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“SOBRE A MORTE DE DEUS”

Por Alessandra Peixoto dos Santos.

Anteprojeto de Tese de Doutorado apresentado à comissão de Seleção de

Pós-graduação do Programa de Pós-graduação em Filosofia (PPGF) do

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(IFCS)

- 2021 –
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1) Título: “Sobre a morte de Deus”.

2) Nome completo do autor: Alessandra Peixoto dos Santos.

3) Núcleo de Pesquisa: “História da Filosofia” do PPGF, ao qual encontra-se ligada a


profª Drª Adriany Mendonça, orientadora indicada para a coordenação dos trabalhos no
Doutorado.

4) Introdução:

O mundo moderno passou por um processo de esclarecimento, que culminou com a


separação das igrejas e do Estado, as ditas secularização e laicização, um projeto
cultural e civilizacional, onde as ordens sociais e políticas baseiam-se em valores
profanos, em oposição às forças mágicas e divinas das sociedades tradicionais. A
modernidade propõe-se um projeto que se caracteriza pela emancipação e
autonomização das diversas esferas da vida social do controle da religião. Enquanto a
secularização apresenta uma dimensão sócio-cultural, a laicização revela uma dimensão
sócio-política estritamente conectada com a relação Estado e religião.

Por outro lado, o desenvolvimento da ciência, da técnica e do racionalismo faz recuar as


concepções sacrais e religiosas do homem e do mundo. Sendo assim, todo esse
fenômeno da modernidade demonstra a ânsia por deixar de lado a forte influência
religiosa percebida na Idade Média, em busca do fortalecimento de um Estado laico e de
uma cultura social dessacralizada.

Em poucas palavras, este é o contexto que anuncia as obras de referência de Nietzsche


neste segundo período do século XIX. E a “morte de Deus”, sentença emblemática da
crise de valores do absoluto, propõe o necessário esvaziamento das crenças
sobrenaturais e das superstições em geral.

O nosso projeto “Sobre a morte de Deus”, trata desta noção em Nietzsche,


direcionamento a problemática para pelo menos dois sentidos: numa disposição mais
histórica, compreendendo esse novo lugar do homem na nova realidade secular, onde a
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realidade profana vem tomar o lugar do Ser divino; e, situando-se a partir de uma
proposta particular na filosofia nietzschiana, pretendemos abordar com ênfase especial
ambos os aspectos da “morte de Deus” – um ponto de vista metafísico e outro moral.

A “morte de Deus” desde o aspecto metafísico representará a decadência e o fim de


conceitos metafísicos como Bem e Mal, que, na história da tradição, terá seu início na
filosofia de Platão, sua vigência ao longo de nossos dois mil séculos, Nietzsche pretende
fazer a crítica da filosofia platônica, acusando-a de responsável pela determinação e
decadência do pensamento Ocidental como um todo. Platão é a marca do início e do fim
da metafísica e seu fim marcado no anúncio da modernidade, o fim de Deus e a crise da
subjetividade. Analisar essa relação de Nietzsche com a crise do pensamento de Platão
de todos os tempos, marcará um primeiro momento do trabalho no sentido de demarcar
a questão da “morte de Deus”.

No segundo significado da perda de sentido e da desqualificação da consideração do


problema sagrado, divino, no contexto filosófico-social, ressaltaremos os aspectos dos
valores morais, seus contornos burgueses e, sobretudo, cristãos. Esse traço moral da
“morte de Deus” vem junto com o corte metafísico de sua consideração. Toda
problemática especialmente moral da obra de Nietzsche pretende-se autonomizada da
questão metafísica. Assim, em a Genealogia da Moral , cria um estratagema de fugir à
porção “para além de bem e de mal” de seu problema dos valores. A apresentação de
uma “moral de rebanho”, cristã, também faz parte de uma primeira abordagem
sistemática do Cristianismo.

Mas se Deus é morto, qual seu significado a partir do Cristianismo? De uma perspectiva
metafísica, o Cristianismo seria, segundo Nietzsche, a continuação do platonismo, na
teoria dos dois mundos, da negação do corpo, portanto, da vida, da crença na alma.
queda da filosofia metafísica dual numa religião transcendente Por outro lado, pouco
problematizando a suposição da existência ou não de Deus, Nietzsche se especializará
nas considerações morais do mundo cristão, a culpa e o ressentimento, a figura negativa
do sacerdote e o poder derivado da deturpação da significação da morte na cruz. A
“morte de Deus” apresenta-se aqui num sentido bem próximo ao do desaparecimento do
divino, seu suplício e sua possibilidade.
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Em seguida, após enfatizarmos as perspectivas metafísico-morais da “morte de Deus”,


apontaremos alguns desdobramentos da filosofia nietzschiana, conceitos chave de seu
pensamento, que nos ajudarão a alcançar o contexto maior de nossa questão “Sobre a
morte de Deus”. Destacamos apenas alguns: a “moral do servo”, a “moral do senhor”, a
do “aristocrata”, o niilismo, a “transvaloração dos valores”, o super-homem e a vontade
de poder, o eterno retorno, etc.

