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Fundamentos do Budismo / coordenação Maria de Lourdes dos Santos. – 2.

São Paulo: Editora


Brasil Seikyo, 2004. ISBN 85-87473-21-2

PREFÁCIO.

Objetivo da obra: fazer conhecer o budismo e, particularmente, “sua expressão máxima” (pg.
9), os ensinamentos de Nichiren Daishonin.

Objetivo do budismo: “revitalizar a vida humana ... atingir a felicidade absoluta” (pg. 9); “atingir
o estado de buda e atingir os requisitos de bodisatva” (pg. 14). O meio para atingir tal meta
seria a prática correta do budismo de ND, com empenho na fé e na prática.

PARTE 1 – CONCEITOS GERAIS.

Afirma-se que todos os ensinamentos de Shakyamuni (sábio dos Shakya, Sidarta Gautama),
fundador histórico do budismo foram registrados na forma de sutras. Tais ensinamentos
visariam solucionar os quatro sofrimentos inevitáveis que se impõem a todos os seres viventes:
nascimento, envelhecimento, doença e morte e “capacitar cada indivíduo a estabelecer sua
própria identidade” (p. 13), ou iluminação.

O QUE É O BUDISMO?

Sistema de pensamento religioso que não faz distinção “entre divindade e ser humano” (p. 14)
e que, consequentemente, reconhece a dignidade de todos os seres humanos. Revela, de
forma prática, a oposição entre o verdadeiro eu e o mundo dos fenômenos.

FASES DO BUDISMO.

BUDISMO HINAIANA (pequeno veículo) – Premido pelas tendências das pessoas de sua época,
que, amiúde, confundiam felicidade com a satisfação de prazeres mundanos, Shakyamuni
ensinou, inicialmente, a futilidade da vida terrena e das múltiplas reencarnações, processo que
prolonga o sofrimento. Daí, passou a atacar o desejo como o principal causador do sofrimento
e ensinou as pessoas a combatê-los e, eventualmente, suprimi-los. “As pessoas aprendiam a
almejar o estado de nada, o vazio. Esses ensinamentos constituíam-se em uma simples
introdução ao conceito mais profundo da não substancialidade (ku)” (pg. 16).

BUDISMO MAHAIANA (grande veículo, provisório) – Após constituir um corpo de discípulos


mais comprometidos com a doutrina, a idéia de vazio, característica do Hinaiana, foi
substituída pela noção de um mundo paradisíaco, para onde os devotos iriam, após a morte,
ainda que não tivessem conseguido extinguir seus desejos.

BUDISMO MAHAIANA (definitivo) – Nesta fase, Shakyamuni impeliu seus discípulos a voltarem-
se, de novo, para si mesmos, afastou a ideia de paraíso exterior ao mundo fenomenal. “Ensinou
que se compreendessem a realidade máxima que estava dentro de sua própria vida, mesmo o
mundo em que habitavam tornar-se-ia uma terra eternamente pacífica”, (p. 17). Essa revelação
de Shakyamuni originou o Sutra de Lótus (Myoho-renge-kyo), cuja essência foi exposta mais
tarde por N.D.

BUDISMO NICHIREN – Em vista da profusão de sutras, apropriados por várias seitas, que faziam
deles o que lhes aprouvesse, N.D., após estudo acurado e munido de “provas documentais
irrefutáveis” (p. 18), provou o descaminho doutrinário imposto pelas várias seitas. Afirmou,
então, que “os verdadeiros ensinamentos budistas são encontrados no Sutra de Lotus” (idem).

N.D., ao considerar a infinitude do tempo e não apenas o tempo histórico, no âmbito em que o
budismo foi revelado à humanidade por Shakyamuni, foi despertado para a verdade suprema
da vida no infinito passado. Ou seja, cronologicamente, N.D., apreendeu tal verdade bem antes
de Shakyamuni. Este seria um buda provisório, enquanto N.D., o buda original, por ter atingido
a iluminação por si próprio e ter revelado a verdade fundamental da vida. A título de nota, N.D.
cumpre os dois objetivos do budismo: atuar como buda e bodisatva (na pessoa do bodisatva
Práticas Superiores).

