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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 15

Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo


de garantia*

Luigi Ferrajoli
Universidade de Roma III

ABSTRATO. Neste artigo, o autor apresenta as diferenças mais relevantes entre neoconstitucionalismo e
constitucionalismo garantidor. Em primeiro lugar, afirma que o constitucionalismo pode ser concebido de
duas formas opostas: como superação do positivismo jurídico em sentido tendencialmente natural ou como
sua ampliação ou aperfeiçoamento, realizando uma revisão terminológica para realizar este trabalho. Em
segundo lugar, o autor considera que se as constituições incorporam princípios de justiça de natureza ético-
política, desaparece o principal traço distintivo do positivismo jurídico: a separação entre Direito e moral ou
entre validade e justiça. Em seguida, considera o constitucionalismo garantista como um iuspositivismo
reforçado, completando o Estado de Direito porque implica submissão ao Direito e controle constitucional.
Em quarto lugar, o autor afirma que a tese de que todo ordenamento jurídico satisfaz objetivamente algum
“mínimo ético” nada mais é do que a velha tese do direito natural, que acaba se tornando a versão atual do
legalismo ético, que é o constitucionalismo ético, em virtude do qual os princípios constitucionais pretendem
ser objetivamente justos. Quinto, o autor critica a oposição entre princípios e regras, na qual se baseia uma
concepção de constituição e constitucionalismo, oposta à concepção positivista e garantista. Em sexto lugar,
o autor afirma que a ideia de que os princípios constitucionais são sempre ponderados e não aplicados cria
um perigo para a independência da jurisdição e para a sua legitimidade política. Por fim, o autor considera
que o constitucionalismo acarreta um enfraquecimento e praticamente um colapso da normatividade dos
princípios constitucionais, bem como uma degradação dos direitos fundamentais neles estabelecidos a
meras recomendações genéricas de natureza ético-política.

Palabras clave: Ferrajoli, neoconstitucionalismo, garantismo, ponderación.

RESUMO. Neste artigo, o autor apresenta e discorre sobre as diferenças mais relevantes entre o
neoconstitucionalismo e uma versão do constitucionalismo que se define essencialmente em termos de
garantismo. Em primeiro lugar, argumenta que o constitucionalismo pode ser concebido de duas formas
opostas: como forma de superação do positivismo jurídico, portanto com certa tendência ao iusnaturalismo,
ou como ampliação ou aperfeiçoamento do primeiro; para esses fins, ele se compromete a uma revisão da
terminologia padrão. Em segundo lugar, o autor sustenta que se a Constituição incorporasse princípios de
justiça de natureza ético-política, desapareceria o principal traço distintivo do positivismo jurídico: a
separação entre Direito e moral ou a separação entre validade e justiça. Ele considera que o
constitucionalismo essencialmente garantista é uma versão reforçada do positivismo jurídico: completa um
sistema de Estado de Direito, pois implica tanto submissão ao Direito quanto controle judicial. Em quarto
lugar, o autor sustenta que o argumento de que qualquer sistema jurídico atende objetivamente a algum
“mínimo ético” nada mais é do que a antiga pretensão iusnaturalista. O constitucionalismo ético, para o qual
os princípios constitucionais devem ser objetivamente justos, é, portanto, a versão atual do legalismo ético.
Quinto, o autor se opõe à distinção entre princípios e regras que subjaz a uma concepção de constituição e
de constitucionalismo oposta à positivista e garantista. Em sexto lugar, o autor afirma que o fato de os
princípios constitucionais serem sempre ponderados e não apenas aplicados ameaça a independência da
jurisdição e sua legitimidade política.

* Data de recepção: 2 de novembro de 2010. Data de aceitação: 29 de novembro de 2010.

DOXA, Cadernos de Filosofia do Direito, 34 (2011) ISSN: 0214-8676 pp. 15-53


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E, por fim, o autor destaca que o constitucionalismo de alguma forma implica tanto o enfraquecimento
e virtual colapso da normatividade dos princípios constitucionais quanto a desvalorização dos
direitos fundamentais a recomendações ético-políticas meramente genéricas.

Palavras-chave: Ferrajoli, neoconstitucionalismo, garantismo, pesagem.

1. Constitucionalismo entre direito natural


e o positivismo jurídico. Uma proposta de revisão de terminologia

Existem várias concepções de constituição e constitucionalismo jurídico.


Uma característica comum a todos eles pode ser encontrada na ideia de

E subordinação dos poderes públicos —incluindo o legislativo— a uma série


de normas superiores, que são aquelas que estabelecem direitos
fundamentais nas atuais constituições. Nesse sentido, o constitucionalismo, como sistema
ma legal, equivale a um conjunto de limites e vínculos, não apenas formais, mas
também substanciais, rigidamente impostos a todas as fontes normativas por normas
supraordenadas; e, como teoria do Direito, a uma concepção de validade das leis
vinculada não apenas à conformidade de suas formas de produção com as normas
processuais de sua formação, mas também à coerência de seus conteúdos com os
princípios constitucionais de justiça. estabelecido.
Por outro lado, além desse tratamento comum, o constitucionalismo pode ser
concebido de duas formas opostas: como superação do positivismo jurídico em
sentido tendencialmente natural, ou como sua ampliação ou aperfeiçoamento. A
primeira concepção, comumente rotulada de «neoconstitucionalista», é seguramente
a mais difundida. O objetivo desta intervenção é apoiar, pelo contrário, uma
1,
concepção estritamente «positivista» de constitucionalismo, entendendo por
«positivismo jurídico» uma concepção e/ou um modelo de Direito que reconhece
como «direito» qualquer conjunto de normas estabelecidas ou produzidas por quem
tem o poder de produzi-los, independentemente de quais sejam seus conteúdos e,
2.
portanto, de sua eventual injustiça

1 Luis Prieto Sanchís apontou as diferenças mais relevantes entre essas duas concepções de
constitucionalismo em «A teoria do direito dos Principia Iuris», em G. Marcilla Córdoba (ed.), Constitucionaÿ
Id . _ _ _ _ _ e democracia constitucional. Uma discussão do Principia iuris de Luigi Ferrajoli , em Doxa,
n. 31, 2008, 325-

353. A essas intervenções de Prieto —bem como ao convite de Luis Streck para desenvolver um discurso
sobre constitucionalismo no Congresso Brasileiro de Direito Constitucional, realizado em Curitiba de 20 a
22 de maio de 2010— devo o incentivo para escrever este ensaio . Agradeço a Tecla Mazzarese por suas
críticas penetrantes e seus valiosos conselhos, alguns dos quais me levaram a fazer esclarecimentos
relevantes, enquanto outros foram omitidos por serem a expressão de uma verdadeira dissidência.
2 Assim, H. Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado (1945), tr. it., Teoria generale del diritto e
dello Stato, Milano, Edizioni di Comunità, 1959, primeira parte, X, B, a, 115 (trad. elenco. de E. García
Máynez, Teoria geral do direito e do Estado, México, UNAM, 1949): a "positividade" do Direito "está no
fato de ser criado e anulado por atos de seres humanos"; Id., Reine Rechtslehre (1960), tr. Item. por MG
Losano, La dottrina pura del diritto, Turim, Einaudi, 1966, cap. V, § 34, i, 247 (trad. elenco. de RJ
Vernengo, Teoria Pura do Direito, México, UNAM, 1979): «A validade de um sistema jurídico positivo
não pode ser negada pelo conteúdo de suas normas. Este é um elemento essencial do positivismo jurídico'; HLA Hart,
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Antes, porém, parece oportuno propor uma revisão terminológica. Nos dois
sentidos que acabo de distinguir, constitucionalismo «jurídico» ou, se preferirem, «ius-
constitucionalismo», designa um sistema jurídico e/ou uma teoria do Direito, ambos
ligados à experiência histórica do constitucionalismo do século XX .xx, como se
afirmava com as rígidas constituições do segundo pós-guerra. Algo completamente
diferente é o constitucionalismo «político» —moderno mas também antigo— como
prática e como concepção dos poderes públicos visando a sua limitação, em garantia
de certas esferas de liberdade 3 : nesse sentido, tanto os limites aos poderes

O Conceito de Direito (1961), tr. Item. por MA Cattaneo, Il concetto di diritto, Torino, Einaudi, 1965, cap. IX, §
1, 217 (trad. elenco. de GR Carrió, O conceito de direito, Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1968): «Entendemos
por positivismo jurídico a simples tese segundo a qual não é em nenhum sentido um verdade necessária que
as leis reproduzem e satisfazem certos requisitos de moralidade, ainda que na realidade o tenham feito”;
Id., Positivismo e a separação do direito e da moral (1958), tr. it., Il positivismo e la separazione tra diritto e
morale (1958), in Contributi all'analisi del diritto, ed. de V. Frosini, Milano, Giuffrè, 1964, § 2, 119-120, nota,
onde se descobre o segundo dos cinco sentidos possíveis do positivismo como a "afirmação de que não há
conexão necessária entre direito e moral". Lembre-se também da máxima hobbesiana, citada infra na nota 37,
«authoritas non veritas» —que equivale a dizer a forma de produção e não o conteúdo produzido— «facit
legem», em oposição à máxima iusnaturalista «veritas, non authoritas facit legem». Por outro lado, a noção
aqui formulada corresponde apenas em parte ao primeiro e segundo significados, e não corresponde de forma
alguma ao terceiro significado de "positivismo jurídico", do qual N. Bobbio distingue em Giusnaturalismo e
positivismo giuridico, Milano, Edizioni di Comunità, 1965, cap. V, 103-114. Precisamente: a) corresponde
apenas em parte à noção de positivismo como «abordagem ao estudo do Direito», com a qual tem em comum
a tese de que o jurista deve tratar apenas do «Direito tal como é», e não do «Direito como deve ser» moral ou
politicamente, mas afasta-se dele porque exige também o estudo do «Direito como deve ser» juridicamente, o
que, nos actuais sistemas dotados de rígidas constituições, é parte da “Lei como ela é”; b) não corresponde
inteiramente à noção de "positivismo jurídico" como uma "teoria", que descreve o "Direito como fato", ou seja,
como o conjunto de regras "direta ou indiretamente fixadas pelos órgãos do Estado", das quais sua
«identificação comum [...] com a teoria estatista do Direito» é retirada, como não pode ser aceita hoje, com o
fim do monopólio estatal da produção jurídica; c) enfim, não corresponde em nada ao terceiro sentido atribuído
por Bobbio, o do positivismo como «ideologia», segundo o qual o Direito existente, só por isso, é também
«justo»: uma concepção que, na realidade, , não é de todo positivista jurídico, contrasta com os dois primeiros
e nunca foi defendido, mas, ao contrário, foi firmemente rejeitado por todos os clássicos do positivismo jurídico:
de Bentham a Austin, Kelsen, Hart e o próprio Bobbio.

3 Este é o sentido, por exemplo, de Maurizio Fioravanti, que identifica o constitucionalismo com um
«movimento de pensamento» que «se afirma no contexto do processo de formação do Estado moderno» e,
ao mesmo tempo, com «o segunda face», a «segunda face do Estado europeu moderno», juntamente com a
«concentração do poder do imperium sobre o território» [M. Fioravanti, Constitucionalismo. Percorsi della storia
e tendenze attuali, Roma-Bari, Laterza, 2009, 5, 90, 149; videira. também Id., Costituzione, Bologna, Il Mulino,
1999 (tradução espanhola de M. Martínez Neira, Constitución. Da antiguidade aos nossos dias, Madrid, Trotta, 2001)].
Análoga é a caracterização do constitucionalismo oferecida por G. Rebuffa, Costituzioni e costituzionalismi,
Torino, Giappichelli, 1990, e a de M. Troper, «Il concetto di costituzionalismo e la Moderno teoria del diritto»,
em Materiali per una storia della cultura giuridica, XVIII, 1, 1988, 61-62, e retomada por T. Mazza rese, «Diritti
fondamentali e neocostituzionalimo», em Id. (ed.), Neocostituzionalismo e tutela (sovra)nazionale dei diritti
fondamentali, Turim, Giappichelli, 2002, 11. Ainda mais difundida é a noção de constitucionalismo proposta por
Mario Dogliani, que sublinha a continuidade do constitucionalismo moderno com «um conjunto de institutos [...]
espalhados ao longo dos séculos em experiências políticas muito diversas» , tanto para que seja legítimo «ligar
o constitucionalismo antigo ao moderno, como várias formas históricas [...] de uma tradição antiga que nunca
deixou de reelaborar e experimentar o seu núcleo normativo» (M. Dogliani , ti fondamentali”, em M. Fioravanti
(ed.), Il valore della Costituzione. L'experienza della democrazia republicana, Roma-Bari, Laterza, 2009, 42).
Ver também, de M. Dogliani, Introduzione al diritto costituzionale, Bolog na, Il Mulino, 1994, onde se analisam
os vários significados de «constituição» e se reconstroem as raízes antigas e os itinerários históricos do
«constitucionalismo» político. Em suma, trata-se do «constitucionalismo» como um conjunto de princípios
políticos que remontam ao pensamento grego e à experiência romana, posteriormente afirmados na Idade
Média e, em particular, no direito inglês: lembre-se do clássico ensaio sobre os de CH McIlwain ,
Constitucionalismo: Antigo e Moderno (1947), tr. it., Costituzionalismo antico
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Como garantias das liberdades, são limites e garantias reivindicados e talvez realizados
como limites e garantias políticas externas aos sistemas jurídicos, e não, certamente, como
limites e garantias jurídicas internas . No entanto, é em oposição a essa noção política de
constitucionalismo que a expressão «neoconstitucionalismo» tem se afirmado no léxico e no
debate jurídico-filosófico, referindo-se à experiência jurídica das atuais democracias
constitucionais.
Pela mesma razão, acredito que a terminologia atual é, em vários aspectos, enganosa
e enganosa. Em primeiro lugar, é a expressão «constitucionalismo», cujo uso para designar
uma ideologia, mesmo quando realizada de fato em sistemas dotados de sólidas tradições
liberal-democráticas, faz dela um termo do léxico político e não do léxico jurídico, e não
permite evidenciar a mudança de paradigma produzida na estrutura do direito positivo com a
introdução da rigidez constitucional. Mas a expressão «neoconstitucionalismo» é ainda mais,
pois, ao referir-se —no plano empírico— ao constitucionalismo jurídico de sistemas jurídicos
dotados de constituições rígidas, é assimétrico em relação ao já referido constitucionalismo
político e ideológico, que não designa nem um sistema jurídico nem uma teoria do direito,
mas é pouco mais que um sinônimo do estado liberal de direito. Além disso, dado que, a
nível teórico, a expressão «neo constitucionalismo» é geralmente identificada com a
concepção de constitucionalismo de direito natural, não capta os seus traços essenciais que
a distinguem da sua concepção jurídica positivista, que, aliás, é ignorada 4

. Finalmente, também está errado

e moderno, com introdução de Nicola Matteucci, Bolonha, Il Mulino, 1990 (trad. elenco. JJ Solozábal, Constitucionalismo
antigo e moderno, Madrid, Centro de Estudos Políticos e Constitucionais, 1991).
4 El termo «neoconstitucionalismo» --como recuerda Tecla Mazzarese, Direitos fundamentais e neocos-
tituzionalimo, cit., 2, nota 2— foi introduzido no léxico jurídico-filosófico por alguns filósofos jurídicos genoveses: S.
Pozzolo, «Neoconstitucionalismo e especificidade da interpretação constitucional», in Doxa, 21, 1998, 355-370; Id.,
Neocostituzionalismo e positivismo giuridico, Torino, Giappichelli, 2001; P.
Comanducci, «Il positivismo giuridico: un tentativo di bilancio», em Studi em homenagem a Franca De Marini, Milano,
Giuffrè, 1999, 123-124; M. Barberis, «Neocostituzionalismo, democrazia e imperialismo della morale», in Ragion
pratica, 8, 2000, 147-162; Id., Filosofia do Direito. Un'introduzione teorica (2003), 2ª ed., Torino, Giappichelli, 2005, §
1.5, 27-41. É o resultado de uma dupla —e, na minha opinião, duplamente discutível— operação terminológica, que é
ilustrada pelas obras acima mencionadas e, mais amplamente, por P. Comanducci, «Forme di neo costituzionalismo:
una ricognizione metateorica», em T Mazzarese (ed.), Neocostituzionalismo , cit., 71-94. A primeira operação é a
identificação do «constitucionalismo moderno» como uma «ideologia orientada para a limitação do poder e a defesa
de uma esfera de liberdades naturais» que «tem como pano de fundo habitual, embora não necessário, o direito
natural» (P. Comanducci , Forme, cit., 78): enfim, com o constitucionalismo político no sentido ilustrado na nota
anterior. Nesse sentido, porém, o constitucionalismo não é um modelo de direito nem uma abordagem teórica distinta
do positivismo jurídico. De resto, a referência empírica que Comanducci aponta (ibid., 71-77) está nas constituições
europeias dos séculos XVIII e XIX e , em particular, nas pré-unitárias italianas e no Estatuto Albertine de 1848, que
eram constituições flexíveis, sem qualquer diferença formal com as leis ordinárias, o que, portanto, não alterava o
paradigma do Estado de Direito legislativo, muito menos a teoria iuspositivista do Direito a ele associada. A segunda
operação consiste em designar por “neoconstitucionalismo” todas —e somente— as concepções de constituição e de
constitucionalismo que se expressam nas formas do neoconstitucionalismo teórico, ideológico e metodológico,
conforme a distinção proposta por Bobbio para o positivismo jurídico, e engloba , mesmo quando empiricamente
referido às rígidas constituições vigentes, pela tese da "conexão necessária entre direito e moral" (ibid., 78-94).
Identificando assim o «constitucionalismo» com a ideologia política liberal e o «neoconstitucionalismo» com a tese
antipositivista da ligação entre direito e moral —no plano teórico «concomitante ao positivista» ou «alternativo» a ele
(ibid. , 79) — o constitucionalismo positivista jurídico não tem lugar nessa classificação, claramente muito menos
descritiva, pois resulta da sobreposição do velho confronto entre o direito (neo) natural e os positivistas (paleo)
jurídicos à reflexão sobre o constitucionalismo.

