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James K. A.

Smith
How (Not) To Be Secular – Reading Charles Tayler
Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 2014
Tradução: Manuel Rainho

Como (não) ser Secular

Onde estamos? Como chegámos até aqui? E de que maneira saber o passado pode
fazer a diferença sobre como iremos avançar – como viver, então, numa era secular?
De modo a fazer justiça à confusa complexidade da nossa era secular, precisamos
de algo como um mapa de “intervalos de tempo”, que não só forneça retratos da corrente
situação existencial mas que também nos possa dar uma ideia do porquê dela ser como é.
Semelhante mapa seria algo fantástico. […] simultaneamente, um trabalho de cartografia
e arqueologia, dando-nos, ao mesmo tempo, a configuração da terra olhando para o
subsolo debaixo dos nossos pés. O meu objetivo neste livro é demonstrar que a obra Uma
Era Secular de Charles Taylor é este tipo de mapa 3D, fotográfico e existencial do nosso
presente, um guia necessário para compreender o nosso tempo. [...]

A questão de Taylor

O nosso objetivo em tentar entender a nossa era secular não é descrever um o quê
e muito menos um cronológico quando, mas antes um analítico como. A questão não é se
a nossa era é menos (ou mais) “religiosa”; nem sequer é a questão de tentar determinar
quando um determinado “interruptor” foi acionado de modo a passarmos, na linguagem
histórico-mundial de Will Durant & Co., de uma “Idade da fé” para uma “Idade da
Razão”. Ao invés, Taylor está focado nas “condições da crença” – uma viragem nas
condições de plausibilidade que torna algo credível [– isto é, passível de ser acreditado,
verosímil –] ou não credível.
Por isso, Uma Era Secular pergunta e volta a perguntar persistentemente múltiplas
variações das mesmas questões:
«Como fomos, na Cristandade, de uma condição em que as pessoas viviam
ingenuamente com uma interpretação teísta, para uma condição onde todos nós nos
situamos entre duas posições que são entendidas exatamente enquanto interpretações; e
onde, para além do mais, a descrença se tenha tornado a maior opção pré-definida [e
automática] para muitos?» 1 (p.14)

1
. Muitos leitores estranham esta afirmação de Taylor porque estão rodeados por
comunidades onde o teísmo não só é muito credível, como também é ainda a norma para
muitos. […] É importante perceber que Taylor tem em mente aqueles ambientes do
Ocidente onde o ceticismo é a regra – seja em termos geográficos (num certo número de
países Europeus) ou em termos de classe social. Relativamente a este último grupo,
considere a descrição de Peter Berger sobre uma elite secular global em “The
Desecularization of the World: A Global Overview” em The Desecularization of the
World: Resurgent Religion and World Politics, ed. Berger (Grand Rapids: Eerdmans,
1999), p. 10. Diz Berger que «Existe uma subcultura internacional composta por pessoas
cuja elevada educação obtida é do tipo Ocidental, secularizada, especialmente nas
humanidades e ciências sociais. Esta subcultura é a principal “embaixadora” dos valores
e crenças Iluministas e progressistas. Apesar dos seus membros serem relativamente
«Porque era virtualmente impossível não acreditar em Deus em, digamos, 1500
da nossa sociedade Ocidental, enquanto que em 2000 muitos de nós acham que [não
acreditar em Deus] é não apenas fácil como até inescapável?» (P.25)

Como todos irão notar, estas questões não estão tão preocupadas com aquilo em
que as pessoas acreditam, tanto como com aquilo que é credível. A diferença entre a nossa
moderna idade “secular” e as eras anteriores não está necessariamente no catálogo de
crenças disponíveis, mas antes nos pressupostos básicos sobre o que é credível.

Taxonomia do Secular em Charles Taylor

Então, o que significa “secular”? O que significa rotular esta era de “secular”? A
questão levantada por Taylor coloca-o no terreno da “teoria da secularização” – uma tese
já antiga que prevê a diminuição da crença religiosa à medida que a modernidade
progride. Semelhante prognóstico nunca foi ainda demonstrado, pelo que muitos debates
acerca da secularização têm incidido na discussão à volta dos dados empíricos relativos
ao ratio das crenças religiosas, etc.
Taylor recusa-se a entrar nesse jogo pois considera-o equivocado, perdendo o ponto
fulcral da questão. Esses debates estão ainda focados nas crenças, mas Tayler, pelo
contrário, julga que a essência do “secular” é uma questão de “credibilidade”. Os
defensores da secularização (e os seus opositores) estão a ladrar à árvore errada porque
se fixam, precisamente, em “expressões” da crença ao invés das “condições” da crença.
Semelhantemente, secularistas que exigem a descontaminação da esfera pública
como uma zona sem religião, tendem a ser um pouco inconscientes relativamente às
questões epistemológicas que se colocam às suas próprias crenças. Por isso, as batalhas
sobre o “secular” tendem a ser inflamadas pela natureza equivocada dos termos.
Vamos clarificar e destacar a nossa análise, adotando o tripé taxonómico utilizado
por Taylor sobre o termo “secular”:

1. Na perspetiva clássica ou medieval, o “secular” corresponde ao “temporal” –


o domínio das políticas deste mundo ou das vocações mundanas. Este é o “secular” da
divisão sagrado/profano (secular). Os padres, por exemplo, almejavam uma vocação
“sagrada” enquanto que o talhante, o padeiro e o fazedor de velas estavam envolvidos em
vocações seculares. Seguindo Taylor, vamos chamar este [sentido de] secular [de Secular
(1)].

