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AS RAÍZES JUDAICAS DA EUCARISTIA

Ensino no Grupo de Adoração Oásis, por Rejane Bins, agosto de 2019.

O objetivo deste ensino é transmitir um resumo do livro The Jewish Roots of


Eucharist, de Brant Pitre, em português, para que possa ser conhecido e aproveitado em nossa
língua, facilitando o acesso ao conteúdo substancioso e profundo da obra do autor.

Lembram do Magic Eye, dos anos 90? Aquele livro que a gente deveria olhar
fixamente e descobrir imagens em 3D?

Às vezes era difícil, não? E era uma conquista quando a gente conseguia!

Pois bem, às vezes a gente olha a história e vê apenas fatos ou eventos isolados
que se sucedem. Subitamente, a gente olha e vê o mistério, a unidade, as profecias, vemos que
há muito mais do que já compreendemos. É como se estivéssemos olhando para o celular, que
é bidimensional, e, de repente, saltasse uma imagem tridimensional holográfica
(Trinitária????), que nos dá uma ideia muito mais real e perfeita da mesma coisa.

A gente lê a bíblia assim, tantas vezes. Não vê o grande arco da história da


salvação e seus desdobramentos. Provavelmente muitos sabemos muita coisa da Sagrada
Escritura, já a estudamos bastante, já a rezamos bastante.

A. Tipologia. Um plano paterno; Unidade.

Mas sempre é ocasião para a gente ter um novo insight. Ver a profecia do Antigo
Testamento e do Novo Testamento não como um Plano A e um Plano B, mas como um só plano
do Pai, como Paulo fala em Efésios 1, 1.9-10: Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus
Cristo .... Ele nos manifestou o misterioso desígnio de sua vontade, que em sua benevolência
formara sempre, para realizá-lo na plenitude dos tempos – desígnio de reunir em Cristo todas
as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra.

Esse desígnio é o plano de um pai de família. Nós, como pais, uma vez que
tivemos nossos filhos, até mesmo antes, procuramos fazer uma poupança, uma previdência
privada, pensando no amanhã deles, nos estudos, planejamos o nosso ano, os meses. Deus, o
Pai de Família por excelência, providencia para a Sua família para toda a vida – oikonomia é a
palavra que Paulo usa e significa economia – um só projeto. Não um plano A e um plano B.
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É mais do que só conectar alguns pontos. É um sentido cumulativo do


crescimento orgânico do plano paternal do Pai para a sua família, o seu povo. CEC 128-130:

128 A Igreja, já nos tempos apostólicos, e depois constantemente em sua


Tradição, iluminou a unidade do plano divino nos dois Testamentos graças
à tipologia. Esta discerne, nas obras de Deus contidas na Antiga Aliança,
prefigurações daquilo que Deus realizou na plenitude dos tempos, na pessoa
de seu Filho encarnado.
129 Por isso os cristãos leem o Antigo Testamento à luz de Cristo morto e
ressuscitado. Esta leitura tipológica manifesta o conteúdo inesgotável do
Antigo Testamento. Ela não deve levar a esquecer que este conserva seu valor
próprio de Revelação, que o próprio Nosso Senhor reafirmou. De resto
também o Novo Testamento exige ser lido à luz do Antigo. A catequese cristã
primitiva recorre constantemente a ele. Segundo um adágio antigo, o Novo
Testamento está escondido no Antigo, ao passo que o Antigo é desvendado
no Novo "Novum in Vetere latet et in Novo Vetus patet".
130 A tipologia exprime o dinamismo em direção ao cumprimento do plano
divino, quando "Deus será tudo em todos" (1 Cor 15,28), Também a vocação
dos patriarcas e o Êxodo do Egito, por exemplo, não perdem seu valor próprio
no plano de Deus, pelo fato de serem ao mesmo tempo etapas intermediárias
deste plano.

AT + NT = UNIDADE

Jesus o mostrou, como se vê na passagem de Emaús, explicando tudo o que as


Escrituras diziam a seu respeito. Pedro, nos Atos dos Apóstolos, também o faz. E assim por
diante.

Gregório Magno ensinava: O que o AT anuncia, o Novo abertamente


proclama. O AT é profecia do Novo e o melhor comentário do AT é o NT, na Igreja.
Promessa e visibilidade. Um crescimento orgânico até que chegue “o Deus tudo em todos”.

Na Escritura, o Tipo é tanto uma realidade histórica, como representa algo


maior. O cumprimento será muito maior do que a soma dos tipos do AT. Esse estudo é a
Tipologia.

Assim como escritores usam palavras para simbolizar as realidades, Deus usa
as realidades temporais – até reis e reinos, leis e guerras – para simbolizar realidades muito
maiores, verdades que são espirituais e eternas.

Desde que li Jesus de Nazaré, do Cardeal Ratzinger, comecei a assistir palestras


e pregações, e a ler livros de Scott Hahn (Letter and Spirit, Consuming the Word) e Brand Pitre
(Catholic Productions), ambos doutores em Bíblia dos mais especializados de nossos tempos,
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e de um catolicismo ortodoxo, da renovação ou reforma na continuidade, como ensinava o Papa


Bento, esse olhar tem acontecido comigo.

A princípio até me pareceu um pouco demais em coincidências. Mas a gente


pode ter tranquilidade quando os vê citar o próprio Bento XVI tantas vezes, assim como os
Padres da Igreja. E, indo a essas fontes, o fato é que encontramos o mesmo pensamento.

Com essa moldura é que quero transmitir alguma coisa sobre “As raízes judaicas
da Eucaristia”, este livro de Brand Pitre, do qual procurei fazer uma síntese.

Para isto, é preciso olhar os eventos bíblicos com olhos dos judeus da época em
que foram escritos. Porque foram precisamente essas lentes unidas à fé dos discípulos que lhes
permitiram entender que Jesus era o Messias esperado. Puderam pensar: É o que o Senhor está
fazendo agora, na Última Ceia. E também ver que o pão e o vinho da Eucaristia eram realmente
o corpo e o sangue de Jesus.

