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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

COORDENAÇÃO DO CURSO DE CIÊNCIAS HUMANAS/HISTÓRIA


ALUNA: VITÓRIA NERES
PROF: MARIA DO SOCORRO

GROETHUYSEN, Bernard. Antropologia Filosófica. Tradução: Lurdes Jacob e Jorge


Ramalho. 2ª ed. Lisboa: Editorial Presença, 1988.

“Em Platão, a personagem de Sócrates não é um meio de expressão: ele vai ao


próprio âmago do seu modo de ver as coisas. O homem entrega-se à filosofia; o que
diz, do seu íntimo vem, e este ponto de partida não necessita de explicação alguma.
Tal como exprime a própria forma do diálogo platônico, ele está na origem das coisas.
Este homem não é o homem em si, mas precisamente este homem que, como tal,
não se poderia resolver num conjunto de concepções filosóficas ou encontrar o seu
lugar num sistema.” (p.15)

“Este homem, é filósofo, o filósofo, o homem filosófico” (p.16).

“A filosofia de Platão é como um vasto país, o país da filosofia em geral; não um


sistema filosófico, não está ou aquela visão do mundo, não uma doutrina. Aqui, a
reflexão do filósofo dirige-se para a própria mediação, para o caminho percorrido e
que será necessário voltar a percorrer um número infinito de vezes” (p.17).

“Em Sócrates, o homem, o filósofo e o mestre formam uma unidade indissolúvel. A


sua personalidade, perfeitamente coerente, segue uma legalidade interior e em si
mesma encontra a sua justificação. Nele, o homem filósofo torna-se uma figura
lendária, um valor... Platão criou o tipo do filósofo, do homem que ensina filosofando,
um dos maiores e mais eficazes tipos humanos de todos os tempos” (p.18).

“A filosofia de Platão é, antes de tudo, uma contínua reflexão do filósofo sobre si


próprio, uma filosofia do filósofo onde a filosofia se torna a ela própria como abjecto,
uma consciência filosófica reflexiva, na qual a experiência filosofia aparece sempre
sob novas formas. Neste sentido, a filosofia não pode, de modo algum, ser concebida
como sendo tal filosofia determinada, mas sim como o exercício da filosofia”. (p.19)
“Não se deve crer, no entanto, que viver filosoficamente signifique viver a partir de um
conhecimento adquirido e de um estado estável que lhe correspondia. Viver
filosoficamente significa viver filosofando. Não se trata de alcançar de uma vez por
todas um objetivo final” (p.22).

“Nesta vida meditativa da alma, os elementos que a filosofia pode distinguir pela
análise estão inseparavelmente ligados um ao outro: O conjunto alma-ideia é um dado
primordial que não pode ser nem deduzido de outra coisa nem conduzido a outra
coisa” (p.23)

“Alma e ideia: tal é o tema central do mito filosófico e, pode dizer-se do mito do homem
em geral. Ser homem é ter a nostalgia da ideia, é tomar consciência de si ao filosofar,
é descobrir em si o filósofo, o filósofo em geral, e não está ou aquela filosofia.” (p.27)

“Nós não filosofamos porque acreditamos no mito, pelo contrário, o mito não é mais
que uma interpretação do pensamento filosófico, uma expressão cósmica da
experiência filosófica.” (p.28-29)

“O mito é uma interpretação, um pressentimento, e o homem mítico, uma força, uma


figura onde aquele que filosofa se contempla a si próprio e na qual a alma lhe surge
exatamente como se apresenta fora dos limites desta vida. Mas tal aparição é distante.
Dica-se pelo domínio das possibilidades, no caminho onde ele progride e que leva à
contemplação das ideias.” (p.29-30)

“Se bem que existia entre a alma e o corpo uma diferença fundamental do ponto de
vista do valor, isso não impede que um e outro sejam igualmente tratados como dados.
O corpo segue leis que lhe são próprias e que eu não conheço imediatamente;” (p.33)

