Você está na página 1de 24

Índice

[Tópico 2, Recursos 1 – A LÍNGUA LITERÁRIA (COSERIU)].............................................................................................3

[Tópico 3, Recurso 1 – PLANOS DA LINGUAGEM (EUGENIO COSERIU)]........................................................................5

[Tópico 2, Recurso 1a – DA CORREÇÃO E EXEMPLARIDADE DAS LÍNGUAS HISTÓRICAS]...........................................10

[Tópico 3, Recursos 2 e 2a – GÉNEROS DISCURSIVOS NA RETÓRICA ARISTOTÉLICA] Quadro geral da retórica

aristotélica.................................................................................................................................................................... 12

[Tópico 3, Recursos 3 e 3a – UNIVERSOS, GÉNEROS E TIPOS DISCURSIVO-TEXTUAIS]...............................................13

[Tópico 2, Recurso 3 – PRAGMÁTICA, DEIXIS]..............................................................................................................19

[Tópico 3, Recurso 4 – TEXTO | TEXTUALIDADE].........................................................................................................20

2
[Tópico 2, Recursos 1 – A LÍNGUA LITERÁRIA (COSERIU)]

Na Linguística atual considera-se:


 A língua falada “primária” (espontânea ou
usual) como natural e livre;
 A língua exemplar e a forma literária desta
como artificial e imposta.

Por conseguinte considera-se também:


 A gramática descritiva objetivista como
realmente científica;
 A gramática normativa como expressão
sem fundamento científico duma atitude
antiliberal e dogmática.

A linguagem é atividade livre e manifestação da liberdade criadora do homem.


Mas a liberdade do homem histórico não é arbítrio nem capricho, e as atividades livres não são atividades
sem norma. Pelo contrário…
Toda a atividade livre implica o seu próprio “dever ser”, as suas normas intrínsecas; normas imperativas e
obrigatórias, não por coerção exterior, mas por compromisso livremente consentido.

A linguagem, por se tratar de uma atividade muito complexa, desenvolve-se em três níveis:
1. Nível universal
Norma = congruência com os princípios universais do pensamento e com o conhecimento geral
humano do mundo.

2. Nível histórico da língua


Temos, na perspetiva do sistema linguístico que se pretende realizar e, na perspetiva da comunidade
falante, a norma da solidariedade idiomática (conformidade com o falar dos outros no mesmo âmbito
funcional), que é a que determina a constituição e a continuidade das línguas históricas, das
modalidades internas destas e das línguas comuns.

3. Nível particular dos discursos


Norma = apropriado, que pode ser diferenciado em adequado (com respeito às coisas de que se fala),
conveniente (com respeito ao destinatário do discurso) e oportuno (com respeito às circunstâncias do
falar)

As normas podem ser suspensas historicamente ou intencionalmente nos discursos. Assim, a correção
incongruente suspende a congruência; e o apropriado pode suspender tanto a congruência como a correção.
Mas o facto mesmo de se advertir a suspensão é a prova da sua existência e vigência.

3
Todo o modo de falar correspondente a uma modalidade de uma língua histórica (língua regional, dialeto,
nível ou estilo de língua) tem a sua própria correção. Mas cada modalidade tem, ao mesmo tempo, a sua
esfera de alteridade e, portanto, de vigência.
Um dialeto local tem vigência no âmbito local; e o estilo familiar no âmbito da família; não também fora
desses âmbitos.

A esfera de alteridade1 da língua comum abrange virtualmente toda a comunidade idiomática.


E a língua exemplar (ou língua padrão) é uma segunda língua comum que se estabelece por cima da língua
comum como forma idealmente unitária da mesma, pelo menos para aquelas tarefas e atividades (culturais,
políticas, sociais, educacionais) que são idealmente de toda a comunidade idiomática.

A língua exemplar confirma a coesão e a individualidade da comunidade correspondente a uma língua


histórica e é a expressão mais eloquente da unidade étnico-cultural da comunidade idiomática. A língua
literária, finalmente, é o estilo mais elevado da língua exemplar;
nas nossas comunidades é também a oficina onde constantemente se experimenta e se elabora a
exemplaridade idiomática e, ao mesmo tempo, a concreção2 por antonomásia3 da língua exemplar.

Em suma, parafraseando Ortega:


“Muito pior do que as normas rigorosas é a ausência de normas, que é barbárie.”

1
Alteridade - conceção que parte do pressuposto básico de que todo o ser humano social interage e é interdependente do outro.

2
Concreção – ação de tornar ou tornar-se concreto

3
Antonomásia – substituição de um nome próprio por um nome comum ou de um nome comum por um nome próprio
4
[Tópico 3, Recurso 1 – PLANOS DA LINGUAGEM (EUGENIO COSERIU)]
Capacidade Geral da
Expressão

Competência Linguística Global Competência Linguística Geral (Saber Elocutivo)

Competência Linguística Cultural Competência Linguística Particular (Saber Idiomático)

Competência Textual ou Discursiva (Saber Expressivo)

CAPACIDADE GERAL DA EXPRESSÃO


Capacidade para as atividades que acompanham o uso da língua (mímica, gestualidade, entoação, etc)
Diz respeito aos instrumentos da comunicação extralinguísticos que operam no falar. Ou seja, quando falamos
convocamos elementos que complementam a atividade linguística em si, chegando mesmo a substituí-la.

COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA GLOBAL

 Capacidade de falar enquanto sujeita a determinados condicionamentos psicológicos e fisiológicos.


Podemos olhar esta capacidade através de dois pontos de vista:
 Do Emissor: implica a capacidade para configurar signos foneticamente articulares e de, através
deles, expressar conteúdos diferenciados.
Para falarmos, precisamos de saber como codificar signos
 Do Recetor: comporta a capacidade de perceber os signos e a forma como são codificados de forma
a criar uma referência, ligando o signo à imagem que ele representa.
 Capacidade de codificar e descodificar
 É neste plano que nos situamos quando identificamos que “esta criança não fala”, “este indivíduo não sabe
falar”. Não significa que não conheçam uma língua através do ponto de vista histórico, mas sim que não
dominam as competências psicofísicas associadas ao falar.
COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA CULTURAL

5
Plano Histórico Idiomático. Engloba os três grandes planos da linguagem referidas por Coseriu.
As línguas são históricas porque a história pode condicionar a sua viabilidade na sociedade.
Conceção do falar como atividade humana universal realizada individualmente e em situações determinadas por
falantes individuais enquanto membros ou representantes de comunidades linguísticas com tradições comunitárias
do saber falar. Falamos individualmente, mas enquanto membros ou representantes de uma comunidade linguística
que tem tradições comunitárias de um saber falar.
 Competência linguística geral (saber elocutivo)
Elocutivo provém do latim e designa a capacidade geral de falar. Não o saber falar numa certa e determinada
língua, mas sim de um ponto de vista geral.

