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HEBRAICO

Guia de Estudos

Facilitador: Julio Paulo Tavares Zabatiero

1a Edição
Potyguara – São Paulo – 2016
PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA GERAL DA IPIB:
Áureo Rodrigues de Oliveira

PRESIDENTE DA FECP:
Heitor Pires Barbosa Junior

MINISTRO DE EDUCAÇÃO DA IPIB:


Agnaldo Pereira Gomes

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO TEOLÓGICA:


Clayton Leal da Silva

DIRETOR DA EAD-FECP:
Reginaldo von Zuben

AUTOR:
Julio Paulo Tavares Zabatiero

CAPA E PROJETO GRÁFICO:


Camyla Barreto e Daniel Vega

DIAGRAMAÇÃO:
Ana Paula Pires

ILUSTRAÇÕES:
FOTOLIA

REVISÃO:
Dorothy Maia

EDIÇÃO:
Reginaldo von Zuben e César Marques Lopes

Reservados todos os direitos desta edição. É proibida a reprodução total ou


parcial dos textos e do projeto gráfico desta obra sem autorização expressa de
autores, organizadores e editores.
APRESENTAÇÃO

Estamos iniciando nova etapa na vida da nossa igreja em termos


de educação teológica. Não se trata apenas de incorporar uma nova
ferramenta que está em evidência nas instituições educacionais, mas
sobretudo de cumprir de modo mais efetivo o mandado da grande
comissão dada por Jesus à igreja: “Ide, fazei discípulos, batizando, en-
sinando...”. A igreja, portanto, tem essa tarefa de ensinar e cuidar da
formação dos seus membros, capacitando-os para a missão.
Como igreja de tradição reformada, trazemos também esta he-
rança da ênfase e do cuidado no ensino, não apenas da sua lide-
rança, mas de seus membros como um todo. Entendemos que a
fé cristã, baseada na revelação que nos foi dada em Cristo e teste-
munhada nas Escrituras, não prescinde do esforço da inteligibilida-
de. Como bem sinalizou Anselmo de Cantuária, um grande teólo-
go medieval, “creio para entender” (credo ut intelligam); por outro
lado, a fé requer o entendimento (fides quaerens intellectum)!
Democratizar a possibilidade de uma formação teológica a
irmãos e irmãs que não têm a oportunidade de frequentar pre-
sencialmente uma faculdade representa, sem dúvida, grande
avanço e empenho na tarefa de cumprir a grande comissão, sen-
do fiel à nossa tradição reformada. 
No anseio de que nossa igreja seja abençoada, mas também
meio de bênção, nossos votos de uma jornada proveitosa!

Rev. Áureo R. Oliveira


Presidente da Assembleia Geral da IPIB
FUNDAÇÃO EDUARDO CARLOS PEREIRA

É muito interessante o texto bíblico em que o apóstolo Pau-


lo, mesmo preso em Roma, pede para que Timóteo traga a sua
capa e os livros, principalmente pergaminhos, a fim de estudar
(2Timóteo 4.13). Até no final da sua vida e ministério, o apóstolo
dos gentios não deixa de se dedicar aos estudos e de se preparar
para conhecer e ensinar com zelo e presteza a Palavra do Senhor.
O Curso Livre de Teologia da Fundação Eduardo Carlos Pereira
(FECP) surge para abençoar muitos irmãos e irmãs com interesse
em, por meio do estudo da teologia, servir a Deus com mais zelo,
segurança e presteza. Nosso desejo é que, de fato, este Curso seja
meio pelo qual a ação poderosa de Deus se manifeste na vida de
todos os estudantes, irmãos e irmãs em Cristo. Com isto, a FECP
atende aos anseios da IPI do Brasil em garantir acesso ao curso de
Teologia não só aos candidatos e candidatas ao sagrado ministério,
mas também a oficiais, liderança, membros e outros interessados,
tanto da IPI do Brasil como de outras denominações cristãs.
Como cristãos, cremos que o Espírito Santo desperta, cha-
ma e capacita pessoas para atuarem nos diversos ministérios
da Igreja. Isto ocorre por causa da necessidade de edificação e
orientação do povo de Deus no mundo, bem como para o cum-
primento da missão de Deus em meio aos desafios do nosso
contexto. Deus faz a parte dele e nós temos a nossa. Temos res-
ponsabilidades no que se refere à busca de excelência na vida
cristã, ao cumprimento da vontade de Deus em nossa vida e à
vitalidade da igreja no testemunho da graça e do amor divinos.
Diante destas responsabilidades, é fundamental o estudo da
Palavra de Deus, da história da igreja, da teologia cristã e das
ferramentas para o exercício pastoral e atuação como líderes
cristãos, tudo visando à boa preparação para desempenharmos
a privilegiada condição de servos e servas, sem deixarmos de ser
amigos e amigas do Senhor Jesus.
A exemplo do apóstolo dos gentios, sejamos dedicados nos
estudos e ricamente abençoados nesta caminhada de aprendi-
zagem e crescimento.

Deus abençoe a todos nós.


SUMÁRIO

MÓDULO 1: Estudando o Hebraico Bíblico


1. Como estudar o idioma Hebraico.............................................10
2. O Hebraico: uma língua semita.................................................12
3. O alfabeto Hebraico (Consoantes)............................................14

MÓDULO 2: Enunciação: a lógica da comunicação linguística


1. Enunciação e enunciado............................................................30
1. Elementos fundamentais da língua e do sentido...................33
2. Oração: a forma gramatical do enunciado..............................35
3. Ação e pessoa..............................................................................41
4. Ação, pessoa e caracterização...................................................45
5. Um exemplo da importância dete estudo para a
interpretação do texto...............................................................47

MÓDULO 3: Espaço e Sistema Verbal


1. Espaço: uma discussão inicial...................................................54
2. Aprofundando a identificação do espaço no texto................57
3. O sistema verbal na língua...........................................................63
4. O sistema verbal no Hebraico bíblico........................................67

MÓDULO 4: A Tradução do Hebraico para o Português


1. Compreendendo o processo de tradução do texto...............78
2. Compreendendo o processo de traduzir os verbos...............80
3. Aprofundamentos na tradução dos verbos do Hebraico
para o Português.........................................................................87

MÓDULO 5: A Utilização de Ferramentas


1. Usando ferramentas..................................................................94
MÓDULO 1
Tema: Estudando o Hebraico Bíblico
Hebraico

J PARA INÍCIO DE CONVERSA

Caro(a) estudante,
Seja bem-vindo(a) à disciplina de Hebraico. Temos diante de nós
cinco semanas que certamente nos ajudarão a entender o texto do
Antigo Testamento de uma maneira melhor e mais profunda.
Para lidarmos com o grande desafio de estudar o hebraico,
este Guia está organizado de maneira um pouco diferente em
relação ao que você está acostumado. Cada módulo contém
seções que abordarão elementos de Introdução ao Estudo da
Língua, que compõem um ciclo mais básico dos nossos estu-
dos. Nestas seções estudaremos os elementos da Linguística,
especialmente no campo do que os estudiosos chamam de
enunciação, para aprender alguns aspectos que nos auxiliam
não somente no estudo do hebraico, mas que também serão
muito úteis quando estudarmos as disciplinas de Exegese Bíbli-
ca mais adiante. Além disso, entender os elementos básicos que
oferecemos aqui é fundamental para compreendermos melhor
o complexo trabalho de tradução que, pela graça de Deus, nos
permitiu ter a Escritura disponível em nossa própria língua.
Também teremos em cada módulo alguns elementos de um
ciclo intermediário, focando em um aprofundamento dos Es-
tudos no Hebraico Bíblico. Tais elementos intermediários virão
sempre destacados no texto do nosso Guia de Estudos com este
sombreamento que você pode ver neste parágrafo. Eles são um
conteúdo voltado para quem deseja aprofundar-se um pouco
mais no estudo do hebraico. Ou seja, você estudará os mate-
riais do ciclo intermediário marcados por este sombreamento
apenas se desejar ir além do material mínimo do ciclo básico.
Prontos para começar? Nosso objetivo neste primeiro mó-
dulo é basicamente desenvolvermos uma familiaridade com o
hebraico enquanto língua semítica e com o seu alfabeto.
Bons estudos!

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ COMO ESTUDAR O IDIOMA HEBRAICO

De fato, a questão é: como estudar qualquer idioma? O nos-


so idioma “materno” é aprendido no dia a dia, de modo quase
automático, de forma que quando chegamos à escola já o do-
minamos. Só precisamos aprender a chamada norma culta, ou
seja, a gramática padrão, o vocabulário e o estilo mais usados
nos textos oficiais da cultura brasileira.
No caso do aprendizado de uma segunda língua, a situação
fica mais complicada. Precisamos “voltar” a ser crianças e estu-
dar o idioma conforme ele é usado, antes de poder estudar a
gramática. Ao estudar as línguas bíblicas, porém, encontramos
outra dificuldade: não são mais línguas faladas. Só estudamos
para ler textos. Por isso, a organização das disciplinas de línguas
bíblicas segue um padrão que em linguística se chama de estu-
do instrumental da língua.
Em nossa disciplina, portanto, seguiremos o seguinte esquema:
(a) começamos com os conhecimentos básicos para ler o texto
hebraico: alfabeto e sinais vocálicos e de pontuação. Você pode
pensar que são coisas muito básicas, mas se você não aprender
bem a ler o texto, não conseguirá interpretar o texto hebraico.
(b) Passamos para o estudo da lógica do funcionamento da
língua, mediante o conceito linguístico da enunciação, que irá
ocupar todo nosso período de estudo da disciplina. Esta parte
será dividida em três temas: pessoa, espaço e tempo (tempo-
ralidade). Nossa maior atenção será dada ao estudo do verbo
hebraico, ou seja, da temporalidade da língua. Na linguagem da
gramática, o nosso foco recairá sobre a sintaxe da oração e so-
bre a semântica do enunciado.
Não entraremos muito na morfologia ou outras partes da
gramática. Isto é baseado no nosso desejo de ensinar a você
os conhecimentos necessários para usar as ferramentas base-
adas na língua original da Bíblia de forma funcional, ou seja,

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Hebraico

você deverá ser capaz de usar um dicionário, procurar coisas


numa gramática, usar as ferramentas eletrônicas disponíveis,
ler e entender comentários que tratam aspectos do hebraico
dos textos bíblicos.
Se você desejar avançar além desses elementos básicos, suge-
rimos o uso de gramáticas pedagógicas ou textos introdutórios
autodidáticos. Veja a bibliografia para isso. Sugiro, como um bom
manual introdutório, a gramática de KELLEY, Page H. Hebraico bí-
blico. Uma gramática introdutória. São Leopoldo: Sinodal, 1998.

PENSE NISSO:
Por que aprender o idioma hebraico?

Primeiro, porque a Bíblia surgiu de uma cultura bem diferente


da nossa. E a língua é a cultura em forma de linguagem: ideias,
conceitos, imagens, narrativas etc. Ter uma noção básica da língua
permite entrar de forma mais profunda nos textos da cultura.
Em segundo, apesar de haver certa universalidade nas estruturas
lógicas (profundas) da linguagem humana, cada língua se manifesta
de modo diferente das outras e isto exige conhecer alguns dos
modos peculiares principais de cada uma. Assim você poderá
interpretar melhor algumas idiossincrasias (peculiaridades) dos
textos bíblicos. Exemplos marcantes são o jeito de escrever
poesia, a formação de sequências narrativas ou a
liberdade de usar as noções de passado, presente
e futuro (você já viu na disciplina de Introdução
Histórico-Literária ao Antigo Testamento alguns

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

exemplos dessas peculiaridades, e verá mais nas disciplinas de


Exegese e Teologia Bíblica).
Enfim, em qualquer tradução se perde um pouco da força do
texto original. Esperamos que você comece a desenvolver os
conhecimentos necessários para poder avaliar, com o uso das
ferramentas técnicas, em que lugares é necessário “aperfeiçoar”
as traduções padrão.

ATENÇÃO! Nas leituras complementares você encontrará artigos


que contam mais sobre a história do idioma hebraico e sobre a
história das Bíblias Hebraicas impressas.

J O HEBRAICO: UMA LÍNGUA SEMITA

A Bíblia Hebraica foi escrita num período de mais ou menos


mil anos (1000 a.C. até 150 a.C.). Nenhuma língua permanece
idêntica durante tanto tempo. Por isso temos na Bíblia Hebraica
uma forma da língua padronizada em um momento particular
e perpetuada, depois disso, como meio literário fixo. Há certo
consenso de que esse hebraico que encontramos na Bíblia foi o
mesmo falado na época imediatamente anterior ao exílio babi-
lônico (antes de 587 a.C.). Depois ele foi fortemente influencia-
do pelo aramaico até se tornar uma língua usada apenas nos
cultos sinagogais, após as revoltas judaicas contra o Império
Romano nos primeiros dois séculos d.C. O hebraico moderno,
chamado ivrit, é desenvolvimento recente e artificial, mas que
ainda é bastante semelhante ao hebraico clássico.
O hebraico faz parte da grande família de línguas semitas.
Por isso pessoas que sabem falar árabe, aramaico ou amárico
(Etiópia) têm mais facilidade de aprender hebraico. Outras lín-

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Hebraico

guas dessa família são o caldeu e o assírio.


No início do estudo da língua hebraica, você encontrará
alguns desafios interessantes: (a) o alfabeto é bem diferente do
nosso; (b) o hebraico é escrito da direita para a esquerda. Por-
tanto, você abre a sua Bíblia Hebraica “no fim” do livro e começa
a ler no lado direito da página; (c) nos tempos bíblicos, o hebrai-
co era escrito apenas com as consoantes. Os textos impressos
da Bíblia Hebraica, porém, são baseados nos manuscritos da
Idade Média preparados por escribas conhecidos como masso-
retas. Eles criaram um sistema de sinais vocálicos e de pontuação
e ritmo que usamos até hoje para conseguir ler e entender o tex-
to; e (d) a pronúncia! Iremos nos basear na pronúncia do idioma
hebraico atual.

PARA PENSAR E AGIR

Por isso, nosso companheiro de estudos será o seguinte site:


http://www.torahclass.com/audio-bible-in-hebrew (que você
pode acessar pelo atalho goo.gl/Z7yUjm)1. Nele você terá a
Bíblia Hebraica inteira falada por um judeu. Aproveite e faça
um passeio pelo site. Para você ganhar tempo, sugiro que faça
o download da leitura de Gênesis capítulo 1. Sei que você não
conseguirá pronunciar as “guturais” perfeitamente, mas se
esforce para reproduzir com exatidão o que você ouvir.

1
Utilizamos muitos links para websites que nos ajudam no estudo
do hebraico. Se você está lendo este Guia pelo computador, basta
clicar no link completo e a página em questão se abrirá. Se você
está lendo o Guia impresso, basta digitar o atalho que criamos.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ O ALFABETO HEBRAICO (CONSOANTES)

O idioma hebraico, desde suas origens, tem como uma de


suas peculiaridades (em relação às línguas latinas, por exem-
plo), o fato de não incluir os sons vocálicos no alfabeto, ou seja,
não há no hebraico letras equivalentes aos nossos a, e, i, o, u. As
palavras são escritas apenas com as consoantes e os sons vo-
cálicos são incluídos, na leitura, mediante a memória. Ou seja,
somente quem realmente conhece o idioma, o “fala” fluente-
mente, é capaz de ler os textos e suprir os sons vocálicos nas
palavras escritas apenas com as consoantes.
Felizmente, porém, como já mencionamos, os textos bíblicos
foram vocalizados na Idade Média. Rabinos judeus desenvolve-
ram sistemas diferentes, um deles se tornou padrão e foi ado-
tado na impressão das Bíblias Hebraicas até hoje. O texto das
Bíblias Hebraicas impressas no Ocidente é chamado de Texto
Massorético, por causa do trabalho de escribas judeus da Idade
Média, que vocalizaram a parte consonantal e incluíram notas
explicativas nas margens do texto (chamadas de Massora). As-
sim, estudaremos primeiro o alfabeto original (consoantes) e,
como aprofundamento para o ciclo intermediário, examinare-
mos o sistema de vocalização que inclui, também, um sistema
de pontuação e indicações de ritmo de leitura.
Você verá que as consoantes hebraicas possuem um for-
mato bem diferente do alfabeto latino. Parecem muito estra-
nhas e difíceis, porém, com um pouco de tempo e esforço, elas
ficarão familiares.
Vamos lá. Agora o trabalho é seu: você precisa memorizar
as formas e os sons das consoantes. Como? Para memorizar
as formas, você deve escrever cada letra do alfabeto hebraico
várias vezes, até ficar familiarizado com cada uma delas. Além
disso, ajudará bastante se você repetir a sequência do alfabe-
to hebraico, em voz alta, também várias vezes. (Acesse a nossa

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Hebraico

disciplina no AVA para abrir um arquivo de som com o alfabeto


hebraico sendo falado na ordem sequencial das letras.)
O alfabeto hebraico é composto por vinte e duas (22) conso-
antes. Leia e memorize a tabela abaixo. Note que os nomes das
duas primeiras letras deram origem à palavra alfabeto (assim
como no caso do idioma grego).
Uma breve explicação sobre a tabela:
a. a primeira coluna da esquerda apresenta o nome da letra;
b. a segunda coluna apresenta a forma da letra conforme im-
pressa nas Bíblias Hebraicas e textos acadêmicos sobre a Bíblia
Hebraica. Note que algumas letras podem receber um ponto
dentro delas para indicar uma diferença no som da letra;
c. na terceira coluna você verá que algumas letras do al-
fabeto hebraico são escritas de duas formas diferentes – no
caso dessas letras, quando elas são a última da palavra, sua
forma é modificada;
d. na quarta coluna você verá a transliteração da letra he-
braica para o alfabeto latino, facilitando a pronúncia da palavra
e a escrita no computador;
e. finalmente, na última coluna, apresentamos a sonoridade
da letra, ou seja, como ela deve ser pronunciada.

TABELA 1 – CONSOANTES
forma transli-
nome forma pronúncia
final teração
não audível (pausa
alef ‫א‬ ’
glotal)
‫ּב‬ b b como em boi
bet
‫ב‬ v v como em vinho

‫ּג‬ g g como em gole


guimel
‫ג‬ gh g como em gole

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

‫ּד‬ d d como em dado


dalet
‫ד‬ dh d como em dado
aspirado (como h em
he ‫ה‬ h
inglês)
u como em água (ou
vav ‫ו‬ w (v)
v como em vinho)
zayin ‫ז‬ z z como em zebra
aspirado fortemente
ḥet ‫ח‬ H como j em espanhol
“lejos”
ṭet ‫ט‬ ṭ t como em teto

yod ‫י‬ y i como em baiano

c como em café
‫ּכ‬ k
kaf ch brando como em
‫כ‬ ‫ך‬ kh
alemão “sprechen”
lamed ‫ל‬ l l como em letra
mem ‫מ‬ ‫ם‬ m m como em mapa

nun ‫נ‬ ‫ן‬ n n como em nada

samekh ‫ס‬ s s como em sino


não audível (pausa
ayin ‫ע‬ ‘
glotal)
‫ּפ‬ p p como em pato
pe
‫פ‬ ‫ף‬ f f como em fato

tsade ‫צ‬ ‫ץ‬ ts ts como em tsé-tsé

qof ‫ק‬ q c como em café

resh ‫ר‬ r r como em ar

sin ‫ׂש‬ S s como em sino

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Hebraico

shin ‫שׁ‬ sh ch como em chave


‫תּ‬ t t como em teto
tau
‫ת‬ th t como em teto

(adaptado de KELLEY, P. H. Hebraico bíblico. Uma gramática


introdutória. São Leopoldo: Sinodal, 1998, 17-18)

ATENÇÃO: Há diferentes sistemas de transliteração. O que ado-


to aqui é simplificado para o uso em computadores, não tem a
exatidão de outros sistemas usados em textos acadêmicos.

