo assim necessário realizar estratégias
de prevenção.
Gomes et al. (2014) discursam e reafirmam que o suicídio se tornou um problema de
saúde pública preocupante, que existe alta prevalência nas taxas de suicídios entre adolescentes
e jovens, onde destaca como esses grupos são afetados diretamente pela internet, pois ao mesmo
tempo que o acesso à internet pode ser útil, ela pode se tornar o meio mais rápido do adolescente
ou jovem vir a cometer um suicídio.
Finalmente Nagafuchi ressalta:

E para concluir, gostaria de destacar a importância de ouvir os sujeitos


e usar de empatia e alteridade para que as suas experiências humanas
tenham sentindo para eles e para os outros. As pessoas querem ser
ouvidas sobre suas experiências, elas querem falar sobre seus encontros
com o suicídio, mas elas têm medo porque é muito fácil fazer um
julgamento apressado de forma a estigmatizar e a causar ainda mais
sofrimento. O suicídio é um ato comunicativo e nos exige muita atenção
sobre o que ele comunica (Nagafuchi, 2017, p. 201).

A discussão sobre o tema suicídio como um problema de saúde pública, tem como
marco inicial em 2003, quando a OMS define o dia 10 de setembro como o dia mundial de
prevenção ao suicídio, com o tema “Conectar, Comunicar, Cuidar”. No Brasil, segundo
Werlang (2014) o Ministério da Saúde cria em 2005 o Grupo de Trabalho (GT), com o objetivo
de criar diretrizes nacionais relacionadas ao comportamento suicida, em 2016 na cidade de
Porto Alegre são definidas as primeiras diretrizes, onde esperava-se que os demais municípios
organizassem também suas próprias diretrizes, a escolha pelo município de Porto Alegre não
foi feita aleatoriamente, pois a Região Sul do Brasil tem os maiores índices de óbitos por

1514
suicídio.
Werlang (2014) afirma que é necessário que o psicólogo se capacite sobre o tema,
conhecer quais são os seus pressupostos, quais são as frequências de fatores sociais, desordens
mentais e outros fatores de risco que tem levado indivíduos a suicidar-se. O autor salienta que
o suicídio pode ser prevenido, mas precisa de boas estratégias, fundamentadas e compostas por
profissionais gabaritados, pois assim será possível treinar outros profissionais das áreas da
saúde, educação, engenharia, arquitetura, do direito, como também os bombeiros e policiais,
para planejar, identificar, intervir tanto com os sujeitos que podem estar com ideações suicidas,
como também os possíveis lugares que podem vir a ser propicio ao ato. “A prevenção do
comportamento suicida é um grande desafio não só para a Psicologia, mas para toda a
sociedade, por ser um desafio social, econômico e político” (Werlang, 2014, p. 28).
Como forma de integralizar esses estudos e iniciar estratégias de prevenção ao suicídio
o Conselho Federal de Medicina (CFM), lança em 2014 a cartilha intitulada, Suicídio:
informando para prevenir e declara que a classe médica acredita que o envolvimento de todos
da comunidade, a partir da criação de políticas públicas, profissionais de saúde engajados e
preparados para identificar os fatores de risco para o suicídio, podem contribuir para decompor
o tabu sobre o tema na comunidade, na identificação e no tratamento de indivíduos com
ideações suicida (CFM, 2014, p. 7).
Em 2015 o movimento intitulado como Setembro Amarelo começa a tomar forma, o
Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
juntamente com o Centro de Valorização da VIDA (CVV), inicia a Campanha Setembro
Amarelo utilizando de fundo a frase: Falar é a melhor solução. A partir desse movimento o
Brasil começa a se mobilizar para estruturar a Campanha.
Esse trabalho tem como objetivo, relatar sobre os caminhos e a estruturação do projeto
de extensão universitária, intitulado como Campanha Setembro Amarelo em Prol da Vida na
cidade de Dourados MS, que teve início no ano de 2015 pelo Curso de Psicologia do Centro
Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN. A sua relevância está em poder contribuir
com a comunidade científica na produção de mais pesquisas, orientação para novos projetos e
na capacitação de futuros profissionais.

Método
Trata-se de um relato de experiência de projeto de extensão, o método utilizado foi a
investigação qualitativa e o recorte para a análise, se encontra em um período cronológico de
cinco (05) anos.
O projeto de extensão universitária: Campanha Setembro Amarelo em Prol da Vida teve
início no ano de 2015 na cidade de Dourados MS, no Centro Universitário da Grande Dourados
– UNIGRAN, planejado e executado pelo Curso de Psicologia.
O projeto proposto foi desenvolvido pelos professores e acadêmicos do Curso de
Psicologia, sob supervisão da coordenação do curso e aprovação do CONSEPE - Conselho de
Ensino Pesquisa e Extensão do Centro Acadêmico da Grande Dourados.
No ano de 2015, as atividades desenvolvidas foram realizadas no campus da instituição,
com atividades de sensibilização sobre a prevenção do suicídio e promoção a vida entre os
acadêmicos. A partir de 2016 as atividades se estenderam para toda comunidade local, em
parceria com outras instituições, realizadas nos CRAS, CREAS, Lar do Idoso de Dourados,

1515
praças públicas e desfile cívico.
Entre os anos de 2017 e 2019 houve desdobramentos do projeto, devido a demanda, foi
possível observar a necessidade de realizar outros três projetos de extensão intitulados como:
Curso de Prevenção ao Suicídio em Dourados no ano de 2017; Palestra Sobre Prevenção ao
Suicídio, Álcool e Drogas com início em 2017 e se encontra ativo; Curso Manejo do
Comportamento Suicida: Aspectos Teóricos e Práticos realizado no ano de 2019.

Resultados e Discussões
Costa, Landim e Borsa (2017) esclarece que pesquisas realizadas por psicólogos com
sujeitos vulneráveis, devem ser criteriosas, pois é necessário ir além da neutralidade, da
metodologia utilizada, o cuidado para com esses indivíduos é de extrema importância, para que
não venha ocorrer uma discriminação ou supressão da subjetividade desses sujeitos vulneráveis.
O pesquisador precisa ser crítico, não utilizar de normas e padrões para justificar uma possível
conduta que possa vir a ferir a condição humana desses indivíduos. Esse relato utiliza-se desse
pressuposto, pois falar sobre suicídio ou até mesmo sobre a sua prevenção, acaba por ser um
relato que atinge diretamente indivíduos em situações de vulnerabilidade.
No ano de 2015, após debates em sala de aula, um pequeno grupo de acadêmicos do 1º
semestre de psicologia foram pesquisar sobre o movimento que estava acontecendo no Brasil
intitulado como Setembro Amarelo. Após uma consulta no site do Centro de Valorização da
Vida – CVV, foi possível conhecer os objetivos e diretrizes da campanha.
Foi levantado junto a coordenação do Curso de Psicologia a possibilidade de realizar
atividades sobre o tema, onde seguindo orientação desta coordenação, os acadêmicos
juntamente com os seus orientadores, elaboraram e submeteram o projeto de extensão para
apreciação do CONSEPE, após a aprovação iniciou-se às atividades.
A primeira dificuldade foi no levantamento de recursos para a compra de insumos, visto
que se tratava de um projeto de extensão e não existia um financiamento destinado para esse
fim. Através de patrocínios foi confeccionado panfletos contendo informações sobre a
campanha (figura 01).
Após a aprovação do projeto e os informativos prontos, o grupo compartilhou o objetivo
do projeto de extensão com os acadêmicos de outros semestres e períodos do Curso de
Psicologia. Foi utilizada a estratégia de distribuir balões da cor amarela visando chamar a
atenção da comunidade universitária para a temática.
No dia 25 de setembro de 2015 houve sensibilização abrangendo toda a instituição sobre
a campanha Setembro Amarelo, foi entregue panfletos e orientação juntos aos acadêmicos sobre
o funcionamento do Núcleo de Psicologia da UNIGRAN – NPU, pois o mesmo tem como meta
o atendimento a comunidade carente, mas também realiza atendimentos aos universitários
(figura 02).
1516
Figura 01. Panfleto e banner informativo/Grupo de acadêmicos de psicologia.
Fonte: Os autores.

O principal objetivo foi demonstrar acolhimento para com alunos que possivelmente
poderiam estar em sofrimento psíquico e iniciar o diálogo sobre o tema na tentativa de
descontruir o tabu do suicídio.

Figura 02. Atividades de 2015.


Fonte: Os autores.

Nascimento (2017) declara que lidar com a morte é essencial para a manutenção da vida,
precisa olhar para ela de forma tranquila e transparente, mas o sujeito em sua vida é inserido
em uma cultura que não admite a morte, pois desde a busca pela medicina em prolongar a vida,
os mitos sobre a pós-morte e até mesmo o culto ao próprio corpo, faz com que se crie um
distanciamento da morte. Seguindo a lógica do autor podemos dizer que a origem do tabu vem
desse contexto, pois os indivíduos que atentam contra a própria vida, são condenados e julgados
pela sociedade. Assim podemos justificar algumas resistências que ocorreram tanto por parte
dos acadêmicos, como também por parte da docência. Em cada sala o grupo foi recebido com
algum diferencial, algumas salas mais abertas para o diálogo, outras preferiram se calar e alguns
indivíduos mostraram claramente o incômodo de discutir sobre o assunto.
Devido à proporção que a campanha Setembro Amarelo começou a ter entre o ano de

1517
2015 e 2016 em todo o Brasil, as altas taxas de suicídios e a própria demanda na cidade de
Dourados, os acadêmicos e docentes, supervisionados pela coordenação do curso e partindo da
experiência vivenciada no ano de 2015, decidiram elaborar o projeto de extensão na sua
segunda fase, denominado como: Setembro Amarelo em Prol da Vida.
Na segunda fase do projeto, o objetivo foi de estender as atividades previstas para fora
do campus universitário, divulgar a Campanha Setembro Amarelo, sensibilizar a população
sobre a prevenção do suicídio, orientar sobre os locais de atendimentos psicológicos,
principalmente os que atendem gratuitamente (clínicas escolas, CRAS, CREAS e CAPS),
informar onde procurar atendimentos de urgência (prontos socorros e UPA) e iniciar ciclos de
palestras no centro universitário, convidando vários setores da sociedade para debater sobre o
assunto.
As atividades da campanha em 2016 consistiram em três momentos, abertura com mesa
de debate (01/09), palestra (30/09) e encerramento (01/10) com ação de sensibilização junto à
comunidade. Foi confeccionado troféus simbólicos (para distribuir entre os palestrantes e
colaboradores) e panfletos informativos distribuídos para as pessoas presentes nos eventos
(figura 03).

Figura 03. Troféu e panfleto informativo.


Fonte: Os autores.

A mesa de debate foi constituída por profissionais da área de saúde, segurança e


educação. Teve como representante do Corpo de Bombeiros de Dourados o Major Bombeiro
Militar Frederick Caldeira da Rocha, representando o SAMU de Dourados o Médico Eduardo
Antônio da Silveira, também esteve presente o Médico Psiquiatra Wendel Lissa Dalprá, a
Psicóloga e Prof.ª Ma Elizete M. Bachi Comerlato e o representante da Secretaria Estadual de
Educação (SED), Professor Bruno Alves Moreira.
O debate percorreu sobre dados estatísticos de suicídio na cidade de Dourados,
atendimentos de urgência a vítimas que atentaram contra a própria vida, tratamento e
acolhimento de vítimas com ideações suicidas e as demandas apresentadas dentro do contexto
escolar.
A palestra foi ministrada pelo Capelão Hospitalar do Núcleo do Hospital Universitário
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (NHU/UFMS) e Primeiro Tenente Especialista
Capelão Militar do Corpo de Bombeiros Militar/MS e Professor Edilson dos Reis, sobre o tema

1518
prevenção ao suicídio. Foi explanado sobre a mediação com sujeitos em hora de conflito,
quando o sujeito está preste a cometer o ato. A necessidade da escuta de indivíduos com ideação
suicida e sobre a importância da prevenção.
A ação de sensibilização foi realizada na praça central da cidade de Dourados, Praça
Antônio João, onde ocorreu uma mobilização do Corpo de Bombeiros de Dourados e os
acadêmicos do Curso de Psicologia que juntos entregaram os panfletos informativos e
dialogaram com as pessoas transeuntes, sobre a Campanha, a importância da prevenção ao
suicídio e como procurar ajuda.
Seguindo as diretrizes do Centro de Valorização da Vida - CVV, foi confeccionado
camisetas com o tema: Falar é a melhor solução, pois os acadêmicos de psicologia utilizaram a
camiseta para divulgar a Campanha Setembro Amarelo, vestiram a camiseta durante todo o mês
de setembro e principalmente nos dias das atividades. Esse movimento alcançou seu objetivo
que era de chamar a atenção das pessoas para saber mais sobre a campanha.
Em 2016 o maior desafio foi começar um diálogo com a sociedade Douradense sobre o
tema, pois não existia uma cultura de falar sobre o suicídio ou até mesmo sobre a prevenção.
Os profissionais de atendimentos de urgência puderam explanar sobre o seus trabalhos em
relação a ocorrências com pessoas que estavam com ideação suicida ou chegaram a completar
o ato, a psiquiatria e a psicologia puderam compartilhar em ambiente acadêmico sobre os seus
trabalhos e a educação manifestar a sua preocupação.

Figura 04. Atividades do ano de 2016.


Fonte: Os autores.

Iniciou-se então um debate sobre o tema entre os acadêmicos, profissionais e a


comunidade. A campanha se desenvolveu tentando construir uma interlocução com a
sociedade, uma maneira de quebrar o silêncio declarado e assim começar a dar voz para pessoas
que se encontravam em situação de vulnerabilidade. Seguindo a conclusão de Nagafuchi
(2017), onde ele salienta que os sujeitos querem compartilhar o seu sofrimento, mas não o faz
com receio do julgamento alheio, podemos ter uma percepção sobre as diversas resistências
apresentadas, como também observar que houve sujeitos que desejavam transpor o silêncio e

1519
comunicar a sua dor.
A partir daqui a campanha se torna um processo dinâmico e com muitos desafios, tanto
para os profissionais quanto para os acadêmicos envolvidos, Silva e Carvalhaes (2016) declara
sobre a necessidade da psicologia se embrenhar junto as políticas públicas, principalmente por
ela ser construída como ciência da subjetividade, seja ela individual ou coletiva. Se faz
necessário adentrar o aprendiz de psicologia nesta questão desde o início da sua formação,
sendo assim tornando o futuro psicólogo um sujeito crítico, capaz de dialogar com a sociedade
e propor intervenções que visam o bem estar social, respeitando as diferenças e a subjetividade
de cada indivíduo.
A partir do ano de 2017 a Campanha Setembro Amarelo em Prol da Vida se tornou parte
da programação anual das atividades promovidas pelo Curso de Psicologia. Com a experiência
passada em 2015 e 2016, como já foi dito, o amadurecimento da campanha se deu numa
frenética busca pela literatura e a implementação na prática, pois através de ofícios, a
coordenação do Curso de Psicologia da UNIGRAN foi solicitada para participar de entrevistas
nos principais veículos de comunicação de Dourados, realizar palestras sobre a prevenção ao
suicídio e desenvolver o cursos.
As palestras conseguiram atender um número superior a 5000 ouvintes, atendendo
principalmente alunos do ensino fundamental II e médio tanto de escolas públicas como
particulares. Os cursos teve o total das suas vagas preenchidas, 72 participantes no primeiro
curso realizado em 2017 que teve como objetivo capacitar profissionais de diversas áreas sobre
a prevenção ao suicídio e 39 participantes no segundo curso realizado no ano de 2019, esse
último foi ministrado somente para os acadêmicos e profissionais de psicologia e psiquiatria,
pois foi delineado para contribuir na formação e atualização dos mesmos.
A partir do ano de 2017 a campanha seguiu com temas pontuais sobre os principais
fatores de riscos e proteção. Em 2017 o tema foi sobre a Violência na comunidade LGBTI,
Adolescência e Religião, em 2018 a campanha decorreu sobre a Violência contra a mulher e no
ano de 2019 o tema escolhido foi Comunidade idosa e Suicídio como fator Social. Os
informativos passaram a divulgar os canais de atendimento e uma pequena introdução sobre os
fatores de risco para o suicídio (figura 05).
Cada tema teve a sua complexidade, pois não é sobre falar da vulnerabilidade ou o
sofrimento das pessoas LGBTIQIA+, mas falar da construção da subjetividade e das
experiências desses sujeitos (Nagafuchi, 2017), em contrapartida reconhecer que a mulher
vítima de violência doméstica submerge em episódios depressivos que podem leva-la tirar a
própria vida (Correia et al., 2018), o adolescente por sua vez tem na família, escola e nos
relacionamentos interpessoais uma possibilidade de apoio emocional, mas esses fatores também
podem se tornar fatores de risco para o suicídio (Cardoso & Cecconello, 2019), o idoso tem no
decorrer da sua vida um caminhar que muitas vezes é delineado pelo vício, relacionamentos
conturbados, projetos inacabados, o abandono, entre outros, sendo assim o sentimento de vazio
e a percepção de não ser mais útil acaba por leva-lo a desenvolver algum tipo de transtorno
depressivo e possivelmente ao suicídio (Teixeira e Martins, 2018). Como podemos constatar na
literatura, os temas foram propostos no intuito de promove o debate, pois eles são os principais
fatores sociais para o suicídio.
Todo início do mês de setembro a instituição é decorada com balões alusivos à
campanha, o movimento teve uma adesão maior pelos alunos de psicologia a partir de 2017,
pois todos os semestres se evolvem de alguma forma na campanha e a partir de 2018 os balões
foram padronizados.
A camiseta foi uma estratégia de chamar atenção para a Campanha e adquirir recursos

1520
financeiros para as despesas da campanha. A sua arte seguiu o padrão da Campanha Setembro
Amarelo do CVV e a partir de 2018, nas costas ela destaca o telefone 188 que é o contato do
CVV, onde o indivíduo tem uma equipe de voluntários para dar apoio emocional e prevenção
do suicídio, de forma gratuita, sob total sigilo e com atendimento 24 horas todos os dias (figura
06).

Figura 05. Informativo atual.


Fonte: Os autores.

As camisetas, assim como os troféus e balões tornaram-se símbolos importantes da


campanha, pois os acadêmicos de psicologia não utilizam a camiseta somente durante o mês de
setembro, mas o ano todo, pois é possível quase que diariamente ver algum aluno vestindo-a.
Nos anos de 2017 e 2018, foram desenvolvidas atividades de sensibilização na praça
Antônio João, onde foram realizadas ações sociais em parceria com outros cursos da
UNIGRAN, desenvolveu-se atividades de aferir pressão, assessoria jurídica, teste de glicemia,
explanação sobre a Campanha Setembro Amarelo em Prol da Vida e o Exército Brasileiro
participou com a sua banda de música. O intuito das Ações Sociais foi de chamar a atenção das
pessoas na praça e com isso os acadêmicos de psicologia realizaram a sensibilização com os
informativos e dialogando com cada cidadão. Outra atividade importante a ser destacada foi a
participação dos acadêmicos de psicologia no desfile cívico do dia 7 de setembro, que aconteceu
nos anos de 2017, 2018 e 2019.
1521
Figura 06. Camiseta e balão da campanha
Fonte: Os autores

Em 2019 as ações sociais ocorreram junto a entidades: Lar do Idoso e Centro de


Convivência da Pessoa Idosa, utilizando-se dos fatores de proteção, levando acolhimento,
informação e proporcionando um dia agradável para os idosos. A mudança de estratégia se deu
porque em 2019 outros setores e universidades de Dourados já estavam realizando ações de
sensibilização (figura 07).

Figura 07. Ações Sociais 2017, 2018 e 2019.


Fonte: Os autores.

Os ciclos de palestras na instituição seguiram os temas propostos para cada ano, em


2017 a Psicóloga e Jornalista Claudia Malfatt trabalhou o tema Luto e Perdas, a Médica
Oncopediatra Rafaela Siufi o tema Luto na Infância. Em um segundo momento foi realizado
mesa de debate com líderes religiosos sobre Religião e Suicido e finalizando o ciclo de palestra
a Prof.ª Mª Priscila Pesqueira de Souza transcorreu sobre Suicídio na adolescência e o Prof. Mc.
Marcos Roberto Carvalho ministrou o tema Suicídio na comunidade LGBTI. Elaborou-se
também a 1.ª Mostra fotográfica – “Dor na Pele” – organizado pela Jornalista Sarah Gonçalves
e o Publicitário Murillo Alencar.
Em 2018 o tema Faces da violência contra a mulher no Brasil foi apresentado pela Prof.ª
Mª Maísa Barbosa, a Dr.ª Paula Ribeiro dos Santos - Delegada titular da delegacia de
atendimento à mulher de Dourados – MS relatou sobre o seu trabalho referente a violência

1522
contra mulher, a Coordenadora do programa mulher segura em Dourados Mª Sgta Gleice
Aguillar dos Santos - Sargenta da PMMS trabalhou o tema Acolhimento e proteção a mulher e
finalizando o ciclo de palestra o Prof. Psicólogo Leandro Correa Barboza decorreu sobre
Violência Doméstica uma conexão para o suicido?
A campanha em 2019 percorreu sobre o universo da pessoa idosa, tendo na abertura a
palestra Suicídio na População Idosa com o Prof.º Esp. Carlos Arturo Valiente Filho, seguindo
por mesa de debate com o tema Saúde Mental e Suicídio, composta pela Psicóloga e Psicanalista
Francina Souza, o Médico Psiquiatra Wendel Dalprá, Psicólogo Mc. Ezequias Milan Prof.º Esp.
Carlos Arturo Valiente Filho.
Em um segundo momento, foi realizado a palestra intitulada Suicídio: Questão Social,
ministrada pelo Psicólogo Mc. Dan Josua e o Psicólogo Esp. Murilo Vasques Buso explanou
sobre Intervenções para a Prevenção ao suicídio fora do Setting Clínico.

