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ano 26
2018
temáticas
Infâncias Rurais: diálogos interdisciplinares
Dossiê
INFÂNCIAS RURAIS:
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES
temáticas
revista dos pós-graduandos em ciências sociais
ano 26, nº 51, 2018 - IFCH/UNICAMP
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO IFCH – UNICAMP
Bibliotecário: Paulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272
CDD - 362.7
Dossiê
Infâncias Rurais:
diálogos interdisciplinares
SUMÁRIO
Apresentação
Patrícia Oliveira S. dos Santos, Antonio Luiz da Silva
e Flávia Ferreira Pires 09
2007). Houve, de certo, por parte de alguns campos das ciências uma
tendência à maior valorização do urbano, “[...] que é considerado como
espaço da civilização, do progresso e da modernidade, enquanto que ao
rural cabe o estigma do atraso, da tradição e do estático” (CARNEIRO,
2012, p.33). O olhar que marginaliza o rural parece esquecer que ele nunca
é estático. Logo, é preciso admitir que a ruralidade “[...] está em constante
construção e por isso deve ser percebida através da interação entre os atores
sociais e os sistemas culturais aos quais eles estão referidos” (CARNEIRO,
2012, p. 19). É preciso perceber a ruralidade em sua dinamicidade.
Além disso, durante muito tempo, a criança e a infância rural
foram associadas ao trabalho precoce. De fato, o trabalho encontra-se no
modo de vida esperado na organização familiar do trabalho camponês,
o que pode reverberar no processo de socialização das crianças rurais.
E nesse sentido os autores têm entendido que “[...] a infância tornava-se
uma fase da vida dedicada ao aprendizado dos principais conhecimentos
e significados da vida camponesa” (MARIN, 2008, p. 120). Sem dúvida,
bem menos no presente, mas bem mais no passado, o trabalho familiar no
contexto rural ainda ocupa um significativo espaço na vida das crianças
desde bem pequenas. O trabalho familiar rural parecia carecer de todos os
braços uma vez que tinha de alimentar todas as bocas.
De nossa parte, entendemos o trabalho da criança de modo
diferente daquele que nacionalmente tem sido rotulado como trabalho
infantil. E mesmo que vejamos nele elementos importantes do processo
de socialização das crianças rurais como também já mostrou Sousa (2004),
mesmo que seja praticado nos intervalos escolares, compreendido como
ajuda à família ou como aprendizado, defendemos que o trabalho das
crianças deve ser entendido como trabalho. É trabalho de criança. E isso
pode nada ter a ver com uma noção de exploração ou com coisas mais
humanamente degradantes já combatidas pela literatura especializada e
pela experiência jurídica e política nacional e internacional. E, além disso,
entendemos que a realidade do trabalho na infância não é uma realidade
que deve ser relacionada apenas ao mundo rural, mas é extensivo, como já
mostrado por Rita Marchi (2013) a muitas crianças das camadas populares,
estejam elas nos meios rurais ou urbanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
Mestre em Sociologia pela UFPB, especialista em Educação Especial pelas Faculdades
Bagozzi – PR, com Licenciatura em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Membro do grupo de pesquisas Crianças, Sociedade e Cultura (CRIAS) da UFPB desde 2016.
E-mail: karla-pessoa@hotmail.com
2
Professora da Pós-Graduação em Sociologia e da Pós-Graduação em Antropologia da
Universidade Federal da Paraíba. É líder do grupo de pesquisas Crianças, Sociedade e Cultura
(CRIAS). E-mail: ffp23279@gmail.com.
As duas autoras participaram da concepção teórica e da escrita do artigo, mas apenas a primeira
autora fez trabalho de campo e, por isso, optou-se pela redação em primeira pessoa do singular.
22 Karla Jeniffer Rodrigues de Mendonça e Flávia Ferreira Pires
ABSTRACT: The objective of this article is to present how the paths between urban
and rural spaces in the community of Gramame, located in the southern region of the
capital of Paraíba, João Pessoa, are undertaken and understood by the children along their
walks to the Escola Viva Olho do Tempo (EVOT), institution in which they participate
in educational activities in the counter shift of the regular school. In this movement they
stand out as the paths come alive and are transformed by the actions of the children
in the bumpy streets that take them to the EVOT, emerging what they understand
about the neighborhood where they live in front of the abrupt transformations due to
environmental changes and accelerated urbanization. Finally, is drawn an analyse of how
these paths between the urban in which the children reside, and the rural in which the
EVOT is situated, provoke learning and (re) create actions involved in multiple senses and
sensations that take them on these walks between contexts.
KEYWORDS: Children; Paths; Rural; Urban; City; João Pessoa (PB).
PRIMEIROS CAMINHOS
CONHECENDO O CAMINHO
3
Sobre a proposta pedagógica da Escola Viva Olho do Tempo, ver Souza (2014) e Tolentino
(2016).
6
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes.
por quem ali se faz presente. O termo, de acordo com o autor, designa
aquele espaço intermediário “entre o privado (a casa) e o público, onde
se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos
laços familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações
formais e individualizadas impostas pela sociedade.” (MAGNANI, 1998,
p. 116).
Os movimentos das crianças pelo bairro e para fora dele revelavam
o fluxo escolhido por elas e por seus familiares. Seus pontos de partidas
e seus caminhos a serem seguidos de acordo com suas tarefas cotidianas,
permitiam que aprendessem neles/com eles sobre o contexto ambiental,
social e cultural nos modos como atravessavam e agiam ao longo dele.
Segundo Karol (13 anos) é complicado ficar na praça de noite e não
podem ir para a praça da outra comunidade, pois “quem é de Gramame não
pode ir para a praça do “Gerva” (Gervásio Maia), tem briga; a comunidade
já foi na prefeitura pedir uma praça aqui... em Gramame não tem nada”
(DIÁRIO DE CAMPO, 2017). Acaba que nestas transformações no
bairro, os novos espaços antes dominados pelas árvores, transformam-se
em terrenos que passaram a ser ocupados pelas crianças que buscam e
criam espaços para o lazer e de socialização.
Pelo o que as crianças contaram, há o entendimento de que os
caminhos pelo bairro se transformam ininterruptamente, principalmente
por aquelas crianças que moram no bairro desde o nascimento. É o caso
de Fernanda (15 anos) que frequenta a EVOT há mais de 6 anos, ao
relembrar que “era fresco o caminho mas tiraram as árvores, agora até à
EVOT mal pisa e a gente fica pingando”. Fernanda e as outras crianças
apontaram o fato de que a natureza, à medida que concomitantemente
foi ficando escassa pelos caminhos do bairro, a violência e a degradação
também aumentou. Luan (17 anos) que também vai à escola há pelo menos
12 anos, acrescenta juntamente com as outras crianças que:
Mesmo que diante do senso de que a rua não é lugar para crianças,
principalmente aquelas do meio rural, que para elas eram entendidas
muitas vezes como “esquisitas” (desertas) – por apresentarem poucas
residências e uma extensão em que não se encontrava ninguém – as
próprias crianças (re) significavam esses lugares, criando-os e os ocupando
7
Centro de Referência de Assistência Social, que se situa na mesma rua a qual a Evot se localiza.
trajeto e Vitor afirmou que não. Atentou que vem com o irmão e não tem
medo de vir “sozinho” para a EVOT, dando a entender que um cuida do
outro no trajeto e dispensam o medo. Após alguns dias de chuva do inverno
pessoense, tive que dar uma grande volta para conseguir chegar à escola
por conta dos caminhos estarem intransitáveis com muito barro e grandes
buracos. Ao chegar à comunidade de Gramame, encontro andando a pé os
dois irmãos, que ao me verem, pularam de felicidade pedindo uma carona.
Ao entrarem no meu carro perguntei a eles onde estavam suas bicicletas
e Antônio relatou que o pai não os tinha deixado usar e que não sabia o
motivo. Ao perguntar se eles estavam cansados, negaram veementemente,
sorrindo com um pirulito na boca, apesar das carinhas suadas, os pés e
mãos cheias de barro.
As crianças vivenciam um “balé nas ruas”, parafraseando
Jacobs ([1961]2011) que analisa um “balé nas calçadas” ao se referir
ao movimento dos moradores e não moradores pelas calçadas. Ao
ocuparem-na significativamente, promovem o cuidado e a segurança de
maneira coletiva. Trazendo para a realidade aqui contextualizada, diante da
ausência das calçadas pela estrada da comunidade de Gramame, esse balé
encenado pelas crianças se apresenta como elas narraram, por entre os
buracos, poças, desvios de animais, transportes, medos, coragens e olhares
dos moradores.
que já fazia muito tempo que não iam até lá. Contaram de maneira
ensaiada e apropriada, já que eu chegara ali sem entender nada do rio, que
o Gramame é muito importante por abastecer uma grande parte da capital
João Pessoa, refletindo que sua preservação depende unicamente das
atitudes das pessoas, e desde pequenas as crianças “devem saber disso”.
