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Nietzsche, que vai desde sua primeira obra de 1872, ‘ O Nascimento da Tragédia’, até
aos inícios da metafísica, partiremos de Platão, e seu texto Crátilo, com o intuito de
ilustrar essa questão entre a determinação dos nomes e sua justeza com as coisas. A
situação da correspondência é dos mais antigos que existem, e aqui neste diálogo são
perscrutados, a princípio, duas teses sobre a “Justeza dos Nomes”: em primeiro lugar a
do naturalismo, em que os nomes têm relação direta com as coisas com que foram
“nenhum nome é dado por natureza a qualquer coisa, mas pela lei e o costume dos
que se habituaram a chamá-la dessa maneira”
Crátilo e Hermógenes, lutando por seus dois pontos de vista. A questão está em que nos
aparece uma terceira figura, o moderador, precisamente Sócrates, que por meio da
dialética irá ponderar uma terceira via, que asseverará nem tanto o nominalismo quanto
Sócrates, estará a introduzir a teoria da verdade pela primeira vez, não mais no sentido
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De certa forma, Sócrates confirma com Crátilo de que o nomear é uma ação e precisa
estar de comum acordo com sua própria natureza, ou seja, com o mesmo que sua
essência natural. Aqui começa a ser construída a teoria platônica das ideias, partindo da
teoria da linguagem da ‘Justeza dos Nomes”, Platão chega a uma nova estrutura da
linguagem que passa desde a afirmação do conceito de alma, estabelece o diálogo como
O que Sócrates irá demonstrar nesta parte do texto, é que o método etimológico é
apenas uma engenhosidade humana. Crátilo irá aplicar a aproximadamente 140 nomes
esse método, insinuando a imitação da essência das coisas por meio dos sons e das
sílabas, proposta pelo próprio Sócrates, um exercício extenso, que ocupa boa parte do
Sócrates irá questionar Crátilo, no sentido em que este acredite que quem conhece o
No entanto, Sócrates negará que não é por meio de seus nomes que devemos procurar
conhecer ou estudar as coisas, mas, de preferência, por meio delas próprias (439).
Aqui, vemos Platão proceder à bipartização do mundo, pois, se de um lado as coisas têm
o seu nome próprio, estes devem ser encontrados nelas mesmas, em suas essências.
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coisas, Sócrates reverterá essa verdade no sentido de estabelecer uma relação entre o
significado para nome, tem apenas o sentido de instrumento para informar a respeito das
coisas, e também para separá-las de acordo com sua natureza, apenas como ‘techné’
Não uma gramática qualquer, própria a dizer as coisas em geral, em Crátilo, Platão
encontraremos Nietzsche e sua peleja com a metafísica, mas num sentido muito
faz de um modo bem distinto deste que acima descrevemos. Somente a partir de ‘
Humano, demasiado humano’, Nietzsche começará uma luta radical contra a metafísica,
profundo.
de exprimir uma realidade mais essencial, a Vontade. Assim como Platão, também
Nietzsche irá construindo uma nova linguagem à medida de sua temática e de seu
tragédia grega segundo seus padrões, mas determinará um novo sentido de interpretação
sua posição radical assumida desde os intermédios de sua obra até fundador de uma
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e das tradições. Dentre seus alvos, o mais reconhecido é mesmo o da metafísica e seus
fundamentais que estruturam seu texto: o apolíneo e o dionisíaco. Essas duas forças da
Algumas outras oposições irão marcar distinções metafísicas nesta obra: essência e
ser.
impulsos apolíneos e dionisíacos em suas linhas gerais, para então desenvolvermos com
Paralelo aos estudos das artes, preexiste uma oposição fisiológica que sobredetermina as
delicioso êxtase que toma conta do homem ao ser rompida a individuação e ser
sua força, temos: “o princípio da razão”, que organiza as aparências fenomênicas por
meio da causalidade, Nietzsche irá propor a sua ruptura por meio do desgoverno
inserido pelo movimento dionisíaco que, por meio de suas beberagens e licenciosidade
que assegura a constituição das formas sensíveis é suspenso, e a ordem que compõe o
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artística é a dionisíaca por excelência . Por outro lado, a música era conhecida como arte
predominância da harmonia.
elemento dionisíaco tornou-se o que de mais grotesco existisse contra aquele poder.
momento, o grego apolíneo que até aqui se aterrorizava com esse pavor, torna-se
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A expressão ‘Véu de Maya’ ou o “véu da ilusão” tem sido utilizada no significado de esconder a
realidade das coisas em sua essência, e nos vem da sabedoria hindu, dizendo que o mundo não é
exatamente aquilo que vemos, e sua realidade talvez não seja o que somos levados a crer.
