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TRABALHO 1 – FABIANO LEMOS.

Registrando o diálogo de Platão, ‘Crátilo’, acerca da “Justeza dos Nomes”; pretendemos

seguir percorrendo o breve espaço histórico de tempo da modernidade, nos textos de

Nietzsche, que vai desde sua primeira obra de 1872, ‘ O Nascimento da Tragédia’, até

alcançarmos seu texto não publicado de 1873, ‘ Verdade e Mentira no Sentido

Extramoral’; e assim, abranger a temática da metafísica e da linguagem nesses autores.

Entendendo que o problema da construção da linguagem está estritamente relacionada

aos inícios da metafísica, partiremos de Platão, e seu texto Crátilo, com o intuito de

ilustrar essa questão entre a determinação dos nomes e sua justeza com as coisas. A

situação da correspondência é dos mais antigos que existem, e aqui neste diálogo são

perscrutados, a princípio, duas teses sobre a “Justeza dos Nomes”: em primeiro lugar a

do naturalismo, em que os nomes têm relação direta com as coisas com que foram

nomeadas; e, a do convencionalismo, a do nomos, a da lei dos homens

“nenhum nome é dado por natureza a qualquer coisa, mas pela lei e o costume dos
que se habituaram a chamá-la dessa maneira”

A princípio não há maiores problemas: duas teorias antagônicas e duas personagens,

Crátilo e Hermógenes, lutando por seus dois pontos de vista. A questão está em que nos

aparece uma terceira figura, o moderador, precisamente Sócrates, que por meio da

dialética irá ponderar uma terceira via, que asseverará nem tanto o nominalismo quanto

o convencionalismo, mas afirmará a certeza das essências. Aqui, Platão na boca de

Sócrates, estará a introduzir a teoria da verdade pela primeira vez, não mais no sentido
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heraclitiano, nem tampouco no da tragédia ática, mas através da construção de um novo

propósito de verdade, que passará pela noção de ser.

De certa forma, Sócrates confirma com Crátilo de que o nomear é uma ação e precisa

estar de comum acordo com sua própria natureza, ou seja, com o mesmo que sua

essência natural. Aqui começa a ser construída a teoria platônica das ideias, partindo da

teoria da linguagem da ‘Justeza dos Nomes”, Platão chega a uma nova estrutura da

linguagem que passa desde a afirmação do conceito de alma, estabelece o diálogo como

método, e culmina no estabelecimento da ideia enquanto verdade.

De um momento puramente linguístico, parte-se para uma realidade sumamente

metafísica. É dito que de uma estrutura eminentemente gramatical, constrói-se um

argumento filosófico. No caso do diálogo em questão, dada a presença dos sofistas no

cenário da ‘pólis’, há a impossibilidade do conhecimento através da linguagem, uma vez

que, para estes, basta falar para dizer a “verdade”.

O que Sócrates irá demonstrar nesta parte do texto, é que o método etimológico é

apenas uma engenhosidade humana. Crátilo irá aplicar a aproximadamente 140 nomes

esse método, insinuando a imitação da essência das coisas por meio dos sons e das

sílabas, proposta pelo próprio Sócrates, um exercício extenso, que ocupa boa parte do

diálogo, e que será fundamental para problematizar o naturalismo linguístico.

Sócrates irá questionar Crátilo, no sentido em que este acredite que quem conhece o

nome conhece também a coisa(435e).

No entanto, Sócrates negará que não é por meio de seus nomes que devemos procurar

conhecer ou estudar as coisas, mas, de preferência, por meio delas próprias (439).

Aqui, vemos Platão proceder à bipartização do mundo, pois, se de um lado as coisas têm

o seu nome próprio, estes devem ser encontrados nelas mesmas, em suas essências.
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Assim, de um sentido corrente, o de que quem conhece as palavras, conhece também as

coisas, Sócrates reverterá essa verdade no sentido de estabelecer uma relação entre o

mundo das ideias, as coisas e os nomes.

A linguagem, portanto, segundo o ‘onoma’, um pequeno átimo grego que dá o

significado para nome, tem apenas o sentido de instrumento para informar a respeito das

coisas, e também para separá-las de acordo com sua natureza, apenas como ‘techné’

ligada ao mundo, somente assim poderá a linguagem operar sobre ele.

