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Tradução para o inglês: Acharya Buddharakkhita (BPS Paryiatti Editions). Tradução para o
português: Caroline Souza, sob a orientação de Lama Padma Samten. Esta é uma tradução ainda
em andamento para fins de estudo. Favor não compartilhar.
(Pintura do templo do CEBB Caminho do Meio por Tiffani Gyatso / Foto por Elise Bozzetto)
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Prefácio
A presente tradução foi originalmente produzida no final dos anos 50. Alguns
anos antes, ao consultar várias traduções do Dhammapada para o inglês, notei que as
escolhas eram por vezes imprecisas e por vezes excessivamente pedantes. Senti,
portanto, que uma nova tradução que evitasse esses dois extremos serviria a um
propósito valioso. O resultado final desse projeto, apresentado aqui, é uma tentativa
humilde de um praticante seguidor do Buda de transmitir o espírito e conteúdo, bem
como a linguagem e estilo, dos ensinamentos originais.
Durante a preparação deste volume, tive acesso a várias edições do texto Pāli e a
traduções do Dhammapada para diferentes línguas, incluindo sânscrito, hindi,
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bengalês, sinhala, birmanês e nepalês. Beneficiei-me, em especial, das excelentes
traduções elaboradas pelo falecido Venerável Nārada Mahāthera, de Vajirārāma,
Colombo, e pelo Professor Bhagwat, de Pune; a eles deixo meu agradecimento. O texto
Pāli foi preparado a partir de diferentes alfabetos, mas se apoia sobretudo na edição em
alfabeto birmanês do Sexto Conselho Budista, publicada em Rangum. Alguns versos
contêm charadas, referências ou analogias que talvez não sejam evidentes para o leitor.
Seus significados são apresentados entre parênteses ou em notas de rodapé, e para
interpretá-las baseei-me nas explicações oferecidas no comentário de Bhadantācariya
Buddhaghosa.
Uma primeira edição desta tradução foi publicada em 1959 e uma segunda em
1966, ambas pela Maha Bodhi Society, em Bangalore, Índia. Uma terceira edição,
substancialmente revisada, foi publicada pela Buddhist Publication Society em 1985.
Para a presente quarta edição, a tradução novamente passou por uma revisão
considerável. O subtítulo, O caminho do Buda para a sabedoria, não é literal, mas serve
para mostrar que todos os versos do Dhammapada originam-se da sabedoria do Buda e
conduzem aquele que os segue a uma vida guiada por essa mesma sabedoria.
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Introdução
Desde muito tempo atrás até o presente, o Dhammapada tem sido considerado a
expressão mais sucinta do Ensinamento do Buda encontrada no Cânone Pāli, bem
como o principal testamento espiritual dos primórdios do budismo. Nos países que
seguem o budismo Theravāda, como o Sri Lanka, a Birmânia e a Tailândia, a influência
do Dhammapada está em todo lugar. Ele é uma fonte sempre fértil de temas para
sermões e discussões, um manual para a resolução dos inúmeros problemas
cotidianos, e também uma cartilha para a instrução de noviços nos monastérios.
Mesmo os contemplativos experientes que se retiraram para eremitérios nas florestas
ou cavernas nas montanhas a fim de levar uma vida dedicada à meditação geralmente
carregam, entre suas poucas posses materiais, um exemplar desta obra. Contudo, a
admiração suscitada pelo Dhammapada não se restringe aos seguidores budistas
declarados. Em todos os lugares onde ele é conhecido, seu zelo moral, sua compreensão
realista da vida humana, sua sabedoria aforística e sua comovente apresentação de um
caminho para a liberação do sofrimento conquistaram a devoção e a reverência
daqueles que são sensíveis ao bem e à verdade.
Para os seus seguidores, o Buda não é nem um deus, nem uma encarnação divina,
nem um profeta disseminando uma mensagem de revelação divina, mas um ser
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humano que, por meio de seu próprio esforço e inteligência, alcançou a mais elevada
realização espiritual da qual o ser humano é capaz — a perfeita sabedoria, a iluminação
completa, a total purificação da mente. Sua função perante a humanidade é a de um
professor — um professor mundano que, movido pela compaixão, aponta aos outros o
caminho do Nibbāna (em sânscrito, Nirvāṇa), a libertação final do sofrimento. Seu
ensinamento, conhecido como Dhamma, oferece um conjunto de instruções que
explicam a verdadeira natureza da existência e apresentam o caminho que conduz à
liberação. Livre de qualquer dogma e reivindicação inescrutável de autoridade, o
Dhamma tem como sólido alicerce a compreensão clara da realidade do próprio Buda, e
ele conduz quem o pratica ao mesmo entendimento — o conhecimento que arranca as
raízes do sofrimento.
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colocada, o Dhamma da liberação também assume diferentes formas em resposta às
necessidades dos seres aos quais é ensinado. Tal diversidade, que já é bastante evidente
nos discursos em prosa, se torna ainda mais notável no formato de verso altamente
condensado, espontâneo e intuitivo que é usado no Dhammapada. Esse poder
intensificado de apresentação pode originar aparentes inconsistências que talvez
confundam os desavisados. Por exemplo, em muitos versos o Buda enaltece certas
práticas com base no fato de que elas conduzem a um renascimento celestial, enquanto
em outros ele desencoraja os discípulos a aspirarem pelos céus e exalta aqueles que não
encontram deleite nos prazeres celestiais (187, 417).2 Muitas vezes, o Buda prescreve
ações meritórias, mas em outras ocasiões ele louva os que ultrapassaram mérito e
demérito (39, 412). Sem uma compreensão da estrutura subjacente do Dhamma, essas
declarações, quando analisadas lado a lado, parecerão incompatíveis e podem até
mesmo suscitar o julgamento de que o ensinamento se autocontradiz.
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Exceto quando os números dos capítulos são mencionados, os números entre parênteses
referem-se aos números dos versos do Dhammapada.
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pela integridade própria e a felicidade duradoura e (ii) o interesse pelo bem-estar
daqueles que podem ser afetados por nossas ações (129-132).
O conselho mais geral oferecido pelo Dhammapada é evitar todo mal, cultivar o
bem e purificar nossa mente (183). Mas a fim de dissipar quaisquer dúvidas que o
discípulo possa ter com respeito ao que deve ser evitado e o que deve ser cultivado,
outros versos fornecem diretrizes mais específicas. Deveríamos evitar a irritabilidade
na ação, na fala e no pensamento e exercitar o autocontrole (231-234). Deveríamos
aderir aos Cinco Preceitos, o código moral fundamental do budismo, que nos ensina a
nos abstermos de destruir a vida, roubar, cometer adultérios, falar mentiras e ingerir
intoxicantes; alguém que viola essas cinco regras de treinamento “arranca sua própria
raiz até mesmo neste mundo” (246-247). O discípulo deveria tratar todos os seres com
bondade e compaixão, viver honesta e corretamente, controlar seu desejo sensual, falar
a verdade e viver uma vida sóbria e justa, diligentemente realizando suas obrigações,
como servir aos seus pais, à sua família imediata e aos reclusos e brâmanes que
dependem das pessoas leigas para o seu sustento (332-333).
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No seu segundo nível de ensinamento, o Dhammapada mostra que o sentido da
moralidade não se esgota em sua contribuição para a felicidade humana aqui e agora,
mas exerce uma influência muito mais crucial ao moldar o destino de cada pessoa. Este
nível começa com o reconhecimento de que, ao refletirmos, percebemos que a situação
humana demanda um contexto mais satisfatório para a ética do que meros apelos ao
altruísmo. Por um lado, nosso senso inato de justiça moral pede que a bondade seja
recompensada com a felicidade e o mal com o sofrimento. Por outro lado, na nossa
experiência comum, vemos pessoas virtuosas sendo assoladas por dificuldades e
aflições e pessoas completamente más surfando nas ondas da boa fortuna (119-120). A
intuição moral nos diz que, se existe qualquer valor de longo prazo na conduta correta,
este desequilíbrio deve ser de algum modo reparado.
A ordem visível não oferece uma solução clara, mas o Ensinamento do Buda
revela o fator necessário para pacificar nosso desejo por justiça moral em uma lei
impessoal e universal que impera sobre toda a existência senciente. Essa é a lei do
kamma (em sânscrito, karma), da ação e seu resultado, a qual garante que a ação
moralmente informada não desaparece no vácuo, mas em algum momento encontra
sua retribuição correspondente: o bem encontra a felicidade, o mal encontra o
sofrimento.
A visão popular por vezes identifica o kamma com destino, mas essa é uma
concepção totalmente errônea que não pode ser aplicada à doutrina budista. Kamma
significa ação volitiva, ação surgida da intenção, que pode se manifestar externamente
como fala ou ações de corpo, ou internamente como pensamentos, desejos e emoções
não expressados. O Buda distingue o kamma em dois tipos éticos primários: o kamma
prejudicial, que é a ação enraizada em estados mentais de cobiça, raiva e delusão; e o
kamma benéfico, que é a ação enraizada em estados mentais de generosidade ou
desapego, benevolência e compreensão. As ações intencionais que realizamos no
decorrer de nossas vidas podem desaparecer da memória sem deixar traço, mas uma
vez realizadas, elas produzem marcas sutis na mente, sementes com o potencial de dar
frutos no futuro, quando encontrarem as condições favoráveis para o seu
amadurecimento.
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determina a esfera na qual o renascimento ocorre, com as ações benéficas produzindo
renascimento em formas elevadas e as ações prejudiciais produzindo renascimento em
formas inferiores. Após provocar o renascimento, o kamma segue operando,
governando os dotes e circunstâncias do indivíduo em sua forma de existência
específica. Assim, no reino humano, acúmulos anteriores de kamma benéfico
resultarão em longa vida, saúde, riqueza, beleza e sucesso; e o acúmulo de kamma
prejudicial resultará em uma vida curta, doença, pobreza, feiura e fracasso.
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suficientemente preparado por experiências anteriores para a singular exposição do
Dhamma do Buda, não aspira nem pelo renascimento entre os deuses. Tendo
compreendido a inadequação intrínseca de todas as coisas condicionadas, sua única
aspiração é se libertar dos infindáveis ciclos de nascimento. Este é o objetivo último
para o qual o Buda aponta — o propósito imediato daqueles de faculdades
desenvolvidas e o ideal a longo prazo daqueles que ainda estão se desenvolvendo:
Nibbāna, o Imortal, o estado não condicionado no qual não há mais nascimento,
velhice e morte e, portanto, sofrimento.
