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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

Pró-Reitoria de Graduação
Escola de Direito e Relações Internacionais

Direito Econômico
Prof. Leonardo Buissa Freitas1

Ponto 1. O Direito Econômico. Conceito. Objeto. Autonomia. Relações


com outras ciências e outros ramos do Direito. Direitos sociais e econômicos
e sua relação com os princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direito. Noções da ordem constitucional econômica.

1. Apresentação panorâmica da disciplina.

2. Conceito.

Na aula inaugural de 09/08 apresentamos sinteticamente os seguintes


conceitos da disciplina a ser trabalhada nesta optativa de Direito Econômico no
segundo semestre de 2017.
Amplo: disciplina jurídica que cuida das relações humanas quando tais
relações fazem parte da seara econômica. Neste sentido, define Modesto Carvalhosa:
“Direito Econômico é o conjunto de normas que, com conteúdo de economicidade,
vincula as entidades econômicas, privadas e públicas, aos fins cometidos à Ordem
Econômica.”2
Estrito: é uma disciplina jurídica, autônoma, que analisa as questões
relacionadas com a intervenção ou atuação estatal no domínio econômico. Neste
aspecto, leciona João Bosco Leopoldino da Fonseca que o direito econômico seria
uma disciplina nova, autônoma e original, dirigida ao estudo dos problemas
colocados pela intervenção do Estado na Economia.”3
Atenção: ut

1
Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da USP. Avaliador-
Doutor da Revista Direito Tributário Atual. Associado ao IBDT – Instituto Brasileiro de Direito Tributário.
Professor do Programa de Mestrado em Direito da UFG e Professor convidado na PUCGO e na ESMEG.
Juiz Federal.
2
CARVALHOSA, Modesto. Direito Econômico. São Paulo, RT: 1973, p. 361.
3
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 10.

1
ilizamos as expressões intervenção e atuação estatal na economia. Isto
porque alguns autores apontam que o uso intervenção carregaria um certo
preconceito liberal, sinalizando que a seara econômica é atividade somente da
iniciativa privada e só excepcionalmente do Estado.
Assim, há autores que a criticam, indicando um preconceito para com o
liberalismo, que o toma como exceção. Não atuar economicamente seria a regra,
enquanto intervir seria ir contra a regra.4
Diego Bomfim, analisando o vocábulo intervenção, arrimado na sua
utilização no artigo 4º, IV, da Constituição, em que figura o princípio da não
intervenção nas relações internacionais, crê que o seu emprego, na ordem
econômica, sinaliza a existência de uma ingerência não trivial. 5 Contudo, critica
a ideia de preconceito ideológico, aduzindo que “se há carga ideológica no uso
do vocábulo intervenção, haverá também em não utilizá-lo, já que a normalidade
e a essência da atuação do Estado seria efetivamente agir positivamente sobre o
domínio econômico (ou seja, o trivial seria intervenção, razão pela qual ela – a
intervenção – não poderia ser assim nomeada).”6
Eros Grau, por seu turno, acredita que a palavra intervenção e a expressão
atuação estatal são absolutamente intercambiáveis, uma vez que toda atuação
estatal expressa um ato de intervenção.7 Termina por apresentar a seguinte
conclusão: “Intervenção indica, em sentido forte (isto é, na sua conotação mais
vigorosa), no caso, atuação estatal em área de titularidade do setor privado;
atuação estatal, simplesmente, ação do Estado tanto na área da titularidade
própria quanto em área de titularidade do setor privado.”8
Ainda que se possa vislumbrar que a intervenção do poder público se dá
sobre o campo da economia, onde em regra deve imperar a liberdade dos agentes
econômicos9, acolhe-se a posição de que as expressões são intercambiáveis, pelo

4
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de Direito Econômico. 4. ed. São Paulo:
LTr, 1999. p. 319.
5
BOMFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 94.
6
BOMFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 95.
7
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros,
2012. p. 90.
8
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros,
2012. p. 91.
9
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Limites à abrangência e à intensidade da regulação estatal.
Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador: Instituto Brasileiro de
Direito Público, n. 4, nov.-dez. 2005 e jan. 2006. Disponível em:
http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp. Acesso em: 13 jan. 2015.