“O homem, visto através de semelhante conjunto de temas, não é o homem tal qual
se sente a si próprio, quando, movido pela nostalgia e preocupado com a alma,
procura o seu caminho; também não é o homem para quem a alma é um fim último.”
(p.36)
“As concepções antropológicas de Platão são, antes de tudo, determinadas por
atitudes que, de certa maneira ultrapassam o homem. Neste sentido, o homem não é
de modo algum, por ele entendido como um simples dado. O problema humano não
se lhe coloca a partir do homem como tal, mas, por um lado, a partir da alma, da
experiência que o homem tem da sua alma ao filosofar, e, por outro, do Estado, dos
fins que o legislador tem em vista.” (p.38)

LIMA VAZ, Henrique C. de. Antropologia Filosófica. 7. ed. Vol. I São Paulo: Loyola,
1991.

“Na medida em que os fios da história se entrelaçam numa complexidade sempre


maior e em que a civilização ocidental amplia sua bases materiais e efetivamente se
universaliza, as concepções do homem, sobretudo em sua expressão filosófica que
aqui nos ocupará, tornam-se mais complexas e passam a enfrentar o difícil problema
da chamada “pluralidade antropológica”.(p.79)

“Na ordem das ideias, a civilização da Renascença veio a ser conhecida como idade
do humanismo. Indica ao mesmo tempo uma nova sensibilidade em fase do homem
e a redescoberta e exaltação da literatura clássica.”(p.80).

“O tema dignidade do homem reaparece na Renascença como a reiteração


consistente de um tema que provém de Sófocles e da Sofística grega e se tornara um
lugar comum na literatura antiga.”(p.83).

“Segundo o parecer de Agnes Heller, é na Renascença que se dão as condições para


que surja uma Antropologia Filosófica no sentido moderno do termo.”(p.84)

“A antropologia da Renascença aparece, assim, como uma antropologia de ruptura e


transição: ruptura com a imagem cristão-medieval do homem e transição para a
imagem racionalista que dominará os séculos XVII e XVIII.”(p.85)

‘A formação da antropologia cartesiana parece acompanhar, assim, os estágios da


formação de uma nova ideia de razão que presidirá ao desenvolvimento da filosofia
moderna até Kant e mostrará sua fecundidade na construção da ciência
galileiana.”(p.88)

“O discurso do método em Pascal se constrói, portanto, tendo em vista a situação do


homem e não a verdade na ciência entre os dois infinitos espaciais, o lugar do homem
na natureza é infinito e quase imperceptível; mas, pelo pensamento, ele se eleva sobre
os abismos espaciais da grandeza e da pequenez e compreende esse mesmo
universo que o engole como um ponto.”(p.91)

“A sociedade política, que garante o bem de todos, aparece como um liame gravoso
para cada um, em contraste com a socialidade espontânea do “estado de natureza”.
Assim, não restará ao indivíduo outro caminho para reencontrar sua autonomia senão
recolher-se ao isolamento de sua vida privada. O Estado é o poder supremo.” (p.95)

“A civilização é, ao mesmo tempo, um fato e um valor. Ela designa um estágio


avançado (em termos verificáveis e mensuráveis) da história de um grupo humano
com relação aos estágios anteriores nos campos principais do pensamento e da
atividade prática e técnica e, ao mesmo tempo, um ideal de progresso e uma atitude
de otimismo em face da história futura.” (p104)

“A condição para que a Antropologia se constituía definitivamente é a formação de um


“imaginário antropológico, ocupando um espaço humano dilatado, seja no sentido
geográfico, seja no sentido cultural e pleno de informações provindas de fontes tão
diversas quanto a literatura de viagens, as relações dos missionários etc.” (p.106)

“Para o estudo da concepção do homem no idealismo alemão, assume particular


importância o Romantismo, poderoso movimento de sensibilidade e de ideias que se
veio formando ao longo de todo século XVIII, constituindo a tendência que alguns
autores denominaram de Pré- Romantismo.” (p.114)

“A obra de Rousseau, sem dúvida uma das mais importantes do século XVIII, pode
ser considerada uma das fontes principais da ideia filosófica do homem que
prevalecerá nos séculos XIX e XX.” (p.116)
“A antropologia de Rousseau está intimamente ligada á sua experiência humana e é,
nesse sentido, eminentemente existencial. Porém, se por um lado Rousseau coloca o
sentimento, cuja sede é o coração ou a consciência moral, no centro de sua visão do
homem, por outro como genuíno herdeiro da tradição racionalista, dá a seu
pensamento uma rigorosa estrutura racional e, ao mesmo tempo axiomático-
dedutiva.” (p.115)

