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VOLUME 24 NÚMERO 2

VOLUME 24, N0 2, 2021


Editor / Editor The Brazilian Journal of Geriatrics and Gerontology (BJGG) succeeds the
Renato Peixoto Veras publication Texts on Ageing, created in 1998. It aims to publish and spread the scientific
production in Geriatrics and Gerontolog y and to contribute to the deepening of issues related
Editor Associado / Associate Editor to the human aging. Manuscripts categories: Original articles, Reviews, Case reports, Updates
Kenio Costa de Lima
and Short reports. Other categories can be evaluated if considered relevant.
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Os manuscritos devem ser encaminhados ao Editor Executivo e seguir as
Grupo de Assessores / Editorial Advisory Board “Instruções aos Autores” publicadas no site www.rbgg.com.br
Alexandre Kalache – Centro Internacional de Longevidade Brasil / All manuscripts should be sent to the Editor and should comply with the
International Longevity Centre Brazil (ILC BR). Rio de Janeiro-RJ - Brasil “Instructions for Authors”, published in www.rbgg.com.br
Anabela Mota Pinto – Universidade de Coimbra. Coimbra - Portugal
Anita Liberalesso Néri – Universidade Estadual de Campinas. Campinas-SP Correspondência / Correspondence
– Brasil Toda correspondência deve ser encaminhada à Revista Brasileira de Geriatria e
Gerontologia por meio do e-mail revistabgg@gmail.com
Annette G. A. Leibing – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro-RJ – Brasil All correspondence should be sent to Revista Brasileira de Geriatria e
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Antón Alvarez – EuroEspes Biomedical Research Centre. Corunã – Espanha
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Emílio Jeckel Neto – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Indexação / Indexes
Porto Alegre-RS – Brasil SciELO – Scientific Electronic Library Online
Evandro S. F. Coutinho – Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro-RJ – Brasil LILACS – Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
Guita Grin Debert – Universidade Estadual de Campinas. Campinas-SP – Brasil LATINDEX – Sistema Regional de Información em Línea para Revistas
Ivana Beatrice Mânica da Cruz – Universidade Federal de Santa Maria. Santa Científicas de América Latina, el Caribe, Espana y Portugal
Maria-RS – Brasil DOAJ – Directory of Open Acess Journals
Jose F. Parodi - Universidad de San Martín de Porres de Peru. Lima – Peru REDALYC - Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe,
Lúcia Helena de Freitas Pinho França – Universidade Salgado de Oliveira. España y Portugal
Niterói-RJ - Brasil Free Medical Journals
Lúcia Hisako Takase Gonçalves – Universidade Federal de Santa Catarina. Cabell´s Directory of Publishing Opportunities
Florianópolis-SC – Brasil
The Open Access Digital Library
Luiz Roberto Ramos – Universidade Federal de São Paulo. São Paulo-SP – Brasil
UBC Library Journals
Maria da Graça de Melo e Silva – Escola Superior de Enfermagem de Lisboa.
Lisboa – Portugal
Martha Pelaez – Florida International University. Miami-FL – EUA
Mônica de Assis – Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro-RJ – Brasil
Raquel Abrantes Pêgo - Centro Interamericano de Estudios de Seguridad
Social. México, D.F.
Ricardo Oliveira Guerra – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Natal-RN – Brasil

Normalização / Normalization
Maria Luisa Lamy Mesiano Savastano
Gisele de Fátima Nunes da Silva

Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia é continuação do título Textos


sobre Envelhecimento, fundado em 1998. Tem por objetivo publicar e disseminar a
produção científica no âmbito da Geriatria e Gerontologia, e contribuir para o
aprofundamento das questões atinentes ao envelhecimento humano. Categorias
de publicação: Artigos originais, Revisões, Relatos, Atualizações e Comunicações
breves. Outras categorias podem ser avaliadas, se consideradas relevantes.

Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2)


Sumário

EDITORIAL
PESQUISA NACIONAL DE SAÚDE E SAÚDE DAS PESSOAS IDOSAS NO BRASIL
The National Health Survey and the Health of Older Adults in Brazil
Maria Helena Rodrigues Galvão, Angelo Giuseppe Roncalli

ARTIGOS ORIGINAIS
ADAPTAÇÃO TRANSCULTURAL DA VERSÃO ORIGINAL DA ESCALA DE AVALIAÇÃO
SOCIOFAMILIAR EM IDOSOS PARA O CONTEXTO BRASILEIRO
Cross-cultural adaptation of the original version of the Older Adults Socio-familial Evaluation Scale to the
Brazilian context
Luciana Shirley Pereira Zanela, Jesús Vicente García Gonzalez, Albert Schiaveto de Souza, Samuel Leite Oliveira,
Alexandra Maria Almeida Carvalho

SIGNIFICADOS DE SER FELIZ NA VELHICE E QUALIDADE DE VIDA PERCEBIDA SEGUNDO


IDOSOS BRASILEIROS
Meanings of “being happy in old age” and perceived quality of life according to Brazilian older adults
Catherine Nicol Aravena Valero, Tulia Fernanda Garcia Meira, Daniela de Assumpção, Anita Liberalesso Neri

ATUAÇÃO DE MOVIMENTOS SOCIAIS E ENTIDADES NA PANDEMIA DA COVID-19 NO BRASIL: O


CUIDADO À PESSOA IDOSA EM INSTITUIÇÕES DE LONGA PERMANÊNCIA
Performance of social movements and entities in the COVID-19 pandemic in Brazil: Older adults care in long-
term care facilities
Daiane de Souza Fernandes, Roberta Cristina Cintra Taveira, Luípa Michele Silva, Luciana Kusumota,
Karla Cristina Giacomin, Rosalina Aparecida Partezani Rodrigues

USO DE PSICOTRÓPICOS POR PESSOAS IDOSAS COM HIPERTENSÃO: PREVALÊNCIA E FATORES


ASSOCIADOS
Use of psychotropic drugs by older adults with hypertension: prevalence and associated factors
Paula Antunes Bezerra Nacamura, Luana Cristina Bellini Cardoso, Anderson da Silva Rêgo,
Rafaely de Cássia Nogueira Sanches, Cremilde Aparecida Trindade Radovanovic, Marcelle Paiano

COMPROMETIMENTO DO APETITE E FATORES ASSOCIADOS EM PESSOAS IDOSAS


HOSPITALIZADAS COM CÂNCER
Impairment of appetite and associated factors in older adults hospitalized with cancer
Rayne de Almeida Marques, Thamirys de Souza Chaves Ribeiro, Vanusa Felício de Souza,
Maria Cláudia Bernardes Spexoto, Taísa Sabrina Silva Pereira, Valdete Regina Guandalini

ASSOCIAÇÃO ENTRE EVENTOS ESTRESSORES E CITOCINAS INFLAMATÓRIAS E ANTI-


INFLAMATÓRIAS EM PESSOAS IDOSAS LONGEVAS
Association between stressor events and inflammatory and anti-inflammatory cytokines in long-lived older people
Ingridy Fátima Alves Rodrigues, Vicente Paulo Alves, Lucy de Oliveira Gomes, Daniele Sirineu Pereira,
Otávio de Toledo Nóbrega, Karla Helena Coelho Vilaça e Silva

RASTREAMENTO DO RISCO DE SARCOPENIA EM ADULTOS COM 50 ANOS OU MAIS


HOSPITALIZADOS
Screening the risk of sarcopenia in adults aged 50 years or older hospitalized
Mara Rubia Areco Cristaldo, Valdete Regina Guandalini, Sheilla de Oliveira Faria, Maria Claudia Bernardes Spexoto

Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2)


Sumário
PREVALÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS À POLIFARMÁCIA EXCESSIVA EM PESSOAS IDOSAS
INSTITUCIONALIZADAS DO SUL DO BRASIL
Prevalence and factors associated with excessive polypharmacy in institutionalized older people in southern Brazil
Andréia Mascarelo, Emanuelly Casal Bortoluzzi, Siomara Regina Hahn, Ana Luisa Sant’Anna Alves,
Marlene Doring, Marilene Rodrigues Portella

INTERNAÇÃO HOSPITALAR DE PESSOAS IDOSAS DE UM GRANDE CENTRO URBANO


BRASILEIRO E SEUS FATORES ASSOCIADOS
Hospitalization of Older People in a Large Brazilian Urban Center and its Associated Factors
Renan Lucas da Silva, Bruno Matida Bonando, Gerson de Souza Santos, Alessandro Ferrari Jacinto,
Luciano Magalhães Vitorino

Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2)


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Pesquisa Nacional de Saúde e Saúde das Pessoas Idosas no Brasil

Editorial / Editorial
The National Health Survey and the Health of Older Adults in Brazil

1 de 3

Os inquéritos nacionais de saúde são ferramentas úteis para o reconhecimento das necessidades de saúde
da população, permitindo uma maior compreensão acerca do processo saúde-doença. As informações geradas
por esses inquéritos são relevantes para a área acadêmica, na medida em que acrescentam conhecimento
acerca da ocorrência de doenças, agravos e comportamentos de saúde em nível populacional, contribuindo
para o processo de planejamento e gestão de políticas sociais e de saúde.

A experiência brasileira em inquéritos nacionais de saúde se inicia de modo mais abrangente e sistemático
a partir da inclusão do módulo de saúde nas PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) cuja
primeira edição ocorre em 1998, com edições quinquenais subsequentes. A partir de 2013, fruto de uma
articulação entre o Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz e IBGE, a PNAD Saúde é substituída pela
Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) a qual passa a se constituir em uma das mais importantes ferramentas
na estratégia de vigilância em saúde no Brasil, produzindo dados primários sobre as condições de saúde da
população brasileira. Os dados da última edição da PNS, realizada entre agosto de 2019 e março de 2020,
já estão parcialmente disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia1. Os microdados da pesquisa
contêm informações de 23.144 pessoas com idade igual ou superior a 60 anos as quais responderam o
questionário completo da pesquisa. Para outras 20.410 pessoas nessa faixa etária, existem informações
reportadas por um informante no domicílio acerca de suas condições de vida, moradia e saúde.

Cabe pontuar algumas características metodológicas importantes da última edição da PNS. Trata-se de
uma pesquisa de base domiciliar, cuja amostra consiste em moradores residentes em domicílios privados
permanentes em todo o território nacional 2 . Considerando as características particulares da população
idosa, esse estudo não inclui moradores de Instituições de Longa Permanência para Idosos, sendo essa uma
limitação a ser discutida em estudos que utilizem tais fontes de dados.

O plano amostral da pesquisa, consiste em uma amostragem por conglomerados em três estágios.
O primeiro estágio corresponde à seleção da unidade primária de amostragem, o segundo à seleção do
domicílio e o terceiro à seleção do morador com idade igual ou superior a 15 anos que será o respondente
do questionário completo da pesquisa2.

O questionário é formado por três partes. A primeira parte do questionário consiste nas características
do domicílio, respondida pelo responsável pelo domicílio e é composto de questões acerca das condições
de moradia, saneamento e cadastro do domicílio na Estratégia de Saúde da Família. A segunda parte do
questionário contém informações sobre todos os residentes no domicílio relativas ao nível de escolaridade,

http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562021024.210116
Editorial

renda, ocupação, deficiência física ou intelectual, cobertura por planos de saúde, acesso e utilização de
serviços de saúde, saúde dos moradores com 60 anos ou mais e de crianças menores de 2 anos2.

Essas informações de saúde podem ser respondidas por um respondente responsável pelo domicílio,
que informa as respostas sobre os demais moradores. Para as informações da primeira e segunda parte do
questionário, que consistem nos módulos A ao L, estão disponíveis dados de 279.382 pessoas, das quais
15,6% (43.554) possuem idade igual ou superior a 60 anos.
2 de 3
Destaca-se como importante fonte de informação para a área de geriatria e gerontologia o módulo K
do questionário, que conta de 62 questões acerca da saúde dos indivíduos com 60 anos ou mais. A primeira
parte desse módulo conta com 36 questões sobre presença de limitações ou incapacidades para a realização
de atividades da vida diária. Também são incluídos nesse módulo questões sobre uso de serviços de saúde,
uso de medicamentos, diagnóstico e tratamento de catarata, imunização contra gripe, ocorrência de quedas
e fraturas e os tratamentos associados3.

A terceira parte do questionário, correspondente aos módulos M a Y, é respondida apenas pelo morador
com idade igual ou superior a 15 anos e selecionado por amostragem aleatória simples dentre os elegíveis
no domicílio. O número total de moradores selecionados na pesquisa foi de 90.846 e, destes 25,5% (23.144)
possuíam idade igual ou superior a 60 anos no momento da entrevista. Essa terceira parte contém questões
sobre características do trabalho e apoio social, percepção do estado de saúde, acidentes, doenças crônicas,
saúde da mulher, atendimento pré-natal, paternidade e pré-natal do parceiro, violência, saúde bucal, doenças
transmissíveis, atividade sexual e atendimento médico e de saúde1,2.

Dada a infinidade de dados atuais produzidos pela PNS à disposição de pesquisadores da área de geriatria
e gerontologia, os pesquisadores podem optar por conduzir estudos considerando a amostra do domicílio
ou a amostra de respondentes selecionados. A primeira conta com informações acerca de todas as pessoas
idosas moradoras dos domicílios selecionados para a amostra. A segunda conta com informações acerca da
amostra de pessoas idosas selecionadas como respondentes da terceira parte do questionário.

Na amostra composta por todas as pessoas idosas residentes nos domicílios selecionados, há um
tamanho amostral maior, todavia, as informações disponíveis para esse grupo são restritas. Na amostra
de respondentes selecionados, há um tamanho amostral menor, porém temos uma maior quantidade de
informações disponíveis. Ambas as opções consistem em amostras com excelente tamanho e representativas
da população residente em domicílios permanentes privados no país, cabendo ao pesquisador selecionar a
melhor opção para o tema de interesse.

Devido à utilização de amostras complexas, uma atenção especial deve ser dada à análise de dados
provenientes da PNS e outros estudos que utilizem esse tipo de desenho amostral, a qual não deve ser
realizada de forma convencional, como se as observações fossem oriundas de uma amostragem casual
simples. Em amostras complexas, as probabilidades de seleção dos participantes são diferentes em cada um
dos estágios de amostragem4.

Em virtude disso, durante a análise de dados, devem ser atribuídos pesos diferentes a cada um dos
participantes do estudo. Esses pesos consistem no inverso do produto das probabilidades de seleção desses
participantes em todos os estágios do plano amostral. Também deve ser considerado o efeito de desenho,
ocasionado pelo uso conglomerados como estágio de sorteio. Desse modo, a análise dos dados da PNS deve
ser realizada utilizando pacotes estatísticos que contenham módulos para amostras complexas. A maioria
dos softwares utilizados na área da saúde possuem módulos para esse tipo de análise, como o módulo
Complex sample do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), o pacote Survey data (svy) do STATA, e
a biblioteca Survey do software R 5.

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Editorial

Assim vislumbra-se uma possibilidade bastante concreta para a produção de novas evidências científicas
ao se utilizar dados disponibilizados em repositórios públicos, provenientes de estudos desenvolvidos com
rigor metodológico e com abrangência nacional. A PNS consiste em uma valiosa fonte de informação atual
acerca das condições de saúde da população idosa brasileira, que podem e devem ser melhor exploradas em
estudos na área de geriatria e gerontologia.

Maria Helena Rodrigues Galvão1 ID

3 de 3
Angelo Giuseppe Roncalli2 ID

REFERÊNCIAS
1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde - PNS [Internet]. Brasília, DF: IBGE;
2019 [acesso em 31 maio 2021]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-
nacional-de-saude.html?edicao=28655&t=conceitos-e-metodos
2. Stopa SR, Szwarcwald CL, de Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFP, de Freitas MPS, et al. Pesquisa Nacional
de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(5):e2020315. Disponível em: http://
scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742020000500035&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde. Manual de Entrevista de Saúde
[Internet]. Rio de Janeiro; 2019 [acesso em 31 maio 2021]. Disponível em:: http://www.pns.icict.fiocruz.br/arquivos/
Portaria.pdf
4. Szwarcwald CL, Damacena GN. Complex Sampling Design in Population Surveys: Planning and effects on statistical
data analysis. Rev Bras Epidemiol. 2008;11(supl. 1):38-45.
5. Souza Jr. PRB, Freitas MPS, Antonaci GA, Szwarcwald CL. Desenho da amostra da Pesquisa Nacional de Saúde
2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):207-16. Disponível em: http://www.iec.pa.gov.br/template_doi_ess.
php?doi=10.5123/S1679-49742015000200003&scielo=S2237-96222015000200207

1
Mestre e doutoranda em Saúde Coletiva. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
RN, Brasil.
2
Doutor em Odontologia Preventiva e Social. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. RN, Brasil.

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Artigos Originais / Original Articles


Adaptação transcultural da versão original da Escala de Avaliação
Sociofamiliar em Idosos para o contexto brasileiro

Cross-cultural adaptation of the original version of the Older Adults Socio-familial Evaluation
Scale to the Brazilian context
1 de 13

Luciana Shirley Pereira Zanela1 ID

Jesús Vicente García Gonzalez2 ID

Albert Schiaveto de Souza3 ID

Samuel Leite Oliveira4 ID

Alexandra Maria Almeida Carvalho1 ID

Resumo
Objetivo: Traduzir e adaptar transculturalmente a escala espanhola de Avaliação Sociofamiliar
em Idosos (Escala de Gijón) para o contexto brasileiro. Métodos: Procedimento metodológico
de adequação transcultural, com tradução (espanhol-português), retrotradução (português-
espanhol), avaliação de equivalências semântica, idiomática, experimental e conceitual, e
pré-teste da versão brasileira em uma amostra de 30 idosos. Para análise de concordância
foram medidos proporcionalidade e índice Kappa Cohen-Fleiss (κ). Em adição, confirmou-
se a consistência interna pelo alfa de Cronbach. Resultados: A condução das traduções (T1
e T2), e retrotraduções (RT1 e RT2), e avaliações da versão síntese (T12) por comitê de
especialistas e juiz neutro garantiram em T12 a essência avaliativa da versão original da Palavras-chave: Estudos de
escala. A avaliação dos 34 componentes de T12 mostrou adequação semântica (100%) Validação. Risco. Saúde do
e idiomática (94%), e adequação superior a 70% para equivalências experimental e Idoso. Vulnerabilidade Social.
conceitual. Houve concordância quase-perfeita entre os especialistas do comitê: semântica
(κ=0,95), idiomática (κ=0,97), experimental (κ=0,98) e conceitual (κ=0,99). O pré-teste
de T12 resultou confiabilidade substancial para o instrumento, com alpha de Cronbach
de 0,77. Conclusão: Este estudo garante a adaptação transcultural da escala de Avaliação
Sociofamiliar em Idosos para o contexto da pessoa idosa que vive no Brasil. A avaliação das
equivalências resultou em concordância quase-perfeita entre os especialistas. O público-
alvo não reportou dificuldades para compreender as assertivas da escala. Demonstrou-se

1
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-graduação em
Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste. Campo Grande, MS, Brasil.
2
Servicio de Transformación y Gestión del Conocimiento; Consejería de Salud de Asturias. Oviedo,
Asturias, España.
3
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Instituto de Biociências, Pós-graduação em Saúde e
Desenvolvimento na Região Centro-Oeste. Campo Grande, MS, Brasil.
4
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Instituto de Física. Campo Grande, MS, Brasil.

Os autores declaram não haver conflito na concepção deste trabalho.


Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES), Código
de Financiamento 001, sob processo n. 88882.458315/2019-01.

Correspondência/Correspondence
Luciana Zanela Recebido: 25/11/2020
lucianazanela@yahoo.com.br Aprovado: 07/06/2021

http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562021024.200338
Adaptação transcultural de Escala para Avaliação Sociofamiliar na população idosa

um instrumento confiável, considerando o alfa de Cronbach obtido. Após a validação


da escala, estudo em andamento, será disponibilizado um instrumento confiável para o
rastreio da situação sociofamiliar da pessoa idosa no contexto brasileiro.

Abstract
Objective: To cross-culturally translate and adapt the Spanish Older Adults Socio-familial
Evaluation Scale (Gijón Scale) to the Brazilian context. Methods: A methodological procedure
of cross-cultural adaptation with translation (Spanish-Portuguese), back-translation 2 de 13
(Portuguese-Spanish), evaluation of semantic, idiomatic, experimental, and conceptual
equivalences, and pretest of the Brazilian version in a sample of 30 older adults. For
the concordance analysis, proportionality and the Kappa Cohen-Fleiss index (κ) were
measured. In addition, internal consistency was confirmed by Cronbach’s alpha. Results:
Translations (T1 and T2), back-translations (RT1 and RT2), and evaluations of the
synthesis version (T12) were carried out by a Committee of Experts, and a neutral judge
ensured the evaluative essence of the original version of the scale in T12. The evaluation Keywords: Validation Study.
of the 34 components of T12 showed semantic (100%) and idiomatic (94%) adequacy, Risk. Health of the Elderly.
and adequacy greater than 70% for experimental and conceptual equivalences. There was Social Vulnerability.
almost perfect concordance among the experts of the Committee: semantics (κ=0.95),
idiomatic (κ=0.97), experimental (κ=0.98), and conceptual (κ=0.99). The T12 pretest
resulted in substantial reliability of the instrument with a Cronbach’s alpha of 0.77.
Conclusion: The present study ensures the cross-cultural adaptation of the Socio-familial
Evaluation Scale to the context of the older person living in Brazil. The equivalence
evaluation resulted in almost perfect concordance among experts. The target audience
did not report difficulties in understanding the assertions of the scale. The instrument
proved to be reliable considering the Cronbach’s alpha obtained. After validating the
scale, an ongoing study, a reliable instrument will be made available for tracking the
socio-familial situation of older adults in the Brazilian context.

INTRODUÇÃO Contudo, a associação de outras dimensões


voltadas à globalidade da atenção ainda divide os
Recentes entendimentos apontam para a interesses da comunidade acadêmica9–11. A temática
necessidade de ações interdisciplinares pautadas relacionada aos aspectos cognitivos e funcionais se
na interação entre os saberes específicos contidos destaca entre as investigações, em especial estudos
nas diferentes ciências, no sentido de otimizar a que visam garantir a adequação de instrumentos para
atenção à pessoa idosa1–3. As características como rastrear o perfil de idosos que vivem no Brasil12. Esse
o ambiente familiar4, o gênero e a etnia devem ser direcionamento aponta a hierarquização da atenção,
consideradas na avaliação do processo de saúde- com enfoque na avaliação funcional cognitiva e
doença, pois o desiquilíbrio entre esses fatores física, sendo um marcador de partida do modelo de
pode resultar em iniquidades ou desigualdades saúde brasileiro13. O atendimento integrado, capaz de
na saúde experienciadas pelo indivíduo no curso abranger a tríade formada pelos aspectos individual,
da vida5. A inclusão dos fatores psicossociais nas social e programático da vida dessa população14–16,
avaliações em saúde favorecem intervenções mais incide sobre possíveis quadros de vulnerabilidade
abrangentes6,7, planejamento de ações que podem social decorrentes do processo de envelhecimento17,18.
ser de cunho preventivo, reabilitador e terapêutico8,
impactando nas condições da saúde da população As condições e qualidade de vida de pessoas
e no aproveitamento dos investimentos feitos pelo idosas relacionam-se ao seu contexto social e incidem
sistema de saúde9. sobre sua estrutura social e econômica4,19. Portanto, a

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Adaptação transcultural de Escala para Avaliação Sociofamiliar na população idosa

multidimensionalidade na atenção, desde a avaliação Mesmo sem ter sido submetida ao rigor
inicial até o acompanhamento do indivíduo, estimula metodológico para fins de adaptação e validação
o seu protagonismo e de sua rede de relações de instrumentos avaliativos, a escala é utilizada no
e suporte social 20. A avaliação destas dimensões Brasil para avaliações em serviços na modalidade
específicas pode ser realizada com o suporte de de Cuidados Continuados Integrados (CCI)26 .
diferentes instrumentos que atenderam os critérios de O uso da escala por assistentes sociais da equipe
desenvolvimento e validação para uso no Brasil12,21,22. multidisciplinar do CCI, possibilitou a detecção de
Porém, a avaliação dos aspectos sociais na área do lacunas culturais e de linguagem, que motivaram 3 de 13
envelhecimento humano ainda dispõe de abordagem o interesse pelo desenvolvimento desta pesquisa
reducionista12,20, com a gestão de ações fragmentadas que consiste na adaptação transcultural (ATC) e
e desconectadas entre os prestadores de cuidados. posterior validação.
Ademais, ressalta-se que os indicadores oriundos
das avaliações dos aspectos sociais possibilitam Assim, urge a ampliação do rol de instrumentos
a estruturação de políticas públicas e ações mais avaliativos para o contexto de idosos vivendo no
eficientes e abrangentes na atenção às demandas da Brasil12,21,22. Para essa finalidade, este trabalho tem
população idosa9. como objetivo realizar a tradução e adaptação
transcultural da Escala de Avaliação Sociofamiliar
Estabelecer relação entre os fatores ambientais em Idosos para o contexto do idoso que reside
e socioeconômicos garante a ampliação das no Brasil. Cabe destacar que a tradução e a ATC,
intervenções sobre o nível de coesão social e familiar representam as etapas iniciais de validação desta
assim como outros fatores individuais que podem escala conferindo atributos e dimensões adequadas
estar associados à morbidade e à mortalidade dessa às variáveis do instrumento27. Com a adequação
população7,20. Entretanto, para essa medida, é e validação da EASFI para o contexto brasileiro
necessário o uso de um instrumento abrangendo será possível levantar novos indicadores em saúde
diferentes dimensões sociais14,15. e estabelecer relação entre a condição de vida com
o processo de saúde e doença de idosos14,15.
Na avaliação do contexto social da vida do idoso,
essas dimensões relacionam-se aos seguintes aspectos:
ajuste ambiental, a adaptação pessoal, o bem-estar MÉTODO
subjetivo e suas interações sociais15. A mensuração
dessas dimensões é possível a partir da Escala A Escala de Avaliação Sociofamiliar em Idosos
de Avaliação Sociofamiliar em Idosos (EASFI), (EASFI) avalia a situação sociofamiliar do idoso
também conhecida como Escala de Gijón15. Em sua em uma perspectiva multidimensional. Os estudos
organização interna, avalia a situação sociofamiliar de validação conduzidos na Espanha e em Portugal
do/a entrevistado/a em caráter individual, apontando relatam que a escala pode ser autoaplicável ou
a situação social em três cortes distintos14–16. conduzida, preferencialmente, por profissional
assistente social14,15.
Originalmente, construída e validada na Espanha,
utilizada como uma ferramenta gerontológica, Dentre suas características internas, a escala
multidimensional para fins de rastreio social com é organizada em cinco domínios que medem
confiabilidade substancial e boa fidedignidade15. diferentes aspectos da vida do idoso: I- Situação
Em Portugal, a escala foi submetida ao estudo familiar; II- Situação econômica; III- Situação da
de validação, compondo protocolos de rastreio moradia; IV- Relações sociais; V- Rede de suporte
gerontológico14. No Peru, foi adequada, sem o critério social14,15. Cada domínio é composto por cinco
de validação, e integra o protocolo de “Valoración assertivas com valores de um a cinco. O entrevistador
Clínica del Adulto Mayor”16. Em outros países de seleciona apenas uma assertiva por domínio. A soma
língua espanhola, a escala também é utilizada em dos valores atribuídos a cada assertiva assinalada
investigações voltadas ao idoso, sem ter passado pelo resulta na pontuação global, organizada em três
processo de validação23–25. intervalos distintos: situação social adequada (5 a 9

Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2):e200338


Adaptação transcultural de Escala para Avaliação Sociofamiliar na população idosa

pontos), existência de risco social (10 a 14 pontos) ou distorções de informações e interpretações durante
existência de problema social (acima de 15 pontos)15. o manuseio da escala 27.
Este estudo apresenta a adaptação transcultural
(ATC) da EASFI para o contexto da pessoa idosa Para utilização da versão original, obteve-se
vivendo no Brasil. autorização prévia do autor principal do estudo de
validação. Além disso, o mesmo aprovou a versão
Estudos metodológicos destinam-se a obter, adaptada transculturalmente27.
organizar e analisar dados e possibilitam a 4 de 13
elaboração, validação ou avaliação de instrumentos Conforme elencado na Figura 1, executou-se
e técnicas de pesquisa27–29. A ATC compreende essa etapas distintas para a adaptação adequada da escala,
modalidade de investigação, ao passo que mensura considerando países com diferenças culturais e/ou
a precisão dos resultados e reduz os riscos de de idioma27.

Figura 1. Etapas para Adaptação Transcultural da Escala de Avaliação Sociofamiliar em Idosos.


Fonte: Beaton et al. (2002), alterado pelo autor; * Etapa proposta pela equipe de pesquisa.

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Adaptação transcultural de Escala para Avaliação Sociofamiliar na população idosa

Em conformidade com o método 27 adotado alterações na adequação do instrumento para


neste estudo, as cinco etapas para a ATC foram o contexto do idoso vivendo no Brasil. Para
cumpridas e uma etapa foi acrescentada. Em cada finalização da versão T12, uma das seguintes ações
uma das etapas, os 34 componentes da escala foram foram praticadas pelo juiz neutro: sugestão de nova
submetidos a ATC: título da escala (1 item); domínios tradução; escolha por T1; escolha por T2; mantida
(5 itens); assertivas (25 itens); pontuação (3 itens). T1 e T2 (quando idênticas); fundir T1 e T2.

A análise dos dados foi realizada com suporte do 5 de 13


SPSS versão 23. Para a verificação da homogeneidade
Etapa 3 - Retrotradução
e das dimensões dos itens da escala na versão pré-
teste, adotou-se o coeficiente alfa de Cronbach29,30. Na terceira etapa, T12 foi submetida à
retrotradução. Participaram dois intérpretes, bilíngues,
nativos de país com língua espanhola, residentes no
Etapa 1 - Tradução Brasil a mais de 10 anos. As retrotraduções ocorreram
de forma cega e independente, sem conhecimento da
Participaram da primeira etapa dois tradutores, escala e de sua organização interna. Assim, obteve-
brasileiros com proficiência na língua espanhola. se duas versões (RT1 e RT2) retrotraduzidas para a
As traduções ocorreram de forma independente, língua espanhola27.
resultando nas versões T1 e T2. Cada componente da
escala foi traduzido e os comentários dos tradutores
foram transcritos.
Etapa 4 - Avaliação das retrotraduções
O intérprete responsável por T1 foi informado
A quarta etapa foi incluída, embora não
previamente sobre a pesquisa e sobre o objeto
prevista na metodologia original, visando garantir
do estudo. O intérprete da versão T2 conduziu a
a equivalência semântica em T12, constatando sua
tradução sem conhecimento da escala, mantendo o
validade, inconsistências e erros conceituais. Um
foco na linguagem, prevenindo efeitos ambíguos ao
perito, com conhecimento substancial da escala em
instrumento original, talvez não identificados pelo
sua versão original avaliou RT1 e RT2.
primeiro tradutor27.
Essa avaliação determinou a adequação ou
inadequação das retrotraduções tendo como
Etapa 2 - Síntese referência T12 e a escala em sua versão original.
Quando constatadas disparidades conceituais e/ou
Na segunda etapa foi elaborada a versão síntese, gramaticais em alguma retrotradução, o avaliador
denominada T12. Um juiz neutro, com proficiência na selecionou a versão mais adequada considerando o
língua espanhola, observou o nível de concordância objeto principal do constructo.
de acordo com o seguinte critério:

• Concordância total: traduções idênticas;


Etapa 5 - Comitê de Especialistas
• Concordância parcial: alterações de até duas
palavras na frase traduzida; A etapa 5 foi conduzida pelo Comitê de
Especialistas, composto por oito profissionais de
• Diferença entre as traduções: situações de diferentes áreas: metodologista, linguista, psicólogo,
ambiguidade, conflitos conceituais e/ou culturais assistente social, médico e enfermeira. Conduziram as
entre as traduções. avaliações amparados pelo “Compilado Avaliativo”,
documento com as versões produzidas nas etapas
O resultado dessa observação possibilitou que anteriores e uma revisão teórica relacionada a cada
o juiz neutro selecionasse a tradução de maior componente da escala. Esta avaliação originou a
consistência idiomática e cultural ou propusesse versão submetida ao pré-teste.

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Os especialistas avaliaram a versão T12 em Esta pesquisa atende as normas de pesquisa


busca das equivalências semântica, idiomática, com seres humanos descritas nas Resoluções nº
cultural e conceitual dos 34 componentes da escala, 466/2012 e nº 510/2016. O estudo foi avaliado e
atribuindo as notas: (1) - extrema adequação sem aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa com
necessidade de qualquer alteração, (0) - adequação Seres Humanos da Universidade Federal de Mato
com necessidade de alteração e (-1) - inadequação. Grosso do Sul (UFMS), inscrito sob parecer n.
É esperada proporção igual ou superior a 80%31, 58735616.8.0000.0021. A utilização da Escala de
para concordância adequada entre os especialistas. Avaliação Sociofamiliar em Idosos (versão espanhola) 6 de 13
Para a avaliação da concordância de T12 foi foi autorizada pelo primeiro autor do estudo de
adotado o coeficiente Kappa de Cohen-Fleiss validação via correio eletrônico.
(κ)29, considerando os níveis: inexistente (<0), leve
(0–0,2), moderada (0,21–0,4), forte (0,41–0,60), A inclusão do idoso no rol de entrevistados ocorreu
muito forte (0,61–0,80), quase perfeita (0,81–0,99) após leitura e assinatura do Termo de Consentimento
e perfeita (1)32 . Livre e Esclarecido (TCLE). As entrevistas foram
conduzidas de modo a garantir o sigilo de suas
respostas e a não interferência no atendimento.

Etapa 6 - Pré-teste
RESULTADOS
O objetivo do pré-teste foi verificar a compreensão
do instrumento por parte dos respondentes, bem Traduções e Versão Síntese
como possíveis dificuldades com a aplicação da escala
pelo entrevistador. Inicialmente, a Escala de Avaliação Sociofamiliar
em Idosos (versão espanhola) foi traduzida para o
Nesta etapa foram utilizados três instrumentos: português do Brasil por dois tradutores independentes,
a versão pré-teste (T12), um formulário para e resultou nas duas versões (T1 e T2). A comparação
análise da compreensão da escala pela pessoa entre os 34 componentes traduzidos, demonstrou
entrevistada, e um questionário para coleta de dados 53% de concordância total entre os tradutores, 29,4%
sociodemográficos. de concordância parcial e 17,6% de diferença entre
as traduções.
O pré-teste foi aplicado a um grupo de 30 idosos27,
compondo uma amostra do tipo não probabilística Posteriormente, o juiz neutro avaliou T1 e T2,
e por julgamento. alterando ou apontando a tradução mais apropriada
para cada componente, resultando na síntese (T12).
Foram incluídos idosos de 60 anos ou mais, de A organização desta versão foi norteada pelos
ambos os sexos, que estavam em atendimento no aspectos de linguagem, contexto avaliativo da escala
setor de ambulatório ou na unidade de internação e realidade do idoso brasileiro. O Quadro 1 relata as
do Hospital São Julião de Campo Grande (MS) ações do juiz neutro em relação a cada componente
no período da coleta de dados (outubro-novembro traduzido, primando por uma versão de melhor
de 2017). equivalência ao português falado no Brasil.

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Quadro 1. Descritivo das ações do juiz neutro na avaliação das traduções para elaboração da versão T12 (n=34).
Campo Grande, MS, 2017.

Descrição = T1 T2

Nome da Escala 1 item - - - -


5 – 9 pontos 1 item - - - -
10 – 14 pontos 1 item - - - - 7 de 13
Acima de 15 pontos 1 item - - - -
Título dos domínios 5 itens - - - -
Assertivas Domínio A - A.2; A.3 A.1; A.5 - A.4
Assertivas Domínio B B.4 B.3 B.2; B.5 B.1 -
Assertivas Domínio C - - C.1; C.2; C.3; C.4 C.5 -
Assertivas Domínio D D.1; D.2; D.3;D.4 - - - D.5
Assertivas Domínio E - - D.1; D.2; D.3; D.5 E.4 -
Total 14 itens 3 itens 12 itens 3 itens 2 itens
(=) Traduções idênticas; ( ) Combinação entre as duas traduções; ( ) Sugestão do juiz neutro alterando as traduções; (T1) Escolha pela
tradução T1; (T2) Escolha pela tradução T2.

Constatou-se a manutenção de 14 itens (41%) Avaliação das Retrotraduções


por serem componentes idênticos. As traduções
divergentes foram tratadas de duas formas pelo juiz O perito avaliou RT1 e RT2 tendo por referência
neutro. A combinação de T1 e T2 ocorreu para 3 a versão T12 e a escala original na versão espanhola.
(8,9%) componentes. A escolha de T1 para outros O Quadro 2 apresenta a avaliação das retrotraduções
3 (8,9%) itens e de T2, para 2 itens (5,9%). Nestes pelo perito. Quando constatadas disparidades
casos, a versão escolhida representou adequadamente conceituais e/ou gramaticais em algum componente
os aspectos de linguagem pautados no contexto das retrotraduções ou síntese, a versão mais adequada
avaliativo da escala. O juiz neutro sugeriu ajustes foi selecionada considerando o objetivo principal do
em 12 (35,3%) componentes traduzidos. constructo. No caso das retrotraduções idênticas,
o perito avaliou que 70,6% delas atendiam aos
objetivos do constructo. No caso das retrotraduções
Retrotraduções conflitantes, RT2 foi escolhida na maioria das vezes
(17,6%) em detrimento da RT1 (8,8%).
As retrotraduções possibilitaram a comparação
entre o instrumental original e a versão T12. Frente Vale destacar que o perito indicou a assertiva
aos 34 componentes retrotraduzidos em RT1 e A.2 (Domínio A) da versão T12, como versão de
RT2, verificou-se 58,8% de concordância total maior equivalência, quando comparada à RT1, RT2
entre os intérpretes, 32,4% de concordância parcial e a versão original.
e somente 3 (8,8%) componentes apresentaram
diferença nas retrotraduções. Portanto, em Concluída essa etapa, retomou-se a discussão com
comparação ao conteúdo da versão original da o juiz neutro para conclusão de T12 e finalização
escala, constata-se que T12 está em conformidade do Compilado Avaliativo para encaminhamento ao
com a essência avaliativa proposta. Comitê de Especialistas.

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Quadro 2. Avaliação das retrotraduções em relação a versão T12 e a versão original da Escala de Avaliação
Sociofamiliar em Idosos (n=34). Campo Grande, MS, 2017.
Descrição RT1 RT2 Avaliação
Nome da escala A A RT1 e RT2
Intervalo de pontuação: 5 – 9 pontos A A RT1 e RT2
Intervalo de pontuação: 10 – 14 pontos A A RT1 e RT2
Intervalo de pontuação: Acima de 15 pontos A A RT1 e RT2 8 de 13
Domínio A A A RT1 e RT2
Assertiva A.1 A A RT2
Assertiva A.2 A A T12
Assertiva A.3 I A RT2
Assertiva A.4 I A RT2
Assertiva A.5 A A RT2
Domínio B A A RT1 e RT2
Assertiva B.1 A A RT1 e RT2
Assertiva B.2 A A RT1 e RT2
Assertiva B.3 A A RT1 e RT2
Assertiva B.4 A A RT1 e RT2
Assertiva B.5 A A RT1 e RT2
Domínio C A A RT1 e RT2
Assertiva C.1 A A RT1
Assertiva C.2 A A RT1
Assertiva C.3 A A RT1 e RT2
Assertiva C.4 A A RT1 e RT2
Assertiva C.5 A A RT1 e RT2
Domínio D A A RT1 e RT2
Assertiva D.1 A A RT1 e RT2
Assertiva D.2 A A RT1 e RT2
Assertiva D.3 A A RT1 e RT2
Assertiva D.4 A A RT2
Assertiva D.5 A A RT1 e RT2
Domínio E A A RT1 e RT2
Assertiva E.1 A A RT1 e RT2
Assertiva E.2 A A RT1
Assertiva E.3 A A RT1 e RT2
Assertiva E.4 A A RT2
Assertiva E.5 A A RT1 e RT2
A=Adequado; I=Inadequado; T12=Síntese; RT1=Retrotradução 1; RT2=Retrotradução 2.

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Comitê de Especialistas cada assertiva da escala por parte do entrevistador.


Na sequência, foi solicitado ao entrevistado
Como diretriz para analisar as versões T1, T2, interpretação do item e a confirmação ou negativa
T12, RT1 e RT2, o Comitê de Especialistas sugeriu de compreensão clara do componente apresentado.
que não se adotasse metáforas, linguagens coloquiais A totalidade dos participantes relatou compreensão
ou substantivos e verbos com sentido ambíguo, para total, não reportando dificuldades para compreender
otimizar a compreensão dos componentes da escala. as assertivas da escala.
Alterações ou substituições sugeridas pelo Comitê se 9 de 13
deram pelo estudo de cada componente, com base Dentre os 30 idosos participantes do pré-teste,
no Compilado Avaliativo. 60% (18) declararam tempo de escolarização inferior
a 3 anos ou nunca ter frequentado a escola.
A proporção de concordância entre os especialistas
na avaliação de adequação dos componentes da A avaliação sociofamiliar por meio do instrumento
versão a ser submetida para pré-teste, foi superior a indicou que 66,7% dos idosos apresentavam situação
80% tanto na equivalência semântica (100%) quanto social adequada ou aceitável.
na idiomática (94%). Por sua vez, as equivalências
experimental e conceitual apresentaram proporção de O coeficiente de Cronbach total para os
concordância de 71% e 73%, respectivamente. Por fim, resultados da aplicação da versão pré-teste indica
em busca de garantir as equivalências experimental consistência interna substancial. Tendo como
e conceitual, a versão síntese foi reavaliada pelos referência o intervalo de 0,61-0,80 para consistência
membros do Comitê para a consolidação da versão interna substancial 29,30, a exclusão de qualquer um
submetida ao pré-teste. Os índices kappa associados dos domínios não impacta a interpretação da
a essa versão indicam concordância quase-perfeita32 confiabilidade total da escala que apresentou o
entre as avaliações semântica (κ=0,95), idiomática valor de alfa total de 0,77 (Tabela 1).
(κ=0,97), experimental (κ=0,98) e conceitual (κ=0,99).
Após finalizada todas as etapas do processo
de ATC, a Escala de Avaliação Sociofamiliar em
Idosos adaptada para o contexto brasileiro foi
Pré-teste
analisada e aprovada unanimemente pelo Comitê
Durante a aplicação da versão T12 no pré-teste, de Especialistas e pelo autor principal da versão
observou-se objetividade e clareza das respostas espanhola. Assim, não foi necessário proceder uma
dos entrevistados. O tempo médio de aplicação da revisão e novo pré-teste.
escala foi de 7 minutos.
A versão brasileira da EASFI (Quadro 3) subsidia
Para avaliação da compreensão dos idosos em a pesquisa em andamento para a validação e aferição
relação ao instrumento, procedeu-se a leitura de de suas propriedades psicométricas.