Note algumas peculiaridades do alfabeto hebraico:

1. O ’alef (‫ )א‬não é um “a”! Como também o ‘ayin (‫ )ע‬não é


um “a”. Lembre-se: aqui estamos estudando consoantes, então
vogais estão fora. O esquisito com o ‫ א‬e o ‫ ע‬é que para nós são
muito difíceis de falar e ouvir. A “pausa glotal” é algo que existe
em todas as línguas (é o primeiro som que se faz quando uma
palavra começa com uma vogal: p.ex. “amanhã”), mas geral-
mente não achamos tão importante para valorizá-la e honrá-la
com um sinal em nosso jeito de escrever. Os hebreus, no entan-
to, valorizam tanto esse início que incluíram duas consoantes
diferentes para esse fenômeno.
2. E os pontos dentro de certas letras, para que ser-
vem? Para aprender hebraico é preciso reparar bem nos de-
talhes. O nome desse ponto é “daguesh lene” (ou “daguesh
fraco”). É usado apenas em seis letras e muda a sonoridade (o
valor fonético) dessas consoantes: ‫ּב‬, ‫ּג‬, ‫ּד‬, ‫ּכ‬, ‫ּפ‬, ‫ – תּ‬você pode
usar o acrônimo BeGaD KeFaT para memorizar essas letras.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

O daguesh lene aparece geralmente quando estas consoantes


começam uma palavra nova (ou uma sílaba nova dentro de
uma palavra). Mas isso não importa, porque você não vai
escrever textos inéditos em hebraico. O que é interessante é
que a pronúncia dessas letras muda por causa do daguesh lene.
Assim, ao ler o texto hebraico em voz alta, outras pessoas
saberão qual é a palavra que você está pronunciando. Com o
daguesh lene a pronúncia é forte, sem o daguesh lene, é branda:

‫=ּב‬b, mas ‫=ב‬v ‫=ּג‬g, e ‫=ג‬gh


‫=ּכ‬k, mas ‫=כ‬kh ‫=ּד‬d, e ‫=ד‬dh
‫=ּפ‬p, mas ‫=פ‬f ‫=תּ‬t, e ‫=ת‬th

Olho no detalhe! A pronúncia das letras guimel, dalet e tav


não muda em nossa fala, porque não estamos acostumados a
ouvir essa diferença (uma pessoa que tem o hebraico como sua
língua materna percebe a diferença).

3. Temos um detalhe também nas letras ‫צ‬ ‫כ מ נ פ‬. No final


de uma palavra, elas assumem outra forma: ‫ך ם ן ף ץ‬. Nada
muda na pronúncia, apenas na escrita!
4. Você já deve ter percebido que pontos têm grande
importância no alfabeto hebraico. Repare nas duas letras que
são quase iguais, exceto na posição do ponto acima da letra:
‫ ׂש‬e ‫שׁ‬. sin e shin se diferenciam na pronúncia (shin se pronuncia
como algumas formas do x e como o ch, ou o “s” carioca [chão,
chato, xarope] e o sin se pronuncia como o “s” paulista [samba,
solo]).

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Hebraico

Agora é só praticar: (a) escrever várias vezes e memorizar


o alfabeto; (b) falar em voz alta o alfabeto na sequência, a fim
de memorizar a ordem das letras. Não se esqueça de prestar
atenção aos DETALHES!!!!
(Ah! Por que aprender a ordem das letras? Para você poder
encontrar mais rapidamente as palavras hebraicas nos dicionários
ou léxicos impressos.)
Para sua ajuda, o site a seguir oferece um guia sobre como
escrever cada letra do alfabeto hebraico. Está em inglês, mas
você pode aprender a escrever as letras mesmo sem saber
inglês. O link entra em uma página com o alfabeto hebraico.
Clique sobre a letra do alfabeto e abrirá uma janela mostrando
como escrever cada letra.
Tente!
http://depts.washington.edu/hbanes/alefbet1.html
(ou utilize o atalho goo.gl/FZUX6K).

CURIOSIDADE

O hebraico é escrito da direita para a esquerda


(contrário ao modo da escrita latina). Isso
vale para cada palavra e para as palavras
em sequência. Por isso, na transliteração, a
palavra transliterada fica na ordem inversa
da palavra escrita em hebraico! Exemplo:
‫ = בראשׁית‬br’shyth.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

J O DAGUESH FORTE

Mais um detalhe do alfabeto hebraico: já estudamos o da-


guesh lene – um ponto dentro das seis consoantes “BeGaD KeFaT”.
De vez em quando, porém, você encontrará esse mesmo ponto
dentro de uma consoante que não pertence ao “BeGaD KeFaT”.
Quando isso ocorre, o ponto é chamado de daguesh forte. Por
exemplo, na palavra ‫ השּׁמים‬o shin recebeu o daguesh forte que
indica a duplicação da consoante – então são dois shin: shsh.
Isso pode acontecer com muitas consoantes. Só que não conse-
guimos perceber diferença sonora, então é mais uma das pecu-
liaridades da língua hebraica que devemos conhecer.

CURIOSIDADE

Lembre-se, o hebraico é escrito do lado direi-


to ao esquerdo. Os dois pontos no final de
cada versículo são o ponto final hebraico. O
traço horizontal é o mesmo em hebraico ou
português (junta duas palavras próximas).

J SISTEMA VOCÁLICO

Pois é, a escrita hebraica é complicadinha. Escrever uma lín-


gua sem vogais é possível, mas é também um pouco perigoso.
Imagine um texto em português escrito sem vogais: “mgn m
txt m prtgs scrt sm vgs”! Por causa disso, desde as origens da
escrita hebraica os judeus incluíram algumas consoantes que

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Hebraico

reprentavam vogais, mas isso não foi o suficiente.


É sabido que os judeus, após o século II d.C., não tinham mais
uma terra própria. Viviam em grupos dispersos e o hebraico não
era mais a sua língua cotidiana. Somente nas sinagogas é que o
hebraico permaneceu como língua falada, mas especificamente
no caso dos textos sagrados. Assim, com o passar do tempo, as
pessoas responsáveis pelas sinagogas ficaram com mais e mais
dúvidas sobre como pronunciar as palavras escritas nas suas
Bíblias. Escribas responsáveis pela produção de novos livros
para as sinagogas começaram a resolver o problema. Criaram
diferentes sistemas de vocalização e pontuação, mas um deles
se tornou padrão. Como vimos, foi o sistema massoreta.
Como os escribas tinham grande respeito em relação à lite-
ralidade do texto sagrado, eles decidiram não modificar o texto
consonantal. Por isso eles inventaram um sistema de pontos e
outros sinais em volta das consoantes. Alguns desses sinais re-
presentam as vogais, outros representam a pontuação, outros
representam o ritmo da leitura.

J PONTOS VOCÁLICOS MASSORÉTICOS

São doze as vogais no hebraico. Parece muito, mas no final


das contas são apenas variantes das bem conhecidas cinco vo-
gais da nossa língua: a, e, i, o, u.
Vamos lá:

TABELA 2 – VOCALIZAÇÃO

ā como em
qameṣ ָ ָ‫א‬ tarde
‫’( אָ ב‬ab) - pai

ă como em
pataḥ ַ ַ‫א‬ cantor
‫( ּבַ ת‬bat) - filha

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

ṣere ֵ ֵ‫א‬ ē como em fez ‫’) אֵ ל‬el) - deus


ṣere-yod ‫ֵי‬ ‫אֵ י‬ ê como em fez ‫) ּבֵ ית‬bet) - casa
segol ֶ ֶ‫א‬ é como em era ‫) שֶׁ קֶ ל‬šeqel) - shekel
ḥireq ִ ‫ִא‬ ĭ como em item ‫‘) עִ ם‬im) - com
ḥireq-yod ‫ִי‬ ‫ִאי‬ î como em hino ‫) הִ יא‬hi’) - ela
ḥolem ֹ ֹ‫א‬ ō como em povo ‫) ל ֹא‬lo’) - não
ḥolem-vav ‫וֹ‬ ‫אוֹ‬ ô como em povo ‫’) אוֹר‬or) - luz
qameṣ/
ḥaṭuf ָ ָ‫א‬ ŏ como em costa ‫) ּכָל‬kol) - totalidade
Šureq ‫ּו‬ ‫אּו‬ û com em uva ‫) הּוא‬hu’) - ele
‫) שֻׁ לְ חָ ן‬šulkhan) -
qibbuṣ ֻ ‫ֻא‬ ŭ com em rótulo
mesa
(Adaptado de KELLEY, P. H. Hebraico bíblico. Uma gramática
introdutória. São Leopoldo: Sinodal, 1998, 23)

ATENÇÃO: Para não complicar as coisas demasiadamente, não


faremos diferença entre as vogais na transliteração.

J O “SHEWA”

Mais uma peculiaridade. Os Massoretas foram radicais:


inventaram um sinal para anotar a ausência de vogal. Esse si-
nal de ausência de vogal se parece muito com os nossos dois
pontos (:), é chamado shewa (shva) e é usado sob a consoante.
Os Massoretas, infelizmente, entenderam que de vez em
quando a ausência de uma vogal é difícil de pronunciar. Por
isso o šewa, em certos casos, tem um som. Então, há dois tipos
de shewa. Um deles é o shewa quiescens (mudo, silencioso), o

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Hebraico

segundo é o shewa mobile (sonoro, vocálico). No segundo caso é


quase uma vogal, mas bem curta e pouco marcada.
Como saber qual é qual? É só seguir as regras:

Regras do shewa vocálico (mobile)


• é usado sempre no início da palavra (‫יְרחֹ ו‬
ֵ yereḥo “Jericó”,
‫ ְּדלִ ילָה‬delila “Dalila”),
• de dois shewa no meio da palavra, o vocálico é sempre
o segundo (‫’ אַ ְשׁקְ ֹלון‬ašqelom “Ascalom”, ‫ יִ ז ְְרעֶא‬yisre‘el “Jezreel”)
• sob um dagesh (‫ וַיִּ ְתּנּו‬wayyittenu, ‫ הַ ְמּלּוכָה‬hammelukha,
‫ הַ ּפְ לִ ְשׁ ִתּים‬haffelištim “os filisteus”)
• depois de uma vogal longa (‫שׁׂופְ ִטים‬ shofetim “juízes”);
• depois uma vogal curta e silenciosa (‫יִׂש ָראֵ ל‬
ְ yiśrael “Israel”).

De vez em quando você encontrará um shewa ao lado de vo-


gais. Você já viu a palavra ‫אֱֹלהִ ים‬. O significado é Deus (ou deu-
ses, dependendo do contexto). Abaixo do ’alef há a combinação
de um segol com um shewa. Esse segol é pronunciado de forma
abreviada e por isso é chamado de “semivogal”, um fato indica-
do pelo shewa.

J LENDO A BÍBLIA HEBRAICA STUTTGARTENSIA

Até agora estudamos o alfabeto e as vogais sem ler a Bíblia


Hebraica. Agora vamos ler textos da Bíblia Hebraica. Você encon-
trará alguma dificuldade, mas não tem problema. Isso é normal
e apenas com muita prática a leitura do texto hebraico se torna-
rá fácil. Para os objetivos de nosso curso, não é importante que
você seja leitor ou leitora que pronuncie fluentemente o texto
hebraico, mas que seja capaz de saber quais são as palavras e
como usá-las para melhorar a sua interpretação do texto bíblico.

23
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Usaremos como exemplo a edição mais comum da Bíblia


Hebraica, que é a Bíblia Hebraica Stuttgartensia (BHS). Nela
você encontrará bem mais do que só o texto. Vejamos:

"massora parva" - título do livro


anotações na margem (hebr./latim)

este círculo aponta


número do capítulo
a massora

início de um trecho
"
Seder"

referências à "massora magna" - aparato crítico textual


anotações maiores (num outro livro) (anotações sobre variantes textuais)

24
Hebraico

ATENÇÃO:

• A massora são as anotações nas margens. As que apa-


recem ao lado do texto fazem muitas vezes um resumo estatís-
tico. Algumas anotações são tão detalhistas que foram coloca-
dos num outro livro (as referências você vai achar na massora
magna, que aparece como nota de rodapé). Ambas massoras
são antigas e mostram o amor ao detalhe textual pelos respon-
sáveis da tradução da Bíblia hebraica durante os séculos.
• O aparato crítico que está abaixo da massora magna é
algo moderno. É fruto da comparação de muitos manuscritos
hebraicos e anotam diferenças importantes entre esses manus-
critos.
• O texto hebraico principal da BHS é o Codex Leningra-
densis, um texto escrito na Idade Média.
• Nas entrelinhas desse texto principal tem um monte de
sinais além das vogais. Alguns poucos apontam para as duas
massoras. Mas a grande maioria são acentos que permitem a
pronúncia correta das palavras e mostram aspectos de ênfase e
ritmo de leitura. No início será difícil distinguir esses sinais das
vogais, mas com a prática você se acostuma.
• Comprar uma BHS impressa pode ser interessante
para você, se quiser aperfeiçoar seus estudos e ser capaz de
fazer exegese a partir do texto original. O texto dessa edi-
ção, no entanto, está disponível na página web da editora:
http://www.academic-bible.com/en/online-bibles/biblia-hebrai-
ca-stuttgartensia-bhs/read-the-bible-text/ (que você pode aces-
sar pelo atalho goo.gl/CTobHA)

25
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ ANTES DE VIRAR A PÁGINA

Agora é hora de desenvolver a sua familiaridade com o texto


hebraico. Tente ler, mesmo. Você sabe a maioria das coisas im-
portantes para ler o texto na sua língua original. Comece bem
devagar lendo e relendo o mesmo versículo muitas vezes. De-
pois de ter tentado algumas vezes, sugerimos que você ouça
a leitura feita por um rabino judeu, que já indicamos em uma
seção anterior. Ouça várias vezes e vá intercalando o ouvir o
arquivo e a sua leitura do texto.
Só para lembrar, os arquivos sonoros com a leitura de toda
a Bíblia Hebraica estão no site: http://www.mechon-mamre.
org/p/pt/ptmp3prq.htm (você também pode usar o endereço
curto goo.gl/l4e1YI).
Acesse o pdf com o capítulo 1 de Gênesis, copiado da BHS,
nos Materiais Complementares do Módulo 1. Bom proveito!!!

26
Hebraico

27
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

MÓDULO 2
Tema: Enunciação: a lógica da comunicação
línguística

28
Hebraico

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Olá! É bom estar de volta para estudar hebraico juntos. Você


já passou pelos assuntos mais “complicados” do aprendizado
do idioma – decifrar as consoantes (no ciclo básico) e os sinais
vocálicos (no intermediário) do alfabeto hebraico, escrever e ler
da direita para a esquerda e tentar entender e pronunciar sons
“esquisitos”. Agora, precisamos aperfeiçoar o domínio desses
assuntos e passar adiante. Nosso foco será aprender a “ler” (no
sentido de interpretar) o texto hebraico.
Nossos objetivos são que, ao final deste módulo, você seja
capaz de: a) utilizar os conceitos de enunciação e enunciado,
bem como conceitos correlatos, em sua tarefa de interpretar as
Escrituras do Antigo Testamento; b) identificar, nos textos bíbli-
cos, as pessoas, as ações e as suas caracterizações.

29
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ ENUNCIAÇÃO E ENUNCIADO

Temos abaixo um versículo bíblico que você reconhece com


facilidade: é Gênesis 1.1. Observe atentamente o texto abaixo
(e, caso esteja no ciclo intermediário, leia em voz alta para conti-
nuar treinando a pronúncia) e preste atenção ao que explicarei
para você a seguir.

‫ֹלהים ֵ ֥את ַה ָש ַ ֖מיִם וְ ֵ ֥את ָה ָ ֽא ֶרץ׃‬


֑ ִ ‫אשית ָב ָ ֣רא ֱא‬
֖ ִ ‫ְב ֵר‬

Em princípio (‫אשית‬
ׁ ִ ֖ ‫ )בְ ֵּר‬criou (‫ )בָ ָ ּ֣רא‬Deus (‫ֱֹלהים‬
֑ ִ ‫)את) ___ (א‬
֥ ֵ os
céus (‫ )הַ שָ ּ ַ ׁ֖מיִ ם‬e__ (‫ )וְ ֵ ֥את‬a terra (‫)הָ ָ ֽא ֶרץ‬. (:)

Apesar de escrito da direita para a esquerda, o hebraico “fun-


ciona” como qualquer outro idioma, inclusive o português que
nós falamos. Deixarei de lado algumas peculiaridades gramati-
cais e diferenças de ordem (sintaxe) e prestarei atenção ao que
existe em comum entre o hebraico e o português (bem como
qualquer outro idioma).
Toda vez que alguém “fala” algo, o que essa pessoa faz é cha-
mado, na Linguística, de enunciação. É uma palavra que se refere
ao ato de enunciar (enunciar é sinônimo de falar, comunicar). Mas
enunciação não é só uma palavra, enunciação é um termo técnico.
O que significa, então, este termo técnico? Segundo o linguista
francês Émile Benveniste: “a enunciação é este colocar em fun-
cionamento a língua por um ato individual de utilização” (Benve-
niste, 1989, p. 82). Ou seja, uma pessoa, mediante um processo
imensamente veloz e relativamente “inconsciente” (o que o autor
chama na citação acima de “um ato individual de utilização”), es-
colhe as palavras que irá utilizar para comunicar algo a alguém
e as enuncia em uma certa ordem (isso é o que Benveniste quer
dizer com “colocar em funcionamento a língua”).

30
Hebraico

O ato da enunciação, portanto, tem como resultado o enuncia-


do (o conjunto de palavras usadas para comunicar). O enuncia-
do é a manifestação concreta da intencionalidade de comunicar
(queremos dizer algo para alguém), de um sentido comunicado
(falamos sobre alguma coisa), dentro das regras da língua usa-
da, dentro de um cenário discursivo. Então, estudar uma língua
é entender como se produz sentido, mediante a comunicação
nessa língua, seguindo as regras do idioma em seus respectivos
ambientes discursivos.

PARA PENSAR

As regras da língua usada, que menciono acima, envolvem a fo-


nética: temos de falar com os sons corretos; a morfologia: usar
a forma correta; a sintaxe: ordem das palavras, arranjo entre
as palavras e as orações; a semântica: significado das palavras;
estilística: gênero e formas estéticas; e a pragmática: comunicar
de modo a ser entendido.
Tenho uma boa ilustração do que é um cenário discursivo. Se for-
mos pregar, por exemplo, temos de seguir os elementos discursi-
vos esperados pela comunidade: ler um texto bíblico,
orar antes de pregar, demorar apenas o tempo
adequado, explicar o texto bíblico, evitar o uso
de palavras, expressões ou exemplos inade-
quados [e.g.: palavrões, piadas sujas] etc.

31
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Respire fundo! Reflita sobre o que já foi explicado. Procure


entender bem o significado dos termos enunciação e enunciado.

