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CAPÍTULO 1: Nietzsche e as religiões.

1.1. Os Gregos na filosofia de Nietzsche.

1.2. Nietzsche e o Budismo.

Nietzsche compreende os gregos de uma perspectiva interpretativa, o budismo é uma


religião contemporânea. A verdade é que, à época de Nietzsche, o budismo é um estudo
de difícil acesso aos Europeus, que sem comentadores ou traduções em profusão, limita
o entendimento da filosofia. Assim, compreende-se que a maior influência nessa área
dos estudos orientais sobre a obra de Nietzsche tenha sido mesmo a composição a partir
da filosofia de seu mestre Schopenhauer.

É importante notar que, comparativamente, o cristianismo serve de base para a exegese


da filosofia budista, dando uma folga a esta. Nietzsche irá encontrar no budismo uma
religião em ascensão. Apesar do acento pessimista da filosofia toda de Schopenhauer,
Nietzsche irá aproveitar muito da estrutura de seu pensamento. Dor e compaixão: são
dois dos conceitos práticos que irão condicionar as análises de Schopenhauer, do
budismo e também do cristianismo. Nietzsche será aquele que criticará todos eles.

Não há propriamente na obra de Nietzsche um estudo direto do budismo. Pretendemos


aqui explorar o recurso nietzschiano de utilizar-se de metáforas e aproximações. O
principal problema que Nietzsche vê em ambas as religiões é a presença do vazio, do
nada. De diferentes formas, o budismo é acusado de niilista, na medida em que almeja
esse vazio na Iluminação, no Nirvana. Todos devem almejar a iluminação que, embora
não esclarecida pelo Buda, vai dar no nada. É interessante notar que Nietzsche faz uso
de diversas noções do niilismo. Esse do Nirvana búdico. E, sobretudo, aquele que segue
à “morte de Deus”. A superação dos valores elevados da civilização como o Bem, o
Justo, a Verdade, enfim, o Ser. É contra essa elevação de valores metafísicos à categoria
de Deus e o seu ocaso que Nietzsche chamará de “morte de Deus”. Em muitos outros
momentos deste trabalho voltaremos a esse tópico central.

No entanto, de algum modo, toda religião para Nietzsche apresenta uma forma de
diminuição, de força e de vitalidade, na medida em que doa algo de si para o outro.
Nesse sentido, todas apresentariam algum grau de reatividade e o budismo não foge à
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regra. Mas em relação ao cristianismo o budismo aparece como uma religião para o fim
de uma civilização, o contrário da Europa de seus dias. Nietzsche afirmando ser o
budismo a religião do cansaço das civilizações, afirma também estar a Europa Ocidental
longe de alguns propósitos como a serenidade e a mansidão; por isso, o cristianismo, de
uma cultura bárbara não está pronta para a bondade e a serenidade dos homens budistas.
Segundo Nietzsche, o budismo não busca a perfeição; a perfeição é o seu caso.

[[De algum modo, pode-se chegar a alguma aproximação entre esse estado de ‘Nirvana’
e a manifestação do ‘amor fati’ elaborado por Nietzsche. Não há uma transposição de
conceitos, apenas a libertação budista permite pensar em um estado afirmativo como o
gerado pelo ‘amor fati’. [ ] Ao pé da letra, ‘amor ao destino’, ‘amor ao fado’, na
filosofia de Nietzsche significa aceitação integral da vida e do destino humano, mesmo
em seus aspectos mais cruéis e dolorosos. Diga-se, ao eterno retorno: eu digo sim. Algo
um pouco mais complicado, mas que aproxima a circularidade do tempo búdico do
tempo nietzschiano.