SIGNIFICADO DE FÉ.

Crer, ou ter fé, é a capacidade de aceitar uma premissa, ainda que seja necessário empregar
critérios ou disposições suprarracionais. Portanto, as ações empreendidas por aqueles que
professam qualquer fé, ostentarão as características desta própria fé. Enfim, tais ações podem
causar estranheza entre aqueles que não compartilham desta fé, sobretudo por esta não se
enquadrar totalmente aos ditames de suposta racionalidade universal, isto é, valer-se de
parâmetros suprarracionais. “A fé budista opõe-se à irracionalidade e harmoniza-se
perfeitamente com a razão em todos os campos em que esta pode penetrar, assim como
também requer a aceitação de uma verdade suprarracional” (p. 24). Distinguem-se, pois,
racional e suprarracional.

VERDADE REVELADA NO SUTRA DO LÓTUS: A “natureza de buda e a sabedoria do Buda são


inerentes à vida de todas as pessoas, e que manifestando essa natureza e essa sabedoria de
Buda, todos podem tornar-se buda, sem deixar sua identidade atual” (p. 25). Ou seja, há
possibilidade de atingir o estado de buda na atual existência.

É provável que o próprio Shakyamuni tivesse afirmado ser o Sutra do Lótus o “seu único
ensinamento verdadeiro e teve prazer em ver seus discípulos acreditarem apenas nesse
ensinamento” (p. 25). A título de esclarecimento: “Além disso, não se sabe quando exatamente
os ensinamentos de Shakyamuni sobre a verdade suprema foram compilados na forma do
Sutra do Lótus. Nichiren Daishonin afirma, em seus escritos, que o Sutra do Lótus, apareceu
imediatamente após o falecimento de Shakyamuni, e isso parece plausível.” (pp. 120 e 121).

BOA SORTE E BENEFÍCIO:

“A força e o espaço vital não são limitados pelo corpo físico, mas se estendem até incluírem os
domínios dos seres vivos e do meio ambiente. Uma mudança na vida influencia
automaticamente o ambiente, e essa mudança ambiental é o significado da boa sorte. O
ideograma chinês que designa a ‘boa sorte’ significa ‘plenitude dos deuses’, ou, no budismo, os
poderes inerentes ao meio ambiente”, (p. 27). Os benefícios dividem-se em dois: sabedoria,
reforma da vida humana; boa sorte, reforma do meio ambiente.

SEIS PARAMITA.

São as práticas a serem realizadas pelos bodisatvas com vistas a abandonar a margem da
ilusão em direção à margem da iluminação, processo que se finalizaria após inúmeros kalpas.
São os que seguem: (1) doação; (2) observância dos preceitos; (3) perseverança ou resistência;
(4) assiduidade; (5) meditação; e (6) prática da sabedoria adquirida nesse processo gradual.

Entretanto, o Sutra do Lótus afirma a possibilidade de atingir-se a iluminação apenas pela


observância contumaz da Lei única, ou Lei mística com a fé correta. Os paramita seriam,
portanto, sob o viés de N.D., qualidades morais e devem ser cultivados.

“Em contraste, as pessoas dos dois veículos (ouvintes da voz e aqueles que despertaram para a
causa) que buscam apenas a própria felicidade, podem ser definidos como aqueles que são
arrastados para uma direção diferente da ‘outra margem’, apesar de terem sido bem sucedidos
em deixar ‘esta margem’ da ilusão e terem embarcado em uma viagem rumo à iluminação” (p.
31).

SIGNIFICADO DE FELICIDADE.

Importância da esperança e no futuro para que nos sintamos felizes.

“O principal ingrediente para a felicidade encontra-se na própria vida. Ela está diretamente
relacionada ao grau em que se pode extrair a própria força vital e a esperança no futuro. Se
uma pessoa não tem estas qualidades, ela compara o seu presente com o passado ou com o
seu ambiente. A felicidade por comparação é, na verdade, uma ‘felicidade relativa’”. (p. 32). O
que tornaria a felicidade possível é a capacidade de exploração da força vital e da esperança no
futuro.

