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O Dhammapada1

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Tradução para o inglês: Acharya Buddharakkhita (BPS Paryiatti Editions). Tradução para o
português: Caroline Souza, sob a orientação de Lama Padma Samten. Esta é uma tradução ainda
em andamento para fins de estudo. Favor não compartilhar.
(Pintura do templo do CEBB Caminho do Meio por Tiffani Gyatso / Foto por Elise Bozzetto)

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Prefácio

O Dhammapada é o mais conhecido e estimado texto do Tipiṭaka Pāli, as escrituras


sagradas do budismo Theravāda. A obra está incluída no Khuddaka Nikāya (“Coleção
menor”) do Sutta Piṭaka, mas sua popularidade a elevou para muito além do nicho
específico que ela ocupava nas escrituras, estabelecendo-a como um clássico religioso
a nível mundial. Composta no antigo idioma Pāli, essa breve antologia de versos
constitui um compêndio perfeito do ensinamento do Buda, apresentando nas suas
páginas todos os princípios essenciais longamente elaborados nos cerca de quarenta
volumes do Cânone Pāli.

Segundo a tradição budista Theravāda, cada verso do Dhammapada foi


originalmente proferido pelo Buda em resposta a um episódio particular. Relatos disso,
juntamente com exegeses dos versos, estão preservados no comentário clássico sobre
essa obra, compilado pelo grande escoliasta Bhadantācariya Buddhaghosa, no século V
d.C., com base em materiais extremamente antigos. O conteúdo dos versos, entretanto,
transcende as circunstâncias limitadas e particulares de sua origem, atravessando as
eras e alcançando diferentes tipos de pessoas nas mais variadas situações de vida. Para
aqueles simples e menos sofisticados, o Dhammapada é um solidário conselheiro; para
os intelectualmente sobrecarregados, seus ensinamentos claros e diretos inspiram
humildade e reflexão; para o buscador fervoroso, ele é uma fonte perene de inspiração
e instrução prática. Insights que lampejaram no coração do Buda se cristalizaram
nesses versos luminosos de pura sabedoria. Enquanto expressões profundas da
espiritualidade prática, cada verso é uma orientação sobre o modo de vida correto. O
Buda claramente salientou que todos aqueles que praticarem com sinceridade os
ensinamentos presentes no Dhammapada experimentarão o êxtase da emancipação.

Devido à sua imensa importância, o Dhammapada foi traduzido para inúmeros


idiomas. Somente em inglês, há muitas diferentes traduções disponíveis, incluindo
edições de eruditos notáveis tais como Max Müller e Dr. S. Radhakrishnan. Contudo, ao
ser traduzido por não budistas, o Dhammapada sofreu algumas distorções: um
conjunto infeliz de traduções apresenta interpretações equivocadas, enquanto as notas
de rodapé tendem a conter um teor de julgamento.

A presente tradução foi originalmente produzida no final dos anos 50. Alguns
anos antes, ao consultar várias traduções do Dhammapada para o inglês, notei que as
escolhas eram por vezes imprecisas e por vezes excessivamente pedantes. Senti,
portanto, que uma nova tradução que evitasse esses dois extremos serviria a um
propósito valioso. O resultado final desse projeto, apresentado aqui, é uma tentativa
humilde de um praticante seguidor do Buda de transmitir o espírito e conteúdo, bem
como a linguagem e estilo, dos ensinamentos originais.

Durante a preparação deste volume, tive acesso a várias edições do texto Pāli e a
traduções do Dhammapada para diferentes línguas, incluindo sânscrito, hindi,

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bengalês, sinhala, birmanês e nepalês. Beneficiei-me, em especial, das excelentes
traduções elaboradas pelo falecido Venerável Nārada Mahāthera, de Vajirārāma,
Colombo, e pelo Professor Bhagwat, de Pune; a eles deixo meu agradecimento. O texto
Pāli foi preparado a partir de diferentes alfabetos, mas se apoia sobretudo na edição em
alfabeto birmanês do Sexto Conselho Budista, publicada em Rangum. Alguns versos
contêm charadas, referências ou analogias que talvez não sejam evidentes para o leitor.
Seus significados são apresentados entre parênteses ou em notas de rodapé, e para
interpretá-las baseei-me nas explicações oferecidas no comentário de Bhadantācariya
Buddhaghosa.

Uma primeira edição desta tradução foi publicada em 1959 e uma segunda em
1966, ambas pela Maha Bodhi Society, em Bangalore, Índia. Uma terceira edição,
substancialmente revisada, foi publicada pela Buddhist Publication Society em 1985.
Para a presente quarta edição, a tradução novamente passou por uma revisão
considerável. O subtítulo, O caminho do Buda para a sabedoria, não é literal, mas serve
para mostrar que todos os versos do Dhammapada originam-se da sabedoria do Buda e
conduzem aquele que os segue a uma vida guiada por essa mesma sabedoria.

Agradeço os editores da Buddhist Publication Society por suas sugestões muito


úteis, e a própria Buddhist Publication Society por tão generosamente realizar a
publicação desta obra.

Faço esta oferenda de Dhamma recordando-me com gratidão de meus


professores, pais e familiares, falecidos e vivos. Que eles tenham acesso à Providência
do Buda e atinjam o Nibbāna!

Que todos os seres sejam felizes!


Acharya Buddharakkhita

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Introdução

Desde muito tempo atrás até o presente, o Dhammapada tem sido considerado a
expressão mais sucinta do Ensinamento do Buda encontrada no Cânone Pāli, bem
como o principal testamento espiritual dos primórdios do budismo. Nos países que
seguem o budismo Theravāda, como o Sri Lanka, a Birmânia e a Tailândia, a influência
do Dhammapada está em todo lugar. Ele é uma fonte sempre fértil de temas para
sermões e discussões, um manual para a resolução dos inúmeros problemas
cotidianos, e também uma cartilha para a instrução de noviços nos monastérios.
Mesmo os contemplativos experientes que se retiraram para eremitérios nas florestas
ou cavernas nas montanhas a fim de levar uma vida dedicada à meditação geralmente
carregam, entre suas poucas posses materiais, um exemplar desta obra. Contudo, a
admiração suscitada pelo Dhammapada não se restringe aos seguidores budistas
declarados. Em todos os lugares onde ele é conhecido, seu zelo moral, sua compreensão
realista da vida humana, sua sabedoria aforística e sua comovente apresentação de um
caminho para a liberação do sofrimento conquistaram a devoção e a reverência
daqueles que são sensíveis ao bem e à verdade.

O expositor dos versos que constituem o Dhammapada é o sábio indiano chamado


Buda, um título honorífico que significa “o Iluminado” ou “o Desperto”. A narrativa
desse venerável personagem foi frequentemente revestida por um embelezamento
literário e uma certa dose de lenda, mas a essência histórica de sua vida é simples e
clara. Ele nasceu no século VI a.C., filho de um rei que governava um pequeno estado no
sopé do Himalaia, numa região que hoje pertence ao Nepal. Seu primeiro nome era
Siddhattha, e seu sobrenome era Gotama (em sânscrito, Siddhārtha Gautama). Criado
em meio ao luxo, preparado pelo seu pai para ser o herdeiro do trono, no início da idade
adulta ele passou por um encontro profundamente inquietante com os sofrimentos da
vida, que resultou na sua perda de interesse pelos prazeres e privilégios da realeza.
Certa noite, aos vinte e nove anos, ele fugiu da cidade real e ingressou na floresta para
viver como um asceta, decidido a encontrar um caminho para a liberação do
sofrimento. Ao longo de seis anos, experimentou diferentes sistemas de meditação e se
submeteu a severas austeridades, mas descobriu que tais práticas não o haviam
aproximado nem um pouco de seu objetivo. Finalmente, aos trinta e cinco anos,
sentado em profunda meditação ao pé de uma árvore em Gayā, ele atingiu a Iluminação
Suprema e se tornou, no verdadeiro sentido do termo, o Buda, o Iluminado. Daí em
diante, durante quarenta e cinco anos, ele viajou pelo norte da Índia apresentando as
verdades que descobriu e fundando uma ordem de monges e monjas para dar
continuidade à sua mensagem. Aos oitenta anos, após uma vida longa e frutífera, ele
faleceu em paz na cidade de Kusinārā, rodeado de muitos discípulos.

Para os seus seguidores, o Buda não é nem um deus, nem uma encarnação divina,
nem um profeta disseminando uma mensagem de revelação divina, mas um ser

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humano que, por meio de seu próprio esforço e inteligência, alcançou a mais elevada
realização espiritual da qual o ser humano é capaz — a perfeita sabedoria, a iluminação
completa, a total purificação da mente. Sua função perante a humanidade é a de um
professor — um professor mundano que, movido pela compaixão, aponta aos outros o
caminho do Nibbāna (em sânscrito, Nirvāṇa), a libertação final do sofrimento. Seu
ensinamento, conhecido como Dhamma, oferece um conjunto de instruções que
explicam a verdadeira natureza da existência e apresentam o caminho que conduz à
liberação. Livre de qualquer dogma e reivindicação inescrutável de autoridade, o
Dhamma tem como sólido alicerce a compreensão clara da realidade do próprio Buda, e
ele conduz quem o pratica ao mesmo entendimento — o conhecimento que arranca as
raízes do sofrimento.

O título “Dhammapada”, que os compiladores antigos das escrituras budistas


anexaram à nossa antologia, significa porções, aspectos ou seções de Dhamma. A obra
ganhou esse título porque, em seus vinte e seis capítulos, abrange os múltiplos
aspectos do ensinamento do Buda, oferecendo uma variedade de perspectivas a partir
das quais se pode ter um vislumbre da sua essência. Enquanto os discursos mais longos
do Buda contidos nas seções de prosa do Cânone em geral avançam metodicamente,
desenvolvendo-se segundo a estrutura sequencial da doutrina, o Dhammapada é
desprovido de qualquer organização sistemática como tal. A obra é simplesmente uma
coleção de versos inspiracionais ou pedagógicos sobre os fundamentos do
Ensinamento, a ser utilizada como uma base para a edificação e a instrução pessoal. Em
qualquer um dos capítulos, diversos versos sucessivos podem ter sido enunciados pelo
Buda em uma mesma ocasião, e, consequentemente, apresentam entre si um
desenrolar significativo ou um conjunto de variações acerca de um tema. No entanto,
de modo geral, a lógica por trás do agrupamento de versos em um mesmo capítulo está
meramente baseada em assuntos comuns. Assim, os títulos dos vinte e seis capítulos
operam como uma espécie de rubrica para classificar as variadas enunciações poéticas
do Mestre, e a razão por trás da inclusão de um verso em um capítulo específico é sua
referência ao assunto indicado no título do capítulo. Em alguns casos (capítulos 4 e 23),
em vez de um ponto da doutrina, pode se tratar de um símbolo metafórico. Também
não parece haver um planejamento intencional da ordem dos capítulos em si, embora
em alguns pontos seja possível discernir uma tímida linha de desenvolvimento.

Os ensinamentos do Buda, analisados em sua totalidade, encaixam-se todos em


um sistema único de pensamento e prática perfeitamente coerente, cuja unidade
resulta de seu objetivo final, o atingimento da liberação do sofrimento. Mas os
ensinamentos inevitavelmente emergem da condição humana enquanto sua matriz e
ponto de partida e, consequentemente, devem ser expressados de tal forma que
alcancem seres humanos em diferentes níveis de desenvolvimento espiritual, com seus
variados problemas, propósitos e preocupações, e com suas capacidades extremamente
diversas de entendimento. Portanto, assim como a água que, embora seja sempre a
mesma em essência, assume diferentes formatos dependendo do recipiente no qual é

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colocada, o Dhamma da liberação também assume diferentes formas em resposta às
necessidades dos seres aos quais é ensinado. Tal diversidade, que já é bastante evidente
nos discursos em prosa, se torna ainda mais notável no formato de verso altamente
condensado, espontâneo e intuitivo que é usado no Dhammapada. Esse poder
intensificado de apresentação pode originar aparentes inconsistências que talvez
confundam os desavisados. Por exemplo, em muitos versos o Buda enaltece certas
práticas com base no fato de que elas conduzem a um renascimento celestial, enquanto
em outros ele desencoraja os discípulos a aspirarem pelos céus e exalta aqueles que não
encontram deleite nos prazeres celestiais (187, 417).2 Muitas vezes, o Buda prescreve
ações meritórias, mas em outras ocasiões ele louva os que ultrapassaram mérito e
demérito (39, 412). Sem uma compreensão da estrutura subjacente do Dhamma, essas
declarações, quando analisadas lado a lado, parecerão incompatíveis e podem até
mesmo suscitar o julgamento de que o ensinamento se autocontradiz.

A chave para resolver essas aparentes discrepâncias é o reconhecimento de que o


Dhamma assume sua formulação a partir das necessidades das diferentes pessoas a
quem é dirigido, bem como da diversidade das necessidades que podem co-existir em
um único indivíduo. Para que as muitas declarações presentes no Dhammapada façam
sentido, esboçarei um esquema de quatro níveis que pode ser usado para determinar a
intenção por trás de qualquer um dos versos da obra, e assim compreender o lugar que
ele ocupa na visão sistemática mais ampla do Dhamma. Esse esquema de quatro níveis
se desenvolve a partir de uma antiga máxima interpretativa segundo a qual o
Ensinamento do Buda foi concebido para alcançar três objetivos: o bem-estar humano
aqui e agora, um renascimento favorável na próxima vida e o atingimento do bem
último. Os quatro níveis surgem ao distinguir o último objetivo em dois estágios:
caminho e fruto.

1) O bem humano aqui e agora


O primeiro nível de instrução encontrado no Dhammapada é voltado para o
estabelecimento do bem-estar e felicidade humanos na esfera imediatamente visível
das relações humanas concretas. Neste nível, o objetivo é nos mostrar o caminho para
vivermos em paz conosco mesmos e os outros, desempenharmos nossas
responsabilidades familiares e sociais e conter a mágoa, o conflito e a violência que
infestam as relações humanas e causam um imenso sofrimento aos indivíduos, à
sociedade e ao mundo como um todo. As orientações associadas a este nível são, de
modo geral, idênticas aos preceitos éticos básicos propostos pela maioria das grandes
religiões do mundo, mas no ensinamento budista elas estão liberadas de amarras
teístas, alicerçando-se sobre duas fundações diretamente verificáveis: (i) o interesse

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Exceto quando os números dos capítulos são mencionados, os números entre parênteses
referem-se aos números dos versos do Dhammapada.

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pela integridade própria e a felicidade duradoura e (ii) o interesse pelo bem-estar
daqueles que podem ser afetados por nossas ações (129-132).

O conselho mais geral oferecido pelo Dhammapada é evitar todo mal, cultivar o
bem e purificar nossa mente (183). Mas a fim de dissipar quaisquer dúvidas que o
discípulo possa ter com respeito ao que deve ser evitado e o que deve ser cultivado,
outros versos fornecem diretrizes mais específicas. Deveríamos evitar a irritabilidade
na ação, na fala e no pensamento e exercitar o autocontrole (231-234). Deveríamos
aderir aos Cinco Preceitos, o código moral fundamental do budismo, que nos ensina a
nos abstermos de destruir a vida, roubar, cometer adultérios, falar mentiras e ingerir
intoxicantes; alguém que viola essas cinco regras de treinamento “arranca sua própria
raiz até mesmo neste mundo” (246-247). O discípulo deveria tratar todos os seres com
bondade e compaixão, viver honesta e corretamente, controlar seu desejo sensual, falar
a verdade e viver uma vida sóbria e justa, diligentemente realizando suas obrigações,
como servir aos seus pais, à sua família imediata e aos reclusos e brâmanes que
dependem das pessoas leigas para o seu sustento (332-333).

Um grande número de versos deste primeiro nível aborda a resolução de conflitos


e da hostilidade. As desavenças devem ser evitadas por meio da paciência e do perdão,
pois responder ao ódio com mais ódio apenas preserva o ciclo de vingança e retaliação.
A verdadeira conquista do ódio é alcançada pelo não-ódio, pela tolerância e pelo amor.
(4-6). Não deveríamos responder à fala áspera, mas manter o silêncio (134). Não
deveríamos nos render à raiva, mas controlá-la como um condutor controla sua
carroça (222). Em vez de ficar de olho nas falhas dos outros, o discípulo é advertido a
examinar suas próprias falhas e realizar um esforço contínuo para remover suas
impurezas do mesmo modo como um ourives purifica a prata (50, 239). Mesmo que
tenhamos cometido coisas negativas no passado, não é necessário nos desanimarmos
ou desesperarmos, pois nossos destinos podem ser radicalmente transformados, e
aquele que troca o mal pelo bem ilumina este mundo tal qual a lua quando liberada de
uma nuvem (173).

As qualidades genuínas que distinguem uma pessoa superior (sappurisa) são a


generosidade, a honestidade, a paciência e a compaixão (223). Ao desenvolver e
aperfeiçoar essas qualidades em nós mesmos, podemos viver em harmonia com nossa
consciência e em paz com os outros seres. O aroma da virtude, o Buda declara, é mais
doce do que o aroma de todas as flores e perfumes; o brilho do homem ou mulher bom
alcança grandes distâncias, tal qual as montanhas do Himalaia. Assim como a flor de
lótus ergue-se em toda a sua beleza sobre o lodo e imundície da pilha de sujeira na
beira da estrada, o discípulo do Buda ergue-se no esplendor da sabedoria sobre as
massas de seres mundanos ignorantes (54, 304, 59).

2) O bem nas vidas futuras

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No seu segundo nível de ensinamento, o Dhammapada mostra que o sentido da
moralidade não se esgota em sua contribuição para a felicidade humana aqui e agora,
mas exerce uma influência muito mais crucial ao moldar o destino de cada pessoa. Este
nível começa com o reconhecimento de que, ao refletirmos, percebemos que a situação
humana demanda um contexto mais satisfatório para a ética do que meros apelos ao
altruísmo. Por um lado, nosso senso inato de justiça moral pede que a bondade seja
recompensada com a felicidade e o mal com o sofrimento. Por outro lado, na nossa
experiência comum, vemos pessoas virtuosas sendo assoladas por dificuldades e
aflições e pessoas completamente más surfando nas ondas da boa fortuna (119-120). A
intuição moral nos diz que, se existe qualquer valor de longo prazo na conduta correta,
este desequilíbrio deve ser de algum modo reparado.

A ordem visível não oferece uma solução clara, mas o Ensinamento do Buda
revela o fator necessário para pacificar nosso desejo por justiça moral em uma lei
impessoal e universal que impera sobre toda a existência senciente. Essa é a lei do
kamma (em sânscrito, karma), da ação e seu resultado, a qual garante que a ação
moralmente informada não desaparece no vácuo, mas em algum momento encontra
sua retribuição correspondente: o bem encontra a felicidade, o mal encontra o
sofrimento.

A visão popular por vezes identifica o kamma com destino, mas essa é uma
concepção totalmente errônea que não pode ser aplicada à doutrina budista. Kamma
significa ação volitiva, ação surgida da intenção, que pode se manifestar externamente
como fala ou ações de corpo, ou internamente como pensamentos, desejos e emoções
não expressados. O Buda distingue o kamma em dois tipos éticos primários: o kamma
prejudicial, que é a ação enraizada em estados mentais de cobiça, raiva e delusão; e o
kamma benéfico, que é a ação enraizada em estados mentais de generosidade ou
desapego, benevolência e compreensão. As ações intencionais que realizamos no
decorrer de nossas vidas podem desaparecer da memória sem deixar traço, mas uma
vez realizadas, elas produzem marcas sutis na mente, sementes com o potencial de dar
frutos no futuro, quando encontrarem as condições favoráveis para o seu
amadurecimento.

O campo objetivo no qual as sementes do kamma amadurecem é o processo de


renascimentos denominado saṃsāra. No Ensinamento do Buda, a vida não é tida como
uma ocorrência isolada que começa espontaneamente no nascimento e termina com a
total aniquilação na hora da morte. Na verdade, cada vida é vista como sendo parte de
uma série individualizada de vidas que não possui um início localizável no tempo, e
continua na medida em que o desejo pela existência permaneça intacto. O
renascimento pode ocorrer em diferentes reinos. Além dos reinos dos humanos e dos
animais, com os quais estamos familiarizados, acima deles há mundos celestiais de
grande felicidade, beleza e poder, e abaixo há mundos infernais de intenso sofrimento.

A causa para o renascimento nesses variados reinos é localizada pelo Buda no


kamma, nossas próprias ações intencionais. Em seu papel primário, o kamma

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determina a esfera na qual o renascimento ocorre, com as ações benéficas produzindo
renascimento em formas elevadas e as ações prejudiciais produzindo renascimento em
formas inferiores. Após provocar o renascimento, o kamma segue operando,
governando os dotes e circunstâncias do indivíduo em sua forma de existência
específica. Assim, no reino humano, acúmulos anteriores de kamma benéfico
resultarão em longa vida, saúde, riqueza, beleza e sucesso; e o acúmulo de kamma
prejudicial resultará em uma vida curta, doença, pobreza, feiura e fracasso.

Prescritivamente, o segundo nível de ensinamento presente no Dhammapada é o


corolário prático desse reconhecimento da lei do kamma, apresentado com o intuito de
mostrar aos seres humanos, que naturalmente desejam a felicidade e a liberação do
sofrimento, os meios efetivos para atingirem seus objetivos. O conteúdo desse
ensinamento, em si, não difere daquele apresentado no primeiro nível; trata-se do
mesmo conjunto de diretrizes éticas sobre nos abstermos do mal e cultivarmos o bem.
A diferença reside na perspectiva desde a qual as diretrizes são formuladas e na razão
pela qual adotá-las. Os princípios da moralidade são agora apresentados nas suas
conexões cósmicas mais amplas, como estando conectados a uma lei invisível mas
pervasiva que une toda a vida e impera sobre as repetidas rotações do ciclo de
nascimento e morte. A observância da moralidade é justificada, apesar de suas
dificuldades e aparentes falhas, pelo fato de que ela está em harmonia com tal lei, e
pelo fato de que por meio da eficácia do kamma nossas ações intencionais se tornam o
fator determinante do nosso destino, tanto nesta vida quanto em estados futuros de
existência. Seguir a lei ética nos conduz a estados mais elevados — à purificação
interna, a renascimentos elevados e a experiências mais ricas de felicidade e alegria.
Violar a lei, agir sob o domínio do egoísmo e do ódio, conduz a estados inferiores — à
deterioração interior, ao sofrimento e ao renascimento em mundos de miséria. Este
tema é anunciado já no par de versos que abre o Dhammapada, e reaparece em diversas
formulações ao longo de toda a obra (veja e.g. 15–18, 117–122, 127, 132–133, Capítulo
22).

