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Terceira Civilização - Edição 581 - 21/01/2017 - pág.

30 - Série

Terceira Civilização - Série

Desvendando os mistérios da vida e da


morte — Introdução - parte 1
Vida e morte. Não existem mistérios maiores para enfrentamos honestamente a realidade da
o ser humano do que esses. A compreensão da morte. Há dois milênios e meio, o desejo
vida e da morte revela, ao mesmo tempo que de superar os sofrimentos humanos mais
esclarece o mistério, o potencial supremo que básicos de nascimento, envelhecimento,
existe no interior de cada pessoa e abre o doença e morte motivou o buda histórico,
caminho da vitória humana. Para tratar desse Shakyamuni, a abandonar sua posição de
tema de interesse primordial, a partir desta príncipe e buscar a verdade. O budismo se
edição, TC publica em partes o livro Unlocking originou com a sua iluminação, que
the Mysteries of Birth and Death [Desvendando revelou a suprema Lei da vida e da morte
os Mistérios da Vida e da Morte] (pela Middleway como o alicerce do universo e do cosmos
Press), de autoria do presidente da SGI, Dr. humano interior. Os ensinamentos budistas
Daisaku Ikeda. se desenvolveram e foram expostos em
muitas escrituras, desde o budismo
Nesta primeira parte, um trecho do prefácio e a primitivo até o budismo Mahayana, mas a
introdução abordam a origem do budismo e essência de todos eles é o Sutra do Lótus,
algumas doutrinas fundamentais que preparam que explica o potencial do estado de buda
o terreno para entendimento da solução — a natureza de buda — inerente às
oferecida pelo Sutra do Lótus para os problemas pessoas.
fundamentais da vida e da morte.
Ao longo dos séculos, o budismo viajou
Introdução — parte 1 para o sul, da Índia para Sri Lanka,
Birmânia, Tailândia e Camboja. Em seu
Prefácio movimento para o norte, atravessou a Ásia
Central, a China e a Península Coreana
A MORTE, que é um tema central da obra, para chegar ao Japão, onde, no século 13,
é a realidade inevitável da vida, e as duas nasceu Nichiren Daishonin.
fases da vida e da morte constituem uma
lei inescapável a todos os seres. Enfrentar Daishonin revelou a expressão final da
a morte num nível fundamental é um iluminação de Shakyamuni na forma da Lei
empreendimento espiritual necessário que Universal, Nam-myoho-renge-kyo. Além
nos ajuda a viver de forma mais profunda e disso, desenvolveu o autêntico Budismo
significativa. de Nichiren Daishonin, que assume os
ensinamentos e as filosofias de mestres
Assim como o ditado em latim memento como os indianos Nagarjuna (do século 2
mori — lembre-se de que você vai morrer ou 3) e Vasubandhu (do século 4 ou 5) e do
— sugere: nós captamos o verdadeiro chinês Tiantai (538–597). O Budismo de
significado da vida somente quando Nichiren Daishonin põe os ensinamentos

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do Sutra do Lótus na prática em benefícios avançou na maneira como a humanidade


