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RESENHA

AMATO, Lucas Fucci. Inovações Constitucionais: Poderes e Direito. UNGER, Roberto


Mangabeira. Belo Horizonte, Editora Letramento, 2018. [Págs. 74-134]

Pedro Gabriel da Conceição Pereira

Resenha n° 5 apresentada aos profs. Carlos


Sávio Teixeira e Andressa Torquato para fins
avaliativos da disciplina Experimentalismo
Institucional e Tecnologia Monetária, do
Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal Fluminense
(PPGDC-UFF).

NITERÓI
2023
O construtivismo jurídico se apresenta como o quadro conceitual que considera o
Direito como um sistema social dotado de uma estrutura própria composta de instituições. No
fragmento textual resenhado a seguir, o autor completa sua exposição sumária sobre os
instrumentos analíticos que compõem o construtivismo jurídico, que se fundamentam na
teoria dos sistemas sociais autorreferenciais de Niklas Luhmann e na teoria social construtiva
de Roberto Mangabeira Unger.
Segundo o autor, o estudo tem como pretensões uma perspectiva de sociedade e de
constitucionalismo que tenha como premissa “a contingência da estrutura social e das
oportunidades de desestabilização no curso da própria estabilização dessa estrutura”, o que
ele denomina de sociedade e constitucionalismo “superliberais”. Para tanto, se baseia no que
Roberto Mangabeira Unger elaborou e denominou de programa democrático radical, que
busca avançar nas pretensões liberais clássicas, porém, reformando as próprias instituições
liberais - como o Estado, o mercado e a sociedade civil, e que o próprio caracterizou como
um programa de orientação “superliberal”. Ainda segundo Unger, esta orientação, por sua
vez, seria a busca do desfazimento de marcadores sociais, vistos como incapazes de dar conta
da personalidade dos indivíduos, em prol da autonomia individual como fator que imprime
reformabilidade à estrutura social. E em relação ao constitucionalismo, é uma orientação que
rejeita ser uma ideologia sectária, mas uma “construção institucional com relativa
neutralidade, a balizar o jogo político em um Estado democrático de Direito” (UNGER, 2001
apud AMATO, 2018).
Continuando o desenvolvimento de sua teoria, apoiando-se na teoria dos sistemas
sociais autorreferenciais luhmanniana, o autor discorre que clivagens rígidas de classe, etnia,
nacionalidade etc. são resultado da especialização dos sistemas funcionais - Direito Política,
Economia etc. -, um fato característico da sociedade moderna. Assim, uma análise de como a
constituição pode institucionalizar formas de reprodução do Direito e da Política e
desarticular estes entrincheiramentos das estruturas sociais seria um passo obrigatório a ser
dado pelo constitucionalismo fundado no experimentalismo democrático.
O autor entende que o Direito e a Política, sensíveis/irritáveis à constituição, estão
estendendo esta sensibilidade/irritabilidade ao passo que se advêm novas ordens jurídicas
consagradoras de regimes protoconstitucionais. “Com a emergência da sociedade mundial,
[...] a nacionalidade das constituições vem a ser complementada desde fins do século XX pela
emergência de regimes protoconstitucionais no Direito Internacional (nos regimes universais
e regionais de direitos humanos), no direito supranacional europeu e mesmo em ordens
privadas transnacionais” (AMATO, 2018). E tal multiplicação de níveis de ordens jurídicas
“consagradoras de direitos fundamentais e humanos servem para aumentar a autoirritação do
Direito e da Política: uma ordem observa a outra” (AMATO, 2018), de maneira que, por
exemplo, desequilíbrios em ordens regionais a respeito de direitos fundamentais e direitos
humanos podem ecoar sobre ordens nacionais, e disto oportunizar reformas experimentalistas
sobre os regimes constitucionais.
O autor entende direitos sociais como direitos de acesso a dispositivos de
transferência de renda e a infraestruturas de serviços públicos desenvolvidos pelo Estado na
tentativa de “compensar a incompetência do mercado em gerar desenvolvimento includente
(AMATO, 2018). No mesmo sentido, entende que esta compensação de incompetências em
si, que ocorre entre diversos sistemas sociais, “é um substituto precário à [...] remodelagem
das estruturas de cada sistema” (AMATO, 2018), sendo incapaz, por exemplo, de amenizar a
desigualdade social.
Aduz também o autor que a sociedade atual nega a autonomia de sistemas funcionais
como educação, saúde, esporte e arte, amarrando-os e aludindo-os como “o social”, de modo
a ser instrumentalizado pelo mercado e pelo Estado como “um objeto de filantropia para
acalmar os ‘menos privilegiados’” (AMATO, 2018).
E observa o autor que, no geral, direitos sociais ocupam posição subalterna em muitas
ordens nacionais e internacionais, mas traz um contraponto:

[...] uma das lições da demanda sobre direitos perante cortes nacionais
(especialmente constitucionais e cortes internacionais de direitos humanos (ou
mesmo perante comissões sem competência para resolver disputar e executar
penalidades) é a radical fungibilidade, permutabilidade argumentativa entre um ou
outro direito, cruzando mesmo as fronteiras das classificações tradicionais de
direitos. Provisões “negativas” de liberdades [...] podem ser facilmente entendidas
como abrangendo medidas “positivas” [...] para assegurar adequado acesso à justiça
[...]. A convergência global de métodos na hermenêutica constitucional também gera
uma pressão pela qual direitos sociais vêm a ser reconhecidos pelas atividades de
cortes, mesmo em constituições em que objetivos sociais, redistributivos ou
compensatórios estão de fora ou são textualizados apenas como diretivas políticas
sem executoriedade jurídica e direitos subjetivos correlatos. (AMATO, 2018)

O autor acredita que esta expansão do direito social passou a pressionar a expansão da
abrangência das instituições de ligação entre sistemas sociais (acoplamentos estruturais) -
assim, por exemplo, o acoplamento estrutural composto por contrato e propriedade, que até
então ligava a Política e a Economia, passa a ter que ligar Política, Economia e outro sistema
funcional, como educação ou saúde - e isto teve de ser estruturado juridicamente (deixando
de ser mera discricionariedade política).
Para o autor, direitos públicos são direitos políticos (enquanto direitos privados são
direitos organizadores da ordem do mercado), e, portanto, são dirigidos contra o centro do
sistema político, o Estado. Assim, um novo modelo de direitos públicos (incluindo aqueles de
ordens nacionais - sobretudo constitucionais - e internacionais) proposto por ele conteria
direitos de desestabilização, imunidade, participação e autonomia, que ele denomina pela
sigla DIPA. Neste modelo, “cada direito substantivo (a um meio ambiente sadio, à liberdade,
à saúde) pode funcionar como direito de desestabilização ou de imunidade, de participação ou
de autorregulação (autonomia)” (AMATO, 2018). Isto porque “os quatro tipos de direitos
públicos são definidos pelo conteúdo concreto e escopo da reivindicação, não pelo interesse
abstrato protegido (meio ambiente, saúde ou liberdade científica) ou pelo sistema funcional a
que o direito ‘substantivo’ está relacionado” (AMATO, 2018).
O direito de desestabilização é o direito que provoca reformas estruturais pontuais (ou
seja, reformas pontuais sobre instituições e práticas); o direito de imunidade é o direito que
atribui um bem ou serviço a uma pessoa ou grupo a título de compensação ou indenização; o
direito de participação é o direito que garante o exercício de um direito de voto já
reconhecido; e o direito de autonomia é o direito que estabelece espaço para uma medida de
autorregulação.
Aliás, o autor critica a tradicional concepção de gerações de direitos. Na sua leitura,
de acordo com esta concepção, uma geração posterior de direitos materiais teria a garantia de
seus direitos dependente da incorporação de direitos processuais da geração anterior mais um
acréscimo. Assim, os direitos materiais de primeira geração, quais sejam, os direitos de
liberdade, estariam suficientemente garantidos por direitos processuais tais como a ação
judicial individual, e os direitos de segunda geração teriam sua garantia dependente desses
direitos processuais mais um acréscimo tal como o controle judicial da omissão
inconstitucional dos Poderes. Contudo, ele observa que os direitos de primeira geração
também precisavam desse acréscimo para ser garantidos, o que revela que não há direitos
públicos subjetivos prontos para uso, e que todos os direitos, enquanto instituições, estão
sujeitos à reforma para conservarem sua garantia.
O fragmento textual leva à uma profunda reflexão sobre como o constitucionalismo
pode provocar transformações na estrutura social, sob a linha de pensamento do
experimentalismo democrático. Pode se extrair desta reflexão que, diante do aumento da
comunicabilidade entre os sistemas sociais através do aumento da abrangência dos
acoplamentos estruturais, observa-se, de fato, que o tradicional modelo de classificação de
direitos materiais (cada classe correspondendo a um sistema social) tornou-se obsoleta,
sobretudo porque, no constitucionalismo contemporâneo (que abrange não só a constituição
mas também regimes protoconstitucionais), os sistemas sociais para além do Direito e da
Política não podem funcionar prescindindo da lógica do contrato e da propriedade. Assim, as
transformações estruturais de cada sistema social, a ser perquirida pela constituição e pelos
regimes protoconstitucionais, passa a depender da transformação estrutural do contrato e da
propriedade, ou seja, da sua lógica, o que, ao fim e ao cabo significa o desafio de mexer no
vespeiro do direito privado.
Lucas Fucci Amato, brasileiro, é jurista. Atua como professor na Universidade de São
Paulo. Tem como principais campos de estudo a Teoria do Direito (positivismo, formalismo e
realismo jurídico), a Filosofia do Direito (republicanismo, liberalismo e pragmatismo) e a
Sociologia Jurídica (Max Weber, Niklas Luhmann e Roberto Mangabeira Unger).

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