2
que se pode utlizar, indiscriminadamente, intervenção e atuação estatal na
economia.
Sobre tal atuação/intervenção analisaremos adiante.

Domínio econômico.
Preliminarmente nesta aula inaugural da disciplina JUR 3490 (Direito
Econômico), cumpre estipular que o domínio econômico a sofrer a intervenção
estatal se restringe à atividade econômica em sentido estrito, podendo, portanto, ser
definido como “o conjunto de atos (mundo do ser) concatenados com o intuito da
obtenção de lucros, empreendido sob regime de direito privado, relativos à produção,
distribuição ou comercialização de produtos ou serviços.”10
Em sentido semelhante, pontua André Elali ser o domínio econômico o
conjunto de atividades econômicas próprias da produção e distribuição de bens no
mercado.11 Por isso, sentencia Diego Bonfim ser o domínio econômico o locus
fundamental da iniciativa privada.12
Vê-se que o domínio econômico que sofre a intervenção estatal assume uma
conotação restritiva de atividade econômica, jungindo-se ao campo de atuação da
iniciativa privada. Neste, o Estado pode atuar por intermédio de regulação, de forma
indireta, ou pela atuação direta, assumindo o papel de empresário, com será visto no
tópico posterior deste resumo, assim com no Ponto n. 3 do Programa apresentado
nesta optativa da PUCGO.

3. Objeto.

Importa observar que a ciência se delimita pelo seu objeto. O objeto pode ser
material ou formal. O primeiro diz respeito à matéria, ao fato, sobre o qual o
investigador se debruça (Exemplo: contrato). Já o objeto formal está ligado a como
se observa, como se vê tal realidade fenomênica. Daí é que surgem os diversos
ramos da ciência a investigar dado elemento fático. O referido contrato então pode
ser apreciado sob a ótica da relação de emprego, sob os princípios de proteção ao
consumidor, sob a análise da ocorrência de fato típico e ilícito e daí por diante.

10
BOMFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 96.
11
ELALI, André. Tributação e regulação econômica. São Paulo: APET/MP Editora, 2007. p. 47.
12
BOMFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 97.

3
Com isso, pode-se afirmar que o Direito Econômico é uma disciplina jurídica
que estuda as relações econômicas, especialmente a atuação estatal no e sobre o
domínio econômico, ou seja, a ação do Estado de forma direta ou indireta, por
direção ou por indução.
Formas de intervenção estatal na economia.
Nas duas primeiras aulas de nossa optativa de Direito Econômico ( 09 e
16/08/2017), foi comentado, preliminarmente, que o Estado atua no setor econômico
basicamente por duas formas ou modalidades: direta ou indireta. No primeiro caso,
assume a forma de empresas, enquanto no segundo fiscaliza, incentiva e planeja a
economia.13
Eros Grau chama a forma direta de atuação na economia de intervenção no
domínio econômico, em contraste com a forma indireta, que seria a intervenção
sobre o domínio econômico.14 Na forma direta, o Estado assume o papel de agente
econômico no mesmo nível do agente econômico privado. 15 Atua, então, como
“empresário, comprometendo-se com a atividade produtiva quer sob forma de
empresa pública quer sob o de sociedade de economia mista. Sob estas duas formas,
pode atuar em regime concorrencial, equiparando-se a empresas privadas ou em
regime monopolístico.”16 A primeira, como comentado em sala de aula, se denomina
intervenção direta por participação, enquanto a segunda seria por absorção.
Por outro lado, a intervenção indireta, denominada por Eros Grau como
intervenção sobre o domínio econômico, se realiza quando o Estado atua como
agente regulador da atividade econômica em sentido estrito. 17 Tal função reguladora
pode se dar, na esteira da classificação do mencionado autor, por direção ou por
indução.
No caso da intervenção por direção há a presença de comandos imperativos,
dotados de cogência, impositivos de certos comportamentos a serem necessariamente
cumpridos pelos agentes que atuam no campo da atividade econômica em sentido

13
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.
207.
14
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros,
2012. p. 143.
15
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro:
Forense, 2005. p. 41.
16
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.
207.
17
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros,
2012. p. 143.