das pessoas comuns. Na verdade, Nichiren considerava a vida e a morte. Os avanços
Daishonin se referiu a si mesmo como surpreendentes na ciência, entretanto,
praticante do Sutra do Lótus. estimularam o desejo por novas visões
sobre vida e morte.
Os surpreendentes desenvolvimentos nos
campos da ciência e tecnologia tornam o Descobertas científicas recentes, bem
mundo em que vivemos hoje inteiramente co­mo novas perspectivas sobre vida e
diferente daquele que Daishonin morte, são levadas em consideração nesta
conheceu. Para preencher essa lacuna, edição revisada, que inclui várias adições,
este livro tenta estabelecer um diálogo correções e melhorias na tradução. Os
entre o nosso tempo e os fundamentos do ensinamentos de Nichiren Daishonin
Budismo de Nichiren Daishonin. Seu enfatizam a dignidade da vida humana — a
conteúdo representa uma explicação natureza de buda ou a vida universal
parcial das contribuições que os fundamental — inerente à humanidade. Fui
ensinamentos de Daishonin fazem para o muito cuidadoso ao transmitir uma
futuro da humanidade, conferindo uma compreensão precisa desta filosofia em
perspectiva clara sobre o mundo atual e termos contemporâneos.
nos ajudando a entender como interpretar
a filosofia contemporânea, a ciência e o Desde jovem, amo o poeta americano Walt
próprio universo. Whitman [1819–1892], do século 19, cuja
obra enaltece a vida e contém
Embora conte com sete séculos de idade, interpretações do cosmos e da natureza
o Budismo de Nichiren Daishonin fornece que correspondem às concepções
uma maravilhosa receita para os budistas. Por exemplo, seu poema Aves de
momentos de desamparo e desespero Arribação — Canção do Universal traz a
que agora permeiam a sociedade. O seguinte passagem:
destino, é claro, nem sempre resulta
naquilo que desejávamos, mas o budismo Venha, diz a Musa,
— especialmente o Budismo de Nichiren
Daishonin — possui o poder com o qual Cante uma canção
transformamos o destino. Ele lança luz
sobre todos os aspectos da vida humana e que poeta algum jamais cantou,
penetra em seu núcleo. Universalmente
aplicável à humanidade inteira, em todas Cante para mim o Universal.
as circunstâncias, seu estudo e aplicação
ao longo da vida valem muito a pena. Neste nosso mundo imenso,

A condição dos indivíduos, da sociedade e Em meio à imundície, à miséria sem


do mundo como um todo mudou tamanho,
dramaticamente (...). Como muitos
pensadores indicam, no passado pouco se Guardada, a salvo em seu coração central,

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Aninha-se a semente da perfeição.1 nenhum de nós consegue escapar da


morte.
Estou certo de que os leitores descobrirão
na filosofia budista uma nova abordagem Problemas, no entanto, não são em si a
do que Whitman chamou de “o universal”. causa fundamental da infelicidade. De
Nada me deixaria mais feliz do que este acordo com o budismo, a verdadeira causa
livro oferecer uma oportunidade de [da infelicidade] não consiste apenas em
aprender, descobrir e rea­lizar uma termos problemas, mas sim na
importante revolução em si próprio. insuficiência de poder e de sabedoria para
resolvê-los. O budismo ensina que todos
Daisaku Ikeda os indivíduos possuem inerentemente o
infinito poder e sabedoria, e revela o
18 de novembro de 2003 processo pelo qual essas qualidades são
desenvolvidas. Ao abordar a questão da
Introdução felicidade, o budismo não se concentra na
eliminação do sofrimento e das
TODOS NÓS DESEJAMOS A FELICIDADE, e dificuldades, que são inseparáveis da vida,
ainda assim a felicidade parece estar mas no cultivo das potencialidades que
sempre fora do nosso alcance. Inúmeros existem dentro de nós. Poder e sabedoria,
filósofos abordaram a questão da explica o budismo, derivam da energia
felicidade. Acredito, sem exceção, que vital. Se cultivarmos força vital suficiente,
suas conclusões foram incompletas. conseguiremos não somente resistir às
Embora muitos livros sobre “como ser feliz” adversidades da vida, mas transformá-las
apareçam, os seres humanos ainda estão, em causas da felicidade e do
em sua maioria, atormentados pelos empoderamento.
mesmos problemas de seus antepassados.
Os pobres buscam riqueza, os doentes Se este é nosso objetivo, no entanto,
anseiam ser saudáveis, os que sofrem com devemos primeiro identificar os principais
conflitos no lar desejam harmonia, e assim sofrimentos da vida. O budismo descreve
por diante. Mesmo que consigamos ter quatro sofrimentos universais: nascimento,
riqueza, saúde e uma família feliz, envelhecimento, doença e morte. Não
inevitavelmente nos encontraremos importa quanto gostemos de ficar
desafiados por problemas em outras áreas. agarrados à nossa juventude,
Além disso, ainda que possamos moldar, envelhecemos com o passar do tempo.
de alguma forma, circunstâncias que Tentemos quanto pudermos para manter a
demonstrem satisfazer todas as condições boa saúde, acabaremos por contrair uma
necessárias para a felicidade, por quanto doença ou outra. E, mais
tempo conseguiremos mantê-las? fundamentalmente, embora odiemos
Obviamente, não para sempre. Poucos de pensar a respeito da morte, qualquer
nós evitam as doenças e o lento momento poderá ser o nosso último
enfraquecimento do corpo que (apesar de isso estar, naturalmente, além
acompanham o envelhecimento, e do nosso poder de saber quando esse

