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Introdução à Cosmovisão Reformada(2)

3. A Reforma Protestante
Introdução
Devemos ter em mente que as fronteiras
históricas são sempre difíceis de
demarcar.
•De certo modo são arbitrárias, visto que
as transformações não ocorrem simples-
mente por decreto ou por decisão de um
líder ou concílio.
•Estes, sem dúvida, são muitas vezes
fundamentais para um processo,
contudo, não estabelecem o limite.
•Um outro aspecto, é que normalmente
aquilo que caracteriza um período,
geralmente está ainda como que um
sobrevivente no posterior e, por sua vez,
os elementos saudados como a grande
marca de uma nova fase, já viviam ainda
que embrionariamente e tantas vezes
anônimos, na anterior.
•Ou seja, ainda que nem sempre
prontamente percebido, os movimentos
interagem e coexistem com outros
movimentos e culturas; há sempre um
entrelaçamento dos tempos e dos
movimentos.
• As fronteiras históricas como marcos
alusivos.
Datas estabelecidas
• As fronteiras históricas como marcos
alusivos.
Datas estabelecidas

Período Anterior

Novo Período
A. O Divino e o Humano no Tempo e
na História
A concepção cristã de tempo, mesmo
com as suas variações, influenciou
diretamente todo o mundo ocidental.
•A compreensão de que o tempo tem um
início, meio e fim era totalmente estranha
às culturas pagãs.
• A questão da história e do tempo é
fundamental para o Cristianismo pela sua
própria constituição.
•O Cristianismo é uma religião de história.
•Ele não se ampara em lendas, antes, em
fatos os quais devem ser testemunhados,
visto que têm uma relação direta com a
vida dos que creem.
•O Cristianismo é uma religião de fatos,
palavra e vida.
•Os fatos, corretamente compreendidos,
têm uma relação direta com a nossa vida.
•A fé cristã fundamenta-se no próprio
Cristo: O Deus-Homem.
•Sem o fato histórico da encarnação,
morte e ressurreição de Cristo, podemos
falar até de experiência religiosa, mas
não de experiência cristã.
•A experiência cristã depende fundamen-
talmente destes eventos.
•Quando focamos o nosso olhar na
experiência, corremos o risco de
perdermos a dimensão da essência, do
referente, que é Deus.
•Neste processo, como escreveu Barth
(1886-1968), “a passagem da experiência
do Senhor à experiência de Baal é curta.
O religioso e o sexual são extremamente
semelhantes”.
• Jesus Cristo é o clímax da Revelação; é
a Palavra Final de Deus.
•Nele temos não uma metáfora ou um
sinal, antes, temos o próprio Deus que Se
fez homem na história.
•“Jesus Cristo é a revelação final e
especial de Deus. Porque Jesus Cristo
era verdadeiramente Deus Ele nos
mostrou mais plenamente com quem
Deus era semelhante do que qualquer
outra forma de revelação. Porque Jesus
foi também completamente homem, Ele
falou mais claramente a nós do que pode
fazê-lo qualquer outra forma de
revelação” (James W. Sire).
•A História da Igreja, bem como da
Teologia, tem um lado divino: Deus dirige
a História e, um lado humano: os fatos
compartilhados por todos nós que a
vivemos.
•Os atos de Deus na História não são
objeto de análise do historiador; não
somos Lucas, inspirados infalivelmente
por Deus, apresentando uma interpreta-
ção inspirada.
•A relação entre a história e a teologia é
extremamente complexa e de difícil
interpretação.
• Além disso, é preciso delimitar a esfera
de domínio do historiador e do teólogo.
• Somos homens comuns, que procura-
mos estabelecer métodos, examinar
documentos, fazer-lhes perguntas e
interpretá-los a bem da melhor
compreensão possível do que aconteceu.
• [...]
•O estudo do passado, se devidamente
compreendido, ainda que não
exaustivamente, pode nos levar a
reavaliar as nossas próprias suposições
que, em muitos casos, são “crenças
correntes” já tão bem estabelecidas que
julgávamos acima de qualquer “suspeita”.
•[...]