A relevância em se estudar “Sobre a morte de Deus” se dá na medida em que este tema


é o tema central na obra de Nietzsche, que com sua expressão feliz abriu um universo de
possibilidades na hermenêutica da questão, seja na filosofia, na metafísica e na teologia.
Além disso, examinando o problema da “morte de Deus” nos dias de hoje, podemos
entender melhor a crise global de valores no mundo contemporâneo, apreender os
efeitos nefastos na sociedade, reelaborar as considerações e prioridades morais da
humanidade, e, traçar novos rumos para a compreensão do novo ateísmo no mundo. O
advento da modernidade, com suas crises e rupturas, insere-se bem na linha do
horizonte do justo pensamento inserido na Cultura Ocidental tão criticada e contestada
por Nietzsche, o filósofo do Martelo. Afinal, qual a verdade da “morte de Deus” hoje

5) DESENVOLVIMENTO:

Tal como a moral a intenção da metafísica é alcançar uma perspectiva absoluta sobre a
realidade, um ponto de vista que abarca todos os pontos de vista de modo que possa
atribuir um conhecimento válido para qualquer indivíduo em qualquer situação.

Tanto em Nietzsche quanto em Platão, Deus diz respeito ao substrato último da realidade,
seja na forma de essência, substância, princípio, fundamento, etc. Quanto à imagem do sol,
ambos os filósofos a compreendem de um mesmo modo: o ente metafísico, supremo,
absoluto e divino, princípio de subsistência dos demais entes e fonte de significação da
existência humana. Por outro lado, apesar de suas descrições do Deus metafísico
coincidirem, o objetivo de cada um dos filósofos diverge imensamente. Enquanto Platão visa
implantar o fundamento último da realidade, Nietzsche pretende exatamente denunciar esse
mesmo fundamento, como a anunciar o fim de sua vigência e eficácia na história do
pensamento Ocidental.

A crítica que Nietzsche faz ao pensamento metafísico desde seus primórdios com
Sócrates e Platão, diz respeito a princípios morais. Assim, todo o idealismo platônico
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seguirá o padrão de, em sendo metafísico, sê-lo também moral; e, contrariosenso,


assumindo um caráter moral, somente o será se se também realizar no âmbito
metafísico. Compreendemos, desse modo, o sentido platônico de bondade, onde sendo
“bom”, mas desprovido da característica moral, deixa de sê-lo. O cavalo é “bom”,
cumpre bem sua capacidade, mas “bom” é o médico que, além de assumir a sua
habilidade, faz bem a sua função, cura, é um “bom” médico.

Conceitos de Bom, de Verdade e de Bem, ideais transcendentes que chegaram a


Nietzsche com uma roupagem toda própria. Não é possível, após a genealogia e a
transmutação dos valores, compreender cada um desses conceitos de um ponto de vista
a eminentemente essencial e metafísico. Nietzsche apresentará a sua crítica. As
verdades absolutas com Nietzsche são destruídas, pondo em cheque toda a modernidade
e sua esperança em uma verdade universal.

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Nietzsche não parece preocupado em discutir o problema teológico da existência de Deus, a


sua preocupação se faz sentir no momento em que uma tal crença se manifesta na realidade,
bem como no modo de seu surgimento, e de como passou a não ter mais importância no
mundo dos homens. Desse modo, face à afirmação decisiva da “morte de Deus”, o que tem
Nietzsche a nos dizer? Em seu primeiro texto explicitamente relacionado a esse tema, em A
Gaia Ciência (1882), em O “homem louco”, nos dirá:

“Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu
uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: “Procuro
Deus! Procuro Deus!”? – E como lá se encontrassem muitos daqueles que não
criam em Deus, ele despertou com isso uma grande gargalhada”. (NIETZSCHE,
2012, p.137).

Diante do texto supramencionado, resta a seguinte questão: qual o sentido em se anunciar a


morte de Deus a quem absolutamente não crê nessa existência? Aqui reafirmamos a
interpretação de que o Deus a que Nietzsche faz referência não seja outro senão o evento do
fim da metafísica, da perda dos fundamentos, e não a ausência de qualquer Deus monoteísta
da tradição. O mencionado fragmento, com a apresentação das imagens metafóricas
representando Deus, é a prova deste nosso ponto de vista:
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“Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para
apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra de seu sol? Para onde se
move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não
caímos continuamente? Para trás, para os lados, para a frente, em todas as
direções? (...) Não anoitece eternamente? Não temos que acender lanternas de
manhã?” (NIETZSCHE, 2012, p.137).