Vamos voltar ao texto de Gênesis 1.1:

‫ֹלהים ֵ ֥את ַה ָש ַ ֖מיִם וְ ֵ ֥את ָה ָ ֽא ֶרץ׃‬


֑ ִ ‫אשית ָב ָ ֣רא ֱא‬
֖ ִ ‫ְב ֵר‬

Em princípio (‫אשית‬
ׁ ִ ֖ ‫ )בְ ֵּר‬criou (‫ )בָ ָ ּ֣רא‬Deus (‫ֱֹלהים‬
֑ ִ ‫)את) ___ )א‬
֥ ֵ os
céus (‫ )הַ שָ ּ ַ ׁ֖מיִ ם‬e__ )‫ )וְ ֵ ֥את‬a terra (‫)הָ ָ ֽא ֶרץ‬. ):)

Preste atenção aos seguintes detalhes:


1. O hebraico é um idioma aglutinador (ajuntador). Ele une
palavras que, no português, normalmente ficam separadas.
Veja: “Em princípio” é uma palavra só em hebraico: ‫אשית‬
ׁ ִ ֖ ‫( בְ ֵּר‬a
preposição ְ‫ ב‬é unida ao substantivo ‫אשית‬ ׁ ִ ֖ ‫) ֵר‬. “Os céus” também
é uma só palavra em hebraico ‫( הַ שָ ּ ַ ׁ֖מיִ ם‬o artigo ַ‫ ה‬é unido ao
substantivo ‫שָ ּ ַ ׁ֖מיִ ם‬.) Há outros exemplos no versículo, mas estes
são suficientes por enquanto.
2. O sinal ‫ ׃‬ao final do versículo equivale ao nosso “ponto final” (.)
3. A palavra hebraica ‫ ֵ ֥את‬não é traduzida. Ela funciona como
um sinal de objeto direto.
4. Você deve ter reparado que há alguns sinais nas palavras
que você não conhece. Eles pertencem ao sistema de sinais
que indicam aspectos sintáticos e rítmicos na leitura do texto
bíblico. Não se preocupe com eles nesta disciplina. Se você qui-
ser continuar estudando hebraico depois deste curso, poderá
aprendê-los. Para os objetivos desta disciplina, este aprendiza-
do não é necessário.

32
Hebraico

J ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA LÍNGUA E DO SENTIDO

O primeiro resultado do ato da enunciação é o enunciado


que revela os quatro elementos fundamentais da língua e do
sentido: ação (alguma coisa acontece, alguém faz algo), pessoa
(quem fala, a quem se fala, de quem se fala, quem age na fala,
quem sofre a ação na fala, quem se relaciona na fala...), tempo
(quando se fala, em que tempo acontece o que se fala, qual é
o modo em que a ação falada ocorre na fala...); espaço (onde
se fala, o lugar de que se fala, como é o lugar de que se fala ...).
A esses elementos fundamentais podemos acrescentar,
como elemento auxiliar, a caracterização: quando falamos so-
bre alguma coisa, nós qualificamos ou caracterizamos essa “al-
guma coisa”, ou seja, apresentamos alguma característica des-
sa “coisa” a respeito da qual falamos. Podemos caracterizar os
quatro elementos fundamentais do enunciado (ação, pessoa,
tempo e espaço). Por exemplo, em Gn 1.1: “sem forma e va-
zia” caracteriza o espaço (a terra), “trevas” também caracteriza
um espaço (sobre a face do abismo), “de Deus” caracteriza uma
pessoa. Sobre as caracterizações da ação e do tempo conver-
saremos em outras unidades.

EM SÍNTESE
Ação, pessoa, tempo e espaço, ao lado da caracte-
rização, são a matéria-prima, ou os elementos
fundamentais, do enunciado. Por exemplo,
em Gn 1.1 temos: no princípio (tempo), criou
(ação), Deus (pessoa), os céus e a terra (espaço).

33
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Observe agora Gn 1.2:

‫ֹלהים ְמ ַר ֶ ֖ח ֶפת‬
ִ֔ ‫ל־פ ֵנ֣י ְת ֑הום וְ ֣ר ַּוח ֱא‬
ְ ‫הּו וָ ֔בֹהּו וְ ֖חֹ ֶשְך ַע‬
֙ ‫ת‬
ֹ ֨ ‫יְתה‬
֥ ָ ‫וְ ָה ָ֗א ֶרץ ָה‬
‫ל־פ ֵנ֥י ַה ָ ֽמיִם׃‬
ְ ‫ַע‬

E a terra (‫ )וְ הָ ֗ ָא ֶרץ‬estava (‫ )הָ יְ ָ ֥תה‬sem forma ( ֙‫הּו‬


ֹ֨‫ )ת‬e vazia (‫)ו ֔ ָֹבהּו‬, e
trevas (‫ )וְ חֹ֖ שֶ ְׁך‬sobre a face de (‫ )עַל־פְ ּנֵ ֣י‬abismo (‫)תהֹ֑ ום‬,ְ e espírito
de [vento de] ( ַ‫ )וְ ֣רּוח‬Deus (‫ֱֹלהים‬ ִ֔ ‫ )א‬se movia (‫)מ ַר ֶ ֖חפֶת‬
ְ sobre a face
de (‫ )עַל־פְ ּנֵ ֥י‬as águas (‫)ה ָ ֽמיִ ם‬.
ַ )‫)׃‬

Vejamos agora como os elementos fundamentais, junto


com o elemento auxiliar, aparecem em Gn 1.2: “E a terra
(espaço) estava sem forma e vazia (caracterização), e trevas
(caracterização) sobre a face de abismo (espaço) e espírito
de [vento de] (pessoa) Deus (caracterização) se movia (ação)
sobre a face de as águas (espaço)”.

Alguns aprofundamentos para o ciclo intermediário:


1. Esses cinco elementos pertencem ao enunciado e não ao
enunciador (quem fala), nem ao enunciatário (a quem se fala),
nem ao lugar e à época do ato da enunciação (de quem fala para
alguém que ouve). Os cinco elementos do enunciado perten-
cem exclusivamente ao enunciado (não precisamos das “coisas
reais do mundo” para definir os elementos do enunciado). Este
é um aspecto importante para interpretar textos: embora os
textos possam se referir a coisas, pessoas ou situações “reais”
do mundo fora do texto, não há relação direta entre o texto e a
realidade extratextual. O texto (uma coleção de enunciados) ex-
pressa uma visão específica da realidade a respeito da qual está
falando, e a relação entre a visão e a realidade é mediada pela
língua (discurso). Vejamos um exemplo interessante: você deve

34
Hebraico

ter notado que traduzi uma palavra hebraica com duas palavras
em português: e espírito de [vento de] ( ַ‫ )וְ ֣רּוח‬Deus (‫ֱֹלהים‬
ִ֔ ‫)א‬.
A palavra hebraica ַ‫ וְ ֣רּוח‬pode ser traduzida, em português,
tanto por e vento, como por e espírito. Do ponto de vista teoló-
gico é uma mudança imensa. Mas do ponto de vista do enun-
ciado, tanto “vento” é pessoa (um agente que faz algo no texto),
como “espírito” é pessoa. Ou seja, a pessoa do enunciado não é
igual à “pessoa” fora do enunciado (um ser humano ou um ser
não-humano que fala, sente etc.).
2. Outro exemplo mostra a diferença entre a classificação
dos termos no enunciado e a classificação dos termos na análise
sintática: “A terra”, em Gn 1.2, é um espaço do ponto de vista do
enunciado, mas, do ponto de vista da análise sintática, é o su-
jeito da oração. Sujeito da oração é o agente do verbo – mesmo
que o verbo seja um verbo de ligação, como neste caso, em que
não há ação propriamente dita.

J ORAÇÃO: A FORMA GRAMATICAL DO ENUNCIADO

Nosso foco agora recairá sobre a oração (ou sentença), que


é “mais ou menos” o equivalente do enunciado no plano de ex-
pressão da língua.
Nas ciências são criados vocabulários técnicos específicos.
Cada ciência tem o seu. E dentro de cada ciência, há vários vo-
cabulários elaborados pelos grandes autores ou autoras daque-
la ciência. Na Linguística, por exemplo, os termos enunciação,
enunciado, frase, oração etc. recebem diferentes sentidos con-
forme os autores e as disciplinas específicas da grande ciência
da linguagem. Por ora, você não precisa se preocupar com os
detalhes teóricos do vocabulário técnico da Linguística, basta
acompanhar as definições e entendê-las. Com o decorrer do

35
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

tempo, você aprenderá a diferenciar o sentido dos termos nos


diferentes ramos da ciência.
1. Vamos começar tentando entender os termos plano de
conteúdo e plano de expressão. Estes termos foram elaborados
por linguistas no século passado e tentam explicar os seguintes
aspectos da comunicação linguística:
a. Plano de Conteúdo refere-se ao que comumente cha-
mamos de conteúdo de uma comunicação, ou seja, o assunto, o
tema ou a ideia etc. a respeito de que estamos falando;
b. Plano de Expressão refere-se ao modo concreto de ex-
pressão ou manifestação do plano de conteúdo: fala, texto, filme,
foto, pintura, prédio etc.
Por que diferenciar Plano de Expressão de Plano de Conteúdo?
(a) Porque o mesmo plano de conteúdo pode ser manifestado
por diferentes planos de expressão! Posso falar sobre o sentido
do amor ao próximo usando um sermão, escrevendo um texto,
produzindo um filme, desenhando, pintando uma tela etc.; (b)
Porque, para interpretar qualquer tipo de comunicação, pode-
mos construir um mesmo conjunto de regras para o Plano de
Conteúdo, mas devemos construir diferentes conjuntos de regras
para cada tipo de Plano de Expressão.
Bem, para reforçar: enunciação e enunciado são termos lin-
guísticos que explicam fenômenos do plano de conteúdo; ora-
ção, frase etc. são termos linguísticos que explicam fenômenos
do plano de expressão. Aprenda isto e evite fazer confusão de
termos e de explicações!
2. Passemos às definições de termos específicos da sintaxe
gramatical - Plano de Expressão:
a. Frase: “Ao combinar as palavras de uma língua, o falante
tem um propósito específico: estabelecer comunicação. À unidade
mínima de comunicação linguística dá-se o nome de frase” [Note
que, segundo esta definição, frase é o equivalente de enunciado].
b. Oração: “Oração é a frase ou parte de uma frase que se

36
Hebraico

organiza em torno de um verbo ou de uma locução verbal”


(logo, a frase pode existir sem usar verbo) [agora você entende
por que disse antes que oração “quase” equivale a enunciado].
c. Período: “Período é a frase constituída de uma ou mais
orações”.
c.1. Um período pode ser construído mediante coordenação, ou
seja, orações completas em si mesmas, encadeadas mediante o
uso de conjunções coordenativas.
c.2. Um período pode ser construído mediante subordinação,
ou seja, uma oração principal que é complementada por outras
orações que desempenham funções sintáticas da oração principal
(funcionam como termos da oração principal). As orações subor-
dinadas podem ser substantivas (exercem funções nominais: equi-
valem ao sujeito, ao objeto (direito ou indireto), ao predicativo do
sujeito ou ao aposto da oração principal); adjetivas (exercem fun-
ção de qualificação de um termo da oração principal e são classifi-
cadas como explicativas e restritivas), e adverbiais (exercem função
de adjunto adverbial do verbo da oração principal). [Todas as defi-
nições foram extraídas de Faraco & Moura, 1997, p. 306-308.]
d. Termos da oração (os elementos que compõem a oração):
Termos essenciais: sujeito e predicado – “Sujeito é o termo que
denota o ser a respeito de quem ou de que se faz uma declaração”;
“Predicado é tudo aquilo que se declara a respeito do sujeito” (Fa-
raco & Moura, 1997, p. 312).
Termos integrantes: agente da passiva (“Agente da passiva é o
termo que indica o ser que pratica a ação, quando o verbo está
na voz passiva. Vem regido pela preposição por e, raríssimamente,
pela preposição de”), complementos nominais (“Complemento no-
minal é o termo que, precedido de preposição, completa o sentido
de um substantivo, adjetivo ou advérbio”) e complementos verbais
(objeto direto e objeto indireto).
Termos acessórios: adjunto adverbial, adjunto nominal,
aposto, vocativo.

37
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Ufa! Eu sei que tudo isto parece meio “chato”. Mas é impor-
tante lembrar. o que vale para a análise sintática na língua por-
tuguesa pode ser aplicado à língua hebraica.

ATENÇÃO: Você não precisa “decorar” de novo os termos gra-


maticais. Não iremos analisar sintaticamente orações e perí-
odos do texto hebraico. Entretanto, isto é importante para se
poder traduzir o texto hebraico para o português: na tradução,
devemos fazer a equivalência dos termos da oração, tanto quan-
to do sentido de cada palavra. Ademais, o sentido de uma pala-
vra só pode ser entendido dentro da oração e período em que a
palavra é usada.

Vejamos na prática, mais uma vez com o texto de Gn 1.1:

‫ֹלהים ֵ ֥את ַה ָש ַ ֖מיִם וְ ֵ ֥את ָה ָ ֽא ֶרץ׃‬


֑ ִ ‫אשית ָב ָ ֣רא ֱא‬
֖ ִ ‫ְב ֵר‬

Em princípio (‫אשית‬
ׁ ִ ֖ ‫ )בְ ֵּר‬criou (‫ )בָ ָ ּ֣רא‬Deus (‫ֱֹלהים‬
֑ ִ ‫)את) ___ )א‬
֥ ֵ os
céus (‫ )הַ שָ ּ ַ ׁ֖מיִ ם‬e__ )‫ )וְ ֵ ֥את‬a terra (‫)הָ ָ ֽא ֶרץ‬. ):)

Na terminologia da gramática do plano de expressão, temos


os seguintes elementos da oração:
Sujeito: ‫ֱֹלהים‬
ִ֑ ‫א‬
Predicado: verbo ( ‫ )בָ ָ ּ֣רא‬+ objeto direto
)‫)את הַ שָ ּ ַ ׁ֖מיִ ם וְ ֵ ֥את הָ ָ ֽא ֶרץ‬ ֥ ֵ + adjunto adverbial de tempo
)‫אשית‬
ׁ ִ ֖ ‫)בְ ֵּר‬
Leia agora Gn 1.2:

‫ֱֹלהים ְמ ַר ֶ ֖חפֶת‬
ִ֔ ‫וְ הָ ֗ ָא ֶרץ הָ יְ ָ ֥תה תֹ֨ הּו֙ ו ֔ ָֹבהּו וְ חֹ֖ שֶ ְׁך עַל־פְ ּנֵ ֣י ְתהֹ֑ ום וְ ֣רּוחַ א‬
‫עַל־פְ ּנֵ ֥י הַ ֽמָ ּיִ ם׃‬

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Hebraico

E a terra (‫ )וְ הָ ֗ ָא ֶרץ‬estava (‫ )הָ יְ ָ ֥תה‬sem forma ( ֙‫הּו‬


ֹ֨‫ )ת‬e vazia (‫)ו ֔ ָֹבהּו‬,
e trevas (‫ )וְ חֹ֖ שֶ ְׁך‬sobre a face de (‫ )עַל־פְ ּנֵ ֣י‬abismo (‫)תהֹ֑ ום‬ְ , e espírito
de ( ַ‫ )וְ ֣רּוח‬Deus (‫ֱֹלהים‬ִ֔ ‫ )א‬se movia (‫)מ ַר ֶ ֖חפֶת‬
ְ sobre a face de (‫)עַל־פְ ּנֵ ֥י‬
as águas (‫)ה ָ ֽמיִם‬ ַ . ):)

Temos três orações aqui:


1. “E a terra estava sem forma e vazia”:
Sujeito: ‫וְ הָ ֗ ָא ֶרץ‬
Predicado: verbo de ligação )‫ )הָ יְ ָ ֥תה‬+ predicativo do sujeito
)‫)תֹ֨ הּו֙ ו ֔ ָֹבהּו‬
2. “e trevas sobre a face do abismo”.
Uau!!!! Cadê o verbo?????? Note bem: no hebraico, muitas ora-
ções são escritas sem o verbo, de modo que você precisa acres-
centar o verbo na tradução! Aqui:
“e trevas estavam sobre a face do abismo”:
Sujeito: ‫וְ חֹ֖ שֶ ְׁך‬
Predicado: [verbo de ligação (estavam)] + adjunto adverbial de
lugar )‫ְתהֹ֑ ום‬ ‫)עַל־פְ ּנֵ ֣י‬
3. “e o espírito de Deus se movia sobre a face das águas”:
Sujeito: ‫ֱֹלהים‬
ִ֔ ‫א‬ ַ‫וְ ֣רּוח‬
Predicado: verbo )‫)מ ַר ֶ ֖חפֶת‬ ְ + adjunto adverbial de lugar
(‫ל־פ ֵנ֥י ַה ָ ֽמיִ ם‬
ְ ‫)ע‬ַ .

Agora, respire fundo e note: os versos 1 e 2 formam um pe-


ríodo composto por coordenação: “Deus criou, no princípio, os
céus e a terra. E a terra estava sem forma e vazia, e trevas es-
tavam sobre a face do abismo, e o espírito de Deus se movia
sobre a face das águas”. São orações coordenadas, pois: (a) es-
tão ligadas por conjunções coordenativas; e (b) nenhuma delas
exerce função sintática de um termo de outra oração.

39
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Vamos, agora, “brincar” (seriamente) de fazer exegese do


texto hebraico. Acima nós usamos a tradução tradicional de
Gn 1.1-2. Entretanto, uma outra tradução (e interpretação) des-
ses versos é possível, seguindo as regras da sintaxe do idioma
hebraico. Vejamos essa outra possibilidade:
“Quando Deus começou a criar os céus e a terra, a terra es-
tava sem forma e vazia; trevas estavam sobre a face do abismo
e o espírito de Deus se movia sobre a face das águas”. Se você
seguir esta tradução, então temos um período composto por
coordenação e subordinação. A oração “quando Deus começou a
criar os céus e a terra” serve como adjunto adverbial de tempo
da oração “principal”: “a terra estava sem forma e vazia”, que é,
então, oração subordinada adverbial temporal. As outras duas
orações continuam como orações coordenadas. (Alguns estu-
diosos de hebraico consideram que o fato de a primeira palavra
de Gn 1.1 ser um advérbio indica que o verbo brh está sendo
usado de forma subordinada).

PARA PENSAR

Por que estamos revisando estes conceitos da sintaxe? Porque


eles nos ajudam a fazer a tradução do texto hebraico para o
português. Ao traduzir, você deve buscar a equivalência:
(a) do sentido de cada palavra, (b) dos termos da
oração, e (c) da organização das orações em
períodos. Assim, você já vai sabendo que: tra-
duzir já é interpretar o texto!

40
Hebraico

J AÇÃO E PESSOA

Voltemos ao tema da enunciação, com foco especial sobre


dois elementos fundamentais do enunciado: ação e pessoa.
Começamos com uma definição linguística de ação: ação é a
atividade de pessoas manifestada no texto mediante o uso de
verbos. Bem, isso você já sabia. Mas nunca é demais relembrar
o que sabemos, não é verdade? Então, vamos nos lembrar de
mais uma coisinha: existem alguns verbos que não descrevem
ações. São os chamados “verbos de ligação” (por exemplo: ser,
estar, haver, acontecer etc.).
Vejamos, agora, uma definição linguística um pouco mais
elaborada para pessoa:

Conceito

Pessoa, ou personagem, é quem age no texto (ou quem recebe


uma ação no texto).
Pessoa é uma construção do enunciador (autor) e não a “pessoa
real” de quem se fala (no caso de textos históricos e/ou biográ-
ficos). A pessoa construída pelo enunciador pode ser: (a) uma
representação mais próxima possível de pessoas reais, ou (b)
uma pessoa-tipo, construída a partir de pessoas reais, mas não
equivalente a uma em particular.
A pessoa linguística, ou textual, não precisa ser “real”, “humana”
ou “divina”. Qualquer personagem do texto é a pessoa textual.

São vários os recursos possíveis para construir a pessoa no


texto: (1) indispensáveis são as ações que a pessoa realiza, (2)
em vários casos, as ações que a pessoa recebe ou sofre, (3) os
papéis socioculturais que desempenha, (4) as caracterizações
que recebe, (5) os juízos que dela são feitos etc.

41
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Como identificar, nos textos bíblicos, as pessoas e as ações?