O fato é que modelos arcaicos de aliança embasam o sacramento da Eucaristia


(p. 35). As alianças antigas (berith-diathéké) constituíam-se de uma declaração/juramento ritual
solene, de sacrifício de sangue, uma refeição, bênçãos para quem a seguisse, e maldições para
quem não o fizesse. Ex. Moisés no Sinai (Ex 24,8). Mas as práticas sacrificiais não nos são
familiares no século 21 como eram para os judeus da Palestina. Estamos tão acostumados à
Eucaristia que nos passa batido toda essa semelhança, e que a crucifixão é sacrifício por causa
a liturgia da Última Ceia: a oferta explícita de Jesus.

Eusébio de Cesareia, bispo e historiador do final do 3º século em diante, compôs


a obra “A Prova do Evangelho”, pouco antes do Concílio de Niceia, considerando a Eucaristia
como prefigurada no AT e cumprida no NT. Sacrificamos para o Deus Todo Poderoso um
sacrifício de louvor, a oferta sagrada divina e santa, o sacrifício puro.

Sabemos que os judeus esperavam um Messias Salvador. Muitos o viam como


um libertador político do povo. Mas muitos conheciam a fundo as escrituras para ir além,
esperando, depois da divisão dos dois reinos de Israel e do exílio babilônico, que Deus viria
com um novo Moisés, um novo êxodo, uma nova aliança (Ex 24 e Jr 31, 31-33: no coração,
perdão, todos O conhecerão), pois a primeira fora quebrada já em Ex 32, com a construção do
bezerro de ouro, a construção de um novo templo, lugar da presença de Deus na Terra (desde
Ex 40, 34-38: Deus encontrou os anciãos na Tenda da Reunião, na forma de uma nuvem de
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glória descendo do céu, e depois comeram e beberam) e uma casa de oração para todos os povos
e nações (Is 56, 6-7 e 60, 1-7, Zc 2, 14)) para sempre (Ez 37, 24-28) e uma nova caminhada
para a terra prometida, o tempo entre o já e o ainda não (Isaías descreve repetidamente o novo
êxodo em termos do povo de Deus marchando para uma nova Jerusalém – 43, 49, 60, que já
começa na Igreja. Ezequiel 36, 33-35 descreve a futura terra prometida como um jardim do
Éden e Ez 37 liga a chegada das 12 tribos de Israel à ressurreição dos mortos). A Tipologia
também se encontra do Novo Testamento para a Igreja, nos vários livros e muito especialmente
no Apocalipse. Jesus disse que os discípulos fariam milagres maiores do que os dEle. E o que
são os sacramentos, senão milagres de cura, de conversão, etc.?

O próprio Moisés já o profetizara em Dt 18, 15-18. A profecia do Messias


entrando em Israel num jumento, de Zacarias (9,9), como o Filho de Davi fizera (Salomão),
estava viva, tanto que Jesus foi aclamado como todos sabemos (Mt 21, 1-11, Mc 11, 1-10, Lc
19, 29-38 e Jo 12, 12-18).

Jesus veio e foi confirmando que era o novo Moisés, jejuando por 40 dias e
noites no deserto como fez o primeiro (Ex 34, 28), transformou água em vinho, como Moisés
transformara água em sangue diante do Faraó (Ex 7, 14-24). Quando perguntado se era de fato
o Messias, respondeu com Isaías: os cegos veem, os paralíticos andam, os leprosos são limpos,
os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, o Evangelho é anunciado aos pobres. Bem-aventurado
aquele para quem eu não for ocasião de queda (Mt 11, 4-6, citando Is 35, 5). Ao iniciar seu
ministério público na sinagoga de Nazaré, qual a leitura do “lecionário” judaico: Is 61, 1-5.
E Jesus diz que naquele dia se cumprira a profecia descrita por Isaías. Também refere que é
maior do que Salomão, o filho de Davi, amado e sábio. E do que Jonas, que obteve a conversão
de Nínive com sua pregação. Tem autoridade para mudar o pão e o vinho em Corpo e Sangue.

Além disto, a descida da nuvem no testemunho do Pai e do Espírito, no batismo


no Jordão (Lc 9, 35) era como ocorreu com Moisés. E a conversa sobre o novo êxodo, o êxodo
de Jesus, a se realizar em Jerusalém, mantida na Transfiguração, com Moisés e Elias. Além de
a nuvem vir de novo.

Esses elementos são muito importantes para definir o que estaremos vendo sobre
a Páscoa de Jesus e a instituição da Eucaristia.
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B. A primeira Páscoa marcou a libertação da escravidão do Egito, além de


salvação do anjo da Morte.

Cada primavera, deveria ser celebrada como uma celebração memorial para
sempre, em que o pai de família fazia um relato sobre o 1º êxodo. Quais foram as prescrições
para a primeira páscoa? Ex 12, 1-14.

1. Escolher um macho sem defeito, em nome de cada família, do qual não se


podia quebrar nenhum osso.

2. Sacrificar o cordeiro.

Esta era uma ação sacerdotal: só sacerdotes podiam oferecer sacrifício de


sangue no Israel antigo. No tempo do êxodo, as 12 tribos eram sacerdotais, reino de sacerdotes:
sacerdócio natural de filhos e pais, dos homens sobre sua família escolhendo e sacrificando o
cordeiro.

Depois do bezerro de ouro, é que somente a Tribo de Levi podia oferecer


sacrifícios no Templo, por ter sido a única que respondeu ao chamado de Moisés para renunciar
à idolatria.

Degolar o cordeiro e drenar o sangue para um vaso sagrado, uma bacia de


prata (não uma bacia comum, qualquer).

3. Espalhar o sangue na entrada das casas.

Fazer isso com o hissopo, que absorve bem o líquido. O sangue é absorvido pela
madeira da casa e fica como marca sempre. Instituição perpétua. Ex 12, 14.24.

Moisés derramou o sangue sobre o altar e aspergiu o povo com a outra metade.
Os sacerdotes, no Templo, deviam fazer o mesmo. Hissopo, sangue e madeira reaparecerão
com Jesus.

4. Comer a carne do cordeiro. Só assim se completava o sacrifício. Era o


sacrifício capaz de livrar da morte.

Cinco vezes a Bíblia manda comer o cordeiro, enfatizando a ceia sacrificial.