Muito diferente tem sido a caracterização (não de "neoconstitucionalismo", mas simplesmente) da "constituição
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A expressão «positivismo jurídico», no sentido que lhe está associado, é utilizada para sublinhar
a sua oposição ao (neo) constitucionalismo. Com efeito, enquanto se adota uma noção ampliada
de constitucionalismo, de positivismo, ao contrário, propõe-se uma noção restrita, por meio de
sua identificação —mais do que com a ideia da positividade do Direito— com a ideia da primazia
do direito. lei estadual e parlamentos e, portanto, com o modelo paleopositivista do Estado
Legislativo de Direito5 .
Dessa forma, o (neo)constitucionalismo é concebido, mais do que um novo e mais desenvolvido
paradigma positivista jurídico, como uma superação do próprio positivismo, em sentido
antipositivista.
É por isso que julgo oportuno adotar e propor uma terminologia diversa e uma tipologia
correlativa, que faça uso de termos homogêneos, todos referentes à experiência jurídica. Assim,
será conveniente utilizar a expressão «ius-constitucionalismo» ou «constitucionalismo legal», ou
melhor ainda «Estado Constitucional de Direito» ou simplesmente «constitucionalismo», para
designar —em oposição ao «Estado Jurídico» ou «Estado Legislativo» Estado de Direito”,
desprovidos de constituição ou dotados de constituição flexível – ao rígido constitucionalismo das
atuais democracias constitucionais, qualquer que seja sua concepção filosófica e metodológica.
Nesse sentido, o traço distintivo do constitucionalismo será a existência positiva de uma lex
superior
à legislação ordinária, independentemente das diversas técnicas adotadas para garantir sua
superioridade: se é estadunidense e, mais geralmente, americana, de controle difuso, mediante
a não aplicação de leis constitucionalmente inválidas, em razão da estrutura federal dos Estados
Unidos Estados 6 , ou o europeu de controle
concentrado, por meio de sua anulação, gerado, em vez disso, no século passado pelo "nunca
mais" formulado diante da experiência do totalitarismo fascista.
Então, podemos chamar de constitucionalismo do direito natural e constitucionalismo jurídico
positivista às duas concepções do constitucionalismo jurídico atual, antes com

nalismo» proposto por Luis Prieto Sanchís em Constitucionalismo e garantismo, México, Fontamara, 1997.
Prieto também havia distinguido, paralelamente à distinção de Bobbian dos três tipos de iuspositivismo, entre
constitucionalismo "ideológico", "teórico" e "metodológico", pronunciando, no cap. V, § 2º, “a favor de uma teoria
do direito e de um constitucionalismo positivista”. Uma leitura em termos jurídico-positivistas do (neo)
constitucionalismo também foi oferecida por T. Mazzarese, Diritti fondamentali e neocostituzionalisÿ
mo, cit., § 1.4, 14-22; Id., "Para uma leitura positivista do neoconstitucionalismo", em Associações. Journal of Legal
and Social Theory, 6(2), 2002, 233-260; Id., «Juspositivismo e globalização do direito. Que modelo teórico», em JI
Moreso e MC Redondo (eds.), Um diálogo com a teoria do direito de Eugenio Bulygin, Madrid, Marcial Pons, 2007,
61-71; E. Bulygin, Tecla Mazzarese sobre o positivismo e a globalização do Deÿ
à direita, ibid., 185-186; V. Giordano, Il positivismo e la sfida dei principi, Napoli, Esi, 2004, 20-22. Não obstante, a
expressão «neoconstitucionalismo», no sentido substancialmente iusnaturalista ilustrado acima e aceita
passivamente também por aqueles que defendem uma leitura iuspositivista do constitucionalismo, entrou em uso
corrente, a ponto de gerar uma literatura abundante que cresceu sobre si mesma , e ainda deu título a uma série
de volumes importantes: além de T. Mazzarese (ed.), Neocostituzionalismo,
cit., M. Carbonell (ed.), Neoconstitucionalismo(s), cit.; Id. (ed.), Teoría del neoconstitucionalismo. Ensayos
escogidos, Madrid, Trotta, 2007; R. Quaresma, M. L. De Paula Oliveira y F. Martins Riccio de Oliveira
(eds.), Neoconstitucionalismo, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009.
5 Ver, por exemplo, M. Fioravanti, Constitutionalism, cit., 90-104; G. Zagrebelsky, A lei mansa. Lei-
ge, diritti, giustizia, Torino, Einaudi, 1992, cap. II, § 6, 38 (tradução espanhola de M. Gascón Abellán, O direito
dúctil, Madrid, Trotta, 1995).
6 A. Barbera, "As bases filosóficas do constitucionalismo", en Id. (Ed.), As bases filosóficas da constituição-
nalismo, Roma-Bari, Laterza, 1997, 11, que lembra que a imutabilidade do pacto federal pelo Congresso foi a
verdadeira razão pela qual, no famoso caso Marbury vs. Madison em 1803, o juiz Marshall decidiu a primeira não
aplicação de uma lei em contraste com a Constituição.
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20 Luigi Ferrajoli

transposto. No entanto, aqueles que sustentam uma concepção antipositivista do


constitucionalismo nem sempre se consideram estudiosos do direito natural. Em vez disso,
eles se declaram não-positivistas ou pós-positivistas. Por outro lado, o que todos têm em
comum é que concebem grande parte das normas constitucionais e, em particular, dos
direitos fundamentais, como princípios ético-políticos; e que adotam uma distinção qualitativa
e estruturalmente forte entre princípios e regras, os primeiros objeto de argumentação e
consideração, os segundos objeto de aplicação na forma de subsunção. Por outro lado,
esse segundo elemento, mesmo quando, de fato, é sustentado sobretudo pelos estudiosos
do direito natural 7 , não está conceitualmente ligado ao direito natural, e pode muito bem
8
ser aceito pelos positivistas .

Por isso, juntamente com a distinção entre constitucionalismo do direito natural (ou
não positivista) e constitucionalismo jurídico positivista, será necessário formular e discutir
uma segunda e mais importante distinção, coincidindo apenas em parte com a primeira,
entre o que chamamos de constitucionalismo argumentativo ou principialista e que pode
9
ser chamado de constitucionalismo normativocaracterizada
ou garantidor . A primeira orientação é

7 Vid., infra, nota 50, na qual são lembrados os autores, todos estudiosos do direito natural, que mantêm uma
distinção qualitativa entre princípios e regras e os autores, preferencialmente o direito positivista, que mantêm, em
vez disso, uma distinção apenas quantitativa ou de grau.
8 Devo essa precisão a Tecla Mazzarese. Esta, aliás, mesmo sendo a favor de uma leitura ius positivista do
(neo) constitucionalismo, mantém a indeterminação intrínseca dos direitos fundamentais, semelhante àquela
geralmente associada aos princípios em oposição às regras: cf. T. Mazzarese, Diritti fondamentali e
neocostituzionalismo, cit., § 3.1, em particular 38-39; Id., «Raciocínio judicial e direitos fundamentais. Observações
lógicas e epistemológicas”, em Doxa, 26, 2003, 687-716, e, mais amplamente,
Id., «Ancora su ragionamento giudiziale e diritti fondamentali. Spunti per una posizione “politicamente scor retta”, no
prelo em Ragion pratica, n. 35, 2010, § 5. Neste último ensaio, ele destaca uma «tríplice fonte de indeterminação do
conjunto dos direitos fundamentais [...] que, justamente pela íntima conotação axiológica dos direitos fundamentais,
parece incontornável ( § 5.2): indeterminação em seus “critérios de individualização”, em seus “critérios de
interpretação” e em seus critérios para a solução de seus possíveis conflitos. Nesta “conotação axiológica intrínseca”
de que “a noção de direitos fundamentais [ ... ] tanto isso como de qualquer outro conceito da teoria do Direito [Diritti
fondamentali. A dibattito teoÿ

rico (2001), 3ª ed., Roma-Bari, Laterza, 2008, 5 ss. (edição espanhola de A. de Cabo e G. Pisarello, Os fundamentos
dos direitos fundamentais, Madrid, Trotta, 2001); Principia iuris. Teoria do direito e democracia. EU
Teoria de Diritto e II. Teoria della democrazia (doravante, PiI e PiII), Roma-Bari, Laterza, 2007, Introduzione e § 11.1,
725-726] (tradução espanhola de P. Andrés Ibáñez, JC Bayón, M. Gascón Abellán, L. Prieto Sanchis
e A. Ruiz Miguel, Principia iuris. Teoria do direito e democracia. I Teoria do Direito e II Teoria da Democracia, Madrid,
Trotta, 2001)— reside a minha principal discordância com Mazzarese, que se reflete também na concepção diversa
dos princípios que enunciam os direitos fundamentais.
9
Extraio as expressões «principalismo» e «principalista» de L. Prieto Sanchís, Constitucionalismo y
positivismo, México, Fontamara, 1997, 65, e especialmente de A. García Figueroa, Princípios e positivismo jurídico.
O não-positivismo principialista nas teorias de Ronald Dworkin e Robert Alexy, Madrid, Centro de Estudos Políticos
e Constitucionais, 1998, § 1.2.4, 69, onde o «principalismo» é denominado «não-positivismo» que concebe «as
normas constitucionais referindo-se aos direitos” como “princípios considerados instrumentos adequados para
vincular o direito à moral, particularmente por meio da argumentação”; Id., Criaturas da moralidade. Uma abordagem
neoconstitucionalista do Direito pelos direitos, Madrid, Trotta, 2009, passim. Expressões análogas, mas em sentido
crítico, são utilizadas por LL Streck, Verdade e Consenso. Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Da
possibilidade de necessidade de respostas corretas em direito, 3ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, que dedica
um longo parágrafo (§ 13.5, 475 s.) à crítica de «panprincipiologismo em Terrae brasilis», ou seja, à crítica à
tendência da jurisprudência brasileira (sobre a qual vide nota infra 73) de elaborar princípios não formulados na
constituição, mas fruto unicamente de argumentos morais. A expressão «constitucionalismo guarantista» para
designar a «teoria jurídica dos limites do poder político» é utilizada, em vez disso, por A. Pace, «Le sfide del
costituzionalismo nel xxi secolo», in Diritto pubblico, 2003, n. 3.900.
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 21

pela configuração dos direitos fundamentais como valores ou princípios morais estruturalmente
diferentes das regras, como dotados de uma normatividade mais fraca, confiada não à subsunção,
mas, antes, à ponderação legislativa e judicial.
A segunda orientação caracteriza-se, por outro lado, por uma forte normatividade, de tipo
normativo, ou seja, pela tese de que a maioria (se não todos) dos princípios constitucionais e, em
particular, os direitos fundamentais, se comportam como regras. , uma vez que implicam a
existência ou impõem a introdução das regras que consistem nas proibições de lesão ou
obrigações de prestação, que são as suas respectivas garantias. Nesta segunda caracterização,
o constitucionalismo será definido como um sistema jurídico e/ou uma teoria do direito que
estabelece —em garantia do que está constitucionalmente estipulado como obrigatório e
inderrogável— a sujeição (também) da legislação às normas sobre a produção não só formal, ou
seja, relativo à forma (a «quem» e «como»), mas também substancial, isto é, relativo ao conteúdo
das normas produzidas (ao «o que» não deve ou não deve ser decidido), cuja violação gera
antinomias por ação ou lacunas por omissão.

Nas páginas seguintes, irei ilustrar, em primeiro lugar, as características que, mesmo com
acentos diferentes, têm em comum as concepções dos principais expoentes do constitucionalismo
não positivista e/ou principialista. Em primeiro lugar, a crítica que a maioria deles dirige ao
positivismo jurídico, baseado na tese da ligação entre Direito e moral, gerada pela formulação de
princípios morais nas constituições; segundo, o contraste entre princípios e regras, como normas
estrutural e qualitativamente diversas; em terceiro lugar, o papel central atribuído à ponderação
dos princípios na atividade jurisdicional (§ 2º). Em seguida, indicarei as características opostas do
constitucionalismo positivista e garantista que, a meu ver, fazem do constitucionalismo um novo
paradigma do Direito positivo e a base empírica de uma nova teoria do Direito e da democracia (§
3º). Por fim, com base nisso, abordarei três ordens de críticas —no plano jurídico-filosófico (§ 4),
no plano teórico-conceitual (§ 5) e no plano epistemológico (§ 6)— às teses do princípio
principialista. constitucionalismo, destacando os perigos de um retrocesso pré-moderno do Direito
e da cultura jurídica, gerado por suas implicações pragmáticas (§ 7º).

2. O constitucionalismo principialista e/ou não positivista

A tese de que o constitucionalismo, com sua pretensão de submeter as leis a normas


superiores estipuladas como inderrogáveis, expressa uma instância clássica do direito natural, é
uma ideia que ressurge, sustentada desde que a expressão «constitucionalismo» passou do léxico
filosófico-político para o léxico jurídico-filosófico 10. De acordo com essa tese, o constitucionalismo
equivaleria a uma superação ou, diretamente, a uma negação do positivismo jurídico, o que não
seria mais adequado para dar conta da nova natureza das democracias constitucionais atuais.
Tendo incorporado nas constituições princípios de justiça de natureza ético-política, como
igualdade, dignidade das pessoas e direitos fundamentais, o princípio da justiça teria desaparecido.

10 N. Matteucci, «Positivismo jurídico e constitucionalismo», en Revisão trimestral do processo civil,


XVII, 3, 1963, 1046.
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22 Luigi Ferrajoli

principal característica distintiva do positivismo jurídico: a separação entre direito e


moral, ou entre validade e justiça. A moral, que no antigo paradigma iuspositivista
correspondia a um ponto de vista externo ao Direito, passaria agora a fazer parte
de seu ponto de vista jurídico ou interno 11. Acrescento que essa concepção
tendencialmente ius naturalista do constitucionalismo é sustentada não apenas
principais expoentes do constitucionalismo não positivista, como Ronald Dworkin,
Robert Alexy, Carlos Nino, Gustavo Zagrebelsky e Manuel Atienza, mas também
por alguns de seus críticos, como Michel Troper, um positivista jurídico estrito, para
quem o constitucionalismo é incompatível com o Positivismo 12.
Há, então, um segundo aspecto dessa concepção de constitucionalismo: a
consideração de grande parte das normas constitucionais —começando pelos
direitos fundamentais— não como regras que podem ser observadas ou
desobedecidas, mas como princípios que são respeitados em maior ou menor grau
e que, portanto, são passíveis de ponderação quando conflitam entre si, o que
acontece com frequência. Daí decorre o papel central atribuído à argumentação na
própria concepção do Direito. «O direito», afirma por exemplo Atienza, «não pode
ser entendido exclusivamente como um sistema de normas, mas também como
uma prática social»13. Por outro lado —acrescenta— os direitos fundamentais são
«valores» ético-políticos, de modo que não só o Direito tem uma ligação inevitável
com a moral, mas também uma teoria do Direito dotada de capacidade explicativa e
em condições de oferecer critérios de solução para casos difíceis, não pode deixar
de incluir uma teoria da argumentação e práticas argumentativas, em que tais
valores “têm um papel determinante”14. Da mesma forma, lembra Atienza , Ronald
Dworkin considera o Direito "como uma prática interpretativa"; Robert Alexy associa
o Direito a uma «pretensão de correcção» e, portanto, à sua própria justificação
moral, seja ela qual for; enquanto Carlos Nino considera que as normas jurídicas
não são, por si só, motivos justificadores autônomos das decisões, uma vez que o
raciocínio jurídico está aberto a razões morais 15. Por sua vez, José Juan

11 «Nos sistemas constitucionais», escreve Habermas, «a moral não está mais suspensa no ar, acima
do Direito, como sugere a construção do Direito Natural em termos de um conjunto supra-positivo de normas;
agora a moralidade entra no próprio coração do direito positivo» [J. Habermas, Recht und Moral (Tanner
Lectures) (1988), Diritto e morale, tr. Item. de L. Ceppa, Morale, diritto e politica, Torino, Einaudi, 1992, 36].

12 «Agora é claro que o positivismo, nos três sentidos desta palavra» —que distingue Norberto Bobbio
— «é completamente incompatível com o constitucionalismo», que «parece estritamente ligado às doutrinas
do direito natural» (M. Troper, Il concetto di costituzionalismo , cit., 63). Análoga é a posição de Comanducci
aqui lembrada na nota 4, que retoma a noção de “constitucionalismo” de direito político e natural expressa por
Matteucci e Troper.
13 Cf. M. Atienza, «Tese sobre Ferrajoli», in Doxa, n. 31, 2008, § 6, 215. Mais amplamente, as mesmas
teses são desenvolvidas por M. Atienza, «Sobre Ferrajoli e a superação do positivismo jurídico», em L.
Ferrajoli, JJ Moreso e M. Atienza, A teoria do direito em o paradigma constitucional, Madrid, Fundación
Colloquio Jurídico Europeo, 2008, §§ 5 e 6, 144-164; veja minha resposta, “Constitucionalismo e teoria
jurídica. Resposta a Manuel Atienza e José Juan Moreso”, ibid., §§ 2 e 3, 173-195; cf. Também meu Garanÿ
tismo. Uma discussão sobre direito e democracia, Madrid, Trotta, 2006, cap. 2, 23-38, em resposta às
críticas de A. García Figueroa e M. Iglesias Vila, em M. Carbonell e P. Salazar Ugarte (eds.), Garantismo.
Estudos sobre o pensamento jurídico de Luigi Ferrajoli, Madrid, Trotta, 2005, 267-284 e 77-104.
14 M. Atienza, «Tesis sobre Ferrajoli», cit., § 6, 215. O termo «valores», como Atienza observou
criticamente , não aparece entre meus termos teóricos e nem mesmo no índice analítico dos argumentos do
autores, dois volumes do meu Principia Iuris (ibid.).
15 M. Atienza, «Tesis sobre Ferrajoli», cit., § 6, 215.
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 23

Moreso considera que a argumentação moral é essencial à ciência jurídica, sendo "óbvio
que as constituições muitas vezes incluem conceitos e considerações morais" e que,
portanto, "incorporam a moralidade ao direito" 16.
Assim, esse constitucionalismo principialista e argumentativo, de clara matriz anglo-
saxônica, caracteriza-se, por um lado, pelo ataque ao positivismo jurídico e à tese da
separação entre Direito e moral; depois, pela tese de que os direitos constitucionalmente
constituídos não são regras, mas princípios em virtual conflito e, por isso mesmo, objeto de
ponderação e não de subsunção; e, por fim, pela conseqüente concepção do Direito como
uma "prática social" confiada, sobretudo, à atividade dos juízes. Sob este último aspecto,
registra-se uma singular convergência do constitucionalismo principialista ou argumentativo
com o realismo e também com o que poderíamos chamar de «neopandectismo», na medida
em que minam a normatividade do Direito em relação aos operadores do direito. Com efeito,
então, segundo essas três orientações, o Direito é, na verdade, o que fazem os tribunais e,
de modo mais geral, os operadores do direito, e consiste, em última instância, em suas
práticas interpretativas e argumentativas 17.

Certamente, esta tese registra a fenomenologia do Direito como um fato; mas ignora
seu possível contraste com o direito como norma. Por isso, é geralmente assumida não
apenas como descritiva, mas também de fato prescritiva, ou seja, como representação da
prática jurídica não apenas "como ela é", mas também "como ela é justa" e, em todo caso, ,
como “não pode deixar de ser” 18. Dessa forma, eficácia se confunde com validade. É
nessa constante referência à prática judiciária, não apenas como critério de identificação,
mas também como base principal da legitimidade do Direito, que reside o outro elemento
que o constitucionalismo argumentativo e principialista compartilha não apenas com o
realismo, mas também com o neopandectismo. que também enfatiza o papel da práxis, isto
é, «o direito como fato» e não «como norma» 19, e propõe, como alternativa à crise do
direito —que se julga irreversível 20—, um renovado «papel dos juristas» 21, inspirado
numa opção clara de direito natural 22.

16
J. J. Moreso, «Ferrajoli o el constitucionalismo optimista», en Doxa, núm. 31, 2008, § 4, 285.
17 Esta é a tese já sugerida no título do livro de M. Atienza, El Derecho como Argumentación. Conceito-
ns da argumentação, Barcelona, Ariel, 2006: cfr., ibid., 33, 52-56, 214 e 222.
18 A concepção do Direito como «atividade» ou como «prática social», escreve Atienza, por exemplo, «significa,
de alguma forma, questionar a distinção entre o que é e o que deveria ser, entre discurso descritivo e prescritivo» (O
direito como argumentação, cit., 53).
19 É a orientação expressa, exemplarmente, por Paolo Grossi, que interpreta as mudanças no Direito provocadas
pela globalização como um retorno a «um Direito privado dos indivíduos»: «aqui não é a validade que domina, mas o
seu contrário, este é o eficácia [...] Eficácia significa precisamente isto: um facto é de tal forma adequado e de acordo
com os interesses dos operadores económicos, que o repetem e observam, não porque seja um espelho fiel de algo
que está no mas porque tem em si uma força (e, se quisermos, uma capacidade persuasiva) que a torna digna de ser
observada e, portanto, de vida duradoura. Aqui o filtro não existe e não deveria existir: são os fatos econômicos que
contam; e contam como são: brutos, informes, carregados da escória que as práticas cotidianas depositam neles e
que devem ser considerados respeitáveis porque, em sua informalidade e plasticidade, podem responder
extraordinariamente às variações do mercado segundo os tempos e os lugares » (P. Grossi, «Globalizzazione, diritto,
scienza giuridica», em Id., Società, Diritto, Stato. Un recovery per il diritto, Milano, Giuffrè, 2006, § 5, 288-290).

20 «Código», escreve Grossi com acentos que lembram a polêmica pandectista contra a codificação, «significa
a grande utopia e a grande presunção de um legislador (um legislador que a legolatria iluminista fez
(Ver notas 21 e 22 na página seguinte)
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24 Luigi Ferrajoli

3. Constitucionalismo garantista como positivismo jurídico


reforçado. Positivismo jurídico e democracia 2122

A concepção de constitucionalismo que chamei de "direito positivo" ou "garantia" é oposta.


