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Novo Testamento

ORAÇÃO
1. CRONOLOGIA DA VIDA DE JESUS

Será possível, a partir dos “Evangelhos Sinópticos” reconstituir os 
momentos principais de toda a vida de Jesus? A resposta é 
negativa: os “Evangelhos Sinópticos” não são uma fonte para 
reconstituir historicamente a vida de Jesus. Eles são as tradições 
que possuímos sobre Jesus, transmitidas por algumas 
comunidades cristãs do século I.

Mas o historiador sempre pode, a partir dos textos sinópticos, 
ligar a vida de Jesus com a história geral da época e procurar situar 
historicamente alguns acontecimentos da vida de Jesus. 
Concretamente, pode situar com relativa precisão o nascimento de 
Jesus, a sua vida pública e a sua morte.
a) a data do nascimento de Jesus

Segundo Mateus, Jesus nasceu no reinado de Herodes, o Grande (Mt 
2,1). Ora, documentos extra‐bíblicos confirmam que Herodes morreu no 
ano 750 da fundação de Roma, o que corresponde ao ano 4 a.C..
De Lucas obtemos uma confirmação suplementar: o anúncio a 
Zacarias, pai de João Baptista, teria acontecido “nos dias de Herodes” (Lc 
1,5). Como Mateus e Lucas não são literariamente dependentes, estamos 
perante dois testemunhos diferentes de uma antiga tradição. Esta 
tradição apresenta os acontecimentos relacionados com o nascimento de 
Jesus e o de João Baptista na época do rei Herodes.
A maioria dos estudiosos aceita que Jesus tenha nascido ainda durante o 
reinado de Herodes, certamente pouco antes da morte desse rei. 
Com esses dados, podemos colocar o nascimento de Jesus 
por volta dos anos 5, 6 ou 7 a.C. Considera‐se que, por um 
erro de cálculo, um monge chamado Dionísio (séc. IV) terá 
situado o nascimento de Jesus no ano 754 da fundação de 
Roma. No entanto, por essa altura, Jesus teria já entre 5 a 7 
anos. 
Há, no entanto, um ponto obscuro, que 
confunde os nossos cálculos: Lucas relaciona 
o nascimento de Jesus com um 
recenseamento ordenado por Quirino, 
governador da Síria (Lc 2,1‐2). Ora, Quirino 
tornou‐se governador da Síria no ano 6 a.C.; e 
conhece‐se um recenseamento ordenado por 
Quirino dez anos depois da morte de 
Herodes, precisamente no ano 6 d.C.. Por 
razões várias, o recenseamento referido por 
Lucas não pode ser este.
Pode ter havido um outro recenseamento ordenado por Quirino, na época de 
Herodes? É uma hipótese a considerar. Embora Quirino só se tenha tornado 
governador da Síria no ano 6 a.C., há elementos que sugerem que ele tenha 
desempenhado outro cargo nessa província antes dessa data (alguns admitem que 
Quirino pode ter sido o legado (ou governador) romano na província romana da 
Síria entre 12 e 8 a.C.. Se, por essas alturas, ele ordenou um recenseamento, é 
natural que esse recenseamento tivesse repercussões na Judeia de Herodes por 
volta do ano 7 ou 6 a.C.). 

Uma outra hipótese apoia‐se no testemunho de Tertuliano, que situa o 
nascimento de Jesus sob o governador Sencio Saturnino. Dando crédito a Tertuliano, 
pode‐se supor que Lucas confundiu os nomes dos governadores romanos e que 
Jesus nasceu enquanto Saturnino era legado romano na Síria (o que efectivamente 
aconteceu entre 8 e 6 a.C.). 
A questão continua em aberto; no entanto, habitualmente situa‐se o nascimento de 
Jesus alguns anos antes do ano 4 a.C., um pouco antes da morte do rei Herodes.
b) a duração da vida pública de Jesus

Lucas situa com algum detalhe o início da pregação de João Baptista (a vida 
pública de Jesus não terá começado muito tempo depois): “no ano 15 de Tibério 
César, sendo Poncio Pilatos governador da Judeia” (Lc 3,1). Ora, ano 15 do 
reinado de Tibério estende‐se de 1 de Outubro do ano 27 a 30 de Setembro do 
ano 28. Foi por esta altura que começou a pregação de João Baptista; a de Jesus 
terá sido muito perto desta.

