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Terceira Civilização - Edição 602 - 12/10/2018 - pág.

32-38 - Série

Terceira Civilização - Série

Desvendando os mistérios da vida e da


morte
Desde janeiro de 2017, a TC vem publicando em alguns ensinamentos religiosos afirmam
20 partes a tradução do livro Unlocking the que a erradicação dos desejos é o único
Mysteries of Birth and Death [Desvendando os caminho para a salvação.
Mistérios da Vida e da Morte], de autoria do
presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda. O desejo é uma função inerente à vida. Em
última análise, não podemos extinguir os
Esta última parte do capítulo 7 encerra também desejos sem extinguir a própria vida. Mas a
a série. Aqui, são abordados temas que explicam função inata dos desejos na vida de cada
a natureza essencial da vida pela perspectiva do um de nós pode ser interpretada como
budismo e é esclarecido o significado do neutra; possuindo o potencial de prejudicar
Gohonzon. ou de beneficiar a existência humana. Em
vez de suprimirmos nossos desejos, a
Desejos mundanos e a pureza do lótus verdadeira questão está em como
controlá-los e direcioná-los para que
Outro atributo do lótus utilizado no contribuam para o desenvolvimento das
simbolismo budista é que ele cresce e virtudes humanas.
floresce na água lamacenta, mas suas
flores são puras e belas. Da mesma forma, É nesse ponto que entra o budismo. De
a pura natureza de buda emerge de dentro acordo com os ensinamentos budistas,
da vida de pessoas comuns, apesar de uma vez que ativamos o supremo estado
suas ilusões e desejos. O 15º capítulo, de buda inerente a cada um de nós, o
“Emergindo da Terra”, do Sutra do Lótus funcionamento dos nossos desejos é
descreve pessoas que abraçam a Lei redirecionado para promover nosso
Mística como “sem máculas das coisas crescimento e iluminação. Se, ao contrário,
mundanas / como a flor de lótus na água”.1 soltarmos as rédeas dos nossos desejos
Esse conceito envolve um dos pontos sem primeiro orientá-los a partir de um
fundamentais do budismo. estado de vida mais elevado, eles só
operarão de forma destrutiva,
A existência humana é vista trazendo-nos angústia e talvez até
frequentemente como um turbilhão de ameaçando a continuidade de nossa
desejos, ímpetos e impulsos que dão existência.
origem a vícios e sofrimentos. Aqueles
dominados unicamente por seus desejos e O significado do budismo reside tanto na
impulsos não conseguem desfrutar o descoberta da natureza de buda em todos
“verdadeiro eu” ou a liberdade. Em vez os seres como no estabelecimento de um
disso, estarão sempre à mercê de método prático para fazê-la emergir, para
mudanças circunstanciais. Por essa razão, que os seres humanos possam obter o

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máximo significado de suas existências. eterno, que se propaga pelas três


Ambas as características são existências [passado, presente e futuro], é
especialmente relevantes para a chamado kyo”.
civilização contemporânea, que há muito
está presa numa espécie de areia Com sua voz magnífica, Shakyamuni
movediça espiritual. Podemos escapar da inspirou profundamente as pessoas e
areia movediça evidenciando o supremo revigorou o espírito delas. Sua voz era a
potencial humano disponível em cada um verdade que expressava a Lei para a qual
de nós. Os desejos, se adequadamente ele havia despertado nas profundezas do
canalizados, podem alimentar nosso seu ser. A voz é a vibração de toda
desenvolvimento espiritual. Se não forem entidade viva; revela seu ser e seu caráter,
canalizados como se deve, eles se o Nam-myoho-renge-kyo é o ritmo
tornarão um risco. fundamental do universo, a maior voz de
todas. Mais uma vez, de acordo com
Kyo — o ensinamento do Buda Daishonin: “Quando recitamos uma vez
Myoho-renge-kyo, com esse único som,
O termo kyo é a tradução japonesa da convocamos e manifestamos a natureza
palavra “sutra”, o ensinamento de de buda de todos os budas e de todos os
Shakyamuni. Como o Buda ensinou por demais seres vivos. Esse benefício é
meio da pregação — isto é, ele utilizou a imensurável e ilimitado”.4
própria voz —, a palavra kyo às vezes era
interpretada como “som”. Tiantai escreveu: Em outra ocasião, ele escreveu: “Agora,
“A voz executa o trabalho do Buda, e isso é somente Nichiren recita, sem poupar a voz,
denominado kyo”.2 Daishonin também Nam-myoho-renge-kyo”.5 “Sem poupar
ensinou: “Kyo corresponde às palavras e ao sua voz” não se refere ao volume, mas sim
discurso, ao som e à voz de todos os à grande voz de compaixão que busca
seres”.3 conduzir todos os seres à iluminação.