 Competência linguística particular (saber idiomático)


Capacidade de saber numa determinada língua histórica.

 Competência textual ou discursiva (saber expressivo)

PONTO DE VISTA
PLANO
ATIVIDADE SABER PRODUTO JUÍZO DE VALOR CONTEÚDO
Totalidade das Congruência ou
UNIVERSAL Falar em geral Elocutivo Designação
manifestações Incongruência
Língua
HISTÓRICO Idiomático Língua particular Correção Significado
particular
INDIVIDUAL Discurso Expressivo Texto Adequação Sentido
“O conteúdo é aquilo que se diz ou descreve ou designa no mundo, mas o sentido é um efeito produzido pelo
facto de se dizer de uma ou outra forma este conteúdo.
O sentido é um efeito de funcionamento da língua quando os falantes estão situados em contextos sócio
históricos e produzem textos em condições específicas.”
Marcuschi, 2008

Plano Universal

Apresenta-se como prática universalizada e não determinada historicamente (salvo em casos de ordem
patológica, todos os humanos falam a partir de certa idade), aludindo ao que faz parte do falar, não importando a
língua utilizada.
 Atividade: Falar em Geral

 Saber: Elocutivo
Falar segundo os princípios da congruência relativos aos padrões universais do pensamento e ao conhecimento
geral que o homem tem do mundo.
Dizer que “A noiva cortou o bolo com o noivo”, quer dizer que a noiva se fazia acompanhar do noivo, não que
usou o noivo para cortar o bolo. Os não existentes existem nos mundos imaginários e podemos falar deles – “O
corno esquerdo do unicórnio é preto.” “A mesa quadrada é redonda” não traduz o desconhecimento do
português enquanto língua histórica, mas sim uma deficiência na formulação de um juízo.
 Produto: Totalidade das Manifestações

 Juízo de Valor: Congruência (Congruente / Incongruente)


Consonância com os princípios do pensar, autónomos relativamente aos juízos relativamente aos juízos
referentes à língua particular e ao discurso.

6
Texto: poderá ser anulada pela tradição da língua particular em casa. Por exemplo, a anulação do princípio lógico
de que a uma dupla negação corresponde uma afirmação, que ocorre em determinadas tradições do falar: “Tudo
certo como dois e dois são cinco”  anulação metafórica da incongruência; norma não raro compensada pela
chamada norma de conduta de tolerância.
 Conteúdo: Designação
Referência ao mundo e aos seus existentes (seres, objetos, estados mentais, tenham ou não correspondência no
mundo empírico, tal como o conhecemos.
O que é que cada um dos planos traz para nós? É tão válido aquilo que se diz na ficção como aquilo que se diz
numa peça jornalística. De acordo com a teoria da narrativa, dá-se o nome de existentes ao João, à mesa e ao
unicórnio – coisas do Mundo a quem os nossos discursos se remetem. O conteúdo pode ser expresso de diversas
formas. Dizer que “César venceu Pompeu” ou “Pompeu foi vencido por César” tem o mesmo conteúdo, mas com
um efeito de sentido diferente. Um centrando-se no objeto da vitória e o outro no agente da vitória. “A porta
está aberta” = “A porta não está fechada”

Plano Histórico

Quando falamos, fazemo-lo numa língua determinada: a língua que falamos é sempre determinada por um
adjetivo (pátrio, via de regra ou étnico) que aponta para uma tradição histórica determinada.
Plano mediante o qual se alude à língua histórica concreta de cujo saber o falante revela uma certa consistência,
quando diz que “alguém não fala bem”.
 Atividade: Língua Particular

 Saber: Idiomático
Falar uma língua particular de acordo com a tradição linguística historicamente determinada da respetiva
comunidade de falantes.
 Produto: Língua Particular

 Juízo de Valor: Correção (Correto / Incorreto)


Do incorreto como desvio relativamente a uma determinada tradição do falar historicamente concretizado (não
se confina ao âmbito da gramática tradicional o ponto de referência desse desvio). No plano lexical, o correto
declina-se como propriedade.
Faculdade de falar (em) uma língua particular segundo as normas de um falar historicamente determinado e
corrente na comunidade que a pratica  juízo de suficiência e conformidade respeitante apenas ao saber
idiomático historicamente determinado para uma comunidade de falantes (não confundir com aspetos próprios a
outros planos: coerência, eficácia, concisão, harmonia, etc.
 Conteúdo: Significado
O conteúdo, tal como linguisticamente configurado numa determinada língua histórica.
Plano de cada uma das línguas em particular. Falar uma determinada língua não é universal, mas encontra uma
condicionante histórica e geográfica.
Corresponde ao saber idiomático ou competência linguística particular. A língua evolui e muda, adaptando-se às
circunstâncias históricas e geográficas.

7
Juízo de correção – falamos numa determinada língua de forma correta ou incorreta. Não se deve considerar que o
único correto é o da gramática. Todos os níveis têm o seu nível de correção. Temos de conhecer aquilo que é visto
como padrão do correto. Quando falamos na coerência do falar não estamos a dizer que esta é uma característica da
língua, mas sim do discurso que está a ser proferido. Corresponde a um desvio das normas de uma determinada
língua.

Designação:
Função designativa da linguagem. Relação entre um signo linguístico e o extralinguístico (nomeado pelo signo
linguístico como realidade, sendo que o nomeado tanto pode ser um facto da linguagem primária, como da
metalinguagem).

Significado relaciona-se com a língua em particular. É o que é organizado pelas línguas, o seu “quê”.

Plano Individual

Sempre que alguém usa a língua mediante o recurso a uma língua histórica concreta, há de fazê-lo em
conformidade com uma circunstância determinada: a esta sua atividade do falar segundo a conveniência de uma
situação, circunstância determinada dá-se o nome de discurso (não confundir com texto, o produto dessa
atividade), estejamos diante de uma forma tão simples e curta como bom dia ou perante uma obra com a
extensão e a complexidade da “Divina Comédia”.
 Atividade: Discurso

 Saber Expressivo
Trata-se de um saber técnico, isto é, de um saber que se manifesta mediante uma língua particular e que pode ir
além do que já criado nessa mesma língua.
 Produto: Texto

 Juízo de Valor: Adequação (Adequado / Inadequado)


Adequado / Inadequado - Quanto ao objeto representado textualmente.
Apropriado / Inapropriado – relativamente ao destinatário do texto
Oportuno / inoportuno – em função da situação comunicativa e das circunstâncias que o determinam.

