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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS


ESCOLA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
BACHARELADO EM DIREITO

DISCIPLINA: POLÍTICAS PÚBLICAS 2023-2


PROFESSOR: FÁBIO PERIANDRO DE A. HIRSCH (BA)
E-MAIL: ACADEMICOFPAH@GMAIL.COM
ALUNO: WALDINEY JOSE DA SILVA MAT.: 20171361099

A JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SANEAMENTO BÁSICO:


Uma análise da atuação do Poder Judiciário na implementação, à luz da Lei 11.445/07, com
enfoque na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJ-RJ.

Resumo: No âmbito das decisões judiciais que analisam políticas públicas, particularmente a
partir do Tribunal do Rio de Janeiro, destaca-se a importância das políticas públicas, que in-
cluem a oferta de serviços públicos, como ferramentas essenciais para concretizar os diversos
direitos fundamentais estabelecidos na Constituição. Este artigo visa examinar a viabilidade de
o Poder Judiciário no Brasil, respaldado pelo princípio da universalização dos serviços públicos
e pela legislação e constituição vigentes, compelir o Estado a disponibilizar serviços de sanea-
mento básico a segmentos da população que ainda não têm acesso ou têm acesso insatisfatório
a esses serviços.
INTRODUÇÃO
Este artigo se concentra na análise da participação do Poder Judiciário na promoção
da universalização dos serviços públicos de saneamento básico no Brasil. Apesar das contro-
vérsias doutrinárias sobre a conceituação e natureza jurídica dos serviços públicos, é evidente
a sua importância na coesão social e na garantia de direitos fundamentais. A Lei n. 8.987/95,
em seu artigo 6º, parágrafo 1º, estabelece os "princípios dos serviços públicos" com o objetivo
de assegurar a prestação adequada dos serviços públicos delegados. No entanto, a universali-
dade ou universalização, um princípio ao qual parte da doutrina tem se referido, não está expli-
citamente mencionado nessa lista. De acordo com esse princípio, o Estado tem a obrigação de
implementar políticas públicas para tornar os serviços públicos acessíveis a toda a população.
Um dos serviços públicos concedidos que se destaca como sujeito a esse princípio é o
saneamento básico, que, apesar de sua essencialidade e das disposições da Lei n. 11.445/07,
ainda não está disponível para toda a população. Diante dessa omissão do Estado, o Poder
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Judiciário tem sido chamado a intervir, seja por meio de ações individuais ou coletivas, a fim
de determinar a implementação desse serviço.
O artigo envolveu uma análise de um acordão do TJ-RJ, com o intuito de compreender
o impacto do Judiciário na concretização do direito social ao saneamento básico.
Para atingir esse propósito, conduzimos uma pesquisa exploratória, examinando os
acórdãos do TJ-RJ, adotando uma abordagem quantitativa e qualitativa na análise dos dados
coletados. Nossas descobertas revelaram que, em muitos desses acórdãos, o Judiciário frequen-
temente não considera a existência ou ausência de um planejamento claro por parte da Admi-
nistração Pública no que diz respeito à realização de obras de saneamento básico.
Assim, é evidente que este artigo contribui para o desenvolvimento de futuras pesqui-
sas que visem efetivar, de fato, o direito à infraestrutura de saneamento básico, indicando a
necessidade de um diálogo mais eficaz entre os três poderes (executivo, legislativo e judiciário)
para assegurar a implementação adequada das políticas públicas nessa área crucial.
O SANEAMENTO BÁSICO COMO GARANTIDOR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E
O PAPEL DOS INSTRUMENTOS JURÍDICOS NA SUA CONCRETIZAÇÃO
Veja-se o caso em que o Poder Judiciário emite uma decisão alinhada com o planeja-
mento existente de uma política pública de saneamento básico delineada pela Administração
Pública para autorizar a realização de uma obra desse tipo de serviço:
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0404845-27.2008.8.19.0001
APELANTE: FRANCISCO OSMAN VITURIANO DE LIMA
APELANTE: FABIANA DA GAMA SANTIAGO
APELADO: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
RELATORA: DES. HELDA LIMA MEIRELES
ANÁLISE DO CASO
Trata-se de um recurso interposto pela parte autora em face da sentença proferida nas
páginas 475/478. No caso em questão, a ação envolve responsabilidade civil e obrigação de
fazer, na qual os demandantes buscavam a condenação da municipalidade para a instalação de
rede de esgoto e a pavimentação da rua onde residem. A sentença de primeira instância julgou
improcedentes os pedidos, condenando os litigantes ao pagamento das despesas processuais e
dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa, suspensos em razão
da gratuidade de justiça deferida.
O magistrado sentenciante argumentou que a prova pericial constatou que a casa da
autora tinha uma fossa séptica, mas não havia licença de construção acostada aos autos. Além
disso, o loteador responsável pelo loteamento não executou as obras de infraestrutura
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obrigatória, em desacordo com a legislação vigente. O Poder Público não estava ausente na
localidade e estava trabalhando para melhorar a vida dos cidadãos dentro dos limites orçamen-
tários.
O magistrado alegou que o serviço de saneamento básico deve ser coletivo e não indi-
vidualizado para cada unidade, e, se não houve omissão ilícita na localidade, o Judiciário não
deve interferir. Quanto ao pedido de dano moral, o magistrado considerou que não estava sus-
tentado por argumentos jurídicos sólidos, embora fossem relevantes os argumentos de ordem