CONCEITO BUDISTA DE LEI.

“A Lei ensinada do budismo não foi estabelecida por nenhum ‘ser’ específico. Ela existe
inerentemente como o âmago do Universo e é a causa e a sustentação de tudo o que existe ...
o Buda não criou nem estabeleceu a Lei, mas esclareceu o que originariamente governa o
universo ... para que as normas e leis na vida diária possam atuar harmoniosamente, elas
devem estar de acordo com as verdades contidas na natureza essencial de um ser humano e de
todos os fenômenos. As leis do mundo da política, da jurisprudência e da ciência social não
devem ser estabelecidas arbitrariamente por alguma pessoa ou autoridade especial, mas sim
com base num discernimento que penetre a verdade subjacente à existência da vida
humana ... No nível mais profundo da vida, a verdade fundamental que sustenta todos os
fenômenos e leis universais é a Lei Mística da forma como é indicada no Sutra do Lótus, o Nam-
myoho-renge-kyo, e buda é a pessoa que se iluminou para ela.” (pp. 33, 34).

LEI DE CAUSA E EFEITO


“A individualidade e as habilidades naturais são os efeitos das causas realizadas em existências
anteriores ... Estando ciente de seu próprio potencial, fraqueza e inclinação, é possível
desenvolver os pontos fortes e melhorar os fracos. Esta é a maneira correta de superar as
limitações do destino. Mesmo assim [Logo], deve-se ter força suficiente para desfrutar da
realidade fazendo com que a lei de causa e efeito atue em benefício próprio.” (p. 35).

FATALISMO E LIBERDADE

“A liberdade não se encontra com a fuga da causalidade, mas sim transformando-a em


vantagem para si próprio ... A personalidade, o caráter e o destino são consequências do que a
pessoa era e do que fez no passado. No Sutra do Lótus, Shakyamuni direcionou as pessoas para
uma fonte de força que podia romper as correntes das forças cármicas, mas ele não a
identificou especificamente. Foi Nichiren Daishonin que explicou a entidade da vida em
oposição ao fenômeno da vida [oposição essência versus fenômeno, recorrente na filosofia
ocidental, grifo nosso] e como ela permanece livre das influências cármicas por toda a
eternidade [amala]. Essa entidade ou Lei da Vida, que ele chamou Nam-myoho-renge-kyo
[estabelecer a relação entre amala e Nam-myoho-renge-kyo], é a causa que capacita a superar
toda a inércia cármica e permite que novos efeitos surjam da vida de cada ser humano ... A
determinação de uma pessoa é forte o bastante para mudar seu destino? O poder da
determinação opera nos níveis conscientes da psique humana ao passo que o carma existe nos
níveis inconscientes, ou ainda mais profundamente ... a humanidade necessita de alguma força
que possa alterar o ritmo da própria vida, e essa força é e sempre foi o Nam-myoho-renge-kyo.
Cientes dessa poderosa chave para esta inesgotável e inerente força vital dos seres humanos,
as pessoas ficam confiantes de que podem produzir causas para libertar-se completamente de
seu carma negativo.” (pp. 36 e 37).

DEUS E BUDA.

“O budismo descreve os deuses como forças benéficas inatas no meio social e natural e que
atuam protegendo os seres humanos, especialmente aqueles que praticam o budismo
corretamente. As forças inerentes ao meio ambiente são chamadas ‘boa sorte’, as ações dos
deuses budistas que as pessoas ativam para extrair sua própria sabedoria do Buda.” (p. 39).

COMPATIBILIDADE DE CIÊNCIA E RELIGIÃO.