Se, neste terceiro nível, a ênfase da doutrina se desloca dos princípios do kamma
e renascimento para as Quatro Nobres Verdades, um deslocamento correspondente
ocorre também na esfera prática. A ênfase não mais é situada na observância da
moralidade básica e no cultivo de atitudes benéficas como um meio de alcançar
renascimentos elevados. Em vez disso, ela se volta para o desenvolvimento integral do
Nobre Caminho de Oito Passos como o meio para desenraizar o desejo que nutre o
próprio processo de renascimento. Para fins práticos, os oito fatores do caminho estão
organizados em três grandes grupos que revelam mais claramente a estrutura do
desenvolvimento do treinamento: disciplina moral (incluindo fala, ação e modo de vida
corretos); concentração (incluindo esforço, atenção e concentração corretos), e
sabedoria (incluindo entendimento e pensamento corretos). Por meio do treinamento
em moralidade, as formas mais grosseiras de contaminações mentais, aquelas que
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irrompem como ações e palavras prejudiciais, são notadas e mantidas sob controle. Por
meio do treinamento em concentração, a mente se torna calma, pura e unificada,
purificada das correntes de pensamentos dispersivos. Por meio do treinamento em
sabedoria, o raio de atenção concentrada se foca nos fatores constituintes de mente e
corpo para investigar e contemplar suas características salientes. Essa sabedoria,
gradualmente amadurecida, culmina na compreensão que leva à total purificação e
liberação da mente.
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ondas do pensamento e a adquirir a concentração unificada, eles passam a contemplar
o surgimento e desaparecimento de todas as formulações: “O monge que se retirou
para uma morada silenciosa e acalmou a mente compreende o Dhamma com
discernimento, e nele surge um deleite que transcende todos os deleites humanos.
Sempre que vê com discernimento o surgimento e desaparecimento dos agregados,
preenche-se de alegria e felicidade” (373, 374).
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que o arahat já não é mais perturbado pela febre das paixões; não possui mais
sofrimento e está completamente liberto; ele rompeu todos os vínculos. Suas máculas
foram destruídas: ele não tem apego a comida; seu território é o vazio e a liberdade não
condicionada. Para seres mundanos comuns, o arahat é incompreensível: seu caminho
não pode ser rastreado, como caminho dos pássaros no céu. Ele transcendeu tudo o que
é mundano, está além da tristeza e lamentação, tornou-se pacífico e destemido. Ele
está livre da raiva, é devoto, virtuoso, desprovido de desejo e subjugou a si mesmo.
Possui um profundo conhecimento e sabedoria; é habilidoso em discriminar o caminho
correto e o caminho errôneo; atingiu o objetivo mais elevado. Ele é amigável em meio
aos hostis, pacífico em meio aos violentos e desapegado em meio aos apegados.
Nesta presente vida, o arahat alcançou o fim do sofrimento, soltando o fardo dos
cinco agregados. Ele transcendeu as amarras de mérito e demérito; ele não possui
sofrimento, é imaculado e puro; está livre do apego e mergulhou no Imortal. Como a
lua, ele é límpido e puro, sereno e claro. Ele abandonou todos os grilhões humanos e
transcendeu todos os grilhões celestiais; ele se livrou do substrato da existência e
conquistou todos os mundos. Ele conhece a morte e o renascimento dos seres; é
completamente desapegado, abençoado e iluminado. Nenhum deus, anjo ou humano é
capaz de encontrar seus rastros, pois ele não se fixa a nada, não possui apego e não se
agarra a nada. Ele alcançou o fim dos nascimentos, atingiu a perfeição do insight e
alcançou o topo da excelência espiritual. Carregando seu último corpo, perfeitamente
em paz, o arhat é a demonstração viva da verdade do Dhamma. Através de seu próprio
exemplo ele mostra que é possível nos libertarmos das máculas de cobiça, ódio e
delusão, nos erguermos sobre o sofrimento e conquistarmos o Nibbāna nesta mesma
vida.
***
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Os quatro níveis de ensinamento discutidos acima nos dão a chave para
compreendermos as variadas declarações do Dhammapada sobre a doutrina budista,
bem como discernirmos a intenção por trás das palavras de conselhos práticos.
Entrelaçados com os versos específicos desses quatro níveis principais, ao longo do
texto aparecem muitos versos que não se associam a nenhum nível em particular, mas
se aplicam a todos da mesma forma. Analisados juntos, eles delineiam a visão de
mundo básica do budismo dos primórdios. A característica mais marcante dessa visão é
sua ênfase no processo e não na persistência como o traço definidor da realidade. O
universo está em fluxo, um rio ilimitado de incessante vir a ser que arrasta tudo no seu
caminho; partículas de pó e montanhas, deuses e seres humanos e animais, os
sucessivos e incontáveis sistemas mundiais — todos são tragados por essa corrente
irreprimível. Não há um criador desse processo, nenhuma deidade providencial nos
bastidores, conduzindo todas as coisas a algum fim excelente e glorioso. O cosmos é
sem início, e no seu movimento de fase a fase ele é governado somente pela lei
impessoal e implacável do surgimento, mudança e cessação.
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escolher entre o caminho que conduz de volta ao mundo, ao ciclo da existência, e o
caminho que conduz para fora do mundo, para o Nibbāna. E embora esse segundo
percurso seja extremamente difícil e demandante, a voz do Buda enuncia palavras de
garantia que confirmam que é possível fazê-lo, que temos o poder de superar todas as
barreiras e triunfar sobre a própria morte.
Aquilo que é mais urgentemente necessário para treinar e subjugar a mente é uma
qualidade denominada diligência (appamāda). A diligência combina a autoconsciência
crítica e uma energia incessante na tarefa de manter a mente sob constante
observação, a fim de detectar e eliminar os impulsos contaminantes sempre que eles
tentarem vir à superfície. Em um mundo no qual não temos um salvador além de nós
mesmos, e no qual os meios para a liberação residem na purificação da mente, a
diligência se torna o fator crucial para garantir que nos mantenhamos no caminho do
treinamento sem sermos desviados pelos engodos sedutores dos prazeres dos sentidos
ou pelas influências estagnantes da preguiça e do comodismo. A diligência, declara o
Buda, é o caminho para o Imortal; e a negligência, o caminho para a morte. O sábio que
entende essa distinção repousa na diligência e experiencia o Nibbāna, “a incomparável
liberação da prisão” (21–23).
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com profundidade e minúcia, investigar sua relevância para nossa vida e aplicá-lo
como um guia de conduta. Se isso for feito repetidamente, com paciência e
perseverança, é certo que o Dhammapada conferirá às nossas vidas um novo sentido e
senso de propósito. Infundindo-nos com esperança e inspiração, ele gradualmente nos
levará a descobrir uma liberdade e felicidade muito maiores do que qualquer coisa que
o mundo possa oferecer.
Bhikkhu Bodhi
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O Dhammapada
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1
YAMAKAVAGGA
—
Os Pares
1. A mente precede todos os estados mentais. A mente é seu chefe, todos eles são
forjados pela mente. Se, com uma mente impura, uma pessoa falar ou agir, o
sofrimento a acompanhará tal qual a roda acompanha as patas do boi.
2. A mente precede todos os estados mentais. A mente é seu chefe, todos eles são
forjados pela mente. Se, com uma mente pura, uma pessoa falar ou agir, a felicidade a
acompanhará como a sombra que nunca parte.
3. “Ele me abusou, ele me bateu, ele me dominou, ele me roubou” – aqueles que
nutrem tais pensamentos não pacificam seu ódio.
4. “Ele me abusou, ele me bateu, ele me dominou, ele me roubou” – aqueles que não
nutrem tais pensamentos pacificam seu ódio.
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averena ca sammanti: esa dhammo sanantano.
5. Neste mundo, ódio nunca é apaziguado pelo ódio; somente pelo não-ódio pode o
ódio ser apaziguado. Esta é uma lei eterna.
6. Há os que não percebem que um dia todos nós morreremos, mas aqueles que
entendem isso resolvem suas desavenças.
7. Assim como uma tempestade derruba uma árvore fraca, Māra sobrepuja quem vive
para ter prazeres, não tem controle sobre seus sentidos, é imoderado na alimentação,
preguiçoso e hedonista.3
8. Assim como uma tempestade não consegue derrubar uma montanha rochosa, Māra
nunca conseguirá sobrepujar alguém que passa a vida meditando sobre as impurezas4,
é controlado em seus sentidos, moderado na alimentação e repleto de fé e esforço
sincero.
3
Māra: o Tentador, no budismo, representado nas escrituras como uma deidade malévola que
tenta desviar as pessoas do caminho para a liberação. Os comentários explicam Māra como
sendo o senhor das forças do mal, como sendo as contaminações mentais e também a própria
morte.
4
As impurezas (asubha): temas de meditação que focam na repulsividade inerente do corpo,
recomendados sobretudo como antídotos poderosos ao desejo.
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upeto damasaccena, sa ve kāsāvam arahati.
10. Mas aquele que tiver purificado a depravação, apresentar virtudes bem
estabelecidas e for pleno de autocontrole e sinceridade será, de fato, uma pessoa digna
do manto amarelo.
11. Aqueles que confundem o que não é essencial como sendo essencial, bem como o
que é essencial como não sendo essencial, alimentando pensamentos equivocados,
nunca alcançarão o que é essencial.
12. Aqueles que sabem que o essencial é essencial e que o não essencial é não essencial,
alimentando pensamentos corretos, alcançarão o essencial.
13. Assim como a chuva atravessa uma casa de palha mal feita, a paixão penetra na
mente que não foi treinada.
14. Assim como a chuva não atravessa uma casa de palha bem feita, a paixão nunca
penetra na mente que foi bem treinada.
15. Aquele que faz o mal lamenta-se aqui, bem como depois; ele lamenta-se nos dois
mundos. Ele lamenta e se sente aflito, recordando suas ações impuras.
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16. Aquele que faz o bem regozija-se aqui, bem como depois; ele se regozija nos dois
mundos. Ele se regozija e se alegra, recordando suas ações puras.
17. Aquele que faz o mal sofre aqui, bem como depois; ele sofre nos dois mundos. O
pensamento “Cometi o mal” atormenta-o, e ele sofre ainda mais ao passar para os
reinos de aflição.
18. Aquele que faz o bem se deleita aqui, bem como depois; ele se deleita nos dois
mundos. O pensamento “Eu fiz o bem” deleita-o, e ele se deleita ainda mais ao passar
para os reinos de felicidade.
19. Embora recite muitos textos sagrados, se não agir de acordo, esse homem
negligente será como um vaqueiro que apenas conta o gado dos outros — ele não
partilhará das bênçãos de uma vida sagrada.