4
estrito. Exemplo clássico é o do controle de preços, com tabelamentos e
congelamentos.18
Neste caso a estrutura da norma é um imperativo cogente complementado por
uma sanção, caso tal imperativo não seja cumprido. Não pode poluir mais do que um
patamar, emitir sons acima de tantos decibéis, não pode dirigir acima de uma
velocidade, sob pena de MULTA.
Já na intervenção por indução as normas não são cogentes, mas sim
dispositivas, atuando o Estado de acordo com as leis que regem os mercados. Assim
em vez de, por exemplo, proibir uma conduta, tornando-a ilícita, o legislador pode
induzir o agente econômico a não realizá-la, sem que se considere a sua realização
um ilícito, ensejador da correspondente sanção. Há, desse modo, a alternativa de se
realizar ou não a conduta indesejada.
De igual forma, se a indução manifestar-se em termos positivos, a sanção é
então substituída pelo convite; estímulos e incentivos são oferecidos, cabendo ao
destinatário da norma a alternativa de deixar-se seduzir ou não pela “oferta”.
Sinaliza, pois, Eros Grau que se penetra aí no universo do Direito premial. 19 Com o
crescimento da intervenção estatal na economia, a sanção-castigo é paulatinamente
substituída pela sanção-premial20.
Observa-se, portanto, que as normas indutoras, diferentemente das normas de
direção, não impõem um único comportamento. Assim, a distinção entre normas de
direção e de indução, do ponto de vista jurídico, se assenta a partir do grau de
liberdade do administrado.21
Os agentes econômicos têm a liberdade de aderir ou não ao comportamento
estimulado pela Administração, sendo a não adesão não considerada como um ilícito,
porque o agente tem “como escolher praticar ou não o comportamento, a partir de
uma ponderação de interesses e valores.”22Aderindo ao comportamento desejado pela
administração, o agente econômico recebe um prêmio. Exemplos: quem economizar
energia ganha um bônus; quem efetuar o controle de dejetos, recebe um selo de

18
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros,
2012. p. 144.
19
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15. ed. São Paulo: Malheiros,
2012. p. 145.
20
ELALI, André. Tributação e regulação econômica. São Paulo: APET/MP Editora, 2007. p. 114-115.
21
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro:
Forense, 2005. p. 46.
22
ELALI, André. Tributação e regulação econômica. São Paulo: APET/MP Editora, 2007. p. 105.

5
qualidade; quem investir em determinado setor, em determinada região, recebe
incentivos fiscais.

4. Autonomia.
Como se sabe, o direito é uno. Todavia, existem diversos ramos, com objetos
específicos. Tais ramos são tidos por autônomos, porém não são independentes, haja
vista que há uma correlação entre os mesmos, mesmo porque um mesmo fato pode
ser visto por diversos prismas(ex: um acidente automobilístico causado por um
servidor público, pode ser visto pelo prisma penal, civil, administrativo, etc).
a) conceito: “Diz-se que há uma disciplina jurídica autônoma
quando corresponde a um conjunto sistematizado de princípios
e normas que lhe dão identidade, diferenciando-o das demais
ramificações do Direito.” (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA
DE MELLO). Para que exista a autonomia é mister a existência
de princípios, conceitos, normas, institutos próprios. É o que se
denomina autonomia científica. Alfredo Augusto Becker
entende que a autonomia é um “falso problema”, eis que não se
pode falar em autonomia de nenhum ramo do direito.

b) Autonomia Didática, Científica e Legislativa.