3) O caminho para o objetivo final


O ensinamento sobre kamma e renascimento, com seu corolário prático de que
deveríamos realizar ações meritórias com o propósito de obter um renascimento mais
elevado, não é de forma alguma a mensagem última do Buda ou o conselho mais
importante do Dhammapada. Na sua esfera própria de aplicação, tal ensinamento é
perfeitamente válido enquanto uma medida preparatória ou provisória para aqueles
cujas faculdades espirituais ainda não estão no ponto, necessitando passar por um
amadurecimento em sucessivas vidas. Uma análise mais profunda e apurada, contudo,
revela que todos os estados de existência no saṃsāra, mesmo as mais sublimes
moradas celestiais, carecem de um valor genuíno, pois são todos inerentemente
impermanentes, sem qualquer substancialidade duradoura, além de potenciais bases
de sofrimento para os que se fixam a eles. O discípulo de faculdades amadurecidas,

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suficientemente preparado por experiências anteriores para a singular exposição do
Dhamma do Buda, não aspira nem pelo renascimento entre os deuses. Tendo
compreendido a inadequação intrínseca de todas as coisas condicionadas, sua única
aspiração é se libertar dos infindáveis ciclos de nascimento. Este é o objetivo último
para o qual o Buda aponta — o propósito imediato daqueles de faculdades
desenvolvidas e o ideal a longo prazo daqueles que ainda estão se desenvolvendo:
Nibbāna, o Imortal, o estado não condicionado no qual não há mais nascimento,
velhice e morte e, portanto, sofrimento.

O terceiro nível de ensinamento presente no Dhammapada estabelece o contexto


teórico e a disciplina prática que emergem da aspiração pela libertação final. O contexto
teórico é fornecido pelo ensinamento sobre as Quatro Nobres Verdades (190-192, 273),
o qual o Buda já havia proclamado no seu primeiro sermão e que, devido à grande
ênfase que deu a ele nos seus muitos discursos, foi apropriado por todas as escolas do
budismo como a fundação comum.

As quatro verdades giram todas em torno do fato do sofrimento (dukkha),


entendido não como a simples experiência de dor e tristeza, mas como a
insatisfatoriedade pervasiva de todas as coisas condicionadas (202-203). A primeira
verdade detalha as variadas formas de sofrimento — nascimento, velhice, doença e
morte, a infelicidade de encontros desagradáveis e separações dolorosas e o sofrimento
de não obtermos o que queremos. Ela culmina com a declaração de que todos os
fenômenos constituintes de corpo e mente, “os cinco agregados da existência”
(pañcakkhandhā), por serem impermanentes e desprovidos de substancialidade, são
intrinsecamente insatisfatórios. A segunda verdade aponta que a causa do sofrimento é
o desejo (taṇhā) pelo prazer e pela existência, o qual nos conduz pelo ciclo de
renascimentos, deixando um rastro de sofrimento, ansiedade e desespero (212-216,
capítulo 24). A terceira verdade declara que a destruição do desejo resulta na liberação
do sofrimento, e a quarta prescreve os meios para tal liberação, o Nobre Caminho de
Oito Passos: entendimento correto, pensamento correto, fala correta, ação correta,
modo de vida correto, atenção correta e concentração correta (capítulo 20).

Se, neste terceiro nível, a ênfase da doutrina se desloca dos princípios do kamma
e renascimento para as Quatro Nobres Verdades, um deslocamento correspondente
ocorre também na esfera prática. A ênfase não mais é situada na observância da
moralidade básica e no cultivo de atitudes benéficas como um meio de alcançar
renascimentos elevados. Em vez disso, ela se volta para o desenvolvimento integral do
Nobre Caminho de Oito Passos como o meio para desenraizar o desejo que nutre o
próprio processo de renascimento. Para fins práticos, os oito fatores do caminho estão
organizados em três grandes grupos que revelam mais claramente a estrutura do
desenvolvimento do treinamento: disciplina moral (incluindo fala, ação e modo de vida
corretos); concentração (incluindo esforço, atenção e concentração corretos), e
sabedoria (incluindo entendimento e pensamento corretos). Por meio do treinamento
em moralidade, as formas mais grosseiras de contaminações mentais, aquelas que

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irrompem como ações e palavras prejudiciais, são notadas e mantidas sob controle. Por
meio do treinamento em concentração, a mente se torna calma, pura e unificada,
purificada das correntes de pensamentos dispersivos. Por meio do treinamento em
sabedoria, o raio de atenção concentrada se foca nos fatores constituintes de mente e
corpo para investigar e contemplar suas características salientes. Essa sabedoria,
gradualmente amadurecida, culmina na compreensão que leva à total purificação e
liberação da mente.

Em princípio, a prática do caminho em todos os seus três estágios é viável para


pessoas em qualquer posição social. O Buda o ensinou a pessoas leigas bem como a
monges, e muitos dos seus seguidores leigos atingiram estados elevados de realização.
Contudo, a aplicação ao desenvolvimento do caminho se torna mais frutífera para
aqueles que abandonaram todas as outras preocupações a fim de se dedicarem
inteiramente ao treinamento espiritual, à “vida sagrada” (brahmacariya). Para que a
conduta seja completamente purificada, para que a contemplação sustentada e a
sabedoria penetrante se desenrolem sem impedimentos, a adoção de um estilo de vida
diferente se torna imprescindível — um estilo de vida que minimize as distrações e
estímulos ao desejo e organize todas as atividades em torno do objetivo da liberação.
Assim, o Buda estabeleceu a Sanga, a ordem de monges e monjas, como o campo
especial para aqueles prontos a dedicarem suas vidas à prática do caminho.

No Dhammapada, o chamado à vida monástica ressoa por toda a obra. A entrada


para a vida monástica é um ato de radical renúncia incitado pela nossa confrontação
com o sofrimento, sobretudo pelo reconhecimento da nossa inevitável mortalidade. O
Dhammapada ensina que, assim como um pastor conduz o gado ao pasto, a velhice e a
morte conduzem os seres vivos de uma vida a outra (135). Não há nenhum lugar no
mundo onde possamos escapar da morte, pois a morte está selada na própria
substância da nossa existência (128). O corpo é uma miragem pintada em que não há
nada duradouro ou estável; ele é uma massa de feridas, um ninho de doenças,
desintegrando-se e desembocando na morte; é uma cidade de ossos que contém em si o
declínio e a morte; os tolos têm apego a ele, mas sábios, tendo visto que o corpo
termina como um cadáver, perdem todo o encanto pelas alegrias mundanas (146-150).

Tendo reconhecido a transitoriedade e infelicidade ocultas da vida mundana, os


conscientes rompem os vínculos com a família e as relações sociais, abandonam suas
casas e prazeres sensuais e adentram o estado da ausência de moradia: “como cisnes
que abandonam o lago, eles deixam para trás uma casa após a outra… Tendo deixado
sua casa para não ter nenhuma morada, eles se deleitam com o desapego, tão difícil de
apreciar” (91-87). Retirados para locais silenciosos e isolados, os renunciantes buscam
a companhia de instrutores sábios, os quais apontam suas falhas, advertem e instruem,
protegem-nos do erro, mostram-nos o caminho correto (76-78, 208). Sob a sua
orientação, eles vivem segundo as regras da ordem monástica, contentes com os mais
básicos requisitos materiais, moderados na alimentação, praticando a paciência e a
tolerância, dedicados à meditação (184-185). Tendo aprendido a acalmar as agitadas

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ondas do pensamento e a adquirir a concentração unificada, eles passam a contemplar
o surgimento e desaparecimento de todas as formulações: “O monge que se retirou
para uma morada silenciosa e acalmou a mente compreende o Dhamma com
discernimento, e nele surge um deleite que transcende todos os deleites humanos.
Sempre que vê com discernimento o surgimento e desaparecimento dos agregados,
preenche-se de alegria e felicidade” (373, 374).

A vida de meditação alcança seu pico no desenvolvimento do insight, e o


Dhammapada sucintamente enuncia os princípios a serem contemplados com a
sabedoria do insight: “Todas as coisas condicionadas são impermanentes… Todas as
coisas condicionadas são sofrimento… Todas são desprovidas de um eu. Quando vemos
isso com sabedoria, damos as costas ao sofrimento. Este é o caminho para a
purificação” (277-279). Quando essas verdades são penetradas pela visão direta, os
grilhões do apego quebram-se em pedaços, e o discípulo progride através de estágios
sucessivos de realização até o atingimento da completa liberação.

4) O objetivo mais elevado


O quarto nível de ensinamento do Dhammapada não revela nenhum princípio da
doutrina ou abordagem de prática novos. Na verdade, este nível nos apresenta o fruto
do terceiro nível. O terceiro nível revela o caminho para o objetivo mais elevado, o
caminho para se libertar de todas as prisões e do sofrimento e conquistar a suprema
paz do Nibbāna. O quarto nível é a celebração e aclamação daqueles que alcançaram os
frutos do caminho e atingiram o objetivo final. No Cânone Pāli, os estágios de
atingimento definitivo que se sucedem no caminho para o Nibbāna são quatro. No
primeiro, denominado “adentrando a corrente” (sotāpatti), o discípulo adquire um
primeiro vislumbre do “Imortal” e ingressa irreversivelmente no caminho para a
liberação, com a garantia de chegar ao objetivo em no máximo sete vidas. Tal
atingimento por si só, afirma o Dhammapada, é mais grandioso do que a soberania
sobre todos os mundos (178). Após o adentramento na corrente, seguem-se dois
estágios posteriores que enfraquecem e erradicam ainda mais contaminações,
tornando o objetivo ainda mais visível. Um deles é chamado de estágio de “um único
retorno” (sakadāgāmī), no qual o discípulo retornará para o mundo humano no
máximo mais uma vez; e o outro é chamado de estágio do não-retorno (anāgāmī), no
qual ele já não mais retorna para a existência humana, mas renascerá em um plano
celestial, onde alcançará a libertação final. O quarto e último estágio é o do arahat,
Aquele Que Alcançou a Perfeição, o sábio plenamente realizado que completou o
caminho, erradicou todas as contaminações e se libertou da prisão dos ciclos de
renascimento. Esta é a figura ideal do budismo dos primórdios e o herói supremo do
Dhammapada.

O arahat é descrito em dois capítulos inteiros: no capítulo 7, sob seu próprio


nome, e no capítulo 26, o último, sob o nome “brāhmaṇa”, o homem sagrado. É dito

13
que o arahat já não é mais perturbado pela febre das paixões; não possui mais
sofrimento e está completamente liberto; ele rompeu todos os vínculos. Suas máculas
foram destruídas: ele não tem apego a comida; seu território é o vazio e a liberdade não
condicionada. Para seres mundanos comuns, o arahat é incompreensível: seu caminho
não pode ser rastreado, como caminho dos pássaros no céu. Ele transcendeu tudo o que
é mundano, está além da tristeza e lamentação, tornou-se pacífico e destemido. Ele
está livre da raiva, é devoto, virtuoso, desprovido de desejo e subjugou a si mesmo.
Possui um profundo conhecimento e sabedoria; é habilidoso em discriminar o caminho
correto e o caminho errôneo; atingiu o objetivo mais elevado. Ele é amigável em meio
aos hostis, pacífico em meio aos violentos e desapegado em meio aos apegados.

Nesta presente vida, o arahat alcançou o fim do sofrimento, soltando o fardo dos
cinco agregados. Ele transcendeu as amarras de mérito e demérito; ele não possui
sofrimento, é imaculado e puro; está livre do apego e mergulhou no Imortal. Como a
lua, ele é límpido e puro, sereno e claro. Ele abandonou todos os grilhões humanos e
transcendeu todos os grilhões celestiais; ele se livrou do substrato da existência e
conquistou todos os mundos. Ele conhece a morte e o renascimento dos seres; é
completamente desapegado, abençoado e iluminado. Nenhum deus, anjo ou humano é
capaz de encontrar seus rastros, pois ele não se fixa a nada, não possui apego e não se
agarra a nada. Ele alcançou o fim dos nascimentos, atingiu a perfeição do insight e
alcançou o topo da excelência espiritual. Carregando seu último corpo, perfeitamente
em paz, o arhat é a demonstração viva da verdade do Dhamma. Através de seu próprio
exemplo ele mostra que é possível nos libertarmos das máculas de cobiça, ódio e
delusão, nos erguermos sobre o sofrimento e conquistarmos o Nibbāna nesta mesma
vida.

O ideal do arahat alcança sua excelência no exemplo do Buda, o promulgador e


mestre do ensinamento inteiro. Foi o Buda que, sem qualquer ajuda ou orientação,
redescobriu o antigo caminho da liberação e o ensinou a incontáveis outros seres. Seu
surgimento no mundo fornece a preciosa oportunidade de ouvir e praticar o Dhamma
excelente (182, 194). Ele é aquele que oferece e mostra o refúgio (190–192), o Supremo
Professor que não depende de nada além de sua própria sabedoria autodesenvolvida
(353). Nascido homem, o Buda sempre permanece essencialmente humano. Ainda
assim, seu atingimento da Iluminação Perfeita o eleva a um nível que está muito além
do nível da humanidade comum. Todos os nossos conceitos e modos de conhecimento
familiares fracassam na tentativa de circunscrever sua natureza: ele é irrastreável, de
alcance ilimitado, livre de tudo o que é mundano, o conquistador de tudo, o conhecedor
de tudo, não maculado pelo mundo (179, 180, 353). Sempre brilhando no esplendor de
sua sabedoria, por meio do seu próprio ser, o Buda confirma a fé budista na
perfectibilidade humana e consuma a imagem do Dhammapada do indivíduo
completamente realizado, o arahat.

***

14
Os quatro níveis de ensinamento discutidos acima nos dão a chave para
compreendermos as variadas declarações do Dhammapada sobre a doutrina budista,
bem como discernirmos a intenção por trás das palavras de conselhos práticos.
Entrelaçados com os versos específicos desses quatro níveis principais, ao longo do
texto aparecem muitos versos que não se associam a nenhum nível em particular, mas
se aplicam a todos da mesma forma. Analisados juntos, eles delineiam a visão de
mundo básica do budismo dos primórdios. A característica mais marcante dessa visão é
sua ênfase no processo e não na persistência como o traço definidor da realidade. O
universo está em fluxo, um rio ilimitado de incessante vir a ser que arrasta tudo no seu
caminho; partículas de pó e montanhas, deuses e seres humanos e animais, os
sucessivos e incontáveis sistemas mundiais — todos são tragados por essa corrente
irreprimível. Não há um criador desse processo, nenhuma deidade providencial nos
bastidores, conduzindo todas as coisas a algum fim excelente e glorioso. O cosmos é
sem início, e no seu movimento de fase a fase ele é governado somente pela lei
impessoal e implacável do surgimento, mudança e cessação.

Entretanto, o foco do Dhammapada não é o cosmos externo, mas o mundo


humano, o ser humano com seu anseio e sofrimento, sua imensa complexidade, seu
empenho e movimento em direção à transcendência. O ponto de partida é a condição
humana como tal, e fundamental à imagem que surge é a inescapável dualidade da vida
humana, as dicotomias que nos provocam e desafiam a todo instante. Buscando a
felicidade, temendo a dor, a perda e a morte, caminhamos sobre o delicado equilíbrio
entre bem e mal, pureza e contaminação, progresso e declínio. Nossas ações ocorrem
sempre no espaço entre essas duas antípodas morais, e uma vez que não conseguimos
escapar da necessidade de escolher, precisamos carregar a responsabilidade total pelas
nossas escolhas. Nossa liberdade moral é razão tanto para o medo quanto para a
alegria, pois através das nossas escolhas nós determinamos nosso destino individual,
não apenas ao longo de uma única vida, mas ao longo das incontáveis a serem giradas
pela roda do saṃsāra. Se escolhemos de forma errada, podemos afundar nas
profundezas da degradação; se escolhemos de forma correta, podemos nos tornar
dignos da reverência até mesmo dos deuses. Os caminhos que levam a todos os
destinos se originam no presente, na ocasião imediata e inevitável de escolha e ação
conscientes.

O reconhecimento da dualidade se estende para além dos limites da existência


condicionada, abarcando os pólos opostos do condicionado e do não condicionado,
saṃsāra e Nibbāna, a “margem próxima” e a “margem distante”. O Buda se manifesta
no mundo como o Grande Liberador que nos mostra o caminho para nos liberarmos de
um e chegarmos ao outro. Mas tudo o que ele pode fazer é indicar o caminho; o trabalho
de trilhá-lo pertence aos discípulos. O Dhammapada repetidamente ressoa esse desafio
da liberdade humana: o ser humano é o criador e o mestre de si mesmo, o protetor ou o
destruidor de si mesmo, o salvador de si mesmo (160, 165, 380). No fim, precisamos

15
escolher entre o caminho que conduz de volta ao mundo, ao ciclo da existência, e o
caminho que conduz para fora do mundo, para o Nibbāna. E embora esse segundo
percurso seja extremamente difícil e demandante, a voz do Buda enuncia palavras de
garantia que confirmam que é possível fazê-lo, que temos o poder de superar todas as
barreiras e triunfar sobre a própria morte.

O papel crucial no atingimento do progresso em todas as esferas, afirma o


Dhammapada, é desempenhado pela mente. Contrastando com a Bíblia, que começa
com um relato da criação do mundo por Deus, o Dhammapada começa com a ousada
afirmação de que a mente é a precursora de tudo o que somos, a criadora do nosso
personagem, a criadora do nosso destino. A disciplina inteira do Buda, desde a
moralidade básica até os níveis mais elevados de meditação, depende do treinamento
da mente. Uma mente equivocadamente dirigida produz um dano maior do que
qualquer inimigo, uma mente corretamente dirigida produz um benefício maior do que
qualquer parente ou amigo (42–43). A mente é desregrada, volátil e difícil de subjugar,
mas por meio do esforço, da atenção plena e de uma autodisciplina inabalável,
podemos gerar maestria sobre nossas tendências errantes, escapar das torrentes das
paixões e encontrar “uma ilha que nenhuma enchente pode sobrepujar (25). Aquele que
conquista a si mesmo, o vitorioso sobre sua própria mente, obtém uma conquista que
jamais pode ser desfeita, uma vitória maior do que a vitória do mais poderoso dentre os
guerreiros (103-105).

Aquilo que é mais urgentemente necessário para treinar e subjugar a mente é uma
qualidade denominada diligência (appamāda). A diligência combina a autoconsciência
crítica e uma energia incessante na tarefa de manter a mente sob constante
observação, a fim de detectar e eliminar os impulsos contaminantes sempre que eles
tentarem vir à superfície. Em um mundo no qual não temos um salvador além de nós
mesmos, e no qual os meios para a liberação residem na purificação da mente, a
diligência se torna o fator crucial para garantir que nos mantenhamos no caminho do
treinamento sem sermos desviados pelos engodos sedutores dos prazeres dos sentidos
ou pelas influências estagnantes da preguiça e do comodismo. A diligência, declara o
Buda, é o caminho para o Imortal; e a negligência, o caminho para a morte. O sábio que
entende essa distinção repousa na diligência e experiencia o Nibbāna, “a incomparável
liberação da prisão” (21–23).

Enquanto um grande clássico religioso e o principal testamento do budismo dos


primórdios, o verdadeiro valor do Dhammapada não pode ser mensurado em uma
única leitura, mesmo que tal leitura seja feita cuidadosa e reverencialmente. Ele revela
suas riquezas somente por meio do estudo constante, da reflexão sustentada e, o mais
importante, por meio da aplicação dos seus princípios na vida cotidiana. Assim, pode
ser sugerido ao leitor em busca de orientação espiritual que o Dhammapada seja usado
como um manual para a contemplação. Após uma leitura inicial, seria bom lermos
diversos versos ou mesmo um capítulo inteiro todos os dias, lenta e cuidadosamente,
saboreando as palavras. Deveríamos refletir sobre o significado de cada um dos versos

16
com profundidade e minúcia, investigar sua relevância para nossa vida e aplicá-lo
como um guia de conduta. Se isso for feito repetidamente, com paciência e
perseverança, é certo que o Dhammapada conferirá às nossas vidas um novo sentido e
senso de propósito. Infundindo-nos com esperança e inspiração, ele gradualmente nos
levará a descobrir uma liberdade e felicidade muito maiores do que qualquer coisa que
o mundo possa oferecer.

Bhikkhu Bodhi

17
O Dhammapada

Namo Tassa Bhagavato Arahato Sammāsambuddhassa


Homenagem a Ele, o Abençoado, o Perfeito, o Supremamente Iluminado!

18
1

YAMAKAVAGGA

Os Pares

1. Manopubbaṅgamā dhammā manoseṭṭhā manomayā;

manasā ce paduṭṭhena bhāsati vā karoti vā tato naṃ dukkham anveti cakkaṃ va


vahato padaṃ.

1. A mente precede todos os estados mentais. A mente é seu chefe, todos eles são
forjados pela mente. Se, com uma mente impura, uma pessoa falar ou agir, o
sofrimento a acompanhará tal qual a roda acompanha as patas do boi.

2. Manopubbaṅgamā dhammā manoseṭṭhā manomayā;

manasā ce pasannena bhāsati vā karoti vā tato naṃ sukham anveti chāyā va


anapāyinī.

2. A mente precede todos os estados mentais. A mente é seu chefe, todos eles são
forjados pela mente. Se, com uma mente pura, uma pessoa falar ou agir, a felicidade a
acompanhará como a sombra que nunca parte.

3.“Akkocchi maṃ, avadhi maṃ, ajini maṃ, ahāsi me,”

ye ca taṃ upanayhanti, veraṃ tesaṃ na sammati.

3. “Ele me abusou, ele me bateu, ele me dominou, ele me roubou” – aqueles que
nutrem tais pensamentos não pacificam seu ódio.

4. “Akkocchi maṃ, avadhi maṃ, ajini maṃ, ahāsi me,”

ye ca taṃ n’upanayhanti, veraṃ tes’ūpasammati.

4. “Ele me abusou, ele me bateu, ele me dominou, ele me roubou” – aqueles que não
nutrem tais pensamentos pacificam seu ódio.

5. Na hi verena verāni sammant’īdha kudācanaṃ,

19
averena ca sammanti: esa dhammo sanantano.

5. Neste mundo, ódio nunca é apaziguado pelo ódio; somente pelo não-ódio pode o
ódio ser apaziguado. Esta é uma lei eterna.

6. Pare ca na vijānanti, mayam ettha yamāmase;

ye ca tattha vijānanti, tato sammanti medhagā.

