Você está na página 1de 5

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL

CAMPUS ERECHIM

COMPONENTE CURRICULAR: GCH1483 - FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA I

TURMA: FILOSOFIA

ALUNA: KAREN DE LIMA BORGES

1- Analise o fragmento do texto de Nietzsche que segue referente a "Deus está morto"
("Gott ist tot") e a relação com os seguintes conceitos: Vontade de poder ou de potência
"Der Wille zur Macht”, Eterno retorno / Ewige Wiederkunft, Super Homem é o termo
Übermensch e Zaratustra.

“Assim falou Zaratustra. Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou
fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o
mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos
golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos
lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A
grandiosidade deste ato não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós
próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu ato mais grandioso,
e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste ato, de uma
história superior a toda a história até hoje!” A gaia ciência, § 125.

Ao analisar a frase: “Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou
fomos nós!”, quem anuncia a “morte de Deus” é o próprio “homem louco”, no qual possui
menção nas partes anteriores deste mesmo aforismo. A simbologia do “homem louco” no
aforismo em questão indica primeiramente uma fase entre o “homem morto” que era
aquele que precisava “matar” seus referenciais enrijecidos e dualizados, e entre o “ultimo
homem” que era aquele antes da chegada do “super-homem”. Era necessário o declínio
de uma concepção de homem, para se chegar ao homem “criador”, o “super-homem”. O
“homem louco” nasce então após a morte do Apolíneo e dos dogmas cristalizados da
religião. Ele fica tresloucado ao lançar-se à incerteza e ao abandono dos antigos valores
para buscar novos sentidos. Esse encontra-se no inicio do desenvolvimento da “vontade
de potência” e “amor fati”. Além disso, este “homem louco” também pode ser visto como
uma metáfora que utiliza como personagem o filósofo Diógenes de Sinope, que com sua
lanterna iluminou o pensamento nietzschiano. Alusão a quando Diógenes teria andado
com uma lanterna durante o dia proferindo sua famosa frase: “procuro um homem!”
Sugere-se que o contato de Nietzsche com o cinismo, como alegado por
alguns intérpretes contemporâneos, ultrapassa o mero interesse histórico, o
que significa dizer que ele não só pensou sobre, mas também incorporou
algumas potencialidades da filosofia cínica, especialmente no que se refere
ao seu arsenal de crítica dos valores.1

Nesse sentido, a concepção da “morte de Deus” constatada, indica a derrocada de


todos aqueles valores absolutos que se encontravam desde a antiguidade até a
modernidade. Essa decadência ocorre após o período medieval e ascensão do
Iluminismo como protagonista da época. A “morte de Deus” pode ser vista de diversas
perspectivas. Em um primeiro momento, destaca-se como a mudança de paradigma
ocorrida da antiguidade para a modernidade, onde o humano moderno substitui a fé em
Deus e toda teologia e intenta responder as questões do mundo e da natureza usando o
viés científico.

[…] o homem moderno substitui a fé em Deus (teologia), pela fé no homem


(ciência), já que é ele mesmo quem instaura a ciência e lhe dá validade,
concedendo-lhe estatuto de verdade. Conseqüentemente, desaparecem os
valores absolutos, as essências, os fundamentos divinos, os dogmas, dando
lugar à idéia de progresso, de qualidade de vida, de evolução histórica, de
controle e mensuração da vida.2

A “morte de Deus” é a morte da representação cristã dogmática que escravizou o humano


