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Jürgen Moltmann
Tradutor
Nélio Sclmeider
nD1TOR1\ UNISINOS
Coleção Theolog ia Publica
2004
PREFÁClO
lógicos. O ca111i11hq só foi s111JJ11do ,,o c11111i11hn1: E mil'lhas tentativas de caminhar rnitural
mente são dctcnni1\adas 110 nível biográfico-pessoal, co11textual-político e pelo krliró.r
histórico em que estou vivendo. Busquei a palavm certa para o momento cerLo. Não
escrevi manuais teológicos. Meus artigos de dicionário em diversas enciclopédias teo
lógicas raramente resultaram satisfatórios. Não 111.t cafa hem éolecion�r exatidõcs teo
lógicas porque estava por demais ocupado com a percepção de novas per�pec.tivas e
de aspectos inusitados. Não almejei ser discípulo dos grandes mestres teológicos da
geração precedente. Tampouco almejo fundar uma nova escola teológica. Tudo o que
quis e quero é estimular ou tros a descobrirem a teologia por si mesmos, a formul�rem
seus próprios pensamentos teológicos e a se porem, �k:s próprios, a caminho. Estas
são as razões que me levaram 11 colocar cm segundo plano as questões metodológicas
dos prolegômenos gerais à dogmática e a esforçar-me. nestas Co11trih111çõe.r .ri.rtemáticaJ ti
teologi11, por ir diretamente "aos temas propriamente ditos". Nos J>refácio.r aos volumes
individuais, manifestei-me a respeito do respectivo,(llmi1ho escolhido, de modo que os
interessados já puderam reconhecer o meu método implícito a parLir dos cinco prefá
cios referidos. Pelo fato de o meu método não esta, fixado já antes da sua aplicação,
mas de ter smgido no seu decorrer, elevo agora, no final desse percurso, falar dele e,
em lugar dos habituais prolcgômenos � dogmática, redigir alguns epilegômenos às minhas
contribuições sistemfocas. Como pessoalmente não sou muito afeito a "pós-fácios",
pode muito bem ocorrer que cu chegue novamente apenas a um "prefácio" a novos
caminhQs. Se este for o caso, então este "posfácio" de modo algum resultou mal suce
dido, mas apenas revela a minha convicção mais íntima, de <1ue, na teologia cristã, "no
final reside o começo" e que o cristão na sua fé na ressurreição, em contraste com o ju
deu no seu dia sabático, é "o e terno iniciante'', como disse Fram: Rosenzweig certa
vez, e, pmtanto, sempre necessita começar pelo começo, pois "se o início for bom -
tudo está bem" (Der Stem der Erliwmg, H.eidclbcrg, 3. e.d., 19S4, 111, 2, p. 127). A pro
missão divina e a esperança despertada ensinam a toda teologia, que ela necessaria
mente permanece fragmentária e inacabada, porque ela é o pensar sobre Deu s daque
les que se encontram a caminho e <JUC são, portanto, itinerantes e ainda não chegaram
cm casa. Por essa ra?.ào, até mesmo as catedrais e os domos medievais tinham de per
manecer 1nconclusos, pnra poderem àponrnr para além ele si mesmos.