social. Nas razões recursais, os autores alegaram a existência de vício na sentença, argumen-
tando que o direito à reparação pelo dano moral sofrido é assegurado constitucional e legal-
mente e não pode ser subtraído sob argumentos genéricos e abstratos.
No mérito, alegaram que eram proprietários do imóvel e que o logradouro estava ca-
dastrado junto ao Município, não havendo irregularidade quanto à habitação. Alegaram que o
ente público tinha reafirmado sua responsabilidade pela execução dos serviços de saneamento,
mas nada tinha sido feito em 10 anos, demonstrando a inércia do Município em sua obrigação.
Portanto, defendiam que o Município deveria ser responsabilizado nos termos do art. 37, § 6º,
da Constituição Federal.
Argumentaram que diante da omissão administrativa do réu, o poder judiciário deveria
intervir para assegurar as medidas necessárias para a efetivação de políticas públicas relaciona-
das aos serviços essenciais. Defendiam que a sentença deveria ser reformada para condenar o
réu a prestar o serviço de saneamento básico de forma eficiente e adequada à residência dos
autores. Afirmaram que o dano moral sofrido era inquestionável, considerando que viviam há
mais de dez anos sem o serviço de saneamento básico, e, por isso, o poder público deveria arcar
com uma verba indenizatória.
O relatório encerra com a informação de que houve contrarrazões por parte da muni-
cipalidade e uma manifestação do Ministério Público favorável ao provimento parcial do re-
curso.
NO VOTO, A DESEMBARGADORA DECIDIU:
A ação em discussão se refere a uma demanda de obrigação de fazer combinada com
uma ação indenizatória, na qual os autores buscam a instalação de uma rede de saneamento
básico em sua localidade de residência, a pavimentação da rua onde a propriedade está situada
e a obtenção de uma compensação por danos morais. O juiz de primeira instância julgou im-
procedentes os pedidos, argumentando que não houve omissão administrativa e condenou os
autores a arcar com as despesas processuais, as quais foram suspensas devido à gratuidade de
justiça concedida.
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Em relação ao indeferimento do pedido de reparação por danos morais, os apelantes
alegam falta de fundamentação por parte do magistrado. No entanto, é importante ressaltar que,
embora a justificativa para o indeferimento seja sucinta, os motivos subjacentes a essa conclu-
são estão implícitos na falta de reconhecimento de omissão administrativa no caso. Portanto,
não se verifica violação ao artigo 489 do Código de Processo Civil (CPC), e a alegada nulidade
não procede.
Quanto à preliminar de ilegitimidade ativa apresentada pelo município, ela não encon-
tra respaldo. A ação se baseia em um direito individual decorrente do prejuízo causado pela má
prestação do serviço de esgotamento sanitário, afetando tanto a via pública quanto a residência
dos autores. Nesse contexto, os autores têm legitimidade para figurar no polo ativo da relação
processual, uma vez que buscam a tutela de um direito individual derivado de seus direitos
sociais à saúde e ao saneamento básico, ambos fundamentados na dignidade da pessoa humana.
A preliminar de ilegitimidade passiva alegada pelo ente público também não prospera.
Os dispositivos constitucionais, especificamente os incisos VI e IX do artigo 23 da Constituição
Federal de 1988, atribuem à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a compe-
tência comum para promover a preservação do meio ambiente, a implementação de programas
de habitação e a melhoria das condições de saneamento básico. Assim, a legitimidade passiva
do ente municipal é indiscutível, conforme estabelecido no Termo de Reconhecimento Recí-
proco de Direitos e Obrigações celebrado entre o município, o Estado do Rio de Janeiro e a
COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUAS E ESGOTOS (CEDAE).
Uma vez superadas as preliminares, passo à análise do mérito da questão. Os autores
alegam conviver com o constante transbordamento de esgoto e o mau cheiro devido à falta de
saneamento básico em sua localidade, especialmente em dias chuvosos. É fundamental destacar
que o saneamento básico é um direito garantido pela Constituição Federal e regulamentado pela
Lei n. 11.445/2007, com a introdução de um novo marco legal para o saneamento básico por
meio da Lei n. 14.026/2020.
É evidente que a promoção de melhorias no serviço de saneamento básico é uma atri-
buição compartilhada entre a União, os Estados e os Municípios, de acordo com o artigo 23,
inciso IX da Constituição Federal. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal respalda a
responsabilidade civil do Estado por omissão com base no artigo 37, § 6º da Constituição Fe-
deral, que estabelece a obrigação de indenizar quando configurado o nexo de causalidade entre
o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em evitar sua ocorrência.
O saneamento básico abrange serviços como água, esgoto, gestão de resíduos sólidos
e drenagem de águas pluviais, considerados essenciais. Portanto, os consumidores têm direito
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a serem indenizados por danos causados a eles, independentemente da concessão do serviço a
terceiros. É dever do poder concedente promover melhorias nesse serviço, conforme o artigo
23, inciso IX da Constituição Federal.
É fundamental considerar que, no presente caso, o laudo pericial produzido em 2017,
conforme documento indexado no processo, atesta a falta de infraestrutura na área sul do lote-
amento Jardim Maravilha, onde a propriedade dos autores está localizada. Isso inclui a ausência