O ideograma chinês para kyo indicava A iluminação de um buda, expressa por


originalmente “uma dobra num pedaço de meio da voz, é kyo, e a verdade para a qual
tecido”. Possivelmente porque isso cria a um buda se iluminou é eterna, abrangendo
imagem de continuidade, kyo também passado, presente e futuro. Quando
passou a significar um ensinamento a ser despertamos para essa verdade,
preservado e transmitido para a percebemos o aspecto eterno da nossa
posteridade. Na China, esse ideograma foi vida individualmente, um aspecto que
utilizado para designar “livros” ou transcende as mudanças do mundo físico
“clássicos”, como os do confucionismo ou e o ciclo de nascimento e morte.
taoísmo; e quando as escrituras budistas
foram introduzidas da Índia, o ideograma Gohonzon — o objeto de devoção
foi usado para indicar “sutra”. É no sentido
literal que Nichiren Daishonin interpreta a A Lei do Nam-myoho-renge-kyo, que
palavra quando ele afirma: “Aquilo que é engloba todos os fenômenos do universo

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e expressa perfeitamente a realidade mover em direção à criação da felicidade e


imutável contida neles, está incorporada do valor pessoal. Vidas arrastadas pelo
no Gohonzon. Ao centro, em ideogramas infortúnio e pela infelicidade são
chineses, lê-se “Nam-myoho-renge-kyo — redirecionadas para o bem quando a Lei
Nichiren”. Ao lado da inscrição central, em Mística se torna sua base. É como se os
chinês e em sânscrito medieval, há sofrimentos fossem o combustível para a
ideogramas que correspondem aos nomes fogueira da alegria, sabedoria e
dos seres que representam cada um dos compaixão. A Lei Mística e a fé inflamam
dez mundos. Todos esses nomes essa chama.
expressam os princípios de que os dez
mundos existem dentro da vida eterna do Nem é preciso dizer que os mundos do
Buda e que os seres vivos dos dez mundos bem — estados como o mundo dos budas,
podem atingir o estado de buda. dos bodisatvas e o dos seres celestiais
[estado de alegria] — apenas aumentam
A razão de o objeto de devoção ter sido seu brilho e sua eficácia por meio do poder
composto de forma escrita consiste no da recitação do Nam-myoho-renge-kyo. O
fato de que seria impossível descrever a bem e o mal, todos os três mil mundos e
possessão mútua dos dez mundos numa os fatores da existência se fundem e nos
imagem gráfica, pois assim cada mundo conduzem à felicidade, a uma vida de
estaria representado separadamente. eternidade, felicidade, verdadeiro eu e
pureza.
O universo inclui os poderes do bem e do
mal. No Gohonzon, todos os dez mundos Por meio da fé no Gohonzon e da recitação
estão representados, desde o mundo do do Nam-myoho-renge-kyo, despertamos
estado de buda até o estado de inferno. A o estado de buda que é a realidade última
luz do Nam-myoho-renge-kyo ilumina da vida de cada um de nós. Assim, a Lei
igualmente os potenciais e as capacidades Mística é tanto o objeto de devoção
do bem e do mal; tanto o bem quanto o quanto, de forma mais ampla, a verdade
mal exibem a “forma elevada que existe inerente a nós. Nichiren Daishonin explicou
inerentemente neles”, dito de outra forma, isso numa carta endereçada a um seguidor
a existência exatamente como ela é. chamado Abutsu-bo:

A forma elevada da existência Neste momento, o corpo do honorável


fundamental surge neste mundo como Abutsu é composto dos cinco elementos:
Gohonzon. Portanto, quando oramos terra, água, fogo, ar e espaço. Estes cinco
diante do Gohonzon, as capacidades boas elementos são, por sua vez, os cinco
e más (ou a ilusão) da nossa vida começam ideogramas do daimoku. Por isso,
a funcionar como a forma elevada da Abutsu-bo é a Torre de Tesouro, e a Torre
existência fundamental. Existências de Tesouro é Abutsu-bo. Nenhum outro
repletas da dor do estado de inferno, conhecimento é relevante. A Torre de
existências distorcidas pelo estado da ira Tesouro é adornada com os sete tipos de
— tais existências também começam a se tesouros — ouvir o ensinamento correto,

