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March 9, 2023
∗ rmesquit@unicamp.br
A ciência e o método científico 1
A ciência é uma forma de compreender como as coisas funcionam. Mas 1.1 O começo da ciência . . . . 2
o que queremos dizer por “compreender” algo? Richard Feynman, um 1.2 O método científico . . . . 4
dos físicos mais famosos do século XX, descreveu a ciência da seguinte 1.3 Medidas e grandezas
forma: “Podemos imaginar que esse conjunto complicado de coisas em físicas . . . . . . . . . . . . . 6
movimento que constitui ‘o mundo’ seja algo parecido com uma grande 1.3.1 Conversão de unidades . . 8
partida de xadrez jogada pelos deuses, e nós somos observadores do 1.4 Notação científica . . . . . . 10
jogo. Não conhecemos as regras do jogo; tudo que nos é permitido fazer 1.4.1 Denotando múltiplos de
é observar. Claro que se observarmos por um tempo longo o suficiente, grandezas físicas com
poderemos eventualmente aprender algumas regras. As regras do jogo prefixos . . . . . . . . . . . . 11
são o que queremos dizer por física fundamental. Entretanto, mesmo 1.5 Algarismos significativos . 12
que conheçamos todas as regras, poderemos não entender por que uma 1.5.1 Operações com algarismos
jogada específica foi feita, meramente porque isso pode ser muito com- significativos . . . . . . . . . 13
plicado e nossas mentes são limitadas. Se você joga xadrez, deve saber 1.6 Determinando o valor e a
que é fácil aprender todas as regras, porém frequentemente é muito incerteza de uma medida . 14
difícil selecionar a melhor jogada ou entender por que um jogador fez 1.7 Estimativa e Ordem de
aquela jogada. Assim também é a natureza, só que muito mais ainda; Grandeza . . . . . . . . . . . 16
porém podemos ser capazes, pelo menos, de descobrir todas as regras. 1.8 Problemas . . . . . . . . . . 18
Na verdade, ainda não temos todas as regras. (...) Além de não con-
hecermos todas as regras, o que realmente podemos explicar em termos
dessas regras é muito limitado, porque quase todas as situações são tão
complicadas que não conseguimos seguir os lances do jogo usando as
regras e muito menos prever o que irá ocorrer em seguida. Devemos,
portanto, nos limitar à questão mais básica das regras do jogo. Se con-
hecermos as regras, consideraremos que ‘entendemos’ o mundo.”1 1: R.P. Feynman, R.B. Leighton, M.
Sands, Lições de Física, volume 1, cap.
2.
Em outras palavras, a ciência nunca pode provar que uma teoria está
correta. Como frisou o filósofo Karl Popper no século XX, a ciência pode
apenas refutar coisas. Cada experimento que resulta na resposta pre-
vista é uma prova de embasamento, mas um teste fracassado pode in-
validar uma teoria.
Ao longo dos séculos, conceitos antigos, como a simplicidade do uni-
verso, os quatro líquidos orgânicos, a noção de flogisto e o meio miste-
rioso conhecido como éter, foram descartados e substituídos por novas
teorias. Embora essas teorias sejam consideradas atuais, elas ainda po-
dem ser refutadas, embora seja improvável que isso aconteça com base
nas evidências atualmente disponíveis. Essas teorias são continuamente
avaliadas e aprimoradas por meio de novas descobertas e experimen-
tações. O processo científico é dinâmico e evolui constantemente, re-
sultando em um entendimento mais preciso da natureza e do universo.
Embora a ciência nunca possa fornecer certezas absolutas, ela é uma fer-
ramenta poderosa para explicar fenômenos e fazer previsões precisas.
Por meio do método científico, a humanidade tem sido capaz de fazer
avanços incríveis e resolver muitos dos seus maiores desafios.
Qualquer que seja a escolha do padrão, ela deve ser acessível para várias
pessoas e deve possuir algumas propriedades que podem ser facilmente
medidas. Ao longo do tempo, cada civilização desenvolveu os seus pró-
prios padrões, baseados em unidades arbitrárias. Tipicamente, estas
unidades eram associadas com partes do corpo humano, como o pé e
o polegar. Frequentemente, usava-se as mãos e os pés dos reis como
referência. Por exemplo, em 1120 o rei da Inglaterra nomeou o padrão
para medir o comprimento como jarda, que deveria ser igual à distân-
cia da ponta do seu nariz ao final de seu braço estendido. Na França, o
padrão original para o pé foi o comprimento do pé do rei Luís XIV.
À medida que o comércio foi se expandindo para diferentes reinos, a
escolha de diferentes medidas passou a criar muitos problemas. Afinal,
as pessoas de uma certa região não estavam familiarizadas com o sis-
tema de medidas de outras regiões. Mas, para poderem interagir uns
com os outros, um princípio básico é que os padrões de medida usa-
dos em diferentes lugares devem fornecer o mesmo resultado. Imagine
a dificuldade em comprar ou vender produtos cujas quantidades eram
expressas em unidades de medidas totalmente diferentes, e que nem tin-
ham correspondência entre si. Para que qualquer medição seja precisa, é
importante padronizarmos a unidade da grandeza que queremos medir.