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A Páscoa, portanto, era um tipo particular de sacrifício, de ação de graças pela


libertação da morte: Todah, tipo de sacrifício sem sangue, de pão e vinho, em que houvera
uma ameaça, a redenção e o agradecimento. Era só para israelitas, uma festa da aliança de
Deus com seu povo, um ritual sagrado familiar. Para estrangeiros comerem, precisavam
circuncidar-se. Ex 12, 43-48.

5. Realizar anualmente o memorial.

Não como a festa que aconteceu uma vez, mas para sempre, como se quem
estava celebrando ano após ano estivesse se sentindo ele mesmo liberta da escravidão. Estivesse
se sentindo como saindo do Egito com os antepassados. Misticamente, por uma celebração
litúrgica, o memorial faz presente o passado para as gerações que se sucedem participarem do
acontecimento fundamental para o povo. E para não esquecerem de Deus, se o negligenciarem.
Terminando com um hino, o Grande Halel, Sl 118.

Na última ceia, Jesus explica o significado do pão, como o pai de família. Na


Missa, também o padre faz a longa oração eucarística em relembrando os feitos do Senhor em
nosso favor, antes de consagrar o pão e o vinho.

Enquanto na primeira Páscoa, os israelitas esperavam o anjo da morte, nas


posteriores, esperavam a vinda do Messias e a redenção que ele traria. Jerônimo menciona
a tradição de que o Messias viria à meia noite (Com. A Mt 4, em 25,6).

C. O Tabernáculo e o Templo.

Depois da primeira Páscoa, Deus mandou Moisés fazer a arca da aliança, a


mesa dos pães que ficariam constantemente diante de Deus (Ex 25, 30), o candelabro de ouro
e, então, o Tabernáculo (Ex 26-40). Ele era móvel, ficava na tenda. Tinha 3 partes: a exterior,
chamada átrio, com o altar de bronze do sacrifício dos animais; o Santo, ou átrio interior com
a lâmpada de ouro, chamada Menorah, com óleo puro de olivas esmagadas, a fim de mantê-la
sempre acesa (lamparina???) (Ex 27, 20), o altar do incenso e a mesa do Pão da Presença –
liturgia e oração, junto ao véu que separava a parte mais interna (Ex 25) (véu do Sacrário????).
Havia adoração com incenso, pão e vinho, sem sangue. Na parte mais interna, o Santo dos
Santos, ficava a Arca de ouro, as 10 tábuas dos Mandamentos, a urna do maná e o bastão de
Aarão. Era o lugar da habitação de Deus na terra. Por isso, Tenda da Reunião - a nuvem da
glória descendo do céu (Ex 40, 34-8). Mais tarde sabia-se que o Novo Templo seria mais
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glorioso que o Tabernáculo e que o Templo de Salomão. No Tabernáculo, os sacerdotes serviam


ofertando sacrifícios.

O Tabernáculo era o protótipo do Templo na Terra Prometida, de Salomão 1 Rs


6-8, c 3 partes: Menorah de ouro, Altar do Incenso, Pão da Presença, Arca da Aliança.

O Templo era o protótipo do Filho Encarnado. Ficava em Jerusalém (o


Evangelho de Lucas retrata toda uma caminhada de Jesus, a subida para Jerusalém) e só aí eram
sacrificados os cordeiros, pelos levitas. O cordeiro era levado ao Templo e entregue ao
sacerdote. Era crucificado, passando-se duas estacas de madeira pelos seus ombros, para
pendurá-lo e mais uma estaca desde a boca até as nádegas. No Diálogo de Justino com Trifão,
ele relata: o cordeiro é assado e colocado em forma de cruz, uma haste desde baixo até a cabeça
e outra desde a boca até atrás, para as pernas.

No sistema sacrificial do Templo, na Páscoa, chegavam a ser sacrificados


256.500 cordeiros, pois o historiador israelita Josefus fala em até 2.700.200 peregrinos, uma
quantidade incalculável de sangue, e inesquecível para os que anualmente celebravam a Páscoa
judaica, mostrando o seu caráter sacrifical em 1º lugar e, depois, também de refeição.
Diferentemente do Seder de hoje, que não tem caráter de um sacrifício no Templo, que foi
destruído em 70dC, encerrando a função levita sacerdotal, voltada para oferecer o sacrifício no
Templo. Havia os rabis, palavra que significa meu mestre. O culto mosaico era sacrificial, como
o católico e diferente do rabínico, mais como o protestante, com a Palavra e adoração sem
sacrifício.

Afora esses sacrifícios de sangue, o rito mais comum no Templo era a Todah, o
sacrifício de pão e vinho oferecido em ação de graças ao Senhor semanalmente pelos
sacerdotes, que, então, comiam o pão e tomavam o vinho. Alguns até traduziam a palavra para
eucaristia, no contexto da Diáspora.

O Midrash, comentário dos judeus antigos sobre livros bíblicos, recorda a


crença dos rabinos de que na época do Messias todos os sacrifícios cessariam, exceto o da
Todah.

Em Mt 12, 6-8, Jesus diz que algo maior do que o Templo está aqui. O filho
do Homem é senhor também do sábado. Recordemos que o Templo é o lugar da habitação de
Deus na terra. O que ou quem poderia ser maior, senão o próprio Deus, que fez o sábado?
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É só através da fé na Sua identidade e no Seu poder divinos que o discípulo pode ser capaz
de entender que Ele lhes dá seu corpo e sangue como verdadeira comida e verdadeira bebida.

A Eucaristia é a reunião cristã para agradecer a salvação da morte pelo sacrifício


livre do Filho e participar do banquete nupcial de pão e vinho, corpo e sangue de Cristo.

D. O Maná.

Israel transitou 40 anos pelo deserto, sendo provado e sua fidelidade testada,
alimentando-se do maná, que não era qualquer pão, mas um pão miraculoso, dado diretamente
por Deus, vindo do céu.

