Você está na página 1de 23

A Interação do Cristianismo com a Cultura

O Conceito de Cultura
A palavra cultura tem origem na palavra latina cultura, com a mesma raiz de cultus (cultivo e
culto), do verbo colo, is, ere (cultivar), aplicado a domínios tão diversos como os campos, as
letras e a amizade.

Na cultura latina, cultura é a ação que o homem realiza quer sobre o meio quer sobre si
mesmo visando uma transformação para melhor.

Significado atual do conceito de cultura


Duas linhas principais:

a) Subjetiva-ativa: Formação do homem como homem (paideia, Bildung), a educação das


suas faculdades: corporais, intelectuais, morais e religiosas.
b) Objetiva-passiva:

1) conjunto de meios para atualizar ou realizar as potencialidades humanas,


sendo o principal as grandes produções espirituais do passado (tradição);

2) “conjunto de atributos e de produtos das sociedades humanas e do género


humano, por conseguinte, extra somáticos e transmissíveis por meios diferentes
da hereditariedade biológica e que faltam essencialmente nas espécies sub-
humanas tanto quanto são características da espécie humana, enquanto esta se
agrega em sociedade”

Cristianismo e Cultura:
“O facto cristão tem por si mesmo consistência histórica, tem seu tempo próprio e os modos
de expressividade que o tornam visível e compreensível, mesmo se o sentido da sua presença,
não obstante explicado por ele, permanece parcialmente enigmático. Mas, na medida em que
se propõe a uma adesão, ele está imerso em um contexto histórico-cultural que, por sua vez,
tem uma consistência própria, de tal modo que a questão de sua relação com esse contexto é,
para ele, uma questão crucial”. (Jean Ladrière, A Fé cristã e o destino da razão, p. 12)

Duas formas extremas de interação com a cultura:


1. Separação:
i. Desejada: o cristianismo interpreta-se a si mesmo com proveniente de uma
realidade outra, absolutamente não redutível às categorias da cultura que o
envolve. O cristianismo sublinha a diferença e tenta “constituir” no mundo
como ele é, um modo de existência e de expressão de si diretamente inspirado
pela fé cristã e pelo ideal moral que ela recomenda (ex.: vida monástica)
ii. Imposta: o facto cristão é interpretado pelas instâncias representativas do
“mundo” como um corpo estranho, inassimilável pela cultura habitualmente
aceite e constituindo uma ameaça potencial à coerência do corpo social e da
sua integridade cultural (ex. perseguição sorrateira ou violenta).

1
2. Integração:
i. Desejada: o cristianismo interpreta-se como tendo a missão de construir uma
sociedade e uma cultura, concebidas e organizadas segundo seus próprios
princípios e suscetíveis de constituir uma espécie de “projeção” da
espiritualidade cristã no mundo (ex. no plano da organização da vida social,
ideia de estado cristão; no plano da cultura, ideia de “filosofia cristã”).
ii. Imposta: neste caso, a iniciativa vem do mundo, trata-se de uma iniciativa
proveniente da “cidade terrena” de fazer da fé cristã o suporte espiritual da
vida pública, mas interpretando-a como expressão simbólica do que constitui
o vínculo social e submetendo a seu controle as instâncias representativas do
“poder espiritual (ex. cristianismo como “religião de estado” e suporte da sua
autoridade).

As quatro culturas do Ocidente


2 - Cultura
“O QUE É QUE ATENAS TEM A VER COM 1 - Cultura Profética
Académica/Profissional
JERUSALÉM?”

“O que é que a cultura humana tem a ver com a


fé cristã e os seus conteúdos?”
3 - Cultura Humanista 4 - Cultura Artística

Cultura Profética:
 Insistência na incompreensibilidade de Deus, na sua transcendência e alteridade.
 É a cultura do protesto, da denúncia, do confronto. Não há espaço para a negociações.
 Os fundamentalistas, tanto religiosos como seculares, sentem-se bem aqui: cultura do
mártir e do fanático, cultura do reformador, que denuncia a injustiça e a corrupção.
Cultura que propõe ideais elevados. O seu discurso é imperativo: “arrepende-te!”

Exs. Martinho Lutero, Martin Luther King; Dorothy Day, Oscar Romero.

Cultura Académica/Profissional:
 Marcada pelo estilo analítico, indagador e rigoroso dos académicos. É a cultura do
especialista, detentor de graus académicos e fluente em vocabulário especializado.
 Se o discurso da cultura profética é o grito, a proclamação, a denúncia, a ordem, o
paradoxo, o estilo da cultura II é marcado pela lógica e pelo rigor.
 A grande conquista institucional da cultura II é a criação da universidade, na Idade
Média.
 O habitat próprio da cultura II é a sala de aula, o laboratório, a biblioteca, o centro de
investigação.
 A cultura II atingiu um ponto alto com a escolástica medieval e continua a ser muito
influente.

Exs.: Platão, Aristóteles, S. Tomás de Aquino, Descartes, Galileu, Kant, Einstein, Derrida…

2
Cultura Humanista:
 Propõe uma educação humanista, com ênfase na poesia, nos grandes clássicos da
literatura, na retórica. - Cultura dos grandes humanistas do Renascimento (o qual
procura regressar à cultura humanista da Antiguidade).
 A cultura II gira à volta da argumentação; a cultura III gira à volta de “bons livros”.
 Os ideais deste tipo de cultura estão incorporados e exemplificados na literatura e na
poesia, na qual “as razões do coração” prevalecem. Forma de discurso mais circular
que linear.
Exs.: Cícero, Virgílio, Sto. Ambrósio, S. Bernardo, Erasmo de Roterdão, Dante, Shakespeare,
Eleanor Roosevelt, Winston Churchill

Cultura Artística:
 É a cultura que se expressa em performances rituais como sejam os ritos de coroação,
cerimónias de graduação, liturgias, etc.
 É a cultura da dança, da pintura, da escultura, da música e da arquitetura. Cultura
intensamente visual.
 As três primeiras culturas centram-se na “palavra”. Com a exceção da música, esta
cultura é “muda”.
 A liturgia, espécie de drama sagrado, insere-se nesta cultura.

Exs.: os grandes artistas da Antiguidade e do Renascimento, tais como Leonardo Da Vinci ou


Miguel Ângelo.

Encontro com o helenismo e confronto com o Império


1. Martírio de Sto. Inácio de Antioquia (c. 107 d.C.)
2. Martírio de Sto. Inácio de Antioquia (c. 107 d.C.)

Os primeiros
grandes Concílios

3
A Carta a Diogneto
 Escrita por volta do ano 120 d.C.
 Autor anónimo.
 Possível destinatário: Cláudio Diógenes, procurador de Alexandria; talvez o imperador
Adriano?
 Trata-se de uma resposta a uma indagação de um pagão culto a respeito do
cristianismo.
 Um dos exemplos mais antigos de apologética cristã.

“Joseph Ratzinger, O Deus da fé e o Deus dos filósofos.”

Questões para discussão:

1. Segundo Ratzinger, qual foi a opção fundamental do cristianismo no seu encontro com
a cultura grega?
2. Quais são os paralelismos que Ratzinger estabelece entre a cultura grega e a
mentalidade contemporânea?