Só desta forma diferentes pessoas em diferentes lugares ao redor do Uni-
verso são capazes de produzir o mesmo resultado numa medida.
Para tentar resolver esse problema, em 1799 a Academia de Ciências da
França apresentou a proposta de um sistema métrico decimal unificado,
cujas grandezas eram medidas em unidades padronizadas. O sistema
métrico francês adotou inicialmente três unidades básicas de medida:
o metro (para medir distâncias), o quilograma (para medir massas) e o
segundo (para medir tempos). Naquela época, um metro foi definido
como um décimo de milésimo da distância do Equador ao polo Norte,
medido através de uma linha imaginária que passava por Paris.
Já o tempo sempre foi uma grandeza associada com uma medida en-
tre dois eventos que se repetem. As civilizações mais antigas usavam a
posição do sol no céu para medir o tempo. Não a toa o nosso calendário
tem 365 dias, correspondendo a diferentes posições do sol no céu. Out-
ras civilizações usavam a posição da lua, e com isso criaram um outro
calendário. Até 1967, o segundo era definido com base no dia solar mé-
dio. Um dia solar é um intervalo de tempo entre sucessivas aparições de
sol no ponto mais alto em que ele atinge no céu a cada dia. Um segundo
foi definido como 1/86.400 de um dia solar médio.
Em 1960 um comitê internacional estabeleceu sete grandezas físicas como
fundamentais, e definiu um conjunto de padrões para cada uma destas
grandezas. Hoje, as sete grandezas físicas fundamentais são o compri-
mento, o tempo, a massa, a corrente elétrica, a temperatura, a quan-
tidade de uma substância e a intensidade luminosa. Qualquer outra
grandeza física pode ser obtida a partir da combinação destas grandezas
fundamentais.
O padrão estabelecido para cada grandeza física é conhecido como Sis-
tema Internacional ou SI. No SI, o comprimento é medido em metros; o
tempo, em segundos; a massa, em quilogramas; a corrente elétrica, em
amperes; a temperatura, em kelvin; a quantidade de uma substância,
1 A ciência e o método científico 8
2, 54 cm
15!!·
pol = 38, 1 cm.
1! !
pol
!· 1.609!
m 1 km
!
32!
mi ! · = 51 km.
1!
mi 1000!
!
m
1 A ciência e o método científico 9
Por este motivo, com o passar dos anos os cientistas buscaram definir
cada uma das principais unidades do SI em padrões reprodutíveis
da natureza que não mudam. Hoje, o metro é definido a partir da
distância que a luz percorre no vácuo num intervalo muito curto de
tempo: 1/299.792.458 segundos.
Um dos fatos mais relevantes na ciência é que ela é capaz de estudar to-
dos os objetos, desde a partícula mais minúscula que há no universo até
o próprio universo em si ( Figure 1.3). A generalidade de estudar compri-
mentos, tempos e massas tão diferentes faz com que seja necessária uma
notação mais compacta para escrever números relacionados com várias
escalas diferentes. Em outras palavras, precisamos achar uma forma de
escrever números muito grandes e muito pequenos ao mesmo tempo.
Afinal, nem todas as coisas são práticas para escrevermos em termos de
segundo, metro e quilograma.
Por exemplo, se você quisesse escrever a idade do universo − que é de
13,8 bilhões de anos − você teria que escrever nove zeros depois do 13,8.
E se você tivesse que fazer algum cálculo que envolvesse essa grandeza,
como, por exemplo, calcular a velocidade de expansão do Universo, você
teria que escrever todos esses zeros o tempo inteiro... Da mesma forma,
já pensou você ter que calcular o volume de uma célula, cujo tamanho
é da ordem de 0,000005 metros? Certamente a forma tradicional de es-
crevermos números na matemática não é nada prática quando lidamos
com números muito grandes ou muito pequenos...
Seria muito mais fácil se achássemos uma notação mais compacta para
escrever qualquer número. E, de fato, os cientistas criaram uma notação
própria, chamada de notação científica. Na notação científica, escreve-
mos os números em múltiplos de potências de 10. Ou seja, escrevemos
um determinado número como o produto de um número maior que 1 e
menor que 10, e uma potência de 10:
𝑛 = 𝑎 · 10𝑏 . (1.1)
7 · 1027 átomos
𝑁 = 7·109$ $$$×
pessoas $ = 49·1027+9 = 49·1036 = 4, 9·1037 ,
1$ $$
pessoa
Bom, agora você pode entender qual a diferença entre 1,62 e 1,620, né!?
Matematicamente, eles são a mesma coisa. Mas cientificamente, eles
representam coisas diferentes. Afinal, quantos mais dígitos forem es-
pecificados mais precisão está implicada. Neste caso, 1,620 significa um
número que tem maior precisão do que 1,62.