No budismo uma só coisa é necessária: lutar contra o sofrimento. O sofrimento se


encontra no centro de todas as preocupações. São as Quatro Nobres Verdades: a
existência do sofrimento, a origem do sofrimento, a cessação do sofrimento e o caminho
da cessação do sofrimento; ou seja o Óctuplo Caminho. O Buda não está interessado em
realizar uma revolução social, não é comunista e sua implicação com o regime de castas
é apenas parcial. O conhecimento das Quatro Nobres Verdades, ou seja, a liberação do
sofrimento ‘dukka’, é condição necessária para alcançar a iluminação ou Nirvana,
‘Nibbhana’.

Para Buda, na realidade, tudo é sofrimento, viver é sofrimento, morrer é sofrimento,


amar um ente querido é sofrimento, perder um ente querido é sofrimento, enfim, tudo o
que envolva afetos e sensibilidade está imerso em sofrimento. Buda não almeja superar
o sofrimento no sentido cristão de almejar uma outra vida, um paraíso. Buda nos fala no
Nirvana, do Nada, do Vazio. E não chega a nos descrever esse nada, apenas acentua
essa qualidade de vazio que Nietzsche irá aproximar ao niilismo num sentido negativo.
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Nesse sentido, budismo e cristianismo manifestam em sua fé a qualidade do nada e


contra isso Nietzsche criará, na verdade oporá, a sua filosofia afirmativa da vida.

O erro do budismo para Nietzsche seria negar a vida, identificar com o nada, a
aniquilação ou nadificação do ‘nibbana’. Mas na verdade, do ponto de vista canônico,
nibbana’ não é algo simplesmente negativo, desde o primeiro sermão se apresenta como
um ideal de liberdade e libertação do sofrimento.

O Nirvana apresenta a possibilidade da cessação do ‘Samsara’, série ininterrupta de


mutações a que a vida é submetida, de que o indivíduo só se libera quando alcança a
libertação. Nesse sentido, o ‘Samsara’ pode vir a ser aproximado ao eterno retorno, isso
se se levar em conta a circunstância da repetição e mais repetições de vidas e existências
no mundo, com algumas especificidades para cada uma dessas duas suposições, mas
ainda assim com uma noção de circularidade de tempo.

Uma só coisa é necessária: lutar contra o sofrimento. A gentileza é o caráter do


budismo. “Nenhum militarismo, o silêncio, a ausência de desejo”, são as palavras
distintivas de Nietzsche [são suas palavras em O Anticristo]. E Buda diz simplesmente
o que pensa:”sofro”. Daí que Nietzsche afirmará ser o budismo a única religião
verdadeiramente positivista dentre as que há. Tendo como centro de todas as
preocupações o sofrimento, sua abordagem é objetiva e fria e o conceito de “Deus” já
não subsiste. [ ]

Citação: Buda dentro da caverna

Ao encarar a si mesma, a tese budista se percebe na ausência de substancialidade, de si e


do mundo, e da natureza insatisfatória das coisas. Percebe-se a dinâmica do sofrimento
e este sofrimento torna possível a libertação do mesmo. O problema do sofrimento é o
problema da impermanência. [ ] Se nada permanece, também não há “eu”, não há
‘atma’, alma, sequer pode-se afirmar a existência de Deus.

Acontece que, o aspecto mais fundamental do budismo, a sua afirmação na dor, muitos
o fazem envergonhados, escondidos, o que não é o caso budista, que coloca a dor no
plano central de toda sua dogmática. Tudo é dor. E esse propósito budista em afirmar a
dor ontologicamente é que será elogiado por Nietzsche. Este não chega a explorar esse
desencadear do fenômeno da dor em suas Quatro Nobres Verdades, que levarão o
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indivíduo à libertação ou ‘Nirvana’. Esse estado final para o budista não significa um
vazio destituído de valor. É o fim de uma vida levada numa prática da virtude, ou
melhor, da sabedoria.

De algum modo, pode-se chegar a alguma aproximação entre esse estado de ‘Nirvana’ e
a manifestação do ‘amor fati’ elaborado por Nietzsche. Não há uma transposição de
conceitos, apenas a libertação budista permite pensar em um estado afirmativo como o
gerado pelo ‘amor fati’. [ ] Ao pé da letra, ‘amor ao destino’, ‘amor ao fado’, na
filosofia de Nietzsche significa aceitação integral da vida e do destino humano, mesmo
em seus aspectos mais cruéis e dolorosos. Diga-se, ao eterno retorno: “eu digo sim”.
Uma circularidade, enfim.