Figura 08. Ciclos de Palestras 2017,2018 e 2019.

Fonte: Os autores.

Considerações Finais
O relato procurou apresentar as principais atividades desenvolvidas, pois até o ano de
2015 falar sobre o tema na sociedade douradense era um tabu, mas no decorrer dos anos os
sujeitos quebraram o silêncio e em 2020 praticamente toda a comunidade debate sobre como
traçar estratégias de prevenção e escuta a indivíduos com ideação suicida. Os fatores de risco
para o suicídio apresentados, são os principais, mas não os únicos, pois são diversos os motivos

1523
que o sujeito tem para chegar ao ato.
Concluímos que o projeto de extensão alcançou o seu objetivo de abrir o diálogo com a
sociedade sobre o assunto, mas se faz necessário a efetivação de políticas públicas eficientes
para atender a demanda. Foi possível observar que a relação entre universidade e sociedade se
faz necessário, pois o centro acadêmico é o lugar da construção do saber, onde através de
pesquisas, debates e estudos pode contribuir na criação de estratégias para solucionar ou
minimizar os problemas de saúde pública.

Referências
Botega, N. J. (2014). Comportamento suicida: epidemiologia. Psicologia USP, 25(3), 231-
236. https://doi.org/10.1590/0103-6564D20140004
Brasil (2017). Suicídio. Saber, agir e previr. Boletim Epidemiológico, 48(30), 02-03.
https://www.cvv.org.br/wp-content/uploads/2017/09/folheto-popula-o.pdf
Cardoso, A. S. & Cecconello, A. M. (2019). Fatores de Risco e Proteção para o suicídio na
Adolescência: uma revisão de literatura. Revista Perspectiva: Ciência e Saúde. 4(2), 101-
117. http://sys.facos.edu.br/ojs/index.php/perspectiva/article/view/432
CFM (2014). Suicídio: informando para prevenir. Associação Brasileira de
Psiquiatria, Comissão de Estudos e Prevenção de Suicídio. 07.
https://www.abp.org.br/cartilha-combate-suicidio
Correia, C. M., Diniz, N. M. F., Gomes, N. P., Andrade, I. C. S., Campos, L. M. & Carneiro, J.
B. (2018). Sinais de risco para o suicídio em mulheres com história de violência
doméstica*. SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas, 14(4), 219-
225. https://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2018.151401
Costa, V. H. L. B., Landim, I. C. & Borsa, J. C. (2017). Aspectos Éticos das Pesquisas em
Psicologia: vulnerabilidade versus proteção. Revista da SPAGESP. 18(2), 16-26.
https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6272466
Gomes, J. O., Baptista, M. N., Carneiro, A. M. & Cardoso, H. F. (2014). Suicídio e Internet:
análise de resultados em ferramentas de busca. Psicologia & Sociedade. 26(01), 63-73.
http://www.scielo.br/pdf/psoc/v26n1/08.pdf
Nagafuchi, T. (2017). Um réquiem feito de silêncios: suicídio, gênero e sexualidade na Era
Digital. Tese de Doutorado, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São
Paulo. doi:10.11606/T.6.2017.tde-16062017-104229. Recuperado em 2020-03-19, de
www.teses.usp.br
Nascimento, L. L. (2017). Análise da Morte a Partir de um Prisma Psicológico. Repositório
Institucional Tiradentes. 01-13. https://openrit.grupotiradentes.com/xmlui/handle/set/3201
Silva, R. B. & Carvalhaes, F. F. (2016). Psicologia e Políticas Públicas: impasses e reinvenções.
Psicologia & Sociedade, 28(2), 247-256. https://doi.org/10.1590/1807-
03102016v28n2p247
Teixeira, S. M. O. & Martins, J. C. O. (2018). O suicídio de idosos em Teresina: fragmentos de
autópsias psicossociais. Fractal: Revista de Psicologia, 30(2), 262-
270. https://doi.org/10.22409/1984-0292/v30i2/5538
Werlang, B (2014). O Suicídio e os Desafios para a Psicologia. Conselho

1524
Federal de Psicologia. 27-28. https://site.cfp.org.br/publicacao/suicidio-e-os-desafios-para-a-
psicologia/
COMPREENDENDO A RESISTÊNCIA À MUDANÇA ORGANIZACIONAL NA

1525
GESTÃO PÚBLICA: UMA ANÁLISE DA LITERATURA
Kairon Pereira de Araujo Sousa,
Renata Miranda de Freitas Varão

Introdução
A mudança organizacional representa um dos principais desafios para empresas e
instituições em diversas partes do mundo. Há alguns anos atrás, ela ocorria de forma esporádica,
a partir de exigências reais urgentes presentes no cenário organizacional. Na atualidade, em
face de um ambiente dinâmico, competitivo e mutável, são as próprias organizações que
buscam transformações contínuas com vista ao crescimento (Hernandez & Caldas, 2001).
Nesse sentido, a mudança organizacional expressa uma condição sine qua no do
mercado mundial. Além disso, representa a base para o desenvolvimento de soluções futuras,
minimizando a redução na qualidade e produtividade da organização, o que permite sua maior
flexibilidade, inovação e integração com o ambiente externo (Teixeira et al., 2009).
O processo de mudança organizacional ocorre tanto a nível interno quanto externo à
organização, sendo operacionalizada nas alterações tecnológicas, desenvolvimento de
programas de qualidade, modificação da gestão, fusão, mudanças na lei e alteração no
maquinário. Tudo isso exige adaptação, mudança de comportamento e de atitude por parte dos
colaboradores (do mais baixo ao mais alto cargo) para que ela seja efetivada (Bortolotti, Sousa
& Andrade, 2011).
A mudança organizacional é definida como qualquer modificação que tenha sido
planejada ou não nos elementos organizativos (colaboradores, trabalho, estrutura formal e
cultural) ou na associação da organização com o seu ambiente, capazes de apresentar
consequências positivas ou negativas na sustentabilidade da organização (Lima & Bressan,
2003). O intuito primordial é obter mais competividade e eficiência (Certo, 2003).
Ao se estabelecer os objetivos a serem alcançados com a mudança organizacional, é
preciso a elaboração prévia de um plano de ação que possibilite a concretização das metas
traçadas, processo que costuma ser árduo, uma vez que existem forças que provocam
resistências, impactando toda a organização (Teixeira et al., 2009). A resistência à mudança
organizacional, dependendo da intensidade ou maneira como se manifesta, pode representar um
entrave, impedindo que veja obtido o resultado esperado (Bortolotti et al., 2011).
A esse respeito, Chiavenato (2003) destaca que estas forças podem ser positivas,
contribuindo para impulsionar o processo de mudança; ou negativas, atuando como mecanismo
de resistência a ela. Quando as forças positivas se sobrepõem às negativas, a mudança é bem
sucedida, ocorrendo de forma efetiva. Por outro lado, quando as forças negativas são superiores
às positivas, a iniciativa de mudança se torna inviável, prevalecendo à velha situação. Desta
maneira, para que a mudança organizacional ocorra, é preciso que as forças de suporte ou apoio
a ela sejam aumentadas, reduzindo-se os seus mecanismos de resistência e oposição.
A resistência à mudança pode ser compreendida como qualquer conduta de resistência
que objetive proteger o sujeito de eventuais efeitos provenientes de uma mudança real ou
imaginária (Zander, 1950). A análise deste construto tem se configurado como uma questão

1526
relevante nos estudos sobre o comportamento organizacional (Robbins, 1999), visto que a
resistência à mudança organizacional é identificada como uma resposta inevitável e um
elemento significativo para o sucesso ou o fracasso da mudança em uma organização (Bortolotti
et al., 2011).
Apesar de ser um dos temas mais explorado na área organizacional (Hernandez &
Caldas, 2001), a resistência à mudança organizacional tem sido abordada, majoritariamente na
literatura especializada, a partir do âmbito da gestão privada. Embora se reconheça as
contribuições destes estudos, pensa-se ser de suma importância a compreensão dos principais
fatores de resistência à mudança organizacional na esfera da gestão pública, motivo pelo qual
se propôs esta pesquisa.
A partir do previamente exposto, este trabalho teve como objetivo avaliar a produção
da literatura científica referente à resistência à mudança organizacional no âmbito da gestão
pública. Para tanto, toma-se como questão norteadora: Como se apresenta na literatura científica
o tema da resistência à mudança organizacional na gestão pública?

Método
Esta pesquisa é de natureza qualitativa e exploratória, realizada por meio de uma
Revisão Sistemática da Literatura (RSL). A RSL é um método que tem como intuito identificar
a produção científica acerca de determinada temática, por meio de métodos sistemáticos de
busca (De-la-Torre-Ugarte-Guanilo, Takahashi & Bertolozzi, 2011).
Para esta pesquisa, foram utilizadas as seguintes bases de dados: Scientific Electronic
Library Online (SciELO) e Periódicos da CAPES. Conforme Erdmann et al. (2009), as bases
indexadoras constituem-se como expressivos meios de difusão do conhecimento formulado por
diferentes campos do saber. A escolha pode ser justificada pelo fato de indexarem estudos da
área da administração e psicologia organizacional, além de serem reconhecidas no meio
científico.
A busca dos dados foi realizada no sítio eletrônico das bases descritas acima, durante o
mês de dezembro de 2018 a Janeiro de 2019. Foram empregados os seguintes descritores:
resistência, mudança organizacional e setor público, colocando-se entre eles o operador boleano
and.
O recorte temporal de publicação dos compuscritos compreendeu o ano de 2013 a 2018.
Considerou-se o período por entendê-lo como razoável em termo de tempo para o lançamento
de artigos atualizados sobre o tema, visto que a média para uma revista acadêmica lançar esse
tipo de documento costuma ser em média de um ano, após a submissão para apreciação.
Como critério de inclusão, selecionou-se artigos completos, no português brasileiro, que
abordaram o tema da resistência à mudança organizacional no setor público, no período de 2013
a 2018. Com o intuito de cumprir esse critério, efetuou-se a análise dos títulos, resumos e
palavras-chave dos compuscritos, bem como o ano de lançamento. Foram excluídos os artigos
em outro idioma, aqueles que não trataram do tema proposto, duplicatas, dissertações e teses.
Resultados

1527
Primeiramente, foram identificados 671 estudos a partir dos descritores utilizados. Deste
total, 665 foram excluídos por não estarem de acordo com os critérios de inclusão tidos em
conta na presente investigação. Sobraram 06 artigos que foram avaliados, excluindo-se, por
meio do software EndNote, aqueles com duplicação, restando ao final 04 trabalhos. Os
resultados das buscas nas bases de dados são sumarizados a seguir na figura 1.

Artigos selecionados a partir da busca ativa nas bases de dados


Periódicos da CAPES= 648; Scielo=23

Artigos excluídos conforme os critérios de


inclusão
Periódicos da CAPES= 642 Scielo=23

Artigos completos selecionados para a leitura


Periódicos da CAPES= 6 Scielo=0

Exclusão de artigos duplicados


Nº=02

Artigos incluídos no estudo


Nº=04
Figura 1. Processo de busca e seleção dos artigos

Objetivando avaliar os dados dos artigos selecionados, construiu-se uma tabela


contendo os seguintes dados: título do artigo, autor/ano, revista/qualis, abordagem e tipo de
pesquisa e instituição do primeiro (a) autor (a). Os dados podem ser visualizados na tabela 1.

Tabela 1: Artigos selecionados e analisados na pesquisa


Título do artigo Autor/ano Revista/Quali Abordagem e IES do 1º
s tipo de (a) autor
pesquisa (a)
Relações entre resistência à Marques, Borges, Revista de Quantitativa UFMG

1528
mudança e Morais e Silva Administraçã
correlacional
Comprometimento organiza (2014) o
cional em servidores Contemporân
públicos de Minas Gerais ea
(A2)
Resistência à mudança Freires, Gouveia, Revista Psico Quantitativa IFPB
organizacional: perspectiva Bortolotti e Ribas (A2)
correlacional
valorativa e organizacional (2014)
Mudança organizacional e Marques, Borges Revista de Quantitativa FNH
satisfação no trabalho: um e Reis (2016) Administraçã
correlacional
estudo com servidores o Pública
públicos do estado de Minas (A2)
Gerais.
A relação entre o estilo de Almada e REGE - Qualitativa, IFMG
liderança e a resistência à Policarpo (2016) Revista de bibliográfica
mudança dos indivíduos em Gestão (B1)
um processo de fusão.

Tendo em conta os quatro compuscritos descritos acima, nota-se, no tocante ao ano de


publicação, que houve uma variação, sendo dois publicados em 2014 e dois em 2016. Isso
evidencia a falta de um padrão linear de publicações ao longo dos anos, o que sinaliza uma
lacuna na literatura acerca do tema.
Em relação à autoria dos artigos, observou-se uma variabilidade na quantidade de
autores por escrito (artigos com quatro e dois autores). A maioria contou com quatro autores.
Quanto ao vínculo institucional, tendo como referência o primeiro autor de cada artigo,
verificou-se que a maior parte dos trabalhos foi escrita por autores de Instituições de Ensino
Superior da Região Sudeste (UFMG - 1, FNH-1 e IFMG-1). O outro estudo pertencia a autores
da Região Nordeste (IFPB - 1). Em relação à variável sexo, observou-se que dois autores são
do sexo feminino e dois do masculino.
No que diz respeito aos periódicos de lançamento dos artigos, constatou-se que os
compuscritos, avaliados nesse estudo, foram publicados em quatro revistas diferentes, sendo
três lançados em revistas com Qualis A2 e um em revista de Qualis B1. Considerando esse
indicador de classificação adotado pela CAPES, pode-se inferir que os compuscritos possuem
boa qualidade científica, o que confere credibilidade aos seus achados.
No que tange à categorização das abordagens dos estudos, verificou-se que a maioria
dos trabalhos empregou o método quantitativo. Já no tocante ao tipo de pesquisa, duas
definições foram atribuídas: estudo bibliográfico e correlacional. Conforme se nota, através da
tabela 1, a maior parte dos artigos (três) apresentou estudo do tipo correlacional.
A ocorrência majoritária do método correlacional (quantitativo), nesse tipo de pesquisa

1529
que avalia a resistência à mudança organizacional no setor público, possivelmente deva-se ao
fato dos instrumentos empregados, escalas de medidas, permitirem um alcance maior de
participantes, avaliando objetivamente suas respostas. O uso de instrumentos qualitativos, a
exemplo das entrevistas, não possibilitaria captar um número elevando de participantes.
Ademais, a utilização de instrumentos quantitativos também possui como vantagem o fato de
permitir a redução de viesses nas respostas e o controle da desejabilidade social que, segundo
Almiro (2017), refere-se à tendência dos sujeitos de atribuírem a si mesmos comportamentos
ou valores que são socialmente aceitáveis, rejeitando aqueles socialmente indesejáveis.
Continuando a análise do método, percebeu-se que somente três dos artigos fazem
referência a este, apresentando uma secção para a sua descrição (Marques et al., 2014; Freires
et al., 2014; Marques et al., 2016). Contudo, apenas dois (Freires et al., 2014; Marques et al.,
2016) apresentam esse tópico dividindo-o em subitens (participantes, instrumentos, análise de
dados e procedimentos). O artigo de Freires et al. (2014) é o único que apresenta a seção do
método de forma clara (participantes, instrumentos, procedimentos e análise de dados).
Marques et al. (2016), apesar de apresentarem em tópicos a parte do método, cometem alguns
equívocos, como, por exemplo, ao descreverem a secção com a atribuição do termo
“metodologia” ao invés de “método”. Além disso, unem, em um mesmo subtópico, a parte dos
instrumentos e dos procedimentos (“Instrumento de pesquisa e coleta dos dados”). O que é
aceitável em determinados periódicos, porém nos parece que a apresentação destes tópicos de
forma separada permitiria uma melhor clareza.
O artigo de Almada e Policarpo (2016) não menciona o método. Contudo, pela análise,
pode-se deduzir que consiste numa discussão bibliográfica a respeito do tema da resistência à
mudança em processo de fusão de empresa.
Quanto aos instrumentos, todos os trabalhos, que descrevem a parte do método,
utilizaram escalas de medidas (instrumentos de autorrelato). Sobre os participantes da pesquisa,
apenas Freires et al. (2014) apresentam uma caracterização pormenorizada, destacando
aspectos como idade, sexo, estado civil, grau de escolaridade, ocupação de cargo de chefia ou
não, bem como os critérios de inclusão da amostra. Esse apontamento é primordial para ser ter
uma visão geral sobre os dados, e como eles vão se agrupando na pesquisa.
A partir da análise do método utilizado nos artigos avaliados nesse estudo, identificou-
se a existência de uma lacuna relativa aos aspectos metodológicos, evidenciada pela ausência e
descrições incompletas da parte do método. Essa situação pode inviabiliza a identificação do
percurso metodológico realizado pelos autores, bem como uma replicação futura desses
estudos. Apresentados os resultados da presente pesquisa, as linhas seguintes foram destinadas
à discussão.

Discussão
Analisando os artigos selecionados, verificou-se que o tema da resistência à mudança
organizacional no setor público tem sido abordado a partir de diferentes variáveis explicativas.
Por exemplo: liderança (Almada & Policarpo, 2016), comprometimento (Marques et al., 2016),
satisfação (Marques et al., 2014), valores e aspectos organizacionais (Freires et al., 2014).
Embora procurem explicar a resistência à mudança organizacional, lançando mão de

1530
distintas variáveis que englobam tanto aspectos individuais (intrínsecos ao sujeito) quanto
organizacionais, foram identificados alguns pontos de interligação entre eles. Estes serão
expostos mais à frente.
O artigo de Almada e Policarpo (2016), apesar de não fazer menção específica à
resistência à mudança organizacional no setor público, foi considerado nesta pesquisa porque
trata do processo de resistência à fusão de empresas. Sendo assim, entende-se que as discussões
apresentadas pelas autoras também se direcionam ao setor público.
No compuscrito supracitado, as autoras tentam esclarecer a ocorrência do processo de
resistência à mudança organizacional, relacionando-a ao estilo de liderança. Nesse sentido,
pensam-na como um fator crucial para a mudança organizacional, uma vez que o líder exerceria
papel relevante no convencimento dos colaboradores à adesão à mudança (Almada & Policarpo,
2016).
Assim, Almada e Policarpo (2016) avaliam diferentes estilos de liderança. O intuito é
identificar aquele que melhor orienta a implantação da mudança organizacional, uma vez que
consideram que a forma de liderança, exercida pelos gestores, afeta a reação dos funcionários
no tocante às transformações na organização.
Para tanto, são reportados e avaliados os seguintes estilos de liderança: autocrático
laissez-faire, orientado para as pessoas, situacional, caminho-meta, carismático, autêntico e
transformacional. Destes, as autoras concluem que os dois últimos são os mais adequados para
orientar uma alteração organizacional. Essa constatação é similar ao que foi encontrado no
estudo de Mascarenhas (2011) que buscou avaliar a relação entre práticas de liderança e a
eficácia do processo de mudança em uma empresa de telecomunicações em Cabo Verde. No
referido estudo, o estilo de liderança transformacional foi identificado como o mais propício à
implementação de mudanças organizacionais, minimizando as resistências.
Embora se reconheça a importância do estudo proposto por Almada e Policarpo (2016),
cabe registrar algumas limitações. Primeiramente, observa-se que se trata de uma pesquisa
meramente teórica, não se apresentando respaldo empírico para a validação das conclusões do
estudo. Ademais, as autoras parecem não leva em conta a existência de outras variáveis que,
em conjunto com o construto estilos de liderança, poderiam explicar a resistência à mudança
organizacional em um processo de fusão de empresas.
Nesse ponto, a pesquisa de Freires et al. (2014) oferece uma análise mais ampla do
processo de resistência à mudança organizacional. Explorando diferentes variáveis explicativas,
a pesquisa dos autores mencionados envolve tanto a dimensão psicológica quanto a
organizacional.
Objetivando conhecer os correlatos valorativos e organizacionais da resistência à
mudança organizacional em uma amostra de 227 funcionários de uma empresa pública da
cidade de João Pessoa, por meio de um delineamento correlacional, os autores identificaram,
entre outros, uma relação negativa entre as dimensões “postura da liderança”/“ambiente
agradável” (fatores da escala de clima organizacional) e a resistência à mudança, o que indica
que quanto mais agradável for o clima organizacional, menor será a resistência (Freires et al.,
2014).
Avaliou-se, também, a relação entre os valores humanos e a resistência à mudança