6. Há os que não percebem que um dia todos nós morreremos, mas aqueles que
entendem isso resolvem suas desavenças.

7. Subhānupassiṃ viharantaṃ indriyesu asaṃvutaṃ

bhojanamhi cāmattaññuṃ kusītaṃ hīnavīriyaṃ,

taṃ ve pasahati Māro vāto rukkhaṃ va dubbalaṃ.

7. Assim como uma tempestade derruba uma árvore fraca, Māra sobrepuja quem vive
para ter prazeres, não tem controle sobre seus sentidos, é imoderado na alimentação,
preguiçoso e hedonista.3

8. Asubhānupassiṃ viharantaṃ indriyesu susaṃvutaṃ

bhojanamhi ca mattaññuṃ saddhaṃ āraddhavīriyaṃ,

taṃ ve nappasahati Māro vāto selaṃ va pabbataṃ.

8. Assim como uma tempestade não consegue derrubar uma montanha rochosa, Māra
nunca conseguirá sobrepujar alguém que passa a vida meditando sobre as impurezas4,
é controlado em seus sentidos, moderado na alimentação e repleto de fé e esforço
sincero.

9. Anikkasāvo kāsāvaṃ yo vatthaṃ paridahissati

apeto damasaccena, na so kāsāvam arahati.

9. Alguém que, vestindo o manto amarelo monástico, é depravado e destituído de


autocontrole e honestidade certamente não é digno do manto amarelo.

10. Yo ca vantakasāv’assa sīlesu susamāhito

3
Māra: o Tentador, no budismo, representado nas escrituras como uma deidade malévola que
tenta desviar as pessoas do caminho para a liberação. Os comentários explicam Māra como
sendo o senhor das forças do mal, como sendo as contaminações mentais e também a própria
morte.
4
As impurezas (asubha): temas de meditação que focam na repulsividade inerente do corpo,
recomendados sobretudo como antídotos poderosos ao desejo.

20
upeto damasaccena, sa ve kāsāvam arahati.

10. Mas aquele que tiver purificado a depravação, apresentar virtudes bem
estabelecidas e for pleno de autocontrole e sinceridade será, de fato, uma pessoa digna
do manto amarelo.

11. Asāre sāramatino sāre cāsāradassino,

te sāraṃ nādhigacchanti micchāsaṅkappagocarā.

11. Aqueles que confundem o que não é essencial como sendo essencial, bem como o
que é essencial como não sendo essencial, alimentando pensamentos equivocados,
nunca alcançarão o que é essencial.

12. Sārañ ca sārato ñatvā asārañ ca asārato,

te sāram adhigacchanti sammāsaṅkappagocarā.

12. Aqueles que sabem que o essencial é essencial e que o não essencial é não essencial,
alimentando pensamentos corretos, alcançarão o essencial.

13. Yathā agāraṃ ducchannaṃ vuṭṭhi samativijjhati,

evaṃ abhāvitaṃ cittaṃ rāgo samativijjhati.

13. Assim como a chuva atravessa uma casa de palha mal feita, a paixão penetra na
mente que não foi treinada.

14. Yathā agāraṃ succhannaṃ vuṭṭhi na samativijjhati,

evaṃ subhāvitaṃ cittaṃ rāgo na samativijjhati.

14. Assim como a chuva não atravessa uma casa de palha bem feita, a paixão nunca
penetra na mente que foi bem treinada.

15. Idha socati pecca socati, pāpakārī ubhayattha socati;

so socati so vihaññati, disvā kammakiliṭṭham attano.

15. Aquele que faz o mal lamenta-se aqui, bem como depois; ele lamenta-se nos dois
mundos. Ele lamenta e se sente aflito, recordando suas ações impuras.

16. Idha modati pecca modati, katapuñño ubhayattha modati;

so modati so pamodati, disvā kammavisuddhim attano.

21
16. Aquele que faz o bem regozija-se aqui, bem como depois; ele se regozija nos dois
mundos. Ele se regozija e se alegra, recordando suas ações puras.

17. Idha tappati pecca tappati, pāpakārī ubhayattha tappati;

pāpaṃ me katan ti tappati, bhiyyo tappati duggatiṃ gato.

17. Aquele que faz o mal sofre aqui, bem como depois; ele sofre nos dois mundos. O
pensamento “Cometi o mal” atormenta-o, e ele sofre ainda mais ao passar para os
reinos de aflição.

18. Idha nandati pecca nandati, katapuñño ubhayattha nandati;

puññaṃ me katan ti nandati, bhiyyo nandati suggatiṃ gato.

18. Aquele que faz o bem se deleita aqui, bem como depois; ele se deleita nos dois
mundos. O pensamento “Eu fiz o bem” deleita-o, e ele se deleita ainda mais ao passar
para os reinos de felicidade.

19. Bahum pi ce sahitaṃ bhāsamāno na takkaro hoti naro pamatto

gopo va gāvo gaṇayaṃ paresaṃ na bhāgavā sāmaññassa hoti.

19. Embora recite muitos textos sagrados, se não agir de acordo, esse homem
negligente será como um vaqueiro que apenas conta o gado dos outros — ele não
partilhará das bênçãos de uma vida sagrada.

20. Appam pi ce sahitaṃ bhāsamāno dhammassa hoti anudhammacārī

rāgañ ca dosañ ca pahāya mohaṃ sammappajāno suvimuttacitto

anupādiyāno idha vā huraṃ vā, sa bhāgavā sāmaññassa hoti.

20. Embora recite poucos textos sagrados, se coloca o Dhamma em prática,


abandonando a luxúria, o ódio e a delusão, com verdadeira sabedoria e uma mente
emancipada, sem apegar-se a este ou a qualquer outro mundo — ele, de fato, dispõe
das bênçãos de uma vida sagrada.

22
2

APPAMĀDAVAGGA

Diligência

21. Appamādo amatapadaṃ, pamādo maccuno padaṃ;

appamattā na mīyanti, ye pamattā yathā matā.

21. A diligência é o caminho para o Imortal, a negligência é o caminho para a morte. Os


diligentes não morrem, os negligentes já estão mortos.5

22. Etaṃ visesato ñatvā appamādamhi paṇḍitā,

appamāde pamodanti ariyānaṃ gocare ratā.

22. Entendendo claramente a excelência da diligência, os sábios a exultam e desfrutam


do refúgio dos nobres.6

23. Te jhāyino sātatikā niccaṃ daḷhaparakkamā,

phusanti dhīrā nibbānaṃ yogakkhemaṃ anuttaraṃ.

23. Os sábios, sempre meditativos e firmemente perseverantes, experienciam o


Nibbāna, a incomparável liberação da prisão.

24. Uṭṭhānavato satimato sucikammassa nisammakārino

saññatassa ca dhammajīvino appamattassa yaso’ bhivaḍḍhati.

24. Constantemente cresce a glória daquele que é energético, atento e puro em sua
conduta, sagaz e dotado de autocontrole, correto e diligente.

25. Uṭṭhānen’appamādena saññamena damena ca

5
O Imortal (amata): Nibbāna, assim chamado pois aqueles que o atingem se libertam do ciclo de
repetidas mortes e renascimentos.
6
Os nobres (ariya): aqueles que alcançaram qualquer um dos quatro estágios do atingimento
supramundano que conduz, de modo irreversível, ao nibbāna. Veja a introdução, p. __.

23
dīpaṃ kayirātha medhāvī yaṃ ogho nābhikīrati.

25. Por meio de esforço e diligência, disciplina e autodomínio, que o sábio construa
para si uma ilha que nenhuma enchente possa sobrepujar.

26. Pamādam anuyuñjanti bālā dummedhino janā,

appamādañ ca medhāvī dhanaṃ seṭṭhaṃ va rakkhati.

26. O tolo e ignorante entrega-se à negligência, mas o sábio protege a diligência como
se fosse seu maior tesouro.

27. Mā pamādam anuyuñjetha, mā kāmaratisanthavaṃ;

appamatto hi jhāyanto pappoti vipulaṃ sukhaṃ.

27. Não ceda à negligência; não se entregue aos prazeres sensuais. Somente os
diligentes e meditativos alcançam a grande felicidade.

28. Pamādaṃ appamādena yadā nudati paṇḍito,

paññāpāsādam āruyha asoko sokiniṃ pajaṃ,

pabbataṭṭho va bhummaṭṭhe, dhīro bāle avekkhati.

28. Tal qual alguém que sobe ao topo de uma montanha e contempla os que vivem no
solo, quando o sábio troca a negligência pela diligência e ascende à elevada torre da
sabedoria, é desse modo que o sábio — livre do sofrimento — contempla a multidão
tola e aflita.

29. Appamatto pamattesu suttesu bahujāgaro

abalassaṃ va sīghasso hitvā yāti sumedhaso.

29. Diligente em meio aos negligentes, completamente desperto em meio aos


adormecidos, o sábio avança como um cavalo veloz ultrapassando um pequeno pônei.

30. Appamādena Maghavā devānaṃ seṭṭhataṃ gato;

appamādaṃ pasaṃsanti pamādo garahito sadā.

30. Foi por meio da diligência que Indra se tornou o soberano dentre os deuses. A
diligência é sempre enaltecida, e a negligência sempre desprezada.7

31. Appamādarato bhikkhu pamāde bhayadassivā

7
Indra: o governante dos deuses na mitologia indiana antiga.

24
saññojanaṃ aṇuṃ thūlaṃ ḍahaṃ aggī va gacchati.

31. O monge que se alegra com a diligência e olha temeroso para a negligência avança
como labaredas, queimando todos os grilhões sutis e grosseiros.

32. Appamādarato bhikkhu pamāde bhayadassivā

abhabbo parihānāya, nibbānass’eva santike.

32. O monge que se alegra com a diligência e olha temeroso para a negligência não
sucumbirá. Ele está próximo do Nibbāna.

25
3

CITTAVAGGA

A Mente

33. Phandanaṃ capalaṃ cittaṃ durakkhaṃ dunnivārayaṃ

ujuṃ karoti medhāvī usukāro va tejanaṃ.

33. Assim como um arqueiro endireita a haste de uma flecha, do mesmo modo a pessoa
sagaz endireita a sua mente — tão volátil e inconstante, tão difícil de proteger e
controlar.

34. Vārijo va thale khitto okamokata ubbhato,

pariphandat’idaṃ cittaṃ Māradheyyaṃ pahātave.

34. Como um peixe que, quando retirado da água e jogado no solo, salta e se inquieta,
assim é esta mente agitada. Portanto, deveríamos abandonar o reino de Māra.

35. Dunniggahassa lahuno yatthakāmanipātino

cittassa damatho sādhu: cittaṃ dantaṃ sukhāvahaṃ.

35. Maravilhoso, de fato, é subjugar a mente, tão difícil de subjugar, sempre rápida e a
vaguear por onde quer que deseje. Uma mente domada traz a felicidade.

36. Sududdasaṃ sunipuṇaṃ yatthakāmanipātinaṃ

cittaṃ rakkhetha medhāvī: cittaṃ guttaṃ sukhāvahaṃ.

36. Que a pessoa sagaz vigie sua mente, tão difícil de detectar e extremamente sutil,
sempre vagueando por onde deseja. Uma mente resguardada traz a felicidade.

37. Dūraṅgamaṃ ekacaraṃ asarīraṃ guhāsayaṃ

ye cittaṃ saññamessanti mokkhanti Mārabandhanā.

26
37. Residindo na caverna (do coração), sem forma, a mente vagueia longe e se
encaminha por si só. Aqueles que subjugam tal mente se libertam das amarras de Māra.

38. Anavaṭṭhitacittassa saddhammaṃ avijānato

pariplavapasādassa paññā na paripūrati.

38. A sabedoria ainda não atingiu a perfeição naquele cuja mente não é estável, que não
conhece o Bom Ensinamento e cuja fé oscila.

39. Anavassutacittassa ananvāhatacetaso

puññapāpapahīnassa natthi jāgarato bhayaṃ.

39. Não há medo para alguém Desperto, cuja mente não está inundada (pelo desejo)
nem aflita (pelo ódio), e que transcendeu tanto o mérito quanto o demérito.8

40. Kumbhūpamaṃ kāyam imaṃ viditvā, nagarūpamaṃ cittam idaṃ ṭhapetvā,

yodhetha Māraṃ paññāvudhena, jitañ ca rakkhe anivesano siyā.

40. Compreendendo que este corpo é tão frágil quanto um pote de argila, e fortalecendo
esta mente tal qual uma cidade bem resguardada, enfrente Māra com a espada da
sabedoria. A seguir, protegendo o que foi conquistado, permaneça livre de apego.

41. Aciraṃ vat’ayaṃ kāyo paṭhaviṃ adhisessati

chuddho apetaviññāṇo niratthaṃ va kaliṅgaraṃ.

41. Dentro em breve, infelizmente, este corpo jazerá sobre a terra, descartado e sem
vida, como um inútil pedaço de madeira.

42. Diso disaṃ yaṃ taṃ kayirā verī vā pana verinaṃ,

micchāpaṇihitaṃ cittaṃ pāpiyo naṃ tato kare.

42. Qualquer que seja o dano que um inimigo possa causar ao seu inimigo, ou que uma
pessoa plena de ódio possa causar a outra, uma mente mal dirigida inflige a si mesmo
um dano muito maior.

43. Na taṃ mātā pitā kayirā aññe vāpi ca ñātakā,

sammāpaṇihitaṃ cittaṃ seyyaso naṃ tato kare.

8
É dito que o arahat está além tanto do mérito quanto do demérito porque, uma vez que ele
abandonou todas as contaminações, não é mais capaz de realizar ações negativas. E, visto que
não tem mais apegos, suas ações positivas já não produzem resultados cármicos.

27
43. Nenhuma mãe, pai ou qualquer outro parente é capaz de gerar um benefício maior
do que uma mente bem dirigida

28
4

PUPPHAVAGGA

Flores

44. Ko imaṃ paṭhaviṃ vijessati Yamalokañ ca imaṃ sadevakaṃ?

ko dhammapadaṃ sudesitaṃ kusalo puppham iva pacessati?

44. Quem há de ultrapassar esta Terra, o mundo da miséria, e esta esfera de humanos e
deuses? Como um habilidoso florista preparando um arranjo de flores, quem há de
levar à perfeição o bem-ensinado caminho da sabedoria?

45. Sekho paṭhaviṃ vijessati Yamalokañ ca imaṃ sadevakaṃ,

sekho dhammapadaṃ sudesitaṃ kusalo puppham iva pacessati.

45. Aquele que se esforça no caminho há de ultrapassar esta Terra, o mundo da miséria
e esta esfera de humanos e deuses. Aquele que se esforça no caminho há de levar à
perfeição o bem-ensinado caminho da sabedoria, tal qual um habilidoso florista
preparando um arranjo de flores.

46. Pheṇūpamaṃ kāyam imaṃ viditvā marīcidhammaṃ abhisambudhāno

chetvāna Mārassa papupphakāni adassanaṃ Maccurājassa gacche.

46. Compreendendo que este corpo é como espuma, penetrando sua natureza ilusória e
arrancando as flechas (da sensualidade) adornadas com flores de Māra, atravesse a
visão do Rei da Morte!

47. Pupphāni h’eva pacinantaṃ byāsattamanasaṃ naraṃ

suttaṃ gāmaṃ mahogho va maccu ādāya gacchati.

47. Assim como uma grande enchente varre por completo uma cidade adormecida, a
Morte arrasta a pessoa de mente apegada que apenas colhe as flores (do prazer).

48. Pupphāni h’eva pacinantaṃ byāsattamanasaṃ naraṃ

29
atittaṃ yeva kāmesu antako kurute vasaṃ.

48. O Destruidor exerce seu poder sobre a pessoa de mente apegada que, insaciável nos
desejos dos sentidos, apenas colhe as flores (do prazer).

49. Yathāpi bhamaro pupphaṃ vaṇṇagandhaṃ aheṭhayaṃ

paleti rasam ādāya evaṃ game munī care.

49. Tal qual uma abelha, que coleta o mel da flor sem danificar sua cor ou fragrância, o
sábio deveria realizar sua mendicância na cidade.

50. Na paresaṃ vilomāni na paresaṃ katākataṃ

attano va avekkheyya katāni akatāni ca.

50. Que ninguém encontre falhas nos outros; que ninguém veja as omissões e
comissões dos outros. Mas que vejamos, por outro lado, nossos próprios atos, levados a
cabo ou não.

51. Yathāpi ruciraṃ pupphaṃ vaṇṇavantaṃ agandhakaṃ,

evaṃ subhāsitā vācā aphalā hoti akubbato.

51. Como uma bela flor plena de cores mas sem qualquer perfume, do mesmo modo,
estéreis são as belas palavras de alguém que não as coloca em prática.

52. Yathāpi ruciraṃ pupphaṃ vaṇṇavantaṃ sagandhakaṃ,

evaṃ subhāsitā vācā saphalā hoti sakubbato.

52. Como uma bela flor plena de cores e também de perfume, do mesmo modo,
fecundas são as belas palavras de alguém que as coloca em prática.

53. Yathāpi puppharāsimhā kayirā mālāguṇe bahū,

evaṃ jātena maccena kattabbaṃ kusalaṃ bahuṃ.

53. Assim como uma grande pilha de flores pode dar origem a muitas guirlandas,
muitas boas ações deveriam ser realizadas por alguém que nasceu mortal.

54. Na pupphagandho paṭivātam eti, na candanaṃ tagaramallikā vā,

satañ ca gandho paṭivātam eti; sabbā disā sappuriso pavāti.

30
54. Nem o doce aroma das flores, nem mesmo o perfume do sândalo, da tagara ou do
jasmim sopram contra o vento. Mas o perfume do virtuoso sopra contra o vento. A
pessoa virtuosa permeia todas as direções com o aroma da virtude.9

55. Candanaṃ tagaraṃ vāpi uppalaṃ atha vassikī,

etesaṃ gandhajātānaṃ sīlagandho anuttaro.

55. De todos os aromas — sândalo, tagara, lótus azul e jasmim — o aroma da virtude é,
incomparavelmente, o mais doce.

56. Appamatto ayaṃ gandho yāyaṃ tagaracandanī,

yo ca sīlavataṃ gandho vāti devesu uttamo.

56. O perfume do sândalo e da tagara é fraco, mas o perfume do virtuoso é excelente,


alastrando-se até mesmo entre os deuses.

57. Tesaṃ sampannasīlānaṃ appamādavihārinaṃ

sammadaññā vimuttānaṃ Māro maggaṃ na vindati.

57. Māra nunca encontra o caminho daqueles que são verdadeiramente virtuosos, que
repousam na vigilância e se libertaram através do conhecimento perfeito.

58. Yathā saṅkāradhānasmiṃ ujjhitasmiṃ mahāpathe

padumaṃ tattha jāyetha sucigandhaṃ manoramaṃ.

59. Evaṃ saṅkārabhūtesu andhabhūte puthujjane

atirocati paññ’ya Sammāsambuddhasāvako.

58-59. Sobre uma pilha de sujeira em um fosso na beira da estrada, um lótus floresce,
perfumado e belo. Do mesmo modo, sobre a pilha de sujeira dos seres cegos do mundo,
brilha o discípulo do Supremamente Iluminado, resplandecendo em sabedoria.

9
Tagara: um pó aromático obtido a partir de um tipo específico de arbusto.

31
5

BĀLAVAGGA

O tolo

Dīghā jāgarato ratti, dīghaṃ santassa yojanaṃ,

dīgho bālānaṃ saṃsāro saddhammaṃ avijānataṃ.

60. Longa é a noite para o insone; longa é a competição para o fatigado; longa é a
existência mundana para os tolos que não conhecem o Bom Ensinamento.

61. Carañ ce nādhigaccheyya seyyaṃ sadisam attano,

ekacariyaṃ daḷhaṃ kayirā: natthi bāle sahāyatā.

61. Caso um buscador não encontre um companheiro no seu nível ou superior, que ele
possa trilhar com firmeza uma jornada solitária. Não há companheirismo ao lado de
um tolo.

62. “Puttā m’atthi dhanam m’atthi,” iti bālo vihaññati,

attā hi attano natthi kuto puttā kuto dhanaṃ?

62. O tolo preocupa-se, refletindo: “Eu tenho filhos, tenho riqueza.” Na verdade, se
nem ele próprio não é dono de si mesmo, que dizer dos filhos e da riqueza?

63. Yo bālo maññati bālyaṃ, paṇḍito vāpi tena so,

bālo ca paṇḍitamānī sa ve bālo ti vuccati.

63. Um tolo que conhece a sua tolice é sábio pelo menos neste aspecto, mas um tolo que
se considera sábio é realmente um tolo.

64. Yāvajīvam pi ce bālo paṇḍitaṃ payirupāsati,

na so dhammaṃ vijānāti dabbī sūparasaṃ yathā.

32
64. Ainda que um tolo passe sua vida inteira ao lado de uma pessoa sábia, ele
compreende o Dhamma na mesma medida em que uma colher sente o sabor da sopa.

65. Muhuttam api ce viññū paṇḍitaṃ payirupāsati,

khippaṃ dhammaṃ vijānāti jivhā sūparasaṃ yathā.

65. Ainda que uma pessoa sagaz não passe mais do que um mero instante na
companhia de um sábio, ela rapidamente compreende o Dhamma, tal qual a língua
sente o sabor da sopa.

66. Caranti bālā dummedhā amitten’eva attanā

karontā pāpakaṃ kammaṃ yaṃ hoti kaṭukapphalaṃ.

66. Tolos de pouca inteligência são inimigos de si mesmos, pois se movimentam


produzindo ações negativas, cujos frutos são amargos.

67. Na taṃ kammaṃ kataṃ sādhu yaṃ katvā anutappati,

yassa assumukho rodaṃ vipākaṃ paṭisevati.

67. Malfeita é a ação que, tendo sido realizada, produz arrependimento mais tarde e
cujos frutos nós colhemos chorando, com uma expressão de lamento.

68. Tañ ca kammaṃ kataṃ sādhu yaṃ katvā nānutappati,

yassa patīto sumano vipākaṃ paṭisevati.

68. Bem-feita é a ação que, tendo sido realizada, não produz arrependimento mais
tarde, e cujos frutos nós colhemos com alegria e satisfação.

69. Madhu va maññatī bālo yāva pāpaṃ na paccati,

yadā ca paccati pāpaṃ atha bālo dukkhaṃ nigacchati.

69. Enquanto uma ação negativa ainda não amadureceu, o tolo a considera doce como o
mel. Mas quando a ação negativa amadurece, o tolo é arrebatado pela tristeza.

70. Māse māse kusaggena bālo bhuñjetha bhojanaṃ,

na so saṅkhātadhammānaṃ kalaṃ agghati soḷasiṃ.

70. Embora, meses a fio, o tolo coma o seu alimento usando a ponta de uma folha de
grama, ele ainda não valerá nem a décima sexta parte de alguém que compreendeu o
Dhamma.