Veja: pessoa é quem age (ou recebe uma ação) no texto. Para
descobrir as pessoas do texto você deve, então, verificar quem
age no texto (ou quem recebe uma ação) no texto. Para desco-
brir quem age no texto, você deve encontrar o sujeito (plano de
expressão) de um verbo. Logo, para descobrir as ações no texto,
você deve identificar os verbos (de ação) no texto.
Vejamos mais uma vez o texto de Gn 1.1 (lembre-se, caso
esteja no ciclo intermediário, leia em voz alta para continuar
treinando pronúncia) e preste atenção à explicação.

‫ֹלהים ֵ ֥את ַה ָש ַ ֖מיִם וְ ֵ ֥את ָה ָ ֽא ֶרץ׃‬


֑ ִ ‫אשית ָב ָ ֣רא ֱא‬
֖ ִ ‫ְב ֵר‬

Em princípio (‫אשית‬
ׁ ִ ֖ ‫ )בְ ֵּר‬criou (‫ )בָ ָ ּ֣רא‬Deus (‫ֱֹלהים‬
֑ ִ ‫)את) ___ )א‬
֥ ֵ os
céus (‫ )הַ שָ ּ ַ ׁ֖מיִ ם‬e__ )‫ )וְ ֵ ֥את‬a terra (‫)הָ ָ ֽא ֶרץ‬. ):)

Quem age neste versículo? Elohim (transliteração simplifica-


da do hebraico ‫ֱֹלהים‬
֑ ִ ‫א‬, ou Deus). O que ‫ֱֹלהים‬
֑ ִ ‫ א‬Elohim faz? (qual é
a ação?): Ele “criou os céus e a terra” (‫הָ ָ ֽא ֶרץ‬ ‫)בָ ָ ּ֣רא ֵ ֥את הַ שָ ּ ַ ׁ֖מיִ ם וְ ֵ ֥את‬.
Veja que você já está aprendendo a interpretar o texto! Se
você preferir uma palavra técnica da Teologia, você já está
aprendendo a fazer exegese do texto. Um passo indispensável
para entender qualquer texto é descobrir – e compreender –
quem faz o que a quem. Em Gn 1.1 “quem faz” é Deus; “faz o
quê?” criou os céus e a terra. Viu só?: Quem faz (pessoa), faz o
quê (ação), a quem (pessoa). Anote bem isto. Memorize.

Veja agora Gn 1.2:

‫ֱֹלהים ְמ ַר ֶ ֖חפֶת‬
ִ֔ ‫וְ הָ ֗ ָא ֶרץ הָ יְ ָ ֥תה תֹ֨ הּו֙ ו ֔ ָֹבהּו וְ חֹ֖ שֶ ְׁך עַל־פְ ּנֵ ֣י ְתהֹ֑ ום וְ ֣רּוחַ א‬
‫עַל־פְ ּנֵ ֥י הַ ֽמָ ּיִ ם‬

42
Hebraico

E a terra (‫ )וְ הָ ֗ ָא ֶרץ‬estava (‫ )הָ יְ ָ ֥תה‬sem forma ( ֙‫הּו‬


ֹ֨‫ )ת‬e vazia (‫)ו ֔ ָֹבהּו‬,
e trevas (‫ )וְ חֹ֖ שֶ ְׁך‬sobre a face de (‫ )עַל־פְ ּנֵ ֣י‬abismo (‫)תהֹ֑ ום‬,
ְ e espírito
de ( ַ‫ )וְ ֣רּוח‬Deus (‫ֱֹלהים‬
ִ֔ ‫ )א‬se movia (‫)מ ַר ֶ ֖חפֶת‬ְ sobre a face de (‫)עַל־פְ ּנֵ ֥י‬
as águas (‫) ַה ָ ֽמיִם‬.):)

Repetindo. Como descobrimos as pessoas no texto? Des-


cobrindo quem age no texto, ou seja, descobrindo os sujeitos
dos verbos. Quais são as ações? São o que alguém faz ou sofre.
Identificamos as ações através dos verbos de ação no texto.
Repare, agora, na primeira oração de Gn 1.2:
“E a terra estava (verbo) sem forma e vazia”. “Terra” é o su-
jeito de um verbo. Então, “a terra” é uma pessoa? Não! Por quê?
Porque o verbo “estar” é um verbo de ligação, não é um verbo
de ação! “A terra” é sujeito da oração “e a terra estava...” não
é, linguisticamente falando, uma pessoa. Como elemento fun-
damental do enunciado, “a terra” funciona, em Gn 1.1-2, como
espaço. Entendeu?
Preste atenção à segunda oração do verso:
“E trevas (‫ )וְ חֹ֖ שֶ ְׁך‬sobre a face de (‫ )עַל־פְ ּנֵ ֣י‬abismo (‫)תהֹ֑ ום‬
ְ ”. Não
está faltando alguma coisa? Sim! Acertou. Está faltando um ver-
bo. O idioma hebraico tem como uma de suas características,
sempre que possível, evitar o uso de verbos de ligação (ser, es-
tar, haver, acontecer etc.). Então, ao traduzir para o português,
nós precisamos acrescentar o verbo, pois em português não é
gramaticalmente correto escrever sem usar o verbo (a não ser
excepcionalmente). A sentença, em português, deve ser: e ha-
via trevas sobre a face do abismo. Então, trevas é pessoa? Você
sabe que não! Por quê? Porque com um verbo de ligação não
temos pessoa, pois não há ação.
Verbos de ligação normalmente indicam alguma característi-
ca do sujeito de quem falam. Então: “estava sem forma e vazia”

43
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

é caracterização da “terra” – e terra, em Gn 1.2, é palavra que


indica espaço. Já “havia trevas sobre a face de” é caracterização
do “abismo” – e abismo, em Gn 1.2, indica espaço.
Agora, preste atenção à parte final de Gn 1.2: “e espírito de
( ַ‫ )וְ ֣רּוח‬Deus (‫ֱֹלהים‬
ִ֔ ‫ )א‬se movia (‫)מ ַר ֶ ֖חפֶת‬
ְ sobre a face de (‫)עַל־פְ ּנֵ ֥י‬
as águas (‫) ַה ָ ֽמיִם‬. ):) “e o espírito de Deus se movia sobre a face
das águas”. Temos uma ação ‫)מ ַר ֶ ֖חפֶת‬ ְ = se movia), então temos
uma pessoa: o espírito de Deus )‫ֱֹלהים‬ ִ֔ ‫”)וְ ֣רּוחַ א‬. Fácil, não é?

Vejamos mais um exemplo:


Gn 1.3: E disse )‫ )ו ַּ֥יֹ אמֶ ר‬Deus )‫ֱֹלהים‬
֖ ִ ‫)א‬: haja )‫ )יְ ִ ֣הי‬luz )‫ )אֹ֑ ור‬e
houve-luz )‫)וֽ יְ הִ י־אֹֽ ור‬.
ַ ):)
Vamos descobrir as pessoas e as ações?
Vamos lá:
Primeiro verbo: disse (verbo de ação). Quem “disse”? Deus
)‫ֱֹלהים‬
֖ ִ ‫)א‬.
Segundo verbo: haja (verbo de ligação). Então, não há ação!
Terceiro verbo: houve (verbo de ligação). Então, não há ação!

EM SÍNTESE
Você aprendeu que ação é a atividade de pessoas, e é
marcada no texto mediante o uso de verbos de ação.
Aprendeu, também, que pessoa é quem, no
texto, faz alguma coisa (ou sofre alguma ação).
Você também aprendeu que para descobrir as
pessoas no texto você deve identificar quem

age ou
44
Hebraico

age ou quem sofre ação no texto. Para descobrir as ações, você


deve identificar os verbos de ação.
Você já deve ter notado que pessoa é um termo que se refere ao
sujeito do verbo. Lembra-se da “análise sintática”? Uma oração
é composta por sujeito e predicado. Então, identificar a pessoa
é quase a mesma coisa que identificar o sujeito da oração. Por
que não é a mesma coisa? Porque nem sempre as pessoas são
manifestadas no texto através dos sujeitos da ação verbal.

J AÇÃO, PESSOA E CARACTERIZAÇÃO

Nesta seção nosso foco continuará sobre os elementos ação


e pessoa, com o acréscimo da caracterização. O objetivo desta
seção é que você seja capaz de identificar, nos textos bíblicos, as
pessoas, as ações e suas caracterizações.
Vimos, na seção anterior, que para identificar ações encon-
tramos os verbos do texto (menos os verbos de ligação). Para
identificar as pessoas, encontramos quem age (realiza as ações
dos verbos do texto). Acrescentamos agora a caracterização.

Conceito

Caracterização é atribuição de qualidades, defeitos, caracte-


rísticas gerais ou específicas de pessoas, espaços e tempos.
Adjetivos são a classe gramatical usada para expressar carac-
terísticas. Além de adjetivos, a caracterização pode ser efetu-
ada também por meio de recursos sintáticos como: adjuntos
e complementos nominais, orações subordinadas subjetivas e
orações subordinadas adjetivas.

45
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Vamos continuar exercitando, para que você fixe o apren-


dizado. Para isso, observe agora o texto de Gn 1.26 e preste
atenção à explicação.

‫מּותנּו וְ יִ ְרּדו בִ ְד ֨ ַגת הַ ּ֜ ָים ּובְ ֣ ֹעוף‬


֑ ֵ ‫ֱֹלהים ַ ֽנע ֲ֥שֶ ׂה אָ ָ ֛דם בְ ּצַ לְ ֵ ֖מנּו כִ ְּד‬
ִ֔ ‫ו ַּ֣יֹ אמֶ ר א‬
‫הַ שָ ּ ֗ ַׁמיִ ם ּובַ בְ ּהֵ מָ ה֙ ּובְ כָל־הָ ֔ ָא ֶרץ ּובְ כָל־הָ ֶ ֖רמֶ ׂש ָ ֽהרֹ ֵ ֥מׂש עַל־הָ ָ ֽא ֶרץ׃‬

E disse (‫ )ו ַּ֣יֹ אמֶ ר‬Deus )‫ֱֹלהים‬


֑ ִ ‫ (א‬façamos )‫(נע ֲ֥שֶ ׂה‬
ֽ ַ ’adam )‫ (אָ ָ ֛דם‬à nos-
sa imagem )‫ (בְ ּצַ לְ ֵ ֖מנּו‬conforme nossa semelhança )‫מּותנּו‬
֑ ֵ ‫ (כִ ְּד‬e que
ele domine )‫ (וְ ְיִרּדּו‬sobre os peixes de )‫ (בִ ְד ֨ ַגת‬o mar )‫ (הַ ּ֜ ָים‬e sobre
as aves de )‫ (ּובְ ֣ ֹעוף‬os céus )‫ (הַ שָ ּ ֗ ַׁמיִם‬e sobre os animais ) ֙‫(ּובַ בְ ּהֵ מָ ה‬
e sobre toda-a terra )‫ (ּובְ כָל־הָ ֔ ָא ֶרץ‬e sobre todos-rastejantes
(‫ )ּובְ כָל־הָ ֶ ֖רמֶ ׂש‬que rastejam )‫(הרֹ ֵ ֥מׂש‬ ֽ ָ sobre-a terra )‫(עַל־הָ ָ ֽא ֶרץ‬. (:)

Vamos identificar as ações e as pessoas. Começamos com os


verbos, na ordem em que aparecem no texto:
1. E disse )‫ – (ו ַּ֣יֹ אמֶ ר‬quem “disse”? Deus)‫ֱֹלהים‬
֑ ִ ‫(א‬
2. façamos )‫(נע ֲ֥שֶ ׂה‬
ֽ ַ – quem “faz”? Deus )‫ֱֹלהים‬
֑ ִ ‫“(א‬faz” o quê? adam
)‫ (אָ ָ ֛דם‬à nossa imagem )‫ (בְ ּצַ לְ ֵ ֖מנּו‬conforme nossa semelhança
)‫מּותנּו‬
֑ ֵ ‫(כִ ְּד‬
3. e que ele domine )‫ – (וְ ְיִרּדּו‬quem? ’adam)‫ – (אָ ָ ֛דם‬domine sobre
quem? sobre os peixes de )‫ (בִ ְד ֨ ַגת‬...
Um detalhe: temos que identificar a pessoa usando a coerência
do versículo. Veja: “Deus disse: façamos ’adam e que ele domine”.
Ele = Adão. Logo, a pessoa é Adão. No hebraico, e em portu-
guês, não é costume repetir muitas vezes no mesmo parágrafo
um nome ou um substantivo. Para evitar repetições desneces-
sárias, usamos os pronomes pessoais (eu, tu, ele etc.).
4. que rastejam )‫(הרֹ ֵ ֥מׂש‬
ֽ ָ – quem rasteja? todos-rastejantes
)‫(ּובְ כָל־הָ ֶ ֖רמֶ ׂש‬.

Muito bem! Ao responder à pergunta “quem age”, identifi-


camos as pessoas. Ao responder à pergunta “fazendo o que”,

46
Hebraico

identificamos as ações. Este é o princípio básico da interpretação


de qualquer texto.
Vamos, agora, completar este princípio básico. Além das
perguntas “quem age” e “fazendo o que”, podemos perguntar
também: “fazendo o que a quem” e “como é caracterizada a
pessoa (que faz a ação e que recebe a ação)?
Podemos fazer essas perguntas seguindo cada pessoa do texto.
Identificamos Deus como a primeira pessoa do texto. Então,
vejamos todas as perguntas de uma vez aplicadas à pessoa Deus.
Quem faz, o que, a quem, como é caracterizada a pessoa?
1. Deus disse: façamos ’adam à nossa imagem, conforme a
nossa semelhança e que ele domine ... – Não há caracterização
de Deus neste versículo;
2. ’adam domine sobre ... – ’adam é caracterizado como tendo
sido feito “à nossa imagem, conforme nossa semelhança”;
3. todos-rastejantes que rastejam sobre a terra. (Note que, aqui,
a ação “que rastejam sobre a terra” funciona como uma caracte-
rização da pessoa “todos-rastejantes”).

JJ UM EXEMPLO DA IMPORTÂNCIA DESTE ESTUDO PARA A


INTERPRETAÇÃO DO TEXTO

Ao responder as perguntas acima, você simplesmente repete


o que está no texto, e neste momento inicial não deve tentar
“interpretar”, apenas repetir o que está escrito.
Mas para mostrar a importância deste exercício linguístico,
vamos nos antecipar e mostrar a sua aplicação para a exegese
(interpretação) do texto e para a comunicação dessa exegese
(em forma de sermão, estudo, artigo etc.).
Gn 1.26 tem como personagem principal Deus. Neste verso,
Deus comunica (disse) que decidiu (façamos) criar o ser huma-
no à sua imagem e semelhança.
O segundo personagem principal é o ser humano (’adam),

47
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

que foi criado à imagem e semelhança de Deus. O que significa


essa caracterização? O próprio versículo responde à pergunta: o
ser humano representa Deus mediante a ação de dominar toda
a terra, ou seja, todos os animais.
Você deve estar se perguntando algumas coisas. Vamos
ver se eu consigo explicar como cheguei a algumas conclusões
apresentadas na interpretação do texto.
1. Como eu posso dizer que Deus decidiu criar o ser huma-
no? A resposta está na gramática do verbo hebraico “façamos”
(‫)נע ֲ֥שֶ ׂה‬
ֽ ַ . O modo desse verbo hebraico é o coortativo (não se
preocupe com esse nome por enquanto. Vamos estudar isto
bem mais tarde). Esse modo é chamado de subjuntivo na língua
portuguesa. O modo subjuntivo é o modo verbal que expressa
desejo, deliberação, vontade, dúvida, hipótese etc. Então, lendo
o versículo e o conjunto do texto em que o versículo aparece
(o relato da criação em Gn 1.1-2.4a), fiz uma decisão exegética:
considerei que o modo verbal do hebraico indica deliberação
(ou vontade). Ou seja, não se trata de afirmar que Deus apenas
“desejou” fazer o ser humano, porque o texto diz que ele fez.
Não se trata de dizer que Deus estava em dúvida ou pensando
em uma hipótese – porque o texto continua e afirma que Deus
fez o ser humano.
2. Por que traduzir ’adam como “ser humano”? A palavra he-
braica tem vários usos na Bíblia. Pode ser o nome próprio: Adão.
Pode se referir a um homem qualquer, então podemos traduzir
por “homem”. Ou pode se referir, indistintamente, a homens e
mulheres, daí nós traduzimos por “ser humano”, para evitar o
uso de uma linguagem sexista (discriminatória). Aqui, eu inter-
pretei o texto como se referindo à criação, por Deus, de homens
e mulheres, e não só dos “machos” da espécie humana. Por que
decidi assim? Porque no verso a seguir o texto expressamente
diz que Deus criou o ser humano “macho e fêmea”.
3. Por que eu interpretei a ação de dominar como se referindo

48
Hebraico

ao sentido da “imagem e semelhança de Deus” no ser hu-


mano? De novo, por razões gramaticais: (a) a conjunção “e”
[= ְ‫ ו‬em (‫ – ])וְ יִ ְרּדּו‬no hebraico e/ou no português – não indica
apenas “adição”, mas também é usada para indicar que a sen-
tença seguinte explica a sentença anterior. Nesses casos, “e”
pode ser traduzido como “ou seja” (etc.); (b) o verbo hebraico
está no modo que as gramáticas hebraicas chamam de jussivo.
Em português, nós não usamos esse termo, falamos apenas no
modo subjuntivo. Por isso, ao traduzir o texto para o português
usei a sentença “e que ele domine”. O pronome “que” faz com
que o verbo “dominar” seja subordinado à sentença anterior, ou
seja, “e que ele domine ...” é uma oração subordinada adjetiva
explicativa (e isso vale também para o hebraico).

49
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ ANTES DE VIRAR A PÁGINA

Ufa! Quanta coisa nova! Nesta seção vimos bastante infor-


mação sobre como interpretar texto, sobre aspectos da gramá-
tica do hebraico e do português, e até um pouquinho de Teolo-
gia. Mas o que você precisa aprender e não se esquecer de jeito
nenhum?
1. Para identificar ações, localizamos os verbos de ação e res-
pondemos à pergunta “faz o que?”;
2. Para identificar pessoas, localizamos quem realiza a ação
dos verbos de ação e respondemos à pergunta “quem faz o
que?”;
3. Para identificar as caracterizações, localizamos as pala-
vras ou as sentenças que, no texto, indicam ou explicam alguma
característica de uma pessoa (ou do tempo, do espaço ou da
personagem que sofre uma ação no texto).

50
Hebraico

51
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

MÓDULO 3
Tema: Espaço e Sistema Verbal

52
Hebraico

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Na primeira parte deste módulo nosso foco será dirigido ao


espaço, outro elemento fundamental do enunciado. Queremos
que você seja capaz de definir espaço e identificá-lo nos textos
bíblicos. Depois disso, nosso foco mudará para a temporalidade
na comunicação linguística. Começaremos com uma descrição
do sistema verbal e passaremos a elementos específicos do sis-
tema verbal do hebraico bíblico.
Assim, temos como objetivos deste Módulo 4 que você seja
capaz de: a) definir espaço e identifica-lo nos textos bíblicos;
b) identificar os fenômenos gramaticais ligados ao espaço em
Deuteronômio 12; c) descrever e explicar os cinco elementos
fundamentais do verbo, e; d) descrever os aspectos principais
do sistema verbal da língua hebraica nos tempos bíblicos.
Talvez você esteja se perguntando: será mesmo importante
estudar o espaço no aprendizado do Hebraico e da interpreta-
ção de textos bíblicos? É importante, sim – de fato, muito impor-
tante. Vou dar algumas razões: (a) você já sabe que o espaço é
um dos elementos fundamentais do enunciado, esta já é uma
boa razão para estudá-lo; (b) nós vivemos em espaços (lugares,
territórios etc.) e, desde pequenos, aprendemos a nos localizar
no espaço (e no tempo); (c) o espaço não é só uma realidade
geográfica, mas também cultural – há espaços em que nos sen-
timos bem, há espaços em que não nos sentimos bem etc.; (d) o
espaço, tanto por ser uma realidade geográfica quanto cultural,
ajuda a produzir sentido, a dar sentido à vida e às ações huma-
nas (e divinas).