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2
APPAMĀDAVAGGA
—
Diligência
24. Constantemente cresce a glória daquele que é energético, atento e puro em sua
conduta, sagaz e dotado de autocontrole, correto e diligente.
5
O Imortal (amata): Nibbāna, assim chamado pois aqueles que o atingem se libertam do ciclo de
repetidas mortes e renascimentos.
6
Os nobres (ariya): aqueles que alcançaram qualquer um dos quatro estágios do atingimento
supramundano que conduz, de modo irreversível, ao nibbāna. Veja a introdução, p. __.
23
dīpaṃ kayirātha medhāvī yaṃ ogho nābhikīrati.
25. Por meio de esforço e diligência, disciplina e autodomínio, que o sábio construa
para si uma ilha que nenhuma enchente possa sobrepujar.
26. O tolo e ignorante entrega-se à negligência, mas o sábio protege a diligência como
se fosse seu maior tesouro.
27. Não ceda à negligência; não se entregue aos prazeres sensuais. Somente os
diligentes e meditativos alcançam a grande felicidade.
28. Tal qual alguém que sobe ao topo de uma montanha e contempla os que vivem no
solo, quando o sábio troca a negligência pela diligência e ascende à elevada torre da
sabedoria, é desse modo que o sábio — livre do sofrimento — contempla a multidão
tola e aflita.
30. Foi por meio da diligência que Indra se tornou o soberano dentre os deuses. A
diligência é sempre enaltecida, e a negligência sempre desprezada.7
7
Indra: o governante dos deuses na mitologia indiana antiga.
24
saññojanaṃ aṇuṃ thūlaṃ ḍahaṃ aggī va gacchati.
31. O monge que se alegra com a diligência e olha temeroso para a negligência avança
como labaredas, queimando todos os grilhões sutis e grosseiros.
32. O monge que se alegra com a diligência e olha temeroso para a negligência não
sucumbirá. Ele está próximo do Nibbāna.
25
3
CITTAVAGGA
—
A Mente
33. Assim como um arqueiro endireita a haste de uma flecha, do mesmo modo a pessoa
sagaz endireita a sua mente — tão volátil e inconstante, tão difícil de proteger e
controlar.
34. Como um peixe que, quando retirado da água e jogado no solo, salta e se inquieta,
assim é esta mente agitada. Portanto, deveríamos abandonar o reino de Māra.
35. Maravilhoso, de fato, é subjugar a mente, tão difícil de subjugar, sempre rápida e a
vaguear por onde quer que deseje. Uma mente domada traz a felicidade.
36. Que a pessoa sagaz vigie sua mente, tão difícil de detectar e extremamente sutil,
sempre vagueando por onde deseja. Uma mente resguardada traz a felicidade.
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37. Residindo na caverna (do coração), sem forma, a mente vagueia longe e se
encaminha por si só. Aqueles que subjugam tal mente se libertam das amarras de Māra.
38. A sabedoria ainda não atingiu a perfeição naquele cuja mente não é estável, que não
conhece o Bom Ensinamento e cuja fé oscila.
39. Não há medo para alguém Desperto, cuja mente não está inundada (pelo desejo)
nem aflita (pelo ódio), e que transcendeu tanto o mérito quanto o demérito.8
40. Compreendendo que este corpo é tão frágil quanto um pote de argila, e fortalecendo
esta mente tal qual uma cidade bem resguardada, enfrente Māra com a espada da
sabedoria. A seguir, protegendo o que foi conquistado, permaneça livre de apego.
41. Dentro em breve, infelizmente, este corpo jazerá sobre a terra, descartado e sem
vida, como um inútil pedaço de madeira.
42. Qualquer que seja o dano que um inimigo possa causar ao seu inimigo, ou que uma
pessoa plena de ódio possa causar a outra, uma mente mal dirigida inflige a si mesmo
um dano muito maior.
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É dito que o arahat está além tanto do mérito quanto do demérito porque, uma vez que ele
abandonou todas as contaminações, não é mais capaz de realizar ações negativas. E, visto que
não tem mais apegos, suas ações positivas já não produzem resultados cármicos.
27
43. Nenhuma mãe, pai ou qualquer outro parente é capaz de gerar um benefício maior
do que uma mente bem dirigida
28
4
PUPPHAVAGGA
—
Flores
44. Quem há de ultrapassar esta Terra, o mundo da miséria, e esta esfera de humanos e
deuses? Como um habilidoso florista preparando um arranjo de flores, quem há de
levar à perfeição o bem-ensinado caminho da sabedoria?
45. Aquele que se esforça no caminho há de ultrapassar esta Terra, o mundo da miséria
e esta esfera de humanos e deuses. Aquele que se esforça no caminho há de levar à
perfeição o bem-ensinado caminho da sabedoria, tal qual um habilidoso florista
preparando um arranjo de flores.
46. Compreendendo que este corpo é como espuma, penetrando sua natureza ilusória e
arrancando as flechas (da sensualidade) adornadas com flores de Māra, atravesse a
visão do Rei da Morte!
47. Assim como uma grande enchente varre por completo uma cidade adormecida, a
Morte arrasta a pessoa de mente apegada que apenas colhe as flores (do prazer).
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atittaṃ yeva kāmesu antako kurute vasaṃ.
48. O Destruidor exerce seu poder sobre a pessoa de mente apegada que, insaciável nos
desejos dos sentidos, apenas colhe as flores (do prazer).
49. Tal qual uma abelha, que coleta o mel da flor sem danificar sua cor ou fragrância, o
sábio deveria realizar sua mendicância na cidade.
50. Que ninguém encontre falhas nos outros; que ninguém veja as omissões e
comissões dos outros. Mas que vejamos, por outro lado, nossos próprios atos, levados a
cabo ou não.
51. Como uma bela flor plena de cores mas sem qualquer perfume, do mesmo modo,
estéreis são as belas palavras de alguém que não as coloca em prática.
52. Como uma bela flor plena de cores e também de perfume, do mesmo modo,
fecundas são as belas palavras de alguém que as coloca em prática.
53. Assim como uma grande pilha de flores pode dar origem a muitas guirlandas,
muitas boas ações deveriam ser realizadas por alguém que nasceu mortal.
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54. Nem o doce aroma das flores, nem mesmo o perfume do sândalo, da tagara ou do
jasmim sopram contra o vento. Mas o perfume do virtuoso sopra contra o vento. A
pessoa virtuosa permeia todas as direções com o aroma da virtude.9
55. De todos os aromas — sândalo, tagara, lótus azul e jasmim — o aroma da virtude é,
incomparavelmente, o mais doce.
57. Māra nunca encontra o caminho daqueles que são verdadeiramente virtuosos, que
repousam na vigilância e se libertaram através do conhecimento perfeito.
58-59. Sobre uma pilha de sujeira em um fosso na beira da estrada, um lótus floresce,
perfumado e belo. Do mesmo modo, sobre a pilha de sujeira dos seres cegos do mundo,
brilha o discípulo do Supremamente Iluminado, resplandecendo em sabedoria.
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Tagara: um pó aromático obtido a partir de um tipo específico de arbusto.
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5
BĀLAVAGGA
—
O tolo
60. Longa é a noite para o insone; longa é a competição para o fatigado; longa é a
existência mundana para os tolos que não conhecem o Bom Ensinamento.
61. Caso um buscador não encontre um companheiro no seu nível ou superior, que ele
possa trilhar com firmeza uma jornada solitária. Não há companheirismo ao lado de
um tolo.
62. O tolo preocupa-se, refletindo: “Eu tenho filhos, tenho riqueza.” Na verdade, se
nem ele próprio não é dono de si mesmo, que dizer dos filhos e da riqueza?
63. Um tolo que conhece a sua tolice é sábio pelo menos neste aspecto, mas um tolo que
se considera sábio é realmente um tolo.
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64. Ainda que um tolo passe sua vida inteira ao lado de uma pessoa sábia, ele
compreende o Dhamma na mesma medida em que uma colher sente o sabor da sopa.
65. Ainda que uma pessoa sagaz não passe mais do que um mero instante na
companhia de um sábio, ela rapidamente compreende o Dhamma, tal qual a língua
sente o sabor da sopa.
67. Malfeita é a ação que, tendo sido realizada, produz arrependimento mais tarde e
cujos frutos nós colhemos chorando, com uma expressão de lamento.
68. Bem-feita é a ação que, tendo sido realizada, não produz arrependimento mais
tarde, e cujos frutos nós colhemos com alegria e satisfação.
69. Enquanto uma ação negativa ainda não amadureceu, o tolo a considera doce como o
mel. Mas quando a ação negativa amadurece, o tolo é arrebatado pela tristeza.
70. Embora, meses a fio, o tolo coma o seu alimento usando a ponta de uma folha de
grama, ele ainda não valerá nem a décima sexta parte de alguém que compreendeu o
Dhamma.
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71. Na hi pāpaṃ kataṃ kammaṃ sajju khīraṃ va muccati,
71. De fato, uma ação negativa, tendo sido cometida, não gera resultados
imediatamente, do mesmo modo como o leite não azeda de súbito. Mas, ardendo sem
chamas, ela persegue o tolo como fogo coberto por cinzas.
72. Para a sua própria ruína o tolo adquire conhecimento, pois ele parte a sua cabeça e
destrói sua bondade inata.
73. O tolo aspira por uma reputação não merecida, precedência entre os monges,
autoridade sobre os monastérios e honra entre os chefes de família.
74. “Que tanto os leigos quanto os monges pensem que fui eu que fiz. Em todos os
trabalhos, grandes e pequenos, que eles me sigam” — tal é a ambição do tolo; é assim
que o seu desejo e orgulho aumentam.
75. Uma coisa é a busca por ganhos mundanos, e outra completamente diferente é o
caminho para o Nibbāna. Claramente entendendo isso, que o monge, o discípulo do
Buda, não seja arrastado pelo sucesso mundano, mas que ele desenvolva o desapego.
34
6
PAṆḌITAVAGGA
—
O sábio
76. Se encontrarmos alguém que aponta defeitos e repreende, deveríamos seguir essa
pessoa sábia e astuta como seguiríamos um guia para um tesouro escondido. É sempre
melhor, e nunca pior, cultivar tal companhia.
77. Que ela advirta, instrua e nos proteja do erro. Tal pessoa é querida pelos bons e
detestada pelos maus.
78. Não se associe a maus companheiros; não busque o convívio com os perversos.
Associe-se a bons amigos; busque o convívio com pessoas nobres.
79. Aquele que mergulha fundo no Dhamma vive feliz com uma mente tranquila. A
pessoa sábia está sempre a se deliciar com o Dhamma revelado pelo Nobre (o Buda).