O juízo bem-dito comporta o cumprimento de três modalidades do apropriado:


1. O adequado (apropriado àquilo sobre que se fala)
2. O conveniente (apropriado em razão das pessoas com quem se fala e do ambiente no qual se processa o ato
discursivo)
3. O oportuno (apropriado ao momento ou à ocasião em que se fala)
Critério de Correção  Critério de Exemplaridade
Qualidade específica a uma forma de realização
Juízo sobre a realização de qualquer modo
determinada desta ou daquela língua histórica
de falar
enquanto veículo comum de comunicação

8
 Conteúdo: Sentido
O dito mediante o dizer, isto é, o conteúdo linguístico especial, tal como expresso pela designação e pelo
significado, todavia indo além deles, visto que assegurado pelo discurso individual e situado de um falante cujas
atitudes, intenções, suposições, etc. conferem ao seu acto uma feição peculiar (força ilocutiva: capacidade que
tem um acto discursivo para afirmar, negar, ordenar, etc. nela se envolvendo e por ela se comprometendo o
sujeito da enunciação) – A porta está aberta / A porta não está fechada.

Põe a língua em situação. Implica um espaço, um tempo e um conjunto de intervenientes. Em situações concretas,
devemos adequar o nosso discurso. É o plano mais complexo pelo facto de estarmos constantemente a aprender a
falar bem ou melhor.

Ironia = dizer o contrário daquilo que pensamos. “Estás muito linda hoje, ahn?”, combinado com algum tipo de
gestualidade e dicção, está a dizer mais do que aquilo que de facto estamos a dizer.

Quando falamos conjugamos 3 tipos de ato:


ato locutório (produzir um enunciado respeitando as regras gramaticais)
ato ilocutório (ato locutório produzido num determinado contexto/intenção/condição)
1. Diretivo
2. Compromissivo
3. Expressivo
4. Declarativo
5. Declarativo Assertivo
6. Indireto
ato perlocutório (o que o ato ilocutório provoca no interlocutor).

Circunstância coordenada: contexto. Há coordenadas que delimitam a circunstância e devemos ter em atenção o
seguinte: situação, circunstância, locutor, objeto, situação. Devemos distinguir se o discurso é
adequado/inadequado, conveniente/inconveniente, oportuno/inoportuno.

Julgamentos sobre o falado


ETAPAS DO SABER LINGUÍSTICO
DE SUFICIÊNCIA DE INSUFICIÊNCIA
Congruente Incongruente
Correto Incorreto
ELOCUCIONAL
No léxico: próprio No léxico: impróprio

Apropriado Desapropriado
IDIOMÁTICO
 
Tema: adequado Tema: inadequado
Destinatário: conveniente Destinatário: inconveniente
EXPRESSIVO
Circunstância: oportuno Circunstância: inoportuno

9
[Tópico 2, Recurso 1a – DA CORREÇÃO E EXEMPLARIDADE DAS LÍNGUAS HISTÓRICAS]
Segundo Noreen, a correção da linguagem depende de três fatores:
1. Histórico Literário
Fundamente-se no prestígio de autores literários de época considerada áurea, em que a língua atingiu seu
maior grau de desenvoltura e estabilidade no processo de evolução.
2. Histórico Natural
Baseia-se na ideia de que, sendo a língua um organismo vivo em perpétua mudança, ninguém deve
perturbar e impedir essa mudança. A língua deve ser deixada livre de forma a tomar o seu curso.
3. Racional
“A melhor expressão é aquela que alia à inteligibilidade necessária a maior simplicidade.”, Noreen
“O que mais facilmente é expresso mais facilmente é entendido.”, Isaias Tegner
Depois de ter sido feita uma análise sobre esta proposta de Noreen, Jespersen lista sete critérios para atender ao
problema da correção da linguagem:
1. Critério da autoridade
Apoia-se na existência de um poder central donde brotariam recomendações ou mesmo determinações que
levassem ou obrigassem a comunidade a reger-se pelas normas fixadas. É o caso de academias atuantes e
que contasse no seu seio com razoável número de especialistas.
Quando as academias deixam espaço vazio nesse campo de atuação, entram em cena os chamados
consultórios gramaticais, geralmente bem aceites em colunas de prestigiosos jornais e revistas.
Desempenham ação meritória em fazer nascer nos leitores e falantes a preocupação com o idioma, desde
que não saiam com palmatória em punho, a condenar usos e costumes.
2. Critério geográfico
É o que elege uma região em que se fale melhor que as demais localidades do país.
3. Critério literário
O mérito de um escritor que prima em manifestar-se numa língua cuidada tem servido de modelo à
chamada correção de linguagem. Contribui para o movimento de homogeneização e estabilidade da língua
do seu tempo.
4. Critério aristocrático
Consiste em atribuir importância à chamada “boa sociedade” na tarefa de se atingir a nossa aspiração. O
grande obstáculo do critério é determinar que fração da sociedade integra essa classe de falantes.
5. Critério democrático
Partindo do princípio de que todos os homens são iguais, considera-se “correção de linguagem” o conjunto
de usos maioritariamente empregado na comunidade. Tudo na língua depende de um consenso.
Não só existe a influência de hábitos de falar da camada aristocrática na feição da língua comum, mas ainda
que hábitos do falar da camada popular têm exercido a mesma função de modelo.
6. Critério lógico
A correção tem valor universal e deverá estar presente em todos os homens, independentemente de nação
e de língua. Qualquer absurdo se torna correto se for sancionado pelo uso. “A língua não é lógica nem
ilógica, mas sim alógica.”
7. Critério estético
A correção da linguagem está sujeita ao nosso sentimento estético ou à nossa sensibilidade artística, pelo
qual linguagem correta vale o mesmo que linguagem bela. O critério é ilusório, já que assentado em base de
sensibilidade de alguém, sensibilidade que nem sempre coincide com a realidade da língua.

Jespersen sente que tem nas mãos critérios que não são suficientemente sólidos nem capazes de permitir um juízo
definitivo.
José Oiticica nota esta deficiência nos critérios de Jespersen e discute-os insistindo, de início, na distinção entre
língua usual e língua padrão, uma vez que “não podemos aplicar a ambas o mesmo critério de correção” e que “para
todas essas classes o critério único é o uso geral.”