1531
organizacional, sendo identificadas relações inversas entre as dimensões valorativas,
“interativa” e “suprapessoal”, e o construto resistência à mudança, levando Freires et al. (2014)
a concluírem que os valores, enquanto variável de natureza psicológica, também exercem papel
relevante na explicação da resistência à mudança organizacional.
A subfunção interativa é caracterizada pela necessidade de pertença, amor e afiliação,
deste modo, indivíduos que assumem estes valores como princípios guias priorizam as relações
interpessoais, pensando em termos mais abstratos, sendo, portanto, mais abertos às situações
novas. De forma semelhante, pessoas que endossam a subfunção suprapessoal traduzem
necessidades de cognição, estética e autorrealização, refletindo, assim, em maior abertura à
mudança (Freires et al., 2014).
Por outro lado, o estudo de Marques et al. (2014) traz à baila a discussão acerca do
fenômeno da resistência à mudança organizacional, relacionando-a a variável
comprometimento. Dos artigos selecionados, este é o que faz uma avaliação direta do processo
de resistência à mudança organizacional no setor público, uma vez que se propõe a investigar
o comportamento de resistência à mudança de servidores públicos de três Secretarias do Estado
de Minas Gerais (Secretaria da Educação, Secretaria da Saúde e Secretaria de Planejamento e
Gestão - SEPLAG), submetidos à Avaliação de Desempenho Individual (ADI), ferramenta
implementada pelo governo mineiro, com o objetivo de tornar o serviço público mais eficiente.
Tomando como base as principais causas apontadas pela literatura para explicar a
resistência à mudança organizacional (fatores individuais - indecisão e inconclusão, ameaça ao
convívio e pressão do grupo - e organizacionais - Consistência organizacional e Experiências
prévias), bem como o modelo tipológico de três dimensões acerca do comprometimento
(afetivo, instrumental e normativo), Marques et al. (2014) testam estas variáveis em 141.164
servidores lotados nas três secretarias acima mencionadas.
Os resultados indicaram níveis de comprometimento mais elevados na dimensão afetiva
(66% dos participantes apontaram que a relação com a organização estava relacionada a razões
emocionais) e instrumental (52,9% referem que mantêm o vínculo com a organização em
função de necessidade). Quanto à resistência à mudança organizacional, constatou-se que,
apesar das mudanças promovidas pela administração do estado de Minas Gerais, os níveis de
resistência à implantação ADI foram moderados, sendo a indecisão e a inconclusão, a pressão
do grupo e a ameaça ao convívio social as principais causas de resistência à mudança
identificadas no estudo. Acerca dos achados entre o comprometimento e a resistência à
mudança organizacional, verificou-se uma relação negativa entre os dois construtos, isto é,
quanto maior a resistência à mudança, menor é o nível de comprometimento (Marques et al.,
2014).
O estudo supracitado parece corroborar o que tem sido expresso na literatura sobre o
assunto (Oreg, 2006; Chreim, 2006), visto que os fatores individuais, a respeito da resistência
à mudança, sobrepõem-se aos organizacionais. Contudo, é preciso analisá-lo com ressalvas, já
que os autores não atentaram para outros fatores que poderiam também ser acoplados ao
comprometimento na análise da resistência à mudança organizacional nos órgãos públicos tidos
em conta na investigação.
Por fim, o artigo de Marques et al. (2016) buscou investigar o impacto da mudança

1532
organizacional, desenvolvida a partir da implantação da Avaliação de Desempenho Individual
(ADI) na gestão pública do Estado de Minas Gerais, nos níveis de satisfação de 679 servidores
públicos mineiros. Nesta pesquisa, que também empregou o método correlacional, foram
encontradas relações positivas entre a satisfação no trabalho e as reações à implantação da ADI,
demonstrando que os servidores com reações positivas relativas à mudança organizacional
tendem a serem mais satisfeitos e, por conseguinte, menos resistentes a ela.
Feita essa discussão inicial sobre os principais achados dos trabalhos que foram objeto
de análise nesta pesquisa. As linhas, a seguir, são destinadas à abordagem dos pontos que se
inter-relacionam entre eles.
Avaliados em conjunto, é possível perceber que os modelos de resistência à mudança
organizacional, apresentados anteriormente, foram construídos tendo como foco pressupostos
comuns, estampados em estereótipos acerca da resistência à mudança organizacional. Neles, a
resistência é abordada como um processo natural e inevitável, portanto, presente em toda a
transformação pela qual passa a organização. Desta forma, ela é avaliada como algo nocivo ao
seu crescimento. Não obstante, somente os funcionários são descritos como agentes que
resistem à mudança, sendo excluídos da análise os gestores e outros sujeitos que ocupam cargos
de chefia.
Estes pontos específicos já foram objeto de avaliação de Hernandez e Caldas (2001).
Em uma avaliação crítica da produção literária acerca do tema, esses autores se propuseram a
desconstruir esses mitos que, ao longo dos anos, vêm sendo propagados em diversos trabalhos.
Assim, pensa-se ser útil a retomada das principais argumentações desenvolvidas por eles, como
contrapressupostos às concepções enviesadas no tocante ao tema em questão.
Questionando o pressuposto da naturalização da resistência à mudança organizacional,
Hernandez e Caldas (2001) demonstram que, ao contrário do que tem sido apresentado em
variados estudos, a exemplo dos artigos aqui discutidos, ela não é tão frequente. Aliás, também
não pode ser vista apenas pelo lado negativo, uma vez que em certos casos, de acordo com os
autores, a resistência à mudança organizacional representa um fator positivo e saudável,
contribuindo para proteger a organização. Destarte, o papel de condutor de mudança atribuído
aos gestores, e o de resistência facultado aos funcionários, também é discutível, visto que a
resistência pode ocorrer tanto por parte dos gestores quanto dos empregados.

Considerações Finais
Este estudo contribuiu para a sistematização da literatura científica a respeito da
resistência à mudança organizacional na gestão pública. Na seleção dos artigos, que
compuseram o corpus de análise da presente pesquisa, identificou-se uma carência nas
publicações no que tange a uma discussão mais pormenorizada sobre o tema.
As produções científicas que avaliam a resistência à mudança organizacional no setor
público são escassas quando comparadas ao setor privado, evidenciando uma grave lacuna na
literatura sobre o assunto, visto que o setor público possui um contingente elevado de
servidores, e em meio a um contexto de rápidas transformações, esse setor, assim como ocorre
nas corporações privadas, precisa se modificar constantemente. Deste modo, parece plausível
o desenvolvimento de pesquisas sobre este tema na esfera pública, com o intuito de confrontar

1533
o que já existe na literatura, ampliando o seu arcabouço teórico.
Apesar desta revisão sistemática possibilitar uma compreensão de como vem sendo
abordada, na literatura especializada, a resistência à mudança organizacional na gestão pública,
a mesma apresenta limitações. Primeiramente, cabe destacar que nessa pesquisa foram
selecionados apenas artigos científicos, excluindo-se outros escritos (e.g., dissertações, teses,
anais de congresso, entre outros). Ressalta-se também que os descritores usados podem não ter
captado determinados trabalhos referentes ao assunto.
Assim, tendo em conta perspectivas futuras, sugere-se a realização de novos estudos que
ampliem o material de análise, utilizando escritos da literatura cinza. Indica-se, ainda, a
ampliação do período temporal das publicações.

Referências
Almada, L. & Policarpo, R. V. S. (2016). A relação entre o estilo de liderança e a resistência à
mudança dos indivíduos em um processo de fusão. REGE Revista de Gestão, 23(1), 10-19.
doi: 10.1016/j.rege.2015.11.002
Almiro, P. A. (2017). Uma nota sobre a Desejabilidade Social e o Enviesamento de Respostas.
Avaliação Psicológica, 16(3), 253-386. doi:10.15689/ap.2017.1603.ed
Bortolotti, S. L. V., Sousa, A. F., Jr. & Andrade, D. F. (2011, outubro). Resistência à Mudança
Organizacional: Avaliação de Atitudes e Reações em Grupo de Indivíduos. Anais do VIII
Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia, Resende, RJ, Brasil, 8. Recuperado de
https://www.aedb.br/seget/arquivos/artigos11/16914129.pdf.
Certo, S. C. (2003). Administração Moderna. São Paulo: Pearson.
Chiavenato, I. (2003). Introdução à Teoria Geral da Administração: uma visão abrangente da
moderna administração das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier.
Chreim, S. (2006). Managerial frames and institutional discourses of change: employee
appropriation and resistance. Organizational Sudies, 27(9), 1261-1287.
doi:10.1177/0170840606064106
De-la-Torre-Ugarte-Guanilo, M. C., Takahashi, R. F., & Bertolozzi, M. R. (2011). Systematic
review: general notions. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 45(5), 1255-1261.
doi:10.1590/S0080-62342011000500033.
Erdmann, A. L., Marziale, M. H. P., Pedreira, M. L. G., Lana, F., C., F., Pagliuca, L. M. F.,
Padilha, M. I., ... Fernandes., J. D. (2009). A avaliação de periódicos científicos qualis e a
produção brasileira de artigos da área de enfermagem. Revista Latino-Americana de
Enfermagem, 17(3), 1-9. doi: 10.1590/S0104-11692009000300019.
Freires, D. A. N., Gouveia, V. V., Bortolotti, S. L. V. & Ribas, F. T. T. (2014). Resistência à
Mudança Organizacional: Perspectiva Valorativa e Organizacional. Revista Psico, 45(4),
513-523. doi:10.15448/1980-8623.2014.4.16220.
Hernandez, J. M., & Caldas, M. P. (2001). Resistência à mudança: uma revisão crítica. Revista

1534
de Administração de Empresas, 41(2), 31-45. doi:10.1590/S0034-75902001000200004.
Lima, S. M. V. & Bressan, C. L. (2003). Mudança organizacional: uma introdução. In: S. M.
V. Lima, (Ed.), Mudança organizacional-teoria e gestão. (pp.17-63). Rio de Janeiro: FGV.
Marques, A. L., Borges, R. & Reis, I. C. (2016). Mudança organizacional e satisfação no
trabalho: um estudo com servidores públicos do estado de Minas Gerais. Revista de
Administração Pública, 50(1), 41-58. doi:10.1590/0034-7612131034.
Marques, A. L., Borges, R., Morais, K. & Silva, M. C. (2014). Relações entre Resistência a
Mudança e Comprometimento Organizacional em Servidores Públicos de Minas Gerais.
Revista de Administração Contemporânea, 18(2), 161-175. doi:10.1590/S1415-
65552014000200004
Mascarenhas, J. S. M. (2011). A influência dos líderes no processo de mudança organizacional:
Um estudo de caso. (Dissertação Mestrado). Instituto Universitário de Lisboa, Lisboa,
2011. Recuperado de https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/3366.
Oreg, S. (2006). Personality, context, and resistance to organizational change. European
Journal of Work and Organizational Psychology, 15(1), 73-101.
doi.org/10.1080/13594320500451247.
Robbins, S. P. (1999). Comportamento Organizacional. Rio de Janeiro: LTC.
Teixeira, V. Q., Silva, L. A., Costa, A. P., Quintão, E. G. S., Dutra, K. E. & Silva, R. A. (2009).
Mudança organizacional: uma visão além da estrutura. Revista Eletrônica da Faculdade
Metodista Granbery, 6, 1-13. Recuperado de http://re.granbery.edu.br/artigos/MzEz.pdf.
Zander, A. F. (1950). Resistance to change: its analysis and prevention. Advanced Management,
4(5), 9- 11.
REFLEXÕES SOBRE O COMPROMISSO ÉTICO-POLÍTICO DO FAZER

1535
PSICOLÓGICO A PARTIR DE UMA REVISÃO INTEGRATIVA SOBRE A NÃO-
MATERNIDADE VOLUNTÁRIA NO BRASIL
Liviane Damasceno Vidal,
Cleide Maria Amorim dos Santos
Introdução
Nos artigos selecionados e analisados neste trabalho, “Escolha” é a palavra central na
definição do fenômeno da Não-Maternidade voluntária. O uso do termo na circunscrição da
ausência voluntária de filhos remete à histórica recusa da antropomorfização dos instintos e do
amor materno, enquanto “naturalizadores” do feminino (Banditer, 1980). O poder de escolha
enquanto possibilidade feminina no Ocidente inscreve-se em uma série de reivindicações
relativas aos direitos reprodutivos e à liberdade corporal evidenciadas nas Ondas do Movimento
Feminista (Osterne, 2019). Para além do recorte de gênero, associa-se hoje este fenômeno com
outros fatores estruturantes do mundo contemporâneo tais como o envelhecimento
populacional, as exigências liberais do mercado, novos estilos de vida e queda demográfica
(Vidal, 2020).
O ponto de partida desta pesquisa foi à curiosidade acerca de uma situação de
questionamento: “Quando você terá filhos?”. Tal pergunta tem sido feita ao longo do tempo por
familiares, conhecidos ou mesmo por desconhecidos, revelando expectativas sociais acerca de
um certo modo saudável de existir no mundo. De que maneira o assunto tem sido tratado na
produção científica? Como o saber psicológico tem dialogado com esta questão? A busca por
respostas dirigiu o nosso olhar para várias direções: somou-se às leituras de predição pessoal e
de exigência acadêmica, em especial as contribuições da Psicologia Social para a construção da
subjetividade humana; a utilização da interseccionalidade (Akotirene, 2019) como ferramenta
metodológica nas pesquisas acadêmicas, principalmente no estudo de minorias; e as reflexões
propiciadas pelos estudos de gênero. Ao final, confluíram para questionamentos, enquanto
pesquisadoras em Psicologia, sobre como análises e conclusões têm sido produzidas sobre o
fenômeno da Não-maternidade voluntária no Brasil.
Observou-se que na literatura brasileira são diversas as designações do fenômeno, o
que dificulta a sua sistematização, a saber, “mulheres sem filhos”, “mulheres que não querem
ter filhos”, "antimaternidade", e, mais recentemente, “Não-maternidade”. Longe de serem
sinônimas, tais designações demarcam representações diversas sobre o fenômeno, impactando
na sua delimitação e análise (Vidal, 2020).
A quem servimos e como servimos são indagações respondidas explícita ou
implicitamente quando atuamos embasados no saber psicológico. Assim, o compromisso ético-
político está presente na psicologia enquanto ciência e profissão, cuidando para que não nos
tornemos afirmadores de discursos hegemônicos que classificam e patologizam (Cavalcante &
Marinho-Araújo, 2019) pessoas e grupos.
Deste modo, objetivou-se neste trabalho compreender como o compromisso ético-
político atravessaria as discussões e análises sobre a Não-maternidade voluntária no Brasil, já
que a ciência psicológica não é neutra. Para isso, realizou-se uma revisão integrativa da
literatura. Levantou-se 68 artigos, dos quais 8 foram selecionados para compor o corpus deste
trabalho, seguindo os procedimentos preconizados por Mendes, Silveira e Galvão (2008).
Assim, foi possível identificar três eixos temáticos como ponto de partida do enquadramento
do objeto em questão, a saber, “Feminilidade”, “Conjugalidade” e “Motivações”. Com o intuito
de identificar as interligações entre as produções sobre a Não-maternidade voluntária e as
pesquisadoras envolvidas, levantamos as condições de produção das pesquisas por meio da

1536
identificação da Região/Estado de origem das pesquisas e do gênero e área de formação dos
pesquisadores.

Método
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura científica, um método de pesquisa que
fornece informações panorâmicas sobre uma temática e/ou um problema, o que difere da
revisão sistemática, já que esta tem como proposta responder uma pergunta específica sobre um
problema específico (Ercole, Melo & Alcoforado, 2014). Adotou-se, com o intuito de delimitar
o corpus, os procedimentos e etapas propostos por Mendes, Silveira e Galvão (2008). A revisão
envolveu uma busca sistematizada nas bases indexadoras eletrônicas/bibliotecas LILACS,
PePSIC, SciELO; a partir do emprego dos descritores “não-maternidade”, “opção” e
“feminilidade”; e também da pergunta norteadora “Quais as escolhas, análises e conclusões
produzidas pelas pesquisas sobre a Não-Maternidade voluntária no Brasil?”

Critérios de Inclusão e Exclusão


Estabeleceram-se os seguintes critérios de inclusão neste estudo: (i) artigos publicados
em periódicos indexados; (ii) redigidos no idioma português; (iii) publicados no período de
janeiro de 2000 a novembro de 2019; (iv) com temática acerca da não-maternidade e que
respondessem à pergunta norteadora. A busca não restringiu qualquer tipo de delineamento
metodológico (mistos, empíricos, estudos de caso ou outros) abordagem teórica ou área de
pesquisa. Entre os critérios de exclusão encontram-se (i) livros, capítulos, resenhas, resumos,
anais de congressos, cartas, obituários, editoriais, notícias, dissertações e teses; (ii) temática
distante do objetivo do estudo ou que não respondessem suficientemente à pergunta norteadora;
(iii) artigos publicados no período anterior a janeiro de 2000.

Procedimento
O levantamento bibliográfico ocorreu em novembro de 2019. No primeiro momento foi
realizada a leitura dos resumos encontrados, excluindo-se os estudos que não se enquadraram
nos critérios de inclusão elencados. Após uma primeira seleção, os estudos foram novamente
analisados a partir da leitura dos títulos e dos resumos.
Posteriormente, os estudos foram recuperados, examinados e lidos na íntegra. Os artigos
recuperados após esse percurso analítico compuseram o corpus. O corpus foi categorizado para
posterior discussão, a qual foi organizada com base nos eixos identificados a partir da leitura
do conjunto de artigos recuperados. A discussão foi orientada pelos artigos selecionados e por
demais referências importantes para o tema. Desse modo, priorizou-se a discussão analítica em
termos dos eixos temáticos eleitos como ponto de partida no delineamento da pesquisa, assim
como de categorias e elementos de contextualização identificados a partir da exploração do
corpus.

Resultados
A partir do processo de rastreio, 42 trabalhos foram excluídos por se tratarem de
investigações sobre bioética, relacionamento da díade mãe-criança, experiência masculina da
parentalidade, análise restrita a noção de feminilidade, estudos sobre o abortamento e a questão

1537
biológica da gestação e do parto. A Figura 1 representa o procedimento de seleção, análise e
composição da amostra. A amostra final desta revisão foi constituída por 8 artigos científicos,
selecionados pelos critérios de inclusão previamente estabelecidos. A Tabela 1 apresenta a
caracterização do corpus.

Figura 1 - Fluxograma com os registros encontrados, artigos selecionados para leitura e


recuperados para discussão

Registros encontrados em
buscas adicionais = 0

Artigos excluídos a partir


da análise de títulos e
resumos = 42

Artigosexcluídos
Artigos excluídosa apartir
partirda
da leitura dos textos
leitura dos textos completos
completos
=0 =0

Fonte: Vidal, 2020.

Tabela 1: Artigos selecionados para discussão que compõem o corpus analítico

Tipo de
Nº Título Autores Ano
Estudo
Experiências de mulheres sem Mansur, Luci Helena
1 2003 Empírico
filhos: a mulher singular no plural. Baraldo
Barbosa, Patrícia Zulato;
Maternidade: novas possibilidades,
2 Rocha-Coutinho, Maria 2007 Empírico
antigas visões
Lúcia.
Casamento contemporâneo:
revisão de literatura acerca da Rios, Maria Galrão; Gomes,
3 2009 Teórico
opção por não ter filhos Isabel Cristina

Estigmatização e conjugalidade em Rios, Maria Galrão; Gomes,


4 2009 Empírico
casais sem filhos por opção Isabel Cristina
“Tem que ser uma escolha da
mulher”! Representações de Patias, Naiana;Buaes,
5 2012 Empírico
maternidade em mulheres não- Caroline
mães por opção
1538
Lopes, Manuela
A multiplicidade de papéis da
Nunes;Dellazzana-Zanon,
6 mulher contemporânea e a 2014 Teórico
Letícia Lovato;Boeckel,
maternidade tardia
Mariana Gonçalves

Caetano, Carolina; Martins,


Família Contemporânea: Estudo de
7 Maristela Santini; Motta, 2016 Empírico
Casais Sem Filhos por Opção
Romilda Costa

Projeto de ter filhos: uma revisão


Biffi, Mariana; Granato,
8 da literatura científica nacional e 2017 Teórico
Tania Mara Marques
internacional

Fonte: Vidal, 2020.

Discussão
Na análise constatou-se que as pesquisas dos artigos que compõem o corpus foram
realizadas nas regiões Sudeste (dez) e Sul (cinco), sendo, em sua totalidade, conduzidas por
mulheres assim identificadas: Quinze autoras; graduadas em Psicologia (onze), em
Enfermagem (duas) e em História (uma).
As amostras construídas nas referidas pesquisas foram constituídas com sujeitos
pertencentes às classes média e média alta, majoritariamente urbanos, com escolaridade
correspondente ao ensino superior completo ou incompleto, ativos profissionalmente, sendo um
retrato aproximado das próprias pesquisadoras (Vidal, 2020).
Como resultado, as pesquisas sobre a Não-maternidade voluntária no Brasil,
resgatadas a partir dos descritores supracitados, foram organizados em três eixos temáticos, a
saber, “Feminilidade”, "Conjugalidade" e “Motivações”, cujas escolhas metodológicas,
análises e conclusões serão apresentadas a seguir.

Feminilidade
Encontra-se neste eixo temático três pesquisas sobre a questão (Barbosa & Rocha-
Coutinho, 2007; Lopes, Dellazzana-Zanon & Boeckel, 2014; Biffi & Granato, 2017). De fato,
foi no campo do “Feminino” que a problemática se constituiu tanto do ponto de vista histórico
quanto teórico,
De fato, foi neste campo que a problemática se constituiu tanto do ponto de vista
histórico quanto teórico. O eixo condensa discussões sobre o vínculo entre feminilidade e
maternidade. Buscam-se novas significações acerca do feminino em geral, criticando as
qualidades que tradicionalmente o definem, abrindo-se novas perspectivas para se pensar-agir
no mundo enquanto mulher. Atribuições femininas tidas como “naturais” são negadas fazendo
emergir o lugar da escolha e da multiplicidade.
Observou-se nestas investigações mudanças no visar feminino em relação à
maternidade, como a escolha de adiá-la e/ou voluntariamente recusá-la (Barbosa & Rocha-
Coutinho; 2007); a amplificação de expressões da feminilidade, notando-se uma vinculação
com os múltiplos papéis desempenhados pelas mulheres na contemporaneidade (Lopes,

1539
Dellazzana-Zanon & Boeckel, 2014); e o interesse científico, nacional e internacional, sobre o
projeto de ter ou ter filhos (Biffi & Granatto, 2017). Nas pesquisas cujas eleições metodológicas
envolveram entrevistas (Barbosa & Rocha-Coutinho; 2007; Lopes, Dellazzana-Zanon &
Boeckel, 2014) a amostra era composta exclusivamente por mulheres casadas e em
relacionamentos heterossexuais.
Evidenciou-se nestas pesquisas andamentos diversos sobre a temática, observando-se
que a amplificação dos modelos de feminilidade propicia modificações nas discussões do
projeto ter/não ter filhos. A mulher é a figura central da escolha, seja em nível individual ou
conjugal.