- Didática: determinada ciência jurídica é estudada por razões de ordem
prática, metodológica ou didática separadamente. Não é o que efetivamente marca
um ramo como autônomo. Ex: direito de obrigações, de família, de sucessões, são
estudados em anos diferentes nas Faculdades de Direito sem que se possa dizer que
são ramos autônomos do Direito. Em verdade, pertencem ao Direito Civil, este sim
autônomo dentro da unicidade do Direito.
Neste ponto, cumpre observar que o Direito Econômico não compõe a grade
curricular obrigatória do curso de Direito; porém, não se pode negar a sua autonomia
didática, já que em diversas Faculdades compõe o rol de disciplinas obrigatórias e
noutras faz parte das optativas, como ocorre na PUCGO. Ademais, há diversos
cursos de pós-graduação (lato e stricto sensu) sobre tal matéria.
- Científica: como já salientado no conceito de autonomia, esta sim é a
verdadeira autonomia. “A autonomia científica revela que o ramo jurídico que a
alcançou possui princípios, institutos e conceitos jurídicos próprios, exclusivos e

6
específicos não encontrados nos demais ramos de direito.” (Luiz Emygdio F. da Rosa
Jr.). O Direito Econômico possui autonomia científica, já que tem princípios próprios
elencados nos incisos do artigo 170 da Constituição (soberania econômica, função
social da propriedade, livre concorrência, busca do pleno emprego, defesa do meio
ambiente, etc)., institutos próprios (mercado, que inclusive é patrimônio nacional nos
termos do art. 219 da CF) e conceitos próprios (consumo, produção, troca,
propriedade, poupança, investimento).
- Legislativa: apresenta-se por intermédio de uma legislação própria e
adequada ao ramo jurídico. No caso, por exemplo, do Direito Econômico, existe uma
ordem econômica, um conjunto ordenado de princípios e normas previstas na própria
Constituição. A chamada Constituição Econômica será estudada nas próximas três
aulas.
Por enquanto, impende notar que a Constituição mexicana de 1917 e a
Constituição alemã de 1919 (Weimar) foram as precursoras na abordagem
constitucional das relações econômicas. De lá para cá diversos textos constitucionais
cuidaram das ordens social e econômica, passando a abordar normas programáticas a
tutelar direitos fundamentais sociais. Para tanto, cuidam da vida econômica,
prevendo a atuação estatal na seara econômica.
A Constituição de 1988 é uma Constituição Econômica, programática,
interventiva, como se infere do Título VII que cuida da Ordem Econômica e
Financeira, adotando a mesma concepção da Constituição espanhola de 1978 que
tem um capítulo de economia e finanças.
Como disse em sala de aula, quando se abre a Constituição e se lê o artigo 1º,
o artigo 3º e o artigo 170, por exemplo, vislumbra-se nitidamente a opção política
fundamental, que é um Estado Social, como se observará na nossa aula do PONTO
N. 2 a respeito da evolução da atuação estatal na economia e a formação do Estado
Social.
Além da constitucionalização da matéria, impende ressaltar que apesar de
inexistir um Código de Direito Econômico há um conjunto de normas regulando as
relações econômicas e a intervenção estatal na economia, cuidando de temas como a
regulação, a fiscalização e a atuação direta do Estado na economia. Tais normas,
como a Lei 12.529 (Lei Antitruste) serão estudadas no decorrer desta Optativa da
PUCGO.