No séc. XIX, tornou-se moda identificá-lo com uma substância natural secretada
pela tamareira ou por insetos do deserto, dado o ceticismo moderno em relação a milagres e
muitos já não viram o maná como sobrenatural. No entanto, o maná caía do céu, o que sugere
sua natureza sobrenatural (Sl 78). Nunca durava mais de um dia, exceto no sábado,
diferentemente de substâncias naturais, que duram mais. Apareceu por 40 anos e parou de vir
quando os israelitas entraram na Terra Prometida (Js 5), o que não se concilia com a secreção
sazonal da tamareira, que dura 2 meses mais ou menos no verão. E os Israelitas não sabiam o
que era, por isso chamaram maná, que significa: o que é isto? em hebraico.

Havia a expectativa entre os judeus de um novo maná do céu e Jesus apontou


este maná, de natureza sobrenatural, como era esperado que seria o do Messias (do céu). Em Jo
6, Jesus fala do maná e diz que dará o verdadeiro maná. A Eucaristia tem natureza sobrenatural
como o maná do Messias esperado teria, o que Jesus menciona para explicar como comerão seu
corpo e sangue em Jo 6, a mais detalhada discussão da Eucaristia nos 4 Evangelhos. Jesus
também alude ao maná no Pai Nosso. Jerônimo fala: dá-nos hoje nosso pão supersubstancial
(Com Mt 6, 11), porque está acima de todas as substâncias e sobrepassa todas as criaturas. É
sobrenatural. Também é assim para Cirilo e Cipriano, para quem é o Pão do Céu, o alimento da
salvação. Qualquer judeu antigo que ouvisse uma oração por um pão diário sobrenatural
pensaria no maná. A palavra grega era epiousios, que não é cotidiano, como as línguas
modernas traduzem, mas é um neologismo grego, que aparece no Pai Nosso e depois nos
Padres.

O maná não era apenas milagroso, era também santo. Tão sagrado que devia ser
reservado no Santo dos Santos, e ficava lá para ser contemplado numa urna de ouro, na Arca,
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ao lado das Tábuas da Lei. É o "pão do mundo que há de vir". Na literatura extrabíblica, como
no Targum, Pseudo Jonathan on Exodus 16, 4 e 15, fala-se "no princípio", o que dá a entender
que o maná era entendido como preexistente à queda de Adão, era uma realidade sobrenatural
do Templo celeste e, quando o Messias viesse, traria de volta o milagre do maná. Seria um
alimento protológico, desde a aurora da criação, o alimento perfeito, intocado pelo pecado
original. Uma espécie de retorno ao Éden acontecera durante o deserto. (Genesis Rabbat 82,8).

No Discurso do Pão da Vida, Jesus diz: O pão que Eu vos darei é a minha carne
para a vida do mundo. Na Última Ceia: Este é o meu corpo que é para vocês. Em Cafarnaum
ele falava, portanto, do que iria fazer em Jerusalém. De uma perspectiva judaica, se a Eucaristia
é o novo maná do céu, não pode ser só um símbolo, mas o pão sobrenatural do céu. Se o velho
maná era sobrenatural, o novo, do Messias, não poderia ser apenas um símbolo, mas muito
maior. As prefigurações do AT nunca são maiores do que as realizações do NT. Tipos e
antítipos. Davi prefigurou Jesus, Salomão também, como Jesus mesmo disse, que estava ali
alguém muito maior do que Salomão. E o Messias é o Senhor de Davi e não apenas seu filho
(Mc 12, 36-37).

Os judeus não viam o mundo apenas como uma realidade visível, que chamavam
“este mundo”, mas como uma espécie de sinal visível do mundo invisível, do céu, do Reino de
Deus, no seu Templo celeste, rodeado por milhares de anjos, espíritos puros que o adoravam
dia e noite para sempre.

O Templo de Jerusalém era uma espécie de sacramento visível desse templo do


céu, habitação de Deus. Nele estava o maná, imagem de uma espécie de Manah do céu.

A única outra referência, na Bíblia judaica, a comer e viver para sempre se refere
ao fruto da árvore da vida. Se Jesus quisesse identificar a Eucaristia para os seus discípulos
como alimento comum e bebida comum, nunca teria identificado como o novo maná do céu.

Como o Messias seria um novo Moisés, muitos esperavam que o retorno do


maná ocorreria na vinda do Messias. O último redentor traria o maná ao descer (Midrash). A
“era que há de vir”, ou o “Mundo que há de vir”, eram a era messiânica, o tempo da salvação
do povo. Os justos comerão o maná durante o reino do Messias na Terra, ou seja, entre o já e o
ainda não (a final ressurreição dos mortos), assim como após a libertação do Egito e antes da
entrada na Terra Prometida. Deus fortaleceria seu povo todos os dias como tira-gosto da nova
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terra prometida da nova criação, sinal da Sua fidelidade. Era chamado o Pão do Mundo que há
de vir.

Genesis Rabbat 82,8. E a proibição de beber sangue? Canibalismo? Como os


demais judeus da sinagoga de Cafarnaum, os discípulos de Jesus o entenderam literalmente,
tanto que Ele lhes perguntou se eles também se ofenderam e queriam ir embora. Isso mostra
como as palavras de Jesus foram entendidas, quão chocantes foram e muitos foram embora. A
dificuldade não era um mau entendimento do que Ele dizia, e Ele não lhes disse: vocês não
percebem -, como quando falara que não entendiam quando ele mencionava acautelarem-se do
fermento dos fariseus. Ele perguntou é se eles se ofendiam com aquilo que Ele dissera (Jo 6,
61). O problema, então, não foi que não o entenderam, mas que não acreditaram e muitos o
abandonaram e Ele os deixou ir, única vez que ele foi abandonado nos Evangelhos pelo que
ensinara, porque eles tomaram o seu ensinamento sobre a Eucaristia literalmente e Ele não
voltou atrás. Ainda desafiou os outros.

Vale lembrar, também, que o discurso do Pão da Vida vem precedido do milagre
da multiplicação dos pães para 5000 homens (Jo 6, 1-15), conectando Jesus com Moisés. E O
reconheceram como Messias, tanto que Jesus saiu dali, porque o queriam fazer rei à força (Jo
6, 15). E reconheceu-O como Novo Moisés (que alimentou o povo com o maná), dizendo: este
é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo (Jo 6, 14).