Uma criança frequentadora da escola há anos, com apoio das outras
crianças também interessadas em enfatizar o problema do rio, explicaram
que “o rio era limpo, a gente tomava banho lá, mas de tanta sujeira das
fábricas a água ficou azul”. Perguntei em seguida se ainda iam ao rio para
tomar banho e brincar, Ana Parla e Paola ressaltaram que vão sim, “mas
só no da santinha”, e Adrian (11 anos) complementou que “tem o rio da
geladeira também”.
Certo dia, Paola (8 anos) estava muito empolgada por seu aniversário
que seria no próximo final de semana, o qual teria como comemoração um
banho de rio, assim ela, a sua mãe, seu irmão e sua irmã Ana Parla (todos
frequentadores da EVOT) iriam levar um lanche e tomar banho no rio
da Santinha, que segundo Penhinha, educadora da Evot, é o rio Jojoca
que deságua no Rio Gramame. Sobre o “rio da santinha” Paola apontou
o caminho a partir da EVOT para que eu pudesse também conhecê-lo,
incentivando-me com muitos elogios ao descrever o trajeto que eu deveria
seguir: “vai direto, desce a ladeira passa pela ponte direto, só direto, não
arrudeia, tem placa, mas não vai, vai direto, tem ladeira e vai andando bem
e chega. Lá toma banho no rio da santinha”.
Durante essa conversa outro elemento associado ao rio se apresentou
através da brincadeira e da observação de outra criança, conforme relatei
em meu diário de campo:
A própria EVOT por ser uma instituição que conta com espaço
arborizado com oito olhos d’água em seu terreno, se referencia como
um contexto que se abre para outras leituras e sensações por entre seus
espaços, que também são ocupados pelas crianças de forma curiosa e
autônoma. Nela descobrem e atuam de forma coletiva na organização
do ambiente, brincando através dele, colhendo frutas, colaborando com
a manutenção da horta e da frondosa trilha repleta de árvores replantadas
anos atrás pelos educadores e pelas crianças. Dentro da EVOT nascem
cotidianamente outros caminhos em que se misturam o novo e o velho, a
mata e o cimento, a tecnologia e as brincadeiras em roda e no chão.
Entre a EVOT e outros lugares que oferecem mesmo que
limitadamente espaço para suas ações, evidentemente a escola formal está
presente em seus trajetos como sendo um destino cotidiano de encontros
e de experiências por entre as comunidades do bairro, tornando-se um
espaço que une vizinhos, amigos e familiares. Nos últimos anos algumas
escolas municipais, incluindo creches e unidades escolares de atendimento
integral foram construídas no bairro, possuindo também algumas escolas
estaduais. Os adolescentes relataram que estudam no centro ou em outros
bairros distantes para os quais se deslocam em transportes coletivos
sozinhos ou com colegas que estudam no mesmo lugar, mas quase a
metade das crianças frequentam a escola municipal da comunidade que se
9
“Every line is rather the trace of a gesture, which itself retraces an actual movement in the
world” (INGOLD, 2000, p. 233).
10
“Thus the environment one sees is neither ‘seen-at-this-moment’ nor ‘seen-from-this-point’.
On the contrary, what one perceives is an environment that surrounds one, that is everywhere
[…]” (GIBSON, 1979, p. 195–7 apud INGOLD, 2000, p.216).
***
Esse artigo não teria sido possível sem o acolhimento por parte das
crianças e dos adultos da EVOT. Ao grupo, o nosso muito obrigada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
Este trabalho é parte integrante de uma pesquisa de doutorado em Antropologia pela
Universidade Federal do Pará (UFPA), desenvolvida nos anos de 2010 a 2014 (AMORAS,
2014) e com novas investidas no tempo presente (2018).
2
Antropóloga e professora efetiva do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pará-
UFPA. E-mail: samoras@ufpa.br
54 Maria do Socorro Rayol Amoras
INTRODUÇÃO
2004, 2006, 2010; JAMES & PROUT, 1990; QVORTRUP, 2011; NUNES,
2003; COHN, 2002, 2005; PIRES, 2008, 2010, 2011), considerando-as
interlocutoras privilegiadas tanto quanto os adultos. Para mim, marca
um posicionamento teórico e político para vê-las e ouvi-las, isto é,
considerar suas falas sobre seu universo de vivência e interpretá-lo, dando
atenção especial ao modo como participam ativamente da construção da
identificação étnica (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2006).
SOBRE ABACATAL
A Comunidade
No começo tinha um nome/ Ia ser Abacabal/ Mas um erro
no registro/ Ficou Abacatal/ Um conde morou aqui/ E
morou até morrer/ Deixou três filhas/ Que eram cheias de
poder/ Há muito tempo chegou um conde/ Trouxe vários
índios/ Mas ninguém sabia de onde/ E assim formou o
Abacatal/ Uma comunidade de beleza/ Para uns, é muito
pouco/ Para mim, é uma grandeza (Karen, 11 anos).
UM JEITO DE SE VIVER
Não nego não minha raiz. Não posso ter vergonha de morar
aqui. Nós temos um jeito de se viver aqui e devemos ter
orgulho do trabalho da roça. Falo isso pra minha mãe e prá
todo mundo... porque tudo isso existe desde a minha bisavó
que era escrava. Respeito o trabalho da roça, porque o que
a gente vem da roça, mas tem gente aqui que tem vergonha.
é bem visto pelos “de dentro”: “se casou com um homem do mato, tem
que viver a vida do mato, do jeito que se vive no mato”, comentou uma
senhora, tia do homem.
Esse encontro “fora” sempre existiu, mas, hoje, facilitado pela
expansão urbana e pela necessidade frequente de acessar a cidade devido
a diversidade de serviços e espaços de lazer, vem alterando a dinâmica
dos casamentos que antes aconteciam, quase sempre, entre casais das
redes de parentesco; porém, observar isso não significa fazer a defesa de
uma ideia de pureza racial nas suas origens, algo que nunca existiu em
qualquer circunstância, além de que, no Brasil, assim como, em África, os
quilombos se organizaram com a participação de diversos grupos étnicos
(MUNANGA, 1995,1996; SLENES, 2011).
O modo também como os abacataenses entendem a mistura envolve
uma certa admiração pela ideia construída em relação ao sangue guerreiro
do índio, daí a defesa da ascendência indígena ser sempre acionada nos
momentos de embate com os inimigos, e tão presente no imaginário das
crianças. Compreendo por esse viés o fio de memória que as crianças
puxam para mencionar a existência de “um conde e muitos índios”. Onde
ficaram os negros? Essa admiração foi construída pelo entendimento que
têm quanto à reação do índio à escravidão, isto é, a ideia de que não se
submeteu à exploração dos colonizadores, como o negro africano.
O índio, assim genericamente considerado – e por que não dizer
que é uma visão produzida pelos “de fora” para essas pessoas –, não se
deixou escravizar, e ainda são vistos na atualidade como severos lutadores:
“vê, quanta coisa eles consegue, olha só Belo Monte! Fecham estrada,
param as máquinas, vão prá cima dos grandes... Estão dando o sangue e
vão conseguir. Aqui, quando ferve o nosso sangue de índio, não tem pra
ninguém [risos]”, comentou a mãe de Iris. Enquanto o índio é lembrado
pelo seu sangue guerreiro, o trabalhador escravizado é mencionado como
submisso para reservar-lhe um lugar subalterno no passado, como observei
em diversos momentos com as crianças quando queriam fazer troça com
outra criança chamando-a de “minha escrava”.
Foi, portanto, a inspiração na representação do índio guerreiro
que impulsionou os abacataenses a lutar perante o poder público pelo
balizavam as suas relações, como se tudo estivesse perdido, pois viam suas
preferências e interesses voltados às “coisas de fora”: o lazer, a moda,
as “festas de aparelhagens” (LIMA, 2008), os equipamentos eletrônicos
(telefones celulares, computadores e jogos) e as comidas industrializadas.