“Para Herder, a definição mais adequada do homem é a de ser de linguagem. A


linguagem é uma criação do homem e atesta sua condição de ser racional ou é a
própria forma humana da racionalidade e não um dom divino, como pretendia o mestre
de Herder.” (p.119)

“- a relação do homem com a história pode ser considerada um desdobramento de


sua relação com a cultura. Na verdade, a filosofia hegeliana tem aqui um de seus
pontos nodais, pois nela se reconhece geralmente a efetivação mais consequente da
chamada "inflexão historiocêntrica" que mudou a direção do curso do pensamento
filosófico nos indícios do século XIX.” (p.123)

“O pensamento de Hegel apresenta uma grande riqueza e uma grande


complexidade". Duas linhas orientam seu desenvolvimento; a linha crítica e a linha
sistemática. E justamente seguindo a linha sistemática que a concepção do homem
começa a adquirir aqueles que serão seus traços definitivos.” (p.126)

“A concepção hegeliana do homem abrange efetivamente esses três momentos, pois


o Espírito subjetivo – o indivíduo – passa necessariamente para o Espírito objetivo –
a cultura ou a história – no qual tem sua verdade, e este passa necessariamente para
o Espírito absoluto – a ideia, exprimindo-se como Arte, Religião e Filosofia – no qual
tem sua verdade absoluta.” (p.130)

“Para Marx a especificidade do homem se destaca sobre o fundo das caracteristicas


que ele tem em comum com os animais. Seja o homem, seja o animal se definem pelo
tipo de relação que os une à natureza, isto é, pela forma como vivem sua vida. Ora,
enquanto o animal é sua própria vida, ao homem cabe produzir a sua”. (p.136)
“É provavelmente na noção de necessidades humanas que Marx encontra a diferença
especifica para formular a definição da natureza humana. [...] De acordo com Marx, é
o caráter social e a interpretação das necessidades que constituem o fundamento para
o estudo de sua plena satisfação, ou seja, de sua satisfação segundo uma medida
plena mente humana, o que se supõe terá lugar na sociedade comunista.” (p. 137)

“As correntes filosóficas que, na primeira metade do século XIX refletiram de modo
mais direto o aparecimento e desenvolvimento das ciências humanas foram, na
França, os chamados ideólogos e, posteriormente, o positivismo, seja na forma
ortodoxa que lhe deu seu fundador, Auguste Conte (1798-1857) [...]” (p.141)

“A presença de Nietsche, como a de Marx, é uma presença difusa, mais


poderosamente determinante em vários campos da cultura contemporânea. [...] A
visão nietzschiana do homem é articulada em dois planos epistemológicos: o plano
metafísico e o plano da crítica da cultura.” (p.143)

“A influência de Nietzsche se faz sentir particularmente nas origens da antropologia


contemporânea, que reconhece no filosófico Marx Scheler (1874-1928) um de seus
principais inspiradores.” (p.145)

“Marx scheler desenvolveu numa linha original o método fenomenológico e E.Husserl,


dando ênfase à dimensão afetiva e pré-conceptual do conhecimento. No centro da
visão sheleriana do homem está o conceito de pessoa, sendo o pensamento de
Scheler considerado uma das fontes principais do personalismo contemporâneo, tanto
no campo da antropologia propriamente dito como no campo da moral.” (p.146)

“Na direção do pensamento, o homem descobre a ordem da realidade: diversifica seus


sabores(a) e faz a experiência de duas ordens irredutíveis de realidade, a realidade
natural (b) e a realidade social e histórica (c); na direção da ação o homem constrói a
ordem humana de sua presença no mundo: a linguagem, ação primigênia, o agir
propriamente dito e o mundo humano no qual o próprio homem é tornado como
paradigma de valor nos diversos humanismos.” (p.155)
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução: roberto Raposo, revisão técnica
e apresentação: Celso lafer. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