35
80. Irrigadores regulam a água; fazedores de flecha endireitam o eixo da flecha;
carpinteiros dão forma à madeira; os sábios controlam a si mesmos.
81. Assim como uma rocha sólida não é abalada pelo vento, os sábios não são afetados
por elogio ou censura.
82. Ao ouvir os ensinamentos, os sábios são perfeitamente purificados tal qual um lago
profundo, claro e límpido.
83. Os bons renunciam (ao apego a) todas as coisas; os virtuosos não dão conversa ao
anseio por prazeres. Os sábios não demonstram euforia ou depressão quando atingidos
pela felicidade ou pelo sofrimento.
84. É verdadeiramente virtuoso, sábio e correto aquele que, seja por si mesmo ou pelos
outros, não comete nenhum mal, não anseia por filhos, riqueza ou reinado, e não
aspira pelo sucesso próprio usando de meios injustos.
85. Poucos são os humanos que atravessam até a margem mais distante. O restante, a
maioria das pessoas, fica apenas subindo e descendo ao longo da margem de cá.
36
86. Mas aqueles que agem de acordo com o Dhamma perfeitamente ensinado
atravessarão o reino da Morte, tão difícil de atravessar.
89. Aqueles cujas mentes alcançaram a completa excelência dos fatores da iluminação,
e que, tendo renunciado a aquisitividade, regozijam na ausência de fixações — libertos
das máculas, brilhando em sabedoria, eles atingiram o Nibbāna nesta presente vida.10
10
Este verso descreve o arahat, apresentado mais detalhadamente no próximo capítulo. As
“máculas” (āsava) são as quatro contaminações básicas: desejo sensual, desejo pela existência
continuada, visões falsas e ignorância.
37
7
ARAHANTAVAGGA
—
90. A febre da paixão não existe para aquele que completou a jornada, que não possui
sofrimento e está plenamente liberado, e que rompeu todos os vínculos.
91. Os atentos se empenham. Eles não têm apego a nenhuma casa; como cisnes que
abandonam o lago, eles deixam para trás uma casa após a outra.
92. Aqueles que não acumulam e são sábios com respeito à comida, cujo objeto é o
Vazio, a liberdade incondicional — a sua trilha, como a trilha dos pássaros no céu, não
pode ser rastreada.
93. Aquele cujas máculas foram destruídas e que não é apegado a comida, cujo objeto é
o Vazio, a liberdade incondicional — o seu caminho, como o caminho dos pássaros no
céu, não pode ser rastreado.
38
94. Yass’indriyāni samathaṅgatāni, assā yathā sārathinā sudantā,
94. Até mesmo os deuses são caros aos que são estáveis, àqueles cujos sentidos foram
subjugados tal qual cavalos bem treinados por um cocheiro, cujo orgulho foi destruído
e que estão livres das máculas.
95. Não há mais existência mundana para aquele que é estável e que, como a terra, não
se ressente de nada; que é tão firme quanto um pilar e tão puro quanto uma lagoa
profunda e sem nenhum lodo.
97. Aquela que é desprovida de uma fé cega, que conhece o Não Criado, que rompeu
todos os vínculos, que destruiu todas as causas (do kamma, bom e ruim) e que se
despojou de todos os desejos — esta é verdadeiramente a mais excelente dentre as
pessoas.11
98. Realmente inspirador é o local onde habitam arahats, seja ele uma cidade, uma
floresta, um vale ou uma montanha.
11
Em Pāli, este verso apresenta diversos jogos de palavras, e se o “lado implícito” de cada um
deles fosse traduzido, o verso ficaria assim: “A pessoa que é destituída de fé, ingrata, uma ladra,
que destrói oportunidades e se alimenta de vômito — esta é verdadeiramente a mais excelente
dentre as pessoas.”
39
99. Inspiradoras são as florestas onde os seres mundanos não encontram prazer. Lá,
aqueles que não possuem paixões regozijam, pois não buscam por prazeres sensuais.
40
8
SAHASSAVAGGA
—
Os Milhares
100. Melhor do que mil palavras sem sentido é uma única palavra plena de sentido, que
ao ouvir alcançamos a paz.
101. Melhor do que mil versos sem sentido é um único verso pleno de sentido. Ao
ouvi-lo, atinge-se a paz.
102. Melhor do que recitar cem versos sem sentido é recitar um único verso do
Dhamma. Ao ouvi-lo, atinge-se a paz.
103. Ainda que alguém conquiste mil homens mil vezes em batalha, o mais nobre
vitorioso é aquele que conquistou a si mesmo.
41
104-105. A conquista de si mesmo é muito melhor do que a conquista sobre os outros.
Nem mesmo um deus, um anjo, Māra ou Brahmā podem transformar em derrota a
vitória da pessoa que subjugou a si própria e é comedida na sua conduta.12
106. Ainda que oferecêssemos milhares de sacrifícios meses a fio por uma centena de
anos, se por um breve momento venerássemos aqueles que desenvolveram sua mente,
tal reverência seria superior a um século de sacrifícios.
107. Ainda que passássemos cem anos vigiando o fogo sacrificial na floresta, se por um
breve momento venerássemos aqueles que desenvolveram sua mente, tal reverência
seria superior a um século de sacrifícios.
108. Quaisquer presentes e oblações que alguém buscando mérito possa oferecer, neste
mundo, ao longo de um ano inteiro não equivalem nem a um quarto do mérito obtido
ao reverenciar os justos, o qual é verdadeiramente excelente.
109. Para alguém sempre ávido por reverenciar e servir os anciões, essas quatro
bênçãos decorrem: longa vida e beleza, felicidade e poder.
110. É melhor viver um dia virtuoso e permeado pela meditação do que viver cem anos
de forma imoral e descontrolada.
12
Brahmā: uma importante divindade na religião indiana antiga.
42
111. Yo ca vassasataṃ jīve duppañño asamāhito,
111. É melhor viver um dia sábio e meditativo do que viver cem anos de forma insensata
e descontrolada.Oi
112. É melhor viver um dia árduo e resoluto do que viver cem anos de forma preguiçosa
e hedonista.
113. É melhor viver um dia contemplando o surgimento e declínio das coisas do que
viver cem anos sem jamais contemplar o surgimento e declínio das coisas.
114. É melhor viver um dia contemplando O Que Não Morre do que viver cem anos sem
jamais ter vislumbrado O Que Não Morre.
115. É melhor viver um dia contemplando a Verdade Suprema do que viver cem anos
sem jamais ter vislumbrado a Verdade Suprema.
43
9
PĀPAVAGGA
—
O Mal
116. Apresse-se em fazer o bem e proteja a sua mente do mal. Quando somos lentos em
fazer o bem, nossa mente se deleita com o mal.
117. Se uma pessoa cometer o mal, que ela não o faça repetidas vezes. Que ela não
comece a desejar por isso, pois doloroso é o acúmulo do mal.
118. Se uma pessoa fizer o bem, que ela o faça repetidas vezes. Que ela comece a desejar
por isso, pois bem-aventurado é o acúmulo do bem.
119. Até que o mal tenha amadurecido, pode correr tudo bem para quem comete o mal.
Mas quando ele amadurece, aquele que o comete encara (os dolorosos resultados) de
suas ações negativas.
44
120. Até que o bem tenha amadurecido, quem faz o bem pode se deparar com
dificuldades. Mas quando ele amadurece, aquele que o faz encara (os aprazíveis
resultados) de suas ações positivas.
121. Não menospreze o mal, pensando: “ele não vai me alcançar”. Gota por gota, o
balde se enche de água. Do mesmo modo, acumulando aos poucos, o tolo se inunda de
mal.
122. Não menospreze o bem, pensando: “ele não vai me alcançar”. Gota por gota, o
balde se enche de água. Do mesmo modo, acumulando aos poucos, o sábio se inunda de
bem.
123. Como um comerciante com uma pequena escolta e uma grande riqueza evitaria
uma rota perigosa, ou como alguém que deseja viver evitaria veneno, do mesmo modo
deveríamos evitar as ações negativas.
124. Se na nossa mão não houver nenhuma ferida, podemos carregar até mesmo
veneno. O veneno não afeta quem está livre de feridas, e para quem não comete o mal
não existem desgraças.
125. Como areia jogada contra o vento, o mal se reverte contra quem ofende uma pessoa
inofensiva, pura e inocente.
45
126. Gabbham eke uppajjanti nirayaṃ pāpakammino,
126. Alguns nascem no útero; os maus nascem no inferno; os devotos vão para os céus;
aqueles livres das máculas atingem o Nibbāna.
127. Nem no céu, nem no meio do oceano, nem nas fendas de uma montanha — em
absolutamente nenhum lugar deste mundo se pode escapar do resultado de uma ação
negativa.
128. Nem no céu, nem no meio do oceano, nem nas fendas de uma montanha — em
absolutamente nenhum lugar deste mundo se pode escapar da morte.
46
10
DAṆḌAVAGGA
—
Violência
129. Todos os seres tremem diante da violência, todos temem a morte. Colocando-nos
no lugar do outro, não deveríamos matar ou levar alguém a matar.
130. Todos os seres tremem diante da violência, todos estimam a vida. Colocando-nos
no lugar do outro, não deveríamos matar ou levar alguém a matar.
131. Aquele que, na busca por sua felicidade, oprime com violência outros seres que
também desejam a felicidade, não alcançará a felicidade no futuro.
132. Aquele que, na busca por sua felicidade, não oprime com violência outros seres que
também desejam a felicidade, encontrará a felicidade no futuro.
133. Não se dirija a ninguém de forma severa, pois aqueles assim abordados podem
retrucar. Na verdade, a fala rancorosa machuca e a retaliação pode o consumir.
47
134. Sace neresi attānaṃ kaṃso upahato yathā,
134. Se, como um gongo quebrado, você silenciar, terá se aproximado do Nibbāna, pois
não mais carregará a vingança.
135. Assim como um pastor conduz o gado ao pasto com um cajado, a velhice e a morte
conduzem a força vital dos seres (de uma existência a outra).
136. Quando o tolo comete ações negativas, ele não se apercebe (de sua natureza
negativa). A pessoa ignorante é atormentada por suas próprias ações como alguém se
queimando com o fogo.
137. Aquele que emprega a violência contra alguém desarmado e ofende os inofensivos
tão pronto se deparará com algum destes dez estados:
48
140. Ou suas casas serão destruídas por um incêndio devastador, e após a dissolução do
corpo essa pessoa ignorante renascerá nos infernos.