O constitucionalismo rígido, como escrevi em várias ocasiões, não é uma superação, mas sim
um reforço do positivismo jurídico, que se estende às opções - os direitos fundamentais previstos
nas normas constitucionais - a que deve submeter a produção do direito positivo. É fruto de uma
mudança de paradigma do antigo iuspositivismo, produzido pela submissão da produção
normativa a normas de direito positivo que não são apenas formais, mas também substanciais.
Por isso, o constitucionalismo de garantia completa tanto o positivismo jurídico quanto o Estado
de Direito: completa o positivismo jurídico porque positiva não apenas o "ser" mas também o
"dever ser" do Direito; e completa o Estado de Direito porque acarreta a sujeição, também da
atividade legislativa, ao Direito e ao controle de constitucionalidade 23. Dessa forma, o
constitucionalismo jurídico suprimiu a última forma de governo dos homens: aquela que no
tradicional democracia, ela se manifestou na onipotência da maioria. Graças a isso, a legalidade
não é mais apenas, como no antigo modelo paleopositivista, «condicionando» a validade das
normas infralegais, mas está ela própria condicionada, na sua própria validade, ao respeito e
cumprimento. . Assim, o Direito em sua totalidade é concebido como uma construção inteiramente
artificial, da qual se regulam não apenas as formas, como no antigo paradigma formalista do
paleopositivismo, mas também os conteúdos, através dos limites e vínculos que lhes são
impostos. paradigma constitucional.

Nesse aspecto, é possível falar de um vínculo entre democracia e positivismo jurídico, que
se consuma com a democracia constitucional. Essa ligação entre democracia e positivismo
jurídico é geralmente ignorada. No entanto, é preciso reconhecer que somente a rígida disciplina
positiva da produção jurídica é capaz de democratizar suas formas e conteúdos. O primeiro
iuspositivismo do Estado de Direito legislativo equivale à positivação do «ser» jurídico do Direito,
que permite

presunçoso) de poder conter o universo jurídico em um texto, mesmo quando muito articulado e sensato; raspando
um pouco mais fundo revela qual é o nó oculto de toda a operação, o exercício de um controle rigoroso sobre a
produção do Direito» (ibid., § 7, 291).
21 P. Grossi, “Il diritto tra potere e ordenamento”, in Id., Società, cit. § 12, 195: "Acredito firmemente que
estamos entrando em um momento histórico em que o papel dos juristas só pode crescer". Este papel também se
desenha no modelo pandectista: «Mas o jurista, quer como cientista quer como juiz, pode também considerar-se no
dever de ser herdeiro daquele fecundo personagem que, na Roma antiga, na civilidade sapiencial do segunda Idade
Média, na longa experiência do direito consuetudinário até hoje, tornou-se leitora de exigências objetivas, cumpriu a
missão de ordená-las de acordo com um senso de responsabilidade ética e as traduziu em princípios e regras de
convivência ” (ibid., 196).
22 P. Grossi, «Aspetti giuridici della globalizzazione economica», em Id., Società, cit., § 7. 311-312: «Será
necessário» que os juristas desenvolvam «a consciência dos homens da ciência e da práxis unidos pela a posse
de um certo pensamento, de certos saberes, de certas técnicas e também pela certeza do valor ôntico do Direito
para a vida de uma comunidade local ou global». De onde fica claro o traço de direito natural de uma concepção
semelhante: “Ontic é uma palavra imponente, que pode até soar obscura; ele só quer enfatizar que a Lei não é um
artifício nem uma limitação para a comunidade humana; ela pertence, ao contrário, à sua própria natureza e deve,
portanto, expressá-la devidamente” (ibid., 312).
23 Refiro-me ao PiI, § 9.2, 493, ao PiIII, § 13.8, 42-43, e à Garantia. Uma discussão, cit., § 2.1, 28.
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 25

a democratização das suas formas de produção, condicionando a sua validade formal


ao seu carácter representativo, no qual assenta a dimensão formal da democracia
política. O segundo iuspositivismo, que é o do Estado de Direito constitucional, equivale
à positivação do “dever ser” constitucional do próprio Direito, que permite a
democratização de seu conteúdo, condicionando sua validade substancial à sua
coerência com os direitos de todos, quais são os direitos fundamentais, nos quais
assenta a dimensão substancial da democracia constitucional. Graças ao primeiro
positivismo jurídico, o "quem" e o "como" da produção normativa foram confiados a
sujeitos politicamente representativos dos governados. Graças à segunda, o “quê” das
normas produzidas estava vinculado à garantia de seus interesses e necessidades
vitais. Desta forma, o antigo e recorrente contraste entre razão e vontade, entre o
direito da razão e o direito da vontade, entre o direito natural e o direito positivo, entre
Antígona e Creonte, que perpassa a filosofia jurídica e política em sua totalidade,
desde da antiguidade até ao século XX, e que corresponde ao antigo e também
recorrente dilema e contraste entre o Estado de direito e o Estado dos homens, foi
largamente resolvido pelas rígidas constituições vigentes, através da positivação do
«direito da razão» —mesmo quando historicamente determinado e contingente— na
forma dos princípios e direitos fundamentais neles estipulados, como limites e vínculos
com a “lei da vontade”, que na democracia é a lei do número expressa pela vontade
da maioria.
Para tanto, distinguirei três sentidos de constitucionalismo positivista ou de
garantia: como modelo ou tipo de sistema jurídico, como teoria do Direito e como
filosofia política 24 . -modelo positivista, pela positivação também dos princípios aos
quais toda a produção normativa deve se submeter. Assim, é concebido como um
sistema de limites e vínculos impostos por rígidas constituições a todos os poderes e
garantidos pelo controle judicial de constitucionalidade sobre seu exercício: de limites
impostos para garantir o princípio da igualdade e os direitos da liberdade, cuja violação
pela ação dá originar antinomias, ou seja, leis inválidas que precisam ser anuladas por
meio de intervenção judicial; de obrigações impostas essencialmente para garantir
direitos sociais, cuja violação por omissão dá origem a lacunas que devem ser
preenchidas pela intervenção legislativa.

Como teoria do Direito, o constitucionalismo positivista ou garantidor é uma teoria


que tematiza a divergência entre o que deveria ser (constitucional) e o que deveria ser
(legislativo) do Direito. No que diz respeito à teoria paleopositivista, ela se caracteriza
pela distinção e pela virtual divergência entre validade e validade, uma vez que admite
a existência de normas vigentes —porque se conformam às normas formais em sua
formação— mas que, no entanto, são inválidos porque são incompatíveis com as
regras substanciais sobre sua produção. Portanto, o tema mais relevante e interessante
da teoria é o direito constitucionalmente ilegítimo: por um lado, como já disse, as antinomias

24 Esses são os três significados de "constitucionalismo" correspondentes aos três significados de


"garantismo" que distingui em Diritto e ragione. Teoria del garantismo penale (1989), 9ª ed., Rome-Bari,
Laterza, 2008, cap. XIII (tradução espanhola de P. Andrés Ibáñez, JC Bayón, R. Cantarero, A. Ruiz
Miguel e J. Terradillos, Madrid, Trotta, 9ª ed., 2009). Vale ressaltar que esses três significados nada têm
a ver com os três significados de constitucionalismo distinguidos por Comanducci (ver nota 4 supra ),
modelados nos significados de positivismo jurídico distinguidos por Bobbio e lembrados aqui na nota 2.
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26 Luigi Ferrajoli

causada pela produção indevida de normas inválidas que contrariam a


constituição e, em particular, os direitos de liberdade constitucionalmente
estabelecidos; por outro lado, as lacunas causadas pela omissão de produção
das leis de execução das normas constitucionais e, em particular, (das garantias)
dos direitos sociais 25.
Por fim, como filosofia e como teoria política, o constitucionalismo positivista
ou garantidor consiste em uma teoria da democracia elaborada não como uma
teoria genérica e abstrata da boa governança democrática, mas, sim, como uma
teoria da democracia substancial, além de formal . , ancorado empiricamente no
paradigma do Direito agora ilustrado. Isso resulta em uma teoria da democracia
como um sistema jurídico e político articulado em quatro dimensões,
correspondendo às garantias de tantas outras classes de direitos
constitucionalmente estabelecidos —direitos políticos, direitos civis, direitos de
liberdade e direitos sociais—, que agora não "valores objetivos", mas sim a
conquistas historicamente determinadas, fruto de várias gerações de lutas e
revoluções, e suscetíveis de maior desenvolvimento e expansão. Em garantia
de novos direitos; como limites e vínculos a todos os poderes, inclusive os
privados; em todos os níveis normativos, inclusive supranacional e internacional;
para a proteção dos bens fundamentais, bem como dos direitos fundamentais 26.
Nesses três sentidos, o constitucionalismo equivale a um projeto normativo
que precisa ser realizado por meio da construção de garantias e instituições de
garantia adequadas, por meio de políticas de ação e leis. Assim, como escrevi
em várias ocasiões, o garantismo é a outra face do constitucionalismo. Por outro
lado, em nenhum desses três significados o constitucionalismo garante que
admite a conexão entre direito e moral. Ao contrário, a separação entre as duas
esferas é confirmada por ele tanto no plano assertivo da teoria do Direito quanto
no plano axiológico da filosofia política. Em sentido assertivo ou teórico, a
separação é um corolário do princípio da legalidade, que, ao garantir que os
juízes estejam sujeitos apenas ao direito, impede a derivação do direito válido do direito (que e

25 Por isso fiz referência, no que diz respeito ao paradigma constitucional e de garantia, ao «positivismo
jurídico crítico» em oposição ao «positivismo jurídico dogmático», em Diritto e ragione, cit., cap. XIII, § 58.2,
912-922. O papel crítico da ciência jurídica diante do Direito juridicamente ilegítimo —decorrente do fato da
divergência entre o que deveria ser e o que é o próprio Direito, gerada pela supraordenação hierárquica de
constituições rígidas em relação à legislação ordinária— tem sido estranhamente considerado por alguns em
contraste com o positivismo jurídico: nesse sentido, ver V. Giordano, Il positivismo, cit., 42-49, e A. Amendola, I
confini del diritto. A crise do sovranità e l'autonomia del giuridico, Napoli, Esi, 2003, 93-95.
Tal equívoco explica-se, a meu ver, por um lado, pela identificação do paradigma do constitucionalismo rígido,
indicado na nota 4, com a sua interpretação, sob o rótulo ambíguo «neoconstitucionalismo», em chave de direito
natural; de outro, pela ideia de que a avaliação é uma exigência do positivismo jurídico e equivale, se associada
à "teoria do direito", ao seu caráter "puro" (no sentido kelseniano) ou "formal" (no sentido bobbiano). sentido).
Para uma crítica positivista da tese do valor da ciência jurídica, com referência ao atual paradigma constitucional,
remeto ao meu «La pragmatica della teoria del diritto», em Anaÿ
lise e lei. 2002-2003. Pesquisas jurisprudenciais analíticas, em P. Comanducci e R. Guastini (eds.), Turim,
Giappichelli, 2003, 351-375, trad. elenco. en Epistemología jurídica y garantia, México DF, Fontamara, 2004,
109-139; a PiI, Introdução, § 6, 26-32; to "Democracia constitucional e ciência jurídica", en Legge public, 2009,
1, 1-20.
26
PIII, § 13.16, 82-86. Véase también mi «Por uma Carta dos Bens Fundamentais», in T. Mazzarese y P.
Parolari (eds.), Direitos fundamentais. Os novos desafios. Com um apêndice de mapas regionais, Turim, Giappi
chelli, 2010, 65-98.
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 27

suponha) justo e, em garantia da autonomia crítica do ponto de vista moral externo


ao Direito, a derivação do Direito justo do Direito válido, ainda que conforme a
constituição. Em sentido prescritivo ou axiológico, a separação é corolário do
liberalismo político, que, em garantia das liberdades fundamentais, impede o uso
do Direito como instrumento de reforço (ou seja, de uma certa) moralidade, em tudo
aquilo que não prejudique a outros. No primeiro sentido, a separação equivale a um
limite ao poder dos juízes e à sua discricionariedade moral; na segunda equivale a
um limite ao poder dos legisladores e sua interferência na vida moral das pessoas
27.
Em suma, o constitucionalismo de garantia é concebido como um novo
paradigma iuspositivista do Direito e da democracia, que —como positivamente
normativo em relação à mesma regulação positiva, e como um sistema de limites e
vínculos substanciais relativos ao «o quê», juntamente com o formalismo aqueles
relacionados ao “quem” e ao “como” das decisões – integra o antigo modelo
paleopositivista. Graças a ele, os princípios ético-políticos através dos quais se
expressavam os antigos «direitos naturais» têm sido positivos, tornando-se
princípios jurídicos obrigatórios para todos os titulares de funções normativas; que
não são mais apenas fontes externas ou políticas de legitimidade, como segundo o
antigo pensamento político liberal 28, mas também fontes de legitimação e,
sobretudo, de deslegitimação, interna ou jurídica, que desenham a razão social
daqueles artifícios que consistem no Direito e no Estado Constitucional de Direito.
Dessa forma, a soberania deixa de existir como potestas legibus soluta nas mãos
de órgãos ou sujeitos institucionais, mesmo quando investidos de representação.
Ela "pertence ao povo", todas as constituições continuam a afirmar. Mas esta norma
equivale a uma garantia: significa, no negativo, que a soberania pertence ao povo e
a nenhum outro, e ninguém —presidente ou assembleia representativa— pode apropriar-se ou us

27 Sobre estes dois sentidos da tese da «separação entre o direito e a moral», ou entre o direito e a justiça, ou
entre o direito e a razão, refiro-me ao meu «La separazione tra diritto e morale», em Sulla modernità, Problemi del
socialismo , 5, mag.-ag. 1985, 136-160; Diritto e ragione, cit., cap. IV, §15, 203-210; PilII, cap. XV, §2, 309-321. Por
outro lado, devido às implicações dessas teses em relação aos problemas do aborto e da proteção do embrião, refiro-
me a «Aborto, morale e diritto penale», em Prassi e teoria, 1976, 3, 397-418 , e «La questione dell'embrione tra diritto
e morale», em Politeia, XVIII, 65, 2002, 153-168, trad. elenco. em Democracia e garantias, Miguel Carbonell (ed.),
Madrid, Trotta, 2008, 153-172.
28 É do "constitucionalismo" de que falam Matteucci, Troper, Comanducci e Barberis nos escritos citados
acima. Recordemos, por exemplo, entre as suas teorizações clássicas, B. Constant, «Principes de politique», in Cours
de politique constitutionnelle (1818-1819), tr. it., Principi di politica, Roma, Editori Riuniti, 1970, 55 (trad. elenco. de MA
López, Curso de política constitucional, Madrid, Imprenta de la Compañía, 1820): «A soberania existe apenas de
forma limitada e relativa. Onde começa a independência e a existência individual, termina a jurisdição dessa soberania.
Se a sociedade ultrapassa esse limite, torna-se tão culpada quanto o déspota cujo título é apenas a espada
exterminadora; a sociedade não pode ultrapassar a sua competência sem ser usurpadora, a maioria sem ser facciosa”;
ibid., 60: «A soberania do povo não é ilimitada; está circunscrita nos limites que a justiça e os direitos dos indivíduos
lhe impõem”; A. de Tocqueville, De la Démocratie en Amérique (1835-1840), tr. it., "La democrazia in America", em
Id., Scritti politici, ed. por N. Matteucci, vol. II, Turim, Utet, 1968, I, parte II, cap. VII, 297 (trad. elenco. e ed. crítica de
E. Nolla, La democracia na América, Madrid, Trotta, 2010): «Há uma lei geral que foi feita, ou pelo menos foi adotada,
não apenas por a maioria deste ou daquele povo, mas pela maioria dos homens.

Esta lei é a justiça. Assim, a justiça representa o limite da Lei de todos os povos [...] Portanto, quando me recuso a
obedecer a uma lei injusta, não nego à maioria o direito de mandar; Apelo apenas da soberania do povo à soberania
do gênero humano”. Sobre a transformação, devido às rígidas constituições, desses limites iusnaturalistas em limites
iuspositivistas, refiro-me ao PiIII, § 13.6, 32-35.
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28 Luigi Ferrajoli

macro-sujeito, mas a soma de milhões de pessoas, a soberania popular nada


mais é do que, positivamente, a soma daqueles fragmentos de soberania que
são direitos de todos.
Portanto, o constitucionalismo positivista e de garantia difere do
constitucionalismo não positivista e/ou principialista ao rejeitar seus três
elementos caracterizadores: a) a conexão entre direito e moral; b) a oposição
entre princípios e regras e a centralidade atribuída à sua distinção qualitativa; c)
o papel da ponderação, em oposição à subsunção, na prática jurisdicional. São
esses três elementos que agora submeterei à análise, apontando tantos riscos a
eles vinculados: a) uma espécie de dogmatismo e absolutismo moral relacionado
ao constitucionalismo concebido como cognitivismo ético; b) o enfraquecimento
do papel normativo das constituições e, portanto, da hierarquia das fontes; c) o
ativismo judicial e o enfraquecimento da sujeição dos juízes ao direito e da
certeza do Direito, que, por sua vez, enfraquecem as fontes de legitimidade da jurisdição.

4. A) Uma crítica ao anti-iuspositivismo principialista


e a tese da conexão entre direito e moral

Precisamente porque o constitucionalismo nada mais é do que a positivação


dos princípios da justiça e dos direitos humanos historicamente afirmados nas
cartas constitucionais, vale também para ele —ao contrário do que consideram
Dworkin, Alexy, Zagrebelsky, Atienza e Ruiz Manero— a visão do princípio iuspositi
de a separação entre Direito e moral, contra a enésima e insidiosa versão do
legalismo ético que é o constitucionalismo ético; Isso porque o princípio da
separação não significa de modo algum que as normas jurídicas não tenham um
conteúdo moral ou alguma «pretensão de correção». Esta seria uma tese sem
sentido, assim como não faria sentido negar que, no exercício da discricionariedade
interpretativa gerada pela indeterminação da linguagem jurídica, o intérprete muitas
vezes se orienta por opções de natureza moral. Também as normas e julgamentos
mais imorais e injustos (em nossa opinião) são considerados "justos" por quem
produz tais normas e formula tais julgamentos e, portanto, expressa conteúdo
"moral", que, embora (não nós) pareçam desvalores, são considerados "valores" por aqueles que
Mesmo o sistema jurídico mais injusto e criminal contém, pelo menos para seu
legislador, uma "reivindicação de correção" (subjetiva). Isso significa que as
constituições expressam e incorporam valores nem mais nem menos do que
fazem as leis ordinárias. O que representa seu traço característico é o fato de
que os valores por eles expressos — e que, nas constituições democráticas,
consistem, sobretudo, em direitos fundamentais — são formulados em normas
positivas de nível normativo superior ao da legislação. , portanto, são vinculantes
para este último.
Portanto, da óbvia circunstância de que as leis e as constituições incorporam
«valores», não se pode sustentar a derivação da tese de uma «ligação
conceptual» entre o Direito e a moral. Mas obviamente essa tese da conexão é
muito mais comprometedora. Não equivale apenas ao banal reconhecimento da
incorporação nos princípios constitucionais dos "valores" assim considerados pelo
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 29

legislador ou pelo constituinte ou, ainda, pelos operadores do direito. A «reivindicação


de correcção» de que fala Alexy não é de forma alguma uma reivindicação entendida
apenas num sentido subjectivo 29. Pelo contrário, equivale à afirmação de que as
normas válidas «não têm o carácter de extrema injustiça», de que «as normas que
estão de acordo com o ordenamento jurídico perdem validade jurídica... se forem
extremamente injustas» 30, evidentemente em algum sentido objetivo. Já o Direito,
afirma Zagrebelsky, consiste hoje na «fusão do direito com princípios independentes
de justiça» 31. Por sua vez , Dworkin considera incompreensível que um juízo moral
seja algo diferente de um juízo «realmente», «objetivamente ».» ou «verdadeiramente»
moral: que, por exemplo, o juízo «a escravidão é injusta» seja algo diferente do juízo
«a escravidão é objetiva ou realmente injusta»32. Moreso argumenta que para
estabelecer o universalismo dos direitos humanos é necessário supor que há uma moralidade objetiva

29 Na ausência dessa alegação, observa Alexy, um sistema normativo não é nem mesmo um sistema jurídico
[Begriff und Geltung des Rechts (1992), tr. Item. Concetto e validità del diritto, Turim, Einaudi, 1997, cap. I, § 3.2, 33 e
§ 4.1, 34; indivíduo. II, § 4.2.2, 64-65; indivíduo. III, § 2.1, 94; indivíduo. IV, 130 (tradução espanhola de J. Malen
Seña, O conceito e validade do direito, Barcelona, Gedisa, 1994)]. É a pretensão de correção, afirma, que distingue,
como critério classificatório, uma «ordem de bandidos» de uma «ordem de dominadores», ainda que injusta (ibid.,
32). É claro que esta tese não contradiz em nada a tese positivista jurídica da separação; assim como não a contradiz,
ao contrário do que considera Alexy (ibid., 80), a tese também banal e substancialmente equivalente da chamada
«ligação fraca», segundo a qual «existe uma ligação necessária entre o Direito e alguns moral» (ibid., capítulo II, §
4.3.2, 78): esta é, pelo menos, a moral do legislador. «Este aspecto», reconhece Alexy, «tem pouca relevância prática.
De facto, os sistemas jurídicos concretamente existentes têm regularmente uma pretensão de correcção, embora por
vezes com pouca justificação» (ibid., 130-131). A tese muito mais comprometida de Alexy é a tese claramente
antipositivista da chamada «conexão forte», segundo a qual haveria «uma conexão necessária entre o Direito e a
moral justa» (ibid., § 4.3.2 ). , 78 e § 4.3.3, 80-85).