“O budismo elucida as verdades com base nas capacidades subjetivas das pessoas, extraindo
assim sabedoria prática da vida ... Na busca da verdade, a ciência aproxima-se principalmente
do raciocínio analítico e indutivo, ao passo que o raciocínio budista é um método global de
dedução e intuição.”(pp. 42 e 43). [Diferentemente da ciência, que tende a reduzir as
particularidades do objeto a padrões objetivos, o budismo, ao contrário, como certos tipos de
filosofia, busca incluir o particular em tipologias que, embora generalizantes, não
desconsideram as particularidades, mas valorizam o caráter subjetivo, único. Ou seja, a relação
sujeito versus objeto é, no mínimo, atenuada. Em suma: enquanto à ciência interessa reduzir a
diversidade do particular a padrões observáveis e reproduzíveis pelo método experimental
avalizado pela indução generalista, ao budismo apetece a essência do particular, que age
segundo características próprias, ainda que a seguir parâmetros preestabelecidos, mas sem
qualquer tipo de determinismo comportamental. Ao budismo interessa o vivido].
PARTE 2 – FILOSOFIA BUDISTA DE VIDA.

DEZ ESTADOS OU MUNDOS.

Os dez estados são condições que qualquer pessoa pode experimentar em sua vida. Também
chamados de mundos por, em determinada época, serem considerados regiões geográficas
onde os que, supostamente, os habitavam, compartilhavam de suas características
particulares. O S.L. desconstruiu essa visão e instituiu o conceito de possessão mútua dos
mundos. Isto é, os mundos deixaram de ser determinados geograficamente e passaram a ser
considerados estados psicológicos, subjetivos, portanto. Os estados são: [1] inferno (jigoku-kai)
– desespero e sofrimento extremos, que provocam a destruição de si mesmo e dos outros; [2]
espíritos famintos (gaki-kai) – caracterizado por ganância e egoísmo extremos, busca ilimitada
de prazeres; [3] animalidade (chikusho) – domínio dos instintos sobre a capacidade de pensar;
[4] perversidade (ashura) – excessiva valorização do eu, desprezo por outras pessoas; [5]
humanidade ou tranqüilidade (nin) – controle dos desejos e impulsos, uso da razão para o
estabelecimento de harmonia com os outros; [6] seres celestiais (ten) – “condição de
contentamento e alegria, sentidos quando a pessoa se liberta do sofrimento ou satisfaz algum
desejo” (p. 53). [7] ouvintes da voz ou erudição (shomon) – dedicação à autorreforma pela
apreensão de ideias e experiências edificantes, transmitidas pelos ensinamentos ancestrais e
contemporâneos; [8] despertos para a causa ou autorreeducação (engaku) – empreendimento
da autorreforma por meio da observação dos fenômenos, equipara-se ao estado anterior; [9]
bodisatvas (bosatsu) – caracterizado pela compaixão e devoção à felicidade dos outros, à custa
do sacrifício do praticante; [10] buda (butsu) – obtenção da sabedoria para compreensão da
realidade máxima da vida e do seu eu eterno perfeito [amala].

“Os seis mundos inferiores, do mundo do inferno ao mundo dos seres celestiais, se manifestam
por meio de impulsos ou desejos, mas são totalmente controlados pelas restrições impostas
pelo ambiente e extremamente vulneráveis às circunstâncias instáveis ... As pessoas do mundo
dos ouvintes da voz e do mundo dos que despertaram para a causa tendem a carecer de
compaixão, chegando a extremos na busca de sua própria perfeição. Em contraste, um
bodisatva descobre que o caminho para a autoperfeição encontra-se unicamente [grifo nosso]
no ato da compaixão – de salvar outros do sofrimento”. (pp. 53 e 54).

OS DEZ FATORES (ou ASPECTOS).

O “princípio dos dez fatores é uma análise dos aspectos imutáveis da vida, os quais são comuns
a todos os fenômenos mutáveis ... Os dez mundos ou estados expressam as diferenças entre os
fenômenos, ao passo que os dez fatores [tudo grifo nosso] descrevem o modelo de existência
comum a todos os fenômenos manifestados pela entidade de vida a cada momento. Esses
fatores comuns nos ajudam a compreender como nossa vida muda de um estado para outro e
a verdadeira entidade da vida da forma como ela se revela nos aspectos mutáveis dos dez
mundos. Tiantai da China usou essa passagem do Sutra do Lótus a respeito dos dez fatores
para comprovar o estabelecimento da doutrina do ichinen sanzen”. (p. 56 e 57).