53
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ ESPAÇO: UMA DISCUSSÃO INICIAL

Que é o espaço, do ponto de vista do enunciado?


Quem age, sempre age em algum lugar. Nos textos, os espa-
ços são locais significativos que delimitam e organizam a ação,
sejam eles reais ou imaginários. Como no caso das pessoas, os
espaços podem ser típicos ou não. Os espaços se organizam ao
redor de oposições do tipo aqui-lá, dentro-fora, perto-longe, es-
querda-direita etc., em função de um ponto a partir do qual ele
se organiza. A importância e os significados do espaço variam
de acordo com o texto e merecem análise cuidadosa.

Voltemos a Gn 1.1: “Deus criou ‫( ֵ ֥את ַה ָש ַ ֖מיִם וְ ֵ ֥את ָה ָ ֽא ֶרץ‬os céus


e a terra)”. Logo a seguir, no verso 2, o texto volta a falar de
espaços:

‫ֹלהים ְמ ַר ֶ ֖ח ֶפת‬
ִ֔ ‫ל־פ ֵנ֣י ְת ֹ֑הום וְ ֣ר ַּוח ֱא‬
ְ ‫הּו וָ ֔בֹהּו וְ ֖חֹ ֶשְך ַע‬
֙ ‫ת‬
ֹ ֨ ‫יְתה‬
֥ ָ ‫וְ ָה ָ֗א ֶרץ ָה‬
‫ל־פ ֵנ֥י ַה ָ ֽמיִם׃‬
ְ ‫ַע‬

“E a terra (‫ )וְ הָ ֗ ָא ֶרץ‬estava )‫ (הָ יְ ָ ֥תה‬sem forma ) ֙‫הּו‬


ֹ֨‫ (ת‬e vazia )‫(ו ֔ ָֹבהּו‬,
e trevas )‫ (וְ חֹ֖ שֶ ְׁך‬sobre a face de )‫ (עַל־פְ ּנֵ ֣י‬abismo )‫(תהֹ֑ ום‬
ְ , e espírito
de ) ַ‫ (וְ ֣רּוח‬Deus )‫ֱֹלהים‬
ִ֔ ‫ (א‬se movia )‫(מ ַר ֶ ֖חפֶת‬ְ sobre a face de )‫(עַל־פְ ּנֵ ֥י‬
as águas )‫( ַה ָ ֽמיִם‬. (:)”.

Quais são os espaços em Gn 1.2? Seguindo a ordem em que


aparecem no verso:
‫( וְ ָה ָ֗א ֶרץ‬a terra)
‫ל־פ ֵנ֣י ְת ֹ֑הום‬ ְ ‫( ַע‬sobre a face do abismo)
‫ל־פ ֵנ֥י ַה ָ ֽמיִ ם‬
ְ ‫( ַע‬sobre a face das águas)

Como identificar os espaços? Basta usar o que sabemos


sobre espaços e lugares: substantivos, adjetivos, pronomes,
advérbios e locuções adverbiais, orações subordinadas e, mais

54
Hebraico

raramente, verbos podem ser usados para indicar espaços. Em


outras palavras, identificamos os espaços de um texto quando
respondemos à pergunta “onde?”
Muito bem. Agora vejamos como os espaços ajudam a pro-
duzir sentido no texto (enunciado).
Em Gn 1.1, encontramos: “Deus criou ‫הָ ָ ֽא ֶרץ‬ ‫( ֵ ֥את הַ שָ ּ ַ ׁ֖מיִ ם וְ ֵ ֥את‬os
céus e a terra)”. As indicações de espaço são duas: “os céus” e “a
terra”. Conforme a definição de espaço, eles devem estar orga-
nizados no texto. Aqui em Gn 1.1 as duas palavras estão unidas
pela conjunção “e”. Esta conjunção indica união e, gramatical-
mente falando, em Gn 1.2 ela forma uma expressão comum na
língua hebraica que indica totalidade: “os céus e a terra”. Outros
exemplos são “o dia e a noite”, “o certo e o errado”, “o bem e o
mal” etc. Assim, poderíamos também traduzir Gn 1.1 como: “No
princípio, Deus criou tudo”.
Em Gn 1.2 a organização dos espaços é mais complexa. O
texto começa falando da “terra”: ‫“( וְ הָ ֗ ָא ֶרץ הָ יְ ָ ֥תה תֹ֨ הּו֙ ו ֔ ָֹבהּו‬e a ter-
ra estava sem forma e vazia”). Note que a terra é caracterizada
pelo texto “sem forma e vazia”. Que significa estar “sem forma e
vazia”? Volte para o versículo. Enquanto no verso 1 só se fala de
“terra e céus”, no verso 2 aparecem mais dois lugares (espaços):
‫( ְתהֹ֑ ום‬o abismo) e ‫( ַה ָ ֽמיִ ם‬as águas). Como esses lugares estão
organizados no texto? Se você prestar atenção ao arranjo das
orações, perceberá que esses dois lugares explicam a caracteri-
zação da terra como “sem forma e vazia”.
Então, os dois lugares, “abismo” e “águas”, nos ajudam a
entender o que significa a descrição da terra estar “sem forma
e vazia”. Esses dois lugares, por sua vez, também são caracte-
rizados no texto: “(a) e trevas )‫ (וְ חֹ֖ שֶ ְׁך‬sobre a face de )‫(עַל־פְ ּנֵ ֣י‬
abismo)‫(תהֹ֑ ום‬
ְ ; e (b) e espírito de ) ַ‫ (וְ ֣רּוח‬Deus)‫ֱֹלהים‬
ִ֔ ‫ (א‬se movia
)‫(מ ַר ֶ ֖חפֶת‬
ְ sobre a face de )‫ (עַל־פְ ּנֵ ֥י‬as águas )‫”( ַה ָ ֽמיִ ם‬. Ou seja: o
abismo estava “coberto” por trevas, enquanto as águas estavam
cobertas pelo espírito de Deus. Consequentemente, temos: (a)

55
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Deus criou “tudo” (os céus e a terra); (b) parte desse “tudo”, a
terra, ainda estava para ser concluída (sem forma e vazia); (c)
enquanto Deus não deu “forma” e “preencheu” a terra, ela coe-
xistia com um abismo coberto de trevas; e (d) com águas, sobre
as quais movia-se o espírito de Deus.

ATENÇÃO: Neste verso, os espaços foram apresentados em


diferentes formas: (a) através de substantivos: “terra”, “abismo”
e “águas”; e (b) através de locução adverbial: “sobre a face de”.

EM SÍNTESE

Ufa! Quanta coisa nova! Nesta seção vimos bastante informação


sobre como identificar e interpretar espaços, bem como sobre as-
pectos da gramática do Hebraico e do Português. Mas, o que você
precisa aprender e não se esquecer de jeito nenhum? APENAS:
como identificar espaços no texto hebraico. Revisando:
1. Para identificar espaços, localizamos os termos, no texto, que in-
dicam lugar/espaço (podem ser substantivos, adjetivos, advérbios,
locuções adverbiais, orações e até mesmo, raramente, verbos).
2. Ao identificar os espaços, podemos também identificar as ca-
racterizações dos espaços no texto.
3. Para identificar as caracterizações, localizamos as pala-
vras ou as sentenças que, no texto, indicam ou ex-
plicam alguma característica de uma pessoa
(ou do tempo, do espaço ou, ainda, da perso-
nagem que sofre uma ação no texto).

56
Hebraico

J APROFUNDANDO A IDENTIFICAÇÃO DO ESPAÇO NO


TEXTO

Vamos aprofundar nosso estudo neste tópico buscando


identificar espaço nos textos bíblicos e os fenômenos gramati-
cais ligados ao espaço em Deuteronômio 12. Para facilitar seu
aprendizado, vamos trabalhar com a maior parte do texto em
português. As palavras, as expressões e as orações em Hebrai-
co que indicam espaço serão incluídas.
Leia atentamente o texto abaixo, em que os termos que indi-
cam espaço estão em negrito.

Deuteronômio 12
13
Guarda-te, não ofereças os teus holocaustos em todo lugar que
vires )‫ ;)ּבְ כָל־מָ קוֹם אֲשֶׁ ר ִתּ ְראֶ ה‬14 mas, no lugar que o SENHOR escolher
numa das tuas tribos )�‫)ּכִ י ִאם־ּבַמָּ קוֹם אֲשֶׁ ר־יִבְ חַר יְהוָה ּבְ אַ חַד ְשׁבָטֶי‬, ali
)‫ )שָׁ ם‬oferecerás os teus holocaustos e ali )‫ )שָׁ ם‬farás tudo o que
te ordeno. 15 Porém, consoante todo desejo da tua alma, poderás
matar e comer carne em todas as tuas cidades )�‫ָל־שׁע ֶָרי‬
ְ ‫)ּבְ כ‬,
segundo a bênção do SENHOR, teu Deus; o imundo e o limpo
dela comerão, assim como se come da carne do corço e do
veado. 16
Tão somente o sangue não comerás; sobre a terra
)‫ )עַל־הָ אָ ֶרץ‬o derramarás como água. 17 Nas tuas cidades
)�‫)ּבִ ְשׁע ֶָרי‬, não poderás comer o dízimo do teu cereal, nem do
teu vinho, nem do teu azeite, nem os primogênitos das tuas
vacas, nem das tuas ovelhas, nem nenhuma das tuas ofertas
votivas, que houveres prometido, nem as tuas ofertas
voluntárias, nem as ofertas das tuas mãos; 18
mas o comerás
perante o SENHOR, teu Deus )�‫אֱֹלהֶ י‬ ‫)ּכִ י ִאם־לִ פְ נֵי יְ הוָה‬, no lugar
que o SENHOR, teu Deus, escolher )�‫)ּבַ מָּ קוֹם אֲשֶׁ ר יִ בְ חַ ר יְ הוָה אֱֹלהֶ י‬,
tu, e teu filho, e tua filha, e teu servo, e tua serva, e o levita que

57
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

mora nas tuas cidades )�‫ ;)ּבִ ְשׁע ֶָרי‬e perante o SENHOR, teu
Deus )�‫)לִ פְ נֵי יְ הוָה אֱֹלהֶ י‬, te alegrarás em tudo o que fizeres.
19
Guarda-te, não desampares o levita todos os teus dias sobre a
tua terra fértil )� ֶ‫)עַל־אַ ְדמָ ת‬.

Antes de você fazer a análise da organização do espaço, va-


mos aprender um pouco mais da língua hebraica:

‫ל־מקום ֲא ֶשר ִּת ְר ֶאה‬


1. ָ ‫ – ְב ָכ‬A primeira palavra é uma agluti-
nação da preposição (‫)ב‬ ְ [em] com o advérbio (‫)כל‬ ָ [todo]. Esta
palavra é unida, mediante o makeph (‫)־‬, à palavra seguinte, que
significa “lugar” (‫)מקום‬
ָ . Lembre-se: o makeph serve para indi-
car que, na leitura, você deve ler as duas palavras juntamente,
como se fossem uma só.
A segunda palavra (‫)א ֶשר‬
ֲ é muito usada na Bíblia Hebraica. É
um pronome relativo (“que”, “o qual”). Neste exemplo, o prono-
me relativo indica o início de uma oração subordinada explicati-
va(‫ִּת ְר ֶאה‬ ‫)א ֶשר‬
ֲ , que caracteriza o espaço indicado pela palavra
(‫)מקום‬
ָ .
A última palavra é um verbo de ação (‫)ּת ְר ֶאה‬
ִ = vires (a raiz
do verbo é har).

2. �‫ְש ָב ֶֹטי‬
‫ר־יִב ַחר יְ הוָ ה ְב ַא ַחד‬
ְ ‫ם־ב ָמקום ֲא ֶש‬
ַ ‫ ִכי ִא‬- A primeira pa-
lavra da sentença (‫)כי‬ ִ é uma conjunção que, sozinha, significa
“que”, “porque” ou “por causa de”. A segunda palavra (‫)אם‬ ִ tam-
bém é uma conjunção e, sozinha, significa “se”. Porém, quando
usadas juntas, como neste verso, significam “mas” ou “somen-
te”, dependendo do contexto da sentença em que é usada. A
palavra (‫)ב ָמקום‬
ַ , unida com o makeph, é uma aglutinação de

58
Hebraico

três palavras: a preposição + artigo (‫)ב‬


ַ e o substantivo (‫)מקום‬
ָ ,
que você já conhece.
Depois, temos duas palavras unidas com makeph (‫ר־יִב ַחר‬
ְ ‫) ֲא ֶש‬.
A primeira você já conhece, é o pronome relativo. A segunda é
um verbo (‫יִב ַחר‬
ְ cuja raiz é rxb), formando uma oração subordi-
nada adjetiva, que caracteriza o “lugar” (que escolher).
Em seguida, temos a palavra mais sagrada da língua hebrai-
ca: o nome não-pronunciável de Deus (‫)יְ הוָ ה‬. Os sinais vocálicos
usados na Bíblia não são as vogais do nome de YHWH, mas da
palavra adonay (meu Senhor), e indicam que, ao invés de pro-
nunciar o nome YHWH, o leitor deveria simplesmente dizer “Ado-
nay”. Hoje em dia, os judeus também costumam usar, no lugar de
YHWH, a palavra hashem (o nome). Assim, normalmente os textos
acadêmicos usam a transliteração YHWH para o nome de Deus.
As duas últimas palavras da sentença (�‫ְש ָב ֶֹטי‬ ‫ ) ְב ַא ַחד‬estão
unidas por uma “relação de construto” (termo técnico da gra-
mática). Que é isso? Traduzindo as palavras hebraicas fica mais
fácil de você entender: em uma de tuas tribos. A relação de
construto ocorre quando duas palavras estão unidas pela pre-
posição de (indicando pertença, posse ou algo similar). Como é
que se sabe quando uma palavra está em construto com outra?
Quando há mudanças nos sinais vocálicos da primeira palavra
da dupla. Você já conhece a primeira palavra da dupla, ela está
em Gênesis 1 (‫ ) ֶא ָ ֽחד‬e significa “um (a)”, “primeiro(a)”. Note que o
sinal vocálico da primeira letra está diferente em Deuteronômio.
Viu? Este tipo de mudança é que indica a relação de construto.
A palavra (�‫ ) ְש ָב ֶֹטי‬também é uma aglutinação da palavra (‫= ֵש ֶבֹט‬
tribo) com o sufixo pronominal da segunda pessoa do singular
(�). Note que as vogais da palavra “tribo” são modificadas por
causa do sufixo. O yod que se intromete entre a palavra e o sufi-
xo é a indicação de que a palavra “tribo” está no plural.

59
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

CURIOSIDADE

Estou dando uma série de informações


gramaticais. Dentre essas informações estou
indicando mudanças na forma das palavras.
Por ora, você não precisa se preocupar
em aprender esse detalhe da mudança de
forma. Você só precisa aprender a lógica
de funcionamento da língua hebraica. Aqui,
o importante é: aglutinação (palavras que
se juntam) e relação de construto (pertença,
posse – indicada pela preposição de).

3. �‫ל־ש ָע ֶרי‬
ְ ‫ ְב ָכ‬Você já conhece as palavras que estão antes
do makeph. A novidade é a segunda palavra (�‫) ְש ָע ֶרי‬, cuja tradu-
ção literal é “teus portões”. Você já conhece o sufixo da segunda
pessoa e a palavra “portão” é (‫) ַש ַער‬. Você também já sabe que
as diferenças entre a palavra no Deuteronômio e sua forma no
dicionário são causadas pelo plural e pelo uso do sufixo. Por
que, então, traduzi como “em todas as tuas cidades”? Porque
a palavra portão é usada de forma metonímica (de metonímia,
uma figura de linguagem que usa uma “parte” de algo para in-
dicar o “todo” desse algo). Ou seja, “portão” (uma parte da cida-
de) está no lugar da palavra “cidade” (o todo que inclui portão,
muro etc.).

4. ‫ ָשם‬Esta palavra é um advérbio de lugar e pode ser tradu-


zida por “lá”, “ali”, “acolá”.

60
Hebraico

5. ‫ל־ה ָא ֶרץ‬
ָ ‫( ַע‬Sobre a terra) De novo, duas palavras unidas
pelo makeph (Você jamais irá se esquecer deste sinalzinho do
makeph!!!!). A primeira é uma preposição (‫) ַעל‬, a segunda é a
aglutinação do artigo (‫ ) ָה‬com o substantivo (‫) ֶא ֶרץ‬. Você já sabe
que as vogais do substantivo mudam por causa da junção do
artigo.

6. �‫ֹלהי‬
ֶ ‫ֱא‬ ‫ם־ל ְפנֵ י יְ הוָ ה‬
ִ ‫ ִכי ִא‬Você já conhece a expressão (‫) ִכי ִאם‬
e já sabe que o makeph une palavras que devem ser pronuncia-
das como se fossem apenas uma. Vamos ver a novidade: (‫) ִל ְפנֵ י‬.
Esta palavra é a aglutinação da preposição (l) com o substanti-
vo (forma do dicionário = ‫) ָפנֶ ה‬. A mudança de vogais na preposi-
ção (geralmente se usa o shevá) e no substantivo se deve à rela-
ção de construto (você já sabe o que é) com a palavra seguinte
(‫)יְ הוָ ה‬. Literalmente, a tradução seria: “para (em direção à) a face
de YHWH”. (‫יְ הוָ ה‬ ‫ ) ִל ְפנֵ י‬é uma expressão técnica que significa “na
presença de YHWH” (no lugar de “YHWH” pode se usar também
qualquer outro nome ou título de Deus). A última palavra da fra-
se é (�‫ֹלהי‬
ֶ ‫“ ) ֱא‬teu Deus”, que é a aglutinação da palavra (‫ֹלהים‬
ִ ‫) ֱא‬
com o sufixo da segunda pessoa do singular (você já o conhe-
ce!). Esta forma “teu Deus” é muito comum em Deuteronômio,
bem como nos demais livros da Bíblia que seguem a sua linha
(principalmente Josué, Juízes, Samuel e Reis).

7. �‫ל־א ְד ָמ ֶת‬
ַ ‫ ַע‬Vamos à última expressão (pulei as repetições)
que indica espaço nesta perícope do Deuteronômio. Temos
duas palavras unidas pelo makeph. A primeira você já conhece,
é a preposição “sobre”. A segunda é o substantivo (forma do
dicionário = ‫) ֲא ָד ָמה‬, que tem as vogais modificadas por causa
do uso do sufixo da segunda pessoa do singular. A tradução do
substantivo (‫ ) ֲא ָד ָמה‬também é “terra”. Note que eu traduzi por

61
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

“terra fértil”. Por quê? Porque este substantivo (‫) ֲא ָד ָמה‬, no He-
braico, sempre se refere à terra em que se pode plantar, o ter-
reno agrícola. Você já viu outra palavra hebraica que também se
traduz por “terra”. Lembra-se? (‫ – ) ֶא ֶרץ‬esta palavra é usada na
língua hebraica para se referir à terra “em geral”, “solo”, “terre-
no”, “lugar de moradia”, e em vários versículos tem o uso técni-
co de “país” (literalmente “terra de Israel”, “terra do Egito” etc.).