Não uma gramática qualquer, própria a dizer as coisas em geral, em Crátilo, Platão

introduzirá uma linguagem que proporcionará a inserção da palavra filosófica, com

conceitos, estruturas e um sentido inaugural que estabelecerá um pensamento inédito e

encontraremos Nietzsche e sua peleja com a metafísica, mas num sentido muito

especial, no início de suas obras, quando a apropriação do mundo metafísico ainda se

faz de um modo bem distinto deste que acima descrevemos. Somente a partir de ‘

Humano, demasiado humano’, Nietzsche começará uma luta radical contra a metafísica,

em todos os seus contornos. Antes, sobretudo sob a tutela da filosofia de Schopenhauer,

a metafísica foi incorporada por Nietzsche à estrutura de seu primeiro trabalho,

entendendo-se inclusive o sentido metafísico kantiano, reproduzindo um pensamento

profundo.

Significativamente, algumas figuras de ‘O Mundo como Vontade e Representação’,

reaparecerão em ‘O Nascimento da Tragédia’ sob novas formas, é o caso da Vontade no

lugar da “vontade helênica”, ou o da figura da aparência, substituindo o conceito de

representação, ou mesmo quando se introduzirá a figura do Uno-primordial no intuito

de exprimir uma realidade mais essencial, a Vontade. Assim como Platão, também

Nietzsche irá construindo uma nova linguagem à medida de sua temática e de seu

conteúdo. Como no caso da metafísica, Nietzsche não irá propriamente construir a


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tragédia grega segundo seus padrões, mas determinará um novo sentido de interpretação

para o fenômeno, que não necessariamente coincide com a Antiguidade.

Precisamos distinguir o sentido que a noção de metafísica assume na filosofia de

Nietzsche em seus primórdios, para enfim compreendermos o sentido e o significado de

sua posição radical assumida desde os intermédios de sua obra até fundador de uma

verdade inaugural de uma tradição: a metafísica; fundada no Ser e nas Ideias.

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Comumente conhecemos Nietzsche como um filósofo iconoclasta e destruidor da moral

e das tradições. Dentre seus alvos, o mais reconhecido é mesmo o da metafísica e seus

derivados, como a religião, as artes e os ideais suprassensíveis. Aqui neste trabalho,

tendo partido do diálogo de Platão, tentaremos entender essa presença da metafísica e

relacioná-la ao problema da linguagem.

No caso, aqui neste trabalho, nos especificaremos no início da filosofia de Nietzsche,

com os textos de ‘O Nascimento da Tragédia’ (1872), e, de ‘Verdade e Mentira no

sentido Extramoral’ (1873). Compreendendo duas ênfases da metafísica nessas obra:, a

situação da bipolarização dos conceitos apolíneos e dionisíacos na primeira; e, detendo-

nos no problema significativo da verdade no segundo.

No sentido de abordarmos o centro fulcral da obra inicial de Nietzsche, ‘O Nascimento

da Tragédia’, pretendemos abordar o antagonismo dos dois impulsos1i artísticos

fundamentais que estruturam seu texto: o apolíneo e o dionisíaco. Essas duas forças da

natureza, originam-se e divergem das duas divindades gregas : Apolo e Dioniso.

Algumas outras oposições irão marcar distinções metafísicas nesta obra: essência e

aparência, coisa-em-si e fenômeno, vontade e representação, e, o par, apolíneo e


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Na tradução utilizada por nós, de J. Guinsburg,, há uma nota, em seu número 16, em que este o
tradutor explica a sua preferência em traduzir Trieb por “impulso” e não por “instinto”, dada à carga
biologizante que este último vocábulo encerra.
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dionisíaco, ligando-se o primeiro às aparências e o outro à essência mais profunda do

ser.

Resumindo suas características e propriedades mais fundamentais, com o intuito de

explorar suas relações com a linguagem e suas expressões em geral, delinearemos os

impulsos apolíneos e dionisíacos em suas linhas gerais, para então desenvolvermos com

mais cuidado os demais conceitos metafísicos que determinam essa filosofia,

remanescentes ainda da tradição schopenhauriana.

O “princípio da razão”; o “princípio individuationis”; e, o “Uno-primordial”.

Paralelo aos estudos das artes, preexiste uma oposição fisiológica que sobredetermina as

regiões do apolíneo e do dionisíaco: o universo do sonho e o da embriaguez. Retomando

a linguagem do sonho e do êxtase anunciados, próprios dos deuses Apolo e Dioniso; em

contraposição à medida e à composição de belas formas próprias à atividade fabuladora

do sonho, próprias a Apolo ; o dionisíaco se manifesta através do terror total, próprio do

delicioso êxtase que toma conta do homem ao ser rompida a individuação e ser

suspendido o princípio da razão que governa as aparências fenomênicas.