de pavimentação asfáltica e de redes de drenagem e esgotamento sanitário, evidenciando a ne-
gligência na realização das obras de infraestrutura.
Os esgotos são despejados em uma rede não oficial mantida pelos moradores, o que
representa uma situação insalubre e um risco à saúde pública. A municipalidade alega que os
danos são decorrentes da construção clandestina do imóvel, mas não apresentou evidências de
que tenha tomado medidas para impedir a ocupação da área onde a comunidade está localizada.
Portanto, é evidente que a prestação do serviço de saneamento básico não atende aos
padrões de excelência e continua insatisfatória. Assim, o município tem a obrigação de realizar
as obras necessárias para fornecer o serviço em questão. A sentença deve ser reformada para
reconhecer a procedência dos pedidos. É importante salientar que a atuação do Poder Judiciário
nesse caso não configura uma violação ao Princípio da Separação dos Poderes nem uma inter-
ferência em discricionariedade administrativa. Pelo contrário, representa a concretização de di-
reitos sociais por meio da implementação de políticas públicas essenciais para a proteção de
direitos constitucionais fundamentais.
No que diz respeito à alegação de falta de recursos, a doutrina sugere a aplicação do
método de ponderação, que implica a prestação pleiteada pelos cidadãos estar alinhada ao que
razoavelmente se pode exigir do Poder Público. É crucial reconhecer que direitos básicos, como
saneamento básico, educação, assistência médica, formação profissional e moradia, devem ser
assegurados, mesmo quando há conflito com outros princípios constitucionais. Nesse contexto,
cabe ao Judiciário garantir a efetivação desses direitos.
A configuração do dano moral não é uma tarefa difícil nesse caso. O convívio diário
com o esgoto a céu aberto, que é um foco de transmissão de doenças, claramente ofende a
dignidade e a integridade dos autores. Fotos e depoimentos apresentados nos autos comprovam
essa situação. Portanto, há uma clara violação à dignidade da pessoa humana e ao direito fun-
damental à moradia.
A responsabilidade do Estado é objetiva, conforme estabelecido no artigo 37, § 6º da
Constituição da República, com base na Teoria do Risco Administrativo. Quanto ao valor da
compensação, ele deve ser determinado com base na razoabilidade, visando à reparação do
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sofrimento das vítimas e à desestimulação de condutas semelhantes, sem resultar em enrique-
cimento injustificado. Considerando os precedentes deste Tribunal, bem como os fatos relata-
dos pelos apelantes, fixo a indenização em R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada autor. Esse
valor é adequado, considerando a extensão da lesão, a duração dos fatos e outras decisões se-
melhantes. Além disso, devem incidir juros de mora a partir da citação e correção monetária
com base no IPCA-E a partir da publicação deste acórdão, de acordo com a tese firmada no
Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Portanto, este voto decide pelo provimento do recurso, reformando a sentença. O réu
deve ser condenado a realizar as obras de instalação de rede de drenagem de águas pluviais e
esgotamento sanitário, bem como a urbanização necessária na localidade onde os autores resi-
dem, no prazo de 1 (um) ano a partir do trânsito em julgado da decisão.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C RESPONSABILIDADE CI-
VIL. REDE DE SANEAMENTO BÁSICO INEXISTENTE. TRANSBORDAMENTO DE ES-
GOTO. SERVIÇO PÚBLICO INEFICIENTE. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. DEVER DE IN-
DENIZAR. Sentença de improcedência dos pedidos. Agravo retido desprovido. Prova oral que é des-
necessária para a análise da controvérsia. Preliminar de ilegitimidade ativa e passiva afastadas. Processo
proposto no ano de 2008 objetivando a instalação de rede de saneamento básico. No laudo pericial pro-
duzido no ano de 2017, informa o expert que não identificou a execução de obras de infraestrutura na
área onde se encontra o imóvel dos demandantes. Embora tenha o réu alegado que não foi omisso ao
longo dos anos na solução dos alagamentos devido à falta de esgotamento sanitário, não foi capaz de
demonstrar cabalmente o contrário do que foi afirmado pelos apelantes e corroborado pelo laudo peri-
cial. Não sendo o serviço prestado com excelência, e ele continua não o sendo, presente o dever de
indenizar do apelante, uma vez que os moradores ainda padecem com o transbordamento de material
fétido, principalmente no período de chuvas mais intensas, devido à ausência de rede de esgotos, con-
soante se verifica da prova pericial produzida. Sentença que se reforma para reconhecer a procedência
dos pedidos. Inexistência de afronta ao Princípio da Separação dos Poderes. A omissão da ré e o dano
moral dela decorrente são evidentes. Neste passo, cristalina obrigação da apelada em prestar o serviço
adequado de saneamento, decorrendo daí a responsabilidade civil pela má prestação do serviço. Garantia
do direito à dignidade da pessoa humana e à saúde. Responsabilidade objetiva estatal, consagrada no
art. 37, § 6º, da Constituição da República. Verba indenizatória fixada em R$ 10.000,00, para cada autor.
Valor arbitrado em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e que se mostra
consentânea com a lesão sofrida, com o longo período que os fatos perduraram e com outras decisões
proferidas em casos análogos. Recurso ao qual se dá provimento. (0404845-27.2008.8.19.0001 - APE-
LAÇÃO. Des(a). HELDA LIMA MEIRELES - Julgamento: 18/07/2022 - TERCEIRA CÂMARA CÍ-
VEL)