Tabela 1. Resultados do desvio padrão, média e alfa de Cronbach em caso de exclusão de algum domínio avaliativo
(n=30). Campo Grande, MS, 2017.
Média de escala Alfa de Cronbach
Domínios Avaliativos Desvio Padrão
se o item for excluído se item excluído
Domínio A (1) 1,2 7,57 0,77
Domínio B (2) 0,8 6,40 0,82
Domínio C (3) 0,9 8,33 0,70
Domínio D (4) 1,1 8,00 0,66
Domínio E (5) 0,8 8,50 0,65
Total da escala 1,21 9,7 0,77
(1)
Situação Familiar; (2) Situação Econômica; (3) Situação da Moradia; (4) Relações Sociais; (5) Rede de Suporte Social.

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Adaptação transcultural de Escala para Avaliação Sociofamiliar na população idosa

Quadro 3. Escala de Avaliação Sociofamiliar em Idosos (Versão brasileira) na versão pré-teste. Campo Grande
(MS), 2018.
Componente Descritivo
Domínio A Situação Familiar
Assertiva A.1 Mora com a família sem apresentar dependência física nem psíquica
Mora somente com o cônjuge de idade aproximada, sem apresentar dependência física nem
Assertiva A.2
psíquica
10 de 13
Assertiva A.3 Mora com a família (e/ou cônjuge) e apresenta algum grau de dependência física ou psíquica
Assertiva A.4 Mora sozinho e tem filho(s) que reside(m) perto
Assertiva A.5 Mora sozinho e não tem filho(s) ou este(s) reside(m) longe
Domínio B Situação Econômica
Assertiva B.1 Renda individual acima de 2,4 vezes o salário-mínimo
Assertiva B.2 Renda individual a partir de 1,3 até 2,4 vezes o salário-mínimo
Assertiva B.3 Renda individual a partir de 1 até 1,3 vezes o salário-mínimo
Assertiva B.4 Renda individual proveniente de BPC/LOAS
Assertiva B.5 Sem renda ou renda individual inferior a 1 salário-mínimo
Domínio C Situação da Moradia
Moradia adequada às necessidades do idoso (saneamento básico, rede de abastecimento de
Assertiva C.1
água, rede de abastecimento de energia elétrica e acessibilidade)
Assertiva C.2 Moradia com barreiras arquitetônicas (escadas, degraus, portas estreitas etc.)
Moradia com higiene precária, umidade (mofo e fungos), ventilação e iluminação
Assertiva C.3
inadequadas
Assertiva C.4 Moradia sem telefone e/ou sem elevador (em caso de sobrado ou apartamento)
Moradia inadequada (declarada em ruínas, barracos, cortiços etc.) e/ou ausência de
Assertiva C.5 infraestrutura básica (rede de abastecimento de água, rede de abastecimento de energia
elétrica ou rede de esgoto/fossa séptica) ou em situação de rua
Domínio D Relações Sociais
Assertiva D.1 Relação social com rede de apoio (família, vizinhos, trabalho, amizades, comunidade etc.)
Assertiva D.2 Relação social somente com família e vizinhos
Assertiva D.3 Relação social somente com a família ou somente com os vizinhos
Assertiva D.4 Não sai da moradia, mas recebe visitas
Assertiva D.5 Não sai da moradia e não recebe visitas ou sem relação social com rede de apoio
Domínio E Rede de Suporte Social
Assertiva E.1 Recebe suporte social da família ou de vizinhos
Assertiva E.2 Recebe em domicílio atendimento de voluntariado, da rede pública e/ou da rede privada
Não tem rede de suporte social, mas tem condições de permanecer em casa e realizar o
Assertiva E.3
autocuidado
Assertiva E.4 Necessita ingressar em ILPI por situação de vulnerabilidade social
Necessita de cuidados permanentes em ILPI para atividades básicas e instrumentais da vida
Assertiva E.5
diária

Pontuação Global
De 5-9 pontos Situação social adequada ou aceitável
De 10-14 pontos Existe risco social
Acima de 15 pontos Existe problema social
Nota: Utilize o campo em branco para assinalar a alternativa correspondente ao contexto social relatado pela pessoa entrevistada.

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Adaptação transcultural de Escala para Avaliação Sociofamiliar na população idosa

DISCUSSÃO Com finalidade mais discriminativa do que


descritiva, os domínios avaliativos da EASFI
Importa enfatizar que a disponibilização adequada medem aspectos distintos, o que pode reduzir
deste instrumento contribuirá para o planejamento de a homogeneidade29. Para avaliação da condição
políticas públicas e ações junto à população idosa no sociofamiliar do indivíduo idoso, a escala considera
Brasil em seus diferentes contextos sociais. O olhar por um lado, a situação familiar, relações sociais
ampliado sobre diferentes dimensões possibilita a e suporte social e por outro lado, a situação
organização e mobilização da rede social do idoso, econômica e as condições da habitação. Assim, 11 de 13
prevenindo situações de fragilidade ou agravamento a avaliação social abrange distintas dimensões
de seu quadro de saúde12,13. compostas por diferentes variáveis de modo que
não seria pertinente renunciar a qualquer dimensão
Para a efetivação das traduções, os intérpretes avaliativa, mesmo que impacte no resultado da
discutiram aspectos técnicos e linguísticos de T1 e T2. consistência interna.
O juiz neutro, em posse dessas traduções, construiu
a síntese (T12) que referenciou as etapas seguintes. A Outro ponto que merece destaque está relacionado
composição de T12 atendeu aspectos de linguagem à aplicabilidade da escala. Alguns instrumentos
pautados no contexto avaliativo de cada componente têm sido usados para avaliar aspectos sociais em
da escala e na sequência foi retrotraduzida (RT1 e indivíduos de diferentes faixas etárias; contudo,
RT2). As versões RT1, RT2 e T12 foram avaliadas se comparados à estrutura interna e operacional
por um perito com conhecimento técnico da escala da EASFI, não englobam a função social em sua
na versão espanhola. Sua avaliação apontou que totalidade e apresentam alto grau de complexidade
T12 corresponde de forma consistente a proposta para o manuseio14 . Nos estudos de validação
avaliativa da Escala de Avaliação Sociofamiliar em realizados na Espanha15 e Portugal14, a escala foi
Idosos (Espanha). preenchida pelo próprio participante. Para uso
da EASFI no Brasil, sugere-se que a escala seja
Com base na proporção de concordância entre aplicada por um entrevistador para não reduzir a
os especialistas frente aos critérios experimental confiabilidade do instrumento.
e conceitual 28, a reavaliação dos componentes da
escala resultou em uma versão pré-teste adequada O perfil de escolarização da população idosa
para avaliar a compreensão e manuseio por parte no Brasil que reforça a sugestão de se adotar a
do entrevistador, bem como a compreensão do aplicação da escala na modalidade face to face. Estudos
entrevistado. Com índice de concordância quase demonstram que 50,2% da população residente no
perfeito entre os especialistas, a avaliação das Brasil com idade superior a 60 anos frequentou a
equivalências semântica, idiomática, experimental escola por até 4 anos e 30,7% apresentaram menos
e conceitual, refletiu positivamente nos resultados de um ano de estudo33. A baixa escolarização foi
decorrentes da aplicação da versão pré-teste. também observada entre os entrevistados desta
pesquisa. Assim sendo, o autopreenchimento, caso
As assertivas que compõem a escala na versão adotado no Brasil, poderia comprometer o resultado
pré-teste (T12) foram lidas individualmente para das avaliações.
cada um dos 30 participantes, que com unanimidade
declararam boa compreensão. A adaptação transcultural do instrumento
para o contexto brasileiro é fundamental para a
A consistência interna global da versão pré- condução das demais etapas envolvidas na validação
teste da escala, pela aferição dos seus domínios, da EASFI. Essa escala em sua versão validada
apresentou um alfa de Cronbach de 0,77, superior possibilitará o rastreio da situação sociofamiliar da
àqueles obtidos para as versões portuguesa (0,41)14 pessoa idosa que vive no Brasil de um modo mais
e espanhola (0,45)15, os quais denotam consistência efetivo e contextualizado no que tange aos aspectos
interna razoável30. biopsicossociais do indivíduo34.

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Adaptação transcultural de Escala para Avaliação Sociofamiliar na população idosa

CONCLUSÃO resultando na versão pré-teste da Escala de Avaliação


Sociofamiliar em Idosos (Versão brasileira). A versão
Realizou-se a tradução e adaptação transcultural pré-teste apresentou boa consistência interna, com
da Escala de Avaliação Sociofamiliar em Idosos dados passíveis de reprodução. O estudo de validação
(Espanha) para o contexto brasileiro. As avaliações deste instrumento está em andamento tendo por
das equivalências semântica, idiomática, cultural e base essa versão pré-teste.
conceitual, praticadas pelos membros do Comitê
de Especialistas, tiveram um desfecho positivo, Editado por: Ana Carolina Lima Cavaletti 12 de 13

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Artigos Originais / Original Articles


Significados de ser feliz na velhice e qualidade de vida percebida
segundo idosos brasileiros

Meanings of “being happy in old age” and perceived quality of life according to Brazilian older adults
1 de 16

Catherine Nicol Aravena Valero1 ID

Tulia Fernanda Garcia Meira1 ID

Daniela de Assumpção1 ID

Anita Liberalesso Neri1,2 ID

Resumo
Objetivo: Identificar associações entre significados atribuídos ao conceito “ser feliz na
velhice” e qualidade de vida percebida em amostra de idosos recrutados na comunidade.
Métodos: Os dados foram extraídos dos bancos da linha de base (LB; 2008-2009) e do
seguimento (SG; 2016-2017) do Estudo Fibra Campinas, de base populacional, sobre
fragilidade em idosos. Participaram 211 indivíduos com idade média de 81,0±4,3 anos
no SG, com registro de respostas a uma questão aberta sobre felicidade na velhice
na LB e à escala CASP-19 de qualidade de vida percebida (SG). Os registros da LB
foram submetidos a análise de conteúdo; os do SG a medidas de frequência, posição e
dispersão, e ambos a análises de regressão logística. Resultados: Da análise de conteúdo
foram derivados quatro temas: saúde e funcionalidade (o mais mencionado), bem-estar Palavras-chave: Felicidade.
psicológico, relações interpessoais e recursos materiais. As categorias mais citadas foram Envelhecimento Saudável.
autodesenvolvimento e relações familiares. Prevaleceram altas as pontuações na CASP- Longevidade. Qualidade de
19, que foram mais prováveis entre os idosos que não mencionaram recursos materiais Vida.
(OR=2,44; IC95%:1,20-4,43), nem saúde e funcionalidade (OR=2,03; IC95%:1,22-4,22),
e entre os que citaram relações interpessoais (OR=1,92; IC95%:1,08-3,41) na LB. Altas
pontuações no fator Autorrealização/Prazer foram mais prováveis entre os de 80-84 anos
(OR=1,93; IC95%:1,01-3,68) e entre os que não citaram saúde e funcionalidade (OR=1,98;
IC95%:1,00-1,98) na LB. Conclusão: Felicidade na velhice e qualidade de vida referenciada
a necessidades psicológicas são construtos relacionados. Sua avaliação capta vivências
que excedem condições materiais e de saúde, predominantes nas medidas clássicas de
qualidade de vida na velhice.

1
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, Programa de Pós-Graduação em
Gerontologia. Campinas, SP, Brasil.
2
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, Departamento de Psicologia Médica
e Psiquiatria. Campinas, SP, Brasil.

Financiamento da pesquisa: Convênio CAPES/Procad 2972/14. Projeto Nº 88881.068447/14. Bolsa CAPES


para Catherine Nicol Aravena Valero, Nº 02-P-4261/2020.
Os autores declaram não haver conflito na concepção deste trabalho.

Correspondência/Correspondence
Daniela de Assumpção Recebido: 06/10/2020
danideassumpcao@gmail.com Aprovado: 18/06/2021

http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562021024.200298
Qualidade de vida e felicidade em idosos

Abstract
Objective: Identifyting associations between meanings of “being happy in old age” and
perceived quality of life in a sample of community-dwelling older adults. Methods: Data
were drawn from the baseline (BL; 2008-2009) and follow up (FW; 2016-2017) records
of the Fibra Campinas, a population-based study on frailty in old age. Two hundred and
eleven individuals with an average age of 81.0±4.3 at follow-up, answered to an open
question on happiness in old age at baseline and to the CASP-19 at follow-up. BL records
were submitted to content analysis; those of FW to measures of frequency, position 2 de 16
and dispersion, and both to logistic regression analyzes. Results: The content analysis
generated four themes: health and functionality (the most mentioned), psychological
well-being, interpersonal relationships and material resources. The most cited categories Keywords: Happiness.
were self-development and family relationships. High scores in CASP-19 prevailed and Healthy Aging. Longevity.
were more likely among participants who did not mention material resources (OR=2.44; Quality of Life.
95%CI: 1.20-4.43), nor health and functionality (OR=2.03; 95%CI: 1.22-4.22), and
among those who cited interpersonal relationships (OR=1.92; 95%CI: 1.08-3.41) at BL.
High scores in the factor Self-Realization/Pleasure were more likely among those aged
80-84 (OR=1.93; 95%CI: 1.01-3.68) and among those who did not mention health and
functionality (OR=1.98; 95%CI: 1,00-1.98) at BL. Conclusion: Happiness in old age and
quality of life related to psychological needs of control, autonomy, self-realization and
pleasure are related constructs, whose evaluation captures experiences that exceed material
and health conditions, predominant in classic measures of quality of life.

INTRODUÇÃO que as mulheres citam a manutenção de capacidades


que lhes permitem a manutenção da independência
Felicidade é um construto multidimensional, e da autonomia e ter recursos para satisfazer as
identificado com condições objetivas tais como necessidades. A importância atribuída a elementos
saúde, independência, recursos materiais, apoio subjetivos e eudaimônicos tende a se manter e a
familiar e relações sociais, e com condições subjetivas atuar como recurso de proteção, em face do declínio
tais como satisfação com a vida, senso de propósito, associado ao processo de envelhecimento14.
senso de autonomia e espiritualidade. Entre os
Pesquisas transculturais discutiram a questão
componentes da felicidade mais citados por idosos
da universalidade dos significados de felicidade e
estão, por um lado, as relações familiares, as relações
concluiram que há diferenças transculturais quanto
sociais e o apoio social; por outro, a autorrealização,
às prioridades de pessoas idosas em matéria de
a autoaceitação, o estar bem consigo mesmo, a
felicidade, mas não quanto à essência do conceito
adaptação às condições atuais e a satisfação com a
ou das aspirações11,12,15. Exemplificando, idosos
vida. Da mesma forma que a dicotomia objetivo- entrevistados em Taiwan (China) indicaram como
subjetivo, os conceitos de hedonismo (busca de fontes de felicidade: gratificação da necessidade
prazer e evitação do sofrimento) e eudaimonismo por respeito, harmonia nas relações interpessoais,
(busca de excelência pessoal) presidem as concepções real ização no trabalho, levar a vida com
de pessoas idosas sobre felicidade na velhice1-10. tranquilidade, e derivar prazer da convivência com
Elementos subjetivos e eudaimônicos prevalecem outros. Outros temas citados por eles são idênticos
sobre os objetivos e hedônicos nas avaliações de aos encontrados em amostras ocidentais: recursos
idosos sobre a felicidade na velhice, concordando materiais, autorrealização, prazer e afeto positivo,
com pesquisas com objetivos similares1,11,12. Para as e saúde16. Estudo coreano identificou como fontes
mulheres, felicidade é principalmente poder desfrutar de felicidade a autorrealização, o pertencimento,
do convívio com a família, manter relações de afeto e a missão, o reconhecimento social, o desfrute, o
participar de atividades sociais13. Como relatado pelos sucesso material, e a parentalidade17. Idosos latinos
estudos de revisão de Diener10,13, os homens mais do vivendo nos E.U.A. valorizaram relações sociais

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Qualidade de vida e felicidade em idosos

harmoniosas, unidade da família, e fé/religiosidade, vida humana (de natureza eudaimônica), tais como
saúde física, autoestima, comunicação aberta com busca de crescimento pessoal, autoconhecimento,
a família e os amigos, e segurança financeira18 . autoaceitação, controle, autonomia, relações positivas
Na Palestina, os idosos ressaltaram: senso de com os outros e propósito. Van Leween et al. 23
bem-estar, boa saúde física e mental, sentimentos analisaram os dados de 48 estudos qualitativos sobre
positivos, independência, propósito de vida, as opiniões de mais de 3.400 idosos de 11 países
contentamento e segurança financeira19. Exceção ocidentais e derivaram 11 categorias de qualidade
foi observada em amostra de idosos chineses que de vida: autonomia, exercício de papeis e atividade, 3 de 16
vivenciaram períodos de fome na infância e que percepções de saúde, relações sociais, atitudes e
apresentaram quantidade e qualidade de comida adaptação, conforto emocional, espiritualidade, lar
como as principais fontes de felicidade na velhice, e vizinhança, e segurança financeira.
sugerindo que certos tipos de experiências que
testam os limites da dignidade humana podem Tendo como objetivo construir uma escala de
provocar alterações nas prioridades vitais20. qualidade de vida para uso em grandes estudos
longitudinais, Hyde et al.24 elaboraram uma medida
Felicidade, qualidade de vida, saúde mental escalar de qualidade de vida percebida, construto
positiva, satisfação com a vida e bem-estar psicológico psicológico traduzido em quatro dimensões cognitivo-
são termos correlatos, integrantes de um mesmo motivacionais designadas pelo acrônimo CASP-19
universo conceitual que pode ser definido em termos (controle, autonomia, autorrealização e prazer) e
das condições que permitem uma vida ou uma velhice operacionalizado por uma escala tipo Likert com
dignas de serem vividas. A decisão de utilizar um ou 19 itens. As quatro dimensões foram teoricamente
outro desses termos depende das tradições teóricas assumidas como necessidades ontológicas, isto é,
às quais se filiam as investigações ou as intervenções, inerentes ao Ser Humano. Conforme os autores,
e não de diferenças no significado dos termos ou uma escala de qualidade de vida percebida não deve
nas metodologias usadas para investigá-los. Assim, referir-se à saúde física, à funcionalidade e a condições
na Psicologia predominam felicidade e bem-estar materiais, porque estas variáveis são contextuais, não
psicológico; nas Ciências Sociais, satisfação com elementos constitutivos do construto. Originalmente
a vida e bem-estar subjetivo, e na Epidemiologia, produzida em inglês, a escala foi vertida para a língua
qualidade de vida, qualidade de vida em saúde e portuguesa, submetida a validação semântico-cultural
saúde mental positiva. Eventualmente, vários desses para uso em amostras de adultos e idosos brasileiros de
termos são usados ao mesmo tempo, caso do estudo 55 anos e mais, e submetida a estudos psicométricos
canadense publicado em 2020, associado a um esforço que identificaram evidências de validade de construto
de vigilância epidemiológica de saúde mental positiva, e de validade convergente25.
o qual utilizou cinco indicadores que se revelaram
relacionados, mas independentes: autoavaliação da Os aspectos subjetivos e eudaimônicos da
saúde mental, felicidade, satisfação com a vida, bem- experiência de envelhecimento têm potencial para
estar psicológico e bem-estar social 21. atuar como recursos de proteção e como recursos
motivacionais orientados ao autocuidado e à
Boggatz22 produziu uma análise conceitual do autoeducação, em face do aumento das perdas e das
construto qualidade de vida na velhice, como veiculado adversidades associadas à longevidade. Até onde nos
por 208 artigos publicados entre 1992 e 2013. Dessa é dado saber, são desconhecidos dados obtidos por
análise foram derivados três conceitos centrais: (a) pesquisas correlacionais, prospectivas ou longitudinais
satisfação das condições de vida (condições objetivas realizadas com amostras de idosos brasileiros, sobre
de vida de um idoso consideradas relevantes à uma relações entre medidas de qualidade de vida percebida
boa vida e à uma velhice bem-sucedida, como por e de significados de felicidade na velhice.
exemplo situação financeira, saúde e funcionalidade),
(b) bem-estar subjetivo geral (ou bem-estar hedônico, O objet ivo deste estudo foi ident if icar
indicado por satisfação com a vida) e (c) senso de associações entre significados atribuídos ao
completude com relação às principais dimensões da conceito “ser feliz na velhice” avaliado em linha

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Qualidade de vida e felicidade em idosos

de base (2008-2009), e qualidade de vida percebida 247 por não-localização. (d) Entre os 324 idosos
avaliada no seguimento (2016-2017), em amostra sobreviventes localizados, exclusão de 83 por
de idosos recrutados na comunidade. terem pontuação inferior à nota de corte no teste
de rastreio cognitivo26,27. (e) Entre os 241 idosos que
permaneceram na amostra, exclusão de 30 que não
MÉTODOS responderam a todos os itens da escala CASP-19.
Assim, a amostra para este estudo ficou composta
Os dados derivaram dos registros contidos nos por 211 pessoas idosas com 74 anos e mais de idade. 4 de 16
bancos da linha de base (2008-2009) e do seguimento
(2016-2017) do Estudo Fibra Campinas, um inquérito As variáveis e medidas envolvidas nesta
de base populacional com medidas repetidas, cujos investigação foram as seguintes: (a) Significados
objetivos foram levantar dados sobre fragilidade atribuídos ao conceito “ser feliz na velhice”, na
e investigar associações entre esta síndrome presença de um item aberto que perguntava a esse
geriátrica com variáveis sociodemográficas, de saúde, respeito, na linha de base27. (b) Qualidade de vida
funcionalidade e psicossociais. A amostra da linha percebida indicada pela escala CASP-19 aplicada no
de base (N=900) foi composta a partir de seleção seguimento28. (c) Sexo e idade: os idosos podiam
aleatória de 90 dentre 900 setores censitários urbanos responder sexo masculino ou sexo feminino e deviam
de Campinas, SP, Brasil, em cujos domicílios foram nomear o dia, o mês e o ano do seu nascimento.
recrutados idosos de 65 anos e mais, em cotas de Foi considerada como idade de referência, aquela
sexo e idade (65-69, 70-74, 75-79 e 80 anos e mais) informada no seguimento.
representativas da população residente em cada um
dos cinco distritos de saúde da cidade26. A amostra A variável qualidade de vida percebida foi
avaliada por meio da CASP-19, acrônimo de controle,
do seguimento foi composta pelos sobreviventes
autonomia, autorrealização e prazer, que designa
do estudo de linha de base que foram localizados e
uma escala de 19 itens que expressam necessidades
que responderam a medidas que incluíram a escala
psicológicas básicas não hierarquizadas. Essas
CASP-19 de qualidade de vida percebida27.
são consideradas ontológicas por Hyde et al. 24,
O fluxo das decisões adotadas para selecionar orientadoras da personalidade e do desenvolvimento.
os participantes do estudo ora relatado foi o Os itens são tipo Likert, ancorados por quatro
seguinte: (a) No banco da linha de base do Estudo intensidades (0=nada, 1=um pouco, 2=muito, e
Fibra Campinas (2008-2009; N=900 participantes 3=muitíssimo). A pontuação total varia de 0 a 5724,25.
com 65 anos e mais), exclusão de 211 indivíduos
Análises fatoriais exploratórias e confirmatórias
que apresentaram deficit cognitivo sugestivo de
do conteúdo da escala CASP-19 traduzida e
demência indicado por pontuação inferior à nota de
culturalmente adaptada para o português revelaram
corte no Mini-Exame do Estado Mental, ajustada
uma estrutura de significados latentes expressos em
pelos anos de escolaridade28,29, motivo pelo qual
dois fatores, a qual foi considerada neste estudo: fator
tornaram-se inelegíveis para responder ao item 1 - Autorrealização e Prazer e fator 2 - Controle e
aberto sobre significados de felicidade na velhice. (b) Autonomia25.
Entre os 689 idosos que permaneceram na amostra
da linha de base, exclusão de 18 que não tinham Os testes de Mann Whitney, Kruskal-Wallis e
registro de resposta sobre felicidade na velhice. Dunn foram utilizados para comparar as distribuições
(c) Estudo do banco de dados do seguimento do de frequência das pontuações na escala CASP-19 total
Fibra Campinas (2016-2017) para saber quantos e em seus dois fatores, uma vez que os testes prévios
entre os 671 idosos com dados completos sobre de normalidade demonstraram que os dados eram
o significado de felicidade na velhice na linha de não-paramétricos. Como a CASP-19 não tem notas
base tinham registro das respostas à escala CASP- de corte decididas por critérios estatísticos, nem seus
19 de qualidade de vida percebida no seguimento. resultados são confrontáveis com padrões-ouro, o
Por esse critério, foram selecionados 324 idosos. estabelecimento dos níveis de desempenho na escala é
Foram identificadas 130 perdas por falecimento e normalmente feito com base nas pontuações obtidas

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Qualidade de vida e felicidade em idosos

pelas próprias amostras. Neste estudo, utilizamos Análises de regressão logística univariada e
como critério o valor da mediana das distribuições múltipla, que adotou o método step wise de seleção
das pontuações na escala total e nos itens dos dois de variáveis foram usadas para verificar as associações
fatores. Foram comparadas as frequências dos entre as variáveis de interesse. Os resultados dos
participantes com pontuações superiores e inferiores testes estatísticos foram considerados significantes
à mediana de cada distribuição considerando-se os para valor de p<0,05. As análises estatísticas foram
significados de felicidade na velhice, sexo e idade. realizadas por meio dos pacotes SAS (Statistical
Analysis System), versão 9.4., e SPSS, versão 21.0. 5 de 16
Os significados de “ser feliz na velhice” foram
obtidos em situação de entrevista, solicitando-se Os part icipantes assinaram termos de
aos participantes que falassem livremente sobre o consentimento livre esclarecido relativo aos objetivos,
assunto. As respostas foram registradas literalmente procedimentos e compromissos éticos da equipe, em
no formulário da pesquisa e depois transcritas para o ambos os tempos de medida. Os projetos foram
banco de dados26. O corpus formado pelos registros aprovados pelo Comitê de Ética da Universidade
textuais das respostas orais dos idosos foi submetido Estadual de Campinas pelos pareceres No 208/2007,
à análise de conteúdo e à contagem das categorias, de 22/5/2007 e No 1.332.651, de 23/11/2015. O
para comparação com os dados da CASP-19. projeto do presente estudo foi aprovado em
05/11/2019, pelo parecer No 3.684.200.
A análise de conteúdo é uma técnica categorial
e inferencial de análise da comunicação, que se
vale de procedimentos sistemáticos e objetivos de RESULTADOS
descrição, classificação, quantificação e qualificação
das mensagens. Foi considerada como unidade de A amostra foi composta por 60 homens e 151
análise qualquer emissão completa e inteligível, mulheres com idade média de 81,0±4,3 anos no
com qualquer extensão ou nível de complexidade seguimento; o grupo de idade mais numeroso foi o de
linguística, em resposta à questão aberta. Categoria 80 a 84 anos. A análise de conteúdo sobre o conceito
foi definida como uma classe de significados que “ser feliz na velhice” identificou quatro temas (saúde
compartilham pelo menos um elemento comum, e funcionalidade, bem-estar psicológico, relações
que os diferencia de outra classe; os temas, como interpessoais e recursos materiais) e 11 categorias a
conceitos supra ordenados que aglutinam um eles subordinadas (Tabela 1).
conjunto de categorias30,31.
A Tabela 2 apresenta os dados das variáveis
A análise foi realizada por três pesquisadores sociodemográficas, as frequências de respostas nas
informados sobre o método e sobre os objetivos da categorias de significado de felicidade na velhice e
análise, e que conheciam os resultados de pesquisas os valores das medianas, das médias e das distâncias
similares4,5. Trabalhando independentemente e depois interquartílicas na escala CASP-19 e nos fatores
em conjunto, ocasião em que se submeteram a uma Autorrealização/Prazer e Controle/Autonomia. As
exigência de acordo inter-examinadores da ordem categorias de significados do conceito “ser feliz na
de 100%, os analistas derivaram quatro temas e 11 velhice” com maior frequência de ocorrências foram
categorias de significado, apoiados nos conceitos de saúde física, relações familiares, autodesenvolvimento
bem-estar hedônico e eudaimônico1 e no modelo e satisfação e prazer. Cognição e religiosidade/
teórico de bem-estar psicológico de Ryff14,32 . Os espiritualidade, os de menor frequência. No tema
dados foram traduzidos em registros de ocorrência e bem-estar psicológico destacaram-se as três categorias
não ocorrência das categorias abstraídas da resposta relativas ao bem-estar eudaimônico (68,0% das
de cada idoso, e foram submetidas a contagem. Os menções), que superaram em frequência as relativas
testes Qui-quadrado de Pearson e Exato de Fisher a bem-estar hedônico (satisfação e prazer). Foram
foram usados para comparar frequências das variáveis altos os valores das médias e das medianas na escala
categóricas produzidas pela análise de conteúdo. CASP-19 e nos dois fatores.

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Qualidade de vida e felicidade em idosos

No grupo que pontuou acima da mediana idosos que não mencionaram esses significados.
na CASP-19 foi observada uma frequência Nesse grupo predominaram participantes com
significativamente mais alta de idosos que não pontuação inferior à mediana na CASP-19. Essas
associaram “ser feliz na velhice” nem com saúde relações se repetiram para as relações entre o fator
e funcionalidade e nem com recursos materiais do autorrealização e prazer da escala de qualidade de vida
que de idosos que fizeram essas associações. Entre percebida e os significados saúde e funcionalidade,
estes, predominaram idosos com pontuação inferior recursos materiais, satisfação e prazer, relações sociais
à mediana na escala de qualidade de vida percebida. e suporte social. Houve mais idosos de 80 a 84 anos 6 de 16
Foram observados mais idosos que pontuaram alto do que de 85 anos e mais com pontuação superior
na CASP-19 entre os que mencionaram bem-estar à mediana no fator autorrealização e prazer. Entre
psicológico, satisfação e prazer, relações interpessoais, estes últimos preponderaram pontuações mais baixas
relações familiares e relações sociais do que de no fator (Tabela 3).

Tabela 1. Temas e categorias latentes aos significados atribuídos pelos idosos ao conceito “ser feliz na velhice”
(n=211). Campinas, SP, 2020.
Tema 1. Saúde e funcionalidade
Categorias:
1.1. Saúde física. Status de saúde traduzido em diagnósticos médicos, sinais e sintomas; estilos de vida saudáveis. Ex:
Ter cuidados consigo mesmo.
1.2. Atividade. Envolvimento vital, participação social, produtividade, energia. Ex: Ter vontade e força para trabalhar.
1.3. Independência e autonomia. Capacidade física e mental que permite controle sobre o ambiente; autogoverno,
autodeterminação. Ex: Fazer o que quer, sem receber ajuda.
1.4. Cognição. Funções cognitivas básicas preservadas, permitindo solução de problemas, discernimento, raciocínio
julgamento e autonomia. Ex: Não queria perder minha memória.
Tema 2. Bem-estar psicológico
Categorias:
2.1. Satisfação e prazer. Produtos do senso de que se tem vida boa e feliz, em concordância com os valores e as
expectativas pessoais e sociais. Ex: Ter sossego, ter paz e alegria, família.
2.2. Religiosidade e espiritualidade. O sagrado e o transcendente como fontes de significado existencial e de senso de
pertencimento e como recursos de enfrentamento. Ex: Primeiro e em tudo servir a Deus.
2.3. Enfrentamento com base na emoção. Manejo de situações estressantes por meio de estratégias cognitivo-
emocionais que protegem a autoestima e poupam recursos pessoais. Ex: Estar bem consigo mesmo.
2.4. Autodesenvolvimento. Investimentos em autoconhecimento e auto aceitação busca de excelência pessoal, senso de
propósito e senso de autorrealização. Ex: Aprender a lidar com as dificuldades.
Tema 3. Relações interpessoais
Categorias:
3.1. Relações familiares. O núcleo familiar como fonte de reconhecimento, pertencimento, valorização, respeito,
proteção, afeto, segurança, apoio e satisfação. Ex: Família unida.
3.2. Relações sociais. O grupo como fonte de reconhecimento, pertencimento, valorização, proteção, afeto, segurança e
satisfação. Ex: É viver bem ... amar, viver bem com os amigos.
3.3. Suporte social. Relações de dar e receber afeto, bens materiais, informação, ajuda instrumental e auxílio na solução
de problemas. Ex: É ter uma pessoa que cuide da gente, poder cuidar.
Tema 4. Recursos materiais
Posse de dinheiro, objetos e oportunidades que facilitam o alcance do bem-estar, de acordo com os valores individuais
e sociais. Ex: Dinheiro para ir ao médico, para comer, comprar remédio.

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Qualidade de vida e felicidade em idosos

Tabela 2. Sumário descritivo da amostra (n=211). Campinas, SP, 2020.


Médias Distâncias
n (%) Medianas
(desvios-padrão) interquartílicas
Sexo
Masculino 60 (33,2)
Feminino 151 (66,8)
Idade (anos) 81,0 ± 4,3 81,0 6,0 7 de 16
70-79 71 (33,7)
80-84 97 (46,4)
≥ 85 42 (19,9)
Ocorrências de categorias de significado
de “ser feliz na velhice”
T1. Saúde e funcionalidade
C1.1. Saúde física 122 (56,2)
C1.2 Atividade 40 (18,4)
C1.3. Independência /autonomia 48 (22,2)
C1.4. Cognição 7 (3,2)
T2. Bem-estar psicológico
C2.1. Satisfação e prazer 66 (32,0)
C2.2. Religiosidade/espiritualidade 29 (14,1)
C2.3. Enfrentamento base emoção 42 (10,4)
C2.4. Autodesenvolvimento 69 (33,5)
T3. Relações interpessoais
C3.1. Relações familiares 80 (41,5)
C3.2. Relações sociais 54 (28,0)
C3.3. Suporte social 59 (30,5)
T4. Recursos materiais 56 (26,5)
Idosos conforme pontuação em qualidade
de vida percebida
Escala CASP-19 total 40,2 ± 8,7 40,0 10,0
Com pontuação abaixo da mediana 101 (47,8)
Com pontuação acima da mediana 110 (52,2)
Fator 1: Autorrealização / Prazer 26,6 ± 7,3 26,0 10,0
Com pontuação abaixo da mediana 98 (46,4)
Com pontuação acima da mediana 113 (53,6)
Fator 2: Controle / Autonomia 4,4 ± 3,4 4,0 4,0
Com pontuação abaixo da mediana 101 (47,8)
Com pontuação acima da mediana 110 (52,2)
T = Tema; C = Categoria.

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Qualidade de vida e felicidade em idosos

Tabela 3. Associações entre pontuação superior à mediana na escala CASP-19 de qualidade de vida percebida,
considerando os significados de “ser feliz na velhice”, sexo e idade dos participantes (n=211). Campinas, SP, 2020.
Escala CASP-19 Fator 1. Fator 2.
Autorrealização/Prazer Controle/Autonomia
Variáveis n (%)
≤ 39,0 ≥ 40,0 ≤ 25,0 ≥ 26,0 ≤ 3,0 ≥ 4,0
(n=101) (n=110) (n=98) (n=113) (n=101) (n=110)
Significados de “ser feliz
na velhice” 8 de 16
T1. Saúde e funcionalidade p= 0,033 p= 0,038 p= 0,383
Não 69 (32,7) 33,3 66,7 36,2 63,8 52,2 47,8
Sim 142 (67,3) 54,9 45,1 51,4 48,6 45,8 54,2
C1.1. Saúde física p= 0,065 p= 0,226 p= 0,132
Não 89 (42,2) 40,0 59,6 41,6 58,4 53,9 46,1
Sim 122 (57,8) 53,3 46,7 50,0 50,0 43,4 56,6
C1.2. Atividade p= 0,515 p= 0,364 p= 0,450
Não 171 (81,0) 46,8 53,2 47,9 52,1 49,1 50,9
Sim 40 (19,0) 52,5 47,5 40,0 60,0 42,5 57,5
C1.3. Independência/ p= 0,099 p= 0,923 p= 0,748
autonomia
Não 163 (77,2) 44,8 55,2 46,6 53,4 48,5 51,5
Sim 48 (22,7) 58,3 41,7 45,8 54,2 45,8 54,2
C1.4. Cognição p= 0,056 p= 0,051 p= 1,000
Não 204 (96,7) 46,6 53,4 45,1 54,9 48,0 52,0
Sim 7 (3,3) 85,7 14,3 85,7 14,3 42,9 57,1
T2. Bem-estar psicológico p= 0,006 p= 0,127 p= 0,598
Não 113 (53,5) 56,6 43,4 51,3 48,7 49,6 50,4
Sim 98 (46,5) 37,8 62,2 40,8 59,2 45,9 54,1
C2.1. Satisfação e prazer p= 0,004 p= 0,048 p= 0,172
Não 145 (68,7) 54,5 45,5 51,0 49,0 51,0 49,0
Sim 66 (31,3) 33,3 66,7 36,4 63,6 40,9 59,1
C2.2. Religiosidade/ p= 0,724 p= 0,832 p= 0,724
espiritualidade
Não 182 (86,3) 48,3 51,7 46,1 53,8 48,3 51,7
Sim 29 (13,7) 44,8 55,2 48,3 51,7 44,8 55,2
C2.3. Enfrentamento base p= 0,703 p= 0,861 p= 0,757
Emoção
Não 169 (80,0) 48,5 51,5 46,7 53,2 47,3 52,7
Sim 42 (20,0) 45,2 54,8 45,2 54,7 50,0 50,0
C2.4. Autodesenvolvimento p= 0,077 p= 0,138 p= 0,993
Não 142 (67,3) 52,1 47,9 50,0 50,0 47,9 52,1
Sim 69 (32,7) 39,1 60,9 39,1 60,9 47,8 52,2
T3. Relações interpessoais p= 0,011 p= 0,120 p= 0,820
Não 102 (48,3) 56,9 43,1 52,0 48,0 47,1 52,9
Sim 109 (51,7) 39,4 60,6 41,3 58,7 48,6 51,4
continua

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Qualidade de vida e felicidade em idosos

Continuação da Tabela 3
Escala CASP-19 Fator 1. Fator 2.
Autorrealização/Prazer Controle/Autonomia
Variáveis n (%)
≤ 39,0 ≥ 40,0 ≤ 25,0 ≥ 26,0 ≤ 3,0 ≥ 4,0
(n=101) (n=110) (n=98) (n=113) (n=101) (n=110)
Significados de “ser feliz
na velhice”
C3.1. Relações familiares p= 0,038 p= 0,142 p= 0,628 9 de 16
Não 131 (62,1) 53,4 46,6 50,4 49,6 46,6 53,4
Sim 80 (37,9) 38,7 61,3 40,0 60,0 50,0 50,0
C3.2. Relações sociais p= 0,031 p= 0,025 p= 0,190
Não 157 (74,4) 52,2 47,8 51, 49,0 45,2 54,8
Sim 54 (25,6) 35,2 64,8 33,3 66,7 55,6 44,4
C3.3. Suporte social p= 0,108 p= 0,023 p= 0,703
Não 152 (72,0) 51,3 48,7 51,3 48,7 48,7 51,3
Sim 59 (28,0) 39,0 61,0 33,9 66,1 45,8 54,2
T4. Recursos materiais p= 0,025 p= 0,212 p= 0,709
Não 155 (73,5) 43,2 56,8 43,9 56,1 47,1 52,9
Sim 56 (26,5) 60,7 39,3 53,6 46,4 50,0 50,0
Sexo p= 0,486 p= 0,206 p= 0,599
Masculino 60 (28,4) 51,7 48,3 53,3 46,7 45,0 55,0
Feminino 151 (71,5) 46,4 53,6 43,7 56,3 49,0 51,0
Idade (anos) p= 0,228 p= 0,033 p= 0,377
70-79 71 (33,8) 53,5 46,5 50,7 49,3 43,7 56,3
80-84 97 (46,2) 41,2 58,8 37,1 62,9 47,4 52,6
≥ 85 42 (20,0) 52,4 47,6 59,5 40,5 57,1 42,9
T = Tema; C = Categoria; Diferença estatisticamente significativa entre os grupos se p-valor <0,05, para o teste Qui-quadrado de Pearson.

Na análise de regressão logística simples, os idosos A análise de regressão logística univariada para as
que mencionaram os temas saúde e funcionalidade associações entre pontuação superior à mediana no
e recursos materiais apresentaram-se com menores fator autorrealização/prazer e significado de “ser feliz
chances de pontuar acima da mediana na CASP- na velhice” revelou resultados similares aos obtidos
19. Os que mencionaram bem-estar psicológico, para a escala total. Em comparação com as pessoas
satisfação e prazer, relações interpessoais e relações idosas que não mencionaram, as que mencionaram
familiares apresentaram-se com maiores chances relações sociais, saúde e funcionalidade, e satisfação
de pontuar acima da mediana na escala. Conforme e prazer tiveram maior chance de pontuar acima da
dados da análise de regressão logística múltipla, mediana nos itens do fator autorrealização/prazer.
idosos que não mencionaram recursos materiais ou A análise de regressão logística múltipla mostrou
saúde e funcionalidade tiveram maior probabilidade associações significativas entre pontuação superior à
de pontuar acima da mediana na CASP-19 do que mediana no fator autorrealização e prazer e presença
aqueles que mencionaram esses significados. Idosos de menções a suporte social, ausência de menções
que mencionaram relações interpessoais tiveram à saúde e funcionalidade e idade de 80 a 84 anos
maior probabilidade de pontuar acima da mediana (Tabela 5). Foram realizadas análises de regressão
na CASP-19, do que os que não mencionaram para o fator 2 da CASP-19 (controle/autonomia), sem
(Tabela 4). resultados estatisticamente significativos.