E, em relação aos três princípios mais fundamentais da filosofia de Schopenhauer, que

Nietzsche se apropria no sentido de fazer aparecer o fenômeno do dionisíaco em toda

sua força, temos: “o princípio da razão”, que organiza as aparências fenomênicas por

meio da causalidade, Nietzsche irá propor a sua ruptura por meio do desgoverno

inserido pelo movimento dionisíaco que, por meio de suas beberagens e licenciosidade

sexual, rompe com as relações de tempo e espaço, estabelecendo o êxtase.

Outra ruptura percebida na ordem manifesta do mundo, destacada pelo fenômeno

dionisíaco é aquele do principio individuationis, ou da individuação, onde o princípio

que assegura a constituição das formas sensíveis é suspenso, e a ordem que compõe o
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mundo fenomênico é desagregada. O homem tem acesso direto ao âmago do mundo. O

princípio da individuação é o mais próprio do apolíneo.

E, por fim, na imersão do êxtase generalizado, os seguidores de Dioniso são levados

pela torrente do canto e da dança, rompem-se as barreiras entre os homens – como se o

Véu de Maia2 tivesse sido rasgado, esvoaçasse diante do misterioso Uno-primordial3

(Un-Einen ). O Uno-primordial é identificado com a Vontade. O essencial que resta ao

fim das manifestações fenomênicas.

Assim, o dionisíaco é esse que também é identificado à vontade. A “vontade helênica”

não é diferente da própria Vontade. Uma interpretação nietzschiana. Embora a sua

rivalidade independa da mediação do artista, manifesta-se nas obras de arte, produzidas

pelo figurador plástico – a arte tipicamente apolínea –; enquanto na música, a produção

artística é a dionisíaca por excelência . Por outro lado, a música era conhecida como arte

apolínea, uma batida ondulante do ritmo, se insurge o padrão da música em geral, da

música dionisíaca com a violência de seu som, a propriedade de sua melodia e

predominância da harmonia.

Durante algum tempo os gregos permaneceram protegidos pelas forças de Apolo. E o

elemento dionisíaco tornou-se o que de mais grotesco existisse contra aquele poder.

No entanto, um novo mundo de símbolos se insurge e crescem as forças simbólicas da

música. O homem deseja desalinhar-se de si próprio e aderir a essas forças. Nesse

momento, o grego apolíneo que até aqui se aterrorizava com esse pavor, torna-se

familiar ao mundo dionisíaco

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A expressão ‘Véu de Maya’ ou o “véu da ilusão” tem sido utilizada no significado de esconder a
realidade das coisas em sua essência, e nos vem da sabedoria hindu, dizendo que o mundo não é
exatamente aquilo que vemos, e sua realidade talvez não seja o que somos levados a crer.
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Expressão schopenhauriana: Ur-Einen. Ao longo do texto, Nietzsche recorre reiteradamente ao termo
Ur. Ele não foi transposto invariavelmente por “primordial”, sendo alternado por “primigênio”,
“original” ou “primevo”.
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própria para a representação de estados apolíneos, como os da cítara. Mas eis que

“Apolo não podia viver sem Dioniso!” (N.T., 4 – p.41)

Em séries cíclicas, desde a Idade de Bronze, o impulso apolíneo vem sendo o propulsor

de um mundo glorioso, e, em seguida, engolido pelas forças invasoras do dionisíaco.

Mas como, face a tragédia ática e o ditirambo dramático, alvo de ambos os impulsos,

conjugaram-se, e após luta provisória, vivificaram-se e se uniram em tão supostas obras

de arte?

“ O encantamento dionisíaco musical do dormente lança agora à


sua volta como que centelhas de imagens, poemas líricos, que em
seu mais elevado desdobramento se chamam tragédias e ditirambos
dramáticos”. (N.T.; §5, p.44).

“ O artista plástico, e simultaneamente o épico, seu parente, está


mergulhado na pura contemplação das imagens. O músico
dionisíaco inteiramente ausente de toda imagem, é ele próprio dor
primordial e eco primordial desta”. (N.T; §5, p.45).

Desse modo, na história linguística do povo grego, identificamos duas correntes

principais: a linguagem como tendo o fundo da aparência e da imagem ou da música.

Refletindo sobre esse duplo aspecto do mundo grego, a tragédia e a música,

encontramos dois motivos em Nietzsche para pensar o mundo moderno em suas bases.

Em relação à tragédia antiga, propõe o deslocamento de sua noção, como algo mais

abrangente que a Antiguidade, mais remota, algo como um arcaísmo. Assim, pode-se

dizer que Nietzsche não está a inventar a tragédia antiga, o que ele cria é o paradigma
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arcaico da tragédia antiga – o que Nietzsche chama de Uno-primordial (Un-Einen).