141. Nem andar por aí nu, nem cabelos emaranhados, nem jejum, nem deitar-se no
chão, nem esfregar cinzas e pó sobre si mesmo, nem sentar-se sobre os calcanhares
(em penitência) pode purificar um mortal que não ultrapassou a flutuação mental.
142. Ainda que disponha de muitos adornos, se for equilibrada, calma, controlada e
estabelecida na vida sagrada, tendo abandonado a violência perante todos os seres —
ela verdadeiramente é uma pessoa sagrada, um renunciante, um monge.
143. Apenas raramente surge neste mundo um homem que, contido pela modéstia,
evita a repreensão, tal qual um cavalo de sangue puro evita o chicote.
144. Como um cavalo de puro sangue tocado pelo chicote, tenha vigor, mantenha-se
preenchido de anseio espiritual. Por meio da fé e da pureza moral, do esforço e da
meditação, da investigação da verdade, da riqueza em conhecimento e da virtude, e da
atenção plena, destrua este sofrimento ilimitado.
49
11
JARĀVAGGA
—
Velhice
146. Se este mundo está constantemente em chamas, por que essa risada? Por que esse
júbilo? Envolto pela escuridão, por que não procuras a luz?
147. Observe este corpo, uma imagem pintada, uma massa de feridas amontoadas —
enfermo, cheio de ansiedade, com nada estável ou duradouro.
148. Completamente desgastado está este corpo, um ninho de doenças e frágil. Esta
massa podre se desintegra, pois a vida termina na morte.
149. Estes ossos cor de pomba são como cabaças espalhadas no outono. Tendo as visto,
como é possível que ainda busquemos pelo prazer?
50
150. O corpo é uma cidade feita de ossos, rebocada com carne e sangue, contendo em si
a decadência e a morte, o orgulho e o desprezo.
151. Mesmo gloriosas carruagens reais se desgastam, e este corpo também se desgasta.
Mas o Dhamma dos bons não envelhece; assim os bons o revelam aos bons.
154. Ó, construtor desta casa, agora o vejo! Você não construirá esta casa outra vez. Pois
todos os seus caibros estão quebrados e sua cumeeira estraçalhada. Minha mente
alcançou o Não Condicionado: atingi a destruição dos desejos.13
155. Aqueles que, na juventude, não viveram a vida sagrada, que falharam em adquirir a
riqueza, definham como velhas garças em um lago sem peixes.
13
De acordo com o comentário, os versos 153-154 são a “Canção da Vitória” do Buda, seu
primeiro pronunciamento após atingir a Iluminação. A casa refere-se à existência
individualizada no saṃsāra; o construtor ao desejo, os caibros às paixões; e a cumeeira à
ignorância.
51
senti cāpātikhīṇā va purāṇāni anutthunaṃ.
156. Aqueles que, na juventude, não viveram a vida sagrada, que falharam em adquirir a
riqueza, jazem como flechas usadas (atiradas por) um arco, suspirando pelo passado.
52
12
ATTAVAGGA
—
O Eu
157. Se temos apreço por nós mesmos, deveríamos nos observar com diligência. Que a
pessoa sábia mantenha a vigília em todos os três turnos da noite.
159. Deveríamos fazer aquilo que ensinamos aos outros. Se treinamos outras pessoas,
deveríamos ter controle sobre nós mesmos. Difícil, sem dúvida, é o autocontrole.
160. Somos, de fato, nossos próprios protetores. Quem mais seria? Desenvolvendo o
total controle sobre si, ganhamos um protetor que é dificilmente obtido.
161. O mal que uma pessoa ignorante faz por conta própria, originado dela e produzido
por ela, a tritura tal qual um diamante tritura uma joia rígida.
53
162. Yassa accantadussīlyaṃ māluvā sālam iv’otthataṃ
162. Assim como uma trepadeira da selva estrangula a árvore sobre a qual ela cresce,
uma pessoa excessivamente depravada prejudica a si mesma como se fosse sua
inimiga.
163. É fácil de realizar aquilo que é negativo e nos prejudica, mas é extremamente difícil
realizar coisas boas e benéficas.
164. Quem quer que, devido a visões deturpadas, insulte o ensinamento dos arahats, os
nobres de vida correta — tal tolo, como o bambu, produz frutos que só levam à
autodestruição.14
165. Por nós mesmos o mal é feito, por nós mesmos nos contaminamos. Por nós
mesmos o mal não é realizado, por nós mesmos nos purificamos. A pureza e a
impureza dependem de nós — ninguém pode purificar outra pessoa.
166. Que não negligenciemos o nosso bem-estar em prol de outra pessoa, por mais
importante que seja. Compreendendo a fundo nosso próprio bem-estar, que nos
empenhemos em fazer o bem.
14
Algumas canas da família do bambu perecem imediatamente após produzirem frutos.
54
13
LOKAVAGGA
—
O Mundo
167. Não siga o caminho vulgar; não viva em negligência; não sustente visões falsas;
não permaneça por muito tempo na existência mundana.
168. Levante-se! Não seja negligente! Viva uma vida de boa conduta. Os corretos vivem
felizes tanto neste mundo quanto no próximo.
169. Viva uma vida de boa conduta. Não leve uma vida vil. Os corretos vivem felizes
tanto neste mundo quanto no próximo.
170. Quando contemplamos o mundo como uma bolha e uma miragem, o Rei da Morte
não nos vê.
171. Venha! Observe este mundo, que é como uma carruagem real ornamentada. Aqui os
tolos se debatem, mas os sábios não se apegam a ele.
55
172. Yo ca pubbe pamajjitvā pacchā so nappamajjati;
172. Alguém que, tendo sido negligente, deixou de sê-lo, ilumina este mundo como a
lua liberada de uma nuvem.
173. Alguém que, por meio do bem, encobre o mal que realizou ilumina este mundo
como a lua liberada de uma nuvem.
174. Cego é este mundo; aqui, poucos possuem visão clara. São poucos que, como
pássaros fugindo de uma rede, vão para o reino da felicidade.
175. Os cisnes voam em direção ao sol; os homens atravessam o espaço pelos poderes
psíquicos; os sábios se afastam do mundo após derrotar Māra e sua legião.
176. Para um mentiroso que violou a lei única (da verdade), que tem desprezo pelo
porvir, não há mal que ele não seja capaz de cometer.
177. De fato, os avarentos não se encaminharão para os reinos celestiais; nem os tolos
louvam a generosidade. Mas a pessoa sábia regozija em oferecer, e tão só por isso se
tornará feliz no futuro.
56
178. Melhor do que a total soberania sobre a Terra, melhor do que ir para os céus,
melhor do que ser o senhor de todos os mundos é a fruição resultante de adentrar a
corrente.15
15
Aquele que adentrou a corrente (sotāpatti): primeiro estágio de atingimento supramundano.
57
14
BUDDHAVAGGA
—
O Buda
179. Por qual rastro se pode localizar aquele que não deixa rastros, o Buda de amplitude
ilimitada, cuja vitória nada pode reverter, a quem nenhuma contaminação derrotada
pode jamais perseguir?
180. Por qual rastro se pode localizar aquele que não deixa rastros, o Buda de amplitude
ilimitada, em quem não mais existe o desejo confuso e enredante que perpetua a
existência?
182. Difícil é nascer como um ser humano, difícil é a vida dos mortais. Difícil é obter a
chance de ouvir o Bom Dhamma, e difícil, de fato, é encontrar o surgimento dos Budas.
58
183. Evitar todo mal, cultivar o bem e purificar nossa própria mente — tal é o
ensinamento dos Budas.
186-187. Não há como satisfazer os desejos sensuais nem com uma chuva de moedas de
ouro, pois os prazeres dos sentidos oferecem pouca satisfação e acarretam demasiada
dor. Compreendendo isto, o sábio não se deleita nem mesmo com os prazeres
celestiais. O discípulo do Buda Supremo se delicia com a destruição do desejo.
189. Estes, na verdade, não são refúgios seguros; eles não são o refúgio supremo. Não é
recorrendo a tais refúgios que nos liberamos de todo sofrimento.
59
190. Yo ca Buddhañ ca dhammañ ca saṅghañ ca saraṇaṃ gato,
190-191. Alguém que tomou refúgio no Buda, no Dhamma e na Sangha penetra com
sabedoria as Quatro Nobres Verdades — o sofrimento, a causa do sofrimento, a
cessação do sofrimento e o Nobre Caminho de Oito Passos que conduz à cessação do
sofrimento.16
192. Este, de fato, é o refúgio seguro, é o refúgio supremo. Tendo tomado tal refúgio,
somos liberados de todo sofrimento.
193. Difícil de encontrar é o homem nobre (o Buda). Ele não nasce em qualquer lugar.
Onde tal sábio nasce, o clã alegremente prospera.
papañca-samatikkante tiṇṇa-soka-pariddave
195-196. Aquele que venera os dignos de reverência, os Budas e seus discípulos, que
transcendeu tudo o que é mundano e atravessou para além do alcance da tristeza e da
lamentação — aquele que venera os pacíficos e destemidos, seu mérito não pode ser
calculado por nenhuma medida.
16
A Sangha: tanto a ordem monástica (bhikkhu-saṅgha) e a ordem dos nobres (ariya-saṅgha) que
alcançaram os quatro estágios supramundanos.
60
15
SUKHAVAGGA
—
A Felicidade
197. Felizes nós vivemos, amigáveis em meio aos hostis! Em meio a pessoas hostis,
repousamos livres do ódio.
198. Felizes nós vivemos, sem aflições em meio aos afligidos (pelo desejo)! Em meio a
pessoas aflitas, repousamos livres de aflições.
199. Felizes nós vivemos, livres da avareza em meio aos avarentos! Em meio a pessoas
avarentas, repousamos livres de avareza.
200. Felizes nós vivemos, nós que não possuímos nada! Estamos fadados a nos
alimentarmos da felicidade, como os deuses radiantes!17
17
Os deuses radiantes (devā ābhassarā): uma classe de deuses no reino da forma sutil
(rūpa-dhātu). É dito que eles sobrevivem de felicidade em vez de alimento.
61
201. A vitória engendra a inimizade, os derrotados vivem na dor. Felizes vivem os
pacíficos, descartando tanto a vitória quanto a derrota.
202. Não há fogo como a luxúria, não há crime como o ódio. Não há doença como os
agregados, não há felicidade superior à paz (do Nibbāna).18
205. Tendo experimentado o sabor da solidão e da paz, livre de dor e de mácula ele se
torna, bebendo profundamente o sabor da felicidade do Dhamma.
206. É bom ver os nobres, viver com eles é sempre maravilhoso. Seremos sempre
felizes ao não encontrarmos tolos.