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Qualidade de vida e felicidade em idosos

Tabela 4. Análises de regressão logística das pontuações superiores à mediana na escala CASP-19, dos significados
de “ser feliz na velhice”, sexo e idade dos participantes (n=211). Campinas, SP, 2020.
Análise de regressão logística Análise de regressão logística
Variáveis
univariada múltipla
Significados de “Ser feliz na velhice” *
OR IC 95% OR
**
p-valor *
OR **
IC 95% OR p-valor
T1. Saúde e Funcionalidade
Não 1,00 --- --- 1,00 --- ---
Sim 0,41 0,23-0,75 0,004 0,44 0,24-0,82 0,010 10 de 16
T2. Bem-Estar Psicológico
Não 1,00 --- ---
Sim 2,15 1,24-3,74 0,007
T3. Relações Interpessoais
Não 1,00 --- --- 1,00 --- ---
Sim 2,02 1,17-3,50 0,012 1,92 1,08-3,41 0,027
T4. Recursos Materiais
Não 1,00 --- --- 1,00 --- ---
Sim 0,49 0,26-0,92 0,026 0,43 0,23-0,83 0,012
C1.1 Saúde física
Não 1,00 --- ---
Sim 0,60 0,34-1,04 0,066
C1.2 Atividade
Não 1,00 --- ---
Sim 0,80 0,40-1,59 0,515
C1.3 Independência/autonomia
Não 1,00 --- ---
Sim 0,58 0,30-1,11 0,101
C1.4 Cognição
Não 1,00 --- ---
sim 0,15 0,02-1,23 0,077
C2.1 Satisfação e prazer
Não 1,00 --- ---
Sim 2,39 1,30-4,39 0,005
C2.2 Religiosidade/espiritualidade
Não 1,00 --- ---
Sim 1,15 0,52-2,53 0,724
C.2.3 Enfrentamento/emoção
Não 1,00 --- ---
Sim 1,14 0,58-2,25 0,704
C.2.4 Autodesenvolvimento
Não 1,00 --- ---
Sim 1,69 0,94-3,04 0,078
C3.1 Relações familiares
Não 1,00 --- ---
Sim 1,81 1,03-3,19 0,039
C3.2 Relações sociais
Não 1,00 --- ---
Sim 2,01 1,06-3,82 0,032
continua

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Qualidade de vida e felicidade em idosos

Continuação da Tabela 4
Análise de regressão logística Análise de regressão logística
Variáveis
univariada múltipla
Sexo
Masculino 1,00 --- ---
Feminino 1,24 0,68-2,25 0,486
Idade (anos)
70-79 1,00 --- ---
11 de 16
80-84 1,64 0,89-3,04 0,116
≥ 85 1,05 0,49-2,25 0,907
T = Tema; C = Categoria. OR* = razões de chance para alta pontuação: 110 com pontuação superior à mediana e 101 com pontuação inferior à
mediana. IC 95% OR** = Intervalo de confiança de 95% para a razão de chance; p-valor do teste de Wald estatisticamente significativo se p <0,05.

Tabela 5. Análises de regressão logística das pontuações superiores à mediana no Fator 1 (Autorrealização/
Prazer) da versão em português da escala CASP-19, dos significados de “ser feliz na velhice”, sexo e idade dos
participantes (n=211). Campinas, SP, 2020.
Análise de regressão logística Análise de regressão logística
Variáveis univariada múltipla
*
OR **
IC 95% OR p-valor *
OR IC 95% OR p-valor
**

Significados de “ser feliz na velhice”


T1. Saúde e Funcionalidade
Não 1,00 --- --- 1,00 --- ---
Sim 0,54 0,30-0,97 0,039 0,51 0,27-0,95 0,035
T2. Bem-Estar Psicológico
Não 1,00 --- ---
Sim 1,53 0,89-2,64 0,128
T3 Relações Interpessoais
Não 1,00 --- ---
Sim 1,54 0,89-2,65 0,121
T4. Recursos Materiais
Não 1,00 --- ---
Sim 0,68 0,37-1,25 0,213
C1.1. Saúde Física
Não 1,00 --- ---
Sim 0,71 0,41-1,24 0,226
C1.2. Atividade
Não 1,00 --- ----
Sim 1,38 0,69-2,78 0,365
C1.3. Independência/Autonomia
Não 1,00 --- ---
Sim 1,03 0,54-1,97 0,923
C1.4. Cognição
Não 1,00 --- ---
Sim 0,14 0,02-1,16 0,068
C2.1. Satisfação e Prazer
Não 1,00 --- ---
Sim 1,82 1,01-3,32 0,049
continua

Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2):e200298


Qualidade de vida e felicidade em idosos

Continuação da Tabela 5
Análise de regressão logística Análise de regressão logística
Variáveis univariada múltipla
*
OR IC 95% OR p-valor
** *
OR **
IC 95% OR p-valor
Significados de “ser feliz na velhice”
C2.2. Religiosidade/Espiritualidade
Não 1,00 --- ---
Sim 0,92 0,42-2,01 0,831 12 de 16
C2.3. Enfrentamento/emoção
Não 1,00 --- ---
Sim 1,06 0,54-2,09 0,861
C2.4. Autodesenvolvimento
Não 1,00 --- ---
Sim 1,56 0,87-2,79 0,139
C3.1. Relações Familiares
Não 1,00 --- ---
Sim 1,52 0,87-2,68 0,143
C3.2. Relações Sociais
Não 1,00 --- ---
Sim 2,08 1,09-3,97 0,020
C3.3. Suporte Social
Não 1,00 --- --- 1,00 --- ---
Sim 2,06 1,10-3,84 0,024 2,19 1,00-2,19 0,019
Sexo
Masculino 1,00 --- ---
Feminino 1,47 0,81-2,68 0,207
Idade (anos)
74-79 1,00 --- --- 1,00 --- ---
80-84 1,74 0,94-3,24 0,080 1,93 1,01-3,68 0,047
≥ 85 0,70 0,32-1,51 0,364 0,58 0,26-1,32 0,194
T = Tema; C = Categoria; *OR = razões de chance para alta pontuação: 110 com pontuação superior à mediana e 101 com pontuação inferior à
mediana; **IC 95% OR = Intervalo de confiança de 95% para a razão de chance; valor-p do teste de Wald estatisticamente significativo se p<0,05.

DISCUSSÃO os que não os citaram. Participantes que pontuaram


alto no fator autorrealização e prazer apresentaram-
Realizamos um estudo tipo linha de base e se com maior probabilidade de mencionar suporte
seguimento investigando associações entre os social e de não mencionar saúde e funcionalidade e
significados atribuídos por idosos ao conceito “ser recursos materiais. Foram observadas associações
feliz na velhice” e as pontuações por eles obtidas entre pontuação elevada no fator autorrealização e
em uma medida de qualidade de vida percebida prazer, ausência de menções a saúde e funcionalidade
(CASP-19). Idosos que não mencionaram nem saúde e a recursos materiais, presença de menções a suporte
e funcionalidade e nem recursos materiais na linha de social, e idade de 80 a 84 anos.
base tiveram maior probabilidade de pontuar alto na
escala de qualidade de vida percebida no seguimento, Os idosos manifestaram uma compreensão
do que aqueles que mencionaram esses significados. do conceito de felicidade na velhice como uma
Os que citaram relações interpessoais tiveram maior condição que apresenta aspectos hedônicos (ligados
probabilidade de pontuar alto na CASP-19, do que à satisfação das necessidades, à busca do prazer e à

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Qualidade de vida e felicidade em idosos

evitação do sofrimento) e eudaimônico (ligados à que faleceram entre a linha de base e o seguimento
busca da excelência pessoal). Mostraram, também, (37,5% das perdas) eram provavelmente mais frágeis
que valorizam mais os aspectos eudaimônicos do que e doentes do que os sobreviventes. É razoável supor
os aspectos hedônicos das experiências de felicidade que a não-localização de boa parte dos participantes
e de qualidade de vida percebida e que percebem da linha de base deveu essa condição ao fato de terem
a saúde, a funcionalidade e os recursos materiais se mudado para a casa de filhos ou para instituições
como aspectos do bem-estar na velhice, não como de longa permanência para idosos (ILPI), por doença,
sua única ou mais crítica faceta, como comumente incapacidade ou viuvez. 13 de 16
se pensa que os idosos pensam.
Dessa forma, pode ter ocorrido um viés decorrente
Pessoas em idade avançada que se diferenciam da sobrevivência dos participantes de condições de
por desfrutar de boa saúde física e cognitiva para a saúde mais robustas. Porém, mesmo aceitando essa
idade, costumam supervalorizar a sua condição, quer hipótese, não deve ser descartada a possibilidade de a
porque, de fato, elas estão nos estratos superiores amostra abrigar considerável heterogeneidade dentro
de adaptação do seu grupo de idade, quer porque se de cada grupo de idade. Com base em análises de
sentirem superiores aos iguais, em matéria de saúde grandes bancos de dados oficiais dos Estados Unidos
e funcionalidade, cumpre objetivos compensatórios e do banco de uma das ondas do Health and Retirement
para a sua experiência de envelhecimento. Nas idades Study, Lowski et al.34 relataram que 48% da amostra
avançadas, ganham proeminência as experiências de 51 a 54 anos, 42% dos de 65 a 69, 38% dos de
de bem-estar eudaimônico refletido em bem-estar 70 aos 75, 30% dos de 80 a 84 e 28% daqueles de
psicológico, autodesenvolvimento e espiritualidade, 85 anos e mais classificaram a própria saúde como
bem como tornam-se cada vez mais importantes as excelente e muito boa. Entre os de 51 e 54 anos, 96%
relações familiares e de amizade e o apoio social, eram independentes para todas as AIVD (Atividades
em face do inevitável declínio físico, cognitivo e Instrumentais de Vida Diária) e ABVD (Atividades
social que acompanha o envelhecimento. Essas Básicas de Vida Diária), taxa que foi para 79% entre
noções sobre os dados estão de acordo com a 80 e 84 anos e para 56% entre os de 85 anos e mais.
literatura teórica1,12,15,32,33 e com pesquisas sobre O percentual dos diagnosticados como portadores
felicidade2,4,6,8,9,11, qualidade de vida percebida23,24 e de qualquer uma das cinco doenças crônicas mais
bem-estar2,5,10,13. Neste estudo, a importância dada prevalentes nos EUA foram 75% entre 51 e 54 anos,
às relações interpessoais terá sido fortalecida pela 50% entre 65 e 69, e 35% entre os 80 e os 8434.
forte presença feminina na amostra, dados que se
repetem em pesquisas com idosos mais velhos, em Note-se que a amostra foi majoritariamente
diferentes países8,9,12,15-17,32. Uma outra particularidade feminina, o que terá contribuído para a maior
deste estudo terá sido o realce angariado pelo frequência de menções aos temas relações
fator senso de autorrealização e prazer e a ênfase interpessoais, relações familiares e bem-estar
atribuída pelos idosos ao autodesenvolvimento, psicológico do que aos temas condições materiais
reforçando a impressão de superioridade dos motivos e satisfação e prazer, ao passo que os homens
eudaimônicos sobre os hedônicos na determinação tenderam a sobrevalorizar recursos materiais e
do ajustamento dos idosos, replicando dados da saúde e funcionalidade. Trata-se de uma tendência
pesquisa internacional12,17,19,33,34. observada em estudos similares8,9,12,16,18,20, devido
a fatores genético-biológicos, socioeconômicos e
Circunstâncias do delineamento do Estudo de gênero.
Fibra, contribuíram para a diferenciação da amostra,
em comparação com a de outros estudos de base Se por um lado as características da amostra
populacional: nenhum participante apresentava desestimulam fazer amplas generalizações, por
deficit cognitivo sugestivo de demência e todos outro elas criaram condições para a observação
responderam à totalidade dos itens de dois de indivíduos septuagenários e octogenários que
instrumentos complexos, o que sugere que eram mais apresentavam padrões de funcionamento compatíveis
saudáveis do que os excluídos por esses critérios. Os com os de velhice ótima ou bem-sucedida dos pontos

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Qualidade de vida e felicidade em idosos

de vista biomédico e psicológico. Suas respostas nos entre os dois conjuntos de dados, entre os quais as
dois tempos de medida refletem valores e significados mais importantes são aquelas presididas por questões
afetivos e cognitivos socialmente compartilhados de saúde e funcionalidade, bem-estar econômico, bem-
sobre felicidade e qualidade de vida na velhice, em estar psicológico e aspectos hedônicos e eudaimônicos,
interação com suas condições de vida e a maneira estes mais valorizados pelos idosos do que aqueles.
como viveram e estão vivendo a sua velhice. Não
raciocinamos como se os significados observados na Os dados estimulam a valorização do uso das
linha de base pudessem ser considerados como causas abordagens qualitativas na pesquisa sobre felicidade, 14 de 16
das pontuações em qualidade de vida percebida qualidade de vida percebida e correlatos. Igualmente,
avaliada no seguimento. Tampouco planejamos estimula a derivação de instrumentos úteis às práticas
o hiato de nove anos entre as duas medidas, mas clínica, social e educacional, e à elaboração de
planejamos servir-nos dele para compreender melhor políticas públicas centradas em concepções positivas
as interações entre o significado de conceitos sociais sobre o envelhecimento. De natureza modificável,
complexos e medidas subjetivas de qualidade de vida estas podem ser alvo de pesquisas e intervenções
na velhice avançada. teórica e socialmente relevantes.

Editado: Maria Helena Rodrigues Galvão


CONCLUSÕES
Este estudo tipo linha de base e seguimento RESPONSABILIDADES PELA AUTORIA
oferece dados sobre aspectos relevantes da experiência
de envelhecimento de idosos septuagenários e AL Neri planejou e coordenou o estudo, D
octogenários, especificamente sobre as associações Assumpção colaborou com a análise de dados e
sobre qualidade de vida referenciada por critérios CNA Valero e TFG Meira analisaram os dados e
psicológicos e as concepções dos idosos sobre prepararam a primeira versão do manuscrito, que
felicidade na velhice. Revelou que há associações foi revisado por AL Neri e D Assumpção.

REFERÊNCIAS
1. Steptoe A. Investing in happiness: the gerontological 5. Mantovani EP, de Lucca SR, Neri AL. Associações
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Artigos Originais / Original Articles


Atuação de movimentos sociais e entidades na pandemia da
COVID-19 no Brasil: O cuidado à pessoa idosa em Instituições de
Longa Permanência

Performance of social movements and entities in the COVID-19 pandemic in Brazil: Older adults 1 de 12
care in long-term care facilities
Daiane de Souza Fernandes1 ID

Roberta Cristina Cintra Taveira2 ID

Luípa Michele Silva3 ID

Luciana Kusumota4 ID

Karla Cristina Giacomin5 ID

Rosalina Aparecida Partezani Rodrigues6 ID

Resumo
Objetivo: analisar o conteúdo de documentos propostos por movimentos sociais e entidades
de classe para orientar o cuidado em Instituições de Longa Permanência para Idosos
(ILPI) durante a pandemia da COVID-19 no Brasil. Método: Pesquisa documental,
retrospectiva, descritiva e exploratória. Foram identificados quatro websites de movimentos
sociais e entidades e analisados seus respectivos documentos para orientar o cuidado
à pessoa idosa que vive em ILPI no contexto da pandemia no Brasil. A análise foi do
tipo temática, com auxílio do software IRaMuTeQ Resultados: Foram selecionados 28
textos para análise. O movimento social Frente Nacional de Fortalecimento à ILPI Palavras-chave: Saúde do
apresentou o maior quantitativo de produções. Na análise temática emergiram três Idoso. Instituição de Longa
classes: (1) O cuidado como estratégia de prevenção de contágio pela COVID-19 na Permanência para Idosos.
ILPI; (2) O suporte dos gestores públicos enquanto direito da pessoa idosa que reside Infecções por Coronavírus.
Covid-19. Pandemias.
em ILPI; e (3) A preservação do vínculo sociofamiliar do residente da ILPI durante a
pandemia. Conclusão: Os movimentos sociais e entidades tiveram um lépido desempenho
no suporte às ILPI no Brasil por meio da divulgação de documentos que contribuíram
para nortear o cuidado à pessoa idosa institucionalizada em situação de vulnerabilidade.
Faz-se necessário maior envolvimento dos gestores públicos na proteção e direito à vida
dessa população idosa.

1 Universidade de São Paulo (USP), Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem Fundamental. Ribeirão Preto, SP, Brasil.
2 Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Programa de Pós-Graduação
em Nutrição e Metabolismo. Ribeirão Preto, SP, Brasil.
3 Universidade Federal de Catalão (UFCAT), Departamento de enfermagem, Unidade Acadêmica de
Biotecnologia. Catalão, GO, Brasil.
4 Universidade de São Paulo (USP), Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Departamento de Enfermagem
Geral e Especializada, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental. Ribeirão Preto, SP, Brasil.
5 Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Coordenação de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa.
Belo Horizonte, MG, Brasil.
6 Universidade de São Paulo (USP), Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Departamento de Enfermagem
Geral e Especializada, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental. Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Os autores declaram não haver conflito na concepção deste trabalho.


Não houve financiamento para a execução deste trabalho.

Correspondência/Correspondence
Daiane de Souza Fernandes Recebido: 03/03/2021
daissf@usp.br Aprovado: 14/06/2021

http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562021024.210048
O cuidado do idoso em Instituições de Longa Permanência na pandemia da COVID-19

Abstract
Objective: To analyze the content of documents proposed by social movements and
professional associations to guide care in Long-Term Care Institutions for the Elderly
(LTCF) during a COVID-19 pandemic in Brazil. Method: This is a documentary,
retrospective, descriptive and exploratory research. It was found four websites and
their respective documents were identified to guide the care of the older adultswho live
in LTCF in the context of the pandemic in Brazil. Thematic analysis was performed
using IRaMuTeQ software. Results: 28 texts were selected for analysis. The social 2 de 12
movement “National Front for Strengthening the LTCF” presented the highest number Keywords: Health of the
of productions. In the thematic analysis, three classes emerged: (1) Care as a contagion Elderly. Homes for the Aged.
prevention strategy for COVID-19 at the LTCF; (2) The support of public managers Coronavirus Infections.
as a right of the older adults living in the LTCF; and (3) The preservation of the social Covid- 19. Pandemics.
link of the LTCF residents during the pandemic. Conclusion: Social movements and
organizations had a quick performance in supporting the LTCF in Brazil through the
dissemination of documents that guided the care of institutionalized older adults in
situations of vulnerability. Greater involvement of public managers in the protection
and the right to life of these older adults population is necessary.

INTRODUÇÃO 2010, foram contabilizadas aproximadamente 3.548


instituições, 1.617 (45,6%) delas de caráter filantrópico2.
A COVID-19 é uma doença caracterizada por
uma síndrome respiratória aguda grave causada por A população de pessoas idosas que mora em
um vírus da família coronavírus, o SARS-CoV-2. Em ILPI apresenta um conjunto de fatores que favorece
virtude da gravidade e rápida disseminação mundial, a alta vulnerabilidade, tais como a idade avançada,
foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde presença de multimorbidades (hipertensão arterial,
(OMS) como uma emergência de saúde pública, em diabetes mellitus, cardiopatias, doenças pulmonares e
janeiro de 2020, e em março do mesmo ano, como outras), diferentes graus de dependência e a vivência
uma pandemia1. em ambientes coletivos. Soma-se a essa problemática
a inexistência de planos de enfrentamento no Brasil
A evolução da pandemia nos países asiáticos e para proteção da pessoa idosa institucionalizada no
europeus evidenciou o alto risco da doença para decorrer da pandemia4,5.
pessoas idosas, especialmente aquelas em condições
frágeis de saúde e de extrema vulnerabilidade. Esse Diante da urgência em criar medidas eficientes
grupo apresenta a maior taxa de mortalidade quando de contingência à COVID-19 nesses ambientes e da
comparado a outras faixas etárias2,3. deficiência por parte do poder público na atenção
a essa demanda, surgiram diferentes iniciativas
O cenário mostrou-se ainda mais crítico para por parte de organizações, entidades de classe e
pessoas residentes em Instituições de Longa movimentos sociais. O objetivo principal foi subsidiar
Permanência para Idosos (ILPI). No Brasil, essas as instituições com informativos, protocolos,
instituições podem ser públicas ou privadas, com estratégias, relatórios, manifestos e cartas6.
a particularidade de funcionarem como uma
residência para pessoas com 60 anos ou mais, Assim, algumas entidades e movimentos sociais
independentemente de apresentarem ou não suporte brasileiros se organizaram e elaboraram diversos
familiar e são equipamentos da assistência social 2. documentos com o intuito de nortear o cuidado
prestado à população idosa institucionalizada.
Contudo, ainda é desconhecido o número exato Tal atitude fica legitimada pela invisibilidade da
de instituições com essa finalidade no país. De acordo implementação de políticas públicas no país voltadas
com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada para esse público. Assim, conhecer e analisar essa
(IPEA), em um levantamento nacional realizado em produção revela-se de fundamental importância para

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O cuidado do idoso em Instituições de Longa Permanência na pandemia da COVID-19

identificar os pontos frágeis que podem interferir contingência, cartilha, informativo, capítulo de
no cuidado na ILPI, e fundamentalmente apontar e-book, recomendações, plano de ação e carta
intervenções necessárias para adoção de medidas que tinham como objetivo orientar o cuidado em
preventivas contra a COVID-19 nestes espaços. ILPI; conteúdos disponíveis na íntegra nos seus
respectivos websites e que apresentaram no seu interior
Como proposta para este estudo, foram elaboradas as palavras-chaves: Instituição de Longa Permanência
as seguintes questões de pesquisa: Quais os para Idosos, Idoso e COVID-19 (Coronavírus);
documentos elaborados pelos movimentos sociais e as documentos produzidos e divulgados no período 3 de 12
entidades de classe na orientação do cuidado à pessoa de março à outubro de 2020.
idosa de ILPI durante a pandemia da COVID-19 no
Brasil? Qual o conteúdo desses documentos? A coleta de dados foi realizada no mês de outubro
de 2020. A busca pelos dados foi pautada em três
O estudo apresenta como objetivo analisar o fases: pré-análise, exploração do material e análise
conteúdo de documentos propostos por movimentos dos dados. Na primeira, realizou-se o levantamento
sociais e entidades de classe para orientar o cuidado dos websites de movimentos sociais e entidades de
em ILPI durante a pandemia da COVID-19 no Brasil. classe, tendo como critérios de seleção: movimentos
e entidades atuantes no Brasil, realizar a elaboração
e divulgação de conteúdo sobre a pessoa idosa na
MÉTODO pandemia da COVID-19 e sobre a orientação do
cuidado ao residente em ILPI.
Pesquisa documental, retrospectiva, descritiva
e exploratória. A amostra foi constituída por Na segunda etapa, houve o rastreio de todos os
documentos produzidos por movimentos sociais e documentos elaborados. Na terceira etapa, fez-se
entidades de classe para orientar o cuidado em ILPI a leitura minuciosa dos documentos encontrados,
durante a pandemia da COVID-19 no Brasil. Para identificando-se os critérios de inclusão. Na amostra
seleção dos documentos, foram adotados os seguintes final 28 produções compuseram o banco de dados
critérios de inclusão: divulgação de conteúdos como textual analisado. O fluxograma das etapas da coleta
relatório técnico, protocolo, manifesto, plano de de dados está representado na (Figura 1).

Figura 1. Fluxograma da seleção dos documentos utilizados no estudo. Ribeirão Preto, SP 2020.

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O cuidado do idoso em Instituições de Longa Permanência na pandemia da COVID-19

Os documentos foram organizados em um banco ≥35), para visualização dos termos mais frequentes,
de dados, sendo possível identificar o movimento pois com uma frequência mais baixa, a imagem fica
social ou entidade, título, tipo de documento, com o aspecto poluído, dificultando a compreensão
objetivos e conteúdo. Após a leitura minuciosa, do leitor7.
obteve-se o banco de dados textual por meio do
agrupamento dos textos em um só documento, criado Com base no relatório da análise e nos gráficos
no bloco de notas. Em seguida, este foi submetido ao gerados, os dados foram analisados à luz da literatura
processo de análise textual, com auxílio do software pertinente conforme a técnica de análise de conteúdo 4 de 12
Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de temática.
Textes et de Questionnaires - IRaMuTeQ, versão 0.6
alpha 37. Por ter utilizado informações de acesso público e
gratuito, disponibilizadas nos websites dos movimentos
Para auxiliar na análise, adotou-se como sociais e entidades de classe, a presente pesquisa
referencial a análise temática8, cujo processo consta não foi submetida ao Comitê de Ética, conforme
de seis fases: (1) coleta dos dados - primeiro contato a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº
com o material; (2) criação de uma lista de ideias 510/2016.
iniciais (códigos), momento em que o pesquisador
procura a existência de temas; (3) classificação Além dos aspectos éticos, as etapas da pesquisa
e agrupamento dos códigos em categorias; (4) e elaboração do artigo responderam aos critérios
criação dos temas, quando houve a independência da Consolidated criteria for reporting qualitative research10.
de cada tema e foram obedecidos os princípios da
homogeneidade interna e heterogeneidade externa,
sendo esse um processo que elimina a ambiguidade RESULTADOS
no processo de distribuição temática; (5) atribuição
Dentre os movimentos sociais e entidades
de um nome a cada tema identificado; e, por fim,
selecionados para analisar os documentos
(6) a redação do relatório final8,.
produzidos, a Frente Nacional de Fortalecimento
Para auxiliar nas etapas de três a cinco foi utilizado à ILPI (FNILPI)11 apresentou o maior quantitativo
o software IRaMuTeQ com a escolha do método de documentos, totalizando 12 sendo 2 (dois)
Reinert, que realiza uma classificação hierárquica relatórios, 6 (seis) cartilhas, 1 (um) protocolo, 1
de forma descendente. Tal classificação é definida por (um) manifesto, 1 (um) informativo e 1 (um) plano
classes lexicais, em que cada uma delas representa um de contingência. O Departamento Científico
tema e pode ser descrito de acordo com as palavras de Enfermagem Gerontológica da Associação
que o definem e os respectivos segmentos de textos9. Brasileira de Enfermagem (DCEG)12 apresentou
Para cada classe foram utilizados os segmentos 10, sendo 1 (um) informativo e 9 (nove) capítulos
obtidos na análise realizada pelo software e validados de livros. A Sociedade Brasileira de Geriatria e
pelos pesquisadores. Gerontologia (SBGG)13 divulgou 3 (três), por meio de
recomendações, e a Aliança Voluntária para Proteção
Na análise temática emergiram três classes: a) O dos Idosos Institucionalizados (ILPI.me)14 totalizou
cuidado como estratégia de prevenção de contágio 3 (três) documentos, sendo 1 (um) plano de ação, 1
pela COVID 19 na ILPI; b) O suporte dos gestores (um) protocolo e 1 (uma) carta.
públicos enquanto direito da pessoa idosa que reside
em ILPI; e c) A preservação do vínculo sociofamiliar Na análise dos dados, o banco textual permitiu ao
do residente da ILPI durante a pandemia. software IRaMuTeQ formar 154 segmentos de texto,
que possibilitaram identificar 1.002 ocorrências de
Também foi utilizada a Análise de Similitude, termos, dos quais 332 palavras foram selecionadas.
que cria um gráfico de semelhança, representando os Destas, foram identificadas 190 palavras diferentes,
elos entre as formas analisadas. Para elaboração do com uma única ocorrência, correspondendo a
gráfico, os parâmetros utilizados na análise foram as 57,23% do total de palavras analisadas e a 18,96%
palavras ativas e com frequência maior do que 35 (f das ocorrências encontradas.

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O cuidado do idoso em Instituições de Longa Permanência na pandemia da COVID-19

Quanto ao conteúdo dos documentos analisados, mesmo subcorpus (58,9%), sendo que na Classe 1
de acordo com a Figura 2, os termos mais recorrentes encontram-se 46,4% dos segmentos de texto e na
utilizando uma frequência de palavras igual ou maior Classe 2, 12,5% dos segmentos de textos. Na classe
que 35 foram: idoso (f=475); pessoa (f=250); ILPI 1, as palavras mais frequentes foram: ILPI; COVID;
(f=216); saúde (f=190); cuidado (f=169); profissional cuidado; profissional; caso; equipamento; prevenção;
(f=138); social (f=127); público (f=114); direito suspeito. Na classe 2, destacaram-se: familiar;
(f=111); ação (f=100); equipamentos (f=98); familiar rede; contato; cognitivo; suporte; virtual; querido;
(f=96); pandemia (f=96); recurso (f=92); assistência incentivar. A classe 3 apresenta o outro subcorpus 5 de 12
(f=76); Conselho (f=72); considerar (f=72); vida com 41,1% dos segmentos de texto, tendo como
(f=71); prevenção (f=70); proteção (f=69); serviço ênfase: público; social; direito; recurso; assistência;
(f=69); necessidade (f=66); necessário (f=66); plano nacional; Conselho.
(f=52); isolamento (f=52).
As classes obtidas na análise e alguns trechos
A Figura 3 representa a classificação hierárquica extraídos dos documentos elaborados pelos
descendente, com a organização em classes com movimentos e entidades de classe estão representados
nuvem de palavras. As classes 1 e 2 compõem um no Quadro 1.

Figura 2. Gráfico de similitude em formato de rede com as palavras que apresentaram conexão nos documentos
analisados. Ribeirão Preto, SP 2020.

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O cuidado do idoso em Instituições de Longa Permanência na pandemia da COVID-19

6 de 12

Figura 3. Dendograma das classes fornecidas pelo IRAMUTEQ em formato de nuvem de palavras a partir dos
documentos analisados que envolveram a temática de orientações para o cuidado do idoso na ILPI durante a
pandemia da COVID-19. Ribeirão Preto, SP, 2020.

Quadro 1. Apresentação das classes e alguns trechos extraídos dos documentos analisados. Ribeirão Preto, SP, 2020.
Classe Trecho dos documentos analisados
O cuidado como estratégia de “Os gestores das ILPIs devem certificar-se de que os profissionais das ILPI e de apoio foram
prevenção de contágio pela capacitados e tenham praticado o uso apropriado dos Equipamentos de Proteção Individual EPIs
COVID-19 na ILPI antes de iniciar o atendimento as pessoas idosas na unidade incluindo os serviços prestados em caso
suspeito ou confirmado de infecção pelo novo Coronavírus [...]” (FNILPI 01)
“Organizar planos de ação para prevenção e manejo de idosos moradores, promover treinamento
da equipe assistencial para as medidas programadas, reforçar condutas de higiene do local e dos
protocolos de higiene de mãos e proteção dos moradores e funcionários [...]” (SBGG 02)
“Apresentar estratégias e orientações para as equipes de profissionais atuantes na ILPI sobre a
prevenção da COVID-19 [...]” (ILPI.me 02)
O suporte dos gestores públicos “As ILPIs são locais de moradia e equipamentos da assistência social não tendo em sua maioria
enquanto direito da pessoa estrutura ou recursos humanos para oferecer cuidados específicos de saúde [...]” (DCEG 08)
idosa que reside em ILPI “Em todo o mundo a face mais cruel da pandemia se revela no abandono das pessoas idosas,
na falta de acesso a recursos na saúde com elevada mortalidade daquelas que vivem em abrigos e
instituições [...]” (SBGG 03)
“As ILPIs representam o local de moradia das pessoas idosas e são equipamentos da assistência
social não tendo portanto estrutura ou recursos humanos para oferecer cuidados específicos de saúde
a seus residentes [...]” (ILPI.me 01)
continua

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O cuidado do idoso em Instituições de Longa Permanência na pandemia da COVID-19

Continuação do Quadro 1
Classe Trecho dos documentos analisados
A preservação do vínculo “Apoiar as famílias com idosos institucionalizados, manter um canal de comunicação regular com
sociofamiliar do residente da a rede sociofamiliar, favorecer o contato virtual das famílias e amigos com os residentes, comunicar
ILPI durante a pandemia caso haja casos suspeitos ou confirmados de Covid 19 na ILPI [...]” (FNILPI 03)
“É extremamente importante que os familiares sejam comunicados de forma adequada, um
contato bem feito evitará mal entendidos, trará os familiares como aliados na proteção dos idosos,
minimizará indignações contra medidas restritivas, trará um caminho prático e claro para orientar
7 de 12
os comportamentos [...]”(ILPI.me 2)
“Utilizar ferramentas digitais com boa conectividade para o contato dos idosos com seus familiares
com ou sem capacidade cognitiva implementando horários específicos para as visitas virtuais, após,
realizar higienização dos tablets ou celulares [...]”(DCEG 01)
Frente Nacional de Fortalecimento à ILPI (FNILPI); Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG); Aliança Voluntária para Proteção
dos Idosos Institucionalizados (ILPI. me); Departamento Científico de Enfermagem Gerontológica (DCEG).

DISCUSSÃO e de recursos humanos adequados para a prestação


de um cuidado integral 2 . Essa característica viu-
Os resultados foram fundamentados na análise, se agravada durante a pandemia devido à alta
sendo possível identificar classes que emergiram do vulnerabilidade dos residentes para contraírem a
teor dos documentos. Foram verificadas três vertentes infecção e desenvolverem complicações16-20, em
com intrínseca relação ao grau de importância da virtude da fragilidade, maior grau de dependência
pessoa idosa que reside na ILPI: cuidado, suporte do associada à redução da reserva fisiológica, perda da
poder público e manutenção do vínculo sociofamiliar. capacidade física e menor reação positiva face às
Tal constatação denota uma inquietude dos adversidades21.
movimentos e entidades em relação à necessidade
de proteção, acolhimento e defesa de direitos dessa Além disso, na prática, muitas ILPI apresentam
população para orientar um melhor cuidado. dificuldades para seguir as recomendações de higiene
preconizadas para interromper a transmissão22 , o
Os documentos analisados expressam a que demanda a adoção de medidas urgentes para
importância da transmutação do olhar para as contenção da disseminação do vírus nesses espaços.
pessoas idosas que residem em ILPI, pois apresentam
um perfil de envelhecimento acompanhado de Dessa forma, a adoção de estratégias eficazes
vulnerabilidades que demandam efetivação de de prevenção para evitar a propagação da infecção
políticas públicas urgentes. nestes locais inclui: a organização do espaço
para evitar contato muito próximo; a restrição de
Importante reconhecer que a Classe 1, que trata da visitas; as orientações para os colaboradores sobre
importância do cuidado direcionado como estratégia a importância de medidas simples como lavagem
de prevenção da COVID 19 entre os residentes das regular das mãos e/ou utilização de álcool 70%,
instituições, e a Classe 2, que aborda o cuidado como bem como a troca de roupas e calçados ao chegar
direito, compõem um mesmo subcorpus. Assim, na instituição; a reconfiguração de atividades
infere-se a necessidade de interação entre os cuidados realizadas em grupos; a sistematizada manutenção
propostos e o desejável suporte da gestão pública da limpeza do local; além da identificação precoce
para a execução desses cuidados. de residentes sintomáticos17,18,23,24. Destaca-se que,
dentre essas medidas, a identificação precoce dos
No Brasil, a ILPI enquadra-se como um local sintomas gripais e suas nuances revela-se primordial,
de moradia, estando diretamente vinculada ao pois pessoas idosas fragilizadas podem apresentar
Sistema Único de Assistência Social5,15. Contudo, sintomas atípicos incluindo a ausência de febre,
este ambiente pode ser desprovido de estrutura física tosse ou produção de expectoração16. Assim, faz-se

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necessária a capacitação de cuidadores e equipe da grupo é uma questão de longa data, com debilidades
ILPI para uma intervenção prévia com intuito de relacionadas a financiamento, deficit de recursos
proteção dos residentes. humanos e equipe com conhecimentos diminutos
em gerontologia e cuidados a longo prazo3,19.
A ILPI, sendo considerada um local de residência,
não possui condições estruturais para fornecer Além disso, o momento inusual vivenciado
cuidados de casos descompensados de COVID-19, nesses espaços vem requerendo dos colaboradores
pois não foi projetada para tais situações e os da instituição, principalmente cuidadores, a oferta 8 de 12
cuidadores e equipe não foram capacitados para de um melhor cuidado possível. Na prática, essas
intervir em casos de doenças respiratórias graves. mudanças repercutem no aumento da carga trabalho
Porém, denota-se a importância da sua atuação em em decorrência da adoção criteriosa de medidas
conjunto com a rede de saúde para prestar o cuidado preventivas e da necessidade de reinvenção na
integralizado aos seus residentes22. prestação de um cuidado seguro, dada a escassez
de equipamentos de proteção individual e de
O movimento social da Frente Nacional de outros suprimentos primordiais para a qualidade
Fortalecimento à ILPI propôs ainda um documento no atendimento19,25,26 . Este momento incita o
para a intervenção do cuidado à pessoa idosa na impulsionamento para mudanças em políticas e
ILPI, no manual de Boas Práticas15. O documentou diretrizes relacionadas à saúde, podendo promover
considerou o risco de contaminação dos residentes uma readequação e ser disseminada de forma
relacionado à atuação de cuidadores, membros da eficiente16, principalmente para as pessoas idosas
equipe, visitas, entregadores de insumos e até mesmo institucionalizadas.
dos próprios residentes que podem ter entrado
em contato com pessoas contaminadas dentro da Nesse sentido, medidas emergenciais deverão ser
instituição15,19. implementadas pelos Estados e Municípios, inclusive
com cofinanciamento federal. O poder público deve
A adoção de estratégias para educação oferecer ações de proteção à vida, ofertar auxílios
permanente dos profissionais que atuam na ILPI em bens materiais e valores financeiros em situações
deve ser implementada, utilizando a disseminação provisórias no contexto de calamidade pública,
de conhecimento e adoção de medidas preventivas requerendo investimento nas ILPI na pandemia27.
a partir de protocolos e normas oficiais. Necessário
que essas ações integrem as áreas da saúde, assistência A elaboração de planos de contingência para
social, trabalho e direitos humanos15. responder às necessidades que emergiram em virtude
da pandemia deve ser adaptada às características
A pandemia sinalizou a necessidade, em um e necessidades de cada ILPI. Isso demanda uma
futuro próximo, de um olhar mais direcionado em articulação factual com a atenção primária à saúde
relação ao cuidado na ILPI, com o estabelecimento atuando em conjunto com a equipe da instituição,
de modelos de cuidados integrados, envolvendo de modo a propiciar um acompanhamento que
também a rede de vínculo sociofamiliar17. possibilitará melhor qualidade de vida e controle
da disseminação do vírus. Contudo, não se mostrará
A Classe 2 enfocou a importância da atuação uma proposta viável se não houver alocação e/ou
do poder público na garantia do direito social e da organização de recursos para essa finalidade28.
proteção à vida da pessoa idosa na pandemia. Em
países do hemisfério norte, um alto índice de óbitos Outro impedimento para a efetivação de políticas
foi registrado em ILPI, refletindo a vulnerabilidade públicas nesses locais é a falta de integração entre
dos residentes que vivem nesses locais, e ainda os serviços sociais e de saúde28. As dificuldades na
denotando uma fragilidade das políticas públicas com disponibilização de cuidados de longa duração estão
a não inclusão das ILPI no planejamento sistemático alicerçadas na falta de integração de paradigmas
de resposta à COVID-19. Importante ressaltar que de cuidados de saúde pautados nas necessidades
a falta de efetivação de políticas públicas para esse individuais, bem como na ausência de integração dos

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cuidados de saúde e sociais17. A associação efetiva Torna-se imprescindível que as pessoas idosas
entre ambas as esferas refletirá na disponibilização sejam informadas sobre as ameaças à sua saúde e
de um modelo de cuidado integrado e condizente sobre os procedimentos que visam à segurança e
com as necessidades dessas instituições, a exemplo proteção para que possam aderir ao novo momento
do observado em países desenvolvidos. demandado pela pandemia17. Premente também
repensar estratégias para manutenção dos vínculos
Embora a discussão sobre estes espaços ainda seja sociofamiliares neste momento.
tímida, principalmente em se tratando de posições 9 de 12
governamentais, reflexões e ações imediatas são A utilização das tecnologias on-line é um
necessárias, visto que esses locais, por serem mais mecanismo de suporte social, manutenção da rede
vulneráveis para disseminação do vírus, requerem de apoio e sentimento de pertencimento30. As
apoio e ações urgentes de proteção ao infortúnio21. intervenções podem ser simples e envolver visitas
Ademais, dados indicam que os efeitos advindos da virtuais, envio de cartas, ligações telefônicas,
pandemia persistirão mesmo após a sua finalização, videochamadas, troca de fotos, dentre outras
com repercussões graves na economia e na saúde29. estratégias19,23,31 realizadas com pessoas significativas,
Ratifica-se, portanto, a necessidade de os gestores família, amigos e organizações voluntárias que
políticos priorizarem a crise no atendimento às prestam serviço na ILPI. Por outro lado, a família
pessoas idosas de ILPI e de estabelecer modelos de do residente requer segurança para a prevenção da
cuidados integrados, envolvendo também a rede de COVID-19, mas também o diálogo com a pessoa
vínculo sociofamiliar17, como apontado na Classe 3.
idosa e a equipe para transmitir segurança para o
A Classe 3 representou a importância na cuidado do seu familiar que vive na ILPI.
manutenção do vínculo sociofamiliar como estratégia
Em momentos de emergências de saúde, a
minimizadora dos efeitos advindos do isolamento
população idosa é a parte invisível da crise e, fazendo
social, condição muitas vezes contumaz no cotidiano
referência à pessoa idosa que vive em ILPI, essa
do residente da ILPI. A restrição de visitas foi uma
característica requer a adoção de estratégias para
das primeiras medidas adotadas para minimizar os
assegurar a vida dessas pessoas. A realização de
riscos de contaminação17,19,20,25,26. No entanto, essa
campanhas de informação à sociedade deve ser
determinação acarretou sofrimento e repercutiu
direcionada para proteger os mais vulneráveis,
na saúde mental das pessoas idosas29, em muitos
casos desencadeando casos de depressão e ansiedade, tornando-os visíveis para o corpo social32.
sendo mais evidentes em pessoas idosas com quadro
Neste período, houve uma rápida irrupção
demencial 25.
de informações relacionadas ao cuidado nesses
O isolamento social entre as pessoas idosas ambientes31. No Brasil, o Ministério da Saúde divulgou
configura-se como um problema de saúde pública notas técnicas33-35 com orientações para prevenção e
devido aos riscos elevados de complicações controle de infecções pelo novo coronavírus em ILPI.
neurológicas, cardiovasculares, autoimunes, além Contudo, iniciativas realizadas por movimentos e
de comprometimentos cognitivos e de saúde entidades como a Frente Nacional de Fortalecimento
mental 30. Tais condições mostram-se ainda mais à ILPI, o Departamento Científico de Enfermagem
evidentes entre residentes de ILPI, os quais já vivem Gerontológica, a Sociedade Brasileira de Geriatria e
socialmente isolados22 e apresentam oportunidades Gerontologia e a Aliança Voluntária para Proteção
reduzidas de comunicação com outras pessoas, dos Idosos Institucionalizados reforçaram e
espaços e no envolvimento de atividades sociais que favoreceram a divulgação de informações por meio
apresentam significado particular. Com isso, urge a de documentos, orientações para o cuidado e adoção
necessidade de suporte e adaptação às necessidades de de melhores práticas para controle da infecção. Todas
comunicação com o intuito de auxiliar a tomada de essas iniciativas contribuem para a defesa das pessoas
decisão e, consequentemente, melhorar a qualidade idosas que vivem em ILPI e para a visibilidade deste
de vida e o bem-estar dessa população30. coletivo para a sociedade.