33
71. Na hi pāpaṃ kataṃ kammaṃ sajju khīraṃ va muccati,

ḍahantaṃ bālam anveti bhasmacchanno va pāvako.

71. De fato, uma ação negativa, tendo sido cometida, não gera resultados
imediatamente, do mesmo modo como o leite não azeda de súbito. Mas, ardendo sem
chamas, ela persegue o tolo como fogo coberto por cinzas.

72. Yāvadeva anatthāya ñattaṃ bālassa jāyati,

hanti bālassa sukkaṃsaṃ muddham assa vipātayaṃ.

72. Para a sua própria ruína o tolo adquire conhecimento, pois ele parte a sua cabeça e
destrói sua bondade inata.

73. Asantaṃ bhāvanam iccheyya, purekkhārañ ca bhikkhusu,

āvāsesu ca issariyaṃ, pūjaṃ parakulesu ca.

73. O tolo aspira por uma reputação não merecida, precedência entre os monges,
autoridade sobre os monastérios e honra entre os chefes de família.

74. “Mam’eva katam maññantu gihī pabbajitā ubho,

mam’ev’ātivasā assu kiccākiccesu kismici,”

iti bālassa saṅkappo icchā māno ca vaḍḍhati.

74. “Que tanto os leigos quanto os monges pensem que fui eu que fiz. Em todos os
trabalhos, grandes e pequenos, que eles me sigam” — tal é a ambição do tolo; é assim
que o seu desejo e orgulho aumentam.

75. Aññā hi lābhūpanisā aññā nibbānagāminī,

evam etaṃ abhiññāya bhikkhu Buddhassa sāvako

sakkāraṃ nābhinandeyya vivekam anubrūhaye.

75. Uma coisa é a busca por ganhos mundanos, e outra completamente diferente é o
caminho para o Nibbāna. Claramente entendendo isso, que o monge, o discípulo do
Buda, não seja arrastado pelo sucesso mundano, mas que ele desenvolva o desapego.

34
6

PAṆḌITAVAGGA

O sábio

76. Nidhīnaṃ va pavattāraṃ yaṃ passe vajjadassinaṃ,

niggayhavādiṃ medhāviṃ tādisaṃ paṇḍitaṃ bhaje;

tādisaṃ bhajamānassa seyyo hoti na pāpiyo.

76. Se encontrarmos alguém que aponta defeitos e repreende, deveríamos seguir essa
pessoa sábia e astuta como seguiríamos um guia para um tesouro escondido. É sempre
melhor, e nunca pior, cultivar tal companhia.

77. Ovadeyy’ānusāseyya, asabbhā ca nivāraye,

sataṃ hi so piyo hoti, asataṃ hoti appiyo.

77. Que ela advirta, instrua e nos proteja do erro. Tal pessoa é querida pelos bons e
detestada pelos maus.

78. Na bhaje pāpake mitte, na bhaje purisādhame,

bhajetha mitte kalyāṇe, bhajetha purisuttame.

78. Não se associe a maus companheiros; não busque o convívio com os perversos.
Associe-se a bons amigos; busque o convívio com pessoas nobres.

79. Dhammapīti sukhaṃ seti vippasannena cetasā,

ariyappavedite dhamme sadā ramati paṇḍito.

79. Aquele que mergulha fundo no Dhamma vive feliz com uma mente tranquila. A
pessoa sábia está sempre a se deliciar com o Dhamma revelado pelo Nobre (o Buda).

80. Udakaṃ hi nayanti nettikā, usukārā namayanti tejanaṃ,

dāruṃ namayanti tacchakā, attānaṃ damayanti paṇḍitā.

35
80. Irrigadores regulam a água; fazedores de flecha endireitam o eixo da flecha;
carpinteiros dão forma à madeira; os sábios controlam a si mesmos.

81. Selo yathā ekaghano vātena na samīrati,

evaṃ nindāpasaṃsāsu na samiñjanti paṇḍitā.

81. Assim como uma rocha sólida não é abalada pelo vento, os sábios não são afetados
por elogio ou censura.

82. Yathāpi rahado gambhīro vippasanno anāvilo,

evaṃ dhammāni sutvāna vippasīdanti paṇḍitā.

82. Ao ouvir os ensinamentos, os sábios são perfeitamente purificados tal qual um lago
profundo, claro e límpido.

83. Sabbattha ve sappurisā cajanti; na kāmakāmā lapayanti santo.

Sukhena phuṭṭhā atha vā dukhena n’uccāvacaṃ paṇḍitā dassayanti.

83. Os bons renunciam (ao apego a) todas as coisas; os virtuosos não dão conversa ao
anseio por prazeres. Os sábios não demonstram euforia ou depressão quando atingidos
pela felicidade ou pelo sofrimento.

84. Na attahetu na parassa hetu, na puttam icche na dhanaṃ na raṭṭhaṃ,

na iccheyya adhammena samiddhim attano, sa sīlavā

paññavā dhammiko siyā.

84. É verdadeiramente virtuoso, sábio e correto aquele que, seja por si mesmo ou pelos
outros, não comete nenhum mal, não anseia por filhos, riqueza ou reinado, e não
aspira pelo sucesso próprio usando de meios injustos.

85. Appakā te manussesu ye janā pāragāmino,

ath’āyaṃ itarā pajā tīram ev’ānudhāvati.

85. Poucos são os humanos que atravessam até a margem mais distante. O restante, a
maioria das pessoas, fica apenas subindo e descendo ao longo da margem de cá.

86. Ye ca kho sammadakkhāte dhamme dhammānuvattino,

te janā pāram essanti maccudheyyaṃ suduttaraṃ.

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86. Mas aqueles que agem de acordo com o Dhamma perfeitamente ensinado
atravessarão o reino da Morte, tão difícil de atravessar.

87. Kaṇhaṃ dhammaṃ vippahāya sukkaṃ bhāvetha paṇḍito,

okā anokaṃ āgamma viveke yattha dūramaṃ.

88. Tatrābhiratim iccheyya hitvā kāme akiñcano,

pariyodapeyya attānaṃ cittaklesehi paṇḍito.

87-88. Abandonando o caminho sombrio, que a pessoa sábia cultive o caminho


iluminado. Tendo deixado sua casa para não ter nenhuma morada, que ela anseie por se
deleitar com o desapego, tão difícil de apreciar. Desistindo dos prazeres sensuais,
desprovida de apego, a pessoa sábia deveria se purificar das contaminações da mente.

89. Yesaṃ sambodhi-aṅgesu sammā cittaṃ subhāvitaṃ,

ādānapaṭinissagge anupādāya ye ratā,

khīṇāsavā jutīmanto te loke parinibbutā.

89. Aqueles cujas mentes alcançaram a completa excelência dos fatores da iluminação,
e que, tendo renunciado a aquisitividade, regozijam na ausência de fixações — libertos
das máculas, brilhando em sabedoria, eles atingiram o Nibbāna nesta presente vida.10

10
Este verso descreve o arahat, apresentado mais detalhadamente no próximo capítulo. As
“máculas” (āsava) são as quatro contaminações básicas: desejo sensual, desejo pela existência
continuada, visões falsas e ignorância.

37
7

ARAHANTAVAGGA

O Arahat ou O Que Alcançou a Perfeição

90. Gataddhino visokassa vippamuttassa sabbadhi

sabbaganthappahīnassa pariḷāho na vijjati.

90. A febre da paixão não existe para aquele que completou a jornada, que não possui
sofrimento e está plenamente liberado, e que rompeu todos os vínculos.

91. Uyyuñjanti satīmanto, na nikete ramanti te,

haṃsā va pallalaṃ hitvā okamokaṃ jahanti te.

91. Os atentos se empenham. Eles não têm apego a nenhuma casa; como cisnes que
abandonam o lago, eles deixam para trás uma casa após a outra.

92. Yesaṃ sannicayo natthi, ye pariññātabhojanā,

suññato animitto ca vimokkho yesaṃ gocaro,

ākāse va sakuntānaṃ gati tesaṃ durannayā.

92. Aqueles que não acumulam e são sábios com respeito à comida, cujo objeto é o
Vazio, a liberdade incondicional — a sua trilha, como a trilha dos pássaros no céu, não
pode ser rastreada.

93. Yass’āsavā parikkhīṇā āhāre ca anissito,

suññato animitto ca vimokkho yassa gocaro,

ākāse va sakuntānaṃ padaṃ tassa durannayaṃ.

93. Aquele cujas máculas foram destruídas e que não é apegado a comida, cujo objeto é
o Vazio, a liberdade incondicional — o seu caminho, como o caminho dos pássaros no
céu, não pode ser rastreado.

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94. Yass’indriyāni samathaṅgatāni, assā yathā sārathinā sudantā,

pahīnamānassa anāsavassa devā pi tassa pihayanti tādino.

94. Até mesmo os deuses são caros aos que são estáveis, àqueles cujos sentidos foram
subjugados tal qual cavalos bem treinados por um cocheiro, cujo orgulho foi destruído
e que estão livres das máculas.

95. Paṭhavīsamo no virujjhati, indakhīlūpamo tādi subbato,

rahado va apetakaddamo, saṃsārā na bhavanti tādino.

95. Não há mais existência mundana para aquele que é estável e que, como a terra, não
se ressente de nada; que é tão firme quanto um pilar e tão puro quanto uma lagoa
profunda e sem nenhum lodo.

96. Santaṃ tassa manaṃ hoti santā vācā ca kamma ca,

sammadaññā vimuttassa upasantassa tādino.

96. Calmo é o pensamento, calma é a fala, calma é a ação de quem, verdadeiramente


conhecendo, está plenamente liberto, perfeitamente tranquilo e estável.

97. Assaddho akataññū ca sandhicchedo ca yo naro,

hatāvakāso vantāso sa ve uttamaporiso.

97. Aquela que é desprovida de uma fé cega, que conhece o Não Criado, que rompeu
todos os vínculos, que destruiu todas as causas (do kamma, bom e ruim) e que se
despojou de todos os desejos — esta é verdadeiramente a mais excelente dentre as
pessoas.11

98. Gāme vā yadi vā’raññe ninne vā yadī vā thale,

yatth’ārahanto viharanti taṃ bhūmiṃ rāmaṇeyyakaṃ.

98. Realmente inspirador é o local onde habitam arahats, seja ele uma cidade, uma
floresta, um vale ou uma montanha.

99. Ramaṇīyāni araññāni, yattha na ramatī jano,

vītarāgā ramissanti, na te kāmagavesino.

11
Em Pāli, este verso apresenta diversos jogos de palavras, e se o “lado implícito” de cada um
deles fosse traduzido, o verso ficaria assim: “A pessoa que é destituída de fé, ingrata, uma ladra,
que destrói oportunidades e se alimenta de vômito — esta é verdadeiramente a mais excelente
dentre as pessoas.”

39
99. Inspiradoras são as florestas onde os seres mundanos não encontram prazer. Lá,
aqueles que não possuem paixões regozijam, pois não buscam por prazeres sensuais.

40
8

SAHASSAVAGGA

Os Milhares

100. Sahassam api ce vācā anatthapadasaṃhitā,

ekaṃ atthapadaṃ seyyo yaṃ sutvā upasammati.

100. Melhor do que mil palavras sem sentido é uma única palavra plena de sentido, que
ao ouvir alcançamos a paz.

101. Sahassam api ce gāthā anatthapadasaṃhitā,

ekaṃ gāthāpadaṃ seyyo yaṃ sutvā upasammati.

101. Melhor do que mil versos sem sentido é um único verso pleno de sentido. Ao
ouvi-lo, atinge-se a paz.

102. Yo ca gāthāsataṃ bhāse anatthapadasaṃhitā,

ekaṃ dhammapadaṃ seyyo yaṃ sutvā upasammati.

102. Melhor do que recitar cem versos sem sentido é recitar um único verso do
Dhamma. Ao ouvi-lo, atinge-se a paz.

103. Yo sahassaṃ sahassena saṅgāme mānuse jine,

ekañ ca jeyyam attānaṃ sa ve saṅgāmajuttamo.

103. Ainda que alguém conquiste mil homens mil vezes em batalha, o mais nobre
vitorioso é aquele que conquistou a si mesmo.

104. Attā have jitaṃ seyyo yā c’āyaṃ itarā pajā,

attadantassa posassa niccaṃ saññatacārino.

105. N’eva devo na gandhabbo, na Māro saha Brahmunā,

jitaṃ apajitaṃ kayirā tathārūpassa jantuno.

41
104-105. A conquista de si mesmo é muito melhor do que a conquista sobre os outros.
Nem mesmo um deus, um anjo, Māra ou Brahmā podem transformar em derrota a
vitória da pessoa que subjugou a si própria e é comedida na sua conduta.12

106. Māse māse sahassena yo yajetha sataṃ samaṃ,

ekañ ca bhāvitattānaṃ muhuttam api pūjaye,

sā yeva pūjanā seyyo yañ ce vassasataṃ hutaṃ.

106. Ainda que oferecêssemos milhares de sacrifícios meses a fio por uma centena de
anos, se por um breve momento venerássemos aqueles que desenvolveram sua mente,
tal reverência seria superior a um século de sacrifícios.

107. Yo ce vassasataṃ jantu aggiṃ paricare vane,

ekañ ca bhāvitattānaṃ muhuttam api pūjaye,

sā yeva pūjanā seyyo yañ ce vassasataṃ hutaṃ.

107. Ainda que passássemos cem anos vigiando o fogo sacrificial na floresta, se por um
breve momento venerássemos aqueles que desenvolveram sua mente, tal reverência
seria superior a um século de sacrifícios.

108. Yaṃ kiñci yiṭṭhaṃ va hutaṃ va loke saṃvaccharaṃ yajetha puññapekho,

sabbampi taṃ na catubhāgam eti abhivādanā ujjugatesu seyyo.

108. Quaisquer presentes e oblações que alguém buscando mérito possa oferecer, neste
mundo, ao longo de um ano inteiro não equivalem nem a um quarto do mérito obtido
ao reverenciar os justos, o qual é verdadeiramente excelente.

109. Abhivādanasīlissa niccaṃ vuḍḍhāpacāyino

cattāro dhammā vaḍḍhanti: āyu vaṇṇo sukhaṃ balaṃ.

109. Para alguém sempre ávido por reverenciar e servir os anciões, essas quatro
bênçãos decorrem: longa vida e beleza, felicidade e poder.

110. Yo ca vassasataṃ jīve dussīlo asamāhito,

ekāhaṃ jīvitaṃ seyyo sīlavantassa jhāyino.

110. É melhor viver um dia virtuoso e permeado pela meditação do que viver cem anos
de forma imoral e descontrolada.

12
Brahmā: uma importante divindade na religião indiana antiga.

42
111. Yo ca vassasataṃ jīve duppañño asamāhito,

ekāhaṃ jīvitaṃ seyyo paññāvantassa jhāyino.

111. É melhor viver um dia sábio e meditativo do que viver cem anos de forma insensata
e descontrolada.Oi

112. Yo ca vassasataṃ jīve kusīto hīnavīriyo,

ekāhaṃ jīvitaṃ seyyo viriyam ārabhato daḷhaṃ.

112. É melhor viver um dia árduo e resoluto do que viver cem anos de forma preguiçosa
e hedonista.

113. Yo ca vassasataṃ jīve apassaṃ udayabbayaṃ,

ekāhaṃ jīvitaṃ seyyo passato udayabbayaṃ.

113. É melhor viver um dia contemplando o surgimento e declínio das coisas do que
viver cem anos sem jamais contemplar o surgimento e declínio das coisas.

114. Yo ca vassasataṃ jīve apassaṃ amataṃ padaṃ,

ekāhaṃ jīvitaṃ seyyo passato amataṃ padaṃ.

114. É melhor viver um dia contemplando O Que Não Morre do que viver cem anos sem
jamais ter vislumbrado O Que Não Morre.

115. Yo ca vassasataṃ jīve apassaṃ dhammam uttamaṃ,

ekāhaṃ jīvitaṃ seyyo passato dhammam uttamaṃ.

115. É melhor viver um dia contemplando a Verdade Suprema do que viver cem anos
sem jamais ter vislumbrado a Verdade Suprema.

43
9

PĀPAVAGGA

O Mal

116. Abhittharetha kalyāṇe, pāpā cittaṃ nivāraye,

dandhaṃ hi karoto puññaṃ pāpasmiṃ ramatī mano.

116. Apresse-se em fazer o bem e proteja a sua mente do mal. Quando somos lentos em
fazer o bem, nossa mente se deleita com o mal.

117. Pāpañ ce puriso kayirā na taṃ kayirā punappunaṃ,

na tamhi chandaṃ kayirātha, dukkho pāpassa uccayo.

117. Se uma pessoa cometer o mal, que ela não o faça repetidas vezes. Que ela não
comece a desejar por isso, pois doloroso é o acúmulo do mal.

118. Puññañ ce puriso kayirā kayirāth’etaṃ punappunaṃ,

tamhi chandaṃ kayirātha, sukho puññassa uccayo.

118. Se uma pessoa fizer o bem, que ela o faça repetidas vezes. Que ela comece a desejar
por isso, pois bem-aventurado é o acúmulo do bem.

119. Pāpo pi passatī bhadraṃ yāva pāpaṃ na paccati,

yadā ca paccatī pāpaṃ atha pāpo pāpāni passati.

119. Até que o mal tenha amadurecido, pode correr tudo bem para quem comete o mal.
Mas quando ele amadurece, aquele que o comete encara (os dolorosos resultados) de
suas ações negativas.

120. Bhadro pi passatī pāpaṃ yāva bhadraṃ na paccati,

yadā ca paccatī bhadraṃ atha bhadro bhadrāni passati.

44
120. Até que o bem tenha amadurecido, quem faz o bem pode se deparar com
dificuldades. Mas quando ele amadurece, aquele que o faz encara (os aprazíveis
resultados) de suas ações positivas.

121. Māvamaññetha pāpassa “Na maṃ taṃ āgamissati,”

udabindunipātena udakumbho pi pūrati,

pūrati bālo pāpassa thokathokam pi ācinaṃ.

121. Não menospreze o mal, pensando: “ele não vai me alcançar”. Gota por gota, o
balde se enche de água. Do mesmo modo, acumulando aos poucos, o tolo se inunda de
mal.

122. Māvamaññetha puññassa “Na maṃ taṃ āgamissati,”

udabindunipātena udakumbho pi pūrati,

pūrati dhīro puññassa thokathokam pi ācinaṃ.

122. Não menospreze o bem, pensando: “ele não vai me alcançar”. Gota por gota, o
balde se enche de água. Do mesmo modo, acumulando aos poucos, o sábio se inunda de
bem.

123. Vāṇijo va bhayaṃ maggaṃ appasattho mahaddhano,

visaṃ jivitukāmo va pāpāni parivajjaye.

123. Como um comerciante com uma pequena escolta e uma grande riqueza evitaria
uma rota perigosa, ou como alguém que deseja viver evitaria veneno, do mesmo modo
deveríamos evitar as ações negativas.

124. Pāṇimhi ce vaṇo nāssa hareyya pāṇinā visam;

nābbaṇam visam anveti natthi pāpam akubbato.

124. Se na nossa mão não houver nenhuma ferida, podemos carregar até mesmo
veneno. O veneno não afeta quem está livre de feridas, e para quem não comete o mal
não existem desgraças.

125. Yo appaduṭṭhassa narassa dussati suddhassa posassa anaṅgaṇassa,

tam eva bālaṃ pacceti pāpaṃ sukhumo rajo paṭivātaṃ va khitto.

125. Como areia jogada contra o vento, o mal se reverte contra quem ofende uma pessoa
inofensiva, pura e inocente.

45
126. Gabbham eke uppajjanti nirayaṃ pāpakammino,

saggaṃ sugatino yanti parinibbanti anāsavā.

126. Alguns nascem no útero; os maus nascem no inferno; os devotos vão para os céus;
aqueles livres das máculas atingem o Nibbāna.

127. Na antalikkhe na samuddamajjhe na pabbatānaṃ vivaraṃ pavissa

na vijjatī so jagatippadeso yatthaṭṭhito muñceyya pāpakammā.

127. Nem no céu, nem no meio do oceano, nem nas fendas de uma montanha — em
absolutamente nenhum lugar deste mundo se pode escapar do resultado de uma ação
negativa.

128. Na antalikkhe na samuddamajjhe na pabbatānaṃ vivaraṃ pavissa

na vijjatī so jagatippadeso yatthaṭṭhito nappasaheyya maccu.

128. Nem no céu, nem no meio do oceano, nem nas fendas de uma montanha — em
absolutamente nenhum lugar deste mundo se pode escapar da morte.

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10

DAṆḌAVAGGA

Violência

129. Sabbe tasanti daṇḍassa sabbe bhāyanti maccuno,

attānaṃ upamaṃ katvā na haneyya na ghātaye.

129. Todos os seres tremem diante da violência, todos temem a morte. Colocando-nos
no lugar do outro, não deveríamos matar ou levar alguém a matar.

130. Sabbe tasanti daṇḍassa sabbesaṃ jīvitaṃ piyaṃ,

attānaṃ upamaṃ katvā na haneyya na ghātaye.

130. Todos os seres tremem diante da violência, todos estimam a vida. Colocando-nos
no lugar do outro, não deveríamos matar ou levar alguém a matar.

131. Sukhakāmāni bhūtāni yo daṇḍena vihiṃsati,

attano sukham esāno pecca so na labhate sukhaṃ.

131. Aquele que, na busca por sua felicidade, oprime com violência outros seres que
também desejam a felicidade, não alcançará a felicidade no futuro.

132. Sukhakāmāni bhūtāni yo daṇḍena na hiṃsati,

attano sukham esāno pecca so labhate sukhaṃ.

132. Aquele que, na busca por sua felicidade, não oprime com violência outros seres que
também desejam a felicidade, encontrará a felicidade no futuro.

133. Māvoca pharusaṃ kañci, vuttā paṭivadeyyu taṃ,

dukkhā hi sārambhakathā paṭidaṇḍā phuseyyu taṃ.

133. Não se dirija a ninguém de forma severa, pois aqueles assim abordados podem
retrucar. Na verdade, a fala rancorosa machuca e a retaliação pode o consumir.

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134. Sace neresi attānaṃ kaṃso upahato yathā,

esa patto’si nibbānaṃ, sārambho te na vijjati.

134. Se, como um gongo quebrado, você silenciar, terá se aproximado do Nibbāna, pois
não mais carregará a vingança.

135. Yathā daṇḍena gopālo gāvo pājeti gocaraṃ,

evaṃ jarā ca maccū ca āyuṃ pājenti pāṇinaṃ.