Exatamente nessa passagem, o homem louco dá algumas dicas sobre as características do


Deus assassinado, qual o seu sentido e também o seu conteúdo semântico. Assim, se esse
Deus da parábola pouco diz respeito a um ente pessoal, como o das tradições bíblicas,
buscaremos então nas metáforas anunciadas o sentido desse Deus a que faz referência o
homem louco quando se dirige aos demais homens descrentes do mercado.

O mar inteiramente bebido traz as ideias de inesgotabilidade, infinitude e universalidade. O


horizonte encerra em si as ideias de transcendência e incompreensibilidade. E, por fim, o sol
traz características como superioridade, centralidade e a condição de possibilidade de
sustentação do mundo. De fato, a referência ao sol no conto é a mais extensa. O homem
louco preocupa-se com o desatar da terra do seu sol, predizendo-nos uma queda contínua
para todos os lados, e um vagar “como que através de um nada infinito”. Num sentido geral,
as qualidades gerais do sol em sua centralidade, evocam também o caráter universal e o
perene. Seguindo a tradição, são essas as mesmas qualidades do Deus Sol de Platão. Em
suma, no tocante à “morte de Deus”, Nietzsche está claramente a dialogar com a filosofia
platônica. As figuras do mar, do horizonte e do sol indicam a perenidade e a presença
universal de uma estrutura cósmica que as aproxima do Deus de Platão.

Tanto em Nietzsche quanto em Platão, Deus diz respeito ao substrato último da realidade,
seja na forma de essência, substância, princípio, fundamento, etc. Quanto à imagem do sol,
ambos os filósofos a compreendem de um mesmo modo: o ente metafísico, supremo,
absoluto e divino, princípio de subsistência dos demais entes e fonte de significação da
existência humana. Por outro lado, apesar de suas descrições do Deus metafísico
coincidirem, o objetivo de cada um dos filósofos diverge imensamente. Enquanto Platão visa
implantar o fundamento último da realidade, Nietzsche pretende exatamente denunciar esse
mesmo fundamento, como a anunciar o fim de sua vigência e eficácia na história do
pensamento Ocidental.

Segundo Platão, o Sol é filho do Bem, assim, ambos dão causa à existência de outros
seres, o sol dando visibilidade às coisas do mundo, bem como sustentação e condições
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para sua existência, e a ideia do Bem, invisível, mas inteligível, doando sentido para as
demais ideias, inter-relacionando-se com estas.

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Tal como a moral a intenção da metafísica é alcançar uma perspectiva absoluta sobre a
realidade, um ponto de vista que abarca todos os pontos de vista de modo que possa
atribuir um conhecimento válido para qualquer indivíduo em qualquer situação.

Tanto em Nietzsche quanto em Platão, Deus diz respeito ao substrato último da realidade,
seja na forma de essência, substância, princípio, fundamento, etc. Quanto à imagem do sol,
ambos os filósofos a compreendem de um mesmo modo: o ente metafísico, supremo,
absoluto e divino, princípio de subsistência dos demais entes e fonte de significação da
existência humana. Por outro lado, apesar de suas descrições do Deus metafísico
coincidirem, o objetivo de cada um dos filósofos diverge imensamente. Enquanto Platão visa
implantar o fundamento último da realidade, Nietzsche pretende exatamente denunciar esse
mesmo fundamento, como a anunciar o fim de sua vigência e eficácia na história do
pensamento Ocidental.

A crítica que Nietzsche faz ao pensamento metafísico desde seus primórdios com
Sócrates e Platão, diz respeito a princípios morais. Assim, todo o idealismo platônico
seguirá o padrão de, em sendo metafísico, sê-lo também moral; e, contrariossenso,
assumindo um caráter moral, somente o será se se também realizar no âmbito
metafísico. Compreendemos, desse modo, o sentido platônico de bondade, onde sendo
“bom”, mas desprovido da característica moral, deixa de sê-lo. O cavalo é “bom”,
cumpre bem sua capacidade, mas “bom” é o médico que, além de assumir a sua
habilidade, faz bem a sua função, cura, é um “bom” médico.