O trabalho de campo mostrou que as crianças e os jovens tinham
essas preferências tanto quanto os adultos e criavam estratégias para
consegui-las, contudo, sendo uma maneira de se sentirem incluídos entre
os “de fora”: “lá a gente tem que ser descolado, não pode ficar como
bicho do mato, encostado pelos cantos, tem que ser um pouco como
eles”, comentou Caliandra referindo-se aos colegas com quem passou a
se relacionar quando começou a frequentar a escola na cidade com onze
anos. Um grupo de crianças, que estuda nessas escolas, comentou que
recebia apelidos de escravos, roceiros e carvoeiros.
Nesse processo de interação cada vez mais próximo entre campo/
cidade, as crianças e os jovens experimentam e formulam novos modelos
e padrões alternativos de consumo, de comportamento, de estética do
corpo, sexualidade, ou seja, cada vez mais cedo integrantes do público
infantil e juvenil, de ambos os sexos, formulam novos planos e projetos
de vida, redefinem, valores, escolhas (STROPASOLAS, 2012). Contudo,
também é possível dizer que muito da construção desses novos modelos,
“gostos” e “estilos de vida”, são constituintes de uma “distinção” baseada
em valores da cultura dominante, que passam a imprimir nas suas relações
com aqueles abacataenses que não experimentam o espaço “de fora” e
seus elementos simbólicos do mesmo modo (BOURDIEU, 2007).
novo!”. E caiam aos risos das rodopiadas que eu dava com o corpo e
diziam: “tu nunca vai vê ela, porque ela fica invisível rápido”. Em Nina
Rodrigues (1932, p. 277) encontrei A Historia da Aranha (Ananse) entre os
contos africanos, assim como, no estudo de Zélia Amador de Deus, Os
Herdeiros de Ananse (2008). Nesses contos, a aranha desenvolve sempre
grande astúcia e habilidade e figura falando pelo nariz com os deuses
inferiores.
Por horas as crianças contavam outras histórias dos encantados
dos abacataenses, provocadores de muito medo e nem um pouco de riso,
como: o “Arrasta a Corrente”, um homem que aparece arrastando uma
corrente pelos pés no igarapé das pedras; a “Matintaperera” e o “Curupira”,
respectivamente, uma mulher velha e um homem de pés virados para trás,
que ficam no mato, na direção do rio; o “Ronca-ronca”, um homem que
foi comido por um porco e agora aparece roncando dentro do mato; a
“Mãe-d’água”, uma mulher que “flecha” as pessoas dentro do rio e o
“Homem que se virava ora num cachorro, ora num lobo e, outras vezes,
num porco”, já falecido, que não aparece mais, mas as crianças guardam na
memória os temores provocados por aquela figura assustadora.
As crianças também não estão alheias às lutas políticas da
comunidade. Durante as reuniões da Associação e da Escola com as
famílias, sempre estão por perto, brincando e escutando as conversas e
as discussões dos adultos. Dona Violeta sempre conta repetidas vezes
aos netos a história dos embates que travaram para garantir a terra onde
moram hoje, como pude presenciar em várias ocasiões. Um dia encontrei
as crianças, netos de dona Violeta, dentro da mata, sem o conhecimento
dos adultos, carregando toras de madeira para impedir a ação de um
homem que estava ameaçando invadir o terreno da avó. Percebi que, para
elas, as crianças, existe um “limite de respeito” que deve ser preservado
para que território seja protegido.
Penso que, se a luta pelo território também é interpretada e
dinamizada pelas crianças assim como elementos da cultura africana e
indígena, é porque o que os unia no passado subsiste em suas relações
cotidianas. Então, como enxergar a “perda”? Compreendi essa geração
mais nova, que se apresentava (aos meus olhos), como agente da história,
Temáticas, Campinas, 26, (51): 53-86, fev./jun. 2018
78 Maria do Socorro Rayol Amoras
lhes diz respeito. Neste sentido, é possível falar de um modo mais geral,
em acordo com este autor: “a ideia antropológica de cultura, por conspirar
para a estabilização da diferença, legitimaria as múltiplas desigualdades
— inclusive o racismo — inerentes ao funcionamento do capitalismo
ocidental”.
A maneira como as crianças abacataenses demonstraram que
querem continuar vivendo, muito explica que ser quilombola, carambola,
remanescente de quilombo, afrodescendente, trabalhador rural,
população tradicional não é nenhuma camisa de força. Ao contrário, são
possibilidades de se construir processos de reorganização das referências
e das perspectivas identitárias que manipulam por meio de uma moral
do reconhecimento, uma identificação. É, portanto, um modo constituído
na relação entre moral e ética, que pressupõe “exercício de liberdade
nas ações de incorporações de identidades” e capacidade de escolha de
identidades de conformidade com diferentes interlocutores em diversos
espaços de interação (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2002, p. 22-55), nesse
movimento histórico entre “os de dentro” e “os de fora”.
Assim entendido, a análise buscou consonância com o conceito
contemporâneo de quilombo, que tem como premissa a ideia de que esses
grupos – livres – tomam o território como suporte de sua autodeclaração
sociocultural. A diversidade cultural, neste caso, é vista como subsidiária
dos direitos territoriais, que são direitos a viver de um determinado modo
(ARRUTI, 2008). Nesse sentido, presumo que as crianças abacataenses
apontam caminhos para “desfrigorificar” categorias e compreensões
naturalizadas acerca desses povos (ALMEIDA, 2008).
Nesse sentido, a defesa de um “jeito de se viver” feita pelas crianças
se contrapõe às ideias e às imagens construídas ao longo da nossa
história para pensar e falar sobre esses grupos. As reflexões de Sahlins
situam-se na direção de um esclarecimento de que “culturas diferentes
implicam historicidades diferentes”. Essa assertiva, pensada pela agência
dessas crianças, possibilita a análise que liberta os quilombolas das ideias
homogeneizadoras produzidas muitas das vezes pela historiografia,
as quais são amplamente veiculadas na nossa sociedade. São ideias que
intercambiam preceitos legais que tentam uniformizar e cristalizar as
Temáticas, Campinas, 26, (51): 53-86, fev./jun. 2018
80 Maria do Socorro Rayol Amoras
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar a prática educativa com as crianças na
Ciranda Infantil do pré-assentamento Elizabeth Teixeira do Movimento de Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) a partir da Sociologia da Infância e da Educação Popular. As
crianças são o ponto de partida da prática educativa, e da análise realizada, uma vez que são
reconhecidas como sujeitos da história, atores no mundo e protagonistas da luta pela terra.
A análise partiu da minha participação como educador-pesquisador na Ciranda Infantil
do pré-assentamento e dos relatos de atividades do coletivo de extensão Universidade
Popular, utilizados como fonte da pesquisa. Os relatos apresentam o protagonismo das
crianças como sujeitos no mundo e produtoras de culturas infantis (FERNANDES, 2004;
CORSARO, 2011). Como espaço de educação das crianças Sem Terrinhas, a Ciranda
Infantil insere-se na trajetória da Educação Popular, coloca o movimento social como
espaço e princípio educativo de formação dos sujeitos, garante espaço de encontro do
coletivo infantil e reconhece as crianças enquanto pequenos sujeitos da luta pela terra,
elementos que contribuem para caracterizá-la como uma experiência de Educação Infantil
Popular.
PALAVRAS-CHAVE: Criança; Infância; Culturas Infantis; Sociologia da Infância;
Educação Infantil Popular; Movimento Social; Ciranda Infantil.
1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação, na linha de Conhecimento e
Inclusão Social, na Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: fabioaccardo@gmail.com
88 Fábio Accardo de Freitas
ABSTRACT: This article aims to analyze the educational practice with children in the
Ciranda Infantil of the pre-settlement Elizabeth Teixeira of the Movement of Landless
Rural Workers (MST) from the Sociology of Childhood and Popular Education. The
children are the basis of educational practice, and in the analysis performed, once they
are recognized as subjects of history, actors in the world and protagonists in the struggle
for land. The analysis was based on my participation as an educator-researcher in the
Ciranda Infantil of the pre-settlement and in the reports of activities of the Popular
University extension group, that was used as the research source. The reports present
the protagonism of children as subjects in the world and producers of children’s cultures
(FERNANDES, 2004; CORSARO, 2011). As a educacional space of the children without
landmarkers, the Ciranda Infantil inserts itself into the Popular Education trajectory,
set the social movement as a space and educational principle for the formation of the
subjects, guarantees the space for the children’s collective meeting and recognizes children
as small subjects of the struggle for land, elements that contribute to characterize it as an
experience of Popular Children’s Education.
KEYWORDS: Children, Childhood, Peers Cultures, Sociology of Childhood, Popular
Early Childhood Education, Social Movement, Ciranda Infantil.