135. Assim como um pastor conduz o gado ao pasto com um cajado, a velhice e a morte
conduzem a força vital dos seres (de uma existência a outra).

136. Atha pāpāni kammāni karaṃ bālo na bujjhati,

sehi kammehi dummedho aggidaḍḍho va tappati.

136. Quando o tolo comete ações negativas, ele não se apercebe (de sua natureza
negativa). A pessoa ignorante é atormentada por suas próprias ações como alguém se
queimando com o fogo.

137. Yo daṇḍena adaṇḍesu appaduṭṭhesu dussati,

dasannam aññataraṃ ṭhānaṃ khippam eva nigacchati.

137. Aquele que emprega a violência contra alguém desarmado e ofende os inofensivos
tão pronto se deparará com algum destes dez estados:

138. Vedanaṃ pharusaṃ jāniṃ, sarīrassa ca bhedanaṃ,

garukaṃ vāpi ābādhaṃ, cittakkhepaṃ va pāpuṇe.

138. Dores agudas, desastres, ferimentos no corpo, ou grave doença, ou insanidade


mental.

139. Rājato va upasaggaṃ, abbhakkhānaṃ va dāruṇaṃ,

parikkhayaṃ va ñātīnaṃ, bhogānaṃ va pabhaṅguraṃ.

139. Ou terá problemas com o governo, ou sérias acusações, perda de parentes, ou


perda de riquezas.

140. Atha vā’ssa agārāni aggi ḍahati pāvako,

kāyassa bhedā duppañño nirayaṃ sopapajjati.

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140. Ou suas casas serão destruídas por um incêndio devastador, e após a dissolução do
corpo essa pessoa ignorante renascerá nos infernos.

141. Na naggacariyā na jaṭā na paṅkā nānāsakā thaṇḍilasāyikā vā,

rajo ca jallaṃ ukkuṭikappadhānaṃ sodhenti maccaṃ avitiṇṇakaṅkhaṃ.

141. Nem andar por aí nu, nem cabelos emaranhados, nem jejum, nem deitar-se no
chão, nem esfregar cinzas e pó sobre si mesmo, nem sentar-se sobre os calcanhares
(em penitência) pode purificar um mortal que não ultrapassou a flutuação mental.

142. Alaṅkato ce pi samañ careyya santo danto niyato brahmacārī

sabbesu bhūtesu nidhāya daṇḍaṃ so brāhmaṇo so samaṇo sa bhikkhu.

142. Ainda que disponha de muitos adornos, se for equilibrada, calma, controlada e
estabelecida na vida sagrada, tendo abandonado a violência perante todos os seres —
ela verdadeiramente é uma pessoa sagrada, um renunciante, um monge.

143. Hirīnisedho puriso koci lokasmiṃ vijjati

yo nindaṃ apabodheti, asso bhadro kasām iva.

143. Apenas raramente surge neste mundo um homem que, contido pela modéstia,
evita a repreensão, tal qual um cavalo de sangue puro evita o chicote.

144. Asso yathā bhadro kasāniviṭṭho ātāpino saṃvegino bhavātha;

saddhāya sīlena ca viriyena ca samādhinā dhammavinicchayena ca

sampannavijjācaraṇā patissatā pahassatha dukkham idaṃ anappakaṃ.

144. Como um cavalo de puro sangue tocado pelo chicote, tenha vigor, mantenha-se
preenchido de anseio espiritual. Por meio da fé e da pureza moral, do esforço e da
meditação, da investigação da verdade, da riqueza em conhecimento e da virtude, e da
atenção plena, destrua este sofrimento ilimitado.

145. Udakaṃ hi nayanti nettikā, usukārā namayanti tejanaṃ,

dāruṃ namayanti tacchakā, attānaṃ damayanti subbatā.

145. Irrigadores regulam as águas; arqueiros endireitam a haste das flechas;


carpinteiros dão forma à madeira; e os bons têm controle sobre si mesmos.

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11

JARĀVAGGA

Velhice

146. Ko nu hāso kim ānando niccaṃ pajjalite sati?

Andhakārena onaddhā padīpaṃ na gavessatha?

146. Se este mundo está constantemente em chamas, por que essa risada? Por que esse
júbilo? Envolto pela escuridão, por que não procuras a luz?

147. Passa cittakataṃ bimbaṃ arukāyaṃ samussitaṃ

āturaṃ bahusaṅkappaṃ yassa natthi dhuvaṃ ṭhiti.

147. Observe este corpo, uma imagem pintada, uma massa de feridas amontoadas —
enfermo, cheio de ansiedade, com nada estável ou duradouro.

148. Parijiṇṇaṃ idaṃ rūpaṃ roganiḍḍhaṃ pabhaṅguraṃ,

bhijjati pūtisandeho maraṇantaṃ hi jīvitaṃ.

148. Completamente desgastado está este corpo, um ninho de doenças e frágil. Esta
massa podre se desintegra, pois a vida termina na morte.

149. Yān’imāni apatthāni alāpūn’eva sārade

kāpotakāni aṭṭhīni tāni disvāna kā rati?

149. Estes ossos cor de pomba são como cabaças espalhadas no outono. Tendo as visto,
como é possível que ainda busquemos pelo prazer?

150. Aṭṭhīnaṃ nagaraṃ kataṃ maṃsalohitalepanaṃ

yattha jarā ca maccū ca māno makkho ca ohito.

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150. O corpo é uma cidade feita de ossos, rebocada com carne e sangue, contendo em si
a decadência e a morte, o orgulho e o desprezo.

151. Jīranti ve rājarathā sucittā atho sarīram pi jaraṃ upeti,

satañ ca dhammo na jaraṃ upeti, santo have sabbhi pavedayanti.

151. Mesmo gloriosas carruagens reais se desgastam, e este corpo também se desgasta.
Mas o Dhamma dos bons não envelhece; assim os bons o revelam aos bons.

152. Appassut’āyaṃ puriso balivaddo va jīrati;

maṃsāni tassa vaḍḍhanti, paññā tassa na vaḍḍhati.

152. O homem de pouco conhecimento cresce como um touro: cresce apenas em


tamanho, mas sua sabedoria não aumenta.

153. Anekajātisaṃsāraṃ sandhāvissaṃ anibbisaṃ

gahakārakaṃ gavesanto: dukkhā jāti punappunaṃ.

153. Durante muitos nascimentos no saṃsāra eu vagueei em vão, procurando pelo


construtor desta casa (da vida). Repetidos nascimentos são, sem dúvida, sofrimento!

154. Gahakāraka diṭṭho’si puna gehaṃ na kāhasi,

sabbā te phāsukā bhaggā, gahakūṭaṃ visaṅkhitaṃ;

visaṅkhāragataṃ cittaṃ taṇhānaṃ khayam ajjhagā.

154. Ó, construtor desta casa, agora o vejo! Você não construirá esta casa outra vez. Pois
todos os seus caibros estão quebrados e sua cumeeira estraçalhada. Minha mente
alcançou o Não Condicionado: atingi a destruição dos desejos.13

155. Acaritvā brahmacariyaṃ aladdhā yobbane dhanaṃ,

jiṇṇakoñcā va jhāyanti khīṇamacche va pallale.

155. Aqueles que, na juventude, não viveram a vida sagrada, que falharam em adquirir a
riqueza, definham como velhas garças em um lago sem peixes.

156. Acaritvā brahmacariyaṃ, aladdhā yobbane dhanaṃ,

13
De acordo com o comentário, os versos 153-154 são a “Canção da Vitória” do Buda, seu
primeiro pronunciamento após atingir a Iluminação. A casa refere-se à existência
individualizada no saṃsāra; o construtor ao desejo, os caibros às paixões; e a cumeeira à
ignorância.

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senti cāpātikhīṇā va purāṇāni anutthunaṃ.

156. Aqueles que, na juventude, não viveram a vida sagrada, que falharam em adquirir a
riqueza, jazem como flechas usadas (atiradas por) um arco, suspirando pelo passado.

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12

ATTAVAGGA

O Eu

157. Attānañ ce piyaṃ jaññā, rakkheyya naṃ surakkhitaṃ;

tiṇṇaṃ aññataraṃ yāmaṃ paṭijaggeyya paṇḍito.

157. Se temos apreço por nós mesmos, deveríamos nos observar com diligência. Que a
pessoa sábia mantenha a vigília em todos os três turnos da noite.

158. Attānam eva paṭhamaṃ patirūpe nivesaye,

ath’aññam anusāseyya, na kilisseyya paṇḍito.

158. Deveríamos primeiro nos estabelecer naquilo que é adequado; a seguir,


deveríamos instruir os outros. Assim a pessoa sábia não será repreendida.

159. Attānañ ce tathā kayirā yath’aññam anusāsati,

sudanto vata dammetha attā hi kira duddamo.

159. Deveríamos fazer aquilo que ensinamos aos outros. Se treinamos outras pessoas,
deveríamos ter controle sobre nós mesmos. Difícil, sem dúvida, é o autocontrole.

160. Attā hi attano nātho; ko hi nātho paro siyā?

Attanā va suddantena nāthaṃ labhati dullabhaṃ.

160. Somos, de fato, nossos próprios protetores. Quem mais seria? Desenvolvendo o
total controle sobre si, ganhamos um protetor que é dificilmente obtido.

161. Attanā va kataṃ pāpaṃ attajaṃ attasambhavaṃ,

abhimanthati dummedhaṃ vajiraṃ v’asmamayaṃ maṇiṃ.

161. O mal que uma pessoa ignorante faz por conta própria, originado dela e produzido
por ela, a tritura tal qual um diamante tritura uma joia rígida.

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162. Yassa accantadussīlyaṃ māluvā sālam iv’otthataṃ

karoti so tath’attānaṃ yathā naṃ icchatī diso.

162. Assim como uma trepadeira da selva estrangula a árvore sobre a qual ela cresce,
uma pessoa excessivamente depravada prejudica a si mesma como se fosse sua
inimiga.

163. Sukarāni asādhūni attano ahitāni ca,

yaṃ ve hitañ ca sādhuñ ca, taṃ ve paramadukkaraṃ.

163. É fácil de realizar aquilo que é negativo e nos prejudica, mas é extremamente difícil
realizar coisas boas e benéficas.

164. Yo sāsanaṃ arahataṃ ariyānaṃ dhammajīvinaṃ,

paṭikkosati dummedho diṭṭhiṃ nissāya pāpikaṃ,

phalāni kaṭṭhakasseva attaghaññāya phallati.

164. Quem quer que, devido a visões deturpadas, insulte o ensinamento dos arahats, os
nobres de vida correta — tal tolo, como o bambu, produz frutos que só levam à
autodestruição.14

165. Attanā va kataṃ pāpaṃ attanā saṅkilissati;

attanā akataṃ pāpaṃ attanā va visujjhati;

suddhi asuddhi paccattaṃ nāñño aññaṃ visodhaye.

165. Por nós mesmos o mal é feito, por nós mesmos nos contaminamos. Por nós
mesmos o mal não é realizado, por nós mesmos nos purificamos. A pureza e a
impureza dependem de nós — ninguém pode purificar outra pessoa.

166. Attadatthaṃ paratthena bahunā pi na hāpaye;

attadatthaṃ abhiññāya sadatthapasuto siyā.

166. Que não negligenciemos o nosso bem-estar em prol de outra pessoa, por mais
importante que seja. Compreendendo a fundo nosso próprio bem-estar, que nos
empenhemos em fazer o bem.

14
Algumas canas da família do bambu perecem imediatamente após produzirem frutos.

54
13

LOKAVAGGA

O Mundo

167. Hīnaṃ dhammaṃ na seveyya, pamādena na saṃvase;

micchādiṭṭhiṃ na seveyya, na siyā lokavaḍḍhano.

167. Não siga o caminho vulgar; não viva em negligência; não sustente visões falsas;
não permaneça por muito tempo na existência mundana.

168. Uttiṭṭhe nappamajjeyya, dhammaṃ sucaritañ care,

dhammacārī sukhaṃ seti asmiṃ loke paramhi ca.

168. Levante-se! Não seja negligente! Viva uma vida de boa conduta. Os corretos vivem
felizes tanto neste mundo quanto no próximo.

169. Dhammañ care sucaritaṃ, na naṃ duccaritañ care,

dhammacārī sukhaṃ seti asmiṃ loke paramhi ca.

169. Viva uma vida de boa conduta. Não leve uma vida vil. Os corretos vivem felizes
tanto neste mundo quanto no próximo.

170. Yathā bubbulakaṃ passe, yathā passe marīcikaṃ,

evaṃ lokaṃ avekkhantaṃ maccurājā na passati.

170. Quando contemplamos o mundo como uma bolha e uma miragem, o Rei da Morte
não nos vê.

171. Etha passath’imaṃ lokaṃ, cittaṃ rājarathūpamaṃ,

yattha bālā visīdanti natthi saṅgo vijānataṃ.

171. Venha! Observe este mundo, que é como uma carruagem real ornamentada. Aqui os
tolos se debatem, mas os sábios não se apegam a ele.

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172. Yo ca pubbe pamajjitvā pacchā so nappamajjati;

so imaṃ lokaṃ pabhāseti, abbhā mutto va candimā.

172. Alguém que, tendo sido negligente, deixou de sê-lo, ilumina este mundo como a
lua liberada de uma nuvem.

173. Yassa pāpaṃ kataṃ kammaṃ kusalena pithīyati,

so imaṃ lokaṃ pabhāseti, abbhā mutto va candimā.

173. Alguém que, por meio do bem, encobre o mal que realizou ilumina este mundo
como a lua liberada de uma nuvem.

174. Andhabhūto ayaṃ loko tanuk’ettha vipassati,

sakunto jālamutto va appo saggāya gacchati.

174. Cego é este mundo; aqui, poucos possuem visão clara. São poucos que, como
pássaros fugindo de uma rede, vão para o reino da felicidade.

175. Haṃsādiccapathe yanti, ākāse yanti iddhiyā;

nīyanti dhīrā lokamhā jetvā māraṃ savāhiniṃ.

175. Os cisnes voam em direção ao sol; os homens atravessam o espaço pelos poderes
psíquicos; os sábios se afastam do mundo após derrotar Māra e sua legião.

176. Ekaṃ dhammaṃ atītassa musāvādissa jantuno

vitiṇṇaparalokassa natthi pāpaṃ akāriyaṃ.

176. Para um mentiroso que violou a lei única (da verdade), que tem desprezo pelo
porvir, não há mal que ele não seja capaz de cometer.

177. Na ve kadariyā devalokaṃ vajanti, bālā have nappasaṃsanti dānaṃ,

dhīro ca dānaṃ anumodamāno ten’eva so hoti sukhī parattha.

177. De fato, os avarentos não se encaminharão para os reinos celestiais; nem os tolos
louvam a generosidade. Mas a pessoa sábia regozija em oferecer, e tão só por isso se
tornará feliz no futuro.

178. Pathavyā ekarajjena, saggassa gamanena vā,

sabbalokādhipaccena, sotāpattiphalaṃ varaṃ.

56
178. Melhor do que a total soberania sobre a Terra, melhor do que ir para os céus,
melhor do que ser o senhor de todos os mundos é a fruição resultante de adentrar a
corrente.15

15
Aquele que adentrou a corrente (sotāpatti): primeiro estágio de atingimento supramundano.

57
14

BUDDHAVAGGA

O Buda

179. Yassa jitaṃ nāvajīyati, jitam assa no yāti koci loke,

taṃ Buddham anantagocaraṃ apadaṃ kena padena nessatha?

179. Por qual rastro se pode localizar aquele que não deixa rastros, o Buda de amplitude
ilimitada, cuja vitória nada pode reverter, a quem nenhuma contaminação derrotada
pode jamais perseguir?

180. Yassa jālinī visattikā taṇhā natthi kuhiñci netave,

taṃ Buddham anantagocaraṃ apadaṃ kena padena nessatha?

180. Por qual rastro se pode localizar aquele que não deixa rastros, o Buda de amplitude
ilimitada, em quem não mais existe o desejo confuso e enredante que perpetua a
existência?

181. Ye jhānapasutā dhīrā nekkhammūpasame ratā,

devāpi tesaṃ pihayanti sambuddhānaṃ satīmataṃ.

181. Aqueles sábios que se devotam à meditação e se deliciam com a tranquilidade da


renúncia — os plenamente atentos, Budas supremos, são estimados até pelos deuses.

182. Kiccho manussapaṭilābho, kicchaṃ maccāna jīvitaṃ,

kicchaṃ saddhammasavaṇaṃ, kiccho Buddhānaṃ uppādo.

182. Difícil é nascer como um ser humano, difícil é a vida dos mortais. Difícil é obter a
chance de ouvir o Bom Dhamma, e difícil, de fato, é encontrar o surgimento dos Budas.

183. Sabbapāpassa akaraṇaṃ, kusalassa upasampadā,

sacittapariyodapanaṃ, etaṃ Buddhāna sāsanaṃ.

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183. Evitar todo mal, cultivar o bem e purificar nossa própria mente — tal é o
ensinamento dos Budas.

184. Khantī paramaṃ tapo titikkhā, nibbānaṃ paramaṃ vadanti Buddhā;

na hi pabbajito parūpaghātī, samaṇo hoti paraṃ viheṭhayanto.

184. Perseverar na paciência é a maior das austeridades. “O Nibbāna é supremo”, dizem


os Budas. Não é um verdadeiro monge quem machuca outro ser, nem um verdadeiro
renunciante quem oprime os outros.

185. Anūpavādo anūpaghāto, pātimokkhe ca saṃvaro

mattaññutā ca bhattasmiṃ, pantañ ca sayanāsanaṃ,

adhicitte ca āyogo, etaṃ Buddhāna sāsanaṃ.

185. Não desprezar, não prejudicar, conter-se segundo o código da disciplina


monástica, moderar na comida, residir na solidão e ter devoção à meditação — este é o
ensinamento dos Budas.

186. Na kahāpaṇavassena titti kāmesu vijjati,

appassādā dukhā kāmā iti viññāya paṇḍito.

187. Api dibbesu kāmesu ratiṃ so nādhigacchati,

taṇhakkhayarato hoti sammāsambuddhasāvako.

186-187. Não há como satisfazer os desejos sensuais nem com uma chuva de moedas de
ouro, pois os prazeres dos sentidos oferecem pouca satisfação e acarretam demasiada
dor. Compreendendo isto, o sábio não se deleita nem mesmo com os prazeres
celestiais. O discípulo do Buda Supremo se delicia com a destruição do desejo.

188. Bahuṃ ve saraṇaṃ yanti, pabbatāni vanāni ca

ārāma-rukkha-cetyāni, manussā bhayatajjitā.

188. As pessoas, movidas pelo medo, buscam refúgio em diversos lugares —


montanhas, florestas, bosques, árvores e templos.

189. N’etaṃ kho saraṇaṃ khemaṃ n’etaṃ saraṇam uttamaṃ,

n’etaṃ saraṇam āgamma sabbadukkhā pamuccati.

189. Estes, na verdade, não são refúgios seguros; eles não são o refúgio supremo. Não é
recorrendo a tais refúgios que nos liberamos de todo sofrimento.

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190. Yo ca Buddhañ ca dhammañ ca saṅghañ ca saraṇaṃ gato,

cattāri ariyasaccāni, sammappaññāya passati.

191. Dukkhaṃ dukkhasamuppādaṃ, dukkhassa ca atikkamaṃ,

ariyañ c’aṭṭhaṅgikaṃ maggaṃ, dukkhūpasamagāminaṃ.

190-191. Alguém que tomou refúgio no Buda, no Dhamma e na Sangha penetra com
sabedoria as Quatro Nobres Verdades — o sofrimento, a causa do sofrimento, a
cessação do sofrimento e o Nobre Caminho de Oito Passos que conduz à cessação do
sofrimento.16

192. Etaṃ kho saraṇaṃ khemaṃ etaṃ saraṇam uttamaṃ,

etaṃ saraṇam āgamma sabbadukkhā pamuccati.

192. Este, de fato, é o refúgio seguro, é o refúgio supremo. Tendo tomado tal refúgio,
somos liberados de todo sofrimento.

193. Dullabho purisājañño, na so sabbattha jāyati,

yattha so jāyati dhīro taṃ kulaṃ sukham edhati.

193. Difícil de encontrar é o homem nobre (o Buda). Ele não nasce em qualquer lugar.
Onde tal sábio nasce, o clã alegremente prospera.

194. Sukho Buddhānaṃ uppādo, sukhā saddhammadesanā,

sukhā saṅghassa sāmaggi, samaggānaṃ tapo sukho.

194. Abençoado é o nascimento dos Budas; abençoada é a exposição do Bom Dhamma;


abençoada é a harmonia na Sangha; e abençoada é a busca espiritual daqueles que
buscam a verdade unificada.

195. Pūjārahe pūjayato Buddhe yadi va sāvake

papañca-samatikkante tiṇṇa-soka-pariddave

196. Te tādise pūjayato, nibbute akutobhaye,

na sakkā puññaṃ saṅkhātuṃ, im’ettam iti kena ci.

195-196. Aquele que venera os dignos de reverência, os Budas e seus discípulos, que
transcendeu tudo o que é mundano e atravessou para além do alcance da tristeza e da
lamentação — aquele que venera os pacíficos e destemidos, seu mérito não pode ser
calculado por nenhuma medida.

16
A Sangha: tanto a ordem monástica (bhikkhu-saṅgha) e a ordem dos nobres (ariya-saṅgha) que
alcançaram os quatro estágios supramundanos.

60
15

SUKHAVAGGA

A Felicidade

197. Susukhaṃ vata jīvāma verinesu averino;

verinesu manussesu viharāma averino.

197. Felizes nós vivemos, amigáveis em meio aos hostis! Em meio a pessoas hostis,
repousamos livres do ódio.

198. Susukhaṃ vata jīvāma āturesu anāturā;

āturesu manussesu viharāma anāturā.

198. Felizes nós vivemos, sem aflições em meio aos afligidos (pelo desejo)! Em meio a
pessoas aflitas, repousamos livres de aflições.

199. Susukhaṃ vata jīvāma ussukesu anussukā;

ussukesu manussesu viharāma anussukā.

199. Felizes nós vivemos, livres da avareza em meio aos avarentos! Em meio a pessoas
avarentas, repousamos livres de avareza.

200. Susukhaṃ vata jīvāma yesaṃ no natthi kiñcanaṃ;

pītibhakkhā bhavissāma devā ābhassarā yathā.

200. Felizes nós vivemos, nós que não possuímos nada! Estamos fadados a nos
alimentarmos da felicidade, como os deuses radiantes!17

201. Jayaṃ veraṃ pasavati, dukkhaṃ seti parājito;

upasanto sukhaṃ seti hitvā jayaparājayaṃ.