•A História da Igreja como ciência
histórica, deve apresentar um quadro
histórico e cronológico dos principais
fatos da vida da Igreja do período
analisado.
•Para que isso seja feito com clareza,
tornam-se necessárias fontes documen-
tais, nas quais possamos nos basear para
exaurir as informações de cada época, a
fim de formular um quadro interpretativo
coerente com os documentos disponíveis.
B. A Reforma: Suas Origens
Alguns pontos que caracterizavam a
igreja romana no início do século XVI; ei-
los:
1) O papado era uma potência
religiosa e política e, grande parte da
vida econômica girava em torno das
igrejas paroquiais, ocasionando uma
insatisfação por parte das autoridades
civis, devido à ingerência do papa em
seus negócios.
2) Havia uma corrupção política,
econômica e moral generalizada na
"igreja" e no clero, contribuindo para um
sentimento anti-clerical.
3) Uma profunda carência espiritual: A
igreja tornara-se extremamente meticulo-
sa no confessionário e, ao mesmo tempo,
induzia os fiéis a realizarem boas obras
que, como não poderiam deixar de ser,
eram sempre insuficientes para eliminar o
sentimento de culpa latente.
• Tillich (1886-1965), resume: “Sob tais
condições jamais alguém poderia saber
se seria salvo, pois jamais se pode fazer
o suficiente; ninguém podia receber
doses suficientes do tipo mágico da
graça, nem realizar número suficiente de
méritos e de obras de ascese. Como
resultado desse estado de coisas havia
muita ansiedade no final da Idade
Média”.
4) As tentativas reformistas eram
cruelmente eliminadas pela Inquisição.
5) O Culto há muito que se tornara
apenas num ritual meramente externo,
repleto de superstições, consistindo em
grande parte na leitura da vida dos
santos.
O Nome Protestantismo:

•O nome protestantismo aplicado à


Reforma teve sua origem na Segunda
Dieta de Spira (abril de 1529). Cristãos
imbuídos do mesmo espírito de Lutero,
declaram o seu protesto, reafirmando o
seu apego à Bíblia e à necessidade de
pregá-la contínua e exclusivamente.
• Deste modo, mais do que um simples
protesto, a palavra foi usada no sentido
de testemunho positivo a respeito da
supremacia da Escritura.
•A idéia de protestar é praticamente a
mesma de confessar. “O ‘protesto’ era,
ao mesmo tempo, uma objeção, um
apelo e uma afirmação” (D.F. Wright).
•À pergunta, “qual é a igreja verdadeira e
santa?”, respondem:
•“Não há nenhuma pregação ou doutrina
segura senão aquela que permanece fiel
à Palavra de Deus. Segundo o
mandamento divino, nenhuma outra
doutrina deve ser pregada. Todo texto
das santas e divinas Escrituras deve ser
elucidado e explicado por outros textos.
Esse Livro Santo é necessário, em todas
as coisas, para o cristão; brilha
claramente na sua própria luz e é visto
iluminando as trevas.
•Estamos resolutos, pela graça de Deus e
com a Sua ajuda, a permanecermos
exclusivamente na Palavra de Deus, no
santo Evangelho contido nos livros
bíblicos do Antigo e do Novo Testamento.
Somente essa Palavra deve ser pregada,
e nada que seja contrário a ela. É a única
verdade. É o juiz certo de toda doutrina e
conduta cristã. Não pode nos enganar
nem lograr”.
C. A Reforma como Movimento Reli-
gioso
Os séculos anteriores à Reforma são
descritos como período de grande ansie-
dade.
•“Nos fins da Idade Média pesava na alma
do povo uma tenebrosa melancolia”,
constata o holandês Huizinga.
•Lutero (1483-1546) e as suas famosas
angústias espirituais, espelhava “a
epítome dos medos e das esperanças de
sua época” (T. George).
•Calvino, ainda que não sendo dominado
por esse sentimento, refletia uma
constatação natural: a fragilidade
humana. Sobre os perigos próprios da
vida, relaciona:(*)
•Pascal, mais tarde constataria que “Só o
homem é miserável” e, ao mesmo tempo
grande, porque “ele se conhece
miserável”.