Conceitos de Bom, de Verdade e de Bem, ideais transcendentes que chegaram a


Nietzsche com uma roupagem toda própria. Não é possível, após a genealogia e a
transmutação dos valores, compreender cada um desses conceitos de um ponto de vista
a eminentemente essencial e metafísico. Nietzsche apresentará a sua crítica. As
verdades absolutas com Nietzsche são destruídas, pondo em cheque toda a modernidade
e sua esperança em uma verdade universal.
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IDEIA DE BEM ????

Assim, na pista de Platão e do Deus-sol, a ideia do Bem evoca um duplo sentido para a
filosofia da “morte de Deus” em Nietzsche: o sentido do início da metafísica, e a
vigência de uma ideia divina transcendente vigente durante dois milênios. A ideia do
Bem é transcendente e inteligível, é a causa mas não a gênese de todas as coisas no
mundo sensível, e também a determinação de todas as outras ideias, ou seja, a ideia
suprema. Nem mesmo o demiurgo, plasmador de todas as coisas a partir do mundo das
ideias, é um criador ex nihilo, vindo do nada, pois a matéria para os gregos é incriada, e
somente posteriormente será submetida à ação desse demiurgo. Já a ideia do Bem serve
de modelo à criação, e de algum modo sustém os demais seres por meio das ideias.

A tarefa de Nietzsche é fazer uma crítica radical dos fundamentos platônicos, mostrar
que a tradição filosófica ocidental parte da dicotomia instalada em sua teoria das ideias ,
uma divisão entre o mundo aparente e o mundo verdadeiro, traçando uma ruptura
radical entre a antítese sensível e inteligível. Segundo essa perspectiva metafísica, o
mundo aparente é enganoso, e está submetido ao critério último da ideia do Bem, ideia
suprema e determinante de todas as outras coisas ideais, modelo do mundo material.

Tanto em Nietzsche quanto em Platão, Deus diz respeito ao substrato último da


realidade, seja na forma de essência, substância, princípio, fundamento, etc. Quanto à
imagem do sol, filho do Bem, ambos os filósofos a compreendem de um mesmo modo:
o ente metafísico, supremo, absoluto e divino, princípio de subsistência dos demais
entes e fonte de significação da existência humana. Por outro lado, apesar de suas
descrições do Deus metafísico coincidirem, o objetivo de cada um dos filósofos diverge
imensamente. Enquanto Platão visa implantar o fundamento último da realidade,
Nietzsche pretende exatamente denunciar esse mesmo fundamento, como a anunciar o
fim de sua vigência e eficácia na história do pensamento Ocidental.

Mas é um traço da tradição que a ideia do Bem seja suprema, inter-relacionada com as
demais ideias metafísicas, analogamente se coloca no papel do Sol, tornando inteligível
no âmbito da razão, e sustendo o restante mundo ideal, ou seja, cumprindo a função de
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Deus. A ideia de Bem é transcendente e divinal. Não à toa, ao longo da História do


Pensamento Ocidental, literalmente, o Bem chega a tomar o lugar de Deus, assumindo
todas as consequências de um mundo dual, real e sensível, essencial e aparente, e, além
de tudo, eminentemente moral. Nietzsche é quem chamará para si a responsabilidade de
exconjunrar esse ente metafísico, configurado na fórmula “para além do bem e do mal”.

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VERDADE

Em seguida ao Bem, temos a Verdade, ideia metafísico-moral, princípio de realidade e


verídica. A verdade é a sustentação suprassensível e metafísica, que foi desenvolvida
desde Platão até o princípio científico vigente da tradição a nossos dias atuais.

A vontade de verdade, conceito este elaborado na filosofia crítica de Nietzsche, se


manifesta desde Platão, como desprezo pelo mundo, espiritual e abstrato, torna-se uma
“busca da verdade” que impede o fluxo da vida. A “vontade de verdade” difunde seus
valores segundo uma única verdade ou, segundo os critérios atuais, uma única ideia de
ciência.

Vê-se que a ciência repousa numa crença, e de que a questão de se a verdade deve ou
não ser necessária caberá a uma crença. A resposta contra essa absoluta vontade de
verdade nos é dada pelo próprio Nietzsche: “ nada é mais necessário do que a verdade, e
em relação a ela tudo o mais é de valor secundário”.(2014, p.208). Como se vê, nem
tanto vale a resposta pela necessidade da verdade quanto à crença nessa vontade de
verdade.

A verdade vem sendo postulada como Ser, como Deus, como instância suprema. A
vontade de verdade seria uma crença na medida em que suporia a superioridade da
verdade, crença esta que sustentaria a ciência. E Nietzsche desacreditaria na hipótese
corrente e metafísica do princípio de que, o verdadeiro seria superior ao falso.

