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INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO

Fonte:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786553624870/epubcfi/6/60%5B%3Bvnd.v
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ACEPÇÕES DA PALAVRA “ECONOMIA”

Considerando que o Direito Econômico regula a intervenção do Estado na


economia, conclui-se ser inadmissível iniciar o estudo daquele sem antes firmar noções sobre o
conceito de “economia”.

A palavra “economia”, consoante leciona Paul Singer, possui, pelo menos, três
significados;

o primeiro é a qualidade de ser estrito ou austero no uso de recursos ou valores. É


nesta acepção que o termo é empregado, por exemplo, na seguinte frase: “Comprei tudo na
promoção, então fiz uma grande economia”;

o segundo é a característica comum de uma ampla gama de atividades que


compõem a “economia” (o domínio econômico) de um país, de uma região, de uma cidade etc.
Como veremos adiante, não é fácil definir com precisão o que é “economia” nesse sentido; por
enquanto, adotar-se-á a noção comum de que uma atividade é “econômica” quando visa ganho
pecuniário, ou seja, quando proporciona a quem a exerce um rendimento em dinheiro;

Observação: A expressão “ordem econômica” é ambígua. Pode ser empregada


para se referir ao modo de “ser” de determinada economia, caso em que é sinônima de
domínio econômico. Se utilizada relativamente ao plano do “dever ser”, designa uma ordem
jurídica da economia, isto é, “o conjunto de todas as normas jurídicas relacionadas com a
disciplina do comportamento dos sujeitos econômicos”.

o terceiro refere-se à ciência que tem por objeto a atividade que dá o segundo
significado. A Economia (ciência) é a sistematização do conhecimento sobre a economia
(atividade), estudando, pois, como a sociedade decide o quê, como e para quem produzir.

Entendendo o funcionamento da economia (atividade), somos capazes de avaliar


se o Estado deve intervir ou não no domínio econômico e de compreender os princípios que
norteiam as decisões sobre políticas públicas.

POLÍTICA ECONÔMICA

Considerando que o Direito Econômico, consoante será adiante exposto, regula a


política econômica do governo, faz-se necessário firmar noção acerca de tal instituto8, o que,
por sua vez, exige prévia definição do que sejam políticas públicas, gênero no qual se insere
aquela como espécie.

As políticas, ensina Maria Paula Dallari Bucci, são instrumentos de ação dos
governos.
Assim, a primeira ideia que se tem de uma política pública é a de “um conjunto de
ações de organismos estatais com o objetivo de equacionar ou resolver problemas da
coletividade”.

Como se vê, o conceito de política pública relaciona-se à ideia, exposta no primeiro


capítulo desta obra, de que o Estado tem como fim o bem comum do povo situado em seu
território.

As políticas públicas são consideradas por Wilson Donizeti Liberati “como um


processo ou conjunto de processos que culmina na escolha racional e coletiva de prioridades,
para a definição dos interesses públicos reconhecidos pelo Direito”.

Políticas públicas, no dizer de José Marcos Domingues, “são o conjunto de ações


estatais dirigidas à consecução de um fim público”.

Na definição de Cristiane Derani, políticas “são atos oriundos das relações de força
na sociedade” e são chamadas de públicas “quando estas ações são comandadas pelos agentes
estatais e destinadas a alterar as relações sociais existentes”.

Segundo Eros Roberto Grau, a expressão políticas públicas “designa todas as


atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do poder público na vida social”.

Tais políticas, consoante esclarece o mesmo autor, não se reduzem à categoria das
políticas econômicas, mas englobam, de modo mais amplo, todo o conjunto de atuações estatais
no campo social (políticas sociais).

Apresentando-se, pois, como uma espécie de política pública, a política econômica


pode ser definida como o conjunto de ações de intervenção do Estado nas relações econômicas
com a finalidade de equacionar ou resolver problemas em tal domínio, com vistas a atingir
objetivos previamente fixados. Observa Rosemiro Pereira Leal que: “A intervenção ou não
intervenção é, portanto, um dado da política econômica sustentada pelas normas e instituições
do Direito Econômico considerado na teoria da constitucionalidade democrática” (destaques
nossos).

Para Isabel Vaz, a política econômica, tomada em seu sentido amplo, “pode ser
considerada como um conjunto de ações adequadas dirigidas racionalmente para a obtenção
de determinados resultados de natureza econômica em uma comunidade”. Quando o emissor
dessas diretrizes é o Estado, prossegue a autora, temos uma “política econômica estatal”.

Segundo André Carvalho Nogueira, política econômica é “toda ação concertada do


governo que vise, por meio da intervenção no domínio econômico e utilizando os instrumentos
que o sistema lhe propõe, atingir um determinado objetivo econômico”.

Política econômica, na definição de Eugênio Rosa de Araújo, é o conjunto de


medidas tomadas pelo Estado com o objetivo de atuar e influir sobre os mecanismos de
produção, distribuição e consumo de bens e serviços.

O Direito Econômico, observa Maria Paula Dallari Bucci, “campo com o qual a
abordagem das políticas públicas no direito tem evidentes afinidades, também evoluiu
lentamente, a partir das transformações nas relações entre o direito e a economia que
sucederam o fim da Primeira Guerra Mundial, a revelar a exaustão do paradigma institucional-
econômico do século XIX. Mas encontrou base para seu desenvolvimento na sistematização da
reflexão teórica sobre temas que, ao mesmo tempo, vinham sendo progressivamente objeto de
tratamento pelo direito positivo, à medida que se intensificavam as formas de intervenção do
Estado no e sobre o domínio econômico”.

ATIVIDADES DO ESTADO E ATIVIDADES DOS PARTICULARES

A análise do fenômeno da intervenção do Estado no domínio econômico —


objeto do Direito Econômico — impõe prévia distinção entre o campo das atividades privadas e
o campo das atividades estatais.

A vida social — assim considerado o conjunto de atividades desenvolvidas


em uma sociedade — é formada pela união de dois setores, cujos contornos são delineados pela
Constituição Federal: o campo estatal e o campo privado. Ressalte-se que é matéria
constitucional a definição do espaço público e do privado, cabendo apenas residualmente ao
legislador infraconstitucional excepcionar essa ordem estabelecida.

O Estado desenvolve apenas as atividades que a ordem pública


expressamente lhe atribui, estando proibido de fazer o que a Constituição ou as leis não
autorizam de modo explícito. No Brasil, por exemplo, a Constituição atribui ao poder público a
exploração da navegação aérea (art. 21, inciso XII, alínea c) e do serviço de correio (art. 21, inciso
X)24. Também é o caso do serviço público de transporte coletivo, que é de competência do
Município, que poderá prestá-lo diretamente ou sob regime de concessão ou permissão (art.
30, inciso V, CF).

Entretanto, nem todas as atividades conferidas pela Constituição ao poder


público lhe são reservadas, ou seja, atribuídas a ele com exclusividade. É o caso, por exemplo,
da educação e da saúde, que são deveres do Estado (arts. 196 e 205, CF), mas que são livres à
iniciativa privada (arts. 199, caput, e 209, CF), sem que para tanto seja necessária a delegação
pelo poder público.

Observação: Analisando o caso específico das atividades de ensino


(educação), assim manifestou-se o STF: “Os serviços de educação, seja os prestados pelo
Estado, seja os prestados por particulares, configuram serviço público não privativo, podendo
ser desenvolvidos pelo setor privado independentemente de concessão, permissão ou
autorização” (ADI 1.007/PE, Rel. Min. Eros Grau, Pleno, j. em 31.08.2005, DJ 24.02.2006, p. 5).
“Tratando-se de serviço público, incumbe às entidades educacionais particulares, na sua
prestação, rigorosamente acatar as normas gerais de educação nacional e as dispostas pelo
Estado-membro, no exercício de competência legislativa suplementar (§ 2º do art. 24 da
Constituição do Brasil)” (ADI 1.266/BA, Rel. Min. Eros Grau, Pleno, j. em 06.04.2005, DJ
23.09.2005, p. 6).