18
Agregados (khandha): os cinco grupos através dos quais o Buda analisa os seres vivos — forma
material, sensação, percepção, formações mentais e consciência.
62
207. Certamente aquele que se move na companhia de tolos lamenta por um longo
tempo. A companhia dos tolos é sempre dolorosa, como associar-se a um inimigo. Mas
feliz é a companhia do sábio, que é como encontrar nossos próprios parentes.
nakkhattapathaṃ va candimā.
208. Portanto, siga o nobre, que é estável, sábio, erudito, zeloso e devoto. Somente
deveríamos seguir uma pessoa assim, que é verdadeiramente boa e discernidora, tal
qual a lua seguindo o caminho das estrelas.
63
16
PIYAVAGGA
—
A Afeição
209. Entregando-se a coisas que devem ser evitadas e não se empenhando quando o
empenho é necessário, quem corre atrás dos prazeres renuncia ao bem-estar genuíno e
sente inveja dos que se empenham pelo seu próprio bem-estar.
210. Não busque intimidade com as pessoas queridas nem com as não queridas, pois
não ver a pessoa querida e ver a que não é querida são ambos dolorosos.
211. Portanto, não seja caro a nada, pois a separação daquilo a que somos caros é
dolorosa. Não há amarras para quem não tem nada que ame ou deixe de amar.
212. Do afeto brota o pesar, do afeto brota o medo. Para quem está totalmente livre do
afeto não há pesar; logo, de onde surgiria o medo?
64
213. Do carinho brota o pesar, do carinho brota o medo. Para quem está totalmente livre
do carinho não há pesar; logo, de onde surgiria o medo?
214. Do prazer brota o pesar, do prazer brota o medo. Para quem está totalmente livre
do prazer não há pesar; logo, de onde surgiria o medo?
215. Da luxúria brota o pesar, da luxúria brota o medo. Para quem está totalmente livre
da luxúria não há pesar; logo, de onde surgiria o medo?
216. Do desejo brota o pesar, do desejo brota o medo. Para quem está totalmente livre
do desejo não há pesar; logo, de onde surgiria o medo?
217. As pessoas estimam aqueles que corporificam a virtude e o insight, são íntegros,
realizaram a verdade e fazem o que deveriam fazer.
219. Quando, após uma longa ausência, alguém retorna à casa com segurança depois de
ter estado longe, seus parentes, amigos e pessoas próximas dão-lhe as boas-vindas.
19
Aquele que sobe a corrente: um tipo específico de “alguém que não retorna” (anāgāmi).
65
220. Tath’eva katapuññam pi asmā lokā paraṃ gataṃ,
220. Como parentes que dão as boas-vindas a uma pessoa querida na sua chegada, suas
próprias boas ações recepcionarão quem praticou o bem quando ele passar deste
mundo para o próximo.
66
17
KODHAVAGGA
—
A Raiva
222. Alguém que vigia o surgimento da raiva como um condutor vigia uma carroça em
andamento — tal pessoa é o que chamo de um verdadeiro condutor; os outros apenas
seguram as rédeas.
223. Conquiste os raivosos pela não-raiva; conquiste os maus pela bondade; conquiste
os avarentos pela generosidade; conquiste os mentirosos pela verdade.
224. Fale a verdade; não dê lugar à raiva; dê o pouco que tem a quem lhe pedir; por meio
dessas três coisas se pode chegar ao reino dos deuses.
67
225. Os sábios que se abstêm da violência e se controlam em nível de corpo alcançam o
estado do imortal, onde não há mais lamento.
227. Ó, Atula! De fato, este é um padrão antigo, não é apenas de hoje: culpam aquele
que se mantém em silêncio, culpam aquele que fala demais, culpam aquele que fala
com moderação. Não há ninguém neste mundo que não seja culpado.
228. Nunca houve, nunca haverá, nem há no momento presente uma pessoa que seja
totalmente culpável ou totalmente louvável.
229-230. Mas a pessoa que os sábios elogiam depois de observá-la dia após dia, a
pessoa de caráter impecável, sábia e dotada de conhecimento e virtude — quem
poderia culpar tal pessoa, tão digna quanto uma moeda de ouro refinado? Até mesmo
os deuses a louvam; por Brahmā, também, ela é louvada.
68
232. Vacīpakopaṃ rakkheyya, vācāya saṃvuto siyā,
234. Os sábios são controlados nas ações de corpo, controlados na fala e controlados no
pensamento. Eles são verdadeiramente bem-controlados.
69
18
MALAVAGGA
—
A Impureza
235. Agora, você é como uma folha murcha; os mensageiros da morte lhe aguardam.
Você está na véspera da partida, mas não se preparou para a viagem.
236. Faça uma ilha para si mesmo! Esforce-se e torne-se sábio. Livre das impurezas e
limpo das máculas, adentrará a morada celestial dos nobres.
237. Sua vida agora chegou ao fim; você está se encaminhando para a presença de
Yama, o Rei da Morte. Não há qualquer lugar de descanso no caminho e, ainda assim,
você não se preparou para a viagem!
238. Faça uma ilha para si mesmo! Empenhe-se a fundo e torne-se sábio! Livre das
impurezas e limpo das máculas, não há de retornar ao renascimento e declínio.
70
239. Uma por uma, pouco a pouco, momento a momento, um sábio deveria remover
suas impurezas tal qual um ferreiro remove as impurezas da prata.
240. Assim como a ferrugem surgindo do ferro destrói a base sobre a qual ela surgiu,
suas próprias ações encaminham os transgressores a um estado de aflição.
241. A não repetição é a ruína das escrituras; o descaso é a ruína de um lar; o desleixo é
a ruína da aparência pessoal; a negligência é a ruína de um vigilante.
242. A lascívia é uma mancha em uma mulher; a avareza é uma mancha em quem
oferece. As máculas são verdadeiramente malignas, neste mundo e no próximo.
243. Uma mancha pior do que essas é a ignorância, a pior de todas as manchas.
Destruam esta única mancha e se tornem imaculados, ó monges!
244. Fácil é a vida para o desavergonhado que é tão sem pudor quanto um corvo,
caluniador e atrevido, arrogante e corrupto.
245. Difícil é a vida para o modesto que busca sempre a pureza, que é desapegado e
despretensioso, límpido na vida e sagaz.
71
loke adinnaṃ ādiyati, paradārañ ca gacchati.
246-247. Aquele que destrói a vida, fala mentiras, se apropria do que não lhe é dado,
busca a esposa de outro homem e é viciado em bebidas intoxicantes — tal homem
arranca sua própria raiz ainda neste mundo.
248. Saiba disto, bom homem: os que têm mau caráter são descontrolados. Não deixe
que a ganância e a malícia o arrastem a um demorado sofrimento.
249. As pessoas oferecem de acordo com sua fé, de acordo com sua confiança. Se não
nos contentamos com o alimento e a bebida oferecido pelos outros, não atingimos a
absorção meditativa, seja no dia ou na noite.
251. Não há fogo como a luxúria; não há fixação como o ódio; não há rede como a
delusão; não há rio como o desejo.
72
252. Facilmente vistas são as faltas dos outros, mas as nossas são difíceis de ver. Como
joio peneiramos as faltas dos outros mas escondemos as nossas próprias, como um
caçador de aves que se esconde atrás de galhos falsos.
253. Aquele que busca defeitos nos outros, que está sempre a censurar — suas máculas
crescem. Ele está distante da destruição das máculas.
254. Não há rastro no céu, nem recluso externo (ao Ensinamento do Buda). A
humanidade se deleita com o que é mundano, mas os Budas estão livres de todas as
coisas mundanas.20
255. Não há rastro no céu, nem recluso externo (ao Ensinamento do Buda). Não há
fenômenos condicionados que sejam eternos, e nenhuma instabilidade nos Budas.
20
Recluso (samaṇa): nos versos 254-255 usado no sentido especial de alguém que alcançou os
quatro estágios supramundanos.
73
19
DHAMMATTAVAGGA
—
O Justo
256-257. Ao não fazer julgamentos arbitrários tornamo-nos justos. A pessoa sábia que
investiga o certo e o errado, que não julga arbitrariamente os outros, mas emite um
julgamento imparcial baseado na verdade — uma sagaz guardiã da lei — é chamada de
justa.
258. Falar muito não torna uma pessoa sábia. É chamada de sábia a pessoa que é
pacífica, amável e destemida.
259. Apenas falar muito não torna uma pessoa versada no Dhamma. Alguém que, após
ouvir ainda que somente um pouco do Dhamma, não o negligencie, mas realize em si
mesma a sua verdade é, genuinamente, uma pessoa versada no Dhamma.
74
260. Um monge não é um ancião porque sua cabeça é grisalha; ele apenas amadureceu
em idade, e se pode dizer que envelheceu em vão.
262. Não é por mera eloquência nem por beleza física que uma pessoa se torna
refinada, se for invejosa, egoísta e mentirosa.
263. Mas aquele em quem isso foi completamente destruído, desenraizado e extinto, e
que eliminou a imperfeição — é dito que tal pessoa sagaz é refinada.
265. Aquele que subjuga completamente o mal, seja grande ou pequeno, é chamado de
recluso, pois ele superou todo o mal.21
21
Esta é uma “etimologia edificante” baseada em um jogo de palavras em pāli que não pode ser
satisfatoriamente reproduzido em português.
75
266. Meramente sobreviver das doações de outras pessoas não torna ninguém um
monge. Não é pela adoção de uma forma externa que alguém se torna um verdadeiro
monge.
267. Alguém que vive a vida sagrada e caminha pleno de entendimento neste mundo,
transcendendo o mérito e o demérito — este é verdadeiramente chamado de monge.
268-269. Não é observando o silêncio que alguém se torna um sábio, se for tolo e
ignorante. Mas a pessoa sagaz que, como se segurasse uma balança, aceita somente o
bem e rejeita o mal — esta é verdadeiramente um sábio. Uma vez que compreende
ambos os mundos (o presente e o futuro), ela é chamada de sábio.
270. Não é um nobre aquele que fere os seres vivos. Ele é chamado de nobre porque é
inofensivo a todos os seres.
271-272. Nem com meras regras e observâncias, nem mesmo com muito
conhecimento, nem com o ganho da absorção, nem com uma vida de reclusão, nem
com o pensamento “Desfruto do êxtase da renúncia, que não é experimentado pelos
seres mundanos”, vocês deveriam se contentar, ó monges, enquanto a completa
destruição das máculas não for alcançada.
76
20
MAGGAVAGGA
—
O Caminho
274. Este é o único caminho: não há nenhum outro para a purificação do insight. Trilhe
este caminho e você desnorteará Māra.