“O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano, cujos


crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com as
necessidades vitais produzidas e industrializadas pelo sabor no processo da vida. A
condição humana do labor é a própria vida. “(p.15)

“As três atividades e suas respectivas condições têm íntima relação com as condições
mais gerais da existência humana: o nascimento e a morte, a natalidade e a
mortalidade. O labor assegura não apenas a sobrevivência do indivíduo, mas a vida
da espécie.”(p.16)

“A condição humana compreende algo mais que as condições nas quais a vida foi
dada ao homem. Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles
entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência.”(p.17)

“Aristóteles distinguia três modos de vida(bioi) que os homens podiam escolher


livremente, isto é, em inteira independência das necessidades da vida e das relações
delas decorrentes. Esta condição prévia de liberdade eliminava qualquer modo de vida
dedicado basicamente à sobrevivência do indivíduo – não apenas o labor, que era o
modo de vida do escravo, coagido pela necessidade de permanecer vivo e pela tirania
do senhor, mas também a vida de trabalho dos artesãos livres e a vida aquisitiva do
mercador.”(p.20)

“À antiga liberdade em relação às necessidades da vida e à compulsão alheia, os


filósofos acrescentam a liberdade e a acessação de toda atividade política(skhole), de
sorte que a posterior pretensão dos cristãos – de serem livres de envolvimento em
assuntos mundanos, livres de todas as coisas terrenas – foi precidida pela apolitia
filosófica da última fase da antiguidade, e dela se originou.”(p.22-23)

“A inversão hierárquica na era moderna tem em comum com a tradicional hierarquia


a premissa de que a mesma preocupação humana central deve prevalecer em todas
as atividades dos homens, posto que, sem um único princípio global, nenhuma ordem
pode ser estabelecida. Tal premissa não é necessária nem axiomática.”(p.25-26)

“Imortalidade significa continuidade no tempo, vida sem morte nesta terra e neste
mundo, tal como foi dada, segundo o consenso grego, à natureza e seus deuses do
Olimpo. Contra este pano de fundo – a vida perpétua da natureza e a vida divina,
isenta de morte e de velhice – encontravam-se os homens mortais, os únicos mortais
num universo imortal mas não eterno, em cotejo com as vidas imortais dos seus
deuses mas não sob o domínio de um Deus eterno.”(p.26-27)

“Os homens são os mortais, as únicas coisas mortais que existem porque, ao contrário
dos animais, não existem apenas como membros de uma espécie cuja vida imortal é
garantida pela procriação. A mortalidade dos homens reside no fato de que a vida
individual, com uma história vital identificável desde o nascimento até a morte, advém
da vida biológica.”(p.27)

“Uma coisa é certa: é somente em Platão que a preocupação com o eterno e a vida
do filósofo são vistos como inerentemente contraditórios e em conflito com a luta pela
imortalidade, que é o modo de vida do cidadão, o bios politikos. Talvez a descoberta
do eterno, feita pelos filósofos, tenha sido favorecida pelo fato de que eles, muito
justificadamente, duvidaram das possibilidades da polis no tocante à imortalidade ou
até mesmo à permanência;”(p.29)

“A palavra labor, como substantivo jamais designa o produto final, o resultado da ação
de laborar; permanece como substantivo verbal, uma espécie de gerúndio. Por outro
lado, é a palavra correspondente a trabalho que deriva o nome do próprio produto,
mesmo nos casos em que o uso corrente seguiu tão de perto a evolução moderna que
a forma verbal da palavra trabalho, se tornou praticamente obsoleta.”(p.91)

“O desprezo pelo labor, originalmente resultante da acirrada luta do homem contra a


necessidade e de impaciência não menos forte em relação a todo esforço que não
deixasse qualquer vestígio, qualquer monumento, qualquer grande obra digna de ser
lembrada, generalizou-se à medida em que as exigências da vida na polis consumiam
cada vez mais o tempo dos cidadãos e com a ênfase em sua abstenção de qualquer
atividade que não fosse política, até estender-se a tudo quanto exigisse
esforço.”(p.91)