7
5. Relação com outras ciências e outros ramos do Direito.
O Direito Econômico se encontra ligado com ciências sociais como a
economia, a ciência política, a ciência social, a ciência das finanças, entre outras,
com elas mantendo um constante diálogo.
Ademais, o estudo das questões jurídicas do fenômeno financeiro há de se
realizar de forma interdisciplinar, pelo que se mostra imprescindível a apreciação da
relação entre o ramo do Direito ora estudado e outros ramos jurídicos.
Em primeiro lugar, em face da constitucionalização das regras que tutelam a
atuação estatal no e sobre o domínio econômico, notadamente pelo advento da
chamada Constituição Econômica, não há como negar a estreita relação com o
Direito Constitucional, em especial em decorrência da evolução do
constitucionalismo.
Há, outrossim, uma estreita ligação com o Direito Financeiro, uma vez que a
atividade financeira do Estado, consistente em obter, gerir e aplicar recursos
influencia e sofre influência da economia. Neste contexto, impende analisar a relação
entre o planejamento econômico e o orçamento e a relação da atividade econômica
com a arrecadação e com o gasto público. Tais temas serão abordados no transcorrer
desta optativa.
No mesmo sentido, há irretorquível liame com o Direito Tributário. Os
princípios norteadores deste ramo do Direito devem ser analisados à luz da ordem
econômica, havendo uma inegável relação entre as ordens tributária e econômica
plasmadas na Constituição. Neste tema, não se pode perder de mira a influência do
princípio da livre concorrência sobre a tributação, como também a utilização, no
sistema pátrio, das chamadas contribuições sociais sobre o domínio econômico.
No mesmo diapasão, observa-se a relação com o direito administrativo
quando se analisa a atuação estatal na economia de forma direta, por intermédio dos
serviços públicos e de forma indireta, pela ação reguladora do Estado. Serviço
público e regulação mantêm, portanto, estreito liame com o disciplinamento das
relações econômicas.
O Direito Econômico mantém, ademais, estreita relação com o direito
internacional público, notadamente quanto à chamada ordem econômica
internacional, com a presença de institutos para harmonizar políticas econômicas,
especialmente no sentido de coibir atividades anticoncorrenciais, fomentando o livre
comércio e o desenvolvimento econômico.

8
Igualmente, vislumbra-se a relação com o direito privado, de onde se observa
a proteção à propriedade, desde que respeite a sua função social, o fomento ao
empreendedorismo (empresas de pequeno porte), o desenvolvimento de atividades
sustentáveis, que protejam o meio ambiente.
Enfim, o Direito Econômico não cuida sozinho dos aspectos jurídicos das
relações econômicas, necessitando da análise interdisciplinar e da relação com outros
ramos autônomos do Direito.

6. Direito Econômico e princípios fundamentais.


O Título I da Constituição traça os Princípios Fundamentais que informam o
texto da Lei Maior. A palavra princípio pode possuir várias acepções. No sentido
utilizado pela Constituição, significa mandamento nuclear de um sistema. Princípio
jurídico seria, pois, “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,
disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o
espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente
por definir lógica e racionalidade ao sistema normativo, no que lhe confere tônica e
lhe dá sentido harmônico.”(Celso A. Bandeira de Mello).
As normas constitucionais apresentam uma unidade hierárquico-normativa
(Canotilho), porém é possível identificar que algumas ganham força valorativa a
espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas (Celso Bastos).
Já as normas “são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou
de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade
de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de
outrem, e, por isso, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às
exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem.”(José
Afonso da Silva).
Princípios Fundamentais e a ordem econômica.
“Estes fundamentos deve ser entendidos como o embasamento do Estado;
seus valores primordiais, imediatos, que em momento algum podem ser colocados de
lado.”(Celso Bastos). São eles: a) soberania; b) cidadania; c) dignidade da pessoa
humana; d) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e) pluralismo
político.
Cumpre notar que os fundamentos apresentados no primeiro artigo da
Constituição Federal estão também presentes na ordem constitucional econômica.

9
Esta, como se vê no artigo 170, tem dois fundamentos: a valorização do trabalho
humano e a livre iniciativa. Tem como objetivo assegurar a todos a existência digna,
conforme os ditames da justiça social. Assim, o primado do trabalho, a liberdade e
autonomia de iniciativa, a dignidade da pessoa humana e a busca da justiça social são
elementos que fundamentam o Estado Democrático de Direito brasileiro, estando
presentes concretamente na opção jurídico-política fundamental da nossa vida
econômica.