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O cuidado do idoso em Instituições de Longa Permanência na pandemia da COVID-19

Identifica-se como limitação deste estudo necessidade na adoção de medidas preventivas para
a seleção dos principais movimentos sociais e controle da disseminação do vírus nesses locais.
entidades que disponibilizaram conteúdos on-line,
não abrangendo possíveis publicações em outros Os documentos analisados também enfatizaram
formatos de divulgação. a necessidade de orientação sobre um cuidado
direcionado para prevenção da COVID-19 com
enfoque na capacitação da equipe, na importância
CONCLUSÃO da atuação do poder público no suporte a esses 10 de 12
locais, ainda esquecidos e não valorizados, com
A pandemia acarretou óbitos de pessoas idosas em cofinanciamentos para garantia de materiais e
várias ILPI no mundo, dada a alta vulnerabilidade equipamentos para um cuidado de qualidade e da
de seus residentes para infecção e complicações do manutenção da rede de apoio das pessoas idosas.
vírus. Os movimentos sociais e entidades tiveram Essas medidas foram destacadas tendo em vista os
uma célere dinâmica no apoio às ILPI por meio da grandes impactos na saúde mental e na qualidade
elaboração e divulgação de documentos para orientar de vida de todos os envolvidos.
o cuidado prestado nessas instituições no contexto
de pandemia da COVID-19. Apontaram a urgente Editado por: Maria Luiza Diniz de Sousa Lopes

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Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2):e200287

Artigos Originais / Original Articles


Uso de psicotrópicos por pessoas idosas com hipertensão: prevalência
e fatores associados

Use of psychotropic drugs by older adults with hypertension: prevalence and associated factors
1 de 14

Paula Antunes Bezerra Nacamura1 ID

Luana Cristina Bellini Cardoso1 ID

Anderson da Silva Rêgo1,2 ID

Rafaely de Cássia Nogueira Sanches1 ID

Cremilde Aparecida Trindade Radovanovic1 ID

Marcelle Paiano1 ID

Resumo
Objetivo: analisar os fatores associados ao uso de psicotrópicos por pessoas idosas com
hipertensão arterial (HA) acompanhadas pela atenção primária. Método: estudo transversal,
realizado em um município do noroeste do estado do Paraná, Brasil. A coleta de dados
foi realizada com pessoas idosas, no primeiro semestre de 2016, por intermédio de
um instrumento adaptado e validado para avaliação da satisfação com os serviços da
Atenção Primária à Saúde. Utilizou-se o modelo de regressão logística, com o método
stepwise e a magnitude das associações foi estimada pelo cálculo de Razão de Prevalência
(RP). Resultados: participaram do estudo 260 pessoas idosas com HA, das quais 25,4%
faziam uso de psicotrópicos, sendo a maioria com idade entre 60 e 69 anos (48,8%) e do
sexo feminino (67,3%). A análise multivariada evidenciou que o uso de psicotrópicos é Palavras-chave: Idoso.
mais prevalente em idosos que fazem uso de tabaco (RP: 4,09; IC95%: 1,81–9,18), com Hipertensão. Psicotrópicos.
circunferência abdominal alterada (RP: 2,58; IC95%: 1,29–5,18), com obesidade (RP: Prescrições de Medicamentos.
2,43; IC95%: 1,30–4,55) e aos que relataram ter efeitos colaterais dos medicamentos Tratamento Farmacológico.
utilizados no tratamento da HA (RP: 2,98; IC95%: 1,23–7,21). No contexto organizacional Atenção Primária à Saúde.

e relacionais das equipes da estratégia saúde da família, em idosos com hipertensão e


que fazem uso de psicotrópicos observou-se maior prevalência na insatisfação com o
atendimento (RP: 6,71; IC95%: 1,37–32,71) e com a falta de apoio e de compreensão
com os problemas relatados durante as consultas (RP: 2,17; IC95%: 1,11–4,25). Conclusões:
Por ser um problema de saúde pública e que atinge parcela significativa da população
com maior risco de agravos à saúde, destaca-se a importância de pesquisas nessa área,
as quais busquem alternativas para melhorar a qualidade de vida da pessoa idosa com
comorbidades e que utilizam psicotrópicos por meio de um cuidado integral.

1
Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Enfermagem, Programa de Pós-graduação em
Enfermagem. Maringá, Paraná, Brasil.
2
Centro Universitário Ingá (UNINGÁ), Departamento de Enfermagem, Programa de Pós-graduação em
Enfermagem. Maringá, Paraná, Brasil.

Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Processo no


88882.449287/2019-01.
Os autores declaram não haver conflito na concepção deste trabalho.

Correspondência/Correspondence
Anderson da Silva Rêgo Recebido: 24/09/2020
andersondsre@gmail.com Aprovado: 02/07/2021

http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562021024.200287
Uso de psicotrópicos por pessoas idosas com hipertensão

Abstract
Objective: to analyze the factors associated with the use of psychotropic drugs by older adults
with hypertension treated in primary care. Method: a cross-sectional study was carried out
in a city in the northwest of the state of Paraná, Brazil. Data collection was carried out
with older adults in the first semester of 2016, using an adapted validated instrument for
assessing satisfaction with Primary Health Care services. The logistic regression model was
used with the stepwise method and the magnitude of the associations was estimated by
calculating Prevalence Ratio (PR). Results: 260 older adults with hypertension participated 2 de 14
in the study, of which 25.4% were in use of psychotropic drugs, most were aged 60-69
years (48.8%) and female (67.3%). The multivariate analysis showed psychotropic drugs
use was more prevalent in participants who used tobacco (PR: 4.09; 95%CI: 1.81–9.18), Keywords: Elderly.
had abnormal waist circumference (PR: 2.58; 95%CI %: 1.29–5.18), were obese (PR: Hypertension. Psychotropics
2.43; 95%CI: 1.30–4.55) and reported side-effects of drugs used in AH treatment (PR: 2, Drugs. Drug Prescriptions.
Drug Therappy. . Primary
98; 95%CI: 1.23-7.21). Regarding the organizational and relational aspects of the family
Health Care.
health strategy teams, participants with hypertension and in use of psychotropic drugs
had a higher rate of dissatisfaction with the service (PR: 6.71; 95%CI: 1.37–32, 71) and
with lack of support and understanding of the problems reported during consultations
(PR: 2.17; 95%CI: 1.11–4.25). Conclusions: As a public health problem that affects a
significant contingent of the elderly population at high risk of health problems, further
studies should be conducted in this area. Future studies should seek alternatives to
improve the quality of life of elderly with comorbidities and in use of psychotropic drugs
through comprehensive care.

INTRODUÇÃO se considerar o prolongamento do tratamento


medicamentoso da depressão; no caso das pessoas
O uso excessivo de medicamentos faz parte da idosas, também da depressão na fase final de vida,
cultura ocidental, cuja convicção de que o mal- em função das limitações físicas e sociais da idade4.
estar, bem como o sofrimento de todo gênero
deve ser sanado a qualquer custo. Diante desses Entre os psicotrópicos comumente encontrados
problemas, a prática do uso da polifarmácia tem em uso contínuo a outras classes, enquadram-se
se tornado um dos caminhos mais eficientes e medicamentos como: antipsicóticos, barbitúricos,
rápidos para minimizar o sofrimento psíquico1. benzodiazepínicos, neurolépticos e antidepressivos,
Os medicamentos psicotrópicos (psique= mente e os quais podem desencadear eventos adversos
tropico= alteração), de acordo com a Organização severos, que vão desde o aumento dos riscos de
Mundial da Saúde (OMS) são modificadores seletivos acidente vascular cerebral, aumento da mortalidade,
do Sistema Nervoso Central (SNC), ocasionando desenvolvimento de dependência física e da
alterações no comportamento, humor e cognição. tolerância na indução do sono, até o aumento do
O uso desses medicamentos é indispensável na comprometimento cognitivo, risco de queda e
terapêutica de alguns transtornos mentais ou convulsões3,4.
distúrbios psiquiátricos, tais como: ansiedade,
insônia, depressão, agitação, convulsão e psicose². As pessoas idosas estão entre aquelas com
maior probabilidade de receber a receita de um
Desta forma, a utilização de psicotrópicos tem- benzodiazepínico, tornando-se uma importante
se elevado consideravelmente, especialmente os preocupação de saúde pública5. Nesse sentido, um
antidepressivos, devido a melhora nos diagnósticos estudo de base populacional, realizado no município
de transtornos mentais, o aparecimento de novos de Campinas, no estado de São Paulo, constatou
fármacos no mercado e as novas indicações prevalência de 10,8% do uso de psicotrópicos entre
terapêuticas já existentes3. Especificamente para os idosos6. Tal número pode diferir caso o indivíduo
os antidepressivos, além desses fatores, deve- esteja na comunidade ou institucionalizado. Pesquisas

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Uso de psicotrópicos por pessoas idosas com hipertensão

com idosos em instituições de longa permanência de Saúde (UBS) e 74 equipes da ESF, perfazendo a
detectaram que entre 59,7% e 74,6% utilizavam cobertura de 68,01% da população10.
essas medicações, sendo que o maior consumo
foi em países da Europa e com predomínio de Considerou-se como critérios de inclusão,
antipsicóticos7,8. Entre as pessoas idosas residentes pessoas com HA, idade igual e/ou superior a 60
na comunidade a prevalência variou de 9,3% a 37,6%, anos, residentes na área urbana do município, possuir
com predominância dos benzodiazepínicos8. Na prontuário atualizado e ter recebido atendimento
população idosa brasileira, observou-se que 21,7% por profissional de saúde da UBS nos últimos 3 de 14
consumiam benzodiazepínicos há mais de um ano9.  12 meses que antecederam a coleta de dados. O
critério de exclusão estabelecido foi não apresentar
Ao considerar que a incidência de polifarmácia informações sobre as consultas clínicas e prescrições
é um fator adjacente a expectativa de vida, o seu medicamentosas registradas nos prontuários clínicos.
acompanhamento torna-se uma prática necessária
das equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF). Para a realização do cálculo amostral,
A atual política de saúde mental brasileira apresenta considerou-se o número de pessoas cadastradas no
a Atenção Primária a Saúde (APS) como porta de sistema SISHIPERDIA (programa de cadastro e
entrada e ordenadora do cuidado dos usuários em acompanhamento de pessoas com hipertensão e
sofrimento psíquico, e a atuação das equipes suscitam Diabetes Mellitus) até o ano de 2014, que totalizou
a necessidade em elaborar estratégias incisivas à em 27.741 indivíduos, dos quais, 62,4% eram idosos.
população idosa, de acordo com essas políticas3,4. Utilizou-se tal período como base para o cálculo,
por considerar que os dados referentes ao ano
Nesse sentido, estudos sobre a utilização de anterior a coleta de dados (2015), ainda se encontrava
psicofármacos e polifarmácia constituem um campo em processo de preenchimento, o que poderia
de investigação inerente a farmacoepidemiologia, comprometer a fidedignidade das informações.
e são essenciais para a promoção do uso racional Concernente, para determinação do tamanho mínimo
de medicamentos. Além disso, conhecer os fatores da amostra, utilizou-se o cálculo da proporção da
associados ao consumo de psicotrópicos por pessoas população, considerando o erro de estimativa de 5%,
idosas com hipertensão arterial (HA) acompanhados intervalo de confiança de 90%. Tendo em vista que
pela APS pode favorecer a elaboração de estratégias o tamanho da população era finito e conhecido, a
de prevenção e promoção da qualidade de vida da amostra mínima, de caráter representativo, foi de 252
pessoa idosa, evitar a dependência de substâncias idosos, posteriormente aleatorizados e estratificados
e o surgimento de efeitos adversos com o alto de acordo com o número de pessoas acompanhadas
consumo dessa classe de medicamentos3-9. Diante do por cada UBS do município, resultando na amostra
exposto, o objetivo deste estudo foi analisar os fatores final de 260 idosos.
associados ao uso de psicotrópicos por pessoas idosas
com hipertensão arterial acompanhadas pela atenção Realizou-se o contato inicial com os gestores,
primária à saúde. médicos e enfermeiros das UBS e posteriormente
com as pessoas idosas, sendo apresentado o estudo
e realizado o convite para participação. A coleta
MÉTODO de dados foi realizada no primeiro semestre de
2016 por três enfermeiros (as), discentes de um
Trata-se de uma pesquisa transversal, realizada programa de pós-graduação de uma universidade
com pessoas idosas em tratamento da HA e pública localizada no município. Para essa etapa,
acompanhadas pela APS. O município em que a foi realizado treinamento prévio sobre os objetivos
pesquisa foi realizada localiza-se no noroeste do do estudo, técnicas de entrevistas e de mensuração
estado do Paraná, Brasil, que na época da coleta dos parâmetros antropométricos e clínicos dos
de dados, possuía população estimada de 403.063 entrevistados. Todas as entrevistas foram individuais
habitantes. A APS encontrava-se organizada de forma e realizadas em ambientes confortáveis e livre de
descentralizada, composta por 34 Unidades Básicas interferência.

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Uso de psicotrópicos por pessoas idosas com hipertensão

Dois instrumentos foram utilizados para A aferição dos parâmetros antropométricos e


a coleta dos dados. O primeiro foi adaptado e clínicos foram realizados durante as entrevistas, com
validado por Paes11, norteado pelo instrumento equipamentos devidamente atualizados e calibrados,
Primary Care Assessment Tool (PCATool) e avaliou os obedecendo as diretrizes sobre as técnicas e
serviços prestados pela APS sob a ótica de pessoas procedimentos para verificação das medidas. Para os
com HA. Para este estudo, foram utilizadas as valores pressóricos, baseou-se nas condutas descritas
variáveis do bloco de questões referentes ao perfil pela 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial,
sociodemográfico e econômico, em que se estabeleceu realizadas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia 4 de 14
a escolaridade de acordo com os anos de estudos (SBC)15 Considerou-se Controle Pressórico Adequado
completos e a raça/cor foi determinada a partir da quando a pressão arterial sistólica (PAS) apresentou
autodeclaração dos participantes. Investigou-se ainda valor ≤140 mmHg e pressão arterial diastólica (PAD)
as questões relacionadas ao uso de medicamentos ≤90mmHg15.
(divididos segundo os grupos terapêuticos aos quais
A coleta dos parâmetros antropométricos
pertencem) e as questões relacionadas ao vínculo
obedeceu às normas da associação Brasileira para
entre profissional e paciente.
o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica
O segundo instrumento obteve dados do perfil (ABESO)16 e das recomendações da Caderneta do
socioeconômico dos participantes, conforme Idoso, desenvolvida pelo Ministério da Saúde17.
indicação da Associação Brasileira de Empresas de Utilizou-se fita inelástica para aferir a circunferência
Pesquisa (ABEP), categorizados, neste estudo, em abdominal (CA), o qual foi considerado como alterado
valores acima de ≥94 centímetros para a população
classes AB, C e DE12. O acompanhamento adequando
masculina e ≥80 para a população feminina16.
foi definido quando a pessoa idosa compareceu as
consultas de rotina pré-agendadas, por no mínimo três A aferição do peso e da altura foi realizada a partir
vezes ao ano, considerando o ano anterior a coleta13. de uma balança antropométrica com estadiômetro
acoplado, devidamente calibrada. A partir desses
Após a realização das entrevistas, foram coletadas
resultados, realizou-se o cálculo do Índice de Massa
informações dos prontuários eletrônicos dos
Corporal (IMC), em que se estabeleceu como peso
participantes do estudo. Os dados referentes aos
normal o resultado do cálculo <22 kg/m², peso
medicamentos em uso foram extraídos da aba de
adequado os que apresentaram IMC ≥22 e ≤27 kg/m²
receituário no prontuário eletrônico e posteriormente
e excesso de peso os valores superiores a 27 kg/m² 16,17.
transcritos para o instrumento de coleta de dados. A
classificação dos medicamentos foi realizada a partir O resultado oriundo do cálculo da razão cintura/
do seu princípio ativo, identificada com o auxílio do estatura (RCE) foi codificado de acordo com estudo
Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF), sobre o diagnóstico de excesso de peso em pessoas
e posteriormente agrupados seguindo as diretrizes idosas a partir da RCE, sendo considerado alterado
do Anatomical Therapeutic Chemical Classification os valores ≥0,5618. O Índice de Conicidade (IC) foi
System (ATC)14. Desse modo, considerou-se como verificado por meio da equação proposta por Pitanga
psicotrópicos os: benzodiazepínicos, antidepressivos, e Lessa (Figura 1), como também os pontos de corte,
inibidores seletivos de recaptação da serotonina, em que todo valor acima de 1,25 para a população
tricíclicos e outros antidepressivos. Para essa análise masculina e 1,18 para a população feminina foi
excluíram-se os antipsicóticos. determinado como alterado19.

Circunferência da cintura m
IC =
Peso corporal kg
0,109
Estatura m

Figura 1: Equação matemática para o cálculo de índice de conicidade (IC). Paraná, Brasil, 2016.
Legenda: IC: Índice de conicidade; m: metros; kg: quilos.

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Uso de psicotrópicos por pessoas idosas com hipertensão

A variável dependente foi a utilização de pelo de Razão de Prevalência (RP), adotando o intervalo
menos um psicotrópico, verificado na análise dos de confiança de 95% como medida de precisão.
prontuários dos participantes do estudo. As variáveis
independentes explicativas foram divididas em Os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução
três blocos, quais sejam: perfil sociodemográfico 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, foram
e econômico; perfil clínico, antropométrico e devidamente respeitados, com a aprovação do estudo
hábitos de vida; e variáveis referentes as questões pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição
organizacionais e relacionais dos profissionais signatária (Parecer nº 1.407.687/2016). Todos 5 de 14
de saúde das equipes da APS no atendimento à os participantes leram e assinaram o Termo de
população alvo deste estudo, categorizadas a partir do Consentimento Livre e Esclarecido.
índice composto das questões referentes aos blocos
citados, resultantes da análise de agrupamento não-
hierárquico por repartição. RESULTADOS

Todos os questionários foram checados, tabulados Foram entrevistadas 260 pessoas com HA, com
e posteriormente analisados por meio do software idade entre 60 e 69 anos (48,8%), sexo feminino
Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0. (67,3%), e que se autodeclararam da cor branca
Utilizou-se o modelo de regressão logística, com o (64,6%), convive com companheiro e filhos
método stepwise, considerando todas as variáveis que (56,5%) e com baixa escolaridade (62,7%). Quanto
apresentaram o p-valor <0,20 na análise univariada as questões econômicas, a maioria era aposentada
e se mantiveram no modelo multivariado apenas e/ou pensionista (74,2%) e pertencia ao extrato C
as variáveis que resultaram o valor de p<0,05. A (40,8%) no que concerne o poder de compra do
magnitude das associações foi estimada pelo cálculo chefe familiar (Tabela 1).

Tabela 1. Perfil sociodemográfico e econômico das pessoas idosas com hipertensão acompanhadas pela APS
(N=260). Paraná, Brasil, 2016.
Variáveis n (%)
Idade
60 – 69 127(48,8)
70 – 79 96(36,9)
80 – 89 35(13,5)
>90 2(0,8)
Sexo
Masculino 85(32,7)
Feminino 175(67,3)
Raça/Cor
Branco 168(64,6)
Preta 38(14,6)
Parda 54(20,8)
Situação Familiar
Convive com Companheiro (a) e filho (a) 147(56,5)
Convive c/ familiares, s/ companheiro 62(23,8)
Vive só 51(19,6)
continua

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Uso de psicotrópicos por pessoas idosas com hipertensão

Continuação da Tabela 1
Variáveis n (%)
Escolaridade
Não sabe ler/escrever 25(9,6)
Ensino Fundamental 163(62,7)
Ensino Médio 61(23,5)
Ensino Superior 11(4,2)
Ocupação 6 de 14
Não aposentado 67(25,8)
Aposentado (a)/ Pensionista 193(74,2)
ABEP - Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa
AB - Alto poder de compra 95(36,5)
C - Baixo poder de compra 106(40,8)
DE - Poder de compra muito baixo 59(22,7)

Das 260 pessoas idosas, 66 (25,4%) Os inibidores seletivos de recaptação da serotonina


faziam uso de psicotrópicos, prevalecendo o foram representados pela prevalência do uso da
consumo de clonazepam (23,9%), do grupo fluoxetina (21,7%) e outros antidepressivos atípicos
dos benzodiazepínicos, e amitriptilina (22,8%), foram encontrados na análise, como o bupropiona
pertencente a classe dos antidepressivos tricíclicos. (2,2%) (Tabela 2).

Tabela 2. Classe dos psicotrópicos utilizados pelas pessoas idosas com hipertensão acompanhadas pela APS
(N=66). Paraná, Brasil, 2016.
Variáveis Código ATC N (%)*
Benzodiazepínicos N05BA
Clonazepan N03AE01 22 (33,3)
Bromazepan N05BA08 8 (12,1)
Diazepan N05BA01 2 (3,1)
Antidepressivos N06A/N06AX/N06AB
Amitriptilina N06AA09 21 (31,8)
Imipramina N06AA02 3 (4,5)
Clomipramina N06AA04 2 (3,1)
Bupropiona N06AX12 2 (3,1)
Mirtizapina N06AX11 1 (1,5)
Venlafaxina N06AX16 1 (1,5)
Fluoxetina N06AB03 20 (30,3)
Paroxetina N06AB05 5 (5,4)
Sertralina N06AB06 3 (4,5)
Citalopram N06AB04 2 (3,1)
ATC: Anatomical Therapeutic Chemical Classification System; *Participantes faziam uso de mais um tipo de medicamentos, valor de n não ponderado.

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Uso de psicotrópicos por pessoas idosas com hipertensão

Na Tabela 3 observa-se que as pessoas idosas no uso dos medicamentos para os que fazem uso
com idade entre 80 e 89 anos possuem menor de tabaco (PR: 3,12; IC95%: 1,48–6,57); álcool
prevalência no uso de psicotrópicos (RP: 0,32; (RP: 3,03; IC95%: 0,59–15,4) e que não realizam
IC95%: 0,10–0,99). Ainda no contexto demográfico, atividades físicas regularmente (RP: 1,79; IC95%:
a análise apontou que os idosos do sexo feminino 0,91–3,49). No contexto clínico, a prevalência
(RP: 2,14; IC95%: 1,11–4,14), que convivem com significativa no uso psicotrópicos foi maior para
familiares sem companheiro (RP: 0,57; IC95%: as pessoas idosas em uso de polifarmácia (RP: 0,66;
0,27–1,21) e pertencentes a classe C (RP: 1,85; IC IC95%: 0,36–1,20), que referem efeitos adversos 7 de 14
95%: 0,95–3,57) possuem maior prevalência no uso da medicação (RP: 2,03; IC95%: 0,91-4,49) e para
de psicotrópicos. No que concerne as questões dos aquelas que foram classificadas com obesidade (OR:
hábitos de vida, evidenciou-se maior prevalência 2,05; IC95%: 1,06–3,97).

Tabela 3. Análise univariada de fatores associados ao consumo de psicotrópicos entre pessoas idosas com
hipertensão acompanhados pela APS (n = 260). Paraná, Brasil, 2016.
Uso de Psicotrópicos Análise Univariada
Variáveis independentes Sim (n=66) Não (n=194)
OR IC95% p
n(%) n(%)
Perfil Sociodemográfico e econômico
Idade (em anos)
60 - 69 36(54,5) 91(46,9) 1
70 - 79 26(36,4) 70(36,1) 0,93 00,51 - 1,69 0,835
80 - 89 4(6,1) 31(16) 0,32 0,10 - 0,99 0,048*
>90 - (-) 2(1) - - -
Sexo
Masculino 14(21,2) 71(36,6) 1
Feminino 52(78,2) 123(63,4) 2,14 1,11 - 4,14 0,023*
Raça/cor
Branco 40(60,6) 128(66) 1
Pardo 16(24,2) 38(19,6) 1,14 0,51 – 2,55 0,745
Preto 10(15,2) 28(14,4) 1,34 0,68 - 2,66 0,393
Escolaridade
Não alfabetizado 4(6,1) 21(10,8) 1
Ensino fundamental 46(69,7) 117(60,3) 2,06 0,67 - 6,34 0,206
Ensino médio 14(21,2) 47(24,2) 1,56 0,46 - 5,32 0,474
Ensino superior 2(3) 9(4,6) 1,16 0,18 - 7,55 0,872
Situação Familiar
Convive com companheiro e filho 40(60,6) 107(55,2) 1
Convive com familiares sem companheiro 11(16,7) 51(26,3) 0,57 0,27 - 1,21 0,148*
Vive só 15(22,7) 36(18,6) 1,11 0,55 - 2,25 0,762
Ocupação
Aposentado 55(83,3) 161(83) 1
Não Aposentado 11(16,7) 33(17) 1,02 0,48 - 2,16 0,949
ABEP: Associação brasileira de empresas de
pesquisa
AB: alto poder de compra 18(27,3) 77(39,7) 1
C: médio poder de compra 32(48,5) 74(38,1) 1,85 0,95 - 3,57 0,068*
DE: baixo poder de compra 16(24,2) 43(22,2) 1,59 0,73 - 3,43 0,237
continua

Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2):e200287


Uso de psicotrópicos por pessoas idosas com hipertensão

Continuação da Tabela 3
Uso de Psicotrópicos Análise Univariada
Variáveis independentes Sim (n=66) Não (n=194)
OR IC95% p
n(%) n(%)
Perfil clínico, medicamentoso e hábitos de vida
Controle Pressórico
Adequado 34(51,5) 95(49) 1
Inadequado 32(48,5) 99(51) 0,9 0,51 - 1,57 0,721 8 de 14
Sequelas decorrentes da HA
Não 54(81,8) 171(88,1) 1
Sim 12(18,2) 23(11,9) 1,65 0,77 - 3,54 0,197*
Tabagista
Não 50(75,8) 176(90,7) 1
Sim 16(24,2) 18(9,3) 3,12 1,48 - 6,57 0,003*
Etilismo
Não 63(95,5) 191(98,5) 1
Sim 3(4,5) 3(1,5) 3,03 0,59 - 15,4 0,181*
Prática de atividade física
Ativo 16(24,2) 58(29,9) 1
Sedentário 41(62,1) 83(42,8) 1,79 0,91 - 3,49 0,087*
Moderadamente ativo 9(13,6) 53(27,3) 0,61 0,25 - 1,51 0,289
Polifarmácia
Não 45(68,2) 114(58,8) 1
Sim 21(31,8) 80(41,2) 0,66 0,36 - 1,20 0,177*
Efeitos adversos da medicação hipertensiva
Não 46(69,7) 148(76,3) 1
Sim 12(18,2) 19(9,8) 2,03 0,91 - 4,49 0,080*
Às vezes 8(12,1) 27(13,9) 0,95 0,40 - 2,24 0,913
Antropometria
Classificação do Índice de Massa Corporal
Normal 16(24,2) 46(23,7) 1
Excesso de peso 31(47) 65(33,5) 1,37 0,67 - 2,79 0,385
Obesidade 19(28,8) 83(42,8) 2,05 1,06 - 3,97 0,031*
Circunferência Abdominal
Normal 15(22,7) 74(38,1) 1
Alterada 51(77,3) 120(61,9) 2,09 1,10 - 3,99 0,024*
Razão cintura-estatura
Normal 9(13,6) 32(16,5) 1
Alterada 55(83,4) 162(83,5) 1,2 0,54 – 2,68 0,645
Índice de Conicidade
Normal 6(9,1) 13(6,7) 1
Alterada 60(90,9) 181(93,3) 0,71 0,26 – 1,97 0,521
OR: Odds Ratio; IC: índice de confiança; *Variáveis que apresentaram valor de p<0,20 foram inseridas na etapa multi-
variada, conforme o modelo Stepwise de regressão logística.

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Uso de psicotrópicos por pessoas idosas com hipertensão

Quanto ao perfil clínico e antropométrico, a uso de psicotrópicos (Tabela 4). No seguimento das
análise multivariada evidenciou que as pessoas idosas questões organizacionais e relacionais das equipes da
que autorreferiram realizar uso diário de tabaco APS, observa-se que as pessoas idosas insatisfeitas
(RP: 4,09; IC95%: 1,81–9,18), apresentaram CA com o atendimento (RP: 6,71; IC95%: 1,37–32,71)
alterada (RP: 2,58; IC95%: 1,29–5,18), classificadas que não se sentiam apoiadas e que compreendidas
com obesidade (RP: 2,43; IC95%: 1,30–4,55) e que pelos profissionais de saúde aos problemas durante
declararam ter efeitos colaterais dos medicamentos as consultas (RP: 2,17; IC95%: 1,11–4,25), possuem
utilizadas no tratamento da HA (OR: 2,98; IC95%: maior prevalência de fazer uso de psicotrópicos, 9 de 14
1,23–7,21), possuem maior prevalência de fazerem ajustado pela variável ABEP (Tabela 4).

Tabela 4. Análise multivariada de fatores associados ao consumo de psicotrópicos entre pessoas idosas com
hipertensão acompanhados pela APS (N = 260). Paraná, Brasil, 2016.
Uso de Psicotrópicos Análise Multivariada
Variáveis Sim (n=66) Não (n=194)
OR IC95% p
n (%) n (%)
Tabagista
Não 50(75,8) 176(90,7) 1
Sim 16(24,2) 18(9,3) 4,09 1,81 – 9,18 0,001
Circunferência Abdominal
Normal 15(22,7) 74(38,1) 1
Alterada 51(77,3) 76(61,9) 2,58 1,29 – 5,18 0,005
Obesidade
Não 28(42,4) 118(60,8) 1
Sim 38(57,6) 76(39,2) 2,43 1,30 - 4,55 0,007
Efeitos adversos da medicação hipertensiva
Não 46(69,7) 148(76,3) 1
Sim 12(18,2) 19(9,8) 2,98 1,23 - 7,21 0,015
As vezes 8(12,1) 27(13,9) 1,29 0,51 - 3,27 0,589
ABEP: Associação brasileira de empresas
de pesquisa
AB: alto poder de compra; 18(27,3) 77(39,7) 1
C: médio poder de compra 32(48,5) 74(38,1) 1,94 0,93 – 4,05 0,074
DE: baixo poder de compra. 16(24,2) 43(22,2) 1,71 0,73 - 4,00 0,212
OR: Odds Ratio; IC: índice de confiança; *Variáveis explicativas ajustada pela variável ABEP.

DISCUSSÃO a probabilidade de receber e seguir prescrições


médicas. Além de ser considerado o sexo mais afetado
Sabe-se que atualmente, com o avanço na por problema de saúde não fatal, e que convive por
expectativa de vida da população, a demanda das maior tempo com doenças crônicas20,21.
pessoas idosas na busca por serviços de saúde em
geral, principalmente na APS, também aumentou. A Em Campinas-São Paulo, estudo realizado na
predominância do sexo feminino neste estudo, pode atenção primária apontou que os psicotrópicos
ser justificada pela maior preocupação das mulheres também foram mais utilizados por mulheres,
com a saúde, maior facilidade para descrever os indivíduos de raça/cor branca, com pior percepção
problemas físicos e psicológicos, fato este que eleva da saúde, transtornos mentais comuns e problemas

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Uso de psicotrópicos por pessoas idosas com hipertensão

emocionais6. Em estudo realizado em Curitiba, prevalência do uso da fluoxetina 6, clonazepam,


capital do Paraná, com mulheres idosas e que vivem amitriptilina, f luoxetina e bupropiona pela
com companheiro, tem baixo nível de escolaridade e população idosa 3,4,24. Importante frisar que o uso
sem ocupação formal (donas de casa) possuem maior da bupropiona neste estudo, pode estar relacionado
prevalência no uso de psicotrópicos22. como apoio medicamentoso no tratamento ao
tabagismo constantes no Protocolo Clínico e
No que se refere a escolaridade dos participantes Diretrizes Terapêuticas - Dependência à Nicotina,
do estudo, esse resultado condiz com achados que já que é um medicamento considerado como 1ª linha 10 de 14
atribuem o nível de escolaridade ao conhecimento no tratamento da dependência à nicotina utilizado
sobre saúde e serviços de saúde20-22. Desta forma, as no Brasil 25.
pessoas idosas com baixa escolaridade possuem mais
dificuldades no autocuidado e na autopercepção das Neste sentido, os hábitos de prescrição para
necessidades de saúde, reduzindo a autonomia na os usuários do SUS costumam ser influenciados
busca por cuidados e tratamento médico20-22. pela relação de medicamentos disponíveis
gratuitamente24,25. Estudo realizado em município
Em relação as questões econômicas, a maioria do Oeste Paulista, aponta que os usuários do
das pessoas idosas pertencia ao extrato C, o que SUS utilizam, em maior proporção, os mesmos
significa baixo poder de compra do chefe familiar. O medicamentos descritos neste estudo26 , e que
adoecimento psiquico ou a utilização predominante também estão presentes na Relação Nacional de
de psicotrópicos pelas classes economicamente Medicamentos Essenciais (RENAME), base de
mais baixas se justificam na literatura diante a aquisição de medicamentos fornecidos pelo SUS e
vulnerabilidade social, a partir do acesso limitado a distribuídos pelas equipes da APS27.
serviços de saúde, lazer, alimentação adequada, baixo
rendimento econômico, saneamento basico, educação Ressalta-se que nesta pesquisa, os resultados
e prática de exercicios fisicos, que favorecem o sobre o uso de polifarmácia foram diagnosticados
surgimento de doenças crônicas, agravamentos, e em 25% da população estudada. Tal fato, pode ser
hospitalizações9,20,21. corroborado em estudo com idosos na APS em
Belo Horizonte, justificado pelo envelhecimento
Estudo realizado com idosos que utilizam progressivo e a tendência de aumento ao uso de
psicofármacos prescritos por profissionais do SUS medicamentos. Logo, o desenvolvimento de ações
e por profissionais de plano de saúde suplementar no sentido de garantir uma farmacoterapia adequada
(PSS), verificou que os mais utilizados pelas pessoas para a pessoa idosa, devem ser prioridade. Medidas
idosas usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) são combinadas abrangendo estratégias de revisão da
aqueles de menor custo e que na maioria das vezes farmacoterapia, sistema informatizado de apoio
causam mais efeitos colaterais, enquanto os prescritos a prescrição e dispensação, educação continuada
no PSS são medicamentos com menor risco de efeitos para a equipe de saúde e serviços especializados
indesejáveis. Apesar de não existirem diferenças em geriatria são importantes para garantir uma
significativas entre a quantidade de psicofármacos prescrição adequada28.
utilizada pelos usuários de ambos os sistemas, há a
sinalização da falta de acesso dos usuários do SUS aos Nessa perspectiva, os profissionais da APS tem
medicamentos mais modernos e que proporcionem como objetivos realizar ações de prevenção, promoção
menos efeitos adversos23. e educação em saúde, incluindo ações direcionadas
aos usuários que fazem uso de medicamentos
No que tange aos psicotrópicos mais utilizados psicotrópicos. Atividades de orientação em saúde
pelos participantes deste estudo, foi verificado o uso devem ser priorizadas, principalmente em relação
de benzodiazepínicos, antidepressivos tricíclicos, aos possíveis efeitos adversos que podem ocorrer no
inibidores seletivos de recaptação da serotonina uso conjunto de psicofármacos com outras classes
e outros antidepressivos. Esses dados podem medicamentosas, enfatizando a prevenção dos abusos
ser corroborados por pesquisas que destacam a e a promoção do uso racional13,23.

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Uso de psicotrópicos por pessoas idosas com hipertensão

Alguns pesquisadores relatam que apesar da O tabagismo também é um fator que pode estar
prevalência do uso de psicotrópicos na população associado a um maior risco de desenvolver distúrbios
senil ser alta, algumas pessoas respondem as mentais, entre eles a depressão. Na literatura, a
monoterapias farmacológicas com drogas mais leves causalidade entre tabagismo e depressão é atribuída a
e menos prejudiciais à saúde que podem ser atreladas mecanismos distintos, destacando à ação da nicotina
a terapias não-farmacológicas, em especial na APS, nos sistemas neuroquímicos, bem como nas funções
por intermédio das equipes da ESF. No entanto, faz- neuroendócrinas. Também se tem uma causalidade
se necessário ter cautela na abordagem, no tocante inversa, em que indivíduos com depressão podem 11 de 14
as interações medicamentosas, devido ao fato de iniciar e manter o uso de derivados do tabaco, e isto
as pessoas idosas serem suscetíveis a polifarmácia, pode ser explicado pela ausência de comportamentos
expondo-as aos riscos de quedas e fraturas devido para autopreservação do estado de saúde e/ou pelo
ao grau de sedação, bem como perda da capacidade aumento das sensações prazerosas ao fumar33.
cognitiva e da memória3-5.
A realização de atividades de educação em saúde
Na análise multivariada deste estudo foi direcionadas as pessoas idosas, com a participação
encontrada associação entre o consumo de da família, torna-se uma ferramenta indispensável
psicotrópicos e ser tabagista, ter excesso de peso, CA aos profissionais de saúde, para que os idosos
alterada, obesidade e feitos adversos ao medicamento compreendam o agravamento que o uso crônico
anti-hipertensivo. Estudo que analisou a qualidade do fumo e álcool podem trazer. Destarte, essa faixa
de vida em pessoas idosas atendidas pela APS no etária faz parte de um grupo onde é recorrente
Acre, detectou associação sobre a menor percepção os problemas de saúde advindos com a idade,
da qualidade de vida com diagnóstico clínico de aumentando a susceptibilidade as doenças crônicas.
multimorbidades e depressão. Assim, torna-se um Quando associado ao uso da nicotina e do álcool,
desafio para os profissionais da APS desenvolverem essas pessoas ficam mais propensas às internações
cuidado eficaz de modo a reduzir os impactos da e agravamento de um quadro patológico34.
senilidade na qualidade de vida29.
Ademais, as questões relacionais entre profissional
E se referindo aos tratamentos disponíveis para de saúde e usuário podem influenciar o modo
excesso de peso encontramos medicamentos das de utilização dos psicofármacos, considerando
classes de ansioliticos e antidepressivos. Uma das que o vínculo entre eles se torna essencial para a
práticas centrais para o manejo de doenças crônicas na monitorização do paciente. Estudo realizado com
APS, tem como objetivo o controle da obesidade, que idosos octogenários que avaliaram os serviços
detém entre as principais recomendações, o incentivo de cuidados primários, relataram aspectos de
à mudança de estilo de vida, começando com a insatisfação relacionados à demora no atendimento e
prática de atividades físicas, reeducação alimentar, à infraestrutura da unidade. Porém ficaram satisfeitos
abandono do tabaco entre outras30. Além disso, com o atendimento dos Agentes Comunitários de
evidencia científica associação bidirecional entre Saúde, por serem atenciosos, explicarem o que deve
excesso de peso e diversos disturbios psiquiátricos, ser feito, interessarem-se pelos seus problemas e
cuja chances de um individuo com excesso de peso estarem disponíveis35.
desenvolver depressão, é semelhante ao de um sujeito
com depressão tornar-se obeso31. Os benefícios das orientações profissionais
destinadas aos pacientes com hipertensão arterial,
Deste modo, o acompanhamento da pessoa podem ser constatados por estudo que fez com que
idosa deve levar em conta a natureza multifatorial os níveis da pressão arterial dos usuários diminuíssem
e a complexidade dos agravos nessa fase da vida, durante o manejo do autocuidado. Na questão do uso
considerando as diferenças nas percepções dessa de psicotrópicos, mesmo não havendo significância
população em relação ao excesso de peso, destacando estatística com o controle pressórico inadequado, é
as fragilidades emocionais diante a multimorbidade, importante destacar que a metade dos entrevistados
mudanças de percepção sobre envelhecimento e com a hipertensão são usuários consumidores de
saúde, e valorização da funcionalidade30,31,32. psicotrópicos4.