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acreditar nele, observar os preceitos, buda inata.


meditar, praticar assiduamente, renunciar
aos apegos e refletir sobre si mesmo.6 O Gohonzon incorpora a verdade, a
realidade imutável dos fenômenos em
Como explicado no primeiro capítulo, a constante mudança e a existência da mais
torre é a grande metáfora do Sutra do profunda condição de vida latente em nós.
Lótus que representa o infinito potencial Por essa razão, Nichiren Daishonin também
de felicidade que existe dentro da vida de escreveu: “Jamais busque este Gohonzon
cada indivíduo, de forma coextensiva ao fora de si mesma. O Gohonzon existe
infinito cosmos. A Torre de Tesouro é apenas dentro do corpo de pessoas como
sinônimo de Lei Mística, ou do Gohonzon, nós, mortais comuns, que abraçam o Sutra
ou a natureza de buda inerente a cada um do Lótus e recitam o
7
de nós. Nam-myoho-renge-kyo”.

Nessa passagem, Nichiren Daishonin Olhar adiante


comparou “o corpo do honorável Abutsu”
com o Myoho-renge-kyo, ou a Lei Mística. O budismo visa nos libertar dos
A Lei Mística não existe em lugar algum sofrimentos do nascimento e da morte,
fora do mundo dos fenômenos, o mundo fornecendo-nos os meios para
dos cinco elementos universais; a Lei despertarmos para a verdade imutável —
Mística é inseparável do nosso corpo. De nossa própria natureza de buda. As
fato, nosso corpo — como manifestação da formalidades budistas anteriores
nossa vida — também é uma entidade da pregavam que as pessoas podiam
Lei Mística. O corpo e a mente são alcançar o estado de buda por meio de um
inseparáveis ​e essencialmente tremendo esforço para estudar doutrinas e
indistinguíveis; eles são uma entidade para praticar disciplinas meditativas,
única. Quando o budismo menciona o restringindo assim o estado de buda a uma
corpo humano, não está se referindo ao elite monástica. Ao contrário, os
corpo físico como algo distinto da mente, é ensinamentos de Nichiren Daishonin
toda a entidade que incorpora a mente e o demonstram que todos nós, quaisquer que
corpo. sejam nossas habilidades ou
circunstâncias, temos acesso à verdade
É difícil acreditar que nosso próprio corpo última. Praticando os princípios do
é a Lei Mística, e com muita frequência Budismo Nichiren, cristalizados na oração
desperdiçamos esforços tentando “Nam-myoho-renge-kyo”, passamos pelo
encontrá-la em outros lugares. No entanto, processo da revolução humana, por meio
dedicando-nos à prática budista, do qual recuperamos o controle sobre o
alcançamos o mesmo nível de consciência que até então nos era imposto como
de Daishonin, que explicou que a Torre de “nosso destino”.
Tesouro representa o Gohonzon, assim
como a vida daqueles que a abraçam e, Como vimos, ao lidarmos com a realidade
dessa forma, revelamos nossa natureza de da vida cotidiana com base nos

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ensinamentos do Budismo Nichiren,


conseguimos estabelecer um estado de
felicidade absoluta e indestrutível,
independentemente de nossas
circunstâncias presentes. Repletos de
vitalidade e de confiança, podemos
enfrentar e superar todos os desafios que
surgem — especialmente os sofrimentos
relacionados à doença, ao envelhecimento
e à morte. Conseguimos nos conscientizar
sobre nosso próprio ilimitado potencial,
despertando-o, e realizar nossos sonhos.

Junto com (e inseparável de) o nosso


despertar pessoal, o objetivo da prática do
budismo consiste em estabelecer uma
sociedade verdadeiramente pacífica
baseada no empoderamento de todos os
indivíduos, um verdadeiro estado de
igualdade e justiça baseado no respeito à
natureza de buda inerente a todas as
pessoas.

Fim da série

1. LS, p. 222.

2. CEND, v. II, p. 465.

3. GZ, p. 708.

4. CEND, v. II, p. 150.

5. CEND, v. I, p. 769.

6. CEND, v. I, p. 314.

7. CEND, v. II, p. 92.

Sonia Massae Fugiwara (729241-4) / pág. 5.

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