17
Os deuses radiantes (devā ābhassarā): uma classe de deuses no reino da forma sutil
(rūpa-dhātu). É dito que eles sobrevivem de felicidade em vez de alimento.

61
201. A vitória engendra a inimizade, os derrotados vivem na dor. Felizes vivem os
pacíficos, descartando tanto a vitória quanto a derrota.

202. Natthi rāgasamo aggi, natthi dosasamo kali,

natthi khandhasamā dukkhā, natthi santiparaṃ sukhaṃ.

202. Não há fogo como a luxúria, não há crime como o ódio. Não há doença como os
agregados, não há felicidade superior à paz (do Nibbāna).18

203. Jighacchāparamā rogā, saṅkhārā paramā dukhā,

etaṃ ñatvā yathābhūtaṃ nibbānaṃ paramaṃ sukhaṃ.

203. A fome é a pior doença, os fenômenos condicionados o pior sofrimento.


Conhecendo isso tal qual é, o sábio realiza o Nibbāna, a mais elevada felicidade.

204. Ārogyaparamā lābhā, santuṭṭhiparamaṃ dhanaṃ,

vissāsaparamā ñātī, nibbānaṃ paramaṃ sukhaṃ.

204. A saúde é o maior ganho, o contentamento é a maior riqueza. Uma pessoa


confiável é o melhor parente, o Nibbāna é a suprema felicidade.

205. Pavivekarasaṃ pītvā rasaṃ upasamassa ca

niddaro hoti nippāpo dhammapītirasaṃ pibaṃ.

205. Tendo experimentado o sabor da solidão e da paz, livre de dor e de mácula ele se
torna, bebendo profundamente o sabor da felicidade do Dhamma.

206. Sāhu dassanam ariyānaṃ sannivāso sadā sukho,

adassanena bālānaṃ niccam eva sukhī siyā.

206. É bom ver os nobres, viver com eles é sempre maravilhoso. Seremos sempre
felizes ao não encontrarmos tolos.

207. Bālasaṅgatacārī hi dīgham addhāna socati,

dukkho bālehi saṃvāso amitten’eva sabbadā,

dhīro ca sukhasaṃvāso ñātīnaṃ va samāgamo.

18
Agregados (khandha): os cinco grupos através dos quais o Buda analisa os seres vivos — forma
material, sensação, percepção, formações mentais e consciência.

62
207. Certamente aquele que se move na companhia de tolos lamenta por um longo
tempo. A companhia dos tolos é sempre dolorosa, como associar-se a um inimigo. Mas
feliz é a companhia do sábio, que é como encontrar nossos próprios parentes.

208. Tasmā hi: dhīrañ ca paññañ ca bahussutañ ca

dhorayhasīlaṃ vatavantam āriyaṃ,

taṃ tādisaṃ sappurisaṃ sumedhaṃ bhajetha

nakkhattapathaṃ va candimā.

208. Portanto, siga o nobre, que é estável, sábio, erudito, zeloso e devoto. Somente
deveríamos seguir uma pessoa assim, que é verdadeiramente boa e discernidora, tal
qual a lua seguindo o caminho das estrelas.

63
16

PIYAVAGGA

A Afeição

209. Ayoge yuñjam attānaṃ yogasmiñ ca ayojayaṃ,

atthaṃ hitvā piyaggāhī pihet’attānuyoginaṃ.

209. Entregando-se a coisas que devem ser evitadas e não se empenhando quando o
empenho é necessário, quem corre atrás dos prazeres renuncia ao bem-estar genuíno e
sente inveja dos que se empenham pelo seu próprio bem-estar.

210. Mā piyehi samāgañchi, appiyehi kudācanaṃ,

piyānaṃ adassanaṃ dukkhaṃ appiyānañ ca dassanaṃ.

210. Não busque intimidade com as pessoas queridas nem com as não queridas, pois
não ver a pessoa querida e ver a que não é querida são ambos dolorosos.

211. Tasmā piyaṃ na kayirātha, piyāpāyo hi pāpako,

ganthā tesaṃ na vijjanti yesaṃ natthi piyāppiyaṃ.

211. Portanto, não seja caro a nada, pois a separação daquilo a que somos caros é
dolorosa. Não há amarras para quem não tem nada que ame ou deixe de amar.

212. Piyato jāyatī soko, piyato jāyatī bhayaṃ,

piyato vippamuttassa . natthi soko kuto bhayaṃ?

212. Do afeto brota o pesar, do afeto brota o medo. Para quem está totalmente livre do
afeto não há pesar; logo, de onde surgiria o medo?

213. Pemato jāyatī soko, Pemato jāyatī bhayaṃ,

Pemato vippamuttassa natthi soko kuto bhayaṃ?

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213. Do carinho brota o pesar, do carinho brota o medo. Para quem está totalmente livre
do carinho não há pesar; logo, de onde surgiria o medo?

214. Ratiyā jāyatī soko, ratiyā jāyatī bhayaṃ,

ratiyā vippamuttassa natthi soko kuto bhayaṃ?

214. Do prazer brota o pesar, do prazer brota o medo. Para quem está totalmente livre
do prazer não há pesar; logo, de onde surgiria o medo?

215. Kāmato jāyatī soko, kāmato jāyatī bhayaṃ,

kāmato vippamuttassa natthi soko kuto bhayaṃ?

215. Da luxúria brota o pesar, da luxúria brota o medo. Para quem está totalmente livre
da luxúria não há pesar; logo, de onde surgiria o medo?

216. Taṇhāya jāyatī soko, taṇhāya jāyatī bhayaṃ,

taṇhāya vippamuttassa natthi soko kuto bhayaṃ?

216. Do desejo brota o pesar, do desejo brota o medo. Para quem está totalmente livre
do desejo não há pesar; logo, de onde surgiria o medo?

217. Sīladassanasampannaṃ dhammaṭṭhaṃ saccavedinaṃ

attano kammakubbānaṃ taṃ jano kurute piyaṃ.

217. As pessoas estimam aqueles que corporificam a virtude e o insight, são íntegros,
realizaram a verdade e fazem o que deveriam fazer.

218. Chandajāto anakkhāte, manasā ca phuṭo siyā,

kāmesu ca appaṭibaddhacitto, uddhaṃsoto ti vuccati.

218. Quem se empenha em prol do Inefável (Nibbāna) e se mantém com a mente


inspirada (pela sabedoria), tal pessoa — não mais aprisionada pelos prazeres sensuais
— é chamada de “aquela que sobe a corrente”.19

219. Cirappavāsiṃ purisaṃ dūrato sotthim āgataṃ,

ñātimittā suhajjā ca, abhinandanti āgataṃ.

219. Quando, após uma longa ausência, alguém retorna à casa com segurança depois de
ter estado longe, seus parentes, amigos e pessoas próximas dão-lhe as boas-vindas.

19
Aquele que sobe a corrente: um tipo específico de “alguém que não retorna” (anāgāmi).

65
220. Tath’eva katapuññam pi asmā lokā paraṃ gataṃ,

puññāni paṭigaṇhanti piyaṃ ñātiṃ va āgataṃ.

220. Como parentes que dão as boas-vindas a uma pessoa querida na sua chegada, suas
próprias boas ações recepcionarão quem praticou o bem quando ele passar deste
mundo para o próximo.

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17

KODHAVAGGA

A Raiva

221. Kodhaṃ jahe vippajaheyya mānaṃ, saññojanaṃ sabbam atikkameyya;

taṃ nāmarūpasmiṃ asajjamānaṃ akiñcanaṃ nānupatanti dukkhā.

221. Deveríamos abandonar a raiva, renunciar ao orgulho e superar todos os grilhões. O


sofrimento nunca recai sobre aquele que não se fixa a corpo e mente e é desapegado.

222. Yo ve uppatitaṃ kodhaṃ rathaṃ bhantaṃ va dhāraye,

tam ahaṃ sārathiṃ brūmi, rasmiggāho itaro jano.

222. Alguém que vigia o surgimento da raiva como um condutor vigia uma carroça em
andamento — tal pessoa é o que chamo de um verdadeiro condutor; os outros apenas
seguram as rédeas.

223. Akkodhena jine kodhaṃ, asādhuṃ sādhunā jine,

jine kadariyaṃ dānena, saccena alikavādinaṃ.

223. Conquiste os raivosos pela não-raiva; conquiste os maus pela bondade; conquiste
os avarentos pela generosidade; conquiste os mentirosos pela verdade.

224. Saccaṃ bhaṇe na kujjheyya, dajjā appasmim pi yācito,

etehi tīhi ṭhānehi gacche devāna santike.

224. Fale a verdade; não dê lugar à raiva; dê o pouco que tem a quem lhe pedir; por meio
dessas três coisas se pode chegar ao reino dos deuses.

225. Ahiṃsakā ye munayo, niccaṃ kāyena saṃvutā,

te yanti accutaṃ ṭhānaṃ, yattha gantvā na socare.

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225. Os sábios que se abstêm da violência e se controlam em nível de corpo alcançam o
estado do imortal, onde não há mais lamento.

226. Sadā jāgaramānānaṃ, ahorattānusikkhinaṃ,

nibbānaṃ adhimuttānaṃ, atthaṃ gacchanti āsavā.

226. Os que se mantêm constantemente vigilantes, disciplinam–se dia e noite, sempre


empenhados na direção do Nibbāna — suas máculas desaparecem.

227. Porāṇam etaṃ Atula n’etaṃ ajjatanām iva,

nindanti tuṇhim āsīnaṃ, nindanti bahubhāṇinaṃ,

mitabhāṇinam pi nindanti, natthi loke anindito.

227. Ó, Atula! De fato, este é um padrão antigo, não é apenas de hoje: culpam aquele
que se mantém em silêncio, culpam aquele que fala demais, culpam aquele que fala
com moderação. Não há ninguém neste mundo que não seja culpado.

228. Na c’āhu na ca bhavissati, na c’etarahi vijjati,

ekantaṃ nindito poso, ekantaṃ vā pasaṃsito.

228. Nunca houve, nunca haverá, nem há no momento presente uma pessoa que seja
totalmente culpável ou totalmente louvável.

229. Yañ ce viññū pasaṃsanti anuvicca suve suve

acchiddavuttiṃ medhāviṃ paññāsīlasamāhitaṃ—

230. Nekkhaṃ jambonadasseva ko taṃ ninditum arahati?

devā pi taṃ pasaṃsanti, Brahmunā pi pasaṃsito.

229-230. Mas a pessoa que os sábios elogiam depois de observá-la dia após dia, a
pessoa de caráter impecável, sábia e dotada de conhecimento e virtude — quem
poderia culpar tal pessoa, tão digna quanto uma moeda de ouro refinado? Até mesmo
os deuses a louvam; por Brahmā, também, ela é louvada.

231. Kāyappakopaṃ rakkheyya, kāyena saṃvuto siyā,

kāyaduccaritaṃ hitvā kāyena sucaritaṃ care.

231. Deveríamos nos proteger da irritabilidade em nível de corpo; deveríamos nos


controlar nas nossas ações. Abandonando a má conduta de corpo, deveríamos praticar
a boa conduta na ação.

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232. Vacīpakopaṃ rakkheyya, vācāya saṃvuto siyā,

vacīduccaritaṃ hitvā vācāya sucaritaṃ care.

232. Deveríamos nos proteger da irritabilidade na fala; deveríamos ser controlados na


fala. Abandonando a má conduta verbal, deveríamos praticar a boa conduta na fala.

233. Manopakopaṃ rakkheyya, manasā saṃvuto siyā,

manoduccaritaṃ hitvā manasā sucaritaṃ care.

233. Deveríamos nos proteger da irritabilidade no pensamento; deveríamos ser


controlados no pensamento. Abandonando a má conduta mental, deveríamos praticar a
boa conduta no pensamento.

234. Kāyena saṃvutā dhīrā atho vācāya saṃvutā

manasā saṃvutā dhīrā te ve suparisaṃvutā.

234. Os sábios são controlados nas ações de corpo, controlados na fala e controlados no
pensamento. Eles são verdadeiramente bem-controlados.

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18

MALAVAGGA

A Impureza

235. Paṇḍupalāso va dāni’si, yamapurisā pi ca tam upaṭṭhitā,

uyyogamukhe ca tiṭṭhasi, pātheyyam pi ca te na vijjati.

235. Agora, você é como uma folha murcha; os mensageiros da morte lhe aguardam.
Você está na véspera da partida, mas não se preparou para a viagem.

236. So karohi dīpam attano, khippaṃ vāyama paṇḍito bhava;

niddhantamalo anaṅgaṇo dibbaṃ ariyabhūmim ehisi.

236. Faça uma ilha para si mesmo! Esforce-se e torne-se sábio. Livre das impurezas e
limpo das máculas, adentrará a morada celestial dos nobres.

237. Upanītavayo va dāni’si, sampayāto’si Yamassa santike,

vāso pi ca te natthi antarā, pātheyyam pi ca te na vijjati.

237. Sua vida agora chegou ao fim; você está se encaminhando para a presença de
Yama, o Rei da Morte. Não há qualquer lugar de descanso no caminho e, ainda assim,
você não se preparou para a viagem!

238. So karohi dīpam attano, khippaṃ vāyama paṇḍito bhava;

niddhantamalo anaṅgaṇo na puna jātijaraṃ upehisi.

238. Faça uma ilha para si mesmo! Empenhe-se a fundo e torne-se sábio! Livre das
impurezas e limpo das máculas, não há de retornar ao renascimento e declínio.

239. Anupubbena medhāvī thokathokaṃ khaṇe khaṇe

kammāro rajatasseva niddhame malam attano.

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239. Uma por uma, pouco a pouco, momento a momento, um sábio deveria remover
suas impurezas tal qual um ferreiro remove as impurezas da prata.

240. Ayasā va malaṃ samuṭṭhitaṃ, taduṭṭhāya tam eva khādati,

evaṃ atidhonacārinaṃ sakakammāni nayanti duggatiṃ.

240. Assim como a ferrugem surgindo do ferro destrói a base sobre a qual ela surgiu,
suas próprias ações encaminham os transgressores a um estado de aflição.

241. Asajjhāyamalā mantā, anuṭṭhānamalā gharā,

malaṃ vaṇṇassa kosajjaṃ, pamādo rakkhato malaṃ.

241. A não repetição é a ruína das escrituras; o descaso é a ruína de um lar; o desleixo é
a ruína da aparência pessoal; a negligência é a ruína de um vigilante.

242. Malitthiyā duccaritaṃ, maccheraṃ dadato malaṃ

malā ve pāpakā dhammā asmiṃ loke paramhi ca.

242. A lascívia é uma mancha em uma mulher; a avareza é uma mancha em quem
oferece. As máculas são verdadeiramente malignas, neste mundo e no próximo.

243. Tato malā malataraṃ avijjā paramaṃ malaṃ,

etaṃ malaṃ pahatvāna nimmalā hotha bhikkhavo.

243. Uma mancha pior do que essas é a ignorância, a pior de todas as manchas.
Destruam esta única mancha e se tornem imaculados, ó monges!

244. Sujīvaṃ ahirikena kākasūrena dhaṃsinā

pakkhandinā pagabbhena saṅkiliṭṭhena jīvitaṃ.

244. Fácil é a vida para o desavergonhado que é tão sem pudor quanto um corvo,
caluniador e atrevido, arrogante e corrupto.

245. Hirīmatā ca dujjīvaṃ niccaṃ sucigavesinā

alīnen’appagabbhena suddhājīvena passatā.

245. Difícil é a vida para o modesto que busca sempre a pureza, que é desapegado e
despretensioso, límpido na vida e sagaz.

246. Yo pāṇam atipāteti, musāvādañ ca bhāsati,

71
loke adinnaṃ ādiyati, paradārañ ca gacchati.

247. Surāmerayapānañ ca yo naro anuyuñjati,

idh’eva-m-eso lokasmiṃ mūlaṃ khaṇati attano.

246-247. Aquele que destrói a vida, fala mentiras, se apropria do que não lhe é dado,
busca a esposa de outro homem e é viciado em bebidas intoxicantes — tal homem
arranca sua própria raiz ainda neste mundo.

248. Evaṃ bho purisa jānāhi: pāpadhammā asaññatā;

mā taṃ lobho adhammo ca ciraṃ dukkhāya randhayuṃ.

248. Saiba disto, bom homem: os que têm mau caráter são descontrolados. Não deixe
que a ganância e a malícia o arrastem a um demorado sofrimento.

249. Dadāti ve yathāsaddhaṃ yathāpasādanaṃ jano,

tattha yo maṅku bhavati paresaṃ pānabhojane,

na so divā vā rattiṃ vā samādhiṃ adhigacchati.

249. As pessoas oferecem de acordo com sua fé, de acordo com sua confiança. Se não
nos contentamos com o alimento e a bebida oferecido pelos outros, não atingimos a
absorção meditativa, seja no dia ou na noite.

250. Yassa c’etaṃ samucchinnaṃ mūlaghaccaṃ samūhataṃ,

sa ve divā vā rattiṃ vā samādhiṃ adhigacchati.

250. Mas aquele em quem tal (descontentamento) é totalmente destruído,


desenraizado e extinto, este atinge a absorção, seja no dia ou na noite.

251. Natthi rāgasamo aggi, natthi dosasamo gaho,

natthi mohasamaṃ jālaṃ, natthi taṇhāsamā nadī.

251. Não há fogo como a luxúria; não há fixação como o ódio; não há rede como a
delusão; não há rio como o desejo.

252. Sudassaṃ vajjaṃ aññesaṃ, attano pana duddasaṃ,

paresaṃ hi so vajjāni, opuṇāti yathābhusaṃ;

attano pana chādeti, kaliṃ va kitavā saṭho.

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252. Facilmente vistas são as faltas dos outros, mas as nossas são difíceis de ver. Como
joio peneiramos as faltas dos outros mas escondemos as nossas próprias, como um
caçador de aves que se esconde atrás de galhos falsos.

253. Paravajjānupassissa, niccaṃ ujjhānasaññino,

āsavā tassa vaḍḍhanti, ārā so āsavakkhayā.

253. Aquele que busca defeitos nos outros, que está sempre a censurar — suas máculas
crescem. Ele está distante da destruição das máculas.

254. Ākāse padaṃ natthi, samaṇo natthi bāhire,

papañcābhiratā pajā, nippapañcā Tathāgatā.

254. Não há rastro no céu, nem recluso externo (ao Ensinamento do Buda). A
humanidade se deleita com o que é mundano, mas os Budas estão livres de todas as
coisas mundanas.20

255. Ākāse padaṃ natthi, samaṇo natthi bāhire,

saṅkhārā sassatā natthi, natthi Buddhānam iñjitaṃ.

255. Não há rastro no céu, nem recluso externo (ao Ensinamento do Buda). Não há
fenômenos condicionados que sejam eternos, e nenhuma instabilidade nos Budas.

20
Recluso (samaṇa): nos versos 254-255 usado no sentido especial de alguém que alcançou os
quatro estágios supramundanos.

73
19

DHAMMATTAVAGGA

O Justo

256. Na tena hoti dhammaṭṭho yen’atthaṃ sahasā naye,

yo ca atthaṃ anatthañ ca ubho niccheyya paṇḍito—

257. Asāhasena dhammena samena nayatī pare,

dhammassa gutto medhāvī dhammaṭṭho ti pavuccati.

256-257. Ao não fazer julgamentos arbitrários tornamo-nos justos. A pessoa sábia que
investiga o certo e o errado, que não julga arbitrariamente os outros, mas emite um
julgamento imparcial baseado na verdade — uma sagaz guardiã da lei — é chamada de
justa.

258. Na tena paṇḍito hoti yāvatā bahu bhāsati,

khemī averī abhayo paṇḍito ti pavuccati.

258. Falar muito não torna uma pessoa sábia. É chamada de sábia a pessoa que é
pacífica, amável e destemida.

259. Na tāvatā dhammadharo yāvatā bahu bhāsati,

yo ca appam pi sutvāna dhammaṃ kāyena passati,

sa ve dhammadharo hoti yo dhammaṃ nappamajjati.

259. Apenas falar muito não torna uma pessoa versada no Dhamma. Alguém que, após
ouvir ainda que somente um pouco do Dhamma, não o negligencie, mas realize em si
mesma a sua verdade é, genuinamente, uma pessoa versada no Dhamma.

260. Na tena thero hoti yen’assa palitaṃ siro,

paripakko vayo tassa moghajiṇṇo ti vuccati.

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260. Um monge não é um ancião porque sua cabeça é grisalha; ele apenas amadureceu
em idade, e se pode dizer que envelheceu em vão.

261. Yamhi saccañ ca dhammo ca ahiṃsā saññamo damo,

sa ve vantamalo dhīro thero iti pavuccati

261. Alguém em quem há verdade e virtude, não-violência, comedimento e


autodomínio, alguém que está livre das contaminações e é sábio — este é
verdadeiramente chamado de ancião.

262. Na vākkaraṇamattena vaññapokkharatāya vā

sādhurūpo naro hoti issukī maccharī saṭho.

262. Não é por mera eloquência nem por beleza física que uma pessoa se torna
refinada, se for invejosa, egoísta e mentirosa.

263. Yassa c’etaṃ samucchinnaṃ mūlaghaccaṃ samūhataṃ,

sa vantadoso medhāvī sādhurūpo ti vuccati.

263. Mas aquele em quem isso foi completamente destruído, desenraizado e extinto, e
que eliminou a imperfeição — é dito que tal pessoa sagaz é refinada.

264. Na muṇḍakena samaṇo abbato alikaṃ bhaṇaṃ;

icchālobhasamāpanno samaṇo kiṃ bhavissati?

264. Não é raspando a cabeça que alguém indisciplinado e desonesto se torna um


recluso. Como alguém repleto de desejo e ganância poderia se tornar um recluso?

265. Yo ca sameti pāpāni aṇuṃ thūlāni sabbaso,

samitattā hi pāpānaṃ samaṇo ti pavuccati.

265. Aquele que subjuga completamente o mal, seja grande ou pequeno, é chamado de
recluso, pois ele superou todo o mal.21

266. Na tena bhikkhu hoti yāvatā bhikkhate pare;

vissaṃ dhammaṃ samādāya bhikkhu hoti na tāvatā.

21
Esta é uma “etimologia edificante” baseada em um jogo de palavras em pāli que não pode ser
satisfatoriamente reproduzido em português.

75
266. Meramente sobreviver das doações de outras pessoas não torna ninguém um
monge. Não é pela adoção de uma forma externa que alguém se torna um verdadeiro
monge.

267. Yo’dha puññañ ca pāpañ ca bāhetvā brahmacariyavā

saṅkhāya loke carati, sa ve bhikkhū ti vuccati.