EM SÍNTESE

O espaço pode ser indicado de várias formas no texto. Nesta pe-


rícope vimos algumas dessas formas: (1) Pode-se usar uma locu-
ção adverbial: (‫ל־מקום‬
ָ ‫“ ) ְב ָכ‬em todo o lugar”, (‫“ ) ַב ָמקום‬no lugar”,
(�‫ל־ש ָע ֶרי‬
ְ ‫“ ) ְב ָכ‬em todas as tuas cidades” etc. Uma locução adverbial
é composta de uma preposição (ou advérbio) mais um substan-
tivo (ou adjetivo). Volte ao texto de Dt 12,13-19 e ache mais locu-
ções adverbiais; (2) Pode-se usar simplesmente um advérbio (‫) ָשם‬
“lá”, “ali”; (3) Pode-se usar apenas substantivos cujo significado é
“espacial”. Por exemplo: (‫ – ) ֶא ֶרץ‬no texto de Dt este substantivo
está em uma locução adverbial, mas poderia ser usado sozinho.
Volte ao Dt 12.13-19 e veja outros substantivos cujo significado é
“espacial”; (4) O espaço, no texto, pode ser caracterizado.
Por exemplo: (‫ִּת ְר ֶאה‬ ‫ל־מקום ֲא ֶשר‬
ָ ‫ ) ְב ָכ‬aqui “todo o
lugar” é caracterizado pela oração subordina-
da “que vires”. Volte ao texto de Dt 12.13-19 e
note outras caracterizações.

62
Hebraico

J O SISTEMA VERBAL NA LÍNGUA

Nesta seção o nosso foco mudará para a temporalidade na


comunicação linguística. Começaremos com uma descrição do
sistema verbal. Os aspectos abaixo não precisam ser memoriza-
dos. Tente apenas compreender as distinções apresentadas e
os elementos fundamentais do verbo. Todos estes elementos
nos ajudarão a interpretar o texto bíblico com maior profundi-
dade.

1. Definindo o Verbo
Verbo é a classe de palavras que descreve ação, estado, in-
tenção, desejo etc. de sujeitos, ou ocorrências e acontecimentos
“naturais” e/ou “históricos”. O verbo é a unidade-eixo da estrutu-
ra da oração e é constituído por cinco elementos fundamentais:
voz (ativa, passiva, reflexiva),
tempo (concomitância, anterioridade, posterioridade),
aspecto (pontual, durativo, perfectivo ou gnômico),
modo (indicativo, subjuntivo, imperativo, infinitivo, particípio),
pessoa (primeira, segunda e terceira pessoas).

2. Verbo e Tempo Linguístico


“Mostra Benveniste que uma coisa é situar um acontecimen-
to no tempo crônico e outra é inseri-lo no tempo da língua. Para
ele, o tempo linguístico é irredutível, seja ao tempo crônico, seja
ao tempo físico. Dessa forma, o linguista francês considera que
há um tempo específico da língua (1974, p. 73)” (Fiorin, 2008, p.
142). Isto significa que o tempo linguístico é um tempo cultural,
semiótico. Em outras palavras, não se trata de descrever o tem-
po real como ele é, mas de descrever o modo como o autor ou
a autora do texto viu e interpretou a ação.

63
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

3. Modo Verbal
O modo descreve a atitude do enunciador em relação ao
enunciado ou ao enunciatário. Os modos são indicados na lín-
gua pelas conjugações verbais. Os modos fundamentais são:
Indicativo: é o modo da certeza, da segurança do enunciador
em relação ao enunciado. Exemplo: Ele corre.
Subjuntivo: é o modo da probabilidade, da incerteza ou do de-
sejo do enunciador em relação ao enunciado. Exemplo: Que ele
corra.
Imperativo: é o modo da petição do enunciador em relação ao
enunciatário (ordem, proibição, exortação, conselho, súplica).
Em gramáticas de Grego e Hebraico às vezes são mencionados
os modos coortativo e jussivo, que realizam funções similares
às do imperativo. Exemplo: “Corre!”.
Optativo: modo verbal praticamente em desuso, incorporado
pelo subjuntivo, é o modo do desejo do enunciador ou da pos-
sibilidade de realização do enunciado (não há forma em portu-
guês, usamos o subjuntivo).
O infinitivo, o gerúndio e o particípio (em várias línguas há o ge-
rúndio) não são propriamente modos, possuem características
tanto verbais como nominais. No Hebraico temos formas do in-
finitivo e do particípio para cada tempo verbal (diferentemente
do português, em que há somente um infinitivo e um particípio
para cada verbo) e não há o infinitivo pessoal, como no portu-
guês, nem o gerúndio.
Infinitivo: indica a ação propriamente dita, sem situá-la no tem-
po, aproximando-se da função substantiva. Exemplo: “Correr”.
Particípio: indica o resultado da ação, indicando uma ação já
realizada, finalizada. Pode acumular as características de ver-
bo, substantivo e adjetivo. Ademais, através do particípio, são
formados tempos verbais compostos que exprimem o aspecto
terminativo da ação. Exemplo: “Corrido”.
Gerúndio: indica a duratividade da ação. Pode também acumu-

64
Hebraico

lar as características de verbo, substantivo e adjetivo. Ademais,


através do  gerúndio, são formados tempos verbais compostos
que exprimem o aspecto processual da ação. Exemplo: “Corren-
do”.

4. Vozes do Verbo
Na língua, as seguintes vozes do verbo expressam a relação
do sujeito com o verbo na oração. As vozes também são indica-
das formalmente:
Ativa: o sujeito realiza a ação verbal – o verbo é usado em suas
conjugações normais.
Passiva: o sujeito sofre a ação verbal, executada pelo agente da
passiva. A forma da voz passiva é verbo auxiliar + verbo principal
no particípio: “foi feito”, “está terminado”, “foi assassinado” etc..
Média (ou reflexiva): o sujeito realiza a ação em referência a si
mesmo (sofrendo os efeitos da ação, agindo em seu benefício
ou interesse, destacando a sua agência). Normalmente se in-
dica a voz média através do uso do pronome reflexivo: “eu me
casei”, “ele se feriu”, “ela se embelezou”, “ele se vestiu” etc..

5. Pessoas Verbais
As pessoas são indicadas pela conjugação verbal:
primeira (eu - nós) = enunciador;
segunda (tu – vós / você - vocês) = enunciatário (o destinatário
da comunicação);
terceira (ele/ela - eles/elas) = alguém de quem se fala no texto.

6. Temporalidade
Como o tempo verbal é semiótico e não físico, ele é definido
pelo momento da enunciação = agora, ao qual se contrapõem
um então (antes ou depois). Assim, temos as três categorias da
temporalidade: concomitância (o tempo do enunciado corres-
ponde ao momento da enunciação), da anterioridade (o tempo

65
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

do enunciado é anterior ao momento da enunciação) e da pos-


terioridade (o tempo do enunciado é posterior ao momento da
enunciação).
Em vários idiomas, a temporalidade é indicada pelas con-
jugações verbais, como no português, por exemplo: Presente
indica concomitância. Pretérito Perfeito; Pretérito Imperfeito e
Pretérito-mais-que-perfeito indicam anterioridade; Futuro do
Presente e Futuro do Pretérito indicam posterioridade. No He-
braico, porém, a conjugação verbal não indica o tempo! Você
tem de descobrir qual é o tempo (concomitante, anterior ou
posterior) em cada sentença em que o verbo é usado.

7. Aspectualidade
O aspecto indica o modo como a ação é descrita pela enun-
ciação conforme as relações entre os momentos de referência
(o tempo no enunciado) e da enunciação. São quatro os tipos de
aspectos da ação verbal:
(a) pontual (ação vista como realizada), indicado por um ponto
.
“ ” Exemplo: “ele correu”;
(b) durativo (ação vista em realização), indicado por uma linha
reta “ --------”. Exemplo: “ele corria”;
(c) gnômico (ação vista abstratamente, desvinculada do tempo),
sem indicação gráfica. Exemplo: “correr é bom”.
(d) perfectivo (combinação dos aspectos pontual e durativo), in-
dicado por um ponto e uma reta “ .----------.”. Exemplo: “ele
tem corrido”.

Além da indicação do modo como o enunciador vê a ação,


outra especificação do aspecto verbal pode ocorrer, conectan-
do aspectualidade (modo do agir) e temporalidade (duração da
ação):
(a) Se a ênfase recai sobre o momento inicial da ação verbal,
temos o aspecto ingressivo;

66
Hebraico

(b) Se a ênfase recai sobre a ação enquanto ocorre, temos o


aspecto processual;
(c) Se a ênfase recai sobre a conclusão da ação, temos o aspecto
terminativo.
O aspecto é a característica verbal mais difícil de ser entendi-
da e analisada. Embora ela possa ser indicada por conjugações,
na maior parte dos casos somente a sentença em que o verbo é
usado nos mostra qual é o aspecto da ação.
No Hebraico, os aspectos pontual e durativo são indicados
pelos tempos verbais (conjugação): completo (pontual) e incom-
pleto (durativo). Os demais aspectos e as especificações do as-
pecto, porém, só podem ser compreendidas na sentença em
que o verbo é usado.

JJ O SISTEMA VERBAL NO HEBRAICO BÍBLICO

O sistema verbal da língua hebraica é organizado de modo


bem diferente do sistema da língua portuguesa. Em nossa lín-
gua, o sistema verbal é estruturado em conjugações baseadas
no tempo (Presente, Pretérito, Futuro) e no modo (Indicativo,
Subjuntivo, Infinitivo, Particípio e Gerúndio).
No hebraico bíblico o sistema verbal é organizado através de
conjugações que: (a) indicam aspecto (as gramáticas chamam
de Tempo do Verbo): completo e incompleto (em algumas gra-
máticas usa-se perfeito e imperfeito); (b) indicam o grau e a voz
da ação verbal. Graus: simples, intensivo, causativo. Vozes: ativa,
passiva e reflexiva (ou média).
Nessas conjugações você encontrará as pessoas e, também,
o infinitivo e o particípio. Vejamos algumas tabelas que sinteti-
zam o sistema verbal do hebraico bíblico:

67
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Aspecto (Tempo – no sentido usado nas conjugações verbais)

O aspecto pontual é comumen-


te traduzido em português pelo
Pretérito Perfeito (“ele matou”).
Pode ser traduzido por outros
Completo Pontual
tempos verbais, conforme a sen-
tença em que é usado. Geral-
mente, tempos compostos com
particípio.

O aspecto durativo é comumen-


te traduzido em português pelo
Futuro do Presente (“ele mata-
Incompleto Durativo rá”). Pode ser traduzido por ou-
tros tempos: presente, pretérito
imperfeito e verbos compostos
com gerúndio.

ATENÇÃO! As conjugações do completo e do incompleto po-


dem indicar tanto concomitância, como anterioridade e pos-
terioridade. Assim, a escolha do tempo verbal em português
depende da sentença em que o verbo hebraico é usado.

68
Hebraico

Modo

Usado nas três pessoas do singular e do plu-


ral. Obs.: a segunda e a terceira pessoas têm
formas verbais diferentes para o feminino e
Indicativo o masculino. É o modo comum das conjuga-
ções verbais do Hebraico. Os outros modos
são formados mediante alteração da forma
indicativa.

Somente na segunda pessoa do singular e do


plural, com formas masculina e feminina. O
Imperativo imperativo indica comando, ordem ou desejo
(em certo sentido, o imperativo hebraico in-
corpora o modo subjuntivo).

Nas formas da voz ativa e da passiva, que po-


dem ser masculina e feminina, singular e plu-
Particípio ral. O particípio pode funcionar como nome
(substantivo ou adjetivo), ou como verbo, in-
dicando o aspecto durativo da ação.

Nas formas do construto (equivalente ao infi-


nitivo em Português) e do absoluto (geralmen-
Infinitivo
te reforça a ação verbal, de modo que é usado
com outro verbo).

É utilizado apenas no incompleto e pode ex-


pressar um desejo, uma vontade e, em alguns
casos, uma ordem. Nos verbos regulares (for-
Jussivo tes) sua forma é idêntica à do incompleto (ex-
ceto no Hifil). Só o contexto da sentença di-
ferencia o incompleto do jussivo. Na tradução,
o jussivo equivale ao subjuntivo em Português.

69
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

É usado nas formas da primeira pessoa do in-


completo, singular e plural. Normalmente, o
coortativo expressa desejo, intenção, encora-
Coortativo
jamento próprio ou a determinação do sujeito
da frase em realizar uma ação. Para o Portu-
guês equivale ao modo subjuntivo.

Grau

Indica a ação verbal em sua forma simples:


Simples
“correu, caiu, andou, fugirá...”.

Indica que a ação do verbo causa outra ação:


Causativo
“fez correr, foi obrigado a correr ...”.

Indica que a ação do verbo é intensificada. Ge-


ralmente usamos algum advérbio em Portu-
Intensivo guês para traduzir esta intenção: “correu mui-
to, envelheceu mesmo, matou brutalmente,
agiu intensamente ...”.

Conjugações

Qal completo e in-


completo, infinitivo, par- Voz Ativa
ticípio e imperativo.
Grau Simples
Nifal completo e in-
completo, infinitivo, par- Voz Passiva
ticípio e imperativo.

70
Hebraico

Piel completo e in-


completo, infinitivo, par- Voz Ativa
ticípio e imperativo.

Pual completo e in-


Grau Intensivo completo, infinitivo, par- Voz Passiva
ticípio e imperativo.

Hithpael completo
e incompleto, infinitivo, Voz Reflexiva
particípio e imperativo.

Hifil completo e in-


completo, infinitivo, par- Voz Ativa
ticípio e imperativo.

Grau Causativo
Hofal completo e in-
completo, infinitivo, par- Voz Passiva
ticípio e imperativo.

71
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

CURIOSIDADE
Os nomes das conjugações verbais do
Hebraico (Qal, Nifal etc.) são derivados da
forma mais básica: qal (significa leve), que
é formada apenas com a raiz do verbo.
As outras seis conjugações são nomeadas
a partir da forma do verbo qatal (“fazer”,
“executar”). Sua característica básica é
acrescentar um prefixo à raiz verbal.
Regra básica: a raiz verbal é formada por três
consoantes (mas sempre há exceções...).

Vejamos uma tabela que exemplifica as diferentes conjuga-


ções do Hebraico, com os verbos de Gênesis 1,1-8:

Qal
Raiz Uso em Análise e
completo
Verbal Gênesis tradução
3ª pessoa *

Qal completo 3ª pes-


hyh hy"h ht'y>h soa feminina singu-
lar: estava

Qal incompleto com


vav consecutivo 3ª
hyh hy"h yhiyw>> pessoa masculina
singular: haja

72
Hebraico

Qal incompleto com


vav consecutivo 3ª
hyh hy"h yhiy>w pessoa masculina
singular: houve

Hifil incompleto com


vav consecutivo 3ª
ldB ld;B lDeb.Yw: pessoa masculina
singular: separou

Hifil particípio mascu-


ldB ld;B lyDIb.m; lino singular absolu-
to: separação

Qal incompleto com


vav consecutivo 3ª
arq ar'q' ar'q.YIw pessoa masculina
singular: chamou

Qal completo 3ª pes-


arq ar'q' ar'q' soa masculina singu-
lar: chamou

Qal incompleto com


vav consecutivo 3ª
rma rm;a' rm,aYOw pessoa masculina
singular: disse

Qal completo 3ª pes-


arB ar'B' ar'B soa masculina singu-
lar: criou

73
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Qal incompleto com


vav consecutivo 3ª
hf[ hf'[' f[;Y:w pessoa masculina
singular: fez

Qal incompleto com


vav consecutivo 3a
har ha'r' ar>Y:w pessoa masculina
singular: viu

Piel particípio femini-


@xr @x;r' tp,x,r;m. no singular absoluto:
pairava

* A forma usada nos dicionários

CURIOSIDADE

Você deve estar se perguntando: o que é “vav


consecutivo”? É a conjunção w usada para
modificar o aspecto da ação verbal. Assim,
se o verbo está no completo, o aspecto
da ação fica incompleto e vice-versa. No
próximo módulo estudaremos algumas
regras do uso do vav consecutivo na Bíblia
Hebraica.

74
Hebraico

JJ ANTES DE VIRAR A PÁGINA

Seguimos firmes em nosso propósito de estudarmos uma in-


trodução ao estudo da língua no ciclo básico e aprofundarmos
o estudo do Hebraico bíblico no ciclo intermediário.
Quero ressaltar a importância deste estudo na sua trajetória
dentro do Curso Livre de Teologia EAD: os elementos de espaço
e de sistema verbal com os quais trabalhamos neste módulo
são cruciais para a correta compreensão e interpretação das
Escrituras, em especial no momento de fazermos a exegese dos
textos bíblicos.
Em nosso aprendizado da lógica da língua, podemos valori-
zar o trabalho dos tradutores e tradutoras da Palavra de Deus
ao longo dos séculos! Por isso, no próximo módulo, nos dedica-
remos a buscar entender um pouco melhor este processo.

75
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

MÓDULO 4
Tema: A Tradução do Hebraico para o Português

76
Hebraico

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Neste módulo nosso foco continuará sobre a temporalidade


da comunicação linguística. Aprenderemos como traduzir tex-
tos do Hebraico para o Português, com ênfase nos verbos, que
é a parte mais complexa da tradução. Nosso objetivo é que você
seja capaz de explicar como traduzir textos do Hebraico para o
Português, levando em consideração o conhecimento limitado
do idioma hebraico que pode ser adquirido em um curso de
Teologia.
Você pode estar se perguntando: “não é um exagero o pro-
fessor querer que nós saibamos traduzir o Hebraico”? Em parte,
a resposta a esta pergunta deve ser sim, é um exagero. Entre-
tanto, como você verá no decurso do módulo, o que eu espero
que você aprenda é como pode ser feita uma forma bem ele-
mentar de “tradução” de texto.

77
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ COMPREENDENDO O PROCESSO DE TRADUÇÃO DO


TEXTO

A intenção é que você aprenda como pode traduzir palavras


da oração e não orações inteiras. Como você verá, apresentarei
o texto hebraico, traduzirei a maioria das palavras e darei as in-
formações necessárias para você traduzir as palavras que falta-
rem em exercícios facultativos disponíveis na plataforma virtual
da disciplina. O mais importante é que você aprenda a lógica da
tradução de um idioma para outro. Quais são as regras básicas?
Acompanhe a explicação abaixo a partir de Gn 1.3-4.