“Laborar significava ser escravizado pela necessidade, escravidão esta inerente às


condições da vida humana. Pelo fato de serem sujeitos às necessidades da vida, os
homens só podiam conquistar a liberdade subjugando outros que eles, à força,
submetiam à necessidade. (p.94)

“O próprio motivo da promoção do labor como trabalho na era moderna foi a sua
produtividade; e a noção aparentemente blasfema de Marx de que o trabalho ( e não
Deus) criou o homem ou de que o trabalho( e não a razão) distingue o homem dos
outros animais, era apenas a formulação mais radical e coerente de algo com que
toda a era moderna concordava.”(p.96-97)

“Numa sociedade completamente socializada, cuja única finalidade fosse a


sustentação do processo do processo vital – e é este o ideal, infelizmente um tanto
utópico, que orienta as teorias de Marx – a distinção entre labor e trabalho desaparecia
completamente; todo trabalho tornar-se-ia labor, uma vez que todas as coisas seriam
concebidas, não em sua qualidade mundana e objetiva, mas como resultados da força
viva do labor, como funções do processo vital.”(p.100)

“O desprezo pelo labor na teoria antiga e sua globalização na teoria moderna


baseavam-se ambos na atitude subjetiva ou na atividade do trabalhador, uma
desconfiando de seu doloroso esforço e a outra louvando-lhe a produtividade.” (p.104-
105)

“A realidade e a confiabilidade do mundo humano repousam basicamente no fato de


que estamos rodeados de coisas mais permanentes que a atividade pela qual foram
produzidas, e potencialmente ainda mais permanentes que a vida de seus autores. A
vida humana, na medida em que é a criadora do mundo, está empenhada em
constante processo de reificação; e o grau de mundanidade das coisas produzidas,
cuja soma total constitui o artifício humano, depende de sua maior ou menor
permanência neste mundo.” (p.107)
“Tudo o que o labor produz destina-se a alimentar quase imediatamente o processo
da vida humana, e este consumo, regenerando o processo vital, produz – ou antes,
reproduz – nova “força de trabalho” de que o corpo necessita para seu posterior
sustento.” (p.111)

“Locke preocupava-se com a instituição da propriedade privada como base da


sociedade, enquanto Smith pretendia explicar e assegurar o livre acúmulo ilimitado de
riqueza. Todos eles, porém – embora Marx com maior força e coerência – afirmavam
que o labor devia ser visto como a suprema capacidade humana de construir um
mundo.” (p.113)

“Uma vez que nem Locke nem Smith estava interessado no labor como tal, ambos
podiam dar-se ao luxo de admitir certas distinções que na verdade equivaleriam a
distinguir em princípio entre labor e trabalho, não fosse o seu modo de ver como
simplesmente irrelevantes as características genuínas do labor.” (p.115)

“A benção do labor consiste no fato de que o esforço e a recompensa seguem-se tão


de perto quanto à produção e o consumo dos meios de subsistência, de modo que a
felicidade é concomitante com o próprio processo, da mesma forma como o prazer é
concomitante com o funcionamento de um corpo sadio.” (p.120)
“Não resta dúvida de que, com o processo natural da vida reside no corpo, nenhuma
outra atividade é tão imediatamente vinculada à vida quanto o labor. Locke não se
satisfazia com a tradicional explicação do trabalho(labor) como consequência natural
e inevitável da pobreza, e jamais como meio de aboli-la, nem a tradicional explicação
da origem da propriedade através da aquisição, conquista ou divisão original do
mundo comum.” (p.122)

“É notável que a filosofia do trabalho de Marx tenha coincidido com as teorias da


evolução e do desenvolvimento que floresceram no século XIX – a evolução natural
de um processo vital único a partir das formas mais rudimentares de vida orgânica até
a aparição do animal humano, e o desenvolvimento histórico de um processo vital da
humanidade como um todo.” (p.128)
“Os produtos do labor, produtos do metabolismo do homem com a natureza, não
duram no mundo o tempo suficiente para se tornarem parte dele, e a própria atividade
do labor, concentrada exclusivamente na vida e em sua manutenção, é tão indiferente
ao mundo que é como se este não existisse.” (p.130)