Uma unidade quase fora do tempo, e portanto uma linguagem de tipo referencial.

Nesse sentido, a referencialidade torna-se um problema em ‘ O Nascimento da

Tragédia’. Nietzsche busca um elemento não discursivo como fundamento na leitura da

Antiguidade, como o Un-Einen, por exemplo. Tendo essa compreensão da linguagem

como linguagem do Um, representa assim, uma linguagem da força cósmica, que é

apreendida na obra de arte.

Nietzsche nos apresenta em sua obra uma concepção denominada de “metafísica de

artista”, onde propõe a arte como a situação exatamente metafísica do homem. Uma

contraposição à metafísica propriamente dita e à ciência. Em dado momento, Nietzsche

concebe como metafísica clássica, o saber racional e científico, fixando-os na figura de

Sócrates. Nietzsche concebe o saber artístico como superior porque, além de pôr o

homem em contato direto com as questões existenciais, proporciona a experiência

dionisíaca ao homem e ao artista.

Nietzsche refaz a linha da morte da tragédia grega desde Eurípedes e Sócrates.

Eurípedes importa a “estética racionalista” de Sócrates, e faz deste seu espectador

privilegiado. O Socratismo despreza o instinto, e assim, como ele, Eurípedes assinala o

padrão do belo, do consciente e racional. Ou seja, no propósito do tragediógrafo e do

filósofo, tudo era da ordem do entendimento, do conceito e da razão.

“Assim, o estudo da relação entre metafísica de artista e


metafísica conceitual, que tem como ponto de partida a crítica
do socratismo estético, vai muito mais longe do que uma
simples questão de estética, remetendo, em última instância,
como sempre em Nietzsche, ao problema da verdade”.
(MACHADO, 2002, P.31).
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Segundo Nietzsche, Sócrates seria o não-místico por excelência. Alguém em quem se vê

a roda girando da lógica. Um olho que nunca “ardeu o gracioso delírio de entusiasmo

artístico”, quiçá ser tocado pelos abismos dionisíacos.

Aqui o pensamento filosófico ultrapassa a arte e a subjuga à necessidade da dialética.

Neste momento de Nietzsche face ao racionalismo e à ciência, pode-se dizer, também

estar-se presente um início de crítica à metafísica em seu sentido ‘stricto’.

Em dado momento de sua obra, em seus “Comentários Autocríticos”, Nietzsche

lamenta:

”não ter permitido uma linguagem própria para intuições e


atrevimentos tão próprios”,

Ou seja, ele aponta o vínculo com Kant e Schopenhauer como um dos aspectos

problemáticos de ‘ O Nascimento da Tragédia’. Assim, se por um lado o diálogo que se

estabelece entre aqueles filósofos e Nietzsche é eminentemente terminológico, as

conclusões a que este chega, especialmente no tocante à tragédia , divergem em tudo da

direção de seus mestres.

A linguagem musical que inspira Nietzsche é a de Schopenhauer e, sobretudo, aquela

trágica de Wagner. O mito da tragédia, o mito do povo, enfim, o mito da nacionalidade,

sustentarão o mito da Antiguidade, que darão o suporte do arcaísmo que construirá a

verdade de Nietzsche sobre o seu mito trágico. Aliás, o arcaísmo em Nietzsche é um

que propõe a sustentação da Antiguidade, e não nenhuma verdade histórica, algo

anterior à própria Antiguidade.

Nietzsche junto com Wagner irão propor uma nova teoria da tragédia, que vai se

desenvolver nas bases das teorias não-representacionais da tragédia.


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No drama musical wagneriano, Nietzsche reconhece o ressurgimento do espírito trágico

antigo, o que alimenta sua esperança de promover uma renovação cultural.

Nietzsche acredita que através da música alemã – de “Bach a Beethoven e de Beethoven

a Wagner” – a cultura grega poderia revivificar o espírito dionisíaco.

Nietzsche se dedica à elevação do trágico na cultura alemã. E deposita suas esperanças

em Wagner e esse renascimento da tragédia.

Aspectos que unem a filosofia de Nietzsche ao projeto artístico de Richard Wagner: o

significado da revitalização da cultura grega, a projeção dessas propostas no futuro, a

criação de um novo tipo de homem, e a transformação e crítica dos valores modernos.


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O interesse de Nietzsche pela linguagem poética e musical, parte de uma concepção metafísica para

uma visão mais linguística, tal como vamos encontrar em ‘Verdade e Mentira no Sentido

Extramoral’. Nietzsche parte do fundamento metafísico para uma versão da linguagem como

relação de signos e símbolos.