10
Acrescenta ainda a necessidade de distinguir dois aspetos essenciais: o léxico e o sintático.
Adianta que o critério de correção está na tradição dos mestres da língua, considerando como mestres os escritores
e os gramáticos, definindo a “correção de linguagem” como “a equilibrada observância da tradição gramatical dos
mestres da língua”.
Compreendida a linguagem como atividade humana universal do falar, ela realiza-se individualmente, mas sempre
de acordo com tradições de comunidades históricas, e pode diferenciar-se em três planos relativamente autónomos:
1. Plano universal
Ou plano do falar em geral. Apresenta-se como prática universalizada, não historicamente determinada, isto
é, alude a todos os homens adultos e normais que falam, independentemente de que língua falem. Não
queremos, com tais declarações, aludir a uma língua concreta, mas sim à capacidade de falar.

2. Plano histórico
Faz referência a uma língua determinada, inserida numa tradição histórica, razão por que não existe
simplesmente língua, mas língua portuguesa, isto é, língua acompanhada de um adjetivo que a liga a uma
tradição histórica.

3. Plano individual
Alude ao fato de ser sempre um indivíduo que fala uma língua determinada, e o faz cada vez segundo uma
circunstância determinada.
A atividade de um indivíduo falar conforme a conveniência de uma dada circunstância, Coseriu chama-a discurso, e
diz que, nessa aplicação, não se deve confundir discurso com texto, que já é entendido como produto desta
atividade, produto do discurso. O discurso, tal como o texto, está determinado por quatro fatores: o falante, o
destinatário, o objeto (tema de que se fala) e a situação.
Como toda atividade, o falar é uma atividade que revela um saber fazer, uma competência, ainda que intuitivamente
sabida, sem possibilidade, portanto, de poder ser fundamentada, isto é, um saber não reflexivo.
Consoante os planos distinguidos da linguagem, poderemos ter:

 Saber elocutivo ou competência linguística geral


Saber falar em geral. Não corresponde a saber falar uma língua, mas sim a falar segundo os princípios da
congruência em relação aos padrões universais do pensamento e do conhecimento geral que o homem tem
das coisas existentes no mundo em que vive.

 Saber idiomático ou competência linguística particular


Saber falar uma língua determinada como representante de uma comunidade linguística com tradições
comunitárias do saber falar.
A dimensão desse saber idiomático não se restringe aos atos linguísticos de um determinado momento
(dimensão síncrona), mas alcança os atos não mais usados nesse momento (dimensão diacrónica) o que hoje
permite que o falante diga coisas como “Isso já não se diz”.
O saber idiomático identifica variedades que ocorrem numa língua histórica, isto é, as variedades regionais
(dialetos), sociais e estilísticas, o que permite identificar o termo como ecológico.

 Saber expressivo ou competência textual


Saber falar individual com vista à maneira de construir textos em situações determinadas.
Corresponde o saber estruturar textos em consonância ou com atenção aos fatores gerais do falar, isto é, o
falante, o destinatário, o objeto e a situação, já que há normas que dizem respeito a esses fatores.

Consoante cada fator envolvido no discurso ou no texto, temos distinções para fazer:

1) Em atenção ao objetivo ou ao tema, pode o saber expressivo ser adequado ou inadequado

11
2) Em atenção ao destinatário, pode ser apropriado ou inapropriado
3) Em atenção à situação pode ser oportuno ou inoportuno

12
[Tópico 3, Recursos 2 e 2a – GÉNEROS DISCURSIVOS NA RETÓRICA ARISTOTÉLICA] Quadro geral da retórica aristotélica

MEIOS PROCEDIMENTOS TOPOI


DISCURSO AUDITÓRIO TEMPO OBJETIVOS
(função textual) (modelos textuais) (lugares comuns)45

Justo/injusto Entimema
Juiz Acusação/defesa (alegação jurídica ou
(ético) Real/não real
Judicial6 (juízo) Passado (persuadir sobre o justo drama sócio-crítico,
(acto cometido e (temporalidade)
(severidade/mansidão) e o injusto) panfleto, sátira,
levado ao tribunal) apologia)

Útil/prejudicial Persuasão/ Exemplo


Assembleia (discussão política,
(político) dissuasão Possível/impossível
Deliberativo7 (decisão) Futuro publicidade, poesia
(o que pode ou não (persuadir sobre o útil didática, utopia,
(possibilidade)
(receio/confiança)
suceder) ou o prejudicial) sermão, persuasão)

Amplificação
Público Nobre/vil; belo/feio Elogio/censura
8 (panfleto difamatório, Mais/menos
Epidíctico (avaliação) Presente (estético) (comover sobre o
honroso ou o feio)
poesia de (quantidade)
(apreço/?) (+ moral)
circunstância)