O campo privado, por sua vez, é constituído pelas atividades próprias dos
particulares, as quais, por sua vez, dividem-se em duas categorias: as conferidas expressamente
aos indivíduos pela Constituição como um direito subjetivo; e as que, não tendo sido
atribuídas com exclusividade ao Estado, lhes são facultadas.

Como exemplos da primeira hipótese, isto é, de atividades cujo exercício é


assegurado constitucionalmente aos indivíduos como direito subjetivo, podem ser citados o
exercício de trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, inciso XIII, CF) e a exploração de atividade
econômica (art. 170, parágrafo único, CF).
Exemplo em que a atividade é privada, por não haver sido reservada ao
Estado, é a da assistência social aos deficientes físicos, além dos já citados casos da educação e
da saúde.

É possível concluir, pelo exposto, que só se excluem do campo privado as


atividades que, segundo a Constituição Federal, são reservadas ao Estado, isto é, cujo exercício
é a ele atribuído com exclusividade. É o caso, por exemplo, das hipóteses de monopólio da União
(art. 177, CF). Também é o caso dos serviços públicos (art. 175, caput, CF), que, segundo o
próprio Texto Constitucional, somente podem ser prestados por particulares mediante ato
estatal de delegação (concessão ou permissão).

Pelo fato de o Estado ser criação do Direito, são as normas jurídicas que
definem os contornos de suas atividades e, destarte, cada ordenamento jurídico é livre para
decidir se o exercício de uma determinada atividade pertencerá ao Estado ou aos particulares.
Dito de outro modo, o critério para diferenciar o setor estatal e o privado é eminentemente
jurídico-normativo, consoante leciona Ricardo Antônio Lucas Camargo: “somente a partir da
consulta ao ordenamento jurídico se pode saber se está diante de setor reservado ao Estado, de
setor passível de ser explorado tanto pelo Estado quanto pelo particular ou de setor interdito
ao Estado e somente passível de exploração pelo particular”.

É importante destacar o equívoco em que incorre o entendimento segundo


o qual as atividades desenvolvidas pelo Estado são regidas pelo direito público, ao passo que as
exercidas pelos particulares seriam regidas pelo direito privado. Como bem observa Carlos Ari
Sundfeld, o que define a incidência de um ou outro ramo jurídico “é a atividade, não a pessoa
envolvida”. O direito público não é aplicável exclusivamente às relações das quais participem
apenas as entidades governamentais, incidindo, de igual modo, por exemplo, nas prestações de
serviços públicos por intermédio de concessionários e permissionários (art. 175, caput, CF). Por
outro lado, o direito privado não incide apenas nos vínculos entre particulares, sendo
igualmente aplicável, por exemplo, às estatais (empresas públicas e sociedades de economia
mista) que explorem atividade econômica (art. 173, § 1º, inciso II, CF.

SERVIÇO PÚBLICO E ATIVIDADE ECONÔMICA

Consoante exposto no item anterior, a vida social é integrada pelo campo


das atividades privadas e o campo das atividades estatais. Integram o primeiro, como visto, as
atividades econômicas (art. 170, parágrafo único, CF); ao segundo, pertencem, por exemplo, os
serviços públicos (art. 175, caput, CF).

Observação: Confira-se, nesse sentido, o seguinte julgado do Superior


Tribunal de Justiça: “Pode-se dizer, sem receios, que o serviço público está para o estado,
assim como a atividade econômica em sentido estrito está para a iniciativa privada. A
prestação de serviço público é atividade essencialmente estatal, motivo pelo qual, as
empresas que a desempenham sujeitam-se a regramento só aplicáveis à Fazenda Pública”
(REsp 929.758/DF, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, j. em 07.12.2010, DJe 14.12.2010).

Para alguns autores, é a partir da noção de “serviço público” que se separa o


campo das atuações estatais do campo que concerne aos particulares, compondo este último o
domínio da denominada “atividade econômica”30, também conhecido, simplesmente, como
“domínio econômico”.
Observação: Por entender que o campo das atividades econômicas é
caracterizado pela sujeição ao regime de livre competição, Eduardo Bottallo exclui de tal área,
além dos serviços públicos, os monopólios estatais, “que, por definição, não são compatíveis
com o regime de livre-iniciativa”.

Não concordamos tal pensamento, pois, como será adiante exposto, tais
monopólios são de atividades econômicas em sentido estrito, que a priori constituiriam
segmento de manifestação da livre-iniciativa, mas que foram desta retirados.

Apesar da dificuldade de condensar os elementos que identifiquem o


conteúdo da expressão “serviço público”, transcreve-se a definição formulada por Celso Antônio
Bandeira de Mello: “Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou
comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por
quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público — portanto, consagrador de
prerrogativas de supremacia e de restrições especiais —, instituído pelo Estado em favor dos
interesses que houver definidos como próprios aos sistema normativo”.

Logo, consoante a lição doutrinária transcrita, os serviços públicos


pertencem ao setor público. Isso não significa que não possam ser prestados por particulares,
mas que o titular dos serviços é o Estado (por conseguinte, fica sempre sob o regime jurídico de
direito público). Não cabe, quanto a eles, a titularidade privada: o particular prestador dos
serviços públicos deterá apenas a execução material dos mesmos, a ser efetuada nos termos e
condições impostos unilateralmente pela autoridade estatal delegatária do seu desempenho.

Aos serviços públicos, campo da alçada do Estado, a Constituição Federal


contrapõe o chamado “domínio econômico”, campo das atividades dos particulares, onde
impera o regime da livre-iniciativa (art. 170, caput, CF).

É importante ressaltar que todo e qualquer serviço é suscetível de gerar


proveitos econômicos — aí incluídos os públicos (art. 175, CF), pois, se não o fossem, não haveria
como outorgá-los em delegação (concessão ou permissão) — e, sendo assim, não há como
apartar “atividade econômica” de “serviço público”, tomando como base a aptidão (ou não)
para a geração de lucros.

Observação: Transcreve-se, a respeito, a lição de Régis Fernandes de


Oliveira: “Embora não se possa negar que o serviço público também leva ao processo
econômico, parece-nos mais técnica a separação entre serviço público e atividade econômica,
porque nesta está sempre presente o intuito de lucro, que é irrelevante para o primeiro. Pode
ele estar ou não presente na prestação de serviços públicos, não sendo seu componente
necessário”.

Assim, como assevera Celso Antônio Bandeira de Mello, não há outro meio
de reconhecer o que é “atividade econômica” e, consequentemente, o de identificar limites ao
conceito de “serviço público”, senão recorrendo à concepção geral da sociedade vigente em
determinada época, sobre quais as atividades nela havidas como meramente econômicas,
próprias então dos particulares, em oposição àquelas outras, tidas como típicas do Estado.

Pelo exposto, conclui-se podermos chegar à noção de atividade econômica


por eliminação das atividades exclusivas do Estado: o que não for serviço público e estiver fora
das demais preocupações estatais será atividade econômica.
Ressalte-se que o STF, amparado nas lições doutrinárias de Eros Roberto
Grau, adota o entendimento de que a atividade econômica em sentido amplo é gênero que
compreende duas espécies: o serviço público e a “atividade econômica em sentido estrito”.

DEFINIÇÃO DE INTERVENÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA

Vimos no item anterior a distinção que separa o campo dos “serviços


públicos”, área de atuação estatal, do campo da chamada “atividade econômica, setor da
iniciativa privada.

O domínio das atividades econômicas é regido pela ideia de livre-iniciativa


(art. 170, caput, CF), sendo, por conseguinte, livre aos particulares e vedado, ressalvadas as
hipóteses constitucionalmente previstas, ao Estado, que somente poderá nele intervir em
caráter excepcional.