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O BOM
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O Justo, o Belo, o Verdadeiro, o Bom são ideias inteligíveis, iluminadas pela ideia suprema do Bem, que dá
vida a cada uma delas, inter-relacionando-as. Na medida em que não encontram-se no mundo dos sentidos,
serão acessadas pelo mundo inteligível, pelo entendimento. Na filosofia de Platão, é bom aquilo que
realiza a finalidade que lhe é própria. Assim, o bom cavalo é aquele que cumpre bem sua função. O bom
médico será quem cumpre com habilidade seu exercício, a cura, por exemplo. Mas, como aferir a distinção
entre a bondade material e a bondade transcendente? Há, portanto, uma distinção essencial entre ser bom, e
ser bom moralmente. Tanto um cavalo quanto um vinho podem ser bons, mas não podem ser
moralmente bons. E tanto um médico quanto um músico podem ser habilidosos em suas
respectivas artes, sem que isso signifique que eles sejam moralmente bons.

A justiça pode ser conveniente e também útil; mas são essas qualidades transcendentes? Assim, para Platão
somente a existência de um critério moral transcendente (o bem em si) permitir-nos-á avaliar objetivamente
a moralidade de uma determinada situação concreta. O Bom é Belo, e o Belo é Bom. Se estão todas elas
ligadas pela ideia do Bem, são todas essas ideias da mesma natureza: metafísicas, verídicas e inteligentes.
No caso do justo, por exemplo, somente quando atingirmos o conceito de justiça nela mesma, a justiça em
si, estaremos de posse de um bem moral, de um bom estado moral, de uma justa experiência.

A bondade inteligível deve ser medida segundo parâmetros morais. Desse modo, entendemos a
comunicação entre a ideia do bom e a ideia do Bem, no sentido de tornar-se metafísica. Para o idealismo
platônico, tem valor moral a sociedade que se funda em torno de critérios metafísicos. Nesse sentido,
compreenderemos a crítica nietzschiana ao conceito de “bom” metafísico.

[[[[[[[[[[[[[[[ [[[[[[[[ Em suas novas pesquisas genealógicas, Nietzsche acusa os historiadores da moral a quem
falta o espírito histórico, quando trata-se de precisar a origem do conceito e do valor “bom”. De uma oposição,
fundamental, entre uma raça superior e dominadora, em oposição a uma raça inferior e baixa, deu-se a origem da
antítese entre “bom” e “mau”. De uma transformação de ideias, palavras e raízes que significam “bom” tornam o que
“homens superiores” se sentiam de uma classe superior. Nos dirá Nietzsche em relação à sua última obra, Além do
bem e do mal ... Que pelo menos não quer dizer: Além do bom e do mau. Não há possibilidade de tornar
valores morais em metafísicos.
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Nietzsche não tem por pretensão atestar o ateísmo quando lança essa ideia da “morte de
Deus”, mas assinalar a desvalorização dos valores morais de sua época. Deus é a
sustentação suprassensível, metafísica, que foi desenvolvida desde Platão no Ocidente,
não sendo mais acatada na modernidade como fundante e verídico. As verdades
absolutas com Nietzsche são destruídas, pondo em cheque toda a modernidade e sua
esperança em uma verdade universal.

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A teoria das ideias, amparada no mundo separado, supremo e perfeito, no Cristianismo


dará lugar ao inferno das almas que sofrem e ao paraíso das recompensas. Nietzsche nos
dirá em Para Além do Bem e do Mal (1886), que “o Cristianismo é o platonismo para o
povo” (NIETSCHE, 2001, p.14). Assim, a metafísica convertida em religião popular se
realizará numa fórmula “para além de bem e de mal”. [ o racionalismo socrático, N.
critica o gesto de fundação da tradição de pensamento metafísico-moral]. [ seu caráter
voltado contra a tradição de pensamento metafísico a partir de uma rejeição do próprio
momento em que tal tradição teria sido inaugurada, com Sócrates e Platão].

A obra nietzschiana chave sobre o Cristianismo encontra-se em O Anticristo (1895).


Contudo, um pouco antes, em A Genealogia da Moral (1887), Nietzsche proporá uma
teoria surpreendente em termos metodológicos que antecipará o tema da origem da
moral relacionada à transmutação de uma moral escrava, cristã. A genealogia se opõe à
ideia de essência, a algo que seja dado. Através desse procedimento genealógico, a
história é apresentada a fim de compreender o comportamento humano. Com o recurso
da linguagem, da filologia e da etimologia, os conceitos propostos deixam de ser uma
essência para ganhar um sentido histórico novo. Novos valores são afirmados em
detrimento de outros mais antigos, e a proposta maior é a de avaliar o próprio valor dos
valores.