4
Silogismo formado por uma só premissa explícita, sendo a outra dada por subentendida: “o homem tem direitos, logo, também tem deveres
5
Lugares comuns que funcionam como quadros argumentativos muito genéricos, mobilizáveis para todos os tipos de discurso.
6
Discurso Judicial: Discursos de condenação tendo em vista determinar a justa resolução de ações alegadamente ocorridas no passado (género judicial)
7
Discurso Deliberativo: Deliberação sobre uma ação futura, considerados o que de melhor convém ao estado
8
Discurso Epidíctico: Discursos que não convocam qualquer ato imediato por banda da audiência e que caracteristicamente se conformam em ocasiões propícias (um funeral, uma cerimónia
festiva, etc)
13
[Tópico 3, Recursos 3 e 3a – UNIVERSOS, GÉNEROS E TIPOS DISCURSIVO-TEXTUAIS]
Domínios Discursivos
 Esfera ou instância da produção discursiva enquanto atividade livre do homem
 Não se configurando como textos (o ergón da atividade discursiva), facultam, porém, o
aparecimento de modalidades discursivas específicas: discurso jurídico, discurso jornalístico,
discurso político, discurso religioso, discurso científico, discurso literário, discurso pragmático, …
Géneros Discursivos
 Identificáveis como textos empiricamente realizados numa determinada tradição histórica do falar,
ou seja, numa determinada língua natural;
 Formam um conjunto aberto – potencialmente ilimitado – de categorias, cujos rasgos
individuadores são condicionados pelo canal, pelo estilo, pelo conteúdo, pela composição e pela
função;
 Denominações: telefonema, sermão, carta (pessoal, comercial, administrativa, …), bilhete postal,
mensagem eletrónica, aula (expositiva, prática, …), ata de reunião, inquérito (policial, jurídico,
administrativo, sociológico), relatório (técnico, médico, de gestão e contas), receita de culinária,
receita médica, instruções de uso, bula, edital de concurso, notícia, coluna de opinão, artigo
académico, romance, tragédia, comédia, conversa espontânea, etc.
Tipos Discursivos
 Correspondem a constructos teóricos caracterizados por propriedades linguístico-discursivas
 Configuram-se como sequências discursivas no interior dos textos, enquanto manifestações
empíricas dos géneros discursivos
 Denominações: narração ou discurso narrativo, descrição ou discurso descritivo, argumentação ou
discurso argumentativo, explicação ou discurso explicativo, injunção ou discurso injuntivo.
“A língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura gramatical – não chega ao nosso
conhecimento a partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas que nós mesmos
ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam.
Assimilamos as formas da língua somente nas formas das enunciações e justamente com essas formas. As
formas da língua e as formas tópico dos enunciados, isto é, os géneros do discurso, chegam à nossa
experiência e à nossa consciência em conjunto e estreitamente vinculadas. Aprender a falar significa
aprender a construir enunciados.” (Mickhail Bahktin, “O Problema dos géneros do discurso”, pp. 282-83)
Géneros do discurso / esferas do agir como categorias __ constitutivo  o que é dito (o enunciado) acha-
se sempre articulado com o tipo de atividade em que os interlocutores estão envolvidos
– géneros do discurso como tipos relativamente estáveis de enunciados (elementos constantes, porém
sujeitos às contingências do tempo) pertinentes a determinadas esferas de atividade
– géneros do discurso como agregado de certos meios de orientação coletiva em face da realidade
quotidiana (necessidade de adequação do nosso “dizer” às formas típicas de enunciação no quadro desta
ou daquela esfera de atividade)
– géneros primários (comuns ao agir e dizer quotidiano) ~ géneros secundários (cultural e formalmente
mais complexos)
 Espécies de enunciados relativamente estáveis ~ classes de textos
 Produto do agir humano em determinado âmbito socioprofissional  diversidade dos âmbitos de
atividade  diversidade dos géneros discursivos
14
 Sujeitos às contingências histórico-sociais
 Configurados com base em 3 componentes fundamentais:
o O tema enquanto conteúdo ideologicamente conformado e comunicável/dizível mediante
determinado género
o A forma composicional (estrutura) enquanto modo de organização das partes constituintes
do discurso – texto (componentes sóciocomunicativas partilhados espécimes de género)
o Estilo enquanto modo de configuração intencional do texto – discurso (pessoal ~ impessoal;
registo; seleção do léxico, etc.)

DOMÍNIOS DISCURSIVOS GÉNEROS DISCURSIVOS


DISCURSO JORNALÍSTICO Editorial, notícia, entrevista, reportagem, coluna, crónica, análise, comentário
Oração, sermão, homilia, bula, encíclica, parábola, bênção, catecismo, hagiografia,
DISCURSO RELIGIOSO
salmo
Despacho, decreto-lei, portaria, estatuto, regulamento, código, artigo, parecer,
DISCURSO JURÍDICO
acórdão
DISCURSO POLÍTICO Manifesto, programa, panfleto, entrevista, debate, narrativa de vida
Aula, recensão, monografia, dissertação, tese, ensaio, oração de sapiência, artigo,
DISCURSO CIENTÍFICO
manual
DISCURSO MÉDICO Receita, bula de medicamento, relatório técnico, parecer médico
Rótulo, nota de venda, fatura, recibo, formulário de compra, certificado de garantia,
DISCURSO COMERCIAL
carta de representação, balanço comercial
Instruções de montagem, descrição de obras, descrição de produtos, avisos,
DISCURSO INDUSTRIAL atestados de validade, certificados de garantia, código de obras, manuais de
procedimentos técnicos
DISCURSO PUBLICITÁRIO Anúncios, cartazes, folhetos, logótipos, inscrições murais
DISCURSO LITERÁRIO Romance, novela, conto, poema, soneto, elegia, ode, comédia, tragédia, farsa

Excurso 1
Como a interpretação de um texto depende, em grande parte, do seu género, devemos respeitar, ao escrever, as
convenções genéricas. Às vezes isso determina e modifica o significado das palavras que usamos. Vejamos um
exemplo. A expressão “estudante aplicado”, fora de contexto, significa algo bastante positivo já que “aplicado”
aponta uma qualidade apreciada num estudante. Mas se essa expressão for utilizada numa carta de recomendação,
por exemplo, e se não estiver acompanhada de outras expressões mais elogiosas, pode implicar uma séries de coisas
negativas, como se o estudante não fosse inteligente, brilhante nem excecional… estes últimos são adjetivos
bastante frequentes no género “carta de recomendação”, de modo que se não estão e em seu lugar aparecem
outros mais humildes como “aplicado”, quem lê a carta pode deduzir que o estudante em questão tem poucos
méritos.
Excurso 2
Os rasgos linguísticos do texto devem ter relação com os atributos da atividade social realizada pelo grupo.
Suponhamos que a atividade social consiste em transmitir informação dentro da comunidade académica, dentro da
comunidade académica, mediante um artigo publicado numa revista especializada. O autor do artigo deve conhecer
como se realiza esta atividade, segundo regulamentos sociais. É socialmente aceitável, por exemplo, que o autor
indique que sabe mais sobre o tema do que outros autores? Suponhamos que sim, que é aceitável (costuma sê-lo).
Mas então, há que obedecer as regulações sociais sobre como testemunhar esta superioridade. É aceitável dizer, por
exemplo, que aquele que é autor de um experimento nunca feito antes, que prova de maneira conclusiva alguma
coisa que ninguém sabia. Não é aceitável, no entanto, anunciar aos leitores que todos aqueles que tenham
investigado esse tema antes sejam tontos. O primeiro caso é verificável, o segundo não porque é uma opinião. E um