Permitindo-nos algum aprofundamento na filosofia budista, apresentamos as ‘Três


Jóias’ ou ‘Três Refúgios”, que são as três coisas nas quais os budistas procuram a
orientação e a salvação. As “três jóias” são: o Buda ou o Iluminado; o ‘Dharma’ que
corresponde à Lei, aos ensinamentos de Buda; e, a ‘Sangha’, a comunidade ou as
pessoas que praticam o ‘Dharma’, ou seja, a comunidade budista como um todo. [ ]

Importa notar, porém, que a abordagem do budismo realizada por Nietzsche parte da
comparação deste com o cristianismo. Em primeiro lugar, o caráter niilista, nadificador
e pessimista presente em ambas as religiões é o mote de sua crítica. Em seguida vem o
acento grave na compaixão. Schopenhauer é aquele que afirmaria na compaixão uma
depressão dos afetos já que o compassivo ao mesmo tempo que diminui a sua força,
impede o outro de crescer, de reagir. Se ‘Shakyamanibhuda’, o Buda histórico, o
Iluminado, é o buda da compaixão; por outro lado, no cristianismo temos a fé, a
caridade e a esperança, ou seja, compaixão também.

Em todo caso, a compaixão na visão de Nietzsche é uma afeição que deprime, que tira
forças daquele que a concede. Nos estudos de Panaïoti,,este lança uma tese da
compaixão íncita na filosofia nietzschiana, algo como uma configuração da “grande
saúde”].

Pelo fim visado no nada, no ‘Nirvana’, ou em Deus, Nietzsche conecta tudo isso ao
princípio de negação da vida, portanto, do conceito da ‘décadence’

Nietzsche começa a sua elaboração acerca das religiões tomando como parâmetro o
grau de aumento ou de diminuição que estas provocam na vida de cada um. Mais tarde,
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Nietzsche chamará isto de [ vontade de potência ], uma capacidade geral presente em


todos os seres de querer mais potência, seja conservadora seja acrescentadora..

Por fim, um terceiro aspecto,elaborado tanto no contexto do budismo quanto do


cristianismo, é a questão do ideal ascético. Buda e seus monges seguem a mais estreita
disciplina segundo regras do ascetismo. Buda, inclusive, antes de sua iluminação, vive
durante sete anos entre os ascetas mais estritos, até que descobre o caminho do meio. O
ascetismo para Nietzsche representa, antes de tudo, uma negação da vida afirmativa, dos
[desejos], dos instintos e contra [ todo ressentimento]. A mesma leitura será feita contra
os sacerdotes cristãos e judeus.

Na abordagem realizada em A Genealogia da Moral encontra-se uma contrariedade


entre a religiosidade cristã e a espiritualidade budista. O budismo exclui a oração e a
ascese, o estado de bondade lhe parece favorável à saúde.

“Buda luta contra ela (condições fisiológicas) por meio da higiene. Serve-
se da vida ao ar livre, da vida nômada; precaução contra todas as
emoções que produzem a bílis e aquecem o sangue; a ausência de
preocupações”.

[ Nietzsche faz ainda uma aproximação entre o “pregador” “das montanhas, dos lagos e
prados” e a de um Buda. Sua manifestação, a desse Jesus búdico, é como a de um Buda
e afastada daquele “fanático da agressão”, Paulo de Tarso, e [ inimigo moral dos
teólogos e dos sacerdotes]. ]

[ Pelo exposto, Nietzsche e Buda parecem ser pensadores incomunicáveis, cujas


intuições mais fundamentais parecem completamente opostas. Ou a vida é sofrimento
ou é vontade de potência, cujo sentido é se afirmar, se expandir. ]

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