275. Trilhando este caminho você trará fim ao sofrimento. Tendo descoberto como
arrancar o espinho do desejo, eu apresento o caminho.
22
Tathāgata: um epíteto do Buda que significa “Aquele Que Assim Veio” ou “Aquele Que Assim
se Foi”. Os comentários fornecem explicações elaboradas do termo.
77
atha nibbindati dukkhe; esa maggo visuddhiyā.
280. O ocioso que não se esforça quando deveria, que embora jovem e forte é tomado
pela preguiça, com uma mente repleta de pensamentos inúteis — tal pessoa indolente
não encontra o caminho para a sabedoria.
281. Vigilantes na fala, controlados na mente, não deveríamos cometer nada negativo
com o corpo. Que purifiquemos esses três cursos de ações e conquistemos o caminho
revelado pelo Grande Sábio.
78
chetvā vanañ ca vanathañ ca nibbanā hotha bhikkhavo.
283. Derrube a floresta (do desejo), mas não a árvore. Da floresta (do desejo) nasce o
medo. Tendo derrubado a floresta e os arbustos (do desejo), estejam livres da paixão, ó
monges!23
285. Corte sua afeição como alguém que arranca com a mão um lótus do outono. Cultive
somente o caminho para a paz, para o Nibbāna, tal qual revelado pelo Exaltado.
286. “Aqui viverei no período das chuvas, também no inverno e no verão” — assim
pensa o tolo. Ele não percebe o perigo (de que a morte possa intervir).
287. Da mesma forma como uma grande enxurrada arrasta um vilarejo adormecido, a
Morte se apossa e carrega a pessoa de mente fixada, que mima seus filhos e gado.
288. Para aquele que é assolado pelo Destruidor, os parentes não podem oferecer
qualquer proteção. Não há ninguém capaz de salvá-lo — nem filhos, nem pais, nem
familiares.
23
O significado deste trecho é: “Derrubem a floresta do desejo, mas não mortifiquem o corpo”.
79
nibbānagamanaṃ maggaṃ khippam eva visodhaye.
289. Compreendendo isso, que a pessoa sábia, comedida pela moralidade, apresse-se
para purificar o caminho que conduz ao Nibbāna.
80
21
PAKIṆṆAKAVAGGA
—
Miscelânea
290. Se renunciando a uma felicidade menor realizamos uma felicidade mais vasta, que
a pessoa sábia renuncie à felicidade menor, tendo em vista a felicidade mais vasta.
291. Alguém que busca sua felicidade causando dor aos outros, enredado nas amarras
do ódio, nunca se libertará do ódio.
292. Para aqueles que são arrogantes e negligentes, que não fazem o que deveriam
fazer, mas fazem o que não deveriam — para eles, as máculas apenas crescem.
293. Aqueles que sempre praticam ardentemente a atenção plena do corpo, que não
cedem ao que não deve ser feito e firmemente se dedicam ao que deve ser feito, atentos
e claramente discernidores — suas máculas chegam ao fim.
81
294. Tendo matado a mãe (o desejo), o pai (o orgulho do ego), dois reis guerreiros
(eternalismo e niilismo), e tendo destruído um país (os órgãos e objetos sensoriais),
junto com seu tesoureiro (o apego e a luxúria), livre de tristezas move-se o sábio.
295. Tendo matado a mãe, o pai, dois reis brâmanes (as duas visões de extremos), e em
quinto lugar um tigre (os cinco obstáculos mentais), livre de tristezas move-se o sábio.
296. Despertam sempre felizes os discípulos de Gotama que praticam dia e noite,
constantemente, a recordação do Buda.
297. Despertam sempre felizes os discípulos de Gotama que praticam dia e noite,
constantemente, a recordação do Dhamma.
298. Despertam sempre felizes os discípulos de Gotama que praticam dia e noite,
constantemente, a recordação da Sangha.
299. Despertam sempre felizes os discípulos de Gotama que praticam dia e noite,
constantemente, a atenção plena do corpo.
300. Despertam sempre felizes os discípulos de Gotama cujas mentes se deleitam dia e
noite, constantemente, na prática da não-violência.
82
301. Suppabuddhaṃ pabujjhanti sadā Gotamasāvakā,
301. Despertam sempre felizes os discípulos de Gotama cujas mentes se deleitam dia e
noite, constantemente, na prática da meditação.
dukkho’samānasaṃvāso, dukkhānupatit’addhagū;
302. Difícil é a vida como um monge, difícil é se deleitar desse modo. Também difícil e
dolorosa é a vida familiar. O sofrimento brota da associação com os desiguais, o
sofrimento brota do vaguear sem rumo (pelo saṃsāra). Portanto, não seja um
vagueante sem rumo, alguém que busca o sofrimento.
303. Aquele que é pleno de fé e virtude e possui boa reputação e riqueza — ele é
respeitado em todos os lugares, em qualquer terra para a qual viaje.
304. Os bons brilham de longe, como as montanhas do Himalaia. Mas os maus são
invisíveis, como flechas disparadas à noite.
305. Aquele que se senta sozinho, dorme sozinho, caminha sozinho, que é incansável e
subjuga a si mesmo sozinho encontrará prazer na solidão da floresta.
83
22
NIRAYAVAGGA
—
O Inferno
306. O falso acusador vai para o inferno, bem como quem, tendo agido (errado), diz “eu
não fiz isso”. Ambas essas pessoas de ações vis, ao partir, compartilham do mesmo
destino no outro mundo.24
308. Seria melhor engolir uma bola de ferro em brasa, ardendo como fogo, do que,
enquanto um monge imoral e sem controle, alimentar-se das oferendas das pessoas.
309. Quatro infortúnios recaem sobre o homem negligente que se envolve com a esposa
de outro homem: acúmulo de demérito, sono perturbado, má reputação e
(renascimento no) inferno.
24
Falso acusador (abhūtavādī): o comentário explica como “alguém que, sem ter visto qualquer
falta no outro, prejudica-o ao proclamar algo falso sem nenhum embasamento”.
84
310. Apuññalābho ca gatī ca pāpikā, bhītassa bhītāya ratī ca thokikā,
310. Tal homem adquire demérito e um renascimento infeliz no futuro. Breve é o prazer
do homem e mulher assustados, e o rei impõe pesadas punições. Assim, que nenhum
homem se envolva com a esposa de outro.
311. Assim como a grama kusa, quando manuseada de forma inadequada, corta a mão, a
vida de reclusão, se vivida de forma inadequada, arrasta-nos para o inferno.
313. Se há de se fazer qualquer coisa, que seja feita com energia sustentada. Uma vida
monástica desleixada agita ainda mais a poeira das paixões.
314. Uma ação negativa é melhor quando não realizada, pois tal ação nos atormentará
no futuro. Mas uma ação positiva é melhor quando realizada, pois dela não nos
arrependeremos.
315. Proteja-se atentamente como uma cidade amuralhada, tanto interna quanto
externamente. Não deixe escapar esta oportunidade (de crescimento espiritual).
Aqueles que a deixam escapar se lamentam quando vão para o inferno.
85
316. Alajjitāye lajjanti, lajjitāye na lajjare,
316. Aqueles que têm vergonha do que não deveriam ter, e não têm vergonha do que
deveriam ter — sustentando visões errôneas, tais pessoas se encaminham a um estado
de aflição.
317. Aqueles que veem algo do que temer onde não há nada a ser temido, e que não
veem nada do que temer onde há algo a ser temido — sustentando visões errôneas, tais
pessoas se encaminham a um estado de aflição.
318. Aqueles que veem faltas onde não há, e não veem faltas onde há — sustentando
visões errôneas, tais pessoas se encaminham a um estado de aflição.
319. Sabendo que uma falta é uma falta e que não há falta onde não há falta —
sustentando visões corretas, tais pessoas se encaminham a um reino de felicidade.
86
23
NĀGAVAGGA
—
O Elefante
320. Como um elefante em batalha, que suporta tiros de flecha disparados de todas as
direções, da mesma forma aguentarei o abuso. Há muitos, de fato, que carecem de
moralidade.
321. Um elefante domado pode ser conduzido até uma multidão, e o rei monta sobre tal
elefante. Igualmente, o melhor dentre os humanos é o que subjugou a si mesmo e
suporta todo abuso.
323. Não é por meio dessas montarias, no entanto, que se chega à terra jamais pisada
(Nibbāna), pois alguém que domou a si mesmo a alcança por meio de sua própria
mente domada e sob controle.
87
324. Dhanapālako nāma kuñjaro kaṭukappabhedano dunnivārayo;
324. Vertendo um líquido acre durante o cio, o elefante com presas chamado
Dhanapālaka é incontrolável. Mantido em cativeiro, ele não toca em nenhuma comida,
mas apenas traz à lembrança, saudosamente, a floresta dos elefantes.
325. Quando alguém é moroso e guloso, preguiçoso, rolando na cama como um porco
gordo — esse preguiçoso está sujeito ao contínuo renascimento.
326. No passado, essa mente vagueava como bem queria, por onde desejava, segundo o
seu próprio prazer. Mas, agora, dominarei-a completamente com a sabedoria, tal qual
um mahout controla um elefante no cio.
327. Deleite-se na diligência! Proteja bem a sua mente. Retire-se deste pantano de
negatividades tal qual um elefante retira a si mesmo da lama.
328. Se encontrar a companhia de um amigo sábio e prudente, que leva uma boa vida,
você deveria superar todos os obstáculos e nutrir essa companhia, com alegria e plena
atenção.
329. Mas se não for capaz de encontrar a companhia de um amigo sábio e prudente que
leva uma boa vida, então, como um rei que deixa para trás um reino conquistado ou
como um elefante solitário na floresta, você deveria seguir seu caminho sozinho.
88
eko care na ca pāpāni kayirā appossukko mātaṅgaraññe va nāgo.
330. É melhor viver solitário, pois um tolo não oferece companhia. Viva sozinho e não
faça nenhum mal; viva despreocupado como um elefante na floresta.
332. Abençoado é o serviço à nossa mãe; abençoado é o serviço ao nosso pai; abençoado
é o serviço aos monges; e abençoado é o serviço ao homem sagrado.
89
24
TAṆHĀVAGGA
—
O Desejo
334. O desejo de uma pessoa propensa à vida negligente cresce como uma trepadeira.
Como um macaco procurando frutas na floresta, ela salta de uma vida à outra
(saboreando o fruto do seu kamma).
335. Quem quer que seja sobrepujado por esse desejo deplorável e pegajoso — suas
tristezas crescem como a grama bīraṇa depois das chuvas.