15
artigo científico tem de dar dados que podem ser verificáveis: esse rasgo é obrigatório, já que a função desse género
de textos é dar informação correta e contrastável.
Os rasgos linguísticos adequados para transmitir autoridade sobre um tema estão regulados pelas leis discursivas
próprias do género. Num texto do tipo expositivo há que respeitar uma certa estrutura: há que delimitar o território
próprio, aludir a investigações anteriores, estabelecer um tema, o problema, a pergunta e finalmente oferecer
informação nova que inevitavelmente será avaliada pelo autor do texto, com maior ou menos timidez, por ser maior
que a oferecida até ao momento por outros. E para isso utilizar-se-á um registo adequado à comunicação entre
especialistas: formal, com vocabulário técnico, sem informação supérflua, etc.
Excurso 3
Quando abrimos um jornal e lemos que morreu uma personagem pública ou que o preço da gasolina aumentou,
acreditamos nessas informações porque não esperamos que um jornal dê informações não fidedignas. Quando um
adolescente diz ao seu professor que não podia entregar um trabalho porque a sua impressora não funcionava, mas
que o trabalho está feito no computador, o professor pode não aceitar o valor desta afirmação porque não
esperamos que todas as desculpas sejam fidedignas. A noção de expetativa é muito importante e leva-nos a
considerar como se estabelece a comunicação linguística em termos gerais.
Excurso 4
A noção de contexto é de grande importância se queremos escrever bem, pois ninguém escreve no ar, nem fora de
tempo ou espaço sem ter nenhum interlocutor em mente, e sem dar por descontada uma grande quantidade de
supostos sobre o mundo e sobre a linguagem. Não existe uma escritura sem lugar, sem tempo nem sem seres
humanos. Vejamos alguns exemplos. Suponhamos que nos encontramos com um póster que diz o seguinte:
Proibido passar
Se o póster tiver sido arrancado e estiver no chão, não terá qualquer sentido – proibido passar para onde? Se
estivesse pendurado numa porta quereria dizer algo perfeitamente interpretável. Se o cartaz tivesse sido colocando
por uma criança, com letras desiguais, pedindo que não entrem no seu quarto, duvido que levemos a proibição a
sério. O significado semântico do cartaz é sempre o mesmo, mas cada contexto dá-lhe um significado comunicativo
diferente que tem a ver com a função desse texto no mundo social.
Imaginemos outro cartaz:
Passe sem chamar
Esta afirmação, tomada pelo valor da palavra, é uma ordem de passar sem chamar. Mas esta ordem é válida sempre,
e quanto alguém quiser entrar: é uma ordem dada apenas a pessoas que queiram entrar neste determinado sítio,
não a qualquer pessoa que passe ali casualmente. A interpretação literal é tão absurda que a ideia de que alguém, só
por passar ali e ler o cartaz, obedeça e abra a porta, produz um efeito cómico (e há, de facto, muitas piadas baseadas
em interpretações literais, ou seja, descontextualizadas.
Excurso 5
A gestão da informação (o que digo, quando digo, em que ordem digo, a que dou mais importância…) é um dos
aspetos mais importantes da contextualização. Comparam-se os seguintes excertos:
1. Miguel de Cervantes, escritor espanhol do Século de Ouro e autor de uma das obras mestras de todos os
tempos, “Dom Quixote de La Mancha”, dizia que se devia escrever claramente, com palavras significantes,
honestas e bem colocadas.
2. Miguel de Cervantes, que foi, como sabemos, um escritor espanhol do Século de Ouro, autor de uma das
obras mestras de todos os tempos, “Dom Quixote de La Mancha”, dizia que se devia escrever claramente,
com palavras significantes, honestas e bem colocadas.
3. Cervantes, o imortal autor de “Quixote”, dizia que se devia escrever claramente, com palavras significantes,
honestas e bem colocadas.
4. Cervantes dizia que se devia escrever claramente, com palavras significantes, honestas e bem colocadas.

16
A diferença entre estes textos reside na quantidade de informação dada sobre Cervantes e na forma como esta é
dada. Se escrevermos numa revista dirigida a especialistas de literatura espanhola, o texto 1 é francamente
inadequado. Que especialista não sabe quem é Cervantes?
Se informarmos de algo familiar, estamos a tratar o leitor como ignorante. Para evitar este possível insulto, recorre-
se a fórmulas de cortesia como a do texto 2 (“que foi, como sabemos”). Contudo, se a informação não é necessária,
não temos de a dar. Se a damos só porque a frase soa bem, teremos cometido um erro: nada soa bem se for
desnecessário.
O fragmento 1 seria adequado para um público de estrangeiros que apenas conhecem a cultura espanhola, e
também o 2 ainda que exista uma frase que atenua o óbvio da informação. Nestes casos há que dar informação
sobre Cervantes porque, de outra forma, o enunciado perde sentido.”
Excurso 6
(1) Em boa hora! (2) A análise feita no passado dia 23 veio completamente normal. (3) O exame bacteriológico
não demonstra a existência de qualquer infeção. (4) Venho por este meio pedir-lhe expressamente que, em
cumprimento do que é recomendado nestes casos, te apresentes a uma nova revisão no prazo de seis meses. (5)
Entretanto, passa bem e não sejas tão apreensiva. (6) Recebe um forte abraço.
Muito embora nela possamos vislumbrar e colher um certo “âmbito de sentido”, o certo é que nenhum ginecologista
redigiria uma carta-relatório nestes termos (trata-se, pois, de uma aberração discursiva, geradora de desconcerto,
indignação ou riso, mas seguramente não de apreço).
No texto em causa confluem recursos genéricos de natureza distinta e conflitante, a saber:

Arranque típico de uma carta destinada a anunciar uma ocorrência positiva, digna, por isso, de felicitação
1)
(nascimento de um filho, qualificação num concurso, obtenção de um prémio, etc)
Mudança brusca das convenções genológicas anteriormente convocados, passando-se para o terreno do
2) 3)
relatório médico, com observância dos procedimentos temático-formais que lhe são próprios.
Nova incongruência, em resultado da conjugação do registo burocrático (próprio a uma circular
4) administrativa ou jurídica, por exemplo) com a informação requerida por um relatório ginecológico, tudo
isto “temperado” com uma deriva informal – tuteio: tratamento por tu.

5) 6) Carta pessoal, com registo brincalhão e de inesperada proximidade.

Considerando vários…
Os atos discursivos, orais ou escritos, agrupam-se em classes e em subclasses, sendo enorme a variedade delas.
Quando escutamos/lemos um texto, somos capazes de proceder à sua arrumação numa dessas classes/subclasses
de forma (quase) automática.
A regular correlação entre o entendimento que tenhamos de um determinado texto e o género ao qual este se
associa depende do respeito pelas convenções do género (genológicas), no ato de produção textual (excurso 1).