O Deus da fé e o Deus dos filósofos:

“A escolha feita na imagem bíblica de Deus precisou de ser repetida no início do cristianismo e
da Igreja; na verdade, ela precisa ser renovada a cada nova situação espiritual, pois, além de
ser um dom, é também uma tarefa”. (Ratzinger, Introdução ao Cristianismo, p. 99)

“O cristianismo fez a sua escolha e a sua purificação com determinação e audácia, optando
pelo Deus dos filósofos contra os deuses das religiões. Quando surgiu a pergunta sobre a que
Deus correspondia o deus cristão, se a Júpiter ou a Hermes, a Dioniso ou a um outro qualquer,
a resposta foi sempre: ‘A nenhum dos deuses que vocês adoram, mas unicamente e
exclusivamente àquele Deus que vocês não adoram, ou seja, aquele ser supremo de que
falam os filósofos’”. (Ratzinger, Introdução ao Cristianismo, p. 99)

O próprio mundo grego já tinha consciência bem clara do dilema entre o Deus da fé e o Deus
dos filósofos. No decurso da história, a relação entre os deuses míticos das religiões e o
conhecimento filosófico de Deus tornara-se cada vez mais tensa, conforme se pode ver pela
crítica dos filósofos aos mitos. A crítica dos filósofos aos mitos é similar à crítica dos profestas
do AT à idolatria  propensão para o Logos. (Ratzinger, Introdução ao Cristianismo, p. 100)

 A religião antiga acaba por soçobrar nesse “abismo aberto entre o Deus da fé e o Deus
dos filósofos, nessa disjunção total entre a razão e a religiosidade”. (p. 100)
 A filosofia antiga destruiu racionalmente o mito, mas tentou relegitimá-lo na religião
 separação entre a ordem da vida e a ordem da verdade.

4
A religião não seguiu o caminho do logos, mas ficou no mito, apesar de saber que este carece
de realidade. A religião passa a ser apenas uma forma de vida prática. Diante desta situação,
Tertuliano insistiu, com palavras arrojadas, na posição cristã, afirmando: “Cristo disse de si
mesmo que era a verdade, não o hábito” (p. 101)
O processo de separação entre a ordem da verdade e a ordem do mito, entre verdade e a
utilidade ou o costume tem paralelismos com a mentalidade contemporânea: “assistimos à
retirada da verdade da razão para um ambiente de mera religiosidade e revelação, uma
retirada que na verdade se assemelha de maneira fatal à retirada da religião da Antiguidade
diante do logos…” (p. 102).

A transformação do Deus dos filósofos:


A fé cristã, ao decidir pelo Deus dos filósofos transformou-o profundamente. Deus deixa de ser
um princípio lógico, para passar a ser um Deus que ama e que se interessa pelo ser humano,
algo que é também difícil de entender para os seres humanos atuais.

O Monaquismo

Origens do Monaquismo:
“Os monges desempenharam um papel crucial no desenvolvimento da civilização ocidental”.
(Woods, p. 31)

As primeiras formas de vida monástica surgem no Séc. III:


 Por esta altura havia mulheres que se consagravam individualmente a Deus como
virgens, dedicando-se a uma vida de oração e ascese e cuidando dos pobres e doentes.
Aqui tem origem a vida religiosa feminina.
 Padres do deserto: eram eremitas, ou seja, retiravam-se para lugares isolados,
renunciando às coisas do mundo e abraçando uma vida de penitência e oração.
Dedicavam-se a práticas espirituais e ascéticas algo insólitas: alguns, por exemplo,
viviam em túmulos ou até em pilares, onde não podiam dormir ou abrigar-se do sol e
da chuva. Alguns deles eram mestres espirituais reconhecidos, e por isso eram
visitados por pessoas que procuravam conselho. (Woods, p. 32)

Uma figura chave deste movimento é Santo Antão do Egito (251 – 356 d.C.), habitualmente
considerado como um dos pais do Monaquismo.

“Michelangelo, Os tormentos de Santo Antão (1487-1488 d.C.)” – Pintura

Monaquismo cenobita: os monges cenobitas viviam também retirados do mundo mas em


comunidade. O monaquismo cenobita desenvolveu-se, em parte, como reação aos excessos da
vida eremita.

O nome maior do monaquismo Ocidental foi S. Bento de Núrsia (480 – 547 d.C.). Bento fundou
doze pequenas comunidades de monges em Subiaco, a cerca de 60 km de Roma. Anos mais
tarde fundou o Mosteiro de Montecassino, que é ainda habitado por monges. Foi lá que
compôs a famosa regra de S. Bento (por volta de 529), a qual, nos séculos seguintes, seria
adotada por quase todos os mosteiros da Europa. (Woods, p. 33)

5
Regra de S. Bento – Ora et labora

A regra de S. Bento proporciona um estilo de vida ao mesmo tempo disciplinado e moderado,


o que facilitou a sua difusão pela Europa.

Contrariamente a outras regras, a regra de S. Bento considerava que mos monges deviam
alimentar-se e dormir bem. Claro que o regime era mais austero em tempos penitenciais, em
particular na quaresma.

Os mosteiros beneditinos eram independentes uns dos outros, sendo cada um deles presidido
por um abade, que dirigia a vida do mosteiro. Os monges beneditinos têm voto de
estabilidade.

O mosteiro não fazia distinção de pessoas em função da sua classe social.

Ao longo da história sucederam-se várias reformas da Ordem de S. Bento. Duas da mais


importantes são:

 Reforma de Cluny: foi criada em 910, em França, na cidade de Cluny. A reforma de


Cluny promoveu uma liturgia muito elaborada e foi criticada pelos exageros
arquitetónicos e artísticos.
 Reforma de Cister: fundada por alguns monges que abandonaram a Ordem de Cluny,
a Ordem de Cister (“monges brancos”) foi oficialmente reconhecida em 1119.
promove os ascetismo e o rigor litúrgico. Um dos seus mais ilustres membros foi S.
Bernardo do Claraval (1090-1153)

Contributos civilizacionais dos Mosteiros – Artes práticas:

 Agricultura e pecuária – “Os monges beneditinos foram os agricultores da Europa;


foram eles que arrotearam os grandes terrenos de cultivo, associando a agricultura à
pregação” (Woods, p. 35). Os monges desenvolveram técnicas de cultivo e de irrigação,
e promoveram o melhoramento das raças de Gado. Os monges foram também
pioneiros na produção de vinho (ex. Champanhe D. Pérignon).
 Tecnologia – Os monges foram grandes arquitetos da tecnologia medieval e eram
conhecidos pelas suas competências metalúrgicas. Foram também os monges a
construir os primeiros protótipos de máquinas voadoras. Os relógios mais antigos que
conhecemos foram inventados por eles.
 Obras de caridade – Um dos aspetos mais importantes da espiritualidade monacal é a
hospitalidade. Os mosteiros funcionavam como estalagens gratuitas, proporcionando
locais de repouso tranquilos e seguros para os pobres. As portas estavam sempre
abertas para quem por lá passasse.
 O trabalho intelectual – Um dos contributos mais importantes dos mosteiros foi, além
da produção de obras originais, a preservação de grandes obras da Antiguidade
clássica (Platão, Aristóteles, Cícero, Lucano, Plínio, Estácio, Horácio, os Padres da
Igreja, etc.). Os monges copistas tiveram também um papel fundamental na
preservação da bíblia, da qual fizeram inúmeras cópias, muitas vezes adornadas com
belíssimas iluminuras. Aos mosteiros estavam geralmente associadas escolas. (Woods,
pp. 46- 52)