Conjugalidade
Neste eixo a Não-maternidade voluntária dialoga com casais e três publicações a
contemplam (Rios & Gomes, 2009a, 2009b; Caetano, Martins & Motta, 2016).
Responsabilidade e culpa, dimensões intrinsecamente envolvidas nesta escolha, são
compartilhadas pela dupla enquanto unidade familiar. “Entende-se por conjugalidade as
múltiplas experiências de vinculação de tipo conjugal” (Vidal, 2020, p.21).
A conjugalidade e suas diversas nuances foram investigadas e dois trabalhos retratam o
estigma que atinge os casais que optam pela Não-maternidade (Rios & Gomes, 2009b; Caetano,
Martins & Motta, 2016). A amostra era composta por casais heterossexuais e sem filhos por
opção. Observou-se nos dois trabalhos que o processo de estigmatização desta escolha recaiu
não sobre o casal, mas sobre a mulher. Rios e Gomes (2009a) também possuem outro estudo
neste eixo, mas de caráter bibliográfico, composto por publicações nacionais e internacionais.
Destaca-se a dimensão política presente em todos os trabalhos analisados pelas autoras
(feminismo, condições de escolha ativa feminina e etc.) embora a conjugalidade e sua relação
com a Não-maternidade possua andamentos diferentes na bibliografia nacional e na
internacional (Vidal, 2020).

Motivações
Intercruzam-se neste eixo as dinâmicas sociais e as motivações pessoais propiciando
discursos sobre a Não-maternidade. Dois estudos o compõem (Mansur, 2003; Patias & Buaes,
2012). A palavra “Escolha” permeia todas as discussões neste eixo temático. Utiliza-se este
vocábulo “(...) nas pesquisas pertencentes à literatura nacional como argumento e/ou explicação
da decisão de mulheres cisheterossexuais, casadas ou solteiras, voluntariamente Não-mães.”
(Vidal, p.24, 2020). Mansur (2003), visando a complexidade das vivências oriundas da Não-
maternidade, investigou oito mulheres e as atribuições dadas por elas ao fato de serem Não-
mães. De acordo com as suas narrativas a autora as alocou nas seguintes categorias: tradicionais
(queriam ser mães, mas biologicamente não era viável); transformadoras ou manifestantes
precoces (em suas vidas não era cabível um filho, rejeitando-os desde cedo); e transicionais ou
adiadoras (não optaram de forma incisiva, mas adiaram até que biologicamente a maternidade
não fosse possível). Nas palavras de Lina, uma das mulheres pesquisadas: “eu fui não tendo
filhos” (p. 9).
Assim, partindo das entrevistas a autora ressalta que a Não-maternidade não seria “a
escolha”, mas um conjunto de escolhas reafirmadas no decurso das vivências de mulheres não-
mães (Bonini-Vieira, 1997 como citada por Mansur, 2003). O último trabalho deste eixo
pertence à Patias e Buaes (2012) e objetivou explorar a construção da identidade feminina em

1540
mulheres não-mães. Elas entrevistaram oito mulheres, casadas ou que coabitavam com seus
companheiros, destacando que o fenômeno da Não-maternidade estaria fortemente associado à
mulher de classe média. Além disso, ressaltam que a constituição da identidade das mulheres
voluntariamente Sem filhos seria pela negação da maternidade (Vidal, 2020).

Conclusões
Objetivou-se neste trabalho compreender como o compromisso ético-político
atravessaria as discussões e análises sobre a Não-maternidade voluntária no Brasil. Por meio de
uma revisão integrativa da literatura científica, selecionou-se 8 artigos sobre a temática com
base em critérios previamente elencados para definição do corpus. A partir da leitura do
material recuperado foi possível agrupá-los em eixos temáticos, a saber, Feminilidade,
Conjugalidade e Motivações. Da análise resultou que, a partir de pequenas amostragens, as
pesquisas enquadram a Não-maternidade voluntária ora como uma conquista das
mulheres (Feminilidade), um empoderamento construído nas múltiplas escolhas das mulheres
ao longo de suas vidas e como elemento identitário negativo instituído no contraponto com a
“maternidade” (Motivações), ora como objeto de pressão social que, embora endereçada ao
casal, recai de maneira mais incisiva sobre a mulher, estigmatizando-a (Conjugalidade).
A Não-maternidade voluntária é abordada na produção científica brasileira, no período
delimitado, como uma questão de mulheres, de classe média, de nível superior, ocupadas,
casadas ou em relacionamento estável, heteronormativas, e do eixo Sul-Sudeste. Enquanto o
debate internacional aponta para relações entre o fenômeno em questão e mudanças de
paradigmas sociais/econômicos, ligados a mobilidade social, políticas familiares e de
investimento profissional feminino (Peterson, 2017; Kreyenfeld & Konietza, 2017; Gotman,
2017), no Brasil observa-se uma individualização do fenômeno, centrado na figura da
“mulher”.
Mulher, cis e heterossexual foram os marcadores centrais utilizados na abordagem e na
compreensão do fenômeno da Não-maternidade voluntária no Brasil. Observa-se perante tal
centralidade que estas escolhas feitas pelas pesquisadoras correspondem não somente a
imagens preestabelecidas sobre o fenômeno (Becker, 2008), mas também a posicionamentos
éticos-políticos que referendados pela pesquisa científica tendem a assumir lugar de verdade e
a ser, enquanto tal, disseminado nas práticas profissionais. A nossa análise aponta, portanto,
para as ausências nos estudos sobre Não-Maternidade, a saber, homens sem filhos,
homossexuais, mulheres trans, solteiros ou não, grupos oriundos do universo rural, de áreas
urbanas menos favorecidas, com níveis de escolaridade, de ocupação diversos e de outras
regiões do país. Fatores como cor, etnia, gênero, entre outros marcadores sociais não podem ser
negligenciados nem na definição das amostras nem na constituição dos grupos de pesquisa se
pretendemos alcançar uma compreensão do fenômeno na sua real complexidade.

Referências
Akotirene, C. (2019). Interseccionalidade. São Paulo: Pólen, 152 p.
Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 370 p.
Barbosa, P. Z. & Rocha-Coutinho, M. L. (2007). Maternidade: novas possibilidades, antigas
visões. Psicol. clin, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 163-185. Recuperado de:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-

1541
56652007000100012&lng=en&nrm=iso.
Becker, H. S. (2008). Segredos e truques da pesquisa. [S.l.]: Zahar.
Biffi, M. & Granato, T. M. M. (2017). Projeto de ter filhos: uma revisão da literatura científica
nacional e internacional. Temas psicol, Ribeirão Preto, v. 25, n. 1, p. 207-220. Recuperado
de: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
389X2017000100014&lng=pt&nrm=iso.
Caetano, C., Martins, M. S. & Motta, R. C. (2016). Família Contemporânea: Estudo de Casais
Sem Filhos por Opção. Pensando fam, Porto Alegre, v. 20, n. 1, p. 43-56. Recuperado de:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-
494X2016000100004&lng=pt&nrm=iso.
Cavalcante, L. de A. & Marinho-Araujo, C. M. (2019). A dimensão ética e política da pesquisa
em psicologia escolar. Revista de Psicologia da IMED, 11(1), 103-119.
https://dx.doi.org/10.18256/2175-5027.2019.v11i1.3018.
Ercole, F. F., Melo, L. S. & Alcoforado, C. L. G. C. (2014). Revisão Integrativa versus Revisão
Sistemática. Rev Min Enferm, v. 18, n. 1, p. 1-11. Recuperado de:
http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/904. Acesso em: 31 ago. 2020.
Gotman, A. (2017). Le choix de ne pas avoir d’enfant, ultime libération ?.Travail, genre et
sociétés, v. 37, n. 1, p. 37-52. Recuperado de: https://www.cairn.info/revue-travail-genre-et-
societes-2017-1-page-37.htm.
Kreyenfeld, M. & Konietzka, D. (2017). Un enfant ou un emploi? Dilemme des Allemandes de
l’Est et de l’Ouest. Travail, genreetsocietes, n. 1, p. 53-69. Recuperado de:
https://www.cairn.info/revue-travail-genre-et-societes-2017-1-page-53.htm#.
Mansur, L. H. B. (2003). Experiências de mulheres sem filhos: a mulher singular no
plural. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 23, n. 4, p. 2-11. doi: https://doi.org/10.1590/S1414-
98932003000400002.
Mendes, K. D. S., Silveira, R. C. C. P. & Galvão, C. M. (2008). Revisão integrativa: método de
pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto -
Enfermagem [online]., v. 17, n. 4, pp. 758-764. doi: https://doi.org/10.1590/S0104-
07072008000400018.
Ostene, M. S. F. (2019). Sobre as ondas nos movimentos feministas: Breves retratações.
[S.l.:s.n.].
Patias, N. D. & B., C. S. (2012). "Tem que ser uma escolha da mulher"!representações de
maternidade em mulheres não-mães por opção. Psicol. Soc, Belo Horizonte, v. 24, n. 2, p.
300-306. Recuperado de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
71822012000200007&lng=en&nrm=iso.
Peterson, H. (2017). «Je ne serai jamais femme au foyer». Le refus d’avoir des enfants en
Suède. Travail, genreetsocietes, n. 1, p. 71-89. Recuperado de:
https://www.cairn.info/revue-travail-genre-et-societes-2017-1-page-71.htm.
Rios, M. G. & Gomes, I. C. (2009a). Casamento contemporâneo: revisão de literatura acerca
da opção por não ter filhos. Estud. psicol., Campinas, v. 26, n. 2, p. 215-225. Recuperado
de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
166X2009000200009&lng=en&nrm=iso.
Rios, M. G. & Gomes, I. C. (2009b). Estigmatização e conjugalidade em casais sem filhos por

1542
opção. Psicol. estud, Maringá, v. 14, n. 2, p. 311-319. Recuperado de:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
73722009000200012&lng=en&nrm=iso.
Vidal, L. D. (2020). Conquistas, escolhas e estigmas: enquadramentos da não-maternidade
voluntária em revisão integrativa da literatura científica brasileira. (Trabalho de Conclusão
de Curso, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza). Recuperado de:
http://siduece.uece.br/siduece/trabalhoAcademicoPublico.jsf?id=96792.
ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

1543
E SUA ARTICULAÇÃO COM A NOÇÃO DE SUJEITO E SOCIEDADE
Heloanny Vilarinho Alencar,
Zaira de Andrade Lopes
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo tecer algumas considerações sobre as
Representações Sociais, como seu percurso histórico e sua base teórica, além de discorrer sobre
suas contribuições para a Psicologia Social. Tentarei ainda, articular uma discussão entre o
conceito da teoria das representações sociais com a noção de sujeito e sociedade.
Ressalto, que não é de minha pretensão esgotar -se é que é possível-, toda a
complexidade e magnitude envolvida nos temas propostos, este estudo, se trata apenas de uma
tentativa de traçar um diálogo entre os conceitos mencionados acima.
Para iniciarmos nossa discussão, acredito que se torna pertinente entendermos,
brevemente, alguns dos significados atribuídos ao termo “representação”. Para Xavier (2002),
representar é tão antigo quanto pensar, e é a partir do próprio pensamento do sujeito que a
representação se produz, assim, a representação torna-se objeto, e em seguida exerce seu papel
de constituição da consciência individual ou coletiva.
A princípio, o autor supracitado, afirma que a representação estava relacionada a uma
reflexão cognitiva e que se encontrava associada a experiência de um único sujeito, ou seja, a
subjetividade individual seria a única fonte de uma representação. Contudo, aos poucos essa
visão vai se desfazendo, e a subjetividade cede então espaço para a objetividade, agora as
representações passam a serem interpretadas como fenômenos pertencentes a vida social, tal
qual Durkheim e Marx defendiam.
Xavier (2002), menciona ainda que as mudanças não pararam por aí, em um dado
momento a subjetividade recupera o seu espaço, a representação então volta para o sujeito,
consegue retornar novamente para a objetividade, mas em seguida se encaminha para uma outra
via, agora a da intersubjetividade, onde todas as esferas permanecem presentes seja com maior
ou menor ênfase no conflito ou na integração.
O marco histórico da Teoria das Representações Sociais acontece através do psicólogo
social Sege Moscovici, em 1961, em sua tese intitulada “La psychanalyse, son image, son
public”. Moscovici nasce em 1925, na Romênia, e tem sua juventude marcada por experiências
sociais, prendendo-se as observações de como as ideias e os pensamentos se cristalizam em
tradições e como as minorias podem crescer, assim, ele passa a descobrir duas grandes
tendências, a das minorias ativas e a das representações sociais (Castro & Wolter, 2019).
Para Moscovici, existiriam duas fases do conceito de representação, a do nascimento e
a do ressurgimento. A definição inicial de “representação social” surge a partir do conceito de
“representações coletivas”, desenvolvido na sociologia por Émile Durkheim, mas que
posteriormente é retomado e reformulado por Moscovici. Os estudos de Moscovici vieram
então para enfatizar as dimensões da construção humana, social e cultural, mas sobretudo por
dar visibilidade e fazer transcender a psicologia social e a psicologia de um modo geral,
conforme apontam Almeida, Santos e Trindade (2019).
Segundo os estudos de Wolter (2019), Moscovici defendia a ideia de que a Psicologia
Social não poderia ser definida apenas como uma teoria ou um método, mas sim como uma
abordagem que detém seu interesse e que possui um olhar diferenciado sobre os estudos dos

1544
fenômenos das representações, atitudes, condutas, ideologias e comunicações sociais.
Para o autor, o que diferenciava para Moscovici a Psicologia Social das outras
disciplinas primárias, a Sociologia e a Psicologia geral, era a singularidade presente no olhar
da psicologia social, a abordagem social não tinha um olhar binário como era presente nas
outras disciplinas, que separavam o objeto de um lado e o sujeito de um outro, ou seja, coletivo
ou individual, pelo contrário, a disciplina social adotava uma visão ternaria dos fatos,
englobando o sujeito individual, o sujeito social e o objeto, onde aqui, o sujeito social se torna
o mediador das relações entre o sujeito individual e o objeto.
Dado ao exposto, entenderemos a seguir um pouco mais sobre o surgimento das
representações sociais, o seu processo de metamorfose diante das releituras de Moscovici e seus
discípulos aos estudos de Durkheim, e o momento em que a teoria ganha visibilidade e passa
então a se tornar o objeto de estudo da Psicologia Social.

Desenvolvimento
Moscovici reconhece que a trajetória do conceito de representações teve inúmeras
contribuições de outros pensadores, como Simmel, Weber, Lévy-Bruhl, Piaget, Freud e entre
outros, mas atribui ao sociólogo Durkheim a paternidade do conceito. Em 1961, o psicólogo
social retoma o conceito de representações, contudo, agora atribuindo uma nova forma. Ao
debruçar-se nos estudos de Durkheim, Moscovici compreende que o sociólogo separava as
representações individuais das representações coletivas, sendo esta última compostas por três
elementos: permanência, coletividade e coerção (Moscovici, 2001).
De acordo com Rêses (2003), Durkheim afirmava que para a ciência estudar uma
representação era necessário entender a diferença entre o individual e o coletivo. Para ele, uma
representação individual era a própria consciência do sujeito, ou seja, sua própria subjetividade,
já uma representação coletiva era a sociedade como um todo. Assim, Durkheim tenta
demonstrar que os estados de consciência coletiva e individual são distintos e que um
pensamento grupal não é o mesmo que um individual.
Para Moscovici, a visão de Durkheim era muito genérica e reducionista enquanto aos
fenômenos psíquicos e sociais, pois para ele, aquele que não pensasse por meio dos conceitos
não seria um homem, não seria um ser social. Neste sentido, Durkheim, ao restringir a vida
social como a única condição para todo o pensamento, e não se deter em explicações para a
pluralidade destes modos de organização do pensamento, faz com que a noção primária de
representação caia em desuso, e talvez, esta seja até uma das possíveis razões para o seu
abandono (Moscovici, 1978).
Com a perda da noção primária do conceito de representação, Moscovici debruça-se nos
estudos e faz uma releitura da então definição sociológica. Moscovici troca o “coletivo” para o
“social” e atribui um novo sentido. Enquanto as representações coletivas eram para Durkheim
um instrumento explanatório e que se referiam a uma classe geral de ideias e crenças, para
Moscovici as representações sociais eram fenômenos mais específicos relacionados com um
modo particular de compreender e de se comunicar – que cria tanto a realidade como o senso
comum – que necessitam ser descritos e explicados (Moscovici, 2004).
Em oposição à visão estática das representações sociais proposta por Durkheim,
Moscovici apresenta uma concepção de representações sociais como estruturas dinâmicas. De
acordo com Moscovici (2004), elas são as representações da sociedade atual e de seu solo
político, científico, humano, que nem sempre têm tempo suficiente para se sedimentar

1545
completamente e se tornarem tradições imutáveis.
Por serem dinâmicas, levam os indivíduos a produzir comportamentos e interações com
o meio, que modificam os dois. A dinamicidade a abrangência do conceito auxilia no
entendimento das várias dimensões da realidade: a física, a social, a cultural, a cognitiva, de
forma objetiva e subjetiva (Strey, 2002).
Contudo, embora as representações sociais sejam dinâmicas, modificáveis e
transformadas diariamente, isso não significa que elas não possuam nenhum aspecto
permanente ou duradouro, elas possuem sim características estáveis que foram fundamentadas
e construídas a partir das tradições e das memórias sociais e culturais (Guareschi, 2000).
O autor supracitado, afirma ainda que as representações sociais são ainda uma tentativa
de avanço e de superação de diversas dicotomias que se formaram durante a trajetória da
Psicologia Social. Talvez o próprio nome “psicologia social”, por incorporar duas vertentes
aparentemente antagônicas, ou seja, de um lado o “psicológico”, entendido como “individual”,
e de outro, o “social”, entendido como o oposto do individual, poderia despertar uma certa
angústia na construção da abordagem psicologia social.
A primeira dicotomia e até mesmo a central, é o “individual e o social”. Uma segunda
dicotomia é estabelecida entre “interno e externo”. A terceira dicotomia é o “aspecto material
e sua representação”, e por fim, a última dicotomia é o “consensual e o retificado”, ou melhor,
a visão “estática e dinâmica” pertencentes ao conceito de representação social e que se diferem
entre as definições durkeimianos e discursivistas (Guareschi, 2000).
No entanto, o autor citado menciona que todas essas dicotomias são superadas ao longo
da história da Psicologia Social através dos estudos da Teoria das Representações Sociais, posto
que, uma representação social é sempre individual e social, e, interna e externa. É individual e
interna porque ela precisa ancorar-se em um sujeito, mas não é única daquele sujeito; é social
e externa porque ela sai do intrapsíquico, transita pela sociedade, e concretiza-se em fenômenos
sociais. A sua materialização e o seu desenvolvimento passam ainda por um processo
transformativo e construtivo de caráter singular, dado que, cada um, em seu momento de
representar, acrescenta ou retira algo que é seu, uma representação estará ainda sempre situada
em um universo consensual e sem que haja algo retificado.
Segundo Guareschi (2000), as representações sociais superam ainda o mito de um
sujeito puro e de um objeto puro, elas em si pertencem ao intersubjetivo, representando tanto o
objeto em si, como também o próprio sujeito que produz a representação. Assim, a noção de
sujeito se encontra associada às representações sociais, tendo em vista que o sujeito, enquanto
sujeito social, será sempre o agente principal para a construção de uma representação.
Contudo, ainda que o sujeito seja o ator principal, não podemos e não devemos
compreende-lo como sujeito único e isolado, mas sim como um ser social, ativo, e que é
influenciado diariamente dentro de um contexto de inserção e interação social (Spink, 1993;
Jodelet, 2009).
Esta perspectiva da noção de sujeito nos permite ainda dialogar com as ideias de
Vygotsky, onde aqui o sujeito passa a se constituir pela linguagem e pelo outro a partir das
relações e práticas sociais, aqui, o sujeito passa a se encontrar a partir de uma dinâmica dialética
entre o interpsicológico e o intrapsicológico, e, é ainda a partir da mediação entre as relações e
do confronto estabelecido entre o Eu-Outro que ocorre o processo de constituição do sujeito
(Molon, 2011).
Ainda conforme a autora supracitada, a participação do outro implica em reciprocidade,

1546
mutualidade e organização semiótica, o outro será sempre uma condição necessária, mas não
suficiente, para a existência do eu, desta forma, um participa do outro em uma dinâmica
dialógica, e o sujeito e o social passam a serem mutuamente constituídos e reciprocamente
constituintes.
O sujeito não recebe o social como algo de fora e externo, mas ele vive o social e no
social, é através de todo o contexto histórico, social e cultural que a experiência do sujeito é
caracterizada (González Rey, 2013). É ainda através de um sujeito que uma representação é
elaborada, é no pensamento estabelecido entre um sujeito e um objeto que ocorre o ato de
representar e se representar. É por meio das representações sociais que podemos ter acesso aos
pensamentos, significados e interpretações que os sujeitos, individuais ou coletivos, atribuem a
um determinado objeto (Jodelet, 2001; 2009).
Para Sega (2000), as representações buscam designar fenômenos múltiplos, observados
e estudados em termos de complexidades individuais e coletivas ou psicológicas e sociais. As
representações sociais são teorias sobre saberes populares e do senso comum, elaboradas e
partilhadas coletivamente, com a finalidade de construir e interpretar aquilo que é real, é por
meio delas que os indivíduos consolidam suas posições em relação a situações, eventos, objetos
e comunicações que lhes concernem (Sega, 2000; Strey, 2002).
As representações sociais são uma maneira específica de compreender e comunicar
aquilo que os indivíduos já sabem. Elas ocupam uma posição em algum ponto entre conceitos,
que têm como seu objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções, que
reproduzam o mundo de uma forma significativa (Moscovici, 2004). A representação social é,
portanto, o processo pelo qual os indivíduos estabelecem uma relação entre o mundo e as coisas
(Sega, 2000).
As representações sociais são criadas ainda para tornar familiar o não familiar. Para
assimilar o não familiar, dois processos básicos podem ser identificados como geradores de
representações sociais: ancoragem e objetivação (Strey, 2002). O primeiro mecanismo compara
um objeto ou ideia estranhos ao paradigma de uma categoria que o indivíduo julga ser
apropriada, para que eles adquiram as características da categoria, sejam reajustados e nela se
enquadrem (Moscovici, 2004).
A ancoragem, na maioria das vezes, implica em juízo de valor, pois resulta na
classificação de uma pessoa, ideia ou objeto dentro de uma categoria que historicamente
comporta uma dimensão valorativa. (Strey, 2002). Assim, esse julgamento resulta no
estabelecimento de uma relação positiva ou negativa com eles (Moscovici, 2004).
A objetivação é o processo pelo qual as pessoas procuram tornar concreto, visível, uma
realidade. Nele, busca-se aliar um conceito com uma imagem para descobrir a qualidade
material de uma ideia ou de algo duvidoso. Dessa forma, a imagem deixa de ser signo e se
transforma em uma cópia da realidade (Strey, 2002). O objetivo é, portanto, transformar o
abstrato em concreto, o que está na mente em algo que exista no mundo físico (Moscovici,
2004).
Os meios de comunicação de massa são responsáveis por fabricar, reproduzir e
disseminar representações sociais que fundamentam a compreensão que os grupos sociais têm
de si mesmos e dos outros - a visão social e a autoimagem (Alexandre, 2001). Conforme
apresentado por Moscovici (2003), a mídia propaga determinadas representações que exercem
uma influência social no sentido de pressionar o indivíduo a utilizar informações dominantes
no grupo (Alexandre, 2001).
Desta forma, a representação social é o saber do senso comum, elaborado socialmente

1547
e partilhado com um objetivo prático, contribuindo para a construção de uma realidade comum.
As representações sociais guiam os indivíduos na definição dos diferentes aspectos da realidade
cotidiana, no modo de interpretá-los, tomar decisões e posicionamentos (Silva, 2012). Essa
forma de conhecimento, produzida a partir do processo de ancoragem e do processo de
objetivação, é apropriada e difundida pela mídia com o objetivo de propagar ideologias de
classes dominantes.