•No entanto, Calvino não termina o seu
argumento numa descrição “existencia-
lista” da vida, mas, na certeza própria de
um coração dominado pela Palavra de
Deus.
• Assim, ele conclui falando da
“incalculável felicidade da mente
piedosa.” “Quando, porém, essa luz da
Divina Providência uma vez dealbou ao
homem piedoso, já não só está aliviado e
libertado da extrema ansiedade e do
temor de que era antes oprimido, mas
ainda de toda preocupação. Pois assim
como, com razão, se arrepia de pavor da
Sorte, também assim ousa entregar-se a
Deus com plena segurança” (*)
•Calvino admite que para qualquer lado
que olharmos encontraremos sempre
desespero, até que tornemos para Deus,
em Quem encontramos estabilidade no
meio de um mundo que se corrompe.
•A Reforma Protestante do século XVI, foi
um movimento eminentemente religioso
e teológico (pelo menos em sua origem);
estando ligada à insatisfação espiritual de
dezenas de pessoas.
• As insatisfações não visam criar uma
nova igreja mas sim, tornar a existente
mais bíblica.
•A Reforma deve ser vista não como um
movimento externo mas sim, como um
movimento interno por parte de
“católicos” piedosos que desejavam
reformar a sua Igreja, revitalizando-a,
transformando-a na Igreja dos fiéis.
•Não podemos nos esquecer que as
mudanças causadas pelo Renascimento
e Humanismo contribuíram para ela;
afinal, a Reforma ocorreu na história,
dentro das categorias tempo e espaço,
onde o homem está inserido.
•A concepção da Reforma como um
movimento originariamente religioso não
implica a compreensão de que ela esteve
restrita a apenas esta esfera da
realidade; pelo contrário, entendemos
que a Reforma foi um movimento de
grande alcance:
• cultural,
• institucional,
• social e
• político
• na história da Europa e, posteriormente
em todo o Ocidente.
• A amplitude da influência da Reforma
em diversos setores da vida estava
implícita em sua própria constituição:
Era impossível alguém abraçar a
Reforma apenas no campo da religião e
continuar em tudo o mais a ser um
homem de uma ética medieval, com a
sua perspectiva da realidade e prática
intocáveis.
•A Reforma em sua própria constituição
era extremamente revolucionária:
“A Reforma ocupou, e deve continuar a
ocupar, um legítimo e significativo lugar
na história das idéias” (McGrath).
•Reconhecendo o aspecto religioso como
força motriz da Reforma e de sua
influência, continua McGrath:
“A relevância história da Reforma não é
apenas inseparável das visões religiosas
dos principais reformadores, mas
também, em grande parte, consequência
das mesmas”.
•É significativo o testemunho de dois
estudiosos católicos, Abbagnano e Visal-
berghi, quando afirmam que, “contribui-
ção fundamental à formação da mentali-
dade moderna foi a reforma religiosa de
Lutero e Calvino”.
D. A Reforma e o Humanismo-Renas-
centista:
Pausa para Refletir
• “A despeito da importância do
humanismo como uma preparação para a
Reforma, a maioria dos humanistas, e
principalmente Erasmo entre eles, nunca
alcançou nem a gravidade da condição
humana, nem o triunfo da graça divina, o
que marcou os reformadores.
O humanismo, assim como o misticismo,
foi parte da estrutura que possibilitou aos
reformadores questionar certas suposi-
ções da tradição recebida, mas que em si
mesma não era suficiente para fornecer
uma resposta duradoura às obsessivas
perguntas da época” (Timothy George).
•“A Reforma foi revolucionária porquanto
se apartou tanto do humanismo católi-
co-romano como do secular”(Schaeffer).
•A Reforma surgiu num contexto Huma-
nista e Renascentista, tendo inclusive
alguns pontos em comum.
•A Reforma sem dúvida pôde se valer das
traduções e edições de obras, inclusive
cristãs, até então desconhecidas ou de
pequeníssima circulação, feitas pelos
humanistas.