2. Na modernidade, principalmente no despertar do Iluminismo [séc. XVIII],


“secular” começou a referir-se ao espaço não religioso, neutral e não sectário. A “esfera
pública” é “secular” quando deixam de ser “paróquias” – por conseguinte, espera-se que
“escolas públicas” sejam “seculares”. Nos finais do século XX as pessoas descrever-se-
ão como “seculares”, querendo dizer com isso que não estão filiados a nenhuma religião
e que não têm crenças religiosas. Iremos referir-nos a este sentido de “secular” como
Secular (2). É esta noção de secular que é assumida tanto pela teoria da secularização
como pela secularização normativa. De acordo com estas, à medida que as culturas
experimentam processos de modernização e avanço tecnológico as forças das crenças

poucos, eles são muito influentes, pois controlam as instituições que providenciam as
“oficiais” definições da realidade, nomeadamente o sistema educacional, os media de
comunicação em massa e os altos lugares do sistema legal».
religiosas enfraquecem face ao moderno desencantamento do mundo. De acordo com a
secularização, os espaços públicos (e as constituições que os criam) devem criar uma
realidade purificada das contingências, particularidades e irracionalidades das crenças
religiosas e, ao invés, ser governadas pela racionalidade universal e neutral.
“Secularismo” é sempre um “secular” [de tipo (2)]. E a teoria da secularização é, de facto,
uma expectativa confiante de que todas as sociedades se tornarão seculares (2) – isto é,
caracterizadas pelo decréscimo da participação e crenças religiosas. Pessoas que se
identificam como “seculares” são normalmente identificadas como areligiosas.

3. mas ainda bem que Taylor articula um terceiro sentido de secular – e é esta
noção que deverá ser entendida através do seu título: Uma Era Secular. Uma sociedade
é secular [agora, no sentido (3)], desde que as crenças religiosas ou a crença em Deus é
percebida como uma crença entre outras e, portanto, contestável (e contestada). O que
está aqui em causa é uma mudança ou transição nas “condições para a crença”. Tal como
Taylor percebeu, a mudança para o secular neste sentido, indica «um movimento de uma
sociedade onde a crença em Deus é incontestada e, de facto, não problemática, para uma
onde é entendida como uma opção entre outras e, frequentemente, não a mais fácil de
abraçar» (p.3). É neste sentido que podemos dizer que vivemos numa “Era secular”,
mesmo que alguma participação religiosa possa ser visível e fervorosa. E é neste sentido
que podemos ainda considerar uma certa “teoria da secularização (3)”. Mas esta será uma
descrição, não de como a religião enfraqueceu nos finais das sociedades modernas, mas
antes como e porque as estruturas de plausibilidade dessas sociedades tornaram a religião
contestável (e contestada). É o surgimento do “Secular (3)” que torna possível o
surgimento do “humanismo exclusivo” – uma radical nova opção no mercado das
crenças, uma visão da vida onde se eclipsa tudo aquilo que está para lá do imanente.

«pela primeira vez na história um puro auto-suficiente humanismo torna-se uma opção
largamente disponível. Quero dizer, um humanismo que não aceita fins para lá da
prosperidade e florescimento humanos, nem nenhuma aliança com algo que não seja essa
mesma prosperidade. Tal nunca ocorreu em nenhuma sociedade anterior» (p. 18).

A nossa era é uma era secular (3) […]Uma sociedade secular (3) pode passar por
um reavivamento religioso onde vastas faixas da população abracem crenças religiosas.
Mas isso nunca irá reverter o relógio da secularização (3); sempre saberemos que
costumávamos acreditar em alguma outra coisa [e que agora há uma vasta] oferta de
visões plausíveis de sentido e significado. Iremos até acreditar no meio das condições da
secularização (3) mas, de facto, a conversão é uma resposta ao secular, não uma fuga ao
mesmo.
Taylor pretende ajudar a compreender como chegámos até aqui: o que mudou?
Como? Em que esta era secular afeta a crença? Quais são os efeitos de tudo isto para o
secularismo (2) enquanto projeto cultural ou ideal político? Quais são as características
do “humanismo exclusivo” que emergem com o secularismo (3)?

[Nota do professor: no programa de Cosmovisão, iremos suspender esta pergunta até


Dezembro. Deixá-la-emos pairar sobre nós, enquanto realizamos um flashback na história
do pensamento europeu, de modo a nos concentrarmos nessa pergunta essencial: Como
chegámos até aqui?]

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