Nesse sentido é a lição de Fernando A. Albino de Oliveira, ao analisar o


sentido do termo “intervenção”: “Intervir, basicamente, significa agir de modo excepcional. Isto
é, trata-se de uma ação que não é normal, comum, corriqueira”.

Observação: Em sentido contrário é o seguinte acórdão do STF: “1. É certo


que a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema no qual joga
um papel primordial a livre-iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva
de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples
instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem
realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o
Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e
170. 3. A livre-iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas
também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da ‘iniciativa
do Estado’; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa” (ADI 1.950/SP,
Rel. Min. Eros Grau, Pleno, j. em 03.11.2005, DJ 02.06.2006, p. 4).

Procurando definir a intervenção estatal na economia, assim manifesta-se


Diogenes Gasparini: “pode-se conceituar a intervenção do Estado no domínio econômico como
todo ato ou medida legal que restringe, condiciona ou suprime a iniciativa privada em dada área
econômica, em benefício do desenvolvimento nacional e da justiça social, assegurados os
direitos e garantias individuais” (destaques no original).

O conceito formulado pelo autor citado, apesar de aparentar ser completo,


tem o defeito, que será adiante explicado, de não abranger uma das modalidades de intervenção
estatal na economia, a saber: à intervenção direta por participação, assim considerada a
exploração pelo Estado de atividade econômica em concorrência com a iniciativa privada.

Preferimos, pois, conceituar a intervenção do Estado no domínio econômico


como o conjunto de atividades estatais sobre o segmento econômico, que é próprio da iniciativa
privada46, visando os fins traçados pela Constituição47 e utilizando-se, legítima e
razoavelmente, dos instrumentos e mecanismos postos à disposição estatal pelo Texto
Constitucional.

Observação: Confira-se, a respeito, o seguinte julgado do STJ: “A intervenção


do Estado no domínio econômico resulta de poder conferido pela Carta Constitucional que
autoriza o poder público a intervir como agente que o regula e o normatiza, a fim de fiscalizar e
incentivar as atividades do setor privado” (RMS 30.777/BA, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. em
16.11.2010, DJe 30.11.2010).

Para uma melhor compreensão do tema sob análise, faz-se necessário


esclarecer o significado do vocábulo “intervenção”.

As expressões “intervenção” e “atuação” (ou “ação”) são, à primeira vista,


sinônimas e, pois, intercambiáveis, pois toda intervenção estatal é expressiva de uma atuação
do Estado49. No entanto, a recíproca não é verdadeira, pois nem toda atuação estatal pode ser
considerada intervenção, na medida em que este último vocábulo expressa precisamente
“atuação na esfera de outrem”. Diz-se ocorrer intervenção “quando alguém ou algo invade
espaço que, segundo determinada ordem, não lhe pertence, porquanto é ou está reservado a
outrem”.

Daí se verifica, por exemplo, que o Estado, quando presta serviço público
(art. 175, CF), não pratica ato de intervenção, pois atua, no caso, em área de sua própria
titularidade. Não há que se falar em intervenção estatal no domínio próprio do Estado, em face
do absoluto controle estatal sobre o referido segmento.

Portanto, pelo exposto, o vocábulo “intervenção” é, no contexto deste


estudo, mais preciso do que a expressão “atuação estatal”, pois intervenção expressa atuação
estatal em área de titularidade do setor privado, ao passo que atuação estatal expressa
significado mais amplo, pois, quando não qualificada, abrange ação do Estado tanto em área de
sua titularidade (campo dos serviços públicos, por exemplo) quanto na esfera do setor privado
(campo da atividade econômica).

HISTÓRICO DO INTERVENCIONISMO ESTATAL NA ECONOMIA

Antiguidade

Na história da Antiguidade, notadamente no Egito, Grécia e Roma, é que


vamos encontrar os primórdios da intervenção estatal na vida econômica dos povos.

Na Grécia Antiga, por exemplo, o filósofo Aristóteles (382-322 a.C.) formulou


as primeiras teorizações econômicas, sendo partidário da intervenção do Estado na economia.

No Egito antigo, a ação do Estado se fazia sentir sobre a economia pela


construção de gigantescos diques e obras hidráulicas para permitir a boa irrigação do solo. Os
produtos da terra, caça e pesca eram depositados em armazéns distritais, administrados por
funcionários do governo.

Nos Estados teocráticos das civilizações anteriores à era cristã, a


centralização dos poderes era corolário natural das economias ainda incipientes, baseadas em
sistemas em que predominavam o trabalho escravo, o artesanato rudimentar e a economia
rural56. As atividades econômicas agrícola, artesanal e comercial estavam sob o rigoroso
controle estatal.

Esses sistemas prevaleceram até após a queda do Império Romano do


Ocidente e o retorno gradativo à economia urbana.
Estado Absolutista

A partir da Renascença, e após o século XVI, com as grandes navegações e as


descobertas delas decorrentes, ampliaram-se os limites do mundo da era feudal e das
economias até então insuladas dos burgos, ducados e baronatos.

Surgiram os chamados “Estados Absolutistas”, que, na Europa dos séculos


XVII e XVIII, realizam a centralização administrativa, procuram firmar as fronteiras nacionais e,
no plano econômico, empreenderam políticas mercantilistas e coloniais. Encontramos, nesse
período, o Estado associado aos comerciantes para desenvolver o comércio e a própria
exploração das colônias. O comércio, nessa época, tornou-se um ramo da administração pública.

O intervencionismo estatal na economia atingiu seu auge na chamada “era


mercantilista”58, que floresceu entre os anos de 1450 e 175059.

O mercantilismo — que recebeu seu nome da palavra latina mercator


(mercador) por considerar o comércio como a base fundamental para o aumento das riquezas60
— tinha preocupações explícitas sobre a acumulação de riquezas de uma nação, pois
considerava que o governo de um país seria mais forte quanto maior fosse seu estoque de
metais preciosos.

A produção, nesse período, era voltada para os interesses supremos do


Estado Absoluto62. Também foi nessa época que surgiram os primeiros monopólios do Estado.

O descobrimento de novas terras, à época das grandes navegações, motivou


o Estado a empreender um controle sistemático sobre a atividade econômica63. Com efeito, o
mercantilismo exigia um alto grau de administração governamental da economia do Estado a
fim de assegurar a entrega das matérias-primas das colônias à metrópole (colonizador) e a
compra dos artigos nesta produzidos pelas colônias.

Escreve, a respeito, Lloyd Musolf: “Na colonização e desenvolvimento do


Novo Mundo, os governos europeus foram agressivos quanto às táticas que empreenderam e
que supunham contribuiriam para o crescimento e prosperidade de seus países. Encareceram o
estrito controle do governo sobre a economia com o fito de acumular ouro, obter balança
comercial favorável, desenvolver a agricultura e a manufatura e estabelecer monopólios de
comércio no estrangeiro”.

O mercantilismo propiciou o fortalecimento econômico do Estado, o que lhe


trouxe o poder absoluto, decorrente da centralização total dos poderes nas mãos dos
soberanos.

Por outro lado, os principais defeitos da concepção mercantilista da


economia “consistiram em exagerar o papel dos metais como elementos da riqueza e em ter
considerado a produção apenas em função da prosperidade do Estado, sem nenhuma atenção
ao bem-estar individual”.