“Em resumo, os dez fatores são:


1. Aparência (nyose-so): Os aspectos material e fenomenológico da vida. De acordo com o
conceito das três verdades (Ver p. 59), isso corresponde à verdade da existência temporária
(ketai).
2. Natureza (nyose-sho): Disposição ou qualidade inerente que não pode ser diretamente
percebida de fora. Corresponde à verdade da não substancialidade (kutai).
3. Entidade (nyose-tai): A entidade da vida que permeia e integra a aparência e a
natureza. A entidade não é visível, mas pode-se observar a maneira como ela se manifesta pela
aparência física e pela natureza interior. Corresponde à verdade do caminho do meio (chutai).
4. Poder (nyose-riki): A força ou energia interior da vida para se alcançar algo.
5. Influência (nyose-sa): O movimento ou ação produzida quando a energia latente é
ativada.
6. Causa interna (nyose-in): A causa latente na vida que produz um efeito de sua própria
natureza, boa ou má. Cada causa interna contém simultaneamente um efeito latente [cf. 8].
7. Relação (nyose-en): Traduzida também como causa externa. A relação não é o próprio
meio ambiente, mas a função que relaciona a vida ao que está ao seu redor. Quando uma
causa interna é ativada por uma influência externa, sofre uma mudança e produz
simultaneamente um novo efeito latente. É também por meio da função da relação que os
efeitos latentes tornam-se manifestos. A relação pode ser considerada como uma ligação entre
a vida e as influências externas por meios das quais se podem produzir tanto as causas como
sentir seus efeitos.
8. Efeito latente (nyose-ka): O efeito produzido nas profundezas da vida quando uma
causa interna é ativada pela relação. Uma vez que tanto a causa interna como o efeito latente
estão dormentes na vida, eles existem simultaneamente, sem o espaço de tempo que com
frequência ocorre entre uma ação e seu efeito manifesto.
9. Efeito manifesto (nyose-ro): O resultado concreto e perceptível que surge com a
passagem do tempo como uma consequência da causa interna e do efeito latente, tais como a
felicidade ou a infelicidade, a alegria ou tristeza [NOTA 6].
10. Consistência do início ao fim (nyose hommatsu kukyoto): O fator que integra os outros
nove, da ‘aparência’ ao ‘efeito manifesto’, em cada momento da vida. Interrelacionados uns
com os outros, todos os nove fatores compreendem uma entidade harmoniosa que caracteriza
a vida”. (pp. 57 e 58).
Esboço de quadro esquemático do Chinen Sanzen: CAUSA INTERNA (latente) – EFEITO LATENTE
(interna) AMBOS ATEMPORAIS – RELAÇÃO – EFEITO MANIFESTO.

TRÊS DOMÍNIOS DA EXISTÊNCIA.


“Toda vida contém os dez fatores [ou está contida nos dez fatores?] e manifesta os dez
mundos. O princípio dos três domínios da existência (san seken) analisa a vida em três níveis
diferentes e explica seu caráter distinto. São eles:
1. Domínio dos cinco componentes (go’on seken): Análise das funções da vida na
influência e assimilação de seu ambiente. Eles são: ... Forma, ou aspecto físico da vida, inclui
tudo o que constitui o corpo e os órgãos por meio dos quais se pode perceber o mundo
exterior. Percepção, significa receber ou apreender a informação externa pelos órgãos dos
sentidos. Concepção, indica a função pela qual a vida compreende e forma algum conceito do
que foi percebido. Volição, é o desejo de iniciar algum tipo de ação após a criação de
concepções sobre algum objeto. Consciência, ... entidade [?] subjetiva que apóia e integra os
outros quatro componentes e também a função discernidora da vida que pode fazer
julgamentos de valor [tudo grifo nosso].
2. Domínio dos seres vivos (shujo seken): Os cinco componentes da vida unem-se
temporariamente para formar um ser vivo que possa passar pelos estados de inferno, de fome
e os outros oito estados. Além disso, ninguém existe em total isolamento; todos estão em
constante inter-relacionamento e influência mútua. Nesse sentido, o mundo dos seres vivos
também pode ser interpretado de forma coletiva como ambiente social.
3. Domínio do meio ambiente (kokudo seken): Os seres vivos têm invariavelmente algum
tipo de ambiente, que por sua vez sustenta sua existência [NOTA 7].