Quando comecei, cm l 980, escolhi p:1rn esta série tcmáuca o título Co11tri/J11i
çties .rislc111álic".r ri leologi". Quis e:,q,rcssar com isso, cm primem, lugar, que a teologia cm
seu c.:onjunw é 111�is do tiuc tçolugia �1stemátin1 tn1 dugmáuca. T:imbl'.111 há teologia bí-
PREF/\/'10 11
blica, teologia h1S1ónca, teologia práuc:1 <' outras mais. Te()log1a sistemática é :1penas
uma contrihu1ção a u:n tudo mmor, comum, da Lcologia. Por isso, ela não pode consu
lllir um sistema fechado, mas eleve mostrar os pontos de conexão dialógicos com as
demais disciplinas teológicas. A velha briga cm torno da "coroa da teologia" é vã. O
teólogo sistemático pode até ser "um diletante e chrigente" da orquestra teológica,
como o esulizou cerrn vez Kornchs I kiko Miskoue, mas este naturnlmcnte pode ser
também um teólogo prático, para quem todas as teorias teológicas desembocam na
práxis, ou um teólogo histonaclor, se ele acredita que todo o presente e futuro um dia
serão passado e, ass11n, objeto de sul! pesquisa. P:1ra mim, a teologia ocorre onde pes
soas chegam ao conhecunento de Deus e "percebem" a presença de Deus com todos
os seus senudos na práxis de sua vidll, de sua felicidade e de seus sofrimentos. Ú a isso
que a teologi:1 sistem:ítica deve dar a sua contribLtiçào cm última análise e em primeiro
lugar. Por outro lado, essas "contribuições" sistemáucas à teologia não pretendem forne
ccr o "meu sistema" ou a "minha dogmática". Até mesmo no nível da eslrutura tentei
buscar a vt·rdade no diálogo e evitar os monólogos. A Lcologia cristã é uma tarefa CO·
munitãna do "ministério teológico geral de todos os crentes". Por essa razão, procure:
valer-me do estilo comunicativo da proposição. l\kL1 interesse não era a defesa de dog·
mas impc.:ssoais ou verd11cles desprovid:1s de sujeito. Mas tampouco pretendia externar
apenas a mmha opinião particular. Desqo, porém, c1ue mrnhas proposições se1am lc
vaclas a seno na comunhão dos teólogos e das teólogas. não apenas topando com
aprovação ou rejeiç:io, mas estimulando o diálogo cuntinuado da teologia. Eu própno
acolhi os e�tímulos de outros sempre t]UC me pareceram fru1íferos e me levaram adian
te. Isso pode ter ocorrido com mais frcc1iiéncia do que tenho consciência. A teologia é
como um sisrc:na fh1vial de influências recíprocas e desafios mútuos e de modo algum
um deserto cm que cada indivíduo está sozinho consigo mesmo e com seu Deus. Para
mim, o acesso teológico à verdade do Deus triúno é dialógico, comunitário e coopera·
tivo. Thi:ologit1 vial1Jm111 é um diálogo crítico constante com as gerações anteriores a nós
e corr. os contempor:ineos ac> nosso lado, no aguardo daqueles que vêm depois de nós.
Por isso, o que escrevi não está assegurndo por 1odos os lados, mas às vezes é "arroja
do", como opina1'am com prcocupaçao alguns homens da igreja. I\ difícil não ser
"controverso" em assuntos de teologia. Não por último, o autor reconhece, nas suas
Co11trib11irõr.r, as condições e limites de sua p1·ópria localização no tempo e no espaço e :1
relati vidadc.: de seu próprio contexto. 1 �le não est{1 cm condições de dizer o que é teolo·
girnmentc válido para cada um cm todas as épocas e em cada lugar. Uma lheoloJ!/a pcrm
ni.r não lhe·é possível. Ele deve, portanto, dissipar criticamente a aut<>·refcrência ingê
nua e absoluta do pt·nsanll''1to. Foi por isso que esncvi. cm 1980, no pl'cfádo :11iinda
rlr e Remo d,• /)em, o seguinte: "Com certeza, ele é europeu; mns a teologia europeia devi'
cki:rnr de �cr aprcsc11lada eurou11//icm111•111f. Com rcneza, ele é um homem; mas a tcolo
r,1a deve ck1:,;ar de \Cr apresentada andrormlnr,1111mlr. Com <-CrtC7J'I, clt· vive no 'Primei
ro Mundo'; mas a l<·olog1a <Jll<' l'le dt:sc-nvolvt: n:ío pode �cr o reflexo dos pontos de
vista dos do111111aclorcs. 1 �lc deseja, acima de 1udo, contribuir parn que a voz elos opri
midos seja ouvida. O conceito ele 'contribrnçõcs para a teologia' visa a mdicar a sus
pensão do absolutismo Lácito e preconcebido das idéias particulares de um contex
t0" jPetrópobs: Vozes, 2000, p. 12]. Na partç Ili deste livro, que m1U"1 dos "Reílexos de
teologia libertadora", procurei finalmente cumprir essa promessa.