INTRODUÇÃO
3
Mestrado realizado junto ao grupo de pesquisa GEPEDISC – Culturas Infantis que vem
produzindo pesquisas sobre experiências de educação infantil com as classes populares,
evidenciando a produção das culturas infantis e as experiências de infância das crianças que são
atravessadas pelas questões de raça, etnia, gênero e classe social.
4
O nome do pré-assentamento foi escolhido em homenagem a Elizabeth Teixeira (1925-),
mulher, militante e liderança da Liga Camponesa de Sapé, no estado da Paraíba.
5
Sobre o histórico da luta pela área e a constituição do pré-assentamento ver as dissertações de
Rodrigo Taufic (2014) e Gabriela Furlan Carcaioli (2014).
6
A Universidade Popular foi um coletivo de extensão da Unicamp que realizava trabalhados na
área da educação junto ao MST na região de Campinas, principalmente no pré-assentamento
Elizabeth Teixeira. Para o histórico do coletivo e das atividades realizadas, ver livro “Na
autonomia do povo, o poder popular: experiências com Educação Popular no acampamento
Elizabeth Teixeira”, de organização do Coletivo Universidade Popular e lançado em abril de
2015.
9
As falas de Clara e Manoel foram retiradas do curta-metragem Entre Terras e Céus, que
acompanhou a história do pré-assentamento Elizabeth Teixeira a partir dos relatos das próprias
acampadas e acampados. Fizeram parte da produção do vídeo Raquel Minako e Andréa Bertelli,
que na época eram estudantes de pedagogia e ciências sociais da Unicamp e educadoras infantis
na Ciranda Infantil do pré-assentamento Elizabeth Teixeira. Acessar ao vídeo em: https://
www.youtube.com/watch?v=rQ8uAXV7U3o
10
Esse depoimento de Pedro foi dado a mim em uma das atividades da Ciranda Infantil no
final do ano de 2014.
11
Manifestações das crianças palestinas soltando pipas, pedindo paz e o fim do massacre ao povo
palestino na faixa de Gaza, ver em: https://pimentacomlimao.wordpress.com/2010/08/01/
a-esperanca-colore-o-ceu-de-gaza/
12
O vídeo “Manifestação de apoio ao assentamento Milton Santos, Sem
Terrinhas do Elizabeth Teixeira” está disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=ciAZzr0DQvk&feature=youtu.be.
delas, onde as próprias crianças leem seu mundo e falam sobre ele,
reinventando-o e redescobrindo-o nas brincadeiras, numa tentativa de
reelaborar coletivamente as suas experiências de infância, criando uma
identidade coletiva com o processo de luta em que vivem e um respeito
pela história de resistência que constroem.
A Ciranda Infantil, ao estar vinculada ao cotidiano do pré-
assentamento, possibilita um espaço educativo como extensão da vida e,
por isso, preocupado com a liberdade das crianças de brincar, de produzir
culturas infantis no compartilhamento dessa cultura do cotidiano e
como experiência histórica que as constitui – como sujeitos da história,
protagonistas da luta pela terra e da transformação do mundo.
- Você todos têm que ficar aqui fora da casa por enquanto
para que a gente arrume o café lá dentro. Podem ficar aqui
na varanda.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
O presente artigo é resultado da pesquisa realizada durante a Especialização em
Desenvolvimento Sustentável e Educação do Campo – Residência Agrária, realizada na
Universidade Federal do Ceará (UFC) campus Cariri.
2
Socióloga e doutora em Estudos Latino-Americanos. Docente no Programa de Pós-
Graduação em Sociologia (PPGS), no Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino
(MAIE) e na Faculdade de Educação de Crateús (FAEC) da Universidade Estadual do Ceará
(UECE) – Grupo de Pesquisa Pensamento Social e Epistemologias do Conhecimento na
América Latina e Caribe. Linha de Pesquisa 1: Mobilizações Sociais, Campo e Cidade. Linha de
Pesquisa 2: Trabalho, Educação e Movimentos Sociais. E-mail: lia.barbosa@uece.br.
3
Pedagoga e Especialista em Desenvolvimento Sustentável e Educação do Campo – Residência
Agrária. Pedagoga na Cáritas Diocesana – Ceará. E-mail: mirnamix@hotmail.com.
120 Lia Pinheiro Barbosa e Mirna Sousa Sales
luta que impulsam a práxis política dos Sem Terrinha na perspectiva da Infância Sem Terra
no movimento da práxis educativo-política do MST. Realizamos pesquisa documental, com
a análise de documentos produzidos pelo Setor de Educação do MST e que estruturam
a concepção da Infância Sem Terra e as diretrizes filosóficas e pedagógicas de sua
proposta educativa. Também realizamos pesquisa de campo em áreas de assentamento na
microrregião dos Sertões de Crateús, Ceará.
INTRODUÇÃO
inscrição do pedagógico como uma geopedagogia que nos permite discutir de que maneira os
movimentos sociais consolidam uma práxis educativo-política baseada no conjunto de saberes
e na multiplicidade de elementos constitutivos da experiência política, as quais possuem raízes
próprias de seus territórios e culturas (BARBOSA, 2014; 2015).
8
Documento do 1º Seminário Nacional de Educação em Assentamentos. São Mateus / ES.
27 a 30 de julho de 1987.
10
Esta foi a primeira turma de Magistério da Terra formada pelo MST, em âmbito nacional,
com a presença de 18 estados.
11
O Estatuto da Criança e do Adolescente é reconhecido, no âmbito do debate teórico e
político do Setor de Educação, como documento de referência na definição da Infância e dos
direitos a serem garantidos às crianças e adolescentes.
18
Em http://www.resumenlatinoamericano.org/?p=2215
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade
Federal de São Carlos. Financiamento: CAPES. Pesquisadora membro do Núcleo Amanar -
Casa das Áfricas. E-mail: marinan.pastore@gmail.com
150 Marina Di Napoli Pastore
ABSTRACT: In Mozambique, there are few policies or studies on children in rural areas,
in the same way as the images on children and childhood/Mozambique by a positive
bias, of everyday life, and participation of the powers. Usually marked by absences
and deprivation of rights, studies, researches and policies has been anchored in visions
generalists and pre-designed of Mozambican rural childhoods. How to think about all the
children and childhoods through a perspective that deals with cultural diversity, differences
and possible and existing interfaces in more diverse scenarios Mozambicans? From such
questions, this article is the result of an ethnographic experience in a rural community
South of Mozambique, the African continent whose goal is to bring to the discussion the
relationship of children with the production of culture and knowledge between them and
your relationship with the environment in which they live, contextualizing this place, their
practices and experiences through field study performed out in the year 2017. Brings to
discussion the diversity of childhood and its activities, your connection to the middle and
ancestry, in an attempt to broaden the dialogue and perspectives on children in rural areas
KEYWORDS: Childhoods; Children; Rural Areas; Mozambique; Sociocultural Diversity;
Ethnography.
INTRODUÇÃO
a vida das mesmas como “uma realidade complexa, marcada por luzes
e sombras, potencialidades e criticidades” (COLLONA, 2012, p. 4).
carro aberto para chegar até o subdistrito de Tevele e, então, andarmos até
o povoado de Nhandlovo. O percurso levou em torno de 40 minutos de
carro e mais 40 minutos de caminhada, em estradas de terra. A locomoção
por ali é insuficiente e tem um custo alto aos moradores, o que dificulta o
acesso à cidade e aos outros serviços oferecidos, como escolas de ensino
médio (colegial) e superior, saúde, entre outros.
Quando chegamos na casa de seus avós, fomos recebidos por eles
e pela chefe das 10 casas, posto reconhecido pelo chefe tradicional do
povoado, pelo Governo e, o principal, pelos moradores, que são quem
escolhem quem ocupa este cargo. A chefe de 10 casas é responsável
pelas casas do seu perímetro e por tudo que acontece ali: a ela ficou a
responsabilidade de saber quem eu era, o que fazia e como agia, aceitando
minha estadia ali e minha pesquisa, e reportando ao chefe de quarteirão e,
então, ao chefe tradicional. Tive encontro com todos eles, fui apresentada,
relatei sobre as pesquisas que vinha fazendo em áreas urbanas na capital
e meu desejo de explorar também uma parte da área rural. Após ter o
aceite deles, passei a observar algumas crianças, e a ser observada também,
e conforme iam se aproximando de mim, conversamos sobre o que eu
fazia ali e tive o aceite delas para poder lhes acompanhar, ir em suas casas
e estar com elas quando achavam que era conveniente. Por ser mês de
realização do censo demográfico nacional, as aulas estavam suspensas, o
que fez com que a escola acabasse por não englobar um dos espaços de
acompanhamento, neste primeiro momento.