30 R. Alexy, Concetto e validità del diritto, cit., cap. IV, 132-133; cf. também, ibid., cap. II, § 4.2.1, 39 e seguintes,
e § 4.2.2, 65; indivíduo. III, § 1.2, 92-93. É, em essência, a fórmula clássica enunciada após os horrores do nazismo
por Gustav Radbruch e retomada por Alexy (op. cit., cap. II, § 4.2.1, 39 e segs.), segundo a qual o direito positivo
perde validade quando sua injustiça atinge uma "medida intolerável" [Gesetzliches Unrecht und übergesetzliches
Rechts (1946), tr. it., in AG Conte, P. di Lucia, L. Ferrajoli e M. Jori, Filosofia del diritto, Milano, Cortina, 2002, 157-158].
Relembre também a passagem de Habermas transcrita na nota 11.
31 G. Zagrebelsky, «Introduzione a R. Alexy», Concetto e validità del diritto, cit., XIX; Id., Il diritto mite cit, § 4,
162: "Na presença de princípios, a realidade expressa valores e o Direito vale como se regesse um Direito Natural [...]
O Direito por princípios atende ao Direito Natural "; Id., La legge e la sua giustizia.
Tre capitoli di giustizia costituzionale, Bolonha, Il Mulino, 2008, cap. I, § 2, 24: "A relação com a justiça é constitutiva
do próprio conceito de direito".
32 R. Dworkin, A Matter of Principle (1985), tr. it., Questioni di Principe, Milano, Il Saggiatore, 1990, 211-215.
Daí a famosa tese normativa da «única solução correcta», defendida por R. Dworkin, No right Answer? (1978), trad.
it., "Non c'è soluzione corretta?", em Materiali per una storia della cultura giuridica, 1983, no. 2, 469-501, por outro
lado, em singular contraste com a ampliação da discricionariedade judicial promovida, como se verá no § 6º, pela
centralidade atribuída à ponderação na aplicação dos princípios. Limito -me a recordar, entre as muitas críticas a esta
tese: R. Guastini, «Soluzioni dubbie. Lacuna e interpretação segundo Dworkin. Com apêndice bibliográfico”, ibid.,
449-467; E. Bulygin, «Normas, proposições normativas e declarações legais» (1982), em CE Alchourron e E. Bulygin,
Análise Lógica e Direito, Madrid, Centro de Estudos Constitucionais, 1991, § 4, 186 e 189, que mostra como "
proposições de lei" discutidas por Dworkin (por exemplo, "o contrato de Peter é válido", "a conduta de John em tal
ocasião constitui um crime") "não são regras nem declarações externas", mas "têm propriedades de ambos", sendo
"normativas ( prescritivo) mas ao mesmo tempo verdadeiro ou falso”, embora “essas propriedades sejam
incompatíveis”; com a consequência de que "são ininteligíveis"; A. Pintore, Il diritto senza verità, Torino, Giappichelli,
1996, 167-172, que vê na tese dworkiniana «um excelente exemplo de versão ontológica e metafísica de uma teoria
coerentista do Direito»; V. Giordano, Positivismo, cit., 148-176.

33
JJ Moreso, «O reino dos direitos e a objetividade da moral» (2002), in Diritti umani e oggettiÿ
vità della morale, E. Diciotti (ed.), Siena, DiGips, 2003, 9-40. Ver, neste ensaio, as críticas pontuais de B. Celano,
Commenti a José Juan Moreso, ibid., 41-85.
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30 Luigi Ferrajoli

Em todos os casos, escreve Atienza, o constitucionalismo argumentativo ou principialista


importa uma concepção objetivista da moral 34.

Mas, por sua vez, uma concepção objetivista da moralidade refere-se a uma concepção
cognitiva dela. Em poucas palavras, supõe o cognitivismo ético 35.
"Quanto mais extrema a injustiça", escreve Alexy, "mais seguro é o seu conhecimento" 36.
Desta forma, o critério para reconhecer normas válidas é mais uma vez, pelo menos em
parte, aquele expresso pela velha máxima da Common Law inglesa : veritas, non auctoritas
facit legem, em oposição à máxima hobbesiana autorictas non veritas facit legem37.

Daqui decorre uma concepção de constitucionalismo que, paradoxalmente, gera o risco


de levar a um enfraquecimento do mesmo, justamente no plano moral e político. De fato, para
além das intenções de seus defensores, uma concepção semelhante se resolve na
transformação do constitucionalismo em uma ideologia antiliberal,

34 «A abordagem do Direito como argumentação está comprometida com um objetivismo mínimo em


matéria de ética» (M. Atienza, Direito como argumentação, cit., 53). Atienza vê um segundo tipo de conexão
no fato de que o ponto de vista interno ao direito de que fala Herbert Hart pode ser concebido como produto
de uma aceitação moral: «Não basta saber que N é uma norma jurídica para concluir que se deve fazer o que
N comanda. Em suma, precisamos de uma premissa prática, aquela que afirma que as normas jurídicas
devem ser obedecidas, e que, naturalmente, é uma premissa de natureza moral” (ibid., 245). «O reconhecimento
de uma realidade como legal, como Direito válido», escreveu M. Atienza, El sense del Derecho, Barcelona,
Ariel, 2001, 112, «não pode ser feito sem recorrer à moralidade, pois a aceitação do a regra de reconhecimento
do sistema (ao contrário da visão de Hart) necessariamente implica um julgamento moral”.
Tese análoga é defendida por S. Sastre Ariza, Ciência jurídica positivista e neoconstitucionalismo, Madrid,
McGraw-Hill, 1999. Mas esta é a questão da obrigação política, que, como observou Prieto, é uma questão
pertencente à teoria moral. e não à teoria do Direito (Constitucionalismo e positivismo, cit., 12); um problema,
escreveu Guastini , por sua vez, pertencente "ao horizonte ideológico do legalismo, mas completamente alheio
ao positivismo jurídico" [Dalle fonti alle norme (1990), 2ª ed., Turim, Giappichelli, 1992, 277-278]. Ver também,
contra essa interpretação do "reconhecimento" de Hart como um "ato de interiorização", A. Catania, Il
riconoscimento e le norme. A partir de Herbert LA Hart (1979), agora em Id., Stato, cittadinanza, diritti, Torino,
Giappichelli, 2000, 43-73; R. Guastini, «Conoscenza senza accettazione», in L.
Gianformaggio y M. Jori (eds.), Writings for Uberto Scarpelli, Milão, Giuffrè, 1997, 407-433.
35 Sobre as diferentes formas de conceber a objetividade da moral, nem todas acompanhadas da
adesão ao cognoscitivismo ético, ver. a compilação de ensaios de G. Bongiovanni (ed.), Oggettività e morale.
O riflessione ético do Novecento, Milano, Mondadori, 2007. Vid. também M. Lalatta Costerbosa, Il diritto como
ragionamento moral. Saggio sul giusnaturalismo contemporaneo e le sue applicazioni bioetiche, Rubbetti no,
Soveria Mannelli, 2007. A análise dessas várias concepções, muitas das quais parecem propor justificativas
racionais ao invés de estritamente objetivistas para julgamentos morais, obviamente não entra na economia.
intervenção.
36 R. Alexy, Concept, cit., Cap. II, § 4.2.1.4, 53.
37 “Os ensinamentos podem ser verdadeiros; mas a autoridade não faz da verdade uma lei . Hobbes,
Leviathan, ou Sobre a Matéria, Forma e Poder do Estado Eclesiástico e Civil, trad. latina, en Leviatano, com
texto em inglês de 1651 à frente e texto latino de 1668, Raffaella Santi (ed.), Milano, Bompiani, 2001, cap.
XXVI, § 21, 448 (trad. cast. de C. Mellizo, Leviatán. La materia, forma y poder de un Estado eclesiástico y civil,
Madrid, Alianza Editorial, 1989)]. "No es la sabiduría, sino la autoridad la que crea la ley", protestou Hobbes
de sir Edward Coke, que sostenía, en cambio, que pelo contrário, a la razón y que «el Derecho común mismo
no es otra cosa que razón », y repetía la antigua é a maior lei ciceroniana que ordena a lei honesta e proibida.
da Inglaterra (1681), tr. it., dialog fra un filosofo ed por um estudioso del diritto coÿ

mune of England, en Id., Opere, N. Bobbio (ed.), Bologna, Utet, 1959, I, 397, 395 y 417 (traduzido cast. de MA
Rodilla, Diálogo entre um filósofo e um jurista e escritos autobiográficos, Madrid, Tecnos, 1992)]. Por outro
lado, «Direito», segundo a concepção iuspositivista de Hobbes, é apenas «o que aqueles que têm o poder
supremo ordinário sobre seus súditos, proclamam em público, ordenando em palavras claras o que podem e
não podem fazer» (ibid . ., 418).
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 31

cujos valores pretendem ser impostos a todos —moralmente, e não apenas


legalmente— por serem de alguma forma “objetivos”, “verdadeiros” ou “reais”.
Portanto, o resultado final do cognitivismo ético é, inevitavelmente, o absolutismo
moral e, consequentemente, a intolerância às opiniões morais dissidentes 38: se
uma tese moral é «verdadeira», não é aceitável que não seja partilhada por todos
e mesmo que seja não se impõe a todos na forma de Direito, da mesma forma que
não é tolerável que haja quem não compartilhe que 2+2 = 4. Sob esse aspecto, o
objetivismo e o cognoscitivismo moral são mais coerentes, sem dúvida, aqueles
expressa pela moral católica. De resto, do ponto de vista metaético, a prova do
caráter absoluto de qualquer concepção objetivista de moral se dá pelo fato de
que nenhuma ética de tipo objetivista e/ou cognitiva está em condições de refutar
qualquer outra ética . diversa que se pretende, também ela, objetivista e
cognoscitivista. Por exemplo, a ética objetivista secular expressa por muitos
expoentes do constitucionalismo não positivista não está em condições de refutar,
por si só, a ética católica com sua pretensão de impor seus preceitos através do
Direito. Tal ética só pode ser questionada refutando o cognitivismo ético e o
objetivismo, pois carecem de referências empíricas e são incompatíveis, no plano
metaético, com uma concepção laica não apenas do Direito, mas também da
moral. Com efeito, uma ética objetiva é, inevitavelmente, uma ética heterônoma,
antes comparável ao Direito —não é por acaso que a ética católica se auto-
representa como «direito natural»—, enquanto que, para uma ética secular, a
autenticidade do comportamento moral reside em seu caráter espontâneo e autônomo, como um
Em suma, a tese de que todo ordenamento jurídico satisfaz objetivamente
alguma “reivindicação de correção” e algum “mínimo ético” – de modo que direito
e moral estariam conectados, e a justiça, pelo menos em grau mínimo, seria uma
característica necessária do Direito e condição de validade das normas jurídicas
–, nada mais é do que a velha tese iusnaturalista. Mas ao mesmo tempo é uma
tese que, no constitucionalismo antipositivista, acaba por se tornar a versão atual
do legalismo ético, que é o constitucionalismo ético, em virtude do qual os
princípios constitucionais pretendem ser objetivamente justos 39 . trata-se de uma
tese exatamente oposta à teoria positivista da separação, segundo a qual a
existência ou validade de uma norma não implica em nada sua justiça, e isso não
implica em nada sua validade, que nada mais é do que um corolário do princípio
da legalidade como norma de reconhecimento do direito vigente 40. Nem as constituições, por fo

38 Para uma crítica mais profunda do caráter ideológico e/ou antiliberal do objetivismo e do cognitivismo moral,
manifestado, em particular, na concepção do universalismo dos direitos humanos como um universalismo ontológico
(por «natural») ou, pior ainda, , consensual (para "compartilhados" por todos, ou aqueles que é legítimo reivindicar
ser compartilhado por todos), refiro-me ao PiIII, § 13.11, 57-61, § 15.2, 309-314 e § 16.18, 567-572 . Sobre o
fundamento liberal e, portanto, ético de uma metaética não cognitiva, cf. U. Scarpelli, L'etica senza verità, Bolonha, Il
Mulino, 1982.
39 É o que aponta L. Prieto, Constitucionalismo y positivismo, cit., 27 e 28. Vid. também a convergência de
natureza estrutural entre o direito natural e o legalismo ético, de que fala Hart e que, como ele lembra (Il positivismo,
cit., § 1, 113-114), foi retirado do pensamento de Blackstone por J. Bentham , "A Fragment on Government, or a
Comment on the Commentaries" (1776), em Works of Jeremy Bentham, J. Bowring (ed.), New York, Russell and
Russell, 1962, vol. Eu, cap. V, 221, 294.
40 Al respeito, recuérdense las clásicas formulaciones en H. Kelsen, Teoria Geral do Direito, cit., Parte I, cap.
I, A, 3-14 anos cap. III, By C, 53-54; en HLA Hart, Positivismo e a separação entre lei e moral, cit., 105-166; y en N.
Bobbio, Direito natural e positivismo jurídico, Milão, Community Editions, 1965.
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32 Luigi Ferrajoli

a primeira negação, eles podem ser reivindicados como objetivamente justos apenas
porque tais: pode muito bem haver normas constitucionais (que alguns de nós
consideram) injustas (por exemplo, o direito de «manter e portar armas», previsto na
segunda emenda da Constituição dos Estados Unidos). Estados Unidos, ou artigo 7
da Constituição italiana sobre a regulação por concordata das relações entre o Estado
e a Igreja Católica) e que como tal são (por alguns de nós) questionadas moral e politicamente.
Inversamente, em virtude da segunda negação, uma solução (considerada) justa de
um caso difícil, se não for baseada em normas de direito positivo, mas apenas em
princípios morais, não é uma solução juridicamente válida.
Portanto, o positivismo jurídico e o constitucionalismo garantista, mesmo
teorizando a dimensão estática enxertada no positivismo jurídico pelas normas
substanciais das constituições, rejeita a tentação de mais uma vez confundir Direito e
moral, mesmo na forma de constitucionalismo ético. Admitirá sempre, como ponto de
vista autônomo do Direito e sobre o Direito, o ponto de vista externo da moral e da
política, que é o ponto de vista crítico de cada um de nós, também diante das normas
constitucionais. Mas é precisamente esta separação que constitui o fundamento de
todo o liberalismo e da própria democracia constitucional. Precisamente porque o
constitucionalismo democrático reconhece e procura proteger o pluralismo moral,
ideológico e cultural que permeia toda sociedade aberta e minimamente complexa, a
ideia de que ele se baseia em alguma objetividade da moralidade ou que expressa
alguma reivindicação de justiça objetiva colide com sua própria princípios, a começar
pela liberdade de consciência e de pensamento. O não-cognitivismo ético e a
separação entre Direito e moral, que constituem o pressuposto do constitucionalismo
de garantia, são, portanto, o pressuposto e ao mesmo tempo a principal garantia do
pluralismo moral e do multiculturalismo, ou seja, da convivência pacífica. culturas que
concorrem na mesma sociedade. Mas são também o pressuposto e a principal garantia
da sujeição dos juízes à lei e da sua independência, face à cognosciÿ
visão ético-judicial, decorrente da estranha ideia dworkiniana de que há sempre uma
solução “apenas justa” ou “correta”, identificada de fato com a mais verificada e
difundida na prática jurisprudencial.
Por outro lado, a alternativa ao cognitivismo ético não é o emotivismo puro. Não
devemos confundir objetivismo e cognitivismo com argumentação racional: a solução
de uma questão ética ou política que argumentamos ser racional não é mais
"verdadeira" do que a solução oposta. Por exemplo, a tese hobbesiana que vê a base
racional da limitação da liberdade selvagem, própria do estado de natureza, na
salvaguarda da vida e da paz, não é mais "verdadeira" do que a tese defendida por
Max Stirner, que, em pelo contrário, baseia a ausência de limites à liberdade selvagem
no valor da lei do mais forte, mesmo à custa da violência e da guerra. Da mesma
forma, os princípios ético-políticos positivados nas constituições podem muito bem ser
argumentados racionalmente e reivindicados e defendidos como “justos” – porque, em
hipótese, na maioria dos casos garantem a

A tese remonta a Bentham e Austin: cf. J. Bentham, A Fragment, cit., 227-238, que em polêmica com Blackstone
distingue entre o Direito "como é" e o Direito "como deveria ser"; J. Austin, A Província de Jurisÿ
Prudência Determinada (1832), Londres, Biblioteca de Ideias, 1954, Lect. V, 184: «Uma coisa é a existência do direito;
seu mérito ou demérito é outro».
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 33

igualdade, dignidade da pessoa e convivência pacífica 41—, sem que isso pretenda
que sejam considerados ou aceitos por todos como "justos" por serem "objetivos" ou
"verdadeiros". E o argumento de que sem um fundamento objetivo lhes faltaria
qualquer fundamento (obviamente objetivo), não é um argumento, mas uma questão
de princípio.
Por outro lado, a separação entre Direito e moral, longe de ignorar o ponto de
vista moral e político sobre o Direito, permite alicerçar nele não apenas a autonomia,
mas também a primazia sobre o ponto de vista jurídico interno, como ponto de vista
do direito. crítica externa, projeção e transformação institucional, e ainda, se a lei é
considerada intoleravelmente imoral, como fundamento do dever moral da
desobediência civil 42. Por trás da ideia de inadmissibilidade da lei intoleravelmente
injusta existe, na realidade, 43 .

Por outro lado, a tese da separação, ao manter não só a distinção, mas também
a divergência entre justiça e validade, ajuda a evitar que incorram nas falácias
opostas decorrentes de sua confusão: a falácia do direito natural, que consiste na
identificação ( e na confusão) da validade com a justiça, em algum sentido objetivo
deste segundo termo, e a falácia ético-legalista, que consiste, também na variante
do constitucionalismo ético, na identificação (e confusão) oposta da justiça com a
validade. Ao mesmo tempo, apenas a abordagem iuspositivista serve para evidenciar
o caráter juridicamente normativo da constituição, como supra ordenou a qualquer
outra fonte, e, portanto, as outras duas divergências deônticas virtuais —entre
validade e validade e entre validade e eficácia —, cujo desconhecimento está na
origem de duas outras falácias graves: a falácia normativista, que impede —como na
teoria de Kelsen— reconhecer a existência de normas inválidas embora estejam em
vigor, e a falácia realista, que, por outro Por outro lado, impede o reconhecimento da
existência de normas válidas mas ineficazes, ou de normas inválidas ainda que eficazes.