O mercantilismo, consoante leciona Luiz Souza Gomes, amparado nas lições


de Paul Hugon, foi um conjunto de práticas econômicas, sendo incorreto afirmar que tenha sido
uma “doutrina” ou um “sistema” consciente com base mais ou menos científica: “O
mercantilismo foi uma tendência geral dos espíritos, guiados por motivos materialistas e
ambiciosos”.
Estado Liberal

Com a decadência do regime econômico mercantilista e o surgimento da


burguesia, com a Revolução Francesa (1789), emergiu o Estado Liberal, que predominou durante
o século XIX. Assevera, a respeito, Gabriela Falcão Vieira: “Muito embora o Liberalismo possa
assumir diversas formas, o que sucedeu ao mercantilismo caracterizou-se pela defesa do
princípio segundo o qual o desenvolvimento econômico deveria fazer-se em conformidade com
as leis naturais do mercado (teoria do equilíbrio natural das trocas), sem os grilhões
anteriormente postos pelo Estado”.

Com efeito, uma das questões que deve ser respondida por uma doutrina
liberal, consoante destaca Francisco Vergara, “diz respeito aos limites do princípio de liberdade.
Deve dizer em que área o indivíduo deve ter liberdade para agir e em que áreas não deve. Deve
indicar em quais casos é bom o Estado intervir, seja para restringir certas liberdades, seja para
corrigir os efeitos indesejáveis que podem resultar da liberdade; ela deve fornecer um critério
que permita dizer: ‘É bom que o Estado intervenha aqui, não é bom que ele intervenha ali’”
(destaque no original).

Adotou-se, então, a prática do “laissez-faire”, doutrina oposta à interferência


governamental nos assuntos econômicos além do mínimo necessário para manter a paz e os
direitos de propriedade. Caberia ao Estado “tão somente o estabelecimento de salvaguardas
seguras e fixas para que os indivíduos tivessem as condições necessárias à realização de seus
próprios objetivos”.

Caracterizou-se, pois, o liberalismo por consagrar a restrição dos poderes


estatais com a finalidade de proteger o indivíduo contra os abusos do poder. Sustentava-se que
os indivíduos deveriam dispor da máxima liberdade de ação possível em todos os setores da
vida, principalmente em relação às atividades econômicas.

No Estado Liberal, operou-se uma dissociação bem nítida entre a atividade


econômica e a atividade política. Segundo o modelo adotado, as decisões econômicas — assim
entendidas as relativas aos fatores escassos — caberiam inteiramente aos membros da
comunidade, sem qualquer interferência no plano político. A tomada de decisões econômicas
se faria, destarte, com base num único parâmetro: os níveis de preços sinalizados a cada
momento pelo próprio mercado.

Caracterizou-se o Estado Liberal pela economia de mercado, assim


entendido, segundo Rogério Emílio de Andrade, “o sistema econômico em que as pessoas, as
atividades e as empresas podem coordenar-se em função de um sistema de preços e mercados,
na medida em que compradores e vendedores confrontam-se em um processo capaz de
determinar o preço e a quantidade de um bem ou de um serviço”.

A economia de mercado, no dizer de Octavio Bueno Magano, é “aquela em


que não existe ninguém respondendo pela regularidade do sistema. Os bens são produzidos e
as necessidades satisfeitas como quer por milagre: pela atuação misteriosa de uma ‘mão
invisível’” (destaque nosso).

Observação: A expressão “mão invisível” foi empregada por Adam Smith


para se referir ao sistema econômico no qual não houvesse intervenção estatal e que, por
conseguinte, se “autorregularia”, como se existisse uma “mão invisível”, fazendo com que os
preços dos produtos e serviços fossem ditados pelas regras do próprio mercado.
O perfil das Constituições elaboradas e vigentes nesse período histórico é
traçado por Washington Peluso Albino de Souza: “As Constituições liberais clássicas
consagravam ao poder econômico privado o privilégio de, praticamente, não receber
regulamentação, nem lhe ser feita ao menos referência do texto magno. Simplesmente o
ignoravam. Vedavam ao Estado imiscuir-se no domínio das atividades econômicas, que eram
reservadas exclusivamente ao poder econômico privado”.

Observação: Tais constituições, que implicitamente consagravam tal ordem


econômica79, foram chamadas de “constituições-garantia”, pois, como leciona Fábio Nusdeo,
eram “destinadas primordialmente a assegurar a liberdade dos cidadãos em todas as suas
dimensões. São conhecidas também como ‘constituições clássicas’, por terem consolidado e
afirmado concretamente o conceito e o ideal de constituição” (destaque nosso).

O Estado Liberal, frente às liberdades em geral, e, em especial, às de indústria


e comércio, assumia uma função puramente negativa, de vez que esta atitude era considerada
a mais conveniente para alcançar o progresso individual. Ao Estado era negada a prerrogativa
de modelar o indivíduo, pois se entendia que na “liberdade de expandir livremente as suas
faculdades pessoais e de espontaneamente pensar e exprimir-se residia a efetiva contribuição
do homem à sociedade”.

Sob esse prisma, a postura do Estado era essencialmente abstencionista,


ficando o plano decisório político circunscrito àquelas funções elementares do Estado e, pois,
indelegáveis82: a defesa externa, a ordem interna, o relacionamento com outros Estados
(atividades diplomáticas), a elaboração das leis e a administração da Justiça. Tais funções, como
se vê, eram apenas as indispensáveis para preservar o livre desenvolvimento da atividade dos
particulares.

De tal comportamento estatal decorreu um contraste chocante: fortunas


imensas se acumulavam nas mãos dos dirigentes do poder econômico; a ostentação e a ânsia
irrefreada de ganhar cada vez mais criaram o conflito entre classes patronais e assalariadas;
organizaram-se cartéis e todas as demais formas de abuso do poder econômico, acentuando-se
cada vez mais os desníveis sociais. E o Estado a tudo assistia de braços cruzados, limitando-se a
policiar a ordem pública, daí ser chamado de “Estado-Polícia” (L’État Gendarme).

A atuação do Estado frente à economia nesse período é representada por


Sahid Maluf através da seguinte alegoria: “Era como se o Estado reunisse num vasto anfiteatro
lobos e cordeiros, declarando-os livres e iguais perante a lei, e propondo-se a dirigir a luta como
árbitro, completamente neutro. Perante o Estado não havia fortes ou fracos, poderosos ou
humildes, ricos ou pobres. A todos, ele assegurava os mesmos direitos e as mesmas
oportunidades (…).

Abstendo-se o Estado de intervir na ordem social e econômica, como observa


Clóvis do Souto Goulart, sua autoridade “revelou-se fraca e impotente para acudir os mais justos
reclamos dos grupos sociais e, evidentemente, do indivíduo”.

A igualdade defendida pelos teóricos do liberalismo era meramente formal,


consoante destaca Francisca Rita Alencar Albuquerque: “A igualdade que o liberalismo defendia
era a de oportunidade, de cada um disputar o ganho econômico e com ele ter acesso à
propriedade privada, pressuposto para o ingresso na cidadania. Mas o desnível econômico entre
os indivíduos não permitiu a livre e igualitária competição, pois antes como hoje vence sempre
aquele que tem mais. E a igualdade jurídica não vicejou porque extrema era a desigualdade no
plano social. Em contexto de liberdade absoluta, a paridade de direitos fatalmente descamba
para uma diferença de fato”.

O liberalismo mostrou-se, pois, inadequado à solução dos problemas reais


da sociedade, porquanto desconsiderou que os indivíduos eram (e ainda são) natural, social e
economicamente desiguais e que necessitavam, por conseguinte, um tratamento desigual, na
justa medida de suas desigualdades, que possibilitasse a redução destas no plano jurídico.

O modelo teórico do liberalismo econômico, na prática, jamais se realizou,


pois, como bem observa Eros Roberto Grau, a intervenção estatal na economia não pode ser
entendida em termos absolutos, tendo o Estado sempre atuado de alguma forma no campo
econômico.

Com efeito, ressalta Ana Frazão que, “mesmo no Estado liberal, a


intervenção estatal na economia foi maior do que normalmente se supõe, de forma que a
atividade econômica não teria como prosperar se não fosse o arcabouço jurídico que lhe foi
propiciado pelo Estado. A ideia de uma economia que se desenvolveu e progrediu sem qualquer
participação do Estado é uma fantasia”.