• A própria edição do Novo Testamento
Grego feita por Erasmo (1516) se
constitui numa grande evidência do que
estamos dizendo.
• As diferenças são mais profundas do
que as semelhanças  A Reforma não foi
sintética em termos dos valores cristãos
e pagãos.
• Os Reformadores estavam acordes
quanto à centralidade da Palavra de
Deus; na Escritura como sendo a fonte,
para se pensar acerca de Deus.
• Enquanto os humanistas partiam de uma
perspectiva secular, o protestantismo tinha
uma perspectiva e caráter religioso.
•Na Reforma, o ponto de partida não é o
homem; ele não é considerado “a medida
de todas as coisas”; antes, a sua
dignidade consiste em ter sido criado à
imagem de Deus.
•Portanto, a dissociação entre a Renas-
cença e a Reforma teria de ser como foi:
inevitável.
E. A Reforma e a Propagação das
Escrituras
“A Reforma não trouxe perfeição social
ou política, mas ela gradualmente gerou
um aperfeiçoamento vasto e único. O que
o retorno da Reforma aos ensinamentos
bíblicos trouxe para a sociedade foi uma
oportunidade para o exercício de uma
liberdade tremenda, sem recair no caos”
(Schaeffer).
• A Reforma teve como objetivo precí-
puo uma volta às Sagradas Escrituras, a
fim de reformar a Igreja que havia caído
ao longo dos séculos, numa decadên-
cia...
•teológica,
•moral e
•espiritual.
•A preocupação dos reformadores era
principalmente “a reforma da vida, da
adoração e da doutrina à luz da Palavra
de Deus” (Packer).
•Partindo da Palavra passaram a pensar
acerca ...
•de Deus,
•do homem
•e do mundo!
•O princípio protestante do "livre exame"
caminhava na mesma direção do espírito
humanista de rejeição a qualquer
autoridade externa: as coisas são o que
são porque são, não porque outros dizem
que elas sejam.
• Isto é válido para as verdades científicas,
como para as verdades teológicas: Não é
a Igreja que autentica a Palavra por sua
interpretação "oficial", mas, sim, é a Bíblia
que se autentica a Si mesma como
Palavra autoritativa de Deus.
• Na Reforma deu-se uma mudança de
quadro de referência.
•Por isso, podemos falar deste movimento
como tendo um de seus pilares funda-
mentais a questão hermenêutica.
•O “eixo hermenêutico” desloca-se da
tradição da igreja para a compreensão
pessoal da Palavra. (trataremos disso
mais à frente).
•Partindo desses princípios, a Reforma
onde quer que chegasse, se preocupava
em colocar a Bíblia na língua do povo.
•O reavivamento da pregação foi um dos
marcos fundamentais da Reforma.
•Os Reformadores criam que se as
Escrituras estivessem numa língua aces-
sível aos povos, todos os que quisessem
poderiam ouvir a voz de Deus e, todos os
crentes teriam acesso à presença de
Deus.
• Contudo, os reformadores esbarraram
num problema estrutural: o analfabetismo
generalizado entre as massas.
•É digno de nota, que antes mesmo da
Reforma já se tornara visível o esforço por
colocar a Bíblia no idioma nativo de
cada povo.
•John Wycliffe (c. 1320-1384), Nicholas
de Hereford († c. 1420) e John Purvey (c.
1353-1428) traduziram a Bíblia para o
inglês em 1382-1384.
• Lutero traduziu a Bíblia para o alemão,
concluindo o seu trabalho em outubro de
1534.
•A sua tradução é uma obra primorosa,
sendo considerada o marco inicial da
literatura alemã.
•Febvre diz de forma poética, que o
trabalho de Lutero consistiu “numa
assombrosa ressurreição da Palavra.
Estando o mais distante possível de uma
fria exposição, de um labor didático de
um filólogo. Também, é mais do que um
‘trabalho de artista’ em busca de um
estilo pessoal. É o esforço, sem dúvida
dramático, feliz, de um pregador que quer
convencer; ou melhor, de um médico que
quer curar, trazer aos seus irmãos, os
homens, todos os homens, o remédio
milagroso que acaba de curá-lo....”.

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