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No Estado do Rio de Janeiro, observa-se uma notável concentração de ações judiciais
destinadas a debater a implementação e execução de políticas públicas relacionadas ao sanea-
mento básico. A Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro (CEDAE), que é
uma das principais entidades encarregadas de fornecer tais serviços e abrange 64 dos 92 muni-
cípios do estado, figura entre os 30 litigantes mais frequentes no sistema judiciário estadual, de
acordo com o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro1.
A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLI-
CAS: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O SANEAMENTO BÁSICO NO ESTADO DO RIO
DE JANEIRO
Devido à inadequação na prestação de um serviço fundamental para o desenvolvi-
mento do cidadão, respaldado pela legitimidade legal fornecida pelo arcabouço jurídico brasi-
leiro, que inclui pressupostos constitucionais e legislação específica sobre o assunto, o Poder
Judiciário passou a ser o meio pelo qual os cidadãos buscam a efetivação desse direito. No
Brasil, o processo de redemocratização teve um impacto significativo na influência que o Poder
Judiciário passou a exercer. A necessidade anteriormente suprimida de justiça devido ao auto-
ritarismo durante o período da ditadura militar adquiriu uma voz poderosa, tornando os juízes
os árbitros na resolução de conflitos entre a sociedade, o governo e os próprios poderes do
Estado (ARANTES, 1999).
Após o processo de redemocratização no Brasil, houve um aumento significativo no
debate nacional sobre a universalização dos serviços públicos de saúde, que incluem os serviços
de saneamento básico.
A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, observa-se um substancial
aumento na força normativa das suas disposições, o que tem viabilizado uma crescente inter-
venção do Poder Judiciário nos outros ramos do poder, notadamente na esfera da Administração
Pública. Essa intervenção tem sido notabilizada como um meio de efetivar os direitos funda-
mentais consagrados na Constituição.
A atuação do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas tem experimen-
tado uma notável transformação ao longo do tempo. As normas constitucionais, que anterior-
mente eram percebidas como diretrizes meramente políticas destinadas à orientação do Legis-
lativo e do Executivo, passaram a adquirir uma aplicabilidade direta e imediata por parte de
juízes e tribunais. Nesse novo cenário, os direitos constitucionais em geral, e os direitos sociais