Este dado coincide, aliás, com uma indicação tirada do “Evangelho segundo 
João”: segundo este evangelho, Jesus estava no início da sua actividade quando 
os judeus lhe recordaram que haviam sido necessários 46 anos para construir o 
Templo de Jerusalém (cfr. Jo 2,20). Ora, segundo o historiador judaico Flávio 
Josefo, Herodes teria começado a construção do Templo no ano 20‐19 a. C. (cfr. 
Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, XV, 380). Assim, os 46 anos levam‐nos 
precisamente ao ano 27‐28. Logo, é bastante provável que o ministério público 
de Jesus tenha começado nesta data.
Quanto tempo durou a actividade profética de Jesus? No 
“Evangelho segundo João” há referência a três Páscoas celebradas 
por Jesus com os seus discípulos (cfr. Jo 2,13; 6,4; 13,1). Isto 
abrangeria um arco de tempo ligeiramente superior a dois anos...
No entanto, os “Evangelhos Sinópticos” apenas fazem 
referência a uma Páscoa, como se a vida pública de Jesus tivesse 
ocupado somente alguns meses... Os estudiosos dos evangelhos 
apontam que os sinópticos sejam sobretudo um esquema 
simplificado e esquemático. Prefere‐se, regra geral, as indicações 
cronológicas que nos chegam do Evangelho de João. Sendo assim 
é admissível que a vida pública de Jesus se tenha desenvolvido 
entre os anos 28 e 30.
c) a data da morte de Jesus

Os elementos provenientes dos “Evangelhos” apresentam‐nos 
dois elementos que se podem usar para tentar definir a data da 
morte de Jesus: 

* Jesus morreu quando Pôncio Pilatos era procurador da 
Judeia. Ora, sabemos que Pilatos ocupou este cargo do ano 26 ao 
ano 34 d.C.;