267. Alguém que vive a vida sagrada e caminha pleno de entendimento neste mundo,
transcendendo o mérito e o demérito — este é verdadeiramente chamado de monge.

268. Na monena munī hoti mūḷharūpo aviddasu;

yo ca tulaṃ va paggayha varam ādāya paṇḍito—

269. Pāpāni parivajjeti, sa munī tena so munī;

yo munāti ubho loke munī tena pavuccati.

268-269. Não é observando o silêncio que alguém se torna um sábio, se for tolo e
ignorante. Mas a pessoa sagaz que, como se segurasse uma balança, aceita somente o
bem e rejeita o mal — esta é verdadeiramente um sábio. Uma vez que compreende
ambos os mundos (o presente e o futuro), ela é chamada de sábio.

270. Na tena ariyo hoti yena pāṇāni hiṃsati;

ahiṃsā sabbapāṇānaṃ ariyo ti pavuccati.

270. Não é um nobre aquele que fere os seres vivos. Ele é chamado de nobre porque é
inofensivo a todos os seres.

271. Na sīlabbatamattena bāhusaccena vā puna

atha vā samādhilābhena viviccasayanena vā—

272. Phusāmi nekkhammasukhaṃ aputhujjanasevitaṃ,

bhikkhu vissāsa māpādi appatto āsavakkhayaṃ.

271-272. Nem com meras regras e observâncias, nem mesmo com muito
conhecimento, nem com o ganho da absorção, nem com uma vida de reclusão, nem
com o pensamento “Desfruto do êxtase da renúncia, que não é experimentado pelos
seres mundanos”, vocês deveriam se contentar, ó monges, enquanto a completa
destruição das máculas não for alcançada.

76
20

MAGGAVAGGA

O Caminho

273. Maggān’aṭṭhaṅgiko seṭṭho, saccānaṃ caturo padā,

virāgo seṭṭho dhammānaṃ, dipadānañ ca cakkhumā.

273. De todos os caminhos, o Caminho Óctuplo é o melhor; de todas as verdades, as


Quatro Nobres Verdades são as melhores; de todas as coisas, a ausência de paixão é a
melhor; de todos os humanos, Aquele que Vê (o Buda) é o melhor.

274. Eso va maggo natth’añño, dassanassa visuddhiyā,

etamhi tumhe paṭipajjatha: mārass’etaṃ pamohanaṃ.

274. Este é o único caminho: não há nenhum outro para a purificação do insight. Trilhe
este caminho e você desnorteará Māra.

275. Etamhi tumhe paṭipannā dukkhass’antaṃ karissatha,

akkhāto ve mayā maggo aññāya sallasanthanaṃ.

275. Trilhando este caminho você trará fim ao sofrimento. Tendo descoberto como
arrancar o espinho do desejo, eu apresento o caminho.

276. Tumhehi kiccaṃ ātappaṃ akkhātāro Tathāgatā;

paṭipannā pamokkhanti jhāyino Mārabandhanā.

276. Vocês próprios devem se empenhar; os Tathāgatas apenas apontam a direção. Os


meditativos que trilham o caminho se libertam dos grilhões de Māra.22

277. Sabbe saṅkhārā aniccā ti yadā paññāya passati,

22
Tathāgata: um epíteto do Buda que significa “Aquele Que Assim Veio” ou “Aquele Que Assim
se Foi”. Os comentários fornecem explicações elaboradas do termo.

77
atha nibbindati dukkhe; esa maggo visuddhiyā.

277. “Todos os fenômenos condicionados são impermanentes” — quando vemos isso


com sabedoria damos as costas ao sofrimento. Este é o caminho para a purificação.

278. Sabbe saṅkhārā dukkhā ti yadā paññāya passati,

atha nibbindati dukkhe; esa maggo visuddhiyā.

278. “Todos os fenômenos condicionados são insatisfatórios" — quando vemos isso


com sabedoria damos as costas ao sofrimento. Este é o caminho para a purificação.

279. Sabbe dhammā anattā ti yadā paññāya passati,

atha nibbindati dukkhe; esa maggo visuddhiyā.

279. “Todos os fenômenos condicionados são desprovidos de um eu" — quando vemos


isso com sabedoria damos as costas ao sofrimento. Este é o caminho para a purificação.

280. Uṭṭhānakālamhi anuṭṭhahāno yuvā balī ālasiyaṃ upeto,

saṃsannasaṅkappamano kusīto paññāya maggaṃ alaso na vindati.

280. O ocioso que não se esforça quando deveria, que embora jovem e forte é tomado
pela preguiça, com uma mente repleta de pensamentos inúteis — tal pessoa indolente
não encontra o caminho para a sabedoria.

281. Vācānurakkhī manasā susaṃvuto, kāyena ca akusalaṃ na kayirā;

ete tayo kammapathe visodhaye ārādhaye maggaṃ isippaveditaṃ.

281. Vigilantes na fala, controlados na mente, não deveríamos cometer nada negativo
com o corpo. Que purifiquemos esses três cursos de ações e conquistemos o caminho
revelado pelo Grande Sábio.

282. Yogā ve jāyatī bhūri ayogā bhūrisaṅkhayo;

etaṃ dvedhāpathaṃ ñatvā bhavāya vibhavāya ca,

tath’attānaṃ niveseyya yathā bhūri pavaḍḍhati.

282. A sabedoria nasce da meditação; sem meditação a sabedoria esmorece. Tendo


conhecido esses dois caminhos de progresso e declínio, deveríamos nos portar de modo
a nutrir a sabedoria.

283. Vanaṃ chindatha mā rukkhaṃ, vanato jāyate bhayaṃ;

78
chetvā vanañ ca vanathañ ca nibbanā hotha bhikkhavo.

283. Derrube a floresta (do desejo), mas não a árvore. Da floresta (do desejo) nasce o
medo. Tendo derrubado a floresta e os arbustos (do desejo), estejam livres da paixão, ó
monges!23

284. Yāva hi vanatho na chijjati aṇumatto pi narassa nārisu

paṭibaddhamano va tāva so vaccho khīrapako va mātari.

284. Enquanto o arbusto do desejo, mesmo o mais sutil, de um homem em relação a


uma mulher não for cortado, sua mente estará presa, como os bezerros que ainda
mamam estão presos à sua mãe.

285. Ucchinda sineham attano kumudaṃ sāradikaṃ va pāṇinā

santimaggam eva brūhaya nibbānaṃ sugatena desitaṃ.

285. Corte sua afeição como alguém que arranca com a mão um lótus do outono. Cultive
somente o caminho para a paz, para o Nibbāna, tal qual revelado pelo Exaltado.

286. Idha vassaṃ vasissāmi idha hemantagimhisu

iti bālo vicinteti antarāyaṃ na bujjhati.

286. “Aqui viverei no período das chuvas, também no inverno e no verão” — assim
pensa o tolo. Ele não percebe o perigo (de que a morte possa intervir).

287. Taṃ puttapasusammattaṃ byāsattamanasaṃ naraṃ

suttaṃ gāmaṃ mahogho va maccu ādāya gacchati.

287. Da mesma forma como uma grande enxurrada arrasta um vilarejo adormecido, a
Morte se apossa e carrega a pessoa de mente fixada, que mima seus filhos e gado.

288. Na santi puttā tāṇāya na pitā n’āpi bandhavā,

antakenādhipannassa natthi ñātīsu tāṇatā.

288. Para aquele que é assolado pelo Destruidor, os parentes não podem oferecer
qualquer proteção. Não há ninguém capaz de salvá-lo — nem filhos, nem pais, nem
familiares.

289. Etam atthavasaṃ ñatvā paṇḍito sīlasaṃvuto

23
O significado deste trecho é: “Derrubem a floresta do desejo, mas não mortifiquem o corpo”.

79
nibbānagamanaṃ maggaṃ khippam eva visodhaye.

289. Compreendendo isso, que a pessoa sábia, comedida pela moralidade, apresse-se
para purificar o caminho que conduz ao Nibbāna.

80
21

PAKIṆṆAKAVAGGA

Miscelânea

290. Mattāsukhapariccāgā passe ce vipulaṃ sukhaṃ,

caje mattāsukhaṃ dhīro sampassaṃ vipulaṃ sukhaṃ.

290. Se renunciando a uma felicidade menor realizamos uma felicidade mais vasta, que
a pessoa sábia renuncie à felicidade menor, tendo em vista a felicidade mais vasta.

291. Paradukkhūpadānena attano sukham icchati,

verasaṃsaggasaṃsaṭṭho verā so na parimuccati.

291. Alguém que busca sua felicidade causando dor aos outros, enredado nas amarras
do ódio, nunca se libertará do ódio.

292. Yaṃ hi kiccaṃ tadapaviddhaṃ, akiccaṃ pana kayirati;

unnaḷānaṃ pamattānaṃ tesaṃ vaḍḍhanti āsavā.

292. Para aqueles que são arrogantes e negligentes, que não fazem o que deveriam
fazer, mas fazem o que não deveriam — para eles, as máculas apenas crescem.

293. Yesañ ca susamāraddhā niccaṃ kāyagatā sati,

akiccaṃ te na sevanti kicce sātaccakārino,

satānaṃ sampajānānaṃ atthaṃ gacchanti āsavā.

293. Aqueles que sempre praticam ardentemente a atenção plena do corpo, que não
cedem ao que não deve ser feito e firmemente se dedicam ao que deve ser feito, atentos
e claramente discernidores — suas máculas chegam ao fim.

294. Mātaraṃ pitaraṃ hantvā rājāno dve ca khattiye

raṭṭhaṃ sānucaraṃ hantvā anīgho yāti brāhmaṇo.

81
294. Tendo matado a mãe (o desejo), o pai (o orgulho do ego), dois reis guerreiros
(eternalismo e niilismo), e tendo destruído um país (os órgãos e objetos sensoriais),
junto com seu tesoureiro (o apego e a luxúria), livre de tristezas move-se o sábio.

295. Mātaraṃ pitaraṃ hantvā rājāno dve ca sotthiye

veyyagghapañcamaṃ hantvā anīgho yāti brāhmaṇo.

295. Tendo matado a mãe, o pai, dois reis brâmanes (as duas visões de extremos), e em
quinto lugar um tigre (os cinco obstáculos mentais), livre de tristezas move-se o sábio.

296. Suppabuddhaṃ pabujjhanti sadā Gotamasāvakā,

yesaṃ divā ca ratto ca niccaṃ Buddhagatā sati.

296. Despertam sempre felizes os discípulos de Gotama que praticam dia e noite,
constantemente, a recordação do Buda.

297. Suppabuddhaṃ pabujjhanti sadā Gotamasāvakā,

yesaṃ divā ca ratto ca niccaṃ dhammagatā sati.

297. Despertam sempre felizes os discípulos de Gotama que praticam dia e noite,
constantemente, a recordação do Dhamma.

298. Suppabuddhaṃ pabujjhanti sadā Gotamasāvakā,

yesaṃ divā ca ratto ca niccaṃ saṅghagatā sati.

298. Despertam sempre felizes os discípulos de Gotama que praticam dia e noite,
constantemente, a recordação da Sangha.

299. Suppabuddhaṃ pabujjhanti sadā Gotamasāvakā,

yesaṃ divā ca ratto ca niccaṃ kāyagatā sati.

299. Despertam sempre felizes os discípulos de Gotama que praticam dia e noite,
constantemente, a atenção plena do corpo.

300. Suppabuddhaṃ pabujjhanti sadā Gotamasāvakā,

yesaṃ divā ca ratto ca ahiṃsāya rato mano.

300. Despertam sempre felizes os discípulos de Gotama cujas mentes se deleitam dia e
noite, constantemente, na prática da não-violência.

82
301. Suppabuddhaṃ pabujjhanti sadā Gotamasāvakā,

yesaṃ divā ca ratto ca bhāvanāya rato mano.

301. Despertam sempre felizes os discípulos de Gotama cujas mentes se deleitam dia e
noite, constantemente, na prática da meditação.

302. Duppabbajjaṃ durabhiramaṃ, durāvāsā gharā dukhā,

dukkho’samānasaṃvāso, dukkhānupatit’addhagū;

tasmā na c’addhagū siyā, dukkhānupatito siyā.

302. Difícil é a vida como um monge, difícil é se deleitar desse modo. Também difícil e
dolorosa é a vida familiar. O sofrimento brota da associação com os desiguais, o
sofrimento brota do vaguear sem rumo (pelo saṃsāra). Portanto, não seja um
vagueante sem rumo, alguém que busca o sofrimento.

303. Saddho sīlena sampanno yasobhogasamappito

yaṃ yaṃ padesaṃ bhajati tattha tatth’eva pūjito.

303. Aquele que é pleno de fé e virtude e possui boa reputação e riqueza — ele é
respeitado em todos os lugares, em qualquer terra para a qual viaje.

304. Dūre santo pakāsenti Himavanto va pabbato,

asant’ettha na dissanti rattikhittā yathā sarā.

304. Os bons brilham de longe, como as montanhas do Himalaia. Mas os maus são
invisíveis, como flechas disparadas à noite.

305. Ekāsanaṃ ekaseyyaṃ eko caram atandito

eko damayaṃ attānaṃ vanante ramito siyā.

305. Aquele que se senta sozinho, dorme sozinho, caminha sozinho, que é incansável e
subjuga a si mesmo sozinho encontrará prazer na solidão da floresta.

83
22

NIRAYAVAGGA

O Inferno

306. Abhūtavādī nirayaṃ upeti yo vā pi katvā na karomī ti c’āha;

ubho pi te pecca samā bhavanti nihīnakammā manujā parattha.

306. O falso acusador vai para o inferno, bem como quem, tendo agido (errado), diz “eu
não fiz isso”. Ambas essas pessoas de ações vis, ao partir, compartilham do mesmo
destino no outro mundo.24

307. Kāsāvakaṇṭhā bahavo pāpadhammā asaññatā

pāpā pāpehi kammehi nirayaṃ te upapajjare.

307. Existem muitos homens descontrolados de propensões negativas vestindo o


manto amarelo. Esses maus homens renascerão no inferno devido às suas ações
negativas.

308. Seyyo ayoguḷo bhutto tatto aggisikhūpamo,

yañ ce bhuñjeyya dussīlo raṭṭhapiṇḍaṃ asaññato.

308. Seria melhor engolir uma bola de ferro em brasa, ardendo como fogo, do que,
enquanto um monge imoral e sem controle, alimentar-se das oferendas das pessoas.

309. Cattāri ṭhānāni naro pamatto āpajjati paradārūpasevī:

apuññalābhaṃ, na nikāmaseyyaṃ, nindaṃ tatīyaṃ, nirayaṃ catutthaṃ.

309. Quatro infortúnios recaem sobre o homem negligente que se envolve com a esposa
de outro homem: acúmulo de demérito, sono perturbado, má reputação e
(renascimento no) inferno.

24
Falso acusador (abhūtavādī): o comentário explica como “alguém que, sem ter visto qualquer
falta no outro, prejudica-o ao proclamar algo falso sem nenhum embasamento”.

84
310. Apuññalābho ca gatī ca pāpikā, bhītassa bhītāya ratī ca thokikā,

rājā ca daṇḍaṃ garukaṃ paṇeti, tasmā naro paradāraṃ na seve.

310. Tal homem adquire demérito e um renascimento infeliz no futuro. Breve é o prazer
do homem e mulher assustados, e o rei impõe pesadas punições. Assim, que nenhum
homem se envolva com a esposa de outro.

311. Kuso yathā duggahīto hattham ev’ānukantati,

sāmaññaṃ dupparāmaṭṭhaṃ nirayāy’ūpakaḍḍhati.

311. Assim como a grama kusa, quando manuseada de forma inadequada, corta a mão, a
vida de reclusão, se vivida de forma inadequada, arrasta-nos para o inferno.

312. Yaṃ kiñci sithilaṃ kammaṃ saṅkiliṭṭhañ ca yaṃ vataṃ

saṅkassaraṃ brahmacariyaṃ na taṃ hoti mahapphalaṃ.

312. Atos levianos, observâncias corrompidas, vidas de celibato questionável — nada


disso rende muitos frutos.

313. Kayirā ce kayirāth’enaṃ daḷham enaṃ parakkame;

sithilo hi paribbājo bhiyyo ākirate rajaṃ.

313. Se há de se fazer qualquer coisa, que seja feita com energia sustentada. Uma vida
monástica desleixada agita ainda mais a poeira das paixões.

314. Akataṃ dukkaṭaṃ seyyo, pacchā tappati dukkaṭaṃ,

katañ ca sukataṃ seyyo yaṃ katvā nānutappati.

314. Uma ação negativa é melhor quando não realizada, pois tal ação nos atormentará
no futuro. Mas uma ação positiva é melhor quando realizada, pois dela não nos
arrependeremos.

315. Nagaraṃ yathā paccantaṃ guttaṃ santarabāhiraṃ,

evaṃ gopetha attānaṃ khaṇo ve mā upaccagā;

khaṇātītā hi socanti nirayamhi samappitā.

315. Proteja-se atentamente como uma cidade amuralhada, tanto interna quanto
externamente. Não deixe escapar esta oportunidade (de crescimento espiritual).
Aqueles que a deixam escapar se lamentam quando vão para o inferno.

85
316. Alajjitāye lajjanti, lajjitāye na lajjare,

micchādiṭṭhisamādānā sattā gacchanti duggatiṃ.

316. Aqueles que têm vergonha do que não deveriam ter, e não têm vergonha do que
deveriam ter — sustentando visões errôneas, tais pessoas se encaminham a um estado
de aflição.

317. Abhaye bhayadassino, bhaye c’ābhayadassino,

micchādiṭṭhisamādānā sattā gacchanti duggatiṃ.

317. Aqueles que veem algo do que temer onde não há nada a ser temido, e que não
veem nada do que temer onde há algo a ser temido — sustentando visões errôneas, tais
pessoas se encaminham a um estado de aflição.

318. Avajje vajjamatino, vajje c’āvajjadassino,

micchādiṭṭhisamādānā sattā gacchanti duggatiṃ.

318. Aqueles que veem faltas onde não há, e não veem faltas onde há — sustentando
visões errôneas, tais pessoas se encaminham a um estado de aflição.

319. Vajjañ ca vajjato ñatvā, avajjañ ca avajjato,

sammādiṭṭhisamādānā sattā gacchanti suggatiṃ.

319. Sabendo que uma falta é uma falta e que não há falta onde não há falta —
sustentando visões corretas, tais pessoas se encaminham a um reino de felicidade.

86
23

NĀGAVAGGA

O Elefante

Ahaṃ nāgo va saṅgāme cāpāto patitaṃ saraṃ

ativākyaṃ titikkhissaṃ; dussīlo hi bahujjano.

320. Como um elefante em batalha, que suporta tiros de flecha disparados de todas as
direções, da mesma forma aguentarei o abuso. Há muitos, de fato, que carecem de
moralidade.

321. Dantaṃ nayanti samitiṃ, dantaṃ rājā’bhirūhati,

danto seṭṭho manussesu yo’tivākyaṃ titikkhati.

321. Um elefante domado pode ser conduzido até uma multidão, e o rei monta sobre tal
elefante. Igualmente, o melhor dentre os humanos é o que subjugou a si mesmo e
suporta todo abuso.

322. Varam assatarā dantā, ājānīyā ca sindhavā,

kuñjarā ca mahānāgā, attadanto tato varaṃ.

322. Excelentes são as mulas bem-treinadas, os cavalos Sindhu de sangue puro e os


nobres elefantes com presas. Contudo, melhor ainda é alguém que subjugou a si
mesmo.

323. Na hi etehi yānehi gaccheyya agataṃ disaṃ,

yathā’ttanā sudantena danto dantena gacchati.

323. Não é por meio dessas montarias, no entanto, que se chega à terra jamais pisada
(Nibbāna), pois alguém que domou a si mesmo a alcança por meio de sua própria
mente domada e sob controle.

87
324. Dhanapālako nāma kuñjaro kaṭukappabhedano dunnivārayo;

baddho kabalaṃ na bhuñjati, sumarati nāgavanassa kuñjaro.

324. Vertendo um líquido acre durante o cio, o elefante com presas chamado
Dhanapālaka é incontrolável. Mantido em cativeiro, ele não toca em nenhuma comida,
mas apenas traz à lembrança, saudosamente, a floresta dos elefantes.

325. Middhī yadā hoti mahagghaso ca niddāyitā samparivattasāyī

mahāvarāho va nivāpapuṭṭho punappunaṃ gabbham upeti mando.

325. Quando alguém é moroso e guloso, preguiçoso, rolando na cama como um porco
gordo — esse preguiçoso está sujeito ao contínuo renascimento.

326. Idaṃ pure cittam acāri cārikaṃ yen’icchakaṃ yatthakāmaṃ yathāsukhaṃ,

Tad ajj’ahaṃ niggahessāmi yoniso hatthippabhinnaṃ viya aṅkusaggaho.

326. No passado, essa mente vagueava como bem queria, por onde desejava, segundo o
seu próprio prazer. Mas, agora, dominarei-a completamente com a sabedoria, tal qual
um mahout controla um elefante no cio.

327. Appamādaratā hotha, sacittam anurakkhatha,

duggā uddharath’attānaṃ paṅke sanno va kuñjaro.

327. Deleite-se na diligência! Proteja bem a sua mente. Retire-se deste pantano de
negatividades tal qual um elefante retira a si mesmo da lama.

328. Sace labhetha nipakaṃ sahāyaṃ saddhiñcaraṃ sādhuvihāridhīraṃ,

abhibhuyya sabbāni parissayāni careyya ten’attamano satīmā.

328. Se encontrar a companhia de um amigo sábio e prudente, que leva uma boa vida,
você deveria superar todos os obstáculos e nutrir essa companhia, com alegria e plena
atenção.

329. No ce labhetha nipakaṃ sahāyaṃ saddhiñcaraṃ sādhuvihāridhīraṃ,

rājā va raṭṭhaṃ vijitaṃ pahāya eko care mātaṅgaraññe va nāgo.

329. Mas se não for capaz de encontrar a companhia de um amigo sábio e prudente que
leva uma boa vida, então, como um rei que deixa para trás um reino conquistado ou
como um elefante solitário na floresta, você deveria seguir seu caminho sozinho.

330. Ekassa caritaṃ seyyo natthi bāle sahāyatā,

88
eko care na ca pāpāni kayirā appossukko mātaṅgaraññe va nāgo.

330. É melhor viver solitário, pois um tolo não oferece companhia. Viva sozinho e não
faça nenhum mal; viva despreocupado como um elefante na floresta.

331. Atthamhi jātamhi sukhā sahāyā, tuṭṭhī sukhā yā itarītarena,

puññaṃ sukhaṃ jīvitasaṅkhayamhi, sabbassa dukkhassa sukhaṃ pahānaṃ.