Além disto, enquanto ao multiplicar os pães, Jesus deu um sinal de que o novo
maná estava chegando, na Última Ceia ele veio. E o Apocalipse manifesta que será dado de
comer o maná escondido ao que vencer (Ap 2, 17), numa analogia ao maná escondido no
Tabernáculo (Ex 16, 32-36).

E. O pão da presença.

Na tenda da reunião havia 3 objetos sagrados:

1. A arca da Aliança.
2. A lâmpada de ouro, Menorah
3. A mesa do Pão da Presença.
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Havia pão e vinho, conforme o livro de Nm 15, 5-7 (para a libação, acrescentarás
um quarto de vino ao holocausto ou ao sacrifício de cada cordeiro) e 28, 7 (no santuário farás a
libação de vinho fermentado) os referem.

A presença, em hebreu, é panim, ou seja, Face. Seria o pão da Face de Deus,


sinal visível da presença de Deus, uma espécie de memorial do banquete de que Moisés e os
anciãos participaram quando viram o Deus de Israel e comeram e beberam. Deus mesmo agiu
como anfitrião, apresentando-se aos seus fiéis, dando-lhes força e vida divinas. Era pão da
aliança com Israel (Lv 24, 5-7). Todo sábado, Aarão e os filhos faziam 12 pães, colocados em
duas pilhas na mesa de ouro puro, diante do Senhor, com incenso em cima, como um memorial
oferecido pelo fogo ao Senhor. Colocados diante do Senhor a cada sábado, continuamente, da
parte dos israelitas essa seria uma aliança perpétua. Esses pães eram propriedade de Aarão e
seus filhos, que os deviam comer no lugar santo, uma coisa santíssima entre as ofertas feitas
pelo fogo ao Senhor, como uma obrigação perpétua. Antes de serem trazidos ao lugar santo
para serem oferecidos a Deus, podiam ficar numa mesa de mármore. Mas depois somente na
mesa de ouro, pois eram colocados à parte, santos, sagrados (qadosh) e tudo o que estava no
Santo dos Santos tinha de ser de ouro. O Talmud refere que mesmo um pequeno pedaço do pão
do tamanho de uma azeitona, depois de sagrado, podia satisfazer o sacerdote que o comesse e
ainda sobrar. Lembra-nos a multiplicação dos cinco pães de modo que todos comeram e ficaram
satisfeitos e ainda sobrou.

Os judeus do tempo de Jesus, como mandava Ex 34, 23 e 23, 17, tinham de se


apresentar a Deus (o original hebraico, na verdade, é: tinham de ver a Face do Senhor, o Senhor
Deus de Israel) e por isso iam ao Templo pelo menos 3 vezes por ano, nas festas da Páscoa, de
Pentecostes (=Semanas: 7 semanas depois do domingo de Páscoa)) e dos Tabernáculos ou
Tendas. Em cada uma dessas festas, segundo o Talmud, os sacerdotes do Templo removiam a
mesa de ouro do Pão da Presença do Santo dos Santos de modo que os peregrinos pudessem
vê-lo. Eles elevavam o pão sagrado, dizendo: contemplem o amor de Deus por vocês. Isto,
provavelmente, porque esse pão era o sinal da aliança, aquele laço matrimonial entre Deus e
Israel, um laço de amor entre o noivo divino e a noiva Israel (Ez 16, Is 54, Os 1-2). O Lv 24,7
diz que esse pão não era somente o sacrifício do Shabath, mas também o sinal da aliança
perpétua, o sinal visível do amor do Divino Noivo por sua noiva, sendo esse o modo pelo qual
o povo podia vislumbrar fugazmente o desejo de seu coração: ver a face de Deus e viver e saber
que Ele o amava.
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Davi comeu dos pães da presença, conforme Sm 21, 3-6. Ele era sacerdote não
segundo a ordem de Levi, mas a de Melquisedeque, cf. o Sl 110, motivo por que podia usar o
efod de linho, um paramento sacerdotal, e oferecer sacrifícios no altar, queimado oferendas (2
Sm 6, 14-17). Em Mt 12, 5, quando Jesus diz que seus discípulos podiam trabalhar o sábado,
porque tinham os mesmos privilégios dos sacerdotes no Templo. Isto ocorreu na Galileia, mas
Jesus os justificou, porque identificou a si mesmo com o Templo, e com a autoridade divina.
Jesus já dissera que alguém maior do que Salomão, ou do que Jonas estava ali (Mt 12, 41-2 e
Lc 11, 31-2). Aqui diz que alguém maior do que o Templo estava ali, o lugar da habitação de
Deus na terra, porque justamente Ele é Deus presente em pessoa, o tabernáculo de carne, a
presença de Deus. Assim, a Última Ceia não foi só uma nova páscoa, mas o novo pão e o novo
vinho da Presença, da própria presença de Jesus.

O pão da presença, portanto, era o sacrifício do sábado.

Sacrifício de pão e vinho também foi oferecido por Melquisedeque ao Deus


Altíssimo, quando Abraão libertou Lot dos pagãos na Terra Prometida. Melquisedeque era
príncipe e sacerdote, o primeiro assim chamado na Bíblia, rei de Salem (Gn 14, 17-20). E
Abraão lhe deu o dízimo. Segundo a tradição judaica, acreditava-se que ele era Sem, filho de
Noé, sendo que Melquisedeque significava rei da justiça e seria seu título real. Josefus explica
que se acreditava que a cidade de Salém não era outra senão Jerusalém, depois a cidade de Davi
e o lugar do Templo (Sl 76, 1-3). Acreditava-se, assim, que o pão e o vinho da Presença não
eram apenas um dos sacrifícios instituídos no tempo do Êxodo, mas reportavam às primeiras
gerações, em que todos os homens eram sacerdotes, segundo a ordem de Melquisedeque (Ex
32 e Sl 110,4).

Comparando o Pão da Presença e a Última ceia, tem-se:

12 pães para as 12 tribos – 12 discípulos para as 12 tribos.

Pão e vinho da Presença de Deus – Pão e vinho da Presença de Jesus.

Uma aliança para sempre, perpétua – A Nova e eterna Aliança.