1 ! 𝑁
𝑣𝑎𝑟 ≡ 𝑠 2 = ¯ 2,
(𝑥 𝑖 − 𝑥)
𝑁 − 1 𝑖=1
Podemos ver pela Figura Figure 1.6 que a incerteza diminui à medida
que o número de repetições do mesmo experimento aumenta. Para N =
1000, obtemos o valor médio de g igual a 9,81 m/s2 , com desvio padrão
de 0,31 m/s2 ; para N = 10, o valor médio não só é mais distante do valor
conhecido como a incerteza das medidas é maior: 𝑔¯10 = 10, 3𝑚/𝑠 2 e
𝑠10 = 3, 3𝑚/𝑠 2 . De forma compacta, e considerando o número cor-
reto de algarismos significativos, podemos escrever os valores medidos
como 𝑔10 = (1, 0 ± 0, 3) × 101 𝑚/𝑠 2 = (10 ± 3)𝑚/𝑠 2 e 𝑔1000 = (9, 8 ±
0, 3)𝑚/𝑠 2 .
ficar com 70 anos. Depois, podemos supor que uma pessoa, sentada e
parada, realiza 10 respirações por minuto. De novo, esse número varia
de acordo com a atividade e o estado de espírito da pessoa, se ela prat-
ica exercícios, se está dormindo ou acordada, com raiva ou serena, etc.
Mas, como tudo que precisamos é de uma estimativa, vamos pensar em
10 respirações por minuto. Logo, temos 10 respirações por minuto, por
70 anos. Como um ano tem 365 dias, e cada dia tem 24 horas, e cada hora
tem 60 minutos, e em cada minuto há 10 aspirações, o número de respi-
rações estimado é aproximadamente 4 × 108 , ou quatrocentos milhões
de respirações.
Mas perceba que não temos certeza alguma do valor 4 da resposta. Afi-
nal, se tivéssemos escolhido outros números próximos, o valor que terí-
amos obtido seria diferente de 4. Por exemplo, se tivéssemos estimado
que a vida média de uma pessoa é de 80 anos, ao invés de 70, a estimativa
final seria da ordem de 5 × 108 respirações. Como queremos apenas o
valor aproximado, podemos responder qualquer estimativa apenas pela
ordem de grandeza do número que estamos interessados.
Determinar a ordem degrandeza de uma medida consiste em fornecer,
como resultado, a potência de 10 mais próxima do valor encontrado para
a grandeza. Mas como estabelecer essa potência de 10 mais próxima?
Partindo da notação científica, 𝑎 · 10𝑏 , procede-se assim:
√ se o número 𝑎
que multiplica a potência de 10 for maior ou igual a 10, utiliza-se, como
ordem de grandeza, a potência √ de 10 de expoente um grau acima, isto
é, 10𝑏+1 ; se 𝑎 for menor que 10, usa-se a mesma potência da notação
científica, isto é, 10𝑏 .2 2: Se você
√ ficou curioso do porque uti-
lizamos 10 como referência, √ isto se
No caso do nosso problema, a ordem de grandeza é de 109 respirações. deve ao fato de que 101/2 = 10 ≈
E, de acordo com a nossa regra, tanto faz se tivéssemos escolhido 70 ou 3, 16, que corresponde ao ponto médio
do intervalo 100 e 101 , pois
80 anos como o tempo de vida de uma pessoa. Esta escolha mudaria a
mantissa, mas não a ordem de grandeza que obtivemos. Ah, para deno- 10
0+1
2 = 100,5 . (1.2)
tarmos que estamos nos referindo apenas a ordem de grandeza, e não
ao número exato de uma quantidade, trocamos o símbolo = da resposta
pelo ∼. Na ciência, ∼ significa “da ordem de”. Quando dizemos que
o número de respirações durante a vida de uma pessoa é da ordem de
109 (∼ 109 ), estamos implicitamente dizendo que nosso resultado é con-
fiável dentro de aproximadamente um fator de 10.
Resumindo, saber estimar valores para grandezas nos faz ter ao menos
uma noção da resposta para uma determinada pergunta. Com isso, pode-
mos tentar responder – mesmo que aproximadamente – qualquer per-
gunta que quisermos. É, de fato, uma ferramenta poderosa – que abre
nossa mente para a imaginação. Mas cuidado, porque também é vi-
ciante! Podemos estimar qualquer coisa, desde que tenhamos bom senso
em escolher variáveis úteis e fizermos hipóteses razoáveis.
1 A ciência e o método científico 18
1.8 Problemas
Método científico
Notação científica
Problema 1.8.9 Você vai a uma loja e encontra dois pacotes de pregos
com as seguintes medidas para o comprimento: o pacote A tem 50
mm e o pacote B tem 50,0 mm. Considerando que ambos têm o mesmo
preço, e que você quer comprar o melhor prego possível, qual dos dois
pacotes você compraria? Justifique sua resposta.
Problema 1.8.19 O sino de uma igreja bate uma vez a cada meia-hora,
todos os dias. Qual é a ordem de grandeza do número de vezes que o
sino bate em um ano?