AS TRÊS VERDADES (san-tai).

Sob o ponto-de-vista do budismo – “um meio eficaz de compreender corretamente todos os


fenômenos do universo” (p.61) – tudo o que se manifesta materialmente é considerado
fenômeno. Cada fenômeno é constituído pela união de elementos ou partes.

A união de elementos que constituem tudo o que se manifesta materialmente no universo é o


resultado da interação das três verdades:

[1] Não-substancialidade (ku).

Sob o ponto-de-vista da ciência contemporânea, as partes constitutivas da matéria não são, em


si, substanciais. Ou seja, partículas atômicas, átomos e moléculas não podem ser considerados
substanciais, ou dotados de plena existência. Isto porque a sua materialidade não é
estabelecida precisamente: uma molécula não é, como por exemplo, um bloco de granito,
perfeitamente distinguível e localizável no mundo material.

As partículas atômicas que formam, em ordem crescente, os átomos e moléculas (ou íons) e,
enfim, o bloco de granito em si, existem, ou se organizam no espaço, de uma forma
completamente diversa daquela pela qual nós os percebemos. Ou seja, aquilo que, de fato,
constitui tudo o que existe fisicamente, as partículas atômicas, não existe da mesma forma
como nós percebemos, pelos nossos sentidos, o produto final da sua organização no
espaço/tempo, o mesmo bloco de granito. As partículas atômicas existem como padrões
ondulatórios: ora existem, são; ora não existem, não são. (CF. CONCEITO DE VIRTUALIDADE).

Logo, a rigor, a matéria constituída por tais partículas, assim como elas próprias, não se podem
incluir na categoria de substância, na acepção corrente da palavra. O conceito da não-
substancialidade corresponde à “percepção da essência ou aspecto espiritual” (p.65) da
entidade.

[2] Existência temporária (ke).

A combinação de partículas atômicas que constituem tudo o que existe no reino da matéria, se
manifesta no espaço e no tempo. O referido bloco de granito, como tudo mais que é
constituído de matéria, carece de perenidade.

Logo, tudo o que é material se caracteriza-se pela não-substancialidade e pela temporalidade.

[3] O caminho do meio (chu).


É a compreensão do fato de que, embora o mundo material se organize conforme a não-
substancialidade e a existência temporária, nenhum fenômeno é definido por estes dois
aspectos, ou verdades. Isto é, a verdade do caminho do meio expressa a “essência da
continuidade, que pode ser latente ou manifesta” (p. 61) [CF. OS 10 FATORES]. O caminho do
meio corresponde ao “conceito de existência ou a verdadeira entidade de um determinado
fenômeno.” (p. 65). Ou seja, explicita a oposição entidade versus fenômeno.

TRÊS CORPOS.

“O conceito dos três corpos (san-jin), ou três tipos de corpo que um buda possui, está
intimamente relacionado com as três verdades da não substancialidade, da existência
temporária e do caminho do meio. Ao estudar e compreender a vida do Buda de acordo com
as três verdades, pode-se compreender os três corpos,” (p. 61).

[1] Corpo da recompensa ou da sabedoria (hoshin).

Corresponde à verdade da não-substancialidade (ku), pois se refere às características


psicológicas, ou espirituais, de buda. Tal corpo, portanto, é moldado conforme as propensões
pessoais a cada buda, manifestadas nas suas práticas de bodisatva. Propensões que se contam
entre suas vocações, preferências, formas de expressão, idiossincrasias em geral.

[2] Corpo físico (ojin).

Corresponde à existência temporária (ku).

[3] Corpo essencial (hosshin).