6
Antigos mosteiros da Congregação Beneditina em Portugal - Congregação dos Monges
Negros de S. Bento do Reino de Portugal

Mosteiros Beneditinos que foram fundados antes de 1567:

 São João de Arnóia - Celorico de  São Salvador de Palme – Barcelos


Basto  São João Baptista de Pendorada
 São Miguel de Bustelo - Penafiel (Alpendurada) - Marco de
 São João de Cabanas - Viana do Canaveses
Castelo  Santa Maria de Pombeiro -
 Santa Maria de Carvoeiro - Viana Felgueiras
do Castelo  São Martinho de Tibães - Braga
 São Martinho de Cucujães -  São Miguel de Refojos de Basto -
Oliveira de Azeméis Cabeceiras de Basto
 São Salvador de Ganfei - Valença  Santo André de Rendufe - Amares
 Santa Maria de Miranda - Arcos de  Santo Tirso de Riba de Ave –
Valdevez  Santo Tirso São Salvador de
 São Romão de Neiva - Viana do Travanca - Amarante
Castelo  São Bento de Coimbra - Coimbra
 São Salvador de Paço de Sousa –
Penafiel

Mosteiros Beneditinos de que a congregação tomou posse, mas que não conseguiu restaurar:

 São João de Arga - Caminha


 São Cláudio - Viana do Castelo

Fundados depois de 1570:

 São Bento da Vitória - Porto


 São Bento dos Apóstolos - Santarém
 São Bento da Saúde - Lisboa
 Nossa Senhora da Estrela – Lisboa

Em 1834 um decreto redigido por Joaquim de António Aguiar (o Mata Frades) (publicado a 30
de maio) e assinado por D. Pedro IV extinguiu as ordens religiosas de Portugal. Os monges
foram obrigados a abandonar os mosteiros, que aos poucos foram vendidos a particulares. Nos
mosteiros femininos foi proibida a admissão de noviças, mas as casas ficaram nas mãos das
ordens religiosas até à morte da última religiosa.

“Senhor: Está hoje extinto o prejuízo que durou séculos, de que a existência das Ordens
Regulares é indispensável à Religião Católica e útil ao Estado, e a opinião dominante é que a
Religião nada lucra com elas, e que a sua conservação não é compatível com a civilização e
luzes do século, e com a organização política que convém aos povos”. (relatório dirigido a D.
Pedro IV)

7
A universidade e os hospitais
“É à Idade Média que devemos um dos mais relevantes contributos intelectuais que a
civilização ocidental deu ao mundo, e que é um contributo realmente único: o sistema
universitário”. (Woods, p. 53).

“A instituição que hoje conhecemos, com as suas faculdades, os cursos, os exames e os graus
conferidos, bem como a distinção entre os níveis de graduação e pós-graduação, provém
diretamente do mundo medieval”. (p. 53)

 As mais antigas universidades da Europa surgiram no séc. XII, a partir de escolas das
catedrais.
 Nas universidades, o método de ensino baseava-se num conjunto de livros (por
exemplo o Livro das Sentenças, de Pedro Lombardo ) que os professores comentavam
(Woods, p. 53).
 O papado teve um importante papel na criação e defesa das universidades, em
particular da sua autonomia. A concessão do alvará pontifício é um sinal deste papel.
Segundo o ponto de vista corrente, a universidade não podia conceder títulos sem a
autorização do papa, do rei ou do imperador.
 Dado que os estudantes não eram bem-vindos em muitas das cidades onde surgiram
as universidades, a Igreja protegia os estudantes dando-lhes o estatuto de clérigos.
(Woods, p. 56)

Assim, pois, enquanto o sistema universitário foi jovem, os papas foram os seus mais
consistentes protetores e as autoridades a que recorriam, de forma regular, quer os
estudantes, quer os professores. Era a Igreja que concedia os alvarás, que protegia os direitos
das universidades, colocando-se do lado dos investigadores contra interferências excessivas de
autoridades opressivas; foi a Igreja que constituiu uma comunidade académica internacional,
com base no privilégio ius ubique docendi, proporcionando (como veremos adiante) e
promovendo o género de discussões e de debates vigorosos e marcados por uma grande
liberdade de pensamentos que associamos hoje à ideia de universidade. Tanto a nível
universitário como a outros níveis, instituição alguma fez mais do que a Igreja Católica pela
promoção e a disseminação do conhecimento. (Woods, p. 57-58)

Estudos que se faziam nas universidades:

 As sete artes liberais:


o o trivium: retórica, lógica ou dialética e gramática
o o quadrivium: música, aritmética, geometria e astronomia - Direito civil e
canónico - Filosofia natural - Medicina – Teologia
 Direito civil e canónico
 Filosofia natural
 Medicina
 Teologia

8
Graus Académicos:

1. Bacharel de Artes (cinco anos)


2. Licenciatura (permitia ensinar na universidade)
3. Mestrado (seis a três meses depois de obtida a licenciatura)
4. Doutoramento
“A um certo nível, a Escolástica descrevia o trabalho escolar levado a cabo nas escolas —
ou seja, nas universidades da Europa. O termo também pode designar o conteúdo do
pensamento dos intelectuais que refere, mas é mais eficaz como designação do método
por eles usado. De uma forma geral, os escolásticos empenhavam-se no uso da razão,
como ferramenta indispensável aos estudos filosóficos e teológicos, bem como na
dialética, ou seja, na justaposição de posições contrárias, seguida por uma resolução do
assunto em causa, através do recurso, quer à razão, quer à autoridade; a dialética era o
método mais adequado à resolução de questões de interesse intelectual”. (Woods, p. 65).

“À medida que esta tradição ia amadurecendo, foi-se tornando habitual os tratados


escolásticos seguirem um modelo fixo, constituído pelos seguintes passos: apresentação da
questão; consideração dos argumentos contra e dos argumentos a favor; formulação da
opinião do autor; resposta às objeções”. (Woods, p. 65).

Figuras importantes da Escolástica:

 Sto. Anselmo (1033-1109) – Conhecido por propor o argumento ontológico para a


existência de Deus: «aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado».
 Pedro Abelardo (1079-1142) – Autor de Sim e Não.
 Pedro Lombardo (1100-1160) – Autor das Sentenças.
 S. Tomás de Aquino (1225-1274) – Autor da Summa Theologiae

“O que foi que permitiu à civilização ocidental desenvolver as ciências experimentais e as


ciências sociais como elas não tinham sido desenvolvidas em nenhuma civilização
anterior? Estou convencido de que a resposta a esta pergunta reside num universal e
profundamente arreigado espírito de investigação, que foi uma consequência natural da
importância conferida à razão desde a Idade Média. À exceção das verdades reveladas, a
razão foi elevada, nas universidades medievais, a árbitro supremo da maioria dos
argumentos e das controvérsias de natureza intelectual. Era perfeitamente natural que
estes investigadores, imersos como estavam num meio universitário, utilizassem a razão
para pesquisar temas e matérias que nunca tinham sido exploradas, bem como para
discutir possibilidades que, até então, nunca haviam sido seriamente consideradas ”. (E.
Grant; Woods, p. 72)

A Igreja e a ciência
Por que a ciência nasceu num ambiente cristão?