“O motivo pelo qual o trabalho escravo desempenha papel tão importante nas
sociedades antigas, e o seu desperdício e improdutividade passaram despercebidos,
é que a antiga cidade-estado era basicamente um “centro de consumo”, ao contrário
das cidades medievais, que eram principalmente centros de produção.” (p.131-132)

“A divisão do labor é, realmente, resultado direto do processo de labor, e não deve ser
confundida com o princípio, aparentemente semelhante, da especialização que
prevalece nos processos de trabalho e com o qual não deve ser equacionada.” (p.135)

“A revolução industrial substituiu todo artesanato pelo labor; resultado foi que as
coisas do mundo moderno se tornaram produtos do labor, cujo destino natural é serem
consumidos, ao invés de produtos do trabalho que se destinam a ser usados.” (p.137)

“Para demonstrar a implausibilidade desta auto avaliação do homem moderno,


convém lembrar que todas as civilizações antes da nossa teriam, ao invés disso,
concordado com Platão que a <arte de ganhar dinheiro> nada tem a ver com o
verdadeiro conteúdo de artes como a medicina, a navegação ou a arquitetura, às quais
recompensa monetária, cuja natureza é obviamente diferente da natureza da saúde.”
(p.140-141)

“Quanto mais fácil se tornar a vida numa sociedade de consumidores ou de operários,


mais difícil será preservar a consciência das exigências da necessidade que a impele,
mesmo quando a dor e o esforço – manifestações externas da necessidade – são
quase imperceptíveis.” (p.147-148)

STRAUSS-LÉVI, C. Raça e História. Tradução: Eduardo P. Graeff, et AL. 2ª Ed. Os


pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
“Há muito mais culturas que raças humanas, pois as primeiras se contam por milhares
e as segundas, por unidades: duas culturas elaboradas por homens pertencentes à
mesma raça podem diferir tanto, ou mais, que duas culturas representativas de grupos
racialmente distintos... Enfim e principalmente devemo-nos perguntar em que consiste
essa diversidade, com o risco de ver os preconceitos raciais, apenas arrancados de
sua base biológica, renasceram em novo terreno. Isto porque seria inútil conseguir
que o homem do povo renuncie a atribuir um significado intelectual ou moral ao fato
de ter a pele negra ou branca, o cabelo liso ou crespo, para ficar em silêncio diante
de outra questão à qual a experiência prova que ele se agarra imediatamente” (p.233).

“Com efeito, o problema da diversidade não se coloca apenas a propósito das culturas
estudadas em suas relações recíprocas; existe também no seio de cada sociedade,
todos os grupos que a constituem: castas, classes, meios profissionais ou
confessionais etc.” (p.235)

“Sabe-se, com efeito, que a noção de humanidade, a englobar, sem distinção de raça
ou de civilização, todas as formas da espécie humana, apareceu muito tardiamente e
teve expansão limitada.” (p.237)

“As grandes declarações dos direitos do homem também têm essa força e essa
fraqueza de enunciar um ideal muito frequentemente esquecido do fato de que o
homem não realiza sua natureza numa humanidade abstrata, mas em culturas
tradicionais onde as mudanças mais revolucionárias deixam subsistir lances inteiros,
e se explicam em função de uma situação estritamente definida no tempo e no espaço”
(p.238)

“Sugerimos que cada sociedade pode, por seu próprio ponto de vista, dividir as
culturas em três categorias: as que são contemporâneas, mas se acham situadas em
outro lugar do globo; as que se manifestam aproximadamente no mesmo espaço, mas
a precederam no tempo; finalmente as que existiram simultaneamente num tempo
anterior ao seu e num espaço diferente daquele em que ela se coloca.” (p.240)

“Para tratar algumas sociedades como “etapas” do desenvolvimento de outras, seria


necessário admitir que, quando acontecia alguma coisa com essas últimas, com
aquelas não acontecia nada – ou muito pouca coisa. E com efeito, falar-se de bom
grado dos “povos sem história” (para dizer às vezes que são felizes)” (p.242-243)

“A humanidade em progresso não se parece com um personagem que sobe uma


escada, acrescentando em cada um de seus movimentos um degrau novo a todos
aqueles que conquistou;” (p.245)