331. Abençoados são os amigos quando surge a necessidade; abençoado é o


contentamento com aquilo que temos; abençoado é o mérito quando a vida chega ao
fim; e abençoado é o abandono de todo sofrimento.

332. Sukhā matteyyatā loke atho petteyyatā sukhā

sukhā sāmaññatā loke atho brahmaññatā sukhā.

332. Abençoado é o serviço à nossa mãe; abençoado é o serviço ao nosso pai; abençoado
é o serviço aos monges; e abençoado é o serviço ao homem sagrado.

333. Sukhaṃ yāva jarā sīlaṃ sukhā saddhā patiṭṭhitā

sukho paññāya paṭilābho pāpānaṃ akaraṇaṃ sukhaṃ.

333. Abençoada é a virtude até o fim da vida; abençoada é a fé que é inabalável;


abençoada é a conquista da sabedoria; e abençoada é a rejeição de todo mal.

89
24

TAṆHĀVAGGA

O Desejo

334. Manujassa pamattacārino taṇhā vaḍḍhati māluvā viya,

so plavati hurāhuraṃ phalam icchaṃ va vanasmiṃ vānaro.

334. O desejo de uma pessoa propensa à vida negligente cresce como uma trepadeira.
Como um macaco procurando frutas na floresta, ela salta de uma vida à outra
(saboreando o fruto do seu kamma).

335. Yaṃ esā sahate jammī taṅhā loke visattikā

sokā tassa pavaḍḍhanti abhivaṭṭhaṃ va bīraṇaṃ.

335. Quem quer que seja sobrepujado por esse desejo deplorável e pegajoso — suas
tristezas crescem como a grama bīraṇa depois das chuvas.

336. Yo c’etaṃ sahate jammiṃ taṇhaṃ loke duraccayaṃ

sokā tamhā papatanti udabindū va pokkharā.

336. Mas quem quer que sobrepuje esse desejo deplorável, tão difícil de sobrepujar —
dessa pessoa as tristezas caem como a água caindo da folha de lótus.

337. Taṃ vo vadāmi bhaddaṃ vo, yāvant’ettha samāgatā,

taṇhāya mūlaṃ khaṇatha usīrattho va bīraṇaṃ;

mā vo naḷaṃ va soto va Māro bhañji punappunaṃ.

337. Isto eu digo a vocês: Boa sorte a todos reunidos aqui! Arranquem a raiz do desejo
como alguém que procura as perfumadas raízes da grama bīraṇa. Não deixem que Māra
os derrube de novo e de novo, como uma enchente derruba o junco.

338. Yathāpi mūle anupaddave daḷhe chinno pi rukkho punar eva rūhati,

90
evam pi taṇhānusaye anūhate nibbattatī dukkham idaṃ punappunaṃ.

338. Assim como uma árvore que, embora cortada, brota de novo se suas raízes
permanecerem intactas e firmes, até que a raiz do desejo que jaz adormecido seja
arrancada, esse sofrimento brotará de novo e de novo.

339. Yassa chattiṃsatī sotā manāpasavanā bhusā

vāhā vahanti duddiṭṭhiṃ saṅkappā rāganissitā.

339. A pessoa desorientada, em quem as trinta e seis correntes do desejo precipitam-se


com força em direção aos objetos do prazer, é arrastada pela enchente dos
pensamentos passionais.25

340. Savanti sabbadhī sotā, latā ubbhijja tiṭṭhati,

tañ ca disvā lataṃ jātaṃ mūlaṃ paññāya chindatha.

340. Por todo lugar essas correntes fluem, e a trepadeira (do desejo) brota e amadurece.
Vendo que a trepadeira brotou, corte sua raiz com a sabedoria.

341. Saritāni sinehitāni ca somanassāni bhavanti jantuno,

te sātasitā sukhesino te ve jātijarūpagā narā.

341. Fluindo (desde todos os objetos) e regadas pelo desejo, as sensações de prazer
surgem nos seres. Curvando-se ao prazer e buscando a satisfação, essas pessoas caem
na armadilha do nascimento e declínio.

342. Tasiṇāya purakkhatā pajā parisappanti saso va bandhito,

saññojanasaṅgasattakā dukkham upenti punappunaṃ cirāya.

342. Assoladas pelo desejo, as pessoas correm em círculos como uma lebre
armadilhada. Presas pelos grilhões mentais, elas encontram o sofrimento de novo e de
novo por um longo tempo.

343. Tasiṇāya purakkhatā pajā parisappanti saso va bandhito,

tasmā tasiṇaṃ vinodaye ākaṅkhanta virāgam attano.

343. Assoladas pelo desejo, as pessoas correm em círculos como uma lebre
armadilhada. Portanto, alguém que anseia por se libertar das paixões deve destruir seu
próprio desejo.

25
As trinta e seis correntes do desejo: os três desejos — por prazer sensual, pela existência
continuada e por aniquilação — em relação a cada uma das doze bases dos sentidos: os seis
órgãos dos sentidos, incluindo a mente, e seus objetos correspondentes.

91
344. Yo nibbanatho vanādhimutto vanamutto vanam eva dhāvati,

taṃ puggalam etha passatha, mutto bandhanam eva dhāvati.

344. Há quem dê as costas à floresta (do desejo), empenhando-se na vida da floresta


(como um monge). Mas após se libertar da floresta (do desejo), retorne a essa mesma
floresta. Venha, observe essa pessoa! Embora liberada, ela corre de volta para a
prisão.26

345. Na taṃ daḷhaṃ bandhanam āhu dhīrā yad āyasaṃ dārujaṃ babbajañ ca;

sārattarattā maṇikuṇḍalesu, puttesu dāresu ca yā apekkhā—

346. Etaṃ daḷhaṃ bandhanam āhu dhīrā ohārinaṃ sithilaṃ duppamuñcaṃ;

etam pi chetvāna paribbajanti anapekkhino kāmasukhaṃ pahāya.

345-346. Não é forte o grilhão, dizem os sábios, feito de ferro, madeira ou cânhamo.
Mas a obsessão e anseio por joias e ornamentos, por filhos e esposas — esse, dizem os
sábios, é um grilhão muito mais forte, que nos arrasta para baixo e que, embora
aparentemente frouxo, é difícil de remover. Esse também os sábios cortam.
Abandonando os prazeres sensuais e sem nenhum anseio, eles renunciam ao mundo.

347. Ye rāgarattānupatanti sotaṃ sayaṃkataṃ makkaṭako va jālaṃ,

etampi chetvāna vajanti dhīrā anapekkhino sabbadukkhaṃ pahāya.

347. Aqueles que estão intoxicados pela luxúria caem de volta no turbilhão (do saṃsāra)
tal qual uma aranha na teia que ela mesma fiou. Isso também os sábios cortam. Sem
nenhum anseio, eles abandonam todo sofrimento e renunciam ao mundo.

348. Muñca pure muñca pacchato majjhe muñca bhavassa pāragū,

sabbattha vimuttamānaso na puna jātijaraṃ upehisi.

348. Solte o passado, solte o futuro, solte o presente e atravesse para a outra margem
da existência. Com a mente totalmente liberada, você não mais regressará ao
nascimento e declínio.

349. Vitakkapamathitassa jantuno tibbarāgassa subhānupassino

bhiyyo taṇhā pavaḍḍhati, esa kho daḷhaṃ karoti bandhanaṃ.

26
Este verso, no original, brinca com o termo Pāli “vana”, que significa tanto “desejo” quanto
“floresta”. De acordo com o comentário, este verso foi enunciado em referência a um monge
desertor.

92
349. O desejo de uma pessoa atormentada por pensamentos negativos, dominada pela
paixão e propensa à busca do prazer cresce constantemente. Ela torna o grilhão ainda
mais forte.

350. Vitakkūpasame ca yo rato asubhaṃ bhāvayati sadā sato,

esa kho vyantikāhiti, esa checchati Mārabandhanaṃ.

350. Aquele que se deleita em subjugar pensamentos negativos, que medita sobre as
impurezas e é sempre atento — é ele que vai chegar ao fim do desejo e quebrar em
pedaços o grilhão de Māra.

351. Niṭṭhaṅgato asantāsī vītataṇho anaṅgaṇo

acchindi bhavasallāni antimo’yaṃ samussayo.

351. Aquele que atingiu o objetivo, destemido, livre do desejo, imaculado, tendo
arrancado os espinhos da existência — para ele, este é o último corpo.

352. Vītataṇho anādāno niruttipadakovido

akkharānaṃ sannipātaṃ jaññā pubbāparāni ca,

sa ve antimasārīro mahāpañño mahāpuriso ti vuccati.

352. Aquele que está livre de desejo e apego, que desvela com perfeição o verdadeiro
significado do Ensinamento, e que conhece a organização dos textos sagrados na
sequência correta — este, de fato, é o detentor de seu último corpo. Ele é
verdadeiramente chamado de profundamente sábio, um homem excelente.

353. Sabbābhibhū sabbavidū’ham asmi sabbesu dhammesu anūpalitto

sabbañjaho taṇhakkhaye vimutto, sayaṃ abhiññāya kam uddiseyyaṃ?

353. Vitorioso sobre todas as coisas eu sou, conhecedor de tudo, ainda assim,
desapegado permaneço perante tudo o que foi conquistado e conhecido. Abandonando
tudo, sou liberado por meio da destruição do desejo. Tendo, desse modo, compreendido
tudo por conta própria, quem devo chamar de professor?27

354. Sabbadānaṃ dhammadānaṃ jināti, sabbaṃ rasaṃ dhammaraso jināti,

sabbaṃ ratiṃ dhammaratī jināti, taṇhakkhayo sabbadukkhaṃ jināti.

27
Esta foi a resposta do Buda a um asceta andarilho que perguntou quem era seu professor. O
retorno do Buda demonstra que a sua Iluminação foi uma descoberta própria e singular, que ele
não aprendeu com ninguém.

93
354. A dádiva do Dhamma excede todas as dádivas; o sabor do Dhamma excede todos os
sabores; o deleite no Dhamma excede todos os deleites; o liberto dos desejos subjuga
todo sofrimento.

355. Hananti bhogā dummedhaṃ no ca pāragavesino

bhogataṇhāya dummedho hanti aññe va attanaṃ.

355. A riqueza leva o tolo à ruína, mas não aqueles que buscam o que está Além. Ao
desejar riquezas, a pessoa ignorante arruína a si mesma e aos outros.

356. Tiṇadosāni khettāni, rāgadosā ayaṃ pajā,

tasmā hi vītarāgesu dinnaṃ hoti mahapphalaṃ.

356. As ervas daninhas são a perdição das lavouras, a luxúria é a perdição da


humanidade. Portanto, o que é oferecido aos que estão livres da luxúria resulta em
abundantes frutos.

357. Tiṇadosāni khettāni, dosadosā ayaṃ pajā,

tasmā hi vītadosesu dinnaṃ hoti mahapphalaṃ.

357. As ervas daninhas são a perdição das lavouras, o ódio é a perdição da humanidade.
Portanto, o que é oferecido aos que estão livres do ódio resulta em abundantes frutos.

358. Tiṇadosāni khettāni, mohadosā ayaṃ pajā,

tasmā hi vītamohesu dinnaṃ hoti mahapphalaṃ.

358. As ervas daninhas são a perdição das lavouras, a delusão é a perdição da


humanidade. Portanto, o que é oferecido aos que estão livres da delusão resulta em
abundantes frutos.

359. Tiṇadosāni khettāni, icchādosā ayaṃ pajā,

tasmā hi vigaticchesu dinnaṃ hoti mahapphalaṃ.

359. As ervas daninhas são a perdição das lavouras, o desejo é a perdição da


humanidade. Portanto, o que é oferecido aos que estão livres do desejo resulta em
abundantes frutos.

94
25

BHIKKHUVAGGA

O Monge

360. Cakkhunā saṃvaro sādhu, sādhu sotena saṃvaro,

ghānena saṃvaro sādhu, sādhu jivhāya saṃvaro.

360. Bom é o comedimento em relação ao olho; bom é o comedimento em relação ao


ouvido, bom é o comedimento em relação ao nariz; bom é o comedimento em relação à
língua.

361. Kāyena saṃvaro sādhu, sādhu vācāya saṃvaro,

manasā saṃvaro sādhu, sādhu sabbattha saṃvaro;

sabbattha saṃvuto bhikkhu sabbadukkhā pamuccati.

361. Bom é o comedimento em relação ao corpo; bom é o comedimento em relação à


fala, bom é o comedimento em relação ao pensamento. O comedimento é bom em todos
os lugares. O monge que é comedido de todas as formas se liberta do sofrimento.

362. Hatthasaññato pādasaññato vācāya saññato saññatuttamo

ajjhattarato samāhito eko santusito tam āhu bhikkhuṃ.

362. Aquele que tem controle sobre suas mãos, pés e língua, que é totalmente
controlado, delicia-se na meditação, tem absorção interior, é reservado e tem
contentamento — é ele que as pessoas chamam de monge.

363. Yo mukhasaññato bhikkhu mantabhāṇī anuddhato

atthaṃ dhammañ ca dīpeti, madhuraṃ tassa bhāsitaṃ.

363. O monge que tem controle sobre sua língua, é moderado na fala, despretensioso e
explica o ensinamento tanto na palavra quanto no espírito — o que quer que ele diga é
agradável.

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364. Dhammārāmo dhammarato dhammaṃ anuvicintayaṃ

dhammaṃ anussaraṃ bhikkhu saddhammā na parihāyati.

364. O monge que repousa no Dhamma, delicia-se com o Dhamma, medita sobre o
Dhamma e sustenta o Dhamma em nível de mente — ele não se afasta do Dhamma
sublime.

365. Salābhaṃ nātimaññeyya, nāññesaṃ pihayaṃ care;

aññesaṃ pihayaṃ bhikkhu samādhiṃ nādhigacchati.

365. Não deveríamos desprezar o que recebemos, nem invejar as conquistas dos outros.
O monge que inveja as conquistas dos outros não atinge a absorção meditativa.

366. Appalābho pi ce bhikkhu salābhaṃ nātimaññati,

taṃ ve devā pasaṃsanti suddhājīviṃ atanditaṃ.

366. Se um monge não desprezar o que recebeu, ainda que seja pouco, se ele tiver um
modo de vida puro e for incansável no seu esforço, até mesmo os deuses o louvarão.

367. Sabbaso nāmarūpasmiṃ yassa natthi mamāyitaṃ,

asatā ca na socati, sa ve bhikkhū ti vuccati.

367. Aquele que não tem absolutamente nenhum apego a mente e corpo, que não
lamenta pelo que não possui— este é verdadeiramente chamado de monge.

368. Mettāvihārī yo bhikkhu pasanno Buddhasāsane

adhigacche padaṃ santaṃ saṅkhārūpasamaṃ sukhaṃ.

368. O monge que repousa no amor universal e é profundamente devoto ao


Ensinamento dos Budas atinge a paz do Nibbāna, o êxtase da cessação dos fenômenos
condicionados.

369. Siñca bhikkhu imaṃ nāvaṃ, sittā te lahum essati,

chetvā rāgañ ca dosañ ca tato nibbānam ehisi.

369. Esvazie este barco, ó monge! Vazio, ele navegará com leveza. Tendo cortado o
desejo e o ódio, você alcançará o Nibbāna.

370. Pañca chinde pañca jahe, pañca c’uttari bhāvaye;

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pañcasaṅgātigo bhikkhu oghatiṇṇo ti vuccati.

370. Corte os cinco, abandone os cinco e cultive os cinco. O monge que superou as cinco
prisões é chamado de aquele que atravessou a enchente.28

371. Jhāya bhikkhu mā ca pamādo, mā te kāmaguṇe bhamassu cittaṃ,

mā lohaguḷaṃ gilī pamatto, mā kandi ‘dukkham idan’ ti ḍayhamāno.

371. Medite, ó monge! Não seja negligente. Não deixe a sua mente se perder no
turbilhão dos prazeres sensuais. Negligente, não engula uma bola de ferro em brasa,
senão chorará quando ela queimar: “Ó, como é doloroso!”

372. Natthi jhānaṃ apaññassa, paññā natthi ajjhāyato,

yamhi jhānañ ca paññā ca sa ve nibbānasantike.

372. Não há concentração meditativa para quem carece de sabedoria, e não há


sabedoria para quem carece de concentração meditativa. Aquele em quem estão
presentes ambas a concentração meditativa e a sabedoria está, de fato, próximo do
Nibbāna.

373. Suññāgāraṃ paviṭṭhassa santacittassa bhikkhuno,

amānusī ratī hoti sammā dhammaṃ vipassato.

373. Quando um monge que se retirou para uma morada solitária e acalmou sua mente
compreende o Dhamma com insight, surge nele um deleite que transcende todos os
deleites humanos.

374. Yato yato sammasati khandhānaṃ udayabbayaṃ,

labhatī pītipāmojjaṃ, amataṃ taṃ vijānataṃ.

374. Sempre que vê com insight o surgimendo e declínio dos agregados, ele se enche de
alegria e felicidade. Para o que tem discernimento, isso reflete o Imortal.

375. Tatrāyam ādi bhavati idha paññassa bhikkhuno,

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Os cinco a serem cortados são os cinco “grilhões inferiores”: autoilusão, dúvida, crença em
ritos e rituais, desejo e má vontade. Os cinco a serem abandonados são os cinco “grilhões
superiores”: desejo pelos reinos divinos da forma, desejo pelos reinos da não forma, orgulho,
inquietação e ignorância. Aqueles que adentraram a corrente e os que retornarão uma vez
cortaram os três primeiros grilhões, os que não retornam cortaram os cinco primeiros, e os
arahats todos os dez. Os cinco a serem cultivados são as cinco faculdades espirituais: fé, energia,
atenção plena, concentração e sabedoria. As cinco prisões são avareza, ódio, delusão, visões
falsas e orgulho.

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indriyagutti santuṭṭhi, pātimokkhe ca saṃvaro.

375. Controle sobre os sentidos, contentamento, comedimento segundo o código


monástico de disciplina — isso forma a base da vida sagrada para o monge sábio.

376. Mitte bhajassu kalyāṇe, suddhājīve atandite,

paṭisanthāravutyassa, ācārakusalo siyā,

tato pāmojjabahulo dukkhass’antaṃ karissati.

376. Que ele se associe a amigos que são nobres, energéticos e puros em sua vida; que
ele seja cordial e polido em sua conduta. Desse modo, pleno de alegria, ele alcançará o
fim do sofrimento.

377. Vassikā viya pupphāni maddavāni pamuñcati,

evaṃ rāgañ ca dosañ ca vippamuñcetha bhikkhavo.

377. Assim como a trepadeira jasmim solta suas flores secas, ó monges, vocês deveriam
soltar totalmente o desejo e o ódio.

378. Santakāyo santavāco santavā susamāhito

vantalokāmiso bhikkhu upasanto ti vuccati.

378. O monge que é calmo em corpo, calmo em fala, calmo em pensamento, bem
portado e que renunciou à vida mundana — ele é, verdadeiramente, chamado de
sereno.

379. Attanā coday’attānaṃ, paṭimaṃsetha attanā,

so attagutto satimā sukhaṃ bhikkhu vihāhisi.

379. Devemos, nós mesmos, nos censurarmos e examinarmos. O monge que se protege
e é atento sempre viverá em felicidade.

380. Attā hi attano nātho, attā hi attano gati,

tasmā saññamay’attānaṃ assaṃ bhadraṃ va vāṇijo.

380. Somos realmente nosso próprio protetor; somos realmente nosso próprio refúgio.
Portanto, deveríamos nos controlar tal qual um comerciante controla um nobre corcel.

381. Pāmojjabahulo bhikkhu pasanno Buddhasāsane

adhigacche padaṃ santaṃ saṅkhārūpasamaṃ sukhaṃ.

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381. Pleno de alegria, pleno de fé no Ensinamento do Buda, o monge atinge o estado da
paz, o êxtase da cessação dos fenômenos condicionados.

382. Yo have daharo bhikkhu yuñjati Buddhasāsane

so imaṃ lokaṃ pabhāseti abbhā mutto va candimā.

382. O monge que, quando jovem, dedica-se ao Ensinamento do Buda ilumina este
mundo como a lua liberada de uma nuvem.

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26

BRĀHMAṆAVAGGA

A Pessoa Sagrada

383. Chinda sotaṃ parakkamma, kāme panuda brāhmaṇa,

saṅkhārānaṃ khayaṃ ñatvā akataññū’si brāhmaṇa.

383. Esforce-se e corte a corrente (do desejo)! Descarte os desejos dos sentidos, ó
pessoa sagrada! Tendo conhecido a destruição dos fenômenos condicionados, torne-se
um conhecedor do Não Criado (Nibbāna), ó pessoa sagrada.

384. Yadā dvayesu dhammesu pāragū hoti brāhmaṇo,

ath’assa sabbe saṃyogā atthaṃ gacchanti jānato.

384. Quando uma pessoa sagrada atinge o topo dos dois caminhos (concentração
meditativa e insight), ele passa a conhecer a verdade e todos os seus grilhões caem por
terra.

385. Yassa pāram apāraṃ vā pārāpāraṃ na vijjati,

vītaddaraṃ visaṃyuttaṃ, tam ahaṃ brūmi brāhmaṇaṃ.

385. Aquele para quem não há nem esta margem nem a outra, nem ambas, aquele que
está livre de preocupações e dos impedimentos.

386. Jhāyiṃ virajam āsīnaṃ katakiccaṃ anāsavaṃ

uttamatthaṃ anuppattaṃ tam ahaṃ brūmi brāhmaṇaṃ.

386. Aquele que é meditativo, imaculado e estável, que fez o seu trabalho e está livre
das máculas, tendo alcançado o mais elevado objetivo — é ele que chamo de uma
pessoa sagrada.

387. Divā tapati ādicco, rattiṃ ābhāti candimā;

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sannaddho khattiyo tapati, jhāyī tapati brāhmaṇo,

atha sabbam ahorattiṃ Buddho tapati tejasā.

387. O sol brilha de dia, a lua brilha de noite. O guerreiro brilha em sua armadura, a
pessoa sagrada brilha na meditação. Mas o Buda brilha resplandecente todo o dia e toda
a noite.

388. Bāhitapāpo ti brāhmaṇo, samacariyā samaṇo ti vuccati;

pabbājay’attano malaṃ, tasmā pabbajito ti vuccati.

388. Uma vez que descartou o mal, tal pessoa é chamada de sagrada. Uma vez que é
serena em sua conduta, ela é chamada de reclusa. E uma vez que renunciou às suas
próprias impurezas, ela é chamada de renunciante.

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