Os estudos da genealogia apontam para ao menos duas morais distintas. Elas


interpretam, avaliam e postulam juízos de valor acerca de si e da vida, consistindo,
assim, cada uma delas, num tipo de moral específica: a “moral de senhores” e a “moral
dos escravos”. Segundo Nietzsche, através do Cristianismo operou-se uma rebelião
escrava da moral, ou seja, os valores nobres foram apropriados pelos escravos e
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invertidos, concebendo-se a virada judaico-cristã. Ainda na interpretação da


Genealogia, os sacerdotes judeus inverteram a equação dos valores aristocráticos
tornando os saudáveis maus, e os impotentes doentes tornaram-se os bons. Assim, no
Cristianismo são compreendidos os ideais dos fracos, aqueles pobres, sem energia, bem
como seus anseios de ódio e de vingança. Ao mesmo tempo em que gerou-se um
desprezo pela concepção aristocrática de bem e de bom, do que é nobre, poderoso, belo,
feliz, caro aos deuses.

Nietzsche vislumbra algo de mórbido e neurastênico em todos os sacerdotes, de todos os


tempos. Deve-se ao modo de valorar dos sacerdotes, mais claramente os judeus, a
emancipação dos escravos na moral, que tem sido vitoriosa por vinte séculos de história.
O aspecto vingativo dessa classe sacerdotal visa sobretudo à negação da vida, o
confrangimento dos afetos e a exaltação da culpa. É segundo seu projeto de destruição
da moral e em defesa dos instintos, que Nietzsche promove uma investida à Religião
cristã.

“Só um povo de sacerdotes, um povo de vingança retraída, podia obrar assim.


Os judeus, com uma lógica formidável, enfrentaram e inverteram
temivelmente a aristocrática escala dos valores (...). E, com o encarniçamento
do ódio da impotência, afirmaram: “Só os desgraçados são bons; os pobres,
os impotentes, os pequenos são os bons; os que sofrem, os necessitados, os
enfermos são os piedosos, são os benditos de Deus; só a eles pertencerá a
bem-aventurança;” (NIETZSCHE, 2011, p.39).

Em O Anticristo, Nietzsche descreverá sua polêmica tese sobre a origem do Cristianismo,


afirmando ser seu verdadeiro fundador Paulo, e não Jesus. Na verdade, nesta obra, Nietzsche
pretende reescrever a “autêntica” história do Cristianismo, e assim declarar que não houve
senão “um único cristão, e esse morreu na cruz”(NIETZSCHE, 2002, p.59). Com essa
distinção, vê-se a inclinação de Nietzsche pela personagem de Jesus, enquanto traz à luz
uma nova versão do sacerdote Paulo, aquele cheio de ódio, aquele tomado pelo poder. “O
“Evangelho” morreu na cruz” (NIETZSCHE, 2002, p.59); e assim Nietzsche aproxima a
representação de Jesus da do “Espírito Livre”.

A única verdadeira crítica que Nietzsche faz a Jesus está em sua compaixão e no amor
aos fracassados, que com isso nega-lhes a oportunidade de ultrapassar o fracasso e
tornar-se forte em si. Retomando sua tese da moral dos fortes, a interpretação
nietzschiana dirá ter sido Jesus aquele que atentou contra a lei natural da força,
culpabilizando os nobres naquilo que eles tenham de mais alto e significativo,
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diminuindo-os aos olhos de Deus, do mesmo modo que exalte de modo inverso os
pobres, os fracassados, os escravos do espírito. “Pois mais fácil é passar um camelo pelo
fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus” (Lucas:24-25). Desse
modo, pode-se afirmar com Nietzsche que o grande triunfo dos impotentes sobre a
aristocracia guerreira deu-se através do “amor” de Cristo.

E uma consequência imediata desse evento da “morte de Deus”, encontraremos no


evento do niilismo e sua manifestação na cultura de seu tempo. Importa abordarmos este
tópico em especial, na medida em que ele é o prenunciador da decadência total do
homem e de seus valores, a encarnação do “último homem”, prenunciador do ocaso do
homem em Assim Falou Zaratustra (1885). De certa forma, o niilismo parece estar
diretamente ligado ao colapso gerado pela perda do princípio metafísico, de Deus. A
humanidade perdeu o seu referencial absoluto e o que restou foi o nada. O niilismo vem
da palavra latina ‘nihil’, “nada”, e esse estado de nada é a consequência direta da falta
de fundamento que se esgotou. De outro modo, o niilismo é gerado pela perda de uma
base absoluta para a moralidade. De um jeito ou de outro, diante de um vazio no campo
dos valores, surge um nada, um esgotamento a que o homem não sabe dar resposta.