por tanto tempo e lhe impediu a transcendência dos valores. Aquela óptica dualista de
mundo que mascarava a vida do homem no agora, dando-lhe a crença em um mundo pós
vida. Friedrich Nietzsche criticava duramente esta perspectiva que terceirizava a vida na
espera de uma vida perfeita fora da terra. Essa ideia pode ser vista também nas obras de
Platão com sua teoria de ‘Mundo Inteligível’ e ‘Mundo Sensível’.
Ainda, como se pode observar, a “morte de Deus” também transpassa âmbitos filosóficos.
Nietzsche rejeitava qualquer ideia metafísica até mesmo na filosofia, pois era um filósofo
da vida e tudo que se encontrava além era, para ele, contra vida. Assim, também não
ficou de fora da crítica nietzschiana os grandes sistemas filosóficos, como os de
Immanuel Kant, Sócrates, entre outros. Por tratarem-se de correntes filosóficas fechadas
que não dialogavam com o mundo, para o filósofo estes não conseguiam fornecer
resposta alguma ao humano. Pelo contrário, permeavam um idealismo que fugia da vida e
1
“Nietzsche e a lanterna de Diógenes”, 2012, Daniel Filipe Carvalho, p.1.
2
“Para Além da Morte de Deus”, Martha de Almeida, 2009, p. 2.
do mundo e aqui observa-se uma grande oposição a Kant e seu ‘Idealismo
Transcendental’.
Em continuidade “Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós!”, ao dizer que
“Deus continua morto” enfatiza que apesar da representação de “Deus” estar “morta”, os
valores e morais cristalizados ainda se mantiveram. O humano moderno pode ter perdido
a representação do Deus cristão, mas os valores embutidos nessa crença se alastraram e
caso não fossem os valores cristãos a guiar o homem moderno, este tratava de adquirir e
perseguir novos valores absolutos. A partir daí que a figura do “homem louco” anuncia a
“morte de Deus” e quem “mata” este é o próprio homem moderno e também o “homem
louco”. Ou seja, quem “mata Deus” são aqueles que abdicam e questionam os costumes
Apolíneos e o homem moderno com sua ciência a desmistificar o mundo e toda verdade
absoluta. O termo Apolíneo-dionisíaco refere-se a dicotomia dos valores, onde a figura de
Apolo era um deus advindo das mitologias gregas que pode ser traduzido como a
contemplação harmônica do belo propriamente dito e a figura do dionisíaco representava
o deus Dionísio, deus do vinho, das festas, dos prazeres, do instinto e da devastação.
Este conceito foi desenvolvido na obra O Nascimento da Tragédia (1872) de Friedrich
Nietzsche.
Mas veja que apesar de Nietzsche considerar a modernidade como parte contribuinte
para a “morte de Deus”, ele ainda considerava a racionalidade como negativa, pois era
alicerce do modelo civilizatório ocidental e deixava de considerar questões importantes ao
humano como por exemplo: o corpo, instinto, sentimentos, etc. Novamente parecia que a
dicotomia se instaurava e agora entre razão e sentimento. Nietzsche também faz duras
críticas ao movimento positivista pelo mesmo viés:

Nietzsche critica o método científico utilizado pela ciência positivista porque,


segundo o filósofo, ele é responsável pela cisão entre o conhecimento e a
vida, isto é, entre o fato, puramente objetivo, comprovável cientificamente, e
o sujeito do conhecimento, a subjetividade humana, a interioridade daquele
que conhece.3

Prosseguindo, em referência ao ato de “nos tornarmos deuses” mostra a figura


daquele humano “criador” que Nietzsche virá a desenvolver posteriormente com mais
clareza no Assim Falou Zaratustra. Esta é a figura do humano que cria seus valores e
toma as rédeas da sua própria vida, o “Super-Homem”. Pode-se compreender melhor
nestes dois trechos da obra Assim Falou Zaratustra: “Os bons têm de crucificar aquele