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Uso de psicotrópicos por pessoas idosas com hipertensão

Estudo realizado no sul do Brasil constatou que da serotonina e outros antidepressivos. Os fatores
a falta de adesão e vínculo precário com a equipe de associados ao consumo de psicotrópicos entre pessoas
APS teve forte associação com o controle pressórico idosas com hipertensão arterial acompanhados pela
inadequado e a ausência nas consultas de rotina atenção primaria foram o uso diário de tabaco,
realizadas pelos programas de hipertensão. Não sedentário, obesidade, circunferência abdominal
obstante, a evidência aponta a necessidade de alterada e autorrelato de efeitos adversos ao
reorganização das ações e intervenções em saúde, medicamento anti-hipertensivo.
pautada na necessidade de os profissionais realizarem 12 de 14
atendimento de maneira integral e interdisciplinar Por ser um problema de saúde pública que atinge
e não apenas pautadas nas questões sintomáticas e/ parcela significativa da população com maior risco
ou complicações oriundas do descontrole pressórico, de agravos a saúde, destaca-se a importância de
para que haja maior envolvimento dos idosos com pesquisas nessa área, para que busquem alternativas
hipertensão nas consultas de rotina e adesão à para melhorar a qualidade de vida da pessoa idosa
terapêutica medicamentosa13. com comorbidades e que utilizam psicotrópicos,
por meio de um cuidado integral e equânime, o qual
Considera-se como limitação do estudo sua reduza as iniquidades assistenciais à população idosa
abordagem metodológica, devido ao viés de que convive com doenças crônicas.
casualidade reversa, que pode ter omitido alguns
dados importantes para a elucidação da temática desta Os hábitos de vida não saudáveis observados
pesquisa. No entanto, o estudo avança nas questões como fatores de maior prevalência no uso de
relacionadas ao atendimento prestado a pessoa idosa, psicotrópicos são modificáveis e podem ser
estimulando os profissionais de saúde a conhecerem trabalhados com diferentes práticas intervencionistas,
os fatores associados ao uso de psicotrópicos pela elucidadas pelos profissionais de saúde que integram
pessoa idosa com comorbidades, a fim de qualificar as equipes multiprofissionais presentes nas unidades
o atendimento para essa população. de atenção primária. A organização do processo de
trabalho baseia-se no conhecimento populacional
e nas ações de cunho educacional e orientativas,
CONCLUSÃO apontando a importância da adoção de novos hábitos
alimentares e de atividade física, que podem reduzir a
Os resultados do estudo apontaram que 25% polifarmácia. Desta forma, os resultados apresentados
da população estudada faz uso de psicotrópicos, nesta pesquisa podem reforçar o direcionamento
sendo as classes dos antidepressivos e ansiolíticos assistencial com maior qualidade e resolutivos aos
os mais predominantes. Os medicamentos mais problemas de saúde identificados na população.
utilizados foram do grupo dos benzodiazepínicos,
antidepressivos tricíclicos, inibidores da recaptação Editado por: Ana Carolina Lima Cavaletti

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Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2):e200339

Artigos Originais / Original Articles


Comprometimento do apetite e fatores associados em pessoas idosas
hospitalizadas com câncer

Impairment of appetite and associated factors in older adults hospitalized with cancer
1 de 11

Rayne de Almeida Marques1 ID

Thamirys de Souza Chaves Ribeiro2 ID

Vanusa Felício de Souza1 ID

Maria Cláudia Bernardes Spexoto3 ID

Taísa Sabrina Silva Pereira4 ID

Valdete Regina Guandalini5 ID

Resumo
Objetivo: Investigar o comprometimento do apetite em pessoas idosas hospitalizadas
com câncer e sua associação com estado nutricional e presença de caquexia. Métodos:
Estudo transversal realizado com pessoas idosas de ambos os sexos, diagnosticadas
com neoplasia maligna, de julho de 2017 a março de 2019 em um hospital universitário.
A amostra final foi composta por 90 pacientes. O comprometimento do apetite foi
identificado pelo Questionário de Apetite e Sintomas para Pacientes com Câncer (CASQ)
e o estado nutricional pela Avaliação Subjetiva Global Produzida pelo Próprio Paciente
(ASG-PPP). A presença de caquexia foi avaliada pela perda de peso >5% nos últimos 6
meses; ou índice de massa corporal (IMC) <20 kg/m2 e perda de peso >2%; ou índice
de músculo esquelético apendicular consistente com sarcopenia e perda de peso >2%. Palavras chaves: Saúde
Resultados: Houve predomínio de indivíduos do sexo masculino (56,7%), autodeclarados do Idoso. Câncer. Estado
não brancos (56,7%), com tumores localizados no trato gastrointestinal (75,6%) e mediana Nutricional. Caquexia.
de idade de 67 anos. 75,6% dos indivíduos apresentaram comprometimento do apetite, Apetite.
57,8% suspeita de desnutrição ou desnutrição de algum grau, 54,4% caquexia e 92,2%
necessidade de intervenção nutricional. Houve associação entre as categorias do CASQ
com estado nutricional ( p=0,001) e presença de caquexia ( p=0,050). Após análise de
regressão logística, a desnutrição permaneceu associada ao comprometimento do apetite
[OR: 4,68 (IC 95%: 1,50–14,56), p=0,008]. Conclusão: A presença de desnutrição aumentou
as chances de comprometimento do apetite, o que reforça a necessidade da triagem e
intervenção nutricional precoces, a fim de reduzir e/ou evitar os agravos nutricionais.

1
Universidade Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-graduação em Nutrição e Saúde, Vitória, ES,
Brasil.
2
Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Educação Integrada em Saúde, Vitória, ES,
Brasil.
3
Universidade Federal de Grandes Dourados, Curso de Nutrição, Faculdade de Ciências Farmacêuticas,
Dourados, MS, Brasil.
4
Universidad de las Américas Puebla, Departamento de Ciencias de la Salud, Cholula, PUE, México.
5
Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Educação Integrada em Saúde, Programa de
Pós-graduação em Nutrição e Saúde, Vitória, ES, Brasil.

Os autores declaram não haver conflito na concepção deste trabalho.


Não houve financiamento para a execução deste trabalho.

Correspondência/Correspondence
Valdete Regina Guandalini Recebido: 29/11/2020
valdete.guandalini@ufes.br Aprovado: 28/06/2021

http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562021024.200339
Comprometimento do apetite e fatores associados

Abstract
Objective: To investigate appetite impairment in older adults hospitalized with cancer
and its association with nutritional status and cachexia. Method: A cross-sectional study,
conducted with older adults men and women diagnosed with malignant neoplasia from
July 2017 to March 2019 at a university hospital. The final sample consisted of 90 patients.
Appetite was evaluated using the Cancer Appetite and Symptom Questionnaire (CASQ)
and nutritional status was determined using the Patient-Generated Subjective Global
Assessment (PG-SGA). Presence of cachexia was assessed by weight loss >5% in the last 2 de 11
6 months; or body mass index (BMI) <20 kg/m2 and weight loss >2%; or appendicular
skeletal muscle index consistent with sarcopenia and weight loss >2%. Results: There Keywords: Health of the
was a predominance of male (56.7%) self-declared non-white individuals (56.7%), with Elderly. Cancer. Nutritional
tumors in the gastrointestinal tract (75.6%) and median age of 67.0 years. 75.6% of the Status. Cachexia. Appetite.
individuals have impaired appetite, 57.8% suspected malnutrition or malnutrition of some
degree, 54.4% cachexia and 92.2% needed nutritional intervention. There was significant
association between CASQ categories with nutritional status ( p= 0.001) and presence of
cachexia ( p=0.050). After logistic regression analysis, malnutrition remained associated
with impaired appetite assessed by CASQ score [OR: 4.68 (CI 95%: 1.50-14.56), p=0.008]
Conclusion: The presence of malnutrition increased the chances of appetite impairment,
which reinforces the need for early nutritional screening and intervention, in order to
reduce and/or avoid nutritional problems.

INTRODUÇÃO Em 2015, o Inquérito Luso-brasileiro de Nutrição


Oncológica do Idoso7 apontou que 33,2% das pessoas
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), idosas com câncer apresentavam-se desnutridas e
entre as doenças e agravos não transmissíveis, o 39,8% em risco nutricional. Estudos prévios têm
câncer tem ocupado o segundo lugar diante das demonstrado que as prevalências dessas alterações em
causas de adoecimento e morte1. Em pessoas idosas, pessoas idosas com câncer variam em torno de 40% a
a incidência de novos casos de câncer é superior a 60%, associadas aos sintomas de impacto nutricional
indivíduos mais jovens, além de representarem as (SIN), estadiamento e localização do tumor, tipo de
maiores vítimas fatais da doença, particularmente tratamento e estado nutricional anterior4,8.
aqueles com mais de 65 anos de idade, configurando
cerca de 50% dos casos e 70% das mortes por As pessoas idosas com câncer e desnutridas são
neoplasias malignas2. ainda mais vulneráveis e apresentam maior risco
de perda de peso devido aos agravos da doença
Nessa faixa etária, as mudanças fisiológicas e comorbidades associadas, elevando o risco de
características do envelhecimento, tais como morbimortalidade, tempo de internação, readmissões
alterações no paladar e redução de massa magra, hospitalares, susceptibilidade às infecções, redução
são agravadas pelo câncer, e contribuem para o da funcionalidade e a manifestação da caquexia
surgimento da desnutrição3,4. relacionada ao câncer9,10. Esta por sua vez, é outra
condição comumente observada em pessoas idosas
A desnutrição pode ser causada pelo aporte com câncer e coexistente com a desnutrição, o que
de energia insuficiente, além do consumo e/ou dificulta o diagnóstico e tratamento eficaz e adequado9.
absorção inadequada de nutrientes, que pode ou
não estar relacionada à inflamação5. No entanto, A caquexia relacionada ao câncer é um tipo
quando relacionada a doenças como o câncer, resulta de desnutrição com inflamação crônica presente
principalmente da inflamação sistêmica induzida e que não deve ser identificada como um estágio
pelo tumor, com consequente inapetência, perda avançado e final da desnutrição, entretanto esses
significativa de peso corporal e alterações na critérios diagnósticos ainda são um desafio para os
composição corporal6. profissionais e para a comunidade científica5.

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Comprometimento do apetite e fatores associados

A caquexia é reconhecida por ser uma diagnóstico de tumores sólidos (CID: C00 a C97),
síndrome multifatorial caracterizada pela perda de determinado pela Classificação Internacional de
peso involuntária, com contínua perda de massa Doenças para Oncologia (CID-O)15 e que foram
muscular esquelética, com ou sem perda de massa admitidas para tratamento cirúrgico nas Unidades
gorda, que não pode ser totalmente revertida pelo de Clínica Cirúrgica e Reparatória e Clínica Médica,
suporte nutricional convencional que pode levar ao no período de julho de 2017 a maio de 2019.
comprometimento funcional progressivo11.
Foram incluídos pacientes com idade ≥60 3 de 11
Tanto a desnutrição quanto a caquexia possuem anos16 , com diagnóstico de neoplasia maligna
apresentações clínicas e critérios diagnósticos que independentemente do tipo e localização anatômica,
se sobrepõem, entretanto elas diferem amplamente confirmado em prontuário médico, avaliados nas
quanto à fisiopatologia, etiologia, prognóstico e primeiras 48 horas de admissão hospitalar, capazes
abordagens terapêuticas11,5,9. A desnutrição está de responder os instrumentos aplicados, com
especificamente associada à ingestão e utilização dos possibilidade de terem os dados antropométricos
nutrientes e, portanto, um instrumento de triagem aferidos de forma direta e com via oral preservada.
que também possa identificar o comprometimento Foram excluídos pacientes com alterações cognitivas
na ingestão alimentar oral torna-se necessário9. e neurológicas previstas em prontuário médico,
pacientes em isolamento respiratório, em cuidados
A redução da ingestão alimentar é uma condição paliativos, que estivessem em uso de drogas
comum na desnutrição e na caquexia relacionada estimuladoras do apetite, restritos ao leito, em
ao câncer. Mesmo podendo ocorrer em momentos
jejum pré-operatório e que não apresentaram todas
distintos, ambas as condições, potencializam a perda
as informações investigadas no estudo. Após essa
de peso progressiva, pioram a qualidade de vida,
etapa a amostra final foi composta por 90 pessoas
a reposta ao tratamento e as complicações pós-
idosas com câncer.
operatórias5,12.
A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas
Pessoas com câncer apresentam uma alta
por três pesquisadores responsáveis pelo estudo
prevalência de desordens do apetite que podem causar
no momento pré-cirúrgico, utilizando protocolos
um impacto significativo no seu estado nutricional e
específicos. A fim de minimizar os possíveis vieses
na qualidade de vida13. Em pessoas idosas com câncer
de seleção da amostra e de coleta de dados, todos
o comprometimento do apetite pode ser ainda mais
os pesquisadores foram devidamente treinados
grave, pois soma-se a anorexia do envelhecimento,
para aplicação dos instrumentos e para aferição das
processo caracterizado pela redução do apetite e da
medidas antropométricas. As internações e indicações
ingestão alimentar relacionada à idade14.
cirúrgicas foram acompanhadas diariamente para
Diante deste cenário e do agravamento do estado que todas as pessoas idosas no período do estudo
nutricional, comumente observado em pessoas idosas pudessem ser consideradas.
com câncer, este estudo teve por objetivo investigar
O comprometimento do apetite foi a variável
o comprometimento do apetite em pessoas idosas
dependente avaliada. As variáveis independentes
hospitalizadas com câncer e sua associação com
investigadas foram: sociodemográficas (idade,
estado nutricional e presença de caquexia.
sexo, raça/cor autodeclarada), clínicas (localização
do tumor) e antropométricas [massa corporal (kg),
MÉTODO estatura (m)]. Quanto à raça/cor, esta foi agrupada
em brancos e não brancos, para aqueles que se
Trata-se de um estudo de delineamento autodeclararam amarelos, pardos e pretos17. A
transversal, de amostragem não probabilística, por localização do tumor foi obtida em prontuário médico
conveniência, conduzido em um hospital público e agrupada em duas categorias: trato gastrointestinal
terciário em Vitória (ES), Brasil. Participaram do (TGI) - esôfago, estômago, duodeno, cólon, reto,
estudo pessoas idosas de ambos os sexos, com apêndice e glândulas anexas (pâncreas, fígado e vias

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biliares); não TGI: pulmão, sangue, cabeça e pescoço, de intervenção nutricional, que é definida por meio
próstata, pele, mediastino, ovário, tórax e pelve. de um escore numérico, onde 0-1 pontos: nenhuma
intervenção necessária no momento. Reavaliar de
Para o presente estudo, foram aferidas de forma maneira rotineira e regular durante o tratamento;
direta a massa corporal (kg) e estatura (m), segundo 2-3 pontos: aconselhamento do paciente e de seus
técnica preconizada pela OMS18. A massa corporal foi familiares pela nutricionista, enfermeira ou outro
aferida com o auxílio de uma balança de bioimpedância clínico, com intervenção farmacológica conforme
tetrapolar Tanita®, com capacidade máxima de 100kg indicado pela avaliação dos sintomas e exames 4 de 11
e precisão de 100g. Para medir a estatura foi utilizado laboratoriais, conforme o caso; 4-8 pontos: Requer
o estadiômetro portátil AlturExata®, com escala intervenção da nutricionista, juntamente com a
bilateral em milímetros e capacidade de uso de 0,35 a enfermeira ou médico conforme indicado pelos
2,13m. A massa corporal e a estatura foram utilizadas sintomas e ≥9 pontos: indica uma necessidade
para o cálculo do índice de massa corporal (IMC). urgente de conduta para a melhora dos sintomas e/
O IMC foi calculado dividindo-se a massa corporal ou opções de intervenção nutricional.
atual (kg) pela estatura ao quadrado (m).
A caquexia foi identificada segundo os critérios
A avaliação do estado nutricional foi realizada
definidos pelo Consenso Internacional de Caquexia11:
a partir da Avaliação Subjetiva Global Produzida
perda de peso >5% nos últimos 6 meses; ou IMC<20
pelo Próprio Paciente (ASG-PPP). Foi utilizada a
e qualquer grau de perda de peso >2%; ou índice de
versão traduzida e validada para o português do
músculo esquelético apendicular consistente com
Brasil por Gonzalez et al.19, mediante a permissão
sarcopenia e qualquer grau de perda de peso >2%.
de uso PG-SGA/Pt-Global Platform (www.pt-global.
Neste estudo todos os pacientes diagnosticados com
org). A ASG-PPP é uma ferramenta de avaliação e
caquexia apresentavam o primeiro critério.
triagem nutricional subjetiva, indicada pelo Consenso
Brasileiro de Nutrição Oncológica10 para avaliação A variável dependente, apetite, foi avaliada pelo
de pacientes com câncer no Brasil. Questionário de Apetite e Sintomas para Pacientes
com Câncer (CASQ) a partir da versão traduzida e
A versão utilizada é dividida em duas partes. A
validada para a população brasileira com câncer20.
primeira é respondida pelo paciente e compreende
O instrumento avalia a presença de sintomas
questões relacionadas à sintomatologia de risco
relacionados ao apetite, sendo eles: presença do apetite;
nutricional comuns em pacientes com câncer, tais
saciedade precoce; ausência de apetite; alteração do
como deficit funcional, alterações no peso, alterações
paladar; prazer em se alimentar; alterações no sabor;
alimentares e depressão. A segunda parte, preenchida
presença de enjoo; alterações no humor; alterações na
pelos pesquisadores responsáveis pelo estudo,
avalia questões baseadas aos fatores associados à disposição de exercer atividades diárias e presença de
presença de estresse metabólico (febre e uso de dor. As questões apresentam respostas dispostas em
corticosteroides), depleção do estado físico (alterações escala do tipo Likert de cinco pontos, com exceção
nas reservas de gordura, massa muscular e retenção da questão referente à dor, que apresenta respostas
hídrica), percentual de perda de peso em 1 mês ou que variam até 6 pontos, sendo “sem dor”, “muito
6 meses e a presença de outros fatores relacionados leve”, “leve”, “moderada”, “severa” e “muito severa”.
à condição da saúde tais como câncer, caquexia Cabe esclarecer que quatro itens do instrumento
pulmonar ou cardíaca, úlcera de decúbito, presença apresentaram a escala de resposta invertida em relação
de trauma, idade superior a 65 anos e síndrome da aos demais. Foi utilizado uma equação proposta
imunodeficiência adquirida (AIDS).. por Spexoto et al.20 com a finalidade de gerar um
escore global, no qual classifica o comprometimento
A ASG-PPP permite classificar o estado do apetite em três categorias: baixo (≤1 ponto);
nutricional em três categorias: A= bem nutrido; B= moderado (1–3 pontos) e grave (>3 pontos), para o
desnutrição suspeita ou moderada e C= desnutrição presente estudo o comprometimento moderado e
grave. Essa versão ainda permite avaliar a necessidade grave foram agrupados.

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Comprometimento do apetite e fatores associados

Foi realizada uma análise descritiva expressa Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e
em mediana e percentis para descrever as variáveis Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo,
contínuas e frequência absoluta e relativa para as sob o número 2.141.932. Todos os pacientes assinaram
variáveis categóricas. O teste de Kolmogorov-Smirnov o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
foi usado para verificar a normalidade das variáveis (TCLE), seguindo as resoluções 510/2016 e 466/12
quantitativas. Foram incluídos nas análises apenas do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta
os indivíduos com todos os dados, não havendo as pesquisas com seres humanos.
tratamento para missings. 5 de 11

Para verificar a associação das proporções RESULTADOS


entre o estado nutricional, a presença de caquexia
e necessidade de intervenção nutricional com as Na Tabela 1 estão apresentadas as características
sociodemográficas e clínicas das pessoas idosas
categorias do CASQ utilizou-se o teste exato de Fisher
hospitalizadas com câncer. Participaram do estudo
ou o teste qui-quadrado. Para regressão logística
90 pessoas idosas, com mediana de idade de 67,0
binária, foram agrupadas as categorias B e C da ASG-
anos, idade mínima de 60 anos e máxima de 88 anos.
PPP e as categorias do CASQ, comprometimento
moderado e comprometimento grave. O diagnóstico do estado nutricional, a necessidade
de intervenção nutricional obtidos pela ASG-PPP,
Para determinar a influência das variáveis no
a presença de caquexia e o comprometimento do
comprometimento do apetite identificado pelo
apetite, identificado pelo CASQ estão demonstrados
CASQ (variável dependente) foi utilizada a análise
na Tabela 2.
de regressão logística binária. Foi apresentado o
Odds Ratio (OR) bruto e após ajustes para variáveis Na Tabela 3 estão apresentados a diferença entre
sociodemográficas. As variáveis de ajuste foram as categorias do CASQ e o estado nutricional,
inseridas em blocos: modelo 1: idade e sexo e presença de caquexia, necessidade de intervenção
modelo 2: idade, sexo e localização do tumor. nutricional e localização do tumor. As pessoas
Foram incluídas na regressão as variáveis que idosas desnutridas foram as que apresentaram
apresentaram p≤0,05 nos testes anteriores. O nível comprometimento moderado e grave do apetite
de significância adotado foi de p≤0,05 para todos ( p=0,005), o mesmo ocorrendo para as pessoas idosas
os testes. com caquexia ( p=0,050).

Tabela 1. Características demográficas e clínicas de pessoas idosas hospitalizadas com câncer (n=90). Vitória
(ES), 2019.
Faixa etária (anos) n (%)
60–69,9 57 (63,3)
70–79,9 27 (30,0)
≥80 06 (6,7)
Sexo
Feminino 39 (43,3)
Masculino 51 (56,7)
Raça/cor
Branco 39 (43,3)
Não branco 51 (56,7)
Localização do tumor
Trato gastrointestinal (TGI) 68 (75,6)
Não TGI 22 (24,4)

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Comprometimento do apetite e fatores associados

Tabela 2. Estado nutricional, necessidade de intervenção nutricional, presença de caquexia e comprometimento


do apetite em pessoas idosas hospitalizadas com câncer (n=90). Vitória (ES), 2019.
Variáveis Total
n (%)
ASG-PPP
Bem Nutrido (A) 38 (42,2)
Suspeita ou moderadamente desnutrido (B) 48 (53,3)
6 de 11
Gravemente desnutrido (C) 04 (4,5)
Presença de Caquexia
Sem caquexia 41 (45,6)
Com caquexia 49 (54,4)
Necessidade de Intervenção nutricional
0 – 1 ponto 01 (1,1)
2 – 3 pontos 06 (6,7)
4 – 8 pontos 22 (24,4)
≥ 9 pontos 61 (67,8)
Comprometimento do apetite (CASQ)
Baixo 22 (24,4)
Moderado 61 (67,8)
Grave 07 (7,8)
ASG-PPP: Avaliação Subjetiva Global - Produzida pelo Próprio Paciente; CASQ: Questionário de Apetite e Sintomas para Pacientes com Câncer.

Tabela 3. Estado nutricional, presença de caquexia, necessidade de intervenção nutricional e localização do tumor
segundo as classificações do CASQ em pessoas idosas hospitalizadas com câncer (n=90). Vitória (ES), 2019.
Variáveis Questionário de Apetite e Sintomas para Pacientes
com Câncer (CASQ)
Baixo Moderado/Grave p valor
ASG-PPP 0,005*
Bem Nutrido 16 (42,1) 22 (57,9)
Suspeita ou moderadamente desnutrido 6 (12,5) 42 (87,5)
Gravemente desnutrido - 4 (100,0)
Presença de Caquexia 0,050**
Sem caquexia 14 (34,1) 27 (65,9)
Com caquexia 8 (16,3) 41 (83,7)
Necessidade de Intervenção nutricional 0,142*
0 – 1 ponto - 1 (100,0)
2 – 3 pontos 3 (50,0) 3 (50,0)
4 – 8 pontos 8 (36,4) 14 (63,6)
≥ 9 pontos 11 (18,0) 50 (82,0)
Localização do Tumor 0,934**
Trato gastrointestinal (TGI) 16 (23,5) 52 (76,5)
Não TGI 6 (27,3) 16 (72,7)
*
Teste exato de Fisher; **Teste qui-quadrado; ASG-PPP: Avaliação Subjetiva Global – Produzida pelo Próprio Paciente.

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Comprometimento do apetite e fatores associados

A Tabela 4 mostra o resultado dos modelos de As pessoas idosas com suspeita de desnutrição ou
regressão logística binária. Associações significativas desnutridas apresentaram 4,68 vezes mais chances de
foram verificadas entre o comprometimento do terem seu apetite comprometido quando comparadas
apetite, segundo o CASQ e a desnutrição, mesmo as pessoas idosas bem nutridas [OR: 4,68 (CI 95%:
após ajuste por idade, sexo e localização do tumor. 1,50–14,56) p=0,008].

Tabela 4. Associação entre as categorias do comprometimento do apetite, segundo CASQ e estado nutricional 7 de 11
após análise de regressão logística binária bruta e ajustadas em pessoas idosas hospitalizadas com câncer (n=90).
Vitória (ES), 2019.
Variáveis OR Bruto Modelo 1 Modelo 2
(IC95%) OR (IC95%) OR (IC95%)
ASG-PPP
Bem nutrido 1 1 1
Suspeita de desnutrição /Desnutrido 5,57 (1,92 – 16,20) 4,66 (1,50 – 14,50) 4,68 (1,50 – 14,56)
Presença de caquexia
Ausente 1 1 1
Presente 2,65 (0,98 – 7,19) 1,46 (0,47 – 4,51) 1,44 (0,46 – 4,50)
Modelo 1: ajustada por idade e sexo; Modelo 2: ajustada por idade, sexo e localização do tumor; Valores em negrito apresentam p<0,05.

DISCUSSÃO Outro fator de risco para a desnutrição pode estar


relacionado à localização do câncer no TGI24, e que
Este estudo mostrou que a desnutrição aumentou esteve em maior proporção neste estudo. Os tumores
as chances de comprometimento do apetite nas localizados no TGI impactam diretamente o processo
pessoas idosas hospitalizadas com câncer. Foi de ingestão, digestão e absorção de nutrientes,
observado ainda maior proporção de desnutrição, como a presença de tumores obstrutivos, disfagia,
caquexia, necessidade de intervenção nutricional odinofagia e vômitos, frequentemente associados ao
crítica e controle dos sintomas e comprometimento câncer, que irão comprometer a ingestão alimentar,
do apetite de moderado a grave. e, consequentemente, o estado nutricional 24,25.

O Inquérito Brasileiro de Nutrição Oncológica Um estudo transversal realizado no Brasil que


(IBNO)21 avaliou, com o mesmo instrumento, avaliou pacientes com câncer no TGI tratados
pacientes com câncer de 45 instituições brasileiras, cirurgicamente, demonstrou que 63% dos
e constatou que 55,6% da população acima de 65 pacientes com tumores localizados no TGI superior
anos estava desnutrida ou em risco nutricional. aprentavam alterações no apetite e 60% tinham
Outros estudos que avaliaram pessoas idosas com ingestão alimentar comprometida26. Para aqueles com
câncer pela ASG-PPP encontraram prevalência de tumores no TGI inferior, as prevalências foram de
desnutrição entre 60,4% a 78,7%, evidenciando a 45% e 36%, respectivamente26. Ainda neste estudo,
maior vulnerabilidade dessa população22,23. Essa foi observado que 46,3% dos pacientes estavam
ferramenta tem sido considerada um fator prognóstico gravemente desnutridos e 29,3% apresentavam
e abrangente na identificação do estado nutricional suspeita de desnutrição ou desnutrição moderada26.
em pessoas idosas com câncer, por avaliar de maneira
mais extensa as alterações do peso, os sintomas A elevada prevalência de alterações no apetite e
de impacto nutricional (SIN) e a necessidade de na ingestão alimentar, e o predomínio de desnutrição
intervenção nutricional 22,23. grave nesses pacientes, demonstram a relevância em

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Comprometimento do apetite e fatores associados

considerar a localização do tumor sobre o estado Outra alteração também pouco considerada na
nutricional, principalmente quando localizado no avaliação de pessoas idosas, em especial com câncer é
TGI, para que manejos clíncios e nutricionais sejam o comprometimento do apetite e que foi identificada
implementados precocemente, afim de reduzir e/ na maioria das pessoas idosas avaliadas. Estudos
ou evitar estes cenários. A desnutrição pode que avaliaram a perda de apetite em indivíduos
comprometer ainda mais o apetite nessa população com câncer, observaram que essa condição é mais
que, já apresenta respostas fisiológicas suprimidas, frequente em pessoas idosas e está mais presente
e potencializar as consequencias da doença e da com o avançar da idade31,32. 8 de 11
própria desnutrição.
A diminuição da ingestão alimentar é um
Diante de um estado nutricional prejudicado, sintoma frequentemente observado em pacientes
a elevada necessidade de intervenção nutricional com câncer, e está associada às diversas alterações
crítica foi outro desfecho observado neste estudo. metabólicas originadas ou decorrentes do tumor26.
Um estudo prévio realizado no mesmo hospital em Essas alterações são mediadas por diversos fatores
2016, demonstrou que 91,4% dos pacientes avaliados que modulam receptores e neurônios do sistema
apresentaram necessidade de intervenção nutricional nervoso central, com destaque para as citocinas,
crítica na admissão hospitalar, mostrando ser um liberadas pelo sistema imunológico e pelo tumor33.
quadro comum nesses pacientes27. Essas substâncias, como IL-1, IL-6, TNF-α e IFNγ,
podem induzir anorexia antagonizando a ação do
Dos Santos et al.28 ao compararem o diagnóstico Neuropeptídeo Y (NPY) no hipotálamo, induzirem a
nutricional obtido pela ASG-PPP com medidas liberação do fator liberador de corticotropina (CRF),
antropométricas objetivas em pessoas idosas em um potente fator anorexígeno e modular mudanças
tratamento antineoplásico, constataram que valores significativas nas subunidades α da proteína G do
maiores do escore da ASG-PPP, que indicam núcleo ventromedial (VMN), que participam do
necessidade de intervenção nutricional, estiveram controle da ingestão alimentar33.
associados à redução da ingestão alimentar e a
menores medidas antropométricas relacionadas As terapias antineoplásicas e sintomas relacionados
à massa corporal, tecido muscular e reservas de também interferem na manutenção do apetite e do
gordura. O escore da ASG-PPP tem sido utilizado estado nutricional, pois podem afetar a percepção
na avaliação nutricional por apresentar alto grau do olfato e do paladar e interferir na capacidade dos
de reprodutibilidade, sensibilidade e especificidade pacientes de consumir e digerir alimentos26.
quando comparado a outros métodos validados27.
Desta forma, observa-se que os processos que
A presença de caquexia foi observada em mais levam ao comprometimento do apetite, desnutrição e
da metade das pessoas idosas avaliadas. Lima et al.29 caquexia relacionada ao câncer estão integrados, e que
verificaram a frequência de caquexia relacionada geralmente resultam principalmente da inflamação
ao câncer em pacientes com tumores no TGI e sistêmica e dos efeitos adversos do tratamento.
encontraram prevalência de 56,3%. Especificamente
em pessoas idosas com câncer, Dunne et al. 30 Na amostra estudava foi evidenciado que os
identificaram que 65,0% da população oncológica pacientes com caquexia relacionada ao câncer
geriátrica avaliada em seu estudo apresentava apresentaram maior comprometimento do apetite.
caquexia. Nesse grupo etário e com câncer, o risco Na avaliação da presença de caquexia, a perda
de desenvolver caquexia pode ser ainda mais elevado, de apetite e a anorexia são fatores que devem ser
devido às alterações inerentes ao envelhecimento considerados, e estão associados à perda de peso
que contribuem para a piora do estado nutricional, e à exacerbação dessa síndrome11. O CASQ é um
como discutido anteriormente10, o que reforça a instrumento preditor da perda de peso, sendo assim,
importância em considerá-la na triagem e avaliação pode identificar precocemente o risco de desenvolver
nutricional inicial, em especial no âmbito hospitalar. a caquexia20.

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Comprometimento do apetite e fatores associados

Outra associação significativa encontrada esteve Como contribuição, este estudo utilizou uma
entre o comprometimento do apetite e a desnutrição ferramenta validada e específica para avaliação do
e, que se confirmou após análise de regressão logística apetite nos pacientes com câncer de fácil aplicação
binária. A redução do apetite e da ingestão alimentar na prática clínica. Também demonstra a relevância
são frequentemente associadas à desnutrição em das desordens do apetite e da presença de desnutrição
especial nos pacientes com câncer do TGI34, contudo e caquexia em pessoas idosas com câncer, temas
a relação de causalidade só pode ser definida em pouco explorados nessa população. Os resultados
estudos longitudinais. também indicam a importância do diagnóstico da 9 de 11
desnutrição e do comprometimento do apetite como
De Pinho et al. 35 avaliaram a relação entre forma de proporcionar o aconselhamento nutricional
desnutrição diagnosticada pela ASG-PPP e os SIN em
individualizado para manejo das complicações
pacientes com câncer, e identificaram que problemas
inerentes à ambas as situações. O tratamento clínico
para engolir, perda de apetite, vômitos, e a presença
multimoldal é uma estratégia indicada e que deve
de mais de três SIN foram fatores independentes
ser implementada e garantida no cuidado de pessoas
associados à desnutrição. A alta frequência de SIN
idosas com câncer.
contribui para a ingestão reduzida de alimentos,
agravando o estado nutricional do paciente35. Entre as limitações deste estudo identifica-se
sua transversalidade, que não permite determinar
Por fim é preciso reafirmar que a desnutrição
relações de casualidade, a ausência de informações
compromete de maneira significativa as respostas
sobre estadiamento do tumor e ausência/presença
fisiológicas e metabólicas dos indivíduos, com
de metástase uma vez que trata-se de um hospital
prejuízos ainda maiores para as pessoas idosas com
referência para tratamento cirúrgico e essa informação
câncer, incluindo nestes, o apetite. Desta forma
nossos resultados apontam para necessidade da não consta no prontuário médico. Outra limitação
triagem nutricional com vistas a prevenir e ou reduzir refere-se ao fato deste estudo ter sido realizado em um
o impacto da desnutrição nessa população. único hospital público com características específicas,
o que impede a extrapolação dos nossos resultados.
Apesar da falta de apetite ser uma das Entretanto as avaliações e os instrumentos foram
características da caquexia relacionada ao câncer, aplicados de maneira criteriosa por uma pequena
este estudo não encontrou associação entre a presença equipe treinada.
de caquexia e comprometimento do apetite após
análise de regressão logística ajustadas. Uma possível
explicação para esse resultado pode estar no fato de CONCLUSÃO
ter sido observado predomínio de comprometimento
moderado do apetite, o que ainda não caracteriza As pessoas idosas hospitalizadas com câncer
a anorexia em si, condição comum na caquexia. apresentaram elevada prevalência de desnutrição,
Acredita-se que o comprometimento do apetite caquex ia, compromet imento do apet ite e
observado esteja mais relacionado à anorexia do necessidade de intervenção nutricional crítica.
envelhecimento do que a presença de caquexia14. A presença de desnutrição aumentou as chances
Outro ponto a considerar é que o diagnóstico da de comprometimento do apetite na população
caquexia neste estudo foi definido pelo percentual de estudada, o que reforça a necessidade da triagem
perda de peso em relação ao tempo e não considerou e intervenção nutricional precoces, em especial
o apetite como um dos critérios. Além disso, a nessa população, a fim de reduzir e/ou evitar os
anorexia não é uma condição implícita na caquexia, agravos nutricionais.
em especial em seu início. Entretanto o desenho
deste estudo não permite avaliar essa causalidade. Editado por: Maria Luiza Diniz de Sousa Lopes

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Comprometimento do apetite e fatores associados

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Artigos Originais / Original Articles


Associação entre eventos estressores e citocinas inflamatórias e anti-
inflamatórias em pessoas idosas longevas

Association between stressor events and inflammatory and anti-inflammatory cytokines in


long-lived older people
1 de 12

Ingridy Fátima Alves Rodrigues1 ID

Vicente Paulo Alves1 ID

Lucy de Oliveira Gomes1 ID

Daniele Sirineu Pereira2 ID

Otávio de Toledo Nóbrega3 ID

Karla Helena Coelho Vilaça e Silva1 ID

Resumo
Objetivo: investigar a associação entre a frequência de eventos estressores e citocinas
em pessoas idosas longevas. Métodos: os participantes responderam a um questionário
constituído de variáveis sociodemográficas, indicaram quais eventos estressores constantes
no Inventário de Eventos Estressores de vida ocorreram nos últimos cinco anos e
responderam a escala de depressão geriátrica (GDS). Foram dosados por citometria
de fluxo: interleucina (IL) 10, IL-6, IL-4, IL-2, fator de necrose tumoral (TNF-α) e
interferon gama (IFN-γ). A análise descritiva foi realizada para a caracterização da
amostra. Para investigar a associação entre as variáveis foi desenvolvido um modelo
de regressão linear múltipla, utilizando o método Backward. Resultados: Participaram da Palavras-chave: Saúde do
pesquisa 91 pessoas idosas com média de idade de 82 anos. Mais da metade da amostra Idoso. Estresse emocional.
relatou morte de ente querido como o evento estressor mais prevalente (61%). Nessa Citocina. Interleucina-4.
amostra foi possível perceber que quanto mais eventos estressores foram relatados, menor Pessoa Idosa.
o nível de IL-4 ( p=0,046), da mesma forma que o estado civil viuvez, onde os dados
mostraram que quem é viúvo tem menos eventos estressores em comparação a quem é
casado ( p=0,037). Conclusão: Evidenciou-se a importância de um olhar mais cuidadoso
dos profissionais de saúde na avaliação multidimensional da pessoa idosa, de forma que
se obtenham subsídios para a implementação de programas e intervenções específicos
que possam amenizar a percepção dos eventos estressores vivenciados, colaborando
com menores danos decorrentes da imunossenescência.

1
Universidade Católica de Brasília (UCB), Programa de Pós Graduação em Gerontologia. Brasília, DF,
Brasil.
2
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação,
Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Belo Horizonte, MG, Brasil.
3
Universidade de Brasília (UNB), Faculdade de Medicina. Brasília, DF, Brasil.

Financiamento da pesquisa: Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD). Projeto


88881.068447/2014-01, Convênio CAPES /PROCAD 2972/14. O autor O. T. Nobrega recebeu bolsa de
produtividade em pesquisa (Pq2) do CNPq.
Os autores declaram não haver conflito na concepção deste trabalho.

Correspondência/Correspondence
Ingridy Fátima Alves Rodrigues Recebido: 17/12/2020
dra.ingidyfatima@gmail.com Aprovado: 01/06/2021

http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562021024.200350
Eventos estressores e citocinas

Abstract
Objective: To investigate the association between the frequency of stressor events and
cytokines in long-lived older people. Methods: The participants answered a questionnaire
consisting of sociodemographic variables, indicated which stressor events included in the
Stressor Life Events Inventory occurred in the last five years and answered the Geriatric
Depression Scale (GDS). The following were measured by flow cytometry: interleukin
(IL) 10, IL-6, IL-4, IL-2, tumor necrosis factor (TNF-α) and interferon gamma (IFN-γ).
We carried out a descriptive statistical analysis in order to characterize the sample. To 2 de 12
investigate the association between the variables, a multiple linear regression model was
developed, using the Backward method. Results: 91 older people with an age average of Keywords: Health of the
82 years participated in the research. More than half of the sample reported the death of Elderly. Emotional stress.
a loved one as the most prevalent stressor event (61%). In this sample, it was possible to Cytokines. Interleukin-4.
notice that the more stressor events were reported, the lower the level of IL-4 ( p=0.046), Older adults.
as well as the marital status of widowhood, where data showed that those who are widowed
have fewer stressor events in comparison to who is married ( p=0.037). Conclusion: The
importance of a more careful look by health professionals in older people multidimensional
assessment was evidenced, so that subsidies are obtained for the implementation of
specific programs and interventions that can ease the perception of the stressor events
experienced, collaborating with less resulting damage of immunosenescence.