“A oposição entre culturas progressivas e culturas inertes parece assim resultar,


primeiramente, de uma diferença de focalização. Para observador ao microscópio,
que se colocou numa certa distância calculada a partir do objetivo, os corpos
colocados aquém ou além, mesmo que o afastamento fosse apenas de alguns
centésimos de milímetros, parecem confusos e misturados, ou mesmo nem
aparecem.” (p.247-248)

“É possível, dirá, no plano de uma lógica abstrata, que cada cultura seja incapaz de
fazer um julgamento verdadeiro de outra, visto que uma cultura não pode evadir-se
de si mesma e sua apreciação tornar-se, por conseguinte, prisioneira de um
relativismo sem apelação.” (p.252)

“Todas as sociedades humanas, desde os tempos mais remotos, agiram no mesmo


sentido; e as sociedades muito longínquas e muito arcaicas, que assimilaríamos
naturalmente aos povos “selvagens” de hoje, é que realizaram, nesse setor, os
progressos mais decisivos.” (p.254)

“A necessidade de preservar a diversidade das culturas num mundo ameaçado pela


monotonia e pela uniformidade não escapou decerto às instituições internacionais. A
diversidade das culturas humanas está atrás de nós, em torno de nós e diante de nós.”
(p.269)

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da


desigualdade entre os homens.Tradução: Lurdes Santos Machado. Introdução e
notas de Paulo Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado. 2ª Edição. Coleção
Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultura, 1978.
“Tendo a felicidade de haver nascido entre vós, como poderia meditar sobre a
igualdade que a natureza estabeleceu entre os homens e sobre a desigualdade
instituída por eles sem pensar na profunda sabedoria com a qual uma e outra,
felizmente combinadas neste Estado, concorrem, da maneira mais próxima à lei
natural e mais favorável à sociedade, para a manutenção da ordem pública e a
felicidade dos particulares.”(p.217).

“Para Rousseau, o soberano não. é como se entende na linguagem corrente. Uma


pessoa, o rei, o imperador. É o povo, na medida em que faz as leis o aspecto ativo do
corpo político. O Estado é seu aspecto passivo, o povo enquanto observa as
leis.”(p.218)

“Em todos os demais governos, quando se trata de assegurar o maior bem do Estado,
todas as coisas se limitam sempre a projetos de ideias ou, pelo menos, a simples
possibilidades; em vosso caso, vossa felicidade é completa – somente usufruir dela –
e, para vos tonardes bastante felizes, basta somente contentar-vos com sê-lo. “(p.221)

“Rousseau tem como objetivo reencontrar por meio da hipótese, a história da


evolução, no decorrer da qual os homens se elevaram até o estado social. O melhor
empregado por ele é psicológico; o estado de natureza, como o define aqui, é o
homem, fazendo-se abstração da vida social.” (p.228)

“Considerando a sociedade humana de modo calmo e desinteressado, a princípio ela


só parece mostrar a violência dos homens poderosos e a opressão dos fracos; o
espírito se revolta contra a dureza de uns ou é levado a deplorar a cegueira dos outros
e – como nada é menos estável entre os homens do que essas relações exteriores
produzidas mais frequentemente pelo acaso do que pela sabedoria, e que chamam
de fraqueza ou poder, riqueza ou pobreza.” (p.231)

“De que se trata, pois, precisamente neste Discurso? De assinalar, no processo das
coisas, o momento em que sucedendo o direito à violência, submeteu-se a natureza
à lei; de explicar por que encadeamento de prodígios o forte pôde resolver-se a servir
ao fraco a comprar uma tranquilidade imaginária pelo preço de uma felicidade real.”
(p.235)
“Os selvagens de acordo com Rousseau, só com grande inexatidão representam o
estado de natureza. Um método falso fez com que os filósofos se enganassem quando
às tendências primitivas do homem e lhe atribuíssem, por exemplo, uma crueldade
inata” (p.236)