Conclusão
Pretendeu-se aqui refletir sobre o percurso histórico e a base teórica das Representações
Sociais, bem como abordar sua relação com a noção de sujeito, sociedade e sua influência para
o surgimento da Psicologia Social enquanto abordagem e disciplina. Ressalto, que esta
discussão não esgota e não abrange todo o campo que envolve a teoria das representações
sociais, haja vista que a teoria é dinâmica, viva, e se encontra em constante construção e
articulação com o sujeito -individual e coletivo- e com a psicologia social.
Há de se destacar também, que embora a psicologia social tenha como seu objeto de
estudo as representações sociais, outras disciplinas também vão ao encontro da teoria, como é
o caso da psicologia cognitiva, da psicanálise, da antropologia e da filosofia. Conforme aponta
Jodelet (2018), a noção de representação permeia outras disciplinas com o objetivo de
possibilitar uma visão global do que é o sujeito, suas interpretações a respeito do mundo e dos
objetos que o rodeiam, permitindo assim a integração da subjetividade com a dimensão social,
histórica e cultural.
Deste modo, a noção de representações se encontra associada a noção de sujeito
enquanto um ser ativo, pensante, social, e, que é indissociável de um objeto. Aqui, o sujeito é
sempre social -indivíduo ou coletivo-, haja vista que ele se encontra inserido em uma sociedade
que possibilita a troca de comunicações por meio das relações sociais. É ainda o sujeito que tem
o papel de construir uma representação e é a partir dessa representação que o sujeito se torna
capaz de expressar sua identidade e seu lugar no mundo.

Referências
Alexandre, M. (2001). O papel da mídia na difusão das representações sociais. Comum, Rio de
Janeiro, v. 6, n. 17, p. 111-125. Recuperado de https://www.sinpro-
rio.org.br/imagens/espaco-do-professor/sala-de-aula/marcos-alexandre/opapel.pdf.
Almeida, A. M. O., Santos, M. F. de. S. & Trindade, Z. A. (2019). Apresentação da 1ª edição.
In: Almeida, A. M. O., Santos, O. F. S. & Trindade, Z. A. (Orgs.), Teoria das
representações sociais: 50 anos (2a ed.). Brasília: Technopolitik.
Castro, R. V. (2019). Prefácio. In: A. M. de. O, Almeida., M. de.F.de. S, Santos., & Z. A,
Trindade (Orgs.), Teoria das representações sociais: 50 anos (2a ed.). Brasília:
Technopolitik.
Guareschi, P. A. (2000). Representações sociais e ideologia. Revista de Ciências Humanas,
Florianópolis: EDUFSC, Edição Especial Temática, p.33-46. Recuperado de
https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/24122. doi:
https://doi.org/10.5007/%25x.
González Rey, F. L. (2013). O que oculta o silêncio epistemológico da Psicologia? Pesquisas

1548
e Práticas Psicossociais, 8(1), São João del-Rei. Recuperado de
https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/revistalapip/Volume8_n1/PPP-8Abstract-
Art_2.pdf.
Jodelet, D. (2001). Representações sociais: um domínio em expansão. In Jodelet, D. (Ed.), As
Representações Sociais. Rio de Janeiro, Brasil: Editora da UERJ.
Jodelet, D. (2009). O movimento de retorno ao sujeito e a abordagem das representações
sociais. Sociedade e Estado, v. 24, n. 3, p. 679-712. Recuperado de
https://www.scielo.br/j/se/a/bqm4vwYnbPvPy9dDGMWHqZt/?lang=pt&format=pdf.
doi: https://doi.org/10.1590/S0102-69922009000300004.
Jodelet, D. (2018). Ciências sociais e representações: estudo dos fenômenos representativos e
processos sociais, do local ao global. Revista Sociedade e Estado – Volume 33, Número 2.
Recuperado de
https://www.scielo.br/j/se/a/BzhBBK7NjwBZ7PgxSYH5tvR/?format=pdf&lang=pt. doi:
10.1590/s0102-699220183302007.
Moscovici, S. (1978). A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Moscovici, S. (2001). Das representações coletivas às representações sociais: elementos para
uma história. In: Denise, J (Org.), As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ.
Moscovici, S. (2004). Representações sociais: investigações em psicologia social (2a ed.). Rio
de Janeiro: Vozes.
Molon, S. I. (2011). Notas sobre constituição do sujeito, subjetividade e linguagem. Psicologia
em Estudo, Maringá, v. 16, n. 4, p. 613-622, out./dez. Recuperado de
https://www.scielo.br/j/pe/a/CTvCMKmmrhks6GkZmdRM5tm/?lang=pt&format=pdf.
Rêses, E. S. (2003). Do conhecimento sociológico à teoria das representações sociais.
Sociedade e Cultura, v. 6 n. 2. Recuperado de
https://www.revistas.ufg.br/fcs/article/view/920. doi:
https://doi.org/10.5216/sec.v6i2.920.
Spink, M. J. P. (1993). O conceito de representação social na abordagem psicossocial. Cad.
Saúde Pública., Rio de Janeiro, 9 (3): 300-308. Recuperado de
https://www.scielo.br/j/csp/a/3V55mtPK8KXtksmhbkcctkj/abstract/?lang=pt#:~:text=Ca
d.&text=Acatando%20a%20interdisciplinaridade%20intr%C3%ADnseca%20ao,contribu
i%C3%A7%C3%A3o%20espec%C3%ADfica%20da%20Psicologia%20Social. doi:
https://doi.org/10.1590/S0102-311X1993000300017.
Sêga, R. A. (2000). O conceito de Representação Social nas obras de Denise Jodelet e Serge
Moscovici. Anos 90, Porto Alegre, v. 8, n. 13, p. 128-133. Recuperado de
https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/6719. doi: https://doi.org/10.22456/1983-
201X.6719.
Strey, M. N. (2002). Psicologia social contemporânea (6a ed.). Teresina: Vozes
Silva, R. F. da. (2012). Representações sociais do suicídio entre grupos de idosos. Recuperado
de
https://riu.ufam.edu.br/bitstream/prefix/2793/2/Rosenilda%20Freitas%20da%20Silva.pdf.
Wolter, R. M. C. P. (2019). Serge Moscovici: um pensador do social. In: A. M. de. O, Almeida,

1549
M. de.F.de. S, Santos & Z. A, Trindade (Orgs.), Teoria das representações sociais: 50 anos
(2a ed.). Brasília: Technopolitik.
Xavier, R. (2002). Representação social e ideologia: conceitos intercambiáveis? Psicologia &
Sociedade; 14 (2): 18-47. Recuperado de
https://www.scielo.br/j/psoc/a/Hpx9ZkGDPskYjtfGSN8C9mg/?lang=pt. doi:
https://doi.org/10.1590/S0102-71822002000200003.
O CORPO INFANTIL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

1550
Nadja Carolina de Sousa Pinheiro
Bruna de Sousa Carvalho
1 Introdução

A infância é considerada uns dos períodos mais importantes em termos de formação,


para o ser humano. A criança de hoje formará a sociedade de amanhã e quanto mais saudável
for sua infância melhor será a sociedade do futuro. A forma como que a criança está inserida
dentro de uma sociedade diz muito sobre ela, e o estudo sobre o lugar da criança na sociedade
atual se faz necessário.
A finalidade do presente estudo é contribuir para uma melhor compreensão da
importância que tem a fase da infância para a boa formação do ser humano. Tem como objetivo
geral o estudo sobre o corpo da criança na sociedade moderna, e por objetivos específicos
verificar o lugar e papel da criança na sociedade atual, analisar a relação entre a lógica
capitalista e o controle do corpo infantil, e verificar as possibilidades do desenvolvimento
infantil saudável na sociedade atual, sob o olhar da Psicologia. Justifica-se pela grande
relevância que a criança e seu desenvolvimento saudável tem para a sociedade.
O período da infância do ser humano concebe sua formação tanto em âmbitos
biológico, cognitivo, psicológico e afetivo/social. As experiências vivenciadas nesta etapa da
vida formam a base do desenvolvimento, sendo em especial os primeiros anos de idade,
primordiais para a formação da criança, ao passo em que constituem, também, o momento mais
vulnerável em seu processo de crescimento e, por isso, mais dignos de cuidado e atenção pela
família, educadores e demais profissionais da saúde infantil.
Para isso o presente estudo objetivou analisar a literatura da área acerca do corpo infantil
na sociedade contemporânea, considerando como norte para atingir essa finalidade a discussão
acerca da criança e seu papel na sociedade contemporânea. Tem-se, portanto, que a metodologia
utilizada foi de abordagem qualitativa do tipo revisão narrativa de literatura. As bases de dados
pesquisadas foram: PUBmed, BVsalud, Scielo e CAPES, utilizando as palavras-chave
“criança”; “corpo” e “sociedade” para o levantamento das produções no período de 2005 a
2019.

2 Método
Tem-se, portanto, que a metodologia utilizada foi de abordagem qualitativa do tipo
revisão narrativa de literatura. As bases de dados pesquisadas foram: PUBmed, BVsalud, Scielo
e CAPES, utilizando as palavras-chave “criança”; “corpo” e “sociedade” para o levantamento
das produções no período de 2005 a 2019.

3 Resultados e discussão
3.1 Da Infância
Silva et al (2008, p. 219) defende que determinados períodos do desenvolvimento

1551
humano são considerados sensíveis, em que determinadas influências possuem um maior
impacto. Do nascimento aos seis anos a criança e suas limitações são mais bem toleradas, sendo
que entre seis e doze anos a crise evolutiva decorre do desafio da produtividade, quando a
criança quer ganhar reconhecimento social por meio de sua capacidade de se preparar para
produzir no mundo adulto, tratando-se de uma fase em que as expectativas do meio social se
tornam mais exigentes, sendo a dependência menos tolerada e o suporte menos disponível.
Tais estudos ocorrem também porque é necessário bem compreender o lugar da criança
na sociedade contemporânea. Para Ianiski (2009) observa-se, segundo alguns autores, que vive-
se no Brasil um momento de desaparecimento da infância, devido à forma de vida de muitas
crianças, pois observa-se crianças de famílias de menor poder aquisitivo que precisam trabalhar
e crianças com famílias mais bem estruturadas que tem seu tempo ocupado com inúmeras
atividades, em que antecipam a sua fase adulta. Nesse sentido, segundo a autora, para olhar a
infância há necessidade de olhar as suas reais condições de vida, não ignorando questões
políticas, econômicas e sociais, mas considerando-as no seu cotidiano.
Para Moura, Viana e Loyola (2013, p. 475) a partir de seu nascimento a criança vem
se integrando em um mundo de significados construídos historicamente, interagindo com ele
através da inspiração em modelos de seu meio social, sendo que os fatos sociais precedem o
homem e possuem existência própria, sendo externos a ele e estando além de seu controle e
vontade, uma vez que a sociedade e todos os seus padrões já estão postos quando se nasce, e a
criança, ao ser inserida na sociedade, adapta-se às regras dos fatos sociais de sua época e ao
contexto sociocultural específico.
Importante antes de se falar sobre o lugar da criança na sociedade contemporânea,
fazer-se um breve estudo sobre o papel da criança ao longo das civilizações e das sociedades
na humanidade, pois é relevante conhecer o significado atribuído à infância ao longo da história.
Dentre os contextos relevantes na infância, destacam-se o familiar e social. No
primeiro, ao longo da história das civilizações, o pai é tido como autoridade suprema, em que
a família o referencial da criança em relação a sua formação. Assim, o papel da criança se fez
presente na maioria das sociedades, em que os valores da família são passados de geração em
geração desde a antiguidade, ocupando um lugar de subordinação.
Segundo Bernartt (2009, p. 4225-4226) para pesquisar a temática da infância na
sociedade contemporânea faz-se necessário o entendimento das diferentes representações que
as crianças receberam no decorrer da história do homem, e para a melhor compreensão do
significado atribuído à infância ao longo da história, deve-se ter em mente que as crianças
sempre estiveram inseridas no interior de uma formação social determinada, vivenciando de
diferentes formas essa fase em função de diferentes significações a elas destinadas; eis que o
seu significado é dado pela representação que o adulto dá ao infante em suas relações.
Segundo Ianiski (2009, p. 3050) observa-se que somente no século XIX foram
elaboradas leis com a finalidade de estabelecer limites para o trabalho infantil, fazendo nascer
o protótipo do que viria a ser os direitos das crianças a serem tutelados pelo Estado.
Neste período surgem as primeiras instituições de educação infantil voltadas para as
crianças, com preocupações ainda voltadas para proteção, higiene e alimentação, que
contemplavam, somente, a parte assistencialista. Neste período ainda não existia uma maior
consciência sobre a importância da formação infantil para o desenvolvimento de um adulto
sadio. Com o tempo e o aumento dos conhecimentos e também de estudos específicos voltados
à infância, a atenção à criança e as suas necessidades foram aumentando, assim como a tutela
do Estado com relação aos direitos dos infantes.
Tem-se, a partir de então, a construção de uma nova concepção de infância, em
especial na Europa, em que, segundo Ianiski (2009, p. 3051) constituiu-se a base da pedagogia
dos educadores Pestalozzi e Froebel, que defendiam uma educação no sentido de formar
indivíduos socialmente adaptados à realidade social, de forma a vir a exercer suas funções para

1552
o pleno desenvolvimento do sistema capitalista, instaurado a partir do século XV.
No Brasil, novas formas de atenção À criança só vieram a se desenvolver a partir do
século XVIII, com o desenvolvimento de um modelo de educação voltado ao desenvolvimento
infantil e com reivindicações de movimentos sociais no Brasil, que pautaram-se na luta pelo
direito das crianças como cidadã de direitos (Ianiski, 2009).
Importante ressaltar que essa luta em prol dos direitos da criança fez surgir a
necessidade de maiores estudos na área. Segundo Muller e Hassem (2009, p. 470), criaram-se
categorias analíticas que estudam a capacidade de os atores sociais, e neles incluídas as crianças,
de exercerem influência na produção cultural e não serem apenas agentes passivos, sendo
concebidas não como produtos da cultura, mas como ativas na produção de um mundo social
que lhes é próprio, isto é, produtoras de cultura.
Com isso, novas premissas surgiram com relação ao tema da infância, mudando o
paradigma até então existente de negação da criança como um ser social.
Para Moura, Viana e Loyola (2013, p. 477) em época contemporânea, ocorrem
significativas mudanças nas concepções sobre a criança e a infância, com grande ênfase e
preocupação quanto à educação e à moral, que vieram a influenciar a concepção dos séculos
posteriores, sendo que Ariès utiliza a expressão “sentimento da infância”, que se refere às
percepções que se constroem a respeito da criança e da infância, assim como à forma de tratá-
las e de considerá-las dentro de um contexto social e cultural.

3.2 Do corpo da criança e a sociedade capitalista

Diversos estudiosos, desde o campo da Sociologia, no qual destaca-se Michel


Foucault, até a Psicologia, com Reich e demais sucessores, dedicaram-se ao estudo do corpo na
sociedade, perpassando teorias dos mecanismos de controle e relações de poder sociais até os
aspectos psicológicos derivados destes, cada um com suas concepções e teses, não convindo
aqui a análise de cada uma por demasiado extensivo, sendo importante frisar que cada um
trouxe sua contribuição ao campo do estudo da infância.
Michel Foucault traz as tecnologias disciplinares ao se pensar na sociedade moderna.
Segundo Lemos (2008) um dos conceitos foucaultianos centrais foi o de tecnologias
disciplinares, a partir das problematizações realizadas pelo autor, ao pensar a sociedade
moderna. Segundo o autor, em fins de 1.880 as relações de poder seriam exercidas através da
utilização de diferentes procedimentos e aparelhos, trazendo o deslocamento das relações de
soberania para o investimento dos corpos, com o objetivo de adestrá-los, torná-los úteis e
dóceis.
Por sua vez, o psicanalista austríaco Wilhelm Reich trazia a possibilidade de bem-estar
na cultura, com base na confiança da autorregulação. Segundo Albertini (2003, p. 84) embasado
em sua confiança na natureza, representada em suas obras por princípios como o de
autorregulação, Reich tendia a atribuir essas dificuldades a fatores socioculturais que podiam
ser alterados, e imbuído dessa leitura do mal-estar humano o autor volta-se, inteiramente, para
o combate das circunstâncias sociais cerceadoras da alegria de viver.
Discípulo de Reich, Alexander Lowen traz a ludicidade, inerente em especial na
primeira infância, como um dos componentes mais importantes para a formação humana, tendo
ele dedicado sua carreira de psicoterapeuta a tais estudos, contribuindo assim sobremaneira aos
estudos sobre a infância na Psicologia.
Na Psicologia brasileira, o corpo da criança é também abordado pelo brasileiro José
Angelo Gaiarsa, psicanalista paulista que trouxe importantes contribuições no campo do estudo
da educação corporal; combatendo a ideia de que o indivíduo nasce com aptidões mínimas de
aprendizado, ao contrário, acreditava ele que todo ser humano traz intrínseca toda uma gama
de possibilidades e potencialidades, cabendo sua proteção e desenvolvimento de habilidades na

1553
infância.
Para Gaiarsa, o corpo fala, e ouvi-lo e vê-lo significa envolver-se de uma forma que
compromete todos os valores estabelecidos de distância formal e/ou preconceituosa, o que
ameaça fazer ruir toda a pirâmide social de poder, sendo para o autor a livre expressão do corpo
a mais perigosa arma contra o autoritarismo (Gaiarsa, 2003, p. 89).
Com bem pontua Sampaio (2007), em sua obra sobre a Educação e Liberdade em
Reich, o papel dos pais e educadores é imprescindível para essa compreensão da criança
enquanto ser livre.
Tais estudiosos do corpo e da educação na sociedade, e suas obras permitiram que a
criança em época contemporânea seja vista como um ator social, conforme se analisará no
capítulo seguinte.