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Expressão schopenhauriana: Ur-Einen. Ao longo do texto, Nietzsche recorre reiteradamente ao termo
Ur. Ele não foi transposto invariavelmente por “primordial”, sendo alternado por “primigênio”,
“original” ou “primevo”.
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própria para a representação de estados apolíneos, como os da cítara. Mas eis que
Em séries cíclicas, desde a Idade de Bronze, o impulso apolíneo vem sendo o propulsor
Mas como, face a tragédia ática e o ditirambo dramático, alvo de ambos os impulsos,
de arte?
encontramos dois motivos em Nietzsche para pensar o mundo moderno em suas bases.
Em relação à tragédia antiga, propõe o deslocamento de sua noção, como algo mais
abrangente que a Antiguidade, mais remota, algo como um arcaísmo. Assim, pode-se
dizer que Nietzsche não está a inventar a tragédia antiga, o que ele cria é o paradigma
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Uma unidade quase fora do tempo, e portanto uma linguagem de tipo referencial.
como linguagem do Um, representa assim, uma linguagem da força cósmica, que é
artista”, onde propõe a arte como a situação exatamente metafísica do homem. Uma
Sócrates. Nietzsche concebe o saber artístico como superior porque, além de pôr o
a roda girando da lógica. Um olho que nunca “ardeu o gracioso delírio de entusiasmo
lamenta:
Ou seja, ele aponta o vínculo com Kant e Schopenhauer como um dos aspectos
Nietzsche junto com Wagner irão propor uma nova teoria da tragédia, que vai se
O interesse de Nietzsche pela linguagem poética e musical, parte de uma concepção metafísica para
uma visão mais linguística, tal como vamos encontrar em ‘Verdade e Mentira no Sentido
Extramoral’. Nietzsche parte do fundamento metafísico para uma versão da linguagem como
Apresentaremos aqui, neste trabalho, dois textos de Nietzsche com o mesmo fim: alcançar a
que parece ser o primeiro com conteúdo anti-metafísico a utilizar-se de princípios da linguagem.
Logo a seguir Nietzsche descreve o sentido da fábula, visando a ilustrar o quão gratuito e sem
finalidade “fica o intelecto humano dentro da natureza”. Esse intelecto é humano e exaure suas
Mas de onde viria no mundo o impulso à verdade? Após algumas tentativas, o filósofo propõe o
caminho da convenção. Diante da máxima da “Guerra de todos contra todos”, a verdade surge, a
partir da designação uniforme das coisas. E, também, por meio da linguagem, surge o contraste
entre verdade e mentira. Por meio de palavras válidas, o mentiroso faz parecer o não-efetivo como
efetivo. Ou seja, o fato de proferir uma palavra em nada se assemelha com corresponder a uma
objetividade.
Aqui há uma compreensão próxima da kantiana de que não se pode aproximar da essência das
coisas.
Sendo assim, como decidir se a verdade fosse é ou não determinante na gênese da linguagem?
As divisões das coisas por gênero provam a arbitrariedade da verdade dessas determinações.
Nietzsche chama a árvore por feminina, o vegetal por masculino, e então que não há certeza nas
determinações da linguagem. Primeiro há as relações das coisas aos homens, e em seguida, as mais
audaciosas metáforas.
Pode haver coisas em si, mas mesmo que haja, nós jamais o saberemos, porque nós fomos tomados
Em relação ao conceito, ele também não diz a essência, é metafórico também. O conceito tenta
“Todo conceito nasce por igualação do não igual”. A folha, por exemplo, nasce da ideia de que,
desprezadas as diferenças em cada uma delas, haveria uma ideia de “folha”, e nenhuma delas
Os conceitos utilizados pelos filósofos são produtos de uma linguagem que na realidade nada tem
de objetivo, dada sua natureza metafórica, esquecida pelo ser humano. Deste modo, tal
esquecimento reforça o fato de que na realidade, este mundo verdadeiro nunca existiu, e o anseio
pela verdade, tão presente no pensamento ocidental, nada mais é do que o anseio por uma ilusão.
Podemos conceber que esse esquecimento presente na estrutura das metáforas, permite que
Nietzsche chame o instinto de verdade, e a crença que os homens podem descrever, de realidade.
E, para Nietzsche, a verdade equivale à mentira, quando esta equivale a um modo de dizer as
metáforas usuais, moralmente, segundo a obrigação de mentir - tal qual uma convenção sólida.
mais necessário do que o verdadeiro. Não que seja verdadeiro ele todo, mas considerado verdadeiro.
Não uma vontade de potência que gere expansão à vida, mas que serve à conservação.
Por fim, segundo o próprio Machado, somente através da crítica da vontade de verdade como
vontade negativa de potência torna possível elucidar o problema da moral, da metafísica, da ciência.