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https://www.tjrj.jus.br/web/guest/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/5111210/6069074
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em particular, assumiram a natureza de direitos subjetivos em sentido pleno, o que implica que
podem ser objeto de proteção judicial específica (BARROSO, 2012).
Essa mudança de perspectiva reflete a crescente importância do Poder Judiciário na
garantia e promoção dos direitos fundamentais dos cidadãos, especialmente no âmbito dos di-
reitos sociais, que abrangem questões como saúde, educação, moradia e previdência social. Os
tribunais têm desempenhado um papel crucial ao assegurar que as políticas públicas estejam
em conformidade com a Constituição e sejam efetivamente implementadas, contribuindo para
a concretização desses direitos na vida cotidiana dos indivíduos.
Essa evolução na atuação do Poder Judiciário tem sido fundamental para a consolida-
ção do Estado de Direito e para a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, garantindo
que as políticas públicas sejam eficazes e atendam às necessidades da sociedade. No entanto, a
extensão dessa intervenção judicial na implementação de políticas públicas também suscita de-
bates sobre o equilíbrio de poderes e a separação de funções entre os poderes do Estado. Por-
tanto, a atuação do Judiciário nesse contexto é um tema complexo e em constante evolução,
com implicações significativas para a sociedade e o sistema político.
É fundamental destacar que a decisão judicial deve considerar uma série de variáveis
antes de determinar a ação a ser tomada. Isso se deve ao fato de que, como demonstrado neste
estudo, há diversas deficiências na oferta de serviços de saneamento básico no estado do Rio
de Janeiro. Portanto, é imperativo que haja um planejamento minucioso em cooperação com a
Administração Pública para a implementação das políticas públicas necessárias.
É perceptível que a atuação do Poder Judiciário, em muitas ocasiões, entra em conflito
com o planejamento da Administração Pública municipal para a expansão dos serviços ou emite
decisões que são praticamente impossíveis de serem executadas, prejudicando assim a consoli-
dação e a ampliação dos serviços de saneamento. É importante salientar que, diante de uma
violação de direitos fundamentais, é legítimo recorrer ao judiciário para buscar reparação. No
entanto, o Poder Judiciário deve analisar cuidadosamente o planejamento das políticas públicas
já estabelecido pelo poder público competente.
Portanto, o Poder Judiciário deve adotar parâmetros específicos ao lidar com políticas
públicas, de modo a garantir que a premissa do imperativo constitucional da atuação da Admi-
nistração seja respeitada. Isso implica que, em um cenário de funcionamento regular do poder,
o controle judicial deve inicialmente considerar a investigação sobre a existência de uma polí-
tica pública, que seria uma questão lógica a ser abordada antes de conceder uma decisão judi-
cial. Isso é particularmente relevante nos casos de omissão por parte do poder público (Valle,
2016).
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CONCLUSÃO
Após essa contextualização que abrange a situação da prestação de serviços de sanea-
mento básico no Estado do Rio de Janeiro e o impacto das decisões do Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro, este artigo selecionou um caso para analisar como tais decisões se relacionam
com a efetiva implementação dessas políticas públicas.
A violação desse direito em questão conduziu o Poder Judiciário a desempenhar um
papel de destaque na concretização das garantias constitucionais para os cidadãos, especial-
mente devido à lacuna deixada pelos outros Poderes e às deficiências na implementação desse
direito pela Administração Pública. Diante desse contexto, tornou-se imperativa a utilização da
via judicial na busca de uma resolução para esse problema.
Pode-se afirmar que a atuação do Poder Judiciário exerce influência direta na imple-
mentação de políticas públicas relacionadas ao saneamento básico, seja para determinar a cons-
trução de novas infraestruturas ou a reforma das já existentes, independentemente de seguir ou
não um planejamento previamente estabelecido pela Administração Pública por meio de polí-
ticas públicas. Além disso, essa influência é acentuada pela complexidade das obras relaciona-
das ao sistema de saneamento básico, o que demanda uma abordagem cuidadosa.
No contexto do Estado do Rio de Janeiro, nota-se que, apesar dos índices relativamente
elevados de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto, ainda existem diversas re-
giões com sérias carências na prestação desses serviços. Em decorrência dessa situação, houve
um considerável aumento no número de ações judiciais buscando garantir o efetivo exercício
desse direito durante o período de vigência da principal legislação reguladora do setor, a Lei
11.445/2007.
No entanto, é fundamental que o Poder Judiciário adote uma abordagem mais consis-
tente e cautelosa ao proferir decisões relacionadas a um direito tão intrincado de assegurar. Tais
decisões devem estritamente aderir às diretrizes estabelecidas no planejamento das políticas
públicas delineado pela Administração Pública. Isso suscita a necessidade de uma análise pro-
funda dos parâmetros de atuação ao lidar com questões envolvendo a implementação de políti-
cas públicas, especificamente no contexto do saneamento básico, a fim de assegurar a sua con-
cretização, conforme prescrito pela legislação mencionada neste artigo.