Corresponde ao caminho do meio (chu). Portanto, representa a essência do que buda


realmente é, sob viés estritamente impessoal. Um buda, ele mesmo, é constituído por ojin,
hoshin e hosshin, mas cada um destes tipos de corpos é manifestada de forma particular, pois
cada pessoa, iluminada ou não, é dotada de características particulares.

ILUMINAÇÃO DOS SERES INSENSÍVEIS

Tal iluminação está de acordo com o princípio da unicidade da vida e do seu ambiente: “ ... o
pensamento budista sustenta que a vida e o seu ambiente são inseparáveis. Existe entre os
seres sensíveis e insensíveis uma relação mútua de apoio, sustento e influência. Assim, ambos
podem ser considerados como essencialmente um só [cf. conceito de funi]. Portanto, não se
pode considerar que atingir o estado de buda seja restrito apenas aos seres sensíveis ... Por
exemplo, quando os seres sensíveis que atingiram o estado de buda veem uma montanha, esta
lhes parece como a entidade do estado de buda. No entanto, ao ver a mesma montanha, os
seres sensíveis do mundo dos espíritos famintos enxergam-na como se fosse a entidade da
fome. Os seres insensíveis não possuem a capacidade de desenvolver a si próprios. Se
estiverem para atingir o estado de buda, deve ser por causa de algum ser sensível que está
atuando em favor deles, permitindo-lhes assim manifestar sua natureza inata de buda” (p. 69).

O unicidade da vida e do seu ambiente explica o modo como a fé no Gohonzon (causa interna à
vida, ou ser) se relaciona ao próprio Gohonzon (causa externa, ambiental). O poder do
Gohonzon se manifesta mediante a harmonização entre o ambiente e a vida, a causa externa e
a interna.

NOVE CONSCIÊNCIAS.

São as funções espirituais da percepção ou da consciência: as primeiras cinco são os sentidos


ordinários. A sexta integra as percepções dos cinco sentidos. A sétima, consciência mano, o
poder do pensamento e da meditação. A oitava “...é chamada consciência alaya. Alaya
significa ‘repositório’; ou seja, as experiências das existências atual e anterior – o carma – ficam
depositadas nela. Todas as ações e experiências da vida que acontecem pelas sete primeiras
consciências ficam acumuladas como carma nessa consciência alaya, que exerce ao mesmo
tempo uma influência sobre as funções da sétima consciência. O conceito freudiano do
inconsciente tem uma certa semelhança com isso. O inconsciente armazena as impressões
percebidas pela mente e causa simultaneamente novas ações mentais. As ações da vida que se
encontram sob a lei de causa e efeito originam-se da oitava consciência. Essa consciência forma
a estrutura de cada existência ... [ A nona consciência] ... a base das funções espirituais é
chamada de consciência amala, que significa ‘puro’ ou ‘sem mácula’. Ao passo que a
consciência alaya contém impurezas cármicas, a consciência amala encontra-se nas
profundezas da vida e permanece pura, livre de todas as manchas originadas das ações
cometidas pela pessoa em existências anteriores. Nichiren Daishonin identificou a nona
consciência como o Nam-myoho-renge-kyo, a natureza fundamental do buda que se estende
desde o infinito passado até o infinito futuro [grifo nosso].” (p. 73).

TEMPO SEM INÍCIO.

O budismo e o brahmanismo consideram o universo como eterno e incriado. O primeiro adota


o conceito de kuon ganjo, que abrange todo o tempo de existência da realidade essencial da
vida que, em realidade, corresponde à nona consciência, amala.

GLOSSÁRIO:

Bodisatva – Aquele que realmente se empenha pelos outros, ao auxiliá-los a atingir o estado
de Buda, inspirados pela jihi (cf.).

Jihi – “A imparcial e infinita benevolência de buda” (pg. 15)

Ku – Conceito mais profundo da não-substancialidade.

Dai-Gohonzon – Objeto de devoção para toda a humanidade.

Gohyaku jintengo – passado longínquo; envolve o tempo em que Shakyamuni teria alcançado
sua iluminação, só muito depois teria se manifestado como Buda histórico.