“Terá sido apenas por coincidência que a ciência moderna se desenvolveu num ambiente
essencialmente católico, ou terá sido a natureza do próprio catolicismo que permitiu que
a ciência se desenvolvesse? Só pelo facto de levantarmos esta questão, já estamos a
transgredir os limites da opinião corrente”. (Woods, p. 75)

9
A Igreja é hostil à ciência? O caso Galileu
“A versão parcial do caso Galileu que a maior parte das pessoas conhece é, em grande
medida, a responsável pela convicção generalizada de que a Igreja impediu o progresso da
investigação científica. No entanto, e mesmo que o caso Galileu se tivesse passado
exatamente como as pessoas julgam que se passou, dizia o cardeal John Henry Newman —
o famoso anglicano do século XIX que se converteu ao catolicismo, e a que já fizemos
referência no Capítulo 3 —, chama a atenção o facto de se tratar praticamente do único
exemplo que é recorrentemente referido”. (Woods, p. 75)

O caso Galileu (1564-1642) – alguns factos:

 Em 1543, Nicolau Copérnico publica os Seis Livros sobre as Revoluções das Órbitas
Celestes. Nesta obra, Copérnico mantém grande parte dos elementos
astronómicos convencionais no seu tempo (e que remontam a Aristóteles e
Ptolomeu), mas coloca no centro do sistema o Sol em vez da Terra.
 Copérnico não foi alvo de qualquer crítica por parte da Igreja Católica.
 Galileu inventou a luneta e fez com ela importantes observações astronómicas:
avistou montanhas na lua, descobriu quatro luas em redor de Júpiter; descobriu as
fases de Vénus
 As descobertas de Galileu foram bem-recebidas e aclamadas por clérigos
proeminentes. Em 1610, Cristóvão Clavius (1538- 1612), matemático e astrónomo
jesuíta, escreve a Galileu informando que os astrónomos jesuítas haviam
confirmado as suas descobertas.
 Em 1611, Galileu é recebido em Roma com todo o entusiasmo. É recebido pelo
Papa Paulo V, e os jesuítas do Colégio Romano organizam um dia de atividades em
sua honra.
 Em 1613, Galileu publica as Cartas sobre as manchas solares, em que adere, pela
primeira vez em letra de imprensa, ao sistema de Copérnico. O trabalho é bem-
recebido e aclamado pelo cardeal Maffeo Barberini, futuro Papa Urbano VIII.
 A Igreja não tinha qualquer objeção ao uso do sistema coperniciano, que
considerava um elegante modelo teórico, mas cuja verdade estava longe de ser
estabelecida. É certo que este modelo permitia explicar os fenómenos celestes
com maior fiabilidade do que qualquer outro.
 Galileu, por seu turno, estava convencido (sabemos hoje que tinha razão) de que o
sistema coperniciano não era uma simples hipótese. No entanto faltavam-lhe as
provas para sustentar esta opinião: a ideia de que as marés eram uma prova do
movimento da Terra estava errada; não conseguia responder às opiniões dos
geocentristas, nomeadamente o facto de não se detetarem paralaxes na
observação de estrelas.
 Galileu continuou a insistir que o sistema coperniciano descrevia a própria
realidade e era mais do que uma hipótese, posição para a qual não consegui
apresentar uma justificação inteiramente racional. Quando deu mais um passo, e
sugeriu que os versículos da Escritura que aparentemente contradiziam as suas
teses tinham de ser reinterpretados, foi acusado de usurpar a autoridade dos
teólogos.

10
“Galileu estava convencido de estar na posse da verdade. Objetivamente, porém, não dispunha
de qualquer prova que lhe permitisse conquistar o apoio de homens de espírito aberto. É
totalmente injusto afirmar, como fazem alguns historiadores, que ninguém prestava atenção
aos argumentos dele, que ele não teve hipótese nenhuma de fazer valer os seus pontos de
vista. Os astrónomos jesuítas tinham confirmado as descobertas por ele feitas; e [esperavam]
ansiosamente pela apresentação de novas provas, que lhes permitissem abandonar o sistema
de Tycho [Brahe] e avançar com fundamentos sólidos para a defesa do sistema coperniciano.
Eram muitos os clérigos influentes que estavam convencidos de que Galileu tinha
provavelmente razão, mas estavam à espera de provas concludentes”. (Jerome Langford; Woods,
pp. 79-80)

Dado que não existiam provas concludentes, a Igreja recusa-se a aceitar que a proposta de
Copérnico seja mais do que uma hipótese. No entanto seria incorreto dizer que a Igreja era
totalmente fechada a novas interpretações das Escrituras:

“Primeiro, a verdade da Escritura tem de ser considerada incontestável. Segundo, quando há


diferentes maneiras de explicar um texto da Escritura, não se deve sustentar determinada
explicação de forma tão rígida que, se forem apresentados argumentos convincentes da
respetiva falsidade, haja quem continue a insistir que esse é, ainda assim, o sentido definitivo
do texto. De outra maneira, os infiéis tenderão a desprezar a Sagrada Escritura, ficando para
eles encerrado o caminho da fé”. (S. Tomás de Aquino; Woods, p. 81)

Em 1616, depois de Galileu ter persistentemente ensinado o sistema coperniciano, as


autoridades da Igreja ordenaram-lhe que deixasse de apresentar a teoria coperniciana como
se fosse uma teoria verdadeira, embora tivesse liberdade para continuar a apresenta-la como
hipótese.

Em 1624, é novamente recebido em Roma, onde cardeais influentes se mostravam ansiosos


por discutir com ele questões científicas. O Papa Urbano VIII ofereceu-lhe vários presentes, e
uma declaração em que solicitava patrocínios para as suas investigações.

Em 1632, Galileu publica o Diálogo dos grandes sistemas, ignorando a indicação que lhe fora
dada de tratar o sistema coperniciano como uma mera hipótese e não como verdade
estabelecida.

Em 1633 foi declarado suspeito de heresia, tendo-lhe sido ordenado que deixasse de publicar
material sobre o sistema coperniciano. “Mas é um facto que a condenação de Galileu - mesmo
quando apreciada no seu contexto próprio, longe dos relatos exagerados e sensacionalistas
típicos dos meios de comunicação — foi um erro da Igreja, um erro que deu origem ao mito de
que a Igreja é hostil à ciência”. (Woods, p. 83)

11
Por que a ciência nasceu num contexto cristão (Stanley Jaki):

 A tradição cristã concebe o mundo como criação ordenada e harmoniosa de Deus. Os


fenómenos naturais têm uma regularidade que lhes foi imposta por um Deus que é
Logos. O mundo está dotado de ordem e de um propósito: Deus dispôs de todas as
coisas “com medida, número e peso” (Sb 11, 20)
 A convicção de que o universo é racional e que os fenómenos acontecem com uma
certa regularidades motivou a procura de leis com caráter matemático.
 A ideia de que o universo é racional e ordenado – uma ideia fecunda e indispensável
para o avanço da ciência – passou ao lado de civilizações inteiras. (Woods, p. 85)

Exs. de culturas que não concebem o universo como sendo racional e ordenado:

 “O animismo que caraterizava as culturas antigas – que concebiam o divino como


imanente às coisas criadas – entravou o desenvolvimento da ciência, dado que tornava
inconcebível a ideia de leis naturais constantes. Para esses povos, as coisas criadas
tinham pensamento próprio e vontade própria”. (Woods, p. 86)
 “Os babilónios estavam convencidos de que a ordem da natureza era
fundamentalmente incerta, a um ponto tal, que só uma cerimónia anual de expiação
poderia evitar uma desordem cósmica absoluta”. (p. 86)
 Os cristãos rejeitam o panteísmo, o que permite olhar para o universo com um
domínio de ordem e previsibilidade. (p. 86)
 No caso dos intelectuais chineses, o problema é que não concebiam a ordem do
universo como tendo sido instituída por um ser pessoal racional, de tal modo que não
faz sentido procurar um conjunto de leis decretadas. (p. 87)
 Para o Islão a soberania de Alá (Deus) é absoluta e, por isso, o Islamismo ortodoxo
rejeita em absoluto a existência de leis físicas consistentes.
 No catolicismo existe um equilíbrio entre a liberdade de Deus e a forma consistente
como governa o universo.
 Para o cristianismo, o universo é contingente – não é derivado de princípios
necessários – e por isso para o conhecermos precisamos da experiência.

«Estritamente falando, não existe ciência ‘totalmente despida de pressupostos’; [...] tem de
existir primeiro uma filosofia, uma ‘fé’, da qual a ciência possa retirar uma orientação, um
sentido, um limite, um método, um direito de existir. [...] A nossa fé na ciência continua, ainda
hoje, a ser sustentada por uma fé metafísica.» (Friedrich Nietzsche; Woods, pp. 90-91)

12
O Cristianismo no Mundo Contemporâneo

O Concílio Vaticano II e a sua receção


Dados gerais sobre o CV II:

 Um concílio ecuménico é uma reunião formal de todos os bispos da Igreja Universal.


Segundo a Igreja Católica, foram realizados 21 Concílios Ecuménicos.
 Os últimos dois concílios tinham sido o Concílio de Trento (1545-1563) e o Concílio
Vaticano I (1869-1870), que foi interrompido pela invasão dos Estados Pontifícios.
 O papado de Pio XII (1939-1958) tinha sido longo e influente. Havia a ideia de que a
Igreja nunca mais precisaria realizar um concílio. Um bom Papa poderia cuidar de
todos os assuntos da Igreja.
 Em Outubro de 1958, Angelo Roncalli, Patriarca de Veneza, é eleito Papa e toma o
nome de João XXIII. Pensa-se que será um Papa de transição.
 Para surpresa de todos, no dia 25 de janeiro de 1959, João XXIII anuncia aos cardeais a
decisão de convocar um novo concílio ecuménico.
 Para muitos bispos, a convocação de um concílio ecuménico era uma dor de cabeça,
mas para outros uma grande oportunidade para a Igreja de abrir aos problemas
contemporâneos, tais como os problemas sociais, as novas tecnologias, o poder
nuclear, a emancipação da mulher, as revoltas estudantis, etc.

13
 Três expressões chave que ajudam a perceber a agenda do CVII são: aggiornamento,
ressourcement (regresso às fontes) e pastoral.
 Em Maio de 1560, o Papa João XXIII nomeia 15 comissões e secretariados
preparatórios, que deveriam justamente preparar o concílio e escrever documentos
preliminares para serem discutidos na assembleia conciliar. Estes documentos viriam a
ser rejeitados pelos padres conciliares.
 O Concílio Vaticano II abriu solenemente no dia 11 de outubro de 1962. O Papa faz um
discurso corajoso. Na noite anterior acontece em Roma uma vigília de oração com a
participação de muitos milhares de fiéis

No que diz respeito à iniciativa do grande acontecimento que agora se realiza, baste, a simples
título de documentação histórica, reafirmar o nosso testemunho humilde e pessoal do
primeiro e imprevisto florescer no nosso coração e nos nossos lábios da simples palavra
«Concílio Ecumênico». Palavra pronunciada diante do Sacro Colégio dos Cardeais naquele
faustíssimo dia 25 de janeiro de 1959, festa da Conversão de são Paulo, na sua Basílica. Foi
algo de inesperado: uma irradiação de luz sobrenatural, uma grande suavidade nos olhos e
no coração. E, ao mesmo tempo, um fervor, um grande fervor que se despertou, de repente,
em todo o mundo, na expectativa da celebração do Concílio. (Papa João XXIII, discurso de
abertura, n. 1)

No exercício cotidiano do nosso ministério pastoral ferem nossos ouvidos sugestões de almas,
ardorosas sem dúvida no zelo, mas não dotadas de grande sentido de discrição e moderação.
Nos tempos atuais, elas não veem senão prevaricações e ruínas; vão repetindo que a nossa
época, em comparação com as passadas, foi piorando; e portam-se como quem nada
aprendeu da história, que é também mestra da vida, e como se no tempo dos Concílios
Ecumênicos precedentes tudo fosse triunfo completo da ideia e da vida cristã, e da justa
liberdade religiosa. Mas parece-nos que devemos discordar desses profetas da desventura,
que anunciam acontecimentos sempre infaustos, como se estivesse iminente o fim do
mundo. (Papa João XXIII, Discurso de Abertura, n. 1)

A Igreja sempre se opôs a estes erros; muitas vezes até os condenou com a maior severidade.
Agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que o da
severidade. Julga satisfazer melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua
doutrina do que renovando condenações. (Papa João XXIII, Discurso de Abertura, n. 2)

O Concílio Vaticano II em números:

 A 18 de junho é enviada uma carta a 2,598 eclesiásticos, sobretudo bispos, pedindo o


parecer sobre os temas que deveriam ser debatidos no concílio. Obtiveram-se 1,998
respostas.
 Em julho de 1962, foram enviados 2,850 convites às pessoas que tinham direito a
participar: 85 cardeias, 8 patriarcas, 533 arcebispos, 2,131 bispos, 26 abades, 68
superiores gerais de ordens religiosas. A idade média dos padres conciliares era 60
anos. Em média não participaram mais do que 2,40 padres conciliares ao mesmo
tempo. Um total de 2,860 pessoas participaram em parte ou na totalidade do
concílio. No Concílio Vaticano I haviam participado apenas 750 bispos. Foram
nomeados 484 peritos.

14
 Os encontros tiveram lugar na nave central da Basílica de S. Pedro. As comunicações e
discussões aconteciam em Latim.
 Ao longo das quatro etapas aconteceram 168 sessões de trabalho, conhecidas como
congregações gerais.
 O Concílio estendeu-se ao longo de quatro etapas. A primeira de 11 de outubro a 8 de
dezembro de 1962. A 3 de junho de 1963, o Papa João XXIII morre. É sucedido por
Giovanni Montini, o Papa Paulo VI. A segunda etapa conciliar acontece de 29 de
setembro a 4 de dezembro de 1963. A terceira de 14 de setembro a 21 de novembro
de 1964. A quarta é ultima etapa tem início a 14 de setembro de 1965 e termina a 8 de
dezembro do mesmo ano, com o encerramento solene.