REFERÊNCIAS
ARANTES, Rogério Bastos. Direito e política: o Ministério Público e a defesa dos direitos
coletivos. Revista brasileira de ciências sociais - Vol. 14, nº 39, 1999.

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BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In Judicialização,
ativismo judicial e legitimidade democrática. Synthesis, Rio de Janeiro, vol.5, nº1, 2012.
Disponível em.: <II (mpf.mp.br)>.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Dispo-
nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
BRASIL. Lei Nº 11.445, de 5 de Janeiro de 2007. Disponível em: https://www.pla-
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RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 0404845-
27.2008.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). HELDA LIMA MEIRELES - Julgamento:
18/07/2022 - TERCEIRA CÂMARA CÍVEL). Disponível em: < www1.tjrj.jus.br/gedcache-
web/default.aspx?UZIP=1&GE-
DID=000423E2EA2FBE964E9A8DB22A8CEF75BBCDC51226640761 (tjrj.jus.br)>
CARVALHO, Ermani R. Em busca da judicialização da política no Brasil: apontamentos para
uma nova abordagem. Revista Sociologia Política, Curitiba, 23, p. 115-126, nov. 2004. Dispo-
nível em:
DAMASCENO, João Batista. Saneamento Básico, Dignidade da Pessoa Humana e Realização
dos Valores Fundamentais. Série Aperfeiçoamento de Magistrados 17. Desenvolvimento Sus-
tentável, Rio de Janeiro, 2013.

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