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momento virá). oeste, encontrou um cadáver. Esses


“encontros” o levaram a compreender a
Podemos reconhecer várias causas — realidade de que todos os seres viventes
biológicas, fisiológicas e psicológicas — eventualmente vão morrer. Finalmente,
para os sofrimentos da doença, do num dia, saindo pelo portão norte,
envelhecimento e da morte. Mas, em encontrou um asceta religioso cujo ar de
última análise, é a própria vida, nosso serena dignidade despertou no príncipe a
nascimento neste mundo, que é a causa vontade de embarcar na vida religiosa.
de todos os nossos sofrimentos mundanos.
Depois de se dedicar por muitos anos a
Em sânscrito, sofrimento é chamado de diversas práticas religiosas, ascéticas e
duhkha, uma palavra que implica um outras, Shakyamuni alcançou a iluminação,
estado carregado de dificuldade em que libertando-se dos sofrimentos de
as pessoas e as coisas estão em nascimento, envelhecimento, doença e
desacordo com nossos desejos. Essa morte. Determinado a conduzir outras
condição deriva do fato de que todos os pessoas à iluminação, começou a pregar e
fenômenos são transitórios. Juventude e ficou conhecido como “buda”, termo
saúde não continuam para sempre, nem sânscrito que significa “iluminado” — uma
nossa própria vida. Nisso, de acordo com o pessoa cuja sabedoria abrange a verdade
budismo, se encontra a causa final do última da vida e do universo.
sofrimento humano.
Sustenta-se geralmente que, logo após a
Shakyamuni, ou o histórico buda Gautama, sua iluminação, Shakyamuni ensinou a
renunciou ao mundo secular depois de se doutrina das “quatro nobres verdades” e a
deparar com esses sofrimentos mundanos do “caminho óctuplo”. As “quatro nobres
no que é conhecido como os quatro verdades” são:
encontros, uma história contida em muitas
escrituras budistas. Para que o jovem • A verdade do sofrimento.
Shakyamuni, conhecido como príncipe
Sidarta, fosse protegido do sofrimento • A verdade da origem do sofrimento.
mundano, seu pai, o rei Shuddhodana,
basicamente o confinou num palácio. • A verdade da cessação do sofrimento.
Certo dia, saindo pelo portão leste, ele
encontrou com um idoso debilitado • A verdade do caminho para a cessação
cambaleando com sua bengala. Vendo do sofrimento.
esse homem, Shakyamuni reconheceu
profundamente como a vida A verdade do sofrimento significa que toda
inevitavelmente implica sofrimento do existência neste mundo envolve
envelhecimento. Em outra ocasião, saindo sofrimento, tal como representado pelos
pelo portão sul, viu um doente e percebeu “quatro sofrimentos” que observamos
que a doença também faz parte da vida. como inerentes à vida. A verdade da
Em uma terceira vez, ao sair pelo portão origem do sofrimento afirma que o
sofrimento é causado pelo desejo egoísta

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pelos prazeres efêmeros do mundo. A vida e o mundo, de modo que pudessem


verdade da cessação do sofrimento indica despertar as pessoas primeiro para a dura
que a erradicação desse desejo egoísta realidade da vida e depois para a
leva à cessação do sofrimento. E a verdade inexprimível experiência espiritual do
do caminho para a cessação do sofrimento nirvana. Se praticados de maneira literal,
indica que existe um caminho pelo qual é esses ensinamentos, que encorajavam a
possível alcançar essa erradicação. Esse negação de todos os desejos,
caminho é tradicionalmente interpretado inevitavelmente levam à negação do
como a disciplina do “caminho óctuplo”. desejo de viver. De acordo com esse
Este último é composto por: pensamento, a solução fundamental para
o sofrimento humano neste mundo reside
• Ideias corretas, baseadas nas “quatro na erradicação dos desejos mundanos —
nobres verdades” e numa correta isto é, todo tipo de desejo, impulso e
compreensão do budismo. paixão que surgem das profundezas da
vida das pessoas. Seguindo esses
• Pensamento correto ou comando da ensinamentos, as pessoas poderiam
mente. supostamente romper as amarras do ciclo
do nascimento e da morte e atingir o
• Linguagem correta. estado em que o renascimento neste
mundo não é mais necessário — ou seja,
• Ações corretas. poderiam atingir o estado de nirvana.