No mesmo sentido é a lição de J. M. Othon Sidou, que, sustentando a tese de


que a ideia de Estado pressupõe a ideia de direcionismo, assevera: “O intervencionismo não é,
portanto, um fenômeno dessa ou daquela coletividade estatizada, nessa ou naquela época. Não
decorre de tempo nem de sistemas políticos. A forma de que se revista o Estado representa tão
só, nesse aspecto, um mero enroupamento, mais ou menos a rigor, mais ou menos sumário,
porque, seja coletivista ou individualista — sistema em que exerce o papel de gendarme apenas
— o Estado é direcionista, e nesse caráter sempre se mostrou através da história”.

A crise do Estado Liberal: o Estado Social

Os problemas que se abateram sobre a sociedade em decorrência da postura


de neutralidade do Estado Liberal e da duvidosa capacidade de solução pelos particulares
levaram o Estado a refletir sobre o alargamento de seus deveres, muito além da missão de
garantir uma ordem jurídica para o exercício das liberdades individuais.

De fato, como observa Ana Frazão, “as necessidades inerentes ao convívio


social impunham que o Estado tutelasse interesses outros que não apenas o do titular dos
direitos subjetivos, sendo manifestamente inviável um sistema no qual estes fossem absolutos”.

Os limites da atuação estatal foram, então, ampliados e atividades


anteriormente consideradas excepcionais passaram a constituir o exercício regular de
competência, compreendida já agora na esfera própria do Estado. Constatou-se, enfim, que na
economia moderna não havia lugar para o Estado gendarme, como observa J. M. Othon Sidou:
“O Estado que, no mundo hodierno, abrisse mão do direcionismo econômico e se tornasse
apático ante toda uma vastidão de assuntos que mais a mais exigem a sua presente influência;
que se fizesse ausente aos contínuos problemas decorrentes do binômio capital-trabalho,
desertaria, com efeito, da sua precípua atividade, sintetizada no bem-estar social; condenar-se-
ia, decerto, à marginalidade; seria um Estado caricato, amorfo, anacrônico, em meio à parada
dos povos”.
Assim, com o declínio do Estado gendarme do capitalismo liberal, surgiu, no
final do século XIX, o modelo de Estado Social, intervencionista, que dominaria o século XX.

O Estado intervencionista, como observa José Eduardo Faria, “está longe de


ser aquela associação ‘ordenadora’ típica do Estado de Direito clássico, que tinha a legitimidade
do exercício do monopólio da violência e do uso da coação jurídica (renunciando em
contrapartida a intervir no campo econômico), tornando-se uma associação eminentemente
‘reguladora’, na perspectiva de um Estado Social de Direito” (destaque no original).

O Estado Social — ou do Bem-Estar Social (Welfare State)95 ou Estado


Providência ou, ainda, Estado Provedor — caracterizou-se por buscar o desenvolvimento
econômico para poder realizar o bem-estar social96, tendo assumido a missão de libertar a
sociedade da miséria, buscando superar “a contradição entre a igualdade política e a
desigualdade social” mediante a sistemática intervenção estatal na economia.

Como bem observa Maria João Estorninho, “se o Estado Liberal do século
XIX, vocacionado apenas para a supervisão dos acontecimentos sociais, podia cumprir os seus
fins administrativos praticamente através de uma intervenção pontual e esporádica da
Administração, o Estado Social, empenhado na satisfação das necessidades sociais, viu-se
necessariamente obrigado a alargar as relações entre a Administração e o cidadão”.

Assim, consoante explica a mencionada autora, uma das principais


características do modelo de Estado Social é o alargamento do elenco das funções da
Administração Pública: “Se a noção de Administração Pública pressupõe sempre a ideia de um
acervo de necessidades colectivas suja satisfação é levada a cabo pela própria coletividade, a
questão de saber quais são exatamente as funções da Administração torna-se agora
especialmente complexa, porque em bom rigor a Administração Pública tende a ocupar-se
praticamente de tudo, desenvolvendo a sua atividade em todos os sectores da vida económica
e social”.

O Estado Social, ao atualizar os postulados liberais do Estado de Direito,


harmonizando-os com as exigências da justiça social100, preocupou-se “com a efetivação dos
então chamados ‘novos direitos’, vale dizer, os direitos econômicos e sociais, deixando para o
passado a passividade do aparato estatal diante do fato econômico”.

Consoante ressalta Luiz Souza Gomes, a ideia principal da economia dirigida


ou intervencionista é que o livre jogo das forças econômicas engendra crises cíclicas, isto é, que
se manifestam por períodos.

A constitucionalização da ordem econômica: a “constituição econômica”

A intensificação da relação do Estado com a economia, como observa Egon


Bockmann Moreira, não se limitou ao mundo do ser: “A integração entre ambos gerou uma
abundante produção no mundo do dever-ser. As normas despiram-se de seus atributos passivos
(típicos do liberal Estado de Polícia) e passaram a contemplar a interação ativa do Estado no
cenário econômico”.

Para disciplinar tal relação, contudo, já não eram suficientes as disposições


liberais de um Direito Civil ou Comercial, sendo necessária uma normatividade de hierarquia
superior.
Assim, sob o impacto da chamada “questão social”, a Constituição Mexicana,
de 31.01.1917, e a Alemã, de 11.08.1919 (a chamada “Constituição de Weimar”), foram as
primeiras Constituições a disciplinarem a ordem econômica, que, a partir desse momento,
adquiriu dimensão jurídica. Referidas Constituições “são expressões não apenas de rupturas
políticas, porém de mudanças marcantes nas estruturas jurídico-institucionais do capitalismo”.

Até então, as Constituições regulavam unicamente o poder político, tradição


rompida pelas Constituições Mexicana e Alemã, que introduziram em seus textos dispositivos
que extrapolavam tais limites, notadamente os referentes aos direitos econômicos e sociais105.
Estas, para utilizar a expressão de Washington Peluso Albino de Souza, puseram em foco o poder
econômico ao lado do poder político106. No mesmo sentido leciona José Nabantino Ramos: “Foi
o reconhecimento expresso de que a Economia ocupava, ao lado da Política, posição
fundamental na organização do Estado”.

Observação: As constituições modernas que, em oposição às clássicas,


explicitaram uma Ordem Econômica, receberam a alcunha de “constituições-programa”, pois,
como observa Fábio Nusdeo, “não se fixaram exclusivamente no mero asseguramento da
liberdade formal do cidadão frente ao Estado, mas procuraram dar a essa liberdade um
conteúdo mais concreto e mais substantivo e, sobretudo, mais consentâneo com o interesse
social”.

Surge, assim, a chamada “Constituição econômica”, que, no dizer de J. J.


Gomes Canotilho, é “o conjunto de disposições constitucionais — regras e princípios — que
dizem respeito à conformação da ordem fundamental da economia”.

Observação: Para Nelson Nazar, o conteúdo da chamada “Constituição


econômica” não se restringe ao Texto Constitucional, daí formular o seguinte conceito:
“Constituição econômica é o conjunto de preceitos jurídicos que, garantindo os elementos de
um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização da
economia, constituindo uma determinada ordem econômica”.

Discorrendo sobre sua concepção de “Constituição econômica”, Washington


Peluso Albino de Souza defende não ser necessária a presença sistemática da mesma em forma
de “Título” ou de grupos de artigos: “De nossa parte, seguimos a orientação de considerar a
Constituição Econômica componente do conjunto da Constituição Geral. Apresenta-se na
tessitura estrutural desta, não importa se na condição de Parte, Título, Capítulo ou em artigos
esparsos. Sua caracterização baseia-se tão somente na presença do ‘econômico’ no texto
constitucional. Por esse registro, integra-se na ideologia definida na Constituição em apreço e a
partir desta são estabelecidas as bases para a política econômica a ser traduzida na legislação
infraconstitucional”.