O Concílio Vaticano II promulgou 16 documentos, entre os quais 4 constituições, 9 decretos e


3 declarações. São particularmente importantes os documentos sobre a Igreja, sobre a
revelação e sobre a relação com outras religiões e comunidades cristãs.

Quando comparado com os outros concílios ecuménicos, o CVII produziu uma quantidade
enorme de texto: os 21 concílios ecuménicos todos juntos produziram 37,000 linhas de texto.
O Concílio Vaticano II, sozinho, produziu 12, 179 linhas (32%).

O estilo dos documentos é muito diferente do estilo dos documentos dos Concílios de Trento e
Vaticano I. O estilo próprio da escolástica foi abandonado. Incluem-se muitas citações bíblicas
e referências a problemas contemporâneos. Não existem anátemas.

Dificuldades na interpretação dos documentos:

 Enorme quantidade de texto. Alguns dos documentos são realmente muito longos.
 Enquanto o estilo dos documentos dos concílios anteriores é jurídico, e por isso direto
e preciso, os documentos do CV II adotam um género distinto que procura persuadir
(panegírico).
 Por forma a tentar obter o consenso necessário para a aprovação dos documentos,
muitas concessões tiveram que ser feitas, o que levou à justaposição, por vezes no
mesmo parágrafo, de formulações alternativas.
 Três estratégias complementares para interpretar os textos: hermenêutica dos
autores, hermenêutica do texto; hermenêutica do recetor.

Algumas ideias fundamentais do Concílio:

 Participação plena, consciente e ativa na liturgia (Sacrosanctum concilium, n. 14).


 Abordagem personalista e trinitária da revelação divina; valorização do papel da
Sagrada Escritura (Dei verbum).
 Uma eclesiologia renovada: Igreja como sacramento e Igreja como Povo de Deus;
revalorização da pneumatologia; sacerdócio comum e sacerdócio ministerial (Lumen
gentium).
 Vocação universal à santidade: todos os batizados são chamados à santidade.
 Valorização do papel dos leigos, cuja missão é ser presença da Igreja no mundo
(Gaudium et spes, n. 43).
 Valorização da colegialidade na Igreja, sobretudo entre os bispos (Lumen gentium 23).
 Direito à liberdade religiosa (Dignitatis humanae).
 Dialogo ecuménico: procurar a comunhão com os outros cristãos (Unitatis
redintegratio).

15
 Dialogo inter-religioso: compromisso da Igreja de entrar em diálogo com os membros
de outras tradições religiosas (Unitatis redintegratio, n. 3).

Receção do Concílio Vaticano II (Papa Bento XVI):


 Hermenêutica da rutura: ideia segundo a qual o Concílio Vaticano II representa uma
novidade de tal ordem que introduziu uma descontinuidade entre a igreja pré-conciliar
e a igreja pós-conciliar.
 Hermenêutica da reforma: renovação na continuidade do único sujeito que é a Igreja.
“É um sujeito que cresce no tempo e se desenvolve, permanecendo, porém, sempre o
mesmo, único sujeito do Povo de Deus a caminho” (Papa Bento XVI, “Discurso aos
membros da cúria”, Natal 2005).

O Concílio Vaticano II, com a nova definição da relação entre a fé da Igreja e determinados
elementos essenciais do pensamento moderno, reviu ou melhor corrigiu algumas decisões
históricas, mas nesta aparente descontinuidade, manteve e aprofundou a sua íntima
natureza e a sua verdadeira identidade. A Igreja, quer antes quer depois do Concílio, é a
mesma Igreja una, santa, católica e apostólica peregrina nos tempos; ela prossegue "a sua
peregrinação entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus", anunciando a morte
do Senhor até que Ele venha (cf. Lumen gentium, 8). (Discurso aos membros da cúria”, Natal
2005).

O fenómeno da secularização

 Dados fundamentais sobre o fenómeno da secularização:


 Ao nível global, o número de pessoas afiliadas a uma religião está a crescer.
 O mundo pode dividir-se em dois blocos:
(i) o Ocidente e a China, onde o número de pessoas que não se identificam com
uma religião está a crescer;
(ii) o resto do mundo, onde o número de pessoas afiliadas a uma religião está a
crescer.
 Na generalidade dos países ocidentais, o segundo grupo maior grupo religioso é o dos
nones, ou seja, pessoas que não se identificam com nenhuma religião. Nos EUA, os
nones já representam cerca de ¼ da população.
 A ausência de filiação religiosa tem importantes impactos ao nível dos valores, das
crenças e estilo de vida: afeta a forma como as pessoas educam os seus filhos, a forma
como encaram a morte, as suas preferências partidárias e a forma como se posicionam
em relação aos grandes debates éticos do nosso tempo.
 As pessoas que afirmam não ter religião podem dividir-se em três grupos: ateus,
agnósticos e que simplesmente não têm qualquer interesse pelo tema da religião.
 O fenómeno dos nones é particularmente expressivo entre os millenials. Muitos deles
já cresceram sem qualquer educação ou referência religiosa.

O ateísmo é mais prevalente entre homens de raça branca. Por exemplo, nos EUA a
população masculina representa 46% do total, e a população branca 66%. No entanto, 68%
dos ateístas são homens e 78% são brancos.

O fenómeno do ateísmo tem maior expressão entre pessoas de classe alta e com maior nível
de escolaridade.

16
Peter Berger (1929- 2017) e o fenómeno da secularização:

 Peter Berger foi um sociólogo austroamericano que se escreveu trabalhos importantes


sobre sociologia da religião, nomeadamente sobre o fenómeno da secularização. (ex.
Religious America, Secular Europe).
 Na fase inicial da sua carreira, P. Berger foi um dos defensores da chamada teoria da
secularização, cuja tese principal se pode resumir da seguinte maneira: A
Modernidade está na origem de um declínio inevitável da religião. Alguns fatores
importantes seriam: os avanços científicos e tecnológicos, a urbanização, o aumento
dos índices de escolarização ou o impacto da reforma protestante.
 Numa segunda fase do seu pensamento, Berger abandonou a teoria da secularização,
a qual parece não ter suporte empírico. Com a exceção da Europa, o mundo não é um
lugar fortemente secularizado, como se esperava.
 A Modernidade não conduz necessariamente à secularização, mas conduz
necessariamente ao pluralismo, ou seja, a coexistência, na mesma sociedade de
diferentes mundivisões e sistemas de valores. Passam a existir muitos deuses, e exte é
o desafio.
 Por que razão a Europa é um lugar fortemente secularizado? No seu livro Religious
America, Secular Europe, P. Berger encontrou 8 razões. Segundo ele a mais importante
tem que ver com a relação entre Igreja e Estado.
 No contexto Europeu, as mais importantes tradições religiosas tiveram uma relação
estreita com o estado. O que acontece é que “quando a Igreja é demasiado próxima ao
estado, quando os cidadãos se chateiam com o estado, chateiam-se também com a
igreja que o estado apoia.”
 No que diz respeito às elites intelectuais, os elevados índices de secularização têm que
ver com a relativização das mundivisões e sistemas de valores. Ou seja, para Berger
existe uma relação entre secularização e relativismo.
 Segundo Berger, o ateísmo é uma ilusão criada pelos media e por certas editoras. Na
sua opinião, o que tem aumentado é o número de pessoas sem filiação religiosa, não o
ateísmo
 É difícil prever o que vai acontecer no futuro. Por exemplo, as elevadas taxas e
imigração nos países ocidentais representam um influxo significativo de pessoas
fortemente enraizadas numa tradição religiosa. Por exemplo, em países como a
Suécia, que eram uma espécie de paraísos seculares, a chegada de imigrantes
pentecostais ou evangélicos significa uma nova e significativa presença da religião.
 Outro fenómeno relevante é o fundamentalismo religioso, o qual, na opinião de
Berger, constitui uma resposta à incerteza que caracteriza a mentalidade
contemporânea. Trata-se de uma forma de reduzir a ansiedade associada à incerteza
e à insegurança. A mensagem dos fundamentalistas é: “junta-te a nós e nós vamos
ensinar-te como é o mundo. Vais aprender a verdade e vais viver da forma certa…”