336. Mas quem quer que sobrepuje esse desejo deplorável, tão difícil de sobrepujar —
dessa pessoa as tristezas caem como a água caindo da folha de lótus.
337. Isto eu digo a vocês: Boa sorte a todos reunidos aqui! Arranquem a raiz do desejo
como alguém que procura as perfumadas raízes da grama bīraṇa. Não deixem que Māra
os derrube de novo e de novo, como uma enchente derruba o junco.
338. Yathāpi mūle anupaddave daḷhe chinno pi rukkho punar eva rūhati,
90
evam pi taṇhānusaye anūhate nibbattatī dukkham idaṃ punappunaṃ.
338. Assim como uma árvore que, embora cortada, brota de novo se suas raízes
permanecerem intactas e firmes, até que a raiz do desejo que jaz adormecido seja
arrancada, esse sofrimento brotará de novo e de novo.
340. Por todo lugar essas correntes fluem, e a trepadeira (do desejo) brota e amadurece.
Vendo que a trepadeira brotou, corte sua raiz com a sabedoria.
341. Fluindo (desde todos os objetos) e regadas pelo desejo, as sensações de prazer
surgem nos seres. Curvando-se ao prazer e buscando a satisfação, essas pessoas caem
na armadilha do nascimento e declínio.
342. Assoladas pelo desejo, as pessoas correm em círculos como uma lebre
armadilhada. Presas pelos grilhões mentais, elas encontram o sofrimento de novo e de
novo por um longo tempo.
343. Assoladas pelo desejo, as pessoas correm em círculos como uma lebre
armadilhada. Portanto, alguém que anseia por se libertar das paixões deve destruir seu
próprio desejo.
25
As trinta e seis correntes do desejo: os três desejos — por prazer sensual, pela existência
continuada e por aniquilação — em relação a cada uma das doze bases dos sentidos: os seis
órgãos dos sentidos, incluindo a mente, e seus objetos correspondentes.
91
344. Yo nibbanatho vanādhimutto vanamutto vanam eva dhāvati,
345. Na taṃ daḷhaṃ bandhanam āhu dhīrā yad āyasaṃ dārujaṃ babbajañ ca;
345-346. Não é forte o grilhão, dizem os sábios, feito de ferro, madeira ou cânhamo.
Mas a obsessão e anseio por joias e ornamentos, por filhos e esposas — esse, dizem os
sábios, é um grilhão muito mais forte, que nos arrasta para baixo e que, embora
aparentemente frouxo, é difícil de remover. Esse também os sábios cortam.
Abandonando os prazeres sensuais e sem nenhum anseio, eles renunciam ao mundo.
347. Aqueles que estão intoxicados pela luxúria caem de volta no turbilhão (do saṃsāra)
tal qual uma aranha na teia que ela mesma fiou. Isso também os sábios cortam. Sem
nenhum anseio, eles abandonam todo sofrimento e renunciam ao mundo.
348. Solte o passado, solte o futuro, solte o presente e atravesse para a outra margem
da existência. Com a mente totalmente liberada, você não mais regressará ao
nascimento e declínio.
26
Este verso, no original, brinca com o termo Pāli “vana”, que significa tanto “desejo” quanto
“floresta”. De acordo com o comentário, este verso foi enunciado em referência a um monge
desertor.
92
349. O desejo de uma pessoa atormentada por pensamentos negativos, dominada pela
paixão e propensa à busca do prazer cresce constantemente. Ela torna o grilhão ainda
mais forte.
350. Aquele que se deleita em subjugar pensamentos negativos, que medita sobre as
impurezas e é sempre atento — é ele que vai chegar ao fim do desejo e quebrar em
pedaços o grilhão de Māra.
351. Aquele que atingiu o objetivo, destemido, livre do desejo, imaculado, tendo
arrancado os espinhos da existência — para ele, este é o último corpo.
352. Aquele que está livre de desejo e apego, que desvela com perfeição o verdadeiro
significado do Ensinamento, e que conhece a organização dos textos sagrados na
sequência correta — este, de fato, é o detentor de seu último corpo. Ele é
verdadeiramente chamado de profundamente sábio, um homem excelente.
353. Vitorioso sobre todas as coisas eu sou, conhecedor de tudo, ainda assim,
desapegado permaneço perante tudo o que foi conquistado e conhecido. Abandonando
tudo, sou liberado por meio da destruição do desejo. Tendo, desse modo, compreendido
tudo por conta própria, quem devo chamar de professor?27
27
Esta foi a resposta do Buda a um asceta andarilho que perguntou quem era seu professor. O
retorno do Buda demonstra que a sua Iluminação foi uma descoberta própria e singular, que ele
não aprendeu com ninguém.
93
354. A dádiva do Dhamma excede todas as dádivas; o sabor do Dhamma excede todos os
sabores; o deleite no Dhamma excede todos os deleites; o liberto dos desejos subjuga
todo sofrimento.
355. A riqueza leva o tolo à ruína, mas não aqueles que buscam o que está Além. Ao
desejar riquezas, a pessoa ignorante arruína a si mesma e aos outros.
357. As ervas daninhas são a perdição das lavouras, o ódio é a perdição da humanidade.
Portanto, o que é oferecido aos que estão livres do ódio resulta em abundantes frutos.
94
25
BHIKKHUVAGGA
—
O Monge
362. Aquele que tem controle sobre suas mãos, pés e língua, que é totalmente
controlado, delicia-se na meditação, tem absorção interior, é reservado e tem
contentamento — é ele que as pessoas chamam de monge.
363. O monge que tem controle sobre sua língua, é moderado na fala, despretensioso e
explica o ensinamento tanto na palavra quanto no espírito — o que quer que ele diga é
agradável.
95
364. Dhammārāmo dhammarato dhammaṃ anuvicintayaṃ
364. O monge que repousa no Dhamma, delicia-se com o Dhamma, medita sobre o
Dhamma e sustenta o Dhamma em nível de mente — ele não se afasta do Dhamma
sublime.
365. Não deveríamos desprezar o que recebemos, nem invejar as conquistas dos outros.
O monge que inveja as conquistas dos outros não atinge a absorção meditativa.
366. Se um monge não desprezar o que recebeu, ainda que seja pouco, se ele tiver um
modo de vida puro e for incansável no seu esforço, até mesmo os deuses o louvarão.
367. Aquele que não tem absolutamente nenhum apego a mente e corpo, que não
lamenta pelo que não possui— este é verdadeiramente chamado de monge.
369. Esvazie este barco, ó monge! Vazio, ele navegará com leveza. Tendo cortado o
desejo e o ódio, você alcançará o Nibbāna.
96
pañcasaṅgātigo bhikkhu oghatiṇṇo ti vuccati.
370. Corte os cinco, abandone os cinco e cultive os cinco. O monge que superou as cinco
prisões é chamado de aquele que atravessou a enchente.28
371. Medite, ó monge! Não seja negligente. Não deixe a sua mente se perder no
turbilhão dos prazeres sensuais. Negligente, não engula uma bola de ferro em brasa,
senão chorará quando ela queimar: “Ó, como é doloroso!”
373. Quando um monge que se retirou para uma morada solitária e acalmou sua mente
compreende o Dhamma com insight, surge nele um deleite que transcende todos os
deleites humanos.
374. Sempre que vê com insight o surgimendo e declínio dos agregados, ele se enche de
alegria e felicidade. Para o que tem discernimento, isso reflete o Imortal.
28
Os cinco a serem cortados são os cinco “grilhões inferiores”: autoilusão, dúvida, crença em
ritos e rituais, desejo e má vontade. Os cinco a serem abandonados são os cinco “grilhões
superiores”: desejo pelos reinos divinos da forma, desejo pelos reinos da não forma, orgulho,
inquietação e ignorância. Aqueles que adentraram a corrente e os que retornarão uma vez
cortaram os três primeiros grilhões, os que não retornam cortaram os cinco primeiros, e os
arahats todos os dez. Os cinco a serem cultivados são as cinco faculdades espirituais: fé, energia,
atenção plena, concentração e sabedoria. As cinco prisões são avareza, ódio, delusão, visões
falsas e orgulho.
97
indriyagutti santuṭṭhi, pātimokkhe ca saṃvaro.
376. Que ele se associe a amigos que são nobres, energéticos e puros em sua vida; que
ele seja cordial e polido em sua conduta. Desse modo, pleno de alegria, ele alcançará o
fim do sofrimento.
377. Assim como a trepadeira jasmim solta suas flores secas, ó monges, vocês deveriam
soltar totalmente o desejo e o ódio.
378. O monge que é calmo em corpo, calmo em fala, calmo em pensamento, bem
portado e que renunciou à vida mundana — ele é, verdadeiramente, chamado de
sereno.
379. Devemos, nós mesmos, nos censurarmos e examinarmos. O monge que se protege
e é atento sempre viverá em felicidade.
380. Somos realmente nosso próprio protetor; somos realmente nosso próprio refúgio.
Portanto, deveríamos nos controlar tal qual um comerciante controla um nobre corcel.
98
381. Pleno de alegria, pleno de fé no Ensinamento do Buda, o monge atinge o estado da
paz, o êxtase da cessação dos fenômenos condicionados.
382. O monge que, quando jovem, dedica-se ao Ensinamento do Buda ilumina este
mundo como a lua liberada de uma nuvem.
99
26
BRĀHMAṆAVAGGA
—
A Pessoa Sagrada
383. Esforce-se e corte a corrente (do desejo)! Descarte os desejos dos sentidos, ó
pessoa sagrada! Tendo conhecido a destruição dos fenômenos condicionados, torne-se
um conhecedor do Não Criado (Nibbāna), ó pessoa sagrada.
384. Quando uma pessoa sagrada atinge o topo dos dois caminhos (concentração
meditativa e insight), ele passa a conhecer a verdade e todos os seus grilhões caem por
terra.
385. Aquele para quem não há nem esta margem nem a outra, nem ambas, aquele que
está livre de preocupações e dos impedimentos.
386. Aquele que é meditativo, imaculado e estável, que fez o seu trabalho e está livre
das máculas, tendo alcançado o mais elevado objetivo — é ele que chamo de uma
pessoa sagrada.
100
sannaddho khattiyo tapati, jhāyī tapati brāhmaṇo,
387. O sol brilha de dia, a lua brilha de noite. O guerreiro brilha em sua armadura, a
pessoa sagrada brilha na meditação. Mas o Buda brilha resplandecente todo o dia e toda
a noite.
388. Uma vez que descartou o mal, tal pessoa é chamada de sagrada. Uma vez que é
serena em sua conduta, ela é chamada de reclusa. E uma vez que renunciou às suas
próprias impurezas, ela é chamada de renunciante.
101