2.3 A criança como ator social

Na atualidade não restam dúvidas de que a criança é um ator social. Ator é alguém que
representa um papel dentro de um enredo, sendo um determinado indivíduo é um ator
social quando ele representa algo para a sociedade, possuindo nesta um papel significante. Por
tal motivo, em épocas pretéritas quando a criança não era reconhecida como detentora de
direitos e de consciência, não era considerada um ator social. Conforme já estudado, tal
paradigma veio se modificando até que foi a criança reconhecida como ator social.
Para Azevedo (2016, p. 1) ao longo dos séculos, o modo como as crianças eram
percebidas a nível familiar e social foi sofrendo profundas modificações, se iniciando a partir
da concepção de criança como um ser passivo, que tinha que ser apropriada pela sociedade para
se tornar um membro competente da mesma, para teorias que a entendem como um ator que
possui capacidades para assumir um papel ativo em diversos aspectos da vida, sendo que tal
abordagem, que percebe a criança como ator social, explicita ainda que o universo das mesma
apresenta características bastantes específicas, sendo que o mesmo é pautado por aspetos muito
diversificados e complexos.
Verifica-se que a realidade infantil vivenciada pela criança tem papel primordial em
sua formação. As crianças inseridas dentro de um contexto de pobreza e privações, conforme
bem coloca Ianiski (2009, p. 3056) amadurecem precocemente, não brincam, estudam
precariamente ou até mesmo abandonam os estudos por não comportar as condições
psicológicas e físicas necessárias. Tais crianças, perdem a infância e o tempo de brincar.
Seja em qual contexto for, o papel da educação e das instituições de ensino revela-se
fundamental. Muller e Hanssem (2009, p. 474) demostram que, na atualidade, a criança não só
perdeu o status de colaboradora com o orçamento familiar, mas aparece como quem onera a
família, e sendo assim, o reconhecimento do trabalho das crianças na escola como legítimo é
importante, eis que as crianças sempre trabalharam, no entanto, o que mudou foram os modos
de produção, sendo que o trabalho escolar nada mais é que o trabalho em períodos precedentes,
reforçando assim o papel ativo das crianças.
Tal entendimento passou pela desconstrução de diversas concepções construídas ao
longo da história da humanidade. Tais modificações nas perspectivas teóricas trouxeram a
alteração nas intervenções práticas, assim como já têm garantido um olhar mais sensível no
campo das pesquisas e estudos relacionados ao universo infantil e a criança como ator social.
Essa mudança do status da criança na sociedade atual veio como consequência também
da mudança próprio contexto familiar, que vem sendo reformulados ao longo do tempo.
Segundo Issoton e Falcke (2014, p. 95), a forma de constituir-se como família na
contemporaneidade, com relação as diferentes configurações familiares, está se ampliando, com
os papeis sociais que envolvem homens e mulheres sendo reformulados, pois inúmeros eventos
sociais e antropológicos ampliaram as formas de relacionar-se a nível familiar, como a inserção

1554
da mulher no mercado de trabalho, o controle de natalidade trazidos pelos métodos
anticonceptivos, a maior cobrança pela mobilização masculina a sua família, e ainda o divórcio,
acompanhado de procedimentos de guarda dos filhos. Estes são alguns dos eventos causadores
da diversidade de configurações familiar.
Com a nova configuração familiar e pelos motivos como controle de natalidade e
maior inserção da mulher no mercado de trabalho, as relações familiares foram se modificando,
e as mudanças ocorridas com relação à família e à criança trouxeram uma nova realidade, e
provocaram mudanças substanciais não só no ordenamento pátrio como na sociedade, que
também passou a integrar mais a criança ao contexto familiar e em consequência, social.
Além da uma boa base familiar, a educação também tem papel preponderante na
formação da criança, assim como as instituições de ensino. No entanto, segundo Ianiski (2009)
ao se proceder à análise do espaço nas instituições de educação infantil destinado à criança na
sociedade atual, percebe-se que o mesmo se torna restrito e não atende aos aspectos individuais,
afetivo e cognitivo das crianças que o frequentam, o que vem na contramão da ideia de como
deveria ser as instituições de educação infantil, no sentido de contemplar todas as
potencialidades da criança e levar em consideração todas as dimensões humanas
potencializadas nas crianças: o imaginário, o lúdico, o artístico, o afetivo e o cognitivo, dentre
outros aspectos.
Pensadores como Foucault defendem a educação como dispositivo de proteção às
crianças e adolescentes. Importante frisar que, não obstante o trabalho de Michel Foucault ter
alcançado diversas áreas, no campo da Educação suas observações foram apenas pontuais.
Mesmo assim, sua contribuição foi de grande repercussão no campo da educação, inclusive no
Brasil. No entanto, sua visão sobre a importância da educação não tem obtido no país resultados
práticos e efetivos.
Isso porque, no Brasil, não obstante o reconhecimento da importância e dos resultados
de estudos de educadores como Foucault e Gaiarsa, as necessidades das crianças ainda não são
devidamente supridas, não obstante a ampla tutela trazida pelo ordenamento jurídico pátrio,
como a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa é a realidade não
só do Brasil como da maioria dos países em desenvolvimento. As políticas para o
Desenvolvimento na Primeira Infância (DPI), que focam no desenvolvimento de habilidades
que objetivam a formação de um indivíduo produtivo e empreendedor de si mesmo, enfrentam
dificuldades muitas vezes intransponíveis no Brasil.
Para Ianiski (2009, p. 3058) as instituições de educação infantil no Brasil surgiram no
fim do século XVIII para atender os filhos das mães trabalhadoras das fábricas, sendo que só
posteriormente ocorre o rompimento com a tradição assistencialista. No entanto, não se elabora
um modelo educacional de qualidade para atender às crianças, um problema que tem se
arrastado até os dias atuais. Para a autora, ao observar-se as realidades infantis, percebe-se que
na criança rica, o seu tempo é sobrecarregado com inúmeras atividades as quais lhe roubam a
infância, enquanto que na realidade da criança pobre, seu tempo é totalizado no trabalho, o qual
lhe possibilita um amadurecimento precoce.
Para Carvalho (2016, p. 30) investir em capital humano através de uma formação
infantil sólida se faz necessário, eis que crianças oriundas de famílias de baixa renda têm sido
entendidas como um capital no qual deve ocorrer investimentos sólidos, tendo em vista o
desenvolvimento de habilidades que as capacitem para uma atividade laboral futura no contexto
de trabalho competitivo que regula o Estado neoliberal contemporâneo.
Importante frisar que tal entendimento é mais fruto da sociedade capitalista atual do
que de verdadeira preocupação com o bem-estar e formação do indivíduo, de modo que uma
pessoa sem educação corre grande risco de vir a se tornar improdutiva. Para Carvalho (2016, p.
236) Em tal contexto, a produção de conhecimentos decorrente dessa expertise desempenha um
papel estratégico na governamentalidade contemporânea ao se preocupar com os riscos de

1555
problemas no desenvolvimento a que estão sujeitas as crianças nascidas em famílias pobres.
A psicologia da infância, em especial no Brasil, ainda enfrenta inúmeros problemas,
que vão desde a dificuldade de chegar às crianças que necessitam de acompanhamento
psicológico, visto a elitização ainda presente na prática de campo, até a falta de investimentos
públicos neste sentido. Assim, a criança no Brasil vai se desenvolvendo com graves sequelas e
omissões em sua formação, corroboradas e produzidas pela lógica social à qual lhes é incutida
a adaptação, enquanto suas reais necessidades são sequer reconhecidas.

4 Considerações Finais

Frente ao que foi analisado no presente artigo, pode-se traçar algumas considerações
importantes. Inicialmente verificou-se o novo paradigma que se desenvolveu com relação à
criança e seu lugar enquanto ator social. Verificou-se que de indivíduo considerado sem
personalidade e direitos, a criança foi sendo inserida dentro do contexto social e cultural das
civilizações contemporâneas, o que lhe trouxe além da representação de importante ator social,
ainda o reconhecimento de seus direitos e individualidade.
Verificou-se que o corpo da criança na sociedade moderna, um corpo domesticado e
disciplinado, obedece a um sistema capitalista que enxerga o indivíduo como consumidor, tendo
tais concepções sido constatadas em âmbitos social e psicológico, contando com as teorias de
Michel Foucault e Wilhelm Reich. No entanto, não obstante tais entendimentos, os países em
desenvolvimento contam com sistemas precários de ensino, além de bases familiares muitas
vezes desestruturadas.
Conclui-se que, não obstante na teoria a família e educação serem considerados
primordiais para a formação infantil, em especial em famílias de baixa renda, na prática os
subsídios oferecidos para a boa formação infantil ainda estão muito aquém do necessário, em
especial em países em desenvolvimento como o Brasil.
Além disso, a própria lógica mercantilista da sociedade contemporânea, baseada na
competição e carência de livre expressão do corpo e afetos, dificulda o desenvolvimento
saudável da criança, que, segundo Reich (1987), apenas deve seguir seu fluxo natural, sendo
evitados os traumas de desenvolvimento imbuídos pela repressão dos sentimentos, causado para
o objetivo da adaptação social.
Verifica-se que o contato dos próprios pais, educadores e cuidadores com a criança que
foram, se faz necessário para que possam compreender as crianças de seu meio, de forma a
permitirem a elas desenvolverem-se saudavelmente, não reproduzindo as repressões que eles
mesmos sofreram em outros tempos.
Para isso, o profissional da psicologia que facilita essa compreensão, permite que menos
crianças possam ser tão atingidas pela supressão de suas necessidades e emoções, prevenindo
os obstáculos no caminho natural do desenvolvimento em direção à livre expressão de seus
corpos e afetos.

5 Referências

Albertini, P. (2003) Reich e a possibilidade de bem-estar na cultura. Psicol. USP, São Paulo,
Vol. 14, Nº 2 (pp. 61-89).
Azevedo, A. C. L. (2016) A criança é um ator social.
Bacri, A. P. R. (2005) Influência dos bloqueios corporais na educação.
Bernartt, R. M. (2009) A infância a partir de um olhar sócio-histórico. In: Encontro Sulbrasileiro
de Psicopedagogia. Anais o IX Congresso Nacional de Educação – EDUCERE. Curitiba:
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (pp. 4225-4236).
Carvalho, R. S. (2016) O investimento na formação do cidadão do futuro: a aliança entre

1556
economia e educação infantil como estratégia da governamentalidade contemporânea.
Educ. Rev: Belo Horizonte. Vol. 32, Nº 2 (p. 229-253).
Drews, A. M. K. (2009) Prevenção de Couraças em Crianças.
Gaiarsa, J. Â. (2002) O corpo fala? Disponível em:
http://www.rc.unesp.br/ib/efisica/motriz/08n3/Gaiarsa.pdf.
Ianiski, G. M. (2009) A criança e seu espaço na sociedade contemporânea. Disponível em:
https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2009/2515_1372.pdf.
Isotton, R. & Falcke, D. (2014) Quando um dos genitores detém a guarda dos filhos: que
configuração familiar é essa?. Pensando fam., Porto Alegre, Vol. 18, Nº 1 (pp. 92-106).
Lamar, A. R. & Zoboli, F. (2012) O lugar do corpo na escola: uma leitura a partir de Bourdieu
e Foucault. Revista Fronteira das Educação [online]. Recife, Vol 1, Nº 1.
Lemos, F. C. S. (2008) A educação como dispositivo de proteção às crianças e adolescentes
segundo práticas do UNICEF: problematizações foucaultianas. Estud. pesqui. psicol., Rio
de Janeiro, Vol. 8, Nº 3.
Moura, T. B., Viana, F. T. & Loyola, V. D. (2013) Uma análise de concepções sobre a criança
e a inserção da infância no consumismo. Psicol. cienc. prof. Brasília, Vol. 33, Nº 2 (pp.
474-489).
Moreira, A. F. B. (2004) O pensamento de Foucault e suas contribuições para a educação. Educ.
Soc. Campinas, Vol. 25, Nº 87 (pp. 611-615).
Muller, F. & Hassen, M. N. A. (2009) A infância pesquisada. Psicol. USP, São Paulo, Vol. 20,
Nº 3 (pp. 465-480).
Reich, W. (1987) A Função do Orgasmo: problemas econômicos-sexuais da energia biológica.
13 ed. São Paulo.
Reich, W. (1983) Crianças do Futuro: sobre a prevenção da patologia sexual. Centro de
Investigação Orgônica Wilhelm Reichm.
Rocha, E. A. C., Lessa, J. S. & Buss-simao, M. (2016) Pedagogia da Infância: interlocuções
disciplinares na pesquisa em Educação. Invest. Práticas. Lisboa, Vol. 6, Nº 1 (pp. 31-49).
Sampaio, Z. (2007) Educação e Liberdade em Wilhelm Reich. São Paulo: Perspectiva.
Silva, N. C. B., et al. (2008) Variáveis da família e seu impacto sobre o desenvolvimento
infantil. Temas psicol., Ribeirão Preto, Vol. 16. Nº 2 (pp. 215-229).
Escala de Autoritarismo Puro (EAP): Adaptação e validação no contexto

1557
brasileiro
Gabriel Campelo Sotero,
Carolina de Castro,
Rafaela Santos da Rocha
Introdução
A filósofa Marilena Chauí desde o início dos anos 80 tem implantado a ideia de que a
sociedade brasileira é autoritária e violenta, contrariando a imagem de uma cultura nacional
baseada no acolhimento e na cordialidade. A cultura brasileira tem como aspecto recorrente em
toda sua história a violência. Desde a escravidão no século XVI até a contemporaneidade, onde
a observa-se uma violência que exclui e julga grupos minoritários (Altemeyer, 1996).
Como traços de personalidade tidos como autoritários tem-se a submissão autoritária
que consiste em um alto grau de submissão às autoridades de determinada sociedade. Por
conseguinte, tem-se a agressão autoritária, que consiste num tipo de agressividade geral,
dirigida a várias pessoas, percebida como legitimada pelas autoridades. Por fim tem-se o
conservadorismo, que consiste numa adesão elevada às convenções e às tradições sociais
estabelecidas e endossadas pela sociedade e pelas autoridades (Feldman, 2003; Peterson,
Duncan & Pang, 2002). O conservadorismo, também chamado de convencionalismo apresenta-
se como ideais do tipo burguês. A hipótese de que o convencionalismo constitui fator
importante na descrição de um indivíduo autoritário baseia-se em observações como a
preferência para o fascismo ser característica de pessoas da classe média. Por outro lado, os
indivíduos não convencionais tendem a serem menos preconceituosos. Supõe-se que o caráter
autoritário é do ramo apenas convencionalista, resultado de pressões externas sociais e não de
uma escolha pessoal do indivíduo (Byrne, 1966).
Sobre a agressão autoritária, Byrne descreve como características dessa personalidade
a facilidade de repelir e punir quem viola as normas pré-estabelecidas. Essa hostilidade
geralmente dirige-se a grupos minoritários, pois são julgados como propensos ao
descumprimento de normas. Por sua vez, a submissão autoritária é apontada por Byrne como
uma atitude de respeito e acrítica em relações com autoridades. Observa-se como exemplo o
ideal nazista, que exige extrema liderança e dedicação dos indivíduos ao Estado, além da
hipótese de que essa mentalidade está presente em relações entre pais e filhos ou pessoas mais
velhas, líderes, etc. Afirma-se que a adesão devotada a alguém visto como superior seja a
expressão da falta de consistência interior no indivíduo.
Nos indivíduos simpatizantes com o convencionalismo, observa-se muito pessimismo
em suas visões acerca da natureza humana, o que se relaciona aos ideais defendidos sobre a
necessidade de normas rígidas para uma convivência possível em sociedade. Por outro lado, as
pessoas que valorizam a autonomia pessoal mais do que a conformidade social defendem a
habilidade da sociedade manter-se em liberdade e ainda assim viver uma estabilidade social
(Feldman, 2003).
Theodor Adorno juntamente com colaboradores (1950), buscou focar seus estudos no
entendimento do fenômeno da intolerância e preconceito contra minorias. Adorno partia do
pressuposto que um lar repressivo gerava violência dos filhos para com os pais, a partir disso,
essa violência que não podia ser externalizada, era direcionada para grupos de maioria que
podem ser consideradas mais frágeis ou abaixo socialmente do agressor.
Entretanto, a teoria da personalidade autoritária desenvolvida por Adorno e

1558
colaboradores foi amplamente criticada. Sobre os apontamentos colocados contra a teoria,
alguns se destacam. Primeiro, a teoria é reducionista para tratar de intolerância de minorias. Ao
fechar a causalidade do fenômeno em apenas desdobramentos de uma personalidade individual
retraída desde cedo, os teóricos desconsideravam pesquisas e dados de fontes sociais, históricas,
circunstanciais e culturais (Monteiro, 1993).
A segunda crítica também se guia pelo reducionismo, porém, com outro enfoque.
Enquanto o primeiro grupo apontava uma redução do foco e negligência de outros fatores que
podem ser considerados no tema, o segundo grupo criticou a dicotomia presente na pesquisa
liderada por Adorno. Todos os participantes eram catalogados entre autoritários e não-
autoritários, não havendo qualquer tipo de diferenciação com indivíduos que se encontravam
num ponto médio entre os dois extremos da pesquisa. Há também questões subsequentes como
quais seriam as características que formam o grupo do meio, são levantadas até hoje e ainda
permanecem abertas (Martin, 2001).
O terceiro ponto crítico para se pensar é a desconsideração da existência de regimes
autoritários alinhados com a extrema esquerda, consequentemente, a desconsideração de todo
um dispositivo formador presente numa realidade inversa politicamente mas com iguais
características repressoras (Stone & Smith, 1993).
Este estudo tem como objetivo validar a escala de Autoritarismo Puro (Pure
Authoritarianism) formulada por Vallerga, 2010, no contexto brasileiro. Seu propósito também
consiste em buscar índices psicométricos de precisão e discriminação dos itens.

Materiais e Métodos
Amostra
Participaram 200 estudantes universitários da cidade de Parnaíba-PI, sendo 150 de duas
instituições públicas e 50 de uma instituição privada de ensino superior, entre setembro e
novembro de 2018.

Instrumento
Os participantes receberam um questionário impresso contendo o Inventário adaptado
da escala de Autoritarismo Puro (AP; Pure Authoritarianism) elaborado por Vallerga (2010), e
questões sociodemograficas. O instrumento (AP) em questão possui 30 itens distribuídos em
três dimensões e respondidos em uma escala tipo Likert de 7 pontos, representando a força de
concordância que cada item representa para o participante (0 = discordo totalmente e 7 =
concordo totalmente). A medida é compreendida por três dimensões denominadas: agressão
autoritária, submissão autoritária e convencionalismo. Os participantes também responderam
perguntas de caráter demográfico para a formação da amostra (idade, sexo, renda média
familiar, orientação sexual, identidade de gênero, estado civil, instituição de ensino, religião e
nível de religiosidade).

Procedimento
Antes de iniciar a coleta de dados, procurou-se submeter à escala de Autoritarismo Puro
(Vallerga, 2010) aos métodos de tradução. Como salienta Nora e Vieira (2017), é importante
traduzir a escala original observando características culturais e linguísticas das palavras, e

1559
assim, adaptá-las ao contexto do local onde o questionário irá ser aplicado, se necessário. O
questionário, em forma de livreto, foi aplicado na cidade de Parnaíba-PI em três instituições de
ensino (públicas e privadas).

Análise dos Dados


Foi utilizado o software IBM SPSS STATISTICS 22 para formar o banco de dados e
através de uma de suas extensões chamada manova, buscou-se observar o poder discriminativo
das variáveis. Já o resultado da análise fatorial apresentado, serviu para sintetizar e agrupar as
diferentes variáveis. O estudo utilizou rotação varimax e saturação = 40.

Resultados e Discussão
Após realizar o processo do manova 3 vezes (visando que o estudo possui 3 dimensões),
observou-se que a dimensão Agressão Autoritária possui todos os itens discriminativos, sendo
o item 05 (Pessoas perigosas precisam ser punidas severamente), o mais discriminativo =
0,532. Já o item 07 (Aqueles no poder devem entender que alguns insultos devem ter graves
conseqüências) o de menor discriminação = 0,221.
O fator Submissão Autoritária manteve também todos os itens discriminantes, sendo o
item 14 (Alguns líderes apenas sabem o que precisa ser feito) o mais discriminante = 0,375, e
o item 16 (O sagrado não é mais importante que a obediência) o com menor grau de
discriminação = 0,163.
A dimensão Convencionalismo, que consiste na projeção do indivíduo a questões de
convenções sociais e a sua aceitação diante de práticas em tese autoritárias, também teve todos
os itens discriminantes. A variável 23 (Eu preferiria viver em um tempo específico no passado,
quando mais pessoas eram boas) foi a mais discriminante = 0,504, já a variável 30 (Nossa
herança social precisa ser protegida) foi a menor = 0,305. É importante salientar que quando
se fala em herança social não se específica uma determinada “herança” ou se enfatiza que seja
a que o participante que está respondendo o questionário tenha um tipo de afinidade, durante a
aplicação do estudo tiveram razoáveis dúvidas por parte de alguns estudantes a respeito deste
item.

Tabela 2. Critério de Kaiser


Critério de Kaiser

Fator Valores Próprios Variância Explicada (%)

1 11,89 39,63
2 1,95 6,51
3 1,54 5,14
4 1,26 4,24
5 1,11 3,72
6 1,05 3,52

Observando a tabela acima, a parte que mostra os valores próprios indica a possibilidade
da utilização de 6 possíveis fatores.
Já o gráfico de Cattel indicou a possibilidade do uso de 3 fatores (como na escala

1560
original de 2010). A partir desses dois resultados, optou-se por seguir o estudo com 3 fatores.

Figura 1. Gráfico de Cattel

As 30 variáveis que fazem parte do estudo foram separadas e agrupadas entre os 3


fatores após ser realizada a análise fatorial exploratória. No fator Agressão Autoritária (F1), as
cargas fatoriais variaram entre 0,12 (01. Para o melhor da sociedade precisamos nos livrar
das pessoas que estão arruinando tudo) e (17. O que nosso líder mais deseja é alguém que se
mantenha fazendo o que nos foi submetido a fazer), e 0,75 (28. Um bom líder entende que
precisamos manter as tradições).
O fator intitulado Submissão Autoritária teve suas cargas variando entre o item 19 (Se
eu quebrar alguma regra vigente na minha sociedade, também estarei ferindo minha própria
moral), que não chegou a atingir uma carga fatorial mínima e 0,79 (05. Pessoas perigosas
precisam ser punidas severamente). Na dimensão Convencionalismo, os itens com menor carga
fatorial foram o 02. (Quando a situação do país é grave o suficiente, os métodos mais fortes se
justificam para eliminar os causadores de problemas) e o 09. (Alguns tipos de pessoas precisam
ser impedidos de participar da sociedade, pois estão a corrompendo), ambos com carga 0,10,
e o de maior carga neste último foi o 19. (Alguns tipos de pessoas precisam ser impedidos de
participar da sociedade, pois estão a corrompendo).

Considerações Finais
Este estudo buscou validar uma escala de Autorismo Puro (EAP) do ano de 2010. Fazendo
algumas comparações com a escala inicial de Vallerga, o presente estudo obteve a possibilidade
de futuramente ser trabalhada a ideia desta escala dividida em 6 fatores (como demonstra os
valores de Kaiser obtidos), enquanto que a escala original só teve a obtenção de 3. Ainda
comparando com a escala original, ela só foi aplicada num tipo de universidade, no caso uma
estadual, enquanto esta teve sua pesquisa aplicada em duas universidades públicas diferentes e
uma privada. Outro ponto positivo é que esta nova escala foi elaborada com estudantes de
diferentes cursos, a de 2010 foi feita apenas com estudantes do curso de psicologia, isso por
tanto pode implicar em novas perspectivas sobre futuras interpretações das análises.