Os géneros, que são produtos culturais, codificaram as maneiras em que se expressam certos significados,
e por isso provocam expetativas que automaticamente devem cumprir-se para alcançar a construção de um
significado pretendido.
Natureza variável das convenções genéricas  conformação dos géneros como produtos histórico-culturais.
Funcionamento das convenções genéricas nas situações de comunicação oral e escrita  inusitados acréscimos ao
significado regular das palavras (excurso 1)

17
Definição 1

O género é uma agrupação de textos que comprem funções sociais semelhantes e têm certas características
formais em comum.

Texto / comunidade discursiva


Os textos desempenham certas funções: i) por serem compostos / produzidos por indivíduos, ii) com uma
determinada intenção — a de construir um determinado significado [um mundo de sentido] —, iii) que há- de ser
comunicada a alguém.
Tais funções são cumpridas no seio de uma comunidade, formada por grupos de indivíduos com algo em comum
(médicos, coleccionadores de antiguidades, professores de matemática, fãs de Elvis Presley, etc.), os quais se servem
dos textos para comunicar entre si (factor de coesão do grupo).

Podemos e devemos encarar esses grupos como comunidades discursivas / textuais, caracterizadas “por ter
objetivos acordados entre os membros, objetivos que são públicos” e por “assegurar certos mecanismos de
intercomunicação entre os seus membros (correio eletrónico, revistas especializadas, encontros regulares,
etc) e um ou vários géneros textuais em que certos temas predominam, certos vocabulários, certas
fórmulas…”

Definição 2

Um gênero é uma classe de eventos comunicativos que ocorrem em um contexto social, de acordo com
certas normas e convenções, que são especificamente adequados para determinados fins propostos por uma
comunidade discursiva e que possuem certas características linguísticas obrigatórias.
[a comunicação no interior da comunidade discursiva / textual requer: o conhecimento dos atributos da respectiva
actividade social + o conhecimento da estrutura da comunidade discursiva em causa + o conhecimento das
convenções técnico-compositivas específicas ao género sob utilização (excurso 2)]
Enquanto processos / produtos de uma codificação social que visa facilitar a comunicação, mediante a estipulação
de determinadas convenções, os géneros discursivos / textuais evidenciam uma forte capacidade para activar, junto
dos ouvintes / leitores, expectativas muito fortes (excurso 3).
No processo comunicativo que instaura, cada texto propõe, quanto ao seu estatuto e intenção, figuras de autor e de
leitor que lhes são próprias:

i) recurso a uma linguagem técnica imagem de um autor especializado no assunto sobre o qual se fala /
escreve e que se dirige a leitores também eles conhecedores dessa linguagem e dos temas nela vazados;
ii) moderação no recurso a uma linguagem técnica  imagem de um autor movido por uma intenção
didáctica, por se dirigir a uma comunidade discursiva distinta daquela à qual o liga o seu estatuto
autoral;
iii) o estatuto conferido ao autor pode variar entre o de igualdade na relação autor / leitor (os textos
científicos e académicos vistos como um diálogo entre pares) e o de superioridade de um em face do
outro (circular de uma empresa ou organismo, no sentido chefe / chefiados).

Cada texto constrói um diálogo; as personagens desse diálogo são o autor e o leitor. Mas, dependendo da
função do texto, as intenções do autor irão variar. Cada género impõe as suas convenções para indicar
ambas propriedades (intenção e estatuto do autor). Cada gênero é a cristalização, mais ou menos estável,
de uma série de normas sociais que regulam a comunicação.

18
Género e contexto

Os textos não ocorrem nem operam no vazio, mas sim no quadro de uma situação comunicativa particular
[as coordenadas espácio- temporais e as circunstâncias da sua enunciação], a qual deverá ser compartilhada
pelo locutor e pelo(s) alocutário(s), a este(s) último(s) sendo exigido, no momento da escuta / leitura /
interpretação, o domínio de uma enciclopédia comum, ou seja, do contexto de produção, circulação e
recepção dos produtos textuais em causa.
O contexto deverá ser entendido como “o conjunto de conhecimentos e crenças compartilhados pelos
interlocutores, alguns anteriores ao texto, outros surgindo à medida que a interpretação ocorre.” (25)
pense-se na expressão e conceito de saber discursivo, tal como formulados por Eugenio Coseriu (excurso
4).
Os contextos de qualquer afirmação incluem, por vezes, séries muito amplas de conhecimentos e crenças
sobre o mundo, sobre os interlocutores, sobre conversas anteriores, sobre a própria linguagem,
conhecimentos e crenças compartilhados, de fato ou presumivelmente, pelos interlocutores. (27)
Quem produz um texto implica nele não apenas o contexto em que o produz, mas ainda o do(s) seu(s)
interlocutor(es), que lhe cumpre calcular, ou seja, vislumbrar
Se você deseja que sua comunicação seja eficaz, o autor deve saber prever quais são os conhecimentos e
crenças compartilhados que formam o contexto da comunicação. O leitor deve ser capaz de conectar o
conhecido com o novo. (28)
Os géneros, enquanto sistemas de codificação de todos os actos discursivos, em especial dos produzidos
numa situação comunicativa ancora- da na escrita, evidenciam sinais vários de articulação com determinado
contexto: fórmulas de encabeçar as cartas, os requerimentos, os relatórios, certas histórias, etc.

Género e intertextualidade
Carta / relatório médico (hibridização de convenções genológicas): muito embora dotado de sentido e composto em
conformidade com a gramática do espanhol, o texto em apreço configura um acto comunicativo falhado, em virtude
do seu evidente desrespeito pelas convenções genológicas às quais estaria obrigado (excurso 6)
O princípio da intertextualidade ensina-nos que:

Cada texto é imediatamente inserido em uma história textual, pertence a uma série, compartilha com os
membros dessa série e de outras séries com as quais pode ser cruzado certas características. Os textos
repetem parcialmente padrões composicionais, vocabulário, fórmulas ou conteúdos de outros textos
anteriores, imaginários ou possíveis. […]: Um texto é simultaneamente muitos textos, sejam eles
reconhecíveis ou não. (31)

Contextualização
Apresentação dos sinais de identificação indispensáveis à vinculação de determinado texto a determinado género
discursivo / textual (titulação, espaçamento, grafismo, fórmulas de encabeçamento e de finalização, etc.).
Gestão da informação comunicada [o que se diz, quanto se diz, em que ordem se diz, a que aspectos concedo maior
relevo, etc.], tendo em vista o que pode ser ou não do conhecimento prévio de quem nos escuta ou lê (excurso 5).