Teologia e biografia
esse tema em 1974 num anigo 1m11to nco cm conteúdo: Theologic(I/J Biogmphie [Teologin
co1110 /J1oimfinj (in: Clll11he i11 Ce.rchichtc 1111d Cm/lsdHtji, Mainz, l 977, p. 195-203). Pelas mi
nhas experiências com a reflexão teológica, na teologia cristã as duas coisas andam
juntas: a 11111mtiw1 da história de Deus e o t1rgw11e11/o cm fov<>r da presença de Deus, a m/J
;etivid(/(le histórico-vivencial e a objetividt,de esquecida de si mesma. Escrevi as introdu
ções b1ográfic:1s arincmcs ao assunto porc1ue o caminho, isto é, o método foz parte cio
conhecimento do assunto, não por causa do sujeito, mas por causa do caminho para
chegar ao conhecimento do assunto. Não se trata de allt<> referências de um eu solita
rio, porque o sujeito procede de uma comunidade e fala para dentro de uma comuni
dade: "O que tens que não recebeste?"
leza desse tipo. Ela nflo o é, mesmo LJLIC alguns banhianos deixem Karl l3arth pensar
por eles para se sentirem seguros, e outros o declarem como "nco ortodoxo" para não
terem de lê-lo e se ocupar com ele. Minha imagem ela teologia não é "Castelo forte é
nosso Deus ... ", mas o êxodo cio povo de Deus no seu caminho para a terra prometida
da hberdadc, onde habita Deus. Para mim, a teologia não é uma dogmática in
tra-eclesial ou pós-moderna apenas para a pa:ópria comunidade de fé. Ela tampouco é,
para mim, a ciência cultural da religião civil da sociedade burguesa. J\ teologia surge da
paixão pelo Remo de Deus e sua justiça e esta paixão surge da comunhão com Cristo.
Nessa paixào, a 1cologii1 transforma-se na fantasia cm prol do Reino de Deus no mun
do e cm prol do mundo no Reino de Deus. Como teologia do Reino de Deus, ela é
obngawria111cn1c teologin 111i.rsiol/(í1in, que liga a igreja à sociedade e o povo de Deus aos
povos ela Terra. Eb torna-se uma teologm p,íblim (JJ11b!ic Jbeology}, que compartilha os "so
fnmcmos desta épora" e que formula suas esperanças cm Deus no lugar cm que vi
vem os seus contemporâneos. A teologia cio Rc·ino de Deus imiscui-se crítica e profc
uc.11 1cn1e nos assuntos púlilrcos da sociedade e traz publ icamente à memória, não os
1111eresses cclesiais,mas "o Reino ele Deus, o mnndamcnw e a justiça de Deus", como
diz ;1 Tese S de Aamwn. Por c�sa razão, a teologia do Remo de Deus não pode rt·co-
14 JUR(.jl'.t,; MOI.TMANN
,..
nem mesmo na doutrina da justificação e nem na compreensão da trindade. Smgirnm
novas alianças e novas diferenças no nível teológico. O que importa é valer-se delas
para formular a teologia ecumênica cm surgimento.
Devo clcsculpar-mc, ao finiil, junto aos numerosos doutorandos e amores de
reccnsões, por 11:10 ter podido lcv:tr em conta as suas apreciações críticas. De tantos
que roram, isso teria n:s11lt:1do num livro para si. Os que me enviaram as suas disserta·
çôcs e reccnsõcs podem ter certeza de que as li. Os tiuc não :1s cnvi11rnm não o quisc
ram ou não acharam necess:ítio seguir o estilo acadêmico tradicional. Comudo seria la
mentável se a comunidade acadêmica fosse dissolvida nesse ponto e os autores não
mais pudessem saber o c1ue alguém escreveu sobre eles. Nem a internet compensaria
isso.
Assim como fiz há 35 anos com a Teo/ogit1 dt1eJpem11çn, com à qua� iniciei a.mi
nha teologia sistemática. dedico também o último bvro desta série à minh·i1 mulher. As
minhas Experiências de reflexão teológi.a surgiram durante a nossa comunhão de vida e
provêm da alegria perene proporcionada por ela.