Diante da crise de valores, do colapso do absoluto, não resta ao homem criador senão
lançar as bases dos novos valores, proceder à crítica do valor dos valores, compreender
esse niilismo transvalorativo como solução da crise dos valores.

Mas é só pela metamorfose do homem que reconhece a “morte de Deus” que a


“transvaloração dos valores” se faz possível. É quando a Terra surge, o grande seio da
mãe geratriz de todos os seres, acolhedora das dimensões dos instintos, dos impulsos,
dos afetos e da vontade de poder. Em Assim falou Zaratustra, diante da “morte de
Deus”, Zaratustra substituirá todos os “transmundos” pelo valor vida, pela afirmação
dessa dimensão física relacionada à Terra.

“Escutai-me, antes, a mim, meus irmãos, escutai a voz do corpo são; é


uma voz mais honesta e mais pura. De modo mais honesto e mais puro
fala o corpo são, perfeito, quadrado; e fala do sentido da terra. Assim
falou Zaratustra.” ( NIETZSCHE, 1989, p.50)

Proporá o filósofo a “transvaloração de todos os valores”, invertendo a moral dos


escravos, no sentido do resgate de uma moral aristocrática, afirmadora de todos aqueles
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valores fundados nos instintos e na vida como um todo e especialmente na vontade de


poder. É urgente, pois, suprimir o além e voltar-se para a Terra; é premente entender
que eterna é esta vida tal como a vivemos aqui e agora.

Após a morte de Deus, Nietzsche irá pregar a vinda dos criadores, aqueles que
quebrarão as velhas tábuas dos valores. Assim, completamente necessária ao super-
homem é a morte do homem. Zaratustra ama aqueles que dão causa ao ocaso do
homem, pois daí surgirá uma estrela brilhante.

“Olhai-os, os bons e os jusos! A quem odeiam mais que todos? Àquele que
parte suas tábuas de valores, o destruidor, o criminoso; - mas esse é o
criador.” (NIETZSCHE, 1989, p.39).

A “morte de Deus” em Nietzsche é sinônimo do desaparecimento do homem. Foucault


será aquele que confirmará essa tese, desenvolvendo em sua teoria a Morte do Homem.
Para começar, repetindo Deleuze, nem sempre esse homem existiu, nem tampouco para
sempre existirá. A construção das epistemes, conceito novo que Foucault introduzirá em
sua obra As Palavras e as Coisas, afirmará que o Homem não existe há mais de dois
séculos, o tempo do colapso da Idade Clássica e o começo da Idade Moderna.

A teoria central da obra de Foucault, que promove a sua crença na Morte do Homem,
coloca a episteme no centro de tudo, causando uma ruptura no tempo, ao mesmo tempo
que sustenta uma estrutura inconsciente, subterrânea, e promotora das noções de saber,
conhecimento, ciência, etc. Em suma, o importante na introdução dessa novidade no
campo do conhecimento em Foucault está em que, subsistem estruturas ocultas sob
nossa própria ordem das coisas, e que, em absoluto, são movidas por forças humanas.

O importante é compreender como formas modernas de conhecimento se originam de


uma ruptura fundamental na história das ideias, não sendo simplesmente
desenvolvimentos mais avançados de modos anteriores de conhecimento. Por exemplo,
a episteme da Idade Clássica elabora a ideia de Deus e a do princípio de sujeito
subsumido a este. A Idade Moderna promove a Morte de Deus e com ela promete ao
pensamento filosófico um novo começo com o fim do sujeito e do homem. Foucault e a
Morte do Homem situam o acontecimento como uma possibilidade de inaugurar uma
nova episteme. O vazio deixado pelo desaparecimento do homem abre espaço para o
novamente pensar.
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“Se a descoberta do Retorno é, realmente, o fim da filosofia, então o


fim do homem é o retorno do começo da filosofia. Em nossos dias não
se pode mais pensar senão no vazio do homem desaparecido. Pois esse
vazio não escava uma carência; não prescreve uma lacuna a ser
preenchida. Não é mais nem menos que o desdobrar de um espaço
onde, enfim, é de novo possível pensar”. (FOUCAULT, 1990, p.472).