Como lembrança/memorial – Como lembrança de Jesus/em memória de mim.

Oferecido pelo Sumo Sacerdote e comido pelos sacerdotes – Oferecidos por


Jesus e comido pelos discípulos.
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Comido na Mesa de Ouro no Templo de Jerusalém – A mesa de Jesus no Reino


do Pai

Jesus estava implicitamente dizendo aos discípulos: Contemplem o amor de


Deus por vocês.

No Novo Testamento, o pão da Presença é mencionado duas vezes: no evento


dos discípulos colhendo grãos no sábado (Mt 12, 1-8, Mc 2, 23-28 e Lc 6, 1-5), bem como na
carta aos Hebreus (9, 1-3), ao descrever o primeiro santuário de Moisés.

F. Como foi a Páscoa de Jesus?

Houve semelhanças e diferenças com a Páscoa judaica. Era a última de que Ele
participaria, antes do seu próprio êxodo. Nessa Páscoa, como nas judaicas, a celebração foi à
noite, logo após o sacrifício dos cordeiros no Templo, em Jerusalém e não em Betânia onde Ele
e os discípulos tinham estado, dentro das portas, não com água, como era usual nas outras
refeições, mas com vinho. Foi cantado um hino.

No entanto, houve diferenças, que os discípulos e os antigos teriam notado


inexoravelmente:

1. Não ocorreu nas famílias, mas com os discípulos no cenáculo.

2. O foco não foi propriamente o Egito, pois Jesus fala da Nova Aliança
profetizada por Jeremias 31, 31-33.

3. A liturgia do AT centrava-se no corpo e sangue do cordeiro pascal, derramado


o seu sangue no altar, trazido o corpo para a refeição pascal e o pai de família explicando o
significado disso. Jesus mudou o foco para Seu corpo e sangue. Tomai comei, isto é meu corpo.
Este é meu sangue da Aliança derramado por muitos para o perdão dos pecados.

Jesus conhecia 100% como era a páscoa judaica e a alterou propositadamente,


mostrando que estava instituindo uma nova páscoa, a páscoa do Messias, sendo Ele o novo
sacrifício e o cordeiro pascal.
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4. E mandou repetir isto, ecoando a ordem de comer de Deus para guardar a


Páscoa antiga (Ex 12, 14), restaurando o sacerdócio original das 12 tribos de Israel, nos
apóstolos, portanto, já que somente levitas podiam sacrificar no Templo. E mandando fazer isso
tudo em memória dEle. Colocou Seu corpo (carne do céu – Sl 78, 27 e Ex 16, 12) e sangue no
centro da nova Páscoa, vendo-se a si como o novo Cordeiro sem defeito e sem mancha que
seria morto para que os outros pudessem viver. Ele esperava não apenas ser executado, mas
também crucificado e que o sacrifício se completasse como no AT, comendo-se o cordeiro, daí
mandar comer sua carne e beber o seu sangue.

Poderia, para o AT, bastar um símbolo da carne do cordeiro para comer? Não.
Para ser liberto da morte, era preciso comer o cordeiro. Na Nova Aliança, o cordeiro é uma
pessoa, come-se seu sangue e corpo. Assim Paulo, o mais judeu dos judeus, entendeu: I Cor 5,
7-8: Cristo, nossa páscoa, foi imolado. Celebremos, pois, a festa. E como os judeus viam a
páscoa como participação no antigo Êxodo e sacrifício, os cristãos viram a Eucaristia como
participação na morte de Jesus e na Última Ceia.

Além disto, como Israel não foi direto do Egito para a Terra Prometida, o cristão
não vai direto para o céu, mas há um tempo de prova e tribulação, em que Deus sustenta o seu
povo com o maná do céu.

No tempo de Elias, enquanto ele viajava pelo deserto, recebe comida milagrosa
dos Anjos. O maná e o milagroso Pão dos Anjos em Elias serão cumpridos através do dom final
do pão celestial que é o próprio Cristo descendo para nos salvar, mas também, é claro, o dom
da Eucaristia. Elias vai para o deserto por 40 dias e 40 noites; ele vai para o monte Horeb, que
é outro nome para Monte Sinai, a montanha de Deus e por todo este tempo ele é alimentado
pela comida milagrosa do céu, do anjo que aparece para ele. Os israelitas viajaram pelo deserto
por um período de 40 anos, conectado com o Monte Sinai e sendo alimentado durante esse
período com milagroso pão do céu? Como a reflexão do Sl 34: provai e vêde como o Senhor é
bom e atende as necessidades do seu povo que clama, no deserto seja para com Israel, ou para
com Elias, a Igreja clama e acontece que Deus responde às nossas orações, Deus nos livra de
nossas preocupações e ansiedades, medos e sofrimentos, dando-nos o maior alimento e o maior
presente, o dom de si mesmo, o dom do seu Filho, o dom do seu corpo, seu sangue, sua alma e
sua divindade na Eucaristia - a verdadeira comida do céu que realmente vai nos sustentar se
formos fiéis em nossa viagem através deste deserto, deste vale de lágrimas, que está cheio de
sofrimento e morte e, para muitos cristãos em todo o mundo, com perseguição. Tantas vezes
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estamos em uma situação desesperadora e precisamos de um sinal de que Deus está conosco,
algum sinal de sua providência e que nos é dado sobretudo no dom da própria Eucaristia. Então,
Cristo nos dá o pão milagroso dado a Elias no deserto e tudo isso está acontecendo no dom da
própria Eucaristia.

Jesus olhou para a história da salvação, a páscoa do Egito, o maná de Moisés, o


pão da Presença, mas também para diante, para a sua paixão e morte, ligando suas ações sobre
o pão e o vinho com seu êxodo e a história da redenção, que seria cumprida justamente em
Jerusalém (Lc 9, 31). É o que chamamos de mistério pascal, de sua paixão, morte e ressurreição.
Ele não terminou a refeição pascal no Cenáculo. Ali ele afirmou que não beberia mais do fruto
da videira até a vinda do reino, descreveu o Getsêmani como tomar o cálice e tomou o vinho
imediatamente antes de morrer.