Leciona, a respeito, Dean Fabio Bueno de Almeida: “A Constituição


Econômica está presente por todo o texto constitucional, que contém explícita e implicitamente
princípios básicos conformadores da vida econômica, que decorrem dos direitos fundamentais,
de direitos de tipo econômico e até da própria forma do funcionamento do sistema político. O
sentido fundamental da Constituição Econômica só pode ser apreendido a partir de uma atitude
que permita situar-se no plano geral da Constituição como um todo”.

Como bem observa Marcos Peixoto Mello Gonçalves, “a chamada


Constituição Econômica não diz respeito a uma constituição separada da Constituição Política,
mas que, pelo contrário, é dela integrante, com a finalidade de indicar uma determinada opção
política a respeito de determinado modo de produção socioeconômico”.

Estado Neoliberal

Como resultado do processo de retração da atuação direta do Estado na


economia deu-se o surgimento do chamado “Estado Neoliberal”, cujo discurso postula o
rompimento da concepção de Estado do bem-estar e a adaptação das teses clássicas do
liberalismo tradicional às condições econômicas do moderno capitalismo.

O “Neoliberalismo”, contudo, diverge da política econômica do liberalismo


clássico (laissez-faire), promovendo, em seu lugar, uma economia de mercado, mas sob a
orientação de um Estado forte, modelo que é denominado por alguns de “economia social de
mercado”.

Na perspectiva neoliberal, o Estado continua presente na economia, mas sua


função já não é propulsora do desenvolvimento econômico (como no Estado Providência), mas
a de “ditar certas regras de conduta, intervindo permanentemente para absorver tensões,
resolver conflitos e garantir a manutenção de um equilíbrio”.

Leciona, a propósito, Marcia Carla Pereira Ribeiro: “Não se trata de um


retrocesso. Não significa o retorno ao Estado espectador, chamado a intervir apenas de forma
corretiva, como já se concebeu nos Estados liberais. Fala-se do Estado atuante, forte em seu
poder de produzir leis, modificar sistemas, consagrar princípios”.

Caracteriza-se, pois, o Estado Neoliberal pela tendência de desestatização da


ordem econômica120 e pela preponderância do Estado regulador de mercado121, que atua
como um árbitro imparcial do jogo econômico122, responsável por normatizar segmentos
estratégicos da economia.

Sobre o tema, Francisco Régis Frota Araújo assim manifesta-se: “Analisando


a conjuntura socioeconômica atual, podemos inferir que o Estado está mais ligado à regulação
do mercado”, razão pela qual referido autor conclui “que a atividade estatal de nossos dias situa-
se em um meio-termo entre o intervencionismo e o liberalismo”.

ORDEM JURÍDICO-ECONÔMICA BRASILEIRA: EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Primeiros passos

A Constituição do Império (de 25.03.1824) e a Constituição Republicana de


24.02.1891 adotavam clara linha de abstenção do Estado relativamente à atividade econômica.

Apesar do exposto, Steven Topik, professor de História da Universidade da


Califórnia, demonstra que, mesmo anteriormente à Carta de 1934, o Estado brasileiro já era um
dos mais intervencionistas dentre todos os países da América Latina.

Observa Francisco Rezek que a Constituição Imperial do Brasil foi “editada


em contexto de valorização do desenvolvimento natural do ser humano em toda sua
potencialidade”, razão pela qual “não via como tarefa do Estado disciplinar a ordem
econômica, que haveria de fluir naturalmente”.
Ressalte-se que apesar da CF/1824 não ter trazido normas que dispusessem
sobre a disciplina da atividade econômica, encontra-se na Carta Imperial uma hipótese de
intervenção do Estado na esfera privada: trata-se do art. 179, inciso XXII, segundo o qual “é
garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente
verificado exigir o uso, e emprego da propriedade do cidadão, será elle previamente
indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta única excepção, e
dará as regras para se determinar a indemnisação”.

Essa exiguidade de dispositivos legais, como observa Fernando Netto


Boiteux, “não reflete a ausência de interesse pela ordem econômica, mas simplesmente, o fato
de que, na época, o regime de livre concorrência não merecia reparos e o legislador limitava-se
a ‘receber’ a ordem econômica tal qual a encontrava”.

A primeira constituinte republicana, conforme anota Filomeno Moraes, teve


o liberalismo econômico como ideologia, separando o Estado da Sociedade.

Relativamente à disciplina da ordem econômica na CF/1891, Pedro Calmon


qualifica-a como “lacônica, objetiva e individualista como o seu paradigma norte-americano”,
pois ignorava quaisquer atitudes intervencionistas do governo, tendo preferido atribuir tais
questões à legislação infraconstitucional.

Quanto à propriedade privada, a Constituição republicana manteve seu


reconhecimento, admitindo, contudo, a intervenção mediante desapropriação por necessidade
ou utilidade pública, mediante indenização prévia (art. 72, § 17).

No entender de Ivo Dantas, as raízes constitucionais do intervencionismo


estatal na economia encontram-se na reforma sofrida pela Constituição de 1891 em decorrência
da Emenda Constitucional de 03.09.1926, a qual passou a permitir ao Congresso nacional
“legislar sobre Comércio exterior e interior, podendo autorizar as limitações exigidas pelo bem
público”.

Constituição de 1934

No Direito brasileiro, o primeiro Texto Constitucional a disciplinar a Ordem


Econômica foi a de 13.07.1934, podendo, pois, ser considerada a primeira “Constituição
Econômica” do Brasil.

A Constituinte de 1933/1934, no que dizia respeito à “Ordem Econômica e


Social”133, reconhecia o papel ativo do Estado, com a consequente intervenção nas órbitas da
política econômica e social.

A Carta de 1934, sob a influência do modelo de Weimar135, procurou fixar


os princípios básicos a que a economia deveria ajustar-se (art. 115). A CF/1934 acomodava no
mesmo texto “princípios de democracia social com os do liberalismo econômico, notadamente
na ordem econômica e social”: ao mesmo tempo em que consagrava o regime capitalista,
também abria campo para a intervenção estatal no domínio econômico.

Com efeito, dispunha a CF/1934, em seu art. 116: “Por motivo de interesse
público e autorizada em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou
actividade econômica (…)”. O referido dispositivo, como se vê, autorizava a exploração, pelo
Poder Público (mais precisamente, pela União), de atividades econômicas, em regime de
exclusividade (monopólio), não mencionando expressamente a possibilidade da exploração
estatal de atividades econômicas em regime de concorrência com a iniciativa privada.

Já o art. 117 admitia a intervenção do Estado na economia como agente


regulador, ao dispor que a “lei promoverá o fomento da economia popular”.

Constituição de 1937

A Constituição de 10.11.1937138, rompendo com a sistemática inaugurada


pela Carta anterior, omitiu qualquer referência aos princípios regentes da Ordem Econômica.

Por outro lado, em seu art. 135, a CF/1937 autorizava expressamente a


intervenção do Estado no domínio econômico, mas destacava que só seria legítima se
objetivasse “suprir as deficiências da iniciativa individual”, já que o papel do Estado haveria de
ser o de coordenação dos agentes econômicos139, “de maneira a evitar ou resolver os seus
conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da
Nação, representados pelo Estado”.

O mesmo dispositivo esclarecia, didaticamente, que a intervenção estatal


poderia ser “mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão
direta”.

Ressalte-se que a CF/1937, diferentemente do que fez a de 1934, outorgava


a competência interventiva genericamente ao Estado (tomada a expressão como sinônima de
“Poder Público”, abrangendo, pois, a União, os Estados e os Municípios), e não apenas à União.