6) METODOLOGIA

Nosso trabalho se caracteriza por uma pesquisa de aspecto teórico, na qual objetivamos em
um primeiro momento:

- Realizar os cursos e disciplinas obrigatórias

- Realizar levantamento bibliográfico das fontes necessárias para abordar o tema e os


problemas a serem tratados

- Fichamento dos textos e livros que compõe nossa bibliografia

- Sob orientação, desenvolvimento dos problemas e formulação de nossa hipótese

- Desenvolvimento da escrita da tese

7) PLANO DE TRABALHO

Abaixo um esboço do plano de atividades que pretendemos desenvolver


15

1O BIM 2O BIM 3O BIM 4O BIM

ANO 2021 Disciplinas Disciplinas Disciplinas Disciplinas


obrigatórias obrigatórias obrigatórias obrigatórias

Levantamento Levantamento Levantamento Levantamento


bibliográfico bibliográfico bibliográfico bibliográfico

Pesquisa dos Redação da Desenvolvimento Desenvolvimento


elementos para a Introdução
Da tese ( Capítulo Da tese ( Capítulo 1:
composição da
Introdução 1: “ Platão e a “ Platão e a
Metafísica”) Metafísica”)

ANO 2022 Pesquisa Pesquisa Pesquisa Pesquisa


bibliográfica bibliográfica bibliográfica bibliográfica

Fichamento Fichamento Fichamento Fichamento

Orientação Orientação Orientação Orientação

Desenvolvimento Desenvolvimento Desenvolvimento Desenvolvimento Da


Da tese ( Cap.1: “ Da tese ( Cap.2: Da tese ( Cap.2.1: tese ( Cap.3: “
Platão, a ideia do “A morte de A “morte de Genealogia da
Bem e o início da Deus” em Deus” em Moral: “moral dos
Metafísica”; cap. Nietzsche: a Gaia Nietzsche: ‘Assim escravos” e
1.1: “Platão e a Ciência e o Falou transmutação
decadência do “homem louco”) Zaratustra’”) judaico-cristã.
pensamento
:
Ocidental”)

ANO 2023 Pesquisa Pesquisa Pesquisa Pesquisa


bibliográfica bibliográfica bibliográfica bibliográfica

Fichamento Fichamento Fichamento Fichamento

Orientação Orientação Orientação Orientação

Desenvolvimento Desenvolvimento Desenvolvimento Desenvolvimento Da


Da tese ( Cap.4: “ Da tese ( Cap.5: Da tese ( Cap.6: tese ( Considerações
‘O Anticristo e a “Transvaloração “Deleuze, finais: Herdeiros da
reforma do dos valores”: o Foucault e a “morte de Deus” na
Cristianismo”) sentido da Terra, Morte do contemporaneidade:
vontade de Homem ”) teólogos radicais e
poder, e, eterno
16

retorno. neo-ateístas)

ANO 2024 Escrita da tese Escrita da tese Escrita da tese Escrita da tese

Redação final Redação final Redação final Redação final

Correções

Defesa

8) BIBLIOGRAFIA:

. ANDLER, Charles. Nietzsche: vida e pensamento, vol.II, Contraponto, R.J., 2016.

. ALTIZER, Thomas J.J. & HAMILTON, William. A morte de Deus. Paz e Terra,
R.J., 1967.

. DELEUZE, Gilles. Foucault. Editora brasiliense, S.P., 1988.

_______________ Nietzsche e a Filosofia. RÉS – Editora, Porto, s/d.

. FINK, Eugen. A Filosofia de Nietzsche. Editorial presença, Lisboa, 1988.

. FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas – Uma arqueologia das ciências


humanas, Martins Fontes, S.P, 1990.

_________________ Ditos & Escritos II – Arqueologia das ciências e História dos


Sistemas de Pensamento. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2008.

. HEIDEGGER, Martin. Nietzsche. Forense Universitária, R.J., 2010.

. LEMOS, Fabiano. O Ofício da Origem. Kotter Editorial, Curitiba, 2016.

_______________ Soldados e Centauros: Educação, filosofia e messianismo no


jovem Nietzsche, 1858-1869, Mauad X, R.J., 2015.

. MACHADO, Roberto. Nietzsche e a Verdade. Edições Graal, R.J., 2002.


17

. MENDONÇA, Adriany F. A invenção da metafísica a partir da arte: perspectivas


nietzschianas, Ape’Ku, R.J., 2020.

. NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. Companhia de Bolso, S.P.,2014.

___________________ A Genealogia da Moral. Editora Vozes, Petrópolis, 2011.

___________________ A Vontade de Poder. Contraponto Editora, R.J., 2011.

___________________ Assim Falou Zaratustra: Um livro para todos a para


ninguém. Editora Bertrand Brasil, R.J., 1989.

___________________ Humano, Demasiado Humano: Um livro para


Espíritos Livres. Companhia das Letras, S.P., 2000.

___________________ O Anticristo – Anátema sobre o Cristianismo. Edições


70, Lisboa, 2002.

. SILVA, Leonardo Camargo da; e, SUEIRO, André Luiz. A ideia de Deus


entre Nietzsche e Platão. Revista Contemplação, 2016 (13), p.157-168.

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