“Hobbes pretende que o homem é naturalmente intrépido e não procura senão atacar
e combater. Um filósofo ilustre pensa o contrário, e Cumberland e Pufendor
asseguram também que nenhum ser é tímido quanto o homem em estado de
natureza, e que ele está sempre tremendo e pronto a fugir ao menor ruído que o
alcance, ao menor movimento que perceba” (p.239)

“Evitemos, pois, confundir o homem selvagem com os homens que temos diante dos
olhos. A natureza trata todos os animais abandonados a seus cuidados com uma
predileção com que parece querer mostrar quanto é coisa desse direito. Tornando-se
sociável e escravo, torna-se fraco, medroso e subserviente, e sua maneira de viver,
frouxa e afeminada, acaba por debilitar ao mesmo tempo sua força e sua coragem.”
(p.241)

“Na concepção de Rousseau, o grande passo mediante entre o isolamento individual


e as relações com os semelhantes é representado pelo uso da linguagem.” (p.246)

“O homem encontra unicamente no instinto todo o necessário para viver no estado de


natureza; numa razão cultivada só encontra aquilo de que necessita para viver em
sociedade.” (p.251)

“Certo, pois a piedade representa um sentimento natural que, moderando em cada


indivíduo a ação do amor de si mesmo concorre para a conservação mútua de toda a
espécie. Ela nos faz, sem reflexão, socorrer aqueles que vemos sofrer; ela, no estado
de natureza, ocupa o lugar das leis, dos costumes e da virtude, com a vantagem de
ninguém sentir-se tentado a desobedecer à sua doce voz.” (p.254)
“Depois de ter provado ser a desigualdade apenas perceptível no estado de natureza,
e ser nele quase nula sua influência, resta-me ainda mostrar sua origem e seus
progressos nos desenvolvimentos sucessivos do espírito humano.” (p.258)

“O primeiro sentimento do homem foi o de sua existência, sua primeira preocupação


a de sua conservação.” (p.260)

“É preciso observar, porém, que a sociedade iniciada e as relações já estabelecidas


entre os homens exigiam deles qualidades diversas daquelas que deviam à sua
constituição primitiva que começando a moralidade a introduzir-se nas ações
humanas e constituindo cada um perante as leis o único juiz e vingador das ofensas
que recebia, a bondade que convinha ao estado puro de natureza não era mais a que
convinha à sociedade nascente.” (p.264)

“A sociedade nascente foi colocada no mais tremendo estado de guerra; o gênero


humano, aviltado e desolado, não podendo mais voltar sobre seus passos nem
renunciar às aquisições infelizes que realizara, ficou às portas da ruína por não
trabalhar senão para sua vergonha, abusando das faculdades que o dignificam. “
(p.268)

“A sociedade, a princípio, constituiu-se somente de algumas conversões gerais que


todos os particulares se comprometeram a observar e das quais a comunidade se
tornou fiadora perante cada um deles. Foi necessário que a experiência demonstrasse
como uma tal constituição era fraca e como os infratores podiam facilmente evitar a
acusação ou o castigo das faltas, das quais somente o público deveria ser testemunha
e juiz” (p.271)

“Mas, ainda que se pudesse alienar sua liberdade como a seus bens, a diferença seria
muito grande para os filhos que só gozam dos bens do pai pela transmissão de seu
direito, enquanto, sendo a liberdade um dom que lhes advém da natureza pela
qualidade de homem, seus pais não tem qualquer direito de despojá-los dele“ (p.275)

“Os cidadãos quiseram conservar sua liberdade, os súditos só pensaram em arranca-


la de seus vizinhos, não podendo conceber que outros gozassem de um bem do qual
eles próprios não mais gozavam. Em uma palavra, de um lado ficaram as riquezas e
as conquistas, e do outro, a felicidade e a virtude.” (p.276)

“Conclui-se dessa exposição que, sendo quase nula a desigualdade no estado de


natureza, deve sua força e seu desenvolvimento a nossas faculdades e aos
progressos do espírito humano, tornando-se, afinal, estável e legítima graças ao
estabelecimento da propriedade e das leis. Conclui-se, ainda, que a desigualdade
moral, autorizada unicamente pelo direito positivo, é contrária ao direito natural
sempre que não ocorre, juntamente e na proporção, com a desigualdade física.”
(p.282)

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