Uma questão importante e inicial é em relação a ser adulta e
pesquisar crianças (PIRES, 2007). Venho me deparando com isso desde
2013, quando resolvi iniciar os estudos e pesquisas em Moçambique. Para
estar com as crianças é preciso estar disposto ao encontro com o Outro,
Outro este que possui muitas diferenças: idade; condições socioeconômica,
cultural e histórica; gênero (em alguns casos); línguas faladas e entendidas;
entre outras. A principal diferença naquele momento foi a cor da pele:
muitas crianças nunca haviam tido contato com alguém da cor branca,
sendo, dentro de seus imaginários, uma imagem vaga e fantasmagórica,
fazendo com que muitas crianças tivessem medo de mim, chegando a
correr e mesmo a chorar. Quando isso acontecia, eu não insistia neste
Temáticas, Campinas, 26, (51): 149-178, fev./jun. 2018
162 Marina Di Napoli Pastore
Manoel de Barros
Vamos ao rio? Vamos! Mas está frio! E daí? Tira roupa, senta
na capulana. Põe os pés, sai correndo. Mergulha a cabeça, sai com corpo
fora. Observa, fotografa, admira. Mistura medo do frio com vontade de
entrar. Se junta ao Julinho e, de mãos dadas, sem trocar as palavras, vamos.
A comunicação nunca foi tão clara. E pra sair? Ficamos. Pouco, está frio.
Secamos ao Sol. Caminhamos. Cerca de 40 minutos, mas era perto. Longe
era chegar na estrada. “Vamos chupar cana? Sentamos. Agora vamos, vô
Bento há de brigar...” (MOÇA DE BIQUE, 2017, s/p).
A relação das crianças, e mesmo dos adultos, com a natureza e
com a ancestralidade foi algo que me chamou atenção. Na primeira noite
que passamos na casa dos avós de Félix, após receber visitas de algumas
crianças, uma delas me disse “dormiste bem? É porque os espíritos da casa
gostaram bem dos seus espíritos”. Hampátê-Bá (2003), escritor malinês,
traz em sua obra uma reflexão sobre a ancestralidade africana, discutindo
sobre a importância de se levar em consideração o “mundo oculto”, ou
seja, a fé e crença nos antepassados, na ancestralidade e nas vivências,
entendendo que o momento presente é constituído também do que foi
no passado e o que virá a ser no futuro, sem os quais não é possível se
trabalhar com culturas africanas. Essa lição é passada às crianças desde
pequenas, e estas incorporam em seus vocabulários e modos de fazer,
repassando às outras nas trocas e nas relações que estabelecem entre si.
Do mesmo modo aparece o cuidado com a terra e com os animais,
metaforizados através de contos que são contados às crianças em diversos
momentos da vida. O cuidado à terra, que acontece desde muito cedo, é
parte da formação da personalidade das crianças e da pessoa moçambicana.
As crianças participam da vida cotidiana de maneiras distintas: nas tarefas
destinadas a elas, no ir e vir dentre os espaços, nas relações, nas escolhas,
nas vontades (LAYE, 2013).
A passagem pelo campo ainda é inicial; porém, é possível traçar
paralelos entre a diferença da vida entre espaço urbano e espaço rural,
as raízes fortes com a ancestralidade e com a natureza, um outro modo
de produzir e colher nas machambas e a importância à terra. De uma
infância considerada atrasada, como disse o chefe tradicional ao se referir
aos modos como o Governo e organizações internacionais se referem à
Temáticas, Campinas, 26, (51): 149-178, fev./jun. 2018
168 Marina Di Napoli Pastore
que diminuía a quantidade de crianças ali, já que muitas haviam ido visitar
seus parentes fora do povoado. Algumas lavavam louças, outras brincavam
de correr, algumas ainda acompanhavam os avós e pais nas machambas.
Ouvi meninos, de longe, dizendo sobre os bois. Ao encontrar com eles,
tinham varas de bambu nas mãos e galochas, misturavam o trabalho com
o brincar – ao menos de maneira perceptiva.
Algumas crianças passavam ao longe, geralmente correndo entre
os matos e pegando frutas nas árvores. As crianças se misturavam entre
os animais, num brincar e realizar as tarefas, sem saber ao certo qual era a
prioridade ali... Cortavam canas-de-açúcar, ordenavam porcos, carregavam
água. Levavam madeira para as lenhas, buscavam alimentos nas casas
vizinhas. Corriam, cantavam e riam.
O brincar se misturava nas relações com as tarefas e
responsabilidades. Mesmo longe dos olhos dos adultos, as crianças
faziam aquilo que lhes eram pedido, e não deixavam o brincar por isso.
E o contrário também ocorria. Numa conversa com as crianças, elas
disseram por algumas vezes “na machamba não anima. O que anima é
brincar”, ou “pastorar nada, gosto mesmo é de brincar”, mas, quando
questionadas se ajudavam muito em casa, elas diziam que sim, mas que
não deixavam de brincar. As crianças me ajudavam também nas traduções
com as adultos – estes, na maioria das vezes, não falavam português.
Em uma das conversas, o dia-a-dia das crianças foi o assunto principal:
“essas crianças aqui vão pra escola, fazem coisas de casa, mas ih, como
brincam! E tem que brincar, sabes. Afinal, são crianças”. (ANOTAÇÕES
CADERNO DE CAMPO, 2017).
Silva (2012) discute que é durante o brincar que a criança formula as
hipóteses para a compreensão das pessoas e da realidade a qual interagem,
com seus problemas e seus encantos. As crianças vão, “num espaço à
margem da vida comum” (2012, p. 118), fazendo uso do brincar para
compreender sua realidade, mudando e transformando as situações que
vivenciam.
As crianças possuíam e desenvolviam suas atividades, fossem
domésticas ou comunitárias, mas exerciam também àquela que lhes era
garantida por direito: o brincar. Numa passagem do livro “O menino
Temáticas, Campinas, 26, (51): 149-178, fev./jun. 2018
170 Marina Di Napoli Pastore
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
Professora Adjunta na Universidade Federal do Maranhão. E-mail: emilenesousa@yahoo.
com.br
180 Emilene Leite de Souza
ABSTRACT: This article starts at a debate about children’s universe autonomy versus
children’s autonomy to analyze the case of the Capuxu children and their agency. The
Capuxu people are a peasant group whose ethnicity is defined by a strong sense of
belonging as well as by some diacritical signals. Among the enunciating aspects of the
Capuxu identity, three major systems stand out: kinship, naming and godparenting, which
are strongly modified by children’s actions. The system of proper names designates
names in childhood which are replaced by the nicknames attributed by children among
themselves. These nicknames are used for lifetime and become the formal designations
of their bearers. Although the godparenting system assigns to children godparents chosen
by their parents, children participate in alternative godparenting rituals by replacing their
formal godparents by those they have chosen, circumventing the Capuxu godfathering
system. On the other hand, the endogamous system of kinship, with a preference for
unions between cousins, delimits the possible spouses for children, but this system entirely
depends on the relationships these children will develop with their potential spouses. This
is the way this article uses to reveal how the Capuxu children change systems built by
adults, imprinting their autonomy.
KEYWORDS: Autonomy; Agency; Capuxu Children.
APRESENTAÇÃO
DO PERCURSO METODOLÓGICO
3
Para pensar a agência infantil podemos partir da representação da criança mediadora de
relações sociais: Schildkrout (1978).
5
Chamo de outsiders todos os moradores da cidade de Santa Terezinha e dos sítios circunvizinhos
ao Sítio Santana-Queimadas, ou seja, todos aqueles com quem o povo Capuxu se relaciona e
convive que não são Capuxu.
crianças, mas elas transitam dentro de grupos de onde sabem que sairão
os seus cônjuges.
São grupos de parentesco e de brincadeira, grupos de sala de aula na
escola, da primeira eucaristia na igreja, da crisma, e das viagens para a escola
na cidade a partir do sexto ano de estudos. São os grupos das brincadeiras
de férias, do compartilhamento dos cuidados com os animais, dos festejos
e novenas, dos grupos de coral na igreja, dos meninos que jogam o futebol
dos fins de semana e das meninas que eufóricas torcem pelo time formado
pelos meninos do local contra os times dos sítios vizinhos.
Assim, os primos e amigos desde a infância reúnem os requisitos
para formarem um casal tipicamente Capuxu. São conhecedores da
história de vida um do outro e fortalecerão através do casamento e dos
filhos, o parentesco, a identidade e a história do povo Capuxu.