41 Propus um argumento racional para “que direitos” justifica-se estipular como fundamento
mentales pt "Os fundamentos dos direitos fundamentais", en Direitos fundamentais, cit., 279-370.
42 Em Diritto e ragione, cit., § 60.1, sustentei «o primado axiológico do que chamei de ponto de vista externo»,
ou seja, o ponto de vista da moral e da política, «em relação ao ponto de vista interno de vista do sistema político»

43
PiIII, § 13.20, 101-102. Lembre-se, sobretudo, das palavras de HLA Hart, Il positivismo e la separazione, cit.,
cap. IV, que, a propósito da fórmula de Radbruch , vê "uma boa dose de ingenuidade em considerar que a
insensibilidade às exigências da moralidade e servilismo para com o poder do Estado, num povo como o alemão,
pode ser fruto da crença de que " a lei é a lei" [...] Além disso, há algo mais perturbador do que a simples ingenuidade
na maneira de Radbruch apresentar as questões a que dá origem a existência de leis moralmente iníquas", e é "a
enorme supervalorização da importância que ele dá à questão» da qualificação de uma lei «como norma jurídica
válida», quase como se a validade da lei dispensasse a obrigação moral de desobediência e resistência (146-147). E
ainda mais: «Se adotarmos o ponto de vista de Radbruch [...] acabamos por confundir uma forma de crítica moral que
deve a sua maior eficácia à sua simplicidade. Se queremos falar com clareza [...] devemos dizer que as leis podem
ser legalmente válidas, mas se forem iníquas, não devem ser observadas. E esta é uma forma de protesto moral
compreensível por qualquer pessoa e que exige uma adesão pronta e segura da consciência moral» (ibid., 151). De
forma incisiva, R. Guastini, «Diritto mite, diritto incerto», in Materiali per una storia della cultura giuridica, 1996, 2, 515:
«Não há obrigação moral de obedecer às normas jurídicas, nem obrigação legal de obedecer às normas jurídicas.
padrões".
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34 Luigi Ferrajoli

Essas divergências, e em particular aquela entre o "deve ser constitucional"


e o "ser" legislativo do Direito, não podem ser reparadas pela interpretação
moral e pela ponderação judicial, como agora reivindicam as doutrinas do
constitucionalismo argumentativo. No modelo de constitucionalismo positivista,
a reparação das lacunas e das antinomias em que se manifestam não é
confiada ao ativismo interpretativo dos juízes, mas apenas à legislação e,
portanto, à política, no que se refere às lacunas. , e a anulação das normas
inválidas —e, portanto, da competência constitucional—, no que se refere às
antinomias 44. Certamente, os juízes devem interpretar as leis à luz da
Constituição, ampliando ou restringindo seu alcance normativo conforme
princípios: derivar normas e direitos implícitos do sistema de direitos
estabelecidos, excluindo interpretações não totalmente compatíveis com a
constituição e, obviamente, aplicando diretamente as normas constitucionais
em todos os casos em que não são exigidas leis atuantes. Mas é ilusório supor
que os juízes podem preencher o que chamei de «lacunas estruturais» e
fornecer a interpositio legis necessária para a introdução de garantias. Na
melhor das hipóteses, eles podem destacar as lacunas: os juízes constitucionais
podem fazê-lo indicando ao parlamento, conforme previsto no art. 283 da
Constituição Portuguesa e no art. 103 § 2º da Constituição Brasileira; os juízes
ordinários, proporcionando alguma forma de satisfação ou reparação, no caso
concreto que conhecem. De fato, quase todos os direitos fundamentais
requerem leis adequadas para garantir as garantias primárias para todos: os
direitos à educação e à saúde seriam letra morta sem a introdução, por meio
de legislação, de escolas públicas e de saúde gratuita para todos; mesmo o
direito à vida permaneceria ineficaz, em virtude do princípio da legalidade
penal, sem a previsão do homicídio como crime. E isso, como veremos, independe de sua f

5. B) Uma crítica da oposição entre princípios


e regras. O enfraquecimento da normatividade das constituições

Chego assim ao segundo dos três aspectos do constitucionalismo principialista


que indiquei anteriormente, no qual se baseia uma concepção de constituição e de
constitucionalismo que se opõe à concepção positivista e garantista recentemente
ilustrada: a distinção entre regras e princípios, formulada por Ronald Dworkin 45 e
que Robert Alexy considera como «um dos pilares fundamentais do edifício da
teoria dos direitos fundamentais» 46. De acordo com esta distinção, afirma-se, as normas

44 Lenio Luiz Streck considera que o constitucionalismo democrático é incompatível com o ativismo
judicial desvinculado de dispositivos legais, pois os juízes são obrigados a aplicar a lei a menos que a
considerem total ou parcialmente inconstitucional. A sujeição do juiz à lei, acrescenta, é um direito fundamental
do cidadão (Verdade e Consenso, cit., 561-562).
45 R. Dworkin, Levando os direitos a sério (1977), tr. it., I diritti presi sul serio, ed. de G. Rebuffa, Bolonha,
Il Mulino, 1982, 90-121 (trad. elenco. M. Guastavino, Direitos sérios, Barcelona, Ariel, 1984).
46 R. Alexy, Theorie der Grundrechte (1985), tr. cast., Teoria dos direitos fundamentais, Madrid, Centro
de Estudos Constitucionais, 1997, cap. III, § 1, 82, onde "norma" é adotado como termo de gênero e "princípios"
e "regras" como termos de espécie (ibid., 83).
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 35

As leis constitucionais que formulam objetivos políticos e/ou valores morais e/ou
direitos fundamentais, têm a forma de princípios e não de regras. E enquanto as
regras são aplicadas aos casos por elas previstos, os princípios - geralmente
caracterizados não só por maior importância, mas também por maior indeterminação
e por um caráter mais genérico - são respeitados, ponderados e comparados entre
si, tanto mais se, como geralmente acontece, eles entram em conflito entre si. As
regras, escrevem Manuel Atienza e Juan Ruiz Manero, descrevem os casos em que
são plenamente aplicáveis e são "motivos peremptórios de ação"; os princípios são
concebidos, por outro lado, de forma aberta e são razões de ação, não peremptórias,
mas ponderáveis com outras razões ou princípios 47. De maneira diferente do que
acontece com as regras, acrescenta Gustavo Zagrebelsky, que prevêem fatos neles,
os princípios carecem de pressupostos de fatoponderáveis.
mas apenas 48 e, portanto, não são aplicáveis,
Parece-me que esta distinção tem sido associada a um âmbito empírico e explicativo
que vai muito além da sua fundamentação teórica, aliás incerta e problemática, uma
vez que tanto a noção de "princípio" como o sentido e a consistência são incertos e
heterogéneos. da própria distinção 49. Com efeito, pois segundo uma primeira
orientação, que reúne os principais expoentes dos princípios do constitucionalismo

47 M. Atienza e J. Ruiz Manero, As peças de direito. Teoria dos enunciados jurídicos, Barcelona, Ariel, 1996,
cap. YO; cf. Também Id., "Tre approcci ai principi del diritto", em P. Comanducci e R. Guastini
(eds.), Análise e direito. 1993, Turim, Giappichelli, 1993, 9-29.
48 G. Zagrebelsky, Il diritto mite, cit., cap. VI, 149; Id., «Introduzione a R. Alexy», Concetto e validità del diritto,
cit., XX; Id., La legge e la sua giustizia, cit., cap. VI, 205-236. Uma tese análoga, segundo a qual a aplicação das
regras, ao contrário da dos princípios, consiste na «subsunção de um conceito de espécie (suposição concreta) em
um conceito de gênero (suposição abstrata)» foi defendida por Letizia Gianforma ggio, «L'interpretazione della
Costituzione tra applicazione di regole ed argomentazione basata su principi» (1984), em Id., Studi sulla giustificazione
giuridica, Torino, Giappichelli, 1986, agora em Id., Filosofia del diritto e ragionamento giuridico, ed. por E. Diciotti e V.
Velluzzi, Torino, Giappichelli, 2008, § 3, 178. Mas essa diferença, acrescentou Gianformaggio, «surge exclusivamente
no momento da interpretação-aplicação [...] quero dizer que a distinção entre regras e os princípios pertencem à lógica
jurídica como lógica dos juristas, e não à lógica jurídica como lógica do Direito; isto é, à problemática das relações
entre os elementos de um raciocínio jurídico, e não entre os elementos de um sistema jurídico” (ibid., 179).

Da mesma forma, Paolo Comanducci entende que a consideração de uma norma como regra ou como princípio não
depende de suas conotações ontológicas ou estruturais intrínsecas, mas decorre da interpretação do enunciado que
a expressa ("Principi giuridici e indeterminazione del diritto", in Id., Assaggi di metaetica due, Torino, Giappichelli, 1998,
capítulo VII, § 2.1, 84-85).
49 Riccardo Guastini lista cinco diferentes caracterizações de princípios fornecidas pela literatura, todas reunidas
pela ideia de que “há apenas um tipo de princípios ou que todos eles têm uma ou mais propriedades comuns de
qualquer maneira”, nenhuma das quais “permite a princípios sejam rigorosamente identificados" (Diritto mite, diritto
incerto, cit., 518-520). Uma análise rigorosa dos múltiplos significados associados à noção de «princípio» e uma
tipologia detalhada de princípios é fornecida por R. Guastini, «Sui principi di diritto», em Diritto e società, 1986, n. 4,
601ss; Id., "I principi di diritto", em AA.VV., Il diritto dei nuovi mondi, Padova, Cedam, 1994, 193-207; Id., "Principi di
diritto", em Digest. IV Edição, Civile, Turim, Utet, 1996, vol. XIV, 341-355, em que se propõem múltiplas distinções:
entre princípios gerais e princípios fundamentais; entre princípios de direito positivo e princípios de direito natural; entre
princípios expressos e princípios não expressos; entre princípios constitucionais, princípios legislativos e princípios
supremos. Sobre os "princípios gerais" do direito italiano, limito-me a recordar também V. Crisafulli, La costituzione e
le sue disposizioni di Principle, Milano, Giuffrè, 1952; N. Bobbio, "Principi generali del diritto", em Novissimo Italian
Digest, Torino, Utet, 1966, vol. XIII, 887-896; M. Jori, «I principi no direito italiano», em Sociologia do direito, 1983, 2;
G. Alpa, "I principi generali", in Trattato di diritto privato, ed. de G. Iudica e P. Zatti (1993), 2ª ed., Milano, Giuffrè, 2006;
F. Modugno, "Principi generali dell'ordinamento", na Encyclopedia giuridica, Roma, Treccani, 1991, vol. XXIV; Id.,
«Princípio e norma.

A função limitante dos princípios e dos princípios supremos ou fundamentais », en AA.VV., Experiências jurídicas do
século XX, Milão, Giuffrè, 2000; Id., Escritos sobre interpretação constitucional, Nápoles, Esi, 2008.
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36 Luigi Ferrajoli

lista, é uma "forte distinção", de tipo exclusivo e exaustivo, baseada em diferenças de


natureza ontológica, estrutural ou qualitativa. Mas segundo outra orientação, muito mais
argumentada, trata-se, por outro lado, apenas de uma «distinção fraca», de tipo quantitativo,
ou seja, relativa ao grau em que, em particular, as características de uma e de outra ,
formulado acima no resumo 50. É claro que se se admite que a diferença não é qualitativa,
também se obscurece a diferença quantitativa, sendo fácil destacar que as características
de indeterminação, de generalidade e , como se verá adiante, incluindo a ponderabilidade,
também são geralmente encontrados em regras, não menos —e às vezes até mais— do
que em princípios. De resto, esta é a conclusão que Alfonso García Figueroa extrai
consistentemente das posições principialistas radicais , que afirma o caráter «fraco» e, em
última análise, inconsistente da distinção, devido ao caráter problemático não só dos
princípios e ponderação, mas , antes, do modelo tradicional das regras e sua subsunção,
considerado por ele obsoleto no Estado de Direito constitucional, em que as regras, como
os princípios, também são passíveis de ponderação 51 .

Ainda mais discutível é o poder explicativo da distinção. Por exemplo, é duvidoso que
as decisões adotadas nos dois famosos casos analisados por Ronald Dworkin em seu
Taking Rights Serious 52 sejam baseadas em princípios e não em regras.

50 Eles formularam esta distinção entre "distinção forte" e "distinção fraca", entre princípios e regras, R.
Alexy, Theory of Fundamental Rights, cit., cap. III, § 1º, 85; L. Prieto Sanchís, Sobre princípios e normas.
Problemas de raciocínio jurídico, Madrid, Centro de Estudos Constitucionais, 1992, cap. II; R. Guastini, «I
principi nel positive diritto» (1995), in Id., Distinguendo. Studi di teoria e metateoria do direito, Torino,
Giappichelli, 1996, § 2, 116-117 (trad. elenco. de J. Ferrer Beltrán, Distinguindo. Estudos de teoria e metateoria
do direito, Barcelona, Gedisa, 1999) , retomado em Id., Teoria e dogmatica delle fonti, Milano, Giuffrè, 1998,
cap. XV, § 160, 272 e segs.; P. Comanducci, Principi giuridici, cit., 85-87. A primeira orientação é aquela
realizada, nas obras citadas nas notas anteriores, de Ronald Dworkin, Robert Alexy, Manuel Atienza, Juan
Ruiz Manero e Gustavo Zagrebelsky. A segunda, crítica da primeira e consideravelmente mais argumentada,
é formulada —além de Prieto Sanchís, Guastini e Comanducci nos escritos aqui citados— por L. Gianformaggio,
op. último cit.; A. Pintore, Norma e princípios. Uma crítica de Dworkin, Milano, Giuffrè, 1982; M. Jori e A.
Pintore, Manuale di General Theory of Law, Torino, Giappichelli, 1995, 258-
262; JJ Moreso, "Como fazer as peças da lei se encaixarem", em P. Comanducci e R. Guastini (eds.), Analysis
and law 1997, Turim, Giappichelli, 1998, 79-118; E. Diciotti, Interpretação da lei e discurso racional, Turim,
Giappichelli, 1999, cap. V, § 5, 425-435; M. Barberis, Filosofia do direito, cit., 104-116; G. Maniaci, Racionalidade
e equilíbrio reflexivo na argumentação judicial, Turim, Giappichelli, 2008, 300-307; G. Pino, Direitos fundamentais
e raciocínio jurídico, Turim, Giappichelli 2008, 17 ss.; Id., Direitos e interpretação.
Il ragionamento giuridico nello Stato costituzionale, Bologna, Il Mulino, 2010, cap. III, §1, 51-75. Embora com
acentos e argumentos diferentes, todos esses autores excluem que entre princípios e regras se possa fazer
uma distinção clara, de tipo ontológico ou qualitativo, e admitem apenas uma diferença quantitativa no grau
diferente — geralmente maior nos princípios e menor no regras — em que as características dos princípios
identificados pelos expoentes da primeira orientação se encontram em todas as normas, inclusive regras.
A distinção dworkiniana no sentido forte entre regras e princípios é considerada por Ricardo Guastini como
«uma distinção ideológica (latu sensu) , operada com «o propósito inegável de sugerir que os juízes resolvam
casos duvidosos ou difíceis (casos difíceis) aplicando-se a questões éticas- princípios políticos não afirmados
na constituição e na legislação» (Principi di diritto, cit., 342-343).
51 A. García Figueroa, Criaturas de moralidade, cit., cap. IV, 142 e segs., e 145, retomado no mesmo
sentido por JA García Amado, «El Juicio de ponderación y sus parts. Uma crítica”, in R. García Manrique
(ed.), Direitos Sociais e Ponderação, 249-332. Da mesma forma, G. Pino, Diritti fondamentali, cit., 25.
52 Este é o caso Riggs v. Palmer de 1889, em que estava em questão se o assassino do de cuius poderia
herdá-lo, e o caso de Henningsen v. Bloomfield Motors Inc. de 1960, en el cual se ponía en cuestión la responsa
bilidad del fabricante de un automóvil por los daños provocados por un accidente causado por un defecto de
fabricación, aun cuando existía una cláusula contractual que limitaba la garantía —«puesta expresamente no
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 37

Quero dizer que a distinção é infundada; Pretendo apenas salientar que tem um
escopo explicativo muito mais restrito do que comumente lhe é associado, visto
que a maioria dos princípios se comporta como regras. Certamente, existem
princípios que enunciam valores e diretrizes de natureza política, cuja observância
ou inobservância não é fácil de identificar. Mas são normas relativamente marginais
53. Podemos chamá -las de princípios diretivos ou diretivas, em oposição aos
demais princípios, que chamarei de princípios reguladores ou imperativos, como
tais inderrogáveis. As primeiras podem ser caracterizadas como expectativas
genéricas e indeterminadas, não de fatos, mas de resultados, ao contrário dos
princípios reguladores, que expressam expectativas específicas e determinadas, a que correspon

em lugar de outras garantias, obrigações e responsabilidades” – apenas à obrigação de reparar peças defeituosas (R. Dworkin, I
diritti presi sul serious, cit., 90-96). Os dois casos teriam sido resolvidos sem problemas em sistemas de Direito Civil, como o
italiano, com base em regras absolutamente inequívocas: o primeiro com base no art. 463 do Código Civil, que exclui da sucessão
"quem voluntariamente matou ou tentou matar a pessoa de quem é a sucessão"; a segunda baseada no art. 1.490 do mesmo
código, que regulamenta a “garantia pelos defeitos da coisa vendida”, que estabelece no parágrafo segundo que “o contrato pelo
qual a garantia é excluída ou limitada não tem efeito se o vendedor tiver mal ocultado a fé ao comprador os vícios da coisa”,
ditando assim uma solução inteiramente pautada em regras: a) a regra da garantia dos vícios da coisa vendida (art. 1.490 inc. 1);
b) a regra sobre a derrogação dessa garantia por força de acordo em contrário; c) a regra da inderrogabilidade, ainda que haja
acordo em contrário, se os vícios da coisa tiverem sido dissimulados de má-fé pelo vendedor. Neste segundo caso, deveria ter-se
verificado se o vendedor-fabricante tinha conhecimento ou não do defeito do automóvel e se este tinha sido ocultado do comprador
de má-fé.

Nos sistemas de Common Law , ambos os casos são certamente mais problemáticos, e isso explica por que a abordagem
antipositivista e principialista é mais justificada neles do que em sistemas de direito codificado. No entanto, também nesses
sistemas é no mínimo discutível que as mesmas soluções impostas pelas normas do Código Civil italiano tenham sido alcançadas
pelos juízes com base em princípios e não em regras. Isso é verdade, em primeiro lugar, para Riggs v. Palmer. Com efeito, com
base em suas decisões, não parece que os juízes tenham assumido, como afirma Dworkin, o princípio genérico segundo o qual
"ninguém pode obter lucro com seu delito": um princípio, afirma ele, que não impõe uma determinada decisão, segundo a lógica
do “tudo ou nada” que preside à aplicação das regras – “de fato, as pessoas muitas vezes obtêm lucro de maneira perfeitamente
legal de seus erros jurídicos” (ibid., 94) . — mas que se limita a afirmar "uma razão que empurra ou orienta numa certa
direção" (ibid., 95). Em vez disso, a decisão foi baseada - apoiada pela citação de inúmeras máximas de interpretação formuladas
por Rutherford, Bacon, Puffendorf, Smith e Blackstone, e outras máximas substantivas do Direito Comum - em regras de direito
precisas, embora obtidas como implícitas em outras regras: como o respeito à vontade do testador, que certamente não teria
designado seu assassino como herdeiro; à regra da nulidade do negócio realizado por meio de violência ou dolo, uma e outra
reconhecível no homicídio, que certamente o testador não havia previsto no momento de testá-lo; à regra da revogabilidade em
todo o tempo do testamento, impedido por homicídio; ou ao que se obtém da intenção do legislador, que certamente teria resolvido
a questão no sentido adotado pelos juízes se tivesse que resolvê-la. O fundamento dessas interpretações pode ser discutido,
questionado pelo Juiz Gray, que expressou a opinião divergente a) quanto à validade do testamento na ausência de derrogação
explícita à regra de seu caráter absolutamente obrigatório, e, portanto, b) em torno do invalidade, além da justiça, da solução
adotada. Mas em todos os casos tem sido sobre aplicações de regras. O mesmo deve ser dito de Henningsen v. Bloomfield
Motors Inc., cuja decisão poderia muito bem ter se baseado, mais do que nas motivações genéricas formuladas pelos magistrados,
nas regras, também presentes na Common Law, da indenizabilidade do dano injusto pelo causador, colocando em circulação
insegura de automóveis, ou a nulidade de cláusulas contratuais maculadas por fraude ou engano para uma das partes contratantes.