Havia o primeiro cálice, da santificação, Kiddush, em que se misturava um cálice


de vinho com um pouco de água, quando o pai de família iniciava a bênção formal do dia de
festa (Bendito és tu, Senhor nosso Deus, rei do universo, que criastes o fruto do vinho). Então
se comiam as ervas amargas, molhadas num molho (Judas – Jo 13, 26-7). O segundo cálice era
o da Proclamação da Páscoa, da história do povo desde a saída do Egito até a Terra Prometida,
chamado Chagada (Dt 26,5). Os participantes então deviam agradecer a libertação e o que Deus
fizera por eles, com os salmos 113-14, chamados Halel. O terceiro cálice era o da bênção, ou
Berakoth, quando o cordeiro e o pão sem fermento eram comidos. Terminada a refeição, havia
mais uma bênção sobre esse cálice e era bebido. O quarto cálice vinha com o canto do restante
dos Sl 115-118, este último o Grande Halel. Jesus cantava: Erguerei o cálice da salvação,
invocando o nome do Senhor. Penosa é para o Senhor a morte dos seus santos. Senhor, eu sou
vosso servo; vosso servo, filho de vossa serva: quebrastes os meus grilhões. Irei oferecer-vos
um sacrifício de ação de graças, invocando o nome do Senhor. Isto é o que Jesus faz na última
ceia, oferece o novo sacrifício de ação de graças (=eucaristia). E depois o Sl 117:

5. Na tribulação invoquei o Senhor; ouviu-me o Senhor e me livrou. 17. Não


hei de morrer; viverei para narrar as obras do Senhor. 18. O Senhor castigou-
me duramente, mas poupou-me à morte. 19. Abri-me as portas santas, a fim
de que eu entre para agradecer ao Senhor. 20. Esta é a porta do Senhor: só os
justos por ela podem passar. 21. Graças vos dou porque me ouvistes, e vos
fizestes meu Salvador. 22. A pedra rejeitada pelos arquitetos tornou-se a
pedra angular.
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Depois de cantar este salmo é que o 4º cálice seria tomado. Era o Cálice do Halel,
do louvor. Tomado, a refeição estava completa.

Paulo aos Coríntios menciona o cálice da bênção, que seria o terceiro (1Cor
10,16). Então Jesus fez aquele voto de não beber o fruto da videira e saíram para o Monte das
Oliveiras.

Os discípulos notavam certamente estas diferenças. Na agonia no Getsêmani,


Jesus pede ao Pai que, se for possível, passe dEle o cálice e diz isto 3 vezes. Que cálice seria
este? O da crucifixão e morte, identificando seu próprio corpo com o sacrifício da nova Páscoa,
e também com seu próprio sangue que seria derramado para o perdão dos pecados,
identificando-se com o Cordeiro Pascal. Quando esta páscoa estivesse terminada, Jesus estaria
morto, como acontece com os cordeiros pascais. Esse cálice que Ele recusou era o cálice da
consumação, o quarto. No terceiro, associara à promessa da redenção, referindo-se à sua morte
expiatória.

Depois de ter recusado o vinho do soldado romano, um ato de misericórdia, para


obnubilar os sentidos antes de o condenado sofrer a terrível dor da morte pela crucifixão, não
querendo diminuir em nada seus sofrimentos, Jesus veio a aceitar o fruto da videira, quando um
dos passantes tomou a esponja, encharcou-a com o vinho amargo, colocou-a num caniço e deu-
lhe (Mt 26, 48 e Mc 14, 36). Ele dissera: Tenho sede. Recebeu aquele vinho e disse: Tudo está
consumado. E inclinando a cabeça, rendeu o Espírito (Jo 19, 13-20). Aqui Ele tomou o quarto
cálice e a sua páscoa foi consumada, no momento de sua morte na cruz.

Foi pela Última Ceia que Jesus transformou uma execução romana no sacrifício
da Páscoa da Nova Aliança, em que Ele foi o sacrifício, o sacerdote, a oferta e a liturgia, mas
nada disso estava presente no Calvário, somente na Última Ceia.

Outro aspecto importante é o de que Jesus, um judeu praticante, que sabia de


todas as tradições judaicas e as praticava, querendo deixar aos discípulos o sinal visível de sua
presença, escolheu pão e vinho, usou os mesmos elementos que os sacerdotes no Tabernáculo
de Moisés, e que Melquisedeque, anteriormente. Querendo dar-lhes o sinal do Seu amor e da
nova aliança do novo êxodo, deu-lhes o pão e o vinho da Sua presença, querendo dizer a eles e
a todos aqueles por quem Ele morreu: contemplem o amor de Deus, contemplem o meu amor
por vocês.
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G. A nova Páscoa na cristandade antiga

A ideia da Eucaristia como páscoa está enraizada na esperança judaica de uma


páscoa messiânica e nas ações do próprio Jesus.

A descrição de Lucas, em Emaús, tornou-se paradigmática para a teologia


eucarística: a abertura das Escrituras que culmina na fração do pão. Há muitas cenas eucarísticas
no NT, mais discretas do que Emaús, mas não menos vivas. João apresenta o Discurso do Pão
da Vida e conta aí a multiplicação dos pães, e os Padres da Igreja acreditavam que o ato de
transubstanciação em Caná era um símbolo que prenunciava a missa.

João teve uma visão de Jesus no céu, no Apocalipse, e não viu um homem, mas
um cordeiro imolado em pé. O mistério da identidade de Jesus é aí revelado, o cordeiro pascal
celeste, tanto crucificado como ressuscitado tendo ao redor a adoração do céu, a páscoa celeste.

Paulo mencionou o sacrifício e a festa de nosso cordeiro pascal em 1 Cor 5, 7-8,


exortando os cristãos a se prepararem, lavando seus corações com o fermento novo, para a nova
páscoa, a festa da eucaristia, de modo a não profanarem o corpo e o sangue de Cristo nossa
Páscoa e consequentemente comer o próprio julgamento.

Justino declara que o sacrifício do cordeiro, ordenado por Deus na primeira


páscoa era um tipo verdadeiro do Cristo, com cujo sangue os fiéis, na medida de sua fé,
ungiriam suas casas, ou seja, eles mesmos (Diálogo com Trifão 40, 1-3).