1561
Dentre os pontos negativos podemos citar que por conta dos recursos e tempo, não seria
possível trabalhar mais afundo as implicações do artigo original, como por exemplo, ele está
dividido em “apêndices” que discutem diferentes temáticas acerca do autoritarismo, eles
totalizam um total de 5 (apêndices A, B, C, D e E). Buscou-se validar essa escala a partir do
apêndice A, composto por 30 itens, e dividido em 3 dimensões, os outros apêndices juntos
somam mais de 100 variáveis, podem ser trabalhados separadamente, e possuem níveis
diferente de escala de Likert. Não foram encontrados no artigo original especificações sobre
rotações utilizadas ou se era possível uma sintetização de alguma das escalas, o que de certa
forma interfere em possíveis novas aplicações visando esse construto.
O fato da temática autoritarismo ser um tema pouco trabalhado na literatura e no âmbito
científico da psicometria brasileira, também torna este estudo promissor a contribuir como um
futuro suporte a quem busca informações do tema em questão, principalmente se relacionado
ao contexto nacional.

Referências:
Adorno , T. W., (1950). Frenkel-Brunswik, E., Levinson, D. J. & Sanford, R. N. The
authoritarian personality. Nova Iorque: Harper & Row.
Altemayer. B. (1996). The Other "Authoritarian Personality. University of Manitoba,
Winnipeg. Canada.
Byrne, D. & Clore, G. L., Jr. (1966). Effectance arousal and attraction. Journal of Personality
and Social Psychology, 6(4, Pt.2), 1-18.
Chauí, M. (1985). Convite à Filosofia. São Paulo, Ed. Ática.
Gomide, Ana Paula; MACIEL, Ruth Marques. (2015). O Legado Da Pesquisa: The
Authoritarian Personality Para O Campo Da Psicologia Social. p. 20 Artigo (Instituto de
Psicologia)- UFU – Universidade Federal de Uberlândia.
Feldman El, Stevens MJ. (2003). A practical two-step quantitative clinical and
electrophysiological assessment for the diagnosis and staging of diabetic neuropathy.
Martin, J. L. (2001). The authoritarian personality, 50 years later: what lessons
are there for political psychology? Political Psychology, 22(1), 1-26.
Monteiro, M. B. (1993). Conflito e cooperação nas relações intergrupais. Em J. Vala &
M. B. Monteiro (Orgs.). Psicologia Social (pp. 287307). Lisboa: Gulbenkian.
Vallerga, M. E. (2010), "Pure Authoritarianism: A New Approach to Authoritarianism"
Master's Theses. 3897. http://scholarworks.sjsu.edu/etd_theses/3897.
Peterson, B. E. Duncan, L. E. & Pang, J. S. (2002). Authoritarianism and political
impoverishment: deficits in knowledge and civic disinterest. Political Psychology, 23, 97-
109.
Stellmacher; Patzel. (2005). A uthoritarianism as Group Phenomenon. (pág. 12).
Stone, W. F., & Smith, L. D. (1993). Authoritarianism: Left and right. Em W. F.
EIXO 22

1562
Atravessamentos psicossociais da COVID-19 na
contemporaneidade

SAÚDE DO TRABALHADOR E COVID-19:RELATO DE EXPERIÊNCIA EM UMA


INSTITUIÇÃO PÚBLICA DA REDE FEDERAL DE ENSINO
Adauto de Vasconcelos Montenegro
Edmara Teixeira Oliveira
Introdução
O contexto de trabalho dos servidores públicos brasileiro conta com uma dualidade de
potencialidades e desafios marcantes, nos quais os aspectos positivos, é possível apontar a
estabilidade e a definição do plano de carreira, mas entre os aspectos negativos, há falhas na
infraestrutura e em recursos para o desenvolvimento de atividades.
No contexto das instituições públicas federais de ensino observam-se muitos de tais
aspectos, assim como são observadas demandas relativas à saúde dos servidores, tanto aqueles
que atuam nas áreas administrativas quanto aqueles que se dedicam à docência (Seabra & Dutra,
2015; Baptista et al., 2019; Lopes & Silva, 2018; Loureiro, Mendes & Silva, 2017).
A Organização Mundial da Saúde – OMS, declarou, em 30 de janeiro de 2020 que o
surto da doença causada pela SARS-CoV-2 (COVID-19) constitui uma Emergência de Saúde
Pública de Importância Internacional, concluindo a existência do mais alto nível de alerta da
Organização – previsto no Regulamento Sanitário Internacional publicado em 11/03/2020 e
deixando caracterizada a doença como uma pandemia (Organização Pan Americana de Saúde
– OPAS, 2020).
A pandemia pela SARS-CoV-2 (COVID-19) coloca a sociedade em um panorama
difícil de prever, criando a necessidade de adaptar as relações humanas nos mais diversos
cenários, pois o atual contexto traz novas demandas e novos desafios para as organizações,
notadamente no campo da Saúde do Trabalhador e é importante ressaltar que tais demandas,
relativas ao campo da Saúde do Trabalhador, inserem-se em um contexto mais amplo de
transformações intensificadas, como: desemprego, intensificação do trabalho de alguns
profissionais de serviços essenciais (notadamente, no segmento da saúde) e, principalmente,
implantação do regime de trabalho home office em diferentes segmentos organizacionais
(Carvalho & Carvalho, 2020).
Tomando como base o contexto apresentado, este trabalho tem como objetivo
apresentar, sistematizar e discutir três ações realizadas em prol da Saúde do Trabalhador no
contexto de uma instituição pública da rede federal de ensino. Além desta introdução, o trabalho
conta com: uma seção destinada à metodologia; uma seção contendo os resultados e a discussão,
com foco nas ações executadas na referida instituição; e uma seção final de considerações
finais, destacando contribuições, limitações e sugestões para futuros estudos.

Metodologia
Este estudo constitui-se como um relato de experiência profissional a partir da vivência

1563
dos autores em uma instituição pública inserida na rede federal de ensino, que conta com mais
de 3.000 servidores em seu quadro funcional e está localizada no nordeste brasileiro. A partir
da vivência dos autores, os quais são servidores(as) da instituição em questão (um psicólogo e
uma enfermeira) foram executadas as seguintes etapas: 1) breve diagnóstico de demandas
apresentadas pelo corpo de servidores(as) do campus em que os referidos servidores(as) atuam,
a partir de um questionário; 2) desenho de um plano de ação, com base nas principais demandas
identificadas; 3) execução das ações prioritárias, a saber: construção e publicação de cartilha de
orientação, facilitação de momentos coletivos de discussão entre os(as) servidores(as) e
participação em um canal de acolhimento psicológico, integrado por psicólogos(as) da
instituição.
Sobre o questionário, o mesmo conteve questões divididas em duas partes: a primeira
versou sobre saúde e qualidade de vida, questionando sobre estado de saúde, doenças
preexistentes, conhecimentos sobre o novo coronavírus, qualidade do sono e da alimentação,
queixas relativas à saúde mental, com foco no estado de humor; a segunda parte versou sobre
o regime de trabalho home office, indagando sobre condições estruturais da residência,
organização da rotina, fadiga física e mental, conhecimentos e habilidades tecnológicas, relação
com o líder imediato, comunicação e necessidades de treinamento.
As ações foram realizadas entre maio e julho de 2020 e estão em um momento de
avaliação para retomada no mês de agosto de 2020. Dessa forma, os resultados deste estudo são
parciais. É fundamental ressaltar que tais ações estão inseridas no contexto de atuação da
Comissão de Qualidade de Vida do Servidor do campus em que os autores atuam – a qual é
composta por cinco servidores do campus, sendo: um psicólogo, uma enfermeira, a
coordenadora de gestão de pessoas do campus, a diretora de administração do campus e uma
professora da área de Educação Física.

Resultados & Discussões


Os resultados deste trabalho, de caráter parcial, consistem na apresentação e discussão
das ações executadas, quais sejam: (i) a construção de uma cartilha; (ii) a facilitação de
momentos coletivos de caráter informal, entre os(as) diversos(as) servidores(as); e (iii) a
participação em um canal de acolhimento psicológico.
A primeira ação, a construção de uma cartilha, assim como as demais, foi realizada com
base em demandas identificadas no diagnóstico prévio realizado a partir da aplicação de um
questionário entre os(as) servidores(as). A cartilha em questão apresentou os seguintes
conteúdos: contextualização acerca da pandemia da COVID-19; os impactos do contexto da
pandemia no mundo do trabalho; saúde física e mental; e questões relacionadas à gestão.
A contextualização acerca da pandemia da COVID-19 abordou conceitos básicos
relativos ao novo coronavírus, classificação da pandemia pela Organização Mundial de Saúde,
formas de transmissão e estratégias de prevenção. Apesar da ampla divulgação acerca da
temática, foi importante sistematizar as informações na cartilha de maneira direta e objetiva,
além de reforçar as medidas de prevenção em prol da saúde dos(as) servidores(as). Além disso,
foram destacados os impactos da pandemia no mundo do trabalho, como: o desemprego, a
implementação do home office compulsório e a intensificação do trabalho de profissionais
atuantes no campo da saúde. Dessa forma, a cartilha abordou diversos conteúdos direcionados
às potencialidades e desafios desse regime de trabalho, incluindo Um dos principais impactos
da pandemia para as diversas organizações, de diferentes segmentos, que foi a implementação

1564
do home office.
A cartilha em questão também discutiu aspectos da saúde física e mental no âmbito do
trabalho, tanto no campo da saúde física, abordando-se sobre LER/DORT (Lesão por Esforços
Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares relacionados ao trabalho), com orientações de caráter
ergonômico, assim como foram destacados diferentes aspectos relacionados à saúde visual e
auditiva, a partir de consulta a materiais especializados sobre as temáticas (Gonçalves &
Fontoura, 2018; Mota et al., 2014) e tais condições, embora possam ocorrer em um contexto de
trabalho presencial, podem ser intensificadas em um contexto de home office pouco estruturado,
ocasionando consequências negativas para a saúde do trabalhador. No campo da saúde mental,
foram abordadas as reações esperadas em um contexto de pandemia, assim como orientações
de prevenção e cuidado nesse campo, destacando questões relacionadas ao bem estar,
alimentação, higiene do sono, organização da rotina, relações sociais e familiares, e consumo
de notícias (Fiocruz, 2020).
Por fim, a cartilha também abordou questões relativas aos processos de gestão, como:
liderança, comunicação e pesquisas de diagnóstico e monitoramento do clima organizacional e
da saúde do trabalhador – destacando a potencialidade de investigação do clima organizacional
no setor público, conforme apontado pela literatura (Santos et al., 2019). No que concerne à
liderança, foram abordadas questões relativas aos desafios no contexto de home office, assim
como gerenciamento de tarefas, responsabilidades e metas e, por fim, a questão da confiança.
No que tange à comunicação, foram discutidas estratégias amplas no contexto do home office,
discutindo questões como adaptabilidade dos canais e transparência. A questão do regime de
trabalho home office foi discutida levando em consideração aspectos diversos – familiares,
sociais, ergonômicos, desenho do trabalho – a fim de gerar reflexões e estratégias frente a essa
realidade, principalmente considerando o caráter contextual e situacional do home office, que
pode variar entre diferentes locais e configurações culturais (Putnik et al., 2020).
A segunda ação realizada foi a facilitação de momentos coletivos, de caráter informal,
entre os(as) diversos(as) servidores(as). Esta ação buscou incentivar uma pausa na rotina formal
de reuniões de equipes e com gestores, a fim de viabilizar um clima de desconcentração e
interação social, mediada por tecnologia, entre os participantes. A ação foi concretizada por
meio da criação de uma sala virtual numa plataforma de reuniões e estabelecimento de um
horário de encontro virtual entre os(as) servidores(as). A referida ação contou com resultados
positivos, pois funcionou como um bate papo informal entre os participantes, assim como
constituiu-se como um espaço de compartilhamento de percepções e sentimentos associados ao
home office, tanto positivos quanto negativos. Entre os aspectos de caráter positivo, emergiu a
proximidade de familiares e redução de tempo e custos no trajeto casa-organização e entre os
aspectos negativos foram destacadas questões relativas à incerteza perante o cenário de
pandemia, distanciamento físico de colegas de trabalho, dificuldade no gerencialmente da rotina
e de gestão de demandas laborais e familiares, assim como intensificação de demandas de
trabalho no regime home office, como excesso de reuniões e aumento das horas de trabalho
diárias.
A terceira ação executada consistiu na disponibilização de um canal institucional de
acolhimento psicológico aos(às) servidores(as). Destaca-se que essa ação não foi uma iniciativa
da Comissão de Qualidade de Vida do campus investigado, mas sim uma ação institucional
geral, da qual um dos integrantes da comissão faz parte. Esse canal é de caráter temporário –
durante o período de pandemia e de regime de trabalho home office – e objetiva oferecer uma
escuta qualificada, de caráter psicológico, aos(às) servidores(as) que demandem assistência,
seja em decorrência de questões geradas ou intensificadas na pandemia, seja por desafios
relacionados ao campo do trabalho. Essa ação configura-se como uma iniciativa importante ao

1565
propiciar um espaço individual de escuta e acolhimento aos(às) servidores(as), haja vista que
muitos deles não participam das ações coletivas ofertadas ou não se sentem à vontade para
expor determinadas questões e angústias em uma ação com demais participantes.

Considerações Finais
O presente trabalho permitiu sistematizar ações realizadas em prol da Saúde do
Trabalhador no contexto de uma instituição pública da rede federal de ensino, na qual tais ações
têm relevância e ganham significativo destaque em contextos de crise, como é o caso da
pandemia vivenciada em escala global.
O relato presente neste trabalho permite documentar tais ações, promovendo uma
reflexão acerca do que já foi feito e, ainda, viabilizando uma avaliação das ações realizadas,
com a perspectiva de continuar com tais iniciativas, realizando os ajustes necessários. Este
relato permite, ainda, que outras instituições possam apropriar-se de algumas iniciativas,
adaptando-as, conforme características organizacionais e culturais específicas. Ademais,
aponta-se que este trabalho permite dar destaque à atuação do Psicólogo Organizacional e do
Trabalho em uma atuação interdisciplinar, voltando-se tanto a questões mais específicas da
Saúde do Trabalhador quanto a outras questões relativas a processos psicossociais
organizacionais importantes, como: a liderança, a comunicação e o clima organizacional.
Entre as limitações do trabalho, aponta-se a não sistematização dos resultados advindos
do questionário aplicado, dados estes que podem ser explorados em estudos futuros de caráter
teórico-empírico. Além disso, a experiência relatada parte dos eventos ocorridos em apenas
uma organização, mas para futuros estudos sugere-se relatos em outras instituições, públicas e
privadas, com ações realizadas no campo da Saúde do Trabalhador, assim como sugere-se
pesquisas teórico-empíricas para avaliar diversos aspectos relacionados à saúde e qualidade de
vida dos(as) trabalhadores(as), visando a subsidiar ações mais assertivas em diferentes
contextos institucionais.

Referências
Seabra, M. M. & Dutra, F. C. M. S. (2015). Intensificação do trabalho e percepção da saúde em
docentes de uma Universidade pública Brasileira. Ciencia & trabajo, 17(54), 212-
218. https://dx.doi.org/10.4067/S0718-24492015000300010.
Baptista, M. N., Soares, T. F. P., Raad, A. J. & Santos, L. M. (2019). Burnout, estresse,
depressão e suporte laboral em professores universitários. Revista Psicologia
Organizações e Trabalho, 19(1), 564-570. https://dx.doi.org/10.17652/rpot/2019.1.15417.
Carvalho, A. C. & Carvalho, D. F. (2020). Consequências do novo coronavírus na economia
do Brasil: perspectiva de compreensão econômica e estatística do problema. Paper do
NAEA, 29(1), 102-119. doi: 10.18542/papersnaea.v29i1.8845.
Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz. (2020). Recomendações gerais. Saúde mental e atenção
psicossocial na pandemia COVID-19. Disponível em:
https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/04/Sa%C3%BAde-
Mental-e-Aten%C3%A7%C3%A3o-Psicossocial-na-Pandemia-Covid-19-
recomenda%C3%A7%C3%B5es-gerais.pdf. Acesso em: 17 Jun. 2020.
Gonçalves, C. G O. & Fontoura, F. P. (2018). Intervenções educativas voltadas à prevenção de

1566
perda auditiva no trabalho: uma revisão integrativa. Revista Brasileira de Saúde
Ocupacional, 43(Suppl. 1), e5s. Epub October 22, 2018.https://doi.org/10.1590/2317-
6369000032417.
Lopes, S. V. & Silva, M. C. (2018). Estresse ocupacional e fatores associados em servidores
públicos de uma universidade federal do sul do Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 23(11),
3869-3880. https://doi.org/10.1590/1413-812320182311.28682015.
Loureiro, T., Mendes, G. H. S. & Silva, E. P. (2017). Modelos de gestão e o sofrimento de
servidores assistentes em administração. Revista Psicologia Organizações e
Trabalho, 17(2), 97-105. https://dx.doi.org/10.17652/rpot/2017.2.12328.
Mota, I. L., Júnior, M. C. Q., Munaro, H. K. R. & Vilela, A. B. A. (2014). Sintomas
osteomusculares de servidores de uma universidade pública brasileira: um estudo
ergonômico. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, 27(3), 341-348.
Organização Pan Americana de Saúde. (2020). Folha informativa–COVID-19 (doença causada
pelo novo coronavírus). Disponível em:
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid
19&I temid=875. Acesso em: 16 jun. 2020.
Putnik, K., Houkes, I., Jansen, N., Nijhuis, F. & Kant, I. (2020). Work-home interface in a
cross-cultural context: a framework for future research and practice, The International
Journal of Human Resource Management, 31(13), 1645-1662. doi:
10.1080/09585192.2017.1423096.
Santos, T. D. C., Rodrigues, M. D. S., França, L. P. D., Certai, B. K. & Meneses, P. P. M.
(2019). Construção de uma Escala de Clima Organizacional para uma Organização
Pública. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, 19(3), 713-719. doi:
10.17652/spot/2019.3.16709.
COVID-19 E SAÚDE MENTAL: IMPLICAÇÕES E INTERVENÇÕES

1567
PSICOLÓGICAS

Antonio Jhonatan Paulo Araújo

Introdução
O presente trabalho consiste em uma revisão de literatura técnico-científica a respeito
da pandemia de COVID-19. Em verdade, além das preocupações relacionadas à saúde física,
essa pandemia também traz consigo inquietações no que diz respeito ao sofrimento psicológico,
o qual pode ser experienciado pela população em geral, bem como pelos profissionais de saúde
envolvidos em seu combate. Nessa perspectiva, o objetivo do estudo foi sistematizar
conhecimentos sobre implicações na saúde mental e intervenções psicológicas diante da
pandemia do novo coronavírus, de modo a minimizar os impactos negativos da crise e atuar de
modo preventivo.
A COVID-19, nome da síndrome respiratória ocasionada pelo novo coronavírus, foi
inicialmente detectada em 2019 na cidade de Wuhan, capital da província da China Central
(Faro et al., 2020). Por certo, a rápida escalada da doença, com disseminação em nível global,
fez com que a World Health Organization (WHO) a considerasse uma pandemia (Schmidt et
al., 2020). É sabido que, a transmissão do coronavírus no Brasil se deu, sobretudo, por pessoas
vindas de outros países, especialmente da Europa, a qual durante os meses de fevereiro, março
e abril foi o epicentro da pandemia, após o seu surgimento e evolução inicial na China e países
asiáticos. Desse modo, os primeiros casos reportados da COVID-19 no país, levando em conta
toda a subnotificação (acidental e proposital), foram de pessoas infectadas no exterior: sujeitos
de classes dominantes ou dos estratos médios e altos da classe trabalhadora (Costa & Mendes,
2020).
Dessa maneira, com o fito de reduzir os impactos da pandemia, minimizando o pico de
incidência e o número de mortes, alguns países têm aderido medidas preventivas, tais quais o
isolamento de casos suspeitos, fechamento de escolas e universidades, distanciamento social de
idosos e outros grupos de risco, bem como quarentena de toda a população (Brooks et al., 2020).
Desta maneira, acredita-se que essas medidas tendem a “achatar a curva” de infecção, ao
favorecer um menor pico de incidência em um dado período, diminuindo as chances de que a
capacidade de leitos hospitalares, respiradores e outros suprimentos seja insuficiente frente ao
aumento repentino da demanda, o que se associaria a uma maior mortalidade (Ferguson et al.,
2020).
Além do medo de contrair a doença, a COVID-19 tem causado sensação de insegurança
em todos aspectos da vida, coletivamente e individualmente, do funcionamento diário da
sociedade às mudanças nas relações interpessoais (Lima et al., 2020; Ozili & Arum, 2020). Isto
posto, podemos afirmar que as sequelas causadas pela pandemia à saúde mental alcançam
números maiores que os de mortes (Faro et al., 2020). Pois, um evento como esse provoca
perturbações psicológicas e sociais que afetam a capacidade de enfrentamento de toda a
sociedade, em diferentes níveis de intensidade e propagação (Ministério da Saúde do Brasil
[MS], 2020). Considerando o exposto, a seguir, o artigo irá sistematizar os impactos que a
pandemia de COVID-19 tem causado à saúde mental da população e dos profissionais de saúde,
bem como formas de intervir diante dessas implicações, na tentativa de diminuir os efeitos
negativos e agir de forma preventiva, uma vez que os métodos de contenção mais efetivos da
doença impactam consideravelmente a saúde mental da população (Brooks et al., 2020).
1568
Método
O presente artigo é resultado de uma revisão bibliográfica técnico-científica que buscou
sistematizar conhecimentos sobre implicações na saúde mental e intervenções psicológicas
diante da pandemia do novo coronavírus, de modo a minimizar os impactos negativos da crise
e atuar de modo preventivo. Portanto, foi utilizado o método conceitual-analítico, visto que
foram utilizados conceitos e ideias de outros autores, de forma a responder ao objetivo do
trabalho.
Nesse sentido, a busca por materiais ocorreu por meio de sucessivas consultas a bases
de dados tais como: cientific eletronic library online (Scielo) e Google Acadêmico, bem como
foram feitas pesquisas em sites de organizações ligadas à área da saúde e à Psicologia, em
diferentes países, na perspectiva de buscar os conhecimentos mais recentes ligados à COVID-
19. Foram utilizados como critério de inclusão dos materiais analisados os seguintes descritores
em idioma português e inglês: “COVID-19”, “coronavírus”, “pandemia”, “saúde mental”,
“implicações psicológicas”, “intervenções psicológicas”, “isolamento social”. Uma análise
inicial foi realizada com base nos títulos dos manuscritos e nos resumos de todos os artigos que
preenchiam os critérios de inclusão ou que não permitiam se ter certeza de que deveriam ser
excluídos. Ao final das buscas, 22 publicações atenderam aos critérios de elegibilidade e foram
selecionadas para compor o estudo.
Destarte, a análise dos artigos foram substanciais para o entendimento da temática e
contribuiu para uma produção mais concentrada sobre as repercussões observadas na saúde
mental causadas pela pandemia de COVID-19, bem como estratégias de enfrentamento que
podem vir a contribuir na promoção de saúde mental e prevenção de implicações psicológicas
negativas para população geral e profissionais de saúde.