* Jesus morreu numa sexta‐feira. Marcos e João estão de 
acordo quanto a este ponto (Mc 15,42; Jo 19,31). 
Segundo os “Evangelhos sinópticos” (Mc 14,12; Lc 22,8.11.15), 
Jesus celebrou a ceia pascal com os seus discípulos na quinta‐
feira, ao cair da tarde, e morreu na sexta‐feira, dia de Páscoa. 
Entre os judeus, no dia 14 de Nisan fazia‐se a preparação da festa: 
imolavam‐se os cordeiros no Templo e retirava‐se das casas todo 
o fermento. Ao pôr‐do‐sol, começava a festa com a Ceia pascal. O 
dia 15 de Nisan, era o primeiro dia da festa (que durava até ao 21 
de Nisan). Ora, segundo Marcos e Lucas, o 14 de Nisan (dia da 
preparação da Páscoa) do ano em que Jesus morreu, ocorreu a 
uma quinta‐feira; e o dia 15 de Nisan (primeiro dia da Páscoa) 
ocorreu a uma sexta‐feira.
O evangelista João concorda que Jesus foi preso numa quinta‐
feira à noite e que morreu numa sexta‐feira. Mas a quinta‐feira da 
última ceia com os discípulos teria sido, segundo João, no dia 13 
de Nisan. Assim, Jesus teria morrido no dia 14 de Nisan, sexta‐
feira, data da preparação da Páscoa (14 de Nisan ‐ cfr. Jo 
19,14.31). Precisamente por isso, os judeus que levaram Jesus 
diante do tribunal romano não entraram na residência de Pilatos, 
a fim de não se contaminar e poderem celebrar a Ceia pascal 
nessa noite, ao cair da tarde (cfr. Jo 18,28). Jesus teria morrido na 
cruz no início da tarde de sexta‐feira, 14 de Nisan, quando os 
cordeiros pascais que iriam ser comidos na ceia dessa noite 
começavam a ser imolados no Templo de Jerusalém.
A maioria dos historiadores aceitam a cronologia de João: não é 
razoável pensar que os judeus tenham infringido todas as regras 
jurídicas e religiosas para julgar, condenar e executar Jesus no 
primeiro dia de Páscoa, como querem os sinópticos. Sendo assim, é 
de aceitar que Jesus tenha sido crucificado à pressa numa sexta‐
feira, 13 de Nisan, data da preparação da Páscoa. Provavelmente, 
foram motivos de ordem teológica os que levaram a tradição 
sinóptica a situar a última ceia de Jesus no contexto de uma ceia 
pascal: a última ceia de Jesus, era a celebração da Páscoa da 
libertação.
Aceitando a cronologia de João, vamos às datas. Os cálculos 
astronómicos permitem saber que o 14 de Nisan (data da 
preparação da Páscoa e, segundo João, o dia da morte de Jesus) 
ocorreu numa sexta‐feira nos anos 27, 30 e 33. O ano 27 parece 
demasiado cedo; o ano 33 parece demasiado tarde... É muito 
provável que Jesus tivesse morrido no dia 7 de Abril do ano 30, 
sexta‐feira, 14 de Nisan, dia da preparação da Páscoa dos 
judeus. Jesus teria, então, 35‐37 anos (cfr. Pierre Marie Beaude, 
Jesús de Nazaret, págs. 35‐41).
2. O “EVANGELHO DA INFÂNCIA”

Nos Evangelhos segundo Mateus e segundo Lucas, encontramos 
um conjunto de textos sobre a infância de Jesus (cfr. Mt 1,18‐2,23; 
Lc 1,26‐2,52). Esses textos apresentam um conjunto de episódios 
que, por razões várias, tiveram uma imensa popularidade entre os 
cristãos. 

Estamos diante de relatos históricos 
destinados a contar factos relativos à 
infância de Jesus?
Tudo indica que não. Esses textos não pertencem, propriamente, ao 
género “história”. Mais do que uma descrição objectiva de factos da vida 
de Jesus eles pretendem deixar‐nos uma visão teológica sobre Jesus, o 
Filho de Deus que veio ao encontro dos homens para cumprir a vontade 
do Pai. De resto, Mateus e Lucas não coincidem em nenhum episódio 
(Mateus fala de uma anunciação a José e Lucas de uma anunciação a 
Maria; Mateus fala da visita dos magos que adoram Jesus e Lucas fala de 
uma visita dos pastores ao presépio; Mateus fala de uma matança de 
crianças organizada por Herodes e da fuga de Jesus para o Egipto e Lucas 
fala da apresentação de Jesus no Templo, onde foi acolhido por Simeão e 
Ana), embora se refiram aos mesmos nomes (Jesus, Maria, José, 
Herodes, Belém, Nazaré) e, curiosamente, apresentem a mesma 
mensagem. A narração de Mateus tem como centro José (salvo Mt 2,1‐
12); a de Lucas gira à volta de Maria.
a) a crítica perante o “Evangelho da Infância”

A partir do século XIX, sobretudo, a crítica tem‐se debruçado sobre 
os textos da infância de Jesus. Tem‐se sublinhado:

* as discrepâncias e contradições entre Mateus e Lucas;
* o facto de Marcos, João e Paulo não fazerem qualquer 
referência a estas tradições;
* a teologia presente nestes textos e as contínuas referências 
ao Antigo Testamento;
* a função destes textos nos planos gerais de Mateus e de 
Lucas;
* e, principalmente, tem‐se procurado entender o género 
literário dos textos sobre a infância de Jesus.
As divergências entre os textos de Mateus e de Lucas e a 
inexistência de referências à infância no resto dos textos do Novo 
Testamento (nomeadamente em Marcos e em Paulo) levaram os 
críticos a concluir que a catequese primitiva não se interessou, 
numa primeira fase, pela infância de Jesus... Nessa fase, o kerigma 
(o anúncio sobre Jesus) e a catequese só incidiam no que os 
apóstolos testemunharam. Posteriormente, terão nascido algumas 
tradições destinadas a explicar que Jesus, desde o primeiro 
instante da sua existência, era o Messias e o Filho de Deus.
Nos Evangelhos segundo Mateus e segundo Lucas, os textos sobre 
a infância de Jesus são uma espécie de introdução teológica que 
pretende responder a uma dupla pergunta: Quem é Jesus? De onde 
vem ele?
Mateus e Lucas, dão respostas semelhantes: Jesus é o Messias 
prometido e o Filho de Deus; a sua origem está em Deus; Em Jesus, 
Deus vem ao encontro dos homens. Desde o seu nascimento, é 
reconhecido pelos pobres e pelos pagãos como o salvador, que 
vem de Deus para libertar os homens.
b) a interpretação do “Evangelho da Infância”

Hoje não se aceita que o “Evangelho da Infância” seja um relato 
fidedigno dos primeiros anos de Jesus, como foi entendido ao 
longo dos séculos passados. No entanto, também não se aceita 
que sejam lendas e mitos sem qualquer fundamento histórico, 
como procura apresentar uma certa crítica liberal.
Os estudos mais recentes falam do “Evangelho da Infância” como um género 
literário especial que se pode chamar “homologese”. A “homologese” é um 
género destinado a proclamar as realidades salvíficas que a fé prega sobre Jesus 
(que ele é o Messias, o Salvador, o Filho de Deus, o Deus connosco). Desenvolve‐
se em forma de narração e recorre às técnicas do midrash haggádico (uma 
técnica de leitura e interpretação do Antigo Testamento muito usada pelos 
rabbis judeus na época em que foi escrito o Novo Testamento). A “homologese” 
utiliza, de preferência, tipologias: factos e pessoas do Antigo Testamento (como 
Jacob, Moisés, David, Israel) encontram a sua correspondência em factos e 
pessoas do Novo Testamento (Jesus é o filho de Abraão, o herdeiro das 
promessas; Jesus é o novo Moisés, o novo libertador; Jesus é o filho de David, 
que vem restaurar o reino de seu pai...). Pelo meio misturam‐se alguns 
elementos apocalípticos (aparições, anjos, sonhos), destinados a fazer avançar a 
narração e a explicitar as ideias teológicas. É esta mistura de elementos que 
formam esse género chamado “homologese”.
O “Evangelho da Infância” é, pois, um conjunto de 
textos com significado teológico, destinado a fazer 
catequese sobre Jesus. Essa catequese faz‐se a partir de 
factos históricos? Não o sabemos. No estado actual dos 
textos, é‐nos impossível dizer o que será história e o 
que será teologia.
De uma forma geral, parece clara a objectividade dos personagens essenciais 
(José, Maria, Jesus, João Baptista, Herodes) e de certos locais (como Nazaré, 
Jerusalém ou Belém ‐ embora este último não seja um dado seguro: pode referir‐
se à profecia de Miq 5,1). Quanto aos diálogos, aparições, sonhos, explicações, 
cenografia, certamente trata‐se de construções dos evangelistas para realçar o 
significado teológico dos factos narrados. A própria anunciação do anjo a Maria 
pode ser apenas uma forma teológica de apresentar uma experiência vivencial 
interna de Maria que, chamada por Deus a desempenhar um determinado papel 
na história da salvação, disse sim aos planos de Deus e deu ao mundo Jesus, o 
Messias libertador. Até pode ser que certos episódios secundários (como a visita 
de Maria a Isabel, a visita dos pastores e dos magos ou os episódios de Simeão e 
de Ana) sejam idealizações dos escritores ou das suas fontes, visando apresentar 
catequeses sobre um salvador enviado por Deus, destinado a todos os homens, e 
que foi reconhecido e aceite como Messias pelos pagãos, pelos pobres, pelos 
marginalizados, mas não pela ordem instituída...
Em conclusão: os textos não nos permitem definir o que 
realmente aconteceu nos primeiros anos da vida de Jesus. 
Eles são, em primeiro lugar, catequese sobre Jesus. A nós 
interessa, sobretudo, tentar compreender o que Mateus e 
Lucas quiseram significar com esses relatos e integrar esses 
dados na nossa reflexão de fé.
3. O ANÚNCIO CENTRAL DE JESUS: O 
REINO DE DEUS