INTRODUÇÃO endócrino e imunológico, que são necessárias para


que se obtenham respostas adequadas a eventos
O estresse emocional carrega fortes conotações de estressores. Assim, a presença desses eventos pode
quebra de desempenho usual, porém é fator inevitável afetar a circulação e a atividade das células do sistema
no curso da vida1 e o envelhecimento em si pode ser imunológico9.
considerado um fator estressor, pois se relaciona ao
aumento de dependência, doenças, perdas de papéis Por outro lado, durante o curso de infecções
sistêmicas, câncer ou doenças autoimunes, as
ocupacionais e afetivos2. A vivência desses eventos
repercussões imunológicas levam a uma estimulação
acarreta maior ou menor exigência de recursos
do SNC que pode levar ao desenvolvimento de
emocionais, sociais e intelectuais dependendo do
sintomas de depressão em indivíduos vulneráveis.
valor que é atribuído a eles3,4.
A inflamação é, portanto, um importante fator de
Evento de vida, foi um termo criado por Aldwin5 risco para episódios depressivos maiores, bem como
e Baltes6 para designar uma fase de mudança ocorrida fatores psicossociais mais tradicionais8.
entre períodos relativamente estáveis na vida do
O envelhecimento fisiológico está relacionado à
indivíduo. Alguns desses eventos são normalmente alterações do sistema imunológico, o que caracteriza
esperados como a menopausa, entrada na universidade o processo conhecido como imunossenescência.
e da aposentadoria, e outros inesperados, como Essas alterações resultam em maior susceptibilidade
acidentes, desastres naturais e desemprego6. da pessoa idosa à doenças infecciosas, doenças
degenerativas, doenças cardiovasculares, doenças
Os eventos inesperados e imprevisíveis, por
autoimunes e câncer10. Dentre as alterações na
aumentar a percepção de incontrolabilidade, de
imunossenescência, destaca-se o aumento de 2 a 4
ineficácia de enfrentamento ou de ônus excessivo de vezes nos níveis plasmáticos de citocinas tanto pró
demandas2 , apresentam maior potencial para serem quanto anti-inflamatórias11.
vividos como estressantes2,6,7. O estresse decorrente
desses eventos pode reduzir a capacidade do sistema O desequilíbrio na produção e liberação de
imunológico para responder a uma injúria8. Existem mediadores inflamatórios caracteriza a inflamação
interações entre o Sistema Nervoso Central (SNC), de baixo grau, clinicamente indetectável, denominada

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Eventos estressores e citocinas

de inflammaging 11,12 . Esse estado pró-inflamatório minimizar os erros de avaliação e problemas no


ocorre nos idosos mesmo na ausência de doenças preenchimento do banco de dados.
associadas e está relacionado com o risco aumentado
de doenças crônicas12. Como critério de inclusão, optou-se por
selecionar aqueles com idade, preferencialmente,
Dentre os princípios fundamentais desse maior que 80 anos, não sendo excluídos aqueles que,
paradigma está o aumento de citocinas pró- faltariam menos de um ano e meio para completar
inflamatórias e a diminuição de citocinas anti- a idade pretendida. Assim, foram incluídas pessoas 3 de 12
inflamatórias13,14. Entre as citocinas pró-inflamatórias idosas com idade a partir de 78 anos e que eram
estão IL-1, IL-2, IL-6, IL-12, IL-15, IL18, IL-22, acompanhadas no ambulatório do HUCB.
IL-23, TNF-α, IFN-γ e entre as anti-inflamatórias
pode-se citar IL-1Ra, IL-4, IL-10, TGF-β15. O deficit cognitivo foi utilizado como critério
de exclusão. Portanto, as 227 pessoas idosas que,
Essas mudanças podem ser analisadas sob inicialmente, consentiram em participar do estudo
uma perspectiva evolutiva e não apenas como e assinaram o termo de consentimento, passaram
prejudiciais16. O conhecimento acumulado sugere pela triagem cognitiva global, onde foi utilizado o
que, sem a existência da dupla imunossenescência Mini Exame do Estado Mental (MEEM), composto
e inflammaging, a longevidade humana seria bastante por 30 questões que avaliam a orientação no tempo
reduzida o que faz crer que, tentativas de intervenção e espaço, memória episódica, repetição imediata,
no sistema imunológico no envelhecimento visando praxia, funções visuoespaciais e linguagem17.
rejuvenescimento devem se basear na manutenção
da homeostase geral para melhorar adequadamente Das 227 pessoas idosas que participaram pela
as funções imunológicas inflamatórias16. triagem cognitiva global, foram excluídas aquelas que
pontuaram abaixo da nota de corte para seu nível
Recon hecer as fontes relacionadas à de escolaridade, sendo 17 pontos para analfabetos,
imunossenescência tem sido base para muitas 22 pontos para idosos com 1 a 4 anos de estudo,
pesquisas no âmbito do envelhecimento humano, 24 pontos para aqueles com 5 a 8 anos de estudo
porém a relação entre o impacto do estresse no e 26 pontos para os que possuem 9 anos ou mais
sistema imune em pessoas idosas, sobretudo de estudo, dessa forma, a amostra passou a constar
aquelas com idade mais avançada ainda são pouco 144 idosos.
compreendidos. Este estudo teve como objetivo
investigar a associação entre a frequência de eventos Os 144 participantes selecionados responderam
estressores e citocinas pró e anti-inflamatórias em a uma entrevista constituída das variáveis
pessoas idosas longevas. sociodemográficas: idade, sexo, cor autodeclarada,
se trabalha ou se é aposentado e também sobre a
presença de doenças crônicas (cardiopatia, hipertensão
MÉTODO arterial, ocorrência acidente vascular encefálico
isquêmico, diabetes, câncer, artrite reumatoide,
Trata-se de um estudo de corte transversal e doenças pulmonares, depressão e osteoporose).
quantitativo. A amostra foi obtida por conveniência
e recrutada no ambulatório de Geriatria e Medicina Para avaliação da presença de eventos estressores,
Interna do Hospital da Universidade Católica de foi utilizado o Inventário de Eventos Estressantes
Brasília (HUCB) entre março de 2016 a maio de 2018. do Curso de Vida, validado por Aldwin18, composto
As pessoas idosas que já eram acompanhadas no por 31 itens que apresentam eventos estressantes
ambulatório foram convidadas, pessoalmente ou por potencialmente vivenciados nos últimos 5 anos
telefone, a participar da pesquisa de forma voluntária. anteriores à coleta dos dados. O instrumento avalia a
frequência do acontecimento dos eventos estressantes
Foram realizados treinamentos com a equipe e o nível de estresse atribuído pelo respondente. As
de pesquisadores de campo para padronização das respostas foram agrupadas em 9 categorias: morte
coletas de dados e aplicação dos instrumentos para de ente querido, doença de ente querido, doença da

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Eventos estressores e citocinas

própria pessoa, cuidado de pessoa da família, perda garantir segurança dos dados contra acesso não
de poder aquisitivo, conflitos familiares, sofrimento autorizado, alteração, divulgação ou destruição não
de algum tipo de violência, eventos incontroláveis que autorizada das informações, os documentos foram
afetam a descendência, perda de atividade ou amizade criptografados, com acesso restrito e verificação em
apreciada. Os idosos indicaram quais eventos listados duas etapas e recurso de navegação segura. Ao final
estiveram presentes em sua vida nos últimos cinco da pesquisa foi realizado um download dos dados
anos, ou se não aconteceram. para um dispositivo local e apagados os dados da
“nuvem”. 4 de 12
Foi aplicada ainda a escala de depressão geriátrica
(GDS), instrumento utilizado para rastrear depressão Dos 144 participantes, 53 foram excluídos por
em pessoas idosas, aqui sendo utilizada a versão não terem comparecido para a coletada sanguínea
curta, composta por 15 perguntas, devendo ser para as dosagens das citocinas. A análise final foi
respondidas atribuindo nota 1 para não e 0 para realizada com dados referentes a 91 pessoas idosas
sim, onde o somatório maior ou igual a 5 é indicativo longevas.
de suspeita de depressão19-21.
Para verificar a diferença da dosagem dos
Para a dosagem de citocinas, a coleta de sangue foi
biomarcadores com o número de eventos estressores
pré-agendada com os participantes para um segundo
de vida foi utilizado o teste Kruskal Wallis.
momento em uma unidade do Laboratório Sabin.
Todas as coletas foram realizadas no período da A associação entre as variáveis categóricas foi
manhã, por profissionais qualificados. verificada por meio do teste qui-quadrado de Person
e, quando não foi possível utilizá-lo, foi realizado o
Foi coletada amostra de sangue total de cada
participante em tubos com ativador de coagulação teste exato de Fisher.
e centrifugadas. Essas amostras de sangue total
Ao final, foram selecionadas as variáveis com
venoso foram transportadas até o Laboratório de
p-valor menor que 0,20 para análise de regressão
Imunogerontologia da UCB e, no momento da
linear. Em seguida, foi elaborada uma tabela,
avaliação bioquímica, foram obtidas amostras de
retirando as variáveis com maiores valores de p até
soro, ficando mantidas à temperatura de -80ºC até
chegar a um modelo com todas as variáveis com p
serem descongelados para avaliação dos mediadores
valor menor que 0,05, utilizando o método Backward.
inflamatórios.

As dosagens das citocinas foram obtidas por A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética
citometria de fluxo usando sistema multiplex com um em Pesquisa da UCB, sob parecer nº 3.061.534,
set de imunoensaio baseado em esferas (Human Th1/ atendendo às exigências da Resolução nº 466/12
Th2/TH17, BD Biosciences, San Diego, Califórnia, do Conselho Nacional de Saúde, que dispõe sobre as
USA). Os procedimentos em laboratório seguiram normas e diretrizes regulamentadoras de pesquisas
os protocolos fornecidos pelo fabricante do kit. Este envolvendo seres humanos.
permitiu medições para seis mediadores circulantes
diferentes: IL-2, IL-4, IL-6, IL-10, IFN-γ e TNF-α.
Os padrões de citocinas liofilizadas e as amostras RESULTADOS
de soro foram processados juntamente, seguindo
Os participantes da pesquisa foram, em maior
protocolo do fabricante, e os resultados obtidos
utilizaram o citômetro de fluxo BD FACSCalibur, parte, do sexo feminino, correspondendo a 61,5%
canal FL4. Os dados foram analisados usando o da amostra, concentrando-se na faixa etária de 80
software FCAP, versão 3.0, (BD Biosciences). a 84 anos, 48,4%, tendo a maioria autodeclarada
branca, 68,1%. Os solteiros representaram 43,1%
Todas as respostas foram reg ist radas da amostra, possuindo, em sua maioria, 59,7%, 4
eletronicamente pelo formulário Google e enviados ou mais filhos. A maior parte não trabalha e recebe
à planilha do banco de dados da pesquisa. Para aposentadoria (Tabela 1).

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Eventos estressores e citocinas

Tabela 1. Variáveis sociodemográficas de pessoas idosas longevas atendidas no ambulatório do HUCB, 2016.
Variáveis Frequência
Idade (em anos)
78 a 79 14 (15,4%)
80 a 84 44 (48,3%)
> 85 32 (35,2%)
Não informado 1 (1,1%) 5 de 12
Sexo
Masculino 34 (37,4%)
Feminino 56 (61,5%)
Não informado 1 (1,1%)
Cor
Branco 62 (68,1%)
Preto 2 (2,2%)
Mulato 23 (25,3%)
Indígena 1 (1,1%)
Amarelo 2 (2,2%)
Não informado 1 (1,1%)
Trabalha
Sim 12 (13,2%)
Não 78 (85,7%)
Não informado 1 (1,1%)
Aposentado
Sim 75 (82,4%)
Não 14 (15,4%)
Não informado 2 (2,2%)

As doenças crônicas mais relatadas foram A média dos valores das citocinas foi de 6,12 pg/
hipertensão arterial, 80,5%, osteoporose, 36,3%, e mLpara IFNγ, 3,32 pg/mL para TNF, 3,54 pg/mL
diabetes, presente em 28,9% da amostra. para IL-10, 12,27 pg/mL para IL-6, 1,70 pg/mL
para IL-4 e 9,10 pg/mL para IL-2.
Em relação aos eventos estressores vivenciados
nos últimos cinco anos, mais da metade relatou morte Foi verificada a influência do conjunto de
de ente querido (61%). Outros eventos frequentes variáveis: sexo, faixa etária, anos de estudo,
foram perda de atividade ou amizade que gostava estado conjugal, cor, número de filhos, trabalho,
muito (48%), doença em ente querido (47%), doença aposentadoria, suspeição de depressão pela GDS,
na própria pessoa (38%), eventos ocorridos na arranjo familiar e biomarcadores inflamatórios na
descendência (34%) e perda de poder aquisitivo presença de eventos estressores. Essa associação foi
(33%). Os eventos menos relatados foram violência feita conforme o número de eventos assim divididos:
a própria pessoa idosa (27%), conflitos familiares 0 a 2; 3 e 4; 5 e mais. Nela o número de eventos
(21%) e cuidados prestados a algum familiar (3%). estressores esteve diretamente relacionado a maiores
Os percentuais dos eventos estressantes estão chances de depressão e ao fato dessas pessoas idosas
representados na Figura 1. longevas não estarem trabalhando (Tabela 2).

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Eventos estressores e citocinas

Em seguida, os dados com valores de p menor que Em uma segunda rodada, novamente foram
0,20 foram submetidos à regressão linear, tendo como retirados os dados com valores de p menores que 0,20
variável dependente o número de eventos estressores reservando-se apenas as variáveis correspondentes
acrescentados todos os biomarcadores inflamatórios. aos biomarcadores inflamatórios, até que se chegasse
A depressão foi a única variável significativa nessa às variáveis mais significativas, tendo todas valor
análise de regressão linear, evidenciando que, quando de p menor que 0,05. Os dados obtidos estão
mais eventos estressores, maior a pontuação no GDS. representados na Tabela 3.
6 de 12

Figura 1. Número de eventos estressores apresentados por pessoas idosas longevos atendidos no ambulatório
do HUCB, 2016.

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Eventos estressores e citocinas

Tabela 2. Análise da relação entre o número de eventos estressores de vida e Biomarcadores inflamatórios e
variáveis sociodemográficas em pessoas idosas longevas atendidas no ambulatório do HUCB, 2016.
0 a 2 eventos 3 e 4 eventos 5 e mais eventos
Variável Total p-valor
estressores de vida estressores de vida estressores de vida
Total 9 32 31 91
IFN-γ 0,700KW
Mediana (IQR) 5,7 (4,8-6,5) 5,9 (5,4-6,6) 5,9 (5,5-6,4) 5,9 (5,4-6,5)
7 de 12
TNF-α 0,680KW
Mediana (IQR) 2 (1-3,1) 2 (1,3-2,5) 1,8 (1,1-2,4) 1,9 (1,3-2,5)
IL-10 0,572KW
Mediana (IQR) 3,2 (3-3,3) 3,7 (3-3,9) 3,6 (2,9-3,8) 3,6 (2,9-4)
IL-6 0,933KW
Mediana (IQR) 5,2 (3,8-5,6) 4,8 (3,4-8,7) 4,6 (3,1-7,9) 4,8 (3,2-7,2)
IL-4 0,307KW
Mediana (IQR) 1,9 (1,9-2,7) 1,6 (1,3-2,1) 1,5 (1,2-2) 1,6 (1,3-2,1)
IL-2 0,699KW
Mediana (IQR) 8,9 (8,8-9,1) 9,2 (8,6-9,7) 8,9 (8,6-9,5) 8,9 (8,6-9,4)
Sexo 0,978Qq
Masculino 4 (44,4%) 13 (40,6%) 13 (41,9%) 30 (41,7%)
Feminino 5 (55,6%) 19 (59,4%) 18 (58,1%) 42 (58,3%)
Faixa etária (em anos) 0,555TF
78 a 79 1 (11,1%) 4 (12,5%) 6 (19,4%) 11 (15,3%)
80 a 84 3 (33,3%) 16 (50,0%) 17 (54,8%) 36 (50,0%)
85 e mais 5 (55,6%) 12 (37,5%) 8 (25,8%) 25 (34,7%)
Anos de estudo 0,944TF
Nenhum 1 (11,1%) 7 (21,9%) 8 (25,8%) 16 (22,2%)
1a4 4 (44,4%) 14 (43,8%) 11 (35,5%) 29 (40,3%)
5a8 2 (22,2%) 6 (18,8%) 8 (25,8%) 16 (22,2%)
9 e mais 2 (22,2%) 5 (15,6%) 4 (12,9%) 11 (15,3%)
Estado civil 0,074TF
Casado 1 (11,1%) 1 (3,1%) 4 (12,9%) 6 (8,3%)
Solteiro 1 (11,1%) 17 (53,1%) 13 (41,9%) 31 (43,1%)
Divorciado 1 (11,1%) 1 (3,1%) 5 (16,1%) 7 (9,7%)
Viúvo 6 (66,7%) 13 (40,6%) 9 (29,0%) 28 (38,9%)
Número de filhos 0,423TF
0a1 2 (22,2%) 4 (12,5%) 3 (9,7%) 9 (12,5%)
2a3 4 (44,4%) 9 (28,1%) 7 (22,6%) 20 (27,8%)
4 e mais 3 (33,3%) 19 (59,4%) 21 (67,7%) 43 (59,7%)
Trabalho 0,022TF
Sim 4 (44,4%) 4 (12,5%) 2 (6,5%) 10 (13,9%)
Não 5 (55,6%) 28 (87,5%) 29 (93,5%) 62 (86,1%)
Aposentadoria 0,083TF
Sim 6 (66,7%) 30 (93,8%) 27 (90,0%) 63 (88,7%)
Não 3 (33,3%) 2 (6,2%) 3 (10,0%) 8 (11,3%)
continua

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Eventos estressores e citocinas

Continuação da Tabela 3
0 a 2 eventos 3 e 4 eventos 5 e mais eventos
Variável Total p-valor
estressores de vida estressores de vida estressores de vida
Depressão 0,013 Qq
Sim 0 (0) 5 (16,7%) 13 (41,9%) 18 (25,7%)
Não 9 (100%) 25 (83,3%) 18 (58,1%) 52 (74,3%)
Sozinho 0,964Qq
Sim 3 (33,3%) 10 (31,2%) 9 (29,0%) 22 (30,6%) 8 de 12
Não 6 (66,7%) 22 (68,8%) 22 (71,0%) 50 (69,4%)
Cônjuge 0,332Qq
Sim 2 (22,2%) 16 (50,0%) 14 (45,2%) 32 (44,4%)
Não 7 (77,8%) 16 (50,0%) 17 (54,8%) 40 (55,6%)
Filhos 0,574TF
Sim 6 (66,7%) 15 (46,9%) 17 (54,8%) 38 (52,8%)
Não 3 (33,3%) 17 (53,1%) 14 (45,2%) 34 (47,2%)
Netos 0,561Qq
Sim 4 (44,4%) 10 (31,2%) 8 (25,8%) 22 (30,6%)
Não 5 (55,6%) 22 (68,8%) 23 (74,2%) 50 (69,4%)
Bisnetos 0,184TF
Sim 1 (11,1%) 2 (6,2%) 0 (0,0) 3 (4,2%)
Não 8 (88,9%) 30 (93,8%) 31 (100,0%) 69 (95,8%)
Outro parente 0,626TF
Sim 0 (0,0) 1 (3,1%) 3 (9,7%) 4 (5,6%)
Não 9 (100,0%) 31 (96,9%) 28 (90,3%) 68 (94,4%)
Amigo 0,724TF
Sim 1 (11,1%) 2 (6,2%) 3 (9,7%) 6 (8,3%)
Não 8 (88,9%) 30 (93,8%) 28 (90,3%) 66 (91,7%)
IQR: Intervalo interquartil; KW: Kruskal-wallis; Qq: Qui-quadrado; TF: Teste de Fisher.

Tabela 3. Fatores associados ao número de eventos estressores entre pessoas idosas longevas no Distrito Federal.
Variáveis Coeficiente (IC 95%) p-valor
IFN 0,34 (-0,21-0,89) 0,224
TNF -0,02 (-0,06-0,02) 0,406
IL-10 0,16 (-0,49-0,8) 0,624
IL-6 0,03 (-0,05-0,12) 0,428
IL-4 -0,66 (-1,3- -0,01) 0,046
IL-2 0 (-0,72-0,72) 1
Estado civil*
Solteiro -0,51 (-2,06-1,03) 0,508
Divorciado -0,23 (-2,08-1,62) 0,804
Viúvo -1,73 (-3,36- -0,11) 0,037
Depressão
Sim vs Não 1,35 (0,42-2,29) 0,005
* Referência para estado civil: ser casado; IC: Intervalo de Confiança.

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Eventos estressores e citocinas

Ao final, as variáveis que se demonstraram esse efeito foi evidente apenas em combinação com
estatisticamente significativas foram a IL-4, a uma disposição genética adicional que parece estar
viuvez e a depressão. Assim, quanto mais eventos ausente em determinada cepa de camundongos23.
estressores foram relatados, menor a contagem de
IL-4. Em relação à viuvez os dados mostraram que Já em estudo realizado por Lee et al. 24 em
quem é viúvo tem 1,63% menos eventos estressores camundongos submetidos a estresse por imobilização,
em comparação a quem é casado. Os dados ainda observou-se diminuição significativa na secreção
mostraram que quem apresentou rastreio positivo de IL-4 no tronco cerebral, em relação ao grupo 9 de 12
para depressão (pontuação GDS>5) tem 1,17% mais controle, e relação inversa entre a ativação dos
eventos estressores quando comparado a quem não componentes neuroendócrinos e neuronais primários
tem depressão. da resposta ao estresse e concentração de IL-4.

Essa interleucina foi descoberta pela primeira vez


DISCUSSÃO como fator secretado por células T, promovendo o
aumento da proliferação das células B estimuladas
O objetivo principal do presente estudo foi avaliar por anti-IgM em 198225. É agora reconhecida como
a relação entre as citocinas e eventos estressores em reguladora de uma ampla variedade de funções nas
pessoas idosas longevas, onde se observou relação células imunes como linfócitos Th2, basófilos,
significativa entre maior número de eventos e eosinófilos e mastócitos, tem receptores expressos
menores concentrações de IL-4. em muitos tipos de células, podendo estimular a
proliferação e diferenciação celular, regeneração de
Nossos resultados também demonstraram que tecidos e funções neurológicas25,26.
existe uma forte associação entre o número de eventos
estressores e presença de sintomas depressivos, A IL-4 é uma citocina reguladora por excelência,
observada em 25,7% da amostra. Fato semelhante desempenhando um vasto papel na função imune,
também observado em estudo realizado com 385 com funções anti-inflamatórias cada vez mais
pessoas idosas chinesas residentes na comunidade, reconhecidas26. No momento da sua descoberta,
onde foi observado que o aumento do número de pouco se imaginava quão ampla seria sua
eventos estressores de vida e menores níveis de funcionalidade, nem se previa a possibilidade de
resiliência foram significativamente associados a que bloquear seu receptor provasse ser uma estratégia
níveis mais altos de sintomatologia depressiva22. valiosa, como foi demonstrado com a eficácia da
criação de um medicamento para asma moderada a
O estresse pode se tornar ainda fator agravante grave e em dermatite atópica26.
para alterações imunológicas, em especial na velhice,
já caracterizada também pela imunossenescência. A ativação imunológica inflamatória tem sido
Dentre os mediadores inflamatórios analisados, frequentemente associada ao desenvolvimento da
a IL-4 apresentou associação inversamente depressão maior e a micróglia (células imunológicas
proporcional aos eventos estressores. cerebrais) pode servir como uma interface importante
na comunicação desse sistema com o cérebro. A IL-
Além das funções imunológicas anti-inflamatórias 4, principal citocina do tipo Th2, pode atuar como
já conhecidas, a IL-4 mostra indícios de relação protetora contra a depressão devido à capacidade
com comportamentos depressivos, como observado de regular negativamente processos inflamatórios
em pesquisa de Wachholz et al 23. Esses autores, e inibir a atividade transportadora de serotonina24.
usando interferon-α em ratos, observaram que uma
menor responsividade à IL-4 da micróglia estava Em relação ao estado civil, os viúvos
especificamente relacionada ao desenvolvimento de apresentaram menor número de eventos estressores
comportamento depressivo. Assim, a IL-4 parece quando comparado aos casados. Esse fato pode ser
estar relacionada à regulação do comportamento confrontado com resultado obtido por estudo de
depressivo em uma condição não tratada. Porém, Trevisan et al 27 que mostrou que, enquanto homens

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Eventos estressores e citocinas

idosos podem sofrer consequências negativas após Dada a alta frequência de mulheres na amostra,
a morte da companheira, as mulheres idosas viúvas o número de eventos apresentados, a relação desse
aparentaram ficar mais saudáveis. número com o estado conjugal e o relato de violência
evidenciam a necessidade de políticas públicas que
Apesar deste estudo não ter revelado em seus tenham como foco a proteção dos direitos das
resultados o estado civil dos participantes de acordo pessoas idosas, em especial da mulher.
com sexo masculino ou feminino, a maior parte
da amostra foi composta por mulheres, que em Além disso, um olhar mais cuidadoso dos 10 de 12
decorrência de funções sociais tradicionalmente profissionais de saúde na avaliação multidimensional
típicas como cuidadoras dos cônjuges e descendentes da pessoa idosa, de forma que se obtenham subsídios
assumindo tarefas domésticas com peso de para a implementação de programas e intervenções
“obrigação”, tendem a sofrer mais fadiga e ansiedade27. específicas que possam amenizar a percepção dos
eventos estressores vivenciados, identificando-
Vários estudos relacionam estresse emocional e os precocemente e fortalecendo mecanismos de
alterações no padrão imunológico, onde se destacam enfrentamento22,28 para uma velhice mais ativa
como mais estudadas as citocinas IL-1, IL-6 e e, inclusive, com menores danos decorrentes da
TNF-α28, entre os quais pode-se citar uma metanálise imunossenescência.
realizada por realizada por Black e Miller29, onde
observou-se níveis elevados de IL-1β e IL-6 em O presente estudo apresenta algumas limitações,
amostras cerebrais e sanguíneas após a morte de como o tamanho da amostra. Acreditamos que isso
pessoas com tendência suicida em comparação com se deve ao perfil dos idosos desse estudo (longevos)
controles saudáveis e sem suicídio e níveis de IL-8 e à dependência de terceiros para participarem das
menores no líquido cefalorraquidiano em indivíduos coletas de dados, onde muito idosos deixaram de
que exibem comportamento suicida. participar das etapas. Em relação ao estágio de
validação do Inventário de Eventos Estressores de
Entretanto, o número limitado de publicações de Vida, não foram encontradas publicações para a
estudos relacionando outras citocinas como a IL-4 população brasileira, apesar de já bastante utilizado
às alterações neurológicas em resposta ao estresse em pesquisas nessa população. Além disso, não foi
sugere ampla lacuna de conhecimento. Essa situação avaliado o nível de estresse atribuído a cada evento,
coloca em local de destaque pesquisas que investigam somente a presença ou não da ocorrência de cada
a temática em populações específicas como esta, evento estressor. Não foram encontrados na literatura
com enfoque para populações idosas. estudos parecidos em seres humanos relacionando
especificamente a IL-4 a eventos estressores, por esse
O inflammaging possui grande impacto para motivo consideramos que o presente estudo ganha
a pessoa idosa, culminando em níveis basais de grande relevância por se tratar de temática ainda
citocinas pró-inflamatórias aumentadas10-12,15, com pouco estudada e pela necessidade de apresentar
alterações inda mais intensas com o avançar da dados de pessoas idosas com idade média superior
idade, em especial na faixa etária estudada, fato a oitenta anos no Brasil.
observado nos níveis elevados de dosagem dessas
citocinas na amostra.
CONCLUSÃO
O desequilíbrio na produção de citocinas pode
ainda ser exacerbado pela presença de eventos A realização deste estudo permitiu verificar a
com potencial estressor, que podem atuar como relação entre a presença de eventos estressores e
potencializadores da atividade inflamatória9. No biomarcadores inflamatórios, onde se destacou
presente estudo, foi observada uma relação entre a diminuição da IL-4, que possui função anti-
menores concentrações de IL-4 e maior número de inflamatória, com o aumento do número de eventos.
eventos estressores. Assim, nota-se a relevância na continuidade de

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Eventos estressores e citocinas

estudos que aprofundem a relação entre essa citocina Compreende-se, portanto, a necessidade de
e os aspectos psicológicos, especialmente em pessoas acolhimento e acompanhamento por parte dos
idosas longevas. profissionais de saúde na prática clínica que leve em
consideração os eventos com potencial estressor para
Ao conhecer a frequência dos eventos foi criação de um arcabouço que os auxilie a conviver
possível verificar relação com maior frequência de ou mesmo superar, favorecendo a resiliência.
sintomas depressivos e menor risco a esses eventos
entre as pessoas idosas viúvas quando comparadas O investimento público em estratégias de 11 de 12
com as casadas. enfrentamento e criação de redes de apoio como
ação de promoção à saúde pode otimizar os recursos
Os resultados trazem contribuições importantes em saúde pública, pelo potencial de amenizar os
para o desenvolvimento de políticas públicas para danos decorrentes dos efeitos negativos relacionados
melhoria da qualidade de vida da população idosa, à imunossenescência.
como a evidência da importância da investigação
dos eventos estressores nessa população. Editado por: Maria Luiza Diniz de Sousa Lopes

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Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2):e210016

Artigos Originais / Original Articles


Rastreamento do risco de sarcopenia em adultos com 50 anos ou mais
hospitalizados

Screening the risk of sarcopenia in adults aged 50 years or older hospitalized


1 de 11

Mara Rubia Areco Cristaldo1 ID

Valdete Regina Guandalini2 ID

Sheilla de Oliveira Faria3 ID

Maria Claudia Bernardes Spexoto4 ID

Resumo
Objetivo: Rastrear o risco de sarcopenia em indivíduos hospitalizados por meio dos
instrumentos SARC-F e SARC-Calf e verificar a associação entre o risco de sarcopenia
com as variáveis sociodemográficas, clínicas e as variáveis que compõem o fenótipo de
sarcopenia. Métodos: Trata-se de um estudo transversal. Características sociodemográficas,
clínicas e todas as variáveis que compõem o fenótipo de sarcopenia (força de prensão
palmar, massa muscular e velocidade de marcha) foram investigadas. Para o rastreamento
e diagnóstico da sarcopenia adotou-se o algoritmo e critérios propostos pelo European
Working Group on Sarcopenia in Older People (EWGSOP2). Resultados: Participaram 90
indivíduos. A maioria encontrava-se sem sinais sugestivos de sarcopenia, tanto pelo
SARC-F (58,9%) quanto pelo SARC-Calf (68,9%), com força de preensão palmar (FPP) Palavras-chave:
(28,59±9,21;26,74±10,60) e índice de massa muscular esquelética apendicular (IMMEA) Sarcopenia. Programas
(9,31±1,78;9,58±1,62) normais e com baixa velocidade de marcha (VM) (0,69±0,26; de Triagem Diagnóstica.
0,68±0,44), respectivamente. O SARC-F apresentou associação significativa com as Massa Muscular.
variáveis sexo ( p=0,032), FPP ( p<0,001), VM ( p=0,001) e sarcopenia ( p<0,001). Quando
da adição da circunferência da panturrilha (CP), foi encontrado associação com as
variáveis grupo etário ( p=0,029), atividade laboral ( p=0,008), FPP ( p<0,001), IMMEA
( p=0,033), VM ( p=0,019) e sarcopenia ( p<0,001). Conclusão: O risco de sarcopenia foi
observado em aproximadamente um terço dos pacientes avaliados. Sugere-se o uso
rotineiro nos hospitais da ferramenta de rastreamento de sarcopenia SARC-Calf, uma
vez que apresentou associação com os três fatores preditivos da sarcopenia, além de

1
Universidade Federal da Grande Dourados, Faculdade de Ciências da Saúde. Dourados, MS, Brasil.
2
Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Educação Integrada em Saúde do Centro de
Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Saúde. Vitória, ES, Brasil.
3
Universidade de São Paulo, Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina FMUSP. Sao
Paulo, SP, Brasil
4
Universidade Federal da Grande Dourados, Faculdade de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação
em Alimentos, Nutrição e Saúde. Dourados, MS, Brasil.

Os autores declaram não haver conflito na concepção deste trabalho.


Não houve financiamento para a execução deste trabalho.

Correspondência/Correspondence
Maria Claudia Bernardes Spexoto Recebido: 28/01/2021
mariaspexoto@ufgd.edu.br Aprovado: 18/06/2021

http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562021024.210016
Risco de sarcopenia em um hospital público brasileiro

ser um instrumento de aplicação ágil, baixo custo e não invasivo. A investigação do


diagnóstico da sarcopenia deve ser encorajada na prática clínica.

Abstract
Objective: To screen the risk of sarcopenia in hospitalized individuals using the SARC-F and
SARC-Calf instruments and verify the association between the risk of sarcopenia with the
sociodemographic and clinical variables and those that make up the sarcopenia phenotype.
Methods: This is a cross-sectional study. Sociodemographic, clinical characteristics, 2 de 11
and all variables (handgrip strength, muscle mass and gait speed) that construct the
sarcopenia phenotype were investigated. For the screening and diagnosis of sarcopenia,
the algorithm, and criteria proposed by the European Working Group on Sarcopenia
in Older People (EWGSOP2). Results: A total of 90 individuals participated. Most
were without risk of sarcopenia, both by SARC-F (58.9%) and by SARC-Calf (68.9%),
Keywords: Sarcopenia.
with normal handgrip strength (HGS) (28.6±9.2; 26.7±10.6) and appendicular skeletal Diagnostic Screening
muscle mass index (ASMI) (9.3±1.78; 9.6±1.6) and with low gait speed (GS) (0.69±0.26; Programs. Muscle Mass.
0.68±0.4), respectively. SARC-F showed a significant association with the variables gender
( p=0.032), HGS ( p<0.001), GS ( p=0.001) and sarcopenia ( p<0.001). When adding the
calf circumference (CC), an association was found with the variables age group ( p=0.029),
work activity ( p=0.008), HGS ( p<0.001), ASMI ( p=0.033), GS ( p=0.019) and the
sarcopenia ( p<0.001). Conclusion: The risk of sarcopenia was observed in approximately
one-third of the evaluated patients. It is suggested the routine use in hospitals of the
sarcopenia screening tool SARC-Calf, since it was associated with the three predictive
factors of sarcopenia, in addition,it is an instrument of agile application, low cost and
non-invasive. When a possible, investigation of the diagnosis of sarcopenia should be
encouraged in clinical practice.

INTRODUÇÃO para rastreamento ágil e inicial. São cinco elementos


que avaliam força e função muscular (força,
De acordo com European Working Group on capacidade de andar, levantar-se de uma cadeira,
Sarcopenia in Older People (EWGSOP2), a sarcopenia subir escadas e números de quedas)2,3.
é caracterizada pela redução da força muscular
e pela redução quali e/ou quantitativa da massa Esse questionário foi o primeiro instrumento
muscular. Uma vez diagnosticada a sarcopenia, a utilizado para triagem de sarcopenia e é capaz de
avaliação de funcionalidade/desempenho físico é predizer prejuízo funcional, hospitalização, qualidade
recomendada para verificar a severidade da doença de vida e morte precoce2,4,5, além de ser considerado
muscular sarcopenia. Idoso sarcopênico com baixo um instrumento eficaz para prever resultados
desempenho físico ou baixa capacidade funcional é referente à possível recuperação da sarcopenia e
diagnosticado com sarcopenia severa1. promover subsídios e informações para contribuir
com as ações terapêuticas precoces 6 . Embora
O rastreamento da sarcopenia deve ser realizado possua alta especificidade, ou seja, diagnostica
quando o paciente relata espontaneamente sinais e corretamente os indivíduos sem risco de sarcopenia,
sintomas referentes às consequências da sarcopenia sua sensibilidade é baixa, podendo negligenciar o
como queda, sensação de fraqueza, velocidade de diagnóstico de pessoas com sarcopenia7,8.
marcha lenta, dificuldade de sentar e/ou levantar
de uma cadeira ou perda de peso/massa muscular Afim de obter melhores resultados, Barbosa-Silva
involuntária, ou deve ser realizado na forma de et al.9 propuseram incorporar ao questionário original
rastreio populacional1. a medida da circunferência da panturrilha (CP), com o
objetivo de proporcionar uma avaliação mais criteriosa
O EWGSOP2 propôs a utilização do questionário da função muscular e perda de massa magra. O SARC-
SARC-F (simple questionnaire to rapidly diagnose sarcopenia) Calf pode ser um instrumento mais aconselhável

Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2):e210016


Risco de sarcopenia em um hospital público brasileiro

para o rastreamento da sarcopenia9. A adição da CP para avaliação da força da mão direita, incapazes
no SARC-F mostrou-se efetivo para o diagnóstico de deambular, com deficit cognitivo, doenças
do SARC-F, principalmente quanto a sensibilidade neurodegenerativas ou disfunções psiquiátricas
e acurácia diagnóstica geral desse instrumento10. A graves confirmadas em prontuário médico, além de
CP pode ser ferramenta útil para mensurar a massa pacientes indígenas pois trata-se de uma população
muscular1,11,12 e oferece aos profissionais da saúde que requer trâmites éticos particulares e no hospital
alternativas para rastrear e diagnosticar a sarcopenia em questão não há distinção de leitos para internação
em diferentes âmbitos hospitalares1. desses indivíduos. 3 de 11

No Brasil foram encontrados três estudos13–15 que Houve recusas por motivo de dispneia,
abordaram o uso desses instrumentos e consideraram desconforto abdominal, dor, ansiedade e nervosismo,
as características sociodemográficas, clínicas e o fraqueza, sonolência e por estar próximo ao horário
fenótipo de sarcopenia de pacientes hospitalizados, da medicação. Assim, a amostra final foi composta
sendo um deles com amostra de pacientes com por 90 pacientes.
cãncer14. Entretanto, não foi observado estudos que
tenham conduzido uma comparação dos escores As variáveis sociodemográficas (idade, estado
(pontuações) de ambos os instrumentos segundo civil, presença de atividade laboral e classe econômica
tais características. distribuídas nos estratos A, B, C e DE de acordo com as
estimativas de renda domiciliar mensal propostas pelo
Frente ao exposto, os objetivos deste estudo Critério de Classificação Econômica Brasil – ABEP)16,
foram rastrear o risco de sarcopenia em indivíduos foram obtidas por meio de entrevista e as variáveis
hospitalizados por meio dos instrumentos SARC-F clínicas (referentes à doença) obtidas por consulta
e SARC-Calf e verificar a associação entre o risco ao prontuário médico. O grupo etário foi definido
de sarcopenia com as variáveis sociodemográficas, por adultos e idosos (com idade igual ou superior a
clínicas e as variáveis que compõem o fenótipo de 60 anos). Como variáveis clínicas considerou-se a
sarcopenia. presença de doenças crônicas pregressas, classificadas
em três categorias: nenhuma; 1 a 2; 3 ou mais.

MÉTODOS Para a avaliação antropométrica foram incluídas


as medidas de peso atual (kg), estatura (cm) e
Estudo transversal com delineamento amostral circunferência da panturrilha (CP). O peso, a estatura
não probabilístico de amostragem por conveniência, e a CP foram aferidos segundo Lohman et al.17.
realizado em um Hospital Universitário do Brasil de
abril de 2019 a março de 2020. O rastreamento do risco de sarcopenia foi obtido
pelos instrumentos SARC-F e SARC-Calf em suas
Tratou-se de um censo com todos os pacientes versões propostas na língua portuguesa por Barbosa
elegíveis no período do estudo. Um total de 122 e Silva et al.9. O SARC-F avalia cinco critérios: força,
pacientes, que atendiam os critérios de elegibilidade, assistência a caminhada, levantar da cadeira, subir
foram convidados a participar deste estudo. Definiu- escadas e quedas, pontuadas em uma escala de 0
se como critérios de inclusão: pacientes admitidos a 2 pontos. Uma pontuação ≥4 pontos (máximo
nas unidades de internação cirúrgica e clínica nas de 10) indica risco de sarcopenia2,3. O SARC-Calf
primeiras 48 horas, de ambos os sexos, com idade compreende os cincos itens do SARC-F com o
igual ou superior a 50 anos, capazes de responder adicional da CP. A CP recebe pontuação 0 se seu
aos instrumentos e questionários. Também foram valor for superior ao ponto de corte e pontuação 10
incluídos pacientes capazes de realizar o teste de se seu valor for igual ou inferior ao ponto de corte.
velocidade de marcha e aptos para realização da Uma pontuação de ≥11 pontos (máximo de 20) é
avaliação antropométrica. sugestivo para sarcopenia9.

Foram excluídos pacientes em isolamento Para caracterização da sarcopenia foi utilizado


respiratório por aerossóis, com edema ou restrição o algoritmo sugerido pelo EWGSOP21, incluindo

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Risco de sarcopenia em um hospital público brasileiro

três parâmetros: força muscular, massa muscular e Esta pesquisa obedeceu às normas e diretrizes
desempenho físico. das Boas Práticas Clínica de acordo com a Resolução
CNS 466/2012 e foi aprovada pelo Comitê de Ética
A força muscular foi avaliada por meio da força de em Pesquisa (CEP) para seres humanos sob parecer
preensão palmar (FPP), através de um dinamômetro de número 4.078.472.
manual hidráulico. O teste foi realizado somente na
mão direita com o indivíduo sentado, pés apoiados Realizou-se estatística descritiva, utilizando média
no chão, com o braço junto ao tórax, cotovelo fletido e desvio-padrão para as contínuas, e percentuais para 4 de 11
a 90º sem estar apoiado. A tomada da medida foi as variáveis categóricas. Para o estudo de comparação
feita em triplicata, com intervalo de 1 (um) minuto dos escores médios do SARC-F e SARC-Calf segundo
entre as medidas, e considerada a medida de maior as variáveis sociodemográficas, clínicas e fenótipo
valor para o resultado. O ponto de corte adotado foi de sarcopenia utilizou-se Análise de Variância
o proposto pelo EWGSOP2 de acordo com o sexo (ANOVA). Diante da violação do pressuposto de
(homens: <27kg/f; mulheres: <16kg/f)1. homocedasticidade utilizou-se correção de Welch e
utilizou-se como pós-teste o Games-Howell. Para a
A massa muscular foi determinada por meio da
comparação das médias das variáveis contínuas entre
equação preditiva de massa muscular corporal total
adultos e idosos utilizou-se o teste t de Student. O teste
(Equação 1) proposta por Lee et al.18. O índice de
qui-quadrado (χ2) foi utilizado para as associações de
massa muscular esquelética apendicular (IMMEA)
interesse. A análise de dados foi realizada com auxílio
foi computado utilizando o valor obtido na equação
do programa IBM SPSS Statistics (v.22, SPSS An IMB
de Lee sobre a altura ao quadrado e classificados
Company, Chicago, IL), com nível de significância
com baixa massa muscular os indivíduos com <7,0
de 5% para todos os testes.
kg/m² para homens e <5,5 kg/m² para mulheres.

MMEA = (0,244 x peso) + (7,8 x altura) + (6,6 x sexo) -


(0,098 x idade) + (etnia - 3,3) RESULTADOS
Equação preditiva de massa muscular Participaram deste estudo 90 indivíduos
esquelética total
hospitalizados, adultos e idosos, com médias de idade
(MMEA: massa muscular esquelética apendicular)
iguais a 55,0±3,2 e 69,9±7,9 anos respectivamente.
O desempenho físico foi avaliado por meio Houve predomínio de pessoas idosas (70,0%),
do teste de velocidade de marcha (VM)9,19,20. Foi indivíduos do sexo masculino (56,7%), com atividade
solicitado ao indivíduo que caminhasse no seu laboral ausente (70,5%), casados (68,9%), pertence à
ritmo habitual por uma distância de quatro metros, classe econômica C (72,2%), raça branca (62,2%) e
previamente demarcada com o uso de uma faixa preta hospitalizados para procedimento cirúrgico (58,8%).
de tecido inelástico de 4 metros colocado em corredor A maioria dos pacientes possuía de 1 a 2 doenças
plano, e, em seguida, anotado o tempo gasto utilizado crônicas pregressas (60,0%). A maioria dos indivíduos
para completar o percurso, com o auxílio de um (57,8%) apresentou FPP normal. Em contrapartida,
cronômetro. Adotou-se ponto de corte proposto pelo a baixa VM foi predominante (80,2%). A maioria
EWGSOP2, que considera como velocidade ≤0,8 dos indivíduos apresenta-se ausência de sarcopenia
m/s como um indicador de sarcopenia grave1,19,20. (57,8%) (Tabela 1).