53 A prevalência de regras e não de princípios no texto da Constituição italiana e, em particular, a natureza de regras e não
de princípios de direitos fundamentais, foi argumentado por A. Pace, «In terpretazione costituzionale e interpretazione per valori»,
em G. Azzariti (ed.), Interpretazione costituzionale, Turim, Giappichelli, 2006, 86 e segs., onde se defende uma leitura claramente
normativa e positivista da Constituição italiana. No mesmo sentido, cfr. F. Bilancia, Positivism giuridico e study del diritto costituzioÿ

nale , destinado a los Studi em homenagem a Alessandro Pace.


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38 Luigi Ferrajoli

ou links, ou seja, garantias, consistindo nas proibições correspondentes de danos e


obrigações de fornecer 54.
Nesse sentido, por exemplo, grande parte dos “princípios orientadores da política
social e econômica”, que é o nome do Capítulo III do Título I da Constituição
espanhola, são princípios orientadores. Mas pense também na arte. 1 da Constituição
italiana: “A Itália é uma república democrática, fundada no trabalho”; ou na arte. 9: «A
República promoverá o desenvolvimento da cultura e da investigação científica e
técnica. Protegerá a paisagem e o patrimônio histórico e artístico da Nação”; ou
também no art. 47: "A República promoverá e protegerá a poupança em todas as suas formas".
Em todos esses casos, com efeito, os princípios, como diz Alexy, são "mandatos de
otimização, caracterizados pelo fato de poderem ser cumpridos em diferentes graus"
55 e por carecerem, como
concebível sua escreve
não Zagrebelsky,
-observância. de pressupostos
Um lugar intermediáriofactuais
entre osque tornem
princípios
diretivos e os princípios normativos é aquele ocupado pelos direitos sociais, que,
como veremos no § 6º, impõem ao legislador a produção de leis de ação que
introduzam suas garantias primárias — como a regulamentação das escolas públicas,
a serviço de saúde gratuito e afins—, obviamente sem poder especificar suas formas,
a qualidade ou o grau de proteção: princípios normativos inderrogáveis, portanto, no
que se refere à finalidade de sua ação legislativa, mas ao mesmo tempo diretiva no
que se refere ao quomodo e ao quantum, ou seja, as formas e a medida do próprio
desempenho.
Todos os outros princípios, como os direitos de igualdade e liberdade, são, por
outro lado, reguladores, sendo materialmente possível, mas deonticamente proibido,
a sua não observância. Consistem em normas simplesmente formuladas de maneira
diferente das regras: com referência ao seu respeito e não —como ocorre com as
regras— à sua violação e sua conseqüente aplicação. Prova disso é que as regras,
inclusive as penais —que são rigorosamente cumpridas—, quando observadas, são
também consideradas como princípios, que não são aplicados, mas são respeitados:
por exemplo, a observância de regulamentos sobre homicídio, danos pessoais ou
roubo, equivale ao respeito pelos princípios da vida, integridade pessoal e propriedade
privada. Pode-se mesmo dizer que por trás de cada regra há também um princípio:
mesmo por trás da proibição de estacionamento de

54 A distinção, aqui pouco esboçada, entre princípios normativos e princípios diretivos, merece um estudo
mais aprofundado, o que será possível mediante a formalização dos dois conceitos. Pode ser útil lembrar que
no léxico do Principia iuris as regras são caracterizadas, de acordo com os postulados P7 e P8, como
modalidades deônticas (faculdades, obrigações ou proibições) ou como expectativas gerais e/ou abstratas
(positivas ou negativas) de certas comportamentos (PiI, Premise, 92); que os direitos fundamentais, como
todos os direitos, consistem em expectativas de benefício ou não lesão, ou seja, na prática ou omissão de atos
determinados por sua vez (PiI, T11.52-T11.54, 743); que, portanto, pelo menos os princípios constituídos pelos
direitos fundamentais e que se enquadram no que denominei «princípios reguladores», são regras (PiI, T11.16,
729-730). A diferença qualitativa e estrutural não existe, portanto, a meu ver, entre regras e princípios, mas
apenas entre princípios reguladores e aqueles que chamei de "princípios diretivos", que consistem em
expectativas não de atos específicos, mas de resultados, ou seja, , das políticas em condições de realizá-las
por meio de uma pluralidade de atos indeterminados e não normativamente predetermináveis. Uma distinção,
em alguns aspectos análoga à aqui proposta, parece-me a de «princípios em sentido estrito» e «orientações»,
feita por M. Atienza e J. Ruiz Manero, Las peças do direito, cit., cap. . I, §§ 1.3 e 2.2, 5 e 14-15; indivíduo. IV,
§4, 140-141; indivíduo. VI, § 2, 166, e retomada por M. Atienza, Lei como argumentação,
cit., cap. III, § 8, 168-169 y cap. IV, § 5º, 21.
55 R. Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, cit., cap. III, § 2º, 86.
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 39

veículos ou por detrás da obrigação de parar no sinal vermelho, existem princípios,


como os da segurança e da maior eficiência e racionalidade do tráfego rodoviário.
Inversamente, mesmo os princípios normativos, quando violados, apresentam-se
como regras, que não são respeitadas, mas aplicadas: por exemplo, o princípio
constitucional da igualdade, quando violado, manifesta-se, em relação às suas
violações, como regra: justamente aquela que proíbe a discriminação 56. E estes
são seguramente pressupostos típicos da proibição correspondente, cuja verificação
não consiste numa ponderação, mas numa subsunção. Mesmo princípios tão
vagos e imprecisos como o da dignidade da pessoa ou os do rigor ou da nocividade
do direito penal, quando violados por condutas lesivas à dignidade ou por leis
penais que prevejam atos incertos ou inofensivos como crimes, se manifestam
como regras, cuja a infração se inclui nestes, de forma análoga ao que acontece
com qualquer ato ilícito ou inválido; e o que é discutível sobre a subsunção não
depende, nestes casos, da formulação das respectivas normas em princípios, mas
apenas —como também ocorre com as regras— do uso de palavras vagas ou
imprecisas, como «dignidade», « certeza» e "lesão".
Portanto, a diferença entre a maioria dos princípios e regras não é estrutural,
mas pouco mais do que estilo. A formulação de muitas normas constitucionais —e,
em particular, de direitos fundamentais— sob a forma de princípios não é apenas
um fato de ênfase retórica, mas também tem uma relevância política indubitável:
em primeiro lugar, porque os princípios declaram expressamente e, portanto,
solenemente , os valores ético-políticos que proclamam, em relação aos quais as
regras são, pelo contrário, «opacas» 57; e, em segundo lugar, e sobretudo, porque
aqueles, ao enunciar direitos, servem para explicitar a titularidade das normas
constitucionais que conferem direitos a pessoas ou cidadãos e, por conseguinte, a
colocação destes em posição acima da ordem do artifício jurídico. , como detentores
de tantos outros fragmentos de soberania popular. Mas, além do estilo, todo
princípio que enuncia um direito fundamental —pela implicação recíproca que liga
as expectativas em que consistem os direitos, com as obrigações ou proibições
correspondentes— equivale à regra que consiste na obrigação ou proibição
correlata 58. Precisamente porque os direitos fundamentais são universais
(omnium), consistem em normas, sempre interpretáveis como regras 59, às quais correspondem

56 E isso é aplicado, e não simplesmente respeitado, na sede da garantia secundária, pelo acórdão de inconstitucionalidade.
Expressei essa tese no PiI, § 12.8, 884-885, mostrando, com o teorema T12.78, como as "normas primárias", dentre as quais estão
todas as normas constitucionais substanciais, "quando violadas, se manifestam no ato de verificação jurisdicional de sua
inobservância, como normas secundárias em relação ao ato jurisdicional com o qual são aplicadas (T12.78)». Em suma, todas as
normas, formuladas na forma de regras ou princípios, são respeitadas principalmente se observadas e aplicadas .

de forma secundária se forem violados.


57 Así G. Pino, Direitos e interpretação, cit., 52 e 130.
58
Ver, em PiI, teses T2.60-T2.63 em § 2.3, 155, e teses T10.170-T10.185 em § 10.13 651-655.
Como escrevi no § 3.4, 192-193, «as normas podem ser formuladas em termos de obrigações e proibições, isto é, através do que
chamarei de “normas imperativas” (D8.9), ou em termos de expectativas positivas e negativas , ou seja, através do que chamarei
de “normas atributivas” (D8.8). Em princípio, entre as duas coisas não há diferença, no plano teórico: com efeito, o que é um
argumento de expectativa se deve a um ou a todos por um ou a todos; e o que é devido é um argumento de uma expectativa de um
ou de todos contra um ou todos”.

59 PiI, § 11.1, 729-731, teses T11.16-T11.20.


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40 Luigi Ferrajoli

deveres absolutos (erga omnes) que também consistem em regras. Por exemplo,
o art. 32 da Constituição italiana sobre o direito à saúde, equivale à norma —que,
aliás, nela está explícita— segundo a qual a República “garante [isto é, deve
garantir] tratamentos gratuitos”; a arte. 21 sobre a liberdade de expressão do
pensamento é equivalente à norma segundo a qual é proibido impedir, perturbar
ou limitar a livre expressão do pensamento; a arte. 16 sobre a liberdade de
locomoção, que a mesma Constituição protege dentro dos limites impostos pela
saúde e segurança, equivale à proibição de limitar a liberdade de locomoção,
salvo “por razões de saúde ou segurança”. O Decálogo, por outro lado, é expresso
em regras ("não mate", "não roube" e similares) que têm exatamente o mesmo
significado que os direitos correspondentes (o direito à vida, o direito à propriedade e a Curti).
Compreende-se assim por que não há diferença real de status entre a maioria
dos princípios e as regras: a violação de um princípio sempre o torna uma regra
que enuncia as proibições ou obrigações correspondentes. Portanto, a constituição
é definível, em sua parte substancial, bem como um conjunto de direitos
fundamentais das pessoas (isto é, de princípios), também como um sistema de
limites e vínculos (isto é, de regras) impostos aos detentores do poder. .
Precisamente, os princípios que consistem em direitos de liberdade (universais
ou omnium) correspondem às regras que consistem em limites ou proibições
(absolutos ou erga omnes); Aos princípios constituídos pelos direitos sociais
(universais ou omnium) correspondem as regras constituídas por vínculos ou obrigações (absol
60. Direitos e deveres, expectativas e garantias, princípios sobre direitos e regras
sobre deveres são, em suma, as duas faces da mesma moeda, equiparando a
violação do primeiro — por ação ou omissão — à violação do último.

A questão não é meramente de palavras. A oposição, a meu ver pouco


consistente, estabelecida indistintamente entre princípios e regras, tem implicações
práticas relevantes. Seu aspecto mais insidioso é a redução radical do valor
vinculante de todos os princípios, ainda mais se forem constitucionais. Esta é uma
tese abertamente defendida por Alfonso García Figueroa, a quem deve ser
reconhecido, em relação aos demais principialistas, o mérito da coerência e da
clareza: "os princípios são normas derrogáveis" 61hoje
ou, ,como se costuma
«derrotável» dizer
62, afirma,
e «a derrotabilidade é uma propriedade essencial das normas jurídicas nos
Estados constitucionais» 63; Por “derrotabilidade” entende-se o facto de “uma
norma N poder ser inaplicável e deve sê -lo se e só se se manifestarem novas
excepções não previstas ex ante e justificadas”, através da ponderação 64.

60
PiI, § 11.9, 772-776, teses D11.24-D11.26, T11.102-T11.103 e T11.107-T11.108.
61 A. García Figueroa, Creaturas de la moralidad, cit., 20. «A derrotabilidade das normas constitucionais»,
acrescenta García Figueroa, «explica-se pela base ética dos ordenamentos jurídicos, particularmente nos
Estados constitucionais».
62 Em inglês «defeasability»; em italiano «defettibilità». Sobre os múltiplos usos e significados nos mais
diversos contextos de «derrotabilidade», vid. P. Chiassoni, «La defettibiltà nel diritto», in Materiali per una storia
della cultura giuridica, 2008, 2, 471-506. Sobre o «caráter derrotável» dos direitos fundamentais em virtude de
seus potenciais conflitos e sobre o «caráter aproximado» de sua interpretação em virtude de sua indeterminação,
cf. T. Mazzarese, Ancora su ragionamento giudiziale, cit., § 5.3.
63 A. García Figueroa, Creaturas, cit., § 4.2, 151.
64 Ibid., § 4.1, 136.
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 41

A caracterização indiferenciada dos princípios, proposta pelos mais


ilustres expoentes do constitucionalismo principialista, acarreta —mesmo
quando em termos menos explícitos— o enfraquecimento normativo dos
mesmos. “O ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios”,
escreve Robert Alexy, é que “ regras são normas que só podem ser
cumpridas ou não” e “ princípios são normas que ordenam que algo seja
feito na maior medida possibilidades legais e reais » . e a correlativa
proibição de restrição ou censura, pode ser observada ou violada; e quando
são violados, o seu âmbito de aplicação jurisdicional não é mais indeterminado
do que, por exemplo, o das normas penais que no ordenamento jurídico
italiano punem os também imprecisos «maus-tratos na família» ou «atos
obscenos em lugar público» 66. Por seu lado, Atienza e Ruiz Manero
degradam os princípios e direitos neles estipulados a «objectivos colectivos
cuja prossecução é confiada aos poderes políticos», ou a « diretrizes
programáticas ou normas» das quais deriva para o legislador não « o dever,
como pensa Ferrajoli, de instituir suas garantias primárias e secundárias”,
mas simplesmente o dever de “traçar políticas (também políticas legislativas)
que assegurem a consecução daquele objetivo”67. Não é supérfluo

65 R. Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, cit., cap. III, §2, 86-87. A mesma passagem é retomada em Id.,
«Sistema jurídico, princípios jurídicos e razão prática», in Doxa, n. 5, 1988, 143-144. Análoga é a distinção feita por
Dworkin, I diritti, cit., 93-95: "A diferença entre princípios jurídicos e regras é de natureza lógica". Um e outro orientam
a adoção de determinadas decisões, mas diferem pela natureza da ordem que sugerem. As regras se aplicam de
uma forma de tudo ou nada. Se os fatos estabelecidos por uma regra são dados, "então são determinadas as
consequências predispostas por ela". Os princípios, por outro lado, expressam "uma razão que empurra em uma
direção, mas não requer uma decisão específica".
No mesmo sentido, G. Zagrebelsky, La legge, cit., 213-214.
66 Ver a análise da indeterminação dos princípios constitucionais desenvolvida por C. Bernal
Pulido, O princípio da proporcionalidade e direitos fundamentais, Madrid, Centro de Estudos Políticos e Constitucionais,
2005, 99-110. Bernal menciona vários tipos de indeterminação que afetariam os princípios constitucionais. Mas na
maioria dos casos exemplificados por ele não me parece que existam indeterminações relevantes ou tipos de
indeterminações não encontrados também nas regras. Por exemplo, não me parece que na norma que prevê o direito
de associação haja uma tal «indeterminação semântica» que duvide seriamente que implique a proibição de o Estado
impor a filiação em determinada associação; ou essa arte. 19 da Constituição argentina apresenta uma «indeterminação
sintática» de tal forma que pode ser interpretada no sentido de que a não punibilidade nela estabelecida de «ações
privadas» «que em nada ofendam a ordem ou a moral pública» e «não prejudiquem terceiros partes» refere-se a
essas três classes de ações consideradas disjuntivamente (entre elas, portanto, paradoxalmente, «ações privadas»)
e não a três características das ações que concorrem juntas; ou, que se possa duvidar que o direito à informação ou
o direito à educação sejam afetados pela «indeterminação estrutural», não sendo claro que as prescrições por eles
impostas se refiram aos resultados que constituem o objeto dos direitos. também os meios para alcançá-los,
obviamente deixados ao arbítrio legislativo; ou que o direito de divulgação de informação carece de «redundância»,
não sendo claro que implique, como é óbvio, também o direito de criar meios de informação, em todo o caso implicado
no direito de livre iniciativa económica.

67 M. Atienza e J. Ruiz Manero, «Três problemas de três teorias da validade jurídica», in J. Malem, J. Orozco e
R. Vázquez, A função judicial. Ética e democracia, Barcelona, Gedisa, § 1.3, 94 e § 2.2, 100. A passagem é retomada
em M. Atienza, «Sobre Ferrajoli e a superação do positivismo jurídico», § 6.1, em L. Ferrajoli, JJ Moreso e M. Atienza,
A teoria do direito no paradigma constitucional, cit., 153-155; cf. minha resposta, ibid., § 4, 195-206. Para uma crítica
à redução —decorrente dessas leituras ético-políticas e antipositivistas do paradigma constitucional— da normatividade
jurídica das constituições à de «meras declarações de intenções políticas», vid. T. Mazzarese, Diritti fondamentali e
neocostituzionalismo, cit., em particular § 1.4, 14-22; Id., Para uma leitura positivista do neoconstitucionalismo, cit.
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42 Luigi Ferrajoli

lembramos que na Itália a expressão "normas programáticas" foi usada na década de 1950
pelo Tribunal de Cassação para neutralizar o alcance normativo dos princípios
constitucionais, ou seja, negar sua adequação para revogar ou invalidar legislação anterior,
ainda predominantemente fascista 68. Atienza y Ruiz
Manero afirmam que suas teses têm maior capacidade explicativa para as práticas judiciais
do que minha concepção de normas como imediatamente vinculantes 69. E ainda mais
explicitamente, Zagrebelsky aponta, no que diz respeito ao "apelo aos princípios", criticado
por aqueles que temem que possa endossa «a discricionariedade dos intérpretes», que:
«Aqui não postulamos de modo algum uma proposta de política de Direito face à
interpretação. Simplesmente descreve o que realmente acontece na realidade da vida
concreta da ordem»70. Pois bem, parece-me que justamente este argumento é uma clara
confirmação da já mencionada convergência do constitucionalismo argumentativo com o
realismo: efetivamente, a tese é explicativa da prática jurídica atual, seja legislativa ou
jurisdicional, ou seja, do «ser» do Direito , mas certamente não é do seu "dever de ser",
que simplesmente ignora.
Em suma, o resultado dessa abordagem é um obscurecimento do alcance normativo
dos princípios constitucionais. Por exemplo, escreve Ronald Dworkin: “A Primeira Emenda
da Constituição dos Estados Unidos determina que o Congresso não deve limitar a liberdade
de expressão. É uma norma, de modo que, se uma determinada lei realmente limitasse a
liberdade de expressão, seria, portanto, inconstitucional? Aqueles que sustentam que a
primeira emenda é "absoluta" dizem que ela deve ser tomada nesse sentido, ou seja, como
norma. Ou se reduz a enunciar um princípio tal que, se fosse descoberta uma limitação à
liberdade de expressão, seria inconstitucional a menos que o contexto evidenciasse algum
outro princípio ou consideração de oportunidade política que, em certas circunstâncias,
tivesse a importância necessária para permitir sua limitação? Tal é a posição daqueles que
defendem o chamado fator de “risco claro e atual” ou alguma outra forma de “ponderação”» ,
mas sim como princípios morais, cujo respeito, quando conflitantes com outros, fica ao
arbítrio argumentativo do intérprete 72.