7. Ordem constitucional econômica: noções introdutórias.


Como comentado na última aula, o artigo 170 da Constituição delineia a
estrutura fundamental da ordem constitucional econômica pátria. Este tema voltará a
ser analisado no quarto ponto do Programa da nossa Optativa de Direito Econômico.
Por enquanto, cumpre apresentar os contornos precípuos de tal ordem, ou
seja, os fundamentos,os fins e os princípios.
Fundamentos da ordem constitucional econômica.
Os fundamentos são a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa.
Nota-se, como reiteradamente se tem pronunciado, que a nossa Constituição Federal
é uma Constituição econômica, programática, interventiva, como se estudará no
Ponto 3 desta disciplina. Nela a ordem econômica se funda no trabalho e na livre
iniciativa, conferindo um contorno social democrata à opção fundamental da nossa
Carta.
Importa observar que o trabalho humano vem primeiro, o que evidencia a
nítida opção pela proteção estatal ao hipossuficiente, tão cara no Direito do Trabalho.
Como veremos, há toda uma construção constitucional e legal de proteção ao
trabalho humano, seja na forma da relação de emprego, seja em outras diversas
modalidades, como a prestação de serviço de forma autônoma.
Por outro lado, é fundamento também a livre iniciativa que, para Luís
Roberto Barroso, no TEXTO COMPLEMENTAR N. 1 postado no site docente deste
professor, é o grande princípio da ordem econômica. Na verdade, é mais que um
princípio é um fundamento, uma opção fundamental inafastável.
Isto não significa que o Estado não possa atuar na seara econômica. Como
visto, pode sim atuar de maneira direta, só que, no nosso sistema constitucional
econômico, não é possível impedir o livre exercício da atividade por parte do
particular. Tal fica evidente no parágrafo único do artigo 170 da Constituição ao

10
dispor ser assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo os casos previstos em
lei.
Ademais, as empresas públicas e sociedades de economia mista não poderão
gozar de privilégios fiscais não extensivos ao setor privado (art. 173, § 2º, CF),
mesmo porque a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse social, conforme definido em lei.
Em síntese, o Estado pode atuar diretamente na economia, como agente
econômico, para salvaguardar o interesse público (evitar monopólios, realizar
serviços que a iniciativa privada não tem interesse, instalar-se em regiões pouco
atrativas, etc.), mas não pode sufocar a livre iniciativa, já que esta é tanto princípio
fundamental (artigo 1º), quanto fundamento da ordem econômica (art. 170).

Finalidade da ordem econômica.


O artigo 170 da Constituição sinaliza que a ordem econômica tem por fim
assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social. Como já
salientado, a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do
Brasil, nos termos do artigo 1º, III. A dignidade humana constitucionalmente eleita
está ligada à concepção jurídico-política de justiça social.
Com efeito, historia Ricardo Lobo Torres que a ideia de justiça social se
desenvolve a partir do século XIX, fundada em parte sobre os conceitos de justiça
legal de Aristóteles e de justiça geral de São Tomás de Aquino, tendo adquirido
curial importância diante dos conflitos entre o capital e o trabalho 23, advindos
especialmente após o início do processo de industrialização e urbanização da
sociedade. Reconhece o erudito professor que o conceito de justiça social é
extremamente fugidio e pouco nítido, porém indica que o seu conteúdo cifra-se
sobretudo na necessidade da redistribuição de rendas, com a consequente proteção
aos fracos, aos pobres e aos trabalhadores, sob a diretiva de princípios como o da
solidariedade.24
Franco Montoro apresenta as seguintes características ínsitas à ideia de
justiça: i) a pluralidade de pessoas ou “alteridade”, apresenta-se como relação entre a
23
Ricardo Lobo Torres. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário – Valores e
princípios constitucionais tributários .Vol. II Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 114.
24
Idem, p. 115.

