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A Genealogia dos Ensinamentos da Terra Pura

Shinran Shonin (1173-1263), o fundador do Shin Budismo da Terra Pura, é considerado, por
muitos teólogos e historiadores, como um dos mais importantes pensadores do Japão. Ele
não fundou nenhum templo, mas empreendeu uma extraordinária sistematização do Budismo
da Terra Pura, ao compendiar cuidadosamente mestres budistas da Índia, China e do próprio
Japão. De fato, há muitos monges ilustres da China e do Japão que instituíram práticas e
registraram ensinamentos sobre o Buda Amida e a Terra Pura. Dentre eles, Shinran
selecionou cinco mestres que, ao lado de dois grandes mestres indianos, representam a
genealogia do verdadeiro ensinamento, assim compreendido por ele. Não há uma lista
específica ou emprego do termo "sete mestres" em sua obra, mas na releitura-síntese que
Shinran fez de toda a tradição da Terra Pura, a vida e a obra desses mestres tiveram um
papel fundamental. Como ele assinala no Kyogyoshinsho:

"Eu, Gutoku Shinran, me encontrei com estas sagradas escrituras da Índia e com os
comentários dos mestres chineses e japoneses, tão difíceis de encontrar, e ouvi os seus
ensinamentos, tão difíceis de ouvir. Como sou feliz!"

As interpretações dos Sete Mestres revelam o profundo significado dos ensinamentos da


Terra Pura. Ressalte-se, entretanto, que a idéia principal, comum a todos, é a Compaixão do
Buda, a verdade última dentro de nós. Assim, o próprio ensinamento de Sakyamuni e dos
Sete Mestres são manifestações do Voto Compassivo de Amida na história humana.

A seleção de Shinran é tradicionalmente atribuída ao seguinte:

a) cada mestre manifestou claramente que aspira nascer na Terra Pura;


b) cada mestre mencionou a importância do nembutsu (citação do Nome do Buda);
c) cada interpretação é original.

Os mestres e suas obras fundamentais para a constituição do Verdadeiro Ensinamento da


Terra Pura são:

1. Nagarjuna (século II ou III d.C.)

Nagarjuna foi o grande filósofo religioso da Índia. As oito maiores escolas do Mahayana
buscam suas origens nesses escritos. Consta que, considerado um dos homens mais
inteligentes de sua época e muito versado em várias ciências durante a juventude, converte-
se primeiro ao Budismo Teravada. Só vai tomar conhecimento dos sutras do Mahayana mais
tarde, nas montanhas do Himalaia, no Palácio do Dragão. Foi chamado o Décimo Terceiro
Patriarca na transmissão dos ensinamentos budistas na Índia e é considerado o fundador da
Escola Madhyamika, a Escola do Meio. No capítulo da prática fácil do seu comentário ao
Sutra da Guirlanda, enfatiza a existência da prática fácil para atingir o estágio de não-
retrogressão no caminho do Budato, distinguindo-a das práticas difíceis da tradição budista
em geral. As práticas difíceis se caracterizam pelas diversas práticas meditativas baseadas no
próprio poder (jap. jiriki), para atingir a purificação da mente, e a prática fácil consiste na
contemplação e recitação do nome do Buda (jap. Nembutsu).
O caminho fácil é recomendado por ser acessível a todos, ao passo que o caminho da prática
difícil requer tempo e esforços ilimitados para se atingir o objetivo. É a constatação sábia de
que nem todos possuem a força de vontade e disciplina necessárias para isso e a
compreensão compassiva de que somos seres humanos cheios de falhas. O caminho da
prática fácil requer apenas a recitação do Nome, com a mente confiante no Voto Original do
Buda Amida.

2. Vasubandhu (cerca do séc. IV d.C.)

Outro indiano, chamado em chinês de Seshin ou Tenjin. Como Nagarjuna, que estabeleceu as
bases do caminho da Terra Pura, ele também foi brâmane e aderiu ao Budismo Teravada.
Inspirado pelo irmão Asanga, converteu-se ao Budismo Mahayana e foi um dos fundadores
da Escola Yogacara, ou Escola de Meditação. Intelectual proficiente, é conhecido como o
Escritor de Mil Discursos. O seu Discurso sobre a Terra Pura é um dos textos canônicos do
Shin Budismo.