Neste caso, fica nítida a agência das crianças como garantia para a
manutenção do sistema endogâmico, pois as relações precisam ser tecidas
e germinadas na infância para que os casamentos entre primos continuem
a fazer sentido entre eles garantindo a continuidade do grupo. Se não
houver predisposição por parte das crianças e a construção de uma relação
desde a infância que deve terminar em casamento, ocorrerá o malogro do
sistema.
6
Os sistemas onomásticos ameríndios endonímicos acentuam a conservação dos nomes como
uma espécie de patrimônio a ser transmitido entre gerações. Estes sistemas valorizam tanto a
transmissão “interna” de nomes que, mesmo quando se adquire o nome fora do universo social,
o objetivo é integrá-lo na transmissão intergeracional “dentro do grupo” (cf. VIVEIROS DE
CASTRO, 2006 apud HUGH-JONES, 2006, p.89).
7
Faço aqui uma ressalva para o uso destas nomenclaturas que elegi. Entendo que todo nome
é atribuído, seja ele transmitido (não deixa de ser uma atribuição) ou não. Todavia, opto por
distinguir no rol de atribuições possíveis, aqueles que são atribuídos por transmissão (ou
herdados), aqueles que são atribuídos livremente, obedecendo a outros critérios como nomes
de santos, de famosos, etc.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Celeste De Marco1
1
Becaria doctoral CONICET en el Centro de Estudios de la Argentina Rural de la Universidad
Nacional de Quilmes. Contacto: rdemarco@conicet.gov.ar / celestedemarco88@gmail.com
216 Celeste De Marco
Abstract: The present study aims to contribute to the reconstruction and characterization
of those children that lived in peri-urban productive spaces in Buenos Aires (Argentina)
in the period spanning the decades of 1950-1960. That is to say, children whose lives were
marked by a lifestyle of “field” and with productive insertion in the family business, but,
at the same time, with the possibility of access to goods, services and practices of urban
origin. To address the issue, two late agricultural colonies formed in the rural contours
near the federal capital of Argentina and the provincial capital of Buenos Aires in the
mid-twentieth century during the Peronist period (1946-1955) are taken as case studies.
The hypothesis is that the children structured the family domestic economy from work
that was not marginal. At the same time, they nurtured social life based on their particular
practices and needs. In this way, the intention is to indicate the importance of children in
peri-urban areas, in a period of full deployment and productive consolidation of these.
KEYWORDS: Childhood; Rural; Memory; Periurban.
INTRODUCCIÓN2
5
Los aportes sobre niñez rural surgen en general en el marco de estudios sobre familias. En
líneas generales, y para diversas realidades regionales argentinas, se aborda la temática de las
representaciones sociales (GUTIÉRREZ, 2009; 2010) y condiciones de vida (CERDÁ, 2009),
especialmente en lo que respecta a su participación en los esquemas familiares y productivos
y su escolarización (LIONETTI, 2012; ASCOLANI, 2012; MARTOCCI, 2010; BILLOROU,
2015). La cuestión de la niñez, no obstante, poco se ha estudiado desde la ubicación espacial
y social de las colonias agrícolas. Encontramos, de este modo, que los trabajos existentes
refieren a la experiencia educativa de los escolares, que en ocasiones se pone en diálogo con la
cuestión de la inmigración. Tal es el caso de Zavala Cepeda (2008), a través de su aporte sobre
colonización y educación en la Araucanía entre 1887 y 1915, como de Avellaneda y Casanello
(2007) en su estudio sobre escuelas judías en colonias agrícolas. Por su parte, De Paz Trueba
(2017) analiza la situación de la niñez en poblados de campaña hacia finales del siglo XIX y
comienzos del XX, en contextos de instituciones asistenciales. Sin enfocarse precisamente en
la experiencia de quienes fueron niños rurales, Bjerg (2012) recoge un nutrido grupo de relatos
sobre los recuerdos de niños que vivenciaron el exilio en Argentina, en la segunda posguerra.
Con perspectivas más actuales, resultan indispensables los trabajos de Aparicio (2007; 2009)
donde la autora analiza las características del trabajo infantil en medios de características rurales
en Argentina, basándose en registros censales y estadísticos. Sin embargo, aunque en los
últimos años se hicieron aportes (DE MARCO, 2015), no existen muchas labores que vinculen
las fuentes orales con la recuperación histórica de la niñez rural.
6
En términos de Barsky (2011:15), periurbano se define como: “un territorio productivo,
residencial y de servicios que se desarrolla en el contorno de las ciudades. Se genera cuando un
centro alcanza determinadas dimensiones, es decir, cuando conforma un mercado de alcance
regional que requiere ser abastecido desde ‘las cercanías’”.
vidas fueron signadas por un estilo de vida “de campo” y con inserción
productiva en la empresa familiar, pero, al mismo tiempo, con posibilidad
de acceso a bienes, servicios y prácticas de origen urbano.
Para abordar la cuestión se toman como escenarios de estudio dos
colonias agrícolas tardías formadas en los contornos rurales cercanos a la
capital federal de la República Argentina y la capital provincial de Buenos
Aires a mediados del siglo XX. Estos emprendimientos encastraron en
zonas donde estaba cuajando un perfil productivo intensivo orientado a
la producción de verduras y también de flores, el cual contribuyeron a
afianzar. En este tipo de espacios y ese momento donde la producción
tuvo un patente cariz familiar (puesto que así era promovido desde la esfera
pública que regulaba las colonias), la impronta infantil se percibe como
indeleble. Y a la vez, paradójicamente, incorpórea. Es por esa razón que
se propone poner de relieve la vida cotidiana de los hijos de los colonos,
esencialmente a partir de dos ejes: el trabajo y la escolarización.7
Lo anterior se aborda a partir del análisis de entrevistas8 realizadas
a sujetos que habitaron colonias agrícolas periurbanas durante su etapa
infantil, entre las décadas de 1950-1960. En concreto, el presente estudio,
de evidente tenor microhistórico, se estructura con base en una serie de
relatos de mujeres y hombres que transitaban su niñez cuando llegaron a las
colonias “La Capilla” y “Urquiza” para radicarse, ambos emprendimientos
ubicados en las cercanías citadinas, fundadas en el marco del peronismo
histórico. Lo anterior fue cotejado a su vez con otras fuentes documentales
que remiten a los proyectos colonizadores.9
7
Es importante consignar que también había niños que eran hijos de peones contratados
por los colonos. Sin embargo, dar cuenta de este subgrupo es complejo debido a su reducido
número (en comparación con los hijos de los propietarios de las tierras), de la movilidad de
estas familias y la consiguiente imposibilidad de dar con sus rastros, e incluso con ellos mismos
para recuperar sus testimonios.
8
Las entrevistas seleccionadas forman parte de una serie realizada por la autora entre 2011
y 2017. Las que corresponden a “Colonia Urquiza” fueron posibles con la inestimable
colaboración de la Prof. Isabel Cafiero.
9
El rastreo de documentación pertinente ha sido profuso, dada la diseminación e intermitencia
de los rastros. Se refiere en particular a carpetas de colonias de los entes colonizadores
(Ministerio de Asuntos Agrarios -MAA-, Consejo Agrario Nacional -CAN- o Banco de la
Nación Argentina) encargados de su creación e inspección, informes técnicos de organismos
12
Luego de intensos debates legislativos, en 1940 se promulgó la Ley Nacional 12.636 que
daría origen al Consejo Agrario Nacional, principal entidad a cargo de obras colonizadoras
nacionales. Pero desde 1936 existía en la provincia de Buenos Aires una legislación (Ley
Provincial 4.418) que fundó el Instituto Autárquico de Colonización (IAC), sirviendo su
accionar como modelo para otras experiencias del período.
13
Fue durante la gobernación peronista de Domingo A. Mercante (1946-1951), el IAC fue
refundado (Ley Provincial 5.286), dando origen a nuevos proyectos, entre ellos, “Colonia La
Capilla”.
22
María Baglione, comunicación personal, 04/03/2013. Descendiente de argentinos de
“Colonia La Capilla”, docente jubilada.
23
Luisa Harima, comunicación personal, 04/07/2015.
24
En parte, es cierto que muchos peones eran solteros o habían dejado a sus familias en otros
espacios, pero influía el hecho de aquellos que sí tenían descendencia se veían compelidos a
contar con su aporte en tierras colonas, contribuyendo así a homogenizar la población escolar.