Constituição de 1946

A Constituição de 18.09.1946 aceitava, no que tange à economia, o regime


capitalista, mas deixando aberto o terreno para o intervencionismo estatal, seja de maneira
direta (pelas empresas estatais), seja de forma indireta (pelos controles impostos pelo Poder
Público à atividade desenvolvida pela iniciativa privada). Como observa Paulo Henrique Rocha
Scott, a ausência de um dispositivo que, nos moldes do art. 135 da CF/1937, fixasse a
excepcionalidade da intervenção estatal na economia, “acabou por consolidar a
responsabilidade estatal pela distribuição da riqueza material produzida no País”.

Diferentemente da Carta que lhe antecedeu, a CF/1946 não classificou as


modalidades interventivas constitucionalmente admitidas, tendo preferido dispor sobre cada
uma delas sem quaisquer preocupações classificatórias. Dispunha, a respeito, o art. 146 da
CF/1946:

Art. 146. A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio


econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A intervenção terá por base o
interesse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição.

Como se vê, não explicitava a Carta de 1946 as modalidades de intervenção;


apenas condicionava as mesmas à edição de “lei especial” e a existência de “interesse público”
e reservava a competência interventiva à União, somente.
Observação: Exemplo importante do intervencionismo estatal na economia
em nome do interesse público é a Lei Delegada n. 4, de 26.09.1963, cujo art. 1º invoca
expressamente o art. 146 da CF/1946 como fundamento. Dispõe o art. 1º da referida lei
delegada: “A União, na forma do art. 146 da Constituição, fica autorizada a intervir no domínio
econômico para assegurar a livre distribuição de mercadorias e serviços essenciais ao
consumo e uso do povo, nos limites fixados nesta Lei”.

Interpretando o art. 146 da CF/1946, Francisco Campos defendia a ideia de


que o monopólio seria a única fórmula possível de intervenção estatal no domínio econômico:
“O que o artigo queria dizer é que a União poderia intervir para monopolizar” (destaque no
original)144. Qualquer outra intervenção, segundo o autor, seria proibida.

Em sentido contrário era a lição de Alberto Venâncio Filho, que sustentava:


“(…) baseando-se no princípio geral de direito de quem pode o mais, pode o menos, não seria
crível supor que somente através de monopólio pudesse o Estado intervir no domínio
econômico, sendo-lhe vedado os outros tipos de atividade regulamentar, controladora e
estimuladora, como aliás já definido no artigo 135 da Constituição de 1937 (…)”.

O art. 148 da CF/1946, disciplinando a intervenção do Estado como agente


regulador da economia, introduziu a expressão “abuso do poder econômico”, ao assim dispor:

Art. 148. A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder


econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas sociais, seja qual for a sua
natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e
aumentar arbitrariamente os lucros.

Regulamentando o dispositivo constitucional em questão, foi promulgada a


Lei n. 4.137, de 10.09.1962, cujo art. 1º invocava expressamente o art. 148 da CF/1946 como
fundamento.

O enunciado do art. 148 da CF/1946 — cujo teor foi repetido nas


Constituições seguintes — foi o mais característico daquela Carta, tendo se tornado um
referencial dela.

Constituição de 1967 e Emenda Constitucional n. 1/69

A Constituição de 24.01.1967, tanto na sua redação original, quanto naquela


estabelecida pela Emenda Constitucional n. 1, de 17.10.1969, não trouxe mudanças substanciais
ao sistema da Carta anterior.

Na redação original da Constituição de 1967, a matéria era disciplinada no


Título III, denominado “Da Ordem Econômica e Social” (arts. 157 a 166). Com o advento da
Emenda Constitucional n. 1/69, a matéria passou a ser disciplinada nos arts. 160 a 174.

Em sua redação original, assim dispunha a CF/1967:

Art. 157. (…)

§ 8º São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de


determinada indústria ou atividade, mediante lei da União, quando indispensável por motivos
de segurança nacional, ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficiência
no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias
individuais.
Como se percebe, a CF/1967, como a que lhe antecedeu, não explicitava as
modalidades de intervenção. A competência interventiva, no entanto, deixou de ser atribuída
com exclusividade à União, apesar da disciplina normativa da intervenção ter sido reservada à
lei federal.

Observação: A exigência de “lei especial”, constante da CF/1946 (art. 146),


foi eliminada na CF/1967 (inclusive na redação que lhe foi dada pela EC n. 1/69), na qual a
palavra “especial” foi suprimida, o que, no entender de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, teria
aumentado “o arbítrio sobre o entendimento do texto” e alargado “as chances de
intervenção”.

Ademais, o fundamento a legitimar a intervenção deixou de ser o interesse


público, como disposto na CF/1946 (art. 146), passando a ser a segurança nacional152 ou a
ineficiência do setor privado.

Enfatizando o caráter excepcional da intervenção estatal na economia,


dispunha o art. 163 da CF/1967154:

Art. 163. Às empresas privadas compete preferencialmente, com o estímulo


e apoio do Estado, organizar e explorar as atividades econômicas.

§ 1º Somente para suplementar a iniciativa privada, o Estado organizará e


explorará diretamente atividade econômica.

§ 2º Na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as empresas


públicas, as autarquias155 e sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas aplicáveis
às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e das obrigações.

§ 3º A empresa pública que explorar atividade não monopolizada ficará


sujeita ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas.

Apesar da previsão normativa do princípio da subsidiariedade156, lembra


Vitor Rhein Schirato que, à época, “a realidade mostrava o engajamento do Estado em
atividades econômicas, independentemente da incapacidade do setor privado, sempre que a
atividade em questão fosse considerada relevante para o desenvolvimento econômico,
conforme entendimento nitidamente discricionário do Estado”.

Mantendo a orientação da Carta anterior, a CF/1967 também repudiava o


“abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da
concorrência e o aumento arbitrário dos lucros”, cuja repressão foi alçada à categoria de
princípio constitucional da ordem econômica (art. 157, inciso VI).

Constituição de 1988

Enquanto na Constituição de 1967 havia um Título comum à Ordem


Econômica e Social, na vigente Constituição se procedeu à separação das duas ordens, a cada
uma delas correspondendo Títulos próprios.

A Constituição de 1988, seguindo o modelo inaugurado com a Carta de 1934


(e diferentemente do modelo adotado em 1937), procurou fixar os princípios básicos a que a
economia deve ajustar-se (art. 170). Destaca Alysson Leandro Mascaro que “[a] ordem
econômica da Constituição Federal do Brasil de 1988 institui uma orientação diretiva no sentido
de um Estado social. Pode-se dizer que a constituição econômica é constituição dirigente (…)”.

Assim como as Constituições de 1946 e de 1967 (tanto em sua redação


original como naquela determinada pela EC n. 1/69), a CF/1988 não classificou as modalidades
interventivas admitidas, tendo preferido dispor sobre cada modalidade sem quaisquer
preocupações classificatórias.

Destarte, em seu art. 173, a CF/1988 permite que o Estado (tomada a


expressão como sinônimo de “poder público”) explore diretamente atividade econômica
quando necessário “aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo,
conforme definidos em lei”.

Também se preocupou a CF/1988 em enumerar as atividades econômicas


que constituem monopólio da União (art. 177).

A CF/1988 também determinou que fosse elaborada lei para o fim de


reprimir “o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da
concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (art. 173, § 4º).

Já o art. 174 da vigente Constituição admite a intervenção do Estado na


economia como agente normativo e regulador, ao dispor que o poder público “exercerá, na
forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento” (destaques nossos).

Observação: O planejamento estatal é determinante para o setor público e


indicativo para o setor privado (art. 174, caput, CF).

CLASSIFICAÇÃO DAS MODALIDADES DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NO


DOMÍNIO ECONÔMICO

Não há unanimidade entre os doutrinadores quanto à classificação das


modalidades de intervenção do Estado no domínio econômico.