68
Cassação, Criminal United Sections., 7.2.1948, in Italian Forum, 1948, II, 57. Esta distinção entre normas
prescritivas e normas programáticas foi declarada improcedente desde a primeira decisão do Tribunal Constitucional
(Corte de Custódia n.º 1 do Tribunal de Justiça de 1956 ) e depois abandonado por todos.
69 M. Atienza e J. Ruiz Manero, Três Problemas, cit., 94.
70 G. Zagrebelsky, A lei branda, cit., Cap. VII, 199-200.
71 R. Dworkin, I diritti presi sul serious, cit., 97. Ver também 100-101.
72 Tome-se outro exemplo: o direito à imunidade à tortura, que também pode entrar em conflito, como argumentou
o jurista americano Alan Dershowitz, com necessidade, em casos "excepcionais" (obviamente casos escolares são sempre
"excepcionais").»), de coletar informações vitais de um terrorista que —“nós sabemos”— está “a par” de futuros ataques
muito sérios [Por que o terrorismo funciona.
Compreendendo a Ameaça Respondendo ao Desafio (2002), tr. it., Terrorism, Rome, Carocci, 2003, 118 e ss e 125 e ss].
Pois bem, segundo o modelo normativo e garantidor das constituições, a imunidade contra a tortura não permite exceções.
O princípio moral da segurança pode, portanto, operar no plano moral, mas não no plano legal; com a consequência de
que quem está convencido de que está diante de um terrorista que está ciente de um ataque futuro e muito grave, deve
assumir, se pretende violar a proibição absoluta da tortura para salvar a vida de inúmeras pessoas, a responsabilidade
moral de cometer o crime de tortura e sofrer as respectivas sanções, sem pleitear a cobertura da Lei. Este é o custo
mínimo que devemos pagar pelas garantias dos direitos fundamentais contra a arbitragem.
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 43

Mas há outro aspecto, ainda mais perverso e insidioso, dos antítipos e da


abordagem principialista das constituições. A ideia de que as normas constitucionais
não são normas rigidamente vinculantes, às quais a jurisdição e a legislação estão
sujeitas porque a elas estão subordinadas, mas princípios ético-políticos resultantes
de argumentos morais, quando não confinados no debate acadêmico entre os
filósofos do direito, tem favorecido o desenvolvimento de uma inventividade
jurisprudencial manifestada na criação de princípios que não têm base na letra da
Constituição. Foi o que aconteceu no Brasil, onde Lenio Luiz Streck ilustrou essa
degeneração "pan-principialista" do Direito brasileiro, fornecendo um incrível
inventário de princípios inventados pela jurisprudência e desprovidos de qualquer
ancoragem no texto constitucional, nem mesmo implícita ou indireta, como o
«princípio da precaução» contra eventuais decisões que possam causar danos não
calculados; o «princípio da não surpresa», que garante a segurança do cidadão
contra decisões demasiado inesperadas; o "princípio da prioridade absoluta dos
direitos da criança"; o "princípio da cooperação das partes no processo"; o "princípio
da paternidade responsável"; o princípio da chamada "situação excepcional" e
similares 73.
Aqui estamos diante de invenções normativas verdadeiras e próprias, em
contraste com a sujeição dos juízes à lei. Princípios constitucionais —particularmente
aqueles que estabelecem direitos— são normas prescritivas, não neutralizáveis por
princípios ético-políticos. Tal é a substância e o papel garantidor do constitucionalismo
positivista que é posto em risco com a abordagem principialista: o caráter
rigidamente normativo dos princípios formulados nas constituições, não ponderáveis
com princípios não expressos nelas e supraordenados a todos os poderes dotados
do poder normativo, aos que prescrevem o que é proibido e o que é obrigatório
decidir, em garantia dos direitos fundamentais que estipulam 74.

73 LL Streck, op. cit., 470-496, traz uma lista de 24 princípios de criação jurisprudencial. Por fim, em
defesa da constitucionalidade da lei de anistia aos crimes militares brasileiros, foi formulado o princípio,
inexistente na Constituição, da pacificação e conciliação nacional. Princípios inventados, sobretudo, para
limitar o alcance dos princípios constitucionais, também são encontrados na jurisprudência constitucional
italiana. Letizia Gianformaggio (L'interpretazione della Costituzione, cit., § 11, 196-200) recordou, por
exemplo, "o princípio da proteção do sentimento religioso da maioria dos italianos", invocado na sentença
n. 39 de 31 de maio de 1965 do nosso Tribunal Constitucional, em apoio à rejeição da exceção de
inconstitucionalidade do crime de injúria contra a religião católica, prevista no art. 402 do CP: princípio que,
diferentemente do da igual liberdade perante a lei de todas as confissões religiosas, estabelecido pelo art.
8º da Constituição, com base no qual a exceção foi formulada, não é sequer implicitamente constitucional.

74 A firme defesa de Letizia Gianformaggio desta concepção da «constituição como norma jurídica
obrigatória disciplinadora de todo comportamento, tanto público como privado» (L'interpretazione, cit., § 7,
190) deve ser lembrada: «princípios, sendo normas, são por definição prescritivas” (ibid., § 2, 177) e “a
prescritividade existe ou não existe: não é graduada” (ibid., § 7, 191). Esta, acrescenta, é uma concepção
"óbvia", que "se expressa claramente na introdução do famoso livro de Vezio Crisafulli, La costituzione e le
sue disposizioni diprinciple, desta forma: "Uma constituição, como qualquer outra lei, é , antes de tudo e
sempre, um ato normativo e, portanto, seus dispositivos devem ser entendidos, via de regra (e salvo
raríssimas exceções eventuais, nos casos em que não seja honestamente plausível fazer outra coisa),
como dispositivos normativos: que enunciem, portanto, normas jurídicas verdadeiras e próprias, mesmo
quando estas devam ser posteriormente classificadas entre as normas organizacionais, entre as de
finalidade ou entre as que disciplinam as relações entre sujeitos externos ao Estado. Em outras palavras,
uma constituição deve ser compreendida e interpretada, em todas as suas partes, magis ut valeat, porque sua natureza e fun
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44 Luigi Ferrajoli

6. C) Conflitos entre princípios e consideração

A ideia de que os princípios constitucionais são sempre ponderados e não


aplicados ou, o que é pior, que podem ser ponderados com princípios morais
inventados pelos juízes, obviamente cria um perigo para a independência da
jurisdição e para a sua legitimidade política. defendê-la nem sempre estão cientes
75. De fato, se se argumenta que os juízes não devem se limitar a interpretar as
normas do direito positivo, mas também têm o poder de criar eles próprios as
normas, mesmo que apenas pela ponderação de princípios, então a separação
de poderes é anulado. E em tempos como este —de crescente tensão entre o
poder político e o judiciário e de falta de tolerância do primeiro aos controles de
legalidade exercidos pelo segundo—, teorizar sobre um poder normativo
semelhante dos juízes corre o risco de oferecer um argumento poderoso em
favor de sua investidura política, por meio de eleição ou, pior ainda, sua
colocação sob a autoridade do Executivo.
Chegamos assim ao terceiro aspecto do constitucionalismo não positivista
e principialista: a identificação da ponderação como o único tipo de raciocínio
relevante aos princípios, em oposição à subsunção, que se aplicaria apenas às
regras. Dessa forma, ao mesmo tempo em que o caráter vinculante das normas
constitucionais é enfraquecido apesar de sua rigidez, ele é endossado pela
oposição da ponderação à subsunção, pelo enfraquecimento do caráter
tendencialmente cognitivo da jurisdição, na qual reside sua fonte de legitimação,
e tanto o ativismo dos juízes quanto a discricionariedade da atividade judicial são
promovidos e incentivados. Argumenta-se que teríamos entrado “no tempo da
ponderação”, tendo descoberto um novo tipo de raciocínio jurídico, aliás,
reservado aos direitos fundamentais e não às demais regras do ordenamento jurídico.
Naturalmente, não faria sentido negar ou subestimar o papel da ponderação,
nem -mais geralmente- o da argumentação na atividade de produção normativa:
primeiro, a ponderação legislativa, que é fisiológica no âmbito das decisões
políticas, para que não colidir, por ação ou omissão, com as normas
constitucionais; em segundo lugar, a ponderação jurisdicional, nos espaços de
interpretação judicial, também estes fisiológicos e que certamente são muitas
vezes mais amplos e indeterminados quando as normas têm a forma não de
regras, mas de princípios. Faria menos sentido subestimar a importância de uma
teoria da argumentação, como a desenvolvida exemplarmente por Robert Alexy
e Manuel Atienza, destinada a estabelecer a racionalidade do exercício
discricionário do poder judicial. Com efeito, uma vez que os espaços de
discricionariedade da jurisdição são inegáveis. Mesmo em matéria penal, onde o
valor da certeza é máximo, podem distinguir-se três espaços fisiológicos e
incontornáveis da discricionariedade judicial, a que correspondem tantos outros tipos de pode

e não poderiam deixar de ser, repetimos, um ato normativo, destinado a disciplinar compulsoriamente o
comportamento público e privado”” (ibid., 189).
75 Ver, sobre os riscos do ativismo discricionário excessivo dos juízes, LL Streck, Verdade e Consenso,
cit., e LR Barroso, Curso de Direito Constitucional contemporâneo, São Paulo, Saraiva, 2010, 383 e segs.
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 45

que corresponde aos espaços de interpretação da lei, vinculados à semântica da


linguagem jurídica; o poder de verificação fática ou de avaliação da prova, que
corresponde aos espaços da ponderação das indicações e dos elementos
probatórios; o eqüitativo poder de conotação dos fatos verificados, que corresponde
aos espaços de compreensão e ponderação das características particulares e
irrepetíveis de cada fato, mesmo quando todos igualmente subsumíveis na mesma
figura típica 76. Esses espaços podem ser fortemente reduzidos, mas não
suprimida, pelo conjunto das garantias penais e processuais: daí a importância de
uma adequada teoria da argumentação, que esteja em condições de orientar
racionalmente a motivação das decisões tomadas no exercício dos três poderes
que correspondem a esses espaços.
Portanto, minha crítica não se dirige ao papel da ponderação na atividade de
produção do direito. Direciona-se, antes, à extensão excessiva do mesmo na ação
legislativa e na interpretação jurisdicional das normas constitucionais. Em outras
palavras, refere-se ao excessivo alcance empírico associado à noção de
ponderação, que, ao contrário, é tão limitada quanto a da distinção entre regras e
princípios, já examinada. De fato, tenho a impressão de que, por tal expansão, a
ponderação acabou se tornando uma bolha terminológica, enormemente inflada a
ponto de designar as formas mais gritantes de esvaziamento e não aplicação das
normas constitucionais, tanto no plano legislativo . como na jurisdição.

No que diz respeito à ponderação legislativa, deve ser feita uma distinção
entre o que chamei de princípios reguladores e o que chamei de princípios diretivos.
Certamente, os princípios diretivos o exigem; não, por outro lado, os princípios
reguladores, vinculantes e indefectíveis se não encontrarem limites em normas do
mesmo nível. Os direitos de liberdade, em particular, geralmente não admitem
qualquer ponderação: sua violação gera contradições, a menos que haja limites
expressos por regras, como o limite à liberdade de associação imposto no art. 18
da Constituição italiana, que proíbe associações secretas, que prevalece pelo
imperativo do princípio da especialidade. Exigem ponderação apenas quando o
limite é expresso por princípios orientadores, como o princípio genérico da
segurança, na medida em que é expressamente formulado por normas do mesmo nível.
Parcialmente diversa é a fenomenologia da ação legislativa dos direitos
sociais. As normas ou, se preferir, os princípios que enunciam tais direitos, como
se disse no número anterior, são normativas quanto à an e diretiva quanto ao
quomodo e ao quantum da sua execução. Sua falta de ação equivale, portanto, à
sua violação, que gera lacunas não menos ilegítimas que as antinomias.
Mas é claro que sua consideração legislativa é fisiológica nas opções legislativas,
inevitavelmente discricionária, no que se refere aos meios, às formas e também
aos limites de sua atuação, não predeterminados por sua formulação constitucional 77.

76 Vid., sobre esses três espaços fisiológicos de discricionariedade que, em seu conjunto, definem o poder
judicial, Direito e razão, cit., cap. III.
77 Apoiei essa fenomenologia diferente dos direitos de liberdade e direitos sociais, em Diritto e ragione, cit,
cap. XIV, § 60.4, 958. Trata-se, evidentemente, de uma diferença de natureza teórica e conceitual: enquanto a
simples formulação dos direitos de liberdade implica a proibição de sua lesão, a dos direitos de
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46 Luigi Ferrajoli

Em outras palavras, a consideração não pode ser estendida à opção de quais


princípios constitucionais agir e quais não agir sem resolver uma violação da
constituição e, portanto, na admissão de um poder do legislador para anular ou
revogar o art. ditame constitucional. , em contraste com a hierarquia das fontes.
Um poder que, como se viu, se legitima com a tese da derrotabilidade das normas
constitucionais, pois concebe como inevitáveis —porque é consequência da
ponderação— violações e descumprimentos de algumas delas em benefício das
ações de outros. Contra este perigo, e para evitar semelhante mal-entendido, o
art. 52 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estabeleceu que,
em qualquer caso, as leis devem "respeitar o conteúdo essencial dos direitos e
liberdades" nela estabelecidos. O que torna, portanto, compulsória a ação por
eles, seja ela qual for, que lhes fornece as garantias essenciais. Por outro lado, a
ideia de que a garantia de cada direito fundamental implicaria o sacrifício ou
limitação de outros 78, com a consequente necessidade de uma ponderação
legislativa dos direitos em conflito, é um lugar-comum completamente infundado.
As relações entre os direitos, como ensina a experiência histórica, são, sobretudo,
sinérgicas: sem garantia dos direitos sociais, em particular à educação e à
informação, os direitos de liberdade não podem ser exercidos com conhecimento
dos fatos, e sem garantia de direitos de liberdade também não são direitos
políticos. Mesmo a relação entre garantias de direitos e desenvolvimento
econômico é uma relação de sinergia: sem liberdades fundamentais não há
controle democrático sobre o bom funcionamento das instituições; e sem garantias
dos direitos sociais à educação, saúde e subsistência, não existem os pressupostos
básicos da produtividade individual e coletiva; tanto que se pode dizer que os
custos de tais garantias representam o investimento produtivo mais efetivo 79.
Quanto à ponderação jurisdicional, parece pouco mais que uma nova
expressão para denominar a antiga «interpretação sistemática», sempre conhecida
e praticada pelos juristas, que consiste na interpretação do significado de uma norma a

Os direitos sociais —por exemplo, à saúde, educação, subsistência ou afins— implicam, em si, a obrigação
de sua satisfação, seja ela qual for, mas nada diz sobre as formas e limites de sua ação. Isso não exclui,
obviamente, que as constituições mais avançadas também incorporem princípios ou normas normativas que
também prevejam as garantias de tais direitos, prefigurando, ao menos em parte, seus limites e formas
mínimas. Na Constituição italiana, por exemplo, o art. 34 estabelece, em garantia do direito à educação, que
a “educação inferior” seja “preferida por pelo menos oito anos” e que “é obrigatória e gratuita”; e arte. O art.
direito à educação inferior por pelo menos oito anos. A Constituição brasileira prevê vínculos orçamentários,
em garantia dos direitos sociais: pelo art. 34, VII, inc. e), que prevê “a aplicação de cota mínima” do orçamento
da União para “gestão e desenvolvimento da educação e das ações e serviços públicos de saúde”; pela arte.
198 §§ 2º e 3º, que em matéria de direito à saúde remeta à lei a estipulação, a cada cinco anos, dos
percentuais do orçamento da União e dos Estados que devem ser destinados à sua garantia; pela arte. 212,
que sobre o direito à educação estabelece que «a União destinará pelo menos 18% ao ano e os Estados e o
Distrito Federal e os Municípios pelo menos 25% do valor arrecadado pelos impostos […] gestão e
desenvolvimento do ensino. Mais genérico e indeterminado é o art. 27.4 da Constituição espanhola, que se
limita a estabelecer que “o ensino básico é obrigatório e gratuito”.

78 Anna Pintore chegou a formular a tese segundo a qual os direitos "frequentemente entram em um
conjunto de relações recíprocas de soma zero" ("Diritti insaziabili", in L. Ferrajoli, Diritti fondamentali, cit.,
189-190). Videira. minha resposta, ibid., I fondamenti, cit., § 6, 328-332.
79
PiIII, § 13.13, 67-71
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 47

a luz de todos os outros no sistema. No entanto, há uma diferença que torna a ponderação —
concebida, em oposição à subsunção reservada às regras, como uma espécie de raciocínio
ordinário e generalizado para todos os princípios 80 — técnica argumentativa que estende uma
indevidamente a discricionariedade judicial a ponto de anular a sujeição do juiz à lei. A diferença
está ligada à metáfora do "peso", que sugere e estimula - por outro lado, em singular contraste
com a ideia dworkiniana da existência objetiva de "uma solução correta" - um poder de escolha
sobre quais princípios aplicar e não se aplica em função da avaliação —inevitavelmente
discricionária 81— de sua diferente importância. O balanceamento é concebido como uma operação
em virtude da qual, como escreve Robert Alexy, "quando dois princípios colidem ... um deles tem
que ceder ao outro", sem que o primeiro seja considerado inválido ou inválido. o princípio da
especialidade82. Em poucas palavras, é como uma atividade de escolha «orientada» por
«exigências de justiça substancial» 83, que cria o risco de comprometer não só a sujeição do juiz
à lei, mas também, como bem observou Riccardo Guastini , os valores de certeza e igualdade
perante a lei 84.

Tenho a impressão de que na base dessa concepção da ponderação como a escolha do


princípio mais pesado, ou seja, mais justo ou mais importante, que deve ser aplicado em detrimento
de outros, há um equívoco que se refere ao objeto de ponderação. o mesmo. Esta opção, alega-
se, ocorre sempre ocasionalmente em relação ao caso concreto levado a julgamento. "Em outras
circunstâncias", diz Alexy, por exemplo, "a questão da precedência pode ser resolvida da maneira
inversa. É o que se quer dizer quando se argumenta que em casos concretos os princípios têm
peso diferente e que prevalece o princípio com maior peso » casos » não são os princípios, mas
sim as circunstâncias de facto que justificam a sua aplicação em tais casos. É claro que, desse
ponto de vista, não há diferenças de natureza epistemológica entre a argumentação constitucional
segundo princípios e a argumentação ordinária segundo regras: a ponderação ocorre em qualquer
atividade jurisdicional em que haja a concorrência de várias normas diferentes, sejam elas regras
ou normas. começo. Mas seu objeto não são as normas a serem aplicadas, mas sim as
circunstâncias

80 “É válida a seguinte afirmação: se alguém faz considerações, então é necessariamente baseado em


princípios” (R. Alexy, Concetto e validità del diritto, cit., cap. II, § 4.3.1, 75). "Princípios e ponderação", afirma Alfonso
García Figueroa, "implicam-se reciprocamente" (Princípios, cit., § 2.3.2, 167).
81 Não existe “unidade de medida para o peso das normas”, efetivamente escreve Giorgio Pino (Diritti e
interpretazione, cit., cap. III, § 1.2, 56). E acrescenta: «a dimensão do peso pertence tanto às regras como aos
princípios: os princípios são normas (mais) derrotáveis (mais) sujeitas a excepções implícitas em relação às regras»;
mas isso não significa que "um princípio pode ser considerado menos importante que uma regra" se "há boas razões
para aplicar a regra de qualquer maneira" (ibid., 57). Portanto, também neste aspecto a distinção desaparece.