25
La cooperadora de la escuela daba cuenta de la colaboración de vecinos y colonos de todas
las nacionalidades, incluyendo grupos minoritarios, como los polacos. La escolarización de los
hijos permitió que se gestara una de las pocas muestras de proyectos conjuntos de esta colonia
(a diferencia de “La Capilla”, que en ese sentido era mucho más unida y dinámica), lo cual
señala el interés y el compromiso que el tema suscitaba, a diferencia de otros que afectaban
de igual modo sus vidas cotidianas. Antonio Di Rocco, comunicación personal, 23/02/2015.
Italiano de “Colonia Urquiza”, ex productor.
26
Silvia Di Fonzo, comunicación personal, 23/02/2015.
27
Nélida Baglioni, comunicación personal, 30/11/2011. Primera directora-maestra de la
escuela primaria de la “Colonia La Capilla”. Entre la literatura académica que versa sobre la
educación rural en Argentina y sus problemáticas, se señala el trabajo de Plencovich et al (2009)
y desde un punto de vista histórico para región pampeana, Gutiérrez (2007).
28
Olga Moldawa, comunicación personal, 03/03/2015.
29
Vicenta Girardi, comunicación personal, 27/01/2015.
30
Entrevista a Norma Matsuhara, comunicación personal, 04/07/2015. Descendiente de
japoneses de “Colonia Urquiza”, productora.
31
Carolina Matsuhara,comunicación personal, 04/07/2015. Descendiente de japoneses de
“Colonia Urquiza”, productora.
36
No fueron pocos los casos de amistades engendradas a través de estos contactos que
culminaron luego en matrimonios. En general, las mujeres fueron las que estrecharon lazos
matrimoniales con japoneses y se mudaron a este país de forma permanente.
37
Con posterioridad se fundó junto a la Escuela Primaria N.º 57 “Juan Bautista Ambrosetti” el
Jardín de Infantes N.º 940 “Gladys Mabel Guadix”, lo que resolvió problemas similares para
toda la población de la zona, al tiempo que esta iniciativa japonesa dejó de funcionar.
38
Ana Tsuru, comunicación personal, 19/03/2015.
39
Las actividades se extendían incluso por fuera de la colonia. Por el interés que generaba en
los pequeños, se convirtió en una práctica usual hacer paseos al centro de la ciudad fuera del
horario de funcionamiento de la guardería/jardín de infantes.
40
Aunque no era una iniciativa oficial, es interesante señalar que las mujeres a cargo eran maestras
jardineras tituladas ajenas a la colectividad (aunque contratadas mediante recomendación)
lo que sugiere que las niponas estaban realmente involucradas en los trabajos domésticos y
florícolas, motivo por el cual utilizaban este espacio para delegar temporalmente parte de sus
ocupaciones tradicionales, una práctica que no ha tenido parangón en otras comunidades de
las colonias estudiadas.
41
En “Colonia La Capilla” esta actividad religiosa estaba a cargo de un matrimonio colono
de excelente concepto, que a su vez se encargaban del almacén de la cooperativa de la
colonia, los Rivas (Martín Giallonardo, comunicación personal, 02/10/2014; Margarita Rivas,
comunicación personal, 16/05/2015). En “Colonia Urquiza” la actividad era externa, pero
muy alentada, incluso dentro de la comunidad nipona, para quienes la integración de los
niños requería también la incorporación de la fe difundida en el país de acogida (Ana Tsuru,
comunicación personal, 19/03/2015).
REFLEXIONES FINALES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo mostrar metodologias, vivências e práticas
usadas com crianças no meio religioso, chegando à observação da evangelização infantil
na igreja Adventista. Detalho assim na primeira pessoa: a metodologia usada e o papel
do pesquisador para a Sociologia, informando pontos positivos e negativos, e mostrando
breves notas de campo. Trago observações, descrição, análise e interpretação do campo
estudado, na Escola Sabatina, no grupo dos Primários da igreja Adventista, onde consegui
observar e ver as contribuições da evangelização infantil para a socialização, através das
aulas que assisti na igreja, dos desenhos que tive com as crianças, e das conversas com elas,
e com os professores. Prossigo observando atividades e dados do grupo estudado, com
desenhos. Por isso, sigo as metodologias já estudadas e pesquisadas por Pires (2011), Lewis
(2006), Cohn (2005), Nunes (2007), Campos (2009), Santos (2011), Silva (2013), Falcão
(2010). Com esses diálogos construí uma base metodológica, para seguir os percursos
do meu campo de pesquisa. Portanto, esse material estudado rico no conceito de agência
infantil me fez enveredar por uma área da Sociologia e Antropologia que começa a ter
espaço.
PALAVRAS-CHAVE: Crianças; Adventistas; Observações de campo.
1
Docente da Faculdade Paraíso do Ceará (FAPCE). Coordenadora do Grupo de Estudos
Gênero, Geração e Direito FAP. Doutoranda em Ciências das Religiões (UFPB). Mestre
em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Bacharel em Ciências Sociais
(URCA). E-mail: priscilaribeiroj@hotmail.com
250 Priscila Ribeiro Jeronimo Diniz
ABSTRACT: This work aims to show methodologies, experiences and practices used
with children in the religious environment, coming to the observation of children ‘s
evangelization in the Adventist Church. I detail the first person: the methodology used
and the role of the researcher for Sociology, informing positive and negative points, and
showing brief field notes. I bring observations, description, analysis, and interpretation
of the field studied in Sabbath School to the Adventist Church Primary group where
I was able to observe and see the contributions of child evangelism to socialization
through the classes I attended in the church of the drawings I had with the children, and
the conversations with them, and with the teachers. I continue observing activities and
data of the studied group, with drawings. For this reason, I follow the methodologies
already studied and researched by Pires (2011), Lewis (2006), Cohn (2005), Nunes (2007),
Campos (2009), Santos . With these dialogues I built a methodological basis, to follow
the paths of my field of research. Therefore, this studied material rich in the concept of
children’s agency led me to embark on an area of Sociology and Anthropology that begins
to have space.
KEYWORDS: Children; Adventists; Field observations.
INTRODUÇÃO
1. ENTRANDO EM CAMPO
os sapatos baixos das meninas da turma, ficando nesta fronteira, para não
parecer ser a professora, já que sou uma adulta.
Alice, 7 anos, aluna, a criança mais me ajudou a entender a teologia
da igreja e o que era passado para as crianças, ela foi a minha informante
chave. Ela pretendia pregar no dia das crianças3, essa garota é filha de um
dos pastores da igreja, e filha da coordenadora do Departamento Infantil
da igreja.
João, 7 anos, filho de Joaquim e enteado de Daniela, outro
informante importante, se veste muito parecido com o pai, de roupa social.
Sara, 9 anos, por ser a mais velha, se sente a maior na sala, por isso sempre
comanda as atividades. Pedro, 7 anos, menino tímido, muito calado, não
conversa muito, e também não foi com tanta freqüência. Rebeca, 7 anos,
passou a ter mais freqüência no grupo, no final das minhas visitas. José,
8 anos, também com pouca freqüência no grupo.
A Escola Sabatina começa com a reunião dos professores, com
estudo ou a recapitulação da lição da semana. Coleta de ofertas, mensagem
musical, trabalho missionário, essa é a estrutura geral. Depois as crianças
e os adultos se dirigem para o Culto de Adoração que é solene, com
músicas, ofertas. As lições tratam de um determinado assunto, livro
bíblico ou doutrina a cada trimestre. Estima-se que 25 milhões de pessoas
freqüentam a Escola Sabatina em todo mundo.
A Sala dos Primários era igual à sala de jardim de escola, a sala tem
cadeiras brancas de plástico, pinturas nas paredes, mural com meses do
ano com os aniversariantes de cada mês. Tem uma pintura da parede do
lado esquerdo inteiro com Jesus num bosque e as pessoas felizes. Observei
ainda um mural com horário com os nomes das crianças sobre oração
inicial, oração de ofertas e oração final. Há, portanto, todo um esquema
de atividades, elas têm um livro com lições diárias, que a professora aplica
no sábado, e eles estudam em casa.