‫י־ֹאור׃‬ ֽ ‫ֹלהים יְ ִ ֣הי ֹ֑אור ַ �וֽיְ ִה‬


֖ ִ ‫אמר ֱא‬ֶ ֹ ‫וַ ֥י‬
‫ּובין ַה ֽחֹ ֶשְך׃‬
֥ ֵ ‫ֹלהים ֵ ֥בין ָה ֹ֖אור‬
ִ֔ ‫י־ֹטוב וַ ְיַב ֵ ֣דל ֱא‬
֑ ‫ת־ה ֹ֖אור ִכ‬ ָ ‫ֹלהים ֶא‬ ֛ ִ ‫וַ ַי ְ�֧רא ֱא‬

a. Na tradução, você deve buscar oferecer um “efeito de


sentido” semelhante ao do texto original, procure encontrar a
maior equivalência possível entre o sentido do texto original e o
sentido do texto traduzido.
b. Na tradução, a equivalência semântica (de sentido) é dinâ-
mica, ou seja, não existe, de fato, tradução literal – traduzir pa-
lavra por palavra e manter a ordem sintática do texto original.
A chamada “tradução literal” é, simplesmente, má tradução. Ela
costuma ser usada em cursos de idiomas bíblicos como uma
espécie de “muleta” de aprendizado, mas deve ser abandonada
o mais cedo possível. Aqui, não usaremos essa muleta.
c. A “equivalência” deve se aplicar a todos os elementos da
oração, período e texto: 1. Cada palavra do idioma original deve
encontrar um equivalente, quando existir, no idioma traduzido,
mesmo que esse equivalente seja mais do que uma palavra.
Exemplo: o sinal de acusativo (ou objeto direto) no hebraico
)‫(את‬
֥ ֵ não tem equivalente em português, por isso, normalmente
não é traduzido; ao colocar a palavra antecedida do )‫(את‬
֥ ֵ como

78
Hebraico

objeto direto (ou indireto, se for necessário) do verbo, a equivalên-


cia terá sido alcançada; 2. Às vezes é necessário incluir palavras
no texto traduzido que não existem no original, em função de
características sintáticas da língua para a qual o Hebraico está
sendo traduzido. Exemplo: ‫“ = וְ חֹ֖ שֶ ְׁך עַל־פְ ּנֵ ֣י ְתהֹ֑ ום‬e havia trevas
sobre a face do abismo”. No texto hebraico não há verbo, mas
em Português as regras sintáticas pedem o verbo; 3. A estrutura
sintática da oração e do período deve encontrar equivalência no
idioma traduzido, mesmo que essa equivalência não seja uma
simples repetição da sintaxe original. Exemplo: no idioma hebrai-
co a ordem sintática dos termos da oração é o verbo em primeiro
lugar. Em Português, usamos o sujeito em primeiro lugar; assim,
ao traduzir do Hebraico para o Português, normalmente altera-
mos a ordem sintática dos termos da oração. Nem sempre per-
cebemos isso, porque em vários textos os tradutores mantêm a
ordem sintática original, por exemplo em Gn 1.3: “E disse Deus”
(em Português o mais correto seria “e Deus disse”). Seguindo a
tradução comum de Almeida e suas revisões, a oração em Portu-
guês coloca a ênfase no verbo “disse” e não no sujeito “Deus”; 4.
As palavras normalmente são usadas de diferentes maneiras em
um idioma, portanto, não têm um único sentido. Exemplo: “casa”
em Português pode “significar” moradia, casa de botão, estabele-
cimento comercial, lar e outros. Como, então, saber que sentido
específico usar? A regra básica é: “o sentido de uma palavra na
oração é a menor contribuição da palavra à oração”. Exemplo:
“Ontem fui à casa de Maria”. Nesta oração “casa” não deve signifi-
car “casa de botão”, porque essa seria uma contribuição “grande”
à oração, além de criar falta de sentido (a não ser que o sujeito da
oração fosse um botão). Não devemos entender a palavra casa
como “lar”, pois a oração não tem componente afetivo explícito,
de modo que “lar” seria uma contribuição muito grande à oração.
Em linguagem menos técnica: a tradução da palavra deve “fazer
sentido” na oração e não criar uma confusão.

79
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

EM SÍNTESE
“OK professor! Mas, e quando eu quiser usar esse recurso de
‘tradução’ depois de terminar o curso?” Existem duas ferramen-
tas bibliográficas básicas que tornarão possível você traduzir
palavras específicas do texto hebraico seguindo as regras e os
exercícios que você fará durante este curso: (a) Antigo Testa-
mento Interlinear e (b) Léxico Hebraico-Português. Mais
adiante, perto do final deste Guia de Estudos,
oferecerei a você algumas dicas para usar
essas ferramentas básicas – e outras não tão
básicas assim.

J COMPREENDENDO O PROCESSO DE TRADUZIR


OS VERBOS

Bem, como estamos aprendendo os verbos, o foco do apren-


dizado será sobre a tradução dos verbos hebraicos para o Por-
tuguês. Você já sabe que no hebraico bíblico o sistema verbal é
organizado através de conjugações que:
a. indicam aspecto (as gramáticas chamam de Tempo do Ver-
bo): completo e incompleto (em algumas gramáticas usa-se per-
feito e imperfeito);
b. indicam o grau e a voz da ação verbal. Graus: simples, in-
tensivo, causativo. Vozes: ativa, passiva e reflexiva (ou média); e
c. através das conjugações são indicadas também as pessoas
e os modos imperativo, infinitivo e particípio.
Para traduzir um verbo do Hebraico para o Português

80
Hebraico

devemos buscar a equivalência dos cinco elementos com-


ponentes do verbo. Então, se um verbo no Hebraico está na
primeira pessoa do singular, na voz ativa, no modo indicativo,
no tempo cronológico do passado (anterioridade), e o aspecto
é pontual, o verbo na língua portuguesa deverá ter as mesmas
características. Entendeu?
Bem, vamos aos exemplos, para ficar bem claro o que você
deve aprender a fazer. Iniciamos com Gn 1.1:

‫ֹלהים ֵ ֥את ַה ָש ַ ֖מיִם וְ ֵ ֥את ָה ָ ֽא ֶרץ׃‬


֑ ִ ‫אשית ָב ָ ֣רא ֱא‬
֖ ִ ‫ְב ֵר‬

Temos apenas um verbo (‫בָ ָ ּ֣רא‬: Qal completo indicativo 3ª


pessoa do singular masculino, da raiz ‫)ברא‬. A raiz verbal signi-
fica: moldar, modelar, criar (enquanto você não “sabe de cor”
o vocabulário hebraico, descubra os “significados” das palavras
no Léxico ou Dicionário de Hebraico-Português). O grau com-
pleto indica o aspecto pontual da ação. Em Português, a forma
mais comum para indicar aspecto pontual da ação é a do preté-
rito perfeito. Daí a tradução “criou” (pretérito perfeito, 3ª pessoa
do singular, do modo indicativo).

ATENÇÃO: lembre-se que o modo indicativo é o modo “normal”


das conjugações do verbo, a não ser que outro modo seja ex-
pressamente utilizado, o que sabemos pela “forma” do verbo.
Assim, na análise do verbo não indicamos o modo indicativo,
ele é pressuposto.

Em Gn 1.2, temos dois verbos:



‫ֹלהים ְמ ַר ֶ ֖ח ֶפת‬
ִ֔ ‫ל־פ ֵנ֣י ְת ֹ֑הום וְ ֣ר ַּוח ֱא‬
ְ ‫הּו וָ ֔בֹהּו וְ ֖חֹ ֶשְך ַע‬
֙ ‫ת‬
ֹ ֨ ‫יְתה‬
֥ ָ ‫וְ ָה ָ֗א ֶרץ ָה‬
‫ל־פ ֵנ֥י ַה ָ ֽמיִם׃‬
ְ ‫ַע‬

81
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

O verbo ‫( הָ יְ ָ ֥תה‬qal completo 3ª pessoa do singular masculino,


da raiz ‫ )היה‬significa “ser, estar, existir, acontecer, haver”. Seguin-
do as regras, a tradução deve indicar o aspecto pontual da ação.
Porém, as traduções para o Português preferem usar o preté-
rito imperfeito “estava” (ao invés do pretérito perfeito “esteve”)
porque parece combinar melhor com a sentença anterior. Veja:
“No princípio Deus criou os céus e a terra. E a terra estava sem
forma e vazia [...]”. Ou seja, no mesmo período de tempo em
que Deus criou os céus e a terra, a terra estava sem forma e
vazia. Em outras palavras: ao combinar o pretérito imperfeito do
verso 2 com o pretérito perfeito do verso 1, em Português, nós
criamos uma relação de concomitância entre o segundo verbo e
o primeiro. Logo, a tradução de fato segue o aspecto pontual da
ação verbal, mas em sua qualificação processual!
O verbo ‫( ְמ ַר ֶ ֖חפֶת‬Piel particípio feminino singular absoluto, da
raiz ‫ )רחף‬significa “mover-se, agitar-se”. O piel funciona como
grau intensivo da ação verbal. O piel desta raiz verbal significa
“mover-se” ou “agitar-se”. É um verbo que só ocorre duas vezes
na Bíblia, aqui e em Dt 32.11. A tradução “pairava” (tradicional
em várias versões para o Português) não leva em consideração
a intensificação da ação pelo piel do verbo. Por isso, é melhor
a tradução “se movia”. O particípio na língua hebraica também
pode indicar o aspecto durativo da ação verbal, assim é correto
traduzir com o pretérito imperfeito em Português, que também
mostra uma relação de concomitância com o verbo anterior.

Continuemos agora no ciclo intermediário. Vamos a Gn 1.3:

‫י־אור׃‬
ֽ ‫ֹלהים יְ ִ ֣הי ֑אור ַ ֽוֽיְ ִה‬
֖ ִ ‫אמר ֱא‬
ֶ ֹ ‫וַ ֥י‬

No verso 3 temos três formas verbais. O primeiro verbo


‫( ו ַּ֥יֹ אמֶ ר‬qal, incompleto, 3ª pessoa do singular, precedido de vav

82
Hebraico

consecutivo, da raiz rma) significa “falar, dizer” (lembre-se: o vav


consecutivo inverte o aspecto da ação verbal). Daí a tradução “e”
(vav) disse = aspecto pontual (o incompleto deveria ser traduzi-
do “dizia”, “diz” ou “dirá” – formas do Português que indicam o
aspecto durativo).
O segundo verbo é ‫( יְ ִ ֣הי‬qal incompleto, 3ª pessoa masculina
singular, da raiz ‫ )היה‬no modo jussivo! (lembra-se do que apren-
demos no ciclo básico acima? Só o contexto da oração indica se
a forma verbal é incompleto ou jussivo.) Como o jussivo indica
desejo ou ordem, podemos traduzir pelo subjuntivo ou pelo im-
perativo em Português. Assim, duas traduções são possíveis: (a)
que haja luz (subjuntivo) ou (b) haja luz (imperativo).
O terceiro verbo é ‫( ַוֽ יְ הִ י‬qal incompleto, 3ª pessoa do singular
masculino, da raiz ‫)היה‬, precedido de vav consecutivo. Assim, a
tradução para o Português deve indicar o aspecto pontual da
ação (o incompleto indica aspecto durativo, mas com o vav con-
secutivo o aspecto é invertido, se torna pontual): “e houve”.

Agora, vejamos Gn 1.4, em que temos dois verbos.

‫ּובין ַה ֽחֹ ֶשְך׃‬


֥ ֵ ‫ֹלהים ֵ ֥בין ָה ֖אור‬
ִ֔ ‫י־ֹטוב וַ ְיַב ֵ ֣דל ֱא‬
֑ ‫ת־ה ֖אור ִכ‬
ָ ‫ֹלהים ֶא‬
֛ ִ ‫וַ ַי ְ�ֽרא ֱא‬

O primeiro verbo é ‫( ַו ּ֧ ַי ְרא‬qal incompleto, 3ª pessoa do singu-


lar masculino, da raiz ‫ )ראה‬que significa “olhar, ver, enxergar”,
precedido de vav consecutivo. Logo, o aspecto da ação é pontual
e é melhor traduzir pelo pretérito perfeito em Português: “E viu”.
O segundo verbo é ‫( ַו ַיּבְ ֣דֵ ּל‬qal incompleto, 3ª pessoa do sin-
gular masculino, da raiz ‫ )בדל‬que significa “separar, afastar, di-
vidir”, precedido de vav consecutivo. Logo, o aspecto da ação é
pontual: “e separou” ou “e fez separação”.

83
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Agora, Gn 1.5, com quatro verbos.

‫י־ע ֶרב ַ ֽוֽיְ ִהי־ ֖בֹ ֶקר י֥ ום‬


֥ ֶ ‫אור י֔ ום וְ ַל ֖חֹ ֶשְך ָ ֣ק ָרא ָל֑יְ ָלה ַ ֽוֽיְ ִה‬
֙ ‫ֹלהים ׀ ָל‬
֤ ִ ‫יִ ְק ָ ֨רא ֱא‬
‫ֶא ָ ֽחד׃ פ‬

O primeiro verbo é ‫( יִ ּקְ ָ ֨רא‬qal incompleto, 3ª pessoa do singu-


lar masculino, da raiz ‫ )קרא‬que significa “chamar, gritar, clamar,
proclamar, invocar”, precedido de vav consecutivo. Logo, aspecto
pontual: “E chamou”.
O segundo verbo é ‫( ָ ֣ק ָרא‬qal completo 3ª pessoa do singular
masculino, da raiz ‫)קרא‬. Logo, aspecto pontual: “chamou”.
O terceiro verbo é ‫ ַוֽ יְ הִ י‬e aparece por duas vezes. Esta forma
já é conhecida (qal incompleto, 3ª pessoa do singular masculi-
no, da raiz ‫)היה‬, é precedida de vav consecutivo. Logo: aspecto
pontual da ação verbal, que se traduz no pretérito perfeito em
Português (salvo exceções): “e foi”, “e houve”, “e passou”, “e se
deu” ou “e aconteceu”. A tradução fica a critério de quem a faz,
procurando um equivalente que seja fiel ao sentido do verbo
hebraico e seja “legível” em Português. Por exemplo: embora
“e aconteceu” seja uma tradução fiel ao verbo hebraico, não é
legível em Português, e não deveria ser usada.

Voltando ao ciclo básico, façamos mais um exercício de


observar cuidadosamente a tradução dos verbos com o texto
de Gn 1.26:
E disse (‫ )ו ַּ֣יֹ אמֶ ר‬Deus (‫ֱֹלהים‬
֑ ִ ‫ )א‬façamos (‫’ ) ַ ֽנע ֲ֥שֶ ׂה‬adam (‫ )אָ ָ ֛דם‬à nos-
sa imagem (‫ )בְ ּצַ לְ ֵ ֖מנּו‬conforme nossa semelhança (‫מּותנּו‬ ֑ ֵ ‫ )כִ ְּד‬e
que ele domine (‫ )וְ יִ ְרּדּו‬sobre os peixes de (‫ )בִ ְד ֨ ַגת‬o mar (‫)הַ ּ֜ ָים‬
e sobre as aves de (‫ )ּובְ ֣ ֹעוף‬os céus (‫ )הַ שָ ּ ֗ ַׁמיִ ם‬e sobre os ani-
mais ( ֙‫ )ּובַ בְ ּהֵ מָ ה‬e sobre toda-a terra (‫ )ּובְ כָל־הָ ֔ ָא ֶרץ‬e sobre todos-
-rastejantes (‫ )ּובְ כָל־הָ ֶ ֖רמֶ ׂש‬que rastejam (‫ ) ָ ֽהרֹ ֵ ֥מׂש‬sobre-a terra
(‫)עַל־הָ ָ ֽא ֶרץ‬.(:)

84
Hebraico

Temos no versículo acima quatro verbos. O primeiro é ‫ו ַּ֣יֹ אמֶ ר‬


(“E disse”). O verbo hebraico é qal incompleto, 3ª pessoa do sin-
gular, precedido de vav consecutivo, da raiz rma. Lembre-se: o
vav consecutivo inverte o aspecto da ação verbal. Daí a tradução
“e” (vav) “disse” = aspecto pontual (o incompleto deveria ser tra-
duzido “dizia”, “diz” ou “dirá” – formas do português que indicam
o aspecto durativo).
O segundo verbo é ‫“( ַ ֽנע ֲ֥שֶ ׂה‬façamos"): qal incompleto, 1ª pes-
soa do plural, da raiz hf[, no modo coortativo. Note que há
alteração da raiz, mostrando que o verbo é irregular. Como o
coortativo expressa desejo ou deliberação, devemos usar o sub-
juntivo em Português ou alguma locução verbal que indique de-
liberação: a) usando o subjuntivo, a tradução será “façamos”; b)
usando uma locução verbal, a tradução será “decidi fazer” (para
combinar com o sujeito do verbo que é singular, “Deus”).
O terceiro verbo é ‫“( וְ יִ ְרּדּו‬E que ele domine”): qal incompleto,
3ª pessoa do singular, da raiz ‫רדה‬, precedida de vav consecu-
tivo, no modo jussivo. Por isso a tradução para o Português é
para o presente do subjuntivo: “domine”. Note que há mudança
na raiz do verbo, mostrando que é um verbo irregular.
O quarto verbo é ‫“( ָ ֽהרֹ ֵ ֥מׂש‬que rastejam”): qal particípio mas-
culino singular, da raiz ‫רמׂש‬, precedida de artigo. O particípio
no Hebraico indica predominantemente aspecto durativo ou
o estado que qualifica um sujeito. Assim, pode ser traduzido
para o Português por uma forma verbal de aspecto durativo,
por exemplo, “que rastejam” (o Hebraico está no singular, mas,
como o verbo precisa combinar em número com o seu sujeito,
em Português fica no plural, para combinar com “e sobre todos
rastejantes”), ou por uma forma verbal com função de substan-
tivo, “rastejante” – que não usamos aqui para evitar a repetição.

85
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

EM SÍNTESE

a. Para traduzir um verbo do Hebraico para o Português deve-


mos buscar a equivalência dos cinco elementos componen-
tes do verbo. Então, se um verbo no Hebraico está na primeira
pessoa do singular, na voz ativa, no modo indicativo, no tempo
cronológico do passado (anterioridade) e o aspecto é pontual, o
verbo na língua portuguesa deverá ter as mesmas característi-
cas. Entendeu?
b. Se o aspecto é pontual, normalmente se traduz pelo pre-
térito perfeito em Português. Outros tempos verbais podem
ser usados, dependendo da oração onde o verbo aparece. Se
o aspecto é durativo, normalmente se traduz pelo futuro do
presente ou pelo presente. Outros tempos verbais podem ser
usados, dependendo da oração onde o verbo aparece.
c. Uma palavra possui vários sentidos. O sentido da palavra em
uma oração depende da própria oração. Ou seja, você
deve procurar, a partir do dicionário hebraico-
-português, os equivalentes em nossa língua,
mas nem todas as traduções possíveis apare-
cem no dicionário.

86
Hebraico

J APROFUNDAMENTOS NA TRADUÇÃO DOS VERBOS DO


HEBRAICO PARA O PORTUGUÊS

Para o ciclo intermediário do nosso Guia, vamos de novo aos


exemplos, para ficar bem claro o que você deve aprender a fa-
zer. O texto é Gênesis 22.1-3.