Dilemas éticos I: o princípio e o fim da vida


Eutanásia: aspetos de um debate contemporâneo – Definição de conceitos:

17
 Eutanásia: segundo a sua etimologia significa “boa morte”: eu (bom) + thanatos
(morte).
 Eutanásia = morte de uma pessoa, provocada por outra, a pedido da que é morta
(Walter Osswald).
 Distanásia: pode ser entendida como uma má morte, fruto de uma obstinação ou
encarniçamento terapêutico (Stela Barbas)

Considerações prévias:

 Paradoxo: “A sociedade atual faz, como nunca antes, o máximo para prolongar a nossa
esperança de vida, mas, ao mesmo tempo, nas últimas décadas, tende para legalizar a
morte administrada aos que a pedem” (Renaud, p. 117).
 A legalização da eutanásia envolve um sério risco de slippery slope: doentes cujo
sofrimento é considerado intolerável  crianças com sofrimento terminal, com ou
sem consentimento dos pais  doentes psiquiátricos não terminais.
 A legalização da eutanásia é um tema fraturante na sociedade. Trata-se de uma
questão no âmbito da bioética.
 A criação de centros de cuidados paliativos contribui para a diminuição do número de
pedidos de eutanásia, mas subsistirão sempre alguns pedidos irredutíveis desta
natureza.
 Os hospitais e o Estado retiram da eutanásia um benefício económico: face às
despesas associadas aos cuidados continuados, o doente ao qual se abrevia a vida
custa menos à família, ao hospital e ao Estado (Renaud, p. 118).

Argumentação:

 Dois princípios fundamentais em torno dos quais gira a discussão sobre a legalização
da eutanásia: a autonomia e a dignidade humana. A autonomia dá à pessoa o direito
de exprimir a sua vontade e de decidir. A dignidade do ser humano tem a ver com o
seu valor intrínseco, que não permite fazer dele um meio para qualquer outro fim.
 A liberdade de escolha (a qual está intrinsecamente ligada ao princípio da autonomia)
é habitualmente invocada na argumentação a favor da legalização da eutanásia. No
entanto, “na escolha da morte, o projeto de realização de si consiste na negação da
possibilidade de realização. A única realização da liberdade torna-se o ato da sua
supressão”.
 A morte como cuidado ao doente? “Se a arte médica consiste em acompanhar o
doente até à morte, como é que a solicitude do médico que inflige a morte pode ser
compreendida com um cuidado, un soin?” (Renaud, p. 122). “Com a eutanásia, o
grande risco consiste em transformar a profissão médica, como se essa deixasse de se
reger pelo cuidado que trata da vida até ao fim, mas passasse por incluir a
administração da morte que suprime a necessidade do cuidado” (Renaud, p. 122).
 Dignidade humana e eutanásia administrada por compaixão a título de ajuda a um
doente terminal: a questão é se a doença e as limitações físicas ou mentais que dela
advêm diminuem a dignidade da pessoa.
 Dignidade ontológica: o ser humano nunca pode perder a sua dignidade, porque esta
lhe é intrínseca, qualquer que seja a situação concreta de diminuição física ou mental
na qual se encontra. O ser humano nunca perde a dignidade enquanto membro da
espécie humana.

18
 Dignidade humana como dado fenomenológico: a dignidade depende das situações
concretas nas quais alguém se encontra e que se avaliam pelo critério de sofrimento
físico ou psicológico, assim como pelo grau de dependência física, mental, etc. Em
certas circunstâncias, a vida humana poderia ver-se privada de dignidade. (Renaud, pp.
123-124)
 Questão subjacente que não pode ser escondida: “a partir de que momento uma
situação existencial ou um determinado comportamento deve ser considerado como
acarretando uma perda de dignidade justificando a prática da eutanásia?
 “Não será também justificável a prática da eutanásia a vidas consideradas como
moralmente desprovidas de dignidade em função da realização de atos
particularmente nefastos?” (Renaud, p. 124)
 Usando o mesmo tipo de argumentação seria possível argumentar a favor da pena de
morte.
 A eutanásia acaba por subordinar a dignidade ontológica à qualidade penosa ou
dramática da existência. A dignidade humana torna-se relativa, perde o seu caráter
absoluto  alteração grave da hierarquização de valores, com consequências
imprevisíveis (Renaud, p. 125).
 Será que esta argumentação é insensível ao sofrimento dos doentes terminais? Será
que estas alegações levam suficientemente a sério a situação destes doentes? “A
respostas deve ser reenviada para a medicina, que tem o o dever de acompanhar os
doentes para lhes proporcionar todo o conforto que a situação exige. Os especialistas
que tratam de tais doentes sabem que é sempre possível dar apoio aos que dele
precisam” importância dos cuidados paliativos (Renaud, p. 127).

Outros dois aspetos da discussão:

 Argumento recorrente: “se não quiserem praticar a eutanásia, não a pratiquem, mas
não impeçam os outros de a pedir e de a receber, se tal corresponde à sua reiterada
vontade”. Possível resposta: “vivemos em conjunto e não de modo solitário; a
comunidade política é uma comunidade em que todos os membros estão implicados
nas grandes opções que conferem a cada comunidade a sua configuração ética e
civilizacional” (Renaud, p. 126).
 Outro argumento: haveria uma injustiça se o aborto e a eutanásia fossem possíveis
em outros países e não no nosso. “Não é porque um país legaliza uma prática que os
outros têm que o fazer” (Renaud, p. 127).

Conclusão: “A legalização da eutanásia nos faz entrar numa cultura de morte que, por muitos
lados, está em sintonia com uma cultura que quer esquecer a morte. Com efeito, fazer
morrer um doente é mais fácil do que o tratar de todas as formas possíveis, para lhe tornar a
morte mais digna. Se fazemos morrer um doente porque aceitamos o seu pedido, abreviamos
o convívio com a vida que se aproxima da morte. A morte infligida faz assim desaparecer o
doente e, deste modo, contribui para fazer da morte a solução mais fácil para resolver os
problemas difíceis da vida até à morte. Deste ponto de vista, a eutanásia constitui, para a
sociedade e para medicina, uma espécie de álibi não aceitável em comparação com o cuidado
até ao fim da vida” (Renaud, p. 127).