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Risco de sarcopenia em um hospital público brasileiro

Tabela 1. Caracterização dos participantes (N=90) e valores médios dos scores do instrumentos SARC-F e
SARC-Calf. Dourados, MS, 2020.
Variáveis n (%) SARC-F p valor# SARC-Calf p valor#
Sociodemográficas
Sexo 0,017* 0,931
Masculino 51 (56,7) 2,39±2,58 6,90±5,99
Feminino 39 (43,3) 3,74±2,63 6,79±5,50 5 de 11
Grupo etário 0,114 0,033*
Adulto 27 (30,0) 2,30±2,54 4,89±4,98
Idoso 63 (70,0) 3,27±2,70 7,70±5,89
Atividade laboral 0,009* 0,001*
Ausente 62 (70,5) 3,45±2,80 8,27±5,68
Presente 26 (29,5) 1,81±2,10 3,73±4,79
Estado civil 0,352 0,648
Solteiro(a) 8 (8,9) 3,25±2,81 8,25±6,71
Casado(a) 62 (68,9) 2,66±2,84 6,35±5,71
Viúvo(a) 12 (13,3) 4,08±2,23 8,25±5,71
Desquitado(a)/divorciado(a) 8 (8,9) 3,50±1,31 7,25±5,73
Classe econômica** 0,021* 0,041*
Classe A 3 (3,3) 0,33±0,58 a, b
0,33±0,58 a

Classe B 9 (10,0) 1,22±1,64 a, b 3,44±5,10 a,b


Classe C 65 (72,2) 3,11±2,73 a, b 7,40±5,54 b
Classes D e E 13 (14,4) 4,15±2,44 a, c 8,00±6,48 b
Raça/Cor 0,214 0,597
Branca 56 (62,2) 3,36±2,83 7,29±5,81
Parda 32 (35,6) 2,31±2,32 6,03±5,77
Preta 2 (2,2) 3,00±2,83 8,00±4,24
Clínicas 0,056 0,248
Doença crônica pregressa
Nenhuma 26 (28,9) 3,62±2,98 7,46±5,98
1 a 2 doenças crônicas 54 (60,0) 2,44±2,25 6,13±5,63
3 ou mais doenças crônicas 10 (11,1) 4,20±3,46 9,20±5,55
Fenótipo de Sarcopenia
Força de preensão palmar (FPP) <0,001* <0,001*
Normal 52 (57,8) 2,00±2,34 4,87±4,92
Baixa força muscular 37 (41,1) 4,41±2,52 9,81±5,64
Índice de massa muscular esquelética 0,015 0,007
apendicular (IMMEA)
Normal 88 (97,8) 2,88±2,62 6,61±5,58
Baixa massa muscular 2 (2,2) 7,50±0,71 17,50±0,71
Velocidade de marcha (VM) 0,018* 0,002*
Normal 17 (19,8) 1,59±2,26 2,76±3,99
Baixa velocidade de marcha 69 (80,2) 3,30±2,69 7,49±5,68
continua

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Risco de sarcopenia em um hospital público brasileiro

Continuação da Tabela 1
Variáveis n (%) SARC-F p valor# SARC-Calf p valor#
Sarcopenia† <0,001* <0,001*
Não sarcopênico 52 (57,8) 2,00±2,34 a
4,87±4,92 a

Provável sarcopenia 35 (38,9) 4,23±2,47 b


9,37±5,48 b
Sarcopenia confirmada - - -
Sarcopenia severa 2 (2,2) 7,50±0,71 b 17,50±0,71 b
6 de 11
* Diferença estatística significativa (p<0,05); letras iguais indicam semelhança estatística; ** Renda média domiciliar: A = R$ 25.554,33;
a, b, c

B = R$ 5.641,64 a 11.279,14; C = R$ 1.748,59 a 3.085,48; D e E= R$ 719,81; † Para a determinação da sarcopenia todos os indivíduos foram
considerados com suspeita clínica de acordo com o EWGSOP2; # Análise de Variância (ANOVA) com correção de Welch.

Com relação aos valores médios dos instrumentos significativas em relação ao peso atual ( p=0,039) e
de acordo com as características sociodemográficas, CP ( p=0.019) e pontuação do SARC-Calf ( p=0,033).
clinicas e fenótipo de sarcopenia, para o SARC-F,
diferenças estatisticamente significativas foram A Tabela 3 mostra que o risco de sarcopenia
observadas para sexo ( p=0,017) e atividade laboral foi observado em aproximadamente um terço dos
( p=0,009) e classe econômica ( p=0,021). Notou- pacientes avaliados, tanto pelo SARC-F (41,1%)
se diferenças estatisticamente significativas para quanto pelo SARC-Calf (31,1%). Diferença estatística
as variáveis FPP (p<0,001), IMMEA (p=0,015), foi encontrada na comparação dos instrumentos
VM ( p=0,018) e sarcopenia ( p≤0,001). Já para o ( p=0,038).
instrumento SARC-Calf, diferenças significativas
foram observadas para as variáveis grupo etário Com relação a associação entre os instrumentos
( p=0,033), atividade laboral ( p=0,001) e classe propostos para o rastreamento do risco de sarcopenia
econômica ( p=0,041). Diferenças significativas e as variáveis de interesse deste estudo, o SARC-F
também foram encontradas entre o SARC-Calf e apresentou associação significativa com as variáveis
FPP ( p<0,001), IMMEA ( p=0,007), VM ( p=0,002) sexo ( p=0,032), FPP ( p<0,001), VM ( p=0,001) e
e sarcopenia ( p<0,001) (Tabela 1). sarcopenia ( p<0,001). Quando da adição da CP, foi
encontrada uma associação com as variáveis grupo
A Tabela 2 apresenta as médias e desvio padrão etário (p=0,029), atividade laboral ( p=0,008), FPP
das variáveis investigadas segundo o grupo etário ( p<0,001), IMMEA ( p=0,033), VM ( p=0,019) e
dos participantes. Foram verificadas diferenças sarcopenia ( p<0,001) (Tabela 4).

Tabela 2. Medidas de resumo das variáveis investigadas segundo o grupo etário dos participantes. Dourados,
MS, 2020.
  Média (DP)  
Variáveis Adultos (n=27) Idosos (n=63) p valor*
Peso atual (kg) 77,12±18,29 69,13±15,76 0,039*
Altura (m) 1,63±0,10 1,61±0,11 0,334
Índice de massa corporal (kg/m ) 2
28,86±6,30 26,76±6,16 0,146
Força de preensão palmar - mão direita (kg) 25,73±10,98 23,07±10,53 0,289
Circunferência da Panturrilha (cm) 36,65±4,64 34,25±4,26 0,019*
Velocidade de marcha (metros/segundos) 0,63±0,22 0,61±0,45 0,829
Pontuação SARC-F 2,30±2,54 3,27±2,70 0,114
Pontuação SARC-Calf 4,89±4,98 7,70±5,89 0,033*
*
Teste t.

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Risco de sarcopenia em um hospital público brasileiro

Tabela 3. Risco de sarcopenia utilizando os instrumentos SARC-F e SARC-Calf. Dourados, MS, 2020.
SARC-F SARC-Calf
Triagem de risco de sarcopenia p valor*
n (%) n (%)
Sem sinais sugestivos de sarcopenia 53 (58,9) 62 (68,9) 0,038
Sugestivo de sarcopenia 37 (41,1) 28 (31,1)
* Teste qui-quadrado.
7 de 11

Tabela 4. Relação entre os instrumentos SARC-F e SARC-Calf e as variáveis sociodemográficas, clínicas e do


fenótipo de sarcopenia. Dourados, MS, 2020.
SARC-F SARC-Calf
Variáveis Não Sugestivo p*** Não Sugestivo p***
sugestivo sugestivo
Sociodemográficas
Sexo 0,032* 0,603
Masculino 35 (68,6) 16 (31,4) 34 (66,7) 17 (33,3)
Feminino 18 (46,2) 21 (53,8) 28 (71,8) 11 (28,2)
Grupo etário 0,147 0,029*
Adulto 19 (70,4) 8 (29,6) 23 (85,2) 4 (14,8)
Idoso 34 (54,0) 29 (46,0) 39 (61,9) 24 (38,1)
Atividade laboral 0,084 0,008*
Ausente 33 (53,2) 29 (46,8) 37 (59,7) 25 (40,3)
Presente 19 (73,1) 7 (26,9) 23 (88,5) 3 (11,5)
Estado civil 0,226 0,404
Solteiro(a) 5 (62,5) 3 (37,5) 4 (50,0) 4 (50,0)
Casado(a) 40 (64,5) 22 (35,5) 46 (74,2) 16 (25,8)
Viúvo(a) 4 (33,3) 8 (66,7) 7 (58,3) 5 (41,7)
Desquitado(a)/divorciado(a) 4 (50,0) 4 (50,0) 5 (62,5) 3 (37,5)
Classe econômica** 0,129 0,309
Classe A 3 (100,0) - 3 (100,0) -
Classe B 7 (77,8) 2 (22,2) 8 (88,9) 1 (11,1)
Classe C 38 (58,5) 27 (41,5) 43 (66,2) 22 (33,8)
Classes D e E 5 (38,5) 8 (61,5) 8 (61,5) 5 (38,5)
Raça/Cor 0,621 0,781
Branca 31 (55,4) 25 (44,6) 38 (67,9) 18 (32,1)
Parda 21 (65,6) 11 (34,4) 23 (71,9) 9 (28,1)
Preta 1 (50,0) 1 (50,0) 1 (50,0) 1 (50,0)
Clínicas
Doença crônica pregressa 0,376 0,808
Nenhuma 13 (50,0) 13 (50,0) 18 (69,2) 8 (30,8)
1 a 2 doenças crônicas 35 (64,8) 19 (35,2) 38 (70,4) 16 (29,6)
3 ou mais doenças crônicas 5 (50,0) 5 (50,0) 6 (60,0) 4 (40,0)
continua

Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2):e210016


Risco de sarcopenia em um hospital público brasileiro

Continuação da Tabela 4
SARC-F SARC-Calf
Variáveis Não Sugestivo p*** Não Sugestivo p***
sugestivo sugestivo
Fenótipo de Sarcopenia
Força de preensão palmar (FPP) <0,001* <0,001*
Normal 41 (78,8) 11 (21,2) 44 (84,6) 8 (15,4)
Baixa força muscular 11 (29,7) 26 (70,3) 17 (45,9) 20 (54,1) 8 de 11
Índice de massa muscular esquelética 0,087 0,033*
apendicular (IMMEA)
Normal 53 (60,2) 35 (39,8) 62 (70,5) 26 (29,5)
Baixa massa muscular - 2 (100,0) - 2 (100,0)
Velocidade de marcha (VM) 0,001* 0,019*
Normal 16 (94,1) 1 (5,9) 16 (94,1) 1 (5,9)
Baixa velocidade de marcha 35 (50,7) 34 (49,3) 45 (65,2) 24 (34,8)
Sarcopenia <0,001* <0,001*
Ausente 41 (78,8) 11 (21,2) 44 (84,6) 8 (15,4)
Provável sarcopenia 11 (31,4) 24 (68,6) 17 (48,6) 18 (51,4)
Sarcopenia confirmada - - - -
Sarcopenia severa - 2 (100,0)   - 2 (100,0)  
* Diferença estatística significativa (p<0,05); ** Renda média domiciliar: A = R$ 25.554,33; B = R$ 5.641,64 a 11.279,14; C = R$ 1.748,59 a
3.085,48; D e E= R$ 719,81;*** Teste qui-quadrado.

DISCUSSÃO de sarcopenia no grupo de pessoas idosas quando


avaliados pelo SARC-Calf. Com o envelhecimento
Aproximadamente um terço dos indivíduos que ocorre a redução significativa dos níveis de
foram hospitalizados para cuidados clínicos ou testosteronas e fator de crescimento semelhante à
cirúrgicos, no período da investigação, apresentam- insulina-1, corroborando para o declínio de massa
se com risco de sarcopenia, sendo este maior e provável sarcopenia nos homens21. Similarmente,
utilizando-se o instrumento SARC-F. Esperava-se mulheres apresentam declínio de massa e
encontrar maior risco pelo SARF-Calf, pois este provável sarcopenia durante os estágios iniciais
instrumento é mais sensível9. No entanto, a maioria da menopausa devido a significativa redução do
dos indivíduos da nossa amostra apresentou CP hormônio estrogênio22. Além disso, a diminuição de
normal, o que pode ter influenciado nossos achados. andrógenos de ação anabólica pode explicar a maior
Rolland et al.11 encontraram correlação da CP com prevalência de mulheres com risco de sarcopenia23.
a massa muscular esquelética, utilizando o valor de Deve-se considerar que foram incluídos neste estudo
CP < 31,0 cm. Ainda, as medidas de FPP, VM e a indivíduos com idade igual ou superior a 50 anos, o
sarcopenia apresentaram associação com os dois que reforça esse resultado.
instrumentos. Segundo Malmstrom et al.2, é esperada
a associação do SARC-F com função muscular, sendo Indivíduos com ausência de atividade laboral,
um instrumento adequado para identificar indivíduos independente da adição da perda de massa muscular
com fraqueza muscular passível de tratamento. ao SARC-F, apresentaram-se com pontuações
superiores aos indivíduos que possuem atividade de
Mulheres apresentaram em média uma pontuação trabalho. Segundo Rom et al.24, pessoas aposentadas
superior à dos homens no SARC-F, mas quando geralmente ficam inativas e são mais sedentárias,
considerada a massa muscular não houve diferença sendo um dos fatores de risco mais importante para
entre as pontuações. Encontramos risco aumentado diminuição da função física em pessoas idosas25. Em

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Risco de sarcopenia em um hospital público brasileiro

contrapartida, as limitações funcionais interferem área, especialmente com a população idosa, que deve
na realização das atividades laborais, além disso ser cuidadosamente assistida durante o período de
indivíduos com maior idade tendem a ter encerrado internação. Encorajamos que estudos prospectivos
as suas atividades laborais devido a aposentadoria. sejam realizados para que relações de causa e efeito
possam ser estabelecidas. Ainda, sugerimos que
Independentemente do instrumento utilizado, as futuras pesquisas sejam conduzidas com uma amostra
pontuações médias foram superiores nos indivíduos ampliada de indivíduos hospitalizados, clínicos e
com baixa força muscular, baixa massa muscular e cirúrgicos, para fortalecer as análises e comparações 9 de 11
baixo desempenho físico. Cabe ressaltar que esses e permitir resultados mais robustos.
achados que são importantes preditivos da ocorrência
da sarcopenia, e que nesse ponto os dois instrumentos Este trabalho possui a limitação de ser um estudo
foram discriminantes e obtiveram diferenças transversal, o que limita a relação causal. No entanto
significantes na avaliação do risco de sarcopenia. nossos achados, poderão contribuir para a prática
clínica do nutricionista e demais profissionais da
Na população investigada, mulheres, os indivíduos
área da saúde. Sabe-se que a ressonância magnética,
com baixa força muscular e os com baixo desempenho
Dual-energ y X-ray Absorptiometry (DEX A) ou
físico apresentaram maior risco de sarcopenia.
bioimpendância elétrica são considerados métodos
Estes achados reafirmam a alta especificidade do
mais precisos para avaliação da massa muscular
SARC-F, que permite avaliar somente a função
esquelética. No entanto, a aplicação desses métodos
muscular (força e desempenho físico)9. Os achados
pode ser onerosa ou difícil de se utilizar em pesquisas
reforçam a utilidade do SARC-F para a mensuração
com pacientes internados em hospitais públicos, por
da função muscular e para o rastreio de provável
sarcopenia em indivíduos hospitalizados. Quando isso optou-se pela utilização da equação preditiva
adicionado a CP ao instrumento, a atividade laboral para estimativa da MMEA. Como tratou-se de um
e o IMMEA também foram variáveis significativas. censo com todos os pacientes elegíveis no período
Pode-se especular que de fato o incremento do do estudo pode ter ocorrido um possível viés de
instrumento com CP possibilita-nos a avaliar função seleção, havendo a tentativa de minizá-los com boa
e perda da massa muscular9. Segundo Peixoto et condução do estudo e análise dos dados.
al.26, a CP está positivamente associada com a massa
muscular, sendo um instrumento capaz de mensurar
a quantidade muscular. CONCLUSÃO

No presente estudo, pudemos observar que O risco de sarcopenia foi observado em


independente do instrumento utilizado as maiores aproximadamente um terço dos pacientes avaliados.
médias de pontuações foram encontradas em Os instrumentos SARC-F e SARC-Calf apresentaram
indivíduos pertencente a classe econômica mais baixa. associação com a FPP e VM, além do diagnóstico de
Fatores socioeconômicos, como a falta de escolaridade, sarcopenia, podendo ser considerados satisfatórios
refletem na funcionalidade das pessoas idosas, para avaliar função e força muscular em adultos com
podendo ser quase três vezes mais dependentes na idade ≥50 anos hospitalizados. Indivíduos do sexo
vida cotidiana do que indivíduos alfabetizados27. Além feminino, sem atividade laboral e pessoas idosas
disso, são bem conhecidos os desfechos desfavoráveis parecem apresentar maior risco de sarcopenia e,
em idosos sarcopênicos após a admissão hospitalar. portanto, devem receber maior atenção durante
A hospitalização, devido a uma combinação de hospitalização.
carga inflamatória aguda e desuso muscular, leva
a um declínio agudo da massa e função muscular, Houve diferença estatísticamente significante
contribuindo para que alguns indivíduos atendam entre os instrumentos no rastreamento do risco
aos critérios de sarcopenia de forma aguda28. de sarcopenia. Nossos achados sugerem o uso do
SARC-Calf na prática clínica para o rastreamento
Os resultados deste estudo chamam a atenção do risco de sarcopenia em adultos e idosos, pois o
para a necessidade de ampliar as investigações nessa mesmo apresentou associação com o IMMEA, além

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Risco de sarcopenia em um hospital público brasileiro

dos outros fatores preditivos FPP e VM. Isso reforça AGRADECIMENTOS


ainda mais o uso da medida da CP nessa população.
Encontrar possíveis casos de sarcopenia em hospitais Os autores agradecem o apoio da Universidade
públicos por meio de uma avaliação simples, rápida, Federal da Grande Dourados (UFGD) e a permissão
de baixo custo e não invasiva, pode contribuir para de todos os participantes.
a minimização dos desfechos negativos durante a
internação, como a sarcopenia aguda. Editado por: Maria Helena Rodrigues Galvão
10 de 11

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Artigos Originais / Original Articles


Prevalência e fatores associados à polifarmácia excessiva em pessoas
idosas institucionalizadas do Sul do Brasil

Prevalence and factors associated with excessive polypharmacy in institutionalized older people in
southern Brazil
1 de 12

Andréia Mascarelo1 ID

Emanuelly Casal Bortoluzzi1 ID

Siomara Regina Hahn2 ID

Ana Luisa Sant’Anna Alves1 ID

Marlene Doring1 ID

Marilene Rodrigues Portella1 ID

Resumo
Objetivo: Verificar a prevalência e os fatores associados à polifarmácia excessiva em pessoas
idosas institucionalizadas. Método: Estudo transversal com 478 pessoas idosas residentes
em instituições de longa permanência para idosos. A variável dependente foi polifarmácia
excessiva, definida como o uso concomitante de dez ou mais medicamentos. As variáveis
independentes incluíram informações sociodemográficas e de saúde. Utilizou-se a regressão
de Poisson com variância robusta para analisar o efeito das variáveis independentes em Palavras-chave:
relação ao desfecho. Resultados: A prevalência de polifarmácia excessiva foi de 29,3%, Polimedicação. Idoso.
associada à cardiopatia (RP=1,40; IC95% 1,03-1,91), diabetes mellitus (RP=1,52; IC95% Instituição de Longa
1,15-2,01), depressão (RP=1,42; IC95% 1,08-1,87), internação hospitalar no último ano Permanência para Idosos.
(RP=1,36; IC95% 1,02-1,80) e ao uso de medicamento potencialmente inapropriado para Saúde do Idoso. Estudos
idosos (RP=2,13; IC95% 1,60-2,83). Conclusão: A polifarmácia excessiva foi frequente entre Transversais.
pessoas idosas institucionalizadas. Os resultados sugerem que as doenças prevalentes entre
pessoas idosas, a hospitalização e o uso de medicamentos potencialmente inapropriados
são fatores para o uso de polifarmácia excessiva nessa população. Esses achados podem
instruir ações com vistas à otimização da farmacoterapia prescrita às pessoas idosas.

Abstract
Objective: To verify the prevalence and factors associated with excessive polypharmacy
in institutionalized older people. Method: Cross-sectional study with 478 older people
living in long-term care facilities. The dependent variable was excessive polypharmacy

1
Universidade de Passo Fundo (UPF), Programa de Pós-Graduação em Envelhecimento Humano. Passo
Fundo, RS, Brasil.
2
Universidade de Passo Fundo (UPF), Instituto de Ciências Biológicas, Curso de Farmácia. Passo Fundo,
RS, Brasil.

Financiamento da pesquisa: Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD). Nº do processo:


88881.068447/2014-01, convênio PROCAD/CAPES 2972/14. O presente trabalho foi realizado com
apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de
Financiamento 001.
Os autores declaram não haver conflito na concepção deste trabalho.

Correspondência/Correspondence
Andréia Mascarelo Recebido: 04/02/2021
andreiamascarelo@yahoo.com.br Aprovado: 13/07/2021

http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562021024.210027
Polifarmácia excessiva em pessoas idosas institucionalizadas

which is defined as the concomitant use of ten or more medications. The independent
variables included sociodemographic and health information. The Poisson regression with
robust variance was used to analyze the effect of the independent variables compared to
the outcome. Results: The prevalence of excessive polypharmacy was 29.3% associated
with heart disease (PR=1.40; 95%CI 1.03-1.91), diabetes mellitus (PR=1.52; 95%CI 1.15- Keywords: Polypharmacy.
2.01), depression (PR=1.42; 95%CI 1.08-1.87), hospitalization in the last year (PR=1.36; Elderly. Homes for the Aged.
95%CI 1.02-1.80), and the use of potentially inappropriate medication for older people Health of the Elderly. Cross-
(PR=2.13; 95%CI 1.60-2.83). Conclusion: Excessive polypharmacy was frequent among Sectional Studies.
2 de 12
institutionalized older people. The results suggest that prevalent diseases among older
people, hospitalization, and the use of potentially inappropriate medications are reasons
for the use of excessive polypharmacy by this population. Said findings can guide actions
aimed at optimizing the pharmacotherapy prescribed to older people.

INTRODUÇÃO uso, maiores são os riscos para o idoso1, pois se


elevam as chances de efeitos adversos e interações
As doenças crônicas e múltiplas tendem a se medicamentosas2 .
manifestar com frequência no grupo etário idoso,
contribuindo para a utilização de polifarmácia As doenças crônicas, o estado funcional e as
nessa população1,2 . Um ou mais fármacos podem alterações fisiológicas próprias do envelhecimento
ser utilizados para tratar cada doença ou sintoma2,3 causam mudanças, tanto na ação do organismo sobre
levando a esquemas terapêuticos complexos3,4. os fármacos como dos fármacos sobre o organismo.
A redução da água corporal, da albumina sérica e
A polifarmácia é um problema de saúde pública do fluxo sanguíneo hepático e renal, assim como,
global5 e um dos maiores desafios relacionados à o aumento da gordura corporal são exemplos de
população que envelhece, com ônus para pessoas transformações fisiológicas que levam à alteração
idosas, famílias e sistemas de saúde6. Em todo o do volume, concentração e distribuição dos
mundo, as taxas de prescrição de medicamentos medicamentos10.
apresentam tendência crescente devido ao aumento
da população idosa e à disponibilidade de fármacos2,6. Nenhum fármaco é completamente seguro
A prevalência de polifarmácia relatada na literatura para uso em idosos, visto que as propriedades
varia de 10% até cerca de 90%, em estudos que farmacocinéticas e farmacodinâmicas de muitos
consideram diferentes faixas etárias, definições de deles não são completamente conhecidas nesse grupo,
polifarmácia e localizações geográficas6. pois pessoas idosas, frágeis e com multimorbidade
são comumente excluídas de pesquisas necessárias
Não há consenso na literatura acerca da definição à aprovação de novos medicamentos. Contudo, esse
de polifarmácia e polifarmácia excessiva. Contudo, é um grupo visto com frequência na prática clínica
a maioria dos estudos utiliza o critério numérico2,6, e mais sujeito à polifarmácia2.
considerando polifarmácia o uso simultâneo de cinco
ou mais medicamentos7,8 e polifarmácia excessiva o Nesse sentido, a população idosa institucionalizada
uso concomitante de 10 ou mais medicamentos4,9. merece maior atenção, pois geralmente são mais
frágeis, possuem maior número de doenças crônicas
A polifarmácia excessiva não denota, por si e usam mais medicamentos em comparação com
só, polifarmácia inadequada 2,3. O uso de vários pessoas idosas da comunidade1–4 estando assim mais
medicamentos não é necessariamente imprudente e, susceptíveis aos riscos de complicações associadas
em alguns casos, pode ser necessário e benéfico2,5. à polifarmácia 2 . Estudos apontam que o número
No entanto, embora uma combinação adequada médio de medicamentos utilizados, assim como a
de fármacos em pacientes com problemas de saúde prevalência de polifarmácia excessiva é maior entre
complexos possa melhorar sua condição clínica 2 , pessoas idosas institucionalizadas. Investigações
quanto maior o número de medicamentos em anteriores reportaram prevalências de polifarmácia

Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2):e210027


Polifarmácia excessiva em pessoas idosas institucionalizadas

excessiva entre pessoas idosas que residem em de 2015, no município de Passo Fundo (RS), era de
instituições, de 16,8%3 até 44,1%11, o que demanda 196.741 habitantes, em Carazinho (RS) de 62.037
especial atenção a esse segmento3,11. Fatores como habitantes e em Bento Gonçalves (RS) de 113.287
usar 10 ou mais medicamentos e residir em um lar habitantes e a respectiva proporção de pessoas idosas
de idosos podem aumentar a probabilidade de um na população era de 13,58%, 16,13% e 14,11%. Entre
idoso sofrer danos relacionados à medicação2. as pessoas idosas, em cada localidade, a maioria era
de mulheres (58,2%, 58,1% e 56,1%) e a proporção
Em alguns países, sobretudo nos desenvolvidos, de pessoas com 80 anos e mais era de 13,9%, 14,6% 3 de 12
o estudo dessa temática está bem estabelecido3,4. No e 14,1%, respectivamente12.
entanto, no Brasil, não foi encontrada publicação
acerca da prevalência e dos fatores associados à Das 35 ILPI localizadas nos municípios
polifarmácia excessiva entre pessoas idosas que selecionados, todas foram convidadas a participar
residem em instituições de longa permanência para da pesquisa, entretanto, 19 manifestaram seu aceite,
idosos (ILPI), após extensa busca na base de dados das quais, 14 (58,3%) se localizavam no município de
MEDLINE/Pubmed, utilizando os descritores Passo Fundo (RS), onde residiam 281 pessoas idosas,
“Polypharmacy” and “Aged” and “Homes for the 1 (50,0%) no município de Carazinho (RS) com 92
Aged”, nos últimos 10 anos. pessoas idosas e 4 (44,4%) no município de Bento
Gonçalves (RS), nas quais viviam 106 pessoas idosas.
Diante disso, o presente estudo teve por objetivo
A população total residente nessas instituições era
verificar a prevalência e os fatores associados
de 479 pessoas idosas. Após o aceite por parte das
à polifarmácia excessiva entre pessoas idosas
ILPI, as pessoas idosas e os seus responsáveis foram
institucionalizadas.
convidados a participar do estudo. Foram incluídos
todos os indivíduos com idade igual ou superior
MÉTODO a 60 anos e excluídos aqueles que no momento
da entrevista estavam internados em hospital ou
Trata-se de um estudo de corte transversal, com que não foram localizados após três tentativas dos
pessoas de 60 anos de idade ou mais residentes em entrevistadores, em dias e horários alternados.
Instituições de Longa Permanência para Idosos
(ILPI). Este estudo é um recorte da pesquisa Padrões Para o cálculo da amostra levou-se em
de envelhecimento e longevidade: aspectos biológicos, educacionais consideração um nível de confiança de 95%, poder
e psicossociais, desenvolvida sob coordenação da estatístico de 80%, razão de não exposto: exposto
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São (presença de Doença Crônica Não Transmissível)
Paulo (SP) e participação da Universidade Católica de de 2, prevalência do desfecho no grupo exposto de
Brasília (UCB), Distrito Federal (DF) e Universidade 30%1,4,9,11, totalizando 291 idosos e acrescentou-se
de Passo Fundo (UPF), Rio Grande do Sul (RS). Os 20% para perdas e recusas (n=349). Entretanto, por
dados foram coletados no ano de 2017 em 19 ILPI tratar-se de um estudo com diferentes desfechos,
localizadas nos municípios de Passo Fundo (RS), optou-se por investigar todas as pessoas idosas
Carazinho (RS) e Bento Gonçalves (RS), Brasil. residentes em ILPI dos municípios selecionados que
preenchiam os critérios de inclusão. Constituíram a
Foram incluídas no estudo todas as ILPI dos amostra do estudo 478 pessoas idosas.
municípios de Passo Fundo (RS), Carazinho (RS)
e Bento Gonçalves (RS), localizados nas regiões Considerou-se como variável dependente
Norte e Serra do estado do RS, pela necessidade a polifarmácia excessiva, definida como o uso
de agregar uma amostra maior de pessoas idosas concomitante de 10 ou mais medicamentos, prescritos
institucionalizadas. A escolha dos municípios nos três meses que antecederam a pesquisa. O uso
obedeceu a critérios como proximidade geográfica de medicamentos foi verificado junto ao prontuário
e características semelhantes em relação à proporção das pessoas idosas e as substâncias ativas listadas,
de pessoas idosas na população e distribuição por conforme quinto nível da Classificação Anatômica
sexo e faixa etária. A população estimada para o ano Terapêutica Química (ATC)13.

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Polifarmácia excessiva em pessoas idosas institucionalizadas

As variáveis independentes, definidas com al17: 13 para analfabetos, 18 para baixa e média
base em investigações anteriores1,4,9,11,14, incluíram escolaridade e 26 para alta escolaridade. A partir do
informações sociodemográficas e relativas à ILPI: escore obtido, o idoso foi classificado (com declínio
tipo de ILPI (privada /filantrópica), idade (em anos), cognitivo/sem declínio cognitivo).
longevidade considerada idade maior ou igual a
80 anos (longevo/não longevo), sexo (masculino/ Para as ABVD a pessoa idosa foi classificada
feminino), cor/raça (branco/não branco), estado civil como independente ou dependente, segundo o
(com companheiro/sem companheiro), tempo de Índice de Katz18. Aquelas que conseguiam realizar 4 de 12
internação (em meses), escolaridade (frequentou/não uma ou mais atividades somente com auxílio, foram
frequentou a escola) e visita de familiares (sim/não); classificadas como dependentes7.

As variáveis relacionadas à saúde incluíram: As informações sociodemográficas, de saúde


cardiopatia (sim/não), hipertensão arterial sistêmica e uso de medicamentos foram obtidas junto ao
(sim/não), acidente vascular encefálico (sim/não), prontuário e as relativas à funcionalidade diretamente
diabetes mellitus (sim/não), doença pulmonar (sim/ com as pessoas idosas, em ambiente individualizado,
não), depressão (sim/não), demência (sim/não), designado pelo responsável pela ILPI.
dor crônica nos últimos seis meses (sim/não),
Para minimizar inconsistências na coleta
multimorbidade (sim/não), uso de Medicamento
dos dados, os 4 entrevistadores, acadêmicos de
Potencialmente Inapropriado para Idosos (MPI) enfermagem e fisioterapia, foram submetidos a um
(sim/não) e a ocorrência nos últimos 12 meses de programa de treinamento e eram acompanhados
incontinência urinária (sim/não), incontinência fecal por dois professores pesquisadores, responsáveis
(sim/não), insônia (sim/não), internação hospitalar pelo estudo.
(sim/não) e número de internações hospitalares
(número). As variáveis relacionadas à funcionalidade As variáveis categóricas foram apresentadas
foram: estado cognitivo (com declínio cognitivo/ empregando-se distribuições de frequências
sem declínio cognitivo) e atividades básicas da vida univariadas e tabelas de contingência bi e
diária (ABVD) (independente/dependente). multivariadas. As variáveis quantitativas foram
descritas mediante medidas de tendência central ou
A multimorbidade foi caracterizada pela posição e variabilidade e a normalidade foi verificada
presença de duas ou mais condições crônicas em por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Para
um indivíduo. Como a lista de morbidades para avaliar a associação entre polifarmácia excessiva e as
sua operacionalização ainda não está definida variáveis independentes categóricas, aplicou-se o teste
para o contexto brasileiro, foram incluídas, para a qui-quadrado de Pearson. Para comparações entre
construção da variável, condições que apresentam os grupos das variáveis independentes quantitativas
uma ou mais das seguintes características: causam em relação à variável dependente utilizou-se o teste
alterações patológicas não reversíveis no organismo, não paramétrico U de Mann Whitney. O nível de
geram incapacidade residual, são permanentes, significância adotado foi de 5%. Para as análises
indicam a necessidade de reabilitação ou de cuidados multivariadas utilizou-se a regressão de Poisson
de longa duração15. Assim as morbidades incluídas com variância robusta, estimando-se as razões de
foram a presença de cardiopatia, de hipertensão prevalência bruta e ajustada e calculando-se os
arterial sistêmica, de diabetes mellitus, de reumatismo, respectivos intervalos de confiança de 95%. No
de doença pulmonar, de depressão, de osteoporose, modelo múltiplo, foram consideradas as variáveis
de demência, de Doença de Parkinson, de sarcopenia que tiveram um valor de p≤0,20 na análise bivariada
e de fragilidade. e permaneceram no modelo aquelas com p<0,05.

Para a variável uso de MPI utilizou-se os critérios A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética
de Beers 201516. Para avalição do estado cognitivo em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo
utilizou-se o Miniexame de Estado Mental (MEEM) (UPF), parecer número 2.097.278, em acordo com
com pontos de corte sugeridos por Bertolucci et a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de

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Polifarmácia excessiva em pessoas idosas institucionalizadas

Saúde. Todos os participantes do estudo assinaram Tiveram um tempo médio de permanência na


o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. ILPI de 50,53 (+73,46) meses e o número médio
de medicamentos utilizados foi 7,40 (+3,65), com
variação mínima de 1 e máxima de 22 medicamentos.
RESULTADOS Apenas 1,5% não fazia uso de medicamentos.

Participaram do estudo 478 pessoas idosas com Verificou-se elevada prevalência de declínio
média de idade de 80,3 (+9,77) anos, com variação cognitivo (73,2%) e dependência para ABVD 5 de 12
mínima de 60 e máxima de 109 anos. Houve (85,0%) na população estudada. A doença crônica
predomínio de mulheres (71,1%), de pessoas longevas mais prevalente foi a hipertensão arterial sistêmica
(57,0%), de escolarizados (83,5%) e dos que residiam (54,8%) e 59,6% apresentavam multimorbidade
em ILPI filantrópicas (57,1%), conforme Tabela 1. (Tabela 2).

Tabela 1. Características sociodemográficas e relativas à Instituição de Longa Permanência para Idosos, de pessoas
idosas institucionalizadas (n=478). Passo Fundo, Carazinho e Bento Gonçalves, RS, Brasil, 2017.
Variável n (%) IC 95%*
Tipo de ILPI
Filantrópica 273 (57,1) 52,3 – 61,5
Privada 205 (42,9) 38,5 – 47,7
Longevidade
Não longevo 205 (43,0) 38,8 – 47,2
Longevo 272 (57,0) 52,8 – 61,2
Sexo
Masculino 138 (28,9) 25,1 – 33,3
Feminino 340 (71,1) 66,7 – 74,9
Visita de familiares
Sim 411 (87,4) 84,7 – 90,6
Não 59 (12,6) 9,4 – 15,3
Cor
Branco 424 (89,5) 86,7 – 92,0
Não branco 50 (10,5) 8,0 – 13,3
Situação conjugal
Com cônjuge 30 (6,3) 4,2 – 8,4
Sem cônjuge 445 (93,7) 91,6 – 95,8
Escolaridade
Não frequentou a escola 76 (16,5) 13,0 – 19,7
Frequentou a escola 386 (83,5) 80,3 – 87,0
ILPI: Instituição de Longa Permanência para Idosos; *IC: Intervalo de Confiança. Os totais de frequência absoluta divergem em razão de dados
faltantes. Longevidade n válido =477; Visita de familiares n válido =470; Cor n válido =474; Situação conjugal n válido =475; Escolaridade n
válido =462.

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Polifarmácia excessiva em pessoas idosas institucionalizadas

Tabela 2. Características de saúde e uso de medicamentos de pessoas idosas institucionalizadas (n=478). Passo
Fundo, Carazinho e Bento Gonçalves, RS, Brasil, 2017.
Variável n (%) IC* 95%
Estado cognitivo
Com declínio 349 (73,2) 69,0 – 77,4
Sem declínio 128 (26,8) 22,6 – 31,0
Cardiopatia
Sim 84 (17,8) 14,4 – 21,4 6 de 12
Não 389 (82,2) 78,6 – 85,6
Hipertensão arterial
Sim 259 (54,8) 49,9 – 59,2
Não 214 (45,2) 40,8 – 50,1
Acidente vascular encefálico
Sim 103 (21,6) 18,1 – 26,1
Não 373 (78,4) 73,9 – 81,9
Diabetes mellitus
Sim 98 (20,6) 17,2 – 24,4
Não 378 (79,4) 75,6 – 82,8
Depressão
Sim 176 (37,4) 32,9 – 42,5
Não 295 (62,6) 57,5 – 67,1
Demência
Sim 236 (49,8) 44,5 – 54,2
Não 238 (50,2) 45,8 – 55,5
Incontinência urinária
Sim 309 (65,2) 61,0 – 69,6
Não 165 (34,8) 30,4 – 39,0
Internação hospitalar
Sim 148 (31,5) 27,0 – 36,4
Não 322 (68,5) 63,6 – 73,0
Dor crônica
Sim 167 (36,6) 31,4 – 41,5
Não 289 (63,4) 58,5 – 68,6
Insônia
Sim 156 (33,3) 29,1 – 37,8
Não 312 (66,7) 62,2 – 70,9
Medicamento Potencialmente Inapropriado
Sim 158 (35,3) 31,1 – 39,4
Não 289 (64,7) 60,6 – 68,9
Atividades básicas da vida diária
Independente 69 (15,0) 12,1 – 18,4
Dependente 392 (85,0) 81,6 – 87,9
Polifarmácia excessiva
Sim 140 (29,3) 25,3 – 33,7
Não 338 (70,7) 66,3 – 74,7
Multimorbidade
Sim 283 (59,6) 55,4 – 64,2
Não 192 (40,4) 35,8 – 44,6
MEEM: Miniexame de Estado Mental; *IC: Intervalo de Confiança. Os totais de frequência absoluta divergem em razão de dados faltantes. Estado
cognitivo n válido =477; Cardiopatia n válido =473; Hipertensão arterial n válido =473; Acidente vascular encefálico n válido =476; Diabetes mellitus
n válido =476; Depressão n válido =471; Demência n válido =474; Incontinência urinária n válido =474; Internação hospitalar n válido =470; Dor
crônica n válido =456; Insônia n válido =468; MPI n válido =447; Atividades básicas da vida diária n válido =461; Multimorbidade n válido =475.

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Polifarmácia excessiva em pessoas idosas institucionalizadas

Polifarmácia excessiva foi observada em 29,3% mais frequência foram, respectivamente, o omeprazol
das pessoas idosas. Verificou-se maior prevalência (53,4%) e a quetiapina (40,5%).
de polifarmácia excessiva em residentes de ILPI
privadas (33,7%), no sexo feminino (32,6%), entre Neste estudo, idade, tempo de internação na
os que faziam uso de MPI (45,6%), que possuíam ILPI e número de internações hospitalares não
diagnóstico de cardiopatia (44,0%), de diabetes apresentaram relação com polifarmácia excessiva
mellitus (41,8%), de doença pulmonar (40,0%) e de ( p>0,05).
depressão (38,6%) (Tabela 3). 7 de 12
A polifarmácia excessiva apresentou associação
Os principais grupos de medicamentos na análise bruta com sexo ( p=0,011), cardiopatia
responsáveis pela polifarmácia excessiva, na ( p=0,001), hipertensão arterial sistêmica ( p=0,003),
população estudada, foram aqueles com ação sobre diabetes mellitus ( p=0,002), depressão ( p=0,001),
aparelho digestivo e metabolismo (95,4%), seguidos incontinência urinária ( p=0,016), internação
pelos que agem sobre o sistema nervoso (88,5%). hospitalar no último ano ( p=0,008) e uso de MPI
Em cada um dos grupos, as substâncias usadas com ( p<0,001) (Tabela 3).

Tabela 3. Prevalência de polifarmácia excessiva e fatores associados em pessoas idosas institucionalizadas (n=478).
Passo Fundo, Carazinho e Bento Gonçalves, RS, Brasil, 2017.
Variável n (%) p* RP** (IC 95%) RP***(IC 95%)
Sexo 0,011 ---
Feminino 111 (32,6) 0,69(0,47 - 1,00)
Masculino 29 (21,0) 1,00
Tipo de ILPI 0,069 ---
Filantrópica 71 (26,0) 1,21(0,90 - 1,63)
Privada 69 (33,7) 1,00
Cardiopatia 0,001
Sim 37 (44,0) 1,70(1,24 – 2,33) 1,40(1,03 – 1,91)
Não 101 (26,0) 1,00 1,00
Hipertensão arterial 0,003 ---
Sim 90 (34,7) 1,74(1,25 – 2,43)
Não 48 (22,4) 1,00
Diabetes mellitus 0,002
Sim 41 (41,8) 1,82(1,35 – 2,46) 1,52(1,15 – 2,01)
Não 98 (25,9) 1,00 1,00
Doença pulmonar 0,121 ---
Sim 16 (40,0) 1,47(0,96 – 2,24)
Não 123 (28,3) 1,00
Depressão 0,001
Sim 68 (38,6) 1,53(1,14 – 2,05) 1,42(1,08 – 1,87)
Não 71 (24,1) 1,00 1,00
Demência 0,060 ---
Sim 78 (33,1) 1,24(0,92 – 1,67)
Não 60 (25,2) 1,00
Incontinência urinária 0,016 ---
Sim 102 (33,0) 1,45(1,03 – 2,04)
Não 37 (22,4) 1,00
continua

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Polifarmácia excessiva em pessoas idosas institucionalizadas

Continuação da Tabela 3
Variável n (%) p* RP** (IC 95%) RP***(IC 95%)
Incontinência fecal 0,063 ---
Sim 74 (33,5) 1,22(0,91 – 1,65)
Não 65 (25,7) 1,00
Multimorbidade 0,109 ---
Sim 90 (31,8) 1,18(0,86 – 1,61)
Não 48 (25,0) 1,00 8 de 12
Internação hospitalar 0,008
Sim 56 (37,8) 1,52(1,13 – 2,05) 1,36(1,02 – 1,80)
Não 83 (25,8) 1,00 1,00
MPI <0,001
Sim 72 (45,6) 2,43(1,81 – 3,27) 2,13(1,60 – 2,83)
Não 54 (18,7) 1,00 1,00
*p: Teste qui-quadrado de Pearson; **RP: Razão de Prevalência bruta, Regressão de Poisson com variância robusta; ***RP: Razão de Prevalência
ajustada, Regressão de Poisson com variância robusta.