Resultados e Discussões
Em resumo, durante a ocorrência de pandemias, a saúde física das pessoas e o combate
ao agente patogênico são os alvos primários de atenção de gestores e profissionais da saúde, de
modo que as implicações sobre a saúde mental tendem a ser negligenciadas ou subestimadas
(Ornell et al., 2020). Hodiernamente, em nada difere a conjuntura vigente, uma vez que o
cenário da pandemia tem afetado diretamente a saúde mental da população geral. Isto posto, a
seguir, iremos entender as principais implicações à saúde mental em decorrência da pandemia
do novo coronavírus, haja vista que segundo Ornell et al. (2020), apesar de estudos sobre
implicações à saúde mental pela pandemia de COVID-19 ainda serem escassos, por se tratar de
um fenômeno recente e ainda em andamento, eles apontam para repercussões negativas
importantes.
Em verdade, no âmbito preventivo da pandemia, algumas medidas estão sendo tomadas
para proteger a população do risco de exposição ao vírus em diversos países. No Brasil, foi
decretado pelo governo federal, mediante a portaria nº 340, de 30 de março de 2020,
recomendações sobre medidas para o enfrentamento da emergência em Saúde Pública de
importância nacional decorrente de infecção humana pela COVID-19, no âmbito das
Comunidades Terapêuticas. Esse documento também menciona as medidas de isolamento
social, pontuando a necessidade dos indivíduos com suspeita do vírus e sintomáticos
permanecerem em isolamento, como forma de minimizar a progressão e disseminação do vírus,
resultando em controle, e menores taxas de morbidade e mortalidade (Diário Oficial da União
[DOU], 2020). Nessa perspectiva, segundo Aquino et al. (2020), a principal finalidade do
isolamento social é restringir o contato entre as pessoas, buscando diminuir as chances de

1569
contaminação do vírus e, assim, a procura pelos serviços de saúde e o número de mortes.
Entretanto, é preciso acrescentar que, mesmo diante dos benefícios do isolamento social,
vivenciar essa restrição social pode gerar consequências na saúde mental dos indivíduos
(Pereira et al., 2020).
Por esse prisma, alguns dos estressores durante o isolamento social são: necessidade de
afastamento de amigos e familiares, incerteza de quanto tempo esse distanciamento irá durar,
bem como o acúmulo de tarefas durante as atividades de homeschooling e homeworking, entre
outros. (Brooks et al., 2020). Dessa forma, há mudanças nas rotinas e nas relações familiares
que também impactam no bem estar psicológico (Ornell et al., 2020). Ademais, o fato de mães,
pais e demais cuidadores estarem trabalhando remotamente ou impossibilitados de trabalhar faz
com que esses indivíduos sofram com estresse e medo, inclusive quanto às condições para a
subsistência da família, o que pode resultar em uma redução de tolerância e o aumento do risco
de violência contra crianças e adolescentes (Cluver et al., 2020). No que se refere-se às
mulheres, nota-se um aumento do risco de violência, uma vez que as vítimas costumam ficar
confinadas, devido a quarentena, junto aos seus agressores e, na maioria das vezes, não
conseguem denunciar as agressões sofridas (Schmidt et al., 2020).
Outrossim, segundo Brooks et al. (2020), a influência da mídia em torno da pandemia
também pode desencadear efeitos negativos à saúde mental como otimismo irrealista e emoções
negativas. A saber, o otimismo irrealista seria a crença de que tudo dará certo, independente
das ações dos indivíduos envolvidos, já as emoções negativas, tais como tristeza, medo e
angústia, podem reforçar perspectivas distorcidas sobre a saúde (Faro et al., 2020). Nessa
perspectiva, as inúmeras notícias negativas exibidas pelos meios de comunicação sobre a
COVID-19, além das fake News, podem ocasionar na população geral um estado de alerta
contínuo, associado ao medo de se contaminar e de morrer. Desse modo, esses sujeitos
desenvolvem transtornos de pânico que têm por características crises de ansiedade repentina e
intensas com forte sensação de medo, acompanhadas de sintomas físicos (Pereira et al., 2020).
Além disso, outra implicação à saúde mental que a atual pandemia tem causado são questões
emocionais relacionadas ao luto mal elaborado, visto que, devido ao alto nível de contágio do
vírus, as famílias não podem velar, nem enterrar seus entes queridos que foram infectados (Faro
et al., 2020).
Por certo, não apenas a população geral está sofrendo psicologicamente, mas os
profissionais de saúde também. De acordo com Taylor (2019), esses profissionais costumam
vivenciar estressores em contextos de pandemias tais como: 1) aumento do risco de ser
infectado, adoecer e morrer; 2) possibilidade de, descuidadamente, infectar outras pessoas; 3)
sobrecarga e fadiga; 4) exposição a mortes em larga escala; 5) frustração por não conseguir
salvar vidas, apesar dos esforços; 6) ameaças e agressões propriamente ditas, feitas por pessoas
que procuram atendimento e não podem ser acolhidas pela limitação de recursos; e 7)
afastamento da família e amigos. Com efeito, sobre a COVID-19, em particular, Bao et al.
(2020) pontua que os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde podem ser um gatilho
para o desencadeamento ou acentuação de sintomas de ansiedade, depressão e estresse.
Considerando o exposto, vamos nos ater às intervenções psicológicas que podem ser
tomadas em tempos de COVID-19, com a finalidade de reduzir as consequências na saúde
mental dos indivíduos e agir de forma preventiva. Primeiramente, recomenda-se que, para
diminuir o risco de propagação do vírus, as intervenções psicológicas face a face sejam restritas
ao mínimo possível (Jiang et al., 2020). Desse modo, serviços psicológicos realizados de modo
remoto se mostram ferramentas substanciais nesse contexto. No Brasil, em 26 de março de
2020, foi publicada a Resolução CFP nº 4/2020, que permite a prestação de serviços
psicológicos mediante tecnologia da informação e da comunicação após realização do

1570
“Cadastro e-Psi”, ainda que não seja necessário aguardar a emissão de parecer para iniciar o
trabalho remoto. Nesse sentido, a resolução CFP nº 4/2020 suspende, durante o período de
pandemia do novo coronavírus, os Art. 3º, 4º, 6º, 7º e 8º da Resolução CFP nº 11/2018. Em
vista disso, passa a ser autorizada a prestação de serviços psicológicos por meios de tecnologia
da informação e da comunicação a pessoas e grupos em situação de urgência, emergência e
desastre, tal como de violação de direitos ou violência, buscando minimizar as implicações
psicológicas diante da COVID-19 (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2020).
Anteriormente, observou-se que o isolamento social tem grande impacto na saúde
mental da população. Entretanto, segundo Wilder-Smith & Freedman (2020) essas implicações
poderiam ser minimizadas mediante a comunicação por meio das mídias sociais, que se
utilizadas com o fito de tranquilizar a população e elucidar sobre os reais motivos do isolamento
social, conseguem ter um efeito positivo, sanando e prevenindo o pânico e as fake News. Essa
ideia pode ser clarificada por Rubin & Wessely (2020), já que os autores afirmam que quando
a função do isolamento social é bem explicada e relacionada com o altruísmo, pode ter uma
ótima adesão e minimizar consideravelmente o seu impacto psicológico. No que se refere às
mulheres, diante do aumento de casos de violência (Schmidt et al., 2020), é substancial que os
canais de denúncia sejam aumentados durante o período de pandemia. No Brasil, com base em
experiências de outros países, algumas instituições têm ampliado os canais de denúncias,
mediante a disponibilização de comunicações online como aplicativos de mensagens ou sites
(Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio Grande do Sul -
CTICERGS, 2020).
Outrossim, mais uma medida essencial é a transmissão de informações verídicas
transmitidas por veículos governamentais oficiais. Segundo Pereira et al. (2020), é
imprescindível que as autoridades ofereçam aplicativos ou canais exclusivos para atualizar e
comunicar a população sobre as características e consequências da pandemia, evitando a
divulgação de notícias falsas, bem como informações sensacionalistas e imprecisas. Pois, um
maior grau de satisfação em relação às informações recebidas durante uma pandemia minimiza
o impacto psicológico e consequentemente menores níveis de estresse, ansiedade e depressão
(Duan & Zhu, 2020). Desse modo, é substancial que a elaboração dessas informações seja feita
com uma linguagem acessível, bem como uma diagramação visualmente atrativa e de acordo
com as características do público-alvo. Destarte, no Brasil, materiais informativos
disponibilizados em áudio e vídeo – que não requeiram leitura – podem ser uma boa opção,
principalmente para pessoas com baixo nível de escolaridade (Schmidt et al., 2020).
No que diz respeito às intervenções psicológicas voltadas para os profissionais de saúde,
vale ressaltar que os psicólogos raramente têm contato direto com os infectados pelo COVID-
19, haja vista as medidas rigorosas adotadas pelos serviços de saúde para conter a infecção
(Jiang et al., 2020). Dessa forma, os profissionais que trabalham na linha de frente, tais como
enfermeiros e médicos, serão aqueles que frequentemente escutarão lamentos e prestaram apoio
psicológico às pessoas que buscam os serviços de saúde ou que estão hospitalizadas (Duan &
Zhu, 2020).
Portanto, é imprescindível que os psicólogos contribuam com a promoção de saúde
mental e prevenção de implicações psicológicas negativas aos profissionais da saúde, ao
oferecer a eles suporte e orientação sobre como manejar algumas situações em tempos de
pandemia. Somado a isso, devido ao fato de não haver pandemias como a atual com frequência,
infere-se que muitos desses profissionais no Brasil não têm experiência de atuação em
emergências de grande porte como a crise vigente. Diante disso, o autor Zhang et al. (2020)
sugere que haja a realização de uma intervenção voltada à orientação sobre sintomas
psicológicos que profissionais de saúde possam apresentar nesse contexto, bem como estresse,

1571
depressão, ansiedade e insônia, por exemplo. Ademais, Taylor (2019) recomenda estratégias de
enfrentamento e autocuidado, tais como gerenciamento de estresse e relevância dos momentos
de descanso. Isto posto, é importante que essas intervenções sejam precoces e que incluam
também aqueles que não estão na linha de frente, os quais podem sentir culpa, raiva, frustração
e tristeza (Brooks et al., 2020).
Em suma, Xiang et al. (2020) sugere, diante do novo contexto de COVID-19, que três
fatores principais sejam considerados no desenvolvimento de intervenções de saúde mental, a
saber: 1) equipes multidisciplinares de saúde mental, onde estejam inclusos psiquiatras,
enfermeiros psiquiátricos, psicólogos clínicos e outros profissionais de saúde mental); 2)
comunicação clara envolvendo atualizações regulares e precisas sobre o surto de COVID-19; e
3) estabelecimento de serviços seguros de aconselhamento psicológico, tais como dispositivos
ou aplicativos eletrônicos. Por fim, se faz necessário implementar políticas públicas de saúde
mental associadas a estratégias de resposta a epidemias e pandemias antes, durante e após o
evento (Schultz et al., 2020)

Conclusão
O presente artigo reuniu conhecimento científico acerca das implicações na saúde
mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus. Foram expostos
exemplos de algumas das implicações psicológicas causadas pela pandemia de COVID-19 à
saúde mental da população em geral, bem como dos profissionais de saúde, além de
intervenções que buscam minimizar os impactos negativos da crise e atuar de modo preventivo.
Nota-se que, boa parte das implicações negativas à saúde mental da população é
desencadeada pelas medidas preventivas contra a disseminação do vírus, tais como o
distanciamento social, isolamento social e a quarentena. Somado a isso, algumas das
implicações sofridas pela população e profissionais de saúde durante essa pandemia são:
afastamento de amigos e familiares, otimismo irreal e emoções negativas, como tristeza, medo
e angústia, entre outras. Ademais, observa-se que os profissionais de saúde mental podem
contribuir com a execução de intervenções psicológicas ao decorrer da pandemia, para
minimizar impactos negativos e propiciar a saúde mental aos profissionais de saúde da linha de
frente. Desse modo, espera-se que este trabalho contribua para uma ampla avaliação do
contexto em saúde mental na pandemia da COVID-19. Entretanto, cabe ressaltar, de qualquer
modo, que esse trabalho não abrange, obviamente, todo o alcance das produções científicas em
relação a atual pandemia, sendo sugerido cautela na interpretação das informações
apresentadas.
Destarte, recomenda-se levantamentos sobre implicações na saúde mental diante da
pandemia e sobre intervenções psicológicas alinhadas às especificidades do contexto brasileiro,
considerando as características de diferentes populações atingidas pela COVID-19 e, em
específico, de pessoas e grupos em maior vulnerabilidade socioeconômica. Por fim, por mais
que imponha desafios adicionais à atuação dos psicólogos e demais profissionais de saúde, a
pandemia do novo coronavírus pode contribuir para o aperfeiçoamento da prática e da pesquisa
em situações de crise, emergência e desastre.
Referências

1572
Bao, Y., Sun, Y., Meng, S., Shi, J., & Lu, L. (2020). 2019-nCoV epidemic: address mental
health care to empower society. The Lancet, 395(10224), e37-e38.
Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N. & Rubin,
G. J. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of
the evidence. The Lancet, 395(10227), 912-920.
Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio Grande do Sul -
CTICERGS. (2020). Delegacia Online amplia possibilidades de registro de ocorrência.
Recuperado de: https://www.procergs.rs.gov.br/delegacia-online-amplia-possibilidades-
de-registro-de-ocorrencia.
Cluver, L., Lachman, J. M., Sherr, L., Wessels, I., Krug, E., Rakotomalala, S., ... & Butchart,
A. (2020). Parenting in a time of COVID-19.
Conselho Federal de Psicologia. (2020). Resolução do exercício profissional nº4, de 26 de
março de 2020. Dispõe sobre regulamentação de serviços psicológico prestados por meio
de Tecnologia da Informação e da Comunicação durante a pandemia do COVID19.
Recuperado de: https://atosoficiais.com.br/cfp/resolucao-do-exercicio-profissional-n-4-
2020-dispoe-sobre-regulamentacao-de-servicos-psicologicos-prestados-por-meio-de-
tecnologia-da-informacao-e-da-comunicacao-durante-a-pandemia-do-covid-
19?origin=instituicao&q=04/2020.
Costa, P. H. A. & Mendes, K. T. (2020) Pandemia, Questão Social e as Implicações à
Psicologia Brasileira. Juiz de Fora.
Diário Oficial da União. (2020). Portaria nº 340, de 30 de março de 2020. Estabelece medidas
para o enfrentamento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional
decorrente de infecção humana pelo novo coronavírus (COVID-19), no âmbito das
Comunidades Terapêuticas. Recuperado de: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-
340-de-30-de-marco-de-2020-250405535.

Duan, L. & Zhu, G. (2020). Psychological interventions for people affected by the COVID-19
epidemic. The Lancet Psychiatry, 7(4), 300-302.
Faro, A., Bahiano, M. D. A., Nakano, T. D. C., Reis, C., Silva, B. F. P. D. & Vitti, L. S. (2020).
COVID-19 e saúde mental: a emergência do cuidado. Estudos de Psicologia
(Campinas), 37.
Ferguson, N., Laydon, D., Nedjati-Gilani, G., Imai, N., Ainslie, K., Baguelin, M., ... & Dighe,
A. (2020). Report 9: Impact of non-pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce
COVID19 mortality and healthcare demand. Imperial College London, 10, 77482.
Jiang, X., Deng, L., Zhu, Y., Ji, H., Tao, L., Liu, L., ... & Ji, W. (2020). Psychological crisis
intervention during the outbreak period of new coronavirus pneumonia from experience in
Shanghai. Psychiatry Research, 112903.
Lima, C. K. T., Medeiros Carvalho, P. M., Lima, I. D. A. S., Oliveira Nunes, J. V. A., Saraiva,
J. S., de Souza, R. I., ... & Neto, M. L. R. (2020). The emotional impact of Coronavirus
2019-nCoV (new Coronavirus disease). Psychiatry research, 112915.
Ministério da Saúde - MS. (2020). Plano de contingência nacional para infecção humana pelo
novo Coronavírus 2019-nCoV: Centro de operações de emergências em saúde pública
(COE-nCoV). Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado de:
https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/13/plano-contingencia-

1573
coronavirus-COVID19.pdf.
Ornell, F., Schuch, J. B., Sordi, A. O. & Kessler, F. H. P. (2020). Pandemia de medo e COVID-
19: impacto na saúde mental e possíveis estratégicas. Revista debates in psychiatry.
Ozili, P. K. & Arun, T. (2020). Spillover of COVID-19: impact on the Global
Economy. Available at SSRN 3562570.
Pereira, M. D., Oliveira, L. C., Costa, C. F. T., Oliveira Bezerra, C. M., Pereira, M. D., dos
Santos, C. K. A. & Dantas, E. H. M. (2020). A pandemia de COVID-19, o isolamento
social, consequências na saúde mental e estratégias de enfrentamento: uma revisão
integrativa. Research, Society and Development, 9(7): 1-35, e652974548.
Schmidt, B., Crepaldi, M. A., Bolze, S. D. A., Neiva-Silva, L. & Demenech, L. M. (2020).
Saúde mental e intervenções psicológicas diante da pandemia do novo coronavírus
(COVID-19). Estudos de Psicologia (Campinas), 37.
Shultz, J. M., Cooper, J. L., Baingana, F., Oquendo, M. A., Espinel, Z., Althouse, B. M., ... &
Mazurik, L. (2016). The role of fear-related behaviors in the 2013–2016 West Africa Ebola
virus disease outbreak. Current psychiatry reports, 18(11), 104.
Taylor, S. (2019). The psychology of pandemics: Preparing for the next global outbreak of
infectious disease. Cambridge Scholars Publishing.
Xiang, Y. T., Yang, Y., Li, W., Zhang, L., Zhang, Q., Cheung, T., & Ng, C. H. (2020). Timely
mental health care for the 2019 novel coronavirus outbreak is urgently needed. The Lancet
Psychiatry, 7(3), 228-229.
Wilder-Smith, A. & Freedman, D. O. (2020). Isolation, quarantine, social distancing and
community containment: pivotal role for old-style public health measures in the novel
coronavirus (2019-nCoV) outbreak. Journal of travel medicine, 27(2), taaa020.
Zhang, C., Yang, L., Liu, S., Ma, S., Wang, Y., Cai, Z., ... & Zhang, J. (2020). Survey of
insomnia and related social psychological factors among medical staff involved in the 2019
novel coronavirus disease outbreak. Frontiers in Psychiatry, 11, 306.
RELATO DE EXPERIÊNCIA: AÇÕES DE ENFRENTAMENTO À PANDEMIA DA

1574
COVID-19 NO ÂMBITO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Brunno Ewerton de Magalhães Lima


Rafaela Oliveira dos Santos
Marcilene Araújo Dias
Reinaldo Leandro Gomes de Aquino
Carla Fernanda de Lima
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
1 Introdução
Desde a declaração de pandemia sanitária internacional de saúde pública decorrente da
SARS-CoV-2 (COVID-19) pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o número de infecções
e mortes pela doença se amplia de forma exponencial em todo o mundo, tendo até o dia 07 de
julho de 2020 cerca de 11.500.302 casos confirmados e 535.759 mortes. Acerca disto, o Brasil
é considerado o segundo maior epicentro da doença com 1.623.284 confirmados segundo o
Ministério da Saúde (MS), com 65.487 óbitos até 07 de julho de 2020, sendo a região Sudeste
a que apresenta maior números de casos (WHO, 2020; Brasil, 2020a).
Segundo Surveillances (2020), no percurso da historiografia epidemiológica moderna,
desde 1960 a ciência conhece a família de vírus Coronaviridae - de origem zoonótica que
advém a cepa do SARS-CoV-2 - doença descoberta inicialmente na cidade chinesa de Wuhan
e que rapidamente se espalhou por todo o globo sem haver ainda remédios, vacinas ou
tratamentos farmacológicos comprovadamente eficazes (Bai et al., 2020). Nesse sentido, a
pandemia impõe um enorme desafio para todos os países, em especial, para as nações em
desenvolvimento como o Brasil,

Você também pode gostar