82 R. Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, cit., cap. III, § 3.2, 89 83 G.


Zagrebelsky, Il diritto mite, cit., cap. VII, 204.
84 R. Guastini, Diritto mite, diritto incerto, cit., 521-525. Nesse sentido, escreve Guastini, a ponderação acaba
se resolvendo em uma técnica argumentativa que consiste não apenas em comprometer os princípios, mas em deixar
de lado, suprimir ou sacrificar um em benefício de outro, muitas vezes com base em uma «hierarquia axiológica móvel
» entre princípios, variável caso a caso de acordo com o critério do intérprete (L'interpretazione dei documenti
normativi, Milano, Giuffrè, 2004, 216-221 e 252-253).
85 R. Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, loc. último cit. Gustavo Zagrebelsky fala, por sua vez, de
"concretização dos princípios" (La legge e la sua giustizia, cit., cap. VI, 218-219).
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48 Luigi Ferrajoli

fatos por eles estabelecidos com o objetivo de qualificar juridicamente e conotar


equitativamente o caso submetido a julgamento. As normas, sejam regras ou
princípios, são sempre as mesmas e têm sempre, por isso mesmo, peso igual. Os
que mudam, os que são sempre irrepetíveis e, portanto, devem ser ponderados,
são os fatos e as situações concretas às quais as normas são aplicáveis.
Assim concebida, a ponderação dos traços singulares de qualquer fato é,
portanto, uma atividade fisiológica, correspondendo —em grande parte— à
dimensão equitativa de todos os juízos. No direito penal, por exemplo, a ponderação
entre as circunstâncias agravantes e atenuantes do crime, uma e outra expressa
na forma de regras, está diretamente prevista na lei para a realização do
julgamento da equivalência ou da prevalência de uma sobre a outro. . Mas uma
consideração semelhante pode ser encontrada em todos os setores do direito.
Pense, a esse respeito, na consideração exigida na avaliação das circunstâncias
isentas, como o estado de necessidade ou a legítima defesa, consideradas como
tais pelo código penal italiano se forem julgadas "proporcionais ao delito" (ou "à
perigo"); ou ainda na ponderação imposta pelo princípio da proporcionalidade da
pena, de forma abstrata ou específica, conforme a gravidade do ato cometido; ou
na avaliação, ainda com base na ponderação dos interesses conflitantes em
particular, do dano “injusto” previsto no art. 2.043 do Código Civil como orçamento de responsab
Por outro lado, opções ético-políticas que podem ser discutidas e argumentadas
de diferentes maneiras, conforme documentado pelos infinitos repertórios da
jurisprudência, estão inevitavelmente por trás de qualquer interpretação judicial do
mesmo texto, devido às margens de ambiguidade e indeterminação do texto •
linguagem jurídica, seja expressa em regras ou princípios. Pense na indeterminação
de noções formuladas em termos avaliativos, como «perigo social», cuja avaliação
é necessária para a aplicação de medidas cautelares ou de segurança; ou ainda
nos critérios de avaliação da gravidade do crime previstos no art. 133 do Código
Penal italiano, para efeito de determinação da medida da pena; ou pense em tipos
criminais como «associação subversiva» ou «máfia», «abuso familiar» ou
difamação que consiste em «ofender» a «reputação» alheia. De qualquer forma,
justamente a constitucionalização dos princípios em matéria de direitos reduz, em
geral, o espaço de discricionariedade interpretativa, pois de todas as interpretações
possíveis que o mesmo texto admite, apenas aquelas compatíveis com a
constituição são eleitas como válidas. Se então, pela excessiva indeterminação
semântica das regras e pela ausência de garantias, o poder do juiz acaba sendo
de fato um poder criador, não redutível aos três poderes fisiológicos - de
interpretação da lei, de avaliação do evidência e conotação equitativa dos fatos –
então se torna o que chamei de poder de disposição, que é um poder ilegítimo,
independentemente do fato de as normas serem formuladas na forma de princípios
ou regras, uma vez que invade a competência política das funções governamentais
e, portanto, não pode ser aceita sem negar a separação dos poderes e a própria
manutenção do Estado de Direito 87.

86 Portanto, sob este aspecto não é verdade que, como escreve Atienza, as regras «estão imunes à experiência
experiência» (O Direito como Argumentação, cit., 230).
87 Sobre esta questão, remeto para Diritto e ragione, cit., cap. III, §12, 147-160.
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 49

Ora, está fundamentalmente na tese de que os princípios e os direitos neles


expressos são geralmente conflitantes, onde os partidários do constitucionalismo
principialista fundamentam o papel substancialmente criativo da ponderação
jurisdicional, em virtude da qual pesam os princípios. não se aplica a casos
concretos neles subsumíveis, de modo que, também em juízo, a garantia de um
se daria sempre em detrimento da garantia de outro 88. Essa tese tem sido
bastante enfatizada. A questão da aplicabilidade dos princípios não deve ser
confundida com a do caráter discutível de sua aplicação específica, compartilhada
por muitas regras e determinada pelas margens de incerteza em sua interpretação.
Na maioria dos casos geralmente analisados - discriminação de identidades
pessoais em violação do princípio da igualdade, medidas policiais introduzidas em
contraposição ao princípio da liberdade pessoal, limitações à liberdade de imprensa
em nome de um suposto princípio de segurança , e a como—, os princípios são
aplicados às suas violações sem necessariamente intervir —mais do que em
outros julgamentos— ponderações e opções subjetivas de valor. Em outros casos,
de fato, há conflitos ou dilemas. Pense na dificuldade de avaliar os limites dos
direitos expressos em princípios diretivos constitucionalmente estabelecidos, tanto
mais se eles consistem no que Luis Prieto chamou de "os limites do limite" 89: por
exemplo, o limite da privacidade imposto ao exercício de liberdade de imprensa,
por sua vez limitada se a notícia se refere a personalidades investidas de funções
públicas e tem relevância pública. Mas estes «casos difíceis», resolvidos por
ponderação, inevitavelmente ligados à apreciação das suas circunstâncias
específicas, não são mais difíceis do que os já mencionados do concurso de
circunstâncias agravantes e atenuantes do crime, ou do limite (proporcionalidade
ao crime ou ao perigo) até o limite (legítima defesa ou estado de necessidade), representado pe
Também nestes casos, a ponderação refere-se não tanto aos princípios, mas às
circunstâncias de facto que justificam a sua aplicação ou não.
Por outro lado, os limites estruturais decorrentes de alguns direitos ao exercício
de outros, quando não consistirem em princípios diretivos, não suscitarão conflitos
ou considerações. Por exemplo, os direitos de liberdade constituídos por
imunidades ou meras faculdades, por sua própria estrutura, por não envolverem
atos de exercício que interfiram na esfera jurídica de outrem, são limites
inderrogáveis ao exercício negocial dos direitos constituídos por poderes de
autonomia contratual, a eles subordinados e produtores de efeitos na esfera jurídica de outros 9

88 R. Alexy, Theory of Fundamental Rights, cit., § 2.2.2.3, 160-169, onde o "grau de importância"
atribuído em cada caso pela jurisprudência é elevado a uma "regra" ou "lei de ponderação". constitucional,
à segurança da liberdade de imprensa ou vice-versa, com argumentos necessariamente discutíveis.
Relembre também a tese de Anna Pintore, citada na nota 78, da «soma zero» no grau de garantia de
direitos.
89 L. Prieto Sanchís, «Constitucionalismo e garantismo», em M. Carbonell e P. Salazar Ugarte
(ed.), Garantia. Studies, cit., 50-51. Cf. também, a propósito, GP Lopera Mesa, Princípio da
constitucionalidade e direito penal. Bases para um modelo de controle de constitucionalidade das leis
penais, Madrid, Centro de Estudos Políticos e Constitucionais, 2006, 45 e ss.
90 Para uma análise das múltiplas relações entre liberdade e direitos fundamentais, muitos dos
quais não são conflitantes, mas subordinados, refiro-me a PiI, § 1.6, 134, § 2.4, 159-161 e § 11.6,
752-759, e a PiIII , §§ 13.14, 72-77, § 15.1, 308 e § 15.7, 336-337, onde distingui quatro níveis de
liberdade: o das liberdades de fato, limitadas pelo exercício de poderes que são direta ou indiretamente
uma expressão de os direitos de autonomia, dentro dos limites impostos por sua vez pelos direitos de liberdade constitucio
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50 Luigi Ferrajoli

todos os conflitos entre normas de diversos graus e as quebras de normas


supraordenadas, dão origem não a conflitos que podem ser resolvidos pelos
intérpretes por meio de argumentação e consideração, mas sim a antinomias e
lacunas estruturais, ou seja, a vícios consistentes . nas violações de normas ou
princípios regulamentares que só podem ser afastadas por intervenções
reparadoras: pela anulação jurisdicional das normas inválidas e pela produção
legislativa das normas que faltam.

Em suma, muito mais do que o modelo principiológico e argumentativo, que


confia à ponderação judicial a solução de aporias e conflitos entre direitos,
enfraquecendo assim a normatividade das constituições e a fonte de legitimidade
da jurisdição, o paradigma da garantia do Constitucionalismo Rígido exige que o
poder judiciário seja o mais limitado possível e vinculado à lei e à constituição,
segundo o princípio da separação de poderes e a natureza da jurisdição, tanto
mais legítima quanto mais cognitiva e não discricionária. Os juízes, segundo tal
paradigma, não equilibram normas, mas sim, as circunstâncias fáticas que
justificam sua aplicação ou não. Não podem criar ou ignorar normas, o que
implicaria invasão da esfera política da legislação, mas apenas censurar sua
invalidade quando forem contrárias à Constituição: anulando-as se se tratar de
competência constitucional, ou promovendo questões de inconstitucionalidade se
trata-se da jurisdição ordinária; em ambos os casos, intervindo não na esfera
legítima, mas na ilegítima da política. Com efeito, a legitimidade da jurisdição
assenta, a meu ver, no carácter mais cognitivo possível da subsunção e aplicação
da lei, que por sua vez depende, muito mais do que da sua formulação como
regra, do grau de tributação e determinação da linguagem jurídica; enquanto a
indeterminação normativa, e a consequente discricionariedade judicial, são sempre
um fator de deslegitimação da atividade do juiz 91. Sob esse aspecto, o cognoscitivismo judicial

estipulados, cujas liberdades de são por sua vez limitadas, tendencialmente, pelas liberdades contra , que,
por consistirem apenas em imunidades não associadas a faculdades ou poderes, e por não envolverem
qualquer exercício, são geralmente limites aos demais direitos, embora dentro os limites indicados acima
nos chamados “casos difíceis”. Videira. também, para um tratamento mais amplo dos conflitos entre direitos,
minha Garantia. Uma discussão sobre direito e democracia, cit., cap. V, 83-98.
91 Chiara Tripodina, «O tribunal constitucional é o único poder bom? Uma pergunta para Luigi Ferrajoli.
Ovvero, sui limiti e sui vincoli del giudice delle leggi”, em Costituzionalismo.it sustenta: a) que minha tese do
caráter sempre relativo e imperfeito da legitimidade da jurisdição que decorre do caráter probabilístico da
verdade factual e discutível de a verdade jurídica, equivaleria a dizer que “a atribuição de sentido às
disposições legislativas e constitucionais não é uma operação vinculada ao Direito, não é uma verificação
da verdade, mas é um ato de liberdade do intérprete” ; b) que desta forma, depois de admitir que a
competência inclui também «uma esfera específica do decidível ligada à decidibilidade da verdade
processual», teria recorrido «de modo tautológico», para «distinguir entre discricionariedade política e
discricionariedade judicial .judiciária […], justamente à ficção da natureza meramente cognitiva da jurisdição
que ela mal desmascararia”; c) que, em suma, a discricionariedade judicial dos juízes constitucionais não
difere da discricionariedade política dos parlamentos, mas sim porque se manifesta na decisão do indecidível.
E ele me pergunta: “O que torna o Tribunal Constitucional mais legítimo do que o Parlamento para decidir o
indecidível?”, e “O Tribunal Constitucional é, para Ferrajoli , o único poder bom que não pode fazer
mal?” (ibid., 6-7 e 10). Questões e críticas semelhantes me foram dirigidas por Pablo del Lora, «Luigi Ferrajoli
e o constitucionalismo forte», em M. Carbonell e P. Salazar, Garantismo.
Estudos, cit., 254, e de A. Greppi, «A democracia como valor, como ideal e como método», ibid., 352. Estas
críticas e estas questões resultam, a meu ver, de um mal-entendido. Dizer que a verdade jurídica é discutível
e que a interpretação envolve espaços de discricionariedade e consequentes decisões, não significa de
forma alguma que seja alheia ao Direito e que não admita «verificação» mas «um acto de liberdade».
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 51

non auctoritas facit iudicium), ainda que apenas como ideal normativo, é a outra
face da convenção jurídica, ou seja, do princípio iuspositivista da legalidade
(auctoritas non veritas facit legem). Obviamente, a satisfação de tal ideal é uma
questão de grau, dependendo do grau de determinação ou legalidade estrita da
linguagem jurídica. Mas além de certo grau de indeterminação, o judiciário, ao
degenerar em poder ou disposição criadora, repito, perde toda legitimidade. E isso
pode acontecer quer as normas sejam expressas na forma de princípios, ou na
forma de regras.
Em todos os casos, seria oportuno que a cultura jusconstitucionalista, ao invés
de assumir como inevitável a indeterminação da linguagem constitucional e os
conflitos entre direitos, e talvez se deleitar com ambas as coisas em apoio ao
ativismo judicial 92, promovesse o desenvolvimento de um poder legislativo
linguagem e Constituição tão precisas e rigorosas quanto possível. Com efeito, entre
os fatores mais graves da discricionariedade judicial e do crescente papel da
argumentação, está a crise da linguagem jurídica, que já se tornou uma verdadeira
disfunção: pela imprecisão e ambiguidade das formulações normativas, por sua
obscuridade e, às vezes, seu caráter contraditório, devido à inflação legislativa que
tem comprometido a capacidade regulatória do Direito. Mas este não é um fenômeno
natural. Depende da má legislação e do caráter vago e valorativo das normas
constitucionais, cuja responsabilidade é, certamente, política, mas também pesa
sobre a cultura jurídica. Por outro lado, devemos perceber que a obscuridade,
imprecisão e indeterminação da linguagem jurídica, embora até certo ponto
inescapáveis, não são simplesmente falhas na legislação. São um vício jurídico
disso, pois violam os princípios da separação dos poderes e da sujeição dos juízes
à lei, e, portanto, comprometem a manutenção da edificação do Estado de Direito
em sua totalidade. Por esta razão, a ciência jurídica deveria hoje retomar o programa iluminado de

o pouco do intérprete'. Com efeito, a decidibilidade da verdade de uma tese não só não exclui, mas, ao
contrário, implica seu caráter cognitivo, pois qualquer verdade, excluídas as verdades lógicas ou matemáticas,
requer decisões. Ao contrário, é justamente a indecidibilidade de uma tese jurídica, determinada pelo caráter
totalmente vago da linguagem jurídica, que gera uma discricionariedade imprópria, de natureza política, e
acarreta a degeneração do judiciário no que chamei de ilegítimo”. poder de provisão”. Por outro lado, nos
casos em que a verdade judicial é determinável, a jurisdição está vinculada à lei, e consiste, diferentemente
de qualquer atividade empresarial ou legislativa do governo, na aplicação substancial e não no simples respeito
às normas de produção. ; Consiste na realização de normas preexistentes através da verificação de atos
inválidos ou ilícitos que as violem, e não na introdução de novas normas.
Por isso, o judiciário não é tanto um poder "bom", mas um poder negativo, absolutamente inadequado para as
funções de governo. Lembre-se das palavras de Alexander Hamilton: "O judiciário [...] não pode influenciar
nem a espada nem a bolsa" e por isso é "sem paralelo, o mais fraco dos três poderes do Estado", visto que
"ele nunca será capaz de atacar nenhum dos outros dois com sucesso" [A. Hamilton, J. Jay
e J. Madison, The Federalist (1788), tr. it., Il federalista, Bologna, Il Mulino, 1997, 623 (traduzido elenco. de GR
Velasco, The Federalist, México, Economic Culture Fund, 1943)]. Sobre a diferença estrutural entre a função
judiciária e as funções de governo, entre a discricionariedade judicial e a discricionariedade política, e sobre a
inconsistência do perigo de um "governo dos juízes", remeter ao PiI, §§ 9.15-9.16 e 12.6-12.8, 556 -566 e 869-
885 e PiIII, § 13.4 e 14.12, 71-77 (e notas 88-89) e 212-218 (e nota 82) e minha resposta a De Lora e Greppi
em Garantia. Uma discussão, cit., § 5.4, 93-98.
92 Tecla Mazzarese (Ancora su ragionamento giudiziale, cit., § 5.2.2) relembra a defesa das
«ambiguidades» da Carta de Direitos formulada por S. Hufstedler, «Em nome da justiça», em Stanford Lawyer,
14, 1979, 4-5) e o valor associado por G. Zagrebelsky, Il diritto mite, cit., cap. VI, § 6º, ao pluralismo e à
indeterminação dos princípios como fatores de "boas soluções, abrangentes de todas as razões que podem
reivindicar bons princípios em seu suporte" (168).
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52 Luigi Ferrajoli

“ciência da legislação” 93, integrando-a ao programa de uma “ciência da


constituição”, como Giandomenico Romagnosi a chamava 94. Passado o tempo
das primeiras constituições, inevitavelmente caracterizadas pela linguagem
declamatória, nada impede o desenvolvimento de uma técnica de formulação de
normas legislativas e constitucionais —das regras e princípios, bem como seus
limites e os limites de seus limites, por sua vez expressamente declarados— na
linguagem mais simples, clara e precisa possível.

7. A forte normatividade das constituições segundo o


constitucionalismo garantido

O constitucionalismo principialista, como o realismo e o neo-pandectismo,


acarreta, em suma, um enfraquecimento e virtualmente um colapso da
normatividade dos princípios constitucionais, bem como uma degradação dos
direitos fundamentais neles estabelecidos a meras recomendações genéricas do
tipo ética política. . Além disso, subverte a hierarquia das fontes, confiando a
opção de agir sobre esta ou aquela norma constitucional à ponderação legislativa
e judicial e, portanto, à discricionariedade facultativa do legislador ordinário e dos
juízes constitucionais. Deste modo, a ciência jurídica e a jurisprudência, graças
ao papel associado à ponderação dos princípios, recuperam o seu papel de fontes
supremas do Direito; com o resultado paradoxal de que a experiência jurídica
mais avançada da modernidade, representada pela positivação do “dever ser” do
Direito e pela sujeição de todo poder a limites e vínculos jurídicos, é interpretada
como uma espécie de regressão ao Direito jurisprudencial e pré-moderno. doutrina.
Ao contrário, o constitucionalismo positivista jurídico e garantidor, teorizando
a desigualdade normativa e a consequente divergência entre as normas
constitucionais sobre a produção e as normas legislativas produzidas, impõe
reconhecer, como sua consequência virtual e fisiológica, o direito ilegítimo, inválido
por ação ou violado por omissão . , quando há violação de seu "dever legal".
Portanto, confere à ciência jurídica um papel crítico contra o próprio direito: contra as antinomia
gerado pela presença indevida de normas em contradição com os princípios
constitucionais, e contra as lacunas geradas pela ausência indevida de normas
por elas impostas. Em suma, o constitucionalismo de garantia implica o
reconhecimento de uma forte normatividade de constituições rígidas, em virtude
da qual, dado um direito fundamental constitucionalmente estabelecido, se a
constituição for levada a sério, não deve haver normas que a contrariem, devendo
existir – no sentido de que deve ser obtido por meio de interpretação

93 G. Filangieri, La scienza della legislazione (1783), edição crítica dirigida por V. Ferrone, Veneza, Centro
di studi sull'Illuminismo Europeo «G.Stiffoni», 2003 (trad. elenco. de J. Ribera, The science of a legislação,
Madrid, Imprenta de D. Fermín Villalpando, 1821-1822); J. Bentham, «Traités de législation civile et penale», in
Oeuvres de Jérémie Bentham, 3ª ed., Bruxelas, Hauman, 1840, t. I, 1-342 (tradução espanhola de R. Salas,
Tratados de legislação civil e penal, Madrid, Editora Nacional, 1981).
94 G. Romagnosi, A ciência das constituições (Opera posthumous, 1848), Edición crítica de G. Astuti con
el título Sobre a constituição de uma monarquia nacional representativa (A ciência das constituições), Roma,
Real Academia da Itália, 1937, t . 2.
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Constitucionalismo de princípio e constitucionalismo de garantia 53

sistematicamente, ou introduzida por meio de legislação ordinária – o correspondente


dever da esfera pública. Trata-se de uma regulação forte, em primeiro lugar, contra a
legislação, que impõe para evitar antinomias e preencher as lacunas com leis de
ação adequadas, e, em segundo lugar, contra a jurisdição, que impõe para remover
as antinomias e apontar as lacunas. Em suma, devemos reconhecer que a constituição
é um projeto normativo que não foi implementado em grande medida e que o futuro
da democracia depende da implementação mais plena de sua normatividade (sempre
parcial e imperfeita).
(Tradução de Nicolas Guzmán)

DOXA 34 (2012)

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