19
Dilemas éticos II: política e justiça social
Não a uma economia da exclusão

53. Assim como o mandamento «não matar» põe um limite claro para assegurar o valor da
vida humana, assim também hoje devemos dizer «não a uma economia da exclusão e da
desigualdade social». Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento
dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é
exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que
passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei
do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes
massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas,
num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo
que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do «descartável», que aliás
chega a ser promovida. (Papa Francisco, Evangelii gaudium, n. 53)

Não à nova idolatria do dinheiro

55. Uma das causas desta situação está na relação estabelecida com o dinheiro, porque
aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e as nossas sociedades. A crise financeira
que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda:
a negação da primazia do ser humano. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de
ouro (cf. Ex 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na
ditadura duma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano. A crise
mundial, que investe as finanças e a economia, põe a descoberto os seus próprios
desequilíbrios e sobretudo a grave carência duma orientação antropológica que reduz o ser
humano apenas a uma das suas necessidades: o consumo. 56. Enquanto os lucros de poucos
crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar
daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia
absoluta dos mercados e a especulação financeira. (Papa Francisco, Evangelii gaudium, n. 55-
56)

Não a um dinheiro que governa em vez de servir

58. Uma reforma financeira que tivesse em conta a ética exigiria uma vigorosa mudança de
atitudes por parte dos dirigentes políticos, a quem exorto a enfrentar este desafio com
determinação e clarividência, sem esquecer naturalmente a especificidade de cada contexto. O
dinheiro deve servir, e não governar! O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a
obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e
promovê-los. Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e a um regresso da economia e
das finanças a uma ética propícia ao ser humano. (Papa Francisco, Evangelii gaudium, n. 58)

Não à desigualdade social que gera violência

59. Hoje, em muitas partes, reclama-se maior segurança. Mas, enquanto não se eliminar a
exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível

20
desarreigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas,
sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um
terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há-de provocar a explosão. Quando a sociedade –
local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas
políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a
tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reacção
violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e económico é
injusto na sua raiz. (Papa Francisco, Evangelii gaudium, n. 59)

Princípios da Doutrina Social da Igreja

Doutrina Social da Igreja (DSI) é o conjunto dos ensinamentos contidos na doutrina da Igreja
Católica e no Magistério da Igreja Católica, constante de numerosas encíclicas e
pronunciamentos dos papas inseridos na tradição multissecular, e que tem suas origens nos
primórdios do cristianismo. Tem por finalidade fixar princípios, critérios e diretrizes gerais a
respeito da organização social e política dos povos e das nações. É um convite a ação. A
finalidade da doutrina social da Igreja é "levar os homens a corresponderem, com o auxílio
também da reflexão racional e das ciências humanas, à sua vocação de construtores
responsáveis da sociedade terrena".

Principais documentos em que se funda a DSI:

Papa Leão XIII: Rerum Novarum (Sobre a Situação dos Trabalhadores - crítica aos
materialismos comunista e capitalista), 1891.

 Papa Pio XI: Quadragesimo Anno (Sobre a Reconstrução da Ordem Social), 1931
 Papa João XXIII: Mater et Magistra (Cristianismo e Progresso Social), 1961 e Pacem in
Terris (Paz na Terra), 1963.
 Concílio Vaticano II: Gaudium et Spes (A Igreja no Mundo Atual), 1965.
 Papa Paulo VI: Populorum Progressio (Sobre o Desenvolvimento dos Povos), 1967;
Octogesima Adveniens (Convocação à Ação), 1967; Sínodo dos Bispos: A Justiça no
Mundo, 1967 e Evangelii Nuntiandi (A Evangelização no Mundo Atual), 1975.
 Papa João Paulo II: Laborem Exercens (Sobre o Trabalho Humano), 1981; Sollicitudo
Rei Socialis (A Solicitude Social da Igreja), 1987; Centesimus Annus (O Ano Centenário),
1991.
 Papa Bento XVI: Caritas in Veritate, 2009.
 Papa Francisco, Evangelii Gaudium, 2013, Laudato Si´, 2015

Princípios da Doutrina Social da Igreja

O princípio do bem comum

164 Da dignidade, unidade e igualdade de todas as pessoas deriva, antes de tudo, o princípio
do bem comum, a que se deve relacionar cada aspecto da vida social para encontrar pleno
sentido. Segundo uma primeira e vasta acepção, por bem comum se entende: «o conjunto de
condições da vida social que permitem, tanto aos grupos, como a cada um dos seus
membros, atingir mais plena e facilmente a própria perfeição».

O bem comum não consiste na simples soma dos bens particulares de cada sujeito do corpo
social. Sendo de todos e de cada um, é e permanece comum, porque indivisível e porque

21
somente juntos é possível alcançá-lo, aumentá-lo e conservá-lo, também em vista do futuro.
Assim como o agir moral do indivíduo se realiza em fazendo o bem, assim o agir social alcança
a plenitude realizando o bem comum. (CDSI, n. 164)

Destino universal dos bens

Dentre as multíplices implicações do bem comum, assume particular importância o princípio


da destinação universal dos bens: «Deus destinou a terra e tudo o que ela contém para o uso
de todos os homens e de todos os povos, de sorte que os bens criados devem chegar
equitativamente às mãos de todos, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade»[360].
Este princípio se baseia no fato de que: «a origem primeira de tudo o que é bem é o próprio
ato de Deus que criou a terra e o homem, e ao homem deu a terra para que a domine com o
seu trabalho e goze dos seus frutos (Cf. Gn 1, 28-29). Deus deu a terra a todo o gênero
humano, para que ela sustente todos os seus membros sem excluir nem privilegiar ninguém.
Está aqui a raiz da destinação universal dos bens da terra…. Todo o homem deve ter a
possibilidade de usufruir do bem-estar necessário para o seu pleno desenvolvimento: o
princípio do uso comum dos bens é o «primeiro princípio de toda a ordem éticosocial». (CDSI,
n. 171, 172)

O princípio da subsidiariedade

A subsidiariedade está entre as mais constantes e características diretrizes da doutrina social


da Igreja, presente desde a primeira grande encíclica social. É impossível promover a dignidade
da pessoa sem que se cuide da família, dos grupos, das associações, das realidades territoriais
locais, em outras palavras, daquelas expressões agregativas de tipo econômico, social, cultural,
desportivo, recreativo, profissional, político, às quais as pessoas dão vida espontaneamente e
que lhes tornam possível um efetivo crescimento social…. Com base neste princípio, todas as
sociedades de ordem superior devem pôr-se em atitude de ajuda («subsidium») — e,
portanto, de apoio, promoção e incremento — em relação às menores. (CDSI, n. 185, 186)

O princípio da participação

Consequência característica da subsidiariedade é a participação, que se exprime,


essencialmente, em uma série de atividades mediante as quais o cidadão, como indivíduo ou
associado com outros, diretamente ou por meio de representantes, contribui para a vida
cultural, econômica, política e social da comunidade civil a que pertence: a participação é um
dever a ser conscientemente exercitado por todos, de modo responsável e em vista do bem
comum. (CDSI, n. 189)

O princípio da solidariedade

A solidariedade confere particular relevo à intrínseca sociabilidade da pessoa humana, à


igualdade de todos em dignidade e direitos, ao caminho comum dos homens e dos povos para
uma unidade cada vez mais convicta. Nunca como hoje, houve uma consciência tão

22
generalizada do liame de interdependência entre os homens e os povos, que se manifesta em
qualquer nível. (CDSI, n. 192

23

Você também pode gostar