• Modo de vida correto, baseado na Embora esses ensinamentos possam ter


purificação do pensamento, palavras e sido aplicáveis e benéficos para monges e
ações. monjas, eles eram extremamente difíceis
de serem seguidos pelos leigos. A
• Esforço correto, para procurar a Lei determinação original de Shakyamuni, no
verdadeira. entanto, era conduzir cada ser humano
desta terra à felicidade. Por essa razão,
• Intenção correta, sempre possuir ideias viajou de um lado para outro na região do
corretas na mente. Médio Ganges, expondo sua filosofia. Mas
os leigos, mesmo querendo alcançar o
• Meditação correta.
nirvana, devem ter achado não apenas
impraticável, mas realmente impossível
As “quatro nobres verdades” e o “caminho
abandonar todos os desejos mundanos.
óctuplo” eram dirigidos principalmente aos
Eles tinham família para sustentar,
discípulos que haviam abandonado a vida
trabalhos a fazer e outros assuntos
secular e se empenhavam totalmente à
cotidianos que exigiam atenção. Enquanto
prática budista; eles refletem a atitude
o nirvana pudesse ser um ideal, não era de
básica e a abordagem que fundamentam
modo algum um objetivo atingível. De
os primeiros ensinamentos de Shakyamuni,
alguma forma, porém, a sabedoria e a
os quais se concentravam em visões
compaixão de Shakyamuni sempre
predominantemente negativas sobre a

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atingiam as pessoas comuns que, pessoal por meio da realização da verdade


obviamente, tinham muitos problemas e fundamental, e o ensinamento da terra
não dispunham de meios para resolvê-los. pura para a emancipação do povo em
Se esse não fosse o caso — se o budismo geral. Esses ensinamentos são
não tivesse conseguido ajudar as pessoas representativos das duas principais
do povo —, jamais teria alcançado um correntes do budismo — as tradições
patamar acima de uma busca intelectual. ascéticas do budismo primitivo e os
Shakyamuni aconselhava as pessoas e as movimentos altruístas populares
inspirava com esperança e coragem para chamados Mahayana ([ensinamento do]
que superassem seus sofrimentos e grande veículo) — e foram posteriormente
desfrutassem a perspectiva de um integrados ao Sutra do Lótus, os quais
brilhante futuro. Por exemplo, ele falava abordaremos ao longo deste livro. O Sutra
sobre uma terra pura, longe deste mundo, do Lótus deixa absolutamente claro que
onde seguindo seus ensinamentos as dois aspectos da prática budista são
pessoas renasceriam livres de todos os indispensáveis se quisermos alcançar a
desejos e alheias a qualquer sofrimento ou iluminação. Um diz respeito ao nosso
medo. próprio aperfeiçoamento, no sentido de
que compreendemos a verdade suprema
Assim como ele encorajou seus monges e e desenvolvemos nosso potencial
monjas a observar seus muitos preceitos e inerente, e o outro consiste na prática de
seguir o caminho óctuplo para alcançar o conduzir as outras pessoas a essa
nirvana, Shakyamuni ensinou seus perfeição.
seguidores leigos a se manterem fiéis aos
seus ensinamentos para que renascessem O Sutra do Lótus também revela os
na terra pura. Mas, na realidade, nem a verdadeiros significados do nirvana e da
erradicação do desejo nem o terra pura. De acordo com o Sutra, não
renascimento na terra pura são tangíveis. É precisamos interromper o ciclo de
impossível apagar o fogo do desejo e nascimento e morte para entrar no nirvana.
interromper o ciclo de nascimento e morte, Pelo contrário, o nirvana é o estado de
isso porque o desejo é algo inerente à vida, iluminação no qual, ao repetirmos o ciclo
que é eterna, e o nascimento e a morte são de nascimento e morte, chegamos a uma
aspectos alternantes da vida, dos quais compreensão desse ciclo e ele deixa de
não se escapa. Nem é possível chegar a ser fonte de sofrimento. Da mesma forma,
uma terra pura que de fato não existe. não precisamos abandonar os desejos
Tanto o nirvana como a terra pura para alcançar o nirvana, porque
consistiam em recursos metafóricos transformamos os desejos mundanos em
empregados por Shakyamuni para causas da felicidade e, ainda, em iluminada
desenvolver a compreensão de seus sabedoria. Além disso, a terra pura não
seguidores. está necessariamente além da morte. Nós
moramos na terra pura, aqui e agora, se
De outra perspectiva, o ensinamento sobre acreditarmos no Sutra do Lótus, que
o nirvana foi dirigido para a emancipação ensina como transformar este mundo — tal