No modelo final permaneceram associadas à No contexto brasileiro, estudos investigaram o


polifarmácia excessiva ter cardiopatia (RP=1,40; uso de polifarmácia (cinco ou mais medicamentos)
IC95% 1,03–1,91), diabetes mellitus (RP=1,52; IC95% entre pessoas idosas residentes em ILPI e verificaram
1,15–2,01), depressão (RP=1,42; IC95% 1,08–1,87), prevalências de 27,5%, em investigação que incluiu
história de internação hospitalar no último ano ILPI do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso
(RP=1,36; IC95% 1,02–1,80) e fazer uso de MPI e Mato Grosso do Sul7 e 73,9% no estado de SP8. No
(RP=2,13; IC95% 1,60–2,83) (Tabela 3). entanto, não foi encontrada publicação que analisasse
o uso simultâneo de 10 ou mais medicamentos
por pessoas idosas institucionalizadas. Apenas
DISCUSSÃO um estudo com pessoas idosas da comunidade,
atendidas em duas unidades básicas de saúde,
O presente estudo examina a prevalência e os em Minas Gerais, analisou o uso de polifarmácia
fatores relacionados à polifarmácia excessiva entre excessiva, no qual 4,8% das pessoas idosas faziam
pessoas idosas residentes em ILPI do Sul do Brasil. uso de 10 ou mais medicamentos14 , percentual
Os resultados sugerem que a polifarmácia excessiva bastante inferior ao verificado neste estudo, o que
é comum na população estudada, com uma em poderia ser justificado pelo fato de pessoas idosas
cada quatro pessoas idosas recebendo 10 ou mais institucionalizadas geralmente serem mais frágeis,
fármacos, e que não apenas doenças crônicas como possuírem maior número de doenças crônicas e
cardiopatia, diabetes mellitus e depressão, mas também usarem mais medicamentos em comparação com as da
a história de internação hospitalar no último ano e comunidade1–4. Contudo, é prudente considerar que
o uso de MPI estão a ela associados. as distintas metodologias empregadas nos estudos,
além de influenciar a prevalência de polifarmácia
A prevalência do uso concomitante de 10 ou mais excessiva, tornam difíceis as comparações.
medicamentos, neste estudo, foi superior à verificada
entre pessoas idosas residentes em casas de repouso As diferenças na prevalência de polifarmácia
da Europa, 24,3% 4 e da França, 21,1%9. Outros excessiva entre idosos institucionalizados de
estudos com pessoas idosas institucionalizadas, diferentes contextos, podem ser influenciadas pelas
encontraram maiores prevalências de polifarmácia distintas posturas dos prescritores, frente ao desafio
excessiva, como no exemplo sueco, 35,5%1 e no de tratar pacientes complexos4. Enquanto alguns
suíço 44,1%11. adotam condutas terapêuticas baseadas em diretrizes

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Polifarmácia excessiva em pessoas idosas institucionalizadas

ou protocolos vigentes no país, outros podem, por e são, portanto, disponibilizados gratuitamente pelo
exemplo, considerar as características e preferências Sistema Único de Saúde20.
da pessoa idosa2,4 como base para a recomendação
terapêutica, o que poderia resultar em diferentes Neste estudo, a polifarmácia excessiva mostrou-se
quantitativos de medicamentos prescritos. associada à cardiopatia, diabetes mellitus e depressão.
Outros estudos verificaram a mesma associação4,23.
Nessa perspectiva, um fator que poderia Tais doenças são de elevada prevalência entre
contribuir para a utilização de polifarmácia excessiva pessoas idosas, independente do contexto onde 9 de 12
por pessoas idosas institucionalizadas do Sul do vivem4,23 e comumente tratadas com a combinação
país, é o crescente uso de protocolos clínicos e de fármacos23,25.
diretrizes terapêuticas, como base para a conduta
médica. No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda Contraintuitivamente, neste estudo, não se
às equipes de atenção básica, que se constituem na identificou associação entre polifarmácia excessiva
porta de entrada das pessoas idosas para o sistema e multimorbidade. Esse achado contrasta com a
de saúde, o uso de diretrizes clínicas baseadas em literatura acerca do tema5,6 e pode ser justificado pelo
evidências para o tratamento da pessoa com doença fato de que, na população estudada, as principais
crônica19. Tradicionalmente essas diretrizes são substâncias responsáveis pela polifarmácia excessiva
baseadas em doenças únicas e não consideram a foram o omeprazol e a quetiapina, e o uso desses
complexidade do indivíduo com multimorbidade, medicamentos não indica, necessariamente, a
motivo pelo qual, pacientes idosos com doenças presença de condição crônica26,27.
coexistentes, podem receber prescrições de vários
medicamentos2 . Essas evidências estão alinhadas Entre os estudados, a polifarmácia excessiva se
aos nossos achados, visto que, a maioria das pessoas mostrou associada à internação hospitalar no último
idosas usuárias de polifarmácia excessiva, possuíam ano. Esse resultado é apoiado pela literatura3,22,28.
também multimorbidade. Investigação conduzida entre pessoas idosas
hospitalizadas no Paquistão, verificou que pacientes
Ainda, questões relativas ao sistema de saúde de em uso de polifarmácia excessiva tiveram razão
cada país, podem estar na gênese de tais diferenças. de chances 37 vezes maior de hospitalização em
No sistema de saúde brasileiro, a implementação comparação com os não expostos à polifarmácia28.
de políticas públicas, nos últimos anos, com vistas O uso de múltiplos medicamentos pode, de fato,
à garantia do tratamento e controle de doenças acarretar danos capazes de determinar uma
prevalentes no país, permitiu a ampliação do acesso hospitalização5 e quanto maior o número de
aos medicamentos20, com destaque para a região Sul, medicamentos em uso, maior a probabilidade de
na qual é registrado o maior percentual de acesso eventos adversos, que podem ser graves e fatais1.
à assistência farmacêutica do país21. Nessa região
também se verifica o maior percentual de pessoas No Brasil, as hospitalizações relacionadas a
idosas em uso de polifarmácia, 25,0% contra somente danos provocados por medicamentos, apresentam
3,0% na região Norte22. Essas evidências levam a crer, tendência crescente, sobretudo nas regiões Sul e
que a polifarmácia excessiva, verificada neste estudo, Sudeste do país, com representatividade da população
poderia ser favorecida pela maior facilidade de acesso idosa. Pessoas idosas são mais susceptíveis a efeitos
aos medicamentos, pois, pessoas com cobertura adversos, interações e toxicidade causada por
gratuita de medicamentos, mostram um maior medicamentos29 o que poderia contribuir para a
risco de polifarmácia em comparação com aqueles necessidade de internação hospitalar nesse grupo e
que precisam custear a assistência farmacêutica23,24. justificar a associação entre polifarmácia excessiva
Corrobora ainda essa hipótese, o fato de que no e hospitalização.
presente estudo, os medicamentos usados com
mais frequência por pessoas idosas em polifarmácia Outra possível explicação, poderia encontrar
excessiva, quais sejam omeprazol e quetiapina, fazem respaldo no fato de que a internação hospitalar,
parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais pressupõe o deslocamento da pessoa idosa através

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Polifarmácia excessiva em pessoas idosas institucionalizadas

de diferentes configurações de cuidados e, esse foram coletadas informações sobre o estado de


movimento, poderia favorecer a ocorrência de saúde o que permite estudar fatores associados à
inconsistências na lista de medicamentos em uso polifarmácia excessiva; as informações relativas
pela pessoa idosa. Dados da Organização Mundial ao uso de medicamentos, ao estado de saúde e à
de Saúde revelam que a maioria das pessoas idosas presença de doenças crônicas foram obtidas por
institucionalizadas já foi vítima de inconsistências meio da análise dos prontuários, o que contribui
na lista de medicamentos30. Nesse contexto, é para a fidedignidade dos achados.
possível que medicamentos em uso e problemas 10 de 12
de saúde pregressos, não sejam considerados para a Este estudo apresenta algumas limitações: o
instituição de novo esquema terapêutico, tornando desenho transversal desta pesquisa não permite
pouco provável a identificação de efeitos adversos estabelecer uma relação de causa e efeito; o percentual
à medicamentos e possíveis interações. Assim, de recusas pode ter ocorrido em ILPI com pessoas
reações adversas podem ser interpretadas como idosas com perfil de saúde diferente da amostra
novos problemas de saúde e tratadas com novos investigada, influenciando nos resultados do estudo,
fármacos, dando início à cascata de prescrição, fator assim como a taxa de não resposta em algumas
que poderia contribuir para o uso de polifarmácia variáveis; alguns medicamentos classificados como
excessiva 25. um produto podem conter mais de uma substância
química, e assim, o usuário ter sido erroneamente
Neste estudo a polifarmácia excessiva se mostrou classificado como não polifarmácia excessiva, o que
associada ao uso de MPI. Nossos achados estão poderia contribuir para a subestimação do desfecho.
alinhados à literatura1,11,31. Entre os expostos à Por tratar-se de amostragem não probabilística,
polifarmácia excessiva, a maioria fazia uso de MPI, a generalização dos resultados fica prejudicada,
enquanto no grupo não exposto, esse percentual entretanto, os achados são similares aos encontrados
reduziu-se pela metade. Evidências sugerem, de na literatura científica.
fato, que quanto maior o número de medicamentos
prescritos, maiores são as chances de se receber
um MPI11,28,31. CONCLUSÃO

Esses resultados apontam para uma condição Nossos achados seguem a tendência observada
preocupante, pois indicam elevada prevalência de internacionalmente e sugerem que as doenças
uso de MPI entre pessoas idosas institucionalizadas prevalentes entre pessoas idosas, a hospitalização e o
em uso de polifarmácia excessiva, o que deve ser uso de medicamentos potencialmente inapropriados
motivo de alerta para profissionais e gestores, visto são fatores para o uso de polifarmácia excessiva. Dos
que, os riscos de efeitos nocivos desses medicamentos fatores associados, a maioria enquadra-se no grupo
podem exceder os benefícios15. No entanto, apesar da dos não modificáveis, como é o caso das doenças
relevante preocupação com os resultados negativos crônicas. No entanto, o uso de medicamentos
associados ao uso de MPI, a literatura demonstra potencialmente inapropriados para idosos é um
que a prescrição desses medicamentos é frequente e fator passível de modificação, pois, com frequência,
aponta para um aumento da prevalência ao longo do alternativas mais seguras e eficazes estão disponíveis.
tempo9,11, o que indica a necessidade de intervenções Desse modo, tornam-se necessárias ações com
com vistas à redução da prescrição de MPI. vistas a otimização da farmacoterapia prescrita às
pessoas idosas institucionalizadas. Intervenções
Como pontos fortes destacamos: o período voltadas à capacitação e à educação continuada das
considerado para a análise do uso de medicamentos, equipes que atuam nas instituições, contemplando as
que envolveu os três meses anteriores à pesquisa, o especificidades da área da geriatria e da gerontologia,
que poderia reduzir a possibilidade de subestimação poderiam contribuir para a qualidade da terapia
da polifarmácia excessiva, pois medicamentos medicamentosa recomendada às pessoas idosas.
podem ser usados semanalmente ou mensalmente; Somado a isso, a revisão periódica das prescrições

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Polifarmácia excessiva em pessoas idosas institucionalizadas

de medicamentos e a implementação de um sistema para a redução da polifarmácia excessiva e do uso


de referência e contrarreferência entre diferentes de medicamentos potencialmente inapropriados.
profissionais e serviços envolvidos na atenção à
saúde da pessoa idosa são iniciativas com potencial Editado por: Maria Luiza Diniz de Sousa Lopes

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Artigos Originais / Original Articles


Internação hospitalar de pessoas idosas de um grande centro urbano
brasileiro e seus fatores associados

Hospitalization of Older People in a Large Brazilian Urban Center and its Associated Factors
1 de 11

Renan Lucas da Silva1 ID

Bruno Matida Bonando1 ID

Gerson de Souza Santos2 ID

Alessandro Ferrari Jacinto3 ID

Luciano Magalhães Vitorino1 ID

Resumo
Objetivo: Avaliar a frequência de Internação Hospitalar (IH) nos últimos doze meses em
pessoas idosas atendidos na Atenção Primária à Saúde (APS) e seus fatores associados
por meio de uma Avaliação Geriátrica Ampla (AGA). Métodos: Estudo transversal, com
amostra aleatória de 400 pessoas idosas atendidas em uma Unidade Básica de Saúde
(UBS). A avaliação da frequência de IH por pelo menos 24 horas foi autorreferida (sim;
não). Utilizou-se questionário sociodemográfico e de saúde, instrumentos para avaliar as
atividades básicas e instrumentais da vida diária, status cognitivo, sintomas depressivos,
queda e medo de cair. A regressão logística múltipla foi utilizada para investigar os
fatores associados à IH. Resultados: A média de idade foi de 75,23 (±8,53), 63,2% dos Palavras-chave: Idosos.
participantes eram do sexo feminino, 62,6% relataram um estado de saúde ruim/razoável Hospitalização. Geriatria.
e 38% relataram hospitalização nos últimos doze meses. Idade mais avançada, com pior Avaliação Geriátrica.
percepção de saúde, doenças crônicas, uso diário de medicamentos, dependentes para as
atividades básicas e instrumentais da vida diária, comprometimento do status cognitivo
e queda no ano anterior demonstraram associação com a hospitalização. Saber ler e
escrever foi associado com menor risco de hospitalização. Conclusão: A frequência de
IH de pessoas idosas atendidas em UBS foi alta e foi associada a fatores modificáveis
e não modificáveis, indicando que a abordagem multidimensional é uma ferramenta
importante no cuidado da pessoa idosa na atenção primária à saúde.

1
Faculdade de Medicina de Itajubá (FMIt), Grupo Afya. Itajubá, MG, Brasil.
2
Centro Universitário Ages, Departamento de Medicina. Irecê, BA, Brasil.
3
Escola Paulista de Medicina (Unifesp), Programa de Pós-Graduação Medicina Translacional. São Paulo,
SP, Brasil.

Os autores declaram não haver conflito na concepção deste trabalho.


Não houve financiamento para a execução deste trabalho.

Correspondência/Correspondence
Luciano Magalhães Vitorino Recebido: 07/12/2020
lucianoenf@yahoo.com.br Aprovado: 16/07/2021

http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562021024.200335
Fatores associados à admissão hospitalar de pessoas idosas

Abstract
Objective: To evaluate the frequency of Hospital Admission (HA) in the last twelve months
in older adults treated at Primary Health Care (PHC) and its associated factors, through
a Comprehensive Geriatric Assessment (CGA). Methods: Cross-sectional study, with a
random sampling of 400 older adults using PHC. The frequency of HA for at least 24
hours was self-reported (yes; no). A sociodemographic and health survey was used, tools to
evaluate basic and instrumental daily life activities, cognition, depression, falling, and fear
of falling. The association of factors to HA was analyzed using multiple logistic regression 2 de 11
analysis. Results: Mean age was 75.23 (±8,53), 63.2% of participants were female 62.6% Keywords: Elderly.
reported a poor/fair state of health and 38% reported HA in the previous twelve months. Hospitalization. Geriatrics.
Older patients, with a poor perceived health, chronic illnesses, daily use of medications, Geriatric Assessment.
dependent for basic and instrumental daily life activities, cognitive impairment, and having
fallen in the previous year demonstrated associations with hospitalization. Knowing how
to read and write was associated with protection from hospitalization. The frequency of
hospitalization was high in this study. Conclusion: The frequency of HA of older people
attended at basic health units was high and was associated with modifiable and non-
modifiable factors, indicating that the multidimensional approach is an important tool
in the care of the older adults in primary health care settings.

INTRODUÇÃO identificar os fatores de risco à IH em pessoas


idosas3. Estudos anteriores mostraram que as doenças
A população idosa utiliza com maior frequência crônicas não transmissíveis (DCNTs), especialmente:
os serviços de saúde, envolvendo maior custo, multimorbidades, incapacidade funcional, percepção
tratamento prolongado e comprometimento da de saúde ruim, polifarmácia, baixa escolaridade e
etapa de recuperação1. A internação hospitalar (IH) idade avançada estavam associados ao risco de IH
nessa população é de alto risco devido a presença em brasileiros mais velhos5-8.
de multicomorbidades1. Na literatura, encontram-
se informações relevantes dos fatores de riscos à Conhecer os fatores associados à IH de pessoas
IH na população idosa1,2. No entanto, observa-se a idosas é fundamental para o desenvolvimento de
necessidade de uma abordagem multidimensional políticas de prevenção dos danos causados por
​​ esse
centrada na pessoa idosa, considerando-se fatores desfecho . Por esse motivo, torna-se imprescindível
5

modificáveis e não modificáveis2. a realização de avaliação multidimensional focada na


pessoa idosa2. Nesse sentido, a Avaliação Geriátrica
Devido ao aumento da população idosa haverá Ampla (AGA) tem se mostrado a forma mais
maior demanda por atenção à saúde em todos os adequada de avaliar as necessidades da pessoa idosa9.
níveis e, consequentemente, aumento da frequência
de IH3. As pessoas idosas utilizam mais os serviços Até onde sabemos, poucos estudos utilizaram
de saúde do que outras faixas etárias3. Além disso, uma avaliação multidimensional com uso de escalas
o perfil de doença das pessoas idosas exige mais validadas sobre capacidade funcional, saúde mental,
recursos do sistema de saúde, principalmente, a nível histórico de quedas, medo de quedas e IH entre
de hospitalização3,4. A Atenção Primária à Saúde pessoas idosas brasileiras atendidas em unidades de
(APS) tem papel fundamental na redução das taxas APS. Portanto, a prevenção da IH nessa população
de IH nessa população3-6. Na maioria das vezes, é relevante para preservar a qualidade de vida e
as pessoas idosas podem evitar o desfecho IH por reduzir os custos do sistema de saúde5-7. Assim, o
meio de medidas eficazes da APS3-6. Não há dúvidas objetivo deste estudo foi avaliar a frequência de IH
que há um grande esforço por parte dos geriatras, nos últimos doze meses em pessoas idosas atendidos
gerontólogos, gerontologistas e pesquisadores para na APS e seus fatores associados, por meio de AGA.

Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2):e200335


Fatores associados à admissão hospitalar de pessoas idosas

MÉTODOS Atividades básicas de vida diária: Índice de Katz


- criado por Sidney Katz em 1976 e validado para o
Estudo transversal com amostra probabilística de português em 200811. Esse instrumento é utilizado
pessoas com 60 anos ou mais, atendidas em uma das para avaliar as Atividades Básicas de Vida Diária
unidades de APS da cidade de São Paulo, SP, Brasil. (ABVD), de acordo com o grau de independência
Este estudo seguiu as recomendações do Strengthening nos resultados de seis funções das ABVDs (banho,
the Reporting of Observational Studies in Epidemiolog y vestir-se, ir ao banheiro, transferência, continência
(STROBE)10 . A pesquisa foi desenvolvida na e alimentação). A pontuação varia de 0 a 6 pontos e 3 de 11
Unidade Básica de Saúde (UBS) Marcus Belenzinho classifica os pacientes em independentes (pontuação
(Belenzinho), localizada na zona leste do município zero) e dependentes (pontuação maior ou igual a 1)11.
de São Paulo, SP. A UBS possui aproximadamente
40.000 indivíduos cadastrados, dos quais 5.000 são Atividades instrumentais de vida diária: Escala
pessoas idosas. Quatrocentos indivíduos foram de Lawton - elaborada por Lawton e Brody em
necessários para fazer modelos de regressão logística 1969, validada para o português em 200812 . Esse
hierárquica com uma variável dependente e quinze instrumento é utilizado para avaliar as Atividades
Instrumentais da Vida Diária (AIVD), de acordo
variáveis independentes,
​​ frequência média de 14%5,7.
com escores que variam de 0 a 21. Ele classifica os
IH de pessoas idosas, valor alfa de 5% de significância
pacientes em dependentes (pontuação menor ou
(α=0,05) e poder estatístico de 90%. A seleção das
igual a 20) e independentes (pontuação igual a 21)12.
pessoas idosas foi feita por meio de amostragem
aleatória simples, usando os 5.000 números de Cognição: Mini Exame do Estado Mental
registros de pessoas idosas registradas. (MEEM) - elaborado por Folstein em 1976,
utilizado para avaliar a função cognitiva, adaptado
Os critérios de inclusão foram ter 60 anos ou
transculturalmente para o português brasileiro
mais e estar cadastrado na UBS Belenzinho. Os
em 199413. A pontuação varia entre um mínimo
critérios de exclusão foram ter uma limitação física
de 0 e máximo de 30 pontos. Um dos pontos de
grave e diagnóstico médico de deficit cognitivos ou
corte utilizados no Brasil foi baseado no nível de
demenciais. A coleta de dados foi realizada entre
escolaridade (em anos de estudo): 13 pontos para
fevereiro e agosto de 2018 por um enfermeiro com
analfabetos; 18 para escolaridade baixa a média
doutorado e mais de dez anos de experiência na APS.
(até oito anos de educação formal), 26 para pessoas
Após a seleção aleatória dos potenciais participantes
idosas com escolaridade alta (mais de oito anos de
da pesquisa, os escolhidos foram contatados durante
escolaridade)13.
as consultas de enfermagem na UBS. As entrevistas
(com duração de aproximadamente 40 minutos) foram Depressão: Escala de Depressão Geriátrica, forma
realizadas individualmente em ambiente privado. A abreviada com 15 itens (GDS-15); desenvolvido pela
frequência de IH foi obtida por meio de pergunta Yesavage em 1983 e validado para o português em
subjetiva e autorreferida: Você ficou internado por mais 200514. É uma escala de quinze itens, com duas opções
de 24 horas nos últimos 12 meses (sim, não)? Variáveis​​ de respostas (sim; não). A pontuação varia de 0 a 15 e
sociodemográficas: sexo (masculino, feminino); faixa classifica os pacientes como sem depressão (menor ou
etária (65 a 70 anos; 70 a 79; 80 ou mais); estado civil igual a 5) e com depressão (igual ou maior que 6)14.
(com companheiro, sem companheiro); saber ler/
escrever (sim; não); nível de estudos (nenhum; 1 a 4 Medo de quedas: A Escala de Eficácia de Quedas
anos; >4 anos); morar sozinho (sim; não). - Internacional (FES-I) foi desenvolvida por Yardley
em 200515. Essa escala foi validada para o português
Variáveis ​​relacionadas ao estado de saúde: em 2010, com alfa de Cronbach igual a 0,9615. A
satisfação com a vida (sim; não), percepção de saúde FES-I avalia o medo de cair em 16 atividades diárias
(ruim; regular; boa; excelente), doença crônica (sim; distintas. A escala de pontuação da FES-I, de 16
não), uso de medicamentos (sim; não), polifarmácia (nada preocupado) a 64 (extremamente preocupado),
- uso diário de ≥5 medicamentos (sim; não); uso de com cada item medido em uma escala Likert de
tabaco (sim; não). quatro pontos. Os pontos de corte para medo de cair

Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2021;24(2):e200335


Fatores associados à admissão hospitalar de pessoas idosas

foram os seguintes: 16-22= preocupação baixa e 23- do estudo. As variáveis sociodemográficas


​​ e de saúde
64= preocupação alta15. As variáveis para
​​ presença de encontram-se na Tabela 1. A média de idade foi de
quedas foram história de quedas (sim; não) e queda 75,23 (±8,53) anos, sendo 63,20% eram do sexo
anterior (<12 meses; sim; não). feminino, 67% não tinham companheiro, 39,5% não
sabiam ler e escrever e 31,5% moravam sozinhos. Mais
Presença de comorbidades com Prince et al.16, da metade (54,2%) das pessoas idosas não estavam
Cardiovascular (sim; não), neoplasia (sim; não), satisfeitas com a vida. Quanto à autopercepção do
pulmonar (sim; não), musculoesquelética (sim; estado de saúde, 62,6% avaliaram sua saúde como 4 de 11
não), neurológica (sim; não), metabólica (sim; não), ruim ou regular e 92,3% apresentaram DCNT.
obesidade (sim; não)16.
Na Tabela 2, encontramos a prevalência das
A análise descritiva foi apresentada em valores principais doenças crônicas não transmissíveis.
absolutos e relativos (variáveis ​​categorizadas) e
medidas de tendência central (variáveis numéricas
​​ A frequência de internação nos últimos doze
contínuas). A proporção das variáveis categorizadas
​​ meses foi de 38,0% (IC 95%=33,30%-42,70%). A
foi comparada por meio do teste qui-quadrado (ou regressão logística múltipla não ajustada evidenciou
teste de Fisher, de acordo com o tamanho da amostra). que pessoas idosas, com idade mais avançada,
A Regressão Logística Múltipla e Hierárquica foi percepção de saúde regular ou péssima, portadoras
utilizada com a variável dicotômica IH (sim, não). de doenças crônicas, uso diário de medicamentos,
Foram desenvolvidos cinco modelos: Modelo 1: dependentes de ABVD e AIVD e queda nos
sociodemográfico (idade, gênero, leitura / escrita, últimos doze meses foram associadas a maior risco
estado civil, arranjo familiar), Modelo 2: Modelo de internação. As variáveis ​​saber ler e escrever e
1 + estado de saúde (percepção de saúde (ruim), ter melhor estado cognitivo estiveram associadas a
doença crônica, uso de medicamentos diariamente, menor risco de hospitalização (Tabela 3).
polifarmácia - ≥5 medicamentos por dia, uso de
tabaco. Modelo 3: Modelo 2 + capacidade funcional Na Tabela 4, foram realizados cinco modelos
(Katz - dependente ou independente, Lawton de Regressão Logística Hierárquica. No primeiro
dependente ou independente). Modelo 4: Modelo 3 modelo, “Variáveis Sociodemográficas”,
​​ saber ler e
+ saúde mental (Depressão - GDS15 sim; não, função escrever apresentou menor risco de ser hospitalizado
cognitiva - MEEM). Modelo 5: Modelo 4 + quedas (OR=0,45; IC95%: 0,29 - 0,68, p<0,001). No 2º
modelo “Variáveis ​​Sociodemográficas e Estado
(quedas nos últimos 12 meses sim; não, medo de
de Saúde”, pessoas idosas com autopercepção
queda – FES-I-16 sim; não). Nível de significância de
negativa do estado de saúde (OR: 10,65; IC95%:
5% foi escolhido para o teste, com 95% de confiança
1,19-95,23, p=0,034) e tabagistas apresentaram
intervalo e p <0,05 *; p <0,01 **; p <0,001 ***.
maiores chances de IH. Hospitalizado (OR=3,41;
Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética IC 95%=1,44-8,07, p=0,005). No terceiro modelo,
e Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de São “Variáveis ​​Sociodemográficas, Estado de Saúde
Paulo, Protocolo 2.468.315, de 17 de janeiro de e Capacidade Funcional”, as pessoas idosas
2018. Todos os participantes assinaram o Termo dependentes de ABVD-Katz apresentaram maior
de Consentimento Livre e Esclarecido. A pesquisa risco de IH (OR=2,93; IC95%=1,42-6,01, p=0,003).
está de acordo com a Resolução nº 466/2012. No último modelo, as pessoas idosas com percepção
de saúde ruim (OR=13,49; IC95%=1,26-144,38,
p=0,031) ou percepção de saúde razoável (OR=11,82;
RESULTADOS IC95%=1,12-123,86, p=0,039), usuários de tabaco
(OR=3,36; IC95%=1,36-8,29, p=0,008), dependentes
Das 488 pessoas idosas deste estudo, 400 (83,33%) de ABVD-Katz (OR=2,39; IC95%=1,18-4,87,
responderam todos os questionários. Das que não p=0,016) e queda nos doze anteriores mês (OR=2,37;
participaram, 50 pessoas idosas não atenderam aos IC95%=1,09-5,15, p=0,028) apresentaram maiores
critérios de inclusão e 38 recusaram-se a participar chances de IH.

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Fatores associados à admissão hospitalar de pessoas idosas

Tabela 1. Caracterização sociodemográfica e de saúde das pessoas idosas (n=400). São Paulo,SP, 2018.
Variáveis n (%)
Idade (anos)
60-69 104 (26,00)
70-79 159 (39,70)
≥80 137 (34,30)
Sexo
5 de 11
Masculino 147 (36,80)
Feminino 253 (63,20)
Estado conjugal
Com companheiro 132 (33,00)
Sem companheiro 268 (67,00)
Sabe Ler/Escrever
Sim 242 (60,50)
Não 158 (39,50)
Anos de estudo
Nenhum 158 (39,50)
1a4 242 (60,50)
>4 0 (0)
Mora sozinho
Sim 126 (31,50)
Não 274 (68,50)
Satisfação com a vida
Sim 183 (45,80)
Não 217 (54,20)
Percepção de saúde
Péssima 89 (22,30)
Regular 161 (40,30)
Boa 120 (30,00)
Ótima 30 (7,40)
Doença crônica
Sim 369 (92,30)
Não 31 (7,70)
Uso de medicamentos*
Sim 363 (90,70)
Não 37 (9,30)
Polifarmácia
Sim 148 (37,00)
Não 252 (63,00)
Tabagismo
Sim 110 (27,50)
Não 290 (72,50)
Medo de cair **
Sim 251 (62,70)
Não 149 (37,30)
Última queda
<12 meses 51 (20,30)
Não 200 (79,70)
*
diariamente; ** Ponto de corte da escala FES-I para medo de cair 16-22= não e 23-64= sim15

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Fatores associados à admissão hospitalar de pessoas idosas

Tabela 2. Prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (n=400). São Paulo,SP, 2018.
Comorbidades* n (%)
Cardiovascular
Sim 295 (73,70)
Não 105 (26,30)
Neoplasia
Sim 19 (4,70) 6 de 11
Não 381 (95,30)
Pulmonar
Sim 26 (6,50)
Não 374 (93,50)
Musculoesquelético
Sim 118 (29,50)
Não 282 (70,50)
Neurológico
Sim 199 (49,80)
Não 201 (50,20)
Cardiometabólico
Sim 206 (51,50)
Não 194 (48,50)
*As doenças crônicas foram categorizadas de acordo com Prince et al. 22

Tabela 3. Fatores associados à internação hospitalar das pessoas idosas (n=400). São Paulo, SP, 2018.
Internaçãoa
Variáveis sociodemográficas e clínicas Valor-p
OR não ajustado (IC95%)
Idade (média) 1,09 (1,06 – 1,12) <0,001***
Sexo (feminino) 1,08 (0,71 – 1,65) 0,691
Ler/escrever (sim) 0,45 (0,29 – 0,68) <0,001***
Estado conjugal (sim) 1,41 (0,91 – 2,19) 0,117
Arranjo Familiar (sim) 0,91 (0,58 – 1,41) 0,677
Percepção de saúde (péssima) 5,62 (2,09 - 15,11) <0,001***
Percepção de saúde (regular) 2,92 (1,13 – 7,54) 0,026*
Percepção de saúde (boa) 1,10 (0,40 – 2,99) 0,842
Doença crônica (sim) 3,44 (1,29 – 9,17) 0,013*
Uso de Medicamentos (sim) 2,38 (1,06 – 5,36) 0,036*
Polifarmácia (sim) 1,35 (0,89 – 2,05) 0,150
Tabagismo (sim) 0,90 (0,57 – 1,43) 0,678
Katz Total (média) 6,31 (3,88 - 10,26) <0,001***
Lawton Total 4,29 (2,78 – 6,60) <0,001***
Depressão (sim) 0,77 (0,50 - 1,01) 0,222
MEEM (média) 0,83 (0,76 – 0,90) <0,001***
FES-I (sim) 1,74 (0,81 - 3,71) 0,150
Última Queda (sim) 2,93 (1,51 – 5,69) 0,001***
a
Internação de pelo menos 24 horas nos últimos 12 meses= 0=não; 1=sim; OR: Odds Ratio; IC: Intervalo de Confiança; MEEM: Mini Exame
do Estado Mental; FES-I: Escala de Eficácia de Quedas - Internacional p<0,05* ; p<0,01** ; p<0,001***

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Fatores associados à admissão hospitalar de pessoas idosas

Tabela 4. Regressão logística hierárquica entre variáveis independentes e risco de internação (n=400). São
Paulo,SP, 2018.
Internaçãoa
Modelos
OR ajustado (IC95%) Valor-p
1º Modelo
Idade (média) 1,07 (0,99 – 1,15) 0,056
Sexo (feminino) 0,72 (0,39 – 1,32) 0,295 7 de 11
Ler/escrever (Sim) 0,45 (0,29 – 0,68) <0,001***
Estado conjugal (Sim) 1,79 (0,91 – 3,49) 0,087
Arranjo Familiar (Sim) 0,77 (0,41 – 1,42) 0,405
2º Modelo
Percepção de saúde (péssima) 10,65 (1,19 – 95,23) 0,034*
Doença crônica (sim) 1,08 (0,12 – 9,37) 0,939
Uso de Medicamentos (sim) 2,75 (0,55 – 13,62) 0,214
Polifarmácia (sim) 1,21 (0,67 – 2,20) 0,511
Tabagismo (sim) 3,41 (1,44 – 8,07) 0,005**
3º Modelo
Katz Total (dependente) 2,93 (1,42 – 6,01) 0,003**
Lawton Total (dependente) 1,91 (0,97 – 3,76) 0,061
4º Modelo
Depressão (sim) 1,06 (0,55 – 2,02) 0,852
MEEM (média) 0,92 (0,80 – 1,06) 0,270
5º Modelo
Idade (média) 1,04 (0,99 – 1,09) 0,087
Sexo (feminino) 0,07 (0,41 – 1,84) 0,724
Ler/escrever (sim) 1,44 (0,70 – 2,94) 0,316
Estado conjugal (sim) 1,25 (0,62 – 2,51) 0,526
Percepção de saúde (péssima) 13,49 (1,26 – 144,38) 0,031*
Percepção de saúde (regular) 11,82 (1,12 – 123,86) 0,039*
Percepção de saúde (boa) 5,54 (0,51 – 59,54) 0,157
Doença crônica (sim) 1,07 (0,10 – 10,64) 0,952
Uso de Medicamentos (sim) 3,29 (0,61 – 17,64) 0,164
Polifarmácia (sim) 1,19 (0,64 – 2,21) 0,563
Tabagismo (sim) 3,36 (1,36 – 8,29) 0,008**
KATZ Total (dependente) 2,39 (1,18 – 4,87) 0,016*
Lawton Total (dependente) 1,72 (0,89 – 3,34) 0,106
Depressão (sim) 1,10 (0,58 – 2,08) 0,759
MEEM (média) 0,92 (0,80 – 1,06) 0,286
FES-I (sim) 0,92 (0,20 – 4,16) 0,914
Última Queda (sim) 2,37 (1,09 – 5,15) 0,028*
a
Internação pelo menos por 24 horas nos últimos 12 meses= 0=não; 1=sim; KATZ: Atividades Básicas de Vida Diária; LAWTON: Atividades
Instrumentais de Vida Diária; MEEM: Mini Exame do Estado Mental; FES-I: Escala de Eficácia de Quedas - Internacional. OR: Odds Ratio;
IC: Intervalo de Confiança. *p<0,05*; p<0,01**; p<0,001***.

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Fatores associados à admissão hospitalar de pessoas idosas

DISCUSSÃO com média de idade de 55 anos, o tabagismo foi


associado à IH e mortalidade por diversas doenças
Este estudo pesquisou a frequência de IH e os cardiovasculares21. Dados da literatura destacam o
fatores associados em pessoas idosas atendidas na efeito deletério do uso do tabaco, incluindo redução
atenção primária. A frequência de IH na amostra da expectativa de vida21,22 . Em estudo nacional, o
estudada foi maior do que em outras publicações uso de tabaco pelas mulheres subtraiu 4,47 anos de
brasileiras5-7. Pessoas idosas com idade mais avançada, vida em relação às que não usavam e, na população
percepção de saúde ruim, portadores de doenças masculina, o impacto foi de 5,03 anos para fumantes22. 8 de 11
crônicas, uso diário de medicamentos, dependência Além disso, o uso do tabaco compromete a qualidade
de ABVD, AIVD e queda nos últimos doze meses de vida, devido às morbidades a ele relacionadas,
apresentaram maiores chances de IH. No entanto, como doenças cardiovasculares, doença pulmonar
pessoas mais velhas que sabiam ler/escrever e com obstrutiva crônica (DPOC) e câncer21. Em outro
melhor estado cognitivo demonstraram menos estudo internacional, a fragilidade de pessoas idosas
chances de IH. foi maior em fumantes, principalmente na faixa de
60 a 79 anos23.
Esses achados são consistentes com a literatura
científica e são importantes para profissionais de Pessoas idosas dependentes de A BV D
saúde que atendem pessoas idosas desde a atenção apresentaram maior chance de IH. Diversos estudos
primária à terciária3-8. Nesse contexto, a identificação têm mostrado que a Capacidade Funcional (CF)
de indicadores associados a maiores chances de é uma composição dinâmica que se manifesta
hospitalização representa uma ferramenta essencial como elemento central da saúde da população
na prática clínica, corroborando com medidas idosa 5-7,24 . O comprometimento de atividades
preventivas e resolutivas3-8. A prevalência de internação como tomar banho, alimentar-se e vestir-se está
na amostra estudada foi maior quando comparada relacionado ao aumento da fragilidade em pessoas
a outras publicações nacionais que variaram entre idosas e, consequentemente, à maior demanda por
7,6% e 17,7%5-7. Possíveis explicações para a maior atendimento médico e ao risco de IH5,24.
fragilidade da amostra decorrem de que essas pessoas
idosas eram atendidas em uma unidade de APS, quase O comprometimento da CF é mais evidente e
um terço tem mais de 80 anos, a grande maioria deles traz implicações para a vida do idoso, pois infringe
tem pelo menos uma DCNT e faz uso de medicação sua autonomia, ocasionando uma pior avaliação de
diariamente, a maioria tem percepção de ruim saúde sua qualidade de vida e, consequentemente, maior
ou insatisfação com a vida e histórico de quedas. necessidade de intervenção médica e hospitalização5.
E, além disso, como a literatura tem mostrado, o
Pessoas idosas com percepções de problemas aumento das hospitalizações pode resultar da
de saúde apresentam maiores chances de IH. A deterioração das ABVD do idoso5-7,24.
autopercepção negativa da saúde é compartilhada
por diversos estudos como um importante indicador Uma história de quedas nos últimos doze meses
de saúde5,17-19. Um estudo de base populacional com está relacionada a maiores taxas de IH. Entre 1996 e
23.815 pessoas idosas evidenciou que a percepção 2012, ocorreram cerca de 66.876 mortes por quedas
de saúde precária tinham 1,35 mais chance de serem no Brasil e 941.923 hospitalizações em pessoas com
hospitalizados5. A avaliação da autopercepção de 60 anos ou mais25. De acordo com o Center for Disease
saúde é uma importante ferramenta subjetiva na Control and Prevention (CDC), as quedas são a principal
prática clínica, de fácil aplicação e excelente triagem causa de morbimortalidade em pessoas idosas nos
para desfechos de saúde, atuando como preditor de Estados Unidos da América (EUA)26. Em 2014,
hospitalização e morte em populações idosas5,20. quase 28,7% de pessoas idosas nos EUA relataram
queda, resultando em 29 milhões de quedas, 37,5%
O uso de tabaco esteve associado à IH na amostra das quais necessitaram de IH27. Na população idosa
estudada. Em estudo prospectivo populacional existe estreita relação com o histórico de quedas
com seguimento de 7,2 anos e 188.167 indivíduos como indicador de fragilidade e morbidade grave27,28.

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Fatores associados à admissão hospitalar de pessoas idosas

Os participantes do estudo que sabiam ler/escrever de ir para a UBS. No entanto, deve-se destacar o uso
apresentaram menor propensão à IH. O maior nível de uma abordagem multidimensional, contemplando
de alfabetização é fator de proteção à piores desfechos variáveis ​​sociodemográficas, estado de saúde, CF,
de saúde29, em especial entre a população idosa30. saúde mental e quedas. Outro ponto importante é a
Por outro lado, há fortes evidências que a baixa participação de uma população específica de pessoas
alfabetização é fator de risco para desenvolvimento idosas atendidas em uma UBS. Esses resultados
de DCNTs, baixa adesão aos tratamentos e maior podem ser uma ferramenta importante para os
mortalidade30. Os participantes que tinham melhor profissionais de saúde que cuidam de pessoas idosas 9 de 11
status cognitivo também apresentaram menor risco na APS. Recomendamos a realização de estudos
de IH31. Há sólidas evidências que pessoas idosas longitudinais com amostras maiores em diferentes
com melhor status cognitivo apresentam melhores locais, a fim de identificar possíveis preditores de
desfechos de saúde31,32. IH em pessoas idosas.

O último modelo expressa fatores de risco


modificáveis ​​e não modificáveis ​​relevantes para a CONCLUSÃO
hospitalização de pessoas idosas. A utilização de
uma abordagem multidimensional pode melhorar Este estudo identificou fatores associados à IH de
a permanência e vinculação à APS. Há fortes pessoas idosas na APS por meio de uma abordagem
evidências que o uso de AGA pelos profissionais multidimensional. Pessoas idosas com idade mais
de saúde melhora os desfechos de saúde, qualidade avançada, doenças crônicas não transmissíveis,
de vida, acelera a reabilitação e diminui o risco de uso diário de medicamentos, história de quedas no
IH na população idosa33,34. Por outro lado, o cuidado último ano, má percepção de saúde, uso de tabaco e
focado na doença gera maior risco de IH, custos e incapacidade básica e instrumental para as atividades
índices de reinternação3-8. diárias apresentam maiores chances de internação
nos últimos doze meses. Fatores como saber ler e
Este estudo possui algumas limitações que escrever e ter melhor estado cognitivo apresentaram
devem ser abordadas. O desenho transversal limita menores chances de ter sido hospitalizado. O
a avaliação das relações de causa e efeito. Maior conhecimento dos fatores modificáveis e não
proporção de participantes do sexo feminino limita modificáveis mostra-se um instrumento valioso
a avaliação da exposição a homens mais velhos. para o cuidado dessa população que apresenta
Além disso, algumas variáveis independentes
​​ sofrem necessidades específicas.
influências contextuais, como o estado emocional e
físico em que o indivíduo se encontra no momento Editado por: Maria Luiza Diniz de Sousa Lopes

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