Orígenes escreve àqueles que contestavam o fato de os cristãos também


respeitarem certos dias, como o domingo, que aqueles para quem Cristo, nosso cordeiro pascal,
foi sacrificado, sabem que é sua obrigação guardar a festa comendo a carne da Palavra e nunca
cessar de fazê-lo (Contra Celso 8, 22). Através da páscoa da Eucaristia os cristãos passam das
coisas deste mundo para as de Deus, na sua peregrinação para a Jerusalém celeste.

Cirilo de Jerusalém usa o Pão da Presença para iluminar o mistério da presença


de Cristo na Eucaristia, dizendo que os pães da preposição terminaram (quando o Templo e
Jerusalém foram destruídos), por serem da antiga Aliança. Na Nova Aliança, há o pão celeste
e o cálice da salvação que santifica alma e corpo, pedindo que os cristãos tivessem plena
consciência de que haviam sido julgados dignos do Corpo e do Sangue de Cristo (Catequeses
Mistagógica 5, 6-9).
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O Catecismo da Igreja Católica nos ensina:

1340 Ao celebrar a última Ceia com seus apóstolos durante a refeição pascal,
Jesus deu seu sentido definitivo à páscoa judaica. Com efeito, a passagem de
Jesus a seu Pai por sua Morte e sua Ressurreição, a Páscoa nova, é antecipada
na ceia e celebrada na Eucaristia que realiza a Páscoa judaica e antecipa a
Páscoa final da Igreja na glória do Reino.
1337 Tendo amado os seus, o Senhor amou-os até o fim. Sabendo que chegara
a hora de partir deste mundo para voltar a seu Pai, no decurso de uma refeição
lavou-lhes os pés e deu-lhes o mandamento do amor. Para deixar-lhes uma
garantia deste amor, para nunca afastar-se dos seus e para fazê-los
participantes de sua Páscoa, instituiu a Eucaristia como memória de sua
morte e de sua ressurreição, e ordenou a seus apóstolos que a celebrassem até
a sua volta, “constituindo-os então sacerdotes do Novo Testamento”.

E o CEC reconhece a conexão entre o quarto cálice e o cálice do Getsêmani e da


cruz:

1334 Na antiga aliança, o pão e o vinho são oferecidos em sacrifício entre as


primícias da terra, em sinal de reconhecimento ao Criador. Mas eles recebem
também um novo significado no contexto do êxodo: os pães ázimos que Israel
come cada ano na Páscoa comemoram a pressa da partida libertadora do
Egito; a recordação do maná do deserto há de lembrar sempre a Israel que
ele vive do pão da Palavra de Deus. Finalmente, o pão de todos os dias é o
fruto da Terra Prometida, penhor da fidelidade de Deus às suas promessas. O
“cálice de bênção” (1Cor 10,16), no fim da refeição pascal dos judeus,
acrescenta à alegria festiva do vinho uma dimensão escatológica: da espera
messiânica do restabelecimento de Jerusalém. Jesus instituiu sua Eucaristia
dando um sentido novo e definitivo à bênção do Pão e do Cálice.
612 O cálice da Nova Aliança, que Jesus antecipou na Ceia, oferecendo-se a
si mesmo, aceita-o em seguida das mãos do Pai em sua agonia no Getsêmani,
tornando-se "obediente até a morte" (Fl 2,8). Jesus ora: "Meu Pai, se for
possível, que passe de mim este cálice..." (Mt 26,39). Exprime assim o horror
que a morte representa para sua natureza humana. Com efeito, a natureza
humana de Jesus, como a nossa, está destinada à Vida Eterna; além disso,
diversamente da nossa, ela é totalmente isenta de pecado, que causa a morte";
mas ela é sobretudo assumida pela pessoa divina do "Príncipe da Vida", do
"vivente". Ao aceitar em sua vontade humana que a vontade do Pai seja feita,
aceita sua morte como redentora para "carregar em seu próprio corpo os
nossos pecados sobre o madeiro" (1Pd 2,24).
607 Este desejo de desposar o desígnio de amor redentor de seu Pai anima
toda a vida de Jesus pois sua Paixão redentora é a razão de ser de sua
Encarnação: "Pai, salva-me desta hora. Mas foi precisamente para esta hora
que eu vim" (Jo 12,27). "Deixarei eu de beber o cálice que o Pai me deu?"
(Jo18,11). E ainda na cruz, antes que tudo fosse "consumado" (Jo 19,30), ele
disse: "Tenho sede" (Jo 19,28).

Quanto ao maná, para Orígenes, em semelhança, o maná era alimento. Depois,


na realidade, a carne da Palavra é a verdadeira comida (Números 7, 2). Agostinho repete: o
maná era a sombra, esta é a realidade (Tratado sobre João, 26, 13). Para ele, o mistério
eucarístico era tão real que chamava os cristãos a dar-lhe a adoração devida só a Deus: ninguém
coma a carne a menos que a tenha primeiro adorado ... e pecamos ao não adorá-la (In Salmos
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98, 9). No CEC, n. 1094, a Igreja ensina que o maná no deserto prefigurou a Eucaristia, o
verdadeiro pão do céu. Ensina, também, no n. 2837, que o pedido da Oração do Senhor pelo
pão supersubstancial significa que ele é necessário para viver, o remédio da imortalidade, e não
apenas o pedido traduzido por cotidiano, diário.

Finalmente, em Lc 24, quando Jesus repetiu os gestos da última Ceia, depois de


ter percorrido as escrituras naquilo que lhe concernia, os olhos dos discípulos de Emaús se
abriram e Jesus desapareceu, apontando a eles o modo como estaria presente com eles dali em
diante, sob a aparência do pão eucarístico. Aquele domingo foi o primeiro depois da
ressurreição e aquela foi a primeira Eucaristia, com Jesus como o principal celebrante, dando-
lhes o Seu corpo crucificado e ressuscitado. Ao pedido: fica conosco, temos a resposta: em cada
partir do pão, em cada Eucaristia, Ele responde nossa prece, dizendo: Estou convosco todos os
dias, até o fim dos tempos.

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