A fonte de Marcos (que Mateus reproduz parcialmente), formula da 
seguinte forma o anúncio de Jesus no início do seu ministério: “o 
tempo completou‐se e o Reino de Deus aproximou‐se. Convertei‐
vos e acreditai na Boa Nova” (Mc 1,15; cfr. Mt 4,17). 
A expressão “Reino de Deus” aqui utilizada é uma expressão 
chave nos “Evangelhos sinópticos”. Aparece 50 vezes em Mateus (a 
maior parte das vezes na forma “Reino dos céus”), 15 vezes em 
Marcos e 40 vezes em Lucas. Jesus parece ter associado a chegada 
desse “Reino” com a sua pessoa e com o seu ministério.
Na realidade, o que é esse “Reino” de que Jesus falava 
constantemente e que, em Jesus e com Jesus, parece ter‐se 
aproximado dos homens? Jesus nunca definiu os conteúdos do 
“Reino de Deus”; dá a impressão de que ele falava de algo cujos 
contornos eram perfeitamente conhecidos pelos seus 
conterrâneos, de modo que não necessitariam de explicações.
3.1  O “Reino de Deus” no Antigo Testamento

A expressão “Reino de Deus” é muito rara no Antigo 
Testamento. Aparece em alguns salmos (cfr. Sal 22,29; 103,19; 
145,11.12.13), no primeiro livro das Crónicas (1 Cr 29,11), no livro 
do profeta Abdias (Ab 21) e no livro de Daniel (Dn 3,33; 4,31).
De onde vem esta noção para o povo bíblico?