‫אמר ֵא ָליו‬
ֶ ֹ ‫ת־א ְב ָר ָהם וַ י‬
ַ ‫ֹלהים נִ ָּסה ֶא‬
ִ ‫וַ יְ ִהי ַא ַחר ַה ְד ָב ִרים ָה ֵא ֶּלה וְ ָה ֱא‬
‫אמר ִהּנֵ נִ י‬
ֶ ֹ ‫ַא ְב ָר ָהם וַ י‬

Temos no versículo acima três verbos. O primeiro é ‫( וַ יְ ִהי‬vav


consecutivo + Qal incompleto indicativo, 3ª pessoa do singular
masculino, da raiz ‫)היה‬. O incompleto indica o aspecto durati-
vo da ação, mas o vav consecutivo inverte o aspecto, de modo
que o aspecto é pontual. Significa: “e aconteceu que”. O verbo
hyh é de ligação e pode ser traduzido de diferentes modos. Em
textos narrativos como este, comumente é usado para iniciar
uma nova passagem, e é traduzido desta maneira ou de formas
semelhantes: “e ocorreu que”, “e aconteceu” etc.
O segundo verbo é ‫( נִ ָּסה‬piel completo, 3ª pessoa singular
masculino, da raiz ‫)נסה‬, cujo significado é “provar”, “testar”, “ten-
tar”. No completo, aspecto pontual, a tradução pode ser “tes-
tou”, “provou” ou “tentou”.
O terceiro verbo é ‫אמר‬
ֶ ֹ ‫( וַ י‬esta forma verbal já é conhecida.
Normalmente se traduz por “e disse” ou por sinônimos: “falou”
etc).
Vejamos outro versículo:

�‫ְך־ל‬
ְ ‫ר־א ַה ְב ָּת ֶאת־יִ ְצ ָחק וְ ֶל‬
ָ ‫ת־בנְ � ֶאת־יְ ִח ְיד� ֲא ֶש‬
ִ ‫אמר ַקח־נָ א ֶא‬ ֶ ֹ ‫וַ י‬
�‫ל־א ֶרץ ַהמ ִֹריָ ה וְ ַה ֲע ֵלהּו ָשם ְלע ָֹלה ַעל ַא ַחד ֶה ָה ִרים ֲא ֶשר א ַֹמר ֵא ֶלי‬
ֶ ‫ֶא‬

87
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

No versículo acima são seis verbos. O primeiro é ‫אמר‬


ֶ ֹ ‫( וַ י‬forma
já conhecida: “E disse”). O segundo verbo é ‫( ַקח־נָ א‬Qal impera-
tivo masculino singular, acrescido da partícula de ênfase [raiz
verbal ‫)]לקח‬, que significa “pegar”, “tomar”, “agarrar”. Devemos
traduzir o imperativo hebraico para uma forma de imperativo
em Português. Quando o imperativo é masculino singular, usa-
mos a segunda pessoa do singular: “toma”, “pega” ou equivalen-
te. A partícula de ênfase é, eventualmente, acrescida a um verbo
no imperativo para indicar a importância da ordem. Costumei-
ramente não se traduz em Português, a não ser que haja uma
forma mais intensiva de verbo dentre as alternativas possíveis.
O terceiro verbo é ‫( ָא ַה ְב ָּת‬Qal completo, 2ª pessoa singular
masculino, da raiz ‫)אהב‬, cujo significado é “amar”. Se mantiver-
mos o aspecto pontual, podemos traduzir por “amaste”. A maio-
ria das versões traduz por “amas”. Em Português, o pretérito per-
feito, neste caso, dá a impressão de que Abraão “não ama mais” o
seu filho, por isso geralmente se prefere o presente do indicativo.
O quarto verbo é �‫ְך־ל‬
ְ ‫( וְ ֶל‬Qal imperativo singular masculino,
acrescido de preposição e sufixo da segunda pessoa do singular
masculino, da raiz ‫)הלך‬, que significa “andar”, “ir”, “caminhar”
etc. Literalmente: “vá-para ti”; obviamente esta seria uma tradu-
ção inadequada. Normalmente o acréscimo do sufixo pronomi-
nal indica ênfase ou algo equivalente à voz reflexiva do verbo. A
tradução deve seguir a forma normal do imperativo em Portu-
guês: “Vá” (neste caso, a melhor escolha contextual).
O quinto verbo é ּ‫( וְ ַה ֲע ֵלהו‬vav não-consecutivo mais hifil im-
perativo masculino singular, da raiz ‫)עלה‬, que significa “subir”. O
hifil é o grau causativo no Hebraico, então deve ser traduzido por
uma locução verbal que indique causa. Por exemplo: “faze subir”.
O sexto verbo é ‫( אֹ מַ ר‬Qal incompleto, 1ª pessoa singular
masculino, da raiz ‫)אמר‬, já conhecido. A tradução deve ser feita

88
Hebraico

para a primeira pessoa do singular no Português, com aspecto


durativo. Pelo contexto da frase, a melhor opção é o futuro do
presente: “direi”.
Vejamos o versículo abaixo, com sete verbos.
‫ת־שנֵ י נְ ָע ָריו ִאּתו‬
ְ ‫ת־חמֹרו וַ יִ ַקּח ֶא‬
ֲ ‫וַ יַ ְש ֵכם ַא ְב ָר ָהם ַבב ֶֹקר וַ יַ ֲחבֹש ֶא‬
‫ר־א ַמר־לו‬
ָ ‫ל־ה ָמקום ֲא ֶש‬ ַ ‫וְ ֵאת יִ ְצ ָחק ְבנו וַ ַיְב ַקּע ֲע ֵצי ע ָֹלה וַ יָ ָקם וַ יֵ ֶלְך ֶא‬
‫ֹלהים‬ ִ ‫ָה ֱא‬

O primeiro verbo é ‫( וַ יַ ְש ֵכם‬vav consecutivo mais hifil incom-


pleto, 3ª pessoa singular masculino, da raiz ‫)שכם‬, que significa
“levantar” e sinônimos. Este verbo só ocorre no hifil e não tem
sentido “causativo”: “e” ou “então” (a conjunção vav pode ser
traduzida de várias maneiras, conforme for mais adequado ao
sentido da oração). A melhor tradução é: “levantou” (lembre-se
que o vav consecutivo inverte o aspecto verbal).
O segundo verbo é ׁ‫( וַ יַ ֲחבֹש‬vav consecutivo mais qal incom-
pleto, 3ª pessoa singular masculino, da raiz ‫)חבש‬, com significa-
do de “amarrar”, “selar” e sinônimos: “e selou”.
O terceiro verbo é ‫( וַ יִ ַקּח‬vav consecutivo mais qal incompleto,
3ª pessoa singular masculino, da raiz ‫ )לקח‬que já conhecemos:
“e tomou”.
O quarto verbo é ‫יְב ַקּע‬
ַ ַ‫( ו‬vav consecutivo mais piel incomple-
to, 3ª pessoa singular masculino, da raiz ‫)בקע‬, que significa “di-
vidir” ou “cortar”. Como o piel é a forma intensiva, indica que o
“corte” foi em pequenos ou muitos pedaços: “e cortou”.
O quinto verbo é ‫( וַ יָ ָקם‬vav consecutivo mais qal incompleto,
3ª pessoa singular masculino, da raiz ‫)קום‬, que significa “levan-
tar”, “ficar em pé” ou sinônimos: “e levantou”.
O sexto verbo é ‫( וַ יֵ ֶלְך‬vav consecutivo mais qal incompleto, 3ª
pessoa singular masculino, da raiz ‫)הלך‬, já conhecida: “e cami-
nhou” ou “e foi” (ou sinônimos).

89
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

O sétimo verbo é ‫( ָא ַמר‬qal completo, 3ª pessoa singular mas-


culino, da raiz ‫)אמר‬, já conhecida. O aspecto é pontual e o con-
texto mostra que o tempo deve ser passado, mas um passado
anterior ao momento de uso do verbo: “dissera”. O pretérito
mais que perfeito em Português indica um passado anterior ao
momento da fala a que se refere o verbo.

90
Hebraico

JJ ANTES DE VIRAR A PÁGINA

Com este módulo, chegamos praticamente ao final do nosso


estudo da língua Hebraica. Cobrimos os elementos fundamentais
do enunciado, dando bastante atenção à ação e, consequente-
mente, aos verbos. Mesmo que tenha optado por estudar o
ciclo básico deste Guia, você já pôde se familiarizar com a língua
e a sua estrutura.
Assim, com o auxílio de ferramentas básicas você poderá
aprofundar bastante o seu estudo das Escrituras. No último mó-
dulo deste Guia, quero apresentar algumas destas ferramentas
para você.

91
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

MÓDULO 5
Tema: A Utilização de Ferramentas

92
Hebraico

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Olá! Bem-vinda e bem-vindo à conclusão do nosso estudo


de Hebraico. Estamos chegando ao fim desta disciplina. Por um
lado, é bom que você ainda esteja firme no estudo. Por outro,
é uma pena que em breve não estudaremos mais juntos esta
matéria.
Como tenho enfatizado desde o primeiro módulo, estamos
estudando instrumentalmente o hebraico bíblico. Em termos
práticos, nosso objetivo maior é usar o texto hebraico como “au-
xiliar” (um luxuoso auxiliar) na exegese do texto em Português.
Neste módulo, propomos apenas discussões no ciclo básico, e o
nosso objetivo é conhecer algumas das principais ferramentas
bibliográficas e tecnológicas que nos auxiliam na utilização do
Hebraico.

93
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ USANDO FERRAMENTAS

Ao se deparar com a complexidade do Hebraico, você deve


estar se perguntando coisas do tipo: “como eu sei qual é esta
palavra?”; “como descobrir a conjugação deste verbo?” etc. Bem,
com o conhecimento básico que você desenvolveu nesta disci-
plina, você já está preparado(a) para usar ferramentas que o(a)
auxiliem a aproveitar o texto hebraico em seu estudo da Bíblia
em Português. Vamos examinar algumas delas.

JJ ANTIGO TESTAMENTO INTERLINEAR


HEBRAICO-PORTUGUÊS

É uma ferramenta bem prática, porque você encontra o tex-


to hebraico da Bíblia e, abaixo de cada palavra hebraica, sua
tradução para o Português. Em uma coluna lateral, você terá a
tradução do texto como um todo. Veja a imagem abaixo:

94
Hebraico

Qual é o limite do Interlinear? Nem sempre a tradução de


cada palavra hebraica é a melhor, especialmente no caso dos
verbos. No entanto, como a nossa proposta aqui não foi a de
desenvolver conhecimento suficiente para avaliar cada caso,
posso garantir-lhe que o Interlinear é um excelente começo! É
bom usá-lo para ter uma visão geral de cada versículo, o que
lhe possibilitará trabalhar mais aprofundadamente com uma
ou outra palavra que você considerar importante.

JJ DICIONÁRIO HEBRAICO-PORTUGUÊS

Este tipo de dicionário está mais preocupado com as possí-


veis traduções de cada palavra de um idioma para o outro. Nele
você encontrará, no caso dos verbos, um resumo das conjuga-
ções em que o verbo é usado na Bíblia Hebraica, o que facilita
sua identificação da conjugação no texto e a tradução do mes-
mo. Veja um exemplo abaixo:

95
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

No caso de substantivos e adjetivos, você encontrará as suas


principais formas:

Quais são os limites dos dicionários? (1) Se você não sabe qual
é a raiz verbal, dificilmente encontrará o verbete do dicionário; (2)
Como acontece com qualquer dicionário, você encontrará uma
lista de significados possíveis, mas essa lista não é completa, de
modo que você deve sempre levar em conta o próprio parágrafo
em que a palavra ocorre a fim de traduzir corretamente.

JJ DICIONÁRIOS TEOLÓGICOS

Os Dicionários Teológicos são ferramentas muito importan-


tes. Eles oferecem mais informação do que os dicionários léxi-
cos descritos acima e tentam construir uma visão geral das pos-
sibilidades de sentido teológico das palavras na Bíblia ao longo
da história do texto. O limite desses dicionários é a diferença
de qualidade entre os verbetes, dependendo da capacidade do
autor ou autora dos mesmos.

96
Hebraico

JJ O LIVRO DE PROVÉRBIOS ANALÍTICO E INTERLINEAR


(SBB – SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL)

É um interlinear com a análise de cada palavra e exercícios


de fixação de aprendizado. Pena que é só o livro de Provérbios!
O ideal seria ter todo o AT nesta forma. O limite é o mesmo do
interlinear.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ BIBLEWORKS – UM SOFTWARE PARA ESTUDO BÍBLICO

Esta é uma ferramenta muito, muito útil. Ela oferece prati-


camente tudo o que você precisa para ler, analisar e traduzir o
texto bíblico (Antigo e Novo Testamentos). O problema? Bem:
(1) é relativamente caro (cerca de US$400,00) e (2) não tem ain-
da tradução para o português. Mesmo assim, é uma ferramenta
fantástica e fundamental para qualquer pessoa que queira se
dedicar ao estudo das Escrituras em suas línguas originais.
Vejamos alguns de seus recursos básicos.
A coluna central oferece os textos nas línguas originais e em
diversas traduções. No exemplo abaixo, você vê o texto de Gn
22.1 em inglês, a versão da Seputaginta, o texto em Hebraico e
diferentes versões em Português:

NJB
Genesis 22:1 It happened some time later that God put
Abraham to the test. ‘Abraham, Abraham!’ he called. ‘Here I
am,’ he replied.

LXT
καὶ ἐγένετο μετὰ τὰ ῥήματα ταῦτα ὁ θεὸς
Genesis 22:1
ἐπείραζεν τὸν Αβρααμ καὶ εἶπεν πρὸς αὐτόν Αβρααμ Αβρα-
αμ ὁ δὲ εἶπεν ἰδοὺ ἐγώ

‫ת־א ְב ָר ָהם‬
ַ ‫ֹלהים נִ ָּסה ֶא‬
ִ ‫ וַ יְ ִהי ַא ַחר ַה ְּד ָב ִרים ָה ֵא ֶּלה וְ ָה ֱא‬WTT Genesis 22:1
‫אמר ִהּנֵ נִ י‬
ֶ ֹ ‫אמר ֵא ָליו ַא ְב ָר ָהם וַ ּי‬
ֶ ֹ ‫וַ ּי‬

ACF
Genesis 22:1 E aconteceu depois destas coisas, que pro-
vou Deus a Abraão, e disse-lhe: Abraão! E ele disse: Eis-me
aqui.

ARA
Genesis 22:1 Depois dessas coisas, pôs Deus Abraão à pro-
va e lhe disse: Abraão! Este lhe respondeu: Eis-me aqui!

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Hebraico

BRP
Genesis 22:1 E aconteceu depois destas coisas, que provou
Deus a Abraão, e disse-lhe: Abraäo! E ele disse: Eis-me aqui.

Na coluna da esquerda você terá um dicionário hebraico-in-


glês e a análise do verbo usado no texto.

‫ נסה‬verb piel perfect 3rd person masculine singular

Hol5570 ‫נסה‬
‫נסה‬: [cj. nif.: pf. ‫נִ ָּסה‬, ‫יתי‬
ִ ‫ נִ ִּס‬1S 1739a•b: be trained, accustomed
(« piel 1 d). †]
piel: pf. ‫ נִ ָּסה‬,‫יתי נִ ְּס ָתה‬
ִ ‫נִ ִּס‬, sf. ‫נִ ָּסהּו‬, ‫נִ ִּסיתֹו‬, ‫ ;נִ ּסּונִ י‬impf. ‫אנַ ֶּסה‬,
ֲ ‫וַ יְ נַ ּסּו‬, ‫;ּתנַ ּסּון‬
ְ
sf. ‫אנַ ֶּסּנּו‬,
ֲ ‫אנַ ְּס ָכה‬,
ֲ ‫ ;וַ יְ נַ ֵּסם‬impv. ‫נַ ס‬, ‫ ;נַ ֵּסנִ י‬inf. ‫נַ ּסֹות‬, ‫נַ ּסֹתֹו‬, ‫ ;נַ ּס ָֹתם‬pt. — :‫ְמנַ ֶּסה‬
1. (put s.one to the) test: a) subj. & obj. persons 1K 101; b) subj. men,
obj. God Ex 172; c) subj. God, obj. men Gn 221; d) give experience
to, exercise, train s.one Ex 2020, try out s.thg 1S 1739 (2 ×; cf. cj. nif.);
— 2. try: a) w. l® & inf. Dt 434, w. inf. 2856; b) w. b®, give a trial w. Ju
639; c) w. acc. Ec 723. (pg 239)

Além disso, você poderá fazer vários tipos de busca de pa-


lavras, concordância bíblica, sem contar os livros que podem
ser anexados ao programa (alguns são gratuitos, mas os mais
especializados devem ser pagos).

JJ LOGOS BIBLE SOFTWARE

Um programa do mesmo nível do BibleWorks. Oferece re-


cursos semelhantes e tem os mesmos limites: custo e indispo-
nibilidade de dicionários em língua portuguesa.

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JJ THE WORD – OUTRO SOFTWARE

É parecido com o Bibleworks, mas é gratuito. O problema é


que no caso do Antigo Testamento não está ainda disponível a
análise das palavras. Você só terá o texto hebraico e as buscas,
além do dicionário (em inglês).

JJ A BÍBLIA HEBRAICA FALADA

Já mencionamos anteriormente, mas vale a pena ressaltar


uma vez mais. Site com toda a Bíblia Hebraica lida por um rabi-
no judeu. Bom para acostumar os ouvidos com a pronúncia e
treinar a fala. Disponível em http://www.torahclass.com/audio-
-bible-in-hebrew ou pelo atalho goo.gl/Z7yUjm.

JJ CURSO DE IDIOMA HEBRAICO ONLINE

O biblista católico brasileiro Airton José da Silva mantém


uma excelente página de estudos bíblicos em geral. Ela contém
um curso básico de Hebraico com as informações morfológicas
mais importantes. É um bom material complementar para o seu
aprendizado. A página contém muitos outros materiais para
consulta e pode ser acessada em http://airtonjo.com/site1/lin-
guas.htm.

JJ GRAMÁTICAS DE HEBRAICO IMPRESSAS

Na bibliografia ao final deste Guia de Estudos indicamos as


gramáticas mais úteis disponíveis em língua portuguesa. Repa-
re que, ao longo dos módulos, usamos frequentemente a gra-
mática de Page Kelley como uma fonte de consulta.

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Hebraico

JJ CONCLUSÃO

Chegamos ao fim de nossa disciplina sobre o Hebraico bíbli-


co! Nossa abordagem, como informamos no início, foi do tipo
instrumental. Portanto, não estudamos a gramática hebraica em
todos os seus detalhes. Vimos o funcionamento lógico da língua
e estudamos como traduzir textos, especialmente verbos.
O aprendizado de um idioma demanda tempo e disciplina.
Se você gostou e percebeu o valor do estudo do Hebraico para
seu estudo bíblico, continue! Leia Gramáticas, Dicionários, Di-
cionários Teológicos, procure memorizar os fenômenos mor-
fológicos e, principalmente, leia e estude diretamente o texto
hebraico. Aproveite os recursos bibliográficos e de informática.
Obrigado por ter estudado comigo esta disciplina.
Paz e Bênção!

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ BIBLIOGRAFIA CITADA

BENVENISTE, Emile. Problemas de linguística geral II. Campinas:


Pontes, 1989.

BUDD, P.J. “Holiness and cult”, in CLEMENTS, R.E. (ed.) The World
of Ancient Israel, Cambridge, CUP, 1989.

CLEMENTS, R.E. God and Temple, Londres, SCM Press, 1966.

DOUGLAS, M. Pureza e Perigo, São Paulo, Perspectiva, 1976.

FARACO, Carlos E. & MOURA, Francisco M. de. Gramática 10ª ed.


São Paulo: Ática, 1997, p. 306-308.

FIORIN, José Luiz. As Astúcias da Enunciação. São Paulo: Ática,


2008, p. 142. 5ª reimpressão da 2ª edição

KELLEY, Page H. Hebraico bíblico. Uma gramática introdutória.


São Leopoldo: Sinodal, 1998.

102
Hebraico

JJ BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

AUVRAY, P. Iniciação ao Hebraico Bíblico. Gramática Elementar,


Textos Comentados, Vocabulário. Petrópolis: Vozes, 1998.

FERREIRA, Cláudia A. P. http://linguahebraica.blogspot.com/.

KELLEY, P. H. Hebraico Bíblico. Uma Gramática Introdutória. 6.


ed. Traduzido do inglês por Allan W. Krahn. São Leopoldo: Sino-
dal, 2007, 454 p.

KIRST, N. et alii. Dicionário Hebraico-Português e Aramaico-Portu-


guês. 21. ed. São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 2008, 305 p.

SCHÖKEL, L. A. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. 8. ed.


Traduzido do espanhol. São Paulo: Paulus, 1997, 798 p.

SILVA, Airton J. da. Noções de Hebraico Bíblico. http://www.air-


tonjo.com/hebraico.htm

SOCIEDADES BÍBLICAS UNIDAS. Dicionário Semântico do Hebrai-


co Bíblico. Disponível em http://www.sdbh.org/index-pt.html.

WALTKE, B.; O'CONNOR, M. Introdução à Sintaxe do Hebraico Bí-


blico. Traduzido do inglês. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, 766 p.

ZABATIERO, Júlio P. T. Manual de Exegese. São Paulo: Hagnos,


2009.

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