11
comunidade e seus membros, o todo e a parte; ii) o “devido” consiste em assegurar
aos membros da coletividade uma equitativa “participação no bem comum”; iii) e a
“igualdade”, a ser estabelecida é proporcional ou relativa, e não absoluta ou simples,
como nas relações de justiça comutativa.25
Modernamente, Micheal Sandel explica que uma sociedade justa requer um
forte sentimento de comunidade, devendo, por conseguinte, encontrar uma forma de
incutir nos cidadãos uma preocupação com o todo, uma dedicação ao bem comum. 26
Por isso, o individualismo termina por macular a justiça social, conforme será visto,
inclusive, ao analisar o Estado Democrático de Direito no Ponto 2 do nosso
Programa.

Princípios da ordem econômica.


Em nove incisos e no parágrafo único, o artigo 170 da Constituição
apresenta os princípios informadores da ordem econômica. Voltaremos detidamente
a eles na aula atinente ao Ponto 4.
Por enquanto, seguindo o que foi falado na aula de 16/08, compete ao aluno
observar dois princípios. Primeiramente, o da soberania, já que ele é também um
princípio fundamental e o da livre concorrência, que será apreciado durante o
decorrer de todo a disciplina, especialmente nos Pontos 4, 8 e 9.

Soberania.
A soberania econômica, prevista no art. 170,I, da CF, decorre do poder
soberano, princípio fundamental previsto no art. 1º, II, CF. Importa assinalar que não
significa isolamento e que celebrar tratados/acordos internacionais, bilaterais ou
multilaterais não fere a soberania, mas sim a confirmam.
Só podemos negociar em pé de igualdade com as demais nações porque
temos soberania, inclusive para denunciá-las à OMC (Organização Mundial do
Comércio) quando estiverem realizando práticas anticoncorrenciais, como foi o caso
do algodão em que o Brasil litigou com os EUA e venceu.
Neste sentido, ensina Régis Fernandes de Oliveira que a evolução das
relações internacionais não representa quebra da soberania, eis que, em verdade, há
25
André Franco Montoro. Introdução à ciência do direito. 12ª ed., 3ª tiragem. São Paulo: RT, 1985,
p.225-226.
26
Michael J. Sandel. Justiça – O que é fazer a coisa certa. Tradução 6ª ed. De Heloísa Matias e Maria
Alice Máximo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, p.325.

12
uma afirmação da mesma, já que somente podem firmar tratados os Estados
soberanos.27
Assevera Francisco Rezek que “atributo fundamental do Estado, a soberania
o faz titular de competências que, precisamente porque existe uma ordem jurídica
internacional, não são ilimitadas; mas nenhuma outra entidade as possui
superiores.”28 Com isso, mesmo com o fenômeno da globalização, que é um processo
determinístico, consoante sentencia Brauner29, os Estados permanecem com a sua
soberania.

Livre concorrência e o princípio da isonomia.


Como explicado preambularmente em sala de aula, a liberdade
concorrencial é muito mais decorrente do valor da igualdade do que do valor da
liberdade em si. É a isonomia no campo do Direito Econômico. Não se admite regras
que favoreçam um agente econômico em detrimento de outro, salvo se houver razão
plausível de descrímen.
Com efeito, o direito, ou princípio da igualdade, constitui um signo marcante
da democracia, mormente no sentido de afastar privilégios e regalias. Uma conquista
do constitucionalismo, do liberalismo foi a chamada isonomia formal, ou seja, que
todos são iguais perante a lei (Art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão de 1789). O art. 5º começa com tal direito. Nos objetivos da República
Federativa do Brasil também se encontra presente tal princípio (art. 3º, III e IV). Para
alguns a desigualdade é que é a regra do universo: “possivelmente não haverá duas
coisas no universo que sejam exatamente iguais em todos os aspectos...”(Augustín
Gordillo). Assim, a isonomia não passaria de um simples nome (nominalismo). Para
outros, chamados idealistas, haveria um igualitarismo absoluto entre as pessoas. A
Constituição de 1988 prevê no art. 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei”.
A isonomia significa, como se sabe, não simplesmente tratar todos de maneira
exatamente igual, o que terminaria por conduzir a injustiças, mas igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais. Assim, observa-se que existem desequiparações
27
Régis Fernandes de Oliveira. Os tratados internacionais e seus reflexos no direito brasileiro. In: Heleno
Taveira Tôrres (Coord.). Teoria Geral da Obrigação Tributária – estudos em homenagem ao Professor
José Souto Maior Borges. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 192.
28
José Francisco Rezek. Direito Internacional Público – curso elementar. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991,
p.227-228.
29
Yariv Brauner. “An International Tax Regime in Crystallization – Realities, Experiences, and
Opportunities”, in: Public Law and Legal Theory Working Papers Series, Research Paper n. 43. NYU
School of Law – Working Draft, 2002, p. 79. Acesso : http://www.ssrn.com,,