No Discurso sobre a Terra Pura, o autor declara a singeleza da mente em Amida e expõe
vinte e nove descrições dos aspectos da Terra Pura de Buda e dos bodisatvas. Sistematiza a
prática do Nembutsu com Os Cinco Portais Contemplativos, um método prático para atingir o
nascimento na Terra Pura: (1) reverência - confiança em Amida; (2) louvor - exaltação de
Amida; (3) concentração - aspiração a nascer na Terra Pura; (4) visualização - contemplação
da Terra Pura e (5) transferência de méritos. Essas cinco práticas causais estão incorporadas
na Singela Fé Declarada, atribuída como a causa do nascimento e da iluminação. Esse
conceito de fé constitui o ponto essencial do Shin Budismo.

3. T'an-luan (476-542 d.C.)

O Terceiro Mestre do Shin Budismo da Terra Pura é o fundador da Escola Chinesa da Terra
Pura. Quando tinha quinze anos, entrou na vida sacerdotal e logo tornou-se conhecido como
versado na filosofia da Escola Madhyamika e em taoísmo. Frágil de saúde, buscou a arte
taoísta da longevidade no Monte Chü-Yung com T'ao Hung-Ching. Entretanto, no caminho de
volta encontrou o monge hindu, Bodhiruci, o tradutor das obras do Vasubandhu para o
chinês, que o convenceu ser o Darma do Buda, o verdadeiro caminho para a vida eterna, e
lhe deu uma escritura da Terra Pura. Consta que T'an Luan queimou os dez rolos preciosos
de escritos taoístas que trazia e se converteu ao ensinamento da Terra Pura.
Escreveu o Hino louvando Buda Amida e o Comentário do Discurso sobre a Terra Pura de
Vasubandhu. Nesse último, ele redireciona a sistematização de Vasubandhu sobre a Terra
Pura para a vacuidade e introduz, pela primeira vez, o nome outro Poder (jap. tariki), que ele
vê diretamente em oposição ao poder próprio (jap. jiriki). Seguindo os ensinamentos budistas
do não-eu, T'an-Luan questiona como pode haver um poder do eu, se não existe um eu
permanente. O Nascimento na Terra Pura bem como as subseqüentes atividades altruístas
são causadas pelo poder de Amida, que é permanente.

4. Tao-ch'o (562-645 d.C.)

O chinês Tao-ch'o (jap. Doshaku) renunciou à vida mundana e se tornou monge aos 14 anos
e especialista do Sutra de Grande Nirvana, além de ter se dedicado à compreensão da
filosofia Sunyata (Vazio) de Hui-tsan. Entretanto, aos 48 anos, leu o epitáfio de T'an-Luan, no
Templo Hsüan-chung, e acabou por se converter ao ensinamento da Terra Pura. É conhecido
como aquele que aperfeiçoou os conceitos de caminho fácil e caminho difícil de Nagarjuna, a
partir das distinções de T'an Luan entre poder próprio e o outro poder, citadas
abundantemente na sua obra Coleção de Passagens sobre a Terra da Paz e Bem
Aventurança.

Nesta obra, Tao-Ch'o distingue o ensinamento do Buda no Caminho dos Sábios e no Caminho
da Terra Pura entre tantas práticas contemplativas e recitativas. O dos Sábios visa a atingir a
iluminação pelos méritos próprios e o da Terra Pura, pelo outro poder, o Poder do Buda. E
argumenta que o primeiro está fora do alcance dos que estão longe dos tempos de Buda
Sakyamuni. Para Tão-Ch'o, somente o ensinamento do nembutsu, baseado principalmente no
Sutra da Contemplação, é praticável, pois está de acordo com a época e a capacidade do
homem atual, sendo fundamental nesta prática a mente tranqüila e confiante no Buda Amida.

5. Shan-tao (613-681 d.C.)

Shan-tao, o Quinto Mestre do Shin-Budismo da Terra Pura, foi um discípulo de Tao-Ch'o, na


China. Consta que, encaminhado à vida no mosteiro ainda jovem, quando viu um quadro da
Terra Pura, desejou lá nascer. Em busca de um sutra que melhor se adequasse a sua
sensibilidade espiritual, encontrou o Sutra da Contemplação e com grande alegria se dedicou
às meditações indicadas.

Em sua obra Comentários sobre o Sutra da Contemplação, refutou os grandes mestres do


Caminho dos Sábios, mostrando que mesmo um homem comum pode nascer na Terra Pura,
em virtude do Voto do Buda e da prática corporificada no nembutsu. Entre as práticas à
disposição dos aspirantes a nascer na Terra Pura, como recitar sutras, visualizar Amida e sua
Terra e reverenciá-lo, pregou a predominância da vocalização do nembutsu: dizer o Nome de
Amida é igual a aceitar o seu Voto, confiar em Buda, incondicionalmente.
6. Guenshin (942-1017 d.C.)