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como ele é cheio de sofrimento e tristeza existe iluminação fora da realidade dos
— numa terra pura repleta de alegria e desejos mundanos e não há nirvana sem
esperança. os sofrimentos concomitantes de
nascimento e morte. Essa dupla de fatores
Algumas doutrinas fundamentais contrastantes é inata a toda vida.

Como exatamente o budismo fornece uma Tiantai, o grande mestre chinês do século
solução para os problemas fundamentais 6, empregou uma analogia para explicar os
da vida e da morte? Tomando como base princípios acima. Ao mergulhar o caqui
uma análise de cada um dos quatro amargo numa solução de cal ou na palha
sofrimentos — nascimento, de trigo sarraceno, ou mesmo expondo-o à
envelhecimento, doença e morte — este luz do sol, ele se torna doce. Não há dois
livro busca esclarecer a verdade e a caquis, um amargo e o outro doce — há
sabedoria necessárias para navegar apenas um. O caqui amargo não foi
calmamente sobre o mar agitado do adoçado com açúcar; em vez disso, a
sofrimento mundano. amargura inerente foi extraída permitindo
que sua doçura intrínseca emergisse. O
Em nenhum momento do passado, a catalisador, o intermediário que auxiliou a
ciência esteve num estágio de tamanho transformação, foi a solução ou a luz solar.
acelerado avanço. Como consequência, a Tiantai comparou os desejos mundanos
humanidade adotou uma opinião cega nos com o caqui amargo, a iluminação com o
poderes da ciência e da tecnologia no que caqui doce e o processo pelo qual a
dizem respeito aos problemas inerentes à doçura foi ativada com a prática budista.
vida em detrimento dos pontos de vista da
filosofia e da religião. Observando o estado Para obter pleno proveito dessas
global das questões atuais, não posso importantes doutrinas em nossa vida diária,
deixar de sentir que as pessoas não estão devemos compreender alguns
debatendo de forma suficiente e séria ensinamentos budistas básicos, que
sobre problemas fundamentais. iluminam as dimensões multifacetadas da
vida. Para isso, examinaremos duas
Da perspectiva da verdade suprema, os doutrinas principais — “três mil mundos
desejos mundanos e os problemas da vida num único momento de vida” (ichinen
e da morte não são vistos como sanzen, em japonês) e “nove consciências”
obstáculos que devem ser eliminados. Em (ku-shiki, em japonês) — que representam
vez disso, os desejos mundanos são o ápice do budismo Mahayana. Em vez de
transformados em sabedoria iluminada, e negar o desejo e a vida neste mundo, eles
os sofrimentos de nascimento e morte são aceitam as realidades da vida como elas
meios para atingir o nirvana. O Sutra do são e revelam o caminho para
Lótus dá um passo adiante, estabelecendo transformá-las em causas para a
os princípios de que os desejos mundanos iluminação. A profunda doutrina de que os
são iluminação e que os sofrimentos do desejos mundanos são iluminação ensina
nascimento e da morte são nirvana. Não que não devemos tentar erradicar os

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desejos ou considerá-los pecaminosos,


mas elevá-los para alcançar um estado de
vida mais nobre.

Nota: 1. WHITMAN, Walt. Folhas da Relva — Edição do Leito de Morte, p. 195.

Organização e tradução de Bruno Gambarotto. São Paulo: Hedra, 2011. 446 p.

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