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permitidas e que ao contrário de repudiar o princípio da isonomia acaba por
confirmá-lo.
Insta salientar que a norma de distinção tem de levar em consideração
aspectos diferenciadores lógicos e objetivos e não mero casuísmo, criando distinções
aleatórias, que não possuem qualquer correlação com o fato em que é tal lei
aplicada. Neste sentido, os seguintes ensinamentos do professor CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO (Revista Trimestral de Direito Público, Malheiros
Editores, Vol. I, p.81,82 e 83):"Em verdade, o que se tem de indagar para concluir
se uma norma desatende a igualdade ou se convive bem com ela é o seguinte: se o
tratamento diverso outorgado a uns for "justificável", por existir uma "correlação
lógica" entre o "fator de discrímen" tomado em conta e o regramento que se lhe
deu, a norma ou conduta são compatíveis com o princípio da igualdade; se, pelo
contrário, inexistir esta relação de congruência lógica ou - o que ainda seria mais
flagrante - se nem ao menos houvesse um fator de discrímen identificável, a norma
ou a conduta serão incompatíveis com o princípio da igualdade.....Ao cabo do
quanto se disse, é possível afirmar, sem receio, que o princípio da igualdade consiste
em assegurar regramento uniforme às pessoas que não sejam entre si diferenciáveis
por razões lógicas e substancialmente (isto é, à face da Constituição), afinadas com
eventual disparidade de tratamento."
Assim, no campo econômico somente se permite uma desequiparação se
houver razão relevante e plausível para tanto. Caso contrário, a discriminação é um
privilégio odioso, como nomina Ricardo Lobo Torres, devendo ser afastada do
mundo jurídico.
Aliás, tal é o entendimento da Suprema Corte. Eis o teor da Súmula
Vinculante n. 49: ”Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede
a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área.”

Falha de mercado, livre concorrência e livre iniciativa.


Como explicado de forma introdutória e horizontal, a ordem constitucional
econômica tem como objeto, basicamente, a correção das falhas de mercado e a
promoção da livre concorrência. Falhas de mercado, como a presença de
monopólios, oligopólios e as chamadas externalidades negativas foram o primeiro

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objeto de atenção da atuação estatal sobre o domínio econômico. Voltaremos a este
tema em breve.
Por fim, cumpre assinalar que a liberdade concorrencial pressupõe a livre
iniciativa, mas o contrário não é verdadeiro. Com isso, pode-se de pronto asseverar
que só a livre concorrência se houver liberdade de empreender. Sem livre iniciativa,
sem mercado, não há de se falar em concorrência. Por outro lado, pode existir a livre
iniciativa e não ocorrer a livre concorrência, quando houver o surgimento de
monopólios, a formação de cartéis, etc., que terminam por descumprir o objetivo
constitucional de ampla e livre concorrência.
A formação de monopólios e de oligopólios decorre do poder econômico e
deve ser cerceado e combatido; é uma falha do mercado que a “mão invisível”
preconizada por Adam Smith não consegue solucionar, pressupondo a atuação
estatal, com as medidas antitruste, combatendo práticas anticoncorrenciais.

NOTA DO AUTOR: Este material didático foi extraído da obra ainda


não publicada de autoria deste professor, servindo tão somente como material
de estudo para este Curso, não sendo autorizada a sua reprodução. Por ser
apenas um material complementar às aulas, não obedece aos padrões da ABNT.

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