Apresentaremos aqui, neste trabalho, dois textos de Nietzsche com o mesmo fim: alcançar a

compreensão metafísica em seus primeiros trabalhos e relacioná-la à linguagem. Após a abordagem

breve de ‘O Nascimento da Tragédia’. Seguimos com o texto de ‘Verdade e Mentira no sentido

Extramoral’, não publicado, de 1873,

que parece ser o primeiro com conteúdo anti-metafísico a utilizar-se de princípios da linguagem.

O texto inicia-se, pela força ficcional, a partir de uma fábula:

“ Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em


um sem número de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que
animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais
soberbo e mais mentiroso da “história universal”: mas também foi
somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-
se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer”. ( V.M.E, §1º,
p.31)

Logo a seguir Nietzsche descreve o sentido da fábula, visando a ilustrar o quão gratuito e sem

finalidade “fica o intelecto humano dentro da natureza”. Esse intelecto é humano e exaure suas

funções em sua antropocentricidade”.

Mas de onde viria no mundo o impulso à verdade? Após algumas tentativas, o filósofo propõe o

caminho da convenção. Diante da máxima da “Guerra de todos contra todos”, a verdade surge, a

partir da designação uniforme das coisas. E, também, por meio da linguagem, surge o contraste

entre verdade e mentira. Por meio de palavras válidas, o mentiroso faz parecer o não-efetivo como

efetivo. Ou seja, o fato de proferir uma palavra em nada se assemelha com corresponder a uma

objetividade.
Aqui há uma compreensão próxima da kantiana de que não se pode aproximar da essência das

coisas.

Podemos compreender que a linguagem corresponda à toda a realidade? A hipótese de Nietzsche é

de que toda palavra seja uma metáfora.

Sendo assim, como decidir se a verdade fosse é ou não determinante na gênese da linguagem?

As divisões das coisas por gênero provam a arbitrariedade da verdade dessas determinações.

Nietzsche chama a árvore por feminina, o vegetal por masculino, e então que não há certeza nas

determinações da linguagem. Primeiro há as relações das coisas aos homens, e em seguida, as mais

audaciosas metáforas.

“Um estímulo nervoso, primeiramente transposto em imagem! Primeira


metáfora! A imagem por sua vez, modelada em som! Segunda metáfora.
E a cada vez completa mudança de esfera, passagem para uma esfera
inteiramente outra e nova”. ( V.M.M., §1º, p,33).

Pode haver coisas em si, mas mesmo que haja, nós jamais o saberemos, porque nós fomos tomados

pelo acorde de nossa organização sensorial.

Em relação ao conceito, ele também não diz a essência, é metafórico também. O conceito tenta

estagnar o que é fluido, sendo extático.

“Todo conceito nasce por igualação do não igual”. A folha, por exemplo, nasce da ideia de que,

desprezadas as diferenças em cada uma delas, haveria uma ideia de “folha”, e nenhuma delas

corresponderia “à cópia fiel da forma primordial”. Nietzsche afirmará que a desconsideração do

individual e efetivo nos dá o conceito.

Os conceitos utilizados pelos filósofos são produtos de uma linguagem que na realidade nada tem

de objetivo, dada sua natureza metafórica, esquecida pelo ser humano. Deste modo, tal

esquecimento reforça o fato de que na realidade, este mundo verdadeiro nunca existiu, e o anseio

pela verdade, tão presente no pensamento ocidental, nada mais é do que o anseio por uma ilusão.
Podemos conceber que esse esquecimento presente na estrutura das metáforas, permite que

Nietzsche chame o instinto de verdade, e a crença que os homens podem descrever, de realidade.

E, para Nietzsche, a verdade equivale à mentira, quando esta equivale a um modo de dizer as

metáforas usuais, moralmente, segundo a obrigação de mentir - tal qual uma convenção sólida.

Mas, então, repetimos: - De onde vem o sentido da verdade?

Segundo a interpretação de MACHADO (2002), a vontade de verdade, é a crença de que nada é

mais necessário do que o verdadeiro. Não que seja verdadeiro ele todo, mas considerado verdadeiro.

“A teoria nietzschiana da ciência é, portanto, uma genealogia da vontade


de verdade que pretende determinar sua origem e seu valor a partir da
vontade de potência”. (MACHADO, 2002, p.76).

Não uma vontade de potência que gere expansão à vida, mas que serve à conservação.

Por fim, segundo o próprio Machado, somente através da crítica da vontade de verdade como

vontade negativa de potência torna possível elucidar o problema da moral, da metafísica, da ciência.

Só o questionamento do valor da verdade é capaz de superar o niilismo.

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