Fazia todas as atividades, seja colando, cortando, cantando, levando
todo sábado minha ofertinha, eu queria ser participativa, para ser aceita,
3
Culto do qual poderia ter retornado para fazer essa observação, porém não foi confirmado
esse culto, e não seria algo freqüente essas pregações de Alice, esses cultos seriam mais em
eventos como o dia das crianças. Deixo, portanto, para futuras pesquisas.
tanto pelos professores, como pelas crianças. No entanto nunca orei, nem
no começo, nem na oferta, e nem no final, algo que me chamou atenção,
porque eu não era adventista, e por isso, também não poderia fazer
essas orações, estava mais para aprender do que para ensinar ou orar. “A
presença do pesquisador introduz artificialidade ao contexto pesquisado,
mas, embora não seja possível evitá-lo, o fato deve ser sinalizado.” (PIRES,
2011, p.34). Tentando fazer o possível para minimizar a minha artificialidade
no contexto social, participando como as crianças nas atividades, sendo
uma aprendiz dos Primários, realizando os trabalhos, sentada no chão
como elas, brincando de adivinhação, de esconde-esconde, por isso, com
o tempo, as crianças foram se acostumando com a minha presença.
4. LIÇÕES
Sara fez Jesus em cima de uma nuvem bem grande, com raios amarelo
saindo embaixo amarelo, e dois anjos tocando flauta com os pássaros
voando. Embaixo, na Terra, um parque com gangorra, e escorregador,
árvore e flores e duas meninas, uma de roupa rosa e outra amarela. Seu
título: A volta de Jesus.
6
O pastor, pai de Alice falara em um culto público, que era preciso incentivar as crianças a
pregarem, como isso já ocorria na igreja Adventista da Alemanha, pois as crianças são o futuro
da igreja, e que precisava se preparar desde criança.
infantil, e pelas lições estudadas, por outro lado, demonstram tal como
Alice afirmou algo original, na medida em que ela disse que era difícil
pensar/acreditar que iria viver eternamente.
A doutrina da igreja por sua vez, acredita que as crianças vão
reproduzir os ensinamentos, e se algum sair do “caminho” da igreja, ela
logo busca “cortar pela raiz”, ou seja, repreende e os fiéis, dos quais podem
ficar meses sem poder ir à igreja, passar por uma espécie de julgamento,
tal como informou Marina, que já acontecera casos assim, na entrevista
que realizei com ela. Quando as crianças confrontam algo, logo ela é
repreendida.
As crianças aprendem que não andar no caminho de Jesus tudo fica
ruim, é preciso construir uma casa7, ou melhor, constrói-se na igreja para
que nada de ruim aconteça para elas. Outra lição materializada foi a de
massa de modelar, sobre o medo das crianças, que mostra essa construção
desde a infância na igreja.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
Entrevistadora. Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE); professora substituta/ UEPB, Brasil. E-mail: c.g.nogueira@gmail.com
2
Transcrição. Graduanda em Relações Públicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
graduanda em Produção Publicitária (IESP).
272 Christina Gladys de M. Nogueira e Isabelle Mingareli N. dos Santos
que mostram que aquele espaço foi fruto de muita luta e isso é muito
presente no dia-a-dia e nas falas delas, pelo menos nessas duas escolas,
onde até hoje você consegue observar e colher os relatos das crianças.
Fazendo parte desse processo, a cada dois anos, o Movimento Sem
Terra (MST) constrói o espaço dos “Sem Terrinha”. Em 2012, participei
pela primeira vez do encontro estadual, como oficineira. Tinha como
perspectiva a construção de uma faixa a partir de uma roda de conversa
com as crianças, queríamos saber onde elas viviam, como elas percebiam a
localidade onde moravam. Com a ajuda de outras companheiras, passamos
isso para as telas. Então, foi realizada uma construção coletiva, com as
crianças, de telas muito bonitas fruto desse encontro.
Essa minha experiência com as crianças foi de muita escuta e respeito ao
espaço delas. Eram crianças muito variadas. Se formos falar das crianças
do encontro de 2012, são muito variadas. Esse encontro teve cerca de 400
crianças e foi no Liceu Paraibano, uma escola pública estadual de João
Pessoa - PB.
Gosto de chamar a atenção para o fato de que essa experiência não é só
da/na escola Zumbi do Palmares. Esse diálogo se estende e é também
aberto à comunidade, às casas, às brincadeiras infantis. E, nesse sentido,
vale ressaltar que o MST vê a criança como sujeito.
Fazendo um salto para 2016/2017, considerando que já não tínhamos um
encontro estadual de crianças há tempos, colocamos como meta fazer um
encontro em 2017. Entrei nesse momento como professora e articuladora.
Fizemos um encontro preparatório em 2016 no espaço Wanderley Caiche,
que era um assentamento na região de Alhandra e Caaporã, na beira da
BR. Foi um encontro com mais de 100 crianças, com oficinas e rodas
de diálogos. Colocamos em todos os nossos setores do MST a discussão
sobre a questão da Jornada da Alimentação Saudável. Ao colocar essa
discussão no encontro, pensávamos nas e com crianças. Pensávamos na
produção de alimentos, se as crianças tinham acesso a essa produção, se
os pais usavam veneno etc. Buscamos perceber a questão da alimentação
diferenciada da criança da cidade para a criança do campo.
Em 2017 fizemos o encontro estadual com mais de 200 crianças, em João
Pessoa, também nessa perspectiva de discutir a questão da alimentação
porquê de muitas vezes elas serem vistas com preconceito na cidade etc.
No que diz respeito a esses debates, os espaços que temos para
implementar o diálogo das/com as crianças vão ser as cirandas,5 as vezes
com os mais velhos. No que toca à Paraíba, o nosso coletivo está muito
limitado, e mesmo um pouco frágil. Percebemos nas falas das crianças
que elas entendem muito bem que estão em um espaço de disputa,
quanto elas estão acampadas, por exemplo. Percebemos muito isso na fala
delas, na ciranda do acampamento Dom José Maria Pires, aqui no litoral.
Ficamos sabendo, por duas meninas de nove anos, que no início do ano o
ônibus escolar não estava chegando lá, mesmo que hoje a situação esteja
regularizada. E elas diziam: “Olha, eles não vem aqui porque a gente mora
longe, porque a gente é visto como muito pobre, mas estamos na luta...”.
Vemos o acampamento também como espaço de formação de todos os
dias, como espaço de luta, desde o transporte da escola que não chega até
a luz e a comida. Elas se veem nesse espaço de luta e de resistência.
Christina Gladys: O que é ser criança rural?
Kamila Karine: É ser criança na luta pela conquista dos direitos. Nossas
crianças têm uma grande capacidade de integração, de disciplina, de
coletividade, para além do nosso espaço do campo, do espaço rural. É
ainda uma infância saudável, na questão das brincadeiras, das brincadeiras
coletivas, brincadeira de árvores, brincadeira de rodas, enfim, na brincadeira
com integração com outras crianças, de correr por sua área, de conhecer
sua vizinhança, de conhecer sua comunidade, de ter mais espaço para
o diálogo. Isso não quer dizer que nossas crianças não tenham acesso a
todos os problemas que as crianças de cidade têm, mas para elas isso chega
um pouco mais tarde. Isso da criança achar que é adulta antes do tempo,
por exemplo. Mas a questão da internet e a questão da própria violência
têm chegado. O tráfico também é uma questão que temos percebido,
principalmente nos assentamentos próximos às cidades. A temática da
violência e do tráfico preocupam e precisam ser discutidas mais cedo. Mas,
5
Nesse dossiê dois artigos trazem a questão das cirandas, referimo-nos àqueles que tratam da
infância no MST.
acredito que essas crianças têm a infância um pouco mais garantida nesses
aspectos.
Christina Gladys: Como você se coloca nos estudos sobre infância rural?
Kamila Karine: Para além do trabalhar com a temática da infância no
sentido acadêmico, eu me coloco muito como militante, buscando também
entender essa infância, essa conquista de direitos e mesmo a falta de
direitos desses sujeitos sociais/crianças. Acredito também que para quem
vai trabalhar com crianças em espaços rurais e em ambientes do MST
se faz necessário entender o projeto político e a história desses espaços
e do próprio movimento, isso porque as crianças estão inseridas nesse
processo de sociedade. Buscando compreender que seus espaços têm uma
‘tensionalidade política’ que vai para além da escola, do assentamento. Para
quem está nessas áreas de estudos, se faz necessário o estudo das cartilhas
feitas por eles. Os acampamentos, a zona rural e a vida campesina não
estão isolados de uma organicidade nacional, por isso é interessante que
levemos as crianças para os encontros nacionais para que elas possam ter
trocas de ideias e tenham a oportunidade de pensar sobre suas vidas, suas
infâncias.
Christina Gladys: Kamila, parabéns pelo estudo, trabalho e engajamento.
Desejo que tudo corra bem neste encontro e que possamos ter uma nova
conversar para sabermos como tudo transcorreu. Muito obrigada!
Pedidos:
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