Seabra Fagundes, comentando a Constituição brasileira de 1967, apontou


três modalidades de intervenção estatal na economia:

- Disciplina e controle, ou “indireta”; exploração direta não monopolística;


exploração direta monopolística.

Na classificação adotada por Marcos Juruena Villela Souto, que leva em


consideração a Constituição de 1988, seriam as seguintes as categorias de atos interventivos; -
Planejamento do desenvolvimento econômico (art. 174, § 1º); incentivo (fomento público) (art.
174); repressão ao abuso de poder econômico (art. 173, § 4º); exploração direta da atividade
econômica (art. 713).

Para Diogenes Gasparini, são meios de intervenção do Estado no domínio


econômico: - Controle de preços; controle de abastecimento; repressão ao abuso do poder
econômico; monopólio; fiscalização; incentivo; planejamento.

Segundo Toshio Mukai, o Estado atua, em face da atividade econômica,


através de três tipos de intervenção: “a) planejamento e organização da atividade econômica;
b) intervenção indireta na atividade econômica (tabelamento de preços, incentivos fiscais,
medidas financeiras, câmbio, juros etc.); é a atividade reguladora; c) participação direta na
atividade econômica, em concorrência com a iniciativa privada ou em caráter monopolizador de
determinadas atividades econômicas”.

Celso Ribeiro Bastos distingue as seguintes modalidades interventivas:


regulatória; concorrencial; sancionatória; e monopolista.

A mesma classificação é adotada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que,


em apertada síntese, explica cada uma daquelas categorias: “Pela intervenção regulatória, o
Estado impõe uma ordenação coacta aos processos econômicos; pela intervenção
concorrencial, o Estado propõe-se a disputar com a sociedade no desempenho de atividades
econômicas empresariais; pela intervenção monopolista, o Estado se impõe com exclusividade
na exploração econômica de certos bens ou serviços; e pela intervenção sancionatória, o Estado
pune os abusos e excessos praticados contra a ordem econômica e financeira, a economia
popular e certos interesses gerais de índole econômica” (destaques no original).

Na classificação proposta por Augusto de Athayde, a intervenção do Estado


na vida econômica pode se dar de três maneiras: intervenções ao nível das macrodecisões
políticas (planejamento); intervenção de mera produção de normas (“normas definidoras dos
institutos e formas jurídicas que serão usadas nas relações interprivadas”); intervenção através
do estabelecimento de relações jurídicas concretas entre a Administração Pública e sujeitos
privados. Esta última modalidade, segundo o autor citado, abrange, por sua vez: intervenções
que estabelecem limitações jurídicas às atividades econômicas privadas; intervenções de
fomento econômico (“medidas de apoio às atividades econômicas privadas”); e intervenções de
produção, “que se traduzem na titularidade de explorações econômicas pela Administração
Pública”.

Segundo Eros Roberto Grau, as políticas públicas econômicas se exprimem


em três modalidades de intervenção: por absorção ou participação; por direção; por indução.

Na primeira, o Estado atua no processo econômico, isto é, como agente da


atividade econômica, enquanto as outras duas consubstanciam atuação dele sobre o processo
econômico, ressaltando a função ordenadora que o Poder Público desempenha sobre a vida
econômica.

Outros autores, contudo, simplificando tais classificações, preferem dividir a


intervenção estatal na economia em duas espécies: direta, onde se destaca a atuação do Estado
empresário; indireta, que se realiza por meio da regulação da economia.

Confira-se, nesse sentido, o seguinte julgado do STF:

A atuação do poder público no domínio econômico e social pode ser


viabilizada por intervenção direta ou indireta, disponibilizando utilidades materiais aos
beneficiários, no primeiro caso, ou fazendo uso, no segundo caso, de seu instrumental jurídico
para induzir que os particulares executem atividades de interesses públicos através da
regulação, com coercitividade, ou através do fomento, pelo uso de incentivos e estímulos a
comportamentos voluntários (destaques nossos) (ADI 1.923/DF, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux,
Pleno, j. em 16.04.2015, DJe-254, divulg. 16.12.2015, public. 17.12.2015).
Na lição de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, no
primeiro caso (em que o Estado assume a condição de agente da atividade econômica) a
intervenção estatal se realiza de forma atípica, enquanto no segundo (regulação do mercado)
se materializa em atividade típica do Poder Público.

Observação: Há quem empregue o vocábulo “intervenção” em sentido


estrito, para designar apenas a atuação estatal indireta na economia. É o caso, por exemplo,
de José Afonso da Silva, que reconhece duas formas de ingerência do Estado na ordem
econômica: a) participação, quando o Estado se reveste da condição de agente econômico; e
b) intervenção, quando o Estado atua como agente disciplinador (normativo e regulador) da
economia.

Considerando que a diversidade de classificações existentes na doutrina


decorre de discordâncias terminológicas entre os autores — também acontecendo de, por
vezes, estes mesmo doutrinadores englobarem em uma única categoria aspectos que em outros
autores encontram-se desdobrados —, adota-se, nesta obra, a que divide a intervenção do
Estado na economia em direta e indireta, sendo a primeira desdobrada em intervenção por
participação e por absorção e a segunda, em intervenção por direção e por indução.

LIMITES CONSTITUCIONAIS À INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍNIO


ECONÔMICO

Toda e qualquer intervenção do Estado na ordem econômica, como bem


observa Lucia Valle Figueiredo, “justifica-se se e na medida da consagração dos valores
assinalados no texto constitucional e pertinentes, sobretudo, à ordem econômica” (destaques
no original). A intervenção, ressalta a autora citada, “será devida ou indevida, dependendo do
respeito ou desrespeito às balizas constitucionais”.

Nesse sentido já decidiu o STF:

“A atuação do poder público no domínio econômico e social pode ser


viabilizada por intervenção direta ou indireta (…). Em qualquer caso, o cumprimento efetivo
dos deveres constitucionais de atuação estará, invariavelmente, submetido ao que a doutrina
contemporânea denomina de controle da Administração Pública sob o ângulo do resultado
(Diogo de Figueiredo Moreira Neto)” (ADI 1.923/DF, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, Pleno, j.
em 16.04.2015, DJe-254, divulg. 16.12.2015, public. 17.12.2015) (destaque nosso).

No mesmo sentido, assevera Isabel Vaz que, “seja qual for a denominação
que se adote para classificar a intervenção estatal, o que realmente importa é verificar se, na
execução de suas políticas econômicas e nas subsequentes formas de ação do Estado, ele
cumpre os princípios e as regras constitucionais; se respeita os direitos e as garantias individuais
e coletivos que regem o desempenho das atividades econômicas, definindo as atribuições de
cada um dos participantes do mercado, quer se trate de agentes econômicos públicos ou
privado.

Assim, leciona André Cyrino176 que a intervenção do Estado no domínio


econômico deve ser norteada pelo mandamento de proporcionalidade (e seus subdeveres:
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito)177, devendo, pois, ser a um
só tempo: adequada para atingir a finalidade constitucional; necessária, de modo que promova
o menor sacrifício da liberdade ou de outros princípios de não intervenção; e proporcional em
sentido estrito, sendo que o custo da medida (em sentido amplo, o que inclui tanto perspectivas
econômicas, quanto de realização de direitos) não deve superar os seus benefícios.

Confira-se, a respeito, o seguinte acórdão do STF, assim ementado:

Ementa: Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2.


Direito Econômico. Impertinência entre o critério erigido para imposição da obrigação e o
interesse que se busca tutelar. 3. Razões do agravo regimental dissociadas do acórdão
recorrido. Súmula 287. 4. Intervenção estatal no domínio econômico deve guardar pertinência
com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Precedentes. 5. Argumentos
insuficientes para infirmar a decisão recorrida. 6. Agravo regimental a que se nega provimento
(ARE-AgR 804.259/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. em 16.12.2014, DJe-027, divulg.
09.02.2015, public. 10.02.2015) (destaque nosso).

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