Iluminação – “chegar a uma consciência completa e positiva do estado de buda, presente em


todos os seres humanos...’sabedoria perfeita e insuperável’”, (p. 20); compreensão da “única
verdade subjacente a toda a vida” (p. 46); compreensão da Lei eterna.

Nam-myoho-renge-kyo – Essência de myoho-renge-kyo, o S.L., Lei Mística; incorporado no


Gohonzon, ao crer plenamente que ele existe na própria vida, o devoto atinge a iluminação;
“causa que capacita a superar toda a inércia cármica e permite que novos efeitos surjam da
vida de cada ser humano ... [força que pode] alterar o ritmo da própria vida.” (p. 37).

Daimoku – Recitação (incorporação) do Nam-myoho-renge-kyo, com foco no Gohonzon.

Gohonzon – Representação física do Dai-Gohonzon; espécie de altar doméstico.

Dharma – Os ensinamentos do Buda; verdade subjacente a todos os fenômenos; lei.

Budismo – Filosofia de vida que ensina como purificar a vida, desenvolver a sabedoria e
estabelecer a real independência.

Unicidade do corpo e da mente – A relação entre o corpo e a mente como inseparáveis,


shikishin funi: shiki (matéria); shin (fenômenos espirituais); funi, abreviação de nini-funi (“dois
mas não dois ... dois fenômenos, mas não dois em essência”, p. 63). O que significa que os
aspectos espiritual e material da vida são, de fato, inseparáveis, unos. Fato atestado pelos
efeitos de um desequilíbrio mental sobre funções vitais como, por exemplo, respiração,
batimento cardíaco, entre outros. (cf. unicidade das três verdades).

Ongi kuden – Registro dos Ensinamentos Transmitidos Oralmente.

Existência – Definida, em geral, como: “manifestação de alguma forma assumida pela


essência ... [que] assume invariávelmente [grifo nosso] uma forma ou aspecto físico” (p. 64).
Ou seja, a essência tem de ser, necessariamente corporificada.

Unicidade das três verdades – A coexistência da entidade (dotada de existência, evidente), em


que forma e essência são consideradas necessárias.

Unicidade da vida e do seu ambiente (esho funi) – “Esho é a contração dos termo em japonês
eho e shoho. Eho indica o ambiente insensível, ou mundo objetivo; e soho, a personalidade
ativa, ou mundo subjetivo. A sílaba ho significa o efeito manifesto, ou resultados do carma. Os
efeitos do carma de um ser vivo manifestam-se tanto em sua vida subjetiva como em seu
ambiente objetivo” (p. 66). Para o significado de funi cf. Unicidade do corpo e da mente, neste
Glossário; “... é um princípio que sugere como as pessoas podem influenciar e reformar seu
ambiente por intermédio de uma mudança interior, ou a elevação de seu estado de vida. Neste
princípio está contida a ideia de que assim como o ambiente influencia o indivíduo, esse
também pode causar uma mudança no ambiente ... O meio ambiente é um reflexo da vida
interior do indivíduo que nele habita. Esse ambiente assume as características que estão de
acordo com a condição de vida do indivíduo em questão. Em outras palavras, a vida estende
sua influência ao seu redor ... A consciência do ser vivo pode ser descrita como soho e os
outros quatro dos cinco componentes – forma ou corpo, percepção, concepção e volição –
existem para fazer com que o indivíduo interaja com os outros seres vivos e com o ambiente
natural que juntos formam o eho ... o budismo considera que a vida abrange uma vasta
extensão de influência e atividade, as quais integram tanto os seres vivos como seu ambiente”
(pp. 67 e 68).

Revolução Humana – “O termo ... indica a elevação gradativa do estado que forma a tendência
básica de uma pessoa e o estabelecimento do estado de buda como base de sua vida. Quando,
em consequência dessa elevação, as atividades da vida dessa pessoa centram-se em torno do
estado mais alto possível, o estado de buda, isso significa que a pessoa atingiu a iluminação.”
(p. 56).
Mappo- Os Últimos Dias da Lei, o momento presente em que a pessoa vive.
Kuan e mappo – Conceito que expressa a capacidade de retorno ao estado de vida original
(amala).

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