3
“Nietzsche, pensador crítico da ciência e da história na modernidade”, Raylane Marques Sousa, 2014, p. 4.
que inventa sua própria virtude!”4 e também: “Àquele que cria odeiam eles mais que tudo:
àquele que quebra tábuas e velhos valores, ao quebrador – a ele chamam infrator.” 5
Somente estes novos homens é que estariam preparados para este “grande ato” e
estariam mais elevados, pois com a derrocada dos valores até então fixos, abriria uma
lacuna para a criação dos próprios valores sem mais depender daquela dicotomia
apolíneo-dionisíaca. Por isso é que o “homem louco” anuncia que “vem cedo demais”,
pois o homem moderno ainda era “filho do seu tempo” e estava sempre procurando
valores absolutos para não ficar desamparado.
A partir deste ato que derruba os valores enrijecidos é que aqueles que nasceriam
depois poderiam fazer parte de uma “história mais elevada”. Por isso, é que o “Super-
Homem” poderia nascer. Este “Super-Homem” ou também do alemão ‘Übermensch’ seria
aquele que nasceria depois do “último homem”, sendo a última etapa proposta por
Nietzsche. Este estaria além da percepção apolíneo-dionisíaca, o que indica que estaria
além do bem e do mal ou de quaisquer morais e dogmas apoiados na sociedade. Como
viu-se anteriormente, o ‘Übermensch’ é um ‘criador’ que transvalora os valores criando as
suas próprias morais. Dotado de uma ‘vontade de potência’ que é intrínseca a este,
possui um impulso vital e uma força que o possibilitaria uma superação das adversidades
da vida e de todo dogmatismo limitante. A ‘vontade de potência’ refere-se a uma
expressão de força e poder, porém não cabe aqui uma interpretação de força como força
física. O “super-homem” nunca recairia a uma ‘decadência’ assim como acontece com o
homem moderno, essa ‘decadência’ era consequência de uma “vontade de potência”
declinante. Em conformidade, era o “super-homem” que se empossaria do “amor fati” e da
ideia de “eterno retorno” como fundamento da vida.
“Amor Fati” é um conceito em Latim que significa ‘amor ao fado’ e pode ser
compreendido como amar o caminho e até mesmo os impecilhos encontrados nesse. Tal
conceito é melhor expresso no aforismo 276 da obra A Gaia Ciência:

Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas
coisas. Amor-fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não
quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo
acusar os acusadores. Que minha única negação seja desviar o olhar! E,
tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz
Sim!“6

4
Assim falou Zaratustra (ZA), 2018, p. 203.
5
Ibidem, p. 204.
6
A Gaia Ciência (GC), 2011, p. 187.
O conceito do "Eterno Retorno", proveniente da escola filosófica estoica, é um pilar
na filosofia de Nietzsche. Ele explora a possibilidade de a existência ou a vida se
repetirem infinitamente em um padrão cíclico, questionando se seria viável amá-la ou
negá-la nesse contexto. Para os estoicos, o conceito do "Eterno Retorno" refletia sua
crença na recorrência cíclica do universo, onde tudo acontecia em um ciclo eterno de
nascimento, morte e renascimento. Eles acreditavam que todas as coisas que ocorreram
no passado ocorreriam novamente no futuro, devido à repetição infinita desse ciclo
cósmico. Isso influenciou sua visão da vida e da natureza, levando-os a buscar uma
aceitação serena do destino e a viver de acordo com a virtude, independentemente das
circunstâncias externas. No entanto, Nietzsche diverge das concepções estoicas ao
incorporar o "eterno retorno", pois enquanto os estoicos preconizavam a passividade e a
virtude, Nietzsche acreditava que não bastava apenas aceitar os infortúnios; era
necessário abraçá-los com uma intensidade e uma exaltação dionisíacas. Este conceito
também pode ser encontrado no A Gaia Ciência:
E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária
solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu a vives agora e como a
vivestes, terás de vivê-la ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de
novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo que há
de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo
na mesma ordem e sequência – e do mesmo modo esta aranha e este luar
entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna
ampulheta da existência será sempre virada outra vez”. 7

Por fim, Em "A Gaia Ciência", o "Homem Louco" e Zaratustra estão interligados
como duas perspectivas sobre a “morte de Deus” e suas consequências para a
humanidade. O "Homem Louco" é apresentado como aquele que proclama a “morte de
Deus”, revelando a ausência de um fundamento metafísico tradicional para os valores e
significados. Essa figura representa a consciência chocada com a secularização da
sociedade e a perda da autoridade divina.
Zaratustra surge como uma resposta a essa morte de Deus, oferecendo uma visão
alternativa para a humanidade. Ele emerge como um profeta que reconhece a
oportunidade na ausência divina, propondo a ideia do "eterno retorno" e a necessidade de
criar novos valores baseados na vontade de poder e na afirmação da vida. Assim,
enquanto o "Homem Louco" revela a crise de valores, Zaratustra representa a
possibilidade de uma nova orientação filosófica e existencial diante desse vácuo
metafísico.
7
A Gaia Ciência (GC), 2011, p. 179.

Você também pode gostar