Definição 3

19
Os gêneros não são espartilhos, mas moldes (garantias de funcionalidade) que enquadram e aumentam a
criatividade do escritor. (38)

20
[Tópico 2, Recurso 3 – PRAGMÁTICA, DEIXIS]

 Todo o falante reconhece que sempre que codifica ou interpreta uma frase da sua língua faz uso de
determinados conhecimentos que lhe são facultados pela situação em que a frase é usada, pois
tem como dado adquirido que a comunicação linguística não existe fora de um contexto particular,
motivado pela interação social.

 Agente: Cigarros, brandy, whisky…?


Sr. João: Muito obrigado. Pode ser um café, por favor!

Em vez de atuar como o Sr. João, que se permitiu uma liberdade de interpretação para além da que
os limites contextuais lhe impunham, o nosso falante interpretaria a pergunta do agente como um
pedido de informação alfandegária, pois sabe que no uso que faz da linguagem deve obedecer às
escolhas e restrições de interpretação facultadas pela situação particular em que se encontra.
O nosso falante recorreria ao conhecimento das regras e princípios que regulam a sua língua em
situação de uso, o quela está para além do conhecimento dessa língua.

 Os princípios reguladores da atividade verbal constituem o objeto de estudo da pragmática, como


disciplina linguística.

 Não nos podemos questionar sobre a validade dos aspetos pragmáticos na descrição de uma língua,
como não questionamos a validade dos aspetos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos.
Podemos, todavia, questionar-nos sobre quais os aspetos centrais para a comunicação que
poderemos definir como pragmáticos.
Estes aspetos incluem, pelo menos, o que é dito, o modo como é dito e a intenção com que é dito.
É o contexto linguístico que nos permite aceder ao significado de uma palavra quando temos
dúvidas sobre a aceção com que ela é usada.

21
[Tópico 3, Recurso 4 – TEXTO | TEXTUALIDADE]

Discurso como acontecimento (Ricceur, 1995)

DISCURSO  SISTEMA LINGUÍSTICO


O discurso traz à vida a potencialidade do sistema linguístico.
Realiza-se temporalmente e no presente É virtual e atemporal
Remete diretamente para o seu locutor por meio de indicadores Sem sujeito
deíticos, pois a instância do discurso é sui-referencial
Fala sobre alguma coisa, sobre um mundo que pretende descrever, Remete exclusivamente para os
exprimir ou representar signos que o constituem
Dirige-se sempre a um interlocutor (alocutário), o que faz com que É apenas a condição prévia da
se torne o lugar por excelência da troca de todas as mensagens comunicação fornecendo-lhes os
seus códigos

DISCURSO = ACONTECIMENTO
Aparece, ele próprio, como acontecimento. Alguém fala. Permite a chegada de um mundo à linguagem; é troca,
diálogo temporalmente estabelecido (interrompido/recomeçado)

Do texto e da textualidade (Marcuschi, 2008)


Concepção do texto como evento comunicativo no qual convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas.
o Enquanto érgon (artefacto, produto), depende de uma enérgeia (atividade) que o torna evento (uma sorte
de acontecimento), dependendo, pois, a sua existência de que alguém o processe num determinado
contexto
o Não se caracteriza apenas por uma série de propriedades imanentes, tidas por necessárias e suficientes, mas
também por se situar num determinado contexto sócio interativo e por integrar um conjunto de condições
que conduzem cognitivamente à produção de sentidos  “acesso interpretativo por parte de um indivíduo
que tenha uma experiência socio-comunicativa relevante para a compreensão” desses sentidos.

 Conceção do “texto como sistema atualizado de escolhas extraído de sistemas virtuais entre os quais a
língua é o sistema mais importante.”
 “Quando se ensina alguém a lidar com textos, ensina-se mais do que usos linguísticos. Ensinam-se operações
discursivas de produção de sentidos dentro de uma dada cultura com determinados géneros como forma de
ação linguística.”

22
CRITÉRIO SEGUNDO
ORIENTAÇÃO BASE DO CRITÉRIO
S BEAUGRANDE
Assegura os

material/textual/linguística do processo
mecanismos de
Ao nível da superfície textual (a forma como dá
conexão da superfície
vida/organização ao meu discurso) – tessitura semântica que

Orientados para a dimensão


Coesão

textual, os de feição
um conjunto de mecanismos formais (mecanismos
mais especificamente referenciais) permite construir
semântico-referencial

linguístico.
e os de natureza
1 sequencial
Relativamente ao mundo recriado no texto, à sua
Assegura a chamada verosimilhança semântico-referencial (possibilidade de
Coerência

conexão conceptual, existir), cuja aceitação desta desempenha um papel


assumindo uma fundamental, a nossa apreensão cognitiva do mundo e a
dimensão cognitiva nossa capacidade de compreender os mundos que nos
por excelência propõem relativamente àquele que nos situamos.
Intencionalidade

Diz respeito à concessão do discurso/texto como resultado de


uma intenção cognitivamente configurada e verbalmente
Orientados para a dimensão

Centrado no pólo da
psicológica do processo

2 expressa por um locutor como um objeto verbal internamente


produção textual dotado de sentido
comunicativo.
Aceitabilidade

Convoca-se a atitude do locutor disponível para aceitar um


produto verbal que lhe é dirigido, iniciando os esforços
Centrado no pólo da
3 necessários para o interpretar e avaliando-o como uma
receção textual entidade significativa (capaz de formar um juízo sobre ele)
Situacionalidade

discursiva do processo comunicativo

critério que nos reenvia para o grau de adequação entre o


Vínculos às
Orientados para a esfera socio

texto e o seu contexto (implica papeis assumidos pelos


especificidades da
4 interlocutores, a organização temática, o modo de
situação de comunicação, etc.)
comunicação
Intertextualidade

diz respeito à relação de proximidade retórico-estilística e


Relações inter e semântica (formal e semântica) que um texto mantém com os
5
arquitextuais outros textos

23
Gestão do grau de
expetativa,

composicional do
Informatividade
Convoca um juízo avaliativo sobre o índice/grau de novidade

comunicativo
conhecimento ou

processo
de determinado texto. Quanto mais imprevisível for a

Aspeto
incerteza dos
6 informação veiculada, maior é o grau de Informatividade do
potenciais recetores texto.
relativamente ao
mundo proposto pelo
texto.

24

Você também pode gostar