Era corrente que as religiões do antigo Médio Oriente vissem o 
seu deus principal como um rei, que presidia à corte dos deuses 
menores e estendia a sua autoridade sobre o mundo dos homens.
Os homens recorriam ao deus/rei em busca de solução para os 
dramas e problemas que, dia a dia, tinham de enfrentar. Temos 
testemunhos disso mesmo, por exemplo, em Ugarit, uma antiga 
cidade cananeia com a qual o povo bíblico teve certamente 
contacto. 
Os israelitas podem ter aprendido com os cananeus a ver o seu 
Deus como um “rei” que reina sobre o seu Povo. Desde cedo, esta 
noção está presente na catequese, na liturgia e na linguagem 
comum de Israel. Sobretudo no “Livro dos Salmos” (o livro onde 
Israel se dirige ao seu Deus em discurso directo), encontramos 
continuamente essa imagem de YHWH como um rei que reina 
sobre toda a terra (cfr. Sal 47,3.8; 93,1; 95,3; 96,13; 97,1; 99,1.2.4; 
etc.).
Com o início da monarquia (Saúl, David, Salomão…), Israel passa a 
ter um rei terreno; mas esse rei é como se fosse apenas um lugar‐
tenente de Deus, escolhido e ungido por Deus para cuidar de 
Israel, o Povo de Deus. Os reis de Israel apenas detêm a realeza de 
YHWH, a quem devem servir. O exemplo mais típico de um 
rei/servo de YHWH, que governa Israel em nome de YHWH, 
submetendo‐se em tudo à vontade de Deus, é David, o rei ideal. A 
saudade deste rei ideal e deste tempo ideal de paz e felicidade em 
que YHWH reinava (através de David) sobre o seu povo, vai marcar 
toda a história futura de Israel.
Passada a época de David, os reis que Israel conhece vão revelar‐
se uma autêntica desilusão. Com raras excepções, eles “fizeram o 
mal aos olhos do Senhor” e afastaram o Povo de YHWH. Quebrada 
a “aliança”, Israel deixa de escutar a Deus, deixa de seguir o 
caminho que o torna de realidade Povo de Deus e envereda por 
caminhos de morte e de desgraça. Os profetas denunciam esse 
abandono de Deus e acusam os reis terrenos de ter fomentado a 
infidelidade do Povo ao seu Deus/rei. Alguns, desiludidos com o 
tempo presente, falarão de um tempo futuro no qual YHWH vai 
restabelecer a situação ideal da época de David: Deus vai enviar o 
seu “ungido”, o qual restabelecerá o reinado de YHWH sobre o seu 
Povo. Voltará, então, o tempo da paz, da justiça, da abundância, da 
felicidade.
O período do exílio na Babilónia marca o reactivar desse discurso. 
O profeta Ezequiel anuncia o tempo em que YHWH vai voltar a ser, 
como na época do deserto, o único Pastor do seu Povo (cfr. Ez 
34,11); e o Deutero‐Isaías anuncia a Jerusalém o reinado de Deus 
(cfr. Is 52,7): reino de paz, de bondade e de salvação. Zacarias e 
Isaías vão referir inclusivamente a extensão desse “reino” a todos 
os povos da terra: de toda a parte os homens virão a Jerusalém 
para adorar o rei YHWH (Zac 14,9; Is 24,23). Alguns salmos pós‐
exílicos convidam ao louvor porque YHWH é, de facto, o rei que 
reina sobre o seu Povo e sobre toda a terra (Sal 46; 96‐99)
Finalmente, na hora da perseguição de Antíoco IV Epífanes, o Livro 
de Daniel vem renovar solenemente as promessas proféticas. O 
“reino” transcendente de Deus irá ser instaurado sobre as ruínas 
dos impérios humanos (cfr. Dn 2,44). O símbolo do “Filho do 
Homem” vindo nas nuvens do céu serve para evocar essa realidade 
nova que há‐de surgir. A vinda do “Filho do Homem” será 
acompanhada de um juízo, depois do qual as bestas (os reinos 
humanos que se opõem ao reinado de Deus) serão destruídas. A 
realeza será exercida, em nome de YHWH por esse “Filho do 
Homem”, que reinará com o “povo dos santos” (Dn 7,14.27).
O Povo judeu viverá, doravante, na expectativa do reinado de Deus. 
Muitas vezes, essa esperança concretiza‐se numa forma política: espera‐
se um “Messias” (“ungido” de Deus) político, que virá para lutar contra 
os opressores e libertar Israel, definitivamente, da opressão. Outras 
vezes, fala‐se de um “Messias” que virá transformar os corações, 
fazendo com que todos obedeçam à Lei de Deus... De qualquer forma, é 
esta a esperança bem viva no coração de Israel na época em que Jesus 
aparece a dizer: “o tempo completou‐se e o Reino de Deus aproximou‐
se; convertei‐vos e acreditai na Boa Nova”.

É neste contexto que temos de situar o “Reino” anunciado por Jesus. 
Trata‐se de uma noção muito querida e muito presente nos 
conterrâneos de Jesus de Nazaré: resume a esperança de Israel num 
futuro melhor, preparado por Deus para o seu Povo.
Novo Testamento

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