É o primeiro monge japonês a compor a lista dos Sete Mestres de Shinran Shonin. Foi o
propagador do ensinamento da Terra Pura, caracterizado pelo tradicionalismo da Escola
Tendai. Era tão eloqüente e de aguda inteligência que foi chamado a dar conferências na
Corte Imperial aos quinze anos. Sua mãe o repreendeu pela sua fama mundana. Somente
aos 43 anos publicou Coleção de Passagens Essenciais sobre o Nascimento, celebrada na
China e no Japão.

O primeiro capítulo dessa obra descreve as misérias e aflições dos seis reinos do samsara e o
segundo mostra, em contraste, os dez felizes aspectos da Terra Pura. No terceiro capítulo,
Guenshin dá o testemunho de escrituras sagradas, ao dizer que a Terra Pura de Amida é
superior as outras Terras de Budas. Nos capítulos seguintes, faz uma detalhada exposição da
prática de nembutsu e recomenda a sua prática com toda singeleza da mente.

Mais tarde, ele encontrou um refúgio chamado Yokawa no Monte Hiei onde estão os principais
templos do Budismo Tendai. Lá dedicou-se a ensinar como confiar unicamente em Amida
pelo nembutsu, diferenciando-se do tradicionalismo do Budismo Tendai, em que o nembutsu
era uma dentre muitas práticas. O Sermão de Monge de Yokawa, uma curta profissão de sua
Fé em Amida, é famoso.

7. Guenku (1133-1212 d.C.)

Guenku, mais conhecido como Honen, dileto mestre de Shinran, tinha quarenta anos a mais
do que ele, e é uma das mais importantes figuras do budismo japonês.

Era filho de um oficial da província que foi assassinado ao ser envolvido em um conflito entre
facções de samurais. Influenciado pelo pai que, moribundo, transmitiu-lhe o ensinamento
budista de que o ódio não poderia ser vencido pelo ódio, ordenou-se monge na idade de 9
anos.

Foi para o monte Hiei, onde aprendeu com os monges famosos Guenku, Koen e Eiku e esteve
em templos conhecidos de Nara e Kioto sempre em busca do caminho para a libertação
espiritual. Inspirado pela leitura de Coleção de Passagens Essenciais sobre o Nascimento de
Guenshin, encerra-se na Biblioteca Hoonzo, em Kurodani, para ler todos os sutras
relacionados com a Terra Pura. Chegou a um comentário de Shan-Tao que diz:
"A contínua repetição do Nome do Buda com a singela Fé, sem se importar se está andando,
sentado, de pé ou deitado, ou se a pratica num curto ou demorado tempo, é chamada Prática
que Certamente Garante o Nosso Nascimento, porque está de acordo com o Voto do Buda"

Converte-se ao ensinamento da Terra Pura aos 43 anos. Aos 64 anos, compôs a Coleção de
Passagens sobre o Nembutsu do Melhor Escolhido Voto Original e consolidou as bases da
doutrina da Terra Pura em prol da confiança irrestrita no outro poder, em oposição às
práticas centradas no próprio poder. No primeiro capítulo, proclama a independência da seita
Jodo em relação a outras escolas da Terra Pura pela especificidade dos seus fundamentos
doutrinários e o modo da sua transmissão. No segundo, explicita a ineficiência das outras
práticas para o Nascimento na Terra Pura. No terceiro, qualifica o nembutsu como a única
prática compatível com a finalidade do Voto Original de Amida e desenvolve nos capítulos
sucessivos as bases teóricas para essa escolha. Conclui que o nembutsu, por ser fácil de ser
praticado por homens e mulheres de todo tipo e ser superior em qualidade, foi a própria
escolha do Amida.

Desceu a montanha e expôs a exclusiva prática do nembutsu em Yoshimizu, Kioto. Seu


ensinamento se adaptava às condições sociais contemporâneas e a prática do nembutsu foi
aceita amplamente pelo público em geral. Despertou ciúme e inveja dos tradicionalistas, por
isso ele e o seu grupo foram severamente perseguidos pelo poder. Quatro discípulos foram
executados e os outros exilados para vários rincões do Japão, entre eles Shinran, que foi
deserdado para Echigo, situada na costa do Mar do Japão. Retornou a Kioto em 1211 e no
ano seguinte morreu sem se reencontrar com Shinran. Tinha 80 anos.

Dois dias antes de morrer, ditou a famosa Confissão de Fé em Uma Página, a pedido de um
seguidor. Com Honen, o imenso trabalho do Voto da Compaixão renasceu no Japão.

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